PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PUC-SP

Thiago José Teixeira Soares de Biagio

Representatividade negra no carnaval da Tiradentes Memória e Imprensa (1977-1990)

PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS MESTRADO EM HISTÓRIA

SÃO PAULO-SP

2019

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÁO PAULO PUC-SP

Thiago José Teixeira Soares de Biagio

Representatividade negra no carnaval da Tiradentes Memória e Imprensa (1977-1990)

PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS MESTRADO EM HISTÓRIA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em História Social, sob orientação da Professora Doutora Maria do Rosário da Cunha Peixoto.

São Paulo – SP

2019

Banca Examinadora

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A todos que lutam contra as segregações.

Ao João Vitor e Arthur, carinhosamente.

Conforme Portaria nº 206, de 04/09/2018- MEC:

“O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior- Brasil (CAPES)- Código de Financiamento 001”.

“This study was financed in part by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior- Brasil (CAPES)- Finance Code 001”.

Agradecimentos

A CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e a Fundação São Paulo pela bolsa concedida, sem a qual este trabalho seria impossível. Ao Programa de Estudos Pós-Graduados em História da PUC-SP, principalmente ao Willian, sempre solícito aos esclarecimentos e necessidades burocráticas para a concretização deste trabalho. A minha esposa, companheira e amiga Alexandra Cristina, compartilhando lealmente as experiências mais doces e as mais amargas da vida, acumulando juntos maturidade, sem perder de vista as esperanças e as lutas para uma sociedade onde a dignidade humana seja mais valorizada. Agradeço imensamente a minha mãe Salete e minha irmã Laura que juntamente com a minha esposa, cuidaram e alimentaram o meu filho Arthur diante da minha parcial ausência e escassez financeira para a execução da pesquisa. Sem elas este trabalho também seria impossível. Da mesma forma, agradeço o meu pai Jorge, meu tio Aurélio, minhas tias Valery e Terezinha (em memória), minhas primas e primos, responsáveis pelas constantes discussões políticas as quais sou inserido desde criança, nem sempre tranquilas, que me estimularam e ajudaram a refletir sobre a sociedade em que vivemos. Não poderia deixar de mencionar em meus agradecimentos Maria Flavia Gonçalves, grande incentivadora, sempre com palavras firmes e afáveis encorajando-me para este desafio. Afetivamente, agradeço a minha orientadora, a professora Maria do Rosário, intelectual de primeira grandeza. A sua paciência, percepção e apontamentos foram decisivos para este trabalho. Aos professores Fabio Cesar Venturini, parceiro de angustias tricolores e anseios sociais e Maria Antonieta Antonacci, pelos minuciosos apontamentos feitos na minha banca de qualificação, que engrandeceram a presente dissertação e apuraram o meu olhar acadêmico. Agradeço imensamente os professores Eliseu de Miranda Corrêa, grande conhecedor do carnaval, que cuidadosamente me apontou os caminhos iniciais da pesquisa e Amailton Magno Azevedo, por despertar em mim outras perspectivas sobre a vivência negra e bibliografias além das convencionais. Da mesma forma, reconheço a importância central dos conteúdos e observações divididas pelas professoras Yvone Dias Avelino, Stefânia Knotz Fraga e Olga Brites durante a construção da pesquisa. Aos amigos, companheiros de profissão e de lutas trabalhistas do Liceu Coração de Jesus, Anderson Rosa, Anderson Nieniski, Eduardo, Débora, Vany, Michele, assim como aos amigos da PUC, Daniel, Paola, Verônica (Serviço Social), Edinei e todos que contribuíram indiretamente participando das ricas discussões em aula. Aos parceiros de “das antigas”: Nando, Edó, Danilo e Leozinho, juntos dividimos grandes alegrias, nas quadras, sambódromos e rodas de samba de São Paulo e , sempre dispostos a aprender com os “bruxões” as manhas e os feitiços presentes nas batucadas da vida. Por último, mas não menos importante, agradeço imensamente os amigos responsáveis pela magia do carnaval, trabalhando, ensaiando, voltando os seus esforços incansavelmente o ano todo para o desfile de suas escolas de samba: Camisa Verde e Branco: Zulu Pereira, Tabajara, S. Dodô, Renatinho (ala dos compositores), Alecrim, Magali. O nosso trevo é a coisa mais linda do mundo! Unidos do Peruche: S. Carlão, Paulo (tamborim) e a sua família que me acolheu muito bem, Luciana (secretaria). Nenê de Vila Matilde: Tico, Poliana (comissão de frente), Rita (secretaria) D. Laurinha. A Todos da UESP, principalmente ao Carlão pela sua grande cordialidade. E a todos aqueles que entendem o que acontece em nossas almas quando os tambores contam as suas histórias.

EU QUERO É MAIS GIRAR NA GIRA DA PORTA BANDEIRA A CEGONHA QUE MENTIRA MAIS A ÁGUIA É VERDADEIRA

FALANDO DOS ENGANOS DA HISTÓRIA A “VILA” ESTÁ AQUI PRA PERGUNTAR SE O MUNDO FOI CRIADO EM SETE DIAS DE ONDE O HOMEM MACACO EVOLUIU? O DINOSSAURO VITIMADO PELO TEMPO E A ESTÓRIA DA MAÇA QUE NINGUÉM VIU NO PARAÍSO ESTÁ CRIADA A CONFUSÃO MULHER SERPENTE TRAI A EVA COM ADÃO SERÁ!... Ô SERÁ!... ESPAÇONAVE OU ESTRELA DE BELÉM O ÍNDIO QUE PRIMEIRO RESIDIU O NAVEGANTE INVADE E DIZ QUE DESCOBRIU PRA QUE KIZOMBA SE NÃO HÁ IDENTIDADE? O DUQUE HERÓI NÃO FOI À LUTA DE VERDADE NOSSA CULTURA SEMPRE FOI MUITO IMPORTADA COM TANTO OURO, ONDE ESTÁ SERRA DOURADA?

CARMEM MIRANDA A BAIANA TROPICAL SERÁ QUE ERA UM PRODUTO NACIONAL

VAMOS VIRAR, DE LÁ PRA CÁ NO TEMPO MUITA COISA FOI MUDADA E A MAGIA DA “VASSOURA” DEU EM NADA NOSSA FAMÍLIA ILUDIDA AINDA MARCHOU COM DEUS EM BUSCA DE UMA FALSA LIBERDADE A SOCIEDADE “CIVIL” SEM PARADEIRO DERAM SUMIÇO NO “MILAGRE BRASILEIRO” NÃO FOI ENGANO TUDO É BOA INTENÇÃO O PRO-ALCOÓL É QUEM GARANTE A PROPINA DA NAÇÃO

O SAMBA É LENDA, É MANDINGA, É FUZUÊ NESTE MOMENTO A VERDADE É A NENÊ.

Enredo: Tudo mentira...será que é? Composição de Wagner Santos. Nenê de Vila Matilde, 1991

BIAGIO, Thiago José. Representatividade Negra no carnaval da Tiradentes: memória e imprensa (1977-1990). Dissertação (mestrado em História). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2019.

Resumo

A presente dissertação tem o objetivo de analisar as memórias negras trazidas pelas escolas de samba de São Paulo no período de 1977 a 1990, quando o desfile era realizado na Avenida Tiradentes e como a Imprensa reportava tais memórias. Analisar as memórias negras significa problematizar e trazer para as discussões acadêmicas as representações artísticas apresentadas por grupos periféricos da Cidade de São Paulo durante o carnaval, com os seus valores, idealizações, anseios, símbolos de negritude e resistências diante de uma realidade de segregação, historicamente construído. O recorte temporal adotado pela pesquisa vai de encontro a ampliação da repercussão dos desfiles das escolas de samba da cidade de São Paulo. Portanto, é também objetivo desta pesquisa analisar como os principais veículos de comunicação, os jornais de maior circulação e posteriormente a televisão transmitiam para o seu público estas representações negras. Entendemos a cultura como algo dinâmico, e a disputa pelas memórias estão presentes cotidianamente em nossas vidas. Sendo assim, a compreensão entre a apresentação das memórias de grupos carnavalescos majoritariamente negros e como a imprensa reportava tais apresentações nos ajuda a compreender as relações sociais e políticas do espaço tempo nacional em questão dentro da cidade de São Paulo.

Palavras chaves: carnaval, samba enredo, negritude, memória, imprensa.

BIAGIO, Thiago José. Black representativity at Tiradentes Carnival: Memory and press (1977-1990). Dissertation (Master's degree in history). Pontifícia Universidade Católica of São Paulo. São Paulo, 2019.

Abstract

The present dissertation aims to analyze black people ́s memories presented by the samba schools of São Paulo in the period from 1977 to 1990 when the parade was held on Avenida Tiradentes and how the press reported such memories. Analyzing the black people ś memories means examining and bringing into the academic discussions the artistic representations presented by marginalized groups of the city of São Paulo during the Carnival, with their values, idealization, and desires, their symbolisms and resistance in the face of the reality of historic segregation. The period adopted by the researcher is before the increase and expansion of the samba schools in São Paulo city. Therefore, it is also the objective of this research to analyze how the main communication vehicles the major newspapers and subsequently television channels broadcasted these representations to their audience. We understand culture as something dynamic, and the struggle for memories is present daily in our lives. Thus, the understanding between the presentation of the memories of Carnival groups whose majority was composed of black people and how the press reported such presentations helps us to understand the social and political relations of Brazil within the time and space in question.

Keywords: Carnival, samba storyline, blackness, memory, press.

Índice de imagens

Imagem 1: Localização da avenida Tiradentes. Fonte: google maps ...... 29 Imagem 2: Contracapa do LP dos enredos das escolas de samba de São Paulo do carnaval de 1977 com o selo “disco é cultura”. Fonte: Vinil Vício...... 30 Imagem 3: Joãozinho e Nair, mestre-sala e porta-bandeira da Escola de Samba Acadêmicos do Tatuapé em desfile no segundo grupo do carnaval de 1978, realizado na Av. Tiradentes. Fonte acervo virtual do MIS ...... 33 Imagem 4: Foto da primeira página do jornal O Estado de S. Paulo do dia 11 de fevereiro de 1977. Fonte: Hemeroteca do Arquivo do Estado de São Paulo....41 Imagem 5: Foto da foto do público na arquibancada no desfile principal, presente na página 11 da Folha de São Paulo do dia 19 de fevereiro de 1980. Fonte: Hemeroteca do Arquivo do Estado de São Paulo...... 62 Imagem 6: foto da Imagem de Dunga Tará presente em uma alegoria do desfile da Nenê de Vila Matilde. Folha de São Paulo de 23 de fevereiro de 1982 página 12. Fonte: Hemeroteca do Arquivo do Estado de São Paulo...... 75 Imagem 7: Foto da tabela com todos os quesitos a serem julgados. Folha de São Paulo 20 de fevereiro de 1982. Caderno de Carnaval P.6. Fonte: Hemeroteca do Arquivo do Estado de São Paulo...... 79 Imagem 8: Foto da página 1 e 2 da Folhinha de São Paulo, caderno infantil contido na edição de 13 de fevereiro de 1983. Fonte: Hemeroteca do Arquivo do Estado de São Paulo...... 82 Imagem 9: foto das letras dos sambas enredos contidos na página 33 do caderno Ilustrada na Folha de São Paulo do dia 13 de fevereiro de 1983. Fonte: Hemeroteca do Arquivo do Estado de São Paulo...... 83 Imagem 10: foto da foto dos preparativos de integrantes do Vai-Vai confeccionando a alegoria do carro abre alas. Folha de São Paulo, pagina 1 do caderno Ilustrada. 13 de fevereiro de 1983. Fonte: Hemeroteca do Arquivo do Estado de São Paulo...... 85 Imagem 11: foto da cobertura da Rede Bandeirantes no início do desfile da Vai- Vai em 1983. Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=dM-PuBHDpVk publicado por Christiano quadros em 10 de Julho de 2017...... 86 Imagem 12: mascote da Vai-Vai, criado pelo cartunista Otávio. Fonte: site Wordpress.com...... 88 Imagem 13: Peruchinho sobreposto ao Cruzeiro do Sul. Fonte: site Unidos do Peruche...... 89 Imagem 14: Crioulinho, mascote presente no pavilhão da Faculdade do Samba Barroca Zona Sul. Fonte site Barroca Zona Sul...... 90 Imagem 15: Foto da Ilustração da Revista Careta, 20 de fevereiro de 1909. Fonte: CUNHA, Maria Clementina Pereira. Ecos da folia: Uma História social do Carnaval carioca entre 1880 e 1920. São Paulo: Companhia das Letras, 2001...... 91 Imagem 16: - Informe publicitário sobre a transmissão dos desfiles das escolas de samba de São Paulo. Fonte: Site TV história...... 95 Imagem 17:, foto da capa do LP dos sambas enredos das escolas de samba de São Paulo de 1985. Acervo pessoal...... 101 Imagem 18: foto da foto do sache de perfume distribuído durante o desfile da Vai-Vai. Fonte: BELINE, Antonio. Escola de Samba VAI-VAI. O Orgulho da Saracura. São Paulo: Antonio Beline Editora e Cultura, 2003...... 106 Imagem 19: foto da foto da arquibancada com poucos espectadores. Folha de São Paulo, 2 de março de 1987. P 1. Fonte: Hemeroteca do arquivo do Estado de São Paulo...... 120 Imagem 20: Foto da Vinheta de final de ano em 1987 da Rede Globo. fonte: site globo.com...... 127 Imagem 21: foto da capa do LP dos sambas enredos do carnaval de São Paulo de 1989. Acervo pessoal...... 130 Imagem 22 – foto da Faixa presente no desfile da Sociedade Rosas de Ouro. Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=45OJpdu7XlE. Publicado por Bruno Aredes em 25 de julho de 2014...... 133 Imagem 23 - Foto do carro alegórico presente no desfile da Escola de samba Nenê de Vila Matilde em 1989. Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=vaL_00wOscc. Publicado por Tantos Carnavais em 10 de agosto de 2018...... 139

Abreviaturas

LIGA: Liga Independente das escolas de samba de são Paulo

UESP: União das Escolas de Samba de São Paulo

AI-5: Ato Institucional nº5

MIS: Museu da Imagem e do Som de São Paulo

ICM: Imposto sobre circulação de mercadoria

PCN: Política nacional de cultura

PAULISTUR: Empresa de Turismo e Eventos da cidade de São Paulo

CNBB: Conferência Nacional de Bispos do Brasil

DOPS: Departamento de Ordem Política e Social

ARENA: Aliança renovadora Brasileira

PDS: partido democrata social

LIESA: Liga Independente das escolas de samba do Rio de Janeiro

IPT: Instituto de pesquisa e tecnologia

RPM: relatório periódico mensal

Sumário

Introdução...... 14

Capítulo 1. Os primeiros anos do desfile das escolas de samba na Avenida Tiradentes...... 23

1.1 As escolas de samba...... 23

1.2 Como os desfiles chegaram à Avenida Tiradentes...... 25

1.3 As memórias negras durante a censura prévia...... 33

1.4 Os mascotes...... 86

Capítulo 2. Os desfiles sem a censura prévia...... 94

2.1 Os desfiles e a transmissão televisiva...... 94

2.2 As memórias negras nos sambas pós ditadura...... 104

Capítulo 3. A iniciativa privada esquenta os tamborins...... 117

3.1 A criação da LIGA...... 117

3.2 O carnaval do centenário da abolição...... 124

3.3 A consolidação das superproduções e o lugar adequado para o desfile...135

Considerações finais...... 144

Fontes...... 148

Bibliografia...... 162

Anexos...... 169 14

Introdução

Este trabalho é o resultado de pesquisas realizadas sobre os temas escolhidos pelas escolas de samba da Cidade de São Paulo, relacionadas à negritude, durante os desfiles de carnaval dos anos de 1977 a 1990, realizados na Avenida Tiradentes, e como esses enredos foram abordados pela imprensa. O Interesse por este tema das Escolas de Samba se relaciona diretamente com as minhas memórias de infância, e que me levaram a conhecer as mais diferentes variações do samba, vindas de diversos lugares. Nasci e cresci no bairro da Casa Verde, zona norte da cidade da São Paulo, no final da década de 1970, onde percebi que o tempo de recreação e convivência social estava ligado, em grande parte, ao futebol e ao samba, muitas vezes ocupando o mesmo espaço geográfico. As experiências compartilhadas entre estes os grupos sociais fortaleciam as relações de classes e criam suas tradições, valores, ideias e formas institucionais1. Foi quando observei que a valorização do samba vinha de encontro a um traço cultural que simpatizava e se sensibilizava com as questões sociais latentes da realidade brasileira. A luta pela sobrevivência, em um espaço construído historicamente pala desigualdade, segregação e racismo, fez das escolas de samba espaços negros de sociabilidade, somando-se a outros grupos excluídos, que fizeram do samba a sua voz, jocosa e satírica, cultuando-o durante todo o ano nos diversos eventos pelas quadras das Escolas, como nas apresentações das alas das baianas, de passistas, dos compositores, da bateria , shows, rodas de samba e etapas da escolha dos sambas-enredo para carnaval. Os discos de samba-enredo sempre me chamavam muito a atenção. Traziam consigo passagens da história do Brasil. Se, por um lado, as reconstruções históricas que surgiam através dos discos de samba, eram atrativas para os meus ouvidos, já que traziam assuntos da minha vida escolar, por outro lado, as aulas de história dadas em sala de aula eram extremamente

1 THOMPSON, E. P. A formação da classe operária ingl esa: a árvore da liberdade, 1. 2ºedição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. P. 10 15

cansativas, monótonas. Tal situação se agravava quando, por vezes, tentei inutilmente estabelecer uma relação entre uma canção e o conteúdo dado pela professora de história, a qual desqualificou as produções artísticas, demonstrando até certo desprezo pela cultura popular como fonte histórica. Ainda relatando sobre o caráter didático que os sambas-enredo despertavam em mim, recordo-me de um outro momento ainda na infância - não sei exatamente o ano e nem a escola de samba em questão - quando na casa de meu vizinho Hudson, estávamos assistindo o início dos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro quando o narrador explicou o significado de uma frase que estava em palavras africanas, contida na letra daquele samba. Naquele momento eu disse para o avô do meu vizinho, o Sr Edson, que também assistia ao desfile conosco, que eu nunca havia escutado aquelas palavras. Com todo o carinho de um ancião, ele explicou dizendo que, talvez, isso devia-se ao fato de eu ser descendente de italianos. Naquele momento, meu amigo e vizinho Hudson questionou ao avô sobre suas origens, quando o avô afirmou sorridentemente que a descendência da sua família era de africanos. Um pouco mais tarde, frequentando os ensaios das escolas de samba Rosas de Ouro e Camisa Verde e Branco, na companhia de meus amigos e parentes, percebi que o samba serviu de ligação cultural para relacionamentos afetivos de uma família e vizinhança multirracial. Longe de afirmar que vivíamos em uma democracia racial e harmônica, afirmo que o prazer da convivência solidificou relações sociais muito diferente do que foi construído historicamente em nosso país.

O afeto capaz de levar à abolição do racismo é o sentimento (visão e ação) que abole a distância ontológica (psíquica e territorial) entre o mesmo e o outro. Nasce, portanto, de uma comunidade, de uma parceria (trocas, interações, trabalho conjunto, convivência prolongada) entre singularidades e não de uma cívica e piedosa tolerância democrática. Não se trata apenas de isonomia ( igualdade perante o sistema jurídico e social), mas principalmente de isotopia – igualdade de lugares (SODRÉ, 2000).2

2 SODRÉ, Muniz. Claros e Escuros: Identidade, povo e mídia no Brasil. Petrópolis, Ed. Vozes, 2000. P.262. 16

No ano de 1993 foi fundada na rua Ouro Grosso, no bairro da Casa Verde, a Escola de Samba Império de Casa Verde. A proximidade desta com a minha residência possibilitou-me envolver mais intensamente com as atividades comunitárias, necessárias para uma escola de samba desfilar no carnaval. Passei a participar como ritmista e a ter contato com pessoas mais velhas, que vivenciaram o carnaval da Avenida Tiradentes. Naqueles primeiros anos do Império de Casa Verde, muitas pessoas que vieram de outras agremiações trabalhavam para desenvolver a escola, e traziam suas vivências formando um mosaico de experiências sobre os desfiles, algo que guardo na lembrança com muito carinho e que pretendo, de certa forma, trazer para as discussões acadêmicas. A primeira intervenção significativa da prefeitura de São Paulo para oficializar os desfiles aconteceu no ano de 1968, porém, o recorte cronológico adotado para esta pesquisa foi o período em que estes desfiles ocorreram na avenida Tiradentes, entre os anos de 1977 e 1990, que vai de encontro à “profissionalização” do carnaval. Sobre a realidade das escolas de samba no primeiro ano do desfile na Avenida Tiradentes, Seu Inocêncio3 disse o seguinte:

Antes, o pessoal era mais unido. Qualquer serviço que tivesse que ser feito na escola a gente arrumava entre o próprio pessoal, ninguém cobrava nada. Agora, ninguém faz nada de graça, temos que pagar tudo, até para o sujeito bater meia dúzia de pregos.

Trata-se de uma realidade em que os desfiles se tornam atrativos à indústria do entretenimento, gerando, gradativamente, muita receita às escolas e especialização das atividades. É nessa época também que surge uma preocupação por parte da prefeitura de São Paulo em ampliar as estruturas para os desfiles, impactando diretamente nas apresentações artísticas das escolas. Para que se tenha uma referência do crescimento do evento, em 1968, ano da oficialização dos desfiles, havia dezoito agremiações divididas em 1º e 2º grupos e Cordões4.

3 Seu Inocêncio Tobias – Fundador da Escola de Samba Mocidade Camisa Verde e Branco em 1953. Folha de São Paulo, 10 de fevereiro de 1977. P. 35 4 Dados obtidos na Biblioteca Digital da Sociedade Amantes do Samba Paulis ta - SASP. 17

Já em 1977, primeiro ano de desfile na avenida Tiradentes, existiam 51 agremiações, divididas em 1º, 2º, 3º e 4º grupos5. Em 2018, 98 agremiações participaram dos concursos, divididas entre Liga Independente das Escolas de Samba – LIGA e a União das Escolas de samba de Paulistanas – UESP. A Liga Independente das Escolas de Samba – LIGA é o órgão responsável pela organização de todos os processos necessários para o desfile das escolas de samba do Grupo Especial e do Grupo de Acesso; e a União das Escolas de samba Paulistanas - UESP, era responsável pelos desfiles de escolas de grupos que almejavam ascensão. Entendemos como necessário perceber o caráter de resistência das pessoas que criaram a UESP, trabalhando para o fortalecimento das escolas de samba diante dos agentes civis e militares que controlavam os órgãos repressores pelos quais o carnaval era submetido. Vale ressaltar alguns dos objetivos presentes no Estatuto da UESP:

I congregar as escolas de samba que tenham sede e foro no município de São Paulo; II Defender e divulgar a música popular brasileira, principalmente o samba; III lutar por igualdade social e racial; IV assessorar, sempre que convocada, a secretaria de turismo e fomento em todas as questões referente aos desfiles de carnaval; V promover solenidades comemorativas do Dia do Samba; VI Lutar pela da Federação das Associações de Samba do Estado de São Paulo, congregando as entidades associativas dos outros municípios e pela fundação da Confederação da Federações das Estaduais das associações de Escolas de Samba, congregando as federações de outros Estados.6

Este documento datado de 1974 mostra que a UESP e, consequentemente os sambistas que faziam o carnaval daquele período, encontravam-se engajados com as questões raciais e entendiam que o desfile das escolas de samba trazia consigo um caráter político quanto às questões raciais.

5 O Estado de S. Paulo, 22 de fevereiro de 1977. 6 BARONETTI, Bruno Sanches. Da oficialização ao sambódromo. Um estudo sobre as escolas de samba de São Paulo. São Paulo 2013 FFLCH/USP. Referência retirada de Urbano 2006 p. 96 18

Ainda refletindo sobre o engajamento da UESP com as questões de afirmação negra em nossa sociedade, destacamos a existência de constantes diálogos contidas nas inúmeras correspondências presentes em seus arquivos nos anos referentes ao balizamento cronológico adotado para a pesquisa referentes aos eventos e organizações em todo o território brasileiro , tais como: Associação Renovadora dos Homens de Côr do Brasil, Coletividade Negra de São Paulo, Conselho Geral do Memorial Zumbi, Assessoria Afro-Brasileira, Afoxé Filhos da Coroa de Dadá, Centro de Estudos Africanos FFLCH-USP. Quando nos referimos às memórias negras trazidas nos desfiles, procuramos perceber quais eram os valores, idealizações, anseios, símbolos de negritude, construções de memórias e resistências, contidos nas narrativas que abordavam a religiosidade, as realidades materiais daquele cotidiano, as denúncias de racismos e segregações, as homenagens, os espaços geográficos, representações artísticas e esportivas e a História do Brasil. O termo Negritude adotado na pesquisa vai de encontro às perspectivas atribuídas aos intelectuais e movimentos negros no sentido da formação de uma conscientização, cultivo e valorização das estéticas e formas diaspóricas de viver nas Américas, rejeitado o racismo colonial e construindo identidades negras, assim descritas por Abdias do Nascimento nos anos 1970 sobre o Teatro experimental do Negro.

Unificado nos anos 70, Florestan Fernandes teceu comentários bastante elogiosos ao Teatro Experimental do Negro, de Abdias do Nascimento, que incorporou o debate sobre a ideologia da negritude como meio de valorização política da estética negra, cujo propósito se colocava pelo combate à imagem negativa e depreciativa de mulheres e homens negros.7

Evidentemente, por se tratar de uma arte diaspórica, diante de uma visão mais ampla, podemos considerar todos os assuntos abordados como dignos de memória coletiva negra, no ambiente da cidade. Os enredos são muito variados e vão desde homenagens ao Corpo de Bombeiros da cidade de São Paulo (em

7 FERNANDES, Florestan. Significado do Protesto Negro. São Paulo, Expressão Popular, co-edição Editora da Fundação Perseu Abramo, 2017. P.13. 19

pleno período ditatorial sob a égide do Ato Institucional nº5 - AI5) à imigração japonesa. Contudo, os temas relacionados à negritude são mais numerosos, sempre presentes no imaginário dos integrantes das escolas e entoados, ainda hoje nos ensaios e “esquentas” das escolas de samba. Muitos sambas memoráveis foram compostos em um período em que não havia obrigatoriedade da cultura negra ser estudada nas salas de aula8, ganhando corpo e visibilidade à cultura negra na cidade de São Paulo, que traz no censo comum e legitimado pelo poder público e elite econômica, características de uma imponência relacionada ao trabalho, aos bandeirantes e aos imigrantes, onde o carnaval e a negritude são marginalizados. De acordo com esta perspectiva, Geraldo Filme9, testemunha sempre presente e participante das antigas manifestações culturais populares de São Paulo, sobretudo das reprimidas manifestações culturais da população negra, destaca a importância social dos desfiles:

“A escola, um teatro na avenida, é um meio de contar e lembrar ao povo o passado de sua raça e sua importância na formação do país”10

Tendo como principal referência para a pesquisa as composições denominadas samba-enredo, é sensato levar em consideração algumas particularidades que não existem nas gravações convencionais. Para esclarecer, o processo de formação de um samba-enredo é de responsabilidade da ala dos compositores, que criam canções para a representação musical do enredo proposto pelo carnavalesco (figura central de um desfile que vai ganhando importância ao longo do período em estudo) ou pela comissão de carnaval. É de extrema importância que a linguagem visual

8 Lei nº10.639/03 - Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira. § 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da soci edade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil. 9 Geraldo Filme, cantor, compositor, ativista, presidente da UESP entre os anos de 1977 a 1979. 10 Folha de São Paulo, 12 de fevereiro de 1977. P 29. 20

contida no desfile esteja em harmonia com a letra do samba, ou seja, a narrativa do desfile e a melodia, devem ser atrativas e contagiantes.

“Se a música faz dançar, a letra deve convidar todos, segundo , a participar de um sonho, da magia que é a história imaginada e contada por uma escola de samba na avenida (BLASS, 2007).”11

É de fácil conclusão que existe um aspecto central para a musicalidade na apresentação da agremiação numa competição carnavalesca. A escolha de um samba passa por todo um cerimonial e pode-se considerar uma das etapas mais importantes da confecção do desfile. Os responsáveis pela escolha formam um júri, composto por dirigentes da escola, diretores de harmonia, chefes de alas, mestre de bateria e o carnavalesco, que dentre outros fatores, analisam a reação do público diante da apresentação dos sambas.

Cada versão passa por um período de amadurecimento, ou seja, é avaliada por suas potencialidades no sentido de articular canto e dança, além do grau de dificuldade na pronúncia das palavras que influem a memorização da letra. Todos os quesitos são considerados, tendo em vista as possíveis consequências para a evolução dos foliões e componentes da escola de samba no seu desfile na avenida.12.

Pensando ainda no processo de composição de um enredo, que depende de todo um esforço coletivo, destacamos as palavras de Maurice Halbwachs:

Um homem, para evocar seu próprio passado, tem frequentemente necessidade de fazer apelo às lembranças dos outros. Ele se reporta a pontos de referência que existem fora dele e que são fixados pela sociedade. (HALBWACHS, 1990)13

Assim como nos rituais e tradições orais das civilizações africanas, um desfile de escola de samba traz consigo memórias cultuadas dentro de um cortejo artístico com música, canto e dança.

11 BLASS, Leila Maria da Silva. Desfile na avenida, Trabalho na escola de samba: a dupla face do carnaval.1 edição. São Paulo: Annablume editora, 2007. P. 66. 12 BLASS, Leila Maria da Silva. Desfile na avenida, Trabalho na escola de samba: a dupla face do carnaval.1 edição. São Paulo: Annablume editora, 2007. P. 74 13 HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice editora. 1990. P. 54. 21

Além das letras dos sambas, compõem o corpo documental desta dissertação entrevistas e registros fotográficos das capas dos Long-Plays - LPs, arquivos pessoais e acervos do Museu da Imagem e do Som de São Paulo - MIS e as coberturas dos veículos de comunicação televisiva e impressas de maior circulação daquele período. O interesse pelas coberturas dos veículos de comunicação vem de encontro com uma nova perspectiva dentro dos desfiles das escolas de samba da cidade de São Paulo, assim como a necessidade de reconhecimento da figura do sambista, pois a ressonância dos temas tornam-se mais amplos na cidade. Portanto, o presente trabalho tem como proposta analisar como a negritude era representada pelas escolas de samba de São Paulo e como os jornais de maior circulação e, posteriormente, a televisão transmitiam para o público estas representações. Reconhecemos a importância das pesquisas realizadas a respeito da atuação da imprensa nos períodos de carnaval, para melhor compreensão das relações entre o público e as escolas de samba que contribuíram para a massificação do evento. Analisamos os veículos de comunicação não como meros narradores dos conceitos, mas percebendo que a imprensa veicula ideias, conceitos, propostas que são engendradas pela práxis social dos grupos cujos interesses defende constituindo-se, ela própria, num momento dessa prática, divulgando para os seus leitores visões de mundo de acordo com as classes as quais representam 14. O primeiro capítulo aborda a formação e as características de uma escola de samba, o surgimento e os artifícios para a aceitação social na cidade do Rio de Janeiro, pioneira nesta forma de representação carnavalesca. Em seguida, analisaremos o processo de oficialização dos desfiles das escolas de samba em São Paulo e como chegaram à Avenida Tiradentes. Ainda no primeiro capítulo analisaremos as memórias negras durante o período do AI5 e a censura prévia

14 VIEIRA, M. do Pilar de A.; Peixoto M. do Rosário da C.; Kulcsar, Rosa; Khoury, Yara A. Imprensa como fonte para a pesquisa histórica. Projeto História. Revista do Programa de Estudos Pós -Graduados de História, PUC-SP. V. 3 1984. P. 47 e 48. 22

que persistiu até 1983 e como os principais jornais da cidade reportavam este evento. Ainda no primeiro capítulo analisaremos a presença dos mascotes que ilustraram os desfiles de algumas escolas de samba no período em estudo. O segundo capítulo analisa os enredos das escolas de samba no período de 1984, quando finda a censura prévia, e se consolida o televisionamento do desfile, até o ano de 1986, e todos os encontros e desencontros que vão levar a presença maciça da iniciativa privada a se interessar pelos eventos e de que forma a imprensa divulgou estes acontecimentos. O terceiro capítulo analisa os carnavais de 1987 até 1990, último ano da passarela na Avenida Tiradentes, quando os desfiles se deslocam para o Polo Cultural e Esportivo , popularmente denominado Sambódromo do Anhembi. Neste período o desfile é transferido para sábado, justamente para o televisionamento do evento pela Rede Globo e Televisão. Além do amplo destaque ao carnaval do centenário da abolição em 1988. Assim como as discussões sobre o local de uma passarela definitiva para a cidade e o posicionamento dos jornais. Os caminhos da pesquisa passaram pela análise das produções artísticas dos desfiles de carnaval, juntamente com produções jornalísticas, além de editoriais e cadernos de cultura que manifestavam suas posições políticas e culturais sobre o desfile e os seus desdobramentos pela cidade.

23

Capitulo 1. Os primeiros anos do desfile das escolas de samba na Avenida Tiradentes

1.1 as escolas de samba

As primeiras escolas de samba surgiram no Rio de Janeiro e podem ser interpretadas como a somatória de elementos das práticas e características ditas tradicionais dos ranchos, cordões e blocos15 no início do século XX. Estes grupos se apresentavam no carnaval durante o período em que a América Latina passava por projetos políticos culturais, que levavam em consideração os veículos de comunicação em massa e a crescente população urbana, que se desenhava de maneira aglutinadora nas cidades industriais. O primeiro concurso oficial na então Capital Federal foi em 1932, com ampla cobertura do jornal Mundo Esportivo. Ou seja, o poder público e a imprensa (ainda que esportiva) proporcionavam visibilidade e mediavam as representações artísticas de origem diaspórica. Contudo, o surgimento das escolas de samba já se caracterizavam por uma enculturação16 e a evidente necessidade de “negociação” informal com a qual os grupos negros se submetiam para se expressar. Para ilustrar tal “negociação”, Raquel Valença17, pesquisadora do carnaval carioca, destaca sobre Paulo da Portela18

Eu acho que uma pessoa que teve uma grande importância, talvez tenha sido a pessoa mais importante na consolidação das escolas de samba do rio de janeiro foi o Paulo da por que ele era um homem que tinha uma visão política e ele percebeu que era preciso fazer concessões e falar a língua da plateia, de uma possível plateia para ser aceito. Então, aquela recomendação que ele faz já no início da década de 40, final da década de 30, início da década de 40: - quero todo mundo de pé e pescoço ocupado – agente pode entender nas

15 CORRÊA, Elizeu de Miranda. As múltiplas faces da comissão de frente da escola de samba no contexto da ópera de rua (1928- 1999). Curitiba: Editora CRV, 2015. P 45. 16 Conceito de Jesus Martin Barbero entendendo que a transformação cultural não foi em nenhum momento um processo de pura repressão. Ver: Dos Meios às mediações, pág. 148. 17 Raquel Teixeira Valença (1944-), é professora, pesquisadora da música popular brasileira e carnaval. Extraído de http://dicionariompb.com.br/raquel-valenca/biografia 30/6/2019 18 Paulo Benjamin de Oliveira (1901-1949), Paulo da Portela foi um sambista brasileiro, um dos fundadores do G.R.E.S. Portela, considerado um líder classista por seus pares e alguns jornalistas.que nele via despontar uma estrela do proletariado. Extraído de http://dicionariompb.com.br/paulo-da- portela/dados-artisticosem 30/06/2019 24

estrelinhas que é preciso que agente se vista como eles para ser aceito, para ter o respeito.19

Reforçando a percepção de Raquel Valença sobre a necessidade de aceitação exemplificada pelas palavras de Paulo da Portela, podemos fazer uma comparação entre os movimentos revoltosos e o constante estado de sítio pelo qual o Brasil passou nas duas décadas anteriores, e as suaves canções descrevendo de maneira romantizada a cidade do Rio de Janeiro, nas primeiras composições dos desfiles das escolas de samba. Ainda sobre os primeiros desfiles das escolas de samba, Hiram Araújo 20 destaca que nos primórdios a integração dos componentes da escola de samba voltavam-se para o culto, manutenção e preservação da memória e tradições africanas21. Um concurso de escola de samba é a ínfima parte das estilhaçadas civilizações africanas e de suas respectivas formas de representações culturais, sensibilidades, religiosidades, vidas sociais e que, quando transpostas para as Américas permaneceu intacta no seu estilo, se não nos seus elementos ergológicos (SENGHOR, 1974). Costuma-se comparar um desfile a uma peça teatral. É evidente que algumas características se assemelham e são amplamente assimiladas ao cortejo. Contudo, não podemos perder de vista a referência cultural africana e o estilo negro de se comunicar artisticamente, além de toda oralidade presente na cultura brasileira, oriunda de diversos povos africanos. O eixo civilizatório que se desenvolveu na África Ocidental contava com as tradicionais narrativas apresentadas pelos griôs22, que tinham grande prestígio em suas sociedades, e traziam as memórias tradicionais de seus povos para as novas gerações. Além

19 Depoimento dado ao programa De lá pra cá, TV Brasil, exibido no dia 19/2/2012, disponível no site da emissora. 20 Hiram da Costa Araújo (1929-), também conhecido como Hiram Araújo, foi um médico e pesquisador de carnaval. 21 CORRÊA, Elizeu de Miranda. As múltiplas faces da comissão de frente da escola de samba no contexto da ópera de rua (1928- 1999). Curitiba: Editora CRV, 2015. P 40. 22 A palavra griô tem origem na tradição africana, utilizada para designar mestres portadores de saberes e fazeres da cultura, esses transmitidos oralmente. 25

das narrações, que se somavam às melodias, havia toda a subjetividade corporal presente nas apresentações. Assim, a apresentação de uma escola de samba no carnaval carrega elementos centrais da cultura negra, como as memórias contidas nas narrativas, o canto, a dança e toda a adaptação desde a expansão do processo civilizatório europeu do século XV, como descreve Leopold Senghor.

É facto frequentemente notado que o Negro é sensível às palavras e às ideias, embora o seja singularmente às qualidades sensíveis – porventura sensuais? – da palavra, ás qualidades espirituais, não intelectuais, das ideias. Sedu-lo o bem-dizer; seduzem-no tanto o teórico comunista quanto herói e o santo: ( a sua voz emocionava os homens) dizia o padre Dahin. O que dá a impressão de que o Negro é facilmente assimilável, quando é ele que assimila. Daí o entusiasmo dos latinos em geral, dos missionários em particular, perante a facilidade com que julgam (converter) ou (civilizar) os negros. Daí o seu desalento súbito perante uma qualquer revelação irracional e tipicamente negra: ( não os conhecemos...não podemos conhece-los), confessa esse mesmo padre Dahin no seu leito de morte, depois de mais de cinquenta anos em África.23

O longo processo para a realização de um desfile exige captação de recursos, planejamento, ensaios, repetições e sincronismos de técnicas. Contudo a sensibilidade e intuitividade, presente no corpo, na voz, na composição percussiva e consequentemente musical se fazem presentes no jogo de sedução que tornam o desfile atrativo ao público. Se por um lado há toda uma presença do poder hegemônico para “controlar” o que pode ser “perigoso”, há um encantamento pela arte negra que abre espaço para as suas representações, fazendo, portanto, as palavras Sengor coerentes no que se refere às memórias negras trazidas pelas escolas de samba.

1.2 como os desfiles chegaram à Avenida Tiradentes

Existem registros de manifestações populares no carnaval de São Paulo desde o final do século XIX. Denominado de Caiapós, grupos negros que se

23 SENGHOR, Leopold Séder. O contributo do homem negro. In Malhas que o Império tecem; textos anticoloniais, contextos pós-coloniais. P. 75. 26

apresentavam com dança e música trajando roupas de malha grossa de cor bege com enfeites na cabeça e na cintura, tocavam instrumentos de percussão, representavam a morte de um pequeno cacique indígena (SIMON, 2007). Os primeiros grupos carnavalescos surgiram na cidade durante a década de 1910. O crescimento urbano e a possibilidade de melhores condições de vida traziam para a capital paulista fluxos migratórios vindos do interior dos Estados de São Paulo e de Minas Gerais, fazendo surgir bairros com presença negra significativa. Neste período destacam-se grupos na Barra Funda, na Bela Vista e na Baixada do Glicério. À medida em que a população de São Paulo crescia, as manifestações carnavalescas também se multiplicavam, chamando a atenção do poder público e dos veículos de comunicação. As primeiras intervenções da imprensa no carnaval popular se deu nos anos 1940 com a cobertura da Rádio Record24, muito embora existem registros de pequenas notas sobre a manifestação negra carnavalesca em periódicos como “O Clarim d’alvorada” na década de 192025. Sem lugar definido ou regulamentação oficial, os cordões desfilavam no centro da cidade. Desenvolveu-se uma rivalidade na disputa pelos melhores figurinos, pelos melhores percussionistas e músicos, pelas melhores canções e também pelos dançarinos mais ágeis. Durante a disputa, existiam provocações verbais, confrontos físicos e sabotagens para prejudicar os rivais perante a imprensa. Aparecem registros dos comentários de personagens renomados do carnaval do período. Cê imagina que o Vai-Vai sai lá do Bexiga pra vim aqui na Barra Funda. E eu saía daqui da Barra funda pra ir lá no Bexiga, e quando se encontrava em frente a igreja de Santa Cecília, o pau comia feio. Chegava no Carnaval, parece que era até marcado, encontrava em Santa Cecília, na rua das Palmeiras, era uma briga tremenda, nego se machucava. O Vai-Vai foi outro que deu muita dor de cabeça pro Mocidde e pro Camisa Verde. Acontecia muita pancadaria.

(...)

24 VON SIMSON, Olga Rodrigues de Moraes. Carnaval em Branco e negro: Carnaval Popular paulistano: 1914-1988. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2007. P200. 25 LOPES DA SILVA, Zelia. A memória dos Carnavais afro-paulistanos na cidade de São Paulo nas décadas de 20 e 30 do século XX. In Diálogos – Revista do departamento de história e do programa de pós - graduação em História da universidade Estadual de Maringá. Volume 16, p. 41. 27

Você passa a mão num pedaço de elástico, desses fininhos. Amarra uma Gilete na ponta e para pra assistir o desfile. Mas você não fica na frente, você fica aqui atrás, e cada um que passa você estica o elástico, solta e vai no couro do instrumento. Passa um outro e a mesma coisa. Então quando você acaba de passar, você ia olhar...quatro, cinco instrumentos furados, tudo rasgado. Sabe quem inventou isso? O Desprezado, do Beixiga.26

Nas décadas de 1940 e 1950 os bairros populares foram se multiplicando, ora pela atividade industrial que se intensificava, ora pela expansão territorial da cidade. Neste contexto, moradores de novos bairros tornam-se presentes nos festejos carnavalescos com seus cordões locais, desfilando pelos bairros vizinhos ou mesmo integrando-se às já conhecidas agremiações, como os bairros Casa Verde e Vila Matilde. Além disso, os veículos de comunicação passaram a patrocinar concursos e premiações para os melhores cordões carnavalescos, estabelecendo uma competição ao estilo do carnaval da cidade do Rio de Janeiro, tamanho prestígio e visibilidade que o festejo carioca tinham nas periferias negras de São Paulo. Contudo, foi com a oficialização dos desfiles, em 1968, que os grupos carnavalescos se tornam muito numerosos. Esta oficialização trouxe uma rigidez na forma de desfilar, com regras, quesitos e condutas baseadas no desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro, estimulando que os velhos cordões se tornassem escolas de samba. Com esta medida, as escolas de samba ganham visibilidade e espaço na cidade e amplia-se as coberturas da imprensa. Apesar disso, muitos sambistas entendiam que perdia-se, neste momento, a espontaneidade do desfile, uma vez que a presença de um estado ditatorial trouxera controle e censura para as representações artísticas. As opiniões sobre esta transformação ainda trazem muita controvérsia entre os mais velhos envolvidos naquele processo. A oficialização vai de encontro, ainda, com uma proposta governamental de “vigiar” as manifestações populares da cidade de São Paulo, uma vez que

26 Depoimento de Seu Zezinho do Morro da Casa Verde à Olga Von Simon em 1981, disponível no acervo virtual do Mis (Museu da Imagem e do Som de São Paulo). 28

as manifestações ‘oficiais’ para o carnaval popular estavam somente restrita aos desfiles organizados pela prefeitura, além de incentivar e divulgar a “democracia racial” muito presente nas políticas culturais do período ditatorial. Durante a década de 1970, multiplicam-se pelos bairros periféricos da cidade as escolas de samba. Assim, ganham, ano após ano, maior número de componentes, verbas publicitárias mais generosas, apoio governamental para construções de suas quadras de ensaio e, consequentemente, desfiles mais caros e vistosos. Intensifica-se, neste período, um intercambio com sambistas e pessoas ligadas ao carnaval carioca e, consequentemente, uma profissionalização da atividade carnavalesca. Em 1968, o desfile carnavalesco oficial da cidade de São Paulo foi no Vale do Anhangabaú, sendo transferido, em 1970, para a avenida São João onde permaneceu até 1976. A mudança do desfile para a avenida Tiradentes vai de encontro à “necessidade” de adaptar o espaço físico ao evento que crescia a cada ano. As reivindicações para a alteração do local de desfile vinham -se intensificando como apontam estudos sobre o carnaval neste período, assim como a maior participação popular. Quando as cinco maiores escolas do Grupo I desfilavam pela avenida, a polícia Militar (mais organizada que no ano passado) fazia cordão de isolamento atrás dos sambistas, separando as escolas da multidão, que invadiam a Avenida São João para sambar.

(...)

O público foi calculado em aproximadamente 200 mil pessoas. Uma minoria acomodada nos 100 palanques e a maioria espremida atrás dos cordões de isolamento27.

Em 1977 foram ampliadas as arquibancadas para o público e, apesar da cobrança de ingressos, algo que não havia sido feito nos anos anteriores, o novo espaço para o carnaval contava com facilidades dos deslocamentos para os foliões que utilizavam o metrô, além de oferecer melhores condições para a cobertura jornalística. O Estado de S. Paulo reporta que aproximadamente 200.000 pessoas passaram pela Avenida Tiradentes no carnaval de 1977.

27 Folha de São Paulo, 2 de março de 1976. P. 9. Contido em: TEREZANI, Denis. Da Avenida São João à avenida Tiradentes: uma análise das representações jornalísticas sobre a reconfiguração dos desfiles carnavalescos da Cidade de São Paulo (1967-1977). 29

Mesmo aquelas pessoas que não compravam ingresso, participavam do carnaval assistindo ao aquecimento das baterias na concentração, observavam as alegorias, os figurinos dos componentes e os últimos momentos dos desfiles na dispersão.

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Horizontalmente no mapa pode-se ver o Rio Tietê e em destaque a Marginal Tietê, com a bifurcação na Avenida do Estado. Em sentido vertical, também em destaque, a avenida Santos Dumont e a avenida Tiradentes. Os desfiles se iniciavam na Ponte Pequena (hoje denominada de Armênia) e seguiam em direção à estação da Luz. A ampliação do espaço físico do desfile oficial e consequentemente a tentativa de maior divulgação do evento vai de encontro com as políticas para a cultura do governo ditatorial brasileiro do período. A primeira delas é o artigo 2º da Lei-Complementar nº4, de 2 de dezembro de 1969, conhecida como lei “disco é cultura”, que autorizava as empresas produtoras de discos fonográficos a 30

abater do montante do Imposto Sobre Circulação de Mercadoria (ICM) o valor dos direitos autorais artísticos e conexos, pagos aos autores e artistas brasileiros28,o que ampliava a divulgação dos sambas e, evidentemente, o alcance dos enredos. O primeiro LP das escolas de samba de São Paulo foi gravado em 1975 com os sambas enredos do carnaval de 1976, novamente, aos moldes do carnaval do Rio de Janeiro.

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Percebemos nesta contra capa do LP gravado em 1976, contendo as canções que as agremiações apresentariam no carnaval de 1977 em São Paulo, o selo “disco é cultura”, caracterizando-a com o favorecimento da isenção fiscal. Em 1975 foi criado a PCN, Política Nacional de Cultura, que tinha como objetivos principais fomentar as atividades culturais (na tentativa de estimular uma coesão identitária nacional) e a ampliação das infraestruturas para os veículos de comunicação. A conjuntura em que o PCN foi criado se caracteriza pela crescente impopularidade do regime ditatorial, aliado aos resultados negativos da

28 OLIVEIRA, Claudio Jorge Pacheco de. Disco é cultura: a expansão do mercado fonográfico brasileiro nos anos 1970. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas 2018. 31

economia que, após o “milagre econômico”, influía diretamente na vida material das pessoas. Alguns sinais de abertura política eram observáveis, entre eles, o PCN, que foi instalado juntamente com um discurso de incentivo às artes populares do Brasil, ao mesmo tempo que reforça o discurso hegemônico de amenizar as diferenças sociais e cultura nacional.

A “mitologia verde e amarela”, sempre re-trabalhada pelas elites brasileiras de acordo com o contexto, assume agora o lema proteger e integrar a nação. Com isso, A cultura popular, elemento central dessa mitologia, é apropriada pela classe dominante através de determinada visão do nacional popular que representa a nação de forma unificada. (BARBALHO, 2007, p.42-43).29

O PCN apresentava nove diretrizes, das quais três, foram decisivas para influenciar as apresentações artísticas das escolas de samba: apoiar a produção e a difusão da música nacional; apoiar a dança nacional; difundir a cultura nacional a partir dos meios de comunicação em massa. Ponderando as palavras de Barbalho (2007) e comparando-as com os enredos apresentados no carnaval do período ditatorial, percebemos que há algumas agremiações aderem ao alinhamento governamental que já era maciço no carnaval do Rio de Janeiro e passa a se concretizar também em São Paulo, além do surgimento dos LPs das Escolas de Samba de São Paulo, e a tentativa de tornar este novo produto semelhante às produções cariocas. Contudo, as produções artísticas são heterogênicas, e a negritude é representada de diferentes formas e o caráter contra hegemônico também se faz presente, de forma variada, oscilando de ano em ano. Não se espera de narrativas carnavalescas uma plena coerência política e ideológica, principalmente quando se trata de um concurso, com jurados escolhidos pela PAULISTUR, empresa de Turismo e Eventos da cidade de São Paulo, intimamente ligada aos órgão repressores do governo , da mesma forma que não podemos desprezar as diferentes formações, realidade geográfica, realidades materiais, comunidades mais ou menos influentes nas escolhas da escola, o que trouxe para os desfiles diferentes percepções de negritude.

29 AZEVEDO, Sônia Cristina santos. Ditadura Militar e Política nacional de cultura (PCN): algumas reflexões acerca das políticas culturais. Revista Brasileira de Sociologia. V. 4. n 4: 2016. P.320. 32

O carnaval abre espaço para diversas manifestações culturais que não raramente apresentam-se antagônicas ideologicamente. Sendo assim, há um campo muito fértil para a discussão sobre a perspectiva hegemônica de cultura. Utilizaremos a perspectiva de hegemonia de Willians (1977), como conjunto de práticas, esforços e percepções sobre a vida que encontra reciprocidade e cria um senso de realidade absoluta, considerada como o domínio e subordinação vividos de determinadas classes.30 Ainda pensando na relação de cultura dominante, é coerente destacar que as formas de hegemonia estão presentes no dinamismo social que precisa constantemente se transformar, ser alerta e sensível às alternativas e oposições que lhe questionam ou ameaçam o domínio.31 Os desfiles das escolas de samba permaneceram por toda a década de 1980 na Avenida Tiradentes e é justamente neste período que se consolidam no mercado fonográfico os LPs dos sambas enredo de São Paulo e a transmissão televisiva ao vivo. Artistas consagrados da teledramaturgia e atletas profissionais ganharam posições de destaque nos desfiles. Essa nova roupagem para o carnaval de São Paulo traz à tona a discussão de um lugar fixo na cidade para estes desfiles. Em 1981, o jornal Folha de São Paulo já discutia a criação deste local no Anhembi, onde na ocasião já existia o Palácio das Convenções e estava em construção um hotel (que serviria para abrigar os turistas que visitariam a cidade para assistir o desfile). O fácil acesso pelas Marginais, uma vez que as construções da estrutura do carnaval e o evento propriamente dito atrapalhava o fluxo de veículos pela cidade e que a parafernália eletrônica dos meios de comunicação interferia as comunicações radiofônicas do quartel Tobias de Aguiar da polícia militar de São Paulo, localizada na mesma avenida onde ocorria o desfile32. Analisando a foto de 1978, percebe-se, à esquerda e ao fundo, cabines de jurados. Acima estão enfeites volumosos exclusivamente utilizados durante o carnaval e, à direita, um grande número de pessoas que não faz parte do desfile.

30 WILLIAMS, Raymond. Marxismo e Literatura. Rio de janeiro, Zahar Editores, 1977. P113. 31 WILLIAMS, Raymond. Marxismo e Literatura. Rio de janeiro, Zahar Editores, 1977. P116. 32 Informação dada por Zulu Pereira em entrevista. 33

Pode-se observar, também Câmeras de televisão no chão ao nível dos passistas, e apoiadas em plataformas com fortes holofotes33. A passarela da avenida Tiradentes, que era irregular em sua largura, ora mais larga ora mais estreita, dificultava a evolução dos sambistas, mas facilitava o trabalho dos veículos de comunicação em comparação aos anos anteriores.

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1.3 As memórias negras durante a censura prévia

Os primeiros desfiles carnavalescos na Avenida Tiradentes foram apresentados ainda sob a esfera política do AI-5. Apesar de revogado em dezembro de 1978, podemos considerar que os desfiles de 1979 ainda estavam sob sua influência, pois o desfile aconteceu 57 dias depois de tal revogação, quando as apresentações já encontravam-se planejadas e as montagens em fase final.

33 VON SIMSON, Olga Rodrigues de Moraes. Carnaval em Branco e Negro: carnaval popular paulistano: 1914 – 1988. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2007. P. 368 e 369. 34

Dois compositores se destacam em relação à abordagem das questões negras trazidas pelas escolas de samba. Neste primeiro momento, um deles é Talismã, que compôs o samba defendido pela Acadêmicos do Tatuapé, em 1977, juntamente com Ary Baianinho e Jangada, os sambas da barroca Zona Sul em 1980 e pela Camisa Verde e Branco em 1982. O outro é Geraldo Filme, responsável pelas canções dos enredos da Escola de Samba Paulistano da Gloria que participou de quatro desfiles no principal grupo do período em estudo, os três primeiros serão analisados. Talismã, sambista carioca radicado em São Paulo, contribuiu de forma decisiva nos primeiros desfiles oficiais do carnaval de são Paulo, tendo muitos parceiros de composição e gravações feitas por cantores como Tom Zé, também participou de uma peça de Plinio Marcos denominada “Histórias das quebradas do mundaréu’ descrito assim pelo dramaturgo:

“O Talismã de Rocha Miranda, Seu Mumu pros íntimos, é sem favor nenhum um dos maiores artistas populares do Brasil. Fez de tudo. Poeta de uma pureza rara, compositor de grande sensibilidade, escultor primoroso, que sempre ganha nota dez com os seus carros - alegóricos, tocador de violão, cantor, humorista e tudo mais 34.

Geraldo Filme era um artista muito respeitado no meio do samba pelo seu talento musical, além de narrar em suas composições as lutas da população negra e a realidade de segregação e racismo. O repertório de Geraldo filme nos permite afirmar que a sua produção artística carregava uma postura política de resistência.

Esses discos definem minimamente o estilo, a especificidade, a estética particular desse sambista que se configurou pelo samba-protesto, pelo samba denúncia, onde um olhar político sobre a sociedade, a cidade e o presente histórico se fez de forma crítica.35

A contribuição de Geraldo Filme para o carnaval de São Paulo foi muito além do que está sendo analisado neste trabalho. Contudo, foi justamente o

34 Depoimento de Plinio Marcos para a Folha de São Paulo em dezembro de 1976, contido no site revista Música Brasileira. 35 AZEVEDO. Amailton Magno. A memória musical de Geraldo filme, os sambas e as Micro Áfricas em São Paulo. 2006 p. 189. 35

crescimento da divulgação destes desfiles que dá grande notoriedade às composições. O enredo do Paulistano da Gloria de 1977 reproduz referências religiosas ioruba presentes no passado e no cotidiano do povo negro. Meu povo pede licença Para contar esta História O negro e seus orixás Canta a Paulistano da Glória Foi na Bahia início da escravidão E o Negro despojado em seu direito De praticar a sua devoção Oxossi iluminou a sua mente O negro foi a floresta Armou o pegy Bateu o Tambor Em tempo de festa E o branco viu o mar se agitar Quando um lamento chamou Yemanjá O céu escuro se iluminou E o atabaque tocou pra xangô Ogum de ronda, omulu de prontidão Exu dava pirueta provocando confusão O arco-iris de oxumaré Dava colorido ao ambiente Ao centro Pai oxalá, Iansã sorria contente Eis que vem o som divino lá da pedreira É mamãe oxum trazendo o som da cachoeira É mamãe oxum trazendo o som da cachoeira Chuê, Chuê, Chuê, Chuá Canta negro, Canta para seus orixás36

Dentro de uma perspectiva histórica escravagista de total segregação e vigilância, a narrativa diz que as divindades ajudavam os negros a se proteger e a manter sua cultura religiosa presente. Didaticamente, nos dá referencias das características das divindades, demonstrando que foi essencial e contínua, quando no final da música a frase “Canta negro, canta para seus orixás” é construída no presente, e portanto, longe de qualquer perspectiva de um passado congelado. Diferentemente de algumas composições e contrariando também as políticas culturais governamentais em 1977 (ano da apresentação do enredo), a letra deste samba não faz menção alguma sobre qualquer tipo de sincretismo

36 Enredo: Oração em tempo de festa- mitologia Afro- Brasileira. Composição de Geraldo Filme. Paulistano da Gloria, 1977. 36

religioso, e apenas valoriza a mitologia Ioruba. Nesta canção, a força sobrenatural da evocação a Iemanjá assusta o branco opressor, colocando-o em uma condição de passividade e demonstrando um tensa relação racial, tensão esta que não se resolve dentro da narrativa e coloca o negro como agente social da resistência do processo social desfavorável a ele. Esta letra aborda questões raciais conflitantes, afastando-se da ideia de uma miscigenação sem atritos, surgida no nos anos de 1930 amplamente fortalecida pelos governos ditatoriais e reforçados pelos meios de comunicação. Dentre as diversas possibilidades de representar a negritude, uma das possibilidades adotadas por algumas escolas de samba no período ditatorial era apresentar enredos que homenageavam artistas, onde as características individuais poderiam representar uma coletividade. Em 1977, duas personalidades negras foram abordadas: Ataulfo Alves37, pela Sociedade Rosas de Ouro, com composição de Zeca da Casa Verde. O enredo denominou o homenageado de poeta de Miraí, o samba em terceira pessoa, mostra a identificação da comunidade da escola com as produções artísticas de Ataulfo Alves. Nada de um minuto de silêncio Vamos cantar por aí Rosas de Ouro com saudade apresenta O poeta de Miraí É Ataulfo Alves Saudoso compositor Sua voz emudeceu Nós cantaremos em seu louvor Leva meu samba Neste colorido sem igual Numa cadência de bamba Recordando o poeta imortal O compositor apaixonado Falou do seu tempo de criança Contou pra gente com saudade O que trazia na lembrança Agora descansa em paz Amélia diz ainda que te ama Só assim compreendemos Que morre o homem, fica a fama Que sensação maravilhosa Que linda recordação É uma singela homenagem carinhosa É nossa gratidão Você vai ver... tá tudo aí

37 Ataulfo Alves de Sousa (1909-1969) foi um compositor e cantor de samba brasileiro. 37

Só falta ele O poeta de Miraí.38

Outra composição abordando um artista negro foi trazida pela Escola de Samba Vai-Vai, que homenageou José Mauricio, padre e músico erudito, que viveu entre os séculos XVIII e XIX.

Música, musica, é musical O Vai-Vai escolheu como tema neste carnaval Queremos enaltecer José Maurício no cenário musical Nasceu na rua Uruguaiana No Rio de Janeiro Filho de alforria e pobreza Trazia o sangue da Guiné O violão foi o seu brinquedo Salvador José o seu professor Na fazenda Santa Cruz Canto e teoria musical Tocando em bandas e igrejas Pra requintar o sarau Que exolendor, Lira musical Na era do Brasil colonial Pra superar o preconceito da época O sacerdote se formou Na rua da Marrecas sua escola musical iniciou Mestre d capela da Sé D. João convidou Para o Passo Real Fazendo suas melodias Sua obra prima Para duas Marias A magnifica obra de língua universal E o Vai-Vai contagiante Canta o poeta em compasso musical Lararararara dó ré mí fá Sól lá si dó ô ô ô ô39

Além de destacar o dom artístico do homenageado, a letra do samba afirmava, diferentemente da homenagem analisada anteriormente, que ele trazia o “sangue da Guiné” dizia que “pra superar os preconceitos sociais, o sacerdote se formou”. O que pode ser interpretado como algo pertinente à sociedade do período em estudo, apesar de descrever uma realidade do século XVIII,

38 Enredo: Ataulfo Alves, “O poeta de Mirai”. Composição de Zeca da Casa Verde. Rosas de Ouro, 1977.

39 Enredo: José Maurício, músico do Brasil colonial. Vai Vai, 1977 38

mostrando, indiretamente, as dificuldades da população negra de reconhecimento social no dia a dia. Alguns enredos do período em análise associam as representações artísticas à palavra folclore, termo que posteriormente é deixado de lado nos enredos. Um deles é apresentado pela Barroca Zona Sul, em 1977, cujo título do enredo foi “Folclore em passarela” e trouxe como compositor da canção Silvio Modesto, conhecido sambista que assinou diversas composições no Rio de Janeiro e São Paulo, e apresentava grande experiência nos desfiles de carnaval e peças teatrais.

Ao despontar na passarela Barroca traz pra esse carnaval Folclore em forma de aquarela Simbolizando Um brasil original É maravilhoso relembrar Os bons tempos de menino A bandeira a tremular ô ô Para a glória do divino E a lavagem do Bonfim Na gloriosa Bahia Que devoção doce magia É oxalá com sua primazia Din din din iôiô Din din din iaia Canta barroca nessa festa popular Chico Rei Dono do tesouro Afogou minas em ouro Para o povo libertar Foi no rio de janeiro Que o negro brasileiro Pedia a benção a obá E recordando a abolição Sublime fato tão marcante Cantando em toda nação Leão coroado e elefante Din din din iôiô Din din din iaia . Canta barroca nessa festa popular 40

40 Enredo: Folclore em passarela. Compositor: Silvio Modesto. Barroca Zona Sul, 1977 39

A canção inicia dizendo: “A Barroca traz em forma de aquarela simbolizando um Brasil original” e apresenta a Lavagem da Escadaria da Igreja do Bonfim. Faz menção à festa do divino, aborda Chico Rei como dono do tesouro, ressalta a abolição e diz que o negro pediu a benção a Obá. Interpretamos a ideia de perceber as culturas populares, especificamente como “folclórica”, atende a uma ideia nostálgica de cultura popular sem muita conexão com a vida concreta do cotidiano, colocando-as à periferia do que o mundo ilustrado oferece como ideal e referencial. O reconhecimento, ainda que nostálgico, de uma miscigenação entre brancos, índios e negros, anacronicamente41 formando a cultura popular, homogenia, harmônica e sincrética, onde o popular é resgatado, mas não reconhecido como vivo, atuante ou presente, reforçando estereótipos que legitimaram as políticas sociais públicas pouco efetivas. O resgate pela “raiz” ou a “pura” cultura brasileira, ofusca, ou nada contribuem para a luta pelo reconhecimento das condições desfavoráveis, historicamente construídas em que a população periférica sofre. Foram observados dois registros de censura no carnaval de 1977, um deles quando na na apoteose, terça feira de carnaval, o presidente do ARENA de São Paulo, Claudio Lembos, diz na abertura dos desfiles a seguinte frase em apologia aos desfiles: “O povo que perde suas raízes culturais, perde a alma, constitui uma nação despersonalizada” para a sua surpresa uma frase de mesmo sentido do teatrólogo Plinio Marcos havia sido censurada em um estandarte da Mocidade Alegre.42 Outra censura se dá na letra do samba da Colorado do Brás que homenageava Stanislau Ponte Preta que fazia trocadilhos com personagens da História: D. Pedro abandonou a monarquia E virou diretor de bateria E Leopoldina virou trem, também E Tiradentes liderou bordel E a princesa Isabel amada amante de Noel.

41 CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas Hibridas. São Paulo, EDUSP, 2013. P.212 42 O Estado de S. Paulo, 16 de fevereiro de 1977. P.16. 40

Reformulado depois da censura o trecho final do samba ficou dessa maneira: Altamirando abandonou a monarquia E tornou-se diretor de bateria A Leopoldina virou trem também E literou cordel E Carmem Miranda Amada amante de Noel43

Ainda refletindo sobre um alinhamento dos interesses governamentais nos enredos, em um carnaval vigiado, a Nenê de Vila Matilde traz o enredo “Fatos marcantes da História do Brasil” que homenageia muitos personagens históricos, entre eles a Princesa Isabel e faz uma referência com aquela contemporaneidade. Viemos pra contar a história do Brasil Como e quem descobriu no ano de mil e quinhentos Um homem de embarcação Era Cabral descobrindo a nação Ô ô ô, ô ô ô, a vinte e um de abril Alguém enforcou A alma da inconfidência Morreu pela independência Com amor, Leopoldina rezou José Bonifácio lutou E a maçonaria ajudou, ô ô ô Ô ô ô, ô ô ô, a sete de setembro uma estrela brilhou Quando D. Pedro I O grito bradou Independência ou morte Independência ou morte Eu fico, foi do brasileiro a sorte A treze de maio a princesa Isabel libertou... Os escravos da mão do senhor Castro Alves não viu Mas José do Patrocínio vibrou Obrigado, obrigado aqueles que lutaram com louvor Ô ô ô obrigado o Brasil hoje é progresso e amor44

O principal desfile das escolas de samba de São Paulo, no dia 12 de fevereiro de 1977, o primeiro da avenida Tiradentes, trouxe para o público cinco enredos com referências à negritude. Contudo os temas, letras, preparativos e desfiles não fizeram parte da cobertura dos jornais O Estado de S. Paulo e Folha

43 Folha de São Paulo, 12 de fevereiro de 1977. P. 29. 44 Enredo: Fatos marcantes da História do Brasil. Compositor: Astrogildo Silva. Nenê de Vila Matilde 1977. 41

de São Paulo, ainda que as reportagens tenham sido bem distintas. Em suas abordagens O Estado de S. Paulo destaca a decadência do carnaval do bairro da Vila Esperança, o problema de abastecimento de combustível, a ameaça de não ter desfile no Rio de Janeiro diante da prisão do presidente da Portela e a visita da Atriz suíça Ursula Andress ao carnaval carioca onde o título da reportagem foi: Ursula Chega curiosa por conhecer a “festa Violenta”.

Imagem 4 A Manchete do dia 11 de fevereiro, percebe-se o destaque é para a “fuga” das pessoas do carnaval de São Paulo. Contudo, o mesmo jornal informa que 52 agremiações desfilarão pelos três dias de festa na cidade. Dois dias depois, na edição do dia 13, há o relato de 200 mil pessoas participando da festa no dia do desfile principal e reportando que a ampliação de 3 mil lugares na avenida São João no ano anterior, para 10 mil lugares na avenida Tiradentes daquele ano era insuficiente para atender à toda demanda do carnaval, além da violência policial45. Pensando ainda no valor categorizado pelo veículo de comunicação em estudo sobre o carnaval na cidade e a negritude, analisaremos parte do edital do dia 11, primeiro dia de carnaval e, em seguida, uma opinião sobre um congresso ocorrido na Nigéria.

45 O Estado de S. Paulo. 22 de fevereiro de 1977.P 22. 42

Intérprete do sistema: Se ainda fosse habito generalizado de boa parte do povo brasileiro recolher-se em retiro durante o carnaval – para meditar sobre as misérias da condição humana e as possibilidades de adequação da vida aos desígnios superiores do Senhor- esses dias em que tudo para o país deveriam ser dedicados à análise do quadro político e do futuro que nos espera. Sobretudo quando os otimistas acreditam que o início dos entendimentos entre as lideranças dos dois partidos podem finalmente conduzir à tão esperada abertura política, e os pessimistas veem na reiterada aplicação do AI 5 a prova de que nada mudou e nada mudará nas intenções do governo.(...)46

Neste início de texto que aborda questões políticas, único que faz menção ao carnaval no editorial, percebemos uma desvalorização do carnaval, a sua característica coletiva e festiva, assim como, coloca-se uma referência cristã para dar suporte a este juízo de valor. Na mesma edição, o jornalista Rubens Rodrigues dos Santos faz a uma abordagem sobre um congresso de cultura negra ocorrido na Nigéria, no mês de fevereiro daquele ano. Diante da reportagem, dois fatores chamam a atenção em relação às artes negras e a percepção das políticas culturais do jornalista e, consequentemente, do veículo de comunicação. A primeira delas é o relato de um brasileiro, negro, morador da cidade de Nova Iorque que faz uma denúncia sobre o racismo “cordial” no Brasil. O jornalista analisa da seguinte forma:

(...) quanto ao problema de relacionamento entre as coletividades branca e negra, vale apena consignar que até mesmo o Brasil foi duramente criticado e mesmo agredido duramente o colóquio, mas não por nigerianos ou por representantes de outras nações negras, mas sim, por incrível que pareça, por um brasileiro, franco atirador da agitação residente há dez anos em Nova York. Acusou-nos este indivíduo de praticarmos uma sutil discriminação ao permitirmos que o contingente negro se dilua e assim acabe, no futuro por desaparecer na etnia brasileira. Felizmente, esta descabida manifestação isolada não foi sequer anotada pelos representantes das nações negras da África e de outras partes do mundo, que demonstram assim confiança no Brasil e estima sobre o nosso povo.47

46 O Estado de S. Paulo, 20 de fevereiro de 1977. P.3.

47 O Estado de S. Paulo, 13 de fevereiro de 1977. P.30. 43

Na mesma coluna o jornalista se posiciona contra o Brasil sediar este evento em circunstâncias futuras, pois é importante valorizar as influências negras na cultura brasileira, mas não somente a negritude, pois isto pode gerar secções dentro do pais. Diante destas duas percepções distintas e encontradas em lugares diferentes do jornal, é compreensível que as memórias negras das escolas de samba da cidade sejam invisíveis aos olhos deste veículo. Trata-se de posicionamento hegemônico diante de manifestações populares e os seus possíveis desdobramentos artísticos contra hegemônicos. A cobertura da Folha de São Paulo não volta a sua atenção ao desfile propriamente dito, contudo há uma valorização do carnaval e consequentemente para os desfiles das escolas de samba em uma realidade em que o desfile se amplia, no dia 10 de fevereiro a edição de sexta feira que antecedeu o desfile do domingo, uma página inteira da seção Ilustrada é destinada ao Camisa Verde e Branco que conquistou naquele ano o seu tetra campeonato, a “modernização dos desfiles na Tiradentes” ia de encontro à escola mais moderna de são Paulo, a reportagem “ vai dar Camisa de novo” de Paulo Moreira leite destaca que a escola conta com 150 funcionários, vai gastar toneladas de lantejoula e quilômetros de lamê, a modernidade do camisa ia de encontro à presença de grupos sociais que não se via anteriormente, surge naquele ano a Ala Nova , apelidada de Ala Rica, que contava, inclusive, com dois funcionários do consulado estadunidense (deve-se destacar que nenhuma conotação de cunho político se observou sobre este fato). Sobre esta nova característica da escola, a reportagem destaca as palavras da porta bandeira Aline Silva Salvador: “Eu acho maravilhoso ter essa gente aqui. Samba sempre foi coisa de pobre, eu acho bom que eles saiam conosco, que estejam aqui comigo. ” Além da circunstância contemporânea da escola, fato que pode se interpretar como uma realidade de muitas escolas de São Paulo. A reportagem também aborda os tortuosos passos e dificuldades pelos quais os antepassados percorreram, com grandes fotos do Seu Inocêncio e dona Sinhá, fundador e “primeira dama” da escola, uma foto do pavilhão devidamente “resguardado” 44

pela porta bandeira e o mestre sala, uma foto de Delegado da Mangueira, que naquele ano era um dos responsáveis pela apresentação artística do desfile, além de mencionar mestre Lagrila que completaria 11 anos a frente da bateria e Antônio Carlos Tobias, que justificava a presença dos Estadunidenses com uma tradição da escola que sempre conviveu harmonicamente com os italianos e comerciantes da Barra funda. Nos dias posteriores, há toda a divulgação dos desfile dos blocos, bandas e escolas do primeiro e segundo grupo, e uma reportagem de Moacir Amâncio com o título “ 80 anos de censura na folia” demonstrando que as proibições dos órgãos repressores nos carnavais sempre foram presentes, se em 1977 havia sambas censurados, proibição de mascaras e vestimentas sumárias e atentatórias à moral, em tempos passados foi proibido o entrudo, lança perfume, biquíni, entre outras. A reportagem ainda traz a reflexão de Geraldo filme: “Vigilância policial sempre existiu, hoje não tem polícia, mas é preciso alvará (...) as vezes a polícia ainda chega e para tudo(...) O paulistano esqueceu o significado da palavra sambar”. Ainda em destaque na edição do dia 14 de fevereiro, a inexistente percepção para os temas negros trazidos pelas escolas, mas uma reportagem sobrea iniciativa do governo estadual de promover a abertura oficial do carnaval dois dias ates no metro de São Paulo, com o título:” Depois não quer ser chamada de túmulo do samba” a reportagem de Dirceu Soares crítica e informa sobre a cobertura televisiva, mas a indiferença dos usuários do metro que passavam pelo evento com a presença do Rei Momo, da rainha e princesa do carnaval paulistano. Em 1978, ainda sob as normas da censura prévia do AI-5 e período de perseguição aos artistas que se opunham ao governo, o Paulistano da Gloria apresenta um enredo denominado: “ Epopeia de Gloria”, que se refere ao fato histórico denominado de “Revolução Constitucional de 1932”e fazendo um trocadilho com o nome da escola de samba.

Brasil Ano de 32 Sofre cruel opressão Quando alfa 1 se destaca 45

Em nossa constelação São Paulo da independência Toma fiel decisão Urge um brado forte Pela constituição Alerta alerta, o povo se irmana Avante paulista, a pátria quem te chama Miragaia, Martins Drausio e Camargo, ausente A preta Maria soldado Marcondes salgado Primeiro batalhão de caçadores Os negros e a sua legião Um só pensamento Um só coração Paulistano exalta Fato tão marcante Unidos pelo bem da pátria Um povo livre um Brasil gigante Laía, laia, silêncio na cidade E um brado se ouviu, liberdade.48

Em primeiro plano, este enredo faz menção ao fato histórico tão presente nas construções das memórias hegemônicas do Paulista: as “bravuras” dos “heróis” da guerra civil ocorrida no Brasil em 1932, durante o governo de Getúlio Vargas, época em que as elites paulistas organizam frentes militares para depor o presidente. Além disso, menciona a presença negra nestes batalhões paulistas e a referência de Alfa 1, simbolicamente sinalizando as diretrizes dos rumos e ser seguido, o que permitiria a interpretação de uma situação de convergências entre os personagens envolvidos na guerra e a população negra. Porém, se analisadas as conjunturas contemporâneas da produção do samba, tratava-se de um período de grande contestação ao regime militar, onde mensagens e anseios de abertura política se fazem travestidas de uma narrativa do passado. Esta estratégia de disfarce e resistência foi muito utilizada por artistas de diversas áreas, como o teatro, literatura e, como não poderia deixar de ser, a música. Primeiramente, coloca-se a questão da constituição, justificativa formal para o embate em 1932, (assim como em 1978, a constituição possibilitava ações autoritárias uma vez que dava amplo suporte legal ao poder executivo colocar em ação políticas antidemocráticas). Uma nova constituição vinha de

48 Enredo: Epopeia de Glória. Compositor Geraldo Filme. Paulistano da Glória 1978. 46

encontro a abertura política almejada naquele momento de crise política, econômica e consequentemente social. O samba em análise contém alguns termos que também podem ser encarados com duplo sentido, como “opressão”, “silêncio na cidade” ou “um brado se ouviu, liberdade”. As frases destacadas dialogam com os anseios políticos daquele momento de muitos setores da sociedade brasileira, em que posicionamentos políticos contrários à ditadura militar iam ganhando corpo pelas grandes cidades brasileiras, assim como sinais políticos de abertura se faziam presentes, como o final da censura prévia com a revogação do AI 5 e a anistia política, ambas em 1978. Tal percepção se fortalece quando Geraldo Filme fala sobre o desfile de sua escola dois dias antes do desfile:

No Paulistano, por exemplo, está tudo pronto. Vamos sair na avenida com liberdade e constituinte, o samba enredo é: 1932 – Epopéia de Glória” .49

A unidos do Peruche apresenta o enredo: “Di Cavalcante dos carnavais e das mulatas”, esta homenagem ao artista plástico modernista que retratou em sua carreira os traços da vida cotidiana no campo e na cidade.

É magnífico exaltar A sutileza de um grande pintor Unidos do Peruche se agiganta Com esse tema sensacional Di Cavalcanti é lembrado Neste carnaval Fascinação, quanta alegria Sua obra retratada Nas cores de nossas fantasias Di Cavalcanti Sua obra é genial É fascinante o esplendor do carnaval Criando caricatura Ou simplesmente pintura Foi de admirar Era tão sublime a sua arte E o mulato sabia dominar Episódios populares O artista retratou Mas a maior consagração

49 O Estado de S. Paulo, 4 de fevereiro de 1978. P.15. 47

Foi a mulata seu grande amor50

No samba da Unidos do Peruche, narra-se os aspectos do “popular” retratado pelo artista e faz-se uma destaque à mulata, seu grande amor. Neste ano percebemos alguns enredos alinhados às as perspectivas ditatoriais como a homenagem ao bandeirante Fernão Dias ou a ideia de uma miscigenação cordial trazida pela escola de samba Nenê de Vila Matilde com o enredo “sonho de um rei negro”, possível menção a Chico Rei, novamente a utilização do termo folclore se faz presente: “Nenê vem empolgar o carnaval/ com esse enredo fascinante/ do folclore nacional” e o samba termina dizendo: “E o progresso de uma raça hoje é realidade”.

O rei negro dormiu O rei negro sonhou E o sonho do rei Se realizou Nenê Vem empolgar o carnaval Com esse enredo fascinante Do folclore nacional Lá vem o rei E a rainha É festa na praça Bate palma sinhazinha Sonhando o rei negro viu A miscigenação Branco, negro, todas as raças Se abraçando como irmão Batendo tambor vai Vai a noite a fora Cantando dançando Tocando viola Oh! sonho divinal Cheio de felicidade E o progresso de uma raça Hoje é realidade51

Menções as memórias negras se encontram presentes nos enredos Cantos e danças de um povo da Barroca Zona Sul que cita o samba, o frevo a

50 Enredo: Di Cavalcante “Dos Carnavais e das Mulatas”. Compositor: Favela. Unidos do Peruche, 1978.

51 Enredo: Sonho de um rei negro. Compositores: João Dionízio e Bom Cabelo. Nenê de Vila Matilde, 1978. 48

congada e caiapó de maneira superficial e o enredo “Paranãendy – o resplendor do mar” que faz uma referência às religiosidades greco romanas, indígenas e com uma breve menção à chegada dos orixás. Quem canta seus males espanta Diz um dito popular A Barroca se engalana Para apresentar Cantos e danças de um povo Do Brasil vamos falar Em verde e rosa, vamos exaltar Olha a dança da chula Do Rio Grande do Sul Canto samba, danço frevo Congada e caiapó Dança das fitas O meu Boi-Bumbá O candomblé da Bahia E a zabumba do Ceará Que barato sensacional É a Barroca neste carnaval De norte a sul Hoje vamos mostrar Esse meu Brasil A cantar e a dançar52

A cobertura do carnaval de 1978, pelo O Estado de S. Paulo e a Folha de são Paulo em nada se diferencia do ano anterior, as temáticas negras completamente ignoradas, O Estado de S. Paulo destacou os problemas trazido pelo feriado nas cidades litorâneas e interioranas, o acúmulo de carros nas estradas, alto índice de acidentes, brigas, desentendimentos, embriaguez, abuso de preços aplicados pelos comerciantes, pouco interesse da população pelos carnavais de rua dos bairros. No edital da edição de 4 de fevereiro de 1978 destacamos os seguintes argumentos para o não envolvimento com os festejos carnavalescos: “Antigamente, o carnaval trazia um sentido “nivelador”, anti hierárquico, coletivo, espontâneo. ”

(...)

“ Mas na aglomeração a que vivemos, o homem não precisa mais deste subterfúgio para iludir a sua própria individualidade. Ela já foi

52 Enredo: Cantos e danças de um Povo. Compositor: Afoxé. Barroca Zona Sul, 1978. 49

massificada no peso da luta cotidiana, num habitat novo que ele próprio está construindo e ao qual ainda não se adaptou totalmente53”

Novamente, está presente a visão nostálgica e folclórica do passado ideal. Contudo, pensando na realidade urbana da cidade de São Paulo nos festejos carnavalescos de “antigamente” como mencionado pelo jornal, ainda que não haja uma referência precisa do passado, percebemos que estudos mais concretos indicam que não havia um sentido “nivelador” no carnaval, como indica o historiador Nicolau Sevcenko, utilizando como referência o mesmo jornal de 12 de dezembro 1920 abordando os preparativos para o carnaval do ano seguinte:

“A polícia tomara enérgicas medidas a fim de evitar que indivíduos deseducados dirijam chalaças às pessoas que transitarem de automóvel pela cidade. Os que não obstante forem encontrados nessa prática serão presos e processados54.

Nos parece que havia grande preocupação do poder público em evitar distúrbios entre aqueles que desfilavam com seus automóveis e transeuntes nos festejos carnavalescos na década de 1920. Ponderando, assim, que tal nivelamento não faz parte de uma reconstrução histórica coerente, mas serve de justificativa para estimular a recreação individual e a difamação da coletividade. No dia do principal desfile novamente percebemos um estímulo a não participação de recreações coletivas no carnaval, além do amplo destaque às transmissões dos diferentes festejos nas cidades brasileiras, uma crônica intitulada “Carnaval relativo” de duplo sentido no que se refere às questões políticas ditatoriais assinada com as iniciais L. M. se encerra da seguinte forma:

“O melhor nestas circunstâncias, é tirar a máscara, rasgar a fantasia, voltar murcho para casa e ligar o aparelho de televisão: Ele lhe fornecerá as melhores imagens do carnaval, com impressionante profusão de mulheres seminuas (que o Falcão não saiba disso), gozando você o conforto do pijama, dos chinelos, do ventilador ou do ar condicionado, maravilha."

(...)

53 O Estado de S. Paulo, 4 de fevereiro de 1978. P.3 54 SEVCENKO, Nicolau. O Orfeu extático na metrópole: São Paulo sociedade e cultura nos frementes anos 20. 1º edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. P. 77 50

Acabando o carnaval, o espetáculo será quase o mesmo, tendo apenas a indiscutível desvantagem de não exibir mulheres seminuas, o que torna bem menos atrativa.”55

Notamos, nas entrelinhas do “discurso” político que dizia velada e provocativamente que não somos livres e não há motivo para alegrias carnavalescas, uma postura comportamental que reforça a participação das pessoas no carnaval como telespectadores, assim como reforça o interesse pela exposição das mulheres seminuas nestas transmissões ao longo. As emissoras de televisão e as escolas de samba se esforçaram ao longo do período em estudo para atender este público do carnaval. Na terça feira de carnaval, dia 9 de fevereiro, duas abordagens chamam a atenção, ambas carregada de muito conservadorismo e nenhuma menção aos desfiles das escolas de samba, fazendo uma curiosa apologia ao carnaval dentro de um contexto que estimulava uma reflexão sobre o próprio carnaval: “A cultura relegada e a criatividade ingênua desses habitantes das periferias das metrópoles brasileiras que é o grande espetáculo do carnaval” O Fim melancólico de um feriado era a manchete de um texto que pregava o não trabalho na quarta feira de cinzas, e o contexto religioso do carnaval deveria ser respeitado, da mesma forma a coluna informa que não haveria edição no dia seguinte, reforça que os trabalhadores tem direito a um descanso, apesar de ser uma conquista trabalhista recente, o descanso semanal estava presente no velho testamento da bíblia cristã, lamente que este feriado seja de pouca persuasão e diz que a “revolução de 1964” tentou implantar o feriado no calendário oficial, sem sucesso. Na edição do dia 9 de fevereiro, quinta feira, aparece uma reportagem sobre o desfile, dois dias depois de seu encerramento, novamente uma visão negativa do evento, apesar de 600 mil pessoas passaram pela Avenida Tiradentes, o destaque era para os problemas na arquibancada, brigas, nada de lucro para a os comerciantes, PAULISTUR, Jaguaré Produções, empresa responsável pela organização do evento, muitos assaltos e uma bomba de gás lacrimogêneo que explodiu misteriosamente em baixa da plateia, sobre isso, a

55 O Estado de S. Paulo, 5 de fevereiro de 1978.P.9 51

reportagem da Folha de São Paulo na edição do mesmo dia reporta que a polícia tomou esta iniciativa por supostamente haver torcedores da Camisa Verde e Branco armados perseguindo torcedores da Vai-Vai que atrapalharam o desfile da rival vaiando e arremessando latas na passarela. Diante dos temas relacionados a negritude, um reporte de um carro alegórico da Nenê de Vila Matilde com a representação de Pelé, Carolina de Jesus, Pixinguinha Jorge Bem e . A folha de São Paulo, pela primeira vez publica as letras dos sambas das escolas do primeiro grupo na sexta feira 3 de fevereiro, faz uma apologia ao LP, lamenta que foi lançado apenas 20 dias antes do carnaval e elogia a composição de Geraldo Filme dizendo que as composições estão melhor “Antigamente era sem pé nem cabeça, histórias confusas” 56 No dia seguinte, primeiro dia dos desfiles oficiais uma grande tabela com todas as escolas do grupo III, com o nome da agremiação, suas cores, os nomes dos enredos, autores dos sambas e o horário do desfile, a matéria ainda aborda a expectativa do desfile principal no dia seguinte com a frase: "A Tiradentes estará fervilhando”. A reportagem do domingo destaca a grande cobertura da TV Tupi com Plínio Marcos nos bailes da capital, interior e litoral. A mesma edição não traz nenhuma cobertura sobre os desfiles do grupo III haja vista tamanha divulgação dois dias antes, mas traz uma matéria de Dirceu Soares sobre os caminhos do carnaval embasado na percepção do sociólogo Clovis de Moura que produziu estudos sobre a práxis negra no Brasil ao longo de sua carreira acadêmica, enxerga o carnaval daquela contemporaneidade com um certo pessimismo, crítica o apoio excessivo da prefeitura aos desfiles das escolas de samba e o abandono do carnaval dos bairros. Destaca que em são Paulo esta se perdendo a memória carnavalesca e ainda faz uma projeção de futuro com a seguinte afirmação: o carnaval vai virar folclore, algo parecido com a congada ou a Folia de Reis. Diante disso o jornalista Dirceu soares afirma sobre o carnaval daquele ano: “perdeu a ingenuidade popular, a criatividade, foi substituído pela violência

56 Folha de São Paulo, 3 de fevereiro de 1978. P. 33. 52

e poluição sonora”57 novamente percebe-se um caráter conservador de uma visão nostálgica sobre o carnaval e nada sobre o desfile. Em 1979 a Mocidade Alegre aborda a Revolta dos Malês, fato muito simbólico no imaginário brasileiro como sinônimo de resistência escravista e temor da aristocrata. A composição de Beto e Ademir narraram o ocorrido com um tom melancólico e longínquo, na medida em que distancia o fato ocorrido com as realidades e construções históricas ao qual o fato ocorreu, ainda que não esteja explícita no samba, a homenagem é sobre uma tentativa de secção, algo que muito preocupava os censores da ditadura e aterrorizou a elite de Salvador no século XIX.

Surge em 25 de janeiro Um novo sol de esperança Vindos de mãe África distante Ostentando em toda fidalguia Eles estavam em Salvador- Bahia Ô ô ô Alauakabar Alauakabar Ô ô ô ô Num lamento triste e solitário Negro pedia a alah seu protetor Forças e coragem nessa hora Que a vitória seria em seu louvor Iao iao iaue iaue Negro clama liberdade Na Revolta dos Males E na hora da razão Foguetes, alvorada e traição Da revolta nada resta mais Derrota foi a outra solução é na Bahia Se comemora assim Com festas e danças A lavagem do Bomfim58

Depois do processo de independência do Haiti, feita por escravizados, uma rebelião negra sempre foi motivo de temor por parte do poder público do período e de acordo com as políticas ditatoriais do recorte adotado pela pesquisa também, considerada as proporções. Tal narrativa, provoca, e estimula a reflexão de um comportamento contemporâneo frente às memórias de

57 Folha de São Paulo, 4 de fevereiro de 1978. P.25. 58 Enredo: A Revolta dos Males. Compositores: Beto e Ademir. Mocidade Alegre, 1979. 53

resistência e à utilização de palavras como esperança e liberdade, utilizadas no inicio da canção. Tais palavras eram muito pertinentes ao período ditatorial ao qual o enredo foi apresentado. Estes primeiros anos dos desfiles na Avenida Tiradentes se caracterizam pela ampliação do desfile, como já dito, mas também percebe-se que há um alinhamento dos enredos com as propostas culturais hegemônicas determinadas com as políticas públicas ditatoriais, ainda que considerada ambiguidades subjetivas presentes nas narrativas. Ou seja, a divulgação se amplia, mas as abordagens da negritude são majoritariamente “vigiadas”. Stuart Hall destaca que há um espaço político no Pós-Guerra para o reconhecimento de multiculturalidades no mundo, contrapondo o eurocentrismo. Contudo, analisando internamente as disputas políticas percebemos que o controle sobre a produção artística se fazia presente pois o “mito” da democracia racial brasileira era amplamente propagandeado pelo governo ditatorial mundo afora, principalmente com as conquistas esportivas do Brasil, refletindo uma suposta harmonia racial, fazendo com que o espaço do samba fosse amplamente vigiado. Reconheço que os espaços “conquistados” para a diferença são poucos e dispersos, e cuidadosamente policiados e regulados. Acredito que sejam limitados. Sei que eles são absurdamente subfinanciados, que existe sempre um preço de cooptação a ser pago quando o lado cortante da diferença e da transgressão perde o fio na espetacularização. Eu sei que o que substitui a invisibilidade é uma espécie de visibilidade cuidadosamente regulada e segregada.59

O paulistano da Gloria novamente apresenta um enredo engajado composto por Geraldo Filme narrando a fundação da própria escola como um ato de resistência, relembrando a história do Brasil que veio, não pelos livros ou escola, mas por um “preto velho” que “conta” que a força e Liberdade do primeiro

59 HALL, Stuart. Da diáspora: Identidades e Mediações Culturais. 1º edição. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009. p. 321. 54

bloco carnavalesco encanta também a burguesia da cidade que toma contato com a sua arte musical através do teatro. Um preto velho contou O Brasil era imperial Surgiu na Colina da Glória O primeiro bloco de carnaval No esplendor de uma festa De um figurão da cidade O bando carnavalesco Zuavos da liberdade E no Teatro São Paulo No palco a luz reluzia Atores, cantores em cena Divertindo a burguesia Depois findou-se o império Acabou-se a primazia Mas no humilde porão Na roda de gente bamba Nossa madrinha Euníce Cultiva a semente do samba Falou da nossa gente Do Paulistano cordão Juca, Vitucho, Moraquebem Sublime recordação A semente da folia germinou Seu raiado espalhou-se no asfalto Hoje é o samba do negro O canto do povo Que fala mais alto Rua da Glória, canto, amor, poesia E o destino marcado Éo corredor da alegria 60

Ao contrário da composição que aborda os malês, o enredo do Paulistano da Gloria mostra que “Hoje o samba do negro o canto do povo que fala mais alto”61 Percebemos que há um destaque afirmativo para a questão negra na essência musical do samba, porém este gênero musical torna-se, o canto do povo, da coletividade, é o elo que une os diferentes grupos da cidade que fazem os desfiles. Não há na canção nenhuma menção a qualquer tipo de miscigenação cordial, mas percebe-se a intenção de mostrar que o samba deixou de ser exclusividade negra.

60 Enredo: Destino marcado. Compositor: Geraldo Filme. Paulistano da Gloria, 1979.

61 Palavras de Geraldo Filme presente na reportagem de Renee Castello Branco na Folha de São Paulo, 23 de fevereiro de 1979, P.12. 55

Tal percepção se faz presente na série de entrevistas da Historiadora Olga Von Simon em 1981 quando perguntado para o S. Nenê e para o S. Carlão do Peruche se a população negra deixou de ser maioria nas escolas de samba e ambos negam categoricamente. O Sr. Carlão do Peruche ainda ressalta que a fundação da escola contou com a presença de muitos brancos, mas a escola é majoritariamente composta pela população negra. A palavra povo, muito utilizada nas letras, merece uma abordagem sobre o seu significado no período e na conjuntura da pesquisa. Sobre as massas, Barbeiro define:

É um fenômeno psicológico pelo qual os indivíduos, por mais diferente que seja o seu modo de vida, suas ocupações ou seu caráter, “estão dotados de uma alma coletiva” que lhes faz comportar-se de maneira completamente diferente de como se comportaria cada individuo isoladamente”62

Portanto, entendemos que a palavra povo vem de encontro a essas diferentes massas espalhadas pela imensa cidade de São Paulo que individualmente se identificam às realidades das escolas de samba, sejam elas as atividades comunitárias durante o ano, ou os preparativos para o carnaval e dentro de uma realidade de presenças negras significativas, esse “povo”, de origens diversas, que se identifica com a cultura diaspórica negra, somam forças individuais que vão gerar os desfiles e consequentemente o culto às suas memórias. Pensando ainda na “produção cultural popular” (desfiles das escolas de samba) e toda a intervenção do estado e os órgãos repressores, destacamos a palavras de Hall: Creio que há uma luta contínua e necessariamente irregular e desigual, por parte da cultura dominante e a cultura popular; para cerca-la e confinar suas definições e formas dentro de uma gama mais abrangente de formas dominante. Há pontos de resistência e também momentos de superação. Esta é a dialética da luta cultural. Na atualidade, essa luta é contínua e ocorre nas linhas complexas da resistência e aceitação, da recusa e da captulação, que transformam o campo da cultura em espécie de campo de batalha permanente,

62 BARBERO, Jesús- Martín. Dos meios as mediações: comunicação, cultura e hegemonia. 5º edição. Rio de Janeiro: Editora URFJ, 2008. P56. 56

onde não se obtem vitória definitivas, mas onde há sempre posições estratégicas a serem conquistadas ou perdidas.63

Por mais aglutinada que sejam as realidades das massas nas grandes “manchas urbanas” como São Paulo, não podemos deixar de levar em consideração a realidade de carência material das periferias da cidade, ou seja, a realidade das diversas formas de segregação, racial, regional, religiosa, de gênero, de pessoas transexuais que são determinantes na produção cultural. É esta identificação, muitas vezes afetuosa que impulsionam os diversos setores das escolas de samba e as produções artísticas promovidas pelas escolas de samba. A cobertura da Folha de São Paulo dá grande destaque ao enredo do Paulistano da Gloria na sexta feira que antecedeu o desfile do domingo, com a matéria do jornalista Renee Castello Branco, “Paulistano da Gloria revive os seus mitos” descreve em meia página do jornal as memorias do tempo de cordão, a morte de Juca um dos fundadores homenageados, elogios ao samba de Geraldo Filme, dificuldade com dinheiro e a apresentação modesta comparada á outras escolas e mostra o “segredo” de manter quatro gerações de sambistas na escola, como relata Odair, diretor de harmonia da agremiação:

“Tem mesmo democracia na escola, o tempo todo, desde a escolha do samba enredo, do tema, das fantasias, de tudo. Ninguém acredita em cabeça pensante ditadora. A praticabilidade das ideias gera outras que podem ser melhores do que as pensadas por um só”64

A reportagem conta ainda com as fotos das baianas e os acabamentos de suas fantasias, de Dona Olinda, uma das fundadoras da escola. A cobertura dos preparativos abre espaço para a Nenê de Vila Matilde e a denúncia de que a escola só perde para o dinheiro porque Camisa, Mocidade e Vai-Vai “compram o carnaval” os preparativos do carnaval ainda abordam um português que faz parte da bateria da perola negra, os ingressos esgotados e os últimos ajustes para o desfile.

63 HALL, Stuart. Da diáspora: Identidades e Mediações Culturais. 1 edição. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009. P. 239. 64 Folha de São Paulo, 23 de fevereiro de 1979. P.12. 57

No sábado dia 24 o destaque vai para o último ensaio da Vai-Vai que aconteceu no Anhembi, com aproximadamente 3.500 pessoas, a reportagem se inicia da seguinte forma: “Aparece de tudo, criança, moço, velho, funcionário público, cozinheira, balconista, estudante, advogado, polícia. Na mesma matéria espaço para Chiclé, presidente da Vai-Vai, explicar o evento:

Não existe segredo. Esta união, esta libra do povo é que leva o Vai- Vai pra frente. Porque o Vai-Vai é povo. É gente trabalhadora.65

No domingo, dia do desfile a manchete estampa o otimismo do veículo quanto ao desfile “Na Tiradentes, o maior campeonato da alegria” há ainda os preparativos das 12 escolas, os bastidores da organização e o critério de escolha dos jurados, os blocos ligados às torcidas uniformizadas de futebol que desfilaram no sábado, além do amplo destaque ao desfile do Rio de Janeiro. Nos dias posteriores as coberturas sobre os desfiles são superficiais, ainda que chame a atenção uma grande foto da bateria da Camisa Verde e Branco, destacam-se aspectos sobre a organização em relação ao ano anterior e os espectadores, “ A PAULISTUR ficou em dívida junto ao povo: muita gente que foi a avenida Tiradentes não pode ver o desfile por falta de lugares na arquibancada” Reporta-se a animação da torcida com o Camisa Verde e Branco, a truculência da polícia fora da passarela como nos anos anteriores com aquelas pessoa que disputavam um lugar fora da passarela para ver minimante parte do desfile: “Ali, onde os policiais ficam de frente para o público, onde não tem som, nem luz de neon o carnaval era uma batalha, todo lugar que representasse uma oportunidade de visão era disputado.”66 Novamente, em 1980, o enredo da escola de samba Paulistano da Glória faz uma referência cultural à negritude na nossa sociedade. A musicalidade na vida cotidiana do negro, se descreve como um traço cultural permanente, que se constrói no passado e permanece na rotina, inclusive nas questões religiosas.

Que gente é essa

65 Folha de São Paulo, 24 de fevereiro de 1979. P.9. 66 Folha de São Paulo, 26 de fevereiro de 1979. P 7. 58

De pé no chão Que tem no canto Sua forma de expressão Cantou na travessia O seu triste lamento Para amenizar Tanta dor e sofrimento Que canto lindo Na plantação O rei escravo cantou Na mineração Rezou cantando Ao Pai oxalá Nagô-gegê-queto-Iorubá Oiá oiá vemnos ajudar Caô caô caô cabe si iobá Depois surgiu palmares Sua confederação E um canto livre Vem lá do sertão Cantou na capoeira No tronco cantou e gemeu Ela cantando embalava Um filho que não era seu Hoje esta gente sofrida Vem do morro da favela Mas traz um canto divino Que ilumina a passarela É o canto do negro sinhô É o povo negro sinhô É a liberdade sinhô, ôôô67

Nesta canção, novamente se destaca a denúncia de uma relação social nada harmônica na escravidão: “ela cantando embalava um filho que não era seu”. Além de toda narrativa retratar a opressão ao povo negro, a palavra “Ela” faz referência, possivelmente, a uma escrava doméstica, uma ama de leite, ou uma baba que precisa usar o seu canto, destacado por toda a canção como algo característico das culturas afro descendentes para cuidar de uma criança de uma família que não é sua. Mais uma vez o samba não mostra uma situação harmônica entre as relações sociais dentro da realidade narrada. Podemos perceber que o caráter político da produção artística de Geraldo Filme se potencializa no carnaval quando, em depoimento, o artista diz:

67 Enredo: Que gente é essa. Compositor: Geraldo Filme, Paulistano da Glória, 1980. 59

O paulistano da Glória representa muito para mim, porque faz lembrar a minha mãe. A velha trabalhava numa família lá dos Penteados, no Jardim América, Cerqueira Cezar, aquelas regiões, Alameda Santos, vinte e cinco, por ai, vinte e cinco, vinte e seis (referência cronológica) ela fez uma viajem para a Europa com uma dessas famílias ai. Daí ela viu um movimento de operário, um movimento sindical, aquelas coisas todas e ela...Gostou da coisa, dá até para organizar as cozinheiras lá de baixo. Quando voltou prá cá ela pensou em sindicalizar as domésticas, aquela coisa toda, uma organização em defesa das domésticas.

(...)

Ela e mais outras mulheres fundaram o Paulistano, não era o Paulistano da Glória que havia surgido o Paulistano lá em baixo, dos bacanas lá em baixo, ela fundou aqui em cima na cabeceira o Paulistano das cozinheiras...68

Percebemos o destaque que Geraldo Filme dá às características políticas as quais surgiu o Paulistano da Glória, assim como o engajamento político e social de sua mãe, que é herdado pelo compositor e se mantem presente em suas canções. Outra importante matriz africana no Brasil é a cultura Bantu. Neste ano a Barroca Zona Sul apresentou na avenida o enredo: Monomotapa – Reino Bantu, samba que foi interpretado por Gloria Brasil de autoria de Ary Baianinho, Jangada e Talismã. Enquanto a perspectiva ditatorial para a cultura sob forma de lei estimulava o destaque para a miscigenação, este enredo amplia, estimula, desenvolve, enriquece a discussão sobre a História da África, mais precisamente o Império Monomotapa e consequentemente as influências no Brasil.

Falamos de raízes plantadas na África distante Que transportadas para o rincão Brasileiro No porão do tumbeiro Deram fruto deslumbrante Tinha ouro, ferro e cobre O precioso marfim No esplendor do Reino Banto A riqueza era sem fim A Barroca vem cantar Os formadores da riqueza do Brasil Escravos que souberam transformar A mata virgem em jardim primaveril Cana de açúcar, algodão e café São um marco fundamental No sertão apavorante Ouro, prata e diamante Herança mineral

68 Depoimento de Geraldo Filme ao Programa Ensaio, TV Cultura, 1992. 60

Ô, ô, ô, ô, ô, ô Maravilhosa herança Ô, ô, ô, ô, ô, ô É banto em nossa lembrança 69

A Nenê de Vila Matilde com o enredo” Magnitude de uma Raça” descreve que o samba, que “nasce” na senzala, humilde, naquele momento era “soberano” o seu refrão afirma: alcançando o seu ideal, chegando ao cenário internacional.

Acasalando as culturas africanas Na senzala humilde o samba nasceu, nasceu Nenê vem demonstrar na passarela Como o poeta descreveu Valente subiu o morro Destemido pé no chão veio para o asfalto Alcançando o seu ideal Chegando ao cenário internacional Ôôôô hoje é rei sua brigada de bamba Ôôôô infantarias escolas de samba Coroa cravejada de brilhantes Colhidos nas minas da poesia Seu cetro uma baqueta dourada Vinda do país da ritmia E o manto real tia ciata bordou semente deu frutos e flores Abrindo caminhos para grandes valores Praça onze, senzala, mucamba Magnitude do samba70

A mocidade alegre aborda em seu enredo a visita do rei do Congo à Maurício e Nassau em Pernambuco, este tema ficou consagrado no mundo do samba pois além de ser uma grande referência da congada, trata-se do enredo do desfile campeão da Acadêmicos do Salgueiro em 1971.

O arauto anunciou Abre as portas do palácio Que a embaixada chegou Hoje é festa em Pernambuco Para o governador Que cortejo alucinante De batás e agogôs

69 Enredo: Monomotapa – Reino Bantu. Copositores: Ary Baianinho, Jangada, Talismã. Barroca Zona Sul, 1980

70 Enredo: Magnitude de uma raça. Compositores: Oswaldinho Babão, Coquinho e Pirulito. Nenê de Vila Matilde, 1980. 61

Dunga, Dunga Tará Sinherê Sinherê Dunga Tará Sinherê Olorum Dijê Chegou o sonho de Angola O bamba do Congo chegou Pediram proteção Ao então governador Em troca trouxeram oferendas Presentes de valor Tinha ouro em pó Peças raras de marfim Teve dança e alegria E o povo cantava assim Ô ô ô ô Iêrererererê Canta, meu povo, canta Para alayiê71

Na cobertura dos desfiles, chama a atenção a observação presente na Folha de São Paulo: Já a Mocidade alegre, que desfilou quando recomeçava a chover, chocou o público de outra maneira: depois de horas de tons sobre- tons e dégradés, ela trouxe uma profusão de cores, bem ao estilo afro.72

As coberturas dos desfiles que costumavam observar as características técnicas das escolas, reportou, ainda que de forma superficial, a estética proposta pela mocidade alegre que agradou aos espectadores e a boa presença do público que ocupou os 30 mil lugares na passarela.

71 Enredo: Embaixada de sonho e bamba. Compositores: Barbosa, Crispim, Praxedes. Mocidade alegre, 1980.

72 Folha de São Paulo 19 de fevereiro de 1980. P.11. 62

Imagem 5

As coberturas dos preparativos para o desfile eram mais significativas quanto à negritude apresentadas nos desfiles do que as coberturas do carnaval propriamente dito. Tal observação fica nítida quando a Folha de São Paulo além de abordar as realidades das escolas como o problema da quadra da Vai-Vai e o flerte de seu presidente com a prefeitura por um terreno no bairro de Santana e uma possível descaracterização da escola da Bela Vista, a novidade das mudanças dos sambistas de uma escola para outra, como o Mestre Lagrila que sai da Camisa Verde e Branco e vai Para a Rosas de Ouro, a apologia ao LP do carnaval de São Paulo, cuja manchete da reportagem denominou os sambistas paulistas de aprendizes de feiticeiro, comparado às composições do Rio de Janeiro, a publicação da foto de todos os casais de mestre salas e porta bandeiras das escolas de grupo I, o que mais chama a atenção é a reportagem de Koichiro Matsuo, embasado nas palavras do sociólogo Clovis Moura que reflete sobre a segregação da população negra inclusive no carnaval.

“Nesse período, os brancos não entram em conflito com os negros, eles vão para o Guarujá, (...) todos vão viajar, mas deixam os elementos de repressão, os mesmos que nos 360 dias reprimem os favelados, em sua maioria negro” 63

Na mesma reportagem Chiclé, presidente da Vai-Vai, diz:

“O negro é a atração principal desta festa popular porque o carnaval e samba estão muito ligado e que introduziu o samba no Brasil foram os negros africanos e mantem esta tradição de pai para filho, isso porém, não significa que o branco não possa participar”73

A reportagem aborda a vigilância e segregação. Mesmo com a revogação do A-I5, todas as escolas de samba e blocos precisariam enviar as letras dos sambas, croqui das fantasias, desenho dos carros alegóricos e tripés para a PAULISTUR, realidade que persiste até o carnaval de 1983. Além da violência policial que se mostrava presente no carnaval. Novamente, percebemos a necessidade de compreender a realidade daquele momento em que as escolas de samba vão ampliando as suas ressonâncias pela cidade e o interesse pelo desfile se torna maior, mas tem acesso ao evento apenas quem compra o ingresso. Da mesma forma, na visão de Chiclé, as representações culturais das escolas de samba continuam sendo de origem negra o que não impede a presença de quem quer que seja, todo o incentivo do Estado quanto a oficialização do evento, incentivo a produção do LP, verbas públicas para as escolas, não terminam com a segregação e violência, apenas muda de forma. Se por um lado as escolas de samba vão se tornando populares, por outro inibe-se a presença popular fora da passarela excluído da festa aquelas pessoas que simpatizam, mas não participam ativamente das comunidades, que não compram uma fantasia ou adquirem o ingresso para o desfile. A cobertura do O Estado de S. Paulo trás uma visão mais cuidadosa do evento em comparação aos anos anteriores, ainda que as mensagens sobre a negritude contidas nos enredos são invisíveis e a ideia de enxergar a festa como folclórica permanece, assim como os adjetivos pejorativos para qualificar o carnaval como um todo e as produções artísticas das escolas de samba de são Paulo. Contudo, notamos que as coberturas trazidas pelos jornais do período

73 Folha de São Paulo 17 de fevereiro de 1980. Folhetim P. 6. 64

sobre o desfile na Avenida Tiradentes ganham maior espaço, pela primeira vez, uma foto dos LPs dos sambas enredos do Rio de Janeiro e São Paulo ( os dois veículos utilizaram os LPs para produzirem as suas reportagens, ao que tudo indica as gravadoras cederam-nos como forma de divulgação) ilustram uma página do jornal, o juízo sobre as canções são negativos, “pasteurizadas”, “festival de imagens e adjetivos que pouco tem haver com a cultura popular mais legitima”74 o jornalista que escreveu a matéria não assinada e que supostamente escutou os dois LPs em questão faz um elogio ao Samba do Crioulo doido75, composição de Stanislaw Ponte Preta para o teatro rebolado em 1966. Originalmente, a canção fazia uma crítica à obrigatoriedade dos sambas enredos apresentarem enredos relacionados com a história “oficial” do Brasil, no carnaval carioca. Entendemos que dentro da conjuntura de 1980 trata-se de uma visão preconceituosa diante dos enredos dos desfiles de ambas cidades, uma postura conservadora de um “Ilustrado” diante de artistas sem embasamento para narrarem, em forma arte, os conteúdos estabelecidos pelas suas agremiações. Duas escolas de samba trazem temáticas negras no ano de 1981, A Nêne de Vila Matilde com o enredo Axé – sonho de candeia, traz um samba de Armando da Mangueira, sambista carioca radicado em são Paulo, artista que recebeu o primeiro título de “Comendador e embaixador da Mangueira em São Paulo”76 participou ativamente do carnaval de São Paulo em diversas escola de samba, mas se destaca como interprete e compositor de sambas famosos na Nenê de vila Matilde.

A Nenê Quando o samba incendeia Exalta você Você candeia Genial compositor Diretor de harmonia Glorioso baluarte A negra arte Defendeu com galhardia Iluminou Com emoção primaveril Nas cirandas que cantou

74 O Estado de S. Paulo, 16 de fevereiro de 1980. P.13. 75 Canção narra grandes equívocos e anacronismos da História do Brasil. 76 Informação obtida no site sambario. 65

As raízes do brasil Ô, ô, ô O seu axé Tinha a força de xangô Fez do quilombo Força e tradição Ergueu bem alto a voz, com emoção Ensinando a todos nós Consciência e coração O seu filho Será rei Orgulho corre na veia Isto é axé Sonho de candeia Ô raiou a aurora Dindi lá vai viola77

Outro enredo marcante do carnaval daquele ano apresentado pela Cabeções da Vila Prudente: Do ioruba ao Reino de Oyó, cuja música foi composta por Dom Marco, retratava as origens mitológicas do reino de Óyo. Contam os antigos rituais Que Xangô foi rei e um belo dia De Obatalá seu pai Poderoso encanto recebia Oyá dama prendada de riqueza Ofertava todo seu calor Roubando do encanto da nobreza Contrariou a tradição do amor Xangô ô ô, ô ô Xangô ô ô, ô ô Valei-me meu pai, valei-me Xangô Valei-me meu pai, valei-me Xangô Oyó o reino da beleza Tendo em Xangô o seu senhor Que já cansado com certeza O solo em moradia transformou E hoje como herança Cabeções canta em seu louvor Aganjú, kaô e laira Baiani, afonjá e agadô Bambaquerê Bambabará Oi no bangulê Deixa o corpo se arrastar78

77 Enredo: Axé- Sonho de Candeia. Compositor: Armando da Mangueira. Nenê de Vila Matilde, 1981.

78 Enredo: Do Iorubá ao Reino de Oyó. Compositor: Dom Marcos. Cabeções de Vila Prudente, 1981. 66

A valorização da ancestralidade nas religiões de origem africana faz com que haja, ainda que simbolicamente, uma conexão entre a presente realidade e os reinos africanos. Dentro da mitologia Iorubá Xangô foi o quarto rei da cidade Óyio, defensor de seu povo contra a injustiça, associado as violentas forças da natureza contra aqueles que promovem a injustiça. O refrão do samba diz: Valei-me meu pai, Valei-me Xangô, demonstrando a devoção a este orixá na vida cotidiana. As atenções dos jornais na semana que antecedeu o carnaval foram de encontro às tensões políticas no início daquele ano quando 10 líderes sindicais incluindo o presidente do PT Luiz Inácio Lula da Silva foram condenados, presos quarta feira e soltos na sexta feira em respeito ao alvará concedido pela justiça que garantiria a liberdade no desenrolar dos recursos devido a condenação baseada na Lei de Segurança Nacional no que se refere as greves dos metalúrgicos em 1979 e 1980. Muito se discutia sobre a revogação desta Lei, destacando a posição favorável a tal revogação pela CNBB e diversos grupos trabalhistas internacionais, assim como a posição da FIESP que entendia que o agravamento de tal situação política se dava pela responsabilidade do governo de não conseguir controlar a crise econômica. O espaço destinado ao carnaval no O Estado de S. Paulo é ainda muito menor que a Folha de São Paulo, ainda que seja perceptível uma ampliação da cobertura dos dois veículos. O Estado de São Paulo aborda os altos gastos da prefeitura com o evento e a reclamação das escolas com a pouca verba destinadas a elas, juntamente com a foto dos presidentes das principais agremiações e uma ficha técnica de todas as escolas do grupo I com o nome do enredo, presidente, mestre de bateira, enredo e um pequeno parágrafo destacando um fato histórico um uma curiosidade contemporânea. Há uma breve menção no domingo, dia do desfile principal, sobre o desfile dos blocos “com o seu entusiasmo espontâneo, muito mais próximo da alegria popular”79

79 O Estado de S. Paulo. 1 de março de 1981. P.14. 67

No tocante aos desfiles, pouco se reportou, iluminação irregular da passarela, presença de artistas, e disputa entre as torcidas nas arquibancadas. A ampla importância da Folha de São Paulo ao carnaval abre espaço para o olhar sobre as escolas de samba de São Paulo em diversos aspectos. Também maior para os preparativos do que para o desfile. O enredo da Cabeções de Vila Prudente foi abordado às vésperas do carnaval pela Folha de São Paulo com o seguinte título: “Ponto de macumba inspira Cabeções de Vila prudente” O título chama a atenção pela presença da abordagem pejorativa do termo macumba. As religiões de matrizes africana tem nas cantigas (pontos) um dos aspectos mais delicados e preciosos de seus ritos, a matéria nada diz sobre a canção ou enredo, reportando apenas as dificuldades financeiras da escola, sua localização e que o compositor será quem interpretará o samba durante o desfile. Além da já dita ampliação das reportagens sobre os preparativos das escolas do principal desfile e das demais agremiações que compunham os grupos pleiteantes ao desfile principal, em 1981 houve desfile no Ipiranga e na Lapa. Além da Avenida Tiradentes o concurso se ampliava para outros bairros que já tinham sido palco de um carnaval de rua “vigiado” pela prefeitura no ano anterior quando as escolas de samba desfilaram sem competir. A cobertura sobre o carnaval de São Paulo engloba fichas técnicas das escolas do grupo III, do grupo II e letras dos blocos especiais que começam a ganhar destaque em São Paulo com a presença de torcidas organizadas de clubes de futebol. Sobre as escolas, as coberturas dos preparativos destacam a falta de quadras das escolas, tornando-as frágeis enquanto grêmios recreativos e a discussão sobre um lugar mais apropriado para desfile:

“ Nos ofereceram a Santos Dumont, mas nos queremos a Avenida Paulista. Não se comemora título de futebol na Paulista? Pois também, queremos fazer nosso carnaval na paulista. Não queremos que levem o carnaval para a periferia e ele fique marginalizado”

68

Ainda sobre a disputa pelo espaço na cidade almejado pelas escolas de samba, seja com a obtenção das quadras ou sobre a passarela do desfile de carnaval e a dificuldade destas conquistas Osmar Cezar Carvalho, presidenta da UESP, continua: “Existe um resto de preconceito por parte da sociedade para o sambista. Talvez pelo sambista ter raízes negras faça-se essas restrições” 80

Por estes fragmentos expostos acima encontrado na reportagem de José Paulo Borges percebemos que apesar do espaço e reconhecimento conquistado pelas escolas, as questões do racismo são presentes e explica parcialmente, o pouco prestígio por alguns setores da sociedade paulistana em relação às escolas de samba. Na mesma reportagem o pagamento atrasado da segunda parcela da verba da PAULISTUR possibilitou o desfile e evitou a “greve do samba”81. No mesmo domingo a Folha de São Paulo, abre-se espaço para José Ramos Tinhorão refletir sobre a popularidade dos sambas enredos fato que ofusca o prestígio das marchinhas, críticas e satíricas de tempos anteriores.

“Esmagados por uma estrutura sócio econômica que os empurra para baixo, vedando-lhes o acesso às escolas e as possibilidades de ascensão, as maiorias não têm realmente como usar o seus sambas de carnaval como veículo de crítica ou contestação, porque não chegam, sequer, a compreender as razões políticas da própria injustiça social a que são submetidas. E a contraprova de tal verdade no campo da música popular, é atestada pelo fato de tais camadas não perceberem a contradição que consiste em louvarem, nos enredos de desfiles das escolas de samba as figuras da elite e os fatos históricos que expressão exatamente os valores e feitos da minoria que os manipula e domina” 82

80 Palavras de Osmar Cesar de Carvalho, presidente da UESP presente na Folha de São Paulo, 1 de março de 1981, folhetim P.6 81 Termo utilizado pelo jornalista José Paulo Borges para descrever, figurativamente, uma possível ausência de algumas escolas de samba durante o desfile de carnaval pelo não pagamento da prefeitura de parte da verba acordada entre a UESP e a PAULISTUR. Este termo vai de encontro às inúmeras reportagens sobre paralizações de diversos setores e as discussões sobre a legalidade das greves, que foi veiculado durante os dias que antecederam o carnaval. Folha de São Paulo, 1 de março de 1981, folhetim. P.6

82 Folha de São Paulo, 1 de março de 1981, Folhetim. P 3. 69

As palavras do pesquisador da música brasileira expressas nesta análise justificam o alinhamento de algumas agremiações com temas que atendem o interesse hegemônico simplesmente pela alienação e de certa forma generalizando, vitimando e inocentando o sambista por tais escolhas. Obviamente, este alinhamento existiu por parte de algumas escolas, mas não podemos perder de vista que vivíamos ainda sob a esfera de uma censura prévia no carnaval, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Assim como existia muita diversidade entre os compositores e composições das marchinhas, enquanto algumas traziam críticas sociais, outras reafirmavam aspectos conservadores, machistas, homofóbicos e racista. Por traz de tal afirmação percebemos, novamente o olhar nostálgico em busca das puras essências do carnaval e um certo desprezo, ainda que paternalista, para as produções periféricas que ganham notoriedade gradativamente. As coberturas dos desfiles abordam as questões técnicas de cada escola, destacam a animação das torcidas, o desfile do Rio de Janeiro, o carnaval em outras cidades e a volta dos paulistanos à capital. Em 1982 o governo federal lançou um plano trienal para a cultura e educação. A conjuntura política e social indicava perspectivas políticas para uma abertura. Naquele ano, no dia 15 de novembro, aconteceu a primeira eleição para os governos dos estados de forma direta em um contexto de grande crise econômica pela qual o Brasil vivia a denominada de Estagflação83. Naquele ano, o PIB do Brasil recuaria em 1,6%, a inflação chega a 103%, a dívida externa girava em torno de U$ 83,2 bilhões, com U$13 bilhões vencendo em até um ano, o governo brasileiro pediu ajuda formal ao FMI no mês de dezembro84. Obviamente os problemas sociais se agravaram e as contestações ao regime militar ganharam corpo. Diante disso, o plano trienal para a política cultural trouxe consigo a incorporação do termo “Cultura Popular”, não visto

83 Termo surgido no final dos anos de 1970, utilizado para denominar um panorama econômico de um pais que aliava a estagnação econômica e inflação descontrolada. Disponível em:HTTPS:// www.economias.pt 84 Fonte: jornal GGN: O histórico da crise da dívida externa brasileira. 70

desde 196485. Alguns termos utilizados neste documento como “comunidade”, “participação comunitária”, auto definição”, “criatividade” passaram a ser utilizados pela oposição política, inclusive da Teologia da Libertação86. Contudo, o que mais chama a atenção para o triênio ao qual o documento se refere é a seguinte frase: “O esforço de envolvência comunitária, da criatividade popular e de caracterização regional não deverá ser obstáculo ao desenvolvimento da consciência da cultura nacional, que deve subsistir na média e na diversidade das culturas regionais”. Diante desta nova perspectiva de política cultural que não deixa de lado o “mito verde e amarelo”, mas amplia visão de “cultura nacional”, os enredos das escolas de samba de São Paulo dialogaram de maneira mais abrangente com a realidade social do período. Assim sendo, as questões raciais e sociais foram amplamente exploradas, seguindo uma tendência sambista, haja visto que no início dos anos de 1980 João Nogueira já havia gravado “samba do trabalhador, Bezerra da silva: “Chico não deu sorte”, “Matemática do feijão”, “Deixa uma paia pro veio fumar”, “Tremeu na base” entre outras canções que se caracterizavam como críticas sociais. Podemos acrescentar, ainda, em nossa exemplificação a famosa canção: “Reunião de bacanas” escrita por Ari do Cavaco, famoso compositor da Portela, vencedor de muitas disputas em sua escola, em parceria com Bebeto São João que se tornou muito popular ao ser interpretada pelo grupo Exporta Samba no Festival Shell de Música Brasileira transmitido pela Rede Globo. O Camisa Verde e Branco apresentou um enredo diferenciado em relação aos anos anteriores. Abordou o negro na sociedade brasileira, com o enredo e a letra da música de Talismã: Achei um abola de ferro Presa nela uma corrente Tinha um osso de canela Deu tristeza em minha mente Esse osso de canela Veio de outro continente De jeito nenhum, não é preconceito

85 CHAUI, Marilene. Conformismo e resistência, aspectos da cultura popular no Brasil. São Paulo, editora brasiliense, 1996. P.87. 86 CHAUI, Marilene. Conformismo e resistência, aspectos da cultura popular no Brasil. São Paulo, Editora Brasiliense, 1996. P.88. 71

Negro ou branco tem direito Nossa escola não faz distinção de cor Pra falar sobre esse tema Foi que surgiu o problema E o dilema se avizinhou Ôô ôô, a nossa escola Enaltece a negra gente Que nunca ficou chorando Sempre viveu cantando, fingindo contente. Negro paga imposto Negro vai a Guerra Negro ajudou a construir a nossa terra Temos a pergunta Não nos leve a mal Por que só no tido de Momo Que o negro é genial? Ele é capitão Ele é general Poderia ser tanta coisa Dentro da vida real Lai laia laia laia laia Laia laia laia laia laia.87

Primeiramente, o autor justifica-se por abordar a questão negra de maneira diferente do que vinha sendo representado no carnaval de São Paulo, afirmando direitos iguais e que não se trataria de preconceito pelo fato de questionar o negro na sociedade. Uma vez que essa ideia vinha contra as ideias de miscigenagem cordial e pacífica. Contudo, novamente percebe-se uma voz comunitária na frase: ” A nossa escola enaltece a negra gente” a mesma comunidade que “não faz distinção de cor” ressalta a desigualdade social de maneira clara e objetiva, assim como destaca as apologias que se faz às artes diaspóricas no carnaval, mas alerta que a ingressão do negro na sociedade é dificultada. Ao contrário de muitos enredos que trazem a alegria no carnaval, este enredo ressalta que não há vitimismo no comportamento da população negra e que a alegria no canto se mistura com grandes descontentamentos diante do quadro social daquela contemporaneidade. O Estado de São Paulo timidamente faz um elogio ao samba da Camisa Verde e Branco, denominando-o como um samba” forte”, já a Folha de São Paulo

87 Enredo: Negros maravilhosos “Mutuo mundo kitoko”. Compositor: Talismã. Camisa Verde e Branco 1982.

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faz a seguinte menção: “a letra de Talismã, no entanto é política e canta a dor da opressão de sua gente”.88 Em entrevista, Zulu Pereira, sambista influente, no Camisa Verde e Branco, que participou ativamente na escola por 42 anos, afirma que Talismã trazia em suas composições um caráter de denúncia, fazendo dos sambas que compunham um verdadeiro “alerta”. Zulu Pereira afirma, ainda, que antes do carnaval de 1982, a diretoria foi chamada no DOPS e o delegado Fleury pediu para descaracterizar a letra do samba, pedido esse negado pela escola, porque ao descaracterizar o samba, o enredo ficaria desconexo e não havia tempo hábil para a reconstrução de toda a estrutura montada para aquele enredo. Além disso, Zulu contou que o objetivo da escola não era pregar a separação entre negros e brancos, mas mostrar os desdobramentos históricos que resultam, até hoje, na segregação denunciada na canção. Dá-se a entender que essa foi a interpretação do delegado, a secção entre negros e brancos, ferindo o senso comum da visão hegemônica das questões raciais no Brasil. Zulu Pereira reforça a importância daquele samba dizendo que a segregação é ainda uma realidade cotidiana e destaca a postura de resistência perante a tentativa de alteração do samba.

Hoje é em novela, sei lá eu, e até mesmo ai na rua, coisa que eu vejo, a polícia vem e pá, mão na cabeça...que não sei o que...pô...eu tenho...o meu carro é preto, eu sou preto, tudo é preto lá, já tomei dois enquadros da polícia porquê...você entendeu? Não!

- Esse carro é teu?

Documento, está aqui...eu não discuto mais, tá aqui o documento, carteira de habilitação, carteirinha do conselho e mostro.

-Você é tudo isso?

Umas perguntas sem pé nem cabeça que fazem! E em 82 agente queria mostrar um outro lado da história, ainda na época tinha um nigeriano, eu me lembro o nome dele era Cojo, veio pra estudar na USP e ai ele nos ajudou muito sobre o título, traduziu pra gente o que que era, dai foi onde colocamos o título, o Carnaval já estava pronto, enredo pronto, o cara queria que tirasse num sei o que...e ai...nos não

88 Folha de São Paulo, 21 de fevereiro de 1982. Segundo Caderno. P.15. 73

tiramos nada. Tinha um rapaz que era tenente do SNI na época, hoje ele é juiz federal ele foi lá e nos tirou de lá, quase que não sai o negócio.

(...)

Mas pra mim valeu a pena, no meu modo de ver é um dos sambas mais bonitos do Camisa Verde, até porque ali a gente tá retratando as coisas que nós estamos vendo nos dia de hoje.89

Diante deste relato, e do documento em anexo sobre a censura da Sociedade Rosas de Ouro, podemos afirmar que os órgãos repressivos ditatoriais ainda estavam atuantes mesmo depois da revogação AI-5 em 30 de dezembro de 1978, e a reivindicação de direitos incomodava o governo. Considerando ainda a influência governamental nas representações artísticas no carnaval de São Paulo, Madrinha Eunice, fundadora da escola de samba Lavapés, destaca em entrevista para Historiadora Olga Von Simon no ano de 1981: “Todas as escolas de samba estão na mão do PDS”. Quando o assunto era as quadras das escolas de samba que se ampliavam pela cidade, as agremiações contavam com o poder público para aquisições e concessões de terrenos para a construção de suas quadras de ensaio. Reinaldo de Barros e Paulo Maluf eram prefeito e governador, respectivamente, ambos do PDS (Partido Democrático social) buscavam apoio nas escolas de samba diante da nova realidade política de eleições diretas para cargos executivos e legislativos. No dia 30 de julho de 1982 aconteceu o III Concurso oficial de samba exaltação alusivo a semana da pátria, no Palácio das Convenções do Parque Anhembi, para a escolha da música símbolo para a comemoração deste ato cívico. Este evento promovido pela PAULISTUR demonstra a aproximação do poder público à UESP e consequentemente aos sambistas que faziam o carnaval, associando o samba ao ”civismo” ditatorial do período, alegando falta de recursos financeiros este evento não se realizou no ano posterior. A Nenê de Vila Matilde apresenta um enredo para o carnaval de 1982 chamado Palmares, Raízes da liberdade. Oia Princesa

89 Entrevista a Zulu Pereira - Antonio Pereira da Silva Neto, mais conhecido como Sr. Zulu, era diretor técnico da Liga, e resolveu ajudar nas apurações. “Falei: – Se acharem que eu sirvo, eu vou nessa daí. E assim estou até hoje”, conta. 74

Zumbi oia A nobreza de palmares Viemos recordar É claridade Brilha a raiz da liberdade Zumbi lutou Até que a morte o libertou E uma nova aurora conquistou Ôôô ôôô Se ouvia um feroz clamor Ôôô ôôô Se cuida branco que o negro não tem senhor Nô terrível horror do cativeiro Ao esplendor Palmares o quilombo pioneiro Superou a dor O negro soube se unir ao índio e ao branco pobre Eram três raças a sorrir Era um Brasil mais nobre Olha o tombo É samba de conga E tem dendê Chegou novo quilombo E seu nome é Nenê90

Esta composição de Armando da Mangueira e Jangada carregam consigo as ambiguidades característica das narrativas populares. Por um lado, retrata e enaltece a luta do povo negro contra a escravidão, assim como se identifica como “novo quilombo”, fortalecendo a memória de Zumbi dos Palmares, retrata as divisões raciais historicamente construídas em nosso pais com o seu passado escravocrata. Podemos notar, também, que este samba, assim como o samba da Camisa Verde e Branco analisado anteriormente, demonstra que as representações artísticas negras no carnaval já eram reconhecidas e admiradas, mas diferentemente do enredo do Camisa Verde e Branco, a segunda parte do samba acrescenta índios e brancos pobres às questões raciais ampliando o caráter de resistência. A ambiguidade (não no sentido de incoerência, nas sim na possibilidade de diversas leituras) das duas últimas frases da penúltima estrofe “eram três

90 Enredo: Palmares, raízes da Liberdade. Compositores: Armando da Mangueira e Jangada. Nenê de Vila Matilde 1982. 75

raças a sorrir, era um Brasil mais nobre” nos permite analisar como um projeto de sociedade, algo que se almeja, ainda que as frases estejam no passado, a conjuntura econômica e social de quando a canção foi produzida nos permite perceber que tal harmonia não fazia parte de um relato fiel da contemporaneidade vivida, mas reflete minimamente a coletividade das escolas de samba, muitas vezes denominadas de comunidade. O mito Verde e amarelo se faz presente na canção, da mesma forma que se denuncia um passado tenebroso, se destaca a o presente triunfante “No terrível horror do cativeiro ao esplendor”. A mediada que os desfiles ganhavam notoriedade na cidade e as coberturas jornalísticas se ampliavam, este samba tentava trazer a memória de zumbi e agradar ao novo público do carnaval, que já não era mais apenas periférico haja visto a amplitude da cobertura dos veículos de comunicação. A dupla de compositores já tinham feito sucesso na Nenê de Vila Matilde em 1979 quando o programa dominical Fantástico, da Rede Globo de televisão considerou o melhor samba enredo do Brasil naquele ano. A aposta para repetir o sucesso talvez passasse pela denúncia do passado e esperança para o futuro.

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Presente em uma alegoria deste desfile, uma representação de Dunga Tará, rei mitológico que protege o seu povo, esta foto apenas ilustra a reportagem sobre o desfile. Porém, podemos perceber que é uma forma didática 76

de perpetuação da memória e ancestralidade negra em um ambiente multirracial narrado pela letra da canção. As cabanas presentes na alegoria nos remete às civilizações africanas mas a proteção do deus, líder político é contemporânea estimulando a percepção para a continuidade de um culto africano. Como já dito anteriormente, as temáticas negras se ampliaram no Carnaval de 1982. Dois enredos seguiram a linha de associar a cultura negra e carnavalesca de maneira folclórica, A Escola Principe Negro de Vila Prudente, homenageou a cidade de Piracicaba com a composição de Borba e Murilão, que cita a congada como um dos atrativos da cidade. Da mesma forma, a escola renascença da Lapa com o enredo Touro Rei, menção à lenda de D. Sebastião que aborda as “pretas velhas rezadeiras”. Contudo, outras três escolas fizeram referência às religiões de matriz africana, a semelhança notada entre as composições fica clara na afirmação das questões religiosas associadas com guerreiros e para ajudar a vida das pessoas no presente. O enredo da Mocidade Alegre “ Malungos “Guerreiros negros” enaltece o passado de luta e termina o samba afirmando: “Olorum, Gegê, Nago, arte negra sim senhor”. Malungos irmãos verdadeiros De uma raça guerreira Que a natureza criou Com força e suor O negro procurou O seu valor Sob o poder da criação A arte negra despertou Nas cores do arco-íris Lá no céu, o sol nascerá Esculpindo uma vida Cantares ao meu povo E o filho de ogun No teatro vem de novo Imaginações Não reconhecidas Negro é lenda Além da vida Olorum, gegê, nagô Arte negra, sim senhor Olorum91

91 Enredo: Malungos: “Guerreiros Negros”.Compositores: Airton, Mário Luiz e Wilson. MocidadeAlegre, 1982. 77

O Vai Vai abordou a lenda de Orun-AYê, uma composição de Oswaldinho da Cuíca e Serginho narram o mito da criação. A letra aborda uma realidade cotidiana das pessoas com as frases: “sinto falta de paz, no meu povo presente, desde nossos ancestrais, Aruanda é a esperança”. Ou seja, trata-se de uma perspectiva da presença real na vida das pessoas e as suas esperanças contemporâneas. Surgiu Como um raio de luz A imagem do céu No Rasário de ifá Eu vi... ai eu vi Nossos babalaôs Transformando em passarela O universo que Olorum criou É Orum, Orum-aye É Orum o eterno amanhecer E lá do alto quando o sol brilhou Eu avistei a pedreira de Xangô Mas... Sinto a falta de paz No meu povo presente Desde nossos ancestrais Aruanda é a esperança Aquarius traz um novo amanhecer O homem almejando o paraíso A felicidade irá viver Olorum Canta meu povo em harmonia Olorum Vai-vai na apoteose da alegria92

Na cobertura dos preparativos, a reportagem de Ulisses Capazoli na Folha de São Paulo aborda o enredo da seguinte forma:

Orum-Aye, seguramente o mais bonito e fantástico enredo a ser apresentado pelas escolas

(...)

A Vai-Vai se propõe a mostrar a linguagem afro brasileira que traduz o universo de milhões de brasileiros, negros, brancos e mestiços que participam do candomblé, umbanda e quimbanda.(...)93

92 Enredo: Orum-Ayê – o eterno amanhecer. Composição de Oswaldinho da Cuíca e Serginho. Vai-Vai, 1982.

93 Folha de São Paulo, 21 de fevereiro de 1982. Segundo caderno. P.15. 78

Destaca-se ainda o reporte de uma matéria sem assinatura sobre Orum- aye, o verdadeiro sentido da vida, explica o folheto elaborado pela Vai-Vai. Ou seja, as escolas começam a se preocupar com a divulgação dos sue enredos e divulga-los para os veículos de comunicação. Os desfiles de carnaval de 1982, 1983 e 1984 foram os que mais tiveram cobertura da mídia escrita, uma nova diagramação se percebeu tanto na Folha de São Paulo, como no O Estado de S. Paulo e este modelo foi reproduzido nos anos seguintes. O Estado de S. Paulo amplia a sua cobertura, mas não associa o evento às questões políticas. Já a Folha de São Paulo faz uma associação explicita entre o carnaval e a pressão popular pela abertura política. Nas diversas reportagens do jornal, falava-se do Bloco dos Esfarrapados no bairro da Bela Vista e a presença de foliões fantasiados de possíveis presidenciáveis ; a necessidade da expressão popular nos sambas enredos para a sociedade brasileira; Crítica satírica a censura e a divulgação das normas para aquele ano, associando os sensores à Cabral, primeiro censor que que achava um absurdo os índios nus; Tom de denúncia na reportagem sobre a Flor da Penha com o compromisso do seu diretor Roberto Aniceto de “trabalhar para o PDS”(em uma possível eleição direta para presidente) se conseguisse da prefeitura um terreno para a construção de uma quadra. Quanto ao desfile, registrou-se o compromisso da PAULISTUR de colocar equipamentos de som na concentração do desfile na avenida Santos Dumont e não ter interferência da polícia para retirar os foliões que não participam do desfile. Aborda-se a imensa distribuição de convites cortesias e credenciais para a imprensa e a dificuldade de alguns jornalistas trabalharem na cobertura do evento, além da ampliação dos desfiles para a Vila prudente. Há um estímulo à participação e compreensão dos leitores no evento. Uma reportagem explica todos os quesitos que serão julgados e a tabela com a frase: “O jurado é você” incentivando o leitor a assistir ao desfile. 79

Imagem 7

Na terça feira de carnaval foram destinados no caderno especial de carnaval 9 páginas para a cobertura das grandes capitais como Recife, Salvador e principalmente Rio e Janeiro e São Paulo. No tocante ao evento em São Paulo, destaque das vaias para Reinaldo de Barros (presente no caderno Cidade e também no caderno especial de carnaval), reportado também pelo O Estado de São Paulo A violência policial no desfile do Ipiranga:

reprovável truculência de alguns policiais que não pouparam nem crianças do triste espetáculo que promoveram nos fundos do palanque reservado à imprensa. A distribuição de safanões foi farta no local e pelo menos 3 pessoas foram levadas - Um homem puxado pelos cabelos- para a área ao lado do mercado do Ipiranga, que ficaram estendidas no chão sob os perplexos olhares dos transeuntes”94

Quanto às memorias negras descreveu-se sobre uma alegoria de Zumbi dos Palmares com correntes quebradas, uma máscara representando o deus supremo Dunga Tará e um mapa do Brasil com as três raças unidas no desfile

94 Folha de São Paulo, 22 de fevereiro de 1982. P.13. 80

da Nenê de Vila Matilde, denominada de novo quilombo Nêne. Tais descrições associadas com adjetivos positivos e o termino do parágrafo destinado a ela com a frase: desfile que deixou saudade depois de sua passagem. Quanto ao Camisa Verde e Branco o destaque foi para os carros grandiosos, presença de jogadores de futebol profissional de São Paulo F. C. e Corinthians, confusão com a polícia na concentração e sobre o foi abordado como uma boa visão de mundo. No destaque do Vai-Vai abre-se espaço para Chiclé explicar o crescimento do carnaval em São Paulo:

O paulistano não tem aquele espirito de folia que caracteriza tão bem o carioca, estou de acordo. Mas samba é coisa séria nesta cidade, mais séria que você pensa. Preste atenção, irmãozinho. Orum-Aye não é filosofia para burguês.”95

Em 1983 as temáticas relacionadas ás negritudes não foram muito exploradas. Um imenso leque de enredos caracterizou o desfile do primeiro grupo das escolas de samba, possivelmente pelas críticas que foram constantemente atribuídas as escolas de samba sobre a repetição dos temas. Outra possibilidade é a repressão sofrida pelo Camisa Verde e Branco e Rosas de Ouro que possivelmente inibiu críticas mais ácidas à sociedade e ao governo, da mesma forma que este ano ainda existiu censura previa, todas as escolas e blocos precisavam mandar para a PAULISTUR o enredo, os croquis de fantasia e a letra do samba, caso fossem censurados, estavam proibidos de apresentar no desfile de carnaval. Tal repressão do estado inibe as críticas, mas isso não significa que não existiram, não foram tão contundentes como no ano anterior, mas a inflação (valor acumulado no ano de 1982 em 104, 79% IPC anual)96 e a esperança de dias melhores fizeram parte dos enredos. Ainda assim, os jornais deram destaques aos desfiles na expectativa de um grande evento, na sexta feira, 11 de fevereiro que antecedeu o desfile a primeira capa da Folha de São Paulo publicou uma foto da “Fábrica do samba”

95 Folha de São Paulo, 23 de fevereiro de 1982. P 13.

96 Dado obtido no site inflation.eu, em 22 de outubro de 2018. 81

que descreveu em reportagem na página 29 sobre um galpão no Bairro da Ponte Pequena onde fraternalmente Camisa, Vai-Vai e Barroca Zona Sul dividiam o espaço para a confecção de fantasias e alegorias para o desfile. Na primeira página do caderno Ilustrado a foto de Chiclé e S. Nenê e as suas frases otimistas sobre o carnaval.

S. Nenê: quem acha que o carnaval vai acabar ou é crente ou espirito de Porco.

Chiclé: Pelo menos o pessoal passa quatro dias sem pensar na inflação.97

No sábado que antecede o desfile, uma crítica de Dirceu Soares quanto a qualidade das gravações dos sambas enredos de São Paulo e Rio e Janeiro, e a sua importância quanto ao registro de uma época, pensando no aspecto dialógico que estas canções e o carnaval como um todo tem com a sua contemporaneidade. No domingo13 de fevereiro, dia do desfile a Folha de São Paulo dá grande destaque ao carnaval, inclusive no caderno destinado para crianças, descrevendo em página colorida, todos os instrumentos e as suas funções dentro de uma bateria de escola de samba. Percebemos nesta reportagem que ela se destina para pessoas que não fazem parte das comunidades, uma vez que se há a necessidade de explicação, não se tem a experiência de ensaios, ou realidade de vivencias que permitam o conhecimento empírico, assim como a ilustração é repleta de estereótipos amplamente explorado, principalmente pela televisão. As escolas de samba no período passavam por grandes problemas com a presença das crianças nos desfiles. As alas das crianças, assim como a velha guarda, representavam, simbolicamente o passado e o futuro da agremiação. A burocracia com o juizado de menores atrapalhava a presença das crianças e

97 Folha de São Paulo, 11 de fevereiro de 1982. P29. 82

muitas vezes desfalcava a escola que, dentro do enredo dependia da caracterização daquela ala par compor enredo98. Portanto, as crianças que faziam parte das comunidades não precisavam do jornal para conhecerem os instrumentos e as suas funções, sendo assim, notamos que o veículo, dentro do papel social da imprensa, traz esta informação para um público que se interessa pelo evento, mas não a vivência.

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Dentro de uma mesma perspectiva, as divulgações das letras dos sambas estão dentro de um espaço sugerindo o recorte, para o desfile ser acompanhado como espectador. Seja assistindo o desfile pessoalmente como sugere o cabeçalho da divulgação, seja como espectador televisivo.

98 Informação dada por S. Nenê em entrevista à Olga Von Simon em 1981. 83

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A Unidos do Peruche homenageou Grande Otelo, denominando-o como “Criador de Ilusões” e enaltecendo toda sua carreira artística. Esta “fórmula” de enredo que homenageia figuras públicas passa a ser menos utilizada pelas escolas depois do fim da censura prévia ditatorial.

Sorria, hoje é dia De alegria e emoções Viemos na avenida Com a vida do "Criador de Ilusões" Sorria, hoje é dia de alegria Arte, amor e emoções Viemos pra avenida com a vida Do "criador de ilusões" Lá em Minas abriu-se a cortina E esse astro brilhou A platéia o aplaudiu E o sucesso lhe abraçou De ajudante de palhaço Lá vai o artista Pelas noites cariocas Rádio, tv, cinema Teatro de revista No Cassino da Urca No Copacabana E no Show do Serrador Metida à bacana Praça Onze marcou o compositor O que não é fantasia Eu nem quero lembrar Hoje vou pra folia Não adianta chorar Solta o bicho Peruche segura não 84

Zé Boa Fé moleque Tião Macunaíma Cabarés e gafieiras Grande Otelo é cultura brasileira99

Ambos os veículos de comunicação descrevem nas suas coberturas que antecedem o desfile a presença de um carro alegórico com um painel com um imenso sorriso de Grande Otelo e um tripé com os dizeres “ sorria, hoje é dia de alegria”. Tudo indica que houve uma preocupação de escola em divulgar, parcialmente, o que apresentaria no desfile. Contudo, a cobertura da folha de São Paulo descreve como “extremo mal gosto” um carro alegórico em homenagem ao programa Fantástico da Rede Globo, onde grande Otelo fez algumas breves aparições com os seus personagem, consagrados nos filmes da Atlântida100. Notamos uma tendência, que analisaremos posteriormente, de associar a produção artística de um desfile com o discurso narrativo de programas televisivos. O Vai Vai apresentou um enredo crítico, mas aberto aos caminhos que os desfiles das escolas de samba tomavam. A ampliação das verbas publicitárias e a profissionalização dos trabalhos para o desfile ganhavam corpo, assim como a preocupação com o visual deslumbrante encareciam o desfile. Desta nova realidade. Em meu peito bate forte Um pulsar de alegria Samba da mais pura arte Que se expressa em fantasia De tudo que é Brasil eu sei falar E vou mostrar com amor e poesia Pois no samba tem Quem com grana vem Dizendo que vai ganhar E se a moda pega Nossa moda vai pegar

99 Enredo: O criador de ilusões. Compositores: Joaquinzinho e Benê. Unidos do Peruche, 1982.

100 Atlântida cinematográfica foi uma empresa cinematográfica que produziu filmes nacionais de grande sucesso nas décadas de 1940 e 1950. Fonte: www.cinemabrasileiro.net/produtoras.

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Quem não pode com mandinga Não carrega patuá Não suporto mais O samba perdendo a tradição No morro começaram a dizer Que o carnaval é produto-exportação Mas o Vai-Vai na avenida Diz no pé e dá um show de empolgação Mostrando que o samba verdadeiro É o que se faz de um tamborim E um surdo de marcação Ô ô ô ô ô Quanto esplendor Ô ô ô ô ô Canta meu povo que o dia clareou101

Esse refrão do samba de Namur e Macalé do Cavaquinho denotam uma postura bem-humorada em resposta às quantias cada vez maiores de dinheiro que se necessita para se ganhar o carnaval. Vem um dito popular de referência religiosa, mostrando a disposição para a nova negociação pela qual a cultura negra precisaria para se manter ativa, apesar da postura de resistência com o surdo de marcação e o tamborim, simbolicamente para manter a composição musical tradicional e o Criolé no carro abre alas.

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101 Enredo: Se a moda pega. Compositores: Namur e Macalé do Cavaquinho. Vai-Vai, 1983. 86

Imagem 11 As transmissões da rede Bandeirantes de televisão do desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro transmitiam também fragmentos do desfile de São Paulo. A imagem que analisamos neste momento, é o inicio do desfile da Vai- Vai trazendo alegoricamente, no carro abre alas (O primeiro carro do desfile), o mascote da escola Criolé, um sambista “nato”, contrapondo às necessidades cinematográficas que se esperava das escolas, apesar do efeito esfumaçante presente. O personagem criado por Otávio Câmara de Oliveira, cartunista traz consigo alguns estereótipos que serão analisados posteriormente. Podemos destacar, ainda, no que se refere às coberturas, o elogio feito ao personagem da Vai-Vai e a bateria da nenê de Vila Matilde na Folha de São Paulo.

1.4 Os Mascotes

Com a ampliação da divulgação das escolas de samba, em coberturas de telejornais sobre preparativos, escolhas dos sambas, ensaios etc., vão ganhando notoriedade algumas personificações criadas e identificadas, com as escolas, os chamados mascotes. 87

Apesar de não fazer parte dos enredos diretamente, entendemos que se deva dar uma atenção especial a estas criações, pois refletem a massificação da representação artística carnavalesca. Muitos pesquisadores mundo a fora voltam os seus esforços para compreender como historicamente os diversos personagens de quadrinhos do século XX surgem, se transformam, se relacionam com seus cotidianos, se posicionam ideologicamente, ou seja, dialogam com suas sociedades. Sendo assim, utilizando este olhar contemporâneo das ciências humanas e analisaremos esta característica adotada por três das escolas de samba de São Paulo que reforçam a linguagem visual do carnaval em uma realidade de difusão televisiva que se concretiza no período em estudo. Embora eles não tenham sido criados na década de 1980, estes mascotes vão se tornando popular, e carismaticamente, despertam afeição e empatia não somente aos membros das agremiações, mas também ao público espectador. Este tipo de linguagem visual lúdica, muito utilizada em propagandas comerciais televisivas, programas humorísticos, programas infantis, programas de entretenimento, chamou a atenção dos responsáveis pela edição de imagem da Rede Bandeirantes de televisão durante o televisionamento do desfile carioca, quando escolhem justamente o início do desfile da Vai-Vai em 1983 com a presença do Criolé para reportar em aproximados três minutos como estava o desfile paulista, assim como a Folha de São Paulo na cobertura dos preparativos. Como já visto anteriormente. Neste momento, analisaremos o Criolé, da Vai-Vai; o Perucinho da Unidos do Peruche; e o Criolinho, da Barroca Zona Sul. 88

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Criado pelo cartunista Otávio, o Criolé, mascote do Vai-Vai, carrega toda a representatividade da malemolência já cristalizada do sambista carioca. A camisa listrada, a calça e sapatos brancos remete a figuras de “malandro” romanceado dos anos de 1930 na capital nacional. Descrito da seguinte forma por Maria Aparecida Urbano:

No ano de 1970, o cartunista Otávio Câmara de Oliveira, jornalista do Diário de S. Paulo, frequentador da Escola Vai Vai, prestando atenção nos sambistas dentro da quadra, resolveu criar a figura de um boneco a que deu o nome de “Criolé”, homem negro, beiçudo, com cigarro na boca, camisa listrada e um tamborim na mão. Esse desenho, Izidoro Vasconcelos, escultor, artista plástico e cenógrafo da TV Cultura frequentador e colaborador do Vai Vai, transformou em um grande boneco, que foi colocado na entrada da quadra. Era um verdadeiro talismã, quem entrava na quadra passava a mão sobre ele para dar sorte102.

102 URBANO, Maria Aparecida. Carnavalescos e suas criações de arte. São Paulo: Clube do Bem Estar. 2003. P. 53. 89

Outra explicação para o surgimento do mascote se remete às transformações pelas quais a escola passou no ano de 1972, quando o estandarte é substituído pela bandeira, inserção de instrumentos leves na bateria, surge a ala das baianas e comissão de frente e o Criolé teria sido inspirado no presidente da época, o sambista Chiclé103. O Criolé foi alegoricamente utilizado no desfile de 1983, que questionava a “modernidade”, em 1990, quando o enredo indagava a influência e a exploração econômica estadunidense no Brasil. Portanto, reforçando simbolicamente a resistência às intervenções pelas quais o país e consequentemente o carnaval, estava passando e, em 1988, quando o enredo homenageava .

Imagem 13

Assim como o mascote da Vai Vai, a Unidos do Peruche tem um personagem chamado de Peruchinho, que compões o brasão e, consequentemente, a bandeira da escola, que se caracteriza pela constelação do Cruzeiro do Sul, símbolo nacionalista, e o Peruchinho em primeiro plano, Oficilamente, as cores da Unidos do Peruche é o verde, amarelo, azul e branco.

103 BELINE, Antonio. Escola de Samba VAI-VAI. O Orgulho da Saracura. São Paulo: Antonio Beline Editora e Cultura, 2003. P.33. 90

O traje de nobre com a peruca e a casaca nos remete ás linguagens representativas carnavalescas, cômicas, satíricas e paródicas que se estabeleceram na idade média europeia104 e se estenderam ao Brasil, onde as diversas formas de manifestações carnavalescas se tornaram sinônimo da festa e abrem espaço para esta representação “exótica”.

Imagem 14

O terceiro mascote a ser analisado é o Criolinho, um bêbe que também compõe o pavilhão da Faculdade do Samba barroca Zona Sul. Assim como muitas escolas de samba de São Paulo, a Barroca Zona Sul foi fundada na década de 1970 representava algo novo, um bebê engatinhando. Este mascote foi criado por Zé Carlinhos, compositor que se destacou na Vai-Vai por compor 14 sambas escolhidos para os devidos enredos, há uma proximidade entre a Barroca Zona Sul e a Vai-Vai, proporcionando estes diálogos que constroem a cultura. A figura do Criolinho está presente no samba exaltação da Barroca Zona Sul, tamanha importância deste mascote para a agremiação: Com o choro do cavaco Tamborim e marcação Verde e rosa é Barroca, dona do meu coração No céu o Pé Rachado, eterno baluarte São tantos bambas formados na faculdade Sou raiz e tenho história Honro esta bandeira

104 BAKHTIN, Mikhail.A Cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. 7º edição. São Paulo, Editora Hucitec, 2010. P. 9. 91

Batizada pela Estação Primeira de Mangueira O Crioulinho é só felicidade Tem baiana e velha Guarda muito axé comunidade.

Estes mascotes são muito valorizados e explorados artisticamente pelas suas agremiações. Em comum, os três mascotes são figuras masculinas, em movimento, tocam tamborim, seja de maneira indolente, imponente, ou inocente. Este instrumento musical, que se tornou sinônimo de samba, obrigatório nas baterias e bastante marcante na composição sonora de um desfile ou gravação. Outra semelhança entre as três representações de negritude são os lábios desenhados de maneira proporcionalmente grandes. A estereotipagem do corpo negro se fez presente em inúmeras circunstâncias no mundo ocidental, desde que o projeto colonial eurocêntrico tem, como um dos seus resultados o trabalho escravo africano no Brasil que se inicia no século XVI. São vastos os estudos e ensaios sobre as representações caricaturizadas do corpo negro e os lábios, constantemente, são alvos das estereotipagens racistas inclusive no carnaval.

Imagem 15 92

No Início do século XX, mesmo quando os ranchos contentavam a intelectualidade com seu tom aparentemente cordato e civilizado, a elegância buscada por seus integrantes era constantemente objeto de sátira da imprensa (Careta, 20 de fevereiro de 1909)105 A necessidade de inclusão social e aceitação dos povos negros nos centros urbanos que se formavam ao longo do século XX, fazia com que grupos negros se identificassem com o uso de trajes formais durante o carnaval que já fazia parte da cultura urbana de diversas formas, incluindo desfiles e paradas. A ilustração da Revista Careta e, duas décadas depois, a percepção de Paulo da Portela para os primeiros desfiles das escolas de samba no Rio de Janeiro (como visto anteriormente) mostram este tipo de comportamento. Da mesma forma, o escarnio em forma de estereotipagem se mostrava presente. Podemos entender a formação dos estereótipos como práticas de formação de significados rasos que são facilmente compreendidas ao mesmo tempo em que reduz, essencializa, naturaliza e fixa a “diferença”. Esta estratégia de “cisão” divide o normal e o aceitável do anormal e inaceitável106. É dentro deste contexto de cristalização da representação do corpo negro onde se legitima o traço, originalmente pejorativo, ressignificado dentro de narrativas afirmativas tomando uma postura de resistência na perspectiva de inverter o caráter “negativo”, imposto pelos padrões eurocêntricos. Destacamos aqui a dramaticidade de tal estratégia de combate ao racismo descrito por Frantz Fanon, que leva as populações negras a circunstâncias conflituosas, alimentadas por fantasmagorias antagônicas e desumanas107. Percebemos esta mesma estratégia de valorização da cultura negra quando alguns adjetivos pejorativos para desqualificar algumas práticas religiosas se fazem presente nas letras dos sambas ressignificados, não mais como negativos, mas agora fazendo apologia a estas práticas.

105 Imagem e texto: CUNHA, Maria Clementina Pereira. Ecos da folia: uma história social do Carnaval carioca entre 1880 e 1920. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

106 HALL, Stuart. Cultura e Representação. Rio de Janeiro, Editora PUC-Rio: Apicuri, 2016. P 191 107 FANON, Frantz. Pele negra mascaras brancas. Salvador; EDUFBA, 2008. 93

Em 1978 a Rosas de ouro apresenta o enredo “Salamanca do Jarau” uma lenda gaúcha que descreve o “herói“ do conto como:

“Eta nego mandingueiro Amarrou o feiticeiro E sumiu pra ninguém vê”

Em 1985, para fazer apologia à cultura brasileira o samba do Camisa verde e Branco diz: “Tem feitiço na dança É canjerê”

Da mesma forma, em 1987, a Camisa Verde e Branco homenageia a Barra Funda, no enredo:” Barra Funda estação primeira” descreve o bairro como:

“Berço de encantos e magia Do samba, futebol, feitiçaria”

Assim como a palavra “mandingueiro” reverte a característica pejorativa do termo, caracterizar o bairro da Barra Funda como berço do “feitiço” reforça as práticas religiosas de origem africana. Como visto anteriormente, a criação da União das Escolas de Samba de São Paulo estava engajada no combate ao racismo e o gênero musical denominado samba também se caracteriza como uma arte de protesto.

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Capítulo 2. Os desfiles sem a censura prévia

2.1 Os desfiles e a transmissão televisiva

Os desfiles das escolas de samba de são Paulo são oficializados e organizados pela Prefeitura de São Paulo já sob a esfera da massificação em 1968. Sendo assim, a visibilidade do evento sempre se fez presente nos anseios dos sambistas e o seu televisionamento ao vivo, foi algo muito almejado pelas escolas e pela UESP. Sobre isso, Evaristo de Carvalho, radialista, atuante no Rádio Teatro Negro nos anos de 1950, um dos responsáveis pela adaptação do regulamento dos desfiles em 1967 e apresentador do programa Rede Nacional do Samba de 1985 até o ano de sua morte em 1994 diz em entrevista em 1981 para a Historiadora Olga Von Simon: Evaristo de Carvalho: Existe muito preconceito social contra a escola (de samba) aqui em São Paulo... (em comparação ao Rio de Janeiro)

(...)

Veja Bem...então nós temos aqui, o fato da televisão em si, ela mostra no vídeo o carnaval do Rio.

Olga Von Simon: Valoriza o carnaval do Rio?

Evaristo: Veja bem, ela mostra o carnaval do Rio, de vez em quando ela da um Take para São Paulo...é terrível! Você não existe! Um problema muito sério também...agente tem que estudar, não sei de que forma fazer para que o povo aceite o nosso carnaval como ele é...difícil isso108.

O primeiro televisionamento ao vivo para todo o Brasil foi no ano de 1983, feito pelo SBT, fato que se repete em 1984, antes disso a TV Cultura fez transmissões regionais dos desfiles, não foram contínuos e as informações trazidas pelos jornais sobre os televisionamentos eram discrepantes, dificultando a precisão quanto aos desfiles anteriores veiculados pela televisão. Os dois veículos de comunicação não possibilitaram a pesquisa em seus arquivos, a TV

108 Entrevista de Evaristo de Carvalho disponível no arcervo digital do MIS (Museu da Imagem e do Som de São Paulo). 95

Cultura sob a alegação de que não existe em seus arquivos estes registros e o SBT sob a alegação de respeito à política interna da empresa.

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A transmissão do evento seria como um reconhecimento, uma legitimação da expressão cultural que se consolidava, tirando da “invisibilidade” as escolas de samba de são Paulo. O informe publicitário sobre a transmissão ao vivo do desfile, segundo o site TV história, foi publicado na Folha de São Paulo em 5 de fevereiro 1984. Contudo, percebemos que ele se fez presente no Jornal O Estado de S. Paulo na edição de 2 de março de 1984. As mensagens contidas nos enredos gradativamente, vão se aproximando do discurso televisivo para fazer sentido ao público espectador, que deixou de ser a vizinhança ou a comunidade, mas todos os lares como um televisor. Esta circunstância vai ser decisiva para a produção artística das escolas, uma vez que a mensagem precisar ser coerente com as práticas sociais para haver receptividade (Hall, 2011). E estas práticas sociais já muito explorada pelos programas televisivos serão as referências de muitas escolas de samba para a composição de seus enredos. 96

Se por um lado as Escolas de samba de São Paulo ampliam o seu prestígio, as verbas publicitárias vinda da divulgação do evento se tornam motivo de discórdia entre as escolas quanto a representatividade da UESP, e a sua relação com a PAULISTUR, uma vez que a receita vinda da televisão não se dirigiu para as agremiações como retrata a carta da PAULISTUR à UESP

(...)

Com todas as despesas já orçadas e diversos pagamentos já realizados, a Paulistur e a Prefeitura de São Paulo, viram-se obrigadas a captar recursos da iniciativa privada e da televisão, para tentar cobrir o déficit previsto com a execução do carnaval 84. Procedimento aliás, mencionado pelo prefeito e por mim, á vocês, não apenas naquelas reuniões no Gabinete do prefeito, como em encontros posteriores

Isso significa que toda e qualquer receita advinda da venda para a televisão, de patrocínios publicitários, merchandising ou concessionários, ficará inteiramente para a Paulistur, para cobrir as volumosas despesas que teremos com a promoção do carnaval. 109

(...)

Ainda refletindo sobre a questão da popularidade do desfile em São Paulo, o jornal O Estado de São Paulo publica uma pesquisa do Instituto Gallup de Opinião Pública sobre as preferencias em São Paulo, onde foram ouvidas 635 pessoas e Rio de Janeiro, onde foram ouvidas 600 pessoas. Segundo a pesquisa publicada no dia 2 de março de 1984 o comportamento dos entrevistados nestas duas cidades se assemelham em alguns aspectos, considerando a margem de erro da pesquisa que não foi divulgada na reportagem, metade dos entrevistados em são Paulo gostam de carnaval, enquanto no Rio de Janeiro a proporção é de 3 para5, 24% dos paulistas pretendiam viajar, enquanto 21% dos cariocas pretendiam viajar, 33% em São Paulo acompanhariam os desfiles das escolas de samba pela televisão enquanto 38% acompanhariam no Rio de Janeiro ( a reportagem não especifica se os desfiles seriam do carnaval em São Paulo ou Rio de Janeiro). Porém dois aspectos se divergem, primeiramente quanto o recorte é classista, segundo a pesquisa em São Paulo a maioria das pessoas que iam aproveitar o carnaval era da classe A, enquanto no Rio de Janeiro a

109 Correspondência de 20 de dezembro de 1983 da PAULISTUR, a ssinada pelo seu presidente à época Sr. João Dória Jr e enviada nominalmente para Betinho presidente da UESP. 97

maior parte das pessoas que aproveitariam o carnaval eram das classes B, C e D (a reportagem não demonstra os critérios que foram utilizados para estas classificações). Outra grande discrepância comportamental se refere às preferencias por escolas de samba, enquanto no Rio de Janeiro os 3/5 das pessoas que responderam gostar de carnaval 71% simpatizam com alguma escola de samba enquanto em São Paulo, daquelas pessoas que gostavam de carnaval apenas 33% se identificavam com alguma escolas de samba, dentro deste recorte a popularidade das escolas em São Paulo, foram apresentadas as seguintes proporções Vai-Vai 12%, Nenê de Vila Matilde 7% e Camisa Verde e Branco 6%. Essa pesquisa nos ajuda a compreender a realidade daquele momento em relação ao carnaval, onde quem mais aproveita o carnaval tem uma realidade material privilegiada, comunidades carnavalescas muito menores em comparação ao Rio de janeiro, em uma cidade onde o carnaval de rua foi esvaziado e os desfiles amplamente vigiados pela censura. Podemos acrescer a isso, uma ampla valorização da perspectiva hegemônica de perceber a cidade como um lugar do trabalho, do acúmulo, da relevância social pela posse de símbolos de prosperidade em contraponto do brincar no carnaval, fantasiar-se, participar de eventos comunitários, participar de eventos relacionados à cultura negra. Os apontamentos da pesquisa descrita acima, eram percebidos pelos sambistas: Pé Rachado: No Rio eles estão acostumados com o Samba, em São Paulo tem problema com vizinho, polícia...

(...)

O paulista não é carnavalesco...

(...)

O Paulista é um trouxa, ele não entende o que é carnaval... Aqui é duro, não tem condições...110

Em concordância, Seu Nenê afirmou.

Eles (paulistas) não tem o mesmo espírito do carioca(...)Nós estamos falando de 81, neste ano de 81, se for no Rio, um enredo...um histórico

110 Entrevista de Pé Rachado a Olga Von Simon em 1981. Fonte: acervo digital MIS. 98

pra sair descalço, ele sai, o carioca sai. O paulistano não sai, o paulista é burro, ele descrimina, fica um rindo do outro.111

O presente trabalho sobre as representações artísticas negras do carnaval constata que as abordagens religiosas são mais numerosas no ano de 1984, diante das hostilidades e vigilância do Estado no ano anterior, não se percebeu críticas sociais mais relevantes nos enredos, ainda que não houvesse mais censuras prévias. Diante deste fato e da cobertura televisiva que se consolidava no carnaval de São Paulo, as apresentações contaram uma diversidade de temas, fato observado e elogiado pelos veículos de comunicação. Porém “ O inesgotável tema de Umbanda aparece na Nenê, Camisa e chega a ser aflorado na Barroca” esta observação trazida pelo O Estado de S. Paulo do dia 1 de março faz referência aos enredos analisados a seguir. A Flor de Vila Dalila, apresentou um enredo denominado “Brasil, maravilhosa mistura de raças”. Mais uma vez, há uma ambiguidade entre a projeção futura de sociedade harmônica e o mito verde e amarelo dentro de um espaço carnavalesco em que as ordens sociais são aparentemente dispersas. Iererê, laraiá, ô ô De raça e de cor Minha gente é nossa flor Brasil Linda flor da criança Poema que se fez ternura Raio de luz cadente Semeando a mistura Brasileira Maravilhosa A procissão na passarela O samba mistura a cor Negra, branca e amarela Olha lá no fundo Todo mundo tem mistura Não me leve a mal É carnaval não tem frescura A flor vermelha Foi quem plantou E fez a vida Com muito amor 112

111 Entrevista Seu Nenê a Olga Von Simon em 1981. Acervo digital MIS. 112Enredo: Brasil, maravilhosa mistura de raças. Compositores: Miguelzinho da Vila, Niltom da Flor, Wladi Sereno, Adilson Falô-ô. Flor da Vila Dalila, 1984 99

Duas narrativas mais elaboradas abordaram as histórias mitológicas de deuses africanos, Primeiramente, a Escola de Samba Nenê de Vila Matilde com o enredo “Sagração dos Deuses”, novamente uma composição de Armando da Mangueira, faz um paralelo entre a construção cultural religiosa e a vida cotidiana. É oxumaré Colorindo o céu Cobra encantada É arco-íris no céu No alto astral Faz-se a sagração De Oxumaré Orixas em ritual Eleitos de Olodumaré Pai Oxalá É força, é sabedoria Paizinho Oxum deusa Formosa Dança dengosa Iirradiando harmonia Aruanda a, Aruanda ê A luz que vem De Aruanda Ilumina os passos da Nenê Iemanjá sereia Feiticeira Rainha do mar Oxósse o caçador Senhor da mata O seu valente protetor Pedra rolou Na cachoeira Com seus amores É Xangô lá na pedreira 113

O samba apresenta alguns dos principais orixás do “panteão” ioruba´, Oxumaré e o seu arco-íris; Oxálá com sua força e sabedoria; Oxum e sua formosidade feminina que traz harmonia; Iemanjá, a rainha do mar; Oxosse e a sua precisão de caçador; Xango e a pedreira. Tudo associado a um refrão que a composição para a vida material: Aruanda seria a terra mitológica utópica, perfeita e sagrada, fortalecendo espiritualmente o mundo concreto.

113 Enredo: Sagração dos deuses. Compositor: Armando da Mangueira. Nenê de Vila Matilde, 1984. 100

Esta apresentação foi muito elogiada na cobertura do O Estado de S. Paulo: “Seu Nene superou as dificuldades econômicas para se apresentar à altura de suas tradições”. Sobre a vitória no desfile: “ Talvez o babalaô (adivinho) oxumaré saiba a resposta que a cultura negra e os ritos afro- brasileiros não podem explicar de forma objetiva. Foi um carnaval em forma de Oração e por isso mereceu respeito dos iniciados em candomblé.”114

A Folha de São Paulo, que naquele ano denominou a festa de “carnaval das diretas” além de dar grande destaque à estreia do sambódromo do Rio de janeiro sem a presença do então presidente João Figueiredo, descreve da seguinte forma a Nenê de Vila Matilde: A politizada Nenê de vila Matilde, que sempre se preocupou com a cultura negra, volta-se novamente para as raízes da cultura negra”.115 A capa do LP dos sambas enredos de 1985 destacam, pela primeira e única vez, dentro do recorte adotado para a pesquisa, a ala das Baianas possivelmente da Sociedade Rosas de Ouro, a única menção feita a foto, Há um agradecimento pela a gentileza da Bloch editores S.A. (Manchete) sem legendas. As capas que ilustravam os LPs geralmente traziam fotos panorâmicas, mas esta em especial destaca as baianas devidamente enfeitadas e orgulhosamente representando Oxum, senhora do equilíbrio e fecundidade. A foto foi tirada do mesmo plano dos integrantes da escola (possivelmente para reportagens sobre o carnaval da Revista Manchete, mas que não se encontram nas páginas da cobertura sobre o carnaval daquele ano) destacando esta ala feminina que dentro da escola de samba tem muita importância, fortalecendo dentro do imaginário carnavalesco da cidade de São Paulo a centralidade deste grupo dentro das agremiações.

114 O Estado de S. Paulo 6 de março de 1984 p.7. 115 Folha de São Paulo 4 de março de 1984. P.24. 101

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A ala das baianas não existia nos cordões, é uma “importação” dos desfiles do Rio de Janeiro. No início do século XX, quando o samba era proibido em praça pública, eram nos terreiros chefiados por mães de santo que os sambistas podiam se expressar livremente. Quando o samba passa a ter o seu espaço no carnaval em público, a ala das baianas é obrigatória nos regulamentos dos desfile. Sobre as baianas Geraldo filme afirmou:

São aquelas Negas Velhas que aguentam, porque..você acha que eles mantinham a ala das baianas? As bonequinhas lá...só rebolam, a ala das baianas é que seguram o repucho meu filho! Elas estão acostumadas em cantar em terreiro.116

A mulher negra ganha espaço e visibilidade sem o estereotipo hipersensualizado. Passa a ser uma referência estética ligada às religiões africanas, como anciãs, são fortemente valorizadas nas escolas de samba e comunidades periféricas nas cidades brasileiras.

116 Depoimento de Geraldo filme no programa ensaio, TV Cultura, 1996. 102

Ainda em 1984 e sobre a presença central feminina nas comunidades carnavalescas O Estado de S. Paulo faz uma reportagem sobre D. Sinha, esposa de de seu Inocêncio Tobias, fundador da Camisa Verde e Branco descrevendo- a com vitalidade e orgulhosa de desfilar no carnaval com bisnetos. sobre O enredo de sua escola, o Camisa Verde e Branco trouxe para a passarela: “Os três encantos do Rei, o samba foi composto por Luiz Carlos e Neff Caldase e enredo pensado por Thereza Santos117, ativista feminista negra, militante do Partido Comunista, teatróloga, atriz, professora, filósofa, carnavalesca e militante pelas causas dos povos africanos da diáspora e do continente e, principalmente, dos afrobrasileiros118 O enredo abordava uma narrativa referente a trama que envolve, na mitologia Iorúba, as três mulheres do Orixá Xango, Iansã, Oxum e Obá. Fazendo um paralelo da visão de Thereza Santos sobre a mulher negra em 1985 percebe- se que as características das deusas se aproximam das características das mulheres negras na visão dela. Em verde branco Eu vou contar Esta linda história Que você jamais esquecerá Os três encantos do rei O justiceiro de Ifá Xangô pegava o machado Deixando despedaçado Quem contra ele ia lutar Me dá a sua mão Teu coração Meu grande amor Foi assim que Inhansã Por ele se apaixonou Mulher, ô mulher Dos trovões dos palácios Do raio e da luz Ilumina o meu viver Yalodê Foi o seu segundo encanto Onde derramou seu pranto Porque amor pra valer Mas o guerreiro Foi a procura De batalhas de prazer Foi quando conheceu Obá

117 Informação obtida em entrevista concedida por Zulu Pereira. 118 Informações obtidas no site https://www.geledes.org.br. 103

A deusa negra mais forte Que se entregou até a morte O terceiro encanto do rei Xangô virou terra Inhansã foi com ele morar Nossos lagos, cascatas e rios São de Oxum e de Obá 119

As feminilidades trazidas pelo samba são: “Ilumina o meu viver/ amou pra valer/ a deusa negra mais forte”. Ou seja, a afetividade, a referência, o equilíbrio e a força psíquica, resistência física, estão presentes nas necessidades sociais da mulher negra na vida concreta cotidiana: Se você pegar hoje, quer dizer...a boa aparência...entende, num pais que vive da indústria da fome...é o homem negro outra vez prejudicado. E esta mulher negra, quer dizer, desde 1888, vem sempre segurando esta família, segurando esta base. Ela não era somente a pessoa que segurava economicamente a família, mas é também aquela...é o braço que você pode chorar, a gente pode dizer isso...na hora do desespero do homem, entende? Do homem negro pela igualdade, pelo respeito humano sempre foi essa mulher negra que esteve do lado dele e que sempre conseguiu dizer pra ele: - continue! – ela sempre foi o esteio econômico, mas também moral da luta.120

Da mesma forma Zulu Pereira comenta a relação sobre a vida cotidiana o tema do enredo: É a história de Xangô, como nós aqui, vivo e as mulheres, né ? Ele e as mulheres, né ? Aí deu aquele puta enredo que falava esse tema...como é que falava? Esse tema é a vida de alguns neguinhos aqui do Camisa Verde121.

Percebemos diante destes dois relatos sobre o enredo citado, que propositalmente, ele foi criado como uma forma metafórica e artística de representações da vida cotidiana, com os seu encontros e desencontros, com personagens que carregam características humanas que correspondem às necessidades sociais da vida concreta. No domingo dia do desfile a cobertura do O Estado de S. Paulo, sobre os preparativos dos desfiles faz um breve elogio:

119 Enredo: Os três encantos do Rei. Compositores: Luis Carlos e Neff Caldaas. Camisa Verde e Branco, 1984.

120 Entrevista de Thereza Santos em 1985 por Ras Adalto, Vik e Amauri Pereira, disponível em Cultne- acervo digital da cultura negra. 121 Entrevista de Zulu Pereira. 104

“muito bonito, o samba enredo de Neff Caldas terá o apoio de 220 batuqueiros comandado por mestre divino”122e na terça, dia 6 reporta que o samba foi cantado por toda a avenida.

2.2 As memórias negras nos sambas pós ditadura

A ditadura civil e militar tem seu fim oficialmente no Brasil no dia 15 de janeiro de 1985, quando Tancredo Neves foi eleito, ainda que pelo voto dos congressistas, em eleições indiretas. Apesar de todos os problemas políticos, econômicos e sociais que faziam parte da vida cotidiana das pessoas em uma realidade em que a inflação IPC (Índice de Preço ao Consumidor) em 1988 chegou a 554,19%123, outra referência nos permite concluir sobre as dificuldades cotidianas daquele período é a taxa de analfabetismo, que em 1987 atingia 20% da população brasileira. Entre os anos de 1981 e 1985 60% da população brasileira tinha abastecimento de água pelas redes e, em 1981, apenas 49,2% dos brasileiros tinham coleta de lixo em suas residências124. Contudo, havia uma atmosfera esperançosa com fim do regime autoritário que se refletia nos enredos das escolas de samba. O diálogo entre os sambas e as realidades concretas se faziam mais presentes, assim como a relação com um “futuro” que se aproximava. Sendo assim, os temas dos enredos tornam-se, mais amplos. As narrativas satíricas exploravam temas como falta de dinheiro, inflação, escândalos de corrupção, assim como foi muito explorado a ambiguidade entre a tradição do carnaval e os seus símbolos, como a ala das baianas, a velha guarda, e a contemporaneidade futurista, como computadores e o cometa Halley, que pôde ser visto a olho nu em fevereiro de 1986 e foi motivo de decoração da passarela naquele mesmo ano. Neste período, prevaleceram enredos relacionados a variadas temáticas negras. A presença religiosa continuou sendo marcante, embora os enredos

122 O Estado de S. Paulo, 4 de março de 1984 p.22. 123 Dados obtidos no site da World Wild Inflation Data. 124 Dado obtidos no site do IBGE. 105

não apresentem aspectos centrais da religiosidade, ela está presente nas narrativas do cotidiano, na forma negra de se viver. No que se refere ás coberturas dos jornais percebemos que diminui o espaço dado às escolas de samba, assim como as coberturas e os pontos de vistas quanto ao evento vão se assemelhando. Em 1985, o vencedor do concurso em São Paulo desfilaria no Sambódromo carioca em comemoração ao 50º aniversário dos desfiles no Rio de Janeiro, o que acirrou a disputa pelo título. Apesar dos jornais reportarem certo desanimo das pessoas em relação ao carnaval, altos preços de produtos, altos gastos do poder público com a festa, a Folha de São Paulo destaca os preparativos dos desfiles na sexta feira com a foto de Talismã e Thomaz, diretores do Camisa verde e Branco e Mocidade Alegre, respectivamente, além de ressaltar as palavras do trio de carnavalescos da Vai-Vai que São Paulo ainda Não tinha um “Joãozinho 30” em seu carnaval, ou seja, um responsável que concentra importância dentro de um desfile, pensando e coordenando a execução de todas as etapas de preparação de um desfile. Novamente, o SBT transmitiu com exclusividade o desfile, fato apontado como positivo por Mario Covas, prefeito de São Paulo no espaço dado a ele na Folha de São Paulo quando questionado sobre o aumento dos gastos, justificando-os diante de uma maior arrecadação vinda da ampliação do número de ingressos com a montagem de uma arquibancada onde no ano anterior foi um camarote, e ampliação da verba publicitária diante da transmissão já mencionada. O enredo “ Água de cheiro”, da Vai-Vai, descreve a presença da água de cheiro, um dos símbolos mais significativos do “sincretismo” religioso na utilização da Lavagem da escadaria da Igreja do Senhor do Bonfim, em Salvador, O samba destaca a presença da água de cheiro no carnaval, nos ritos religiosos e engrandece o seu uso no dia a dia quando, no refrão questiona: “Será que este teu perfume vem da França ou da Guiné?” Chererê, chererê, chererá Vai-Vai a avenida vem perfumar Chererê, chererê, chererá Requebra, o batuque tá de embalar 106

Àgua de cheiro na avenida Essências da vida Que faz o povo delirar Venha cair na folia Aroma-alegria Explode no ar Amor, vou te dar um cheiro Vem me fazer cafuné, cafuné Será que este teu perfume Vem da França ou da Guiné Ê Tabacaum Venha nos dar o seu axé Em preto e branco a batucar Dá força e proteção a quem tem fé Limão de cheiro nos antigos carnavais Com pierrô, colombina e arlequim... E na Bahia água de cravo Na lavagem do Bonfim Quando eu sair Do palácio de Oxalá Levarei perfume e flores Pra Janaína saudar125

Imagem 18 A massificação do evento traz uma novidade assim descrito por Maria aparecida urbano, a Cidinha, primeira carnavalesca e pesquisadora do carnaval de São Paulo: O Vai Vai nunca tinha tido um patrocínio comercial, e assim foi feito. A Rastro, embora não tivesse dado auxílio monetário, presenteou a escola com uma quantidade grande de pequenas embalagens de plástico, tendo a sua propaganda de um lado e do outro, o emblema do Vai Vai e o nome do enredo, colocando em seu interior o perfume Rastro. Estas embalagens foram distribuídas durante o desfile, deixando a avenida toda perfumada.126

125 Enredo: Água de cheiro. Compositores: Nadao e Turquinho. Vai-Vai, 1985.

126 Beline, Antônio (org). Escola de Samba Vai Vai. O orgulho da Saracura. São Paulo: Antonio Beline Editora e Cultua S. A. 2003. P. 53 107

Este fato demonstra a aproximação entre a publicidade comercial e os desfiles das escolas de samba, mais especificamente, uma marca de perfume, tradicionalmente associada a “sofisticação” se associa à um enredo onde narra tradições afro religiosas, onde a presença dos odores são marcantes. Ou seja, Os olhares pejorativos às religiões de origem africanas vão sendo também agregados à valores positivos destas religiões. A camisa Verde e Branco também faz uma referência religiosa, de certa forma sincrética naquele ano. Acende a vela iaiá Senta no toco ioiô Sou Negro Velho Tenho história prá contar Brasil, meu Brasil cor de canela És menino, cheira terra O teu corpo é sutil Brasil tem um campo de riqueza Quando canta é uma beleza Seresteiro que surgiu Surgiu o luar O mar sereno Ginga, meu Brasil moreno Tem abará, ô, tem dendê Tem feitiço na dança É canjerê Menino que nasceu em verdes matas Tomou banho de cascatas Adorno é flor de manjericão Seu leito, eu descanso, é meu berço Esperança vem do peito O amor do coração Giram alas na avenida É Camisa colossal Com seu manto Verde e branco Gingar no carnaval127

A sabedoria anciã fala sobre o país caracterizando-o como uma criança, vale lembrar que o período que se inicia com o fim da ditadura civil e militar foi denominado de Nova República, algo que estava se iniciando e de maneira indireta, reforçam a ideia de uma sociedade que naturalmente vai encontrar os rumos da prosperidade com o passar do tempo.

127 Enredo: Ginga brasil moreno ou menino cor de canela. Compositor: Ideval. Camisa Verde e Branco, 1985. 108

Contudo, a atmosfera cívica trazia para a o carnaval enredos carregados de reivindicações políticas e sociais claras, como no samba da nenê de Vila Matilde. Vai, Nenê Embalando a alegria E no canto Da Águia Guerreira Toda altaneira Cai na folia Quando o cacique rodou a baiana O turuna vestiu a camisa, gravata e paletó Mas o branco soberano Só explorando Até que o índio disse ó Ó ó ó Até que o índio disse ó Macobeta No rádio e televisão Destrói a arte E a imaginação Negro também quer Poder falar alto Rodar a baiana Chegar no planalto Hoje Para orgulho de nossa nação Negros e brancos E índios são irmãos Reivindicando seus direitos Se unindo em mutirão! Oh! meu senhor... Devolva minhas terras Por favor Nosso canto e dança Desponta nossa alegria Driblando a inflação É o nosso dia-a-dia128

Nesta narrativa, são apresentados elementos muito próximos com as perspectivas de uma construção democrática, estimulado inclusive nas propagandas do governo federal onde o slogan era ”Tudo pelo social”. A afirmação de que juntos negros brancos e índios lutam por seus direitos e somando esforços individuais para o bem comum onde a palavra mutirão reflete,

128 Enredo: O dia em que o cacique rodou a baiana, aí ó. Compositores: Ala Jovem e Paulinho da Matilde. Nenê de Vila Matilde, 1985. 109

concretamente, os esforços comunitários de uma Escola de Samba, além de almejar cargos públicos centrais na vida política do país. A Barroca Zona Sul apresenta em seu enredo a História de Chico Rei e a União Independente da Vila Prudente traz o enredo “Magia de uma raça” ambas as narrativas trazem consigo a dores da escravidão e duas referências da contra escravidão uma Chico rei, a outra Zumbi dos Palmares. Eu vou contar A história do bom chico rei Que foi capturado Com seu povo escravizado Sem pudor e sem ter lei No porão de um tumbeiro Num maldito cativeiro O chicote do feitor E naquele sofrimento Se ouvia um lamento De tristeza e de dor Ô ô Zambi, deus do amor e da paz Tenha pena desta gente Que pensa na corrente, sofre e padece demais E no Rio de Janeiro No Valongo leiloeiro a apregoar E um fidalgo mineiro, moço cheio de dinheiro Foi lhe comprar E foi levado a Vila Rica Ao trabalhar nas minas do senhor E todo dia levava ouro nos cabelos Até que um dia a alforria ele comprou Mandou libertar seu povo E voltou a ser rei de novo Vamos nos dez anos de Barroca Quando o samba te evoca e vem para te coroar Mandou construir uma igreja Lá no alto da cruz Pra Santa Efigênia Sua devoção, sua luz.129

A narrativa de Chico Rei denota certa linearidade e destaca as bondades dele, comprando a alforria de muitos escravos e construindo uma Igreja.

Viagem num navio negreiro Para o solo brasileiro Negro chorava, negro sofria Sem se preocupar com a morte Só em busca da sorte Era a luta do seu dia-a-dia

129 Enredo: Chico Rei, “O explendor de uma raça”. Compositores: Toninho de Carvalho, Sidney da Conceição, W. Medeiros. Barroca Zona Sul, 1985. 110

Rezava forte o negro Lá no quilombo eu vi Bravos guerreiros Comandados por zumbi Odero motidi yio, motiba ebaba mokulê Baba ewa batigero, motiba ebaba mokulê Na Bahia, nasceu o candomblé, candomblé Seu axé capoeira, baianas faceiras Benzem com arruda e guiné (e guiné) E no rio de janeiro viola e pandeiro Escola de samba Em São Paulo fazia muita boemia Orgia, pagode e roda de samba Canta, canta, quero ouvir seu cantar Esquece o seu pranto no seu patuá É a união na avenida que passa Exaltando a magia de uma raça Herança africana que faz brilhar Um sorriso negro que o samba tem Um novo dia virá e um grito de liberdade Virá também130

Além de narrar a liderança guerreira de Zumbi dos Palmares, esta composição projeta um futuro de liberdade, exalta a herança e o sorriso negro, aspecto marcante da expressão cultural e que remete às resistências negras dentro de uma relação política e festiva no campo religioso, destaca as características negras na Bahia e no Rio de janeiro, amplamente espelhada e enaltecida pelas escolas de samba de São Paulo. As reportagens focam os seus olhares nas questões técnicas das apresentações, da aglomeração de pessoas na concentração e o comércio informal de bebidas e comidas, prefeito Mario Covas, a exploração da nudez feminina pela televisão e principalmente no atraso e discussão dos dirigentes das escolas e diretores da UESP quanto à composição dos jurados. O destaque dos jornais em 1986 foi para a grande indefinição sobre a montagem do carnaval de São Paulo, pouco se falou sobre os enredos. O novo prefeito Jânio Quadros empossado em janeiro de 1986, traz consigo muitas alterações na estrutura das secretarias, entre elas o fim da PAULISTUR que organizava o carnaval. Diante dessa realidade, os jornais voltavam os seus

130 Enredo: Magia de uma raça. Compositores: Grupo família, Daniel, João Amorim, Biguinho. União Independente da Vila Prudente, 1985. 111

esforços na cobertura dos preparativos em informar o seu público quanto às novas decisões para montagem do carnaval, chegou-se até a especular a hipótese de não haver desfile naquele ano. No sábado, uma semana antes do carnaval, a Folha de São Paulo publicou uma tabela para o leitor entender a “novela” do carnaval daquele ano, entre as indefinições que pairavam faltando oito dias para o desfile destacava- se a destituição da PAULISTUR e a demissão de grande parte dos seus funcionários, sendo substituída pela Anhembi Centro de Feiras e Congressos, contando com profissionais experientes em eventos no palácio das convenções, mas não na organização do carnaval, o que resultou em 4 alterações em três semanas na equipe responsável pela organização, quando aparece a figura de Epaminondas José da Cunha, chamado às pressas, pois já trabalhara na organização do carnaval na prefeitura de Olavo Setúbal, em 1978 e 1979. Durante a semana os olhares dos veículos de comunicação iam de encontro as indefinições: ingressos não impressos, nada decidido sobre a montagem das arquibancadas, indecisão quanto aos transportes dos carros alegóricos para a passarela, assim como o transporte dos componentes das escolas. Houve contratação de empresas sem licitação e a ampliação dos gastos de Cr$ 8,5 bilhões para Cr$ 14 bilhões. Indefinição quanto ao dia do desfile, pois o tradicional domingo poderia ser substituído pelo sábado para evitar a concorrência na transmissão televisiva dos desfiles do Rio de Janeiro. Somando a todos estes percalços, foi realizada a escolha do corpo de jurados pela UESP, naquele ano presidida por Betinho, diretor da Nenê de vila Matilde, fato que já foi motivo de discórdia no ano anterior e onde a escola da zona Leste sagrou-se campeã, surgirá no mesmo ano de 1986 a LIGA, assunto que trataremos a seguir. Dentro de uma perspectiva de sátira, atrativa a uma linguagem televisiva da época, a Escola Colorado do Brás apresenta o enredo “Ah! Se eu fosse Noé”, um devaneio contemporâneo da mitologia Judaico Cristã, descreve tudo o que seria levado para dentro da Arca de Nóe no caso de um dilúvio:

Vou mandar, fazer a minha arca Quem quiser pode embarcar Minha arca é de alegria, vai ter festa noite e dia 112

Vem comigo, vem sonhar Não sou Noé, mas comigo vou levar Uma escola de samba, muita muamba, amuletos e iemanjá Vou levar mulata, vou ver o meu pandeiro Vou levar o meu terreiro, e um galinho de guiné Vai ter feijoada, uma cerva bem gelada Não vai faltar cachaça, vatapá, acarajé Óh, mãe natureza, de braços com você vou navegar Quero a flora colorida, e pra fauna uma guarida E uma estrela a me guiar Mas no infinito, vou buscar os imortais Grandes poetas, grandes valores Que o tempo não desfaz Já é maré cheia Alegria é geral Canta meu povo neste sonho sem igual Ô ô, ô, ô Com a Colorado neste carnaval131

Além do sincretismo religioso, está presente de forma significativamente a comida de origem africana e adotada como símbolo de brasilidade. A palavra folclore ressurge nas letras de dois sambas, uma em 1986 com o enredo” Apesar de tudo é isso aí”, da Mocidade Alegre; e em 1987, no enredo da Sociedade Rosas de Ouro “São Paulo, seu povo, sua gente”. O samba da Mocidade composto por Roberto da Tijuca, Nenê Capitão e Wagner do Cavaco, mostra a contradição de uma vida cotidiana com muitas dificuldades, mas que tem espaço para festas e alegrias. Apesar Apesar de tudo é isso aí Nossa Mocidade Alegre Vem aí Nem branco, nem índio Nem ouro, nem prata Joga no preto que vai dar mulata Na exposição Do folclore brasileiro Onde o nosso povo Vibra o ano inteiro Lendárias são suas magias Com danças, crenças e fantasias Numa sinfonia ritual Dando um colorido sem igual Me leva de encontro à natureza Onde o verde é uma beleza Sinta o perfume no ar

131 Enredo: Ah se eu fosse Noé. Compositores: Dom Marcos, Preto Xixá, Roná Gonzaguinha. Colorado do Brás, 1986. 113

Nesta terra que é tão rica Maravilhosa ela fica Quando o povo for morar No meu país tanta emoção Futebol é atração Faz a torcida delirar Qualhada gela no banco Véio Zuza implorando Aos seus orixás Na beira da praia Garotas de tanga Surfistas nas ondas, brincando no mar Uma cerva gelada, batuque na lata Sambista vai se embriagar132

As referências de negritude neste samba se dão com a mulher negra sob o estereotipo da mulata e de um personagem de televisão, do humorista , chamado de Veio Zuza. Uma caricatura de um líder espiritual e conselheiro ao estilo black face. Este samba apresenta negritudes muito próximas ao que é explorado pela televisão em programas de entretenimento. Na mesma época, algumas escolas de samba fugiram desta tendência e apresentaram narrativas mais engajadas com as lutas contemporâneas negras e com as perpetuações das memórias de grupos, de líderes políticos, e de artistas negros que, ao terem suas vidas narradas, retratam características coletivas. A Unidos do Peruche homenageia o artista circense Benjamim de Oliveira.

Olha eu ai, vendendo de novo A Tiradentes me recebe engalanada Eu sou alegria, emoção do povo, trago Benjamind Canta, canta peruchada

Negrinho, o menino tão valente, sim Em lombo de burro andava Seu canto o acalanto do sertão ô ô Rimas que o povo gostava O circo é o seu destino, corre prá ele menino Na raça na força guerreiro Olha o Benjamind no picadeiro

Coroa de rei, é de ouro, prata e marfim Coroa do negro palhaço, feita de capim

132 Enredo: Apesar de tudo é isso aí. Compositores: Roberto da Tijuca, Nenê Capitão, Wagner do cavaco. Mocidade Alegre, 1986. 114

Se não fosse a Jandira Lhe tirar da tirania Era sonho o pedestal E a cena assim prossegue Com o tal viúva alegre Ou princesa de cristal O palhaço vai a rua Madrugada toda sua E a lua lá no céu Desnudada do seu véu Clareando o carnaval Moço até Peixoto Aplaudiu a sua fama que veio de longe do Circo Politegaa133

Aqui, destaca-se a realidade de Benjamim de Oliveira que se emprega uma realidade social e uma metáfora que descreve a segregação vivida pela população negra apresentada pela diferença entre a coroa de rei e a coroa do negro palhaço. O trocadilho entre a realidade artística do homenageado, a uma condição social da população negra pode ser considerada uma denúncia social. Percebemos a proximidade do homenageado com a realidade comunitária na medida em que o samba ressalta a própria comunidade peruchiana e os espectadores do desfile. Diferentemente das tendências satíricas e televisivas, outra composição neste ano de Mestre Lagrila, famoso por dirigir baterias e composições vencedoras no carnaval de São Paulo, em parceria novamente com Ideval, está no enredo Festa para uma Rainha negra, homenagem a Luiza Mahin, personagem central na revolta dos Males. Uma época distante, senhor Lá pra os lados da Bahia Era lei do cativeiro senhor Para o negro que sofria A razão chegou mais forte porque A revolta dos malés Nega “Luíza” mulher sofrida Entra na luta filha de gegê Ole ola lala Acende a fogueira, o batuque não pode parar

133 Enredo: Benjamin de Oliveira, “O palhaço negro”. Compositores: Ideval, Mestre Lagrila, Carlinhos. Unidos do Peruche, 1986 115

Ole ola lala Segura na barra da saia, senão ela pode queimar Menino toca o ganze ou ganzá Esta noite é pra cantar Aqui só há alegria e amor Hoje é festa no congar O terreiro enfeitado e no céu A lua clarear Não chores não, corre pra ver Luiza rainha, filha de gegê Ole ola lala Acende a fogueira, o batuque não pode parar Ole ola lala Segura na barra da saia, senão ela pode queimar Bate a cabeça no chão, oh senhor Ela acabou de chegar No tempo da escravidão, o que fez? Guerreou pra nos salvar Para a deusa de bronze, o que? Oferendas vamos dar E esta noite é pra você Nossa rainha filha de Jejê Ole ola lala Acende a fogueira, o batuque não pode parar Ole ola lala Segura na barra da saia, senão ela pode queimar134

o samba, dividido em três partes, ressalta a vida indigna da escravidão, a homenagem e as festa em um terreiro, e traz as devidas honras de rainha em um culto de candomblé que, na verdade, trata-se do próprio desfile. Nesta oportunidade o samba foi interpretado por Marcia Ynaia. Novamente a Revolta dos Malês é narrada em um desfile resgatando as características comunitárias da escola quando a descreve como filha de Jejê, algo presente contemporaneamente aos adeptos desta linha do Candomblé. Um fato que merece destaque e nos ajuda a perceber as diretrizes e caminhos das narrativas do período em estudo é a reportagem feita pela Folha de São Paulo quando cobrindo os preparativos da Nenê de Vila Matilde reporta a censura interna na letra do samba de Armando da Mangueira denominado “Rabo de foguete” onde o samba original tinha as seguintes frases: Crianças sem

134 Enredo: Festa para uma rainha negra. Compositores: Mestre Lagrila e Ideval. Imperador do Ipiranga, 1986. 116

revolver na mão/ reforma agrária irmão/ o rico dividindo o seu quinhão. Que foi substituído por: criança sem revolver na mão/ vou torcer pra seleção/esnobar a inflação.135Segundo a reportagem, Armando da Mangueira disse que o Betinho se assustou e que reforma agrária era coisa de comunista. Ainda na matéria sem assinatura este fato se aproximava de um “conformismo delirante dos carnavais da era Medici”. Obviamente, é coerente associar esta proibição com um passado muito recente de censuras prévias e dos valores hegemônicos permanentes nos diversos setores da sociedade aos quais o regime ditatorial ajudou a reforçar. Contudo, não podemos perder de vista que Betinho era, naquele ano, presidente da UESP, ligado a grupos do então PMDB de Mario Covas e João Doria Junior, ex prefeito e ex presidente da PAULITUR, respectivamente, interessados em ampliar a entrada da iniciativa privada no carnaval, que ano a ano vai ganhando força no evento e que vai se consolidar no ano seguinte, além das questões políticas onde grupos adversários se caracterizavam pelo anseio da reforma agrária no Brasil. A luta dos quilombos no passado e dos povos quilombolas no presente estão intimamente ligados a terra. A autocensura descrita acima reflete o alinhamento ao hegemônico de uma escola que tradicionalmente traz em suas narrativas denúncias de segregação e anseios sociais.

135 Folha de São Paulo, 9 de fevereiro de 1986. P. 17. 117

Capítulo 3. A iniciativa privada esquenta os tamborins

3.1 A criação da LIGA

A Liga Independente das Escolas de Samba de São Paulo foi fundada em julho de 1986, tendo como objetivo principal tornar o desfile das escolas de samba de São Paulo um “negócio” aos moldes do Rio de Janeiro. Os desfiles das divisões principais atualmente são ainda organizados pela LIGA que descreve as suas funções da seguinte maneira:

O surgimento da LIGA SP veio da necessidade de criar um grupo capaz de planejar, estruturar e executar com seriedade e dedicação os desfiles das agremiações da maior metrópole do país.

(...)

Desde então, ano após ano, a LIGA SP contribui para que o desfile das escolas de samba ganhasse visibilidade e respeito. Como consequência deste trabalho, a festa se tornou não apenas uma das maiores do país, mas também um evento oficial no calendário de São Paulo, que impulsiona a economia, gera empregos, estimula negócios e fomenta a cultura.136

A explicação do surgimento da LIGA vai de encontro à criação de um organismo administrativo que torne o evento lucrativo. A própria definição de cultura, no texto acima, nos remete à mercantilização do processo da representação artística. Com a criação da LIGA, ampliou-se o debate sobre o dia do principal desfile que naquele ano de 1986 sofreu grande impacto já que, uma semana antes do desfile, não se tinha certeza se o mesmo aconteceria no domingo, como de costume, ou se seria alterado para o sábado para ser então, televisionado pela Rede Globo. Esta incerteza é fruto do não alinhamento de algumas agremiações com os novos rumos do carnaval, a falta de clareza quanto aos ganhos de algumas Escolas de samba no televisionamento, antigas rusgas entre os dirigentes dos órgão governamentais e sambistas influentes de São Paulo e as indefinições na secretaria de turismo com o fim PAULISTUR, na prefeitura de

136 Fragmento do texto Nossa História: 30 anos de samba, evolução e desenvolvimento. Presente no Site da LIGA Independente das escolas de samba de são Paulo. 118

Jânio Quadros, culminando na contratação de serviços pela secretaria de Cultura sem licitação137. Obviamente, toda esta indecisão foi amplamente criticada pela imprensa por dificultar todas as questões administrativas e comerciais do evento, como venda de ingressos, patrocinadores, contratos com empresas que prestariam serviços à prefeitura e a própria transmissão televisiva. A comissão julgadora também era motivo para desavença entre as direções das diferentes agremiações, onde supostos apadrinhamentos políticos e força política na UESP poderiam decidir a composição da comissão, ganhando força a criação de uma liga onde pudesse alinhar tecnicamente o olhar do julgador. Sobre a criação da LIGA, Zulu Pereira diz o seguinte:

“Depois de 85, 86 o Negão (Antonio Carlos Tobias, diretor do Camisa Verde e branco) se revoltou, ai já deu...palavrão pra caramba...e ele falou: Compadre, vou fundar uma Liga! E foi pro Rio, falou com os amigos dele lá, o Dr. Anísio Abrahão que deu o estatuto da Liga pra ele. Ele trouxe: .tá aqui, esse é o estatuto da nossa Liga.138

A criação da LIGA tem como modelo a LIESA, Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro, criada em julho de 1984. Ampliando jurídica, administrativa e tecnicamente o desfile enquanto produto mercadológico. Dessa forma, aumentou, também, a discussão sobre um lugar permanente para os desfiles, o que se concretiza em 1991, na prefeitura de Luiza Erundina, com a inauguração do polo cultural grande Otelo, popularmente chamado de sambódromo do Anhembi. Diante destes impasses mencionados e a negativa repercussão da imprensa sobre a organização do desfile do ano anterior, em 1987 o desfile se desloca do domingo para o sábado, como dito anteriormente. Contudo, esta troca é apenas um traço da grande reformulação ocorrida no evento.

137 Foi contratada a empresa Habitacional e Hotelaria Respaldo LTDA, do grupo Castella que custiaram o desfile de 1986 em troca dos lucros da bilheteria, comestíveis e bebidas que foram vendidos no local. Segundo a fonte, a falta de licitação teria ocorrido pela falta de tempo entre a resolução dos impasses e a montagem da estrutura. Informação obtida no site: https://medium.com/@dineysp/o-futuro-por- tr%C3%A1s-de-uma-nota-4aed6eb3f9c7. 29/4/2019. 138 Entrevista de Zulu Pereira. 119

Em 1987 o Anhembi Centro de Feiras e Congressos, que substituiu a PAULISTUR na organização do carnaval, divulga uma pasta com 200 páginas com as informações essenciais para os profissionais da imprensa que cobririam o evento sob responsabilidade da jornalista Sandra Cappelano. Estão contidas na pasta informações como números de telefones úteis, mapa da passarela, localização dos postos policiais e ambulâncias, telefones públicos, estacionamento, alteração do transito, valores de bilheteria, preços aplicados aos produtos, todos os jurados e seus currículos, suplentes, regulamento, cachês, personalidades e autoridades presentes nos camarotes, a homenagem a Geraldo Filme por seus serviços prestado ao carnaval de São Paulo, informações detalhadas sobre as escolas que participariam do principal desfile como carnavalescos, nome das alas e as fantasias, os carros alegóricos e personalidades presentes neles, destaca-se a ampliação da cobertura da imprensa com o credenciamento de 1900 profissionais, 20 cabines de Rádio, 7 televisões. Porém, além de informar que o evento foi realizado pelo consórcio formado pelas empresas Rohr, Mills, Sonolux e Instalasom o que mais nos chama a atenção e contribui para percebermos as diretrizes do carnaval de São Paulo é o texto introdutório presente na pasta que faz explicita propaganda da privatização do evento, como destacamos.

“ Carnaval 87: a iniciativa privada esquenta os tamborins”

(...)

“trata-se do fim do paternalismo público, da verdadeira independência financeira do carnaval, proporcionando um espetáculo mais sofisticado, com mais conforto e adequação ao público – ressaltam os promotores”

(...)

“O carnaval 87, patrocinado pela iniciativa privada abre um novo capítulo na história da cidade, em matéria de lazer e festa popular. Um exemplo de como as empresas particulares podem contribuir para o bem público e lucrar com isso, através da ousadia e bom senso, num investimento de retorno rápido e garantido.”139

139 Trechos do texto introdutório do material de apoio a imprensa para o carnaval de 1987, fornecido aos jornalistas que cobririam os desfiles pelo departamento de divulgação da Anhembi Centro de Feiras e congressos. Material contido nos arquivos da UESP. 120

Contudo, a expectativa de um espetáculo mais sofisticado com mais conforto e adequação ao público não se concretizou para aqueles que foram prestigiar o evento, ou para os componentes das doze escolas que desfilaram naquele sábado e domingo. Os jornais destacam a grande desorganização, preços altos, atrasos que influem diretamente na falta de animação da plateia.

Imagem 19

“ Conheço samba desde a década de 30. Poucas vezes participei de um carnaval tão ruim como este. O que salvou foi a beleza da minha escola”140

A cobertura da impressa volta os seus esforços para reportar os problemas ocorridos durante o desfile como o grande atraso para o início das apresentações que começa com uma hora e quarenta minutos de atraso que vai se ampliando durante a entrada das demais escolas durante a madrugada, resultando no termino do desfile somente às 11H do domingo. A imagem em destaque foi veiculada na primeira página da Folha de São Paulo do dia 2 de março de 1987, retratando a arquibancada no início da madrugada, percebemos a pouca presença de pessoas e a frente uma equipe de televisão com equipamentos sofisticados para captar imagens em um plano superior.

140 Depoimento do Seu Nenê. O Estado de S. Paulo 6 de março de 1987. P46. 121

A grande quantidade de “bicos” devidamente credenciados, vereadores e funcionários da Anhembi Turismo atrasando o acesso do público às arquibancadas, ocupando os lugares de pessoas com ingressos e atrapalhando o trabalho da imprensa, além da truculência de funcionários da empresa Fonseca`s Gang, responsável pela segurança141. Os problemas do ano anterior agravaram-se em 1987, além dos problemas citados, a Folha de S. Paulo destaca dois dias antes do carnaval que as arquibancadas não contavam com laudo técnico de segurança, de acordo com o IPT, Instituto de pesquisa e tecnologia, órgão responsável fiscalização, ainda na mesma matéria há a informação que os diretores da empresa Rhors, responsáveis pela montagem não havia sido encontrado. Ainda analisando a Folha de são Paulo, que traz as informações técnicas de todas as escolas, mapa da passarela com as devidas entradas de cada setor, preços, explicação dos quesitos e uma tabela para ser preenchida com a nota de cada escola nos diferentes quesitos. A única menção sobre o desfile se encontra na segunda feira que faz referência, em meio à tantos problemas que se anima com a entrada da Vai-Vai as 4h da manhã142. A ampliação da divulgação dos desfiles proporcionados pela televisão aproxima ainda mais os enredos das escolas de São Paulo com as produções artísticas cariocas. A figura do carnavalesco passa a ter um destaque central no cenário paulistano, uma vez que a comparação estaria possível para o mesmo telespectador que agora tinha acesso aos dois eventos com transmissões tecnicamente muito parecidas. A ampliação da cobertura televisiva chama a atenção da Imprensa escrita, em meio às intensas discussões sobre os rumos das assembleias constituintes, diversas classes trabalhadoras ameaçando ou em estado de greve, repercussão da moratória e a crise econômica refletida em matérias como a falta de turistas no Guarujá ou ainda os altos preços e a pouca procura pelos bailes de carnaval promovidos pelos clubes na cidade. A folha de São Paulo publica duas matérias

141 O Estado de S. Paulo. 6 de março de 1987. P.46. 142 Folha de São Paulo, 1 de março de 1987. P. A11. 122

com os seguintes títulos: “Nova forma de ver e sentir o carnaval – muita cobertura para quem vai trocar a fantasia pelo pijama” ou a coluna de Nelson de Sá, “ Televisão marca a cadência do folião fracassado”143 ambas ligeiramente melancólicas com a substituição do público participando do carnaval pelo telespectador. No ano de 1987 o único enredo que abordou de forma central as questões negras foi a escola de samba Imperador do Ipiranga, com o enredo “Do pé no chão ao esplendor” aborda a influência negra nas manifestações carnavalescas no Brasil, a presença da expressão corporal a presença comunitária e as origens. No destaque às manifestações, estão presentes a capoeira, o frevo, blocos, cordões, os ranchos que são associados à danças e expressões corporais de origem africana, a solidariedade comunitária para suportar as dificuldades da vida:

Alegria... minha coroa é real Euforia... amor, sorria Sorri meu povo Que de novo é carnaval Bate palma, iaiá Bate palma, ioiô Do pé no chão ao meu batuque o esplendor Bate palma, iaiá Bate palma, ioiô Vem lá de angola o rufar do meu tambor Faço o meu frevo ferver Capoeira que eu jogo... frevando Blocos, grandes sociedades O corso, o meu povo... gingando A lenda trouxe os cordões Mão na mão, o compasso marcado no chão No sopro do clarinete O rancho, a rainha e a coroação Lá do terreiro de bambas a escola de samba Minha maior emoção! Me dá a mão amor Sorri pra vida e afasta essa dor Me dá a mão amor Que o samba é quente na imperador!144

143 Folha de São Paulo, 1 de março de 1987 P A 17. 144 Enredo: De pé no Chão ao esplendor. Compositores: Nelson Dalla Rosa e Toninho Silva. Imperador do Ipiranga, 1987. 123

Menções às práticas religiosas foram feitas no enredo O rei do dia numa noite de carnaval da Unidos do Peruche na frase:”Não tem mandinga que vá me pegar” e no enredo do Camisa verde e Branco em homenagem ao Bairro da Barra Funda que o descreve como: Bairros de encantos e magia, do samba, futebol, feitiçaria, já citado anteriormente. O samba da Rosas de Ouro, composição de Royce do Cavaco e Baianinho, apresenta uma perspectiva da cidade de São Paulo muito próxima das memórias estabelecidas por grupos hegemônicos, como uma cidade que acolhe todos de “braços abertos”:

São Paulo, Palco de culturas regionais e internacionais Laborioso é o povo Não existem preconceitos raciais

E na última parte do samba: Todo povo tem seu canto O seu folclore, sua religião Hoje a rosas de ouro faz a festa Pra todo o povo Imigrante E das nossas regiões.

Alguns enredos bem-sucedidos desta agremiação retratavam a cidade de são Paulo. O primeiro título, em 1983, com o enredo Nostalgia, retratava uma são Paulo de “antigamente”. Em 1984, o bicampeonato, homenagem ao Largo de São Francisco e à Faculdade de Direito. em 1986 uma projeção da cidade para o futuro. Podemos perceber que a escolha de um enredo que se remeta a Cidade de São Paulo é tradicional nesta escola. Contudo, descrevê-la como um lugar sem preconceitos raciais vai de encontro a uma peça publicitária governamental, hegemônica. Eduardo Basílio, presidente da Rosas de Ouro foi o primeiro presidente da Liga, de junho a novembro de 1986, justamente no período em que o enredo e o samba foram compostos, podendo influenciar artisticamente a apresentação da Rosas de Ouro no carnaval de 1987. Nenhum destes temas chamaram a atenção da imprensa escrita.

124

3.2 O Carnaval do centenário da abolição

No ano de 1988 foi marcado pelo centenário da abolição da escravidão no Brasil. A notoriedade deste fato se desdobrou em diversos seguimentos da sociedade de diversas vertentes ideológicas que não ficaram indiferentes a este centenário, o governo Brasileiro emitiu moedas de CZ$100,00 em memória da abolição, veículos de comunicação reproduziam constantemente a história escravagista do Brasil, as questões raciais daquela contemporaneidade, assim como as discussões sobre o papel da nova constituição em relação às leis contra o racismo e posses das terras das populações quilombolas e indígenas. Dentro deste contexto de discussão pública, surgem instituições civis que lidam com questões relacionados às diferentes formas de racismo e segregação, como o Instituto da Mulher Negra – Geledés, em São Paulo, Projeto Vida de Negro, no Maranhão, União de negros pela igualdade (UNEGRO) em Salvador, Criação da Fundação Cultural Palmares,145 assim como já conhecidas frentes de resistência como o Partido dos Trabalhadores surgido em 1982 de origem sindical e principal partido de oposição ao Governo Sarney também se manifestou formalmente sobre a realidade racial no Brasil naquele contexto de centenário da abolição.

O movimento Negro do PT pretende participar ativamente dos “festejos” do Centenário da Abolição. Mas irá participar de forma crítica e desmistificadora. O que significa abolir? Extinguir, acabar, revogar. Doutrinariamente, a Abolição deveria corresponder à consagração do abolicionismo, à redenção do agente do trabalho escravo. No entanto, ocorreram simultaneamente dois movimentos convergentes de caráter abolicionista. Um, que era expressão do liberalismo e do humanitarismo radicais dos brancos, com frequência nascidos na casa-grande ou aliados aos interesses senhoriais, e que queriam libertar o Brasil da nódoa e do atraso da escravidão. Outro, que vinha da senzala e exprimia a luta do escravo para passar da condição do escravo para a condição de homem livre. O primeiro movimento era pacífico e em essência, libertava a sociedade dos entraves ao desenvolvimento capitalista, que resultavam da mobilização do capital e da inibição dos dinamismos do capitalismo comercial e industrial, que provinham da persistência do modo de produção escravista e do trabalho escravo. O segundo associava-se a violência, à fuga, ao aparecimento de quilombos e à fermentação de conflitos sociais nas fazendas, nas zonas de plantação e mesmo nas cidades. e José do Patrocínio representavam o primeiro movimento. Negros escravos e libertos anônimos eram os paladinos do segundo

145 Bispo, Denise Maria Souza. Ensaio sobre 125

movimento, que ganha corpo aos poucos na última década do século XIX, leva a desorganização às fazendas e inquietações sociais aos lares dos grandes proprietários. (...)146

Dentro do mesmo panorama crítico aos festejos dos cem anos da abolição, na terça feira de carnaval o então deputado federal por São Paulo Luis Inácio Lula da Silva escreve na coluna tendências e debates da Folha de S. Paulo que abordará um assunto que: “nem sempre a constituinte aborda”, ele ressalta que no período muito vai se elogiar as festas e a contribuição negra na cultura brasileira, mas na quarta feira ninguém mais lembra.

“Mas é preciso não esquecer, é preciso não esquecer que a grande, a imensa maioria do povo brasileiro é constituída de gente pobre, isto é, de gente que não tem do que se alegrar, porque vive em condições de miséria extrema, ou de acentuada pobreza, tem baixíssimos salários, mora em condições péssimas, não tem atendimento médico adequado e não tem acesso à educação. E, não por acaso, a maior parte dessa imensa maioria de pobres é constituída de negros. Esses brasileiros são duplamente marginalizados: porque são pobres e porque são negros. É um grande mito a tão decantada “democracia racial”(...)”147

Uma grande marcha na cidade do Rio de janeiro intitulada de “Marcha contra a farsa da abolição” gerou um grande embate com o poder público, especificamente com o exército. A marcha foi realizada no dia 13 de maio de 1988, palavras de ordem eram repedidas como: “Vamos caminhar até onde o racismo deixar”, “Aqui no Rio de Janeiro não tem diferença nenhuma com a África do Sul” ou ainda “O negro existe para constituinte”148 A tentativa do exército de impedir a manifestação que ocorreria no final da tarde, se deu quando pela manhã do dia 11 o centro da cidade encontra-se repleto de militares e o palanque montado pela RIOTUR é destruído por eles149.

146 Elaborado e publicado como documento na Comissão Petista do Centenário da lei Aurea; Raça e Classe. Brasília, Ano 1, nº4, 1988. Contido em Fernandes, Florestan. O significado do Protesto Negro. São Paulo: Expressão Popular co-edição Editora da Fundação Perseu Abramo, 2017. P. 103. 147 Folha de S. Paulo, 16 de fevereiro de 1988. P. A3. 148 Imagens feita pela produtora Enugbarijo, disponível no site MAMATERRA. 149 Relato de Amauri Mendes Pereira em artigo disponível no site MAMATERRA. 126

Sobre a repressão do exército neste ato, o aparato de vigilância ainda funcionava no governo José Sarney como descreve Miriam Lopes Cardira sobre os estudos do pesquisador Lucas Pedreti. Dois pontos chamaram a atenção do Historiador. Primeiro, a repetição já no Governo José Sarney dos mesmos métodos de investigação, modelos de relatórios, linguagem e linha de pensamento adotados nas duas décadas de autoritarismo. Depois, a convicção dos militares em negar o racismo e impedir qualquer versão da história que não confirmasse o protagonismo da princesa Isabel e de figuras como José do Patrocínio, Rui Barbosa, Castro Alves e Joaquim Nabuco- todos citados no relatório periódico mensal (RPM) de 10 de maio de 1988(...)

Ainda sobre o RPM do dia 10 de maio há uma menção sobre o carnaval: “ não foi por acaso que quatro escolas abordaram o tema da escravidão, saindo vencedora a com : Kizomba, festa de uma raça, uma manifestação revolucionária negra contra os brancos” o texto ainda cita a presidente da escola, Russa, identificada pelos militares como “mulher do conhecido Martinho da Vila e comunista filiada ao PCB”.150 Sobre essa movimentação no ano de 1988 a professora Sueli Carneiro faz a seguinte análise:

Em 88 o movimento negro brasileiro deu a resposta adequada ao Estado Brasileiro, as tentativas de manipular o sentido do centenário da abolição. Aquilo que a gente tinha definido anos atrás como uma data de denúncia, acho que a gente havia feito isso cabalmente no contexto do centenário. Tanto que, no Rio, a repressão foi em torno da Marcha Contra a Farsa da Abolição. É a medida de quanto a gente conseguiu confrontar aquela tentativa de mistificação das condições a que se deu a abolição.151

Pela proximidade cultural e ideológica, muitas escolas de samba de várias cidades no Brasil escolheram como enredo este tema, produzindo canções memoráveis, muito presente nos ensaios e rodas de samba ainda nos dias atuais.

150 Reportagem de Mirian Lopes Cardia, disponível no site do Arquivo Nacional. 151 Entrevista de Sueli Carneiro em 1/7/2004. In: Depoimentos ao CPDOC. Rio de Janeiro: Pallas; CPDOC- FGV, 2007. P 252. 127

Imagem 20

A da Rede Globo apresenta uma vinheta nada convencional no final de 1987 com aproximadamente 3 minutos. Reuniu muitos artistas brasileiros negros e desejava axé para o novo ano. Através desta peça publicitária, podemos perceber a grande notoriedade sobre o centenário da abolição no Brasil. Os jornais ampliaram a cobertura anterior ao desfile, publicam as letras dos sambas enredos, os históricos das escolas, os quesitos a ser julgado, a grande procura por ingresso e a intervenção da prefeitura e Estado na organização do evento, ainda que realizado pela iniciativa privada, fato corrente até o recorte final da pesquisa, além da greve dos motorista e cobradores no dia do desfile principal. Fato marcante no desfile de 1988 é o impasse entre os enfeites por toda a passarela com a temática da abolição e o prejuízo a cobertura televisiva, destacado pelo Jornal O Estado de S. Paulo, a prefeitura se recusa a tirar a decoração feita pelo carnavalesco carioca Raul Diniz.152 Neste ano em que os ingressos se esgotaram antes do desfile, apesar dos grandes problemas enfrentados por aqueles que queriam adquirí-lo

152 O Estado de São Paulo 4 de fevereiro de 1988, p 13. 128

antecipadamente, duas personalidades relacionadas a representações artísticas negras foram homenageadas. Uma delas é Oswaldo Sargentelli, radialista, apresentador de televisão e empresário de casas noturnas com apresentações de samba, onde as mulatas eram o grande destaque das apresentações.

Sargentelli nos mostrou ô ô A sua arte e a criação E na Lapa este menino Ao nascer quis o destino Lhe entregar à canção popular uma força concedida Por seu tio Mestre Lálá E no Rio "viva meu samba" No meio de gente bamba E a Portela à desfilar Salve a mulata, bela e faceira Com orgulho leva nossa bandeira O mundo inteiro já conheceu Este gingado da mulata brasileira Foi aí que a vida lhe sorriu Que fascinação E foi tão grande o grito que lhe surgiu Cinquenta anos de rádio e televisão Iemanjá sua fé Que lhe dá muito axé E empolgação Nesta avenida colorida O Águia mostra sua vida De emoção153

Este enredo vai de encontro a hipersensualização do corpo da mulher negra, que foi amplamente explorado na segunda metade da década de 1980 pela televisão nas transmissões dos desfiles das escolas de samba. Além disso, reativa as homenagens a personalidades já conhecidos na mídia, e traz de volta a exploração deste tipo de enredo pelas escolas. Outra personalidade homenageada neste ano foi Jorge Amado pela Vai-Vai.

Bahia O seu nome principia Com o canto e a magia Que o negro sopra pelo ar Cantando Sua terra sua gente Seu passado, seu presente

153 Enredo: Menino da Lapa (Sargentelli). Compositores: Pindaia, Cachaça, Dengo. 129

O futuro só Deus dirá Jorge Amado Mestre na literatura Fez da epopeia de um povo A sua arte em romance e ternura Olha a folha da mangueira Ae Bahia Quando venta cai no chão Ae bahia E na “Tenda dos milagres” Lindos sonhos ressurgiam Retratando a esperança Para o renascer de um novo dia Negros, índios e brancos Oh! Linda aquarela Daí surgiu a pele da mulata E a morena cor de canela A formosa “Gabriela” Tem afoxé, tem candomblé, feitiçaria Devoção na escadaria, vou rezar E põe as cartas, joga búzios, tira a sorte Se o milagre é muito forte Vou mandar riscar154

A obra de Jorge Amado recebeu, ao longo de sua construção, algumas críticas em relação à estereotipagem de seus personagens, o que nos cabe neste trabalho é analisar a representação sobre a negritude nos desfiles. Segundo o jornalista Moises da Rocha que comentou o desfile televisionado pela Rede Globo naquele ano, a pesquisa do carnavalesco Ulisses da Cruz baseou- se no livro Tenda dos Milagres, o que lhe ofereceu muitos elementos. Vale salientar que além do trabalho como carnavalesco em São Paulo e no Rio de Janeiro, Ulisses da Cruz foi diretor artístico, musical e teatral, além de diretor artístico da Rede Globo, dirigindo famosos artistas brasileiros de diferentes âmbitos.155 O desfile da Vai Vai apresentava um universo negro como senário, principalmente, a cidade de Salvador, que já se construirá pela ótica de Jorge Amado e já havia se consagrado na televisão por meio de mini series, novelas e filmes como Dona Flor e seus dois maridos, Capitães de areia, Gabriela Cravo e

154 Enredo: Amado Jorge, a História de uma raça brasileira. Compositores: Oswaldinho da Cuíca, Namur, Macalé do Cavaco. Vai-Vai, 1988.

155 Informações obtidas nos sites www.cruz.art.br e da revista eletrônica de crítica e estudos teatrais ISSN 1983-0300 130

Canela, Tenda dos Milagres e Tiêta do Agreste. A apresentação da escola foi dividida em duas partes: a primeira quando o negro chega ao Brasil e a segunda sobre a miscigenação.

Imagem 21

Na Foto do LP de 1989 com um carro alegórico do desfile da Vai-Vai em 1988 representando um navio negreiro e em destaque na frente da alegoria os orixás. O perfil panorâmico ilustrativo da foto tirada de um plano superior dificulta o destaque dado pelo carnavalesco. Não há nenhuma referência do fotografo, apenas departamento gráfico Continental. A ambivalência da narrativa que enaltece a cultura negra e reforça a ideia da miscigenação como identidade, o sincretismo religioso e hipersensualização da mulher negra, indo de encontro à exploração televisiva do nudismo nos desfiles das escolas de samba no período tem relação com a prática social em que o telespectador passa a ser uma realidade muito concreta nos desfiles de São Paulo. Outro enredo que merece destaque nesta nova realidade dos desfiles de São Paulo é o do Unidos do Peruche. 131

Atoto oabaluaê Atoto oabaluaê Vem oh claridade A Peruche canta a liberdade Ê! Mãe África Espalhando os seus filhos no mundo Esse banzo tão profundo Que despertam num segundo Quando alegre a caminhar Tantas estrelas a brilhar ao léo Não são brinquedos de Isabel Pixinguinha e Clementina Uma força que domina Uma luz que vem do céu Oiá, ieo Da raiz a flor mais bela Oiá, ieo É zumbi é Luther King e Mandella Negras pedras preciosas Levam o barco a remar Essa gente tão formosa Ilumina o meu cantar Quilombo Um canto livre ecoou Malê gegê filho de zambi Anuanas que vem de nagô Filhos de mãe preta Netos de Yorubá Contagiando o mundo Exaltando os orixás.156

Este enredo, tinha como carnavalesco Raul Diniz, respeitado artista e considerado pela imprensa ligada ao carnaval como discípulo de grandes carnavalescos cariocas como Fernando Pinto, Joãozinho Trinta, entre outros. Em entrevista com o jornalista Odirley Sidoro no site Sydney Resende Raul Diniz afirma: “Após a criação da Liga Independente das Escolas de Samba de São Paulo, criaram novos regulamentos e o carnaval começou a se profissionalizar.” Desmembrando a palavra “profissionalização” atribuída pelo carnavalesco do período que analisamos neste momento, percebemos que o

156 Enredo: Filhos de Mãe Preta. Compositores Joaquinzinho e Benê. Unidos do Peruche, 1988. 132

rigor da produção artística em relação ao desfile se desenvolve, assim como as exigências do concurso que eram amplamente divulgadas pela televisão. As novas características do desfile vão de encontro com algumas escolhas, incluindo a homenagem a Sargentelli e Jorge Amado, em que as subjetividades das apresentações se tornam menos presentes e, consequentemente, a facilidade de interpretação agrada ao público. Contudo, no enredo da Unidos do Peruche “ Filhos de mãe preta”, canção de Joaquinzinho e Benê, interpretado por Eliana de Lima e Jamelão durante o desfile, aborda a questão da abolição de uma forma diferente do “mito verde e amarelo”. O início da canção menciona Obaluaê, orixá relacionado ao poder da cura, da mesma forma que enaltece a liberdade. Além das referências artísticas de Pixinguinha e , as questões políticas também são citadas com nomes emblemáticos, como de Marthin Luter King, Nelson Mandela e Zumbi dos Palmares. De forma sutil, a canção não coloca a Princesa Isabel como uma heroína, mas exalta a ação dos quilombos. E mostra a questão da vulnerabilidade social da população negra com a frase: “tantas estrelas a brilhar ao Leo. Não são brinquedos de Isabel” O samba encerra fazendo uma referência aos antepassados, muito presente nas tradições negras, à beleza da cultura negra e à devoção religiosa. Elementos da massificação presentes nesta apresentação não apagaram a essência crítica da sociedade contemporânea em relação à exclusão social e a luta pela igualde. Ainda em 1988 e o centenário da abolição, a Sociedade Rosas de Ouro, que homenageou Paulo Machado de Carvalho, se manifesta politicamente em relação ao dia para a celebração da consciência negra, exibindo uma faixa que não tinha relação com o enredo, mas se posiciona pelos dizeres: consciência negra o dia é 20 de novembro. Tal posicionamento torna-se paradoxal se compararmos com a canção do ano anterior que afirma que não há racismo em São Paulo. Juntamente com a questão simbólica de pressionar o poder público e sensibilizar o espectador para a importância do reconhecimento do dia da 133

consciência negra ligado a imagem de Zumbi dos palmares, estão presentes dezenas de reivindicações ligadas às diversas formas de segregação.

Imagem 22

A Colorado do Brás homenageou uma comunidade quilombola da região de Diamantina, MG que manifesta canto e dança de origem Bantu na festa de Nossa Senhora do Rosário. O enredo era “Cotopes do Milho Verde, de escravo a rei da Festa”.

É manhã de paz Que abraça e faz as peles mais unidas Que beleza Não criou raças, deus apenas criou vidas Quilombo espalhou suas raízes E fez sua semente germinar Em ricas terras mineras Do milho verde vem um canto pelo ar Grupo de negros legendários Catopês tradicionais Fazem do festejo do Rosário Cenário dos nossos ancestrais É bambaquerê que faz o corpo remexer É bambabará que sacode pra lá e pra cá É arruda de guiné Espantando todo o mal do olhar Em forma de quilombo na avenida Colorado se agita no desfile principal (e vem) vem mostrar ao mundo inteiro Que o negro brasileiro Canta livre e faz seu carnaval Cantando amor eu vou Porque feliz estou 134

É que a felicidade não tem cor.157

Na mesma linha, a Barroca Zona Sul trouxe para o carnaval o enredo “Nova mente”, fazendo um trocadilho com uma projeção de futuro para uma possível percepção diferente para as questões negras. Ambos os enredos fazem menção aos quilombos e à maestria da arte negra brasileira contido nos enredos. A canção da Colorado do Brás, afirma “Não criou raças, Deus apenas criou vidas”. Denunciando, indiretamente, as segregações ocorridas historicamente pelo olhar cristão. A fantasia das alas das baianas eram uma menção a nossa senhora do Rosário, proporcionando uma outra dimensão de justiça e religiosidade das comunidades quilombolas e reforçando a questão do hibridismo cultural, pois se o juízo de valor é cristão, a prática religiosa é africana quando o samba diz: Arruda de guiné espanta todo o mal olhado. Símbolo da luta negra no século XVIII, a irmandade de Nossa senhora dos homens preto se faz lembrar justamente na ala das baianas.

Meu samba Vida e arte dessa gente A barroca novamente Num cenário multicor Mãe África Seu mistério e magia Sob a luz da poesia É beleza e esplendor Oia Zumbi Colhi o fruto que ele deixou Liberdade a semente Germinou a "nova mente" Oxalá iluminou Ai minha mãe menininha Olhai por nós Clementina de Jesus No céu ecoa sua voz Negras raízes Que sedução primaveril Casa Grande e Senzala Obra de Gilberto Freire Um retrato do Brasil Que rei sou eu?

157 Enredo: Catoppes do Milho Verde, de escravo a rei da festa. Compositores: Dom marcos, Roná Gonzaguina, Edinho, Xixa, Minho. Colorado do Brás , 1988. 135

Num país cor de canela Alegria de milhares Já cruzei os sete mares Sou o rei da passarela vem a barroca em alto astral coroando o negro é festa original158

3.3 A consolidação das superproduções e o lugar adequado para o desfile

A visibilidade dos desfiles do ano anterior, geraram grandes expectativas para o ano de 1989, assim como a visibilidade para as questões negras se fazem presente nos jornais, apesar das primeiras páginas de Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo dividirem as manchetes do sábado, 4 de fevereiro, dia do desfile entre o carnaval, a queda do ditador paraguaio Alfredo Stroessner e a inflação de 70,28% no mês de janeiro. Os preparativos para o carnaval já eram abordados ao longo da semana. Fotos das montagens dos carros alegóricos, matérias sobre os enredos e os carnavalescos, O Estado de São Paulo aborda as diferentes estéticas afro presente nos desfiles das escolas de samba. No dia do desfile, destaca: “O carnaval de São Paulo nunca teve tanto prestígio como este ano com 2 redes de televisão transmitindo”...Tratava-se da cobertura da Rede Globo e a Rede Manchete. A reportagem ainda faz apologia ao desfile paulista destacando a sua característica de arte popular diferentemente do Rio de Janeiro que era um show da indústria do turismo. A reportagem de uma página inteira ainda destaca o teste da administração petista de Luiza Erundina diante do desafio de organizar o carnaval em pouco tempo de gestão e a festa da bateria, baianas, passistas, mestre sala e porta bandeira da Vai-Vai na praça Antonio Prado sexta feira abrindo oficialmente o carnaval de São Paulo. A folha de São Paulo ainda aborda a dificuldade das emissoras de televisão em vender as suas publicidades comerciais.

158 Enredo: Nova Mente. Compositores: Dorinho Marques e Márcio Madruga. Barroca Zona Sul, 1988. 136

Em 1989 a Unidos do Peruche apresenta um enredo denominado “Os sete tronos dos divinos orixás”. A subjetividade do ano anterior foi substituída por um desfile linear no que se refere à linguagem musical e visual, com o enredo proposto por Joãozinho Trinta, samba composto por Ideval e interpretado por Jamelão. Os desfiles das escolas de samba de São Paulo aprimoram um visual televisivo aos moldes do carnaval carioca, narravam e exibiam as características de Exu, Oxosi, Ogum, Obaluaê, Omolu, Iemanjá, Xangô, Iansã, Oxumaré, Nanã e Oxala. Destaca-se neste desfile os grandes carros alegóricos e as fantasias bem detalhadas e grandiosas.

Senti Um bom fluido envolvendo Tão longe foi meu pensamento E pedi licença pra buscar Oh! senhores deuses africanos E quando hoje ergue o pano Os peruchianos vem mostrar Majestade rei no comando da eternidade É olorum no infinito é a claridade De vermelho e preto liga o sagrado ao profano Senhor Exu, faça um favor Nos abra os caminhos este ano Ogum guerreiro destemido enfrenta o perigo É o bem contra o mal Lá nas matas tem Oxossi o que cai Muitas folhas pra você Ossanhê Não, não tem saída o canto é vida silêncio é morte Senhor Omulú de braços com Obaluayê Iemanjá senhora dos mares sagrados Oxum das cachoeiras e do rio dourado Sentado lá na pedreira, caô Justiceiro pai Xangô, lá está Trovejou relampeou, o raio anunciou Inhassã que vai chegar Nos dê a paz, pai Oxalá Cobra coral é Oxumaré Não vem de Orum de onde vem chama ayê Abençã nanã Salve os iberês Em meu jacutá faça entrar nova manhã 159

O primeiro desfile da Leandro de Itaquera, no grupo especial teve como enredo “Babalotim - a História dos Afoxés, e dentro de uma narrativa também

159 Enredo: Os sete tronos dos divinos Orixás. Compositor: Ideval. Unidos do Peruche, 1989 137

linear, demonstra as características dos cordões de Afoxé com as suas particularidades religiosas e festivas.

Ô, ô,ô Eu vim de longe, cruzei mares, quem diria Ô, ô, ô Sou afoxé irradiando energia A benção Pai Oxalá Os tambores vão rufar Hoje é dia de festa O cortejo vai passar Olha o padê Exu é guarda na avenida Espanta intrigas Deixa o povo vadear Époeira, poeira, poeira Vai levantar poeira Igexá Banguleando todo o povo se incendeia Babalotim Abra os caminhos dessa gente Que tão contente vem desfilar Ornadas em louvor A todos orixás Num canto que ecoa pelo ar Chegou Em forma de afoxé na passarela Os filhos da Leandro de Itaquera Axé pra quem tem fé, e quem não tem Axé pra você também160

O enredo que destaca o Babalotim, boneco alegórico que representa a ancestralidade e contém todo o mistério (axés) que possibilitam o bom andamento do cortejo161. Ainda no mesmo ano, a Nenê de Vila Matilde traz o enredo “Eu tenho origem". Ao contrário da tendência seguida pelas tradicionais escolas, a Nenê adotou para aquele ano uma comissão de carnaval chefiada por Betinho, filho do fundador da escola, para colocar na avenida um enredo que questionava os

160 Enredo: Babalotim – A história dos afoxés. Compositores: Clarisse, Thiago Lee, Grrupo relíquia, Sandrinha. Leandro de Itaquera, 1989.

161 Descrição de uma babalotim cintido em http://academiadosamba.com.br /passarela/ academicosdocubango /ficha-2009.htm 138

caminhos pelos quais o carnaval de São Paulo ia se dirigindo. Comemorando os 40 anos da escola em um momento onde a presença humana estava sendo ofuscada por grandes carros alegóricos e grandes fantasias, o samba de Filé, Ney do Cavaco e Ricardo se posiciona politicamente em relação ao projeto da construção de uma passarela permanente na região do Anhembi, zona Nortre de São Paulo, tal projeto já era cogitado desde a construção do sambódromo no Rio de Janeiro e se intensificara com a criação da Liga em São Paulo e prometido publicamente pela então prefeita Luiza Erundina, registrado nos jornais do dia 7 de fevereiro. A canção dizia: Não quero ser alienado à cultura Nem escravo do luxuoso carnaval Quero manter a tradição Do meu samba pé no chão, na avenida central Não quero um triste fim Tenho em mim um princípio imortal.

No mesmo samba, além de resgatar as questões tradicionais questões diaspóricas religiosas, o samba resgata a presença nordestina no bairro de Vila Matilde e a musicalidade popular que faz parte do cotidiano da população daquele bairro. Terminado o desfile, já com a Camisa verde e Branco iniciando o seu desfile, Betinho em entrevista para a repórter Sabina Petrovski da Rede Globo diz quando questionado sobre o desfile das escolas:

Eu acho que...este espetáculo que as escola de samba estão apresentando e que o Camisa Verde e Branco vai apresentar, é uma resposta a uma pessoa que nos deixou no final do ano numa situação muito delicada, aonde o senhor estiver seu Jânio Quadros, olha, o povo tem força, quando o povo se organiza, consegue fazer uma festa tão bonita que o senhor é tão insensível e não consegue ver.162

Podemos perceber a dificuldade que foi a organização do evento diante do desprezo da gestão anterior mencionado neste depoimento.

162 Depoimento de Betinho durante a transmissão da rede globo, 1989. 139

Imagem 23 Representação dos terreiros de umbanda e candomblé com matriarcas negras, primeiro carro do desfile da Nenê de Vila Matilde em 1989, fazendo referências à sua origem. As coberturas dos desfiles novamente tiveram destaque, O Estado de S. Paulo aborda chuva que trouxe problemas para as escolas enquanto a Folha diz que apesar das dificuldades os sambistas estão animados, aborda a diferença entre as escolas de Vai-Vai e Rosas de ouro que tem uma estrutura empresarial ao contrário da Passo de ouro que conta com uma organização familiar, além de trazer um intenso debate sobre os limites da nudez. O Estado de S. Paulo trouxe duas grandes fotos da Camisa verde e Branco e Rosas de ouro, colocadas como favoritas ao título, além de trazer uma reportagem onde o Doutor Nenê, Francisco Lucrécio, dentista por formação, militante e historiador da cultura negra, descreve um panorama daquela noite de desfile. “ hoje, como ontem, a escola se preocupa com a história do Brasil. Mas hoje é melhor porque a preocupação é com a História que está sendo escrita, com temas atuais. Com informações políticas que precisam ser pensadas para o povo todo, muito ludibriado. Os enredos hoje são consientizadores. Ainda sobre os desfiles” Antigamente o povo participava. Hoje assiste. No Máximo aplaude. Nem isso este ano”.

140

Apesar do tom de lamento quanto a participação popular no evento, ele elogia a qualidade dos instrumentos musicais, grandes alegorias e material que compõe as fantasias. Este relado do Doutor Nenê, vai de encontro com consolidação de um espetáculo que se volta ao reconhecimento do espectador, que instrui, faz parte da realidade da população, mas que inibe a sua participação. Os enredos apresentados pelas escolas de samba de São Paulo no carnaval de 1990 ampliaram a tendência de 1989, em que onde os temas principais abordaram as desigualdades socias, dificuldades materiais do cotidiano, a corrupção e os escândalos políticos, desmatamento e desequilíbrios ecológicos todos eles aliados à projeções de um futuro melhor, assim como as coberturas dos desfiles seguindo a tendência de ampliação dividiam espaços com discussões daquela contemporaneidade como os desafios da política econômica do governo Collor, assim como as costuras necessárias para o novo governo que se iniciou no mês anterior ao carnaval. Quanto ao carnaval, as abordagens que anteciparam o desfile mostravam as expectativas de um desfile grandioso, com novos recursos tecnológicos nas escolas, investimentos cifras jamais vistas no carnaval de São Paulo, presença de personalidade, modelos e artistas televisivos, podemos destacar as palavras de Joãozinho Trinta que naquele ano foi carnavalesco novamente da Unidos do Peruche: São Paulo está a caminho de ter um excelente carnaval. Afinal uma cidade que se transformou num verdadeiro país, tem tudo para fazer um espetáculo grandioso”163 Todavia, é durante os desfiles televisivos que percebemos o contraponto das percepções de um carnaval que seguia naturalmente os rumos do empresariais como percebemos no diálogo entre Carlos Tramontina, narrador e a sambista Leci Brandão, comentarista durante o desfile da Rosas de Ouro:

Tramontina: - A gente precisa explicar porque que a Rosas de Ouro é chamada de escola empresa. É que durante todo o ano ela se prepara com muito cuidado para o desfile de carnaval. Ela tem uma programação intensa de Shows, bailes, festas e ao longo do ano prepara com muito cuidado tudo o que vai apresentar na avenida.

163 Folha de São Paulo, 24 de fevereiro de 1990. Primeira página. 141

Outro dia Leci, quando estávamos no barracão da escola, Basílio, presidente da escola lembrava que os carros alegóricos já estavam prontos há duas semanas. Acho que isso é prova maior de organização neste sentido empresarial que eles dão trabalho.

Leci: - Não vamos nem levar pelo lado empresarial, eu acho que também existe uma coisa chamada administração né? Uma boa organização, você não precisa necessariamente ser uma empresa para trazer o seu trabalho organizado. Se você der tempo hábil para o carnavalesco preparar o enredo tudo sai a contento.

É justamente nas transmissões televisivas da Rede Globo por meio do comentaristas Leci Brandão e Evaristo de Carvalho que o trabalho comunitário ganha destaque, com menções constantes aos trabalhos dos diversos setores das escolas e os seus agentes, para exemplificar destacamos a homenagem de Evaristo de carvalho feita aos merendeiros:

Os merendeiros são aquelas pessoas que empurram as alegorias. Um sacrifício gostoso, eles empurram aquilo com o maior carinho. Parabéns aos merendeiros do nosso carnaval de São Paulo.

Nenhuma escola apresentou um enredo com uma temática majoritariamente negra, mas as menções ás negritudes se fizeram presentes nas entrelinhas dos sambas que não são comentadas pelos jornais, que destacam principalmente a intensa chuva da madrugada, diante deste fato as percepções foram distintas. Na Folha de São Paulo, a cobertura assinada pelo jornalista Luiz Caversan mostra uma certa decepção mas reconhece a animação das escolas e do público: - Muita empolgação para pouca competência, muita folia para pouco carnaval no sentido de um espetáculo que cada vez se teatraliza mais, se consagra mais como um evento de mídia. Nada funcionou, nem raio lazer, máquina de neve, carros mirabolantes. Em outra abordagem na mesma página em reportagem menor, o Jornalista George Alonso pondera: A vai-Vai sacudiu a bananeira e a Tiradentes vibrou (trocadilho com o enredo “60 anos no reino das Bananas) ainda na mesma reportagem: prometeu raio lazer, mas a chuva intensa quase toda a noite impediu o seu funcionamento. Sobre o Camisa Verde e Branco destaca: refrões que conquistaram o público. 142

A cobertura do O Estado de S. Paulo traz muitas fotos de momentos dos desfiles, destaca a animação das escolas e um público “sonolento” mas descreve a animação do público fiel da Vai-Vai e a simpatia com a “farofa na areia” (refrão do samba da Rosas de ouro) reporta o estrago que a chuva trouxe para as apresentações com carros danificados que não desfilaram, fantasias danificadas. Novamente, o maior reconhecimento dos desfiles na chuva vem da transmissão televisiva com o comentário de Evaristo de Carvalho quando lembra do primeiro desfile da Rosas de Ouro no ano de 1971 que desceram o morro da Brasilândia em baixo de temporal. Não mais sobre a cobertura do desfile, mas sobre o carnaval, o Estado de S. Paulo traz reportagens sobre o Sr. Nenê, os primórdios de sua escola, as dificuldades materiais, destaca o enredo de 1985 em homenagem ao deputado Juruna e a luta pela democracia. “Defendia a chance de todos os brasileiros chegar ao poder auxiliado pela união entre as raças”

Sobre os rumos do carnaval ele afirma: Passou da hora de fazer nosso sambódromo, terra de trabalhador, precisa de lugar para o caboclo pobre assistir o carnaval”. 164

Diante das palavras do S. Nenê, notamos que é muito consolidado neste período a percepção de um desfile para o público. Na edição do dia 24 de fevereiro o caderno de cultura traz uma matéria sobre as “raízes” do samba de São Paulo na festa de Bom Jesus de Pirapora abordando como funcionava, como era a organização, a influencias das marchas no samba e a dificuldade enfrentada por estes grupos diante da segregação sofrida por eles. “Em São Paulo, o sambista sofria restrições da sociedade. Era de se entender, em razão disso, que o carnaval paulista tivesse poucas condições de firmar-se como manifestação na cidade”

164 O Estado de São Paulo 25 de fevereiro de 1990. P. 18. 143

Foram destaque também outros problemas de ordens diversas, como violência, mortes no trânsito, afogamentos na Baixada Santista dentre outros eventos do carnaval. Nada se abordou em relação aos desfiles ou enredos, apenas a presença de jogadores de futebol profissional na escola de samba Camisa verde e Branco.

144

Considerações finais

A pesquisa realizada sobre as memorias negras apresentadas pelas escolas de samba no carnaval de São Paulo entre os anos de 1977 a 1990 nos permite afirmar que as narrativas de cunho religioso de matrizes africanas e as diferentes formas de resistências às condições de escravidão no Brasil foram mais presentes. Antes de refletir sobre elas, seria coerente apontar para alguns elementos que influenciaram as narrativas carnavalescas e consequentemente a apresentação artística das memórias negras dentro da realidade do espaço tempo nacional em estudo. O primeiro ano adotado pela pesquisa se caracterizava pela ampliação do evento, entendia-se que a avenida Tiradentes seria um espaço mais adequado que a avenida São João pela capacidade de abrigar um público maior diante da crescente demanda. O estado ditatorial organizava e estimulava este evento em contrapartida não havia algum tipo de estímulo aos carnavais dos bairros, apesar de não terem sido proibidos, não se percebeu, pelos jornais estudados, nenhum interesse em suas realizações. Assim sendo, nos bairros periféricos surgem agremiações carnavalescas para se alinharem ao modelo de desfile competitivo organizados pela UESP e promovidos pela prefeitura de São Paulo na avenida Tiradentes. Tamanho crescimento das divisões pleiteantes que os desfiles vão se ampliando para bairros também centrais. Todos os enredos deveriam passar pela autorização da censura para serem apresentados. Essa realidade se deu até o ano de 1983. Portanto, o mesmo Estado que organizava, vigiava a manifestação artística que seria apresentada no carnaval, inibindo apresentações que desagradassem ao poder público. Diante do processo de abertura política e eleições diretas de 1982 (ainda que restrições se faziam presente) para governador, senador, deputados federais e deputados estaduais, há uma aproximação de pleiteantes aos cargos públicos, principalmente àqueles que pertenciam aos grupos que controlavam a “máquina pública” e promessas de espaços para aquisições de quadras, 145

essenciais para a sobrevivência econômica e fortalecimento comunitário das dezenas de escolas de samba espalhadas pela cidade. Tal realidade vai se prolongar até o recorte final da pesquisa. Podemos citar também como influenciador das apresentações o televisionamento do evento. A primeira transmissão ao vivo para todo o Brasil foi realizada em 1983 pelo SBT, em 1987 o televisionamento foi realizado pela Rede Globo, o dia do desfile foi deslocado do domingo para o sábado para evitar concorrência com os desfiles cariocas que ocorriam no domingo e segunda feira. Antes disso alguns desfiles foram transmitidos pela TV Cultura de São Paulo, eles não foram contínuos, a impossibilidade de pesquisa nos arquivos e as informações desencontradas nos jornais não nos permite afirmar com precisão os anos de televisionamento. Com a presença consolidada das transmissões televisivas se amplia as verbas publicitárias para as grandes escolas de samba, adequando as suas produções artísticas para o desfile televisionado. Os depoimentos dos agentes que fizeram parte dos desfiles no período, pelos jornais ou pelas entrevistas analisadas, apontam para a necessidade de reconhecimento de um público fora de suas comunidades ou aceitação por parte do Estado e o cuidado com possíveis descaracterização de suas matrizes culturais. Ou seja, existe uma tensão característica do campo cultural que vai resultar em diferentes abordagens.

O significado de um símbolo cultural é atribuído em parte pelo campo social ao qual está incorporado, pelas práticas às quais se articula e é chamado a ressoar. O que importa não são os objetos culturais intrínseca ou historicamente determinados, mas o estado do jogo das relações culturais: cruamente falando e de forma bem simplificada, o que conta é a luta de classes na cultura ou entorno dela.165

165 HALL, Stuart. Da Diáspora: Identidades e mediações culturais. Editora da UFMG. Belo Horizonte, 2009. P.241, 242. 146

A tenção presente na relação entre os enredos e a censura do Estado, ou os enredos e o interesses de patrocinadores vai resultar na disputa pelas memórias. Se por um lado se percebe que algumas escolas descrevem enredos onde as presenças de divindades de religiões africanas são meramente figurativas, outras narram a presença do poder espiritual presente no dia a dia, outras ainda, descrevem histórias mitológicas onde, didaticamente, se apresentam a importância delas para a compreensão de suas lógicas morais. Outra vertente desta disputa se dá no alinhamento das narrativas com os interesses ditatoriais enquanto outras apresentam nas palavras de duplo sentido nos enredos dentro do período ditatorial, como liberdade, esperança, injustiças. É percebido que com a presença maciça da televisão e a iniciativa privada as memórias negras vão se alinhando às memórias trazidas pelos programas televisivos. Contudo, narrativas anti hegemônicas vão rememorar revoltas ou resistências culturais quilombolas. Portanto percebemos que esta disputa cultural entre a necessidade de manutenção dos valores hegemônicos se contrapõe a volúpia de apresentar variadas formas negras de ser e estar dentro de uma realidade de segregação mantida pelas veladas estruturas sociais que impedem a emancipação de parte da população, vai se caracterizar como enculturação. Interpretamos as realidades dos desfiles das escolas do período como uma enculturação do sentido da definição atribuída por Jesus Martin barbeiro entendendo que o processo de misturas culturais não se da simplesmente pela cooptação do hegemônico, tornando as culturas populares subalternas, ou ainda a existência de uma justaposição entre os interesses das elites econômicas aos interesses dos grupos periféricos. A escolha por temas que sejam mais atrativos à própria comunidade do que ao patrocinador ou à ao público televisivo se faz presente. As ponderações que fazemos sobre a cobertura da imprensa passa pela percepção da relação dialógica entre os veículos de comunicação, as escolas e a UESP. Os dois veículos analisados abordaram o carnaval de São Paulo de maneiras distintas até 1984, enquanto Estado de S. Paulo, timidamente vai 147

ampliando as reportagens sobre o carnaval em seu jornal, a Folha de São Paulo destina um espaço considerável ao Carnaval e consequentemente ao desfile de São Paulo. As coberturas que vão de 1982 até 1984, são as que mais ganham espaços nas edições da semana anterior e durante o carnaval, associando as diferentes expressões carnavalescas às questões políticas governamentais. Na medida em que as escolas de samba vão aprimorando a divulgação dos seus enredos e tudo o que envolve a realização do desfile, as reportagens vão se tornando relativamente similares, paralelamente a isto a televisão vai fazer coberturas mais dinâmicas que as dos jornais impressos. Outra característica marcante nas coberturas é a maior atenção dada do desfile aos preparativos das agremiações do que para a cobertura do desfile. Ao longo da semana, os jornais iam divulgando entrevistas, matérias dos últimos preparativos, reflexões de estudiosos e acadêmicos sobre a cultura negra, realidades sociais, censuras, transformações nos carnavais. Sendo assim, podemos afirmar que os olhares sobre a negritude têm mais espaço nos preparativos do que no próprio desfile. A semelhança das linhas editoriais sobre o carnaval vai se dar pela presença de seus leitores mais familiarizados ás escolas de samba de São Paulo. Ainda que não se interesse pelo desfile, percebem-nas como uma realidade dentro da cidade digna de atenção e pela adequação das escolas às formas industriais de cultura. Ou seja, se a divulgação e reconhecimento faz parte das propostas artísticas, seria necessário ir de encontro aos canais de divulgação. Nitidamente, as reportagens são voltadas ao público que não faz parte das comunidades carnavalescas, assim como algumas das análises e reportagens são abordadas de formas preconceituosas e estereotipadas. Contudo, são as narrações televisivas onde as memórias negras foram mais divulgadas e valorizadas. Além das narrações contarem com todas as informações técnicas detalhadas passadas pelas escolas de samba, os comentaristas, Evaristo de carvalho e Leci Brandão destacavam particularidades e realidades de membros de dentro das comunidades, enriquecendo as transmissões com pontos de vistas que iam além de uma simples narração. 148

Fontes

Jornais:

Folha de São Paulo, 17 de fevereiro de 1977

Folha de São Paulo, 18 de fevereiro de 1977

Folha de São Paulo, 19 de fevereiro de 1977

Folha de São Paulo, 20 de fevereiro de 1977

Folha de São Paulo, 21 de fevereiro de 1977

Folha de São Paulo, 22 de fevereiro de 1977

Folha de São Paulo, 3 de fevereiro de 1978

Folha de São Paulo, 4 de fevereiro de 1978

Folha de São Paulo, 5 de fevereiro de 1978

Folha de São Paulo, 6 de fevereiro de 1978

Folha de São Paulo, 7 de fevereiro de 1978

Folha de São Paulo, 23 de fevereiro de 1979

Folha de São Paulo, 24 de fevereiro de 1979

Folha de São Paulo, 25 de fevereiro de 1979

Folha de São Paulo, 26 de fevereiro de 1979

Folha de São Paulo, 27 de fevereiro de 1979

Folha de São Paulo, 15 de fevereiro de 1980

Folha de São Paulo, 16 de fevereiro de 1980

Folha de São Paulo, 17 de fevereiro de 1980 149

Folha de São Paulo, 18 de fevereiro de 1980

Folha de São Paulo, 19 de fevereiro de 1980

Folha de São Paulo, 27 de fevereiro de 1981

Folha de São Paulo, 28 de fevereiro de 1981

Folha de São Paulo, 1 de março de 1981

Folha de São Paulo, 2 de março de 1981

Folha de São Paulo, 3 de março de 1981

Folha de São Paulo, 18 de fevereiro de 1982

Folha de São Paulo, 19 de fevereiro de 1982

Folha de São Paulo, 20 de fevereiro de 1982

Folha de São Paulo, 21 de fevereiro de 1982

Folha de São Paulo, 22 de fevereiro de 1982

Folha de São Paulo, 23 de fevereiro de 1982

Folha de São Paulo, 10 de fevereiro de 1983

Folha de São Paulo, 11 de fevereiro de 1983

Folha de São Paulo, 12 de fevereiro de 1983

Folha de São Paulo, 13 de fevereiro de 1983

Folha de São Paulo, 14 de fevereiro de 1983

Folha de São Paulo, 15 de fevereiro de 1983

Folha de São Paulo, 1 de março de 1984

Folha de São Paulo, 2 de março de 1984 150

Folha de São Paulo, 3 de março de 1984

Folha de São Paulo, 4 de março de 1984

Folha de São Paulo, 5 de março de 1984

Folha de São Paulo, 6 de março de 1984

Folha de São Paulo, 15 de fevereiro de 1985

Folha de São Paulo, 16 de fevereiro de 1985

Folha de São Paulo, 17 de fevereiro de 1985

Folha de São Paulo, 18 de fevereiro de 1985

Folha de São Paulo, 19 de fevereiro de 1985

Folha de São Paulo, 7 de fevereiro de 1986

Folha de São Paulo, 8 de fevereiro de 1986

Folha de São Paulo, 9 de fevereiro de 1986

Folha de São Paulo, 10 de fevereiro de 1986

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Folha de São Paulo, 26 de fevereiro de 1987

Folha de São Paulo, 27 de fevereiro de 1987

Folha de São Paulo, 28 de fevereiro de 1987

Folha de São Paulo, 1 de março de 1987

Folha de São Paulo, 2 de março de 1987

Folha de São Paulo, 11 de fevereiro de 1988

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Folha de São Paulo, 13 de fevereiro de 1988

Folha de São Paulo, 14 de fevereiro de 1988

Folha de São Paulo, 15 de fevereiro de 1988

Folha de São Paulo, 2 de fevereiro de 1989

Folha de São Paulo, 3 de fevereiro de 1989

Folha de São Paulo, 4 de fevereiro de 1989

Folha de São Paulo, 5 de fevereiro de 1989

Folha de São Paulo, 6 de fevereiro de 1989

Folha de São Paulo, 22 de fevereiro de 1990

Folha de São Paulo, 23 de fevereiro de 1990

Folha de São Paulo, 24 de fevereiro de 1990

Folha de São Paulo, 25 de fevereiro de 1990

Folha de São Paulo, 26 de fevereiro de 1990

O Estado de S. Paulo 18 de fevereiro de 1977

O Estado de S. Paulo 19 de fevereiro de 1977

O Estado de S. Paulo 20 de fevereiro de 1977

O Estado de S. Paulo 21 de fevereiro de 1977

O Estado de S. Paulo 22 de fevereiro de 1977

O Estado de S. Paulo 3 de fevereiro de 1978

O Estado de S. Paulo 4 de fevereiro de 1978

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O Estado de S. Paulo 6 de fevereiro de 1978

O Estado de S. Paulo 7 de fevereiro de 1978

O Estado de S. Paulo 23 de fevereiro de 1979

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O Estado de S. Paulo 15 de fevereiro de 1980

O Estado de S. Paulo 16 de fevereiro de 1980

O Estado de S. Paulo 17 de fevereiro de 1980

O Estado de S. Paulo 18 de fevereiro de 1980

O Estado de S. Paulo 19 de fevereiro de 1980

O Estado de S. Paulo 27 de fevereiro de 1981

O Estado de S. Paulo 28 de fevereiro de 1981

O Estado de S. Paulo 1 de março de 1981

O Estado de S. Paulo 2 de março de 1981

O Estado de S. Paulo 3 de março de 1981

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O Estado de S. Paulo 19 de fevereiro de 1982

O Estado de S. Paulo 20 de fevereiro de 1982

O Estado de S. Paulo 21 de fevereiro de 1982 153

O Estado de S. Paulo 22 de fevereiro de 1982

O Estado de S. Paulo 11 de fevereiro de 1983

O Estado de S. Paulo 12 de fevereiro de 1983

O Estado de S. Paulo 14 de fevereiro de 1983

O Estado de S. Paulo 15 de fevereiro de 1983

O Estado de S. Paulo 16 de fevereiro de 1983

O Estado de S. Paulo 2 de março de 1984

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O Estado de S. Paulo 4 de março de 1984

O Estado de S. Paulo 5 de março de 1984

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O Estado de S. Paulo 15 de fevereiro de 1985

O Estado de S. Paulo 16 de fevereiro de 1985

O Estado de S. Paulo 17 de fevereiro de 1985

O Estado de S. Paulo 18 de fevereiro de 1985

O Estado de S. Paulo 19 de fevereiro de 1985

O Estado de S. Paulo 7 de fevereiro de 1986

O Estado de S. Paulo 8 de fevereiro de 1986

O Estado de S. Paulo 9 de fevereiro de 1986

O Estado de S. Paulo 26 de fevereiro de 1987

O Estado de S. Paulo 27 de fevereiro de 1987 154

O Estado de S. Paulo 28 de fevereiro de 1987

O Estado de S. Paulo 1 de março de 1987

O Estado de S. Paulo 2 de março de 1987

O Estado de S. Paulo 11 de fevereiro de 1988

O Estado de S. Paulo 12 de fevereiro de 1988

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O Estado de S. Paulo 14 de fevereiro de 1988

O Estado de S. Paulo 15 de fevereiro de 1988

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O Estado de S. Paulo 3 de fevereiro de 1989

O Estado de S. Paulo 4 de fevereiro de 1989

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O Estado de S. Paulo 6 de fevereiro de 1989

O Estado de S. Paulo 22 de fevereiro de 1990

O Estado de S. Paulo 23 de fevereiro de 1990

O Estado de S. Paulo 24 de fevereiro de 1990

O Estado de S. Paulo 25 de fevereiro de 1990

O Estado de S. Paulo 26 de fevereiro de 1990

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Entrevista realizada

Antônio Pereira da Silva, Zulu Pereira, sambista da Mocidade Camisa Verde e

Branco, desempenhando várias tarefas centrais ao longo dos anos, atualmente presta serviços à LIGA, narrando a apuração nos últimos anos.

Entrevistas concedidas a terceiros

Raul Diniz, entrevistado por Odirley Isidoro em 2017.

Seu Nenê, entrevistado por Olga Von Simon, Ciro Ferreira e Paulo Marcos

Ferreira em 1981.

Evaristo de Carvalho, entrevistado por Olga Von Simon em 1981.

Madrinha Eunice, entrevistado por Olga Von Simon e Ciro Ferreira Faro em

1981.

Seu Carlão do Peruche, entrevistado por Olga Von Simon, Paulo Marcos

Putteman em 1981.

Seu Livinho da Vai-Vai, entrevistado por Olga Von Simon, Maria da Conceição

R. Ferraz, Ciro Ferreira Faro em 1981.

Manezinho do Peruche, entrevistado por Olga Von Simon em 1981.

Pé Rachado, entrevistado por Olga Von Simon em 1981.

Seu Zezinho do Morro da Casa Verde, entrevistado por Olga Von Simon em

1981.

Geraldo Filme, entrevistado por Olga Von Simon, Ciro Ferreira Faro, Paulo

Marcos Putteman em 1981.

Dionìzio Barbosa, entrevistado por José Ramos Tinhorão em 1981.

Dona Sinhá, entrevistado por Olga Von Simon em 1981. 156

Discografia

LP “ Sambas Enredo de São Paulo Carnaval de 1977”. Continental, 1976. Folclore em passarela (Silvio Modesto) José Maurício, músico do Brasil (Fala Macio) O Poeta de Miraí ( Zeca da casa verde) Sonho de uma época ( Borba, Pasquale) Cordões e gafieiras (Jacó da carolina) Eternos Vigilantes ( Nenê, Favela) Oração em tempo de festa (Geraldo Filme) Narainã (alvorada dos pássaros) ( Ideval, Zelão, Jordão) Noites de Festa (Talismã) A estrela mais brilhante “Cacilda Becker” ( Fernando Bom Cabelo, Douglas) Uma vida no palco (Carioca) História do Brasil (Astrogildo Silva)

LP “ Sambas-Enredo de São Paulo Carnaval de 1978”. Continental, 1977. Semana de Arte Moderna e os Contemporâneos do Futuro (Airton, Ideval, Mário Luis,Luis Carlos, Neff Caldas,Wilson Freire) Epopéia de Glória (Geraldo Filme) Sonhando nos Braços de Morfeu (O Gari Sou Eu) (Luis Sucuri, Marco Antônio) Cantos e Danças de Um Povo (Afoxê) Paranãendy (O Sublime Devaneio) (Toninho Sereno, Benê do Império) Di Cavalcanti dos Carnavais e das Mulatas (Favela) Na Arca de (Oswaldinho da Cuíca, Lirio) Sonho de Um Rei Negro (João Dionisio, Bom Cabelo) Um Dia na Praça (Fernando da Cuíca, Álvaro) Salamanca do Jarau (Zeca da Casa Verde) Governador das Esmeraldas (Serginho do Parque) O Palco É São Paulo (Silvio Modesto, Pasquale Nigro) 157

LP “ Sambas de Enredo da Escolas de samba do grupo I de São Paulo (UESP)” CBS, 1979. Vai-Vai, orgulho da Saracura (Almir, Luverci) Tudo E Brasil (Oswaldo Arouche, Walter Pinho, Tonicão) Cultura Divindades E Tradições De Um Povo (Rubão, Naur) Eternas Melodias (João Mota, Claudio, Batucada) Legado Banto (Ary Baianinho, Jangada, Talismã) Dona Beja (Grupo Afoxé) Acima De Tudo Mulher (Ideval) Que Gente E Essa (Geraldo Filme) Festa Do Povo (Barbosa, Praxedes, Crispim) Magnitude De Uma Raça (Oswaldinho Babão, Coquinho, Pirulito) Século De Paz (Pasquale, Silvio Modesto)

LP “Sambas de enredo do carnaval 81: Escolas de Samba do 1 Grupo”. Copacabana, 1980. Vidungo – Canto de Riqueza ( Ademir Arantes) No caminho do Ouro, a Ilha do tesouro (Norival Reis, Vicente Mattos, Tonicão) Do Iorubá ao reino de Oyo (Dom Marcos) Viva Nova Canaã ( João Dionísio) Acaiaca – A sacerdotisa do sol (Bardal, Naur, Rubão) Amor, sublime amor ( Bom Cabelo, Dige) Acredite se quiser (Oswaldo Arouche, Walter Pinho) Baluarte Candeia (Armando da Mangueira) Uma Hora na Amazonia (Biguinho) Verde Ilusão (Nadão, Murilão)

LP “ Sambas de enredo carnaval 82”. Copacabana, 1981. Orum-Aye ( O eterno amanhecer) (O. da Cuica, S. do Vai-Vai) Negro Maravilhoso (Talismã) O touro Rei (Ideval) No reino da Mãe D’água (Zelão, Miro) 158

Era uma vez...no paraiso da felicidade (D. Galvão, Raimundo, Rochinha, Cecília) Malungos ( Guerreiros negros) ( M. luiz, Airton, W Freire) Palmares, raiz da liberdade (A. da Mangueira, Jangada) Futebol no carnaval (Cid) Ainá no Reino de Baobá (R. do Cavaco, Serginho, Enio Sergio, Grupo Balance) Maravilhosa cidade (Borba, Murilão)

LP “Sambas de enredo escolas do grupo 1 grupo carnaval 83” . Copacabana, 1982. E se a moda pega (Namur, Macalé do Cavaco) Natureza, destaque principal (João Batista, Dige, Odair Menezes) A Ilusão do Fantástico Eldorado (Marco Antônio) Imembuí ( Eliana) Rir para não chorar (Borba, Murilão, Pasquale, Chicão da Edna) Meu gosto abraçado a ilusão (Armando da Mangueira, Oswaldo Arouche, Biguinho) Nostalgia (Zeca da casa Verde) Imigração Japosnesa (75 anos de imigração japonesa) (Velho Gabi, Du Cavanhaque) O criador de ilusões (Joaquinzinho, benê) Exaltação ao criador (Zoca, Dema)

LP “Sambas de Enredo das escolas de samba 1 Grupo Carnaval S. Paulo 84”. RCA VIK, 1983. Berço de heróis (Ideval, Zelão) Sagração dos deuses (Armando da Mangueira) Os três encantos do rei (Luiz Carlos, Neff Caldas) No Reino da Carochinha (Favela, Casado, Wander) Elis Regina, o som da festa, eterna musa (Nelson Coelho, Roberto Lindolfo, Ditão) Ao sol da onça caetana ou miragens do sertão (Tadeu da Mazei, Jacó, Mário Sergio, Penteado, Elisbão do Cavaco) 159

Império das artes (Souzinha) Sublime divindade (Toninho de carvalho) Poema das raças (Miguelzinho da Vila, Nilton da Flor, Wladi Sereno, Adilson Falô-ô) Mil vidas ( O teatro através dos tempos) (Royce do Cavaco)

LP “Sambas de enredo das escolas de samba do 1grupo de São Paulo – Carnaval 85”. RCA VIK, 1984. Uma Boa idéia (Royce do Cavaco, Vino “Pequeno Polegar”) O dia que o cacique rodou a baiana, aí ó ( Ala Jovem, Paulinho da Matilde) Brasil menino gigante (Eduardo, Sherman, favela) Água Cristalina (Ideval, Mestre Lagrila) Que rei sou eu ( Claudinho, Fininho, Escoces) Menino Cor de canela (Washington) Água de cheiro (Nadão, turquinho) Louvor a Chico Rei (Toninho de Carvalho, Sidney da Conceição, W Medeiros) Magia de uma raça (Grupo família, Daniel, João Amorim, Biguinho) Show Fantástico (Oswaldinho da Cuíca, Sidney da Conceição)

LP “ Sambas enredos das escolas do grupo 1 carnaval 86”. Continental, 1985. Rabo de foguete (Armando da mangueira) Cem anos depois (Royce do Cavaco, Grupo balancê) O Rei do picadeiro (Ideval, Mestre Lagrila, Carlinhos) Apesar de tudo é isso aí (Roberto da Tijuca, Nenê Capitão, Wagner do Cavaco) Magia de Tucumã (Filipin, Zé Roberto) Do jeito que a gente gosta (Walter Babu, Alemão do Vai-Vai, Chuveiro) Fantasia sonho sem fim ( luiz Carlos Xuxu, Neff Caldas) Foi assim e aí vem mais (Bem Bem) Noite para uma rainha negra (Mestre Lagrila, Ideval) Ah se eu fosse Noé (Dom Marcos, Preto Xixa, Roná Gonzguinha, Grupo Ebanos)

160

LP “Sambas de enredo das escolas de samba do grupo 1 Carnaval 87”. Continental, 1986. Volta ao mundo em 80 minutos) (A busca da paz) ( Nadão, Ademir, Mariano) Pernambuco Leão do Norte ( Armando, Miguelzinho da Vila, Pilica, Milton, Filé, Lume, Ricardo) O rei do dia numa noite de carnaval (Sol, a luz da vida) ( Carlinhos, Adalberto, Valmir) Do pé no chão ao esplendor (Toninho Silva, Marco do Tom, Nelson Dalla Rosa) Brasil em aquarela (Oswaldinho da Cuica, Maurinho da Mazei) Barra Funda, Estação Primeira (Adilson Victor, Mauro Diniz, Neocil) Moraes Sarmento, 50 anos de comunicação ( Roberto da Tijuca, Nenê Capitão, Wagner do Cavaco) São Paulo, seu povo sua gente ( Royce do cavaco, Baianinho) Apocalipse do carnaval (Dom Marcos, Roná Gonzaguinha, Xixá) Para Viver um grande amor Vinício de Moraes (Jangada, Maneco)

LP “Sambas de enredo das escolas de samba do grupo 1 de São Paulo, carnaval 88”. Continental, 1987. Amado Jorge (A História de uma raça brasileira) ( Oswaldinho da Cuíca, Namur, Macalé do cavaco) O cientista Poeta Paulo Vanzolini (Roberto da Tijuca, nenê Capitão, Wagner do Cavaco) O Poeta falou (Zona Leste somos nós) (Marco Antônio) Nova República me engana que eu gosto (Carlinhos de Pilares, Roberto Laranja) Nova Mente (Dorinho Marques, Marcio Madruga) Quilombo Catopês do Milho Verde (de escravo a rei da festa) Convite para amar (Boa noite São Paulo) (Zelão, Adalberto, Valmir, Carlinhos) Carvalho Madeira de Lei ( Valdê Cambalhota, Giba franja) Filhos de mãe preta (Joaquinzinho, Benê) No mundo da fantasia eu fui rei por um dia (Pixuca, Ló do canaval) O Menino da Lapa ( Pindaia, Cachaça, Dengo) Sonha Brasil (Tião Oliveira, Léo, Hugo Bispo, mano Barbosa, Amaro Nunes) 161

LP “Sambas de enredo das escolas de samba do grupo 1 de São Paulo, carnaval 1989” Continental 1988. Escreveu não leu o palco é meu (Oswaldinho da Cuíca, Namur, Macalé do cavaco) Seiva da vida (Xavier Deolindo, frutuoso, baixinho do Banjo) Deuses africanos (Ideval) Um novo sol para a América do Sul (Guinão, Ivan, Paulinho, Zé Carlinhos, Marrom, Wladimir, Baianinho) Babalotim ( Clarice, Thiago Lee, Grupo Relíquia, Sandrinha) Estou chegando, pode coçar a mão ( quem gasta tudo num dia, no outro assovia) Adalberto Braga, Marco Albuquerque “Alemão”) Eu tenho origem (Filé, Ney do Cavaco, Ricardo) Vera Cruz ( A vedete dos anos 50) ( Dom Marcos, Edinho, Xixá, Minho, Roná) Esperança de um povo ( Maurinho da Mazei, Luiz augusto) Trêis vêis salve a esperança (Edu do Cavaco)

LP “Carnaval 1990, São Paulo” BMG Ariola Discos LTDA, 1989. Dos Barões do Café a Sarney, onde foi que eu errei? (Luiz Carlos Grego) Até que enfim...(Aurinho da Ilha) Respeito é bom! I eu gosto? (Ney do Cavaco, File, Ricardo, Jowilson) Itaquera pedra dura, símbolo de um povo (Luizinho Kabello, Beto Muniz, J. Reis, Turco) Shangrilá Tupiniquim: Sonho, fartura e milagre (Claudinho Caju, Gagarim, Mizimbinha) De Roma pagã ao esplendor da Pauliceia ( vânia Zito, Ligeirinho, Beto Mouzinho) 60 anos no Reino das Bananas (Ademir, Neck’s, Showxão) A nossa Pré-Históia, quem sou eu? (Silvinho, Douglinhas) O segredo do amor (Dorinho Marques, Marcio Madrugada) O Homem nasceu para voar (Pantera, Rogério P. C.

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Videos De lá Pra Cá : Primeiro desfile das Escolas de Samba, TV Brasil, 2012. Samba se aprende na escola: Imperador do Ipiranga e Camisa Verde e Branco, TV Cultura, 1999. Samba se aprende na escola: Peruche e Vai Vai. TV Cultura, 1999 Samba se aprende na escola: Leandro de Itaquera e Mocidade Alegre, TV Cultura, 1999. Desfile Vai-Vai, Enredo: Amado Jorge, a História de uma raça brasileira. TV Cultura, 1988. Desfile Unidos do Peruche: Enredo; Os sete tronos dos divinos Orixás. Rede Globo, 1989. Desfile Rosas de Ouro, Enredo: Até que em fim...”O sábado”. Rede Globo, 1990.

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169

Anexos

Anexo 1

Correspondência do Conselho Geral do Memorial Zumbi à UESP

170

Anexo 2

Convite da PAULISTUR sobre o III Concurso Oficial de Samba Exaltação Alusivo a Semana da Pátria.

171

Anexo 3

Correspondência da Sociedade Rosas de Ouro à UESP

172

Anexo 4

Correspondência da PAULISTUR à UESP