MISES: Interdisciplinary Journal of Philosophy and Economics ISSN: 2318-0811 ISSN: 2594-9187 Instituto - Brasil

Guterres, Thiago A escola histórica do direito e a Escola Austríaca: A influência de Savigny em Menger, Leoni e Hayek MISES: Interdisciplinary Journal of Philosophy Law and Economics, vol. 7, núm. 1, 2019, Janeiro-Abril, pp. 83-108 Instituto Ludwig von Mises - Brasil

DOI: 10.30800/mises.2019.v7.1117

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=586364222005

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A escola histórica do direito e a Escola Austríaca: A influência de Savigny em Menger, Leoni e Hayek

Thiago Guterres*

Resumo: Este trabalho analisa a influência da Escola Histórica do Direito, mais especificamente a de seu principal representante, Friedrich Karl von Savigny, no pensamento de alguns dos principais teóricos da Escola Austríaca de Economia, quais sejam: Carl Menger, Bruno Leoni e F. A. Hayek. Savigny proclamava o caráter histórico do Direito, isto é, a ideia de que o Direito haveria de ser descoberto e apreendido mediante manifestações do espírito do povo, em vez de criado por um legislador. Apesar de ignorada ao longo do século XX, a Escola Histórica do Direito permanece viva nas obras de Menger, Leoni e Hayek, que resgataram os ensinamentos de Savigny e a tradição jurídica romana e integraram-nos em sua teoria dos processos sociais.

Palavras-chave: Escola Histórica do Direito,Savigny, Menger, Leoni, Hayek

The historical school of Law and the : The influence of Savigny on Menger, Leoni and Hayek

Abstract: The purpose of this work is to investigate the influence of the Historical School of Law, and more specifically of his most prominent representative, Friedrich Karl von Savigny, on some of the main theorists of the Austrian School of Economy: Carl Menger, Bruno Leoni and Friedrich A. Hayek. Savigny proclaimed the absolute historical character of Law and, therefore, the need that it has to be discovered and apprehended from manifestations of what was called the spirit of the people, rather than created. Despite being ignored in the twentieth century by legal scholars, the Historical School of Law has remained alive in the works of Menger, Leoni and Hayek, who retrieved the teachings of Savigny and the Roman legal tradition and integrated them into their theory of social processes.

Keywords: Historical School of Law, Savigny, Menger, Leoni, Hayek

La Escuela Histórica del Derecho y la Escuela Austríaca: La influencia de Savigny en Menger, Leoni y Hayek

Resumen: El presente trabajo investiga la influencia de la Escuela Histórica del Derecho, y en especial de Friedrich Karl von Savigny, en algunos de los principales teóricos de la Escuela Austríaca de Economía: Carl Menger, Bruno Leoni y Friedrich A. Hayek. Savigny proclamaba el carácter histórico del Derecho y, por tanto, la necesidad de que sea descubierto y aprehendido a través de manifestaciones del espíritu del pueblo. A pesar de haber sido olvidada en el siglo XX por los juristas, la Escuela Histórica del Derecho ha permanecido viva en las obras de Menger, Leoni y Hayek, a quienes competió recuperar las enseñanzas de Savigny y la tradición jurídica romana e integrarlas en su teoría de los procesos sociales.

Palabras clave: Escuela Histórica del Derecho, Savigny, Menger, Leoni, Hayek

DOI https://doi.org/10.30800/mises.2019.v7.1117

* Procurador do Ministério Público junto ao TCE/RN. Mestre em Economia da Escola Austríaca pela Universidad Rey Juan Carlos em Madri. E-mail: [email protected]

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Introdução levantados se mostram cada vez mais difíceis de resolver1. O propósito deste artigo é demostrar como Com o fim de analisar a influência do o pensamento do jurista alemão Friedrich jurista alemão nos mencionados estudiosos Karl von Savigny, exposto originariamente da Escola Austríaca, busquei rastrear, nas em sua obra programática Vom Beruf unserer obras destes, não somente às inumeráveis Zeit für Gesetzgebung und Rechtswissenschaft referências a Savigny como também evidências (Da vocação de nossa época para a legislação e de corroboração e desenvolvimento de suas para a ciência do Direito) contribuiu para o ideias originais. desenvolvimento das ideias de Carl Menger, O trabalho foi estruturado em quatro Bruno Leoni e Friedrich A. Hayek, teóricos partes principais: na primeira, exponho as da Escola Austríaca de Economia. contribuições de Savigny, como fundador e O texto de Savigny professava a natureza mais insigne representante da Escola Histórica histórica do Direito, o que implicava a ideia do Direito. Esclareço, em um primeiro de que o Direito haveria de ser descoberto e momento, a ideologia racionalista subjacente apreendido mediante manifestações do que ao movimento codificador e as ideias expostas se denominou espírito do povo (volkgeist). Daí a por Thibaut na obra Über die Notwendigkeit noção de que a ciência jurídica se originaria eines allgemeinen bürgerlichen Gesetzbuchs für do costume e das crenças do povo, não da Deutschland (Sobre a necessidade de um Direito arbitrariedade (willkühr) do legislador. civil geral para a Alemanha), que dá início à Décadas mais tarde, Carl Menger famosa controvérsia com Savigny. Em seguida, publicaria Grundsätze der Volkswirthschaftslehre passo a analisar mais aprofundadamente a (Princípios de Economia Política), obra obra Da vocação, destacando os pontos que fundacional da Escola Austríaca de Economia. seriam posteriormente desenvolvidos pelos Uma de suas mais importantes contribuições austríacos. Em uma segunda parte, mostro foi o desenvolvimento de uma teoria como Carl Menger incorporou o pensamento econômica das instituições sociais (dinheiro, dos historicistas do Direito em sua teoria linguagem e Direito), segundo a qual estas sobre o surgimento das instituições sociais. surgem como resultado de um processo Na terceira parte, estudo as contribuições de evolutivo e espontâneo em que interagem Bruno Leoni, que ecoam o pensamento de inúmeros seres humanos. As ideias de Savigny. O jurista italiano não apenas ilustrou Menger foram desenvolvidas posteriormente a teoria de Menger com o caso do surgimento por F. A. Hayek em seus trabalhos sobre os do Direito, como logrou demonstrar que ela fundamentos da lei e das instituições em uma já havia sido articulada previamente pelos sociedade livre e, principalmente, por Bruno jurisconsultos romanos. Na quarta e última Leoni, que, segundo Huerta de Soto (2016), foi o primeiro a integrar a teoria austríaca dos processos sociais com o Direito Romano e a 1 Apesar de haver uma edição brasileira da obra tradição anglo-saxônica da rule of Law. clássica de Leoni, A Liberdade e a lei, editada pelo Instituto Mises Brasil em parceria com o Instituto A importância do estudo da Escola Liberal (2010), preferi, para este trabalho, utilizar a Histórica do Direito foi muito bem resumida terceira edição espanhola da referida obra, La libertad por Bruno Leoni (2011), para quem as críticas y la ley, da madrilenha Unión Editorial (2011). Nela, de Savigny não apenas permanecem sem além de constarem quatro conferências adicionais proferidas por Leoni em 1963, nos Estados Unidos, refutação, como os problemas por ele há ainda o prólogo essencial de Jesus Huerta de Soto.

Diagramação e XML SciELO Publishing Schema: www.editoraletra1.com.br | [email protected] MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia 85 Thiago Guterres parte, dedico-me às obras de Hayek no campo para a Alemanha, um texto de caráter político- da teoria jurídica, enfatizando as diferenças jurídico em que defende a conveniência de entre ordem espontânea e ordem criada e se elaborar um novo código que haveria de entre leis e mandatos, que têm por base a servir à unidade nacional. Contrapondo-se perspectiva consuetudinária do Direito tal e à Thibaut, Savigny (1779-1861)4 publica no como defendia Savigny. mesmo ano a já mencionada obra Da vocação, que marcará o início da Escola Histórica. 1. A controvérsia Thibaut-Savigny Thibaut não dissimulava sua simpatia e a escola histórica do direito pela França revolucionária e pelo código napoleônico. Savigny, por outro lado, se A Escola Histórica do Direito surge manifestava contrário à revolução e à sua na Alemanha no início do século XIX2, obra testamentária, o Code Civil. Antes de como movimento científico que se opõe ao adentrarmos no embate que deu início à racionalismo jurídico europeu, ao ideário Escola Histórica, vejamos rapidamente o que universalista da revolução francesa e, mais significava a ideia de codificação. concretamente, ao processo codificador que até então já havia resultado no código 1.1. A Codificação prussiano, no código civil austríaco e no Code Diferentemente das usuais compilações Civil de Napoleão (ESCUDERO, 2012). até o século XVIII, que recorriam sempre ao Em 1814, Anton Friedrich Justus Thibaut Direito antigo, os novos códigos passam a ser 3 (1772-1840) publica em Heildelberg a obra a regulação de um determinado campo do Sobre a necessidade de um Direito civil geral Direito nos termos que seus redatores julgam ser oportunos, em um livro sistematizado de capítulos e artigos. A ideologia da codificação 2 O contexto é o do romantismo alemão, mas, como é o racionalismo jurídico que tem raízes no alerta Franz Wieacker (1967), não faz sentido entender iluminismo reformista. O ponto de partida a Escola Histórica do Direito como produto daquele movimento cultural. Seu surgimento apenas coincide com o florescimento do romantismo, o que conduz 4 Savigny nasceu em 21 de fevereiro de 1779 em a um natural intercâmbio entre os dois movimentos Frankfurt am Main. Iniciou seus estudos em Direito através da cultura geral daquele momento. em 1795, em Marburgo e recebeu seu grau de doutor 3 Thibaut nasceu em 03 de janeiro de 1772, em em Direito em 31 de outubro de 1800. Em 1803, foi Halmelin. Estudou Direito em Göttingen (1792), em nomeado professor extraordinário na Universidade Konigsberg (1793), onde conheceu Kant, e finalmente de Marburgo. A fundação da Universidade de Berlim em Kiel (1794), onde concluiu seu doutorado em levou Savigny, na primavera de 1810, à cátedra de 1795. Em 1802, mudou-se a Jena, onde se relacionou Direito romano desta universidade, na qual se com Goethe e Schiller, em cuja casa escreveu sua tornou reitor em 1812. Além do famoso texto objeto principal obra System des Pandektenrechts. A partir de deste artigo, publicou em 1803 sua elogiada obra 1806 passou a lecionar em Heildelberg. Civilista nato, Das Recht des Besitzes (O direito de posse), os muitos com sentido prático, mas que não renunciava aos volumes Geschichte der römischen Rechts im Mittelalter fundamentos filosóficos do Direito. Jurista erudito, (História do Direito romano na Idade Média) (1815-1831) e culto, que promoveu também o progresso da música, finalmente o grandiosoSystem des heutigen römischen inclusive cientificamente, por meio da obra Über die Recths (Sistema de Direito romano atual), obra dividida Reinheit der Tonkunst (Sobre a pureza da música). Sua em 8 volumes e que foi escrita entre 1840 e 1849. valiosíssima coleção histórico-musical foi adquirida Nesta última coleção, “respondía Savigny al deseo de su pela Biblioteca Nacional do Estado da Baviera. Sobre tiempo de realizar una compilación sistemática del Derecho sua vida e obra, vale conferir o livro Thibaut y las perfilando una nueva orientación a la ciencia del Derecho” raíces clásicas del Romanticismo, de Antonio Pau (2012). (MOLITOR-SCHLOSSER, 1980, p. 85).

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é o otimismo com os avanços logrados nas Por outro lado, havia também razões ciências físico-naturais e se funda na crença políticas para a codificação. Os dogmas dos de um Direito natural objetivo e imutável direitos do homem e da igualdade cívica (ESCUDERO, 2012). Seu núcleo essencial é a conduzem a uma tentativa de eliminar confiança na razão. Ensina Escudero: qualquer tipo de particularidades por meio do texto codificado, modelo que colide com Si el hombre ha logrado en aquellos campos, a inerente flexibilidade e variabilidade do progresos espectaculares, aplicando un Direito consuetudinário. Surge então a método de análisis científico que renueva la visión del cosmos; y si existe, según questão: afinal, é sempre preferível um código se cree, un orden jurídico supremo de abstrato, uniforme e rígido ou seria melhor principios inconmovibles, bastará aplicar permitir a manifestação espontânea do direito aquí la razón para deducir un sistema de por vias mais elásticas? A resposta a essa leyes positivas que resulten tan seguras como questão suscitará a famosa polêmica entre las que rigen esas ciencias experimentales os alemães Thibaut e Savigny, que passo a recién descubiertas. (…) La concepción analisar5. iusnaturalista despierta la convicción en unos principios o normas abstractas y fijas, de los 1.2. O ideal político-jurídico de Thibaut que es posible deducir mediante el raciocinio otros varios más precisos y adecuados a Thibaut se tornaria o principal situaciones concretas. Ello conduce a la representante do movimento codificador. estrategia racionalista de ordenar el Derecho 6 como un sistema completo y cerrado, de Em sua obra de 1814 , Thibaut considera que perfiles geométricos y presunta validez na Alemanha rege, por um lado, um direito intertemporal. (ESCUDERO, 2012, p. 886) autóctone, fragmentado e contraditório, e, por outro, o Direito Romano, que corresponde a Os códigos jusnaturalistas ofereciam uma cultura distinta da germânica. Em suas uma visão abstrata e técnica do direito, palavras: menosprezando o Direito tradicional Así pues, todo nuestro derecho autóctono consuetudinário. Os iluministas consideravam es un interminable amontonamiento de o Direito costumeiro uma péssima herança da preceptos abigarrados, contradictorios, que Idade Média (o século das trevas), contrário às se anulan entre sí, formulados de tal manera exigências do homem civilizado. Acreditavam que separan a los alemanes unos de otros que era possível e necessário substituir a y hacen imposible a los jueces y abogados acumulação de normas consuetudinárias el conocimiento a fondo del derecho. Pero un conocimiento exacto de este revoltijo por um Direito constituído por um conjunto sistemático de normas jurídicas deduzidas da razão e impostas pela lei. A ilusão racionalista 5 Nem Thibaut nem Savigny utilizaram a palavra foi muito bem captada por Franz Wieacker: codificação, empregada originalmente por Jeremy “enquanto que desde o Corpus Iuris até o início Bentham em 1807. Thibaut só vai utilizar o termo kodifikation em 1838. Referindo-se à codificação, deste século a edição legislativa em geral Thibaut e Savigny utilizam o termo gesetzebung fora, na maior parte dos casos, o último dos (legislação) e para referir-se ao código mencionam frutos de uma tradição científica, estas novas National Gesetzbuch (livro nacional de leis) (PAU, 2012). 6 codificações entendem-se antes como pré- Trabalho com a recente compilação da editora chilena Ediciones Olejnik (2018), que contém os textos de projectos de um futuro melhor” (WIEACKER, Thibaut e Savigny, além da tradicional introdução 1967, p. 367). de Jaques Stern.

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caótico tampoco nos lleva lejos. Porque todo verdadera ciencia del Derecho, es decir, nuestro Derecho autóctono es tan incompleto la ciencia filosófica del Derecho, y cada y vacío que, de cien causas jurídicas, noventa uno tendría la ocasión y la esperanza de tienen que ser decididas inexcusablemente colaborar en el ulterior perfeccionamiento con arreglo a los códigos foráneos recibidos: de esta gran obra nacional. También sería conforme al Derecho canónico y al romano. inapreciable que todos los jurisconsultos (THIBAUT, 2018, p. 66) alemanes tuvieran un mismo objeto para sus investigaciones, que, mediante la constante Thibaut reconhece a magnitude do comunicación de sus ideas en torno a la Direito Romano, mas entende que as diversas misma obra, pudieran elevarse y apoyarse recíprocamente, y que, como consecuencia compilações geram insegurança jurídica. de todo esto, acabaran por completo las Um código racional permitiria, no aspecto desesperantes chapucerías en que han caído científico, uma visão de conjunto de todo hasta ahora nuestras innumerables leyes Direito e, no aspecto acadêmico, faria possível particulares. (THIBAUT, 2018, p. 72) uma exposição do direito prático. Seria fonte, portanto, de um Direito completo, acessível Para Thibaut, uma grande parte do a todos: Direito está baseada “só no coração, no entendimento e na razão” (THIBAUT, 2018, Un código nacional, sencillo, elaborado con p. 84). De sua concepção racionalista derivam pujanza de dentro del espíritu alemán, será, en cambio, totalmente accesible a cualquier algumas das características mais salientes de mente, incluso las mediocres, y nuestros sua obra: a preocupação sistemática, a luta abogados y jueces estarán por fin en situación pela codificação e a doutrina da interpretação de tener a su alcance el Derecho vivo actual (PAU, 2012). y aplicable en cada caso. Además, solo con un código semejante puede considerarse 1.3. Savigny e o método histórico posible un verdadero perfeccionamiento de las opiniones jurídicas (…) Si atendemos O texto Da Vocação, que como dito a la instrucción académica, la ganancia es anteriormente dá origem à Escola Histórica, igualmente inmensa. (THIBAUT, 2018, p. 71) constituía a réplica às pretensões de Thibaut. Para Jacques Stern, um dos Este código só poderia ser obra de méritos de Thibaut, além de ter compilado comissões ilustres, integradas por gente integralmente os argumentos em favor da com formação filosófica, política e jurídica. unidade da legislação, está em haver motivado Ao mesmo tempo, deveria contar com a a refutação de Savigny. Esta obra seria a colaboração do povo por meio de informes primeira manifestação programática de uma e sugestões. O código resultaria, assim, em doutrina que, além de repelir da ciência e da um patrimônio público de todos os cidadãos. prática jurídica as concepções jusnaturalistas Diz Thibaut: dominantes, indicaria um novo caminho para Si un vigoroso código nacional fuese o desenvolvimento do Direito (STERN, 2018). patrimonio de todos, si estuviese redactado Savigny obviamente teve suas influências. por estadistas y sabios de renombre, después Seu precursor no método histórico-científico de un maduro análisis y de haber consultado e no rechaço ao Direito natural foi o jurista a la opinión pública, y si sus fundamentos fuesen hechos del conocimiento general, alemão Gustav Hugo (1764-1884). A ideia mediante la necesaria publicidad, entonces de que o Direito nasce do espírito do povo podría moverse fácil y libremente la (volksgeist) vem de Montesquieu (que em

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sua obra O espírito das leis fala de esprit de la que solo aparentemente se revelan a nuestra nation) e do filósofo inglês Edmund Burke, consideración como cualidades especiales. assim como dos românticos alemães, que, Lo que las enlaza con el todo es la convicción común del pueblo, el propio sentimiento baseando-se em Herder, equiparavam idioma de necesidad inherente que excluye toda e Direito quanto ao seu desenvolvimento, idea de un nacimiento casual y arbitrario. além de buscarem compreender e explorar (SAVIGNY, 2018, p. 97) o popular (STERN, 2018). Vejamos como Savigny expõe suas ideias Originalmente, as regras do Direito se em cada capítulo da obra Da vocação. Na materializam em ações simbólicas dos povos. introdução (capítulo 1), Savigny aponta que As pessoas não têm clara consciência de sua a unificação do Direito Civil poderia reduzir- situação e de suas relações, ainda que as se a duas concepções errôneas advindas do sintam e as vivam plenamente. No entanto, Direito natural ou racional: a primeira é o afã o desenvolvimento do Direito é constante, não pela organização e o esquecimento da história: há estancamento, no que também se compara ao idioma. Submete-se, pois, necessariamente En esa época se hizo sentir en toda ao mesmo movimento e evolução como Europa un afán completamente ciego qualquer outra expressão advinda do povo. por la organización. Se había perdido el sentimiento y el amor por la grandeza y Na medida em que a cultura avança, esta la peculiaridad de otras épocas, así como convicção comum do povo fica relegada à por la evolución natural de los pueblos y consciência dos juristas, que representam o de las constituciones, en suma, por todo povo no papel de perfeccionar cientificamente lo que la historia produce de provechoso o Direito (SAVIGNY, 2018). y fecundo, y, en su lugar, había aparecido una confianza ilimitada en la época actual, a A existência do Direito assume uma vida la que se creía destinada nada menos que a dupla, uma como parte da vida geral do povo la manifestación efectiva de una perfección (elemento político) em contraposição com a absoluta. (SAVIGNY, 2018, p. 95). vida científica separada do direito (elemento técnico). Em síntese: Chega, assim, à questão do nascimento do Direito positivo (capítulo 2). Savigny explica Todo Derecho nace como Derecho que já no começo da história documentada, consuetudinario, según la expresión no del todo acertada de lenguaje dominante; es decir, o Direito não tem uma existência todo derecho es originado primeramente independente. É uma emanação de forças por la costumbre y la creencias del pueblo inconscientes, anônimas e invisíveis da vida y después por la jurisprudencia y, por tanto, de um determinado povo, assim como sua en todas partes en virtud de fuerza internas, linguagem, seus costumes e sua organização: que actúan calladamente, y no en virtud del arbitrio de un legislador. (SAVIGNY, Allí donde nos encontramos por primera vez 2018, p. 100) ante una historia documentada, el Derecho civil tiene ya un carácter determinado, Para Savigny, a legislação pode influenciar peculiar del pueblo, lo mismo que su o Direito Civil, mas é preciso atentar para lenguaje, sus costumbres y su constitución. os fundamentos dessa influência, que são En efecto, estos fenómenos no tienen una existencia separada, son tan solo fuerza de natureza bem diversa (capítulo 3). Em y actividades singulares de un pueblo, primeiro lugar, o legislador pode ter a intenção inseparablemente unidas en la naturaleza, y de querer alcançar fins políticos elevados.

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Savigny deixa claro que leis dessa espécie da matéria quanto do idioma. Assim, só são uma infrutífera corrupção do Direito restaria um período intermediário em que, (SAVIGNY, 2018). Por outro lado, a legislação pelo menos com relação ao Direito, poder-se- pode ter por objeto a eliminação de dúvidas ia chegar ao auge da perfeição. Só que nessas e obscuridades jurídicas. Nesse aspecto, a épocas, o povo não sente necessidade de um legislação seria admissível caso venha como código e não o faria apenas para as futuras complemento ao costume. gerações. O jurista alemão alerta, porém, que o Nota-se, assim, que o que Savigny que os defensores da codificação realmente realmente defende, em suma, é a inexistência propõem é a fixação de todo o sistema jurídico de qualquer código. Daí a ironia do jurista existente em um livro que deve servir como espanhol António Pau, mais recente biógrafo única fonte do Direito. Sendo assim, “puesto de Thibaut, segundo quem a obra de Savigny que el código está destinado efectivamente deveria intitular-se não Da vocação de nossa a ser la única fuente del Derecho, debe época para a legislação, mas Da incapacidade de contener efectivamente de antemano la nossos juristas para a legislação, pois seria mais solución para todos los casos que puedan coerente com a verdadeira tese defendida pelo presentarse” (SAVIGNY, 2018, p. 104). Não historicista alemão (PAU, 2012). obstante, Savigny observa que os litígios Nos dois capítulos seguintes, Savigny reais são tão variados que é impossível, aplica a teoria ao Direito romano (capítulo apenas por meio da experiência, conhecer IV) e ao Direito Civil na Alemanha (capítulo previamente todos os casos singulares V). Considerando a importância do Direito para então apresentar a solução em um romano em Leoni e Hayek, creio ser útil dispositivo do código (SAVIGNY, 2018, p. ressaltar os ensinamentos de Savigny, autor 104). Como veremos adiante, esse raciocínio da monumental obra System des heutigen corresponde fundamentalmente à noção römischen Recths (Sistema de Direito romano hayekiana do conhecimento imperfeito ou, atual). mais especificamente, da impossibilidade de Primeiramente, Savigny descreve que um órgão central seja capaz de assimilar precisamente a peculiaridade do Direito e compreender toda a informação dispersa romano, qual seja, o fato de que é o único gerada no processo de cooperação social. sistema jurídico de um grande povo que teve Também se encaixa perfeitamente no insight uma longa existência e um desenvolvimento de Bruno Leoni sobre a impossibilidade do ininterrupto completamente nacional cálculo jurídico por parte legislador. (SAVIGNY, 2018). Muito embora os códigos Quanto à forma do código (exposição justinianos tenham sido editados em uma e linguagem), as dificuldades não seriam época de decadência de Roma, os livros menores. Segundo Savigny, a capacidade de são uma compilação de uma época clássica um povo para criar um código realmente (Papiniano e Ulpiano). perfeito só é possível em épocas muito Todo o Direito romano se baseia em específicas. Em povos jovens, apesar de já se princípios reitores, que não são, para os ter um entendimento do Direito, não se tem jurisconsultos romanos, produtos de seu a linguagem e a arte lógica necessárias a um arbítrio, mas entes reais presentes na sociedade. código (por exemplo, Lei das Doze Tábuas). Na Savigny ressalta, além disso, o elevado grau fase de decadência, falta tanto o conhecimento de segurança jurídica no procedimento

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do Direito romano, podendo-se dizer sem chamado de Direito comum. As fontes desse exagero que os romanos calculavam com Direito eram os livros de Justiniano (Corpus seus conceitos (SAVIGNY, 2018). Destacando Juris Civilis). Toda a ciência jurídica alemã se o aspecto colaborativo da ciência jurídica desenvolveu a partir desses livros. Segundo romana, afirma Savigny que esse método as críticas, o Direito romano teria privado os não é propriedade exclusiva de um autor alemães de sua nacionalidade e impedido o mais ou menos destacado, senão um bem aperfeiçoamento do Direito autóctono. Mas comum de todos. Ainda que tivéssemos as Savigny destaca que se trata de uma crítica obras completas de um ou outro jurisconsulto, vazia e sem fundamento, pois assim como a “encontraríamos en ellas mucha menos literatura e a religião, o Direito não é exclusivo individualidad que en cualquier otra rama de cada povo e não está livre de influências de la literatura, pues todos ellos son, en cierto exteriores. Além disso, sem o Direito romano, modo, colaboradores de una y la misma gran seria impossível o aperfeiçoamento do Direito obra” (SAVIGNY, 2018, p. 108). alemão, já que faltava ao país as condições que O Direito, para Savigny, não tem favoreceram a evolução do Direito em Roma existência por si. É a contemplação da vida do (SAV IGN Y, 2018). Além disso, havia queixas ser humano desde uma perspectiva especial. contra as inúmeras diferenças existentes Se, por outro lado, o Direito se desliga desse entre os sistemas jurídicos dos diversos objeto, poderá evoluir em um caminho reinos alemães. No entanto, segundo Savigny, unilateral e até alcançar um alto grau de essa diversidade não era nenhum problema aperfeiçoamento formal, mas carecerá, ao senão uma vantagem, que promoveria a mesmo tempo, de toda a realidade própria individualidade na formação do Direito (SAVIGNY, 2018). (SAVIGNY, 2018). A superioridade do método dos juristas O capítulo VI é o ponto central da obra. romanos radica precisamente no aspecto de É aí onde Savigny investiga a capacidade do buscar e identificar o direito: país para a codificação. Sem esta capacidade, a situação da Alemanha, longe de melhorar com Si tienen que juzgar un litigio, parten de la um código, poderia piorar significativamente. visión más viva del mismo, presentando así Savigny analisa inicialmente o Direito ante nuestros ojos cómo surge y se modifica, paso a paso, toda la relación, como si este de família, utilizando como exemplo o caso fuera el punto de partida de toda ciencia, matrimônio. Trata-se de um tema que pertence la cual ha de ser deducida del mismo. Así, ao Direito em apenas uma parte. Uma outra pues, la teoría y la práctica no están para ellos parte incumbe ao costume. Assim, pois, propiamente separadas, ya que su teoría toda tentativa de resolver problemas práticos es perfeccionada para su aplicación más por meio da legislação sem base no Direito inmediata y su práctica es constantemente consuetudinário vai causar mais problemas ennoblecida por el tratamiento científico. (SAVIGNY, 2018, p. 109) e dificultar a solução (SAVIGNY, 2018, p. 117). Quanto ao Direito patrimonial (tendo No capítulo V, Savigny trata das queixas como exemplo a propriedade), Savigny que se costumavam fazer ao Direito Civil considera que se trata de uma matéria vista uniforme utilizado na confederação alemã. com indiferença pelo público leigo, que a deixa Um Direito modificado em maior ou menor aos cuidados dos juristas. Essa indiferença medida pelos diversos reinos e que era indica ausência da força criadora do Direito,

Diagramação e XML SciELO Publishing Schema: www.editoraletra1.com.br | [email protected] MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia 91 Thiago Guterres que é a situação que Savigny considera ser a y nos domina por todos los lados, a menudo da Alemanha naquele momento. Daí que a sin que sepamos” (SAVIGNY, 2018, p. 154). Se capacidade de reforma depende da formação não é possível evitar a influência do material dos juristas alemães, que para Savigny era existente, resta à geração atual submetê-la extremamente deficiente SAVIGNY,( 2018). A a uma força aperfeiçoadora mediante um eles faltava a dupla perspectiva indispensável aprofundamento histórico e apropriar-se um jurista: a histórica (“para captar con assim de toda a riqueza que nos é brindada agudeza lo peculiar de cada época y de cada pelas gerações passadas (SAV IGN Y, 2018). Só forma jurídica”) e a sistemática (“para ver o conhecimento histórico permite separar a cada concepto y a cada precepto en una o benéfico do prejudicial. Observa Savigny conexión y una interacción vivas con el todo”). que o sentido histórico “es también la única Ademais, não existe em forma de livro uma protección contra una especie de ilusión que boa exposição do sistema jurídico romano- siempre se repite en hombres singulares, así germânico (SAVIGNY, 2018, p. 118). como pueblos enteros y épocas enteras y que Os códigos francês, prussiano e austríaco consiste en considerar como atributo de la são analisados à luz de sua teoria no capítulo humanidad lo que es propio de nosotros” VII. Savigny considera que o melhor seria o (SAVIGNY, 2018, p. 155). O Direito comum e Allgemeine Preussische Landrecth e o pior, o os Direitos locais, pois, serão úteis quando Code Civil. No Code, os elementos políticos vistos pelo prisma do método histórico, o exerceram mais influência que os técnicos. que não implica um acatamento cego do A revolução havia aniquilado a antiga Direito romano, mas também não consiste constituição e uma grande parte do Direito na conservação incondicional de qualquer civil devido em maior medida a um impulso material dado (SAVIGNY, 2018). cego contra tudo o que existia (SAV IGN Y, O material jurídico considerado por 2018). Por outro lado, o código prussiano tinha Savigny se compõe, por um lado, do Direito duas vantagens sobre o francês. Em primeiro romano e, por outro, do Direito germânico e, lugar, os fins que justificaram sua elaboração em terceiro lugar, de modificações sofridas (o simples desejo de fazer uma obra perfeita) por ambos. Savigny ressalta novamente a e, em segundo lugar, a relação do código com superioridade técnica do Direito romano. À as fontes locais (o Direito provincial), que parte de sua importância histórica, o Direito continuariam subsistindo (SAVIGNY, 2018). das pandectas “tiene todavía el mérito de Não obstante, a conclusão de Savigny sobre que, por su elevada perfección, puede servir os três códigos é a mesma: sua época não de arquetipo y modelo a nuestros trabajos tem vocação para empreender a criação de científicos” (SAVIGNY, 2018, p. 157). O Direito um código. germânico, segundo Savigny, carece dessa O que se deveria fazer, então? Para superioridade. Está mais ligado aos costumes Savigny, não é possível romper os fios históricos próprios e tem sua origem no espírito nacional para começar uma vida nova do nada, pois que sobrevive nas instituições. Finalmente, as o passado condiciona o presente. A geração modificações de um e outro Direito dão conta presente se encontra em meio a um enorme da diversidade das necessidades nacionais conjunto de conceitos e critérios jurídicos que e do influxo dos juristas SAVIGNY,( 2018). foram sendo acumulados e transmitidos de Não é o propósito de Savigny expor ali uma geração em geração e esse material “nos rodea metodologia determinada. Em qualquer caso,

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resta evidente que o estudo do Direito romano então não agrada a Savigny. A elaboração de deve começar no Direito das pandectas, a um código na Alemanha resultaria, pois, em partir do qual se vai delimitando o caminho uma literatura jurídica inferior (SAV IGN Y, seguido até as modificações de Justiniano. 2018). Não é um estudo acadêmico, mas apreensivo, No capítulo X, Savigny observa que do qual se consiga extrair o espírito dos o estudo científico do Direito é único. Na jurisconsultos (SAVIGNY, 2018). É esse tipo Alemanha, tanto onde há código como onde de estudo que deve guiar o trabalho dos não há, esse estudo requer um exame histórico juristas, teóricos ou práticos. Savigny destaca das raízes nacionais. Trata-se de tornar o novamente o trabalho dos jurisconsultos Direito civil um assunto comum da nação. O romanos e sua aproximação entre teoria e objetivo principal é o reconhecimento pelas prática. É da prática de onde tem que partir instituições de uma comunidade de Direito o devido melhoramento da administração civil como etapa essencial para a unidade da justiça e a teoria tem que se fazer mais da nação alemã. Savigny volta a utilizar a prática. Para tanto, seria conveniente uma linguagem como exemplo (adicionando a boa comunicação das faculdades de Direito literatura como instituição social): “así como com os tribunais de justiça (SAV IGN Y, 2018). no hay un idioma ni una literatura prusiana Portanto, nos países em que predomina o o bávara, sino que tanto la lengua Direito comum não se deveria fazer códigos, o como la literatura son alemanas, que não significa que a legislação civil seja de así sucede también con las fuentes todo supérflua. Pelo contrário, pode servir a originarias de nuestro Derecho y con um duplo objetivo: resolução de controvérsias la exploración histórica de las mismas” e compilação de costumes antigos (SAV IGN Y, (SAVIGNY, 2018, p. 176). 2018). No caso de compilação do Direito consuetudinário, a legislação exerceria um O capítulo XI é sobre a proposta de papel similar à que exercia em Roma por meio Thibaut. Diz Savigny que apesar de buscar do edito. Isso pouco se assemelha à função de o mesmo fim, o defensor da codificação um código, que tem que dispor sobre tudo, erra na hora de propor o caminho mais ainda que nada o exija (SAVIGNY, 2018). adequado para alcançá-lo. Thibaut acredita Quanto aos códigos existentes, não quer que é possível fazer um código perfeito Savigny a sua abolição (exceção ao código em três ou quatro anos, com um grupo de napoleônico, “una enfermedad política juristas qualificados. Para Savigny, Thibaut padecida”) (SAVIGNY, 2018, p. 167). Cabe se equivoca precisamente em supor que a tratá-los como feitos históricos que devem ser perfeição do código aumentará na mesma levados em conta. Além disso, sua derrogação proporção que o número de juristas envolvidos causaria uma confusão desnecessária. Sua em sua elaboração (SAVIGNY, 2018). Entre os depuração e aperfeiçoamento devem vir das romanos, da época de Papiniano, isso era mãos dos juristas teóricos, pelo que a formação possível “porque toda su literatura jurídica destes se converte em tema fundamental. A constituía un todo orgánico: podría decirse formação desses juristas não pode centrar- (empleando una expresión técnica de los se no código, devendo retroceder às fontes juristas modernos) que entonces los juristas originais, como recomenda o método histórico. singulares era personas fungibles” (SAV IGN Y, Mas o estado das faculdades de Direito de 2018, p. 179). Como veremos adiante, essa

Diagramação e XML SciELO Publishing Schema: www.editoraletra1.com.br | [email protected] MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia 93 Thiago Guterres característica dos juristas romanos é bem Eichhorn. Dentro dela, havia duas vertentes destacada por Hayek e Leoni. científicas, uma vinculada ao romanismo e No capítulo XII, Savigny resume suas outra ao germanismo, sendo esta a corrente ideias. Tanto ele como Thibaut têm o mesmo nacionalista da Escola, que se preocupava objetivo em mente, qual seja, um Direito certo, com o chamado Direito civil comum alemão. “seguro contra la injerencia de la arbitrariedad A ala romanista era representada pelas obras y los designios injustos” (SAVIGNY, 2018, p. de Savigny e a germanista, pelos trabalhos 8 181). No entanto, de acordo com Savigny, a de Eichhorn e Grimm (ESCUDERO, 2012; proposta de Thibaut só alcançaria a unidade MOLITOR-SHCLOSSE, 1980). para uma metade da Alemanha enquanto a Grimm, curiosamente, não era jurista, outra metade ficaria ainda mais separada senão um investigador do desenvolvimento que antes. Para evitar isso, o único caminho histórico da língua9. Em suas obras, investigou possível é uma ciência jurídica orgânica e a evolução sistemática, evidenciando a aptidão progressiva, e que possa ser comum a toda da língua como configuradora do espírito a nação. Os defeitos, segundo Savigny, não do povo. Foi um entusiasmado discípulo de estão nas fontes do Direito, como crê Thibaut, Savigny, que levou os ensinamentos de seu mas nos juristas que a Alemanha possui, o mestre a outro campo de estudo (ESCUDERO, que torna impossível a realização de um bom 2012). O mesmo faria Menger décadas mais código (SAVIGNY, 2018). tarde com relação ao dinheiro. A dedicação dos grandes juristas da 1.4. Desenvolvimento da Escola Escola e o prestígio das universidades alemãs no século XIX contribuiu para a difusão do Como observei anteriormente, com sua movimento historicista em toda Europa réplica a Thibaut, Savigny fundou a Escola (ESCUDERO, 2012). A tradição historicista Histórica do Direito, ainda que alguns alemã se perpetuaria por todo o século XIX estudiosos considerem Gustav Hugo o ainda quando a Escola Histórica propriamente fundador strictu sensu da Escola (ESCUDERO, já estava esgotada (a Alemanha só veio a 2012) ou da orientação histórica do Direito promulgar seu Código civil em 1900) (LEONI, 7 civil (MOLITOR-SHCLOSSER, 1980) . Savigny 2008). aponta Möser e Hugo como seus antecessores. Em 1815, funda-se a Revista para a Ciência Histórica do Direito (Zeitschrift fur geschichtliche 2. Carl Menger e a teoria evolutiva Recthswissenschaft), que tinha o caráter das instituições sociais de órgão oficial da escola, cujo programa científico e político-jurídico seria fixado por Em 1871, Carl Menger (1840-1921) publica Savigny em seu artigo inicial. o livro Grundsätze der Volkswirthschaftslehre (Princípios de Economia Política), data que Observa-se que a Escola Histórica do marca o nascimento da Escola Austríaca. Direito se solidifica nos círculos universitários de Marburgo com base nos ensinamentos de Savigny, Jacob Grimm e Karl Friedrich 8 Especialmente com a sua obra Deutsche Staats un Rechtsgeschichte (História do Estado e do Direito alemão). 9 Meseguer (2009) nos recorda que Bernard Mandeville 7 Barthold Nieburh (1776-1831) também precede (1670-1733) também foi um pioneiro quanto às teses Savigny quanto aos escritos históricos do Direito. evolutivas da linguagem.

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Neste livro, Menger tenta estabelecer os Economía Política a uno de los historicistas novos fundamentos da ciência econômica, alemanes más conspicuos, Wilhelm Roscher. baseada no ser humano como protagonista Y es que, en la polémica doctrinal entre los de todos os processos e eventos sociais partidarios de una concepción evolutiva, histórica y espontánea de las instituciones, (subjetivismo) assim como a criação, sobre representados por Savigny en el campo del esta base, de toda uma teoria formal sobre Derecho y Montesquieu, Hume y Burke en o surgimento espontâneo e evolução das el campo de la Filosofía y la Ciencia Política, instituições sociais (econômicas, jurídicas frente a los partidarios de la concepción e linguísticas), entendidas como esquemas cartesiana estrechamente racionalista pautados de comportamento (HUERTA (representados por Thibaut en el campo del DE SOTO, 2004). Como destaca Huerta Derecho y por Bentham y los utilitaristas de Soto, “la idea distintiva más original e ingleses en el de la Economía), Menger cree haber dado con su aportación el espaldarazo importante de la aportación de Menger radica, teórico definitivo a los primeros.( HUERTA precisamente, en el intento de construir toda DE SOTO, 2004, p. 22) la economía partiendo del ser humano, actor creativo y protagonista de todos los procesos De fato, graças a esses pensadores, sociales” (HUERTA DE SOTO, 2004, p. 20). Menger formula a questão que considera Segundo Mises, a importância do trabalho essencial à todo cientista social: how can it be de Menger está no fato de que o fundador da that institutions which serve the common welfare Escola Austríaca “concebeu não somente uma and are extremely significant for its development irrefutável teoria praxiológica da origem da come into being without a common willi directed moeda. Ele também percebeu a importância toward establishing them? (MENGER, 1985, de sua teoria para elucidação dos princípios p. 146). Daí elabora uma teoria fundada na fundamentais da praxiologia e dos seus premissa de que o surgimento e posterior métodos de pesquisa” (MISES, 2010, p. 473). desenvolvimento das principais instituições Embora a mais notória contribuição de que sustentam nossa vida em sociedade são Menger à ciência econômica tenha sido o de tipo espontâneo e evolutivo, devendo sua descobrimento, em paralelo com Jevons e formação, por um lado, ao surgimento de Walras, da Lei da Utilidade Marginal, esta comportamentos ordenados que aparecem descoberta é apenas uma consequência como resultado de dilatados processos de evidente da concepção subjetivista do tentativa e erro e, por outro, aos processos de processo de ação humana que devemos aprendizagem e imitação que se produzem a Menger (HUERTA DE SOTO, 2004). O nos agrupamentos humanos (HUERTA DE subjetivismo metodológico e a teoria evolutiva SOTO, 2004; MESENGER, 2009). das instituições econômicas (principalmente Menger elabora sua teoria, aplicando-a dinheiro) são, sem dúvida, as duas principais a uma instituição econômica específica, contribuições de Menger. que é o dinheiro. Sua análise é bastante Huerta de Soto assinala a tentativa de semelhante à que Savigny faz do Direito. Menger de contribuir sobre o trabalho dos Começa pelas primeiras etapas do comércio historicistas, em especial Savigny no campo em épocas primitivas, observando que nelas jurídico: os indivíduos só têm em conta o valor de Así, no es ningún capricho ni casualidad uso dos bens e que todas as transações se que Menger dedicara sus Principios de limitavam à troca direta de bens que para

Diagramação e XML SciELO Publishing Schema: www.editoraletra1.com.br | [email protected] MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia 95 Thiago Guterres cada um dos indivíduos tivessem menos se refere ao historicismo econômico dos valor de uso. O número de trocas nesta etapa catedráticos alemães do século XIX e dos de desenvolvimento de uma sociedade é institucionalistas americanos do século XX, logicamente muito reduzido. No entanto, ao que negam a possibilidade de existência de longo do processo evolutivo, os seres humanos uma teoria econômica abstrata de validade foram se dando conta de que se adquirissem universal. O terceiro tipo de historicismo é mercadorias com maior capacidade de venda, aquele subjacente ao positivismo metodológico, ainda que não servissem à satisfação de suas que pretende recorrer à observação empírica necessidades diretas, se multiplicaria sua (história) para falsear ou contrastar teorias capacidade de troca. Assim, sem necessidade (HUERTA DE SOTO, 2004; CUBBEDU, 1993). de especial acordo entre os homens e muito Uma das características distintivas menos imposição estatal, unicamente sob o da obra Untersuchungen über die Methode poderoso influxo do costume, os meios de der Socialmissenschaften und der politischen troca vão se convertendo em dinheiro (meio Ökonomie insbesondere, de Menger, é a crítica de troca usualmente aceito em determinado aos pressupostos teóricos e culturais da contexto de tempo e lugar) (MENGER, 1997). Escola Histórica de Economia. De fato, como Ao longo da história, muitos pensadores ressalta Cubbedu, o programa ideológico da se debruçaram sobre o tema do dinheiro, mas referida escola, “aparte de la reducción de la poucos foram capazes de compreender este ciencia económica a la historia económica, complexo processo de evolução que se estende se caracteriza por su desconocimiento de la por milhares de anos. Menger observa que importancia de la revolución marginalista y se, por um lado, é fácil entender a razão pela por el intento de considerar la economía como qual um indivíduo troque um bem por outro un instrumento de la política y de la ética” que lhe seja mais útil, por outro, resulta mais (CUBBEDU, 1993, p. 35). difícil compreender porque todos os agentes Menger ressalta as diferenças entre a econômicos de um povo desejam trocar suas mercadorias por pequenas lâminas Escola Histórica do Direito e a Escola Histórica de meta, como ouro e prata, que não são de Economia: normalmente destinados a um uso direto: (…) scarcely a trace of all that is found in the “es un comportamiento tan contrario al curso writings of the historical school of economists normal de las cosas que nos es maravilla que that arose in Germany in the 1840’s-a belated a un pensador tan distinguido como Savigny straggler among the ‘historical’ schools in llegue a parecerle incluso ‘misterioso’” other fields of the political sciences. And (MENGER, 1997, p. 323). therefore it wrongly points to the historical school of jurists as its model; only wrongly 2.1. A Escola Histórica do Direito versus does it call itself “historical” in the sense of the school of Burke and Savigny. It does A Escola Histórica de Economía not share the virtues of the latter, nor, to be Raimondo Cubbedu diferencia os três sure, the one-sidedness and shortcomings. It has its own virtues, its very special one- sentidos possíveis para o termo historicismo. sidedness, misunderstandings, and errors. O primeiro identificado com a Escola Histórica As far as it has come to light in the works of do Direito, que é defendido pela Escola its spokesmen, it is essentially different from Austríaca em sua análise das instituições the school treated above. It is, to be sure, sociais. O segundo sentido é aquele que historical, but in an entirely different sense

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from that of Burke-Savigny. (MENGER, articulada que la del propio Hayek”; 2) a 1985, p. 177) crítica à concepção kelseniana do Direito, e; 3) a análise comparativa entre o processo de Menger, constata Cubbedu, não oculta formação do Direito romano e a common law sua própria afinidade com o método da Escola anglo-saxônica (HUERTA DE SOTO, 2011, Histórica do Direito, em especial com Savigny p. 09). “quien había sabido captar la importancia de Se, por um lado, o pensamento do jurista los acontecimientos históricos y ambientales italiano acerca do surgimento e evolução en la configuración del derecho y del lenguaje, do Direito é nitidamente influenciado por aunque sin renunciar a un tratamiento teórico Menger - que, como vimos, desenvolveu sua de los mismos” (CUBBEDU,1993, p. 36). teoria das instituições sociais aplicando-a ao Observa ainda o filósofo italiano que “Savigny caso concreto do dinheiro - por outro, também es el autor citado con más frecuencia aparece se observa nele a tradição romanista da Escola en las Untersuchungen. Se trata siempre de Histórica do Direito, que subjaz sua crítica ao citas de signo positivo en las cuales Menger positivismo kelseniano. apela a su teoría del origen del derecho, del Poder-se-ia dizer que Leoni uniu o lenguaje (…) y de la moneda (…)” (CUBBRFU, tratamento teórico dado por Menger para 1993, p. 36). É, sem dúvida, patente a influência explicar a origem das instituições sociais com de Savigny, no pensamento de Carl Menger. a perspectiva histórica do Direito exposta por Savigny. Como bem ressalta Huerta de Soto, 3. Bruno Leoni, a liberdade e a lei Leoni evidencia que a teoría evolutiva das instituições sociais “no solo cuenta con una Leoni (1913-1967) foi um jurista italiano perfecta ilustración en el caso del surgimiento e catedrático de Filosofia do Direito e de del Derecho, sino que además había sido Teoria do Estado na Universidade de Pavia. plenamente desarrollada y articulada con Sua obra mais famosa, A liberdade e a lei, carácter previo por toda la escuela jurídica constitui, segundo Huerta de Soto, um dos clásica del Derecho romano” (HUERTA DE livros mais importantes sobre a teoria e a SOTO, 2011, p. 13). política da liberdade e a filosofia do Direito Vejamos como o historicismo do Direito que já se escreveu no século XX (HUERTA está presente no pensamento de Leoni, tal DE SOTO, 2011)10. Na visão do professor como exposto na obra A Liberdade e a Lei. espanhol, as três principais contribuições de Bruno Leoni são: 1) a concepção do Direito 3.1 Legislação versus liberdade individual como produto eminentemente evolutivo e consuetudinário, “de forma incluso más Leoni lamenta o fato de que em nosso convincente y en muchas ocasiones mejor tempo, a liberdade individual é defendida mais por economistas que por juristas ou cientistas políticos. Os juristas de hoje só conseguem 10 O livro é fruto dos manuscritos para a conferência ministrada por Leoni em seminário organizado por ver o Direito tal como ele é entendido no Artur Kemp no Claremont College, de 15 a 28 de mundo contemporâneo, perspectiva esta junho de 1958, no qual também participaram Hayek que em muito reduz o espaço da liberdade e Milton Friedman. As conferências de ambos deram lugar às obras Os fundamentos da liberdade e Capitalismo individual. No entanto, alerta Leoni, “la e liberdade, respectivamente. libertad no es solo un concepto económico o

Diagramação e XML SciELO Publishing Schema: www.editoraletra1.com.br | [email protected] MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia 97 Thiago Guterres político, sino también, y probablemente por por los “representantes” del pueblo. (LEONI, encima de todo, un concepto legal, ya que 2011, p. 36) implica necesariamente todo un complejo de consecuencias legales” (LEONI, 2011, p. 20) . E acrescenta, conforme destacamos na introdução deste trabalho, que não só as O jurista italiano define previamente críticas de Savigny não foram refutadas, como liberdade como ausência de coação os problemas que ele apresentou em sua época (excetuando logicamente a coação para continuam sendo ignorados pelos juristas prevenção e repressão de crimes) de modo a contemporâneos. Tem-se aqui, portanto, uma evitar mal entendidos com aquelas doutrinas importante justificativa para a retomada que sempre incluem no conceito de liberdade dos estudos da ciência jurídica a partir da algo mais, como, por exemplo, uma “una perspectiva histórica. seguridad económica satisfactoria” (LEONI, Leoni sugere que “aquellos que valoran 2011, p. 21). la libertad individual reafirmen el lugar Constata, ademais, que a liberdade del individuo dentro del sistema global” individual se encontra ameaçada pelo uso (LEONI, 2011, p. 27). Devemos, assim, com indiscriminado da legislação e o aumento o fim de alcançar mais liberdade, rechaçar a de poder das autoridades administrativas legislação “siempre que sea posible que los em detrimento do Direito consuetudinário individuos implicados alcancen sus objetivos e do poder dos juízes. Paralelamente a isso, sin depender de la decisión de un grupo y sin o Direito civil submerge paulatinamente em constreñir lo más mínimo a otras personas meio a milhares de leis que se promulgam para que hagan lo que nunca harían sin esa todos os anos. Escrevendo durante os anos coacción” (LEONI, 2011, p. 31). 1960, Leoni se pasmava com o fato de que A conclusão inevitável - e essa é uma mesmo estando há apenas sessenta anos da das mais perspicazes intuições de Leoni - introdução do Código Civil Alemão e pouco é que o teorema enunciado por Mises em mais de um século e meio após o Código 1920 sobre a impossibilidade do cálculo Napoleônico, “la simples idea de que el econômico socialista se aplica perfeitamente Derecho pudiera no ser idéntico a la legislación à legislação promulgada pelos parlamentos. resulta extraña tanto a los estudiantes de leyes Após afirmar que esta contribuição do como a los legos” (LEONI, 2011, p. 22). economista austríaco foi a mais importante Reclama também de que a crítica de e duradoura feita por economistas à causa Savigny à codificação tenha sido simplesmente da liberdade individual em nossos tempos, esquecida ao longo do século XX: Leoni acrescenta:

Bien puede decirse que la lamentación de Sin embargo, sus conclusiones se pueden von Savigny a comienzos del último siglo considerar únicamente como un caso sobre la tendencia hacia la codificación y la especial de una concepción más general, legislación escrita en general parece haberse según la cual ningún legislador podría desvanecido entre las brumas de la historia. establecer por sí mismo, sin algún tipo de Se puede también observar que, a comienzos colaboración continua por parte de todo el del presente siglo, un destino similar parece pueblo involucrado, las normas que regulen haberse abatido sobre la confianza que la conducta de cada uno en esa perpetua Eugen Ehrlich depositó en la ‘ley viva del cadena de relaciones que todos tenemos con pueblo’ frente a la legislación promulgada todos. (LEONI, 2011, p. 37)

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Trata-se, em outras palavras, da desapasionada de los tribunales judiciales, impossibilidade do cálculo jurídico por lo mismo que las normas en Roma eran el parte do legislador (ALONSO, 2010), ideia objeto de una investigación desapasionada que, como já mencionamos, foi antecipada de los jurisconsultos romanos a quienes los por Savigny em sua famosa obra. Huerta de litigantes sometían sus casos” (LEONI, 2011, Soto entende que, deste modo, Leoni completa p. 105). a teoria dos economistas austríacos sobre o Noutro turno, a legislação é gerada como socialismo (HUERTA DE SOTO, 2011). Leoni, algo incondicionado, à margem das vontades e porém, vai além para chegar à conclusão de opiniões contrárias. Tanto os romanos como os que nenhum mercado livre é compatível ingleses, observa Leoni, “compartieron la idea com um processo legislativo centralizado de que la ley es algo que se debe descubrir pelas autoridades (LEONI, 2011). Daí o lógico más bien que promulgar, y que nadie debe paralelismo entre livre mercado e Direito ser tan poderoso en su sociedad como para consuetudinário, de um lado, e socialismo e poder identificar su propia voluntad con la legislação, de outro. O modelo Leoni requer ley del país” (LEONI, 2011, p. 28). o deslocamento do centro gravitacional dos Essa ideia de um Direito criado de sistemas legais, desde a legislação, para outros forma não condicionada era rechaçada em tipos de processos de formulação de leis no Roma. Catão, o censor, de acordo com Cícero, longo prazo (LEONI, 2011). Seria um sistema costumava alardear que a superioridade do jurídico mais próximo do Direito romano, sistema romano frente ao grego radicava no baseado na autoridade dos jurisconsultos, no fato de que aquele havia sido produzido pouco costume e na autoridade dos juízes. a pouco, ao longo de séculos e gerações, por um grande número de pessoas, com base 3.2. O Direito dos juristas e dos juízes na experiência e nos precedentes, sempre Leoni analisa os três métodos de condicionado pela situação vigente. A citação elaboração do Direito já experimentados na é traduzida pelo próprio Leoni: história ocidental: 1) O “Direito dos juristas”, El motivo que nuestro sistema político fue que é o Direito produzido por uma classe superior a los todos los demás países era éste: especial de especialistas, chamados iuris- los sistemas políticos de los demás países consult em Roma, Juristen na Alemanha da habían sido creados introduciendo leyes Idade Média, e lawyers, nos países anglo- e instituciones según el parecer personal saxônicos; 2) O direito produzido pelos juízes de individuos particulares, tal como Minos (judge-made law); e 3) A lei produzida por en Creta y Licurgo en Esparta, mientras en Atenas, donde el sistema político se había meio de processo legislativo, que é o método cambiado varias veces, hubo muchas de estas atualmente mais conhecido (LEONI, 2011). personas, por ejemplo Teseo, Dracón, Solón, Leoni manifesta naturalmente sua Clístenes y varios otros…En cambio, nuestro preferência pelos dois primeiros pela simples estado no se debe a la creación personal de razão de que o Direito dos juristas e dos juízes un hombre, sino de muchos. No ha sido são formas condicionadas de produzir a lei. fundado durante la vida de un individuo particular, sino a través de una serie de No Direito consuetudinário inglês, de acordo siglos y generaciones. Porque, decía, no ha com o princípio da rule of law, as normas habido nunca en el mundo un hombre tan não são resultado da vontade arbitrária de inteligente para preverlo todo, e incluso si alguns, senão “el objeto de la investigación pudiéramos concentrar todos los cerebros

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en la cabeza de un mismo hombre, le sería a com planos baseados em uma legislação para este imposible tener en cuenta todo al mismo acordar no dia seguinte sob outra (LEONI, tiempo, sin haber acumulado la experiencia 2011). que se deriva de la práctica en el transcurso de un largo periodo de la historia. (LEONI, Vimos que um dos principais argumentos 2011, p. 107) de Thibaut em defesa da codificação era a insegurança supostamente gerada pela Leoni compartilha com Savigny, “el aplicação do Direito romano na Alemanha. más grande jurista alemán del siglo XIX”, Savigny, por outro lado, acentuava o o entusiasmo pelo Direito romano (LEONI, aspecto colaborativo na produção do Direito 2011, p. 232). O Direito privado romano (jus das pandectas, um método que não era civile) esteve praticamente fora do alcance propriedade de ninguém senão um bem dos legisladores durante a maior parte da comum de todos. Segundo Savigny, esse ponto história de Roma. Os princípios do Direito é bem destacado por Leoni, os jurisconsultos civil foram desenvolvidos e refinados por romanos eram personalidades fungíveis. A uma jurisprudência que se estendeu por ausência de individualidade na criação do séculos. O Direito escrito se resumia à lei Direito se dava pelo fato de que o Direito constitucional, o Direito administrativo e o privado era entendido como uma herança Direito criminal. Por isso, a ideia de certeza comum de cada cidadão romano (LEONI, (de curto prazo porque a lei escrita pode 2011). ser substituída a qualquer momento) era Leoni também ressalta a comparação desconhecida no Direito romano. No entanto, entre Direito e linguagem feita por Savigny. isso não significava que os romanos não Ambas instituições constituem expressões eram capazes de antecipar as consequências espontâneas de um povo. Os gramáticos, jurídicas de suas ações. O direito compilado afirma Leoni, podem exercer uma influência (não criado) por Justiniano em seu corpus juris significativa sobre o idioma, mas não podem constituía uma lei suficientemente certa ao criá-lo do nada. E quando tentam (como o caso ponto de permitir que os cidadãos pudessem do esperanto), em geral, fracassam (LEONI, fazer planos para o futuro (LEONI, 2011). O 2011). jurisconsulto romano, pois: 3.3 Conclusão “era una especie de científico: los objetos de su investigación eran las soluciones É bem evidente a influência de Savigny de casos que los ciudadanos le sometían no jurista italiano, especialmente em sua a estudio, lo mismo que los industriales concepção de Direito como resultado de pueden hoy someter a un físico o a un um processo evolutivo e consuetudinário e ingeniero un problema técnico relacionado também na sua admiração pela metodologia con sus fábricas o su producción. Por eso, el derecho privado romano era algo que había dos jurisconsultos romanos. Como a criação de que describir o descubrir, no promulgar” leis por processos legislativos é incompatível (LEONI, 2011, p. 103). com uma sociedade livre, Leoni demonstra sua preferência por sistemas jurídicos baseados Isto é, se a lei não estava escrita, ninguém na criação do direito pelos juristas (Roma) poderia mudá-la arbitrariamente. Isso não ou pelos juízes (common law), que em última significava, porém, impossibilidade de instância, se originam do próprio povo. É a mudança, mas apenas que ninguém ia dormir teoria da Escola Histórica que vai servir de

Diagramação e XML SciELO Publishing Schema: www.editoraletra1.com.br | [email protected] 100 A ESCOLA HISTÓRICA DO DIREITO E A ESCOLA AUSTRÍACA: A INFLUÊNCIA DE SAVIGNY EM MENGER, LEONI E HAYEK

base para as críticas de Leoni ao positivismo direcionou os trabalhos de Hayek, fazendo-o kelseniano11. dar maior ênfase na common law e no Direito evolutivo em sua obra Direito, legislação e 4. Hayek e a ordem jurídica liberdade, em relação ao conteúdo da obra da liberdade anterior, Fundamentos da liberdade (HUERTA DE SOTO, 2011). A partir dos anos 1950, depois de décadas 4.1. Razão e evolução de dedicação ao estudo dos ciclos econômicos, Hayek muda significativamente seu programa A ideia evolucionista com respeito à de pesquisa, passando a focar no estudo das origem das instituições, entre elas o Direito, condições jurídico-institucionais de uma tem como antagonista o construtivismo, sociedade livre (HUERTA DE SOTO, 2010). que se poderia se definir como toda postura Deste esforço, resultam dois livros essenciais fundada em considerar que só mediante o uso para qualquer pesquisa sobre as relações entre da razão é possível edificar uma sociedade direito e liberdade: Fundamentos da liberdade e nova e melhor, criando do nada suas a trilogia Direito, legislação e liberdade. instituições, desprezando costumes, tradições Uma das três considerações fundamentais e, por consequência, as instituições sociais para uma sociedade livre, abordada na evolutivas geradas de forma espontânea primeira parte da trilogia, é que “un (MESENGER, 2009, p. 131). orden espontáneo que se autogenera y una Hayek aponta René Descartes como o organización son cosas distintas, y que pensador que deu a mais completa expressão esta distinción está en conexión con las do que denomina racionalismo construtivista. dos distintas formas de normas o leyes que É contra o racionalismo de tipo cartesiano en cada uno de esos órdenes prevalecen” que Hayek dirige sua crítica mais pesada. 12 (HAYEK, 2014, p. 17) . Como veremos, as “Dado que para Descartes la razón se ideias de Savigny e da Escola Histórica do define como deducción lógica derivada de Direito são essenciais para a tese desenvolvida premisas explícitas, la acción racional viene no primeiro volume da trilogia, que abarca a significar sólo las acciones en cuanto praticamente toda a teoria hayekiana sobre a determinadas totalmente por una verdad formação e o desenvolvimento evolutivo das conocida y demostrable” (HAYEK, 2014, p. instituições sociais, em particular, as jurídicas. 28). Decorrência lógica deste raciocínio é que É oportuno destacar a influência de só o que é verdadeiro em sentido cartesiano Leoni no pensamento de Hayek. Segundo pode conduzir a algo exitoso. Por isso, as o professor Huerta de Soto, foi Leoni quem instituições que não foram criadas desta maneira e apenas ocasionalmente poderiam tornar-se benéficas. O racionalismo cartesiano 11 A crítica detalhada se encontra no artigo Oscurità ed incongruenze nella dottrina kelseniana del diritto incluido pretende, assim, refundar as instituições na edição italiana Scritti di Scienza Politica e Teoria del sociais ou repensar sua origem, atribuindo-a Diritto (2009). Pode-se também encontrá-la no texto a uma invenção deliberada. “La moral, la Análisis de las teorías normativistas, con especial referencia religión y el Derecho, el lenguaje y la escritura, a la teoria de Hans Kelsen, incorporado em suas Lecciones de filosofía del Derecho,da Unión Editorial (2008). el dinero y el mercado se concibieron como si 12 Utilizo como base a segunda edição espanhola, hubieran sido construidos deliberadamente Derecho, legislación y libertad, da Unión Editorial (2014). por alguien, o por lo menos como parte de

Diagramação e XML SciELO Publishing Schema: www.editoraletra1.com.br | [email protected] MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia 101 Thiago Guterres su perfección se debiera a semejante diseño” factual, y que esta visión de la naturaleza (HAYEK, 2014, p. 29). O fato de vivermos em de la justicia es por tanto totalmente ajena uma sociedade na qual podemos orientar a todos aquellos constructivistas que suelen corretamente nosso comportamento depende argumentar basándose en el supuesto de também de que os indivíduos se adaptem omnisciencia”( HAYEK, 2014, p. 32). a determinadas normas de conduta cuja Sabemos que o processo social se origem não conhecemos e que talvez a própria caracteriza por uma grande divisão de existência ignoramos (HAYEK, 2014). conhecimento a partir da imensidade de Hayek nos recorda constantemente da fins almejados e alcançados. O homem limitação de nosso conhecimento e nossa contemporâneo é muito mais ignorante sobre ignorância sobre os processos sociais. Muitos fatos relevantes que os homens primitivos. O dos fatos relevantes não são conhecidos e aumento da complexidade da ordem social faz sequer podem chegar a sê-los. “La adaptación com que cada indivíduo saiba menos sobre a las circunstancias generales que les rodean (a cada vez mais circunstâncias que lhe afecta los individuos) se produce por la observancia direta ou indiretamente na persecução dos de normas que ellos no han diseñado y a próprios fins. menudo ni siquiera conocen explícitamente, Por tudo isso, é necessário resistir à ideia aunque no por ello dejen de observarlas en de crer na capacidade humana de ajustar a su comportamiento” (HAYEK, 2014, p. 30). O ordem social para melhorar os resultados Direito, a moral e outras ordens normativas, espontâneos. Os racionalistas construtivistas por tanto, têm uma importância fundamental. tentam fundamentar suas posições no que Se não são analisadas corretamente, aplicando Hayek chama de ilusão sinóptica, isto é, “la o método adequado e sendo consciente de ficción de que todos los hechos relevantes sua origem, desenvolvimento e natureza, a son conocidos por alguna mente, y de que es distorção a que se verá submetido o cientista posible construir a partir de este conocimiento social conduzirá inevitavelmente ao erro e à de los particulares un orden social deseable” falácia. Devemos assumir que “el éxito de la (HAYEK, 2014, p. 33). Quanto às normas, isso acción en sociedad depende de un cúmulo de significa considerar a mente humana está hechos particulares muy superior a los que capacitada para articular com plenitude e cualquiera puede conocer” (HAYEK, 2014, coerência um sistema jurídico que consiga p. 30). prever todo tipo de conflito e dúvidas Hayek assinala que uma das principais interpretativas concebíveis. teses da obra Direito, legislação e liberdade é de Vimos anteriormente que a limitação do que a maior parte das normas de conduta que nosso conhecimento para prever problemas regem os atos dos cidadãos, assim como das jurídicos foi uma das principais razões pelas instituições nascidas de tais regulações (como quais Savigny se posicionou contrariamente o direito de propriedade) “son adaptaciones à codificação. A ideia de elaborar um código a la imposibilidad de que alguien tome que servisse como única fonte do Direito conciencia de todos los hechos particulares pressupunha a intenção de estabelecer que integran el orden social” (HAYEK, 2014, previamente soluções para todos os casos p. 32). Defende Hayek, em particular, que a com os quais os juízes pudessem se deparar. justiça “solo es posible sobre la base de esta Considerava-se frequentemente que seria necesaria limitación de nuestro conocimiento possível adquirir, por meio da experiência “un

Diagramação e XML SciELO Publishing Schema: www.editoraletra1.com.br | [email protected] 102 A ESCOLA HISTÓRICA DO DIREITO E A ESCOLA AUSTRÍACA: A INFLUÊNCIA DE SAVIGNY EM MENGER, LEONI E HAYEK

conocimiento completo de los casos singulares todas las ciencias sociales del problema de la en sí mismos, para resolver entonces cada uno formación espontánea de las instituciones y de ellos mediante el pasaje correspondiente su carácter genético” (HAYEK, 2014, p. 43). del código” (SAVIGNY, 2018, p. 104). Contra essa visão, Savigny contestava que qualquer 4.2. A ordem espontânea e a ordem criada tentativa nesse sentido seria infrutífera porque A análise evolucionista de Hayek parte “los casos reales presentan diversidades más de dois pontos básicos: por um lado, o estudo allá de imaginable” (SAVIGNY, 2018, p. 104). do conceito de ordem e, por outro, o estudo Vê-se que Hayek efetua um significativo das diferenças existentes entre uma ordem aporte teórico sobre esse pensamento do criada (que Hayek também denomina de fundador da Escola Histórica do Direito. organizações) e uma ordem espontânea. Para Hayek acentua, ademais, a mudança Hayek, ordem é: o sentido dos termos razão e lei natural provocado pelo racionalismo construtivista. (...) una situación en la que una multiplicidad Antes, a razão era “la herramienta para de elementos de diverso género se hallan poder distinguir entre el bien y el mal”. O en tal relación unos con otros, que del construtivismo a converteu na “capacidad conocimiento de alguna parte temporal o espacial del conjunto podemos aprender a para construir tales normas deduciéndolas formarnos expectativas sobre otras partes de premisas explícitas” (HAYEK, 2014, p. 42). del mismo conjunto o, por lo menos, Diz-se que toda lei é fruto da razão partindo- expectativas con una buena posibilitad de se sempre de premissas a priori. O positivismo resultar acertadas. (HAYEK, 2014, p. 58) parte da razão, mas considera a norma como “una construcción deliberada basada en el A ordem espontânea embasa sua conocimiento empírico de los efectos que continuidade sobre a autorregulação de podría tener en la realización de objetivos suas partes e as relações que se estabelecem humanos deseables (HAYEK, 2014, p. 42). entre elas. Quanto à ordem social, vemos O enfoque evolucionista tem várias como operam indivíduos perseguindo fins inspirações. Hayek explica que a tradição próprios, atuando em consequência a partir iniciada por Bernard Mandeville também de um conhecimento tácito e subjetivo. Na alcança Edmund Burke e, em grande medida consecução de tais fins, dependeremos da através de Burke, as escolas históricas de “correspondencia entre las expectativas linguística e Direito. O enfoque evolucionista relativas a las acciones de los otros en que se no âmbito dos fenômenos sociais “tuvo lugar basan nuestros planes y lo que efectivamente principalmente en Alemanha por obra de sucederá” (HAYEK, 2014, p. 59). Wilhelm von Humboldt y Fc von Savigny” Hayek utiliza os termos gregos cosmos (HAYEK, 2014, p. 43). Na tradição inglesa, e taxis para identificar, respectivamente, a o enfoque evolucionista afloraria de novo, ordem autorregulada ou espontânea e a ordem como vimos, com um discípulo de Savigny, criada. “La teoría social comienza, y tiene Sir Henry Maine. No continente, “fue la gran objeto próprio, solo con el descubrimiento revisión de los métodos de las ciencias sociales, de que existen estructuras que son fruto de realizada en 1883 por Carl Menger, fundador la acción de muchos hombres aunque no el de la Escuela Austríaca de Economia, la que resultado de un proyecto humano” (HAYEK, reafirmó plenamente la posición central para 2014, p. 61). Nos estudos sobre a linguagem e a

Diagramação e XML SciELO Publishing Schema: www.editoraletra1.com.br | [email protected] MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia 103 Thiago Guterres moral, geralmente se aceitam estas ideias sobre Estas considerações são muito similares o funcionamento das ordens autorreguladas às que vimos na obra fundacional da Escola ou espontâneas. Mas em âmbitos mais Histórica do Direito, em que Savigny explica gerais, em particular o econômico, se segue o nascimento do Direito positivo. Embora ridicularizando a ideia de mão invisível na os povos primitivos não fossem capazes de expressão de Adam Smith (HAYEK, 2014). conceituar abstratamente sua situação e suas Para o propósito deste artigo, importa relações, são plenamente conscientes delas assinalar a visão de Hayek quanto às regras (SAVIGNY, 2018, p. 97). que regem as ordens espontâneas. Afirma o austríaco que “no es necesario que las reglas 4.3. Leis e mandatos que gobiernan las acciones de los elementos de tales órdenes sean conocidas por estos A distinção entre ordem espontânea elementos, siendo suficiente que éstos se e organização, que vimos anteriormente, é comporten de tal modo que su conducta indispensável para o desenvolvimento da pueda ser descrita por tales reglas” (HAYEK, ciência jurídica. As normas que permitem 2014, p. 66). Ou seja, as regras neste sentido a formação da ordem espontânea e que não exigem apresentação de forma articulada dão lugar às leis (em sentido material) têm (verbalizada). O ser humano nunca chega a características distintas daquelas outras ser consciente da quantidade de regras que regras que dão lugar a uma organização, operam suas ações e, por tanto, no intento que são denominadas de mandatos (também de alcançar seus fins dentro de uma ordem chamados de legislação). Esta distinção, espontânea. Sua adaptação a essas regras faz deve-ressaltar, só é possível com base na possível, ou mais fácil, lograr êxito em seus metodologia histórica desenvolvida por objetivos, que ao mesmo tempo formam e Savigny. dão continuidade a ordem. Hayek explica Uma das principais diferenças entre um que durante a maior parte da história da e outro tipo de norma se refere aos fins que humanidade, o ser humano se orientou por buscam. “Lo que distingue las reglas que leis sem que fosse capaz de articulá-las: gobiernam las acciones de una organización Al menos en la sociedad humana primitiva, es que deben ser reglas para conseguir unos algo menos que en las sociedades objetivos asignados” (HAYEK, 2014, p. 72). animales, la estructura de la vida social Por outro lado, as regras que comandam uma está determinada por normas de conducta ordem espontânea devem ser independentes que solo se manifiestan en el hecho de que son observadas. Solo cuando los intelectos de qualquer objetivo. Isso significa que: individuales empiezan a diferenciarse en una medida significativa se hace necesario las reglas generales del derecho en que se expresar estas reglas en una forma tal basa un orden espontáneo tienden a un que puedan ser enunciadas y enseñadas orden abstracto cuyo contenido particular o explícitamente. Aunque el hombre nunca concreto no es conocido o previsto por nadie, haya existido sin leyes a las que obedecer, mientras que tantos los mandatos como las existió naturalmente durante centenares reglas que gobiernan una organización de miles de años sin leyes ‘conocidas’ en el ofrecen resultados particulares a los que sentido de que fuera capaz de articularlas. aspiran quienes gobiernan la organización. (HAYEK, 2014, p. 66) (HAYEK, 2014, p. 72)

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As organizações operam principalmente 4.4. A evolução do Direito por meio de mandatos, que perseguem objetivos concretos gerando resultados Vimos que uma das ideias chaves da determinados, ainda que não sempre de Escola Histórica do Direito, e expostas por acordo com o desejado e previsto pelo dirigente Savigny na obra Da vocação, é a de que o Direito da organização. Quanto mais complexa a não pode ser criado arbitrariamente. O Direito é uma criação do povo, uma manifestação das organização, mais amplo seu espectro de fins forças que conformam o espírito popular, e objetivos, mais difícil os meios escolhidos assim como o idioma e a moral. Essa noção em sua persecução e mais incapaz será o órgão também é fundamental na obra de Hayek diretor de definir cada uma das funções e que ora examinamos. ações. Os mandatos, assim, terão que conter uma dose maior de generalidade e abstração. El Derecho, entendido en el sentido de O grau de complexidade da sociedade un conjunto de normas de conducta moderna “supera en mucho cualquier grado sancionables, es sin duda tan antiguo como la propia sociedad. Solo la observancia que hubiera podido alcanzar mediante una de normas de conducta hace posible la organización deliberada” (HAYEK, 2014, p. convivencia pacífica de los individuos en 73). E esta evolução só foi possível porque sociedad. Mucho antes de que el hombre nossa sociedade se desenvolveu como uma desarrollara el lenguaje hasta el punto de ordem espontânea, sob regras que não poder formular mandatos generales, podía foram desenhadas para a obtenção deste un individuo ser aceptado como miembro de un grupo solo si se adaptaba a las reglas resultado. “Sostener que es preciso planificar del mismo. (HAYEK, 2014, p. 98) deliberadamente la sociedad moderna precisamente por el grado de complejidad que A lei (em sentido material) é, portanto, ha alcanzado, es un contrasentido” (HAYEK, muito anterior à criação deliberada de normas 2014, p. 73). (legislação), que é algo recente na história da Por isso, é um erro absurdo considerar humanidade. o Estado, uma organização, como a forma Também já observamos que Hayek, mais desenvolvida da sociedade civil. Mais: seguindo Savigny, demonstra que nas “es imposible no solo sustituir el orden sociedades primitivas, muito antes do espontáneo por la organización y al mismo surgimento da norma jurídica, o homem já tiempo utilizar la mayor cantidad posible era capaz de guiar-se por regras mesmo sem del conocimiento disperso entre todos sus capacidade para articulá-las. Apesar disso, miembros, sino también reforzar o corregir em algum momento da evolução surge a ese orden interfiriendo en él con mandatos necessidade e a tentativa de formalizá-las. directos” (HAYEK, 2014, p. 73). Esse é o Somente transcorrido um largo período principal fundamento contra a intervenção na de tempo, quando o homem já é capaz de ordem do mercado. A generalizada confusão articular verbalmente o conteúdo geral dessas entre esses dois tipos de norma deu lugar, ao normas, elas alcançam a categoria de normas largo da história, a diferentes concepções de jurídicas. O Direito, portanto, nasce dentro lei. Uma que considera que lei e liberdade são de um processo evolutivo amplo (que inclui inseparáveis e outra que considera que ambas a evolução biológica, a da mente ou da razão e as coisas são inconciliáveis (HAYEK, 2014). também a linguagem) em um momento difuso

Diagramação e XML SciELO Publishing Schema: www.editoraletra1.com.br | [email protected] MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia 105 Thiago Guterres da história, em um processo de tentativa em um ato de deliberada e ilimitada vontade e erro, até alcançar conteúdos articulados do governante. O homem volta a cair no erro relativamente estáveis. O processo depende de achar que é capaz de reordenar a sociedade de fatores como a aprendizagem e transmissão para alcançar melhores resultados. O final da aprendizagem. da Idade Média faz renascer esse impulso Segundo Hayek, há consenso entre os construtivista autodestrutivo. Hayek nos historiadores do Direito de que os legisladores lembra que o desenvolvimento intelectual antigos “desde Ur-Nammu y Hamurabi a que leva à concentração do poder de legislar Solón, Licurgo y los autores de las doce comportou a “absorción progresiva de este tablas, en absoluto pretendian crear un nuevo poder de estatuir nuevas normas de Derecho nuevo, sino simplemente formular conducta en el más antiguo poder de los lo que el Derecho era y siempre había sido” gobernantes siempre habían ejercido, el de (HAYEK, 2014, p. 108). Não fosse assim, se organizar y dirigir el aparato de gobierno, esta articulação de normas não guardasse hasta que estos dos poderes se mezclaron coerência com a realidade, elas jamais teriam inextricablemente en el que se concibió como eficácia. poder unitario de legislar” (HAYEK, 2014, p. A evolução do Direito leva ao paulatino 112). Como aduz Dalmacio Negro, a antiga descobrimento de uns princípios gerais que ideia de legitimação do poder vai sendo dão coerência interna à ordem normativa substituída pela ideia de justificação baseada resultante e eficaz em um determinado em um contratualismo que supõe que a agrupamento humano. É aí que Hayek chega sociedade, dotada de uma certa razão coletiva, ao Direito romano, com o qual se identifica. decide criar uma ordem nova onde se entrega ao Estado a autoridade suprema, convertendo- O Direito romano, cujos postulados se na criadora do Direito (NEGRO, 1995). fundamentais estão vigentes até nossos dias, não foi fruto de uma legislação deliberada. A liberdade dos ingleses, admirada Em suas origens, as instituições sociais a partir do século XVII, não foi fruto da existiam, mas ninguém se perguntava sobre separação dos poderes, mas da common law, sua origem. “El Derecho civil clásico, e que sistema jurídico independente desenvolvido se basa la compilación final de justiniano, es por tribunais independentes, nos quais o casi enteramente, fruto de los descubrimientos parlamento raramente intervinha. de los juristas, y solo en una pequeña Podría incluso decirse que en Inglaterra parte producto de la legislación (HAYEK, se desarrolló una espécie de separación 2014, p. 110)”. O sistema jurídico romano se de poderes, no porque solo el legislador desenvolveu “gracias a la gradual expresión hiciera la ley sino porque no la hacía, ya que de las concepciones prevalentes de justicia, el Derecho lo determinaban los tribunales más que por obra de la legislación” (HAYEK, independientes del poder que organizaba y dirigía el gobierno, es decir, el poder 2014, p. 110). De um modo parecido, se que erróneamente se llamó ‘legislatura’. desenvolveria mais tarde o sistema inglês (HAYEK, 2014, p. 113) da common law, sendo que neste, o papel decisivo pertence aos juízes, mais que aos Na Idade Contemporânea, depois da juristas (como em Roma). Revolução Francesa, com o crescimento do A partir do século XIII, lenta e uso da legislação, a ideia de lei geral, abstrata gradualmente, a legislação vai se convertendo e protetora da liberdade dos indivíduos,

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surgida da própria sociedade (ou do espírito concreto do processo social)” (HUERTA DE do povo, como diriam os juristas da Escola SOTO, 2010, p. 123). Histórica), conforme havia sido concebida desde a Grécia clássica e principalmente em Deste modo, as leis em sentido material Roma, vai perdendo no continente europeu são substituídas por um Direito espúrio, esse caráter como culminação de um processo corrupto, constituído por um conjunto de que se estende desde os séculos XIII e XIV. ordens, regulamentos e mandatos de tipo Explica Meseguer: administrativo, nos quais se especifica qual deverá ser o comportamento concreto Nos encontramos ante una situación de cada ser humano. Todo esse esquema verdaderamente aberrante desde el punto teórico, brilhantemente desenvolvido pelo de vista jurídico donde todo se confunde, prêmio Nobel austríaco, pressupõe a noção de donde todos los conceptos se ven vaciados de su contenido evolutivo: el Derecho civil Savigny, do Direito como instituição social que y el Mercantil (normas reguladoras del surge de maneira evolutiva e consuetudinária. orden espontaneo, de las relaciones entre los individuos), se confunde con el Derecho Considerações finais Público (normas en principio reguladoras de la organización política, del Estado, es Embora afirme, com Leoni, que os decir, mandatos). (MESENGER, 2009, p. 252) princípios da Escola Histórica do Direito Nesse momento, já não existe diferença seguem sem plena refutação, não pretendi entre os tipos de ordens (ordem espontânea e efetuar aqui uma defesa incondicional do organizações) nem entre as distintas normas pensamento de Savigny. O presente artigo que regem umas e outras (leis e mandatos). teve por objeto o limitado esforço de ressaltar a importância da Escola Histórica do Direito 4.6. Conclusão para a teoria austríaca das instituições sociais, tal como desenvolvida nas obras de Menger, Huerta de Soto observa que, apesar da Leoni e Hayek. mudança no âmbito de investigação científica , na introdução à sua de Hayek nos anos 1950, existe uma unidade e obra História do pensamento econômico, foi uma concatenação lógica entre seus trabalhos cirúrgico ao afirmar que o avanço das ideias no campo da teoria econômica e aqueles econômicas não segue um caminho linear, efetuados sobre teoria política e teoria do como um edifício que vai sendo construído direito. sempre progressivamente (“an ever-progressing “Com efeito, para Hayek, o socialismo, ao edifice”) até sua completude. Seria mais correto basear-se na agressão institucionalizada e dizer, portanto, que a ciência econômica avança sistemática contra a ação humana exercida em zigue e zague, com falácias posteriores mediante uma série de ordens ou mandatos ocasionalmente suplantando paradigmas coercivos, implica o desaparecimento do anteriores, ainda que mais sólidos, “thereby conceito tradicional de lei, entendida como redirecting economic thought down a total erroneous uma série de normas gerais (ou seja, aplicável a todos por igual) e abstratas (pois apenas or even tragic path”. (ROTHBARD, 2006, p. 10). delimitam um amplo campo de atuação O raciocínio pode ser aplicado a qualquer individual em prever qualquer resultado vertente das ciências sociais.

Diagramação e XML SciELO Publishing Schema: www.editoraletra1.com.br | [email protected] MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia 107 Thiago Guterres

Com efeito, apesar de a civilização MENGER, Carl. Principios de Economía Política. ocidental já ter experimentado métodos de Madri: Unión Editorial, 2ª Ed., 1997. elaboração do Direito muito mais compatíveis MENGER. Investigations into the method of the com a liberdade e o progresso da civilização, social science with special reference to economics. nos encontramos hoje sob sistemas em Nova York: New York University Press, 1985. que preponderam a legislação produzida MESEGUER, César Martinez. La teoría evolutiva de pelos parlamentos, imperando a vontade las instituciones: la perspectiva austríaca. Madri: circunstancial dos representantes eleitos. Unión Editorial, 2ª Ed., 2009. Nestes ordenamentos, tal como demonstraram MISES, Ludwig von. Ação Humana: Um Tratado de Hayek e Leoni, não há espaço para a liberdade Economia. Trad. Donald Stewart Jr. São Paulo: Instituto individual e a economia de livre mercado. Ludwig von Mises Brasil, 3ª Ed., 2010.

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