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Interferências Estéticas: a Técnica Stop Motion Na Narrativa De Animação

Interferências Estéticas: a Técnica Stop Motion Na Narrativa De Animação

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE LETRAS E ARTES ESCOLA DE BELAS ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS

Eliane M. Gordeeff

INTERFERÊNCIAS ESTÉTICAS: A TÉCNICA STOP MOTION NA NARRATIVA DE ANIMAÇÃO

Rio de Janeiro 2011 Eliane M. Gordeeff

INTERFERÊNCIAS ESTÉTICAS: A TÉCNICA STOP MOTION NA NARRATIVA DE ANIMAÇÃO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Artes Visuais / Escola de Belas Artes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção de título de Mestre em Artes Visuais.

Orientador: Prof. Dr. Rogério Medeiros

Rio de Janeiro Março / 2011

Gordeeff, Eliane M. G661 Interferências estéticas : a técnica stop motion na narrativa de animação / Eliane M. Gordeeff. 2011. 166 f. : il. ; 30 cm. Orientador: Rogério Medeiros. Dissertação (mestrado) – UFRJ/EBA, Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, 2011.

1. Animação. I. Medeiros, Rogério. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Escola de Belas Artes. III. Título. IV. Título: a técnica stop motion na narrativa de animação.

CDD 778.5

INTERFERÊNCIAS ESTÉTICAS: A TÉCNICA STOP MOTION NA NARRATIVA DE ANIMAÇÃO

Dissertação de final de curso em Arte Visuais, Linha de Pesquisa em Imagem e Cultura, do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais / Escola de Belas Artes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção de título de Mestre em Artes Visuais.

Conceito:______

______Prof. Dr. Rogério Medeiros Universidade Federal do Rio de Janeiro

Conceito:______

______Profa. Dra. Maria Cristina Volpi Universidade Federal do Rio de Janeiro

Conceito:______

______Prof. Dr. Jorge Luiz Cruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro

A imagem artística é sempre uma metonímia em que uma coisa é substituída por outra, o menor no lugar do maior. Para referir-se ao que está vivo, o artista lança mão de algo morto: para falar do infinito, mostra o finito. Substituição... Não se pode materializar o infinito, mas é possível criar dele uma ilusão: a imagem.

Andrei Tarkovski AGRADECIMENTOS

Aos animadores Alexander Petrov, Garri Bardin, Piotr Sapegin e Quiá Rodrigues, por suas atenções e solicitudes, sem as quais esse trabalho não seria possível.

Aos também animadores Antônio Moreno, Arnaldo Galvão, Céu D´Elia, Fábio Yamaji, Marcos Magalhães, Martine Chartrand e Sávio Leite, pelo apoio e atenção.

Aos professores Amaury Fernandes, Ana Maria Tavares Cavalcanti, Antônio Moreno (UFF), Carlos Azambuja, Carlos Terra, Luiz Roberto Pinto Nazário (UFMG), James Arêas (UERJ), Luiz Sérgio (UFF), Maria Cristina Volpi, Marcus Vinícius Dohmann e Rogério Medeiros que direta ou indiretamente tornaram este trabalho possível.

Aos colegas Ana Palmiere, Caetano Mauro, Daniel Pinna, Gabriel Cruz, Índia Martins, José Ricardo Cereja, Jaciara e Lourdes Grzybowski, Luciana Fagundes Braga Ferreira e Mirian A. C. Crapez pelo apoio e auxílio.

Aos membros da banca, os Profs. Doutores, Maria Cristina Volpi e Jorge Luiz Cruz (UERJ), pela atenção e solicitude.

Ao meu orientador Prof. Doutor Rogério Medeiros, pelo suporte, compreensão e paciência.

Ao meu companheiro Cláudio Roberto, pelo amor, compreensão e apoio.

RESUMO

INTERFERÊNCIAS ESTÉTICAS: A TÉCNICA STOP MOTION NA NARRATIVA DE ANIMAÇÃO

Esta dissertação vem propor um olhar analítico, sobre uma expressão artística pouco abordada nos meios acadêmicos brasileiros: a Animação. Considerada somente um “gênero” cinematográfico, esta surgiu antes do chamado “cinema” e caracteriza-se pela variedade de seu tecnicismo, desenvolvido ao longo do tempo: desenho sobre papel, Stop motion, Pixilation, Rotoscopia, 2D e 3D. Porém, mesmo com todos os avanços tecnológicos e o brutal desenvolvimento da sua indústria atual, esta permanece obedecendo aos mesmos princípios desenvolvidos por figuras históricas, como Winson McCay, os irmãos Fleischer, , , Norman McLaren e continua sendo a arte de dar alma a quem não a tem. O objetivo desta pesquisa é o de analisar como a materialidade da técnica influi na informação visual complementando e auxiliando à narrativa animada. Para tanto, foi elaborado um estudo de casos, em que os recortes foram os seguintes curtas-metragens de animação em Stop motion: Vizinhos (1952, de Norman McLaren), De Janela pro Cinema (1999, de Quiá Rodrigues), O Velho e o Mar (2000, de Alexander Petrov), Adágio (2000, de Garri Bardin) e Ária (2001, de Piotr Sapegin). Estes foram analisados sob os conceitos da semiótica, do simulacro, do cinema, da narrativa, da teoria da comunicação; e com base nas informações obtidas em fontes primárias e nas pesquisas de gabinete. Assim foi possível constatar como a expressividade pode ser apresentada pelo uso físico, representativo e/ou simbólico do material (ou objeto) utilizado na elaboração da imagem, na produção de uma narrativa de animação; e como a variedade estética dessas formas de animar interfere definitivamente no resultado final do trabalho, muitas vezes contribuindo visualmente para “contar a história”. Por consequência, a pesquisa amplia a compreensão sobre a riqueza estética da Animação – enquanto arte, técnica e meio de mensagem.

Palavras-chave: Animação, Stop motion, Narrativa, Estética da Animação.

ABSTRACT

AESTHETIC INTERFERENCE: TECHNICAL NARRATIVE IN STOP MOTION

This dissertation proposes an analytical view on artistic expression rarely addressed in brazilian academic circles: Animation. Considered only a “genre” film, it came before of what is known by “cinema” and is characterized by its technical variety developed over time: Drawing on paper, Stop motion, Pixilation, Rotoscope, 2D and 3D. But even with all the technological advances and the development of its nowadays heavy industry, it still follows the same principles developed by historical figures such as Winson McCay, the Fleischer brothers, Walt Disney, Tex Avery, Norman McLaren and remains the art of giving soul to whom has not one. The objective of this research is to analyze how the technique affects the materiality of visual information complementing and assisting the animation narrative. To that goal, it was developed a case study, in which were selected the following shorts Stop motion animation films: Neighbors (1952, McLaren Norman), From Window to the Cinema (1999, Quiá Rodrigues), The Old Man and the Sea (2000, Alexander Petrov), Adagio (2000, Garri Bardin) and Aria (2001, Pjotr Sapegin). Theses were examined under the concepts of semiotics, the simulacrum, film, narrative, communication theory; and based on information obtained from primary sources and the research office. Thus, it was established how the expression may be presented, by representative and/or symbolic usage of the material (or object) used in the preparation of the image, in producing an animated narrative; and how the aesthetics variety of these ways of animating definitely affects the result of the final work, often visually helping “to tell the story”. Consequently, the study expands the understanding of the aesthetic richness of the Animation – as art, technology end medium of message.

Keywords: Animation, Stop motion, Narrative, Aesthetics of Animation.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...... 10

1 PANORAMA HISTÓRICO DA ANIMAÇÃO ...... 14 1.1 A HISTÓRIA DA ANIMAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO DE SUAS TÉCNICAS ...... 14 1.1.1 O início ...... 14 1.1.2 Avanço técnicos ...... 18 1.1.3 Animação experimental ...... 26 1.1.4 A Computação Gráfica ...... 30 1.2 O DESENVOLVIMENTO DO STOP MOTION ...... 35 1.3 A ANIMAÇÃO NO BRASIL ...... 39

2 A IMAGEM ANIMADA E SUA ESTÉTICA ...... 44 2.1 A ANIMAÇÃO NO CONTEXTO ARTÍSTICO ...... 44 2.1.1 Considerações sobre a imagem no teatro, na pintura, e no cinema ...... 44 2.1.2 Considerações sobre a fotografia e as imagens cinematográficas: viva e animada ...... 48 2.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS TÉCNICAS DE ANIMAÇÃO E A VIRTUALIDADE ... 54

3 A NARRATIVA E A ANIMAÇÃO ...... 58 3.1 TIPOS DE NARRATIVAS ...... 59 3.2 NARRATIVA E NÃO-NARRATIVA NO CINEMA ...... 62 3.3 A NARRATIVA NO CINEMA VIVO E NA ANIMAÇÃO ...... 64 3.3.1 A narrativa, o tempo e a história ...... 64 3.3.2 Códigos narrativos ...... 70 3.3.3 Funções, personagens e verossimilhança ...... 73 3.4 IMPRESSÃO DE REALIDADE E A SUSPENSÃO DA DESCRENÇA ...... 78 3.5 A NARRATIVA ANIMADA NO STOP MOTION ...... 81

4 ANÁLISE DAS ANIMAÇÕES – ESTUDO DE CASOS ...... 85 4.1 VIZINHOS (1952), DE NORMAN MCLAREN ...... 85 4.1.1 A técnica e o filme ...... 85 4.1.2 A narrativa e os elementos de espetáculos ...... 87 4.1.3 A multiplicidade estética do Pixilation ...... 94 4.2 DE JANELA PRO CINEMA (1999), DE QUIÁ RODRIGUES ...... 95 4.2.1 O cinema e o filme ...... 95 4.2.2 A narrativa e suas referências cinematográficas ...... 96 4.2.3 O reflexo cultural na estética da animação ...... 104 4.3 O VELHO E O MAR (1999), DE ALEXANDER PETROV ...... 107 4.3.1 A história de Hemingway e a animação ...... 107 4.3.2 A pintura, a narrativa e o tempo ...... 109 4.3.3 A percepção da animação na pintura sobre vidro...... 114 4.4 ÁDAGIO (2000), DE GARRI BARDIN ...... 118 4.4.1 O origami e a animação ...... 118 4.4.2 A narrativa, o simbólico e o material ...... 120 4.4.3 A unidade plástica e a animação ...... 125 4.5 ÁRIA (2001), DE PIOTR SAPEGIN ...... 127 4.5.1 A ópera e a animação ...... 127 4.5.2 A narrativa, os bonecos e a sua anima ...... 129 4.5.3 A materialidade na animação com bonecos ...... 135

CONCLUSÃO ...... 139 A SIMULAÇÃO NA ANIMAÇÃO ...... 139 A REPRESENTAÇÃO NA ANIMAÇÃO ...... 141 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 144

REFERÊNCIAS ...... 146 LIVROS E DISSERTAÇÕES...... 146 REVISTAS E CATÁLOGOS ...... 150 TEXTOS ON-LINE E DE MÍDIA ELETRÔNICA ...... 150 ENTREVISTAS ...... 153 FILMES ...... 153

ANEXO – A ...... 166

10

INTRODUÇÃO

Assim como a cor determina uma sensação visual, a forma e a textura também a emolduram, materializando a intenção do artista e a sua mensagem. Muito se tem escrito sobre as técnicas, as novas tecnologias, os novos equipamentos e softwares de animação e efeitos. Também há muitos livros sobre a linguagem cinematográfica, o estudo do movimento, da luz, das técnicas de animação, de como se construir um personagem, entre outros tecnicismos. Porém, muito pouco se sabe, efetivamente, sobre como se processa o impacto da imagem animada, em termos de empatia artística do espectador/receptor, além de como e quais são as influências dos meios materiais, empregados na criação dessas imagens e no “contar histórias”. A linguagem estética da Animação está diretamente vinculada à técnica utilizada para se animar. Interferências Estéticas: a técnica Stop motion na narrativa de animação se apresenta com o objetivo de analisar como a materialidade da técnica influi na informação visual, complementando e auxiliando à narrativa animada. Como a expressividade pode ser apresentada pelo uso físico, representativo e/ou simbólico do material (ou objeto) utilizado na elaboração da imagem, na produção de uma narrativa de animação. Neste processo será analisada a estética da técnica de animação, tendo em vista a sua narrativa, com uma consequente metodologia de avaliação de formas e possibilidades estéticas – opção de análise que poderá ser um meio de aprofundamento da representatividade de uma produção animada, para que forma (plástica) aliada ao conteúdo (narrativa), alcancem o seu objetivo (a empatia do público). Por consequência, somente as produções que apresentam determinadas características, servem de recorte para a pesquisa – destacando assim que não foram levadas em consideração questões sobre seus autores. O que importa é o resultado visual das obras, a forma pela qual os seus animadores/diretores o obtiveram, e não o trabalho dos animadores enquanto criadores. Por suas características, entre as diversas técnicas de animação, o recorte foi sobre a técnica chamada Stop motion. Este termo é comumente conhecido como sendo sinônimo de animação de bonecos, porém, nesta pesquisa, é considerada a sua significação primeira, isto é, a animação quadro a quadro, com parada-movimento do objeto a ser animado, independe da natureza deste objeto – seja ele boneco, tinta, barbante, pessoas. Assim sendo, a fim de comprovar que a expressividade da ação pode ser representada por materiais diversos, foram escolhidas cinco animações representativas do Stop motion (e 11 não todas). Por uma questão de necessidade de limitação do projeto, por ser impossível a análise de todo esse universo e pela razão de que, nem todas as obras animadas utilizam a materialidade de forma expressiva. As que também a utilizam, e não estão inseridas nos estudos de casos, são representadas ou possuem análogos nos recortes selecionados. Estes foram: 1 • Pixilation (animações de pessoas) e animação de objetos: Vizinhos ; 2 3 • animação de bonecos: De Janela pro Cinema e Ária ; 4 • pintura sobre vidro: O Velho e o Mar ; 5 • animações de objetos (papel e brinquedos): Adágio e Ária. As técnicas de animação de areia e recorte não foram selecionadas já que, de alguma forma, possuem similaridade com alguma técnica de animação selecionada (no caso da animação de areia, é semelhante à pintura sobre vidro; e animação de recorte com animação de objetos que utiliza papel). Em relação à Pin-screen não foi encontrado nenhuma obra onde a materialidade fosse utilizada como expressão – até porque, a técnica trabalha indiretamente com o seu material, os pinos, isto é, ela é o resultado da variação das sombras formadas por eles. Todos os recortes utilizados para análises fazem parte da “classe” das chamadas animações experimentais com estilo narrativo, onde a técnica individual, o desafio artístico e a autoexpressão estão mais presentes na procura de uma nova ótica, na exploração do meio/técnica. Com esta escolha tem-se um material rico em expressividade pictórica, propício à análise, porém com um referencial fixo – a narrativa – estratégia que possibilita uma melhor avaliação e elaboração de conjecturas sobre o objeto de estudo, pois este apresenta um objetivo definido (a intenção do autor é conhecida), diferentemente das animações chamadas abstratas, onde há uma ausência de narrativa “lógica”. Esta dissertação se apresenta dividida em quatro capítulos. O primeiro é destinado ao panorama histórico da animação e o desenvolvimento de suas técnicas, resultado de uma pesquisa de gabinete utilizando diversas fontes bibliográficas. Do ponto de vista do

1 Produção canadense de 1952, direção de Norman McLaren. É considerada uma das obras-primas do animador escocês, enquanto trabalhou no National Film Board do Canadá. A animação é uma crítica à Guerra Fria. 2 Animação brasileira de 1999, de Quiá Rodrigues, premiada no Festival de Cinema de Brasília, no Anima Mundi e Prêmio Especial do Júri de Gramado (todos em 1999), entre outros (além de participar dos festivais de Cannes e Biarritz, ambos em 2000). Ela rememora nostalgicamente ícones da história do cinema mundial. 3 Animação russa de 2001, de Piotr Sapegin que, se aproveitando dos bonecos dos personagens da animação, produziu um chocante suicídio de em sua versão de Madame Butterfly. 4 Produção russa de 1999, de Alexander Petrov; ganhou o Oscar de Melhor Curta-metragem de Animação de 2000, utilizando a complexa técnica de Pintura sobre vidro. Baseado no romance homônimo de Ernest Hemingway. 5 Animação russa de 2000, de Garri Bardin, utiliza como trilha sonora a música “Adagio em Sol menor”, de Tomaso Albinoni, e é uma produção introspectiva, mas contundente. Utilizando inteligentemente a materialidade do papel, Bardin nos faz pensar sobre a intolerância e a violência, contra as diferenças e contra o que não se entende. 12 desenvolvimento das técnicas de animação foram fundamentais as abordagens, entre outras, de Charles Solomon6 – ensaísta, crítico e historiador de Cinema de Animação, respeitado internacionalmente, autor de diversas publicações sobre a história da animação e, por isso, fundamental, com seu trabalho sobre o tema; de Paul Wells7, diretor de animação da The Animation Academy e professor da Loughborouh University School of Art & Design, Inglaterra, com a sua visão panorâmica sobre o assunto; de Barbosa Junior8, Mestre em Multimeios, pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas, cineasta de animação e professor do Departamento de Artes da Universidade Federal da Paraíba, com sua análise focada no desenvolvimento da computação gráfica; e a de Ray Harryhausen9, conhecido animador de Stop motion e técnico de efeitos especiais para o cinema, como base para as considerações sobre a técnica. No segundo capítulo é apresentado o resultado das pesquisas de gabinete e de campo (algumas obras animadas e de ação viva), pautado em investigações semióticas, analisando o tema da estética animada, com considerações sobre questões plásticas, cinematográficas e virtuais. Neste sentido, a obra de Roland Barthes10 foi essencial para as análises da construção e do tempo para a imagem (com o foco na imagem animada), assim como os trabalhos de Jean Baudrillard11, com sua análise sobre a simulação, objetivo intrínseco ao ato de animar; e de Edmond Couchot12, muito esclarecedor com as suas análises sobre a mecanização e a virtualização da imagem. O terceiro capítulo é destinado ao segundo ponto deste trabalho, a narrativa na animação. Questões sobre a narratividade, a verossimilhança, a impressão de realidade e a suspensão da descrença são abordadas tendo em vista o universo da animação. Seguindo esse princípio, os trabalhos de Jacques Aumont13 serviram como modelos de análise e de elaboração teórica, substanciados pelas análises cinematográficas de Sergei Eisenstein14 e narratológicas de Tzvetan Todorov15. Também foram considerados os trabalhos de Christian

6 The : enchanted drawings. Nova Iorque: Alfred A. Knopf, 1989. 7 Fundamentals of animation. Londres: An AVA Book, 2006. 8 Arte da animação: técnica e estética através da história. São Paulo: Editora SENAC, 2005. 9 A century of Stop motion animation: from Méliès to Aardman. New York: Watson-Guptill Publications, 2008. 10 O óbvio e o obtuso. Lisboa: Edições70, 2009. 11 Simulacra and simulation. Ann Arbor: University of Michigan, 1994. 12 Da representação à simulação: evolução das técnicas e das artes da figuração. In: PARENTE, André (Org.). Imagem máquina: a era das tecnologias do virtual. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993. 13 A estética do filme. São Paulo: Papirus Editora, 1990; e A imagem. Lisboa: Ofício, Arte e Forma, 1990. 14 O sentido do filme. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 2002. 15 As estruturas narrativas. São Paulo: Editora Perspectiva, 1970. 13

Metz16, aglutinadores entre os dois assuntos, cinema e narração. No quarto capítulo são apresentadas as análises dos estudos de casos, das cinco animações já mencionadas, embasadas nas pesquisas de gabinete – já referenciadas, e outras que se fizeram necessárias de acordo com os objetos de estudo17 –, conjuntamente com as pesquisas de campo através das obras e das entrevistas com seus autores e/ou reportagens, além de depoimentos. Devido as variedades plásticas e de narrativas desses objetos, as análises serão semelhantes, mas não seguirão a mesma formatação, observando e destacando exatamente a diversidade que se apresenta ao longo do processo. Fechando a dissertação, apresenta-se também um texto conclusivo sobre o conjunto do trabalho de pesquisa, juntamente com as suas referências bibliográficas e audiovisuais, além de um DVD com as animações analisadas – Anexo-A. Outra observação que se faz necessária é sobre os títulos das obras audiovisuais citadas18. Estes foram traduzidos para o português, em sua grande maioria. Mas para as obras já conhecidas por seus títulos de origem, estes foram mantidos.

16 A significação no cinema. São Paulo: Editora Perspectiva, 1972; e Linguagem e Cinema. São Paulo: Editora Perspectiva, 1980. 17 Os trabalhos de Andrei Tarkovski (Esculpir o tempo. São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora. 2002); de Henri Bergson (The perception of change. In: ______. The creative mind: an introduction to metaphysics. Nova York: Dover Publications Inc., 2007; e Da seleção das imagens. In: ______. Matéria e memória: ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora Ltda. 1999); de Gilles Deleuze (A imagem-movimento e suas três variedades - segundo comentário de Bergson In: ______. Cinema 1: a imagem-movimento. São Paulo: Editora Brasiliense S.A., 1983; e Para além da imagem-movimento. In: ______. Cinema II: a imagem-tempo. São Paulo: Editora Brasilieinse, 1a. ed., 1990); e de Patrice Pavis (Outros elementos materiais da representação. In:_____. A análise dos espetáculos. São Paulo: Editora Perspectiva, 1996) foram extremamente úteis na compreensão da obra de arte e do trabalho do diretor cinematográfico; da importância do tempo, da percepção e da sua vinculação com a memória, assim como a composição dos elementos de representação de cena. 18 Constam nas “Referências” somente as obras que serviram de referência estética para a pesquisa, e não todas as obras citadas. 14

1 PANORAMA HISTÓRICO DA ANIMAÇÃO

Neste primeiro capítulo são apresentados os principais desenvolvimentos técnicos e estéticos da história da animação. O objetivo deste é o de orientar a atenção em relação a esta arte, a fim de compreender a importância do seu desenvolvimento tecnológico (e artístico) e de como este interfere no próprio ato da criação e na ação de animar. Dados históricos, personagens e animadores serão citados de acordo com a sua importância dentro do contexto apresentado – e não como elementos de um texto histórico sobre a história da animação. Dentro deste foco, a informatização dos meios da produção animada será considerada como um avanço tecnológico, dentre muitos que ocorrem ao longo do tempo e que influenciam essa arte. O que é observado é a sua aplicação na área da animação, a forma como esta aconteceu e que mudanças ocasionaram no processo de animar. Na parte destinada à animação no Brasil, como país recebedor desta arte, serão abordados também os fatos mais relevantes a respeito da animação, a fim de compreender como tem sido o desenvolvimento da arte no país (nos últimos anos, felizmente, de forma mais profissional).

1.1 A HISTÓRIA DA ANIMAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO DE SUAS TÉCNICAS

1.1.1 O início

A animação talvez seja a manifestação artística onde a interferência técnica – seja ela do tecnicismo, de equipamentos ou do surgimento de novos materiais – tenha sido o elemento mais determinante no desenvolvimento de sua história. No século XVIII, brinquedos mecânicos como o taumatroscópio1, o fenaquistoscópio2,

1 Consiste em um disco de papel com duas tiras de barbante nas laterais e com um desenho de cada lado do disco. Quando os barbantes são girados tem-se a visão da coexistência das duas imagens num único plano. 2 Primeiro brinquedo que criava a ilusão de movimento. Inventado pelo cientista belga Joseph Plateau, é formado por dois discos de papel, ligados por meio de uma haste fixada no centro dos discos. Um deles possui uma sequência de imagens em torno do eixo e o outro possui frestas na mesma disposição. Quando são girados, o espectador vê as imagens em movimento através das frestas do segundo disco. 15 o zootrópio3 e o cineógrafo4 – utilizavam a persistência retiniana5, representando assim uma espécie de semente para o cinema de animação. Os temas eram apenas pequenas sequências cíclicas. Em 28 de outubro de 1892 (três anos antes de o cinematógrafo ser apresentado pelos irmãos Lumière), no Musée Grévin, em Paris, Émile Reynaud começa a divertir o público, com o seu “Teatro Ótico”, um instrumento chamado Praxinoscópio (um tipo de lanterna mágica6), que fornecia as imagens projetadas numa parede de um ambiente escuro – il. 01. As pequenas narrativas tinham início, meio e fim, mas eram muito simples.

Il. 01 - Ilustração da exibição do “Teatro Ótico”.

Em 17 de agosto de 1908, no Théâtre du Gymnase, também em Paris, o cartunista francês Émile Cohl apresentou o seu desenho animado Fantasmagorias7, o primeiro a ser exibido em um projetor de filmes moderno. Cohl desenha com nanquim sobre papel, simplificando o traço, mas mantendo a sua expressividade, e começa a utilizar um equipamento que deu origem à mesa de luz – o que permitia o redesenho exato a cada folha de papel. Assim, como explica Alberto Barbosa,

[...] o controle da relação entre os desenhos proporcionado por esse dispositivo vai permitir a racionalização da distribuição destes na linha do espaço-tempo da ação o que certamente levou Cohl à descoberta de que poderia fotografar cada desenho duas vezes, sem implicar a perda de continuidade do movimento8.

3 Trata-se de um tambor giratório com frestas em toda a sua circunferência, cujo interior montavam-se sequências de imagens em papel. Ao girar o tambor, olhando-se através das aberturas, assiste-se ao “movimento” das imagens. 4 O cineógrafo foi inventado em 1868, e nada mais é que o conhecido Flipbook. 5 O fenômeno foi descrito pelo médico Peter Mark Roget, em 1826, mas foi o físico Joseph-Antoine Plateau quem mediu pela primeira vez o tempo da persistência retiniana (1830). Ele consiste na capacidade da retina em manter uma imagem por aproximadamente 1/16 de segundo, mesmo depois da mudança desta. 6 Invenção do século XVII, de Athanasius Kircher, era uma caixa com uma forte luz e um espelho curvo, que possibilitava a projeção de imagens desenhadas em uma lâmina de vidro. 7 Émile Cohl, na década de 1880, liga-se aos Incoerentes, grupo de filosofia iconoclasta, antiburguesa, antiacadêmica e antiracional, considerado anarquista da arte, estética que influenciou o seu trabalho. 8 BARBOSA, Alberto L. Arte da animação: técnica e estética através da história. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2001, p. 50. 16

Tal fato foi um avanço considerável, já que o trabalho e o tempo eram reduzidos pela metade. Em termos artísticos, Cohl unia imagem e narrativa com originalidade, aproveitando- se das linhas do desenho. Fez uso de metamorfoses9; utilizou efeitos de zoom – com detalhamento de uma ação e quando as câmeras ainda não permitiam esse recurso –; utilizou máscara fotográfica – precursor do chromakey e do atual canal alfa10 –, desistindo da câmera de manivela para combinar desenho e ação filmada, passando a utilizar a de obturador elétrico, eliminando a cintilação da imagem. Seu amigo George Méliès11 inicia também a trucagem no cinema, o recurso da exposição múltipla de negativos, os recursos do teatro, pintura sobre película (mais tarde desenvolvida por Norman McLaren), sendo o primeiro a utilizar o Stop motion, entre outros efeitos, presentes em sua obra-prima, Viagem à Lua, de 1902. Uma outra corrente de estudiosos afirma que o primeiro desenho animado foi produzido em 1906, pelo inglês James Stuart Blackton – Fases Humorísticas de Faces Engraçadas, il. 02 – com personagens desenhados em um quadro-negro e que também utilizava o Stop motion com uso de recortes.

Il. 02 - Still de Fases Humorísticas de Faces Engraçadas (1906).

Porém, o quadrinista Winsor McCay foi um dos primeiros a realmente produzir na técnica – desenho sobre papel – desenhando em full-animation (cenário e personagens desenhados na mesma folha), criando personagens e ambientes bem mais sofisticados (abrindo caminho para Walt Disney), deixando um legado admirável. Vale destacar os curtas-metragens: O Naufrágio do Lusitânia (1918), o primeiro documentário em animação; How a Mosquito Operates (1912); Gertie, a Dinossauro (1909) – il. 03 – e Little Nemo (1911). O sucesso

9 Termo utilizado para designar o efeito de transformação de um desenho ou imagem em outro. 10 Chromakey é o termo utilizado para designar o efeito da imagem filmada sobre um fundo verde ou azul, que na etapa de edição é substituído pelo fundo final da cena. Canal alfa é a capacidade que alguns programas ou imagens possuem para trabalhar com a transparência, com a possibilidade de apresentação de outros fundos. 11 Mágico de profissão, diretor do “Teatro Robert Houdin” – marcado pela primeira exibição de cinema dos Lumière. 17 desses personagens marcou definitivamente os principais enfoques da animação: a exploração do absurdo, animais e objetos como personagens e o chiste.

Il. 03 - Still de Gertie, a Dinosauro (1909).

Mas a Arte dos Quadrinhos ainda dividiu muitos outros artistas com a Animação. Krazy Kat, personagem criado pelo americano George Herriman, era originalmente um personagem de quadrinhos, do New York Evening Journal, publicados entre 1913 e 1943. Em 1916, seu editor iniciou a produção de curtas-metragens baseados em suas tiras. Com um traço bem estilizado, já apresentava a conhecida relação gato e rato. Já o gato Félix é o mais famoso exemplo de personagem animado, tendo ficado conhecido como o primeiro personagem duradouro, difundindo a animação. Sua primeira aparição foi em um curta de 1919, Folias Felinas. Criação do cartunista americano Pat Sullivan, foi animado por Otto Messmer, com um traço simples, utilizando recursos das histórias em quadrinhos, como balões e onomatopéias, com um design mais semelhante à estética de Émile Cohl. Sua popularidade só diminuiu com o surgimento do . Outras técnicas foram surgindo logo no início do século passado, abrindo um vasto campo de experimentações e de variedades de imagens. O Stop motion com bonecos, além de ter sido utilizado por Méliès, também foi utilizado por Willis H. O'Brien, que criou bonecos flexíveis de borracha e filmou, em 1915, O Dinossauro e o Elo Perdido, sendo o precursor da Clay Animation ou Stop motion com Massinha, 18 anos antes da primeira versão de King Kong12(1933), que teve muitas sequências realizadas em stop motion, inclusive pelo próprio O'Brien.

12 Direção de Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack. 18

1.1.2 Avanços técnicos

No mesmo período (início do século XIX), surgiram duas tecnologias determinantes para o desenvolvimento do cinema como conhecemos hoje e para a própria arte da animação: a fotografia13 e o cinematógrafo14. Em 28 de dezembro de 1895, no Salão Grand Café, em Paris, quando os irmãos Lumière fizeram uma apresentação pública de Chegada de um Trem a La Ciotat, atraíram uma maior atenção e interesse, já que o cinema-vivo – termo utilizado para denominar as obras cinematográficas de ação-viva – apresentou um sistema de produção mais rápido, logo atingindo o patamar de indústria. Outros também perceberam as potencialidades do mercado de animação. Um desses foi John Randolph Bray. Como ilustrador de jornal ele entendia que o sucesso da produção de animação só poderia acontecer se houvesse como concorrer com o cinema-vivo15. Sua estratégia consistia em retirar da produção de animação detalhamentos exagerados, valorizar a produção em detrimento da arte individual, proteger o processo através do registro de patentes e de um sistema eficiente de distribuição e marketing. Com isso surgiu uma linha de montagem, modelo para os estúdios de animação, propiciando um alto grau de uniformidade gráfica, além do surgimento espontâneo de códigos visuais que contribuíram para uma “identificação popular com o gênero”16. Para simplificar a produção, Bray imprimia o cenário em folhas de papel, as mesmas onde seria desenhado o personagem (área que era preenchida de branco). Já Bill Nolan (que trabalhava em outro estúdio), utilizava cenário desenhado em uma folha comprida, movimentada a cada captura da imagem, recurso que servia para criar a ilusão do caminhar do personagem, que “andava sem sair do lugar”. Mas o grande avanço se deu em 1914, quando o animador Earl Hurd utilizou folhas de celuloide (acetato) para criação dos desenhos. Com isso houve a separação entre cenário e personagem, flexibilizando o processo e abrindo novas possibilidades técnicas e estéticas. No mesmo ano, Max Fleischer, caricaturista austríaco que vivia nos EUA, inventa a Rotoscopia – desenho sobre os fotogramas de uma ação filmada, il. 04 – enquanto trabalhava nos

estúdios de John Bray. Neste período cria o seu primeiro personagem de sucesso, o palhaço

13 Um marco deste desenvolvimento foi a cronofotografia (1892), um sistema desenvolvido por Jules-Éttienne Marey, fisiologista francês, através do qual era possível realizar fotografias em série, a partir dos experimentos de Eadweard Muybrigde, fotógrafo inglês que fez tomadas fotográficas do galope de cavalos para análise de movimento. 14 Cinemato (movimento) + grafo (escrita), aparelho de registro do movimento. Desenvolvido pelos irmãos Lumière. 15 “Lançados à proporção de dois programas novos por semana”. Cf. CRAFTON, Donald apud BARBOSA, A. L. Arte da animação: técnica e estética através da história. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2001, p. 63. 16 BARBOSA, A. L., op. cit., p. 64. 19

KoKo. Junto com seu irmão (Dave) funda em 1919, a Out of the Inkwell, Inc., quando passam a misturas as animações de KoKo com imagens filmadas. Não foram os primeiros a realizar tal feito, mas desenvolveram o processo de forma criativa e bem integrada, utilizando fotografias em preto e branco (de paisagens e objetos), como cenários, e desenhando sobre o celuloide. Em 1924, Max cria a famosa bolinha dançante, que acompanhava as letras das canções dos desenhos animados17. Os irmãos Fleischer desenvolveram um estilo alternativo ao padrão Disney, com personagens animados de grande sucesso, como Popeye (comprado de Elzie Segar), Superman (comprado pela Paramount de Jerry Siegel e Joe Schuster) e Betty Boop18 – il. 04. Em 1939, eles produzem o longa-metragem As Viagens de Gulliver – livre adaptação do romance de Jonathan Swift – mas não obtiveram o mesmo sucesso que Branca de Neve e os Sete Anões, de Walt Disney.

Il. 04 - Desenho para o pedido de patente da mesa de rotoscopia, de Fleischer, e de Betty Boop.

Outro avanço tecnológico importante foi a sonorização dos filmes, a partir de 1926, havendo a necessidade da alteração da velocidade de exibição da película, de 16 para 24 quadros por segundo, para sincronia do som com a imagem. Para a animação isso resultou em um maior número de desenhos/segundo, com maior custo e o aumento do tempo de produção. Mas nessa época também surgia uma das personalidades determinantes para o desenvolvimento da produção animada: Walt Disney. Empreendedor, com forte senso estético e empresarial, sabia o que o público queria ver. Sob o seu comando surgiram artistas

17 Este artifício gráfico auxiliou na alfabetização do público americano, que naquela época não era completa. 18 Um marco no cinema de animação. Por sua sensualidade provocante chegou a ser proibida. Primeiro sua vestimenta, em 1934, e depois definitivamente em 1939, pela perseguição do Comitê Moralizador Americano. 20 fabulosos que influenciaram o mercado da animação – exemplo disso foi o posterior surgimento da UPA (United Productions of America). Foi seu trabalho que estabeleceu os conceitos fundamentais de animação19, talvez a sua mais importante contribuição para a arte. Conforme observa Alberto Barbosa,

Esses novos procedimentos para animação foram surgindo gradualmente. Eram estudados isoladamente e, então, nomeados. Os animadores continuaram sua pesquisa buscando estabelecer a perfeita relação entre um desenho e outro a ponto de conseguir resultados previsíveis. Foram analisados, aperfeiçoados e discutidos. [...] Com isso a animação passava a dispor de um conjunto de regras básicas, uma linguagem com sua própria sintaxe, que, adequadamente compreendida e empregada, possibilitava a obtenção de movimentos realisticamente convincentes, uma animação de boa qualidade20.

Era preciso criar movimentos consistentes e personagens com personalidade (e não apenas as gags tão comuns nos anos 20), e isso não era possível a partir do nada. Disney dizia: “Quando nós consideramos um novo projeto, nós realmente o estudamos... não de forma superficial, mas tudo sobre ele”21. Seu estúdio era um celeiro de aprendizagem sobre o movimento, com estudos sobre imagens filmadas, visitas a zoológicos, fazendas, observação de cadáveres de animais, maquetes de veículos e muitos esboços. A barra de pinos inferior, na mesa de luz, foi um dos artifícios adotados no sistema de trabalho de Walt Disney. Com isso o manuseio das folhas desenhadas se tornou mais fácil, e era possível trabalhar com um maior número, fazendo-as “rolar” rapidamente (semelhante ao movimento do flipbook), o que já

19 São normas que devem ser seguidas para a fiel representação dos movimentos. Algumas dessas representações já haviam sido conceitualizadas em livros e periódicos dos anos 20 como A Condensed Course in Motion Picture Photograph, de Carl Gregory e Animated Cartoons: How They are Made, Their origin and Development de Edwin G. Lutz (CRAFTON, D.. Before Mickey: the animated film 1898-1928. Chicago: The University of Chicago Press, 1993, p. 201), mas foi com Walt Disney e colaboradores que estes conceitos foram melhor aplicados e difundidos. São eles: Achatamento (quando o personagem ou partes de seu corpo é (são) achatado(s) ou alongado(s)); Antecipação (resultado de uma série de pré-movimentos secundários que resultam no movimento principal); Aceleração e desaceleração (descrição de todo processo de movimento que se inicia com a inércia à parada do movimento); Staging (representação do personagem, suas expressões faciais e corporais); Ação Direta ou Quadro a quadro (a primeira é quando a animação é contínua, desenhada seguidamente; na segunda, quando o tempo do movimento é calculado, desenhando-se os quadros- chave e depois a intervalação); Ação sucessiva ou sobreposta (quando há vários movimentos decorrentes de um principal); Ação Secundária (ações que acontecem paralelamente à ação principal); Contagem de tempo (12 desenhos para 24, ou 24 para 24 frames); Exagero (nos movimentos é desejável e necessário para visualizá-lo como verídico e real); Desenho sólido (a representação da perspectiva no desenho sempre enriquece a imagem); Arcos (todo movimento do corpo que parte de um eixo); Sedução Estética ou Apelo (criação de empatia com o público). 20 Ver em: Arte da animação: técnica e estética através da história. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2001, p. 115-116. 21 FRANK, Thomas e JOHNSTON, Ollie. The ilusion of life: Disney animation. New York: First Hyperior Edition, 1981, p. 47. 21 permitia visualizar o movimento desenhado e alterar o que se desejassse. Se ainda houvesse algum erro, este seria detectado na próxima etapa introduzida por Walt Disney: o pencil test (teste de lápis, esboço) – que consistia em fotografar, com filme preto e branco barato, as sequências desenhadas pelos animadores, antes de sua finalização. Isso auxiliou na fiel representação do movimento e na diminuição do tempo de produção, pois os erros eram detectados antes da finalização. Surgiu o profissional de clean-up, responsável pela limpeza dos desenhos, que eram passados ao celulóide, com traços únicos e bem definidos.

Il. 05 - Still de Steamboat Willie (1928), de Walt Disney e , e o cartaz de : Flowers and Trees (1932).

Mickey, o personagem animado mais famoso de Walt Disney, foi criação de Ub Iwerks, seu primeiro sócio e surgiu em 18 de novembro de 1928, no curta-metragem Steamboat Willie – il. 05. A primeira animação sonora do cinema22 marca a importância que o som e a música viriam ter nas obras de Disney. De 1929 a 1939 ele produziu a série Silly Symphonies, composta de curtas com trilha sonora, quase sem diálogos, visando o mercado internacional. Flowers and Trees foi a primeira animação colorida em , tecnologia de três cores primárias em três tiras de negativo – a primeira a ganhar o Oscar de Curta-metragem, il. 05. Mas o sistema onerou a produção, pois as tintas (coloridas) foram reformuladas para aderirem ao celuloide, que depois de lavados ficavam manchados23, não podendo mais ser reaproveitados.

22 Na verdade não foi o primeiro, mas foi o que melhor sincronizou imagem e som e acabou ficando reconhecido como seu precursor. SMITH, David. R. apud BARBOSA, A. L. Arte da animação: técnica e estética através da história. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2001, p. 104. 23 SOLOMON, Charles. The History of Animation: Enchanted Drawings. New York: Wing Books, 1994, p. 49. 22

Ainda dentro da série Silly Symphonies, outro destaque foi Os Três Porquinhos (1933), pois, pela primeira vez, os personagens não se distinguiam pela forma dos seus desenhos, mas pelo seu comportamento – a representação enquanto encenação. Comentário de :

Quando eu o vi, percebi que algo estava acontecendo ali, e que não acontecia antes. Durante vinte anos, tudo o que você precisava, em animação era a ação, e um bom personagem só precisava ser bonito. “Três Porquinhos” mudou isso, provando que não é o visual do personagem mas como ele age que determina a sua personalidade24.

Era a valorização da etapa de lay-out, do processo de animação, quando é definida a concepção gráfica da história. Com isso, surgiu o storyboard, onde toda a animação tinha as suas ações principais desenhadas em pequenos pedaços de papel, presos depois num quadro na parede. Assim todos os participantes do processo tinham a completa noção dos movimentos, do ritmo e do encadeamento visual das cenas, resultando numa produção mais consistente25.

Il. 06 - Still de Branca de Neve e os Sete Anões (1937).

Mas talvez a mais importante inovação de Walt Disney tenha sido a introdução da câmera multiplano – que lhe rendeu o Oscar de inovação técnica em 1939. Isso porque a representação de qualquer efeito de luz no cenário, ou de perspectiva de movimento, era desenhada. Com o uso da câmera multiplano, cada elemento da cena ficava em um plano distinto, a uma distância diferente da câmera e com iluminação independente. Assim, os planos podiam ser aproximados e afastados da câmera, independentemente e de acordo com a necessidade de cada um. Este equipamento foi utilizado pela primeira vez nas produções de

24 Chuck Jones era então diretor da Warners Cartoon. Ver em: SOLOMON, C., op. cit. 52. Tradução livre. 25 Foi um recurso tão útil que se generalizou na produção audiovisual sendo utilizada até hoje. 23

Branca de Neve e os Sete Anões (1937) – il. 06 – e do curta-metragem O Velho Moinho, lançado um mês e meio antes – que mostra um velho moinho sendo atingido por uma tempestade. A forte ilusão de profundidade, entre a construção e a paisagem no pôr-do-sol e depois com a tempestade, rendeu-lhe mais um Oscar. Branca de Neve foi o primeiro longa-metragem de animação a ganhar um Oscar de Melhor Filme. Com personagens bem construídos e a utilização de trilha sonora específica para cenas importantes, além de muito bem animados (com os conceitos básicos e a Rotoscopia), o filme marcou definitivamente a história do cinema. Com Fantasia (1940) – il. 39 –, Disney também revolucionou a estética. Através de pequenas narrativas independentes, com desenhos de animais, vegetais e objetos animados sincronicamente ao som de diversas músicas eruditas, o filme apresenta um show de imagens e cores que, para a época, foi um assombro. Todas as outras produções animadas posteriores seguiram o mesmo patamar de qualidade, afirmando uma estética perfeita e um amadurecimento da arte. Mas outros avanços introduzidos pelos estúdios Disney merecem destaque: • a fotocopiagem dos desenhos feitos no papel diretamente para o celuloide, o que diminuiu consideravelmente o tempo de produção; • o cinemascope26, resultando numa imagem com espaço maior para o cenário e alterando a sua relação com os personagens; • o desenvolvimento da interação da imagem animada e filmada nas produções, Você já foi à Bahia? (1945); Mary Poppins (1964); e 24 anos mais tarde, o ápice, em Uma Cilada para Roger Rabbit (1988) – il. 07 –; onde, pela primeira vez, personagens animados interagem com imagens do cinema-vivo, com simultânea movimentação de câmera. Além disso, apresenta a interação gráfica, simulando a tridimensionalidade do desenho. Até então era utilizada uma imagem desenhada, plana, com a imagem de ação viva filmada. Para a produção, a Industrial Light & Magic27 precisou fotografar, para cada desenho dos personagens, pelo menos três camadas de acetato, com as imagens das luzes e das sombras, subexpostas e fora de foco.

26 O sistema de filmagem com lentes anamórficas que criavam uma proporção de imagem de 2.66:1, o que resultava numa imagem com uma largura mais de duas vezes maior que a altura (sistema utilizado no filme A Dama e o Vagabundo, de 1955). 27 Empresa de efeitos especiais de George Lucas. 24

Il. 07 - Stills de Mary Poppins (1964), à esq. e Uma Cilada para Roger Rabbit (1988), à dir. A diferença de interação, das duas produções, entre as imagens animada e real, é latente.

Por outro lado, em termos estéticos e de narrativa, essa supremacia “disneyana” contribuiu para a difusão do paradigma de que filme de animação é “para criança”, além da visão de que a “animação certa” tinha de ser igual a uma produção Disney. Mas como outros estúdios podiam desfrutar dos mesmos recursos técnicos, o caminho da diferenciação eram os estilos alternativos. Um grupo dissidente dos estúdios Disney desbravou uma nova vertente – as séries cômicas animadas. Surgiram as animações da Warner e da Metro-Goldwyn-Mayer, com foco na antropomorfização e no absurdo, onde se destacaram Chuck Jones, Tex Avery, , Bill Hannah e Joe Barbera28. Com personagens ágeis, exagerados e nem sempre politicamente corretos, tudo acontece muito rápido – corridas, explosões, quedas. São ícones dessa época personagens como Pica-pau29, Tom e Jerry 30 e as séries – il. 08 – e Merrie Melodies31. Eles foram conquistando plateias (a animação passa a ser um produto da indústria cultural32), o que colocou outro rótulo nesta arte: o de que “tem que fazer rir”. Em termos de design, os personagens da Warner eram esguios, desenhados para viverem histórias surreais. Talvez a maior contribuição deixada por esses animadores, tenha sido a capacidade de dominar o tempo na construção das ações, das piadas, nas sequências dos acontecimentos – o chamado timing.

28 Estes dois últimos, posteriormente, criaram o próprio estúdio trabalhando em dupla. 29 Pica-pau (Woody Woodpecker) foi criado por Walter Lantz em 1940. 30 Tom & Jerry é a mais famosa e importante dupla de personagens de animação, criação de William Hannah e para a MGM. 31 Looney Tunes e foram séries animadas da Warner Bros/MGM, que formaram um dos mais famosos conjuntos de personagens e animadores da história. 32 Expressão usada por Edgar Morin em A Indústria Cultural. In: Cultura de massas no século XX: o espírito do tempo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Companhia Editora Forense, 1969. Quando o trabalho criativo torna-se produtivo, adptando-se as exigências da produção industrial, muitas vezes ignorando a existência do autor. 25

Il. 08 - Personagens: (Piu-piu), Wille Coyote (Coiote), Sylvester (Frajola), Road Runner (Papa-léguas), (Hortelino), (Frangolino), (Patolino), (Gaguinho) e (Pernalonga).

Mas a revolução artística amadureceu com a UPA – United Productions of America, em 1945, originária de outro grupo dissidente da Disney: Stephen Bosustow, Saul Bass, Robert Cannon, , Pete Burness e Art Babitt. Eles criaram desenhos com um traço mais solto, estilizado, sem o pragmatismo da forma naturalista de Disney. Era a liberdade para experimentar desenho, estética, narrativa e temática, quebrando o estigma de “coisa de criança” e gags a todo custo. Com temática adulta e personagens exóticos, divertiam com uma dose de reflexão. Os desenhos da UPA se baseavam nas conquistas estéticas da arte moderna surgidas a partir do cubismo, com a valorização das formas geométricas e da linha simples, através da forte influência dos trabalhos de Saul Steinberg33 – onde o fundo das imagens era colorido, fazendo ressaltar o desenho essencial dos personagens (o que remete aos trabalhos de Émile Cohl). A UPA ganhou o Oscar, em 1951, com Gerald McBoing-Boing – il. 09 –, que conta a história de um menino que troveja e apita ao invés de falar, e que fica rico depois de sair de casa e tornar-se um fenômeno de circo. Mr. Magoo34 era um velhinho que enxergava mal e criava inúmeras situações cômicas e embaraçosas para os outros personagens, mas de onde sempre saía ileso. Esse humor inteligente foi uma virada na produção animada que ganhou público. Porém, as animações da UPA coincidiram com o surgimento das séries animadas para TV. O escasso tempo de produção e a necessidade abundante de produtos televisivos resultaram na sobreposição do design sobre a atuação dos personagens e a queda do nível de qualidade das animações – surgindo a chamada animação limitada, que privilegiava a economia, com a utilização de 6 quadros por segundo, com o aproveitamento de desenhos e sequências. Como observa Luiz Nazário, a

33 Desenhista e pintor de origem romena, que viveu nos EUA, onde teve um trabalho de destaque, sempre ligado a uma crítica social. Interrompeu seu trabalho como pintor, para trabalhar como cartunista. 34 De Pete Burness, talvez o personagem da UPA mais conhecido no Brasil, foi a primeira série animada para televisão produzida pela UPA. 26

Ausência de movimentos, diálogos e mais diálogos, rigidez de expressões, ausência de profundidade de campo, repetição mecânica de esquemas e personagens fazem do cartum um passatempo infantil que só contribui para a destruição da fantasia. O grotesco triunfa, adotando a perspectiva adolescente de um mundo deformado e corrompido pela feiúra maciça, pela crueldade absoluta, pela perversidade total35.

Il. 09 - Still de Gerald McBoing-Boing (1951).

As décadas de 1960 e 1970 foram o ápice das séries animadas para a televisão, com a entrada das produções de Hannah & Barbera36 e japonesas37 no mercado mundial. Talvez a mais duradoura contribuição da UPA para a arte da animação, tenha sido a ideia de que era possível a expressão artística em trabalhos comerciais. Essa característica libertária da animação foi uma das bandeiras mantidas pela Escola de Zagreb (mesmo depois do enfraquecimento da UPA, depois dos anos 50) e pelo National Film Board do Canadá38.

1.1.3 Animação experimental

O termo animação experimental refere-se praticamente a tudo que é diferente da estética Disney ou de mercado, inclusive em relação aos esquemas de produção. São animações mais artesanais, onde há maior liberdade para a experimentação. Como resultado tem-se a

35 Ver em: Animação norte-americana. In: BRUZZO, Cristina (Coord.) Coletânea lições com cinema. São Paulo: Fundação para o Desenvolvimento da Educação, 1996, vol. 4, p. 59. 36 William Hannah e Joseph Barbera dominaram o mercado televisivo de animação. Os Flintstones – primeira animação a ser transmitida em horário nobre –, Os Jetsons (outro retrato da família americana), Zé Colméia e Scooby-Doo são seus personagens mais famosos. 37 Entre as séries de maior sucesso da época estão: Astroboy (1963, de Osamo Tezuka); Speed Racer (1967, de Tatsuo Yoshida); Cavaleiros do Zodíaco (1984, de Masami Kurumada). Todos com uma estética característica japonesa e baseados em Mangás. 38 SOLOMON, C. The History of Animation: enchanted drawings. New York: Wing Books, 1994, p. 227. 27 presença mais forte do animador enquanto artista, além de uma estética diferenciada, peculiar a cada novo material ou método empregado. Nesta vertente destacam-se as produções europeias e as do National Film Board do Canadá. A alemã Lotte Reiniger desenvolveu a técnica de animação de silhuetas – a animação de recorte, uma variação do Stop motion – em um dos primeiros longas-metragens de animação39, As Aventuras do Príncipe Achmed (1926) – il. 10. O Stop motion com bonecos também logo despontou no Leste Europeu – rico na tradição de marionetes e do artesanato em madeira. O polonês Wladyslaw Starewicz40 foi um dos pioneiros na técnica, com produções que datam de 1910. Partindo de temas folclóricos, seus filmes já traziam a riqueza de detalhamento, metáforas alegóricas e perfeição de movimentos, características sempre presentes nas obras do Leste Europeu.

Il. 10 - Still de As Aventuras do Príncipe Achmed (1926).

Na França, o russo Alexander Alexeieff e a americana Claire Parker criaram e desenvolveram a dificílima técnica da tela de alfinetes (Pin-screen). A técnica consiste em uma tela perfurada por inúmeros pinos, que são movidos para cima e para baixo, criando mais ou menos sombras, que fazem surgir as imagens e seus movimentos. Exemplos de suas produções: Une Nuit sur le Mont Chauve (1933) – il. 11 – e En Passant (1944). Outro destaque foi o alemão Oskar Fischinger41, pioneiro na aplicação da arte abstrata no cinema. Trabalhou com som sintético (alteração da banda sonora da película) e com Pintura/Desenho sobre película. São exemplos de seu trabalho: Espirais (1925) e Composição em Azul (1934).

39 O primeiro que se consta é o filme argentino El Apostol, de Quirino Cristiani (1917). 40 O destaque é A Vingança do Cameraman (1910), curta-metragem em que Starewicz animou besouros colocando arames em suas pernas. 41 Foi o animador que mais influenciou Norman McLaren. 28

Il. 11 - Still de Une Nuit sur le Mont Chauve (1933), de Alexander Alexeieff e Claire Parker.

A produção cinematográfica do Leste Europeu, fortemente censurada, não sofria influência da americana. A cultura local é fortemente percebida nas animações, tanto no design e na técnica, quanto no humor crítico – uma maneira de burlar a censura – com temas voltados para questões sociais e educacionais. O Stop motion foi (e ainda é) a técnica largamente usada no Leste Europeu, influência cultural da região, com tradição no Teatro de Bonecos, na confecção de enfeites, brinquedos infantis e no circo. Jiri Trnka é um exemplo deste domínio, sendo considerado por muitos o melhor animador de todos os tempos. Reconhecido internacionalmente ainda durante a Guerra Fria, teve muitos trabalhos censurados, inclusive sua obra-prima, Mão (1965) – il. 12. Seu trabalho foi um marco na animação mundial e a Tchecoslováquia despontou como “berço” da Animação Stop motion, com a Escola de Praga42.

Il. 12 - Still de Mão (1965), de Jiri Trnka.

A Croácia (então Iugoslávia) também se destacou ao ganhar o primeiro Oscar para uma animação de fora dos EUA, com Substituto, de Dusan Vukotic, em 1961, apresentando um design criativo ao estilo UPA. O estúdio croata, fundado em 1951, se tornou mundialmente respeitado e com estilo conhecido como “Escola de Zagreb”. Nele era comum

42 E com o Jiri Trnka Studio (1947) e com o Studio Bratri v triku (1945) – todos três fundados por Trnka. Este último é o mais antigo estúdio tcheco, onde Brestilav Pojar, Jiri Brdecka e Zdenek Miler participaram da sua fundação. 29 a prática dos animadores escreverem, planejarem e dirigirem os próprios trabalhos, resultando numa unidade estético-narrativa. Com qualidade artística, comunicabilidade, explosão de cores, música, agudez, refinamento e humanidade, suas histórias sempre acreditam na possibilidade de um mundo melhor. Na Rússia (então União Soviética) foi criado o Soyuzmultfilm Studio43, feito que na época atraiu os melhores profissionais do país, que preferiram criar animações infantis a trabalhar com a propaganda do governo. Stalin, admirador de Walt Disney, restringiu a produção das animações a desenhos animados. Com Khruschev no poder, em 1957, eles passam a produzir também em Stop motion. Dois famosos personagens infantis que merecem destaque são Cheburashka44 e Krokodil Gena – il. 13.

Il. 13 - Os personagens infantis Cheburashka e Krokodil Gena,criados pela Soyuzmultfilm Studio, Rússia.

Com a Perestroika, em 1988, surgiu o primeiro estúdio de animação privado da Rússia, o Pilot Studio, com forte influência da Escola de Zagreb. Deste estúdio saíram profissionais reconhecidos internacionalmente, como Igor Kovalyov (diretor artístico da série americana “Os Anjinhos”) e Alexander Petrov (diretor de O Velho e o Mar, 1999). Do outro lado do mundo, em 1939, surge o National Film Board do Canadá, uma instituição governamental de serviço cultural, atualmente em plena atividade. Em 1942, Norman McLaren é convidado por John Grieson, também escocês, a trabalhar na instituição. Ele modificou e desenvolveu todas as técnicas de animação existentes, estudando a banda sonora e “desenhando” seus próprios sons e animações diretamente na película. Com Vizinhos

43 No início da década de 30 houve uma exibição dos estúdios Disney em Moscou. O Soyuzmultfilm Studio foi o resultado desta mostra, e se tornou um dos melhores estúdios europeus. 44 Atualmente Cheburashka é a mascote oficial da Seleção Olímpica Russa, o que nos fornece um parâmetro da importância deste personagem de animação para esta sociedade. 30

(1952), produzido em Pixilation45, recebeu o Oscar e o prêmio em Cannes, em 1955. Merecem destaque também: Hen Hop (1942), Le Merle (1958) e Pas de Deux (1968). Com a preocupação de manter a qualidade e a liberdade de criação, aliada à divulgação dos trabalhos de McLaren, o National Film Board se tornou um ponto de atração e referência para todos os animadores do mundo46 até a atualidade.

1.1.4 A Computação Gráfica

Um dos primeiros registros animados utilizando aparatos eletrônicos foi Abstronics, da americana Mary Ellen Bute, resultado de um conjunto de experiências realizadas na década de 1930 (com o apoio da Bell Telephone Laboratories), que adaptou um circuito eletrônico a um osciloscópio, capaz de “desenhar” com feixes de luz através de controles manuais – il. 14. O próprio Norman McLaren, em 1950, experimentou a criação de imagens através da técnica por ele batizada de filme estereoscópico. Um dos filmes que produziu na técnica foi Around is Around (1951), a primeira animação a apresentar efeito de tridimensionalidade. Esta consistia em misturar a imagem desenhada com a imagem produzida através do oscilógrafo de raios catódicos, aparelho que gerava padrões gráficos. Os desenhos eram fotografados quadro a quadro e “para a obtenção do efeito 3D, utilizava-se uma truca na qual dois projetores exibiam frames alternados. Na acuidade da gravação dessas imagens, duplamente expostas, estava o êxito do processo”47.

Il. 14 - Mary Ellen Bute com o osciloscópio.

45 Variação da técnica de Stop motion, onde pessoas são fotografadas quadro a quadro. 46 Alguns animadores que trabalharam no National Film Board do Canadá: Alexander Alexeieff e Lotte Reiniger, a americana Caroline Leaf (The Street, indicado ao Oscar em 1975, com a sua técnica de animação Stop motion com areia); os portugueses Abi Feijó e Regina Pessoa, além dos brasileiros, Roberto Miller e Marcos Magalhães. 47 BARBOSA, A. L. Arte da animação: técnica e estética através da história. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2001, p. 95. 31

Mas “a Computação Gráfica é a arte e a ciência em que o computador é incorporado no processo de criação e apresentação visual”48. Essa definição se confirma nos trabalhos dos irmãos John e James Whitney que, nas décadas de 1950 e 1960, produziram imagens utilizando computadores reciclados49, usados para o controle de canhões antiaéreos. John produziu animações abstratas e tipográficas reunidas numa coletânea, Catalog (de 1950, lançado em 1961, tinha sete minutos). Um trabalho com essa “tecnologia” foi o realizado com o desenhista Saul Bass: a sequência animada para a abertura do filme Um Corpo que Cai50 (1958). No trabalho de James, Lapis51 (1965) – il. 15 –, que durante três anos “pintou milhares de pontos em placas de vidro que eram montadas em camadas”52, o computador controlava as rotações do eixo da truca e os movimentos de câmera.

Il. 15 - Still de Lapis (1965).

Mas uma das primeiras interações gráficas computadorizadas foi no filme 2001: Uma Odisseia no Espaço53 (1968), na cena em que a nave acelera e cria uma deformação no espaço- tempo. O efeito foi obtido com o sistema Scanimate, um dos primeiros com interface “amigável” e precursor dos atuais programas de edição de vídeo. Consistia na conversão de um desenho em sinais elétricos (digitalização), com acesso via monitor. Através de um painel de controle, a imagem poderia ser rotacionada, deformada, explodida, texturizada, etc54. Porém, três avanços tecnológicos foram fundamentais para a animação computadorizada:

48 KERLOW, Isaac V. e ROSEBUSH, Judson apud BARBOSA, A. L., Arte da animação: técnica e estética através da história. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2001, p.162. Grifo feito pela autora. 49 Computadores ainda analógicos, computadores não programáveis. Ibid., p. 202. 50 Direção de Alfred Hitchcock. 51 “Em Lapis a configuração de 250 pontos cai e dança calendoscopicamente, através de organizadas rotações de câmera e filtros de cor”. BECK, Jerry (Ed.). Animation art: from pencil to pixel. Londres: Flame Tree Publishing, 2004, p. 217. Tradução livre. 52 BARBOSA, A. L., op. cit., p. 268. 53 Direção de Stanley Kubrick. 54 Ibid., p. 252-253. No funcionamento do Scanimate percebe-se claramente a aplicação do mesmo princípio da câmera multiplano de Disney, e da manipulação dos elementos como na técnica de recorte. 32 a pintura digital, os elementos de controle do movimento e os ambientes tridimensionais. A pintura digital surgiu em 1973, com o Superprint, da Xerox, um conjunto integrado de computador e programa. Possuía uma caneta digital e um menu, onde era possível escolher o pincel para o traço e sua cor, além de ter a capacidade de 8bits55 e resolução de 640 x 480 pixels. Mas o sistema de criação de cores era baseado na mistura de vermelho, azul e verde (o RGB, ou cores luz). Alvy Ray Smith desenvolve então o sistema baseado em matiz, saturação e brilho da cor (o HSV, hue, saturation and value, em inglês) e, depois, trabalhando na New York Institute of Technology, amplia a profundidade de cor para 24 bits, criando o algoritmo para fusão de cores na tela, incorporando o efeito de transparência.

Il. 16 - Still de Hunger (1974).

Os controles de movimento para a animação digital vieram do Canadá, com a animação por keyframe56 (quadrochave) e o controle por esqueleto, desenvolvidos por Nester Burtnyk e Marceli Wein, no início dos anos 70, com auxílio do National Film Board. Nesse sistema o computador fica responsável pela criação dos desenhos de intervalação; e já apresenta a possibilidade do uso de esqueletos, que consiste em uma linha guia (motion paths), tanto para os movimentos, quanto para a estrutura do personagem (os bones, dos atuais programas de animação 2D e 3D). O sucesso desse processo veio com a premiação do júri no Festival de Cannes de 1974 e com a indicação ao Oscar, do curta-metragem de animação Hunger, de Peter Foldès – il. 16. Já a imagem tridimensional começou a ser pesquisada em 1960, com a Boeing Aircraft Company, nos desenhos de seus modelos de aeronaves. Maiores evoluções só aconteceram a partir dos anos 70, com o desenvolvimento da tecnologia.

55 A capacidade em bits tem haver com a profundidade e capacidade de processamento de cor pelo computador. 8 bits tem uma capacidade menor que 32 bits e trabalha com um menor número de cores – 8 bits, com 256 cores; 32 bits, com mais de 16 milhões, além de espaço para o canal alpha (transparência). 56 Quadro-chave, desenho chave dentro de uma sequencia animada, composta pelos quadros-chaves e os desenhos de intervalação, desenhos de transição entre os quadros-chave. 33

A criação de uma imagem 3D consiste de vários fatores: a modelagem, o material, a iluminação, os efeitos de ambiente e os atmosféricos, além de efeitos e movimentos câmera. Exemplos da sua utilização a partir dos anos 70 são as cenas de Guerra nas Estrelas57 (1977), quando são exibidos os alvos nos consoles dos caças espaciais; em O Império Contra-ataca58 (1980), para a sequência de combate dos caças espaciais; e em Alien o Oitavo Passageiro59 (1989), quando durante o pouso da nave, aparece no console o terreno “aramado”60 do planeta.

Il. 17 - Still de Tron (1982).

Mas o filme que foi um marco quanto à aplicação da CG no cinema foi Tron61 (1982), uma produção Disney, em parceira com a MAGI (Mathematical Applications Groups, Inc., empresa responsável pelos efeitos computacionais). Como observado por Jonh Lasseter62: “Quando eu vi essa animação computadorizada, foi como se uma porta tivesse sido aberta em minha mente, revelado todo um novo mundo lá fora”. O destaque fica por conta da sequência das lightcycles (“motocicletas de luz”) – il. 17. A história acontece dentro de um computador, numa perseguição ao estilo de videogame (da época). A materialização das lightcycles passa pelos estágios de visualização de um objeto 3D – aramado, com superfície sólida, iluminação e textura. As sequências com os atores foram filmadas em preto e branco, com fundo preto. Depois os cenários (desenhos pintados sem uso de computadores) eram anexados a cada fotograma através de máscaras de filmes, num trabalho artesanal, com recortes para as áreas de luz colorida. Outro exemplo do emprego da animação 3D, foi no filme Jornada nas Estrelas,

57 Direção de George Lucas. 58 Direção de Irwin Kershner. BARBOSA, A. L., Arte da animação: técnica e estética através da história. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2001, p.327. 59 Direção de Ridley Scott. 60 Um tipo de visualização da imagem 3D, somente das linhas estruturais do desenho. 61 Direção de Steve Lisberger. 62 Então, diretor de animação da Lucas Filmes. Lasseter, John apud BARBOSA, A. L., op. cit, p. 429. 34

A Ira de Khan63 (1982), com a sequência da “Genesis”, quando um planeta estéril se regenera. Em 1984, o curta-metragem A Aventura de André e da Abelha Wally foi uma produção de teste de tecnologia da Lucasfilm, com participação de John Lasseter. Foi a primeira animação em CG que adotou uma estética cartoon, tirando partido das possibilidades que o 3D oferecia no momento. Dois anos depois, Luxor Jr., uma produção Pixar64, apresenta a relação entre pai e filho através de duas luminárias animadas – il. 18. Foi outro marco na história da animação, comparável a Streamboat Willie. Graças ao apelo dos personagens, ao design (aproveitando as melhores possibilidades da modelagem 3D), ao uso da luz e apresentando todos os conceitos fundamentais de animação, tornou-se o primeiro curta-metragem em 3D indicado ao Oscar. Mas foi , outra produção Pixar, que recebeu o prêmio em 1988. Então, a animação 3D está madura o suficiente para o próximo passo: Toy Story65. Longa-metragem de 1995, primeira produção Pixar-Disney, também recebeu o Oscar de Melhor Animação. Na sua produção foi formulada a “técnica de construção de personagens como uma série de modelos digitais, com membros e expressões faciais que então podiam ser movidos em qualquer direção dentro do ambiente computadorizado”66; além dos pull points (controles faciais de animação) – o personagem Woody, por exemplo, tinha oito, somente para o controle dos olhos.

Il. 18 - Still de Luxor Jr. (1986).

Houve então o aquecimento do mercado e as produções se seguiram com destaque para FormiguinhaZ67 (1998) e Monstros S.A.68 (2001); entre outros. A animação também tornou-se indispensável para os efeitos especiais nos filmes de ação-viva, como O

63 Direção de Nicholas Meyer. 64 George Lucas vendeu o departamento de animação para Steve Jobs, que lhe deu um novo nome: Pixar. 65 Recebeu o Oscar Special Achievement Award, pelo desenvolvimento e aplicação expressiva da técnica. 66 BECK, J.(Ed.). Animation art: from pencil to pixel. Londres: Flame Tree Publishing, 2004, p. 270. 67 Produção em que a equipe desenvolveu o sistema de animação facial, aumentando o grau de realismo. 68 Filme para o quel foram desenvolvidos novos sistemas: o “Geppetto”, onde o personagem é controlado como uma marionete, dando maior realismo aos movimentos; e o “Fizt”, para a criação de cabelo, pelo e tecido. 35

Exterminador do Futuro II: o Julgamento Final69 (1991) e Parque dos Dinossauros70 (1993).

Na primeira década do século XXI, também vale ressaltar as seguintes produções: • Final Fantasy71 (2001): filme totalmente produzido em 3D, foi o primeiro filme a explorar a modelagem 3D humana de forma realista72. • O Senhor dos Anéis: As Duas Torres73 (2002): para as cenas de batalha foram criados complexos sistemas digitais para efeito de multidão, que simularam as ações de cada personagem individualmente. O personagem Gollum foi animado com Rotoscopia e com Motion capture74. • Ryan (2004): curta-metragem canadense, direção de Chris Landreth, apresenta o estilo “realismo psicológico”, onde os efeitos visuais são subjetivos, refletindo os estados emocionais e psicológicos do próprio Ryan75 – il. 32. É um documentário sobre o animador Ryan Larkin. • Avatar (2009): utilizou a tecnologia Motion capture, atualizada para a produção, inclusive para a movimentação facial. Outro filme de Cameron que recebeu o Oscar de Efeitos Especiais de 2009.

1.2 O DESENVOLVIMENTO DO STOP MOTION

A animação tridimensional é compreendida como sendo Computação Gráfica. Na verdade, o Stop motion é a animação tridimensional real, enquanto o conhecido 3D é a animação tridimensional computadorizada. Alguns trabalhos e técnicas de Stop motion se destacaram ao longo do tempo, abrindo caminho para a animação se tornar um importante artifício dos efeitos especiais, antes da utilização dos computadores pelo cinema-vivo. O já citado Viagem à Lua, produzido numa época em que não havia a diferenciação entre animação e cinema (vivo), já apresentava sequências animadas em Stop motion, um prenúncio da importância dessa forma de criar imagens em movimento para o cinema-vivo. Mas a primeira manifestação de aplicação de

69 Direção de James Cameron, a produção desenvolveu os efeitos de morphing e metalballs, e de movimentação, o motion capture (onde o movimento é capturado da ação de um ator e projetado no personagem). BECK, J. (Ed.), Animation art: from pencil to pixel. Londres: Flame Tree Publishing, 2004, p. 306. 70 Foi o primeiro a apresentar personagens em 3D realisticamente, com respiração, pele, músculos e textura. Direção de Steven Spielberg. BECK, J. (Ed.), loc. cit. 71 Direção de Hironobu Sakaguchi. Foi baseado no game Final Fantasy, produção da Square Enix. 72 GÉNIN, Bernard. L'Image de synthèse. Le cinema d`animation. Paris: Cahiers du Cinèma, 2005, p. 59. 73 Direção de Peter Jackson. 74 BECK, J. (Ed.), op. cit, p. 356-357. 75 WELLS, Paul. Fundamentals of animation. Londres: An AVA Book, 2006, p. 130-131. Recebeu o Oscar de Melhor Curta-metragem Animação em 2004. 36

Stop motion (então conhecido como “stop-action”) foi registrada no livro The Emergence of Cinema: The American Screen to 1907, de Charles Musser, na cena da decapitação no filme de Thomas Edison, The Exercution of Mary, Queen of Scots, de 189576.

Il. 19 - Still de O Dinossauro e o Elo Perdido (1915); a estrutura do boneco de King Kong e still do filme (1933).

Porém, o primeiro famoso animador americano de stop motion foi Willis O´Brien, que em 1914, fez seu primeiro teste com animação de boneco, manipulando-o a cada quadro fotografado. Tinha uma estrutura feita de madeira coberta por massinha, de difícil controle e de fraca integridade de textura. No ano seguinte, em O Dinossauro e o Elo Perdido, seus bonecos já tinham estruturas de metal articulado, eram preenchidos com algodão e recobertos com borracha e uma solução de látex. Seu processo de trabalho foi se desenvolvendo, com registros de patentes de estruturas e de sets de filmagem (para animação com bonecos), culminando com a sua participação na produção de King Kong (1933), ao adicionar imagem filmada e bonecos com maestria (através de recursos óticos de laboratório) – il. 19. Seu trabalho influenciou profundamente Ray Harryhausen, seu seguidor. Este também criou bonecos, aperfeiçoando suas estruturas metálicas (mais leves e mais delicadas, devido ao próprio desenvolvimento da siderurgia) e os sets de filmagem (com a projeção da imagem filmada no fundo do palco da animação, durante a captura das imagens, como já faziam os Fleischer nos desenhos animados). É marcante a influência artística de seus bonecos e animações em filmes como Simbad e a Princesa (1958) e Fúria de Titãs (1974). Com um trabalho consistente e criativo, influenciou

76 HARRYHAUSEN, Ray; DALTON, Tony. A century of Stop motion animation: from Méliès to Aardman. Nova York: Watson-Guptill Publications, 2008, p. 38. 37 diretores como James Cameron77, George Lucas e Steven Spielberg78, além de animadores como Peter Lord, Nick Park, Henry Sellick e Tim Burton79. A animação Stop motion, por ser resultado da ação direta das mãos do animador, sempre se desenvolveu de forma artesanal, dada ao experimentalismo e sujeita às circunstâncias de cada produção. O húngaro George Pal80, trabalhando no EUA, desenvolveu uma tecnologia própria: os bonecos modulares. Assim, a cada quadro fotografado ele trocava sucessivamente as partes do corpo dos personagens (previamente esculpidas em madeira e em várias posições), o que também criava a impressão de movimento – método mais tarde adotado pela Aardman, principalmente para as cabeças e bocas de seus personagens.

20 - Stills de Dimensões do Diálogo, de Jan Svankmayer (1982).

Já o animador tcheco, Jan Svankmayer, revolucionou a linguagem da animação de bonecos e objetos. Muito menos romântico que Trnka, desenvolveu em seus trabalhos imagens muito mais viscerais, aproveitando-se das qualidades dos materiais, criando metáforas e ambientes surreais, com temas “pesados” e com forte crítica política. Dimensões do Diálogo (1982) talvez seja o seu trabalho mais representativo – il. 20. Recebeu o Grande Prêmio de Annecy e o Urso de Ouro em Berlin, ambos no ano de 1983. A Aardman, famosa produtora inglesa de animação de Clay Animation e Stop motion, é o resultado da união de Peter Lord, David Sproxton e Nick Park. Obteve muito destaque ao produzir as sequências animadas do videoclip Sledgehammer, de Peter Gabriel, nos anos 80 – juntamente com os Irmãos Quaid81. Desde 1972 já produzia séries animadas em massinha para

77 WELL, P. Fundamentals of animation. Londres: An AVA Book, 2006, p. 101. 78 Foram diretores que utilizaram stop motion em seus filmes – Exterminador do Futuro I (1984); ET - O Extraterrestre (1982); Gurrra nas Estrelas - O Império Contra-ataca (1980) –, produções mistas com “ação-viva”, animação e cenários em computação gráfica. 79 HARRYHAUSEN, R.; DALTON, T. A century of Stop motion animation: from Méliès to Aardman. Nova York: Watson-Guptill Publications, 2008, p. 222. 80 Um exemplo de seu trabalho é o curta-metragem Tubby the Tuba (1947), indicado ao Oscar de 1948. 81 Gêmeos americanos, fixaram-se na Inglaterra desenvolvendo um trabalho de animação fortemente influenciado pelo Leste Europeu e a pela obra de Jan Svankmayer. 38 para a TV britânica (BBC), o que para eles, na época, era mais econômico do que trabalhar com acetato82, o que serviu para popularizar a utilização do material para produções animadas. Fazem parte de seu currículo produções como Creature Conforts (1989), Oscar de Melhor Curta-metragem de Animação de 1990, A Fuga das Galinhas (2001) e os filmes de Wallace and Gromit83. O Estranho Mundo de Jack (1993) – il. 40 – foi o primeiro longa-metragem em Stop motion, com bonecos produzidos pela Disney. Com o design de Tim Burton, os personagens do mundo de Halloween não têm o globo ocular – e mesmo assim, eles convencem o público. Já os personagens de A Noiva Cadáver (2005) – il. 35 – atingiram tamanho grau de sofisticação estrutural que havia um conjunto de engrenagens na cabeça dos personagens – para as expressões faciais serem controladas através da rotação de pequenas “chaves” inseridas em minúsculos orificíos (foi o primeiro filme a utilizar esse sistema, o “gear and paddle”84). Os cenários também se sofisticaram, sendo compostos por grupos de módulos móveis e, juntamente com a utilização das câmeras digitais (de menores dimensões), propiciaram um melhor acesso do animador aos bonecos durante as filmagens. Partindo desse ponto, Coraline (2009) – il. 43 – direção de Henry Selick, utilizou os avanços digitais para a escultura das boquinhas dos personagens – utilizadas para as sequências de diálogos. Todos os modelos de bocas foram modeladas manualmente, digitalizadas para um programa de modelagem 3D e depois esculpidas em um material, tipo látex, através de uma impressora tridimensional, otimizando assim um tempo considerável na confecção manual das mesmas. Como é possível constatar, o avanço da tecnologia digital não inviabilizará ou determinará o fim da animação tridimensional real. Ao contrário. Na realidade ele vem permitindo um avanço da animação em Stop motion, perceptível com o aumento do número de produções do gênero, além de Coraline, Mary e Max - Uma Amizade Diferente85 e O Fantástico Sr. Raposo86, também foram lançados em 2009.

82 HARRYHAUSEN, R.; DALTON, T. A century of Stop motion animation: from Méliès to Aardman. Nova York: Watson-Guptill Publications, 2008, p. 226. 83 Foram produzidos curtas e longas-metragens com esses personagens, o mais recente foi Wallace & Gromit: A Batalha dos Vegetais (2005), direção: Nick Park e Steve Box. 84 Essas estruturas foram confeccionadas pela empresa britânica Mackinnon and Saunders. Ibid., p. 223. 85 Direção de Adam Elliot, produção australiana. 86 Direção de Wes Anderson, produção anglo-americana. 39

1.3 A ANIMAÇÃO NO BRASIL

A história da animação no Brasil tem sido um reflexo dos booms que o próprio cinema brasileiro tem vivenciado ao longo do tempo. Em 2007 completaram-se 90 anos “oficiais” de animação brasileira, que nos últimos anos ganhou força com o desenvolvimento de novas formas de produção, as novas mídias e um evento regular no gênero: o Anima Mundi. Seth (Álvaro Marins) é considerado o autor da primeira animação brasileira – por ter criado personagens e situações brasileiras. O Kaiser, de 1917, era uma crítica à Primeira Guerra Mundial (por influência da entrada do Brasil no conflito) e mostra Guilherme II sendo engolido pelo globo terrestre, mesmo depois de ter colocado o seu capacete sobre ele. Entre 1929 e 1933, Luiz Steel produz Macaco Feio, Macaco Bonito, com traço nitidamente inspirado nos irmãos Fleischer – il. 21. O curta-metragem apresenta o já conhecido pensamento de valorização da cultura nacional, isso por conta do personagem Chiquinho, que visitando um zoológico, prefere levar para casa um macaco fujão, um personagem nacional, ao invés de outros fugitivos (um deles, por exemplo, é uma “cópia” do Gato Félix).

Il. 21 - Still de Macaco Feio, Macaco Bonito (1933).

Na década de 40, o destaque é Dragãozinho Manso (1949). Animação de Humberto Mauro87, este curta-metragem de 18 minutos foi o primeiro Stop motion com bonecos brasileiro e voltado ao público infantil – il. 22. Foi produzido pelo Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE) – o que já preconizava a importânica do Estado na produção animada brasileira.

87 Figura importante no cinema brasileiro, foi diretor do conhecido longa-metragem O Descobrimento do Brasil, de 1937. 40

Il. 22 - Still de Dragãozinho Manso (1949).

Em 1953 é lançado o primeiro longa-metragem brasileiro de animação, Sinfonia Amazônica, de Anélio Lattini Filho – il. 23. Produzido em preto e branco, foi um trabalho solitário de seis anos, em sua própria casa, no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro88. Influenciado pela estética Disney, o filme conta sete lendas brasileiras89.

Il. 23 - Cartaz de Sinfonia Amazônica (1953).

No final de década de 50, o paulista Roberto Miller, de volta após seis meses de estada no National Film Board do Canadá, integra-se ao Centro Experimental de Cinema de Animação de Ribeirão Preto, criando trabalhos de animação experimental abstrata. Com clara influência de Norman McLaren, produz trabalhos (em sua maioria) em pintura sobre película, entre eles: Sound Abstract (1957), medalha de prata no Festival de Bruxelas (1958) e menção honrosa em Cannes (1957). Durante as décadas seguintes, Miller será responsável por um dos mais criativos programas dedicados à arte do cinema animado, Lanterna

88 Na primeira metade do século XX a produção brasileira é muito artesanal e autodidata. As poucas informações vinham de almanaques e livros, principalmente dos EUA, e tudo era adaptado das tecnologias do cinema-vivo disponíveis. 89 Lenda da Noite; Lenda da Lua e do Urutau (do nascimento do rio Amazonas); Lenda do Fogo; Lenda do Jabuti; Lenda da Iara; Lenda do Jurupau e a Lenda do Arco-íris. 41

Mágica, exibido pela TV Cultura em São Paulo90 e pela TVE, no Rio de Janeiro. Já na década de 60, com o advento da televisão, cresce o número de animações em produções publicitárias e em filmes didáticos91. A Linxfilm, de Ruy Perotti Barbosa, torna-se a produtora de comerciais mais importante do país, produzindo comerciais famosos como o dos Fósforos Fiat Lux92, filmado em Stop motion. Em 1969, os ilustradores Jô e Rui de Oliveira, juntam-se a Stil, Antônio Moreno, Carlos Alberto Pacheco (entre outros) e criam o “Fotograma”, um grupo de animação experimental que promove diversas mostras de animação, além de um programa dedicado ao assunto no Canal 9, no Rio de Janeiro. Stil (Pedro Ernesto Stilpen), procurando meios mais econômicos de produção, desenha com hidrográfica sobre papel de embrulho. É dessa forma que realiza Batuque (1970), no qual uma figura devora a outra, numa dança antropofágica de mitos amazônicos. No início da década de 1970, com a Lei do Curta-Metragem93 e a atuação da Embrafilme, há uma produção mais consistente no eixo Rio-São Paulo. Rui de Oliveira faz diversas vinhetas e aberturas para a Rede Globo e para a TV Educativa94. Surgem os estúdios de Walbercy Ribas95 e de Maurício de Sousa. Deste último, na década de 1980, destacam-se O Natal da Turma da Mônica, uma das primeiras animações brasileiras veiculadas em horário nobre, além do seu primeiro longa-metragem, As Aventuras da Turma da Mônica (1982). A televisão brasileira também passa a utilizar animação.

Il. 24 - Still de Meow! (1981).

90 MORENO, Antônio. História do cinema de animação brasileiro. In: BRUZZO, C. (Coord.). Coletânea lições com cinema. São Paulo: Fundação para o Desenvolvimento da Educação, 1996, vol. 4, p. 98. 91 A animação sempre foi uma ferramenta de apoio para a instrução/educação. Comprovado pelo boom desse início de século, dos cursos de educação à distância, que utilizam a internet e animação. 92 Disponível em: . Acesso em: 27 fev. 2010. 93 Lei que assegurava ao curta-metragem brasileiro certificado (atestado por uma comissão governamental), ser exibido nas salas de cinema antes de um longa-metragem estrangeiro. 94 Mais tarde, Rui de Oliveira passa a se dedicar a uma produção autoral, onde destacam-se: Cristo Procurado (1990) e a série América Morena (1999-2002). 95 Criou clássicos da propaganda brasileira como A Barata - Rodox (1971). O comercial misturou imagens filmadas e desenhadas e foi a primeira vez que um personagem brasileiro recebeu um prêmio no exterior, o Leão de Ouro do Festival de Cannes (1972). 42

Em 1981, Marcos Magalhães produz Meow!96, que recebe o Prêmio Especial do Júri de Cannes, em 1982 – il. 24. Ainda com apoio da Embrafilme, passa seis meses no National Film Board do Canadá, onde tem contato com materiais e equipamentos inexistentes no Brasil, além de conviver com animadores consagrados, inclusive com o próprio Norman McLaren. Produz Animando (1985), um trabalho que apresenta um personagem caminhando, animado em: Pixilation, animação tradicional, Stop motion, tinta sobre vidro, areia, massinha e desenho sobre película. De volta ao Brasil, em 1986, coordena com Céu D'Elia a produção do curta-metragem Planeta Terra, em homenagem ao Ano Internacional da Paz, para a ONU, evento que reuniu 30 animadores brasileiros. Na década de 1980/90, outro animador de destaque foi Cao Hamburger97. Trabalhando com bonecos de massinha, Cao realizou curtas-metragens como Frankenstein Punk (1986) e Garota das Telas (1988), com grande sucesso de público. Entre 1985 e 1987, a Embrafilme promove o acordo Brasil-Canadá onde, com o apoio tecnológico do National Film Board, foram criados núcleos de produção em animação, além de um workshop com técnicos canadenses. Marcos Magalhães é o responsável por este curso e dele participam, entre outros, Aída Queiroz, Léa Zagury e César Coelho (que mais tarde se tornarão os quatro diretores do Anima Mundi). Com o acordo, o Brasil também recebeu equipamentos98 com os quais foram montados quatro núcleos de animação: em Fortaleza; no Rio Grande do Sul; em Minas Gerais e no Rio de Janeiro (atual CTAv - Centro Técnico do Audiovisual). O objetivo era desenvolver a produção de animação no Brasil, o que infelizmente não aconteceu devido ao fechamento da Embrafilme pelo governo Collor, em 1990.

Il. 25 - Still de Cassiopéia (1996).

96 Primeiramente em Super8 e depois refilmado em 35mm conta a história de um gato que é obrigado a beber “Soda-Cólica” ao invés de leite. É uma crítica a pressão comercial dos produtos americanos. 97 Ele também trabalhou na produção do Castelo Rá-Tim-Bum (1994-1997), da TV Cultura. 98 MAGALHÃES, Marcos. Marcos Magalhães, a câmera Oxberry e a criação do núcleo de animação. Revista Filme e Cultura. N.49. Rio de Janeiro: Centro Técnico do Audiovisual, On-line, 2007, p. 35-36. Disponível em: . Acesso em: 20 fev. 2010. 43

Em 1993, aconteceu o primeiro Anima Mundi99, no Rio de Janeiro. Com o objetivo de difundir a animação e formar público, o evento mudou a história da animação brasileira. Pela primeira vez se tinha acesso às melhores animações do mundo e com a possibilidade de contato com seus realizadores. No início da década, com a abertura do mercado, também chegaram ao Brasil equipamentos e softwares para a área de criação de imagem, o que contribuiu para diminuir o custo de produção de uma animação, permitindo maior acesso aos interessados, oferecendo novas possibilidades estéticas. Cassiopéia100(1996), de Clóvis Vieira, inaugurou uma nova fase no cinema de animação, sendo a primeira produção realizada inteiramente com computação gráfica – il. 25. Em 2000, depois de 20 anos de trabalho, Walbercy Ribas consegue lançar seu primeiro longa-metragem, O Grilo Feliz – baseado nos personagens criados para os comerciais da Sharp. O início do século XXI mostra-se promissor. Em 90 anos de animação brasileira foram produzidos 21 longas de animação, sendo que nove destes, entre 2001 e 2008, confirmando o vigor da recente produção, incentivada por editais específicos (criados pelo Ministério da Cultura, desde 2004)101. Em 2006, foi assinado um novo acordo entre Brasil e Canadá, voltado para co-produções de séries de animação, onde quatro estão sendo finalizadas. Uma delas é Peixonauta, da TV Pinguim102, atualmente exibida no canal Discovery Kids.

Il. 26 - Still de Minhocas, curta-metragem de 2006, que deu origem ao longa.

A Animaking, uma produtora de Florianópolis, está produzindo Minhocas, um longa- metragem de animação em Stop motion com bonecos, com muitos recursos digitais, inclusive com a utilização de uma impressora modeladora 3D, como a utilizada em Coraline (2009) – il. 26.

99 Festival Internacional de Animação do Brasil, que tornou-se o maior festival da América Latina no gênero. 100 Trabalhando com todo o tipo de dificuldades durante cinco anos, o filme não teve o retorno esperado, pois foi lançado logo após a estreia de ToyStory nos cinemas brasileiros... 101 MORI, Letícia. Animação brasileira mundo afora. Revista de Cinema On-line. 30 jun. 2009. Disponível em: . Acesso em: 10 fev. 2010. 102 Produtora paulista, que produziu a série em parceria com a Discovery Kids. 44

2 A IMAGEM ANIMADA E SUA ESTÉTICA

2.1 A ANIMAÇÃO NO CONTEXTO ARTÍSTICO

O processo de sedução de cada manifestação artística é particular, diferenciado das demais e requer observação e análise também particulares. A animação exerce um fascínio quase hipnotizante no público. O fato de ser possível observar algo que materialmente não existe – desenhos são apenas riscos no papel –, em movimento, como algo vivo, emotivo, atuante, carrega uma atmosfera de magia inexplicável, que magnetiza e seduz, transportando o público para o ambiente imagético e particular da história apresentada. Esta arte possui características únicas, pois não é uma manifestação isolada, afinal, carrega em si um conjunto integrado de manifestações artísticas. É um equivalente gráfico à ópera. Em uma obra de animação encontram-se o desenho, a pintura, a escultura, a cenografia, a fotografia, a linguagem cinematográfica, a representação teatral e também a música. Devido a essa complexidade de componentes, analisar a animação requer uma reflexão sobre os mesmos, de forma a avaliar suas influências, pontos em comum e diferenças, inclusive sob o ponto de vista da materialidade e da virtualidade. As comparações entre teatro e cinema, fotografia e pintura, imagem estática e imagem em movimento, imagem real e virtual são tradicionais e conhecidas. Mas avaliá-las conjuntamente, tendo como referência e objeto central a animação (e suas variantes técnicas), é uma estratégia capaz de auxiliar no processo de compreensão sobre essa arte, sobre suas imagens resultantes e a sua sedução imagética.

2.1.1 Considerações sobre a imagem no teatro, na pintura e no cinema

No teatro a ação da cena é real, única, já que não há como reproduzi-la ou repeti-la de forma idêntica; o contato com o público é direto, o contato e a receptividade que muitas vezes influenciam a atuação do ator em cena (é um processo de mão dupla); o ambiente é mais aberto, a cenografia é material (com o uso de objetos e móveis), ou muitas vezes é insinuada ou não existe, contando com o repertório de cada espectador para completá-la; a própria encenação é 45 aberta, do tamanho do palco (ou de qualquer outro local). Para se detalhar ou destacar uma ação, o teatro lança mão de artifícios de iluminação, de cenografia, pois não há como fazer um close-up. Se houver algum erro de entrada de ator, esquecimento de texto, ou acidente cenográfico em cena, raramente há como retirá-lo ou inibi-lo antes que a plateia o veja. A “mentira” contada ao público, no momento da encenação, é verdadeira e acontece no mesmo plano do observador: o plano da realidade, da materialidade. Diferentemente do teatro, a pintura, o “cinema-vivo” e a animação utilizam um “quadro”, um recorte, uma área delimitada, espaço em que se representa e se apresenta a cena. Na pintura é a moldura, nos outros casos é a área de projeção da imagem. Para Bazin, “a tela não é uma moldura como a do quadro, mas um esconderijo que só deixa ver uma parte do acontecimento”1, como uma janela. Porém, como a moldura, também há uma concentração da atenção do público, e um isolamento da imagem, em relação ao ambiente desse público. A ação e a cena acontecem em outro plano, fora do alcance material de quem vê. É uma fronteira intransponível: a da realidade (o que se passa no plano material, diante de nossos olhos) e a da “não realidade”, apresentada e representada na “janela” da tela da pintura ou da projeção cinematográfica. Essa irrealidade, essa não-materialidade da imagem observada, por semelhança, propicia uma aproximação psicológica, cria um vínculo com as imagens mentais, com as lembranças, com as fantasias do público. A imagem (cinematográfica, cinema-vivo ou animação) remete o observador a uma viagem interna própria, de acordo com sua memória imagética e a sua vivência emocional. Pode haver uma identificação ou uma repulsa, mas sempre haverá uma reação. Embora não haja a interação desta reação do público com a ação representada. O processo de comunicação é de via única, estancada no próprio observador. O que provoca um tipo de agitação interna (mental/emocional), que pode ser interpretada como sendo o eks-tasis ou como o despertar, a tomada de consciência de um sonho. Para Edgar Morin, há mecanismos comuns entre os sonhos e os filmes, e no processo de projeção-identificação, ao invés de se projetar “no mundo, o sujeito absorve o mundo em si mesmo”2. O isolamento criado pela janela coloca então o observador da obra numa situação de passividade, em relação à imagem observada, coloca-o na posição de voyer – alguém que sente prazer em observar uma ação (independente da natureza desse prazer).

1 BAZIN apud GRAÇA, Marina E. Entre o olhar e o gesto: elementos para uma poética da imagem animada. São Paulo: Editora Senac, 2006, p. 70. 2 MORIN. E. apud MARIE, Michel. O espectador de cinema, 'o homem imaginário'. In: AUMONT, Jacques. A estética do filme. São Paulo: Papirus Editora, 2008, 6a. ed., p. 237. 46

Nas três artes, como no teatro, há a representação do ambiente por meio de artifícios falsos, cenográficos, com o uso de cartazes, pinturas, desenhos e/ou móveis, objetos. A pintura, diferentemente do cinema-vivo e da animação, é uma imagem estática, porém, bidimensional, como as outras duas. Mas essa bidimensionalidade não escraviza a imagem, em nenhuma das três manifestações artísticas, ao contrário: a liberdade de uma tela branca muitas vezes é maior que a do palco. Marina Graça afirma que, na imagem cinematográfica,

A tela de cinema “desaparece” enquanto superfície, [...], para se “apresentar” como uma janela aberta para além da qual a representação parece afundar-se, sendo percebida como tridimensional e complexa. Assim, no processo, a fruição fílmica exige a omissão da tela enquanto suporte fenomênico e plano de representação da imagem, e, por isso, o espectador é sutilmente conduzido a não considerar o conflito entre a consciência da bidimensionalidade da imagem e a ilusão que lhe é proposta3.

Il. 27 - O Rapto das filhas de Lêucipo, de Peter Paul Rubens (1577/1640) – acervo da Alte Pinakothek, Munique.

Já a pintura, dependendo do que representa, pode apresentar uma profundidade de campo, com a utilização do claro/escuro, da luz e da sombra, além do movimento de personagens e objetos. Mesmo sendo uma imagem estática, pode também insinuar o movimento, mas não realizá-lo, de acordo com a disposição dos elementos na tela, como na obra de Rubens: O Rapto das filhas de Lêucipo (1617/18) – il. 27. Enquanto Marcel Duchamp, em Nu Descendant un Escalier Nº 2 (1912-1916) – il. 28 –, tenta registrar na tela o movimento mecânico de descer escadas, em um único frame4, a imagem cinematográfica pulveriza a ação

3 Ver em: Entre o olhar e o gesto: elementos para uma poética da imagem animada. São Paulo: Editora Senac, 2006, p. 32. 4 Frame, palavra inglesa que significa “quadro”. Em cinema são usados 24 quadros por segundo para se ter o movimento. Em vídeo são 30 quadros. 47 do movimento, em diversos frames, instantâneos (é a imagem sequencial), perceptíveis para o espectador, como se todos fossem uma imagem única.

Gilles Deleuze chama de imagem

[...] ao conjunto do aparece. Não se pode sequer dizer que uma imagem atue sobre outra ou que reaja ante outra. Não há móvel que se distingua do movimento executado, não há coisa movida que se distingua do movimento recebido. Todas as coisas, digo, todas as imagens, se confundem com suas ações e reações: é a variação universal5.

Il. 28 - Nu Descendant un Escalier Nº 2, de Marcel Duchamp (1887-1968) – acervo do Philadelphia Museum of Art, Filadélfia.

Saint-Martin observa que

A arte plástica, tanto a pictural como escultural, é antes de mais nada gesto do corpo, gesto do braço. E é em segundo lugar que é reivindicada pelo olho. Antes de ser uma coisa a “ver”, a realidade ou a expressão pictural é, portanto, gesto e movimento do corpo [...], pelo qual se define o espaço e o tempo, [...]6.

A diferença entre a pintura e a animação é o fato de a primeira ser o registro material do movimento gestual do pintor, sobrepostos num único plano, a tela. Mas enquanto o quadro

5 Ver em: A imagem-movimento e suas três variedades - segundo comentário de Bergson In: ______. Cinema 1: a imagem-movimento. São Paulo: Editora Brasiliense S.A., 1983, p. 78. 6 Ver em: GRAÇA, M. Entre o olhar e o gesto: elementos para uma poética da imagem animada. São Paulo: Editora Senac, 2006, p. 32. 48 concentra todos os movimentos do artista, criando uma imagem, é na projeção das várias imagens de uma animação que se cria o movimento e a imagem deste.

2.1.2 Considerações sobre a fotografia e as imagens cinematográficas: viva e animada

Outro dado que merece observação é que a arte cinematográfica é uma consequência do advento da imagem fotográfica. Para Edmond Couchot, a fotografia é a automatização da representação:

Essa automatização, paradoxalmente, em vez de liberar do real a fotografia, como pôde fazê-lo a perspectiva no quadro mais “realista”, jamais conseguiu que se descolasse dele (“A fotografia adere ao real”, dizia Barthes). Marca instantânea do real, a foto prende-se para sempre ao real através dos fios invisíveis da luz. Da mesma forma, traço de um instante privilegiado – a pose que reuniu no mesmo lugar o objeto a ser fotografado, sua imagem e o fotógrafo –, ela adere também ao tempo, inscreve-se em seu fluxo, em sua cronicidade. A foto reenvia perpetuamente (e por vezes deliciosamente) ao presente da pose, num ir e vir vertiginoso entre o presente-presente daquele que a contempla e o presente-passado da pose. De maneira geral, todas as operações da figuração fundadas na ótica geram imagens que “colam” ao real, imagens das quais cada ponto está ligado ao real pela lógica projetiva da representação7.

Tanto no cinema-vivo quanto na animação há a necessidade de se fotografar sucessivamente o movimento para que, uma vez projetada a sequência de imagens, seja possível “ver o movimento” – seja ele resultado da atuação do ator, da posição do boneco / objeto, ou de vários desenhos. A fotografia, conforme Roland Barthes, é o registro do “ter- estado-lá”8. Algo que um dia esteve naquele local, daquela forma. É o registro de algo real que aconteceu, já passou e não existe mais. Já a imagem no cinema, apesar de usar a fotografia, é o registro de “ser-aqui vivo”9, devido à sua narrativa, ao seu poder projetivo e à sua impressão de realidade vista pelo espectador a cada projeção. A arte cinematográfica já é originariamente uma cópia. Tradicionalmente, no ato de filmar ou fotografar, tem-se um negativo do filme, que precisa ser convertido, copiado em um

7 COUCHOT, E. Da representação à simulação: evolução das técnicas e das artes da figuração. In: PARENTE, André (Org.). Imagem máquina: a era das tecnologias do virtual. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993, p. 37-48. 8 BARTHES, Roland. O óbvio e o obtuso. Lisboa: Edições70, 2009, p. 40. 9 METZ, C. A significação no cinema. São Paulo: Editora Perspectiva, 1972, p. 19. 49 positivo para a sua exibição. No processo digital, as imagens são captadas pela câmera, que as transforma em dados numéricos – são os arquivos de imagens – que são copiados para o computador a fim de serem editados. Nesse processo criam-se várias outras cópias digitais, antes da cópia final do filme/vídeo para projeção, um arquivo digital único, constituído da sucessão de várias imagens digitais. Mas enquanto imagem, a cinematográfica – seja cinema-vivo ou animação – possui outros recursos na sua construção que a tornam mais rica, mais complexa, mais poderosa e com uma capacidade de detalhamento muito maior do que a imagem vista no teatro ou na pintura. Enquanto no teatro e na pintura a imagem é vista num único plano, em um único ângulo, a imagem cinematográfica dispõe de recursos e ferramental de composição da imagem (os cortes de cena, os movimentos de câmera, o enquadramento da ação, lentes, grua), recursos que, aliados à montagem das diversas cenas captadas, resultam numa narrativa imagética bem diferente da observada em um palco ou numa tela. Partindo de uma análise análoga a de Walter Benjamin10 e ampliando-a, é possível comparar a visão do teatro (e da pintura figurativa), como a observação de uma imagem feita a olho nu; e a do cinema-vivo como sendo a observação de uma imagem através de uma lupa. Há um mergulho na ação, no que acontece na cena. Por exemplo: um personagem entra em um escritório, caminha até a escrivaninha, abre uma gaveta, de onde retira um revólver e fica imóvel, olhando para ele por alguns instantes. Analisando genericamente (pois na verdade há várias possibilidades na construção dessa ação, seja ela cinematográfica ou teatral), a cena descrita sob o ponto de vista teatral e observada de longe pela plateia, resulta em uma imagem exatamente como na sequência descrita acima – provavelmente com a adição de uma rotação do personagem, ao final da ação, para este ficar de frente para a plateia, a fim de que sua representação dramática seja observada. No cinema, a imagem vista pelo público seria muito diferente: poderia utilizar cortes da ação, com takes11 a cada mudança de movimento do personagem (ao entrar, andar e parar); poderia utilizar movimentos de câmera (ou não, ficando a encargo da direção); poderia ser composta com mudança de ponto de vista – seria interessante mostrar a visão do personagem ao abrir a gaveta – ou com mudança de angulação da câmera – para câmera

10 “Entre o pintor e o filmador encontramos a mesma relação existente entre o mágico e o cirurgião. O primeiro, pintando, observa uma distância entre a realidade dada e ele próprio; o filmador penetra em profundidade na própria estrutura do dado”. BENJAMIN, W. A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução. In: GRÜNEWALD, José L. (Sel). A idéia do cinema. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1969, p. 82. 11 Palavra inglesa que em português significa “tomada”, isto é, uma tomada da ação cinematográfica. Uma ação pode ser filmada várias vezes (com ângulos diferentes ou não), onde cada vez é uma tomada, um take. 50 baixa12, focando a gaveta sendo aberta e a reação do personagem ao retirar a arma. Esses takes seriam montados, sequencialmente, compondo a narrativa. Essa sequência de imagens, com focos diferentes, seria a imagem final vista pelo público. Todos os artifícios de composição da imagem cinematográfica podem ser considerados códigos da linguagem cinematográfica13. E é uma linguagem própria, gerando uma imagem mais trabalhada, mais minuciosa, muito mais próxima, muito mais “dentro” da ação do que a imagem observada pelo público no teatro. Ainda utilizando o mesmo paralelo de análise, mas desta vez comparando a animação em relação ao cinema-vivo, temos um “mergulho” na ação, ainda mais profundo. A animação, além de utilizar todos os artifícios técnicos da linguagem cinematográfica, possui também um processo de construção de ambiente, de personagem e de caracterização – sejam eles bonecos, objetos ou desenhos – e do próprio movimento, que não existe no cinema-vivo. Apesar de algum estudioso da área poder contestar essa afirmação, citando que o cinema-vivo também utiliza storyboard14, tal como grandes diretores (Alfred Hitchcock, Akira Kurosawa e James Cameron, por exemplo) usuários de um estudo prévio de enquadramentos, movimentos de câmera e cortes; vale observar que no cinema-vivo não há a construção material de um personagem, nem a construção dos movimentos, como é necessário ser feito em animação. No cinema-vivo há o trabalho de conceitualização e caracterização do personagem (a maquiagem, o figurino), mas sempre sobre a materialidade física de um ator. A expressão, a representação no cinema-vivo conta com a participação do profissional ator – e é esse fato que o aproxima do teatro. No processo de produção de uma animação, também há a caracterização do personagem, porém, esta começa com a elaboração do conceito deste personagem e termina com a sua materialização, e não com a transformação do ator no personagem15. Essa materialização pode ser através de desenhos, confecção de bonecos, ou com o uso e adaptação de objetos. Os movimentos também são construídos quadro a quadro, literalmente. E tal como no cinema-vivo, se a atuação do ator não satisfizer ao diretor, a cena é refilmada, na animação ela é reanimada. As expressões faciais, o piscar de olhos, tudo é construído e ordenado – no duplo sentido da palavra – fisicamente, de forma visual e manual. Se o cinema-vivo,

12 É a câmera invertida, quando a imagem é vista de baixo para cima. Normalmente utilizada para aumentar a dramaticidade e o poder do personagem em relação ao espectador. 13 “Conjunto de todos os códigos cinematográficos particulares e gerais.” Onde os “códigos cinematográficos gerais são instâncias sistemáticas [...] são comuns (efetiva ou virtualmente) a todos os filmes”, os particulares “agrupam os traços de significação que aparecem somente em certas classes de filmes”, como os gêneros de filmes – western, por exemplo. Cf. METZ, C. Linguagem e Cinema. São Paulo: Editora Perspectiva, 1980, p.73 e 81. 14 Storyboard é a narrativa apresentada através de pequenos desenhos ordenados como numa história em quadrinhos e é pré-requisito fundamental para uma produção animada. 15 Exceto no caso do Pixilation, mas onde o ator não representa como ator, mas como um boneco. 51 comparado ao teatro, é uma lente de aumento sobre a ação, a animação é um microscópio eletrônico. Há o controle pleno de todo o processo. Isso resulta numa manifestação artística completa, homogênia, fechada16 e, por consequência, visualmente mais pregnante.

[...] Os novos animadores assumem responsabilidade direta por quase todos os aspectos do processo fílmico: concepção, desenho, filmagem e até mesmo a construção da truca. Essa reclamação da autoridade criativa contrasta bruscamente com o sistema de linha de produção impessoal da indústria de desenhos animados dos estúdios e traz a animação de volta ao seu impulso experimental original conforme corporificado nas obras de Windsor McCay, Emile Cohl, Hans Richter e Oskar Fischinger17.

[...] quando alguém faz um filme usando técnicas de animação – e tem controle total sobre o resultado total – inicia, ao mesmo tempo, um processo que, inequivocamente, põe em questão a inteira produção de discurso fílmico, quer no nível dos modos de expressão, quer no nível dos dispositivos técnicos que o suportam, quer no nível da posição que a tecnologia ocupa nos modos de comunicação18.

Christian Metz afirma que a principal diferença entre a fotografia e o cinema é o movimento, e que este é o que lhe dá a forte impressão de realidade, pois além de valorizar a corporalidade dos objetos, aparece como movimento real, visto que ele próprio aparece19. Porém, dentro da individualidade dos processos, seria mais equilibrado afirmar que, enquanto o domínio da linha está no desenho (na ilustração, na gravura); o da mancha está na pintura; o da interpretação dramática está no teatro; a montagem20, a sequência de imagens, está no cinema; e o ‘movimento’ está na animação (e na dança). Uma justificativa para essa afirmação é o fato de que é na animação que o movimento se torna um código, tal como a cor, a luz e a angulação da câmera no cinema-vivo. Inclusive é na animação que o movimento foi conceitualizado com “princípios” próprios21, com o objetivo de se obter visualmente a “veracidade” do movimento (para que não pareça falso ou dúbio). Não há esse tipo de preocupação no cinema-vivo – em que os estudiosos vêm se dedicando, desde os primeiros

16 Exemplo disso são as produções da conceituada Escola de Zagreb (Croácia), onde há tradicionalmente a participação do “criador” da animação em todas as etapas do processo de sua produção. Isso resulta em uma unicidade narrativa, estética e conceitual, impossível quando há a pulverização das etapas entre diferentes profissionais. 17 GRIFFIN, George (animador independente nova-iorquino) apud GRAÇA, M. E. Entre o olhar e o gesto: elementos para uma poética da imagem animada. São Paulo: Editora Senac, 2006, p. 18. 18 Ibid., p. 22. 19 METZ, C. A significação no cinema. São Paulo: Editora Perspectiva, 1972, p. 20-21. 20 Considerando montagem como um conjunto de códigos cinematográficos (enquadramento, movimento de câmera, cortes), e não somente o ato de montar, como valorizado por Eisenstein. 21 Citados no primeiro capítulo. 52 anos, à conceitualização da linguagem cinematográfica em si, e não com a construção do movimento das ações que acontecem em cena. O movimento é o que caracteriza o estado de ser vivente. Aristóteles já caracterizava o “movimento próprio” como distinção entre os animais (que possuem anima) e as coisas estáticas (inanimadas). Então, se um objeto se move, ele “está vivo”. Essa impulsiva conclusão é a magia básica da animação. Para Rudolf Arnheim, “o movimento é a atração visual mais intensa da atenção” 22. Linhas mal-traçadas, massinha de modelar, areia, tudo pode ganhar vida. Mas isso não significa que é simplesmente fazer o personagem “se mexer” para senti-lo e reconhecê-lo como algo vivo. Para se obter essa sensação visual, é necessário que os movimentos desse personagem, no todo, expressem realidade, transmitam vida. No caminhar de um personagem, por exemplo, além de fazer o movimento das pernas, há o balançar e o sobe-e-desce do corpo, o movimento do cabelo, das roupas, do olhar desse personagem. É no conjunto de pequenos movimentos que se caracteriza uma animação e a própria personalidade deste personagem, o diferenciando dos outros – é a sua anima. Comparando com o cinema-vivo, a boa representação do movimento na animação equivale à boa interpretação do ator, e é o que vai convencer o público da veracidade23 da ação e da emoção da cena. É o que em animação é conhecido como staging e “apelo”, a representação do personagem, enquanto personagem, com sentimentos e reações, o que contribui para a sedução estética do mesmo, ou seja, a sua empatia com o público. Ainda comparando o cinema-vivo e a animação, há outro diferencial que merece destaque: na animação, devido à própria falta de limite do meio, tudo é realmente possível de ser realizado na cena. Tempo, espaço, morte ou gravidade não são barreiras intransponíveis para a animação, sendo um campo fértil para o surreal em todos os sentidos. Se apresenta como o campo mais completo para a manifestação visual da surrealidade. A análise técnica de Giulio Argan sobre o Surrelismo (nas artes plásticas), parece referir-se à animação:

[...] o Surrealismo se apropria da desinibição dadaísta, quer no emprego de procedimentos fotográficos e cinematográficos, quer na produção de objetos “de funcionamento simbólico”, afastados de seus significados habituais, deslocados (o ferro de passar cheio de pregos, a xícara de chá forrada de pele). Todavia, também se utilizam as técnicas tradicionais, principalmente entre os artistas mais

22 Ver em: Arte e percepção visual: uma psicologia da visão criadora. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1986, p. 365. 23 Considerando o termo “veracidade” dentro do foco da encenação, e não no sentido material. 53

interessados no conteúdo onírico das figurações, seja porque, sendo de uso corrente, prestam-se muito bem à “escrita automática”, seja porque a normalidade ou mesmo a banalidade da imagem isolada ressalta a incongruência ou o absurdo do conjunto (como quem narra as coisas mais incríveis da maneira mais normal e aparentemente subjetiva)24.

Il. 29 - Still de Harry Porter e o Enigma do Príncipe (2009).

Num dado momento, pode-se ter um personagem tomando café e, de repente, o bule começa a cantar e a dançar. Assustando, o personagem que cai dentro da xícara, num redemoinho de café, que o transporta ao espaço sideral... Sob o ponto de vista da realidade material, essa sequência totalmente inverossímel é também impossível de ser representada no cinema-vivo (a não ser que se utilize uma sequência animada). Muitos chamam essa possibilidade, de representar o irreal, de “câmera virtual” – não confundir com a “câmera” dos programas de animação tridimensionais. Por esse motivo, a animação tem sido cada vez mais utilizada pelo cinema-vivo na criação de ambientes que não existem (materialmente), na criação de monstros e nas ações heroicas dos personagens, das grandes produções de Hollywood – dos quais X-Men (2000) e Harry Porter e o Enigma do Príncipe (2009), il. 29, são bons exemplos. Outra utilização comum é na representação de ambientes oníricos (sonhos, lembranças, memórias e fantasias do personagem), de fatos que ocorreram no passado, como no filme O Homem que Copiava25 (2003), de Jorge Furtado.

24 Ver em: Arte moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 361. 25 A sequência da lembrança da infância do personagem André (Lázaro Ramos) foi em desenho animado, realizado por Alan Sieber. 54

2.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS TÉCNICAS DE ANIMAÇÃO E A VIRTUALIDADE

Fechando um pouco mais o universo de observação, a própria variedade das técnicas de animação abre diferentes caminhos na criação das imagens animadas e, consequentemente, também resultados visuais diversos. Considerando a animação com quatro técnicas básicas – desenho sobre papel, 2D (desenho digital, desenho sobre película e incluindo a rotoscopia26), 3D (desenho digital usando as três dimensões) e o Stop motion –, as conhecidas técnicas de animação com areia, objetos, massinha, recorte, Pixilation, Pin-screen e pintura sobre vidro serão consideradas como tipos, como variantes de Stop motion, pois todas elas são produzidas pela captação da imagem por uma câmera, quadro a quadro, onde cada imagem captada é resultado da alteração da imagem anterior, que é materialmente, definitivamente, perdida, independente da diversidade dos materiais utilizados. A cada novo frame, a imagem resultado é sempre originada da imagem anterior, modificada para este novo instante, dando sequência ao movimento (que é obtido através do registro fotográfico dessas imagens). Essa “perda” da imagem anterior aproxima o Stop motion do cinema-vivo e, em menor grau, do teatro27 – já que neste não há a filmagem/gravação da ação. Numa encenação, tendo em vista a interpretação do ator, no momento em que acontece, esteja ela sendo gravada ou não, é única, assim como também é único o posicionamento de um boneco, ou de uma pincelada. Mesmo que seja repetida, nunca será igual a anterior já que é outro instante, é outra imagem – a ser registrada pela fotografia ou pela filmagem. Portanto, as técnicas de Stop motion diferem das outras técnicas de animação que, tendo o desenho como base (e uma vez pronto), sempre terão uma matriz que poderá ser fotografada ou digitalizada – no caso de desenho sobre papel –, ou um arquivo da animação que poderá ser renderizado28 ou ter sua animação editada, modificada se necessário. Ou seja, há o registro material (ou virtual, no caso dos arquivos digitais) das etapas que foram feitas, diferente do Stop motion, onde há apenas o registro fotográfico do “ter-sido” – segundo Barthes. Neste ponto faz-se necessário uma outra análise em relação à imagem animada: quanto

26 Técnica de animação onde a imagem animada é desenhada a partir de uma imagem filmada previamente que pode ser utilizada como modelo a ser copiado, ou somente como referência. 27 No caso de Stop motion com bonecos, a aproximação com o teatro é maior devido à própria ligação da animação de bonecos, com a histórica tradição da manipulação de bonecos do “Teatro Negro de Praga”, o que por esse motivo, resultou na força dessa técnica no Leste Europeu. 28 “Renderizar” é o termo utilizado para o processo da criação de um arquivo digital de animação ou cinema-vivo, que pode ser visto como uma “imagem de filme” pronta e acabada e pode ser convertido em vários formatos digitais diferentes. Este arquivo é diferente do arquivo utilizado para animar ou editar uma imagem filmada. 55

às suas diferenças de representação e de natureza. Considerando o fato que ela pode ser obtida por meio puramente ótico (película de gelatina do filme sendo “queimada” pela incidência da luz); por meio digital (onde o raio luminoso é convertido em impulsos elétricos, codificados em dados numéricos e armazenados na memória da máquina ou câmera digital e que na tela ou na projeção são vistos como pixels); e pela criação de ambientes totalmente virtuais, como os criados pelas animações 3D e utilizados pelo cinema-vivo como citado anteriormente. O texto de Edmond Couchot é bem esclarecedor sobre esta problemática:

Se alguma coisa pré-existe ao pixel e à imagem é o programa, isto é, linguagem e números, e não mais o real. Eis porque a imagem numérica não representa mais o mundo real, ela o simula. Ela o reconstrói, fragmento por fragmento, propondo dele uma visualização numérica que não mantém mais nenhuma relação direta com o real, nem física, nem energética. [...] A realidade que a imagem numérica dá a ver é uma outra realidade: uma realidade sintetizada, artificial, sem substrato material [...], uma realidade cuja única realidade é virtual. Nesse sentido, pode-se dizer que a imagem-matriz digital não apresenta mais nenhuma aderência ao real: libera-se dele. Faz entrar a lógica da figuração na era da Simulação. A topologia do Sujeito, da Imagem e do Objeto fica abalada [...]. Eles se desalinham, se interpenetram, se hibridizam. A imagem toma-se imagem-objeto, mas também imagem-Iinguagem, vaivém entre programa e tela [...]. O sujeito não mais afronta o objeto em sua resistência de realidade, penetra-o em sua transparência virtual, como entra no próprio interior da imagem. [...] Mesmo o tempo flui diferente; ou antes, não flui mais de maneira inelutável; sua origem é permanente “reinicializável”: não fornece mais acontecimentos prontos, mas eventualidades. Impõe-se uma outra visão do mundo. Emerge uma nova ordem visual29.

Essa diferenciação entre a imagem ótica e a digital acarreta a seguinte observação: se a imagem ótica já não possuía a primazia da imagem única, com a imagem digital então se perde algo que vai além: a integridade do instantâneo, uma vez que a imagem digital é reinterpretada digitalmente, através das várias etapas do processo de sua criação30. Além disso, a qualidade e a capacidade dos programas de animação 3D de produzirem a ilusão da realidade, de simularem a igualdade visual do real no virtual, alcançou um nível de exatidão desconcertante. Não há mais como diferenciar, somente pelo olhar, uma cena captada de forma puramente ótica, de outra criada virtualmente (mas baseada na cena real). Além dessa

29 COUCHOT, E. Da representação à simulação: evolução das técnicas e das artes da figuração. In: PARENTE, André (Org.). Imagem máquina: a era das tecnologias do virtual. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993, p.37-48. 30 Além de que com a imagem digital “nós passamos de lugar fechado, e de uma imagem fechada em si mesma, a um universo infinito, uma imagem que pode ser explorada e modificada ao infinito”, comentário do professor da Paris 8, François Soulages durante a sua palestra “Por uma Nova Estética da Imagem", na UFRJ, durante o Colóquio sobre “Cooperação universitária e cultural entre o Brasil e a França: a experiência de Paris 8”, um dos eventos do “Ano da França no Brasil/ L´Année de la France au Brésil”. A palestra aconteceu em 17/05/2009. 56 capacidade, há uma variedade de filtros e de plug-ins31 que podem alterar o resultado final da imagem, criando materiais e texturas diversas. Assim, é possível ver uma animação feita em um programa 3D, mas com resultado visual igual a de um desenho animado (imagem bidimensional, planificada, sem volume, feita a lápis), ou de uma animação de bonecos (Stop motion) – quando utiliza “materiais”32 que simulam massinha, borracha ou tecido. Os movimentos são perfeitos, retos, sem vibração e podem ser acelerados e desacelerados simulando uma movimentação real. Mas se a vibração for necessária para a animação, também é possível a sua inserção, com a utilização de controladores de movimento, filtros ou outros plug-ins, que “calcularão” – lembrando que são informações matemáticas – o movimento com a vibração que se desejar, e da forma que for necessária, com o total controle por parte do animador 3D. Porém, esses controles são numéricos. Ainda, segundo Couchot:

À semelhança da imagem ótica, a imagem digital recorre a modelos morfogenéticos. Mas os modelos da simulação numérica pertencem a uma outra ordem [...]. São abstratos e provêm do domínio científico: das chamadas ciências “duras”, como as matemáticas, a física, a química, as ciências da vida, [...]. Procura recriar inteiramente uma realidade virtual autônoma, em toda sua profundidade estrutural e funcional. Dessa maneira, criar a imagem (de animação) de um sol se pondo, num mar agitado por ondas, será recriar numericamente um mundo virtual aonde os raios vêm se refletir na superfície da água de acordo com as leis próprias da luz, onde as ondas se deslocarão de acordo com as leis da hidrodinâmica. [...] A exemplo das técnicas figurativas óticas, as técnicas figurativas numéricas são também interpretações do mundo, [...] segundo os princípios da lógica formal e das matemáticas. Elas substituem o real “bruto”, originário - o real que a imagem ótica pretende representar - por um real secundário, refinado, purificado no cadinho dos cálculos e das operações de formalização. [...] Não se trata mais de figurar o que é visível: trata-se de figurar aquilo que é modelizável33.

Levando-se em consideração que digitalmente tem-se duas técnicas de animação diferentes, conhecidas como “2D” e “3D”, estas são análogas, respectivamente, ao desenho animado e ao Stop motion tradicionais. No universo digital, o distanciamento do animador e o objeto a ser animado é ainda maior no caso da animação 3D, do que na animação 2D. Isso se deve ao fato de que nesta, o animador usa uma caneta digital, um equipamento de manuseio

31 Plug-ins são pequenos programas que trabalham em conjunto com outros programas na criação de efeitos de imagens que, individualmente, os programas principais não seriam capazes de produzir. 32 No linguajar da animação 3D, o termo “material” é utilizado para se designar um conjunto de características que são arquivadas pelo programa sob um determinado nome, e que são aplicadas em uma determinada área ou objeto da animação. Por exemplo: o material denominado vidro – que possui a cor verde, tem transparência, brilho e reflexão – é aplicado ao objeto garrafa, dentro da cena tridimensional. 33 COUCHOT, E. Da representação à simulação: evolução das técnicas e das artes da figuração. In: PARENTE, André (Org.). Imagem máquina: a era das tecnologias do virtual. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993, p. 37-48. 57 muito semelhante ao lápis. Os riscos dos desenhos produzidos através desta caneta são diretos, a gestualidade do desenho é registrada e marca presença na imagem – apesar desta ser vista na tela do computador (e não mais no papel), podendo ser alterada inúmeras vezes (mas isso é um processo posterior). Já na animação 3D digital há a modelagem dos objetos, um processo mais semelhante ao trabalho do escultor, porém, sem o contato direto das mãos com o material a ser esculpido – o que em Stop motion é muitas vezes necessário34. Não há a resistência ou densidade do material, pois ele é virtual, não existe e precisa ser “criado” nesse ambiente. Para a criação de sua cor, de sua textura, é necessária a utilização de outro programa, a fim de que se possa pintar uma imagem plana – trabalho de um pintor – que será aplicada ao objeto modelado, juntamente com outras características materiais: dureza, peso, luminosidade, transparência, etc. Portanto, no chamado 3D, não há o contato direto do animador com o objeto a ser animado, como acontece com a animação em Stop motion. Outro ponto que merece atenção é a observação de Couchot sobre a “simulação” dos ambientes virtuais e que, por sua vez, encontra eco nos estudos de Jean Baudrillard35. Para este, representação é diferente de simulação – que é diferente de simplesmente “fingir” algo. A primeira leva em consideração a imagem, com valor representativo de algo real, um símbolo. A segunda, parte desse princípio de equivalência, mas nega o valor do símbolo36. Seguindo este raciocínio, Baudrillard lista as quatro situações possíveis para uma imagem: ser o reflexo de uma realidade básica37; ser uma máscara e perverter uma realidade básica38; ser uma máscara da ausência de uma realidade básica39; e, não carregar qualquer ligação com o real, ser ela própria um puro simulacrum40, é o caso da Disneylândia e dos ambientes virtuais de filmes como Avatar (2009) e O Senhor dos Anéis (2001-2003).

34 Nas grandes produções é utilizado também o processo de digitalização tridimensional, onde o objeto é modelado ou esculpido e depois digitalizado para o programa de modelagem 3D, onde é definida a forma final do objeto, para uma posterior “materialização” e animação. Mesmo nesses casos, o objeto é definido pela intermediação da máquina e da matemática. 35 Em Simulacres et Simulation (1981), Jean Baudrillard apresenta a teoria do Simulacro, onde tudo, na pós- modernidade é um “simulacro”: a arte, a economia, a cultura, a política a sociedade. Há a necessidade da simulação, gerando uma hiperrealidade. 36 Algo que representa algo, ou que está no lugar de algo, significando este. 37 Como numa foto realista. 38 Como uma fotografia digitalmente tratada, que “altera” a idade da modelo. 39 Tem haver com magia, já que é algo que não existe, parece existir, é uma “aparência”. Cf. BAUDRILLARD, Jean. Simulacra and Simulation. Ann Arbor: University of Michigan, 1994. p. 6. 40 Não se trata de aparência, mas de simulação, a criação de algo que passa a ter uma importância própria. 58

3 A NARRATIVA E A ANIMAÇÃO

Desde os tempos mais remotos, o homem sempre teve a necessidade de contar e ouvir histórias, e de alguma forma, registrar os acontecimentos. As histórias eram e ainda são usadas para ensinar, discutir, contar eventos, propagar ideias ou simplesmente para extravasar emoção e fantasia. Ao longo do desenvolvimento da humanidade as formas e os meios de comunicação se sofisticaram. O alcance da comunicação, primeiramente articulada, oral (oratória) e depois escrita (literatura), amplia-se com o desenvolvimento das artes gráficas, da fotografia, do cinema (a imagem em movimento como meio de informação), além de tudo o mais que surgiu em consequência disso. A narrativa e o meio em que ocorre, passou a ser tema de discussão e de estudos profundos realizados por pesquisadores, artistas e teóricos respeitáveis, como Christian Metz, Sergei Eisenstein, Jacques Aumont, Roland Barthes e Umberto Eco. E como o desenvolvimento tecnológico dos meios de comunicação é contínuo, contínuo será este estudo. Como a animação é parte do cinema, todos os comentários e referências deste capítulo serão sobre o universo cinematográfico – no caso, a narrativa do cinema-vivo e da animação. Porém, sem se ater sobre definições e conceitos, já amplamente estudados, ou que não trarão dados relevantes ao objetivo da pesquisa, tais como: conceitos e análises da narrativa literária, língua, linguagem e unidades sintagmáticas, por exemplo. Mas como a própria análise das narrativas cinematográficas do cinema-vivo utiliza nomenclaturas e conceitos básicos, originários das narrativas literárias, essas referências são apresentadas somente em termos comparativos, com o intuito de compreender melhor como se processa a narrativa audiovisual na animação. Este capítulo não pretende ser um texto contestativo ou de avaliação dos estudos já realizados sobre o tema. Ao contrário, eles servirão para contextualizar e balizar um estudo sobre a narrativa animada, já que os materiais teóricos existentes são mais focados no cinema-vivo, mas sem a intenção de criar uma gramática. O objetivo é compreender como se processa o entendimento dessa narrativa, em especial, em Stop motion, enquanto imagem sequencial em movimento, meio de comunicação e de manifestação artística.

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3.1 TIPOS DE NARRATIVAS

Uma narrativa é frequentemente entendida como sendo oral: o locutor narra o jogo de futebol, por exemplo. Mas esta também pode ser textual1, visual ou audiovisual. A oral é uma fala. Algo que é dito por alguém a outro e que se finda na duração do tempo em que se dá a narração. Não há o registro imediato e fiel do que é narrado, podendo ser esquecido ou deturpado ao ser novamente narrado por quem a ouviu. E o entendimento do que é dito acontece na medida em que, tanto o idioma utilizado pelo narrador quanto o seu linguajar, são compreendidos pelo ouvinte. Já a narrativa textual é uma narrativa registrada, algo que resiste ao tempo, podendo ser relida, reinterpretada, analisada, o que permite a sua contestação ou confirmação por diversos leitores ao longo do tempo – seu alcance é mais duradouro. Lembrando que ela também utiliza códigos gráficos e semânticos pertencentes ao idioma no qual foi escrita. Para que a compreensão da mensagem seja possível, também é necessário que o leitor tenha o domínio interpretativo desses códigos2. Mas uma narrativa também pode ser visual ou audiovisual3. Estas diferem das anteriores, pois trabalham com outras formas e outros tempos. A impressão de realidade de uma narrativa audiovisual é mais forte, já que a sua identificação é direta com as referências visuais e auditivas do mundo material. O tempo em que ela ocorre é o da duração da projeção das imagens, não permitindo o contemplar da passagem das mesmas. E apesar de ser a narrativa de algo que aconteceu – tanto a história contada, como o filme filmado (ótico, magnético ou digital, suporte que se vê projetado) – tem-se a impressão de que acontece no momento em que é visto, sendo muitas vezes, mais objetiva e densa do que a narrativa oral ou textual. Sergei Eisenstein afirma que “para a literatura – o cinema é a expansão do estilo vigoroso, conseguido pela poesia e pela prosa, a um novo campo, onde a imagem desejada é diferentemente materializada em percepções audiovisuais”4. Por exemplo: uma cena de uma paisagem com o canto de um pássaro. A narração oral desta cena é um grupo de frases ditas pelo narrador, com a descrição da paisagem, o

1 Aliás, é sobre a narrativa textual que se encontram os estudos mais aprofundados e que servem de base para as pesquisas sobre os outros tipos de narrativas. 2 A narrativa textual pode carregar em si, além do registro do que é contado, também o registro do momento histórico em que foi escrita, na medida em que utiliza uma determinada ortografia, expressões ou narra acontecimentos importantes. E que por si só já contam uma outra história. 3 Ambas focadas no âmbito cinematográfico. 4 Ver em: A forma do filme. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda, 2002, p. 165. 60 nome do pássaro, a duração do canto, se foi alto, baixo, estridente, etc, além de alguns adjetivos na tentativa de informar a estética e a ambientação da cena. Na narrativa textual essas informações podem ocupar diversas páginas do livro, descrevendo a paisagem com riqueza de detalhes, o tempo de observação, a audição do canto do pássaro e a ambientação geral. Ambas as narrativas (que não contêm imagens nem sons, como referências) irão trabalhar com as lembranças e a possível carga prévia de conhecimento de quem ouviu ou leu, sobre o pássaro e a paisagem em questão, para uma completa compreensão da cena descrita. Se o ouvinte ou leitor não possuir esse conhecimento anterior, sobre a ave e/ou local, ele criará mentalmente a imagem narrada (oral ou textual) com as lembranças de pássaros e paisagens semelhantes, que tenha ouvido ou visto anteriormente. Porém, se a narrativa desta cena for audiovisual, e for projetada uma paisagem onde se ouve o som do canto de um pássaro, não será uma paisagem qualquer, nem o canto de um pássaro qualquer. Será aquela paisagem e aquele pássaro em especial. Mesmo que o espectador nunca tenha ouvido ou visto aquela ave antes e que não saiba o seu nome, ele ouvirá o seu canto ao invés de imaginá-lo. Também não imaginará a paisagem descrita oral ou textualmente, mas a verá, com suas montanhas, vegetação, ambiente, de forma completa. Albert Kienstz afirma que “a imagem está, de certo modo, em ligação direta com o concreto. Adere diretamente à coisa nela representada”5, e que

as imagens cinematográfica e televisiva constituem exemplos típicos de mensagens múltiplas utilizando canais distintos. O cinema, que em sua materialidade, separa imagem e trilha sonora, é particularmente significante a esse respeito. [...] A imagem múltipla tem uma capacidade superior: em menos tempo, transmite uma quantidade maior de informação que a simples6.

E esse conjunto de mensagens objetivas – visual e auditiva (denotativa) – fornecidas concomitantemente ao espectador, resulta num outro conjunto de informações subjetivas7 (conotativas) – sentidas e vivenciadas por ele no momento da projeção do filme, de uma forma mais completa e intensa do que em uma narrativa oral ou textual. Estas informações não são processadas racionalmente em sua totalidade, como

5 KIENSTZ, Albert. Comunicação de Massa: análise de conteúdo. Rio de Janeiro: Eldorado, 1973, p. 26. 6 KIENSTZ, A., op. cit., p. 37-38. 7 Por exemplo, na cena em questão, a cor do verde da vegetação pode informar que é outono; o tipo de vegetação se é uma paisagem do hemisfério norte ou sul; o canto do pássaro se é alegre ou triste, definirá o clima emocional da cena, etc. 61 acontece no ato da leitura ou da audição, onde é necessária a decifração de códigos linguísticos para a compreensão sobre os detalhes de uma cena (mas a sua construção mental das imagens não é plenamente “racional”, é automática, já que o espectador utiliza o seu próprio repertório imagético). No cinema, quase todas as informações subjetivas são absorvidas naturalmente pelos aparatos sensoriais do espectador que, de forma automática, compreende-as sem perceber, identificando local, clima, ambiente e emocionando-se com a situação apresentada. Como afirma Albert Kienstz, “a mensagem estética é intraduzível. Ela determina os estados interiores e não os atos”8. Qualquer transcrição de uma narrativa audiovisual resultará em um texto longo e descritivo, que não será capaz de registrar e transmitir fielmente toda a informação e emoção contida na cena. E esta, caso não esteja atrelada de alguma forma a um contexto cultural ou técnico muito específico, poderá ser compreendida por vários tipos de espectadores, independentemente de sexo, idioma ou nível sociocultural, ou seja, o seu alcance é maior. Agora, a narrativa audiovisual não permite a reflexão da narrativa textual, com o tempo de leitura definido pelo leitor e a criação de imagens mentais, já que no cinema, como toda a informação é passada audiovisualmente, não há a necessidade do espectador, na maioria das vezes, completar coisa alguma, ficando à mercê do tempo de projeção. Contudo, ambas as narrativas são construídas. Para Tzvetan Todorov,

a literatura é um sistema de signos, um código, análogo aos outros sistemas significativos, tais como a língua articulada, as artes, as mitologias, as representações oníricas, etc. Por outro lado, e nisso ela difere das outras artes, constrói-se com a ajuda de uma estrutura, isto é, a língua; é pois um sistema significativo em segundo grau, por outras palavras, um sistema conotativo9.

Citando Chklóvski e Eichenbaum, Todorov ainda afirma que uma narrativa literária é uma construção, uma organização dos códigos (letras, palavras, pontuação), organizados de acordo com a natureza da mensagem. Mas a narrativa visual também não foge a uma organização. Ela é o resultado de uma determinada ordenação de imagens, de acordo também, com a natureza da mensagem. Essa organização e ordenação se processa através da

8 Ver em: Comunicação de Massa: análise de conteúdo. Rio de Janeiro: Eldorado, 1973, p. 34. É um comentário feito em relação à impossibilidade de se manter a musicalidade, a estética de um poema ao ser traduzido para uma língua estrangeira. É algo semelhante ao que ocorre quando há a transcrição de uma narrativa audiovisual em textual. 9 Ver em: As estruturas narrativas. São Paulo: Editora Perspectiva S.A., 1970, p.32. 62 captura de imagens sequenciais (que resultam na identificação visual de um movimento real, quando projetadas) e da utilização dos códigos da linguagem cinematográfica (angulação e movimento de câmera, plano, luz, cor e montagem).

Supõe-se a priori uma intenção [...] o espectador entende o que ele acha que a montagem quer fazer-lhe entender. As imagens [...] estão ligadas umas às outras interiormente, pela indução inevitável de uma corrente de significação [...] a força (da montagem) existe e atua, quer queira, quer não10.

3.2 NARRATIVA E NÃO-NARRATIVA NO CINEMA

É exatamente a capacidade que possui o cinema, de registrar visualmente uma ação ao longo do tempo, que o tornou um meio perfeito para a veiculação de narrativas. “Entre todas as artes ou todos os modos de representação, o cinema aparece como um dos mais realistas, pois tem capacidade de reproduzir o movimento e a duração e restituir o ambiente sonoro de uma ação ou de um lugar”11. O mesmo acontece também na animação, em termos de ação. Tal qualidade é facilmente percebida ao se assistir filmes comerciais, de narrativa “clássica” (narrativos-representativo-industrial12), como também nos filmes de “vanguarda, nos undergrounds ou experimentais”13, que muitas vezes se pretendem não-narrativos. Christian Metz inclui na lista de filmes não-narrativos os “curtas-metragem, documentários, tecnológicos, pedagógicos, publicitários, etc”14; pois “há uma hierarquia das importâncias [...] que leva a privilegiar – pelo menos no início – o estudo do filme narrativo”15. E justifica que aqueles “distinguem-se dos ‘verdadeiros’ filmes, basicamente, pela sua finalidade social e pelo conteúdo substancial mais do que pelos processos de linguagem”16. Porém, Vernet é mais específico sobre a narratividade e a não-narratividade da imagem cinematográfica, observando que,

10 BALÁZS, Bela. apud METZ, Christian. A significação no cinema. São Paulo: Editora Perspectiva, 1972, p. 63. 11 VERNET, Marc. Cinema e narração. In: AUMONT, J. A estética do filme. São Paulo: Papirus Editora, 6a. ed., 2008, p. 134. Mas observando que o termo “realista” é empregado no sentido de semelhante ao que se vê no mundo matéria, sensação de semelhança que é apresentada mais no cinema, que em outros modos de representação. 12 Ibid., p.92. Os comumente chamados filmes de roteiro hollywoodiano. 13 Idem. 14 METZ, C., op. cit., p. 112. 15 METZ, C., loc. cit. 63

Para que um filme seja plenamente não-narrativo, seria preciso que ele fosse não representativo, isto é, que não se possa reconhecer nada na imagem, e que tão pouco [sic] se possa perceber relações de tempo, de sucessão, de causa ou de consequência entre os planos e os elementos. De fato, essas relações percebidas têm influência inevitável sobre a ideia de uma transformação imaginária, de uma evolução ficcional organizada por uma instância narrativa17.

Dentro deste parâmetro, quase todas as produções audiovisuais são obras narrativas de alguma forma, pois em todas é possível encontrar uma relação de tempo, nas sequências das imagens projetadas. Mesmo que a mensagem não seja completamente compreendida, ou no caso da não existência de mensagem – como nos filmes experimentais abstratos – a sensação de consequência que a projeção sucessiva das imagens provoca, abre espaço para um entendimento sobre esse encadeamento, criando um tipo de narrativa sem personagens, mas onde se pode identificar acontecimentos ou transformações18. O que é possível observar é que a questão da narratividade e da não-narratividade é complexa, não se resumindo a definições objetivas de construção ou da presença de elementos narrativos. Isso em razão de que não é uma questão isolada, mas reflete e depende do universo sociohistórico, cultural e emocional do espectador, que pode interpretar as imagens projetadas como uma analogia a situações de conflito ou de perda (por exemplo), mesmo que essa não tenha sido a intenção do roteirista/diretor. A narrativa pode ser “construída” internamente pelo observador. Se de alguma forma então, esta sucessão de imagens cria um encadeamento de sensações, estas podem, em seu conjunto, ser identificadas como representação visual de algum tipo de mensagem. O filme de animação em Pixilation, Chairy Tale (1957), de Norman McLaren (considerado por Vernet como não-narrativo) apresenta a tentativa de McLaren em sentar numa cadeira que se recusa a cumprir o seu papel, o de utensílio para sentar. Com gags típicas das animações, o trabalho de McLaren resultou numa representação visual de situações- problema, quando algo que se espera natural ou lógico acontecer, não acontece – e como se reage nessas circunstâncias. A animação não é uma narrativa no sentido clássico, com herói, anti-herói, história complexa, etc, mas carrega em si a possibilidade de ser interpretada de alguma forma, de ter um sentido ou uma significação para quem assiste. Outro exemplo bem representativo é Dominós (2007), animação de Daniel Schorr, produzida em recorte, com papel

16 Ibid., p. 113. Na realidade, Mezt escolhe um objeto de estudo para a narrativa cinematográfica, os filmes de “longa metragem de ficção romanesca”, classificando os outros como não-narrativos. 17 VERNET, M., Cinema e narração. In: AUMONT, J. A estética do filme. São Paulo: Papirus Editora, 6a. ed., 2008, p. 94. 18 É o caso da animação experimental canadense de Norman McLaren e Evelyn Lambart, Lines Horizontal (1962) Disponível em: . Acesso em: 15 jan. 2010. 64 em forma de círculos e retângulos pretos e brancos – il. 30. Através dos movimentos dessa formas criam-se situações de conflito territorial. É fácil fazer uma analogia com situações de racismo e conflito de terra – principalmente no Brasil, como o histórico da escravatura e do conflito agrário (nos EUA, possivelmente se identificaria mais com a questão étnica), inclusive com possibilidade de identificação com os três atos da narrativa clássica: apresentação do conflito, clímax do conflito e desfecho com happy end (moral da história politicamente correta), mesmo sem a presença de personagens, propriamente ditos.

Il. 30 - Still de Dominós (2007).

3.3 A NARRATIVA NO CINEMA-VIVO E NA ANIMAÇÃO

3.3.1 A narrativa, o tempo e a história

A narrativa é o resultado de uma narração. Esta é o ato de se contar algo (história, real ou imaginária) que aconteceu (tempo), com alguém ou algo (personagens), em algum lugar (espaço), para outro alguém (destinatário, leitor, público) e de acordo com a ordenação factual de quem conta (o narrador). Marc Vernet define a narrativa como sendo “o enunciado em sua materialidade, o texto narrativo que se encarrega da história a ser contada. [...] no cinema, compreende imagens, palavras, menções escritas, ruídos e música, o que já torna a organização da narrativa fílmica mais complexa”19. Para que o filme seja entendido deve haver uma coerência na organização e na ordenação das imagens e sons, de acordo com o

19 Ver em: Cinema e narração. In: AUMONT, J. A estética do filme. São Paulo: Papirus Editora, 6a. ed., 2008, p. 106. 65 gênero20 no qual a narrativa se insere e no estilo adotado pelo diretor/roteirista/narrador. A narração então, vincula as ações à situação onde estão inseridas, onde as primeiras são os atos sofridos ou praticados pelos agentes da história (os personagens), dentro de um determinado intervalo de tempo, com um início e um fim. A história, como sendo o que se conta, pode ser sobre um fato real – do indivíduo ou da coletividade –, sobre um fato fictício pode ser adaptada do conteúdo de algum livro (que também pode ser originário de fato real ou não21). Neste ponto há uma controvérsia, já que na realidade todas as histórias são sempre adaptações, seja do real, de um livro ou das ideias de alguém; e a partir do momento que possuem uma narrativa própria, tornam-se histórias originais, pois, nunca foram contadas desta forma especificamente. Vernet observa que todos os filmes são ficcionais, tanto pelo que representam como pelo como representam. Mesmos os documentários e os científicos, já que muitas vezes,

eles nos apresentam aspectos desconhecidos da realidade que dependem mais do imaginário que do real. Trate-se de moléculas invisíveis a olho nu ou de animais exóticos de costumes surpreendentes, o espectador encontra-se mergulhado no fabuloso, em uma ordem diferente daquela à qual, por hábito, ele confere o caráter de realidade. [...] Ademais, a preocupação estética não está ausente do filme científico ou do documentário, e ela tende sempre a transformar o objeto bruto em objeto de contemplação, em 'visão' que o aproxima mais do imaginário. [...] e o filme documentário recorre muitas vezes a procedimentos narrativos para 'manter o interesse' [...] a dramatização que transforma uma reportagem em um pequeno filme de suspense [...]22.

Il. 31 - Still de Bunny (1998).

20 O termo gênero é corriqueiramente utilizado na classificação dos filmes (romance, policial, aventura, animação, psicológico, pornográfico, western, suspense, terror, sobrenatural, ficção científica), quando na realidade estas especificações são tipos de ficção (exceto por “animação” que é um meio, podendo apresentar qualquer tipo de narrativa, ficcional, documental ou experimental), que juntamente com o documentário e o experimental formam os gêneros de filme. Para a narrativa literária os gêneros são o épico, o lírico e o dramático. 21 Em cinema há uma divisão entre ficção – histórias criadas – e documentário – histórias que tentam documentar um fato real. Mas há também o chamado roteiro original e roteiro adaptado, ou seja, as histórias novas (que “nunca” foram contadas antes) e as que foram elaboradas a partir de uma literatura pré-existente. 22 VERNET, M. Cinema e narração. In: AUMONT, J. A estética do filme. São Paulo: Papirus Editora, 6a. ed., 2008, p. 101-102. 66

A história pode ter um final aberto23, a narração não. Esta sempre terá um fim (o filme acaba, o livro acaba) e é uma sequência temporal. Tanto em termos do tempo de duração do que é narrado – no caso do cinema, duas horas ou 20 minutos de projeção, por exemplo –, quanto em relação ao tempo inscrito na história apresentada na tela. O Rei Leão24 (1994) – il. 36 – dura alguns verões, Bunny25 (1998) – il. 31 –, realmente alguns minutos. Mas ainda há situações onde o tempo não é apenas variável ou psicológico, mas subjetivo e representativo, principalmente nos curtas-metragens e nas animações, como em Mèdia26 (2000) – il. 41–, no qual o personagem é agredido sucessiva e constantemente por pedaços de jornal, atirados de formas diversas. A narrativa é compreendida como a representação da pressão constante dos meios de comunicação sobre o homem civilizado, e não como um intervalo de tempo cronológico dentro da história. Em narrativa é o “tempo do significado e o tempo do significante”27. O exemplo de narração cinematográfica de Christian Metz é bem esclarecedor neste sentido:

[...] o plano isolado e imóvel de uma extensão desértica, é uma imagem (significado-espaço – significante-espaço); vários planos parciais e sucessivos desta extensão desértica constituem uma descrição (significado-espaço – significante- tempo); vários planos sucessivos de uma caravana andando nesta extensão desértica formam uma narração (significado-tempo – significante-tempo)28.

Uma narrativa pode ou não conter uma descrição29, onde o espaço será o foco principal, mas será sempre uma sequência temporal. Além do tempo, a relação entre a narrativa e a história passa por uma questão de ordenação dos fatos apresentados e pelo modo como são apresentados. Uma história, não necessariamente é apresentada ao público na ordem cronológica das ações de seus personagens. Por uma questão de ritmo particular de cada narrativa

23 Sem um final definido, como por exemplo, tradicionalmente acontece nos filmes de terror. 24 Desenho animado americano, direção de Roger Allers e Rob Minkoff, da Walt Disney Pictures. 25 Animação americana em 3D, direção de Chris Wedge, vencedor do Oscar de Melhor Curta-metragem de Animação no ano de 1999. Conta a história de uma coelha idosa que tenta fazer um bolo, mas entra em atrito com uma mariposa. 26 Curta-metragem de animação tcheco, direção de Pavel Koutský, produzido em técnica mista. 27 METZ, C. A significação no cinema. São Paulo Editora Perspectiva, 1972, p. 33. 28 Ibid., p. 32. 29 Mas uma descrição não é uma narrativa. Para Metz, “o momento descritivo denuncia-se imediatamente: é o único no interior do qual a sucessão temporal dos elementos significantes [...] deixa de se referir a quaisquer relações temporais [...] entre os significados correspondentes, e designa entre estes mesmos significados apenas relações de coexistência espacial (isto é, relações tidas como constantes em qualquer momento que se queira)”. Ibid., p. 33. 67

(suspense, terror, drama), a anacronismo dos eventos é comum. Inserts de cenas em flashback explicam algo que não foi suficientemente compreendido, ou mostram uma lembrança do personagem que explica parte importante da história, como em O homem que copiava (2003), com as lembranças de criança do personagem André (Lázaro Ramos) e no curta-metragem de animação Ryan – il. 32–, repleto de inserts de lembranças e cenas simbólicas do estado psicoemocional do personagem.

Il. 32 -Still de Ryan (2004).

O modo como os fatos da história são apresentados, refere-se ao foco que foi dado; ou seja, se a câmera é centrada sobre um personagem (mais frequente, inclusive em animação), ou se é por um personagem (normalmente o protagonista); é a chamada câmera subjetiva, quando o público participa da cena através do olhar do personagem. Um exemplo clássico para os dois casos é Janela Indiscreta30 (1954) – il. 33 –, em que o foco oscila, em grande parte do filme, entre o que Jeffrey (James Stewart) vê pela janela e o próprio personagem.

Il. 33 - Still de Janela Indiscreta (1954).

30 Direção de Alfred Hitchcock. 68

Nessas condições de tempo, ordem e modo, o cinema clássico guarda a característica de narrar uma história, como se toda a parafernália inerente ao processo de produção cinematográfica não existisse. Todo e qualquer vestígio do trabalho produtivo é propositadamente evitado, cortado e retirado da imagem a ser projetada – é a diegetização31–, resultando em uma história que se conta sozinha, onde “narrativa e narração são neutras, transparentes: o universo diegético finge se oferecer aí sem intermediários”32 – por exemplo, é o caso do ator que não olha para a câmera e dos efeitos especiais digitais inseridos na pós- produção de um filme. No caso da animação, isso nem sempre acontece e não é “uma regra”, como ocorre na maioria dos filmes do cinema-vivo. Ao contrário, é frequente, como na técnica em Pixilation, onde o batimento visual da cena, decorrente da captura das imagens (em baixo número por segundo), para diferenciá-la de um filme filmado, representa um “defeito visual” desejado; ou quando objetos são animados como personagens ou usados simulando outros objetos dentro da cena; ou ainda, quando há a interferência da mão do animador diretamente na cena animada. Muitas vezes a falta de diegetização numa animação cria algumas situações: • a surpresa no espectador: criada pelo hiato que há entre a imagem representativa da animação e, de repente, a presença da mão do animador na cena, ou a saída do personagem para fora do cenário. É um choque que leva alguns segundos para ser assimilado e compreendido pelo espectador, já que representa um novo paradigma para a narrativa, até então. Em Animando33 (1983), por exemplo, o animador participa de algumas cenas, como uma espécie de censor, que esmaga, amassa e corta o personagem, transformando, todas às vezes, o seu material; • uma mudança na relação entre personagem e autor/animador/narrador: quando este participa da história – e passa também a ser personagem. Passa a existir uma outra história dentro da diegese existente (a história que já existe e a nova relação com o animador). Na relação entre personagem e animador, este se comporta como um novo personagem na história, criando uma ação paralela à principal, ou sendo a relação principal e única, como em

31 Onde diegese é “a história compreendida no seu pseudo-mundo, como um universo fictício, cujos elementos se combinam para formar uma globalidade”, definição adotada de VERNET. Ver em: Cinema e narração. In: AUMONT, J. A estética do filme. São Paulo: Papirus Editora, 6a. ed., 2008, p. 120. 32 VERNET, M., loc. cit. 33 Curta-metragem, direção de Marcos Magalhães. Foi produzido durante a estada do animador no National Film Board do Canadá e é um grande exercício de animação onde, o movimento do andar de um personagem é reproduzido em diversas técnicas: desenho sobre papel, recorte, tinta sobre vidro, areia, objetos, massinha, desenho sobre película e Pixilation. 69

A Linha34 (1969) – il. 34 –, em que a mão do animador-personagem contracena com o personagem desenhado no papel.

Il. 34 - Still de A Linha (1969).

Mas a autonomia de como contar uma história – tempo, ordem, modo, com ou sem diegetização – é do narrador. Este é diferente do autor35 e pode participar ou não da história. Em Beleza Americana36 (1999), o personagem Lester Burnham (Kevin Spacey) é o narrador de sua história depois de morto. Mas na maioria das narrativas não há narrador aparente37, o espectador se assemelha a um intruso olhando uma história sem ser visto, como um voyer. No cinema, contudo, o contar a história é bem mais sofisticado do que na literatura, já que esta trabalha somente com as palavras, e o primeiro trabalha com sons e imagens, filmadas ou fotografadas, em vários ângulos, com enquadramentos diversos, montadas e justapostas em uma determinada ordem, coerente com o ritmo e a intenção da narrativa. Neste universo, tanto Mezt38 quanto Vernet se referem a uma instância narrativa, responsável pela narração da história e não apenas um narrador.

Parece-nos preferível falar em instância narrativa, a propósito de um filme, para designar o lugar abstrato em que se elaboram as escolhas para a conduta da narrativa e da história, de onde trabalham ou são trabalhados os códigos e de onde se definem os parâmetros de produção de narrativa fílmica39.

34 Série de animação italiana, criação de Oswaldo Cavandoli. 35 O autor é quem cria a história, o narrador é quem conta. E há ainda as histórias sem autor, como no caso das fábulas, lendas e contos folclóricos. 36 Direção de Sam Mendes. 37 O diretor do filme pode ser considerado o narrador, na medida em que ele é quem decide sobre enquadramentos de cena, cortes, atuação dos atores, etc, isto é, ele é quem define como será a narrativa da história. 38 METZ, C. A significação no cinema. São Paulo Editora Perspectiva, 1972, p.34. 39 VERNET, M. Cinema e narração. In: AUMONT, J. A estética do filme. São Paulo: Papirus Editora, 6a. ed., 2008, p. 112. 70

Tal qualificação é pertinente inclusive para as grandes produções de animação – como em Procurando Nemo40 (2003) e em A Noiva Cadáver41 (2005), il. 35 –, em que há um grande número de equipamentos, profissionais – iluminador, pintor, animador, diretor de arte, montador, editor, etc – e um modus operandi que participam da construção final da narrativa visual e não apenas o diretor/animador. No caso das animações ditas autorais, o papel do narrador muitas vezes é exercido pelo animador-diretor (que é também autor); é o caso de Norman McLaren e Quiá Rodrigues42, por exemplo. Isso porque, mesmo trabalhando em equipe, o domínio e o controle da animação por parte do seu criador é bem mais presente, devido ao pequeno volume de tarefas de produção de um curta-metragem e o consequente reduzido número de colaboradores.

3.3.2 Códigos narrativos

Independente do que se narra e do meio em que se apresenta, a história possui uma estrutura básica: início, meio e fim43. Há uma determinada situação, onde surge um problema, que é resolvido com certa dificuldade – é o clímax da história –, resultando no desfecho desta situação. Uma posição de equilíbrio, desequilíbrio e o retorno ao equilíbrio ou a um novo equilíbrio44. Uma máxima utilizada pelos roteiristas dos estúdios Disney é: “no primeiro ato, coloca-se o personagem em cima de uma árvore; no segundo ato, joga-se pedras nele por mais ou menos uma hora; no terceiro ato, tira-se o personagem da árvore”45. O problema ou situação de desequilíbrio é decorrente da trama, conflito ou intriga apresentada pela história. Segundo Todorov,

Pode-se apresentar a intriga mínima completa como a passagem de um equilíbrio a outro. Esse termo equilíbrio, que tomo de empréstimo à psicologia genética, significa a existência de uma relação estável mas dinâmica entre os membros de uma sociedade: é uma lei social, uma regra do jogo, um sistema particular de troca. Os dois momentos de equilíbrio, semelhantes e diferentes, estão separados por um

40 Direção de Andrew Stanton. 41 Direção de Tim Burton e Mike Johnson. 42 Diretores e animadores de Vizinhos (1952), e de De Janela pro Cinema (1999), respectivamente. 43 Aristóteles, em Poética, foi o primeiro a estruturar uma história em três atos. Ver em: Arte Poética. São Paulo: Martin Claret Editora, 2010, p. 39. 44 Como já comentado, essas etapas podem ser apresentadas fora de uma ordem cronológica. 45 SURRELL, Janson. Os segredos dos roteiros da Disney. São Paulo: Panda Books, 2009, p. 73. 71

período de desequilíbrio que será constituído de um processo de degradação e um processo de melhora46.

As intrigas podem ser de diversos tipos, mas geralmente se enquadram dentro de alguns esquemas básicos como: personagem versus personagem (é o clássico, mocinho versus bandido, como a Branca de Neve versus a Madrasta, mas pode ser também um grupo versus outro grupo, como em O Senhor dos Anéis47); humanidade versus natureza48 (como em Moby Dick49); humanidade versus sociedade50 (como em O Corcunda de Notre Dame51, 1996); personagem versus ele mesmo (como em Pinóquio52, 1940). Mas isso não quer dizer que cada história é composta de apenas um conflito. Geralmente há o conflito principal, que é cercado pelos conflitos periféricos. Em A Noiva Cadáver – il. 35 –, por exemplo, Victor luta para se casar com Victoria, esta luta para não se casar com Lord Barkis Bittern, Victor também luta para se livrar de Emily, que por sua vez quer saber quem a matou.

Il. 35 - Still de A Noiva Cadáver (2005).

As histórias ficcionais são então programadas para reter a atenção do público e encaminhá-la lentamente à solução da trama apresentada. Dois códigos são identificados

46 TODOROV, Tzvetan. As estruturas narrativas. São Paulo: Editora Perspectiva S.A. 1970, p. 88. Nesta obra Todorov analisa as estruturas narrativas a partir dos contos de Boccacio, Decâmeron. Mesmo sendo uma análise sobre uma obra literária, em termos de história e narrativa, esta se presta perfeitamente como um modelo de base para uma análise da narrativa audiovisual. 47 O Senhor doa Anéis, romance inglês de J.R.R. Tolkien, e que foi adaptado para o cinema em uma trilogia. 48 O que Todorov chama de cultura e natureza. Todorov. T., loc. cit. 49 Romance americano de Herman Melville. Foi adaptado para o cinema-vivo e dirigido por John Huston, em 1956. 50 O que Todorov chama de individual e social. Todorov. T., loc. cit. 51 Desenho animado da Disney baseado no romance Notre-Dame de Paris, de Victor Hugo, publicado em 1831. Também foi adaptado pra cinema-vivo e televisão. 52 Desenho animado de Walt Disney, baseado em As Aventuras de Pinóquio, obra de literatura infantil italiana de Carlo Collodi. 72 para esse processo: a intriga de predestinação e a frase hermenêutica53. Ambos agem como programas dentro da história com funções opostas. O primeiro é a apresentação de como se sucederá a trama e/ou a sua solução – em A Noiva Cadáver, logo nos primeiros minutos, há o anúncio do casamento de Victor Van Dort e Victoria Everglot (que só ocorre no final). A frase hermenêutica é o artifício de protelar o desfecho do conflito, criando inúmeras dificuldades (também com os conflitos periféricos) para o personagem principal ao longo da história. Alguns gêneros são mais profícuos para tal, como os filmes policiais, de suspense e de aventura, mas todas as histórias a utilizam de uma maneira ou outra, principalmente nos longas-metragens. A frase age como freio para o desenvolvimento da trama, aumentando a expectativa do público – como em A Noiva Cadáver, em que todos os conflitos periféricos protelam o casamento de Victor e Victoria. O Rei Leão – il. 36 – também utiliza os dois códigos. Primeiro, quando Simbad, ainda filhote põe a sua patinha sobre a grande pegada deixada por seu pai, indicando que ele cresceria, e deveria se tornar o novo líder do grupo54, depois, com seu exílio, seus medos internos e as dificuldades que encontra para retornar e ocupar o seu lugar de direito – são os freios da história. Utilizando uma metáfora visual, a narrativa é como um carro andando com o “freio de mão puxado”; “o avanço no qual Roland Barthes via o paradoxo em qualquer narrativa: levar a revelação final, ao mesmo tempo em que deixá-la sempre para depois”55.

Il. 36 - Still de O Rei Leão (1994).

53 Expressão usada por Roland Barthes. Ver em: VERNET, M. Cinema e narração. In: AUMONT, J. A estética do filme. São Paulo: Papirus Editora, 6a. ed., 2008, p. 126. 54 A intriga de predestinação, neste caso, é mais sutil e simbólica – é uma cena que quer dizer algo além de que a pata de Simbad é menor que a do pai – uma mensagem denotativa e outra conotativa. 55 VERNET, M., loc. cit. 73

Assim, esses “programas e antiprogramas", juntamente com a estrutura dos três atos, tornam a história ficcional sempre a mesma história, com pequenas variações: “as situações, os personagens ou as modalidades da ação variam: quanto às funções, elas permanecem idênticas”56.

3.3.3 Funções, Personagens e Verossimilhança

Vladimir Propp57 propunha considerar os personagens de uma história, segundo as suas esferas de ação, à gama de funções que eles exercem, e não quanto as suas personalidades e psicologias. O que faz sentido, na medida em que uma determinada função dentro da história pode ser exercida por mais de um personagem (ou situação, coisa), e onde cada um possui a sua individualidade. Nessa via, A.-J. Greimas58 chega a um modelo de actantes em que há: o Sujeito (herói), o Objeto (o que o Sujeito procura, pode ser uma pessoa ou grupo), o Destinador (o que ou quem estabelece a ação, a missão), o Destinatário (quem ou o que colherá os frutos da missão), o Oponente (o antagonista do herói) e o Adjuvante (o que ajuda o herói); seis funções que podem ser exercidas por qualquer personagem (possuidor de qualquer tipo de personalidade ou caráter). Este inclusive pode acumular ou variar de funções dentro da história. Mas, de qualquer maneira, a forma como o personagem age dentro de sua função na história, é o que resulta na ação do que se vê. O que o personagem faz, o identifica como elemento dentro da história, mas a forma como ele age serve para mostrar como ele é. Nas narrativas do cinema-vivo os personagens só existem na medida em que são vistos na tela, estando “ligados” às figuras físicas dos atores, suas expressões e caracterizações59. Isso é diverso no caso dos remakes e quando o filme é um roteiro adaptado – nestes casos há sempre a comparação inevitável entre o que se vê na tela e a imagem criada, previamente, no imaginário do leitor (com identificação ou repulsa). Um bom exemplo é Romeu e Julieta, obra clássica de William Shakespeare, filmada por Franco

56 VERNET, M. Cinema e narração. In: AUMONT, J. A estética do filme. São Paulo: Papirus Editora, 6a. ed., 2008, p. 129. 57 PROPP, Vladimir apud VERNET, M., op. cit. p. 131. 58 GREIMAS, A. apud VERNET, M., loc. cit. 59 Com raras exceções, como em Rebecca (1940), direção de Alfred Hitchcock. 74

Zeffirelli (1968) e por Baz Luhrmann (1996) – il. 37 –, com o Olimpiano60 Leonardo di Caprio. Aliás, o cinema-vivo cria seus olimpianos e mitos, utilizando-os para se desenvolver e garantir um bom resultado de bilheteria. Mas, independentemente do estrelato do ator, é a sua atuação e seu carisma (em grande parte) que irão convencer o público da veracidade da história.

Il. 37 - Still de Romeu e Julieta (1968), à esquerda; e still de Romeu + Julieta (1996), à direita.

Nas narrativas animadas, a relação com os personagens é bem diversa, já que estes são fisicamente construídos, e muitas vezes (principalmente nos curtas-metragens), não há nem a presença de diálogo. Não há atores e os personagens podem ser desenhos, pinturas, bonecos, pessoas – nesse caso, agindo como se fossem bonecos e não como atores (como no pixilation) –, ou objetos (qualquer objeto). Eles convencem o público através de um dueto de qualidades: sinceridade61 e atração62. Sinceridade por agirem de uma maneira coerente com a história e com as suas próprias características de personalidade – é o verossímil63. A atração é obtida com a criação e o planejamento do personagem, fisíco, emocional e psicológico, e através de imagens que transmitam ação e emoção por intermédio dos seus movimentos. Na animação, mais do que no cinema-vivo, o personagem é o “como” ele age, assim o seu comportamento tem que ser mais humano, do que o do ser humano, já que não possui a força atuante da imagem humana do ator. Por isso, a criação de um personagem de animação – na verdade, de todos os elementos cenográficos – deve ser rica em elementos

60 Quando um ator de sucesso é utilizado para alavancar uma produção. Expressão de Edgar Morin em Cultura de massas no século XX: o espírito do tempo. Rio de Janeiro: Companhia Editora Forense, 1969, passim. 61 Também tem relação com o staging, um dos princípios básicos da animação, que é a atuação do personagem de animação, marcada por suas expressões faciais e corporais. 62 É a sedução estética, um dos princípios básicos da animação. 63 Diferente da impressão de realidade. 75 que representem a sua personalidade e as suas emoções (elementos conotativos). A animação (ato de animar) deve ser realmente convincente. O personagem não deve ser apenas algo que se mexe, mas alguém que tem alma, que atue como um ser vivo se movimentando – o staging. Uma boa animação corresponde à boa atuação do ator no cinema-vivo e tem o mesmo objetivo: convencer o público sobre a ação representada. Dessa forma, todos se comovem, como na cena da morte da mãe do Bambi64 (1942) – il. 38 – e no curta-metragem Pai e Filha65 (2000).

Il. 38 - Still de Bambi (1942).

Ainda seguindo a narrativa de Shakespeare, o curta-metragem de animação Uma noite66 (1997), por exemplo, conta o romance impossível entre uma garrafa de Coca-cola e uma de Pepsi. A escolha da mundialmente conhecida rivalidade comercial, para representar a rivalidade entre Capuletos e Montéquios, não somente é entendida de imediato pelo público, como torna também verossímil a história de amor e toda a sua dificuldade. O verossímil contribui com a narrativa, pois exige coerência da diegese entre os personagens, ação e ambiente (físico-social e psicológico). Para que isso ocorra deve estar vinculado à opinão comum, ao tipo de ficção, às outras histórias semelhantes e ao funcionamento da própria diegese. Assim, uma história onde alguém é assassinado e o pai (ou filho) resolve procurar pelo assassino, é crível. Isso é uma opinião comum, pois é o que todos acreditam ser uma atitude verdadeira de acordo com a situação apresentada. O tipo de ficção já é um dado limitador e quase determina o que deve ocorrer ou não na história. Por exemplo, não há veracidade numa cena onde – num filme de faroeste – um

64 Do longa-metragem americano homônimo, direção de Walt Disney. 65 Curta-metragem belga, em desenho animado, direção de Michael Dudok de Wit. Na animação onde um pai dá adeus a sua filha que lhe espera por dias, meses, anos... 66 Animação espanhola, em 3D, direção de Jordi Morangues. Recebeu prêmio de Melhor Computação Gráfica no Festival Anima Mundi de 1998. 76 pistoleiro entra num bar e pede um copo de leite. Mas se fosse numa comédia, faria sentido. Nos filmes cômicos e fantásticos, em que o absurdo e o inusitado são códigos das narrativas dessas ficções, o verossímil é muito variável e se adapta à diegese desses universos. Naves interplanetárias enormes e pequenos caças de ataque também são verossímeis ao público, pois este já está acostumado a assistir filmes com essas imagens, nas narrativas de ficção científica. Mas em um encontro entre Darth Vader e Luck Skywalker67, não seria crível uma troca de flores. Nas narrativas animadas a verossimilhança é uma característica especial, já que o universo animado não tem a limitação do cinema-vivo, em que a câmera capta as coisas do mundo material. Em animação tem-se a câmera virtual onde, além do vínculo que a sua imagem possui com o mundo material/real68, tudo é possível acontecer. A verossimilhança acontece em função do tipo de ficção e do tema da produção animada, trabalhando em conjunto com a impressão de realidade, com a suspensão da descrença e com o staging do personagem (assunto abordado anteriormente). Um bom exemplo da relativização do verossímil na animação é o filme Fantasia (1940). Qualquer cena desenhada deste longa- metragem não tem muita semelhança com nada que tenha sido visto antes, exceto pela lógica (absurda e já conhecida) das animações – e pelo curta-metragem, também de Walt Disney, Flowers and Trees, il. 05 – 11 anos antes, em que plantas dançam ao som de música. Ou seja, não havia muitas referências anteriores. Mas como era do conhecimento do público de que se tratava de um desenho animado, hipopótamas e cogumelos dançando eram verossímeis, já que dançaram muito bem (staging e sedução estética em ação) – il. 39.

Il. 39 - Still de Fantasia (1940).

67 Personagens inimigos da segunda trilogia Guerra nas Estrelas, de Geroge Lucas, lançada entre 1977 e 1983. 68 Que a imagem no cinema-vivo, como decorrente da imagem a fotográfica, possui: “é pelo menos o seu analogon perfeito”. Barthes. R. O óbvio e o obtuso. Lisboa: Edições70, 2009, p. 13. 77

O Estranho Mundo de Jack69 – il. 40 – é a história de um esqueleto que deseja ser Papai Noel e juntamente com outros seres, do universo do terror, raptam o bom velhinho para desespero das crianças do mundo. Toda a estética e lógica do universo do Halloween é respeitada na narrativa, Jack se transforma num esqueleto vestido com as roupas de Papai Noel, que distribui presentes medonhos para as crianças. Isso é totalmente verossímil, dentro da lógica dessa diegese.

Il. 40 - Still de O Estranho Mundo de Jack (1993).

Faz-se necessário uma outra observação quanto ao verossímil na animação. Há uma gama enorme de animações que trabalham com a representatividade70 e com o simbólico, principalmente nos curtas-metragens autorais71. O verossímil, nestes casos, acontece com o respeito à lógica do universo simbólico-representativo da narrativa animada em questão. Dentro dessa premissa, os espaços físicos das narrativas animadas também são mais improváveis e surreais do que os do cinema-vivo. Como no já citado Mèdia – il. 41 – a animação de técnica mista por exemplo: apresenta a fuga de um homenzinho (desenhado sobre papel em fundo branco) de elementos que o perseguem como, um revólver (objeto), que atira balas de jornal (objeto), e um martelo também de jornal, que bate em sua cabeça.

69 Direção de Henry Selick, de 1993. 70 Quando o que se vê na imagem, representa algo diferente do que se apresenta. 71 O cinema-vivo também apresenta esta característica sendo, porém, mais comum em filmes considerados surreais, como Esse Obscuro Objeto do Desejo (1977), direção de Luis Buñuel e A Companhia dos Lobos (1984), direção de Neil Jordan. 78

Il. 41 - Still de Mèdia (2000).

É uma crítica à nossa Idade da Informação, em que o ser humano é um ser solitário, bombardeado incessantemente por informações de todos os lados. É uma narrativa onde o entendimento do tema, da mensagem, está inteiramente contido na sua representação simbólica e não na imagem objetiva. A mensagem está no universo da conotação, e não no domínio denotativo. Apesar de serem apenas desenhos e objetos em movimento, o público se identifica com a pressão sofrida pelo personagem, isto é, ele identifica emocional e psicologicamente a ação da imagem representada – o que acontece na tela – como sendo uma representação, um registro visual que encontra eco em seus próprios sentimentos. E, neste caso, como em muitos outros, mesmo o espectador não conhecendo a sinopse da narrativa, o próprio título da obra o prepara para o tema que será apresentado pelo filme animado72. Assim, qualquer ação referente a ele – denotativa e conotativa – será considerada verossímil.

3.4 IMPRESSÃO DE REALIDADE E A SUSPENSÃO DA DESCRENÇA

A verossimilhança da narrativa é um componente importante para se obter a impressão de realidade no cinema. Mas esta é complementada, com a sensação que a imagem audiovisual transmite ao público, durante a sua projeção – parecem reais, imagem e som73. Vernet observa que,

72 Lembrando Roland Barthes, o texto ancora a imagem. Cf. BARTHES, R. O texto e a imagem. In: ______. O óbvio e o obtuso. Lisboa: Edições70, 2009, p. 21. 73 A fotografia também fornece a impressão de realidade, mas ela não se move ou emite sons sincronizados. 79

A impressão de realidade sentida pelo espectador quando da visão de um filme deve-se, em primeiro lugar, à riqueza perceptiva dos materiais fílmicos, da imagem e do som. No que se refere à imagem cinematográfica, essa riqueza deve-se ao mesmo tempo à grande definição da imagem fotográfica [...] que apresenta ao espectador efígies de objetos com um luxo de detalhes, e à restituição do movimento, que proporciona a essas efígies uma densidade, um volume que elas não têm na foto fixa [...]74.

Lembrando a afirmação de Arnheim, “o movimento é a atração visual mais intensa da atenção”75, e a reprodução de um movimento é um movimento visto como verdadeiro, pois a reação da percepção humana é a mesma. A sincronicidade dos movimentos e o som, também reafirmam a impressão de realidade, principalmente quando as características sonoras do ambiente físico representado na ação são captadas e inseridas no áudio do filme – como os ruídos urbanos em uma cena de diálogo de duas pessoas numa rua, por exemplo. Além de toda essa riqueza de informações sensoriais, a impressão de realidade é favorecida pela pré-disposição psicológica do público em ir a uma sala de espetáculos (escura), renunciando parcialmente, à realidade do mundo material no qual está inserido (exceto pela projeção), recebendo os estímulos sensoriais que reproduzem as mesmas impressões do mundo real. Portanto, é curta a distância entre o psiquismo do espectador e a imagem no cinema. Como explica Metz, a projeção de cinema

desencadeia no espectador um processo ao mesmo tempo perceptivo e afetivo de “participação” (não nos entediamos nunca no cinema), conquista de imediato uma espécie de credibilidade – não é total, é claro, mas mais forte do que em outras áreas, às vezes muito viva no absoluto [...]76.

Sendo assim, o efeito de realidade é produzido no espectador “pelo conjunto dos índices de analogia de uma imagem representativa [...]”77 e “será mais ou menos completo, mais ou menos garantido, conforme a imagem respeite as convenções de natureza plenamente histórica”78.

74 Ver em: Cinema e narração. In: AUMONT, J. A estética do filme. São Paulo: Papirus Editora, 6a. ed., 2008, p. 148. 75 ARNHEIM, R. Arte e percepção visual: uma psicologia da visão criadora. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1986, p. 365. 76 Ver em: A significação no cinema. São Paulo: Editora Perspectiva, 1972, p. 16. 77 OUDART, Jean-Pierre apud AUMONT, J. A imagem. São Paulo: Papirus Editora, 5a. ed., 2001, p. 111. 78 OUDART, Jean-Pierre, loc. cit. 80

E há um fator importante: quando em uma sala de cinema, o espectador crê momentaneamente no que vê projetado na tela, pois ele está disponível para tal, é uma autopermissão, que funciona em conjunto com o seu conhecimento prévio de que é uma projeção de cinema; imagens em movimento que foram filmadas com cenários e atores ou capturadas através de vários desenhos, bonecos, arquivos digitais, etc. Não há como ser indiferente a esse saber do espectador. Nos seus estudos, David Bordwell afirma que o espectador à frente de uma imagem está num processo de duplo, racional e cognitivo: “por um lado emprega as atividades perceptivas e cognitivas gerais que lhe permitem compreender a imagem, por outro lado, emprega saber e modalidades de saber, de algum modo incluídos na própria obra”79. Com condição psicológica e condição perceptiva é possível haver a ilusão. No caso, não a ilusão sinônimo negativo de erro e engano, mas a ilusão decorrente do objetivo desejado, da representação imagética no cinema, isto é, da representação do real, ou do irreal (no caso das ficções fantásticas e científicas). Neste ponto, o cinema-vivo e a animação trabalham com diferentes tipos de representação. O primeiro utiliza a imagem que, visualmente, é o que apresenta, como um registro fotográfico, a cena de um pôr-do-sol, por exemplo – é o sol se pondo no horizonte – chamada representação motivada80, isto é, uma representação natural, captada pela câmera e compreendida de forma direta pelo espectador. Na animação, a imagem produzida será composta por desenhos, ou um conjunto de objetos que, vistos em movimento, representarão um pôr-do-sol – uma representação arbitrária81, isto é, uma representação que é arbitrada por alguém, mas compreendida pelo espectador. O que se vê não é o que é visto – informação denotada – mas algo que é compreendido ser outra coisa – informação conotada. Contudo, ambas as cenas poderão ter o mesmo sentido conotativo em termos de narrativa – o final de um relacionamento, por exemplo. Ou seja, em muitos casos, “as imagens não são as coisas que representam, mas se servem das coisas pra falar de outras coisas”82.

79 BORDWELL, David apud AUMONT, J. A imagem. São Paulo: Papirus Editora, 5a. ed., 2001, p.. 112. 80 Expressão utilizada por Jacques Aumont. Ibid., p. 104-105. 81 Expressão utilizada por Jacques Aumont. Ibid., p. 103-105. Aumont faz uma observação quanto a oposição e a dificuldade de se considerar a representação da imagem cinematográfica como arbitrária ou natural, mas no caso, comparando-se cinema-vivo e animação, elas são pertinentes como apresentado neste texto. 82 JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. Campinas: Papirus Editora, 1996, p. 84. 81

3.5 A NARRATIVA NA ANIMAÇÃO EM STOP MOTION

Sendo o Stop motion83 uma técnica de animação, todas as observações registradas no texto sobre a narrativa na animação também lhe são pertinentes. Mas há algumas outras características próprias da técnica que influenciam ou podem influenciar uma narrativa, merecendo maior aprofundamento. Por ser uma técnica com um processo mais moroso de produção, o Stop motion não é muito utilizado em termos comerciais pelos grandes estúdios ocidentais84 e japoneses (exceto no Leste Europeu85), que optam pela produção em 2D e em 3D digitais86. Por conta disso a técnica passou a ser muito mais utilizada por animadores independentes, ou por estúdios87 que tinham por objetivo, principalmente, a valorização artística e o desenvolvimento do ato de animar. Como técnica, é possível utilizá-la para se contar qualquer história, como em qualquer outra técnica, ou utilizando-se a imagem filmada. Mas devido as suas características físicas – principalmente quando se tratam de produções com bonecos, massinha e objetos – esta propicia ao animador uma outra forma de pensar a imagem e a construção da própria narrativa, fazendo uso dessas caraterísticas. Por exemplo, na animação Food Fight88 (2006) – il. 42 – em que hambúrgeres, biscoitos e outros comestíveis são utilizados como armas de guerra e soldados. Cada tipo de alimento corresponde a um tipo de nacionalidade: os hambúrgeres são os americanos; os croissants, os franceses; os chucrutes, os alemães; os sushis, os japoneses; etc. Não há diálogo, mas o entendimento da narrativa e a percepção de quem é quem, é compreensível. No contexto geral a narrativa ainda traz duas mensagens significantes: é uma animação antiguerra (o resultado das batalhas é uma sujeira que incomoda) e há o significado crítico sobre o

83 No caso, Stop motion é considerado como um grande conjunto de técnicas de animação, compreendendo: bonecos, massinha, areia, recorte, objetos, pintura sobre vidro e pixilation. 84 A exceção é a Aardman Animation, estúdio britânico que trabalha principalmente com animação de bonecos, para publicidade e cinema. A Fuga das Galinhas (1994) e Wallace & Gromit, A Calça Errada (1993) – vencedor do Oscar de Melhor Longa-metragem de Animação –, foram produções do estúdio e de distribuição mundial. 85 Com a sua tradicional ligação com o Teatro de Bonecos e o artesanato de brinquedos em madeira talhada, o Leste Europeu utiliza o Stop Motion principalmente na produção de séries para a televisão. 86 Como as séries televisivas animadas Bob Esponja e Jimmy Neutron, respectivamente. 87 É o caso do National Film Board do Canadá. 88 Curta-metragem de animação americano, em Stop motion com objetos, direção de Stefan Nadelman, de 2006. Disponível em: . Acesso em 15 jan 2010. 82 consumo exacerbado de comida pelo homem civilizado – é uma animação americana89. Como “as imagens não são as coisas que representam, mas se servem das coisas pra falar de outras coisas”, plagiando Joly, o significado da imagem de uma narrativa em Stop motion não são os objetos que esta apresenta, mas se serve deles para representar uma situação, o que por sua vez representa um terceiro significado. Ela trabalha com materiais do mundo real, mas as imagens que resultam destes são algo diferente das funções que exercem no mundo material real.

Il. 42 - Imagem dos personagens de Food Fight (2006).

Escrevendo sobre a animação experimental, Paul Wells comenta uma afirmação de William Moritz90:

[...] sugere que a animação funciona melhor como forma abstrata, onde é plenamente demonstrada sua intrínseca capacidade de mover formas não- representativas e materiais que estão fora do domínio ortodoxo da construção realista. Esse tipo de animação, deve ser reconhecida como mais especificamente ligado ao desejo de expressão profundamente pessoal, às vezes consciente, às vezes inconsciente, de aspectos do pensamento humano, sentimentos e experiências91.

Por isso a facilidade e a pertinência em se tratar de assuntos mais abstratos (como ideias, sentimentos, anseios, necessidades, sofrimentos) com essa técnica, pois são temas de caráter não material – isso é irônico, pois o Stop motion trabalha com a matéria – que fazem

89 No ano de 2009 foi amplamente divulgada a preocupação oficial dos EUA com o aumento de peso de sua população, e consequentes despesas com tratamentos de saúde. Informação disponível em: . Acesso em: 15 de jan. 2010. 90 Historiador americano de cinema especializado em animação experimental. 91 WELLS, Paul. Understanding Animation. Nova York: Routledge, 1998, p. 29. Tradução livre. 83 parte da natureza humana e estão presentes em incontáveis situações cotidianas. A presença de diálogo é muito pouco necessária neste caso, em que somente efeitos sonoplásticos e música são suficientes para dar realidade às ações dos personagens e para aumentar a intensidade do significado ou a importância dessas ações. A materialidade presente no Stop motion oferece ao narrador uma possibilidade enorme de variações e aplicações de formas, texturas, deturpação de funções (no caso de objetos) que podem auxiliá-lo no contar a história, com informações subjetivas, conotativas e/ou a tornar a imagem esteticamente mais atrativa, com variações de cores, formas, texturas, ou com a simulação de ambientes mais realistas, como em Coraline92 (2009) – il. 43 –, também facilitando o entendimento da narrativa. Retomando o exemplo do pôr-de-sol: o sol poderia ser representado por uma laranja, de cor bem vibrante – sol, calor, paixão, fruta cítrica, saborosa (muito consumida no verão). Como o sol, ela poderia se pôr lentamente e, ao mesmo tempo, ir murchando e perdendo o viço. Tal imagem resultaria em um duplo significado de fim de relacionamento. Um significado mais profundo: desgaste, apodrecimento, morte, fim.

Il. 43 - Still de Coraline (2009).

A capacidade de ilusão no Stop motion é especial e é ainda maior que a do próprio desenho animado. Isso porque o desenho já é uma forma de representação longamente conhecida do entendimento humano. Ver algo se mover em um desenho animado é fantástico, porém, são desenhos diferentes e o papel, o acetato e a tablet são materiais que aceitam qualquer rabisco. Mas ver um objeto do mundo real, como um boneco – com forma semelhante à humana – correr, cair e se desesperar (como acontece no filme Coraline) é

92 O filme mostra uma pequena família, pai, mãe e uma filha pré-adolescente que se ressente com a falta de atenção dos pais. Com uma estética estilizada, o filme conquista pela “realidade” das reações dos personagens. 84 muito mais profundo, pois além da identificação inevitável da forma – homem-boneco – leva às recordações de imagens e experiências passadas, dos bonecos e brincadeiras infantis93. Como observa Wells,

os animadores de stop motion e massinha sempre destacaram os aspectos material e textural de seus trabalhos como o apelo característico do tridimencional, mas um dos aspectos mais significantes continua sendo a necessária abordagem artesanal do trabalho, que não é confiado ao software de última geração, mas à capacidade de fazer e construir coisas, bem como responder às demandas da miniatura da prática teatral e das técnicas de produção de filmes de ação viva em pequena escala94.

Quando a animação utiliza objetos diversos, como no também citado Food Fight, o espectador “deixa” de identificar os objetos em cena, para ver o que eles representam; “deixam” de ver o que eles fazem, a forma como agem, para identificarem o significado da ação na história. Assim, a narrativa que se vale das características do Stop motion tem a possibilidade de ser mais criativa e intensa, tanto em termos visuais quanto em termos de significação.

93 Tal comentário foi feito por Marcos Magalhães (diretor de filmes de animação, professor/coordenador do curso de pós-graduação da Puc-Rio e diretor do festival Anima Mundi), em entrevista realizada em 18/09/2009, ao ser questionado sobre a característica atrativa do Stop motion: “Para os animadores tem também o fato de você tocar o personagem, ter esse prazer tátil, de realmente controlar, essa coisa de brincar de bonecos, tanto meninas com suas bonecas quanto meninos com seus bonecos de Falcon, Playmobil, Lego [...].” 94 WELLS, Paul. The fundamentals of animation. Nova York: AVA Publishing S.A., 2006, p. 103. Tradução livre. 85

4 ANÁLISE DAS ANIMAÇÕES: ESTUDO DE CASOS

4.1 VIZINHOS

4.1.1 A técnica e o filme

Vizinhos (1952) foi produzido em Pixilation durante os anos em que Norman McLaren esteve trabalhando no National Film Board do Canadá. A sua inspiração para o filme e a sua visão de que a guerra não é solução originou-se em acontecimentos históricos e experiências pessoais. Nos anos de 1930, ele participou do Partido Comunista Escocês e foi cinegrafista de Ivor Montagu, durante a Guerra Civil Espanhola, para o documentário pró-republicano The Defense of Madrid (1936)1. No mesmo ano, ainda na Escócia, produziu com Helen Biggar, Hell Unlimited, um documentário híbrido (animação e imagem filmada) contra o comércio de armas2. Já em 1949, McLaren foi à China e à Índia, pela UNESCO, com um programa que tinha o objetivo de criar vídeos sobre saúde e saneamento para cidadãos iletrados. Na ocasião vivenciou o Comunismo, observando que este era menos nocivo do que o Ocidente propagava. Em 1952, auge da Guerra Fria, McLaren lança Vizinhos, como um protesto contra a Guerra da Coreia3. A animação conta a história de dois vizinhos que a princípio têm uma relação amistosa, mas tornam-se rivais, ao disputarem a posse de uma flor, o que os leva à autodestruição, incluindo a família e a própria flor. A obra foi motivo de controvérsia: os EUA e países europeus se recusaram a exibi-la, devido à violência contida nas cenas de ataque às mulheres e crianças. McLaren por sua vez recusou-se a retirá-las, mas foi persuadido a editá-las, o que resultou na versão conhecida e premiada4. Em relação à técnica, o fato do Pixilation utilizar o corpo do ator como base para os personagens, serviu para destacá-la no campo da animação, particularizando-a em relação às

1 KOEHLER, Robert. Some aspects of Norman McLaren. Cinemascope: expanding the frame of internaional cinema. Disponível em: . Acesso em: 24 set. 2009. Tradução livre. 2 MCLAREN, Norman. Encyclopedia of World Biography. Thomson Gale. 2005. Disponível em: . Acesso em: 17 set. 2009. Tradução livre. 3 RENE, Cartagena. Neighbours. Site da Western Connecticut State University, 2003. Disponível em: . Acesso em: 17 set. 2009. Tradução livre. 4 Idem. 86 demais variantes do Stop motion. Isso ocorre em função da utilização de elementos de cena em proporção real, ou mais ou menos real, a aproxima do cinema-vivo e do teatro. Outra observação é que a produção não foi totalmente capturada quadro a quadro. Muitas cenas foram filmadas em velocidades alternativas (16, 12, 8, 6, e 4 quadros por segundo), com os atores se movendo lentamente. A projeção em velocidade normal gerou uma imagem “picotada”, mas com o registro de um movimento mais contínuo que a captura quadro a quadro, o que resultou numa melhor integração visual com essas seqüências. Por característica, na imagem do Pixilation há um contínuo batimento, um ritmo frenético em sua projeção. É uma espécie de caricatura do movimento que quebra o vínculo com a aparência natural – a utilização de pessoas e objetos que, plasticamente, são semelhantes ao que é visualmente conhecido. E este era o objetivo de McLaren:

Eu a senti terrivelmente importante não para contar a história naturalisticamente, porque é uma parábola e não uma história. Nós tivemos a introdução de alguns movimentos não-naturalistas as cadeiras deslizando em direção à câmera, em vez de o ser humano, por isso é uma espécie de primeira remoção de naturalismo. Assim como as árvores que são naturais, mas elas se comportam sem naturalidade5.

Os atores que participam da produção são Jean-Paul Lodouceur e Grant Munro, ambos animadores. Isso é apontado por McLaren como um dado facilitador na produção de um Pixilation, pois em determinadas situações, “como quando chegou a disparar um único frame por segundo (e também outras velocidades mais lentas do que o normal), eles sabiam exatamente como mover-se, ao invés de criar uma série de desenhos eles fizeram uma série de posturas”6. Outro marco importante de Vizinhos é o de que foi a primeira tentativa séria de McLaren em fazer música para seus filmes7, desenhando na banda sonora, criando diversos sons que formavam uma trilha. Esta foi desenhada posteriormente à captura das imagens. Mas McLaren já tinha em mente como a trilha sonora deveria ser, o que fez com que muitas sequências tivessem seus movimentos rigorosamente calculados e capturados para a futura sincronia com o som. A estrutura musical da trilha sonora de Vizinhos possui uma unidade,

5 MCLAREN, Norman. On the creative process. Montreal: National Film Board of Canada, 1991, p. 45. Tradução livre. 6 Ibdem., p. 71. 7 Ibdem., p. 29. 87 em que o trecho audível durante a apresentação do título do filme se mantém, reaparecendo de diversas formas diferentes ao longo da animação8.

4.1.2 A narrativa e os elementos de espetáculos

Os elementos de espetáculos – o cenário, o figurino, o corpo e a maquiagem – serão considerados como elementos materiais de representação, observado como as suas materialidade e visualidade contribuem representativamente, por semelhança e/ou analogia, para a narrativa. Vizinhos inicia-se de forma bucólica, com a imagem de um gramado verde com árvores ao fundo. Duas casas (desenhadas e recortadas em madeira9) entram em cena ao fundo, uma de cada lado do quadro, de onde se arrastam pela grama, para o primeiro plano, duas cadeiras de praia (de madeira e tecido). Pelo artifício técnico do Pixilation estas se armam e surgem dois personagens masculinos, sentados, fumando cachimbo e lendo jornal.

Il. 44 - Still de Vizinhos – à dir. os vizinhos sentados à frente de suas casas e à esq., um deles devolvendo o isqueiro.

Esse é o cenário utilizado em toda a animação, mesmo nos momentos em que as casas não aparecem10. Em seu conjunto – local, elementos de cenário, figurino e atuação dos atores – representam a estabilidade socioeconômica e cultural dos personagens (a imagem do homem ocidental, de classe média, na década de 50): possuem uma bela casa e aproveitam seus momentos de lazer fumando cachimbo e lendo jornal. Os personagens são brancos, têm

8 Inclusive na sequência da luta, “onde está quase irreconhecível”. MCLAREN, N. On the creative process. Montreal: National Film Board of Canada, 1991, p. 29 e 31. 9 A utilização de uma placa de madeira pintada e recortada, com o desenho de uma casa, é um artifício cenográfico emprestado do teatro, também foi muito utilizado nos primeiros anos do Cinema. 10 Nisso é bem semelhante à encenação teatral ou às primeiras obras cinematográficas de ficção onde o local de encenação ou filmagem é o mesmo, com os elementos de cenário criando outros ambientes ou “locações”. 88 aproximadamente 30 anos, isto é, representam homens maduros e sérios. O figurino e o corpo dos atores reforçam esta imagem, cumprindo a função de identificar, caracterizar, localizar e auxiliar no gestual dos personagens11. Eles se apresentam com: cabelos cortados, calça social em tom marrom, blusa social azul claro de mangas longas (tradicional), gravata e sapato social marrom (provavelmente de couro). Também é possível observar um relógio de pulso, com pulseira de couro em um dos personagens. São vizinhos gentis – um oferece o isqueiro para o outro – il. 44. É possível considerá-los iguais, pois se trajam e agem de forma quase idêntica – o figurino trabalha, segundo Pavis, como um vetor-conector12, isto é, como um elemento que faz uma conexão (no caso) entre os personagens – que agem simetricamente (na parte inicial da animação) – il. 45. O diferencial físico é o fato de que o da esquerda tem bigode, usa gravata longa e os tons de suas roupas são um pouco mais escuros, enquanto o da direita não tem barba, usa gravata borboleta e o cabelo repartido lateralmente. Um está à direita (personagem “D”) e o outro à esquerda (personagem “E”) do quadro – isto é, são muito parecidos, mas há diferenças (inclusive de posicionamento), uma representação da questão política da época: a Guerra Fria, Esquerda X Direita, Socialismo X Capitalismo. Os jornais que ambos leem apresentam manchetes diferentes, diferentes ideias para diferentes correntes políticas – “E” lê “Peace is certain if no war” (“A Paz é certa, se não há guerra”), enquanto “D” lê, “War is certain if no peace” (“Guerra é certa, se não há paz”). Tal cena já denuncia13: há um conflito. Apesar da aparência semelhante eles são diferentes – o que contraditoriamente, serve para igualá-los ainda mais.

Il. 45 - Stills da parte inicial da animação, mostrando a simetria de movimento dos personagens.

11 PAVIS, Patrice. A análise dos espetáculos. São Paulo: Editora Perspectiva, 1996, p. 164. 12 Ibid., p. 168. 13 É uma intriga de predestinação. Ver em: VERNET, Marc. Cinema e narração, In: AUMONT, J. A estética do filme. São Paulo: Papirus Editora, 6a. ed., 2008, p. 126. 89

Ironicamente, o pivô da discórdia é uma flor, que por sua própria natureza é boa e inofensiva – e que no contexto das divergências humanas pode representar a mulher, a terra, o poder, enfim, tudo pelo qual os homens entraram em disputa ao longo da história. Como símbolo de amor, de vida, de beleza, tornando-se o objeto da disputa, pode ser interpretado como um reflexo de que o homem almeja o “divino” que há na flor, sugerindo o fato de que, ao possuí-la tornar-se-á melhor, porém, ainda sim não consegue dividi-la. Enquanto elemento de representação física, a flor é uma flor, mas tem a função de personagem. Através do Stop motion ela brota, floresce e se insinua aos vizinhos, movimentando folhas e caule (em alguns momentos ela se protege dos pés dos rivais). Enquanto personagem, seu corpo e sua plástica são também o seu figurino. Ao longo da narrativa, o desenvolvimento deste elemento representativo marca as mudanças da trama, trabalhando como um elemento seccionante: quando ela nasce, inicia-se o drama da disputa (o segundo ato); quando ela morre, marca o início do desfecho (o terceiro ato). A sequência da disputa é longa, mas há dois momentos especialmente importantes: quando eles começam a se esmurrar e quando atacam as casas. Na primeira sequência, depois de se agredirem, chutam a cerca entre as casas e rolam na grama, agarrando um ao outro, usando as estacas da cerca para se atacarem. A essa altura já se apresentam decompostos (roupas, cabelos e gravatas em desalinho) – começam a deixar a civilidade de lado. “D”14 sentado sobre “E”, o esmurra. Em close15, com o rosto semimaquiado, de forma que, a cada golpe (são quatro), sua face aparece mais pintada, mais transformada, acentuando suas linhas expressivas, ressaltando algo de selvagem – semelhante às linhas escuras de um tigre. A cena remete à dramaticidade e ao exagero do cinema expressionista – il. 46 – e da maquiagem do teatro de Kabuki – il. 48. O último golpe é um grande arranhão, identificado pela ação exagerada de “D”, pela sonoplastia e pela maquiagem do rosto de “E” (que também apresenta o rosto com uma maquiagem “selvagem”) – il. 47. Outro detalhe desta cena é que pode-se ver a flor ao fundo (o “pivô” da discórdia) e as estacas da cerca (semelhantes as lanças) o que realça a agressividade da ação – il. 47.

14 Este é o mesmo personagem que lia o jornal com a manchete “Guerra é certa, se não há paz”, o que confirma a índole mais belicosa e agressiva. 15 Um dos poucos planos curtos da animação. O que aumenta e concentra a dramaticidade da cena. 90

Il. 46 - O rosto do personagem maquiado, imagem da cabeça de um tigre, com suas linhas negras e a maquiagem de Conrad Veidt, em O Gabinete do Dr. Caligari (direção Robert Weiner, 1920): semelhanças.

Esta sequência é especialmente rica em termos de maquiagem – artifício utilizado por tribos e comunidades primitivas em dias de festas, cerimônias, caçadas e para a guerra16. Neste sentido, a pintura dos personagens poderia remeter a um comportamento primitivo e irracional, ou a um símbolo de guerra, caso eles se pintassem. Mas no caso, a maquiagem é a continuação do figurino sobre a pele do ator. Com seu poder de metamorfose, ela é capaz de iludir os olhos de quem a vê, mostrando outros rostos ou emoções, ao invés do rosto do ator – como se fosse uma máscara.

Il. 47 - Sequência da agressão violenta com utilização da maquiagem como representação da alteração do estado emocional do personagem.

Tal utilização de maquiagem é característica da maquiagem kumadori (kuma, sombras + dori, tirar = sombrear), do teatro Kabuki, que é bastante estilizada e exagerada.

16 KUSANO, Darci. Os teatros Bunraku e Kabuki: uma visada barroca. São Paulo: Editora Perspectiva, 1993, p.249. 91

Foi inspirada na maquiagem da Ópera de Pequim, a lien p'u17. Se essa foi a inspiração de McLaren, a pesquisa não encontrou indícios concretos, mas sabe-se que ele esteve na China, três anos antes da produção de Vizinhos e algumas das características do desenho da maquiagem de seus personagens apresentam códigos semelhantes aos modelos da kumadori. Analisando o rosto do personagem agressor (“D”), observa-se que é pintado com as cores branco e preto, com forte valorização na área dos olhos e sobrancelhas. As linhas pretas saem do centro da face para o exterior do rosto, reforçando as linhas de expressão; toda a testa é contornada, também em preto, formando com os cabelos um conjunto único, com um “bico” ao centro, na direção do nariz, que faz par com um desenho igual no queixo, apontado para cima. Os dois desenhos concentram a linha vertical sobre o nariz, dividindo o rosto ao meio; as outras áreas do rosto são pintadas de branco. As cores preto e branco reforçam a dramaticidade, os contrastes, sendo utilizadas também pelo cinema expressionista alemão.

Il. 48 - Tipos de maquiagem kumadori em comparação à maquiagem do personagem “D”. Da esq. para a dir.: Saru-guma (para papéis de palhaço), Tsychigumo-guma (de aranha demoníaca), detalhe da maquiagem do personagem, Hannaya-guma (de mulher-demônio) e Yuurei-no-kuma (de fantasma)18.

Para a maquiagem kumadori, o branco é utilizado para nobres e ricos, além de personagens sem muita importância, enquanto o preto é usado para “a maldade ou o sobrenatural, personagens misteriosas e assustadoras”19 e “expressa terror e medo”20. Os traços são variados e constumam ser simétricos, sobre fundo branco (ou de outra cor, depende do personagem), mantendo a tensão emocional da expressão facial, valorizando a construção muscular e óssea do rosto; traços pretos inclinados para baixo (nos cantos da

17 KUSANO, Darci. Os teatros Bunraku e Kabuki: uma visada barroca. São Paulo: Editora Perspectiva, 1993, p. 250 e 251. 18 Fonte das ilustrações: KUSANO, D., op. cit., p.264. 19 Ibid. p. 252. 20 Ibid. p. 253. 92 boca) provocam uma expressão sombria (como a de “E”) – il. 48 – mas o destaque são as linhas ao redor dos olhos, sublinhados, com espessas sobrancelhas21. Mas independente dessas semelhanças, a questão é que McLaren utiliza a maquiagem como o teatro oriental – para demostrar a alteração emocional dos personagens. E o animador utiliza a alteração gradual através da técnica de Stop motion. Ela “age” não como uma simples máscara (que apenas esconde o rosto do ator), mas como uma projeção, um espelho que reflete a transformação do estado psicoemocional do personagem. Seguindo a análise, as mudanças emocionais dos personagens não se restringem às suas feições, mas se estendem aos outros elementos de representação. Eles assumem a irracionalidade e se rasgam mutuamente – o figurino trabalha então como um elemento seccionante na narrativa – representando o abandono da civilidade. Ao mesmo tempo é embreador, faz a transição para outra etapa da narrativa, integrando-se ao novo comportamento dos personagens, remetendo à loucura, à insanidade. É o segundo momento do filme. A flor é pisoteada por ambos (é o fim da racionalidade, e de tudo o que a flor representa); não há mais motivo para a disputa, mas ela continua. Destróem completamente a cerca e partem para a agressão às casas. É a cena mais violenta – il. 49. O personagem “D” bate com uma estaca na casa do rival e a derruba. Vê-se uma mulher sentada na grama com um bebê no colo (enrolado numa manta). Ambos usam cores claras, o que contrasta bem com o verde escuro do fundo. Enquanto personagens ambos têm pouca ação, mas riqueza de significados: são a representação das mulheres e crianças dentro de uma guerra. São elementos passivos, vítimas inocentes da violência. Com uma estaca na mão, “D” acerta a vizinha na cabeça, que cai. Pega o bebê com violência jogando-o no chão e chutando-o para fora de quadro (pelo artifício técnico do Pixilation). Ainda segura a mãe pelos cabelos – atitude conhecida como típica dos homens das cavernas –, e também a chuta. Por sua vez, “E” procede da mesma maneira, em relação à família de “D”, só que não chuta a mulher, mas dá-lhe um murro. A cena é de tamanha agressividade que a reação imediata do público é rir – o inusitado e o absurdo são ingredientes para o chiste. E é neste ponto que Vizinhos (e o Pixilation) de McLaren atinge o seu clímax. Ele consegue através de metáforas visuais representar uma situação tão grotesca e, mesmo assim, arrancar gargalhadas da plateia, mas sem deixar de ser contundente. Agora ambos não têm mais família ou casa, mas continuam a se bater, até a

21 KUSANO, D. Os teatros Bunraku e Kabuki: uma visada barroca. São Paulo: Editora Perspectiva, 1993, p. 252. 93 total exaustão e morte – momento em que, como no início, agem simetricamente pois seus corpos caem em paralelo no gramado: por ironia, “D” no lado esquerdo e “E” no lado direito.

Il. 49 - Sequência do ataque de “D” à casa e à família do vizinho.

Surgem então (em fade) dois montes de terra sobre os dois corpos. Que pela ação do Pixilation são cercados pelas estacas no chão, postas de pé – o elemento que os separava, agora os une para sempre. Dois grupos de estacas se arrastam um para cima de cada túmulo (formando duas cruzes). Também brotam duas novas flores e cada uma delas se arrasta até o centro de cada um dos túmulos – agora cada um tem uma flor. A animação termina como começou, com fade, desta vez ,“feito por Deus”, segundo McLaren22, pois a cena foi capturada ao final da tarde. Apesar de Marc Vernet23 citar Vizinhos como exemplo de cinema não-narrativo, pois “não há intriga, não há personagens”, “mas que com a aceleração dos movimentos, retomam um princípio tradicional da narração”, a animação é uma narração. Apresenta ações e personagens, com a trama focada na disputa pela posse de uma flor, onde o ato de animar é por si só, também, representação e sucessão de movimentos.

22 MCLAREN, Norman. On the creative process. Montreal: National Film Board of Canada, 1991, p. 73. Tradução livre. 23 Ver em: Cinema e narração. In: AUMONT, J. A estética do filme. São Paulo: Papirus Editora, 6a. ed., 2008, p. 94. O autor cita as animações “de Norman McLaren (Neighbours, 1952; Rhythmetic, 1956 e Chairy Tale, 1957)”, como exemplos de cinema não-narrativo, mas a somente a segunda se enquadra dentro de sua definição. 94

4.1.3 A multiplicidade estética do Pixilation

As estacas se destacam enquanto elementos cenográficos, objetos ao longo do filme24. Depois de serem objetos de separação (a cerca) e de guerra (espadas e marretas), no final, assumem ainda uma outra função e representação: são também cruzes cristãs – elementos religiosos, contemplativos, de natureza oposta aos artefatos de guerra. Mas essas representações são compreendidas pelo público, não só pela forma plástica da estaca, mas principalmente pelo uso que os personagens (e o animador) fazem dela. O objeto cênico pode ter diversos graus de objetividade, como no caso das estacas em Vizinhos. Elas possuem uma materialidade legível (são pedaços de madeira, mas se “transformam” em espadas, marretas e machados); são objetos concretos e reais (realmente são estacas de cerca da madeira) usados pela animação e que se adaptam às necessidades das cenas. Como narrativa, a animação segue a forma mais comum das obras cinematográficas, isto é, a história se conta sozinha. Como também não há diálogo, os personagens são apresentados e identificados pelo público através do conjunto de suas representações – figurino, maquiagem e atuação – revelando-se por si mesmos. A curiosidade da situação apresentada é a de que ambos são, ao mesmo tempo, protagonistas e antagonistas. A similarilaridade plástica entre eles só reforça essa dupla função, numa clara analogia à ideia de que o inimigo do homem seria ele mesmo. A iluminação, outro elemento importante na representação, é quase constante em Vizinhos, apresentando pequenas variações, já que foi capturada com iluminação natural25. Como é um Pixilation, os objetos se movimentam, assumindo assim uma condição perene de personagens, em vários momentos do filme. Mas isso não retira dos atores a sua força enquanto personagens, nem atribui maior importância às cadeiras e às estacas que deslizam pela grama. É simplesmente um recurso da linguagem do Pixilation, algo que adiciona comicidade em algumas cenas. E mesmo sendo uma animação é possível identificar semelhanças da sua concepção com a dinâmica teatral, pois: • ela se passa num único local, como um palco ao ar livre e lembra uma encenação por se valer de metáforas e analogias contínuas, que acontecem num tempo curto;

24 Que se presta a três tipos de vetorização, segundo Pavis. PAVIS, Patrice. A análise dos espetáculos. São Paulo: Editora Perspectiva, 1996, p.175-179. 25 Isso foi um dado complicador para a produção, pois havia a necessidade de se esperar um clima propício para a produção, que aconteceu no leste do Canadá. Ver em: MCLAREN, Norman. On the creative process. Montreal: National Film Board of Canada, 1991, p. 73. 95

• utiliza elementos cenográficos (atuação dos atores, figurino, maquiagem, objetos), como no teatro, além disso, a relação dos atores com a maquiagem é igual a dos atores dos teatros orientais, isto é, eles mesmos se pintavam; • é uma obra engajada politicamente – no final há a mensagem textual: “Ame seu vizinho”, em 14 idiomas diferentes26 – reflexo das convicções de McLaren. A possibilidade de utilizar os elementos de representação (tal como o teatro faz) torna o Pixilation, uma expressão artística das mais múltiplas e complexas. McLaren conseguiu aglutinar elementos de representação teatral e linguagem cinematográfica (maquiagem + atuação + planos cinematográficos), criando uma imagem impactante e rica em significados.

4.2 DE JANELA PRO CINEMA

4.2.1 O cinema e o filme

De Janela pro Cinema27 (1999) nasceu meio sem querer... O animador Quiá Rodrigues28 havia recebido uma encomenda de um festival, para produzir uma vinheta de um minuto, em homenagem aos 100 anos do Cinema. Esse trabalho foi desenvolvido em parceria com Paula Nogueira, então funcionária do Centro Técnico do Audiovisual – Ctav29, ligado à Funarte. Eles desenvolveram uma sequência baseada no personagem Nosferatu, do filme homônimo produzido na Alemanha e dirigido por F.W.Murnau em 1922, na técnica de animação Stop motion com bonecos. Porém, a produção atrasou e não foi exibida no festival. Mas como o trabalho teve um resultado visual expressivo, seus produtores, com o apoio de Sérgio Sanz30 (na época, diretor do Ctav), resolveram produzi-lo como um curta-metragem.

26 McLaren era um homem do mundo, várias de suas obras têm os títulos escritos em mais de dois idiomas. 27 Este relato histórico só foi possível graças às informações fornecidas em entrevista, pelo próprio roteirista/diretor/animador, Quiá Rodrigues, em 21/09/2009, no Rio de Janeiro. 28 Quiá Rodrigues é mineiro, trabalha como criador de bonecos para TV e cinema e como cineasta de animação, tendo sido assistente do animador Marcos Magalhães. Atualmente é responsável pela direção, voz e atuação de Zeca2D, personagem do programa da TVBrasil, Animania, onde conversa com animadores e exibe reportagens sobre os eventos do gênero. 29 O Ctav continua sendo um centro de desenvolvimento e apoio à produção audiovisual no Brasil, atualmente é ligado à Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura. 30 Cineasta brasileiro, escreveu roteiros e dirigiu mais de vinte documentários, entre longas, médias e curtas, entre eles Aldeia e Caminho das onças. Fundador e ex-presidente da Associação Brasileira de Documentaristas (ABD). Também presidiu o Sindicato dos Artistas e Técnicos (SATED – RJ). 96

Assim nasceu De Janela pro Cinema, com um roteiro (como conta o próprio diretor), “criado aos poucos” e construído a partir da cena do Nosferatu. Primeiro foram construídos os cenários e os personagens, formando uma sequência – selecionados de acordo com a sincronicidade, a preferência do criador e a importância histórica para o cinema. Assim aparecem: Nosferatu – representando o expressionismo alemão (e os filmes de terror) –; Jeffrey (personagem de James Stweart, em Janela Indiscreta31, 1954), “The girl” (Marilyn Monroe, em O Pecado Mora ao Lado32, 1955), representando o cinema americano dos anos 50; Carlitos (Charles Chaplin) e Monsieur Hulot (Jacques Tati), representando o cinema de humor; Mandrake (Marcello Mastroianni, em Entrevista, 1987) e e Lúcia (a charuteira de Amarcord, 1973), representando o cinema italiano33; o Anjo (Bruno Ganz em Asas do Desejo34, 1987), representando o novo cinema europeu; e Grande Othelo, no final, como o personagem de Macunaíma35 (1969), representando o cinema nacional. Foram quatro anos de trabalho, com poucos recursos, resultando na deterioração de alguns bonecos ao longo da produção. Sem nenhum tratamento digital, o filme ficou pronto em sete de julho de 1999. A trilha sonora foi composta por Ed Motta com letras de Ronaldo Bastos. Foi quase um trabalho de artesão, pois em vários pontos ela “imita” trechos de trilhas clássicas, como as músicas de Chaplin, Bernard Hermann36 e Nino Rota. A dublagem foi conduzida pelo dublador e amigo do diretor, Pedro Eugenio, que reuniu os outros profissionais, inclusive o ator Sérgio Brito.

4.2.2 A narrativa e suas referências cinematográficas

De Janela pro Cinema conta a história de uma jovem mulher que se prepara para sair, sendo observada por diversos vizinhos, através das janelas de seus apartamentos. A questão central é: ela está se preparando pra sair, mas quem será o felizardo que irá acompanhá-la? Esta dúvida é cercada por pequenas narrativas que acontecem nos apartamentos vizinhos. O filme começa com takes sequenciais, mostrando os prédios de uma cidade grande e

31 Direção de Alfred Hichtcock. 32 Direção de Billy Wilder. 33 Ambos os filmes direção de Frederico Fellini. 34 Direção de Win Wenders. 35 Personagem de Grande Otelo, do filme homônimo, direção de Joaquim Pedro de Andrade. 36 Dois compositores e musicistas premiados. O primeiro trabalhou com Hitchcock e Orson Wells e o segundo com Visconti, Fellini e Coppola. 97 seus interiores. Há uma descrição37 visual desse ambiente físico com sons de ruídos urbanos – a descrição visual é a tônica deste trabalho. Através dos ambientes, cenários e personagens é possível identificar quem são e o que simbolizam dentro desse universo diegético. É noite – momento para o mistério, o sonho, o romance (e para ir ao cinema). Nos letreiros luminosos aparecem os créditos principais – “produção” (Funarte Decine – Ctav e QFilmes), “direção” (Quiá Rodrigues) e “música” (Ed Motta) – e o título – De Janela pro Cinema. Inicia-se a trilha sonora – que se altera ao longo do filme, de acordo com as ações representadas. A partir deste momento, os ambientes e suas narrativas são apresentados ao público, na seguinte ordem: • a praça, com os prédios de apartamentos, letreiros38 e o Anjo39 – de Asas do Desejo, um voyer, de personalidade melancólica, nostálgica, como o clima da narrativa40; • o apartamento de “Belle de Jour”41 tem a estética inspirada no filme Áta-me (1990) – il. 58. É colorido e exagerado, com cores quentes, elementos quadriculados, como no cartaz do filme, presente na parede do quarto. Já a personagem, observada e desejada pelos vizinhos, é inspirada em Marilyn Monroe, em O Pecado mora ao Lado – simboliza o “poder do feminino” no cinema. Todo o conjunto representa que “a garota é quente”, como a personagem original do filme; • o apartamento de Nosferatu é uma das reverências ao expressionismo alemão e é totalmente inspirado no filme homônimo, em termos de ambiente e personagem – il. 50; • o apartamento de Jeffrey, de Janela Indiscreta é totalmente inspirado no filme – il. 33 –, em sua plástica e nas ações do personagem – é possível ver fotos de diversas divas do cinema mundial; • o apartamento de Carlitos e Monsieur Hulot42 é dedicado à comédia43 e aos primeiros anos do cinema. Apresenta alguns móveis escuros, antigos e vários retratos, inclusive

37 Para Metz “o momento descritivo denuncia–se imediatamente: é o único no interior do qual a sucessão temporal dos elementos significantes [...] deixa de se referir a quaisquer relações temporais [...] entre os significados correspondentes e designa entre estes mesmos significados apenas relações de coexistência espacial (isto é, relações tidas como constantes em qualquer momento que se queira)”. Ver em: A significação no cinema. São Paulo: Editora Perspectiva, 1972, p. 33. 38 Out-door luminoso com a palavra “Lumière” (piscante) e outro com a imagem de um olho aberto (o olho do filme Laranja Mecânica, de Stanley Kubric, 1972), ambos em preto, sobre fundo branco. É uma clara referência aos irmãos Lumière e à importância do olho, do olhar, do conhecido poder do voyerismo para o cinema, como também para o filme que se inicia. É uma intriga de predestinação, assim como o próprio nome da animação, o início da narrativa também se declara uma homenagem ao cinema. 39 Ele representa o alterego do diretor. O Anjo também é utilizado como elemento de ligação entre uma narrativa e outra, entre a visão de um e outro apartamento – juntamente com a personagem Belle de Jour. 40 Ela é composta de lembranças, de estrelas e astros que já morreram, sucessos passados. 41 Também é o nome do filme de Luis Buñuel, de 1967, com o mito do cinema francês Catherine Deneuve. 42 Personagem do ator e diretor francês de comédias, Jacques Tati. 43 Inclusive com gags baseadas em sequências do filme francês Meu Tio (1956), de direção de Jacques Tati. 98 os de Louise Brooks44, Theda Bara45e Gene Kelly; e na parede os de Oscarito, Groucho Marx, Jerry Lewis, Al Jolson, Groucho Marx, Woody Allen46; além de um still do filme Limite47 (1931), de Mário Peixoto;

Il. 50 - Á esquerda, stills da animação, à direita, stills do filme alemão, onde é possível observar as semelhanças.

• o apartamento de “Mandrake!” – il. 53 – (personagem de Marcello Mastroianni, em Entrevista) e Lúcia (a charuteira de Amarcord), quase não apresenta caracterização cenográfica, sendo marcado pelas ações dos personagens inspiradas nos filmes italianos; • novamente a praça (fechando um ciclo), agora também com Othelo (Macunaíma) e a lua de George Méliès48 – il. 57 –, um dos primeiros a utilizar Stop motion no cinema. Todas as cenas são repletas de símbolos e referências cinematográficas. A análise se detém num momento crucial para a narrativa: a chegada do parceiro de Belle e quando o casal

44 Atriz americana do cinema mudo trabalhou com Charles Chaplin e foi sua namorada na vida real. 45 Atriz americana do cinema mudo. Foi uma das primeiras Vamps do cinema, sendo uma das mais populares entre as décadas de 10 e 20 do último século. Também fez filmes cômicos. 46 Conhecido diretor americano de comédias “intelectuais”. 47 Filme experimental brasileiro de 1931, direção de Mário Peixoto, influenciado pela estética de Man Ray. 48 Em sua obra-prima Viagem à Lua (1902). 99 sai para passear – eles sintetizam plástica e referencialmente todo o filme. A sequência inicia-se com o detalhe de uma sinalização de porta (“Persona”49). O travelling descendente apresenta a entrada do prédio. Observam-se os números dos apartamentos na parede do prédio, perto do chão, cartazes de Kane (do filme O Cidadão Kane50, de 1941), a sombra de alguém (que assobia) e, ao fundo, o final da escada. Cria-se uma aura de mistério e temor. Cena em tons de cinza e escadaria em tons de sépia51, com o som do assobio do criminoso, do filme M, O Vampiro de Düsseldorf52 (1931), em off – il. 51. Outra referência ao expressionismo alemão é a lista dos números dos apartamentos, inspirada nas caixas de correios de Metrópolis, de Fritz Lang (1927) – il. 52.

Il. 51 - Still da animação e suas referências: o cartaz do filme Cidadão Kane (1941) e o still de O Vampiro de Düsseldorf (1931).

Il. 52 - A escada e a lista de apartamentos da animação à esq., com design, baseado em filmes como O Gabinete do Dr.Caligari (1920), ao centro e Metrópolis (1927), à direita.

Do lado de fora de um dos prédios, os dois italianos chegam à janela. Lúcia fala: “Guarda chi é! Eii!” (“Veja quem é! Eii!”). Ela acena e Mandrake se espanta, pois deduz com quem o visitante veio falar. Em câmera subjetiva, vê-se que é Othelo (é assim que

49 Referência ao cartaz do filme sueco Quando Duas Mulheres Pecam (1966), direção de Ingmar Bergman. 50 Direção de Orson Wells. 51 O design das escadas lembra o estilo de O Gabinete do Dr. Caligari (1920), de Robert Weiner, e de Metrópolis (1927), direção de Fritz Lang. 52 Filme alemão, direção de Fritz Lang, – também expessionista. 100

Belle o chama): é um homenzinho baixinho, descabelado, negro, vestindo um camisolão claro, com uma flor vermelha na mão. Ele se vira, acena e responde: “Ei...!”. Em off inicia- se um som de cuíca – a representação sonora do personagem brasileiro, da malandagem. É uma peripécia da história. Primeiramente melancólica, romântica, com momentos cômicos, mas no geral marcada por uma tensão, um suspense no ar, desfeito completamente com essa inversão da narrativa: um desfecho improvável até o momento – em clima de paródia, típico das chanchadas brasileiras. Pela janela do quarto de Belle, pode-se vê-la caminhar em direção ao peitoril. Em câmera baixa, ela se debruça e se admira em ver quem é. Acena e inclina a cabeça sobre os ombros, piscando um dos olhos, com carinho. Em câmera subjetiva, Othelo olha para Belle, sorri e acena. Ela manda-lhe um beijo com a mão, que ele retribui. Belle faz um sinal com a mão e vira-se para o cômodo. A trama está resolvida. Final do segundo ato e início da sequência final, marcada pelos sons dos chocalhos e tamborins – il. 53.

Il. 53 - A sequência da peripécia da narrativa, com a chegada de Othelo e seu comportamento irreverente.

Em travelling descendente, vêem-se as janelas do apartamento de Belle e as janelas 101 vizinhas – representação de que a personagem desce as escadas. Othelo se vira para o público, apertando apaixonadamente um hibisco vermelho53 contra o peito. Ele estica o braço e olha a flor admirado, depois a leva ao nariz e: espirra, limpando-se com as costas da mão, quebrando o romantismo da cena – um humor típico das chanchadas brasileiras. Da escadaria do prédio, em câmera alta, Belle entra e sai de quadro, descendo apressadamente as escadas. Novamente é Othelo que ocupa o foco, e aparece, rindo, andando, balançando-se de forma meio desconexa (como o personagem original do filme brasileiro) e, mais uma vez, aperta a flor contra o peito. Da entrada do prédio, Belle desce os últimos degraus da escadaria e vira-se para a direita. Com Othelo em primeiro plano (imagem desfocada, chupando dedo) e, ao fundo, sua amada, que mexendo na saia e inclinando-se para ele, fala: “Othelo!”. Ele se vira e, de frente para a câmera, abre a boca admirado. Novamente em plano médio, ele desfocado, de costas, com a flor atrás de si, e ela, ao fundo, de braços abertos. Em câmera subjetiva de Othelo (corta a cabeça de Belle), a personagem vem ao seu encontro com os braços abertos dizendo: “Come here, let me kiss you!” (“Venha, deixe-me beijá-lo!”). Ele em plano curto inclina-se levemente para trás sorrindo – il. 54.

Il. 54 – Sequência do momento do encontro de Belle e Othelo.

O casal de perfil se beija. Ela mais alta, vira-o para a esquerda, inclinando-o para

53 Como agiria o personagem original, ele “deve tê-lo tirado” de um jardim qualquer, quando vinha ver a amada. Ele não tinha dinheiro e além do mais, seria menos trabalhoso. 102 frente. Normalmente esse é um tipo de ação destinada aos mocinhos, em suas conquistas amorosas – é uma paródia desse clichê tão conhecido. Por cima do ombro da namorada, esta beija Othelo três vezes, que se ergue tonto, com o rosto manchado de batom, apoiando a cabeça no ombro de Belle, que docemente recosta a sua. Ele limpa o rosto com a mão, afasta- se um pouco e oferece o hibisco à Belle. Esta o pega e, de mãos dadas com Othelo, sai de quadro pela direita. Inicía-se novamente a trilha principal da animação, com Belle cantando. A canção segue em off pelas cenas seguintes: “What is there to find at rainbow’s end? / Only love would know, but love is blind / Now and then will leave a window into open skies / Make you sad in hapiness when lost in paradise / Love made me guess when the moons start colliding / Flowers!”54 – é uma homenagem aos musicais. Câmera foca a cidade, com os prédios do início da animação observados ao fundo. O casal, de costas, entra em quadro, andando em direção aos prédios – inúmeros filmes usaram este tipo de imagem, inclusive Chaplin, no final de Tempos Modernos (1936) – il. 55. Quando os personagens ficam centrados na cena, em plano americano, Belle, cantando, dá uma volta e se inclina para Othelo, que a segura pelo braço e pela cintura e pergunta: “Tá gostoso, coração, tá?”.

Il. 55 - Still do casal seguindo em direção ao horizonte, como no still de Tempos Modernos (1936), de Charles Chaplin.

Neste momento há uma visão de cada apartamento, com seus personagens, na ordem inversa da que foram apresentados, como um fechamento para cada pequena narrativa. A última sequência inicia-se em plano de conjunto, o Anjo tendo o topo de três prédios ao fundo. Este de pé, olha para baixo e acena para o casal apaixonado, completando a canção: “Send me lots of flowers!” (“Mande-me muitas flores!”). Belle com Othelo em seus braços – uma inversão de papéis das cenas cinematográficas habituais, mas totalmente coerente em se tratando “Macunaíma”. Ambos olham para o Anjo. Em off segue a trilha instrumental do filme.

54 “O que há pra se achar ao fim do arco íris? / Só o amor saberia, mas o amor é cego ... / Ás vezes há uma janela em céus abertos / Te deixando triste na felicidade de se perder no Paraíso / O amor me faz pensar em quando as luas se chocam / Flores!” 103

O personagem brasileiro faz um sinal de “positivo” com a mão, olha para a câmera – falta de diegetização – e pisca um olho só – expressão característica de que está tudo ótimo para ele. Chupando o dedo encosta a cabeça no ombro de Belle, dizendo: “Aí, que preguiça!” – comportamento condizente com o seu personagem original, il. 56. Esta encosta a cabeça na dele, que balança as pernas, como uma criança. Ela olha para o céu. Em plano geral mostra-se o céu, com nuvens e uma lua cheia ao centro.

Il. 56 - Othelo no filme de Quiá Rodrigues e Macunaíma , no de Joaquim Pedro de Andrade: o mesmo comportamento.

Il. 57 - A lua em De Janela pro Cinema e em Viagem à Lua, de George Méliès.

Plano de conjunto do casal, olhando para a lua (de George Méliès) – Othelo para de chupar o dedo. A lua vista de frente, centrada no quadro, com o céu negro e algumas estrelas – 57. Esta sorri e fala “Eh!”. Travelling descendente, com o céu estrelado ao fundo, começam a subir os créditos, com o início da canção em off. No happy end inusitado de Belle e Othelo, há uma simbologia agregada, muito rica55. Belle é, ao mesmo tempo, a imagem da figura feminina, a anima, a sedução, mas também é o cinema americano, a inalcançável produção americana, (ela demora em se arrumar). Enquanto Othelo é o anti-herói, o animus, o “sem jeito”, mas é também o cinema brasileiro, pobre, criativo, “o do jeitinho”. Ele arranja um hibisco para a amada e não esconde a sua “preguiça”, a

55 O casal é similar a outro, do filme nacional de 1973, de Júlio Bressane, O Rei do Baralho, também com Grande Otelo que fazia par romântico com a loura Martha Anderson. 104 sua irreverência e desdém. O fato de ele terminar nos braços de Marilyn vai além da paródia e da ironia. É o “cinema nacional nos braços do cinema americano”56. Um tipo de cinema que é admirado e seduz, mas que, ao mesmo tempo, representa o seu antagonista, estando à mercê deste, com admiração e uma dose de desleixo.

4.2.3 O reflexo cultural na estética da animação

De Janela pro Cinema se vale do próprio cinema como fonte de inspiração e de referencial – e sob esse prisma, é um filme metalinguístico. E como é comum aos filmes de ficção, ele se constitui “por outros filmes, por intermédio de citações, alusões ou paródias”57. A forma como as pequenas narrativas são apresentadas lembram também o roteiro de outros filmes, como Short Cuts, Cenas da Vida58 (1993), composto por histórias independentes, contadas em paralelo, que em um dado momento se encontram. Já na situação de observar a vida dos personagens, através de suas janelas, é incontestável a inspiração no filme de Hichtcock, Janela Indiscreta. Não foi uma influência consciente, intencional59, mas o resultado imagético-narrativo foi igual, o que não acarreta nenhum desconforto, ao contrário, só enfatiza a importância do olhar nessa animação, reverenciando o diretor inglês. Analisando-o mais profundamente, há três aspectos que se interrelacionam dentro do campo estético e onde a técnica com bonecos interfere: • no aspecto plástico do filme: reflexo do trabalho artesanal, de uma produção com poucos recursos, com uma estética inacabada, “suja”; • no aspecto conceitual: a realização da ideia, totalmente autofágica, resultado de um apanhado de informações e referências diversas, como a brasilidade que Oswald de Andrade preconiza – “Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago”60; • no aspecto emocional: o lúdico, o nostálgico, com os bonecos representando mitos

56 Expressão utilizada pelo próprio roteirista/diretor/animador. 57 VERNET, M. Cinema e narração, In: AUMONT, J. A estética do filme. São Paulo: Papirus Editora, 6a. ed., 2008, p. 106. 58 Direção de Robert Altman. 59 Declaração dada em entrevista por Quiá Rodrigues, em 21/09/2009, no Rio de Janeiro. 60 ANDRADE, Oswald. O manifesto antropófago. In: TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda européia e modernismo brasileiro: apresentação e crítica dos principais manifestos vanguardistas. 3ª ed. Petrópolis: Editora Vozes; Brasília: INL, 1976. Disponível em: . Acesso em: 15 nov. 2009.

105 do cinema que já se foram, mas que parecem vivos, emocionam-se e emocionam. É uma ilusão, mas enquanto imagem projetada é real. O filme trabalha com um dos principais investimentos psicológicos da imagem: o reconhecimento. Através dele o espectador reconhece as cenas, os personagens, os mitos. Obviamente, isso depende de um conhecimento prévio para que este “aproveite” completamente a narrativa, mas isso não o impede de compreendê-la.61. Essa compreensão da narrativa é conduzida pela montagem, criando a relação entre as sequências e cada ambiente. De Janela pro cinema é uma narrativa audiovisual que utiliza a linguagem cinematográfica, aliada à técnica de animação. A utilização de câmera subjetiva reforça o intimismo da animação, em que cada personagem vive as suas próprias experiências, criando uma empatia com o público, inserindo-o nas situações, aumentando assim o sentido de participação no filme – é o processo de participação, citado por Metz.

Il. 58 - A Belle, De Janela pro Cinema, age com a sensualidade e o charme da atriz Marilyn Monroe e sua personagem em O Pecado Mora ao Lado (1955).

A sincronicidade dos movimentos e do som; a pré-disposição psicológica do público em assistir uma animação e a renunciar à realidade material do plano em que está inserido,

61 O que ele perde é o prazer do reconhecimento, é a “satisfação psicológica pressuposta pelo fato de 'reencontrar' uma experiência visual em uma imagem, sob forma ao mesmo tempo repetitiva, condensada e dominável”. AUMONT, Jacques. A imagem. São Paulo: Papirus Editora, 5a. ed., 2001, p. 83. 106 aliados ao reconhecimento, são fatores que geram uma forte impressão de realidade, que é muito sedutora. E a utilização do Stop motion com bonecos fortalece esse processo. Entre os conceitos básicos de animação, dois são fundamentais neste caso: o staging (a interpretação do personagem) e o “apelo” (a sua sedução visual) – il. 58. Enquanto bonecos possuem um grau bem maior de similaridade com os personagens originais que representam, do que se fossem apenas desenhos. A tridimensionalidade, a textura e o movimento físico criam uma imagem poderosa62 – que encontra reflexos nas memórias infantis63. Edgar Morin explica que

A conjunção da realidade do movimento e da aparência das formas motiva o sentimento da vida concreta e a percepção da realidade objetiva. As formas emprestam o arcabouço objetivo ao movimento, e o movimento dá consistência às formas [...]. O movimento dá aos objetos uma “corporalidade” e uma autonomia que sua efígie móvel lhes subtrai, destaca-os da superfície plana a que estavam confinados, possibilita-lhes desprender-se melhor de um “fundo”, como “figuras”; livre do seu suporte, o objeto se “substancializa”; o movimento traz o relevo e o relevo traz a vida64.

Em relação à plasticidade, apesar de cada uma das sequências ser bem particular (com uma mistura de estilos de época e cores), há uma unidade formal em toda a animação: na construção dos bonecos, no acabamento artesanal, no capricho na caracterização dos personagens e ambientes, no ritmo da narrativa (equilibrado, contínuo, com a música marcando o clima emocional e psicológico de cada sequência). Rodrigues chama essa unidade visual de “museu de cera”, com suas estátuas em homenagem às figuras ilustres – no caso, com seus bonecos homenageando os mitos do cinema. Também não houve nenhum tratamento digital na pós-produção. Esse “mau” acabamento encontra semelhanças com o “mau” acabamento do cinema vivo nacional da década de 6065. Essa similaridade estética trabalha em conjunto com a questão conceitual que também vigorava no cinema vivo brasileiro da época, em que não haviam muitos cuidados de finalização, mas a valorização das paródias e do humor: o próprio filme Macunaíma, homenageado na animação, é um exemplo. Utiliza uma estética bem colorida,

62 O boneco da Marilyn Monroe se comporta como “the girl”. É sensual, provocante, suas atitudes são reais – arruma as flores, ajeita a roupa, é vaidosa, pisca e manda beijinho. Há uma cena e que Jeffrey até coça os pés! 63 Recordando o comentário de Marcos Magalhães sobre a sedução do Stop motion. 64 MORIN. Edgar apud METZ, C. A significação no cinema. São Paulo: Editora Perspectiva, 1972, p. 20. 65 Por exemplo, quando Belle está em frente ao espelho, observa-se a estrutura interna do boneco –; no filme Macunaíma, na cena final do afogamento, há uma mangueira de borracha, usada como suporte técnico da cena. 107 tropicalista, com um anti-heroi, e em acordo com a antropofagia de Oswald de Andrade – que advogava a criação de uma cultura, genuinamente nacional, a partir do “devoramento” das influências nacionais e internacionais, tal como também se apresenta a obra de Rodrigues. De Janela pro Cinema é um fiel representante do cinema nacional, resultado da criatividade aliada à “uma câmera na mão” (no caso, um tripé). Apesar de não ter sido a intenção do diretor, a produção em si é uma homenagem ao cinema nacional, com características culturais brasileiras marcantes e, ao mesmo tempo, individuais. Trata-se de um filme de autor (animação autoral), com características particulares. É um trabalho criativo, individual, onde há “um caráter, uma personalidade, uma vida real, uma psicologia e até uma 'visão de mundo' que concentrem sua função sobre sua própria pessoa e sobre a sua 'vontade de expressão pessoal'”66.

4.3 O VELHO E O MAR

4.3.1 A história de Hemingway e a animação

O Velho e o Mar (1999) é uma animação produzida na complexa técnica de pintura sobre vidro e baseada no romance original homônimo, de Ernest Hemingway, de 1952. Obra do animador e diretor russo Alexander Petrov67, foi uma produção conjunta da canadense Pascal Blais Productions e da japonesa Imagica Corporation (com o sistema IMAX). Como a obra literária, a animação conta a história da luta de um velho pescador solitário que, em alto mar, pesca um peixe-espada com mais de cinco metros de comprimento68, e precisa levá-lo à praia. A preparação para a produção levou aproximadamente sete anos, até que Petrov conseguisse transformar as cenas descritas no livro em um roteiro para o curta-metragem.

66 VERNET, M. Cinema e narração, In: AUMONT, J. A estética do filme. São Paulo: Papirus Editora, 6a. ed., 2008, p.110. 67 As informações contidas neste subcapítulo foram fornecidas pelo próprio Alexander Petrov, em entrevista realizada em 05/11/2009, em Moscou. Todos os comentários escritos entre aspas e não referenciados ao longo do texto, são comentários originais do animador. 68 É o conhecido eixo narrativo o homem X a natureza, tão comum nas obras de Hemingway. AGUIAR, Luiz Antônio. A história de Santiago. In: HEMINGWAY, Ernest. O velho e o mar. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil Ltda, 2009, p. 10. 108

Não foi a primeira adaptação do romance69 para o cinema e, a princípio, Petrov planejava uma narrativa de aproximadamente 12 minutos, mais centrada na pescaria. Porém, a pedido dos produtores, o filme foi um pouco mais longo (22 minutos), mostrando também a relação do menino com o pescador, além das suas memórias e sonhos – descritos no livro de Hemingway – “o que tornou o filme mais interessante”. A técnica de animação a ser utilizada já estava escolhida: seria pintura sobre vidro, a sua técnica preferida, e a mesma utilizada nas três produções anteriores. “Não havia nenhum conflito interior entre essa história e sua execução através da pintura”. Mas a dificuldade para o animador/roteirista era a de que havia um conflito entre a sua “naturalidade” em pintar e a “realidade” das cenas descritas por Hemingway, pois como explica Petrov, “fazer aquele mundo descrito por Hemingway mais real seria impossível, pois ele já tinha criado tudo até mim, e eu, como artista, não tinha praticamente nada a fazer” – é a conhecida dificuldade de se criar uma história a partir de outra obra pronta e acabada70. Petrov então elaborou “uma certa concepção que difere um pouco da história escrita por Hemingway: apesar de tudo, é uma história sobre um velho e um peixe, um pouco diferente”. Houve a valorização das lembranças do personagem Santiago, uma visão particular do animador, em relação à obra literária – porém, mantendo uma ligação direta com os pensamentos descritos no romance.

Mas justamente a matéria dos sonhos, aquilo que, propriamente dito, é o objeto do desenho animado, que enriquece o filme. Eu, obrigatoriamente, uso isso praticamente em todos os meus filmes. Na minha opinião, 30% desse filme são, apesar de tudo, lembranças, sonhos ou algumas ilusões do protagonista71.

A técnica de pintura sobre vidro consiste em pintar quadro a quadro, sobre uma placa de vidro, iluminada por trás. No caso da produção de Petrov foram quatro placas, sobrepostas, como prateleiras de uma estante (um sistema muito semelhante à câmera multiplano de Disney). Esse sistema foi iluminado por baixo, além da possibilidade de iluminação pontual sobre a pintura das prateleiras, de acordo com a necessidade das cenas.

69 A mais famosa é a produção americana de 1958, com o ator Spencer Tracy, direção de John Sturges. 70 Aliás, essa é a grande dificuldade dos roteiros adaptados pois cada meio narrativo possui uma característica própria, que nunca é reproduzida da mesma maneira (e nem poderia) por outro meio. É necessária a criação de uma versão da história para esse novo meio narrativo – cinema, quadrinhos, games. 71 Comentário de Alexander Petrov. 109

As imagens então foram capturadas por uma câmera72, quadro a quadro, colocada no topo do sistema. O resultado das imagens é o da sobreposição das cores das tintas, dispostas em cada uma das placas de vidro. É possível compreender a dificuldade e o enorme tempo necessário para se produzir nesta técnica. O Velho e o Mar levou dois anos de trabalho, produzindo mais de 29.000 quadros de pintura (que foram destruídos). O trabalho da trilha sonora contou com a sensibilidade do experiente e premiado Normand Roger, um dos mais conceituados compositores para curtas- metragens de animação, do National Film Board do Canadá que, soube captar o ambiente solitário e dramático da animação. Com tanto talento envolvido na produção, o resultado não poderia ser outro: o curta-metragem recebeu mais de 20 prêmios internacionais, entre eles o Oscar de Melhor Animação e o Grand Prix, em Annecy, ambos em 2000.

4.3.2 A pintura, a narrativa e o tempo

A animação se inicia com a imagem do jovem marinheiro Santiago, com cenas de pesca e de animais africanos, uma representação dos sonhos do personagem já idoso, enquanto dorme na rede de sua cabana – il. 59. Isso já demonstra a importância que o onírico terá no filme.

72 No caso de O Velho e o Mar foi utilizada uma câmera do sistema IMAX, exigência da empresa japonesa para entrar na produção. Isso acarretou um aumento da área de trabalho para Petrov – acostumado a trabalhar com uma área de nove a 12 polegadas (para 35mm), para 30 polegadas (para 70mm, do IMAX) – e para o próprio sistema da câmera, que trabalhava até então com uma profundidade de campo de apenas quatro centímetros. Informações de Bernard Lajoie, vice-presidente da Pascal Blais Productions, em entrevista para a Animation World Magazine, em março de 2000. Disponível em: . Acesso em: 10 out. 2010. 110

Il. 59 - Primeira sequência de O Velho e o Mar – sonho, lembrança, ação, tudo se confunde.

Este sonho é narrado por Hemingway73. E assim como muitas outras lembranças utilizadas por Petrov, como momentos visuais poéticos, mas que narrativamente funcionam como eixos de ligação entre os acontecimentos mais importantes do romance. Lembranças e imagens mantidas e representadas na animação. Entre essas várias imagens mentais vale citar a da disputa da queda de braços, num bar em Casablanca, além da representação visual de Santiago (jovem), nadando ao lado do peixe74 – il. 60.

Il. 60 - Still de O Velho e o Mar: imagem do pensamento de Santiago.

A pintura (enquanto técnica de representação) é sempre o resultado visual da sobreposição das tintas sobre uma superfície. O tipo de pincel utilizado, a pressão da pincelada e o gestual do pintor resultarão numa imagem individual, imprimindo na tela a sua personalidade enquanto artista. Assim, pelas possibilidades e características técnicas e visuais da pintura em si, e pela maneira como Petrov pinta (principalmente com o uso direto dos dedos), a sua pintura se adequa perfeitamente à reprodução visual das águas do mar. A imagem

73 Na edição brasileira de 2009, da editora Bertrand do Brasil, essa lembrança é descrita na página 26. 74 “Eu por mim gostaria muito mais de ser aquele peixe lá embaixo na escuridão do mar”. HEMINGWAY, Ernest. O velho e o mar. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil Ltda, 2009, p. 71. 111 obtida na pintura do animador é uma imagem um tanto difusa, sem contornos definidos – os seus traços de tinta lembram Claude Monet e El Greco. A mancha é valorizada, não há contornos: no todo, tem-se a compreensão da imagem e não nos detalhes. Mas é uma imagem ligada à plástica de uma imagem real, Petrov reproduz as imagens realisticamente. Assim, a possibilidade que a pintura oferece, de mistura de tons e cores da tinta, com as suas sobreposições de camadas e no trabalho com tinta a óleo propicia a criação de uma imagem muito semelhante à imagem do mar e do céu (principais componentes do cenário da animação). As pinturas e os artistas russos também foram referências visuais que influenciaram e inspiraram Petrov em seu trabalho75 – Ivan Aivazoski, por exemplo, deixou mais de 100 representações de cenas marítimas – il. 61.

Il. 61 - À esquerda, A Nona Onda, de Ivan Aivazoski (1817-1900) e, à direita, O Lago, de Isac Levitan (1860- 1900) – ambas fazem parte do acervo do Museu Russo, de São Petersburgo.

Enquanto morador do campo foi um grande desafio o trabalho de representação do mar e de seus animais76. Petrov também se encantou com a história e a possibilidade de dar vida a um peixe tão fascinante quanto o descrito por Hemingway, peixe que ele mesmo “nunca” viu. É possível perceber a paixão do animador/pintor pela figura deste peixe – na sequência que é um ponto de clímax do filme e da trilha sonora – quando este salta da água, e se mostra ao pescador – il. 62. A cena também descrita no romance, com destaque, já que o pescador sabia que havia fisgado um peixe grande, mas não fazia idéia de quão grande era o peixe, até aquele momento.

75 Questionado sobre seu interesse pela pintura, Petrov contou que quando criança costumava folhear revistas ilustradas nas quais tinham fotos coloridas da história da pintura – não só da pintura russa, mas também de muitos pintores dos séculos XVIII, XIX e do início do XX. A primeira lembrança é a de revistas de conteúdo popular, mas que tinham duas ou três fotos: um quadro de Surikov (ou Repin) e Levitan. E isso já foi o início de sua educação artística. 76 Tal comentário foi realizado pelo próprio animador. Alexander Petrov nasceu em 1957, num dos distritos de Yaroslavl – cidade do interior da Rússia, a 282 km de distância de Moscou, e hoje mora na mesma cidade. 112

Il. 62 - Uma das sequências mais importantes da animação: o salto do marlin.

O aspecto que se destaca no filme é a visão particular de Petrov, sobre a história de Hemingway, mais interiorizada ao personagem do pescador, nos seus pensamentos, sonhos e lembranças.

Eu não tenho interesse em contar apenas a história externa, descrita pelo autor. Pra mim, é importante me infiltrar na segunda, terceira camada dessa ação externa. Por isso, aparecem temas de sonhos, temas de algumas lembranças que bem mais organicamente combinam com a animação. Eu gosto de fazer esse ambiente, meio que história irreal, ou seja, super-história, meio que história subreal. É isso que eu queria fazer em O Velho e o Mar. Me parece que essas cenas embelezam o filme77.

Tarkovski afirma que, “Não podemos alcançar nada na arte, a menos que nos libertemos das ideias preconcebidas. É preciso que cada um desenvolva a sua própria concepção, o seu ponto de vista pessoal [...]”, “só na presença de sua visão pessoal, quando ele se torna uma espécie de filósofo, é que o diretor emerge como artista – e o cinema como arte”78. As imagens criadas por Petrov, além de tornarem o drama da história mais poético, combinam com o que o conhecimento comum79 entende como imagens oníricas, pensamentos e memórias – algo enevoado, imagens que se fundem, em metamorfoses. Há também a valorização de momentos banais, como o céu, nuvens e o voo dos pássaros. Um desses momentos inclusive, quando um pássaro mergulha para pegar um peixe, Petrov

77 Comentário de Alexander Petrov. 78 TARKOVSKI, Andrei. Esculpir o tempo. São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora. 2002, p. 67, 68. 79 Ou “opinião comum”, uma das condições para o verossímil. VERNET, M. Cinema e narração, In: AUMONT, Jacques. A estética do filme. São Paulo: Papirus Editora, 6a. ed., 2008, p.143. 113 conseguiu transformar em puro processo de participação80 do espectador – il. 63. Essas sequências agregam ao filme uma forte carga contemplativa, com valorização das descrições visuais e de situações de passividade (e não de ação), ou seja, situações ótico- sonoras81, nas quais também é possível perceber a passagem do tempo na tela, uma impressão do tempo, reforçada devido à técnica pintura sobre vidro.

Il. 63 - Sequência da animação onde Petrov faz uso da visão da câmera subjetiva, colocando o público no lugar do pássaro que mergulha no mar para se alimentar.

O tempo na própria narrativa original é um fator fundamental. Ela é um drama pessoal, é uma situação intimista, solitária, que mesmo narrada detalhadamente, com um

80 Citado por Metz. 81 Os estudos de Deleuze serão utilizados e são pertinentes para a explanação apresentada, porém, sem ligações com o neo-realismo, o que não é o objetivo desta pesquisa. 114 alto grau de veracidade das ações do pescador, nos quatro dias de perseguição ao marlin, também apresenta todos os pensamentos de Santiago, como um monólogo. Nessa solidão, o personagem fica à mercê da imensidão do mar (dos peixes que pesca para comer e do marlin que o arrasta mar adentro) – consequentemente fica à mercê do tempo que ali passa. Depois de ter pescado o peixe, ele o perde para o mar (os tubarões), também por causa do tempo, já que precisava de tempo para levar o barco até à praia. O próprio cerne da narrativa é a tentativa de um homem vencer o tempo. Ele precisa provar para si que ainda é capaz e, para isso, precisa pegar o marlin. Ele se identifica com ele, com a sua força, a sua liberdade, mas precisa matá-lo82 – ele luta com a inevitável passagem do tempo, processo que ele mesmo representa inclusive para o peixe. A morte é inevitável.

4.3.3 A percepção da animação na pintura sobre vidro

Tarkovski afirma que “a imagem cinematográfica é essencialmente a observação de um fenômeno que se desenvolve no tempo”83; e que esta “torna-se verdadeiramente cinematográfica quando (entre outras coisas) não apenas vive no tempo, mas quando o tempo também está vivo em seu interior, dentro mesmo de cada um dos fotogramas”84. As imagens criadas com a técnica pintura sobre vidro já carregam um tempo embutido no seu corpo – nos traços de tinta, que não foram pintados todos ao mesmo tempo, mas um a um. A sucessão dessas imagens durante a projeção produz o efeito de movimento – a passagem de um estado (ou posicionamento) a outro, num dado intervalo de tempo – já que uma é sempre diferente da que lhe é anterior. Mas a visão desses pequenos movimentos projetados na tela (manchas, riscos, pinceladas que se movem) propicia um alargamento da percepção do espectador, uma possibilidade única para a sua observação. Isso acontece devido a alguns fatores: • a pintura sobre vidro não é uma técnica muito utilizada, portanto, não é muito conhecida, não há muita familiaridade do espectador com a imagem criada por essa técnica,

82 Santigo inclusive diz isso: “Mas tenho que matá-lo [...] vou mostrar-lhe o que um homem pode fazer [...]”. HEMINGWAY, Ernest. O velho e o mar. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil Ltda, 2009, p.. 67. 83 TARKOVSKI, A. Esculpir o tempo. São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora. 2002, p.77. 84 Ibid., p. 78. 115 o que requer dele uma atenção maior ao que vê – não há como identificá-la rapidamente, com o seu repertório (imagens guardadas em sua memória); • essa maior necessidade de atenção resulta num alargamento da sua percepção85, descobrindo na imagem mais detalhes, formas e cores – o que também contribui para tornar a sua experiência visual mais rica e prazerosa, pois a todo o momento ele é bombardeado com belas imagens, vivenciando o momento, quando “uma pessoa começa a ouvir em si própria aquele mesmo chamado de verdade que levou o artista a criá-la”86; • esta técnica propicia também a criação de um ritmo visual, com a movimentação decorrente dos traços de tinta. Ela contribui com o ritmo do tempo e da ação da narrativa. Mais movimentação, mais traços se movimentam, acelerando o ritmo; menos ação, menos traços são pintados, resultando num ritmo mais lento – onde o ritmo, citando Tarkovski, “expressa o fluxo do tempo no interior do fotograma”87; • esse conjunto de impressões provoca no espectador um alargamento da sensação da passagem de tempo, como se este passasse mais lentamente – ele é capaz de perceber muitos movimentos. Porém, sem tédio, pois as imagens são sedutoras. A maneira como o drama foi apresentado por Petrov também valoriza o tempo, com as imagens mentais do personagem e os momentos banais em que há a sensação de total passividade sobre as coisas que acontecem88. Efetivamente, dentro da história são momentos em que nada acontece, ou não há nada a fazer (como no caso do ataque dos tubarões), que resultam em imagens ótico-sonoras, ao invés de imagens de ação (imagens sensorio-motoras), que segundo Deleuze, são imagens das quais o espectador participa, mais ou menos, por identificação com os personagens89.

Se nossos esquemas sensorio-motores se bloqueiam ou quebram, então pode aparecer outro tipo de imagem: uma imagem ótico-sonora pura, a imagem inteira e sem metáfora, que faz surgir a coisa em si mesma, literalmente, em seu excesso de horror ou de beleza, em seu caráter radical ou injustificável, pois ela não tem mais de ser “justificada”, como bem ou como mal...90

85 BERGSON, Henri. The perception of change. In: ______. The creative mind: an introduction to metaphysics. Nova York: Dover Publications Inc., 2007, p. 111 e 113. 86 TARKOVSKI, A., op. cit., p. 49. 87 Ver em: Esculpir o tempo. São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora. 2002, p.. 134. 88 “As situações banais ou cotidianas liberam 'forças mortas' acumuladas, iguais à força viva de uma situação limite [...]”. DELEUZE, Gilles. Para além da imagem-movimento. In: ______. Cinema II: a imagem- tempo. São Paulo: Editora Brasiliense, 1990, 1a. ed., p. 16. 89 Ibid., p. 11. 90 Ibid., p. 31. Essa afirmação se aplica perfeitamente à animação analisada. 116

Como ainda afirma Deleuze, nas imagens ótico-sonoras é comum se perder a distinção entre algo objetivo e subjetivo, quando

não se sabe mais o que é imaginário ou real, físico ou mental na situação, não que sejam confundidos, mas porque não é preciso saber, e nem mesmo há lugar para a pergunta. É como se o real e o imaginário corressem um atrás do outro, se refletissem um no outro, em torno de um ponto de indiscernibilidade91.

É o que ocorre, por exemplo, na primeira sequência da animação – pois não se identifica rapidamente o que é sonho, lembrança ou ação real do personagem92, il. 59 –; e na sequência anterior ao momento crucial, em que o peixe é morto. Nesta, a cena é apresentada em câmera alta, plano geral, focando no peixe com o seu movimento circular em torno do barco. Esta se funde com o céu que, também em forma circular, é projetado num close no olho do marlin, que se afasta sendo arrastado por Santiago – il. 64. É uma bela sequência e a última poética visual da animação. As situações não têm uma lógica da ação em si, mas há uma ligação entre as imagens, um reflexo de uma sobre/dentro da outra, uma indiscernibilidade.

Il. 64 - O círculo da luta pela sobrevivência. Os vários ângulos de câmera aumentam a dramaticidade da sequência.

Além dos aspectos conceituais e emocionais da animação há a questão puramente plástica. Em todas as sequências do filme há uma vaporosidade, uma leveza visual e um

91 DELEUZE, G. Para além da imagem-movimento. In: ______. Cinema II: a imagem-tempo. São Paulo: Editora Brasiliense, 1990, 1a. ed., p.16. 92 Atitude do personagem dentro de sua diegese. E só se entende que é Santiago jovem depois, ao longo do filme. 117 colorido que realmente só pode ser obtido na presença de muita luz93 e da transparência das cores – uma consequência direta da utilização da técnica pintura sobre vidro. A aparente aquosidade visual, apresentada na tela (de projeção), combina perfeitamente com o cenário do mar e do céu, dando-lhes veracidade. Exímio e rápido pintor, Petrov utiliza os rastros e texturas das pinceladas (e dedos) para realçar o movimento das ondas. É possível afirmar que é uma das mais perfeitas representações dos movimentos da água do mar, produzidas manualmente. Quando observamos os movimentos do mar no oceano, percebemos que este não se move apenas em blocos de água, mas como uma massa. Mas esse movimento acontece em função dos milhares de pequenos movimentos originados pelas marés, pelo movimento dos peixes e dos ventos. São como “camadas de movimentos” que se sobrepõem, formando o oceano como é visto, se movimentando como um todo. Na pintura sobre vidro em O Velho e o Mar é exatamente assim que os movimentos são criados: há mais de uma camada para o mar (muitas vezes) e outra camada para o personagem/barco. Ou seja, ao empregar essa técnica, há uma similaridade real entre como acontece o movimento do mar e como é obtida a simulação do movimento do mar – il. 65.

Il. 65 - Uma das muitas sequências da animação, em que é possível perceber os movimentos da água do mar.

Enquanto no romance há uma constante narração dos pensamentos do personagem, com a descrição detalhada de suas ações, que levam o leitor avidamente ao final; na obra de Petrov é a beleza das imagens e a riqueza dos movimentos das cores que preenchem a tela e fascinam o público. É o efeito estético da simulação da imagem, através de uma esmerada pintura sobre vidro.

93 Na fase da captura das imagens, mas é preciso uma projeção em película para que esse colorido e a textura possam ser apreciados completamente. 118

4.4 ADÁGIO

4.4.1 O origami e a animação

Adágio (2000) é uma animação em Stop motion que utiliza personagens feitos em origami94, produzida pelo Studio Stayer, do animador e diretor russo de animação Garri Bardin95 e pelo Canal+ (da França e da Espanha). Ator de formação, Bardin se dedica à arte da animação há 35 anos, tendo feito parte do corpo de profissionais do tradicional Soyuzmultfilm Studio – estúdio estatal de animação russa. Para ele a “animação é um tipo de elixir da juventude”, pois só pode ser realizada por pessoas que nunca deixam de ser crianças. Se isso ocorrer, elas “deixam de ser animadores”. Seu interesse pela arte se mantém, pois esta é um “jogo da mente”. Em um curto espaço de tempo – as animações autorais são curtas-metragens, em sua grande maioria – é possível convidar o público a jogar um jogo bem complexo, o que não é possível em uma história filmada. “É um jogo que deve ser claro, não há espaços para charadas” – “o público não dispõe de duas horas para compreender o que se passa, como nos longas-metragens”. E esse jogo vem do “desejo do animador de expressar a sua ideia. Por isso é um processo mais detalhado. Na técnica de Stop motion não há espaço para quadros casuais. Cada quadro é pensado”. E “o importante é a ideia”. Adágio se inicia com o rolamento de duas grandes folhas de papel – Bardin convida o público a brincar com papel, elementos que cobrem o espaço de representação: plano e fundo. A escolha do material a ser empregado na animação, não foi exatamente uma escolha, mas uma conclusão. Como explica o próprio animador,

em qualquer situação, a ideia requer um material, isto é, somente esse material [...] conforme me parece, eu preciso achar a forma apropriada.[...] Simplesmente essa ideia exigiu um material que pudesse ser rompido, amarrotado – pra isso só serve

94 O papel foi introduzido no Japão por monges budistas, durante o século VI. Material caro na época, não era acessível ao público em geral. Dobrar o papel não era um hobby, tornou-se uma forma de arte, evoluindo para o que hoje conhecemos como origami. Durante os primeiros anos, borboletas de papel foram usadas para adornar frascos de sake em cerimônias de casamento e são, provavelmente, as primeiras formas de representação do origami. Tradução livre. Fonte: , acesso em: 02 dez. 2010. 95 As informações contidas neste subcapítulo foram fornecidas pelo próprio Garri Bardin, em entrevista realizada em 06/11/2009, no seu estúdio de animação em Moscou. 119

papel, somente papel! Por isso surgiu a ideia de usar origami, propriamente dito, a forma originou-se da ideia96.

O papel também foi dobrado com o objetivo de criar os personagens cuja forma lembra a humana97 – trajando túnicas, como as vestimentas utilizadas pelos povos árabe e hebreu, com um grande pano cobrindo a cabeça. Todos os personagens foram confeccionados da mesma forma, todos são de origami, com pequenas variações de dobradura, visando a sua movimentação nas cenas. Em plano geral, com câmera alta, observa-se um grupo, feito de papel cinza, caminhando contra uma ventania. Para dar mais dramaticidade, o plano sobre o qual andam os personagens é inclinado, o que apresenta uma dificuldade a mais para a caminhada. Surge um personagem feito de papel branco que ajuda o grupo a atravessar a tormenta. Passada a ventania, ele é hostilizado e morto: é manchado (pelos personagens menores, que seriam crinaças), amassado e rasgado pelo grupo – il. 66. Ao ascender aos céus, este passa a ser idolatrado – com a ação de reverência e do desfile de cartazes com a sua imagem. Surge então um novo personagem, feito de papel preto, que o grupo não recebe bem. Bardin deixa a entender que a história se repete.

Il. 66 - Três momentos da animação, em que o personagem Branco é manchado, amassado e rasgado pelo grupo.

Adágio recebeu o Gold Award no New York Expo of Short Film, de 2001, e mais nove prêmios. Como trilha sonora foi utilizada a música Adágio em Sol menor, de Tomaso Albinoni (execução da Orquestra Filarmônica de Berlin, regência de Herbert Von Karayan). A animação foi calculada para a perfeita sincronicidade entre os momentos mais dramáticos

96 Gari Bardin em entrevista realizada em 06/11/2009. 97 Forma baseada na dobradura do pinguin tradicional, com a eliminação de algumas dobras para que a forma se assemelhasse mais à forma humana. Conforme consulta com a origamista e professora Jaciara Grzybowski, co-autora do livro Dobrando Tea Bag e Mandalas, fundadora e ex-presidente do grupo DoBras (Dobras Brasil) e ex-conselheira da Associação Francesa de Origami (MFPP). 120 e importantes da narrativa e a música, o que enfatiza a ação apresentada na imagem com uma carga emocional sonora contundente98.

4.4.2 A narrativa, o simbólico e o material

Utilizando inteligentemente a materialidade do papel, plano, dobrado, rasgado, amassado e, ao mesmo tempo, neutro, tornando os personagens idênticos, exceto pelo uso da cor, Bardin apresenta uma situação de intolerância e violência, contra as diferenças e contra o que não se entende. Como bem define a própria sinopse original: “A parábola filosófica sobre multidões ignorantes que não sabem ou desafiam a sua própria história. Intolerância de pontos de vista de outras pessoas ou cor da pele é a causa dos conflitos no mundo moderno”99. A animação apresenta uma situação bem semelhante às inúmeras situações de personagens históricos conhecidos como, Jesus Cristo, Gandhi e Martin Luther King, indivíduos que apresentaram um caminho menos egocêntrico, mais coletivo e igualitário e que foram rechaçados pela própria comunidade.

Il. 67 - Sequência da ascenção do personagem Branco, a luz é utilizada simbolicamente.

O público identifica a animação como sendo uma obra baseada na história cristã, devido

98 EINSENSTEIN, Sergei. O sentido do filme. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda. 2002, p. 115. 99 Fonte: . Acesso em 02 dez. 2010. 121 a sua semelhança narrativa, o que é real, inclusive identificada por Bardin. Há uma forte alusão às principais crenças religiosas e seu avatares100, principalmente na sequência em que o personagem branco ascende ao céu, momento que coincide com o clímax da trilha sonora – quando a folha de papel que serve de cenário se rasga, e aliada ao uso dramático da iluminação, cria um caminho de ascensão para o personagem (já totalmente recomposto101), il. 67. E ainda há outros momentos que reforçam essa identificação: plasticamente há uma semelhança da silhueta dos personagens com as roupas usadas pelos hebreus, no tempo de Cristo; a ação de autolimpeza do personagem branco (que parece ser um ato divino); as agressões que ele sofre, podem ser comparadas aos flagelos de Cristo; a chuva que precede o momento da ascensão assemelha-se também a uma ação divina, de redenção. Bergson102 explica que a percepção sobre o que se apresenta não é total e completa, pois esta é sempre impregnada pelas imagens e informações existentes no repertório do indivíduo, ou seja, na sua memória. Mas como foi esclarecido pelo animador, Adágio não é uma história religiosa. Então, com o intuito de alargar a percepção do público e deixar clara a sua intenção, Bardin apresenta o personagem preto ao final da narrativa – que também não é aceito pelos Cinzas – e explica que:

Quanto mais vivo, menos acredito nas pessoas. Porque elas repetem os mesmos erros. E gerações novas... elas não aprendem nos erros dos seus pais. Elas cometem seus novos erros, os mesmos que cometeram seus pais. E neste sentido, eu sou muito pessimista a respeito disso. A disposição é pessimista. Sim. E a animação, com certeza, não consegue corrigir essa situação, e eu não pretendo isso. Mas aquele meu espectador que assiste aos meus filmes, que gosta deles, para quais eu tento produzir cinema, eu acredito nele, eu o amo. [...] Religiões são diferentes. Deus é único. [...] Por causa da ausência de tolerância, nós voltamos para trás e não vamos para frente103.

Badin confessa que o assunto lhe atrai104 e explica a narrativa de Adágio e o uso de papel,

O que me preocupa é a ausência de tolerância, é o extremismo. [...] Eu queria contar uma história não sobre Jesus Cristo. O tema não é religioso. Eu queria criar uma história sobre multidão. Sobre gente. A história que ainda ninguém leu, mas conhece, e cada vez repete o mesmo erro histórico. A história é sobre isso. Quando eu inventei

100 Jesus Cristo, Maomé e Buda. 101 Essa parte da animação foi capturada diretamente, mas editada e projetada no sentido contrário da ação. 102 BERGSON, Henri. Da seleção das imagens. In: ______. Matéria e memória: ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora Ltda. 1999. 103 Em entrevista realizada em 06/11/2009. 104 Atualmente Garri Bardin está produzindo um longa-metragem de animação (em Stop motion com bonecos); baseado na fábula infantil de Hans Christian Handersen, O Patinho Feio. 122

essa história, e ele foi pra cima, o Branco foi pra cima, eu entendi que ele foi embora, e apareceu o Preto, e os Cinzas não gostam do Preto como não gostaram do Branco. Isso é... essa não é a história do Branco e do Preto, essa é a história dos Cinzas. Disso é que trata o filme. Propriamente dito, eu vou contar mais uma vez. Quando a ideia passou por minha cabeça, eu simplesmente tinha que comprar papel e produzir o filme105.

O depoimento de Bardin exemplifica, na prática, a observação de Tarkovski sobre a forma de expressão artística: “Quando o pensamento é expresso numa imagem artística, isso significa que se encontrou uma forma exata para ele, a forma que mais se aproxima da expressão do mundo do autor, capaz de concretizar o seu anseio ideal”106. É a simplicidade da utilização do papel desta produção que resulta na riqueza e na exatidão representativa de suas imagens, através da multiplicidade da utilização desse material. Ele é personagem, cenário e efeito especial (ao mesmo tempo), ou seja, ele é o corpo dos personagens e do espaço. Tomando emprestada a categorização de vetores de Pavis·, e projetando-a sobre as várias utilizações do papel na produção de Adágio, pode-se classificá-lo como um material acumulador (pois assume as três funções: personagem, cenário e efeito cenográfico), conector (pois todos os personagens são feitos de papel, o que remete o público ao personagem já apresentado) e embreador (pois é utilizado como poeira, lama, personagem, céu que se abre e cartaz; desestabilizando a percepção, com uma nova informação para o público). Os personagens praticamente idênticos, feitos de papel e através de dobraduras, resultam numa mesma forma – assim como todos os seres humanos o são, enquanto seres humanos. A cor do material é utilizada como um elemento de representação dentro da história. Ela marca a diferença entre os personagens, identificando-os. Essa diferença de cor (branco, cinza, preto) não simboliza somente as diferenças de etnias, mas também as políticas, as sociais, as culturais, as sexuais, enfim, as diferenças normais existentes em qualquer grupo social ou sociedade. O fato de o grupo ser cinza é outra aplicação da cor de forma simbólica, pois o cinza é o meio termo entre o preto e o branco – é a concepção comum de que a maioria é uma média, e o normal é a forma de conduta dessa média. Assim, quem não se enquadra dentro dessa suposta normalidade, no caso, os personagens branco e o preto, são vistos com desconfiança, descrédito e, devido à falta de tolerância, acabam sendo repudiados com violência – mesmo depois de terem demonstrado generosidade com o grupo. Diferente de uma animação de bonecos, em Adágio os personagens não são compostos de partes integradas que resultam numa forma humana. Eles não são o resultado de uma

105 Em entrevista realizada em 06/11/2009. 106 TARKOVSKI, A. Esculpir o tempo. São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora. 2002, p. 122. 123 composição, mas de um único objeto material dobrado, com o objetivo de tornar sua plástica semelhante à forma humana. Os personagens feitos de origami se apresentam ao público, ao mesmo tempo, como corpo e figurino. O estado da anima contida nesses personagens é representada não só pelas suas atitudes e ações, mas também pela integridade física do material de seus corpos. Semelhante à produção de Ária, de Piotr Sapegin, baseada na ópera Madame Butterfly, onde a boneca da personagem se desmonta para se suicidar, o personagem de Bardin, ao ser assassinado, é rasgado, ou seja, seu corpo é destruído enquanto elemento único. É a morte para um ser feito de papel, respeitando a diegese da história. O papel assume as outras funções (de cenário e efeito cenográfico) quando – il. 68: 107 • na primeira cena, Badin cobre o palco com papel, onde acontecerão as ações da narrativa108; • durante a ventania, o papel também é a poeira levada pelo vento, o que dificulta o caminhar dos Cinzas; • pedacinhos de papel são jogados no personagem branco – como se fossem lama; • na sequência da ascensão, o papel de fundo se rasga, criando uma forte imagem simbólica – como se o céu se abrisse para o personagem que sobe – feito que surpreende quem assiste, tanto pela ação inesperada quanto pelo contraste das cores e do claro/escuro.

Il. 68 - Quatro situações diferentes da história, quatro aplicações diferentes para o material papel.

A luz também é um elemento de representação com forte presença nesta animação, já que ela faz existir visualmente, relacionando e colorindo elementos visuais, conferindo uma

107 Pode-se considerar um palco, pois é bem semelhante à uma encenação teatral onde o local onde se passa as ações é o mesmo. 108 Como Vertov, em O Homem e a Câmera (1924), o animador documenta na própria obra mostrando como é composto o seu espaço, ele apresenta ao público o material com o qual irá “jogar”. É uma falta de diegetização, citada por Vernet. 124 certa atmosfera109, pontuando o clima da narrativa. Primeiramente com pouca iluminação, na sequência da ventania, com pedaços de papel110 – criando o efeito do vento e indicando um ambiente hostil, ils. 69 e 70. Ao serem guiados pelo personagem branco, o grupo segue para uma área mais iluminada do cenário – estão sendo levados para a luz. Eles param no momento em que há uma luz frontal e horizontal, levemente azulada, o que valoriza o reflexo do papel branco – atribuindo ao personagem uma aura divina, il. 70. A partir da sequência da agressão ao Branco há uma concentração do foco, com um escurecimento lateral da imagem, gerando cenas mais pesadas, com menos luz aparente. A intensidade desta cai ainda mais, quando o Branco fica em pedaços e começa a chover – il. 71 –, até o momento em que os pedaços se reagrupam formando uma nova folha de papel branco, que levita.

Il. 69 - A pouca iluminação durante a sequência da ventania: dramaticidade.

Il. 70 - O personagem branco parece ser a fonte de luz enquanto guia o grupo.

Il. 71 - Durante a sequência de agressão e morte a luz vai diminuindo, como a vida do personagem branco.

109 PAVIS, P. Os outros elementos materiais da representação. In: ______. A análise dos espetáculos. São Paulo: Editora Perspectiva, 1996, p. 179. 110Além de riscos feitos sobre uma placa de vidro, colocada à frente dos personagens, durante a captura das imagens. 125

Na sequência da ascensão é possível perceber o foco de luz intensa sobre o Branco. Esta também percorre o cenário, atingindo os outros personagens. As cenas seguintes são bem iluminadas – o que visualmente valoriza o colorido do papel azul (representando o céu), em contraste com o cinza dos personagens e do cenário (que é enrolado, com o abrir do céu), até então preponderante, il. 72. Ou seja, a luz é utilizada de forma simbólica: na morte o personagem iluminou o caminho dos Cinzas, como Cristo que morreu para a remissão dos pecados.

Il. 72 - Com a ascenção, a luz é intensa e se espalha pelo cenário.

Na sequência final toda a cena é mais clara, o fundo é azul, com iluminação frontal, o que facilita a identificação do novo personagem Preto, como sendo diferente dos Cinzas – o que seria mais difícil com pouca iluminação, il. 73.

Il. 73 - Na última sequência, maior presença de luz.

4.4.3 A unidade plástica e a animação

O admirável no trabalho de Bardin é o fato de que utilizando simplesmente papel, este consegue representar e simular movimentos e comportamentos tão humanos. “O processo de produção de qualquer obra, consiste em lutar com o material, em esforçar-se para dominá-lo para 126 obter a concretização plena e perfeita daquela ideia que continua viva para o artista em seu primeiro e imediato impacto”111. Um elemento importante na criação de um personagem é o seu rosto, principalmente os olhos, pois são fonte de expressão e vida para este personagem. Em Adágio, Bardin não possui esses elementos para expressar sentimentos. Mas com habilidade e precisão consegue dar emoção e personalidade aos personagens, plasticamente idênticos. Há todo um detalhamento de suas ações expresso na linguagem corporal – a representação, o staging da animação. Os momentos em que isso pode ser observado são vários: • no espanto do grupo com a autolimpeza do personagem Branco, ao ser manchado pelos personagens menores, que seriam crianças; • o próprio comportamento destas, bem infantil e, ao mesmo tempo, reflexo da comunidade de que fazem parte; • o comportamento idolátrico, com o grupo que carrega os cartazes, com a imagem do personagem assassinado – imagem que inevitavelmente remete a memória do espectador a cenas históricas, como os desfiles do exército alemão, no auge do Terceiro Reich; • na sequência em que um Cinza percebe o personagem Preto, e chama a atenção do companheiro ao lado – cena que tangencia a comédia, pois seu parceiro esta é meio ausente da situação, mas logo depois compactua com o pré-conceito, il. 74.

Il. 74 - O comportamento dos personagens através de de suas ações.

O fato de fazer uso somente de papel, apresentando os personagens estilizados, geometrizados – devido às dobraduras –, também propicia a criação de uma imagem

111 TARKOVSKI, A. Esculpir o tempo. São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora. 2002, p. 109. 127 pregnante, em função de sua homogeneidade plástica. Não há diferenças de textura, por essa razão a luz e, consequentemente, a cor são elementos importantes na composição de cada imagem, e não somente como fonte de informação conotativa, elementos representativos. As imagens obtidas com esta animação possuem um conjunto de formas planares, não há curvas, elementos orgânicos112, ao contrário. As formas angulosas dos personagens que se movem, apresentam uma agressividade natural que, no caso, refletem-se nas ações do grupo. A própria sombra dos personagens é pontiaguda – il. 71 e 73. Ao se movimentarem é possível observar que essas formas semelhantes criam um tipo de balé, uma dança sincronizada, um ritmo, realçado pela projeção regular da captura das imagens, simulando os movimentos – como nas sequências da ventania, da agressão e do desfile. As ações projetadas na tela concentram completamente a atenção do público, pois não encontram rivalidade no cenário ou na presença de qualquer outro elemento visual. A imagem é completamente desprovida de outros elementos alegóricos. Como observa Tarkovski “toda a criação artística luta pela simplicidade, pela expressão perfeitamente simples, o que implica chegar aos níveis mais distantes e profundos da recriação da vida”113. Com o objetivo de apresentar assuntos que lhe são importantes, Bardin consegue recriar situações de relacionamento, apenas simulando as atitudes e reações humanas – divinas e bárbaras – através de folhas de papel.

4.5 ÁRIA

4.5.1 A ópera e a animação

Ária é uma animação produzida em puppet animation, ou animação de bonecos. Projeto inicial do animador russo, naturalizado norueguês, Piotr Sapegin, em co-produção, da sua então recém criada, produtora Pravda e do National Film Board do Canadá, realizada em 2001.

112 Exceto pelo enrolar e desenrolar do cenário – il. 68. 113 TARKOVSKI, A. Esculpir o tempo. São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora. 2002, p. 133. 128

Como surgiu a ideia do projeto, já se perdeu na memória de Sapegin114, mas não o seu interesse e a influência que o teatro tem em seu trabalho. Filho de pintores, Sapegin conseguiu o seu primeiro trabalho aos 18 anos, num teatro na Rússia. Trabalhou como cenógrafo de teatro durante 15 anos, em diversos teatros, inclusive no Bolshoi. Somente quando se mudou para a Noruega, em 1990, é que teve contato com o cinema de animação, passando então a produzir comerciais para a TV e filmes autorais. Em seus trabalhos, a maioria em Stop motion, Sapegin não utiliza artifícios digitais para animar. E ele prefere não usar. Como artista, é favorecido por seu trabalho manual, com as variações e a imprevisibilidade do resultado final. Sapegin esclarece que “se você trabalha com 3D (digital) você tem de volta exatamente o que você colocou. Se você trabalha com Stop motion, você pode receber de volta muito mais”115. É exatamente essa a sensação que fica no público, ao assistir Ária: não é apenas uma mera versão animada da ópera de Puccini, mas algo mais. A animação é baseada na história clássica de Madame Butterfly116. Ária, porém, tem a curta duração de dez minutos, focando no eixo romântico da ópera e ignorando a maioria dos outros personagens secundários, mas com uma carga dramática nada reduzida. A sinopse original da produção sintetiza o sentido da obra:

neste curta inspirado na ópera de Puccini, Madame Butterfly é uma marionete que vive sozinha em uma ilha até que um marinheiro jovem e bonito, Pinkerton, chega. Quando ele navega para longe de novo em seu barco branco, Butterfly aguarda seu retorno, ansiando por um pai para sua filha ...117

Ou seja, o conceito desta animação de bonecos, é o de que os bonecos “têm vida”, eles “são” os personagens e não meras representações.

114 Todas as informações apresentadas neste subcapítulo, sobre o animador ou seu trabalho, foram obtidas com o próprio Sapegin, através de entrevista feita em 30/07/2009, via internet, e através de entrevistas e artigos, todos referenciados neste texto. 115O termo “digital” foi incluído pela autora para melhor compreensão da afirmação. 116Dividida em três atos, a ópera conta a história de uma jovem de Nagasaki, no início do século XX. Cio-Cio-San se casa com um capitão-tenente da marinha americana, Benjamin Franklin Pinkerton, assumindo a religião do marido e sendo renegada pela família. O marinheiro parte para o mar jurando voltar. A moça tem um filho, e aguarda ansiosa pelo retorno do marido, apesar dos avisos de todos. Quando o americano volta, então casado com uma mulher americana, é para pegar a criança. É a vergonha total para Cio-Cio-San, que entrega o filho e comete haraquiri. 117Fonte: Site do Instituto Norueguês de Cinema. Disponível em: . Acesso em: 30 out. 2010. 129

Para o trabalho de confecção da boneca de Cio-Cio-San, Sapegin convidou a designer de bonecos russa, Evguenia Bogolyubova, que a construiu a partir de um esqueleto, com articulações, preenchida com algodão e coberta de pano. A cabeça foi feita de plástico e recoberta com Fimosoft – um tipo de massinha, a preferida do animador. O processo de construção demorou dois meses, o que foi totalmente compreendido pelo animador, pois “não há como construir um bom boneco rapidamente”118. Ária causa um tipo de comoção na plateia. Em uma de suas exibições, no Centro Cultural do Banco do Brasil, durante o Anima Mundi de 2002, no momento em que a boneca se retira do cenário e começa a se desmontar, ocorreu um silêncio, um congelamento dos pequenos movimentos e ruídos, comuns a uma sala de cinema. As pessoas olhavam e não acreditavam no que viam na tela. Aos poucos, o silêncio foi quebrado por alguns choros contidos119. No festival brasileiro, Ária ficou em terceiro lugar pelo júri oficial, mas recebeu mais de dez prêmios internacionais, entre eles, os Grand Prix do Black Nights, na Estônia e do Festival de Curtas, de Aix en Provence, na França, ambos em 2002.

4.5.2 A narrativa, os bonecos e a sua anima

Ao assistir Ária, observa-se que, objetivamente, Sapegin cria uma nova história de Madame Butterfly, a partir do argumento da ópera: uma jovem japonesa que se casa com um oficial da Marinha americana, que a abandona, mas volta para pegar o fruto desse relacionamento, o que leva a jovem ao suicídio. O animador explica que,

ao trabalhar no teatro com bonecos observava o trabalho dos bonequeiros mais velhos. As marionetes são criaturas “vivas”. Têm um tipo de vida (...) me interesso pela “vida” desses bonecos. Como eles criariam, morreriam, fariam amor, enfim... quando fiz Ária, não fiz sobre a história de Madame Butterfly, mas fiz sobre um boneco que é Madame Butterfly no palco. Então, quando o boneco se destrói, eu

118 Declaração de Piotr Sapegin. KONTTINEN, Saara. Pjotr Sapegin on Giving Soul to a Puppet. On-line: Dvoted. 12/22/2007. Disponivel em: . Acesso em: 30 out. 2010. 119A autora estava na plateia e teve a sua atenção dividida entre a tela e a reação do público. 130

perguntei como um boneco pode se matar? (...) Eu queria fazer uma animação com “seres” bonecos120.

Portanto, Sapegin criou uma narrativa condizente com esse objetivo. Há todo um novo universo diegético, criado para a animação com bonecos. Este é diretamente vinculado à sua visão pessoal enquanto artista, que cria e apresenta situações “na vida” de Cio-Cio- Sam boneca, como um ser vivente, uma criatura. Tarkovski observa que

[...] para construir uma mise en scène, o diretor tem de trabalhar a partir do estado psicológico dos personagens, através da dinâmica interior da atmosfera da situação, e reportar tudo isso à verdade do fato diretamente observado e à sua textura única. Só então a mise en scène alcançará a importância específica e multifacetada da verdade concreta121.

O animador completa e reforça a verdade desse “ser boneco”, apresentando três situações fundamentais à vida: o sexo, a procriação e a morte. Essas três situações-chave compõem a narrativa da animação, assim como o casamento, a espera e a morte, compõem os três atos da ópera. Ária inicia-se com a imagem de uma ilha, ao som da ária de Madame Butterfly, em off. Surge uma praia com uma borboleta voando. Esta pousa na cabeça de uma boneca, com feições orientais e trajando um quimono. A boneca entra em quadro e traz pela mão um outro boneco, com uniforme da marinha, carregando um gramofone. Inicía-se então uma sequência onde os bonecos literalmente fazem amor, encerrada com o casal nu, deitado sobre um montinho de palha. Depois, com o quepe do marinheiro, ela o observa se vestir. Ele se despede com um beijo e lhe entrega o gramofone. A borboleta que estava no cabelo da jovem voa, acompanhando o americano. Toda a primeira parte da animação é carregada da sensualidade presente nesse casal interracial de bonecos – ela oriental (feita à mão) e ele loiro, de olhos azuis (um boneco industrial, o Ken, “namorado” da conhecida boneca Barbie). Apesar de serem bonecos, a habilidade com que foram animados, levando-se em consideração os detalhes dos movimentos mais sutis, agregam um grau de verdade às cenas, que convencem o público de

120Em entrevista em 30/07/2009, via internet. As aspas foram adicionadas pela autora, pois foram momentos enfáticos da explicação oral de Sapegin. 121 TARKOVSKI, A. Esculpir o tempo. São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora. 2002, p. 85. 131 que eles fizeram amor – “apesar de não terem genitais”, como observa Sapegin. “Nós seres humanos tendemos a pensar que a alma é algo que está dentro; quando se trata de bonecos, a alma é, de fato, na superfície. O menor movimento relâmpago, e os reflexos, todos eles expressam a alma do boneco”122, esclarece o animador. Não há como mantê-los imóveis, e ainda assim manter por muito tempo a simulação de que eles são “animados”, já que a alma está na superfície, ou seja, está na forma como a sua matéria se apresenta.

Il. 75 - Nesta sequência é possível perceber os sutis movimentos dos bonecos na cena.

É possível constatar tal afirmativa na sequência em que os bonecos estão deitados. Nela, em momento algum, tem-se a sensação de que são inanimados – apesar de serem objetos. Os bonecos se apresentam posicionados, de forma característica e comum aos comportamentos de seus gêneros, masculino e feminino – é o staging123. Também realizam pequenos movimentos – com a cabeça ou a perna – ou pequenas ações – como mexer no gramofone –, compatíveis com uma situação de relaxamento de um casal após se relacionarem sexualmente – il. 75. A questão do som, com a música e o canto dos pássaros também reforçam a ambiência da cena e a sua veracidade. Todos esses elementos contribuem

122 Declaração de Pjotr Sapegin. KONTTINEN, S. Pjotr Sapegin on Giving Soul to a Puppet. On-line: Dvoted. 12/22/2007. 123 Um dos conceitos báscios da animação, que é a “representação” do personagem, como faz um ator. 132 para a suspensão da descrença, aliados ao fato de que isso faz parte da diegese124 do filme e da predisposição psicológica do público – que entende e aceita o que vê, sabe que assiste a uma obra de animação. A gravidez de Cio-Cio-San é criativamente apresentada como um pequeno aquário, na barriga da boneca, onde há um peixinho. O parto ocorre com a quebra deste aquário, momento em que aparentemente não há dor – na ópera, a cena do parto é omitida. Esse peixinho – feito de massinha – chora e estranha como qualquer recém-nascido, mas rapidamente vai se modificando e adquirindo forma humana. Por uma questão de tempo (diegético e por ser um curta-metragem) logo se apresenta uma criança mais velha – il. 76.

Il. 76 - Sequência da animação: a gravidez de uma boneca e a relação mãe e filho, segundo a visão de Sapegin.

A elaboração dessa sequência foi consequência da experiência pessoal de Sapegin, com o nascimento de seu primeiro filho: “é como as pessoas nascem, há uma grande barriga com um líquido, onde o bebê nada ali dentro... então eu pensei, é como um peixe! Eu só ilustrei um aspecto biológico de um 'ser boneco'”. Na parte final da animação, ao ver o barco branco se aproximando da ilha, a mãe pega a criança, o gramofone e corre para uma montanha, para esperar o marinheiro. Nesse

124 Cf. VERNET, M. Cinema e narração. In: AUMONT, J. A estética do filme. São Paulo: Papirus Editora, 6a. ed., 2008, p. 120. 133 momento o vento leva o quepe, um prenúncio de que o coração do americano não lhe pertence mais. Ela então se enfeita com um arco de flores no cabelo – uma atitude bem comum entre as mulheres, enfeitar-se para o seu parceiro. Ela espera uma noite inteira como, aliás, também acontece na ópera. Pela manhã, para surpresa da personagem e do público, sai do barco um carro, que para próximo a Cio-Cio-San. O marinheiro salta e vai ao seu encontro, mas nem a beija. Simplesmente pega a criança e se volta para o carro. Então é dado a ver que ele está acompanhado pela Barbie (sua atual “e verdadeira” esposa americana), com mais quatro crianças no banco de trás – de etnias diferentes, o que prova que ele teve filhos pelos portos por onde passou – il. 77. Então, Pinkerton vê o cordão que liga a mãe à criança e puxa-o, arrebentando-o. O choque e a dor da japonesa são representados por sua queda ao chão, nas suas mãos no rosto e no close na expressão de horror, tapando os olhos para a “realidade” que se apresenta. É um momento de intensa carga dramática, compartilhada pelo público, de imediato. É a decepção pela perda do amor, pela traição e pela perda da filha. A vida realmente não faz mais sentido.

Il. 77 - Sequência onde a verdade se apresenta para Cio-Cio-San, com a família multirracial de Pinkerton.

Esta sequencia da animação é peculiar. Enquanto os personagens do carro acenam para a japonesa, esta corre para sair de quadro. O animador então os abandona com suas mãos para cima e se dedicando a animar Cio-Cio-San. O impacto emocional da boneca faz com que seus cabelos se embranqueçam, isto é, ela perde o viço, a juventude. Com a câmera em um plano maior vê-se a boneca correndo, passando por entre as bancadas e outros elementos do cenário. 134

Está armado o trágico desfecho. Enquanto na ópera a personagem comete haraquiri (um golpe com arma branca que rasga o abdômen), na animação, para que a boneca se mate é preciso que ela não mais exista enquanto boneca.

Il. 78 - A sequência do suicídio da boneca Cio-Cio-San.

Neste momento a trilha sonora ganha força em volume e carga emotiva, pois não há outros ruídos. Cio-Cio-San para num local pouco iluminado da bancada, área de trabalho do animador. A personagem se senta e começa a se desmontar: primeiro rasga a cabeça ao 135 meio, despe-se e chuta os pedaços da cabeça com força. Enfia os dedos no peito – dilacerado pela dor – e rasga o corpo ao meio, retirando todo o seu enchimento e jogando-o longe, o que deixa à mostra o seu esqueleto. Depois procura e pega uma pequena chave de metal e começa a quebrar as suas juntas, uma a uma, até sobrar apenas parte de seu tronco e o membro superior direito, que puxa uma tomada de força próxima, apagando a pouca luz que a iluminava – il. 78. Uma ação que, juntamente com o caminhar de Cio-Cio-San para “fora” da cena, reforça a ideia de encenação teatral.

4.5.3 A materialidade na animação com bonecos

Apesar de ser um filme de animação (e é justamente isso que a torna uma expressão artística poderosa), ao trabalhar com três situações tão viscerais – sexo, procriação e morte – Sapegin agrega à arte, além da anima, que nos fala Aristóteles125, questões muito mais primárias, instintivas e naturais, comuns a qualquer ser vivente. Assim, ele acaba expondo a boneca a situações extremas, num patamar de igualdade de sentimentos e ações humanas, o que surpreende o público, acostumado com animações mais descompromissadas.

Il. 79 - Nesta sequência, a não diegitização só aumenta a carga dramática da cena.

125Quando ele define a alma sobretudo por duas diferenças: “pelo movimento local e pelo pensar, entender e perceber (...)”. ARISTÓTELES. De anima. Cap. I. São Paulo: Editora 34. 2006, p. 109. 136

No momento em que ela corre para fugir da imagem da família de Pinkerton há uma falta de diegetização o que, na verdade, só reforça a “vida” existente no boneco. Ela sai da diegese da história para entrar na realidade da produção da animação, ou seja, na realidade do que se entende “como aqui e agora” – é como se a vida dela e a sua tristeza realmente existissem, sendo a sua dor tão grande que seja capaz de ultrapassar a fronteira entre o real e o imaginário, o que só torna a cena ainda mais poderosa, il. 79. A cena da morte é muito intensa, sendo o clímax do filme. O fato de o seu suicídio ser um desmonte, ao invés de uma facada, aumenta a dramaticidade da cena, pois a torna mais longa, além de ser a visão de uma mutilação. “A percepção dispõe do espaço, na exata proporção em que a ação dispõe do tempo”126. E enquanto ela se desmonta há um momento em que para e é possível perceber a decepção e a tristeza dessa boneca que, de cabeça baixa (e apoiando-se na bancada com as mãos), a balança de um lado para outro, como se dissesse: “Por quê? Por quê?” – il. 78.

Dentro dessa aura que liga as obras-primas e o público, os melhores aspectos das nossas almas dão-se a conhecer, e ansiamos por sua liberação. Nesses momentos, reconhecemos e descobrimos a nós mesmos, chegando às profundidades insondáveis do nosso próprio potencial e às últimas instâncias de nossas emoções127.

O sofrimento da boneca acaba encontrando correspondência na memória do público, com traumas já vividos, abandonos, solidão, questões emocionais que dóem tão intensamente como dores físicas. Além do mais, a sua morte, enquanto boneca, é real. Que criança não fica desolada ao ver o seu brinquedo preferido quebrado? Sapegin precisou desmontá-la para fazer a cena. E ela era a única boneca da produção. Enquanto manipulador de bonecos, para o animador é muito difícil “matar” o seu objeto e companheiro de trabalho, pois cria-se um ligação emotiva com ele, durante um trabalho tão absorvente quanto uma animação Stop motion.

Eu a matei, fisicamente, e eu sabia que só poderia fazer isso uma vez por que era um único boneco e eu não poderia colocar tudo de volta novamente... então eu só poderia fazer uma vez... foi muito real... o boneco não existe mais, a exceção de

126 BERGSON, Henri. Da seleção das imagens. In: ______. Matéria e memória: ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora Ltda. 1999, p. 29. 127 TARKOVSKI, A. Esculpir o tempo. São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora. 2002, p. 49. 137

alguns parafusos... eu tenho algumas engrenagens, em alguma caixa de charutos, mas é só o que eu tenho...128

Diante da adversidade que se apresenta ao trabalho do artista, Tarkovski observa que

A mais absoluta prova de genialidade que um artista pode dar é não desviar-se nunca da sua concepção, da sua ideia, do seu princípio, e de fazê-lo com tanta firmeza que nunca perca o controle sobre essa verdade, não renunciando a ela mesmo que isso lhe custe o prazer do seu trabalho129.

A ligação da mãe com a filha também é abordada de forma muito poética. Mesmo depois de crescida a criança mantém um cordão de ligação com a mãe – o que para o ser humano seria o cordão umbilical. Através desse cordão as duas personagens voam como pipa, ora a mãe, ora a filha, e brincando aguardam a volta do marinheiro – il. 76. É um momento muito lúdico, não somente pelo fato de representar a relação mãe e filho, mas porque mostra ao público que a criança preenche a vida da japonesa – que não espera mais pela volta do amado na praia, indefinidamente. Essa imagem de “brincar com pipa” também substitui a borboleta que acompanhava Cio-Cio-San, no início da história, e que partiu com o marinheiro – é como se fosse o retorno de sua alegria de viver. A sequência final confirma esse simbolismo, quando os pedaços da boneca sobre a bancada se transformam na borboleta. Esta vem voando para o primeiro plano e pousa em um dos alfinetes que restaram na bancada. A cena então se funde à imagem de Cio-Cio-San, do início do filme, quando estava feliz e apaixonada, “viva”. Ela representa a vida e a alma dessa boneca, agora livre da espera e da tristeza. A fusão com a imagem alegre de Cio-Cio- San é a licença poética para manter na lembrança a imagem da bela boneca japonesa130. Outro detalhe de ordem plástica (e que agrega uma informação conotativa às imagens dos bonecos) é a diferença de suas materialidades e construções – o boneco de Pinkerton, sua cônjuge Barbie e a boneca de Cio-Cio-San. O fato desta última ter sido construída especialmente para a produção da animação e ser o resultado de um trabalho manual, artesanal, em termos de imagem e de representação de expressões, agrega à sua

128 Declaração de Sapegin. Percebe-se a sua ligação emotiva com a boneca: oito anos depois ele ainda guarda algumas engrenagens. 129TARKOVSKI, A. Esculpir o tempo. São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora. 2002, p. 90. 130Como as pessoas que costumam distribuir santinhos das pessoas amadas em seus velórios. É para se guardar na lembrança a imagem de quando eram jovens e saudáveis. 138 figura uma naturalidade e uma humanidade – ela é quem espera, pari, sofre e se mata – que os outros não possuem, inclusive em termos de capacidade de expressão corporal e representação teatral. A imobilidade facial e a pouquíssima mobilidade corporal desses bonecos servem para a pouca expressão requerida de seus personagens na história – enquanto personagens são pouco explorados. Mas também, enquanto bonecos americanos, comerciais, feitos de plástico, resultado do trabalho de uma cadeia produtiva em larga escala, conotativamente, cedem características a seus personagens: a impessoalidade, a falta de sentimento, a falta de humanidade – justamente como agem Pinkerton e sua esposa (Barbie), originalmente também americanos (segundo a ópera de Puccini). Diante da complexidade do universo dos “seres bonecos” criado por Sapegin, Ária, pode ser definido pelo texto de Tarkovski, citando Gogol: “a função da imagem é expressar a própria vida, e não conceitos e reflexões sobre ela. Ela não designa nem simboliza a vida, mas a corporifica, exprimindo-lhe um caráter único”131.

131 Ver em: Esculpir o tempo. São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora. 2002, p.131. 139

CONCLUSÃO

A SIMULAÇÃO NA ANIMAÇÃO

Diante do que foi abordado é possível concluir que não há animação sem simulação. O movimento na animação já é uma simulação, pois é a visão que se tem da imagem filmada – várias imagens com o personagem em posições diferentes – e uma vez projetada, a uma certa velocidade1, produz no cérebro a sensação do movimento. Na verdade não vemos o personagem em movimento, vemos as suas várias posições. Mas não é somente em relação ao movimento que temos uma simulação: todo o cenário e materiais usados na animação são utilizados para simular um “ambiente real” para a diegese, a fim de convencer o público – e esse convencimento se dá a partir do reconhecimento das similaridades entre as formas, da situação geográfica, da utilização e do repertório do público. No desenho animado (como na pintura animada ou na areia) são as linhas e as áreas de cor que criam uma identificação formal, com as imagens pré-apreendidas pelo público, identificando os riscos ou áreas coloridas, projetadas como sendo uma casa, uma flor, sendo “levado” assim por essa representação do real – como em O Velho e o Mar. No caso da animação com objetos, o processo de simulação é mais complexo, pois todo o ambiente da ação precisa ser criado materialmente. E em muitos casos há uma quebra de vínculo entre o objeto e a sua função original. Lembrando que nas imagens animadas os elementos do mundo real ocupam funções diferentes das funções originais, o que normalmente ocorre por semelhança plástica ou por algum tipo de representatividade dentro da história – como em Ária, onde um conhecido brinquedo é reconhecido pelo público como tal, mas é identificado, dentro da diegese, como uma esposa americana. Neste caso, utilizando a categorização de Pavis, o objeto na animação, muitas vezes, é um vetor-seccionante2 – pois é deslocado de sua função original sendo-lhe atribuído uma outra. Os personagens de uma animação em Stop motion não precisam ser necessariamente bonecos de massinha ou de outro material. Eles podem ser de outra coisa qualquer... Como os alimentos em Food Fight3 – il. 42 – O fato de o personagem ser um boneco ou uma garrafa,

1 É a persistência retiniana. O fenômeno já comentado no primeiro capítulo. 2 PAVIS, Patrice. A análise dos espetáculos. São Paulo: Editora Perspectiva, 1996, p. 178 e 179. 3 Comentado no terceiro capítulo. 140 na prática, é indiferente, pois a verdade que estes objetos transmitem durante a narrativa é a mesma que a da atuação do ator – a emoção4 – e que vai depender do seu staging e do seu apelo enquanto personagem. Diante do exposto, tomando como parâmetro as conclusões de Baudrillard5, o universo animado pode ser dividido em três níveis, onde cada um apresenta o seu grau de simulação ou representação: • no nível da ação: a criação do movimento é algo falso (que na verdade não existe), uma simulação, algo que cria uma hiperrealidade, isto é, mais real do que o real, processo que é corroborado com a sedução estética, o “apelo” da animação6 – principalmente quando trabalha com a lógica da diegese em que está inserido, como no caso do suicídio apresentado em Ária; • no nível formal: na criação dos ambientes e personagens, normalmente mantêm uma relação de contiguidade com o modelo (um boneco representando uma pessoa, por exemplo), senão, procura guardar sempre um estado de representatividade, de simbologia com o personagem – como no caso de Food Fight, onde os hambúrgueres (comida americana) representam os EUA; e de Ária, onde a Barbie representa uma esposa americana – ou seja, é uma representação, e não uma simulação; • no nível emocional (semiótico/representativo): na criação de uma narrativa metafórica temos o mesmo raciocínio de representatividade, de “espelho”, de analogia às situações no mundo real – no caso de animações com estilo narrativo. Então também é uma representação, e não uma simulação – como nas animações Vizinhos e Adágio. Em relação às animações 3D (digitais), pode-se concluir que estas são a simulação da simulação, pois a própria animação possui um grau de simulação (como já foi observado). Ao recriar “o real”, cria uma hiperrealidade, tanto no sentido das artes plásticas quanto sob o ponto de vista de Baudrillard. “O digital” é o braço tecnológico, produtivo e re-produtivo no campo da representação imagética. Na criação de uma animação virtual, entre o artista e o objeto, existe um intermediário, uma interface – observando que os próprios objetos criados não existem materialmente. Tal situação é semelhante à delegação de “poder”, o poder da criação entregue à máquina, à lógica, à matemática, quase sempre em prol da economia, da limpeza, da rapidez (mas nem sempre garantia de). Essa falta de contato direto, animador-

4 Na verdade há também uma admiração: “como é possível me emocionar... são objetos!”. 5 Quando este enumera as diversas fases de uma imagem, entre simulação e representação. Em Simulacra and Simulation. Ann Arbor; University of Michigan, 1994, p. 6. 6 Conceito de animação comentado nos capítulos 1 e 2. 141 objeto, pode deixá-la um tanto quanto “fria”7. A semelhança de suas imagens com o que é visto no mundo real, com uma animação perfeita, resulta em algo sem anima, pois a desigualdade dos movimentos de uma animação manual tem o seu charme, um ritmo próprio e irregular, semelhante aos movimentos executados no ambiente da materialidade – são executados no mesmo ambiente. São movimentos que existem, acontecem, sem a rigidez dos cálculos matemáticos. Tal comparação leva-nos a observar que somente o contato direto do animador seja capaz de “dar a vida”. O que nos conduz à observação de Leslie Bishko:

Métodos de animação feita à mão tendem a promover qualidades de movimento que carregam sensações, enquanto uma abordagem mais mecanizada da animação reflete as qualidades da máquina que a fez. Os animadores intuem o comportamento físico das formas com base em sua experiência cinestésica no mundo. A familiaridade da expressão cinestésica fornece uma estrutura, ou referência, para as qualidades de movimento que nos comunicam sensações8.

A REPRESENTAÇÃO DA ANIMAÇÃO

De acordo com Vernet, para haver uma narrativa é necessária a presença de algum tipo de representação, pela qual “se possa perceber as relações de tempo, de sucessão, de causa ou de consequência entre os planos e os elementos”9. Considerando tal afirmativa é possível concluir que toda animação será sempre uma narrativa, pois esta trabalha, basicamente, com representações e sucessão de movimentos, em que o tempo é o maestro e o censor contínuo do seu processo10 de construção. E no universo da animação tudo representa (e simula) algo – os desenhos, os bonecos, os objetos – tudo representa algo além, ou diferente, do que é visto denotativamente na projeção.

7 No sentido de “pouca emoção”, muito calculada, numérica, frieza lógica. Lembrando que o uso de plug-ins e scripts é cada vez mais usual nas produções digitais. Com esses artifícios matemáticos, já que são programas de computador, é possível criar e movimentar personagens, sem a necessidade de inteferência da manipulação do animador. 8 Ver em: GRAÇA, M. E. Entre o olhar e o gesto: elementos para uma poética da imagem animada. São Paulo: Editora Senac, 2006, p. 96. 9 Conforme citado no capítulo 3. VERNET, Marc. Cinema e narração, In: AUMONT, Jacques. A estética do filme. São Paulo: Papirus Editora, 6a. ed., 2008, p. 94. 10 Tudo em animação acontece em função do tempo. É um determinado número de desenhos/fotos por segundo; o boneco precisa ser resistente o suficiente para resistir à manipulação por um determinado tempo, as variações dos movimentos são calculadas em função do tempo que devem ocorrer, etc. 142

A variedade de objetos e suas características físicas (material e plástica) emprestam aos personagens e cenários da animação Stop motion, e à própria narrativa da animação, seus múltiplos significados – isolados ou resultantes do conjunto desses materiais. Ou seja, a informação denotada do material carrega um conjunto de significados conotativos próprios, que podem interagir, resultando em conotações diversas das originais ou modificadas. Conforme comentário de Metz,

a “linguagem cinematográfica” é primeiro a literalidade de um enredo; os efeitos artísticos, mesmo se forem substancialmente inseparáveis do ato cênico pelo qual o filme nos apresenta a estória [sic], não deixam por isso de constituir uma outra camada de significações que, do ponto de vista metodológico, vem depois11.

Assim, em uma narrativa animada, além dos três elementos dominantes (tema, personagem e intriga), a forma como se conta a história é influenciada pelo conteúdo físico (imagens e sons) – aliada aos códigos cinematográficos. Nesse caso, a materialidade e a visualidade são importantes componentes de carga simbólica, representando algo em sua plástica, em sua textura, na manipulação de sua substância física ou de sua estrutura – como a diferença de confecção e de material dos bonecos em Ária. Em relação à representação na animação, quando esta é baseada em um modelo (como em De Janela pro Cinema, Ária e O Velho e o Mar), utilizando uma afirmação de Barthes observa-se que a esta “não tem como finalidade representar o real, não é uma reprodução, ela não é poiésis ou pseudophysis; é uma simulação, um produto da techné. Resumindo: é o resultado de uma manipulação”12. Esta é outra situação da animação. Ela é (e sempre será) a manipulação dos materiais (criando objetos e personagens), dos espaços, dos objetos, da própria visão humana (na simulação dos movimentos) e da emoção (quando simula ações para sensibilizar o público). É produto de um conjunto de técnicas: da técnica de criação de bonecos, da técnica de animação e da técnica cinematográfica. Tomando como exemplo o filme De Janela pro Cinema, enquanto representação, seus bonecos representam os atores e as cenas de filmes que nele aparecem; e com esse conjunto de representações simboliza o cinema em si. Mas não é signo. Porém, utiliza-se deles – como a

11 Ver em: A significação no cinema. São Paulo: Editora Perspectiva, 1972, p. 119. 12 Quando se tem um objeto real, utilizado como modelo. BARTHES, R. apud METZ, C. A significação no cinema. São Paulo: Editora Perspectiva, 1972, p. 51. 143 imagem do olho e o gesto de “positivo” de Macunaíma (ambos em De Janela pro Cinema). Além disso, utilizam os personagens como signos de um estilo, de uma época, de tipos de ficção ou de manifestação cinematográfica – Nosferatu simboliza o expressionismo alemão e as histórias de terror; Macunaíma, o cinema brasileiro, etc. A imagem representada torna-se mais forte, na medida em que há um reconhecimento por parte do público – um dos principais investimentos psicológicos da imagem. Este puxa pela memória do espectador que reconhece as histórias, os personagens, os mitos que vão aparecendo, durante uma projeção de animação. Obviamente, esta percepção depende de um conhecimento prévio por parte do público, para que este “aproveite” completamente a narrativa, mas isso não o impede de compreendê-la. O que ele perde é a “satisfação psicológica pressuposta pelo fato de 'reencontrar' uma experiência visual em uma imagem, sob forma ao mesmo tempo repetitiva, condensada e dominável”13. Levando-se em consideração também os pontos de vista de Metz14 – que coloca “a porção de realidade de que pode dispor a ficção é maior no cinema”15 –, e de Michel Marie – que considera a percepção fílmica semelhante à percepção mágica, “comum ao primitivo, à criança e ao neurótico”16 –, é possível concluir que devido ao fato de a representação da animação poder estar mais distante da imagem do mundo real – mesmo que trabalhe com analogias, representações simbólicas (como no exemplo da animação Adágio) –, esta é capaz de penetrar mais profundamente no espectador, pois se apresenta como uma materialização da essência de uma ideia, do imaginário, transformando o irreal em “real”17, o imaterial em imagens visíveis. Enquanto imagens “não são as coisas que representam, elas se servem das coisas para falar de outra coisa”, relembrando a afirmação de Joly. Ela encontra identificação direta com o emocional, com as fantasias e com o imaginário. O público não precisa criar mentalmente a imagem, mas apenas senti-la, vivenciá-la integralmente18. Tal conclusão se deve ao fato de que, a crença do que é assistido em uma animação existe, apesar desta não pretender ser uma imagem real – e o espectador sabe disso19. Mas objetiva apresentar assuntos, sentimentos, ideias, atitudes que são reais e que existem fora da projeção, como foi observado em todos os objetos de estudo desta dissertação. Não é a

13 AUMONT, Jacques. A imagem. São Paulo: Papirus Editora, 5a. ed., 2001, p. 83. 14 Apoiado em Jean Leirens e Henri Wallon, Metz compara a ficção no teatro e a ficção no cinema. Ver em: A significação no cinema. São Paulo: Editora Perspectiva, 1972, p. 22-24 e 27. 15 Ibid., p. 27. 16 Baseando-se em Edgar Morin. Ver em: O espectador de cinema, 'o homem imaginário', In: AUMONT, Jacques. A estética do filme. São Paulo: Papirus Editora, 2008, 6a. ed., p. 237. 17 Tendo em vista o “movimento” como fator de identificação de algo como real. 18 Tem a ver com o processo de crença e participação observado por METZ. 19 Exceto por algumas produções 3D digitais. 144 história que se vê que tem importância, mas o que essa história quer dizer. E o que é dito é real, verdadeiramente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O esquema de produção independente, comum nos curtas-metragems de animação em Stop motion, também propicia a produção de narrativas mais simbólicas, onde a marca do autor/animador é mais presente, com as suas próprias problemáticas, questionamentos, considerando a sociedade em que vive como alimento para as suas criações. Esse conjunto de características explica a razão pela qual essa tenha sido a técnica melhor desenvolvida no Leste Europeu. Não somente pelas tradições culturais locais, mas por sua grande carga simbólica, servindo de escape à censura dos governos, para as criações dos animadores. É o que enfatiza William Moritz,

Enquanto vários animadores se continham e se concentravam em inocentes filmes infantis ou em comédias cotidianas, alguns artistas objetavam produzir alegórica e satiricamente trabalhos críticos aos regimes totalitários, e em seus planejamentos cuidadosos para burlar a censura, eles criaram obras-primas do cinema20.

Analisando os objetos de pesquisa, em termos de narrativa e estética, confirma-se o observado em vários momentos nesta pesquisa. A questão física, material e artesanal que só a animação Stop motion possui, facilita e carrega em si representações e significados que, pensados e utilizados ordenadamente, podem traduzir em termos de imagem, um conjunto de informações mais complexo e profundo do que a imagem real ou o simples desenho desta imagem. A similaridade da precariedade de acabamento em De Janela pro Cinema, por exemplo, com outros filmes nacionais de cinema vivo (da década de 1960), só é possível devido à utilização de materiais reais em cena, e de ambos utilizarem aparato técnico semelhante – luz, câmera. Não fosse isso, não seria possível realizar essa narrativa visual em desenho animado e manter a mesma relação de simulação com o real. Mesmo

20 Ver em: Narrative strategies for resistence and protest in Eastern European animation. In: PILLING, Jayne. A reader in animation. Sydney: John Libbey & Company Pty Ltd., 1997, p. 38. Livre tradução. Neste texto Moritz analisa trabalhos de mestres da animação mundial como Jiri Trnka, Yuri Norstein e Priit Pärn. 145 em outra técnica de Stop motion, mais semelhante (o Pixilation) não seria possível obter o mesmo resultado. Além da forte presença humana na tela – que no caso de Vizinhos é fundamental –, se perderia a textura dos bonecos, o artesanato dos ambientes miniaturizados, efeitos que dão personalidade à imagem e a aproximam do imaginário, das brincadeiras infantis, da ilusão. Como define Aumont:

Mas a ilusão que decerto nos interessa é a que foi produzida deliberadamente em uma imagem. Ora, além das condições psicológicas e perceptivas, essa ilusão funcionará mais ou menos bem segundo as condições culturais e sociais nas quais ocorre. [...] Pouco importa, aliás, o objetivo exato da ilusão: em muitos casos, trata-se de tornar a imagem mais crível como reflexo da realidade [...]; em outros casos, a ilusão será buscada para induzir em estado imaginário particular, para provocar mais a admiração do que a crença, etc21.

A admiração provocada por este Stop motion com bonecos, em qualquer outra técnica, seria insustentável. Só há um caminho para representar algo, dentro do que já se apresenta, sem roubar a cena do que é representado: é através da conotação. Com um segundo ou terceiro sentido, como já foi comentado, embutido na imagem que se apresenta – tal como a tristeza e a vontade de morrer, que são retratadas na automutilação, em Ária. Neste ponto, a utilização da materialidade da animação é o caminho mais completo e aberto. Completo no sentido de plenitude de possibilidades – pode-se utilizar de tudo para se animar – e, aberto, por ser da escolha de quem dirige/anima determinar como essas possibilidades serão empregadas.

21 AUMONT, J. A imagem. São Paulo: Papirus Editora, 5a. ed., 2001, p. 98–99. 146

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Branca de Neve e os Sete Anões (título original, Snow White and The Seven Dwarfs). Direção: David Hand. Produção: Walt Disney Productions. EUA, 1937. 35 mm (83 min), cor.

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Composição em Azul (título original, Komposition in Blau). Direção: Oskar Fischinger. Produção: Fischinger Studios. Alemanha, 1934. 35 mm (04 min), cor.

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Cristo Procurado. Direção: Rui e Oliveira. Produção: Palmares Arte Cinema e Vídeo Ltda., Fundação do Cinema Brasileiro, Beca Filmes e Lestepe. Brasil, 1990. 35 mm (11 min), cor.

De Janela pro Cinema. Direção: Quiá Rodrigues. Produção: Ctav e QFilmes. Brasil, 1999. DVD (13 min), cor.

Dimensões do Diálogo (título original, Moznosti Dialogu). Direção: Jan Svankmayer. Produção: Krátký Film Praha. República Tcheca, 1982. 35 mm (12 min), cor.

Dominós (título original, Dominoes). Direção: Daniel Schorr. Produção: Marcy Page / National Film Board of Canada. Canadá, 2007. 35 mm (10 min), cor.

Dragãozinho Manso. Direção e produção: Humberto Mauro. Produção: Instituto Nacional de Cinema Educativo/CTAv. Brasil, 1949. Cópia em DVD do CTAv (18 min), P&B. 157

En Passant. Direção: Alexander Alexeieff e Claire Parker. Produção: National Film Board of Canada. Canadá / EUA, 1944. On-line (02 min), P&B. Disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2008.

Entrevista (título original, Intervista). Direção: Frederico Fellini. Produção: Platina Filme. Itália, 1987. DVD (125 min), cor.

Espirais (título original, Spirals). Direção e Produção: Oskar Fischinger. Alemanha, 1925. 35 mm (06 min), P&B.

Esse Obscuro Objeto do Desejo (título original, Cet obscur objet du désir). Direção: Luis Buñuel. Produção: Greenwich Film Productions, Les Films Galaxie, In-Cine Compañía Industrial Cinematográfica. França/Espanha, 1977. 35 mm (102 min), cor.

ET - O Extraterrestre (título original, The ET: Extra-Terrestrial). Direção: Steven Spilberg. Produção: Universal Pictures. EUA, 1982. 35mm (115 min), cor.

Fases Humorísticas de Faces Engraçadas (título original, Humorous Phases of Funny Faces). Direção e produção: James Stuart Blackton. EUA, 1906. On-line (03 min), P&B. Disponível: . Acesso em: 14 abr. 2008.

Fantasia. Direção e produção: Walt Disney. EUA, 1940. VHS (120 min), cor.

Fantasmagorie. Direção e produção: Émile Cohl. França, 1908. On-line (1:16 min), P&B, mudo. Disponível em . Acesso em: 14 abr. 2008.

Final Fantasy. Direção: Hironobu Sakaguchi. Produção: Jun Aida, Chris Lee, Akio Sakai. Japão/EUA, 2001. 35 mm (106 min), cor.

Folias Felinas (título original, Felline Folies). Direção: Otto Messmer. Produção: Pat Sullivan Cartoons. EUA, 1919. 35 mm (6 min), P&B.

Food Fight. Direção: Stefan Nadelman. Produção: Tourist Picture. EUA, 2006. On-line (06 min), cor. Disponível em: . Acesso em: 15 jan. 2010.

FormiguinhaZ (título original, Antz). Direção: Eric Danell e Tim Johnson. Produção: DreamWorks SKG. EUA, 1998. DVD (83 min), cor. 158

Frankstein Punk. Direção: Cao Hambuger e Eliana Fonseca. Produção: Beca Filmes, OZ Produções e Vertigo Produções. Brasil, 1985. 35mm (11 min), cor.

Fúria de Titãs (título original, Clash of Titans). Direção: Desmond Davis. Produção: Metro Goldwyn-Mayer. EUA, 1981. 35 mm (118 min), cor.

Garota das Telas. Direção: Cao Hambuger. Produção: Cinematográfica Superfilmes. Brasil, 1988. 35 mm (15 min), cor.

Gerald McBoing-Boing. Direção: Robert Cannon. Produção: UPA. EUA, 1951. DVD (08 min), cor.

Gertie, a Dinosauro (título original, Gertie, The Dinosaur). Direção e produção: Winsor McCay. EUA, [1914]. On-line (06 min), P&B, mudo. Disponível em: . Acesso em: 14 abr. 2008.

Guerra nas Estrelas: O Império Contra-Ataca (título original, Star Wars: The Empire Strikes Back). Direção: Irwin Kershner. Produção: Lucasfilm. EUA, 1980. 35 mm (124 min), cor.

Harry Porter e o Enigma do Príncipe (título original, Harry Potter and the Half-Blood Prince). Direção: David Yates. Produção: Warner Brods. Pictures. EUA, 2009. 35 mm (153 min), cor.

Hen Hop. Direção: Norman McLaren. Produção: National Film Board of Canada. Canadá. 1942, 35 mm (3:40 min), cor. Disponível em: . Acesso em: 15 jan. 2010.

How a Mosquito Operates. Direção:Winsor McCay. Produção: VitagraphCompany of America. EUA, 1912. 35 mm (06 min), P&B, mudo.

Hunger. Direção: Peter Foldès. Produção: National Film Board of Canada. Canadá, 1973. On-line (11 min), cor. Disponível em: . Acesso em: 20 maio 2010.

Janela Indiscreta (título original, Rear Window). Direção: Alfred Hichtcock. Produção: Paramount Pictures. EUA, 1954. DVD (114 min), cor.

Jornada nas Estrelas: A Ira de Khan (título original, Star Trek, The Wrath of Khan). Direção: Nicholas Meyer. Produção: Paramount Pictures. EUA, 1982. 35 mm (113 min), cor. 159

King Kong. Direção: Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack. Produção: RKO Radio Pictures Inc. EUA, 1933. On-line (94 min), P&B. Trecho animado de 2:00 min. Disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2008.

Lapis. Direção e produção: James Whitney. EUA, 1965. 35 mm (10 min), cor. Disponível em: . Acesso em: 20 fev. 2010.

Laranja Mecânica (título original, Clockwork Orange). Direção e produção: Stanley Kubrik. EUA, 1971. DVD (138 min), cor.

Le Merle. Direção: Norman McLaren. Produção: National Film Board of Canada. Canadá, 1958. 35 mm (4:49 min), cor. Disponível em: . Acesso em: 15 jan. 2010.

Limite. Direção e produção: Mário Peixoto. Brasil, 1931. On-line (120 min), P&B, mudo. Disponível em: . Acesso em: 10 jan. 2010.

Lines Horizontal. Direção: Norman McLaren e Evelyn Lambart. Produção National Film Board do Canadá. Canadá, 1962. On-line (5:50min), cor. Disponível em: . Acesso em: 15 jan. 2010.

Little Nemo. Direção e produção: Winsor McCay. EUA, 1911. On-line (02 min), cor. Disponível em: . Acesso em: 15 jan. 2010.

Looney Tunes. Direção: Tex Avery, , Chuck Jones, entre outros. Produção: Warner Bros. Cartoons. EUA, série animada cinematográfica originalmente produzida entre os anos de 1930 e 1969.

Luxor Jr. Direção: John Lasseter. Produção: Pixar Animations Sudios EUA, 1986. DVD (02 min), cor.

Macaco Feio, Macaco Bonito. Direção: Luis Steel. Produção: Cinemateca Brasileira. Brasil, 1929. DVD (04 min), P&B, mudo.

Macunaíma. Direção: Joaquim Pedro de Andrade. Produção: K. M. Eckstein e Chris Rodrigues. Brasil, 1969. 35 mm (105 min), cor.

Mão (título original, Ruca). Direção: Jiri Trnka. Produção: Kratky Film Praha. República Tcheca, 1965. On-line (18 min), cor. Disponível em: . Acesso em: 28 abr. 2008. 160

Mary e Max, Uma Amizade Diferente (título original, Mary and Max). Direção: Adam Elliot. Produção: Melodrama Pictures. Austrália, 2009. 35 mm (80 min), cor.

Mary Poppins. Direção: Robert Stevenson. Produção: Walt Disney Production. EUA, 1964. DVD (139 min), cor.

Mèdia. Direção: Pavel Koutský. Produção: Kratky Film Praha. República Tcheca, 2000. VHS – O melhor do Anima Mundi II – (05 min), cor.

Merrie Melodies. Direção: Tex Avery, Friz Freleng, Chuck Jones, et al. Produção: Harman- Ising Pictures, Productions, Warner Bros. Cartoons e DePatie-Freleng Enterprises. EUA, série animada cinematográfica originalmente produzida entre os anos de 1931 e 1969.

Metrópolis (título original, Metropolis). Direção: Fritz Lang. Produção: Universum Film. Alemanha, 1927. DVD (153 min), P&B, mudo.

Meu Tio (título original, Mon Oncle). Direção: Jacques Tati. Produção: Louis Dolivet. França, 1956. DVD (117 min), cor.

Meow! Direção: Marcos Magalhães. Produção: Funart/Ctav. Brasil, 1981. VHS (08 min), cor.

Minhocas. Direção: Paolo Conti. Produção: Joana Lúcia Bocchini . Brasil, 2006. 35 mm (15 min), cor.

Monstros S.A. (título original, Monsters, Inc.). Direção: Pete Docter e David Silverman. Produção: Walt Disney Pitures/Pixar Animation Studios. EUA, 2001. 35 mm (92 min), cor.

M - O Vampiro de Düsseldorf (título original, M - Eine Stadt sucht einen Mörder). Direção: Fritz Lang. Alemanha, 1931. On-line (117 min), P&B. Disponível em: . Acesso em: 15 jan. 2010.

Mr. Magoo (título original, The Famous Adventures of Mr. Magoo). Direção: Abe Levitow. Produção: United Productions of America. EUA, série animada televisiva de 26 episódios de 30min, originalmente exibida entre os anos de 1964 e 1965.

Nosferatu. Direção: F.W. Murnau. Produção: Continental Home Video. Alemanha, 1922. DVD (81 min), P&B.

O Corcunda de Notre Dame (título original, The Hunchback of Notre Dame). Direção: Gary Trousdale e Kirk Wise. Produção: Walt Disney Pictures. EUA, 1996. DVD (91 min), cor. 161

O Dinossauro e o Elo Perdido (título original, The Dinosaur and the Missing Link). Direção e produção: Willis H. O'Brien. EUA, 1915. On-line (05 min), P&B. Disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2008.

O Estranho Mundo de Jack (título original, The Nightmare Before Christmas). Direção: Henry Selick. Produção: Tim Burton /Di Novi. EUA, 1993. DVD (77 min), cor.

O Exterminador do Futuro II: O Julgamento Final (título original, Terminator II: Judgment Day). Direção: James Cameron. Produção: Carolco Pictures. EUA, 1991. 35 mm (137 min), cor.

O Gabinete do Dr. Caligari (título original, Das Kabinett des Doktor Caligari). Direção: Robert Weiner. Produção: Decla-Film-Ges. Holz & Co. Alemanha, 1920. On-line (71 min), P&B, mudo. Disponível em: . Acesso em: 15 jan. 2010.

O Grilo Feliz. Direção: Walbercy Ribas. Produção: Juliana Ribas. Brasil, 2000. 35 mm (80 min), cor.

O Homem e a Câmera (título original, Chelovek s kino-apparatom). Direção: Dziga Vertov. Produção: VUFKU. Rússia, 1929. DVD (68 min), P&B, mudo.

O Homem que Copiava. Direção: Jorge Furtado. Produção: Casa de Cinema de Porto Alegre. Brasil, 2003. 35 mm (123 min), cor.

O Natal da Turma da Mônica. Direção: Mauricio de Sousa e Jaime Cortez. Produção; Estúdio Daniel Messias. Brasil, 1981. On-line (05 min), cor. Disponível em: . Acesso: 30 mar. 2010.

O Naufrágio do Lusitânia (título original, The Sinking of Lusitania). Direção: Winsor McCay. Produção: Universal Film Manufacturing Company. EUA, 1918. 35 mm (12 min), P&B, mudo.

O Pecado Mora ao Lado (título original, The Seven Year Itch). Direção: Billy Wilder. Produção: Charles K. Feldman e Billy Wilder. EUA, 1955. DVD (105 min), cor.

O Rei do Baralho. Direção: Júlio Bressane. Produção: Belair Filmes, Júlio Bressane Produções Cinematográficas. Brasil, 1973. VHS (85 min), P&B.

O Rei Leão (título original, The Lion King). Direção: Roger Allers e Rob Minkoff. Produção: Walt Disney Pictures. EUA, 1994. 35 mm (89 min), cor. 162

Os Anjinhos (título original, Rugrats). Direção: Joe Ansolabehere, Craig Bartlett, Kate Boutilier, entre outros. Produção: Klasky Csupo Productions. EUA - série televisiva original de 173 episódios de 23-24 min., produzida entre os anos de 1991 e 2004 para Nickelodeon.

O Senhor dos Anéis: As Duas Torres (título original, Lord Of The Rings: The Two Towers). Direção: Peter Jackson. Produção: New Line Cinema. EUA, 2002. 35 mm (179 min), cor.

Os Três Porquinhos (título original, Three Little Pigs). Direção: Burt Guillet. Produção: Walt Disney Productions. EUA, 1933. 35 mm (08 min), cor.

O Velho e o Mar (título original, The Old Man and the Sea). Direção: John Sturges. Produção: de Leland Hayward Productions e Warner Bros. Pictures. EUA, 1958. 35 mm (86 min), cor.

O Velho e o Mar (título original, The Old Man and the Sea). Direção: Alexander Petrov. Produção: Pascal Blais Productions, Bernard Lajoie e Tatsuo Shimamura. Canadá / Rússia / Japão. DVD – O melhor do Anima Mundi III – (22 min), 1999.

O Velho Moinho (título original, ). Direção: Willfred Jackson. Produção: Walt Disney Productions. EUA, 1937. 35 mm (09 min), cor.

Pai e Filha (título original, Father and Daughter). Direção: Michael Dudok de Wit. Produção: Claire Jennings e Willem Thijssen. Holanda, 2000. VHS – Melhor do Anima Mundi II – (8:30 min), cor.

Parque dos Dinossauros (título original, Jurassic Park). Direção: Steven Spielberg. Produção: Universal Pictures. EUA, 1993. 35 mm (127 min), cor.

Pas de Deux. Direção: Norman McLaren. Produção: National Film Board of Canada. Canadá, 1968. 35 mm (13 min), cor.

Peixonauta. Direção: Celia Catunda e Kiko Mistrorigo. Produção: TVPinGuim e Discovery Kids. Brasil, 2009 – série televisiva de 52 episódios de 11 min.

Planeta Terra. Direção Marcos Magalhães. Produção: Funarte; Embrafilme - Empresa Brasileira de Filmes S.A. Brasil, 1985. 35 mm (08 min), cor.

Pinóquio (título original, Pinocchio). Direção: e Ben Sharpsteen. Produção: Walt Disney. EUA, 1940. DVD (88 min), cor.

Popeye. Direção e produção: Max Fleischer. EUA, série animada cinematográfica originalmente produzida entre os anos de 1933 e 1942. 163

Procurando Nemo (título original, Finding Nemo). Direção: Andrew Stanton. Produção: 2003. EUA, 2003. 35 mm (100 min), cor.

Romeu e Julieta (título original, Romeo and Juliet). Direção: Franco Zefirelli. Produção: Paramount. Itália/Inglaterra, 1968. VHS (113 min), cor.

Romeu + Julieta (título original, Romeo + Juliet). Direção: Baz Luhrmann. Produção: Twentieth Century Fox. EUA, 1996. DVD (120 min), cor.

Ryan. Direção: Chris Landreth. Produção: National Film Board of Canada. Canadá, 2004. 35 mm (13 min), cor.

Short Cuts – Cenas da Vida (título original, Short Cuts). Direção: Robert Altman. Produção: Cary Brokaw. EUA, 1993. DVD (190 min), cor.

Silly Symphonies: Flowers and Trees. Direção: Walt Disney. Produção: United Artists Pictures. EUA, 1929. On-line (7:31 min), cor. Disponível em: . Acesso em: 15 jan. 2010.

Simbad e a Princesa (título original, The 7th Voyage of Simba). Direção: Nathan H. Juran. Produção: Morningside Productions. EUA,1958. 35 mm (88 min), cor.

Sinfonia Amazônica. Direção e produção: Anélio Lattini Filho. Brasil, 1953. 35 mm – cópia CTAv – (62 min), P&B.

Sledgehammer. Direção: Stephen R. Johnson. Produção: Peter Gabriel, Daniel Lanois. EUA, 1986. Videoclip (05 min), cor.

Steamboat Willie. Direção e produção: Walt Disney. EUA, 1928. On-line (7:45 min), P&B. Disponível em: . Acesso em: 27 abr. 2008.

Substituto (título orignal, ). Direção: Dusan Vukotic. Produção: Zagreb Film. Croácia, 1961. On-line (9:44 min), cor. Disponível em: . Acesso em: 28 abr. 2008.

Superman. Direção: Dan Gordon, Dave Fleischer e Seymour Kneitel. Produção: Fleischer Studios (1941-1942) e Famous Studios (1942-1943). EUA – série televisiva original de 17 episódios de 10 min, produzida entre os anos de 1941 e 1943. 164

Tempos Modernos (título original, Modern Times). Direção e produção: Charles Chaplin. EUA, 1936. DVD (87 min), P&B.

The Street. Direção: Caroline Leaf. Produção: National Film Board of Canada. Canadá, 1975. On-line (10 min), cor. Disponível em: . Acesso em: 28 abr. 2008.

Tin Toy. Direção: John Lasseter. Produção: Pixar Animation Studios. EUA, 1988. DVD (5 min), cor.

Toy Story. Direção: John Lasseter. Produção: Walt Disney Pictures/Pixar Animation Studios. EUA,1995. 35 mm (81 min), cor.

Tron. Direção: Steve Lisberger. Produção: Walt Disney Productions. EUA, 1982. 35 mm (96 min), cor.

Tubby, a Tuba (título original, Tubby the Tuba). Direção: George Pal. Produção: Paramount Pictures. EUA, 1947. 35 mm (10 min), cor.

Uma Cilada para Roger Rabbit (título original, Who Framed Roger Rabbit). Direção: Robert Zemeckis. Produção: Amblin Entertainment/ Walt Disney Pictures. EUA, 1988. 35 mm (104 min), cor.

Uma Noite (título original, Una Nit). Direção e Produção: Jordi Morangues. Espanha, 1997. Beta (26 min), cor.

Um Corpo que Cai (título original, Vertigo). Direção de Alfred Hitchcock. Produção: Parmount Pictures. EUA, 1958. 35 mm (128 min), cor.

Une Nuit sur le Mont Chauve. Direção e produção: Alexander Alexeieff e Claire Parker. França, 1933. On-line (08 min), P&B. Disponível em: . Acesso em: 30 ago. 2010.

Viagem à Lua ( título original, Le Voyage dans la Lune). Direção e produção: George Méliès. França, 1902. On-line (14 min), P&B (16 fps), mudo. Disponível: . Acesso em: 15 jan. 2010.

Vizinhos (título original, Neighbours). Direção: Norman McLaren. Produção: National Film Board of Canada. Canadá, 1952. 35 mm (08 min), cor. Disponível em: . Acesso em: 15 jan. 2010. 165

Wallace & Gromit: A Batalha dos Vegetais (título original, Wallace & Gromit – The Curse of the Were-Rabbit). Direção: Nick Park e Steve Box. Produção: DreamWorks Animation e Aardman Animations. Inglaterra, 2005. DVD (94 min), cor.

Wallace & Gromit: A Calça Errada (título original, Wallace & Gromit – ). Direção: Nick Park. Produção: Aardman Animations, BBC Video e CBSFOX Video. Inglaterra, 1995. VHS (30 min), cor.

X-Men: O Filme (título original, X-Men). Direção: Bryan Singer. Produção: Twentieth Century Fox Film Corporation, Marvel Enterprises e Donners' Company. EUA, 2000. 35 mm (104 min), cor.

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ANEXO - A