Arqueologia Histórica No Nordeste De Santa Catarina
Total Page:16
File Type:pdf, Size:1020Kb
Revista Tempos Acadêmicos, Dossiê Arqueologia Histórica, nº 10, 2012, Criciúma, Santa Catarina. ISSN 2178-0811 ARQUEOLOGIA HISTÓRICA NO NORDESTE DE SANTA CATARINA Dione da Rocha Bandeira1 Maria Cristina Alves2 RESUMO O artigo apresenta uma reflexão sobre a ocupação histórica da região nordeste de Santa Catarina a partir dos sítios e unidades arqueológicas identificados nos levantamentos arqueológicos, principalmente aqueles relacionados a licenciamentos ambientais. Utilizando somente os dados de sítios cujas coordenadas em UTM são conhecidas fez-se um mapeamento e buscou-se relacioná-los a grupos de diferentes origens étnicas que migraram para a região e suas práticas e relações sociais inferidas a partir dos remanescentes materiais. Palavras-chave: Patrimônio arqueológico. Arqueologia Histórica. Baia da Babitonga, SC. Mapeamento. Sítios arqueológicos históricos. ABSTRACT The article focuses on the historical occupation of the region northeast of Santa Catarina from archaeological sites and units identified in archaeological surveys, especially those related to environmental license. Using only data from sites whose coordinates are in UTM became known mapping and attempted to relate them to different ethnic groups who migrated to the region and their practices and social relations inferred from the remaining materials . Key words: Archaeological heritage. Historical Archaeology. Baía da Babitonga, SC. Mapping. Historical archaeological sites. O nordeste do Estado de Santa Catarina contempla um conjunto significativo de sítios arqueológicos do período pré-colonial. O ambiente estuarino na Baía da Babitonga favoreceu o assentamento de grupos humanos desde há, aproximadamente, 1 Arqueóloga do Museu Arqueológico de Sambaqui de Joinville e profa. do Mestrado Patrimônio Cultural e Sociedade da UNIVILLE. Rua Presidente Prudente de Moraes nº 240 bl 1 ap 11 Bairro Santo Antônio, Joinville, SC CEP 89218000. 2 Arqueóloga. Rua Presidente Epitácio Pessoa, 567, Bairro Floresta, Joinvile, Santa Catarina. CEP: 89210-19. 68 Revista Tempos Acadêmicos, Dossiê Arqueologia Histórica, nº 10, 2012, Criciúma, Santa Catarina. ISSN 2178-0811 6.000 anos AP. O número expressivo de sambaquis, razoavelmente preservados, despertou o interesse acadêmico, especialmente a partir de meados do século XX. Entretanto, entende-se que a monumentalidade dos sambaquis contribuiu para que as pesquisas arqueológicas estivessem focadas quase exclusivamente para os grupos construtores destes sítios, em detrimento de estudos sobre outras populações, como as das Tradições Taquara-Itararé e Guarani. Possivelmente, esta também é uma das razões para que a região não tenha, ainda, tradição em pesquisas arqueológicas sobre as populações que chegaram a partir da ocupação europeia. O primeiro estudo de sítio arqueológico histórico ocorreu em 19993, embora a documentação histórica aponte a passagem de europeus desde a primeira metade do século XVI4. Nas duas últimas décadas, porém, estudos relacionados aos licenciamentos ambientais vem registrando sítios remanescentes do período “histórico”. A Arqueologia Histórica pode ser definida como aquela que tem “seu foco nos problemas associados ao capitalismo”5 ou como o “estudo de todas as sociedades com escrita nos últimos cinco mil anos” 6 conforme a abordagem teórica. Ela trata da “complexa relação entre documentos escritos e a cultura material” e pode ser considerada como “uma das mais democráticas das Ciências Sociais”, pois “permite-nos buscar os segmentos negligenciados da sociedade, tal como os pobres, os indígenas ou os escravos”7, bem como elementos da vida cotidiana, via de regra mal registrados em documentos. Segundo Funari 8 , pautando-se em Singer (1986) entre outros autores, “a compreensão do mundo é um processo material de leitura, através da cultura material, da estrutura mental, da visão de mundo e da cultura em geral”. A pesquisa arqueológica histórica que se vale também das fontes textuais, iconográficas e orais, pode ser extremamente reveladora sobre a construção e uso dos espaços. Pretende-se, então, com este trabalho apresentar os dados disponíveis de remanescentes materiais levantados no nordeste de Santa Catarina, objetivando suscitar 3 BANDEIRA, D. R. et al, Pesquisa de Salvamento Arqueológico do Sítio Histórico Foz do Cubatão, Joinville, 2001. 4 A estada de Binot Paulmier de Goneville na Babitonga, por cerca de seis meses em 1504, é assunto controverso (PEREIRA, 1984, p. 13-28), não sendo o caso das passagens de Aleixo Garcia (1524) e Alvarez Nunes Cabeza de Vaca (1541), das quais há documentação disponível. 5 FUNARI, P. P. A. A, Arqueologia e a Cultura Africana nas Américas, 1996, p. 538. 6 FUNARI, P. P. A, Resenha de ANDRÉN, A. Between artifacts and texts Historical Archaeology, 1998, 251. 7 FUNARI, P. P. A, A cultura material de Palmares: o estudo das relações sociais de um quilombo pela Arqueologia. Ideias, 1995a, p. 37. 8 FUNARI, P. P. A. A, Memória histórica e cultura material, 1995b, p. 331. 69 Revista Tempos Acadêmicos, Dossiê Arqueologia Histórica, nº 10, 2012, Criciúma, Santa Catarina. ISSN 2178-0811 questões que possam ser pertinentes para o desenvolvimento de estudos regionais de Arqueologia Histórica. Como região nordeste, está-se a considerar o território que abrange os municípios de Araquari, Balneário Barra do Sul, Barra Velha, Campo Alegre, Corupá, Garuva, Guaramirim, Itapoá, Jaraguá do Sul, Joinville, São Bento do Sul, São Francisco do Sul, São João do Itaperiú e Schroeder. Esta delimitação está diretamente ligada à formação da sociedade contemporânea, originada a partir de processos de colonização distintos. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA REGIÃO Oficialmente a ocupação do território está datada em 1658, com a instalação de luso-brasileiros liderados por Manoel Lourenço de Andrade nas margens da Baía da Babitonga, fundando a Vila de Nossa Senhora da Graça em 1660. O território, inicialmente pertencente à Ouvidoria de São Paulo, foi definido em 1720, limitando-se ao norte com a barra de Guaratuba, ao sul na porção norte da Enseada das Garoupas (atual Porto Belo) e a oeste “a confinar com os espanhóis”9. A concessão de sesmarias10 (aproximadamente 50 morgos) ocorreu até o século XIX, com a regularização de terras, nos atuais municípios de São Francisco do Sul, Joinville, Araquari, Balneário Barra do Sul, Garuva e Itapoá. Em meados do século XIX, em meio às transformações decorrentes da industrialização e interesses do capitalismo na Europa, deu-se início ao processo de ocupação e expansão de território por grupos europeus de origem germânica, tendo como primeiro núcleo a Colônia Dona Francisca, atual município de Joinville. Empreendimento privado, organizado por cidadãos de Hamburgo, Alemanha, em terras disponibilizadas pelo Príncipe de Joinville, recebidas como dote quando de seu casamento com a Princesa Dona Francisca, deu início à cidade de Joinville. As colônias Dona Francisca e Dr. Blumenau instalada em 1850 no vale do Itajaí, deslocaram para si o caráter de núcleos irradiadores de ocupações no norte/nordeste do Estado. A partir destas, imigrantes suíços, alemães, noruegueses, dinamarqueses, poloneses, russos e italianos, deram origem às cidades de Guaramirim (1886), Jaraguá do Sul (1895), 9 PEREIRA, C. C, História de São Francisco do Sul, 1984, p. 173. 10 O Arquivo Histórico de Joinville dispõe de cópias de processos datados em 1711, 1787, 1788, 1802 a 1805, 1808, 1818, 1822, 1825 e 1827. 70 Revista Tempos Acadêmicos, Dossiê Arqueologia Histórica, nº 10, 2012, Criciúma, Santa Catarina. ISSN 2178-0811 Schroeder (1901), São Bento do Sul (1873), Corupá (1897), Massaranduba (1870), entre outros11 12. Por quase dois séculos houve predomínio de população luso-brasileira, cujo modelo de implantação teve como base o “regime de pequenas propriedades e numa escravidão doméstica”13, objetivando atender ao mercado interno e ao abastecimento de navios em trânsito para a Bacia do Prata. Do período colonial e até meados do século XX, São Francisco do Sul teve sua base econômica na agricultura, com a produção de farinha, arroz, feijão, cana-de-açúcar e gravatá e na pesca. A instalação de uma armação de baleia, em 1808, a extração de madeira e a construção de embarcações foram importantes para a economia local. Ressalta-se que o contingente de escravos era pequeno em relação a outras regiões do Brasil. Se em 1796, contabilizavam 767 escravos em uma população total de 4.155 habitantes 14 , em 1870, vinte e seis inventários, pesquisados por Silva15, apontaram um total de trinta e seis escravos. As colônias “alemãs” incrementaram a economia local, especialmente a partir de 1880, com a instalação das primeiras indústrias em Joinville16. A ARQUEOLOGIA FRENTE AOS REMANESCENTES MATERIAIS HISTÓRICOS DO NORDESTE DE SC Com quase quatro séculos de ocupação no período histórico, a região tem um conjunto patrimonial relevante, haja vista o tombamento federal do centro histórico de São Francisco do Sul, em 1987, e de edificações isoladas nas zonas rural e urbana de Joinville17 e São Bento do Sul. Entretanto, apenas três sítios arqueológicos históricos constam no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos – CNSA (on line) do IPHAN: Cemitério da Rua dos Suíços (Joinville), Praia do Inglês (São Francisco do Sul) e Igreja de Pedra (Garuva 11 BANDEIRA, D. R.; OLIVEIRA, M. S. C, Diagnóstico arqueológico das áreas de atividade de mineração de areia e cascalho na bacia hidrográfica do rio Itapocu – SC, 2001, p. 13-17. 12 BANDEIRA, D. R.; ALVES, M. C, Diagnóstico arqueológico das áreas a serem atingidas pela duplicação da