Transdisciplinaridade U m a ou tra form a de pensar o m u ndo

N os dias 6 a 12 de setem bro de 2005, realiza-se, em Vitória, no Espírito Santo, o II Congresso M undial de Transdisciplinaridade. O evento é prom ovido pela U nesco, o Centro Internacional de Pesquisas e Estudos Transdisciplinares (Ciret), o G overno do Estado do Espírito Santo, a U niversidade Federal do Espírito Santo e o Centro de Educação Transdisciplinar (Cetrans), com sete centros brasileiros e europeus de estudos e pesquisa transdisciplinares.

A transdisciplinaridade é um a das características fundam entais do trabalho realizado pelo Instituto H um anitas U nisinos – IH U , desde a sua criação, há quase quatro anos. Assim , “a interação, o traspassam ento, a renovação e a fecundação m útua do conhecim ento, buscando acolher o ruído, a incerteza e o aleatório articulado com o trabalho das redundâncias que se constitui no outro pólo do conhecim ento e o objeto do paradigm a clássico ou tradicional”, é um dos objetivos do IH U , descrito em seu docum ento inspirador.

N esta edição da IH U O n-Line, publicam os um artigo de H élène Trocm é-Fabre e entrevistam os os pesquisadores e professores, G aston Pineau, U biratan D ’Am brosio, Patrick Paul, José Ivo Follm ann e José O delso Schneider.

As entrevistas de Jorge Eduardo D urão, diretor-geral da Abong, e da socióloga Ilse Scherer-W arren contribuem para o debate da atual crise política. A exibição, nesta sem ana, do docum entário Peões, de , com plem entada com a apresentação, nos próxim os dias, do docum entário Entreatos, de João M oreira Salles, se insere nessa perspectiva. N esta sem ana, dia 3 de setem bro, inicia Idade M édia e Cinem a, num a prom oção conjunta do IH U e o Curso de H istória U nisinos. O evento se estenderá até o dia 12 de novem bro. Ao m esm o tem po, continua o Ciclo Repensando os Clássicos da Econom ia com a apresentação e a discussão do clássico Capitalism o, Socialism o e D em ocracia de Joseph Schum peter. O professor D r. Achyles Barcelos da Costa, da U nisinos, apresentará e debaterá o livro na Livraria Cultura, em Porto Alegre, na próxim a quarta-feira.

A todas e todos um a profícua leitura e um a excelente sem ana!

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IHU ON-L INE • W W W .UNIS INOS .B R /IHU S Ã O L E OP OL D O, 2 9 D E A G OS T O D E 2 0 0 5 tem a de capa II C ong resso M u ndial de Transdisciplinaridade pg . 3 H é lè ne Trocm é -F ab re A u niv ersidade ex posta à transdisciplinaridade pg . 9 José Iv o F ollm ann A seg m entaç ã o do conh ecim ento é u m fru to perv erso da m odernidade pg . 1 1 G aston P ineau “ Tornar todos os sab eres acessív eis para todos em toda a parte” pg . 1 6 Joseph ine P apst A transdisciplinaridade é lev ar o ser h u m ano a sé rio pg . 1 6 U b iratan D ` A m b rosio A v isã o eng aiolada do m u ndo pg . 1 6 P atrick P au l “ É preciso u m a m etodolog ia q u e perm ita integ rar a com plex idade da v ida h u m ana” pg . 1 6

José O delso S ch neider A transdisciplinaridade no cooperativ ism o pg . 1 6

B rasil em foco Jorg e E du ardo D u rã o N ã o acredito na refu ndaç ã o do P T pg 2 0 Ilse S ch erer-W arren “ A m ídia de m assa está faz endo cam panh a para o enfraq u ecim ento do g ov erno” pg . 2 3

destaq u es da sem ana Teolog ia P ú b lica: B ento X V I à lu z de A g ostinh o, B oav entu ra e Tom á s por Joseph M . K om onch ak . pg . 2 9 Liv ro da sem ana: O L u x o eterno. D a Idade do S ag rado ao Tem po das M arcas. G illes L ipov etsk y , E ly ette R ou x . pg . 2 9 E ntrev ista da sem ana: “ O controle de nosso destino b ioló g ico estará cada v ez m ais em nossas m ã os” . C r a ig V en ter pg . 2 9 F ilm e da sem ana: “ H otel R u anda” , de Terry G eorg e pg . 2 9 D eu nos jornais pg . 2 9 F rases da sem ana pg . 2 9 IH U em rev ista E v entos pg . 4 4 IH U R epó rter pg . 6 4 C artas do leitor pg . 6 7 2

IHU ON-L INE • W W W .UNIS INOS .B R /IHU S Ã O L E OP OL D O, 2 9 D E A G OS T O D E 2 0 0 5 II C ong resso M u ndial de Transdisciplinaridade

O II Congresso M undial de um espectro am plo de tem as que convergem Transdisciplinaridade acontece de 6 a 12 de para o foco: atitude – pesquisa – ação setem bro, 2005, em Vila Velha/Vitória, transdisciplinares. O evento reúne um a Espírito Santo. Este Congresso representa audiência nacional e internacional interessada um im portante passo na consolidação da em transdisciplinaridade e no abordagem transdisciplinar em educação, esta aprofundam ento de suas propostas e pretende entendida em um sentido lato. O evento tem sensibilizar um público m aior para os valores com o objetivo principal criar um espaço- dessa abordagem . tem po onde o fio intrínseco das questões N a abertura do evento estará Basarab transdisciplinares possa ser novam ente N icolescu, falando sobre a experiência tratado, no que tange à atitude, à pesquisa, e transdisciplinar. N o segundo dia do à ação transdisciplinar, dando especial Congresso, a discussão sobre atitudes atenção às atividades colaborativas. transdisciplinares será conduzida pelo O II Congresso M undial de professor U biratan D ’Am brosio. N os dem ais Transdisciplinaridade se propõe a celebrar as dias do evento tam bém serão debatidas a contribuições dos pensadores e pesquisadores pesquisa, a ação e a prospecção proem inentes da transdisciplinaridade, rever e transdisciplinar. O congresso encerra com a atualizar o desenvolvim ento da prática presença do renom ado professor francês transdisciplinar, e tam bém avançar na Edgar M orin. im plem entação da transdisciplinaridade nos M ais inform ações sobre o II Congresso níveis social e educacional. Ele tem seu M undial de Transdisciplinaridade, bem program a desenvolvido para refletir o com o sua program ação com pleta, podem ser interesse e o valor da transdisciplinaridade e obtidas no site www.transdcongress.com.br

O q u e é transdisciplinaridade?

Segundo o conceito extraído do site Realidade e a lógica do terceiro definem a www.transdcongress.com .br, a m etodologia da pesquisa transdisciplinar e a transdisciplinaridade é um a nova abordagem nova visão da natureza e do ser hum ano. científica, cultural espiritual e social. Com o o O olhar transdisciplinar nos rem ete a um prefixo trans indica, diz respeito àquilo que todo significativo que em erge de um diálogo está ao m esm o tem po entre as disciplinas, constante entre a parte e o todo e busca através das diferentes disciplinas e além de encontrar os princípios convergentes entre qualquer disciplina. Seu objetivo é a todas as culturas, para que um a visão e um com preensão do m undo presente, para a qual diálogo transcultural, transnacional e um dos im perativos é a unidade do transreligioso possa em ergir. Ela leva tam bém conhecim ento. O s três pilares da à relativização radical de cada olhar, m as sem transdisciplinaridade complexidade, níveis de cair no relativism o. Esse olhar transcende as

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disciplinas individuais das ciências exatas, com preensão do m undo de hoje a partir dos hum anidades e ciências sociais, e as encoraja novos parâm etros em ergentes da visão buscar um a visão e ação integradas um as com proposta. N este sentido, ela é um a plataform a as outras e com a arte, a literatura e a para expressar e reforçar as esperanças e as experiência espiritual. aspirações da hum anidade. A Transdisciplinaridade pode ser definida de Transdisciplinaridade se endereça a todos os várias form as: com o um processo, um a hom ens e todas as m ulheres que crêem ainda, m oldura estrutural lógica, um a m aneira de apesar de tudo, num projeto futuro, além de pensar. Contudo, sua finalidade busca a todo dogm a e de toda ideologia.

A u niv ersidade ex posta à transdisciplinaridade P or H é lè ne Trocm é -F ab re

“H oje a transdisciplinaridade oferece à universidade a ocasião e os m eios para ser um im enso estaleiro no qual a aprendizagem tem a possibilidade de tornar-se um elem ento responsável e parceiro da m udança social, econôm ica e política, de que o planeta tem necessidade de m aneira crucial”. É a opinião da pesquisadora francesa H élène Trocm é-Fabre em artigo enviado à IH U O n-Line. Segundo ela, um grande perigo am eaça o papel da U niversidade. “O perigo é ser um superm ercado do saber, um sistem a distribuidor de diplom as, um lugar de turism o cultural”, acredita.

Participante do II Congresso Internacional sobre Transdisciplinaridade, que acontece de 6 a 12 de setem bro, no Espírito Santo, a pesquisadora afirm a que o ensino universitário tem sido com partim entalizado, e os cruzam entos entre as disciplinas ainda são poucos. H élène é doutora em lingüística, em Letras e Ciências H um anas, e autora de diversos livros, entre eles A Árvore do saber-aprender. São Paulo: Triom , 2004. Lecionou na U niversidade Sorbonne, na França e é professora em érita de Ciências da Educação na U niversité de La Rochelle, na França.

O título deste artigo, A universidade exposta à anos, o papel da universidade está no centro transdisciplinaridade, resulta de um longo de m inhas preocupações. Parece-m e que um com panheirism o com a universidade. N a grande perigo a am eaça, independentem ente verdade, entrei na U niversidade (Sorbonne, do país e da cultura onde ela se encontre. O Paris) em 1948, ou seja, apenas três anos após perigo é o de ser um superm ercado do saber, o final da Segunda G uerra M undial. M inha um sistem a distribuidor de diplom as, um escolaridade tinha sido m ovim entada (êxodo, lugar de turism o cultural. Por que salientar ocupação nazista, bom bardeam entos esse perigo? Porque neste com eço de século aliados...) e eu dividia, com m inha geração, a XXI, os ensinam entos universitários ainda enorm e esperança de poder, enfim , explorar, são seguidam ente com partim entados, descobrir, aprender e ensinar livrem ente. encerrados com o são as ciências e as H oje, ainda que eu não ensine há alguns disciplinas universitárias. As linhas de divisão

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acadêm ica são raram ente traspassadas. organizem o jogo de interações, perm itindo a Entretanto, novos conceitos já em ergiram , parceria com o coração do vivo. graças às descobertas científicas: interface, co- Voltem os à reestruturação da linguagem . determ inação, potencialização, em ergência, Antes que a palavra “transdisciplinaridade” autocriação, auto-organização... Certos tenha aparecido nos escritos de Piaget (1970), conceitos, hoje obsoletos, continuam , apesar Alfred Korzybski1 lem brava vigorosam ente a de tudo, a fundam entar ensinam entos im possibilidade de separar percepção, visão, acadêm icos: objetividade, origem , audição e conhecim ento. Todos os processos causalidade, tem poralidade... Conceitos que, perpetuais, salienta ele (desde 1950), graças às pesquisas em neurociências e im plicam , da parte de nosso sistem a nervoso, ciências cognitivas, tornaram -se plurais: a atividade de abstrair em níveis de aprendizados, m em órias, durações, com plexidade diferentes. Existem , especifica linguagens... Tudo isso deveria, ele, vários níveis de abstração: o nível urgentem ente, convidar-nos a redefinir nossa m icroscópico (as inform ações sensoriais), o linguagem . Por exem plo, as ciências nível de denom inação ou de descrição (as cognitivas nos explicam que o que cham am os linguagens), e o nível de inferência de “inform ação” pode som ente ser percebido (com unicam os nosso pensam ento sobre nosso através de um filtro de nossa sensorialidade, pensam ento, de m odo silencioso). Esta de nossa cultura e de nossa história pessoal. abordagem , a Sem ântica G eral, já nos Continuam os, apesar de tudo, a pensar que a engajava há m eio século, a serm os prudentes objetividade e o sentido residem em si e a relativizar o sentido das palavras em m esm o, e isso nos conduz a conflitos inúteis, nossas trocas de palavras. A sem ântica nos porém perigosos. interpela, hoje m ais do que nunca, e nos H oje, a transdisciplinaridade oferece à convida, no contexto de nosso am biente, a universidade a ocasião e os m eios de ser um ancorar o que exprim im os, seja qual for nosso im enso terreno no qual o aprendizado tem a m eio de expressão (língua, gesto, olhar, voz, possibilidade de se tornar um elem ento postura, com portam ento, atitude...) responsável e parceiro da m udança social, D e sua parte, a abordagem sistêm ica, desde econôm ica e política da qual o planeta Bertalanffy2, desenvolveu-se igualm ente há necessita crucialm ente. Abrindo-se ao que reúne os diferentes ângulos de visão do real, 1 Alfred Korzybski (1879-1950): fundador do estudo da abordando os diferentes níveis de realidade, Semântica Geral. Durante a Primeira Guerra Mundia, evitando o encerram ento de um raciocínio Korzybski serviu como oficial da inteligência no exército russo. Após ser ferido em seu pé e ter outros bloqueado num a linearidade unidirecional (A ferimentos, foi para a América do Norte, em 1916,  B), e na alternativa binária do “ou... ou”, a (primeiramente, para o Canadá, e depois para os abordagem interdisciplinar se inscreve na Estados Unidos) coordenar a parte dianteira da artilharia da guerra. Depois da guerra, decidiu se permanecer nos fidelidade e observância das leis do vivo. Estados Unidos, naturalizando-se em 1940. (Nota da Lem brem os que o vivo tem por exigência se IHU On-Line) 2 reunir, se auto-organizar e se auto-estruturar. Ludwig von Bertalanffy (1901-1972): biólogo alemão, fundador da Teoria Geral dos Sistemas. Discordava da Para isso, necessita de durabilidade e de um visão cartesiana do Universo. Fez, então, uma espaço aberto. Ele precisa ter consciência ao abordagem orgânica da biologia e tentou divulgar a tornar-se. Ele necessita de que as idéia de que o organismo é um todo maior do que a soma das suas partes. Criticou a visão de que o mundo é responsabilidades educativas coloquem em dividido em diferentes áreas, como física, química, prática as condições favoráveis para um biologia, psicologia, etc. Ao contrário, sugeria que se verdadeiro aprendizado, ou seja, que deve estudar sistemas globalmente, de forma a envolver todas as suas interdependências, pois cada elemento, ao ser reunido para constituir uma uniddade funcional maior, desenvolve qualidades que não se encontram em

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m eio século, em particular graças à salientava que um sistem a é um a unidade que repercussão da Escola de Palo Alto3. Ela com porta um a estrutura de feed-back. Isso é tam bém salientou a im portância de se válido para os sistem as ecológicos, os sistem as considerar as interações e as sociais, para o indivíduo em seu m eio interdependências dos fenôm enos. Se as am biente: é com ele que está em interação e interações, evidentem ente, sem pre existiram que constitui um sistem a. A fam ília é tam bém na natureza, foi som ente no século XX que a um sistem a, m as... a abordagem analítica ciência as descobriu em quase todos os continua sendo, na m aioria das vezes, a única cam pos: física, biologia, ciências hum anas, abordagem praticada nos ensinos, nos estudos econom ia... M as hoje as noções de sistem a de de problem as socioculturais, econôm icos ou estrutura tardam ainda a ser consideradas no políticos, porém , som ente ela, não consegue ensino das diferentes estruturas acadêm icas. responder à com plexidade do vivo. M inha Todavia... o vivo é indissociável das noções longa parceria com /e na universidade m e de sistem a e de estrutura!. U m sistem a, perm ite sugerir que ignorar as características definido com o sendo um conjunto de sistêm icas do hom em , da sociedade hum ana e elem entos em interação dinâm ica está, então, dos ecossistem as em pobrece, de m aneira em via de transform ar-se. O rganizado em considerável, as trocas e os projetos função de um a finalidade, ele é, dessa form a, educativos e sociais. Penso, em particular, no orientado para um objetivo. M al se vê com o que é (infelizm ente) com um de ser cham ado (e por que) abster-se das noções de sistem a e “a luta contra o analfabetism o”: a abordagem de estrutura no ensino e aprendizado das analítica do código alfabético grego-latino diversas disciplinas acadêm icas, na elaboração condena o aprendiz a não ultrapassar o estado de projetos e na m enor das ações sociais, de subm issão ao código im posto pelo econôm icas ou políticas. O cidente. Felizm ente adm iráveis pioneiros, O ser hum ano responde plenam ente à com o Paulo Freire5, m ostraram um outro definição clássica do sistem a aberto: ele está cam inho, o do aprendizado em parceria, à em constante troca de energia e de m atéria escuta daquele que sabe m uitas coisas, m as com o m eio am biente. G regory Bateson4 ainda não sabe que as sabe.

Com o respeitar as exigências do vivo, seus componentes isolados. Autor do livro General systems theory – Essais on its foundation and evitando os isolam entos, o reducionism o, o development. New York. 1968. Publicou também The distanciam ento de um a realidade que não Theory of open systems, General System Yearboock. cessa de m udar e que exige adaptarm o-nos 1956. A primeira edição brasileira de Teoria Geral dos Sistemas foi publicada pela Editoras Vozes, de Petrópolis (RJ), em 1968. (Nota da IHU On-Line) 3 A Escola de Palo Alto constitui hoje um dos núcleos de investigação mais prestigiados no âmbito 5 (1921-1997): educador brasileiro. Como psicoterapêutico e psiquiátrico. O seu fundador, diretor do Serviço de Extensão Cultural da Gregory Bateson, era um apaixonado pelo saber Universidade de Recife, obteve sucesso em programas científico e, numa perspectiva ecológica da mente de alfabetização, depois adotados pelo governo federal (mind), socorreu-se de conceitos cibernéticos para (1963). Esteve exilado entre 1964 e 1971 e fundou o compreender os processos da psiquê humana, no Instituto de Ação Cultural em Genebra, Suíça. Foi pressuposto da similitude formal que acreditava existir também professor da Unicamp (1979) e secretário de no funcionamento de todos os seres vivos. (Nota da Educação da prefeitura de São Paulo (1989-1993). No IHU On-Line) II Ciclo de Estudos sobre o Brasil, do dia 30 de 4 Gregory Bateson (1904-1980): cientista, antropólogo e setembro de 2004, o professor Dr. Danilo Streck, do filósofo. Sobre Gregory Bateson, IHU On-Line PPG em Educação da , apresentou o livro A publicou o artigo Gregory Bateson, pensamento que Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire. Sobre a obra, vive, na edição n.º 108, de 5 de julho de 2004, por publicamos um artigo de autoria do professor Danilo na ocasião do centenário de seu nascimento. (Nota da IHU 117ª edição, de 27 de setembro de 2004. (Nota da IHU On-Line). On-Line)

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sem cessar? Proponho respeitarm os seis da geologia a partir da divisão dos continentes princípios: perm itirá a com preensão da geodinâm ica, a evolução das espécies, às m igrações de Recensear o que deve ser evitado: é um populações... O utro exem plo: antes de m étodo eficaz e relativam ente pouco abordar um assunto, recensear as dispendioso. Consiste em evitar toda representações de cada um sobre a palavra abordagem linear, seqüencial tradicional, que central do tem a (a que outras palavras eu a pratica a justaposição dos elem entos associo); dar a palavra ao im aginário (1+ 1+ 1+ 1...), e que prefere o descritivo ao (procurar analogias, “este assunto é com o...”), explicativo, o declarativo ao questionam ento. posicionar-se em relação ao assunto (o que Prefiram os a abordagem plural que propõe nos aproxim a dele, o que nos afasta); ângulos e perspectivas diferentes, que se encorajar o questionam ento respectivo ao inscreve na durabilidade, que reconhece o assunto (o que eu gostaria de com preender, curto, o m édio e o longo prazo. explorar, saber...). Substituir a relação causa efeito pela Cruzar os aportes da sistêm ica e da relação contexto efeitos, na qual a interdisciplinaridade em nossas trocas, nos causalidade é m útua, recíproca. O s efeitos nossos ensinam entos, nos nossos reagem sobre as causas e m odificam o aprendizados, nos nossos projetos. Isso contexto. Todo aprendizado, toda consiste em : com unicação funciona em pró- e retroação, e - salientar as interações entre os tem as, os beneficia, assim , a relação tentativa  erro. assuntos, as etapas do processo de construção Porque as definições constroem a realidade e do saber; a apresentam com o um evento pontual, não - encorajar as interações, cultivar um duplo passam a im agem da com plexidade. Trata-se, fluxo () entre a inteligência individual e a então, de preferir explorar um conceito sob inteligência coletiva; um ângulo triplo. Por exem plo, quando - dar conta das retroações do processo procurarm os “definir” a autonom ia, devem os cognitivo de com preensão; fazer-nos três perguntas: - encorajar as explorações individuais e em Q ual é a natureza da autonom ia? Com o parceria; descrevê-la? Com que se parece ela? - m anter o objetivo constantem ente presente; Q ual é a função da autonom ia? Q ual é seu questionar-se continuam ente (em nom e de papel no sistem a? que eu faço o que faço?). Q ual é o estatuto da autonom ia? A que leis ela obedece? Q uais são seus lim ites? Com preender-se-á que estas reflexões e M ostrar as interdependências, as retroações. proposições são frutos de um longo “vai-e- Por exem plo, salientar a interdependência da vem ” entre o terreno e a pesquisa. Elas são ecologia, da biologia, da econom ia. M ostrar a um m odesto testem unho das passarelas que interdependência do pensam ento, da língua e puderam ser construídas entre os cam pos do real que caracteriza cada cultura. M ostrar considerados, até então, com o “reservados”. o im pacto do ritm o subjacente sobre a Por exem plo, para com preender as pronúncia de um a língua, etc. dificuldades do aprendizado encontradas por Ancorar o que é dito, ensinado, aprendido em adultos, m e foi preciso interrogar (seria m ais relação a um eixo central ou a um contexto correto dizer “interpelar”) pesquisadores em espaço tem poral explicitado. Posicionar o que neurociências e em ciências cognitivas, pois a está em questão na durabilidade, em relação a lingüística sozinha não podia fornecer um antes e um depois. Por exem plo, o ensino respostas aos problem as cognitivos de

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m em orização, de estruturação de integração transdisciplinaridade. M as esses cam inhos do ritm o, de transferência da escuta à devem ainda ser construídos através da palavra... cam inhada. A universidade tem o papel crucial de interpretar para contribuir na Estas poucas linhas são com partilhadas com a construção de um a nova cultura: a cultura da esperança de que contribuirão para a abertura união. Para isso, será preciso m udar seu do ponto de partida e o de chegada do grande sistem a de avaliação e de validação, e não terreno de interações hum anas, que, m uito m ais confiar som ente aos núm eros o papel de freqüentem ente, ignoram as exigências do avaliar o processo de transform ação que vivo e não escolhem a via (a voz) da paz. contribui para form ar a m ais antiga atividade Existem , entretanto, cam inhos que levam à do m undo: aprender. paz, com o aquele que propõe a

A seg m entaç ã o do conh ecim ento é u m fru to perv erso da m odernidade

E ntrev ista com José Iv o F ollm ann

“A segm entação do conhecim ento e as departam entalizações, tão caras à academ ia e que se tornaram tam bém tão incôm odas, podem ser vistas com o frutos perversos da m odernidade”. Com essa preocupação o professor José Ivo Follm ann, do Program a de Pós-G raduação em Ciências Sociais Aplicadas, da U nisinos, reflete sobre a im portância da transdisciplinaridade e seus cam inhos na construção de um conhecim ento que dialogue entre seus diferentes cam pos. Follm ann, que é padre jesuíta, coordena o program a G estando o D iálogo Inter-Religioso e o Ecum enism o (G D IREC) e aponta a im portância do diálogo entre as religiões. Ele participará do II Congresso M undial de Transdisciplinaridade, em Vila Velha, Espírito Santo, de 6 a 12 de setem bro, com a apresentação de um estudo de caso no dia 8 de setem bro. José Ivo Follm ann é graduado em Filosofia, Teologia e Sociologia. É m estre em Ciências Sociais pela PU C-SP e doutor em Sociologia pela U niversité Catholique de Louvain, U .C.L., Bélgica, com a tese Religion, Politique et Identité. Escreveu o livro Igreja, ideologia e classes sociais. N ova Petrópolis: Vozes, 1985 e organizou, em parceria com Ielbo M arcos Lobo de Souza, a obra Transdisciplinaridade e universidade: uma proposta em construção. São Leopoldo: U nisinos, 2003. A IH U On-Line entrevistou José Ivo nas edições nº 51, de 17 de m arço de 2003, abordando a criação da faculdade da água pela U niversidade do Bem Com um , na Bélgica; nº 56, de 22 de abril de 2003, falando sobre M ax W eber; nº 48, de janeiro de 2003, sob o título Religião, identidade e diálogo. A entrevista, a seguir, foi concedida por e-m ail.

IHU On-Line – P e s q u is a d o re s d o m u nd o o s p rincip a is a v a nç o s a g u a rd a d o s p a ra e s s e to d o , d a s m a is d ife re nte s á re a s d e e nco ntro ? Q u a l a m e to d o lo g ia q u e s e g u irá o co nh e cim e nto , p a rticip a rã o d o II C o ng re s s o C o ng re s s o q u e o d ife re ncie d e u m e v e nto M u nd ia l d e T ra ns d is cip lina rid a d e . Q u a is s ã o d is cip lina r?

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José Iv o F ollm ann – O fato de o II com plem entaridade, com o estava na Congresso acontecer significa certam ente um intencionalidade original de quem concebeu as avanço. A transdisciplinaridade am pliou m uito divisões disciplinares, m as m anifestações o seu “público” desde o I Congresso M undial visíveis de disputas de poder. N ão devem os, acontecido em Arrábida, Portugal (1994). A sim plesm ente, generalizar, pois seria um a Carta da Transdisciplinaridade6, então escrita, inverdade com relação àqueles cientistas e circulou por m uitos novos espaços e tom ou, pesquisadores do m eio acadêm icoque estão sobretudo, o espaço das universidades. O m uito acim a e além dessa rotina viciada. Eles avanço que eu, pessoalm ente, espero é o de se transcendem essa coisa rançosa e, pode-se poder celebrar gostosam ente todos estes dizer, têm atitude transdisciplinar. avanços e encarar, com seriedade, os desafios que, certam ente, se m ultiplicaram depois do I IHU On-Line – Q u a is s ã o a s m a io re s Congresso... Pessoalm ente, sou um aprendiz e co nq u is ta s a lca nç a d a s p e la quero bater palm as para todos os pioneiros e tra ns d is cip lina rid a d e ? E m fu nç ã o d a pioneiras. Evidentem ente, é exagerado falar cre s ce nte fra g m e nta ç ã o d o s a b e r, co m o e la que terem os, no Congresso, a presença de p o d e a u x ilia r o m u nd o a u nifica r o pesquisadores do m undo todo, m as, co nh e cim e nto ? certam ente, os participantes estarão José Iv o Follm ann – A grande conquista é preocupados com o m undo todo. N ão m e cabe, toda essa m aior difusão, esse “espraiar-se” da evidentem ente, falar pelo Com itê D iretivo, m as própria idéia de transdisciplinaridade. Fruto de posso dizer, sem dúvida, que esse Congresso toda um a corrente de preocupações voltadas não quer ser e não deverá ser a afirm ação de contra a fragm entação do saber, a m ais um a corporação dentro da Academ ia. transdisciplinaridade traz novos elem entos Pessoalm ente, fico m uito preocupado, às vezes, decisivos para o avanço do conhecim ento. N ão com certos congressos ou eventos acadêm icos, se trata de unificar o conhecim ento, m uito em que o m ais evidente são os m ecanism os de m enos de colocar em pecilhos nos avanços articulação em vistas da sobrevivência e do disciplinares, e sim , de torná-los m ais efetivos e reforço da categoria ou corporação acadêm ica. fecundos em sua pluralidade. Sem pre gosto de A verdadeira contribuição para a sociedade é o dizer que a transdisciplinaridade não veio para que m enos acontece. A segm entação do abolir as disciplinas, m as para consolidá-las, conhecim ento e as departam entalizações, tão dando-lhes novas condições de efetiva caras à academ ia, e que se tornaram tam bém contribuição no avanço das ciências e do tão incôm odas, podem ser vistas com o frutos conhecim ento. Pessoalm ente, além de estar na perversos da m odernidade. O que se observa, academ ia com o sociólogo, sou tam bém m uitas vezes, na academ ia e nos m undos do religioso, padre jesuíta, e, com o estudioso das conhecim ento, não é a busca de religiões, lido m uito, sob diversas form as, com o cam po religioso. U ltim am ente, são sem pre m ais freqüentes os m eus contatos com líderes 6 A Carta da Transdisciplinaridade foi elaborada pelos de religiões e abordagens diferentes. Isso está participantes do I Congresso Mundial de Transdisciplinaridade, realizado no Convento de sendo, para m im , um a experiência fantástica e Arrábida, em Portugal, de 2 a 7 de novembro de 1994. Os m e deixa tam bém m uito à vontade no m eio participantes adotaram o referido protocolo como transdisciplinar. princípios fundamentais da comunidade de espíritos transdisciplinares, constituindo um contrato moral que todo signatário faz consigo mesmo, sem qualquer pressão IHU On-Line – C o m o a s re lig iõ e s co ntrib u e m jurídica e institucional. No comitê de redação desta carta, p a ra co ns tru ir u m co nh e cim e nto estiveram Lima de Freitas, Edgar Morin e Basarab Nicolescu. Ela pode ser lida, na íntegra, em tra ns d is cip lina r? www.cfh.ufsc.br/~let/carta.htm (Nota da IHU On-Line)

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José Iv o F ollm ann - Bem , vam os devagar reconhecim ento do outro e da possível porque “o santo é de barro!”... D esculpe a pertinência de sua contribuição, para além dos expressão tirada do im aginário católico... lim ites de m inha disciplina e de m inha Estam os, de fato, num terreno que exige m uito im aginação. cuidado e os avanços são lentos. As religiões tendem a se fechar sobre as suas verdades, pois, IHU On-Line – N a s u niv e rs id a d e s b ra s ile ira s , afinal, lidam com o que existe de m ais q u a is s ã o o s e x e m p lo s d e profundam ente desafiador na existência tra ns d is cip lina rid a d e q u e m e re ce m s e r hum ana, o além dos lim ites da m orte. O d e s ta ca d o s ? m ovim ento de aproxim ação entre elas, que é José Iv o F ollm ann – N as universidades, desejável e esperado ansiosam ente por m uitos, tornou-se com um falar em deve ser m uito cuidadoso, pois o risco de m ultidisciplinaridade, pluridisciplinaridade, causar danos quase insuperáveis é tam bém interdisciplinaridade, colocando as disciplinas im enso, com o a história o com prova. em diferentes intensidades de colaboração N os últim os anos, na U nisinos, venho m útua, no avanço do conhecim ento científico. vivenciando com um grupo, um a experiência A atitude transdisciplinar, apesar de ter m uito interessante e que m e faz refletir m ais aparecido no final, é, para m im , a chave para concretam ente sobre a contribuição das tudo isso. O u seja, é necessário ter a atitude de religiões. Tem os um “G rupo Inter-Religioso reconhecer hum ildem ente a possibilidade, e de D iálogo”, que faz parte de um Program a m esm o a necessidade, da contribuição externa à m ais am plo, o G D IREC (G estando o D iálogo disciplina. Estar sem pre aberto a interrogantes Inter-Religioso e o Ecum enism o). O grupo é externos. Vejo com entusiasm o que o tem a da constituído hoje de líderes religiosos de treze transdisciplinaridade e o tem a da com plexidade denom inações diferentes e se reúne se tornaram recorrentes, hoje, em m uitas m ensalm ente na U niversidade, tendo com o U niversidades brasileiras. Existem grupos de objetivo principal o conhecim ento e estudo e reflexão, institutos ou organism os reconhecim ento m útuos e o cultivo das sem elhantes e, até m esm o, universidades, nas identidades religiosas diversas. Entendem os quais a transdisciplinaridade tornou-se opção que não existe diálogo inter-religioso sem um prioritária institucional. Tudo isso certam ente profundo cultivo das identidades religiosas. O poderá ajudar a am pliar a atitude diálogo exige que se leve o outro a sério. A transdisciplinar no m eio acadêm ico. N ão tenho questão da identidade é fundam ental. É condições de dizer quais os exem plos de necessário levar-se a sério!... transdisciplinaridade que m erecem ser D a m esm a form a, transdisciplinaridade não destacados. Existem as m ais variadas significa dim inuição das disciplinas ou iniciativas. Todas devem ser destacadas dentro superação das m esm as. Significa, pelo da contribuição específica que trazem . contrário, levá-las m ais a sério. N a transdisciplinaridade, as diferentes identidades IHU On-Line – Q u e p a s s o s a Unis ino s te m disciplinares são levadas a sério e, além disso, d a d o ne s s a d ire ç ã o ? são tam bém levadas a sério outras vias de José Iv o Follm ann – A U nisinos é hoje um a conhecim ento que transcendem os lim ites U niversidade que extinguiu os D epartam entos disciplinares A atitude transdisciplinar é, e extinguiu os Centros. É, sem dúvida, um sobretudo, um a atitude de hum ildade, no m eio facilitador, m as não é sobre isso que sentido de estar sem pre pronto para acolher a quero falar... Vou fazer um a leitura de dentro contribuição do outro. Posso dizer que tenho do viés no qual eu estou m ais diretam ente atitude transdisciplinar se m inha postura é de im plicado. U m prim eiro passo im portante, no

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m eu entendim ento, aconteceu quando, consolidação, ao longo dos últim os três anos, seguindo inspiração das D iretrizes da significa um grande avanço na proposta Associação das U niversidades Jesuítas da transdisciplinar. Isto sem falar dos diferentes Am érica Latina (AU SJAL), em 1995, a esforços que vêm sendo feitos, tanto em term os U nisinos decidiu adotar, explicitam ente em de pesquisa, ensino e extensão, quanto na cada currículo, nos cursos de G raduação, a gestão da própria U niversidade. assim cham ada “form ação hum anística de orientação cristã”. Tratava-se de ajudar os IHU On-Line – C o m o o co nh e cim e nto estudantes a abrirem os horizontes de seus tra ns d is cip lina r p o d e ria co ntrib u ir p a ra a entendim entos especializados e disciplinares fo rm a ç ã o d e p e s s o a s q u e s a ib a m e nfre nta r para um a com preensão m ais am pla de a s d ife re nte s d e m a nd a s s o cia is no com prom etim ento com o ser hum ano m o m e nto p o lítico q u e e s ta m o s v iv e nd o ? (dim ensão antropológica), com as exigências José Iv o F ollm ann – Para ser breve, eu éticas nisso envolvidas (dim ensão da destacaria aqui a dim ensão da ética. N ós responsabilidade ética) e a im portância de precisam os perm anentem ente autotranscender- nossa inserção latino-am ericana, no grande nos em nossas lim itações, se quiserm os ter m ovim ento da história na qual vivem os com o referência a im portância da vida e da (dim ensão da responsabilidade histórica). A pessoa hum ana. O fecham ento em proposta com põe-se, assim , de três vigorosos determ inadas fórm ulas disciplinares ou de interrogantes externos para as disciplinas de prática política, sem o devido horizonte ético, cada curso. N o m eu entender, m esm o que isso pode conduzir a desastres, às vezes, não esteja diretam ente explicitado na proposta, irrem ediáveis. podem os entrever nela um m ovim ento incipiente, m as de grande abrangência, na IHU On-Line – Há a lg u m o u tro a s p e cto q u e direção do cultivo da transdisciplinaridade nas d e s e ja d e s ta ca r e q u e nã o fo i p e rg u nta d o ? atividades de ensino-aprendizagem da José Iv o F ollm ann - Q uero ainda sublinhar U niversidade. Pena que isso nem sem pre tenha o seguinte: O tem a da transdisciplinaridade é chegado, com a m esm a intensidade, até a visto, m uitas vezes, com o algo da m oda. D e percepção das coordenações dos cursos. acordo, certam ente existe m uito m odism o A partir do ano 2002, com eçou-se a esboçar, envolvido. N o entanto, eu gostaria de dizer que com m ais clareza, o que hoje é conhecido com o é um m odism o bom , porque ajuda para um a opção institucional da U nisinos pela despertar geral, provocando a convergência transdisciplinaridade. Sucessivam ente, em fecunda de cam inhos diferentes e a m obilização 2002 e 2003, dois grupos de trabalho no de form as de conhecim ento e de expressão processo de Planejam ento Estratégico da esquecidas ou de culturas “perdidas”, com U niversidade juntaram elem entos suficientes vistas a ajudar a hum anidade a encontrar boas para que, com segurança, a instituição respostas para ela m esm a dentro da colocasse a transdisciplinaridade entre as suas com plexidade do m undo de hoje. O m odism o três prioridades estratégicas e institucionais. acaba sendo contagiado, de form a positiva, e é, D eve ser destacado o lançam ento de um a em certo sentido, “pego na contram ão”... publicação coletiva em 2003, intitulada: A transdisciplinaridade no m eu entender, se Transdisciplinaridade e U niversidade – U m a conduzida com cuidado, “com disciplina”, Proposta em Construção (São Leopoldo: ajudará, sem dúvida, a corrigir os rum os da Editora U nisinos, 2003). A própria criação do hum anidade. Pode-se falar, inclusive, na Instituto H um anitas U nisinos – IH U , em reinvenção do hum ano, na própria 2001 e todo o seu vigoroso processo de hum anidade. Em sum a, ser transdisciplinar, ou

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ter “atitude transdisciplinar”, significa trilhar Avançados Transdisciplinares (IEAT), da novos cam inhos do conhecim ento, revestindo- U FM G , a Tereza M endonça do Instituto de se da arm adura da hum ildade e da esperança Estudos da Com plexidade (IEC), da na hum anidade. (Q uero aproveitar este espaço, PU C/RJ, a M arta Tristão da U FES, a Celso tam bém , para prestar um a hom enagem de Barcelos da ABRH e dem ais integrantes do gratidão a Am érico Som m erm ann, M aria de Com itê D iretivo N acional, pelo seu M ello e Vitória de Barros do Centro de pioneirism o e pelo m uito que deles venho Educação Transdisciplinar (CETRAN S) SP, aprendendo.) a Alfredo G ontijo do Instituto de Estudos

“ Tornar todos os sab eres acessív eis para todos em toda a parte” E ntrev ista com G aston P ineau

Trabalhar problem as de m aneira nova e “reatualizar o m ito libertador fundador da universidade: criar um a sociedade de aprendizagem , tornando universais os procedim entos de pesquisa e de transm issão dos saberes”, além disso, fazer com que todos os saberes estejam disponíveis às pessoas. Essas são algum as das propostas da transdisciplinaridade, segundo o pesquisador francês G aston Pineau, diretor do Laboratório de Ciências da Educação e da Form ação da U niversidade François Rabelais de Tours, França, em entrevista concedida à IH U On-Line por e-m ail. Pineau estará no Brasil, de 6 a 12 de setem bro, no 2º Congresso M undial de Transdisciplinaridade, em Vitória, Espírito Santo. Será o m ediador de um a das m esas- redondas no dia 9, com o tem a Atitude Transdisciplinar. Em 11 de setem bro, coordenará um a das Cátedras Itinerantes Transdisciplinares.

IHU On-Line - D e q u e fo rm a a e d u ca ç ã o para a era planetária. Esta revolução apresenta p o d e co ntrib u ir p a ra a co ns tru ç ã o d e u m um a dupla face: em prim eiro lugar, ela situa a co nh e cim e nto tra ns d is cip lina r? aprendizagem antes do ensino e concebe a G aston P ineau - A educação pode aprendizagem com o um a curva contribuir para a construção de um autoform adora, alternando experiência e conhecim ento transdisciplinar, desenvolvendo expressão. M ais concretam ente, ela cham a a revolução da aprendizagem , tal com o é para duas aberturas, que são as seguintes: apresentada por Edgar M orin7 em Educar políticas, se recusa a ser enquadrado na Sociologia e prefere abarcar um campo de conhecimentos mais vasto: 7 Edgar Morin: sociólogo francês, autor da célebre filosofia, economia, política, ecologia e até biologia, coleção O Método. Os seis livros da série são tema do pois, para ele, não há pensamento que corresponda à Ciclo de Estudos sobre “O Método”, promovido pelo nova era planetária. Além de O Método, é autor de, entre Instituto Humanitas Unisinos – IHU em parceria com a outros, A religação dos saberes. O desafio do século Livraria Cultura, de Porto Alegre. Embora seja estudioso XXI. São Paulo: Bertrand do Brasil, 2001. (Nota da IHU da complexidade crescente do conhecimento científico e On-Line) suas interações com as questões humanas, sociais e

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1) Abertura da educação às aprendizagens ao iniciais com o ação das gerações adultas sobre longo da vida e em todos os seus setores, o que as dos jovens. Ela tam bém obriga a ultrapassar faz da vida a principal escola de conhecim ento. os quadros disciplinares, tentando explicar a 2) Abertura a um a educação que se alterne com plexidade educativa segundo lógicas entre form ação experiencial e form al. Isso quer unicausais no horizonte hegem ônico, dizer trabalhar para reconhecer e validar as carregadas pelo sufixo ism o: psicologism o, aquisições das três fontes vitais de sociologism o, ecologism o. Com seus três conhecim ento: eu próprio, os outros e as pilares – diferentes níveis de realidades, coisas. terceiros inclusos e com plexidade paradoxal – a transdisciplinaridade oferece um paradigm a IHU On-Line - N o q u e co ns is te s e u co nce ito de com preensão na altura da revolução da d e a u to fo rm a ç ã o e q u a l s u a re la ç ã o co m a aprendizagem levada pela autoform ação: a tra ns d is cip lina rid a d e ? aprendizagem vai bem além do ensino e se G aston P ineau - A autoform ação não é a opera por curvas estranhas auto-reforçadoras. solo-form ação nem a ego-form ação. A N ada de auto sem trans, com o diz Basarab exploração de atividades form adoras próprias N icolescu8: “Após o im perialism o disciplinar dos sujeitos que traz o prefixo “auto” não tem dos ism os, a valsa transdisciplinar dos prefixos sido possível senão ligando-o a indicadores de envolve a alegria de viver e de conhecer.” outros pólos de form ação: hetero - e co - prim eiro, os que representam o pólo social; eco IHU On-Line - A te nta tiv a d a - que quer dar conta da influência form adora tra ns d is cip lina rid a d e d e inte rlig a r o s ou deform adora do m eio am biente m aterial d ife re nte s s a b e re s é u m ind ício d e q u e a não hum ano; trans - enfim , que quer h u m a nid a d e b u s ca u m a no v a co m p re e ns ã o aproxim ar as transações unificadoras e d e s i m e s m a ? transform adoras entre, com e além desses três pólos. 8 Basarab Nicolescu: físico teórico romeno, especialista Esta valsa dos prefixos, envolvendo transações na teoria das partículas elementares, é autor de diversos livros e centenas de artigos publicados em revistas form adoras entre esses três pólos da form ação especializadas e livros científicos coletivos na Europa, – pessoal, social e ecológica –, varia no Estados Unidos, Japão e Brasil. Leciona Física Teórica na Universidade Pierre e Marie Curie, em Paris, onde foi decurso das idades da vida. G lobalm ente, a fundador do Laboratório de Física Teórica e de Altas prim eira idade da infância e da adolescência Energias. É também presidente do Centro Internacional está sob a responsabilidade socioeducadora de Pesquisas e Estudos Transdisciplinares (Ciret) na França. Ultimamente, Nicolescu tem produzido diversos dos pais e professores - é um regim e de textos que procuram desvendar as relações entre arte, heteroform ação. A vida adulta se form a ciência e tradição, propondo novos modelos de principalm ente pela autonom ização desses pensamento que possam resgatar à cultura e à sociedade um ser humano mais completo, capaz de enfrentar os poderes heterônom os. Ela está m arcada pela desafios da complexidade, a intrincada teia de relações apropriação progressiva do poder de se form ar entre conhecimentos, disciplinas e sistemas (naturais, que constrói um regim e de autoform ação. culturais e econômicos), que caracteriza o mundo contemporâneo. Integra o corpo de pesquisadores do Enfim , a terceira idade, com o declínio das Centro de Educação Transdisciplinar (Cetrans), de São forças autônom as, torna-as m ais dependentes Paulo. De sua obra, em português, está publicado do m eio am biente m aterial e vê o avanço m ais Ciência, Sentido & Evolução - A cosmologia de Jacob Boehme. São Paulo: Attarl, 1995 e O Manifesto da ou m enos consciente e voluntário da Transdisciplinaridade. 2. ed. São Paulo: Triom, 2001. ecoform ação. A abertura das aprendizagens ao Nicolescu concedeu entrevista por e-mail à IHU On- longo da vida e em todos os seus setores Linee, edição 122, de 8 de novembro de 2004, intitulada A lógica quântica e a transdisciplinaridade. Na edição obriga a sair das teorias educadoras herdadas, 135 da IHU On-Line, de 4 de abril de 2005, o físico deu vendo a educação unicam ente sob suas form as a entrevista A lógica quântica exige mudanças dos nossos hábitos mentais. (Nota da IHU On-Line)

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G aston P ineau - O processo transdisciplinar política audaciosa de pesquisa e de form ação pode ser visto com o um procedim ento de por redes universitárias e não-universitárias passagem de um m odo de pensam ento transnacionais. m oderno para um m odo pós-m oderno. O paradigm a disciplinar da divisão social e IHU On-Line - O e nte nd im e nto d o m u nd o técnica dos saberes está no coração da co m o u m m e ca nis m o inte rlig a d o p o d e form ação da m odernidade. Este paradigm a co ntrib u ir p a ra q u e o h o m e m d o s é cu lo X X I disciplinar é a força, m as tam bém o lim ite da s e ja m a is to le ra nte ? m odernidade. Ele não considera com o G aston P ineau - Com o diz ainda M orin, o problem as disciplinares (a luta contra a grande paradoxo do século XXI a ser pobreza, contra a exclusão, contra a poluição, trabalhado é o da unidade e da diversidade. pela paz,...). E ele cria tantos problem as de Com preender a diversidade com o um recurso ligação quanto cria divisões disciplinares dos de criação, e não com o um a lacuna. saberes. A pós-m odernidade está, pois, às voltas com dois tipos de problem as: a pressão IHU On-Line - C o m o a v a lia a s inicia tiv a s externa dos problem as não-disciplinares de tra ns d is cip lina re s d e F ritjo f C a p ra e o u tro s sobrevivência terrestre e a exigência interna de a u to re s co nte m p o râ ne o s q u e q u e ira se pôr em form a e no sentido dos recortes d e s ta ca r? disciplinares. A atitude transdisciplinar tenta G aston P ineau - As iniciativas trabalhar estes novos problem as de m aneira transdisciplinares com o aquelas de Fritjof nova, com , m as tam bém além das disciplinas. Capra9 devem ser com preendidas com o m om entos históricos pioneiros de em ergência IHU On-Line - Os a tu a is líd e re s d a s na ç õ e s de um m ovim ento de transição paradigm ática. fo rm a ra m -s e e m g ra nd e s u niv e rs id a d e s . D e Eles abrem portas, descristalizando antigos q u e m o d o a b u s ca d a tra ns d is cip lina rid a d e m odelos de pensam ento e propondo elem entos p o d e re s p o nd e r a o s d e s a fio s q u e a novos. Eles devem ser prolongados, s o b re v iv ê ncia d o p la ne ta no s a p re s e nta ? conectando e desenvolvendo essas aberturas G aston P ineau - Para responder aos pioneiras. As revoluções paradigm áticas se desafios de sobrevivência universitária que estendem sobre diversas gerações. ultrapassam am plam ente a form ação de líderes, a transdisciplinaridade visa a reatualizar o m ito libertador fundador da 9 universidade: criar um a sociedade de Fritjof Capra: físico austríaco, cientista, ambientalista, educador e ativista. Surgiu para o mundo após lançar O aprendizagem , tornando universais os tao da física, no qual discorre sobre os paralelos, a procedim entos de pesquisa e de transm issão princípio impossíveis, entre a física quântica e o dos saberes. Ela visa a tornar todos os saberes misticismo oriental. Estabeleceu-se no posto de pensador holístico com O ponto de mutação, explorando as acessíveis para todos e em toda a parte. mudanças no paradigma social que acompanham as descobertas científicas. Atualmente, vive em Berkeley, IHU On-Line - O q u e d e v e m u d a r na s na Califórnia. Ele fundou o Center for Ecoliteracy, uma instituição que forma profissionais para ensinar ecologia u niv e rs id a d e s p a ra re s p o nd e r, d e fa to , a nas escolas. É professor do Schumacher College, um e s s e s d e s a fio s ? centro de estudos ecológicos na Inglaterra. Em português, foram publicados, entre outros, os livros: O G aston P ineau - O s desafios planetários não ponto de mutação. São Paulo: Cutrix, 1982, Sabedoria poderão ser enfrentados senão m udando os incomum. São Paulo: Cutrix, 1995, A teia da vida. São quadros de pesquisa e de form ação Paulo: Cultrix, 1997, O tao da Física. São Paulo: Cultrix, 2000, As conexões ocultas. São Paulo: Cultrix, universitária, instituídos para fazer em ergir as 2002, Pertencendo ao universo. São Paulo: Cultrix, forças institucionais, o que im plica um a 2003. (Nota da IHU On-Line)

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A transdisciplinaridade é lev ar o ser h u m ano a sé rio E ntrev ista com Joseph ine P apst

Josephine Papst é graduada em Estudos de Filosofia, Língua Alem ã e Literatura pela U niversidade de G raz (Áustria). É m estre em Filosofia, em Estudos em Ciências Cognitivas pela U niversidade de Buffalo (EU A). Realizou trabalhos de pesquisa nas U niversidades de M unique (Alem anha), Sofia (Bulgária), no Centro de G raduação na U niversidade da Cidade de N ova York e na U niversidade de Berkeley na Califórnia (EU A). O bteve doutorado em Filosofia em 1997 com a tese Indexicality as the basis of the subsymbolic-reflexive structure of the mind. A pesquisadora atua com o docente na U niversidade de G raz e na U niversidade Com plutense de M adri. D á aulas sobre filosofia da m ente, filosofia da linguagem , epistem ologia, ciências cognitivas, teoria das ciências, m etafísica e o paradigm a da transdisciplinaridade. N o ano de 2004, fundou a associação científica Indexicals – Centre of transdisciplinary cognitive and state-system sciences, da qual é orientadora científica e presidente. D esde setem bro de 2005, Josephine possui o site http://idexicals.ac.at Confira a entrevista concedida por e-m ail à IH U On-Line.

IHU On-Line - Q u a is s ã o o s p rincip a is soluções em questão. 4)D esenvolver a d e s a fio s q u e a tra ns d is cip lina rid a d e d e v e seriedade ou m odéstia hum ana para aceitar e nfre nta r p a ra o b te r e fe tiv id a d e na ciê ncia que há soluções que nós não podem os explicar co nte m p o râ ne a ? cientificam ente – agora ou em princípio – por Joseph ine P apst- Em prim eiro lugar, vou causa da com plexidade da realidade. N esse explicar o paradigm a da transdisciplinaridade. sentido, o principal desafio é gerar um a O s principais desafios são: 1)D esenvolver a atitude transdisciplinar individual e coletiva. consciência científica individual e coletiva G erar um a atitude transdisciplinar significa sobre as questões m ais fundam entais. O que é que ela não pode ser obtida por regras ou isso? O que podem os conhecer? O que fazer a program as lineares vindos de fora, porque fim de contribuir para um a sociedade um a atitude transdisciplinar deve desenvolver- individualm ente hum ana e um universo vivo? se a si m esm a na base interna da m ente de 2) D esenvolver um a sensibilidade disciplinar e cada cientista individual, para tornar-se efetiva m entes abertas. A consciência científica das coletivam ente. N o caso em que um a atitude questões m ais básicas nos perm ite ver cada transdisciplinar não é gerada individualm ente, cam po disciplinar com seus m étodos restritos ela não pode ser gerada coletivam ente. Por em seu objetivo lim itado. 3) Buscar a isso, a aceitação da liberdade das ciências e da introspecção científica de que necessitam os no liberdade de consciência individual deve ser conhecim ento das disciplinas particulares para novam ente estabelecida – especialm ente na descobrir onde estão seus lim ites, em vista de Europa – para ocorrer nas ciências, nas artes e um a saída particular para entender e a na política. m odéstia para confessar seus lim ites. Isso nos dispõe para o acesso transdisciplinar às

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IHU On-Line - A s u niv e rs id a d e s co ntinu a m pressuposição para se chegar a convergências e ns ina nd o m e d ia nte a s e g m e nta ç ã o d o com a exigência de adequação. Q ualquer co nh e cim e nto e m d is cip lina s . C o m o p o d e “você deveria’, “você deve”, “você precisa”, e s te m o d e lo s e r re p e ns a d o p a ra “porque tem po é dinheiro” está no lugar co nte m p la r u m d iá lo g o s a d io e ntre o s errado na educação científica e superior. co nh e cim e nto s ? Joseph ine P apst- Para m im , parece que o IHU On-Line - E m q u e a tra ns d is cip lina rid a d e dano na educação superior das universidades p o d e m u d a r a s p rá tica s e d u ca tiv a s , não é causado pela segm entação das diferentes co ns id e ra nd o , p o r e x e m p lo , a disciplinas, m as por arrastar os estudantes com co m p le x id a d e ? um program a disciplinar num tem po tão curto Joseph ine P apst - Em prim eiro lugar, quanto possível. N ão lhes é deixado tem po gostaríam os de ter consciência de que a para refletir a respeito, para expressar transdisciplinaridade se tornou um conceito preocupações, etc. Eu pressuponho que os m uito popular. D e um lado isso é bom , de estudantes têm idéias próprias dos tem pos outro lado, no entanto, se tornou um tanto anteriores, quando eram crianças. N o entanto, inflacionário. Eu assum o o conceito desejado para continuar um processo de de transdisciplinaridade, o que significa ter a desenvolvim ento, as boas idéias próprias m ente aberta em relação ao que existe necessitam de tem po, necessitam de um realm ente – em nossa realidade m ental, física e am biente inspirador, necessitam de boa fé m etafísica -, para dar-nos conta de nosso pessoal nas atividades de estudo próprio lugar no universo. D ar-nos conta do desenvolvidas. O s estudantes geram a que conhecem os e do que não entendem os ou consciência de que as soluções que lhes dizem m esm o sabem os e não perder nossa boa fé. respeito têm im portantes conexões com outras Este é o conceito desejado do paradigm a da disciplinas, e eles podem decidir tornar-se transdisciplinaridade. Você m enciona a fam iliares com outras disciplinas ou “com plexidade”. Sim , eu penso que, nas sim plesm ente assim ilar a consciência do práticas educacionais, desde os prim eiros anos, objetivo lim itado de sua orientação disciplinar. o que, de certa m aneira, é perceptível da Se houver tem po suficiente, nenhum estudante com plexidade da realidade em nosso tem po e deixará de ser capaz de tom ar consciência do responsabilidade lim itados com o seres que é sadio ou não nas soluções que lhe dizem hum anos nesta terra poderia ter um im enso respeito, encontrando orientações efeito, porque as crianças devem ser levadas a com provadas, e desenvolverá não só a sua sério. As crianças devem ser levadas a sério em com petência científica, m as tam bém a sua vista de suas expressões, esperanças e desejos, personalidade e a sua responsabilidade. É essa introspecções e tem ores individuais. Elas falta de liberdade das ciências e de liberdade desenvolvem suas personalidades individuais da consciência na prática de ensino que deve no am biente em que vivem e, ao m esm o ser reconsiderada. A liberdade científica e a tem po, elas m udam continuam ente o am biente liberdade de consciência devem ser além do que se pensa, de acordo com reinstauradas para perm itir individualm ente a consistentes e bem inspiradas idéias que cada cientista e coletivam ente às com unidades trazem . O efeito das práticas educativas científicas com unicarem a cada um com m ente transdisciplinares poderia ser que as crianças e aberta. Q ue possam ocorrer preocupações, os estudantes não sejam paralisados em seu incom preensões e divergências, é resultado de desenvolvim ento individual, e com base neste discussões sérias e dizem respeito a cada um , aspecto, o efeito é que eles não serão educados servindo, ao m esm o tem po, com o com o deform ações de seres hum anos, com

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todos os diversos tipos de danos m entais e usualm ente engajados em sua luta entre psíquicos. A vantagem das práticas educativas escolas e advogando sua própria área, com transdisciplinares é que as crianças, os suas queixas de não terem suficiente audiência estudantes e os seres hum anos são levados a e dinheiro, e desenvolvendo seus diferentes sério e tratados respeitosam ente. A m ais ou tipos de práticas institucionais incorretas. m enos intuitiva ou explícita percepção da Fritjof Capra entrou no cam po dos filósofos com plexidade da realidade nos perm ite tornar- com o conseqüência de suas intuições em seu nos m odestos em relação ao que podem os cam po profissional da física teórica e form ulou saber, nos ajuda a aceitar os lim ites de nosso suas intuições altam ente im portantes de um a conhecim ento científico e nos perm ite form a que o povo tinha condições de entender. conceber nossa responsabilidade por tudo Apenas dois livros poderiam ser m encionados aquilo que realizam os. aqui, seu prim eiro livro de 1975 O Tao da Física e seu livro em co-autoria IHU On-Line - C o m o v o cê a v a lia o Ecom anagem ent. Ele tam bém instituiu, em p e ns a m e nto tra ns d is cip lina r d e F ritjo f Berkeley, o Center for Ecoliteracy. O últim o é C a p ra , E d g a r M o rin e a lg u m o u tro a u to r im portante para m ostrar que Fritjof Capra não co nte m p o râ ne o q u e q u e ira d e s ta ca r e q u e form ula propriam ente suas intuições em livros, re fle te s o b re a p rá tica tra ns d is cip lina r? m as que ele tam bém é ativo em cada prática da Joseph ine P apst- D eixe-m e dizer que não vida hum ana, para educar a consciência de m e sinto com petente para avaliar tão grandes nossa responsabilidade por nosso m eio personalidades na ciência e na prática am biente natural. Ele cham a isso de cotidiana. Contudo, gostaria de expressar Ecoliteracy. Atualm ente, este engajam ento por algum as im pressões sobre eles. O físico teórico um a espécie de educação por um m undo de Fritjof Capra é bem conhecido em todo o vida sustentável é um a im portante realização. m undo por causa de seus assim cham ados Com o sociólogo e antropólogo, Edgar M orin livros científicos populares (de divulgação vale por sua boa fé. Com o m em bro da científica). A doutrina do século XX em resistência na França nos anos 40 do últim o filosofia e nas ciências foi que cada coisa é século, ele se tornou fam iliar em face das redutível à física, e que, por isso, todo o antigo crueldades que o fascism o prom oveu por toda m aterial m etafísico e m ístico deve ser proibido a Europa. D esde então, Edgar M orin jam ais nas ciências. E então aconteceu algo peculiar, deixou de escrever, e, m ais tarde, de ensinar principalm ente os físicos com eçaram a criticar no Centro N acional de Pesquisa Científica esta visão científica reducionista, porque seus (CN RS), em Paris, por um a política de resultados ultrapassaram suas investigações civilização e um m undo pensado teóricas, experim entais e em píricas. Com o hum anam ente. A infra-estrutura conceitual resultado dos diferentes m étodos de m ais fundam ental que ele nos forneceu é o da investigação e a form ulação de diversas teorias com plexidade da realidade. Eu gostaria de sobre tópicos particulares da realidade dizer m ais sobre ele e a relevância atual de com plexa, o m aterial de que consiste nossa suas obras e seu engajam ento político em realidade física provocou enigm as particulares, nossos dias de tão variadas m udanças em vista em vez de um a sim ples confirm ação de teorias de um m undo de globalização nos diferentes esperadas. U m desses físicos foi Fritjof Capra, contextos da realidade, m as isso não caberia que enfocou sabiam ente os enigm as e entrou num parágrafo. H á um autor contem porâneo num tópico que filósofos contem porâneos no paradigm a da transdisciplinaridade que não reclam aram ser seu próprio dom ínio. Você poderia ser esquecido aqui. É o físico quântico pode im aginar qual foi a reação dos filósofos Basarab N icolescu, que escreveu o livro La 17

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Transdisciplinarité, M anifeste (para boa-fé conduzir esses processos em todas as m encionar ao m enos um de seus livros). suas m últiplas bem trabalhadas ocorrências aqui e agora nessa direção adequada que IHU On-Line - A fix id e z d o s co nce ito s e ntre identificam os com ou dentro da direção u m a e o u tra d is cip lina p a re ce d ificu lta r a distópica. O últim o aspecto continua a co m p re e ns ã o d o m u nd o . E m q u e m e d id a a paralisar nossas m entes hum anas e a destruir o tra ns d is cip lina rid a d e p o d e a ju d a r a p e ns a r nosso am biente social e natural na terra. Sim , o m u nd o co m o u m g ra nd e s is te m a , e nã o eu penso que o paradigm a da co m o m inú s cu lo s fra g m e nto s ? transdisciplinaridade, com o form ulado acim a, Joseph ine P apst- Sabem os que devem os ser poderia ajudar a progredir na direção m uito cuidadosos com os conceitos que adequada. usam os na com unicação científica e cotidiana, já que eles poderiam significar algo diferente IHU On-Line - Q u a is s ã o a s p rincip a is num outro contexto. Às vezes, os conceitos são co ns e q ü ê ncia s d a s e g m e nta ç ã o d o definidos com term os técnicos para cum prir co nh e cim e nto ? E s ta s e g m e nta ç ã o ta m b é m um a função particular num a teoria particular, g e ra co ns e q ü ê ncia s p o lítica s e e com o tais eles são fixados com sua e co nô m ica s ? com preensão própria. Sem tal com preensão Joseph ine P apst - Penso que você entende clarificada no âm bito das teorias científicas não com o “segm entação do conhecim ento” todos teria nenhum sentido com unicar um a m atéria os esquem as pensados estreitam ente – que com plicada. N o entanto, poderia ocorrer que, realm ente não são conhecim ento -, que são em contextos particulares, o conceito seja usados para sobrecarregar crianças e inadequado, o que, em geral, poderia ser estudantes num curto período de tem po com exceção. O desenvolvim ento de um quadro concepções que os professores avaliam com conceitual apropriado é sem pre um desafio exam es quantitativos. Sim , esse tipo de para as teorias científicas. N o caso de estarm os segm entação tem conseqüências econôm icas e ligados à posição ontológica de que há um a políticas, já que prejudica o processo de realidade fora de nossas diferentes linguagens desenvolvim ento das personalidades naturais e form ais que usam os para descrever individuais, de m odo que elas já não são m ais e explicar esta realidade, parece que existe um a capazes de se sentirem responsáveis pelo que convergência entre as diferentes concepções fazem em suas vidas cotidianas profissionais sobre a realidade, form uladas com a ajuda de na política, nos negócios públicos, nas diferentes quadros conceituais. instituições privadas e nas indústrias. Esse tipo A noção de com preensão do m undo é de segm entação do conhecim ento poderia problem ática, cientificam ente, na política e na produzir os assim cham ados oficiais vida de cada dia, porque todos os traços cegam ente responsáveis, que causam finam ente trabalhados se perderam . O que repetidam ente danos irreversíveis devido à m á podem os tentar com preender é que cada traço prática institucional que tem poder sobre o da realidade finam ente trabalhado im porta, povo e as sociedades e pretende ser porque é parte de um todo em progressão que, cientificam ente justificada. em princípio, é sem pre inacabado. Com pete á nossa percepção científica e hum ana e à nossa

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A v isã o eng aiolada do m u ndo E ntrev ista com U b iratan D ` A m b rosio

“O saber e o fazer das disciplinas foram se sujeitando a lim itações epistem ológicas, verdadeiras gaiolas epistem ológicas. M esm o a interdisciplinaridade não libera o saber e o fazer dessas gaiolas”. Essa é a opinião do m atem ático U biratan D ’Am brosio, professor em érito na U niversidade Estadual de Cam pinas (U nicam p). Ele é graduado em m atem ática pela U SP, doutor em m atem ática pela m esm a instituição e pós-doutor pela Brown U niversity, nos Estados U nidos. D ’Am brosio leciona no Program a de Estudos Pós-G raduados de H istória da Ciência da PU C-SP e no Program a de Pós-G raduação em Educação M atem ática do Instituto de G eociências e Ciências Exatas da U niversidade Estadual Paulista Júlio M esquisa Filho (U m esp). É presidente da Sociedade Brasileira de H istória da M atem ática (SBH M at) e do Internation Study G roup on Ethnom athem atics (ISG Em ). É m em bro da Am erican Association for Advancem ente of Science (AAAS) e presidente honorário da Sociedade Brasileira de H istória da Ciência (SBH C). Escreveu Educação para uma Sociedade em Transição. Cam pinas: Papirus, 1999; Temas Transversais e educação em valores humanos. São Paulo: Fundação Peirópolis, 1999, com Ana Am élia Inoue e Regina de Fátim a M igliori, e Etnomatemática: Elo entre as tradições e a modernidade. Belo H orizonte: Autêntica, 2001. Leia, a seguir, a entrevista concedida via e-m ail pelo professor D ’Am brosio.

IHU On-Line - Q u a is s ã o a s p rincip a is desenvolveu técnicas, artes, m odos e m aneiras co nclu s õ e s a q u e ch e g o u co m s e u s de explicar, entender e lidar com seu e s tu d o s s o b re e tno m a te m á tica ? N o q u e am biente natural e social. Esse desenvolver é, e le s a v a nç a m q u a nto à u nifica ç ã o d e necessariam ente, transcultural e d ife re nte s ca m p o s d o co nh e cim e nto ? transdisciplinar. U b iratan D ’A m b rosio - A etnom atem ática10 parte de um a reflexão IHU On-Line - Q u a is o s p rincip a is p o nto s sobre a evolução do conhecim ento e do q u e d e s ta ca ria e m re la ç ã o a o d iá lo g o com portam ento da espécie hum ana. E e ntre d is cip lina s d a á re a d a s h u m a nid a d e s reconhece que, nessa evolução, o hom em e d a s e x a ta s co m o a m a te m á tica ? U b iratan D ’A m b rosio - As disciplinas são um fato histórico, responsável pelo grande 10 Etnomatemática: Estudo das práticas matemáticas progresso científico e tecnológico. M as o de grupos culturais específicos ao tratar com problemas e atividades de seu meio ambiente. Etnomatemática é saber e o fazer das disciplinas foram se um movimento surgido no Brasil em 1975, tendo como sujeitando a lim itações epistem ológicas, base os trabalhos de Ubiratan D’Ambrosio. Rodney verdadeiras gaiolas epistem ológicas. M esm o a Bassanezi e Eduardo Sebastiani Ferreira, afinados com o projeto, também contribuíram com suas pesquisas. A interdisciplinaridade não libera o saber e o UNESP de Rio Claro-SP, em seu curso de Pós- fazer dessas gaiolas, ainda que sejam m ais Graduação em Educação Matemática, produziu as espaçosas. A visão de m undo do engaiolado é, primeiras pesquisas acadêmicas centradas em Etnomatemática. Em 1985, o movimento aumentou obviam ente, restrita e deform ada. E assim , ao suas fronteiras, oficializando o Grupo de Estudo lado de m aravilhosas conquistas nas ciências e Internacional sobre Etnomatemática. (Nota da IHU On- na tecnologia, nota-se um total descalabro nas Line) relações entre indivíduos. O hum ano e o

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social estão deploráveis. Sem dúvida, esse é o nos m ostram 1) a m ecânica quântica (um resultado da visão lim itada do engaiolado. estado físico requer, para sua descrição, variáveis selecionadas com base em um a IHU On-Line - Ha v e ria co ns e q ü ê ncia s variedade de observações possíveis - M ax p rá tica s tra z id a s p e la tra ns d is cip lina rid a d e ? Planck11 e a relação entre instinto e U b iratan D ’A m b rosio - Sem dúvida, a consciência repensada - Sigm und Freud12. ação (conhecim ento e com portam ento) Am bas as propostas sugerem percepções de transdisciplinar perm itirá a abordagem de diferentes níveis de realidade e um a nova situações nas quais o conhecim ento visão do universo m aterial e do universo disciplinar é insuficiente e lim itado. N a ação psíquico); 2) o intuicionism o13 de Brower (o transdiciplinar, há sem pre um a visão am pla de todas as conseqüências da ação. 11 Max Karl Ernst Ludwig Planck (1858-1947): físico alemão considerado o pai da teoria quântica. Em 1899, IHU On-Line – O s e nh o r a ch a q u e é descobriu uma nova constante fundamental, chamada p o s s ív e l a s p ira r a u m a te o ria g e ra l d o em sua homenagem Constante de Planck, que é usada, por exemplo, para calcular a energia do fóton. Um ano co nh e cim e nto , co m o s e p ro p õ e a T e o ria depois descobriu a lei da radiação térmica, chamada Lei d o s S is te m a s d e B e rta lla nfy , p o r e x e m p lo ? de Planck da Radiação. Esta foi a base da teoria U b iratan D ’A m b rosio quântica, que surgiu dez anos depois com a colaboração - Acredito ser de Albert Einstein e Niels Bohr. De 1905 a 1909, possível recuperar o m étodo holístico que Planck atuou como diretor-chefe da Deutsche caracterizava o pensam ento até a Baixa Idade Physikalische Gesellschaft (Sociedade Alemã de Física). Como conseqüência do nascimento da física M édia e o Renascim ento. quântica, foi premiado em 1918, com o Prêmio Nobel de Física. Após sua morte o instituto KWG passou a IHU On-Line - Le v a nd o e m co ns id e ra ç ã o o s chamar-se Max-Planck-Gesellschaft zur Förderung der p ila re s d a tra ns d is cip lina rid a d e Wissenschaften (MPG, Sociedade Max Planck para o Progresso da Ciência). (Nota da IHU On-Line) (co m p le x id a d e , nív e is d e re a lid a d e e 12 Sigmund Freud (1856-1939): neurologista e ló g ica d o te rce iro ), é p o s s ív e l d iz e r q u e a fundador da Psicanálise. Interessou-se, inicialmente, h u m a nid a d e b u s ca u m a no v a pela histeria e, tendo como método a hipnose, estudava pessoas que apresentavam esse quadro. Mais tarde, co m p re e ns ã o d e s i m e s m a ? interessado pelo inconsciente e pelas pulsões, foi U b iratan D ’A m b rosio - N a m inha influenciado por Charcot e Leibniz, abandonando a hipnose em favor da associação livre. Estes elementos percepção de transdisciplinaridade, tornaram-se bases da Psicanálise. Freud, além de ter com plexidade é um enfoque transdisciplinar, sido um grande cientista e escritor, realizou, assim portanto não é pilar, m as é, com o a como Darwin e Copérnico, uma revolução no âmbito humano: a idéia de que somos movidos pelo transdisciplinaridade, sustentado por pilares. inconsciente. Freud, suas teorias, e seu tratamento com Eu vejo a transdisciplinaridade com o seus pacientes foram controversos na Viena do século em ergindo do reconhecim ento da XIX, e continuam muito debatidos hoje. (Nota da IHU On-Line) insuficiência da ciência e filosofia m odernas, 13 Intuicionismo: Aborda a matemática de acordo com que repousam sobre três pilares: 1) o a atividade mental construtiva dos humanos. Qualquer determ inism o newtoniano (leis universais, objeto matemático é considerado um produto da construção de uma mente e, portanto, a existência de estabelecendo um a relação de causa-efeito); um objeto é equivalente à possibilidade de sua 2) a lógica clássica (cujo princípio básico é o construção. Isso contrasta com a abordagem clássica, tertium non datur, critérios para afirm ar é ou que afirma que a existência de uma entidade pode ser provada através da refutação da sua não-existência. Para não é, sim ou não, verdadeiro ou falso); 3) os os intuicionistas, isso é inválido; a refutação da não- sistem as form ais (validade de proposições existência não significa que é possível achar uma prova sobre objetos fechados em seu universo). construtiva da existência. Como tal, intuicionismo é uma variedade de construtivismo matemático, mas não A insuficiência dessa ciência m oderna reflete- a única. O intuicionismo faz a validade de um se na fragilidade desses três pilares, conform e enunciado matemático ser equivalente a ele ter sido provado. (Nota da IHU On-Line)

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tertium non datur não é parte de nossa transdisciplinar. Infelizm ente, essa abertura intuição - Luitzen Brouwer14, 1905); 3) o não está sendo aproveitada no potencial teorem a de Gödel (a validação de um sistem a inovador que oferece. O m étodo de trabalho form al não pode ser feita dentro do próprio pedagógico adequado para o tratam ento dos sistem a - Kurt G ödel15, 1931). N esses três Tem as Transversais é o m étodo de projetos, novos pilares repousa a transdisciplinaridade. que é, essencialm ente, um a prática transdisciplinar. IHU On-Line – Q u a is s ã o a s co ns e q ü ê ncia s p o lítica s d e u m a fo rm a ç ã o d is cip lina r q u e a re a lid a d e a tu a l d e no s s o P a ís e s tá m o s tra nd o ? U b iratan D ’A m b rosio - N a sua form ação, a elite política e dirigente recebeu o conhecim ento lim itado pelas epistem ologias específicas às disciplinas. Essas elites, nas suas decisões têm se m ostrado incapazes de perceber a totalidade das conseqüências das suas ações.

IHU On-Line - Há a lg u m o u tro a s p e cto q u e d e s e ja d e s ta ca r e q u e nã o fo i p e rg u nta d o ? U b iratan D ’A m b rosio - Sim . U m a pergunta freqüente é: Com o pôr em prática um enfoque transdisciplinar na educação? É inútil esperar algum a reform a educacional que contem ple a transdisciplinaridade. Jam ais haverá proposta m inisterial nesse sentido. O m ais próxim o que se conseguiu foi a proposta dos Tem as Transversais, que oferecem a possibilidade de um tratam ento

14 Luitzen Brouwer (1881-1966): matemático e lógico holandês que se opôs à escola do logicista Bertrand Russell e fundou a escola do intuicionismo do pensamento matemático. Foi um dos fundadores da topologia, e propôs o teorema invariante topológico em 1911. De 1912 a 1955, lecionou Matemática na Universidade de Amsterdã. Seus trabalhos referiam-se à lógica, à topologia, e a fundações da matemática. Entre outras coisas, postulou a lógica sem os princípios do meio excluído. Introduziu o conceito de existência matemática: algo existe tanto que pode ser construído (construtivismo). Contribuiu também na pesquisa sobre topologia. (Nota da IHU On-Line)

15 Kurt Gödel (1906-1978): lógico tcheco, naturalizado norte-americano. Formulou o Teorema da Incompletude, conhecido como Teorema de Gödel, por meio do qual demonstrou que não é possível construir uma teoria axiomática dos números que seja completa. (Nota da IHU On-Line)

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“ É preciso u m a m etodolog ia q u e perm ita integ rar a com plex idade da v ida h u m ana” E ntrev ista com P atrick P au l

“Seria preciso form ar grupos de pesquisa, grupos de reflexão, procurar pessoas de disciplinas diferentes que possam se reunir, com eçar a problem atizar essas questões em pesquisas, em m etodologias e, desse m odo, conquistar terreno”, sugere Patrick Paul, doutor em Ciências da Educação pela U niversidade François Rabelais, de Tours, França. Ao analisar a função da U niversidade na construção da transdisciplinaridade, o especialista no tem a com plem enta: “Creio que se poderiam visar, com o segunda etapa, coisas que seriam m uito m ais um a interação entre a universidade e a sociedade, porque é preciso situar o cuidado pela procura de m etodologias, para poder ter essa reciprocidade entre a universidade e a sociedade”. O professor Patrick Paul integra o com itê diretivo estrangeiro do II Congresso M undial de Transdisciplinaridade, que acontecerá entre 6 e 12 de setem bro, em Vitória, no Espírito Santo. Sua tese de doutorado intitula-se Pratiques médicales, formations et transdisciplinarité - contribution à la construction d'un modèle bio-cognitif de formation de la personne, foi publicada em 2001, na França. Entre sua obra, destacam -se os livros Formation du Sujet et Transdisciplinarité – H istoire de vie professionnelle et imaginale, de 2003, e Transdisciplinarité et formation, escrito em parceira com G aston Pineau, de 2005, am bos publicados na França pela editora L’H arm attan. Confira, a seguir, a entrevista concedida pelo professor, por telefone, à IH U On-Line:

IHU On-Line - C o m o é p o s s ív e l co ns tru ir u m platônica, com um a dupla realidade do ser tip o d e co nh e cim e nto q u e p o s s a a ju d a r na hum ano e do nível de realidade que reúne ou co m p re e ns ã o d o h o m e m e d a s o cie d a d e que redefine m ais exatam ente essas duas co m o u m to d o u nifica d o ? dim ensões que estão no âm ago do ser P atrick P au l- A com plexidade hum ana hum ano. postula que há diferentes níveis de realidade no ser hum ano, isso significa afirm ar que a IHU On-Line - Q u e co ns e q ü ê ncia s tra z a epistem ologia não pode ser m onista, com o é tra ns d is cip lina rid a d e p a ra a co m p re e ns ã o sancionada atualm ente. A epistem ologia, d o ind iv íd u o ? ainda hoje, ligada ao m onism o m aterialista, P atrick P au l- Em term os de atitudes, se que vê um a só realidade no ser hum ano, procura, no m om ento, construir um acaba reduzindo-o sim plesm ente à sua pluralism o. Isso quer dizer que o ser hum ano realidade m aterial e biológica. Em todo caso, está sem pre num plural com plexo e ligado à na m inha m aneira de abordar a questão, eu noção de cam inho com o via de transform ação voltei, por exem plo, a um a visão bem m ais no sentido do conhecim ento, de m odo que há

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toda um a diversificação da pessoa. Então, pela m ultidisciplinaridade, em seguida pela creio que isso se dá através de novas interdisciplinaridade, e agora pela m etodologias, por exem plo, atualm ente, na transdisciplinaridade. E o nó da problem ática França, eu trabalho bastante com a é que há zonas fluidas e indefinidas nas m etodologia da história de vida, através da fronteiras das disciplinas ou entre as qual podem os tentar refletir sobre o cidadão, disciplinas que não serão precisadas pelas sobre sua própria história, sobre a história de m etodologias disciplinares habituais e outras pessoas, de um grupo ou de um a clássicas. Assim , para m im , a entidade social. Pode-se tentar fazer em ergir transdisciplinaridade, procura sair das um cam inho e, em decorrência, as disciplinas, sendo um a m aneira de procurar possibilidades de transform ação que resolver precisam ente o que se situa nas procuram preencher as particularidades. fronteiras das disciplinas ou entre elas e que não é legitim am ente apreendido pelas IHU On-Line - D e q u e m a ne ira s d e v e m etodologias habituais e clássicas. D esse a co nte ce r o d iá lo g o e ntre o s d ife re nte s m odo, a questão que se faz é com o estabelecer s a b e re s , e m v is ta d a cre s ce nte pontes, com o religar as disciplinas entre si, e co m p a rtim e nta ç ã o d o co nh e cim e nto ? com o fazer em ergir, talvez, a partir daqui, P atrick P au l- Para m im , no trans há, em num a m udança de paradigm a, um a nova prim eiro lugar, o m istério do ser hum ano e a concepção que integre as disciplinas, m as, ao cam inhada que deve visar a um a m udança m esm o tem po possa ultrapassá-las, para epistem ológica, fenom enológica, lógica que responder aos seus novos desafios, que estão perm ite responder a esta questão. A segunda interligados à com plexidade. problem ática não é filosófica, m as, diria, histórica em term os de disciplinas. Trata-se IHU On-Line - Q u a is s ã o o s a s p e cto s q u e de toda a em ergência de disciplinas sobre u m a u niv e rs id a d e tra ns d is cip lina r conhecim entos que surgiram após o século re s p e ita ria e m s u a m a ne ira d e co ns tru ir e XIX e, m uito m ais, sobre a história da s o cia liz a r o co nh e cim e nto ? ciência, surgindo um a prim eira ruptura com a P atrick P au l- N a universidade, o recorte física quântica, que m uda com pletam ente de habitual e clássico das disciplinas tem sua paradigm a em relação à visão clássica. Em razão de ser. Assim , eu não proporia um a seguida, há outras em ergências que revolução universitária, por exem plo. questionam a dim ensão das disciplinas e a Paralelam ente, o recorte das disciplinas é construção delas no sentido epistem ológico. atual, tem seu prestígio extrem am ente Isso significa que a partir do século XIX, a definido e cada vez m ais m anifesto. Então, se disciplinas são construídas sob um a visão colocam realm ente duas questões. A prim eira reducionista. Então, cada disciplina vai coisa, um a vez que não tenho resposta pronta, procurar definir seu objeto, reduzindo ao seria preciso realm ente fazer o que já define a m áxim o as coisas e um a outra disciplina universidade e, em seguida, talvez, form ar constrói o seu próprio objeto, etc. grupos de pesquisa, grupos de reflexão, Atualm ente, tem os um problem a. U m a certa procurar pessoas de disciplinas diferentes que disciplina chega necessariam ente a um a certa possam se reunir, com eçar a problem atizar visão da realidade, m as há zonas indefinidas, essas questões em term os de pesquisas, de porque os objetos definidos pelas disciplinas m etodologias e, portanto, de ganhar terreno. não podem responder a todas as nossas Em seguida, à m edida que essas dim ensões questões. Aparece, então, um a nova ficassem claras, creio que se poderia visar problem ática que se exprim iu inicialm ente um a segunda etapa, algum a coisa que seria da

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ordem de m aior interação entre a consciente e inconsciente, e este é plural. universidade e a sociedade, porque é preciso Então, a violência se encontra no m undo situar o cuidado pela procura de anim al, a relação de poder se encontra no m etodologias, para poder ter essa m undo anim al, etc. Assim , o que vai reciprocidade entre a universidade e a caracterizar o ser hum ano é, talvez, a ação de sociedade. construir no interior de si m esm o. E esta interioridade vai se construir sobre vários IHU On-Line - C o m o co ns titu ir u m níveis de realidade: e deve im por-se o esforço co nh e cim e nto tra ns d is cip lina r q u e fo rm e de abrir um cam inho, um cam inho de p e s s o a s p re p a ra d a s p a ra re s p o nd e r a o s transform ação interior, que conduzirá, d e s a fio s s o cia is d o P a ís ? necessariam ente e de m odo efetivo, ao m esm o P atrick P au l- Para m im , as crises sociais são tem po, à responsabilidade em face do outro, e ao m esm o tem po verdadeiros e falsos à autenticidade em relação a si m esm o. Isso problem as. Verdadeiros problem as, porque quer dizer que há dim ensões éticas que vão não se pode construir efetivam ente um a aparecer caso se siga realm ente este cam inho, sociedade sobre desequilíbrios tais com o são porém aceitando, e não tanto rejeitando a gerados, por exem plo, no que se refere à violência, a sexualidade, o poder, o dinheiro, questão do partido de Lula. Conhecem os algo etc., que é preciso ter m etodologias que sem elhante na França com o Presidente da possam integrar essas com plexidades dos República atual, há aí problem as idênticos com portam entos hum anos, em vez de ter um nos partidos políticos. Isso rem ete a um a com portam ento m ais norm ativo. Atualm ente, questão que se relaciona à natureza hum ana. vivem os em um a sociedade onde há norm as. Q uero dizer que a natureza hum ana está em N a m edicina, sou m édico, isso é m uito busca de poder, em busca de dinheiro, há a evidente, m as a gente vê bem que, por violência, o não-respeito pelo outro, há falta exem plo, que a norm a política se sobrepõe, de postura ética, por exem plo. O problem a sobretudo, por exem plo, em relação ao poder, atual do Brasil revela um aspecto da natureza ao dinheiro. M as na realidade, é com o se hum ana. Eu trabalho no cam po da m edicina, pedíssem os para não serm os hum anos onde da educação da saúde, e os problem as que se som os hum anos. N a realidade, em face desse referem à sexualidade, à violência, para m im , m odelo, que é preciso ter em conta, não são do m esm o tipo que aqueles que se vêem significa aceitar tudo, e sim levar em nos partidos políticos. Q uer dizer que o consideração e poder trabalhar com tudo isso, principal problem a atual da sociedade e da ao invés de rejeitar, com preendendo que cada universidade é ter um a visão ligada, por vez que se confrontam tais dificuldades, se exem plo, à consciência... O ser hum ano é confrontam crises lógicas, crises de com plexo. N a transdisciplinaridade, há um a consciência, crises de transform ação. desordem e um a ordem . H á tam bém

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A transdisciplinaridade no cooperativ ism o E ntrev ista com José O delso S ch neider

Para o padre jesuíta e professor na U nisinos, José O delso Schneider, o cooperativism o torna efetiva a transdisciplinaridade. Segundo ele, na entrevista concedida, pessoalm ente, à IH U On-Line, as cooperativas continuam sendo em presas, m as precisam ter um a “visão m ais holística de todo o processo. D essa form a, é necessário trabalhar com um a visão inter e transdisciplinar”. Schneider é graduado em Filosofia, Sociologia e Teologia, possui m estrado em Ciencia D el D esarrollo, no Chile, e doutorado em Ciências Sociais pela Pontifícia U niversidade G regoriana de Rom a (PU G R), com a tese D emocracia, participação e autonomia cooperativa. Pesquisador na área do cooperativism o e professor de diversas disciplinas ligadas ao tem a no curso de Pós-graduação em Cooperativism o da U nisinos, Schneider escreveu A educação cooperativa e suas práticas. São Leopoldo: U nisinos, 2003; D emocracia, participação e autonomia cooperativa. 2 ed. São Leopoldo: U nisinos, 1999; D emocracia, participación y autonomia em cooperativas agrarias de . Brasil. Rom a: FAO , 1994.

IHU On-Line - C o m o o co o p e ra tiv is m o e a suas carências e necessidades, e, para tanto, tra ns d icip lina rid a d e s e e nco ntra m na deve ater-se estritam ente a um a racionalidade te o ria ? econôm ica. N este tipo de em presa, porém , o O delso S ch neider- O objetivo da foco não é a busca do lucro e a concentração cooperativa deve ser o bem -estar, um a m elhor de capital, e sim prestar, cada vez m ais, renda e um a produção cada vez m ais m elhores serviços a essa associação de pessoas qualificada em produtos ou serviços. As e, indiretam ente, a toda a com unidade, à luz cooperativas são form as de organização com de determ inados valores, princípios e norm as dupla dim ensão: social e econôm ica. N a que enfatizam a solidariedade e o dim ensão social, é constituída por um a protagonism o com unitário. Se derm os ênfase “associação de pessoas”, que lançam m ão de à associação de pessoas em detrim ento da um a em presa para a prestação de serviços, em presa, essas pessoas não conseguirão satisfazendo as suas necessidades. N a sua realizar, de form a satisfatória, suas dim ensão, social as cooperativas, pela necessidades no m ercado com petitivo e cooperação, pela auto-ajuda reforçada pela individualista no qual vivem os. Por outro ajuda m útua, buscam a realização plena das lado, se a cooperativa enfatizar dem ais a pessoas e, para isso, devem seguir um a lógica dim ensão em presa, e quiser torná-la apenas e racionalidade social. Busca-se um tipo de um bom negócio, pondo toda a ênfase nos eficiência que eu cham aria de eficiência social. negócios, e não nas pessoas, ela fugirá do seu Tal objetivo, porém , não deve estar sentido central de ser um a em presa dissociado, durante todo o processo, da cooperativa. Por isso, no trato e na análise das dim ensão de em presa, que é um m eio para ações cooperativas requer-se um a perm anente prestar serviços aos associados, satisfazendo preocupação holística, integral dos diversos

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ram os do conhecim ento, colocando-se num a H oje o podem ser, e am anhã, por várias perspectiva de inter e/ou razões, já não m ais. M as, pensando em transdicisplinaridade. N essa ótica, a econom ia term os de cooperativas que funcionam não apenas enfoca os aspectos econôm icos, razoavelm ente com o tais, podem os, por m as tam bém os sociais, buscando o exem plo, apontar, na área do cooperativism o equilíbrio, entre as duas perspectivas, em bora de trabalho, a Cootravipa16. N a área rural, um equilíbrio freqüentem ente tenso e tem os a cooperativa Piá17, de N ova conflitivo. N os Cursos de Especialização em Petrópolis (RS), ou a cooperativa O uro do Cooperativism o, os Sem inários de Integração Sul18. São pequenas ou m édias cooperativas, de Conteúdos procuram ter presentes a visão dim ensionadas para acom panhar, fortalecer e integral e o enfoque transdisciplinar. viabilizar a m icro e pequena propriedade rural. Por outro lado, tem os cooperativas que IH U On -L in e- C o m o o s e nh o r p e rce b e , na já foram boas e que hoje estão passando por p rá tica , o s a s p e cto s tra ns d is cip lina re s d o várias crises, com o a Cotrel19, que tam bém é co o p e ra tiv is m o ? um a cooperativa de m icro e pequenas O delso S ch neider- A prática cooperativa propriedades rurais, que, por ser cooperativa, geralm ente é bastante contraditória. H á deu a eles condições de viabilidade econôm ica cooperativas que m ais ou m enos se e social, perm itindo que continuem na aproxim am do equilíbrio que deve haver atividade prim ária. H oje esta Cooperativa entre o social e o econôm ico, entre a dim ensão está passando por problem as, m as há um hum ana e a técnico-profissional, colocando a esforço para reerguê-la novam ente. ênfase nas pessoas, e não nos negócios. Finalizando, acredito que poderíam os ter Entretanto, nelas a racionalidade econôm ica e m ais cooperativas preocupadas com a a busca da eficiência em presarial são m eios indispensáveis para a realização dos objetivos, 16 Cootravipa: Cooperativa de Trabalho, Produção e das m etas e das aspirações das pessoas. Por Comercialização dos Trabalhadores Autônomos das outro lado, há cooperativas que são apenas Vilas de Porto Alegre Ltda. Foi fundada em julho de 1984. Atualmente, o número de associados chega a em presas, que enfatizam o negócio, e nada 2.500 pessoas. Para mais informações, consulte o site enfatizam as pessoas. Aceitam de form a www.cootravipa.com.br. (Nota da IHU On-Line) 17 Cooperativa PIA: Cooperativa Agropecuária acrítica todas as prioridades e m áxim as de Petrópolis Ltda, fundada em 1967. Tem hoje 8.200 organização difundidas hoje pelo capitalism o sócios. Industrializa cerca de 230 mil litros de leite neoliberal, concorrendo e com petindo no diariamente. É a primeira indústria de laticínios a introduzir a coleta individual do leite e a única a utilizar m ercado com as m esm as regras de jogo, com filtragem descartável, garantindo, com isso, um a m esm a virulência das em presas processo rigoroso de seleção de matéria-prima. Atua em concorrentes. Predom ina nelas apenas a 45 municípios da região serrana, e a comercialização de seus produtos concentra-se nos três estados do Sul. Para preocupação por um a boa gestão em presarial mais informações, consulte o site www.pia.com.br. e o desafio de tentar sobreviver num m ercado (Nota da IHU On-Line) extrem am ente com petitivo e exigente. U m 18 Ouro do Sul: Cooperativa dos Suinocultores do Caí terceiro grupo de cooperativas situa-se a m eio Superior Ltda, sediada no município de Harmonia, RS. do cam inho de um a boa proposta de (Nota da IHU On-Line) organização cooperativa. 19 Cotrel: Cooperativa Tritícola Erechim Ltda. Foi fundada em 25 de setembro de 1957 para suprir as necessidades que os produtores rurais tinham para IH U On -L in e- Há a lg u m a e x p e riê ncia q u e o armazenar e comercializar seus produtos, sobretudo o s e nh o r q u e ira d e s ta ca r? trigo. Hoje atua em 39 municípios da região norte do RS e possui 13.400 associados. Para mais informações, O delso S ch neider- É sem pre perigoso consulte o site www.cotrel.com.br. (Nota da IHU On- apontar m odelos de organização cooperativa. Line)

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viabilização do m icro e pequeno produtor, do poderá ser um canal im portante para atender m icro e pequeno prestador de serviços, do às necessidades de viabilidade econôm ica e desem pregado, hoje cada vez m ais num eroso, social dos m uitos excluídos da sociedade de e que pode encontrar trabalho e renda por hoje. m eio de um a cooperativa de trabalho. Esse

B ra s il em fo c o Olh a res s o b re a c ris e p o lític a b ra s ileira

“ N ã o acredito na refu ndaç ã o do P T” E ntrev ista com Jorg e E du ardo D u rã o

O diretor-geral da Associação Brasileira das O rganizações N ão-G overnam entais (Abong) e diretor executivo da Federação de Ó rgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), Jorge Eduardo D urão, avisa, em entrevista por telefone à IH U On-Line, que não votaria em Lula, caso ele concorresse à reeleição. Tam bém não votaria em seus concorrentes do PSD B ou do PFL. “Se eu m e pautar pelas alternativas apresentadas pelas pesquisas do Ibope, m e sinto sem alternativas”, afirm a o advogado pós-graduado em Antropologia Social. D urão não poupa críticas à postura do Partido dos Trabalhadores (PT) e declara: “O PT se entregou de pés e m ãos atados à política de cunho neoliberal”. Publicam os o artigo Contradições e dilemas da sociedade civil, de autoria de Jorge Eduardo D urão, no site www.unisinos.br/ihu, no dia 18 de agosto de 2005.

IHU On-Line – O p re s id e nte inte rino d o P T , questão central, no caso do PT, que não T a rs o G e nro , d e cla ro u na s e m a na p a s s a d a perm ite o encontro de argum entos para q u e nã o s a b e ria q u a is a rg u m e nto s p o d e ria defender o voto no partido, é que houve um u s a r p a ra q u e a lg u é m v o ta s s e no p a rtid o . abandono de quase todos os seus O s e nh o r co nco rd a q u e a cris e s e ja tã o com prom issos históricos. O PT se entregou g ra v e a s s im ? de pés e m ãos atados à política de cunho Jorg e E du ardo D u rã o – Tenho dificuldade neoliberal. para encontrar argum entos para votar em qualquer um dos partidos políticos IHU On-Line – O q u e o s e nh o r a ch a d e o brasileiros. Se nós exam inam os os esquem as p re s id e nte d o p a rtid o fa z e r e s s e tip o d e de corrupção que vêm sendo apurados pelo a firm a ç ã o ? Congresso N acional, vem os que não são Jorg e E du ardo D u rã o - A afirm ação novos e que alguns partidos m aiores parecem sinaliza que Tarso G enro está condicionando ter usado esses esquem as para controlar os a continuidade de sua relação com o PT. partidos m enos im portantes. Esses partidos Q uando ele diz, nas circunstâncias atuais, assum em um a postura quase que de legendas “não sei com o defender o voto no PT”, quer de aluguel. N ão é só isso. Para m im , essa dizer que para fazer isso futuram ente, terá de crise política não é a questão central. A haver um a m udança em profundidade,

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cham ada de refundação. Por outro lado, conduzida pelo atual cam po m ajoritário, deixa im plícito que adm ite a hipótese de um existe um a base de sustentação social. Até o eventual afastam ento dele do partido. presente m om ento, a política tem garantido um a aparente estabilidade. N ão sei dizer se IHU On-Line – O s e nh o r a cre d ita q u e e le tem algum a solidez, m as tem beneficiado, por s e a fa s ta ria ? m eio do bolsa-fam ília, um a parcela não Jorg e E du ardo D u rã o – D ependendo do insignificante da população, por exem plo. resultado do processo de renovação da Essa política continua com o apoio de direção do PT, ele pode ficar num a posição segm entos im portantes dos m ovim entos no partido que com prom eta a sua sociais, apesar da contradição destes sobrevivência política. Se o que ocorrer for m ovim entos com baterem a política um fiasco do ponto de vista dessa hipótese, se econôm ica. não houver renovação ou ruptura que aos olhos da opinião pública apareça com o IHU On-Line – O q u e o s e nh o r e nte nd e refundação, ele ficará num a posição m uito p o r “ m u d a nç a co s m é tica ” d o P T ? difícil de sustentar. N ão quer dizer que eu, Jorg e E du ardo D u rã o – M aior pessoalm ente, acredite na possibilidade desta afastam ento possível e indolor do antigo refundação. Estou falando do ponto de vista núcleo dirigente. M as não sei em que term os dele e de um a coerência que eu suponho que isso poderia ser negociado e apresentado para ele terá. a opinião pública sem um a revisão a fundo do que significou a trajetória do PT no governo IHU On-Line – N o q u e o s e nh o r a cre d ita ? Lula. Inclusive um a avaliação da relação de Jorg e E du ardo D u rã o - A dificuldade subordinação do PT ao governo. desta refundação está no fato de que se isso significa que o PT volte aos valores e IHU On-Line – O s e nh o r a ch a q u e o com prom issos políticos que o caracterizaram P re s id e nte Lu la co nco rre rá à re e le iç ã o ? O ao longo de m ais de duas décadas, significa s e nh o r v o ta ria ne le ? tam bém rom per com a opção política feita Jorg e E du ardo D u rã o - N ão sei se ele vai pelo governo Lula. O Presidente Lula tem se candidatar à reeleição. N o m om ento, ainda reiterado seu com prom isso com a política do parece provável que vá. A não ser que m inistro Palocci e tudo que essa postura houvesse um a verdadeira revolução no atual significa. Tam bém não aposto que a m aioria cenário político, não votaria nem em Lula e, do PT leve essa revisão a esse grau de obviam ente, em nenhum dos seus opositores radicalism o. Logo, não acredito na do PSD B e do PFL. Se eu m e pautar pelas refundação do PT. Acredito que as hipóteses alternativas apresentadas pelas pesquisas do m ais prováveis sejam um a m udança m ais Ibope, m e sinto sem alternativas. cosm ética e até um a cisão do partido. Isso já está sendo discutido abertam ente por IHU On-Line – Q u a l d e v e s e r a p o s tu ra d a s deputados da esquerda do PT com o o ON G s a nte a cris e p o lítica ? senador Cristovam Buarque e outras pessoas Jorg e E du ardo D u rã o - A responsabilidade im portantes. m aior das O N G s e das direções dos m ovim entos sociais é contribuir para que IHU On-Line – O P T d e s a p a re ce ria ne s s a aquilo que procuram os construir ao longo de cis ã o ? décadas, em term os de um a sociedade civil Jorg e E du ardo D u rã o - N ão acredito que o autônom a, não-subordinada ao Estado e PT vá desaparecer. M esm o na política que é com prom etida com valores e propostas de

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transform ação social, não se perca nessa o que disseram antes. H á um lim ite para o avalanche política. N osso papel principal é o jornalism o investigativo, que é a séria de m inim izar o desastre político e ideológico apuração do que vai ser dito na m ídia. que essa situação atual representa. D enúncias infundadas contra pessoas inocentes é um a violação dos direitos IHU On-Line – C o m o o s e nh o r v ê a p o s iç ã o hum anos. d a m íd ia e m re la ç ã o à cris e ? Jorg e E du ardo D u rã o - A ação não pode IHU On-Line – O s e nh o r d e cla ro u , na ser sim plificada. Por um lado, há várias ações é p o ca d a m a té ria p u b lica d a no E s ta d o d e da m ídia que são relevantes para contribuir S . P a u lo , q u e p e ns a v a e m p ro ce s s a r o para a apuração de todas as denúncias. Com o jo rna l. O s e nh o r e s tá fa z e nd o is s o ? ouvi em um debate, o ritm o da crise contribui Jorg e E du ardo D u rã o - N ão estou para certos com portam entos irresponsáveis da processando porque a am bigüidade na m ídia. A m aneira com o O Estado de S. Paulo m aneira com o procederam , segundo avaliação noticiou o pagam ento que a Abong recebeu dos advogados que consultei, tornaria a ação da agência SM P& B foi desonesto. D isseram m uito difícil. Isso m ostra um poder im enso. que havia sido um depósito em m eu nom e. Você diz algo de m aneira am bígua, m as que a N o dia seguinte, deram nossa nota de m aioria das pessoas entende de um a m aneira, explicação, m as não desm entiram com clareza e depois não desm ente.

“ A m ídia de m assa está faz endo cam panh a para o enfraq u ecim ento do g ov erno” E ntrev ista com Ilse S ch erer-W arren

A professora Ilse Scherer-W arren, do D epartam ento de Ciências Sociais da U niversidade Federal de Santa Catarina, contribui com sua análise sobre a conturbada conjuntura nacional, em entrevista concedida pessoalm ente à revista IH U On-Line. A professora esteve visitando a U nisinos e o Instituto H um anitas U nisinos durante sua participação no VII Corredor das Idéias do Cone Sul, que aconteceu de 17 a 19 de agosto, ocasião em que integrou a m esa- redonda Identidade/Integração Cone Sul. Ilse é graduada em Ciências Sociais e m estre em Sociologia pela U FRG S. É tam bém doutora em Sociologia pela U niversité de Paris X (Paris- N anterre), da França, e pós-doutora pela U niversity of London, da Inglaterra. A professora é autora de vários livros, entre os quais citam os: Cidadania Sem Fronteiras: Ações Coletivas N a Era da Globalização. São Paulo: H ucitec, 1999 e Redes de movimentos sociais. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2005.

IHU On-Line - E ra p re v is ív e l u m a cris e Ilse S ch erer – O PT tinha um a proposta a s s im d e s d e q u e Lu la co m e ç o u a fa z e r definida em um a certa direção, e as alianças s u a s a lia nç a s e le ito ra is , a nte s d a e le iç ã o ? que vieram com por o governo não se juntaram a essa proposta, m as buscaram 29 IHU ON-L INE • W W W .UNIS INOS .B R /IHU S Ã O L E OP OL D O, 2 9 D E A G OS T O D E 2 0 0 5

instrum entalm ente ocupar um a parte do N ão reconhecer esse problem a e não saber poder. Por isso, essa aliança se tornou bem que todo m undo faz caixa 2 para poder com plicada. D evem os nos perguntar o sobreviver, é um pouco de hipocrisia. E a porquê de um a crise nesse m om ento. É claro m ídia está tratando isso com o se fosse a coisa que houve fatos que proporcionaram o m ais recente no Brasil, que surgiu só agora. desencadeam ento da crise, e não podem os O utro problem a que está vinculado a esse é o negá-los. M as a form a com o a crise se exagero de custo das cam panhas e o lado desenvolveu, o uso político que foi feito positivo dessa crise é a possibilidade de haver desses fatos e a intensidade da crise em alguns saneam entos nesse custo. É um term os políticos está m uito vinculada a um absurdo a quantidade de dinheiro que se certo oportunism o das oposições, a, gasta em cam panha eleitoral em um país com praticam ente, um ano das eleições, para fazer tantas necessidades com o o Brasil. O controle de tudo com o desejo de destituir o governo desses gastos tam bém favorece a própria que aí está ou, pelo m enos, desgastá-lo. dem ocratização das eleições, pois as pesquisas m ostram que quem tem condições de fazer IHU On-Line – Q u a is o s p rincip a is fa to re s um a cam panha eleitoral e de se reeleger q u e le v a ra m à cris e a tu a l? norm alm ente são as pessoas ricas. Ilse S ch erer – Poderíam os falar em dois fatores, ou de dois lados da m oeda, que não IHU On-Line - Q u a is o s p o nto s m a is fra co s estão aparecendo na im prensa. A m ídia d a fo rm a d e v iv e r a d e m o cra cia no B ra s il m ostra só um lado da m oeda e, assim m esm o, q u e p e rm itiu ch e g a r à s itu a ç ã o q u e h o je não o coloca em suas raízes, já que a im prensa v iv e m o s ? é m uito parcial e estim ula a crise. U m lado da Ilse S ch erer – U m dos pontos fracos da m oeda é a necessidade de m udança no dem ocracia no País está vinculado, ainda, a próprio sistem a político e no sistem a político situações institucionais, que, às vezes, nem eleitoral. O outro lado da m oeda da crise é sem pre estão adaptadas da m elhor form a para que as CPIs m ostram que não há tanto que a dem ocracia seja estendida a toda a interesse para resolver o problem a estrutural sociedade. U m dos m aiores problem as são as brasileiro. O que há é dem agogia e hipocrisia, próprias leis que não são as m ais adequadas pois está se fazendo uso político do que está para a institucionalidade da dem ocracia. acontecendo, com a intenção de desestabilizar O utro problem a é a questão do sistem a o atual governo. Estam os vivendo um a representativo, em que vem os um a distância situação de relativa instabilidade institucional m uito grande entre a participação da no Brasil, m as existem m uitos problem as sociedade civil organizada e o governo, que se subjacentes a essa institucionalidade. coloca com o representante da sociedade, m as Algum as questões são estruturais e têm m uita que, norm alm ente depois de eleito, não tem coisa a ser arrum ada. Podem os dizer que em m ais nenhum tipo de relação com essa todo o sistem a estatal institucional brasileiro o sociedade que o elegeu. caixa 2 é um a prática com um . Isso porque, se o caixa 2 não for feito, m uitas vezes, não é IHU On-Line - Q u a l d e v e ria s e r o p a p e l d a possível desenvolver os projetos dentro de s o cie d a d e civ il, q u e ta m b é m e s tá d iv id id a , um a instituição. O dinheiro, às vezes, é tão ne s te m o m e nto ? ligado a algum as siglas, e as form as de Ilse S ch erer – A sociedade civil está financiam ento são tão m orosas, que é preciso tentando se m obilizar, solicitando a apuração usar de alguns artifícios para poder dos fatos e a punição dos culpados. Isso é desenvolver o trabalho cotidiano institucional. unânim e. Por um lado, tem os um grupo que

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está vindo m ais do lado dos m ovim entos tudo o que já foi m anchado na figura do sociais, que percebe um jogo político por partido. D e qualquer m aneira, houve um a detrás da crise e está dizendo não a isso. E de perda considerável. outro lado, tem um a parte da sociedade civil que vem m ais da linha de alguns sindicatos e IHU On-Line - Q u e p ro p o s ta d e v e ria g a nh a r tam bém de alguns partidos da esquerda m ais a p re s id ê ncia d o P T p a ra d e v o lv e r a radical, que está contestando o governo de cre d ib ilid a d e a o p a rtid o ? form a um pouco m ais dura. E essa crítica Ilse S ch erer – D eixo claro que não tenho e tam bém é vista com o um a form a de crescer nunca tive partido político. Com o intelectual com o esquerda. tenho que fazer a crítica de todos os lados. O PT, historicam ente, sem pre teve um a IHU On-Line – C o m o a s e nh o ra v ê q u e a proposta m uito m ais voltada para o social. cris e re p e rcu te no cid a d ã o co m u m , q u e H oje, poderíam os fazer algum a crítica em re ce b e u m a q u a ntid a d e tã o g ra nd e d e relação às práticas m ais atuais do PT. As info rm a ç õ e s ? C o m o is s o v a i re fle tir pessoas dizem : “se esperava que os outros fu tu ra m e nte na q u e s tã o d a d e m o cra cia ? partidos fizessem , m as que o PT não fosse Ilse S ch erer – O cidadão com um é m uito fazer a m esm a coisa”. N em os outros podem influenciado pela grande m ídia, que é m uito fazer! N em o PT, nem os outros! As parcial. Ela está fazendo a cam panha com as características de um projeto para a oposições para o enfraquecim ento do atual presidência do PT, se o PT quiser continuar governo. O s m ovim entos sociais, a sociedade avançando na sua proposta histórica de civil organizada, ou até m esm o cidadãos m ais partido, seriam a preocupação em ficar m uito politizados da sociedade civil, têm outro tipo atento aos processos de radicalização da de m ídia, m uito diferente, que é a m ídia dem ocracia no interior do próprio partido, na alternativa da Internet. Ali circulam debates, sua relação com a sociedade, e não abandonar pontos de vista críticos, em que há m uito m ais a sua proposta de prioridade social. Com isso possibilidades de ver o pluralism o das idéias, o partido avançaria. N esse sentido, o Tarso para que cada um faça a sua própria análise. G enro é um a figura im portante para dar Essa parte da sociedade está fazendo um a continuidade à proposta nessa direção. avaliação crítica da situação sistêm ica da corrupção, m as, ao m esm o tem po, fazem a IHU On-Line - Q u e ca m inh o s a s e nh o ra crítica do jogo político que está por trás da a p o nta ria p a ra s a ir d e s ta cris e ? crise, do uso que está sendo feito disso, e da Ilse S ch erer – O que falta no Brasil são própria m ídia de m assa. A grande m assa da políticos estadistas, que colocam a nação e o população fica um pouco atônita com isso. O s projeto de nação à frente das disputas reflexos estão na queda do índice de m eram ente eleitorais. A m aioria quer o poder popularidade do governo. pelo poder. A m inha esperança é que, se, de fato, o que há de errado já foi colocado na IHU On-Line - O q u e v a i a co nte ce r co m o esfera pública, aos poucos, a situação vá se P T no s p ró x im o s m e s e s ? norm alizando e as pessoas consigam fazer seu Ilse S ch erer – Enfraquecim ento já houve e próprio julgam ento. Eu gostaria de ver a ainda vai continuar por algum tem po. Se as sociedade civil, tendo m ais discernim ento apurações não avançarem m uito m ais do que nesse processo, não se deixando m anobrar já foi visto até o m om ento, o PT continuaria pelos interesses políticos e pela m ídia. sua trajetória. M as vai ser difícil recuperar

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destaq u es da sem ana

teolog ia pú b lica pg . X X liv ro da sem ana pg . X X entrev ista da sem ana pg . X X film e da sem ana pg . X X deu nos jornais pg . X X frases da sem ana pg . X X

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T eo lo g ia p ú b lic a

B ento X V I à lu z de A g ostinh o, B oav entu ra e Tom á s

Joseph M . Kom onchak, docente de Estudos Religiosos na U niversidade Católica da Am érica, em W ashington, é o autor do artigo que segue, publicado na revista progressista estadunidense Commonwealth, em 3 de junho de 2005, tendo com o título original The church in crisis. Pope Benedict’s theological vision. A versão traduzida foi publicada na Revista Adista, n. 50, ano XXXIX, suplem ento núm ero 5829, de 2 de julho de 2005. O s subtítulos são nossos.

O teó log o R atz ing er e com partilhava da idéia de que a teologia escolástica “não era m ais um instrum ento o ano 1 9 6 8 para orientar a fé na discussão N os artigos sobre o Papa Bento XVI, m uito contem porânea”, que a teologia devia se disse sobre sua experiência com o estudante encontrar um a nova linguagem , um a nova na U niversidade de Tübingen, em 1968. abertura. Já não podia m ais bastar a “teologia M uitos consideram aquela experiência com o encíclica”, havia necessidade de espaço para a m elhor prova da aparente virada intelectual respirar. Ratzinger havia descrito o que transform ou o jovem teólogo progressista “sentim ento de um a m udança radical” em do Concílio Vaticano II no cam peão da geral, quando estava cum prindo os seus reação conservadora em teologia e em política estudos teológicos, “o sentido de um a teologia eclesial. H á algo de verdadeiro nisso, e que tivesse a coragem de levantar novas Joseph Ratzinger não foi o único intelectual interrogações e um a espiritualidade que se europeu que foi profundam ente tocado pelos desem baraçasse do que havia de poeirento e excessos da extrem a esquerda da época (todos obsoleto e que conduzisse a um a nova alegria nós conhecem os a definição de na redenção. O dogm a era considerado não neoconservador: um progressista que foi com o um elem ento externo que lim itasse a seduzido). liberdade, m as com o fonte viva que tornava M as, dar dem asiado realce àquela experiência possível pôr em prim eiro lugar o de Tübingen poderia levar a dim inuir a m ais conhecim ento da verdade. A Igreja nasceu profunda continuidade da proposta e da visão para nós, sobretudo na liturgia e na grande teológica fundam ental do novo Papa. Em riqueza da tradição teológica”. seus prim eiros estudos no sem inário e na U niversidade, Ratzinger se beneficiou S cientia e S apientia, am plam ente da renovação da teologia e da prática pastoral iniciada antes da Segunda seg u ndo A g ostinh o e G uerra M undial e que floresceu em fins dos B oav entu ra anos 1940 e nos anos 1950. Ele

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agostinism o. Q uando o seu trabalho foi O m al-estar com respeito à neo-escolástica criticado por um professor pelo fato m esm o levou Ratzinger até a resistir à ênfase quase de ocupar-se com um a noção m odernista e exclusiva do pensam ento de S. Tom ás de subjetivista da revelação, Ratzinger extraiu Aquino20. A “lógica cristalina” deste últim o um a parte, publicando-a com o A teologia da era para ele “dem asiado fechada em si história segundo S. Boaventura. m esm a, dem asiado im pessoal e pré- confeccionada”. Tom á s de A q u ino e Ele preferia, em am plos term os, o personalism o de Agostinho em toda a sua B oav entu ra paixão e profundidade. A dissertação do seu doutorado foi sobre a eclesiologia de Santo O últim o capítulo desta obra ajuda a Agostinho. O grande santo teria continuado a com preender a aproxim ação básica de exercer am plam ente a m áxim a influência Ratzinger à situação da fé no m undo sobre seu pensam ento, e não na distinção m oderno. Ele m esm o estabeleceu um a entre sapiência (sapientia) e conhecim ento analogia entre a atm osfera pós-conciliar de (scientia) e sobre a hum ildade com o cam inho fins dos anos 1960 e os anos turbulentos em necessário para a verdade. Sua tese de m eados do século treze, quando a tradução habilitação, sua segunda dissertação para das obras de Aristóteles e dos seus tornar-se professor titular na U niversidade, com entadores árabes am eaçava a estrutura da foi dedicada a um tem a m edieval, um a vez teologia tradicional. N a resposta de Tom ás à m ais evitando Tom ás e escolhendo para crise intelectual, com eçou a em ergir um a estudar a noção de revelação em São distinção entre teologia e filosofia e, junto a Boaventura21, grande representante do neo- esta últim a, as ciências naturais: distinção que com preende, obviam ente, um a certa 20 Tomás de Aquino (1227-1274): frade dominicano e autonom ia para estas outras disciplinas. teólogo italiano, considerado santo pela Igreja. Um de Ratzinger m ostra com o Boaventura se tivesse seus maiores méritos foi introduzir o aristotelismo na escolástica anterior. A partir de São Tomás, a Igreja tem enfileirado contra esta evolução e tivesse uma teologia (fundada na revelação) e uma filosofia continuado a insistir na unidade da sapiência (baseada no exercício da razão humana) que se fundem cristã, para a qual Cristo era o fulcro de todo numa síntese definitiva: fé e razão. Nascido numa família nobre, estudou filosofia em Nápoles e depois foi o conhecim ento. “Som ente a fé”, escreveu para Paris, onde se dedicou ao ensino e ao estudo de Boaventura, “divide a luz das trevas”. questões filosóficas e teológicas. Seus interesses não se Boaventura acabou num antiaristotelism o, restringiam à religião e filosofia, mas também à alquimia, tendo publicado uma importante obra que se aproxim ou de um antiintelectualism o e alquímica chamada Aurora Consurgens. Sua obra mais esteve entre aqueles que solicitaram às famosa e importante é a Suma Teológica. (Nota da autoridades eclesiásticas no sentido de IHU On-Line) 21 São Boaventura (1221-1274): bispo franciscano, intervirem e censurarem as posições tom istas. filósofo, confessor e doutor da Igreja. Foi uma das mais Com estas prim eiras influências intelectuais, poderosas inteligências de seu tempo e de toda a Ratzinger se colocou no interior de um a história da Igreja. Discípulo de Alexandre de Hales, era amigo e companheiro de lutas do dominicano Tomás de am pla corrente de renovação teológica, aquela Aquino. Tiveram ambos carreiras paralelas, juntos que incluía figuras com o H enri de Lubac e combateram os erros de doutores de Paris inimigos das Ordens mendicantes. Ambos faleceram relativamente jovens, no mesmo ano. Boaventura teve, diferentemente desempenhou papel fundamental na reconciliação entre de Tomás, uma vida muito ativa que não lhe permitiu o clero secular e as ordens mendicantes. Foi nesse dedicar todo o seu tempo ao estudo. Também conseguiu encontro que São Boaventura morreu, em 15 de julho superar a disputa interna de seus pares a respeito do de 1274. Homem tão inteligente quanto humilde, foi voto de pobreza. Em 1273, foi nomeado cardeal-bispo declarado doutor da igreja e canonizado em 1482. (Nota de Albano e, no segundo Concílio de Lyon, da IHU On-Line)

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Jean D anielou, grandes defensores do retorno qual, inspirada por Tom ás, propunha e às fontes (ressourcement). Ele dem onstrou tentava um em penho positivo com os pouco interesse por um a outra corrente m odernos m ovim entos intelectuais e (representada por figuras com o M arie- culturais. D om inique Chenu22, Bernard Lonergan23, Karl Rahner24 e Edward Schillebeeckx25), a R atz ing er no C oncílio

22 Marie-Dominique Chenu (1895-1990): teólogo V aticano II dominicano francês. (Nota da IHU On-Line) 23 Bernard Lonergan (1904-1984): teólogo jesuíta canadense, provavelmente o pensador mais significativo N o Concílio Vaticano II, representantes de do século XX, pela amplidão dos domínios am bas as orientações contribuíram na investigados, pelos resultados obtidos no campo do produção do golpe de Igreja que orientou o teologia, da filosofia (teoria do conhecimento e metodologias de vários domínios do conhecimento) e Concílio num a direção bastante diversa da teoria geral da economia. Entrou para a Companhia daquela expressa nos esquem as propostos de Jesus em 9 julho de 1922. Estudou filosofia pela cúria à atenção dos bispos. Com apenas escolástica no Colégio de Heythrop na Inglaterra e teologia na Universidade Gregoriana de Roma, onde trinta e cinco anos, quando foi aberto o obteve o doutoramento em 1940. Na mesma Concílio, Ratzinger era consultor teológico Universidade, lecionou Teologia Dogmática. A partir de do cardeal Joseph Frings, arcebispo de 1965, por causa de uma grave operação cirúrgica, deixou de ensinar em Roma e permaneceu no Boston Colônia. Ratzinger descreveu os textos College, em Massachussets até 1983, publicando, além preparados com o um reflexo da “neurose de outros escritos, o Método na Teologia, em 1972, e antim odernista” que fizera um a dando cursos curtos nos Estados Unidos e no Canadá. (Nota da IHU On-Line) contradistinção na resposta da Igreja aos 24 Karl Rahner (1904-2004): importante teólogo desafios intelectuais e culturais do século católico do século XX, ingressou na Companhia de precedente; foi ele que escreveu o discurso, o Jesus em 1922. Doutorou-se em Filosofia e em Teologia. Foi perito do Concílio Vaticano II. Foi qual o cardeal Frings iniciou com um claro e professor na Universidade de Münster. A sua obra firm e non placet, refutando um texto sobre a teológica compõe-se de mais de 4 mil títulos. Suas revelação. N os encontros entre bispos alem ães obras principias são: Geist in Welt (O Espírito no mundo), 1939, Hörer des Wortes (Ouvinte da Palabra), e franceses, Ratzinger se uniu a teólogos do 1941, Schrifften zur Theologie (Escritos de Teologia), calibre de Yves Congar26, D anielou27, de 16 volumes escritos entre 1954 e 1984, Grundkurs des Glaubens (Curso Fundamental da Fé), 1976. Em 2004, celebramos seu centenário de nascimento. A Unisinos dedicou à sua memória o Simpósio Internacional O de autoria do Prof. Dr. Érico João Hammes. (Nota da Lugar da Teologia na Universidade do século XXI, IHU On-Line) realizado de 24 a 27 de maio deste ano. A IHU On- 25 Edward Schillebeeckx (1914), teólogo holandês, frei Line n.º 90, de 1º de março de 2004, publicou um artigo dominicano, é considerado um dos mais importantes de Rosino Gibellini sobre Rahner; e a n.º 94, de 29 de peritos oficiais do Vaticano II e um dos mais março de 2004, publicou uma entrevista de J. importantes teólogos do século XX. (Nota da IHU On- Moltmann, analisando o pensamento de K. Rahner. No Line) dia 28 de abril de 2004, no evento Abrindo o Livro, 26 Yves Marie-Joseph Congar (1904:1995): teólogo Érico Hammes, teólogo e professor da PUCRS, dominicano francês, conhecido por sua participação no apresentou o livro Curso Fundamental da Fé, uma das Concílio Vaticano II. Foi duramente perseguido pelo principais obras de Karl Rahner. A entrevista com o Vaticano, antes do Concílio, por seu trabalho teológico. prof. Érico Hammes pode ser conferida na IHU On- A isso se refere o seu confrade Tillard quando fala dos Line n.º 98, de 26 de abril de 2004. Ainda sobre K. “exílios”. Sobre Congar a IHU On-Line publicou um Rahner, publicamos uma entrevista com H. Vorgrimler artigo escrito por Rosino Gibellini, originalmente no no IHU On-Line n.º 97, de 19 de abril de 2004, sob o site da Editora Queriniana, na editoria Memória da título Karl Rahner: teólogo do Concílio Vaticano edição 150, de 8 de agosto de 2005, lembrando os dez nascido há 100 anos. A edição número 102, da IHU anos de sua morte, completados em 22 de junho de On-Line, de 24 de maio de 2004, dedicou a matéria de 1995. Também dedicamos a editoria Memória da 102ª capa à memória do centenário de nascimento de Karl edição da IHU On-Line, de 24 de maio de 2004, à Rahner. Os Cadernos Teologia Pública publicaram o comemoração do centenário de nascimento de Congar artigo Conceito e Missão da Teologia em Karl Rahner, (Nota da IHU On-Line).

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Lubac28, Rahner e Schillebeeckx, visando tornaram cada vez m ais evidentes. O texto foi rem over da agenda os textos doutrinais inspirado, em grande parte, por Chenu e preparatórios, e, com Rahner, preparou um seguiu um a im postação na perspectiva da texto com o qual o grupo esperava poder encarnação, procurando, nos m ovim entos substituí-los. sociais e culturais contem porâneos, os sinais Elogiou com grande entusiasm o as decisões de um a aspiração ao espiritual, aos quais a tom adas durante a prim eira sessão do Igreja pudesse dirigir a sua m ensagem sobre Concílio, com o um a reviravolta “epocal” em Cristo. Chenu cham ou estas aspirações de seu gênero, que tornava possível um “novo pierres d’attente [pedras de espera, pedras que início”. são depositadas nos lados de um m uro para A questão levantada por este novo início, poderem , eventualm ente, continuar a obviam ente, era: “E agora?”. D e que form a o construção]. D efendeu fortem ente o m étodo Concílio teria apresentado e interpretado a de ler os “sinais dos tem pos” e de responder, Palavra de D eus em seu tem po? As três acim a de tudo, com um diálogo respeitoso ao sessões sucessivas do Concílio foram outro. Era um a extensão da concepção basilar dedicadas a responder à pergunta, e os tom ista sobre a relação entre natureza e graça, dezesseis docum entos do Vaticano II são o no âm bito social e histórico. seu fruto. Ratzinger trabalhou de perto os textos sobre a Igreja, sobre a Revelação D a Introdu ç ã o ao divina, sobre as m issões e sobre a Igreja no m undo m oderno, tem as sobre os quais C ristianism o (1 9 6 8) até publicou tam bém eruditos ensaios nas revistas teológicas. Ele colaborou no conselho dos o papado consultores da nova revista progressista Concilium e contribuiu para seu prim eiro Joseph Ratzinger estava entre os teólogos volum e com um im portante ensaio sobre a alem ães que criticavam este esboço, porque colegialidade. não considerava o pecado no m undo, porque confundia o natural e o sobrenatural, e por Sobre os principais textos doutrinais os sua im precisa concepção de “m undo” e de teólogos progressistas se m antiveram unidos, “Igreja”. A sua descrição da situação m as logo que o Concílio passou ao texto contem porânea oferecia pouco m ais do que referente à Igreja no m undo m oderno lugares com uns sociológicos, nos quais as (Gaudium et Spes29), as divisões entre eles se referências a Cristo e à sua obra pareciam ser acrescentadas quase com o se se tratasse de

27 Jean Danielou: jesuíta francês, que, com os um a justaposição em baraçada. O texto, dominicanos Chenu e Congar e os jesuítas Henri De afirm ou, era indulgente “à ficção de que é Lubac e Karl Rahner, entre outros, foi um dos grandes possível realizar um a im agem racional e teólogos do Concílio Vaticano II. (Nota da IHU On- Line). 28 Henri de Lubac (1896-1991): teólogo jesuíta francês. (voltando-se para as realidades econômicas, políticas e Foi suspenso por Pio XII. No seu exílio intelectual, sociais das pessoas no seu contexto). Inicialmente, ela escreveu um verdadeiro poema de amor à Igreja que são constituía o famoso "esquema 13", assim chamado por as suas Méditations sur l'Eglise. (Nota da IHU On- ser esse o lugar que ocupava na lista dos documentos Line) estabelecida em 1964. Sofreu várias redações e muitas 29 Gaudium et Spes: Igreja no mundo atual. emendas, acabando por ser votada apenas na quarta e Constituição pastoral, a 4ª das Constituições do última sessão do Concílio. O Papa Paulo VI, no dia 7 de Concílio do Vaticano II. Trata fundamentalmente das dezembro de 1965, promulgou esta Constituição. relações entre a igreja e o mundo onde ela está e atua. Formada por duas partes, constitui um todo unitário. A Trata-se de um documento muitíssimo importante, pois primeira parte é mais doutrinária, e a segunda é significou e marcou uma virada da Igreja Católica "de fundamentalmente pastoral. (Nota da IHU On-Line) dentro" (debruçada sobre si mesma), "para fora"

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filosófica de hom em , com preensível a todos e podia fundam entar a articulação da visão sobre a qual todas as pessoas de boa vontade cristã sobre um a herança intelectual com um . podem estar de acordo, enquanto as A tradição filosófica tinha com o centro de verdadeiras doutrinas cristãs são justapostas a interesse a realidade e a busca da verdade. N a isso com o um a espécie de coroação sua ligação com a fé cristã, ela consentia à conclusiva”. Teria preferido que o texto teologia penetrar nas profundezas da tom asse as diretrizes “do verdadeiro Credo realidade e, em definitivo, reconhecer a cristão que, precisam ente enquanto profissão verdade das coisas em sua em ergência das de fé pode e deve exprim ir a sua m ãos de um Criador inteligente e am oroso. inteligibilidade e racionalidade”. O diálogo M as, a teologia não pode m ais dar por estava sendo substituído pela proclam ação da descontada aquela herança intelectual e fé. A distinção agostiniana entre cultural com um . Através de várias passagens, conhecim ento e sapiência teria oferecido um a a filosofia abandonou a orientação ontológica epistem ologia m ais profunda do que a de e m etafísica que outrora a caracterizava. Tom ás, e um a ênfase m aior sobre a cruz Sofreu o fascínio da fenom enologia e, da com o necessário ponto de contradição entre em ergência das ciências naturais, retirou um Igreja e m undo teria perm itido ao Concílio interesse positivista pelos fatos com o eles evitar um a linguagem e conceitos aparecem ; pôs agora o seu fundam ento não sem ipelagianos. Enquanto algum as das na realidade das coisas, m as na reflexão sobre preocupações dos alem ães foram aplainadas a com preensão hum ana. O nascim ento da durante a revisão do texto, o últim o com preensão histórica deslocou a atenção da com entário de Ratzinger sobre os prim eiros realidade, do m odo com o tinha ela sido criada parágrafos da Gaudium et Spes revelam que ele por D eus, à realidade no m odo com o ela foi continuava a pensar que as suas principais construída pelos seres hum anos. Com M arx, críticas ainda fossem justificadas. a atenção se deslocou da tentativa de O debate ocorrido no Concílio, pouco notado com preender o m undo, assim criado, àquela na época, revela os pontos nos quais de m odificá-lo; “Verdade” se refere agora não Ratzinger se afastava dos representantes da à realidade dada, nem àquilo que foi feito, aproxim ação tom ista (não obstante os m as àquilo que resta por fazer. Por m eio de num erosos pontos sobre os quais Karl Rahner todos estes processos, a filosofia se dissolveu e ele podiam estar de acordo – liturgia, num a m ultiplicidade de filosofias. exegese bíblica, etc. – Ratzinger dizia: A tragédia da teologia do pós-Vaticano II é “Rahner e eu vivíam os sobre dois planetas que, após ter destronado a obsoleta visão neo- teológicos diferentes”). E, a partir do escolástica, ela se voltou, não à antiga Ratzinger da Introdução ao Cristianismo (1968) sapiência expressa pelos padres da Igreja e até o Ratzinger da hom ilia pronunciada por pelos doutores m edievais, m as a várias form as ocasião da entronização com o Papa Bento de filosofia m oderna. Perdeu, portanto, a sua XVI, veio à luz um a aproxim ação distinta e distância crítica e se tornou subordinada a coerente. Tento fazer um a síntese. várias form as de positivism o, ligando-se, em particular, a outras visões do futuro, quer seja aquela que os liberalism os esperam da A teolog ia do pó s- tecnologia, quer seja aquela que os m arxistas V aticano II esperam da revolução política e econôm ica. O s resultados desta escolha desastrosa estão A Igreja vive hoje num Estado de crise todos em torno de nós, num a Igreja que se intelectual ou cultural. O utrora, a teologia m im etizou com os m undos que a

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circundavam e perdeu o seu sentido de Esta é um a visão teológica “boaventurana”. identidade e m issão, num m undo no qual o N as últim as fases de sua viagem intelectual, e triunfo do positivism o levou a um a dissolução em face dos desafios culturais de seu tem po, o e alienação cada vez m aiores. grande franciscano respondeu com um a concentração religiosa sobre a santidade e A v isã o teoló g ica de sobre a interpretação escatológica dos desenvolvim entos intelectuais contem po- B oav entu ra râneos que o levaram a um “antiaristotelism o apocalíptico”, que era antifilosófico, A única resposta que nos pode salvar desta antiintelectual e indiscrim inado, a ponto de escravidão para com as nossas próprias obras, incluir, nas suas condenações, os esforços de é a apresentação da m ensagem cristã com o S. Tom ás em afrontar, criticam ente, o desafio única força verdadeiram ente libertadora. A aristotélico. H á im pressionantes paralelism os teologia não pode contar com nenhum a ajuda entre a visão final de Boaventura, com o é por parte da filosofia contem porânea ou das descrita por Ratzinger, e o com portam ento de ciências hum anas e naturais. N os escritos de fundo que o próprio novo Papa adotou em Ratzinger há bem poucas referências positivas face das grandes m udanças na Igreja do pós- aos desenvolvim entos intelectuais fora da Vaticano II. Igreja: elas aparecem quase sem pre com o antitéticas com respeito ao que é Q ue Bento XVI tenha levado consigo esta especificam ente cristão. N ão há pierres perspectiva quando foi eleito Papa, fica claro d’attente, culturais ou sociais. Ao contrário, por sua hom ilia no dia em que foi dicotom ias, contrastes entre as noções cristãs solenem ente investido. Em m uitos pontos, a de verdade, liberdade, natureza e aquelas hom ilia era um a apresentação m uito bela e outras correntes na cultura ocidental. A fé positiva do cristianism o e dá m otivos para deve ser apresentada com o contracultural, esperar que caracterizará a pregação e o com o apelo ao não-conform ism o. Ela pode m agistério do novo Papa. Em dois pontos, apelar ao difuso senso de desilusão nos todavia, tam bém revelou com o ele enxerga o confrontos daquilo que a m odernidade m undo ao qual Cristo deve ser anunciado. O prom eteu, m as não teve condições de dar. prim eiro é quando descreve os m uitos tipos Fará apelo, apresentando a visão cristã em sua de desertos que hoje existem : “H á o deserto sintética totalidade, com o estrutura global de da pobreza, o deserto da fom e e da sede, o significado que, quase sobre cada ponto, deserto do abandono, da solidão, do am or rom pe com os com portam entos assim ilados, destruído. H á o deserto da obscuridade de as estratégias e os hábitos da cultura D eus, do esvaziam ento das alm as sem m ais contem porânea. O evangelho nos salvará, não conhecim ento da dignidade e do cam inho do a filosofia, não a ciência e não a teologia hom em . O s desertos exteriores se científica. O grande m odelo desta em presa é m ultiplicam no m undo, porque os desertos o m esm o que, na Antigüidade, serviu para interiores se tornaram tão am plos. Por isso os apresentar o evangelho num m undo estranho tesouros da terra não estão m ais a serviço da e para construir aquela visão da sapiência edificação do jardim de D eus, no qual todos cristã própria das grandes épocas da fé, antes possam viver, m as estão a serviço das que a filosofia, a ciência e a tecnologia se potências do desfrutam ento e da destruição. separassem em áreas autônom as de reflexão e A Igreja em seu conjunto, e nela os Pastores, atividade. com o Cristo, devem pôr-se a cam inho para conduzir os hom ens para fora do deserto”. A

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outra im agem é m utuada pela m etáfora do catolicism o rom ano se rachou am plam ente, e pastor com o “pescador de hom ens”. A esta desintegração tornou m uito difícil dizer im agem supõe certam ente que seja coisa boa que a Igreja oferece um conjunto unificado para o peixe ser pescado e puxado para fora de respostas aos desafios contem porâneos. de seu am biente natural. E, para explicar isto, Q uase todos concordam os com o fato de que o papa afirm a: “N ós hom ens vivem os a neo-escolástica pré-conciliar não oferece alienados, nas águas salobras do sofrim ento e um a base teológica adequada para poder da m orte; num m ar de escuridão sem luz. A refletir sobre o desafio, e depois, as divisões rede do Evangelho nos retira das águas da continuam m uitas e grandes, sendo que as m orte e nos conduz, no esplendor da luz de m ais relevantes dizem respeito ao ponto até o D eus, à verdadeira vida”. Por m ais bela que qual os m odernos desenvolvim entos seja a descrição do que o Evangelho tem a intelectuais podem ser considerados oferecer, é realm ente assim ? E, Cristo à parte, apropriados. o m undo é só um deserto, ou “águas salobras do sofrim ento e da m orte”, “escuridão sem P lu ralism o relig ioso luz”?

Sob a direção de Ratzinger na Congregação Q uando um bispo se lam entou por alguns para a D outrina da Fé30 (CD F) as reservas livros publicados após o Concílio, Paulo VI teológicas rom anas em relação ao pluralism o replicou que o m elhor m odo de opor-se aos religioso e à oposição ao dissenso teológico m aus livros é com bons livros. Joseph tinham as suas raízes precisam ente nestes Ratzinger expressou a idéia que a paciente problem as. Ratzinger queria que a Igreja atitude de Paulo VI, referente aos ainda fosse capaz de propor um a alternativa desenvolvim entos teológicos após o Concílio, real, um sistem a de significados e de valores foi vencida e que, com o no século XIII, é que pudessem se situar a um a distância crítica dever da autoridade eclesiástica intervir. Este e salvífica da cultura contem porânea. É a apelo à autoridade tem as suas raízes na im portância de seu ser com o resposta eclesial, situação da Igreja no m undo após o Vaticano não só teológica ou intelectual, aos desafios de II. Interrogam o-nos sobre o papel da religião hoje que levaram Ratzinger a insistir sobre a e da teologia num a Igreja que, após haver unidade interna. É a Igreja, e não a teologia, sim plesm ente repudiado todo o experim ento que oferece um a real alternativa; e os teólogos m oderno e depois de haver construído a sua foram , freqüentem ente, considerados – seja restrita contra-sociedade, tentou, com o nos fatos, seja por princípio por causa da sua Vaticano II, adotar um com portam ento defesa do dissenso público – aqueles que crítico e um a série de estratégias m ais im pediam a unidade necessária para um diluídas. H á m uito tem po, o m undo havia eficaz serviço salvífico da Igreja no m undo. relegado a religião a um a esfera privada e U m a posição desse gênero é obviam ente m ais havia banido a teologia de um a série de considerações intelectuais. Q ue tipo de Igreja 30 Congregação para a Doutrina da Fé: a mais antiga das tem os podido ser, e que tipo de teologia nove congregações da Cúria Romana, um dos órgãos do tem os podido construir naquelas Vaticano. Fundada pelo Papa Paulo III, em 21 de julho circunstâncias? de 1542, com o objetivo de defender a Igreja da heresia. É historicamente relacionada com a Inquisição. Até A tentativa de dar um a resposta àquelas 1908, era denominada como Sacra Congregação da perguntas dividiu os católicos desde o Inquisição Universal quando passou a se chamar Santo Concílio, e um elem ento daquela divisão tem Ofício. Em 1967, uma nova reforma, durante o pontificado de Paulo VI, mudou para o nome atual. sido a divisão da teologia. A subcultura do (Nota da IHU On-Line)

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fácil quando se retém que o diálogo am eaça o aparentem ente contrastantes. A CD F, sob a ato verbal distintivo da Igreja, a proclam ação condução de Joseph Ratzinger, fez bem do evangelho na sua unicidade, o cham ado à pouco para criar esta esfera de liberdade, decisão da fé. O Concílio, em um dos seus com o dem onstra um dos seus últim os atos, a docum entos fundam entais, não pensava que o rem oção do Pe. Thom as Reese da direção de diálogo e a proclam ação do evangelho fossem América. Podem os esperar que, com a incom patíveis; na verdade até se pode dizer responsabilidade m aior que agora lhe tocou, que considerava o diálogo e o discernim ento Bento XVI reconheça que a necessária dos sinais dos tem pos aspectos essenciais do proclam ação do evangelho de Jesus Cristo anúncio da palavra de D eus. O que requer com preenda m om entos para escutar não claram ente um a esfera de liberdade, um lugar apenas o m undo ao qual ele se dirige, m as de discussão, de experim entação de novas tam bém os outros – de m entalidades diversas idéias, de exploração de um terreno com um , e diferentes propostas – na m oldura da fé. de esforços por reconciliar posições talvez só Félix N ada, um dos pioneiros da fotografia, referiu-se à Terra com o “um grande oásis na procurava pontos de vista não usuais. Ele foi vastidão do espaço”. As fotos que traziam , dos prim eiros a utilizar a ilum inação artificial, m ostravam a Terra de um novo ponto de vista. e dessa m aneira fez fotos im pressionantes de Fotos feitas a 300.000 km de distância da catacum bas. Em 1858, a bordo de um balão, Terra; prova contundente daquilo que a teoria fez as prim eiras fotografias aéreas da Terra. de Copérnico prenunciara: a insignificância do Ainda que de m aneira dissim ulada, N adar nosso planeta. participou da prim eira viagem à Lua, N o início de 1969, na prisão, im aginada pelo seu am igo Júlio Verne. Em D a viu as tais fotografias em um a revista Terra à Lua, que Verne publicou em 1865 - M anchete. Anos depois, lem brando delas, com o curioso subtítulo Trajeto direto em 97 com pôs “Terra”. horas e 20 m inutos – três personagens são A divulgação dessas fotografias, juntam ente enviados à Lua, a bordo de um projétil com a difusão do conceito de “Espaçonave disparado por um canhão especialm ente Terra”, criado por aqueles astronautas, teve construído. O sobrenom e de um deles, M ichel grande im portância para a conscientização da Ardan, é anagram a de N adar. N esta história, hum anidade sobre a necessidade da tudo acontece em um final de ano. O projétil é preservação am biental. Aquela que foi “a lançado em 1º de dezem bro. D evido à fum aça m aior viagem desde Colom bo”. Term inou no causada pelo disparo, e às m ás condições dia 28 de dezem bro de 1968. N o dia 30 de m eteorológicas, só no dia 12 de dezem bro se dezem bro, pela prim eira vez, um jornal – o observa, aqui da Terra, que o projétil fica N ew York Tim es - trouxe um editorial, aprisionado na órbita da Lua, girando com o clam ando pelo fim da destruição do m eio um satélite. N o relato de Verne, não há alusões am biente. Em 1969, o então secretário da ao que sentiu Ardan/N adar ao m irar a O N U , U -Thant, estim ava que tínham os cerca longínqua Terra. de 10 anos para prevenir danos irreversíveis ao A viagem im aginada por Verne aconteceu em m eio am biente no Planeta. N aquele m esm o 1986. N a véspera do N atal daquele ano, três ano, escolas de D ireito passaram a oferecer astronautas, a bordo da Apollo 8, entraram na cursos de D ireito Am biental. D e 1968 a 1970, órbita da Lua e nos perm itiram ver a Terra o espaço destinado a notícias sobre o m eio pelos seus olhos: um a esfera azul e branca, am biente no N ew York Tim es passou de 51 brilhante, isolada na escuridão do espaço. N a cm para 559 cm . volta para casa, o astronauta Jam es Lovell

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N este ano de 2004, pudem os ver fotos do pôr- H um anitas, prom overá a discussão sobre do-sol em M arte e fotos com detalhes nunca alternativas para o futuro do Planeta a partir antes vistos dos anéis de Saturno. M as os da Ética universal, do desenvolvim ento nossos problem as am bientais continuam sustentável, da teoria da com plexidade, da existindo. econom ia, e da contribuição das grandes N o m ês de m aio de 2005, terem os um a nova religiões da hum anidade. O s tem as serão oportunidade de olhar para a Terra de um abordados por ilustres habitantes vindos de ponto de vista inusitado. O Sim pósio várias partes do Planeta. Certam ente não Internacional Terra H abitável: um desafio faltarão fotógrafos. para a hum anidade, organizado pelo Instituto

L iv ro d a S em a n a

G illes Lipov etsk y , E ly ette R ou x . O Lu x o eterno. D a Idade do S ag rado ao Tem po das M arcas. S ã o P au lo: C om panh ia das Letras, 2 0 0 5 .

Luxo à la carte

Antônio M adalena é o autor do artigo que aqui transcrevem os, sobre o novo livro O Luxo Eterno, de G illes Lipovetsky e Elyette Roux, recém -lançado pela Editora Com panhia das Letras. M adalena é coordenador de eventos da Livraria Cultura, em Porto Alegre. N ela, todas as quartas-feiras, das 19h30m in às 21h30m in, o Instituto H um anitas U nisinos oferece o program a Q uarta com Cultura U nisinos. O evento divide-se em três atividades: Ciclo de Estudos Repensando os Clássicos da Econom ia, Ciclo de Estudos sobre o Brasil e Ciclo de Estudos sobre “O M étodo” de Edgar M orin. A Livraria Cultura localiza-se no Bourbon Shopping Country.

Antônio Carlos de M adalena G enz, Tom M adalena, defendeu, recentem ente, a tese de m estrado A música silenciosa do D arma: um estudo antropológico das práticas e representações de uma comunidade zen budista em Porto Alegre, no Program a de Pós-G raduação em Antropologia Social da U niversidade Federal do Rio G rande do Sul – U FRG S. O artigo foi escrito por ocasião da vinda do filósofo, sociólogo e escritor francês G illes Lipovetsky a Porto Alegre, para a abertura do XV Congresso de M arketing e Vendas da Associação dos D irigentes de M arketing e Vendas do Brasil (AD VB), em 17 de agosto, na sede da entidade. N essa ocasião, o filósofo desenvolveu um debate intitulado O Consumidor H ipermoderno.

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Lipovestsky é professor da U niversidade de G renoble – França. É autor de alguns livros com o A era do vazio. Lisboa: Relógio de Água, 1989; La crepuscule du devoir. L' éthique indolor des nouveaux temps démocratiques. Paris: G allim ard, 1992 (O Crepúsculo do D ever: a ética indolor dos novos tempos democráticos. Lisboa: Pub. D . Q uixote, 1994); A Terceira M ulher. Permanência e revolução do feminino. São Paulo: Com panhia das Letras, 2000; O Império do Efêmero. A moda e o seu destino nas sociedades modernas. São Paulo: Com panhia das Letras, 2002. Com Eliette Roux escreveu o livro Le luxe éternel: D e l'âge du sacré au temps des marques. Paris: Editions G allim ard, 2003; Les Temps H ypermodernes. Paris: G rasset, 2004 (Os Tempos H ipermodernos. São Paulo: Editora Barcarolla, 2004) e M etamorfoses da Cultura Liberal Ética, mídia e empresa. Porto Alegre: Sulina, 2004. Lipovetsky concedeu entrevista à IH U On-Line, edição 105ª, de 14 de junho de 2004 com o título M oda, Luxo e hiperindividualismo. N a edição 143, a IH U On-Line reproduziu a entrevista que o pensador francês concedeu à Carla Rodrigues, publicada no site N o M ínimo, em 17 de m aio de 2005, sob o título O filósofo da moda.

H á alguns anos, G illes Lipovestsky já havia valia em ocional num a época de causado certo estardalhaço, e desconforto individualism o exacerbado. nos m eios filosóficos ao tom ar para si a tarefa de analisar um fenôm eno que, a princípio, Expondo-se às críticas de um a retaguarda não teria relações com a filosofia. Em O zelosa, com suas distinções rígidas entre o império do efêmero31, ele m ostrava a relação da dom ínio de um a alta cultura e fenôm enos m oda com o processo de transform ação das que, por sua frivolidade, parecem colocar em sociedades dem ocráticas, um fenôm eno que risco os valores especificam ente hum anos da seria original e exclusivam ente ocidental. "cultura", Lipovetsky exam ina essa nova Agora, em com panhia de um a especialista configuração de época em que o luxo se em m arketing e gestão de m arcas de luxo, ele torna um direito de todos. Se as análises volta a agitar as águas, a princípio clássicas na sociologia viam o fenôm eno do im passíveis da filosofia, com um tem a luxo sob o prism a de um a distinção de classe, novam ente estranho, porque ligado à esfera a ênfase agora se exerce sobre o m odo de do banal ou frívolo. afirm ação da subjetividade de cada um num cenário m arcado pelo indivíduo e a A dem ocratização do luxo, um fenôm eno afirm ação do seu m odo de ser. Se antes o recente que tom ou form a a partir dos anos luxo era, sobretudo, um m odo de ostentar e 1980 é o tema que provoca o encontro pouco m ostrar-se ao outro, distinguindo-se deste, com um entre filosofia e m arketing. O s dois ele agora se centra m ais num a contem plação ensaios que form am O luxo eterno (G illes narcísica33, ligada ao desejo de deleitar-se 32 Lipovetsky e Elyette Roux , Com panhia das Letras, 196 p.) se com plem entam e form am 33 Contemplação narcísica: referente à lenda de um a unidade, com base na com preensão de Narciso, surgida provavelmente da superstição grega que o luxo se tornou um a espécie de m ais- segundo a qual contemplar a própria imagem prenunciava má sorte, possui um simbolismo que fez dela uma das mais duradouras da mitologia grega. 31 O Império do Efêmero. A moda e o seu destino nas Narciso era um jovem de singular beleza, filho do sociedades modernas. São Paulo: Companhia das deus-rio Cefiso e da ninfa Liríope. No dia de seu Letras, 2002. (Nota da IHU On-Line) nascimento, o adivinho Tirésias vaticinou que Narciso 32 O original francês é do ano 2003. (Nota da IHU On- teria vida longa desde que jamais contemplasse a Line) própria figura. Indiferente aos sentimentos alheios,

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consigo m esm o. U m a m udança de registro, Shakespeare34 já afirm ava que m esm o "o em que a ostentação não é o objetivo, e sim o últim o dos m endigos tem sem pre um prazer de sentir-se único, diferente, distante nadinha de supérfluo! Lim itai a natureza às da m assa, expressando originalidade e necessidades naturais, e o hom em torna-se liberdade. Sob o efeito dessa onda um anim al", Lipovetsky e Roux m ostram dem ocrática, em que o valor suprem o é a que, nesses novos tem pos, hiperm odernos subjetividade de cada um , o próprio conceito talvez, o luxo responde a um a necessidade de de luxo se pulveriza. Cada indivíduo está sentido, em que os produtos e as m arcas livre para definir e exibir sua própria idéia do estabelecem universos estéticos e oferecem que é o luxo. visões de m undo, no qual cada indivíduo está "livre" para aderir ao que m ais lhe É com essa noção de dem ocratização do convém , ou se ajusta ao seu figurino. supérfluo, do luxo com o um a aspiração de m assa legítim a que Elyette Roux m ostra as transform ações por que passou a indústria do luxo. A partir dos anos 1980, os produtos de luxo assistiram a um crescim ento extraordinário, não só do lado do consum o, m as da produção, abandonando um a lógica artesanal e fam iliar para assum ir um a cara industrial e financeira. Incorporou as técnicas m ais avançadas, e de m assa, do m arketing, para poder fazer frente aos novos padrões de concorrência. D a m oda e vestuário aos cosm éticos e bebidas, o setor acom panhou a lógica de um capitalism o internacional, com fusões e entrada de grande capital. A partir daí, um a nova realidade em que a necessidade do gerenciam ento de m arketing no lançam ento de novos produtos de luxo, todos eles na cifra de m ilhões de dólares em investim ento 34 em publicidade, é a condição para se fazer William Shakespeare (1564-1616): dramaturgo inglês. Considerado por muitos como o mais visível e sobreviver com o m arca. importante dos escritores de língua inglesa de todos os tempos. Como dramaturgo, escreveu não só algumas das mais marcantes tragédias da cultura ocidental, mas Narciso desprezou o amor da ninfa Eco e seu egoísmo também algumas comédias, 154 sonetos e vários provocou o castigo dos deuses. Ao observar o reflexo poemas de maior dimensão. A habilidade de de seu rosto nas águas de uma fonte, apaixonou-se pela Shakespeare em ultrapassar as fronteiras puramente própria imagem e contemplou-a até consumir-se. A narrativas das suas obras, penetrando, de uma forma flor conhecida pelo nome de narciso nasceu, então, no incisiva, nos aspectos mais íntimos da natureza lugar onde morrera. Em outra versão da lenda, Narciso humana, granjeou-lhe uma fama e um prestígio que o contemplava a própria imagem para recordar os traços tornam um dos mais brilhantes gênios universais. Sua da irmã gêmea, morta tragicamente. Foi, no entanto, a obra influenciou artistas de, praticamente, todas as versão tradicional, reproduzida por Ovídio em regiões do planeta, pelo seu caráter intrinsecamente Metamorfoses, que se transmitiu à cultura ocidental universal - suas tragédias são facilmente transponíveis por intermédio dos autores renascentistas. Na para qualquer outra cultura. Pensa-se que terá escrito a psiquiatria, particularmente, na psicanálise, o termo maior parte das suas obras de 1585 a 1610, ainda que narcisismo designa a condição mórbida do indivíduo as datas não sejam conhecidas com precisão. (Nota da que tem interesse exagerado pelo próprio corpo. (Nota IHU On-Line) da IHU On-Line)

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E n trev is ta d a S em a n a

“ O controle de nosso destino b ioló g ico estará cada v ez m ais em nossas m ã os” .

E ntrev ista com C raig V enter, b ió log o q u e im pu lsionou a seq ü ê ncia do g enom a h u m ano

O biólogo estadunidense, J. Craig Venter, dirigiu a equipe privada que obteve, em 2000, em com petição com um a equipe internacional pública, o prim eiro rascunho da seqüência do genom a hum ano. Atualm ente, está envolvido na pesquisa detalhada da diversidade biológica dos oceanos. N a entrevista abaixo, concedida durante o congresso M ilken G lobal Conference em Los Angeles, fala da sua pesquisa que realiza no m om ento. Reproduzim os a entrevista publicada pelo jornal El País, em 16 de agosto de 2005, que traduzim os. O s subtítulos são nossos.

E l P a ís - Q u a is s ã o o s d e s a fio s d a E l P a ís : Q u a l é o p a s s o s e g u inte ? e ng e nh a ria g e né tica ? J. C raig V enter - Tratam os de fazer J. C raig V enter - Estam os num a fase de tal engenharia com a biologia, com o se fez com a com plexidade, que não conhecem os exatam ente o quím ica. Q uerem os poder construir crom ossom os que pode suceder. O progresso, nesta área, não é sintéticos de células sim ples. Já o fizem os com linear. H á alguns anos, quando fizem os o m apa vírus. O s genom as bacterianos são bastante do genom a hum ano, descobrim os que tem os uns sim ples, m as quando nos introduzim os em 20.000 genes, em vez de 300.000. Isso quer dizer organism os m ulticelulares – nós tem os uns cem que nossa biologia é m uito m ais com plexa do que bilhões de células -, o progresso não será linear. pensávam os. O s genes e com binações de genes, Se, nos próxim os 20 anos, conseguirm os influenciados pelo am biente, dão resultados com preender a com plexidade de nosso diferentes em cada pessoa. Possuir a tecnologia organism o, será um dos m aiores m ilagres da para conhecer a seqüência dos genom as35 não ciência. quer dizer que com preendam os a biologia. Eu fiz o m apa de m eu genom a e ainda estou tentando E l P a ís - D e q u e m o d o is s o a fe ta rá o s com preendê-lo. p a cie nte s ? J. C raig V enter - A possibilidade m ais im portante é a da m edicina preventiva. Por 35 Genoma: conjunto de genes de uma espécie. exem plo, o câncer de cólon. Sabendo-se disso, Podemos dizer que genoma humano é o código genético do ser humano, ou seja, os genes humanos. (Nota da IHU On-Line)

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não se espera que lhe façam um a colonoscopia36 m esm o, só será possível quando conhecerm os aos 50 anos. A prática da m edicina e o controle de com o e por que funcionam as células-tronco. A nosso destino biológico estarão cada vez m ais em área m ais im portante da ciência é com preender a nossas m ãos. Sem em bargo, em torno de uns 30% fisiologia, o cam inho de nossos genes, a nossa de cânceres são devidos a m udanças som áticas biologia. nos genes, m udanças que sucedem depois do nascim ento. É de se esperar que, dentro de 20 E l P a ís - P o r q u e e s tá a g o ra na v e g a nd o anos, conheçam os a im portância do am biente e p e lo s o ce a no s , co le ta nd o e s p é cie s ? possam os m edir a influência am biental, seja a J. C raig V enter - É parte do esforço de dieta, a exposição ao sol, aos raios X ou às toxinas. com preensão do am biente que nos circunda, a E tam bém tem os que m udar a sociedade. outra parte da genôm ica. O que estam os Estam os dispostos a pagar pelos cuidados encontrando é que cada m ilím etro cúbico de água m édicos quando já existe a enferm idade, m as não do m ar tem m ilhões de bactérias e 10 m ilhões de a pagar pela prevenção. Isso é im portante, vírus. D everíam os pensar nisso cada vez que porque, nos próxim os 20 anos, o conhecim ento de tragam os um gole de água do m ar. Até esta nosso código genético será insuficiente para fazer expedição não sabíam os sequer que existiam essas engenharia genética em seres hum anos. espécies. Só conhecíam os 5.000 m icroorganism os

em sua quase totalidade, os que crem os estarem E l P a ís - A clo na g e m é o te m a m a is associados a enferm idades. Em um só ano, p o lê m ico . O q u e o p ina s o b re e la ? dobram os o núm ero de genes na base pública de J. C raig V enter - O problem a é que a gente dados. Encontram os 50 m il novas espécies em não tem educação científica. Pensa que clonar é um só barril de água do m ar e acham os que a fazer um a cópia idêntica de um a ovelha, um cão m aior parte da biologia na superfície dos oceanos ou um a pessoa. M as, é claro que, até os gêm eos está im pulsionada pela luz do sol na form a de idênticos, têm im pressões digitais distintas. Ao fotorreceptores. Anteriorm ente, conhecíam os desenvolverm os de um a cem bilhões de células, som ente um e agora tem os m ilhares. É ocorrem tantas m udanças fortuitas que cada provavelm ente a fam ília de genes de m aior pessoa é um experim ento distinto. Clonar seres presença no planeta. hum anos não tem nem valor nem sentido. N ão o farem os. Seria gastar m uita energia num a direção E l P a ís - Q u a l é o o b je tiv o ? equivocada. J. C raig V enter - É m uito sim ples. N ão tem sentido tentar curar o câncer, se não fizerm os algo E l P a ís - Q u a l é o a v a nç o m a is s ig nifica tiv o sobre a destruição do am biente, porque não e m g e né tica ? sobreviverem os com o espécie para fazê-lo. É cada J. C raig V enter - U m a das áreas m ais vez m ais difícil viajar pelo oceano sem encontrar interessantes, ao m enos nos Estados U nidos, é o tudo cheio de lixo. Tem os a tendência de tratar o financiam ento da pesquisa com células-tronco37 am biente com o se fosse infinito. A cada 350 na Califórnia. N unca entenderem os com o nosso quilôm etros, 85% da diversidade biológica é código genético leva ao desenvolvim ento de tantas única. Im aginem os, com tão grande diversidade, células para cada um de nós, cada um a com sua que, da m esm a form a com o as células em nosso própria função, se não entendem os as células- corpo, tam bém há cem bilhões de organism os tronco. A m edicina regeneradora, que perm itirá deferentes no am biente em que vivem os, com os m odificar nosso organism o para que se repare a si quais interagim os e que afetam nossa quím ica pessoal. Q uando entenderm os esses organism os,

36 entenderem os m elhor, para o bem ou para o m al, Colonoscopia: exame indicado para diagnosticar e tratar doenças do intestino grosso através de um a relação hum ana com o am biente. O que aparelho chamado colonofibroscópio. (Nota da IHU podem os aprender dos processadores On-Line) 37 fotossintéticos que estam os descobrindo para O tema células-tronco embrionárias foi a matéria de utilizá-los na produção de hidrogênio diretam ente capa da edição número 134, de 28 de março de 2005. (Nota da IHU On-Line) do sol? Conhecer este m ecanism o biológico pode

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m udar nossa perigosa dependência dos m olecular, que agora se confirm ou. Venter disse com bustíveis fósseis. A com preensão das espécies que m anterá com pleta a referida coleção. oceânicas é crucial.

P roprietá rio de u m a coleç ã o m ilioná ria

J. Craig Venter é o novo proprietário de um a das coleções m ais im portantes da história da biologia m olecular, após pagar por ela um a quantia que ronda os três m ilhões de dólares (2,4 m ilhões de euros). O s docum entos foram recopilados por Jerem y N orm an, que dá nom e à coleção, e Al Seckel, da Califórnia. Contém m aterial de Rosalind Franklin38, cujas im agens de raios X deram pistas a Jam es W atson e Francis Crick39 para decifrar, em 1953, a estrutura do D N A, incluída a fam osa foto núm ero 51. Tam bém figura um a versão anterior e m ais escandalosa (com o título H onest Jim) do popular livro de W atson A dupla hélice40, que a editora não se anim ou a publicar até que o autor o dulcificou.

W atson, que não se dá bem com Venter, não o levou a m al, pensando que este ganhou a partida d um grupo de cientistas que tentavam conseguir que a coleção ficasse no Cold Spring H arbor, o laboratório que W atson dirigiu durante m uitos anos e ao qual deu seu legado. Já em 2001, foi W atson quem conseguiu que a poderosa fundação britânica W ellcom e Trust se encarregasse dos papéis de Crick, que faleceu em 2004. Aquela com pra, no valor de 2,4 m ilhões de euros, indicou a alta valoração da biologia

38 Rosalind Franklin: especialista inglesa em difração de raios X. (Nota da IHU On-Line) 39 James Watson: bioquímico estadunidense que, em 1953, com o britânico Francis Crick, descobriu a estrutura de espiral dupla do ácido deoxirribonucleico, o DNA. Watson foi um dos ganhadores do Prêmio Nobel de Medicina, em 1962, com Francis Crick pela descoberta desta estrutura. Os cientistas e sua descoberta foram tema de capa da 62ª edição do IHU On-Line, de 2 de junho de 2003, que teve como título DNA: 50 anos Uma nova gramática dos seres vivos. Também dedicamos a editoria Memória da edição 110, de 9 de agosto de 2004, a Francis Crick, em razão da sua morte. (Nota da IHU On-Line) 40 Rio de Janeiro: Gradiva Publicações, 1981. 211 p. (Nota da IHU On-Line)

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F ilm e d a s em a n a

Os filmes comentados nesta editoria já foram vistos por algum colega do IHU.

H otel R u anda

Ficha Técnica: Nome: Hotel Ruanda Nome original: Hotel Rwanda Origem: África do Sul - EUA – Itália Ano produção: 2004 Gênero: Drama Duração: 122 min Classificação: 14 anos Direção: Terry George Elenco: Don Cheadle, Sophie Okonedo, Nick Nolte, Joaquin Phoenix Sinopse: Paul (Don Cheadle) é um gerente de um hotel em Ruanda que arrisca a sua vida para salvar a vida de centenas de pessoas durante um dos períodos mais conturbados da história de seu país - quando a etnia hutu se volta para o massacre de seus rivais, os tutsis.

N a edição desta sem ana, IH U On-Line destaca o film e H otel Ruanda, de Terry G eorge. Para tanto, reproduzim os dois artigos. O prim eiro é uma crítica escrita por N eusa Barbosa e veiculada no site da Cineweb (www.cineweb.com .br) em 16 de agosto de 2005. O segundo é de autoria de Contardo Calligaris, e foi publicado no jornal Folha de S. Paulo, de 25 de agosto de 2005. Contardo Calligaris é psicanalista e doutor em psicopatologia clínica. D e Contardo Calligaris, publicam os um artigo na edição núm ero 43, de 18 de novem bro de 2002, outro na edição núm ero 38, de 7 de outubro de 2002, um a entrevista feita pelo IH U On-Line na edição núm ero 35, de 16 de setem bro de 2002. Publicam os tam bém ,de Calligaris, A Fantasia do Pedófilo na edição núm ero 33, de 2 de setem bro de 2002. N as edições núm ero 63, de 9 de junho de 2003, e núm ero 78, de 6 de outubro de 2003, reproduzim os outros artigos do autor. Além disso, na edição nº 89, de 12 de janeiro de 2004, na editoria Artigo da Sem ana, transcrevem os o texto, intitulado O governo som os nós, fala sobre o governo Lula. O psicanalista esteve na U nisinos, em 9 de setem bro de 2003, m inistrando a palestra intitulada O que quer o pedófilo? num evento prom ovido pelo IH U e o Laboratório de Filosofia e Psicanálise do PPG em Filosofia do Centro de Ciências H um anas da U nisinos.

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H otel R u anda P or N eu sa B arb osa

Q uando se fala em genocídio, a prim eira idéia Rusesabagina teve até m otivos pessoais para que vem à m ente é o m assacre dos judeus na II em penhar-se na proteção aos tutsis. Afinal, G uerra M undial. Infelizm ente, depois disso, m esm o sendo um hutu, é casado com um a tutsi, vários outros fizeram jus ao nom e e, o que é pior, Tatiana (Sophie O konedo), e pai de três filhos não receberam a devida atenção. U m dos casos com ela. Valeu-lhe tam bém sua habilidade com o m ais escandalosos nesta categoria é o ocorrido em negociador, capaz de obter, com lábia ou suborno, 1994, em Ruanda, entre hutus e tutsis. U m as m ercadorias necessárias ao funcionam ento do m ilhão de pessoas, na esm agadora m aioria tutsis, hotel, depois a própria garantia de que ele não m orreram sob os m achados de seus inim igos seria invadido por tropas tão ávidas de sangue hutus – um a diferença étnica, aliás, totalm ente quanto de dinheiro. artificial, criada pelos colonizadores belgas do país Em nenhum m om ento, o film e m ostra e que teve as conseqüências m ais trágicas. diretam ente os m assacres, m otivo pelo qual o N aquela altura, os países ocidentais apressaram -se diretor Terry G eorge chegou a ser criticado. Ele em retirar seus cidadãos brancos do país em se defendeu, dizendo que não pretendia que a guerra civil, deixando para trás algum as esparsas censura ao film e fosse m uito grande, para que os tropas da O N U que m uito pouco podiam fazer. m ais jovens tam bém pudessem vê-lo. D entro do caos sangrento que m anchou a nação Independente dessa escolha, o cineasta cria cenas africana, um obscuro gerente de hotel, Paul do m ais puro horror – com o num m om ento em Rusesabagina (D on Cheadle), transform ou seu que a van onde está o gerente passa por um a estabelecim ento em cam po de refugiados, estrada coalhada de corpos. conseguindo salvar a vida de m ais de 1.200 M esm o que Rusesabagina esteja no centro da pessoas. narrativa, o film e dá conta de passar a H istória A história de Paul atraiu a atenção de Terry m ais am pla do país, com H m aiúsculo. O pano G eorge, diretor e roteirista irlandês, acostum ado a de fundo deste relato não é outro que não o de um associar seu nom e a em preitadas políticas – com o país tido com o periférico na ordem m undial, M ães em Luta, seu film e de estréia com o diretor, abandonado à própria sorte depois que os e Em N om e do Pai, de Jim Sheridan, no qual colonizadores partiram . A vida de um m ilhão de obteve um a indicação ao O scar pelo roteiro. Ele pessoas pareceu não indignar os altos órgãos dedicou três anos de sua vida para tornar film e a m undiais porque se tratava de africanos, não de história deste africano com um e apolítico, europeus. N o século XXI, em que se alega ter transform ado em herói por circunstâncias superado tantos anacronism os, persiste firm e o absolutam ente extraordinárias. abom inável conceito de cidadão de segunda classe.

“ H otel R u anda” e o espírito de porco da raz ã o P or C ontardo C allig aris

O que você estava fazendo entre abril e junho de crianças foi assassinado. U m a m édia de 10 m il 1994? Para m im , foi um a época sem grandes por dia, a golpes de facão. G raças à estréia do eventos: atendia a m eus pacientes, cuidava de film e (im perdível) H otel Ruanda, de Terry filhos, fam ília e tal. Pois bem , enquanto G eorge, m uito está sendo escrito, nestas sem anas, tocávam os nossa vida, em Ruanda (um pequeno sobre a história do m assacre e suas "causas" país que até então m al sabíam os situar no m apa absurdas. da África) 1 m ilhão de hom ens, m ulheres e

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M as quero apenas pensar no grito das vítim as, vítim as. Preferiram (e seguem preferindo) adotar pedindo ajuda e na nossa capacidade (ou outros traços da razão m oderna, confirm ando o incapacidade) de ouvir e intervir. N o caso de pessim ism o de M ax H orkheim er em Eclipse da Ruanda, a intervenção foi nula: depois do Razão (ed. Centauro). assassinato de dez soldados da força que devia Para a razão m oderna em sua versão cínica, 1) m anter a paz no país, as N ações U nidas não há avaliação objetiva dos atos, ou seja, o que evacuaram os ocidentais e dim inuíram sua im porta não é considerar os efeitos de um ato, presença arm ada até à insignificância. O m aior m as avaliar as m otivações do agente, 2) toda esforço da O N U , durante a crise, consistiu em m otivação é, em últim a instância, interesseira. evitar qualificar os acontecim entos com o Conclusão: a ação é sem pre culpada, pois suas genocídio, pois esse term o teria forçado o "verdadeiras" razões devem ser sórdidas. conselho de segurança a recorrer à força para pôr U m a das conquistas iniciais da razão m oderna foi fim ao m assacre e punir os responsáveis. As a descoberta seguinte: os acontecim entos não se hesitações do m undo inteiro eram confundem com necessidades naturais - atrás com preensíveis: um a expedição m ilitar apropriada deles, sem pre há interesses subjetivos. Essa custaria caro em fundos e vidas. conquista se transform a em m iséria por causa de Agir sem a coragem de encarar baixas seria um a um estranho espírito de porco, que conclui: quem estupidez; a prova já fora feita em 1993: depois se m ete é sem pre sujo, m elhor não se m eter e da m orte de 18 soldados am ericanos em reservar-se assim o direito de berrar, ao m esm o M ogadício (narrada em Falcão N egro em Perigo, tem po, contra a inação dos poderosos ou, caso de Ridley Scott), a O N U , sim plesm ente, voltou eles se atrevam a agir, contra os m otivos para casa, deixando a Som ália nas m ãos de hordas supostam ente abjetos de sua ação. Assim , as de bandidos. O bviam ente, qualquer governo, na tropas brasileiras estão no H aiti para servir à hora de oferecer m eios e tropas, prefere sentir-se política escusa (e fracassada) do Itam araty. legitim ado pela opinião de seu povo: se não pela Im aginar que elas estejam salvando vidas, por voz das m assas, ao m enos pela das elites m ais que seja um fato, seria um conto para boi pensantes. dorm ir. Se houver baixas brasileiras, só ouvirem os Q uando o presidente Clinton, em 1995, críticas à política do governo; nenhum a palavra despachou 20 m il soldados para a Bósnia, sua sobre o grito dos haitianos: será que ninguém decisão era aprovada por apenas 36% da ouve? O s que dizem hoje que H otel Ruanda é população am ericana. N o entanto, m uitos um ato de acusação contra a covardia do O cidente intelectuais e jornalistas am ericanos pressionavam são os m esm os que protestaram contra a o governo: viajavam para a Bósnia, relatavam o intervenção da O tan na Bósnia. O s que se horror e elevavam sua voz pedindo um a indignam porque o O cidente deveria intervir hoje intervenção im ediata. Chegaram a ser cham ados no Sudão gritariam , se a intervenção acontecesse, "bom bardeiros de laptop". O ra, freqüentem ente, que o O cidente está apenas perseguindo seus durante as tragédias dos últim os anos, as elites sinistros desenhos. Para eles, quem age é intelectuais ocidentais se esqueceram daquela vergonhosam ente interesseiro e quem não age é idéia da razão m oderna que diz assim : qualquer um covarde: só eles, que protestam contra os dois, hom em é nosso sem elhante, nosso vizinho. Com saem bem na foto. Essa é a m oral do espírito de isso, recusaram -se a ser porta-vozes do grito das porco da razão m oderna.

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D eu n o s jo rn a is

D eu nos jornais é u m a síntese sem anal das notícias v eicu ladas diariam ente no sítio w w w .u nisinos.b r/ ih u , com piladas pelo Institu to H u m anitas U nisinos (IH U )

O B rasil nã o precisa de presidente, precisa de u m líder, seg u ndo P línio de A rru da S am paio Reconhecendo que está difícil ser petista, Plínio de Arruda Sam paio, candidato a presidente do PT, afirm a que não quer “saber se levou dinheiro para casa, se fez caixinha no serviço. Estou discutindo o fato de se financiar um partido socialista com o dinheiro de em presário. Isso é um escândalo para o socialism o. O utro é o uso do m arketing político. O princípio de um político socialista é dizer aquilo que é preciso para o bem da população, entenda ela ou não. O do m arqueteiro é "não diga nada que o povo não quer ouvir". A afirm ação está na entrevista publicada dia 22-8-05, pelo jornal Folha de S. Paulo. Criticando Lula, Plínio confidencia que chegou a dizer um a vez: “Lula, o Brasil não precisa de um presidente, o Brasil precisa de um líder" - o grande líder nacional, o grande líder popular, um cara que conte para o povo as coisas, um tipo M andela, um tipo G andhi, um tipo D e G aulle... O G andhi não foi nem vereador na Índia”.

O nov o papa inicia seu pontificado em C olô nia, afirm a o jornal Le M onde Q uase um m ilhão de pessoas assistiu, na sem ana passada, a m issa presidida por Bento XVI no fecham ento das Jornadas M undiais da Juventude. Fazendo referência o aum ento da presença dos jovens nos m ovim entos que apresentam a espiritualidade oriental, o papa denunciou a religião que se transform a “em produto de consum o”. Segundo o jornal Le M onde, 22-8-05, os outros m om entos fortes da sua presença em Colônia foram a condenação da Shoah, “um crim e abjeto”, quando fez a visita, sem precedentes, a um a sinagoga e o apelo ao m uçulm anos para se engajarem na luta contra o terrorism o. O papa encontrou-se tam bém com representantes de outras confissões cristãs. As próxim as JM J serão na Austrália, em 2008. M as Bento XVI não disse, com o João Paulo II, “arrivederci”, ou seja, “até logo”, “nos verem os lá!”. A próxim a viagem de Bento XVI deverá ser, segundo o jornal espanhol El País, 22-8-05, para Istam bul, visitando o patriarcado de Constantinopla, que dirige um a com unidade ortodoxa relativam ente pequena m as de grande autoridade m oral na igreja oriental, e líderes m uçulm anos.

E m C olô nia, B ento X V I com eç a a ser ele m esm o “N o curso das Jornadas M undiais da Juventude, em Colônia, Joseph Ratzinger deixou de ser o “sucessor de João Paulo II”. O seu pontificado iniciou, verdadeiram ente, em Colônia. Aí ele se tornou

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Bento XVI”, afirm a G iancarlo Zizola, jornalista especializado nos assuntos do Vaticano, em entrevista publicada dia 22-8-05, no jornal francês Libération. Zizola, juntam ente com Jacques D uquesne acaba de publicar o livro Benoit XVI ou le mystère Ratzinger (Bento XVI ou o m istério Ratzinger) pela editora Le Seuil. O livro faz um balanço dos prim eiros m eses do pontificado de Bento XVI. Em Colônia, segundo Zizola, Bento XVI “apresentou um program a e m ostrou vários sinais significativos de descontinuidade com o seu predecessor. Com um a plataform a teológica bem m ais estruturada, ele se fez o apóstolo do cristianism o interior que rom pe com as m anifestações barrocas de João Paulo II. D esde a sua prim eira m ensagem em Colônia, com o ontem no decorrer da m issa, ele recom endou o retorno a um cristianism o vivido com o um a ‘peregrinação interior’. É um a evolução im portante, ainda m ais relevante por ser enunciada na terra de Lutero. Ao cristianism o de m assa e espetacular de João Paulo II, ele opõe um cristianism o anônim o e m ais pessoal. E o faz no contexto das JM J que são um a invenção de Karol W ojtyla. N este contexto, ele quis, voluntariam ente, m anter um estilo m inim alista, privilegiando o conteúdo ao espetáculo. Eu im agino que para os ‘papa boys’ isso é um traum a”.

B ento X V I m anifesta o desejo inov ador do seu pontificado em C olô nia “Às m argens do Reno, Bento XVI revelou o desejo renovador do seu pontificado. Ele declarou sua adesão aos conceitos do concílio Vaticano II, reafirm ou o desejo de diálogo com a sociedade, de um a Igreja que escuta as aspirações do m undo. Ele tom ou um a direção reform adora bem clara”, afirm a G iancarlo Zizola, na entrevista ao Libération, acim a citada. “Ele tam bém , constata Zizola, reconheceu a falibilidade da Igreja, contrariam ente às esperanças dos conservadores”. Para Zizola, “se se analisa o percurso de Joseph Ratzinger, se percebe um a grande disponibilidade para as m udanças e um a grande flexibilidade de pensam ento. Em Colônia, esta capacidade de abertura se confirm ou plenam ente. O seu discurso parecia ter sido escrito pelo cardeal M artini. Esta é um a derrota para os conservadores, que pensavam utilizar Joseph Ratzinger para voltar atrás. Pelo contrário, Bento XVI, num estilo m uito diferente, acentua as orientações de João Paulo II no que diz respeito ao diálogo com o m undo e com as outras religiões. Podem os esperar surpresas, não tanto nas questões que dizem respeito à sociedade, m as sobre a prim azia e a infalibilidade do soberano pontífice. Espera-se um a reform a da Cúria e do papado. O próxim o sínodo dos bispos poderá ser um a ocasião para dar m ais autonom ia aos episcopados nacionais”. Zizola conclui a entrevista afirm ando que “Bento XVI age dando passos pequenos. Ele im ediatam ente m andou o secretário pessoal de João Paulo II, Stanislaw D ziwisz, para Cracóvia, quando ele queria perm anecer em Rom a. Ele fará m udanças. Com

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vagar. Ele quer m udar, sem destruir. Em Colônia, diante do m undo, Bento XVI tom ou posse do seu pontificado”.

Ju ros elev am dív ida em R $ 1 0 0 ,5 b ilh õ es As declarações do m inistro da Fazenda, Antonio Palocci, de que a política econôm ica não será alterada ou m esm o abrandada pela crise política, levaram calm aria ao m ercado financeiro. Se por um lado, a m anutenção dos “pilares da econom ia”, com o definiu Palocci, reduziu a tensão dos investidores, m ostra-se, do outro, um com ponente m aligno às contas públicas. Resultado divulgado ontem pelo Tesouro N acional m ostra que o endividam ento em títulos cresceu R$ 105 bilhões nos últim os sete m eses. Culpa da política m onetária excessivam ente restritiva adotada pelo Banco Central, que m antém a taxa de juros real no Brasil com o a m aior do m undo. A taxa básica (Selic) corrige m ais da m etade do débito do governo e tem im pacto direto sobre o endividam ento, que em julho atingiu R$ 915,67 bilhões. A notícia é do Jornal do Brasil, 23-8-05. O m ontante representa crescim ento de 1,12% em relação ao m ês anterior, quando a dívida era de R$ 905,51 bilhões. O Tesouro adm ite que o aum ento se deu por conta da apropriação de juros sobre o estoque. Política que, com o assegurou Palocci, será m antida com o aval do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

B rasil g asta R $ 7 b i com o B olsa F am ília e R $ 1 4 0 b i com ju ros de dív ida pú b lica “É um pesadelo saber que o Brasil gastará, neste ano, R$ 7 bilhões com o Bolsa Fam ília, enquanto pagará m ais de R$ 140 bilhões de juros de dívida pública. Pochm ann estim a que 80% desses bilhões se destinem a pouco m ais de 20 m il fam ílias. Tem os o prim eiro lugar m undial em taxa de juros real, com o dobro do segundo colocado. Tanto o superávit espetacular (5% do PIB) com o o déficit nom inal ainda assustador, apenas para os rentistas”. A constatação é do econom ista Carlos Lessa, ex-presidente do BN D ES, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 27-8-05.

S om os a terra prom etida dos b anq u eiros, afirm a indu strial em entrev ista ao Le M onde “A econom ia vai bem . Está m elhor que no início da crise, há três m eses”, constata Eduardo Eugênio G ouvêa Vieira, presidente da Federação da Indústria do Rio de Janeiro – Firjan – em entrevista publicada dia 23-8-05, no jornal francês Le M onde. Segundo o industrial, “as exportações batem recordes e o crescim ento econôm ico será superior às previsões de 4% . M ais ainda. O s investidores estrangeiros nos am am , pois graças às taxas de juros, nós som os a terra prom etida dos banqueiros do m undo inteiro”. Para o presidente da Firjan, “a elite do Brasil quer que o Brasil seja bem gerido, sem

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ideologia. Lula faz isso m uito bem . Ele foi eleito, em 2002, com o apoio das em presas e, até recentem ente, tudo m undo im aginava que seria reeleito no próxim o ano”. Segundo Eduardo G ouvêa Vieira, “Lua fez algo incrível: ele desm istificou o m edo de que um a vez no poder, a esquerda no poder cairia no populism o”. E conclui: “A política econôm ica de Lula é séria e nada indica que ela será m udada”.

M arilena: Lu la rendeu -se à ‘arm adilh a tu cana’ O governo Lula falhou ao se render à “arm adilha tucana” de prom over um a transição com base em im perativos econôm icos e financeiros em vez de fazer logo a reform a tributária, fundam ental para m elhorar a distribuição de renda e viabilizar o Fom e Zero, e a reform a política, essencial para assegurar a governabilidade. Esta foi a análise da filósofa M arilena Chauí, expoente da intelectualidade petista, sobre a crise política ao abrir, ontem à noite, no Consulado da França, o ciclo de debates “O silêncio dos intelectuais”. A notícia é do jornal O Globo, 23- 8-05. Para ela, ao se "assum ir com o transição, e não transform ação, o governo caiu em um a arm adilha tucana de que os petistas não se deram conta". Chauí, criticando o governo Lula, disse que “a prim eira ação, que daria um sentido m ais que sim bólico ao Fom e Zero, seria a reform a tributária. Em vez disso, se fez a reform a da Previdência, que os tucanos não tiveram coragem de fazer. Conheci m uitos tucanos no am biente acadêm ico, e é preciso ficar com dois pés, duas m ãos e a cabeça atrás com o que eles propõem ”. Para M arilena Chauí, “pautada pelas teses da pós-m odernidade, a sociedade contem porânea transform ou a política num a operação de m arketing e o político num produto a ser consum ido pelo eleitor. N este m undo que hoje entendem os com o sociedade do conhecim ento os intelectuais se transform aram em especialistas com receitas de bem -estar a serviço da lógica das em presas. N esse sistem a, quem detém algum conhecim ento com anda os dem ais, e no Brasil isso é acentuado porque o nosso intelectual é herdeiro da autoritária tradição ibérica dos bacharéis e dos poetas de prestígio”.

"E conom ia coloniz ou a política", diz C h ico de O liv eira O sociólogo Francisco de O liveira disse ontem que no Brasil a econom ia colonizou a política e que este é o verdadeiro golpe de Estado que ocorre atualm ente no país. "H á um golpe de Estado perm anente no Brasil, m as não está na política. Está na econom ia. O ritm o que a globalização está im pondo ao Brasil é suicida com a política. Requer um a perm anente adaptação e um a perm anente aceleração que um a econom ia periférica não tem com o acom panhar." A notícia é do jornal Valor, 23-8-05. D e acordo com o sociólogo, que participou de um debate sobre política em São Paulo, há um a superação da econom ia sobre as instituições dem ocráticas que acabam por anular o poder que o voto dos eleitores têm . "A política torna-se

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praticam ente inexistente. A m assa de recursos para investim entos no país não pode ser controlada pela política. Aquilo que o Congresso levou m eses discutindo no O rçam ento, o Banco Central pode, com um a penada, liquidar. É um circuito fechado de consultores privados. A econom ia colonizou a política." O liveira criticou a pouca influência que os Três Poderes têm no direcionam ento da política econôm ica do país. "Podem os verificar a form a com o os poderes republicanos interferem na econom ia. É quase nula. O s diretores são escolhidos pelo Executivo que os subm ete à sabatina no Senado. Antes, tinha o senador Aloizio M ercadante (PT-SP) nessas sabatinas. Ele até encostava lá. M as agora ele defende a autonom ia do Banco Central e restou o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) para questionar."

P ara W all S treet, P alocci é a colu na central do g ov erno Lu la “O m ercado aprecia m ais a ascendência de Palocci sobre o presidente da República do que a própria ortodoxia da política econôm ica. A influência do m inistro, a confiança do presidente em sua palavra, é a garantia de que a política será sem pre ortodoxa. Sem Palocci, em quem Luiz Inácio Lula da Silva vai confiar?” A análise é de Cristiano Rom ero, jornalsita, em artigo publicado dia 24-8-05, no jornal Valor. Segundo ele, “o m inistro da Fazenda é, na sede do poder em Brasília, um defensor solitário da política econôm ica. Fora do núcleo, tam bém está quase só - a honrosa exceção cabe ao m inistro do Planejam ento, Paulo Bernardo, que o apóia e a suas políticas desde sem pre. N o PT, Palocci não tem suporte algum . A devoção que alguns dentro do governo pregam à política econôm ica é falsa, tática. Porque Palocci está firm e no com ando da econom ia com o aval de Lula, não ousam questioná-la diante do chefe”. “Sem Palocci, - escreve Cristiano Rom ero - o contexto m uda radicalm ente. N ão haverá m ais quem defenda a política econôm ica, m esm o que Lula continue abraçando-a com o um a escolha sua. Sobrará no Palácio do Planalto e arredores quem a ataque e defenda um a guinada”. Para o jornalista, "Palocci é im prescindível, porque conjuga qualidades raras. A prim eira é o trânsito político em todas as esferas: no Palácio do Planalto, na base aliada, na oposição. Ele é um político extrem am ente com petente, com grande habilidade, e voltou a confirm ar isso na entrevista de dom ingo", sustenta o econom ista Paulo Lem e, diretor de m ercados em ergentes do banco G oldm an Sachs, em N ova York. "Palocci é sensato, inteligente e tem postura de estadista. A percepção de W all Street é que ele vai além das funções de m inistro. Ele é hoje a coluna central do governo."

A ssem b lé ia C onstitu inte é g olpe, afirm a professor Lenio S treck “Com eça a ganhar corpo a tese da convocação de um a Assem bléia Constituinte exclusiva, encabeçada pelo presidente da O AB nacional, que - para nossa surpresa - diz que a Constituição não serve m ais. A tese representa um golpe, do m esm o m odo que a tese de um a

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Constituinte congressual (defendida pelo PPS). Caso vingue qualquer delas, o Brasil será alvo de chacota. Será a prim eira dem ocracia a fazer um haraquiri. Em 17 anos, passam os por crises econôm icas, reform as constitucionais e um im peachm ent. E na m ais plena norm alidade, com o agora. E tudo isto acontece - com transm issão ao vivo - exatam ente porque existe dem ocracia. Q ue funciona. E funciona porque está assentada em regras constitucionais”. A opinião é de Lenio Luiz Streck, procurador de Justiça e doutor em D ireito, em artigo publicado dia 24-8-05, no jornal Zero H ora. Lenio Luiz Streck é tam bém professor na U nisinos. Para o professor de D ireito, a proposta de um a constituinte é “tão inconstitucional que o porteiro do Suprem o Tribunal a barraria. E m ais não precisa ser dito. Por isto, os republicanos estão convocados para a defesa da Constituição”.

U m W oodstock do perdã o no adeu s ao Irm ã o R og er S ch u tz “Senhor, perdoe, porque ela não sabe o que fez”. A em oção invade, im provisam ente, os seis m il fiéis, presentes, no m eio-dia de 23 de agosto, na igreja da Reconciliação de Taizé, na França, quando o novo responsável pela com unidade ecum ênica, Irm ão Aloísio, pronuncia, com segurança, as palavras de perdão no funeral do Irm ão Roger, fundador da com unidade assassinado por um a senhora rom ena, acom etida de um a doença m ental, na sem ana retrasada. É assim que O razio La Rocca, enviado especial do jornal italiano La Repubblica, narra o funeral do fundador da Com unidade de Taizé, sob o título acim a. A reportagem foi publicada no dia 24-8-05. O pedido de perdão, escreve o jornalista italiano, “o cum e de um happening da paz, de um a W oodstock do perdão iniciada logo depois do assassinato do prior, apunhalado na m esm a igreja da Reconciliação enquanto recitava as vésperas do ofício divino, circundado de crianças e m ilhares de jovens. D urante um a sem ana o corpo do Irm ão Roger foi velado por longas procissões de fiéis. O s funerais foram presididos pelo Irm ão Aloísio, alem ão, prior que sucede o Irm ão Roger e pelo cardeal W alter Kasper, representando Bento XVI. A revista IH U On-Line, da sem ana passada, publicou um am plo artigo sobre a vida e a obra de Roger Schutz, fundador da Com unidade de Taizé. A revista está disponível no sítio www.unisinos.br/ihu

F ra s es d a s em a n a

Tarso G enro "Se tivesse um a votação dentro do partido para escolher quem é o candidato na prévia [à Presidência], o Palocci não seria m eu o candidato". – Tarso G enro, presidente do PT - F olh a de S . P au lo, 2 4 -8- 0 5 .

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"N este m om ento, não saberia dar argum entos (para votar no PT na próxim a eleição)". – Tarso G enro, presidente do P T - V alor, 2 4 -8-0 5 .

A lm a ferida

"O Brasil está com a alm a ferida com o que está acontecendo, m as é bom que isso esteja ocorrendo”. – C h ico B u arq u e, cantor e com positor - O E stado de S . P au lo, 2 4 -8-0 5 .

"Só espero que tudo isso tenha algum proveito e não provoque apenas a alegria raivosa de quem não votou nele”. - C h ico B u arq u e, cantor e com positor - O E stado de S . P au lo, 2 4 -8-0 5 .

A leg ria raiv osa da direita

“Estou é encantado porque a gente vai se ver livre desta raça, por, pelo m enos, 30 anos”. – Jorg e B ornh au sen, presidente do P F L, referindo-se ao P T - O G lob o, 2 7 -8-0 5 .

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ev en to s

A E scola da B iom assa e o C apitalism o V ideofinanceiro C olonial P o r G ilb e rto F e lis b e rto V a s co nce llo s

A e s co la d a b io m a s s a e o ca p ita lis m o v id e o fina nce iro co lo nia l s e rá o te m a d o e v e nto IH U Id é ia s d o p ró x im o d ia 1 º d e s e te m b ro , a s e r co nd u z id o p e lo P ro f. D r. G ilb e rto V a s co nce llo s , q u e é p ro fe s s o r no D e p a rta m e nto d e C iê ncia s S o cia is d a Univ e rs id a d e F e d e ra l d e Ju iz d e F o ra , d e M ina s G e ra is . S o ció lo g o p e la US P , e le é d o u to r e m S o cio lo g ia p e la m e s m a u niv e rs id a d e co m te s e intitu la d a Id e o lo g ia C u ru p ira , e p ó s -d o u to r p e la É co le P ra tiq u e D e s Ha u te s É tu d e s (E P HE ), F ra nç a . É a u to r d e d iv e rs o s liv ro s , e ntre e le s : O P rín c ip e d a M o ed a . R io d e Ja ne iro : E s p a ç o e T e m p o , 1 9 9 7 ; O P o d er d o s T ró p ic o s . S ã o P a u lo : C a s a A m a re la , 1 9 9 9 e A s a lv a ç ã o d a la v o u ra : rec eita d a fa rtu ra p a ra o p o v o b ra s ileiro . S ã o P a u lo : C a s a A m a re la , 2 0 0 2 . G ilb e rto V a s co nce llo s p a rticip o u d o S em in á rio N a c io n a l A E ra V a rg a s em Q u es tã o 1 9 5 4 – 2 0 0 4 , re a liz a d o d e 2 3 a 2 5 d e a g o s to d e 2 0 0 4 , na Unis ino s , m inis tra nd o a co nfe rê ncia G e tú lio V a rg a s e a re v o lu ç ã o b ra s ile ira . N e s s a o ca s iã o , e le co nce d e u u m a e ntre v is ta à IH U On -L in e nú m e ro 1 1 2 , d e 2 3 d e a g o s to d e 2 0 0 5 . O a rtig o q u e s e g u e , fo i e la b o ra d o p e lo p ro fe s s o r e s p e cia lm e nte p a ra a IH U On -L in e, co m e nta nd o o te m a d a p a le s tra q u e a p re s e nta rá no e v e nto d a p ró x im a q u inta -fe ira . E le ta m b é m s e rá re s p o ns á v e l p o r co nd u z ir a ta rd e d e e s tu d o s o b re a o b ra d e Lu ís C â m a ra C a s cu d o no III C ic lo d e E s tu d o s s o b re o B ra s il, no m e s m o d ia . S o b re e s s e te m a , co nfira ne s ta e d iç ã o u m a e ntre v is ta co m o p ro fe s s o r V a s co nce llo s .

É preciso explicar que, por escola da Biom assa: bio= vida, m assa= volum e. É a biom assa, designo (tal com o se diz da escola energia concentrada nas plantas (cana-de- de Frankfurt, da escola de Chicago) o açúcar, m andioca, dendê, babaçu), de onde se pensam ento sobre a energia vegetal e a extrai o com bustível que irá, necessariam ente, tecnologia autóctone, elaborado pelos substituir o petróleo, o qual é fóssil, finito e cientistas brasileiros J.W . Bautista Vidal41 e poluente, enquanto os derivados da biom assa M arcelo G uim arães42. são renováveis e lim pos.

41 José Walter Bautista Vidal: engenheiro baiano, com pós-graduação em Física pela Universidade de Stanford Amarela, São Paulo: 1998 e Brasil, civilização suicida. (EUA). Foi professor universitário, secretário de Estado Brasília: Nação do Sol, 2000. IHU On-Line entrevistou de Ciência e Tecnologia, secretário de Tecnologia Bautista Vidal na 67ª edição, de 7 de julho de 2003. Na Industrial e principal implementador do Programa próxima edição de nossa revista semanal, confira uma Nacional do Álcool. Atualmente, vive em Brasília e entrevista exclusiva com professor. (Nota da IHU On- presta consultoria a diversos organismos internacionais Line) e nacionais. É autor de numerosos livros, entre os quais 42 Marcelo Guimarães de Mello: geólogo mineiro citamos Poder dos Trópicos - Meditação sobre a considerado o herdeiro de João Guimarães Rosa na alienação energética na cultura brasileira. Casa geologia. (Nota da IHU On-Line)

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Existe tam bém a lenha, a biom assa florestal, incidência solar e da abundância de água além do carvão vegetal, ou seja, trata-se de doce. um arco energético sólido, gasoso e líquido. O capitalism o videofinanceiro é o atual Isso quer dizer o seguinte: tudo, estágio do im perialism o em que se conjuga a absolutam ente tudo o que se faz na indústria televisão e o capital especulativo do banco. e transporte com petróleo e petroquím ica, Esse enclave econôm ico, operado pelo pode ser feito – e m elhor – com o álcool e os com bustível fóssil, coloca enorm es obstáculos óleos vegetais, ou seja, a álcoolquím ica. à utilização soberana e popular da biom assa A questão energética e tecnológica relaciona- energética por parte dos países dos trópicos. se à geografia, ao território, enfim , à política, O Brasil é o m aior país tropical. O s governos, porque a energia vegetal é rica nos trópicos, e inclusive o atual, ficam atados, de braços não nos países hegem ônicos que tiveram cruzados diante da possibilidade de se erguer petróleo ou foram buscá-lo na terra dos aqui um a bela e solidária civilização dos outros. trópicos, e não m eram ente nos trópicos. Então, o que se delineia neste século XX é M oral da história: o capitalism o que o H em isfério N orte está na penúria videofinanceiro colonial im pede que o objeto energética, assistindo ao acaso do petróleo e à de estudo da escola da biom assa floresça. O interdição ecológica de se usar o poluente pior é que os intelectuais e as universidades, carvão m ineral, enquanto o trópico detém a ao invés de se aperceberem do espaço e tem po fonte eterna do futuro energético por causa da tropicais, reproduzem a decrépita ideologia do im perialism o fóssil.

C onfira a prog ram aç ã o do IH U Idé ias para o m ê s de setem b ro

08 de setem bro - "Inteligência Artificial: desafios contem porâneos da robótica" – Prof. M S Farlei Jose H einen - U nisinos 15 de setem bro - "N ovos serviços utilizando tecnologias da inform ação: oportunidades para o Brasil" - Prof. D r. Paulo Bastos Tigre - U FRJ/RJ 22 de setem bro - “Ética e sentim entos m orais” - Prof. D r. Thom as Kesselring - U niversidade de Berna – Suíça 29 de setem bro - “Religião e Juventude”- Prof.ª D r.ª Léa Freitas Perez – U FM G

A ciê ncia do pov o b rasileiro. A ob ra de C â m ara C ascu do E ntre v is ta co m G ilb e rto V a s co nce llo s

O professor D r. G ilberto Vasconcellos, do D epartam ento de Ciências Sociais da U niversidade Federal de Juiz de Fora, de M inas G erais será o responsável pela apresentação do tem a A ciência do povo brasileiro, tendo com o base a obra de Luís da Câm ara Cascudo. O evento acontecerá na próxim a quinta-feira, dia 1º de setem bro,

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das 14h às 17h, na sala 1G 119, junto ao IH U . Confira m ais inform ações sobre o professor na nota sobre o evento IH U Idéias, nesta edição. A entrevista que segue aproxim a os leitores do tem a que será discutido no evento de quinta-feira à tarde, e foi concedida por e-m ail, na últim a sem ana.

IHU On-Line - É d ifícil nã o s e le m b ra r d e G ilb erto V asconcellos – O jornalism o Lu ís d a C â m a ra C a s cu d o q u a nd o o a s s u nto não vê nada. Cascudo passou em brancas é “ co s tu m e s b ra s ile iro s ” . Q u a l o p rincip a l nuvens pelo jornalism o, pelas ciências le g a d o d e s te a u to r co ns id e ra d o u m a s d a s hum anas e pela filosofia tam bém . Q uantas m a io re s a u to rid a d e s e m fo lclo re na cio na l? teses já foram escritas sobre M ário de G ilb erto V asconcellos – O m aior legado Andrade? N enhum a sobre o Cascudo! de Cascudo é a investigação sobre a cultura Loucura, H orácio, Loucura! do povo brasileiro. São 150 livros. U m m elhor do que o outro. N enhum chute. IHU On-Line - Q u a is e ra m a s té cnica s q u e N enhum im proviso. Tudo rigorosam ente o p ro fe s s o r C a s cu d o u tiliz a v a p a ra científico, escrito num estilo sublim e, aliás é o e s ta b e le ce r co m p a ra ç õ e s e re u nir no v a s m elhor escritor das ciências hum anas. info rm a ç õ e s s o b re h á b ito s e co s tu m e s d o p o v o b ra s ile iro ? IHU On-Line - Q u e ca ra cte rís tica s G ilb erto V asconcellos – As técnicas são co m p õ e m a “ ciê ncia b ra s ile ira ” ? várias: desde a capacidade de ouvir o povo, G ilb erto V asconcellos – N ão há ciência 60% aprendendo ouvindo, o restante lendo. brasileira. Ciência é universal. O que há são D otado de ouvido excepcional, ouviu o desejo especificidades nossas. Lem bro o velho do povo, tal qual H eitor Villa-Lobos, am bos Cascudão que dizia que todo m undo tem am igos, sendo Cascudo “pianeiro”, tocador coração, m as o ritm o cardíaco é diferente em de piano de ouvido. Trouxe com parações de cada um . costum es de vários lugares, por exem plo; a dança de M oçam bique não existe em IHU On-Line - C o m o é p o s s ív e l q u e e le M oçam bique, o gosto de dar bananas com o te nh a s id o o ú nico e s tu d io s o e m s u a gesto obsceno, beijar o chão, a m ulher, a e s p e cia lid a d e co m u m a v is ã o v e rd a d e ira criança. Trocou correspondência e aprendeu d e no s s o fo lclo re , m e s m o te nd o v iv id o p o r na universidade da vida. Ele dizia que não q u a s e no v e d é ca d a s , s o m e nte no R io tinha m étodo, m as escreveu um alentado G ra nd e d o N o rte ? volum e Civilização e Cultura com 600 G ilb erto V asconcellos – Cascudo viajou páginas. M anejou as análises antropológicas por todos os lugares e, aí m esm o no Rio do difusionism o, do paralelism o e do G rande do Sul, publicou um livro sobre estruturalism o. Escreveu que, na jangada do D ante. M agnífico! Tinha vários am igos nordestino, havia 3 traves atadas entre si. gaúchos. Correspondia com D eus e o m undo. IHU On-Line - Q u a is a s m a io re s Sabia escrever carta com o ninguém , nem o co ntrib u iç õ e s d a s o b ra s D icio ná rio d o Pe. Antônio Vieira chega perto. F o lclo re B ra s ile iro , A nto lo g ia d o F o lclo re B ra s ile iro e C o nto s T ra d icio na is d o B ra s il. O IHU On-Line - E co m o o jo rna lis m o o v ê s e nh o r d e s ta ca ria m a is a lg u m liv ro d a s 1 6 0 co m o o p rim e iro jo rna lis ta a e s cre v e r o b ra s d e C â m a ra C a s cu d o q u e te nh a u m crô nica s s o b re m a nife s -ta ç õ e s p o p u la re s ? im p o rta nte p a p e l na d e s criç ã o e co ns tru ç ã o d a “ ciê ncia b ra s ile ira ” ?

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G ilb erto V asconcellos – Tudo do G ilb erto V asconcellos – Cascudo ainda Cascudo é bom . Q ualquer livro. D e H istória está no ostracism o em sua própria terra, de de M ossoró a Anúbis e O utros Ensaios. m odo que ele não influenciou o povo. N a Existe o livro de sua lavra, cham ado Tradição verdade, foi o povo quem o influenciou. Era Ciência do Povo, a m ais im portante preciso a iniciativa editorial de um Che interpretação da cultura brasileira. N ele se G uevara para publicar a obra do m estre à destaca o ensaio acerca da superstição que não m aneira de D om Q uixote em Cuba. A tem equivalente intelectual no m undo esperança talvez esteja em H ugo Chavez na civilizado. Em piricam ente, o povo não Venezuela, traduzindo a obra com pleta do sobrevive se não na obra de Luís da Câm ara m estre, Von Kaskudo. Cascudo. IHU On-Line - O s e nh o r g o s ta ria d e a cre s ce nta r m a is a lg u m co m e ntá rio s o b re IHU On-Line - O no m e d e C â m a ra C a s cu d o o te m a ? s e to rno u u m a le g e nd a no e s tu d o d o G ilb erto V asconcellos – N ão digo nada, s a b e r d o p o v o . D e q u e fo rm a o p o v o nem m e foi perguntado. Às vezes, Luís da b ra s ile iro h o je é influ e ncia d o p e la s o b ra s Câm ara Cascudo term inava assim quando d e s s e a u to r? estava a fim de por um ponto final em seus textos.

A ec les io lo g ia d o C o n c ílio V a tic a n o II

M ais um a edição do Ciclo de Estudos Concílio Vaticano II foi realizada no últim o dia 25 de agosto de 2005. N a ocasião, o padre Cleto Calim an falou sobre os avanços e im passes atuais da eclesiologia do Concílio Vaticano II. Ele analisou um dos grandes docum entos em anados do Concílio Vaticano II, a Lumen Gentium (Luz dos Povos). Sobre os 40 anos desse docum ento, IH U On-Line entrevistou, na m atéria de capa da 124ª edição, de 22 de novem bro de 2004, D om Aloísio Lorscheider, D om Boaventura Kloppenburg, Álvaro Barreiro, Ronaldo M uñoz e o próprio Calim an. Cleto Calim an, padre salesiano, é professor no Centro de Estudos Superiores da Com panhia de Jesus, de Belo H orizonte. Ele concedeu um a entrevista à IH U On-Line na 152ª edição, de 22 de agosto de 2005, sobre o tem a do evento que apresentou na sem ana passada. A próxim a etapa do evento, que terá com o tem a O Concílio Vaticano II e as novas hermenêuticas bíblicas, acontecerá dia 25 de agosto. A palestra será m inistrada pela professora doutora Lúcia W eiler, da ESTEF, Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana.

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C ic lo d e E s tu d o s R ep en s a n d o o s C lá s s ic o s d a E c o n o m ia

E ntrev ista com A ch y les B arcelos

Professor titular no Centro de Ciências Econôm icas da U nisinos, o Prof. Achyles Barcelos da Costa é m estre em Econom ia pela U niversidade Federal do Rio G rande do Sul (U FRG S) e doutor em Econom ia pela U niversidade Federal do Rio de Janeiro (U FRJ). Ele apresentará o tem a D esenvolvimento econômico no capitalismo: a visão de Schumpeter no Ciclo de Estudos Repensando os Clássicos da Economia, no próximo dia 31 de agosto, das 19h30m in às 21h30m in, na Livraria Cultura, em Porto Alegre. Joseph Alois Schum peter (1883 –1950) foi um dos m ais im portantes econom istas do século XX. N asceu na cidade de Triesch, (à época, parte do Im pério Austro-H úngaro, atualm ente na República Checa), em 1883, no m esm o ano da m orte de Karl M arx e do nascim ento de John M aynard Keynes. Com eçou a lecionar Antropologia em 1909, na U niversidade de Czernovitz (hoje na U crânia) e, três anos m ais tarde, na U niversidade de G raz. Em m arço de 1919, assum iu o posto de m inistro das Finanças da República Austríaca, perm anecendo por poucos m eses nesta função. Em seguida, assum iu a presidência de um banco privado, o Biderm annbank de Viena, que faliu em 1924. A experiência custou a Schum peter toda a sua fortuna pessoal e deixou-o endividado por alguns anos. D epois desta passagem desastrosa pela adm inistração pública e pelo setor privado, decidiu voltar a lecionar, desta vez na U niversidade de Bonn, Alem anha, de 1925 a 1932. Com a ascensão do nazism o, teve que deixar a Europa, e viajou pelos Estados U nidos e pelo Japão, m udando-se, em 1932, para Cam bridge (M assachusetts, EU A), onde assum iu função de docente na U niversidade de H arvard. Perm aneceu lá até sua m orte em 8 de janeiro de 1950. Schum peter não era considerado pelos alunos um professor m uito bom , pois costum ava resum ir m uita coisa a cada palestra; porém , adquiriu vários leais seguidores. O m esm o tem a será apresentado na U nisinos, dia 15 de setem bro, pelo professor Paulo Bastos Tigre, da U niversidade Federal do Rio de Janeiro. A entrevista que segue foi concedida pelo professor Achyles, por e-m ail, na últim a sem ana. N ela, ele adianta os cam inhos que irá percorrer em sua explanação da próxim a quarta-feira. Tam bém no intuito de m elhor em basar a tem ática do evento, traduzim os e publicam os, após a entrevista do professor Achyles, um artigo sobre Joseph Schum peter, de autoria de G illes D ostaler, publicado na revista Alternatives Economiques, de janeiro de 2004.

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IHU On-Line - Q u a is a s m a io re s tecnologias de base m icroeletrônica, bem co ntrib u iç õ e s d e S ch u m p e te r p a ra a com o a com preensão do código genético, que E co no m ia ? perm ite ao hom em influir no próprio A ch y les B arcelos - Joseph Alois desenvolvim ento da vida, m odificam as Schum peter (1883-1950) foi um pensador relações sociais e a própria m aneira que os original e criativo, deixando sua m arca na hom ens produzem sua vida m aterial. história do pensam ento econôm ico. O s seus Schum peter nos fornece um instrum ental estudos buscam desvendar a dinâm ica teórico de m odo que possam os com preender daqueles elem entos caracteristicam ente esses fenôm enos de m aneira organizada. econôm icos do capitalism o. Enxerga esse m odo de produção, m ovendo-se por m eio de IHU On-Line - E m q u e s e ntid o o rupturas e desequilíbrios. O u seja, para ele, o p e ns a m e nto d e S ch u m p e te r p o d e a ju d a r a fato observável na sociedade capitalista de que co m p re e nd e r a s itu a ç ã o s o cio e co nô m ica esse sistem a evolui econom icam ente de b ra s ile ira a tu a l? m aneira cíclica, alternando períodos de A ch y les B arcelos - As idéias de desaceleração e de prosperidade, tem com o Schum peter têm um caráter de causa m ovim entos oriundos em seu próprio universalidade, aplicando-se a diferentes interior. O s fatores básicos que geram essas form ações econôm icas capitalistas. Em bora, m udanças são o que ele cham ou de “novas com o se disse na resposta anterior, nem tudo com binações”, ou inovações (novos produtos, possa ser reduzido à ação do progresso novos processos, etc.). Schum peter colocou, técnico, a econom ia brasileira carece, ainda assim , o progresso técnico no centro da hoje, de dom ínio tecnológico, m ostrando-se análise para se com preender o lim itada na geração, adaptação e difusão de desenvolvim ento econôm ico. novos conhecim entos, fatores esses fundam entais no processo de IHU On-Line - C o m o o p e ns a m e nto d e s s e desenvolvim ento econôm ico na ótica de e co no m is ta p o d e a ju d a r a co m p re e nd e r a Schum peter. Em um m undo em que a s o cie d a d e co nte m p o râ ne a ? produção de novos conhecim entos é o m otor A ch y les B arcelos - A sociedade da geração de riquezas, o Brasil encontra-se contem porânea vem passando por profundas em um a posição retardatária. Essa situação transform ações, particularm ente a partir do explica, em parte, o porquê de sua inserção últim o quartel do século XX. N o cerne sem m aior expressão na divisão internacional dessas m odificações, sem dúvida algum a, do trabalho. encontra-se o estabelecim ento de um novo paradigm a tecnológico, associado às IHU On-Line - S ch u m p e te r nã o a cre d ita v a inovações da cham ada III Revolução no fu tu ro d o ca p ita lis m o , p e ns a nd o q u e o Industrial. Em bora não se pretenda um m e s m o e s ta v a e s p e cia lm e nte a m e a ç a d o p e lo d e s a p a re cim e nto d o s e m p re s á rio s . reducionism o tecnológico, o desenvolvim ento E m b o ra s u a co nclu s ã o nã o s e te nh a e a difusão de tecnologias de inform ação e v e rifica d o , p o r q u e é tã o inte re s s a nte com unicação, os avanços na área da a na lis á -la ? biotecnologia e o surgim ento de novos m ateriais têm im pactado a sociedade em A ch y les B arcelos - D esde logo, convém variadas dim ensões, m esm o que sublinhar que Schum peter não estabeleceu im pressionisticam ente percebem -se os efeitos um lim ite tem poral para a vigência desse que essas inovações têm no dia-a-dia das sistem a de produção. A proposição do “fim pessoas. O com putador, a Internet e outras da história” deve ser considerada apenas

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com o um a hipótese, e não com o um fato interessante m encionar esse ponto, pois consum ado. Schum peter chega à conclusão Schum peter não se considerava m arxista nem de que o ocaso do capitalism o deriva de sua nutria sim patias pelo socialism o. A sua análise teórica, assim com o fez M arx43. conclusão sobre a tendência do sistem a ao Schum peter tinha plena consciência das socialism o era resultado de análise, e não de lim itações dos prognósticos. Entretanto, desejos ou fé. D aí sua concordância com segundo ele, para não enveredar em profecia, M arx, a quem adm irava com o intelectual. é preciso ter presente fatos e argum entos. Contudo, essa concordância sobre o fim do Afirm ava que a análise econôm ica nos indica capitalism o era apenas quanto ao resultado, apenas tendências de algo que se observa hoje não em relação às causas. Essas, para ele, e, a partir daí, o que aconteceria no futuro eram decorrentes das virtudes do sistem a e caso essas tendências perm anecessem . O não de suas contradições com o afirm ava futuro em si, obviam ente, é incerto, m as isso M arx. Em relação à teoria neoclássica, não significa que sobre ele nada possa ser Schum peter a considerava inadequada para dito. É por isso, entre outros m otivos, que interpretar o desenvolvim ento econôm ico, estudar Schum peter continua sendo atual. dada a sua natureza estática e de equilíbrio. Tinha Leon W alras44 em alta conta, m as IHU On-Line - S ch u m p e te r e x tra iu avaliava que o seu sistem a de análise não e le m e nto s d a s v is õ e s m a rx is ta , explicava as m udanças econôm icas. ne o clá s s ica , w a lra s ia na ca m b rid g e a na , Schum peter possuía vasto conhecim ento e p a ra co ns tru ir u m a s ínte s e o rig ina l e procurava estar a par dos assuntos sobre e v o lu cio ná ria , ch a m a d a “ s ch u m p e te ria na ” . Econom ia. Isso transparece em sua H istória C o m o s e ria e s s a s ínte s e ? da Análise Econôm ica, publicada A ch y les B arcelos - A originalidade da obra postum am ente em 1954. de Schum peter não está na síntese que, porventura, tenha feito com outras IHU On-Line - D e q u e fo rm a o s e nh o r v ê contribuições, m as em desenvolvim entos S ch u m p e te r co m o p rá tico d a próprios. Isso não significa afirm ar que tenha tra ns d is cip lina rid a d e , le v a nd o e m co nta sido refratário às idéias de outros analistas. q u e e le co ns id e ra v a d e v e r a a ná lis e Schum peter, com o pensador sério, e co nô m ica s e r e s tre ita m e nte lig a d a a concordava ou discordava de outros autores o u tra s d is cip lina s , ta is co m o a h is tó ria , a não por ideologia, m as naquilo que suas s o cio lo g ia , a p s ico lo g ia e a te o ria p o lítica , teorias ajudavam na com preensão da co ntrib u ind o , e le m e s m o , co m v á rio s realidade. É o caso em relação a M arx. ca m p o s d o s a b e r? Estudou a obra de M arx, procurando A ch y les B arcelos - Indubitavelm ente, estabelecer os seus lim ites e alcances. É Schum peter transitou por diferentes áreas do

44 Léon Walras (1834-1910): economista e engenheiro, 43 Karl Heinrich Marx (1818 – 1883): filósofo, cientista fundador da Escola de Lausanne, base do social, economista, historiador e revolucionário alemão, neoliberalismo. Criou as teorias do equilíbrio um dos pensadores que exerceram maior influência econômico. Fundou a economia pura, refletindo sobre sobre o pensamento social e sobre os destinos da um modelo ideal, matematicamente determinado, humanidade no século XX. Marx foi estudado no I estabelecendo conceitos como os de monopólio, Ciclo de Estudos Repensando os Clássicos da oligopólio e concorrência perfeita. O equilíbrio geral Economia. A palestra A Utopia de um novo paradigma consegue-se por meio de uma concorrência sem para a economia foi proferida pela Profª Drª Leda restrições, obtendo-se uma espécie de regresso à ordem Maria Paulani, no último dia 23 de junho. O Caderno imutável. Substituiu a noção de causa pela de função. IHU Idéias, edição número 41, teve como tema "A Escreveu Éléments d’Économie Politique Pure (1874) (anti)filosofia de Karl Marx", com artigo de autoria da e Théorie Mathématique de la Richêsse Social (1883). mesma professora. (Nota da IHU On-Line). (Nota da IHU On-Line).

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conhecim ento, sabendo retirar ensinam entos de distintas disciplinas. Capitalism o, IHU On-Line - Q u e te o ria s e co nô m ica s Socialism o e D em ocracia45 talvez seja a sua co nte m p o râ ne a s s e ins p ira m e m obra em que apareça de m aneira m ais clara a S ch u m p e te r? articulação dessas fontes de conhecim ento. A ch y les B arcelos - M odernam ente, tem se Ali, conceitos de econom ia são m esclados difundido um a corrente de pensam ento com categorias analíticas retiradas da econôm ico que tem em Schum peter a sua sociologia, da política e de outras disciplinas fonte de inspiração: são os cham ados para com preender a trajetória do capitalism o. “neoschum peterianos”, ou evolucionários. O Assim , para ele, um bom econom ista deveria que esses econom istas buscam fazer é teorizar não só ter dom ínio de teoria econôm ica, m as o progresso técnico, ou seja, encontrar os tam bém fazer uso de instrum ental determ inantes econôm icos dessa fonte de m atem ático-estatístico e conhecer história. “destruição criadora”, para usar a expressão de Schum peter. IHU On-Line - A a ná lis e d a m o e d a e d o cré d ito co ns titu i u m a co ntrib u iç ã o ce ntra l d a o b ra d e S ch u m p e te r. C o m o is s o a p a re ce na s u a o b ra e no s e u le g a d o ? A ch y les B arcelos - D e fato, o crédito desem penha para Schum peter um papel central no desenvolvim ento econôm ico. À sem elhança de Keynes46, para ele a parcim ônia não era a fonte dos recursos utilizados no financiam ento. O capitalism o funciona endividado. O s bancos desem penham papel relevante no sistem a em sua tarefa de criar poder de com pra e carrear esses recursos para investim entos em “novas com binações”. O excedente, gerado por esses investim entos, é que vai sacram entar ex post aquele poder de com pra criado ex ante. Essa é um a abordagem não trivial, contrastando com o pensam ento convencional e de senso com um .

45 SCHUMPETER, J. Capitalismo, socialismo e democracia. Rio de Janeiro: Zahar, 1984. (Nota da IHU On-Line) 46 John Maynard Keynes (1883-1946): economista e financista britânico. Sua Teoria geral do emprego, do juro e do dinheiro (1936) é uma das obras mais importantes da economia. Esse livro transformou a teoria e a política econômicas, e ainda hoje serve de base à política econômica da maioria dos países não- comunistas. De Keynes, publicamos um artigo e uma entrevista na 139ª edição, de 2 de maio de 2005, outra entrevista na 144ª edição, de 6 de junho de 2005, dois artigos na 145ª edição, de 13 de junho de 2005, e um artigo no Cadernos IHU Idéias número 37, de 2005. (Nota da IHU On-Line)

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Joseph S ch u m peter ou a dinâ m ica do capitalism o O artigo que segue, por nós traduzido, foi publicado na revista Alternatives Économ iques, nº 221, janeiro de 2004. O autor é G illes D ostaler, historiador de econom ia e professor na U niversidade de Q uébec, em M ontreal, Canadá, e tam bém colaborador da revista Alternatives Économ iques. Publicou recentem ente o livro Keynes et ses com bats (ed. Albin M ichel), sobre o qual reproduzim os um a entrevista na 144ª edição, de 6 de junho de 2005. Sua especialidade é a história do pensam ento econôm ico, sobre a qual já publicou um a dezena de livros e num erosos artigos. D e G illes D ostaler tam bém publicam os quatro artigos, um sobre M althus e um sobre D avid Ricardo, na 138ª edição, de 25 de abril de 2005, outro sobre Keynes, na 145ª edição, de 13 de junho de 2005, e outro sobre Veblen, na 151ª edição, de 15 de agosto de 2005. Para ele, Joseph Schum peter, que pôs em evidência o papel do em presário, estava convencido de que o capitalism o estava condenado.

Joseph Schum peter é um personagem Keynes49, ao qual ele se assem elhava sob m ais com plexo e contraditório. Conservador e de um aspecto, de lhe haver, por duas vezes, elitista, ele se uniu aos seus am igos m arxistas tirado o chão de seus pés com seu Treatise on no seio da Com issão de socialização alem ã e M oney e sua Teoria geral. se tornou, por pouco tem po, m inistro das N ão se pode classificar em nenhum a teoria Finanças de um governo de m aioria social- este pensador, a quem repugnava a idéia de dem ocrata. Personalidade ardente, am ante do organizar um a escola em econom ia. Form ado luxo, provocador e “enfant terrible”, com o ele pelos econom istas da Escola austríaca, ele era m esm o se descrevia, ele estava sujeito a considerado por estes últim os, de m aneira períodos de depressão profunda. Q uando justa, com o um dissidente. Adm irador de banqueiro, contraiu um a enorm e dívida, que M ax W eber50, ele era crítico quanto à durou um a boa parte de sua vida. Ele tinha o aproxim ação neoclássica, tanto walrasiense hábito de dizer aos seus alunos am ericanos quanto cam bridgeana, sem , no entanto, aderir que, sendo jovem , ele decidira tornar-se o ao institucionalism o ou ao m arxism o. N a m elhor am ante da Áustria, o m elhor realidade, ele extraiu elem entos de todas essas cavalheiro da Europa e o m aior econom ista do m undo, acrescentando que ele falhara no 49 Conferir nota de rodapé anterior. (Nota da IHU On- segundo objetivo. H ostil ao intervencionism o Line) 50 keynesiano e ao N ew D eal47 de Roosevelt, ele, Maximillion Weber (1864-1920): sociólogo alemão, considerado um dos fundadores da Sociologia. Ética ao m esm o tem po, estava convencido de que o protestante e o espírito do capitalismo é uma das suas capitalism o estava condenado e que o mais conhecidas e importantes obras. A edição socialism o venceria. D urante sua vida, ele brasileira mais recente foi publicada em 2004, pela Companhia das Letras, Rio de Janeiro. Com o título m anteve com M arx, que ele considerava, com Max Weber: a ética protestante e o “espírito” do W alras48, com o o m aior econom ista, um a capitalismo. Cem anos depois, a IHU On-Line relação de am or e ódio. Ele censurava dedicou-lhe a sua 101ª edição,de 17-05-2004. De Max Weber o IHU publicou o Cadernos IHU Em Formação nº 3, 2005, chamado Max Weber – o 47 New Deal: nome dado às reformas executadas por espírito do capitalismo. Em 10 de novembro de 2005, Roosevelt nos EUA., a partir de 1933, que consagrava o professor Antônio Flávio Pierucci ministrará a certa intervenção do Estado nos domínios econômico e conferência de encerramento do I Ciclo de Estudos social. (Nota da IHU On-Line) Repensando os Clássicos da Economia, promovido 48 Conferir nota de rodapé anterior. (Nota da IHU On- pelo IHU, intitulada Relações e implicações da ética Line) protestante para o capitalismo. (Nota da IHU On-Line)

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visões, para construir um a síntese original, banqueiro. O em presário desem penha o papel que se qualifica, por vezes, de principal nessa peça. Ele não é um agente “schum peteriana” ou ainda, de evolucionária. racional que calcula custos e benefícios. Ele é Ele considerava que a análise econôm ica um personagem am bicioso, enérgico, devia ser estreitam ente ligada a outras inteligente, m as m ovido por seus im pulsos, disciplinas, tais com o a história, a sociologia, a egocêntrico, com freqüência não-conform ista. psicologia e a teoria política. Ele m esm o É ele que capta as oportunidades, gera as contribuiu com vários cam pos do saber. Ele inovações e as transform a em investim entos. foi um dos m aiores historiadores das idéias Ele não pode, todavia, chegar até aí sozinho. econôm icas. Ele com eçou sua carreira com A poupança previam ente realizada jam ais trabalhos neste tem a e a term inou com um pode bastar para financiar os novos tom o de erudição, inacabado, de m ais de m il investim entos. O crédito é essencial. Este páginas densas, a H istória da análise econômica, crédito é um a criação ex nihilo de m oeda pelo referência incontornável. banco. O banqueiro, com base na confiança que ele concede ao em presário, lhe avança os Inovação, em presário e crédito fundos necessários para realizar os seus Schum peter adm ira esse edifício intelectual projetos. Ele será rem unerado pelo juro, que im pressionante, que é a teoria do equilíbrio constitui um a punção sobre o lucro. A m oeda geral de W alras, m as ele lhe censura ser efetua, assim , um circuito, do qual o banco é incapaz de dar conta do m ovim ento do o ponto de partida. A análise da m oeda e do capitalism o, de seu crescim ento e de sua crédito constitui um a contribuição central da evolução. A Teoria da evolução econômica, que obra de Schum peter. N os anos 1920, ele ele publica aos 28 anos, visa a cobrir essa assum iu a redação dum tratado sobre a lacuna. O investim ento ocupa um lugar m oeda que ele jam ais concluiu, entre outras central na m ecânica do capitalism o. razões porque Keynes se lhe antepôs com o Schum peter distingue um investim ento seu Treatise on M oney [Tratado sobre o induzido, que depende de lucros realizados dinheiro]. L’essence de la monnaie (D as W esen anteriorm ente, de um investim ento des Geldes) [A essência da m oeda] foi autônom o, cujo m ovim ento explica as publicado em 1970. flutuações econôm icas. Este últim o está ligado às inovações, conceito chave da análise Ciclos econôm icos e destruição criadora schum peteriana. As inovações não devem ser O crescim ento do capitalism o não é, e não confundidas com as invenções, que não têm , pode ser, regular, sem sobressaltos. A história em seu todo, significação econôm ica. Elas se o m ostra. Resta explicá-lo, Schum peter presta m anifestam por novas com binações nos aqui hom enagem a M arx, que, por prim eiro, m étodos de produção, os bens, os m ercados, m ostrou que as crises eram um a conseqüência as fontes de m atéria-prim a e as m aneiras de necessária da acum ulação do capital. Elas não organizar a produção. N este últim o dom ínio, são incidentes de percurso devidos a choques por exem plo, Schum peter considera que a exógenos ou a im perfeições do m ercado, tais extensão das diversas form as de m onopólio com o o m onopólio sindical. Elas são, ao constitui um a das inovações m aiores, e contrário, endógenas, ligadas à própria produtivas, do capitalism o contem porâneo. natureza do capitalism o. As inovações não suscitam autom aticam ente o As inovações não aparecem de m aneira crescim ento. D ois personagens são regular e contínua. A um certo m om ento, os necessários para que elas se transform em em em presários m ais dinâm icos lançam um investim entos reais: o em presário e o m ovim ento que outros, em seguida, im itam .

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As inovações se expandem por “cachos” N esta obra, ele anuncia que o capitalism o é descontínuos. Elas provocam vagas de um sistem a condenado, ao qual o socialism o é investim entos financiadas pela criação de cham ado a suceder. As razões que ele expõe crédito bancário, o que envolve expansão e não são as de M arx, para quem o capitalism o crescim ento cum ulativos. D epois, será vítim a do desenvolvim ento de suas gradualm ente, os efeitos se atenuam , as contradições econôm icas. Para Schum peter, inovações são m enor perform ance, os lucros são razões de ordem ideológica, política e dim inuem , os bancos com eçam a restringir o sociológica que irão m inar os fundam entos crédito face às em presas m enos rentáveis. deste sistem a. O capitalism o está condenado Inevitavelm ente, crises e depressões se por causa de seus sucessos econôm icos. D e sucedem . Elas não som ente constituem um lado, o dinam ism o em presarial m om entos necessários do desenvolvim ento enfraquece, sendo os em presários substituídos capitalista, m as são o solo sobre o qual por funcionários do capital. D o outro, cresce avançarão novas ondas de inovações e de o rosnar dos deixai-por-conta do sistem a. investim entos. Trata-se, assim , dum a Paralelam ente, a ideologia socialista se im põe, “destruição criadora”. cada vez m ais, junto aos intelectuais. O s Em Business Cycles, Schum peter m ostra que o valores do capitalism o são postos em questão. crescim ento é caracterizado por um Para serem reeleitos, os hom ens políticos em aranham ento com plexo de cedem a essa opinião am biental. É assim que desenvolvim ento em longo prazo e de três o intervencionism o keynesiano e o N ew D eal tipos de ciclos, batizados com o nom e de Roosevelt preparam o cam inho ao daqueles que prim eiro os identificaram : inelutável declínio do capitalism o. Kondratiev (em torno de cinqüenta anos), A queda dos regim es de tipo soviético e o Juglar (em torno de dez anos) e Kintchin51 ressurgim ento do liberalism o clássico nos (em torno de quarenta m eses). últim os decênios do século passado parecem enfraquecer as teses de Schum peter. Todavia, O fim do capitalism o sua análise da dinâm ica capitalista, da Para repousar do Business Cycles, passado inovação e do crédito aparece, aos olhos de despercebido após a publicação da Teoria m uitos, com o um a aproxim ação fecunda das geral, de Keynes, Schum peter escreve tendências atuais. As teorias contem porâneas Capitalismo, socialismo e democracia (1942). do crescim ento endógeno se inspiram nele. A fundação, em 1986, da Internacional Joseph A. Schum peter Society dá testem unho da 51 A literatura econômica distingue três tipos de ciclos, de periodicidade desigual: o de Kondratiev, o de Juglar grande audiência de sua obra. e o de Khintchin. O primeiro é o das chamadas "ondas largas", ou ciclos de Kondratiev (em homenagem a Nikolai Dmitrievitch Kondratiev, economista russo que primeiro os apontou). Esses ciclos têm um período variável entre 54 e 60 anos. O primeiro, historicamente verificado, situa-se entre 1783 e 1842; o segundo, de 1842 a 1897; o terceiro ainda está em curso. Os ciclos de Juglar (por terem sido estudados por Clément Juglar, economista francês), têm duração de nove a dez anos; portanto, um ciclo de Kondratieff contém aproximadamente seis ciclos de Juglar. A um terceiro tipo pertencem os ciclos que têm duração de cerca de quarenta meses, ditos ciclos de Khintchin (por alusão ao matemático russo Aleksandr Lakovlevitch Khintchin), três dos quais constituem aproximadamente um ciclo de Juglar.(Nota do autor)

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M arcos biográficos:

1883: nascim ento em Triesch, no Im pério austro-húngaro. 1887: falecim ento de seu pai, industrial da área têxtil. 1893: m udança para Viena, após o segundo casam ento de sua m ãe. 1901: com eça a estudar direito e econom ia na universidade de Viena, onde é aluno de Böhm - Bawerk e W ieser, fundadores da Escola austríaca. Ele participa dum sem inário que reúne os teóricos m arxistas O tto Bauer e Rudolf H ilferding. 1906: doutorado em direito. 1907: desposa G ladis Ricards Seaver na Inglaterra, onde perm anece por um ano. 1907: em pregado por um a firm a jurídica no Egito. 1908: La nature et l’essence de l’économie théorique. 1909: professor associado na universidade de Czernowitz. 1911: professor na universidade de G raz. Théorie de l’évolution économique. 1913-1914: professor convidado na universidade Colúm bia de N ova York. 1914: Esquisse d’une H istoire de la science économique. 1919: m inistro das Finanças do governo austríaco de coalizão social-dem ocrata e social-cristão, de m arço a outubro. 1920: divórcio de G ladis. 1921: presidente do Banco Biederm ann, de Viena, que vai à falência em 1924. 1925: professor de finanças públicas na universidade de Bonn. Casam ento com Anna Reisiner. 1926: decesso de sua m ãe, de sua esposa e de seu filho recém -nascido. 1927-1928: ensino em H arvard, aonde ele retorna em 1930 e participa da fundação da Sociedade de econom etria. 1931: ensino no Japão. 1932: professor em H arvard. 1937: presidente da Sociedade de econom etria. Casam ento com Elizabeth Boody, econom ista. 1939: Business Cycles. 1942: Capitalismo, socialismo e democracia. 1948: presidente da Am erican Econom ic Association. 1950: m orre aos 8 de janeiro de um a hem orragia cerebral em sua casa de Taconic, no Connecticut, no m om ento em que ele seria eleito prim eiro presidente da nova Associação internacional de econom ia. 1954: H istória da análise econômica, editada por Elizabeth Boody. 1970: L’essence de la monnaie.

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U m a ex p res s ã o ex trem a d a relig io s id a d e e d o fa n a tis m o

Existe um a linha divisória entre a religiosidade e o fanatism o? Com o as rom arias transform am -se em instrum ento de catarse de um povo esquecido? Essas e outras questões são respondidas na exposição fotográfica Entre a Fé e a Febre: Retratos do paraense G uy Veloso, 35 anos. A m ostra é um estudo que expressa a busca do sagrado em 20 retratos feitos em m anifestações religiosas ocorridas no interior do país. O evento acontece em Brasília, de 8 de setem bro a 23 de outubro, no Teatro N acional Cláudio Santoro. O autor faz, desde 1999, o registro periódico de rom arias com o as de São Francisco do Canindé (Ceará), Bom Jesus da Lapa (Bahia), Juazeiro do N orte (Ceará). Algum as de suas im agens já fazem parte do acervo de m useus e galerias do país e do Exterior, inclusive, da coleção de arte latino-am ericana da U niversity of Essex Collection, em Colchester, na Inglaterra. IH U On-Line conversou com Veloso por telefone, que falou sobre seu trabalho diretam ente de Belém , no Pará, onde vive. Confira a entrevista:

IHU On-Line - E x is te u m a linh a d iv is ó ria G u y V eloso – Isso surgiu naturalm ente. e ntre a re lig io s id a d e e o fa na tis m o ? Fotógrafo desde 1989 e com ecei a ver, G u y V eloso – Acho que sim . Sem pre olhando m eus contatos depois de dois, três haverá os extrem os. N a m inha exposição, anos, que a m aioria das fotos abordava a tento m ostrar não o que divide, m as o que religiosidade. Isso acabou sendo um a une os dois. As fotos são a expressão das expressão de um a busca m inha religiosa. Já condições m ais extrem as da religiosidade e do fiz o cam inho de Santiago de Com postela, na fanatism o. Por exem plo, nas rom arias de Espanha, já fui à Índia. N ão sei o que Juazeiro do N orte, há pessoas que vão para com eçou prim eiro: a busca ou as fotos, m as um local cham ado Santo Sepulcro onde isso se reflete no m eu trabalho. Sobre o existem m uitas pedras grandes. Fica na zona cam inho de Santiago, lancei um livro de texto rural da cidade. Eles passam entre as pedras e fotos intitulado Via Láctea, pela editora para fazerem sacrifícios, com o um ritual de Tem po de Im agens, e que já está na quinta iniciação. M arcelo Buainam , fotógrafo de edição. Ir à Índia m e levou a várias N atal, diz que “a fé é a m aior vaidade” dos exposições individuais, inclusive à Bienal de rom eiros m enos favorecidos, que são a Curitiba, em 1998, e ao Colóquio Fotográfico m aioria, pois são pessoas que não têm nada. de H avana, em Cuba, no m esm o ano. Estão ali, no êxtase, na alegria da rom aria, e depois voltam para casa m uito m ais IHU On-Line - Q u a l é o co nte x to resignadas. a ntro p o ló g ico d o s e u tra b a lh o ? G u y V eloso – N ão quero fazer um trabalho IHU On-Line - O q u e lh e a tra iu na im a g e m só artístico, pegando os ângulos m ais bonitos d a re lig io s id a d e ? P o rq u e e s s a p a ix ã o ? ou m ostrando ao m áxim o a alm a das pessoas.

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Q uero tam bém saber a história delas. Tento para m im . M as isso é apenas um a parte do conversar com elas e anotar tudo o que projeto. percebo e o que elas falam . Q uem sabe isso venha a servir de objeto de estudo daqui a IHU On-Line – Q u a nto te m p o o s e nh o r alguns anos. Além do acervo fotográfico que p a s s a v ia ja nd o p o r a no ? deve ter m ais de 500 film es batidos, tenho 35 G u y V eloso – D urante a quaresm a, fico horas de gravações em vídeo e anotações das direto 40 dias sem voltar. É a m elhor hora m inhas concepções em torno do m ovim ento para encontrar as pessoas dispostas em religioso no N orte e N ordeste. procissões ou rezando. Vou aos locais de um Brasil profundo, passando até por estradas de IHU On-Line - O q u e o s e nh o r v a i fa z e r co m terra. D urante o ano, faço m ais um as seis e s s e m a te ria l? viagens de final de sem ana para pontos de G u y V eloso – A exposição dos retratos rom aria no Brasil. Q uando retorno às surgiu de um a ansiedade m inha em m ostrar cidades, m uitas vezes, encontro rom eiros que algo e de convites de vários curadores para já fotografei, e dou a foto de presente para que eu colocasse na rua o projeto Rom arias. eles. H á pessoas que não têm foto sua em N o final de dez anos, penso em fazer um casa.Vira um a coisa m uito especial. livro, com patrocínio. Penso tam bém em um docum entário. Essas fotos foram feitas IHU On-Line – Q u a l é a p ró x im a v ia g e m ? durante sete anos. Escolhi som ente os G u y V eloso - Será a Rom aria de N ossa retratos: as pessoas que pararam e posaram Senhora das D ores, de Juazeiro do N orte, no Ceará, no dia 15 de setem bro.

V io lê n c ia X C u ltu ra d a P a z – P rep a ra n d o o referen d o s o b re o d es a rm a m en to

O tem a desarm am ento esteve em debate na U nisinos, no últim o dia 24 de agosto, durante a conferência Vamos construir uma cultura da paz, m inistrada pela Prof.ª D r.ª An Vranckx, da Bélgica. A palestra tam bém foi proferida no Colégio Anchieta, de Porto Alegre, no dia 23 de agosto. Publicam os um artigo da professora An Vranckx e um a entrevista com Lúcio Jorge H am m es, doutor em Educação e m em bro da O rganização N ão-G overnam ental Educadores Para Paz, na 152ª edição da IH U On-Line, de 22 de agosto de 2005.

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P eõ es , d e E d u a rd o C o u tin h o , n a U n is in o s

O Instituto H um anitas U nisinos, por m eio do Projeto Cinema BR em M ovimento, prom ove na próxim a sem ana a exibição do film e Peões, de Eduardo Coutinho. A projeção acontecerá no dia 31 de agosto, das 16h às 18h30m in, na sala 1G 119 - IH U , na U nidade de Ciências H um anas da U nisinos, incluindo o debate posterior, que será conduzido pelo Prof. D r. N ilton M ullet Pereira, professor e coordenador do curso de H istória da U nisinos. O evento é gratuito e aberto à com unidade acadêm ica e em geral. O film e conta a história pessoal de trabalhadores da indústria m etalúrgica do ABC paulista que lideraram o m ovim ento grevista de 1979 e 1980. Concluído pouco antes da vitória do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de 2002, o docum entário fala das origens desses trabalhadores, de sua participação no m ovim ento e dos cam inhos que suas vidas trilharam desde então. Segundo Eduardo Coutinho, Peões resgata a m em ória do m ovim ento sindical do ABC paulista através de seus protagonistas ocultos. “O film e fala de 21 hom ens e m ulheres com uns que participaram ativam ente daquelas greves, m as desde então viveram à m argem da história oficial, da história do poder e dos poderosos, dos que m andam ”. A m em ória das greves, portanto, vai sendo traçada por cada um dos anônim os presentes no film e. A reconstrução da narrativa é intercalada por cenas breves do período citado em que Lula, seu m aior protagonista, discursa nos grandes com ícios da época. As aparições de Lula equilibram a estrutura do docum entário no que diz respeito às suas duas construções históricas: um a que vem da vida cotidiana, residual e fragm entária do hom em sim ples e a outra que se tornou oficial, m ítica e universal, e que teve o Lula com o sujeito histórico principal. Peões é o encontro da H istória com a sua m anifestação no vivido, nem sem pre harm ônico e nem sem pre coincidente. O film e recebeu duas indicações ao G rande Prêm io Cinem a Brasil, nas categorias de M elhor D iretor e M elhor D ocum entário, além de ganhar o Candango de O uro de M elhor Film e no Festival de Brasília. O debate sobre este docum entário já apareceu nas páginas da IH U On-Line em duas edições, na 148ª edição, de 4 de julho de 2005, com um com entário de Am ir Labaki, e na 123ª edição, de 16 de novem bro de 2004, com um artigo de Jurandir Freire Costa.

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E ntreatos e P eõ es

O IH U está providenciando a exibição do docum entário Entreatos de João M oreira Salles, pois acredita que o docum entário Peões precisa ser visto juntam ente com Entreatos. A partir dos dois pode-se entender m elhor a atual crise política.

Id a d e M é d ia e C in em a

N o próxim o sábado, dia 3 de setem bro, com eçará m ais um novo evento prom ovido pelo Instituto H um anitas U nisinos. O curso Idade M édia e cinem a acontecerá todos os sábados pela m anhã, até o dia 12 de novem bro de 2005, sem pre das 8h30m in às 12h30m in, na sala 1G 119 do IH U . O objetivo geral do curso é oportunizar o contato com obras cinem atográficas de significativa im portância para o estudo do cinem a com o arte, docum ento e representação da história. E o objetivo específico é possibilitar aos estudantes, professores e interessados um a leitura e atualização sobre abordagens alternativas em H istória M edieval, contem plando a relação do cinem a com a H istória. Será fornecido certificado a todos os que tiverem , no m ínim o, 75% de freqüência. O investim ento é de R$ 100,00 para profissionais, R$ 80,00 para estudantes e R$ 50,00 para alunos do curso de H istória (currículo 4) da U nisinos.

A Idade M é dia atrav é s do cinem a E ntrev ista com José R iv air de M acedo e José A lb erto B aldissera

A prim eira palestra do evento Idade M édia e cinem a, no dia 3 de setem bro, será sobre A Idade M édia através do Cinema com os professores D r. José Rivair de M acedo, da U FRG S, e D r. José Alberto Baldissera, da U nisinos. José Rivair M acedo é professor no Instituto de Filosofia e Ciências H um anas da U FRG S. G raduado em H istória, é doutor em H istória Social pela U SP. O bteve tam bém pós-doutorado pela U niversidade N ova de Lisboa, Portugal. É autor de diversos livros, entre os quais citam os A M ulher N a Idade M edia. 5. ed. São Paulo: Contexto, 2002 e Belo M onte: uma história da Guerra de Canudos. São Paulo: Expressão Popular, 2004. José Alberto Baldissera é professor no curso de H istória da U nisinos. G raduado em Filosofia e em Letras, é m estre e doutor em Educação pela PU CRS. O professor é

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autor de, entre outros, H istória do Pensamento H umano. São Leopoldo: U nisinos, 1995. Am bos os professores foram entrevistados pela IH U On-Line por e-m ail. Confira:

IHU On-Line - C o m o v o cê s v ê e m a ofereceu esse grande filão, explorado por m u d a nç a d e o lh a r d a s o cie d a d e grandes m edievalistas com o Jacques Le co nte m p o râ ne a s o b re a Id a d e M é d ia ? G off52, G eorges D uby53, Johan H uizinga54, José R iv air - N ão tenho certeza se o m odo entre outros; e, no Brasil, H ilário Franco de olhar m udou. Para m im , tal qual no Júnior55, entre outros. U m berto Eco passado, a Idade M édia continua a ser vista contribuiu bastante com seu rom ance não pelo que ela foi, m as pelo que poderia ter histórico O N ome da Rosa para essa nova visão sido. Q uer dizer, a Idade M édia lem brada da Idade M édia, vertido inclusive para o hoje nas m ídias, na literatura e m esm o nas cinem a. artes é um tem po m itificado, interessando m ais certas im agens esteticam ente em IHU On-Line - C o m o a Id a d e M é d ia consonância com os anseios atuais do que um re tra ta d a no cine m a a ju d a a co m p re e nd e r tem po efetivam ente histórico, vivido, que um a h is tó ria d e s s e p e río d o ? dia possuiu concretude. Por isso, estabeleço 52 Jacques Le Goff: medievista considerado um dos sem pre a distinção entre um a Idade M édia principais expoentes da história das mentalidades. histórica e um a Idade M édia im aginada, e, Nascido na França em 1924, formou-se em história e no caso atual, seria m esm o o caso de falar de logo se integrou à escola dita das Annales, revista da qual é atualmente co-diretor. Presidente, de 1972 a um a “Idade M édia fantasiada”. Isso quer 1977, da VI Seção da École des Hautes Études en dizer que, para nossa sociedade de consum o, Sciences Sociales, é diretor de pesquisa no grupo de ávida por im agens que lhe perm ita evadir-se antropologia histórica do Ocidente medieval dessa mesma instituição. Entre outras altas distinções, Le do cotidiano, a Idade M édia funciona com o Goff recebeu a medalha de ouro do Centre National de um repositório de tem as m íticos, rom ânticos, la Recherche Scientifique (CNRS), pela primeira vez bélicos e propriam ente im aginários. Fora atribuída a um historiador. Boa parte de sua obra, está ao alcance do leitor brasileiro, traduzida para o desta perspectiva “m idiática”, o período português, como, por exemplo, Para um novo conceito histórico continua a interessar pelo que legou de Idade Média: tempo, trabalho e cultura no à história das atuais nações européias e para a Ocidente. Lisboa: Estampa, 1980; Mercadores e banqueiros da Idade Média. Lisboa: Gradiva, 1982; e própria form ação da Europa. N o caso de A civilização no Ocidente Medieval. Lisboa: Estampa, países com o o Brasil, tal período continua a 1984. (Nota da IHU On-Line) 53 interessar pelo que significou na form ação Georges Duby (1919-1996): historiador francês, especializado em Idade Média. Entre seus livros dos povos que para cá trouxeram suas publicados em português citamos História da Vida experiências e suas vivências, im plantando-as Privada: da Europa Feudal à Renascença. São Paulo: em nosso território no período colonial. Companhia das Letras, 1999; e Eva e os padres. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. (Nota da IHU On- B aldissera - A Idade M édia tem sido m uito Line) valorizada e, tam bém , m uito m itificada, pois 54 Johan Huizinga (1872-1945): filósofo e historiador holandês, foi reitor da Universidade de Leyden. É nela se organizam aspectos im portantes dos conhecido por seu trabalho na história da cultura da fundam entos da Civilização O cidental. Idade Média. (Nota da IHU On-Line) Tam bém é valorizada por causa dos novos 55 Hilário Franco Júnior: historiador especialista em História da Idade Média, disciplina que ensina há vários olhares sobre a H istória, isto é, a história do anos na Universidade de São Paulo. A maior parte de im aginário, do cotidiano, das m entalidades, suas publicações também tem como tema a História onde se procura abranger aspectos da Medieval, dentre elas duas premiadas com o Jabuti da Câmara Brasileira do Livro (A Eva barbada - Ensaios H istória não só do ponto de vista econôm ico de mitologia medieval. São Paulo: Editora da USP, e político, m as tam bém de toda sua 1996; e Cocanha - A história de um país imaginário. abrangência cultural e social. A Idade M édia São Paulo: Companhia das Letras, 1998). (Nota da IHU On-Line)

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José R iv air - A Idade M édia retratada no histórica: em bora o aspecto visual, em geral, cinem a ajuda m ais a com preender a história recupere, por vezes, com grande veracidade, contem porânea do que a história m edieval os hábitos, costum es, e o m odo de pensar dos propriam ente dita. Alguns film es de personagens são sem pre contem porâneos, reconstituição histórica prim am pelam sendo em geral transpostos para a Idade fidelidade no que diz respeito ao figurino e ao M édia. Isso se verifica nos pontos de vista a cenário, e, por vezes, na referência a respeito de conceitos ou valores que são acontecim entos efetivam ente históricos. em inentem ente m odernos (com o liberdade N esse aspecto, alguns film es recentes que individual, progresso, revolução) ou de retratam a Idade M édia conseguem sentim entos que não tinham o m esm o ultrapassar certos clichês cinem atográficos de significado na Idade M édia (am or, até pelo m enos a m etade do século XX, por com paixão, fraternidade). O que se tem , na exem plo, apresentando os vikings com elm os m aior parte das vezes, são pessoas de nosso ornados, com chifres, ou apresentando tem po, falando para gente de nosso tem po, guerreiros de todas as épocas da Idade num cenário estranho e bizarro. É preciso M édia, portando arm adura m etálica (quando lem brar, todavia, que o papel do cinem a não é se sabe que este equipam ento m ilitar é resgatar objetivam ente o passado tal qual ele utilizado com m aior freqüência no fim da era, a com eçar porque se trata de ficção, m as Idade M édia). N esse sentido, o recente film e tam bém porque sua função, em todo o caso, é Cruzada, dirigido por Ridley Scott, entreter, e não necessariam ente instruir. apresenta-nos um a reconstituição m uito bem B aldissera - O cinem a, com o Arte, feita do cenário e dos personagens interpreta e altera à sua m aneira episódios “m edievais”. O utro film e bem m ais antigo, O históricos. N ão os interpreta exatam ente Senhor da guerra56, dirigido por Franklin com o os historiadores pensam que devem ser Schaffner (1965), tam bém já trazia, em seu interpretados. É claro que isso m uda de film e cenário e em seu figurino, os cavaleiros para film e, conform e os interesses da norm andos do século XI sendo retratados de produção e tam bém por parte do diretor e da m odo m uito parecido com o que nos m ostra a m ontagem . Por exem plo, o últim o film e de fam osa Tapeçaria de Bayeux, em que estão Ridley Scott, Cruzada57, traz um a boa bordadas a conquista da Inglaterra por reconstituição do cenário onde se G uilherm e, o Conquistador, e a Batalha de desenvolvem as ações principais e dos H astings. O próprio film e Alexandre N evski, personagens, apesar de m isturá-los com de Sergei Eisenstein, dirigido em 1938, de bastante ficção quanto a episódios de suas algum a form a recuperou historicam ente a vidas, com o o personagem Bailian. Tam bém visualidade da Rússia M edieval, em bora o resum e, em poucas cenas, o que é conhecido tratam ento do enredo seja perm eado por um com o um a grande negociação para a retirada discurso e por um a ideologia próprios do dos cristãos de Jerusalém . Com o sobre século XX e da doutrina do Partido qualquer época histórica, tam bém sobre a Com unista Soviético na era de Stálin. Eis, Idade M édia há film es que se aproxim am aliás, talvez o m aior lim ite da aproxim ação da m ais do que a H istória diz e outros que se ficção cinem atográfica com a realidade afastam m ais. D e qualquer form a, atraem a

56 O filme Senhor da Guerra, de Franklin Schaffner, 57 O filme Cruzada, de Ridley Scott, produzido este produzido em 1965, será exibido no próximo dia 8 de ano, será exibido no próximo dia 12 de novembro, no outubro, no curso Idade Média e cinema, promovido curso Idade Média e cinema, promovido pelo IHU, pelo IHU, com comentários do Prof. Dr. José Rivair de com comentários do Prof. Dr. José Alberto Baldissera, Macedo, da UFRGS, das 8h30min às 12h30min, na sala da Unisinos, das 8h30min às 12h30min, na sala 1G119, 1G119, junto ao IHU. (Nota da IHU On-Line) junto ao IHU. (Nota da IHU On-Line)

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atenção para o tem po m edieval, m isturando a B aldissera - O legado de Jacques Le G off e ficção com a H istória. Aliás, todos eles fazem G eorges D uby é considerado de im portância esta m istura, sem a qual o cinem a perderia substancial por trazer à tona um a Idade sua razão de ser. O problem a está em quem M édia aproxim ando-a de um a visão m ais não conhece suficientem ente a H istória acessível ao público em geral. Tam bém aceitar que o que um film e diz é tal e qual o contribuíram para rever a idéia de um a Idade que a H istória tam bém diz. Essa equivalência das Trevas na sua totalidade, para se alicerçar resulta em que se confunda a Arte (cinem a) num a Idade M édia m ais abrangente, m ais com a H istória (ciência), m esm o que tam bém criativa e com im portância fundam ental nas a H istória tenha seus lim ites. raízes da Civilização O cidental. Georges D uby e Jacques Le G off têm obras IHU On-Line - Q u a l o m a io r le g a d o d e fundam entais que, hoje, são essenciais para o m e d ie v a lis ta s co m o Le G o ff e D u b y ? conhecim ento e esse novo olhar da Idade José R iv air - Penso que o m aior legado de M édia am bos tenha sido diversificar os rum os de pesquisa da história, libertando-a do dom ínio IHU On-Line - P o r q u e a civ iliz a ç ã o exclusivo dos eruditos e transform ando-a m e d ie v a l e x e rce u m fa s cínio no cine m a ? num a disciplina acessível ao público m édio de José R iv air - Tenho a im pressão de que leitores. A abertura conceitual e tem ática sentim os pela Idade M édia um fascínio das prom ovida pelas investigações de G eorges origens: origens da nação, origens religiosas. D uby, associado com sua inquestionável A Idade M édia retratada no cinem a nem qualidade de estilista, fez com que certas sem pre tem um em basam ento cronológico obras suas viessem a ser não apenas claro. É um a Idade M édia que poderia ter am plam ente debatidas na academ ia, m as ocorrido antes dos séculos IV-V e depois do conhecidas pelo grande público. Q uanto a século XV. A sedução está m ais pelas cores e Jacques Le G off, é bem sabido o papel pela grandiosidade aparente do que fundam ental que teve ao propor nos anos efetivam ente por um a Idade M édia vivida. 1970 um a história das m entalidades (bastante Por outro lado, nem todos os tem as da Idade criticada hoje, m as fundam ental, pois M édia atraem . H á determ inados ciclos de recuperou tem as com o a H istória da m orte e film es que se renovam periodicam ente (as do m edo, das crianças, dos velhos e das diversas Joana D ’Arc, a Távola Redonda do m ulheres) e ao prom over na École des Rei Artur, As Cruzadas, Robin H ood, A H autes Études em Sciences Sociales um a Peste N egra), porque os tem as que estão em linha de pesquisa das m ais influentes na evidência neles constituem repositórios de m edievalística francesa contem porânea: a m itos contem porâneos: o herói/heroína, a luta antropologia histórica, que se dedica ao pela liberdade, a luta contra a opressão, o estudo das im agens e dos gestos, das fanatism o religioso, etc. H á, além disso, o tradições e dos costum es, enfim , das práticas fascínio que a Idade M édia exerce sobre os culturais no O cidente cristão. Além disso, foi jovens por m eio de dois elem entos de baseado em um a obra de Jacques Le Goff consum o m idiático: a m úsica e os jogos (Para um novo conceito de Idade M édia: tempo, eletrônicos. trabalho e cultura no Ocidente. Lisboa: B aldissera - A Civilização M edieval tem Estam pa) que a m edievalística encontrou seus um fascínio extraordinário, pois é nela que se atuais cam inhos e encontrou inspiração para a organizam lendas, m itos, epopéias que fazem renovação m etodológica e tem ática ainda em parte da Cultura O cidental. Tam bém curso. acrescentem os aqui fatos e épocas históricas

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que são fam osos com o o Tem po das José R iv air - N a m edida em que as obras Cruzadas, os Vikings, episódios relacionados produzidas e difundidas pelo cinem a são ao Rei Artur e à Távola Redonda, que objetos de consum o e de evasão pelo grande envolvem castelos, m osteiros e tam bém o público, e na m edida em que na organização e ideal da cavalaria, além de personagens que preparação da ficção cinem atográfica há são im portantes e sem pre lem brados no interferências ideológicas, políticas, form ais, im aginário ocidental. U m dos prim eiros culturais, penso que cabe ao m eio acadêm ico episódios lem brados pelo cinem a quando este estudar tais obras com m uita seriedade e surgiu, foi o de Joana D ’Arc. avaliar o que dizem , por que dizem e de que m aneira dizem algo que faz sentido em nosso IHU On-Line - C o m o o cine m a te m o lh a d o tem po. D istinguir a Idade M édia histórica da p a ra a Id a d e M é d ia ? Idade M édia im aginada constitui um a tarefa B aldissera - O cinem a tem olhado a Idade não apenas dos historiadores, m as dos M édia com o um grande filão principalm ente especialistas em cinem a e im agem , dos de film es de aventura, nos trazendo épicos sem iólogos e dos especialistas nos sistem as fam osos, sem pre com um olhar do presente sim bólicos contem porâneos. sobre a Idade M édia. Portanto, a recriação B aldissera - É im portante debater a Idade deste período se faz sem pre através de um M édia no cinem a, com o tam bém as outras filtro. H á grandes film es que trazem assuntos épocas da H istória no am biente acadêm ico, da Idade M édia. E a Idade M édia, de porque, geralm ente, o uso que se faz dos algum a form a, sem pre esteve no interesse do film es quase sem pre vêm acom panhado de cinem a. um desconhecim ento de com o analisá-los. Isso em função de que o cinem a tem a sua IHU On-Line - P o r q u e é im p o rta nte linguagem própria e precisam os conhecê-la d e b a te r a Id a d e M é d ia no cine m a e m u m para poderm os fazer um a análise m ais a m b ie nte a ca d ê m ico ? apurada e usufruir m ais do que pode nos oferecer. Aliás, o m eio acadêm ico deveria estudar m ais o cinem a, além das outras Artes.

M elh o r V íd eo S o c ia l/ R es g a te d a C id a d a n ia

“ P recisa-se de inclu sã o” , direç ã o de M arcela B row n, da U nisinos

M arcela Brown é form anda do curso de jornalism o da U nisinos e recebeu o prêm io de m elhor vídeo social, na categoria de Vídeo U niversitário G aúcho, no G ram ado Cine Vídeo 2005, Festival do Vídeo Brasileiro U niversitário e Independente, que acontece paralelam ente ao Festival de G ram ado, Cinem a Brasileiro e Latino. O prêm io foi recebido na últim a sexta-feira, 18 de agosto, pelo vídeo Precisa-se de inclusão, dirigido e produzido por Brown e com adaptação de roteiro de Eunice Spindler. A produção

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contou com a participação da turm a de Projeto Experim ental em TV, na qual o docum entário foi desenvolvido. A disciplina é m inistrada pela professora M S M aria Francisca de M oura e aborda o trabalho de três O N G s que prom ovem a inclusão social por m eio de atividades com unitárias. D uas hortas, um a em Ivoti e outra em N ovo H am burgo e o Centro de Apoio a M eninas e M eninos de Rua (Ceam em ), de N ovo H am burgo, servem de pano de fundo para deflagrar realidades perversas de exclusão e apontar alternativas e cam inhos para m inim izarm os as diferenças sociais. Essas e outras inform ações foram obtidas em um a entrevista exclusiva concedida por M arcela Brown, por telefone, à IH U On-Line, na últim a sem ana. Confira:

IHU On-Line - C o m o s u rg iu a id é ia d e fa z e r M arcela B row n- Resolvi por esses três u m v íd e o s o b re h o rta s co m u nitá ria s ? trabalhos sociais, não necessariam ente M arcela B row n- Tinha um colega de aula, voluntários, m as sociais, e queria fazer isso o Rodrigo G uterres, que desenvolve um contrastando com pessoas que não tiveram trabalho voluntário, elaborando o jornal oportunidades. Fui para a Vila Brás, em São m ural da horta Joanna de Ângelis, de N ovo Leopoldo, conversar com as pessoas e, no H am burgo. Já havia recebido alguns convites docum entário, procurei deixar bem clara a para desenvolver um trabalho voluntário e diferença entre as pessoas que tiveram e as nunca pude ir. Q uando fui fazer a disciplina que não tiveram oportunidade de participar de Projeto Experim ental em TV, a professora de projetos assim . Tentei frisar as M aria Francisca sugeriu que fizéssem os um desigualdades e apontar esses trabalhos roteiro que tratasse de um tem a social. sociais com o um a possível solução. Lem brei da horta de N ovo H am burgo e, para que não ficasse m uito institucional, IHU On-Line - C o m o fo i e la b o ra d o o pesquisei outros trabalhos e conheci o projeto p ro je to ? Cultivando Flores na Adolescência, do M arcela B row n - Pesquisei sobre cada um a Instituto de Educação de Ivoti, que além da das instituições. D ecidim os pela Vila Brás horta, tam bém cultiva flores. Tam bém queria porque é das m ais necessitadas. Passam os fazer algum a coisa com crianças de rua, para um a m anhã lá conversando com os poder m ostrar que um as têm oportunidade e m oradores e percebendo a realidade do local. outras não, m as não ia poder film ar, teria que Antes de ir para as hortas, conversei por pôr tarjas nos olhos ou colocá-las de costas. telefone, peguei o m aior núm ero de N ão ficaria legal. Acabei conhecendo o inform ações possível e m ontei toda a Centro de Apoio a M eninas e M eninos de estrutura do roteiro. Rua, de N ovo H am burgo. Lá eles fazem abordagem de rua com crianças e IHU On-Line - P o d e e s ta r na s ce nd o u m a adolescentes. Conversam , dão apoio no v a cine a s ta ? E s s a e x p e riê ncia d e s p e rto u pedagógico, as crianças têm um espaço para e m v o cê a v o nta d e d e co ntinu a r? desenhar. Fazem tam bém um trabalho bem M arcela B row n - Q uando com ecei o curso, interessante com as fam ílias. eu não gostava m uito de TV, aos poucos fui gostando. Tenho vontade de produzir outras IHU On-Line - O q u e v o cê p ro cu ro u coisas, sim , talvez apoiadas pela p rio riz a r no v íd e o ? Q u a l a m e ns a g e m q u e U niversidade. Eu ainda não tinha pensado v o cê p re te nd e p a s s a r? nessa possibilidade, m as depois que ganhei fiquei com vontade de fazer m ais.

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IHU On-Line - D e q u e fo rm a v o cê a ch a q u e IHU On-Line - Q u a l o a p re nd iz a d o q u e v o cê e s s a s inicia tiv a s co ntrib u e m co m a p o d e tira r d e s s a e x p e riê ncia ? s o cie d a d e ? M arcela B row n - Aprendi a dar valor a M arcela B row n - Acho que essas iniciativas outras coisas. Existe tanta criança m im ada. O não produzem um efeito direto, um efeito na vídeo m ostra as crianças em escola particular prática, m as colaboram para m odificar a bem tratadas e arrum adas, com as m ães consciência das pessoas. As pessoas não chegando em bons carros para buscá-las. Em assistirão ao vídeo e, im ediatam ente, se contrapartida, as crianças da com unidade que inscreverão em algum a atividade voluntária, trabalham nas hortas são extrem am ente m as, vai dar um “clic”. D e algum a form a, os educadas. Fica evidente que reclam am os de conceitos e valores m udam . N a prática, acho coisas bobas. que as m udanças são bem pequenas, m as algum a coisa fica em relação à exclusão.

D ita d u ra . 1 9 6 4 : A M em ó ria d o R eg im e M ilita r

Já está circulando o Caderno IH U em form ação, nº 4, 2005, sob o título D itadura. 1964: A M emória do Regime M ilitar. O golpe m ilitar de 1964, com o tem a central deste Caderno, é apresentado sob olhares diferentes por especialistas, pesquisadores e por pessoas que sentiram , no próprio corpo, as m arcas do regim e. - O Prof. M S Solon Eduardo Annes Viola (U nisinos) faz a apresentação do Caderno e do golpe m ilitar na conjuntura global e latino-am ericana, destacando os aspectos históricos, políticos, econôm icos e sociais, desde G etúlio Vargas, passando por Juscelino Kubitscheck, até Jânio e João G oulart, em 1964. Ressalta ainda as tentativas golpistas do período, o papel desem penhado pela direita, pela esquerda e por determ inados setores da Igreja e as disputas internas das Forças Arm adas. -O Prof. D r. Luiz W erneck Vianna (Iuperj) faz um a reflexão sobre as causas do golpe, o tipo de sociedade que o regim e m ilitar criou e as perspectivas para quem viveu este processo de m odernização autoritária. - O Prof. D r. M arco Antonio Villa (U FScar) salienta os grupos golpistas de direita que apostavam na derrubada de Jango, um a vez que, desde 1945, não venciam eleições. Sustenta tam bém que os aliados de Jango, e o próprio Jango, apostavam no golpe, com o único m eio para ele ser candidato nas eleições presidenciais de 1965, pois a Constituição não perm itia a reeleição.

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- O Prof. D r. Celso Castro (PU C-Rio) afirm a que a m em ória do golpe é com plicada para os m ilitares, pois foram eles que deram o golpe e acabaram com ele, após 21 anos no exercício do poder. Trata-se de m em órias m ilitares conflitantes, divergentes e concorrentes. - A m édica e psiquiatra Vera Stringuini conta sua experiência de quatro anos com o presa política em Recife e Porto Alegre. Ao fazer um paralelo entre a insegurança social e a vida na prisão, ela afirm a que a prisão dá m ais segurança, enquanto a liberdade tem seus riscos. Relata tam bém as sessões de tortura e o dia no cárcere. - O teólogo e historiador Pe. José O scar Beozzo m ostra as divisões internas da sociedade brasileira e da Igreja em relação ao golpe. Assegura que a direção da CN BB apoiava as reform as de base de Jango; m uitos bispos, porém , posicionavam -se contra. As M archas com D eus pela Fam ília arrastavam m ultidões e sensibilizavam as fam ílias católicas contra o com unism o. - O Prof. D r. Carlos Fico (U FRJ) revela as propagandas da ditadura que destacavam a grandiosidade da natureza, o caráter nacional do povo brasileiro e sua visão otim ista do futuro do País, com o estratégias para desviar a atenção do povo da repressão e do autoritarism o, m ostrando um a vida tranqüila e segura. - O Prof. D r. José Luiz Braga (U nisinos) relata a experiência do jornal O Pasquim com o elem ento de contestação e resistência crítica ao regim e, sem pre com um a pitada de hum or. - Sônia H aas, ex-professora das Ciências da Com unicação da U nisinos, relata a busca incansável da fam ília H aas pelos restos m ortais de João Carlos H aas Sobrinho, irm ão de Sônia, preso, torturado e m orto por participar da guerrilha do Araguaia. - O Prof. D r. W ilson Cano (U nicam p) apresenta um estudo com parativo do m odelo econôm ico no governo m ilitar e nos governos FH C e Lula. Afirm a que o m odelo de crescim ento econôm ico, apoiado na industrialização de bens de consum o, de bens duráveis e bens de capital, não tinha m ais sustentabilidade na década de 1960 e, por isso, entrou em crise, exigindo m udanças estruturais no sistem a fiscal e financeiro, além da reform a agrária, urbana e do ensino. Sustenta tam bém que, com Collor e FH C, o País perdeu as salvaguardas, ou seja, a proteção da econom ia e do em prego foram jogados fora em virtude da política de abertura com ercial e financeira adotada por estes governos. A política econôm ica de Lula, em relação a Collor e FH C, continua praticam ente a m esm a, o m udou foi a política externa, na tentativa de trazer para o Brasil anseios de soberania na área internacional

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IH U rep ó rter

Lu is F ernando dos A njos “U ma coisa a vida me ensinou: mesmo quando vejo que há problemas sérios, digo: Amanhã é outro dia, te preocupa em viver só hoje.” U ma trajetória de lutas, conquistas e aprendizados. Poderíamos resumir assim a vida de Luis Fernando dos Anjos, funcionário do Setor de Proteção e Risco da U nisinos. Apesar das batalhas que precisou enfrentar, ele não deixou a doçura da alma sucumbir. N a entrevista que segue, Fernando fala com ternura, sobre a família e, com bravura, sobre tudo que precisou transpor para chegar aonde desejava.

O rig ens – N asci em N ovo H am burgo, no H ospital Regina. M eus pais se separaram após brigar m uito. M eus avós tentavam ajeitar as coisas, m as não deu certo. Aos cinco anos, fui m orar com eles até falecerem , depois m orei com uns tios. N ão entendia m uito porque tinha vindo ao m undo. É um a guerra, tu estás no m eio e não sabes bem o que fazer. O s m eus tios perguntavam com quem eu queria e eu respondia: “com os dois”. N ão entendia por que tinha que escolher, m as assim é a vida da gente. Fiquei com os parentes do m eu pai, e m inha m ãe m e visitava. Estudei em um sem i-internato, em N ovo H am burgo. N a segunda série, m udei para Cam po Bom , para m orar com outro tio. Com dez anos, cheguei à terceira série, rodei e fui m orar com m eu pai e m inha m adrasta, que foi a única que botou um pouquinho de juízo na m inha cabeça. D epois tive o privilegio de m orar com a m inha m ãe, m eio contra a vontade do m eu pai. Às vezes, eu fugia de casa, o tratam ento da m inha m adrasta exigia m ais de m im , m as m e ajudou m uito. Ela m e ensinou as pequenas coisas do dia-a-dia. Eu sei de tudo na vida, graças a ela. M inha m ãe se casou de novo e fui m orar com ela e m eu padrasto. N ão tenho diplom a universitário, só o da escola da vida. Tenho 35 anos com bastante experiência, com ecei a trabalhar aos 14. M eu padrasto era do tem po antigo. Trabalhava na roça, ajudava a plantar aipim e era caseiro. N essa época, m inha m ãe m orava em Sapucaia, e m eu pai, em Esteio. Às vezes, eu fugia de bicicleta de Esteio para visitar a m inha m ãe, porque eu gostava do

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interior, tinha aquele cheiro da m ata, pescava bastante nos açudes... N ão concluí os estudos em Esteio, m e m atriculei na terceira série em Sapucaia, m as não m e habituei. Ficava quietinho no m eu canto. Já estava m eio rebelde, e m eu padrasto disse que se eu não quisesse estudar ia ter que trabalhar: essa era a lei do m undo.

Trajetó ria profissional – Com ecei ajudando m eu padrasto na chácara. Ele tinha um as vacas, uns cavalos com carroça... Aprendi a lida de cam peiro, cortar lenha no m ato... Foi bom porque podia estar ao lado da m inha m ãe. Com treze anos, fiz m inha carteira de trabalho e, aos quatorze, fui m orar em N ovo H am burgo, com uns tios, para trabalhar num a fábrica de calçados e ganhar um pouquinho m ais, a Viegas Saldanha, fiquei um ano lá. Ainda trabalhei num a em presa de papéis antes de ir para o quartel, onde adquiri bastante experiência de vida. O prim eiro ano foi bem sofrido, m as a partir do segundo foi m elhorando. Poderia ter saído no prim eiro ano, m as com o a vida fora era m uito com plicada fui ficando. Fiz boas am izades, as pessoas gostavam de m im . Com ecei a fazer corrida rústica. Cheguei a ser m aratonista, tenho, inclusive, algum as m edalhas e troféus em casa. Fui trabalhar na casa de um coronel, cortando gram a e logo ele m e convidou para ser seu segurança. N o quartel, ainda m e form ei com o corneteiro, toquei em várias form aturas, em fanfarras. D epois de quatro anos, decidi que estava na hora de sair. Fui para a em presa de transportes Tresm aiense, com o m otorista, m as eu queria m esm o ir para a TO P Safe, em presa de segurança arm ada de N ovo H am burgo. Sem pre via o pessoal trabalhando engravatado, e isso m e cham ava a atenção. Pedi para sair da Tresm aiense e fui fazer um curso de vigilantes, que era o pré-requisito para trabalhar na TO P Safe. D epois de tudo pronto, descobri que a em presa exigia a 4ª série, no m ínim o, e eu não havia concluído a terceira. M e sugeriram ir para Porto Alegre, na escola de ensino regional e fui no dia seguinte. Fiz uns testes na hora e consegui o certificado de conclusão do quarto ano para apresentar na em presa. Fiquei cinco m eses porque era m uita correria, o risco era enorm e, eu era praticam ente um brigadiano particular, era m uito perigoso. Tive que enfrentar ladrão, derrubar, dom inar... Q uando saí de lá fiz ficha para tudo: jardineiro, ajudante de eletricista, auxiliar de cozinha... m enos para vigilante. Justam ente m e cham aram para trabalhar com o vigilante aqui e estou na U nisinos desde 1996.

F am ília – D epois que saí do quartel, com ecei a nam orar m inha esposa. A D ionéia e eu casam os há treze anos. Tem os um a m enina de treze anos, a Fernanda, e o G abriel de sete anos. Eles são fora de série. Pela criação que tive e pela experiência do quartel, eu acho im portante que eles saibam o que é dificuldade, procuro passar isso para eles. Sou m eio durão, m as depois eu volto atrás, isso tam bém lhes vai servindo de lição. Eu estou m uito satisfeito com os m eus filhos, no colégio é só

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elogios. M inha esposa tam bém é um a guerreira, enfrentou muitas dificuldades. Ela trabalha com o diarista três vezes por sem ana. É inteligente, esperta. Atualm ente, está estudando aqui na universidade, faz Fisioterapia. A form ação dela é bem m ais am pla que a m inha. Isso que m e cham ou a atenção nela.

R ealiz aç ã o – Consegui estudar um pouco m ais. Fiz supletivo de prim eiro grau no cientifico e conclui o segundo grau há dois anos. É corrido, m as tive um a base do que é o estudo. D epois fiz vestibular para Educação Física. Vou fazer novam ente.

Liv ro - Eu estou lendo A arte de planejar o tempo, de Jaim e W agner.

F ilm e – D e todos os film es que têm em oção eu gosto. Até m e em ociono e choro junto.

P resente - Só o fato de alguém se lem brar da gente já é legal. Pode ser um a lem brancinha, qualquer coisa.

H oras liv res – Brincar com os filhos, ficar com a fam ília.

S onh o – Só o fato de ter vencido todas essas dificuldades já m e satisfaz. N ão preciso m uito estudo para m im , quero ver os m eus filhos estudando, podendo proporcionar um futuro para eles, já está bom .

M om entos m arcantes – A separação dos m eus pais. Esse é um carim bo que eu vou carregar para o resto da vida. O utro m om ento m arcante foi a perda do m eu pai. Era um a pessoa m uito am iga, eu o braço direito dele, e ele o m eu esquerdo.

U nisinos – A U nisinos é um lugar onde todos querem ficar. Se a gente pudesse criar um a com unidade, fazer um as casas aqui dentro e m orar, acho que seria um paraíso. Tem de tudo aqui. Árvores frutíferas, patos, lago, pássaros... Aqui a gente se sente outra pessoa. N ão é aquele m undo lá de fora onde está havendo dificuldades de trabalho, onde se vê gente catando lixo. É outra realidade.

Institu to H u m anitas U nisinos– N o com eço, a gente achava m eio estranho: o que quer dizer Instituto H um anitas? M as aí as coisas foram crescendo, foram tom ando form a. Eu acho que deu vida, deu im portância à hum anidade, à pessoa. H oje eu estou dando um a entrevista que m e perm ite m ostrar o que tem por trás do Fernando. Acho que o IH U ajuda a m ostrar o que tem por trás das pessoas, que ninguém sabe. O brigado aos am igos do H um anitas pela oportunidade de conceder esta entrevista.

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C arta do leitor

“Sou fã de carteirinha da IH U On-Line. Tenho divulgado o portal do IH U (www.unisinos.br/ihu) em todas as m inhas assessorias e encontros. Vocês estão ocupando um lugar im portantíssim o neste m om ento de crise geral. Fico m uito feliz por estar sendo contem plado pela generosidade de vocês, que m e estão enviando os Cadernos IH U . Tenho tam bém lido diariam ente as sínteses de notícias que vocês colocam na página. N ão sei se existe hoje no Brasil um outro canal com tam anha atualização e precisão na escolha das análises de conjuntura... Li com m uita atenção e interesse o artigo de Cesar Sanson, e creio ser de extrem a im portância as questões que ele levanta, e com pertinência. E já indiquei para tantos outros am igos. Acho im portante a coragem em divulgar textos desta natureza, que possibilitam outros horizontes de leitura...” Faustino Teixeira, professor do PPG em Ciências da Religião na U niversidade Federal de Juiz de Fora, M inas Gerais.

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