Agricultura Familiar e Alimentação Escolar no Estado do Paraná: uma análise das chamadas públicas Family-based Farming and School Meals in Paraná State: a scope on public tender Agricultura Familiar y la Escuela en el Estado de Paraná: un análisis de convocatorias públicas

Rozane Marcia Triches*, Leiridiane Priscila Barbosa** e Fernanda Silvestri***

RESUMO O PNAE - Programa Nacional de Alimentação Escolar tem avançado continuamente desde sua criação, em 1955. Entre os mais recentes avanços, estão aqueles trazidos com a sanção da Lei n.º 11.947/2009, a partir da qual foi garantido o investimento de no mínimo 30% dos repasses federais para a aquisição de produtos da agricultura familiar. O objetivo do presente estudo é examinar as chamadas públicas e as prestações de contas de municípios paranaenses quanto à adequação à agricultura familiar e ao atendimento à legislação. Os municípios foram escolhidos de forma a contemplarem pelo menos 10% do alunado das escolas municipais do Estado e estratificados por população. A maioria das chamadas públicas analisadas possuía um valor final que ultrapassava os 30% previstos na legislação para a compra da agricultura familiar, porém nem todas chegaram a efetivar estas aquisições usando o recurso federal. Os alimentos mais requeridos quantitativamente foram hortaliças, seguidas das frutas. Contudo, em relação aos valores, os grupos de leite e derivados e de carnes, ovos e peixes, respectivamente, foram aqueles produtos com maior valor agregado. A agricultura familiar vem ganhando cada vez mais importância e espaço no mercado institucional e, desta forma, a produção local passa a ser mais valorizada e apoiada. No entanto, é possível observar diversas falhas nesse processo, como é o caso da adequação das chamadas públicas dos agricultores familiares e o incentivo à produção orgânica, a qual, apesar de ter reconhecida importância, ainda não está sendo efetivada nos municípios. Palavras-chave: Alimentação Escolar. Agricultura Familiar. Desenvolvimento Rural. Segurança Alimentar e Nutricional. Aquisições Públicas.

* Graduada em Nutrição pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, Ijuí, Rio Grande do Sul, Brasil. Mestre em Epidemiologia e doutora em Desenvolvimento Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e . Professora adjunta da Universidade Federal da Fronteira Sul. Campus . E-mail: [email protected] ** Graduada em Nutrição pela Universidade Comunitária da região de Chapecó, Chapecó, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: [email protected] *** Graduanda em Nutrição pela Universidade Federal da Fronteira Sul. Campus Realeza, Paraná, Brasil. E-mail: [email protected] Artigo recebido em jul./2015 e aceito para publicação em mar./2016.

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ABSTRACT The PNAE has been continuously advancing since its creation in 1955. Among the most recent ones there are the advances brought to the enactment of Law No. 11.947/2009, in which was ensured the investment of at least 30% of federal funds for the family-based farming procurement. The purpose of such endeavor was to examine the public meals tender as well as the accountability of municipal districts in regard to the family agriculture and proper legal compliance. The given municipalities were chosen in order to display at least 10% of the students from municipal schools in the state and accounted by population. Most of the reviewed public tender had evidenced a final value which exceeded 30% of the acknowledged by proper legislation for the family-based procurement, although not all from the given range were performed upon these acquisitions rendering federal resource. The most required meals in quantity wise were vegetables, followed by fruits. However, in connection to the values, milk and its dairy and the group of meats, eggs and fish, respectively, were the products with higher added value. Family-based farming is gaining more and more importance and space in the institutional market and thus local production becomes even more sponsored. Thus, it is still possible to see several flaws in the process, such as the adequacy of public tenders in respect to family farmers, then encouraging organic production, in which despite being well renowned relevance, is not being carried out by the municipalities yet. Keywords: School Meals. Family-based farming. Rural development. Food and Nutritional Security. Public Tenderng.

RESUMEN El PNAE ha avanzado ininterrumpidamente desde su creación en 1955. Entre los más recientes son los avances llevados a la promulgación de la Ley Nº 11.947/2009, garantizando por lo menos el 30% de los fondos federales para la adquisición de productos de la agricultura familiar. El objetivo de esta investigación fue examinar los procesos de contratación pública y rendición de cuentas municipales en cuanto a la adecuación de la agricultura familiar y el cumplimiento legal. Los municipios fueron escogidos para contemplar, al menos, el 10% de los alumnos de las escuelas municipales en el estado y estratificados por población.La mayoría de las convocatorias públicas tuvieron un valor final que superó el 30% previsto por la ley, pero no todos efectuaram estas adquisiciones mediante lo recurso federal. Los alimentos más buscados eran cuantitativamente verduras, seguido por las frutas. Sin embargo, en relación con los valores, la leche y derivados y el grupo de carnes, huevos y pescado, respectivamente, fueron los productos con mayor valor agregado. La agricultura familiar está ganando cada vez más importancia y espacio en el mercado institucional y por lo tanto la producción local se hace más valorada y apoyada. Sin embargo, todavía es posible ver varias fallas en el proceso, tales como la adecuación de las convocatorias públicas a agricultura familiar y la producción orgánica, que a pesar de tener reconocida importancia, aún no se está llevando a cabo en los municipios. Palabras-chave: Alimentación Escolar. Agricultura Familiar. Desarrollo Rural. Seguridad Alimentaria y Nutricional. Adquisiciones públicas.

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INTRODUÇÃO A alimentação escolar é garantida a todos os alunos da educação básica de escolas públicas e filantrópicas através do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), atendendo às necessidades nutricionais durante a permanência em sala de aula e contribuindo para o crescimento, o desenvolvimento, a aprendizagem e o rendimento escolar, além de promover a formação de hábitos alimentares saudáveis. O Programa foi criado em 1955 e até 1994 funcionava de forma centralizada, priorizando-se a distribuição de alimentos formulados e industrializados para todo o território nacional, sem respeitar as culturas locais. Essa prática reforçava tendências elencadas por Mintz (2001), como o crescente deslocamento de pessoas e alimentos, o distanciamento entre produtores e consumidores, a maior propensão ao consumo de alimentos preparados e a perda do hábito de cozinhar entre as classes médias. Com as políticas de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), a partir de 2003, passa-se a pensar as compras institucionais de alimentos, no sentido de viabilizar mercados para a agricultura familiar e, ao mesmo tempo, proporcionar alimentos de qualidade a públicos vulneráveis. Com este propósito, foi criado neste mesmo ano o Programa de Aquisição de Alimentos e, posteriormente, com a Lei nº 11.947/2009, tornou-se obrigatório o investimento de no mínimo 30% dos repasses do FNDE na aquisição de produtos da agricultura familiar pelo PNAE (BRASIL, 2009). Com isso, as aquisições públicas alimentares para o PNAE surgem como uma possibilidade de integração entre as políticas de direito à alimentação, relacionadas à saúde e à nutrição dos escolares, e as políticas de incentivo à produção agrícola, criando mercados para os agricultores familiares onde não existiam ou eram muito débeis (TRICHES; SCHNEIDER, 2010). Turpin (2009) ressalta que a alimentação escolar tornou-se um fator determinante no apoio à agricultura familiar, por meio de três fatores: respeito à vocação agrícola e hábitos alimentares locais, compras dentro dos limites geográficos regionais e uso de produtos in natura, característicos dessa produção. Embora haja muitos benefícios nessa vinculação entre agricultura familiar e alimentação escolar, não se pode menosprezar as complexas relações que precisam ser estabelecidas e os entraves que devem ser superados, como sublinham Triches e Schneider (2012, p.8): Por um lado, há todas as barreiras de entrada relacionadas aos aspectos burocráticos, fiscais, ambientais, estruturais, organizacionais, sanitários, exigidos aos agricultores para a formalização de seus estabelecimentos e de seus produtos. Por outro, encontram-se as exigências do próprio mercado consumidor – e aqui, especificamente, do PAE [Programa de Alimentação Escolar] – que prevê a necessidade de obter garantias de inocuidade dos produtos adquiridos, além da padronização, regularidade, transporte e quantidade suficiente para abastecer todas as unidades de ensino sob sua jurisdição. Portanto, com a criação de leis que obrigam as Entidades Executoras (EE) a adquirir produtos da agricultura familiar para a alimentação escolar, torna-se essencial verificar as dificuldades e as estratégias pelas quais elas podem ser superadas, para que se possa viabilizá-la.

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Considerando a aquisição de alimentos da agricultura familiar como um fator de promoção da alimentação mais natural e menos processada, portanto mais saudável, e a viabilização de mercados para estes produtores, promovendo desenvolvimento rural, é que se justifica a necessidade de conhecermos a realidade de efetivação da compra de produtos da agricultura familiar para o PNAE. Ademais, sabendo que estudos nesse sentido no Estado do Paraná e mesmo em nível de Brasil são escassos, constatamos a importância de estudarmos esse processo em municípios paranaenses. Para tanto, o presente estudo usou como base para a análise os processos de compras utilizados pelas Entidades Executoras (EEs) para solicitar alimentos de agricultores familiares, ou seja, as chamadas públicas (CPs). O objetivo foi o de examinar sua adequação à agricultura familiar (eficiência) e se o montante solicitado atendia à legislação. Especificamente, foram verificados a quantidade e o tipo de alimentos demandados e se o valor total das CPs, em cada local, alcançava o percentual mínimo de 30% exigido e se este foi realmente empregado, em comparação com as prestações de contas. Além disso, analisou-se a construção da CP para verificar se constavam informações importantes como os locais e a periodicidade de entrega dos alimentos, bem como os preços a serem pagos e a presença de orgânicos/agroecológicos. Considera-se que estas informações são necessárias para que os agricultores tenham condições de avaliar se têm capacidade de produção, condições de logística, qualidade dos produtos, e se os preços a serem pagos são vantajosos ou não. Somente dessa forma pode-se considerar este instrumento eficiente no alcance de seu objetivo, que é potencializar as compras de produtos de agricultores familiares para a alimentação escolar.

1 MATERIAIS E MÉTODOS Trata-se de um estudo transversal com análise quantitativa realizado em municípios paranaenses.1 Foram utilizadas as chamadas públicas e prestações de contas das EEs para aquisição de produtos para a alimentação escolar da agricultura familiar nos anos de 2013 e 2014,2 com uma estratificação entre eles de acordo com a população, buscando atingir todas as macrorregiões do Estado. A escolha dos municípios foi por conveniência. Foram selecionados aqueles que continham as CPs disponíveis nos sites ou que, em contato telefônico, aceitaram enviar os documentos solicitados. Buscou-se atender a um número de municípios que contemplasse pelo menos 10% do total de estudantes de escolas públicas municipais do Estado. O número de alunos foi obtido através do banco de dados do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (INEP). Em relação às chamadas públicas, como foi dito, fez-se inicialmente uma busca através dos sites dos municípios, nos portais de transparência pública municipal

1 Para a obtenção das informações necessárias foram utilizados os dados preliminares do Projeto de Pesquisa Científica e Tecnológica intitulado “Agricultura Familiar sob a Vigência da Lei Federal 11.947/2009: Abrangência e Adequação das Chamadas Públicas, Impactos na Agricultura Local e Preços Recebidos pelos Agricultores Familiares”, atendendo a chamada MCTI-CNPq/MDS-SAGI N.º 24/2013. 2 Priorizaram-se as chamadas públicas referentes a 2014, por serem mais recentes, utilizando-se as de 2013 apenas para os municípios dos quais não foi possível obter os documentos de 2014 (Capanema, Capitão Leônidas Marques, Boa Esperança do Iguaçu, Carlópolis, Clevelândia, Curitiba, Francisco Beltrão, , Palmital, Paula Freitas, Laranjeiras do Sul, Mariópolis e ).

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e, por fim, foi realizado contato direto com os gestores públicos para a obtenção das informações. Já as prestações de contas foram consultadas no site do FNDE (2015). Para a caracterização dos municípios foram utilizados documentos e dados secundários retirados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES). Utilizou-se ainda o site do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para consulta dos valores repassados aos municípios através do PNAE nos anos estudados. Para a análise dos produtos adquiridos, agruparam-se os alimentos da seguinte forma: 1. frutas, polpas e sucos de frutas; 2. hortaliças (raízes, caules, folhas, flores, frutos); 3. leite e derivados; 4. leguminosas (feijões, lentilha, grão de bico, ervilha); 5. carnes, ovos, peixes; 6. panificados; 7. cereais; tubérculos (batatas, mandioca) e derivados; 8. outros (geleias, doce de frutas, mel, melado, rapadura, açúcar mascavo, pé-de-moleque, bala de banana, bananada, doce de leite pastoso, molho de tomate, tempero pronto de alho, chá-mate tostado). Após a obtenção dessas informações, os dados quantitativos foram tabulados e analisados por meio do programa estatístico Excel, a partir de estatística descritiva.

2 RESULTADOS E DISCUSSÃO O Paraná, estado localizado na Região Sul do Brasil, ocupa uma área de 199.880 km² e totalizou em 2010 uma população de 10.444.526 pessoas, sendo que destas, apenas 14,7% moravam no meio rural. O Estado possui 399 municípios divididos em 10 regiões geográficas, como se observa na figura 1 a seguir (IPARDES, 2015).

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No presente estudo pesquisou-se pelo menos um município de cada região do Estado, exceto o noroeste, e suas principais características podem ser observadas no quadro a seguir:

QUADRO 1 - CARACTERÍSTICAS DOS MUNICÍPIOS PESQUISADOS

POPULAÇÃO CLIENTELA IDH 2010 MUNICÍPIO REGIÃO (IPARDES) ESTIMADA PARA PNAE 2014 (IBGE) 2014 (IBGE) (FNDE) Antonina Metropolitana 19.414 0,687 1.908 Norte Central 129.265 0,748 11.051 Arapoti Centro-Oriental 27.362 0,723 2.744 Assis Chateaubriand Oeste 34.008 0,729 3.282 Astorga Norte Central 25.862 0,747 2.346 Boa Esperança do Iguaçu Sudoeste 2.739 0,700 353 Carlópolis Norte Pioneiro 14.289 0,713 1.632 Capanema Sudoeste 18.512 0.706 2.071 Capitão Leônidas Marques Oeste 15.659 0,716 1.715 Clevelândia Sudoeste 17.232 0,694 3.041 Curitiba Metropolitana 1.864.416 0,823 133.467 Francisco Beltrão Sudoeste 85.486 0,774 9.021 Guaratuba Metropolitana 34.767 0,717 4.712 Inácio Martins Centro-Sul 11.294 0,600 1.809 Laranjeiras do Sul Centro-Sul 32.036 0,706 4.154 Londrina Norte Central 543.003 0,778 34.835 Sudoeste 14.434 0,722 1.288 Mariópolis Sudoeste 6.588 0,698 783 Medianeira Oeste 44,523 0,763 4.821 Mercedes Oeste 5.357 0,740 766 Metropolitana 16.381 0,686 3.046 Palmital Centro-Ocidental 14.626 0,639 2.030 Paula Freitas Sudeste 5.737 0,717 704 Norte Pioneiro 12.496 0,700 1.088 Sulina Sudoeste 3.329 0,693 287 Uraí Norte Pioneiro 11.711 0,721 1.289 TOTAL - 2.966.048 - 234.243 FONTE: Elaborado pelas autoras (2015) Ao se analisar o quadro 1, em que constam os 26 municípios em questão, é possível constatar que o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) desses municípios varia de médio a alto, de acordo com as faixas de desenvolvimento humano estabelecidas no Atlas Brasil 2013. Conforme a tabela 1, a média de valores demandados via Chamada Pública para a alimentação escolar correspondia, no conjunto de municípios pesquisados no período analisado de 2013/2014, a 53,79% do montante repassado pelo governo federal. Porém, pelas prestações de contas enviadas ao FNDE pelas EEs, observa-se

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que a compra realmente efetivada obteve uma média muito aquém (29,18%) do indicado pelas CPs. Na maioria dos municípios, o valor desses processos de compras ultrapassava 30% do valor transferido pelo FNDE, sendo que apenas quatro municípios – Medianeira, Paula Freitas, Clevelândia e Curitiba – não atingiriam o percentual mínimo exigido pela legislação (caso fossem adquiridos apenas os itens previstos). Por outro lado, chama a atenção o fato de que em alguns municípios o valor das CPs ultrapassava os 100% do repasse do FNDE.

TABELA 1 - VALORES CONSTANTES NAS CHAMADAS PÚBLICAS (CP) E REPASSADOS PELO FNDE NOS ANOS DE 2013/2014 E PERCENTUAL DE RECURSO FEDERAL UTILIZADO NA AQUISIÇÃO DE PRODUTOS DE AGRICUL- TORES FAMILIARES RECURSO FEDERAL RECURSO FEDERAL VALOR A SER GASTO COM A GASTO COM A AF VALOR DA CP MUNICÍPIO REPASSADO AF SEGUNDO SEGUNDO (R$) PELO FNDE (R$) AS CHAMADAS PRESTAÇÃO DE PÚBLICAS (%) CONTAS (%) Antonina 131.868,00 182.470,00 138,37 41,72 Apucarana 1.610.960,00 2.531.920,00 157,17 10,41 Arapoti 249.300,00 78.149,10 31,35 11,45 Assis Chateaubriand 364.760,00 244.073,85 66,91 49,93 Astorga 255.440,00 123.684,42 48,42 50,01 Boa Esperança do Iguaçu(1) 27.486,00 19.303,00 70,23 17,31 Carlópolis 121.520,00 37.763,50 31,08 20,11 Capanema(1) 212.260,00 75.612,48 35,62 56,82 Capitão Leônidas Marques(1) 109.400,00 61.467,15 56,19 56,19 Clevelândia(1) 228.224,00 44.037,50 19,30 48,80 Curitiba(1) 17.735.088,00 2.052.622,98 11,57 00,52 Francisco Beltrão(1) 805.960,00 500.590,00 62,11 76,24 Guaratuba 394.770,00 189.826,00 48,09 51,80 Inácio Martins 109.820,00 46.334,00 42,19 33,00 Laranjeiras do Sul(1) 387.624,00 141.555,00 36,52 35,70 Londrina(1) 3.987.528,00 1.212.152,00 30,40 08,98 Marmeleiro 138.300,00 64.966,00 46,97 44,73 Mariópolis(1) 62.600,00 43.761,22 69,91 48,29 Medianeira(1) 412.580,00 100.576,69 24,38 38,21 Mercedes 76.744,00 23.702,00 30,88 00,00 Morretes 245.574,00 100.754,00 41,03 26,60 Palmital(1) 146.800,00 69.998,89 47,68 00,00 Paula Freitas(1) 54.360,00 15.607 28,71 00,08 Santa Mariana 141.020,00 60.200,00 42,69 00,00 Sulina 34.680,00 45.062,00 129,94 00,00 Uraí 119.072,00 60.567,00 50,87 34,36 Média 53,79 29,18

FONTE: Elaborado pelas autoras (2015) considerando as CPs e as Prestações de Contas constantes no site do FNDE (1) Nestes municípios, os valores considerados são referentes ao ano de 2013.

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Essas informações sugerem que muitas dessas EEs lançaram editais de compras, mas não chegaram a efetivá-los na íntegra (a não ser que tenham sido pagos com recursos do próprio município). Os motivos pelos quais isto ocorreu não foram pesquisados neste estudo, mas imagina-se que esta frustração pode ter acarretado entre os agricultores familiares os sentimentos de insegurança, descrença e desconfiança nesses processos, além de prejudicar a organização dos processos produtivos e de escoamento e comercialização dos gêneros. Nas prestações de contas, observa-se que 12 municípios (46%) não conseguiram atingir os 30%, conforme determinado pelo artigo 14 da Lei nº 11.947/2009, sendo que apenas quatro (15%) não utilizaram os recursos federais para comprar produtos da agricultura familiar. No entanto, todos eles lançaram CPs para este fim no período analisado, sugerindo que se estes alimentos foram adquiridos foram pagos com recursos do próprio município. Verificam-se também municípios (Francisco Beltrão, Astorga, Capanema, Clevelândia, Guaratuba e Medianeira) que utilizaram um percentual de recurso federal para a compra de gêneros alimentícios da agricultura familiar maior do que consta nas CPs analisadas, sendo possível terem adquirido por outros processos de compras ou realizando aditivos. Cabe ressaltar que o percentual de municípios (54%) que comprou mais de 30% desta amostra é relevante, visto que Soares et al. (2013), em estudo realizado nos três anos após a implementação da Lei nº 11.947/09, verificaram que o referido percentual não foi alcançado pela maioria dos municípios brasileiros pesquisados. Os autores constataram que, em 2012, dos recursos repassados pelo FNDE apenas 29% foram empregados na aquisição de alimentos da agricultura familiar, porém deve-se considerar o avanço em relação aos anos anteriores (22% em 2010 e 27% em 2011). Em todas as regiões brasileiras houve aumento nessa porcentagem, sendo o maior na Região Sul, a qual passou de 27% em 2010 para 37% em 2012. A Região Sul sobressaiu também em relação à porcentagem de municípios que realizam compras da agricultura familiar, que subiu de 72% para 87%, enquanto em nível nacional esse valor passou de 48% para 67%. Em relação aos gêneros alimentícios descritos nas chamadas públicas dos 26 municípios, verifica-se, pela tabela 2, a sua diversidade pela quantidade de itens distribuídos em cada grupo de alimentos. A Lei nº 11.947/09 tem como uma de suas diretrizes a utilização de alimentos variados na alimentação escolar e, nesse sentido, percebemos que nos municípios em questão no mínimo cinco itens diferentes estão presentes nas chamadas públicas, visando serem adquiridos da agricultura familiar, sendo que este número chega a 63 variedades em um dos municípios – Apucarana.

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TABELA 2 - NÚMERO DE ITENS DAS CHAMADAS PÚBLICAS DE 2013 E 2014 POR CATEGORIA SEGUNDO MUNICÍPIO CARNES, GRÃOS, LEITE E PANIFI- TOTAL MUNICÍPIO FRUTAS HORTALIÇAS LEGUMINOSAS OVOS E TUBÉRCULOS OUTROS DERIVADOS CADOS DE ITENS PEIXES E DERIVADOS Antonina 10 15 1 1 3 0 0 3 33 Apucarana 16 15 2 6 12 4 2 6 63 Arapoti 10 19 2 0 1 0 0 1 33 Assis Chateaubriand 3 12 0 1 3 0 4 2 25 Astorga 5 15 1 2 3 2 2 3 33 Boa Esperança 1 2 0 0 2 0 0 0 5 do Iguaçu Carlópolis 16 22 0 1 3 0 0 2 44 Capanema(1) 13 7 0 0 7 0 16 6 49 Capitão Leônidas 9 10 0 0 1 0 4 2 26 Marques Clevelândia 2 2 1 4 0 1 3 1 14 Curitiba(2) 16 20 3 0 10 3 3 7 62 Francisco Beltrão 4 9 0 6 3 7 3 5 37 Guaratuba 10 21 0 0 6 0 0 3 40 Inácio Martins 10 12 2 0 5 0 1 2 32 Laranjeiras do Sul 6 19 0 1 0 0 9 1 36 Londrina 15 11 3 0 9 5 3 7 53 Marmeleiro 6 13 1 0 6 0 8 2 36 Mariópolis 6 19 1 0 2 0 4 2 34 Medianeira 3 6 0 0 0 3 7 4 23 Mercedes 7 10 1 1 3 0 4 3 29 Morretes 6 12 1 0 2 0 0 4 25 Palmital 4 18 1 2 3 0 3 5 36 Paula Freitas 0 0 0 0 2 0 4 1 7 Santa Mariana 3 9 2 1 1 0 2 1 19 Sulina 3 7 1 2 5 1 6 2 27 Uraí 3 10 0 0 3 0 1 2 19 TOTAL 187 315 23 28 95 26 89 77 840

FONTE: As autoras (2015) (1) Capanema apresentou duas chamadas públicas separadas, sendo os itens somados e descontados os que se repetiam para a análise dos dados. Essas chamadas públicas eram referentes a apenas dois meses ( agosto e setembro). (2) Curitiba apresentou três chamadas públicas separadas, sendo os itens somados e descontados os que se repetiam para a análise dos dados. Essas chamadas públicas eram referentes a apenas três meses (maio, junho e julho).

Ao analisar as CPs destas EEs, percebe-se que a quantidade de alimentos de origem vegetal foi maior que a quantidade de alimentos de origem animal, o que já era esperado, já que estes últimos exigem processos mais burocráticos de formalização para venda. De acordo com estudo realizado por Baccarin et al. (2012), no estado de São Paulo foram encontrados 93,7% de produtos de origem vegetal e menos da metade (41,6%) de produtos de origem animal.

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Ao todo foram contabilizados 840 itens, dentre os quais, em relação às características dos alimentos, observa-se que hortaliças foram os que mais apareceram nas chamadas públicas, totalizando 315 itens (sem considerar aqueles que se repetem entre os municípios), o que corresponde a 37,50% do total, seguido das frutas, com 187 itens, equivalendo a 22,26%. Além disso, analisando separadamente cada município, verifica-se que os itens que mais figuram em todos são as hortaliças e as frutas, grupos estes que, juntos, correspondem a mais da metade dos itens das chamadas públicas (59,76%). Observa-se que o grupo das frutas e hortaliças é bem diversificado (alface, abobrinha verde, acelga, almeirão, alho, beterraba, brócolis, cenoura, cebola, cheiro- verde, chuchu, couve-flor, couve folha, louro, milho-verde, pepino, pimentão, rabanete, repolho, tomate). As frutas mais frequentes são bergamota, laranja, banana, caqui, limão, maçã, mamão, morango, pêssego, polpa de fruta congelada. Essa grande aquisição de hortaliças e frutas para a alimentação escolar é de grande importância, pois parte da população não consome esse tipo de alimentos em casa, ou o faz em pequena quantidade. Isto pode ser comprovado pela Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2008-2009, na qual verificou-se o consumo alimentar médio per capta na Região Sul, sendo de 54g/dia de verduras e legumes e 107,7g/dia de frutas, totalizando 161,7 gramas consumidos desses dois grupos juntos por dia (IBGE, 2015). Verifica-se, assim, que a quantidade está muito abaixo dos 400 gramas/dia recomendado pelo Guia alimentar para a população brasileira de 2006, necessários para garantir 9% a 12% da energia diária consumida, considerando uma dieta de 2.000kcal (BRASIL, 2006). Os panificados aparecem 89 vezes, dentre eles pão caseiro, de leite, integral, bolo caseiro, biscoito de vento, rosca doce, bolacha caseira, cuca caseira, macarrão caseiro e capeletti (agnoline) caseiro. Por um lado, tem-se uma oferta substancial desses produtos por agricultores familiares, indicando que esses alimentos que eram produzidos apenas para consumo próprio e venda em feiras têm alcançado mercados formais como o PNAE. Ademais, refletem muito a cultura alimentar das regiões em estudo e, se comparados aos industrializados, podem ser considerados mais frescos e com menos aditivos químicos, portanto mais saudáveis. Por outro lado, aqueles grupos que figuram menos nas chamadas públicas, como leite e derivados, carnes, ovos e peixes, são os que possuem o maior valor agregado. Conforme se nota no gráfico 1, os grupos das frutas, hortaliças, leguminosas e cereais, tubérculos e derivados, juntos, correspondem a 43,78% do valor em reais das chamadas públicas, agregando 81,29% da quantidade total de alimentos, enquanto o restante, ou seja, aqueles que passaram por algum grau de processamento, correspondem a apenas 18,71% dos itens e são responsáveis pelo emprego de 56,22% dos recursos das chamadas públicas.

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Kiyota e Gomes (1999) afirmam que a transformação dos produtos primários da produção agrícola dentro da unidade de produção ou em suas proximidades foi uma das maneiras encontradas para aumentar a renda das famílias do campo, ao possibilitar que os valores maiores, em geral agregados por agentes intermediários da comercialização, permaneçam com o agricultor. Wesz Junior (2009) acrescenta que a agroindustrialização também foi a forma de algumas propriedades familiares permanecerem no campo, levando a uma maior diversificação das atividades e à consequente diferenciação da produção através da agregação de valor às mercadorias. Outro ponto observado nas CPs foi que na maioria dos municípios a vigência da mesma era de 12 meses. Este dado é passível de discussão, uma vez que, se o intervalo fosse menor (semestral, por exemplo), a compra poderia sofrer menos substituições, estar mais de acordo com a safra local e a produção efetiva, tendo em vista mudanças climáticas e outros aspectos que podem gerar interferência na oferta de alimentos. Além disso, como o preço de referência é o vigente no mercado local no período da pesquisa e esta é realizada anteriormente à publicação da chamada pública, poderiam ser consideradas as variações durante o ano e o valor pago ao agricultor seria mais atualizado e justo. Ainda, foram examinadas também as seguintes informações: local e periodicidade de entrega dos alimentos, existência dos preços a serem pagos, demanda de orgânicos/agroecológicos e exigência de grupos formais. Para o primeiro item, dos 26 municípios três solicitaram a entrega em um único local; três não estipularam na chamada pública o local das entregas; dois definiram a entrega diretamente nas unidades escolares; e nos demais municípios (dezoito) a entrega deveria ser mista, geralmente no depósito ou secretaria de educação (itens direcionados às escolas do meio rural) e diretamente nas próprias unidades escolares localizadas na área urbana dos municípios. Desse modo, verificou-se que 77% dos municípios tinham a entrega descentralizada. Esse aspecto também foi analisado por Baccarin et al. (2011), em municípios do estado de São Paulo, sendo que na

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maioria dos casos (53,66%) a entrega era centralizada, ou seja, apenas num local. No entanto, os autores verificaram que em 19,51% dos municípios essa entrega era muito descentralizada (com mais de 50 unidades de recebimento - UR) e em 12,20% era descentralizada (10 a 50 UR). Essa grande descentralização de entregas, de acordo com Baccarin et al. (2011), torna-se um obstáculo à participação de agricultores familiares, principalmente os que atuam de forma individual, tendo em vista o aumento dos gastos com o transporte desses alimentos sem haver acréscimo no preço dos mesmos. Em relação à periodicidade de entregas, 14 municípios não trazem esta informação nas chamadas públicas, nove solicitam entregas semanais, um município solicita entrega quinzenal e dois solicitam entregas mensais. Considera-se a pertinência desta informação, já que os agricultores poderiam saber de antemão quando deveriam entregar cada produto e em que quantidades, tendo condições, assim, de organizar melhor sua produção, evitando quebras, irregularidades e desabastecimento. Saliente- se, contudo, a importância da possibilidade da flexibilização das datas dessas entregas a posteriori, pois não se pode desconsiderar a instabilidade da agricultura, em razão da sua dependência das oscilações do tempo. Dessa forma, as informações nos editais visam a melhor organização da produção e entrega dos produtos pelos agricultores, dado que a alimentação escolar depende dessa organização para não prejudicar o fornecimento de refeições. Isto, porém, não minimiza a importância do diálogo entre as partes (gestores e agricultores) para que o processo transcorra da melhor maneira possível. Além dessas informações, observou-se a existência dos preços de referência nas chamadas, uma vez que praticamente todos os editais continham esta informação (apenas quatro municípios não a trouxeram). Neste quesito, era frequente na redação das chamadas públicas analisadas (considerando que são de 2013 e 2014) a menção de que os preços ali citados não seriam necessariamente os efetivamente pagos, mas que os agricultores fariam propostas e ganharia o proponente que cotasse o menor preço. Fazendo esta leitura à luz da legislação atual, isto infringiria o parágrafo terceiro do artigo 29 da Resolução nº 04/2015, segundo o qual “os preços de aquisição definidos pela EE e que constam na chamada pública serão os preços pagos ao agricultor familiar, empreendedor familiar rural e/ou suas organizações pela venda do gênero alimentício”. A regulamentação atual não prevê concorrência entre os agricultores, mas que seja pago o “preço justo”, considerando os preços de mercado. Ela prevê critérios de desempate dados por questões que devem ser priorizadas, como a localização dos agricultores fornecedores, os agricultores quilombolas, indígenas e assentados, a produção orgânica/agroecológica e as organizações formais como cooperativas e associações, nesta ordem. Neste último quesito, a maioria dos municípios abriu oportunidade tanto para grupos formais quanto para informais e apenas três deles somente para grupos formais, sendo os maiores municípios em população e também aqueles com os maiores valores de chamadas públicas – Apucarana (R$ 2.531.920,00), Londrina (R$ 1.212.152,00) e Curitiba (R$ 799.266,94).

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Outro aspecto analisado foi a preferência por produtos orgânicos. Dentre as chamadas públicas verificadas, apenas seis previam essa preferência: Arapoti, Astorga, Morretes, Santa Mariana, Londrina e Curitiba. Destes, apenas os dois últimos municípios previram o acréscimo de até 30% no preço em relação aos preços estabelecidos para produtos convencionais, conforme define o inciso 2º do artigo 29 desta mesma resolução. É importante salientar que nenhum dos municípios determinou itens orgânicos específicos, e os citados anteriormente apenas mencionaram que entre todos os alimentos da chamada pública os que fossem orgânicos teriam prioridade na compra. Silva e Sousa (2013) também analisaram este quesito num estudo desenvolvido pelo Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição do Escolar do Estado de Santa Catarina (Cecane/SC), no ano de 2010, no qual se verificou que naquele ano, dentre os 293 municípios catarinenses, 160 (60%) adquiriam alimentos da agricultura familiar e, desses, 52 (17,7%) compravam alimentos orgânicos. Esses autores ressaltam o grande percentual de nutricionistas (42,8%) que relataram dificuldades na utilização desse tipo de produto na alimentação escolar, elencando como principais impasses: dificuldade em encontrar produtos no mercado; falta de certificação dos produtores para orgânicos; dificuldade na logística de distribuição; falta de capacitação; preço e baixa qualidade dos produtos, entre outros. Melão (2012) demonstra o avanço na inclusão de alimentos orgânicos na rede estadual de ensino do Paraná, com a quantidade de municípios ofertando orgânicos na alimentação escolar passando de 24 em 2011 para 68 em 2012. Nesse caso, com relação às escolas estaduais, o progresso foi de 140 escolas em 2011 para 414 em 2012, sendo a melhoria mais expressiva a quantidade de produtos oferecidos, aumentando de nove para 660 toneladas nesse curto período. O autor destaca que essa crescente adoção da alimentação orgânica pelos municípios e escolas reforça a ideia de sustentabilidade e contribui na construção de uma melhor qualidade de vida para todos, pois “os bons níveis educacionais também são fruto de alunos bem alimentados e aptos a desenvolver todo seu potencial de aprendizagem” (MELÃO, 2012, p.96). Além disso, o Guia alimentar para a população brasileira 2014 enfatiza a importância de se preferir alimentos orgânicos e de base agroecológica, uma vez que, além de serem particularmente saborosos, protegem o meio ambiente e a saúde. Ainda de acordo com o Guia, “quanto mais pessoas buscarem por alimentos orgânicos e de base agroecológica, maior será o apoio que os produtores da agroecologia familiar receberão e mais próximos estaremos de um sistema alimentar socialmente e ambientalmente sustentável” (BRASIL, 2014, p.32). Contudo, é necessário maior incentivo à integração e regionalização dessa atividade, entre os diferentes segmentos da cadeia produtiva, através do seu fomento e fortalecimento no âmbito das políticas públicas setoriais, permitindo, assim, maior produção desses alimentos e facilidade no acesso da população a alimentos mais baratos e em condições sanitárias adequadas (BRASIL, 2006). Assim, haverá “sementes de um modelo de desenvolvimento que promove não só crescimento econômico, mas também justiça social, saúde e conservação ambiental” (TRICHES; SCHNEIDER, 2010, p.14).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Este estudo permitiu verificar que os municípios paranaenses estão empenhados em atender à legislação no que se refere à aquisição de alimentos para o PNAE. A partir da análise das chamadas públicas, verificou-se que a maioria (80%) pretendia comprar mais de 30% dos recursos do FNDE em produtos provenientes da agricultura familiar, embora somente 54% deles tenham conseguido cumprir a legislação, segundo as prestações de contas. Apesar de todos os avanços observados na trajetória da agricultura familiar na alimentação escolar e dos benefícios trazidos com essa incorporação, ainda existem diversas falhas nesse processo. Verificou-se a inadequação das chamadas públicas em relação: ao número de locais de entrega exigido; a informações sobre a periodicidade destas entregas; aos preços pagos (analisando a partir da legislação atual); ao período de vigência das aquisições, e ao incentivo à produção orgânica. Destaca-se também a necessidade da continuidade da inclusão de variedade de hortaliças nas listas de produtos a serem adquiridos, buscando estímulo ao consumo desses alimentos por parte dos estudantes. Além disso, é preciso aumentar e diversificar a solicitação de itens com maior valor agregado, como carnes, ovos, leite e derivados, buscando elevar a renda dos agricultores familiares e fortalecer a economia da região. Ainda, há necessidade de os municípios incluírem e/ou darem ênfase e visibilidade aos alimentos orgânicos e agroecológicos nas suas chamadas públicas, a fim de promover a produção, a comercialização e o consumo, e, em consequência, maior desenvolvimento local sustentável. Nos quesitos processamento de produtos e produção ecológica, depara-se com dificuldades burocráticas e de legislação que resultam numa inadequação com relação às agroindústrias familiares e à produção de baixa escala, o que inviabiliza uma maior disponibilidade desses produtos pela agricultura familiar. Assim, um incremento das políticas públicas e revisão das regulamentações permanecem como pontos a serem enfrentados. Outra questão que merece destaque é a dificuldade em encontrar informações acerca da aquisição de gêneros alimentícios para o PNAE, visto que a maioria das prefeituras não disponibiliza as chamadas públicas nos sites, apontando para uma falha na publicização dessas chamadas. Por fim, o presente artigo sugere a importância de se realizar novos trabalhos envolvendo esta temática no sentido de identificar os entraves que prejudicam a implementação e a operacionalização das compras públicas de alimentos no Brasil com o objetivo de viabilizar ainda mais a comercialização de produtos da agricultura familiar e o desenvolvimento rural e a saúde pública.

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REFERÊNCIAS

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