FÁBIO LUIZ DE ARRUDA HERRIG

RAFAEL BARRETT: UM INTELECTUAL SEM PÁTRIA (1876-1910)

DOURADOS – 2019

FÁBIO LUIZ DE ARRUDA HERRIG

RAFAEL BARRETT: UM INTELECTUAL SEM PÁTRIA (1876- 1910)

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História, Faculdade de Ciências Humanas, Universidade Federal da Grande Dourados (PPGH/ FCH/ UFGD). Área de concentração: Fronteiras, Identidade e Representações

Orientador: Prof. Dr. Eudes Fernando Leite

DOURADOS – 2019

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP).

H566r Herrig, Fabio Luiz De Arruda Rafael Barrett: Um intelectual sem pátria (1876-1910) [recurso eletrônico] / Fabio Luiz De Arruda Herrig. -- 2019. Arquivo em formato pdf.

Orientador: Eudes Fernando Leite. Coorientadora: Gabriela Dalla-Corte Caballero. Tese (Doutorado em História)-Universidade Federal da Grande Dourados, 2019. Disponível no Repositório Institucional da UFGD em: https://portal.ufgd.edu.br/setor/biblioteca/repositorio

1. Rafael Barrett. 2. Anarquismo. 3. Pátria. 4. América platina. 5. História. I. Leite, Eudes Fernando. II. Caballero, Gabriela Dalla-corte. III. Título.

Ficha catalográfica elaborada automaticamente de acordo com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).

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FÁBIO LUIZ DE ARRUDA HERRIG

RAFAEL BARRETT: UM INTELECTUAL SEM PÁTRIA (1876- 1910)

TESE APRESENTADA PARA OBTENÇÃO DO TÍTULO DE DOUTOR EM HISTÓRIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – PPGH/FCH/UFGDUFGD

Aprovada em ______de ______de 2019.

BANCA EXAMINADORA:

Presidente e orientador: Eudes Fernando Leite (Dr. UFGD)______

1º Examinador: Gabriela Pellegrino Soares (Dra. USP)______

2º Examinador: Anibal Herib Caballero Campos (Dr. UNICAN)______

3º Examinador: Leandro Baller (Dr. UFGD)______

4° Examinador: Fernando Perli (Dr. UFGD)______

Com amor e carinho, à minha esposa e companheira, Carol, que esteve ao meu lado nessa dura e prazerosa jornada.

AGRADECIMENTOS

A História não era a primeira opção. Meu desejo era ser arquiteto. Mas, parafraseando Manuel Bandeira, fui arquiteto falhado. O interesse só veio no segundo ano da graduação. Mas, quando chegou, foi arrebatador. Decidi que queria estudar algo de minha região, interior de Mato Grosso do Sul, e acreditava que a erva mate era o símbolo mais representativo da minha identidade. O primeiro passo foi em direção a um texto de literatura, de Hernâni Donato, intitulado Selva trágica: a gesta no sulestematogrossense, publicado em 1959, que tratava da exploração dos paraguaios que trabalhavam na extração da erva mate. Dessa pesquisa inicial resultou a monografia apresentada como trabalho de conclusão de curso ao curso de História, da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS). Seguiu-se a isso o mestrado em Letras, ao qual escolhi por influência da professora Márcia Maria de Medeiros, que me orientou no TCC; nesse momento pude vivenciar outro crescimento sob a orientação da professora Adna Candido de Paula. Ancorei-me em dois pilares: minha mãe, Arlene, que sempre me apoiou e a quem devo não apenas o resultado dessa tese, pelo empenho que ela (minha mãe) teve em minha formação, mas também em meu caráter, pela educação que me deu em casa; e a Carol, minha esposa e mãe de meus dois filhos, Alice e Levi, respectivamente. Um nasceu no final do meu mestrado e o outro, no início do doutorado. E, tal como disse Benedict Anderson, nunca respeitaram a sacralidade de meu escritório. Carol foi, ainda, quem, frente à minha difícil situação financeira para conseguir os livros da seleção do mestrado, me emprestou o dinheiro de sua poupança para que eu adquirisse o material. Felizmente, ingressei de primeira. No mês em que a Alice nasceu, em 2012, coincidência ou não, eu recebi a última parcela referente à bolsa do mestrado. Foi uma época muito difícil. Eu não tinha emprego e não sabia o que fazer – se dava aulas ou se tentava um doutorado –, estava tudo muito turvo ainda. Voltei para Amambai/MS e comecei a dar aulas de música em um projeto criado por Jamil, um amigo que também foi ímpar em minha formação, e de história na Escola Agrícola do município, foi onde iniciei minha atuação profissional. Em 2013, cansado da sala de aula, já que não propiciava, como professor substituto, uma possibilidade melhor de trabalho e nem de formação, considerando o fato de que eu não atuava somente como professor de história, mas também de áreas afins, tentei ingressar no doutorado. Não deu certo. Tentei no outro ano e aí, sim, pude iniciar essa etapa. Sentia-me

eufórico e renovado. Junto com o início das aulas veio o Levi, meu filho mais novo. Mais trabalho e mais um motivo para eu continuar estudando. Houve, no correr do curso, muitas mudanças, como a do objeto da pesquisa e, em consequência, a do projeto. Mas foi algo positivo. Fui orientado de forma aberta, com debates e sugestões, fui livre para escolher e sempre ciente dessas escolhas, de forma que as falhas foram sempre decorrentes das minhas posições. Hoje, ao ler essa tese, sinto-me satisfeito, mas, ao mesmo tempo, penso que poderia ter escrito de outro jeito, ou melhor. Reportei isso ao Eudes, a quem agradeço imensamente a companhia, as opiniões (chamaria de conselhos, mas acho que ele não gostaria) e as orientações desses anos; e ele sempre me dizendo que era assim mesmo. Parece que isso reflete o quanto mudamos. Eu, em particular, acredito que mudei para melhor, pois estive ao lado de pessoas boas, pessoas inteligentes, pessoas que, a cada momento, me fizeram pensar sobre quem eu sou, sobre o que eu faço e sobre qual é o meu papel na sociedade e no mundo. Apesar de continuar me questionando (não sei se encontrarei resposta) sinto que isso é o que importa. Com essas palavras, quero agradecer também à minha família, sempre ao lado de minhas escolhas, comemorando e sofrendo junto; aos professores, com os quais estudei e tive a oportunidade, em alguns casos, de lecionar ao lado; em especial, agradeço aos professores do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Grande Dourados (PPGH/UFGD), já que essa tese foi produzida aqui e com o apoio direto ou indireto deles, bem como à secretaria do programa que sempre esteve à disposição para ajudar. Agradeço também ao professor Herib, pelas inúmeras sugestões e pela recepção em Asunción, juntamente com Carlos Gómez Florentín; agradeço e a Cielo Zaidenwerg e Gabriela Dalla Corte Caballero, pela recepção e o apoio em Barcelona, no curso do Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior (PDSE), financiado pela CAPES. Lamentavelmente, a professora Gabriela faleceu cerca de cinco meses após minha volta ao Brasil. Ainda sobre a Espanha, não posso, de forma alguma, deixar de lado meu primo, Pilincho, sua esposa Patrícia e o pequeno Eric, que me acolheram nos meses de estudo no ―Velho Mundo‖. Institucionalmente, agradeço ao fomento da CAPES, com a bolsa de doutorado no Brasil, e também com a bolsa PDSE, para o doutorado sanduíche na Espanha. Agradeço ao Archivo Nacional de Asunción, bem como à Biblioteca Nacional del ; agradeço ao Centro de Documentação Histórica da UFGD; ao Archivo Histórico de la Ciudad de Barcelona e à Biblioteca Nacional de España; à Biblioteca Nacional de ; e à Biblioteca Nacional Mariano Moreno na .

Por último, agradeço aos docentes que compõem a banca.

―La vida es un aire sutil, invisible y veloz, cuyos remolinos agitan un instante el polvo que duerme en los rincones. El inmortal torbellino pasa, torna a la pura atmósfera, torna a ser invisible, y el polvo se desploma inerte en su rincón. Los sabios no ven más que el polvo: palpan minuciosamente los cadáveres‖ (Rafael Barrett)

Resumo: Rafael Barrett (1876-1910) foi um escritor, em geral, associado ao anarquismo; poucos estudos têm sido realizados sobre a obra que ele deixou. Chama a atenção o caráter de denúncia e o humanismo presentes em seus textos. A tese tem como objetivo, por meio da análise da trajetória de vida e de intelectual do escritor, apresentar as relações estabelecidas por ele com a Europa e com a América Platina. Busca-se compreender o modo como Barrett se relacionou com os ambientes pelos quais passou e o como esses processos o levaram a se assumir, em 1908, como anarquista. A assunção de seu anarquismo é o que justifica o título da tese, já que, ao se posicionar de tal forma, nega-se a integrar uma pátria por opção ideológica. O trabalho está composto por duas partes, cada uma com dois capítulos. Na primeira, há uma estrutura descritiva que apresenta a vida e a obra de Rafael Barrett, observando-se seus trânsitos: Espanha, Argentina, Paraguai, Brasil, Uruguai, França; bem como as suas mudanças intelectuais e políticas. A segunda destina-se a uma análise mais específica do momento no qual ele se identificou com o anarquismo. Nesse interim, o objetivo foi o de demonstrar o porquê Rafael Barrett pode ser considerado um intelectual sem pátria, por meio da análise da sua obra e da realidade que o circundou em seus trânsitos até sua morte, em 1910, em decorrência da tuberculose.

Palavras-chave: Rafael Barrett; Anarquismo; Pátria; América Platina; História.

Abstract: Rafael Barrett (1876-1910) was a writer, generally associated with anarchism and with few studies done on the work he left behind. The character of the denunciation and the humanism present in his writings drew attention to him. The aim of this thesis is to present the relations that Barrett established with Europe and América Platina through the analysis of his life and intellectual trajectory, trying to understand how he related to the environments through which he passed and how these processes led him to assume, in 1908, like anarchist. The manifestation of his anarchism is what justifies the title of this thesis, he refused to integrate a homeland, by ideological option, by positioning himself in such a way. The survey is composed of two parts, each with two chapters. In the first, there is a descriptive structure that aimed to present life and work of Rafael Barrett, observing his transits: , Argentina, Paraguay, , Uruguay, ; as well as his intellectual and political changes. The second one was aimed at a more specific analysis of the moment in which he identified himself with anarchism, beginning in 1908. In the meantime, the objective was to demonstrate why Rafael Barrett can be considered an intellectual without homeland, through the analysis of his work and the reality that surrounded him in his transits until his death in 1910, due to tuberculosis.

Keywords: Rafael Barrett; Anarchism; Homeland; Platinum America; History.

Resumen: Rafael Barrett (1876-1910) fue un escritor, en general, asociado al anarquismo y con pocos estudios realizados sobre la obra que dejó. Llamó la atención por el carácter de denuncia y por el humanismo presente en sus textos. Esta tesis tiene como objetivo presentar las relaciones que él estableció con Europa y con la América Platina por medio del análisis de su trayectoria de vida e intelectual, buscando comprender cómo se relacionó con los ambientes por los cuales pasó y cómo esos procesos lo llevaron a asumirse, en 1908, como anarquista. La asunción de su anarquismo es lo que justifica el título de esta tesis, ya que al posicionarse de tal forma se ha negado a integrar una patria por opción ideológica. El trabajo está compuesto en dos partes, cada una con dos capítulos. En la primera, hay una estructura descriptiva que trató de presentar vida y obra de Rafael Barrett, observando sus tránsitos: España, Argentina, Paraguay, Brasil, Uruguay, Francia; así como sus cambios intelectuales y políticos. La segunda, fue destinada a un análisis más específico del momento en que se identificó con el anarquismo, a partir de 1908. En ese sentido, el objetivo fue el de demostrar por qué Rafael Barrett puede ser considerado un intelectual sin patria, por medio de la análisis de su obra y de la realidad que lo circundó en sus tránsitos hasta su muerte en 1910, como consecuencia de la tuberculosis.

Palabras-clave: Rafael Barrett; Anarquismo; Patria; América Platina; Historia.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura I - Anúncio do suicídio de Rafael Barrett em La Época ...... 42 Figura II - Anúncio do suicídio de Rafael Barrett em El Día ...... 42 Figura III - Contestação do suicídio de Rafael Barrett em El Liberal ...... 43 Figura IV - Notícia anunciando a participação de Rafael Barrett nas conferências de 1908 .. 47 Figura V - Gravura de Rafael Barrett, publicada na Enciclopedia Uruguaya ...... 64 Figura VI - Gravura de Rafael Barrett, em La Cruz del Sur ...... 65 Figura VII - Gravura de Juan O‘Leary surrando Cecílio Báez ...... 138 Figura VIII - Poema dedicado a Rafael Barrett ...... 192 Figura IX - Capa da edição de La Hormiga de Oro de 1905 ...... 203 Figura X - Capa da edição de La Revista Blanca de 1900 ...... 206

LISTA DE FOTOGRAFIAS

Fotografia 1 - Última fotografia de Rafael Barrett, em setembro de 1910, na cidade de ...... 37 Fotografia 2 - Carta de Rafael Barrett para Manuel Gondra - página 1 ...... 145 Fotografia 3 - Carta de Rafael Barrett para Manuel Gondra - página 2 ...... 146 Fotografia 4 - Carta de Rafael Barrett para Manuel Gondra - página 3 ...... 147 Fotografia 5 - Rafael Barrett (sentado) rodeado por seus amigos sindicalistas em San Bernardino - 1910...... 174 Fotografia 6 - Rafael Barrett junto a sua esposa ...... 192

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Textos de Rafael Barrett publicados em Germinal ...... 59 Quadro 2 - Gráfico representativo da alternância entre identidade e modernização...... 114 Quadro 3 - Instituições e elementos vinculados à afirmação das identidades nacionais nos países platinos ...... 126

SUMÁRIO

Lista de ilustrações ...... 12

Lista de fotografias ...... 13

Lista de quadros...... 14

Introdução ...... 17

Parte I ...... 34

Capítulo 1 ...... 35

RAFAEL BARRETT, “UN CURIOSO INSOPORTABLE”...... 35

1.1 Uma breve biografia ...... 40

1.2 A Europa e Barrett: um vínculo duradouro ...... 48

Capítulo 2 ...... 63

“POBRE DEL ESCRITOR QUE QUIERE OBTENER UN ESTILO, Y LO ENCUENTRA Y LE SATISFACE”: A ESCRITA BARRETTIANA ...... 63

2.1 Início e transição (1897-1907) ...... 66

2.2 Os primeiros passos como anarquista - 1908 ...... 96

Parte II ...... 106

Capítulo 3 ...... 107

“UN JARDÍN RECIÉN PLANTADO”: RAFAEL BARRETT E A INTELLIGENTSIA PARAGUAIA ...... 107

3.1 Paraguai: processo histórico de formação ...... 108

3.2 O Paraguai pós guerra ...... 122

3.3 Rafael Barrett, o Paraguai e El dolor paraguayo ...... 151

Capítulo 4 ...... 161

DO PARAGUAI AO MUNDO: MORALIDADES ACTUALES E O CARÁTER APÁTRIDA DO INTELECTUAL RAFAEL BARRETT...... 161

4.1 A obra barrettiana: influência espanhola ou paraguaia? ...... 163

4.2 Conjecturas sobre a América Platina ...... 176

4.3 O Uruguai e Rafael Barrett ...... 178

4.4 A Argentina e Rafael Barrett ...... 193

Conclusão ...... 209

Bibliografia e fontes ...... 214

Periódicos paraguaios ...... 233

Sección ―Telegramas‖ ...... 233

Sección ―Actualidad‖ ...... 235

Sección Lo que son los yerbales ...... 236

Otras secciones ...... 236

Periódicos espanhóis...... 237

Periódicos Uruguaios ...... 238

Revistas...... 238

Documentário ...... 239

INTRODUÇÃO

“Barrett murió quemado por su propia indignación”. (Álvaro Yunque)

“[...] as batalhas inscrevem a marca da história sobre matanças sem nome, enquanto que a narrativa faz pedaços de história a partir de simples confrontos de rua”. (Michel Foucault).

Quando iniciei o percurso no doutoramento, estava decidido a fazer um trabalho de fôlego sobre a erva mate; propósito que deu origem ao projeto com o qual ingressei no Programa de Doutorado em História, da UFGD. O grande problema era que, em meio às publicações de trabalhos e à busca de fontes para a tese, ora eu pendia para a História, abordando algumas fontes, ora eu pendia para a Literatura, produzindo crítica e discutindo teoria literária. Nesse entremeio, encontrei alguns trabalhos de Rafael Barrett, nome que eu já conhecia, por meio da epígrafe de abertura do romance Selva trágica, de Hernâni Donato, objeto de meu mestrado em Letras, defendido em 2012, na UFGD1. Rapidamente notei que isso deveria estar no meio das minhas fontes. Comecei a busca por textos de Barrett e, ao invés de escarafunchar os arquivos e bibliotecas, passei a navegar nas inúmeras páginas da internet para as quais cada link me remetia, até que me deparei com um site2 que continha um texto do professor Francisco Corral Sánchez Cabezudo. O texto tinha um perfil acadêmico. Interessei-me, mas não consegui encontrar o contato do referido autor. Enviei, então, um e-mail ao professor José Luis Gomez-Martinez, do Departamento de Lenguas Románicas en la Universidad de Georgia, que, cordialmente, me enviou o e-mail do professor Francisco Corral. Prontamente, o professor me encaminhou a sua tese, que se refere ao pensamento de Rafael Barrett, bem como um exemplar, em dois tomos, editado por ele, das obras completas de Barrett.

1 HERRIG, Fábio Luiz de Arruda. Literatura e História: uma perspectiva interdisciplinar do romance selva trágica de Hernâni Donato. 2012. Dissertação (Mestrado em Letras). Faculdade de Comunicação, Artes e Letras da Universidade Federal da Grande Dourados. 2 http://www.ensayistas.org/

Mesmo munido deste material, eu ainda não havia abandonado o projeto da erva mate, mas ele já se mostrava mais distante; e, com a evolução das disciplinas do doutorado, ficava ainda mais difícil persegui-lo – as fontes pareciam cada vez mais esparsas e mais inacessíveis. Assim, a decisão de abandonar o referido projeto veio, concomitantemente, por duas vias: por um lado, meu orientador, Eudes Fernando Leite, atentou-me para a possibilidade de valorização de meu conhecimento literário oriundo do mestrado em Letras; por outro, na disciplina de Seminário de Pesquisa, ministrada pelo professor Fernando Perli, foram destacados os problemas metodológicos do projeto, principalmente no que se relacionava ao acesso às fontes, e apontada, novamente, a possibilidade de eu utilizar meu cabedal literário. Esse foi o principal corte, que me levou a pesquisar Rafael Barrett e sua obra. O objetivo inicial, vinculado a Rafael Barrett e não mais às representações da erva mate, foi refletir acerca de como o escritor interagia com a sociedade paraguaia. Parecia que ele transitava entre duas visões de mundo: a de um europeu, uma espécie de flâneur, a contemplar não as mudanças da sociedade industrial, mas as sequelas da Guerra do Paraguai3, de um país devastado; e a de um militante que pretendia mudar a realidade, ora do Paraguai, ora da América platina, ora do mundo. Contudo, ao ler mais atentamente os escritos barrettianos, eu fui percebendo que sua obra não se restringia ao Paraguai, mas possuía um caráter transnacional. Foi, então, a partir dessa percepção que o esboço da tese começou a se formar. Quando comecei a ter uma noção melhor sobre quem era Rafael Barrett, encontrei um livro de Gregório Morán, cujo título me chamou a atenção: Asombro y búsqueda de Rafael Barrett. Morán iniciou esse livro após ler Gallinas; ficou espantado com o teor, bem como com a qualidade do texto e procurou saber quem era o autor, definido por José Luis Borges definiu como um ―espíritu libre y audaz‖4, no entanto, encontrou pouca coisa. Ao entrar em contato com a obra de Rafael Barrett, me recordo que senti a mesma coisa: um assombro, por ler textos com aquela qualidade, e a necessidade de buscar mais informações sobre ele. Nesse interim, tive a oportunidade de ir algumas vezes ao Paraguai para participar de eventos e debates sobre questões relacionadas às fronteiras que integram, essencialmente, a região platina. Esses debates, produzidos no âmbito dos Seminários de Leituras de Fronteiras,

3 Luc Capdevila destaca que a Guerra do Paraguai, ―Guardando la proporción para el conjunto de la época contemporánea y en comparación al conjunto de las guerras entre estados, […] no conoció equivalente‖ (CAPDEVILA, L. Una guerra total, p. 20). 4 Não encontrei o texto original, mas em vários escritos Francisco Corral faz referências a isso, bem como Gregório Morán, que ainda observa que essa consideração foi feita quando Borges ainda era um jovem e residia em Genebra (MORÁN, G. Asombro y búsqueda de Rafael Barrett, p. 38). 18

foram importantes para que eu amadurecesse acerca de aspectos da pesquisa e fizesse o levantamento de dados: em livros e fontes. Nos intervalos das atividades, transitava pelas ruas de Assunção, ora como pesquisador, ora como uma espécie de flâneur também. Ora escarafunchando a hemeroteca da Biblioteca Nacional de Asunción, ou o Archivo Nacional de Asunción; ora tecendo elucubrações sobre qual seria o sentimento de Barrett ao observar a Bahia Asunción, atrás do Palácio de López. Indagava sobre as contradições de suas escolhas, amar seu filho e sua esposa e optar pelo enfrentamento, pela defesa de suas ideias, o que o levou à prisão e ao exílio, distanciando-o de sua família. Indagava, ainda, sobre o fuzilamento de Francisco Ferrer Guardia5, na fortaleza de Montjuic, em Barcelona, ―[...] la última bastilla de los latinos‖, como afirmou Barrett. A vida de Rafael Barrett, também no ―Velho Mundo‖, era objeto de meus questionamentos, eu ficava a imaginar se, enquanto transitava em meio àquelas ruas estreitas, ele compreendia a efervescência de ideias que pululavam naquele ambiente. Isso, após eu ter lido os periódicos do final do século XIX e início do XX, e ter tido contato com livros de Azorín, Maeztu, Pio Baroja, entre outros. Desse modo, passar pelos diferentes espaços por que Barrett passou não pode ser considerado um dado; contudo, eles foram, de fato, importantes para instigar a realização da pesquisa que se traduz nessa tese. Efetivamente, esses trânsitos – no Paraguai, para pesquisa e a participação em eventos, na Espanha para realização do doutorado sanduíche – permitiram- me a ativação de um sentimento de satisfação por passar por onde passou Barrett, assim como o levantamento de um bom número de informações importantes para a consubstanciação do presente estudo. Rafael Barrett era espanhol, filho de mãe espanhola e pai inglês, nascido em 1876. Acusado de pederastia, foi depreciado por parte de um tribunal de honra na Espanha, no início do século XX, e migrou em 1903 para a Argentina, em seguida para o Paraguai, em 1904; foi exilado, em 1908, durante um conflito político que ocorria naquele país, passou brevemente por Porto Murtinho e Corumbá, então província de Mato Grosso, no Brasil; seguiu para Montevideo, capital uruguaia, onde conheceu uma gama de intelectuais. Em 1909 voltou ao Paraguai e, em 1910, em Arcachon, na França, faleceu, deixando uma obra não concluída e muito pouco estudada, mas alvo de muitas tergiversações.

5 Ferrer y Guardia foi acusado de ser o mentor intelectual da Semana Trágica, que foi uma série de protestos violentos ocorridos em Barcelona contra a guerra no Marrocos, entre vinte e seis de julho e dois de agosto, de 1909. 19

A proposta de considerar Rafael Barrett como um intelectual sem pátria, expressa no título deste trabalho, se esboçou a partir da percepção de que sua produção possuía aspectos particulares em relação à produção da intelligentsia6 paraguaia; entretanto, com o avanço da pesquisa e das leituras no sentido cronológico, foi possível constatar que sua obra transcendeu as fronteiras paraguaias, país no qual começou a produzir com mais intensidade. Inicialmente pensei em um homem sem pátria, mas o prosseguimento das leituras me mostrou que isso era um equívoco, já que o homem, Rafael Barrett, possuía uma pátria. Apesar de isso parecer contraditório em uma tese que o defende como um intelectual sem pátria, ele não o é, posto que nasceu na Espanha e foi registrado no consulado inglês, dada a nacionalidade de seu pai. Agregou um sentimento de afeto em relação ao Paraguai, quando lá chegou e debateu sobre o nacionalismo, tema candente no Paraguai da primeira década do século XX. Entretanto, suas leituras, bem como a realidade com a qual foi se defrontando na América o fizeram refletir sobre essa dimensão, até que ele assumiu-se anarquista, consequentemente, negando uma pátria, como aparece em seus textos. Assim, como um intelectual que refletia e produzia acerca da realidade que o circundava, optou por negar a pátria, já que a considerava propulsora do ódio. Barrett defendeu que, caso houvesse um lado bom no sentimento patriótico, não era ele o que era explorado, sendo assim, deveria ser combatido; pensamento expresso em La patria y la escuela. Ao tratar de pátria, Barrett refere-se ao sentimento de pertencimento, ao que tudo indica, aproximando-se do conceito etimológico, que está relacionado à terra dos pais7. Para ele, já em seu processo de transição para o anarquismo, em 1907, a noção de pátria não era positiva, pois o que resta dela é um sentimento de ódio ao outro que está para além da fronteira. Desse modo ele protestou contra o patriotismo e escolheu não possuir uma pátria, pois isso ia contra os seus ideais de amor e solidariedade e que, por mais que houvesse um amor familiar, ou patriótico, ―[...] el más sublime de los amores, el amor a la humanidad, nace del ambiente elevado que flota por encima de los siglos y de las fronteras‖8. Assim, ao identificar-se como anarquista e produzir esses textos com esse perfil, ele estabelece o seu

6 Sobre o conceito de intelligentsia, Wasserman observa que: ―O termo ‗intelligentsia‘ foi usado pela primeira na Polônia pelo filósofo e escritor Karol Libelt, no livro ―On Love of the Fatherland‖, de 1844. O termo referia-se ao compromisso moral e patriótico de acadêmicos, professores, religiosos, engenheiros etc. A palavra foi amplamente difundida na cultura russa na época da modernização empreendida por Nicolau II, quando o jornalista Pyotr Boborykin utilizou pela primeira vez na imprensa. Segundo sua versão, o termo era originário da cultura alemã, onde era usado para designar a parte da sociedade que se dedicava à atividade intelectual. Ele acrescentou um significado especial ao termo: a definição de intelectuais como representantes da "alta cultura‖, acepção que se generalizou na Europa ocidental‖ (WASSERMAN, C. História intelectual, p. 67). 7 CATROGA, F. Patria e Nação, p. 13. 8 BARRETT, R. Obras Completas II, p. 124. 20

caráter apátrida, a partir de leituras, de reflexões e da escrita; daí a escolha por intelectual sem pátria, ao invés de um homem sem pátria, como o pensado inicialmente para constituir o título deste trabalho. A dificuldade em analisar a obra barrettiana está no fato de que a produção desse escritor foi rápida e intensa, segundo o encontrado ela se estendeu de 1897 a 1910. Por abarcar um período relativamente curto, foi possível analisar toda a sua produção no sentido cronológico. Tal opção metodológica possibilitou o entender linearmente o seu pensamento sem partir de temáticas ou de ciclos. Nesse sentido, considerei importante compreender a totalidade da obra barrettiana para, apenas depois, compreender sua especificidade relativamente ao Paraguai e à América Platina. Esse processo é importante porque as edições das obras completas de Rafael Barrett não seguem um ordenamento cronológico em nenhuma das publicações9. Isso seria possível se tomássemos os textos originais, o que, atualmente, parece inviável10. Assim, decidi dividir a tese em duas partes: a primeira é composta por dois capítulos. O primeiro, ―Rafael Barrett, ‗un curioso insoportable‘‖, se dedica a uma exposição geral acerca da biografia de Rafael Barrett, observando quais os motivos que o levaram a deixar a Europa e a buscar uma vida nova na América, bem como procura explicar que, mesmo tendo ele deixado seu torrão natal, continuou a manter relações com a terra de origem, de tal forma que faleceu no continente europeu. O segundo capítulo, ―‗Pobre del escritor que quiere obterner um estilo, y lo encuentra y le satisface‘: A escrita barrettiana‖, trata da produção barrettiana até o ano de 1908. Esse recorte se explica porque, por meio dele, foi possível compreender o como se processou a mudança do autor em direção ao anarquismo, de tal modo que, em 1908, Rafael Barrett passa

9 Entre 1988 e 1990, foi publicada uma edição das obras completas de Rafael Barrett. Os três primeiros volumes, organizados por Francisco Corral, não seguiram a ordem cronológica, apenas o último, organizado por Miguel Ángel Fernández, seguiu a cronologia das publicações (MORÁN, G. Asombro y búsqueda de Rafael Barrett, p. 37-38), mas, em sua totalidade, não houve, até o momento, nenhuma publicação das obras de Barrett que seguisse esse modelo, ao menos no que se refere aos dados encontrados até agora. Não obtive acesso, para essa tese, à edição de 1988-1990. 10 A inviabilidade desse processo se dá, no mínimo, por duas questões: primeiramente, porque existem alguns textos publicados em que não constam a data de publicação nem o local, por exemplo: El Esfuerzo; La Nodriza del Infante; Zola; Una Visita, entre vários outros; e, em segundo lugar, porque os originais estão se perdendo. Em 2016, quando estive na hemeroteca da Biblioteca Nacional del Paraguay, tive acesso a alguns documentos originais. Busquei, primeiramente, o conjunto de textos que indispôs Rafael Barrett com a elite ervateira do Paraguai: Lo que son los yerbales, que foi publicado em El Diario, entre 15 e 27 de junho de 1908, a proposta era buscar textos que se opunham, ou que dialogassem com os escritos de Barrett. O que encontrei foi um material que carecia de preservação. O texto Tormento e asesinato, que compõe Lo que son los yerbales, publicado no dia 25 de junho, não foi encontrado e o restante dos diários estava em um estado precário. Em pouco tempo não será mais possível o acesso nem a esse material se alguma política de preservação não for colocada em prática, como muito bem salienta Mabel Causerano em Más allá de la guerra (CAUSERANO, M. La conservación y puesta en valor del patrimônio cultural como política pública, p. 131). 21

a considerar-se definitivamente um anarquista. Assim, existem características ensaísticas em seus textos produzidos na Espanha que passam a ganhar, na Argentina, um sentido mais social, inclusive dialogando com a política, essencialmente sob o viés republicano. No Paraguai, por sua vez, a aproximação com uma realidade pobre, o contato com o interior, as leituras oriundas de veículos de esquerda, como a revista El Despertar, e de autores como Tolstoi, Bakunin, Kropotkin, assim como a decepção com o modo como os políticos gestavam o país, direcionaram o escritor sentido do anarquismo, entre 1906 e 1908. Nesse último ano ele é preso e, posteriormente, exilado, graças às negociações do cônsul inglês Cecil Gosling; do contrário, teria ficado preso no Paraguai e possivelmente morrido lá, dadas péssimas condições das prisões e o estado de sua tuberculose, como relatou sua esposa, Francisca López Maíz Barrett, em Cartas Íntimas. A primeira parte, portanto, tem um caráter descritivo e não analítico; e é importante frisar que a data de 1908 marca, de forma significativa, a converção de Rafael Barrett ao anarquismo, essencialmente, com a publicação de Lo que son los yerbales, que desafiou as elites econômicas do Paraguai; e da revista Germinal, criada juntamente com Guillermo Bertotto, fatos que provocaram seu exílio. O capítulo três, ―‗Um jardín recién plantado‘: Rafael Barrett e a Intelligentsia paraguaia‖, na segunda parte da tese, destina-se à compreensão de alguns aspectos do Paraguai, sobretudo dos que se vinculam à construção da identidade nacional, por parte da intelectualidade daquele país. A partir disso, efetuo a comparação entre alguns países, após os processos de independência, para demonstrar que, em termos de símbolos pátrios, principalmente em se tratando das literaturas nacionais, o Paraguai foi o último a desenvolver algo nesse sentido. Defendo, então, que o descaso em relação à produção barrettiana, no país mediterrâneo, estava associado à preocupação de Barrett que, ao invés de buscar as raízes da nação paraguaia, convergiu para os descalços e os famintos, para ―cosas humildes y necesarias‖11, como definiu em El dolor paraguayo. Esses aspectos comparativos fizeram com que o capítulo três tivesse menos espaço dedicado a Rafael Barrett; isso foi necessário por sinalizar um dos objetivos da tese, que pretendia entender o porquê ele esteve às margens dos intelectuais paraguaios. Foi importante, também, para compreender que Barrett, ao se distanciar desses intelectuais, aproxima-se do anarquismo e converte-se, segundo o que defendo aqui, em um intelectual sem pátria.

11 BARRETT, R. El dolor paraguayo, p. 7. 22

Procurei demonstrar também que a singularidade da produção barrettiana, em relação à produção intelectual paraguaia, estava não só em sua formação europeia, mas em sua abertura às várias leituras e aos contatos que foi construindo em sua curta estada na América do Sul. Como ele mesmo afirmou: ―Soy un curioso insoportable. ¡Cuándo me muera, voy a aburrir a Dios a fuerza de preguntas!‖12, ou ainda: ―Ante la curiosidad, ese instinto lúcido y cruel, la enfermedad y la salud, la vida y la muerte no son más que aspectos de un problema único‖13. Tomei como base para esse capítulo, não somente, mas principalmente, seu livro póstumo El dolor paraguayo. O capítulo quatro, ―Do Paraguai ao mundo: Moralidades Actuales e o caráter apátrida do intelectual Rafael Barrett‖, dedica-se à análise do único livro que Barrett escreveu e teve em suas mãos antes de falecer: Moralidades Actuales. Após examinar o contexto argentino e uruguaio, em relação à produção periodística e literária e em relação às políticas promovidas contra o anarquismo e os estrangeiros ligados aos movimentos de esquerda, procurei mostrar o porquê Rafael Barrett pode ser considerado um intelectual sem pátria. Não apenas pela falta de reconhecimento em vida ou póstumo (exceto na capital uruguaia), mas principalmente por escolha própria, já que, ao se assumir anarquista e produzir seus textos a partir desse posicionamento, ele nega-se a assumir uma ou outra pátria como sua. A opção por El dolor paraguayo e por Moralidades Actuales se justifica, apesar de serem compostos por artigos periódicos de vários anos, porque expressam a perspectiva barrettiana entre 1909 e 1910. Portanto, ao invés de continuar cronologicamente, procurei explorar esses dois livros – fruto de algo mais refletido. Os artigos que os compõem foram cuidadosamente selecionados, uma evidência de que expressam as ideias de Rafael Barrett naquele momento. Apresentado esse percurso, realizo, em seguida, algumas reflexões de caráter teórico que orientaram o desenvolvimento da pesquisa e da análise que vão sustentar a tese. Assim, primeiramente trato de alguns aspectos teóricos específicos do campo da Literatura. Na sequência destaco pontos importantes para a tese que se relacionam com a História.

O papel da forma: aspectos da teoria literária e sua relação com a História

No contexto em que viveu Rafael Barrett, é interessante notar que havia uma conjuntura de caráter universal: anarquismo, positivismo, modernismo, simbolismo, niilismo,

12 BARRETT, R. Obras Completas II, p. 665. 13 BARRETT, R. Obras Completas II, p. 359. 23

etc.14. Tais movimentos influenciaram inúmeros grupos, na passagem do século XIX para o XX, corroboraram para a busca de elementos padrões que permitissem a formatação de grupos ligados por características comuns, como foi o caso do regeneracionismo15 espanhol, da generación del 9816, ou do novecentismo17 paraguaio. Mas o que interessa na tese não é encontrar essas características comuns, ou seja, o que é padrão em todos. O que importa é a singularidade do pensamento, são os elementos descontínuos18 da produção barrettiana. São esses pontos que expressam a diferença entre a produção de Rafael Barrett e a da de parte de seus coetâneos; pontos que permitem a afirmação de que ele foi um intelectual sem pátria. Para avaliar aspectos sociais, políticos, literários, envolvidos no contexto da produção barrettiana, considerei importante refletir a partir da influência dos textos de Eric Auerbach e de George Lukács, no sentido de pensar o papel da forma em sua produção. Reforcei essa avaliação com um historiador também: Roger Chartier, em seu livro À beira da falésia, no qual também discute tal problemática. Penso que a forma literária está marcada por aspectos inerentes a uma temporalidade e a uma espacialidade, daí sua importância para a História. A forma19 romanesca20 moderna, inaugurada por Cervantes, expressa pontos de um tempo histórico, o do início do período Moderno, assim, Dom Quixote foi um livro singular para a Literatura. Essa foi a forma utilizada por Victor Hugo para compor Os Miseráveis. Vale lembrar que, apesar de o autor usar o gênero romance, compreendido a partir do aspecto formal, cerca de dois séculos depois de Cervantes, seu livro não perdeu a originalidade; tão pouco isso ocorreu com Cem anos de solidão, de Gabriel Garcia Márquez. Desse modo, considero plausível a configuração, a construção de um grupo, ou movimento, como o do romantismo, do parnasianismo, ou da juventud del 9821, mas a título de organização ou de definição de padrões gerais. O problema desse processo é que ele incorre no risco de obscurecer, ou de camuflar as singularidades da produção de um determinado autor, assim

14 AMARAL, R. El novecentismo paraguayo, p. 20-21; 27-28; CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 87-89. 15 PANIAGUA, España, p. 28. 16 CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 84-100. 17 AMARAL, R. El novecentismo paraguayo, p. 45. 18 FOUCAULT, M. Microfisica do poder, p. 34. 19 Não só a forma, mas o conteúdo também. Auerbach demonstra que Sancho Pança é moderno, fragmentado, ao passo que dom Quixote é a reminiscência de um tempo ultrapassado, um tempo que ele tenta fazer voltar, a Idade Média. Assim, constrói-se como uma metáfora. Sobre o assunto ver: AUERBACH, E. Mimésis: La représentation de la réalité dans la littérature occidentale. France: Gallimard: 1968. p.339- 364. 20 Sobre o romance ver: ROBERT, Marthe. Romance das origens, Origens do romance. São Paulo: Cosac Naify, 2007. 21 Francisco Corral aborda a juventud del 98, mas também a generación del 98, de forma que ambos são sinônimos em seu livro El pensamiento cautivo de Rafael Barrett. 24

como a história holística passava ao largo de uma redução de escala22, permitindo a compreensão do geral, mas não a do específico. Fui me acercando dessa perspectiva na medida em que lia a obra23 de Rafael Barrett, de forma cronológica, e percebia o quanto ele foi mudando sua visão de mundo, suas críticas sociais e políticas; mas na medida em que li La voluntad, de Azorín, e Zalacaín, el aventurero24, de Pio Baroja, e vi como um está longe do outro; e ainda, quando li sobre Germinal e sobre a generación del 9825 e percebi que foram intentos fracassados. Como pode ser observado no texto de Perez de la Dehesa, o grupo de escritores que compunham a revista Germinal, na Espanha, não era um uníssono26. Um exemplo disso é o caso de Lerroux, no final do XIX, que integrava Germinal, mas, depois, passou a dirigir El Progreso e a lançar duras críticas aos germinalistas27, o que mostra a fragilidade do grupo. Nota-se também o fracasso da tentativa de se retomar a revista em 1901. Evidência disso é Ramiro Maeztu, que havia defendido Germinal anos antes e que, tendo mudado seu posicionamento político, afirma que o próprio termo germinalista chegou a significar: ―[...] cualquier tipo de rebeldía política e estética‖28. No caso da generación de 98, a crítica ao grupo centrou-se basicamente na diversidade da produção dos escritores que parte da crítica espanhola pretendia fazer integrar a referida geração. Para Ricardo Gullón, essa geração foi criada com o intuído de construir uma identidade literária para a Espanha. Todavia, para ele, essa classificação é um acontecimento perturbador e regressivo29. O texto de Gullón foi a fonte para a ácida crítica que Gregorio Morán dirige a Francisco Corral, que será detalhada no último capítulo. Morán defende que imaginar o grupo que geralmente é identificado com a generación del 98 é reflexo da falta de talento ou de vontade para avaliar as especificidades inerentes ao assunto30.

22 Sobre o assunto ver: REVEL, Jacques (Org.). Jogos de escala. Rio de Janeiro: FGV, 1998. 23 Quando falo obra, não me refiro a um livro, mas a todo o conjunto de textos produzidos por ele. 24 Suposto integrantes da generación del 98. 25 Sobre o periódico espanhol Germinal e a generación del 98, ver: ARJONA, Encarnación Medina. «El Grupo Germinal de 1901 Y Zola: El carácter programático de una carta inédita». Ull Critic, N. 7, 2002, págs. 169-181. [BLF] CC9454; e DEHESA, Rafael Pérez de la. El Grupo „Germinal´: una clave del 98. : Taurus, 1970. No caso de generación de 98, a referência principal foi: GULLÓN, Ricardo. ―Invención del 98”. En: Rico, Francisco y Mainer, José-Carlos (coord.). Historia de la crítica de Literatura española. Barcelona: Modernismo y 98, Crítica, tomo VI, 1979, págs. 41-52. 26 DEHESA, R. P, El Grupo „Germinal, p. 55. 27 DEHESA, R. P, El Grupo „Germinal, p. 61-62. 28 DEHESA, R. P, El Grupo „Germinal, p. 96-97. 29 GULLÓN, R. Invención del 98, p. 41-42. 30 MORÁN, G. Asombro y búsqueda de Rafael Barrett, p. 56. 25

Apesar de dura, essa crítica de Morán foi uma das bases, juntamente com toda a referência historiográfica de Michel de Certeau, Foucault, Geovani Levi, Carlo Ginzburg, que me motivaram a buscar o diferente e não o padrão. Assim, procuro na obra barrettiana o que é diferente, o que é particular; é nessa particularidade de sua produção que assento a defesa de que ele foi um intelectual singular no contexto platino, ambiente no qual viveu a partir de 1903. Pensar o aspecto formal da produção barrettiana, observando suas escolhas estéticas, como o simbolismo ou o modernismo, permite compreender o caráter de sua obra e elementos importantes para os movimentos literários, mas também o papel da literatura como veículo de movimentação das massas. A partir de 1908, o aceno à literatura pedagógica, à literatura que ensina, e que é notória na obra barrettiana, não é fruto da engenhosidade de Rafael Barrett, senão que é influência do anarquismo, como poderá ser constatado adiante. Entre 1914 e 1915, George Lukács escreveu um livro intitulado A teoria do Romance, que surgiu ―[...] sob um estado de ânimo de permanente desespero com a situação mundial‖31. Nesse ensaio ele traçou o percurso da épica com base em vários aspectos históricos. Mimésis, de Auerbach, orienta para o mesmo caminho. Esses dois livros foram importantes como marcos teóricos, mesmo não sendo do campo da História, porque permitiram o perceber de determinados aspectos inerentes ao campo literário que dialogam com a História. Assim, nota-se que os elementos históricos, contemporâneos a Rafael Barrett, foram importantes para seu posicionamento como um escritor que produzia, periodicamente, para ganhar a vida, enviando seus textos a jornais, o que fez com que o escritor adequasse seus escritos a essa condição, a esse veículo. Nesse sentido, ao se analisar a escrita barretiana, verifica-se uma mudança em relação ao que foi produzido na Espanha, na Revista Contemporánea – textos do gênero ensaístico; e ao que foi produzido na América – textos de gêneros variados: ensaio, crônica, crítica, denúncia, conferências. Não é, portanto, por acaso que os dois livros que Rafael Barrett publicou, Moralidades Actuales e El dolor paraguayo, são uma compilação de textos publicados em jornais. Era imperativo escrever na forma, no gênero, correspondente às exigências dos jornais; além disso, ele não podia se dedicar a escrever, por exemplo, um livro, porque a doença lhe afligia, lhe impedia. A partir de 1908, já sentia que a morte estava próxima.

31 LUKÁCS, G. A teoria do romance, p. 8. 26

No campo da História, Roger Chartier também destaca a importância da forma nos processos de representação quando defende que os aspectos pretensamente imanentes da obra são tocados por elementos que extrapolam a dimensão da configuração do autor:

Os livros não são absolutamente escritos. São produzidos por copistas e outros artesãos, por operários outros técnicos, pelas máquinas de imprimir e outras máquinas. [...] deve-se lembrar que não há texto fora do suporte que o dá a ler (ou ouvir) e que não há compreensão de um escrito, que não depende das formas nas quais ele chega ao leitor. Por isso, a distinção indispensável entre dois conjuntos de dispositivos: aqueles que dizem respeito às estratégias de escritura e às intenções do autor, aqueles que resultam de uma decisão de editor ou de uma imposição de oficina32.

Há que se considerar, a partir destas constatações, que o percurso biográfico de Rafael Barrett o levou à publicação periodística. Assim, no contexto da análise, é que defendo que essa percepção acerca da formal é imprescindível para uma avaliação mais consistente. No texto De Estética, escrito em 1905, fica evidencia que Rafael Barrett tinha um apurado senso estético e que compreendia a perspectiva relativa à arte pela arte; entretanto, a partir de fins de 1907, é notório que a sua obra é tomada por forte carga ideológica, promovida pela aproximação a movimentos e grupos de esquerda, como o anarquismo e o socialismo que têm um caráter internacional. Nesse sentido, Barrett se insere nas disputas de poder envolvidas nos processos de representação, como destaca Chartier33. Ao se desviar da linha mestra que conduzia os intelectuais paraguaios, Rafael Barrett se envolve em uma vertente contrapontista à construção da identidade paraguaia, cujo preço foi o olvido, a marginalidade. Cabe pontuar que seus textos passaram, há pouco, a ser retomados e que os estudos acadêmicos acerca de sua produção ainda são incipientes. Assim, a forma barrettiana está em conexão com o conteúdo e com o tempo histórico em que foi produzida. Perceber a forma, mas também o conteúdo é perceber o como o escritor Rafael Barrett dialogou com seu entorno. Seus textos têm um perfil sintético não apenas por conta do veículo em que ele publicava, o jornal, mas também em razão de uma percepção

32 CHARTIER, R. À beira da falésia, p. 71. 33 Discutindo os processos de representação do Antigo Regime, Chartier observa: ―De uma perversão da relação de representação, as formas de teatralização da vida social na sociedade do Antigo Regime, dão o exemplo mais manifesto. Todas visam, com efeito, a fazer com que a coisa não tenha existência senão na imagem que exibe. Com que a representação mascare ao invés de designar adequadamente o que é seu referente. A relação de representação é assim turvada pela fragilidade da imaginação, que faz com que se tome o engodo pela verdade, que considera os sinais visíveis como indícios seguros de uma realidade que não existe. Assim, desviada, a representação transforma-se em máquina de fabricar respeito e submissão, em um instrumento que produz uma imposição interiorizada, necessária lá onde falta o possível recurso à força bruta‖ (CHARTIER, R. À beira da falésia, p. 75). 27

estética apurada, fruto de sua formação europeia. Compreender os elementos comuns a uma época é importante, todavia, ignorar as peculiaridades, as singularidades, considerando o que a historiografia contemporânea demonstra, não parece ser saudável à produção do conhecimento histórico.

Pontos teóricos: a História

Em 2015, tive a oportunidade de publicar um texto na Revista Eletrônica História em Reflexão, intitulado ―A história, a micro-história e a descontinuidade‖34. Nesse texto, procurei demonstrar que o processo de redução de escala atribuído, primordialmente, à micro-análise, nos trabalhos de Carlo Ginzburg e Giovani Levi, não foi um privilégio da escola italiana. Essa redução de escala foi sentido de forma mais ampla, como pode ser notado no caso da França, especialmente com a Collection Archives35, da qual derivou o livro de Foucault Eu, Pierre Rivière, que degolei minha mãe, minha irmã e meu irmão. Essa redução da escala permitiu a Foucaul refletir acerca do descontínuo36 na história, perceber a singularidade, a diferença. A redução de escala foi, em parte, uma reação a um sentimento de felência das grandes sínteses globais, foi uma busca de solução para os limites encontrados pela história social, como caso dos Annales37, que naquele momento, estavam marcados pelo macro, pelo quantitativo e pelo serial38. Neste estudo, busquei os elementos dissonantes, os aspectos singulares. Assim, para entender as problemáticas referentes a Rafael Barrett não procurei o padrão, mas o contrário, no sentido das pequenas e inúmeras fontes que caracterizam a micro história. Por outro lado, foi preciso fazer esses dados dialogarem com o macro, com elemento gerais e, nesse sentido, procurei estabelecer esses vínculos.

34 HERRIG, F. L. A. ―A história, a micro-história e a descontinuidade‖. Revista Eletrônica História em Reflexão. v. 9, n. 18, jan,/ jun. de 2015. p. 1-11. 35 SMOLNY. La collection des Archives Gallimard Julliard. Collectif d‘édition des introuvables du mouvement ouvrier. Disponível em: http://www.collectif-smolny.org/article.php3?id_article=777 acesso em: 16 de setembro de 2015. 36 ―A história, genealógicamente dirigida, não tem por fim reencontrar as raízes de nossa identidade, mas ao contrário, se obstina em dissipá-la; ela não pretende demarcar o território único de onde nós viemos, essa primeira pátria à qual os metafísicos prometem que nós retornaremos; ela pretende fazer aparecer todas as descontinuidades que nos atravessam‖ (FOUCAULT, M. Microfísica do poder, p. 34-35). 37 A percepção da redução de escala pode ser notada na nota necrológica intitulada Fernand Braudel presente no primeiro volume de 1986 da revista do Annales, na qual a terceira geração defende a redução da escala, destacando a respeito da primeira e da segunda geração que: ―son projet avait été celui d‘une histoire globale, intégrant les apports de toutes les sciences de l‘homme. Nous nous livrions à dês expérimentations plus locales [O seu projeto havia sido o de uma história global, que integrava os aportes de todas as ciências humanas. Nós nos entregamos a experimentações mais locais]” (ANNALES ESC, Fernand Braudel, p. 6). 38 HERRIG, F. L. A. A história, a micro-história e a descontinuidade, p. 6-7. 28

Para compreender a produção barrettiana, bem como o intelectual Rafael Barrett, foi necessário saber quem ele foi, para, depois, proceder à análise cronológica e entender o quê e como ele produziu. Isso, conectado à esfera do Paraguai, relaciona-se à percepção do micro, porque destaca elementos da vida barrettiana em relação à intelectualidade paraguaia. Todavia, nota-se a ampliação da compreensão de Barrett sobre a realidade, com base em suas leituras de Kropotkin, Proudhon, Bakunin, Tolstói, Anatole France, Zola, e dos Evangelhos, o que sugere que sua visão estrapolava os limites das fronteiras paraguaias; associa-se isso o seu exílio, em 1908, em Montevideo, e o seu anarquismo, que se tornava cada vez mais forte. Tais fatos permitiram o compreender que Barrett tinha elementos muito singulares e que sua relação com o Paraguai foi tensa, porque o tempo desse escritor era outro39 – não o da intelectualidade Paraguai. Essas relações com esferas globais, por exemplo, com o anarquismo, assim como sua doença e as tensões no Paraguai à época, contribuíram para que Barrett se tornasse um intelectual sem pátria, na medida em que não era aceito, com exceção em Montevideo, e na medida em que não admitia a noção de pátria, a partir do momento que se assumiu anarquista. Como destaca Raúl Amaral, o Colégio Nacional e a Universidade Nacional, a partir do final da década de 1870, assim como o Instituto Paraguayo, em 1895, dão início às suas atividades; foram essas instituições que formaram os intelectuais daquele país e que receberam os indivíduos que foram para a Europa estudar. Amaral ainda explica as linhas de ensino que foram seguidas: o krausismo, o positivismo, entre outros. Nesse ponto, como poderá ser notado no terceiro capítulo, é interessante perceber a desconexão entre a intelectualidade paraguaia e Rafael Barrett – pois essa intelligentsia estava vinculada à política e estava aprendendo paradigmas que Barrett já havia superado. Tais paradigmas serviam como modelo para a construção da nacionalidade paraguaia, que se moldava sobre os restos do que a Guerra do Paraguai deixou. Aqui vale ressaltar o apresentado sobre a importância da análise das representações, um jogo no qual se busca legitimar a verdade que mais interessa40. À intelligentsia importava destacar: o nacionalismo, o valor do Partido Liberal ou do Partido Colorado, os altos valores

39 Para Claudia Wasserman, uma das características dos intelectuais é a da sobreposição de vários tempos, já que ―A própria origem da intervenção pública dos intelectuais esteve relacionada com essa projeção do futuro, ou com a aceleração do tempo histórico, a partir da ideia de progresso, quando se adquiriu a consciência da capacidade de transformação do mundo. Os homens de cultura já estavam antecipando o futuro, planejando, perscrutando o amanhã‖ (WASSERMAN, C. História intelectual, p. 73). Em Rafael Barrett estão presentes essas características. 40 CHARTIER, R. À beira da falésia, p. 75. 29

da pátria; a Barrett interessava: a liberdade, a injustiça na exploração dos mais fracos, a subordinação da política ao capitalismo e a miséria humana. Com toda essa conjuntura que se esboça, é legitimo marcar um ponto de ancoragem historiográfica nesta tese. No caso, associada à história das identidades e representações, ao se pensar a construção da nacionalidade, no Paraguai, bem como a legitimidade do anarquismo defendido por Barrett; todavia este estudo se espraia, também, no horizonte da história intelectual, ao analisar os diálogos que se processaram naquele período, nos vários espaços do globo, e que foram marcados pelo internacionalismo. É possível enquadrar a história de Rafael Barrett em vários planos historiográficos: o de fronteiras, dados os seus trânsitos; o de movimentos sociais, dada a sua dedicação a alguns movimentos operários; o de política, dada a sua posição republicana e depois anarquista. Entretanto, o mais plausível, considerando as fontes e o percurso da pesquisa, é situar o autor e sua história no âmbito da história das representações. Isso porque a tese caminha nesse sentido, mas também porque a linha de pesquisa do programa de pós-graduação, Fronteiras, Identidade e Representações, no qual este trabalho está inscrito, dialoga com o tema. Apesar dessa classificação, ainda é possível notar que a tese tembém dialoga com o âmbito da história intelectual, ao se tentar compreender o pensamento de Rafael Barrett, bem como as transformações implicadas no seu amplo processo de mudança e nos contatos diversos que o levaram ao anarquismo. Fatos associados, necessariamente, ao seu apego à leitura e à reflexão e à sua formação nos centros europeus. Mas também por sua postura, que se coaduna com a figura do intelectual naquele momento do início do século XX: de um intelectual atuante e crítico, expresso, essencialmente, no J‟accuse de Emile Zola, que trata da solicitação de revisão do caso Dreyfus, a respeito do qual Barrett, tardiamente, também tece comentários41. É preciso algumas palavras, também, sobre a historiografia paraguaia, já que ela perpassa boa parte deste trabalho. Ignacio Telesca, no texto ―La historiografía producida en Paraguay durante el último quinquenio‖, publicado em 2013, observa que ―La historiografía sobre el Paraguay no es la más abundante y lo producido en el mismo país es muy poco conocido fuera de las fronteras de esa ‗isla rodeada de tierra‘‖42. Para além dessa produção, o que chama a atenção é o perfil de tal historiografia, que, sobremaneira, se volta para as questões bélicas, ou seja, à Guerra do Paraguai, de 1864-1870 e a Guerra do Chaco, de 1932 a

41 Rafael Barrett retoma o caso Dreyfus em textos como Zola, Sacrificios Humanos, Harden-Moltke, A propósito de Napoleón, Los lentes del Indio, entre outros. 42 TELESCA, I. La historiografía producida en Paraguay durante el último quinquenio, p. 375. 30

1935, na busca da constituição da identidade nacional. Destaque-se, nesse caso, a produção pós-bélica, que buscou pensar a república paraguaia e teve como um dos pontos mais fortes o da difusão do lopizmo. Telesca, malgrado fazer um levantamento do último quinquênio, levando em consideração que a publicação de seu texto se deu em 2013, nota que nesse momento havia pouco incentivo a pesquisa (mesmo no ensino superior), no campo da história, o que faz com que a referida produção ainda estivesse circunscrita à produção que se processou no correr do século XX e que está marcada por caracterizações produzidas por Juan O‘Leary, Manuel Domínguez e Blás Garay, principalmente no que se se refere ao âmbito não acadêmico. O autor observa, também, que nesse período, contudo, passa a haver uma tímida abertura para a pesquisa, com incentivos a pesquisadores de tempo integral, com dedicação exclusiva, como, por exemplo, na Universidad Nacional de Asunción; nos programas de incentivo à pesquisa, como o Programa Nacional de Incentivos a los Investigadores (PRONII), gerido pelo Consejo Nacional de Ciencia y Tecnología (CONACYT)43, assim como há iniciativas editoriais para a publicação de fontes e de trabalhos de história. É importante notar isso e observar que durante muito tempo o Paraguai esteve sob o signo de uma historiografia que procurou produzir uma identidade calcada no lopizmo, ou seja, em um processo baseado em um heroísmo de guerra: ao mesmo tempo em que nutria certo rancor em relação aos países vizinhos, impedia que o Paraguai conhecesse a si próprio em outros sentidos historiográficos, elemento que parece ter sido inflado após a guerra do Chaco. O que se percebe atualmente é que a historiografia paraguaia começa a se abrir e a lançar novos olhares sobre sua própria história, e que o Paraguai, com sua política, sua cultura, sua diversidade passa a ser objeto de mais investigações por parte de historiadores forâneos. Para Telesca, o mais importante em sua análise acerca do quinquênio anterior a 2013 estava no ―ámbito de la publicación de fuentes‖44, mas observa que o novo grupo de historiadores que começava a se mostrar ―son más que esperanzadores‖45. O são porque estão pensando para além da guerra e para além da identidade nacional que os intelectuais do início do século XX buscaram forjar para o país. Não é atoa que, em 2016, a Secretaria Nacional de Cultura do Paraguay, com o apoio do MERCOSUL, promoveu o projeto ―Más Allá de la

43 TELESCA, I. La historiografía producida en Paraguay durante el último quinquenio, p. 376. 44 TELESCA, I. La historiografía producida en Paraguay durante el último quinquenio, p. 385. 45 TELESCA, I. La historiografía producida en Paraguay durante el último quinquenio, p. 385. 31

Guerra. Memoria, Reflexión y Cultura de la Paz‖. Projeto que busca promover uma ampla revisão da história da Guerra do Paraguai, em seus mais distintos campos: História, antropologia, sociologia, línguas, arte, política, cultura arquitetura e patrimônio. Nesse sentido, esta tese se alinha, em termos historiográficos referentes ao Paraguai, a essa nova geração de historiadores que passam a pensar para além do conflito, mesmo que ainda seja difícil escapar ao tema. Para finalizar a introdução, o último ponto que apresento diz respeito ao anarquismo. Compreender o anarquismo é essencial para entender Rafael Barrett; e, como destacou Francisco Corral, o anarquismo dele possuía certas peculiaridades46. Para tanto, foi essencial o trabalho de George Woodcock, que dividiu o anarquismo em ―ideia‖ e ―movimento‖. A história das ideias anarquistas é desenvolvida no primeiro volume, no qual Woodcock salienta as linhas de pensamento dos principais ideólogos do anarquismo, mesmo as daqueles que não se consideravam como tais, como Tolstói, Stirner e Godwin, ―[...] que criticaram sistemas antigovernamentais sem aceitar a designação de anarquistas‖47. Assim ele apresenta uma genealogia das ideias anarquistas, no primeiro capítulo do volume um e, a seguir, o perfil do pensamento de Godwin, Stirner, Proudhon, Bakunin, Kropotkin e Tolstói, respectivamente nessa ordem, para, assim, definir o anarquismo em linhas gerais. No segundo volume, sua preocupação já se desloca para os movimentos anarquistas. Desse modo, ele passa a desenvolver uma análise que parte das ideias para os movimentos. Para Woodcock, os movimentos anarquistas ficaram marcados com o signo da violência, mais especificamente da propaganda pelo ato, que se resumia a atitudes terroristas, como as empreendidas por grupos como Los desheredados e La mano negra48. Apesar de apresentar os movimentos e os aspectos que levaram as organizações anarquistas às atitudes violentas, terroristas, vale destacar que Woodcock chama a atenção para o fato de que a violência não integrava, de maneira generalizada, as fileiras do anarquismo, pois ―poucas doutrinas ou movimentos foram tão mal entendidos pela opinião pública e poucos deram tantos motivos para essa confusão pela própria variedade de formas de abordagem e ação‖49. Nessa perspectiva, ele apresenta duas definições dicionarizadas que estereotipam o anarquismo, para depois descontruir essa imagem negativa. Em seguida, defende que as ideias

46 CORRAL, F. Rafael Barrett, on line. 47 WOODCOCK, G. História das idéias anarquistas – A ideia, p. 11. 48 Sobre o assunto ver: WOODCOCK, G. História das idéias e movimentos anarquistas – v. 2: O movimento. Porto Alegre: L&PM, 2014, p. 102-147; ANDERSON, Benedict. Sob três bandeiras: Anarquismo e imaginação anticolonial. Campinas, SP: Unicamp; Fortaleza, CE: Universidade Estadual do Ceará, 2014, p. 109-110. 49 WOODCOCK, G. História das idéias anarquistas – A ideia, p. 7. 32

e os movimentos estão muito além de uma definição de dicionário50. É nessa linha, a de um anarquismo maleável, que pretendo analisar o anarquismo barrettiano, que defendeu a propaganda pelo ato, como em Dinamita, mas que, depois, tal como Jesus Cristo, pregou o amor ao próximo. Essas contradições serão abordadas no capítulo quatro. Além de Woodcock, outro trabalho importante que norteia esta pesquisa é o texto publicado por Benedict Anderson, Sobre três bandeiras, que não está dentro de uma conjuntura de análise teórica do anarquismo, como o trabalho de Woodcock, mas sim em um contexto de análise de formação de nacionalismos, após as ações anticoloniais de Cuba e Filipinas. Nesse sentido, fornece uma base sólida para pensar o Paraguai após o fim da guerra de 1864-1870 e as sucessivas tentativas de seus intelectuais para forjar a identidade nacional. Mas também será a base para se pensar o aspecto internacional do anarquismo e para se avaliar a posição de Rafael Barrett em relação ao internacionalismo. Essa conjuntura teórica apresentada visa a esclarecer o processo pelo qual desenvolvi a pesquisa e a redação. A tese em si, se concentra na segunda parte, mas a primeira é imprescindível para sua compreensão, já que mostra o caráter biográfico e descritivo da obra barrettiana. Sobre o percurso da tese, vale observar que não busquei inserir Rafael Barrett em uma determinada corrente, como fizeram alguns dos estudiosos barrettianos, mas procurei destacar o que há de singular em seu pensamento e apontar em que medida o autor de Moralidades Actuales dialogou com outros intelectuais dentro e fora do Paraguai.

50 ―A primeira descreve como um homem que acredita ser preciso que o governo morra para que a liberdade possa viver. A outra vê nele um mero promotor da desordem, que não oferece nada para colocar no lugar da ordem que destruiu. Essa última opinião é mais aceita pela opinião pública. O estereótipo do anarquista é o assassino a sangue-frio, que ataca com punhais e bombas os pilares simbólicos da sociedade estabelecida. Na linguagem popular, anarquia é sinônimo de caos‖ (WOODCOCK, G. História das idéias anarquistas – A ideia, p. 8). 33

PARTE I

CAPÍTULO 1 RAFAEL BARRETT, “UN CURIOSO INSOPORTABLE”

“¡Cuándo me muera, voy a aburrir a Dios a fuerza de preguntas!” (Rafael Barrett).

“El hombre libre buscará la ciencia sin que se la recomienden. El prisionero resuelto a evadirse buscará la lima que corte la reja. Aprender a leer es encontrar la lima” (Rafael Barrett).

“Bajo el espeso cráneo del labrador no está únicamente el espectro de su hambre individual, sino el gran espectro de la historia del hambre” (Rafael Barrett).

Dotado de uma poderosa verve, Rafael Barrett foi uma figura abstrusa. Marcado por um pensamento profundo e contraditório51, assim como por uma vida agitada por inúmeras contendas, em razão das quais, mesmo de cabeça erguida, por vezes, sofreu as árduas consequências. Eis o que motivou os seus trânsitos: da Espanha para a França, dessa à Argentina, depois ao Paraguai, tendo passado brevemente pelo Brasil, seguindo para o Uruguai, para, enfim, fenecer, na busca de uma salvação, em Arcachon, na França, em fins de 1910, aos trinta e quatro anos de idade. A primeira epígrafe mostra uma de suas características, a curiosidade. Leitor ávido de tudo que lhe caía nas mãos, não tardou em caminhar em direção ao anarquismo, quando se aproximou de textos com esse teor e passou a presenciar a pobreza e as dificuldades do

51 É interessante notar que Barrett nega essa contrariedade ao reagir a um texto de Dr. Franco em 1908, dizendo que ―[...] Es inútil que busque el doctor Franco en mí contradicciones. Desde el primer artículo que he escrito en el Paraguay hasta el último, no encontrará el doctor Franco una sola línea contra la libertad de palabra, ni contra el pensamiento de reorganizarlo todo en esta sociedad podrida hasta los tuétanos‖ (BARRETT, R. Obras Completas I, p. 553). Todavia, afirma sobre Barrett e sua obra: ―[...] en esta vida y en esta obra no faltaron las contradicciones‖ (BASTOS, A. R. Prólogo, p. 19), juntamente com Gregório Morán, que o chama de ―joven impetuoso y arrogante‖ (MORÁN, G. Asombro y búsqueda de Rafael Barrett, p. 69) e Francisco Corral, para quem ―Al cerrar con un portazo definitivo su presencia en el viejo mundo, Barrett cierra también una primera etapa de su existencia, y comienza no sólo una vida nueva en un nuevo mundo, sino también el camino que le llevará a convertirse en un hombre nuevo‖ (CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 24).

Paraguai. ―Un curioso insoportable‖52 foi o modo como ele se autodefiniu em uma carta enviada ao seu amigo José Eulogio Peyrot, em 25 de fevereiro de 1910. Rafael Barrett53 nasceu em Torrelavega, na província da Santander, norte da Espanha, em 1876. Sua mãe, Carmen Álvarez de Toledo y Toraño, integrava uma parte secundária da aristocracia espanhola; seu pai, George Barrett Clarke, era um inglês. Apesar de ter nascido na Espanha, de pertencer a ―una cierta aristocracia secundaria, familia próxima a los duques de Alba54 por parte materna, pero inferior nivel en cuanto a medio de fortuna‖55, de ter feito nesse país seus estudos secundários e de ter transitado com frequência pela França56, manteve, por influência paterna, a nacionalidade britânica, que, em 1908, o protegeu das arbitrariedades do governo paraguaio57.

52 BARRETT, R. Obras Completas II, p. 665. 53 O nome completo de Barrett era Rafael Ángel Jorge Julián Barrett y Álvarez de Toledo (CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 3). 54 Sobre os duques de Alba ver: MORÁN, Gregorio. Asombro y búsqueda de Rafael Barrett. Barcelona: Anagrama, 2007. p. 64. 55 CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 3. 56 Em 10 de outubro de 1888, no periódico decenal El Mundo de los Niños, um informe na sessão ―Mosaico‖, que dizia: ―He aquí los alumnos del Instituto del Cardenal Cisneros, premiados en el curso anterior en las diferentes asignaturas que comprende la segunda enseñanza: D. José Alsina y Coderch. – Rafael Barrett y Alvares Toledo. – […]‖ (El Mundo de los Niños, p. 446). Isso contradiz a observação de Corral de que o ensino secundário teria sido feito na França, entretanto, não consegui confirmar quanto tempo Barrett estudou nesta instituição, ou se apenas fez as provas, mas Corral também não apresentou documento de que ele estudou na França. 57 Em nota, Francisca López Maíz esclarece: ―Lo habían vuelto a llevar al calabozo apenas se retiró del puerto Mr. Gosling — el Ministro inglés —, quien consiguió la deportación de Rafael a la Argentina. Enterado del nuevo atropello, el valiente diplomático — pues se necesitaba serlo entonces — volvió a la carga rescatando a su protegido y embarcándolo esta vez para el Brasil. Nunca lo vi a Rafael más disgustado‖ (BARRETT, F. L. M. Introducción, p. 19). Sobre o assunto, ver também: KRAUER, Juan Carlos Herken. ―Diplomacia británica en el Río de la Plata: el ‗caso: el ‗caso Rafael Barrett‘ (1908-1910). In: Cahier du monde hispanique et luso-brésilien, n° 41, 1983. p. 39-62. 36

Fotografia 1 - Última fotografia de Rafael Barrett, em setembro de 1910, na cidade de Montevideo

Fonte: BARRETT, Rafael. Obras Completas II. Edición dirigida por Francisco Corral. Santander, Cantabria (España): Tantin, 2010b, p. 718.

Francisco Corral informa, em seu livro El pensamiento cautivo de Rafael Barrett: crisis de fin de siglo, juventud del 98 y anarquismo, publicado em 1994, a partir de sua tese, defendida em 1991, na faculdade de filosofia da Complutense, de Madri, que pouco se sabe sobre a infância de Rafael Barrett. Um primeiro ponto interessante para discutir refere-se à habilidade de esgrimista. Como será abordado mais adiante, Barrett não se furtava ao combate. Daí sua primeira aparição pública ―a golpe de escándalo‖58, quando agrediu o Duque de Arión, no Circo Parish59, depois de não ter sido qualificado para um duelo contra um advogado, José María Azopardo Camprodón. Posteriormente, já na América do Sul, novamente se envolveu nessas contendas e desafiou Juan Urquía60. Esses dados evidenciam que Barrett possuía um preparo físico adequado para desafiar tais adversários, ao contrário do

58 CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 6. 59 Sobre o assunto ver: Corral, Francisco. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett: crisis de fin de siglo, juventud del 98 y anarquismo. Madrid: Siglo veintiuno de España, 1994. p. 6-8; MORÁN, Gregorio. Asombro y búsqueda de Rafael Barrett. Barcelona: Anagrama, 2007. p. 76. 60 " D. Juan de Urquía, militar español que había adquirido cierta notoriedad por la publicación de La Historia Negra, sobre la guerra hispano-yanqui, libro que le acarreó graves perjuicios en su carrera militar‖. Também publicava sob o pseudônimo de Capitán verdades (CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 27-30). Ricardo Fuente, que dirigía El País, na Espanha, estava na Argentina e foi alvo de um texto de Urquía, e Barrett saiu em defesa de Fuente, o que gerou uma contenda entre os dois escritores, a ponto de marcarem um duelo, que não chegou a se realizar. Para mais detalhes, ver: Corral, Francisco. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett: crisis de fin de siglo, juventud del 98 y anarquismo. Madrid: Siglo veintiuno de España, 1994. p. 22. 37

que informou Scott McDonald Frame, para quem o fato de ser pequeno, magro e doentio fez com que Barrett se convertesse em um estudante exemplar61. A tese de Corral nos orienta, ainda, para uma reflexão segundo a qual as convulsionadas ideias que pairavam na Europa e na Espanha do final do século XIX foram essenciais para o desenvolvimento e maturação do pensamento barrettiano: ―Vivían, no obstante, con la conciencia ególatra de un nuevo individualismo romántico que les hacía sentirse estrellas protagónicas de su proprio naufragio. Se contemplaban sufridos artífices de una renacida edad heroica‖62. Assim, Corral considera, acerca de Barrett, que,

[…] durante sus años de formación en Madrid, fuertemente integrado a los grupos, todavía en fermento, de lo que suele denominarse la Juventud del 98 con toda la amplitud y flexibilidad que un concepto tan dinámico implica. […] Se desconocen sus escritos de esta época y su producción en la prensa. Pero tanto la precisión, soltura narrativa y contundencia de la carta publicada en el País, como la calidad de los primeros escritos conocidos apenas desembarca en América, evidencian a un escritor, si no maduro, al menos ya medianamente formado, y a un pensador en formación63.

Em contrapartida, o texto biográfico de Gregório Morán, oferece outra perspectiva da produção barrettiana, considerando que, se lhe foi possível tal verve, isso se deveu, de forma majoritária, ao Paraguai, ora visto como jardim desolado, ora como ricón maldito64. Apesar de não ser norteado pelo rigor acadêmico, Morán faz várias críticas ao texto de Corral e à sua organização das Obras Completas de Barrett65; que segundo Morán, é fruto da ação arbitraria do compilador e não da vontade autor66. Morán também considera inapropriada a classificação de Barrett como integrante da generación del 98, como defende Corral. Afirma que ―La funesta, arbitraria y retrógrada expresión de ‗generación del 98‘ resulta más que nada cómica para un escritor como él‖67. Na mesma medida, considera absolutamente significativo o contato de Rafael Barrett com o Paraguai, já que ele se apropria daquele universo para produzir seus textos a partir de 1905. Observa que esse país foi responsável pelas mudanças pelas quais por que passou Rafael

61 FRAME, S. M. Uno fino velo negro, p.105. 62 CORRAL, F. El pensamiento de Rafael Barrett un „joven del 98‟ en el Río de la Plata, p. 17. 63CORRAL, F. Vida y pensamiento de Rafael Barrett, p. 58. 64 Sobre isso ver: MORÁN, Gregorio. Asombro y búsqueda de Rafael Barrett. Barcelona: Anagrama, 2007. p.109-194. 65 Essa edição é a de 1988-1990, compilada e organizada por Francisco Corral e por Miguel Ángel Fernández. Sendo que os três primeiro volumes foram organizados por Corral e o quarto por Miguel Ángel Fernándes. 66 MORÁN, G. Asombro y búsqueda de Rafael Barrett, p. 37-38. 67 MORÁN, G. Asombro y búsqueda de Rafael Barrett, p. 268. 38

Barrett. Essas transformações que ocorrem a partir do momento em que ele precisou escrever e trabalhar para ganhar o pão, mas também porque foi no Paraguai que se casou e teve seu filho68, Alex, a quem tanto amava de quem foi privado por várias vezes em decorrência da tuberculose, que se desenvolveu em terras americanas; e do exílo ao qual foi submetido. Para a tese, não desconsidero nenhuma das duas posições, visto que o trabalho de Corral foi desenvolvido a partir da Filosofia e que pretendia, como o próprio título de seu livro evidencia, buscar a correlação da obra barrettiana com a juventud del 98, com o anarquismo e com a crise que se passava na Europa. É necessário, para a prudência desta pesquisa, considerar a especificidade da cada produção, principalmente quando se tem como objeto de análise um autor que, no campo da História, ainda não foi devidamente estudado. Na mesma medida, há a pretensão de se analisarem os efeitos da história do Paraguai na produção barrettiana, seguindo uma linha paralela à de Morán69. Vários pontos podem ser utilizados no sentido de se pensar a produção barrettiana, por exemplo, o seu anarquismo na região platina, como fez Alai Garcia Diniz, em Rafael Barrett: Crónica ácrata en el Plata; ou como fez Ana María Vara, que colocou a produção de Barrett em um contexto de produção anti-imperialista e anticolonial, na medida em que ele se opunha à exploração humana, como no caso do Congo africano, do ópio na China, dos ervais, ao norte da Argentina, no sul de Mato Grosso e no Paraguai, entre outros70; isso, consequentemente, abriu outra vertente de análise da obra barrettiana. No texto de Vara, o autor de Moralidades Actuales é alçado à condição de crítico da conjuntura latino americana, mais especificamente, de precursor de uma produção intelectual que influenciou autores como Horácio Quiroga e Eduardo Galeano, César Vallejo e Jorge Icaza71. O que problematizo nessas abordagens é a trajetória de Rafael Barrett. A leitura desses trabalhos sugere a sensação de se conhecer Rafael Barrett, bem como sua produção. Entretanto, a leitura do autor de El dolor paraguayo torna possível o perceber que aquela produção ultrapassa as pretensões analíticas. Assim, busco, primeiramente, entender aspectos gerais da vida de Rafael Barrett, biograficamente, para depois esboçar algumas características de sua produção, sobretudo, em relação às influências da Europa na obra barrettiana, que embasaram o restante deste estudo.

68 MORÁN, G. Asombro y búsqueda de Rafael Barrett, p. 152. 69 Para um maior detalhamento sobre as interpretações de Corral e Morán, ver: HERRIG, Fábio Luiz de Arruda. ―Entre Paraguay y Europa: puntos sobre la producción barrettiana‖. In: ZAIDENWERG, Cielo [et. al.]. Ciencias sociales, humanidades y derecho: cómo pensar el mundo latinoamericano. Barcelona, Es: UB/UNAM, 2017, p. 125-135. 70 Os comentários acima se referem ao texto de Barrett: Noticias de Leopoldo; La China y el opio; Lo que son los yerbales. 71VARA, A. M. Sangre que se nos va, p. 49. 39

1.1 Uma breve biografia72

Rafael Barrett, malgrado não integrar a elite espanhola, gozava de posição aristocrática secundária, posto que sua mãe pertencia à família dos Alba. Além disso, graças ao seu pai, também contava com a proteção da poderosa Inglaterra, já que possuía nacionalidade inglesa73. Segundo Alai García Diniz, em 1896, Barrett já estava em Madri74. Nesse período, conectou-se com a boemia madrilena e passou a participar de tertúlias. A presença dele nesses círculos teve duas consequências: a primeira foi a sua desclassificação social, por meio de um tribunal de honra75, devido a boatos de que era homossexual. Duas citações tratam do ocorrido:

Promediando marzo, tres personas presentaron a Barrett, para que ingresara como socio en el Círculo de la Peña, de Madrid. Días después no le admitieron, porque contra él ―corrían rumores de homosexualidad‖. Los había esparcido un calumniador, el abogado José María Campodrón. Como Barrett era un joven heterosexual normal, retó a duelo al picapleitos, mediante el envío de los padrinos de Barrett, sus amigos el pianista Joaquín Boceta y el escritor Manuel Bueno. El legista nombró a su vez sus padrinos Carlos O‘Donnell y Mariano Solafranco, quienes hicieron saber que el jurista no se batía ―porque Barrett no era un caballero‘76.

Corral completa:

El rechazo de la sociedad madrileña a Barrett no fue casual. En realidad el asunto venía ya de atrás y obedecia motivos sociales y económicos. Como señala Maeztu, es el cuento del joven que no sabe, o no quiere, someterse humildemente a las reglas de juego de unos ambientes en los que las jerarquías están muy claras, y en los que a él

72 Para referências biográficas de Rafael Barrett, ver: MUÑOS, V. Barrett. Asunción, PY/ Montevidéu, UY: Germinal, 1994; MORÁN, G. Asombro y búsqueda de Rafael Barrett. Barcelona: Anagrama, 2007; CORRAL, F. Vida y pensamiento de Rafael Barrett. 1991. Tese (Doctorado en Filosofía). Departamento de Filosofía III: Hermenéutica y Filosofía de la Historia de la Universidad Complutense de Madrid. 73 BARRETT, R. Obras Completas II, p. 567. 74 DINIZ, A. G. Rafael Barrett, p. 7. 75 Morán explica que o duelo mediado pelos tribunais de honra, na Espanha, até 1908, tinha mais importância na sociedade espanhola do que a lei estatal propriamente dita. Segundo ele: [...] Los duelos en España se rigiera no por el Código Penal, que en 1870 tipificaba las penas y los variados delitos en torno a los duelos, sino por el libro Lances entre caballeros, un clásico referencial, al que todo el mundo apelaba como verdad de ley […]‖ (MORÁN, G. Asombro y búsqueda de Rafael Barrett, p. 67). Corral também comenta sobre isso: CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett: crisis de fin de siglo, juventud del 98 y anarquismo. Madrid: Siglo veintiuno de España, 1994. p. 8-10; 16-18. 76 DÍAZ-PÉREZ apud MUÑOS, V. Rafael Barrett, p. 19. 40

le correspondía un papel secundario. La pertenencia de Barrett a una familia ‗segundona‘ en la aristocracia no holgada de medios de fortuna que pudieran compensar esa desventaja, su carácter rebelde y orgulloso, y sus aficiones artísticas, son las circunstancia que perfilan el marco de los acontecimientos y ayudan a entenderlos77.

Como integrava parte da elite, ―[...] un Alba espurio, pero es un Alba y además con veta inglesa, la ambición inveterada de los Alba‖78 não tinha muitos problemas financeiros, mas, com a morte de seus pais79, gastou sua fortuna80 e tentou integrar os grandes círculos da sociedade de Madri; não foi aceito, o que o levou à América do Sul: ―[...] difícil que resulta vivir en París o Londres habiendo consumido el patrimonio y sin profesión conocida. ¡América!‖81. A degradação social de Rafael Barrett foi fruto de sua insubordinação à decisão do tribunal de honra que o havia desclassificado socialmente, após a denúncia de pederastia. Em busca de provar o contrário, ele se submete a exames para provar que não era homossexual; todavia, o tribunal o ignora, e, em vinte quatro de abril de 1902, ele agride publicamente o duque de Árion, presidente do tribunal que o havia desclassificado. Por conta disso fica preso: ―Desde la madrugada del viernes 25 de abril, que ingresa en la Cárcel Modelo de Madrid, hasta el 7 de mayo, Rafael Barrett permanecerá en prisión‖82. Após sair de Madri, alguns jornais publicam notícias de que Barrett havia se suicidado, mas logo isso foi desmentido. Segundo interpretação de Corral, foi uma morte metafórica, fruto de sua desclassificação social.

77 CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 17-18. 78 MORÁN, G. Asombro y búsqueda de Rafael Barrett, p. 69. 79 Seu pai faleceu em 1896 e sua mãe em 1900 (FRAME, S. M. Uno fino velo negro, p. 105-106; MUÑOS, V. Rafael Barrett, p. 16 e 19). 80 ―A su pasado de juego en Monte Carlo, de vida en lo que se ha dado en llamar el gran mundo, Rafael lo calificaba de oscuro e inútil. Le dijo una vez a mi hermana: ‗Yo era un majadero, Angelina, figúrese que me imponía por mi elegancia. ¡Cuán inútil fue mi vida entonces!..‘;‖ (BARRETT, F. L. M. Cartas íntimas, p. 45). 81 MORÁN, G. Asombro y búsqueda de Rafael Barrett, p. 87. 82 MORÁN, G. Asombro y búsqueda de Rafael Barrett, p. 78. 41

Figura I - Anúncio do suicídio de Rafael Barrett em La Época

Biblioteca Nacional de España83

Figura II - Anúncio do suicídio de Rafael Barrett em El Día

Biblioteca Nacional de España84

83 ―Un suicidio‖. La Época. Madrid, Es – Domingo, 16 de noviembre de 1902. (arquivo digitalizado pela Biblioteca Nacional de España/hemeroteca digital) disponível em: http://hemerotecadigital.bne.es/index.vm 84 ―¿Un suicidio?‖. El Día. Madrid, ES – 17 de noviembre de 1902. (arquivo digitalizado pela Biblioteca Nacional de España/hemeroteca digital) disponível em: http://hemerotecadigital.bne.es/index.vm 42

Figura III – Contestação do suicídio de Rafael Barrett em El Liberal

Biblioteca Nacional de España85

No ano de 1903, viajou para a Argentina, onde começou a produzir, a partir de agosto, seus primeiros textos no ―Novo Mundo‖, foram apenas três, em Ideas e em El Correo Español. Além disso, produziu e comunicou, por meio de carta, ao matemático Henri Poincaré, uma fórmula matemática que ele desenvolveu. Em 1904, suas publicações se ampliaram um pouco. Sua atividade mais significativa foi a da participação na cobertura da Revolução de 1904, no Paraguai, quando conheceu o país mediterrâneo. Tal movimento pretendia derrubar o governo Colorado, que governava o país desde o final da Guerra do Paraguai, em 1870, e estabelecer o governo do partido Liberal. O propósito foi alcançado por meio do Pacto del Pilcomayo. Barrett, que havia entrado em contato com parte da elite intelectual do país se identificou com a causa do movimento e acabou se mudando para a capital paraguaia, em dezembro. Sobre esse assunto, cumpre observar que:

La revolución de 1904 estalló en agosto. Con la mediación del cuerpo diplomático se firmó, en diciembre del mismo año, el Pacto Pilcomayo. Este pacto puso fin a la guerra civil con el derrocamiento del gobierno colorado de Escurra. Asumió entonces el poder provisional el Sr. Juan B. Gaona86.

Um dado curioso acerca desse movimento é que, malgrado a utilização do termo revolução, não foi isso que ocorreu no Paraguai. O que houve, após todo o levante, foi um

85 ―Noticias – ‗Suicidio desmentido‘‖. El Liberal. Año XXIV – Núm. 3.450 Madrid, ES – Viernes, 28 de noviembre de 1902. (arquivo digitalizado pela Biblioteca Nacional de España/hemeroteca digital) disponível em: http://hemerotecadigital.bne.es/index.vm 86 BOSIO, B. G. Periodismo Escrito Paraguayo, p. 169. 43

acordo, o Pacto de Pilcomayo87, que pacificamente permitiu a substituição do governo do partido Colorado pelo governo do partido Liberal. Assim, nota-se que o termo revolução pretende marcar uma cisão, especificamente, a partir da experiência francesa, mas, na prática, no caso do Paraguai, isso não se consubstancia. Assim, não é curioso, por exemplo, que em Revoluciones del Paraguay, de Javier Yubi, haja referências a nada menos que cinco revoluções em menos de meia década: as de 1904, 1908, 1912, 1922 e 1947. José Carlos de Souza, entretanto, observa que, entre 1870 e 1904, governou o grupo que correspondia ao partido Colorado e que, entre 1904 e 1936, governou o partido Liberal. Assim, o que parece se depreender desse processo é que o termo revolução88 é utilizado no sentido de tentar estabelecer uma cisão entre o governo que assume e o que estava vigente. Em Assunção, capital paraguaia, em 1905, sob o apadrinhamento do novo governo, o qual ajudou instalar, ao se integrar às fileiras liberais da Revolução de 1904, passou a auxiliar da Oficina de Estadística e, logo, a chefe. Depois passou a trabalhar no Departamento de Ingenieros e no Ferrocarril. Professou suas primeiras conferências no Instituto Paraguayo e publicou regularmente nos periódicos da cidade. No ano seguinte, as publicações de Barrett tornaram-se mais regulares e ele começa a publicar em periódicos como: El Diario; La Tarde. Los Sucessos; Alón; Rojo y Azul e El Cívico. Nesse labor, seus escritos aproximam-se de uma perspectiva mais crítica acerca da realidade que o circundava, atentando mais aos problemas sociais do que às questões políticas. Nesse ano que casa-se com Francisca López Maíz, a quem chamava, carinhosamente, de menuda ou Panchita e auxilia na criação do ―grupo y tertúlia literaria ‗La Colmena‖. Nessa época, também, além de ter a situação econômica delicada, passa a apresentar os primeiros sintomas da tuberculose, que, em 1910, daria fim a sua vida89. No ano de 1907, suas atividades intelectuais passaram a ser mais intensas; mas, paralelamente, ele realiza alguns trabalhos de agrimensura em Arroyo y Esteros90, dados os seus estudos na área de engenharia, realizados na Espanha, e a necessidade de demarcar algumas terras que Panchita e suas irmãs haviam herdado de seus pais. Esse fato é interessante porque pode lançar luz sobre os primeiros passos de Barrett no sentido de questionar as elites políticas e econômicas do país, bem como a arbitrariedade nas decisões

87 Para uma compreensão mais ampla sobre o assunto, ver: SOUZA, José Carlos de. O Estado e a Sociedade no Paraguai durante o governo dopartido Liberal (1904-1935). 2006. Tese (Doutorado em História). Faculdade de Ciências e Letras de Assis da Universidade Estadual Paulista – UNESP. p. 228-232. 88 Sobre o conceito de revolução ver: HOBSBAWM, E. A Era das Revoluções. 9. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996; SANTOS JÚNIOR, J. F. ―A emergência do ‗moderno‘ conceito de revolução‖. História e Historiografia. n. 26, jan-abri, ano 2018, 122-147-DOI: 10.15848/hh.v0i26.1300. 89 CORRAL, F. Cronología, p. 699. 90 Região localizada a cerca de 60 quilômetros da capital paraguaia Assunção. 44

que envolviam tais grupos; no caso específico dessas terras, o conflito levou décadas para se resolver e a ação foi desfavorável aos López Maíz. Isso fica claro na nota da esposa de Barrett, em Cartas Íntimas, na qual ela relata o seguinte:

Fue Rafael al pueblo de Arroyos y Esteros para asistir y ayudar a la mensura de unos bosques y tierras fértiles que mis hermanas y yo habíamos heredado de nuestros padres. Unos insaciables terratenientes se agenciaron con el objeto de despojarnos de esa propiedad, y lo consiguieron finalmente debido a una serie de circunstancias que solamente se dan en un país dominado por los señores feudales. Nuestros derechos eran incuestionables y la lucha fue contra algunos miembros de la clase social más odiada, razones por las que Rafael aceptó nuestra representación91.

Ainda segundo Panchita, o problema dessas terras foi resolvido apenas após a morte de Barrett, com uma decisão favorável a eles, por parte de Eligio Ayala, mas que não chegou a se realizar:

El pleito con esos señores se alargó por décadas, hasta que el gran dirigente político Dr. Eligió Ayala, siendo Ministro — muchos años después de la muerte de mi esposo —, resolvió darnos lo que nos correspondía legalmente. El día anterior a la firma de tal resolución, el honrado hombre público caía asesinado en un suburbio de la capital paraguaya, por causas que todavía no están bien claras. No sé qué se habrá hecho de la mensura realizada en aquella ocasión por el mejor agrimensor del Paraguay: Liberato Rojas, después Presidente de la Republica92.

1907 é, também, importante para Rafael Barrett, porque, em fevereiro, nasceu o seu filho, Alejandro Rafael (Alex). Ainda nesse ano, o escritor realiza atividades militantes e promove suas primeiras conferências na Unión Obrera, no Paraguai. O ano de 1908 foi, por sua vez, o mais emblemático na vida de Barrett, desde sua chegada à América. Publica a série de textos Lo que son los yerbales, dura crítica à indústria extrativa e ao governo acerca do regime de trabalho em que viviam os peões do erval. O impacto desse texto é muito grande porque mexe com os grandes empresários do Paraguai, como é o caso de Juan B. Gaona, ―[...] el hombre de las tres presidencias – a la República, del Banco Mercantil y de la Industrial Paraguaya‖93. Em contato com o modo de exploração da mão de obra nos ervais, Rafael Barrett fica indignado. O modelo de exploração

91 BARRETT, F. L. M, Introducción, p. 9. 92 BARRETT, F. L. M, Introducción, p. 9. 93 MORÁN, G. Asombro y búsqueda de Rafael Barrett, p. 165-166. 45

era servil. Havia o conchavo, por meio do qual o trabalhador era contratado para o trabalho no erval, por meio de um adiantamente, o adelanto. Dessa forma, já ia trabalhar devendo para a empresa que o contratara. Como tinha que comprar tudo no comércio da prória empresa, que anotava os gastos nas cadernetas, os trabalhadores tinham dificuldade de pagar as divídas e acabavam presos em uma estrutura de trabalho servil. A exploração no Brasil havia começado após a Guerra do Paraguai, com a concessão a Thomaz Larangeira para explorar os ervais brasileiros, mas com o passar dos anos, o que fica claro é que havia uma intensa relação entre a Industrial Paraguaia, empresa extrativa de erva com sede no Paraguai e a Companhia Matte Larageira, com sede no Brasil94, como o próprio texto de Barrett expõe:

El Paraguay se despuebla; se le castra y se le extermina em las 7 u 8.000 leguas entregadas a la Compañía Industrial Paraguaya, a la Matte Larangeira y a los arrendatarios y propietarios de los latifundos del Alto Paraná. La explotación de la yerbamate descansa en la esclavitud, el tormento y el asesinato95.

O resultado foi que o texto provoca grande repercussão, na época, e a consequente impossibilidade de Rafael Barrett publicar em El Diario.

El Diario, que le había publicado su denuncia de los yerbales, se muestra remiso, como hemos visto, a seguir teniéndole como colaborador y, aunque le publicarán otros cinco artículos sobre temas variados durante el mes de julio – tres de ellos son importantes en cuanto precisan, por vez primera, su ‗filosofia del altruísmo‘ –, lo cierto es que el pronunciamiento de Albino Jara con los ‗colorados‘ y la secuencia lógica que sigue a Lo que son los yerbales, le deja sin periódico de referencia96.

Ademais, ainda em 1908, Barrett passa a participar mais de atividades militantes, proferindo, por exemplo, conferências, como a divulgada em El Diario.

94 Para maiores detalhes sobre as formas de trabalho nos ervais, ver: ARRUDA, G. Frutos da terra: os trabalhadores da Matte Larangeira. Londrina: UEL, 1997; GUILLEN, I. C. M. O imaginário do sertão: Lutas e Resistências ao domínio da Companhia Mate Larangeira (Mato Grosso -1890 1945). 1991. Dissertação (Mestrado em História) Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. 95 BARRETT, R. Obras Completas, p. 312. 96 MORÁN, G. Asombro y búsqueda de Rafael Barrett, p. 169. 46

Figura IV – Notícia anunciando a participação de Rafael Barrett nas conferências de 1908

Biblioteca Nacional de Asunción97

Sem um veículo para suas publicações cria, conjuntamente com o argentino libertário, Guillermo Bertotto, a revista Germinal, a qual tem vida curta. Assim, além de se indispor com a classe econômica, vinculada ao mercado extrativo da erva mate, também se indispôs com o governo estabelecido em dois de julho de 1908, com o levante de Albino Jara, que destituiu do governo Benigno Ferreira98. Em agosto Barrett é condenado à prisão domiciliar, por desrespeitar o Superior Tribunal de Justiça; e, em outubro, preso após denunciar abusos e torturas do governo de Albino Jara em Germinal. Nesse momento, apela à sua nacionalidade inglesa e consegue ser exilado, primeiramente, para o Brasil, passando por Porto Murtinho, depois por Corumbá, na província de Mato Grosso e, em seguida, para Montevideo, onde chega em novembro. A decisão de ir para o Uruguai decorre da inviabilidade de encontrar trabalho em Mato Grosso:

Estoy en Corumbá; la ciudad no es fea pero han exagerado mucho en cuanto a su importancia y movimiento. El día fue triste. ¡Lluvia viento, lo desconocido y la ausencia de los míos! Según las probabilidades, fuera del ferrocarril en construcción de Puerto Esperanza, a 8 horas de aquí, será difícil que encuentre ocupación. Estoy indeciso, porque no resulta prudente para mi salud arriesgarme a las peripecias de semejante campamento99.

Ainda em dezembro desse ano, inicia a publicação em periódicos, como El Liberal e La Razón, além de se conectar com o grupo de intelectuais que frequentava o café Polo

97 ―Conferencias populares‖; – El Diario, Asunción, PY – jueves – 11de junio de 1908 (Hemeroteca da Biblioteca Nacional de Asunción). 98 SOUZA, J. C. O Estado e a Sociedade no Paraguai durante o governo do partido Liberal, p. 220. 99 BARRETT, R. Cartas Íntimas, p. 24. 47

Bamba, onde se reuniam os ―[...] más inquietos jóvenes intelectuales uruguayos‖100. Grupo que foi importante para viabilizar a publicação de Moralidades Actuales e de El dolor paraguayo. Em fevereiro de 1909, o escritor deixa Montevideo e se dirige a Corrientes, na Argentina, de onde passa clandestinamente para o Paraguai em Laguna Porã, perto de Yabebyry, na fronteira com Argentina. É interessante notar que as idas para Arroyo y Esteros, para Laguna Porã e para Corumbá (no Brasil) deram a Rafael Barrett um conjunto de elementos que extrapolam o âmbito assunceno; assim, é importante considerar que, quando trata, em seus textos, do Paraguai, não se refere apenas à capital, mas a esses outros recantos que teve a oportunidade de conhecer. Pontue-se que em meados desse ano, ele fazia as revisões de Moralidades Actuales, e que José E. Peyrot era o contato, no Uruguai, com quem trocava cartas frequentemente. Em fevereiro de 1910, obteve autorizado a voltar ao Paraguai e se instalou em San Bernardino, região próxima da capital. Os jornais paraguaios lhe abriram as páginas novamente, mas Barrett não deixou de publicar em Montevideo e em – cidade onde suas publicações foram bem tímidas. Produziu muito nesse ano, tal como no ano de 1909, mas sua doença se agravou e decidiu buscar na França seu último recurso. Saiu em viajem, no início de setembro, para nunca mais voltar. Em 17 de dezembro de 1910, às quatro horas da tarde, Rafael Barrett faleceu.

1.2 A Europa e Barrett: um vínculo duradouro

A importância de se pensar acerca das ideias que circulavam na Europa, principalmente, na Espanha, na França e na Inglaterra do final do século XIX, justifica-se na medida em que permitem compreender a atmosfera na qual Rafael Barrett cresceu. Benedict Anderson reflete acerca da Europa ao escrever o seu livro Sob três bandeiras, e desenvolve uma análise interessante quando estebelece um relacionamento entre o que ocorria na Europa e o que ocorria nas últimas colônias espanholas, de forma que apresenta como se dava a comunicação pelo mundo naquele momento. Nesse sentido, o trabalho de Anderson foi importante para o desenvolvimento de uma análise, na tese, que permite o diálogo entre o que ocorria na Europa e o que ocorria na América, por meio das ―redes intercontinentais, infinitamente complexas‖101, que ele chamou de globalização primitiva.

100 CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 47. 101 ANDERSON, B. Sob três bandeiras, p. 265-266. 48

Tal percepção disso fez Anderson se ―debruçar sobre as experiências transcontinentais de militância política e sociabilidade cultural que alimentam ideias de nação marcadas por uma caracterização identitária internacionalistas‖102, a qual, se não exerceu inicialmente uma influência sobre Rafael Barrett, foi latente, a partir de 1907 e 1908. As práticas que perfaziam esse processo fizeram parte do cotidiano barrettiano. Isso pode ser notado a partir de duas situações: a primeira marcada pelos próprios textos de Barrett que retomam questões como as torturas de Montjuïc; o caso Dreyfus; a oposição de Clemenceau ao governo pós-Napoleão e Bismarck; a morte de Ravachol103, casos vinculados ao anarquismo na Europa e contemporâneos da época em que o escritor ainda estava por lá. A segunda situação pode ser levantada, se inventariados os dados referentes à Europa, publicados no Paraguai, aos quais Barrett tinha contato, em geral, por meio da seção telegramas de El Diario; se inventariados os movimentos que ocorriam no Paraguai, antes da chegada de Barrett, bem como ao que se relacionam ao período em que viveu naquele país. Neste sentido, vale citar o caso da sessão Telegramas, presente no periódico assunceno El Diario, que publicava breves informações sobre os acontecimentos na Europa, entre os quais, muitos, referentes a atentados; é possível evocar, também, o caso da revista Germinal, de 1908, fundada por Rafael Barrett e seu companheiro Guillermo Bertotto. Segundo Morán, houve forte influência do romance de Zola, homônimo (1885), na produção da revista Germinal madrilena, fundada em 1893, dirigida por Ernesto Bark, e encerrada no final de 1897104. Para Morán:

No es extraño que Barrett le pusiera a su proyecto periodístico el nombre de Germinal. Prácticamente coincide su bohemia, galante y estudiosa, en Madrid con las sucesivas apariciones de Germinal. Incluso su salida de Europa hacia Buenos Aires es coetánea con el último intento de Germinal como diario [em 1903].105

102 MARTINS, M. D. Um inquieto observador das estrelas, p. 16. 103 Seguem-se alguns textos, a título de exemplo, nos quais Barrett demonstra que tinha um bom conhecimento do Anarquismo, a título global: El Anarquismo en la Argentina; La dinamita; La tortura; Psicología de clase (em El terror argentino), entre outros. 104 Morán observa que ―La política editorial del Germinal español era del republicanismo progresista, aunque pasaría por varias etapas durante sus ocho meses de existencia; el último número coincidirá con el último día de 1897. Reaparecerá dos años más tarde con textos de Bakunin y un folletón de Zola, pero solo durará tres números‖ (MORÁN, G. Asombro y búsqueda de Rafael Barrett, p. 171). Todavia, para uma análise mais detalhada de Germinal espanhola, ver: DEHESA, Rafael Pérez de la. El Grupo „Germinal”: una clave del 98. Madrid, Es: Taurus, 1970. Nesse trabalho ele apresenta uma visão bem mais complexa do percurso da revista, o que leva a inferir que foi o romance de Zola e não a revista espanhola que exerceu influência na produção de Rafael Barrett. 105 MORÁN, G. Asombro y búsqueda de Rafael Barrett, p. 171. 49

Ao analisar, entretanto, o percurso da obra barrettiana, torna-se visível o fato de que, caso tenha havido influencia de Germinal na publicação homónima de Barrett e Bertotto, esse influência veio do livro de Zola e não da revista espanhola. O J‟accuse, de Zola, assim como o seu Romance foram objetos de grande admiração por parte de Rafael Barrett. A revista espanhola, todavia, tinha um caráter republicano com anseios socialistas. Em 1897, ao converte-se em um veículo de ideais ―republicano socialista revolucionário‖106, o periódico publicou seus ideais: ―Los problemas sociales sólo pueden avanzar, desarrollarse, traducirse en hechos, convertirse en leyes, dentro de una forma de gobierno republicana. La República es el punto de arranque para el triunfo del socialismo‖107. O que chama a atenção é que Barrett faz referências a Zola, mas não diretamente à revista ou aos seus colaboradores, com exceção de Ricardo Fuente, quando ele ainda era um republicano, na Argentina. Quando Bertotto e Barrett criaram a revista Germinal, ambos eram anarquistas e parece, no mínimo, estranho que estivessem fazendo referência a um republicanismo revolucionário tendente ao socialismo. Ainda no escopo desta argumentação, que pretende ligar a formação de Barrett à Europa, é importante considerar a análise empreendida por Anderson, quando discute, no capítulo Montijuïc, do livro Sob três bandeiras, sobre grande número de periódicos anarquistas que circulavam no continente, antes da entrada do século XX108. Embora a Europa fosse um espaço propício ao contato de Rafael com o anarquismo, não se pode prescindir de considerar que não foi ele quem levou o anarquismo para o Paraguai. Primeiramente porque, quando chegou ao continente americano, ele posicionava-se a partir de um corte republicano, que foi progressivamente se acentuando em direção à esquerda política, até desembocar em um anarquismo assumido. Em segundo lugar, porque, segundo Francisco Gaona, no primeiro tomo de Introducción a la Historia gremial y social

106 DEHESA, R. P. El Grupo „Germinal”, p. 59. 107 DICENTA et. al apud DEHESA, R. P. El Grupo „Germinal, p. 59. 108 Sobre essa vasta corrente que transpunha continentes, especificamente em se tratando dos escândalos de Montjuïc e do Caso Dreyfus, Anderson afirma que ―Tárrida fez diligente uso de seus múltiplos contatos para além de oceanos e fronteiras nacionais para fomentar a criação de uma ampla coalizão de imprensa, congregando liberais, maçons, socialistas, anarquistas, anti-imperialistas e anticlericais contra o primeiro ministro espanhol‖ (ANDERSON, B. Sob três bandeiras, p. 219). Nessa lista encontravam periódicos como: La justice, de Clemenceau; L‟Intransigeant, Le jour e l‟Écho de , de Rochefort; Le Temps Nouveaux, Le Libertaire, La Petite République e Le Père Peinard, de Jean Grave (França); The Times, The Daily Chronicle e Freedom (Grã- Bretanha); El País, La Justicia, La Autonomía, El Imparcial e El Nuevo Régimen, de Pí y Margall (Espanha); Frankfurter Zeitung, Vorwärts de Der Sozialist (Alemanha); La Tribuna, em Roma; L‟Avvenire, em Messina (Itália); A Liberdade, O Caminho e O Trabalhador (Portugal); Miscarea Sociala (Romênia); El Oprimido, La Revolución, L‘Avvenire [publicado em italiano] (Argentina); Liberty, El Despertar [periódico cubano editado em Nova York], El Esclavo [Editado em Tampa] (Estados Unidos) (ANDERSON, B. Sob três bandeiras, p. 219). 50

del Paraguay, os movimentos de esquerda, no Paraguai, começaram antes da chegada de Barrett. No âmbito dessa segunda observação, vale notar que ela se abre em duas perspectivas: uma que se refere ao gremialismo, propriamente dito, que se inicia, a partir de 1880, com a formação de ―asociaciones mutualistas de residentes extranjeros y de los trabajadores nativos hasta la constitución de la primera central obrera: La Federación obrera Regional del Paraguay, en 1906‖109, cujo objetivo era o de construir uma base de apoio aos trabalhadores; e outra marcada pela influência estrangeira, como foi o caso de José Serrano, um anarquista espanhol e de Juan Rovira, um catalão socialista que integraram o Gremio de los oficiales carpinteros, a partir de 1901110. Até então, o movimento era composto por paraguaios. Portanto, além dos interesses mutualistas que movimentaram os trabalhadores paraguaios, as disputas ideológicas também passaram a integrar a formação desses movimentos. Gaona nota que Rovira e Serrano, foram os precursores desse processo111:

En el gremio de los oficiales carpinteros de Asunción, se iniciaron las primeras escaramuzas ideológicas entre Serrano y Rovira. El primer sostenía y predicaba la violencia revolucionaria y la acción directa, como estrategia y táctica del movimiento obrero, mientras que Rovira se oponía enérgicamente a ello y en cambio, reclamaba permanentemente, organización. Fueron Serrano y Rovira, apoyados por un núcleo de los oficiales carpinteros y muebleros, encabezados por el oficial carpintero Modesto Amarilla quienes echaron las bases del primer sindicato obrero paraguayo de contenido definitivamente clasista y de resistencia. Fueron asimismo, los más entusiastas y decididos propulsores de la primera central obrera paraguaya: La Federación Obrera Regional Paraguaya, hija legítima de la Federación Obrera Regional Argentina, que más tarde adoptó la famosa sigla F.O.R.A112

Estabelecidos esses dados, importa, agora, destacar cada um deles no sentido de se compreenderem as especificidades individuais que se acercavam de Barrett. Assim, o primeiro refere-se aos textos barrettianos. O exemplo inicial observado relaciona-se ao seu

109 GAONA, F. Introducción a la Historia gremial y social del Paraguay (Tomo I), p .30. 110 GAONA, F. Introducción a la Historia gremial y social del Paraguay (Tomo I), p. 107. 111 É importante ficar claro que não estamos tratando de partidos, mas de aspectos ideológicos. No pós-guerra do Paraguai, os grupos que assumiram o governo tinham um caráter liberal, derivado do liberalismo bonaerense, consubstanciados na Legión Paraguaya, na Sociedad Libertadora e na Asociación Paraguaya. A partir desses grupos houve a divisão em 1887 dos partidos paraguaios, Colorado e Liberal, sendo que ambos tinham um corte liberal. Para maiores detalhes ver: FLORENTÍN, Carlos Gomes. El Paraguay de la Post Guerra (1870-1900). Colección Historia General del Paraguay, v. 8. Paraguay: El lector, [2010?]. p. 19; e WHIGHAM, Thomas. ―Silva Paranhos e as origens de um Paraguai Pós-Lopéz (1869)‖. Diálogos (Maringá. Online), DOI 10.4025, v. 19, n. 3, set.-dez. 2015, p. 1085-1119. 112 GAONA, F. Introducción a la Historia gremial y social del Paraguay (Tomo I), p. 10-108. 51

texto ―Suicidas anónimos‖, no qual trata das escolhas que temos e coloca o suicídio como um ato louvável: ―Admiremos el buen gusto de los que desaparecen por su voluntad y sin literatura‖113. É curioso o conceito que Rafael Barrett assume em seu texto, na medida em que não considera o suicídio a partir de uma concepção do senso comum, mas, sim, muito próxima à construída por Durkheim em seu livro O Suicídio, publicado inicialmente em 1897, segundo a qual ―[...] todo o caso de morte que resulta directa ou indirectamente de um acto positivo ou negativo praticado pela própria vítima, acto que a vítima sabia dever produzir este resultado‖114. Considerando esse sentido, para Barrett, Ravachol está na mesma condição que Jesus Cristo – são fanáticos e se entregam em razão de suas crenças. Os dois são exemplos: Jesus, na existência e onipotência de seu Pai; e Ravachol115, no anarquismo. Ambos foram assassinados – Jesus na Cruz e Ravachol executado – mas isso foi consciente, os dois sabiam das consequências de seus atos, por isso são considerados suicidas. Vale frisar que no ano da execução de Ravachol, Barrett tinha dezessete anos, mas sua primeira citação do caso Ravachol foi em maio de 1909 no texto ―Suicídas Anónimos‖. Outro texto que deixa evidente a conexão de Barrett com a Europa é o texto ―Lápida‖, escrito em homenagem a Francisco Ferrer y Guardia, no qual nota-se a mesma valoração que a apresentada a respeito de Ravachol, positiva. Ferrer y Guardia, preso na fortaleza de Montjuïc, em Barcelona, foi executado em 13 de outubro de 1909, período em que Barrett está na estância Laguna Porã, em Yabebyry, no Paraguai, cerca de trezentos quilômetros de Assunção, próximo à Argentina116. Assim, o caso de Ferrer y Guardia é diferente do de Ravachol, pois, sobre este, as informações a que Barrett teve acesso, muito provavelmente, vieram da época em que ele estava na Europa, ao passo que os dados acerca de Ferrer y Guardia lhe chegaram por outra via (a respeito da qual não tive acesso); mas que, contudo, atravessaram o Atlântico117.

113 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 188. 114 DURKHEIM, E. O Suicídio, p. 11. 115 ―François-Claude Koenigstein, mais conhecido como Ravachol, [era] um criminoso com um histórico de assassinatos e roubos. Ele foi rapidamente apanhado e processado. Afirmando que havia agido para vingar um episódio anterior de repressão policial violenta contra uma manifestação de operários em Clichy, seguida pelo julgamento de alguns operários durante o qual o promotor exigiu (mas não obteve) a pena de morte, Ravachol disse ao tribunal que havia agido sob a égide de princípios revolucionários anarquistas. Em 11 de julho [de 1892], foi levado à guilhotina gritando ‗Vive l‘Anarchie‘ e prometendo que sua morte seria vingada‖ (ANDERSON, B. Sob três bandeiras, p. 133). 116 CORRAL, F. Cronología, 701-702. 117 É frequente na obra de Barrett a referência aos Telegramas, publicados em El Diario. Acredito ser o meio pelo qual teve acesso à informação sobre Ferrer Guardia. 52

O título do texto, ―Lápida‖, pedra que leva inscrição mortuária, já é significativo na medida em que, em geral, quem morre é digno de homenagem, o que se comprova na sequência do texto:

Envidiemos la gloriosa apoteosis de Ferrer, asesinado en los fosos de Montjuich, la última Bastilla de los latinos. [...] Arrastrado a los fosos como por una banda de chacales, devorado en la sombra y el silencio, a espaldas de Europa. [...] Fue fulminado, porque era cumbre. No le podían perdonar. Los inquisidores perdonan el crimen, no la idea. Cayó, porque causaba miedo, porque era una de las imágenes vivas del futuro, un anuncio de muerte para los que le hicieron morir. Pero, ¿qué es la desaparición de Ferrer? Un simulacro. Lo grave no es que haya muerto, sino que haya vivido, que después de él perduren y crezcan formidables las energías de que se formó. Ferrer, desposado con la bella muerte que le disteis, engendrará los héroes de mañana. ¿Qué habéis conseguido? Hacerle inmortal a balazos, convertir el inofensivo profesor en un irritado ángel que visitará vuestras noches118.

É notável a atualidade desse texto. Segundo Anderson119, Ferrer y Guardia foi executado em treze de outubro de 1909; o texto de Barrett é, segundo Corral, mais ou menos, de fins de outubro do mesmo ano. Levando em consideração o tempo de trânsito da notícia – via jornal –, Barrett produziu o texto logo que teve acesso à informação vinda da Europa. Ainda na esteira dos textos escritos por Barrett, que retomam dados referentes à Europa e à Espanha, é possível considerar, a título de exemplo, suas críticas à fortaleza de Montjuïc, para quem ela será ―mientras dure, el sombrío monumento de la inquisición del siglo XIX‖120; e a valorização dos escritos de George Clemenceau121:

[...] uno de los testarudos más simpáticos de Francia. Bastante robusto y despreocupado para coger su sillón de primer ministro y lanzarlo a la cabeza de sus contendientes o de sus colegas, ha pasado varias temporadas en violento destierro de la política, las cuales nos han revelado al artista y al filósofo122.

118 BARRETT, R. Obras Completas II, p. 52. 119ANDERSON, B. Sob três bandeiras, p. 277. 120BARRETT, R. Obras Completas I, p. 289. 121 ―[...] anti-imperialista engajado, havia sido prefeito em Montmartre sob a Comuna de Paris, selou amizade com muitos anarquistas presos e trabalhou arduamente, como jornalista e como político, pelos direitos dos trabalhadores‖ (ANDERSON, B. Sob três bandeiras, p. 26). Anderson ainda salienta que Clemenceau desempenhou um importante papel no caso Dreyfus, quando esse veio à tona, em 1897. Para mais detalhes sobre a vida de Clemenceau, ver sua breve biografia: MUSEE NATIONAL CLEMENCEAU – DE LATTRE. La biographie de Georges clemenceau en quelques dates. Disponível em: http://musee-clemenceau- delattre.fr/collection/la-biographie-de-georges-clemenceau-en-quelques-dates acessado em 27 de setembro de 2016, as 13:52 h. 122BARRETT, R. Obras Completas II, p. 162. 53

Seria possível citar outra ampla série de dados que relacionam Barrett aos acontecimentos que se passavam na Europa, no que se refere à produção de seus textos; entretanto, encerro com o caso Dreyfus, haja vista que ele permite relacionar várias situações e reforça a argumentação mencionada, de forma que não é mais necessário ficar redundando exemplos. O caso Dreyfus refere-se ao processo a que foi submetido o capitão Alfred Dreyfus, em 1894, acusado de espionar para a Alemanha e por isso considerado culpado e deportado para a Ilha do Diabo. Esse caso é chave, ele evidencia o contato que Barrett teve com os acontecimentos anarquistas, tanto no que se refere à Espanha, às torturas na fortaleza de Montjuïc, quanto ao que acontece na França, o caso Dreyfus. Em outro texto, ―Zola‖, Barrett exalta sua produção: ―Los restos de Zola van al panteón. [...] No son esos restos de Zola los que nos importan, sino los otros‖; assim como a reabilitação do caso Dreyfus, através de J‟accuse, publicado no periódico L‟aurore‟, de Clemenceau, em 1898, na França. Nesse ano, Barrett estava em Madri, cursando engenharia, e parece não ter perdido contato com a França, dado conhecer o caso. Todavia, é interessante observar que ele não se interessa de imediato por esses acontecimentos, na medida em que suas publicações, na Espanha, correspondem a uma produção muito pequena, reduzida a dois artigos, e de caráter acadêmico123. O seu interesse por esses acontecimentos parece estar condicionado à sua virada em direção ao anarquismo, que, segundo Francisco Corral, dá-se, de forma aberta, a partir do ano de 1907; contudo, a partir de 1906124, tal interesse já pode ser notados em alguns textos nos quais trata de problemas sociais e estabelece críticas ao Estado125. Sobre a posição política de Barrett, Corral defende o seguinte:

De su republicanismo inicial, en el que incluso llega a militar activamente como secretario de la Liga Republicana de Buenos Aires, Barrett va transitando poco a poco hacia el más rotundo desengaño de la acción política, para acabar finalmente identificándose con un anarquismo explícitamente asumido. En la etapa inicial, su ideología política respondía a un liberalismo avanzado en el que la estructura

123 Essa produção refere-se ao texto ―El postulado de Euclides‖, publicado em trinta de maio de 1897 e ao texto ―Sobre el espesor e la rigidez de la corteza terrestre‖, publicado em vinte e oito de fevereiro de 1898. Barrett ainda publicou um texto na Espanha, que refere à sua defesa pública contra as acusações de pederastia, intitulado ―Yo y un tribunal de honor‖, de 27 de junho de 1902. 124 Nesta tese se estabelece uma divisão diferente, pois considero 1907 como um ano de transição do pensamento barrettiano e 1908 como o da sua convergência explícita em direção ao anarquismo, como demonstrarão os capítulos II e III. Ademais, nessa linha, é imprescindível considerar o crescente contato que, paulatinamente, Barrett vai construindo com as classes trabalhadoras e sindicais. 125 CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 118-121. 54

tradicional del sistema parlamentario proprio de las ‗democracia burguesas‘ era calificado muy positivamente126.

Feitas essas observações, é possível constatar que sua formação na Europa deixa fortes marcas em sua produção posterior. Por meio do levantado nos trabalhos biográficos sobre Barrett, sua vida em Madrid, no período em que cursava engenharia, foi boêmia, afinal, integrava a aristocracia madrilena. A pobreza vai se tornar um valor positivo, apenas, depois de certo período no novo continente127. Beatriz Gonzáles de Bosio, em seu livro Periodismo escrito paraguayo. 1845-2001: de la afición a la profesión, considera que:

El civismo paraguayo en febril actividad necesitaba de medios de expresión, como si las tensiones políticas, la gravedad de la desorganización económico-social de entonces, necesitarán canalizarse a través del papel y de la tinta. Surge así un personaje clave: el periodista, que no se sabe muy bien si en su definición vocacional primaban más sus cualidades de tribuno, ensayista, de teórico de la política, de hombre público comprometido con una causa nacional, de militante de un partido o sencillamente la vocación de un cronista dotado de una notable sensibilidad para captar las necesidades, las frustraciones y las esperanzas de un pueblo, de una patria que todavía no había terminado de sufrir128.

Barrett está inserido nas tensões dessa profissão. Quando se casou com Francisca Lopez de Maíz, a Panchita, em 1906, cogitou sobre a possibilidade de viver apenas de sua escrita, mesmo sabendo que não seria fácil construir uma profissão baseada apenas em su pluma129. O reconhecimento de Barrett, como ficará evidente, apenas ocorrerá quando, exilado do Paraguai, chega a Montevideo, em novembro de 1908, e inicia seus trabalhos de periodista, que foram rapidamente reconhecidos, por alguns intelectuais. Seus escritos demonstram que sua escrita se articulava com o meio para o qual ele escrevia, dependendo do perfil do periódico ou da seção, Barrett escolhia um gênero: ora a crônica, ora o ensaio, ora a crítica, etc. O fato é que vivia de sua escrita.

126 CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 118. 127 O valor da pobreza, para Barrett, fica claro em seus textos sobre Zola, no qual afirma: ―Sí. Zola fue un valiente, aunque faltó el valor supremo, el que le hubiera hecho casi divino: El Valor de ser pobre‖ (BARRETT, R. Obras Completas II, p.91). 128 BOSIO, B. G. Periodismo Escrito Paraguayo, p. 24. 129 ―Ya casados, me dijo una tarde: "Sabes, menuda, que no soy hecho para depender de otro. ¿Qué dices si me dedico a escribir y vivimos de lo que pueda ganar?" Aprobé gustosa; desde luego, jamás lo contrarié en nada. Vivimos de lo que le daba su pluma, pobres pero felices‖ (BARRETT, F. L. M. Introducción, p. 2). 55

Cabe sinalizar que, entre a variada série de textos produzidos por Barrett, há uma que se refere a pequenas máximas, as quais ele intitulou de Epifonemas, que são espécies de aforismos, sentenças curtas. A análise desses textos permitiu notar que uma das leituras que o vinculavam às atualidades da Europa era a sessão Telegramas, já citada acima, na qual se publicavam notícias breves sobre países da Europa. No epifonema de número dois, Barrett distribui quatro máximas. Interessa-nos à arguição a primeira: ―Una dolorosa y larga huelga agraria parece tocar a su término, según los telegramas italianos. Los campesinos de Parma triunfan. […] Quizá se aliviara también el Paraguay mediante una huelga. […] La mejor de todas sería una huelga de ministros‖130. A fonte para a feitura desses pequenos aforismos era a seção Telegramas, constante em El Diario, de Assunção. O próprio Barrett é quem deixa isso claro ao citá-la. Ademais, é improvável que ele não lesse o jornal que veiculava seus escritos. E mais especificamente, ainda, em se tratando dos Telegramas, que integravam a mesma página que seus textos. As suas publicações iniciaram-se, nesse periódico, em janeiro de 1905, e se estenderam até julho de 1908, um mês após a publicação de Los que son los yerbales, já sob o regime autoritário de Albino Jara131. Esse fato gerou grande polêmica, motivou o fim de suas contribuições a El Diario e fez com que Barrett e José Guillermo Bertotto fundassem a revista Germinal, da qual tratarei mais adiante. Nos Telegramas encontram-se textos sobre a Rússia, a França, a Itália, Portugal, Argentina; entre outros. Selecionei alguns que apresentam ligação mais direta com o objetivo de pôr em evidência o acesso de Barrett aos acontecimentos da Europa. Assim, o primeiro texto trata da greve em Parma, na Itália: ―ROMA, 19 – En el mismo estado la huelga agraria en Parma. […] Los propietario han contratado obreros en otros puntos para sus campos, pero los huelguistas se niegan á dejarlos trabajar. […] Témense sangrientos disturbios‖132. O segundo texto, mais amplo, publicado três dias depois, trás atualizações sobre os acontecimentos na cidade e informações sobre o estado geral da greve na Itália:

ROMA, 22 – En Parma el alcalde dirigió un manifiesto al pueblo, invitándolo á la calma y promete[t]iendo que las autoridades

130 BARRETT, R. Obras Completas II, p. 383. 131 Albino Jara aplicou um golpe de Estado em dois de julho de 1908 e estabeleceu um regime autoritário, que teve como um dos resultados o exílio de Rafael Barrett em Montevideo. Mais detalhes serão dados no quarto capítulo, embora seja possível um estudo mais detalhado a partir de SOUZA, José Carlos de. O Estado e a Sociedade no Paraguai durante o governo do partido Liberal (1904-1935). 2006. Tese (Doutorado em História). Faculdade de Ciências e Letras de Assis da Universidade Estadual Paulista – UNESP; e JAEGGLI, Alfredo L. Albino Jara, un varón meteórico. Asunción: Editora Napa, 1983. 132 Italia: ―La huelga agraria; Intervención de las tropas; Aniversario‖. El Diario, Asunción, PY – sábado – 20 de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción). 56

intervendrán en defesa de sus derechos. […] Los huelguistas se han refugiado en las torres de las iglesias, desde donde apedrean á las tropas. […] Algunos soldados han sido heridos, pero á pesar de ello, no han respondido á las provocaciones. […] En otras ciudades del reino, la[s] huelgas van en aumento. […] En Génova un grupo de sindicalistas armados de revólver atacaron la redacción del diario Lávoro. […] Resultò muerto uno de los atacantes. […] ROMA, 22 – Las Huelgas generales promovidas por los socialistas y sindicalistas continúan en varias provincias. […] En algunas partes las cañerías de agua y luz eléctricas han sido cortadas. […] El servicio de trenes y tranvías paralizado. […] En algunas ciudades las tropas se hallan acuarteladas133.

O terceiro texto, publicado no dia 23 de junho de 1908, versa sobre o desfecho da greve em Parma:

ROMA, 23 – El movimiento huelguista en Parma tiende á una solución favorable. […] Siete mil soldados recorren en pequeñas patrullas las calles de la ciudad. […] Solo ha habido hasta ahora algunos pequeños desordenes. […] En las otras ciudades del reino, los huelguistas persisten en su intransigencia, pero observan una actitud pacífica134.

Esses textos, somados a outras fontes encontradas, permitem notar que o deslocamento barrettiano, do republicanismo para os movimentos de esquerda, esteve associado à sua impressão acerca da falência das instituições estatais, após ter participado da Revolução de 1904; a outras leituras, como, por exemplo, de Bakunin, de Proudhon, de Tolstói, entre outros; mas também esteve associado aos acontecimentos que ocorriam na Europa aos quais ele tinha acesso por meio dos Telegramas de El Diario. Para finalizar essa argumentação a respeito da relação de Barrett com a Europa, é importante considerar o trabalho desenvolvido por ele e por José Guillermo Bertotto em 1908, quando do fim de suas publicações em El Diário135. Esse texto, além de denotar a clara posição anarquista que Barrett assumiu, também demonstra que ele era tributário das

133- Italia: ―Las huelgas; Asalto a un diario; otras informaciones‖. El Diario, Asunción, PY – martes – 23 de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción). 134Italia: ―Movimiento huelguista; En la cámara de diputados‖. El Diario, Asunción, PY – miércoles – 24 de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción). 135 A respeito desse rompimento com El Diario, há um texto de Barrett, publicado em La Patria, em primeiro de julho de 1908, no qual ele se expressa a respeito do rompimento com o dito periódico: ―El Diario desaprueba los personalismo. Son imposibles de evitar en un asunto tan concreto como el de los yerbales, ya que nos hemos decidido a la acción. Combatir a los cuatro despiadados especuladores que se han repartido el país e y no personalizar, es cosa absurda. […] Personalizar es doloroso. ¡Ya lo creo! Parientes y amigos íntimos del presidente de la Industrial son, o eran, amigos míos. Pero el que ama la justicia debe renunciar a conservar los amigos. […] ¡Conserve los suyos El Diario! El Diario aconseja componendas con los patronos. ¡Eso nunca! Eso es perder terreno. El obrero ha de salvarse por sí mismo. La solidaridad en la rebeldía; no hay otro recurso. Si el esclavo no se impone por el terror, siempre será esclavo‖ (BARRETT, R. Obras Completas I, p. 529). 57

influências europeias na medida em que a revista Germinal, editada em, 1908, no Paraguai, faz referência ao livro de Zola, Germinal, assim como ao J‟accuse, texto que reabilitou o caso Dreyfus. Anderson considera que o livro de Zola ―[…] provou ser uma sensação política, com um impacto que se repetiu a cada tradução em outras línguas europeias‖136. Publicado pela primeira vez em 1885, influenciou, posteriormente, a criação da revista Germinal, na Espanha, em 30 de abril de 1897137. Tratando sobre o papel da revista no contexto espanhol, Vallejo e García-Ochoa observam que: ―[…] estos autores [da revista Germinal] no concebían sólo la literatura como una cuestión de estética, sino que buscaban en ella transformar la sensibilidad social para acceder a un nuevo concepto de la justicia, del trabajo y de la solidaridad‖138. Barrett, por sua vez, que ainda estava na Espanha nesse período, participou dessa ―[...] misma atmosfera conflictiva de los hombres de la generación del 98, que en su juventud, esto es, durante los últimos diez o quince años del siglo pasado, y aún a principios del siglo XX, militaron, casi todos ellos, en tendencias políticas radicales‖139. Outro dado a ser considerado sobre a revista espanhola refere-se aos seus integrantes e aos temas abordados, que foram ao encontro da virada anarquista a qual marcou a vida de Barrett, onze anos mais tarde, em 1908. O fruto dessa mudança foi a criação de Germinal por Barrett e Bertotto, em Assunção, sob o Regime de Albino Jara. Vallejo e García-Ochoa destacam que:

La postura progresista de la publicación se manifestará también en traducciones de autores extranjeros como Zola, Victor Hugo, Leopardi, Prudhomme, Renan o Bakunin, y en la presencia de autores catalanes como S. Rusiñol y A. Guimerá. Precisamente Germinal atenderá a los problemas políticos como los procesos de Montjuich, así como la situación de las cárceles o el anarquismo. Sin embargo casi no prestó ninguna atención al tema de las colonias, muestra del escaso interés que en las vísperas del desastre parece que tenía el tema. El anticlericalismo también fue un tema reiterado: siempre respetando a la religión en sí y al sentimiento religioso, los ataques iban dirigidos hacia el poder de la iglesia. En el fondo, el tema

136 Na sequência dessa observação, Anderson explica que, no século XIX ―[...] um romance ‗social‘ podia produzir efeitos muito mais profundos e duradouros que o jornalismo baseado em fatos‖ (ANDERSON, B. Sob três bandeiras, p. 217). 137VALLEJO, Manuel A. Espegel; GARCÍA-OCHOA, Mª Luisa. ―En torno a las revistas de la generación del 98‖. Disponível em: acesso em 29 de setembro de 2016 às 16:32 h. p. 4. 138 VALLEJO, M.; GARCÍA-OCHOA, M. L. En torno a las revistas de la generación del 98, p. 4. 139 FERNÁNDEZ, M. A, Introducción, p.15. 58

respondía a la tensión entre los valores tradicionales y el espíritu progresista, y el intento de armonizarlos entre sí […]140.

Como apontou Fernández, Barrett, ao chegar à Argentina, vindo da Europa, na Argentina, possuía uma posição liberal-crítico141, tanto que integrou, como secretário, a Liga Republicana142, mas, a partir de 1906, como destaca Fernández e Corral, sua posição foi se aproximando à esquerda, tendo na criação de Germinal, seu ápice. A revista, supracitada, teve uma vida curta, estendeu-se de dois de agosto de 1908 até onze de outubro do mesmo ano. No total foram onze números143, com a publicação de textos, cujos títulos podem ser visualizados no quadro que segue144:

Quadro 1 – Textos de Rafael Barrett publicados em Germinal

1908 AGOSTO SETEMBRO OUTUBRO DIA 2: La Revolución; DIA 6: La crisis Nuestro programa; La económica; Los jueces;

Argentina y la Carta a Bertotto revolución; Las DIA 4: Germinal; El azar

infamias de los

quebrachales en puerto Sastre; La revolución y el clero; Nuevo cuartel; DIA 13: Los mecánicos y maquinistas; ¿ Pío IX La lista de espías; Reclutamiento como ladrón?; La ciencia

siempre; Epifonemas (27) DIA 9: Un pueblo sin DIA 11: Bajo el terror; El pan; Epifonemas (28); ambiente; Epifonema (32)

140 VALLEJO; GARCÍA-OCHOA, En torno a las revistas de la generación del 98, p. 5. 141 FERNÁNDEZ, M. A, Introducción, p.17. 142 Há um texto de Barrett referindo-se a Liga: ―Los prudentes y la Liga Republicana‖, publicado em dezesseis de fevereiro de 1904, em Buenos Aires, em El Correo Español; e ―La visita del rey a los republicanos‖, publicado em três de abril de 1904, na mesma cidade e no mesmo jornal. 143 Beatriz González Bosio observa que Germinal ―Tuvo una efímera existencia, dado lo polémico de su contenido. Apareció solamente hasta el N° 6‖ (BOSIO, B. G. Periodismo Escrito Paraguayo, p. 175). Todavia, trata-se de um evidente equívoco, dado que todas as outras referências tratam de onze números. 144 O quadro foi feito com base nos dados oferecidos por Francisco Corral, na edição das Obras Completas de Rafael Barrett, publicada pela Tantín, em Madri, em 2010, já que não foi possível ter acesso aos originais da revista Germinal, de 1908. 59

DIA 16: Polémicas DIA 20: Los maquinistas y vanas; El arreo al los mecánicos; Dios cuartel; Epifonemas (29) DIA 23: Actualidad políticas; La crisis DIA 27: La mujer y la económica. El pequeño muerte comercio; Epifonemas (30); Carta al tribunal DIA 30:Tristezas de la lucha; El asunto Peña; La cuestión pan; Epifonema (31)

O total de trinta e sete textos publicados nesse período não se refere à totalidade da revista, mas, exclusivamente, aos textos escritos por Rafael Barrett, já que não obtive acesso aos originais de Germinal. Embora seja constante a referência ao Paraguai, presente em Germinal, é perceptível que Barrett parte de uma premissa que extrapola as fronteiras desse país, como fica presente no texto Nuestro programa:

„Germinal no estará con lo viejo, sino con lo nuevo; opondrá al dogma la idea, y a la autoridad, el examen. […] Preferirá lo verdadero a lo retórico. […] no defenderá el oro, ni el poder, sino el trabajo. […] no aceptará lo legal sino el justo. […] Organizará la resistencia y el avance de los que producen y crean. […] No hará política, hará humanidad‘. […] Insistiremos en este punto: que los urgentes problemas de la Humanidad son económicos145.

Cabe enfatizar que essa perspectiva universalizante, não vem aleatoriamente. Barrett estava em contato com ideias que extrapolavam as fronteiras paraguaias, de forma que as informações sobre o que ocorria na Europa, na África e, mesmo, na Ásia, chegam até ele, como o mencionado anteriormente. Assim, tem fortes elementos que o ligam à Bakunin, Kropotkin, Proudhon, Marx e Engels, como, por exemplo, a referência ao trabalho e à propriedade. No próximo trecho, retirado de seu texto Las conferencias populares y el doctor Franco, isso fica evidente:

[…] Esto es lo triste, que hombres honrados y sinceros pierdan sus energías en luchas partidarias de cortísimo alcance, y no las consagren a formar la humanidad futura. Que persistan en cuajar el egoísmo

145 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 530. 60

eterno del poderoso y del rico en los viejos moldes, en vez de romperlos y aliviar la suerte de los que todo lo producen y todo lo edifican146.

Após expor as suas ideias, Rafael Barrett amplia sua visão universalista, referenciando suas bases teóricas:

Entonces compreenderá que la obra de los Stirner, Bakounine, Stepniack, Kropotkine, Reclus, Tolstoi, anarquista; Marx, Engels, Deville, Liebknecht, Bebel, France, socialistas; y de los Hervé, y de la inmensa mayoría de los poetas y de los pensadores, es obra santa. […] Es absurdo privar al Paraguay de los beneficios de esa ola luminosa que agita hacia la esperanza casi todos los pueblos de Europa y de América147.

Pelo exposto, Barrett vê-se, portanto, como um mensageiro, que traz ao país de los desheredados, de los desdichados, uma mensagem de esperança, que se materializa, primeiramente, por meio de seus escritos e, posteriormente, através de suas ações; como é caso das conferências que ele e Bertotto, marcaram no correr de 1908. Também importa salientar que a atualidade do pensamento de Barrett se mostra não apensa nos textos de Germinal, mas também em sua crítica à teoria de Marx. Um exemplo disso é quando ele e o doutor Ritter – apesar de amigos, tinham posições ideológicas diferentes – se desentendem acerca da teoria de Karl Marx148, e Barrett expressa sua percepção acerca da teoria do autor de O Capital. Em um texto publicado na Espanha, em 2017149, há uma análise que discute a disparidade temporal entre o periódico Germinal, publicado na Espanha, e a revita Germinal, de Barrett e Bertotto. Procura-se demonstrar que a principal influência está no livro homônimo de Zola e defender que Barrett não integra a generación del 98 por uma questão de

146 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 554. 147 BARRETT, Obras Completas I, p. 554. 148 O texto no qual Barrett expõe sua visão sobre Marx é: La cuestión social, ―escrito como refutación de un extenso trabajo del Dr. Rodolfo Ritter – en el cual éste niega la existencia de problemas sociales en el Paraguay, o los minimiza -, Barrett reafirma y refuerza, en su ensayo, sus juicios sobre la realidad paraguaya, además de subrayar las grandes direcciones ideológicas de las luchas sociales modernas‖ (FERNÁNDEZ, M. A. Rafael Barrett, p. 28). Gambardella também comenta qua: ―Aunque conoce a Marx, y valora su contribución esclarecedora en el campo de la ciencia, (probablemente es el primero de los anarquistas de su época que glosa su pensamiento con seriedad documental), es obvio que no es marxista quien tiene de la sociedad y de la historia una imagen fundamentalmente ética. […] no concibe la huelga instalada en el centro de la lucha de clases y a ésta como el motor da historia, sino como un impulso ético para combatir la injusticia‖ (GAMBARDELLA, L. H. Prólogo, p. VI). 149 HERRIG, Fábio Luiz de Arruda. ―Entre Paraguay y Europa: puntos sobre la producción barrettiana‖. In: ZAIDENWERG, Cielo et. al. Ciencias sociales, humanidades y derecho: cómo pensar el mundo latinoamericano. Barcelona, Es: UB/UNAM, 2017, p. 125-135. 61

temporalidade. Os únicos textos que Barrett publicou na Europa foram, dois de caráter científico e um em defesa própria contra o tribunal de honra; assim, apesar de não ter tido acesso aos originais da revista barrettiana, pode-se associar a influência recebida por Barrett à Zola e à corrente anarquista, e não à Germinal espanhola, tão pouco à generación de 98, mas sim à Zola e à corrente anarquista. Vale observar que além desses fatores que influenciaram a obra barrettiana, é preciso considerar alguns dados referentes às influências paraguaias, que são o periódico anarquista El Despertar, de 1906; e os grupos e movimentos operários com os quais passa a se relacionar. Esse capítulo buscou apresentar, de maneira breve, a biografia de Rafael Barrett e seus vínculos com a Europa, para criar uma base para as análises posteriores. O capítulo seguinte dedica-se a uma apresentação descritiva da obra de Barrett com intenção de mostrar, no horizonte de sua escrita, as mudanças pelas quais o seu pensamento passou e a partir de quais influências isso se processou.

62 CAPÍTULO 2 “POBRE DEL ESCRITOR QUE QUIERE OBTENER UN ESTILO, Y LO ENCUENTRA Y LE SATISFACE”: A ESCRITA BARRETTIANA

Si vivir es correr tras la perfección y la felicidad, alcanzarlas es morir. […] (Rafael Barrett).

Gregório Morán fez em seu livro, Asombro y búsqueda de Rafael Barrett, uma dura crítica ao trabalho de editoração das obras completas de Rafael Barrett, empreendido por Francisco Corral, entre 1988 e 1990. Ele observa que:

La colección de los artículos en los tres volúmenes primeros está hecha con absoluto desdén hacia la voluntad de Rafael Barrett […]. Agrupa los textos en función de afinidades, como si fuera un estudiante de bachillerato organizando la tesis para un profesor perezoso, lo que convierte estos libros en un laberinto donde se desespera cualquier lector en la búsqueda de Barrett y sólo encuentra arbitrismo del compilador: aquí paisajes, allí diálogos, acullá crítica literaria150.

Morán tem razão. Corral, não segue a cronologia. Todavia, podemos deslocar essa crítica de Morán, a partir de dois exemplos simples, sobre a obra barrettiana. O primeiro relaciona-se ao fato de que o único livro de sua própria autoria que Rafael Barrett viu pronto, antes de morrer, no final de 1910, foi Moralidades Actuales, publicado pela O. M Bertani, em Montevideo, em 1910. A preocupação de Barrett com a publicação de um livro iniciou-se em Montevideo, quando ele começou a ser reconhecido por sua produção na capital uruguaia e na capital argentina151; nesses locais tornou-se, juntamente com os textos que publicava, objeto de discussão e passou ―por el primer cronista de América‖152, o que lhe deixou muito feliz, como evidencia sua carta à sua esposa, em fevereiro de 1909, na qual comunica-lhe a

150 MORÁN, G. Asombro y búsqueda de Rafael Barrett, p. 37. 151 Vara, comentando o papel de Enrique Rodó na divulgação da obra de Barrett, deixa entrever que ―el clima entre la intelectualidad de Montevideo, donde la preocupación por las cuestiones sociales eran generalizadas, pero no se establecían quiebres rígidos entre distintos grupos políticos – situación que ciertamente pudo haber facilitado la recepción de Barrett‖ (VARA, A. M. Sangre que se nos va, p. 98). 152 BARRETT, R. Cartas Íntimas, p. 40.

ascensão da carreira de escritor e, ainda, que ―el editor Bertani153 de Montevideo está en tratos de editarme un libro que tengo que preparar en seis meses‖154. O livro é Moralidades Actuales, a respeito do qual é possível acompanhar o seu desenvolvimento a partir de suas correspondências com José Eulogio Peyrot155. As duas imagens a seguir refletem o modo como os textos de Rafael Barrett despertaram, mesmo após a morte dele, o interesse dos intelectuais uruguaios. Ressanta-se que o Paraguai, só muito posteriormente, considerou a importância desse escritor, e, mesmo assim, de forma tímida156.

Figura V - Gravura de Rafael Barrett, publicada na Enciclopedia Uruguaya

Fonte: Biblioteca Nacional del Uruguay157

153 Bertani publicou as primeiras obras de Barrett. Segundo consta nas Cartas íntimas, com as notas de Francisca López Maíz de Barrett, as obras publicadas foram as seguintes: Moralidades Actuales, Montevideo, O. M. Bertani, 1910; Lo que son los yerbales, Montevideo, O. M. Bertani, 1910; El dolor paraguayo, Montevideo, O. M. Bertani, 1911; Cuentos breves (Del natural), Montevideo, O. M. Bertani, 1911; Mirando vivir, Montevideo, O. M. Bertani, 1912; Al margen, Montevideo, O. M. Bertani, 1912; Ideas y críticas, Montevideo, O. M. Bertani. Cumpre observar que Rafael Barrett organizou apenas Moralidade Actuales e El dolor paraguayo. 154 BARRETT, R. Cartas Íntimas, p. 40. 155 Cartas enviadas a José E. Peyrot. A primeira, de vinte e sete de agosto de 1909, e a segunda de nove de setembro de 1909, identificadas em suas obras completas, respectivamente, como Quinta e Sexta (BARRETT, R. Obras Completas II, p. 655 a 659). Também é dado crédito a Peyrot na primeira edição de El dolor paraguayo, de 1911, ―Los originales de este libro fueron enviados por orden de su ilustre autor, pocos días antes de su muerte, al señor José E. Peyrot para que dispusiera su publicación‖. 156 Francisco Corral faz referência à criação do Centro de Estudios Sociales Rafael Barrett, por parte de sindicalistas paraguaios, mas isso não constituiu, no correr do século XX, um papel determinante no âmbito da história do Paraguai (CORRAL, F. Cronología, p. 703). 157 ENCICLOPEDIA URUGUAYA 39 (Director general – Ángel Rama‖. Uruguay: Colobino, jun 1969. p. 170; (arquivo digitalizado pela Biblioteca Nacional del Uruguay/hemeroteca digital) disponível em: http://bibliotecadigital.bibna.gub.uy:8080/jspui/ 64

Figura VI – Gravura de Rafael Barrett, em La Cruz del Sur

Fonte: Biblioteca Nacional del Uruguay158

A preocupação com a edição de um livro é tardia. Antes disso, Barrett teve que se dedicar a ganhar a vida, como afirma em nota sua esposa, em Cartas íntimas: ―Muchos que suelen extrañarse de que los libros de Rafael sean nada más que recopilaciones de artículos159 – a excepción de El dolor paraguayo –, conocen ahora la causa: la necesidad de escribir día por día para ganarse el pan‖160. Moralidades Actuales é, portanto, uma reunião de artigos, ―[…] aquellos que he encontrado de interés durables en mi labor de 3 años‖161. O número de textos escolhidos, oitenta e nove, é uma referência ao ano da Revolução Francesa162. Como sua doença estava muito avançada, Barrett temia morrer antes de ver o seu livro publicado e pedia pressa ao seu amigo José E. Peyrot, a quem, após receber a edição publicada, compartilhou: ―Con menos prisa que ayer le escribo repitiéndole mi gran alegría por la llegada de las Moralidades [Actuales]‖163;

158 LA CRUZ DEL SUR. Año I – Núm. 2 – Montevideo, Ur – 31 de mayo de 1924. p. 10 - (arquivo digitalizado pela Biblioteca Nacional del Uruguay/hemeroteca digital) disponível em: http://bibliotecadigital.bibna.gub.uy:8080/jspui/ 159 Em carta envia a José E. Peyrot, entre o fim de 1909 e início de 1909, Barrett comenta sobre seu interesse em produzir um livro que não seja só de recopilações: ―Sueño con vivir un año más y dejar un libro que no sea una simple colección de impresiones de periodista‖ (BARRETT, R. Cartas Íntimas, p. 664). 160 BARRETT, R. Cartas Íntimas, p. 38-9. 161 BARRETT, R. Obras Completas II, p. 656. 162 BARRETT, R. Cartas Íntimas, p. 656. 163 BARRETT, R. Obras Completas II, p. 667. 65

El dolor paraguayo é ―un libro de arte y de ideas‖164 que Barrett, com auxílio de sua esposa, organiza e pretende publicar em Asunción, mas que, por fim, foi publicado em Montevideo por O. M. Bertani165, porém já póstumo. Rafael Barrett pretendia publicar El dolor paraguayo no Paraguai, mas como esse país estava convulsionado após Albino Jara assumir o governo, isso não foi possível. Segundo suas próprias palavras, ele não era visto no Paraguai como ―un simple escritor periodista‖, mas como ―un peligroso agitador social‖; com isso não encontrava um editor para seu livro, em vista do medo que as pessoas sentiam do governo166. Segundo Francisca López Maíz Barrett: ―El único libro que dejó hecho fue Moralidades actuales. Después mandé editar yo los otros doce. Bertani nunca rindió cuentas, haciendo varias ediciones‖167. A viúva de Barrett não menciona quais são esses outros doze livros, mas o primeiro que ela enviou a Bertani foi El dolo paraguayo, que teve sua primeira edição publicada em 1911. Esclarecidos esses aspectos, considera-se plausível empreender uma apresentação cronológica da obra de Barrett. Dessa forma, será possível observar o desenvolvimento de sua produção e, assim, a variabilidade de seu pensamento, suas contradições, suas aporias, entre outros elementos que, por meio desta proposta metodológica, podem vir à luz.

2.1 Início e transição (1897-1907)

Expor de modo cronológico a obra barrettiana permite compreender parte dos conflitos que se espraiavam, não especificamente, mas, principalmente, no contexto da América Platina. Assim, o imperialismo presente nessa região – marcado pela exploração dos recursos naturais, por meio de um neocolonialismo168, pela manutenção de uma política que favorecia as elites, pelas condições precárias das camadas mais pobres da população, pela

164 BARRETT, R. Obras Completas II, p. 669. 165 ―‗El dolor paraguayo‘, en que tú has colaborado (colección de artículos) no se imprimirá quizá en Asunción, porque se le ha metido al editor en la cabeza la manía de pedir autorización al Gobierno, y por eso no paso. Creo que se editará en Buenos Aires...;‖ (BARRETT, R. Cartas Íntimas, p. 45). Barrett também sinaliza estar trabalhando em outros livros, porém não cita qual: ―trabajo también en el libro para un editor en Montevideo, y en otro de índole filosófica‖ (BARRETT, R. Cartas Íntimas, p. 45-6). Também argumenta, em carta, com seu amigo Peyrot ―tengo preparado un libro de arte y de ideas, titulado El dolor paraguayo, ¡¡y no encuentro editor por miedo al gobierno!!‖ (BARRETT, R. Obras Completas II, p. 669). 166 BARRETT, R. Obras Completas II, p. 669. 167 BARRETT, F. L. M. Introducción, p. 5. 168 Vara trata das características que configuração a exploração neocolonial. É nessa linha que associo a produção de Barrett a uma crítica neocolonial e anti-imperial, ou como diria Vara, como um contra-discurso neocolonial dos recursos naturais. Em suas palavras esse contra-discurso, ao qual ela associa o pioneirismo a Barrett ―[…] combina un recurso de la naturaleza, un grupo social, un actor extranjero, un cómplice local y una localización precisa, en función de una matriz narrativa que tiene que ver con la explotación económica neocolonial que se pretende denunciar en la esfera pública‖ (VARA, A. M. Sangre que se nos va, p. 167). 66

falta de garantias aos trabalhadores169 – sinaliza para elementos que evidenciam um panorama histórico das tensões históricas. Desse modo, a análise da obra de Rafael Barrett possibilita, em certa medida, perceber como essa estrutura estava posta e como se manifestava em suas várias frentes.

A un observador como Barrett, que venía de allende los mares y que conocía por propia experiencia los resultados del comportamiento expansivo y depredador de los imperios – los que habían construido su propia patria, España, y la de su padre, Gran Bretaña –, no podían escapársele las circunstancias de lo que había acontecido y estaba aconteciendo en el Paraguay [bem como no resto do mundo]170.

Os escritos que Rafael Barrett produziu, quando estava na Europa, são três: El postulado de Euclides, de 1897; sobre Sobre el espesor y la rigidez de la corteza terrestre, de 1898, ambos publicados na Revista Contemporánea; e Yo y un tribunal de honor, publicado em El país, em 1902, em decorrência de seus atritos com José María Azopardo Camprodón e do Suceso del Circo de Parish, no qual agrediu publicamente o duque de Arión, que presidia o tribunal de honra que desqualificou Rafael Barrett. Os três textos não expressam quase nada do que viria a ser a produção de Rafael Barrett no novo continente, com exceção do estilo ácido de sua proza, que pode ser percebido em seu texto de 1902, ao criticar os tribunais de honra da Espanha171, e de sua afeição à arte, à ciência e à literatura, que pode ser notada nos outros dois textos, que, apesar de seu caráter científico, foram publicados em uma revista de caráter geral172, como muito bem tratado por Alai Garcia Diniz em sua dissertação de mestrado – Rafael Barrett: Crónica ácrata en el Plata. Naquele momento, Barrett integrava parte da elite da sociedade madrilena e, nem de longe, passava por dificuldades financeiras, o que viria a ocorrer na América do Sul, onde teve que viver de seu trabalho e não mais de sua herança173.

169 O termo ―trabalhadores‖ está em conexão com os escritos de Barrett, para quem o trabalhador é quem não é político ou empresário, é quem se vale de sua força de trabalho, na medida em que a vende para comprar sua subsistência; ou na medida em que a utiliza para sobreviver, como no caso de uma agricultura de subsistência. 170 BASTOS, A. R. Prólogo, p. 27. 171 ―Este Tribunal de Honor ha retrocedido a los tiempos bárbaros, sin respetar la civilización e el derecho de gentes‖ (BARRETT, R. Obras Completas II, p. 562). 172―La Revista Contemporánea, con la de España, nacida siete años antes que ella, eran las dos principales que se publicaban en Madrid. Los más reputados escritores de entonces: políticos, literatos, poetas, dramaturgos, sociólogos, catedráticos, ingenieros, militares, &c. [sic], colaboraron en la Contemporánea; pero, como revista general, no podía tener la especialización y el detalle que vemos en las numerosas revistas que ahora se publican en cada ramo de las diversas actividades humanas‖ (PAZ, R. Prólogo a Revista Contemporánea, s/p). 173 Como afirma Gambardella: ―El hombre que quiso quemar su pasado, su breve pasado de señorito, y que se va depurando en la medida en que entra en la pobreza y enriqueciendo con lecturas cada vez más hondas de Tolstoi, de Gorki, del Evangelio, que son los pilares humanísticos de su nueva formación‖ (GAMBARDELLA, L. H. 67

Segundo Vladmiro Muñoz, em três de novembro de 1903, Rafael Barrett desembarcou em Buenos Aires174. Todavia, Francisco Corral, em sua compilação, informa que o primeiro texto do autor, publicado em Buenos Aires foi de agosto de 1903, no periódico Ideas, intitulado Aguafuertes175, o que evidencia um anacronismo que não pude resolver, mas tende a parecer um equivoco de Corral. Seguem-se a esse texto, cronologicamente, ainda no ano de 1903, Misérias e José María Niño, publicados em El Correo Español176, ambos posteriores à data informada por Muñoz, o que parece corroborar com a proposição de que a data de publicação de Aguafuertes está equivocada. Sobre o conteúdo de tais textos, é possível perceber que, no primeiro, ainda há certo ressentimento em relação ao que havia se passado na Espanha, ou seja, a desclassificação social de Barrett, por meio do tribunal de honra. Os outros dois, se encaminham no sentido de olhar para a realidade a qual Barrett começava a presenciar no ―Novo Mundo‖, a pobreza, a desigualdade. Todavia, como também percebeu Francisco Corral177, a percepção dessa realidade ainda não é sob o viés que constituiu o anarquismo do escritor. Parece, portanto, que, nessa fase republicana de Rafael Barrett, o que se apresenta é o que embrião que se consubstanciará em um posicionamento ácrata, a partir de 1908. Aguafuertes tem um conteúdo literário que remete a um espaço reflexivo, filosófico, que, quiçá, configura-se como uma metáfora de sua condição em 1903, marcando a sequência da inocência da menina ―piadosa, y tan inocente que no se ruborizaba nunca‖178, passando para o momento de tensão no qual a ―garra hambrienta, músculos velludos de pirata […] estrujan un corazón arrancado‖179, para finalizar com a desgraça, na qual o narrador viu ―la estúpida faz del primitivo de la costra de la miseria […] nostálgico de la antigua madre‖180. Metaforicamente, pode-se considerar que a inocência da menina refere-se à inocência de sua

Prólogo, p. V) e que vão embasar seu anarquismo; ou como afirma o próprio Barrett, em 1904: ―Desde que soy desgraciado, amo a los desgraciados, a los caídos, a los pisados‖ (BARRETT, R. Obras Completas I, p. 356); 174 Sobre esse dado, é interessante observar que Muñoz oferece a fonte, na qual informa: ―Comprobación histórica; El Telégrafo Marítimo, diario matutino de Montevideo. 2 de noviembre de 1903. Año LIII. N°241 anual. Página 2. Columna 1. Sección Gacetilla. Parte Pasajeros. Línea: señor Barrett, R.‖ e ainda acrescenta: ―Investigación Biblioteca Nacional, Avenida 18 de Julio 1790, Montevideo, Uruguay. Clasificación de El Telégrafo Marítimo en la hemeroteca: SECC-XI. Leí todos los nombres y apellidos -a veces había solamente los apellidos- de los pasajeros que desde Europa, llegaron a Montevideo con destino a Buenos Aires. Desde el 10 de julio de 1902, hasta el 31 de diciembre de 1903. El único apellido Barrett que encontré es el indicado. Investigación a cargo de Vladimiro Muñoz, Mayo de 1991‖ (MUÑOZ, V. Apendice, p. 55). 175 CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 26; BARRETT, R. Obras Completas I, p. 354- 355. 176 Por ser um texto especificamente matemático, não considerei a fórmula enviada em outubro de 1903, ao renomado matemático francês Henri Poincaré. 177 CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 101. 178 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 354. 179 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 355. 180 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 355. 68

consciência frente ao Tribunal de honra; a tensão se configura na alegação de sua pederastia; e a desgraça é seu desterro na América do Sul181. Os textos, Miserias e José María Niño, já denotam, por sua vez, preocupação de caráter social, que aparece em Aguafuertes, por meio de apenas em uma frase: ―olfateé la desesperación y el vicio y amé el pobre‖182. Miserias, trata-se de um texto que explora a condição de um pai que, diante da filha morta, tem de se preocupar com o pagamento de uma taxa para o médico o qual deve emitir o certificado de óbito da criança, que não apenas morreu, mas morreu de fome. Barrett retrata o paradoxo imposto pela sociedade moderna: ―En los tiempos primitivos, el hombre se hubiera echado a la espalda el cuerpecito de su niña, y lo hubiera ido a enterrar piadosamente al pie de un árbol‖183. Na sociedade moderna isso não é possível, pois é necessário pensar na higiene pública: ―La sociedad moderna no permite soluciones tan sencillas. […] Es indispensable sepultar los muertos cuanto antes. La higiene pública lo impone‖184. O paradoxo reside, justamente, no fato de que as autoridades exigem uma demanda que visa ao bem público, a higiene, mas que, em contrapartida, não fornece ao público, à população, principalmente à população pobre, os meios para cumprir essas legalidades, de forma que ―sobre todos nosotros cae la infamia e la miseria de los pisoteados...‖185. É importante observar que, ao utilizar a primeira pessoa do plural para tratar dos miseráveis, Barrett passa a se considerar, também, um miserável, daí o seu amor pelos pobres, já expresso em Aguafuertes e acentuado em Miserias. O terceiro texto refere-se a José María Niño, exaltado por Barrett devido ao seu caráter e à sua dignidade, um ―infatigable en su generosidad, es también en el trabajo‖186; tem como objetivo apresentar Niño como candidato do Partido Republicano argentino. Esse texto é importante, pois denota a tendência republicana de Barrett, que, de imediato, tem grande afinidade com os desdichados, com os miseráveis, mas não com o anarquismo. A princípio, como já afirmado, Barrett fez parte da Liga Republicana argentina; contudo, com o passar do tempo ele se desilude com a política. Em 1904, sua produção se amplia. Embora todos os seus textos, desse ano, tenham sido publicados na Argentina, especificamente em três periódicos: El Correo Español, Ideas e El Tiempo, foi nesse ano que conheceu o Paraguai. Em novembro desse ano, Barrett conhece

181 É possível reforçar essa interpretação a partir da análise de Corral onde tratou do ―suicídio apócrifo de Barrett‖ (CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 18-19); ver também: MORÁN, Gregorio. Asombro y búsqueda de Rafael Barrett. Barcelona: Anagrama, 2007. p. 83-85. 182 BARRETT, R. Obras Completas I p. 355. 183 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 590. 184BARRETT, R. Obras Completas I, p. 590. 185BARRETT, R. Obras Completas I, p. 591. 186 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 591. 69

Villeta, cidade próxima da capital paraguaia, onde se encontrava a base dos revolucionários paraguaios. Ele foi enviado como correspondente de El Tiempo e enviava informações187 dos distúrbios no país vizinho para Buenos Aires. Ao todo, foram publicados, no referido ano, treze textos. É interessante reparar que esses textos possuem algumas características que permitem agrupá-los segundo o periódico que os publicou: os que foram produzidos para El Correo Español, em geral, versam sobre problemas ligados, proeminentemente, à Espanha, como: Comercio latino; Los inmigrantes españoles; El impudor yanqui; El Rey Reza; ¡¡Carnaval!!; La visita del rey a los republicanos; Los prudentes y la liga republicana; e Al público español. Em, Ideas, o único texto publicado nesse ano expressa-se como um eco daquele que foi publicano no ano anterior no mesmo periódico, Aguafuertes, tratando de seu alejamiento da Espanha. Por fim, em El Tiempo, aparecem duas publicações que se distanciam muito, em termos da temática: a primeira é Exposición de Arango, de onze de abril, em que Barrett faz uma crítica dilacerante ao trabalho do pintor Fermín Arango, que foi exposto no salão de Witcomb, em 1904; a segunda, que ocorreu meses depois, La Revolución de 1904, que trata da Revolução Liberal paraguaia. Os textos que foram publicados em El Correo Español são interessantes, sobretudo, porque demostram que Barrett se vinculava a um movimento que ocorria na Espanha e que, como apresentou Corral em sua tese, o vinculava à generación del 98188. Entre suas características, destacam-se as preocupações com a Espanha que, ora era vista como enferma, ora como atrasada, no que se refere ao clero e à monarquia. Como muito bem explicitou Corral:

Barrett compartió con ellos [noventayochistas] no solo la vida cotidiana de la heroica y destartalada bohemia madrileña, sino también sus actitudes críticas, sus ideales heroicos-románticos, sus desplantes individualistas, sus deseos de renovación (social, ética, estética y política), y la conciencia del esfuerzo necesario para lograrlo189.

Nesse interim, é possível notar que Barrett, ao tratar de temas americanos, em geral, nesse ano de 1904, parte de referências globais para, depois, tratar das problemáticas locais,

187 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 508-510. 188Sobre a vinculação de Barrett com a dita generación del 98, ver: HERRIG, Fábio Luiz de Arruda. ―Entre Paraguay y Europa: puntos sobre la producción barrettiana‖. In: ZAIDENWERG, Cielo [et. al.]. Ciencias sociales, humanidades y derecho: cómo pensar el mundo latinoamericano. Barcelona, Es: UB/UNAM, 2017, p. 125-135. 189 CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 76. 70

como ocorre em Comércio latino. Nesse texto ele ocupa-se, primeiro, da humanidade e seu desenvolvimento; em seguida, vincula-a, comparativamente, à cultura latina (relacionada, sobretudo, à Argentina) e saxã; e finaliza canalizando os aspectos do desenvolvimento humano, assim como os aspectos das duas culturas, em uma linha claramente desenvolvimentista na qual os latinos encontram-se em um estágio inferior, o que justifica a sua imaturidade econômica. Sobre isso observa o seguinte: ―El mundo económico es el aparato digestivo de la humanidad […], los latinos se pasan la vida entre inaniciones y empachos‖190, devido seu subdesenvolvimento e falta de estabilidade. Cumpre ressaltar que Barrett não se ocupou, nesse primeiro momento, apenas da economia. El Correo Español era ―El portavoz de los español republicanos en Argentina‖191. Assim, ele assumiu uma postura republicana192 que não era incompatível com a postura que já se vizualizava nos intelectuais que, posteriormente, seriam considerados integrantes da generación del 98, na Espanha, pois como ―[…] hemos visto que durante el periodo de residencia en Buenos Aires y el primer tiempo de su vida en Paraguay, el Barrett americano no es sino la prolongación del Barrett madrileño en múltiples aspectos‖193. Mas uma análise mais profundamente aponta que isso não parece o correto. Ao observarem as polêmicas pelas quais Barrett passou na Espanha, vê-se expresso um caráter aristocrático e não republicano. Como o próprio Corral apresentou, o seu interesse era o de integrar aquele seleto grupo. A sua condição, posterior, de migrante e de pobre, o levou a identificar-se com o republicanismo no continente americano. Dois textos expressam claramente seu republicanismo, dessa fase, de forma enfática: La Visita del Rey a los Republicanos, que trata de ida do rei espanhol Afonso XIII a Barcelona, cidade considerada por Barrett como o lar dos republicanos e defendida por ele nesse texto; e Los prudentes y la liga republicana, texto que também defende os republicanos. Especificamente no segundo texto, Barrett se dedica a defender Ricardo Fuente194, que estava de passagem por Buanos Aires e era o diretor do periódico espanhol El País, veículo no qual Barrett publica seu terceiro escrito na Espanha, em 1902, Yo y un tribunal de honor, para se defender de seu desclasamiento. Em Los prudentes y la liga republicana Barrett ataca

190 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 594. 191 CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 26. 192 CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 26-27. 193 CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 86. 194 ―Barrett mantenía también una amistosa relación con Ricardo Fuente, director del diario El País, periodista prestigioso y escritor muy integrado a la bohemia literaria del Madrid de fin de siglo, especialmente afín a los jóvenes noventaiochistas‖ (CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 22). Corral também explica que Fuentes estava, temporariamente, em Buenos Aires (CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 27). 71

a López Gómara, diretor do periódico argentino El Diario; e o Capitán Verdades, pseudônimo de Juán de Urquia195. Ao dissimular a crítica que o Capitán Verdades dirige à Fuente, Barrett desqualifica a escrita de seu adversário: ―Protesto […] de que se escriba tan mal‖196. Entretanto, a real crítica estava dirigida contra a monarquia espanhola e em favor da defesa dos republicanos:

La liga [republicana] es fuerte. Si tiene enemigos, como los tiene fatalmente toda empresa generosa, que sólo por existir echa en cara a los hombres su inercia y su egoísmo, esos enemigos, cuyo argumento es la prudencia, cuyas armas son la calumnia y cuyo nombre no se sabe, no harán más que ayudar a la obra de los republicanos. […] El pueblo sano, el pueblo que ha venido a América huyendo de la miseria infame en que los reyes han hundido a España […] eso pueblo no estará nunca con los prudentes, los especuladores y los hipócritas. […] Estará siempre con nosotros [os republicanos]197.

Na linha desse republicanismo, o que fica claro na prosa desse escritor é a sua paixão pela Espanha: ―España está presente donde haya un corazón sincero que la ame. No porque la distancia y los años nos aparten habitamos menos en ella que cuando jugábamos de chicos a la sombra feliz de sus árboles‖198. É esse mesmo republicanismo que o leva a refletir sobre outro tema que me parece relevante nesse ano de 1904: o nacionalismo. Barrett, com um estilo que dissimula o ponto fulcral dos textos de seus adversários, como ocorreu nos dois escritos mencionados, que atinam para o republicanismo, aborda o nacionalismo, também, a partir desse recurso. É notório como a crise que se passa na Espanha tem uma relação direta com isso199. Rafael Barrett, um estrangeiro na Argentina, testemunhando as condições de seus compatriotas e estando a par das leis em Buenos Aires, defende os imigrantes em relação à justificativa dada pelo governo bonaerense para a Lei de Residência, que refere-se à quetões econômicas. Ao dissimular essa justificativa, Barrett defende que a única causa justa para tal lei seria a promoção do ―gênio nacional‖, detalhe para o qual o governo não atenta:

195 Gómara era diretor de El Diario e Urquia, um militar espanhol (CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 27; MORÁN, G. Asombro y búsqueda de Rafael Barrett, p. 102). 196 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 608. 197 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 608. 198 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 596. 199 Duas grandes referências para pensar sobre o caso da crise espanhola nesse período, principalmente no que se refere ao nacionalismo, mas também atinando para ao anarquismo e ao anticolonialismo são: ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexiones sobre el origen y la difusión del nacionalismo. México: Fondo de Cultura Económica, 1993; _____. Sob três bandeiras: Anarquismo e imaginação anticolonial. Campinas, SP: Unicamp; Fortaleza, CE: Universidade Estadual do Ceará, 2014. 72

El gobierno, por boca de sus diputados, pisaría buen terreno presentando la ley de como una defensa necesaria del genio nacional. […] En vez de esto, se hace de la cuestión que se debate en la cámara una cuestión de doctrina económica, y los defensores de la ley se pierden en generalidades inexactas200.

E mais adiante Barrett completa:

La República Argentina no ha nascido, como la norteamericana, de un núcleo prodigiosamente vital y puro, sobre el que se han depositado después las capas afines de una inmigración hermana aumentando la masa del país sin desnaturalizarlo. Desgraciadamente han caído sobre el Plata, apenas terminada la sangrienta gestación del estado, precipitados de toda procedencia, y precisamente en mayor cantidad los más propicios a desviar y desleir el genio originario: italianos y españoles. Nada me parecería tan justificado como la ley de residencia, o leyes más violentas aún, en defensa de la personalidad nacional201.

Percebe-se, claramente, nos escritos de Barrett, que perpassa essas duas situações, a da república e a do nacionalismo, a consciência de sua situação: pobre. Entretanto, ele não toma isso a partir de um prisma negativo, o que se verifica, quando ele trata dos imigrantes espanhóis; ―He aquí mis votos, nacidos de una fe sincera en el trabajo y en la justicia. […] Soy el compañero de estos luchadores: para mí, como para ellos, está muy distante la victoria; por eso los comprendo y les amo, e les hablo así‖202. Seu acercamento das classes desfavorecidas fica evidente, também, em seu texto El Rey reza, no qual, em um tom sarcástico, critica o rei e sua nobreza: ―Más vale que el rey rece: podía emplear peor sus ocios. Los españoles deben dedicarse tranquilos al trabajo y a la lucha. Para ellos la obligación; para el rey la devoción"203. Mais adiante acrescenta:

Nuestra felicidad, nuestra confianza, y presumo que todos los españoles estarán conmigo, serían completos si el rey, haciendo un esfuerzo supremo, lograra que pasasen el día rezando santamente con él no tan solo sus generales y altos servidores, sino …! vaya, me atrevo! sus consejeros, con el presidente a la cabeza, los jefes de las mayorías, los funcionarios de la Administración del Estado, subsecretarios y directores generales… la alta servidumbre de la nación, en una palabra. […] Aunque no llegasen a la meditación, es indudable que nuestra confianza en su intercesión devota seria ciega,

200 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 612. 201 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 614. 202 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 595. 203 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 600. 73

no tanto quizá por lo que hagan en el templo, cuanto por lo que dejen de hacer afuera y, sobre todo, por lo que nos dejen hacer a nosotros204.

Em resumo, a produção barrettiana, de 1904, apesar de rarefeita, deixa entrever, portanto, três linhas: sua proximidade aos ideais republicanos; sua preocupação dirigida ao nacionalismo; e sua apropinquação aos pobres e operários. No ano de 1905, a produção de Barrett tornou-se mais intensa, tendo ele publicado trinta e oito textos205. De acordo com o apresentado na seção biográfica acima, devido a uma desavença e o retorno dos fantasmas passados (a desclassificação por um tribunal de honra espanhol, que voltou a assombrar Barrett em Bueno Aires) e a sua identificação com a causa do Partido Liberal, na Revolução de 1904, no Paraguai, Rafael Barrett muda-se para a capital desse país, Assunção. Com isso passa a publicar em: El Diario, La Tarde, El Paraguay, El Cívico, Cri-kri, Los Sucesos e na Revista del Instituto Paraguayo, sob o título Los fundamentos de las matemáticas, fazendo, assim, eco às suas publicações na Revista Contemporánea, de Madri, quando ainda morava na Espanha. Em uma breve apresentação desses veículos, pode-se dizer que El Diario, surgido em 1904 ―[…] como el vocero de la Revolución de 1904‖206, expressava os interesses dos rebeldes liberais que derrubaram o presidente colorado Juan A. Escurra. Por isso é compreensível a publicação dos textos de Barrett nesta folha. La Tarde, dizia-se independente, entretanto, segundo Harris Gaylord Warren, defendia Escurra. El Paraguay e El Cívico, eran considerados moderados207. Los Sucesos, ―[…] era el diario de Don Eugenio Garay, gran periodista y militar de extraordinaria capacidad, hombre bondadoso y modesto y de un valor personal a toda prueba‖208. Segundo Francisca López Maíz Barrett, ―El primer dinero por sus colaboraciones periodísticas, Rafael lo recibió de Eugenio Garay‖209. Além dos diários, Barrett também publicou na revista Cri-kri, que estava entre as primeiras revistas que publicaram textos referentes ao modernismo, no Paraguai210, e a Revista del Instituto Paraguayo, de orientação cultural e científica211.

204 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 601. 205 Os textos classificados nesse ano incluem ainda: Echegaray, publicado em abril, mas sem data e o nome do periódico; mas indicado como segundo texto de Al Margen; La vida interior, de outubro, enquadrado na mesma situação; Poema a Leonor Montero, uma carta. Assim, pode-se ampliar o número para quarenta e um se considerados esses dados. 206 BOSIO, B. G. Periodismo Escrito Paraguayo, p. 168. 207 WARREN, H. G. Paraguay, s/p. 208 BARRETT, FLM. Introducción, p. 12. 209BARRETT, FLM, Introducción, p. 12. 210MÉNDEZ-FAITH, T. Breve diccionario de la literatura paraguaya, p. 41. 211 BOSIO, B. G. Periodismo Escrito Paraguayo, p. 132-133; MÉNDEZ-FAITH, T. Breve diccionario de la literatura paraguaya, p. 108. 74

O acesso de Barrett a esses meios de comunicação, que lhe permitiram ingressar, a cada ano, de forma mais intensa na vida periodista, está, segundo o que foi possível inventariar, ligado à identificação desse autor com a causa liberal, no ato da Revolução de 1904, e à sua consequente vinculação aos intelectuais que participaram do referido movimento e permitiram-lhe o ingresso na sociedade asunceña212. Nesse momento, Barrett ―Conoce a figuras de la inteligencia local paraguaya, como Manuel Gondra, Modesto Guggiari, Cecílio Báez, Herib Campos Cervera, Manuel Domingues…‖213. A primeira publicação, em El Diario, foi La Verdadera Política, vinda a público no final de janeiro de 1905. Tendo em vista que El Diario era o periódico que incorporava os ideais do movimento liberal paraguaio, torna-se evidente que a participação de Barrett nesse movimento lhe abriu as portas para uma nova mudança – de Buenos Aires, Barrett se muda para Assunção. A princípio como membro da Oficina General de Estadística214, depois como chefe dessa sessão215. Possibilidades acessadas por conta de seu contato e amizade, construídas no processo da dita revolução. Entretanto, em quinze de setembro de 1905, renunciou ao cargo. No primeiro texto de 1905, fica claro que Barrett ainda tinha uma posição moderada; por um lado, não desconsiderou o Estado e a política, como será recorrente em seus escritos posteriores, especificamente os de caráter anarquista, mas também não aceitou determinadas conjunturas que agrediam os elementos que podiam possibilitar a constituição de uma sociedade igualitária: ―El ideal sería que un ministro estuviera incapacitado para nombrar a un portero, y sujeto a los tribunales tan estrechamente como el último de los ciudadanos‖216. Por outro lado, já está, absolutamente, distante dos elementos típicos da monarquia e da aristocracia espanhola, uma das características da generación del 98, a qual Corral vincula Barrett, já que ―los pueblos nuevos nacen a la vida política limpios de la funesta herencia aristocrática y clerical que se adhiere aún, semejante a una costra, a la carne sin cicatrizar de algunas naciones europeas‖217. Em La Verdadera Política, duas situações se evidenciam; primeiro, sua vinculação a uma das características do modernismo, que é a valorização do novo e a depreciação do

212 Todos os textos de 1905, de Rafael Barrett, foram publicados em periódicos de Assunção, a capital do Paraguai. 213 MORÁN, G. Asombro y búsqueda de Rafael Barrett, p. 106; CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 32. 214 MORÁN, G. Asombro y búsqueda de Rafael Barrett, p. 115; MUÑOZ, V. Rafael Barrett, p. 26. 215 MUÑOZ, V. Rafael Barrett, p. 28; AMARAL, R. El novecentismo paraguayo, p. 287. 216 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 512. 217 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 510. 75

velho: ―Lo único malo es la debilidad y la vejez‖218; segundo, sua visão sobre a república e a burocracia do Estado, pois parece que, para Barrett, a república é o que há de novo no momento e deve funcionar como uma máquina que leva a civilização ao progresso:

Existen engranajes fundamentales en el mecanismo de una república, engranajes que no tienen otro deber que ser de buen acero y de marchar con precisión, engranajes que sería absurdo cambiar cada vez que se releva el maquinista. No conviene a la patria ni a los mismos partidos que un empleado sufra o se aproveche de crisis que únicamente beben tocar a los directores de una situación219.

Essa valorização do novo, conquanto, não é estritamente característica do modernismo. Ficou claro que Rafael Barrett tinha uma forte influência do simbolismo e avançava no sentido do modernismo220. Devido ao objetivo da tese, não será possível abordar, a partir de 1905, todos os textos escritos por Barrett, de forma que, cronologicamente, apresentarei, com base em textos representativos, as mudanças de seu pensamento. La Verdadera Política, nesse sentido, se torna ilustrativa das aspirações de seu autor, que crê, de início, estar em um jardim desolado, no qual tudo está para ser construído. No texto, Juan Bautista Gaona, primeiro presidente liberal do Paraguai221, é elogiado por Barrett, que o conheceu em Villeta, junto ao grupo que integrava o movimento. Todavia, com o passar do tempo, ao perceber que as democracias liberais não visavam el pueblo e sim à manutenção dos interesses elitistas, e que Gaona, ―[...] el hombre de las tres presidencias – de la República, del Banco Mercantil y de la Industrial Paraguaya‖222, era a personificação desse processo, passa a criticá-lo223. Os textos de caráter político de Barrett, em 1905, se resumem a quatro: La Verdadera política, Partidos políticos, El Genio nacional, Extranjeros. Os dois primeiros referem-se, especificamente, à política e a atuação do escritor, os outros dois estão vinculados à formação da identidade nacional. Elemento que, naquele momento, ao mesmo tempo em que

218 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 510. 219 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 511. 220 Sobre o assunto, ver: BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: A aventura da modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1986. p. 85-126. 221SOUZA, J. C. O Estado e a Sociedade no Paraguai durante o governo do partido Liberal, p. 231. 222 MORÁN, G. Asombro y búsqueda de Rafael Barrett, p. 165-166. 223 Em relação à Gaona, é possível apresentar a mudança de Barrett: em La Verdadera Política, de 1905 observa: ―El gabinete del señor Gaona es una garantía para todos. Su advenimiento representa un bien considerable, un gran adelanto para este hermoso pueblo, que no necesita sino calma para recobrar su nivel de prosperidad merecida‖ (BARRETT, R. Obras Completas I, p. 512); em 1908, em posição contrária ao que escreveu em 1905, acusa Gaona de especulação e de, consequentemente, estar matando o Paraguai (BARRETT, R. Obras Completas I, p. 544), da mesma forma que o acusa de boicotar o meeting contra os ervais, marcado para 26 de junio de 1908 (―El meeting del domingo”; El Diario, Asunción, PY – viernes – 26 de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción). 76

aproximava Barrett dos intelectuais paraguaios, por pensar a nacionalidade, afastava-o por não pensá-la da mesma maneira que esses intelectuais. Isso será objeto de análise no capítulo três. Dos quarenta e um textos escritos em 1905, é perceptível que a visão de Rafael Barrett ainda estava imbuída de uma perspectiva política, na qual os partidos, por exemplo, bem como a própria política, eram bons, porque a democracia e os partidos modernos nasceram ―[...] limpios de la funesta herencia aristocrática y clerical‖224. Nesse período, ele ainda estava identificado com o republicanismo, tinha fé em uma política que fosse eficiente e feita para toda a sociedade. Segundo o que se percebe em seus textos, a política deve servir aos seus cidadãos e não aos interesses privados, como ele mesmo observa: ―Existen engranajes fundamentales en el mecanismo de una república, engranajes que no tiene [sic] otro deber que ser de buen acero y marchar con precisión, engranajes que sería absurdo cambiar cada vez que se releva el maquinista‖225. A tônica da produção desse período se projeta sobre a literatura e a arte. Seus escritos estão, malgrado certos rasgos modernistas, marcados pela estética simbolista226. Esses textos, ora são essencialmente literários, ora se convertem em críticas muito bem construídas, demonstrando um profundo conhecimento, por parte de Barrett, da arte e da filosofia da arte. Os textos de caráter políticos foram publicados em El Diario, que, como mencionado, representava os interesses dos revolucionários de 1904; exceto o conjunto de textos intitulados De estética, no qual Barrett faz uma abordagem teórica a respeito assunto. Os textos publicados em La Tarde têm um caráter reflexivo, ao passo que os publicados em El Paraguay, são literários. Os outros veículos utilizados por Barrett não incorporam uma única perspectiva. Em El Cívico, por exemplo, publica textos de crítica social, de caráter reflexivo227, e também, de crítica de arte (música, literatura e cinema, a nova arte, o cinematógrafo). Em Cri-kri, por sua vez, as publicações são apenas de cunho literário. Em Los Sucesos, o interesse da escrita se volta para a crítica social, mas publicou um texto

224 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 510. 225 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 511. 226 Para Afrânio Coutinho, o modernismo foi muito influenciado pela corrente simbolista, não sendo, portanto, estranho que haja elementos modernistas em meio à sua forte tônica simbolista. Sobre o simbolismo ver: COUTINHO, Afrânio. Literatura no Brasil. Co-direção de Eduardo de Faria Coutinho. 4 ed. rev. e atual. São Paulo: Global, 1997. Na mesma esteira pode-se citar o trabalho de Luciana Lilian de Miranda, apresentado no XIII Encontro Regional da ANPUH-MS em 2016, Uma "festa inquieta": o pensamento modernista espiritualista brasileiro, 1919-1929. 227 Chamo de textos reflexivos os que não remetem a uma realidade factível imediata e que não têm uma demanda de comprovação apresentada no nível histórico, ficando, portanto, no nível da especulação, seja ela de caráter social, seja de caráter filosófico. Enquadrei de outra forma textos que se referem diretamente à realidade social, como no caso do texto EL Revólver, em que Barrett questiona o fato de todos andarem armados na capital paraguaia, por exemplo. 77

reflexivo; por fim, a Revista do Instituto Paraguayo tem uma publicação de cunho científico, artístico e cultural. Outro dado a ser analisado refere-se ao termo gênio. A obra de Barrett se constitui como uma profusão de elementos que confundem o seu leitor, ao tentar classificá-lo, e ele tem clareza a esse respeito: ―La humanidad es hoy un caos, sí, pero un caos fecundo‖228. Isso ocorre porque, no momento em que ele começa a intensificar sua escrita, os elementos de sua vida europeia ainda são marcantes e bastante recentes, como o ambiente no qual se formou a dita generación del 98, os atentados anarquistas, os efeitos da perspectiva artística, as mudanças tecnológicas, entre outros229. Há que se considerar que a França, no final do XIX, tornou-se o centro mundial da arte e o artista passou a incorporar determinados elementos que o diferenciava das massas230. Esse detalhe pode ser associado à valorização que Barrett dá ao gênio nessa fase inicial. Para ele,

El genio es, para empezar, una virtud individual, incluso habitualmente el individuo genial precisa de la soledad más absoluta para poder escapar al influjo pernicioso de la masa y así desarrollar sus cualidades superiores. Barrett considera que sólo en el aislamiento el hombre se vuelve verdaderamente hombre. […] El individuo genial afirma su genio no sólo al margen de los demás y a pesar de los demás (por eso precisa escapar a la anémica influencia colectiva) sino más aún: en contra de los demás. La originalidad es el rasgo fundamental del genio231.

Esse é um ponto conflituoso. Para Corral, por exemplo, esse gênio é romântico232. Todavia, a produção reflexiva e literária de 1905 possui uma tônica simbolista, valorizando a vagueza, a sinestesia, a arte pela arte; isso permite compreender que Barrett tinha absoluta consciência do que era a estética, não só por seu texto De Estética, mas também por seus rasgos simbolistas, que denotam uma preocupação com os efeitos gerados no espectador. Além disso, existem outros elementos que remetem à percepção do caráter modernista de Barrett, principalmente, quando se considera a sua frequente preocupação com a estética, especificamente com o que os formalistas russos chamaram de desautomatização da arte, ou de estranhamento233, assim como por sua constante valorização do novo e negação do velho: ―Hay que lanzar las ideas nuevas contra las ideas viejas; hay que conspirar contra el pasado,

228 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 635. 229 Sobre o assunto ver: SEVCENKO, Nicolau. A corrida para o século XXI: no looping da montanha-russa. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 14-17. 230 GOMBRICH, E. H. A História da Arte, p. 399. 231 CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 71. 232 CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 70-72. 233 Sobre o assunto ver: TODOROV, Tzvetan et.al. Teoria da Literatura I. Lisboa: Edições 70, [19--]. 78

barrer los fantasmas. […] Estamos en camino. El mal persiste siempre detrás de nosotros como una manada de lobos que aúllan‖234. Essa vinculação de Barrett com as novas correntes não brota do nada. A sua educação refinada, lhe permitiu acesso ao mais consagrado ambiente artístico do fim do século XIX, Paris235, ―[...] a capital artística da Europa no século XIX‖236. A sua percepção sobre o que era o artista e sobre o que era a sua obra, segundo os textos de 1905 e 1906, estava em consonância com as ideias que vigoravam na Europa. Assim, justifica-se o seu apego à individualidade do gênio e a sua obrigação de criar algo original que, corriqueiramente, emerge de seus textos. Acrescente-se que, na Europa, ―pela primeira vez tornou-se verdade que a arte era um veículo perfeito para expressar a individualidade‖237; e Barrett, segundo as características de sua produção, estava ligado a tal concepção – ao menos até 1907, ano em que se nota, de forma mais intensa, uma virada em seu pensamento. Ademais, o elo que une o gênio, o simbolismo e o modernismo pode ser avaliado, a partir de traços apontados por Afrânio Coutinho em sua análise da Literatura Brasileira, na obra, em seis volumes, A Literatura no Brasil. Conforme o estudioso, o Romantismo perpassou escolas como a parnasiana, a realista/naturalista até chegar à fase simbolista ―[...] como uma revanche da subjetividade contra a objetividade, da interiorização contra a exteriorização, do indivíduo contra a sociedade‖238. É importante sublinhar que, em 1906, nota-se a existência de certa linearidade na produção de Barrett, com um leve matiz denunciando a virada de seu pensamento. Os textos publicados nesse ano começam a sugerir um corte com as expectativas construídas sobre uma base republicana e liberal, assim como começam a evidenciar sua aproximação com o anarquismo, ou, no mínimo, com uma perspectiva política de esquerda. Os escritos de janeiro não fogem à regra. Abordam críticas de arte, por exemplo, A propósito de “Ignacia”, em que há a análise de um texto de José Rodríguez-Alcalá; e Dalmau, que trata do concerto desse pianista. Em Tragedias de hoy (texto que irá lhe marcar dois anos mais tarde: 1908), por sua vez, Barrett critica os dois padrinhos de Carlos García, o qual morreu em um duelo. Segundo o escritor, a responsabilidade pela referida morte caberia aos padrinhos e não à habilidade de seu adversário; ―El infeliz García ha perecido no a manos

234 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 625-626. 235 Não há informações clara sobre o local de estudos de Barrett, entretanto, Corral e Muñoz, indicam que ele esteve constantemente em contato com a França (MUÑOZ, V. Rafael Barrett, p. 13); (CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p.4 e 25). 236 GOMBRICH, E. H. A História da Arte, p. 399. 237GOMBRICH, E. H. A História da Arte, p. 398. 238 COUTINHO, A. Literatura no Brasil, p. 315. 79

de su adversario, sino de sus representantes‖239. O problema é que esses padrinhos eram Miguel Guanes e Albino Jara, que, em 1908, perseguiu vivamente a Barrett no Paraguai, o que culmina com o exílio do periodista no Uruguai240. Entrementes, em março de 1906, é possível notar um corte nos textos barrettianos, que permitem perceber a aproximação do autor de Moralidades Actuales de um posicionamento de esquerda. Isso aparece nos textos Glosa 2 e Glosa 3, publicadas no referido mês. A tônica se centra nas críticas ao Estado, assim como nas críticas à desigualdade, defendendo que o que deve guiar a sociedade é a ciência. Vale ressartar que em 1906 foi possível encontrar algumas respostas de Barrett a textos críticos às suas publicações, foi possível perceber três contendas: a primeira, Carta abierta, de janeiro, na qual Barrett responde a Juan Silvano Godoy, um importante intelectual paraguaio, a respeito de uma confusão acerca da nacionalidade de Barrett, que é espanhola, mas possuía ―inscripción en el Consulado [inglês]‖241; a segunda, A propósito de una frase, em abril, em que o autor contesta a posição de Virginio Dias sobre sua Glosa 3; e a terceira, ¡Protesto!, de junho, em que Barrett responde a uma crítica feita a um de seus Diálogos contemporâneos242. O mais interessante nessa conjuntura que avançava no ano de 1906, é que, diferentemente, do ocorrido em 1905, os textos já não seguiam um padrão em relação à sua tipologia – literatura, ensaio reflexivo, ou uma crítica de arte ou social – e ao periódico de veiculação; contudo, passavam a ter um caráter filosófico mais claro. Cabe registra que, quando iniciei as leituras dos textos de Barrett, de forma não sistemática, foi possível notar, em determinados momentos, que os seus textos remetiam ora a uma perspectiva teleológica, como se houvesse a possibilidade de um fim da história; ora a uma percepção de que a sociedade em que ele vivia havia surgido de uma marcha da história, uma marcha permanente, pois à medida que a sociedade vai alcançado seus objetivos, eles devem ser repensados e, novamente, lançados ao futuro243. Todavia, ao classificá-lo como

239 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 521. 240 CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 36. 241 BARRETT, R. Obras Completas II, p. 567. 242 Não foi possível encontrar nenhuma pesquisa que tratasse dos conflitos estabelecidos entre Barrett e outros periodistas no Paraguai ou em outra região da América do Sul ou Europa, a não ser elogios e reproduções de seus textos. 243 Duas citações parecem esclarecer isso, a primeira sobre a marcha da História: ―Así gentes pasadas ignoraron que al hacer la guerra fundaban la paz, que al destruir cimentaban, y que con sangre fecundaban el mundo‖ (BARRETT, R. Obras Completas I, p. 59); e a segunda sobre o: ―(...) lo que propongo es impracticable, y no lo propondría se no lo fuese. Estoy convencido de que es lo inaccesible lo que debe guiarnos. Son las estrellas, ya difuntas acaso, las que guían al hombre sobre el mar. Es el ideal, absurdo si queréis - ¡Qué importa! – lo único que puede guiarnos en la vida‖ (BARRETT, R. Obras Completas II, p. 141). 80

anarquista, essa via parecia improcedente, posto que a perspectiva libertária do anarquismo não possibilita pensar uma sociedade tal como pensou o comunismo – o anarquismo valoriza de modo significativo a individualidade e o seu direito de liberdade, que em um âmbito teleológico seria impossível. Essa característica cambiante de Barrett somente pode ser percebida pela via cronológica. Morán, malgrado escrever muito bem, não dispõe das ferramentas acadêmicas necessárias à pesquisa. Mas, também Corral, um dos principais estudiosos do pensamento barrettiano, não se dedica à análise cronológica, preferindo uma abordagem temática, que, por sua vez, pode tergiversar a produção desse escritor, assim como criar uma homogeneidade de sua obra, ignorando as descontinuidades que perpassaram, por exemplo, sua breve estada na América do Sul. O republicanismo que caracterizava a posição de um Barrett marcado pelos ideais de uma generación del 98 começa a se esfacelar, conforme ele passa a refletir sobre esse novo mundo que o circundava, conquanto, os aspectos de sua formação europeia não o abandonaram. Nesse sentido, é possível construir um via dialética para a intepretação da obra barrettiana, pois Corral atribuiu a produção desse autor à sua vida e formação na Europa, ao passo que Morán, faz o oposto, defendendo que essa obra é fruto do contato com o ―Novo Mundo‖. No percurso desta tese, percebi que, quando Rafael Barrett veio para a América do Sul, seu passado europeu estava muito marcado, vejam-se as próprias influências da generación del 98; entretanto, a análise, ora desenvolvida, deixa claro que Barrett agregou novos valores, em sua nova casa, o que também influenciaram muito sua obra. Se, por um lado, Telegramas era o veículo por meio do qual ele tinha acesso ao que ocorria na Europa; por outro, era sua sólida formação de aristocrata e de boêmio europeu que lhe dava uma base empírica para suas críticas, tanto às que dirigia à Europa, quando às que estavam vinculadas à América. Nessa conjuntura, um fator importante foi o permanente contato com a cultura escrita. Ler Barrett é perceber que, durante o período de sua produção, ele esteve constantemente em contato com as mais variadas leituras. Talvez isso seja o motivo de sua obra ser tão movediça. Os três diálogos contemporâneos, de junho, mostram essa mudança: Dialogo contemporáneo 1 trata da relação entre o rei e o anarquista; Dialogo contemporáneo 2 é uma reflexão incipiente sobre o Estado, no qual há uma disputa entre a esfera da escrita, o intelectual, e a da espada, a coerção estatal; e o Dialogo contemporáneo 3, que discute política e trabalho, além de criticar o nacionalismo que norteia a política paraguaia.

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É interessante notar que os dois momentos em que Barrett é contestado publicamente, à exceção de Carta abierta, referem-se às Glosas e aos Diálogos contemporáneos que, evidentemente, marcam o início do distanciamento de Barrett do grupo que ele integrava, quando entravam triunfantes na cidade de Assunção, em dezembro de 1904244. Esses três textos referem-se ao primeiro semestre de 1906. Já no segundo semestre, apesar de não ser possível afirmar com certeza, devido à escassez de fontes, Barrett parece ter tido contato com obra de autores de esquerda, talvez Marx245, dado o seu texto El progreso, de outubro, um ensaio-conferência que discute a noção de progresso. Nesse texto, com uma bela metáfora, Barrett explica, com sua percepção sobre a marcha da humanidade, que ―la verdad, inofensiva cuando nasce, necesita, como los ríos, vagar mucho por el mundo antes de ser capaz de fecundarlo, embellecerlo o arrasarlo‖246, ou seja, nesse momento, ele tem uma visão evolucionista da realidade humana – primeiro temos que aprender e viver nossas experiências para depois produzir, e que isso é uma verdade tanto para o indivíduo quando para a humanidade. Essa sua visão sobre o progresso ficará mais clara na sequência de sua obra, quando ele já havia assumido seu anarquismo, que está, segundo Woodcock, vinculado a essa visão sobre o progresso/futuro247. Além disso, o contato com informações vindas da Europa, mediante a seção Telegramas, e suas leituras permanentes, colocava Barrett a par do que ocorria em seu continente natal. Se, por um lado, Marx não é uma leitura que pode ser comprovada, mesmo analisando a proximidade em algumas posições, como a da importância dada ao trabalho e a crítica ao sistema capitalista e estatal, o qual atua para a manutenção de seus interesses mediante a exploração do outro248, é evidente que Barrett lia Anatole France que, àquela altura, era um

244 Vale frisar que, segundo Juan Carlos Herken Krauer, no texto Diplomacia británica en el Río de la Plata: el “caso Rafael Barrett” (1908-1910), Barrett apenas cobriu o evento e não participou dele (1983, p. 42). Todavia, não é isso que Morán afirma, e sim que ele ―[...] había colgado momentáneamente la pluma para apoyar el fusil de la revolución, y es lógico que recibiera como ellos los vítores y aclamaciones‖ (MORÁN, G. Asombro y búsqueda de Rafael Barrett, p. 110). Assim como o próprio Barrett apresenta, em uma carta enviada para Herib Campos Cerveira, diretor do jornal La Verdade e revolucionário em 1904: ―Permítame hacer constar que estuve entre ustedes en Villeta como corresponsal de El Tiempo de Buenos Aires. Tomé un fusil; estábamos en guerra, esperando al ataque de un instante a otro.‖ (BARRETT, R. Obras Completas II, p. 649). 245 É certo que conhecia Marx, pois travou um embate com Ritter, em La cuestión social (Evolución del socialismo) sobre o socialismo e citava Marx, o problema é referenciar o momento em que as leituras ocorreram e em que medida elas são responsáveis por essa virada no pensamento barrettiano. 246 BARRETT, R. Obras Completas II, p. 495. 247 Para uma discussão mais profunda sobre a questão de futuro e progresso na obra barrettiana, ver: CORRAL, Francisco. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett: crisis de fin de siglo, juventud del 98 y anarquismo. Madrid: Siglo veintiuno de España, 1994. p. 152-165. 248 É importante observar que George Woodcock, em História das idéias e movimentos anarquistas-v.1, nota que esses elementos (a importância do trabalho, a crítica ao sistema capitalista e a crítica à exploração do outro) são integrantes dos aspectos norteadores do anarquismo. Sobre o assunto, ver: WOODCOCK, George. História das idéias e movimentos anarquistas – v. 1: A Idéia. Porto Alegre: L&PM, 2014, p. 7-37. 82

anarquista; Tolstói, grande influência na sua produção; Clemenceau, referência do periodismo anarquista na França da virada do século XIX para o XX; bem como tinha acesso a veículos de caráter anarquista, como, por exemplo, a revista El Despertar, publicada no correr do ano de 1906 e vinculada à Federación Obrera Regional Paraguaya – FORP. A percepção, ainda em processo, por meio da qual Barrett começou a se distanciar de uma posição republicana, e, consequentemente, do Estado, parece ter sido fruto de um processo de apropriação, por parte de Rafael Barrett, em relação a esse mundo americano e de esquerda com o qual ele estava em contato. Cumpre notar, ainda, que esse distanciamento, paulatinamente, encaminhou suas reflexões para uma abordagem mais severa em direção às questões anticoloniais e anti-imperialistas249. Assim, textos como Alcoholismo, Los comillos de la raza blanca e Lynch são críticas acentuadas aos processos de exploração do outro, daquele que não é branco, e às suas consequências. Há uma cena, no filme em Queimada, de 1969, dirigido por Gillo Pontecorvo, em que Willian Walker, um aventureiro inglês, vê um negro tendo uma atitude corajosa e o procura para tentar ver se ele pode ser o líder de sua ―revolução‖, que pretende tornar a ilha colonial imaginária independente. Para verificar se esse negro, José Dolores, tinha coragem para a empreitada, acusa-o de ter roubado sua mala. José Dolores concorda. Todavia, Walker, sabe que isso não ocorrera, cria a situação apenas para ver se Dolores era suficientemente rebelde para liderar a causa. O interessante é que, mesmo sendo inocente, José concorda com o inglês – o negro é sempre culpado. Barrett percebeu esse tipo de estrutura e, em Lynch, faz uma crítica aos linchamentos de negros nos Estados Unidos. Escreve: ―¿Es culpable? ¡Bah! Es negro. Nació con la culpa estampada en la piel‖250. Para completar essa imagem, um trecho de Los colmillos de la raza blanca:

Nos inculcaron desde la primera infancia la cándida filosofía del más fuerte, de los colmillos más agudos, y no hemos cambiado de libro. Dios era el más fuerte, el que apretaba más; el hombre era su criatura y su criado; nuestra salvación era temerle y servirle considerablemente. […] Humanos que no sois blancos, creed en el misionero y en su frasco de alcohol, en el traficante y en su látigo de

249 Sobre essas características da escrita de Barrett, ver: VARA, Ana María. Sangre que se nos va: naturaliza, literatura y protesta social en América Latina. Colección Universos Americanos, Sevilla: CSIC, 2013; YUNQUE, Álvaro. ―Barrett, su vida y su obra‖. Buenos Aires, AR: Claridad, 1927. Disponível em: http://www.alvaroyunque.com.ar/ensayos/alvaro-yunque-barret-su-vida-su-obra.html acesso em: 13 de setembro de 2016, as 12:02 h; SANCHES, Cristian Joel. ―Rafael Barrett: sobre filósofos y sátrapas‖. Disponível em: http://www.elortiba.org/barrett.html acesso em: 06 de dezembro de 2016, as 05:21 h; BASTOS, Augusto Roa. ―Prólogo‖. In: BARRETT, Rafael. El dolor paraguayo. Prólogo de Augusto Roa Bastos. Asunción, PY: Servilibro, 2011. p. 17-47. 250 BARRETT, R. Obras Completas II, p. 46. 83

negrero, creed en Jesucristo y en Darwin, porque son lo mismo; sacrificad a los ídolos de los blancos, a los crucifijos y a las máquinas; civilizaos251; que os podamos vender vuestro harapos y que podamos ensayar en vuestra carne nuestra última carabina; sudad y creed en nosotros, sed nuestros perros252.

É importante notar a seguinte contradição. Quando pensava sobre o futuro, Rafael Barrett via a humanidade como evolução, de forma que o processo cumulativo de nossa história nos levaria, cada vez mais alto, a uma escala, cada vez mais humana. Todavia, no momento em que trata dos processos anti-imperialistas, passa a se posicionar contra o evolucionismo, defendendo que esse process nos leva à exploração do outro. Por outro lado, se o aspecto teórico de seus argumentos era contraditório, isso não ocorreu em sua proposta, a da humanidade, como ele mesmo salienta, em resposta a Franco em 1908, na qual afirma que desde o seu primeiro artigo publicado no Paraguai, nunca havia publicado algo contra a liberdade de palavra ou contra o pensamento de reorganizar a sociedade que, para Barrett está profundamente corrompida253. No mesmo sentido, nota-se que, no mesmo período, Barrett passa a se aproximar de movimentos coletivistas, como o da La sociedad de Empleados del Comercio254, e começa a lecionar em dois de abril de 1906, na recém criada, Escuela de Comercio, dando aula de aritmética. Há que se pontuar que ―Los dirigentes de la Sociedad Empleados de Comercio, pertenecientes, desde a una capa superior de la clase trabajadora‖ 255. Assim, vale observar que a classe trabalhadora a qual ele se relacionava nesse momento, parece não ser a dos mais pobres, o que nos leva a indagar qual é a pobreza com a qual Barrett se identificava, pois como citado em outro momento, ele disse que por ser pobre passou a amá-los. Portanto, há um conjunto de elementos que foram levando Barrett a se aproximar do anarquismo: a relação com a pobreza, que não lhe era comum; a aproximação com

251 Barrett tinha uma visão bastante clara do discurso civilizatório, de forma que ele se constitui apenas como uma maquiagem para a exploração, com o deixa, em absoluto, claro no texto Marruecos: “Felicitémonos. Una vez más triunfa la civilización. […] Francia ha tenido la buena suerte de que mataran los moros de Marrakech al doctor Mauchamp. En estos casos, la víctima es siempre un sabio, un artista, un valiente explorador, algo, en fin, civilizado en extremo. No caen tales gangas todos los días. No se encuentran al volver la esquina tan bellas ocasiones de que la civilización se vengue y resplandezca. Los exploradores, sabios y misioneros que a guisa de cebo usan las potencias en la pesca colonizadora no suelen perecer con oportunidad. ¡Ay! ¡Qué no daría Inglaterra por el asesinato de un par de doctores ingleses en un rincón de Asia o de África! […] Es claro que en los países civilizados no se asesina a nadie‖ (BARRETT, R. Obras Completas I, p. 83). Para um referencial teórico ver: BHABHA, Homi. O local da cultura. Belo Horizonte: UFMG, 2010; SAÏD, Edward. Orientalismo. Barcelona: Debolsillo, 2008; HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e meditações culturais. Belo Horizonte: UFMS, 2009. 252 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 52. 253 BARRETT, R. Obras Completas II, p. 553. 254 GAONA, F. Introducción a la História gremial y social del Paraguay (tomo I), p. 125. 255 GAONA, F. Introducción a la História gremial y social del Paraguay (tomo I), p. 126. 84

movimentos coletivos, como a La Sociedad de Empleados de Comercio; consequentemente, com pessoas ideologicamente posicionadas, como Rovira e Serrano; as leituras de autores vinculados ao anarquismo e a aproximação de movimentos de esquerda. Compreender os elementos que circundam esse intelectual e como ele se apropria deles, é essencial para entender como isso gerou um impacto na trajetória de Rafael Barrett, bem como na recepção posterior de sua obra. Dentre os pontos apresentados, um chamou a atenção, o relativo à revisa El Despertar, que, em sua edição fac-similar destaca que:

[…] junto a las denuncias de la cuestión social paraguaya, el problema del hambre en Rusia, la explotación de los campesinos de Francia, la lucha por la liberación de Ferrer en Montevideo, todo aquello que concernía a este ambicioso proyecto de nueva cultura y sociedad, que puso en discusión la ética, la organización y el saber de su tiempo. Proyecto que sedujo a Rafael Barrett, quien afirma que fue aquí, en el Paraguay, donde nacieron sus sueños de libertad256.

Entre vinte sete de dezembro de 1906 e vinte um de janeiro de 1907, Barrett publicou De paso, em Los Sucesos. Esse texto é uma narrativa fragmentada, fruto de uma viajem que ele fez a Arroyo y Esteros, no qual trata, poeticamente, de algumas características do Paraguai: paisagem, trabalhos, práticas e crenças. O texto, posteriormente, integra El dolor paraguayo. Em uma das cenas, o narrador observa os trabalhadores do vapor que o transporta:

Bajo a mis pies hay un pequeño infierno, un grupo de condenados, medio desnudos, untados de grasa y de sudor, trabajando en un ambiente que me asfixiaría; son ellos, y no la máquina, los que empujan sin tocarme, los que me dan esta brisa deliciosa y este paisaje que desfila suavemente, y esta sensación de libertad. A proa, acurrucado sobre una cadena que pinzan sus dedos de bronce, veo a uno de los esclavos257. Veo su cabeza redonda, la lana de su cabello africano, los bíceps que remaban en las galeras de los reyes católicos, la nuca corta, pedazo de fuste, propia para el jugo. El esclavo canta, su mirada me descubre, y una impresión de desprecio y de alegría siniestra sube como una oleada de sangre a su rosto coriáceo258.

256 EL DESPERTAR, p. 1. 257 No Paraguai, a escravidão teve fim no mesmo em 1870, quando o país ainda era ocupado pelas tropas aliadas (WHIGHAM, T. Silva Paranhos e as origens de um Paraguai Pós-López, p. 1113). Quando Barrett se referia à escravidão, a noção que utilizava não estava em consonância com o conceito do escravo como propriedade. Para ele, o escravo era o indivíduo explorado, assim como os que trabalhavam no vapor, nos ervais ou nos quebrachales. Conquanto, em termos conceituais, o regime era de servidão, na medida em que esses trabalhados estavam submissos a uma dívida e eram obrigados a trabalhar para pagá-la. Para mais detalhes sobre o regime de servidão, característico desse período, ver: HERRIG, Fábio Luiz de Arruda. ―Selva trágica: imposições e resistências‖. Revista Eletrônica História em Reflexão. v. 4, n. 7, jan,/jun. de 2010, p. 1-26. 258 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 216. 85

1907 foi um ano que, entre os estudados até aqui, é o mais intenso, em termos da escrita barrettiana. Nesse ano, foi possível notar que Barrett rompeu com algumas perspectivas, das quais já vinha, nos anos anteriores, se distanciando – o republicanismo e a democracia. Isso fica claro em textos como De política, escrito em março; e Vaguedades, no qual não não há menção ao mês de publicação. Outro detalhe que salta aos olhos em relação ao que escritor produziu até o final de 1906, refere-se ao seu distanciamento do simbolismo, ainda evidente em De paso, mas que abranda-se bastante no passar de 1907. O distanciamento do republicanismo, que animava seus primeiros escritos na América do Sul, evidencia-se, quando defende que ―Un buen médico, un buen ingeniero, un buen músico, he aquí algo mucho más importante que un buen presidente de la República‖259. Da mesma forma, se distancia da democracia: ―¿Democracia? Un fraccionamiento de la crueldad y de la intriga; eso es todo‖260. Ou ainda: ―Soportemos esta democracia sin color ni forma, amalgama de todas las ruinas y de todos los gérmenes. Resignémonos que nos gobierne el número, después de habernos gobernado el tirano; mañana nos gobernará el talento‖261. Em síntese, em 1907, o que fica claro é que Barrett passa a desacreditar na política como um caminho viável ao bem comum. Ele começa a entender a política, a partir de um corte que a considerava uma prática que atendia apenas aos interesses dos políticos e das elites econômicas, que dialogam com esse grupo: ―La política es el hábito de la corrupción y del abuso del poder‖262. Por isso se distancia-se do republicanismo e da democracia e passa a refletir sobre uma perspectiva para a ação humana, para o sentido da humanidade. Seria possível traçar uma discussão sobre os aspectos da filosofia proposta por ele, mas Corral já fez isso263. Assim, o que interessa aqui é perceber que, na mesma linha de Corral, Barrett, a partir dos primeiros meses de 1907, se identifica com alguns aspectos do anarquismo, ao mesmo tempo em que se distancia da política:

De su republicanismo inicial, en el que incluso llega a militar activamente como secretario de la Liga Republicana de Buenos Aires, Barrett va transitando poco a poco hacia el más retundo desengaño de la acción política, para a cavar finalmente identificándose con un anarquismo explícitamente asumido. En la etapa inicial, su ideología política respondía a un liberalismo avanzado en el que la estructura tradicional del sistema parlamentario proprio de las ‗democracias

259 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 281. 260 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 281. 261 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 380. 262 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 528. 263 CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 59-309. 86

burguesas‘ era calificado muy positivamente. […] Ya a mediados de 1906 aparecen ciertos síntomas de simpatía hacia el anarquismo, visible, sobre todo, en las referencias a conflictos sociales y a ‗la enorme secta internacional cuyos mártires son los anarquistas‘264.

Todavia, malgrado essa simpatia, demonstrada em 1906 em direção ao anarquismo265, na perspectiva de Corral, é em 1907, quando nasce o filho de Barrett, Alex, que tal posicionamento se mostra mais claramente, inclinando-se à militância. Seus ataques são voltados às estruturas de dominação do povo, em especial à Igreja e ao Estado. Mesmo quando critica os grandes capitalistas, reverte a crítica ao Estado, pois sustenta que seria função dele defender as pessoas mais necessitadas. Em Elocuencia, Barrett critica a verborragia da Igreja e do Estado. É interessante pontuar que Corral é muito preciso em sua caracterização de Barrett anarquista, na medida em que oferece uma análise teórica dos elementos que configuram tal posicionamento. Todavia, verifica-se que 1907 é um ano de transição para Barrett, posto que não está clara, em sus textos, a convicção anarquista. Apesar disso, é notável a sua aproximação dessa vertente, como muito bem demonstrado por Corral: ―Tanto el utopismo como el optimismo, junto con la fe en la bondad de la naturaleza humana y la confianza en el poder de ‗La Idea‘, son principios característicos e imprescindibles del anarquismo. Ya que, sin esas utópicas premisas, el equilibrio libertad-igualdad resulta a todas luces inviable‖266. Os elementos apontados estão presentes em Barrett. Da mesma forma, a aproximação com socialismo também está clara: ―El socialismo, definido con esta amplitud [de substituir o governo dos homens pelo governo das coisas], es el ancho vaso de nuestras esperanzas, y aparece tan poético porque es profundamente real‖267. Se Corral pôde aproximar o escritor ao anarquismo, por meio de um estratagema teórico, nesta tese é possível associá-lo ao marxismo, também por meios teóricos. O objetivo de produzir tal aproximação não é forçar um Barrett marxista, mas demostrar a imprecisão de seu posicionamento à época. Por isso, defendo que 1907 é um ano de transição.

264 CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 118. 265 É interessante observar que em 1906, Barrett se aproxima de movimentos de caráter coletivo, como foi o caso de La Sociedad de Empleados de Comercio, que criou La Escuela del Comercio, em 1906, ―Fruto de las inquietudes gremiales de sus fundadores‖ (GAONA, F. Introducción a la História gremial y social del Paraguay (tomo I), p. 126), na qual Barrett lecionou aritmética, assim como aulas e conferência no Instituto Paraguaio (CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 37). Todavia, mesmo tendo dito que por ser pobre, passou a se importar com os pobres, vale considerar que Barrett vem de um mundo aristocrático e que faz uma descida paulatina de classe social. Inicialmente integra uma camada mais alta da sociedade, tanto que conhece Francisca, sua futura esposa, em um dos clubes de maior prestígio de Assunção, o Centro Espanhol, do qual foi secretário (BARRETT, F. L. M. Introducción, p. 3). 266 CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 253. 267 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 528. 87

O que permite associação Rafael Barrett, Karl Marx e Engels são alguns elementos que podem ser encontrados em Manifesto do Partido Comunista. Um deles está no texto em que se diz que ―Um governo moderno é tão somente um comitê que administra os negócios comuns de toda a classe burguesa‖268. Isso vai no mesmo sentido das críticas que Barrett dirige ao Estado, primeiramente, quando defende que o governante, na impossibilidade de governar para todos, governa apenas para si: ―Apenas gobierna [o governante], comprende la imposibilidad de aumentar el bien de los gobernados. Incapaz de hacerlos felices, no le resta 269 más medio de acción que hacerlos sufrir‖ . Em seguida, quando observa problemas de caráter global, a respeito dos quais faz uma crítica voraz, contesta o discurso de civilização que legitima a conquista do outro, e que é fruto de uma condição capitalista de exploração como no caso de Marruecos. Nesse texto o autor exclama ―Felicitémonos. Una vez más triunfa la civilización. […] Francia ha tenido la buena suerte de que mataran los moros de Marrakech al doctor Mauchamp. […] ¡Ay! ¡Qué no daría Inglaterra por el asesinato de un par de doctores ingleses en un rincón de Asia o de África!‖270: A Europa, segundo o sentido expresso no texto de Barrett, é civilizada e deve civilizar o bárbaro asiático, africano, americano ou marroquino271. A civilização, todavia, não é positiva segunto essa perspectiva. É imperialista. Sob o pretexto de ajudar, levando o progresso e a cultura europeia, que se torna modelar durante o século XIX, os países desenvolvidos invadem e matam os povos autóctones. Assim, a morte de Mauchamp, em Marrakech, é o veículo que permite a invasão e exploração do outro. Nesse sentido é que Barrett afirma que:

El más civilizado es el que ha empleado con más éxito su voluntad y su inteligencia en inventar y manejar aparatos de destrucción fratricida, el que supo desde niño, desde que entendió a su madre, cultivar los instintos feroces necesarios a la matanza, u los instintos abyectos necesarios a la ciega disciplina guerrera272.

Ou ainda:

La civilización […] habla con arrogancia, alto, y sobre todo lejos. Los cañones civilizan a dos leguas de alcance. En Casablanca han muerto los marroquíes a centenares. Los infelices, con sus espingardas y sus

268 MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto do partido comunista, p.27. 269 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 289. 270 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 83. 271 Sobre a relação entre civilização e barbárie ver: BHABHA, H. O local da cultura. Belo Horizonte: UFMG, 2010, p. 105-128; e, especificamente sobre a relação entre esses dois termos na obra barrettiana, ver: VARA, Ana María. Sangre que se nos va: naturaliza, literatura y protesta social en América Latina. Colección Universos Americanos, Sevilla: CSIC, 2013, p. 49-159. 272 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 84. 88

malos fusiles viejos, vendidos por la civilización a medida que los fusiles nuevos le permiten herir a mayor distancia, estaba demasiado mal armados para hacer respetar su tierra y sus costumbres273.

Tal como Marx, Rafael Barrett compreendeu as relações estabelecidas entre os grandes capitalistas e o Estado, no sentido de elas atenderem seus próprios interesses. O texto a seguir deixa isso claro:

Los rentistas chicos y grandes, y medianos, que después de tomar el café y el petit verre verifican sobre el mapa los heroísmos que les telegrafió el periódico, piensan lo mismo que los rond de cuir prendidos al interminable artefacto de la burocracia, que detrás del hierro va el oro, y que las hazañas de Casablanca representan negocios que emprender y explotar. La ametralladora abre paso al banquero, y la bayoneta a la segunda tropa de corredores y caballeros de industria ultramarina274.

Cumpre acrescentar que, apesar das associações de Barrett ao anarquismo, ao socialismo, o que pode ser percebidos em seus textos por meio de uma análise mais pontual, é é que, em sua obra, ele não cita nenhum dos teóricos do socialismo ou do anarquismo, em momento anterior a 1908. Marx e Engels são citados, pela primeira vez, em primeiro de junho de 1908 no texto Las conferencias populares y el doctor Franco. Em toda a obra barrettiana, Marx é citado três vezes e Engels, duas. No mesmo sentido, os anarquistas Kropotkin, Proudhon e Bakunin, são citados respectivamente: 3 vezes, a partir de 1908; 2 vezes a partir de 1909; 4 vezes, a partir de 1909275. Se Barrett não leu, ou pelo menos, não citou esses teóricos, antes de 1908, fato é que foi bastante influenciado pelos acontecimentos que se manifestaram na Europa em fins do século XIX276; Além disso, no Paraguai, o escritor tinha acesso às informações sobre o que ocorria na Europa e no mundo. Note-se por La Dinamita, que discute a questão dos atentados na Europa e que abundam na seção Telegramas de El Diario277.

273 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 83. 274 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 84. 275 Este levantamento foi feito com base na edição das Obras Completas, de Barrett, organizada pelo professor Francisco Corral, publicada em 2010, em relação ao ano das primeiras citações; e com base no livro CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett: crisis de fin de siglo, juventud del 98 y anarquismo. Madrid: Siglo veintiuno de España, 1994. p. 347-350. 276 Sobre o assunto ver: ANDERSON, Benedict. Sob três bandeiras: Anarquismo e imaginação anticolonial. Campinas, SP: Unicamp; Fortaleza, CE: Universidade Estadual do Ceará, 2014. 277 Veja-se, por exemplo: España: ―Sepilios; Noticias de Portugal‖; – El Diario, Asunción, PY – sábado – 4 de enero de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción); ―Francia‖: ―Sepilio‖; – El Diario, Asunción, PY – sábado – 4 de enero de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción); Inglaterra: ―Informaciones 89

Barrett também venerava Tolstói, como fica claro em Gorki y Tolstoi, em que há uma reflexão comparativa entre os dois. Para ele ―El altruismo palpita en los dos. Si Tolstoi reparte sus tierras, Gorki, gasta en libros, ropa y toda clase de recursos para los pobres, las enormes rentas que le produce su pluma‖278. Em 1907, não parece tão claro o posicionamento do autor de Moralidades Actuales. É evidente, em contrapartida, que já começava a estabelecer os fundamentos do que se tornaria o seu texto/conferência de 1908, Filosofia del Altruísmo, para o qual a base se estabelece em Jesus Cristo. Esse é o nome mais citado em toda a obra de Barrett. Aparece 38 vezes, seguido do de Anatole France, com 34 menções, Tolstói, 27 vezes, e Nietzsche, 26. Os Evangelhos surgem várias vezes ao longo de sua obra. A importância de Jesus Cristo se destaca em dois textos: La Dinamita e em La Divina Jornada. O primeiro trata de um aspecto comum aos anarquistas dos fins do XIX e início do XX, que se refere à propaganda pelo ato. Ao observar o anarquismo a partir do trabalho de Benedict Anderson, Sob três bandeiras, a impressão é de que o anarquismo foi mais violento do que humanitário ou libertador, por outro lado, é

de ‗the times‘‖ Huelga; – El Diario, Asunción, PY – sábado – 4 de enero de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción); Rusia: ―Huelga en Bakú‖; – El Diario, Asunción, PY – sábado – 4 de enero de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción); España: ―Explosión de bomba‖; – El Diario, Asunción, PY – jueves – 2 de enero de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción); Rusia: ―Condenas; Accidente; Fabrica de bombas‖; – El Diario, Asunción, PY – jueves – 2 de enero de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción); España: ―Acuerdo político‖; – El Diario, Asunción, PY – martes – 7 de enero de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción); Rusia: ―Arresto de revolucionarios‖; – El Diario, Asunción, PY – viernes – 10 de enero de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción); España: ―Conferencia; Meeting de protesta‖; – El Diario, Asunción, PY – viernes – 10 de enero de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción); Rusia: ―Huelga solucionada; Solicitando la extradición; Atentado‖; – El Diario, Asunción, PY – sábado – 11 de enero de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción); España: ―Inmigrantes para Sud América; La situación en Marruecos; Los gremios obreros; Noticias varias‖; – El Diario, Asunción, PY – lunes – 13 de enero de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción); España: ―Investigación de la policía; Proyecto sobre administraciones; Comentarios de los diarios‖; – El Diario, Asunción, PY – martes – 14 de enero de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción); Rusia: ―Complot descubierto; Terroristas arrestados; Lucha con la policía‖; – El Diario, Asunción, PY – miércoles – 15 de enero de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción); España: ―Temporal; Funerales; Alarma en la Coruña; Incendio‖; – El Diario, Asunción, PY – martes – 02de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción); Rusia: ―Terroristas ejecutados‖; – El Diario, Asunción, PY – martes – 02de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción); España: ―Manifestaciones de Lerroux; La ley en contra el terrorismo; embarque de inmigrantes‖; – El Diario, Asunción, PY – miércoles – 03de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción); Rusia: ―Entrevista de soberanos; detención de individuos sospechosos‖; – El Diario, Asunción, PY – miércoles – 10de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción); Francia: ―La fabricación de dinamitas artificiales; Comentarios de ‗Le Matin‘; Otras noticias‖; – El Diario, Asunción, PY – miércoles – 10de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción); Portugal: ―Complot descubierto; Las deudas de la familia real‖; – El Diario, Asunción, PY – miércoles – 10de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción); Italia: ―La huelga agraria; Intervención de las tropas; Aniversario‖; – El Diario, Asunción, PY – sábado – 20de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción); Francia: ―El heridor de Dreyfus; Juez en disponibilidad; Votos de [c]onfianza‖; – El Diario, Asunción, PY – sábado – 20de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción); Italia: ―Las huelgas; Asalto á un diario; otras informaciones‖; – El Diario, Asunción, PY – martes – 23de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción); Italia: ―Movimiento huelguista; En la cámara de diputados‖; – El Diario, Asunción, PY – miércoles – 24de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción). 278 BARRETT, R. Obras Completas II, p. 259. 90

possível notar que, segundo Woodcock, em História das ideias e movimentos anarquistas, o anarquismo foi mais pacífico e, nesse sentido, malgrado terem sido constatados, os atos de violência são a exceção à regra, em relação ao movimento. Barrett parecer não ter isso bem claro. Refletindo sobre isso, Barrett defende que o anarquismo ―no es el crimen, sino el signo del crimen. La sociedad, madre idiota que engendra enfermos para martirizarlos después, crucificará a los anarquistas; hará lo que aquellos Césares cubiertos de sarna: se bañara en sangre‖279. A crucificação e os Césares é uma clara referência a Cristo280. Para Barrett, a modernidade é a era de Cristo, a era do amor, da compaixão. La Divina Jornada trata do deslocamento do Deus do antigo testamento, Javé, para o céu mais distante que há. Não há mais espaço para a violência, não há mais espaço para a exploração, para a desigualdade. Esse texto, de caráter literário, é uma metáfora da história do mundo. Barrett passa a perceber o mundo como evolução, um espaço onde o mal funda o bem. O reino de Jehováh terminou e o de Cristo se iniciará:

Jesús: - Contentémonos con éste [mundo]. Es muy malo, pero cada vez menos malo. Le tengo cariño desde que descendí a él y en el sucumbí281. Tu ignoras los dolores humanos; yo no. Por eso no vacilas en castigas, ni en perdonar vacilo yo. Por eso tu reino concluye y el mío empieza282.

Assim, o que fica expresso é que, malgrado se opor à instituição religiosa283, Barrett era um cristão assíduo e acreditava que o mundo podia melhorar, ou melhor, evoluir: ―Los evangelios son mi libro de cabecera, y te recomiendo que también lo sean tuyos. Leyendo las parábolas de Jesús en su forma primitiva apreciarás lo lejos que está del cristianismo original la Iglesia católica de hoy‖284. Corral aponta na mesma direção: ―Considera Barrett que Jesucristo tenía ‗ideas anarquistas‘‖285. Nesse sentido é que escreve um texto muito eloquente, que agrega valores sobre a sua percepção do sentido da história, em La Conquista de Inglaterra. A seguir um fragmento:

279 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 65. 280 No mesmo texto, Barrett ainda defende: ―Los apóstolos de hace veinte siglos eran anarquistas a su modo‖ (BARRETT, R. Obras Completas I, p. 64). 281 É interessante lembrar que Barrett, em outro momento, estabelece uma sentença semelhante, a de que ama os pobres, desde que se tornou um. Assim, é possível considerar que ele se considera igual a Cristo e que deve ensina pelo exemplo, o que para Woodcock é uma das características do anarquismo tolstoiano (WOODCOCK, G. História das idéias anarquistas – A ideia, p. 251). 282 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 96. 283 Observe-se, por exemplo: Elocuencia; El Virus Político; De Política; Represalias Evangélicas. 284 BARRETT, R. Cartas Íntimas, p. 46. 285 CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 352 91

[...] gentes pasadas ignoraron que al hacer la guerra fundaban la paz, que al destruir cimentaban, y con sangre fecundaban el mundo. Así ahora, ante el hecho universal de la disolución de las fronteras por obra de las grandes compañías de comunicaciones y transportes, podríamos concluir que no se trata sino de ganar dinero, cuando en el fondo se trata del advenimiento enorme de la solidaridad humana286.

A perspectiva expressa no texto pode ser associada ao caráter destrutivo das proposições de Bakunin, que acreditava que era preciso destruir para construir. Essa característica se torna compreensível quando Woodcock explica que:

O anarquista é capaz de aceitar a destruição, mas apenas como parte do mesmo eterno processo que produz a morte e renova a vida no mundo da natureza, apenas porque acredita na capacidade do homem livre para construir outra vez melhor sobre os escombros do passado destruído287.

Outro dado importante para destacar se refere à atenção que Barrett destina à educação, como o veículo ideal para a construção dessa dita ―solidariedade humana‖. Essa preocupação com a educação não é aleatória. Como afirma Silvio Gallo:

Os anarquistas sempre deram muita importância à questão da educação ao tratar do problema da transformação social: não apenas à educação dita formal, aquela oferecida nas escolas, mas também àquela dita informal, realizada pelo conjunto social e daí sua ação cultural através do teatro, da imprensa, seus esforços de alfabetização e educação dos trabalhadores, seja através dos sindicatos seja através das associações operárias288.

Notar-se-á na próxima seção que a atenção que Barrett dispensa à educação se consubstancia em um primeiro passo rumo à sua autodefinição como anarquista289. A ação cultural barrettiana já se expressava em jornais, por meio de textos de cunho literário, crítico e reflexivos, mas o que concretiza a sua preocupação de Barrett com essa perspectiva, expressa

286 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 59. 287 WOODCOCK, G. História das idéias anarquistas – A ideia, p. 13. 288 GALLO, S. Pedagogia Libertária, p. 22. 289 Se por um lado Barrett se associava, no ano de 1907, a ―una capa superior de la clase trabajadora‖, como afirmou Gaona, por conta de sua vinculação com a Escuela del Comercio, logo ele abdica dessa posição e se aproxima mais dos trabalhadores em 1908. Sua experiência como professor não parece ter lhe agradado muita coisa, pois foi possível notar que ele não era favorável à proposta da escola, já que publicou Exámenes, novembro de 1906; e Inmoralidad de los exámenes, um ano depois; esses textos criticam os métodos de avaliação das escolas. Vale notar que, em 1906, Barrett não pode aplicar o exame de Aritmética Comercial por conta de uma enfermidade no período (GAONA, F. Introducción a la História gremial y social del Paraguay (tomo I), p.127), nesse caso não foi possível apurar se, efetivamente, foi um problema de saúde ou sua posição contrária aos exames que lhe impediram de aplicá-los. 92

por Gallo, é a vinculação do autor com os movimentos dos trabalhadores. Em 1908, há a defesa dos direitos dos trabalhadores dos ervais, marcada principalmente pela publicação de Lo que son los yerbales, mas também por três conferências proferidas por Barrett no referido ano, além de um protesto contra as condições de trabalho nos ervais. A título de exemplo cito a publicação de El Diário, em junho de 1908290:

Conferencias de ayer […] Hablaron los señores Barrett, Ibáñez, Jiménez Espinosa, Berttoto, León, Brugada, Serrano, Piñerpua y Lavagnino. […] La próxima, que se verificará el domingo 28, versará sobre la situación de los peones [ilegível] los yerbales, asunto de que hoy empieza á ocuparse en nuestras columnas el señor Barrett291

Se, por um lado, Barrett se associava, no ano de 1907, a ―una capa superior de la clase trabajadora‖, como afirmou Gaona, por conta de sua vinculação com a Escuela del Comercio, por outro, logo ele abdica dessa posição e se aproxima mais dos trabalhadores em 1908. Sua experiência como professor não parece ter lhe agradado muita coisa, pois foi possível notar que ele não era favorável à proposta da escola, já que publicou Exámenes, em novembro de 1906; e Inmoralidad de los exámenes, um ano depois; esses textos criticam os métodos de avaliação das escolas. Vale notar que, em 1906, Barrett não pôde aplicar o exâme de Aritmética Comercial por conta de uma enfermidade no período292, nesse caso não foi possível apurar se, efetivamente, foi um problema de saúde ou sua posição contrária aos exâmes que lhe impediram de aplicá-los. Finalmente, dois textos parecem ser imprescindíveis: Cartas Inocentes, enumeradas de um a nove, escritas em Laguna Porã, em junho de 1907. Algumas dessas cartas possuem as datas e o periódico, ao passo que outras não os informam, assim como o veículo no qual foram comunicadas, como indicado na edição de 2010 de Francisco Corral; e Alberico, escrito entre junho e julho, do referido ano, e publicado em setembro, em El Diario. Esses dois escritos são importantes porque condensam algumas das reflexões que se espraiam pelos artigos menores, de 1907. É importante considerar que a forma da escrita muda nesses dois textos, porque são textos mais extensos, portanto, detalham mais o pensamento do autor.

290 É possível citar também: ―El meeting del domingo‖; – El Diario, Asunción, PY – viernes – 26 de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción); CASATI, Alfredo. ―Publicación perdida: señor director de El Diario‖; – El Diario, Asunción, PY – sábado – 27 de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción); - BARRETT, Rafael. ―Teatro y el meeting‖; – El Diario, Asunción, PY – lunes – 29 de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción). 291 ―Las conferencias de ayer‖; El Diario, Asunción, PY – lunes – 15 de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción). 292 GAONA, F. Introducción a la História gremial y social del Paraguay (tomo I), p.127. 93

Cartas Inocentes, malgrado sua divisão em nove textos, agrega um valor unitário. Constitui-se como uma proposta na qual Barrett faz uma análise da sociedade, por meio de textos metafóricos, com alta dose de ironia, e reflexões que, por vezes, tocam o âmbito filosófico e crítico. Em termos gerais, o que fica evidente, para Barrett, é a percepção de que a proposta democrática, liberal, se constitui como uma quimera, por intermédio da qual os operários, os campesinos, os mendigos, e toda a gama de pessoas que não integram a esfera política ou a do grande capital, são explorados. Nesse sentido, a lei é o veículo que legitima a exploração:

Para las seseras democráticas hay una fe, que es la codicia legal, y un Dios, que [es] el progreso, un Dios muy práctico, muy yanqui, que adjudica la felicidad al resoplido de las fábricas. Hay que ser feliz a la fuerza. Hay que andar en tropel, hay que dar aceite a las máquinas, y admirar los resultados de la avaricia metódica293.

Ou seja, o operário tem que ser feliz, porque existe um discurso no qual se profere que a ação do operário é o elemento que movimenta a máquina do progresso; por isso ele deve ser feliz. O Estado democrático legitima essa exploração. Ironicamente, Barrett afirma:

Existe quien sufre la inquisición de la miseria y se niega a convertirse. Existe quien se aviene a una mandioca y dos naranjas, y no quiere ser lacayo. Debería votarse una ley que obligara a esos insensatos a fomentar el progreso. No bastan los harapos; es necesaria la cárcel. Tranquilicémonos: la ley está en vigor; es la ley contra los vagabundos294.

A ironia que perpassa o texto se torna evidente quando se nota que, para Barrett, o periodismo é a única instrução popular295 e, provavelmente, daí venha a importância dada, em 1907, à educação. Sendo assim, os seus escritos destinados às massas, aos operários, aos campesinos, em termos gerais, à população pobre do Paraguai, agregam o valor da ironia, na medida em que se destinam a esse público. Apesar de tratar de política internacional, na Espanha, em Portugal e na Irlanda, por exemplo, ou de literatura, de filosofia, o que marca as Cartas Inocentes em torno das desigualdades sociais, da exploração dos menos favorecidos296, da sacralização da

293 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 716. 294 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 716. 295 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 722. 296 Nesse ponto, é interessante observar que Barrett faz uma análise de caráter teórico sobre o trabalho: ―Hay un trabajo que eleva, y uno que rebaja. Hay un trabajo que alegra y otro que entristece. Trabajar por hambre es horrible, y horrible trabajar por concupiscencia‖ (BARRETT, R. Obras Completas I, p. 717). Esse 94

propriedade. Se, em essência, os nove textos que integram as Cartas Inocentes se tocam em temas, por outro lado, há certa autonomia, certa individualidade que permite a configuração de uma identidade textual própria. Isso não ocorre com Alberico, pois ele goza de uma linearidade narrativa que não pode ser identificada em Carta Inocentes. Alberico é um texto literário, mas condensa a visão barrettiana de sua pretensa realidade. Alberico é um homem, de cerca de vinte centímetros, personagem que Barrett (o protagonista da história) encontra e com o qual inicia uma conversar. Alberico vem de uma sociedade muito mais evoluída que a sociedade do protagonísta. A narrativa tem por objetivo evidenciar o paradoxo entre o grande e o pequeno. O texto é uma metáfora. A grandeza de Barrett/personagem se expressa na grandeza da civilização, principalmente no progresso técnico; contudo, quanto às relações humanas, essa grandesa se mostra ínfima. Alberico é o oposto. Possui, em média, vinte centímetros, em termos físicos; em relação ao gesto de humanidade, tem tamanho incomensurável: ―Yo no tomé al viejecito por una caricatura de la humanidad, sino por la humanidad misma. Y su actitud me pareció tan grandiosa y patética como si la hubiera contemplado en la estatua de un Dios‖297. Barrett se espanta com a profundidade do conhecimento do pequeno homenzinho: ―Pocas secciones le bastarán a él para enterarse de nuestra pobre civilización, mientras yo no conseguiré nunca apreciar la profunda y complicada vida de mi amigo y de sus congéneres [os a-imdlis]‖298. O paradoxo do texto, enunciado acima, se evidencia na fala de Alberico:

[...] En una época remotísima cuando los a-imdlis eran unos salvajes, tenían máquinas e industrias. Llegaron a dominar el globo y a transportarse a los planetas más extraños, que no fue posible tender un puente hasta sus almas, y los a-imdlis, penetrados de nostalgia y desesperación, tornaron a su patria. Fueron necesarios colosales lapsos para que descubrieran que las máquinas los disminuían, invistiéndolos de un poder falso; descubrieron al fin que sólo conquistaban lo que era inferior e ellos mismos, y que urgía restablecer las energías interiores, únicas esenciales299.

Desse modo, Alberico expõe a essência dos anseios barrettiano até o ano de 1907. Esse ano é fundamental na obra desse autor, porque expressa um momento de transição no qual o posicionamento se insere na esteira que considera o trabalho como gerar recursos para quem o exerça. Barrett, não cita Marx, até 1907, como já mencionado, todavia, parece ter uma boa noção do princípio da mais valia. 297 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 381. 298 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 383. 299 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 383. 95

aspecto teórico, muito presente até então em seus textos, passa a dialogar com uma esfera prática, que se consubstanciará a partir de 1908. Torna-se é muito claro que Barrett tem uma visão muito consistente em torno das relações entre o trabalho e o capitalismo, segundo expresso nos textos de 1907; todavia, ela se limita ao campo reflexivo. Segundo Corral,

[...] las afirmaciones de Barrett en este tema nunca llegaron a ser suficientemente categóricas como para definir una postura clara durante el periodo inicial. Parecería más bien que quiere dejar las perspectivas de una opción abierta en la que sólo cabe el análisis y la observación del problema300.

Conquanto Corral atente para o aspecto teórico da produção barrettiana, estabelecida como período inicial; defendo que os textos denotam uma ampliação das perspectivas de Barrett na direção de atitudes que não se restrinjem, especificamente, ao campo da escrita, mas que se desbordam em ações concretas. Um dos motivos para eu discordar de Corral, além do que se expressa por meio dos textos, relaciona-se ao que foi demonstrado, pelo referido autor301, em sua edição das Obras Completas, de Rafael Barrett: que, no final de 1907, o escritor inicia uma série de conferências para Unión Obrera, do Paraguai, o que, em 1908, torna-se mais frequente. Assim, no próximo tópico, analiso a consubstanciação do anarquismo em Rafael Barrett, sem a pretensão aprofundar, visto que os capítulos três e quatro darão conta da fase anarquista de Rafael Barrett, a partir dos dois livros organizados por ele, antes de sua morte: Moralidade Actuales e El dolor parguayo.

2.2 Os primeiros passos como anarquista - 1908

Este tópico não destoa, de modo significativo, do primeiro. A princípio, o objetivo era escrever um único capítulo que tratasse da obra completa de Barrett, pensando em uma estrutura linear. Todavia, a construção de um caminho metodológico que isolou cronologicamente os textos e seguiu um roteiro preciso de leitura, fez com que as descontinuidades da escrita barrettiana começassem a se impor; assim, a necessidade de tal divisão se mostrou plausível. Nesse sentido, o ano de 1908 marcou uma cisão na escrita de Barrett, não apenas porque ele se assumiu abertamente como anarquista, mas também porque as vicissitudes

300 CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 83. 301 CORRAL, F. Cronología, p. 700. 96

políticas do Paraguai, nesse ano, influíram de forma intensa em sua produção. Esse foi o ano em que Albino Jara assumiu o governo paraguaio e impôs um regime autoritário, sob o qual Barrett insuflou suas críticas. O primeiro grande golpe de Barrett foi Lo que son los yerbales, uma série de seis textos, publicados entre quinze e vinte sete de junho de 1908, em El Diario, em que ele denunciou a exploração dos trabalhadores nos ervais da fronteira entre o Brasil e o Paraguai, mais especificamente na Industrial Paraguaia e na Cia. Matte Larageira302, no Brasil. Essa publicação lhe rendeu o rompimento com o referido periódico, como já comentado no capítulo anterior, além da ira da elite Paraguaia, vinculada a esse mercado e defensora de seus interesses303, como José Irala, Juan Gaona e Juan Leopardi. O segundo golpe barrettiano se refere à revista Germinal, da qual tratei no primeiro capítulo. Essa revista surgiu em decorrência do rompimento de Barrett com o periódico El Diario. Sem meio de publicar seus textos, criou juntamente com José Guillermo Bertotto a referida revista, que continuava a expressar a indignação de Barrett e de outros escritores, frente às práticas do governo e dos grandes proprietários do Paraguai. Barrett ficou muito marcado por Lo que son los yerbales, El dolor paraguayo e Moralidades Actuales. No entanto, é capital, para a compreensão de sua obra, que se tenha em mente que a produção Barrettiana não se resume somente a esses textos. Assim, não abordarei as especificidades desses textos nesta seção, já que o primeiro é bem conhecido e os outros dois serão objeto dos próximos capítulos, mas, sim, textos marginais. Assim, seguindo a mesma linha que norteou a escrita deste trabalho, até aqui, serão destacadas algumas especificidades do pensamento de Barrett, em 1908, que não refletem apenas o conteúdo de sua destacada produção. O foco recairá sobre o que, até agora, foi marginal em sua obra. No fim do tópico anterior, defendi que 1907 foi um ano de transição entre uma esfera teórica e uma prática. O terceiro texto que Rafael Barrett publicou, em janeiro de 1908 expressa muito bem isso. La torre de marfim sinaliza para aspectos negativos presentes em escritores que adotam essa torre – ela marca um afastamento do mundo social. Nesse ponto, o autor de Lo que son los yerbales, dá uma virada em seu pensamento.

302 A primeira era a maior empresa no Paraguai, a segunda, a maior no Brasil. Sobre a Cia. Matte Larageira vale ressaltar que ela passou por vários nomes desde a sua criação. Sobre isso ver: QUEIROZ, Paulo Roberto Cimó. “A companhia mate laranjeira, 1891-1902: contribuição à história da empresa concessionária dos ervais do antigo sul de mato grosso‖. Revista Territórios & Fronteiras, Cuiabá, vol. 8, n. 1, jan.-jun, 2015. p. 209. 303 Isso pode ser notado em: BARRETT, Rafael. ―Teatro y el meeting‖; El Diario, Asunción, PY – lunes – 29 de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción); CASATI, Alfredo. ―Publicación perdida: señor director de El Diario‖; El Diario, Asunción, PY – sábado – 27 de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción); - N. B. ―La cuestión yerbales‖; El Diario, Asunción, PY – lunes – 29 de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción). 97

Se, em 1905 e 1906, ele valorizava a individualidade, o afastamento, como elementos próprios da liberdade, em 1908, Barrett percebe que a obra não deveria ser produzida separadamente da sociedade, em uma torre, mas na própria sociedade. O gênio, por essa perspectiva, não é o indivíduo que se isola do mundo para produzir, porém, o indivíduo que parte de uma filosofia altruísta, uma obra que leva o próximo em consideração. Igualmente, o resultado dessa produção de uma vida não se destina à exaltação de um eu individualista, que deve ser invejado e respeitado, mas sim ao próximo. Assim, quem está ao meu lado é mais importante que eu mesmo. Em uma metáfora sobre a produção, Barrett indaga ―¿de que servirá lanzar al cielo vuestra simiente, se no cae a tierra? Solo la humilde tierra es fecunda‖ e continua ―¿Qué valen vuestros sueños, si no los comunicáis?‖304. A escrita passa a ser percebida como um espaço de ação, como um campo de batalha no qual o verdadeiro escritor, o pobre305, atua. Ao final do texto, Barrett conclama os escritores verdadeiros – pobres – a escreverem sua obra: ―Abrid la mano del todo, ¡oh sembradores! Que no quede en ella un solo germen‖306. Portanto, La torre de marfim evidencia que, efetivamente, Barrett muda sua visão. Não basta mais o isolamento e o intelecto, é necessária a ação307. No texto Zola, isso também fica claro. Malgrado ter muito apreço por esse escritor, Barrett aponta um único defeito na vida dele: não ter sido pobre. ―Sí. Zola fue un valiente, aunque le faltó el valor supremo, el que le hubiera hecho casi divino: el valor de ser pobre‖308. O que esse texto nos mostra é que Barrett passa a perceber não apenas a ação efetiva, por exemplo, ajudar os feridos no dia dois de junho de 1908, quando Albino Jara depôs Benigno Ferreira309, mas a escrita, também, como ação. Da mesma forma que ele percebe a escrita de

304 BARRETT, R. Obras Completas II, p. 265. 305 No texto Zola, Barrett diz que a única coisa que faltou a Zola foi ser pobre, em La torre de marfin, tratando de alguns escritores que assumem a torre de marfim como uma prática legítima, diz: ―Eligieron ser ricos. Demostraron que no merecen ser escritores‖ (BARRETT, R. Obras Completas II, p. 265). 306 BARRETT, R. Obras Completas II, p. 267. 307 Woodcock observa que Proudhon não se considerava anarquista, malgrado ter sido o primeiro a utilizar o termo para expressar o sentido ácrata e não o sentido de violência, até então atribuído a ele, mas tinha uma grande estima por sua reclusão social e pela contradição, não demonstrando interesse em desenvolver alguma espécie de organização, que foi levada a cabo, na Primeira Internacional, por seus discípulos, principalmente Bakunin, que se considerava um anarquista, cujos dotes teóricos não eram muito precisos, optando pela ação. Para finalizar, vale citar Kropotkin, que também está mais próximo do campo teórico do que do prático, mas que agrega uma significativa importância no movimento anarquista por sua postura humanitária e não violenta. A influência desses autores pode ser sentida nos textos, mesmo que eles não sejam citados e o que fica muito claro é que Barrett transita entre a teoria e a ação, entre o amar (Cristo) e a violência (a dinamite), essa contradição será mais bem detalhada no último capítulo. 308 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 91. 309 Francisca López Maíz Barrett relatou que seu esposo saiu às ruas nesse dia para socorrer as vítimas do golpe, que chegou a cerca de 150 mortos e 300 feridos (KRAUER, J. C. H. Diplomacia británica en el Río de la Plata, p. 51). Segundo ela, Albino Jara ―[…] no hizo más que sonreír cuando Rafael entro en su cuartel escalando un muro —ya que no le franqueaban la entrada— en pleno combate del 2 de julio para retirar a los numerosos 98

Zola, percebe também a sua: ―La palabra de Zola no se discute, porque aplasta. No es un razonamiento ni una caricia; es un proyectil‖310. Isso não destoa do que foi apresentado na introdução da tese, acerca do papel de Zola, na configuração do intelectual como um indivíduo ativo. Essa noção se estabeleceu a partir do que Claudia Wasserman chamou de ―Manifesto dos Intelectuais‖, referência ao J‟accuse, de Zola, publicado em treze de janeiro de 1898, a partir do que:

[...] a palavra intelectual foi utilizada não apenas para designar a condição profissional do sujeito ou ao fato de ele dedicar-se a atividades não manuais, mas, sobretudo, passou a referir-se a alguém que, dedicado a atividades assim consideradas, assume uma posição política ou ideológica e intervém nos assuntos públicos311.

Partindo dessa perspectiva, é, portanto, compreensível, o porquê, no dia do levante de Albino Jara, Rafael Barrett e Guillermo Bertotto saíram às ruas para socorrer os feridos, como indicou sua esposa em Cartas Íntimas:

Cuando Rafael con Bertotto fueron los únicos que recogían heridos bajo el fuego homicida desde los "cantones" de la ciudad —en la gran pelea del 2 de julio— nuestra casa fue asaltada a tiros por un grupo de bandidos que "olían a yerba". Mientras mi esposo mantenía en jaque a los atracadores, con mi hijito pasamos por una altíssima muralla a la casa de un vecino, desde donde comuniqué la desesperada situación. Una patrulla acudió y liquidó a la banda de asesinos. Fue una lástima, no sobró uno para declarar. . .312.

É compreensível, ainda, a carta, com teor bastante desafiador, enviada por Rafael Barrett ao Superior Tribunal de Justiça por ter prendido um civil injustamente, Jaime Peña Gálves:

La detención no obedece a ninguna de las causales del art. 658 del Código de Procedimientos Penales. La ilegalidad es pues manifiesta. Debo hacer constar que entablo este recurso sin confiar en los heridos que se estaban gangrenando, tratándolo ahí mismo de asesino. Lo dejó hacer, limitándose a observar que era una locura exponerse así. […] En los cuatro días que duró, aquella cruel matanza, Rafael salvó muchas vidas exponiendo mil veces la suya. Organizó la Cruz Roja, mejor dicho, él era la Cruz Roja; los curas no aparecieron por ninguna parte. El fue el cristiano y el valiente, enfermo y descalzo — se había sacado los zapatos para que yo no lo sintiera al "escaparse" a defender al prójimo... "Perdona lo que te he hecho sufrir, menuda; si vieras esos pobres soldaditos, muertos o gravemente heridos; pensaba en mi hijo..., y lloraba". Así me habló besando mis manos, después de dos días de no saber de él. Es muy justo recordarlo a Bertotto, que no lo abandonó a Barrett un solo momento. ¿Cuántos paraguayos le deberán la vida?‖ (BARRETT, F. L. M. Introducción, p. 4). 310 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 91. 311 WASSERMAN, C. História Intelectual, p. 68. 312 BARRETT, F. L. M. Introducción, p. 4. 99

sentimientos de justicia de V.E. En efecto, V.E. se la negó al detenido Benítez, preso a bordo del barco que le traía a la patria. Se acusa a Benítez de anarquista y se le envió a Bahía Negra, bajo pretexto de reclutamiento, sin que hasta ahora, con gran escándalo público, pueda saberse qué ha sido de él. Corren sobre Peña iguales rumores de anarquismo, y temo que le ocurra lo que al desgraciado Benítez. La poca equidad de V.E., dentro y fuera de las leyes, es innegable, pues si al encarcelar a Benítez y a Peña por anarquistas se cumple una ley especial de V.E. contraria a la Constitución, ¿por qué no se me encarcela a mí? Y si se falta a la ley con ellos, ¿por qué no se falta conmigo? V.E. no administra equitativamente ni la justicia misma313.

A consequência de sua ação foi a prisão domiciliar:

El Superior Tribunal me ha condenado a veinte días de arresto. Se conoce –!ay!– que tengo demasiados amigos. Es amistad, es lástima porque estoy enfermo, es consideración al periodista, es tacita censura a un fallo antipático? No lo sé. Lo que sé es que si yo fuera desconocido y miserable no estaría en mi casa; estaría en la cárcel314.

Fica claro que o pensamento barrettiano consolidava-se, a partir de alguns aspectos nos quais a ação era uma parte integrante, fosse considerando a escrita como um veículo, como um proyectil; fosse efetivamente como atitude para socorrer os feridos do levante de dois de junho de 1908 ou, defender pessoas que não tinham ninguém por eles, como um eco ao j‟accuse, de Zola. Pelo observado, isso tem relação com a aproximação de Barrett com o movimento dos trabalhadores paraguaios, pois essa mudança é conteporânea as suas primeiras conferências para a Unión obrera, do Paraguai315. Assim, passou a ter um contato mais próximo com os trabalhadores. Além disso, é importante considerar que, em 1908, ele já se considerava anarquista. Portanto, o posicionamento ideológico de esquerda, conjuntamente com a aproximação da classe trabalhadora possibilitaram a Barrett atuar como líder, juntamente com Guillermo Bertotto. Essa mudança influenciou alguns dos conceitos já tratados por Barrett. Entre eles, o que parece ter sido mais afetado foi o relacionado a gênio. Se anteriormente, gênio significava único, específico, iconoclasta, inovador; mais tarde, em 1908, assume o sentido de

313 BARRETT, R. Obras Completas II, p. 646-647. 314 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 278. 315 Para uma leitura mais detalhadas da história sindicalista do Paraguai, ver: GAONA, Francisco. Introducción a la Historia gremial y social del Paraguay. Tomo I. Colección Novapolis. Asunción, PY: Germinal; Arandurã, 2007; GAONA, Francisco. Introducción a la Historia gremial y social del Paraguay. Tomo II. Colección Novapolis. Asunción, PY: Germinal; Arandurã, 2008. 100

coletividade, ou seja, Barrett passa a considerar que todos são gênios316, isso porque percebe que a massa tem poder e pode mudar o rumo da história. Alguns textos dele demonstram muito bem essa virada, como El vulgo y el genio, Filosofía del Altruismo, El Altruismo y la energía, A propósito de Napoleón, Última napolinaria, para ficar nesses. Corral foi ao primeiro a avaliar a mudança conceitual experimentada por Barrett em relação ao gênio:

En el tratamiento inicial, el enfrentamiento y la incompatibilidad entre ambos era absoluto. Como vimos, Barrett consideraba al individuo genial como lo exactamente contrapuesto a la masa, y ésta como una generalidad amorfa, poco menos que bestializada e infrahumana. […] De estos conceptos, Barrett va evolucionando en el sentido de mitigar esa contraposición tan cerrada y categórica. En primer término, admite que la masa puede también tener potencialidades espirituales, adormecidas, eso sí, por las condiciones sociales y la nociva influencia de una educación nefasta317.

Uma das evidências desse giro barrettiano em direção à percepção do gênio como uma figura geral é visualizada quando ele adjetiva o gênio, defendendo que existem os bons e os maus. Napoleão é o exemplo do mau gênio: ―[…] el egoísmo hecho genio, no sirve más que para excitar otros egoísmos‖318. E Barrett complementa a seguir: ―[…] hay que tener el valor de resistir a la belleza; hay que tener el valor de desnudar a los más altos ídolos, y de confesar que también hay genios depreciables, y débiles colosos‖319. Quanto aos bons gênios, eles se aproximam, segundo Barrett, das massas. Sobre isso, vale destacar que a percepção do autor acerca do poder das greves dos trabalhadores, nas várias partes do mundo. As notícias a respeito das greves chagavam periodicamente por meio dos telegramas, publicados nos jornais de Assunção. Talvez esteja aí um dos prováveis motivos que levaram Barrett a mudar de posicionamento a respeito do termo gênio. Acrescenta-se, então, ao seu anarquismo e à sua aproximação com as classes trabalhadoras, as fortes evidências do poder das massas através de sua mobilização. Não é de se estranhar que Barrett tenha professado três conferências, em 1908, aos trabalhadores, no sentido de orientá- los a se mobilizarem, a contestarem, não só o governo, o Estado, mas também os capitalistas; para ele, quem governa não são os políticos, mas os grandes capitalistas: ―[...] lo político es

316 ―Todos somos genios; sólo el genio es‖ (BARRETT, R. Obras Completas II, p. 529). 317 CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p.108. 318 BARRETT, R. Obras Completas II, p. 781. 319 BARRETT, R. Obras Completas II, p. 781. 101

secundario. No son los políticos los que gobiernan, sino los capitalistas. Los ministros están a las órdenes de los usureros‖320. Conforme Rafael Barrett, as massas são compostas por gênios e eles, por sua vez, não podem se comparar a Napoleão, mas devem assumir o que Barrett propôs como a filosofia do altruísmo. Se por um lado, fica claro o posicionamento anarquista de Barrett em El Zorzal, La Sirvienta e El Estado y la sombra, por exemplo; por outro, expressa sua posição filosófica, de forma clara, na sequência de textos publicada em julho de 1908; em uma ordenação cronológica, são eles os seguinte El Altruismo y la energía, A propósito de Napoleón, Última napolinaria e Filosofía del Altruismo. No que diz respeito a El Zorzal321 é uma metáfora construída em um diálogo fictício entre Don Tomás, que, como médico, representa a ciência, o positivismo; e Don Ángel, que representa o novo, a liberdade, o anarquismo. Nesse sentido, refletindo justamente sobre a liberdade, esse texto trata de um pássaro de estimação da filha de Dom Tomás, Adela. O pássaro é o mote da conversa entre os dois personagens. O texto apresenta uma moral ligada à educação informal. Assim, apresenta aspectos de disseminação da perspectiva anarquista. No início do texto, em resposta à inquirição de Dom Tomás sobre a liberdade como remédio social, Dom Ángel diz:

[...] La libertad para todos, hasta para los delincuentes. Defienda cada cual su vida, pero no juzgue, no castigue. ¿Por qué hay ladrones? Porque hubo desposeídos. ¿Por qué hay criminales? Porque hubo tormento. Suprimid los jueces, los espías y los verdugos y habréis suprimido el delito. Perdonad, curad322. Abrid las cárceles, abrid los brazos. Si Queréis convertir el mal en bien, dejadle libre323.

Observa-se que Barrett, em geral, não trata o anarquismo diretamente, mas o expõe por meio do fluir das ideias de seu texto. Existem dois pontos que podem ser evidenciados nessa citação e que são muito importantes para se compreender o desenvolvimento de seu pensamento. O primeiro aspecto relaciona-se justamente com a vinculação estabelecida com o anarquismo, que pressupõe a negação de todo e qualquer tipo de autoridade, bem como a

320 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 781. 321 No Brasil é correspondente à família dos sabiás. 322 Nesse mesmo sentido, defende, numa perspectiva evolucionista, que o crime poderá ser curado um dia, assim como a morfina foi uma descoberta feita pela prática médica para amanizar a dor de doenças incuráveis, como aponta Rafael Barrett: ―La guillotina debe ser un gran bisturí, y debe manejarse por un técnico social, por un cirujano y no por el verdugo, tipo que ciertamente nos desacredita y nos avergüenza. Y pasarán los años, hasta que un día el cirujano se guarde su bisturí y nos diga: ‗Señores, he descubierto que esto se cura sin operar‘‖ (BARRETT, R. Obras Completas I, p. 127). 323 BARRETT, R. Obras Completas II, p. 114. 102

valorização da liberdade324; o outro aspecto, diz respeito à aproximação com Cristo325. Para Barrett, Cristo era um anarquista326; e o Evangelho é a base para a construção de sua filosofia do altruísmo barrettiano. O seu altruísmo converge não apenas para sua compreensão acerca do gênio, mas também acerca do patriotismo. Em Patriotismo (1), Más allá del patriotismo e Los trofeos, Rafael Barrett apresenta características universalistas, que transcendem a ideia de nação. Para ele, o amor, tal qual o Evangelho de Cristo, não deve ter fronteiras e é uma mudança que deve ser promovida pelo povo:

No creamos en los que pretenden inspirar amor hablándonos de guerras y de sangre. No creamos a los que quizá, bajo frases melosas están preparando una nueva matanza. La fusión de los pueblos no se hará nunca por arriba. No son los funcionarios, los políticos, los que borran la frontera. No los que se pavonean y gozan, sino los de abajo, los que trabajan, sueñan y sufren, son los que realizarán la fraternidad humana327.

Em Más allá del patriotismo e Patriotismo a tônica é a mesma: ―El patriotismo es la división. […] Lo específico del patriotismo es el odio. El patriotismo que no odia al extranjero no es patriotismo‖. Em tom imperativo profere: ―Amad vuestra tierra, y la también la ajena. Amad vuestro hijos y también los ajenos‖328. Em termos gerais, a proposta é o amor; é nesse sentido que se constitui a crítica ao patriotismo, porque ―defender y amar lo completamente ajeno es sublime‖329:

El hombre que se sacrifica por su hijo, por su compañera o por su padre no es tan grande como el que se sacrificó por un desconocido. En la familia hay mucho nuestro. Al defenderla defendemos en parte nuestro. […] Por eso debemos amarnos, como hombres que somos, mientras este amor aparente no nos conduzca a odiar al prójimo.

324 Malgrado ser uma característica do anarquismo, George Woodcock observa que: ―Todos os anarquistas contestam a autoridade e muitos lutam contra ela. Mas isso não significa que todos aqueles que contestam a autoridade e lutam contra ela devam ser considerados anarquistas. [...] Seu objetivo final é sempre a transformação da sociedade; [...] seu método é sempre a revolta social, seja ela violenta ou não‖ (WOODCOCK, G. História das idéias anarquistas – A ideia, p. 7). 325 Apesar das ácidas críticas ao clero, Gambardella comenta que: ―Barrett sintió muy fuertes y muy hondas las influencias cristianas. El Evangelio y, fundamentalmente, la figura de Jesús — vista sin la deformación de un criticismo menor —, le impresionan muy profundamente. Si bien desdeña la organización moderna del catolicismo, hay, en definitiva, en su espíritu, una fuerte y auténtica dosis de religiosidad‖ (GAMBARDELLA, L. H. Prólogo, p. VI). 326 Em 1910, Barrett dirá que Cristo, ―[...] enamorado de los pobres resulta un poco anarquista‖ (BARRETT, R. Obras Completas I, p. 342). 327 BARRETT, R. Obras Completas I, p.291-292. 328 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 768-769. 329 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 770. 103

Debemos amar la familia mientras este amor no nos conduzca a odiar la comunidad hermana en que vivimos, y debemos amar la patria mientras no odiemos a la humanidad330.

Ainda no sentido de se compreender tais proposições do autor, vale notar os aspectos do anarquismo em finais do XIX e início do XX. Benedict Anderson atenta para os impactos do que ele chamou de ―propaganda pelo ato331‖, expressos nas explosões, na dinamite, nos atentados que visavam a expor, por meio da violência, o modelo anarquista. Esse também é um ponto em que é possível observar uma mudança de perspectiva de Barrett. Em Dinamita, do início de 1907, por exemplo, ele defende a violência, comparando cristãos e anarquistas:

Los ascetas cristianos hacían brotar las flores de los yermos entumecidos; los ascetas anarquistas – sí, recorred la serie, rara vez hallaréis uno que no sea inteligente, elevado y robusto – llevan en el puño el prodigio feroz de la dinamita, el verbo que suprime, la voz que mata332.

Ainda é possível frisar que em outro texto, do final de 1907, El caso Nakens, há um trânsito na percepção da violência. Barrett não a vê mais como algo apenas positivo, passa a e enteder a violência como um mal necessário, compreende a importância de tal prática:

La violencia homicida del anarquista es mala; es un salvaje espasmo inútil, más el espíritu que la engendra es un rayo valeroso de verdad. No es la bomba la que se teme, y con razón, sino el justiciero y lejano porqué de la bomba. En la oleada de miedo que corre por el mundo, se intenta apagar chispa por chispa el incendio fatal cuyo foco se mantiene inaccesible y secreto333.

Essa percepção o aproxima de Kropotkin, que ―Embora pudesse admitir a necessidade da violência, opunha-se, por temperamento, ao seu emprego‖334. Em Regicidios, Barrett, por intemédio de seu personagem, Don Ángel, expõe a violência como algo negativo:

Abomino la violencia, porque es la interrupción del pensamiento, porque es desconfiar de él, porque es efímera, aleatoria y torpe. Pero

330 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 770. 331 Woodcock já havia tratado antes da propaganda pelo ato, o que ele chamou de propaganda pela ação. Todavia, ele dá uma importância menor a essa prática do que Anderson. Sobre o assunto ver: WOODCOCK, George. História das idéias e movimentos anarquistas – v. 1: A Idéia. Porto Alegre: L&PM, 2007. 332 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 65. 333 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 93. 334 WOODCOCK, G. História das idéias anarquistas – A ideia, p. 208. 104

no siempre las ideas se resignan a la palabra. Para ciertos temperamentos, la pluma es menuda y tardía… Hay poco acero en ella. La dejan por el puñal, que les parece más largo. Error335.

Esses matizes demonstram o modo pelo qual o pensamento de Rafael Barrett foi se transformando nos anos em que publicou no Paraguai. Ademais, se alguns dos textos de Barrett parecem expressar, por um lado, mudança em sua percepção acerca do anarquismo, do destrutivismo bakuniano em direção a uma perspectiva mais pacífica e fraternal, alinhada à Kropotkin e a Tolstói; Moralidades Actuales, que recompila vários de seus textos e deveria expressar uma síntese do seu pensamento, volta a expressar essa dualidade, na medida em que retoma textos como La dinamita (violência) e La divina jornada (amor). Encerro, aqui, este capítulo, uma vez que, na parte dois, a seguir, dedico-me à análise e não mais a descrição. Abordarei os aspectos históricos nos quais estavam circunscritos o Paraguai, o Uruguai e a Argentina, assim como estabelecerei a relação entre esses contextos e os dois livros organizados por Rafael Barrett: Moralidade Actuales e El dolor paraguayo. O primeiro, ele organizou e, literalmente, teve entre suas mãos; o outro, ele deixou pronto para publicação. Dessa maneira, considero que, no conjunto de seus textos, esses dois livros expressam a essência de suas posições anarquistas. Tal conclusão, acrescida da análise sobre o meio no qual esses livros foram produzidos, orientam-me na defesa da tese de que Rafael Barrett foi um intelectual sem pátria.

335 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 462. 105

PARTE II

CAPÍTULO 3 “UN JARDÍN RECIÉN PLANTADO”: RAFAEL BARRETT E A INTELLIGENTSIA PARAGUAIA

“¡La raza guaraní pasó...! Tan sólo sigue viviendo su alma, su alma gigante que es el alma mater, ¡el alma de la Patria!” (Juan Emiliano O‟Leary)

“El Paraguay es un jardín recién plantado”. (Rafael Barrett)

Nesta segunda parte, faz-se mister uma observação que contempla o presente capítulo e o seguinte. Ela se refere à presença de Rafael Barrett nesses dois capítulos. É notório, que, em relação aos dois primeiros, ele se torna menos presente. Isso é justificável, pois reflete uma escolha de análise, a partir da qual a compreensão sobre os espaços de produção de Rafael Barrett, essencialmente a região platina, foi importante para se estabelecer, em correlação com sua obra, o fio condutor da tese – Barrett, um intelectual sem pátria. O Paraguai é um país que se desenvolveu com certa singularidade no continente americano; de modo também singular, Rafael Barrett atuou nesse espaço mediterrâneo. O torrelaveguense não encontrou um ambiente propício para si, pois veio em um momento conturbado da história paraguaia: no ano da Revolução Liberal de 1904336, que colocou fim à primeira nacional-republicana337. Em torno desses movimentos, encontravam-se intelectuais e políticos de destaque no cenário nacional, como Manuel Gondra, Cecílio Báez e Manuel Domínguez. O objetivo dessa revolução era destituir o grupo que passou a governar o país, a

336 É importante observar que, malgrado a utilização do termo revolução, não foi isso que ocorreu no Paraguai. O que houve, após todo o levante, foi um acordo, conhecido como Pacto de Pilcomayo, que pacificamente permitiu a substituição do governo do partido Colorado pelo governo do partido Liberal. Assim, nota-se que o termo revolução pretende marcar uma cisão, especificamente, a partir da experiência francesa, mas, na prática, no caso do Paraguai, isso não se consubstancia. Assim, não é curioso, por exemplo, que em YUBI, J. Revoluciones del Paraguay. Asunción, PY: El Lector, 2010, se referencie nada menos que cinco revoluções em menos de meia década: as de 1904, 1908, 1912, 1922 e 1947. José Carlos de Souza, entretanto, observa que, entre 1870 e 1904, governou o grupo que correspondia ao partido Colorado e que, entre 1904 e 1936, governou o partido Liberal. Assim, o que parece se depreender desse processo é que o termo revolução é utilizado no sentido de tentar estabelecer uma cisão entre o governo que assume e o que estava vigente. Para uma compreensão mais ampla sobre o assunto, ver: SOUZA, José Carlos de. O Estado e a Sociedade no Paraguai durante o governo do partido Liberal (1904-1935). 2006. Tese (Doutorado em História). Faculdade de Ciências e Letras de Assis da Universidade Estadual Paulista – UNESP. p. 228-232; e sobre o conceito de revolução ver: HOBSBAWM, Eric. A Era das Revoluções. 9. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996; SANTOS JÚNIOR, Jaime Fernando dos. ―A emergência do ―moderno‖ conceito de revolução‖. História e Historiografia. n. 26, jan-abri, ano 2018, 122-147- DOI: 10.15848/hh.v0i26.1300. 337 SOUZA, J. C. O Estado e a Sociedade no Paraguai durante o governo do partido Liberal, p. 182.

partir do triunvirato de 1869, quando a capital, Assunção, foi ocupada pelas tropas aliadas338, ainda no curso da Guerra do Paraguai. Tomados esses dados por referentes, esse capítulo ater-seá a compreender: i) o processo histórico de construção do país e o como ele estava relacionado com os países platinos; ii) a conjuntura política e intelectual do Paraguai após a Guerra; iii) qual a influência dos dois primeiros pontos na produção barrettiana.

3.1 Paraguai: processo histórico de formação

Se por um lado o nacionalismo paraguaio está em paralelo com a construção da identidade nacional brasileira, argentina e uruguaia339; por outro, existem aspectos específicos nesse processo que foram primordiais para a não aceitação de Rafael Barrett nesse cenário intelectual. O primeiro ponto a ser levado em consideração refere-se ao processo de formação literária nesses países e a identificação do papel desempenhado por eles em sua constituição nacional. Em um capítulo intitulado ―La imaginación colonizada‖, Jean Franco defende que ―[...] restos de la literatura europea se incorporaron a los nuevos productos de la literatura hispanoamericana‖340. Assim, a literatura nacional foi importante pois fundou suas bases, em uma ―edad de oro‖341, bem como veículo a imagem através da comunidade nacional. Casos exemplares são os textos de José de Alencar342, Domingo Faustino Sarmiento, Esteban Echeverría, José Marmol, os quais Franco define como portadores de uma imaginação

338 Sobre o assunto, ver: CAMPOS, Herib Caballero. El país ocupado. Paraguay: El lector, 2013. 339 Aqui vale destacar o caráter continental do Brasil, que faz com que cada região tenha especificidades históricas que possibilitam, por exemplo, a construção de uma interpretação dualista do Brasil, como pode ser observado em SENA, Custódia Selma. Interpretações dualistas do Brasil. Goiânia: UFG, 2003. Quando falo da relação entre a literatura brasileira, argentina, paraguaia e uruguaia, isso se dá de forma mais enfática no âmbito do Rio Grande do Sul, ―[...] pois ressalvadas as diferenças de escala, eram formações socioeconômicas similares. Nas três, a economia pecuária e exportadora, firmemente implantada ao longo do século XIX, teve de enfrentar, desde os fins deste, a alternativa menor, mas dinâmica, da policultura voltada para o mercado interno e das novas atividades urbanas de indústria e serviços‖ (BOSI, A. Dialética da colonização, p. 281). Além disso, o krausismo, filosofia alinhada ao positivismo, que teve influência mais destacada nas ex-colônias espanholas, deixou marcas no Rio Grande do Sul, por meio do Uruguai (BOSI, A. Dialética da colonização, p. 282). Para maiores detalhes sobre o krausismo no Brasil, ver: PAIM, Antonio. O krausismo brasileiro. Londrina: CEFIL, 1999. Além das similitudes, é possível notar elementos padrões, como o papel do romantismo na formação das nacionalidades platinas. 340 FRANCO, J. Historia de la literatura hispanoamericana, p. 30. 341 FRANCO, J. Historia de la literatura hispanoamericana, p. 30. 342 Franco não trata da literatura brasileira, mas como José de Alencar está alinhado com os autores argentinos citados, coloquei-os juntos. A base para isso se encontra no texto de ALMEIDA, José Maurício Gomes de. A tradição regionalista no romance brasileiro (1857-1945). Rio de Janeiro: Topbooks, 1999. Neste texto o autor afirma que o indianismo foi ―[...] a primeira forma de criação ficcional integralmente nacionalista e encontrou sua realização mais ampla e completa no romance de Alencar‖ (ALMEIDA, J. M. G. A tradição regionalista no romance brasileiro, p. 30). 108

colonizada, já que ―[...]no se imaginaban a la Argentina avanzando en cualquier dirección que no fuese la de las pautas que habían marcado Europa‖343. Somam-se a isso os textos de Lucio V. Mansilla e José Hernández, que inverteram a perspectiva civilização/positivo – barbárie/negativo para barbárie/positivo – civilização/negativo. Hernández

Captó intuitivamente la grandeza de las fuerzas que estaban en juego y se puso al lado de las que estaban condenadas a desaparecer – la independencia, la hombría, el valor -, virtudes de una edad heroica que el siglo XIX estaba destruyendo y que trataba de ignorar. Habrá que esperar a José Martí para que un escritor hispanoamericano intente encontrar virtudes en la barbarie que la civilización europea condena sin remisión344.

A diferença entre alguns aspectos relativos aos processos de independências das Américas portuguesa e espanhola é evidente. Na primeira, se destaca o caráter linear da transição da colônia para o Reino Unido de Portugal, Algarves e do Brasil, que ―[...] transformou a colônia em sede do Império português‖345, em 1815 e, daí, para a Independência, em 1822, cujo líder não era ninguém menos que o filho do rei português. Na segunda, o que salta aos olhos é a fragmentariedade dos processos de independência: Argentina, Uruguai, Paraguai e, em determinados momentos, até mesmo a Bolívia, estiveram presentes nas disputas que envolviam el virreinato del Rio de la Plata346. A emergência de vários Estados independentes, ao invés de um, como no caso do Brasil, fez com que as ex- colônias espanholas desenvolvessem conjunturas organizacionais diferenciadas: no lugar de impérios, repúblicas. Sobre a eclosão desses Estados independentes há que se considerar que possuíam algumas características comuns, transcorridos algumas décadas das independências. Segundo Jean Franco, Juan Manuel Rosas347, na Argentina, e José Gaspar Rodríguez de Francia, no Paraguai, possuiam um perfil parecido, alimentando um protecionismo econômico348; o Brasil, ainda que sob um novo monarca, se mantinha império. O Uruguai, depois de Artigas

343 FRANCO, J. Historia de la literatura hispanoamericana, p. 78. 344 FRANCO, J. Historia de la literatura hispanoamericana, p. 78. 345 SCHWARCZ, L. M.; STARLING, H. M. Brasil: uma biografia, p. 189. 346 Sobre o assunto ver: PRADO, Maria Ligia; PELLEGRINO, Gabriela. História da América Latina. São Paulo: Contexto, 2016. p. 25-41. 347 Segundo Maria Ligia Prado e Gabriela Pellegrino, a Argentina não obteve, apesar de sua independência, em 1816, ―[...] a organização de um Estado nacional centralizado até 1862, quando Bartolomeu Mitre assumiu a presidência nacional‖ (PRADO, M. L.; PELLEGRINO, G. História da América Latina, p. 46). 348 FRANCO, J. Historia de la literatura hispanoamericana, p. 37. 109

ser derrotado e exilar-se no Paraguai e após ter se tornado a Província da Cisplatina, entre 1821 e 1828349, se equilibrava entre os interesses de Buenos Aires e do Rio de Janeiro350. É possível notar que no período colonial a mescla cultural já começava a se processar, entre o americano e o europeu, como notou Bosi. Mas os processos de independência criaram a necessidade de fundar os símbolos das indentidades nacionais. Mas esse era um problema. Os países que emergiam naquele momento já carregavam uma grande carga de história e essa história mesclava o próprio e o alheio, em uma relação que, Alfredo Bosi351, definiu como dialética. Na perspectiva de Homi Bhabha, essa relação dialética é identificada pelo que ele chamou de entre-lugar. Ao se levar a cultura europeia para a América, não foi possível reproduzir a Europa nesse novo espaço, ou o que é sinônimo, a civilização. O contato dessas culturas fez com que, dialeticamente, uma cultura distinta surgisse, nem europeia, nem autóctone. Uma cultura do entre-lugar. Bhabha sublinha que esses ―entre-lugares fornecem o terreno para a elaboração de estratégias de subjetivação – singular ou coletiva – que dão início a novos signos de identidade e postos inovadores de colaboração e contestação, no ato de definir a própria ideia de sociedade‖352. A perspectiva dialética também se expressa nos processos contraditórios do ―Novo Mundo‖. Bosi explica que a formação desse espaço colonizado é perpassada por paradoxos. Um exemplo disso é a implementação de um modo de produção, que vai se constituindo a partir do modelo capitalista. Tal modelo negava o caráter feudal – que, paulatinamente, se desintegrava – e a nova economia se consolidava, mas, a contrapelo, sustentava-se sobre as bases de uma sociedade escravocrata. As colônias ibéricas e da Nova Inglaterra ainda estavam presas a essas estruturas tradicionais de servilismo e escravidão. O Brasil, em sua história, deixará isso muito claro. Vale pontuar que a dialética não se dá apenas no âmbito das estruturas social e econômica, mas também no da dimensão cultural. É nesse ponto que a literatura cumpre um importante papel. No caso do Brasil, é notório o papel desempenhado pelo romantismo na formação do sentimento de pertença, consubstanciado na obra romântica de José de Alencar. ―O Guarani e

349 PRADO, M. L.; PELLEGRINO, G. História da América Latina, p. 48. 350 Para maiores detalhes sobre a formação das fronteiras do Brasil e dos países da bacia platina, ver: MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. A expansão do Brasil e a formação dos Estados na Bacia do Prata (Da colonização à Guerra da Tríplice Aliança). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012. 351 Caso exemplar do que foi exposto por Bosi, pode ser encontrado no capítulo VI: ―Signos tidos como milagres‖ (BOSI, A. Dialética da colonização p. 150-176). 352 BHABHA, H. O local da cultura, p. 20. 110

Iracema fundaram o romance nacional‖353. Assim, segundo a visão de Alfredo Bosi, a literatura de Alencar corroborou para a criação de uma imagem mítica da formação nacional na qual o índio encerra em si aspectos de uma devoção para com seus colonizados: ―Não sei de outra formação nacional egressa do antigo sistema colonial onde o nativismo tenha perdido (para o bem ou para o mal) tanto da sua identidade e da sua consistência‖354. O indígena que representava o Brasil, como identidade, era exposto pela ―figura do índio belo, forte e livre‖ que ―se modelou em um regime de combinação com a franca apologia do colonizador‖355. Por outro lado, os índios que não abaixavam a cabeça, como no caso dos aimorés, em O Guarani, são representados como ―bárbaros, horrendos, satânicos, carniceiros, sinistros, horríveis, sedentos de vingança, ferozes, diabólicos...‖356. Assim, na tentativa de se construir essa identidade brasileira, houve a necessidade de encontrar elementos que permitissem construir uma imagem do Brasil. Para o romantismo brasileiro, essa imagem era a do bon sauvage. Todavia, isso leva esse brasileiro à justa posição de que trata Bhabha: o entre-lugar. Não é mais índio e não chega a ser europeu. Essa dialética perpassa a construção das nacionalidades latino-americanas. Relativamente à literatura hispano-americana, Jean Franco, por exemplo, observa que, na Argentina, houve dois movimentos: um que pregava a civilização e a destruição dos aspectos tradicionais que, ainda, pudessem ser encontrados nas sociedades que viviam no ―Novo Mundo‖; e outro que defendia, como base de sua identidade, as coisas próprias da América. No primeiro caso, os autores que de destaque são Domingo Sarmiento, Estaban Echeverría e José Mármol357, pioneiros da literatura argentina. Um dos caracteres essenciais dessa literatura era sua evidente oposição ao governo de Rosas. Após o fracasso dos primeiros governos liberais, inicia-se o momento das guerras e conflitos civis: ―Era ya el proceso que iba a convertirse en arquetípico de la América latina. Surge un hombre fuerte para salvar al país de la anarquía‖358. O problema desse homem forte é que, na visão dos escritores mencionados, ele representava o passado, o arcaico, o atraso. Em resumo, era a consubstanciação da barbárie. Com isso ―[…] él fenómeno de la literatura argentina […] en buena parte surge de un movimiento de protesta contra el dictador‖359.

353 BOSI, A. Dialética da colonização, p. 179. 354 BOSI, A. Dialética da colonização, p. 181. 355 BOSI, A. Dialética da colonização, p. 179. 356 BOSI, A. Dialética da colonização, p. 178. 357 Franco chega a citar Juan Bautista Alberdi, mas destaca que ele tem ―un interés primordial como escritor político‖ (FRANCO, J. Historia de la literatura hispanoamericana, p. 59). 358 FRANCO, J. Historia de la literatura hispanoamericana, p. 58-59. 359 FRANCO, J. Historia de la literatura hispanoamericana, p. 59. 111

Um ponto de destaque que deve ser observado em relação à diferença entre o romantismo no Brasil e na Argentina é que, enquanto no primeiro caso, com forte influência europeia, caminhava-se para uma fuga da cidade, a valorização da natureza, do indígena (o bon sauvage); na Argentina, pelo contrário, caminhava-se para uma fuga para a cidade, para a civilização360. Assim, o pampa gaúcho361 era o lugar da barbárie. Quem, de forma mais clara, expressou essa característica foi Domingo Sarmiento, em Facundo362. Esse texto ―[...] pretende demonstrar que la ‗barbarie‘ se ha convertido en algo institucionalizado en la Argentina durante el régimen de Rosas‖363. Jean Franco explica que ―Si Rosas representaba la institucionalización dela barbarie, Facundo representaba su expresión espontánea‖364. Portanto, essa literatura se esboça a partir de uma clara oposição ao status quo dos pampas argentinos. Lucio V. Mansilla e José Hernández, por sua vez, se aproximam de José de Alencar, ao valorizarem o bon sauvage; assim, invertem, segundo Franco, a relação entre civilização e barbárie. Para Mansilla ―[...] gran parte de lo que se llama la barbarie de los indios no es más que un aspecto de su pobreza, dado que las mismas costumbres se dan también entre los blancos‖365. No caso de Hernández, foi o gaúcho que se tornou o objeto de seus textos. Martin Fierro vive o momento final do gaúcho, ―capta la existencia del gaucho en el mismo momento de su desaparición‖366. Assim, Martin Fierro narra os infortúnios de sua vida ao mesmo tempo em que recorda a ―[…] una legendaria edad de oro‖367: ―Ricuerdo, ¡qué maravilla!/ cómo andaba la gauchada/ siempre alegre y bien montada/ y dispuesta pa el trabajo:/ pero hoy en día … ¡barajo!/ no se la ve de aporriada‖368. Com essa esquematização, Franco caracteriza a literatura de Sarmiento, Echeverría e Mármol como sendo fruto de uma ―imaginación colonizada‖369, ao passo que Mansilla valoriza o índio e Hernández, de forma mais profunda,

360 FRANCO, J. Historia de la literatura hispanoamericana, p. 61. 361 O gaúcho, aqui, tem um sentido amplo e refere-se aos homens que viviam nas terras que correspondem à Argentina, ao Uruguai e ao estado do Rio Grande do Sul, no Brasil. 362 Juan Facundo Quiroga foi caudilho argentino muito poderoso, ―el gaucho de los gauchos‖ (MANN, H. Prefacio a la traducción inglesa, p.10). Após ter sido assassinado a mando de Juan Manuel Rosas, que ocupou seu lugar e passou a governar o país. Sobre o assunto, ver: MANN, Horace. ―Prefacio de la traducción inglesa‖. In: SARMIENTO, Domingo Faustino. Facundo ó Civilización i Barbarie en las pampas . Paris: Librería Hechette y Cia, 1874, p. 3-12; Sobre o assunto, ver também: PRADO, Maria Ligia; PELLEGRINO, Gabriela. História da América Latina. São Paulo: Contexto, 2016, p. 90-92. 363 FRANCO, J. Historia de la literatura hispanoamericana, p. 66. 364 FRANCO, J. Historia de la literatura hispanoamericana, p. 66. 365 FRANCO, J. Historia de la literatura hispanoamericana, p. 74. 366 FRANCO, J. Historia de la literatura hispanoamericana, p. 75. 367 FRANCO, J. Historia de la literatura hispanoamericana, p. 77. 368 HERNÁNDEZ apud FRANCO, J. Historia de la literatura hispanoamericana, p. 77. 369 FRANCO, J. Historia de la literatura hispanoamericana, p. 78. 112

Captó intuitivamente la grandeza de las fuerzas que estaban en juego y se puso al lado de las que estaban condenadas a desaparecer – la independencia, la hombría, el valor – , virtudes de una edad heroica que el siglo XIX estaba destruyendo y que trataba de ignorar370.

Com isso, a América Latina terá que ―[...] esperar a José Martí371 para que un escritor hispano-americano intente encontrar virtudes en la barbarie que la civilización europea condena sin remisión‖372. No contexto do Uruguai, Virgínia Cánova faz uma crítica à visão institucionalizada da literatura uruguaia, que afirmava ter ela iniciado-se a partir de Eduardo Acevedo Dias, com o livro Ismael, de 1888. Para a autora, a literatura, anterior às ―eminências‖, é importante porque ela é, mesmo que modesta e humilde, a base sobre a qual se assentou a literatura de maior densidade, como é o caso de Ismael, considerado o ―iniciador de la novela nacional‖373. Tanto assim, que ela situa a literatura nacional uruguaia em 1856, com o livro La Aeroestatica en Buenos Aires, de Laurindo Lapuente, que criticava o ―afrancesamiento de los hábitos‖374 e que se referia à Argentina e ao Uruguai. Por sua parte, Jean Franco, busca mais longe as raízes dessa literatura nacional, ao identificar determinada literatura uruguaia com a traição gauchesca, que, no contexto da região platina, é transfronteiriça. No caso de Martin Fierro, de Hernández, Jean Franco poderá que:

[…] no se trataba de un fenómeno aislado. El autor se inspira en dos tradiciones anteriores: la de un poesía satírica ciudadana en el dialecto gaucho – el gauchesco – y la de la poesía popular de la pampa, en cuyos orígenes se mezclaban elementos indios, españoles e incluso negro375.

370 FRANCO, J. Historia de la literatura hispanoamericana, p. 78. 371 No ano de 1891, José Martí escreveu um texto chamado Nuestra América, no qual defendeu elementos para a constituição de uma identidade americana. Segundo Maria Ligia Prado Gabriela Pellegrino, Martí ―cunhou a expressão Nuestra América, para se opor à ―outra‖ América dos anglo-saxões‖ (PRADO, M. L.; PELLEGRINO, G. História da América Latina, p. 99). Sobre o assunto, ver: MARTÍ, José. Nuestra América. Mexico: Universidad de Guadalajara/ Grafica Nueva, 2002; PRADO, Maria Ligia; PELLEGRINO, Gabriela. História da América Latina. São Paulo: Contexto, 2016, p. 90-100. 372 FRANCO, J. Historia de la literatura hispanoamericana, p. 78. 373 FELDE apud CÁNOVA, V. La narrativa uruguaya olvidada del siglo XIX, p. 232-233. 374 CÁNOVA, V. La narrativa uruguaya olvidada del siglo XIX, p. 235. 375 FRANCO, J. Historia de la literatura hispanoamericana, p. 75. 113

Franco salienta, também, que essa tradição gauchesca se iniciou no período da independência com ―Bartolomé Hidalgo (1788-1822), que compuso una especie de libelo político utilizando el dialecto del gaucho y los ritmos de la canción popular‖376. Apesar de toda essa conjuntura que se esboça sobre os aspectos nacionais, Prado e Pellegrino notam que ―Desde muito cedo, ainda durante as lutas pela independência, já se indagava sobre ‗nossas diferenças‘ em relação ao Velho Mundo e sobre a ‗originalidade‘ das Américas‖377. O paradoxo desse processo é que ―[...] para escrever a ‗verdadeira‘ História nacional era necessário, acompanhando as diretrizes europeias, pesquisa e organizar os documentos históricos comprobatórios dos ‗autênticos fatos‘‖378. Assim, a importância desse processo está em compreender que ―O Romantismo europeu, que desembarcou com vigor, na metade do século XIX, nas Américas, oferecia as bases para o início do debate [nacional]‖379. Contudo, é apenas no final do século XIX, passagem para o XX, que se notam alguns movimentos que ganharam uma dimensão verdadeiramente continental – por exemplo, José Enrique Rodó, José Martí e Rubén Darío, que desencadearam um movimento de oposição ao imperialismo norte americano380. Eduardo Devés Valdés, por sua vez, tratou da construção da identidade da América Latina, no início do século XX, observando que o pensamento latino americano se alternava entre a modernização e a identidade. No contexto do início do século XX, os primeiros 15 ou 20 anos ―desciende la onda modernizadora así como asciende la perspectiva identitaria‖381. De forma ilustrativa, Valdés apresenta um quadro que reflete a oscilação entre a modernização e a identidade:

Quadro 2 - Gráfico representativo da alternância entre identidade e modernização

Fonte: VALDÉS, Eduardo Devés. ―El pensamiento latinoamericano a comienzos del siglo XX: La reivindicación de la identidad‖. CUYO, Anuario de Filosofía Argentina y Americana, Nº 14, Año 1997, ISSN Nº 0590-4595, p.

376 FRANCO, J. Historia de la literatura hispanoamericana, p. 75. 377 PRADO, M. L.; PELLEGRINO, G. História da América Latina, p. 87. 378 PRADO, M. L.; PELLEGRINO, G. História da América Latina, p. 88. 379 PRADO, M. L.; PELLEGRINO, G. História da América Latina, p. 88. 380 PRADO, M. L.; PELLEGRINO, G. História da América Latina, p. 99. 381 VALDÉS, E. D. El pensamiento latinoamericano a comienzos del siglo XX, p. 11. 114

12.

Para Valdés, esse processo não se dá em forma de oposição, mas de predominância de um ou de outro. Propor a modernização implica romper com formas tradicionais, ao passo que a identidade se forma por relação com o passado. Assim, a oposição se dá nesse sentido. Entretanto, apesar dessa aparente polarização, o autor destaca que: ―[...] afirmarse a la vez y sin contradicción, que el pensamiento latinoamericano es la historia de los intentos explícitos o implícitos por armonizar modernización e identidad‖382. A exposição precedente teve como objetivo demonstrar como houve no Brasil, na Argentina e no Uruguai, uma tradição que se formou, por meio da literatura. Tradiação marcada pela busca da identidade nacional. Mas não foi apenas o campo literário que se lançou nessa empreitada. Ao longo do século XIX, os historiadores, que buscavam as raízes da nação, ―[...] interpretaram os acontecimentos a partir de uma perspectiva nacional, moldando visões que foram sendo incorporadas pelas gerações seguintes. As narrativas sobre a vida dos heróis da independência os transformaram em figuras sagradas, colocando-os ‗no altar da Pátria‘‖383. No caso do Paraguai, entretanto, isso ocorreu muito depois. Compreender essa diferença é importante, porque ela é um dos indícios que pode justificar o porquê Rafael Barrett não foi aceito como um intelectual pela intelligentsia paraguaia (depois voltarei a isso). Importa lembrar que o Paraguai foi um caso singular na América Platina. Após a sua independência, orquestrada por Yegros, Caballero, Iturbe, Mariano Molas e pelo próprio José Gaspar Rodríguez de Francia, que destituiria os primeiros em favor de um governo autoritário que duraria até o ano de sua morte, em 1840384, o país se fechou e as ideias que penetravam nos outros países platinos não entravam no Paraguai. O Paraguai compunha o vice-reino do Rio da Prata. Após as independências, esse vice-reino foi dividido, dando origem ao Paraguai, à Argentina, à Bolívia e ao Uruguai. No caso do Paraguai, a independência se deu por meio do levante de um grupo de caudilhos, fruto da tomada do trono espanhol pela França, que não viam como legítimo o governo francês, de José Bonaparte385. Até aí, tudo muito parecido com o que tinha ocorrido com as outras colônias espanholas. Mas, depois de declarada a independência do Paraguai, em 1811, o país

382 VALDÉS, E. D. El pensamiento latinoamericano a comienzos del siglo XX, p. 14. 383 PRADO, M. L.; PELLEGRINO, G. História da América Latina, p. 89. 384 CREYDT, O. Formación de la Nación Paraguaya, p. 80-81; GONDRA, M. Mensajes y escritos, p. 13. 385 PRADO, M. L.; PELLEGRINO, G. História da América Latina, p. 26-27; BUSHNELL, D. La independencia de la América del Sur española, p. 75. 115

passa por um processo que leva ao reconhecimento de José Gaspar Rodríguez de Francia como ditador supremo da República do Paraguai386. Uma interessante característica de Francia era seu perfil espartano387, acostumado com pouco. Como diz François Chartrain: ―Viviendo simplemente sancionando cada vez la corrupción y recortando en lo posible los gastos del Estado, el Dictador jamás buscó su beneficio personal ni el lujo. (¿Pero de qué vale la noción de beneficio personal cuando él era el único amo del país?)‖388. Assim, desenvolveu uma política de caráter interno, fechando o país para seus vizinhos389. Como aponta Moniz Bandeira, Francia conservou o Paraguai ―Imune aos contatos com o exterior, somente permitindo algum intercâmbio com a Província de Corrientes e o Império do Brasil, nas localidades de Pilar e Itapua, onde trocava, sobretudo, erva-mate por armas e munição‖390. Após sua morte, em 1840, seu sucessor, Carlos Antônio López, imprime algumas mudanças no país; porém, a diferença entre Francia e Carlos López ―[...] fue la búsqueda de formalidad legal, pero su gobierno era tan unipersonal como la anterior dictadura‖391. A formalidade legal, de que trata Chartrain, refere-se ao reconhecimento da independência do país, dadas as frequentes investidas da Argentina, que pretendia reestabelecer o extinto território que compunha o Vice-Reino da Prata, no período colonial392; assim como as do

386 Para um estudo mais específico sobre o processo de independência do Paraguai, ver: BUSHNELL, David. ―La independencia de la América del Sur española‖. In: BETHEL, Leslie. Historia de América Latina. 5. La independencia. Barcelona: Crítica, 1991. p. 75-123. 387 Como destaca Carlos Zubizarreta: ―[...] el dictador Francia, probo y austero, llevaba una vida solitaria de cenobita, con desprecio absoluto de toda riqueza personal, administrando con celosa diligencia el patrimonio nacional‖. Ainda nessa linha: ―esa política llevó al Paraguay al total aislamiento, sustrayéndolo de toda posible influencia externa‖ (ZUBIZARRETA, C. Cien vidas paraguayas, p. 90). Mas é importante sublinhar que esse isolamento de que trata Zubizarreta não é compartilhado por outros autores, como o próprio Maestri e Chartrain, que divergem em alguns pontos, mas convergem nesse: ―Mesmo sob a ditadura franquista, jamais o Paraguai foi região totalmente autônoma, à margem das imposições econômicas do capital e da produção mercantil-industrial mundialmente hegemônicas‖ (MAESTRI, M. Paraguai, p.141). No mesmo sentido, Chartrain pondera haver, por parte do doutor Francia, o interesse em estabelecer contatos comerciais com a Inglaterra e com a França, interesse esse que não era recíproco (CHARTRAIN, F. La Iglesia y los partidos en la vida política del Paraguay desde la Independencia, p. 90). 388 CHARTRAIN, F. La Iglesia y los partidos en la vida política del Paraguay desde la Independencia, p. 79. 389 Mario Maestri escreveu Paraguai: A República Camponesa 1810-1865. Porto Alegre: FCM, 2015. Sua fonte foram os trabalhos de J. R. Ranger e de Oscar Creydt, este último, de corte marxista. Com base nisso, a visão do trabalho de Maestri ficou romantizada, construindo uma imagem de Francia como a de um socialista, que construiu um modo subsistência autônomo e subsidiado para povo: ―Nas Américas, não houve certamente eleição formal mais democrática do que a que entregou os poderes ditatoriais a Francia‖ (MAESTRI, M. Paraguai, p. 98). Vale pontuar, também, outra questão, que se refere às execuções: para Maestri, com base em Ranger, elas foram maiores no período dos López (MAESTRI, M. Paraguai, p. 110), Chartrain defende o oposto (CHARTRAIN, F. La Iglesia y los partidos en la vida política del Paraguay desde la Independencia, p. 99). 390 MONIZ BANDEIRA, L. A. A expansão do Brasil e a formação dos Estados na Bacia do Prata, p. 152. 391 CHARTRAIN, F. La Iglesia y los partidos en la vida política del Paraguay desde la Independencia, p. 99. 392 PRADO, M. L.; PELLEGRINO, G. História da América Latina, p. 68-69; MONIZ BANDEIRA, L. A. A expansão do Brasil e a formação dos Estados na Bacia do Prata, p. 110. 116

Império do Brasil, que queria definir as fronteiras, segundo suas conveniências393. Como destacou Zubizarreta, entre 1844 e 1854 ―[...] los actos más relevantes del mandatario consisten en la enérgica y sostenida defensa de los derechos paraguayos a la Independencia, cuestionados por Rosas‖394. Francia havia fechado o país e Carlos López tinha consciência da necessidade de se abrir as fronteiras do país, principalmente, para o comércio. As grandes questões do governo pós-Francia eram, então, reestabelecer o comércio paraguaio, garantir o território do país e criar vias de escoamento desse comércio, tanto em termos de entrada como de saída. Daí a importância do Rio Paraguai. A década de 1850 foi um período cheio de atribulações relacionadas à liberdade, ou não, de navegação395. Para Oscar Creydt, a guinada de López estava na valorização da grande propriedade privada e na formação de uma aristocracia; no entanto, o autor destaca o estado precário desse desenvolvimento, tomando por base o modelo capitalista:

El cambio que se operó fue de grado, no de esencia. El gobierno de López (Carlos) representaba el poder de la burguesía nacional en una etapa superior de su desarrollo como clase. Los intereses de los comerciantes exportadores y de los estancieros tenían mayor influencia en el régimen de López que en el régimen anterior. Sin embargo, seguía siendo una burguesía en estado de formación, poco desarrollada desde el punto de vista capitalista396.

Por seu turno, Zubizarreta apresenta a seguinte imagem de desenvolvimento do país:

El año de 1860 señala el apogeo de los dieciocho años del gobierno de don Carlos. El progreso general de la nación se traduce en todos los órdenes. Se inaugura con grandes festejos el templo de la plaza fuerte de Humaitá. La población asuncena ve correr alborozada el ferrocarril recién construido en su primer tramo, que une la hermosa estación de Asunción con el pueblo de la Santísima Trinidad. Una pequeña flota nacional surca los ríos y pone un contacto al país con las naciones del

393 ―O Império do Brasil reclamava, com base no princípio do uti possidetis, toda a região entre o Rio Branco e o Rio Apa, a argumentar que o Tratado de Badajoz (1801), entre Espanha e Portugal, supera o de Santo Ildefonso (1777). López, por sua vez, não aceitava o uti possidetis como critério para a demarcação da fronteira, tal como a Corte do Rio de Janeiro sustentava, porque implicaria a legitimação do ininterrupto assenhoramento de terras, efetivado pelos brasileiros, ao norte do Paraguai. E propunha, como alternativa, a neutralização da zona litigiosa, talvez com a esperança de recuperá-las algum dia‖ (MONIZ BANDEIRA, L. A. A expansão do Brasil e a formação dos Estados na Bacia do Prata, p. 158). 394 ZUBIZARRETA, C. Cien vidas paraguayas, p. 101. 395 Sobre o assunto, ver: MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. A expansão do Brasil e a formação dos Estados na Bacia do Prata (Da colonização à Guerra da Tríplice Aliança). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012, p. 125-162. 396 CREYDT, O. Formación de la Nación Paraguaya, p. 98. 117

Plata, abriendo la puerta al mar. Las modernas397 fundiciones de hierro de Ybicuí baten el metal como un canto al progreso. En la capital trabaja con ardor un moderno arsenal. El telégrafo une esta ciudad con Paso de Patria. La producción y el comercio se desarrollan aceleradamente y las exportaciones doblan el crecido monto de la importación. Por Primera vez en la historia de la vieja ciudad, la fisonomía de Asunción se orna con edificios de jerarquía398.

Trazer à pauta a discussão sobre o desenvolvimento do Paraguai é importante, porque ele foi um dos motes utilizados para justificar a construção nacional. O discurso que perpassa a Guerra do Paraguai é o de que o país foi assolado pelo fato de que estava construindo um meio alternativo em relação ao capital inglês; contudo, a historiografia demonstrou não ser uma interpretação plausível399. O Paraguai não era tão desenvolvido como o novecentismo paraguaio pretendia. Mas, em relação à economia e à abertura do país, Carlo López fez significativos avanços. López estabelceu contato com representantes ingleses, franceses, norte americanos, além de promover tratados de amizade e comércio, como no caso da Sardenha, restabelecendo plenamente as trocas mercantis com o exterior. Em 1862, Carlos López falece e o governo fica a cargo de seu filho Francisco Solano López, que, não contente com a posição que o Paraguai ocupava entre os países da bacia platina, decide tentar posicionar seu país em meio à Argentina, ao Uruguai e ao Brasil, o que já fazia sob a sombra de seu pai. Francia isolou o Paraguai, Carlos López iniciou o processo de abertura, mas sabia que o país que governava não era uma potência e que tinha que se defender e atacar conforme as necessidades impunham, dado o interesse argentino em reestabelecer o território do extinto vice-reino da Prata. Solano López, protagonista da polémica travada por Juan E. O‘Leary e Cecílio Báez, entre 1902 e 1903400, ficou marcado, por um lado, como o herói que defendeu o Paraguai do ataque estrangeiro, discurso presente na narrativa de O‘Leary. Por outro, como o tirano megalomaníaco que quase dizimou a população de seu país, como aponta Báez: ―La guerra se

397 Grifos meus. 398 ZUBIZARRETA, C. Cien vidas paraguayas, 102-103. 399 Para maiores detalhes sobre o desenvolvimento do Paraguai, no período anterior à Guerra da Tríplice Aliança, ver: HERRIG, Fábio Luiz de Arruda. ―O global e o local: o Paraguai na passagem do século XIX para o XX‖. In: GEBARA, Ademir; CABALLERO CAMPOS, Herib; BALLER, Leandro. Leituras de fronteiras: Trajetórias, histórias e territórios. Jundiaí, SP: Paco Editorial, 2018. p. 243-280. 400 Para os textos publicados na época, ver: BÁEZ, Cecílio; O‘Leary, Juan E. Polémica sobre la Historia del Paraguay. Compilación de Ricardo Scavone Yegro y Sebastián Sacavone Yegros. Estudio crítico de Liliana Brezzo. 2 ed. Asunción: Tiempo de Historia, 2011. Para uma análise da referida polémica, ver: BREZZO, Liliana. ―El mundo de Ariadna y Penélope: Hilos, tejidos y urdimbre del nacimiento de la Historia en el Paraguay. In: BÁEZ, Cecílio; O‘Leary, Juan E. Polémica sobre la Historia del Paraguay. Compilación de Ricardo Scavone Yegros y Sebastián Scavone Yegros. Estudio crítico de Liliana Brezzo. 2 ed. Asunción: Tiempo de Historia, 2011. 118

hizo de exterminio para el Paraguay, no solamente por obra de los aliados, sino también por obra del mismo López‖401. E mais adiante Báez completa: ―López hizo la guerra en la misma forma en que la hicieron los conquistadores bárbaros, como Atila, como Gengis-kan, como Tamerlán: estos monstruos arreaban a sus pueblos, llevándolos por delante, como se conduce una manada de animales al matadero‖402. A Guerra do Paraguai, ou Guerra Guasu, como ainda é conhecida no Paraguai, iniciou-se no final de 1864 e foi resultado do processo de construção dos Estados nacionais, na região da bacia platina403. Sérgio Buarque de Holanda aporta que o processo militar e político, que desencadeou a referida guerra, começaram com o aparecimento e a estruturação das nações ibero-americanas, que surgiam dos movimentos de emancipação contra as metrópoles ibéricas. As tentativas de domínio de Buenos Aires foram os primeiros motivos de desentendimento entre os Estados que se constituíam na grande área pertencente à bacia platina404 e os motivos da guerra não estavam distantes desses interesses. Todavia, Moniz Bandeira aponta para um desequilíbrio favorável ao Brasil e para o fato de que não havia, entre o Brasil e o Paraguai, uma definição de limites naquela época405, o que implicava mais tensões a respeito das fronteiras. Sem tentar inventariar o conjunto dos culpados ou inocentes, o que importa, na tese, é que essa guerra foi utilizada para instigar a construção da nacionalidade paraguaia. Como pode ser observado, Mitre, após a invasão de Corrientes, queria terminar a guerra em dois meses, mas ela, em contrapartida, se estendeu do final de 1864 até 1870. Foi uma guerra de grandes proporções – se comparado, por exemplo, à guerra da Crimeia, no período entre 1815 e 1914, que teve mais mortos –, daí o motivo pelo qual Luc Capdevila intitulou seu livro de Uma guerra total406. Para os intelectuais, todavia, que, a partir do final da década de 1890 começam a esboçar os traços da nacionalidade paraguaia, essa guerra serviu como um mote muito bom para mostrar o estoicismo, a resistência e o amor que o paraguaio nutria pela pátria, assim como a importância e a necessidade de tais valores. Há vários exemplos a respeito, mas cito, em específico, o texto de Manuel Domínguez, Causas del Heroísmo paraguayo.

401 BÁEZ, C.; O‘Leary, J. E. Polémica sobre la Historia del Paraguay, p. 152. 402 BÁEZ, C.; O‘Leary, J. E. Polémica sobre la Historia del Paraguay, p. 153. 403 DORATIOTO, F. A Maldita Guerra, p. 23. 404 SOUZA JÚNIOR, A. Guerra do Paraguai, p. 349. 405 Para uma análise mais precisa sobre a formação das fronteiras na região platina, ver: MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. A expansão do Brasil e a formação dos Estados na Bacia do Prata (Da colonização à Guerra da Tríplice Aliança). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012. 406 CAPDEVILA, L. Una guerra total, p. 19. 119

Como pude observar em outra oportunidade: ―O texto de Domínguez é uma apologia à nação paraguaia. Buscando as origens do paraguaio, o autor fez referências à Roma, à Esparta e a uma mescla que fez do paraguaio um blanco sui generis que sustentou a formação de uma raça superior e a consequente formação da nação paraguaia‖407. Nas palavras de Domínguez: ―El Paraguay se adelantó á sus hermanos en ser NACIÓN, una cosa aparte. Desde el primer paso de la independencia, existió el alma de la patria‖408. Essa preocupação se inicia no final do século XIX. Em 1869, quando a cidade de Assunção foi ocupada pelas tropas aliadas, após a derrocada da fortaleza de Humaitá, López fugiu em direção à fronteira com o Brasil, região que, atualmente, corresponde ao estado de Mato Grosso do Sul, para Cerro Corá. A partir desse momento, o que se iniciou foi um período de reconstrução do Paraguai. Mas a guerra somente teve fim em 1870, com a morte do mariscal López, em oito de fevereiro409. Assim, Tendo se tornado independente em 1811, em 1814 esse país mediterrâneo passou à gestão do ditador perpétuo, Doutor Francia, depois para Carlos Antônio López, em 1840 e, em 1862, para seu filho Francisco Solano López, o Mariscal, protagonista do maior conflito da América. De 1811 a 1870, quando o Solano López foi finalmente morto, em 8 de fevereiro, o Paraguai havia sido um país governado apenas por ditadores e é sobre esses ditadores que se centram as discussões posteriores, que buscaram constituir a identidade nacional do Paraguai410.

Norteados por Silva Paranhos411, o Paraguai tratou de se reorganizar politicamente, formando um triunvirato, que não pode ser considerado, nem de longe, um exemplo de eficiência em termos de governo412. No mesmo ano em que a guerra terminou, foi aprovada a nova Constituição do Paraguai, de orientação liberal, em dez de dezembro413.

407 HERRIG, F. L. A. O global e o local, p. 267. 408 DOMÍNGUEZ, M. Causas del heroísmo paraguayo, p. 30. 409 WARREN, H. G. Paraguay y la triple Alianza, p. 41. 410 HERRIG, F. L. A. O global e o local, p. 244. 411 A Argentina tentou influenciar na formação do governo paraguaio, mas não obteve sucesso. O poder e a diplomacia brasileiros eram muito mais fortes. Para maiores detalhes ver: WHIGHAM, Thomas. ―Silva Paranhos e as origens de um Paraguai Pós-López (1869)‖. Diálogos (Maringá. Online), DOI 10.4025, v. 19, n. 3, 2015, p. 1085-1119, set.-dez; FLORENTÍN, Carlos Gomes. El Paraguay de la Post Guerra (1870-1900). Colección Historia General del Paraguay, v. 8. Paraguay: El lector, [2010?]. p. 22-25. 412 Exemplo é o caso de José Días de Bedoya, que compunha o triunvirato e que foi incumbido de vender as joias da igreja católica, ao fim da guerra; ao invés de fazer isso, levantou, com essas joias, recursos para si próprio (FLORENTÍN, C. G. El Paraguay de la Post Guerra, p. 24). 413 FLORENTÍN, C. G. El Paraguay de la Post Guerra, p. 38. 120

Além da questão política, importa observar, também, que, a partir de 1869, com o governo dos triúnviros estabelecido, de caráter liberal, a imagem de López se torna o símbolo da barbárie, o governo se constrói, sob o princípio da negação de López, assim,

Os triúnviros precisavam fazer mais do que se distinguir do déspota. Também desejavam figurar como liberais modernos cujos planos expansivos não incluíssem sacrificar os últimos paraguaios por nada. Eram construtores, insistiam, e não destruidores. Por isso, eles emitiram um manifesto, impresso (com a autorização de Paranhos) nas prensas do Exército Brasileiro, que faziam alusão à ‗fuga do martírio‘ do povo paraguaio, e à necessidade de romper com as tradições da tirania e de vizinho espionando vizinho. O Paraguai seria diferente de agora em diante, prometiam os triúnviros, e nesse ano, o ‗Ano Um da República Livre‘, todo o cidadão deveria ajudar na reorganização do país‖414.

Sob o princípio dessa perspectiva bárbara, megalomaníaca, de López, foi publicado o texto Papeles de tirano del Paraguay tomados por los Aliados en el Asalto de 27 de diciembre de 1868, no qual são expostos relatos sobre o conflito de parte do Paraguai. Com relação a López, verifica-se o seguinte: “La defensa de López ó su exculpación de hoy mas, compromete á quien la emprenda, ante la humanidad, la civilización, y el derecho á existir de los pueblos, sean los que sufren la tiranía, sean los vecinos que se salvan con inmensos sacrificios de su dominación”415. Assim, não apenas López passa a ser construído como monstro, mas também quem o defende. Levando em consideração os aspectos referentes ao nacionalismo, à construção da identidade nacional paraguaia, o que essa retomada da história do Paraguai denota é um aparecimento tardio desses aspectos identitários, em relação ao que ocorria nos outros países da América platina. Na Argentina havia Facundo Quiroga, Martin Fierro416; no Brasil, com José de Alencar, para ficar em um exemplo. Desse modo, os países da América platina desenvolveram seus símbolos e literaturas nacionais, ao passo que o Paraguai apresentou interesse mais profundo sobre esse assunto, a partir da última década do século XIX. É a respeito desse processo de construção que tratarei agora, para que, posteriormente, tal conteúdo possa subsidiar a discussão em torno de Rafael Barrett.

414 WHIGHAM, T. Silva Paranhos e as origens de um Paraguai Pós-Lopéz, p. 1112. 415 GOBIERNO DE BUENOS AIRES. Papeles del tirano del Paraguay tomados por los aliados, en el asalto de 27 de diciembre de 1868, p. 19. 416 FRANCO, J. Historia de la literatura hispanoamericana, p. 76-77. 121

3.2 O Paraguai pós guerra

Cerca de trinta anos após o final da Guerra do Paraguai, esse país ainda não havia conseguido colocar em prática a Constituição promulgada em 1870. Como aponta Liliana Brezzo:

[...] a 30 años del diseño y de su puesta en marcha, el proyecto de reconstrucción, que había descansado en la interacción multiplicativa de factores exógenos de crecimiento como la inmigración y los capitales externos, tanto en forma de empréstitos como en forma de inversiones directas modernizantes de la estructura económica, aparecía agotado417.

Ou seja, mesmo diante de uma série de medidas, como a do incentivo à migração, à venda maciça de terras públicas, à busca de investimentos estrangeiros, o país continuava afundado em uma crise econômica profunda, que, consequentemente, levou à Revolução de 1904. No contexto da independência do Paraguai, conforme assinalado, Francia assume o governo e fecha as fronteiras; Carlos López inicia a abertura, embora de modo tímida; Solano López preocupa-se mais em inserir o Paraguai nas negociações da região do Rio da Prata. Assim, somente no final do século XIX, é que o Paraguai começa a investir em educação418 e consequentemente, a se preocupar com a construção da identidade paraguaia. Três instituições de grande importância para isso são o Colégio Nacional, fundado em 1877, a Universidad Nacional, de 1889, e o Instituto Paraguayo, em 1895. Essas instituições formavam a base da intelligentsia paraguaia, no início do século XX. Essa intelligentsia ficou conhecida como generación del 900. Duas observações são importantes antes de prosseguir. Ambas referem-se à abordagem de Cánova, que retoma uma escritura humilde como base da literatura nacional uruguaia. A primeira, diz repeito ao fato de que a literatura paraguaia, em meu entender, não pode ser posta na mesma configuração que a uruguaia, pois tomo por base um argumento de Rodrígues-Alcalá, segundo o qual, essa literatura Pré-romântica (1840-1860), Romântica (1860-1870) e Pós-romântica (1870-1910)419, não fizeram escola ―[...] dadas las anormales

417 BREZZO, L. M. El Paraguay a comienzos del Siglo XX, p. 20. 418 Carlos López fez alguns investimentos em educação no momento em que iniciava a abertura das fronteiras do país, dentre as medidas adotadas estava o envio de jovens para a Europa, com o objetivo de formar profissionais para atuar no Paraguai. 419 Rodríguez-Alcalá identifica essa última etapa como a que se estende até 1900 (RODRÍGUEZ-ALCALÁ, H. Literatura Paraguaya, p. 29). Mais tarde, retifica seu dado para 1910 (RODRÍGUEZ-ALCALÁ, H. Literatura 122

circunstancias históricas‖420. Assim, o autor destaca que somente com a generación del 900 ―[...] el Paraguay afirma su voluntad de vivir y la fe en su destino. […] Su quehacer, […] es afirmar los valores espirituales de la nación renaciente de la catástrofe‖421. A segunda observação refere-se ao fato de que, após a guerra, os homens que assumiram o leme do país, queriam se constituir como arautos da liberdade e da democracia. Assim, o passado, relacionado a Francia e aos López, não mais correspondia a essas perspectivas. Eram tiranos e a identidade precisaria ser buscada em outro lugar. Aglutinados em torno do Colegio Nacional, os intelectuais que constituíram a dita generación del 900 tiveram uma formação de caráter endógeno, embora tenham sido influenciados por correntes externas, como o liberalismo, o positivismo e o krausismo espanhol. Raúl Amaral observa que, nesse espaço, essa geração:

[…] recibió lecciones de los viejos maestros españoles que prestigiaron aquel instituto (Olascoaga, Zubizarreta, Jordán, Bienes y Girón, Valdivia, Fernández y Sánchez), y de los nuevos maestros paraguayos (Báez, Cancio Flecha, Emeterio Gonzáles, Manuel Amarilla), más los que, como Gondra y Domínguez, pudieron ser guías de sus mismos compañeros422.

No mesmo sentido, observa Brezzo: ―[…] en la penuria posbélica comenzará a conformarse un grupo de jóvenes, primero en el Colegio Nacional de Asunción, a partir de 1877 y luego en la Facultad de Derecho de la Universidad Nacional, fundada en 1889, que irá asumiendo un rol decisivo en la cultura paraguaya‖423. Importa lembrar que o primeiro a produzir uma história do Paraguai foi Blás Garay424, egresso do Colegio Nacional; segundo Zubizarreta foi ―el historiador nacional de mayor

Paraguaya, p. 35). Além disso, observa, sobre o período Pré-romântico, que Juan Andrés Gelly ―[…] es autor del primer libro paraguayo publicado en la era independiente‖ e Carlos López foi responsável pela fundação de El paraguayo independiente (1845); da Academia literaria (1841); da Escuela de Derecho (1850); e da Aula de Filosofía (1856) e que a ambos interessava ―[…] promover la cultura nacional‖. Acrescenta, ainda, que essas ações não lograram sucesso, tanto por não fazerem escola, como por não se constituírem como um movimento cultural, mas por promoverem ações de Estado, sem maiores efeitos práticos no contexto da sociedade paraguaia. Sobre o período Romântico, refere-se, em grande medida, ao período da Guerra do Paraguai e isso explica, analisado o contexto, o porquê o romantismo não fez escola. 420 RODRÍGUEZ-ALCALÁ, H. Literatura Paraguaya, p. 29. 421 RODRÍGUEZ-ALCALÁ, H. Literatura Paraguaya, p. 37-38. 422 AMARAL, R. El novecentismo paraguayo, p. 58-9. 423 BREZZO, L. M. El mundo de Ariadna y Penélope, p. 20. 424 Ignacio Telesca cita que antes, de Garay, houve o trabalho de Leopoldo Gómez de Terán e Próspero Pereira Gamba, Compendio de Geografia e Historia del Paraguay, de 1879. Segundo Telesca, o Compendio Elemental de Historia del Paraguay, de Garay, ―[...] sigue el mismo esquema del Compendio de Terán y Gam[b]a, y las similitudes en el nombre no es pura coincidencia‖ (TELESCA, I. La república de los historiadores del Paraguay posbélico. p. 131). Não abordei esse texto porque tive acesso tardio a ele. 123

autoridad‖425. O mérito do trabalho de Garay estava em sua intensa pesquisa documental, arrolada na Espanha no Archivo de Sevilla, quando foi secretário da Legación Paraguaya en Madrid. A documentação serviu de base, também, para a produção historiográfica posterior a sua morte. De suas pesquisas, resultaram quatro livros: La revolución de la independencia del Paraguay, Breve Resumen de la Historia del Paraguay, Compendio Elemental de la Historia del Paraguay e El Comunismo en las misiones de la Compañía de Jesús. Malgrado sua morte prematura, Garay426, segundo Amaral, é muito importante porque influenciou a generación de 900 de forma significativa427. Mas também porque ―su discurso histórico enlaza por primera vez dos mitos patrióticos que tendrían un fuerte impacto en la construcción de la memoria nacional‖428. Esses mitos referem-se à origem do Paraguai. Assim como a França buscou suas origens no povo troiano429, os paraguaios, a partir de Blás Garay, procuraram, em um primeiro momento, identificar esse país com a pátria indígena, a qual caracterizaria o momento fundacional da nação paraguaia; e em um segundo momento, defendem a idade de ouro, que Garay afirma coincidir com o governo de Carlos Antonio López, no sentido de que esse governo estava trazendo o progresso para o país e havia transformado o Paraguai na maior potência militar da América do Sul. O que é falso430. Nota-se uma disparidade do Paraguai em relação a outros países. Todavia, no plano teórico, é interessante sinalizar que se essa disparidade, ou singularidade, não desconecta o Paraguai do resto do mundo. Como muito bem notou Jünger Osterhammel, ao observar a relação entre a história total e a regional: ―Cada ámbito tiene su propia estructura temporal: un principio específico, un final específico, tiempos, ritmos y subperíodos específicos‖431, mas que, ao fim e ao cabo, se relacionam. Essas especificidades como ficará demonstrado adiante, foram fatores causais da relação que se estabeleceu entre os intelectuais paraguaios e os movimentos sociais, bem como intelectuais não vinculados à construção da identidade nacional. Os problemas e discussões que não se relacionavam à identidade paraguaia,

425 ZUBIZARRETA, C. Cien vidas paraguayas, p. 165. 426 Blás Garay faleceu em 1899, ao não resistir aos ferimentos de um tiro; morre prematuramente, aos 26 anos de idade. 427 AMARAL, R. El novecentismo paraguayo, p. 186. 428 BREZZO, L. M. El mundo de Ariadna y Penélope, p. 23. 429 Sobre o assunto ver DOSSE, François. A História. Bauru, SP: EDUSC, 2003. p. 261 – 298. 430 Apontam nesse sentido: BREZZO, Liliana. ―El mundo de Ariadna y Penélope: Hilos, tejidos y urdimbre del nacimiento de la Historia en el Paraguay‖. In: BÁEZ, Cecílio; O‘Leary, Juan E. Polémica sobre la Historia del Paraguay. Compilación de Ricardo Scavone Yegro y Sebastián Sacavone Yegros. Estudio crítico de Liliana Brezzo. 2 ed. Asunción: Tiempo de Historia, 2011. p. 23-24; HOLANDA, Sérgio Buarque de. Política e Guerra. In: _____ (Org.). O Brasil Monárquico: do Império à República. Coleção História geral da civilização brasileira. 7 ed. t.2, v. 7. Rio de Janeiro, Bertran Brasil, 2005. p. 54-56; WARREN, Harris Gaylord. Paraguay y la triple Alianza – la década de Posguerra: 1869-1879. Asunción: Intercontinental, 2015. p. 60. 431 OSTERHAMMEL, J. La transformación del Mundo, p. 14. 124

estabeleceram-se como pontos marginais da história do país. Exemplos disso são o periódico El Despertar, de viés anarquista, ou a experiência de Moises Bertoni, que montou uma colônia anarquista no Paraguai do início do século XX432. Sobre este último, há muito pouca coisa escrita sobre sua experiência de fundar uma colônia socialista. Ainda nessa linha, vale frisar que, segundo o mesmo Osterhammel,

[...] en muchas regiones del mundo, antes que se importarán de Europa las doctrinas nacionalistas, ya se habían formado identidades ‗patrióticas‘ propias que después, en años posteriores del siglo XIX y durante el XX, se pudieron reinterpretar a la luz del nacionalismo‖433.

Tomando por base os dados apresentados, é possível inferir que Blás Garay, ao retomar esses mitos de la pátria indígena e da edad de oro, conflui na direção da explicação de Osterhammel, quando sistematiza os elementos do nacionalismo. Benedict Anderson observa que ―os movimentos nacionalistas de independência hispano-americanos são inseparáveis das correntes universalistas do liberalismo e do republicanismo‖434. O Paraguai, por sua parte, mesmo tendo estabelecido uma república, após sua independência, em 1811, instaurou, rapidamente, um governo autoritário e sem abertura para o liberalismo – isso viria timidamente com Carlos López, a partir da década de 1840. Assim sendo, é possível observar que o interesse tardio pelos símbolos do nacionalismo, também, estava associado à disparidade do Paraguai em relação às outras repúblicas latino americanas. Em termos de exemplo, para ficar apenas na América Platina, nota-se, seja no âmbito da literatura, seja no dos símbolos nacionais, visível diferença entre países: Paraguai, Uruguai, Argentina e Brasil. Basta observar o quadro a seguir, que mostra o período de interesse no sentido de se criarem o hino, a bandeira, os arquivos e as bibliotecas nacionais – e mesmo a história oficial.

432 Devo essa informação ao professor Anibal Herib Caballero Campos. Segundo José E. García, Bertoni: ―[...] el estudio de las ciencias naturales, convirtiéndose en la inclinación preponderante de su vida. En los años de juventud comulgó con los ideales anarquistas y fue en parte esta influencia intelectual lo que impulsó su aventura a América para fundar una colonia socialista en esta parte del mundo, acompañado de toda su familia. El primer destino fue la Argentina, hacia donde partieron en 1884, y luego el Paraguay, en 1888‖ (GARCÍA, J. E. El Pensamiento de Moisés Bertoni sobre el Origen y la Psicología de los Indígenas Guaraníes, p. 54). 433 OSTERHAMMEL, J. La transformación del Mundo, p. 12. 434 ANDERSON, B. Sob três bandeiras, p. 19. 125

Quadro 3 – Instituições e elementos vinculados à afirmação das identidades nacionais nos países platinos

País Hino Bandeira Arquivo Biblioteca Instituto Nacional Nacional Histórico e Geográfico Paraguai 1853435 1811436 1854437 1887438 1895439 Argentina 1813440 1812441 1821442 1810443 1854444 Brasil 1830445 1822/1889446 1838447 1810448 1838449 Uruguai 1833450 1828451 1827452 1816453 1843454

Relativamente aos dados, cabe indicar que Osterhammel informar que os museus, os arquivos nacionais, a bibliotecas nacionais, a fotografia, a ciência estatística, o cinema, assim como os institutos históricos e geográficos, são instituições e inventos, em sua maioria, do século XIX. O autor expõe o fato de que esse foi um período de memória organizada; para

435 Existem algumas controvérsias sobre o hino do Paraguai. Para maiores detalhes: http://www.portalguarani.com/1592_francisco_acuna_de_figueroa/13013_himno_nacional_paraguayo_letra_de_ francisco_acuna_de_figueroa_.html consultado em 28/09/2018 as 10:59h. 436 O site do governo, em texto explicativo, esclarece que o Paraguai, desde o período colonial, teve 14 bandeiras, a atual entrou em vigência em 1988; e a primeira, após a independência, em 1811. Sobre o assunto, ver: http://www.mdi.gov.py/index.php/seguridad-ciudadana/item/4919-las-banderas-del-paraguay-y-su-historia- el-ministerio-del-interior-cuenta-con-una-galer%C3%ADa consultado em 28/09/2018 as 11:00h. 437 TELESCA, I. La República de los historiadores del Paraguay posbélico, p. 123. 438 http://www.cultura.gov.py/biblioteca-nacional-del-paraguay-difundiendo-el-conocimiento/ consultado 28/09/2018 as 11:05h. 439 Aqui faço correspondência entre o IHGB com o Instituto Paraguayo. 440 https://www.casarosada.gob.ar/nuestro-pais/simbolos-nacionales consultado em 28/09/2018 as 11:07h. 441 https://www.casarosada.gob.ar/nuestro-pais/simbolos-nacionales consultado em 28/09/2018 as 11:07h. 442 http://www.agnargentina.gob.ar/nosotros.html consultado em 28/09/2018 as 11:10h. 443 https://www.bn.gov.ar/biblioteca/acerca/historia consultado em 28/09/2018 as 11:13h. 444 https://www.elhistoriador.com.ar/efemerides-septiembre/ consultado em 27/09/2018 as 16:07h. 445 Isso no que se refere à melodia, pois a primeira letra foi composta em 1831, dada a abdicação de Dom Pedro I; a segunda, dez anos mais tarde, em decorrência da coroação de Dom Pedro II; a terceira refere-se à anulação da letra, por parte de Deodoro da Fonseca, após a Proclamação da República, que reproduziria a melodia de Francisco Manoel da Silva por três décadas, até que, em 1922, o presidente Epitácio Pessoa oficializasse a letra de Joaquim Osório Duque-Estrada, que já o havia composto em 1909. Dados retirados de https://www12.senado.leg.br/hpsenado consultado em 28/09/2018 as 11:31h. 446 Em documento iconográfico disponível na Hemeroteca da Biblioteca Nacional, de 1908, de Segismundo Pinto Martins Junior, O Brasil possui oito bandeiras, disponível em: http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_iconografia/icon733410/icon733410.jpg consultado em 28/09/2018 as 11:09h. 447 http://www.arquivonacional.gov.br/br/institucional/historico.html consultado em 28/09/2018 as 11:25h. 448 https://www.bn.gov.br/sobre-bn/historico consultado em 28/09/2018 as 11:15h. 449 https://ihgb.org.br/ihgb/historico.html consultado em 28/09/2018 as 11:22h. 450 https://www.estudioshistoricos-en.edu.uy/simbolos-nacionales.html consultado em 27/09/2018 16:00h. 451 https://www.estudioshistoricos-en.edu.uy/simbolos-nacionales.html consultado em 27/09/2018 16:00h. 452 O primeiro arquivo de Montevideo, foi ainda no período colonial e não recebeu o nome de arquivo, é conhecido como Cabildo de Montevideo, criado em 1730. Para maiores informações: GARCÍA, Víctor Barranco; FELLOSA, Eliseo Gabriel Queijo. ―Primer acercamiento a la historia de la archivología en el Uruguay‖. Rev. Fuent. Cong. v.10 n.43 La Paz abr. 2016. 453 http://www.bnm.me.gov.ar/novedades/?p=13106 consultado em 28/09/2018 as 10:54h. 454 https://histogeouru.wordpress.com/ consultado em 28/09/2018 as 10:57h. 126

ele, o ―siglo XIX ya no es un recuerdo activo, sino solo una representación‖455. Osterhammel defende, ainda, que o século XIX representou a si mesmo, ao criar esses espaços de memória. Tais espaços, como a história das representações já pôde evidenciar, em geral, responde aos interesses do próprio Estado. Nesse sentido, podem-se incluir, já no início do século XX, os Álbuns Gráficos, como o do Paraguai, de 1911, que tinha o interesse, de representar o progresso e a civilização paraguaia, nos moldes europeus. Importa sublinhar, contudo, que os dados amplos servem para mostrar que o Paraguai avançou, mas com certo descompasso, em relação aos seus vizinhos. Percebe-se, portanto, que a bandeira foi a primeira a ser criada, logo após a Independência, mas em relação aos outros pontos, todos foram manifestações tardias: o hino foi produzido com diferença de vinte anos; o arquivo, dezesseis; a biblioteca, com setenta e um anos e o instituto histórico com quarenta e um anos456. Essa diferença se deve ao fato, sobretudo, de que as fronteiras não estavam plenamente abertas ao elemento externo, antes da guerra de 1864-1870. Enquanto a Europa encantava as inúmeras nações ao redor do globo457, a nação paraguaia olhava apenas para si mesma até a morte de Francia. Para dar uma ideia da potência europeia, no século XIX, Osterhammel escreveu o seguinte:

Los cambios que nascían en Europa nunca habían penetrado con tanta fuerza en el resto del mundo. La cultura europea nunca había sido adoptada con tal entusiasmo mucho más allá de la esfera de acceso colonial. El siglo XIX fue también un siglo de Europa porque los demás se midieron con Europa. Europa ejerció sobre el mundo tres factores: poder, que a menudo desplegó con violencia; influencia, que logró asegurar-se por medio de los incontables canales de la expansión capitalista; y un efecto de modelo que no bloquearon ni siquiera muchas de las víctimas de Europa. […] Europa nunca había liberado tal exceso de iniciativa y capacidad de innovación, e igualmente de arrogancia y voluntad de sometimiento458.

Vale frisar que a morte de Solano López não marcou apenas o fim da guerra, mas também a perspectiva de se formar um novo país, sob os auspícios do liberalismo de corte bonaerense459; isso, apesar da interferência decisiva José Maria da Silva Paranhos, que,

455 OSTERHAMMEL, J. La transformación del Mundo, p. 21. 456 Esses dados consideram o ano mais próximo da fundação ou criação, assim como no caso do hino, o último a ser criado foi o do Uruguai, em 1833, portanto foi a base, para contabilizar a diferença em relação ao Paraguai, que criou seu hino em 1853. 457 ―A Europa detinha uma superioridade tão vasta em termos de recursos industriais, financeiro, científicos e militares que o imperialismo [...] avançou sem muita resistência armada‖ (ANDERSON, B. Sob três bandeiras, p. 21). 458 OSTERHAMMEL, J. La transformación del Mundo, p. -15-16. 459 FLORENTÍN, C. G. El Paraguay de la Post Guerra, p. 19. 127

representando o Brasil, coordenou as ações do pós-guerra no Paraguai e teve um papel decisivo na formação do governo provisório460. Ademais, como já foi possível demonstrar anteriormente, os triúnviros insistiam na ideia de que eram construtores e não destruidores461. Estavam estavam impregnados dos ares forâneos462. Assim, o Paraguai passa a viver um paradoxo, que se consubstanciava no intento de produzir um sentimento de pertença, de constituir a identidade paraguaia, mas que para isso valia-se de modelos externos, essencialmente, europeu463. Paradoxo compartilhado por quase todos, se não todos, os países não europeus. Se por um lado esses paraguaios que apoiaram a guerra contra o Paraguai trouxeram elementos como o liberalismo e o desejo de levar o progresso para o país, em moldes europeus; por outro, os migrantes, que chegaram através da política de repovoamento, na década de 1880, trouxeram os movimentos de esquerda. Assim, essa migração não trouxe apenas braços para o trabalho e para o repovoamento do país, mas também perspectivas ideológicas diferentes464. A partir da leitura de Francisco Gaona, Historia gremial e social del Paraguay, pode- se notar o modo pelo qual o socialismo e o anarquismo penetraram na sociedade paraguaia e permitiram práticas que estavam em consonância com os movimentos globais:

Durante el período que media entre los años de 1901 e 1905, el gremio de los oficiales carpinteros vio reforzada su lucha con la incorporación de dos militantes extranjeros, ideológicamente definidos y apoyados por un grupo ponderable de carpinteros paraguayos, encabezado por Modesto Amarilla. Se trata de José Serrano, español anarquista, y

460 Sobre o assunto, ver: WHIGHAM, Thomas. ―Silva Paranhos e as origens de um Paraguai Pós-Lopéz (1869)‖. Diálogos (Maringá. Online), DOI 10.4025, v. 19, n. 3, 2015, p. 1085-1119, set.-dez. 461 Um órgão importante criado para veicular essa imagem e demonizar a imagem de Solano López, foi o periódico La Regeneración, periódico inspirado na Revolução Francesa. Entre seus principais objetivos estava o de demonizar Solano López. Em nove de março de 1870 publicou: ―El 1 de marzo de 1870 será siempre el aniversario de la libertad del Paraguay, sellada con la muerte ignominiosa de un monstruo que gobernó con sangre y llevó a sus hijos al martirio‖ (La Regeneración apud WARREN, H. G. Paraguay y la triple Alianza, p. 43). Outro objetivo era mostrar que esses legionários, ao se colocarem ao lado da Tríplice Aliança, não lutaram contra o povo paraguaio, mas contra a tirania no país (FLORENTÍN, C. G. El Paraguay de la Post Guerra, p. 20). 462 Isso ocorria porque no período dos López, pai e filho, houve grupos de paraguaios exilados em Buenos Aires que organizaram algumas associações e que, após a guerra, pretendiam assumir o governo do país, tais como: Legión paraguaya, Asociación Paraguaya, Sociedad Libertadora, entre outras (WHIGHAM, T. Silva Paranhos e as origens de um Paraguai Pós-Lopéz, p. 1096; FLORENTÍN, C. G. El Paraguay de la Post Guerra, p. 19). 463 Baseio essa afirmação no texto do professor Herib Anibal Caballero Campos, que afirmou que mesmo durante a guerra, sustentava-se que ―[...] uno de los propósitos de la misma era llevar la civilización al Paraguay, que implicaba la forma de un gobierno liberal‖ (CAMPOS, H. C. El país ocupado, p. 43). 464 Um aspecto interessante dessa política de repovoamento é destacado por Carlos G. Florentín: ―[...] los gobiernos de la era liberal intentaron atraer inmigrantes europeos que pudieran generar desarrollo para el país. […] una creencia de la época era que los trabajadores paraguayos no podían generar desarrollo por sí mismo, y que se necesitaba mano de obra foránea, especialmente europea, para inyectar sangre progresista al país. En parte, esto estaba justificado por la escasez poblacional agudizada por la emigración de nacionales incluso durante la postguerra‖ (FLORENTÍN, C. G. El Paraguay de la Post Guerra, p. 96). 128

Juan Rovira, catalán socialista […]465.

Portanto, se por um lado eram necessários braços para o trabalho, para repovoar o país, por outro, era necessário firmar a identidade nacional paraguaia. O elemento estrangeiro não ajudava nesse ponto. Assim, além de posterior aos países vizinhos, o nacionalismo paraguaio teve que enfrentar o imigrante, como parte de uma conjuntura que atuava de forma a fragmentar a nação paraguaia. Nação que havia quedado, após a guerra, com cerca de metade de sua população, que estava composta, preponderantemente, de crianças, mulheres e idosos. Sobre essa questão o texto Extranjeros de Barrett, publicado em 1905, expressa que:

La república paraguaya defiende su genio nacional, empañado, turbado por el llover constante de gallegos y de gringos. El campesino murmura guaraní a espaldas del extranjero. Fenómeno fatal, legítimo, respetable. El doctor Francia hizo de su país una isla inaccesible en pleno continente. Concentró la raza a la manera de un ácido dentro de una redoma. Pero, ¿no sería un suicidio imitar actualmente al doctor Francia466?

O texto de Barrett é de vinte e um de julho de 1905, publicado em El Diario, em uma época em que ele ainda não tinha se voltado para o anarquismo. Nesse ano, ele continua a ter afinidades com o republicanismo, como destacado nos capítulos iniciais. Passa a indagar sobre a relação do país com os estrangeiros. Somente em sua fase anarquista irá criticar mais duramente as oposições e cerceamentos infringidos aos não paraguaios. Ao direcionar-se para o anarquismo, Barrett acentua o seu respeito ao estrangeiro, defendendo um mundo sem fronteiras, onde o amor ao próximo, sob as influências de Jesus Cristo e de Tolstói, essencialmente, seria a grande chave para um mundo mais humano e solidário. O acratismo, característico do anarquismo, permitiu que ele desdobrasse essa visão sobre o elemento nacional, de forma a considerar que a ideia de que a pátria serve apenas aos interesses do grande capital467:

465 GAONA, F. Introducción a la Historia gremial y social del Paraguay (Tomo I), p. 107. 466 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 514. 467 Aqui vale notar que grande capital refere-se ao capital especulativo, financeiro, de grandes corporações e bancos. Importa porque em 1908, Barrett publicou um texto intitulado La crisis económica. El pequeño comercio, publicado em Germinal, em vinte e três de agosto de 1908, no qual observa que ―El comercio grande es bancario, exportador y usurero. El comercio chico es importador, esclavo de los bancos y víctima de la usura. El grande acapara el oro; el chico se contenta con lo que decide que valga el papel. Mientras el grande dispone de la moneda, el chico se queda con una moneda sin valor y al cabo sin la moneda misma. El grande dispone del Estado y de las leyes; el chico no encuentra la menor protección de parte de la ley, porque no tiene nada que prestar ni regalar a los ministros y a los diputados‖ (BARRETT, R. Obras Completas I, p. 534). 129

¡Al cuartel! ¿No es el cuartel donde deben ir las bestias? ¡Ah, pobres paraguayos descalzos! No basta la enfermedad, el abandono, la explotación económica; es preciso, el insulto; es preciso que os echan la garra al cuello donde os encuentren y os manden a patadas al cuartel. No supliquéis; no digáis que sostenéis vuestra familia con vuestro esfuerzo laborioso, y que vuestra ausencia del hogar constituye una catástrofe. Las bestias no tienen familia, ni oficio, ni dignidad. No tienen más que patria; eso sí. Una patria terrible. […] en el cuartel no veréis ningún compañero que no sea un descalzo como vosotros. ¡La ley! ¡Valiente engañifa! Solamente los descalzos han de defender la patria. Los calzados la gozan468.

A ressalva em torno dessa mudança do pensamento barrettiano é importante, pois, no percurso dessa tese, fiz questão de deixar claro o quanto Rafael Barrett foi um pensador complexo. Além disso, vale evidenciar que seus textos são considerados como fontes e, aqui, atestam os problemas que envolviam os intelectuais paraguaios naquela época em relação, por exemplo, à construção da identidade paraguaia. Barrett foi testemunha desse paradoxo – ao mesmo tempo em que buscava construir um sentimento de pertença, necessitava-se de mãos externas para o trabalho; assim, a economia do país voltava-se para formas tradicionais de extração469 e se abria para o mercado especulativo, privilegiado pela venda massiva de terras públicas470. Ainda sobre os migrantes, vale observa que não era uma situação específica do Paraguai. Em 1907, a lei Adolpho Gordo, regulava o direito de expulsar as pessoas que não atendiam aos interesses políticos e econômicos do Brasil471. Cumpre registra que o ponto crítico do país vizinho se encontrava em sua manifestação tardia em relação à produção dos elementos nacionais. Enquanto o Brasil buscava os símbolos da República, o Paraguai, ainda

468 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 541. 469 ―[...] la principal actividad recayó [no período pós guerra] prontamente sobre las bases tradicionales de la economía paraguaya durante los últimos dos siglos: yerba mate y tabaco y la principal – o única – fuente de ingresos del Estado se derivaba de su imposición al comercio exterior‖ (BREZZO, L. M. El Paraguay a comienzos del Siglo XX, p. 21). 470 A venda das terras públicas se desdobrou em duas frentes: a primeira referente a perda da propriedade por parte dos antigos donos, já que as escrituras que confirmavam a posse foram perdidas em incêndios (GONZALES apud SOUZA, J. C. O Estado e a Sociedade no Paraguai durante o governo do partido Liberal, p. 156); a segunda, relativa à impossibilidade de comprar as terras: ―[...] las condiciones liberales para la operación, la obligación de adquirir media legua cuadrada como mínimo impidió que los compradores modestos pudieron acceder a la propiedad; los pobladores paraguayos arruinados por la guerra no podían permitirse el lujo de esta adquisición‖ e em consequência, ―esta transferencia de la mayor parte de la tierra paraguaya de propiedad pública a la privada no dio por resultado el progreso económico, sino el latifundio, con terratenientes absentistas, en tanto que la mayoría de habitantes se vieron relegados a la condición de peones, obligados a trabajar y a producir para aquéllos‖ (BREZZO, L. M. El Paraguay a comienzos del Siglo XX, p. 21). 471 Disponível em: consultado em 30/09/2018 as 12:37h; sobre o assunto, ver também: DOMENECH, Eduardo. ―Inmigración, anarquismo y deportación: la criminalización de los extranjeros ‗indeseables‘ en tiempo de las ‗grandes migraciones‘‖. REMHU - Rev. Interdiscip. Mobil. Hum., Brasília, Ano XXIII, n. 45, jul./dez. 2015. p. 169-196. 130

tentava encontrar sua identidade, que logo seria identificada com a raça guarani, exemplarmente denotada no texto de Manuel Domínguez Causas del heroísmo paraguayo. Se, por um lado, o hino brasileiro quedou sem letra por cerca de 30 anos, por outro, há muito já se constituía como símbolo do país. O Paraguai não tinha isso. Explicados esses pontos mais amplos, sobre a situação do Paraguai e sobre o contexto global, importa retomar a partir de Blás Garay472 o que preocupou a intelligentsia paraguaia. Nesse âmbito, vale reafirmar que ele foi responsável pela fundação dos mitos patrióticos que, logo após sua morte, serviriam de base para a generación del 900, que segundo Brezzo, ―[...] es el primer y exitoso eslabón del hasta ese momento frustrado proceso de conformación de élites intelectuales en Paraguay durante el siglo diecinueve‖473. Ao destacar os fracassos no campo socioeconômico, empreendidos no pós-guerra, no Paraguai, graças à imprudência de gestão, Liliana Brezzo observa que nesse período houve ―[...] un interesante clima cultural caracterizado por la eclosión de la primera élite de intelectuales paraguayos que se dedicarán a la Historia‖474 – a generación del 900. Ademais, Brezzo ainda destaca que o principal núcleo dos generacionistas foi o Instituto Paraguayo, que, em 1896, passaria a editar a Revista del Instituto Paraguayo. Junto à edição desse veículo ―[...] comenzaron a circular otras publicaciones con similares pretensiones científicas como la Revista de la Universidad Nacional y la Revista de Agronomía y Ciencias Aplicadas, dirigirá por Moisés Bertoni‖475. Para Raúl Amaral,

El novecentismo ha querido ser o significar, en el Paraguay, la renovación de modos de vida, de sistemas de orientación intelectual y, por sobre todo, un método distinto para enfocar los desencuentros de la historia, latentes aún a treinta años de terminada la Guerra de la Triple Alianza476.

As influências recebidas por esses movimentos foram variadas, como o positivismo, o romantismo, o krausismo espanhol, o darwinismo social de Spencer, assim como o liberalismo. Além disso, Amaral afirma que a generación del 900, envolve intelectuais

472 Blás Garay não é foco da análise aqui porque acabou falecendo aos 26 anos de idade em 18 de dezembro de 1899. Mas nos interessa no sentido de que foi considerado um escritor influente para seus coetâneos (AMARAL, R. El novecentismo paraguayo, p. 186), mas também porque ―su discurso histórico enlaza por primera vez dos mitos patrióticos que tendrían un fuerte impacto en la construcción de la memoria nacional‖ (BREZZO, L. M. El mundo de Ariadna y Penélope, p. 23). 473 BREZZO, L. M. El Paraguay a comienzos del Siglo XX, p. 19. 474 BREZZO, L. M. El Paraguay a comienzos del Siglo XX, p. 19. 475 BREZZO, L. M. Juan E. O‟Leary, p. 34. 476 AMARAL, R. El novecentismo paraguayo, p. 57. 131

externos. Considerando isso, ele define que o núcleo dos novecentistas se desmembra em três: i) o dos paraguaios nativos ii) o dos que se mudaram para o Paraguai e o adotaram como pátria, especialmente espanhóis e argentinos – aqui se pode incluir Rafael Barrett iii) e o dos americanos, cujas idades era próxima as dos paraguaios contemporâneos (nascidos entre 1867 e 1879), destacando-se, nesse caso, cinco argentinos, um venezuelano e um boliviano477. Outro fator que deve ser sublinhado é o de que esses intelectuais, em geral, atuaram em instâncias do governo, de maneira que seus discursos estavam associados às suas práticas e posições políticas. Todavia, as posições políticas não eram unilaterais, havia divergência do grupo em relação às posições partidárias. Assim: “Algunos de ellos Adherirán al Partido Colorado como Blás Garay, Fulgencio Moreno, Manuel Domínguez, otros se mostrarán identificados con los principios del Partido Liberal como Eligio Ayala, Manuel Gondra, Cecílio Báez y, en su juventud, Juan O’Leary”478. Segundo Luis Galeano, isso não parecia importar muito. O autor pondera que:

Si bien fundamentaron sus principales principios en la ideología liberal, en términos más plenos por parte del primero [Partido Liberal], ambas organizaciones, antes que esos elementos valorativos, en la práctica privilegiaron la conquista y el control del poder en beneficio de sus dirigentes y adherentes, constituyéndose más bien en partidos de patronazgo, antes que en partidos ideológicos479.

Considerados esses pontos, importa, a seguir, avaliar a produção de alguns integrantes da intelligentsia paraguaia que compunham a genaración del 900, com o intuito de compreender a atmosfera intelectual com a qual Barrett se defronta ao se mudar para aquele país. Atmosfera essa que, segundo Hugo Rodríguez-Alcalá, é responsável pelo fato de Barrett não ter logrado fazer escola480, nem quando viveu no Paraguai, nem após sua morte. Consequencia de um clima intelectual que privilegiava apenas o interno, o nacional e que estava, invariavelmente, associado às demandas do poder. Não é em vão que Galeano enfatisa a importância da questão educacional como meio de produzir o sentimento de pertença na população paraguaia, que enfrentava crise após crise481. ―Lo cierto es que una simbología de lo nacional (la historia tenía un marcado tinte bélico), en torno a los sobrevivientes de la Guerra de la Triple Alianza‖482.

477 AMARAL, R. El novecentismo paraguayo, p. 42. 478 BREZZO, L. M. El mundo de Ariadna y Penélope, p. 21. 479 GALEANO, L. El pensamiento social histórico paraguayo, p. 48. 480 RODRÍGUEZ-ALCALÁ, H. Literatura Paraguaya, p. 60. 481 GALEANO, L. El pensamiento social histórico paraguayo, p. 57. 482 AMARAL, R. El novecentismo paraguayo, p. 62. 132

O momento em que os ânimos se tornaram mais exaltados, em relação à questão nacional, foi o período entre 1902 e 1903, quando uma contenda entre dois intelectuais tomou as páginas dos jornais paraguaios, em específico, o periódico La Patria, no qual publicava Juan E. O‘Leary, e o El Cívico, o veículo de imprenssa de Cecílio Báez. Segundo Raúl Amaral, essa não era a primeira contenda; houve, ainda, o caso ocorrido entre o filho de Solano López, Enrique Solano López, e o educador argentino, Francisco Tapia483. A diferença entre a primeira e a segunda foi que entre O‘Leary e Báez a repercussão pública foi maior. Uma das características da generación del 900 era o fato de que seus integrantes estavam vinculados à Universidad Nacional484. Além disso, outro traço comum era o fato de que a maioria cursava a faculdade de direito, não apenas para formar juristas, ―[...] sino también los grupos dirigentes del país‖485. Assim, era a elite intelectual do país. Além dessas duas características, Galeano ainda apresenta mais duas, que referem-se: ao gênero da escrita produzida por esses intelectuais, o ensaio486; e por manterem o foco das análises concentrado entre as últimas décadas do século XIX e as primeiras do século XX, período que Galeano identifica com as duas guerras: a Guerra do Paraguai e a Guerra do Chaco, que não integra a presente pesquisa487. O que novamente traz à baila o tema da Guerra, que consubstancia o nacionalismo paraguaio desse momento, cuja história foi concebida tendo como norte o rol dos heróis paraguaios do conflito e ―[...] los impactos de los conflictos bélicos o no488, surgidos entre países por el dominio y soberanía de los territorios‖489. Se o Instituto Paraguayo tinha por meta a cientificidade, O‘Leary e Báez, não se preocupavam com isso ao escreverem para La Patria e El Cívico, respectivamente. O‘Leary defendia o passado heroico do povo paraguaio e considerava o Brasil como um país

483 AMARAL, R. El novecentismo paraguayo, p. 63. 484 Talvez seja interessante vincular esse grupo mais aos egressos do Colégio Nacional do que à Universidad Nacional, pois nem todos se formaram na universidade, ao passo que tiveram contato com o colégio. 485 GALEANO, L. El pensamiento social histórico paraguayo, p. 45. 486 ―Por cierto, el ensayo es un método de razonamiento y un género literario que no resulta fácil definirlo con precisión. No obstante, cabe sostener que suele recurrirse al mismo cuando no se cuenta con los conocimientos científicos adecuados, o suficiente, sobre la realidad histórica y social acerca de la cual se pretende reflexionar, y el propósito consiste en intentar desentrañar las profundidades y entrever los caminos que conduzcan al cambio de esa realidad‖ (GALEANO, L. El pensamiento social histórico paraguayo, p. 45). Nesse mesmo sentido, Brezzo afirma que: ―[…] a diferencia de lo que suele ocurrir en los debates entre historiadores, el debate entre Báez y O‘Leary no contribuyo a la consolidación de la disciplina histórica en el sentido de que ninguno basó sus argumentaciones en la experiencia en los archivos‖ (BREZZO, L. M. El mundo de Ariadna y Penélope, p. 65). 487 GALEANO, L. El pensamiento social histórico paraguayo, p. 45. 488 Essa negativa se refere aos conflitos de caráter diplomático, que não levaram às vias de fato. Assim, pode-se citar um exemplo de O‘Leary, que trata dos problemas com o Brasil, que teve desavenças com todos os países da América do Sul: ―¿Con qué país vecino no tuvo disensiones seculares por la cuestión de límites? ¿a qué país vecino no arrebató el Brasil inmensas zonas de territorio?‖ (BÁEZ, Cecílio; O‘Leary, Juan E. Polémica sobre la Historia del Paraguay, p. 425-426). 489 GALEANO, L. El pensamiento social histórico paraguayo, p. 57. 133

imperialista que havia invadido e devastado o Paraguai. Báez, por seu turno, se destacou por contrapor à posição de O‘Leary, no sentido de que defendia que López havia dizimado a população paraguaia e que se a situação do país era precária, devia-se à tirania, e não ao imperialismo brasileiro, como o defendido por O‘Leary. Como destacou Liliana Brezzo, em seu texto sobre a disputa entre O‘Leary e Báez, o clima político e econômico do Paraguai foi o cenário de fundo para a divergência. Segundo ela, ―[...] en el año 1902 el Estado paraguayo aparecía débil, con agudos problemas de corrupción y había agotado sus mecanismos de generación de ingresos, fuera de la imposición al comercio exterior‖490. Nesse contexto, Báez publicou em desesseis de outubro de 1902, o texto ―Optimismo y Pobreza. Las ganancias de los bancos. Males y Remedios‖. Foi esse texto que desencadeou a referida polêmica. Todavia, não foram apenas questões políticas e econômicas que levaram O‘Leary e Báez à contenda intelectual, mas também o clima propiciado pela atmosfera cultural do país, dada ―[…] la eclosión de la primera élite de intelectuales paraguayos que se dedicarán a la Historia‖491. Nesse contexto, Brezzo ainda enfatiza a debilidade heurística da polêmica: ―Ni Báez ni O‘Leary recogen en sus argumentaciones, salvo alguna cita, los adelantos historiográficos producidos por Blás Garay, ni apelan a una investigación documental exhaustiva para refutar o demostrar sus aseveraciones‖492. Assim, diferentemente da escola positivista Hankeana, na Alemanha, e da escola metódica francesa, Báez e O‘Leary não fizeram uso de uma documentação histórica para alicerçar seus argumentos. José Manuel Silvero, por sua vez, observa, na esteira do positivismo de Báez, que a referida polémica teve origem na advertência feita por Báez, que: ―[…] no era otra que una advertencia a la juventud y al pueblo sobre los peligros de la adoración del pasado‖493. Para Báez, a juventude tinha que agir. No dia vinte e um de maio de 1902, Báez regressa da Conferência Internacional Americana, que havia sido realizada no México. Malgrado ser um liberal, ele era muito respeitado no país e foi escolhido pelo governo colorado para representar o Paraguai na referida conferência. No início do mesmo mês de maio, O‘Leary inicia seus escritos em La Patria com Recuerdos de gloria. Na série intitulada ―Estudios económicos‖, Báez questiona, indiretamente, como informa Brezzo494, os textos de seu futuro adversário intelectual: ―Las

490 BREZZO, L. M. El mundo de Ariadna y Penélope, p. 18. 491 BREZZO, L. M. El mundo de Ariadna y Penélope, p. 19. 492 BREZZO, L. M. El mundo de Ariadna y Penélope, p. 46. 493 SILVERO, J. M. Pensadores praguayos, p. 22. 494 BREZZO, L. M. El mundo de Ariadna y Penélope, p. 69. 134

glorias militares que hemos alcanzado han causado la ruina del Paraguay‖495. Isso potencializou os atritos. O‘Leary, ao defender a heroicidade do povo paraguaio, ao criticar a interferência externa, que assolou o país, e ao responsabilizando os países da Tríplice Aliança pela situação do Paraguai, observa o seguinte:

Hemos convenido con el ilustrado maestro en que esas glorias para algo sirven, desde el momento que ‗retemplan‘ el patriotismo. Pero nos quedan las deudas. ¡Malditas deudas! Nuestros libertadores, para quienes el altor de Punto en boca496 pide amabilidad, además de arrebatarnos tantas leguas de territorio, no dejaron ese otro presente de griego. Pero hay que convenir también en que fueron cerrado en el marco formado por los ríos Paraguay, Apa y Paraná y la cordillera de Mabaracayú497.

Em outro texto, publicado em janeiro de 1903, quase próximo ao fim da contenda, e depois de uma longa exposição sobre características paraguaias que contestavam o dito cretinismo paraguaio, alegado por Báez, O‘Leary salienta a ambição imperialista do Brasil, responsabilizando-o pela Guerra de 1864 a 1870:

[…] diremos que la intervención brasileña en el Uruguay y la guerra de 1865 fue el lógico desenlace de la política absorbente, de las miras ambiciosas del Imperialismo. En efecto, no de otro modo podían concluir las añejas pretensiones del único imperio de la América del Sud – verdadero parásito adherido al suelo del nuevo mundo – que en todos los momentos de su historia amenazó a sus vecinos y más que amenazo, asaltó con invasiones verdaderamente bárbaras, como las de sus mamelucos que han dejado triste memoria en los países limítrofes […] ¿Con qué país vecino no tuvo disensiones seculares por la cuestión de límites? ¿a qué país vecino no arrebató el Brasil inmensas zonas de territorio?498.

No fundo, o que O‘Leary defendia era a sedimentação do patriotismo paraguaio, como ele mesmo afirma em um texto, El Maestro: ―Pompeyo Gonzáles, cumple con su deber de ciudadano, a quien preocupa el porvenir, escribiendo sus Recuerdos de gloria, que sirven para retemplar el patriotismo‖499. É interessante notar que, mesmo fazendo frente a Cecílio Báez, sob os pseudônimos de Pompeyo Gonzáles e Gesta N. Zambrana, O‘Leary, em determinado momento, envia uma

495 BÁEZ, C.; O‘Leary, J. E. Polémica sobre la Historia del Paraguay, p. 81. 496 Texto publicado por Báez sob o pseudônimo de Cristo Crucificado, atacando a Argentina. 497 BÁEZ, Cecílio; O‘Leary, Juan E. Polémica sobre la Historia del Paraguay, p. 86. 498 BÁEZ, Cecílio; O‘Leary, Juan E. Polémica sobre la Historia del Paraguay, p. 425-426. 499 BÁEZ, Cecílio; O‘Leary, Juan E. Polémica sobre la Historia del Paraguay, p. 85. 135

carta para Báez indagando sobre o que ele pensava a respeito de sua pessoa: ―Habrá usted leído todo cuanto se me dice anoche en El Cívico. A ser ciertas esas calumnias, yo sería indigno de figurar en las filas de Partido Liberal. […] Me dirijo a usted, digno jefe de esa abnegada agrupación, rogando-le que me diga el concepto que le merece mi persona‖500. Ao que Báez responde: ―Puedo asegurarle que todos los jóvenes como usted me inspiran la mayor simpatía, y todo mi deseo es que se hagan notables por su ilustración y su fina cultura. Usted descuella ventajosamente entre los jóvenes por su talento y otras prendas morales que le adornan‖501. Diferentemente desse apego ao passado, marcado por uma perspectiva ufanista, que seguia a linha do nacionalismo paraguaio, abordada por O‘Leary, Cecílio Báez produzia textos que criticavam a estrutura econômica, política, educacional e governamental do país. Mas ainda que em uma mirada superficial o discurso de Báez pareça ser mais social, ou mais prudente, há que se recordar o mencionado anteriomente: no contexto de uma produção historiográfica, nenhum tinha base para isso. A base era a empiria e o senso comum, mesmo sendo eles formados e intelectuais importantes. O discurso de Báez estava alinhavado com as perspectivas do partido Liberal que, naquela altura, em 1902-1903, não estava no governo. O Paraguai era governado pelo Colorado, que ficou no poder, sem realizar uma gestão satisfatória, desde 1870. Assim, o partido Liberal, oposição, agregou força e congregou todos os descontentes com o partido governista502. Fato que levou à Revolução Liberal, de 1904, e que, provavelmente, motivou o fim da contenda entre O‘Leary e Báez503. Inicialmente, O‘Leary se dedicou a escrever os Recuerdos de gloria que começava a sair em La Patria a partir de dois de maio de 1902. Mas, como informa Brezzo504, foi o texto Optimismo y probeza. Las ganancia de los bancos. Males y Remedios que desencadeou a disputa sinalizada. Contrafeito às publicações de O‘Leary, Báez respondeu e defendeu que a situação precária do Paraguai, à época, era fruto da tirania e, assim, desfaz o passado épico defendido por O‘Leary:

Los déspotas siempre quieren aparecer como intérpretes de la voluntad nacional o sirviendo a los intereses de la Nación. Cualquier

500 BÁEZ, Cecílio; O‘Leary, Juan E. Polémica sobre la Historia del Paraguay, p. 98. 501 BÁEZ, C.; O‘Leary, J. E. Polémica sobre la Historia del Paraguay, p. 99. 502 ―Los fundadores del Partido Colorado, por su larga permanencia en el gobierno, se habían convertido en el oficialismo. […] El emergente Partido Liberal en esto tuvo el camino fácil para reclutar a todos los descontentos‖ (FLORENTÍN, C. G. El Paraguay de la Post Guerra, 109). 503 BREZZO, L. M. El Paraguay a comienzos del Siglo XX, p. 120. 504 BREZZO, L. M. El Paraguay a comienzos del Siglo XX, p. 115. 136

hombre de sentido común comprenderá que López ni debió intervenir en el conflicto uruguayo-brasileiro ni mucho menos provocar la guerra505.

Para Báez, o conflito foi o ―[…] desenlace de la tiranía paraguaya‖506. E nesses termos, ―La guerra se hizo de exterminio para el Paraguay, no solamente por obra de los aliados, sino también por obra del mismo López‖507. Nesse sentido, Queiroz também, pondera:

Cecílio Báez afirmava que não havia nada de bom no Paraguai antes da guerra. Seus governantes e seu povo eram a personificação da barbárie, sem escolas, sem liberdade, sem justiça. A civilização chegara ao país graças à guerra com a Tríplice Aliança, onde os tiranos foram depostos e o povo conheceu enfim a civilização e a felicidade, subentendido como o modelo liberal de sociedade. No frigir dos ovos, perder a guerra fora um bem, e não um malefício. Ele se tornava, assim, uma espécie de ideólogo do legionarismo. O futuro do país dependeria de escola, de educação, de superação das raízes culturais e de instituições liberais508.

Em resumo, o que se evidencia é a vitória incondicional de O‘Leary, já que ele recebeu mais apoio que Báez, o que pode ser observado em uma imagem apresentada por Liliana Brezzo, na qual destaca ―Juan E‘Oleary [sic] aporreando al Dr. Cecílio Báez‖:

505 BÁEZ, C.; O‘Leary, J. E. Polémica sobre la Historia del Paraguay, p. 150. 506 BÁEZ, C.; O‘Leary, J. E. Polémica sobre la Historia del Paraguay, p. 152. 507 BÁEZ, C.; O‘Leary, J. E. Polémica sobre la Historia del Paraguay, p. 152. 508 QUEIRÓZ, S. A polêmica entre Cecílio Báez e Juan O‟Leary e sua contribuição para a historiografia paraguaia, p. 22. 137

Figura VII – Gravura de Juan O‘Leary surrando Cecílio Báez

Fonte: BREZZO, Liliana M. El Paraguay a comienzos del Siglo XX (1900-1932). Colección Historia General del Paraguay, v. 9. Paraguay: El lector, [2010?], p. 115.

Outro ponto a ser destacado, que considero de significativa importância para sustentar a tese, é de que o desenvolvimento da intelectualidade paraguaia não condizia com a dos outros países platinos, no que se refere à construção da nacionalidade, e tal questão refletiu no rechaço à obra de Rafael Barrett naquele país. Situação sobre a qual ele mesmo lamentou em carta, de trinta de junho de 1910, a seu amigo José Eulogio Peyrot, comentando que, no Paraguai, a intelectualidade apenas se esboçava e que os editores tinham medo do governo e por isso não publicavam determinadas obras, como foi o caso de El dolor paraguayo509. Bem, esse ponto refere-se ao impacto da produção de Juan O‘Leary, que tendo vencido a disputa com Báez, continuou sua empresa durante toda a sua vida. Em 2011, a historiadora argentina Liliana Brezzo publicou uma biografia de O‘Leary e nela pontuou algumas características importantes no trajeto desse intelectual. Entre elas está o seu compromisso declarado com a construção de um sentimento de pertença no país e não com a História, malgrado ter sido, no ano de 1900, designado como professor de História Americana y Nacional no Colégio Nacional de Asunción. Sua produção respondia à pátria, queria criar uma escola ou cátedra do patriotismo510. Mas como já destacado antes, se

509 BARRETT, R. Obras Completas II, p. 668-669. 510 BREZZO, L. M. Juan E. O‟Leary, p. 55. 138

O‘Leary, não teve o devido cuidado com o rigor próprio do oficio do historiador, Báez também não o teve. O fato é que Recuerdos de gloria teve um grande impacto na sociedade paraguaia da época, principalmente, nos ex-combatentes da guerra de 1864 a 1870, nos seus descendentes, nos espanhóis e nos hijos de la república511, que eram apoiadores de O‘Leary nas cidades vizinhas à capital, Assunção. Esses grupos que se identificaram com os textos de Juan E. O‘Leary ficaram conhecidos como pompeyistas. Para Brezzo, houve dois momentos na produção de O‘Leary: i) pompeyismo512, que recebeu esse nome porque os textos eram assinados com o pseudônimo de Pompeyo González513, entre 1902 e 1903, e também porque os hijos de la república assinaram as cartas enviadas para O‘Leary, em apoio aos seus escritos, como pompeyistas514; ii) lopizmo, que se refere à reabilitação de Solano López à condição de herói da república, a partir de 1909515. Interessa, sobremaneira, compreender a relação que pode ser traçada entre a figura de Solano López e a de Facundo Quiroga. Mas antes de chegar a Facundo, Liliana Brezzo explica que foi Gregório Benites (além de Blás Garay), um diplomata paraguaio que havia perdido o cargo, que exerceu grande influência, inicialmente, em O‘Leary, no afã de construir o ―edificio de una historia patriótica‖516, ou tomando de empréstimo as palavras de François Dosse, a respeito de Ernest Lavisse: ―[...] ele se torna o professor na e para a nação‖517. A relação de O‘Leary e Benites se estendeu de 1900 até 1909, quando o esse último faleceu. A primeira ação pactuada entre os dois foi a de publicizar as teses de Juan Bautista Alberdi, que, segundo eles, no período da Guerra do Paraguai, foi um defensor do Paraguai, mesmo sendo representante argentino na Europa: ―[…] el más ‗sincero, leal, noble y desinteresado escritor‘518 que durante la Guerra contra la Triple Alianza había sostenido la justicia de la causa paraguaya haciéndose acreedor, incluso, a ocupar un lugar en el Panteón Nacional‖519. Sete anos após conhecer Gregório Benites, em 1907, O‘Leary teve contato com o texto de David Peña, uma biografia sobre o caudilho Facundo Quiroga. Esse ponto é central na tese,

511 BREZZO, L. M. Juan E. O‟Leary, p. 88-91. 512 Para Luc Capdevilla, as perspectivas a respeito de Solano López eram ambíguas ―[...] incluso para los intelectuales nacionalistas. Las posiciones de Blas Garay, de Juan O‘Leary, así como las de Manuel Domínguez en 1900 no estaban definidas‖ (CAPDEVILA, L. Una guerra total, p. 205). 513 ―Durante los años de juventud, O‘Leary utilizó varios seudónimos para divulgar sus escritos; primero hizo uso del Diego de la Escosura, luego apareció Jestas N. Zambrana. Durante la polémica con Cecilio Báez firmó sus artículos con un tercer seudónimo, el de Pompeyo Gonzáles‖ (BREZZO, L. M. Juan E. O‟Leary, p. 79). 514 BREZZO, L. M. Juan E. O‟Leary, p. 91. 515 BREZZO, L. M. Juan E. O‟Leary, p. 102-103. 516 BENITES apud BREZZO, L. M. Juan E. O‟Leary, p. 105. 517 DOSSE, F. A história, p. 276. 518 Grifos do autor 519 BREZZO, L. M. Juan E. O‟Leary, p. 115. 139

pois é uma clara evidência do descompasso do Paraguai em relação à literatura dos países vizinhos. Liliana Brezzo nota que O‘Leary, com base nesse escrito de Peña, e tal qual José Hernández, autor de Martin Fierro, de 1872, defendeu o caráter localista de López e traçou, assim, um paralelo entre ambos: Facundo Quiroga e Solano López. Se para Domingo Faustino Sarmiento, Quiroga era a representação da barbárie520; para Peña, ocorre o contrário, Quiroga era visto como símbolo da pátria. Após ler o texto de David Peña, O‘Leary anotou suas impressões sobre o livro, avaliando que ―Facundo ya no es el bárbaro, sediento de sangre, corrompido, enemigo jurado de la civilización‖521, mas sim o ―[...] representante nato de las provincias y precursor de Urquiza en la obra de la organización nacional‖522. E se essa reabilitação era possível na Argentina, por que não seria no Paraguai? É segundo essa perspectiva que O‘Leary afirma: ―La teoría de Peña se puede facilmente aplicar a al Mariscal López‖523. Esse momento da vida de O‘Leary foi o de uma ―conversión historiográfica‖524. Ou seja, do pompeyismo, surgido da polémica com Báez, entre 1902 e 1903, o autor de Recuerdos de gloria, dá uma guinada na direção de defesa de Soláno López:

[…] si Rosas y Quiroga tienen sus panegiristas ¿No podrá tenerlos el Mariscal López? López no cometió ni la millonésima parte de los crímenes de Rosas, ni anarquizó a su patria como Quiroga. Loco por el desastre, traicionado, vendido, cometió actos de crueldad que condeno, pero que son perfectamente explicables. Derramó sangre paraguaya pero en defensa de la patria por cuya causa pereció en el último campo de batalla. Es mil veces más grande que Rosas y Quiroga juntos. Con razón dijo Alberdi que no tenía un igual en la América525.

Para Brezzo, o início do lopizmo está no ano de 1910, quando se iniciam algumas manifestações no sentido de reabilitar a imagem positiva de Alberdi em periódicos como El Diario e El Nacional. O primeiro, publicando El Imperio del Brasil ante la Democracia de América e o segundo, publicando textos de Manuel Domínguez, de Fulgencio Moreno e de Carlos Isasi, que escreveram sobre a contribuição de Alberdi para a causa paraguaia durante a Guerra do Paraguai. Essa reabilitação de Alberdi levou a reabilitação de López, no sentido

520 FRANCO, J. Historia de la literatura hispanoamericana, p. 66. 521 O‘LEARY apud BREZZO, L. M.; MICHELETT, M. G. Libros, cartas, lecturas, p. 21. 522 O‘LEARY apud BREZZO, L. M.; MICHELETT, M. G. Libros, cartas, lecturas, p. 21. 523 O‘LEARY apud BREZZO, L. M.; MICHELETT, M. G. Libros, cartas, lecturas, p. 21. 524 BREZZO, L. M. El Paraguay a comienzos del Siglo XX, p. 43. 525 O‘LEARY apud BREZZO, L. M.; MICHELETT, M. G. Libros, cartas, lecturas, p. 21. 140

positivo526. No ano de 1912, ainda foi publicado um texto de O‘Leary, Curupayty, que revive a batalha ocorrida nesse local. Nesse texto, Juan O‘Leary cria inclusive uma oração, baseada no ―Pai Nosso‖, na qual defende os soldados paraguaios, mas essencialmente, o mariscal López. Brezzo, entretanto, chama a atenção para o fato de que esse tipo de construção histórica deve ser criticado, pois tem consequência para o país. Ao comentar uma referência a O‘Leary, a qual afirmava que ele era ―el espíritu del Paraguay convertido en acero de pluma‖, a professora argentina observa:

Según entiendo ese metal duro y resistente en el que fundió su discurso histórico, es el que ha impedido cualquier impulso de actualización y, quizás más grave aún, asumir las consecuencias que ha tenido para la práctica de la historia en el país. Así de eficaz, así de impenetrable, así de desesperante527.

Mas, O‘Leary não estava sozinho. A população apoiou seu discurso contra Báez. Também havia outros intelectuais que assumiram a mesma causa. Entre eles, Manuel Domínguez, que defendeu O‘Leary, ainda na época da polêmica com Cecílio Báez; e, para isso, escreveu Las causas del heroísmo paraguayo, apresentado como conferência no Instituto Paraguayo, em 1903. É tão evidente a defesa, que Domínguez dedica o livro a Arsênio López Decoud e ao autor de Recuerdos de gloria. Para Domínguez, a essência da identidade paraguaia estava na comunhão das raças que gerou o blanco sui generis528, que era o paraguaio. Essa blaco marcou profundamente o continente sul americano ao protelar uma guerra que, na perspectiva de Mitre, duraria apenas três meses529 e que, na prática, durou de 1864 a 1870. Tanto para O‘Leary, quanto para o autor de Las causas del heroísmo paraguayo os soldados paraguaios lutaram contra o invasor: ―El invasor tenía toda la traza del conquistador; venía á destruir su felicidad, aquel encanto en que vivía, aplastaría su hogar y con el hogar á la patria. Venía á encadenar al Paraguay‖530.

526 BREZZO, L. M. Juan E. O‟Leary, p. 139-140. 527 BREZZO, L. M. Juan E. O‟Leary, p. 48. 528 DOMÍNGUEZ, M. Causas del heroísmo paraguayo, p. 9-10. 529 Quando o Paraguai invadiu a região de Corrientes, Mitre, de forma otimista, proclamou: ―En 24 horas al cuartel, en 15 días a Corrientes, en 3 meses en Asunción". A frase teria sido publicada em La Nación Argentina, em 21 de abril de 1865, mas não tive a oportunidade de confirmar essa fonte, devendo a informação ao site Portal Guarani: http://www.portalguarani.com/detalles_museos_otras_obras.php?id=16&id_obras=1105&id_otras=170 consultado em 08 de agosto de 2018. 530 DOMÍNGUEZ, M. Causas del heroísmo paraguayo, p. 38. 141

Mas não apenas isso. Eles eram, em absoluto, superiores aos seus vizinhos beligerantes. Ainda de acordo com Domínguez:

El Paraguay era superior al invasor como raza y en las energías que derivan de esta causa: en inteligencia natural, en sagacidad, en generosidad, en carácter hospitalero, hasta en estatura que dijo Azara, hasta en lo físico que dijo Thompson, en el número de hombres blancos que dijo yo. Era un blanco sui géneris531, bravo, fuerte532.

No âmbito da construção da nacionalidade paraguaia, não estava apenas a questão do heroísmo manifesto com a Guerra, como tratado por O‘Leary, mas também a questão étnica. É nesse ponto que se assenta o argumento de Domínguez, que reforçou, em 1903, o dito popeyismo, ao se alinhar com os escritos de Juan E. O‘Leary. Domínguez, no entanto, apresenta, como O‘Leary e Báez, os mesmos problemas heurísticos, apontados anteriormente. Las causas del heroísmo paraguayo é uma apologia à nação paraguaia. Domínguez, retoma a discução acerca dos mitos da fundação da nação e da idade de ouro, tratados, primeiramente, por Garay. Ele buscou as origens do paraguaio em Roma533 e em Esparta534, de modo que apresentava o paraguaio como o ―godo batallador de la cruzada contra el moro‖535. Domínguez, assim, amplia os mitos construídos por Garay, explorando característica da baixa idade média, até chegar à antiguidade ocidental. Mas assentou, como marca do heroísmo paraguaio, a fusão do índio (guarani), e do europeu. Além disso, defendeu que: ―El Paraguay se adelantó á sus Hermanos en ser NACIÓN, una cosa aparte. Desde el primer paso de la independencia, existió el alma de la patria‖536. Contestando um comentário de Washburn, cônsul norte-americano que estava no Paraguai, em parte da guerra de 1864 a 1870, Domínguez construiu a interpretação de que as causas do heroísmo paraguaio não eram fruto da tirania. Washburn avaliou que os soldados paraguaio lutavam por medo de López, na medida em que eram impelidos à luta pela violência do mariscal, que mantinha seu poder por meio de execuções. Assim, os soldados paraguaios, com medo de desertar, de retroceder, avançavam. E baseado em Voltaire, o autor de Causas del heroísmo paraguayo expõe que a tirania não engendra o heroísmo. Para ele:

531 Grifos do autor 532 DOMÍNGUEZ, M. Causas del heroísmo paraguayo, p. 37. 533 DOMÍNGUEZ, M. Causas del heroísmo paraguayo, p. 32. 534 DOMÍNGUEZ, M. Causas del heroísmo paraguayo, p. 35. 535 DOMÍNGUEZ, M. Causas del heroísmo paraguayo, p. 16. 536 DOMÍNGUEZ, M. Causas del heroísmo paraguayo, p. 30. 142

El Paraguay era superior á cada aliado como NACIÓN. No era como la República Argentina, una amalgama heterogénea de porteños y provincianos, federales y unitarios que se odiaban á muerte; no estaba como el Brasil fraccionado en republicanos é imperialistas, en señores y millones de esclavos. El Paraguay era una unidad política, quizá la más compacta y homogénea que se vió jamás, con una sola voluntad, con un solo sentimiento: en el momento del peligro común se levantaria como un solo hombre. […] Y aquella energías debidas á las particularidades de su geografía y de su historia representaban un capital guerrero enorme537.

Em vista dessa construção, engendrada por Domínguez, pode-se afirmar que as causas do heroísmo paraguaio, que protelaram a guerra por vários anos, era a raça branca, a qual fez do paraguaio um povo estoico, abnegado, espartano. Mais forte que os outros povos americanos e mesmo europeus. Como observa Ignácio Telesca, além de inserir-se no rol dos debates sobre a identidade paraguaia, ―[…] la configuración de una raza paraguaya en particular sirvió también para discriminar a todo lo que no entrara dentro de ella: al indígena y afrodescendiente‖538. Para finalizar a discussão sobre a intelligentsia paraguaia, tratarei de Manoel Gondra, que não estava imerso no problema heurístico ao qual fez referência Liliana Brezzo. Gondra era um intelectual crítico e se aproximou mais de Blás Garay, autor que buscou documentos na Espanha, o que não o eximiu de algumas críticas realizada por Gondra. A começar pela questão do método histórico. Gondra, em crítica a Garay, apontou que o conceito de história, utilizado pelo autor de Compendio Elemental de Historia del Paraguay estava limitado ―[…] solamente a la esfera política de la vida de las naciones‖539, ao passo que ―[…] la ciencia histórica abarca como materia de sus dominios la actividad humana en la totalidad de sus manifestaciones (política, religión, ciencias, artes, etc., etc.)‖540. Assim como a generación del 900, Manuel Gondra também estudou no Colegio Nacional e, em seguida, lecionou geografia e literatura na Universidad Nacional. Em 1902, trancou seu curso na Faculdade de Direito541. Assumiu a presidência do país em duas ocasiões: a primeira, em 1910 e, depois, em 1920, mas, como observou Zubizarreta: ―[...] no pudo concluir el término de su mandato porque le faltaba sutileza para las miserabilidades de la política‖542, ou, como nas palavras de Amaral: ―[…] por dos veces desmayó el poder en sus

537 DOMÍNGUEZ, M. Causas del heroísmo paraguayo, p. 38. 538 TELESCA, I. La construcción étnica de la nación más allá de la guerra, p. 90. 539 GONDRA, M. Mensajes y escritos, p. 15. 540 GONDRA, M. Mensajes y escritos, p. 15. 541 AMARAL, R. El novecentismo paraguayo, p. 122. 542 ZUBIZARRETA, C. Cien vidas paraguayas, p. 173. 143

manos y por dos veces regresó, sin palabras, a su soledad‖543. Malgrado escrever pouco, sua obra foi importante: ―La producción de Gondra ha sido escasa pero de gran valor. Le atormentaba perenemente un prurito de perfección formal que debía necesariamente gravitar sobre su natural facundia‖544. Visão compartilhada por Rafael Barrett:

Siento hacia Gondra una verdadera simpatía. Es, aunque a medias, un compañero. Es un intelectual puro. Por su desgracia, todo lo comprende sin esfuerzo, y lee, lee, lee con la continuidad de lo irremediable. No puede escribir; solo puede leer. Sólo puede comprender; no puede producir. Su hermosa inteligencia, intacta en su mitad receptiva, ha muerto en su mitad creadora545.

Tendo em vista que a tese trata de Barrett, vale citar uma carta inédita, encontrada no Archivo Nacional de Asunción, remetida a Gondra do Grand Hôtel, em Paris. Apesar de não ser um dado que ofereça alguma inovação ou giro na pesquisa, apresento-a, aqui, a título de curiosidade. Ela revela o interesse de Barrett em publicar no periódico francês Le Fígaro ; para tanto, solicita a Gondra, então no governo do Paraguai, a soma de 30 francos para realizar a publicação. A seguir, fotografias da carta.

543 AMARAL, R. El novecentismo paraguayo, p. 126. 544 ZUBIZARRETA, C. Cien vidas paraguayas, p. 173. 545 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 575. 144

Fotografia 2 - Carta de Rafael Barrett para Manuel Gondra - página 1

Fonte: Archivo Nacional de Asunción

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Fotografia 3 - Carta de Rafael Barrett para Manuel Gondra - página 2

Fonte: Archivo Nacional de Asunción

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Fotografia 4 - Carta de Rafael Barrett para Manuel Gondra - página 3

Fonte: Archivo Nacional de Asunción

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Em termos do ponto que motiva a discussão presente, no caso, a nacionalidade paraguaia, Gondra também o integra. Talvez, a acentuada preocupação formal – consubstanciada na busca por uma escrita perfeita –, tenha feito rarefeita sua produção, mas ele a fez intensa. Ele compreendia a importância dos aspectos nacionais para o Paraguai, na mesma proporção que compreendia a importância da responsabilidade na produção do conhecimento histórico, ainda que a perspectiva histórica estivesse ainda sob a égide do documento oficial. A crítica a Blás Garay, que pode ser encontrada no texto Garay y La Historia del Paraguay, começa com um elogio ao autor, dizendo que a obra contribui para ―[...] naciente literatura paraguaya‖ e complementando que o texto de Garay é importante por ser ―[…] la primera Historia General del país debida a un escritor nacional‖. Além disso, Gondra acrescenta que o autor é ―[...] joven de gran talento, estudiosísimo, y que se distingue entre los que manejan la pluma por el feliz esmero que pone en la corrección de la lenguaje‖546, entretanto, logo, passa a pontuar os problemas do trabalho de Garay. Entre eles está o método de Garay:

El doctor Garay ha debido escribir con extrema prisa esta primera parte de su trabajo. […] No de otro modo se explican el método de composición que ha seguido, las importantes omisiones que en ella se notan, y la crítica poco severa con que parece ha tomado sus informaciones en Ias [sic] obras que le han servido de fuentes547.

Mas não é apenas o método que Gondra critica. Contesta também a perspectiva interpretativa. Como tratado anteriormente, Garay foi responsável por difundir a ideia do mito de origem da nação paraguaia, assim como os mitos patrióticos. Para Manuel Gondra, Francia não pode ser considerado autor da nacionalidade paraguaia:

[…] el doctor Francia no es el autor de la nacionalidad paraguaya, ni el iniciador de su independencia; que los verdaderos próceres de la misma son Yegro, Caballero e Yturbe en el orden militar, y en el orden político don Mariano A. Molas; que aquellos nunca fueron porteñistas, sino acendrados patriotas, alguno de ellos verdaderamente inmaculado, y las palabras de los que hoy día pretenden vindicar a Francia son verdaderos ecos de ultratumba, pues sus acusaciones a los héroes del año 11 no tienen otra base histórica que las imposturas del tirano, transmitidas a la posteridad por la pluma de los escritores suizos Rengger y Longchamp, de cuya obra trataremos también, analizando el valor que ella pueda tener para ser seguida, ciegamente

546 GONDRA, M. Mensajes y escritos, p. 11. 547 GONDRA, M. Mensajes y escritos, p. 15. 148

en muchos de sus pasajes, por los que dan pábulo a la leyenda del ―Francia emancipador y padre de la nacionalidad paraguaya548.

Por mais que Gondra – um intelectual com uma produção reduzida, e com muita responsabilidade – tenha influenciado seus coetâneos, é possível afirmar, peremptoriamente, que as preocupações dele estavam sob o espectro da nação, fosse em termos políticos ou intelectuais. Essa constatação é fruto de consulta a textos de literatura e das biografias que se podem encontrar sobre ele, e que estão referenciadas ao final da tese, como também de textos escritos por Gondra, como Mensajes y Escritos. Referencio, ainda, um conjunto de documentos ao qual tive acesso em consulta ao Archivo Nacional de Asunción, que se referem aos estudos realizados por ele a respeito da história do Paraguai entre os séculos XVI e XVIII. Esses documentos foram digitalizados pela Universidade do Texas: Colección Manuel Gondra, S. XVI-XVIII. Sublinho que não realizei uma análise dessa documentação, pois ela, sozinha, configura material para uma tese. Utilizei-a, tão somente, como confirmação do que eu estava procurando, ou seja, o compromisso dos intelectuais paraguaios na construção da nação. Assim em relação a Gondra, em texto publicado entre maio e junho de 1894, após leitura dos textos de Jose S. Decoud, Audibert e Manuel Domínguez, no período em que se discutia sobre a construção de um memorial aos próceres da Revolução de Maio, assim ele manifesta:

Felizmente dejase sentir en nuestros días el patriótico anhelo, que cada momento se va vigorizando más, de esclarecer debidamente, el drama de la revolución de Mayo, para que la posteridad justiciera pueda señalar a cada uno de los actores que en él tomaron parte, el puesto de honor a que hayan derecho por sus hechos549.

Todavia, houve críticas a Gondra, principalmente quando ele apoiou o levante de 1908. Entre elas está o folheto de Domingo Bonifai, La situación política del Paraguay, uma assaz crítica ao golpe de 1908, impetrado por Jara, definido como uma traição à pátria. Para Bonifai,

Gondra ya nos es el semi-dios para quien levantara un trono la juventud servil, heredera infortunada de un legado de delitos. Es el ídolo de barro que pisoteó el amo iracundo; residuo vil arrojado á escobazos del festín concupiscente: es el ciervo que se estremece

548 GONDRA, M. Mensajes y escritos, p. 13. 549 GONDRA, M. Mensajes y escritos, p. 69. 149

cuando siente el ruido de los cascos del potro cuartelero, montado por el tirano, autor de su fatal encumbramiento y de su caída ignominiosa!550

Barrett, também critica o apoio de Gondra ao golpe: ―Triste es para la estudiosa juventud contemplar al maestro, al censor, a Manuel Gondra solidario de los que pisotean la constitución, amordazan la prensa, abren las cartas privadas, encarcelan a quien se les antoja, torturan a los procesados y matan a palos a los sargentos‖551. Igualmente, a discussão sobre a atmosfera na qual o Paraguai estava submerso, no início do século XX era tão densa que seria possível continuar por páginas e páginas a apresentar essa estrutura nacionalista, que rondava as mentes do país, mas isso parece ser redundante, já que existem vários trabalhos que tratam do assunto, como vem sendo referenciado no percurso dessa tese. Portanto, a título de fechamento desse tópico, pode-se concluir que a intelectualidade paraguaia estava absorta na construção da nacionalidade e não conseguiu – nem mesmo frente aos vários levantes que ocorriam no país, como os de 1904, 1908 e 1912, para não extrapolar muito a temporalidade proposta na tese –, concentrar-se nos problemas prementes daquela sociedade, onde as mais aturdidas eram as classes menos favorecidas. Por outro lado, encontrei elementos que reforçam a tese de que existiam outros intelectuais que não lograram reconhecimento552, senão após sua morte ou, no mínimo, décadas mais tarde, como foi o caso de Barrett, dos partícipes da revista El Despertar e mesmo os grupos sindicalistas e comunistas apresentados por Francisco Gaona em sua Introducción a la Historia Gremial y social del Paraguay, que em 1936, apoiaram, com armas, a resistência ao governo franquista, na guerra civil espanhola, compondo assim o grupo dos brigadistas internacionais553. No próximo tópico, que finaliza este capítulo, dedico-me a expor as diferença na abordagem de Rafael Barrett, essencialmente, a partir de El dolor paraguayo, em relação aos intelectuais mencionados anteriormente, como O‘Leary, Báez, Domínguez, Gondra, entre outros.

550 BONIFAI, D. La situación política del Paraguay, p. 5. 551 BARRETT, R. Obras Completas I, 553. 552 Exemplo desse processo foi a revista El Despertar, cuja publicação durou pouco e foi o veículo que acredito ter influenciado diretamente a mudança ideológica de Barrett. 553 Sobre o assunto, ver: CABALLERO, Gabriela Dalla-Corte. De España a Francia: brigadistas paraguayos a través de la fotografía. Barcelona-ES: Edicions de la Universitat de Barcelona, 2016. 150

3.3 Rafael Barrett, o Paraguai e El dolor paraguayo

Como expôs Morán, a princípio, quando chegou ao Paraguai, Barrett o percebeu como um jardim desolado:

Se siente bien en Paraguay, es un país hermoso en su naturaleza salvaje y abandonada, y acostumbrado a los subterfugios de sociedades más cumplidas y elaboradas, elogia a los paraguayos en aquello que más le enternece: la naturalidad de sus sentimientos y las ilimitadas posibilidades de futuro554.

E continuou a sentir isso por alguns anos, como expôs em Germinal, em 1908, após Albino Jara ter assumido o governo:

Paraguay mío, donde ha nacido mi hijo, donde nacieron mis sueños fraternales de ideas nuevas, de libertad, de arte y de ciencia que yo creía posibles –y que creo aun, !si!– en este pequeño jardín desolado, !no mueras!, !no sucumbas! Haz en tus entrañas, de un golpe, por una hora, por un minuto, la justicia plena, radiante y resucitaras como Lázaro555.

Barrett viveu e, inicialmente, compartilhou dos ideais dos revolucionários de 1904, como comentou em carta a Herib Campos Cervera, no segundo semestre de 1908: ―No me arrepiento ciertamente de haber simpatizado con la causa liberal pero me felicito más aún de no haberme visto obligado a disparar un tiro‖556. Percebia o Paraguai como uma ―[...] pequeña República, rica y virgen‖557, e que, àquela altura, quando ele chegou ao Paraguai e decidiu integrar as tropas revolucionárias, era um país governado pelas ―[...] manos de los que han convertido el homicidio y el robo en sistema político‖558. O autor de El dolor paraguayo via na educação o meio para que aquela república rica e virgem viesse a ter homens civilizados, ―[...] capaces de dirigir sin tiranizar y de administrar sin robar‖559. Contudo, ao conviver com os políticos e os intelectuais e ao entrar em contato com outras realidades do Paraguai, Rafael Barrett foi percebendo que aquela política, aquela revolução da qual ele participara não chegava à população que precisava. Mesmo assim, nutria uma posição positiva em relação ao partido e à política: ―Las virtudes del verdadero

554 MORÁN, G. Asombro y búsqueda de Rafael Barrett, p. 118. 555 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 309. 556 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 649. 557 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 510. 558 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 510. 559 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 510. 151

político son las mismas que las del ciudadano. El partido es una pequeña patria‖560. Em seguida, contudo, observava que: ―Política y corrupción significan lo mismo en muchas partes‖561, e adverte que isso é porque no momento em que ele vive a política está em processo, ―La humanidad es un caos, pero un caos fecundo‖562; e finaliza o seu texto com uma metáfora, na qual a política é um bloco de mármore que precisa ser esculpido: ―Poco a poco la estatua se desprende del bloque, y la inteligencia clarea en la frente del mármol‖563. Nesse momento, ainda não anarquista, ele escreve sobre partido, política, pátria e nação, como em Extranjeros e El genio nacional. Em ambos os textos, a discussão recai sobre os estrangeiros, analisando que era preciso integrá-los à nação paraguaia, para que eles percebessem a necessidade de fazer aquele país prosperar:

Ser paraguayo ha de significar ser algo definido, inconfundible. Cuanto más características sea la fisionomía popular tanto más rápidamente se borrarán las fisionomías extranjeras. Cuanto más incompatible con cualquier otro sea el genio nacional, tanto más hondamente se irá transformando el genio extranjero. El inmigrante se sentirá débil en medio de una gran unidad colectiva. Se sentirá extraño en medio de una gran homogeneidad. […] La lucha pública, al envolverle en los intereses paraguayos, le dará esperanzas y ambiciones paraguayas, y antes quizá de engendrar hijos, habrá encontrado una madre, la madre común. Quien vino a renovarse se renovará verdaderamente. Entonces la letra confirmará el hecho, y la nacionalización no hallará obstáculos564.

Portanto, chega a haver um diálogo de Barrett com a causa nacionalista, como ele mesmo observou em um texto de 1905: ―Por encima de la patria no hay sentimiento, lógica ni acción que subsistan‖565. Porém, ele não interage da mesma forma que seus coetâneos paraguaios, por conhecer pouco do passado e da atualidade do Paraguai: ―[…] no he tenido aún tiempo de estudiar la historia y el estado presente del país‖566. Essa afirmação é de 1905, quando o autor estava há, apenas, sete meses no país. Suas observações não tratavam, portanto, de questões históricas, mas de problemas conceituais acerca da nação que, para ele, era o gênio nacional. Francisco Corral, define o gênio nacional como―[...] o carácter propio de cada pueblo‖567. Mas nota adiante que é, precisamente, nesse ponto que ―[…] diametralmente

560 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 634. 561 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 634. 562 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 635. 563 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 635. 564 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 275-6. 565 BARRETT, R. Obras Completas I, p.514. 566 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 275. 567 CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 65. 152

cambiará el pensamiento de Barrett en las formulaciones posteriores a esta etapa inicial‖568, algo compreensível, dada a sua conversão ao anarquismo. Verifica-se que não eram somente os aspectos referentes ao nacionalismo, que não dialogavam diretamente com a perspectiva histórica abordada pelos intelectuais paraguaios (já que Barrett possuía uma abordagem mais conceitual do nacionalismo), mas também outras temáticas que não pareciam interessar a esses mesmos intelectuais. Assim, enquanto a intelligentsia paraguaia estava embrenhada na produção de páginas que expressavam o valor e o caráter do ser paraguaio, Rafael Barrett pintava com cores simbolistas a realidade por ele testemunhada naquele país. De certa forma, deslumbrado pela possibilidade de construir, junto àquela nova sociedade, um lugar melhor, que não tinha ainda os vícios da corrupção política, da divisão, da covardia e da derrota, típicos da Europa569. O que parece uma visão ingênua sobre a realidade paraguaia, até mesmo porque ele lutou, pretensamente, contra isso, em 1904. Para explorar essa visão barrettiana sobre o Paraguai, tomo por base o texto El dolor Paraguaio, que Barrett não chegou a ver publicado, mas que foi organizado por ele, com ajuda de sua esposa: ―Es de estricta justicia mencionar al frente del libro la discreta colaboración de mi mujer, cuyo espíritu sutil alegra algunas de estas páginas‖570. Não foi em vão o título que deu ao seu livro. Ele pretendia expressar, mesmo que consciente da dimensão estética que pairava em seus escritos, a realidade dura e injusta do país mediterrâneo, dominado por tramas políticas, pelos cerceamentos dos direitos e pelo domínio de grandes empresários e proprietários de terra. Por isso o título El dolor paraguayo. No prólogo da edição de 1911, de El dolor paraguayo, Augusto Roa Bastos nota o seguinte:

Barrett asistió al impacto avasallador y destructor del capital extranjero, especialmente argentino e inglés, en su primera etapa, adueñándose de las mejores tierras y de la casi totalidad de los medios de producción. Sus métodos de explotación económica – a través de la dominación política en connivencia con la oligarquía local – introdujeron la peor burguesía capitalista y luego los excesos del capitalismo monopólico establecieron estructuras de corte semifeudal y semicolonial sobre la base del monocultivo y la extracción de materias primas. Por otra parte, la mano de obra en condiciones de ―trabajo esclavo‖ […], que mantuvieron al obrero paraguayo en una primitiva ruralización, favoreció esta instauración571.

568 CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 66. 569 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 515. 570 BARRETT, R. El dolor paraguayo, p. 6. 571 BASTOS, A. R. Prólogo, p. 29. 153

Antes, contudo, vale observar que as edições de El dolor paraguayo passaram por algumas mudanças dignas de menção. Assim, tomo como referência o texto de 1911, no qual se observa a nota do editor:

Los originales de este libro fueron enviados por orden de su ilustre autor, pocos días antes de su muerte, al señor José E. Peyrot para que dispusiera su publicación. Completaban la obra los admirables capítulos que con el título: ‗Lo que son los yerbales‘ fueron editados por separado hace algún tiempo. Por esta razón no aparecen en este volumen572.

O texto que foi editado pela Servilibro, em 2011, com prólogo de Augusto Roa Bastos, goza da mesma distribuição organizacional da primeira publicação, de cem anos antes, mas acrescenta Lo que son los yerbales, suprimido pelo editor na primeira edição, e La Cuestión Social, texto publicado em El Nacional, em 1910, no qual Barrett se opõe aos posicionamentos de Ritter573, acerca do socialismo no Paraguai. Na edição organizada por Corral, há a alteração de alguns textos, como Jurados, que compõe El dolor paraguayo, mas Corral dispõe na seção Mirando Vivir (1); ou como El gênio nacional, que integra a compilação feita por Corral, mas que, no original não aparece; a alteração da ordem de alguns textos também foi observada. Por esse motivo, adotei a primeira edição. Um ponto, todavia interessante, refere-se à exposição relativa a data, local e periódico de publicação, feita por Corral e que não consta no nas edições de 1911 e 2011. Após essas considerações volto a atenção, novamente, para a análise sobre os escritos de Rafael Barrett. Cumpre observar a realidade paraguaia a partir de vários pontos, dados os trânsitos por que passou. Assim, seus textos não são fruto apenas do espaço urbano asunceño. O texto En la Estancia, por exemplo, retrata um pouco dessa visão inicial que Barrett teve do Paraguai – um país virgem e rico que pode ser moldado e assim, construir uma sociedade melhor. Esses aspectos ficam claros na seguinte descrição:

He aquí la naturaleza auténtica, el augusto desierto. En los sitios que hasta ahora conocía, el terreno y la vegetación me parecía querer acercarse, rodear e imitar al hombre, acompañarle en sus humildes cultivos, en su vida sedentaria y pequeña, ofreciéndole horizontes menudos, ondulaciones perezosas, perspectivas acortadas más bien por inextricables jardines que por selvas vírgenes, aguas delgadas y

572 Apud BARRETT, R. El dolor paraguayo, p. 227. 573 Rodolfo Ritter: ―[…] emigrado ruso, propietario y director de la revista El Economista Paraguayo‖. Rafael Barrett viveu na propriedade de Ritter, em Arroyos y Esteros, no período em que Germinal estava ativa, No ano de 1908 (MORÁN, G. Asombro y búsqueda de Rafael Barrett, p. 182). 154

lentas, matices homogéneos y suaves, paisajes estrechos, de una placidez familiar y casi doméstica, de una ténue [sic] melancolía de viejo vergel abandonado. Aquí las cosas no nos recuerdan, no nos ven: llanuras sin término, de un pasto de búfalos, cruzadas por traidores esteros; bosques que ponen una severa barra obscura en el confin [sic] de lo visible; malezales cómplices del tigre y de la víbora; peligro y majestad574.

Esse texto que compõe El dolor paraguayo foi escrito em 1907; refere-se ao período em que Rafael Barrett foi a Arroyos y Esteros para ajudar a medir uma propriedade que sua esposa e sua cunhada haviam herdado de seus pais575. Foi o primeiro contato com o espaço paraguaio, desde Villeta, a base dos liberais, no conflito de 1904. Um homem criado em um meio urbano – Espanha, França, Bueno Aires e Assunção – para depois adentrar a selva paraguaia. Selva que ele considerou ―Divina‖576. Rafael Barrett ficou encantado com o que viu. Era um homem da cidade que se encantou com ―[...] el hombre de la naturaleza‖577 e com a natureza propriamente dita. No entanto, se por um lado, ele se encantou, por outro, ele viu a miséria em que a população do país vivia, como descreveu em carta à sua esposa: ―!Hubiera visto en un ranchito a un pobre bebé desnudo y triste, con pichita llena de gusanitos blancos! Dejamos a la madre unas pastillas de sublimado para que su hijo fuera otra vez digno de amor‖578. Além do espaço campesino, Barrett observou a cidade e retratou essa visão por meio de Mujeres que pasan:

Bajo un sol que á la pradera muy verde volatiza matices y penumbras, las mujeres, envueltas en sábanas aleteadoras al viento, parecen una bandada de pájaros blancos que no acaba de posarse. Pero sus cuerpos, erguidos ó acurrucados, están inmóviles. Con un noble ademán profético guardan de la luz sus negros ojos, señores de la llanura. Al lado de sus pies morenos, que al correr acarician la tierra, hay cosas humildes y necesarias, huevos tibios, ―chipa‖ tierno que sirve de pan y de postre, leche, mandioca, maíz, naranjas doradas y sandías frescas como una fuente á la sombra. Apenas se habla. Nadie ofrece, regatea ni discute. Una dignidad melancólica en las figuras y en los movimientos. Las niñas tienen miradas serias y el reflejo de un pasado sobre su frente vacía. Más tarde abandonarán al emponchado su cintura cimbreante de hembras descalzas, sus senos obscuros y su boca parda, con el mismo gesto silencioso579.

574 BARRETT, R. El dolor paraguayo, p. 13. 575 BARRETT, F. L. M. Introducción, p. 9. 576 BARRETT, R. Cartas Íntimas 1967, p. 10. 577 BARRETT, R. El dolor paraguayo, p. 22. 578 BARRETT, R. Cartas Íntimas, p. 10. 579 BARRETT, R. El dolor paraguayo, p. 7. 155

Como apontei na introdução, Barrett parecia um Flâneur a observar o Paraguai com tristeza, curiosidade e expectativa. Tristeza por ver a situação miserável, como a da criança que tinha vermes, como descreveu a sua esposa. Curioso por notar uma realidade nova, desconhecida para ele, dado sua vida em grandes metrópoles; e expectativa porque era um mundo a ser construído. A situação miserável é descrita em seus textos como uma sequela da guerra, o que se visualiza na citação, quando o autor fala do olhar que reflete o passado sobre a frente vazia das meninas que estão no mercado. São esses pontos que denotam a diferença de abordagem temática que deslocou Barrett do cenário intelectual paraguaio, não permitindo que ele lograsse ser um intelectual paraguaio, tanto por não ser reconhecido por seus pares quanto por ter se assumido como anarquista, aquele que nega a pátria por questões ideologicas. Rafael Barrett chegou a abordar temáticas próximas dos intelectuais paraguaios, mas com uma visão distinta, não heroicizada da guerra de 1864-1870. Assim ele se expressa em La estancia:

Las escondidas divinidades rústicas acogen vuestra adormida tristeza. Apagada la esperanza en vuestros corazones, y en vuestra inteligencia la curiosidad, os acomodáis al yermo, á la desnudez desesperada de vuestras chozas y de vuestro instintos. Es que la desconfianza, el miedo y la sumisión inerte pesan en vuestra carne. Es que os pesa la memoria del desastre sin nombre. Es que habéis sido engendrados por vientres estremecidos de horror, y vagáis atónitos en el antiguo teatro de la guerra más desapiadada de la historia, la guerra parricida y exterminadora, la guerra que acabó con los machos de una raza y arrastró las hembras descalzas por caminos que abrían los caballos quizá ignorantes de vuestra orfandad y de vuestro luto; vivís desvanecidos en la sombra de un espanto. Sois los sobrevivientes de la catástrofe, los errantes espectros de la noche después de la batalla. Qué son treinta años para restañar tales heridas? Seguís vuestro destino, pastores taciturnos. En torno vuestro las flores han cubierto las tumbas; nadie es capaz de atentar á la formidable fertilidad de la tierra; el hierro y el fuego mismo la fecundan; no hay para ella gestos asesinos. Por eso, en su vitalidad indestructible, ella que recibió los huesos de los héroes inútiles no ha de negar, su paz austera á los hijos del infortunio580.

Apesar de longa, essa citação é central para configurar um dos motivos do não reconhecimento de Rafael Barrett no âmbito paraguaio. Importa ressaltar que Manuel

580 BARRETT, R. El dolor paraguayo, p. 15. 156

Domínguez tratou de expressar as características do heroísmo paraguaio, evidenciando a raça branca, o caráter espartano do paraguaio; assim como Juan O‘Leary buscou heroicizar a figura dos soldados, ao destacar que a luta empreendida por eles era por amor à pátria e não por ordem do mariscal López; Barrett construiu uma imagem do Paraguai envolta em ares mórbidos: a tristeza, a falta de expectativa futura, a pobreza. Fruto de um fato, um desastre profundo que propugnou o medo e submissão do povo paraguaio. Se, por um lado, Barrett viu na guerra o problema do momento que ele presenciava; por outro, viu , ao mesmo tempo, os auspícios da esperança ao propor que sigam, os paraguaio, o seu caminho, pois o passado havia ficado para trás, ―las flores han cubierto las tumbas‖, cujos mortos fertilizavam a terra. Bastava aos ―pastores taciturnos‖ levantar a face e seguir em busca de um futuro melhor. Como observou Corral, Barrett possuía uma visão positiva do futuro:

Barrett comparte ese universal estado de ánimo que, basándose en general en la idea de Progreso, responde a la expresión de deseo según la cual solo avance del tiempo, por sí mismo y necesariamente, habrá de ir remediando los males del presente. En el fondo se trata de una concepción típicamente ideológica, elaborada a raíz del rechazo crítico a la estructura de la sociedad del momento. […] Para Barrett la sociedad deseada no se cumple en el presente, ni tampoco se la encuentra en el pasado: se alcanzará en un indefinido futuro581.

Outro texto que caminha nesse sentido é El veterano. Nesse texto, Barrett ilustra uma conversa com um veterano da Guerra do Paraguai. Mostra as dificuldades do conflito: ―Íbamos vestidos de andrajos; el cuero de las correas y de las mochilas había sido empleado desde hacía meses en dar sustancia al puchero; decían que se desenterraban cadáveres para aprovecharlos: yo no lo he visto‖582. Nestes termos ele não apenas representa a dureza retratada pela fome, mas a própria desumanização empreendida por ela, que levou ao suposto canibalismo. Enquanto O‘Leary disserta sobre a honra de lutar até a morte pela pátria, Barrett procura representa-la a partir de uma perspectiva mais dramática, nada heroica e digna de repugnância. Isso pode ser ilustrado, quando ele se refere a Cerro Corá, onde foi morto Solano López: ―En el campo había mujeres muertas, con hijos encima que chupaban aún aquella podredumbre‖583. O‘Leary, por sua parte, publicou Curupayty um ano após a aparição de El dolor paraguayo, em 1911, no qual expressou outra atmosfera para a guerra, heroica, épica:

581 CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 152. 582 BARRETT, R. El dolor paraguayo, p. 84. 583 BARRETT, R. El dolor paraguayo, p. 85. 157

Después de cuarenta y seis años, henos [sic] aquí congregados al pie de este baluarte de la defensa nacional, testigo un día de la victoria más completa de nuestras armas. Estamos en Curupayty, cumbre gloriosa de nuestro esplendor guerrero, y ante el espectáculo emocionante de este cuadro evocador, el pasado despierta, y parece como que escuchamos los ecos fragorosos de aquella máxima batalla en que cuatro pueblos hermanos, separados por la fatalidad del destino escribieron la página más sangrienta de la epopeya americana. Y es la juventud paraguaya, es la nueva generación, vale decir, el porvenir, la que viene hoy hasta aquí, á despertar á los muertos en sus tumbas olvidadas, para decirles que no fue estéril tanto sacrificio, que ella recoje [sic], con orgullo el legado de sus mayores, y que aquella sangre vertida en defensa del terruño es la misma que alimenta su corazón y renueva en su alma las ciclópeas energías de la raza; que ella alienta todavía ese amor á la bandera que pareció extinguirse con el Héroe584 en las desiertas riberas de Aquidabán […]585.

Nota-se, portanto, que havia um corte diferente na abordagem da guerra, mas que a visão positiva do futuro era compartilhada, como pode ser constatado na citação. Todavia, os sentimentos auspiciosos que Rafael Barrett sentia para com o Paraguai foram mudando. 1908 foi um ano importante na vida do autor de Moralidade Actuales, pois foi o ano em que foi exilado do Paraguai. Tal fato foi muito bom para ele, como um intelectual, posto que entrou em contato com intelectualidade montevideana, que possuía uma atmosfera mais airada, muito menos restritiva que a do Paraguai. Foi também o ano em que ele fundou, em parceria com Bertotto, a revista Germinal, após a publicação de Lo que son los yerbales, em El Diario, que lhe custou a insatisfação e inimizade de muitos. Era um folheto de denúncia que atentava contra as elites e, principalmente, contra a Industrial Paraguaia, a mais forte empresa ervateira do Paraguai. Assim, Barrett começava, em 1908, talvez o ano mais tenso, desde sua vinda para América, a misturar seus sentimentos acerca do que pensava sobre o Paraguai. A selva, virgem e rica, o jardim desolado, passava a se constituir no inferno que acolhia os ervais que, segundo ele, escravizavam seus trabalhadores, no país cujos homens, como Albino Jara, ―[…] llevan hoy el Paraguay al terror clásico de las viejas tiranías‖586. Desse modo, em quatro de outubro de 1908, publica o texto Germinal, no qual o país é adjetivado como um rincão de infortúnio, por deportar Bertotto: ―[...] el que trajo ideas emancipadoras, ideales de justicia, el

584 Refere-se a Solano López. 585 BÁEZ, Cecílio; O‘Leary, Juan E. Polémica sobre la Historia del Paraguay, p. 7. 586 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 552. 158

soplo del siglo XX, a este rincón infortunado‖587; ou como um rincão maldito, quando a bordo do vapor ―Don Tomás‖, em treze de outubro de 1908588, assim expressa à Panchita: ―Mis golpes han sido tan valientes como inútiles. Sólo nos queda buscarnos al pan fuera de ese rincón maldito‖589. Mas, nesse meio tempo, em onze de outubro, publicou em Germinal o texto Bajo el Terror590, o qual ele encerra da mesma forma que nos textos citados inicialmente, com ares auspiciosos, ao considerar o Paraguai com um jardim desolado que encontrará a redenção ao imprimir a justiça plena à sociedade:

Paraguay mío, donde ha nacido mi hijo, donde nacieron mis sueños fraternales de ideas nuevas, de libertad, de arte y de ciencia que yo creía posibles –y que creo aún, !sí!– en este pequeño jardín desolado, !no mueras!, !no sucumbas! Haz en tus entrañas, de un golpe, por una hora, por un minuto, la justicia plena, radiante y resucitaras como Lázaro591.

Na carta de vinte e quatro de julho de 1909 para Alejandro Audibert, seu cunhado, no qual chama o Paraguai de ―país incalificable‖ e comenta: ―Al paso que vamos, pronto no quedarán en el Paraguay más que los funcionarios, que no encontrarán a quien apalear y perseguir si no es a los perros, caballos y bueyes y demás animales domésticos, incapaces de atravesar el río‖592. É compreensível, portanto, a partir dos elementos arrolados neste capítulo, que Rafael Barrett, como intelectual, não tenha logrado êxito no Paraguai, pois, mesmo quando se alinhava às temáticas às temáticas tratadas pela intelligentsia do país, como a guerra e o nacionalismo, tinha uma posição conceitual, enquanto seus coetâneos abordavam a história paraguaia, buscando seus mitos fundadores; excetuando-se, contudo, o caso de Manuel Gondra. No caso da guerra, Barrett a via como um passado que deveria parar de assombrar o presente de seus contemporâneos; os intelectuais do Paraguai, por sua vez, focavam na guerra.

587 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 552. 588 Foi o dia que foi deportado ao Mato Grosso, no Brasil. Sobre seu trajeto até Montevideo: ―[...] llega el día 14 a Villa Concepción, y el 16 a Porto Murtinho (Brasil) donde queda en libertad […]. El 20 sale, a bordo del ―Cáceres‖, de Porto Murtinho hacia Corumbá, donde llega el 23. […] En Corumbá permanece dos semanas, hasta que consigue, mediante el representante brasileño en Asunción, embarcarse hacia Montevideo. […] Sale de Corumbá el 7 de noviembre en ‗Ladario‘‖ (CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 45). Barrett chegou a Montevideo no dia quinze de novembro. 589 BARRETT, R. Obras Completas II, p. 579. 590 Bajo el terror é o último texto que compõe a primeira edição de El dolor paraguayo, cito a data e veículo de sua publicação para demonstrar como em um curto espaço de tempo suas adjetivações acerca do Paraguai mudavam. 591 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 309. 592 BARRETT, R. Cartas Íntimas, p. 49. 159

Nesse sentido, Barrett foi reconhecido tardiamente como um integrante da generación del 900 e mesmo assim, sua obra não foi objeto de estudos mais profundos. Outro fator que corrobora para a tese de que Barrett foi um intelectual sem pátria, apega-se à questão de que ele produziu artigos de impressão e não uma obra completa, com uma visão ampla e desenvolvida sobre algo, como a história do Paraguai, por exemplo, mas tão somente textos pontuais. Muito bem escritos, como pode constatar qualquer um dos que os leiam, não expressam uma densidade suficiente para um debate de profundidade. Não é à toa que os estudos realizados até o momento divergem em muitos pontos, como procuro detalhar no próximo capítulo. Vale lembra que quando El dolor paraguayo foi publicado, Rafael Barrett estava morto e o Paraguai adentrava e era do lopizmo, que se iniciara em 1909, propugnado por Juan E. O‘leary. Como notou Rodríguez-Alcalá, o autor de El dolor paraguayo não fez escola por seus contemporâneos estavam ocupados com a exaltação dos valores positivos da nacionalidade593. Assim, Barrett não pôde ocupar um espaço em meio à gama de intelectuais a não ser tardiamente, na segunda metade do século XX. Para finalizar, é importante considerar que a escolha do anarquismo como uma filosofia de vida também contribuiu sobremaneira para a construção de Rafael Barrett como um intelectual apátrida. No próximo capítulo detalho esse processo. É possível adiantar que, ao se identificar e assumir o anarquismo, Barrett assumiu também sua máxima: negar o Estado e, em consequência, a pátria vinculada a ele. No capítulo subsequente abordarei o caso da Argentina e do Uruguai.

593 RODRÍGUEZ-ALCALÁ, H. Literatura Paraguaya, p. 60. 160 CAPÍTULO 4 DO PARAGUAI AO MUNDO: MORALIDADES ACTUALES E O CARÁTER APÁTRIDA DO INTELECTUAL RAFAEL BARRETT

“[...] la flor de la patria, que debe regarse con sangre, se marchita y desfallece”. (Rafael Barrett)

“Barrett es un desplazado, un escritor migrante, un supranacional” (Alai Garcia Diniz)

Embora as ideias de Rafael Barrett não tenham atingido as mais remotas, as mais distantes partes do mundo, não significa que não era esse seu objetivo. A partir de sua gradual transição à esquerda e, logo, ao anarquismo, ele deixa clara a sua preocupação de produzir um trabalho que transcendesse as fronteiras do espaço nacional e que se projetassem sobre todos os recantos da terra. A dimensão humana de sua escrita se tornava mais evidente, conforme ele sentia mais forte o sopro da morte, que lhe assombrava por meio da tuberculose594. Em contrapartida, o seu fim precoce não permitiu nem que ele lutasse para ser reconhecido entre os paraguaios nem, tão pouco, que espalhasse sua obra além da região platina. Segundo uma das cartas enviadas à sua esposa, seus textos obtiveram boa aceitação na região do Prata, malgrado a má prática de não se pagar direitos autorais:

¡Venden mis folletos en Montevideo —y mis libros— sin rendirme cuentas, editan mis artículos en Buenos Aires, les ponen prólogos sin dignarse comunicármelo siquiera! ¡Qué le hemos de hacer! Yo sé que Peyrot, Bertotto y el mismo Bertani son honradísimos, pero es la costumbre americana, donde no hay propiedad literaria ninguna595.

O espaço mais evidente do sucesso barrettiano foi Montevideo. Ali, Moralidades Actuales foi ao público, pela primeira vez, com ―éxito loco‖596. Ali também foi possível encontrar um grande número de reproduções de seus escritos, em variadas revistas, principalmente após a sua morte597.

594 Apesar de sua ida para a França, em busca de uma cura para a tuberculose, e o seu claro desejo de vida, Barrett tinha consciência da gravidade do que lhe acometia: ―[…] en mi estado un año es una enormidad, ¡un imposible! Es como si tratándose de otro tardase treinta‖ (BARRETT, R. Obras Completas II, p . 652), disse em carta a José E. Peyrot, em 03 de abril de 1909. 595 BARRETT, R. Obras Completas II, p. 639-640. 596 BARRETT, R. Obras Completas II, p. 623. 597 Enciclopédia Uruguaya, n° II (196?), n° 32 (1969) e n° 39 (1969); El Hombre, n° 9 (1916), n° 63 (1918) e n° 74 (1918); a Revista Ensayos (1937); La Cruz del Sur, n° 2 (1924) e n° 18 (1927); La Plaza n° 4 (1980); La

Neste último capítulo, proponho uma reflexão conectada com o que foi trabalhado no capítulo anterior, que tratou de demonstrar o contexto histórico, político e cultural do Paraguai, no final do século XIX e início do XX, e a construção tardia de sua nacionalidade, bem como o motivo pelo qual Rafael Barrett não logrou fazer escola naquele país. Dados importantes, sobretudo, porque explicam a falta de aceitação de Barrett em uma dimensão interna, o Paraguai. Assim, os intelectuais paraguaios e consequentemente os leitores598, à exceção dos grupos ligados aos meetings promovidos por Barrett e Bertotto, estavam alheios às ideias que não tratassem especificamente de elementos nacionais. Desse modo, apesar de os operários terem uma vida ativa na sociedade paraguaia, a história oficial do Paraguai, liderada por O‘Leary optou por tratar da guerra e da nação. Como observado, o pompeyismo ganhou força, depois da contenda entre O‘Leary e Báez (1902-1903) e, a partir de 1907, o lopizmo entrava em cena. Ademais, houve as ditas revoluções, seguidamente: em 1904, ano que Barrett teve o primeiro contato com o Paraguai, 1908599, quando foi preso e depois exilado em Montevideo e em 1912, quando já estava morto havia cerca de dois anos. Pretendo abordar, também aqui, a dimensão externa, além das fronteiras paraguaias, considerando que Barrett, ao se converter ao anarquismo, passa a refletir sobre o que é a pátria e o Estado, sob uma perspectiva diferente da que tinha, quando ainda se identificava com o republicanismo. Neste último capítulo, fica expresso, de forma mais significativa, o anarquismo de Rafael Barrett e consequentemente o caráter apátrida desse intelectual, ponto fulcral para a estruturação da presente tese. Moralidade Actuales, foi o único livro que Barrett escreveu e pôde ver publicado antes de falecer. Tendo com fonte esse livro, procuro apontar os motivos que levaram Rafael

Pluma n° II (1927) e n° VII (1928); La Semana (1912); Revista de La Biblioteca Nacional, com texto em 1966, 1976 e 1980. 598 Importa observar que, sobre os textos de Barrett, veiculados à época, Krauer destaca que: ―El impacto de su obra, como la de todos los intelectuales de la época, fue fundamentalmente urbano, teniendo en cuenta el analfabetismo en los sectores rurales, y, sobre todo, a la vigencia del guaraní como lengua cotidiana de la gran mayoría poblacional del país‖ (KRAUER, J. C. H. Diplomacia británica en el Río de la Plata, p. 50). 599 Em 1909 houve o que Barrett chamou de sitio de Laureles, também chamada de revolução, que foi ―[...] una rebelión de los colorados, en el departamento de Ñeembucú. Los rebeldes, al mando del caudillo José Gill, se posesionaron de la localidad de Pedro González, donde esperaron noticias de Humaitá, cuya guarnición debía adherirse al movimiento insurgente. Pero el plan fue descubierto y reprimido. Informado Gill del hecho, resolvió atacar Laureles, defendido por 700 hombres bien armados. Se libró una cruenta batalla de dos días, que terminó con la derrota de los rebeldes. Gill y sus tropas cruzaron el Paraná, pasando a territorio argentino‖ (KALLSEN, O. Historia del Paraguay contemporaneo, s/p). Barrett registrou o ocorrido em Tiros en el Paraguay, publicado em La Razón em dois de novembro de 1909; Frutos del Tiempo, cuja publicação é desconhecida; e em Los prestígios de la guerra, de vinte e sete de outubro de 1909, publicado em La Razón, no qual dizia: ―No es completamente lo mismo. Hace pocas noches, cruzaron cerca de la estancia donde resido, las fuerzas revolucionarias paraguayas, que habían levantado el sitio de Laureles. Un grupo de jinetes se detuvo frente a mi puerta. Era el caudillo José Gil con su estado mayor. Al ver salir de la sombra, anunciados por los destellos de los sables, aquellos rostros resueltos y fatigados, que una bala destrozaría quizá un momento después, comprendí el prestigio del peligro; que es la sal de la vida‖ (BARRETT, R. Obras Completas II, p. 49). 162

Barrett a uma relativa penumbra intelectual. Vale salientar que há uma rica fortuna crítica que pode ser analisada, mas que, por vezes, é redundante e incorre em erros biográficos. Os estudos críticos, acadêmicos, são poucos ainda. O primeiro ponto, portanto, dedica-se a investigar quais os resultados das pesquisas desenvolvidas até o momento. É o que trata o tópico a seguir.

4.1 A obra barrettiana: influência espanhola ou paraguaia?

Como já apresentado, Barrett tinha registro no consulado inglês, por conta de seu pai. Todavia, não viveu na Inglaterra e sim na Espanha. Tanto que Cecil Gosling, cônsul britânico no Paraguai entre 1902 e 1908600, observou, quando tratava dos assuntos de Barrett, em seu último ano no consulado paraguaio, que ele ―no puede expresarse a sí mismo en inglés con facilidad‖601. Evidência de que Barrett teve pouco contato com a pátria paterna. Sabe-se que ele estudou e viveu parte de sua vida na Espanha, como pode ser constatado na revista Mundo de los Niños, que anuncia, em 1888, que Barrett havia concluído um dos ciclos de ensino no Instituto Cardenal Cisneros, de Madrid. Sabe-se, também que, nos anos de 1897 e 1898, ele vivia na Espanha, quando cursava o ensino superior, na Escuela de Caminos de Madri; que havia publicados dois textos na Revista Contemporánea e que, antes de vir para América, ele estava na França, como denota a mensagem que desmenten o seu suicídio em El Liberal. No período em que viveu na Europa, circulou em meio a uma aristocracia secundária, dada sua descendência dos duques de Alba, com aspirações de integrar o seleto grupo do Círculo de la Gran Peña ―[…] la nata del casino de Madrid‖602. Quando veio para a Argentina, e depois ao Paraguai, teve que lidar com uma realidade desconhecida: a pobreza. Essas condições orientam três perspectivas analíticas acerca da obra barrettiana: a primeira é de Francisco Corral, em Vida y pensamiento de Rafael Barrett, pioneiro na análise da obra desse autor. Em sua tese de doutoramento, Corral direciona a produção barrettiana no sentido de mostrar a semelhança com a generación del 98, ou, como ele prefere chamar juventud del 98; a segunda é a de Alai Garcia Diniz, em Rafael Barrett: Crónica Ácrata en el Plata, uma dissertação quase coetânea à de Corral, mas produzida no Brasil e preocupada em encontrar ―[...] las matrices de esta escritura en sus ensayos científicos de fines de siglo en España y su desplazamiento posterior en hispanoamérica‖603; a terceira, a de Gregório Morán, em

600 KRAUER, J. C. H. Diplomacia británica en el Río de la Plata, p. 40. 601 GOSLING, apud KRAUER, J. C. H. Diplomacia británica en el Río de la Plata, p. 57. 602 MORÁN, G. Asombro y búsqueda de Rafael Barrett, p. 69. 603 DINIZ, A. G. Rafael Barrett, p. s/p. 163

Asombro y búsqueda de Rafael Barrett, em que Morán justifica a obra de Rafael Barrett, a partir da situação que o autor viveu no Paraguai. Após detalhar os posicionamentos desses autores e da autora, pretendo oferecer outra via de interpretação604, que não definirei como dialética, por agregar elementos que não foram devidamente integrados nas análises já realizadas. Antes disso, porém, é importante frisar que há muitos textos produzidos sobre Rafael Barrett, como pode ser constatado na bibliografia da tese, mas os que se dedicam efetivamente à análise e ao rigor do campo acadêmico são poucos. Além de Corral, Diniz e Morán, há o texto de Ana Maria Vara, Sangre que se nos vá, de 2013, que faz um estudo pertinente acerca dos escritos de Barrett, cujo foco é a relação entre natureza, literatura e protesto social. Há ,também, o texto de Carlos e Mario Castells, Rafael Barrett: El humanismo libertario en el Paraguay de los liberales, publicado em 2009, que trata da relação de Barrett com o contexto do Paraguai, entre 1904 e 1910, mas que também prescinde de profundida. Além desses, em 2018, foi publicado por Alfredo Boccia Paz o livro La novela de los Barrett, que apresenta uma breve biografia de Rafael Barrett, Alex, Soledad e Ñasaindy (filho, neta e bisneta, respectivamente, de Barrett). Cumpre acrescentar que, afora os textos, publicados recentemente, há um conjunto de títulos já inventariados por Corral que estão disponíveis no site Ensayista605 no qual se encontram três tópicos: i) libros sobre Barrett; ii) obras que contienen capítulos o fragmentos sobre Barrett; iii) Artículos más destacables acerca de Barrett. No total, cita-se, no site, noventa e seis textos que contém referências a Rafael Barrett606. Inicio, portanto, com a exposição da tese de Corral, cujo título é Vida y pensamiento de Rafael Barrett, publicada em 1991. Pontuo que, em 1994, foi publicado pela editora siglo XXI de España, sob o título El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, com o subtítulo ―Crisis

604 Para produzir esse texto, utilizei como base um trabalho publicado em Barcelona, quando realizei, em 2017, parte de minha pesquisa de doutorado, sob a supervisão da professora Gabriela Dalla-Corte Caballero, que, lamentavelmente, faleceu no final daquele ano. O texto é: HERRIG, Fábio Luiz de Arruda. ―Entre Paraguay y Europa: puntos sobre la producción barrettiana‖. In: ZAIDENWERG, Cielo [et. al.]. Ciencias sociales, humanidades y derecho: cómo pensar el mundo latinoamericano. Barcelona, Es: UB/UNAM, 2017, p. 125-135. 605 https://www.ensayistas.org/filosofos/paraguay/barrett/biblio-sobre.htm consultado em 1 de dezembro de 2018 às 17:35 hs. 606 Um autor que não incluo, mas que é curioso e foi muito utilizado em decorrência dos dados biográficos que ele apresentou, foi de Vladimiro Muñoz, que escreveu Barrett, de 1994, e Barrett en Montevideo, de 1982. Não utilizo na análise, assim como outros autores, por tratar de casos pontuais da biografia de Barrett e não desenvolver uma análise. Entretanto, em Asombro y búsqueda de Rafael Barrett, Gregório Morán, exalta-o como um dos grandes biógrafos de Barrett, ao passo que deprecia o trabalho de Corral. Outro autor referenciado como importante para compreender o autor de Moralidade Actuales, é Miguel Ángel Fernándes, mas também não encontrei trabalhos significativos a respeito do tema em estudo, apenas recompilações dos textos de Barrett com brevíssimos comentários biográficos, sem maior profundidade. No caso do trabalho de Gregório Morán, é preciso explicar que ele integra o rol das referências, mesmo não sendo um trabalho acadêmico, porque foi fruto de uma pesquisa densa. 164

del fin del siglo, juventud del 98 y anarquismo‖, resultado da adequação da tese ao formato de livro. Essa reescritura do título, já na capa, expressa a tese de Corral, qual seja, a de que, se a obra barrettiana não foi feita na Espanha, foi semeada ali. Ela é fruto, portanto, da crise do final do século, marcada pela perda das últimas colônias espanholas e pelos ataques anarquista, classificados como propaganda pelo ato607. A generación del 98 ―[...] vio en aquella fecha la culminación de una decadencia histórica que se prolongaba desde hacía tres siglos y ante la que se propuso un examen de conciencia nacional‖608. Ao considerar essa crise do fim do século, Corral observa:

La agresiva intelectual característica de las vanguardias españolas y europeas de fin del siglo experimenta en la obra de Barrett un fructífero injerto en contacto con la dureza y vitalidad de la realidad americana, lo que da lugar a una evolución divergente con respecto a los hombres de su grupo generacional609.

Por mais que Corral faça referências às dificuldades presentes no Paraguai, e à singularidade da obra barrettiana, o seu esforço se concentra em enquadrar Barrett no movimento regeneracionista espanhol610. Desse modo, ele inicia sua tese com uma exposição biográfica, que compõe a primeira parte de seu estudo: Vida en España; Vida en América; Regreso a Europa y Final. A outra parte trata do pensamento barrettiano, afinal, é uma tese de doutorado em filosofia, que foi apresentada à Universidad Complutense de Madrid. Essa segunda parte se desmembra em: Perfil inicial; Temática noventaiochista en Barrett; Evolución de su pensamiento; Aspectos generales de su pensamiento; Pensamiento social; Temática anarquista; e Consideraciones finales. Tal estrutura reflete um problema de caráter metodológico. Por um lado, nota-se um desenvolvimento didático, expresso mediante uma abordagem temática, mas, por outro, é possível perceber que essa abordagem é muito complexa ao se observarem as mudanças presentes no pensamento barrettiano. Assim, seria preciso, para cada temática, percorrer um

607 Para uma leitura mais detalhada acerca do anarquismo na Espanha ver: MASJUAN, Eduard. Un héroe trágico del anarquismo español: Mateo Morral, 1879-1906. Barcelona – ES: Icaria, 2009; ANDERSON, Benedict. Sob três Bandeiras: Anarquismo e imaginação anticolonial. Campinas, SP: Unicamp; Fortaleza, CE: Universidade Estadual do Ceará, 2014; PANIAGUA, Javier. España: siglo XX (1898-1931). Madrid, Es: Anaya. 1989, p. 50- 59; WOODCOCK, George. História das idéias e movimentos anarquistas – v. 2: O movimento. Porto Alegre: L&PM, 2006. p. 102-147. 608 ABELLÁN, J. L. Sociologia del 98, p. 15. 609 CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. XVII. 610 ―Se llama regeneracionismo a la corriente de pensamiento que en la España de finales del siglo XIX intentó impulsar la vida política y económica por otros cauces. Todo estaba ‗degenerado‘ y había que renovarlo, y tras el desastre del 98 se necesitaba nuevo rumbo. Era la aspiración de muchos intelectuales, comerciantes, industriales y políticos‖ (PANIAGUA, J. España, p. 28). 165

caminho cronológico, para tratar das perspectivas acerca de um determinado assunto, como é o próprio caso do anarquismo, que somente se manifesta claramente a partir de 1908. Outro problema na abordagem de Corral é que ele separa vida e obra, respectivamente, primeira e segunda parte. Separar esses dois âmbitos não parece apropriado, posto que corre o risco de deixar escapar o elemento relacional que os faz dialogar e permite compreender que a produção de Rafael Barrett era expressamente vinculada à realidade que ele presenciava. Para Corral, a produção barrettiana é tributária do ambiente regeneracionista no qual Barrett se formou, ou seja, o mesmo ambiente no qual se formou a chamada Juventud del 98, na Espanha, do final do século XIX. Assim, o escritor considera que a produção barrettiana no Paraguai, na Argentina e no Uruguai, entre 1904 e 1910, é resultante de sua formação na França e na Espanha, mas, essencialmente, de sua vida boêmia em Madri e de seu diálogo com Maeztu, Valle-Inclán e seu grupo. Corral ainda acrescenta que um dos motivos de interesse para o estudo da obra de Rafael Barrett é sua vinculação à chamada ―crisis de fin de siglo‖, frente a qual ele ocupa uma posição privilegiada611. Vale evidenciar, empreendendo uma retomada do apresentado, que foi possível observar que a produção periodista de Rafael Barrett começa em 1903, na Argentina; no Paraguai em 1904, como correspondente, mas, somente em 1905, ele passa a produzir em jornais paraguaios. Em 1908, é exilado no Uruguai, onde produz e conhece parte da intelectualidade daquele país, por exemplo, José Enrique Rodó. Nota-se, então, que Corral fez uma classificação de Barrett, a partir dos elementos característicos da generación del 98, no entanto, os textos utilizados para demonstrar isso, como Vaguedades, La Huelga e La cuestión social, são, respectivamente, de 1907, 1908 e 1910. De acordo com o já argumentado, quando Barrett chegou à Argentina, sua posição estava alinhada à dos republicanos, o que não é de todo incompatível com o movimento que se percebe na Espanha entre o fim do século de XIX e o início do XX. Para isso, basta observar o texto assinado por Joaquím Dicenta, Palomero, Ernesto López e Ricardo Fuente:

Los problemas sociales sólo pueden avanzar, desarrollarse, traducirse en hechos, convertirse en leyes, dentro de una forma de gobierno republicana. La República es el punto de arranque para el triunfo del socialismo. Por eso nosotros, socialistas convencidos, nosotros que estamos con los que sufren, con los opresores, ayudaremos con todas nuestras fuerzas a los republicanos y formaremos en primera línea cuando de luchar por el advenimiento de la República se trata612.

611 CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 128. 612 DICENTA, R. [et. al] apud DEHESA, R. P. El Grupo „Germinal´, p. 59. 166

Rafael Barrett, em 1904, defendeu Ricardo Fuente613, que, momentaneamente, dirigia o jornal Correo Español, em Buenos Aires: ―He aquí lo que sabían mis amigos de la Liga Republicana, a quienes el compañero Fuente, que estuvo a mi lado en aquella campaña ridícula de los aristócratas contra Lerroux y contra mi‖614. A defesa de Fuente, por parte de Barrett, entretanto, não é apenas a devolutiva de um favor. Expressa-se, também, em decorrência das afinidades políticas, no republicanismo. Francisco Corral informa, na seção Rafael Barrett y la „juventud del 98‟, que Rafael Barrett era:

Redactor de varios diarios en París, autor de artículos de divulgación científica en revistas madrileñas y estrechamente relacionado con la juventud vanguardista del momento, Barrett se nos ofrece ya en su etapa europea como un joven embarcado en las zonas más vivas y agitadas de la apasionante vida intelectual del fin de siglo615.

É importante sinalizar que a observação de que Barrett possuia proximidade com a juventude vanguardista, não é condizente com o que as fontes indicam. Sabe-se que Valle- Inclán procurou Barrett em 1910; que Maeztu foi padrinho de Barrett em um duelo, além de intervir na polémica relacionada à agressão ao duque de Árion; que Pío Baroja o cita em suas memórias, mas daí a vincular o escritor de El dolor paraguayo àquela geração, parece ser exagero. Diniz oferecer uma interpretação mais aceitável, ao tratar de um Barrett como um escritor à margem dessa Juventud616. Outro fator que torna problemática a análise de Corral, é que os textos utilizados por ele são incompatíveis com as mudanças que uma análise cronológica permite compreender:

La colocación de los artículos en los tres volúmenes primeros está hecha con absoluto desdén hacia la voluntad de Rafael Barrett, e incluso hacia la razón a secas. Agrupa los textos en función de afinidades […] convierte estos libros en un laberinto donde se desespera cualquier lector en la búsqueda de Barrett y sólo encuentra el arbitrismo del compilador617.

Os aspectos cronológicos criticados por Gregório Morán referem-se tanto à tese de Corral, a respeito da qual Morán observa: ―Si con toda seguridad la persona de Francisco

613 A campanha defendida por Fuente, a qual Barrett se refere é a sua desqualificação por um tribunal de honra, assim como no caso de Lerroux. 614 BARRETT, R. Obras Completas II, p. 566. 615 CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 19. 616 DINIZ, A. G. Rafael Barrett, p. 15. 617 MORÁN, G. Asombro y búsqueda de Rafael Barrett, p. 37. 167

Corral se ha distinguido por ayudar a todo aquel que se interese por Barrett, el resultado de su tesis doctoral adaptada a libro resulta, brutalmente dicho, infumable en su prosa y aberrante en su contenido‖618; quanto à compilação realizada em 1988-1990, na qual os textos barrettianos, que compõem os três primeiros volumes, não estão ordenados cronologicamente, mas seguem o gosto do compilador e não do autor, que é Franciso Corral. O quarto volume, organizado por Miguel Ángel Fernández, segundo Gregório Morán, segue a ordem estabelecida pelo autor619. Mas a crítica não fica apenas no âmbito metodológico da análise, da organização cronológica e da escrita desagradável; segundo Morán, ela se dirige também à tese defendida por Corral. Assim, a vinculação de Rafael Barrett com a juventud del 98 é tão improcedente quando a ação de adjetivar o escritor de El dolor paraguayo como anarquista. Sobre a o grupo generacional, Morán comenta:

He aquí que por esos milagros de la historiografía literaria, este Rafael Barrett del escroto y el esfínter y los duelos y los muchos quebrantos, acabará siendo, muchos años después, ¡un hombre de la generación del 98! Que para esto de imaginar lo del 98 como la generación del desastre colonial, según algunos avispados, hace falta si no talento al menos voluntad. Y que si un hombre como Valle-Inclán, por obra y por trayectoria, no tenía absolutamente nada que ver con Pío Baroja, no digamos ya con Azorín. ¿Quién demonios va a ser el filisteo temerario que incorpore allí a Rafael Barrett? […] ¡Pobre Rafael Barrett, además de las muertes que le otorgó el destino le tocó una última, la póstuma, ser arrumbado a un cementerio donde todos los enterrados le eran ajenos!620.

Vale, ainda, ponderar a respeito da classificação generacional empreendida, por Corral, possuir um problema de temporalidade que deve ser levado em consideração. Pelas evidências levantadas, Rafael Barrett, no período em que se consubstancia o processo de crise do fim do século na Espanha – que é concomitante a formação do dito grupo generacional (ademais do país ser palco das ações anarquistas) – estudava engenharia e suas publicações não tinham conexão com os escritos de Manuel Bueno, Pio Baroja, Valle-Inclán, Ramiro Maeztu ou Ricado Fuente, autores citados por Corral. Barrett havia publicado, como demonstrado em 1992 por Alai Garcia Diniz, na Revista Contemporánea: El postulado de Euclides (1897) e Sobre el espesor e la rigidez de la corteza terrestre (1898).

618 MORÁN, G. Asombro y búsqueda de Rafael Barrett, p. 36. 619 MORÁN, G. Asombro y búsqueda de Rafael Barrett, p. 37-38. 620 MORÁN, G. Asombro y búsqueda de Rafael Barrett, p. 80. 168

Corral comenta que Rafael Barrett foi ―‗Redactor de varios diarios‘ en París, autor de artículos de divulgación científica, en revista madrileñas‖621, no caso dos textos científicos, são os dois citados no parágrafo anterior. Quanto aos vários diários em Paris, não há nenhuma evidência encontrada, nem mesmo por Corral, que compilou os textos de Barrett juntamente com Miguel Ángel Fernádez, em 1988-1990; na edição da editora Tantín, de 2010, utilizada nesta tese, também não há nenhuma evidência. A única menção está no periódico El Liberal que afirma que Barrett era redator de vário jornais na França, o que não pude comprovar. Sobre outro ponto argumentado por Corral, de que ―No hay duda de que el joven Rafael Barrett estaba, durante sus años de formación en Madrid, fuertemente integrado a los grupos, todavía en fermento, de lo que suele denominarse la juventud del 98‖622, também não há evidências. O que existem são ocasiões esporádicas, nas quais Maeztu defende Barrett, por exemplo, no caso da acusação de pederastia623. Não há dados sobre a amizade com Maeztu, ou sobre o fato de que Barrett de fato frequentava as tertúlias com essas pessoas. O que há é um relato de Maeztu, no qual ele informa ter conhecido Barrett no contexto das acusações de pederastia. Considerando que, logo, Barrett veio para a América do Sul, conclui-se que ele não era amigo de Maeztu e que não participava do grupo: ―[…] La descalificación [de Barrett] me produjo tan deplorable efecto que envié a El País una carta en que me borraba de la lista de los caballeros de honor. […] Fue entonces cuando le conocí‖624. O autor de El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, também cita a ida de Valle Inclán ao Paraguai e afirma que, nessa viajem teria procurado Barrett, o que também foi citado por Panchita em Cartas Íntimas. Panchita informa que Inclán foi padrinho de Barrett em muitos duelos625. Entretanto, na compilação dos textos de Barrett, não há cartas a Inclán, de forma que não é possível saber se eles eram de fato amigos, e, se eram, em que momento essa amizade se estabeleceu e em que medida isso é relevante para classificar Barrett na Juventud del 98. Em Resumo, o que argumento é que os indícios apresentados sobre a relação de Barrett com a juventud del 98 são fracos em decorrência da falta de elementos comprobatórios.

621 CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 19. 622 CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 19. 623 ―‗El País‘ y Portas – Los tribunales de honor‖. El País – Año XVI – Núm. 5.389 – Madrid, Es – 05 de mayo de 1902. (arquivo digitalizado pela Biblioteca Nacional de España/hemeroteca digital) disponível em: http://hemerotecadigital.bne.es/index.vm; ―El asunto Arión-Barrett‖. El País – Año XVI – Núm. 5.391 – Madrid, Es – 07 de mayo de 1902. (arquivo digitalizado pela Biblioteca Nacional de España/hemeroteca digital) disponível em: http://hemerotecadigital.bne.es/index.vm; ―Carta de Maeztu‖. El País – Año XVI – Núm. 5.391 – Madrid, Es – 07 de mayo de 1902. (arquivo digitalizado pela Biblioteca Nacional de España/hemeroteca digital) disponível em: http://hemerotecadigital.bne.es/index.vm. 624 MAEZTU, R. En Madrid, p.681. 625 BARRETT F. L. M. Introducción, p. 2. 169

Outro ponto de desencontro entre Corral e Morán é o anarquismo. O primeiro defende o anarquismo barrettiano, mesmo que haja na esteira das conjecturas teóricas do pensamento de Barrett uma divergência de certos aspectos referentes a essa perspectiva: ―Al lado de los parámetros generales que hacen de Barrett un hombre ideológicamente identificado con el anarquismo (y su propia definición como tal, existen numerosos aspectos en los que el pensamiento de Barrett difiere sustancialmente de la teoría anarquista)‖626. Para o segundo, essa identificação é fruto de editoras tendenciosas:

Una editorial anarquista como América Lee y un compilador como Gonzáles Pacheco orientarán el eco póstumo de Rafael Barrett hacia un explícito acratismo que jamás será su opción política o intelectual. O, por mejor decir, será una más de sus opciones políticas e intelectuales, porque en él hay anarquismo y socialismo y todos los ismos posibles para un escritor de periódicos en un mundo en construcción627.

Alai Garcia Diniz, no âmbito do anarquismo, considera o acratismo de Barrett já no título de sua dissertação. Com relação à questão generacional, fez uma reflexão importante ao considerar que existem dados que vinculam Barrett cronologicamente com a generación del 98628, mas que ―A pesar de apuntarlo cronológicamente como un miembro de esa generación española, el escritor periodista desarrollo, en pleno novecentismo periférico, una escritura sui generis para los cánones de 98‖629. Sem desconsiderar que esse momento da vida de Barrett tenha tido impacto em sua obra, Diniz avalia que ―[...] parece limitado ubicarlo bajo los ejes noventaoichescos una vez que Barrett en aquel entonces no actuaba en el campo específico literario y sus textos no tuvieron cualquier resonancia o repercusión de que se tenga conocimiento en su país natal‖630. Assim, é possível afirmar que Rafael Barrett, por um lado, era contemporâneo da dita generación del 98, da crise do fim do século, do anarquismo; entretanto, por outro lado, não participou da produção e das polêmicas desse grupo. Seu nome somente aparecerá junto a alguns dos intelectuais dessa época, em 1902, quando de sua agressão ao duque de Árion631.

626 CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 303. 627 MORÁN, G. Asombro y búsqueda de Rafael Barrett, p. 43-44. 628 ―Nacido en 1876, Rafael difiere en edad dos años de Ramiro de Maeztu, tres años de Azorín, cuatro de años de Pio Baroja y algunos más de Unamuno y Valle-Inclán. No nació en la capital como todos los demás pero hay indicios de que desde 1896 ya estaría viviendo en Madrid. Todos estos dados sólo pueden vincularlo cronológicamente a Barrett con la generación del 98‖ (DINIZ, A. G. Rafael Barrett, p. 7). 629 DINIZ, A. G. Rafael Barrett, p. 7. 630 DINIZ, A. G. Rafael Barrett, p. 7- 8. 631 CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 6-8; MORÁN, G. Asombro y búsqueda de Rafael Barrett, p. 76-77. 170

O que remete ao terceiro texto que escreveu na Espanha, ao menos entre os conhecidos, Yo y un tribunal de honor, um texto de resposta à sua desclassificação. Gregório Morán, por sua parte, em sua búsqueda por Rafael Barrett, faz muitas críticas ao trabalho de Corral, como já foi parcialmente apresentado. Ele começa tratando do seu primeiro contato com um texto de Barrett, Gallinas, e descreve o assombro que essa leitura causou a ele. Morán segue explicando o que o levou a buscar a identidade daquele intelectual esquecido e proscrito. Assim, em primeiro lugar, ele escreve a respeito das manipulações feitas por compiladores e editores que se dedicaram a editar e publicar os textos de Rafael Barrett, após sua morte, observando que:

Los antólogos y prologuistas hacían con él lo que les daba la realísima gana, con la mejor de las intenciones, por supuesto, pero el Barrett que aparecía estaba tamizado, manipulado; como quien amasa el pan con harina que no es suya, lo hornea en cocina ajena y por fin vende en panadería propia632.

Para Morán, a produção de Barrett não tem relação com a Espanha, mas sim com o Paraguai. Ele demonstra que o autor de El dolor paraguayo amava seu novo país e se empenhava em muda-lo: ―Paraguay hizo a Barrett‖633. Corral, não descarta isso, ele considera que o Paraguai foi o espaço propício ao amadurecimento do que Barrett havia vivido na Espanha: ―En el Paraguay se cumple probablemente el tiempo de maduración necesario para asimilar y asumir en propia carne todas las consecuencias ideológicas de su desclasamiento social‖634. Sobre o fato de relaciona-lo com a generación del 98, Morán, ainda, afirma: ―[…] así tenemos que en los alardes de mediocridad analítica de Rafael Barrett aparece como una rama exótica de la generación del 98‖635. Contra essa interpretação que associa Barrett ao grupo generacional, Morán considera que: ―[...] no es abordable en ninguna de las vías tópicas de clasificación, porque su formación, no digamos ya su personalidad, no tiene parangón en la España de su época‖636. Morán não contestou apenas a inserção de Barrett em algum grupo, dada a singularidade de sua obra e de sua vida, mas defendeu que, se a formação de Barrett foi importante, como afirma Corral, não foi mais que a influência exercida pela realidade paraguaia, que lhe deu a matéria de sua produção:

632 MORÁN, G. Asombro y búsqueda de Rafael Barrett, p. 21. 633 MORÁN, G. Asombro y búsqueda de Rafael Barrett, p. 152. 634 CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 123. 635 MORÁN, G. Asombro y búsqueda de Rafael Barrett, p. 21. 636 MORÁN, G. Asombro y búsqueda de Rafael Barrett, p. 57. 171

Paraguay le ha transformado. Le ha hecho responsable en todos los sentidos, como individuo que trabaja y se gana el pan, como intelectual que sigue atentamente a la marcha de la sociedad, como escritor que construye frases insertas en una pieza literaria denominada artículo de periódico. Y como hombre que se casa, que asume una responsabilidad de marido y de padre637.

Morán foi voraz em suas críticas à Corral. Entre um dos pontos criticados estava a cronologia da compilação realizada por este autor; porém, Morán cai em sua própria armadilha: Corral considera o anarquismo barrettiano e Morán não. Para o autor de Asombro y búsqueda de Rafael Barrett, o anarquismo era presente no pensamento barrettiano tanto quanto qualquer outro tido de perspectiva. O que é confuso. Contudo, verifica-se que Rafael Barrett havia publicado, em quinze de março de 1909, em La Rebelión, um texto intitulado Mi Anarquismo, no qual ele afirma que ―El anarquismo, tal como lo entiendo, se reduce al libre examen político. […] Hace falta curarnos del respeto a la ley. La ley no es respetable. Es el obstáculo a todo progreso real. Es una noción que es preciso abolir‖638. A dissertação de Alai Garcia Diniz, apresentada ao Departamento de Letras Modernas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, propõe- se a uma análise dos textos de Barrett a partir da recuperação de ―[…] géneros volátiles como la crónica, el ensayo, las cartas‖, assim como, ―[…] lo que hay de ficción, de documento y de transgresión literaria‖639. Assim, divide sua dissertação, Rafael Barrett: Crónica Ácrata en el Plata, em três capítulos: no primeiro, ―La ficción del saber‖, a autora aborda os ensaios de Barrett, dois deles produzidos na Espanha, quando ainda estava na Escuela de Caminos de Madrid, publicados na Revista Contemporánea: El postulado de Euclides, Sobre el espersor y la rigidez de la corteza terrestre; e outros que foram conferências proferidas, no Paraguai, como Los fundamentos de las matemáticas, em 1905, El progreso, Siniestro, Halley, Hormigas, La Pluma, La multiplicidad del Universo, para ficar apenas em alguns. No segundo, ―Una Arquitectura en demolición‖, Diniz trabalha ―[…] trabajar con ejes temáticos que se vinculan a una visión particular del proyecto modernizador que se está procesando en el Rio de la Plata, sea para mostrar la desconstrucción o más propiamente la demolición de un imaginario‖640. Nesse capítulo, a autora discute a questão do anarquismo, mas, ainda assim, com certos percalços típicos de trabalhos pioneiros, como, por exemplo, a

637 MORÁN, G. Asombro y búsqueda de Rafael Barrett, p. 152. 638 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 801. 639 DINIZ, A. G. Rafael Barrett, p. 1. 640 DINIZ, A. G. Rafael Barrett, p. 87. 172

dificuldade em se abordar as contradições e mudanças de Barrett a partir de seus escritos. Um dos pontos positivos do trabalho de Diniz é a importância que ela dá aos estrangeiros no contexto platino, assim como à relação deles com essas ideias que trouxeram:

En Argentina la insignia liberal ―Gobernar es Poblar‖ trajo los inmigrantes con su aporte cultural etnocéntrico que podían contribuir para el desarrollo económico y social del Estado moderno emergente. Sin embargo no contaban que la cultura y la educación también traían con ellas la libertad de expresión e ideas que pronto criaron organizaciones obreras o federaciones gracias a las relaciones anticuadas que se mantenían entre obreros y patrones641.

Por sua parte, o último capítulo se dedica a estudar o como Barrett concebia as noções de raça e gênero em seus escritos, já que, segundo ela, esses temas podem revelar ―[…] ambivalencias internas y las subversiones que ese proyecto particular de escritura opera en la crónica rioplatense‖642. Assim, a análise cronológica da produção barretina esclarece, como pude demonstrar nos primeiros capítulos, o seu percurso em direção ao anarquismo643. Clara influência disso foi o seu trabalho como professor e seu contato de Barrett com o periódico El Despertar. ―El Despertar propugnaba ideas anticlericales y librepensadoras, con severas críticas al capital. Señalemos que, auspiciados por grupos de anarquistas y simpatizantes de la Federación [FORP644], se editaron en 1909 ‗El Alba‘; ‗La Rebelión‘; ‗Hacia el Futuro‘‖645. Ou seja, Barrett entrou em contato com o anarquismo, em 1906, por meio de El Despertar, da Federación Obrera Regional del Paraguay - FORP, de livros e de pessoas vinculadas ao anarquismo; depois, é possível encontrar textos seus, com claro teor anarquista, publicados em jornais alinhados com essa vertente, como é o caso de Mi Anarquismo, publicado em La Rebelión. Isso o aproximou dos operários, como mostra a fota abaixo, na qual está em companhia de sindicalistas paraguaios, em 1910.

641 DINIZ, A. G. Rafael Barrett, p. 125. 642 DINIZ, A. G. Rafael Barrett, p. 4. 643 Corral atribui três fatos que influenciaram a mudança de Barrett em direção ao anarquismo, além dos apresentados: ―1) Su desclasamiento en España. 2) El impacto recibido por el choque con la cruda realidad americana. 3) su propio proceso de proletarización‖ (CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 122). 644 Federación Obrera Regional del Paraguay. 645 BOSIO, B. G. Periodismo Escrito Paraguayo, p. 176. 173

Fotografia 5 – Rafael Barrett (sentado) rodeado por seus amigos sindicalistas em San Bernardino - 1910

Fonte: ABC Color646

Dado o perfil do estudo, é significativo relembrar que a análise acerca da cronologia barrettiana permitiu compreender que ele saiu do âmbito científico, na Espanha, e chegou, à Argentina, alinhado aos interesses republicanos, para, no Paraguai, assumir um viés anarquista, mesmo que esse seu posicionamento seja impregnado de peculiaridades como apresentado por Corral em seu capítulo nove: ―Temática Anarquista‖ ou por Alai Garcia Diniz, que, apesar de consciente disso, acaba por não abordar essas especificidades, como se propôs, desde o título de sua dissertação. Diniz defende que Barrett produziu à margem647 da generación del 98648, por ter vivido na Espanha, no período correspondente a tal geração. Mas o que os textos de Barrett permitiram perceber é que ele não pode ser compreendido a partir de uma perspectiva estática, se não que relacional, na qual se encontra ―[...] a meio caminho entre o particular e o

646 Imagem disponível em: ALVARES, Montserrat. Relámpagos de Barrett. ABC Color, 2017. Disponível em: acesso em: 08 de abril de 2019. 647 DINIZ, A. G. Rafael Barrett, p. 15. 648 ―A pesar de apuntarlo cronológicamente como un miembro de esa generación española, el escritor periodista desarrolló, en pleno novecentismo periférico, una escritura sui generis para los cánones del 98. Así vistas las cosas, me parece limitado ubicarlo bajo los ejes noventaiochescos una vez que Barrett en aquel entonces no actuaba en el campo específicamente literario y sus textos no tuvieron cualquier resonancia o repercusión de que se tenga conocimiento en su país natal‖ (DINIZ, A. G. Rafael Barrett, p. 7-8). 174

coletivo‖649. Assim, estudar vida e obra, a biografia propriamente dita, de Rafael Barrett, configura-se como um:

[...] exercício apropriado para identificar uma figura num meio, examinar o sentido adquirido por uma educação distribuída a outros segundo os mesmos modelos, analisar as relações entre desíginio pessoal e forças convergentes ou concorrentes, fazer o balanço entre o herdado e o adquirido em todos os domínios650.

Corral, mesmo trabalhando com temáticas, dado o campo filosófico, foi quem percebeu, com mais nitidez, as especificidades dos câmbios pelos quais o pensamento barrettiano passou – por exemplo, o fato de ter visto, em um primeiro momento, positivamente a figura de Napoleão e, depois, negativamente651; ou o da concepção do gênio, ou do herói, que se transformaram da mesma maneira. Quando em uma discussão acerca de uma contradição de seus discursos, com dr. Franco, em 1908, Rafael Barrett disse que nunca escreveu, desde seu primeiro artigo, algo contrário à liberdade de palavra e nem contra o pensamento para reorganizar ―esta sociedad podrida hasta los tuétanos‖652. Contudo, é evidente que Barrett passou por mudanças desde sua vinda da Europa, até seu retorno. Toda essa articulação, empreendida, desde o início procurou demonstrar e relacionar essas mudanças ao seu contexto para buscar compreender o porquê Barrett é visto, de forma geral, como um escritor proscrito, não reconhecido. Se o objetivo de Corral, foi o de filiar o autor de El dolor paraguayo à juventude del 98, o de Morán foi o de apresentar uma biografia do escritor que o distanciasse, unilateralmente, do anarquismo e da tese de Corral; e o de Diniz pretendeu compreender como a crônica barrettiana, ácrata, segundo a autora, foi engendrada no âmbito platino; pretendo, por outro lado, compreender o porquê demorou tanto para Rafael Barrett ser reconhecido como escritor e, nesse sentido, ser objeto de estudos acadêmicos. Ao mesmo tempo, em que busco compreender o porquê ele não foi aceito por seus pares, a não ser por um efêmero período em que foi reconhecido por um grupo de intelectuais montevideanos, o que lhe permitiu a publicação de Moralidades Actuales e El dolor paraguayo.

649 LEVILLAIN, P. Os protagonistas, p. 165. 650 LEVILLAIN, P. Os protagonistas, p. 165. 651 CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 101-103. 652 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 553. 175

Com base nisso é que encerro essa seção, defendendo que Barrett é tributário dos grupos intelectuais que compunham a generación ou juventude del 98653, por ter vivido aquele ambiente; de Marx, ao apresentar uma perspectiva crítica em relação às teorias dele, como demonstrado em La cuestión social; da realidade paraguaia, como muito bem exposto em El dolor paraguayo; da realidade platina, com El Terror Argentino, referente à Argentina, e Ruth e A propósito de La Biblia654 à Montevideo.

4.2 Conjecturas sobre a América Platina

Se no âmbito paraguaio, Rafael Barrett não foi aceito, dada a preocupação nacionalista e elitista do país, afundado em sucessivas crises; no contexto argentino, o motivo foi outro655, segundo as pesquisas feitas. Motivo não inteiramente desvinculado do que ocorreu no Paraguai, posto que, nesse país também se aderiu à lei de residência; a Argentina foi muito incisiva no sentido de extirpar os migrantes que possuíam algum vínculo com movimentos de esquerda, o que, consequentemente influenciou o Paraguai, com sua lei de residência, que será explica adiante. Assim, é possível observar que houve por parte do público, uma aceitação de Barrett em determinados meios, nos quais os seus discursos eram vistos de forma positiva, como no interior dos movimentos de esquerda, mas que não chegaram a ser considerados de forma mais geral, no sentido de se destacarem. Talvez por conta de que, na Argentina, esse tipo de discurso era muito comum. Assim, apesar de ter uma escrita muito boa, Barrett não encontra espaço em Buenos Aires. Isso foi percebido pelo professor Pablo Ansolabehere no documentário Rafael Barrett: La exigencia de lo real, ao comentar que Rafael Barrett seguiu ―[…] cierto itinerario común a muchos intelectuales vinculados al anarquismo en la

653 Para maiores detalhes sobre a generación del 98, ou juventud del 98, ver: DEHESA, Rafael Pérez de la. El Grupo „Germinal´: una clave del 98. Madrid: Taurus, 1970; GULLÓN, Ricardo. «Invención del 98». En: Rico, Francisco y Mainer, José-Carlos (coord.). Historia de la crítica de Literatura española. Barcelona: Modernismo y 98, Crítica, tomo VI, 1979, págs. 41-52; ABELLÁN, José Luis. Sociología del 98. Barcelona: Península, 1973. 654 Uma discussão sobre esses dois textos ver: DINÍZ, Alai Garcia. Rafael Barrett: Crónica Ácrata en el Plata. 1992. Dissertação (Mestrado em Letras). Departamento de Letras Modernas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo - USP. P. 169-174. 655 Segundo Francisco Corral, um primeiro motivo que levou Rafael Barrett a deixar a Argentina foi a pressão de ser socialmente desclassificado novamente, dado o desafio feito a Juan de Urquía (Capitán Verdades), que alegou que Barrett não era digno de desafiá-lo por sua desclassificação em Madri (CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 31). Já para Gambardella, ―Barrett se aleja de un Buenos Aires que nunca quiso, que le disgustó con su pujanza ostentosa y un tanto ordinaria y de un pueblo que apenas entrevió, pero al que supo querer y entender‖ (GAMBARDELLA, L. H. Prólogo, p. III). Neste capítulo, tratarei de uma questão mais geral, que não atingiu apenas Rafael Barrett, mas os migrantes que estavam alinhados aos movimentos de esquerda, como o anarquismo. 176

Argentina, es decir, inmigrantes españoles que llegan al país, por alguna razón este, que los obliga irse de lo suyo propio‖656. Martín Albornoz também observou:

[…] no era un escritor tan particular, era un escritor mejor que otros. Eso es que sí yo creo que tiene Rafael Barrett. Está lleno de escritos sobre la miseria en Buenos Aires, en esa época […] sobre la prostituta, sobre los niños que mueren de hambre, sobre la fábrica como fábrica de muerte, está lleno de textos, sea realmente, está lleno de textos657.

É curioso, todavia, que mesmo alinhado à esquerda, Barrett tenha sinalizado interesse em publicar em periódicos reconhecidos da capital argentina, que, todavia, eram de viés conservador; ou seja, exatamente contrarios ao que ele escrevia, como informou a Panchita, em onze de setembro de 1910, a bordo do vapor italiano Re Vütorio, ―[...] en Buenos Aires dos diarios transcriben mis artículos. Se obstinan en hacerme entrar en "La Nación", pero yo no quiero solicitar nada; y más después de mi folleto que ya estará en camino a estas horas‖658. Seria possível tratar da vertente de La Nación, mas não há indicações de textos de que ele tenha publicado no periódico argentino. Entretanto é um dado interessante, em se tratando de um diário que tinha um perfil conservador, o que indica que Barrett estava aberto a um diálogo mais amplo, não apenas com a esquerda. Como procurei mostrar no início, conforme o perfil da coluna ou do jornal, Barrett produzia um tipo de texto. Isso pode ser fruto da necessidade conciliar várias demandas de forma a permanecer produzindo, já que era o meio de subsistência desse intelectual. Outro ponto comentado por Barrett, na citação, é que seus textos eram transcritos, àquela época, em dois periódicos bonaerenses. Quanto a isso, não encontrei informações, apenas a de que, desde seu exílio em 1908, o único periódico que publicou alguns textos seus, em Buenos Aires, foi a revista Caras y Caretas. Segundo Cora Gamarnik, era uma publicação político humorística, que rompeu com o caráter faccioso típico das publicações anteriores. Para ela ―[…] su estilo era irónico y desenfadado pero al mismo tiempo conciliador. La revista se burlaba de todos aunque no llegaba a romper vínculos con nadie‖659. Dadas a proximidade e a influência das políticas argentinas no Paraguai, assim como o caráter global das ideias que transitavam em uma dimensão nunca vista antes, quero estruturar algumas conjecturas que podem, em paralelo com o capítulo anterior, justificar a não

656 ANSOLABEHERE apud FERRO, Juan; JUÁREZ, Facundo; ROLANDI, Facundo, 2018. Transcrição minha. 657 ALBORNOZ apud FERRO, Juan; JUÁREZ, Facundo; ROLANDI, Facundo, 2018. Transcrição minha. 658 BARRETT, R. Cartas Íntimas, p. 54. 659 GAMARNIK, C. La fotografía en la revista Caras y Caretas en Argentina, p. 123. 177

aceitação de Barrett no Paraguai e na Argentina. Tais conjecturas, entretanto, não poderão ser validadas no contexto uruguaio, já que a estrutura social daquele país, essencialmente no âmbito intelectual era outra, como venho tentando demonstrar. Desse modo, as relações e anseios de Barrett, no âmbito uruguaio, eram distintos dos nutridos em relação ao Paraguai e mesmo à Argentina660.

4.3 O Uruguai e Rafael Barrett

Pobre e socialmente desclassificado por um tribunal de honra, Rafael Barrett deixou a Espanha. Na Argentina, os mesmos fantasmas voltaram a lhe assombrar. Foi ao Paraguai, onde conheceu Panchita e teve seu filho e sofreu por seu caráter irredutível, insubmisso, até que foi exilado no Uruguai, no final de 1908. Esse país foi o mais receptivo a Rafael Barrett, às suas ideias, ao seu trabalho. Desde sua chegada e de seus primeiros contatos, ele foi bem recebido e, após a sua morte, frequentemente recordado em revistas literárias, já dispostas em notas. Gambardella indaga e, na sequência, responde a sua própria pergunta: ―¿Es Barrett un escritor uruguayo? No tengo ninguna duda al afirmar que sí, habida cuenta que lo más denso de su pensamiento nació aquí y se publicó en ‗La Razón‘‖661. E completa em outro momento: ―[…] es un uruguayo esencial‖662. Tão aceito que comenta em carta, com Panchita, antes de ir à Europa, em 1910, sobre o interesse que alguns intelectuais e amigos têm de que ele passe os verões no Uruguai e os invernos no Paraguai, em decorrência de sua tuberculose: ―Todos quieren que pase los veranos aquí y los inviernas en el Paraguay. No lo olvides‖663. Antes, contudo, já havia sinalizado esse interesse, em quinze de outubro de 1908: ―Hará tres horas que estoy aquí y ya he decidido pasar en Montevideo los veranos, y los inviernos en el Paraguay. Sí, pase lo que pase no abandonaré nunca del todo al pobre Paraguay, a quien amaré siempre, porque allí me he hecho mejor y te he conocido‖664. Contudo, em primeiro de março de 1909, cerca de quatro meses após sua chegada à capital do Uruguai, Barrett parece estar mais consciente da impossibilidade de viver em

660 Ora trato Montevideo, ora Uruguai, mas é preciso ficar claro que as relações de Barrett se dão, essencialmente, na capital do país, não havendo referências encontradas acerca de contatos em outros lugares do país, ao contrário do que ocorreu no Paraguai, onde teve um trânsito maior. 661 GAMBARDELLA, L. H. Prólogo, p. VIII. 662 GAMBARDELLA, L. H. Prólogo, p. VIII. 663 BARRETT, R. Cartas Íntimas, p. 53. 664 BARRETT, R. Cartas Íntimas, p. 27. 178

Buenos Aires ou em Montevideo, malgrado estar obtendo bons contatos, essencialmente na capital uruguaia. Parece ter percebido que sua doença se agravava665:

El hecho es que un trabajo intenso, como sería necesario para traerte en buenas condiciones a Montevideo o Buenos Aires este invierno sería suicidarme, y quizá no pueda tampoco en el mismo Corrientes mientras no reponga mis fuerzas. Pena me ha dado renunciar, por la fatal exigencia de mi salud, a un porvenir amplio que se me ofrecía en el Río de la Plata666.

O Uruguai não poderá ser sua pátria, malgrado a boa receptividade que teve naquele espaço. O clima lhe impossibilitava. O Paraguai foi receptivo, no início, mas, conforme o pensamento de Barrett mudava e seus escritos atacavam as elites paraguaias, escarafunchavam e expunham as mazelas do país, essa receptividade foi desaparecendo até a conflagração de seu exílio. Em Montevideo, sentiu-se livre: ―hay, en el Montevideo de entonces, una cierta delgadez del aire nacional, compensada por la multiplicidad simultánea de la problemática universal que se incorpora a la dialéctica de la vida uruguaya‖667. Nas palavras de Corral: ―[…] el Uruguay de aquellos años (y especialmente su capital Montevideo) había ya alcanzado un notable nivel cultural. Su apertura hacia las corrientes del pensamiento y del arte era total‖668. Pouco depois de sua chegada, Rafael Barrett, passou a frequentar o café Polo Bamba. Ali conheceu José Eulogio Peyrot, Emilio Frugoni, Ángel Falco, Florencio Sánchez, Ernesto Herrera, Leoncio Lasso de la Veja, Carlos Zum Felde e Carlos Vaz Ferreira. Era um grupo que reunia ―[...] algunos de los más inquietos jóvenes intelectuales uruguayos‖669. Isso lhe instigou bastante. Sentia que, em Montevideo, poderia produzir livremente e ser respeitado. Em trinta de janeiro de 1909, exatamente um mês e meio após sua chegada a Montevideo, já planejava se dedicar a um livro e não apenas aos textos periodistas: ―[…] ya sabes que he resuelto dejar los artículos y dedicarme al libro, en cuanto me sea materialmente posible no tener que escribir día por día para ganarme el pan‖670. Além desses contatos, Barrett também produziu uma boa impressão em José Enrique Rodó, reconhecidamente, um dos grandes escritores uruguaios:

665 Em três de janeiro de 1909 foi internado no Hospital de Caridad (Maciel) ―[…] como consecuencia de una crisis con fuertes vómitos de sangre‖ (CORRAL, F. Cronología de Rafael Barrett, 701). Pode ter sido o elemento condicionador de sua tomada de consciência em relação à gravidade de sua doença. 666 BARRETT, R. Cartas Íntimas, p. 40. 667 GAMBARDELLA, L. H. Prólogo, p. VIII. 668 CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 46. 669 CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 47. 670 BARRETT, R. Cartas Íntimas, p. 38. 179

Usted escribe desde una aldea de los trópicos, y para el público de Montevideo, y, desenvolviendo en impresión personal los ecos tardíos de lo que pasa en el mundo, produce cosas capaces de interesar en todas partes y siempre porque tienen una soberbia fuerza de personalidad671.

Enquanto Barrett impressionava a Rodó, este se impressionava com ele672; no Paraguai, os efeitos dos escritos de Rodó chegaram apenas após a morte do escritor de Ariel. Isso se expressa por meio da publicação, em 1919, de uma homenagem ao escritor uruguaio, publicada pela editora Ariel e sob a direção do Centro Estudiante de Derecho, com o título: Rodó: Homenaje de la juventud paraguaya. Tal fato volta a reforçar a ideia de que o Paraguai estava imerso em crises internas e debates nacionalistas, ao passo que os outros países com a ampliação da imprensa, da tecnologia, da migração e das relações de trabalho, refletiam e discutiam sobre essas novas realidades. Moralidade Actuales, também é reflexo desse momento. Moralidade Actuales é importante porque permite uma visão mais ampla de Rafael Barrett, pois ao compilar textos que extrapolam a temporalidade do seu anarquismo, evidencia determinadas linearidades do seu pensamento, mas também evidencia certas contradições. O texto mais velho é de dezoito de setembro de 1906, La Justicia, publicado em Los Sucesos, em Asunción. O último a ser escrito para compor o livro, e completar os 89 artigos, foi de trinta e um de julho de 1909, Psicología del periodismo, publicado em La Razón. Considerado isso, é possível afirmar que Moralidade Actuales, juntamente com El dolor paraguayo, foi o livro que marcou a carreira de Rafael Barrett. Livro que foi fruto de sua ida ao Uruguai. A respeito da composição desse trabalho, Barrett informa, por meio de carta, a Peyrot, em setembro de 1909, o seguinte:

Constará de 89 artículos, aquellos que he encontrado de interés durable en mi labor de 3 años. Se trata pues de un volumen de 300 a 400 páginas. Lo quiero sobrio, desnudo, sin retratos, prólogos ni epílogos, y me parece que lo mejor es hacer una edición barata, el libro es revolucionario (¡89!). Además no olvido que en el Paraguay, país muy pobre, tengo un público numeroso que comprará la obra si no es cara. Me permito pedir a usted que transmita estas advertencias al señor Orsini Bertani, en provecho suyo673.

671 RODÓ, E. Las „Moralidades‟ de Rafael Barrett, p. 692. 672 ―Rodó tiene algunos resabio académicos, pero ha hecho algo grande, que enaltece su país. […] No le falta más que un poquito de ‗nuestro‘ anarquismo‖ (BARRETT, R. Obras Completas II, p. 654-5). 673 BARRETT, R. Obras Completas II, p. 656. 180

Desse modo, Moralidades Actuales, ao integrar textos de vários momentos da vida de Rafael Barrett, evidencia que o seu pensamento não estava sedimentado. Estava em formação. Nota-se uma transição. E os motivos da transição, como venho apresentando, referem-se às suas leituras e aos seus contatos. Viriato Díaz-Pérez observou:

[...] el gomoso de Madrid, aquí en el Paraguay, sin que se pueda decir cómo, ni por qué evoluciones, había devenido apóstol de la masa oprimida. Alentaba a los obreros, le dirigía la palabra y les defendía con toda la energía que le era permitido a quien apenas tenía ya la necesaria para vivir674.

No entanto, ao desenvolver a leitura e análise cronológica dos textos de Barrett, é possível explicar o como e o porquê das evoluciones que promoveram o interesse do escritor de Moralidades Actuales para com a masa oprimida. A dificuldade de situar Rafael Barrett em relação ao mundo em que vivia não está apenas na precocidade de seu pensamento, que o qualificam como precursor ou vanguardista675, como buscaram demonstrar Corral ou Ana María Vara, mas também nas contradições, como sinalizado por Corral: ―La prematura muerte de Rafael Barrett deja su obra en un estado de inconclusión‖676. O potencial intelectual de Barrett era muito grande, mas ele não teve tempo para produzir algo que transcendesse a espacialidade da crónica periodista, dado o avançado estado de sua tuberculose. Ele não pôde amadurecer todas as suas ideias. Assim, não é possível apresentar uma síntese do pensamento Barrettiano dadas essas contradições e aporias que se apresentam em sua obra. Exemplo disso pode ser expresso por meio de dois textos: La Dinamita e La divina jornada. Ambos os escritos foram publicados em Moralidades Actuales. Esse título não é ingênuo. Barrett o escolheu conscientemente. A crítica que os perpassa refere-se, essencialmente, a uma visão sobre a sociedade que o circunda no início do século XX: ―Se dice aún ‗esto es moral, esto inmoral; esto natural, esto no‘, como si todo no fuera naturaleza‖677, comenta no texto La Dinamita.

674 DÍAZ-PÉREZ, V. En el Paraguay (2), p. 687. 675 Segundo Francisco Corral, ―Para literatura latino-americana Rafael Barrett significa el eficaz precedente de un realismo crítico en el que denuncia social y vanguardismo literario se conjugan y enriquecen‖ (CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. XVII). Para Ana María Vara, Barrett também é um precursor: ―Entre los textos que sientan las bases del contra-discurso neocolonial de los recursos naturales de manera más clara se cuentan artículos periodísticos, cuentos y piezas breves del escritor Rafael Barrett quien, aunque nacido en España y con apenas unos años de estadía en América Latina entre 1903 y 1910, dejaría una marca distinguible en la forma de pensar la problemática del neocolonialismo en la región y su relación con el espacio y los recursos naturales‖ (VARA, A. M. Sangre que se nos va, p. 49). Para Bastos: ―Rafael fue un precursor en todos los sentidos‖ (BASTOS, A. R. Prólogo, p. 17). 676 CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 315. 677 BARRETT, R. Moralidades Actuales, p. 71. 181

A perspectiva apresentada em La Dinamita tem relação com Nietzsche, que exerceu grande influência no olhar de Barrett para a realidade678. Este, não obstante sua fé no Evangelhos de Cristo (livros, duramente, criticado por Nietzsche), relativiza a ciência e a realidade679:

La Venus de Milo, ó el Quijote, ó la Basílica de San Pedro, son igualmente naturales que el Mediterráneo y Saturno y las selvas del Brasil. La ciencia existe porque borra las divisiones aparentes de la realidad. Si la naturaleza ha producido algo en absoluto extraño á nosotros, jamás tendremos de ello la menor noticia. Conocer es parecerse; una relación es una reciprocidad ó no es nada680.

Entre os temas em debate na época estava o anarquismo e a propaganda pelo ato, defendidos no texto La Dinamita:

¡Profunda naturalidad la de la dinamita y la del anarquismo! Esas energías no son mejores ni peores que las que dislocan cordilleras y arrasan San Franciscos y Martinicas. La dinamita, que en manos de ingenieros hiende la roca para abrir paso al ferrocarril, sirve lo mismo para hacer volar los ferrocarriles y los ingenieros y los dueños del negocio681.

Como ponderou Anderson, ―[...] no final da infecunda década de 1870, surgiu em meio aos círculos intelectuais anarquistas a concepção de ‗propaganda pelo ato‘, attentats espetaculares praticados contra autoridades e capitalistas reacionários, concebidos a fim de intimidá-los e de encorajar os oprimidos‖682. Essa perspectiva de atentado é tributária de Bakunin, um homem que, segundo Woodcock, ―[...] era monumentalmente excêntrico‖683. Fracassado como escritor, ele era ―[...] realmente importante como homem de ação‖684. Foi quem, de forma mais severa, incorporou a perspectiva da violência e da destruição como meio para construir um novo mundo: ―Depositemos nossa confiança no eterno espírito que destrói e

678 ―Não se pode negar que Nietzsche exerceu enorme influência – não, porém, entre os filósofos técnicos, e sim entre os membros da cultura literária e artística‖ (RUSSELL, B. História da filosofia ocidental, p.334). 679 ―Barrett se manifiesta ferviente enemigo del racionalismo. Siguiendo una línea filosófica marcada por los grandes hitos de Pascal-Bergson-Nietzsche, considera Barrett que tanto las posturas filosóficas racionalistas como sus resultados metafísicos, son meros intentos frustrados de explicación totalizadora‖ (CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 143). 680 BARRETT, R. Moralidades Actuales, p. 71. 681 BARRETT, R. Moralidades Actuales, p. 71. 682 ANDERSON, B. Sob três bandeiras, p. 95. 683 WOODCOCK, G. História das idéias anarquistas – A ideia, p. 161. 684 WOODCOCK, G. História das idéias anarquistas – A ideia, p. 163. 182

aniquila apenas porque é a insondável e infinitamente criativa origem da vida. A paixão por destruir é também uma paixão criativa‖685. A propaganda pelo ato, por sua parte, servia como veículo de divulgação das ações anarquistas, como chamamento aos operários. As ações de Bakunin foram importantes para isso. Anderson observou que a partir do final de 1870 iniciaram-se os atentados espetaculares que – na Espanha, houve o fracasso do atentado de Juan Oliva Moncasi, que tentou assassinar o rei Afonso XII686. Assim, segundo Bakunin, para chegar a uma sociedade anarquista, era preciso destruir a sociedade daquele período para depois criar outra melhor. Bakunin trabalhou intensamente para isso, por vezes, de forma imprudente: ―Era inteligente e culto, mas ingênuo; espontâneo e bondoso, mas ardiloso; leal até o último grau, mas tão imprudente que frequentemente levava os amigos a perigos desnecessários‖687. Sobre as ações de Bakunin, Woodcock avalia que havia momentos

[...] em que toda essa enorme e incansável atividade parecia mais uma grande brincadeira de uma infância que tivesse se prolongado além da conta e outros em que os arroubos de Bakunin ao falar ou agir provocavam episódios ridículos, de pura comédia, que o tornavam mais uma caricatura do que um exemplo de anarquista. Podemos vislumbrá-lo desfilando pelas ruas de uma cidade suíça disfarçado - de forma menos convincente que se possa imaginar – como um clérigo anglicano, ou ingenuamente colocando no correio um envelope que continha, ao mesmo tempo, uma carta cifrada e o código que a decifraria, ou ainda blefando alegremente para seus conhecidos sobre enormes exércitos secretos – totalmente imaginários – que teria sobre seu comando688.

O esforço de Bakunin estava em arregimentar novos seguidores que se empenhassem em levar à frente o projeto anarquista por ele defendido. Assim, era um homem de ação689. Atuava diretamente e acreditava que o caminho para o anarquismo era destruir tudo para,

685 BAKUNIN apud WOODCOCK, G. História das idéias anarquistas – A ideia, p. 12. 686 WOODCOCK, G. História das idéias anarquistas – O movimento, p. 112. 687 WOODCOCK, G. História das idéias anarquistas – A ideia, p. 162. 688 WOODCOCK, G. História das idéias anarquistas – A ideia, p. 162. 689 Bakunin ―[...] fracassou onde a maioria dos grandes anarquistas foi bem-sucedida – como escritor. Embora rabiscasse copiosamente, não deixou um único livro em que transmitisse suas idéias à posteridade. Certa vez chegou a confessar a Herzen que não tinha o menor senso de composição literária e nenhum poder de concentração, de modo que tudo que começava a escrever logo perdia o rumo original e era geralmente abandonado a meio. [...] Bakunin era realmente importante como homem de ação. Mas mesmo seus atos, embora dramáticos, geralmente nos parecem estranhamente inúteis‖ (WOODCOCK, G. História das idéias anarquistas – A ideia, p. 163). 183

despois, reconstruir: ―A paixão por destruir é também uma paixão criativa‖690. Para Roa Bastos, no acratismo barrettiano:

[...] las ideas políticas, su pensamiento, sus intuiciones y premoniciones acerca de la transformación de la sociedad confluyen, se entrelazan y se identifican plenamente con los sentimientos de un humanismo redentorista, mucho más cercano Barrett, en esto, a Tolstoi que a un Kropotkin o a un Bakunin691.

Todavia, La Dinamita permite observar Barrett, a partir de outra chave que não apenas a de Tolstói. Como será apresentado adiante, Barrett se aproxima, no texto La divina jornada, ao tratar do amor, do altruísmo e da solidariedade. Isso expressa a inconclusão da obra barrettiana. No período em que Barrett estava entre as publicações na Argentina, no Paraguai e no Uruguai, ele teve contato com o caso de Francisco Ferrer, que possuía ligação direta com o atentado de Mateo Morral; com o caso Nakens; e, ainda, com as execuções em Montjuic. Tais casos eram a expressão da propaganda pelo ato; nesse sentido, e ao publicar La Dinamita, Barrett expressava sua condescendência com essa perspectiva:

Los ascetas cristianos hacían brotar las flores de los yermos entumecidos; los ascetas anarquistas — sí, recorred la serie, rara vez hallaréis uno que no sea inteligente, elevado y robusto — llevan en el puño el prodigio feroz de la dinamita, el verbo que suprime, la voz que mata692.

Avalia-se, assim, que a dificuldade em analisar a obra barretina, decorre de sua inconclusão. Os dois livros organizados por Rafael Barrett, Moralidades Actuales e El dolor paraguayo, são compilações de textos publicados em periódicos, em momentos e espaços distintos, que expressam sua percepção de mundo em dada ocasião, mas que estão cheios de contradições e inconclusões. A aproximação que pode ser percebida, ora em direção a Bakunin, ora em direção a Tolstói, evidencia a falta de síntese de seu pensamento. A produção Barrettiana é fruto, também, do imediatismo com que o autor recebeu determinados conteúdos e reproduziu suas impressões nos periódicos. Assim, a dificuldade de aceitação de sua prosa, no Paraguai, na Argentina e mesmo no Uruguai, onde foi compreendido apenas como um intelectual anarquista, é reflexo da falta de um produto mais robusto.

690 WOODCOCK, G. História das idéias anarquistas – A ideia, p. 12. 691 BASTOS, A. R. Prólogo, p. 39. 692 BARRETT, R. Moralidades Actuales, p. 72. 184

Em carta a Peyrot, de fevereiro de 2010, o próprio Barrett denota insatisfação em relação à produção de um livro que seja tão somente a compilação de artigos já publicados nos meios de comunicação do período: ―Sueño con vivir un año más y dejar un libro que no sea una simple colección de impresiones de periodista‖693. Como comenta Panchita nas notas de Cartas Íntimas: ―Muchos que suelen extrañarse de que los libros de Rafael sean nada más que recopilaciones de artículos – a excepción de El dolor paraguayo694 –, conocen ahora la causa: la necesidad de escribir día por día para ganarse el pan‖695. Contudo, quando em face do texto La divina jornada, pode-se observar uma postura mais serena, mais solidária, mais sóbria. Uma postura que não coaduna com a violência expressa por La Dinamita. O texto é um diálogo entre Jehovah, o deus onipotente, que tudo criou e que conduziu a humanidade até o momento em que se passa o diálogo; Josué, ―El director de las esferas‖696; e Jesús, filho de Jehovah. O diálogo se inicia com Jehovah chamando Josué, e revelando-lhe que quer punir aos perseguidores de seus fieis: ―Se me desatiende en la tierra; se desaniman y dispersan mis fieles; se les persigue; sobre ellos cae el desprecio público. Hay que reconfortarles; quiero manifestar mi suprema presencia por un signo que confunda a los ensoberbecidos herejes. Necesito un eclipse‖697. Josué, por sua vez, diz que isso não é possível; argumenta que, dado o ordenamento do cosmos, somente seria possível um eclipse dali a três meses, ao que Jehovah reage com insatisfação: ―¿No obedecen ya los astros a mi voz?‖698. Josué: ―– Demasiado bien, Señor Excelso. No se deciden a salir ni por un instante de los sublimes rumbos que tu infinita inteligencia les ha trazado‖699. Jehovah: “–!Oh rabia impotente! (El Paraíso se estremece hasta sus cimientos)‖700. A fala de Jehovah denota duas situações: a primeira se refere à autoridade e ao poder, expressos em ―mi suprema presencia‖ e ao estremecimento que a raiva de Jehovah causa no paraíso; a segunda relaciona-se à velhice, quase cômica, que se expressa no sentido de Jehovah não se recordar do que ele mesmo fez, ao criar o mundo, o que se visualiza no momento em que questiona a obediência dos astros e sente raiva. Jehovah quer punir os ateus,

693 BARRETT, R. Obras Completas II, p. 664. 694 Segundo a edição de 2010a, organizada por Francisco Corral, alguns textos não possuem data e periódico conhecido, mas, em geral, foram publicados como textos periodistas, como, por exemplo, em: El Diario, Los Sucesos, Rojo y Azul, La Evolución, El Nacional e Germinal. 695 BARRETT, F. L. M Introducción, p. 38-39. 696 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 94. 697 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 94. 698 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 94. 699 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 94. 700 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 94. 185

que atormentam seus fieis, e usa recursos como terremotos, eclipses e cometas, mas Josué atenta que os homens já explicam esses fenômenos e que, malgrado a destruição e tormento que causam, já não refletem a vontade de deus, de Jehovah: ―[…] señor Todopoderoso! Ahora los hombres todo se lo explican. Medirán tranquilamente el cometa701 y tomaran nota de el en sus libros. Por desgracia nuestra han inventado las infernales matemáticas‖702. Irritado, Jehovah expulsa Josué e chama seu filho, Jesús. Jehovah começa a falar e é interrompido por Jesús:

–No, Padre. Adivino tu deseo. No me pidas nuevas catástrofes. He cedido otras veces; la última, consentí en los terremotos de Chile y de Calabria. !Cuánta crueldad inútil! Mi corazón llora al recordar las madres locas, retorciéndose los brazos, buscando a sus hijos; vi a una que con un pequeño cadáver entre las manos, dudaba todavía, intentaba arreglar los colgajos de carne sobre el rostro destrozado del niño703.

Jesús começa a mostrar a Jehovah que suas vinganças não são nem consideradas como tais pelos seres humanos: ―¿para qué tales horrores? Nadie te ha atribuido los terremotos. Nadie ha reconocido en ellos, allá abajo, los efectos de tu venganza‖704. Jehová responde que, se as vinganças não são compreendidas, ainda pode fazer milagres; e Jesús explica ao seu pai que ele faz, mas que, todavia, os seres humanos já os explicam e consequentemente, não se surpreendem com as investidas de deus e, tão pouco, atribuem a ele tais ocorrências. Ao fim, segue o seguinte diálogo:

Jehovah: –Jesús, Jesús, leo en tu mirada una fatal sentencia... ¿Sera cierto? […] Jesús: –Si, Padre, tu reino ha concluido. […] Jehovah: – No, no me resignare. […] Jesús: –Reinaste por miles de años. […] Jehovah: –¿Y qué es eso? Un minuto, un relámpago. !Ay! Soy Eterno. Siempre me resta una eternidad sin corona. […] Soy Eterno y débil. No me siento con fuerzas para crear otro Universo. […] Jesús: – Contentémonos con éste. Es muy malo, pero cada vez menos malo. Le tengo cariño desde que descendí a él y en él sucumbí. Tú ignoras los dolores humanos; yo no. Por eso no vacilas en castigar, ni en perdonar vacilo yo. Por eso tu reino concluye y el mío empieza. […] Jehovah: – Reina, pues, y haz adorar el nombre de tu Padre. […] Jesús: –!Que egoísta eres! ¿Qué importa el nombre? Apenas se acuerdan del mío. Lo que importa es la obra. Mi obra de amor y de paz no muere. Avanza poco a poco. Es invencible. Supe entregarme. Estoy dentro de

701 Como não era possível um eclipse, Jehovah ordena a Josué que envie um cometa ―sangriento, colosal, que hiera con siniestra luz el horizonte y aterre a los ateos‖ (BARRETT, R. Obras Completas I, p. 94). 702 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 94-95. 703 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 94-95. 704 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 95. 186

la humanidad y no seré expulsado. […] Jehovah: –¿Y yo? […] Jesús: –Te expulsó tu orgullo. Te cerniste tan alto sobre tus súbditos, que te han perdido de vista y no se ocupan ya de Ti. Confórmate con el Sueño Eterno. No serás molestado. No despertarás705.

O texto pode ser entendido como uma alegoria. Ao definir que o tempo de Jehovah acabou, Rafael Barrett, metaforicamente, expressa que é o fim da autoridade e que o que irá prevalecer é o amor, o perdão, a humanidade. A autoridade não compreende a solidariedade, o amor ao próximo. A autoridade é egoísta, está preocupada com o nome, com o yo. O Estado representa essa autoridade que Barrett não quer mais. Mas o ponto que importa observar é o meio pelo qual se dá esse processo de mudança, não é pela explosão, pela violência, mas sim pelo diálogo. Isso é simbólico e demonstra a fragilidade do posicionamento de Barrett em relação a uma ou outra posição anarquista, que não é mais a de Bakunin, a da destruição, mas sim a da transição, mas próximo a Tolstói, e, mesmo, a Kropotkin. Outro texto que caminha no mesmo sentido de La Divina Jornada, é Un dios que se va. Neste texto, Barrett critica o comentário do papa Pio X, que atribuiu, à vontade divina, os terremotos que ocorreram na Calábria e na Sicília, na Itália, como castigos à humanidade. O autor segue o mesmo alinhamento dado à La Divina Jornada, em que os desastres são atribuídos à deus. Em Un dios que se va, Barrett contesta isso: ―Esta época necesita otros dioses; quiere ser dirigida por la esperanza y el amor, no por el miedo‖706. Em seguida, observa: ―Es que no nos cabe ya en la cabeza que debamos aceptar el dolor, que lo debamos justificar, que lo suframos cobardemente como expiación de nuestras culpas. Nos hemos examinado y nos hemos absuelto. Somos inocentes y pretendemos ser menos infelices‖707. Assim, o autor de Moralidade Actuales volta a se opor à ideia de autoridade e mesmo de submissão que se expressa através de um sofrimento resignado, pregado pela igreja. É um anarquista, mas sem filiação definida. Os textos que se desenvolvem nesse sentido estão alinhados a uma forma de pensamento que se estruturou a partir dos Evangelhos de Cristo, muito lidos por Rafael Barrett, mas, também, a partir de outras leituras, como as de Zola e Tolstói. Sobre Zola, há um texto que trata de sua morte e que compõe o livro Moralidades Actuales. Nele, Barrett buscou de apresentar as impressões acerca do escritor. A grande marca de Zola se estabeleceu com o

705 BARRETT, R. Obras Completas I, p. 96. 706 BARRETT, R. Moralidades Actuales, p. 237. 707 BARRETT, R. Moralidades Actuales, p. 238. 187

caso Dreyfus708, o celebre J‟accuse, no qual ele pediu a revisão da sentença aplica ao capitão. A partir desse episódio, se estabelece a noção de um intelectual socialmente ativo, ―[...] que alza su voz de crítica apoyado en el solo peso de la razón y con solo poder de la verdad y la justicia que sus palabras expresan‖709. Barrett segue o exemplo de Zola, ao posicionar-se em relação ao ocorrido com José Nakens e publicar em Moralidades Actuales um texto dedicado a ele, El caso Nakens. Episódio muito semelhante ao de Dreyfus, ocorreu na Espanha. Nele, José Nakens, periodista e diretor de El Motín, foi preso e acusado de ocultar a Mateo Morral710, que tentou assassinar Afonso XVIII, quando jogou uma bomba na comitiva que passava com o monarca. Na mesma ocasião, Francisco Ferrer foi acusado de instigador, foi preso e, na sequência, assassinado na fortaleza de Montjuic, à qual Barrett também tecia duras críticas711. Importa lembra que a admiração de Barrett por Zola referia-se não apenas à dimensão estética do naturalismo, por meio da qual o escritor francês descrevia a humanidade: ―No vio en la tierra más que el mal, y lo pintó con la crueldad cirujana de un enamorado del bien‖712, mas à sua generosidade, à sua empatia em relação ao sofrimento alheio: ―A través de tanto rugido de bestias y de tanto gemido de víctimas, pasa el acento generoso de un hombre que sufre con el sufrimiento ajeno‖713. Assim, Barrett, aproximou sua escrita dessa perspectiva, pela qual o intelectual aponta o dedo, acusa o erro e expõe a verdade, como se fosse um agraciado, a ver o que os outros não podem.

708 ―O simulacro de corte marcial a que o capitão Alfred Dreyfus foi submetido inicialmente, acusado de espionar para a Alemanha, e sua subsequente deportação para a Ilha do Diabo, que ocorreram no outono de 1894, haviam atraído muito pouca atenção engajada, apesar de que, no ano seguinte, Fénéon chegou a atacar o veredito nas páginas de La Revue Blanche. Em 1896, todavia, começaram a vazar evidências de que o judeu Dreyfus havia caído numa armadilha preparada por altos oficiais militares antissemitas e aristocratas, o que acabou levando a uma intensa campanha de imprensa que forçou o Estado a prender o verdadeiro culpado, o major Marie-Charles Esterhazy, em outubro de 1897, e leva-lo a julgamento no janeiro seguinte. Sua absolvição descarada no dia seguinte ao início do julgamento levou Zola a publicar a famosa carta aberta ‗J‘accuse‘ no L‟Aurore de Clémenceau. Contestado, o regime não viu outra saída senão colocar Zola no banco dos réus em fevereiro de 1898. Condenado a pagar uma multa e a cumprir pena de prisão, o ‗romancista burguês‘, como era chamado por intelectuais críticos de esquerda, subitamente se viu convertido em herói de toda a esquerda‖ (ANDERSON, B. Sob três bandeiras, p. 218). 709 CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 94-95. 710 Sobre o assunto ver: MASJUAN, Eduard. Un héroe trágico del anarquismo español: Mateo Morral, 1879- 1906. Barcelona – ES: Icaria, 2009. 711 ―Envidiemos la gloriosa apoteosis de Ferrer, asesinado en los fosos de Montjuich, la última Bastilla de los latinos. […] Arrastrado a los fosos como por una banda de chacales, devorado en la sombra y el silencio, a espaldas de Europa. […] Fue fulminado, porque era cumbre. No le podían perdonar. Los inquisidores perdonan el crimen, no la idea. Cayó, porque causaba miedo, porque era una de las imágenes vivas del futuro, un anuncio de muerte para los que le hicieron morir. Pero, ¿qué es la desaparición de Ferrer? Un simulacro. Lo grave no es que haya muerto, sino que haya vivido, que después de él perduren y crezcan formidables las energías de que se formó. Ferrer, desposado con la bella muerte que le disteis, engendrará los héroes de mañana. ¿Qué habéis conseguido? Hacerle inmortal a balazos, convertir el inofensivo profesor en un irritado ángel que visitará vuestras noches‖ (BARRETT, R. Obras Completas II, p. 52). 712 BARRETT, R. Moralidades Actuales, p. 124. 713 BARRETT, R. Moralidades Actuales, p. 124. 188

Quanto à Tolstói, ele é tido como um apóstolo do anarquismo, apesar de ele mesmo não se considerasse como tal, uma vez que julgava como anarquistas àqueles que ―[...] desejavam transformar a sociedade utilizando métodos violentos‖714. Não pregava a violência, mas sim o amor, considerando-se por conta disso um cristão literal, mas como observou Woodcock:

[...] não ficou totalmente descontente quando, em 1900, ao escrever uma pesquisa pioneira sobre as várias correntes do pensamento anarquista, o sábio alemão Paul Eltzbacher nela incluiu suas idéias, demonstrando que, embora repudiasse a violências, sua doutrina básica e principalmente sua rejeição ao Estado e à propriedade seguiam as linhas gerais do padrão anarquista715.

A leitura de um pequeno trecho que Woodcock dedica a Tolstói, pode dar a impressão de que ele trata de Barrett, se retiramos a referência nominal ao escritor, pois os pontos que compõem o anarquismo de Barrett e o de Tolstói se aproximam, em muito, tendo o primeiro se apropriado da produção do segundo:

Se tantas das ideias gerais que encontramos nos romances de Tolstoi – o naturalismo, o populismo, o sonho de uma fraternidade universal, a desconfiança ante o mito do progresso – assemelham-se àquelas que integram a tradição anarquista, é possível encontrar, igualmente, muitas idéias especificamente libertárias sugeridas neles. O igualitarismo grosseiro dos cossacos contrasta com a estrutura hierárquica do exército russo; o culto à liderança é atacado de forma deliberada em Guerra e paz; as falhas morais de um sistema político centralizado e as falácias do patriotismo são denunciados em Ana Karenina716

Em Barrett, vê-se o combate à estratificação social, dividida entre operários e burgueses, sob a tutela do Estado. Consequentemente, é possível verificar a defesa de uma sociedade igualitária e sem fronteiras, que vai ao encontro da dita fraternidade universal de Tolstói. Todos esses pontos que compõem o anarquismo dos dois autores, estão constituídos a partir de uma base cristã, essencialmente do evangelho. Por isso, dentre os textos que integram Moralidades Actuales, selecionei La divina jornada e Un dios que se va, pois ambos expressão a crítica a autoridade, Jehovah, e defendem a solidariedade, a paz, o amor e a fraternidade, pregados pelo evangelho. Consequentemente, negam a violência e se opõem ao

714 WOODCOCK, G. História das idéias anarquistas – A ideia, p. 251. 715 WOODCOCK, G. História das idéias anarquistas – A ideia, p. 251. 716 WOODCOCK, G. História das idéias anarquistas – A ideia, p. 260. 189

que estabelece o anarquismo de Bakunin. Em resumo, ―[...] Tolstoi não aspirava a uma vida mais abundante em termos físicos. Para ele, assim como para os camponeses anarquistas, de Andaluzia, o ideal moral era a vida simples e ascética, onde um homem dependeria o menos possível do trabalho de outros homens‖717. Nesse mesmo sentido, é possível observar que Barrett se aproxima de Kropotkin, que, malgrado ―[...] admitir a necessidade da violência718, opunha-se, por temperamento, ao seu emprego‖719. Tolstoi e Kropotkin tinham visões aproximadas e se respeitavam reciprocamente, apesar não terem se conhecido pessoalmente; daí a viabilidade de aproximar parte do pensamento barrettiano de sua posição a respeito do anarquismo. Ademais, à Kropotkin é atribuída a mudança de olhar da qual o anarquismo foi alvo quando ele passou a ser identificado como representante maior desse movimento, após a morte de Bakunin. A partir dele, ―[...] o anarquismo passou a ser considerado uma teoria séria e idealista de transformação social e não mais uma doutrina de violência de classes e de destruição indiscriminada‖720. Pode-se dizer que ele é a ponte entre Bakunin, com seu pandestrutivismo721, e o cristianismo literal de Tolstói. Portanto, essa exposição pretende demonstrar que Moralidades Actuales, em suas composições variadas de artigos não constitui uma unidade, denotando que Barrett não chegou a produzir algo mais substancial que pudesse ser pensado em sua integralidade. A exigência diária da produção e a doença não permitiram que ele se dedicasse a outra forma de escrita. Além disso, dada a ácida verve que caracteriza seus textos, Barrett não logrou ser lembrado para além de seu anarquismo, expresso em textos que foram sendo reimpressos em Montevideo. Sublinhe-se, também, que, apesar do sucesso de Moralidades Actuales, o frio montevideano, no inverno, e o avançado estado de sua doença, não permitiram que aquele país o abrigasse. Único local que lhe deu liberdade para produzir com liberdade e intensidade. Assim, malgrado Gambardella não ter dúvida a respeito de Barrett ser um escritor uruguaio, não é isso o que pode ser constatado na prática. Entretanto, esporadicamente, é possível encontrar textos e referência a Rafael Barrett em revistas uruguaias, o que aponta ter sido ele reconhecido naquelas latitudes, mesmo após a sua morte. Tive oportunidade de encontra, por exemplo, um poema dedicado a ele na Revista

717 WOODCOCK, G. História das idéias anarquistas – A ideia, p. 262. 718 ―[...] Tolstoi chegou à conclusão de que a defesa da violência que Kropotkin fazia era relutante e contrária à sua verdadeira natureza: ‗Seus argumentos a favor da violência – observou ele a Cherkov – não me parecem ser a expressão de suas opiniões pessoais, mas apenas da fidelidade ao estandarte sob o qual serviu com tanta honestidade durante toda a sua vida‖ (WOODCOCK, G. História das idéias anarquistas – A ideia, p. 252). 719 WOODCOCK, G. História das idéias anarquistas – A ideia, p. 208. 720 WOODCOCK, G. História das idéias anarquistas – A ideia, p. 208. 721 WOODCOCK, G. História das idéias anarquistas – A ideia, p. 252. 190

Caminos, de 1935, escrito pelo poeta uruguaio Líber Falco, reproduzido a seguir. Nota-se, portanto, que Montevideo foi onde Rafael Barrett foi reconhecido em vida e onde foi, ao longo do século XX, recordado como escritor anarquista e até mesmo como o ―inolvidable Barrett‖, como o chamou o anarquista José Serra722, quando em visita a Francisca Barrett, no Hotel Balcarce, na capital uruguaia, em 1918.

722 El Hombre, 1918. 191

Fotografia 6 – Rafael Barrett junto a sua esposa Figura VIII – Poema dedicado a Rafael Barrett

Fonte: Biblioteca Nacional Uruguaya Fonte: Biblioteca Nacional Uruguaya SERRA, J. Una visita a la viuda de Rafael Barrett. FALCO, L. A Barrett. Caminos. Montevideo: abril El Hombre. Montevideo: 5 de enero de 1918, año de 1935, Año I, núm. 2, p. 7. II, núm. 63, p. 1723.

723 Apesar do estado ruim da imagem, considerei importante por sua originalidade. 192

4.4 A Argentina e Rafael Barrett

É possível considerar que os fatores que viabilizaram a pouca influência de Barrett na Argentina estavam associados, em primeiro lugar, aos seus enfrentamentos de 1904, a respeito de sua desclassificação social em Madri; e, em seguida, a uma política contra migração, a polêmica Lei de Residência, que se vinculava a um âmbito global, com a articulação de políticas de Estado, que se referiam ao combate ao anarquismo e ao socialismo. Assim, havia uma inclinação ideológica que perpassava seu deslocamento social e intelectual724 na Argentina. Diniz, toca nesse assunto em sua dissertação, mas não o desenvolve plenamente. Outro fator, que já foi mencionado acima, se relaciona ao grande número de escritores que produziam textos com os mesmo temas que Barrett, como sinalizaram Pablo Ansolabehere e Martín Albornoz. Esses fatores contribuem para a tese porque expõem, por um lado, a dificuldade que Barrett encontrou para se firmar como um escritor periodista na Argentina. Isso fica demonstrado nas ações de Estado que corroboravam para combater o anarquismo, ou seja, textos com o teor dos produzidos por Barrett. Por outro lado, essas mesmas políticas de Estado, que, inclusive influenciavam o âmbito paraguaio, projetavam em Rafael Barrett a mesma sensação negativa que ele sentia a respeito dos governos paraguaios e que o levou a refletir sobre a pátria e o Estado. Portanto, a priori, dois pontos são importantes para compreender esse processo: primeiro, a perspectiva anarquista, ácrata, e, no âmbito barrettiano, apátrida, tendo em vista a noção de pátria como a que coloca um contra o outro, a que coloca um limite, uma fronteira, a que é manipulada pelo Estado. Conforme a perspectiva de Barrett, é vista de forma negativa. O segundo ponto refere-se à perspectiva biográfica, a qual se relaciona à sua busca por uma nova casa, a qual deveria ser o Paraguai. Foi este país que o acolheu em 1904; nele encontrou sua futura esposa, com quem se casou, em 1906; ali, também, teve seu filho, em 1907. Entretanto, esse mesmo país o rechaçou, literalmente, em 1908, sob o regime de Albino Jara. Na Argentina não ficou, pois já havia alimentado seus fantasmas, quando, em 1904,

724 A pretensão não é estudar a recepção de Barrett, o que daria um bom trabalho, pois foi possível perceber, na busca de fontes, como os grupos de esquerda se apropriaram de seus textos, como González Pacheco, referenciado por Morán (MORÁN, G. Asombro y búsqueda de Rafael Barrett, p.43); ou em revistas como Enciclopédia Uruguaya, números II (196?), 32 (1969) e 39 (1969); El Hombre, números 9 (1916), 63 (1918) e 74 (1918); a Revista Ensayos (1937); La Cruz del Sur, números 2 (1924) e 18 (1927); La Plaza número 4 (1980); La Pluma números II (1927) VII (1928); La Semana (1912); Revista de La Biblioteca Nacional, com texto em 1966, 1976 e 1980. Com exceção da indicação de Morán, sabe-se que as outras referências tratam apenas de Montevideo, mas sabe-se, ainda, que após a morte de Barrett, ele foi citado em vários veículos de imprensa na Argentina. 193

novamente se viu frente a um duelo e a uma nova possibilidade de desclasamiento725. Em Montevideo, mesmo aceito pelos intelectuais, que acolheram bem, não pode ficar, por estar, à época, acometido da tuberculose, e o frio montevideano não era bom para Barrett. Além disso, ele havia fincado raízes no Paraguai, com esposa e filho. Para entender o que ocorria na Argentina, por exemplo, é preciso voltar ampliar um pouco o escopo do trabalho, assim quero observar que a Revolução Francesa e a Revolução Industrial foram processos que mudaram o curso do mundo. A primeira, por viabilizar uma nova forma de ordenamento social que, em tese, ao menos, favorecia a mobilidade social e a igualdade de condições, baseadas nos conceitos de republicanismo e democracia. A segunda, por criar novos modos de produção, novas relações de trabalho e formas de consumo. O problema é que essas duas revoluções, e seus resultados, caminharam em sentidos não complementares, como ficou claro no curso da História. Se, por um lado, o republicanismo e a democracia deram a sensação de igualdade para o grosso da população, a Revolução Industrial e a consequente instauração do modelo capitalista, por outro, demonstrou que isso não era tão simples. O resultado foi a manutenção de uma elite financeira pequena, e a permanência de falta de recursos para grande parte da população, o que é claramente verificado no Paraguai, no período em que Barrett viveu lá. Nesse contexto, as primeiras ações da indústria, sem nem um tipo de regulamentação, permitiram a contratação de crianças, a exitência de horas excessivas de trabalho, de baixos salários decorrentes de um exército de reserva, assim como a falta de instituições sociais básicas para os grupos desfavorecidos, como: escolas, hospitais, saneamento básico e mesmo uma legislação trabalhista. Essa prática favoreceu o grande acúmulo de capital, derivado do que Marx chamou de mais valia. A compreensão dessa organização da sociedade, assim como a liderança de Karl Marx e Engels na organização do Partido Comunista, foi decisiva para o estabelecimento de movimentos coordenados de esquerda. Assim, Marx não era apenas um teórico, mas também um ativista político. Na esteira de suas ações, organizou-se, em 1864 a Primeira Internacional, que tinha por objetivo expandir as perspectivas comunistas pelo mundo. Entretanto, outro

725 ―La edición de El Diario del martes de 26 de abril informa a sus lectores la concertación de un lance entre el señor Juan de Urquía y el señor Rafael Barrett, a quien califica como ‗secretario de la Liga Republicana‘. […] Sin embargo, el duelo no llegó a producirse. Poco antes de la hora concertada, Juan de Urquía se niega a batirse con Barrett. El motivo que alega: el haber sido éste descalificado por un Tribunal de Honor en Madrid‖ (CORRAL, F. El pensamiento cautivo de Rafael Barrett, p. 28). 194

grupo formou-se, juntou-se e confrontou os comunistas: os anarquistas, então, liderados por Bakunin726. A expansão marítima, no final do século XV, foi responsável por constituir contatos globais. Mas a grande diferença que se estabeleceu com o capitalismo, em ascensão no século XVIII, foi o fluxo. Com mercadorias, por exemplo, ouro, prata e passageiros, iam também notícias, cartas, livros e informações. Quando maior o fluxo, maiores as informações. Assim, a industrialização que se processou no século XIX foi fundamental para aumentar o trânsito de mercadorias, de capital, de pessoas e, também, de ideias727. Nesse sentido, interessa pontuar o como isso se processou, essencialmente na região platina da América do Sul, e qual o impacto causado na formação das relações locais. O Brasil, por exemplo, nos últimos anos do século XIX, passava por intensas mudanças, que não chegaram a alterar pontos estruturais, como o grande latifúndio; contudo, alteraram aspectos formais: de monarquia para república; de escravidão para trabalho livre; de uma estrutura essencialmente agrária para um processo de industrialização incipiente728. No contexto da região platina, o Brasil exercia grande influência729. Após o fim da Guerra do Paraguai, passa a ditar o caminho a ser seguido pelo país mediterrâneo, o Paraguai, e procura impor-se sobre os interesses argentinos e uruguaios. Todas essas mudanças eram fruto de câmbios que ocorriam em termos globais: não era admissível uma monarquia ao lado das repúblicas, não era admissível a escravidão, pecha há muito criticada pela Inglaterra, em um mercado cada vez mais amplo e de caráter liberal. Nessas condições, no Brasil, em 1889, um ano após Lei Áurea, proclamou-se a República e o país passa a compartilhar da mesma forma de governo que seus vizinhos; além disso, com os lucros excedentes do café, no início do século XX, também se iniciavam os investimentos no campo das indústrias. Acrescente-se que países como o Paraguai, a Argentina e Uruguai, também passavam por mudanças e buscavam se medir com a Europa. Nesse sentido, procuravam se civilizar, assumir práticas democráticas, republicanas e liberais. Assim, é possível notar ações que atentaram contra aspectos próprios das culturas americanas, contra o que era considerado

726 Woodcock trata de ideias básicas do anarquismo, estabelecendo o início com Godwin, depois Proudhon, para então chegar a Bakunin, que na Primeira Internacional rompeu com Marx. Sobre o assunto ver: WOODCOCK, George. História das idéias e movimentos anarquistas – v. 1: A Idéia. Porto Alegre: L&PM, 2007. 727 OSTERHAMMEL, J. La transformación del Mundo, p. 15-16. 728 O texto da professora Claudia Beatriz Heynemann, ―Paris, 1889: o álbum da exposição universal”, na página da http://brasilianafotografica.bn.br/?p=12604 trata muito bem sobre a incipiência da produção industrial brasileira. 729 Sobre o assunto ver: MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. A expansão do Brasil e a formação dos Estados na Bacia do Prata (Da colonização à Guerra da Tríplice Aliança). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012. 195

bárbaro, um exemplo foi a proibição do guarani, que se processou no Paraguai após o fim da guerra de 1864-1870. Isso era um reflexo da influência que a Europa exercia na América. Além disso, uma discussão sobre a imprensa, em meados do XIX, permite compreender o como se processou esse trânsito de ideias. Para tanto, tomo por base o texto La Gran Maquina de Publicidad, publicado em 2017 por Maria Lucrecia Johansson. O foco da autora é discutir a imprensa no contexto da Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai, mas nesse processo ela forneceu importantes dados sobre a esse trânsito de ideias, que se pretende discutir aqui. Para Johansson, a guerra teve o papel de fomentar a busca de ―[…] redes que los vincularon con periódicos, redactores e intelectuales, con el propósito de garantizar una amplia difusión de determinados discursos probélicos‖730. Esses discursos que propagandeavam as justificativas e legitimações de cada parte tinha um importante papel de ―[...] inducir determinados comportamientos, lo que implicaba un doble proceso de información/ desinformación y de persuasión /movilización‖731. Dessa forma, houve uma vinculação entre o local e o global, na medida em que era interessante não apenas convencer a populações sobre a legitimidade da guerra732, mas também outros países. Por isso:

El interés por difundir esa propaganda no quedó restringido al interior de cada país sino que excedió las fronteras. Países lejanos a la zona de conflicto, como Francia y Bélgica, terminaron convirtiéndose en escenario de la lucha que los gobiernos de ambos bandos entablaron por ganar influencia en el campo periodístico europeo733.

Indo além do âmbito descrito, ainda vale observar que a imprensa não serviu apenas aos interesses próprios de legitimação da guerra, mas constituiu-se, como desdobramento da própria guerra, como ―[...] un medio necesario para la representación de la comunidad imaginada que es la nación‖734, fazendo eco às ponderações de Benedict Anderson. No

730 JOHANSSON, M. L. La gran máquina de publicidad, p. 30. 731 JOHANSSON, M. L. La gran máquina de publicidad, p. 33. 732 No caso específico do Paraguai, vale recordar o papel social de periódicos como El Centinela, Cabichuí, Cacique Lambaré y Estrella. Para Johansson, ―El primer objetivo de esa novedosa prensa de guerra fue llegar a un público más amplio, razón por la cual esas publicaciones transformaron su forma y su contenido a partir de una serie de expectativas atribuidas al nuevo público al que estaban dirigidas, integrado por los soldados y la población movilizada para el combate. De allí, por ejemplo, el uso del guaraní, lengua que hablaba la mayor parte de la población, o el uso de imágenes, que posibilitaban a los iletrados descifrar más fácilmente el mensaje propagandístico. Al mismo tiempo, una práctica de lectura que se desarrollaba en el ámbito público, en grupo y en voz alta, sobre todo - aunque no exclusivamente - en las trincheras, se impuso con el fin de garantizar la difusión de esos periódicos y de su mensaje propagandístico‖ (JOHANSSON, M. L. La gran máquina de publicidad, p. 30). 733 JOHANSSON, M. L. La gran máquina de publicidad, p. 33. 734 JOHANSSON, M. L. La gran máquina de publicidad, p. 34. 196

contexto do Paraguai, é preciso sinalizar que esse aspecto nacional, de maneira mais forte, se destacou no bojo das atuações da generación de 900735, ou seja, em momento muito próximo ao século XX, ao passo que os outros países já possuíam uma produção com vistas à constituição de uma identidade nacional a partir de meados do século XIX, como é o caso de José Hernández, Faustino Sarmiento, José de Alencar e Laurindo Lapuente736. A imprensa teve um importante papel no contexto latino-americano, desde os processos de independência:

En América Latina, la prensa se expandió con fuerza a comienzos del siglo XIX a partir de los movimientos independentistas. Desde ese momento, las páginas de los periódicos se convirtieron en el ámbito primordial de la discusión pública y en una de las principales formas de hacer política. A lo largo del siglo XIX, su papel central en la vida política fue ganando envergadura no solo por la aparición de una gran cantidad de impresos o por el aumento del número de lectores, sino porque se convirtió en el vehículo de proyectos, en instrumento de debates, en propulsora de valores y en un medio para construir y reproducir imágenes de la sociedad737.

O que se alterou no transcurso do século XIX, foi a relação que se estabelecida com a imprensa. Naquele momento, malgrado a influência europeia, os interesses estavam voltados para o âmbito interno, para a estruturação dos países que acabavam de tornarem-se independentes. Depois isso foi alterando-se, com especificidades locais, mas que acabaram gerando um número maior de impressos e, consequentemente, proporcionando um diálogo com o público e fomentando a participação da opinião pública738. No período da Guerra, a preocupação foi a de legitimar as práticas e de criar redes que possibilitassem isso.

735 Sobre o assunto ver: AMARAL, Raúl. El novecentismo paraguayo: hombres e ideas de una generación fundamental del Paraguay. Asunción, PY: Servilibro, 2006. 736 No contexto do Uruguai, Virgínia Cánova critica a visão institucionalizada da literatura uruguaia, visão que afirmava o início da literatura uruguaia, a partir de Eduardo Acevedo Dias, com o livro Ismael, de 1888. Para a autora, essa literatura anterior às ―eminências‖ é importante porque ela é, mesmo que modesta e humilde, a base sobre a qual se assentou a literatura de maior densidade, como é o caso de Ismael, considerado o ―iniciador de la novela nacional‖736. Tanto assim, que ela situa a literatura nacional uruguaia em 1856, como o livro La Aeroestatica en Buenos Aires, de Laurindo Lapuente, que criticava o ―afrancesamiento de los hábitos‖ (CÁNOVA, V. La narrativa uruguaya olvidada del siglo XIX, p. 235) e que se referia à Argentina e ao Uruguai. 737 JOHANSSON, M. L. La gran máquina de publicidad, p. 61. 738 Aqui se pode colocar como exceção o Paraguai. Johansson citou o caso de um professor da escola de Ibimití que foi preso porque recebia jornais estrangeiros por meio de seu filho que era marinheiro. Por conta disso, ―[...] fue condenado a dos meses de calabozo y al suplicio de permanecer con grillos, por leer, intercambiar y comentar con sus vecinos los periódicos extranjeros que recibía de su hijo, un guardiamarina. Por ingresar a Paraguay con las publicaciones que adquiría en Buenos Aires escondidas en el vapor Ipora, al joven marino se lo envió como castigo a proteger la frontera oriental‖ (JOHANSSON, M. L. La gran máquina de publicidad, p. 69). 197

Johansson observa que a participação política, a ampliação da imprensa, dos debates e da demografia, são frutos dos processos migratórios que estavam ocorrendo739. Mas o fluxo migratório que, segundo as análises aqui empreendidas parecem ter um papel significativo, relaciona-se ao pós-guerra e está ligado à vinda de perspectivas de esquerda para a América platina. Esse esboço, ambientando as repúblicas e o império, pretendeu demonstrar que houve uma circulação de ideias e informações, mas, que com a migração posterior à guerra, passou a haver elementos novos, que fizeram eco às mudanças europeias, que influenciaram a América. Essas migrações estavam ligadas ao fato de que esses países latino-americanos necessitavam de mão de obra, essencialmente o Brasil740, dado o fim da escravidão, mas também o Paraguai741, dado o resultado da Guerra de 1864-1870, que dizimou parte de sua população e que, no final do XIX, tentou, a duras penas, se reestruturar. As migrações foram importantes porque, devido a elas, muitas ideias circularam e permitiram determinadas formas de organização social. É possível perceber que desde o período colonial, os filhos das elites econômicas das colônias estudavam na Europa. Com isso, ideias como as de Comte, de Voltaire, Montesquieu, Lombroso, Kant, Krause chegavam à América; as ideias de democracia, de república, tão difundidas na época, permearam, também, movimentos como os da Conjuração Mineira e Baiana, já no final do XVIII. Todavia, essas ideias pretendiam fundar a Europa na América e representavam os interesses das referidas elites. Os imigrantes, essencialmente, os espanhóis, italianos e alemães, foram por sua vez, centrais na formação de movimentos sociais que contestavam essa ordem. Migraram em decorrência da fome e de más condições de existência. Não eram apenas braços para o trabalho, mas mentes para crítica social. Como notou George Woodcock,

Durante o século XIX, os países da América Latina estavam ligados à Espanha e Portugal por laços não apenas culturais e linguísticos [sic], mas por condições sociais semelhantes. Este foi um tipo de relacionamento que favoreceu a transmissão de idéias [sic] revolucionárias, e foram principalmente os imigrantes espanhóis que difundiram os ideais anarquistas na América Latina, embora na Argentina [...] os italianos também tenham desempenhado um importante papel missionário742.

739 JOHANSSON, M. L. La gran máquina de publicidad, p. 74. 740 SCHWARCZ, L. M.; STARLING, H. M. Brasil: uma biografia, p. 323-6. 741 PALAU, T.; PÉREZ, N.; FISCHER, S. Inmigración y emigración en el Paraguay, p. 4. 742 WOODCOCK, G. História das idéias anarquistas – O movimento, p. 209. 198

Ademais, não se pode dissociar da presença migrante na América do Sul o novo elemento que se consubstancia com os movimentos operários, provindos do século XIX, seja da vertente comunista, socialista ou anarquista. É preciso ficar claro que esses movimentos permitiram não só a formação de organizações, mas também a formação de veículos de comunicação e divulgação dos ideais que promoviam. Dessa forma, o intelectual não era mais o único com condições de veicular suas mensagens, mas também o trabalhador comum que havia aprendido a ler e a escrever e, consequentemente, veicular suas mensagens. Nesse sentido é que Clara Lida explica, no que se refere à Espanha, a diferença que há entre a produção de uma literatura anarquista e a de uma literatura operária, ou o que ela chamou de anarquismo libertário. Segundo a autora, a ―[...] anarquía era sinónimo de total libertad de formas y estilos. Más aún, los aspectos destructores del anarquismo representaban un gran atractivo para quienes estaban comprometidos con un rechazo total del pasado y una total renovación estética‖743; Em relação à literatura operária, Lida pondera: ―[...] desnuda de pretensiones artísticas, esa literatura atenúa la aridez teórica y facilita la vulgarización de complicados conceptos revolucionarios‖744. Portanto, uma literatura operária voltada para os pares, para os trabalhadores. Se a literatura anarquista era produzida por ―[...] Escritores cultos, a menudo de origen aristocrático o burgués‖745, a literatura produzida pelo próprio trabalhador busca a revolução social:

Frente al anarquismo literario, intelectual y culto, que busca una estética libre de trabas, y la destrucción de los prejuicios y convenciones de una sociedad anquilosada, surge una literatura obrera, desdeñosa de todo refinamiento formal, preocupada por la revolución social y no la artística746.

É nesse sentido que busco compreender a organização e manifestação de grupos que não estavam alinhavados com os interesses elitistas. Ao mesmo tempo, procuro compreender, mais claramente, o como chegaram, à região platina, as ideias que possibilitaram a conversão de Rafael Barrett ao anarquismo. Ideias que, concomitantemente, contribuíram para que seu nome não se projetasse, de forma significativa, no contexto argentino. Nesse sentido, a partir desse processo migratório comentado, anteriormente, alguns veículos de comunicação se estabeleceram e, ao mesmo tempo, permitiram que os operários e intelectuais refletissem sobre essas ideias que circulavam em larga escala. A seguir, alguns

743 LIDA, C. Literatura Anarquista e Anarquismo Libertario, p. 361. 744 LIDA, C. Literatura Anarquista e Anarquismo Libertario, p. 360. 745 LIDA, C. Literatura Anarquista e Anarquismo Libertario, p. 361. 746 LIDA, C. Literatura Anarquista e Anarquismo Libertario, p. 365. 199

exemplo, no caso do Paraguai: El Despertar, La Rebelión e Germinal, de Bertotto e Barrett; na Espanha: La Revista Blanca; no Uruguai: L‟Italiano e Il Legionario Italiano ―[...] donde se hacen conocer algunas de las nuevas ideas que circulaban entonces en Europa‖747; na Argentina: La Protesta e La Antorcha; na França, La Revue Blanche e a revista L‟Art Moderne, que, segundo Anderson, não apenas fomentaram ―[…] talentos locais, como também eram solidamente internacionalistas‖748. Esses são veículos de disseminação de ideias que circulavam e que não atendiam mais, estritamente, os interesses elitistas. Em relação ao trânsito das ideias, via periódicos, Alejandro Eujanían, no âmbito bonaerense, observa que:

Para aquellos que demandaban el acceso a publicaciones y periódicos extranjeros como Le Figaro, Les Temps, Les Revues, Science et Vie, y el magazin Je Sais Tout, podían recurrir a suscripciones en las librerías de Joly o la Française. Mientras que T. Woodbine Hinchliff, en su Viaje al Plata, en 1861, haciendo referencia al Club de Residentes Extranjeros, señalaba: " ... si cada residente de Buenos Aires no tiene el Punch, Charivari, y el Times, como si viviera en Londres o París, cinco semanas después de su publicación es porque no lo desea."749.

Constata-se que o capitalismo instaurou problemas, ao disseminar uma forma camuflada de mobilidade social, que, na prática, estruturou formas de manter os ricos, ricos e os pobres, pobres. Ou seja, permitiu a manutenção das desigualdades e da exploração dos menos favorecidos, mas também o trânsito de ideias que iam de encontro a essa perspectiva, possibilitando a formação de sociedades de ajuda mútua750, de grupos sindicalistas, de anarquistas e, até mesmo, de partidos, como os partidos comunistas. Portanto, a importância de trabalhos que se dediquem a estudar periódicos, revistas, literaturas, produzidos, nesse período, está na possibilidade de compreender os aspectos do combate a uma forma de ordenamento social, que se estabeleceu, de cima para baixo; e que, em essência, ainda possui os meios mais fortes para a disseminação de seus interesses, a grande mídia. No caso do anarquismo, podem-se citar três exemplos que ilustram formas de contestação a essa vertente, na esteira da passagem do século XIX para o XX: a política, a ciência e os periódicos de direita que se manifestavam, na Espanha, na última década do século XIX e na primeira do século XX.

747 RAMA, C. M. Obreros y anarquistas, p. 23. 748 ANDERSON, B. Sob três bandeiras, p. 216. 749 EUJANIÁN, A. La cultura: público, autores y editores, p. 16. 750 Sobre a formação de sociedade de ajuda mútua, ver: GAONA, Francisco. Introducción a la Historia gremial y social del Paraguay. Tomo I. Colección Novapolis. Asunción, PY: Germinal; Arandurã, 2007. p. 35-101. 200

Um exemplo no âmbito político é o de D. Manuel Polo y Peyrolón, então senador do reino espanhol e seu manifesto Anarquía fiera y mansa, de 1908. Nesse texto, que se autoproclama um Folleto antiterrorista, o autor desenvolveu uma análise sobre o anarquismo e seus desdobramentos. Para Polo y Peyrolón, ―De las exageraciones del individualismo nace el socialismo, y de las exageraciones é [sic] impaciencias socialistas el anarquismo, que muy bien puede ser considerado como un caso patológico de la cuestión social‖751. O autor promoveu uma análise sobre o anarquismo que expraia-se por vinte e dois tópicos, entre os quais o autor aborda as ―excentricidades anarquistas‖, a relação entre o ateísmo e o anarquismo, as ―causas económicas del anarquismo‖ e também sobre a doutrina anarquista, a respeito do que escreve:

Anarquía es palabra griega, que se compone de an, partícula privativa, sin, y arché, gobierno, es decir, sin gobierno, sin autoridad, sin orden ni concierto. Y esta falta de gobierno y de autoridad la niega el anarquista en todos los órdenes, sin exceptuar el religioso, el moral, el político, el social y el económico. Por lo que respecta al orden religioso, no creyendo los anarquistas en Dios ni en lo sobrenatural, declaran guerra á muerte á toda religión positiva, á todo altar, ministros y culto, pero preferentemente á la Religión católica. [...] Tampoco creen los anarquistas en la ley moral, ni en sus sanciones divina, humana, natural y positiva, declarando guerra sin cuartel á las buenas costumbres. […] En el orden económico, combaten la propiedad, el capital y á la burguesía, y por último, en el orden social, la doctrina anarquista ataca principalmente la familia, hasta el punto de haber hecho remedo irrisorio del bautismo, del matrimonio y de los entierros, proclamando el amor libre752.

Se Polo y Peyrolón combate, por meio da política, o anarquismo, José Sánchez-Rojas procede, a partir do campo científico, com sua tese El problema del Anarquismo, defendida, em 1907, na Universidad Central, em Madri. O texto foi composto em sete capítulos. Sobre as temáticas, aproxima-se bastante do texto escrito por Polo y Peyrolón, ao tratar dos precedentes, de aspectos legais e econômicos, mas muda o âmbito da enunciação, que não mais pertence à política, mas sim à ciência. Outrossim, observa que:

Comienza por ser una característica del anarquismo cierta holgada vaguedad teórica. La mayor parte de sus pensadores no son hombres de ciencia, en el sentido estrecho de la frase, sino sencillamente temperamentos pasionales, ansiosos de mejora y de perfeccionamiento. Mientras los hombres del socialismo son

751 POLO Y PEYROLÓN, D. M. Anarquía Fiera y Mansa, p. 5. 752 POLO Y PEYROLÓN, D. M. Anarquía Fiera y Mansa, p. 11. 201

especialistas, los del anarquismo carecen generalmente de sentido científico sólido. Critican el derecho sin ser jurisconsultos; son, con frecuencia, definidores de moral, y les guía en sus especulaciones un juicioso buen sentido753.

Essa posição vai de encontro ao texto de Barrett, reproduzida em outro momento da tese, no sentido de que os raramente se encontra um anarquista que não seja inteligente, elevado e robusto754. Se a atribuição fosse feita diretamente a Bakunin, seria compreensível, mas dirigir a todos os anarquistas, de fato, parece exagero, basta ler os textos ou análises das produções de Kropotkin, Proudhon e Tolstói, para ficar apenas em três. Desse modo, a violência dos atentados espetaculares contribuiu para a construção de um estereótipo negativo dos anarquistas, como no exemplo de Sánches-Rojas, expresso acima. Quanto aos periódicos de direita, há vários. Talvez, um exemplo claro seja La Hormiga de oro, que, segundo Pérez de la Dehesa, pode ser classificado como de extrema direita755. O texto informativo, constante na página de Biblioteca Nacional de España, observa que o periódico ―[...] quiso hacer frente a lo que consideraba ‗influencia dañina que ejercen en el seno de las familias y de la juventud la multitud de periódicos e ilustraciones racionalistas, de moral relajada y fomentadoras del materialismo y descreimiento modernos‘‖756.

753 SÁNCHES-ROJAS, J. El problema del Anarquismo, p. 16. 754 BARRETT, R. Moralidades Actuales, p. 72. 755 DEHESA, R. P. El Grupo „Germinal´, p. 94. 756 Disponível em: http://hemerotecadigital.bne.es/details.vm?q=id:0011508711&lang=es acesso em 10/11/2018 as 10:08 h. 202

Figura IX - Capa da edição de La Hormiga de Oro de 1905

Fonte: Biblioteca Nacional de España

Os grupos de direita, vinculados aos governos, às grandes empresas e ao capital especulativo, assustados com os movimentos de esquerda, não atuaram, apenas nos jornais, mas trataram de agir de forma intensa para coibir as manifestações socialistas, comunistas e anarquistas. Nesse sentido, encontra-se uma legislação dedicada a regulamentar as ações contra os anarquistas e que era compartilhada em vários países da Europa, como relatou Sánchez-Rojas: ―Hay legislación especial contra el anarquismo en Portugal, Bélgica, Suiza, Inglaterra, Austria, Italia, Alemania, Estado de Nueva York (Estados Unidos), Francia y, finalmente, en nuestra nación [Espanha]‖757. No tópico em que trata do combate ao anarquismo, Sánches-Rojas sinaliza que a maior parte dos autores, que tratam do assunto, ―[...] han soñado con castigar con penas muy graves – la deportación y la muerte – desde la simple instigación indirecta hasta la consumación material del atentado‖758. Ou seja, a pena seria aplicada tanto para quem, efetivamente, promovesse um atentado, nesse caso vinculado à propaganda pelo ato, quanto para quem instigasse os ideais anarquistas, como deixa clara a citação. Esse sonho foi consubstanciado nas legislações específicas de cada país referenciado, mas não ficou apenas nisso. Dado o caráter internacional que os movimentos socialistas/comunistas e os anarquistas vinham

757 SÁNCHES-ROJAS, J. El problema del Anarquismo, p. 42. 758 SÁNCHES-ROJAS, J. El problema del Anarquismo, p. 36. 203

ganhando, desde o final do século XIX, tornou-se conveniente criar estratégias, também internacionais, para combater a disseminação do anarquismo. Nesse sentido é que se iniciaram os processos de ―expulsión del extranjero‖759, conforme argumenta Eduardo Domenech. Um caso modelo é o da Argentina, com sua Lei de Residência. Malgrado ser um pouco extensa, a citação, a seguir, retrata a atmosfera na qual se desenvolviam as ações contra os movimentos de esquerda, assim como sua complexidade – os movimentos migratórios deveriam trazer apenas mãos para o trabalho e não ideias, mas não era possível filtrar isso a olho nu.

Al igual que en otros países latinoamericanos, en la Argentina, entre finales del siglo XIX y comienzos del XX, en un contexto de profundas transformaciones en el orden social, económico, político y cultural vinculadas al desarrollo del capitalismo e impulsadas bajo el signo de la modernidad que alcanzaron también la esfera del Estado, el activismo político de los extranjeros, en particular las reivindicaciones y protestas de los anarquistas, afectó de una manera contundente los intereses económico-políticos de las élites dirigentes y suscitó considerables temores y miedos en diversos grupos sociales. La representación social sobre los inmigrantes comenzó a transformarse con la participación de españoles e italianos en asociaciones obreras y movimientos políticos anarquistas y socialistas. La imagen positiva de los inmigrantes confeccionada desde los orígenes de la organización nacional, asociada a ―agentes de civilización‖ y ―fuerza de trabajo‖, había comenzado a deteriorase y los rasgos de la ―nueva sociedad aluvional‖ ya despertaban ciertas inquietudes y temores, que rápidamente se tradujeron en sospechas. Los inmigrantes dejaron de ser ―laboriosos‖ para volverse potencialmente ―peligrosos760.

Dado que não era possível saber quem era ―laborioso‖ e que era ―peligroso‖, foi preciso criar estratégia para determinar quem atendia os interesses das elites e quem não. Assim, no âmbito das relações internacionais, os países passaram a fornecer meios para processar e agir contra migrantes que atentavam contra a ―ordem‖, estabeleceram-se redes que pretendiam promover a

[...] circulación y establecimiento de funcionarios de gobierno o diplomáticos entre países periféricos o semi-periféricos y países centrales (cuyas políticas son vistas como modelo por las élites eurocéntricas) y los intercambios de información (oficial y secreta) entre las representaciones diplomáticas y los respectivos Estados o agencias internacionales de diferente tipo; asimismo, uno constituido

759 DOMENECH, E. Inmigración, anarquismo y deportación, p.171. 760 DOMENECH, E. Inmigración, anarquismo y deportación, p. 174. 204

alrededor de espacios intergubernamentales (en el ámbito sudamericano o continental) o interinstitucionales (desde las policías hasta asociaciones profesionales) que adoptan la forma de reuniones, congresos o conferencias761 regionales o internacionales762.

De outro lado, os periódico e movimentos de esquerda também fizeram sua parte. Domenech explica que as ações contra os movimentos de esquerda, como as deportações,

[…] tuvo lugar en el marco de la organización y las luchas del movimiento obrero contra la explotación capitalista y, particularmente, con la expansión del anarquismo a través de las corrientes migratorias de alcance intercontinental que protagonizaron (italianos y españoles principalmente) y de las redes transnacionales que establecieron763.

Cumpre notar que Barrett critica essa política argentina em um dos textos publicados em Moralidade Actuales, El anarquismo en Argentina, no qual finaliza de forma irônica, com uma citação em que não há menção a autoria:

A raíz de los sangrientos sucesos del primero de Mayo, en Buenos Aires, el jefe de policía elevó al ministro un curioso informe, pidiendo reformas legales para reprimir el anarquismo, el socialismo y otras doctrinas que fueron juzgadas por el autor de acuerdo con su puesto, aunque no con la verdad. No puede haber á los ojos de un funcionario opinión tan abominable como la de que su función es inútil. Ahora el P. E764. presenta al Congreso un proyecto de ley contra la inmigración ―malsana‖. Se trata de impedir que desembarquen los idiotas, locos, epilépticos, tuberculosos, polígamos, rameras y anarquistas, sean inmigrantes, sean ―simples pasajeros‖. Lo urgente es librarse de los anarquistas. El P. E. no disimula cuanto le inquietan ―los que se introducen en este hospitalario país para dificultar el funcionamiento de las instituciones sobre que reposa nuestra vida de nación civilizada‖765.

Um dos veículos com grande circulação, de caráter libertário, foi La Revista Blanca, que, em seu primeiro momento, foi editada entre 1898 e 1905. Seus exemplares podem ser

761 A respeito das conferências, parece ser importante observar que a fonte de Domenech, e a de Miguel Cané, de 1899, dialogam com o texto de Sánchez-Rojas, de 1907, ao citar, comentar, dentre as medidas contra o anarquismo, que ―Se piensa también en la celebración de un Congreso anti-anarquista, donde se adopten medidas represivas cosmopolitas contra el anarquismo‖ (SÁNCHES-ROJAS, J. El problema del Anarquismo, p. 41). A diferença desse congresso, para a Conferencia de Roma para la Defensa Social contra el Anarquismo, de 1898, é que essa ―fue solo de juristas y técnicos‖, informações que essas que dão crédito ao argumento de que havia uma cooperação institucional e ações no sentido de coibir o anarquismo. 762 DOMENECH, E. Inmigración, anarquismo y deportación, p. 171. 763 DOMENECH, E. Inmigración, anarquismo y deportación, p. 170. 764 Poder Ejecutivo 765 BARRETT, R. Moralidade Actuales, p. 293. 205

encontrados na hemeroteca digital da Biblioteca Nacional de España, com exemplares entre primeiro de julho de 1900 a trinta de julho de 1936. Assim, está descrito no texto de apresentação da Biblioteca Nacional de España, a respeito de La Revista Blanca:

Una de las principales revistas teóricas del movimiento libertario y anarquista español. Nace en Madrid en el contexto de la desaparición del periódico El progreso, órgano del partido progresista republicano, que dirigía Alejandro Lerroux, y en su campaña a favor de los presos encarcelados en Montjuich, en pleno vigor de las leyes represivas contra el anarquismo766.

Figura X - Capa da edição de La Revista Blanca de 1900767

Fonte: Biblioteca Nacional de España

Na citação apresentada é possível notar um ponto de intersecção com as temáticas de Barrett sobre as prisões em Montjuic. Ponto, fundamental, sobre o qual Francisco Corral se debruça para vincular Rafael Barrett à juventud de 98, o problema, como mencionado, está em que o autor de Moralidades Actuales escreve em um tempo distinto do das revistas espanholas, de forma que a sua preocupação com as temáticas anarquistas se manifesta tardiamente, em relação ao contexto de sua vida espanhola. Retornando à questão em torno do trânsito das ideias, vale assinalar outro ponto expressivo, referente à argumentação de Benedict Anderson, segundo a qual, além dos

766 Texto disponível em: http://hemerotecadigital.bne.es/details.vm?q=id:0002860475&lang=es consultado em 07/11/2018 as 22:51 h. 767 Disponível em: http://hemerotecadigital.bne.es/issue.vm?id=0002860476&search=&lang=es consultado em 07/11/2018 as 22:58 h. 206

periódicos e das ideias que circulavam, o que o mundo passou a ver nessa transição do século XIX para o XX é a presença de Bibliotecas transnacionais. Como o próprio Anderson afirma: ―Até a metade do século XIX, a produção de ‗grandes romances‘ era em grande medida um duopólio franco-britânico. Depois, as fronteiras daquilo que Pascale Casanova afavelmente chama de ‗la république modiale des lettres‟ rapidamente começou a se globalizar‖768. Isso favoreceu, por exemplo, Barrett, porque permitiu que mesmo fora da Europa ele continuasse tendo acesso a bens culturais de alto valor. Nesse sentido, é possível traçar três caminhos para os movimentos de esquerda: os jornais, que transitavam, com relativa rapidez, de um continente para o outro; as pessoas, que, em suas migrações carregavam junto suas ideias, sua cultura, suas tradições, etc; e os livros, que passaram a circular, de forma mais intensa, devido ao aumento do fluxo de pessoas e de informações. Nota-se, portanto, que, no âmbito desse trânsito de ideias, foi possível contrapor a tese de que a produção da obra de Rafael Barrett é, essencialmente, tributária das influências da generación del 98 ou da realidade paraguaia. Um exemplo é o fato de Rafael Barrett ter se tornado anarquista no Paraguai; segundo os indícios, com influência de pessoas e textos produzidos no contexto da região platina, mas também com influência da ‗république modiale des lettres‟. Barrett era um intenso leitor de autores consagrados na literatura mundial, como Tolstói, Zola, Cervantes, Balzac, Verlaine, Anatole France, entre outros. Estava atualizado, por exemplo, quanto à filosofia, com leituras profundas de Nietzsche, que lhe instigavam sobremaneira. Vale mencionar que os elementos analisados no percurso da tese dão conta de que Rafael Barrett, ao se converter ao anarquismo, percebeu que a pátria não podia constituir um ponto de ancoragem do indivíduo, porque a noção de altruísmo não poderia conceber essa perspectiva. Os Evangelhos, que ele tinha como livro de cabeceira, como afirmou em carta a Panchita em junho de 1909769, ensinava a amar ao próximo, sem delimitação de uma fronteira, ou seja, qualquer próximo, compatriota ou não. Da mesma forma o anarquismo, ao pregar o individualismo e a oposição ao Estado, também compartilhava dessa mesma posição. Assim, seja com La Dinamita, ou com La divina jornada, com um anarquismo pacífico ou com um espetacular, ambos se opunham à existência do Estado. Por isso, assumir uma determinada pátria como sua, na condição de um intelectual anarquista, seria uma contradição. Essa parece

768 ANDERSON, B. Sob três bandeiras, p. 48. 769 BARRETT, R. Cartas Íntimas, p. 46. 207

ter sido uma demanda que Barrett tinha muito clara em seu horizonte. Compreendia que a pátria existia, mas que estava desfalecendo, pouco a pouco estava sendo extirpada:

Hemos quitado á la patria lo religioso; lo legendario con el análisis histórico; la estamos quitando con la uniformidad de las leyes lo político, y con la uniformidad de las costumbres lo pintoresco; la tierra ata cada vez menos, á medida que los productos circulan y se transmite la energía; la fraternidad del dolor borra las fronteras entre los proletarios; las artes de la codicia, volviendo internacionales a los trust, hacen más y más difícil la guerra, que es un mal negocio; la flor de la patria, que debe regarse con sangre, se marchita y desfallece. […] Y así bajaremos de fracción en fracción, hasta el individuo, que en realidad es la única nación perfecta770.

Os outros elementos que levam à defesa da tese de que Rafael Barrett era um intelectual sem pátria, para além desse seu percurso em direção a uma dimensão altruísta, é a condição que foi descrita ao longo da tese: a de que a Espanha não o aceitou, como parte da aristocracia; a França era próxima, mas não era a sua pátria; A Inglaterra era, para o homem Rafael Barrett, mas ele mesmo não tinha grandes afetos em relação à terra de seu pai, como mencionei em outra oportunidade; o Paraguai, como discutido no capítulo anterior, não deu espaço a Barrett para que ele pudesse construir uma carreira, como intelectual, porque a abordagem a qual o autor de El dolor paraguayo se dedicava destoava dos rumos assumidos pelos intelectuais paraguaios; a Argentina, com sua lei de residência, por meio da qual combatia os migrantes; e, por fim, o Uruguai, que foi o lugar que encheu o espírito de Barrett de alegria, pois foi de lá que veio seu primeiro livro, Moralidades Actuales, mas o frio não lhe permitiu vivesse naquele país.

770 BARRETT, R. Moralidade Actuales, p. 310-311. 208 CONCLUSÃO

Ao observar a noção de pátria, a partir da referência etimológica patra, ou patris771, que se refere à terra dos pais, percebe-se que Rafael Barrett teria por pátria a Inglaterra, já que seu pai George Barrett Clarke era inglês e passou ao seu filho sua nacionalidade. Isso se materializou por meio do registro de Rafael no consulado Inglês, fato que, indubitavelmente, o auxiliou quando estava preso, em 1908, no Paraguai, sob o regime de Albino Jara. No entanto, ao observar a noção de pátria sob a perspectiva do local de nascimento, de uma perspectiva de ―enraizamento natálico‖772, então, ela correspondeu à Espanha, país no qual nasceu Rafael Barrett, em 1876. Parece contraditório tentar identificar essas pátrias ao fim de um estudo em que se propõe que Rafael Barrett era apátrida, mas não é. Constata-se que a Inglaterra e a Espanha são dois países com os quais Barrett possui um vínculo concreto: ele nasceu na Espanha e foi registrado no consulado Inglês. Mas, como pôde ser acompanhado no curso deste trabalho, Rafael Barrett saiu da Espanha sob as notícias de um suicídio que, segundo Corral foi o símbolo do rechaço definitivo da ―boa sociedade madrilena‖ para com ele. Em relação à Inglaterra, o autor de El dolor paraguayo não expressava muito apreço à pátria de seu pai. Contudo, não são os registros de Barrett que embasam a presente tese, mas sim a sua obra e a sua trajetória de vida. A análise e a construção desta tese foram, então, promovidas a partir do estudo das relações estabelecidas entre Barrett e as sociedades pelas quais ele passou. Foi nesse sentido que empreendi uma busca biográfica em torno de Rafael Barrett, ao mesmo tempo em que procedia à leitura de seus textos. Nas inúmeras páginas lidas a respeito desse escritor, encontrei, não poucas vezes, a representação de uma pessoa linear, no sentido de que não apresentava contradições, deslizes ou equívocos. Parecia que sempre havia sido um grande escritor e que havia sempre expressado as mesmas ideias. Entretanto, isso começa a mudar com a leitura dos textos de Francisco Corral, o primeiro a desenvolver análise profunda da obra barrettiana, e foi muito importante para este trabalho, por ter fornecido seus escritos, assim como os dois tomos das Obras Completas de Barrett. A partir desses primeiros passos referenciados, estabeleci o processo metodológico que implicava no ordenamento cronológico dos textos barrettianos e, consequentemente, na leitura. Esse processo deu origem à primeira parte, que tratou de apresentar uma biografia de Rafael Barrett, bem como as mudanças em seu pensamento, que, em alguns casos, Corral já

771 CATROGA, F. Pátria e Nação, p. 13. 772 CATROGA, F. Pátria e Nação, p. 13.

havia sinalizado, mas que em outros não; possivelmente por uma questão de área – já que esta tese foi produzida no campo da História e a de Corral no campo da Filosofia. A primeira parte foi fundamental para se compreender a trajetória de Rafael Barrett, os motivos de sua vinda da Europa e a sua reação a isso; os seus posicionamentos políticos e ideológicos, ao chegar à região platina; as suas primeiras relações no continente americano, os seus objetivos, mas, principalmente, as suas mudanças, como, por exemplo, a relativa ao momento em que começou a citar autores de esquerda e sob qual influência. Como pronunciado na introdução, não busquei o elemento padrão em Rafael Barrett, o que permitiria identificá-lo a uma corrente de pensamento, ou a um determinado grupo, como a generación del 98; mas sim o elemento ímpar de sua produção. Esse elemento foi o seu anarquismo e a obra decorrente dele. Se essa primeira parte possibilitou compreender, especificamente, a trajetória e o processo de produção barrettiana, a segunda se dedicou a analisar os meios pelos quais Rafael Barrett dialogou no contexto platino. Para isso foi preciso desenvolver um estudo histórico que me levou a perceber determinadas especificidades acerca das relações entre modernidade e identidade na América Latina; deu-se destaque para a região do Prata e, a partir da literatura, dado o seu papel nos processos de construção das identidades e as relações entre civilização e barbárie, em voga naquele momento. Além disso, o estudo possibilitou compreender a intensidade das redes de comunicação e a difusão, não apenas de ideias e movimentos de esquerda, disseminados de maneira significativa, por meio dos processos migratórios fomentados pelos países americanos; possibilitou, também, compreender a articulação internacional que pretendia coordenar as ações contra esses mesmos movimentos, que incluíam anarquistas, bem como socialistas e comunistas. Tal articulação teve um impacto mais forte sobre a Argentina e, consequentemente, sobre o Paraguai, influenciado pelos interesses bonaerenses. Notei, quanto ao Uruguai, que havia um ambiente intelectual mais airado, permitindo que Rafael Barrett gozasse de certo prestigio, embora por um momento curto, mas que lhe possibilitou, pelo menos, a publicação de um livro antes de morrer, Moralidade Actuales. A compreensão em torno das mudanças do pensamento barrettiano e a consequente conversão do autor ao anarquismo, indicada na primeira parte da tese, abriu caminho no sentido de se propor que Rafael Barrett era um intelectual sem pátria. É possível arguir que o Paraguai não o aceitou muito bem, porque estava preocupado com a construção da nacionalidade, se recuperava, ainda, dos efeitos da guerra de 1864-1870 e passava periodicamente por convulsões sociais e política; e Rafael Barrett não produzia uma escrita

210

condizente com isso; Na Argentina, Barrett teve problemas, em 1903, que o remetiam à sua desclassificação na Espanha; além disso, havia lá, uma intensa produção na mesma linha da de Rafael Barrett, o que lhe dificultava espaço naquele ambiente; havia, também, uma legislação que se endurecia contra o anarquismo; no Uruguai, o problema foi outro, a saúde. O escritor poderia produzir, mas não poderia viver em Montevideo por conta da tuberculose – pelo menos, não o ano todo. Como apresentado, foi naquele ambiente que Barrett sentiu-se mais acolhido; também naquele país, foram editados e publicados parte de seus textos, convertidos em livros, assim como foram feitar várias referências à sua produção, após sua morte. Ou seja, esses países não possibilitaram, por um motivo ou outro que Rafael Barrett, juntamente com sua família, se estabelecesse com dignidade e liberdade. Não lhe permitiram assumir nenhum desses espaços como uma pátria, como seu. Quando passou a viver no Paraguai, via aquele país como um jardín desolado. No início, queria cultivá-lo, mas viu que havia muitos espinhos e desistiu. Como disse em um de seus textos, ao se tornar pobre, passou a amar os pobres; e a noção de pátria, tal como a de Estado, passou a ser vista de forma negativa. Para Barrett, o Estado usava a noção de pátria para subjugar sua população e não para atender os interesses dela. Esse é o ponto central da tese. A negação da pátria, por parte de Barrett, está, em absoluto, relacionada com a sua conversão ao anarquismo. Os espaços pelos quais ele passou, sem dúvida, deixaram marcas: a Espanha, como afirma Corral ou o Paraguai, como afirma Morán. Todavia, a vinculação de sua produção apenas a um ou ao outro, sem considerar as mudanças pelas quais Rafael Barrett passou, parece colaborar para a noção de que a obra desse escritor é fruto, apenas, do meio; ou seja, dá à obra um caráter passivo, isentando Rafael Barrett de sua responsabilidade, como se o que ele escreveu não fosse fruto das relações que ele estabeleceu com esses contextos pelos quais passou. Quando defendo que Rafael Barrett foi um intelectual sem pátria, efetivamente, considero isso como uma escolha dele. Claramente se aproprio de forma muito singular do universo que o circundo em seus 34 anos de vida. Ele negava a pátria por considerar que o que se aproveitava dela, essencialmente por parte do Estado, era a sua face ruim, o ódio. E se a pátria era o meio pelo qual se produzia o ódio ao outro, ao que não integra a mesma pátria que eu, ao estrangeiro, então ele não poderia aceitar uma pátria como sua. Assim, como um anarquista assumido, pregou a filosofia do altruísmo, a paz, o amor ao próximo, segundo os Evangelhos de Cristo, segundo os textos de Tolstói. Rafael Barrett, mesmo sem ter concluído sua obra, dada a sua morte prematura, deixa uma mensagem ao mundo, que lhe parecia o

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caminho correto a ser seguido pela humanidade. Como intelectual abdicou da pátria em favor da humanidade, em favor da paz e do amor, consubstanciados na prática do anarquismo. Os dois últimos capítulos da tese têm um detalhe importante que vale ser retomado e mencionado aqui, que se refere à questão metodológica. Se, por um lado, foi feita a escolha de se proceder uma leitura cronológica da obra barrettiana, foi possível perceber, com isso, que ela é bastante ampla. Assim, apresentei as mudanças de Barrett até 1908, como ficou expresso nos dois primeiros capítulos. Mas, quando passei aos dois últimos não continuei da mesma maneira. Isso ocorreu porque considerei que El dolor paraguayo e Moralidade Actuales, ambos organizados por Barrett antes de sua morte, comportam a parte mais essencial de seus escritos anarquistas, o evidenciam que o pensamento barrettiano estava ainda em construção. Como apresentado, havia contradições sobre sua própria percepção do anarquismo, ora aceitando a violência, ora rechaçando-a. El dolor paraguayo expressou os aspectos da realidade vivida por Barrett no Paraguai, a partir de 1905; Moralidade Actuales, veiculou uma coleção de escritos que ele desenvolveu em período semelhante e que no momento da compilação, expressavam a sua perspectiva sobre o anarquismo. Como ele mesmo afirmou, queria um livro revolucionário e por isso possuía 89 artigos, por representar o ano da revolução. Se, por um lado, são livros produzidos por meio de uma recopilação sistemática do autor, por outro, expressam, de forma organizada, o que esse mesmo autor acreditava naquele momento. Isso permitiu base sólida para a presente estudo. Nesta fase de conclusão, é legitimo observar que se, por um lado, foi possível estabelecer essa tese; por outro, o que fica, ao final, é sensação de incompletude. Isso decorre do fato de que poucos estudos acadêmicos foram realizados sobre Rafael Barrett e a sua obra. Sublinho que procurei analisar os meios pelos os quais Rafael Barrett dialogou no contexto platino, mas faltou levantar e analisar quais foram os meios com os quais ele dialogou. Quem respondia e o que respondiam, ou comentavam, acerca das publicações barrettianas. Um exemplo dessa dificuldade, de encontra os interlocutores de Barrett, é o caso da revista Germinal, fundada em Assunção. Obtive acesso aos textos de Rafael Barrett, que foram publicados em Germinal, por meio dos dois tomos enviados por Francisco Corral. Porém, apesar da indicação do professor Herib Caballero Campos, de que há um exemplar dessa revista na Biblioteca Anarquista, na Holanda, não o encontrei. Essa fonte seria imprescindível para entender com quem Rafael Barrett dialogava, quais eram os escritores que produziram nesses volumes. Por meio dessa informações seria possível compreender melhor a rede estabelecida entre ele e outros intelectuais de esquerda.

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Mas esse não foi o único ponto que parece ficar em aberto. Tive acesso às várias cartas que Barrett enviou a Panchita e a Peyrot; mas, por outro, no caso de Bertotto, obtive apenas uma carta de Barrett endereçada a ele, quando passou a direção de Germinal ao argentino; não foi, então, possível compreender, de forma mais profunda a relação entre os fundadores de Germinal. Ficam portanto, essas pontas soltas, que poderão ser amarradas em uma potencial pesquisa de de pós-doutorado. O universo de investigação que se abre a partir do estudo da obra de Rafael Barrett é bastante amplo. Note-se que há vários estudos sobre o anarquismo na região platina, entretanto, o espaço de atuação da obra barrettiana ainda não foi devidamente explorado, cite- se, por exemplo, o caso sinalizado por Francisco Corral, de que, em 1911, com a notícia da morte de Rafael Barrett, aparecem inúmeros artigos de jornais paraguaios e uruguaios. Ressalta-e que, no Uruguai, ocorre uma polêmica sobre Barrett, veiculada pelos jornais La Razón, de caráter liberal e El Bien, conservador católico. Permanece, dessa maneira, ampla gama de campos disponíveis à análise e esta tese não só colabora com a ampliação dos estudos referentes a esse escritor, mas também com a ampliação, a partir de um olhar direcionado à história das representações, ao diálogo com a literatura, com os periódicos. Abre, ainda, margem para se questionarem os processos de recepção e veiculação desses escritos, em escala local e global. Viabiliza também, o compreender os jogos de poder implicados na escritura das mais varias perspectivas ideológicas, políticas e filosóficas, que se aglutinavam na região platina e que lutavam para legitimar seus projetos – pelo lado do anarquismo, da modernização, ou mesmo, da nação. Encero, portanto esta tese, defendendo que, por escolha, Rafael Barrett foi um intelectual sem pátria, marcado por uma trajetória de vida curta, tendo falecido aos trinta e quatro anos de idade, na França. Ácrata que, pelos ideais de um anarquismo peculiar, foi preso, exilado e, em boa medida, rechaçado por parte dos intelectuais platinos, por não alinhar sua prosa às mesmas pautas que estes. Tal como ocorreu no Paraguai, quando este país buscava, em uma oscilação entre a modernização e a construção da nação, definir as bases de sua identidade. Rafael Barrett foi um apátrida que difundiu o amor ao próximo e o extermínio do modo de exploração capitalista, do imperialismo e, em grande medida, da pátria e do Estado.

213 BIBLIOGRAFIA E FONTES

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Periódicos paraguaios

Sección ―Telegramas‖

España: Explosión de bomba; – El Diario, Asunción, PY – jueves – 2 de enero de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción).

Rusia: Condenas; Accidente; Fabrica de bombas; – El Diario, Asunción, PY – jueves – 2 de enero de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción).

España: Sepilios; Noticias de Portugal;– El Diario, Asunción, PY – sábado – 4 de enero de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción).

Francia: Sepilio; – El Diario, Asunción, PY – sábado – 4 de enero de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción).

Inglaterra: Informaciones de ‗the times‘ Huelga; – El Diario, Asunción, PY – sábado – 4 de enero de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción).

Rusia: Huelga en Bakú; – El Diario, Asunción, PY – sábado – 4 de enero de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción).

España: ―Acuerdo político‖; – El Diario, Asunción, PY – martes – 7 de enero de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción).

Rusia: Arresto de revolucionarios; – El Diario, Asunción, PY – viernes – 10 de enero de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción).

España: Conferencia; Meeting de protesta; – El Diario, Asunción, PY – viernes – 10 de enero de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción).

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Rusia: Huelga solucionada; Solicitando la extradición; Atentado‖;– El Diario, Asunción, PY – sábado – 11 de enero de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción).

España: Inmigrantes para Sud América; La situación en Marruecos; Los gremios obreros; Noticias varias; – El Diario, Asunción, PY – lunes – 13 de enero de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción).

España: Investigación de la policía; Proyecto sobre administraciones; Comentarios de los diarios; – El Diario, Asunción, PY – martes – 14 de enero de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción).

Rusia: Complot descubierto; Terroristas arrestados; Lucha con la policía; – El Diario, Asunción, PY – miércoles – 15 de enero de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción).

España: Temporal; Funerales; Alarma en la Coruña; Incendio; – El Diario, Asunción, PY – martes – 02 de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción).

Rusia: Terroristas ejecutados; – El Diario, Asunción, PY – martes – 02de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción).

España: Manifestaciones de Lerroux; La ley en contra el terrorismo; embarque de inmigrantes; – El Diario, Asunción, PY – miércoles – 03 de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción).

Rusia: Entrevista de soberanos; detención de individuos sospechosos; – El Diario, Asunción, PY – miércoles – 10 de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción).

Francia: La fabricación de dinamitas artificiales; Comentarios de ‗Le Matin‘; Otras noticias; – El Diario, Asunción, PY – miércoles – 10 de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción).

Portugal: Complot descubierto; Las deudas de la familia real; – El Diario, Asunción, PY – miércoles – 10 de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción).

Italia: La huelga agraria; Intervención de las tropas; Aniversario; – El Diario, Asunción, PY – sábado – 20 de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción).

234

Francia: El heridor de Dreyfus; Juez en disponibilidad; Votos de [c]onfianza; – El Diario, Asunción, PY – sábado – 20 de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción).

Italia: Las huelgas; Asalto á un diario; otras informaciones; – El Diario, Asunción, PY – martes – 23 de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción).

Italia: Movimiento huelguista; En la cámara de diputados; – El Diario, Asunción, PY – miércoles – 24 de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción).

Sección ―Actualidad‖

Insidia política; – El Diario, Asunción, PY – jueves – 04de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción).

Observaciones oportunas; – El Diario, Asunción, PY – jueves – 11de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción).

¿Revolución?; – El Diario, Asunción, PY – lunes – 15 de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción).

Cosas oficiales; – El Diario, Asunción, PY – miércoles – 17 de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción).

Política nacional; – El Diario, Asunción, PY – viernes – 19 de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción).

Situación económica; – El Diario, Asunción, PY – sábado – 20 de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción).

Mudando de acento y de pensamiento; – El Diario, Asunción, PY – lunes – 22 de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción).

La palabra y los hechos; – El Diario, Asunción, PY – miércoles – 24 de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción).

Injusticias de la oposición; – El Diario, Asunción, PY – sábado – 27 de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción).

235

N. B. Episodio políticos; – El Diario, Asunción, PY – lunes – 29 de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción).

N. B. La cuestión yerbales; – El Diario, Asunción, PY – lunes – 29 de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción).

Sección Lo que son los yerbales

BARRETT, Rafael. I – La esclavitud y el Estado; – El Diario, Asunción, PY – lunes – 15 de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción).

BARRETT, Rafael. II – El arreo; – El Diario, Asunción, PY – miércoles – 17 de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción).

BARRETT, Rafael. III – El yugo y la selva; – El Diario, Asunción, PY – sábado – 20 de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción).

BARRETT, Rafael. IV – Degeneración; – El Diario, Asunción, PY – martes – 23 de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción).

- BARRETT, Rafael. ―VI – El Botin‖; – El Diario, Asunción, PY – sábado – 27 de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción).

Otras secciones

Congreso nacional: Cámara de senadores; – El Diario, Asunción, PY – jueves – 04 de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción).

Conferencias populares; – El Diario, Asunción, PY – jueves – 11de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción).

Las conferencias de ayer; – El Diario, Asunción, PY – lunes – 15 de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción).

El meeting del domingo; – El Diario, Asunción, PY – viernes – 26 de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción).

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BERRA, José H. De San Bernardino; – El Diario, Asunción, PY – viernes – 26 de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción).

CASATI, Alfredo. Publicación perdida: señor director de El Diario; – El Diario, Asunción, PY – sábado – 27 de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción).

BARRETT, Rafael. Teatro y el meeting; – El Diario, Asunción, PY – lunes – 29 de junio de 1908 (hemeroteca da biblioteca nacional de Asunción).

Periódicos espanhóis

Acta. El Imparcial. Año XXXVI – Núm. 12.521 – Madrid, Es – 16 de febrero de 1902. (arquivo digitalizado pela Biblioteca Nacional de España/hemeroteca digital) disponível em: http://hemerotecadigital.bne.es/index.vm

En en Circo de Parish – Agresión al señor Duque de Arión. El Imparcial. Año XXXVI – Núm. 12.588 – Madrid, Es – 25 de abril de 1902. (arquivo digitalizado pela Biblioteca Nacional de España/hemeroteca digital) disponível em: http://hemerotecadigital.bne.es/index.vm

Brutal agresión. El Día. Año XXIII - Núm. 7.700 - Madrid, Es – 25 de abril de 1902. (arquivo digitalizado pela Biblioteca Nacional de España/hemeroteca digital) disponível em: http://hemerotecadigital.bne.es/index.vm

La agresión al señor Duque de Arión. El Imparcial. Año XXXVI – Núm. 12.589 – Madrid, Es – 26 de abril de 1902. (arquivo digitalizado pela Biblioteca Nacional de España/hemeroteca digital) disponível em: http://hemerotecadigital.bne.es/index.vm

La agresión al señor Duque de Arión. El Día. Año XXIII - Núm. 7.701 - Madrid, Es – 26 de abril de 1902. (arquivo digitalizado pela Biblioteca Nacional de España/hemeroteca digital) disponível em: http://hemerotecadigital.bne.es/index.vm

‗El País‘ y Portas – Los tribunales de honor. El País – Año XVI – Núm. 5.389 – Madrid, Es – 05 de mayo de 1902. (arquivo digitalizado pela Biblioteca Nacional de España/hemeroteca digital) disponível em: http://hemerotecadigital.bne.es/index.vm

El asunto Arión-Barrett. El País – Año XVI – Núm. 5.391 – Madrid, Es – 07 de mayo de 1902. (arquivo digitalizado pela Biblioteca Nacional de España/hemeroteca digital) disponível em: http://hemerotecadigital.bne.es/index.vm

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Carta de Maeztu. El País – Año XVI – Núm. 5.391 – Madrid, Es – 07 de mayo de 1902. (arquivo digitalizado pela Biblioteca Nacional de España/hemeroteca digital) disponível em: http://hemerotecadigital.bne.es/index.vm

Tamames contra Arión. El País – Año XVI – Núm. 5.396 – Madrid, Es – 12 de mayo de 1902. (arquivo digitalizado pela Biblioteca Nacional de España/hemeroteca digital) disponível em: http://hemerotecadigital.bne.es/index.vm

BARRETT, Rafael. Yo y un tribunal de honor. El País – Año XVI – Núm. 5.442 – Madrid, Es – 27 de junio de 1902. (arquivo digitalizado pela Biblioteca Nacional de España/hemeroteca digital) disponível em: http://hemerotecadigital.bne.es/index.vm

Un suicidio. La Época. Año LIII – Núm. 18.834 - Madrid, Es – Domingo, 16 de noviembre de 1902. (arquivo digitalizado pela Biblioteca Nacional de España/hemeroteca digital) disponível em: http://hemerotecadigital.bne.es/index.vm

¿Un suicidio?. El Día. Año XXIII - Núm. 7.864 - Madrid, Es – 17 de noviembre de 1902. (arquivo digitalizado pela Biblioteca Nacional de España/hemeroteca digital) disponível em: http://hemerotecadigital.bne.es/index.vm

Noticias – ‗Suicidio desmentido‘. El Liberal. Año XXIV – Núm. 3.450 - Madrid, Es – Viernes, 28 de noviembre de 1902. (arquivo digitalizado pela Biblioteca Nacional de España/hemeroteca digital) disponível em: http://hemerotecadigital.bne.es/index.vm

Periódicos Uruguaios

FALCO, L. A Barrett. Caminos. Montevideo: abril de 1935, Año I, núm. 2, p. 7.

SERRA, J. Una visita a la viuda de Rafael Barrett. El Hombre. Montevideo: 5 de enero de 1918, año II, núm. 63, p. 1.

Revistas

EL DESPERTAR (Organo de la Federación Obrera Regional del Paraguaya). Asunción: CDE – RP ediciones, 1989. Edición Facdimilar dos volumes 1 a 11 de 1906.

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LA CRUZ DEL SUR. Año I – Núm. 2 – Montevideo, Ur – 31 de mayo de 1924. p. 10 - (arquivo digitalizado pela Biblioteca Nacional del Uruguay/hemeroteca digital) disponível em: http://bibliotecadigital.bibna.gub.uy:8080/jspui/

ENCICLOPEDIA URUGUAYA 39 (Director general – Ángel Rama‖. Uruguay: Colobino, jun 1969. p. (arquivo digitalizado pela Biblioteca Nacional del Uruguay/hemeroteca digital) disponível em: http://bibliotecadigital.bibna.gub.uy:8080/jspui/

EL MUNDO DE LOS NIÑOS. Madrid, Es – 10 de octubre de 1888. p. 446. (arquivo digitalizado pela Biblioteca Nacional de España/hemeroteca digital) disponível em: http://hemerotecadigital.bne.es/index.vm

MADRID CIENTÍFICO – Año IX – Núm. 378 – Madrid, Es – 10 de mayo de 1902. p. 129. (arquivo digitalizado pela Biblioteca Nacional de España/hemeroteca digital) disponível em: http://hemerotecadigital.bne.es/index.vm

Documentário

Rafael Barrett: La exigencia de lo real. Direcção: FERRO, Juan; JUÁREZ, Facundo; ROLANDI, Facundo. Facultad de Periodismo y Comunicación Social – Universidad Nacional de la Plata, 2018.

239

Autorizo a reprodução deste trabalho.

Dourados, 30 de maio de 2019.

______Fábio Luiz de Arruda Herrig

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