FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE

HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC)

Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a citação. A citação deve ser textual, com indicação de fonte conforme abaixo.

FILHO, Sebastião Miranda da Silva. Sebastião Miranda da Silva Filho (depoimento, 2012). , CPDOC/FGV, 2013. 52p.

SEBASTIÃO MIRANDA DA SILVA FILHO

(depoimento, 2012)

Rio de Janeiro

2013 Transcrição

Nome do Entrevistado: Sebastião Miranda da Silva Filho

Local da entrevista: São José do Rio Preto – São Paulo

Data da entrevista: 6 de junho 2012

Nome do projeto: Futebol, Memória e Patrimônio: Projeto de constituição de um acervo de entrevistas em História Oral.

Entrevistadores: Bernardo Buarque de Hollanda (CPDOC/FGV)

Câmera: Thiago Monteiro

Transcrição: Letícia Cristina Fonseca Destro

Data da transcrição: 25 de junho de 2012

Conferência de Fidelidade: Thomas Dreux

** O texto abaixo reproduz na íntegra a entrevista concedida por Sebastião Miranda da Silva Filho em 06/06/2012. As partes destacadas em vermelho correspondem aos trechos excluídos da edição disponibilizada no portal CPDOC. A consulta à gravação integral da entrevista pode ser feita na sala de consulta do CPDOC.

Bernardo de Hollanda – Mirandinha, muito bom dia. Queremos te agradecer por nos receber aqui em sua casa, nessa linda chácara aqui em São Paulo. Muito obrigado por ter aceito o nosso convite. Eu gostaria de começar perguntando onde você nasceu, em que ano, contando um pouquinho das suas lembranças de infância.

Sebastião Filho – É uma satisfação estar participando dessa entrevista. Realmente, eu nasci em Bebedouro, uma cidade aqui ao lado. Vim de Bebedouro muito cedo, vim para São José do Rio Preto, comecei a fazer uma série de coisas; estudei, fiz tudo aqui dentro de São José do Rio Preto. Depois que passei a ser jogador de futebol.

B.H. – Você poderia contar um pouquinho dos seus pais, o que eles faziam? Eles eram de Bebedouro também?

2 Transcrição

S.F. – Não, a minha mãe era de Olímpia1, nascida em Olímpia, mas também criada em São José do Rio Preto. O meu pai era jogador de futebol da mesma forma, era atacante, muito conhecido aqui na região, em toda região porque jogou no Internacional de Bebedouro, jogou no Rio Preto, jogou no América, jogou em várias equipes aqui da região. Foi um grande atacante. Pelo menos aqui, nessa região toda ele foi muito bem.

B.H. – Interessante, Mirandinha, porque muitos jogadores nos contam que na época que eles começavam não foi fácil ser jogador de futebol. Era uma profissão mal vista. No caso da sua história é curioso porque o seu pai foi jogador. Isso estimulou você? Isso foi ao contrário dessa visão que se tem do jogador, ele te encorajou a ser jogador de futebol?

S.F. – Bem, em princípio eu não gostava de futebol. Então... Para você ver bem como são as coisas. Logo fui ser goleiro. Sendo goleiro já viu, complicado para um pai que é atacante e ele disse-me: “Tem que sair realmente do gol porque você vai complicar tudo”. Em uma época, eu jogava no Grêmio Esportivo Boa Vista, foi aonde eu iniciei quando menino. E eu estava no gol, tive que sair do gol e passei a ser atacante. Mas foi um pouco complicado ser atacante, porque de goleiro e atacante todos nós temos um pouco. Então, ficamos ali fazendo número pelo menos. Mas deu tudo certo, porque depois ele começou a fazer uns treinamentos, eu também comecei a gostar da coisa. E foi tudo bem, correu bem graças a Deus.

B.H. – E você tem irmãos e irmãs?

S.F. – Eu tenho um irmão, a minha irmã – que aqui esta casa é da minha irmã e do meu cunhado. Então, hoje eu estou aqui na casa deles fazendo uma visita. É uma satisfação estar aqui, porque faz muito tempo que eu não venho. Por exemplo, eu digo aqui é muito bom, tem um campo de futebol para que possamos brincar um pouquinho. Brincamos aqui com meu sobrinho. O meu irmão já jogou futebol também, não é? Tem os meus filhos que não jogam aqui, jogam lá em Portugal, jogam fora. Um é treinador, inclusive, o Rafael. Já tenho filhos já de uma idade não é? Já estão até parando de jogar.

1 Cidade vizinha à São José do Rio Preto.

3 Transcrição

O Miran jogou no Braga2, o Rogério jogou no Beiramar3, o Rafael já esteve no Olhanense4. Então, é uma meninada muito boa.

B.H. – Uma família, então, de jogadores.

S.F. – Uma família realmente de atletas. Eles deram certo também e conseguiram seu lugar ao sol e conseguiram brilhar lá fora.

B.H. – Então, por você seguir o exemplo de seu pai, acredito que seus filhos também tenham se inspirado em você para carreira.

S.F. – Eu acho que sim, penso eu que sim. E espero que eles continuem aí na sequência como treinadores de futebol e que possam chegar lá, onde eles realmente almejam.

B.H. – Na sua infância você jogava futebol... Você começou em um clube, mas como era? Você jogava futebol na rua, na escola? Como foi o primeiro contato com o futebol?

S.F. – Nós tínhamos aqui um campinho. Campinho porque a gente sempre fala isso... Tínhamos aqui um campo de futebol que ficava ali perto da estrada de ferro e ali nós brincávamos. Aí, o João de Cais, esse que eu acabei de dizer, montou uma equipe de futebol e colocou o nome de Grêmio da Boa Vista – o meu bairro era Boa Vista. Então, começamos a trabalhar e brincarmos aí. Tudo foi dando certo. Depois eu fui jogar no Botafogo do Mané, no Juventus do Netinho e mais um tanto e fui passando para outras equipes também da várzea que falamos agora. Mas eram equipes bem formadas, com grandes meninos, com meninos muito bons. Eu tinha um jogador que brincava... Aliás, eu acho que ele nem quis ser jogador de futebol, mas ele era muito bom, era o Reinaldinho, excelente jogador de futebol. Eu acho que ele não quis, então...

2 Sporting Clube de Braga.

3 Sport Clube Beiramar

4 Sporting Clube Olhanense.

4 Transcrição

Ele foi ser ourives, coisa que eu também trabalhei com ele lá porque ele que arrumou esse emprego para que eu pudesse trabalhar lá como ourives com ele.

B.H. – Foi um sonho seu ser jogador ou em princípio não, foi uma coisa que aconteceu e quando você viu já estava lá jogando como atleta, como foi isso?

S.F. – Realmente foi isso: foi uma coisa que aconteceu e quando eu estava acordando eu já estava lá dentro. Eu fui para o América5, porque tinham dois jogadores que estavam doentes que era o Lance e o Cabinho – o Cabinho estava com hepatite, e eles me convidaram. Eles me convidando, eu digo: “Tudo bem, vamos lá”. Falaram com meu pai, pediram para que eu fosse nesse jogo lá em Uberlândia é Uberlândia, e fizemos uma partida lá e conseguimos dois a zero. Nessa primeira partida eu fiz os dois gols para felicidade minha, lógico. E conseguimos um contrato depois da partida que fizemos aqui contra Ferroviária, também dois a zero também. Fizemos o meu contrato com o América e deu tudo certo.

B.H. – Você, então, chegou a essa carreira de jogador participando do futebol de várzea, no clube, depois sendo transferido para São José do Rio Preto. E o futebol profissional, você já acompanhava? Você já era torcedor de algum clube? Naquela época você sabia do que acontecia nos campeonatos? Como que era esse contato com o futebol de São Paulo e o futebol brasileiro de uma maneira geral?

S.F. – É como eu disse, eu não acompanhava porque eu também não gostava muito de futebol, não era muito chegado. Depois passei a gostar de futebol de uma maneira muito grande. E o primeiro clube que eu joguei foi o América, certo? Então, eu comecei a jogar no América e comecei a me sentir torcedor do América e deu tudo certo, foi uma coisa muito boa. O América foi gratificante na minha carreira, porque esse pontapé inicial foi dado aqui no América e depois fui para o Corinthians, em uma partida que o Corinthians fez aqui. Estava um a zero, eu entrei no segundo tempo, consegui empatar o jogo e nesse mesmo dia eles me contrataram. Eu fui no mesmo ônibus com os jogadores do Corinthians para São Paulo.

5 América Futebol Clube (São José do Rio Preto).

5 Transcrição

B.H. – Você tem alguma lembrança de ouvir jogo pelo rádio, saber de resultados pelo jornal? Você tinha algum contato ou você não tinha interesse e por isso você não acompanhava?

S.F. – Eu não acompanhava porque eu tinha outras coisas para fazer com os meus amigos, então nós íamos caçar passarinho, fazer uma série de coisas. Naquela época era diferente de hoje, muito diferente. Hoje eles têm computadores, nós não tínhamos nada disso. Nós tínhamos o quê? Era um radinho que a sua mãe tinha lá para você ouvir qualquer notícia e tudo bem.

B.H. – Em 1958, o Brasil foi campeão do mundo na Suécia, você tinha seis anos de idade. Em 1962, já bicampeão, Mirandinha tinha dez anos. Alguma lembrança dessa época do Brasil campeão do mundo?

S.F. – Não, de verdade não.

B.H. – Não. Não tinha?

S.F. - Como eu disse, eu não era muito chegado a jogar futebol. Eu estudava bastante, pensava em outras coisas, e não tinha essa...

B.H. – Então, em 1968, com dezesseis anos, é que você ingressa no América de São José do Rio Preto.

S.F. – Em 1968 para 1969 que eu cheguei no América de Rio Preto.

B.H. – Aí você se mudou de Bebedouro e foi...?

S.F. – Não, eu não me mudei de Bebedouro, eu já morava aqui em Rio Preto. Essas equipes todas que eu joguei aqui foram todas elas aqui em Rio Preto. De Bebedouro eu vim eu era criança, tinha uns três meses. Meu pai veio de lá para cá.

B.H. – E aqui se firmando no América, como era o América daquela época? Era um time de que divisão?

S.F. – Era uma equipe da primeira divisão...

6 Transcrição

B.H. – Primeira divisão.

S.F. - Porque nós jogávamos contra o Corinthians, São Paulo, Palmeiras, Santos, todas essas equipes que temos hoje, certo? E o América era uma equipe muito forte, uma equipe muito respeitada aqui no interior e também na capital. Eu acho que isso daí que facilitou a minha ida para o Corinthians, porque foi em uma partida dessas daí que eu consegui sair daqui do América e ir para o Corinthians. Depois do Corinthians, aí já é uma outra história. Teve minha mudança, saí daqui, fui para o Corinthians, levei minha família, meu pai faleceu também. Então, nós tivemos uma série de coisas envolvida nisso.

B.H. – Ele chegou a ver você jogar?

S.F. – Meu pai chegou, chegou a me ver jogar no Corinthians, porque ele morreu com quarenta e seis anos. Muito cedo. Na minha concepção era muito cedo. Eu já estava no Corinthians fazia quase um ano. Então, foi muito pouco tempo.

B.H. – No América daquela época então você foi conhecendo as cidades disputando o campeonato. Como foi jogar em São Paulo, em um estádio como o Pacaembu? Você sentiu algum peso? Como é que foi esse primeiro momento de afirmação de carreira?

S.F. – Não falei para você que foi rápido? As coisas foram rápidas, porque no América eu cheguei a jogar dois meses, mas não fui jogar no Pacaembu, não fui jogar em nenhum desses estádios. [risos] Eu nunca tinha jogador nem no Morumbi, porque eu disputei primeiro a seleção paulista com Picolé6, Nenê7, Fito8 e uma série de outros jogadores, e nós fomos campeões pela seleção paulista e esses jogadores participavam comigo. Depois eu voltei para o América novamente - depois dessa seleção - e aconteceu a partida contra o Corinthians. E aí sim, pelo Corinthians que eu fui jogar no

6 José Geraldo de Camargo “Picolé” ex-centroavante do São Bento de Sorocaba, Palmeiras e Vasco.

7 Nenê “Peito de Pombo”, ex-volante do São Paulo. Natural de Piraju-SP.

8 Fito Neves, ex-meia do Santos e do Bahia. Natural de Taubaté-SP.

7 Transcrição

Pacaembu, nessas coisas todas, Morumbi, Maracanã. Essas coisas todas que os jogadores realmente gostam e gostariam de estar jogando.

B.H. – Quando você soube da sua contratação, do interesse, foi algo que te mexeu? Que você não esperava? Foi uma mudança muito radical ou já previa e intuía essa ascensão no futebol?

S.F. – Foi radical. Foi uma mudança inesperada, porque nós terminamos a partida, eu estava em casa já, aí chegou o meu pai e disse: “Arruma a sua mala que você vai viajar”. E eu digo: “Para onde?”. “Para São Paulo porque você já pertence ao Corinthians”. Foi assim. Eu digo: “Então, se é assim...”. Já arrumei a minha mala e fui.

B.H. – Aí assinou o primeiro contrato... Como que era o ambiente do Corinthians no final dos anos 1960, início dos anos 1970?

S.F. – O Corinthians realmente tinha problemas, porque o Corinthians não foi campeão. Não era campeão na época, tinha problemas por não ter conquistado títulos, então a dificuldade era maior. Mas, chegamos no Corinthians, disputamos um ano no aspirante, porque tinha campeonato de aspirante, no qual nós fomos campeões também e eu acho que isso foi o que deu o pulo para que eu pudesse jogar na equipe principal. O Aymoré Moreira era o treinador e seguia bastante essa linha dessa meninada e me convidou para ir para uma partida contra o Guarani de Campinas em uma quarta-feira no Parque São Jorge. Era complicado jogar ali. Então, muitos daqueles jogadores antigos não queriam jogar. Então ele me convidando, eu aceitei, entrei, consegui fazer mais dois gols e conseguimos ganhar esse jogo do Guarani. E dali nunca mais tive problema no Corinthians. Continuei jogando como titular e deu uma sequência muito boa.

B.H. – Como era o sistema de jogo da época? Como era a posição de centro- avante, a relação com o meio de campo? Ou até como era o seu estilo de jogo.

S.F. – O esquema de jogo não muda muito. O esquema de jogo é diferente hoje porque você tem jogadores com mais condição física, mas os jogadores que nós tínhamos antes jogavam 4-4-2 ou 4-2-4. O 4-2-4 que é complicado, porque, hoje, você

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perder o meio campo é uma coisa e antigamente a maioria das equipes jogavam nesse esquema. Nós jogávamos realmente com... Por exemplo, jogávamos o Rivelino, o Tião9 e o Suingue10, ou... Qual era o outro meio que nós tínhamos? Era o Sucupira ou um outro qualquer que entrasse. Facilitava ali na frente porque jogava o Aladim11, ou jogava o Paulo Borges12 e comigo no comando ataque. Então, nós fazíamos ali um bom trabalho.

B.H. – Quando você chegou no Corinthians, quem era, até então, o atacante principal?

S.F. – No Corinthians nós tínhamos lá o Célio, tinha o Benê, tinha o Servilio, tinha o Ivair que era o príncipe e o Tales que era mais um dos grandes atacantes que nós tínhamos no Corinthians.

B.H. – Alguma lembrança do treinamento? Como que era a rotina? Você chegou em São Paulo, como foi se adaptar e viver em São Paulo naquele momento?

S.F. – Foi fácil.

B.H. – Você morava perto do clube?

S.F. – Morava perto do clube, não tive muito problema a respeito dessas coisas. Então foi fácil ficar ali, pertinho do Corinthians. Então fui me adaptando bem, levei a família, lógico.

B.H. – Já era casado?

S.F. – Não, não era casado.

9 Ex-volante do Corinthians, jogou no clube de 1968 a 1977.

10 Álvaro Aparecido Pedro, o Suingue, ex-volante e depois curinga, já que também atuou como meia e ponta recuado. Jogou no Corinthians, Palmeiras Fluminense e Vasco.

11 Ex-ponta do Corinthians, Coritiba e Bangu.

12 Ex-ponta do Corinthians e Bangu.

9 Transcrição

B.H. – Família: os pais.

S.F. – Meu irmão, minha irmã e minha mãe, porque meu pai já havia falecido. Então, foi nessa caminhada que nós chegamos lá.

B.H. – Já tinha a concentração? Já havia essa ideia de ficar antes do jogo, nas vésperas da partida, isolado, concentrado ou não?

S.F. – Concentração sempre teve. Sempre teve. Concentração não mudava ou não mudou até hoje praticamente, não é? Muitas equipes estão abolindo isso. Eu acho que é normal, porque o jogador de futebol tem que ter responsabilidade. Não só o jogador de futebol, mas principalmente o homem. Eu acho que o homem é fundamental para que ele tenha responsabilidade e os clubes também têm que pensar essa responsabilidade para que eles possam chegar lá e fazer aquilo que tem que ser feito, não é? Eu acho que isso é fundamental.

B.H. – Então, quando você chegou no Corinthians, um clube popular, com uma grande torcida, sem ganhar títulos, você centro-avante com a missão de fazer gols, conseguiu administrar isso psicologicamente? Como que foi essa...?

S.F. – Ah, difícil, complicado. Isso foi complicado. Em princípio começamos a fazer os gols, aquela coisa toda, e o gol saía e tal. Tudo bem. Depois que eu tive esse problema com a morte do meu pai, eu tive uma paradinha. Enfim, deu um problema. Aí começam a cobrança, uma série de coisas e vai juntando tudo até que você chega a um certo ponto que você pede: “Vamos parar, vamos dar uma respirada”. Havia três clubes que estavam querendo que eu fosse para lá e para minha felicidade eu poderia ter ido para o... Tinha o Fluminense, tinha o São Paulo e tinha o Paulista de Jundiaí. Então, as três equipes estavam interessadas no meu trabalho. E para mim, realmente, foi muito bom ter ido para o São Paulo.

B.H. – Acabou escolhendo o São Paulo?

S.F. – Não foi eu que escolhi. Eles que me escolheram. [riso] Foi muito bom.

B.H. – Entendi. O jogador não tinha muita influência.

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S.F. – Não tinha não. O jogador tinha pouca influência. Não tinha essa opção de: “eu quero ir para aqui. Eu quero ir para ali, eu quero fazer isso”. Hoje já tem tudo isso, tem essa facilidade, mas antigamente não tínhamos nada disso.

B.H. – Quando você entrou no Corinthians já tinha acontecido a Copa de 1970 ou foi depois?

S.F. – Não, não tinha acontecido a Copa do Mundo ainda. Ainda não. Cheguei no Corinthians e ia ter ainda a Copa do Mundo.

B.H. – Chegou a ter alguma expectativa nessa Copa, de convocação ou ainda estava muito no princípio?

S.F. – Mas nem de brincadeira. [risos] Não tinha condição ainda. Eu não era nem titular do Corinthians, estava tentando... O caipira tentando chegar na cidade grande, tentando fazer alguma coisa para ver se pelo menos se encaixasse ali firme. Já era um negócio muito bom ter ficado no Corinthians. Foi muito bom ter conseguido esse espaço.

B.H. – Teve algum jogador do elenco que foi convocado?

S.F. – Sim, naquela época sim. O Rivelino foi o homem campeão do mundo, o era o goleiro, o José Maria também foi, lateral dinheiro. Quer dizer, o Corinthians tinha vários jogadores, o elenco do Corinthians era fantástico. Eu não sei por que não ganhava títulos. Então isso que é impressionante. Os melhores jogadores estavam realmente... Independente de dizer que os outros jogadores não eram tão bons, mas no Corinthians jogavam realmente esses jogadores de excelente nível.

B.H. – E você logo se adaptou e ficou próximo deles? Como era a relação do grupo? Tendo em vista as derrotas, o clima era bom ou tinha...?

S.F. – O clima entre jogadores era normal, um clima bom, um clima excelente, bom nível. Por que era uma rapaziada que... Todos nós sofríamos porque a torcida do Corinthians chegava dizia: “O Rivelino!”. Tanto é que conseguiram fazer com que o Rivelino fosse embora, certo? E o Rivelino era um ídolo, assim, fantástico. Um jogador,

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assim, acima da média. Não tenho como discutir, falar a respeito disso aí. Eu acho que...é bater em...[risos] Fica difícil.

B.H. – Aí depois do Corinthians acabou sendo transferido... Não, a Copa de 1970, o senhor lembra-se de ter assistido a Copa, de ter acompanhado? Aí já como jogador.

S.F. – Já, aí já estava dentro de toda a vivência do futebol e acompanhei a Copa toda. Torci bastante pelos meus amigos, torci para que todos tivessem um bom êxito e foi o que aconteceu.

B.H. – Você lembra-se da comemoração na cidade de São Paulo? As pessoas iam para rua, tinha uma euforia e ao mesmo tempo nós vivíamos a época conhecida do regime militar, como era aquele momento? Era um momento tenso, ao mesmo tempo de felicidade?

S.F. – Vocês sabem muito bem que era difícil, que era complicado, porque nós tínhamos o problema do Regime Militar. Se tivesse você e mais um ali conversando já estavam tramando alguma coisa. Então era complicado, mas, como nós éramos jogadores de futebol e do Corinthians, então nós tínhamos a maior facilidade de comemorar, sair com os amigos, bater um papo. Essas coisas todas que fizemos sempre, e vamos continuar fazendo enquanto o homem lá em cima nos permitir.

B.H. – Então, depois da Copa de 1970 se afirma no Corinthians e é transferido para o São Paulo?

S.F. – Eu joguei no Corinthians mais, até junho de 1973. Você vai ver na sequência de trabalho que eu inclusive fui convocado para a Mini-copa.

B.H. – A Mini-copa foi o torneio de 1972 quando o São Paulo comemora o sesquicentenário?

S.F. – Isso, correto.

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B.H. – Sesquicentenário da independência do Brasil e aí tem a Mini-copa. Você foi convocado então.

S.F. – Fui convocado, mas não cheguei a disputar a Mini-copa. Fui disputar o mundial quando fui para o São Paulo, que foi em junho de 1973.

B.H. – Sim, sim, mas pelo Corinthians já começou... É o princípio do campeonato brasileiro de clubes que se organiza, começou a viajar, a jogar no Rio de Janeiro, em Minas...?

S.F. – Aí já foi diferente, porque no Corinthians, em 1970, eu já tinha viajado para jogar fora. Já jogamos na Espanha, jogamos em vários outros lugares, na Grécia. Eu já tinha passaporte, inclusive.

B.H. – [risos] Eram excursões que o Corinthians fazia?

S.F. – Sim, esses jogos amistosos que fazem, são excursões que a equipe faz. Foi o que nós fizemos.

B.H. – Dava medo ou dava curiosidade de conhecer o mundo, lugares diferentes? Era algo assim que você...?

S.F. – Não, quando eu era jovem era diferente. Eu não tinha medo nada, disso ou daquilo outro, nem de avião, nem dessas coisas ou daquilo outro. Mas hoje eu tenho. [risos].

B.H. – Na época o ímpeto de jovem...

S.F. – Jovem vai embora: “vamos que vamos sem problema nenhum”.

B.H. – A língua... Nada é problema.

S.F. – Nada, nada. Tudo fica fácil, não é? Quando se é jovem facilita, você não tem problema de nada. Mas vai chegando certo ponto e você vai ficando mais tranquilo, mais comedido.

13 Transcrição

B.H. – Então, a transferência para o São Paulo e a convocação para a Copa, como foi esse momento na sua vida?

S.F. – A transferência para o São Paulo foi uma transferência muito boa porque o São Paulo me contratou por três meses, foi por empréstimo. E nesses três meses eles já me contrataram definitivamente porque eu já estava fazendo bastantes gols no São Paulo e essas coisas todas. E aí, logo em seguida, fui convocado para o mundial. Então foi uma sequência muito boa. Quando eu voltei do mundial... Nós perdemos para a Holanda13. Aí colocaram um carrossel holandês e essa coisa toda. Só brasileiro pode fazer isso, brasileiro faz qualquer negócio, inventa carrossel, inventa isso inventa aquilo, coloca nome nessas coisas todas. E foi carrossel holandês. Foi quando perdemos para a Holanda. Depois dessa partida, eu vim para o São Paulo novamente aonde nós viemos a jogar aqui em São José do Rio Preto contra o América no . Foi onde eu tive a fatídica fratura. Uma fratura que eu fiquei dois anos e oito meses, praticamente, sem jogar futebol. Então, fiz sete operações. Foi uma sequência de operações e “volta ou não volta”; “faz ou não faz”; “vai parar, não vai parar”; “vai amputar ou não vai amputar”. Uma série de coisas que mexe muito com a cabeça do cidadão. Não era mais o atleta, era o cidadão, porque o cidadão não já estava mais coordenando as coisas da melhor maneira possível. Mas foi tudo bem.

B.H. – Coincidência que foi na sua... Não na sua cidade natal, mas na cidade que você cresceu.

S.F. – Foi, praticamente a minha cidade natal também, porque foi onde eu cresci, onde eu vivi, onde eu fiz tudo aquilo quando era menino. E em uma jogada com o Baldini14, felizmente ele não teve culpa...

B.H. – Você já o conhecia?

S.F. – Não, não conhecia, não o conhecia. Fiquei o conhecendo aquele dia...

13 Refere-se à derrota para a seleção holandesa na da Copa do Mundo de 1974.

14 Ex-zagueiro do América de Rio Preto.

14 Transcrição

B.H. – Para triste memória.

S.F. – Para triste memória, você falou muito bem. [riso] Mas isso aí faz parte. Eu tinha que passar por isso.

B.H. – Já tinha acontecido alguma contusão antes ou essa foi...?

S.F. – Não, nunca. Eu nunca tinha... Até aquele momento nunca tinha me acontecido uma contusão grave.

B.H. – Nós reproduzimos a foto.

S.F. – Essa mesma.

B.H. – A foto mostra o momento da torção mesmo.

S.F. – Na batida e ela virando na perna do...

B.H. – A violência do choque como realmente foi.

S.F. – Então, são momentos os quais a gente...

B.H. – Era uma época que acontecia contusão desse tipo que podia inviabilizar a carreira. A pessoa ficava...

S.F. – Não, acontecia de vez em quando, uma ou outra contusão dessa forma. E, realmente, naquela época era mais difícil de você voltar a jogar. As pessoas tentavam, mas não conseguiam. E como eu estava lá e aconteceu isso... Mas eu estava no São Paulo. O São Paulo era uma equipe de bons recursos, de recursos excelentes no nível de medicina, com os médicos. Então facilitou bastante o trabalho. E os preparados físicos também, o Medina que realmente foi um expert nisso tudo. Ele trabalhou, fez de tudo para que eu pudesse voltar a jogar a futebol. Ele fez aparelhos, mudou toda uma rotina. Foi muito bom. Excelente.

B.H. – Nessa transferência do Corinthians para o São Paulo você sentiu diferença de um clube para outro? Como que era a mentalidade dos dirigentes? Como

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que eram as relações entre os jogadores? Quem eram os seus contemporâneos de São Paulo?

S.F. – De São Paulo eu tive vários. que é uma pessoa sensacional, fantástica, muito bom moço. Tinha lá o Muricy15 - esse menino que está aí hoje se dando muito bem, eu torço bastante para que Deus continue iluminando a carreira dele para que ele possa chegar aonde ele realmente almeja, ele merece.

B.H. – Você ainda tem contato com ele?

S.F. – Tenho contato com todos eles, com todos os ex-jogadores de futebol não só do São Paulo, mas de todas as outras equipes também. Então, isso que é muito bom e é gratificante.

B.H. – Comparando com o Corinthians, o São Paulo era um time em que a pressão da torcida era menor, em que era...?

S.F. – Realmente era diferente. A torcida do São Paulo não tinha o peso que tinha a do Corinthians. A torcida do Corinthians tinha aquele... Veja bem, era difícil você ficar tantos anos... Eram dezoitos anos sem ser campeões. Eu acho que eu não tinha nascido... O Corinthians foi campeão em 1954?

B.H. – Isso, em 1954.

S.F. – Eu tinha dois anos de idade, então você imagina quanto tempo foi isso. Depois disso tudo... A torcida do Corinthians realmente tinha que gritar, tinha que cobrar. Era uma loucura mesmo.

B.H. – Ao mesmo tempo, em 1970, foi a inauguração do Morumbi que era, então, considerado o maior estádio privado do Brasil.

S.F. – Do mundo.

15 , atual treinador do Santos.

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B.H. – Do mundo. Ao mesmo tempo, o projeto do clube era constituir-se também como um grande clube e com uma grande torcida. Você pega a era Morumbi, você jogou no Morumbi. O São Paulo já da época que era o Morumbi.

S.F. – Correto. Joguei nessa época aí. Imagina, a torcida do São Paulo já era uma torcida grande. O São Paulo não tem uma torcida pequena. E depois, na sequência, o São Paulo foi crescendo também gradativamente. Cada equipe que vai conquistando títulos, vai sendo campeão disso, campeão daquilo, vai conquistando também torcedores. Isso é claro. Hoje, por exemplo, você vê o Santos, certo? Esses meninos que estão aí, ele e o Ganso, o e o Ganso16 estão aí trabalhando dessa forma e já estão conquistando muito mais torcedores para o Santos. Da mesma forma que faziam Pelé, Edu, Coutinho, todos esses meninos que jogaram lá no Santos, todos eles foram fantásticos.

B.H. – Seleção brasileira de 1970, você ainda estava se afirmando no Corinthians e não havia essa perspectiva. Depois você contou que houve a convocação para a Mini-copa, chegou a ter o nome lembrado... Quando é que esse nome começou a se tornar mais possível na sua carreira de jogador? Foi na medida em que o seu desempenho no São Paulo foi sendo conquistado?

S.F. – Correto, dessa forma: foi quando eu comecei realmente no São Paulo a me firmar de vez como artilheiro mesmo, um homem que sabia fazer gols. Então, foi o que me facilitou bastante. Eu já sabia alguma coisa, mas fui aprendendo muito mais com esses meus companheiros; como aprendi lá com o Rivelino de uma forma e aprendi com Pedro Rocha também da mesma forma a fazer os gols. Então, eles facilitaram bastante o meu trabalho: José Carlos Serrão17 que jogou ao meu lado. Esses jogadores todos facilitaram bastante o meu trabalho.

16 Refere-se a Paulo Henrique “Ganso” que em Setembro de 2012 transferiu-se para o São Paulo.

17 Zé Carlos, ex-ponta e meia esquerda do São Paulo Futebol Clube.

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B.H. – E como centro-avante tinha algum tipo de treinamento especial ou o treinamento era de velocidade de corrida, de chute? Que tipo de técnica era mais aprimorada?

S.F. – Os treinamentos eram todos feitos realmente por, como eu já disse, preparadores físicos que sabiam realmente o que estavam fazendo. Eu tive o Rigo no Corinthians, vários preparadores físicos, várias pessoas fantásticas que sabiam realmente o que estavam fazendo. Então, isso daí facilitou bastante aquilo que eu tinha de melhor, o que eu tinha de bom na época, que era a velocidade. Realmente eu era um jogador veloz e eles aproveitaram bastante e fizeram com que eu aproveitasse muito mais isso daí.

B.H. – Você observava outros atacantes? Tinha algum modelo? Tinha alguém que você gostava? Como que era isso na época, tinha alguma referência de ataque que te estimulava?

S.F. – Fica mais complicado porque você não tem tempo nem para fazer isso. Não tinha tempo.

B.H. – Não tinha televisão também?

S.F. – Não tinha televisão.

B.H. – Estava começando?

S.F. – Estava começando. A televisão chegou... Essas coisas todas... Como eu sempre brincava com a minha avó que faleceu há pouco tempo... Não faz muito tempo que a minha avó faleceu. E a minha avó faleceu com cento e poucos anos, então você vê, a televisão dela ainda tinha um papel azul na frente assim e falava que era colorida, então imagina. [risos] Essa era a cor da TV.

B.H. – Então, eram nos jogos mesmo que você conhecia os outros times, os outros atacantes. Enfim, não havia um grande nome... Quer dizer, o Brasil na Copa de 1970 já tinha tido o , mas não havia ninguém especial como modelo para você

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nessa época que você admirava, que você gostava. Mesmo de fora do Brasil não tinha algum nome conhecido?

S.F. – Não, não, não tinha, como já disse, nenhum jogador desta forma. Eu acho que o jogador de futebol também não tem muito tempo para ficar pensando: “olha, vou jogar como aquele. Vou fazer como esse”. Não. Ele vai fazer aquilo que dá no momento e aquilo que a capacidade dele permite. Se a capacidade hoje, por exemplo, do Lucas do São Paulo e do Neymar do Santos de dar os dribles que eles fazem, certo? Não seriam o que são hoje, certo? São respeitados, são bons meninos, sabem o que querem, de que maneira eles querem, mas não dá tempo para ficar pensando: “Eu vou fazer igualzinho fazia o .”. Não tem como, certo? Não tinha condição. Então, eles estão fazendo o trabalho deles da maneira deles como nós fazíamos da nossa maneira. Mas você tem alguns jogadores que nós sabíamos da história, sabíamos como eles faziam e que já eram os nossos amigos, por exemplo, o Coutinho18, certo? Eu sabia como ele fazia. O Toninho Guerreiro19 eu sabia como... Então, você via na televisão como eles faziam. O César, por exemplo, jogou na minha época e jogou comigo na seleção.

B.H. – O César Maluco.

S.F. – [risos] César Maluco. Então, o César era um grande artilheiro, um artilheiro nato. Eu acho que esses jogadores têm que ter seus nomes realmente lembrado. Roberto Dinamite20 era um baita de um atacante. Então você vai vendo. Se eu for enumerá-los aqui não vou parar mais, então... Eu acho que são tantos e eu digo que todos eles merecem o meu respeito.

B.H. – Você falou do preparador físico, e a relação com o treinador do São Paulo? Quem era o treinador do São Paulo naquela época?

S.F. – Em princípio era o José Poy. Foi goleiro do São Paulo...

18 Wilson Honório “Coutinho”, ex-centroavante do Santos, parceiro de Pelé.

19 Antonio Ferreira “”, ex-centroavante do Santos e do São Paulo.

20 Maior atacante da história do Vasco da Gama.

19 Transcrição

B.H. – Tinha se criado no São Paulo...

S.F. – Tinha se criado no São Paulo, era um homem que tinha muito o São Paulo dentro dele mesmo, porque... É aquele ditado, veio de fora, chegou aqui, recebeu do São Paulo todo carinho, aí foi embora.

B.H. – Foi de fora? Ele era...?

S.F. – Ele era argentino.

B.H. – E a relação com ele foi boa?

S.F. – Fantástica, fantástica, porque ele que me deu apoio, me trouxe para o São Paulo, foi ele que me deu o aval. Não só por isso, mas... Nós tínhamos um respeito muito, muito grande.

B.H. – Então, 1973 e 1974 a sua expectativa de ser convocado começou a ser mais concreta ou continuou sendo para você uma surpresa?

S.F. – Eu continuei trabalhando forte, trabalhando sério. Eu fui convocado e logo no Rio de Janeiro... Nós fomos para lá, fizemos os treinamentos, essas coisas todas e na sequência nós fomos cortados: eu, o Enéas21 e o Carbone22. Nós três fomos cortados e a seleção brasileira viajou. Eu voltei juntamente com Enéas para São Paulo e o Carbone ficou no Rio de Janeiro, porque ele já estava lá, jogando inclusive, no Botafogo. Mas lá fora, eles conseguiram... O Clodoaldo23 teve uma contusão e o Wendell24 também teve uma contusão. Você não vai pensar que vai ser convocado, mas nas duas partidas que eu fiz aqui... Estava tendo a Libertadores, os jogos Libertadores, inclusive...

21 Ex-meia atacante da Portuguesa, Palmeiras e XV de Piracicaba.

22 José Luiz Carbone, ex-voltante do Internacional-RS.

23 Ex-volante do Santos.

24 Ex-goleiro do Botafogo e do Fluminense.

20 Transcrição

[INTERRUPÇÃO NA GRAVAÇÃO]

B.H. – Estávamos falando da sua convocação para a Copa de 1974 e um pouco antes você se destacou no São Paulo como vice-artilheiro do campeonato brasileiro e foi referência da Revista na categoria Bola de Prata. Lembra dessa...?

S.F. – Lembro, lembro. Inclusive eu tenho aí a Bola de Prata, tenho essas coisas todas guardadas.

B.H. – Guardou o troféu?

S.F. - Faz parte. Ganhei a bola de prata, fui um dos melhores atacantes, essas coisas todas. Fui convocado. Nós estivemos no Rio de Janeiro.

B.H. – Nas eliminatórias?

S.F. - Nós estivemos só no Rio de Janeiro. Por enquanto, foi o primeiro trabalho que fizemos com a seleção. Aí fomos cortados: eu, o Enéas e o Carbone. Mas houve um problema lá quando viajaram para a Alemanha com o e o Wendell, o goleiro. Eles tiveram um problema sério, então reconvocaram o Mirandinha e levaram também o .

B.H. – Levaram e no caso o técnico era o Zagallo?

S.F. – Sim. E logo em seguida...

B.H. – Ele lembrou de você então... O Zagallo tinha...

S.F. – Logo em seguida nós fomos para lá e essas coisas todas. Mas logo na segunda partida, de imediato, ele já me colocou para jogar. Eu até me senti satisfeito e lisonjeado com isso, porque você ser cortado, voltar e depois realmente conseguir um espaço para poder jogar já é uma coisa, assim, gratificante. O mais gratificante foi que nós chegamos até as quartas de finais. E esperávamos chegar à final porque estávamos ali trabalhando duro, mas infelizmente não foi possível.

21 Transcrição

B.H. – Como é que foi a lembrança do grupo? Como era o grupo da Copa de 1974? Você já pegou essa fase direto do Rio, mas você foi direto para a Alemanha com o grupo ou o grupo já estava lá e você se integrou com essa convocação derivada do corte do Clodoaldo?

S.F. – Primeiro eu convivi muito com o grupo aqui no Rio de Janeiro. Depois eu saí e fiquei duas ou uma semana fora, não mais do que isso. Aí fui logo reintegrado ao grupo novamente, mas lá na Alemanha. Então, não tive problema nenhum, e nem o Waldir Peres poderia ter problema porque nós tínhamos ali um grupo muito bom, jogadores de excelente nível. O que facilitou foi a amizade que nós tivemos, que nós tínhamos. Eu acho que isso aí facilitou bastante.

B.H. – Havia uma convicção da conquista pelo fato de ser tricampeão, favorito, uma equipe de qualidade? Como era a expectativa dentro do grupo em relação...?

S.F. – A expectativa era a melhor possível. Nós tivemos a possibilidade de fazer isso. Nesse jogo contra a Holanda nós perdemos, ou deixamos de fazer, acho que é mais fácil falar dessa forma, os gols, logo no princípio da partida. No princípio da partida podíamos ter definido ali e não teríamos ouvido falar em carrossel e essas coisas todas que nós ouvimos hoje. Hoje ouvimos que fizemos o quê? Demos uma moral danada para outros jogadores ao qual não deveríamos ter feito. Mas, isso aí é do futebol e acontece. Eles fizeram bem o trabalho deles e boa sorte.

B.H. – As primeiras partidas da Copa, o Brasil teve dificuldades de marcar gols. Foram dois jogos; um contra a Iugoslávia, outra contra a Áustria, dois zero a zero. Faltava ali o centro-avante para...?

S.F. – Não faltava não, o time era, era uma equipe muito boa e essa equipe era formada por grandes jogadores. Dependendo da maneira a qual o Zagallo queria jogar, foi a única maneira que a equipe estava se encaixando. Então, ele preferia, colocou o Valdomiro, colocou o e o Jairzinho. Aí na frente, no lado esquerdo, estava o Borboleta, Borboleta ou o Caju25 e ainda tínhamos o Edu na reserva. Então você

25 Paulo César Caju.

22 Transcrição

vê bem o que é que tínhamos aí. Ele tinha uma variedade de excelentes jogadores, de nível. E realmente ele estava trabalhando da melhor maneira possível, da maneira a qual ele achava melhor conduzir a equipe.

B.H. – E dentro do grupo... Você disse que era um grupo unido, que tinha um censo de coletividade, mas havia essas diferenças entre cariocas e paulistas, entre os pequenos grupos que eram titulares e os que eram reservas? Havia algum tipo de...?

S.F. – Não, não não, tinha nada disso.

B.H. – A relação com o técnico era boa? Era uma seleção coesa?

S.F. – Não tinha nada dessas coisas de rivalidade ou briga essas coisas todas, porque nós tínhamos que ganhar e para ganhar, você sabe muito bem, tem que ter união e tem que ter um grupo formado. Se o treinador realmente estava conduzindo e bem a equipe... Senão a equipe não chegaria as quartas de finais. Não seria ali que um seria carioca, o outro seria paulista, o outro seria gaúcho. Então, nós éramos representantes do Brasil e não representantes do meu estado. Nós estávamos ali unidos e eu acho que era um grupo de alto nível.

B.H. – Mas quando os resultados negativos vieram, essa unidade foi quebrada ou o grupo soube assimilar o peso de uma derrota, as cobranças da imprensa? Como que foi viver esse momento de derrota da seleção?

S.F. – Veja bem, quando nós tivemos o problema todo que você está falando. Nós tivemos um problema porque tivemos essa derrota para a Holanda. Se nós tivéssemos vencido a Holanda, nós não teríamos problema nenhum no jogo seguinte, porque estaríamos praticamente classificados, estaríamos na final. Era uma partida a mais, como foi uma partida a mais. Mas aí você perde. Porque quando você sai da competição é difícil. E, às vezes, acontece algumas coisas. Jogador discute, o outro fala, mas nada mais do que isso. Isso aí faz parte, eu acho, em qualquer trabalho, em qualquer segmento.

23 Transcrição

B.H. – Quer dizer, houve de fato, depois do jogo, o desentendimento do Leão com o .

S.F. – Desentendimento há em todos os lugares como eu já disse. Veja bem, eu não sei se houve esse desentendimento mais forte ou não.

B.H.- Você não viu?

S.F. - Mas eu não vi esse desentendimento. Eu vi que alguém falou: “Olha o Marinho e o Leão discutindo”. Discutir faz parte e o futebol foi feito para isso, para nós conversássemos, discutíssemos com nossos companheiros.

B.H. – Além da discussão, dizem que houve efetivamente uma briga.

S.F. – Isso eu não vi. Não vi briga nenhuma. Agora só os dois podem falar; ou o Marinho ou o Leão.

B.H. – Não teve testemunhas no vestiário para...

S.F. – Não, porque não teve nem tempo disso aí. O que disseram que eles brigaram, discutiram no túnel. Depois no vestiário não teve nada.

B.H. – O clima...

S.F. – Lá dentro do vestiário eu posso dizer para você que não houve nada.

B.H. – A Copa de 1974 tinha sido antecedida pelos jogos olímpicos em Munique. Em 1972 houve... Delegação judia houve um atentado. Na Copa de 1974, você sentiu tensão por conta já do que ia acontecer no mundo por conta do terrorismo? Isso foi vivido?

S.F. – Muito, muito, lógico. Realmente, porque nós vivíamos fechados. Tinha polícia por todos os lados, todos os lados e era fechado todinho com madeira para que ninguém olhasse lá para dentro. Ninguém entrava e nós não saíamos. Esse é o xis da questão. Só saíamos realmente e saímos com escolta: “Vai sair?”. “Vai”. “Então vamos com eles”. Era assim, então não tinha mesmo meio complicado... Foi meio complicado.

24 Transcrição

B.H. – Em que cidades você disputaram os jogos?

S.F. – Nós jogamos em Hannover, depois jogamos em...

B.H. – Porque teve o primeiro jogo contra a Iugoslávia no zero a zero. Contra a Escócia você se torna, tem o lugar no Valdomiro embora também no zero a zero. E aí tem o terceiro jogo em que a vitória sobre o Zaire tinha que ser pelo menos três a zero e vocês conseguem fazer os três a zero. E você entra no segundo tempo no lugar do Leivinha. Aí na segunda fase uma vitória magra, mais simples sob a Alemanha Oriental de um a zero que jogava em casa.

S.F. – É o que eu digo sempre: “Vitória é vitória. Vitória, não tem magra e nem simples. Se você ganhar de um ou ganhar de dez, os três pontos são os mesmos”. Então eu digo sempre. Eu poderia ganhar de dez...

B.H. – Então na primeira fase vocês ficaram em Hannover. Depois, na segunda fase, contra a Alemanha Oriental é que...

S.F. – Nós mudamos. Agora eu não me recordo o nome da cidade.

B.H. – E aí o jogo da vitória convincente sobre a Argentina de dois a um.

S.F. – Sempre convincente contra a Argentina. Contra a Argentina é sempre convincente. Mas não tem anda a ver uma coisa... Eu preferia realmente que nós fizéssemos um a zero na Argentina, um a zero em todo mundo, em todos eles.

B.H. – [risos] Vitórias magras.

S.F. – Vitórias bem magrinhas [risos].

B.H. – Aí passada a Argentina, o jogo contra a Holanda. Você já vinha ouvindo falar sobre a Holanda ao longo da Copa ou foi algo que não se esperava? Era uma equipe formada por jogadores do Ajax, campeões europeus dentre os quais Johann Cruyff. Como foi a certeza... Diz que o Zagallo afirma que a Holanda era um bom time, mas que não tinha tradição e que por isso o Brasil venceria. Como foi lidar com esse jogo? O que era a Holanda, até então, para vocês?

25 Transcrição

S.F. – A Holanda, realmente, independente até do resultado, era mais uma equipe. Nós já tínhamos brigado com a equipe principal que nós tínhamos que brigar que era a Argentina. A Argentina tinha uma equipe excelente, de alto nível. E nós íamos pegar a Holanda. “Vamos pegar a Holanda. Vamos fazer um trabalho forte”. Mas é aquele dia que realmente nada dar certo. Deram um pontapé na bola e a bola caiu por trás do Leão. Incrível, pegou na perna do nosso zagueiro aqui na linha de fundo e foi entrar lá do outro lado, por cima do... Então você vê como são as coisas. E depois a nossa equipe completamente se desarrumou, desarticulou depois daquele gol. Depois ficou difícil trabalhar, ficou difícil para o Zagallo até arrumar. Para o Zagallo arrumar ficou difícil, complicou. Não tinha como ele arrumar mais, porque ali você poderia até tirar esse e colocar aquele que as dificuldades continuariam sendo as mesmas.

B.H. – Essa condição de ser sempre o país favorito, ser o país com a seleção com a obrigação de vencer, isso pode também ser um fator que cria um peso para o jogador? Você se sentiu nessa obrigação: “temos que ganhar porque somos equipe tricampeão do mundo”?

S.F. – Cria. Realmente é até um ambiente complicado, pesado, porque você tem que ganhar o tempo todo. É o melhor, é o melhor e tem que ganhar o tempo todo. Não adianta. O Brasil entra em qualquer competição. O Brasil, qualquer... vôlei, basquete, nós temos que ganhar tudo. Não queremos empatar com ninguém. Nós achamos que os adversários não são nada. Fomos campeões de basquete com o Oscar lá contra os Estados Unidos, mas, rapaz, mas, faz quantos anos? E ainda, qualquer coisinha, nós voltamos: “batemos em vocês”, mas faz muito tempo. [risos] Isso é coisa mesmo que acontece aqui no Brasil. O brasileiro é assim. Ele quer realmente ganhar, a competição tem que ser dele. Vai competir bolinha de gude, é dele. Ele tem que entrar para ganhar. E, às vezes, a gente diz... Agora, por exemplo, digo: “Não, não é nada disso”. Essas coisas todas, mas é porque eu também queria ganhar. De qualquer maneira eu queria ganhar. Eu quero ganhar sempre, mas nem sempre isso é possível.

B.H. – E essa posição de estar ali no banco de reserva com a possibilidade de entrar, isso gera uma ansiedade, uma motivação?

26 Transcrição

S.F. – Lógico. Motivado você já está, mas a ansiedade não deixa você fazer aquilo que você sabe da melhor maneira possível, porque você já entra tendo que resolver. Você vai entrar e vai resolver tudo. E não funciona assim. Não tem jeito, são maneiras diferentes. Você tem que pensar que ó você vai entrar e vai trabalhar junto com seus companheiros para que isso aconteça. Mas vai se fazer o quê?

B.H. – No jogo seguinte, já sem perspectiva de ser campeão.

S.F. – Não valia mais nada.

B.H. – A derrota contra a Polônia não foi...?

S.F. – Insignificante. Tanto é que eu estou dizendo, nós queremos ser campeões, nós queremos brigar pelo primeiro lugar, então foi uma partida que não significava muito. Mas, nós queríamos também ganhar, não queríamos perder e aconteceu aquele gol que nós tomamos do Lato que foi um gol, assim, complicado, mas vai se fazer o quê? Nada. Agora, a história já está aí, estamos só contando a história porque não tem mais jeito. Não tem como mudar de maneira alguma.

B.H. – E voltar para o Brasil? Como foi a relação dentro do grupo e essa volta para o país? Quer dizer, já havia uma imprensa esportiva, já havia uma repercussão, você sentia isso: “Estou voltando de uma Copa derrotado? Havia essa responsabilidade ou era ainda um peso pequeno diante do que é hoje essa presença dos meios comunicações no esporte?

S.F. – Não, veja bem. Aconteceu, então, infelizmente, não podíamos fazer mais nada. E como eu já disse, cada um foi para o seu grupo procurar trabalhar da melhor maneira possível. Mas aquilo tudo fica com a gente, é lógico, porque como eu acabei de dizer: perder é duro, é difícil, principalmente em mundial.

[FINAL DE ARQUIVO I]

B.H. – Mirandinha, em sua avaliação da Copa de 1974, você afirmou o seguinte: “Eu joguei em quatro partidas, e apesar da derrota tirei muito proveito dessa

27 Transcrição

experiência. Afinal, jogar pela seleção é o sonho de qualquer jogador e eu cheguei lá”. Você confirma essa sensação de...?

S.F. – Correto. Essa é a sensação realmente de um atleta ou de todos os atletas que querem realmente chegar a algum lugar. E chegar à seleção brasileira é o máximo, ou é ápice. Você chega e não tem mais lugar nenhum para tentar passar disso. Então é fundamental. E o mundial então é além da imaginação.

B.H. – Quando você voltou, havia expectativa de que seria convocado novamente?

S.F. – Sim, porque eu acredito sempre no trabalho e o trabalho que eu estava realizando era um trabalho bom. Então eu acredito bastante que eu poderia ter sido novamente convocado se não houvesse todo aquele problema que eu tive, que houve a fratura. Isso daí atrapalhou muito, muito a minha carreira e me deixou um pouco frustrado.

B.H. – Mesmo no ano de 1974 você volta. Como é voltar a jogar no São Paulo já tendo chegado ao ápice, como você disse, na Copa de 1974? Como é retornar para um campeonato local nacional? Muda muito essa experiência de ter passado pela seleção? Como foi esse...?

S.F. – A seleção brasileira é uma coisa completamente diferente. O clube de futebol é outra coisa. O clube de futebol é o que lhe dá a oportunidade para você chegar à seleção brasileira. Então você tem que estar sempre bem no clube para que você possa chegar lá na seleção brasileira. Eu acho que isso é fundamental.

B.H. – Em 1974 ainda, você disputa a Libertadores pelo São Paulo. Como foi a sua experiência de Libertadores? A primeira.

S.F. – Realmente foi uma Libertadores bem disputada, bem complicada também, porque nós tivemos o resultado aqui no Pacaembu. Ganhamos de dois a um, eu fiz o segundo gol...

B.H. – Contra?

28 Transcrição

S.F. – Contra o Independiente26. E depois fomos lá na Argentina contra o Independiente. Perdemos lá e fomos decidir o título no Chile. Aos quarenta e três minutos do segundo tempo, Ramon Barreto27 deu um pênalti a nosso favor... Quarenta e três ou quarenta e um, alguma coisa assim. Infelizmente o José Carlos Serrão28 bateu e o goleiro pegou. Na batida do goleiro, na recarga, o atacante deles sofreu um pênalti a favor deles. Ele bateu, o Ramon Barreto terminou o jogo ali e eles foram campeões. Foi assim que nós perdemos uma Libertadores.

B.H. – Chegaram ali quase...

S.F. – Quase. Esse quase foi muito complicado. Mas infelizmente acontece isso mesmo.

B.H. – Tinha sido um ano exitoso jogando pelo campeonato brasileiro, tanto que tinha chegado a Libertadores. Chegou ali no momento mais...

S.F. – Chegamos ali perto realmente de sermos campeões. Infelizmente não deu, não foi possível.

B.H. – E ainda no ano de 1974 tem a contusão.

S.F. – Aí eu tive a contusão nesse jogo fatídico aqui em São José do Rio Preto contra o América, onde eu iniciei a minha carreira.

B.H. – E quando aconteceu no jogo você tinha a dimensão da gravidade que perduraria por tanto tempo essa contusão, ou foi ali na hora do incidente que você sente, mas não imagina o grau de dor que seria por tantos anos?

S.F. – Não, não, você não imagina, é lógico. Você acha que quebrar uma perna... Você vai ali e conserta e está tudo bem... Rápido, uma ou duas semanas, quinze dias. E a minha durou anos. Foram dois anos e meio que realmente me atrapalharam totalmente.

26 Club Atlético Independiente (Buenos Aires – ARG)

27 Ramón Ivanoes Barreto Ruiz. Juiz de Futebol uruguaio. Único juiz de futebol a apitar duas finais consecutivas de Copa do Mundo 1974 e 1978. Era o arbitro daquele jogo.

28 Ex-ponta do São Paulo.

29 Transcrição

Complicaram e complicaram muito. Mas, nós voltamos novamente a jogar futebol e fomos campeões brasileiros pelo São Paulo.

B.H. – Você ainda...

S.F. – Ainda fui campeão brasileiro pelo São Paulo, depois que eu fui embora para os Estados Unidos.

B.H. – Mas teve uma supervisão quando você teve esse tempo...? Como foi a relação com o São Paulo? O São Paulo acreditou em você, você teve a paciência de esperar? Como foi essa negociação nesse período da contusão?

S.F. – Foi normal. O relacionamento Mirandinha e São Paulo foi muito bom, tranquilo, sem problemas. O São Paulo fez o que tinha que fazer como o clube que é, e o Mirandinha fez o que tinha que fazer que era recuperar para poder voltar a trabalhar novamente. Então, nós fizemos da melhor maneira possível. E fazendo certo, da melhor maneira possível, deu tudo dentro dos conformes. Tanto é que eu voltei e fomos campeões brasileiros.

[Breve interrupção na entrevista por conta do sobrevôo de um avião no local]

B.H. – Você ficou mais de mil dias sem jogar e retorna ao futebol no final de dezembro de 1977, início de 1978 você marca o seu primeiro gol e o São Paulo é campeão brasileiro nesse momento. Então, para você foi uma volta por cima, foi uma capacidade de ainda dar alegria, conquistar títulos e se afirmar como o Mirandinha no futebol profissional brasileiro?

S.F. – Foi um trabalho duro, um trabalho de formiguinha, um trabalho de superação. Isso tudo foi o que nós tivemos. Porque muitos disseram que não andaria, houve até uma junta médica na qual os médicos realmente constataram e disseram que não poderia... Uma deixaria um pouquinho mais curta, a outra de outra forma... Mas apareceu o Bartolomeu Bartolomei, um médico fantástico, para mim mais do que fantástico, que conseguiu realmente colocar a minha perna em dia e disse que em quatro

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meses eu voltaria a jogar. E eu voltei nesses quatro meses. Voltei a trabalhar forte novamente e consegui voltar a jogar da mesma maneira que eu queria.

B.H. – E esse título? O que você lembra dessa conquista? Do grupo?

S.F. – Isso é gratificante, isso que é fantástico: você sair de uma contusão dessa, dessa forma, depois de dois anos e meio e voltar a ser campeão. Eu acho que isso daí não tira... Me deixa assim, de uma tal maneira, que é até difícil de dizer. As palavras quase não saem a respeito dessas coisas.

B.H. – Quando, por exemplo, você acompanhou anos depois uma contusão grave e recorrente, como foi o caso do Ronaldo, o fenômeno, isso te remete àquilo que você viveu? Ou seja, você se coloca no lugar do jogador quando ele também passa por uma situação dramática como essa? Isso te identifica, te dói também? Isso que é um acidente de trabalho do jogador profissional, e quando acontece isso também te marcou para o resto da vida?

S.F. – Essas contusões realmente são coisas assim que marcam. Veja bem, o Ronaldo teve aquela contusão e por infelicidade minha, minha, o meu filho também teve a mesma contusão. Ele jogava no Olhanense em Portugal, e teve a mesma contusão. Ele fez a operação, viu como é que ficava e disse: “Não jogo mais, pai”. Eu disse: “Está bom, se você acha que é melhor não jogar...”. Porque ele disse que dói e dói muito. E eu acho que o Ronaldo foi fantástico em brigar com tudo isso e conseguir voltar a jogar, e fazer tudo aquilo que ele fez. Ele merece realmente ser o moço que é.

B.H. – No São Paulo, depois que você conquista o título, você considerou que a sua fase tinha se esgotado no São Paulo? Como é que foi sair do São Paulo, como é que foi essa decisão? Foi algo que partiu de você ou foi um interesse que apareceu...?

S.F. – O São Paulo... Nessa época apareceu o seguinte, o pessoal dos Estados Unidos, do Tampa Bay, eles vieram para levar o Serginho29. Mas o Serginho não podia ir porque estava suspenso, tomou aquela suspensão por um ano. Alguns problemas que

29 Refere-se ao jogador Sérginho Chulapa, ex-atacante do São Paulo.

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houve com o Serginho. Então, eles disseram: “Então, vamos levar o Mirandinha”. Aí o pessoal do São Paulo... Já estava meio complicado porque já não tinha atacante... [risos] Aí conversamos e tal, achamos melhor eu ir para lá porque também já ia facilitar bastante na parte financeira, já ia dar uma ajudada boa e eu fui para lá. Eu fiquei duas temporadas no Tampa Bay e uma no Memphis Rogues no Tennessee. Então foi uma mudança. Fiquei três anos trabalhando com eles, três temporadas nos Estados Unidos. E uma delas nós fizemos a final com o Cosmos, com o Tampa Bay fizemos a final com o Cosmos lá em New Jersey. Perdemos... Tínhamos que perder, não tinha como. [risos] Perdemos de três a um, mas isso é normal. Perdemos de três a um porque a equipe deles tinha a famosa... Um grupo de jogadores realmente que... Beckenbauer, Messing e todos mais e companhia, Carlos Alberto. Um time que já vinha jogando há muito tempo junto, com jogadores de alto nível, tricampeões mundiais, bicampeão mundial, então... Na nossa equipe só tinha eu que já tinha disputado um mundial, só eu. No restante nós éramos formados por jogadores que vinham de outros lugares – Inglaterra, Escócia – mas bons jogadores. Jogadores que davam muito trabalho, por isso que fizemos essa final.

B.H. – Mudar com a família para os Estados Unidos, para outro país, para outro contexto futebolístico, onde até a tradição era bastante recente, justamente com o Cosmos se tentava afirmar o futebol nos Estados Unidos. Como foi essa entrada no país, na cultura norte-americana e no futebol particularmente?

S.F. – Sempre é complicado você chegar em outro país e tentar se adaptar a tudo aquilo. Mas, eu levei de uma maneira mais à vontade, fui conversando e me acertando. Quando apareceu realmente a hora de trabalhar que era com o futebol, com a bola, foi onde nós nos saímos muito bem e conseguimos chegar lá com... Temos até torcida com nome, aquela coisa toda que o americano gosta de fazer, aquela marketing todo. Eu acho que isso aí foi fundamental para o trabalho que nós realizamos lá.

B.H. – E a relação com os outros jogadores, você se vinculou bem?

S.F. – Normal. Problemas sempre você vai ter, vai ter com esse ou aquele, porque o treinador era inglês, Gordon Jago, o meia que jogava era inglês, o centroavante

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era escocês. Então era uma confusão e eles diziam que o treinador inglês estava tirando um emprego de um inglês para dar para um sul-americano. Então é um negócio complicado. Que eles iam ligar para a Inglaterra e falar a respeito disso. Naquela época, imagine, isso aí era complicado. [risos] Mas infelizmente para eles e felizmente para mim deu tudo certo, sem problemas.

B.H. – Depois do Tampa Bay...

S.F. – Depois do Tampa Bay eu fui para o Memphis no Tennessee. Lá é um lugar muito bom, tranquilo, aliás tinha um problema mais sério porque tinha o problema do Martin Luther King, o negócio de racismo que envolvia... O Tennessee é uma região meio complicada dessa forma aí.

B.H. – Você sentiu essa...?

S.F. – Senti uma vez só... Não foi eu que senti... Porque eu sou casado com uma espanhola, meus filhos e minha mulher estavam em uma piscina onde só tinha branco. Eles saíram e foram para outra piscina que era do outro lado. Só tinha negros. E todo mundo saiu. Aí ela foi embora para casa e chorou. Estava chorando quando eu cheguei do treinamento. Então eu achei aquilo um absurdo. Aí eu fui lá, reuni com as lideranças dos negros e dos brancos, e falei para eles que eu não tinha nada a ver com isso. Eu nem de lá era. Eu falei: “Nós não somos daqui, então...”. Depois que fui fazer isso... Por que e para que eu fui fazer isso? Todos os dias tinha festa na minha casa, tinha festa na minha casa. Juntaram todos e todo dia... Aí um dia eu falei: “Não, chega que eu estou cansado. Não dá mais”. Mas foi bom, foi muito bom. Foi gratificante porque a minha família foi recolhida dentro contexto normal. Por isso que eu digo que é conversando que você consegue chegar a algum lugar. Eu era ídolo da equipe, já havia feito um gol do meio do gol, então, quer dizer, todo mundo sabia porque passava isso toda hora na TV americana. Então, você está sempre em foco, sempre em destaque. Eu acho que isso daí foi o que ajudou bastante.

B.H. – Então você considera positiva a sua temporada nos Estados Unidos, no futebol. E aí já depois de ter tido uma participação marcante no futebol brasileiro. Quer

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dizer, tentar fora do país uma inserção. Você chegou a cogitar a Europa ou na época isso ainda não colocado como horizonte para o jogador?

S.F. – Não, não era, não era aberta, era complicado, era mais difícil. Você não podia ir para lá. O único que foi para lá e ainda complicou tudo foi o Altafini. Ele foi o único jogador no mundo que jogou por duas seleções. Jogou com Brasil e lá. Foi campeão lá e aqui, eu acho que na Itália. Foi campeão também italiano?

B.H. – Sim, sim.

T.M. – O Mazzola?

B.H. – Não o Altafini.

S.F. – O Altafini Mazzola. Então foi o único. Isso aí que complicou um pouquinho, mas... Infelizmente, não tínhamos isso tudo aberto.

B.H. – Mas, então, dos Estados Unidos diretamente você foi para o México, ou voltou para o Brasil?

S.F. – Não, voltei ao Brasil porque eu pertencia ao São Paulo. Voltei ao Brasil e depois fui ao México. Quinze dias depois já estava lá no México, já estava jogando no Universidad Antónoma de Nuevo León, os Tigres. Equipe campeã e tudo, uma das excelentes equipes que tem no México.

B.H. – Na Cidade do México?

S.F. – Não. O meu é lá em Monterrey e tem o Monterrey e tem os Tigres.

Thiago Monteiro – Muricy jogou em Monterrey?

S.F. – Não o Muricy jogou no Puebla.

B.H. – E quanto tempo você ficou no México?

S.F. – Nós ficamos lá praticamente quase dois anos, um ano e meio, um ano e pouco. Depois eu voltei...

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B.H. – E gostou também da temporada no México, foi...?

S.F. – Foi bom, temporada boa, pessoal muito bom.

B.H. – Mais fácil ou mais difícil do que se adaptar aos Estados Unidos? Você gostou de viver no México?

S.F. – Era mais fácil... Ficou mais fácil nos Estados Unidos porque eu cheguei de outra forma. Por que aqui o México ainda estava engatinhando e querendo crescer, essas coisas todas, e eles lá achavam que tinham que jogar jogadores mexicanos... É difícil, é complicado você chegar e... Hoje não, hoje você chega, ou chega qualquer outro jogador, vai lá e joga e entra no lugar dele e pronto. Não tem problema. Mas antigamente era mais complicado. Então você tem que ficar brigando. É uma eterna briga. E você tem que estar lá o tempo todo procurando o seu espaço.

B.H. – E a cidade Monterrey...?

S.F. – Muito boa, fantástica. Uma cidade muito bonita, gostei de ficar em Monterrey.

B.H. – Era início dos anos 1980, não é isso?

S.F. – Por aí, por aí. Mais ou menos isso.

B.H. – Passado dois anos, não teve nenhum outro clube fora e você retorna ao Brasil.

S.F. – Eu retornei ao Brasil e aí fui para o Chile para ficar na Católica, na Universidad Catolica do Chile. Mas houve lá um tremor de terra [risos] e aí eu desisti de ficar no Chile. Eu estava na casa do meu amigo e começou a balançar tudo, porque tudo fica amarrado, negócio na parede, essas coisas todas, móveis. Mas a primeira vez que deu eu estava lá no vigésimo andar. Quando eu olhei aquela gritaria, eu saí na janela, olhei e estava todo mundo lá embaixo, só eu lá em cima. Eu tinha visto que a luz tinha mexido, foi para lá e veio para cá. Mas, pra mim, eu nem lembrei que lá tinha isso. Vai se fazer o quê? [risos] Passou.

35 Transcrição

B.H. – Então você preferiu voltar ao Brasil a jogar no Chile?

S.F. – Não. Preferi, lógico, por causa dessas coisas extra futebol. Eu falei: “É melhor não. Vou trazer a minha família para cá também...”. Então ficou meio complicado. Mas fui muito bem recebido na Catolica.

B.H. – E a volta ao Brasil?

S.F. – Aí fui para o Atlético Goianiense. Fizemos lá uma boa campanha com o pessoal. Foi muito bom. O Atlético até hoje é uma equipe muito forte que realmente tem... de respeito nos campeonatos que disputa. Então eu acho que fui para uma equipe até boa. Realmente resolviam algumas coisas dentro do seu estado.

B.H. – Nesse período você já estava casado, já tinha filhos?

S.F. – Já, já estava casado e já tinha filhos.

B.H. – Então todo clube que você ia, você levava...?

S.F. – Não, minha família sempre comigo. Minha família sempre caminhando ao meu lado. Dizia para a minha mulher e aos meus filhos: “Então nós vamos sempre juntos”.

B.H. – E aí você estimulou também os seus filhos também a começarem a prática de futebol ou foi...?

S.F. – Não, isso aí foi por eles mesmos. Eles que procuraram, fizeram e tudo mais. Eles que viajaram, foram para Portugal, eles que arrumaram os clubes. Porque ele foi jogar lá no nordeste, nos Sampaio Côrrea30, aí eles viram ele jogar lá e levaram embora para Portugal, levaram para o Braga. Lá no Braga ele já se adaptou, foi embora. Ele poderia ter ido até mais cedo, mas... Se ele fosse um pouquinho mais cedo seria melhor para ele. Mas foi bem.

30 Sampaio Côrrea Futebol Clube – São Luís (MA).

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B.H. – Na Copa de 1978, você estava ainda recém vindo da contusão, tinha ficado de fora do futebol por mais de dois anos. Na Copa de 1982, você tinha tido essa passagem fora do Brasil. Como você vê essas duas copas? Você acompanhou, você sofreu, você ficou frustrado por não ter sido convocado? Você acreditou que seria possível vencer como até hoje se encanta...?

S.F. – Em 1978, eu estava lá nos Estados Unidos. Então...o futebol lá, Mundial e essas coisas todas não tinham porque os Estados Unidos não frequentavam isso, não frequentava ainda esse rol que hoje ele ostenta, uma boa equipe, de nível, mas não tinha isso. Não passava nada disso lá na... Uma ou outra partida passava, mas não passava essas coisas. Do mundial mesmo falavam pouco. Porque o futebol... Lá é soccer, football é o futebol americano, então é outra coisa. Este sim tinha uma visibilidade muito grande lá nos Estados Unidos.

B.H. – E quando você estava lá nesses dias, você falou isso e me veio esse parêntese, esses outros esportes te interessaram: beisebol, futebol americano – esses que não fazem parte da nossa...?

S.F. – Não é que não me interessaram, mas eles já me convidaram, porque eu batia bem, batia forte na bola, eles queriam que eu fosse o chutador daquela bola. Aquela outra bola é mais complicada. [risos] Não tinha como bater. É difícil bater naquela bola. É muito complicado. Parece fácil, um segura, apoia o dedo e outro vem e dá um pontapé. Eu quase arranquei foi a mão do meu amigo. Então eu falei: “Não vou fazer isso”. Mas eu fui convidado para patear aquela bola.

B.H. – Fechando parênteses da Copa de 1978, e 1982? Você já estava no Brasil, você viu a Copa?

S.F. – É, eu vi a Copa do Mundo. Vi como o Brasil se comportou. O Brasil realmente foi uma melhor seleção do que as outras. Mas é aquele ditado: Jogar melhor

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não resolve. O Barcelona foi dez vezes melhor do que o Chelsea e perdeu31. Já tinha sido dez vezes melhor do que o time do Mourinho, a Inter de Milão32. Perdeu também. Então são coisas que por mais que você faça... O Barcelona deixou de ser a melhor equipe do mundo? Eu não acredito, certo? Mas passou a ser uma equipe que pode ser marcada de uma forma diferenciada. Foi o que aconteceu aqui também, nesses jogos aqui também. O pessoal começou a querer marcar o Neymar de outra forma. Então sempre tem um jeito, foi que o eles arrumaram. Em 1982, o Telê montou uma equipe excepcional, mas...

B.H. – O caso de colegas, companheiros de clube, ex-companheiros de clube terem participado como, por exemplo, o Valdir Peres que atuou como goleiro em 1982, isso te... Você se colocava naquela posição?

S.F. – Não, porque eu já não tinha mais interesse nessas coisas. Já não tinha mais. Veja bem, a sua hora você tem que saber que passou. No dia que eu fraturei a perna passou a seleção. Porque eu não tinha visto o jogador voltar a jogar, no seu clube, imagina voltar à seleção. Gratificante foi eu voltar já no clube e ainda ser campeão aqui no meu clube. Então, o que viesse era lucro. E realmente o Homem lá em cima me deu mais um pouquinho de tempo.

T.M. – Tem um momento do que gol, inclusive, que você faz – eu não sei como que isso foi para você fazer 1179 dias... Como foi esse momento do gol...? Porque não foi no primeiro momento, foram três jogos...

S.F. – Três jogos no Pacaembu, no jogo contra o time lá do... Não me lembro o nome do time. No Pacaembu.

B.H. – Contra o Sport?

31 Refere-se à disputa semifinal da Champions League 2011/2012 entre Barcelona (ESP) e Chealsea (ING). Onde o time espanhol teve mais posse de bola, chutou mais a gol, mas acabou perdendo as partidas e foi eliminado.

32 Refere-se à disputa semifinal da Champions League 2009/2010 entre Barcelona (ESP) e Internazionale de Milão (ITA).

38 Transcrição

S.F. – Isso.

B.H. – Quinze de fevereiro de 1978.

S.F. – Estava chovendo e eu dei como se fosse um carrinho – eu lembro até agora – quase que eu dei na trave de novo. Eu me lembro cada coisa. Então são coisas que eu lembro direto. Como diz o meu amigo: “Alembrei-me”. Então, foi uma jogada meio complicada, mas foi bom, eu fiz aquele gol e saiu todo aquele peso, aquela coisa toda. Dizem: “Pode ser que ele tenha medo disso, medo daquilo”. Aí me viram trombando no meio, na trave, chutando tudo, aí eles falaram: “Não, ele é normal”.

B.H. – Normalmente, o artilheiro, pelo fato dele fazer gol, acaba sendo mais associado e idolatrado pelas torcidas. Como que foi, ao longo do tempo, a sua relação com as torcidas? Você se colocava nessa posição do ídolo ou era mais retraído? Como é que, tanto no Corinthians quanto no São Paulo, foi a sua relação com o torcedor e depois nos outros times como o Atlético Goianiense? Como é essa condição de ser aquele que tem a responsabilidade de fazer gol, mas por isso também ser mais alvo de atenção e de carinho do público, mas também de hostilidade quando perde? Como foi para você viver isso no futebol?

S.F. – Chega a ser até engraçado, porque eu realmente quase não falava. Eu era mais retraído. Hoje em dia eles me vêem como eu mesmo estou me vendo falando aqui... Eu falo muito. Eu estou como diz o eu estou “falando muito”. Realmente era diferente. Eu sempre tive um relacionamento fantástico com os torcedores, eles sempre me trataram com muito carinho. Eu acho que isso daí foi fundamental para a minha carreira.

B.H. – A imprensa, também claro, era muito menor o assédio, mas havia...? Como você lidava com os jornalistas, com a imprensa?

S.F. – Me dei bem com todos eles. Fiz aposta com jornalista, já fiz de tudo com todos eles. Então nunca tive um problema grave com jornalista nenhum. Todos eles me trataram bem e eu os tratei também bem da mesma forma. Sem problema nenhum.

39 Transcrição

B.H. – Essa fase no Atlético Goianiense. Como foi morar em Goiás, jogar no futebol goiano? Você ficou um tempo lá? Já era um momento que você vislumbrava um fim de carreira? Como foi esse período?

S.F. – No Atlético foi muito bom. Goiânia é um lugar fantástico, uma cidade muito boa, lugar de... excelente nível para se morar, na minha concepção. Pelo menos na minha época era, não sei hoje. Faz muito tempo que eu não vou lá a Goiânia. E o Atlético também é uma equipe de bom nível como falei para vocês. E jogar lá foi muito bom, excelente, não tive problema nenhum lá no Atlético. Só saí mesmo porque falei: “Olha, está quase na hora de encerrar e está na hora de eu ir embora”.

B.H. – E aí você vai para...? Depois do Atlético Goianiense. É a temporada de 1981.

S.F. – Eu fui para o Taubaté.

B.H. – Taubaté. Você escolheu ou houve interesse do dirigente? Como foi essa transação para voltar a São Paulo?

S.F. – Voltei a São Paulo. Taubaté disputava ainda a primeira divisão. Os dirigentes também queriam que eu fosse para lá. Eu aceitei. Fui para lá prontamente. Conseguimos fazer lá bons jogos, boa apresentação. Tanto é que tem um bom relacionamento em Taubaté com o pessoal todo. Eu acho que foi muito bom Taubaté. Taubaté é fantástico. Taubatezinho é um lugar que sempre fica marcado no coração da gente.

B.H. – E no ano seguinte tem uma temporada em que você passa por vários clubes dos mais diferentes lugares. Você vai para o ABC de Natal, Rio Grande do Norte, Guaratinguetá em São Paulo, volta para São Paulo, depois vai para o futebol sul- matogrossense no Douradense33. Como foi esse périplo por três clubes em um ano só?

33 Clube Atlético Douradense. Fui um dos clubes mais expressivos de Dourados – MS nos anos 1980. Dadá Maravilha fez sua partida de despedida pelo Douradense em 1986. A equipe foi vice-campeão sulmatogrossense em 1984 e 1989.

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S.F. – Isso porque eu fui primeiro, o primeiro clube que eu fui foi qual deles aí?

B.H. – O ABC de Natal.

S.F. - O ABC de Natal. O Valdemar Carabina34, ele era o treinador. Ele sendo o treinador, ele encontrou comigo: “Você tem que ir comigo para Natal. Vamos porque você vai ter que resolver”. E fomos para resolver o campeonato. Mas foi bom. É como eu digo, todo o lugar que eu passei, eu me dei muito bem com o pessoal e muito bem com os torcedores, com todo mundo. O ABC fez uma bela de uma campanha e teve um problema lá muito sério depois. Porque o América precisava ganhar de qualquer jeito, o América tinha que ser campeão, ele estava praticamente... Mas o ABC era uma equipe muito forte, o Carabina disse: “Olha, nós vamos ser campeões aqui”. E nós brigamos, brigamos pelo título até o final. O menino que jogava com a gente, um médio-volante muito bom, Alberi35 – um baita de um jogador. Eu falava: “Alberi, olha, nós temos que ganhar isso”. Ele falava: “Meu Jesus Cristo, será possível que nós vamos conseguir fazer isso”. [risos] Infelizmente não chegamos a ser campeões, perdemos a última partida, é acho que perdemos a última partida e ficamos fora. O Carabina teve que vim embora, eu também vim embora. Foi quando eu vim para o Guaratinguetá. Cheguei em Guará também fiquei ali um tempo. Dei uma olhada, mas não deu certo porque já era diferente, uma outra maneira de fazer ali, de tentar fazer o futebol ali. O futebol ali era mais complicado. Aí é por isso que eu mudei e fui embora para o Mato Grosso do Sul, lá em Dourados. Chegando em Dourados teve lá uma boa campanha. Na Douradense... Nós ganhamos quatro vezes. Nós ganhamos desse meu Comercial agora, desse Comercial que eu sou o treinador. Nós jogamos quatro vezes para disputar o título. O Comercial ganhou uma, nós ganhamos três e uma o Comercial foi campeão. Eu falei: “É uma coisa inédita. Mas tudo bem”. [riso] Ia fazer o quê? Era assim que disputava. Mas foi bom, foi muito bom.

34 Valdemar dos Santos Figueira “Valdemar Carabina”. Ex-zagueiro do Palmeiras nos anos 1960.

35 Alberí José Ferreira de Matos. Ex-atacante do ABC e América de Natal. Jamais jogou por equipes fora do Nordeste. Recusou uma proposta do Fluminense logo após ter ganho o prêmio Bola de Prata.

41 Transcrição

B.H. – Mirandinha, no início da entrevista você falou que chegou a trabalhar como ourives. Isso foi no início da sua carreira ou antes de se tornar jogador?

S.F. – Antes de eu me tornar jogador de futebol.

B.H. – Nesse momento em que você já está jogando nesses clubes pelo Brasil afora, a sua independência financeira já tinha sido conquistada pelo futebol ou você ainda dependia dos contratos, dos salários? Como era a sua condição?

S.F. – Não aí já é diferente. Quando você sai para fazer alguma coisa, você tem que ter alguma coisa também feita, tem que ter um respaldo, lógico. Lá atrás tranquilo. Eu acho que isso aí faz parte. E eu saí atrás de uma série de coisa. O homem tem que trabalhar. Veja bem, quem ficou dois anos e meio parado, depois volta a praticar aquilo que gosta, é diferente. Você tem que sair... Porque toda hora você está jogando, trabalhando, fazendo uma série de coisa. Era o que eu fazia. Porque gostar de jogar futebol, não ia sair nunca de dentro de mim. De dentro de mim é que não ia sair. Então eu tinha que ir lá, participar, fazer uma série de coisa da melhor maneira possível. E foi o que aconteceu.

B.H. – Quando você foi jogar no São Paulo, por exemplo, você já comprou uma casa, você soube administrar esse dinheiro...

S.F. – Quando você sai daqui, do América, e vai para o Corinthians você já tem que fazer alguma coisa. Porque em princípio sim, você tinha pai, esse negócio todo, ele que fazia as coisas e depois você vai dando sequência.

B.H. – Em 1982, você tinha trinta anos. Tendo em vista que a carreira de jogador é uma carreira menor, há necessidade de você planejar isso.

S.F. – Eu fui pensando até trinta e quatro, depois eu digo: “vamos parar com isso porque eu já fiz aquilo que eu deveria fazer”. Mas se eu soubesse que esses caras estariam jogando até os cinquenta, então eu ia também. Eu ia ser até mais velho, até sessenta e nove.

42 Transcrição

B.H. – Como é que foi decidir parar em 1985 com trinta e três anos? Depois ainda tendo outras passagens, depois do Douradense você jogou no União de Mogi, Saad36...

S.F. – E na Pinhalense...

B.H. -E Independente de Limeira.

S.F. – É verdade, o Independente de Limeira foi muito bom também, o Saad também. Hoje o Saad disputa também lá o campeonato sul-matogrossense, certo?

B.H. – Ah é? Pode?

S.F. – Não sei se pode.

T.M. – É do dono da Bandeirantes? Tem esse vínculo.

S.F. – Tem vínculo com o Saad sim. Parece que quem toma conta lá é um dos filhos. Então ainda é o mesmo.

B.H. – E aí como é que foi essa decisão. Você queria ou...?

S.F. – É o cara que está passando o cara para vender... Espera aí que ele vai vender melancia.

T.M. – Ele vai parar aqui, será?

S.F. – Não ele vai passar ai. Ah lá, você não precisa ir longe para comprar as coisas.

B.H. – [risos] Passa tudo na porta de casa.

S.F. – Quando você tem no pomar, você tem ali. Você não tem ali. você pode pegar ali. Ah lá, na caminhonete dele. Já foi já foi.

B.H. – Esse momento de encerrar a carreira, como é que foi para você?

36 Saad Esporte Clube.

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S.F. – Normal, foi bom, sem problemas. Tanto é que eu nunca mais quis saber desse negócio de jogar futebol. Fui brincar algumas vezes com o pessoal do Millonarios, brinquei com os meus amigos, mas depois eu falei: “Olha, eu não vou mais mexer com isso”. E deixei de ficar brincando. Até brincar de futebol eu deixei. Eu falei: “Vamos deixar para lá”. Não posso tomar um pontapé porque os três médicos já foram, então não tem mais conserto. [risos]

B.H. – Aí, nesse momento, o que você pensou em fazer? Terminada a carreira você parou para pensar? Como foi?

S.F. – Já tinha pensado antes. Eu estava com a intenção de ser treinador mesmo e passei a ser treinador de futebol. E comecei a mexer... Primeiro eu fui treinador do Corinthians nas categorias de base. Passei a ser treinador de categoria de base do Corinthians.

B.H. – Você procurou o Corinthians ou o Corinthians te procurou, como foi isso?

S.F. – Normal, o Corinthians me contratou e eu fui. Comecei no infantil, nós fomos campeões, depois eu fui para o juvenil, nós fomos campeões. Aí fui para o Júnior, fomos campeões também. Quer dizer, a carreira ali foi boa, foi vitoriosa. Porque os jogadores todos que o Corinthians tinha, a maioria deles começaram comigo no infantil. Todos eles podem vender e se destacaram como o Edu37 que hoje é diretor do Corinthians, tem o Fernando Baiano38, o Everton que está aí agora, Silvinho39. São vários de meninos desses aí que participaram da equipe principal do Corinthians onde o treinador era o Mário Sérgio. Como nós tínhamos um bom relacionamento... Em princípio, o treinador era o Nelsinho Batista, depois passou a ser o Mário Sérgio. Então

37 Edu Gaspar, ex-volante do Corinthians, atual Diretor de futebol.

38 Atacante, jogou no Corinthians até 2001, depois foi para a Espanha, e atualmente joga no Oriente Médio.

39 Sylvio Mendes Campos Júnior, “Sylvinho”, ex-lateral-esquerdo muito habilidoso fez sucesso nos times de Corinthians e Barcelona. Em 2011, após deixar o Manchester City, se aposentou e, algum tempo depois, assumiu como auxiliar técnico do Cruzeiro, ao lado do também ex-jogador Vágner Mancini.

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foi um relacionamento muito bom com eles. E eles puxaram muito esse meu lado... O José Elias estava lá trabalhando comigo na categoria de base. Então, o José Elias também foi um jogador que fez isso, que trabalhou com a gente e passou a ser o jogador da equipe principal do Corinthians. Mário Sérgio não tinha jogador para treinar, pediu: “Mirandinha, tem um jogador lá seu para ir treinar comigo”. Eu falei: “eu não tenho nenhum porque vamos fazer o jogo sábado, mas eu tenho um lá que pode vir treinar com você”. Era o Zé. Chegou lá ele já bateu em todo mundo, já chegou junto, fez tudo aquilo que ele sabia fazer e se consagrou.

B.H. – No início ali dos anos 1980, o Corinthians teve aquele momento do , que tem a democracia corintiana. Você quando foi para a base do Corinthians, embora em um momento posterior, ainda havia esse clima da famosa democracia ou já era uma coisa do passado?

S.F. – Ah, isso aí só quem jogou, quem viveu, quem fez essas coisas todas.

B.H. – Treinando as categorias de base você não tinha...?

S.F. – Não tem nada, você não sente essas coisas. Não tem muito o que mexer nem o que fazer. Qualquer jogador de futebol tem sua época, tem seus momentos. Eu acho que eles tiveram um momento fantástico dentro do Corinthians. Foram os jogadores que fizeram democracia, essas coisas todas. Mas, é aquele ditado, você tem que ver que hoje não tem as mesmas coisas. Jogadores continuam fazendo as mesmas coisas, da mesma forma. Então, não muda a mesma coisa.

B.H. – Normalmente, essa passagem do jogador para treinador... As pessoas gostam de brincar que o goleiro é um potencial técnico porque ele fica ali observando, você, como atacante, já tinha esse tino de observar. Você... Depois a posição de treinador te agradou? Você gosta de ser técnico? Como foi isso de ver o plano tático, o desenho do jogo, interferir, se relacionar com o jogador? Como é o Mirandinha treinador?

S.F. – Quando você joga de frente, você está jogando, eu sou o atacante, eu estou sempre de frente para o jogo. Estou de costas só para o adversário, mas estou

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sabendo o que eu posso fazer. Agora, de treinador você tem que passar para o seu atleta realmente o que é que você quer que ele faça e de que maneira faça. Então fica mais fácil você jogar do que você passar. Então, você passando eles vão assimilando aos poucos, eles vão fazendo aquilo que você quer, porque o jogador de futebol corre muito, ou corria muito com a bola antigamente. Hoje você pede sempre que eles façam o quê? Não dê mais de dois toques na bola, porque se você tiver um companheiro que é um jogador que decide o jogo, que é muito mais habilidoso, toque nele porque ele vai poder fazer a jogada. Igualzinho acontece no time do Muricy, no Santos. Acontece aqui no São Paulo. Eles jogam a bola em quem para decidir? Certo? Ajeitam e tal, jogam no menino que é o Lucas40, ele não bate em gol e ajeita para o Luís Fabiano41 fazer o gol. Então são jogadores que facilitam o trabalho. É uma maneira de você ver o jogo diferente. Desde que a equipe do adversário também trabalhe de uma forma a qual você possa mudar a sua equipe a todo o momento.

B.H. – O Mirandinha ele é disciplinador, ele é ofensivo? Como é o estilo do Mirandinha como técnico?

S.F. – Bem é difícil falar a respeito dessas coisas, você tem que ir ver, porque senão fica difícil. Porque é complicado. Quando você está ganhando você é mais tranquilo, mas quando está perdendo fica mais difícil, então você tem que... A cada momento você tem que saber como orientar os seus jogadores, de que maneira falar para eles, ver realmente onde tem os pontos fracos e os pontos fortes onde você pode explorar, porque você vai ter sempre alguém lá em cima ou ao seu lado para poder falar para você: “Olha bem o que está acontecendo. Ali tem um problema, tem isso”. Então você também tem que conversar para saber realmente o que é que está acontecendo, porque ninguém enxerga tudo. Não. Tem que ter sempre alguém que entende também e fale o mesmo idioma.

40 Atacante do São Paulo.

41 Centroavante do São Paulo.

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B.H. – Você considera fundamental para um técnico ter sido atleta ou, por exemplo, no caso do Parreira...?

S.F. – Sempre é bom, mas também... Mas também, o Parreira fez o quê? Parreira viveu dentro disso o tempo todo. Ele viveu passando por jogador de futebol? Porque como sendo preparador físico... Ele era preparador físico em 1974 na Alemanha; ele, o Chirol e o Carlesso. Para passa para você, ele, Chirol, Carlesso e o...

B.H. – Coutinho? Cláudio Coutinho?

S.F. – Não.

B.H. – Foi daquela comissão técnica da década de 1970?

S.F. – Foi...

B.H. – Ah.

S.F. – Não. Daqui a pouco eu vou tentar ver se eu consigo voltar o computador para ver se ele funciona da melhor maneira possível. [risos]

B.H. – O Zagallo foi um técnico que te agradou quando você teve com ele na seleção?

S.F. – O Zagallo já vinha sendo treinador de futebol há muitos anos, então ele tem a maneira dele trabalhar, de ver o jogo. Porque senão ficaria muito monótono. É complicado. Como Guardiola42 fez agora, pegou a meninada do Barcelona que veio crescendo, vieram crescente. Aqueles meninos que trabalhavam na base, já sabiam o que iam fazer, porque vieram com o Guardiola trabalhando daquela forma. O Guardiola era treinador da base. Eles cresceram juntos, sabendo que... “Eu quero fazer isso. Eu quero que vocês façam isso”. Tanto é hoje entra um sai outro, entra um e sai outro, e o Barcelona é a mesma equipe, não muda quase nada. O esquema de jogo vai ser o mesmo, porque o esquema de jogo você muda se quiser. Provavelmente é difícil mudar

42 Pepe Guardiola, ex-treinador do Barcelona (ESP), um dos responsáveis por impor ao time Catalão um modelo de jogo baseado fortemente no toque de bola.

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um esquema de jogo, porque se você tem um padrão e um esquema, não dá para fazer muita mudança.

B.H. – Desse ponto de vista da disciplina e da relação com os jogadores. Você acredita que esse respeito...

S.F. – O respeito é fundamental. Eu acho que tem que ser recíproco, porque não adianta nada o jogador me respeitar e eu não respeitá-lo. Porque independente de qualquer coisa, ele é um pai de família da mesma forma. Agora, vamos nos respeitar, mas tem que existir a ordem hierárquica. Existindo a ordem hierárquica facilita bastante o trabalho para todo mundo.

B.H. – Quais foram os clubes mais marcantes para a sua passagem como técnico desde que...?

S.F. – Eu comecei no Tupã onde nós fizemos uma boa campanha. Aí que eu fui contratado pelo Cene, no Cene teve as três passagens que fomos tricampeões.

B.H. – Cene é o?

S.F. – Centro Esportivo Nova Esperança do Mato Grosso do Sul. É Cene que agora está disputando o campeonato da Série D do Brasileiro. Antes disputou a série C. Então, dessa que nós ganhamos, eles estão na série D, mas antigamente disputou a série C. E agora fui para o Comercial.

B.H. – Terceiro clube.

S.F. – Meu terceiro clube. Então já estamos trabalhando devagarinho, vendo realmente como vamos fazer.

B.H. – Você teve uma passagem duradoura...? Porque, em geral, o técnico padece desse problema: ou você ganha ou você... O resultado quando vem, a primeira pessoa a ser a vítima preferencial acaba sendo o técnico, o bode expiatório, como dizemos. Como você lida com isso?

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S.F. – As três passagens foram duradouras. Uma durou um ano e meio, a outra também a mesma coisa. E sempre foram assim: um ano e meio, um ano e meio, um ano e meio. Porque eu fui campeão e saí. Você sendo campeão não adianta ficar na mesma equipe, penso eu e ajo dessa forma. Porque a cobrança vai ser maior, porque você vai ter que fazer a mesma coisa que você fez no ano anterior, ou muito mais. Muito mais é o que além deter sido campeão? Você tem passar... Vão outros profissionais trabalhar também e depois você volta a fazer novamente da mesma forma que aconteceu várias vezes: deles me convidaram novamente. Se for mal, você não vai receber convite.

B.H. – Junto com a carreira de técnico, você fez uma formação universitária em Educação Física.

S.F. – Correto.

B.H. – Foi para complementar o lado de técnico? Por que você decidiu a...?

S.F. – Não. Não tem nada a ver uma coisa com a outra. Educação Física você faz porque tem que ser feito, isso é normal. Mas o treinador de futebol faz o trabalho dele, o preparador físico procura fazer o dele da melhor maneira possível, eu acho que isso aí é fundamental, ele deixa a equipe bem preparada e eu tento fazer, da minha maneira, colocar em campo e fazer com que elas tenham a vitória e cheguem lá.

B.H. – Foi na cidade de Santos que você fez essa formação de Educação Física, não é isso?

S.F. – Sim.

B.H. – Em 1995, você conclui o seu...

T.M. - Eu tenho uma questão, que mexe com essa questão que você está levantando como técnico. Eu lembro de ter saído recentemente – acabei não colocando – do Joel Camargo, o zagueiro, em que ele revela uma mágoa bem forte, porque ele também entrou a carreira como técnico quando ele parou de jogar, mas ele revela que ele encontrou – além de outras razões – uma preconceito muito forte pelo fato dele ser negro. Ele coloca isso como uma das coisas... “Você já viu”, na frase dele, “algum

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negão –naquela época - sendo técnico de time grande?”. Ele coloca isso não como única razão, mas como uma causa de uma sociedade racista também, como muitas das razões que teriam atrapalhado um pouco. Eu não sei se você enfrentou isso em algum dos tipos como técnico?

S.F. – Não, não enfrentei nenhuma dessas coisas de forma alguma. Isso aí vai depender de você. Não tem nada a ver uma coisa com a outra, eu não misturo uma coisa com a outra, certo? Porque senão ninguém me contrataria. Alguém falaria: “Por que o outro me contratou e você não.” O outro lado também quer saber: “qual a diferença?”. Isso dependente do seu trabalho, depende daquilo que você vai passar, entendeu? Muitos fazem a mesma coisa, saem daqui, por exemplo... O treinador de futebol tem que saber se comportar, tem que ter um comportamento íntegro, entendeu? Não pode sair daqui e vou lá, faço isso, faço aquilo e aquilo outro. Tem que sair, eu vou para minha casa. Se eu quero tomar uma cerveja, tomo na minha casa. Eu não vou fazer nada disso fora, porque amanhã você vai colocar no jornal. Pode ter certeza absoluta que todo mundo vai colocar no jornal, entendeu? Agora, o Joel teve esse problema, eu não sei. Então fica difícil. Para ele, pelo menos, eu acho que foi difícil.

B.H. – Pouco tempo depois de você fazer a formação em Educação Física, você se forma como fisioterapeuta, é isso?

S.F. – Não.

B.H. – Você fez fisioterapia na Universidade de Santos?

S.F. – Não, foi o meu filho que fez.

B.H. – Está bom. Então, o seu filho já jogava?

S.F. – Já. É o Mira.

B.H. – Esse que jogava... Antes dele ir para Portugal.

S.F. – Antes dele ir para Portugal...

B.H. – Ele se forma em Santos.

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S.F. – Esse é o Mira, ele é danado. Esse não é mole não. Fala sete idiomas. É um cabecinha. Todos eles. Um fala sete idiomas, o outro fala seis e o outro fala seis. Porque em cada lugar que eles vão, eles vão se adaptando aos lugares e agora ele está jogando sabe onde? Em Luxemburgo. Então isso para ele é muito bom.

B.H. – Hoje em dia a televisão permite com que a gente veja todos os campeonatos de todas as latitudes, de todos os níveis. Você é um fã do esporte no sentido de gostar de ver o jogo, de acompanhar campeonato, e mais do que isso, observar os times e pensar em aplicar o que você observa em uma metodologia como treinador?

S.F. – Eu tenho que observar. Se eu sou treinador de futebol. Se eu quero ser um treinador de futebol e quero ser um bom treinador de futebol, eu tenho que observar tudo. Tem que ir lá assistir as partidas, olhar realmente a maneira como jogam. Às vezes eu até gravo para mais tarde fazer uma análise juntamente com o meu outro filho que é treinador, que tem uma perspectiva bem diferente, um olhar diferente, um outro... São maneiras de ver e nós concluímos e chegamos a algum ponto.

B.H. – Então você gosta de ver futebol, seja nacional ou internacional?

S.F. – Não importa, não importa, o futebol bem jogado é bom de ser visto.

B.H. – Mirandinha, nós estamos, o Brasil está na iminência de sediar dois grandes eventos internacionais, um deles o futebol que nós fomos sede há mais de sessenta anos que foi a Copa do Mundo de 1950 no Maracanã, Brasil. Décadas depois nós vamos receber um novo evento dessa magnitude, desse porte. Como você vê o futebol brasileiro hoje? O seu depoimento vai estar gravado para as próximas gerações, vão poder te conhecer visitando o Museu do Futebol. Nesse atual momento, como você vê a seleção brasileira, as perspectivas dessa próxima edição de Copa de Mundo? Você que foi protagonista, vivenciou os bastidores do ambiente de uma Copa do Mundo, que sabe como é psicologicamente para o jogador ser um atleta de representar o Brasil na sua própria casa, como é que você está vendo o Brasil como organizador dessa Copa e como time para 2014, já nos encaminhando para o final desse depoimento?

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S.F. – Eu acredito que a organização realmente o Brasil está indo, está caminhando, fazendo, eu acho, o melhor possível. A seleção, por exemplo, está no caminho certo. O treinador sabe o que quer, o treinador é um grande treinador, ele tem realmente ali os seus jogadores já pensados, jogadores que ele confia. Eu acho que isso aí é fundamental. Ele ter os jogadores que ele confia. E tendo isso eu acho que o Brasil pode chegar novamente a ser campeão mundial.

B.H. – O Brasil, o time, a seleção brasileira tem sido muito contestada pela própria imprensa brasileira. Como você vê essa nova relação do time, da torcida com a imprensa no atual momento?

S.F. – É engraçado você me fazer essa pergunta. E quando é que não foi contestada a seleção brasileira? Quando foi? Todas as vezes que você montar uma seleção brasileira, você vai ver que vai ter isso. Isso é normal aqui no Brasil, certo? E saímos daqui fomos campeões, bicampeões, tricampeões, campeões de tudo. Ganhamos tanto que até esquecemos o que ganhamos. Qual é o país no mundo que tem os títulos que nós temos. Mas nós queremos tudo: “Somos nós, somos nós”. Nós temos que ter calma e deixar que o homem realmente responsável trabalhe e se ele trabalhar da maneira que ele sabe, eu acredito que o Brasil realmente vai ser campeão novamente.

B.H. – Então, com esse voto de confiança que o Mirandinha está dando na seleção brasileira, nós vamos encerrar o seu depoimento que vai constar no acervo do futebol e que vai ficar disponível para que as próximas gerações possam te conhecer de viva voz, você contando a sua própria história. Mirandinha, nós queremos te agradecer imensamente por esse depoimento. Muito obrigado.

S.F. – Obrigado. Agradeço a vocês.

[FINAL DE DEPOIMENTO]

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