SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS INSTITUTO DE ESTUDOS SOCIOAMBIENTAIS Programa de Pós-Graduação em Geografia

MONTES CLAROS: ESPAÇO E CONTEÚDOS DA VIDA COTIDIANA

Lívia Reis Mendes

Dissertação de Mestrado

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LÍVIA REIS MENDES

MONTES CLAROS: ESPAÇO E CONTEÚDOS DA VIDA COTIDIANA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Geografia, do Instituto de Estudos Socioambientais da Universidade Federal de Goiás, Campus Samambaia - Goiânia, como requisito para obtenção do título de Mestre em Geografia. Orientador: Prof. Dra. Rusvênia Luiza Batista Rodrigues da Silva Fomento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CAPES)

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COMPOSIÇÃO DA BANCA

Dissertação apresentada ao Programa Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Goiás (UFG), como requisito para obtenção do título de Mestre em Geografia, defendida em sessão pública no dia 24 (vinte e quatro) de outubro de 2017 às 14h00, no Mini- auditório da Instituto de Estudos Socioambientais da UFG, e avaliada pela banca examinadora constituída pelos seguintes doutores (as):

PROFA. DRA. RUSVÊNIA LUIZA BATISTA RODRIGUES DA SILVA (PPGEO/IESA/UFG) Presidente da Banca - Orientador

PROF. DR. DENIS CASTILHO (PPGEO/IESA/UFG) Membro Interno

PROFA. DRA. MARTA INEZ MEDEIROS MARQUES (PPGH/FFLCH/USP) Membro Externo

PROF. DR. ADRIANO RODRIGUES DE OLIVEIRA (PPGEO/IESA/UFG) Membro Suplente

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Aos meus avôs, José dos Reis Mendes e Anísio Mendes, que me deixaram como herança o amor à terra e aos livros - à sabedoria.

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AGRADECIMENTOS

A todos que abriram suas portas e seu cotidiano para me receber em Montes Claros.

Ao meu pai e ao tio Neto que estiveram presentes em todos os meus trabalhos de campo, me propiciando condições de deslocamento e solidariedade tentando sempre me ajudar em todas as incursões em caminhos que contam a história da vida deles e, por isso, da minha.

À minha orientadora Rusvênia que em dois anos e meio me ensinou a olhar o mundo, a ciência e a vida com olhos sensíveis. Em seus próprios olhos aprendi que um olhar curioso, espontâneo e honesto é o melhor caminho para uma Geografia realmente Humana. Agradeço por todas as orientações com cafés e conversas carregadas de maternidade - carinhosas e firmes -, pelo bom humor, pela emoção, pelas músicas, pela seriedade, por ser sempre tão aberta e disponível a escuta, por ser tão presente, clara e forte em suas colocações. As orientações foram para a dissertação, para a academia, para o exercício da educação e, sobretudo, para a vida.

À CAPES pela concessão da bolsa durante 24 meses.

Aos professores do IESA que contribuíram para o desenvolvimento desse trabalho. Particularmente ao Adriano, pela amizade e por ter aberto os seus espaços de orientação para que eu fizesse parte, estando sempre disponível para dialogar, compreender e contribuir para a minha pesquisa.

À Coordenação e Secretaria do PPGEO, à profa Eliana, prof Manuel e aos secretários Yuji e Luana.

A todos os meus colegas da Geografia e do PPGEO, à turma de Mestrado de 2015, Caio, Gaby, Ludimila, Jessyca, Jessica, Bruno, Manoel, Helena, que tornaram os dias de estudos mais divertidos e compartilharam da preocupação dos prazos e dos risos de graça ou desespero. Aos colegas do Laboter, Ângela, Lara, Thiago, Tobias, Lívia, Alice, Janãine, Natalia, Carlos, Pedro, Aline.

À Adriana por me ouvir todos esses dias, por me auxiliar a visualizar a direção, os horizontes e os sentidos do coração, pelo abraço de toda semana.

Aos amigos que fiz no PPGEO que fizeram parte dos meus dias e se tornaram parte da minha vida, Isabela, Cezar e Jadson. À Ingrid por ter compartilhado tantas conversas e pelo 9

apoio diário em dias não tão fáceis para nós. Ao Panta por me ajudar e me apoiar com tanta dedicação e carinho.

Aos meus amigos da vida inteira Wanessa, Paola (com a Alice), Carol (com o Caetano), Mari, Ádila, Camila (que sempre foi mais que uma prima), Eliakim, Michael, Isabela, Paty, Guilherme, Pedro, por serem consolo e abrigo todos os dias de minha vida.

À minha mãe Dóris, por sempre me apoiar e me dar todas as condições para o estudo e pelo incentivo amoroso para voar. Ao meu pai Wilmar, por trazer a poesia e a música aos meus dias. À minha irmã Mariana pelo humor, pelo exemplo de força, determinação e vontade. À minha irmã Ana pelo amor mais doce que alguém já pode me dedicar.

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“Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro. Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).”

Manoel de Barros in: Tratado Geral das Grandezas do Ínfimo, 2001.

Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.

Epígrafe do "Ensaio sobre a cegueira" de José Saramago, citando o "Livro dos Conselhos" de El-Rei D. Duarte. 11

RESUMO

MENDES, Lívia Reis. Montes Claros: espaço e conteúdos da vida cotidiana. 2017. XX f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Geografia do Instituto de Estudos Socioambientais, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2017.

Este trabalho trata da vida cotidiana e da produção do espaço do povoado de Montes Claros. O povoado está localizado em -GO, que é um município que tem em sua formação socioespacial muitos povoados e uma intensa vida rural, já que somente no ano de 2010, segundo censo do IBGE, a população urbana superou a rural, estando bem próximas umas das outras. Os mais de sete povoados e as diversas associações de trabalhadores rurais no município despertam o interesse para o estudo de caso de um dos povoados. Montes Claros, o único povoado elevado à categoria de distrito secundário de Orizona, possui quatros ruas, duas perpendiculares às outras. Uma delas termina em uma casa, as demais são, aos que assim quiserem, apenas parte de duas rodovias estaduais, também de terra, frequentemente movimentada por caminhões que transportam leite, caminhonetes pick-up, carros de passeios e motocicletas, além de ainda cavaleiros e carroças. O povoado apresenta um desenho de tabuleiro de xadrez, com uma igreja central, três casas comerciais, um posto de polícia e Correios, uma escola municipal e cerca de 40 casas. Mais recuado fora desse tecido, encontramos o cemitério onde repousam os falecidos no povoado e nas fazendas das redondezas. As leituras que fundamentam esse trabalho se baseiam na reflexão sobre toponímia, a relação campo e cidade, rural e urbano, pequenas cidades, povoados, distritos e comunidades rurais. Foram realizados trabalhos de campo com observação e entrevistas semiestruturadas afim de compreender a cartografia social do lugar pela construção das trajetórias e itinerários da vida cotidiana dos moradores. Montes Claros é produzido pelos movimentos do desejo e da coação, o patrimônio é lugar herdado, que tem significado e sentido familiar. Além dos movimentos diários em suas relações com as cidades que oferecem serviços bancários, escolares e hospitalares, os povoados desse município apresentam uma intensa relação uns com os outros, tanto para a festa, quanto para as trocas e vendas da produção agropecuária familiar. Os espaços do povoado preservam a dinâmica comunitária e da solidariedade presente nos festejos religiosos e nos laços familiares e hereditariedade ainda permanentes nas conversas cotidianas relacionadas a vida comum, ou ainda mesmo na hora do morrer. A permanência dos moradores, em sua maioria envelhecida, está relacionada ao desejo da convivência da vida social, notada em relações vicinais bastante estreitas e a manutenção da moralidade camponesa, identificada nos quintais, nas cozinhas, no modo de festejar, alimentar, servir, ou na celebração da morte. O medo da violência (assaltos, brigas, uso de drogas) e a escassez da água, morte de insetos e algumas espécies da flora nativa bem como o cerceamento pelos grandes produtores de monoculturais aflige aqueles que não desejam sair de seu lugar. Palavras-chave: povoado, vida cotidiana, distritos em Goiás

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ABSTRACT This research involves the production of space and the daily life of Montes Claros village area. The Village is located in Orizona-GO and it is a community that has in its socio-spatial formation many villages and an intense rural life. Just in 2010, according to the IBGE census, the urban population surpassed the rural, getting very close from one another. There are more than seven villages and diverse associations of rural workers in the community, which encourages the interest for the case study of one of the villages. Montes Claros, the only town considered to the secondary district of Orizona, has four streets, two perpendicular to the others. One of them ends up in a house and the others, for those who prefer, are part of two also unpaved state highways, often used by milk trucks, pick-up trucks, family cars and motorcycles, besides riders and carriages. The village features a chessboard design, with a central church, three commercial houses, a police station and a post office, a municipal school and about 40 houses. The cemetery is located not so far from there, where the deceased of the village and the surrounding farms rest in peace. The bibliographic reference of this work is based on the reflection on toponymy, the relation city and contryside, rural and urban, small towns, villages, districts and rural communities. Fieldwork was performed by observation and semi-structured interviews with the intention to understand the social cartography of the place by the construction of the trajectories and itineraries of the daily life of the residents. Montes Claros is produced by the movements of desire and by coercion, the patrimony is an inherited place, which has deep meaning and familiar sense. Besides, the dynamic and daily relations with cities that offer banking, school and hospital services, the villages of this municipality have an intense relationship with each other, as for the events, as for the exchanges and sales of family farming production. The village and its places preserve the community dynamics and the solidarity present in the religious festivities and in the family ties and the still permanent heredity in the daily conversations related to the common life, or even at the moment of death. The permanence of the inhabitants, most of them aged, is related to the desire to live together in social life, which is noticed in very close relations and the maintenance of peasant morality, identified in backyards, kitchens, the way of celebrating, feeding, serving or celebrating death. Fear of violence (assaults, fights, drug use) and scarcity of water, death of insects and some species of native flora as well, as the closure by large producers of monocultures afflicts those who do not wish to leave their place. Keywords: village, daily life, districts in Goiás

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LISTA DE FIGURAS Figura 1: Unidade básica de saúde ...... 26 Figura 2: Placa na praça central de Montes Claros ...... 27 Figura 3: Mapa de localização do distrito de Alto Alvorada ...... 32 Figura 4: Mapa Sacolão Cardoso - Orizona ...... 35 Figura 5: Mapa de localização dos povoados em Orizona - Goiás ...... 37 Figura 6: Mapa de localização da Microrregião de (GO) ...... 42 Figura 7: Mapa de distribuição dos distritos no Estado de Goiás ...... 47 Figura 8: Paisagem e estrada de acesso ao distrito ...... 50 Figura 9: Estrada para Orizona ...... 51 Figura 10: Montagem de imagens de satélite de Montes Claros ...... 64 Figura 11: Escrituras de propriedades em Alto Alvorada ...... 66 Figura 12: Homenagem aos fundadores de Montes Claros ...... 69 Figura 13: Foto da folha do dízimo afixada nas casas visitadas na vila e imediações ...... 70 Figura 14: Croqui de Montes Claros ...... 71 Figura 15: Igreja e coreto...... 72 Figura 16: Festa de Maio ...... 73 Figura 17: Exemplo de casa e ruas de Montes Claros ...... 75 Figura 18: Casas abandonadas ...... 75 Figura 19: Vista da janela da casa de Ti Maria ...... 76 Figura 20: Os cômodos da casa ...... 80 Figura 21: Cortina nas portas...... 81 Figura 22: Croqui do terreno ...... 82 Figura 23: O cômodo acessório ...... 83 Figura 24: Imagens do cemitério ...... 87 Figura 25: GO - 309, estrada que liga Montes Claros a Pires do Rio e povoados vizinhos ..... 88 Figura 26: Caderno da Agente de Saúde com dados de 108 famílias de Montes Claros ...... 88 Figura 27: Mapa Zona Rural com todas as equipes ...... 96 Figura 28: ‘Ti’ Maria cuidando das plantas no quintal...... 105

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LISTA DE QUADROS Quadro 1: Topônimos no Brasil ...... 31 Quadro 2: Localidades e topogênese ...... 33 Quadro 3: Descrição da localidade e nome dados pelos nativos ...... 38 Quadro 4: População de Orizona – GO ...... 93 Quadro 5: Distrito de Alto Alvorada - População ...... 93 Quadro 6: População Residente no Distrito de Alto Alvorada...... 94 Quadro 7:Distribuição dos moradores por localidade ...... 100 Quadro 8: Quadro síntese dos moradores ...... 102

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1: População por gênero ...... 97 Gráfico 2: Distribuição da população por idade ...... 97 Gráfico 3: Distribuição da faixa etária ...... 98 Gráfico 4: Distribuição dos sobrenomes em Montes Claros ...... 99 Gráfico 5: Quantidade de moradores por localidade próximo ao distrito ...... 100

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SUMÁRIO

LISTA DE FIGURAS ...... 13 LISTA DE QUADROS ...... 14 SUMÁRIO ...... 15 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ...... 16 1. CAPÍTULO 1 ...... 25 1.1. DOS NOMES AOS LUGARES: CAMINHOS DO DESCOBRIR ...... 25 1.2. OS NOMES NOS/DOS LUGARES ...... 28 1.3. OS DISTRITOS E POVOADOS EM GOIÁS ...... 40 1.4. ITINERÁRIOS DA PESQUISA ...... 54 2. CAPÍTULO 2 ...... 60 2.1. MONTES CLAROS: O LUGAR E SUAS TRAJETÓRIAS ...... 60 2.2. CONSTRUÇÃO DO PATRIMÔNIO ...... 62 2.3. A IGREJA E A CONSTRUÇÃO DO PATRIMÔNIO ...... 69 2.4. A CASA ...... 74 2.5. A MORTE E O CEMÍTÉRIO ...... 84 3. CAPÍTULO 3 ...... 88 3.1. O MOVIMENTO DA VIDA: ITINERÁRIOS NA PRODUÇÃO DO ESPAÇO E VIDA COTIDIANA ...... 88 3.2. OS NÚMEROS E A OCUPAÇÃO DA POPULAÇÃO ...... 93 3.3. OS MORADORES DE MONTES CLAROS E DAS FAZENDAS LIMÍTROFES .... 95 3.4. SUJEITOS DA PESQUISA ...... 101 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 113 REFERÊNCIAS ...... 116 APÊNDICES ...... 126

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A construção da pesquisa é um processo que se origina bem antes do início formal de um projeto de pesquisa vinculado a um programa de pós-graduação. Fazem parte dele os diversos momentos da “formação acadêmica” propriamente dita, na universidade, mesmo antes de ingressar no exercício que constitui a tarefa do pensamento, numa pesquisa científica. Também o confronto da forma de conceber o mundo e seus conteúdos, aquilo que compõem e que preenche a vida cotidiana, que deixam rastros, que acabam por instigar a reflexão, todo esse estado de coisas, se apresenta, o tempo todo, no texto, nas reflexões, nos resultados nunca prontos e acabados. Processo de formação e de reflexão constante.

A pesquisa que apresento é resultado de processos de elaboração do conhecimento e da tentativa de contribuição para o campo científico da Geografia. O tema se geriu aos poucos no decorrer de uma inquietação pessoal e familiar que se tornou ao longo da formação uma inquietação acadêmica.

Desde a infância a convivência e passeios em vilas e povoados rurais faz parte de uma rotina de visitas e trânsito, lugar de passagem e de ficagem. Era no caminho entre a cidade e a roça da família que se delineava o encontro com esses lugares, lugarejos. Desde muito jovem tais espaços já provocavam um olhar curioso.

Os anos de estudo, a adolescência e as mortes de familiares tornaram, com o passar dos anos, esses espaços mais distantes do que antes e, embora as facilidades de transporte e de vida tivessem aumentado, eles pareciam pouco atrativos ou acessíveis. Sobrou a lembrança e o desejo de um retorno demorado e reflexivo. O nostálgico e saudoso tempo de ficar da roça da família, de vivenciar um tempo diferente, as comidas e as atividades diárias pouco comuns ao que se vive na “capital” goiana. Os elementos que me distanciam do lugar são do tempo do amadurecimento. A inevitabilidade das perdas de parentes. A atração e os novos vínculos com outros espaços.

Durante a formação em Geografia, mesmo que os temas estudados abrangessem interpretações qualitativas, leituras complexas das dinâmicas capitalistas da produção do espaço, reflexões em escalas globais e estudos horizontais e outros temas que muitas vezes eram tratados de maneira superficial, foi essa formação básica, elementar, inicial, que provocou e subsidiou a intenção de um estudo mais vertical e interno de dinâmicas mais 17

simples, porém, igualmente complexas às dinâmicas mais “caras” à Geografia, como as das grandes metrópoles, aos estudos do território e das regiões. Os estudos dos distritos apenas se tornam interesse à Geografia Humana muito recentemente, havendo certa intersecção com os estudos feitos pela Geografia Agrária baseada, sobretudo, em uma linha interpretativa marxista, leninista ou da economia familiar de Chayanov, e em menor expressão com autores da Sociologia Rural, como Antônio Cândido, José de Souza Martins, Ellen Woortmann. Em Goiás alguns autores com Jadir Pessoa e Carlos Rodrigues Brandão também se debruçaram na compreensão do campesinato goiano e suas organizações.

Foi para esses lugares escondidos e para a complexidade de uma vida aparentemente “simples” longe da confusão dos carros, comércios, ônibus lotados que meu olhar se voltou. A vida organizada em vilas com poucas ruas com um aspecto da paisagem de uma cidade e que mantêm em suas formas e no trato diário entre os moradores a permanência de hábitos distintos das práticas urbanas, onde o valor de uso ainda se sobressai sobre o valor de troca, mas que ao mesmo tempo também dialoga constantemente com os novos padrões de vida subsidiados pela tecnologia e facilidades de acesso à informação, ora pelas máquinas agrícolas, ora pela chegada da internet e telefone.

Percebi que limitar o estudo a caracterizar o que é urbano, o que é rural, o que é cidade, o que é campo, não daria conta da compreensão do que é o lugar. Por isso, busquei responder questionamentos simples, a gosto do que ensina Pierre Bourdieu. Elaborei um raciocínio a partir das reflexões que conheci em Henri Lefebvre e sua concepção de sociedade urbana, bem como pelas coexistências de múltiplas temporalidades do espaço discutidas por Doreen Massey. Outros autores das Ciências Humanas foram de extrema importância para me auxiliar a interpretar a comunidade, as famílias, o patrimônio. Aprender a olhar.

Os moradores de Montes Claros, como todos aqueles que vivem em comunidade, deixam sua marca no espaço, por suas trajetórias e itinerários, traçados por seu modo de vida. Moradores, seu espaço e seu lugar são objeto de interpretação desse trabalho. Suas trajetórias, seus caminhos e marcos no espaço-tempo, são as cartografias existenciais desses sujeitos. Propus-me a pensar um mapa das relações e das conexões no espaço que me permitiram interpretar a vida nos espaços, ou seja, os conteúdos da vida cotidiana. Entendo o espaço como lugar da coexistência de elementos com múltiplas temporalidades, intencionalidades e destinos. 18

No processo de reelaboração do projeto, novas leituras, realização de disciplinas, trabalhos de campo e reuniões com a orientadora ainda no primeiro ano da pesquisa, fizeram com que algumas questões surgissem. As perguntas elaboradas são aparentemente simples, mas possuem a essência do método proposto em Pierre Bourdieu onde a reflexão sobre o objeto de pesquisa se dá no processo de construção do objeto e, ao mesmo tempo, na indagação do campo científico, a Geografia, em como a Geografia estuda e pesquisa. São elas: Que lugar é esse que se pretende estudar? Que pessoas vivem e produzem esse lugar? Quais elementos permitem a compreensão e interpretação do lugar?

Nos dias ordinários da vila, a vida se organiza prioritariamente na casa1, nas próprias e nas dos vizinhos, no bar, na escola e no posto de saúde. No entanto o lugar é permeado por uma múltipla conexão: com as roças, outros distritos e com o município-sede. As atividades diárias são, frequentemente, permeadas por elementos diretamente ligados à roça, relacionados à alimentação, como os queijos, leites, polvilhos produzidos nas roças, as frutas, verduras, mandiocas, milhos também trazidos de lá. Além do trabalho dos homens que mesmo mantendo suas casas na vila, com esposa e filhos, exercem atividades diárias nas roças, próprias, ou de terceiros. A Geografia formal interpreta isso como “trabalhadores volantes”. Pretendemos ver a essência desse trabalho, sua densidade, para além de uma interpretação de subordinação ou de resíduo. A população da vila está totalmente ligada aos espaços “interiores”, as roças das imediações do aglomerado urbano, a vila. Essa relação é percebida em inúmeros aspectos os quais precisamente vou discutir ao longo do texto.

Chamarei de “interiores” as relações que se voltam cada vez mais para dentro da vida na roça. Existe também a relação que é voltada “para fora”, “exteriores”. Não só para dentro das roças os moradores de Montes Claros se voltam, mas também para as cidades próximas, ou mesmo para as capitais, Goiânia e Brasília. Com ambições diferentes daquelas com que se voltam para as roças, a saída para Pires do Rio, Orizona, Goiânia, Brasília, se dão em busca de serviços: educacionais, clínicos e hospitalares, bancários e comerciais. O lazer, a troca, o trabalho, a cumplicidade com os “próximos”, aqueles com os quais não se negoceia2, o descanso temporário ou eterno se dá no dentro. O povoado também mantém intensas relações

1 A casa é mais que uma estrutura para moradia. A casa no povoado é uma extensão da existência, os seus cômodos, cozinha, quintal, as relações de vizinhança dão a ela a dimensão de extensão do corpo. Todas as relações diárias das pessoas do povoado partem da sua casa, com as casas de seus vizinhos, de onde as casas se localizam, como elas foram construídas, por quem, quando. A casa não é apenas lugares de moradia, é nela que se constitui a história, a memória, a formação da família, a saída de alguns e a permanência de outros. É por ela que se inicia a construção do lugar. 2 Referência a reflexão e ao texto sobre a moralidade camponesa de Klass Woortman: Com parente não se negoceia: o campesinato como ordem moral. 19

com as roças e é comum a frequência de pessoas das cidades mais próximas, Pires do Rio e Orizona, primeiro pelos mais jovens que vão para o estudo, segundo pelos não tão jovens que se casam e partem para essas e outras cidades maiores. Montes Claros é lugar de encontro de dois movimentos. Um centrípeto, ou seja, que vai para dentro, que reúne, e centrífugo, que vai para fora e extrapola o município.

Aqueles residentes no patrimônio e nas roças realizam concomitantemente ambos os movimentos. As roças atraem pela fartura, pelo saber-fazer sempre e intensamente repetido e valorizado, pelo apego a terra, a sua terra, ao seu chão, enquanto que também são cotidianos os movimentos de saída do patrimônio em busca de outros elementos, sobretudo, aqueles que dependem de grandes instituições do mercado e da lógica urbana, como bancos, grandes supermercados, sistemas de saúde mais tecnológicos, esse movimento raras vezes se configura como passeio ou lazer, como a ida às roças, é quase sempre uma necessidade, um movimento de coação e não de desejo, em geral.

Os diversos povoados vizinhos também se apresentam na rotina de Montes Claros, seja pela ‘cidadezinha’ de Corumbajuba, que oferece os serviços educacionais e produtos caipiras, ou pelas festas rurais (folias, festas de santos e festa junina). Nesse sentido aparece como conceito e preocupação de pesquisa compreender a vida cotidiana cuja compreensão se dá pelas reflexões de Lefebvre que a entende como:

um lugar desdenhado e decisivo, que aparece sob um duplo aspecto: é resíduo (de todas as atividades determinadas e parcelares que podemos considerar e abstrair da prática social) e o produto do conjunto social. Lugar de equilíbrio é também o lugar em que se manifestam os desiquilíbrios ameaçadores. (LEFEBVRE, 1991, p.39, grifos do autor)

Daí pretende-se extrair o que Lefebvre dominou como miséria do cotidiano e grandeza do cotidiano. O autor define o cotidiano como um díptico, algo ligado entre si que possui dois lados, de um lado a miséria de uma cotidianidade baseada nas coisas elementares, nas necessidades, dos números, no repetitivo, na privação, na abstinência e na repressão dos desejos. Enquanto do outro lado existe a grandeza, da prática incompreendida pela apropriação do corpo, do espaço, dos desejos, de uma vida que se perpetua, de um drama que não se pode produzir em números. (LEFEBVRE, 1991, p.42) 20

A impressão é que Montes Claros funciona a partir de uma mola, em constante tensão, ela se comprime e se expande, em múltiplas direções, mas mantendo-se sempre como base, como elo. Araújo (2008) assevera no seu estudo dos distritos de Cibele e Caiçara: “lugar é laço”.

Para pensar esse lugar para além de uma reflexão e busca teórica apresenta-se a necessidade de reconhecimento da vila desse povoado. O primeiro campo, em maio de 2015, foi feito com um caráter especifico de identificar possíveis elementos para interpretação, uma aproximação do objeto de pesquisa, na tentativa de permitir um olhar estranho a um espaço familiar para mim. No momento do campo, acontecia uma festa que é realizada desde a fundação do povoado, sendo que a primeira vez que ocorreu essa festa, segundo relatos, foi na década de 1930. A festa acontece toda primeira semana do mês de maio e celebra o santo padroeiro São Sebastião, conhecido como o santo da fartura e da boa colheita.

A paisagem do povoado em festa se apresenta na movimentação nas ruas de terra, muitas pessoas trabalhando no galpão da festa, localizado bem à frente da igreja, fazendo caldos de mandioca, ‘gueroba’ e milho, decorando com imagens de São Sebastião, recebendo o pagamento de uma espécie de reserva de mesas para a quermesse que acontece a noite, logo após a novena. Nas mesas a lembrança da festa é uma pequena garrafa de cachaça3 produzida na região, com o rótulo de São Sebastião. À noite os carros com sons automotivos estacionam em frente ao galpão. Lá dentro, leilões e bingos, bem como a espera do “show da noite” provocam diversos sons. A música e o barulho da festa atravessam a madrugada e os moradores do povoado se colocam em uma condição dúbia: participam de parte da festa e em parte temem o resultado da chegada de tantos carros e pessoas estranhas.

Atrás do galpão, a igreja. Após a novena muitos fogos de artificio, as velas carregadas nas mãos passam a fazer parte do cruzeiro logo à frente da igreja, e ao lado do cruzeiro uma fogueira é acesa que é símbolo da festa.

O ambiente festivo produz um movimento e uma dinâmica agitada e aglomerada na vila. Mas sabe-se que a festa é um momento extraordinário, ou seja, produz um movimento diferente do diário, em que não se está em festa. Surge então outra questão. Como é a vida comum dessas mulheres e homens simples? Ao tentar compreender quais sujeitos produzem

3 A cachaça de Orizona é famosa no estado de Goiás, sendo parte da cultura local. O consumo de cachaça é tão dentro do universo camponês que nem sequer é pensado como profano, o álcool, a embriaguez. A cachaça de Orizona já foi tema de pesquisa de conclusão do curso de Geografia na UFG com o título: A Cachaça Artesanal Na Organização Sociocultural Do Município De Orizona – GO, Liliane Aparecida de Souza, 2011. 21

esses espaços no decorrer da vida cotidiana pretende-se entender como e quais são esses espaços em constante (re)produção. Perguntas e mais perguntas surgem: qual o sentido da festa na vida ordinária do povoado?

Também presenciei em um dos trabalhos de campo, um velório e um enterro, que oportunizou uma interpretação peculiar da vida nesse lugar. Além da celebração da festa percebi que na ocasião da despedida, o povoado reúne muitas pessoas. Há em Montes Claros um cemitério que está localizado a menos de um quilometro dos aglomerados residenciais. Lá existem jazigos bem antigos que datam da fundação do povoado e outros mais recentes.

Muitos moradores da região retornam para o funeral em Montes Claros; a presença e manutenção do cemitério reforçam um forte vínculo com a terra e a família e configura o patrimônio como retorno ao lugar de origem para ser enterrado junto aos seus. O momento do velório e sepultamento reúne parentes, vizinhos e amigos nas casas do povoado, a igreja também é local da última despedida antes da saída em procissão, alguns a pé e outros de carro, até o cemitério. Tanto a festa quanto o velório atraem muitas pessoas, deixando o aspecto do povoado diferente do de dias comuns.

O povoado é um espaço dinâmico que se organiza e se reproduz pelo encontro de momentos que ora são de quietude, onde existe um ritmo lento e pacato nas casas, o tempo da vida, o tempo do fazer para si, que acontece entre os vizinhos, compras simples, saídas por curtos trajetos, dentro do próprio povoado, e outro momento, em que a festa, a morte, o nascimento, promovem outra organização da vila, das casas e da rotina dos moradores com seus vizinhos e parentes.

O que compõe a vida cotidiana nesse espaço? Qual a dinâmica da vida e o modo de vida para além da festa e do encontro festivo?

O trabalho de campo foi encarado na perspectiva dos etnógrafos, isto é, com o objetivo de dar voz aos sujeitos da pesquisa, passando pelas três fases do trabalho de campo, o levantamento bibliográfico, a co-residência e a escrita. Aos interlocutores

damos voz, não por caridade, mas por convicção de que têm coisas a dizer. E essa voz não é monológica, é dialógica. O pesquisador e o nativo conversam, falam, dialogam. É nisso que consiste o cerne do método etnográfico: em trabalhar com pessoas, dialogando pacientemente com elas. (URIARTE, 2012)

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Caputo (2001) nos ensina a olhar em diálogo constante com Pierre Bourdieu em La distinction, autor de referência para pensar o método, assevera:

Em se tratando de pesquisa, Bourdieu defende a combinação de técnicas de recolha de dados e de análises ao se construir o objeto. Para ele, devemos desconfiar de escolas e tradições que se constituem em torno de uma única técnica de recolha de dados. A mesma desconfiança, orienta Bourdieu, deve valer para o que ele chama de monomaníacos das distribuições estatísticas, ou da análise de discursos, ou da observação participante, ou da entrevista livre, ou em profundidade, ou da descrição etnográfica. A filiação rígida a um ou outro destes métodos, critica Bourdieu, gera o que ele classifica, por exemplo, de etnomedólogos. (CAPUTO, 2001, p. 6)

Assim acreditamos ser perfeitamente possível a combinação da mais clássica análise estatística com um conjunto de entrevistas em profundidade ou de observações etnográficas, como o próprio autor afirma ter feito em La Distinction. Nesse veio nem só as observações em campo e as interpretações dele por meio das dimensões visíveis e das interlocuções puderam nos levar a “riqueza escondida sob a aparente pobreza do cotidiano, descobrir a profundidade da trivialidade, atingir o extraordinário do ordinário. (LEFEBVRE, 1991, p. 44). Admitimos que o exercício de afastamento também foi tentado, além das fontes oficiais e dados outros. Lefebvre admite a possibilidade de pensar o cotidiano para além da miséria: o cotidiano da fartura, das sociabilidades, das relações do “sempre-igual” e nem por esse fato pobre de sentido.

Para os campos iniciais, além das observações e registros fotográficos, foram aplicados questionários-testes com objetivo de conhecer os interlocutores, e a rotina da casa, a rotina familiar para atividades básica e dados simples da família residente na vila. Toda essa aproximação se deu numa busca constante de perceber a importância de pensar o aproximar na pesquisa, deslocando o sujeito e o objeto de maneira e buscar sua fusão, muito embora se considere pleno de sentido a impossibilidade de sermos um só.

No exercício de refletir-fazer, entretanto, na urgência por aplicar questionários e coletar dados no trabalho de campo, nos deparamos com o esforço do exercício da escuta e da observação, da paciência e da imersão no tempo do lugar. Mais importante que cumprir o roteiro de trabalho de campo e executar os procedimentos metodológicos preestabelecidos foi perceber, no desenrolar de conversas espontâneas como os interlocutores, como eles se apresentam e quais são os conteúdos mais relevantes, significativos e simbólicos da vida cotidiana. 23

É quando se desliga o gravador e desatento sentado na porta das casas juntos com os moradores, a observar os cães sentados na rua, que os discursos e enunciados nos ativam a refletir sobre o modo como se vive e se reproduz no espaço da vila. São nesses momentos, aparentemente banais, que se capta atentamente os elementos para interpretação e compreensão do lugar.

Nas incursões em campo em um dos momentos me encontrei com uma possibilidade de documento de pesquisa pouco formal. Foi em uma das visitas a um povoado vizinho ao que eu estudava que me encontrei com uma agente de saúde. Em um diálogo rápido e após uma “dica” de campo acreditei que nas andanças dessa mulher e a partir da experiência com os moradores e o convívio com as famílias eu poderia obter importantes informações tanto sobre os moradores quando acerca da organização familiar das casas na vila e nas roças.

Foi assim que ao retornar a Montes Claros procurei a agente de saúde responsável pelas visitas às residências da vila e suas imediações. Os cadernos dela se tornaram documentos para a tessitura da teia de relações dos moradores do patrimônio. A leitura e organização dos dados do caderno permitiram uma visão horizontal da distribuição dos moradores, identificando seus sobrenomes, seu local de residência, idade. Essa me pareceu uma fonte frutífera de dados, já que são dados coletados e de porta em porta, de cara a cara, em relações por vezes profundas entre quem dá assistência de saúde e aqueles que ali vivem.

Bourdieu (2010, p. 34) atenta em sua sociologia reflexiva sobre a necessidade de se romper com o senso comum proposto pelo campo científico para a construção do objeto de pesquisa. Segundo o autor o pré-construído está em toda parte. Assim, ao utilizar fontes positivistas e seus conceitos já aceitos é registrar e confirmar o já construído. Busco assim romper com um modelo pré-construído de realizar a pesquisa em Geografia o que foi um desafio desse trabalho, a atitude reflexiva diante da construção do objeto, traçado de objetivos e metodologias tornaram cada vez mais tortuosas as possibilidades de interpretação do objeto a ser construído.

O esforço desse estudo foi interpretar a produção desse espaço e suas relações sociais de referências camponesas (quanto a ordem moral, sem ser de forma exclusiva), mas fecundo para o avanço e cerceamento do capital. Um lugar que reúne cidade e campo. Parte-se da noção de sociedade urbana proposta por Lefebvre, que pensa a sociedade atual como resultado das temporalidades distintas e confluentes. 24

Para a construção dessa narrativa a dissertação está dividida em três partes. No primeiro capítulo, pretende-se apresentar a construção do objeto de pesquisa, utilizando dos nomes dados aos lugares de estudo. A importância, e trazer esse estudo e analisar como a pesquisa dos distritos está inserida nos estudos da Geografia, considerando um estado da arte dos estudos de pequenas cidades, distritos e povoados em Goiás.

O segundo capítulo disserta sobre a formação socioespacial de Montes Claros, buscando apresentar como o povoado se constituiu patrimônio por meio das trajetórias dos moradores e suas famílias e recompondo a organização e produção do espaço com base nos lugares do povoado: casa, igreja, cemitério.

O último capítulo pretende compreender a população e seus itinerários intercalando dados quantitativos e os itinerários narrados por eles, a fim de construir uma cartografia social do lugar. Os dados apresentados fazem parte da coletânea de dados recolhidos em campo nos cadernos da agente de saúde e a partir dos questionários e entrevistas realizadas com sete moradores do patrimônio. Essa organização foi feita de maneira quase orgânica, como se uma coisa vincula-se a outra, como um teia de texto. Os nós dessa teia são parte do texto que ora apresento para falar desse espaço como lugar.

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1. CAPÍTULO 1

1.1. DOS NOMES AOS LUGARES: CAMINHOS DO DESCOBRIR

Quando nos apresentamos a alguém a primeira coisa que fazemos é dizer nosso nome. Olá, muito prazer, eu me chamo ‘Fulano de Tal‘. Algumas vezes nos dizem: Nossa, você não se parece com esse nome. Em outras nos perguntam: Quem foi que escolheu seu nome? Podem dizer também: Nossa! ‘De Tal’? Você é neto do ‘Ciclano‘? Mesmo que não nos conheçam nosso nome carrega a nossa imagem, nossa fama, nossa histórica, seja para a fofoca, seja para preencher fichas e cadastros. Para os nascidos e criados nas pequenas cidades, ou para aqueles que tiveram uma criação alicerçada nos costumes da roça, que estudiosos da antropologia rural entendem como parte de uma linguagem que reflete a moralidade camponesa. O nome é quase tudo que você pode ter. Não é raro que ouçamos: Meu filho! Cuide do seu “nome”! É tudo que você tem! Cuidar do nome significa ater-se ao papel da palavra no passado, a palavra de um homem, o seu nome e sua descendência era o seu patrimônio.

Não à toa, também sujeitos dos distritos ou fora dele, que carregam consigo uma ordem moral do campo, se apresentam pelo nome e sobrenome. Daí trazem o nome da herança, o nome da família, o nome do pai. O nome se converte em patrimônio, nome social, a partir do qual anunciamos além do que somos como sujeitos, também o que somos como grupo social, o que representamos nessa sociedade. Eu sou Lívia Reis Mendes e escrevo esse trabalho que é de um lugar onde ser um “Mendes” tem significado. Minha família paterna tem em Montes Claros seu lugar de vida e onde estão enterrados os falecidos do qual herdei meu nome.

Não me parece estranho então começar este estudo a partir do nome do lugar que me propus a pesquisar. Já que pelo nome tentarei compreendê-lo.

O nome escrito no prédio da figura 1, a fachada do posto de saúde da família, inaugurado em 2016, é: Unidade básica de saúde Montes Claros. O Sistema Único de Saúde brasileiro adentra os caminhos de terra e contempla a população do distrito de Alto Alvorada com um novo posto de saúde. Este carrega público que carrega dois nomes: Montes Claros e Realino Nunes de Paula. Realino foi fazendeiro, morador da localidade, doador de terras, ex-prefeito do Município de Orizona e falecido em 2015. 26

Figura 1: Unidade básica de saúde

Fonte: Acervo da autora, trabalho de campo, julho 2015.

Aos fundos da igreja de São Sebastião de frente ao posto, uma placa de alumínio assentada em cimento a frente do cruzeiro, batiza e eleva em 1975 o povoado de Montes Claros à distrito de Alto Alvorada, junto aos dizeres oficiais também vemos o nome dos políticos governantes que na época celebraram a elevação do povoado. Montes Claros, portanto é um nome que teria ficado recuado na história, ou seja, um nome do passado, uma vez que o diálogo com a elevação a condição de distrito traz outra nominação, Alto Alvorada. Porém, esse nome não se põe nas metanarrativas do lugar: não está na boca do povo; não está em todas as referências oficiais.

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Figura 2: Placa na praça central de Montes Claros

Fonte: Acervo da autora, trabalho de campo, julho de 2015

Contudo, mesmo depois de passados quarenta anos da elevação à condição de distrito e mudança do nome, ainda hoje, na hora de assentar a placa e dar nome ao posto de saúde, o que se lê é o nome original, que primeiro nomeou o lugar. Dessa forma, os nomes do lugar e os nomes daqueles que fundaram o patrimônio, estão sempre presentes. É por isso que é pela história do nome e sobrenomes que se inicia essa pesquisa. Busca-se em meio a tantos nomes refletir sobre a existência do povoado e das permanências, transformações e repetições que pouco a pouco configuram o espaço e o lugar desse povoado.

Ainda pensando nos nomes dados aos lugares, no segundo tópico desse capítulo partirei para as classificações dadas aos pequenos aglomerados no interior do Brasil: vila, povoado, distrito e também o debate em torno das pequenas cidades ou cidade pequenas, como está posto em Olanda (2008). O objetivo do segundo tópico será trazer a luz a produção acadêmica nos estudos geográficos sobre essas localidades e como o estudo de Montes Claros se localiza nessas agendas de pesquisa dentro da ciência geográfica.

No terceiro e último tópico deste capítulo traço o caminho percorrido para desenvolver a reflexão da pesquisa e compreensão do lugar escolhido bem como apresento os procedimentos e opções elegidas dentro das possibilidades de pesquisa de campo.

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1.2. OS NOMES NOS/DOS LUGARES

“É Alto Alvorada, mas é Montes Claros, né?” Notas de escutas de campo, 2015.

O distrito de Montes Claros é oficialmente nominado de distrito de Alto Alvorada e integra o município em Orizona – GO (antigo Campo Alegre). Está localizado ao Sul de Goiás e pertencente à Microrregião de Pires do Rio. Já no início da pesquisa documental e bibliográfica e também na organização do trabalho de campo deparo-me com essas duas denominações à localidade.

Enquanto o IBGE, os documentos oficiais e uma placa de inauguração na praça da vila apontam para o local como Distrito Alto Alvorada, desde 1976, em outros documentos, como placas de sinalização, identificação do posto de saúde, cartazes feitos para informar as festividades, entre outros, o nome é Montes Claros. Essa dubiedade parece não ter uma ordem que separa o oficial do nativo. Em ambos, na linguagem nativa e oficial encontra-se tal dubiedade. No livro IBGE-Cidades encontramos a seguinte denominação para Orizona e seu distrito Alto Alvorada:

Elevado à categoria de vila e distrito com a denominação de Campo , pela Lei Estadual nº 277, de 12-07-1906, desmembrado de Santa Cruz. Instalado em 15- 101906. Elevado à cidade, pela lei Estadual nº 347, de 08-07-1909. Em divisão administrativa referente ao ano de 1911, o município é constituído do Distrito Sede. Em divisões territoriais datadas de 31-XII-1936 e 31-XII-1937, o município é constituído de 2 Distritos: Campo Formoso e Ubatã. Pelo Decreto-Lei Estadual nº 1233, de 31-10-1938, o Distrito de Ubatã foi extinto indo seu território anexado ao Município de Campo Formoso. Pelo Decreto-Lei Estadual nº 8305, de 31-12-1943, o Município de Campo Formoso passou a denominar-se Orizona. Em divisão territorial datada de 1-VII-1950, o município é constituído do Distrito Sede. Assim permanecendo em divisão territorial datada de 1-VII-1960. Pela Lei Estadual nº 8111, de 14-05-1976 é criado o Distrito de Alto Alvorada e incorporado ao Município de Orizona. Em divisão territorial datada de 1-I-1979, o município é constituído de 2 Distritos: Orizona e Alto Alvorada. Assim permanecendo em divisão territorial datada de 14-V-2001. (IBGE, Cidades, 2014)

Se observarmos esses três parágrafos que iniciam esse subtítulo já encontramos muitos nomes e denominações. Alto Alvorada, Pires do Rio, Santa Cruz, Ubatã, Campo Formoso e Orizona. Desde que se adentra ou se domina uma localidade a ela é dado um nome, que na 29

história desses povoados de Goiás possuem inúmeras referências de modo a não ser possível afirmar a veracidade delas por suas fantasias e tons de jocosidade.

Araújo (2008) ao estudar os patrimônios de Cibele e Caiçara localizados no estado de Goiás elaborou como parte de seu estudo a origem dos nomes das pessoas e do lugar. Ela observa a jocosidade e a presença do simbólico na hora de nomear. Cibele foi chamada pelos nativos como “Calango Tonto”, originado de uma história passada pela oralidade entre os moradores de que um dos fundadores teria colocado pinga na boca de um calango que saiu andando e tonto. Assim dentro do saber profundo das comunidades camponesas que estuda, a autora conclui que “a nominação baseia-se nas trocas afetivas” e que o “apelidar é uma maneira de traduzir nas relações esse apontar social do nome, seja para uma cidade ou um sujeito em sua identidade.” (ARAÚJO, 2006, p. 108 - 109).

Também em Seeman (2005) “pelo ato de nomear, o espaço é simbolicamente transformado em lugar, que, por sua vez, é um espaço com história”. Ele afirma ainda que “a toponímia de um lugar deriva de diferentes proveniências, resultantes de determinantes como aspectos geográficos, flora e fauna dominantes ou características, nomes de pessoas etc.”

Ao me deparar com o objeto de estudo do que, para mim, era por familiaridade Montes Claros, outros nomes e classificações foram surgindo no decorrer da pesquisa e essa condição impôs a busca de documentos e referenciais para pensar essa condição que ocorre em povoados dessa dimensão, onde ter ou não um nome oficial não parece ser uma questão administrativa ou ainda de nenhuma outra natureza, pelo fato de esse incômodo nem aparecer nas falas dos depoentes. O que antes para mim, na perspectiva de uma herança, de uma memória de criança era apenas um lugar, uma “currutela” 4, que todos chamavam de Montes Claros, nome resolvido no discurso, nome pronto e sem dubiedade, foi aos poucos ganhando outros tons, outras classificações, outros sentidos.

A perspectiva do nome está referenciada na obra de Murillo Marx (1999), em um estudo específico no qual ele pensa a condição de uma urbanização brasileira numa perspectiva mais vertical dos termos da urbanização regional do Brasil. Marx faz uma alusão direta que ajuda a pensar o significado de ter um nome consolidado desses arruados, conforme exemplo:

4 Esse termo é frequentemente usado por moradores tanto do patrimônio, quanto das roças, quanto das cidades. Designam esses lugares entre a roça e a cidade, as vilas, que estão à beira da estrada. 30

De fato, esse agrupamento, esse arruamento considerado aqui de maneira ligeira, generealizada e esquemática, foi menos ou mais homogêneo quanto às gentes e aos negócios que reunia. Quando havia poucas ruas, seus nomes dificilmente denunciavam uma divisão do trabalho muito frouxa; quando a aglomeração era um pouco mais alentada, possivelmente tais nomes mais genéricos aparecessem; quando se tratasse de um centro importante, denominações específicas ocorriam e denunciavam uma diferenciação de cunho econômico e social efetivamente existente. (MARX, 1999, p. 118)

Marx (1999) propôs compreender historicamente as formas de aglomeração humana centrando o foco na instauração da república, período que medeia 1850, tomando como prisma três aspectos: o político-institucional, o econômico-fundiário e o socioespacial. O tempo todo o autor indaga o sistema de apropriação da terra no perímetro urbano, no caso do texto específico, a partir de 18 verbetes destacando as mudanças ocorridas no segundo reinado no que se refere aos significados desses verbetes (morar, arruado, ordenar, código, etc). É nesse texto que aparece os vários significados de morar e nesse momento, ao levantar os diversos significados de morar, que Marx aponta a questão do nome como algo que detêm significado para pensar o lugar. Ademais, sobre lugar, diz o autor: “A expressão “lugar” vem sempre assim, no sentido antigo, usual e hierárquico de povoado ou povoação não autônoma; sem aspas, se reporta ao significado preciso da geografia.” (MARX, 1999, p.10).

O espaço das experiências imediatas da vida, o espaço do cotidiano, carrega o nome de Montes Claros. Nomear não é tão banal assim. A partir do modo como se descreve o lugar se constrói na mesma medida um conjunto de campos de significação de quem e para quem vive esse lugar. Por isso que os pequenos distritos de Goiás descartam o passado jocoso em busca de um presente de glória e, de quem sabe, um futuro promissor. Todo esse estado de coisas, a construção linguística, é também um transporte de sentidos.

É nesse sentido que busquei compreender como foram dados os nomes aos lugares. Oliveira (1970) ao realizar um estudo dos topônimos brasileiros, elegeu 12 categorias das proveniências dos nomes dados aos lugares e os separaram por regiões do país. São eles:

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Quadro 1: Topônimos no Brasil Ordem Tipos Exemplos 1 Antropônimos Nomes de pessoas e autoridades 2 Religiosos Santa Cruz, São José 3 Vegetais Gameleira, Campo, Angico. 4 Hidrografia Água tal, Lagoa tal, Cachoeira Nomes que tentam “extrair da alma todos os sentimentos 5 Otimismo amorosos”. Ex: Bom Sucesso, Formoso, Bonito. 6 Animais Formiga, Sucuri. 7 Relevo e aspectos do solo Campo tal, Barreiro tal, Várzea tal. 8 Árvores Laranjeira, Jatobá 9 Minerais Pedra, Água 10 Quadrúpetes Onça, Boi 11 Aves Arara, Pato 12 Peixes Peixe tal, Piranha 13 Frutas Coqueiro, Buriti Fonte: Cêurio de Oliveira (1970)

Se observarmos os nomes que aparecem no documento oficial publicados na prefeitura e pelo IBGE, apresentados no início desse capítulo, todos têm alguma relação com as proveniências elencadas por Oliveira (1970) e organizadas na tabela. Em Orizona, seus nomes de lugares ora relacionam-se a otimismo, ora vegetais, ora relevo. É interessante notar a intensa e clara relação dos lugares com suas características físico-naturais. Mais serão apresentados alguns nomes para além dos oficiais já apresentados, que nomeiam os povoados rurais e localidades de Orizona.

Montes Claros e Alto Alvorada são nomes que tem sentidos semelhantes. Embora as palavras sejam outras, ambos se relacionam ao relevo e fazem referência à luz, a claridade, alvorecer como uma classificação otimista do anúncio de um novo dia. Pensar a toponímia dos lugares é, portanto, pensar a origem desses lugares, por isso, os estudos de toponímia a classifica como um fator psicossocial e histórico-cultural. Além dos outros elementos que comparecem nos estudos de Marx (1999).

Campo Formoso (antigo nome de Orizona, município sede de Alto Alvorada, que também é chamado de Montes Claros) são nomes elaborados pelo otimismo; Santa Cruz de origem religiosa; Orizona, significa zona do arroz, cultura muito produtiva no município no século XX; Ubatã é um nome indígena dado a um vegetal.

Porém, mesmo com os nomes nativos, o Estado brasileiro também intervém na orientação dos nomes desses lugares. Assim, no governo de Vargas, o decreto-lei nº 5901, de 21 de outubro de 1943, o Governo Federal estabeleceu normas para que se eliminassem as repetições de nomes, vilas, entre outras indicações das quais nem todas foram contempladas. 32

Além disso, também previa uma sistematização ortográfica, assim o Estado conseguiria normatizar os nomes e estabelecer a gestão do território. (NUNES, 1951)

Figura 3: Mapa de localização do distrito de Alto Alvorada

Tal decreto-lei justifica então, a alteração do nome nativo da vila uma vez que Montes Claros já era o nome dado a outro município de Goiás e também em outro do estado de Minas 33

Gerais. Assim, Alto Alvorada é então o nome dado, oficialmente, ao distrito pertencente ao município de Orizona-GO, desde de 1976, quando o então povoado de Montes Claros fundado na década de 1930 foi elevado à categoria de distrito. E é esse o nome, Montes Claros, que os moradores de toda a região ainda utilizam, mesmo após 40 anos da mudança da condição administrativa da localidade para Alto Alvorada.

As placas de sinalização nas ‘estradas de chão’ entre a sede do município de Orizona e a área urbana do município de Pires do Rio anunciam esse nome. Ambas estão a 23 km de distância da vila, ou seja, da área urbana do distrito.

Orizona possui uma dinâmica rural com vários povoados, comunidades e associações. Um estudo de Siqueira (2011) sobre os povoados em Orizona se preocupou em apresentar a topogênese e toponímia desses patrimônios. É importante destacar que nesse estudo, o nome de Alto Alvorada não aparece enquanto o nome de Montes Claros recebe atenção por ser o nome pelo qual é lembrado e chamado pela população de Orizona.

Quadro 2: Localidades e topogênese NOME DA TOPOGÊNESE LOCALIDADE A designação “Buritizinho” reporta a aspectos físicos do lugar: vegetação, pois nessa região, possui um número elevado de Buritis. Essa planta era Buritizinho considerada produto relevante para os moradores que habitavam o lugar, pois suas palhas auxiliavam na construção de moradia. Pode-se dizer que o topônimo foi motivado pelo fato de existir, nas imediações do lugar, um ribeirão designado Cachoeira, cujas águas servem Cachoeira aos moradores do lugar. Essas águas passam por inúmeros desníveis e formam lindas cachoeiras. A denominação do topônimo Corumbajuba foi sugerida pelo cônego de Orizona, José Trindade Fonseca e Silva. Essa designação reporta ao fato de Corumbajuba que, nas imediações do lugar, existirem dois grandes rios: o Rio Corumbá e o Piracanjuba. Esses oferecem grande abundância de água e peixes aos moradores do lugar. A denominação do topônimo Firmeza remonta à época em que era comum o carreto em carros de bois, que constituíam basicamente o único meio de transporte. Assim, os carros de bois percorriam os arredores e, por vezes, precisavam realizar a travessia pelos córregos. Como estes não dispunham de Firmeza pontes, a travessia se dava em meio às águas. Em tais condições, inúmeros carros atolavam, dificultando a passagem. Devido a isso, propagou-se que, nas proximidades do lugar, especificamente, na fazenda de propriedade da família dos Fernandes existia um córrego, cujas terras eram firmes onde os carros de bois podiam atravessar sem atolarem. Os montes, que o povo chama de Morro do Baú, da Suçuapara [...] e a ponta da Serra do Lameirão[...]”. Neste sentido, fica evidente que a denominação do Montes Claros topônimo Montes Claros deve-se a aspectos da geografia física do lugar: geomorfotopônimo. Desse modo, os montes foram significativos no momento da ação de nomear. 34

Segundo moradores, acredita-se que a escolha do nome possa estar vinculada Taquaral ao fato de que, na região havia plantações de taquara cuja palha era utilizada na confecção de peneiras, jacás, entre outros utensílios. Alguns acreditam que o nome, cuja origem é indígena e significa árvores baixas, deve-se ao fato de que, nas imediações, existia uma numerosa quantidade de árvores quaresmeiras. Outros acreditam que a escolha do desse nome remonta a um fato sucedido quando índios, vindos do Rio de Janeiro, Ubatã após visitarem o Presidente da República, passaram por Ubatan. Como nesse período, era a época de florada das Quaresmeiras, os índios enfeitaram-se com as flores da planta, e exclamavam: [uba΄ tã:, uba΄ tã:]. Desse modo, o lugar ficou conhecido como Ubatan. Fonte: Siqueira, 2011 (Organizado pela autora).

As reflexões do artigo organizadas na tabela é resultado de uma pesquisa desenvolvida na Universidade Estadual de Goiás, da unidade acadêmica de Pires do Rio. Embora caracterize um material inédito, ele é resulta de um artigo originado de uma orientação de monografia de conclusão de um curso de Graduação em Letras, conforme destacou a autora do texto em entrevista concedia para esse trabalho em abril de 2016. Além dos nomes apresentados na tabela abaixo, outros foram dados aos povoados, porém não são contemplados no estudo da autora.

Em outros contextos como nas paredes de algumas casas, encontra-se o mapa (figura 3) que foi feito em formato de calendário e distribuído entre os moradores.

Apesar de a imagem ser pouco nítida, lê-se que o mapa prioriza os rios e povoados em sua representação. Todos esses elementos fazem pensar sobre a sensação de pertencimento e identidade com esses povoados na formação da população de Orizona num contexto municipal, pela presença do mapa nas casas dos povoados (Corumbajuba e Montes Claros) esboça-se a ideia de que esses lugares não estão esquecidos, mas são lembrados e registrados. Fato da população dos povoados serem lembradas para a confecção e distribuição do mapa não é tão estranho, já que Orizona manteve até o censo do IBGE de 2010 uma população predominantemente rural.

Seeman (2005) alerta para a importância dos nomes nos mapas, alegando que “os nomes nos mapas estruturam a consciência e chegam a construir ou destruir identidades”. A relação dos nomes com e nos mapas é uma relação dialética. Ora os mapas legitimam nomes já utilizados pelos nativos, reafirmando uma identidade, ora eles podem silenciar ou invisibilizar outros lugares que não aparecem nos mapas, colocando-os em segundo plano ou 35

ignorando-os. Porém os mapas cartesianos por si só não conseguem cartografar os lugares dos sujeitos.

O fato de esse mapa estar em quase todas as casas e comércios visitados ao longo dos trabalhos de campo em maio de 2015, abril e julho de 2016 e maio de 2017, me induz a algumas reflexões acerca de dois elementos: a presença do calendário parece ser uma estética comum em casas camponesas, um souvenir comumente presenteado por lojas de móveis, empórios ou outros comércios as cidades pequenas do interior; a presença do calendário coloca em relevo papel dos povoados e sua representatividade local, tanto para os moradores de Orizona quanto das localidades, uma vez que o comércio de Orizona e Pires do Rio também funciona de acordo com a dinâmica dos povoados.

O calendário com um mapa, elaborado e distribuído por uma casa comercial na cidade de Orizona, reconhece e inclui a população dos povoados no seu planejamento e organização. Além do calendário do Sacolão Cardoso (Figura 4), calendários religiosos com imagens de santos e paisagens celestiais, os cartazes das festas tanto a de São Sebastião, quanto a Festa Junina, a folhinha do dízimo que mostra a abrangência das comunidades da Igreja Católica em Orizona, também estão à mostra na casa, ou colado nas paredes, ou colado em armários que abrigam copos e xícaras. Não só a sociabilidade do tempo, com a marcação das datas, mas uma também uma sociabilidade religiosa.

Figura 4: Mapa Sacolão Cardoso - Orizona

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Fonte: Acervo da autora

No estudo clássico da Antropologia Política acerca de uma comunidade nilota, Pritchard (2005) ressalta a importância do calendário para demarcar tempo e espaço quando discute a estrutura política dessas comunidades. O brinde de calendário anual (marcação de tempo central da ordem camponesa) com os mapas das comunidades rurais da região (destacando o fato de que nele aparece Montes Claros, nome nativo), não é arbitrário como se pode pensar. Gados nelores e flores também são motivos de calendários dados como brindes por comércios em geral nessas comunidades. Isso é porque o calendário tem importância significativa no sistema social e ecológico. As variações periódicas que se baseiam nas atividades sociais ligadas à ecologia está para os Nuer assim como está para os moradores de Montes Claros, guardadas as devidas diferenças socioculturais. Segundo Prichard (2005, p. 113):

O calendário é uma relação entre um ciclo de atividades e um ciclo conceitual e os dois não podem ser isolados, já que o ciclo conceitual depende do ciclo de atividades do qual deriva seu sentido e função. Assim um sistema de doze meses não afeta os Nuer, pois o calendário está ancorado ao ciclo de mudanças ecológicas.

Não é raro, conforme os sujeitos interlocutores da pesquisa, que a origem dos comerciantes da zona urbana de Orizona, que definem o calendário como um “brinde”, seja das roças e povoados do município. Esses elos entre a sede do município, os povoados e suas roças serão notados em outros momentos e isso justifica a identificação o reconhecimento e a difusão desses mapas. Seeman (2005, p. 220) afirmar ainda que:

Essa dinâmica toponímica pode ser observada em qualquer município brasileiro. Os nomes não são simples escolhas aleatórias, mas representações simbólicas, política e ideologicamente planejadas, que ganham seu pleno poder quando se ostentam nos mapas oficiais.

Porém não são só os nomes oficiais fazem parte dessa toponímia. Além desses povoados outros nomes aparecem na pesquisa de campo. Tais nomes não são destinados aos povoados, mas sugerem localizações das roças, ou seja, existem para designar localidades ou sub-regiões. São nomenclaturas da oralidade que apenas o próximo reconhece e identifica, como se fosse uma “outra linguagem”, como metáforas que possuem valor evocativo, 37

Figura 5: Mapa de localização dos povoados em Orizona - Goiás

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simbólico, daquilo que Bachelard (2003) chama de uma topoanálise que seria o “estudo psicológico sistemático dos locais de nossa vida íntima”.

Os nomes relacionam-se as características físico-naturais da localização das fazendas e grupos de agregados e além disso há também à relação com as denominações das fazendas, que mostram uma identidade e uma territorialidade dos sujeitos, moradores de Montes Claros. Quando se interroga sobre o local de nascimento, faz-se referência a essas localidades, que embora façam parte oficialmente da área do distrito, são denominações que permitem reconhecer o sentimento de pertencimento a comunidade e referência familiar. Por isso, Seeman (2005) completa que:

Atrás dos nomes de lugares escondem-se pessoas ou grupos que os inventam, decretam, aceitam, rejeitam ou mudam. Tanto os acidentes geográficos quanto os topônimos constroem territórios, territorialidades e identidades (SEEMAN, 2005, p. 220).

As localidades e regiões além de estarem relacionadas a posição em relação ao rio, ou ao relevo, também possuem os sobrenomes dos fazendeiros como marco espacial. Os Marçal, os Ribeiro, os Frota, os Caixeta, entre outros sobrenomes. Cabe dizer que esses sobrenomes também aparecem na foto colocada aos fundos da igreja, em homenagem aqueles que colaboraram com a sua construção.

Quadro 3: Descrição da localidade e nome dado pelos nativos NOME DA DESCRIÇÃO DA LOCALIDADE E NOME (PELOS NATIVOS) LOCALIDADE Distrito de Alto Nome oficial dado ao povoado, já que em Goiás existia o município Alvorada com o nome de Montes Claros de Goiás no Noroeste Goiano. Nome nativo do povoado relaciona-se ao relevo, dizia-se que o Montes Claros povoado estava em uma parte mais alta o que permitia um céu mais aberto permitindo uma abrangência de iluminação. Nome associado com referência localização do distrito, entre o rio Corumbajuba Corumbá e o Piracanjuba Pé Pelado Região de um descampado. Borboleta Não foram encontradas explicações nas entrevistas realizadas Beira Referência à localidade às margens do rio Piracanjuba Baú Fazenda localizada no alto do Morro do Baú, referência ao relevo. Campo limpo Área com pouca vegetação arbórea Panela Quebrada Não foram encontradas explicações nas entrevistas realizadas Brejo/ Grotão Local de beira de rio, brejo Fazenda Velha Uma das mais antigas fazendas da região construída por escravos. Elaborado pela autora. Fonte: Trabalho de campo, julho 2016.

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No quadro são apresentados alguns dos nomes que são ouvidos no povoado, eles se relacionam a diversas localidades que acabam por nomear as comunidades que ali se reúnem. Além de localidades menos específicas que possuem delimitação mais simbólica e afetiva. Pereira Neto (2010) historiador que escreveu um livro sobre a história de Orizona que foi encontrado em pesquisa feita na biblioteca da Universidade Estadual de Goiás – unidade Pires do Rio, a mais próxima do distrito, faz uma interpretação de cada um dos povoados do município. Sobre Montes Claros ele afirma que:

O nome desse lugar tem explicações no motivo de que, da porta da igreja do Padroeiro de São Sebastião, são vistos com saliências deslumbrantes naquele horizonte embevecedor, os montes, que o povo chama de Morro do Baú, do Suçuarapa, do lado de cá do rio e a ponta da Serra do Lameirão, do outro lado do rio Piracanjuba. O povoado está construído em um descampado, onde o sol é prateado, o vento sopra com força, o luar é colossal e o céu é muito azul. (PEREIRA NETO, 2010, p. 91)

Vale ressaltar que o autor do livro também possui sobrenome ligado a criação do povoado, ou seja, a literatura dele está afetada e constituída com base em laços familiares e afetivos com o lugar. A leitura doce e as palavras graciosas dadas à justificativa da escolha do nome, também representa o olhar que moradores e nativos lançam ao lugar, a construção simbólica pretendida.

O autor no mesmo texto ressalta a importância da construção da ponte sob o rio Piracanjuba de Montes Claros, segundo ele, essa ponte foi responsável por um bom índice de “progresso” do povoado. Já que ela faz a ligação das sedes de Orizona e Pires do Rio aos povoados além do rio. Dentre os nomes encontrados elegi por designar o lugar de estudo como Montes Claros, pois seus moradores e das cidades vizinhas assim o denominam e reconhecem. Dentro da abordagem que parte de dentro do povoado para compreendê-lo foi mais coerente utilizar o vocabulário local do que silenciar os sujeitos da pesquisa. Além dos conflitos com o nome, também precisei elaborar uma reflexão sobre a classificação dessa localidade.

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1.3. OS DISTRITOS E POVOADOS EM GOIÁS

O município de Orizona, sede de Montes Claros, está localizado na região sul do estado de Goiás, na microrregião de Pires do Rio, região goiana fortemente dinamizada pela Estrada de Ferro Goiás a partir de meados da década 1920, e tem como principal atividade econômica a agropecuária. Tem sua origem de ocupação como muitas cidades goianas, oriunda da doação de terras por fazendeiros da região. Por volta da década de 1850, o município começou a ser ocupado por agricultores vindos de . Durante muitos anos o aglomerado denominado de Campo Formoso, foi distrito de Santa Cruz, município vizinho; só em 1909, foi elevado à categoria de município e em 1943 recebeu o nome de Orizona, que quer dizer zona do arroz.

O município possui com uma enorme quantidade de rebanho leiteiro, que faz dele integrante da bacia leiteira do estado; conta com um laticínio que possui duas marcas: Vale do Orizona e Valeza. Além de um enorme rebanho de galináceos, segundo dados do IBGE. Há também uma cooperativa de pequenos produtores rurais, com mais de 500 associados que se encarrega de coletar, armazenar e distribuir o leite retirado nas propriedades de agricultura familiar e empresarial patronal. Dessa forma, a atividade agropecuária dinamiza o município, que contém uma extensão territorial de 1972,884 km², sendo que destes, uma pequena parte é considerado perímetro urbano.

Segundo dados do Instituto Mauro Borges (IMB) em 2012, o efetivo de aves do município era de 1.502.480, enquanto o bovino 180.000 e as vacas ordenhadas 49.000. A produção de origem animal possui mais de 372 mil dúzias de ovos e 81 mil litros de leite. O município conta ainda com apiários que extraíram em 2012, 28 mil kg de mel de abelha, por esse motivo, no município existe uma associação de apeares. Na produção agrícola, destaca- se: cana-de-açúcar, mandioca, milho, sorgo, soja, tomate. Produzindo em 2012, mais de 120.500 toneladas de grãos.

Os distritos guardam relação com a produção agropecuária. A demanda agropecuária do estado mesmo que já bastante invadida por grandes multinacionais ainda são espaços da produção e reprodução da vida e agricultura camponesa. Nos distritos, grande parte dos homens e dos filhos que permanecem são trabalhadores rurais, lavradores, que tem na roça o seu trabalho e lida diária, enquanto mães, irmãs, filhos e filhas mais novos, jovens e crianças, 41

e também as esposas, mantem suas vidas nos povoados, para garantir o estar-junto, bem como o acesso a educação e saúde.

Estudar distritos no Brasil, haja vista a classificação que é dada a eles hoje, tem se mostrado um exercício de intensa reflexão sobre os elementos que organizam e a situação desses espaços. Busca-se compreender a produção desses espaços, ordenados por diferentes temporalidades, para além das interpretações oficiais, mas fazer um mergulho e verticalizar o olhar sobre essas localidades as quais se estabelecem nas relações sociais da vida cotidiana, na presença de um modo capitalista de reprodução de capital, de propriedade da terra, de organização do trabalho. Não só o capital se insere e dinamiza o espaço, mas as relações sociais, os costumes e a moralidade produz esses espaços, assim “o modo de produção capitalista organiza – produz – ao mesmo tempo que certas relações sociais, seu espaço (e seu tempo)” (LEFEBVRE, 2006). Portanto, mesmo que o modo de produção seja hegemônico, as relações presentes e preexistentes no espaço, também o produzem.

Figura 6: Mapa de localização da Microrregião de Pires do Rio (GO)

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A Geografia e a Sociologia, com suas especificidades e interfaces têm produzido uma reflexão dessas localidades na perspectiva de compreender suas dinâmicas populacionais e infraestrutura, como também de compreender para além das análises quantitativas, com trabalhos que se dedicam a uma busca pelos conteúdos e saberes presentes na vida cotidiana5.

Para chegar aos distritos, recuei por uma questão escalar, aos municípios e a compreensão das pequenas cidades. No interior do Brasil, nos estados de Goiás e Minas Gerais existe uma produção acadêmica sobre essas cidades que foram temas de discussão de autores como Olanda (2008) e Moreira Júnior (2013). Nesses artigos os autores refletem sobre as tendências das pesquisas com essa temática, apontando os desafios, os caminhos e as correntes metodológicas no estudo desse recorte onde destacam ainda a marginalidade desses estudos na ciência geográfica.

Olanda (2008, p. 187) alerta para os dados do IBGE do censo de 2000, “dos 246 municípios goianos, 201 (81,7%) têm pequenas cidades, enquanto para o conjunto do Brasil, dos 5561 municípios, elas são 4074 (73.26%)”, o que representa uma significativa expressão da quantidade dessas cidades no contexto goiano e brasileiro. O autor completa ainda que:

Em 2000, 13,4 % da população brasileira residia nas pequenas cidades, enquanto que em Goiás era 20, 67%, ou seja, 1/5 dos habitantes considerados urbanos habitavam nas pequenas cidades. (OLANDA, 2008, p. 187).

A baixa densidade demográfica pode ser uma das justificativas do menor enfoque desses estudos, já que a maior parte da população brasileira reside nas regiões metropolitanas, concentrando-se nas grandes e médias cidades, as quais parecem receber maior atenção dos geógrafos, tanto para o planejamento e gestão urbana, quanto para reflexões teóricas e metodológicas. Dessa maneira:

[...] Uma cidade, por menor que seja constitui-se numa concentração de pessoas; concentração que pode ser denominada material com objetos diversos, edificações, habitações, automóveis, máquinas, etc.; e concentração imaterial com idéias diversas, valores religiosos e laicos, crenças, tradição cultural, conhecimento científico, ou seja, tudo isto pode ser exemplificado como concentração. Por outro lado, ao considerar uma rede urbana, as médias e grandes cidades são poucas e mais concentradas, enquanto há uma dispersão em numerosas pequenas cidades (OLANDA, 2008, p. 186).

5 Encontram-se alguns trabalhos sobre os distritos em Goiás, como é o caso das teses elaboradas por Rusvênia Luiza Batista Rodrigues da Silva (2008), Maria Emília de Araújo (2006) da dissertação de Ana Carolina Marques de Oliveira (2013), de Amanda Pires de Mesquita (2014). 44

Moreira Júnior (2013) prevendo a desatenção para as temáticas das pequenas cidades no Brasil elabora um diagnóstico com base nos Anais do Encontro Nacional de Geógrafos entre os anos de 2000 e 2010. O autor observa que embora só tenham sido publicados 46 artigos com o tema, houve um aumento gradual, de 3 artigos em 2000, para 16 em 2010. Ademais, aponta para os desafios dessa temática da Geografia Urbana que também foram identificados no estudo dos distritos, que no caso do estudo aqui apresentado é um distrito na dinâmica de uma pequena cidade. Os desafios identificados pelo autor foram sistematizados em quatro pontos/aspectos:

1) A dificuldade de inserir essas cidades no cenário em que se encontram, estabelecendo constante relação com os centros urbanos e as ruralidades, nessa perspectiva acabam sendo feitas análises que as colocam em situação de dependência na hierarquia urbana, mas que ajudam a refletir no planejamento urbano e regional. 2) A questão demográfica. Alguns estudos classificam as pequenas cidades apenas por sua densidade demográfica, assim, existe uma confusão que ora considerar as cidades com menos de 20 mil habitantes, ora considera aquelas com menos de 50 mil habitantes. Uma interpretação apenas quantitativa impede uma reflexão que tenha como base a situação geográfica dessas cidades. 3) A localização geográfica dessas cidades interfere na sua compreensão, já que uma pequena cidade na região metropolitana bastante adensada se difere de uma pequena cidade localizada em regiões com baixa densidade demográfica. 4) A disputa conceitual e interpretação errônea que assemelha cidade de município.

Para enfrentar esses desafios o autor sugere a união entre dois eixos analíticos para a pesquisa sobre pequenas cidades. De um lado uma análise interurbana, que considere a rede urbana, a região, outras cidades e o campo. Do outro, uma análise intraurbana, que identifique o mercado imobiliário, a morfologia, funções e crescimento. Esses dois eixos, segundo esse autor, se complementam para explicar como o espaço dessas cidades foi produzido.

As duas interpretações são estatísticas, quantitativas, que muitas vezes se preocupam mais com a localização na rede urbana, na arrecadação do município, quantitativo de equipamentos, acredita-se e vislumbra-se na necessidade de compreender os pequenos 45

aglomerados urbanos “por dentro”, para além das relações intra ou interurbanas, entende quais relações sociais são as que produzem espaços como os de pequenas cidades e distritos, quais suas permanências, rupturas, continuidades ou conclusões.

No decorrer da pesquisa bibliográfica, quanto nas práticas de campo e posteriores reflexões, identifiquei o desafio do estudo das pequenas cidades e distritos. Mais do que uma preocupação do campo da Geografia Urbana, as demandas apresentadas para a interpretação do lugar vão perpassar outros campos da Geografia, como a Geografia Agrária, já que sua população é oriunda em sua maioria do campo. Analisar os dados populacionais também pressupõe uma reflexão sobre Geografia da População, assim como a Geografia Cultural que por vezes precisa ser chamada para entender relações topofílicas e o corpo enquanto existência e movimento na produção dos espaços. No entanto não se pode rotular os limites e fronteiras dos campos da Geografia e nem descartar as discussões de outros campos da ciência para falar desses lugares.

Nessa seara dos estudos sobre povoados e distritos pode-se elaborar ainda uma Geografia Regional, já que como propõe o estudo de Castilho e Dantas (2014), essas localidades perpassam todo o estado de Goiás, estando presentes em muitos dos seus municípios com as mais diversas singularidades, porém a presença deles já é por si só uma regularidade no território goiano. Assim, pensar esses lugares é pensar a Geografia de todo o território goiano.

Também sobre as metodologias para o estudo de pequenas cidades, Olanda (2008) diagnostica a dificuldade de coleta de dados estatísticos atualizados sugerindo que a pesquisa dessas informações seja feita in loco. No estudo realizado em Montes Claros optou-se pelo trabalho de campo, elaboração de caderneta de campo, registro fotográfico e entrevistas, todos esses procedimentos com profunda atenção e observação aos diálogos e formas que pudessem revelar a construção do espaço social do povoado. Para contemplar a análise quantitativa, e os dados estatísticos, o caderno da Agente de Saúde se mostrou um dos documentos importantes e frutuosos de interpretações.

Por fim, Moreira Júnior (2013, p. 29) aposta em estudos de pequenas cidades para além dos dados quantitativos, mas que valorizem os seus cotidianos, conteúdos, formas e funções.

Em Goiás, como já fora exposto anteriormente, muitas são as pequenas cidades. Estas por sua vez, apresentam diversos distritos secundários. Segundo estudo de Castilho e Souza 46

(2014) em Goiás existe 71 distritos em 45 municípios. Tais autores afirmam que é comum que ao serem criados os distritos, elevem-se povoados e lugarejos a categoria de vila distrital. Em geral, esses povoados possuem serviços públicos básicos, como escolas, posto de saúde e policial. Em Montes Claros a elevação a distrito aconteceu em 1975 sob ordem de políticos (fazendeiros, no entanto em Goiás há uma intensa relação entre a fazenda e a vida política do Estado) que eram oriundos do povoado.

O mapa (Figura 7) dispõe a localização dos distritos goianos. Verifica-se a concentração deles na faixa central do estado de Goiás. As regiões norte e, expressivamente, na região Sudoeste a ocorrência de distritos é mínima. Enquanto as regiões norte e a nordeste tem as menores concentrações populacionais e maior área de cerrado preservado, a região sudoeste é a que possui mais concentração de monoculturas, potencial agropecuário e econômico figurados predominantemente pelos municípios de Rio Verde e Jataí.

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Figura 7: Mapa de distribuição dos distritos no Estado de Goiás

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Castilho e Souza (2014), no peculiar trabalho que pretende fazer uma leitura horizontal do perfil dos distritos goianos apresentam uma discussão sobre a população desses distritos, chegando assim a três situações: 1) o fato de alguns possuírem população maior que alguns municípios emancipados; 2) há município com população abaixo de três mil habitantes que possui distrito; 3) se por um lado há distritos com população acima de mil habitantes, por outro lado, há os que não alcançam sequer a marca de 500 habitantes.

Os autores apontam para compreensão dos distritos sob uma perspectiva dos dados populacionais e equipamentos urbanos, pensando na posição dessas estruturas dentro da rede urbana, além de destacarem o distrito como lugar da efetivação de um modelo de se fazer política administrativa no estado de Goiás.

O distrito de Alto Alvorada não possui nenhuma dessas características supracitadas, mas apresenta outra característica analisada pelos autores, a população rural superior a população urbana. Segundo o estudo, 58% dos distritos goianos possuem uma população rural superior a população urbana. Mesmo com a tentativa de dinamizar uma vida de residência urbana, a maior parte da população ainda reside nas áreas rurais. Isso reforça a ideia de que os distritos, mesmo possuindo uma sede urbana, por assim dizer, ainda possuem laços intensos com a população rural. As vilas dos distritos aparecem então como complementariedade da vida no campo.

No Glossário de Termos e Conceitos do IBGE, o termo distrito só aparece nas variações de sede distrital ou vila distrital, os povoados que é a formação que mais se aproxima da denominação oficial de distrito por sua vez aparece como:

Localidade que tem a característica definidora de aglomerado rural isolado e possui pelo menos um estabelecimento comercial de bens de consumo frequente e dois dos seguintes serviços ou equipamento: um estabelecimento de ensino fundamental do 1o ao 9o ano em funcionamento regular; um posto de saúde, com atendimento regular; e um templo religioso de qualquer credo para atender aos moradores de aglomerados e/ou áreas rurais próximas. Corresponde a um aglomerado sem caráter privado ou empresarial, ou que não está vinculado a um único proprietário do solo, e cujos moradores exercem atividades econômicas, quer primárias, terciárias ou, mesmo secundárias, na própria localidade ou fora dela. (IBGE, 2010, p.37)

Para o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o distrito é uma divisão administrativa que possui uma zona rural e uma zona urbana, denominada de vila, um distrito não pode possuir mais que uma sede distrital. A vila do distrito compreende a parte urbana, 49

enquanto as roças abrigam e caracterizam a população e a situação de domicílio rural. Cabe também uma compreensão do que o IBGE delimita como urbana:

Como situação urbana, consideram-se as áreas correspondentes às cidades (sedes municipais), às vilas (sedes distritais) ou às áreas urbanas isoladas. A situação rural abrange toda a área situada fora desses limites. Este critério é também utilizado na classificação das populações urbana e rural. (IBGE, 2013, p.18).

Hoje, a vila do distrito de Montes Claros possui 3 casas comerciais que funcionam também como bar, 1 agência dos Correios que na fachada se apresenta também como Posto Policial, 1 igreja católica, 1 galpão para as festas da igreja, 1 igreja Assembleia de Deus, 1 escola de ensino fundamental, 1 posto de saúde, 1 cemitério e aproximadamente 50 casas residenciais, sendo que dessas, aproximadamente 10 estão abandonadas, desgastadas pelo tempo ou mesmo ocupadas por lixos e entulhos.

A vila está localizada na parte sul do município de Orizona (mapa 4, p. 38) em um entroncamento de rodovias GO 309 e GO 486, ambas não pavimentadas. A GO 309 segue no sentido do perímetro urbano de Pires do Rio, município limítrofe de Orizona. A GO 486, segue no sentido do perímetro urbano de Orizona, município o qual pertence o distrito. Observando a estrada no sentido de Pires do Rio pela GO 309, a estrada de chão é estreita, frequentemente seccionada por pontes em cima de rios e ribeirões, alguns mais estreitos e minguados. Outros mais extensos e largos, com maior volume de água. Ao redor da estrada, avistam-se algumas áreas de cerrado bastante preservado. O cerrado do tipo lato sensu. Visualizam-se plantas nativas, com flores e frutos originários desse domínio.

Montes Claros se assemelha a outros patrimônios de Goiás, como é o caso de Cibele, estudada por Silva (2008):

Não se chega a Vila de Cibele senão por estradas de terra, havendo vários caminhos que para lá convergem. Muitos desses acessos tiveram em seu momento dinâmico no passado dos quais há alguns anos, como se notou no período da pesquisa, se encontravam apagados, empoeirados, vazios e abandonados. A circulação das pessoas circunscreve-se à coleta e comercialização de leite, atividades de lazer em feriados e finais de semana (em chácaras e fazendas do entorno), visitas a parentes, recebimento de benefícios além de outros deslocamentos convencionais, que constituem a vida . (SILVA, 2008, p.76)

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Figura 8: Paisagem e estrada de acesso ao distrito

Fonte: Acervo da autora, trabalho de campo, 2015 e 2016.

Paralelo a essa vegetação, pode-se ver também, pequenas roças e currais. Roças de milho, hortaliças, gados de pastagem extensiva. As granjas de galinhas são identificadas tanto pelos galpões visíveis, quanto pelo prenúncio feito pelo odor que já se sente metros antes de visualizá-las.

O relevo nesse percurso é bastante irregular, o morro do Baú, é visto ao longe e é um traço importante na identificação nessa região. Muitas são as subidas e descidas. O percurso é difícil devido a esse relevo acidentado, tanto nas épocas das chuvas que faz com que os carros atolem, quanto na seca quando o cascalho faz com que os carros escorreguem e deslizem nas subidas.

No sentido da GO 486, a paisagem se altera drasticamente. Onde antes se via cerradinho, flores e frutos, agora é possível ver grandes descampados, uma paisagem linear, homogênea, caracterizada por monoculturas de soja, sorgo e milho. Na beira da cerca, as placas anunciam quem são os fornecedores de sementes e insumos agrícolas. A estrada apresenta agora uma linearidade, poucos buracos, pouco cascalho, um alargamento também é nítido.

As máquinas agrícolas, como caminhões de transporte de grãos, tratores, transitam com tranquilidade. O revelo é mais regular. Pouquíssimas vezes, os pivôs de irrigação desaparecem. Quando isso acontece, algumas propriedades de gado extensivo são vistas, ao longe, pequenas casas conservam ao seu redor, pouquíssimas árvores cerradeiras. 51

Figura 9: Estrada para Orizona

Acervo da autora. (Trabalho de campo, abril de 2016).

Segundo a Enciclopédia dos Municípios Brasileiros publicada em 1958, o então povoado de Montes Claros, fundado em 1937, era o povoado de maior progresso. Assim, a vila desempenha no lugar uma função de elo, entre as roças das imediações e as cidades.

Neste sentido, cabe aqui a discussão de sítio e situação. Compreende-se que é preciso pensar a vila para além da sua posição geográfica e ponto marcado no espaço. Mas pensá-la enquanto um lugar que estabelece e propicia relações diversas e, portanto, em uma situação.

Para compreender a situação geográfica é preciso compreender que “os traços fundamentais de uma situação nunca são estáticos nem inexoráveis. A vida que se desenvolve numa situação nunca foi o produto de uma escolha única, de uma situação imutável, inexorável, sempre houve um conjunto de possibilidades.” (SILVEIRA, 2006, P.87).

Montes Claros se constitui como resultado de múltiplas forças confluentes. Os fazendeiros com suas doações de terras, a igreja com seu talento para aglomeração e sentimento de comunidade, a presença de famílias que se repetem, ora trazendo elementos como a fartura e a reciprocidade, ora trazendo as tendências da urbanização para o povoado, como é o caso da construção do galpão de festas, os telefones rurais e a internet rural, também importantes e justíssimas ferramentas de inclusão do campo a lógica de comunicação global.

Por isso, a reflexão de Silveira (1999) é pertinente, pois a autora propõe pensar que a situação é mais que um conceito, mas uma possibilidade de método e por isso de interpretação. Ela afirma que a situação é um “retrato da história no presente” e ainda acrescenta: 52

A situação é um cenário para as novas formas de produção e de vida, para as novas ações e para a implantação de novos objetos, respondendo a novas racionalidades, a novas intencionalidades, a novos futuros. Ela é feita de tempos que serão formas, condicionando, então, os eventos e acolhendo possibilidades. A proposta supõe uma análise de situações que seja, sobretudo, uma análise das existências. (SILVEIRA, 1999, p.26).

Para compreender a produção do espaço e as suas formas, é preciso compreender a vida cotidiana no povoado, “os conteúdos e processos devem ser investigados. A ideia é captar a vida que está nas formas, e não apenas as formas”(SILVEIRA, 2006, P. 89)

Um dos elementos presentes na forma do povoado é a presença das estradas e a sua relação como os demais povoados já é uma preocupação dos estudos sobre vilas rurais. O estudo das vilas de Cibele e Caiçara feito por Silva (2008) já aponta para o elemento das redes, na interpretação do patrimônio e conteúdos das vilas distritais. No estudo comparativo da autora, as estradas permitem a configuração de diferentes situações geográficas das vilas, ela classifica como Cibele de ‘fim-de-linha’ e Caiçara de ‘beira-de-estrada’. A autora analisa que a situação de fim de linha, desloca o dinamismo da vila, levando-o a relativo isolamento. Enquanto que Caiçara possui, aparentemente, uma dinâmica de maior fluxo e movimento.

Basta alguns minutos no povoado que se visualiza o fluxo de carros, em direção a Corumbajuba (povoado vizinho, asfaltado, também cortado pela GO, porém neste, a principal rua do povoado localiza-se às margens de uma GO, onde está a escola de Ensino Fundamental 2 e Ensino Médio que recebe os alunos de Montes Claros e povoados vizinhos nessa fase escolar); os moradores de Montes Claros dizem que a ‘cidadezinha lá é bonitinha, arrumadinha’. Corumbajuba é asfaltada e a GO que cruza o povoado até o mais adiante Buritizinho, também é asfaltada.

Montes Claros foi fundado em um entroncamento de rodovias, dali pode-se pegar uma estrada para Pires do Rio, ou para Orizona. Chegam carros, principalmente, do sentido de Pires do Rio, que seguem no sentido das roças. Os caminhões refrigerados para transporte de leite para os laticínios em Orizona (Valeza e Vale do Orizona) e Bela Vista (Piracanjuba) também são frequentes nas rodovias estaduais de terras “um dia sim, um dia não”. A pecuária leiteira é principal atividade econômica dos agricultores camponeses de Orizona, que se organizam em pequenas associações e uma cooperativa com sede na cidade do município que possui grande representatividade em caráter estadual quanto às organizações de produtores em 53

cooperativas, é possível encontrá-los em eventos e feiras sobre agricultura camponesa e familiar.

Nas estradas, além de carros, caminhões e pick-ups, algumas estampadas com “logomarcas” de empresas de assistência técnica e produtos agroquímicos, ainda é possível encontrar o transporte particular para trabalho, feito com cavalo à sela ou por intermédio de carroças. Os movimentos diários incluem trabalho e rotinas necessárias como a ida a médicos, escolas, bancos, casas de suplementos agrícolas, supermercados, mas outros movimentos fazem parte do cotidiano dos moradores de Montes Claros.

As crianças aguardam pelas idas as roças, as mulheres diariamente vão à procura das vizinhas e vizinhos a espera de encomendas das roças: queijos, polvilhos, requeijão, ovos e galinhas caipiras. Já os homens partem em busca de porcos, para a colheita de verduras e hortaliças cultivadas a beira dos rios. A cachaça é um outro elemento de destaque na produção doméstica dos moradores das roças de Orizona, famosa em escala nacional, a cachaça de Orizona, com suas origens e produzidas por diversas famílias, já ganhou até um festival em sua homenagem.

Ambos os deslocamentos fazem parte da vida cotidiana do povoado. Para compreender esse lugar e as relações que produzem o espaço desses povoados é preciso adentrar a vida cotidiana para entre movimentos de coação e desejo desvendar e visualizar a tessitura dessas relações. Pensar o cotidiano é pensar então que ele:

Se compõe de repetições: gestos no trabalho e fora do trabalho, movimentos mecânicos (das mãos e do corpo, assim como de peças e de dispositivos, rotação, vaivéns), horas, dias, semanas, meses, anos; repetições lineares e repetições cíclicas, tempo da natureza e tempo da racionalidade etc. O estudo da atividade criadora (da produção do sentido mais amplo) conduz à análise da re-produção, isto é, das condições em que as atividades produtoras de objetos ou de obras que se re- produzem elas mesmas, re-começam, re-tomam seus elos constitutivos ou , ao contrário, se transformam por modificações graduais ou por saltos. (LEFEBVRE, 1991, p. 24, grifos do autor.)

Foi preciso adentrar os espaços e desvendar os discursos a fim de compreender as coexistências de tempos e relações em Montes Claros.

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1.4. ITINERÁRIOS DA PESQUISA

Na verdade, a narrativa oral, uma vez transcrita, se transforma em documento semelhante a qualquer outro escrito, diante do qual se encontra um estudioso, e que, ao ser fabricado, não seguiu forçosamente as injunções do pesquisador; de fato o cientista social interroga uma série de escritos, contemporâneos ou não, que constituem a fonte de dados que apoia o seu trabalho. Recortes de jornal relativos a atualidade, documentos históricos de variado tipo e de diversas épocas, correspondência hodierna ou passada, registro os mais diversos, - sem esquecer as estatísticas estabelecidas pelos governantes ou por instituições específicas, - foram redigidas com intenções que nada tinham a ver com a pesquisa que decidiu fazer; e não é por essa razão que devam ser afastadas como menos úteis. Pelo contrário, constituem hoje, como constituíram no passado, a base mais sólida sobre a qual se erguerá o edifício da investigação. É sobre ela que se realizará o procedimento primordial de toda pesquisa, - a análise. (PEREIRA DE QUEIROZ, 1987)

O trecho acima foi retirado de um texto mimeografado da socióloga Maria Isaura Pereira de Queiroz, no qual a autora defende o uso da história oral como procedimento metodológico da pesquisa em ciências sociais. Além da clara defesa a esse tipo de procedimento de campo que ganha status de documento necessário e útil à pesquisa, ela atenta para a presença e inegável função do pesquisador, para coletar, descrever, manusear e interpretar dados de pesquisa e termina por destacar o elemento e procedimento primordial da pesquisa, a análise.

Não podemos nos furtar então de perceber e considerar que todo e qualquer dado observado em campo ou em gabinete é passível de análise e nos conduz a elaboração da pesquisa. Dessa maneira, muitos foram os elementos que se tornaram objeto de análise.

As incursões aos escritos e bibliografia sobre o tema foi o primeiro passo para o desenvolvimento da pesquisa. Paralelo ao levantamento bibliográfico se mostrou imprescindível os trabalhos de campo. Foi por intermédio desse movimento que foi possível identificar os elementos de interpretação.

Estudar distritos e povoados se torna uma tarefa difícil. Por estar, como já exposto no limiar entre uma Geografia urbana e outra agrária. Assim indicam-nos bibliografias, ora extremamente ligadas ao campesinato, ou sobre a economia camponesa, ou pressupõe-se uma interpretação pelo viés urbano, interpretando-os como parte da rede urbana, pensando uma lógica da mobilidade, do número de habitantes ou desses como espaços de transição. Silva (2008) defende que, ao contrário, são eles espaços de intransição.

Na incursão nesse lugar de vida, optei por uma interpretação etnográfica fui no decorrer dos campos resgatando elementos que me permitiriam compreender o lugar. 55

A essas pessoas, damos voz, não por caridade, mas por convicção de que têm coisas a dizer. E essa voz não é monológica, é dialógica. O pesquisador e o nativo conversam, falam, dialogam. É nisso que consiste o cerne do método etnográfico: em trabalhar com pessoas, dialogando pacientemente com elas. (URIARTE, 2012)

Optei por fazer um estudo que partisse do interno, do de dentro como algumas vezes ouvi no povoado. Precisei retornar ao lugar e penetrar um espaço familiar, porém não conhecido. Lefebvre usa do aforismo de Hegel para elencar a vida cotidiana como passível de interpretação e estudo a fim de compreender a sociedade moderna urbana.

O aforismo de Hegel deveria estar presente em toda metodologia das ciências sociais: “O que é familiar não é, por isso, conhecido”. Verdade válida para os gestos da vida cotidiana - por exemplo, aquele de comprar ou de vender um objeto qualquer - , para os gestos do trabalho, para a vida social em seu conjunto, ou ainda, para a vida camponesa.” (LEFEBVRE, 1986, p. 164)

Percebi a necessidade de aproximação e distanciamento do objeto. E a cada conversa relembrada do campo tentava desvelar possíveis discursos camuflados em “palavreados” simples e espontâneos.

O primeiro momento do campo se baseou na observação. Optei por uma observação de “contemplação” para elaborar uma visão “panorâmica” buscando abrange o todo e daí extrair elementos para investigação. Nesse momento foram registrados em fotos e croquis, todos os espaços do povoado. As fotografias vistas depois do campo ajudam a despertar o olhar que por vezes se passa despercebido, a imagem congelada.

Essa imagem de congelamento me acompanhou por alguns dias, ou meses. Por muito tempo observei uma foto tirada na praça de Montes Claros. A foto do cruzeiro de frente a igreja que abrigava uma casa de João de Barro, aquele pássaro que constrói a própria casa. Essa imagem me colocou a imaginar o povoado como isolado, imóvel, assim como aquela casa de passarinho no alto do cruzeiro.

Meu desafio era desvendar a imobilidade. As pessoas moram, se organizam, se deslocam, comem, trabalham, festejam, constroem suas vidas ali. Cabia a mim, enxergar na discreta imobilidade o sentido da vida, o sentido do lugar.

Com base em Lefebvre fez-se a tentativa do método regressivo-progressivo que utiliza de técnicas auxiliares para se desenvolver em três etapas: 56

1. descritiva que pressupõe a observação participante, utilizando de técnicas como entrevistas, questionários e estatísticas. 2. analítica-regressiva que é a análise da realidade descrita a fim de datá-la. 3. histórico-genético “estudo das modificações desta ou daquela estrutura previamente datada, causadas pelo desenvolvimento ulterior (interior e externo) e por sua subordinação às estruturas de conjunto. “Esforço, portanto, para retornar ao atual anteriormente descrito para reencontrar o presente, porém elucidado, compreendido: explicado. (LEFEBVRE, 1986, p. 173)

Para além disso, e avançando na interpretação dos conteúdos coletados e observados em campo, buscou-se superar a oposição de conceitos rural – urbano, camponês – citadino, moderno – tradicional, e observar o povoado com a multiplicidade e coexistência de elementos, buscando uma interpretação como propõe Queiroz (1972)

não é possível considerar estes conceitos como opostos; são complementares, uma vez que se interligam e se pressupõem um ao outro. Sem o moderno não é possível conhecer o tradicional e vice-versa. Entre ambos, seja no interior das sociedades, seja nas relações entre uma sociedade reputada “moderna” e outra tida como “tradicional” há um vai-vem incessante de relações e de elementos, que só é possível captar por meio da “dialética da complementaridade” (QUEIROZ, 1972, p. 69)

No primeiro campo me abriguei na casa que seria o meu abrigo nos demais campos. Uso esse verbo, pois a casa é aconchegante, a preocupação da “Ti” Maria, em me deixar confortável, em me oferecer boa comida, boa cama, me perguntando atentamente o que eu estava pesquisando. Essas perguntas sempre vinham acompanhadas por termos humildes que demonstravam uma modéstia e simplicidade. Como se ela, uma dona de casa em um pequeno povoado não tivesse muito a dizer a uma “estudante”. Por vezes ela dizia: já veio gente aqui estudar animais, estudava biologia. Senti-me encurralada e por muitas vezes não soube explicar que a minha preocupação era entender como eles viviam ali e que não esperava respostas certas ou concretas. Não consegui verbalizar que buscava o homem simples que José de Souza Martins (2015) também buscou.

Ainda no primeiro campo, acompanha pelo meu pai6, ouvi de uma moradora, professora da escola: ‘Você quer saber do que é que a gente vive aqui?’ Essa frase me

6 Meu pai e tio me acompanharam até Montes Claros em todos os trabalhos de campo, quando não um, o outro ia. A pesquisa que desenvolvo constrói o patrimônio e busca identificar os indícios do presente que qualificam e 57

acompanhou do início ao fim da pesquisa. Eu precisava não provar para ela, mas para mim mesma que esse estudo não se tratava de uma interpretação econômica, mas de uma interpretação da vida. E essa, definitivamente, não é apenas financeira e não se mede apenas com calculadoras ou acúmulos.

É preciso destacar, portanto, que em Montes Claros estive longe da miséria ou da escassez. Estive sempre servida por boa comida, bolos, doces, pães e biscoitos de queijo, frutas do quintal, ovos, galinhas e porcos caipiras. Além de café que cheiram mais que qualquer outro, refrigerantes comprados na mercearia servidos sob mesas com toalhas atenciosamente alvejadas.

A fartura, elemento estudado por Silva (2008), esteve presente em todos os momentos da minha passagem. A fartura estudada por ela perpassa pela abundância dos alimentos e variedades, ela está associada ao cultivo, à produção doméstica, não à compra ou comercialização dos produtos. Em sua tese debate sobre a saudade da fartura. No tempo em que se cultivava a terra a fartura era regularidade, assim a busca por ela “representa um resgate do passado e da existência”. Em Montes Claros, ainda há a compra de porcos das roças das imediações para serem “arrumados” e levados para a vila. Além de queijos, requeijões, leite e diversas hortaliças. Para ela “a apropriação dos espaços na vila e suas imediações é um elemento que constitui a construção do lugar e a tentativa de reviver a fartura consoante experiências do passado.” (SILVA, 2008, p. 184)

Já nas primeiras visitas percebi que para além das perguntas objetivas, se fazia necessário perceber nos diálogos entre os próprios moradores como percebiam a presença de uma pesquisadora e, sobretudo, dos seus assuntos, aparentemente, “banais”. O gravador foi utilizado nos momentos mais formais de perguntas e respostas, as demais falas, nas cozinhas, portas das casas ou salas de televisão, não foram registradas pelo aparelho, mas compõem parte mais interessante dos relatos. A espontaneidade das falas se tornaram os mais ricos elementos de análise.

Araújo (2006) ao relatar seus trabalhos de campo e seu fazer etnográfico também atentou para esses momentos de espontaneidade e da atenção do pesquisador em todos os momentos, espontâneos ou não do trabalho de campo. preenchem as formas do lugar. Eles foram importantes condutores nesse processo e compreendo que ao falar dos Mendes de Montes Claros falo deles e por consequência de mim. Ambos viveram até os 14 e 16 anos em Montes Claros e nas fazendas das imediações, tendo sido e ainda sendo sujeitos ativos na vida do povoado, mantendo a frequência comum de quase todos aqueles que vão e voltam periodicamente do povoado. Meu avô, pai dos dois, Anísio Mendes, neto de João Mendes, está sepultado no cemitério de Montes Claros. 58

Durante a janta, há uma prosa que não se escreve e nem se grava mas se guarda também nas sobras da sua memória individual um pouco da cultura desse nativo, o outro que preenche, no caldeirão do cientista à paisana, a alquimia de dados que comporão o seu esforço de entender o universo dos símbolos culturais outros, e em uma descrição densa, colher retalhos de uma fala nativa. (ARAÚJO, 2006, p. 32)

Em muitos momentos a sensibilidade para compreender os modos de relacionar com as outras pessoas e com o lugar vinham nas ocasiões de minha aparente distração, geralmente sentada a porta de casa, ou de frente a televisão após a janta.

Outra metodologia utilizada foi a construção de croquis. O oficio de confeccionar os croquis, tanto do povoado, quando do caminho até lá, casas, cemitério, foi reforçado posterior aos trabalhos de campo. Embora os esboços fossem feitos lá, o exercício de refazê-los também é um exercício da memória, na elaboração posterior pode-se identificar o que mais chamou a atenção e em um retorno verificar o que se deixou de retratar no croqui.

As entrevistas sucederam a observação e elaboração de croquis. Após o reconhecimento visual, expressivo, era preciso captar o invisível pelos discursos dos moradores. Uma das casas visitadas foi a da agente de saúde, a ideia inicial era entrevistá-la, coletar dados da sua família e observar como era a casa. Um caminho elaborado pela pesquisa foi coletar os dados do seu caderno de trabalho. Por ser responsável na secretaria de saúde pelas visitas na área que engloba o povoado julgou-se interessante categorizar e desvendar a população de Montes Claros com o auxílio desse caderno. Após autorização da mesma, os dados contidos no caderno foram trabalhados para traçar uma cartografia dos moradores de Montes Claros. As tabelas foram construídas com base nos dados referentes a idade, gênero, local de moradia, sobrenomes. A interpretação das tabelas será apresentada no Capítulo 3.

Os dados coletados em entrevistas foram reunidos tendo como inspiração a autora Verônica Azeredo (2015), que em um estudo sobre famílias em situação de vulnerabilidade elencou cenas descritivas, ou seja, trajetórias sócio-espaciais das famílias selecionadas para descrever e organizar os dados das famílias. A autora elegeu seus narradores e entrevistados que protagonizaram o estudo. Ela elaborou questões sobre seus percursos migratórios e elegeu lugares em que poderiam servir de fonte para interpretar a territorialidade as famílias. Os lugares foram o bairro, a casa, a família e o trabalho. A autora descreve cada um dos seus protagonistas (termo que ela mesma utiliza) e elabora quadros com suas respostas e informações. 59

Outros autores consultados para a interpretação dos dados coletados em campo foram Brandão e Ramalho (1985) ao estudar o campesinato goiano debruçaram-se em trabalho de campo buscando compreender a organização dos grupos familiares. Em Montes Claros identifica-se a repetição dos sobrenomes entre os moradores e a forte presença desses nomes nos relatos da memória do povoado. Dessa forma, elegeu-se esse viés interpretativo, acreditando que ele é um dos caminhos possíveis para elaborar uma narrativa sobre a constituição do patrimônio.

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2. CAPÍTULO 2

2.1. MONTES CLAROS: O LUGAR E SUAS TRAJETÓRIAS

“O povo tá pensando que é Deus, quer que os trem dá tudo na seca.” (Referência ao calendário ecológico e a decisão de melhor momento para o plantio)

“Já vou tomar banho e esquentar essa janta pra eu desocupá.” (Referência as “obrigações” incorporadas no cotidiano)

Notas de campo, 2016.

Enquanto se constrói Goiânia, primeira capital moderna do Centro-Oeste, na década de 1930, o interior de Goiás é penetrado pelos trilhos da ferrovia e a construção da nova capital anunciam mudanças significativas na ocupação e fluxo de alimentos do centro do Brasil para outras localidades. A ferrovia, decisão externa da ocupação do território goiano, atravessa Goiás para que por meio dela seja possível escoar a produção de cereais. Essas inaugurações foram interpretadas de diversas maneiras, como sendo sinal de uma “modernidade”.

Paulo Bertran no prefácio da obra7 de Nasr Fayad Chaul, ironicamente, fala que a Revolução de 1930 e a construção de Goiânia em 1933 romperiam com a sociedade do atraso e daria início ao progresso. Presumia-se que esses acontecimentos arrefecessem completamente o modo de vida predominante em Goiás, a dinâmica das fazendas onde a vida se organizava mais harmonizada aos ciclos da natureza, ao tempo da colheita e do tempo para o ócio para festas da fartura no campo. Paulo Bertran chama esse momento de “prazeres de uma vida simples”; com o progresso, gestar-se-ia uma nova sociabilidade entre as pessoas, o gasto do seu tempo diário e novas formas de viver e usufruir a vida.

Paralelo à construção da capital, no meio dos caminhos que levariam a ela se constituem cidades arruamentos, lugarejos nascidos sob outros critérios. Esses lugares emergem de heranças, de nomes, de trabalho, fé e se constituem nos patrimônios que desenham o espaço goiano pela decisão de fazendeiros e devido a mudança da dinâmica produtiva das fazendas. Patrimônios por que são lugar, porque é aquilo que se tem enquanto posse e usufruto.

Montes Claros, objeto de análise dessa pesquisa, nasce nesses padrões, da fé, da herança, da utopia que está sendo gerida no imaginário goiano, dos arranjos políticos, das

7 Caminhos de Goiás: da construção da decadência aos limites da modernidade. 4. Ed. (2015) 61

relações de fazendeiros, da confluência e encontro desses elementos. Emerge de um ideal logístico, político e urbano onde a se percebe uma dinâmica desincorporada a terra, antes no campo, e mais relacionada ao um morar que poderia se chamar de semi-urbano. Moinbeig (p. 47) fala que em São Paulo o loteamento aparece no campo em grandes glebas antigas, levando fazendeiros e empreendedores a se associar, mirando a aspiração de tantos pela terra própria; Pierre Deffontaines (1944) também fala desse processo no sertão, onde haviam “verdadeiras incorporações permanentes em torno de uma capela”.

No entanto há uma perda da exclusividade do governo municipal em gerir e traçar a cidade (MARX, 1999, p. 69): um grupo de fazendeiros, em nome de São Sebastião, juntamente com o Cônego Trindade, representante da Igreja, inauguram no município de Orizona, sul de Goiás8 o povoado de Montes Claros.

A praça e as poucas ruas desembocam em estradas que com o passar dos anos se tornaram rodovias. A igreja, o cruzeiro e o coreto centrais marcam a paisagem da praça que anos depois ficaria por trás de um galpão, construído exclusivamente para a festa que ocorre no mês de maio.

O povoado se tornou local de morada, circulação, lazer, religiosidade daqueles fazendeiros, meeiros, lavradores, donas de casas e jovens herdeiros. Quase 90 anos após sua fundação o distrito de Alto Alvorada, ainda povoado de Montes Claros, reúne. É lugar de morada, de festa, de encontro, de funerais e enterros, lugar de família, lugar de vida, patrimônio.

8 Chaul (2015) afirma que o sul goiano teve destaque econômico e ascensão política e populacional a partir da década de 30. A chegada da ferrovia propiciou o aumento da produção agropecuária, desenvolvimento urbano e possibilitou a intensificação das relações comerciais já existentes com Minas Gerais e São Paulo. O pioneirismo da região sul para o avanço do capitalismo nacional fez com que a região se tornasse exemplo de progresso e modernidade para todo o estado de Goiás naquela época. (p.189) 62

2.2. CONSTRUÇÃO DO PATRIMÔNIO

Montes Claros é um dos povoados de Orizona, cuja área do foi doada por três fazendeiros, conforme fontes orais. No cemitério do distrito os jazigos desses doadores são identificados pelo tamanho e os ornamentos que se destacam em relação aos demais túmulos, das pessoas comuns. Na pesquisa de Siqueira (2011) tem-se a síntese:

O povoado de Montes Claros distancia-se de seu município 28 km e também surgiu a partir da construção de uma capela. De maneira semelhante aos demais povoados, os moradores das proximidades edificaram uma capela construída toda de pedra, dedicada a São Sebastião, no terreno foi doado por João Teodoro Rezende. A partir daí iniciou-se a construção de casas ao redor da capela, até o lugar constituir-se em um povoado. (SIQUEIRA, 2011, p. 204)

Os relatos orais da pesquisa, como o de “Preta”, de 58 anos, moradora e informante, o povoado de Montes Claros:

Foi doado por três fazendeiros, Florentino Nunes de Paula, Benedito Mendes e Joaquim Marçal Silveira. A primeira missa foi rezada no dia que levantaram aquele Cruzeiro lá, no dia 3 de maio de 1935, pelo padre Trindade, que dá nome a Praça Central, após isso, vários homens da comunidade se juntaram para construir a igreja. Por isso, a festa é sempre realizada no mês de maio. (Preta, 58 anos, moradora de Montes Claros)

Após a doação, esses e outros proprietários de terra, lavradores, moradores da região se uniram para a construção da igreja de São Sebastião. A partir daí a divisão e venda de lotes, as celebrações e festejos da igreja, o cemitério, vendas e comércios passaram a reunir a comunidade rural no povoado. Há relatos de que antes mesmo da fundação da igreja, carreiros e tropeiros já se reuniam no local que seria a igreja para celebrar o santo padroeiro. Destacamos os estudos de Murillo Marx e suas reflexões acerca da cidade brasileira e também dos geógrafos Horieste Gomes e Antônio Teixeira Neto, segundo os quais, na fundação do patrimônio verifica-se:

terras cedidas por um senhor, ou por vários vizinhos, para servir de moradia e de meio de subsistência a quem desejasse morar de forma gregária e voltada para certas atividades ou que tivesse, no fundo, outro tipo de relacionamento de trabalho ou troca com os doadores. (MARX, 1991, p. 38)

em linguagem popular, mas que já se encontra incorporado à linguagem do geógrafo, “patrimônio” significa uma pequena aglomeração urbana em zona rural. 63

Nesse sentido, é também chamado de “comércio” ou “rua”. Trata-se, na verdade, de embriões de cidades surgidos em meio rural em decorrência de movimentos e fluxos espontâneos, ou dirigidos, de ocupação e organização do espaço. (GOMES; TEIXEIRA NETO; BARBOSA, 2004, p. 72)

Tal designação também foi utilizada por outros pesquisadores e geógrafos que consideram que o patrimônio:

Trata-se do estabelecimento fundado por fazendeiros, inicialmente sem qualquer vínculo com a religiosidade, porém, marcado pela presença da fazenda em seu circuito. Ele funda como um instrumento fundiário que ora rompe ora complementa o mundo rural. (MARQUES; SILVA, 2013, p. 130)

A forma do patrimônio e de seu loteamento segue o traçado urbano semelhante a um tabuleiro de xadrez. Essa forma foi estudada por Pierre Monbeig9, ao qual Murilo Marx faz referência, essa é uma característica dos patrimônios leigos. Sobre esse aspecto, Marx menciona:

Implantados em suaves declives, com planta de tabuleiro de xadrez, dominado pela Igreja matriz e seu largo, apresentando feições típicas de fundação de outro tempo da república, do Estado que se remodelava, agora separado da Igreja, e de um outro sistema de aquisição e de transmissão da terra, agora já assentado e triunfante. Apoiado na rede ferroviária aparece um novo traçado, mais geométrico e atentado à orientação, à forma e ao tamanho do módulo: o lote será vendido. (MARX, 1991, p. 106)

Esse modelo de patrimônio surge após a Lei de Terras em 1850 e se prolonga. É a partir desse momento que se alteram as relações do Estado e Igreja sob a posse de terras. Estabelece-se assim, a propriedade da terra e dos lotes por meio da compra.

Fazendeiros doam parte de suas terras para a constituição de um patrimônio voltado por tradição, quem sabe ainda por devoção, a algum santo, porém já mais livre de superados controles e obrigações legais, atingido o modo enfitêutico de detenção do domínio direto das terras por parte de uma capela. Não importa – muito melhor a mudança -, pois ao lado das vantagens da criação ou da tolerância das brechas fundiárias, surge agora, justamente, a oportunidade do negócio: a venda dos lotes a serem oferecidos. (MARX, 1991, p. 105)

O patrimônio de Montes Claros se forma por duas ruas perpendiculares, mais longas e mais largas. As outras três são menores e mais estreitas. O cemitério, também faz parte do patrimônio e se localiza há pouco mais de um quilômetro do aglomerado de casas. A imagem

9 Pioneiros e fazendeiros de São Paulo 64

de satélite mostra o traçado do povoado e como seus arredores foram sendo apropriados, pela agricultura, por pivôs de irrigação e uma parte preservada e reflorestada com vegetação nativa, próxima ao cemitério.

Figura 10: Montagem de imagens de satélite de Montes Claros

Fonte: ESRI, 2016.

O procedimento de doação, de venda e posse de lotes e casas, ainda é uma questão conflituosa e aparece nos discursos dos moradores de Montes Claros. As questões burocráticas sobre propriedade dos lotes e das casas de Montes Claros ainda não estão solucionadas. Muitos dos moradores não possuem escrituração de suas moradias, apesar de estarem vivendo e morando nas suas casas desde a fundação do povoado.

Preservam-se os recibos similares aos expostos na figura 9, a seguir. O processo de definição do arruar no patrimônio vincula-se a ordem social da vida cotidiana: a acepção de cunho mais social é uma marca dessa intransição e da exatidão presentes na cidade; no patrimônio a importância “prática” se fortalece com base nos costumes e na sociabilidade entre os vizinhos.

Nos trabalhos de campo s sobressaiu-se o relato dos moradores a respeito da posse da terra. Um dos herdeiros dos doadores da área da vila do distrito questionou a propriedade de algumas casas e alguns lotes do povoado. Esse conflito entre os nativos são prioritariamente 65

de ordem simbólica, não ocorrendo necessariamente uma disputa judicial, por mais que ele seja sedimentado na burocracia, na ilegitimidade da posse da terra, pois não há escritura, apenas recibos.

Demonstra também que entre iguais também há tensões. Desmistifica-se com esse relato a ideia de harmonia que muitas vezes se faz presente na interpretação da vida social dos distritos, comumente atribuída a relação com a natureza. Maria Isaura Pereira de Queiroz (1972) destacou que a harmonia é um elemento presente na maneira como as sociedades tradicionais são interpretadas nas Ciências Sociais. No entanto, Franco (1997) diz que a incorporação da violência como um modelo socialmente válido de conduta pode ser captada através da maneira inequívoca com que é admitida em público.

Também é importante considerar a presença de outra ordem, onde a oralidade não se mostra suficiente: o questionamento da propriedade demonstra percepção de que o campo de negociações se formalizou e o espaço dos contratos orais não são mais garantia. O embate entre a oficialidade dos documentos e os conflitos pela posse, mesmo que sutis, tem origem na maneira como o morar se organizou nessas povoações. Em Sobrados e Mucambos Gilberto Freyre (1968) menciona que essa nova forma de morar, longe do trabalho ou das fontes de renda, possui certas contradições.

Nos recibos de compra e venda das casas de Montes Claros de 1967 e 1976, coletados em um dos trabalhos de campos (Figura 10), observa-se como era feita a descrição das casas e terrenos do Povoado de São Sebastião de Montes Claros como também Patrimônio de São Sebastião de Montes Claros.

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Figura 11: Escrituras de propriedades em Alto Alvorada

Fonte: Acervo da autora – Dados de Campo, maio de 2017.

De um documento para o outro há um intervalo de nove anos. Os documentos são escassos acerca desse período, mas a riqueza do detalhe na maneira como se refere ao lugar e a permanência dessa forma de dizer do distrito, o patrimônio, é tratada na tese de Silva (2008) como uma permanência para além de linguística, da ordem de outras semânticas.

A disputa pelos lotes e pelos títulos em Montes Claros aparece como o patrimônio no seu sentido mais original e etimológico, aquilo que está ligado a uma herança, genética, mas também moral. Montes Claros é terra de família, é herança, é assim patrimônio familiar. A relação de pertencer ao lugar e, portanto, disputar sua posse e propriedade, relaciona-se a honra familiar. Não é o valor da casa ou do lote mercadoria. A posse das casas e lotes em Montes Claros tem o sentido que Woortmann (1990) retoma de Bourdieu (2002): 67

a relação com a terra-patrimônio e uma relação de honra e de hierarquia. Sendo a terra "aquilo que passa do pai para o filho” (sentido original do termo patrimônio), e não pertencendo nem ao pai nem ao filho, mas ao todo expresso pela família, e o patrimônio que materializa a honra da família. (WOORTMAN, 1990, p. 62)

A honra elemento já debatido em muitos momentos é levada em muitas vezes com violência. Na pesquisa sobre a casa cabila, em texto sobre senso de honra, o autor afirma que:

O sentimento de honra é vivido diante de todos. Nif é antes de tudo o que leva a defender, não importa a qualquer preço uma certa imagem de si destinada aos outros. O homem de bem (‘argaz el ‘ali) deve estar sempre em guarda, deve vigiar suas palavras que “como balas que saem de fuzil não voltam mais” ainda mais que cada um dos seus atos e cada uma das suas palavras envolvem todo o grupo” (BOURDIEU, 2002)

O homem de honra, aquele de quem se diz que “cumpre seu papel de homem” (thirugza), está sempre em guarda; em consequência, está ao abrigo do mais imponderável e “mesmo quando ausente, sempre há alguém em sua casa (BOURDIEU, 2002)

Os elementos da honra estão presentes nos discursos dos narradores de Montes Claros. Perpassa pela violência que se torna meio de garantir uma relação honrada entre os que se envolvem em discussões aparentemente superficiais. Franco (1997) afirma que:

Os ajustes violentos não se verificam unicamente em situações que comprometem as probabilidades de sobrevivência. Ligam-se, em boa parte das vezes, a acontecimentos irrelevantes desse ponto de vista.” (FRANCO, 1997, p. 28)

Duas narrativas complementam a noção da violência enquanto caminho para regular as relações honrosas. A história de Salomão Mendes é um desses exemplos. Após se envolver em uma briga sobre a venda de gados, na mercearia de Montes Claros, e atirar em seu próprio irmão, Salomão ao acreditar que havia ferido fatalmente seu próprio irmão, se desloca para a praça em frente o a mercearia e dispara contra si mesmo um tiro na cabeça. Aos 22 anos, Salomão deixa a vida restando seu irmão gêmeo com o qual havia brigado.

Outra narrativa é sobre os acertos que acontecem nas roças. Em uma ocasião dois vizinhos discutem sobre a morte de galinhas em uma das roças. Um dos lavradores acusa o cachorro do vizinho com quem vai tirar satisfações alegando que a culpa pela morte das galinhas. Ao se repetir o diálogo, o vizinho que tem o cachorro acusado, pega uma espingarda 68

e dá fim ao próprio cachorro. Dias depois o que tinha suas galinhas abatidas retorna ao dono do cachorro morto e afirma que as galinhas permanecem morrendo, por obra dos cachorros de um vizinho mais distante. Sobre isso a mesma autora completa:

Se uma cultura pobre e um sistema social simples efetivamente tornam necessárias relações de recíproca suplementação por parte de seus membros, também aumentam a frequência das oportunidades de conflitos e radicalizam a suas soluções. (FRANCO, 1997, p. 28)

A radicalizam da solução dos conflitos está presente nos discursos dos narradores, sendo forte esses traços nos discursos. Hoje porém, com a necessidade da legalidade, como é o caso da posse dos terrenos e casa, tais regularidades radicais e violentas talvez não ocorram com tanta efetividade e eficiência para a manutenção da honra. São nessas disputas e desacordos, assim como nos momentos harmônicos em que se mostra a pertinência dos estudos do cotidiano, que é ele:

Não é um espaço-tempo abandonado, não é mais o campo deixado à liberdade e à razão ou à bisbilhotices individuais. Não é mais o lugar que se confrontavam a miséria e a grandeza da condição humana. Não é mais apenas um setor colonizado, racionalmente explorado, da vida social, porque não é mais um “setor” e porque a exploração racional inventou formas mais sutis que as de outrora. O cotidiano torna- se objeto de todos os cuidados: domínio da organização, espaço-tempo de auto- regulação voluntária e planificada. (LEFEBVRE, 1991. p. 82)

Além das práticas diárias de movimentos necessários aos dias comuns, o cotidiano também se compõe por elementos que se repetem no espaço-tempo e produzem movimentos que reafirmam e reforçam a relação com o lugar. Sendo base para os dias comuns. É o caso dos movimentos e reuniões produzidos em torno da igreja, enquanto instituição e espaço arquitetônico e enquanto espaço simbólico e místico.

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2.3. A IGREJA E A CONSTRUÇÃO DO PATRIMÔNIO

A construção da igreja católica dedicada ao padroeiro São Sebastião teve papel centralizador no povoamento de Montes Claros. A praça central onde ela está localizada possui um coreto que foi construído na época da fundação do patrimônio. Praça, coreto, igreja, cemitério e arruamento são os primeiros elementos materiais existentes no lugar. Os nomes e rostos desses sujeitos estão estampados como forma de homenagem, em um painel, dentro da Igreja. As mulheres embora sejam presentes no período dos trabalhos de campo, nas casas e no dia-a-dia no povoado, parecem estar invisibilizadas nessa narrativa do lugar. Quando aparecem na oralidade dos moradores, estão sempre ligadas à educação, religiosa (como ministras da eucaristia, catequistas ou rezadeiras) ou formal no grupo escolar. As honras aos fundadores são feitas aos homens e aos sobrenomes que carregam.

Figura 12: Homenagem aos fundadores de Montes Claros

Fonte: Acervo da autora, trabalho de campo, maio de 2015.

A igreja, de maneira agregadora, apresenta papel importante no povoado desde sua criação. Inicialmente ela estava submetida à diocese de – GO, na época da criação do patrimônio. Agora está sob a jurisdição da Diocese de Goiânia, assim como outras comunidades rurais, e possuem encontros semanais para o evento denominado “Celebração da Palavra” dinamizando a vida nas roças. A missa ocorre no terceiro domingo do mês, momento em que há o revezamento de dois padres advindos de Goiânia. Na vila uma moradora é 70

responsável pela limpeza da igreja, no entanto, nas outras ocasiões festivas, outros moradores se responsabilizam pelos encontros e festejos.

No trabalho de campo em uma das casas visitadas, pudemos encontrar a folhinha do dízimo (na Figura 13). Nela estão fotos de todas as igrejas existentes nas comunidades e vilas rurais sob jurisdição da Paróquia de Orizona, município sede. São ao todo 16 igrejas nas comunidades e povoados rurais.

Figura 13: Foto da folha do dízimo afixada nas casas visitadas na vila e imediações

Fonte: Acervo da autora, trabalho de campo, julho de 2016.

O patrimônio possui aproximadamente 50 casas, algumas delas totalmente abandonadas, outras desabitadas. Tem duas ruas principais que também começam e terminam nas rodovias goianas que o perpassam. Todas as ruas são de terra, sem asfalto. Outras três ruas cruzam as duas ruas maiores. Os estabelecimentos comerciais e públicos se concentram ao redor da praça. Na praça têm-se três construções. A igreja, um coreto logo a frente e mais 71

ao lado do coreto, deixando tanto ele quanto a igreja quase escondidos, foi construído um galpão para a realização das festas religiosas da comunidade.

Ao redor então, verifica-se, de um lado da rua, duas mercearias/bares, nessa mesma rua estava o posto de saúde desativado para a ativação do novo posto que fica na rua perpendicular a esta. O posto fica ao fundo da igreja, a escola fica ao seu lado, um pouco mais recuada. Na rua paralela a da mercearia fica a terceira mercearia/bar. As mercearias ficam todas, uma de frente para a outra, embora a terceira fique do outro lado da praça. Na outra extremidade da praça, de frente para a igreja, fica uma agência dos Correios que também funciona como posto policial. Essa agência funciona apenas de manhã, segundo os moradores “devido a falta de servidor”, mas interpretamos como pequena a demanda desse tipo de serviço no lugar.

Figura 14: Croqui de Montes Claros

Fonte: Elaborado pela autora, diário de campo.

Conforme visto no croqui (figura 14) feito em um dos trabalhos de campo as principais construções do patrimônio são casas, igreja, escola, posto de saúde, “vendas” (comércio), bares, uma agência de correio, o galpão para os festejos e o cemitério. A vida cotidiana perpassa esses espaços e os produzem e reproduzem.

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Figura 15: Igreja e coreto

Fonte: Acervo da autora, dados de campo, maio de 2015.

Outra construção, essa mais recente, mostram a força do impulso religioso em Montes Claros. O passado das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) que era a reunião de grupo nos ambientes rurais, que perdura até hoje em incontáveis comunidades de Montes Claros, resultou na intensa atividade da vida religiosa em Montes Claros.

A festa é elemento tão importante na vida do povoado e das comunidades que ali se reúnem que foi construído um galpão, com verba de arrecadamento nas festas e nas ofertas das missas. O galpão alterou a paisagem do povoado, por ter uma estrutura totalmente diferente das demais do povoado. Ele serve como espaço para o festejo, onde acontece a quermesse, bingo, leilão, shows, comes e bebes.

A festa de São Sebastião, a mais popular e tradicional, reúne cerca de 2000 mil pessoas no final de semana. Além da quermesse, acontece missas, novenas, procissão. Todas as etapas da festa são organizadas por festeiros (membros da comunidade que se revezam anualmente) que pensam desde a decoração, número de mesas e quantidades de comida, até a responsabilidade de cada um dos membros na comunidade na festa.

A Festa de Maio, como é chamada popularmente a festa de São Sebastião, altera a paisagem dos dias ordinários. O povoado fica mais cheio tanto dos membros da comunidade que veem da roça para participar da organização, das rezas e das danças na quermesse. Os parentes dos moradores, que residem em outras cidades também são atraídos pela festa. Além 73

daqueles que vem das cidades de Orizona e Pires do Rio que embora não possuam laços afetivos com o lugar vem apenas pelo movimento, pela vida noturna.

Figura 16: Festa de Maio

Vista do galpão da festa Vista da praça central

Galpão da Festa Procissão no dia da Festa de São Sebastião Acervo da Autora. Trabalho de campo, maio de 2017.

Esses últimos são encarados como “gente de fora”. O tumulto causado pelos carros desses “de fora”, as frequentes brigas, faz com que alguns moradores lamentem o que a festa se tornou, retornando mais cedo para as suas casas e lamentando os barulhos e altas conversas que são mantidas nas ruas e, portanto, nas portas e janelas de suas casas.

A casa para os moradores é extensão do corpo e da vida. O modo como tratam suas casas refletem o seu modo de estar no mundo, nas relações e é ainda o reflexo de como preservam suas memórias e patrimônios familiares. É sobre, ela, a casa, de que fala o próximo tópico. 74

2.4. A CASA

Durante o tempo em que estive realizando minha pesquisa de mestrado, mudei de casa três vezes. Até meus 26 anos de vida é provável que tenha me mudado, no mínimo, dez vezes. A relação que se estabelece com o lugar de morada está quase sempre associada ao sentimento de abrigo, repouso, sossego. O meu contato com a casa se dá de forma fragmentada, com alicerces pouco firmes, com raízes pouco profundas. Foi preciso aguçar o olhar e me relacionar com esse ambiente para esboçar uma compreensão da relação dos moradores com suas casas e demorar sobre esses espaços para entender como eles se produziram e se reproduzem. Ao contrário do que se imagina, sejam aqueles que nunca visitaram ou conheceram lugares como esse patrimônio, sejam os próprios moradores de Montes Claros que carregam em si o estigma e os preconceitos externos a eles, quem mora e vive ali não o faz como última opção. Três relatos iniciais me atentaram a essa reflexão. O primeiro, diz respeito a uma afirmação, logo no primeiro trabalho de campo que dizia: “Você quer saber do quê é que a gente vive aqui?” Já de início essa moradora pressupõe que o meu estudo se preocupa com o “absurdo” de viver em um lugar distante, sem asfalto, com poucos moradores. Depois disso a sequência de um diálogo entre duas vizinhas também me fez refletir sobre a casa habitat. “O povo pensa que a gente mora aqui porque a gente é pobre demais. Fica perguntando o que é que a gente fica fazendo aqui.” Mais estranho seria pensar então que grande parte dos moradores, todos os sete entrevistados por mim, possuem uma segunda e até uma terceira residência. Além da casa em Montes Claros, possuem uma casa na roça, uma casa na cidade, Pires do Rio, ou em ambas. Morar, viver em Montes Claros não é então a última opção, não é o fim da linha. É, em geral, a principal escolha. Ir para Pires do Rio, para a casa que lhe pertence, que é de sua posse é muitas vezes um deslocamento maçante e desgastante. As casas em Montes Claros foram construídas em tempos diferentes e com lógicas arquitetônicas diversas. A vila, como um todo, ora apresenta traços coloniais com as casas com telhados de quatro quedas e muitas janelas de madeiras, conforme estudou Adriana Oliveira (2010), as fazendas goianas, com pequenos alpendres na frente. Ora apresentam uma arquitetura totalmente atual, com portas e janelas de aço, garagens e grandes varandas. Uma 75

única casa em Montes Claros é recuada em relação à rua, assemelhando-se a entrada de um sítio.

Figura 17: Exemplo de casa e ruas de Montes Claros

Fonte: Acervo da autora, dados de campo, abril de 2016.

Algumas casas no patrimônio estão abandonadas e não se sabe ao certo o futuro dessas. Nem muitos detalhes de seus proprietários. Algumas, cerca de seis casas, permanecem fechadas ou em estado de grande degradação como a da imagem abaixo, além de servir por vezes como depósito de lixos e coisas antigas que não possuem uso prático.

Figura 18: Casas abandonadas

Fonte: Acervo da autora, dados de campo, abril de 2016.

A diferença na arquitetura das casas é mais um dos elementos que expõe as múltiplas temporalidades marcadas no espaço. Das mais rústicas às mais atuais, todas congregam uma lógica de convivência semelhante, pela relação com os quintais sempre composto por diversas plantas que propiciam usos plurais. Assim, apresenta-se o que Lefebvre nomeou de 76

complexidade vertical, ou seja, a coexistência de formações de épocas e datas diferentes. (LEFEBVRE, 1986, p. 166) Outra regularidade da casa como habitat mais que como local de moradia, diz respeito às intensas e frequentes visitas das vizinhas e vizinhos. Aqueles que são mais reservados em suas próprias casas são considerados ‘estranhos’ ou ‘esquisitos’ pois ficam muito em casa e quase não vão à casa de ninguém. As casas mais antigas têm sempre janelas viradas para a rua, traço de uma outra sociabilidade temporal, já que janelas expostas para a rua são comuns na arquitetura e no urbanismo das cidades atuais. Eclea Bosi discute a relação com a casa e a rua:

Criamos sempre ao nosso redor espaços expressivos sendo o processo de valorização dos interiores crescente na medida em que a cidade exibe uma face estranha e adversa para os seus moradores. São tentativas de criar um mundo acolhedor entre as paredes que o isolam do mundo alienado e hostil de fora. Nas biografias que colhi, as casas descritas tinham janelas para a frente; ver a rua era uma diversão apreciada não havendo a preocupação com o isolamento, como hoje, em que altos muros mantêm a privacidade e escondem a fachada. (BOSI, 2005, p. 4)

Figura 19: Vista da janela da casa de Ti Maria

Fonte: Acervo da autora, trabalho de campo, 2016.

Durante as visitas de campo, era comum a preocupação com a casa do vizinho que estava ou nas roças ou na cidade. No decorrer dos dias, várias vezes, ‘Ti’ Maria se perguntava se uma vizinha já havia chegado em casa, assim ela parava as atividades domésticas e caminhava até a casa dessa vizinha. Em uma dessas andanças ela avistou uma fumaça que parecia vir da casa dessa vizinha ausente, ela então observa pelo muro demonstrando preocupação com os bens da vizinha, nesse caso era em outra casa, não na que suspeitava. 77

Novamente recorro a Lefebvre: “Em todas as comunidades rurais, mesmo em plena dissolução, mesmo individualizadas ao máximo, as relações de vizinhanças tem uma extrema importância.” (LEFEBVRE, 1986, p. 155, grifos do autor) Além da espera pela companhia e o incômodo com as vizinhas que diziam chegar à véspera, há também as encomendas. Na maioria das vezes, se espera daquelas que vão as roças as farturas: queijos, requeijões, farinhas, bandas de porco, “mãos” de milho. Ou seja, da roça vem elementos para compor parte da alimentação diária. Outro movimento aguardado é o da carona. O transporte público municipal que fazia a rota dos povoados e roças em direção ás cidades foi sendo minguado a cada governante, o que antes, na década de 1990, acontecia duas vezes por dia, uma pela manhã e uma ao final da tarde, foi se resumindo a um dia sim um dia não, depois um dia sim e um dia não apenas no final da tarde, até que no início da década de 2010 o transporte público se extinguiu por completo. Dessa forma, absolutamente, todos os deslocamentos são feitos em transportes próprios ou caronas. Lefebvre, ao falar das comunidades rurais, apresenta que as relações de reciprocidade, como a carona, trocas de vasilhas com bolos, mutirões são o fundamento prático dessas relações de vizinhança:

Sua forma e conteúdo diferem: ora estritamente práticas com a ajuda mútua nos trabalhos pesados, ora praticadas com uma ritualização muito desenvolvida no caso das cerimônias familiares, casamentos, enterros, ora quase exclusivamente suntuosas, no caso das visitas recíprocas. Quase sempre as relações de vizinhança tiveram ou guardam um fundamento prático. (LEFEBVRE, 1986, p. 155)

Sendo assim, é comum que os vizinhos se reúnam em determinadas épocas do mês, recebimento de aposentadoria e pensão, festas nas roças, festas em povoados vizinhos, visitas a amigos e parentes nas roças, e dividam os gastos com o transporte. Muitas vezes, aqueles que são donos do carro recebem um valor acima do gasto com o combustível, já que faz parte da moralidade ser generoso com a boa vontade do amigo. Algumas vezes, para as idas as roças em motivos de celebração e festa, não se divide o combustível. A lógica da divisão está explicada dos trâmites da reciprocidade de Marcel Mauss: se é para uma ação do senso prático, paga-se com a retribuição; se é para festa, a contraprestação é de outra natureza. Mesmo o transporte escolar é feito por um veículo particular. As crianças e adolescentes do ensino fundamental e médio para estudar devem se deslocar ao povoado vizinho que possui a escola desses níveis escolares. Em Corumbajuba, além dos que moram lá, se reúnem os estudantes que moram em Montes Claros, Buritizinho (povoado mais 78

distante de Montes Claros e aproximadamente 12 km de Corumbajuba). Assim, uma pessoa leva os poucos alunos de Montes Claros à Corumbajuba. O transporte pode ser feito de Kombi, automóvel que carrega até oito passageiros, porém, caso falte algum aluno nesse dia, o transporte é feito de carro “de passeio”. Percebe-se a existência de dois movimentos que representam a vida social, um que diz respeito ao convívio intenso entre vizinhos tanto dentro das casas, com a solidariedade da vigilância e o cuidado com o lugar do outro. E um segundo movimento, caracterizado pela reunião e combinação para transportes. Por vezes, uma vizinha fica adiando seus afazeres na cidade, como visita a familiares ou consultas médicas, aguardando a carona compartilhada. No dia-a-dia, o telefone celular com fio, ou o telefone rural é usado com intuitos padrões. Em momentos de emergência, quando quebra um carro, quando alguém precisa de atendimento médico, mas, sobretudo, o telefone é utilizado para contato familiar. Isso porque, a grande maioria das casas como será exposto no capitulo três, possuem poucos moradores. Com uma média de três moradores por casa, a solidão, principalmente das mulheres, é comum na vida cotidiana. Solidão essa compartilhada com similar solidão das outras vizinhas. Talvez por isso em Montes Claros é comum que as mulheres se preocupem umas com as outras, umas com as casas da outra. O telefone não é utilizado para o contato intrapovoado, mas para dar e receber noticia dos parentes da família nuclear, dos filhos casados, netos, sobrinhos, irmãs e também receber notícias das roças, que comumente possuem telefone rural. Os homens, como é o caso de Tião, marido de Elza, estão em geral nas roças. Os mais velhos, geralmente, trabalham em suas próprias roças, de sua posse. Enquanto os mais novos trabalham nas suas e prestam serviços a outros que não tem mais mão-de-obra familiar, nem conseguem fazer o trabalho todo sozinho. Essa relação de cuidado entre as mulheres que permanecem no povoado se expressa em falas como a de Elza: ‘Aqui é tudo pertinho, você não fica sozinho naquela lonjura igual lá na roça, mas ainda tem sossego, não é igual na cidade’. Mesmo os animais domésticos são compartilhados pelas vizinhas, embora elas falem: ‘Esse cachorro é da Elza, mas ele fica aqui, todo dia ele vem aqui comer e gosta de dormir ali na porta. Aí eu guardo os restinhos de comida pra ele. Né, pretinho?’ A relação da dona de casa com a casa é de extrema intimidade. Os cuidados diários são detalhistas, repetitivos e começam bem cedo: às 6 da manhã. Essa é a hora de preparar o café, colocar a mesa, com biscoitos, leite, comprar pão que é vendido em um dos comércios, 79

também chamado de “vendas”. O período da manhã também é reservado para a limpeza dos quintais, o cuidado com as plantas ornamentais mais próximas à casa e também na horta. Já é comum que logo de manhã sejam feitas visitas às vizinhas. Para perguntar sobre encomendas, para visitar bebês recém-nascidos, para entregar vasilhas. Diversas vezes presenciei a troca de vasilhas. Sempre se traz para casa determinada comida ofertada pela vizinha, doces, queijos, biscoitos, bolos que depois são devolvidos parte impecavelmente limpos, parte com outras quitandas. A reciprocidade é presença constante no relacionamento diário. Em sua tese, Araújo (2006) demonstra sua ingenuidade que depois de compreendida até a deixa constrangida sobre a constante troca das vasilhas no mundo camponês goiano. Essa ‘dança das vasilhas’ é a concretização da relação que se estabelece entre alimentação e a sociabilidade. Assim afirma que:

As novas fontes de abastecimento levaram a rearticulação das relações com o meio, em que a posição do alimento é outra. Mas ainda é fulcro de sociabilidade, em Goiás o ponto de partida social do diferente, ainda é a cozinha. (ARAÚJO, 2006, p. 106)

A limpeza e asseio é outro aspecto extremamente notável. As ruas em Montes Claros são todas de terra, não há nem um metro quadrado asfaltado, mesmo com a presença das rodovias estaduais e mesmo com a promessa dos “governantes” do município sede. Na verdade esses lugarejos ficam à mercê das decisões da cidade, embora a dinâmica se dê para dentro. Mesmo assim as casas são impecavelmente limpas: toalhas de mesa, cama, sofá e paninhos que cobrem móveis, extremamente brancos e alvejados. Os utensílios domésticos da cozinha, como copos, potes de vidro e alumínio para bolos, biscoitos, mantimentos e doces, estão expostos extremamente brilhantes.

Um lugar habitado pela mesma pessoa durante um certo tempo esboça um retrato semelhante, a partir dos objetos (presente ou ausentes) e dos costumes que supõem. O jogo das exclusões e das preferências, a disposição do mobiliário, a escolha dos materiais, a gama de formas e de cores, as fontes de luz, o reflexo de um espelho, um livro aberto, um jornal pelo chão, cinzeiro, a ordem e a desordem, o visível e o invisível, a harmonia e as discordâncias, a austeridade e a elegância, o cuidado e a negligência, o reino da convenção dos toques de exotismo e mais ainda a maneira de organizar o espaço disponível, por exíguo que seja, e de distribuir nele as diferentes funções diárias (refeições, toalete, recepção, conversa, estudo, lazer, repouso), tudo já compõem um “relato de vida” mesmo antes que o dono da casa pronuncie a mínima palavra. (CERTEAU, 2013, p. 204)

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O trato com a organização da casa demonstra quais os elementos são valorizados por seus “donos”. A disposição das latas e potes de alimentos. A manutenção de objetos antigos que guardam a memória dos pais, ou familiares ascendentes, fotos de família e de santos.

Figura 20: Os cômodos da casa

Fonte: Acervo da autora, trabalho de campo, julho de 2016.

Sobre a disposição dos objetos, mobília e aquilo que se preserva nas casas, Bosi (2005) esboça que:

Se a mobilidade e a contingência acompanham nossas relações, há algo que desejamos que permaneça imóvel, ao menos na velhice: o conjunto de objetos que nos rodeiam. Nesse conjunto amamos a disposição tácita, mas eloqüente. Mais que uma sensação estética ou de utilidade eles nos dão um assentimento à nossa posição no mundo, à nossa identidade. A ordem desse espaço nos une e nos separa da sociedade e é um elo familiar com o passado. Quanto mais voltados ao uso quotidiano mais expressivos são os objetos: os metais se arredondam, se ovalam, os cabos de madeira brilham pelo contato com as mãos, tudo perde as arestas e se abranda. São estes os objetos que Violette Morin chama de objetos biográficos, pois envelhecem com o possuidor e se incorporam à sua vida: o relógio da família, o álbum de fotografias, a medalha do esportista, a máscara do etnólogo, o mapa-múndi do viajante... Cada um desses objetos representa uma experiência vivida, uma aventura afetiva do morador. (BOSI, 2005, p. 4-5)

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Muitas casas hoje já são de piso frio, já que o piso de cimento queimado, predominante até poucos anos, foi substituído por azulejos que se apresentam quase sempre frescos e extremamente limpos. O madeiramento da casa em que me hospedei foi todo trocado no decorrer da pesquisa e algumas telhas substituídas por novas, de mesmo tipo. Outra mudança foi a retirada do fogão a lenha. A dona da casa, ‘Ti’ Maria, alegou que usava muito pouco e que com o pouco uso estava sendo criatório de animais, insetos e ratos, por exemplo. Mesmo assim, ela se queixa: ‘Não sei, às vezes acho que não deveria ter tirado, que vou pedir para construírem outro’. Mesmo assim, em alguns momentos, vemos antigas latas de tinta ou tachos de cobre em fogareiros no quintal. O fogareiro é utilizado para cozimento de pamonha, por exemplo, e depois a lata ou tacho de pamonha é substituído por um com roupas brancas ou banhos de cozinha que são deixados de molho na água quente com sabão de soda e óleo, feitos manualmente, pela própria dona da casa, ou por parentes e amigas. Apesar de algumas mudanças na estrutura da casa, alguns curiosos elementos foram mantidos. As casas mais antigas, visitadas nos trabalhos de campo, não possuem parede até o teto, assim fica um vão entre a parede e o teto, de modo que é possível a passagem de ar e som, entre um cômodo e outro. O que não seria um problema, já que, além disso, todos os cômodos internos não possuem porta. Quartos não são separados por portas, nem da cozinha, nem da despensa, nem dos demais quartos: em seu lugar uma cortina de tecido.

Figura 21: Cortina nas portas

Fonte: Acervo da autora, trabalho de campo, 2016.

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A privacidade não é o critério essencial nessas casas. Os tecidos – cortinas, são estendidos no momento de se recolher para dormir, apenas para impedir a entrada de luz. As trocas de roupa são feitas, em geral, no banheiro, ao saírem do banho, já saem vestidos para o contato social. Preservar esse modelo de casa e de acesso aos cômodos é uma pista de que a vida individual e privada não é elemento central. A manifestação da individualidade dos homens e mulheres se manifestam nos momentos em que há o trato solitário com as plantas do quintal, com os animais domésticos. É comum também uma caminhada matinal ou vespertina, por vezes sozinhos à beira da estrada. No croqui (Figura 22), apresento como se organiza a arquitetura da casa e acrescento alguns elementos imprescindíveis para a vida doméstica. A elaboração do croqui da casa é uma metodologia utilizada por Oliveira (2010) ao estudar a casa das fazendas goianas.

Figura 22: Croqui do terreno

Fonte: Elaborado pela autora

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Outro cômodo recente na casa é o banheiro que só a partir da década de 2000, foi pensado com importante elemento do espaço interno da casa. A latrina, ou privada, localizada aos fundos do quintal foi utilizada para as necessidades básicas até pouquíssimo tempo atrás. Outra área da casa é um cômodo acessório, localizado há alguns metros da porta da cozinha, lá está localizada a cisterna, tanques e máquina de lavar.

Figura 23: O cômodo acessório

Fonte: Acervo da autora, trabalho de campo, maio de 2017.

Ao preservar as memórias da família, do patrimônio e, portanto, da vida no povoado a casa é onde se concretiza o modo de se estar no mundo dos moradores da vila.

As formas que a sociedade produz guarda uma história, pois o tempo implica duração e continuidade. As formas materiais arquitetônicas guardam uma certa monumentalidade em seu conteúdo social que a memória ilumina, torna-o presente e com isso lhe dá espessura (conteúdo ao presente). A memória articula espaço e tempo, ela se constrói a partir de uma experiência em relação ao lugar, assim, lugar e identidade são indissociáveis. O histórico tem suas consequências, o diacrônico, o que se passa modificando lugares inscrevendo-se de outra forma no espaço. O passado deixou traços, inscrições, escrituras do tempo. Mas esse espaço é sempre hoje como outrora um espaço presente dado como um todo atual com suas ligações e conexões em ato. (CARLOS, 1996, p. 82)

O lugar se concretiza assim nas relações diárias, no plano do vivido fazendo com que se construa uma rede de significados e de sentidos (CARLOS, 1996). A casa do patrimônio é um dos artefatos que permitem compreender o patrimônio como lugar. E pelo lugar compreender suas produção e reprodução. O lugar é ainda um objeto no qual se pode habitar e desenvolver sentimentos e emoções. (OLIVEIRA, 2012). 84

2.5. A MORTE E O CEMÍTÉRIO

“Vem a família, os amigos. Nessas questões o povo ainda é assim caridoso, vai ali com a família, participa”.

Notas de campo, 2016.

“No sertão, a vida é assim, ligada à morte pelo umbigo, vida e morte juntas e opostas. Ao se falar da vida não se pode deixar de falar da morte, porque são uma coisa só. O que se pode fazer é opor os tons de voz que se usa para falar, para que a mesma fala, ao reconhecer a unidade da vida e da morte, não desconheça, também, que uma é contrária da outra.” (MARTINS, 1983, p. 259.)

No segundo dia de campo, em uma terça-feira, quando voltamos para realizar as visitas, acompanhada pelo meu pai, antigo morador da região e Isabela, colega do curso de mestrado, fizemos um trajeto diferente do dia anterior. Passamos por uma estrada mais fechada, com mais declives e um pouco mais longa, passando por dentro de pequenas propriedades. A estrada é bem sinuosa e a manutenção, pela condição do percurso, é feita raramente, muitas pedras, mato alto, buracos mais profundos, é uma estrada usada apenas por moradores e pequenos agricultores para a ida às cidades, aos vizinhos e para o escoamento da pouca produção para venda ou troca. Uma das estradas recebe maior atenção pelo setor público e por ser mais plana e ter manutenção periódica, possui um maior fluxo de veículos, além de as entradas das fazendas serem construídas para sua direção. Pela estrada alternativa, a manutenção das vias é feita de forma particular, por iniciativa dos próprios moradores das roças. Depois de um caminho demorado, quente e cansativo, chegamos a Montes Claros pelos “fundos”. Por um local menos usual e também onde se localiza o cemitério, passamos na sua porta antes de entrar no povoado. O cemitério tem duas entradas. A primeira é um colchete, feito de arame farpado e estacas de lenha, ao entrar tem uma espécie de estacionamento, uma área vazia com muitas árvores grandes que fazem o ambiente ficar fresco e sombreado, além de pequenas árvores plantadas recentemente. A segunda entrada é um portão de ferro enferrujado e um muro feito de barro e pedras. Ao passarmos na estrada visualizamos uma caminhonete antiga com sacos de cimentos e alguns tijolos. Já pressupus que estavam ali para realizar um sepultamento. Não tardou muito a hipótese se confirmar. Já na entrada vimos que a escola e o posto de saúde 85

estavam fechados. Chegamos à casa da ‘Ti’ Maria e ela confirmou. Um morador de Montes Claros havia falecido naquela madrugada. Já com a idade avançada e com uma enfermidade diagnosticada, doença essa nenhuma vez citada pelos amigos, parentes e vizinhos, seu Pedrinho passou mal em casa, durante a madrugada. A agente de saúde, sua vizinha “de porta” que já o acompanhava há algum tempo, desde o avançar da doença, foi chamada para lhe prestar atendimento, mas ele não resistiu e faleceu antes mesmo de ir para Pires do Rio ou Orizona. Providenciaram o transporte e a preparação do corpo para Orizona, cidade onde o corpo foi preparado, para depois retornar a Montes Claros para velório, missa de corpo presente e sepultamento, todos sob a tradição da igreja católica. Seu Pedrinho e sua esposa eram responsáveis pela liturgia e por grupos de orações tanto no povoado quando em grupos comunitários e rezas nas roças. A fé católica estava presente tanto nos elementos de decoração na sala da casa onde o corpo foi velado, quanto nos cantos e orações, por vezes acompanhadas pelo livrinho de orações distribuído pelas igrejas redentoristas, das quais alguns estavam munidos durante o velório. Por conta do falecimento, nem escola, nem posto de saúde e nem mesmo as vendas se mantiveram abertas até o fim do velório e sepultamento. Apenas uma das vendas ficou aberta por um tempo, foi fechada para a missa e sepultamento e depois reaberta. O velório durou cerca de 7 horas. A casa é última da rua. Percorrendo a pé um caminho pelo campo de futebol, é possível chegar ao cemitério. Muitos carros de diversas localidades estavam estacionados na porta da casa, como na praça e nas margens do campo de futebol. Até a hora do sepultamento que foi por volta das 17hs debaixo de um chuvisco, cerca de 45 carros estavam estacionados no povoado. Eles possuíam placas de: Orizona, Pires do Rio, Goiânia, Luziânia, Brasília. Sendo que a maioria era de Pires do Rio. Por meio de observações e algumas perguntas, sabia-se que os presentes eram muitos amigos e vizinhos de Montes Claros e muitos das roças nas imediações do povoado. Como eles costumam dizer, “moradores da região”. Além dos parentes vindos de Pires do Rio, Brasília, e também das roças. Durante o velório, estavam sendo servidos bolos, biscoitos, água, café e chá, preparados ora pelas filhas, ora por vizinhas. A casa não era suficiente para abrigar todos os visitantes, na sala onde estava sendo velado o corpo, a permanência era de pouco tempo. Os visitantes passavam, cumprimentavam os parentes, filhos, esposa, irmãos, netos, e logo se dirigiam ou para o alpendre onde muitos estavam sentados ou mesmo em pé em pequenas rodas de conversa, porém muitos também se aglomeravam fora da casa, de frente ao portão da casa, na rua. 86

O momento de maior fluxo de pessoas foi por volta de uma hora antes da missa de corpo presente. Nesse momento foi feita uma oração guiada e entoados alguns cânticos ainda na casa, um momento emocionado para a família, tanto os filhos, netos, genros e noras, quando para os irmãos. Logo após, o caixão foi carregado a pé para a igreja.

Ao nascer, cada um já carrega consigo o destino de sua morte, o tempo certo de morrer. É esse fato que permite entender toda a variedade dos ritos fúnebres da roça, que obriga cada pessoa a conhecer procedimentos, rezas, interdições necessários a que se situe diante da morte, dos outros e de sua própria. ” (MARTINS, 1983. p. 259)

Na igreja, na ausência de um padre, foi rezado terço, entoados cânticos e orações, muitos entraram na igreja e outros tantos aguardaram do lado de fora. Não menos que 150 pessoas estavam presentes. Já ao entardecer, o caixão foi levado pelo carro da funerária sob chuva fraca para o cemitério. O cortejo aconteceu também de carro, enquanto alguns se deslocaram a pé. Embora nesse momento, muitos se dispersaram e não participaram do adeus final. Seu Pedrinho foi sepultado no cemitério de Montes Claros. A descrição do adeus, seus ritos, sua aglomeração e o local onde o corpo é colocado para o descanso caracteriza a maneira como os moradores do povoado se relacionam com esse momento de despedida. O velório em casa, patrimônio da família, a recepção dos amigos e familiares com lanches, as diversas orações, o corpo preparado na cidade e trazido para o seu lugar de origem, a reza na igreja realizada mesmo após as orações, o sepultamento no cemitério do povoado. Identificamos assim fortes elementos para a compreensão da moralidade desses moradores. A casa como patrimônio familiar. A fé na igreja católica como elemento simbólico. A cooperação e solidariedade de vizinhos e amigos. A opção pelo sepultamento nesse lugar. Segundo Martins (1983),

a moradia é o lugar da morte porque é, também, socialmente, o lugar da família, dos vizinhos, dos amigos, daqueles que podem ajudar uma pessoa a bem morrer e que podem por em prática ritos funerários indispensáveis à proteção da casa e da família. (MARTINS, 1983, p. 263)

Complementando o ritual o cemitério se caracteriza como a materialização do desejo de se eternizar no patrimônio. O cemitério de Montes Claros possui, aproximadamente, 154 jazigos, de diversos tamanhos e modelos. Enquanto alguns são apenas de terra, outros 87

possuem pequenas estruturas cimentadas, até os que possuem mármore ou granito, até os construídos com capelas e oratórios.

Figura 24: Imagens do cemitério

Fonte: Acervo da autora, trabalho de campo, julho de 2016

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3. CAPÍTULO 3

3.1. O MOVIMENTO DA VIDA: ITINERÁRIOS NA PRODUÇÃO DO ESPAÇO E VIDA COTIDIANA

Figura 25: GO - 309, estrada que liga Montes Claros a Pires do Rio e povoados vizinhos

Fonte: Acervo da autora, trabalho de campo, julho de 2015.

Figura 26: Caderno da Agente de Saúde com dados de 108 famílias de Montes Claros

Fonte: Acervo da autora, trabalho de campo, julho 2016.

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“Você quer saber do que é que a gente vive aqui né? ”

Notas de campo, 2016.

A organização de um espaço é resultado da produção do espaço que retrata a estrutura da sociedade. Assim, o espaço passa a ser concebido como espaço social, trazendo o movimento geral da sociedade na elaboração da ideia de uma determinada área, implicando em mudanças na economia, nas relações sociais e políticas nela existentes.

(SANTOS, 1986; SANTOS, 1996).

As duas imagens acima (Figuras 25 e 26) são trajetos de poeira e registros que me guiaram nas reflexões que busco fazer nesse capítulo. Elas e as epígrafes escolhidas para abrir a discussão me fizeram viajar nas perguntas que eu mesma fazia quando iniciei a investigação acerca de Montes Claros. Um lugar onde parte dos acessos mais usados não está pavimentado; onde a poeira “solta” no período da “seca” ou o barro no período das “águas” castigam a paisagem e os passantes. Um lugar onde os registros oficiais não são fartos, mas onde um caderno, que enumera as famílias pelo nome, todos registrados de caneta bic da cor azul, minuciosamente cedido para compor o corpus desse capítulo, apareceu-me por sugestão de um morador do povoado vizinho, uma vez que a “agente de saúde” percorre toda a região. A questão me apareceu quando ainda não tinha as metodologias da pesquisa plenamente definidas. De antemão, essa pergunta permitiu refletir sobre meu objetivo ao dialogar com moradoras e moradores de Montes Claros a fim de conhecer/construir o meu objeto de estudo; daí a necessidade de adotar uma abordagem de interpretação como a proposta por Bourdieu (2010), livre de objetos pré-construídos onde o objeto da pesquisa é questionado no seu processo de construção, assim como o campo do conhecimento de referência, no caso, a Geografia. Rodrigues (2002), geógrafa, que estudou as características demográficas da população paulista nos anos de 1980 e 1990, constata uma expansão das áreas de moradia nas áreas rurais, movimento não só de São Paulo mas de outras localidades brasileiras, associado a vários fatores: o aumento da área de influência da região metropolitana; uma mudança no padrão de urbanização brasileira; demandas de emergência nas estrutura produtiva no meio rural. Considerando esses fatores, a geógrafa diz:

A vivência de comunidades humanas tem sido apreendida pelos termos campo e cidade por meio da história de sua formação. A palavra campo traz certamente a ligação com a terra, da qual são retirados os alimentos, sob diversas formas de apropriação do espaço e organização do trabalho. O campo é onde desencadeiam-se lutas e conquistas pela posse e pelo desenvolvimento do trabalho na terra. Essas lutas ocorrem ao lado do aprimoramento de tecnologias e manejo de áreas plantadas, 90

garantindo, muitas vezes, alta produtividade e maior controle da propriedade pelos que detêm os meios de produção e possuem a possibilidade de inovação tecnológica e inserção no mercado. O campo também está associado aos momentos de descanso, promovidos pela tranqüilidade e simplicidade existentes em certas áreas, sendo esta uma forte inspiração para a sua ocupação pela população urbana. (...). Pode-se dizer que a realidade do campo e da cidade tem sido extremamente variada no tempo e no espaço. A vida de um indivíduo, de uma família, ou de uma população acontece em uma rede de relacionamentos e decisões, formada por ideias, sentimentos e ações, que configuram o espaço de vivência e suas relações internas e externas à área. (RODRIGUES, 2002)

Sendo variados no tempo e no espaço as ideias sobre cidade e campo e devido a sua diversidade, pretendo pensar os moradores de Montes Claros a partir dessas confluências e relações, mais ainda ao campo de significação que implica morar nesse lugar. Os moradores de Montes Claros levam uma vida diversa, em parte devido a diversidade etária dos mesmos. Aposentados rurais; Aposentados públicos; estudantes e trabalhadores rurais do campo, cujo cotidiano se resolve entre as roças de trabalho e a vila. Há também os donos de “vendas”, bares e “comércios”; Além disso vemos ainda aqueles que fazem trabalhos como volantes em roças particulares ou de terceiros executando um movimento pendular diário ou em tempos de mais trabalho, semanal, pois alguns pousam na roça. A pesquisa versa sobre esses diferentes contextos de vida e trabalho e procura perceber de que maneira eles ajudam a entender a condição desses povoados no momento atual. Mais tarde, já com um roteiro de campo e de entrevista definidos, uma moradora me diz:

“O povo pensa que a gente mora aqui, porque a gente é pobre demais!”

A fala foi para mim, claro, embora de maneira indireta. Mas pra mim é difícil pensar assim pra mim que, desde sempre frequento o povoado como elo de família e me recordo da tranquilidade do ritmo de vida, da fartura das mesas, dos quintais e das roças. Mas esse tipo de estigma é presente na vida daqueles que moram em um povoado rural. Talvez uma saída para fugir desse “pobre demais” que seria a vida na condição de migrante onde a fartura da mesa fica a mercê das compras de supermercado, como nos pequenos municípios. Mas, ao mesmo tempo, lembro-me que o modelo de interpretação da sociedade do/no campo brasileiro, tanto da direita, quanto da esquerda agrária; assim como os que elaboram as políticas públicas de desenvolvimento rural, parte de um princípio de que a elevação de camponês pobre para camponês médio é o objetivo dessas populações. Ou seja: as políticas de agricultura familiar visam aumentar a renda dos agricultores para que esses tenham condições 91

de compra e aquisição de bens que resultem na saída das roças em busca de estudo, saúde, trabalho, lazer. Montes Claros não possui cobertura telefônica para a maioria das operadoras, a água tem tratada ficou na promessa de ser distribuída pela SANEAGO- Saneamento de Goiás que já restringiu e impediu as construções de novas cisternas e poços. Pode haver um processo de subordinação crescente ao longo dos dias. Mas, agora, o que temos não é subordinação pura e simples. Como já mencionado grande parte dos moradores do povoado tem duas ou mais residências. Isso quer dizer que além da casa no povoado a maior parte tem outra casa, seja em Pires do Rio, cidade mais populosa próxima ao povoado, Orizona ou Goiânia, ou em um sítio ou fazenda. Dessa forma, morar em Montes Claros é uma opção. Lá estão a meio caminho, nem totalmente distanciados de seus vizinhos como na roça, nem totalmente ligados às cidades, onde a dinâmica da fluidez engole o cotidiano da alimentação, do cultivo de alimentos complementares a alimentação base, além de ervas e plantas para chás, plantas ornamentais e onde ainda conseguem estabelecer laços de familiaridade com seus vizinhos. Os povoados são o meio do caminho: ora rompem com a solidão das roças esparsas ora rompem com a ideia de cidade cheia, violenta e impessoal. Para conhecer a estrutura dessa população residente nesse lugar partirei dos dados oficiais do IBGE, conhecendo as limitações desse censo, no entanto considerando as possibilidades de usar dados oficiais cruzando elementos mais qualitativos no olhar feito em campo. Por isso, decidi utilizar como metodologia de contagem dos moradores a leitura dos cadernos da Mônica Mendes, que trabalha como Agente de Saúde (AS) cedidos para esta pesquisa. Bourdieu (2010) atenta para a necessidade de buscar fontes de pesquisa pouco usuais para construir-se o objeto científico, em tornar objetos aparentemente simples em objetos de análise. Compreendi que por esse caminho poderia ter acesso aos dados mais recentes dos moradores, diante dos limites temporais da elaboração da dissertação bem como experimentar algo completamente informal e novo que acredito ser um caminho para pesquisas. Nos dados registrados pelo caderno da AS é possível elencar as seguintes variáveis:

 Números de famílias  Nome  Origem familiar 92

 Número de membros por família  Gênero  Idade  Local de residência

Pretendo relacionar essas variáveis as respostas que procurei responder na pesquisa sobre o povoado. Ressalto que os dados contemplam fazendas localizadas nas imediações de Montes Claros; opto por considerar esses dados pois esses moradores também participam da dinâmica cotidiana do povoado, sendo sujeitos responsáveis por sua produção e reprodução. Embora outros sujeitos de outros povoados, cidades e roças também construam essa dinâmica e não estejam registrados ali, considero relevante considerar esse movimento de usar o caderno como parte dos dados que contribuem para pensar Montes Claros e suas imediações, em suma, que ajudam a interpretar o lugar.

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3.2. OS NÚMEROS E A OCUPAÇÃO DA POPULAÇÃO

Partindo dos dados oficiais do IBGE, a população de Orizona, município ao que Montes Claros está inserido, possui entre zona urbana e rural uma distribuição populacional quase similar. Segundo o censo ela se distribui da seguinte maneira (quadro 4):

Quadro 4: População de Orizona – GO Orizona – GO - População Censitária Anos 1980 1991 2000 2010 Total (habitantes) 12.362 12.471 13.067 14.300 Urbana (habitantes) 4.329 5.319 6.382 7.975 Rural (habitantes) 8.033 7.152 6.685 6.325 Fonte: IMB, 2010.

Ao longo do tempo a população total aumentou 13,6% no decorrer dos 30 anos, enquanto a população urbana aumento 45%, quase dobrando de tamanho, a população rural diminuiu apenas 20%. É importante verificar no quadro acima, que apenas no ano de 2010 a população urbana superou a população rural. E que por esses dados, 44,3% da população permanece nas áreas rurais. O município de Orizona possui duas sedes distritais, uma que leva o nome do município e concentra a maior população urbana e outra secundária que, embora contemple as características urbanas oficiais possui a maior parte da população rural.

Já de início identifica-se que desde 1991, ano dos dados mais antigos, o que se observa é uma queda na população total do distrito. A população diminuiu em 408 habitantes, o que representa uma queda de, aproximadamente, 30% da sua população total.

Quadro 5: Distrito de Alto Alvorada - População Distrito de Alto Alvorada - Orizona (GO) 1970 1980 1990 2000 2010 - - 1.350 1.002 942 Fonte: IBGE, 2010.

Pode-se ver ainda, que da população total do distrito no ano de 2010, composta por 942 pessoas, apenas 14,33%, 135 pessoas, reside na vila. A maioria da população se espraia pelas roças localizadas nas imediações da vila. Não é de se admirar, portanto, que o patrimônio seja permeado por tempos múltiplos associados às práticas e aos saberes 94

camponeses. A população de homens e mulheres se assemelha, sendo que a masculina supere em pouco mais de 6% que a feminina.

Quadro 6: População Residente no Distrito de Alto Alvorada. Distrito - Alto Alvorada - Orizona – GO

Ano – 2010

Variável Situação do domicílio População residente (Pessoas) População residente (Percentual)

Total 942 100

Total Urbana 135 14,33

Rural 807 85,67

Total 528 56,05

Homens Urbana 75 7,96

Rural 453 48,09

Total 414 43,95

Mulheres Urbana 60 6,37

Rural 354 37,58

Fonte: (IBGE, 2016)

Os dados oficiais servem para traçar um panorama geral do distrito dentro das linhas interpretativas da oficialidade e eles apresentam, sobretudo, a diminuição da população, a relação local de moradia como sendo rurais ou urbanas. Esses dados são lidos a luz da vida cotidiana, mas me ajudam a buscar uma chave interpretativa de complementaridade nos trabalhos de campo. Parti para outras fontes de pesquisa, para compreender a população. E foi pelo sobrenome, idade e local de residência que elaborei outras reflexões sobre os moradores do patrimônio.

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3.3. OS MORADORES DE MONTES CLAROS E DAS FAZENDAS LIMÍTROFES

Os dados apresentados a seguir são resultado de uma coleta realizada no terceiro trabalho de campo. Em um dos momentos do campo foi feita uma visita em Corumbajuba, povoado vizinho a Montes Claros, localizado a cerca de 12km. Caminhando pela ‘cidadezinha’ encontrei uma mulher com uniforme da Agência de Saúde do município, lhe fiz perguntas simples e ela me informou, superficialmente, a quantidade de moradores de Corumbajuba. Na sua fala ela disse:

“Aqui dentro moram mais ou menos uns 260, em tem umas 50 casas, mas nas roças tem mais gente”.

Fazer dos dados da escola e da agência de saúde já tinha sido uma das possibilidades de chave interpretativa propostas em colóquios de orientação. Foi nesse momento que optei que ao retornar a Montes Claros, procuraria a agente de saúde que atendia o povoado. Em outros momentos, o nome da agente de saúde já tinha sido sugerido por moradores e ex- moradores de Montes Claros. Já que segundo eles ela poderia me ajudar a conhecer aquele lugar, já que: “Ela anda isso aqui tudo.” Fui levada10 a casa da agente de saúde, Mônica, que prontamente me concedeu entrevista e seus cadernos de anotações, após eu ter apresentado os documentos e de explicar do que se tratava minha pesquisa. Mônica faz todas as visitas a pé em Montes Claros, ou de moto nas fazendas. Ela relata que nas visitas feitas de moto ela é acompanhada pela filha de 14 anos, que a ajuda a abrir as porteiras e espantar os cachorros, importantes personagens no cenário das roças. De posse dos cadernos, após a entrevista, consegui fotografá-lo. Dele extraí os dados de número de habitantes, idade, gênero, famílias, locais de moradia e tentei correlacionar esses dados a fim de compreender a formação do patrimônio. O caderno se estrutura em famílias, no total foram 108 famílias que juntas possuem 241 membros. Nele a agente descreve a localidade de residência, os nomes dos membros e a data de nascimento. Os dados cedidos por ela representam a população de uma das áreas de estratégia da saúde da família. As equipes da Secretaria de Saúde se dividem para fazer a

10 É importante deixar claro que a maioria das visitas que realizei eu estava acompanhada, ora pelo meu pai, ex morador de uma das fazendas limítrofes, ora por ‘Ti’ Maria, que foi também quem me hospedou em todos os trabalhos de campo em Montes Claros. 96

cobertura domiciliar de todos os habitantes do município. Assim, os dados que serão apresentados correspondem aos dados do patrimônio de Montes Claros e das fazendas limítrofes, localizados na área verde de número 2, no sul do município de Orizona. É uma análise compartimentada, que se restringe apenas a essa área, não podendo servir como generalista para o que o estado reconheça como distrito, nem como toda a zona rural distrital, embora apresente os dados de todos os moradores do patrimônio.

Figura 27: Mapa Zona Rural com todas as equipes

Fonte: Acervo da autora, trabalho de campo, 2016.

Em estudo feito sobre os camponeses de Diolândia, Brandão e Ramalho (1985) catalogaram os grupos familiares. Os autores atentam para o fato de que os domicílios no patrimônio de Diolândia são compostos por famílias nucleares. Esse também é um dos elementos identificados ao coletar as informações do caderno da agente de saúde. A maioria das famílias é formada por cônjuges e seus filhos. A maioria das famílias em Montes Claros possuem entre 3 e 4 membros residentes, somente 6 das residências visitadas pela AS apresentam um único morador. A população 97

possui uma boa distribuição entre homens e mulheres, existem apenas 7 homens a mais que as mulheres.

Gráfico 1: População por gênero

Fonte: Caderno da agente de saúde, 2016.

Sobre a distribuição etária da população por sexo, verifica-se que o maior grupo são homens e mulheres entre 50 e 70 anos. Em contrapartida, a população de adolescente entre 10 e 20 anos também é expressiva na pirâmide etária. Esses jovens estão em idade escolar.

Gráfico 2: Distribuição da população por idade

Fonte: Caderno da agente de saúde, 2016.

No gráfico 3 também evidencia no quadro geral entre homens e mulheres o destaque para a população de 10 a 20 e de 50 a 70 anos. Em contrapartida, os muito jovens entre 0 e 10 anos e os mais velhos acima de 80 anos são a minoria. Porém, considera-se que a expectativa de vida desses moradores seja alta, já que em 224 moradores, 18 possuem mais de 80 anos, quase 10% da população. Os dados de gênero e etários da população demonstram também que existe uma maneira de se ocupar os espaços a partir da idade e do gênero. Homens e mulheres 98

não utilizam os espaços de maneira semelhante. Assim como jovens e velhos. Sobre a juventude rural, percebe-se, tal qual Carneiro (1998, p. 99):

Os ideais da juventude rural que sintetizam o que é definido como projeto de vida “rurbano”, manifestam-se na construção de uma nova identidade, presa ainda à cultura de origem e associada à cultura urbana como referência para a construção de projetos futuros, geralmente orientados pelo desejo de inserção no mundo moderno. “Essa inserção, no entanto, não implica a negação da cultura de origem, mas supõe uma convivência que resulta na ambiguidade de quererem ser, ao mesmo tempo, diferentes e iguais aos da cidade e aos da localidade de origem”.

Os jovens dinamizam a vida no povoado com o movimento e deslocamento para a vida escolar. Como Montes Claros possui uma escola, não só os moradores das localidades abrangidas pela agente de saúde fazem uso desse serviço, mas também moradores de localidades mais distantes. A escola em Montes Claros atende além dos moradores com essa faixa etária, moradores de roças e povoados que não possuem escolas.

Gráfico 3: Distribuição da faixa etária

Fonte: Caderno da agente de saúde (julho, 2016)

Os próximos gráficos foram elaborados com o intuito de pensar os laços de consanguinidade que são elementos fundantes das comunidades rurais, estudados tanto por Chayanov em uma perspectiva da economia familiar, como por Lefebvre à dialética rural e urbana e Woortman ao se debruçar sobre a moralidade camponesa. Para Lefebvre (1986, p. 174, grifos do autor):

Nas comunidades camponesas constatamos inicialmente a predominância dos laços de consanguinidade. No momento em que eles se dissolvem, são substituídos pelos 99

laços de territorialidade, fundados na residência, na riqueza, na propriedade, no prestígio, na autoridade. Passamos assim do parentesco extenso à família restrita (com predominância masculina) e às relações de vizinhança. Porém a história da comunidade camponesa é ainda mais complexa do que faz supor esse esquema. Ela é submetida à pressão dos modos de produção ulteriores, de instâncias administrativas, fiscais, jurídicas e políticas. Ora ela cede; ora ela resiste; até sua dissolução pelo individualismo (fundado na concorrência, na economia mercantil, etc), ela manifesta uma vitalidade surpreendente.

Optou-se por elaborar a cartografia das famílias em Montes Claros por meio do sobrenome. Observa-se que aqueles que carregam o nome dos fundadores do patrimônio são os que mais possuem membros da população. Como é o caso dos Marçal (38), Mendes (35), Pereira (24), Rezende e Nunes (16). Os números representam quantas vezes esses sobrenomes apareceram, podendo um membro possuir mais de desses sobrenomes.

Gráfico 4: Distribuição dos sobrenomes em Montes Claros

Fonte: Caderno da agente de saúde (julho, 2016)

Além de elencar os moradores pelos seus sobrenomes, foram elaborados o gráfico e a tabela por números de morador por localidade. Mesmo sabendo que a maioria da população residia aglomerada em Montes Claros, devido ao recorte do mapa utilizado pela agente saúde, 100

pode-se observar como a população se distribui nas fazendas11 limítrofes, sendo a Fazenda Barreiro a que mais possuem moradores.

Gráfico 5: Quantidade de moradores por localidade próximo ao distrito

Fonte: Caderno da agente de saúde (julho, 2016)

Quadro 7:Distribuição dos moradores por localidade Número de Local de Moradia Moradores Montes Claros 121 Fazenda Campo Limpo 17 Fazenda Areias de Baixo 19 Fazenda Barreiro 40 Fazenda Muquém 21 Fazenda Noroeste 5 Sem informação 14 Fonte: Caderno da agente de saúde (julho, 2016)

Dentre os moradores de Montes Claros e suas imediações foram selecionados cinco narradores para a aplicação de questionário e coleta de relatos orais que serão descritos no tópico a seguir.

11 As fazendas são delimitações maiores e abrangentes nelas estão inseridas propriedades menores de posse dos seus moradores. Ou seja, as fazendas são divididas em propriedades menores, podendo ter diversos grupos familiares, que possuem ou não laços consanguíneos, já que a posse pode ser por meio da compra. 101

3.4. SUJEITOS DA PESQUISA

Para além da orelha existe um som, à extremidade do olhar um aspecto, às pontas dos dedos um objeto – é para lá que eu vou. Clarice Lispector (1980, p.95)

Dentre as visitas e observações feitas em trabalho de campo foi necessário fazer um esforço de selecionar aqueles que narrariam a história do povoado, que apresentassem pela oralidade elementos que permitissem recompor a vida cotidiana e a produção do espaço. Foram selecionados cinco moradores para narrarem suas trajetórias familiares, itinerários cotidianos e abrir os espaços de sua casa. Quatro dos cinco são mulheres, essas permanecem mais tempo em suas casas, sendo que esse foi o espaço escolhido para a realização das entrevistas e compreensão do lugar. Porém os homens são presentes no patrimônio e o dinamizam ora no bar, ora nos momentos de celebração, ora no ir e vir. Duas delas são vizinhas diretas, estão a apenas uma casa uma da outra. A primeira é Ti Maria que foi onde me hospedei, por ser lá que se iniciavam as minhas observações e saídas para campo, lá foi a primeira casa a ser observada e ela a minha primeira interlocutora. Elza, sua vizinha mais próxima, aparece acidentalmente em minha coleta de dados e entrevista. Por estar sempre presente com Ti Maria eu não a escolhi como interlocutora, mas fui por ela escolhida, já que ela direcionava a mim falar sobre o morar e escolher morar em Montes Claros, ao relatar como as pessoas vindas de fora, ou as que para lá retornavam a passeio, descreviam o lugar. Elza “cramava” (se lamentava) pela solidão, pelo abandono dos mais jovens, pelo preconceito com os que moram lá. Suas expressões espontâneas foram as mais profundas e férteis chaves de interpretação. As outras duas mulheres são ligadas aos serviços públicos de educação e saúde. Preta é professora aposentada e tendo passado sua vida de trabalho regular quase que completamente em Montes Claros, é a única dos entrevistados que mora fora do tecido arruado. Ela mora a aproximadamente 4 km da vila às margens do rio Piracanjuba. Preta mantem relações com a educação na escola municipal e com a formação religiosa na igreja do povoado. Mônica, a agente de saúde responsável pelo atendimento da vila e suas fazendas limítrofes. Ela mora em uma casa construída recentemente e vive em intensa atividade de deslocamento e visita às casas em Montes Claros. Foi uma opção para a tentativa de uma 102

visão mais expandida e aglutinadora do povoado. Do contato com ela nasceram os gráficos, tabelas e interpretações apresentadas no tópico anterior. O único homem e mais velho interlocutor é Seu Bito, que mora na única casa recuada da rua. Ele nasceu e vive até hoje na mesma casa no patrimônio, que era de propriedade de seu pai, um dos doadores da área para fundação do patrimônio. Seu Bito é aposentado como técnico em enfermagem que durante toda sua vida trabalhou em Montes Claros e em visitas às roças de Orizona. Segue um quadro síntese dos moradores:

Quadro 8: Quadro síntese dos moradores Estado Nº de moradores Aposentado Nome Idade Ocupação Aposentado civil residência rural Maria (Ti 65 Viúva Dona de casa 1 Sim Não Maria) Elza 62 Casada Dona de casa 1 Sim Não Alberto (Seu 75 Casado Farmacêutico 3 Não Sim Bito) Maria Vânia 58 Casada Professora 3 Não Sim (Preta) Mônica 38 Casada Agente de saúde 3 Não Não Fonte: Trabalhos de campo (julho, 2016)

Todos os narradores têm entre 40 e 75 anos sendo todos moradores do povoado desde o nascimento. A construção do patrimônio foi tecida pelo relato oral desses entrevistados. Entende-se que a história oral como propõe Pereira de Queiroz (1987)

constituíra sempre a maior fonte de humana de conservação e difusão do saber, o que equivale dizer, fora a maior fonte de dados para as ciências em geral. Em todas as épocas, a educação humana (ao mesmo tempo formação de hábitos e transmissão de conhecimentos, ambos muito interligados), se baseara na narrativa. (PEREIRA DE QUEIROZ, 1987, p. 3)

É com base nessas narrativas que se optou por essa metodologia, que mais a frente no mesmo texto a autora reforça:

É termo amplo que recobre uma quantidade de relatos a respeito de fatos não registrados por outro tipo de documentação, ou cuja documentação se quer completar. Colhida por meio de entrevistas de variadas formas, ela registra a experiência de um só indivíduo ou de diversos indivíduos de uma mesma coletividade. Neste último caso, busca-se uma convergência de relatos sobre um mesmo acontecimento ou sobre um período de tempo. A História oral pode captar a experiência efetiva dos narradores, mas também recolhe destas tradições, mitos, narrativas de ficção, crenças existentes no grupo" (PEREIRA DE QUEIROZ, 1987, p. 6)

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Feita a seleção dos narradores e a metodologia para construir a interpretação, apresentarei a seguir os dados coletados em campo. Além disso, também contribuíram para a organização dos relatos os modelos utilizados por Azeredo (2015) e Brandão e Ramalho (1985).

Maria José Caixeta (“Ti”Maria)

Maria José mora na casa que pertencia a família de seu falecido marido. Foi nessa casa que me hospedei todos os dias do trabalho de campo. Ela é também irmã de minha avó, que residia na Fazenda Barreiros. “Ti”Maria nasceu em 1952 em uma fazenda nas redondezas de Montes Claros, se casou aos 15 anos com José Caixeta que era dez anos mais velho que ela e que faleceu há 24 anos. ‘Ti’ Maria mora sozinha há muitos anos, desde que ficou viúva. Seu filho mais novo morou em Montes Claros até 2012, quando junto da esposa e dos três filhos se mudou para Pires do Rio. Desde então ‘Ti’ Maria tem com as vizinhas uma relação estreita. O contato com os filhos, dois residentes em Pires do Rio e um em Goiânia (desde 1985), se dá pelo telefone rural. Esse foi instalado há cerca de 7 anos. Nem sempre o sinal da antena funciona bem, tendo falhas que podem durar até 2 ou 3 dias. Antes dos telefones rurais o único meio de comunicação era um orelhão público localizado ao lado da Mercearia do Moreira, em frente a praça. Hoje apenas uma das operadoras de telefonia móvel funciona em alguns pontos do patrimônio. É pelo telefone que ‘Ti’ Maria mantém contato com filhos e noras. É comum receber e fazer ligações para as irmãs. De uma família de 6 irmãs, somente ela permaneceu em Montes Claros. Uma delas permaneceu morando na roça até 2017, das outras, 2 são residentes em Pires do Rio e 2 residentes em Goiânia. ‘Ti’ Maria é aposentada rural e não quis sair de Montes Claros mesmo tendo, com suas economias, comprado uma casa em Pires do Rio. A casa fica vazia durante todo o mês, servindo apenas para as idas a cidade em momentos específicos, recebimento de aposentadoria, compras de alguns alimentos e produtos de higiene, além de roupas e eletrodomésticos. A residência em Montes Claros é uma opção, conforme foi discutido no capítulo 2, a segunda residência em Pires do Rio é um plano futuro, para a necessidade. Um lugar próximo dos filhos e do acesso aos serviços de saúde. 104

“Ti”Maria foi dona de casa durante toda a vida. Mãe de três filhos homens ficou viúva há cerca de 24 anos. Manteve-se na viuvez. É uma mulher discreta, com gestos sutis e uma habilidade imensa para labores da roça. Ela sozinha prepara porcos (como pude presenciar em um dos trabalhos de campo), essa é uma atividade braçal que inclui abrir, retirar miúdos e vísceras, arrancar pele e banha, quebrar ossos e separar as partes, temperar, fritar. “Ti”Maria é dada a todas as etapas do processo. Ela também tem um trato especial com as plantas ornamentais tendo diversas em seu quintal, que são aguadas, podadas e observadas diariamente. Assim também é a sua presteza na cozinha. Sua mesa é sempre chamativa. A garrafa de café com xícaras se mantem na mesa. Na hora do café da manhã e lanches da tarde a mesa transborda. São opções de biscoitos, doces, bolos. Além do café, ela ainda dá as possibilidades de chá e a geladeira possui garrafas de refrigerante de 600 ml, ela argumenta que como fica muito sozinha, as garrafas menores preservam mais o refrigerante com gás, já que eles demoram a ser consumidos por ela sozinha. ‘Ti’ Maria fala muito da espera pelos netos. Em finais de semana e feriado ela se prepara para a chegada dos filhos e netos. Por vezes a sua espera se prolonga por dias e dias. “Eles falaram que viriam no feriado passado, mas acaba que não veio foi nada.” Com a ausência da família consanguínea, estabelecem-se entre os vizinhos relações similares as de parentesco, aqueles que não se incluem nessa regularidade são vistos como estranhos, “um dia ela cumprimenta a gente e no outro dia ela nem olha na nossa cara”.

Ti Maria é tímida, fala baixo e, em geral, o olhar acompanha os tons de sua voz. Possui uma postura quase sempre de calma e aceitação com as situações da vida cotidiana, sendo quase sempre silenciosa. Muito religiosa, cumpre mensalmente o pagamento do dízimo que contribui para a Basílica do Divino Pai Eterno, localizada em Trindade, Região Metropolitana de Goiânia. As lembranças chegadas pelos Correios mensalmente são esperadas ansiosamente, segundo ela, todo mês chega uma lembrança com uma mensagem diferente. Terços, medalhas, postais, águas bentas. Além disso, diariamente acompanha a benção dada por Padre Robson, padre popular no Brasil todo por seu carisma, por ter fundado esse modelo de dialogar com os fieis, pela televisão, rádio, telefone, SMS, e-mails e Correios.

Esse é um traço do catolicismo presente na vida cotidiana. Além disso, Ti Maria também participa dos festejos promovidos pela igreja, tanto na área urbana em suas festas maiores (Festa de São Sebastião e Festa Junina), quanto nas folias e festejos de roça. Ela doa 105

alimentos como: gueroba, milho, batata ou mesmo quantidade de dinheiro em espécie para a preparação da festa.

Ao ser questionada sobre a igreja evangélica Deus é amor, localizada a frente da sua casa, do outro lado da rua, em uma casa que se manteve fechada em todos os dias que estive nos trabalhos de campo (mesmo que eu tenha ido cinco vezes, em dias da semana diferentes), ela demonstra certa resistência ao modelo com que executam suas atividades de catequização.

Os responsáveis pela igreja não moram em Montes Claros e aparecem de vez em quando, celebra para as próprias pessoas que os acompanham até lá. Ela diz que já estiveram na porta de sua casa oferecendo oração ou a palavra de Deus, mas ela preferiu que eles não entrassem.

Figura 28: ‘Ti’ Maria cuidando das plantas no quintal.

Fonte: Acervo da autora, trabalho de campo, maio de 2017.

Maria Vânia Mendes de Avelar (Preta)

Nascida em 1959 em Montes Claros. Trabalhou de 1979 a 1982 no grupo escolar do Pé Pelado. Depois foi professora na escola de Montes Claros, chamada Escola Municipal Vânia Maria Ferreira, antigamente chamada de São José, se aposentando em 2009. Casou-se em 1977 com o marido com o qual mora junto com o filho na casa que era de sua sogra. Seu registro de casamento e de nascimento foi feito em Orizona, nunca teve cartório em Montes Claros. 106

Preta é a única entrevistada que não reside ‘dentro ‘ de Montes Claros. Ela reside fora da vila arruada. Sua casa fica à beira da estrada e às margens do rio, logo à direita da ponte sob o Rio Piracanjuba. A casa não possui muros, possui apenas uma garagem coberta, ao seu lado tem-se um paiol e curral e à frente também currais de gado bovino leiteiro. A família possui muitos animais, cachorros que se sentam a frente da casa e latem a todos os carros que cruzam a ponte e a estrada, galinhas caipiras e as chamadas d’angola. Fiz a visita a sua casa sozinha, sem a companhia de nenhum dos meus companheiros de campo. Chamei algumas vezes, a porta estava aberta, de longe um peão que trabalhava no curral a frente me disse que eu poderia entrar que ela devia estar lá dentro. Fui chamando e entrando. Quando entrei a encontrei lavando panos de cozinha, em uma tábua por onde escorria uma água. Nos fundos da casa, na área de serviço junto à cozinha, corre uma bica, que faz uma queda. É nessa queda que com sabão de bola ela lavava os panos. Ao chegar na área percebi que ela não me ouvia por conta do rádio que tocava músicas sertanejas e informações de Orizona. Era uma rádio local. Assim que me viu, pediu que esperasse enquanto ela enxaguava os panos, deixou-os de lado e abaixou o volume do rádio. Nos sentamos em uma mesa grande de madeira, localizada na área de serviço. Ela se desculpa por ter demorado a me atender. Cheguei após o almoço e ela me ofereceu um café para conversarmos. Ela também já me conhecia, temos laços de parentescos distantes. Dessa vez me apresentei como pesquisadora e perguntei da sua disponibilidade em me ajudar e responder algumas perguntas. De imediato ela se predispôs e também trouxe um discurso comum a todos os entrevistados. Que me ajudaria, mas que provavelmente teriam pessoas que poderiam me contar melhor a História do povoado. Ela indica nomes de pessoas ligadas a Igreja e Escola, duas senhoras, uma aposentada na educação e residente em Orizona, que teria segundo ela, escrito uma cartilha sobre a história de Montes Claros, junto a segunda senhora, também professora aposentada, ministra da eucaristia e irmã do atual prefeito de Orizona. A própria Preta também é professora aposentada, tendo lecionado antes no grupo escolar denominado de Pé Pelado e só depois na escola de Montes Claros, ainda assim, ela não se sente apta para me contar a história do lugar que nasceu, constrói e vive, e indica outras pessoas, que ela acredita serem mais qualificadas. Preta é casada e também mora em uma casa que pertencia aos pais do seu marido. Na casa residem ela, o marido e o filho mais novo. Este estudou na Escola Família Agrícola (EFA) em Orizona mas não quis continuar, terminou o Ensino Médio em Corumbajuba, mas não quis continuar, ficou só dois anos na EFA. 107

O filho mais velho reside em Anápolis - GO. O marido e o filho trabalham na roça localizada ali mesmo, com o trato dos animais e se dedicam a pecuária leiteira. Ela, aposentada, se dedica às atividades domésticas e algumas atividades semanais da Igreja. Preta foi professora primária durante toda a vida, de jovem até se aposentar. Ela fez magistério em Pires do Rio e se tornou professora nas escolas rurais. Viu grupos escolares serem fechados e em sua fala se preocupa com as escolas rurais. ‘Eu não sei se ano que vem a escola de Montes Claros vai continuar não. Os meninos estão todos indo embora estudar ou em Corumbajuba ou em Pires do Rio. Tem mais funcionário do que aluno.’12 Preta me conta a história do povoado. Segundo ela, ele foi fundado em um terreno doado por três fazendeiros, Florentino Nunes de Paula, Benedito Mendes e Joaquim Marçal da Silveira. A primeira missa foi rezada no Cruzeiro no dia 03 de maio de 1935. Não é a toa que a festa mais conhecida, tradicional e esperada do povoado seja a Festa de Maio. Sobre a alimentação ela diz que compra o básico no supermercado. Outras coisas, a gente planta e colhe.

“Às vezes vai ‘passear’ na casa dos vizinhos eles tem um pé de mandioca e quer que traz. A gente tem horta e distribui para os vizinhos.”

Os serviços de banco são feitos em Orizona e Pires do Rio. Serviços de compras e hospitalares são feitos em Orizona e Pires do Rio – ‘depende de onde a gente vai.’ O posto de saúde em Montes Claros atende aos atendimentos básicos, vacinas e faz os primeiros atendimentos.

A Igreja

As missas uma vez no mês como na época das CEBs, no terceiro domingo do mês tem a missa, mas reúne todo domingo para a Celebração da Palavra com a eucaristia.

O padre e as irmãs estão fazendo visitas nas roças. Antigamente, era apenas os missionários.

“A igreja evangélica daqui vem muita gente de fora. Os pastores vem, não sei se é de Pires do Rio ou Orizona e traz o povo de lá, mas daqui mesmo é pouquinho. Deve ter umas 4 famílias que participa lá.”

12 Segundo informações recentes, em agosto foi feita um reunião em Montes Claros, a população se reuniu junto com o atual prefeito de Orizona, Joaquim Marçal, neto de um dos fundadores do povoado, e prometeu que a escola não será fechada. O prefeito ofereceu ainda transporte público, a combi, para os alunos. E prometeu: Enquanto ele for prefeito a escola não fecha!.” 108

Futuro de Montes Claros

Antonio Marçal era vereador em 1976 quando foi elevado a categoria de distrito. Hoje o Nelson da venda é vereador. Montes Claros é o único povoado que não é asfaltado. Não tem muita diferença.

“um monte de coisinha que precisava arrumar, que não arruma.”

“A única coisa boa que fizeram foi arrumar aquela água. Todo mundo tinha cisterna, a água era boa, mas era muito difícil. Mas falta mais vontade das pessoas pra melhorar.”

“Aqui em Montes Claros acho que mais sai do que volta. você vê que aqui tinha muitas famílias né? E hoje...assim, os filhos, é diferente de Corumbajuba. Porque Corumbajuba o povo vai casando e vai ficando lá mesmo. Agora Montes Claros não, o povo vai casando e vai saindo e não volta. Você vê que tá todo mundo idoso né? Fica num lugar todo mundo...poucas crianças, que a escola tá até correndo risco de fechar. To achando que ano que vem não dá conta de abrir ela.”

“E o pior que aconteceu é que aqui tinha o fundamental completo, do primeiro ao nono ano, aí agora, ‘eles tirou’, tem só até o quinto ano. Levou lá pra Corumbajuba. Pra aumentar os de lá pra não fechar e os daqui acabou. “

“Não é muita gente que vem pro terço, mas vai. Dá um pouquinho gente.”

“Daqui uns anos? Nossa! A gente tem medo até de acabar né? Porque se os daqui, os jovens, vai pra fora e não quer voltar. Então não tem como continuar. Vai ficando assim, os velhinhos mesmo. Acho que o pior aqui é que não tem nada que incentiva a ficar. Você vê que ali o único serviço que tem é o da escola, que hoje é muito pouco. Já teve época de ter 20 funcionários, hoje deve ter lá, uma meia dúzia. O posto de saúde que tinha duas pessoas fixa, hoje só tem uma. E tem os agentes de saúde que vai uma vez na semana, o médico que vem uma vez na semana e só. Então, você vê que não tem nada que incentiva a ficar ali.”

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Elza “O povo que saiu daqui vem falá mal, que aqui tá acabando e perguntando depois de comer aquele tanto de pão de queijo e tomar café: O quê que vocês ficam fazendo aqui? O povo pensa que a gente mora aqui porque tá passando fome.”

Elza surgiu como sujeito de pesquisa por suas intervenções espontâneas e inesperadas. Não realizei questionário com ela, ela não estava em meu roteiro de visitas ou entrevista. Ela aparece a partir das frequentes visitas que “Ti”Maria fazia a sua casa. As duas por serem vizinha separadas por duas casas compartilham até o mesmo animal doméstico. Elza vive sozinha em Montes Claros, com seus muitos cães, gatos e passarinhos, todos criados soltos, inclusive os pássaros. Elza é expansiva, animada e se alegra com minha presença. Parece gostar de falar sobre a vida que leva ali. Seu marido fica a maior parte do tempo na roça, cuidando do gado leiteiro e de hortaliças. Possui um filho e uma filha residentes em Pires do Rio. Elza faz questão de afirmar que mora em Montes Claros porque quer. “Eu falo assim: A pessoa tiver paz e tranquilidade na vida, véve em qualquer barraquim, e se não tiver, pode tá dentro de um apartamento, que não tem paz.” Elza e “Ti”Maria tem notícias locais diariamente pelo rádio. As conversas entre as duas são sempre sobre parentes e conhecidos e sobre elementos como chuva, seca. Ou expressões como: Os ovos tão com a gema tudo amarelinha. Ou os polvilho não deu muito certo dessa vez não. Elza me percebe escrevendo e repara que eu sou canhota.

Elza – “A gente que já tá de meio dia pra tarde começá as coisas tem que ser mais rápido, senão aproveita pouco. Maria – Pois é, é o que eu tava faland, elas dizem que quer fazer casa lá, mas que quer vender aqui. Elza – Mas é igual o Tião, a senhora lembra? Aquela vez ele tava com a intenção de nóis vender aqui e ir lá pra roça. Aí eu falei: Mas Tião, se Deus o livre você morrer primeiro que eu, eu vou ficar lá na beira do rio sozinha?Morando lá naqueles fundo? Lá é bão enquanto nóis tá tudo com saúde. Maria – Faltou um, cabô! Elza – Não uai, deus o livre ele for primeiro que eu, ficá lá naquele ‘soturno’ sozinha, aparecer um nêgo lá, eu tava fuzilada. (Risos) . Não tem como! Lá no Baiano, lá onde é que a minha mãe morou, não tem como. É bão enquanto tem muita gente, a hora que já fartá um da 110

família, a gente não tem jeito de ficar assim não. E aqui a gente já passa um pouco de medo, mas fica né, porque ainda tá muito tranquilo. Mas lá nas roça não tem jeito, como é que a gente fica lá nas fazenda? Lá tem nem vizinho direito. Vizinho mais perto não adianta nem gritar que não escuta. Igual lá na Norita, se ela ficar sozinha lá não tem como. Maria – Ela tá contrariada porque a Rosa mudou. Elza – Já mudou de novo? Maria – É, disse que o homem arrendou lá. Elza – O povo não tá parando né, Ti Maria? O povo tá tudo arrendando as fazenda. Achei bão essa menina vim aqui (no caso Eu). O povo novo não tá gostando mais de gente véi. Esses dias ainda tava falando: A nossa feiura não pega em ninguém, a nossa pobreza não pega em ninguém e hoje em dia o povo não tem carinho com gente assim mais não. Tem hora que vem conversa com a gente de longe, a gente pensa: Tá rindo da gente né? Os mais véi não fala igual os mais novo que é estudado não mas nóis fala e o povo entende né, Livinha?

Alberto Nunes de Paula (Seu Bito)

Morador há 75 anos, vive na casa que era dos pais com a esposa e o filho do meio. Seu pai foi um dos doadores do patrimônio, Florentino Nunes de Paula. A casa de Seu Bito fica recuada da rua, tem um mata-burro antes de chegar a entrada da casa, que é murada. A propriedade se assemelha à um sitio, roça. No extenso quintal convivem os animais (galinhas, porcos, vacas) para o consumo da família, roça de milho, cana-de-açúcar que serve para a nutrição dos animais, como também pés de café, plantas frutíferas. O filho do meio do casal trabalha com apicultura e extração de baru do Cerrado. A produção das abelhas para a extração do mel é feita nesse terreno que fica dentro do patrimônio de Montes Claros. A extração do baru se dá também nesse terreno, onde o filho de seu Bito se encarregou de reflorestar com essa espécie nativa. O reflorestamento aconteceu dentro do terreno e em outras partes do patrimônio. Um dos locais escolhidos foi aos fundos da propriedade deles, a frente da área do cemitério. A extração acontece nesses lugares mas, além dos extraídos na própria terra, são contratados coletores de baru de outras partes do município de Orizona. Os barus recolhidos são descascados, torrados e enviados para Goiânia, onde são beneficiados, embalados e distribuídos, ou a castanha torrada, ou em forma de barras de cereais, com farinha de mandioca e rapadura. 111

A dinâmica da família gira em torno dessa produção e das atividades diárias para a manutenção do cotidiano.

Mônica Mendes de Queiroz Resende (Agente de Saúde)

Moradora de Montes Claros, é agente de saúde. Nasceu em 1979. Reside em uma das casas mais novas da vila, na mesma rua da ‘Ti’ Maria e D. Elza, mas do lado oposto. Como se elas estivessem nos extremos da casa. A casa foi reformada, mas é nessa casa que ela reside há 18 anos. Seu sogro mora na casa ao lado da sua. Antes morava em uma fazenda a 4 km de Montes Claros na região do Baú. Na casa de Mônica tem a horta onde são plantadas alface, tomate, cebolinha e cenoura.

Com ela moram o marido e a filha única de 14 anos que faz o 8º ano do Ensino Fundamental em Corumbajuba. As aulas em Corumbajuba começam às 11:30hs da manhã e terminam às 16hs. Para isso, os alunos que irão para Corumbajuba vão esperar a van às 10hs e esperam mais ou menos 20 minutos. Aproximadamente, 16 pessoas pegam a van. Para estar pronta Chegam em Montes Claros 16:40.

Mônica trabalha como Agente de Saúde há 5 anos ela faz as rotas com a filha de carro ou de moto. A filha a ajuda abrir as porteiras. Dependendo dos lugares se tiver muitas vacas ou cachorros, vão de carro.

O posto de saúde funciona todos os dias da semana das 8 da manhã às 18hs da tarde, mas o médico só atende às terças-feiras das 8hs às 18hs. O médico faz encaminhamentos para Orizona – GO ou para Goiânia – GO dependendo do problema de saúde. Em Goiânia existe a casa de apoio para onde os moradores de Orizona são encaminhados.

Realiza as compras ou em Orizona e Pires do Rio, a distância é a mesma, 23km, depende da vontade de cada um.

Gripe e desvio de coluna por conta do serviço braçal. Quase não tem suicídio, quase não tem assassinato.

Mônica frequenta a igreja católica e trabalha no festejo. E, raramente, vão aos festejos dos povoados. Todo domingo tem uma celebração na igreja de São Sebastião e os adolescente e crianças que estão em catequese ou crisma precisam ter uma frequência obrigatória anual. Tem uma carteirinha que os adolescentes precisam levar para as celebrações. Os da catequese 112

podem ter direito a 3 faltas e os da crisma 5 faltas, quem falta mais do que isso precisa começar de novo o curso. Divisões das tarefas Montes Claros, Barreiro, Sussuapara, Baú e Córrego da Garapa.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Montes Claros se constitui pela herança do patrimônio familiar e é, sobretudo, lugar de estar-junto. É o lugar onde estão todos “lado a lado”, “um pelo outro” e porque não um “contra o outro”. É pela harmonia e pelo conflito que se formam as relações simbólicas que se constitui o lugar. (MAFFESOLI, 2006)

Pelo estar-junto, Montes Claros, enquanto um ponto no território, serve como lugar de encontro que ora se expande no sentido das cidades, como Orizona, Pires do Rio, Goiânia ou Brasília e ora se expande aos interiores, para as roças dentro dos caminhos escondidos nos entre rios, por trás das cercas e porteiras. Quando os momentos são de celebração seja dá vida, dos deuses e santos ou para cumprir os rituais de passagem, essas distâncias se comprimem adensando a vila.

Os moradores de Montes de Claros possuem atividades diárias que permitem a manutenção da vida cotidiana no lugar. No sentido mais prático, os setores de serviços (educação e saúde) funcionam no povoado propiciando a dinâmica do estudo e do cuidado com a saúde, mesmo que atendendo uma demanda que aos olhos dos administradores e gestores do governo pareça insignificante havendo uma progressão de que essas atividades sejam desviadas para as cidades maiores, mesmo tendo o transporte público para essas localidades já sido cancelado.

A construção dessa pesquisa se mostrou desafiadora e tortuosa. Estabelecer como propõe Bourdieu (2010) uma ciência reflexiva e elaborar objetos ou interpretações que se afastassem dos objetos já construídos resultaram em horas de conflitos sobre metodologias e busca de elementos para compreensão.

Apresentar que tipo de lugar e como ele se constitui pelos próprios moradores foi um dos caminhos escolhidos para dar luz, voz e importância às pessoas que vivem nesses lugares. Demonstrar que existe uma lógica da convivência diária baseada nas relações vicinais e parentais. Que a casa em que se mora desde o nascimento, ou desde o casamento constitui a identidade e memória dos sujeitos.

Esse tipo de pesquisa pode ser um caminho para compreender as populações que possuem essa configuração espacial. A coleta dos dados da população feita in loco permite traçar um panorama mais próximo da vida cotidiana. É um desafio para a Geografia o estudos 114

desses lugares, pois não existe um rito de pesquisa, é preciso adentrar esse lugares e pelas narrativas e observações tentar entendê-las, principalmente, porque como foi debatido no primeiro capítulo, oficialidade e oralidade nem sempre andam juntas. O saber passado pela oralidade, forma primeira de difusão de informações, conhecimentos e ciência, permanece sendo fonte essencial.

Montes Claros vive os conflitos da dialética do campo e da cidade. Em uma realidade complexa em que coexistem tempos e lógicas espaciais diversas, os movimentos da vida cotidiana promovem sempre o encontro e impedem que se diga que os povoados são só uma coisa ou outra. Sendo possível superar as separações entre tradicional e moderno, camponês e citadino. A alimentação, a maneira como se organiza a casa, o uso de diversas formas de comunicação é permeado por tantos elementos que não se pode excluir, as relações são de complementariedade e não de exclusão.

A transição de moradia da roça para o povoado vem como consequência do esvaziamento das roças pela migração dos filhos, pela diminuição do trabalho. O povoado representa uma chance, uma oportunidade de permanecer no estar-junto e ao mesmo tempo não se afastar das suas raízes e manter uma vida em que se pode usufruir do ócio e do prazer junto ao quintal e a casa.

Dois elementos ainda assolam a vida e permeia a narrativa dos moradores, a solidão e o medo - da escassez e da violência. Esses dois medos e a sensação de estar só são dramas que envolvem todas as pessoas, independente do seu tipo de domicílio, os moradores de Montes Claros, ou da Fazenda Barreiro, os ribeirinhos atingidos pela Belo Monte ou os que moram na Avenida Paulista na maior metrópole brasileira. O ser humano que está vivo diariamente vive o embate entre seus medos e a sua própria solidão.

A sociabilidade tem sempre como objetivo criar espaços de afeto onde a vida se torne possível de ser vivida, onde os prazeres do encontro e do contato com o outro e com a natureza, pela que se nutre, pelo que se relaciona, é uma tentativa de encontrar caminhos para uma vida mais plena e constituída de sentido e significado. Os espaços e lugares se constroem ao dar significado à eles.

A Geografia que se pretende Humana precisa estar atenta ao que move as pessoas, ao que faz com que elas permaneçam e escolham seu destino até o dia de sua morte e repouso final. Para além dos números das pessoas e da sua distribuição, para além das classificações oficiais, redes urbanas ou perspectivas de desenvolvimento e progresso é preciso voltar os 115

olhos de pesquisa e interpretação para a vida das pessoas. Só assim será possível construir Ciência, só assim estaremos cientes do nosso papel como cientistas humanos e sociais.

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ANEXOS

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APÊNDICES Questionário

1 Nome 2 Idade 3 Sexo 4 Estado civil 5 Quantas pessoas moram na casa? 6 Qual a ocupação dos moradores? 7 Qual a fonte de renda? 8 Quais os principais deslocamentos diários? 9 Quais os hábitos diários? 10 Qual religião? Frequenta a igreja? Frequenta os grupos de oração? Somente em Montes Claros? Onde mais? 11 Aposentado? Desde quando? 12 Desde quando mora em Montes Claros? 13 Quando a casa foi construída? 14 De quem era a casa anteriormente? 15 Onde nasceu? Como foi o parto? 16 Quais os maiores gastos da casa? 17 Quantos filhos? Onde moram? Com qual frequência eles vem a Montes Claros? 18 Escolaridade. Onde? Até qual nível? 19 Casamento. Onde? Qual o vínculo de proximidade anterior ao casamento? Parentesco? Vizinhança? 20 Natureza do deslocamento Montes Claros para: 1 Serviços bancários 2 Compras do mês 3 Serviços hospitalares 4 Serviços educacionais 5 Registros civis 6 Rezas, missas 7 Festejos 8 Amigos/parentes