CYNTHIA LETÍCIA SCHNEIDER

A ASSERÇÃO NO CINEMA DOCUMENTÁRIO MUSICAL BRASILEIRO

UNICAMP 2015

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES

CYNTHIA LETÍCIA SCHNEIDER

A ASSERÇÃO NO CINEMA DOCUMENTÁRIO MUSICAL BRASILEIRO

Tese apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Doutora em Multimeios sob a orientação do Prof. Dr. Fernão Vitor Pessoa de Almeida Ramos.

ORIENTADOR: PROF. DR. FERNÃO VITOR PESSOA DE ALMEIDA RAMOS

Este exemplar corresponde à versão final da Tese Defendida pela aluna Cynthia Letícia Schneider e Orientada pelo prof. Dr. Fernão Vitor Pessoa de Almeida Ramos.

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CAMPINAS 2015

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Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): Não se aplica.

Ficha catalográfica Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Artes Eliane do Nascimento Chagas Mateus - CRB 8/1350

Schneider, Cynthia Leticia, 1972- Sch57a SchA asserção no cinema documentário musical brasileiro / Cynthia Leticia Schneider. – Campinas, SP : [s.n.], 2015.

SchOrientador: Fernão Pessoa Ramos. SchTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes.

Sch1. Documentario (Cinema). 2. Cinema - Apreciação. I. Ramos, Fernão Pessoa,1957-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Artes. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: The assertion in the Brazilian music documentary film Palavras-chave em inglês: Documentary moving-pictures Moving pictures - Appreciation Área de concentração: Multimeios Titulação: Doutora em Multimeios Banca examinadora: Fernão Vitor Pessoa de Almeida Ramos Denize Correa Araújo Marcius César Soares Freire Rosana Elisa Catelli Luciano Vaz Ferreira Ramos Data de defesa: 31-08-2015 Programa de Pós-Graduação: Multimeios

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AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, Prof. Dr. Fernão Vítor Pessoa de Almeida Ramos, pela oportunidade e pelo compartilhamento de conhecimentos e experiências ao longo da pesquisa e durante as disciplinas do Curso; Aos membros da Banca de Qualificação, Dra. Denize Correa Araújo, Dra. Lílian Fleury Dória e Dr. Fernão Ramos pelas observações precisas; Aos membros da Banca de Defesa Dr. Fernão Ramos, Dra. Denize Araujo, Dra. Rosana Catelli, Dr. Luciano Vaz Ramos, Dr. Március Freire, Dra. Cristiane Wosniak, Dr. Alfredo Suppia e Dr. Nuno Abreu por aceitarem o convite à avaliação da pesquisa de tese; Aos professores do Programa de Doutorado em Multimeios Prof. Dr. Fernão Ramos, Profa. Dra. Rosana Catelli, Prof. Dr. Március Freire e Prof. Dr. Ernesto Boccara, pelas contribuições; Aos cineastas Izabel Jaguaribe, Emílio Domingo, Thereza Jessouroun e Eduardo Escorel pela facilitação do acesso aos seus filmes para a pesquisa; Aos funcionários do Programa em Multimeios, em especial à Leticia Machado, pela assistência sempre solícita; Aos funcionários da Biblioteca do Instituto de Artes, Carlos Eduardo Gianetti e Francisco Genésio Mesquita pela cooperação; Aos colegas Régis Rasia, Juliano Araújo, Álvaro Cruz Zeni e Letizia Nicoli pelo apoio e pelas conversas edificantes e em especial a Luciano Vaz Ramos, pelas discussões e parceria científica; À amiga Dra. Denize Correa Araujo, pelas contribuições e presença eternamente apaixonada pelo cinema; Aos amigos Fabiana Moro Van Abbema, Janaína Seguin, Lorrayne Toebe, Fernando de Oliveira Souza, Joice Brasileiro e Dra. Marilane Ton dos Santos pelo apoio; Aos meus pais, Eliane e Sérgio Schneider, pelo incentivo incondicional; Ao meu noivo Joaquim De Almeida Brasileiro, por tudo.

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RESUMO

O objetivo geral desta tese é o estudo da asserção nos documentários musicais brasileiros de longa-metragem com duração superior a 70 minutos. A seleção de filmes intenta responder ao seguinte problema de pesquisa: como organizar em categorias conceituais os documentários musicais brasileiros de forma a contribuir para a compreensão de uma possível ordem cinematográfica que perpassa os filmes do subgênero, mas que ao mesmo tempo reconhece as especificidades de cada um? Os principais objetivos específicos da pesquisa são: a) compreender a asserção no documentário musical brasileiro; b) aplicar individualmente a cada filme do corpus da pesquisa um modelo analítico para determinação de sua asserção; c) nominar categorias que permitam o arranjo dos filmes de acordo com a sua asserção; d) responder ao problema da pesquisa de forma que as categorias criadas possam organizar os filmes ao mesmo tempo em que reconheçam suas especificidades assertivas; e) contribuir para o conhecimento e a pesquisa em cinema documentário e as características de subgênero. A hipótese é de que os documentários de um subgênero específico não podem ser meramente organizados por sua proximidade temática ou por sua plástica formal e que o conceito de asserção pode ser norteador para a compreensão do documentário musical.

Palavras-chave: documentários musicais, documentários musicais brasileiros, asserção no documentário.

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ABSTRACT

The overall aim of this thesis is the study of assertion in the Brazilian musical documentaries with more than 70 minutes long. The selection of films tries to answer the following research problem: how to organize in conceptual categories the selected Brazilian musical documentaries in a way to contribute to the comprehension of a feasible cinematic order that can permeate all subgenre films, but at the same time recognizes each film specificities? The main specific research objectives are: a) understand the concept of assertion in the selected Brazilian musical documentaries; b) apply individually to each film of the corpus an analytical process to determine its assertion; c) nominate categories that allow the arrangement of films according to their assertion; d) respond to the research problem in a way that the created categories can organize films and at the same time recognize their assertive specificities; e) contribute to the knowledge and research in documentary filmmaking and its subgenre features. The hypothesis is that the documentaries of a specific subgenre cannot simply be organized by its thematic proximity or formal plasticity and that the concept of assertion may help in a process of understanding musical documentary.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...... 11 1 O DOCUMENTÁRIO MUSICAL ...... 15 1.1 A problematização do documentário musical: sobre shows e outras vertentes...... 15 1.2 Documentário musical e asserção ...... 18 1.3 Documentário além da música: diretores e obras ...... 22 1.4 O cenário econômico-político do filme documentário musical no Brasil ...... 28 2 CORPUS DA PESQUISA: METODOLOGIA E FILMES ...... 36 2.1 Procedimentos seletivos e filmes do corpus ...... 36 2.2 Possibilidades de categorização ...... 48 3 ASSERÇÃO NO DOCUMENTÁRIO E CATEGORIZAÇÃO ...... 50 3.1 Filosofia Analítica e Documentário ...... 56 3.2 Teoria da Informação e categorização: taxonomias, ontologias e tesauros ...... 61 3.2.1 Teoria da Classificação Facetada de Ranganathan ...... 71 3.2.2 Teoria do conceito de Dahlberg ...... 73 3.2.3 Teorias e usos do argumento de Toulmin ...... 74 3.3 Anotações sobre especificidades fílmicas: roteiro e argumento no documentário ...... 79 3.4 Passos metodológicos da pesquisa para categorização dos filmes: mapa teórico ...... 86 4. CATEGORIAS DO DOCUMENTÁRIO MUSICAL BRASILEIRO ...... 89 4.1 Análise das características comuns aos documentários musicais ...... 90 4.2 Aplicação do modelo analítico assertivo: Bananas is my Business, de Helena Solberg, 91 min., 1995 ...... 94 4.3 Três categorias analíticas ...... 101

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4.4 Categoria Storytelling ...... 104 4.4.1 Faceta Ideologia reativa ...... 104 4.4.2 Faceta Memória de vida e obra ...... 120 4.4.2.1 Classe Fluxo laminar ...... 120 4.4.2.2 Classe Turbulência (sublevação) ...... 140 4.4.3 Faceta Revelação ...... 156 4.5 Categoria Expressão Fotográfica ...... 162 4.6 Categoria matriz prosaica ...... 164 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 170 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...... 176 FILMOGRAFIA NACIONAL ...... 181 FILMOGRAFIA INTERNACIONAL ...... 184 APÊNDICES ...... 185

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INTRODUÇÃO

Este documento apresenta a organização dos estudos realizados no Programa de Doutorado em Multimeios da Unicamp, na linha de pesquisa História, Estética e Domínios de Aplicação do Cinema e da Fotografia, como pesquisa de tese. O objeto sobre o qual se desenvolve esta proposta são os documentários do subgênero musical, com ênfase aos brasileiros. O interesse pelo tema surgiu da observação de um grande número de documentários musicais brasileiros realizados no País, especialmente a partir dos anos 2000. Este cenário pode ser comprovado pelo aspecto quantitativo de filmes com este perfil registrados na Ancine - Agência Nacional de Cinema - consolidando o subgênero como um dos que possui maior representatividade entre os documentários nacionais recentes. A função deste texto é apresentar a organização dos conteúdos metodológicos e analíticos, como os dados sobre o mercado de filmes nacionais referentes aos documentários musicais, as observações sobre as obras que compõem o grande conjunto de filmes recentes caracterizados como documentários musicais e o escopo teórico que dá sustentação à proposta analítica. A tese tem como objetivo geral analisar documentários musicais brasileiros de longa-metragem, de forma a compreender quais são as suas propostas assertivas. Nesta pesquisa, “asserção” refere-se aos conceitos da teoria contemporânea do cinema documentário, especialmente conforme apresentados pelo autor Noel Carroll (2005), que partilha seus estudos sob o viés da filosofia analítica e cognitivismo. Para este autor, as diferenças formais nos filmes documentários não são suficientes para assinalar as características do documentário. A asserção segundo este modelo de pensamento é possibilitar a identificação dos filmes como documentário, e foi estendida para a compreensão dos filmes que compõem o subgênero documentário musical. A asserção é entendida como uma afirmação decorrente do processo de argumentação de um filme, que se sobrepõe a uma sinopse genérica da obra, marcada pela intencionalidade de declaração sobre algum aspecto específico. Carroll desenvolveu o conceito de cinema da asserção pressuposta para o documentário assinalando-o a partir da orientação de que o documentário é uma obra onde “o realizador intenciona que

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o público entretenha como assertivo o conteúdo proposicional de seu filme em seu pensamento”. (Carroll, 2005, p. 88-89). A investigação inicial abrangeu uma grande quantidade de filmes como os registrados na Ancine, obras que possuem distribuição independente e outros que somente foram exibidos em Festivais, embora muitos não possuam registro na agência. Entre estes filmes, foram localizados formatos de curta, média e longa-metragem, produtos audiovisuais realizados exclusivamente para a televisão, além da indisponibilidade de acesso a cópias das obras às quais fosse possível aplicar uma observação mais pormenorizada. Disto decorreu a necessidade de empreender uma seleção metodológica para análise. Para tanto, muitos filmes observados no decorrer desta etapa foram excluídos do conjunto final obras categorizadas, observando critérios estabelecidos e identificados no capítulo dois desta tese. A pesquisa compilou 61 documentários de longa-metragem e foi realizada com a intenção de responder ao problema de pesquisa sintetizado pela seguinte pergunta: como organizar em categorias os documentários musicais brasileiros, de forma a contribuir para a compreensão de uma possível ordem cinematográfica que perpassa os filmes do subgênero, mas que ao mesmo tempo reconhece as especificidades assertivas de cada filme? Os objetivos específicos desta pesquisa são: a) compreender a asserção no documentário musical brasileiro, conforme exposto por teóricos da filosofia analítica como Noel Carroll, Carl Plantinga e Trevor Ponech; b) aplicar individualmente, em cada filme do corpus da pesquisa, um modelo analítico para determinação de sua asserção; c) nominar categorias que permitam o arranjo dos filmes de acordo com a asserção; d)responder ao problema da pesquisa de forma que as categorias criadas possam organizar os filmes ao mesmo tempo em que reconheçam suas especificidades assertivas; e) contribuir para o conhecimento e a pesquisa em cinema documentário e as características de subgênero. A hipótese contemplada é de que os documentários de um subgênero específico não podem ser meramente organizados por sua proximidade temática, pois o critério, apesar de ser válido, é apenas primário e muito genérico. Tampouco a plástica formal deve ser um critério prioritário, pois só identificaria valores muito específicos dos

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filmes, como a intenção autoral, não permitindo que se entre em contato com o sistema fílmico que permeia as obras e o subgênero. Além disso, uma análise meramente estruturalista não daria garantias das relações histórico-temporais do filme, pois as escolhas formais no documentário contemporâneo, onde está situada a maioria do corpus da pesquisa, dependem de variáveis incontroláveis e muito particulares, como preferências estilísticas, a dificuldade ou impossibilidade de liberação de direitos autorais e inclusive o fato de que o documentário lida com estruturas formais bastante típicas, reconhecíveis e repetitivas na maioria das vezes. O capítulo inicial trata de aspectos do documentário musical como a sua problematização. O cenário econômico-político do subgênero no Brasil, com análise dos dados da Ancine sobre a circulação nacional de filmes ficcionais e documentários, compõe os resultados apresentados no capítulo. Esta parte da pesquisa indica também os períodos de maior concentração dos lançamentos dos documentários musicais e sua relação de público no mercado cinematográfico. Para elaborar um modelo de análise e classificação das obras foi utilizada inicialmente uma base teórica que permitisse compreender o fenômeno da asserção no documentário. Como a premissa que caracteriza o gênero documentário, segundo Fernão Ramos (2008), é a asserção, o modelo analítico desenvolvido considerou que a categorização dos filmes deveria tomá-la como referência para o arranjo dentro do subgênero. A asserção é um conceito central ao juizo da filosofia analítica para estabelecer parâmetros de compreensão do documentário no universo dos filmes de não- ficção que, como sentencia Carroll (in Ramos, 2005b), seria mais apropriadamente compreendido se denominado de cinema da asserção pressuposta. Este é o tema do capítulo três que, para depreender a noção de asserção fílmica, também se fundamenta no marco teórico de Ponech (1999) e Plantinga (1999), que igualmente se detém sobre a preocupação assertiva do caráter do documentário. O capítulo três explica também como foi desenhado o modelo analítico aplicado a cada filme, que articulou elementos da proposta de Liakopoulos (2002) adaptada da Teoria dos usos do argumento de Toulmin (2001) e moldada para a especificidade fílmica para esta tese.

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Esse modelo analítico dá características metodológicas à análise porque garante que “o argumento é tão válido quanto é o raciocínio existente por detrás dele, e existem determinadas regras universais que podem ser usadas na avaliação da lógica do argumento”. (Liakopoulos, 2002, p. 219). Assim foi possível fazer uma aproximação entre o conceito de argumento e a asserção, permitindo que a asserção de cada filme fosse levantada a partir das características do argumento. O modelo entende que um argumento assertivo torna-se uma proposição porque é precedida de dados, exige um qualificador de dados, e conta com uma garantia e possível apoio para a validade do argumento. A partir da consideração “dados-qualificador de dados-garantias-apoio” foi possível identificar a asserção do filme documentário musical. Após o reconhecimento da asserção de cada um dos 61 filmes, a reflexão sobre a sua categorização ponderou a Ciência da Informação com seus conceitos e ferramentas tanto da área de biblioteconomia como do arquivismo. As referências aos métodos e conceitos sobre biblioteconomia foram adotados conforme os trabalhos de Campos (2006) e Carlan (2010). Do arquivismo, os conceitos de Schellenberg (2006) foram importantes para o entendimento dos processos de catalogação e classificação de obras. As considerações da Teoria Analítica do Conceito de Dahlberg (1978) foram adotadas por serem influenciadoras da teoria na ciência da informação, assim como aspectos sobre categorização conforme orientação da Classificação Facetada de Ranganathan (1967). O capítulo final apresenta observações sobre características comuns ao documentário musical brasileiro e se propõe a apontar as três grandes categorias que organizam os filmes analisados, suas respectivas facetas e classes. O modelo de classificação de asserções identificou três tipos principais de documentários musicais: os que priorizam o ato de contar histórias, os que enfatizam a expressão fotográfica e os que derivam de uma matriz prosaica, ao valorizar conteúdos históricos com abordagens universalizantes e de observação em detrimento da promoção de questionamentos. Conforme indicado neste último capítulo, pode-se perceber, pela análise assertiva, que o documentário musical brasileiro exibe uma preferência generalizada por obras que contam histórias, seja de músicos, artistas performáticos, estilos e eventos musicais, corroborando com a proposta estilística da narrativa própria do filme ficcional.

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1 O DOCUMENTÁRIO MUSICAL

O capítulo destaca a importância que o documentário, e em especial o subgênero musical adquiriu em tempos recentes no cenário mundial e significativamente na produção brasileira. São exploradas a problematização do subgênero e em especial, o contexto econômico-político onde se colocam os filmes no cenário nacional.

1.1 A problematização da música no documentário: sobre shows e outras vertentes.

A teoria contemporânea do cinema dá conta de que há especificidades nos filmes de ficção, não ficção e documentário. Notadamente no recorte analítico- cognitivista, esta diferenciação é colocada no centro do debate. Por recorte analítico- cognitivista disseminado por teóricos como Noël Carroll, Carl Plantinga e Trevor Ponech1 que se atém à conceituação do gênero fílmico, pretendendo determinar um campo de estudos no qual a asserção dos filmes é um ponto de partida. Esta pesquisa parte dos estudos destes autores para investigar um tema ainda mais específico do que o documentário: o subgênero musical. Para efeito de entendimento do gênero documentário, os documentários que problematizam a música foram considerados como um subgênero. A abordagem analítica citada considera que há uma confusão entre o que se considera não-ficção e documentário e entende que nem todo filme apreciado como não-ficcional pode ser tomado como um documentário. Da mesma forma, nem todo filme que trata do tema musical pode ser tomado com um documentário musical2. Como a intenção geral da pesquisa é promover uma classificação dos filmes documentários musicais, inicialmente alguns aspectos sobre este subgênero precisaram ser explorados,

1 Estes não são os únicos autores que promovem análises analítico-cognitivistas, apenas foram tomados com principais referências para esta tese por sua dedicação ao assunto da asserção. David Bordwell e Edward Branighan, por exemplo, também dedicam obras ao assunto, sendo que o primeiro se ocupa de uma extensa revisão histórica do cinema com ênfase no estilo e o segundo às questões dos jogos de linguagem e às narrativas face às teorias do cinema. 2 Para esclarecer o debate, os conceitos cognitivistas destes autores são abordados com maior profundidade no capítulo três desta tese.

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como a delimitação do que é o documentário musical e a atenção que realizadores tem lhe dedicado em tempos recentes. Conforme ressalta Ponech

Defendo que o núcleo da não-ficção não consiste em uma relação objetiva indicadora, mas da ação de indicação, ou seja, alguém de forma deliberada e abertamente indicando algo a alguém. Documentários adquirem esse estatuto, porque são concebidos, criados, mostrados, e usados com determinados propósitos comunicativos definitivos em mente. (...) eles são asserções cinematográficas, imagens naturalmente significativas que estão entre os elementos utilizados pelo comunicador para fins afirmativos3. (PONECH, 1997, p. 205)

Ao aceitar que existe este aspecto primordial de intencionalidade assertiva do documentarista, é possível estendê-lo para analisar os documentários do subgrupo musical. A proposta inferida por Ponech (1997) também compete ao que se tem de essencial no filme documentário musical: é possível identificar que este tipo de filme enquadra-se num lugar de fala em que há uma ação indicadora de alguém para evidenciar um aspecto inserido no universo musical. Isto é importante porque há muitos filmes que tangenciam o tema musical, mas não necessariamente se afirmam como documentário musical. E isto pode ser verificado a partir das efetivas propostas assertivas dos filmes. Por esta razão, a observação da asserção do filme decorrente de sua argumentação, na medida em que afirma problematizar a música e seus aspectos próprios – como músicos, estilos, eventos instrumentos e performances musicais - ficou estabelecida como uma fonte determinante para o entendimento de um filme como um documentário musical. Por esta razão uma cinebiografia, por exemplo, não é um documentário musical, na medida em que não tem uma proposição assertiva no sentido de sê-lo4.

3 “I argue that the core of non-ficction consists not of an objective indicator relation, but of the action of indication, i.e, somebody deliberately and openly indicating something to somebody else. Documentaries acquire their status as such because they are conceived, created, shown, and used with certain definitive communicative purposes in mind. As I say, they are cinematic assertions, naturally meaningful images being among the elements employed by the communicator toward assertive ends”. (PONECH, in ALLEN e SMITH, 1997, p. 205) 4 Há vários filmes de ficção brasileiros lançados no período em que se concentra a maior parte dos títulos analisados nesta pesquisa que tematizam a música e se caracterizam por cinebiografias. Exemplos destes filmes são duas obras do diretor Breno Silveira: Dois filhos de Francisco, 2005 e Gonzaga, de pai para filho, de 2011. Estas obras são filmes ficcionais do subgênero drama que, por tematizarem a vida e obra de

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Carroll (2005) em sua conceituação que presume a diferenciação entre o cinema de não ficção e o cinema documentário diferencia “traço pressuposto” e “asserção pressuposta” sob o seguinte argumento:

O conceito de cinema do traço pressuposto é distinto do de cinema da asserção pressuposta. Este último é, em geral, mais amplo, pois se refere a obras cujo realizador tem as mais diversas espécies de intenção assertiva, ao passo que o cinema do traço pressuposto diz respeito apenas aos filmes cujos realizadores têm uma intenção assertiva muito particular, qual seja, a de que as imagens sejam entretidas como uma asserção de que são traços históricos. A noção de cinema do traço pressuposto compreende a dimensão “documental” que muitos associam ao chamado cinema documentário. (CARROLL, 2005, p.94)

Esta identificação do traço pressuposto contribuiu para delinear o perfil da investigação em curso, uma vez que o que procurou compreender nos documentários musicais brasileiros é muito próximo do que o autor declara, uma vez que boa parte de suas asserções pressupõem traços históricos. Outro ponto relevante é apontado por Plantinga (1999), quando procura definir o que realmente faz com que um filme seja caracterizado como ficção ou como não ficção:

Podemos não encontrar nada de intrínseco em um filme ou livro identificado claramente como ficção ou não ficção. A distinção entre ficção e não ficção não se baseia unicamente nas propriedades intrínsecas textuais, mas também no contexto extrínseco da produção , distribuição e recepção ... Quando um filme é indexado como não ficção, incentiva um tipo especial de atividade do espectador. A indexação ocorre através de créditos e títulos, menções explícitas do filme como não-ficção em publicidade, press releases, entrevistas, boca a boca, e numerosos outros meios.5 (PLANTINGA, 1997, P. 16)

músicos, se apresentam como cinebiografias. Isto mostra que a própria indexação de um filme é um indicativo de sua asserção. Cinebiografias ficcionais não se declaram como documentários, muito menos como documentários musicais.

5 We may find nothing intrinsic in a film or book that clearly marks it as fiction or nonfiction. The distinction between fiction and nonfiction is not based solely on intrinsic textual properties, but also on the extrinsic context of production, distribution, and reception… When a film is indexed as nonfiction, it encourages a special type of spectator activity. Indexing occurs through credits and titles, explicit mentions of the film as nonfiction in advertising, press releases, interviews, word of mouth, and numerous other means. (PLANTINGA, 1997, P. 16)

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Plantinga (1999) argumenta que não há nada intrínseco ao filme que possa marcar claramente se é ficção ou não-ficção. Contudo, se o filme é indexado como não ficção, muitas vezes a expectativa do espectador em encontrar no filme algo que se relacione ao campo extradiegético é bem mais acentuada do que se o filme fosse anunciado como ficção. O autor complementa que “(...) não ficção afirma uma crença de que os objetos dados, entidades, estados de coisas, eventos ou situações realmente ocorrem (ocorreram) ou existem (existiram) no mundo real como retratado”. Embora nem sempre documentários sejam representativos de uma certa “verdade” e nem sempre filmes ficcionais sejam afastados completamente de certos eventos, o rótulo de documentário confere à obra um status de possibilidade de plausibilidade e de acentuada verossimilhança.

1.2. Documentário Musical e Asserção

É precisamente no momento em que o documentário se acerca da música promovendo asserções prioritárias sobre seu universo que se encontra o subgênero musical. Mais do que meramente promover um registro de temática musical, estes filmes problematizam um aspecto deste domínio. É comum encontrar no universo não-ficcional várias tipologias fílmicas que tematizam a música, como shows, filmes de bastidores, ou rockmentaries. A proliferação de nomenclaturas tem surgido conforme mais autores de dedicam à pesquisa dos documentários musicais e isso é parte do processo em trânsito para compreender o documentário musical. Um dos questionamentos diz respeito à diferença entre registro e documentário. O registro é informativo, pontual. O show é um registro, não é um documentário musical. É o caso do DVD Maria Rita (2003), que é a gravação de um show realizado no Bourbon Street, em São Paulo. Esta obra não pretende se afirmar como um documentário musical porque é um registro de performance. Com direção de Marcus Vinícius Baldini e Homero Oliveto, sua função é musical e integra a vasta gama do que pode ser chamado de filme não ficcional. Mas não é um documentário, pois não se associa à definição do cinema da asserção pressuposta. E também não problematiza a música, apresenta-a, demonstra-a, executa-a.

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Há várias nuances entre o registro e o documentário musical. Jards, de Eryk Rocha, 2013, é um documentário que opera nos limites entre o registro e o documentário. Ao atuar como um diário de bastidores da gravação de um álbum de Jards Macalé, a asserção do filme caminha no sentido de revelar o processo criativo do artista por meio de suas parcerias com outros músicos enquanto resgata referências à história pessoal e da carreira do artista. Apoiando-se numa cinematografia6 detalhista e performances de estúdio, o filme afirma uma visão particular do diretor sobre uma obra musical, ancorado numa matriz prosaica que atribui à trivialidade do cotidiano o tom da obra. Por outro lado, como cita Marcius Freire, uma das razões para o crescente interesse pelo documentário é que em geral são filmes de baixo custo e são o caminho preferido por muitos cineastas iniciantes para realizar suas primeiras obras, credenciando-os a partir da participação em Festivais e iniciando um portfólio pessoal de filmes de longa-metragem. Asserções centradas em personagens do universo musical funcionam também como uma espécie de credenciamento do cineasta a um universo específico, que constitui um nicho de fãs e amantes da música em geral. Outra característica que marca a recepção é a emoção. Na obra Minerva´s Night out – universo Pop (2015, cap. 5, p1), Carroll comenta:

Filmes são bem sucedidos, quando efetivamente fazem sucesso, em grande medida, ao abordar as emoções dos espectadores. As emoções são capazes de desempenhar essa função tão bem, porque as emoções, ou, pelo menos, as emoções normalmente provocadas pelo cinema, são amplamente convergentes através de vastas populações, de fato, que geralmente gostam de ser empurradas para os estados emocionais relevantes, de modo que desde que eles não tenham que pagar o preço que esses estados exatamente padronizados (como tristeza, por exemplo, correlaciona-se com a perda pessoal). Essa é uma das razões pelas quais os espectadores se reunem para ver filmes. As emoções não só contribuem para a compreensão das narrativas cinematográficas, como o fazem de forma a promover o prazer.7 (CARROLL, 2015, cap 5, §2)

6 Referência ao termo cinematography, comumente traduzido no Brasil como direção de fotografia.

7 Movies succeed, when they do succeed, in large measure, by addressing the emotions of spectators. The emotions are able to perform this function so well, because the emotions, or, at least, the emotions usually stirred up by the movies, are broadly convergent across vast populations, indeed, that generally enjoy being thrust into the relevant emotional states, so long as they do not have to pay the price that those states

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Este parece ser um caminho interessante na tentativa de uma conversa do cineasta com um público de certa forma já desenhado, para o qual se pode considerar certas expectativas de interação. O documentário musical Raul – o início, o fim e o meio, de Walter Carvalho, 2012, não é um filme amador. Seu diretor tem múltiplas experiências no cinema, tanto como diretor quanto como diretor de fotografia, e sua asserção visa resgatar a memória de vida e obra do músico Raul Seixas. No ano de lançamento, o filme obteve a maior bilheteria do cinema brasileiro, um fato até então impensável para um filme documentário nacional. Isto reitera a ideia de ascensão do subgênero, possivelmente devido aos apelos emotivos da evocação do nome do artista, da amplitude de conhecimento alusivo prévio do público sobre a trajetória e as canções do artista e, evidentemente, das possibilidades de distribuição que não são comuns ao documentário musical. O fato é que em meio à ascensão do subgênero, certos filmes ganharam demasiado destaque não somente no cenário nacional. Searching for sugar man, de Malik Bendjelloul, 2012, competiu na categoria de documentário de longa-metragem no Oscar 2013 e venceu8. O filme anglo-sueco conta a trajetória do bluesman Sixto Rodrigues, que lançou dois discos na Detroit dos anos 70, onde fracassou. O contraponto se dá com o grande sucesso que o músico fez na África do Sul onde é considerado um mito cercado de versões populares sobre sua morte. A asserção do filme abre a oportunidade para um filme investigativo, novamente com grande apelo fotográfico, construções argumentativas que encaminham para a emoção e centralidade no imaginário arquetípico do artista exposto à idolatria e à decadência. Uma vez que o subgênero também tem se caracterizado como um nicho de mercado, os autores Edgar, Fairclough-Isaacs e Halligan (2012, p. 3) apontam que este mesmo fato colocou o subgênero em crise. Para os autores que pesquisaram as lojas de música nos Estados Unidos, há uma saturação em termos de aposta em consumo comercial destes filmes, que precisam “explorar as subjacências ideológicas, sociais,

standardly exact (as sadness, for example, correlates with personal loss). That is one of the reasons that viewers flock to the movies. The emotions not only contribute to the intelligibility of motion-picture narratives, but they do so in a way that promotes pleasure. (CARROLL, 2015, cap 5, §2) 8 Searching for Sugar Man já havia recebido, duas semanas antes, o prêmio BAFTA da 66ª edição do British Academy Awards na categoria documentário.

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performáticas, históricas e estéticas do formato”. No prefácio de sua obra os autores questionam a convergência de interesses artísticos e comerciais na realização de documentários musicais:

O documentário musical adquiriu destaque - a partir de um simples complemento "adequado" a um componente fundamental para a música popular contemporânea, e um gênero de filme em seu próprio direito - sem nunca ser sujeito a perspectivas críticas e acadêmicas substanciais. E, no entanto, mesmo no ponto de embarcar esse estudo, descobrimos que o gênero em si está em crise. Foi a detecção da institucionalização do documentário musical e as formas pelas quais, de quase todas as categorias de documentário, esse gênero tornou-se tão completamente entregue às preocupações comerciais, que levaram à necessidade de identificar e explorar o ideológico, o social, o performativo, as bases históricas, estéticas e formais. Para colocar em termos mais simples: quase qualquer loja de música comercial agora irá conter uma seção de "documentários de música". O gênero está claramente bem estabelecido. E ainda comprova que uma pequena seleção desses documentários pede uma pergunta inevitável: como é possível que o documentário, que opera no campo da música popular, tenha estado tão longe das ideias de objetividade e de reportagem - ideias que representam os fundamentos da forma documental - e tornou-se pura publicidade?9 (EDGAR, FAIRCLOUGH-ISAACS E HALLIGAN, 2013, p. 11)

A citação é instigante no sentido de evitar o simplismo de pensar que só o conteúdo, ou só o rótulo de documentário, ou só a música, podem fazer do filme um sucesso. Há muitos outros fatores, como a atuação da mídia, que podem favorecer uma aceitação de um público ávido por novidades.

9 The music documentary has risen in prominence – from a mere adjunct to music “proper” to a component fundamental to contemporary popular music, and a film genre in its own right – without ever being subject to substantial critical and academic perspectives. And yet, even at the point of embarking such an examination, we find that the genre itself is in crisis. It was the detection of the institutionalization of the music documentary and the ways in which, of almost all categories of documentary, this genre has become so fully given over commercial concerns, that prompted the need to identify and explore the ideological, social, performative, historical, and aesthetic underpinnings of the form. To put this is more straightforward terms: almost any commercial music store will now contain a “music documentaries” section. The genre is clearly well established. And yet to sample even a small selection of these documentaries prompts an unavoidable question: how can it be that documentary, operating in the field of popular music, has strayed so far from ideas of objectivity and reportage - idea– that represent the fundamentals of the documentary form – and has become pure promotion? (EDGAR, FAIRCLOUGH-ISAACS E HALLIGAN, 2013, p. 11)

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1.3. O documentário muito além da música: diretores e obras

Listas de filmes internacionais com títulos de documentários musicais são difundidas por instituições dedicadas ao cinema e à música, como acontece com o IMDB e a revista Rolling Stone. O interesse pelo filme documentário musical se dá exatamente pelas possibilidades paradigmáticas de seus temas, com especial apelo às imagens de arquivo inéditas em geral pertencentes ao acervo pessoal de artistas ou seus herdeiros, como acontece no filme Kurt Cobain – Montage de Heck, de Brett Morgen, 2014, que traz imagens do cotidiano prosaico do músico e vocalista da extinta banda norte-americana Nirvana. O filme revela, entre aspectos da relação familiar do artista na infância e na adolescência, a rotina de sexo, drogas e álcool devidamente registrado por câmeras caseiras por ele mesmo e sua ex-esposa, Kurtney Love, que também dá seu depoimento no filme revelando intimidades e seu ponto de vista sobre o músico que se suicidou em 1994. No cenário brasileiro, o documentário Uma noite em 67, de Renato Terra e Ricardo Calil, traz um legado importante para corroborar com o debate sobre direitos autorais do uso de imagens. As imagens e depoimentos dos músicos durante o III Festival da Música Popular Brasileira, realizado pela TV Record em outubro de 1967, não são imagens às quais se tem acesso facilmente, já tendo sido requisitadas por cineastas que tiveram sua reprodução em outros filmes inviabilizada pelos valores incrivelmente altos cobrados10. Este aspecto da presença de imagens populares, mas poucas vezes reproduzidas, também é uma característica que demarca o documentário musical.

10 O crítico Lucas Salgado, do site especializado Adoro Cinema cita o fato de que “Quando Monique Gardenberg dirigiu Benjamin, adaptação de romance homônimo de Chico Buarque de Hollanda, ela pretendia utilizar cenas de um Festival da Música Popular Brasileira da TV Record em que o cantor se apresentava. Assustada com os valores pedidos para a liberação dos direitos de imagem, a diretora pediu ao próprio Chico que tentasse sensibilizar os executivos da Record. E mesmo assim não conseguiu a liberação e a cena foi excluída do roteiro. Esta história é importante no sentido de se reforçar o grande mérito do filme, que é justamente resgatar uma das noites mais importantes da MPB através de imagens de arquivo preciosas e muitas vezes perdidas pela vontade mercadológica de corporações (não só a Record, diga-se de passagem). Este último fator ainda permanece, mas felizmente os produtores do filme conseguiram contorná-lo ao convencer a recém-criada Record Entretenimento a aderir a produção”. Disponível em: http://www.adorocinema.com/filmes/filme-187074/criticas-adorocinema/ Acesso em: 20.04.2015

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É certo que se a literatura sobre cinema documentário ainda é escassa se comparada aos estudos publicados sobre cinema ficcional, sobre documentários musicais a situação é ainda mais complicada. Contudo, o tema tem gerado interesse no mundo acadêmico nos últimos anos e alguns pesquisadores tem se dedicado ao tema por meio de estudos pontuais, apesar de, especialmente em língua portuguesa, ainda serem poucas as obras dedicadas ao tema. Como exemplo de obra estrangeira que dedica artigos ao documentário musical, está a de Edgar, Fairclough-Isaacs e Halligan (2013), cuja seleção de artigos se debruça, ora sobre o rádio-documentário e projetos televisivos norte-americanos ou estudos de caso isolados sobre filmes considerados clássicos, ora tenta compor uma retrospectiva compilativa ou de definição do subgênero. Rogers (2015) edita coletânea de artigos que se debruçam sobre o universo musical no documentário, onde apesar do documentário musical não ser a prioridade, a busca pela autenticidade no documentário de Indie-rock analisado por Sexton (2015) traz uma contribuição para os estudos do tema. A história do documentário musical no mundo é ampla. Grandes diretores internacionais se dedicaram ao documentário musical, como o premiado norte-americano Ken Burns, que em 2000 realizou Jazz, uma minissérie de dez episódios com duração de 1.140 minutos que foi exibida pela PBS11 em 2001. Jazz documenta os músicos e compositores norte-americanos inovadores e se popularizou após o lançamento em DVD. O filme tem bem marcadas as características estilísticas do diretor na articulação das imagens com as trilhas sonoras e a movimentação lenta de câmera sobre fotografias, o que acabou por influenciar a criação de Ken Burns effect12. Outro documentarista norte- americano, Les Blank, tornou-se conhecido por seu trabalho à frente de documentários de curta-metragem sobre músicos tradicionais norte-americanos como Dizzie Gillespie (1965) e o compositor experimental Christopher Tree (1967). Dirigiu dois filmes em 1968 sobre o bluesman texano Lightnin’ Hopkins: The Blues Accordin’ to Lightnin’ Hopkins e The Sun’s Gonna Shine e em 2008 Ry Cooder and the Moula Banda Rythm Aces, só para citar alguns dos títulos de sua filmografia. Les Blank teve grande colaboração para

11 PBS – Public Broadcasting Service, emissora norte-americana 12 Ken Burns Effecct: recurso conhecido no mundo do design gráfico, criado pela Apple para seus software de edição de imagens I-Photo, I-movie e Final Cut Pro X. Les Blank é outro diretor destacado no capítulo inicial.

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a consolidação do subgênero de documentários musicais e em 2013 recebeu do Hot Docs – Festival Internacional de Documentários do Canadá uma homenagem póstuma retrospectiva de sua obra. Murray Lerner, outro documentarista e produtor estado-unidense, dedicou boa parte de sua obra a documentários musicais. É o que se vê em obras como From Mao do Mozart: Isaac Stern in China, de 1980, onde visita a trajetória do violinista polonês; Message to love: Isle of Wright Festival, de 1995, que trata da edição Isle of Wright Festival de 1970 e Amazing Journey: The story of the show (2007), para citar alguns. As culturas locais no século XX foram muito marcadas pela difusão de sua produção musical. Alguns documentários musicais acabaram por ganhar lugar de destaque entre fãs, críticos e músicos. São filmes com impacto e condições de distribuição completamente diversas como Gimme Shelter (1970), sobre famoso show da banda Rolling Stones em 1969 e documentários mais periféricos como Mahaleo (2005) sobre os músicos da maior banda de blues de Madagascar, onde a trajetória musical e pessoal dos artistas se confunde com as condições sócio-econômicas do país. Grandes nomes da música continuam liderando o destaque midiático dado ao documentário musical. Amy, de Asif Kapadia, 2015, assere que a trajetória da cantora Amy Winehouse é um resultado do meio em que viveu, tendo a cantora sido consumida por ele. What happened, Miss Simone?, de Liz Garbus, lançado no mesmo ano, assere que a personalidade forte da cantora foi o aspecto principal da sua trajetória musical. Como se pode perceber, a escolha de personagens midiáticos no documentário musical não se dá apenas por uma seleção de elementos formais. Estes filmes tem uma intenção clara de emitir uma afirmação sobre o mundo, com a qual os elementos formais corroboram. Martin Scorsese também incursionou no cinema documentário musical, à frente de filmes como No Direction home: Bob Dylan (2005) e Living in a material world: George Harrison (2011). No subgênero musical, os títulos The last Walts (1978) e Shine a light (2008) contribuem para o debate sobre as fronteiras entre o show - o simples registro de uma performance musical - e o documentário musical, cuja articulação de conteúdos gerada asserções sobre o tema em questão. Esta é a razão pela qual este

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último filme foi tomado como exemplo para uma análise mais atenta, procurando ressaltar os argumentos de diferenciação entre o documentário e o show. Shine a Light13(2007) é um longa-metragem de um diretor mais popularmente conhecido por suas obras ficcionais, o que por si só já chama atenção para a prévia categorização do filme como documentário. O óbvio seria que fosse um filme de ficção. Mas não é, e tampouco tem pretensões modestas de ser meramente um show. O curioso é que as informações que cercaram o lançamento do filme - seu paratexto - e os conteúdos publicitários elaborados sobre ele pelos distribuidores levam-no ao status de documentário. O filme chegou ao espectador referendado como um registro de dois shows da banda Rolling Stones no Beacon Theater de Nova York em 2006, prometendo revelar os bastidores e a própria filmagem dos eventos em película 35 mm. Mas o que ele assere, como faz isso do ponto de vista das estruturas internas de som e imagem em movimento selecionadas e ao que se propõe, qual o seu lugar de fala? Shine a light é um documentário ou um show? Ponech14 (1999) chama a atenção para um conceito pragmático do que seria realmente a causa de um filme não ficcional. Um filme, para ele, é um documentário porque foi realizado com a intenção de sê-lo. O autor crê que padrões generalizantes sobre o que é um documentário não correspondem a um embasamento consistente para compreensão do filme de não ficção. Para Ponech, um filme deste gênero não precisa ser totalmente factual, nem conter um objetivo puro e único. Tampouco o filme não ficcional prima pela representação não manipulada ou adota um assunto ou forma padrão. A realidade do filme, conforme o autor, não precisa coincidir com a realidade lá fora, nem pertencer a convenções normativas como forma, estilo, conteúdo, verdade ou objetividade. Dadas estas referências, é possível entender que o documentário não é um modelo com formato prévio e engessado e que para ser assim categorizado não precisa seguir algum rigor formal, seja em termos de conteúdo, plástica narrativa ou abordagem. Estes argumentos são justos para um ponto inicial de análise do filme Shine a Light: Não se está aqui procurando encontrar no filme o que ele tem de verdade ou objetividade para que possa ser reconhecido como documentário, mas os elementos argumentativos que

13 Rolling Stones - Shine a light, dir. Martin Scorsese, EUA, 2007. 14Trevor Ponech é um pesquisador canadense e um dos principais autores das teorias contemporâneas do cinema. Sua obra é influenciada pela filosofia e ele não aceita a descontextualização dos filmes analisados, considerando que a estética não é radicalmente autônoma da política, da ideologia, da moral ou da economia. O autor compreende que links para essas esferas são imperativos e seus conceitos não se ancoram exclusivamente nas teorias do cinema.

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revelam a acuidade assertiva do diretor que compôs um filme-show-documentário teoricamente sustentável. Ramos (2008) aponta para o mesmo conceito de Ponech. Para Ramos, o documentário faz asserções sobre o objeto que pretende evidenciar, e para sabê-lo é preciso compreender a questão ética que está em jogo, investigar quais as formulações válidas que o filme faz sobre o “real”. O autor igualmente desvincula qualquer compreensão do filme documentário das relações de objetividade e verdade. Se todo documentário organiza e reconstrói a representação do mundo e emite postulados sobre o mundo - como demonstra o autor - é preciso, para a análise, decompor o filme e perceber como ele expõe assertivamente através de imagens e sons. Quantitativamente, Shine a light é um show. O filme é muito mais as apresentações dos músicos do grupo Rolling Stones, sua banda complementar e os convidados - bons ou ruins - do que asserções sobre um universo específico. Deste lugar de fala, o longa-metragem seria meramente um show, com tanto valor de documento como qualquer outro dos muitos shows da banda que estão disponíveis em mídias eletrônicas, digitais, ou acessíveis na internet. Mas isto imediatamente transformaria, a partir de um argumento raso, qualquer show gravado em cinema ou vídeo em documentário. Um olhar qualitativo revela uma intenção assertiva norteadora neste filme, que tende a direcionar a percepção do espectador para algo além do show. Há algo mais acontecendo no filme capaz de criar tensão, jogar com expectativas, estimular uma percepção extra do que se vê no palco e costurar o que está na tela com todo o espaço fora dela. E é nesse aspecto do filme que repousa o seu caráter documental. Intencionalmente, Scorsese cria uma espécie de narrativa que conduz o espectador a partir do seu primeiro contato com o filme: é um documentário dele sobre os Rolling Stones, tendo como ponto central uma performance – o que é a banda em sua essência. Shine a Light entremeia o show com depoimentos: o diretor é mostrado com sua equipe em ação na pré-produção do show e durante as filmagens, e aposta tudo em entrevistas, muitas garimpadas em acervos de emissoras internacionais que tiveram circulação restrita em seus países. Mas isso tem uma clara intenção de referenciar um estilo de cinema direto, como se a câmera pudesse ser uma mosquinha na parede. Por exemplo, a câmera flagra uma reunião restrita onde consta que Mick Jagger e Scorsese se desentenderam durante as filmagens, que o aparato de iluminação do show será tão intenso que poderia “fritar” Mick Jagger e que o diretor do filme não tem a menor ideia de qual será a ordem das músicas do show e só fica sabendo disso segundos antes do início do evento.

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Como revelam as entrevistas retiradas de arquivos, são resgatadas situações hilárias nas quais os integrantes da banda dão entrevistas para programas de TV, possivelmente os mais esquisitos de sua carreira, e respondem a perguntas quase inacreditáveis como “- Quem você seria se não fosse Mick Jagger?”. A seleção das entrevistas indica uma intenção em mostrar o lado vítima dos integrantes da banda, que por conta do sucesso precisam responder quase sempre às mesmas perguntas e são obrigados a rir de piadas completamente sem graça muitas vezes. O filme de Scorsese desenha um grupo de músicos com um lado muito empresarial, sério e voltado para resultados mercadológicos, mas que só queria mesmo era levar a vida de forma menos engajada, como comprovam as entrevistas onde os músicos estão visivelmente sob efeito de psicotrópicos, ou recém saindo da cadeia por questões vinculadas ao consumo de drogas. Scorsese deixa sua marca evidente: um documentário assinado por ele não deixaria de lado uma certa encenação, aliada a uma condição narrativa muito fronteiriça com o filme ficcional. O espectador acompanha a saga de um diretor famoso – Scorsese – tentando fazer um documentário sobre um show, mostrando uma parte dos problemas que o levam a acompanhar o evento com a mesma ansiedade do realizador de que tudo dê certo. Este é um documentário com fortes aportes do documentário direto, busca ancoragens históricas em imagens de arquivo e flerta com a narrativa ficcional para compor sua asserção sobre os shows em questão. Evita a voz over típica do documentário clássico e convoca a casualidade das conversas cotidianas em sua substituição. Sua asserção é a de que um show da banda Rolling Stones é uma performance que requer uma complexidade imensa e que merece ter sua história registrada junto com a sua performance, o que leva o filme a afirmar-se enquanto documentário. O interesse sobre este perfil de filmes ocorre devido ao que se pode considerar uma ascensão do gênero, com uma identificação quantitativa crescente de títulos lançados em tempos recentes, especialmente os realizados por documentaristas brasileiros. Desde o surgimento do que se convencionou chamar de Cinema da Retomada15 na historiografia do cinema nacional, nota-se não apenas o interesse pela produção de documentários musicais, mas a proximidade de muitos títulos com a música.

15 Cinema da retomada é o período do cinema brasileiro que congrega as produções realizadas a partir de 1995. Nagib (2002) reforça o filme Carlota Joaquina, princesa do , de Carla Camuratti, 2005 como marco desta fase que, com o apoio de políticas de fomento, viabiliza um recomeço da produção cinematográfica após um período de escassez de filmes decorrente da ditadura militar e do fechamento da

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1.4. O cenário econômico-político do filme documentário musical no Brasil

Não é propriamente uma novidade que o cinema documentário está em ascensão. Bill Nichols é bastante direto ao expor que “o debate sobre o documentário cresceu exponencialmente desde o início da década de 1990” (2005, p.220). Seu ponto de referência para esta afirmação é a quantidade de obras literárias recentes lançadas sobre o filme de não ficção. Consuelo Lins destaca que o fenômeno tem igualmente ecoado no Brasil, mas desta vez com aporte na realização fílmica: “a produção está em franco crescimento, alguns títulos chegam à tela grande, a atenção do público e da crítica é cada vez maior” (2011, p. 10). Mas, apesar do otimismo da autora ao citar que “o quadro é sem dúvida rico e promissor” (LINS, 2011, p. 10), faz-se necessária uma observação sobre o que realmente está acontecendo no mercado cinematográfico com o filme de longa-metragem do gênero documentário, especialmente atentando para os dados disponíveis. É certo que a produção de filmes documentários brasileiros vem aumentando desde meados dos anos 90. Uma breve comparação dos dados da Ancine - Agência Nacional do Cinema16 - mostra este crescimento de produção no gênero não- ficcional entre os anos de 1995 e 2014 no País. Exemplo disso é o ano de 1995, quando dos dez filmes registrados como produção nacional, apenas três eram documentários. Este número cresceu e em 2009, dos 84 longas-metragens registrados pela Agência, 38 eram documentários. Em 2011, dos 99 filmes registrados, o número de documentários subiu para 40. Já em 2012 o número se manteve alto, com 36 documentários registrados. Para o ano de 2013 houve uma evolução em relação ao ano anterior com 50 documentários e no ano de 2014, com um total de 114 filmes lançados, 36 foram documentários. Os números referem-se à oferta de filmes, ou seja, essa evolução possibilita apenas uma análise quantitativa no mercado de filmes no Brasil.

Embrafilme. O termo Pós-Retomada é apontado por Oricchio (2003) para denominar as produções após o filme Cidade de Deus (2002). 16 Disponível em: . Acesso em: 10.01.2015. Os dados mercadológicos são disponibilizados pela Ancine no site do Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual. Disponível em: http://oca.ancine.gov.br/anuario_estatistico.html . Acesso em: 10.01.2015.

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Gráfico 1 – Filmes lançados no Brasil de 1995 a 2014

Disponível em: . Acesso em 10.01.2013

Em sintonia com o que parece uma tendência que vem se acentuando na produção mundial, há também que se considerar que o É Tudo Verdade - Festival Internacional do Filme Documentário17 - constata igualmente um maior número de filmes inscritos. Lins (2009) compara o número de filmes brasileiros inscritos em 1996 neste Festival, que foi de 45, com os 400 inscritos em 2007. Em 2012, a 17a. edição do Festival contou com 80 títulos de 27 países e 25 lançamentos mundiais de filmes. Na Mostra Competitiva, sete filmes brasileiros participaram. Mas um olhar superficial a estes números pode indicar erroneamente que há um aquecimento do mercado de filmes não ficcionais, com mais público e, precipitadamente arriscar, que há mais espectadores interessados em filmes documentários nacionais, ou mais salas exibindo este gênero de filmes. A informação oficial fornecida pelo órgão do governo registra um fato mercadológico interessante no que diz respeito à quantidade de produções documentais. No período de 1995 a 2011 foram lançados 797 filmes brasileiros, contabilizando os gêneros de animação, ficção, documentário e outros18. Destes, 255 são documentários,

17 É Tudo Verdade – Festival Internacional do Filme Documentário é um evento realizado no Brasil e é o maior festival do gênero na América Latina, e realizou em 2013 a sua 18a. edição. Disponível em: . Acesso em 7.11.2013. 18 Para elaboração da Tabela 1 com os números referentes aos filmes entre 2005 e 2011, a Ancine informa que há apenas um filme na categoria “outros”, que é o filme Palavra (En)Cantada, de 2011. Disponível em: . Acesso em 20.10.2012. Esta categorização foi corrigida nas tabelas recentes da ANCINE e em 2014 o filme é indicado como documentário.

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contra 532 filmes de ficção e nove animações. Destes, 255 são documentários, contra 532 filmes de ficção e nove animações. Nota-se que a produção em geral, incluindo filmes de ficção e documentário, cresceu especialmente entre 2006 e 2011, atingiu uma média de 70 filmes por ano e revelou uma média de 81 filmes lançados anualmente só nestes seis anos (Tabela 1). Apesar do pico de filmes não ficcionais em 2001 e 2002, com oito e dez filmes respectivamente, é a partir de 2004 que a presença dos documentários afirma-se. Portanto, na produção recente, é visível o aumento de títulos do gênero documentário, embora o cenário, nos relatórios dos dados de bilheteria, público e salas de exibição, não pareça tão animador.

TABELA 1 – Filmes Brasileiros por Gênero registrados na ANCINE entre 1995 e 2011

Disponível em: . Acesso em 10.01.2013

A tabela 1 mostra que, em 2011, a produção de filmes de não ficção atingiu 40% do número total de longas-metragens lançados e registrados na ANCINE, um recorde para o período. Em 1995, quando começou a retomada da produção de filmes no país após período histórico que incluiu um governo ditatorial, procedimentos institucionalizados de censura e fechamento da Embrafilme, dos primeiros onze longas- metragens gerados na nova era dos mecanismos legais de incentivo, apenas três documentários foram lançados. Bananas is my Business de Helena Solberg, Yndio do Brasil de Silvio Back e Cinema de Lágrimas de Nelson Pereira dos Santos iniciaram uma perspectiva que, dezoito anos depois, estaria se configurando como uma séria opção para os realizadores.

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TABELA 2 – Filmes Brasileiros Documentários registrados na ANCINE em 1995 Filme de 1995 Bilheteria Público Bananas is my Business 90.000 15.470 Yndio do Brasil 15.000 3.000 Cinema de lágrimas 7.500 1.575 Disponível em: . Acesso em 10.01.2013

Na tabela 2 é possível identificar os dados referentes aos filmes documentários de 1995. Bananas is my business, documentário sobre a carreira e a vida pessoal de Carmem Miranda, rendeu R$ 90.000,00 e teve público de 15.470 ingressos pagos. Cinema de lágrimas teve a menor bilheteria, com R$ 7.500,00 e foi assistido por 1575 pessoas. Yndio do Brasil foi assistido por um público também pequeno, de 3.000 pessoas e sua bilheteria movimentou o valor de R$ 15.000. Mas o que interessa para estas anotações sobre o tema é que durante o período, os três filmes de ficção com melhor bilheteria do gênero ficção (ver tabela 3) demonstram o quanto é extrema a diferença entre público e renda entre ambos os gêneros.

TABELA 3 - Filmes Brasileiros de ficção com maior bilheteria registrados na Ancine em 1995 Filme de 1995 Salas Bilheteria Público Carlota Joaquina, a princesa do Brasil 33 6.430.000,00 1.286.000 O quatrilho 64 4.513.302,00 1.117.154 Menino Maluquinho 31 1.532.509,00 397.023 Disponível em: . Acesso em 10.01.2013

A tabela 3 revela que, ao comparar a inserção mercadológica dos documentários com as maiores bilheterias de ficção, já em 1995 as diferenças de circulação e consumo entre os gêneros começava a se consolidar. O filme de ficção com maior renda em vendas de ingresso, Carlota Joaquina, a princesa do Brasil, de Carla Camurati, arrecadou 71,4 vezes mais do que o documentário com maior público no mesmo ano. O público do terceiro colocado no ranking dos filmes bem sucedidos do gênero ficção, O Menino Maluquinho, de Helvécio Ratton, teve público superior ao documentário mais bem sucedido em 25,6 vezes. Isto indica que, mesmo no início da

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fase documentada pela Ancine, o filme de ficção liderava a preferência do esquema mercadológico nacional. A tabela 4 registra os dados oficiais sobre os filmes documentários com maior bilheteria e público em 2011. Percebe-se que, em 17 anos, houve um aumento de público e renda considerável. Em 2011 já se pode vislumbrar para o documentário mais visto um número de 74.857 espectadores, contra os 15.470 do documentário mais visto em 1995, num aumento de quase cinco vezes na quantidade de espectadores das telas para o gênero.

TABELA 4 – Ranking de filmes brasileiros documentários com maior bilheteria em 2011 Documentário Salas Bilheteria Público Bahêa minha vida 15 597.579,00 74.857 Lixo extraordinário 29 389.896,09 49.581 Rock Brasília – Era de ouro 60 336.514,72 34.183 Quebrando o tabu 15 252.535,99 24.687 Mamonas para sempre 34 162.100,25 20.344 Filhos de João 21 152.736,40 19.421 As canções 10 142.198,12 13.281 Disponível em: . Acesso em 10.01.2013

No entanto, é a comparação da tabela 4 com a tabela 5 que realmente justifica este estudo comparado sobre a ascensão do cinema documentário no Brasil. É bastante singular que o documentário com maior bilheteria em 2011, Bahêa minha vida, de Marcio Cavalcante, tenha faturado R$ 597.579,00 e, mais ainda, que um documentário do subgênero musical tenha alcançado 60 salas de exibição como aconteceu com Rock Brasília – Era de Ouro, de Vladimir Carvalho. Comparando os dados das tabelas 4 e 5, fica evidente que o documentário ainda está muito longe de conseguir maior êxito em todo o seu ciclo industrial, o que compreende a exibição em grande número de salas, retorno de bilheteria que justifique minimamente o investimento na realização e quantidade de público similar ao filme de ficção nacional. Com pouco mais de meio milhão de reais em bilheteria, o documentário mais visto em 2011 tem performance avançadíssima na comparação com os filmes do

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mesmo gênero em 1995. Em termos de retorno financeiro, porém, na comparação com o filme de ficção nacional que lidera o ranking do mesmo ano, Cilada.com, de José Alvarenga Jr., que rendeu R$ 28.293.851,66, o documentário conseguiu atingir apenas 2,11% deste valor de bilheteria.

TABELA 5 – Ranking de filmes brasileiros de ficção com maior bilheteria em 2011 Filme de Ficção Salas Bilheteria Público Cilada.com 389 28.293.851,66 2.998.560 De pernas para o ar 346 27.528.799,59 3.095.894 Bruna Surfistinha 347 19.965.570,51 2.166.461 Assalto ao banco central 307 18.648.246,14 1.964.893 O Palhaço 267 13.314.064,40 1.388.202 O homem do futuro 291 11.551.776,00 1.215.600 Qualquer gato 206 10.719.147,00 1.190.855 Disponível em: . Acesso em 10.01.2013

A tabela 5 ilustra o quanto ainda se distanciam os filmes de ficção nacionais em suas condições de inserção mercadológica. A média entre o número de salas que exibiram os sete filmes de ficção com maior bilheteria em 2011 resulta em 307 salas para cada filme. Da mesma forma, na média, os sete filmes documentários com maior bilheteria em 2011 (tabela 4) foram exibidos em apenas 26 salas cada um. Numa diferença bem marcada para os sete filmes do topo do ranking de ambos os gêneros, pode-se notar que o filme de ficção leva uma vantagem visível, estimada em 91,54% no mercado exibidor reservado ao filme nacional. As estatísticas preliminares presentes neste estudo indicam a urgência em observar mais atentamente os dados sobre o cinema brasileiro recente para evitar generalizações sobre a ascensão do cinema documentário. É indispensável observar que, mesmo dominando 40% dos títulos nacionais lançados em 2011, o documentário ainda tem um público muito pequeno, e é exibido em pouquíssimas salas, se comparado ao cinema de ficção. Pela observação dos valores que movimentam o mercado exibidor, mal conseguem arrecadar o valor que foi investido em sua realização. Ou seja, mesmo em 2011, os documentários brasileiros dificilmente se pagaram com o retorno da exibição

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em salas comerciais. Ao mesmo tempo, é preciso lembrar que o cinema nacional não domina as salas de cinema no Brasil, que em 2011 eram apenas 2.352, especialmente concentradas na região sudeste, e que o cinema brasileiro, somando-se as produções de ficção e documentário, não chega a programar nem 10% do circuito exibidor, que praticamente é dominado pelos filmes distribuídos pelas majors internacionais (ANCINE, 2012). Mesmo com todas as dificuldades da ordem da economia política, um fenômeno sem precedentes ocorre na produção brasileira de filmes documentários musicais. A partir do ano 2000, tem sido realizada uma grande quantidade de filmes em torno do tema musical, fato responsável pela configuração de um cenário que consolida um subgênero. O documentário musical aparece neste trabalho caracterizado por tematizar a música brasileira - na sua maioria a música popular, mas igualmente outros estilos que vão do funk ao pop rock estão presentes. A pesquisa considera os documentários musicais brasileiros recentes, mas também a sua incidência histórica no cinema nacional. Sobre shows, a Ancine considera o filme Palavra (en)cantada, que é um show, como uma quarta categoria de filmes além do documentário, ficção e animação. As normativas da agência tem sido cada vez mais objetivas ao identificar filmes publicitários, tendendo a considerar cada vez mais categoricamente a divisão de gêneros entre filmes ficcionais e não publicitários, em lugar de utilizar a terminologia não ficcional. Para efeito desta pesquisa, o show filmado também não foi considerado documentário, por ser considerado um mero registro de uma performance. Ao contrário, quando um filme possui elementos que permitem sua argumentação por meio de dados, qualificadores de dados, garantias e apoios e consequente identificação de intenção assertiva, como é o caso do filme Certas palavras com Chico Buarque (1980), do diretor Maurício Beru, que intercala as cenas de show com depoimentos, é categorizado como documentário.

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GRÁFICO 2 – Documentários musicais produzidos no Brasil entre 1995-2012

16 14 12 10 8 6 4 2

0

1998 2005 2012 1996 1997 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2006 2007 2008 2009 2010 2011 1995 Gráfico elaborado a partir de dados da Ancine, disponíveis em: www.ancine.gov.br. Acesso em 10.01.2013

O gráfico demonstra que há uma concentração destacada de filmes nos anos de 2009, quando foram lançados 15 filmes documentários musicais, e em 2012, com 14 lançamentos. Há também uma frequência alta de filmes, sete, nos anos de 2007 e 2011. Considerando-se também que no ano de 2010 foram lançados seis filmes e em 2008 e 2006 cinco, pode-se perceber que é a partir de 2005, ano em que foram lançados quatro filmes do subgênero, que se concentra o maior número de produções de documentários musicais. Há ainda um sinal de produção nos anos de 1995, 1998, 2000, 2001, e 2002, com um documentário musical lançado a cada ano. Em 2003 há três filmes, em 2004 três e em 2005, quatro filmes. Não há evidências seguras que possam indicar uma justificativa para tantos filmes do subgênero realizados num período curto de tempo, apesar de virem marcando presença desde 1995. Há que se considerar que 2009 foi o ano de estréia da versão brasileira do In-Edit – Festival Internacional do Documentário Musical e que a produção de documentários musicais disparou. Até a edição de 2013, foi crescente a presença de produção nacional no Festival.

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2 CORPUS DA PESQUISA: METODOLOGIA E FILMES

Os procedimentos seletivos dos filmes que compõem o corpus da pesquisa e a metodologia analítica são os assuntos abordados neste segundo capítulo. São indicados os títulos, diretores e ano de realização de cada filme e justificados os motivos pelos quais alguns documentários musicais presentes no levantamento de obras brasileiras que não integram o grupo a ser analisado. Como o objetivo da pesquisa é promover uma classificação dos filmes, propostas classificatórias como a de Bill Nichols (2005) e Ramos (2008) e Barnouw (1993) são explicadas ao final do capítulo.

2.1 Procedimentos seletivos e filmes do corpus

Ao buscar bases metodológicas para a construção do corpus desta pesquisa algumas referências às anotações de Aarts e Bauer (2002) foram consideradas. Para estes autores, o corpus de uma pesquisa é uma seleção arbitrária definida por uma aplicação metodológica visando atingir o objetivo da pesquisa. A justificativa de composição do corpus é essencial para a compreensão do trabalho científico e baseou- se inicialmente em determinadas motivações como o número crescente de filmes do subgênero musical na produção brasileira e o início da edição nacional do In Edit - Festival Internacional do Documentário Musical, evento específico sobre o tema. A metodologia para a obtenção do corpus da pesquisa também considerou a proposta de coleta de dados qualitativos conforme apresentada por Aarts e Bauer (2002). Ela implica na construção de um corpus como a escolha sistemática de algum racional alternativo, diverso da opção por amostragem. As autoras explicam que o corpus de pesquisa pode funcionar como as coleções e determinada de antemão pelo analista com inevitável arbitrariedade (AARTS e BAUER, 2002, p. 44). Aarts e Bauer (2002, p. 44) diferenciam corpus e amostragem, sendo que a construção do corpus é considerada uma escolha “sistemática de algum racional alternativo”. Barthes (19967, p. 96) citado por Aarts e Bauer (2002, p. 44) define corpus como “uma coleção finita de materiais, determinada de antemão pelo analista, com inevitável arbitrariedade, e com a qual ele irá trabalhar”. Em complementação, os autores

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determinam ainda que “uma boa análise permanece dentro do corpus e procura dar conta de toda a diferença que está contida nele” (AARTS e BAUER, 2002, p. 45). O que se intencionou com a configuração do grupo de filmes que seria submetido à análise foi a determinação de um corpus, não de uma amostragem. Em contraponto ao aspecto destacado pelos autores, a determinação deste corpus não deveria caminhar em sentido contrário à proposta teórica do cognitivismo, que além de combater as ideias de Barthes, procura entre seus objetos de estudo, as evidências de similaridade que são consideradas tão importantes como as diferenças para uma análise. Outro ponto em que a obtenção do corpus afastou-se da proposta destes autores foi o fato de que seria preciso obedecer aos critérios de relevância, sincronicidade e homogeneidade (AARTS e BAUER, 2002). No caso da relevância, o aspecto fundamental foi o fato dos filmes escolhidos emitirem asserções com problematizações prioritárias relacionadas à música. Quanto à sincronicidade, os filmes selecionados acabaram por se localizar num recorte específico no tempo, mas esta não foi uma intenção dada a priori. O levantamento de títulos cobriu todo o período de produção do cinema nacional e os critérios de seleção visaram tornar o corpus mais orgânico e não realizar um recorte temporal a partir de sua datação. Cabe lembrar que autores de propostas analítico-cognitivistas apontam muitas distorções nas revisões da história-padrão e na visão de evolucionismo do estilo fílmico. Isto é claro na proposta de Bordwell (2013), quando este propõe uma nova possibilidade de revisão histórica do cinema, a partir do estilo cinematográfico. Quanto à homogeneidade, a preocupação nesta etapa foi não confundir meios ou suportes. Foi mantido o parâmetro de considerar apenas filmes registrados e não produtos audiovisuais feitos para a televisão ou shows, que nas normativas recentes tem sido definidos pela Ancine como filmes publicitários. Foram levantados dados de pesquisa primária, coletados especificamente para esta pesquisa, pois o corpus da pesquisa não estava dado em nenhum sistema pré-estabelecido. Como fontes secundárias, foram consultados órgãos governamentais, videotecas e referências bibliográficas e, em especial, a Cinemateca Nacional. Quanto à seleção, os documentários musicais foram escolhidos de acordo com o critério de estarem ou não indexados nos levantamentos do órgão máximo de

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regulação do cinema no Brasil, a Ancine, e terem a duração de longa-metragem, ou seja, com duração superior a 70 minutos19. A seleção excluiu documentários musicais de curta e média-metragem, após um levantamento exaustivo (censo). Este critério se mostrou indiscutível uma vez que há uma enormidade de filmes independentes que somente circularam em mostras, sendo alguns títulos somente registros de shows. Um levantamento exaustivo sobre todos os títulos de curta, média e longa-metragem se mostrou inviável. A seleção também precisou adotar outros critérios, o que fez com que fossem excluídos filmes realizados para a televisão. O corpus está estabelecido em 61 filmes documentários musicais brasileiros, de longa-metragem e que estão registrados na Ancine ou foram exibidos em Festivais no país até o final de 2014. Mas esta não foi a ideia inicial. Outros critérios, como a impossibilidade de observação repetida de certos filmes, demandaram a exclusão de obras que não possuem cópias em videotecas ou na Cinemateca Nacional, ou cujos diretores não puderam disponibilizá-las. Isto se deu também com relação a filmes registrados na Agência e que não possuem distribuição. Uma vez que a Agência não possui licença de exibidora, as cópias catalogadas não estão disponíveis para o público nem para os pesquisadores. Como o método adotado exigia a observação detalhada da argumentação nos documentários para determinação de sua asserção e posterior categorização de acordo com estas asserções, isto levou vários documentários musicais registrados a serem descartados da análise. Destaca-se que a população ou universo desta pesquisa é finita porque para a defesa de tese, o corpus se encerra com a divulgação dos dados consolidados pela Ancine em meados de 2015. Mas evidentemente documentários musicais continuarão a ser produzidos e uma possível continuação desta pesquisa poderá ser realizada a partir desta data a título de complementação e acompanhamento da produção futura. Destaca-se ainda que as listas consolidadas da Ancine até 2013 não diferenciavam filmes de média e longa-metragem. Por este motivo o procedimento se deu numa primeira etapa considerando todos os filmes registrados como documentários e

19 Normativa da Ancine n. 36, de 14 de dezembro de 2004. Cap. I, art. 3o. (Das Definições), ítem IX: “obra cinematográfica ou videofonográfica de longa metragem: a de duração superior a 70 (setenta) minutos”. Disponível em: . Acesso em: 20.07.2013.

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depois foi feita uma observação individual de cada um deles para identificar o gênero, a temática principal, o subgênero e a duração. Somente em 2014 os dados sobre o cinema nacional disponibilizados pela Ancine passaram a apontar filmes datados antes de 1995. Por esta razão, a busca por filmes anteriores a este período teve de recorrer a outras fontes, principalmente a Cinemateca Nacional. A Tabela 6 mostra os três documentários realizados antes de 1995 com a temática musical e que possuem duração de longa- metragem. Há indicação do nome do filme, ano de realização, direção, duração e observações sobre a sinopse, premiações e observações relevantes.

TABELA 6 – Filmes documentários brasileiros de longa-metragem que tematizam a música realizados antes de 1995:

ANO DOCUMENTÁRIO DIREÇÃO DURAÇÃO OBSERVAÇÕES 1955 Samba Fantástico Jean Manzon e 80 min. Melhor documentário de René Persin Longa-metragem em Cannes em 1955 1978 Os Doces Tob Azulay 103 min. Relançado em 2012, em Bárbaros DVD. Documentário musical 1980 Certas palavras Maurício Beru 113 min. Show intercalado com com Chico cenas de bastidores e Buarque depoimentos de Chico Buarque. Documentário musical. Fonte: Cinemateca Nacional. Disponível em: . Acesso em: 10.08.2012

Dos três filmes do período anterior aos registros da Ancine, conforme a tabela acima: 1) Samba Fantástico, de Jean Manzon e René Person (1955, 80 min.) que ganhou o prêmio no Festival de Cannes no ano de sua realização como melhor documentário de longa-metragem; 2) Os doces Bárbaros, de Tob Azulay (1978, 103 min.), que relata a turnê do grupo feita em 1976; e c) Certas palavras com Chico Buarque, de Maurício Beru (1980, 113 min), nenhum foi incluído no corpus da pesquisa. Samba Fantástico e Certas palavras são obras indisponíveis, o que inviabiliza a análise da sua

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argumentação. Os doces bárbaros, apesar de ter sido relançado em 2012 e ter distribuição em DVD, foi descartado por não constar no registro da Ancine. É fato que há produção importante de documentários musicais no Brasil anterior a 1995, especialmente com duração de média e curta-metragem20. Quanto aos curta-metragens, é indispensável citar as Brasilianas, de Humberto Mauro, série de documentários sobre cantigas relacionadas ao meio rural e ao homem comum, produzidos entre 1945 e 1956. Da mesma forma, dois documentários musicais de média- metragem que tematizam a música anteriores a 1995 devem ser citados. Isto é Noel Rosa, de Rogério Sganzerla (1990), tem 47 minutos de duração e é um documentário relevante para a própria história deste gênero de filmes, devido às incursões estilísticas que incluem encenação e sobreposição textual gráfica para pautar o compositor de MPB. Também Nosso amigo Radamés Gnatalli, de Aloísio Didier e Moisés Kendler, de 1991, com duração de 45 minutos, faz um relato sobre a carreira do artista baseado prioritariamente na narração ou voz over. Contudo, só foram incluídos na pesquisa os longas-metragens. Além do In Edit Brasil, outras Mostras e Festivais sobre cinema documentário ou pontualmente sobre documentário musical tem acontecido pelo País. É o caso do Cine MPB – que em janeiro de 2012 exibiu 17 filmes do subgênero em São Paulo, a Mostra dos Festivais de Música de Curitiba e de Campos do Jordão em 2012 e o Festival Internacional do Cinema Documentário É Tudo Verdade, onde alguns destes filmes são lançados. Foi percebido que alguns filmes que são recorrentemente exibidos nestes eventos não estão registrados nas listas da Ancine. Desta forma, acabam incluídos numa imensa lista de filmes independentes com valor inestimável ao cinema nacional, mas que torna muito complicada a composição do corpus, pois é frágil o argumento de que estes filmes devem integrá-lo por terem sido exibidos em Festivais em detrimento de outros que não foram. Vários documentários musicais brasileiros foram observados na etapa inicial da pesquisa, mas deixaram de integrar o corpus por não possuírem registro na Ancine:

20 Sobre os curta-metragens, a pesquisa de tese de Silva (2009) realizada no Programa de Doutorado em Multimeios da Unicamp contribui com investigação específica para compreender estes filmes.

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TABELA 7 – Filmes documentários brasileiros de longa-metragem que tematizam a música analisados e que não estão nos registros da Ancine:

ANO DOCUMENTÁRIO DIREÇÃO DURAÇÃO OBSERVAÇÕES Andrucha 107 min. Memória de vida e obra 1996 Tempo Rei Waddington, Breno do músico e cantor Silveira, Lula Gilberto Gil. Filme não Buarque de está na lista da Ancine Holanda 2006 Botinada. A origem Gastão Moreira 110 min. O documentário é do punk no Brasil distribuído comercialmente mas não está nas listas da Ancine. 2007 Belarmino e Geraldo Pioli 83 min. O filme está disponível Gabriela na íntegra na internet mas não está na lista da Ancine. O filme está disponível Guidable. A Fernando Rick e na íntegra na internet e é cultuado por fãs da 2008 verdadeira história Marcelo Appezzato 120 min. do Ratos de Porão banda mas não está na lista da Ancine. Após sucesso como cantora e dançarina popular, Gretchen tenta 2010 Gretchen, filme Pascoal Smora e 90 min. uma carreira política. O estrada Eliane Brum filme está disponível da ìntegra na internet mas não está na lista da Ancine O músico brasileiro Vitor Ramil, os uruguaios Daniel e Jorge Drexler e o argentino Kevin 2011 A linha fria do Luciano Coelho 110 min. Johansen contribuem horizonte para compor uma memória da música dos pampas. O filme tem distribuição mas não está na lista da Ancine. Após receber uma ligação do gaiteiro catarinense Dirceu Cieslinski para fazer um 2012 Ana Johan 80 min. filme sobre a sua vida,

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Um filme para ela decide fazer um Dirceu documentário sobre ele. O filme não está na lista da Ancine. Fonte: Cinemateca Nacional. Disponível em: . Acesso em: 10.08.2012

O período de 1995 a 2012 foi marcado por um crescente número de lançamentos de filmes do subgênero e por esta razão alguns autores intentam descrever que, especialmente depois de 2009, iniciou um surto de documentários musicais no País. Alguns tiveram grande destaque comercial, como foi o caso de Vinícius de Moraes, de Miguel Faria Jr. (2005, 121 min.), lançado com 32 cópias e que rendeu R$ 2.378.985,00, obtendo a maior bilheteria da história do cinema documentário musical brasileiro até aquela data, sendo assistido nas salas de cinema por um público de 271.979 pessoas (ANCINE, 2012). Outro documentário do período que teve grande aceitação popular foi Raul: o princípio o fim e o começo, de Walter Carvalho e Evaldo Mocarzel (2012, 115 min.), que também arrecadou mais de um milhão e meio de reais em bilheteria, cifra bastante incomum para um filme do gênero. Para o processo analítico dos filmes não foram considerados os filmes que não atendem aos parâmetros determinados para seleção do corpus. Apesar de serem citados no levantamento e terem sido avaliados no decorrer da pesquisa, os documentários da lista a seguir não integram a categorização final da tese, devido à sua duração inferior a 70 minutos:

TABELA 8 – Documentários musicais de média-metragem registrados na lista da ANCINE

ANO DOCUMENTÁRIO DIREÇÃO DURAÇÃO OBSERVAÇÕES 2005 Sou feia mas tô na Denise Garcia 60 min. O filme revela o moda cotidiano dos funkeiros e sua dedicação ao estilo. 2006 Família Alcântara Daniel e Lilian 54 min. Filme indisponível. Santiago 2007 Pedrinha de Aruanda Andrucha 61 min. O filme resgata - Maria Bethânia Waddington memória de vida e obra da cantora Maria Bethânia

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2007 Waldick, sempre no Patricia Pillar 58 min. O filme resgata meu coração memórias de vida e obra do cantor Waldick Soriano. 2008 Batatinha, poeta do Marcelo Rabelo 62 min. O filme resgata samba memórias de vida e obra do sambista baiano Oscar da Penha, autor de mais de 150 canções mas só gravou um disco. 2012 Clementina de Jesus: Werinton Kermes 55 min. O filme resgata a Rainha Quelé e Telles Marsal memória de vida e obra da cantora Maria Clementina. Fonte: Ancine. Disponível em: . Acesso em: 10.06.2015

Outros documentários de longa-metragem musicais brasileiros que cumprem o critério de registro na Ancine não puderam ser incluídos no corpus pela impossibilidade de acesso a cópias para análise detalhada. É o caso de Bahia de todos os sambas, de Paulo César Saraceni e Leon Hirszman, 1998. Este é um dos casos característicos da dificuldade de preservação da memória do cinema documentário brasileiro, pois filmes realizados em períodos anteriores às tecnologias digitais tornam- se indisponíveis para fruição do público e pesquisadores pela falta de um acervo público que permita acesso a determinados títulos. No caso de filmes recentes, como Brincante, Walter Carvalho, 2015, o caso é um pouco diferente, pois o filme ainda estava fazendo a trajetória em Festivais no momento de finalização deste documento, portanto, ainda não estava com distribuição disponível. A tabela abaixo indica quais foram os filmes indisponíveis.

TABELA 9 – Documentários musicais de longa-metragem que não compõem o corpus da pesquisa: ANO DOCUMENTÁRIO DIREÇÃO DURAÇÃO OBSERVAÇÕES Cópia indisponível para análise. O filme não participou de exibições 1998 Bahia de todos os Paulo César 102min recentes e não tem sambas Saraceni e frequente fruição com Leon Hirszman público em tempos

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recentes. Está registrado na lista da Ancine. Cópia indisponível para análise. O filme revela 2004 A pessoa é para o Roberto 85 min., memórias de três irmãs que nasce Berliner cegas e pobres paraibanas que cantam e tocam ganzá em troca de esmolas e encontram o mundo das celebridades. 2011 E aí Hendrix?, Pedro Paulo 110 min. Cópia indisponível para Carneiro e análise. Documentário Roberto sobre Jimmy Hendrix em Lamounier Londres, com depoimentos de músicos brasileiros. 2012 Espia Só Saturnino 85 min. Cópia indisponível para Rocha análise. O filme resgata a memória de vida e obra do músico gaúcho Octávio Dutra. 2013 A nave, uma viagem Luiz Otávio de 86 min. Cópia indisponível para com a Jazz Santi análise. Sinfônica de São Paulo 2014 Brincante Walter 92 min. Cópia indisponível para Carvalho análise. No momento de finalização da tese o filme ainda estava participando de Festivais. Filme registrado na lista da Ancine. 2014 Cuba Libre Eduardo 73 min. Cópia indisponível para Mocarzel análise. No momento de finalização da tese o filme ainda estava participando de Festivais. Filme registrado na lista da Ancine. Fonte: Ancine. Disponível em: . Acesso em: 10.06.2015

Entre os filmes pesquisados, foram identificados vários que tangenciam o universo musical, mas que após a análise de sua asserção não puderam ser considerados como documentários musicais, pelo fato de não se afirmarem como tal. É o caso dos longas-metragens O rap do pequeno Príncipe contra as almas sebosas, de Paulo Caldas e Marcelo Luna, 2000 e O samba que mora em mim, de Geórgia Guerra-

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Peixe, 2011. Ambos os filmes tratam a questão musical como uma metáfora para outros assuntos que se fazem prioritários. O primeiro assere sobre a realidade de dois jovens e seu mundo de violência enquanto o segundo visita o cotidiano de pessoas que moram no Morro da Mangueira. A ausência no corpus da pesquisa do filme Patativa do Assaré, ave poesia, de Rosemberg Cariri, 2009, também foi justificada pelo fato de não ser um documentário musical, dado que a sua asserção gira em torno da poesia épica do artista. O Café dos Maestros, Miguel Kohan, 2008 afirma a performance musical como prioridade assertiva, caracterizando-se como um show, não um documentário musical. Filmes como Alô, Alô Terezinha, de Nelson Hoineff, 2009 e Rádio Nacional, Paulo Roscio, 2011, resgatam importantes fontes de difusão da música popular brasileira. Mas ambos não são documentários do subgênero musical, pois a música não é a prioridade em suas asserções. O primeiro enfatiza a performance do apresentador do programa Cassino do Chacrinha, Abelardo Barbosa, os bastidores do programa e suas dançarinas chacretes, cujo paradeiro é também revelado após o encerramento do programa. Os shows de cantores calouros e as atrações musicais não são o centro do documentário. A história da Rádio Nacional é o tema da segunda obra, que teve importante papel na consolidação de muitas carreiras musicais brasileiras. Mas o documentário resgata a memória da rádio em seus múltiplos aspectos, como a estrutura da rádio, o jornalismo, os radialistas, os humoristas, e seus funcionários. Outros quatro filmes que tangenciam o tema musical detém-se em asserções sobre a dança. Como distanciam-se da problematização musical em detrimento desta outra arte performática, deixaram de integrar a lista de filmes para análise. São eles: São Paulo cia de dança, Evaldo Mocarzel, 2012; Mulatas, um tufão nos quadris, Walmor Pamplona, 2011; Grupo corpo 30 anos, uma família brasileira, Fábio Barreto e Marcelo Santiago, 2007 e A batalha do passinho, Emilio Domingos, 2013. Os seguintes 61 filmes compõem o corpus da pesquisa e estão de acordo com os mesmos parâmetros de seleção: são registrados na Ancine, possuem duração superior ou igual a 70 minutos, foram realizados para o cinema e sua asserção prioriza o aspecto musical. Todos foram submetidos à análise de sua argumentação para a

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determinação da sua asserção e posteriormente organizados em categorias de acordo com sua similaridade e diferenças. São eles:

1. Bananas is my Business, de Helena Solberg, 91 min., 1995 2. Um certo Dorival Caymmi, Aluísio Didier, 70 min., 2000 3. Nelson Gonçalves, Eliseu Ewald, 90 min., 2001 4. Viva São João, Andrucha Waddington, 90 min., 2002 5. Banda de Ipanema: Folia de Albino, Paulo César Saraceni, 86 min., 2003 6. Nelson Freire, João Salles, 102 min., 2003 7. Paulinho da Viola: meu tempo é hoje, Izabel Jaguaribe, 83 min., 2003 8. Fala Tu, Ricardo Coelho, 74 min., 2004 9. Samba Riachão, Jorge Alfredo, 86 min., 2004 10. Coisa mais linda: histórias e casos da Bossa Nova, Paulo Thiago, 131 min., 2005 11. Moro no Brasil, Mika Kaurismaki, 104 min., 2005 12. Vinícius de Moraes, Miguel Faria Jr., 121 min., 2005 13. A Odisséia musical de Gilberto Mendes, Carlos de M. R. Mendes, 117min, 2006. 14. Nzinga, Octávio Bezerra, 84 min., 2006 15. Helena Meirelles: a dama da viola, Francisco de Paula, 72 min., 2006 16. Aboio, Marília Rocha, 71 min., 2007 17. Fabricando Tom Zé, Décio Matos Jr. 90 min. 2007 18. Brasileirinho: grandes encontros do choro, Mika Kaurismaki, 90 min., 2007 19. Cartola: música para os olhos, Lírio Ferreira, Hílton Lacerda, 88 min., 2007 20. L.A.P.A., Cavi Borges e Emílio Domingos, 74 min., 2008 21. Musicagen, Edu Felistoque e Nereu Cerdeira, 75 min., 2008 22. O Mistério do Samba, Lula Buarque e Carol Jabour, 88 min., 2008 23. Pan-cinema permanente, Carlos Nader, 83 min., 2008 24. Palavra (En) cantada, Helena Solberg, 84 min. 25. As cantoras do rádio, Gil Barone e Marcos Avellar, 85min., 2009 26. Contratempo – uma valsa da dor, Malu Mader e Mini Kerti, 98 min., 2009 27. Coração vagabundo, Fernando Grostein Andrade, 74 min., 2009 28. Herbert de perto, Roberto Berliner e Pedro Bronz, 197 min., 2009 29. Loki – Arnaldo Baptista, Paulo Henrique Fontenelle, 128 min., 2009 30. O milagre de Santa Luzia, Sérgio Rosenblitz, 104 min., 2009

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31. Simonal. Ninguém sabe o duro que dei. Claudio Manoel, Micael Langer e Calvitto Leal; 84 min., 2009 32. Titãs – a vida até parece uma festa, Branco Mello e Oscar Alves, 100 min., 2009 33. Um homem de moral, Ricardo Dias, 84 min. 2009 34. Velhas guardas, Joatan Berbel, 80 min., 2009 35. Uma noite em 67, Renato Terra e Ricardo Calil, 85 min., 2010 36. Dzi Croquetes, Tatiana Issa e Raphael Alvarez, 110 min., 2010 37. Rita Cadillac, a Lady do povo; Toni Venturi, 77 min., 2010 38. O homem que engarrafava nuvens, Lírio Ferreira, 106 min., 2010 39. Elza, Izabel Jaguaribe e Ernesto Baldan, 82 min., 2010 40. Jards Macalé, Marco Abujamra e João Pimentel, 72 minutos, 2010. 41. As canções, Eduardo Coutinho, 90 min., 2011 42. Rock Brasília – Era de Ouro, Vladimir Carvalho, 111 min., 2011 43. Prova de artista, José Joffily, 84 min., 2011 44. Mamonas para sempre, Cláudio Kahns, 84 min., 2011 45. Filhos de João, admirável mundo Novo Baiano, Marcelo Laffitte, 75 min., 2011. 46. A música segundo Tom Jobim, Dora Jobim e Nelson P. dos Santos, 88min., 2012 47. Argus Montenegro e a Instabilidade do tempo forte. Pedro 48. Coração do samba, Thereza Jassouroum, 72 min., 2012 49. Raul: o início, o fim e o meio, Walter Carvalho, 115., min., 2012 50. Vou rifar meu coração, Ana Rieper, 76 min., 2012 51. Onde a coruja dorme, Marcia Derraik e Simplício Neto, 72 min., 2012 52. Tropicália, Marcelo Machado, 87 min. 2012 53. Marcelo Yuka no caminho das setas, Daniela Broitman, 95 min., 2012. 54. Futuro do pretérito: tropicália now!, Ninho Moraes e F. C. Filho, 76min., 2012 55. O Liberdade, Rafael Andreazza e Cíntia Lainge, 71 minutos, 2012 56. Jorge Mautner – Filho do Holocausto, Sérgio Heitor D´Alincourt Ribeiro e Pedro Bial, 86 min. 2013. 57. Paulo Moura – Alma Brasileira, Eduardo Escorel, 86 min., 2013. 58. Meu amigo Cláudia, Dácio Pinheiro de Andrade, 80 min. 2013. 59. Mais uma canção, Rene Goya Filho e Alexandre Derlam, 96 min., 2013 60. Dominguinhos, Joaquim Castro, Eduardo Nazarian e Mariana Aydar. 84 min. 2014 61. Olho Nu, Joel Pizzini, 104 min., 2014

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2.2 Possibilidades de categorização

O objetivo final do levantamento das asserções de um grupo de documentários musicais brasileiros é promover uma categorização. Este não é um tema novo na teoria do cinema documentário e vários autores já se dedicaram ao tema. No Brasil, uma das propostas mais difundidas é a classificação de Nichols21 (2008). Este autor propõe seis tipos ou modos: o modo poético, modo expositivo, modo observativo, modo participativo, modo reflexivo, modo performático. Sua categorização tem sido adotada por diversos textos sobre documentários. O pesquisador Ramos (2012) promove uma análise dos documentários musicais brasileiros a partir destes modos documentários22, indicando uma possibilidade classificatória importante para estes filmes. Barnouw (1993) apresenta uma contextualização do gênero desde 1885, dos Irmãos Lumière às produções como o filme Shoah, de Claude Lanzmann, de 1965. Apesar de não dar muita atenção à voz criativa do documentarista e de considerar qualquer tipo de documentação como documentário, mesmo filmes que abordam o gênero com pouca ênfase, a proposta é clara e concisa, incluindo formas contemporâneas com o uso de novas mídias e imagens raras e elucidativas em suas análises. Ramos (2008) identifica quatro tempos do cinema documentário e destaca:

Há, no campo dos estudos do cinema, uma certa dificuldade em assumir a historicidade do cinema e de sua reflexão, talvez em função da arte cinematográfica ser, economicamente, muito dependente da dimensão do “lançamento”. Este aspecto contamina a pesquisa histórica e também a reflexão teórica, vistas com olhos desconfiados pela classe que produz cinema, por jornalistas que o divulgam e também por quem se dedica a pensar a imagem em

21 Nichols, Bill. Introdução ao documentário. Campinas, Sp: Papirus, 2005. Possivelmente a difusão se dá pela escassez de títulos teóricos publicados no País sobre a teoria do cinema, o que fez com que rapidamente a obra se tornasse referência aos conteúdos programáticos de disciplinas de estudos do cinema. A proposta dos tipos de documentários do autor decorre de princípios pós-estruturalistas, que valorizam a centralidade do sujeito e conteúdos de subjetividade. Sua contribuição tem sido intensa à formação de pesquisadores do cinema no Brasil. 22 RAMOS, Luciano Vaz. Como explicar o ímpeto do documentário musical brasileiro? Artigo publicado na Revista Doc-online. n. 12, agosto de 2012, p 127-150. Disponível em: http://www.doc.ubi.pt/12/dt_luciano_ramos.pdf . Acesso em: 10.01.2015

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outros campos. O resultado é a facilidade com que aceitamos uma teoria literária ou o pensamento conceitual em história da arte, e a dificuldade em encará-lo seriamente no cinema, apesar do calibre dos pensadores que já se dedicaram ao assunto. (Ramos, 2005, p. 21)

Corroborando e considerando o pensamento de Ramos, justifica-se fazer uma pesquisa mais aprofundada sobre categorização e asserção do documentário, com um recorte em documentários musicais registrados na Ancine e que não sejam considerados registros de shows.

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3 ASSERÇÃO NO DOCUMENTÁRIO E CATEGORIZAÇÃO

As principais complexidades para a categorização dos 61 filmes do corpus de acordo com a sua asserção decorrem do fato de serem muitos filmes e a maioria ter sido produzida no mesmo período recente do cinema brasileiro. Embora não seja possível tomar esta referência como regra geral, isto os torna muito próximos, com características estilísticas e asserções muito parecidas. O fato de pertencerem a um subgênero não simplifica o processo. Há muita similaridade entre os filmes, uma vez que foram selecionados para compor o corpus de pesquisa exatamente porque se enquadram num perfil de documentários musicais. Esta evidência de similaridade somou-se à intenção de categorização por asserções para a consideração do recorte teórico cognitivista como norteador dos conceitos da pesquisa. Face às críticas que repousam sobre esta opção teórica, fez-se necessário destacar como ela se relaciona com a questão da similaridade. Esta primeira abordagem do tema é bastante ampla, mas mesmo referindo-se a aspectos gerais da teoria, compete para o entendimento da adesão a estes conceitos. Ao mesmo passo em que Bordwell (2004) defende o afastamento da pesquisa fílmica das grandes teorias já postas e repetidas à exaustão23, Plantinga (2002) expõe coerentemente que o interesse das teorias cognitivas recai muitas vezes sobre aspectos das minorias, mas afasta-se das intenções dos estudos culturais, sem abandonar a procura por respostas para o comportamento do espectador, para políticas locais, atentando para similaridades. Plantinga afirma que

É óbvio que as pessoas compartilham características básicas com efeitos de longo alcance sobre o nosso comportamento. Algumas destas características mais ou menos universais estão diretamente relacionadas com a experiência de visualização de filmes. Este pressuposto constitui uma força fundamental da teoria cognitiva do cinema, um conceito que Bordwell denomina ‘universais

23 BORDWELL, David. Estudos de cinema hoje e as vicissitudes da grande teoria. In RAMOS, Fernão. Teoria Contemporânea do Cinema. Pós-estruturalismo e filosofia analítica. Vol. I. SP: Ed. Senac, 2005. Obra original: Contemporary Film Studies and the Vicissitudes of Grand Theory. In: BORWELL, David; CARROL, Noël. Post-Theory – reconstructing film studies. Wisconsin: University of Wisconsin Press, 1996, p.3-36.

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contingentes’, (Bordwell e Carrol , 1996 , p. 91-92) semelhanças entre espectadores, estados comuns da mente (em vez de os estados patológicos de interesse do psicanalista), e as habilidades cotidianas e características que nos permitem dar sentido e responder aos filmes e ao mundo.24 (2002, p. 30)

A defesa que Plantinga (2002) faz do cognitivismo25 reforça que as similaridades são comuns à experiência fílmica e que seu estudo pode ser ratificado, uma vez que, ao descolar a abordagem analítica das grandes teorias, abre-se a oportunidade para uma pesquisa menos engessada e, no caso específico dos documentários musicais, deveras pertinente. Afinal, seu centro temático é um tangenciamento do cinema com a arte da música. A proposta de similaridades da teoria cognitivista acabou por definir o eixo da orientação teórica da pesquisa, de forma que não fossem enfatizados apenas aspectos divergentes dos filmes observados, mas que se fizesse possível uma assimilação das similaridades dos filmes, pois o reconhecimento inicial dos filmes já demonstrou proximidades estilísticas entre as obras. O mesmo autor argumenta, sob o amplo aspecto da percepção social, que alegar que “os únicos elementos que merecem investigação são aqueles que nos diferenciam parece muito estreita, como se todos já conhecessem nossas similaridades” (2002, p. 30).26 Tal fato seria como se todos os aspectos comuns fossem suficientemente

24 “It´s obvious that humans share basic characteristics that have far-reaching effects on our behavior. Some of these more or less universal characteristics directly relate to the film viewing experience. This assumption constitutes a fundamental strength of cognitive film theory, its examination of what Bordwell calls “contingent universals,” (Bordwell and Carrol, 19996, p. 91-92), similarities between spectators, ordinary states of mind (rather than the pathological states of interest to the psychoanalyst), and the everyday abilities and characteristics that allow us to make sense of and respond to movies and the world”.24 (2002, p. 30)

25 PLANTINGA, Carl. Cognitive Film Theory: An Insider´s Appraisal. Cinémas: revue cinématographiques / Cinémas: Journal of Filme Studies, vol. 12, n.2, 2002, p. 15-37 . Neste artigo Plantinga responde aos ataques de Stam (2003) contra o cognitivismo. Quanto ao tema da similaridade, ele afirma que “In defense of cognitivism, one must first note that neither appeals to human difference nor to human similarities have an inherente political perspective. (…) The cognitivist search for far-reaching naturalistic explanations of human behavior, then, is not necessarily a political handicap, any more than an emphasis on difference necessarily favours tolerance”. (2002, p. 29-30). "Em defesa do cognitivismo , é preciso primeiro observar que nem os apelos à diferença nem a semelhanças humanas têm uma perspectiva política inerente. ( ... ) A pesquisa cognitivista procura explicações naturalistas de longo alcance sobre comportamento humano, então não é necessariamente uma desvantagem política mais do que uma ênfase na diferença necessariamente favorece tolerância". ( 2002, p. 29-30)

26 “To claim that the only elements worth investigating are those that differentiate us seems rather narrow, as though everybody already knows our commonalities” (PLANTINGA, 2002, p.30)

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conhecidos e compreendidos e não houvesse mais necessidade de pesquisas sobre a percepção humana, as emoções e a cognição, o que seria inconcebível. Plantinga ressalta que

Para compreender o espectador, é preciso entendê-lo com aspectos em comum, e esses muitas vezes não são questões de conhecimento comum. O método adequado para explorar a espectatorialidade, parece- me, é investigar os "universais contingentes”27 do espectador, as semelhanças entre diversos grupos sociais (sexo, cultura , nação, etc) e os meios pelos quais a ‘política local’ e inúmeros outros fatores flexionam essas características.28 (2002, p. 30)

Estes aspectos, quando reportados para o corpus desta pesquisa, justificam a seleção da abordagem, pois as escolhas aparentes nas asserções fílmicas estabeleceram que se trata de um grupo de filmes inseridos num contexto específico, que abarca desde a perspectiva econômico-política a um pressuposto de que o público dos documentários musicais adere aos seus conteúdos de uma forma que se mostra prioritária, como no ato de contar histórias apoiado em revisões biográficas. Outro caráter referencial do cognitivismo é a questão da multidisciplinaridade. Ao citar os artigos de Bordwell29 (1989a), Plantinga acentua a influência deste pensamento sobre múltiplas áreas do conhecimento, como a sociologia, antropologia e a história. Utilizar este quadro teórico leva o pesquisador a mostrar como

27 O termo universal contingente – ou contingent universals - é citado por Bordwell (1996) como semelhanças entre espectadores, estados de espírito e condições que nos permitem promover sentidos aos filmes ao mundo.

28 To understand spectatorship, one must understand what spectator share in common, and those commonalities are often not matters of common knowledge. The proper method to explore spectatorship, it seems to me, is to investigate the “contingent universals” of spectatorship, the similarities across various social groups (gender, culture, nation, etc) and the means by which “the politics of locations” and numerous other factors inflect these characteristics (Plantinga, 2002, p. 31).

29 Plantinga destaca dois artigos de Bordwell como essenciais para as bases históricas do congnitivismo. São eles: Cinema and cognitive psychology. IRIS. Revue de Théorie le L´image et du son. A journal of Theory on image and sound. N. 09, Spring 1989. p. 11-31 e A case for cognitivism: further reflexions. IRIS. Revue de Théorie le L´image et du son. A journal of Theory on image and sound. N. 11, Summer 1990. p. 107-112.

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a ação social é mediada por representações mentais, e como elas – esquemas, scripts e modelos mentais – organizam a vida cultural”30 (2002, p.31). As ferramentas cognitivistas foram tomadas neste sentido, para compreender como se dá, do ponto de vista da asserção dos filmes, a proposta que releva gostos, preferências ideológicas e até uma possível homogeneização emocional que parece emergir dos documentários musicais para um público previamente imaginado. No centro dos questionamentos da filosofia analítica está a asserção. Ponech (in ALLEN e SMITH, 1997) corrobora que a estética não é radicalmente autônoma da política, da ideologia, da moral e da economia, situando sua postura teórica no campo da filosofia analítica e do cognitivismo. Ao adentrar o debate sobre as diferenças entre filmes ficcionais e não ficcionais, o autor apresenta uma proposta do que é a asserção, que seria a causa primeira dos documentários: “são aqueles que resultam de o cineasta ter um propósito específico em mente, ou seja, na intenção de produzir não ficcção”31 (p.203). Ponech destaca características que não devem ser exigidas de um filme de não-ficção: não há necessidade de ser totalmente factual, nem conter um objetivo puro e único. Da mesma forma, não deve se exigir uma representação não-manipulada ou um assunto ou forma-padrão. Tampouco sua “realidade” precisa coincidir com a “realidade” lá fora. E menos ainda, deve pertencer a convenções normativas como forma, estilo, conteúdo, verdade ou objetividade (in ALLEN e SMITH, 1997). Esta observação é importante porque descarta uma normalização impositiva sobre a forma do filme e orienta o entendimento do filme documentário em geral, bem como do documentário musical. Para este último, a centralidade categórica se dá a partir da intenção do filme ser um documentário e problematizar a questão musical em suas múltiplas possibilidades. O cinema da asserção pressuposta é o alicerce da proposta de Carroll (in RAMOS, 2004) para determinar a condição do cinema documentário. A ideia decorre da

30 “Working with such a framework leads the researcher to show how social action is mediated by mental representations, and how such mental representations – schemata, scripts, mental models – organize cultural life”. (PLANTINGA, 2002, p.31).

31 “(…) documentary motion pictures are simply those which result from the film-maker having a particular purpose in mind, namely an intention to produce non-fiction”. (PONECH, in ALLEN e SMITH, 1997, p.203)

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demanda por distinguir entre os filmes de não ficcção, que poderiam ser chamados de documentário. A análise de Carroll conduz a discernir sobre o que comumente se chama de documentário, partindo de uma crítica aos argumentos “desconstrucionistas”32 e “demonstrando ser possível o desenvolvimento de teorias persuasivas da ficção, da não ficção e do cinema da asserção pressuposta, utilizando o modelo comunicativo intenção- resposta” (in RAMOS, 2004, p.104). O texto de Carroll vem sendo citado desde que originalmente publicado33 como um marco para a assimilação do documentário, que tem em sua centralidade a asserção. Faz-se necessária uma referência à seleção do corpus da pesquisa, que também sofreu influência de fatores determinantes lógico-cognitivos. Não foi interesse prévio trabalhar com um universo fílmico por amostragem. O que decorreu da observação de mais de cem filmes documentários musicais brasileiros foi a busca de um corpus onde pudesse ser observada alguma organicidade. Com a opção por filmes exclusivamente de longa-metragem, realizados para o cinema, registrados na Ancine como produto nacional e que problematizassem a música em sua asserção, foi possível a observação de cunho analítico-cognitivo de forma mais precisa. Assim como fazem os pesquisadores desta linha teórica, não houve interesse no desenvolvimento de um método único que pudesse ser amplamente copiado ou aplicado a qualquer grupo de filmes. A escolha por este eixo teórico prescinde do entendimento de que as grandes teorias são o contraponto impositivo da teoria contemporânea do cinema e que não se intenta substituí-las por outra, apenas mostrar a aplicabilidade de uma nova vertente teórica para a compreensão de filmes documentários de um subgênero. Para o desenvolvimento desta pesquisa, outras teorias tangenciais aos estudos da argumentação e à categorização foram solicitadas para compor o modelo analítico em etapas específicas. Aspectos da Teoria dos usos do argumento, de Toulmin (2006); da Teoria dos atos da fala, conforme proposta por Searle (2002); a Teoria do

32 Carroll nomeia, por conveniência, os “defensores da insustentabilidade da distinção entre filmes ficcionais e não–ficcionais”, de desconstrucionistas (CARROLL, in RAMOS, 2005, p. 74). Para este autor, posturas como a de Christian Metz são falaciosas e parecem instituir “uma confusão conceitual ao fazer equivaler representação e ficção”. (p. 76)

33 Título original: Ficction, non-ficction, and the Film of Presumption Assertion: a conceptual analysis. In ALLEN, Richard, SMITH, Murray. Film theory and philosophy. UK: Oxford University Press, 1997

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Conceito de Dahlberg (1978) e a classificação facetada de Ranganathan (1978) adequaram-se para a elaboração de procedimentos analíticos específicos e por esta razão estão relatadas neste capítulo. A intenção desta conciliação de teorias de múltiplas áreas do conhecimento, com a Teoria da Informação, foi endossada pela possibilidade de fundamentação multidisciplinar face à característica plural do eixo central analítico- cognitivista. Da teoria dos usos do argumento de Toulmin (2006) buscou-se a compreensão do argumento, que é apresentado como possuidor de uma estrutura esquemática, o que inclui uma proposição, dados, qualificadores de dados, garantias e apoios que permitem observar a ideologia do filme de forma metodológica. A partir do modelo de Toulmin (2006) e da respectiva adaptação por Liakopoulos (2002), que aplica o modelo “dados-qualificador de dados-garantias-apoios” para a análise textual, foi determinado um modelo para extrair a asserção dos filmes do corpus. A articulação deste modelo para o cinema se deu a partir dos conceitos de Noel Burch (1992) e sua aplicabilidade para o filme documentário musical – de asserção pressuposta – foi por fim determinada a partir das primeiras observações do corpus da pesquisa. Nos argumentos de Searle (2002) para os atos da fala, a noção dos atos ilocutórios aparece como uma contribuição produtiva para a conceituação das categorias que agruparam os filmes por similaridade. Para o mesmo autor, a intencionalidade é dada como um conceito lógico-filosófico intrinsecamente presente nos atos comunicativos e evidenciados nos enunciados. Como a investigação realizada sobre os documentários musicais buscou justamente a asserção dada pelos filmes para posterior classificação, entender que existe uma intenção de produzir determinado efeito no espectador colaborou para a modelagem analítica. A classificação das asserções dos filmes analisados acatou conteúdos multidisciplinares, especialmente tomados das ciências da informação, que possuem componentes metodológicos para atividades científicas de indexação. As proposições teóricas desta área do conhecimento foram acrescidas ao marco teórico na etapa de categorização das asserções do documentário musical brasileiro. Neste sentido, inicialmente os estudos investigaram a evolução do Tesauros e acabaram se

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concentrando na Teoria do Conceito de Dahlberg (1978) e na classificação facetada de Ranganathan (1978).

3.1 FILOSOFIA ANALÍTICA E DOCUMENTÁRIO

O debate em torno das teorias analítico-cognitivistas é dicotômico e tem a sua centralidade no fato de que combate as grandes teorias e ao mesmo tempo não intenciona ser uma nova grande teoria. Não só o artigo de Plantinga (2002), que rebate as afirmações sobre um possível apego excessivamente lógico aos métodos científicos, é uma pista de como este recorte teórico é ainda desconhecido, mas também Ramos (2005) evidencia este embate, citando sua forte oposição ao pensamento francofônico. Neste sentido, filósofos analítico-cognitivistas desapegam-se de temas caros à tradição da teoria cinematográfica consolidados a partir da década de 70 como “a questão da autoria, o dispositivo cinematográfico, a centralidade perspectiva, a articulação da sutura, a identificação do espectador, o questionamento do estrutralismo semiológico, a discussão dos gêneros, a crítica ao realismo baziniano, a nova análise fílmica”. (RAMOS, 2004, p.13) Segundo Ramos (2005), a psicologia cognitiva toma espaço na análise fílmica a partir do final do século XX em detrimento da psicanálise, que fundamentava a base epistemológica da teoria do cinema. Sobre a amplitude do recorte teórico cognitivista, o autor ressalta que se concentra nos estados Unidos e Inglaterra, com pouca repercussão na Austrália e países nórdicos e “expressão quase nula nos países latinos” (2005, p. 13). Em sua caracterização do tema, o autor destaca o aspecto de presunção muitas vezes atribuído a esta corrente analítica pelo seu apego lógico, mas acrescenta que “merece o crédito de haver mostrado que também a excessiva modéstia epistemológica é uma forma de arrogância” (RAMOS, 2005, p. 14). Teóricos como Bordwell e Carroll também se pronunciam em relação ao tema. Planting sugere que “enquanto Bordwell estava desenvolvendo um novo método para os estudos do cinema, Noël Carroll estava ocupado desacreditando as metodologias

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convencionais”34. (PLANTINGA, 2002, p. 17). Este é cenário que Plantinga (2002) apresenta para as décadas e 80 e 90, que vão colocar os nomes de Bordwell e Carrol à frente do debate sobre o cognitivismo e que vai culminar com uma importante coletânea35 de textos sobre as possibilidades além das grandes teorias estabelecidas no campo dos estudos fílmicos. Em seus esforços anti-paradigmáticos, Carroll criticou fortemente as posturas dominantes de base psicanalítica, marxismo althusseriano e semiótica de Barthes.

Depois de discutir sistematicamente contra os principais princípios desta teoria, a conclusão de Carroll era caracteristicamente intransigente. Tal teoria, escreve ele, ‘impediu e reduziu a análise fílmica à repetição de slogans da moda e suposições não examinadas’ (Carroll, 1988, p. 234). Ele argumentou que ela deve ser completamente descartada e devemos começar de novo. Carroll diretamente desafiou a legitimidade da teoria do cinema como ela estava sendo praticada em 1970 e 1980, e de uma maneira que tornou difícil para os teóricos do cinema ignorar.36 (Plantinga, 2002, p. 17)

A visão de Carroll contra a generalidade do cinema não-ficcional continua em texto essencial37 onde argumenta a necessidade de delimitação entre filmes de ficção, não ficção e documentário. Ao propor que se denomine “cinema de asserção pressuposta” ao “conjunto de filmes que os acadêmicos da área de cinema pretendem designar e discutir” (CARROL, in RAMOS, 2005, p. 69), o autor sustenta a superação da

34 “While Bordwell was developing a new method for film study, Noël Carrol was busy discrediting the conventional methodologies”. (PLANTINGA, 2002, p. 17)

35 Referência à obra BORWELL, David; CARROL, Noël. Post-Theory – reconstructing film studies. Wisconsin: University of Wisconsin Press, 1996.

36 “After systematically arguing against the main tenets of this Theory, Carroll's conclusion was characteristically uncompromising. Such theory, he writes, has "[...] impeded research and reduced film analysis to the repetition of fashionable slogans and unexamined assumptions" (Carroll, 1988, p. 234). He argued that it must be completely discarded and we must begin anew. Carroll squarely challenged the legitimacy of film theory as it was being practised in the 1970s and 1980s, and in a way that made it difficult for film theorists to ignore”. (PLANTINGA, 2002, p. 17)

37 CARROL, Noël. Ficção, não-ficção e cinema da asserção pressuposta: uma análise conceitual. In RAMOS, Fernão. Teoria Contemporânea do Cinema. Documentário e narratividade ficcional. Vol. II. SP: Ed. Senac, 2005.

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proposta griersoniana que seria muito específica e, portanto, restritiva. A dicotomia é pertinente à proposta estreita de Grierson versus uma versão ampla e pouco elaborada de filmes de não ficção, o que exclui o documentário como é entendido hoje. Este “cinema do fato pressuposto”, evidentemente, gera complicações pela extensão do termo mas adere mais precisamente à caracterização do documentário pois segundo seu proponente, aponta um domínio de estudos com maior precisão. Esta percepção leva novamente ao conceito de asserção.

A noção de cinema de asserção pressuposta já não contemplaria, por definição, obras como Arnulf Rainer38, mas tão-somente os filmes que se engajam no que poderíamos chamar de jogo da asserção, um jogo no qual as questões epistêmicas de objetividade e verdade são incontestavelmente adequadas. (Carroll, in Ramos, 2005, p. 72)

No caso dos documentários musicais, o jogo da asserção se mostra igualmente pertinente, dado o caso citado dos shows. O registro de uma performance musical não é um filme de ficção, mas integra o vasto grupo dos não-ficcionais, da mesma forma que os documentários musicais. Mas estes dois últimos não são a mesma coisa, ou seja, o primeiro tem como asserção o registro, enquanto a intenção do segundo é ser um documentário que problematiza a música. Para Carroll (2005), esta distinção é teoricamente possível, sendo o cinema da asserção pressuposta uma subcategoria do filme não ficcional. De acordo com Ramos, “em caminho também percorrido por Noel Carroll, a emoção ou percepção do espectador pode, no final, ser reduzida a proposições universais, compostas por fundamentos cognitivos a serem analisados em disposição lógico-formal” (2005, p.16). Outro importante autor do cognitivismo, Plantinga (2002) enaltece a abordagem, sugerindo que deve se tornar axial nos estudos interdisciplinares do cinema.

38 O filme em questão é o experimental Arnulf Reiner – um flicker film (1960) dirigido por Peter Kubelka. A citação decorre da preocupação de Carroll sobre num contexto em que admite que o debate mais importante sobre não-ficção normalmente se debruça sobre os argumentos da objetividade ou realidade. Mas quando o assunto é um filme como este citado, não haveria, para Carroll, sentido em focar as questões de “subjetividade com respeito à realidade”. (in Ramos, 2005, p. 72)

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Ele propõe que as análises se aproximem mais da racionalidade do pensamento e do discurso humano. Outro autor referencial para estudos contemporâneos do cinema sob o recorte da filosofia analítica é Branigan39, que propõe uma revisão dos conceitos de linguagem dominantes na análise fílmica a partir do legado da semiótica francesa de Christian Metz, fortemente arraigada nas fontes linguísticas. Ele retoma a noção dos jogos de linguagem propondo repensar a teoria do cinema, mas não sem esquecer a relação das leituras fílmicas com a linguagem. Percebe-se isso nas referências do autor a importantes nomes da filosofia como Deleuze, Platão, Barthes e, especialmente, Wittgenstein. O que o autor pretende é uma nova aproximação da teoria do cinema com o objeto de análise, para pensar sobre a linguagem que utilizamos para descrevê-lo. Isso aparece claramente na aplicação que o autor defende para a palavra câmera, por exemplo, que pode ter uma multiplicidade de significados na leitura fílmica. O jogo de linguagem para Branigan (2006) também tem suas regras, mas desta vez não mais tão herméticas como os linguístas puristas ou os “suturistas” propuseram. Em seu discurso, a teoria do cinema deve perceber o entorno e a contextualização do objeto de estudo. Para o autor, as condições culturais, o recorte histórico e os aportes sociais devem ser considerados na concepção da teoria. Torna-se assim evidente o motivo pelo qual a linguagem para designar os filmes analisados ganha destaque em sua obra. Sua ênfase recai sobre uma abordagem de cunho cognitivo e ele busca em Wittgenstein40 a ancoragem teórica para seu trabalho. Branigan (2006) destaca que sua busca é pelo resgate da noção de verdade a partir da lógica, daí sua referência tão centrada na obra de Wittgenstein. Neste campo de pensamento a noção de verdade é abandonada junto com a teoria da reflexividade

39 Edward Branigan é diretor de Estudos de Graduação e professor do departamento de Estudos de Cinema na Universidade da Califórnia em Santa Barbara. É autor dos seguintes livros: The Point of view in the cinema (1984); Narrative comprehension and Film (1992), premiado com o Katherine Singer Kovacs em Cinema Studies, e Projecting a Camera – Language-games in Film Theory (2006).

40 O filósofo Ludwig Wittgenstein (1889-1951) tinha seu foco de compreensão do mundo inteiramente voltado para a lógica. Em sua obra considerou que o mundo deveria ser compreendido pela lógica e que tudo o mais seria excluído: metafísica, estética, ética. Por fim, a própria filosofia também. Dedicou boa parte dos seus estudos à linguagem, pois acreditava que “desconfiar da gramática é o primeiro passo para se filosofar”(STRATHERN, 1997).

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dos pós-estruturalistas. Naufraga a noção do sujeito através da subjetividade e o que os teóricos buscam é uma definição clara e precisa de documentário. Com isto, ele não se distancia do perfil polêmico dos teóricos da filosofia analítica, assumindo a intenção do sujeito. Branigan (2006) estrutura um pensamento cujo núcleo tem como ponto de partida a exploração máxima do conceito de câmera, que se desenvolve a partir das seguintes proposições: a) a vida da câmera, o que compreende a morte do autor, a impessoalidade da máquina e suas implicações na análise fílmica; b) a câmera-dentro- do-texto, considerando o seu movimento e suas relações com o tempo, a causalidade e a escala, bem como um breve retorno ao tema do ponto de vista41 e a subjetividade; c) o que é a câmera: estudo que designa a transição da máquina para o sujeito e se completa com a ampliação da psique coletiva da sociedade; d) como se desenham os planos, revelando os problemas de linguagem que implicam na ambiguidade de sentidos; e) por fim, quando é uma câmera, onde aborda as questões mais próximas da ficção, do movimento e da linguagem com aporte em Wittgenstein. A intenção teórica de Branigan quando questiona o termo “câmera” é mostrar que ao mesmo tempo evoca-se o sentido de plano, imagem, fotograma, movimento, filme, motivação, ponto de vista e narração. O autor compõe uma concepção de teoria fílmica a partir de padrões de compreensão que foram apreendidos do comportamento linguístico, ou o que ele nomeia de “jogos de linguagem” e condena a análise fílmica vertical, que somente se prende a aspectos técnicos promovendo o método do “desmantelamento” do filme. A isso ele chama de redução: desmontar em pedaços menores, o quanto mais simples melhor. Sob esse processo, a ideia parece ser descobrir o fundamental, os irreduzíveis constituintes de alguma coisa, o que a tornaria única. Sua crítica centra-se no fato de que em lugar de analisar um conceito, o método de redução busca condições suficientes para o uso próprio do conceito.

41 Sobre o tema ponto de vista, há um único texto de Edward Branigan publicado em língua portuguesa, O plano-ponto-de-vista, pg. 251-270; in RAMOS, Fernão. Teoria contemporânea do cinema. Documentário e narrativa ficcional. Vol II. São Paulo: Editora SENAC, 2005.

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Contrapondo-se a este método analítico vertical, Branigan propõe um método de análise de conexão, de conceito, que seria horizontal. Ele cita Charles Stevenson: “quando pensamos nos pedaços de alguma coisa, exibimos uma atenção ‘dissecativa’ e quando pensamos na coisa como um todo perfeito – quando todas as suas partes estão intactas – podemos exibir uma atenção “sinóptica” que anuncia uma impressão em rede”. Outra referência citada é Strawson: “o que é importante é que algo seja compreendido nos termos de suas conexões, links e relações com um grupo maior de outras coisas”. Branigan acrescenta: “Mais do que dissecar ou quebrar alguma coisa com base em critérios arbitrários, devemos focar em como algo está sendo justaposto com a variedade de situações e contextos. Enquanto a proposta de redução é como uma autópsia, encontrar ‘conexões’ e como fazer geografia: projetando, mapeando, cartografando.

3.2 TEORIA DA INFORMAÇÃO E CATEGORIZAÇÃO: TAXONOMIAS, ONTOLOGIAS E TESAUROS

Como as ciências da informação possuem componentes metodológicos para atividades científicas de indexação, as proposições teóricas desta área do conhecimento foram adotadas como base para a categorização do documentário musical brasileiro. Inicialmente os estudos investigaram a evolução do Tesauros, cujas referências iniciaram com estudos de Campos e Gomes (2006) que explicam a evolução do tesauro documentário e em Carlan (2010), cuja dissertação empreende esforços de investigação sobre a evolução dos sistemas de organização do conhecimento. As fontes teóricas que por fim embasaram a parte metodológica mais complexa do desenvolvimento de um modelo para categorização dos filmes documentários musicais foram Schellenberg (2006), que propõe métodos e técnicas para o tratamento de arquivos modernos; aspectos da teoria analítica do conceito, de Dahlberg e a classificação facetada de Ranganathan. Após esta fase de compreensão dos aspectos teóricos da categorização, foi selecionada uma característica que estivesse presente em todos os filmes, que tivesse natureza fílmica e que estivesse também próxima do cinema não ficcional. A

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argumentação do filme surgiu então como o elemento central para o processo de indexação dos filmes, uma vez que dá origem à asserção do documentário, passível de ser expressa numa única frase. A aproximação desta abordagem nos filmes exigiu também o estudo de uma metodologia que permitisse trazer o argumento para o primeiro plano e compreendê-lo. A teoria dos usos do argumento de Toulmin (2006) foi então considerada, pois para este autor o argumento possui uma estrutura semelhante a um organismo que pode ser representado de forma esquemática, incluindo uma proposição, dados de apoio, qualificadores de dados e por fim, garantias ou apoios. A proposta esquemática da estrutura do argumento de Toulmin oferece mais componentes metodológicos para o estudo da natureza categórica do corpus da pesquisa. Igualmente, a análise argumentativa de Liakopoulos (2002), adaptada da proposta de Toulmin, foi considerada para que fosse possível compreender os pontos negativos e positivos deste método. Uma vez selecionado o aspecto do argumento como o centro da categorização do documentário musical brasileiro, foi necessário transpor a lógica do argumento muito mais abrangentemente abordada pelo cinema ficcional para o de não ficção. A bibliografia sobre argumento cinematográfico ainda prioriza o filme de ficção ou simplesmente confunde o argumento com o próprio roteiro ou a sinopse do filme. Após levantamento conceitual sobre o argumento do filme segundo Parent-Altier (2004), o instrumento metodológico se completou com a análise da argumentação e a aproximação com a noção de asserção no documentário, possibilitando a origem das categorias de classificação dos filmes. É importante destacar as características do objeto e o perfil das escolhas metodológicas, porque as metodologias tradicionais de pesquisa em determinadas áreas não comportam as complexas características de determinados objetos. É o caso do método de entrevista em profundidade descrito por Duarte (2005) que, ao propor a análise de dados obtidos sugere a organização dos resultados em categorias. Para o autor, categorias são estruturas analíticas construídas pelo pesquisador que reúnem e organizam o conjunto de informações obtidas a partir do fracionamento e da classificação em temas autônomos, mas inter- relacionados. Em cada categoria, o pesquisador aborda determinado conjunto de respostas dos entrevistados, descrevendo, analisando,

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referindo à teoria, citando frases colhidas durante as entrevistas e a tornando um conjunto ao mesmo tempo autônomo e articulado. (p. 79)

Procede a definição de categorias do autor quando seu método visa organizar conteúdos levantados por meio de entrevistas em profundidade. Também faz sentido quando, considerando seu objeto de estudos, ele busca em Selltiz et al. (1985, p. 441-442 apud DUARTE, 2005, p. 79) e em Richardson (1999, p.240 apud DUARTE, 2005, p. 79) as características para as categorias classificatórias. Aceitar que as categorias analíticas de uma pesquisa sejam exaustivas, homogêneas - considerando que devem derivar de princípios claros de classificação - e tenham concretude são premissas válidas inclusive para categorizar objetos como os filmes documentários. O problema é que apesar de ser bem aceitável que as categorias “são identificadas ao longo da pesquisa” e que “não devem ser entendidas como camisas de força”(p. 79), a afirmação categórica de que as classes devem ser mutuamente excludentes é bastante complicada quando se trata de objetos da arte, como é o caso do cinema. Adotar uma metodologia tradicional com características tão pragmáticas para analisar filmes parece inviável. Um exemplo de fácil compreensão é o caso dos filmes de ficção. Comumente eles são organizados em gêneros, como a comédia, drama e terror. Adotar um método extremamente excludente suporia que os realizadores fossem obrigados somente a fazer filmes que se enquadrassem dentro de um único gênero. E essa premissa ignora que o cinema, especialmente o documentário, imprime experiências cada vez menos limitantes em seus filmes. Como exemplo disso há no universo do cinema documentário o filme libanês 74 – The reconstruction of a Struggle (2013) que não pode simplesmente evocar a lógica de categorias excludentes como regra. O documentário, dirigido por dois irmãos jornalistas libaneses, chama a atenção por seu paratexto: é apresentado como um documentário híbrido. Aposta difícil, uma vez que as teorias contemporâneas do documentário dão conta de que praticamente todo filme é um filme documentário (NICHOLS, 2005), o que leva a uma aceitação da grande mobilidade permitida ao formato, variando da performance ao mockumentary. 74 não é um filme menor por querer ser rotulado como híbrido, apenas dá o exemplo de que a categorização de sua natureza fílmica é complexa e dificilmente poderá ser indicada como excludente. Em sua temática,

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74 é um filme provocativo: revive um protesto estudantil de 1974 na Universidade Americana de Beirute. Durante 37 dias estudantes sitiaram os escritórios da instituição, organizaram-se em torno de suas reivindicações, hierarquizaram suas lideranças e, por fim, foram rendidos, retirados à força da universidade e presos. No centro da discussão está em foco um tema original: o que se passa na cabeça dos revolucionários, que falam diretamente para a câmera revelando suas perspectivas políticas, seus medos, sua forma pessoal de encarar o momento coletivo sob forte impulso de justiça individual. O segredo do filme está em sugerir, numa mise-en-scène centralizada e minimalista – o filme se passa quase totalmente numa única sala – que os depoimentos podem ser embasados em personagens reais. A riqueza do filme está justamente no fato de que, apenas no final do filme, é revelado que os atores estão improvisando suas falas, que não foram roteirizadas. As suas respostas e reações foram induzidas pelas perguntas dos documentaristas em voz over, mas os conteúdos foram totalmente elaborados pelos atores. Novamente, ao assumir deliberadamente a encenação, o questionamento sobre o método de categorização faz-se necessário, pois o cinema documentário tem características muito particulares e é preciso um método que permita que o sistema fílmico seja percebido em sua totalidade. Este exemplo demonstra que não é simples criar categorias excludentes para filmes documentários. Mesmo dentro de um subgênero, onde há muita similaridade como no caso da temática musical, há diversas opções estilísticas, seja na forma ou na narrativa que precisam ser observadas. Para desenvolver um modelo de categorização foi necessária a compreensão teórica de taxonomias, ontologias e sistemas de classificação e categorização. A Ciência da Informação possui conceitos e ferramentas que contribuem para a organização do conhecimento e colaborou para o exercício de compreensão da grande quantidade de filmes que integram o corpus da pesquisa, especialmente devido aos aspectos relativos a taxonomias, ontologias e tesauro. As categorias foram organizadas após o processo de análise, seguindo parâmetros da ciência da informação para classificação. A categorização, importante para as ciências da informação, tem relevância tanto para a biblioteconomia como para a arquivologia. Schellemberg (2006) dedica seus estudos a esta segunda área e vê semelhanças entre o trabalho do bibliotecário e do arquivista, apesar das especificidades de cada área. Ambas são responsáveis pelo trato

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com arquivos, sendo que numa biblioteca o acervo objetiva prioritariamente fins culturais, enquanto para o arquivista estes valores são acidentais. No caso dos materiais audiovisuais, há interesse igual das duas áreas. Para o autor,

As películas cinematográficas, por exemplo, quando produzidas ou recebidas por uma administração no cumprimento de funções específicas, podem ser consideradas arquivos. Este é o caso de filmes feitos para registrar atualidades, tais como filmes de cenas de combate durante a guerra, ou para influenciar a opinião pública, ou ainda para treinar o pessoal civil ou militar. As cópias desses filmes equivalem a duplicatas de livros e são geralmente postas à disposição, antes pelas bibliotecas do que pelos arquivos, para fins educativos e recreativos. Verifica-se o contrário em relação a negativo e filmes positivos que são usados sobretudo para a produção de outros filmes. (SCHELLENBERG, 2006, p. 44)

Como o texto indica, há especificidades no tratamento de arquivos a serem categorizados pelas diferentes atribuições dos setores das ciências da informação. Schellemberg (2006, p. 44) ressalta ainda que “não é possível estabelecer a diferença entre a coleção de manuscritos das bibliotecas e os arquivos, considerando-lhes a forma, a autoria ou o valor”. Este pode ser um princípio relevante para a categorização do corpus desta pesquisa, uma vez que também compõem o marco teórico conteúdos pertinentes às lógicas das ciências da informação. Como o corpus precisa de modos próprios para ser indexado, a opção por não fazê-lo de acordo com a forma (aspectos estruturantes como a montagem ou a voz), a autoria ou o valor (sócio-histórico, por exemplo) de cada filme se justifica de acordo com o referencial teórico. O mesmo autor também corrobora com a ideia que diferencia o tratamento de documentos que podem ser considerados arquivos e os que são manuscritos históricos. Os arquivos “aparecem como o resultado de uma atividade regular”, ao passo que os manuscritos históricos, contrariamente, são em geral “o produto de uma expressão espontânea do pensamento ou sentimento. São, assim, criados ao acaso e não sistematicamente” (SCHELLEMBERG, 2006, p.44). Neste sentido, os filmes documentários estariam mais propícios a receberem um tratamento ordenado pela base teórica desta pesquisa conforme prevista para os manuscritos.

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Segundo Schellemberg (2006), há três grandes diferenças a serem consideradas sobre os métodos utilizados por arquivistas e por bibliotecários, que basicamente divergem na forma de arranjo e descrição das coleções. A avaliação e a seleção compõem a primeira diferença técnica. Para o arquivista, documentos não são avaliados pelo seu valor avulso, mas sim em relação a todo o restante da documentação proveniente da atividade que a produziu. Ao contrário, o bibliotecário avalia isoladamente materiais e seus julgamentos tem função de conveniência e não de preservação como no caso do arquivista. “Embora o termo ‘classificação’ seja usado por ambos, seu significado é inteiramente diverso” (SCHELLEMBERG, 2006, p. 48). Para o material de arquivo, o sentido é de arranjo em um arquivo de acordo com a origem. Já para o material de uma biblioteca, é o agrupamento de acordo com sistemas lógicos predeterminados e a atribuição de símbolos para sua alocação em estantes. O autor explica que a terceira diferença refere-se à descrição, especialmente em relação ao termo catalogação, que para os bibliotecários indica peças indivisíveis, como livros que são indexados por autor e título. No caso de arquivos, quando são catalogados, isso é feito por unidades de peças, como grupos ou séries. Como compreensão final, pode-se perceber que a diferença entre o tratamento dado aos documentos deve-se à sua natureza: “ao bibliotecário concernem, de modo geral, unidades avulsas e indivisíveis, cada uma tendo seu valor próprio; ao arquivista, unidades que são agregadas ou unidades menores cujo valor deriva, ao menos em parte, de sua relação umas com as outras” (SCHELLEMBERG, 2006, p. 50). Portanto, após o processo de compreensão da asserção de cada filme, o procedimento de ordenação de categorias possíveis de forma lógica foi analisado. Sobre a definição dos termos citados, Campos (2006, p.355) entende que categorização é o processo cognitivo de dividir o mundo que experienciamos em “grupos gerais ou categorias amplas de forma que os integrantes compartilhem similaridade imediata em termos de atributo num dado contexto”. Para compreender como se dá a evolução deste conceito, é indispensável atender à contribuição das teorias de Raganathan e Dalhberg mas, primeiramente, a indicação conceitual de taxonomias, ontologias e tesauros são necessárias para o aprofundamento da percepção sobre categorização.

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Taxonomia é um campo da ciência que tradicionalmente classificava os seres vivos. Originária da palavra grega táxis, estabelece arranjos de indivíduos com características comuns. “É um método de classificar coisas reais, estabelecendo categorias de similaridades e diferenças”, conforme definição apontada por (KENT; LANCOUR, 1968, v. XX, p.187) citado por Carlans (2010, p.45). Historicamente, o termo taxonomia originou-se na Grécia antiga e traz já no início de seu uso o conceito de categoria, como adotado por Aristóteles. Para a visão clássica aristotélica, as categorias são entidades discretas, caracterizadas por um conjunto de propriedades compartilhadas por seus membros, mas necessariamente excludentes. Esta característica de exclusão tornou a categorização dos documentários complexa, pois a similaridade entre os filmes já é inicialmente posta pela temática e posteriormente pela proximidade de abordagens, prioritariamente centrada em filmes que contam histórias de vida e trajetórias musicais. Mas com a determinação da asserção do filme, a proposta de categorização excludente foi possível, especialmente por não ser determinada exclusivamente pela observação formal. A noção de taxonomia foi estudada porque, para a ciência da informação, a classificação sistematizada é um instrumento para a conformação intelectual, sendo que sua função contemporânea é ser

(...) empregada em portais institucionais e bibliotecas digitais como um novo mecanismo de consulta, ao lado de ferramentas de busca. Além destas aplicações, a taxonomia é um dos componentes em Ontologias. A organização das informações através do conceito de Taxonomia permite alocar, recuperar e comunicar informações dentro de um sistema de maneira lógica através de navegação. (CAMPOS; GOMES, 2008)

As mudanças digitais atuais criaram uma grande dependência de informações organizadas nas diversas áreas do conhecimento e este é um ponto de referência para as taxonomias como apontam Campos e Gomes (2008). É tanto o caso da área de administração, seja nos setores privado ou público, como nos exemplos das áreas de saúde e informática, como na web semântica. Para estes autores, uma das funções que devem ser destacadas das taxonomias é que precisam ser apresentadas de forma lógica, organizadas hierarquicamente em classes, sub-classes, sub-sub-classes e,

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igualmente, deve-se garantir a melhor seleção do termos de identificação por meio de um vocabulário-padrão e critérios previamente estabelecidos. É igualmente caro aos autores o conceito de herança, especialmente por ser facilmente reconhecido por máquinas. Em resumo, adotou-se esta noção para uso na etapa de denominação das categorias dos documentários musicais que “no domínio das representações do conhecimento, as taxonomias podem ser consideradas instrumentos que organizam logicamente os conteúdos informacionais” (CARLAN, 2010). Para Campos e Gomes (2008), as principais características de uma taxonomia são: a) a elaboração de lista estruturada de conceitos ou termos de um domínio; b) a organização hierárquica de termos; c) a possibilidade de recuperação de termos por meio de navegação; d) a autorização de acréscimo de dados; e) a atuação como um mapa conceitual dos tópicos, tornando-se instrumento de organização intelectual. Os autores destacam também que não é função da taxonomia uma padronização terminológica. Diferentemente do tesauro, uma taxonomia pretende ordenar e organizar informações. Ainda com este parâmetro de comparação, entre tesauros e taxonomias, os autores explicam que

tanto os Tesauros quanto as Tabelas de Classificação Bibliográfica são instrumentos que estão fora do sistema informatizado, ou seja, são utilizados como documentos referenciais, não possuindo assim mecanismos que permitam a agregação de dados. Entretanto, deve-se considerar que todos esses instrumentos que possibilitam a formação de redes de conceitos estruturados possuem como base uma estrutura classificatória que deve se apoiar em princípios da lógica. (CAMPOS e GOMES, 2008)

Com o objetivo de compreender os processos de categorização, a lógica baseada em conceitos acaba por se revelar como elemento central para a organização das informações de acordo com estes autores, sendo o primeiro dos três princípios básicos de classificação adotados nas taxonomias a categorização, que oferece a matriz para a apresentação sistemática. Os outros princípios são os cânones, que permitem o trabalho no plano das ideias, ou seja, a construção de classes, e por fim os princípios, para a ordenação destas classes (CAMPOS e GOMES, 2008).

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O exemplo de bom funcionamento de um esquema de buscas, como no caso da web semântica, prevê que são mecanismos como as ontologias que consolidam as coleções estruturadas de informações e os conjuntos de regras de inferência, pois conectam sistemas (CAMPOS e GOMES, 2008). Segundo os autores, há que se considerar que as ontologias são compostas por:

(...) Termos e Definições; Classes e subclasses - que podem estar organizadas em uma taxonomia; Relações (também chamadas de propriedades), que devem representar os tipos de interação entre as classes de um domínio; Axiomas que são regras para determinar a verdade das sentenças; e Instâncias que são utilizadas para representar elementos específicos, ou seja, os próprios dados (CAMPOS e GOMES, 2008, p. 2).

Uma vez que o foco deste estudo é a classificação de um grupo de objetos fílmicos é possível perceber que as ontologias servem ao propósito de compreensão e organização dos filmes em questão. De forma objetiva, ontologias são conceituações que indicam aportes entre entidades de um setor específico do conhecimento, mas que podem ter significados mais abrangentes do que dicionários ou sistemas de palavras- chave.

As ontologias também tiveram sua teoria estudada porque podem ser classificadas em duas dimensões. Na primeira, classifica-se quanto à quantidade e ao tipo da estrutura, mas considera-se que seria melhor se fosse realizada com base no nível de detalhamento utilizado na conceituação. Na segunda, classifica-se quanto ao assunto da conceituação em: ontologias de aplicação, ontologias de domínio, ontologias genéricas e ontologias de representação (GUARINO, 2004). O termo tesauro tem origem etimológica na palavra latina thesaurus, cuja tradução é tesouro. Um tesauro documentário agrega uma lista de palavras que, ao pertencerem a um domínio específico de conhecimento, agrega palavras com sentidos parecidos. Ao contrário de um dicionário, não possui explicações detalhadas sobre termos, mas contribui, por exemplo, com jornalistas pelo fato de manter agregadas palavras com o mesmo sentido, facilitando o uso vocabular preciso. No Brasil, o INEP (2011) é responsável pelo Brased – Thesauros Brasileiro da Educação e explica que o

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tesauro é um instrumento que reúne termos escolhidos a partir de uma estrutura conceitual previamente estabelecida e destinados à indexação e à recuperação de documentos e informações numa certa área do saber. Sua função é permitir o processamento e a busca de informações por pesquisadores. Ainda segundo o Inep (2001), suas três características básicas são: a) a cada termo do tesauro deve corresponder um conceito, que pode ser descritor ou indexador, ou ainda um remissivo, quando faz referências a um termo descritor; b) Não pode constar no tesauro um termo que não esteja relacionado a outro e as bases relacionais são estabelecidas pelo significado; c) Os conceitos e suas relações são dados pela modelagem de dados do campo de estudos de cada palavra. Segundo o INEP (2011), o diferencial do Brased em relação a outros tesauros na área de educação é o fato de que suas palavras são indexadas numa matriz conceitual, fundamentada numa “análise crítica da realidade educacional e de seu contexto”. Esta matriz foi construída considerando as relações globais e multidisciplinares dos domínios da área e contempla quatro campos temáticos. Segundo o Inep, são válidas as noções de hierarquia, equivalência e associações que foram estabelecidas entre os termos. Estes quatro campos ou sub-áreas são o contexto da educação, a escola como instituição social, os fundamentos da educação e a educação com seus princípios, conteúdo e processo. Tesauros implica bases classificatórias e possui normas internacionais que derivaram da evolução dos sistemas desde a década de 60. Atualmente há diretrizes e normas nacionais e internacionais, a ISO 2788 (1986), a ISO 5964 (1985) e a ANSI/NISO Z39.19-2003. Estas normas estabelecem os parâmetros que regem o desenvolvimento de tesauros com palavras em uma ou mais línguas. Com base nessas normas, pode-se sintetizar a estrutura de tesauros em duas partes: base teórica e base técnico- operacional. Carlan (2010, p. 44) aponta a divisão da estrutura do tesauros em duas partes a partir destas normas: uma base teórica e uma técnico-operacional. A base teórica compõe-se em quatro aspectos: a) conceitos; b) termos; c) categorias e d) facetas e a base técnico-operacional possui cinco etapas: a) planejamento; b) coleta de termos; c) controle terminológico; d) estabelecimento de relações entre conceitos e e) formas de divulgação e publicação.

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Como o objetivo desta pesquisa prioriza esta base teórica, pode explorar os quatro aspectos do tesauros. O primeiro, o conceito, é derivado da Teoria do Conceito de Dahlberg (1978) que considera como unidades de conhecimento os conceitos, “identificados por meio de enunciados verdadeiros de determinado objetos e representadas de forma verbal”. (CARLAN, 2010, p. 42). Um termo se compõe de uma estrutura triangular cujos vértices são os referentes, suas características e a forma verbal. O segundo aspecto da base teórica do tesauros, o termo, representa um conceito e pode ser descritor ou não-descritor. As categorias, como terceiro aspecto, formam os grupos de conceitos e por fim, as facetas – decorrentes de aplicação da teoria de Ranganathan (1967) - são os determinantes das características do grupo podendo fragmentá-lo em sub-categorias. Com estes conceitos é possível compreender que há conexões entre as taxonomias, as ontologias e o tesauros. Para Carlan,

(...) sobre tesauros, taxonomias e ontologias pode-se afirmar que são modelos de representação do conhecimento que estruturam, classificam, modelam e representam conceitos e seus relacionamentos pertinentes num domínio do conhecimento. São vocabulários controlados com base em princípios linguísticos e terminológicos e utilizados para organizar e recuperar informações. (CARLAN, 2010, p. 56)

É a partir destas noções que foram estabelecidas as bases para a organização dos filmes documentários musicais conforme as categorias apresentadas no último capítulo desta tese. Estão presentes na base das tomadas de decisões metodológicas as considerações sobre os processos de categorização em um determinado domínio, a importância da conceituação, a pertinência da hierarquização de classes e sub-classes e a determinação de termos definidores.

3.2.1 Teoria da Classificação Facetada de Ranganathan

Organizar o corpus implicou na apropriação do objeto com vistas a apresentá-lo de forma reorganizada. Uma das funções da categorização proposta foi arranjar em unidades distintas os documentários musicais, de forma dedutiva e que levasse à comparação de particularidades do objeto, considerando uma ou mais

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características-chave do objeto. Campos e Gomes (2006, p. 355) explicam que o uso de categorias para organizar conceitos num determinado domínio do conhecimento “foi introduzido por Raganathan no âmbito da documentação, a partir de sua teoria da classificação facetada”. A noção de categorias é estabelecida por Ranganathan (1967) para analisar temas presentes em documentos para que fosse possível organizar um esquema de classificação. Ao desenvolver as cinco categorias fundamentais, Ranganathan (1967) entendeu que elas eram genéricas, que deveriam dar conta de alocar todos os objetos possíveis, sendo que cada um só poderia estar numa categoria. As categorias fundamentais são: personalidade, matéria, energia, espaço e tempo. O método para categorização, segundo Raganathan (1967) agrupa classes de objetos que são denominadas facetas, oferecendo uma lógica para o estabelecimento de uma taxonomia. Campos e Gomes (2006, p. 356) expõem que o método de resíduos é o que permite distribuir os objetos entre as categorias de tempo, espaço, matéria, energia e personalidade, especialmente pela dificuldade de determinar as características precisas para a composição da última categoria. Se um objeto não se encaixa em nenhuma das quatro primeiras categorias, deverá integrar a última, já que o método é dedutivo e “fornece as bases para estabelecer as grandes classes, no interior das quais são incluídas as classes de conceitos, com suas cadeias e ranques” (CAMPOS e GOMES, 2006, p. 356). De acordo com exemplos de Campos; Gomes e Motta (2004) sobre outras áreas do conhecimento, conforme citado por Campos e Gomes (2006, p. 356), compreendo ser possível proceder um entendimento sobre o cinema documentário musical pela observação inicial, - ainda que não sejam a asserção propriamente dita mas contribuem para sua definição de elementos fílmicos - pela seguinte categorização: profissionais envolvidos (instrumentos/agentes); técnicas de realização cinematográfica (técnicas); elementos estruturais do filme como voz, montagem, imagens de arquivo, depoimentos (materiais); referências ao domínio musical (espacialidade); tratamento argumentativo (processo). Para Campos e Gomes (2006, p. 356) é indispensável reconhecer que

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a etapa de categorização auxilia no processo de pensar o domínio, não gerando qualquer registro e serve para orientar os profissionais no levantamento dos termos. Ela consiste em identificar as possíveis classes gerais (categorias) de conceitos que a área do conhecimento, objeto do tesauro, comporta. O exercício de categorização torna claro o domínio temático do tesauro e, como conseqüência, estabelece as bases para seleção dos termos, nas fontes de onde eles serão retirados. Posteriormente, o Classification Research Group - CRG - na Inglaterra, desdobrou estas categorias para a elaboração de classificações facetadas. Mas elas podem ser aplicáveis a qualquer temática de tesauros. (CAMPOS e GOMES, 2006, p. 356)

3.2.2 Teoria do conceito de Dahlberg

O objeto de estudo de Dahlberg (1978) são as linguagens artificiais. Enquanto as linguagens naturais decorrem de nossa experiência no mundo, as artificiais ou formalizadas são aquelas onde é preciso desenvolver para atingir determinado objetivo. Para Dahlberg (1978), os enunciados são a base a partir da qual é possível criar conceitos, pois cada um corresponde a algum dos elementos que, devidamente agrupados, constituem um conceito. Estes mesmos enunciados são os elementos que “traduzem os atributos das coisas designadas” conformando o eixo da análise dos conceito (DAHLBERG, 1967, p. 202). O método analítico-sintético, para Dalberg (1978), é o caminho para se obter os elementos do conceito, e “cada enunciado apresenta um atributo predicável do objeto que, no nível de conceito, se chama característica” (DAHLBERG, 1967, p. 102). O processo de elaboração de categorias para esta autora baseia-se na identificação de categorias simples ou complexas, de acordo com a quantidade de propriedades. As características para a constituição de conceitos têm duas espécies, as essenciais – que podem ser subdivididas em constitutivas da essência ou consecutivas da essência - e as acidentais, que podem ser gerais ou individualizantes (DAHLBERG, 1978). Dahlberg define a formação dos conceitos como

a reunião e compilação de enunciados verdadeiros a respeito de determinado objeto. Para fixar o resultado dessa compilação necessitamos de um instrumento. Este é constituído pela palavra ou por qualquer signo que possa traduzir e fixar essa compilação. É possível definir, então, o conceito como a compilação de

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enunciados verdadeiros sobre determinado objeto, fixada por um símbolo lingüístico. (1978, p. 102)

Segundo a autora, os conceitos têm como função a ordenação classificatória e seus índices; a definição dos conceitos; a formação dos nomes dos conceitos. Dahlberg (1978) destaca ainda que a importância que deve ser dada a objetos que tenham características idênticas, pois neste caso devem ser admitidas as relações, que podem ser lógicas, hierárquicas, partitivas, de oposição ou funcionais. No caso da categorização dos filmes documentários musicais, possivelmente as relações funcionais serão as mais apropriadas, pois são pertinentes a conceitos que expressam processos. Dalhberg complementa: “existe consenso no afirmar que as definições são pressupostos indispensáveis na argumentação e nas comunicações verbais e que constituem elementos necessários na construção de sistemas científicos” (1978, p. 106). A autora reconhece que a definição é a limitação de uma ideia e fixa o conteúdo de um conceito. A autora acrescenta que apenas os conceitos gerais necessitam de definições. “Só eles necessitam ser bem distinguidos dos demais conceitos a fim de que apareça com clareza a quais objetos se referem” (DALHBERG, 1978, p. 106). Sobre as espécies de definições, a autora ressalta que é preciso distinguir entre definições reais e nominais. As reais tem conexões com a compreensão do objeto e a nominal tem relação com o conhecimento contido na linguagem.

3.2.3 Teorias e usos do argumento de Toulmin

Liakopoulos (2002, p. 218) define argumento como a espinha dorsal da fala, que representa “a ideia central ou o princípio no qual a fala está baseada”. Em seu estudo sobre a análise argumentativa, ele destaca que as pessoas estão tornando a fala cada vez mais informal, mas continua sendo um instrumento de mudança social, uma vez que tem a característica de persuadir. O objetivo de uma análise argumentativa, para este autor, é proporcionar um recurso metodológico da investigação das estruturas da argumentação, visando compreender como funcionam os debates públicos. No âmbito desta pesquisa, a análise do argumento tornou-se central para a elaboração de proposta de categorização de filmes, uma vez que é o ponto de partida

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para a determinação da asserção. Burleson (1992), conforme citado por Liakopoulos (2002), apresenta conceitos sobre o reconhecimento da composição de um argumento, que tanto pode ser visto como um produto ou como um processo. No primeiro caso, o que importa é a forma de organização dos argumentos que o levam a integrar o contexto do discurso. Enquanto processo, o argumento se caracteriza por sua estrutura inferencial, sendo composto por “afirmações usadas como proposições, junto com outra série de afirmações usadas como justificativas das afirmações anteriores” (LIAKOPOULOS, 2002, p. 219). Segundo Burleson (1992), citado por Liakopoulos (2002, p. 219), as características básicas de um argumento são: “a) a existência de uma asserção construída como proposição; b) uma estrutura organizativa ao redor da defesa da proposição; c) um salto inferencial no movimento que vai da justificativa para a asserção”. Toulmin (2006, p. 15), em seus estudos sobre a lógica, igualmente ressalta a questão da asserção. “Um homem que faz uma asserção faz também um pedido – pede que lhe demos atenção ou que acreditemos no que afirma”. Ser levado a sério decorre de que determinada declaração – ou a proposta de um argumento de filme documentário – seja aceita pelo interlocutor. O autor acrescenta que “se o que diz é entendido como uma asserção, será levada a sério” (TOULMIN, 2006, p. 15). É evidente que há razões para que determinado argumento seja aceito, como credibilidade, reputação e discernimento do interlocutor. Em se tratando do filme documentário, isso pode estar atribuído tanto ao realizador como ao paratexto do filme - dado de antemão como um documentário e não como ficção – e na própria seleção dos materiais compositivos como entrevistas, imagens de arquivo e depoimentos. Para o autor,

o ‘pedido’ implícito numa asserção, é como a reivindicação de um direito ou de um título. Como no caso da reivindicação de um direito – embora haja direitos que podem ser concedidos sem nenhum argumento -, os méritos do ‘pedido’ implícito na asserção dependem dos méritos do argumento que se possa apresentar para apoiá-lo. Qualquer que seja a natureza de uma asserção específica (...) – sempre se pode, em cada caso, contestar a asserção e pedir que se preste atenção aos fundamentos em que a asserção se baseia (suporte, dados, fatos, evidências, indícios, considerações, traços) dos quais dependem os méritos da asserção. Isto é, podemos “contestar” as asserções; e a contestação que fazemos só terá de ser acolhida se pudermos provar que o argumento que produzimos para apoiá-la está à altura do padrão. (TOULMIN, 2006, p. 16)

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Desta forma, Toulmin (2006) entende que é possível identificar as afirmações – nesta pesquisa tomadas no sentido mais amplo de asserções - a partir da natureza e características de seus argumentos. No âmbito do cinema documentário, pode-se inclusive perceber que uma asserção poderá ser acolhida e levada a sério dentro de determinada narrativa mesmo que não seja necessariamente verdadeira, como é o caso dos mockumentaries, que não são simplesmente ficção. São documentários com argumentações lógicas – verdadeiras ou falsas - sobre temas ou assuntos falsos, articuladas de forma a se fazer levar a sério. Assim como o autor defende a centralidade da noção de argumento para a compreensão da asserção nos múltiplos tipos de discursos, também no cinema documentário é possível identificar tal conceito como essencial. Ramos (2008) organiza a definição de cinema documentário a partir da ideia de asserção:

o documentário é uma narrativa basicamente composta por imagens-câmera, acompanhada muitas vezes de imagens de animação, carregadas de ruídos, música e fala (mas no início de sua história, mudas) para as quais olhamos (nós, espectadores) em busca de asserções sobre o mundo que nos é exterior, seja esse mundo coisa ou pessoa. (RAMOS, 2008, p. 22)

Devido a esta centralidade da concepção de asserção para o documentário, foi adotada uma proposta analítica de categorização dos filmes documentários musicais para revelar as tipologias assertivas dos filmes do corpus estabelecido no subgênero de longa-metragens. Essa metodologia prioriza os conceitos conforme dedicados ao documentário por Carroll, Ponech e Plantinga, mas também entende que a observação dos filmes de acordo com determinadas características conforme apontadas por Toulmin (2006), e adaptadas por Liakopoulos (2002), se aproximam das possibilidades do campo do objeto em questão, que é o cinema. Para Liakopoulos (2002), os conceitos de argumentação de Toulmin (2006) são da ordem da lógica informal e os que mais se mostram pertinentes ao universo dos discursos contemporâneos de perfil midiático e interacional. Ele descreve o vigor de Toulmin por seu modo de tratar a linguagem de maneira mais funcional e aplica o modelo

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deste autor, ajustando-o nas seguintes cinco partes: a) proposição b) dados; c) garantia; d) apoio; e) refutação. Por esta razão, a compreensão destas etapas foi adotada seguindo a proposição de Liakopoulos (2002), que é uma forma simplificada da proposta de Toulmin (2006), apesar da necessidade de adaptação para os conteúdos imagéticos e sonoros próprios do universo do documentário. É necessário destacar que a análise dos filmes foi embasada na observação dos filmes de forma metodológica dialogando com a proposta da filosofia analítica, especialmente como difundida por Carroll. Esta etapa de identificação de elementos intrafilme foi necessária como um ponto de partida importante para a compreensão das obras, mas não foi a única para a identificação da asserção do filme. É importante lembrar que a filosofia analítica releva as condições de inserção dos filmes em contextos e não exclusivamente promove análises de conteúdo, o que inclusive combate, como observado por Bordwell em sua avaliação das grandes teorias do cinema, o que considera doutrinárias (in RAMOS, 2004a). Uma proposta tomada da definição de Liakopoulos (2002, p. 225) para este escopo teórico sobre asserção diz que “é uma afirmação que contém uma estrutura e é apresentada como o resultado de um argumento apoiado por fatos”. Existem muitas possibilidades de proposições, mas o modelo proposto por Liakopoulos (2002) se concentra na proposição central, determinada a partir da observação de elementos da argumentação. Essa proposição, na base do modelo analítico adotado, será entendida como o argumento de cada filme – que difere da sinopse do filme - e é sustentado por dados, qualificadores de dados, garantias, apoios e é passível de refutação. Os dados são as evidências das quais o argumento se apropria para se dar a ver. “Os dados podem se referir a acontecimentos passados, ou à situação, ação ou opinião atuais, mas de qualquer modo eles se referem à informação que está relacionada com a proposição central do argumento” (2002, p. 225). No caso do documentário, as imagens de arquivo ou imagens-câmera atualizadas estão entre os principais elementos que podem ser considerados como dados que objetivam sustentar o argumento do filme. Para contribuir com o argumento, são utilizadas garantias. Liakopoulos indica que as garantias são premissas constituídas de “razões, autorizações e regras, usadas para afirmar que os dados são legitimamente utilizados a fim de apoiar a

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proposição. Ela é o passo lógico que conduz à conclusão, não por meio de uma regra formal, mas pela regra da lógica do argumento específico (2002, p. 226). No caso do documentário, a seleção dos materiais e sua articulação por meio da montagem foi tomada como uma das características intrafilme da garantia da argumentação. Estes elementos denotam a ênfase do realizador em determinado tipo de discurso, pontuando-o pelo sentido de seu conteúdo. A garantia, para ter sua aceitabilidade e credibilidade reforçadas, conta com um recurso denominado apoio. “Normalmente ele oferece informação explícita”, aponta Liakopoulos (2002, p. 227). No documentário, a repetição, emoção ou opinião categórica contida em depoimentos tem esta função de apoio. Como a base da teoria de Toulmin é o direito, a refutação aparece como um dos elementos essenciais para a criação de um argumento. Já para Liakopoulos (2002), a refutação não aparece correntemente na argumentação formal, pois mostra os elementos que não legitimam a regra nem a reconhecem como verdadeira. Em seu estudo, Liakopoulos (2002, p. 227) prefere não utilizar as refutações, “porque elas podem minar a própria essência do argumento, que é persuadir o público da legitimidade da conclusão”. Uma vez que o filme documentário é uma obra que assumidamente possui uma asserção, e é a partir dela que se estabelecem as categorias do subgênero musical nesta pesquisa, a lógica da refutação necessitou ser compreendida. Há vários filmes no corpus estudado que utilizam este tipo de argumento como central, o que inclusive está na essência da criação de uma das categorias assertivas. É importante registrar que Liakopoulos (2002) cita vários autores que criticaram o modelo de Toulmin. Estas críticas estão relacionadas a diferentes aspectos como a sua generalidade, por ser demasiadamente simples para o estudo de estruturas complexas ou por ser mal definida em termos de suas partes estruturais e tipos. Mas o modelo foi intensamente utilizado em pesquisas de campos diferentes do conhecimento como a argumentação formal textual, análise de argumentos de políticas públicas, psicologia do desenvolvimento, processos de negociação entre professores de escola e administradores e estudo de efeitos sobre os leitores de um texto argumentativo sobre a Guerra do Golfo (LIAKOPOULOS, 2002). O conteúdo com base na teoria da argumentação de Toulmin foi selecionado porque apresenta um percurso viável para a

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identificação da asserção num grupo grande de filmes com as características do corpus aqui definido e “significa uma ruptura com o rígido sujeito da lógica formal e oferece uma forma básica e flexível, quase geométrica, de análise de argumentação” (LIAKOPOULOS, 2002, p. 223).

3.3 ANOTAÇÕES SOBRE ESPECIFICIDADES FÍLMICAS: ROTEIRO E ARGUMENTO NO DOCUMENTÁRIO

A pesquisa de Puccini (2009) está entre as que promovem maior aproximação com o tema do roteiro no filme documentário e foi uma das perspectivas referenciadas para análise intrafilme porque a quase totalidade da literatura sobre roteiro discorre sobre as lógicas narrativas do cinema ficcional. De modo geral, esta literatura não se debruça sobre a questão crucial da argumentação. Em capítulo específico sobre o argumento no documentário, o autor atribui ao argumento praticamente o mesmo sentido de sinopse. Após ampla revisão bibliográfica, o autor constata que o argumento é praticamente uma etapa da elaboração do roteiro, diferenciando-se da sinopse do filme apenas pela quantidade de detalhes oferecidos num texto mais curto, a sinopse, e no texto mais longo, o argumento (PUCCINI, 2002). É fato que a visão técnica do roteiro reduz o argumento e a sinopse ao resumo da história, com início, desenvolvimento e resolução como diz Puccini (2009). Mas ao lançar um olhar mais atento para o caso do argumento, percebe-se que o autor atribui ao roteiro o uso de uma sequência de perguntas – como no lead jornalístico - como saída para a organização das ideias das etapas de criação do roteiro no documentário. Segundo Puccini (2008), é necessário que o argumento responda às seguintes seis questões baseando-se no material levantado na pesquisa: o que, quem, quando, onde, como e por quê. A constatação procede porque o autor atribui condições precisas da demanda do roteiro, como a relação entre o assunto e a curva de tensão dramática, a identificação dos personagens, a situação temporal e espacial dos eventos, as estratégias de abordagem e a justificativa de realização. Para o autor, esta sequência permite que se explore melhor as características do gênero documentário e também

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ajuda para que “a escrita do argumento não seja exatamente um tiro no escuro” (PUCCINI, 2009, p. 38). De modo geral, o que Puccini (2009) apresenta como elementos internos do argumento são algumas estratégias identificadas como guias de conduta pertinentes à etapa de realização fílmica. São elas: a) os personagens; b) o personagem em situação de conflito; c) o personagem em situação de entrevista; d) a encenação; e) o grupo de personagens; f) o tempo histórico; g) o tempo narrativo; h) o espaço; i) a estrutura discursiva; j) o início, a apresentação do assunto; k) o meio: desenvolvimento do assunto e l) o fim: resolução do assunto (PUCCINI, 2009). Sob o enfoque do argumento, as análises de dois filmes documentários apresentadas pelo autor chamam a atenção. Fala tu (2003) e A pessoa é para o que nasce (2004) são referenciados por sua abordagem centrada da resolução de conflitos, com destaque para o fato de que ambos são documentários de longa-metragem com período de interrupção entre as filmagens, o que justificaria, “por elementos externos àquilo que seria o projeto do filme, o que faz com que o filme possa, a todo momento, ser retomado caso haja novas reviravoltas na vida dessas personagens e com isso nunca encontre seu final (PUCCINI, 2009, p. 58). Puccini é um dos autores tomados como referência devido ao seu enfoque no documentário, mas como a proposta deste trabalho é encontrar categorias e facetas para organizar os documentários musicais a partir da asserção dos filmes, a padronização das perguntas do lead e a observação das estratégias de conduta parecem dispersar ainda mais o corpus em vez de contribuir para o seu arranjo. De acordo com a teoria da argumentação, as estratégias também necessitam ser hierarquizadas de acordo com o estatuto de premissa, dados, garantia, apoio e refutação. Por esta razão, foi adotada a organização do argumento cinematográfico em eixos genéricos de acordo com Parent-Altier (2004), concentrando assim as estratégias da argumentação a partir destas macro-categorias. A argumentista Parent-Altier (2004) estabelece o processo criativo de um argumento em quatro eixos: a) o enredo; b) a personagem; c) o conflito e d) a estrutura. Mas se em Puccini os conceitos que compõem o argumento já estão elaborados considerando o gênero documentário, em Parent-Altier (2004) os conceitos estão exclusivamente voltados à problemática do filme de ficção. Mas observando as

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estratégias conforme apresentadas por Puccini (2009), nota-se que todas as suas estratégias ou guias de conduta podem ser distribuídas entre os quatro eixos definidos por Parent-Altier (2004). O primeiro eixo proposto por Parent-Altier (2004) é o enredo e considera os aspectos da tradição da narração, do seu mito fundador e aspectos complementares. Para a autora, em sua análise focada no filme ficcional, o percurso de uma ideia tem raízes na longa tradição do contar, imbuído do conteúdo da fábula.

Esse conteúdo é tributário da nossa experiência cultural e foi-se construindo ao longo dos séculos em torno de elementos narrativos, díspares, persistentes e recorrentes. Destes elementos são originários os mitos, os arquétipos e estruturas narrativas específicas que sofrem também a influência de diferentes contextos sociais, políticos e econômicos. Os gêneros, por exemplo o western, o melodrama, o filme noir, a comédia musical, fornecem esquemas que, atualmente, são, parte integrante da tradição narrativa”. (PARENT-ALTIER, 2004, p. 39)

Apesar de evocar a questão da tradição com ênfase nos filmes ficcionais, é possível entender que as lógicas narrativas apontadas pela autora também ocorrem no filme de não ficção. Procede o fato citado pela autora da relevância dos gêneros, uma vez que esta acaba se tornando uma referência ao argumentista, pois oferece conexões entre quem elabora o argumento e o público. Apesar de não citar especialmente o documentário como gênero e o musical como subgênero, podemos compreender que a lógica da tradição está bastante presente nos argumentos dos filmes do corpus da pesquisa. Quanto ao mito enquanto fundador da tradição, Parent-Altier (2004) fundamenta seu aporte teórico em Campbell (1987), já canonizado como autor referência para a construção da jornada de personagens arquetípicos, e em Vogler (1992) que “analisou as etapas da viagem do herói em função da escrita contemporânea do argumento” (PARENT-ALTIER, 2004, p. 41). Estas referências também incidem no cinema documentário musical, com destaque para mais de 50% do corpus desta pesquisa que se debruça sobre um argumento que tematiza um artista. A lógica das doze etapas do caminho do herói comentada é facilmente percebida nestes documentários, bem como em boa parte dos

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filmes sobre bandas e grupos. É o que acontece em filmes como Herbert de Perto (2008), que conta a história do vocalista da banda Paralamas do Sucesso, buscando em sua história de vida o argumento arquetípico do herói que encontra uma carreira, depois a tragédia e por fim o sentido das coisas. Como outros elementos fundadores da tradição, a argumentista destaca ainda outros elementos, como os arquétipos, os acontecimentos sociopolíticos ou a censura (PARENT-ALTIER, 2004, p. 43). Estes elementos, seguindo as diretrizes da teoria dos usos do argumento de Toulmin (2006), podem ser classificados para a compreensão da argumentação do filme. Os arquétipos, no documentário musical, não são dados com todas suas características logo de início. Apesar do reconhecido protagonista nos filmes de artista, por exemplo, os arquétipos são integrantes implícitos do argumento, portanto podem agir como “garantias” para reforçá-lo. Já no caso dos acontecimentos sociopolíticos, geralmente são “dados”, ou podem também surgir como “qualificadores de dados”, pois tem seu aporte na informação direta de eventos. No caso da censura, há vários documentários musicais brasileiros que a utilizam na composição de sua argumentação, levando sua refutação à sua sentença assertiva. Em Simonal – ninguém sabe o duro que dei (2007), o argumento gira em torno dos efeitos provocados na carreira deste cantor por ter sido acusado de ser informante da ditadura militar e respectivos órgãos de repressão política. Quanto aos elementos do enredo, Parent-Altier (2004) determina que são: a) a crise, b) o incidente desencadeador, c) o clímax, d) exposição e e) a resolução. Esta estrutura não difere da padronagem que hoje é possível encontrar em manuais de roteiro, como de autoria de Comparato (2009); Mabley e Howard (1999) ou Field (2009). Estes autores apontam a tradição da estrutura narrativa em três atos, com pontos de virada entre eles, sendo o primeiro ato a apresentação da história, o segundo o desenvolvimento do conflito e o terceiro a resolução. Para observação do argumento a partir do enredo a proximidade ou afastamento deste modelo pelo filme documentário analisado contribui para compreender como ocorrem as garantias. E, mesmo quando a proposta não é narrativa no sentido de contar a história de vida de um personagem, a ausência desta estrutura rígida também serve como recurso de garantia do argumento.

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Segundo Parent-Altier (2004, p. 59) “o enredo e a personagem não são dois elementos dramáticos inimigos, entre os quais se deve escolher a qualquer custo”. No contexto em que isto é dito, serve para destacar que o próximo eixo, o “personagem”, também interdepende do enredo e que há casos em que o argumentista cria primeiramente o enredo, em outros dá a dianteira ao personagem. A complexidade presente nestas escolhas terá implicações na liberdade do personagem ou responsabilidades sobre a construção do contexto histórico e por isso deverá ser observada na análise dos documentários musicais a ênfase no personagem ou no enredo. Quanto a este aspecto, após a análise dos documentários musicais analisados identificou-se que se mostram um tanto contraditórios. A maioria dos filmes utiliza-se de um personagem-título, mas dificilmente descola sua trajetória de artista das mazelas da vida cotidiana, que os influencia sobremaneira, especialmente por se tratarem de artistas cujo aspecto emocional é constantemente evidenciado, o que inclusive determinou duas das classes analíticas determinadas. Como exemplos, há num filme como Fabricando Tom Zé (2007) destaque para um desentendimento pessoal do músico Tom Zé com e Gilberto Gil que seria responsável por um longo hiato na carreira do artista. Esta pesquisa denominou de turbulência este aspecto de convergência entre trajetórias pessoais e profissionais evidente na argumentação de quinze filmes do corpus analisado, como Jards Macalé, um morcego na porta principal (2010) e Argus Montenegro e a Instabilidade do tempo forte (2012). O personagem, conforme pensado para o filme de ficção por Parent-Altier (2004), deve possuir características pessoais como o contexto histórico, o contexto pessoal e traços de caráter. O protagonista e seu objetivo, o herói decisor e o protagonista sem objetivos são tipologias descritas pela autora no contexto do filme ficcional e que também são percebidos no filme documentário musical. É bastante evidente, nos filmes de artista, que argumentos sobre a jornada do herói são utilizados pontualmente na argumentação para evidenciar asserções sobre o caráter do personagem, seja aquele que leva a sua música no mesmo estilo que leva a sua vida, como em Dorival Caymmi (2000); o músico de ímpetos delirantes como em Lóki (2009) e Raul: o princípio, o fim e o começo (2012) ou o músico em busca do seu objetivo de vida, como em Marcelo Yuka,

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o caminho das setas(2012). Na medida em que estas percepções foram confirmadas por meio da análise da argumentação, foi possível determinar as asserções, dando início ao processo de nomenclatura das categorias de subgênero. Outra diferença percebida sobre personagem é que no filme de ficção ele é revelado pela ação, o meio e o diálogo (PARENT-ALTIER, 2004). No caso do cinema documentário, há que se considerar a particularidade do personagem em situação de entrevista, a encenação e a voz em narração, recursos que podem operar como sustentação do argumento de acordo com a asserção proposta. O conflito como força motriz da história também está presente na conceituação que Parent-Altier (2004) faz dos eixos do argumento. O conflito pode ser caracterizado como interno ou externo e se origina quando o protagonista se depara com os obstáculos que carregam valores de verossimilhança e fatores de identificação. A autora utiliza três categorias de resolução de conflito que interferem no esquema narrativo: o que termina de forma satisfatória, o que é resolvido de maneira insatisfatória e o não resolvido. Contudo, estas características ressaltam a importância do roteiro na constituição do argumento conforme sustentado pela argumentação como evento determinante do andamento do filme: “na medida em que o argumentista se baseia no postulado segundo o qual não há drama enquanto o conflito não for definido, este instala- se frequentemente muito cedo e apresenta-se não só como um princípio de enredo, mas também como um impulsionador” (PARENT-ALTIER, 2004, p. 84). É possível perceber que a força do conflito está presente tanto na lógica do filme de ficção como no documentário. Um documentário como Aboio (2007) discorre sobre um típico canto do nordeste empregado para a condução dos rebanhos e dimensiona um conflito na medida em que mostra que a tradição do canto dos vaqueiros está para se perder, quando revela as condições de vida destes personagens, suas expectativas e vontades. Desta forma, o eixo do conflito não só se apresenta como uma força que move o filme, como dialoga intensamente com as possibilidades formais que resultam na estrutura do filme: “a estrutura dramática é, muito simplesmente, um sistema de gestão do enredo, uma disposição mais ou menos linear de incidentes, episódios e acontecimentos ligados entre si que conduzem a uma resolução do drama” (PARENT- ALTIER, 2004, p. 93).

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A diversidade de resultados que se pode obter em estrutura dramática no cinema documentário já tem seus casos tradicionais consolidados. Como o documentário lida com elementos internos característicos como entrevistas, depoimentos, imagens de arquivo, contextos factuais, autorizações para utilização de imagens, é necessário considerar esta peculiaridade. Mas faz-se necessário lembrar que o recorte cognitivista não aceita os limites intrafilme como única dimensão da análise fílmica. Por esta razão, o foco da análise não recai exclusivamente sobre elementos da narrativa que são tão caros ao filme de ficção, como as elipses, o flashback e a montagem paralela. Mesmo a estrutura em atos, que é uma característica facilmente percebida nos documentários de artistas musicais solicita que sua análise caminhe no sentido de desvendar a sua asserção, sem as limitações atribuídas à ficção. Para Ramos, “em sua forma de estabelecer asserções sobre o mundo, o documentário caracteriza-se pela presença de procedimentos que o singularizam com relação ao campo ficcional. O documentário, antes de tudo, é definido pela intenção de seu autor de fazer um documentário” (2008, p. 25). O autor apresenta ainda outros elementos próprios à narrativa documentária, como a presença de locução, rara presença de atores profissionais e a intensidade particular da dimensão da tomada (RAMOS, 2008). Nichols (2005. p. 55), apesar de não ser um autor de aportes da filosofia analítica e ter uma obra localizada nos aportes pós-estruturalistas, também reconhece que “a lógica que organiza o documentário caracteriza o argumento, uma afirmação ou alegação fundamental sobre o mundo histórico”. Esse movimento acaba por desamarrar o documentário das convenções próprias da ficção, pois neste gênero as condições espaço-temporais, por exemplo, são dadas não pela forma da montagem, mas pelas “relações reais e históricas” (NICHOLS, 2005, p. 56). Ainda neste sentido, Ramos (2008) estabelece que

Podemos dizer que a definição de documentário se sustenta sobre duas pernas, estilo e intenção, que estão em estreita interação ao serem lançadas para a fruição espectatorial, que as percebe como próprias de um tipo narrativo que possui determinações particulares: aquelas que são características, em todas as suas dimensões, do

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peso e da consequência que damos aos enunciados que chamamos asserções. (RAMOS, 1008, p. 27)

Partindo destes conceitos, a opção metodológica da pesquisa concentra-se na identificação da asserção dos filmes documentários musicais por meio de uma observação metodológica dos elementos estilísticos que constituem os aspectos da argumentação para, a partir da identificação da asserção dos filmes, categorizá-los para melhor entendimento do fenômeno fílmico em ascensão, em tempos recentes, da produção nacional de documentários musicais.

3.4 Passos metodológicos da pesquisa para categorização dos filmes: mapa teórico

No centro da conceituação está a aceitação das diferenças entre os conceitos de filmes não-ficcionais e documentário, considerado como cinema da asserção pressuposta (CARROLL, 2005) e de acordo com as teorias analítico-cognitivas. Dentro do grupo de filmes observados, a grande quantidade de filmes documentários musicais foi percebida e determinada como objeto do estudo. A finalidade da pesquisa foi promover uma possível categorização destes filmes, a partir da noção de asserção. Os filmes documentários musicais brasileiros foram observados e determinados critérios para a seleção do corpus, composto finalmente por 61 obras. O método analítico foi dividido em duas fases: a determinação da asserção de cada filme e a categorização de acordo com a tipologia assertiva. Para a primeira fase, de análise intrafilme, adotaram-se os conceitos de asserção e as observações de como se dá o jogo de linguagem interna do filme com a observação de aspectos da argumentação segundo Toulmin (2006) e Liakopoulous (2002). Os conceitos de asserção, como conceito central, foram também percebidos a partir de conceitos analítico-cognitivos como a emoção e a intencionalidade, conforme Plantinga(1999) e Carroll (2005). Ainda nesta fase, conceitos de argumento cinematográfico foram observados, conforme indicados na obra de Parent-Altier (2004) que aponta os aspectos do enredo, estrutura, personagem e conflito para a constituição do argumento fílmico. Foi contemplada também a proposta de Puccini (2009) sobre os

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aspectos específicos do roteiro para documentário. A conclusão da primeira fase se deu com a determinação das asserções individuais dos filmes. O quadro a seguir demonstra como foram observados os usos da argumentação de acordo com as características do filme documentário. A primeira coluna indica os aspectos propostos para análise, a segunda indica as características conceituais de cada aspecto e a terceira apresenta esquematicamente os elementos compositivos do filme que foram observados.

TABELA 10 – Metodologia dos usos do argumento no filme documentário musical ASPECTOS DO ARGUMENTO CARACTERÍSTICAS ELEMENTOS OBSERVADOS TOULMIN (2006) E (Não são excludentes, podendo operar LIAKOPOULOS num aspecto ou outro) (2002) Proposição Não é dada inicialmente, É o argumento do filme. nem de forma completa, em todos os casos. Evidências. Informações e comprovações de Dados Explícitos. acontecimentos passados ou sócio- políticos. Imagens e sons de arquivo ou atualizadas. Referências explícitas à censura. Locução, voz over. Implícitos – É uma Recortes de jornais de época, fonte Qualificadores de premissa de legitimidade estatística de dados citados, voz, dados montagem, som, ruídos, trilha sonora, depoimentos

Implícita. Afirma que os Seleção dos materiais, cortes e Garantia dados são legítimos. É o articulação por meio da montagem. passo lógico que conduz Arquétipos. Referências implícitas à à conclusão. censura. Modelo narrativo em três atos com pontos de virada entre eles. Apoio Valida a garantia quando Encenação, repetição, emoção, opinião necessário. Implícito. categórica Não está presente em Constituição de argumentos contra a todos os casos e só será asserção do próprio filme, contra Refutação considerada quando for personagens ou contra o senso comum. percebida intenção assertiva no sentido de refutação. Tabela elaborada pela autora com a síntese dos elementos observados nos filmes como argumentação

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Na segunda fase, o processo de categorização verificou os conceitos de taxonomia, ontologia e tesauros tomados da teoria da informação, bem como a Teoria do Conceito, de Dalhberg (1978) e a Teoria da classificação faceta de Ranganathan (1967). A similaridade das asserções individuais foi então considerada para o agrupamento dos filmes nas seguintes três categorias: Storytelling, Expressão fotográfica e De matriz prosaica. Subdivisões denominadas facetas foram necessárias para organizar os filmes de Storytelling, e três foram determinadas: ideologia reativa, memória de vida e obra e revelação. A categoria Storytelling, na faceta memória de vida e obra é a única que possui uma terceira subdivisão para organizar as asserções. Estas são as classes de fluxo laminar e turbulência.

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4 CATEGORIAS DO DOCUMENTÁRIO MUSICAL BRASILEIRO

A proposta do capítulo quatro é aplicar, em cada um dos 61 documentários de longa-metragem que integram o corpus da pesquisa, o modelo “dados-qualificador de dados-garantias-apoios”, conforme desenvolvido a partir de Toulmin (2006), adaptado por Liakopoulos (2002) e acrescido de considerações teóricas de Burch (1992) sobre parâmetros estruturais de modos estilísticos, para identificação da asserção do filme documentário. Nesta etapa também são avaliadas as características de cada filme, incluindo os dados levantados a partir de pesquisa de fontes primárias, revisão bibliográfica e análise fílmica.42 O objetivo do capítulo é caracterizar cada filme por meio de uma etapa primeira de identificação de elementos intrafilme e, a partir do esforço teórico tensionado aos aportes da filosofia analítica e à teoria dos atos da fala, identificar a asserção de cada documentário. Esta asserção é resumida em uma expressão afirmativa ou de contestação de um contexto ou fato pressuposto, que indica o que o filme faz, o que afirma em termos ideológicos ou os aspectos priorizados na sua narrativa. Estas asserções indicam o reconhecimento que o filme atribui ao mundo conforme mostra na tela. As categorias determinadas para organizar os tipos assertivos dos documentários musicais aproximam-se da conceituação de Searle (2002a) sobre os atos da fala, especialmente dos aspectos dos atos ilocutórios. Estes são pronunciados com uma carga de intencionalidade que produz efetivamente produz o significado de uma enunciação. Mas nem todas as seis categorias de Searle (2002a) se mostram prioritárias nas asserções analisadas. Os atos ilocutórios assertivos, diretivos, compromissivos, expressivos, declarativos, declarativos assertivos e indiretos definidos pelo autor ocorrem quando uma determinada afirmação se dá num contexto específico, de forma implícita ou explícita. As propostas dos filmes se concentram na similaridade com os atos

42 São utilizados os termos intrafilme e extrafilme para explicar, respectivamente, elementos internos dos documentários como organização narrativa contínua ou não linear, uso de encenação ou narrador e extrafilme para referências à obra obtidas por outras fontes, como entrevistas e informações fornecidas pelos realizadores por meio de making ofs ou entrevistas, por exemplo.

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ilocutórios: assertivo, expressivo, declarativo e, com bem menor frequência, declarativo assertivo. Igualmente a ideia de intencionalidade, conforme elaborada por Searle (2002b) foi avaliada para a determinação das categorias. Nas asserções fílmicas é possível perceber um destaque para o que o autor considera uma maneira de organizar elementos significativamente subjugados à vontade ou arbitrariedade dos sujeitos autores do documentário, ou seja, a intencionalidade. Este autor ainda confere ao termo, na produção dos atos de fala, um aspecto determinante, dotado de regras e preparado para atingir determinado efeito. Este é um ponto importante para compreender como as asserções foram fixadas e posteriormente agrupadas nas categorias propostas. Carroll (2008, In: RAMOS, 2008, p. 100) entende que os filmes documentários só podem ser categorizados “se seus realizadores estiverem imbuídos de uma intenção assertiva”. O autor destaca que o procedimento de levantamento de dados sobre o filme pode concorrer para dificultar seu entendimento do ponto de vista histórico quando o pesquisador não dispõe de dados sobre a asserção pressuposta no filme, mas concorda que isso não invalida a existência de uma asserção dada pelo filme. De acordo com a sua asserção determinada pela análise, os filmes foram então organizados por similaridade, com a aproximação em categorias, facetas e classes. Foram constituídas categorias, as suas respectivas conceituações e identificados os filmes que fazem parte delas, de acordo com seu perfil assertivo.

4.1 Análise das características comuns aos documentários musicais

A opção por um corpus de pesquisa que reúne 61 documentários musicais brasileiros configurou um conjunto de obras bastante hegemônico para análise. Há entre os filmes pesquisados um perfil formal e de proposta narrativa muito similar. Por esta razão, destaco estas características percebidas, pois foram o primeiro aspecto detectado durante a pesquisa e contribuíram inclusive para o recorte do corpus da pesquisa. Entender as generalidades comuns a este subgênero de documentários permitiu o corpus se tornasse mais orgânico.

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Muitos dos filmes documentários brasileiros adotam uma postura didática em sua abordagem temática43. Isto pode ser identificado pelo fato de que a maioria deles apresenta uma preocupação com a explicação do contexto onde ocorre a ação principal ou se dá o percurso de um artista, ritmo ou evento musical. Os filmes procuram mostrar o impacto de uma esfera maior de âmbito político, social e econômico, mesmo quando se referem a grandes eventos. Por exemplo, no filme Uma noite em 67, de Renato Terra e Ricardo Calil (2010), os depoimentos procuram reconstituir os bastidores da final do 3º Festival de Música Popular Brasileira promovido pela TV Record naquele ano apenas com depoimentos de pessoas que participaram do evento e seriam, por esta razão, credenciadas a acrescentar informações supostamente pouco conhecidas sobre os fatos testemunhados e supostamente desconhecidos do grande público. Este aspecto de didatismo também é evidenciado devido à intenção informativa e a opção, em grande parte dos filmes, por uma linearidade narrativa que prioriza a localização temporal dos fatos numa ordem cronológica. Entre os principais argumentos, a história de vida de artistas e a proximidade das testemunhas com os fatos abordados nos filmes forçam um aspecto de resgate de memória, promovendo filmes que em várias ocasiões são moralistas, pretendem revisar fatos que sugerem ter se perdido na cultura musical e rendem-se ao modelo de contar histórias a partir de factualidades, como que desejando um entendimento mais próximo do público com a condição do filme ficcional. A storytelling, ou seja, a conversão de um tema numa história com narrativa em atos e seus respectivos personagens títulos, entrevistados com pressuposta credibilidade para analisar o assunto exposto ou que testemunharam os fatos e pontos

43 Ramos (2008, p. 35) ao abordar a questão da ética no documentário denomina “os quatro principais sistemas de valores que sustentam a presença do sujeito-da-câmera na tomada e as asserções do documentário sobre o mundo: a) educativo, b) imparcial (em recuo); c) interativo/reflexivo, d) modesto”. Apesar da ética educativa ter suas origens e vinculação como documentário clássico com forte presença de voz over ou locução, o que não se detecta na maioria dos documentários musicais analisados, procede que estes filmes adotam uma certa ética educativa, quando a função da narrativa é a de “veicular asserções que divulguem aspectos funcionais” (p. 35). Também “o campo de valores da ética educativa é formado pelo próprio conteúdo dos valores que veicula, sem que se atine para o estatuto, ou posição, do sujeito que enuncia”. Mesmo com o destaque que o autor dá para o fato de que os filmes das últimas três décadas do séc. XX se importam menos com o valor do conteúdo e mais com a qualidade da posição do sujeito na enunciação desse valor no universo da ética educativa, nos filmes analisados é muito presente a intenção de validar o conteúdo do saber, onde “o debate ético encerra-se, sem se derramar em direção ao questionamento das condições nas quais o saber é construído ou enunciado”. (p. 36)

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de virada é a opção preferida dos realizadores e se apoia em apelos detalhistas como a revelação de segredos e intimidades dos artistas, o cuidado preciosista com a constituição de situações narrativas para inserção de imagens inéditas em constituições de clímax ou determinantes para a comprovação de um argumento. Em geral, os documentários musicais brasileiros tendem a dotar os sujeitos de seus argumentos de contemporaneidade. São raros os filmes que assumem a presença de um narrador em “voz over” como no documentário clássico e, quando o fazem, mesclam-na à prevalescência da voz do artista ou dos entrevistados, compondo obras multivocais. Não é que não haja exemplo de filmes com narrador. Bananas is my business e A odisséia musical de Gilberto Mendes são exemplos que apresentam esta característica. Mas o recurso mais comum é a voz dos entrevistados que dispensa um narrador oficial e proporciona uma condução por diversas vezes reduntante. Em Dzi Croquetes, nota-se a redundância generalizada, onde vários depoimentos se repetem com os mesmos conteúdos e inclusive com as mesmas falas utilizadas nos depoimentos, como um recurso argumentativo. Outro aspecto evidente é a tentativa de fidelidade ao estilo musical e do artista em questão, dado que o tema é intrinsecamente performático.44 Shows, apresentações intimistas ou momentos de composição ou improviso sobressaem-se para dotar o filme de sinergia com seu sujeito temático. Há encenação como marcadamente no filme Nelson Gonçalves e em Bananas is my business, mas exemplos como estes são casos isolados. O que ocorre na maior parte das obras é um desprezo generalizado pela encenação em detrimento da presença do artista e suas performances autênticas, priorizando registros de imagens de arquivo ou executados para a câmera do documentarista. Há vários casos como Jorge Mautner- o filho do holocausto e Elza onde a narrativa é amarrada por performances realizadas num espaço cênico criado para o documentário, marcado por performances contemporâneas e com a presença de convidados que também dão seu testemunho verbal no filme.

44 Plantinga (1999) esclarece que “all visual and sonic information taken from the non-ficcion film must be interpreted in relation to its source and in relation to its conventional use and context”(p. 81). [toda informação visual e sonora tomada dos filmes não-ficcionais devem ser interpretadas em relação a sua fonte e à convenção de seu uso no contexto]. No caso dos documentários musicais, onde a música é praticamente uma dimensão protagonista da obra, o aspecto sonoro investigado em cada filme permite afirmar que o estilo musical tematizado interfere na proposta fílmica.

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Percebe-se uma intenção recorrente, nos documentários musicais analisados, de dissimular a presença do realizador, de forma a dar a ver uma versão da história como fiel a uma trajetória de vida e obra, ou um recorte dela, incorrendo num esforço psicologista, como se fosse possível que uma reconstituição cinematográfica pudesse não ser contaminada por alguma proposta seletiva ou ideológica do realizador. Até mesmo as transições nostálgicas que permeiam boa parte das obras procuram referências visuais mais convencionais ou sequências prioritariamente fotográficas como ocorre em Jards Macalé – um morcego na porta principal e em Aboio e servem para propiciar um certo “silêncio visual” estratégico para a valorização sonora45. Ressalto que não é possível determinar um padrão único estilístico para todos os filmes do subgênero musical a partir da asserção. Nesta amostragem estudada é possível categorizar as asserções apresentadas, mas isto não exclui propostas outras que possam eventualmente ocorrer na multiplicidade de títulos com este perfil. Seria muita pretensão delimitar uma categorização pontual que pudesse ser estendida para todos os documentários musicais já realizados no Brasil, ou que estas mesmas categorias pudessem ser determinantes para a sua estilística ad eternum. Mas é certo que, ao categorizar as asserções destes filmes a partir do arsenal teórico proposto, os agrupamentos parecem muito pertinentes a este corpus analítico, pois há enunciados recorrentes na maioria das obras.

45 Destaco que estas observações não foram feitas a priori, mas após a análise dos filmes, não resultando de uma observação genérica conforme critica Plantinga (1999) sobre o fato dos convencionalistas da linguagem que “often assume that to claim a physical resemblance between image, sound, and profilmic scene diminishes the function of ideology” [frequentemente assumem que para reivindicar uma semelhança física entre imagem, som e cena no filme diminuem a função da ideologia]. Para o autor “There is no single ideology function or effect of photography and sound recording in the nonficcion film; both can be superficial or informative, veridical or misleading, dependind on their specific use and context. Theory cannot predict in advance, independent of historical context, the ideological effect of images”. (p. 81) [Não há uma função ideológica ou efeito de fotografia e gravação de som únicos no filme de não-ficção; tanto pode ser superficial ou informativo, verídico ou enganoso, dependendo da sua utilização e contexto específico. A teoria não pode prever com antecedência, independente do contexto histórico, o efeito ideológico de imagens]. Esta consideração está em sintonia com a proposta da análise realizada, pois não houve um ponto de partida para a pesquisa que determinasse características prévias dos filmes, apenas as similaridades apontadas foram percebidas durante a análise e por isso indicadas, especialmente porque recorrem em vários filmes.

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4.2 Aplicação do modelo analítico assertivo: Bananas is my Business, de Helena Solberg, 91 min., 1995

Devido à complexidade e extensão da análise do extenso corpus da pesquisa, este documento apresenta a análise detalhada de um filme para demonstrar os procedimentos adotados. No capítulo final são apresentadas, de forma sintética, as análises sobre cada filme que foi submetido a este processo de investigação e as respectivas categorias às quais correspondem. O filme selecionado para exemplificar a aplicação do modelo analítico foi Bananas is my Business (Helena Solberg, 91 min., 1995), devido aos recursos utilizados na sua composição intrafilme, visto que recorre à narração, encenação e refutação além de elementos tradicionais da proposta do documentário, como imagens de acervo e condução de história de vida de forma linear. Este exemplo também possibilita a demonstração dos aspectos da filosofia analítica, como a compreensão da alusão e da intencionalidade. A retomada do cinema brasileiro a partir de 1995 é marcada logo no seu início pelo primeiro documentário musical do período, Bananas is my Business. é a protagonista deste filme produzido pela Juca Filmes, do . O documentário teve público de 15.470 pessoas e rendeu 90 mil reais, de acordo com os dados da Ancine (2012). É um filme dirigido pela brasileira Helena Solberg, que já tinha experiência em filmes documentários quando realizou este filme. Bananas is my business é um documentário sobre a vida da cantora luso-brasileira Carmem Miranda. Relata sua vida com ênfase no período mais importante da sua carreira, transcorrida no Brasil e nos Estados Unidos entre os anos de 1939 e 1950, onde trabalhou no rádio, cinema e televisão. O filme mostra como ela se tornou um símbolo latino-americano da década de 40, com um personagem de figurino exótico. A primeira etapa da análise mostra como acontece, no filme, o argumento cinematográfico de acordo com os eixos de enredo, personagem, conflito e estrutura. O filme tem um argumento voltado para a personagem, sendo este seu eixo narrativo. O enredo valoriza a carreira da cantora Carmem Miranda, nascida Maria do Carmo em Portugal, filha de imigrantes portugueses no Brasil no início do século XX, morando no Rio de Janeiro. A história resgata o período de sua infância pobre, numa família com seis

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irmãos e os estudos em colégio de freiras que faziam caridade e acolhiam filhos de imigrantes. O trânsito para o sucesso começa com seu interesse pela música e com um primeiro convite para cantar em um evento. Nessa época, sua beleza já fazia com que se destacasse na sociedade, o que gerou um convite de emprego para trabalhar numa loja de chapéus. O primeiro namorado, com quem ficou durante sete anos e para quem escrevia apaixonadas cartas de amor, é peça importante para completar o cenário psicológico da personagem do período. Logo que inicia sua carreira, já com nome mudado para Carmem Miranda, passa a conviver com o preconceito das classes nobres do Rio de Janeiro, que reconhecem apenas vulgaridade nos artistas do rádio e em pessoas que frequentavam este ambiente. É nesta época que conhece muitos compositores e vai aproximar-se do samba, que na época era um estilo próprio de músicos negros, a maioria marginalizados. Artista favorita de Getúlio Vargas e com incrível popularidade no país, Carmem aceita convite para atuar na Broadway e consegue, por meio de influência política, levar sua banda de músicos brasileiros. Mas sua ida aos Estados Unidos faz parte de uma estratégia do governo brasileiro que desejava estabelecer uma política da boa vizinhança por meio do contato cultural e ela aceita este papel. Carmem é estereotipada logo em sua primeira entrevista concedida no novo país, mas alcança grande sucesso em pouco tempo transformando-se no modelo de mulher latino-americana. Seu figurino exótico adaptado da roupa de baiana com um chapéu tutti-frutti torna-se sua marca e já em sua partida havia um sentimento de exagero entre os brasileiros com relação a isso. Após um ano e meio, quando volta ao Brasil, foi vaiada no primeiro show que fez, onde cantou a primeira música em inglês. Na mídia são publicadas críticas sobre Carmem ter voltado americanizada e que a calorosa recepção que recebera dos populares em sua chegada não era digna de um sambista. Ela vai embora decepcionada e fica catorze anos sem voltar ao Brasil. Neste período vai trabalhar em Hollywood e leva sua família para morar com ela. Os norte-americanos tem interesse em aproximar-se culturalmente das populações latino-americanas e apostam na imagem de Carmem por meio de ações junto aos órgãos internacionais de governo, incentivando sua carreira. Mas quando, no final dos anos 40, o governo norte-americano perde o interesse nestas comunidades, já está muito difícil para Carmem livrar-se do personagem. Ela consegue ainda fazer alguns filmes sem a personagem, mas as coisas

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começam a desandar também em seu casamento com um marido irritável e agressivo. Ela entra em grave depressão, faz tratamento de choque e volta ao Brasil com depressão aguda, ficando semanas fechada no hotel. Quando volta para Hollywood, assume uma rotina puxada e passa a usar drogas para dormir. Em sua última aparição pública, em show televisivo de Jimmy Durante, ela chega a cair e diz que perdeu o fôlego. Naquela mesma noite ela morre de parada cardíaca em sua casa. O argumento aponta seu personagem-herói como decisivo e ao mesmo tempo vítima. Os aspectos históricos, o contexto pessoal e os traços de caráter estão presentes no argumento do filme particularmente por meio dos depoimentos e trechos de entrevistas de arquivo da própria artista. O enredo viabiliza uma estrutura narrativa em atos, em ordem cronológica, com pontos de virada bastante definidos para a psicologia do personagem: o primeiro, quando é convidada para ir aos Estados Unidos, e o segundo quando é vaiada em show que faz na sua volta ao Brasil. Há conflitos externos e internos do personagem, que se debate entre o esforço para mostrar seu talento e a recepção virulenta da crítica. O conflito é apresentado como resolvido de forma não satisfatória. Quanto à estrutura, o filme faz uma proposta circular, começando com a encenação do momento da morte da artista, que é interrompida para o transcorrer do filme e retomada no final. Na segunda etapa da análise foi aplicado o modelo analítico de Toulmin (2006) para compreensão da argumentação no documentário por meio de dados, qualificadores de dados, garantias, apoio e eventual refutação. Esta observação destaca aspectos intrafilme da obra, portanto, formais. O filme Bananas is my business é conduzido por uma voz over feminina, possivelmente a diretora ou simplesmente uma fã de Carmem Miranda, que aos poucos revela uma clara intenção de promover uma identificação entre público e artista. Esta é a principal característica formal do documentário, que em determinados momentos substitui a voz da locutora pela voz dos depoimentos ou por um outro personagem, encenado, de uma jornalista que interpreta textos críticos sobre Carmem Miranda. É necessário lembrar que há também uma voz over para Carmem. Essa voz faz a leitura das cartas que Carmem escreveu e tem sotaque português como a artista.

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Uma vez que os dados são evidentes e explícitos, a voz over principal faz o papel de trazê-los ao filme, provendo-o de comprovações de acontecimentos passados da vida da personagem. As imagens de arquivo contribuem para caracterizar as informações sobre a artista, portanto operam como qualificadores de dados. Há imagens de acervo pessoal da família como vídeos e fotos, trechos de filmes e shows, recortes de jornais e material de áudio de discos e gravações de áudio. Cabe ressaltar que mesmo que os qualificadores tenham sido forjados, como num exemplo hipotético onde a imagem de um jornal de época não seja exatamente um original, mas produzido para o filme, o recurso também funciona como qualificador de dados. No filme há imagens de recortes de jornal, supostamente da época, que anunciam a morte de Carmem Miranda por parada cardíaca logo no seu início. Na sequência, imagens de um caixão coberto com uma bandeira brasileira corroboram para a qualificação dos dados. Quando são mostradas imagens da calçada da fama em tempos recentes e a voz over não faz menção a isso, há simplesmente a presença de dados. Mas em momento mais adiantado do filme, quando a voz over conduz ao momento em que Carmem Miranda deixa as marcas de seus pés e mãos na calçada da fama e há o depoimento factual da artista, há a qualificação de dados, uma vez que ocorre também em condições explícitas. A voz over conduz todo o filme e em vários momentos seu conteúdo é deliberadamente assertivo, introduzindo opiniões e subjetividades que dão o tom do discurso fílmico. É intenção, segundo o conteúdo da voz over, mostrar sua admiração pela personagem, inclusive introduzindo fotos suas no sentido de fazer uma comparação entre as duas. Num dos casos, a voz over mostra a imagem de uma menina, refere-se a ela como uma foto da artista quando criança e faz uma relação entre seu cabelo enrolado em sua cabeça e o gesto em suas mãos como uma possível imitação dos gestos de Carmem Miranda. É também a voz over que impõe sentimento de identificação, saudade e incompreensão sobre os fatos da vida da personagem, quem contextualiza as encenações quando necessário, como na ficcionalização da chegada de Carmem à sua cidade natal em Portugal. A voz over que remete às suas próprias experiências demarca subjetividades em vários outros momentos. Alunas de um colégio de freira são mostradas e há uma foto de uma menina a quem a voz over se refere como ela mesma. No uso de

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sua liberdade estilística para interferir e deixar sua marca na história que conta, a voz over compara sua relação com a escola com uma possível teoria sobre Carmem Miranda: “Talvez ela estivesse cercada por freiras demais e samba de menos, com certeza. Elas estavam tentando fazer de nós, moças bem comportadas”. Muitos trechos de outros documentários são utilizados, bem como entrevistas concedidas pela artista a diversos veículos de comunicação. Estes elementos pontuam a articulação entre as encenações, as opiniões e refutações da voz over e dos depoimentos, funcionando como ancoragem para que o discurso não perca de vista os aportes do real da história. Neste sentido, estes elementos atuam como dados. É o caso da cena em que Carmem Miranda, durante uma entrevista com um jornalista, diz que possui cabelo – estava sempre preso sob os turbantes ou chapéus de frutas – mas que os americanos pintaram de louro. Ela tira o turbante e mostra o cabelo, como qualificador de dados. Os depoimentos priorizam a credibilidade de pessoas que conviveram de maneira muito próxima com a artista ou que foram de sua família. Sua prima portuguesa, a irmã que chegou a atuar ao seu lado num filme e morou com ela em Hollywood, os compositores que fizeram músicas para ela, os músicos que tocaram em sua banda, seus ex-namorados e a empregada que trabalhava para ela no dia de sua morte são os nomes que falam sobre a artista. Não há depoimentos que façam refutação sobre a competência da artista, portanto, entre os qualificadores de dados, sendo estes os elementos mais fortes do filme utilizados para sustentação da argumentação. A garantia atua de forma implícita e é utilizada na argumentação para afirmar que os dados são legítimos. Neste caso, a seleção de trechos dos filmes musicais nos quais a protagonista atuou funciona como garantia da argumentação. A artista foi selecionada em momentos padronizados para este documentário, nos quais aparece cantando e exibindo seus gestos característicos de dança com os braços e seu figurino exótico. Sua expressão é valorizada, pois os planos próximos de outros filmes trazidos em grande quantidade para o documentário garantem a presença da artista em seus melhores e mais expressivos momentos. Para que estes elementos pudessem ter a função de garantia e não trouxessem para o filme a desconfiança sobre o exagero e a bizarrice dos filmes ficcionais musicais nos quais atuou, os dados de eventos e os

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qualificadores de dados como os depoimentos das pessoas próximas e a voz over serviram como amortizadores e facilitadores das garantias. Há também dois depoimentos onde os compositores iniciam uma espécie de improviso, tocando canções que fizeram para Carmem Miranda. Estes momentos são precedidos de explicação verbal (dados e qualificadores de dados) e a situação parece evocar o improviso, que interferem no filme como número musical selecionado e dão garantia à argumentação. O documentário inicia com a encenação de como teria sido a morte de Carmem Miranda. Com um espelho na mão, Carmem cai em sua casa, vítima de uma parada cardíaca. Esta encenação será retomada no final do filme e dá apoio à argumentação, como toda encenação que ocorre no filme documentário. O apoio serve para validar a garantia e nem sempre é necessário. Neste filme, a encenação foi adotada como parte da proposta estilística da diretora e decorre da sua subjetividade e liberdade poética. Há outros momentos de encenação, como a cena em que Carmem Miranda foge de uma vitrine onde estava exposta e na situação hipotética e fantasiosa quando o filme simula a volta de Carmem Miranda para sua cidade natal, em Portugal. A partir do segundo ponto de virada do filme, quando Carmem começa a conviver com muitas críticas desfavoráveis ao seu trabalho, o filme adota a encenação de um outro personagem – uma jornalista de rádio - que irá recitar textos críticos, exatamente quando os outros elementos do filme estabelecem a fragilidade de emocional e de saúde da personagem. A refutação aparece no filme com a intenção de reforçar a asserção de que Carmem Miranda não foi uma arma de sistemas políticos. Um dos recursos utilizados para isso é a voz over que sai em defesa da personagem, rebatendo a opinião de críticos e dando espaço à família e amigos para contar uma versão desconhecida do grande público sobre a artista. O texto da voz over indica a essência da refutação, comentando sobre o fato da artista ter ido para os Estados Unidos, quando muitos consideraram que “Carmem era uma arma do imperialismo americano” e “pessoas terem ficado ressentidas por ela ter partido com frutas na cabeça”. Esta mesma voz tenta humanizar a personagem, mostrando-se ressentida por não poder ir, quando adolescente, junto aos populares, ver o corpo de Carmem Miranda que retornara ao país. Em outro momento, esta voz retoma o assunto político e afirma que “Carmem levou bastante a sério a ideia

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de representar o Brasil. Ela foi ser a embaixatriz da boa vizinhança. Ingenuamente encarou quase como uma missão esse negócio de representar o Brasil no exterior”.

Fotogramas da sequência final do documentário Bananas is my business (1995).

A premissa do final do documentário, que mostra imagens de arquivo do último show de Carmem Miranda opera como “dados” para a construção da argumentação do filme, pois apresenta som e imagem em movimento de um evento passado como comprovação. A voz over opera como qualificadora de dados, pois conduz à conclusão lógica de que a artista trabalhou até o último dia de sua vida, ou ainda, num sentido poético, começou a morrer na frente das câmeras. O efeito de edição que coloca em velocidade lenta é o momento em que a artista teria tido uma parada cardíaca funciona como garantia, enfatizando um evento contido em uma imagem-câmera datada e de arquivo. A repetição do efeito no final da cena quando Carmem Miranda sai e se despede atua como o recurso de argumentação denominado apoio, pois contribui para validar a garantia. A última cena, que repete a ação e o contexto da encenação da morte da artista do início do filme também funciona também como apoio, pois fecha o enredo de forma circular, evocando a ideia de retorno. A observação do filme aponta que sua asserção caminha no sentido da seguinte proposição: Carmem Miranda não teve uma experiência muito justa com o público e com a crítica dos brasileiros, pois faltou-lhes humildade para respeitar uma grande artista que fez carreira no exterior, passou por situações incríveis de preconceito

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no País e no exterior, teve depressão por conta disso e morreu trabalhando até o último dia de sua vida. O filme humaniza a história de vida da artista e refuta a versão oficial de que Carmem Miranda teria sido uma arma do imperialismo americano. Com base nesta análise dos aspectos intrafilme é possível estabelecer o enunciado da asserção do filme com alguma segurança metodológica. Como asserção deste filme foi adotada a seguinte frase, que de forma sintética faz uma afirmação: Carmem Miranda teve sua carreira injustamente marcada por uma versão oficial da crítica de que era apenas uma arma do imperialismo norte-americano, o que limitou sua carreira e ofuscou seu talento e raízes musicais brasileiras. A partir da determinação da asserção, o próximo passo da análise foi a observação comparativa com as outras asserções dos filmes do corpus da pesquisa, de forma a compreender similaridades entre as asserções. Este aspecto é explorado no próximo capítulo, com a descrição das categorias nominativas, facetas e classes que organizam os filmes a partir de suas asserções.

4.3 Três categorias analíticas do documentário musical brasileiro

O arranjo das asserções dos filmes analisados permitiu a criação de três categorias: Storytelling, Expressão fotográfica e Matriz alusiva. Storytelling reúne o maior número de filmes entre as categorias, concentrando 85% dos títulos analisados. O perfil destas asserções tem como eixo o ato de contar uma história de vida, de talento musical ou de trajetória profissional. Esta é também a única categoria que tem subdivisões, pois apesar da finalidade ser contar uma história, há variações sobre aspectos apropriados pelas narrativas e que se evidenciam nas asserções. As variações entre as asserções permitiram a criação de três facetas, dentro da categoria Storytelling: a) ideologia reativa, com asserções com algum tipo de questionamento a supostas verdades estabelecidas, b) memória de vida e obra, com prioridade para histórias pessoais ou de carreiras e c) revelação, cuja asserção enfatiza algum suposto fato novo. Ainda nesta categoria dos atos de contar histórias, há duas classes distintas dentro da faceta memória de vida e obra: a de fluxo laminar, que evoca referências cronológicas crescentes articuladas por

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pontos de virada e forte referência narrativa ficcional e os filmes de turbulência ou sublevação, que destacam intempestivamente fatos das narrativas. As duas outras categorias gerais não possuem subdivisões e juntas reúnem 8 filmes. Expressão fotográfica agrupa dois filmes cuja asserção se ocupa mais da preferência imagética do que da ordem narrativa centrada intensamente em depoimentos. Já os documentários de matriz alusiva possuem asserções que se encerram em si mesmas, em geral estão no limite entre o show e o cinema de asserção pressuposta, não promovem questionamentos e operam como um sistema em equilíbrio, com pouca desordem.

Tabela 10 – Categorias analíticas da asserção Categoria Faceta Classe 1.1 Ideologia reativa Filmes contam histórias e enfatizam a refutação em sua asserção 1.2.1 Fluxo laminar A asserção destes filmes direciona vários aspectos da história num mesmo sentido, 1.Storytelling 1.2 Memória de vida e promovendo um entendimento de Documentários cuja obra paralelismo de sua asserção conta histórias de Filmes que contam argumentação. músicos, compositores, histórias e enfatizam as 1.2.2 Turbulência grupos, estilos, trajetórias de vida e obra A asserção destes filmes instrumentos, eventos ou em sua asserção. direciona vários aspectos da manifestações musicais em história que se sobrepõem ou se suas asserções. confrontam, promovendo um entendimento de redemoinho de sua argumentação. 1.1 Revelação Filmes que em sua asserção enfatizam aspectos discretos de determinadas histórias e que o filme teria o papel de trazer à luz ou divulgar. 2. Expressão fotográfica Documentários cuja asserção enfatiza a exposição de sons e imagens em detrimento de

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histórias didáticas e lineares. 3. Matriz prosaica Documentários cuja asserção determina propostas de observação cotidiana e que atuam sob a argumentação muito fronteiriça ao registro. Sua prioridade não é contar histórias, mas emitir afirmações sobre elas a partir de inferências argumentativas articuladas com a temporalidade contemporânea.

Devido à extensão do conteúdo analítico, apenas os itens principais foram registrados neste documentonas análises individuais dos filmes, com destaque para os aspectos que reiteram a argumentação dos filmes, derivando nas asserções determinadas. Os títulos dos filmes foram citados de acordo com o disposto nas tabelas atualizadas da Ancine, bem como as datas correspondem ao registro dado pela Agência. As imagens correspondem precisamente aos fotogramas do filme, como também faz Bordwell (2013) em sua abordagem sobre a história do estilo cinematográfico, criticando que grande parte das análises fílmicas referencia imagens still do filme46, e não diretamente seus fotogramas. Sob este aspecto, é necessário destacar que um filme47 não teve suas imagens incluídas, pois não foi distribuído e não foi possível registrar seus fotogramas nas condições em que foi analisada.

46 Imagens still são normalmente fotos de divulgação do filme, não correspondendo precisamente ao que se vê no filme. No caso do documentário, ou cinema de asserção pressuposta, parece que este não é exatamente o aspecto mais relevante para a análise, mas mesmo assim esta referência imediata ao filme foi mantida. A escolha por utilizar fotogramas em lugar de imagens still é ressaltada por Bordwell (2013). 47 O filme sem imagens registradas é Banda de Ipanema: Folia de Albino, Paulo César Saraceni, 86 min., 2003.

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4.4 CATEGORIA STORYTELLING

Contar uma história é a premissa desta categoria, que concentra 54 dos filmes analisados de acordo com suas asserções. Acompanhar a trajetória de vida pessoal ou a carreira de músico ou grupo musical, contar particularidades de um estilo musical, revelar aspectos desconhecidos do grande público sobre os bastidores de um show ou do cotidiano do universo musical são assuntos ricos para o exercício de contar histórias nestas obras. Especialmente se, sobre o sujeito da história, como sugerem os próprios personagens-título de filmes como Vinícius, Simonal-ninguém sabe o duro que dei, Helena Meirelles – a dama da viola há algo de extraordinário a ser contado. Talvez por isso haja uma preferência indiscutível entre os documentários musicais por filmes de Storytelling.

4.4.1 Faceta Ideologia reativa

Os documentários musicais de ideologia reativa localizam suas asserções num espaço de questionamento fixado por contradições, com destaque para a refutação. O aspecto de refutação não está presente em todos os documentários musicais, mas é o elemento comum a todos os documentários desta faceta. Estas asserções tomam determinadas factualidades como pressuposto para uma negação e transcorrem uma postura ideológica no sentido de confrontá-las. Possuem forte aspecto de refutação de versões pré-estabelecidas sobre fatos e personalidades da música. Constituem um dos três subgrupos, ou facetas, da categoria Storytelling e em sua argumentação priorizam o aspecto dos apoios, especialmente utilizando recursos como repetição, performances, opiniões categóricas e a emoção. Este último aspecto acontece, na maioria das vezes, por meio de depoimentos autorreflexivos dos próprios artistas, pela fala contundente de críticos, familiares, músicos ou outros artistas como diretores de cinema, maestros, empresários e jornalistas que conviveram com os artistas, acompanharam sua trajetória e reconhecem a perspectiva trágica dos fatos. A refutação nestes documentários ressalta uma história dramática, explorando um ponto de virada irreversível na carreira dos artistas.

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Os filmes da categoria Storytelling, na faceta Ideologia reativa são:

Bananas is my Business, de Helena Solberg, 91 min., 1995 (Categoria Storytelling, Faceta Ideologia Reativa)

Fotogramas do filme Bananas is my Business. Carmem Miranda atuando em filme norte- americano com chapéu tutti-frutti. Imagens de arquivo e narração compõem a argumentação assertiva.

Como proposição, o filme mostra admiração pela personagem e visa estabelecer um sentimento de identificação, e emoções sob aspectos de nostalgia e incompreensão dos fatos da vida da personagem. O argumento central é que Carmem Miranda não teve uma experiência justa com o público e a crítica dos brasileiros, pois faltou-lhes humildade para respeitar uma grande artista que fez carreira no exterior, passou por situações de preconceito no País e no exterior, teve depressão por conta disso e morreu trabalhando até o último dia de sua vida. Os dados que são evidentes e explícitos na argumentação são conduzidos por uma voz over. Há imagens de acervo pessoal da família como vídeos e fotos, trechos de filmes e shows, recortes de jornais e material de áudio de discos e gravações de áudio. Os qualificadores de dados são as imagens de arquivo que contribuem para caracterizar as informações sobre a artista, articuladas na narrativa e não apenas adicionadas como dados. A seleção de trechos dos filmes musicais nos quais a protagonista atuou funcionam como garantia da argumentação. Igualmente os improvisos acidentais interferem no filme como número musical selecionado e dão garantia à argumentação. O efeito de edição que coloca em velocidade lenta o momento em que a artista teria tido um início de infarto durante um programa de tv funciona como garantia, enfatizando um evento contido em uma imagem-câmera datada e de arquivo. A repetição do efeito no final da cena quando Carmem Miranda sai e se despede atua como apoio, pois contribui

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para validar a garantia. Neste filme, a encenação foi adotada como parte da proposta estilística permeando a narrativa e serve como apoio na argumentação A refutação indica a asserção de que Carmem Miranda não foi uma arma de sistemas políticos. A análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: Carmem Miranda teve sua carreira injustamente marcada por uma versão oficial da crítica de que era apenas uma arma do imperialismo norte-americano, o que limitou sua carreira e ofuscou seu talento e raízes musicais brasileiras.

Coisa mais linda: histórias e casos da Bossa Nova, Paulo Thiago, 131 min., 2005 (Categoria Storytelling, Faceta Ideologia Reativa)

Fotogramas do filme Coisa mais linda. Performances para a câmera do realizador, imagens de arquivo e depoimentos de críticos como Nelson Mota sustentam a argumentação assertiva.

O argumento do filme ou proposição não é dado inicialmente. Aos poucos, percebe-se que o filme discorre não somente sobre o estilo musical, o momento de seu surgimento, os instrumentistas e cantores, as canções características, mas faz uma afirmação no sentido de passar a limpo a história da bossa-nova, esclarecendo um contraponto para uma versão crítica de que o estilo musical teria sido concebido com possíveis ideais de negação da brasilidade se contrapondo ao samba, por exemplo. Como dados, o filme utiliza evidências explícitas nos depoimentos de Paulo Jobim, filho do músico e compositor Tom Jobim, que esclarece a autenticidade musical da bossa-nova, bem como o fazem críticos e músicos que participaram intensamente da criação do estilo. Imagens de arquivo estão presentes, mas a aposta maior da argumentação do filme é no aspecto da performance ou encenação musical. Portanto, há uma opção evidente pela utilização de apoios em detrimento dos dados. Estas performances são realizadas por músicos ou seus descendentes que interpretam canções inteiras durante o documentário.

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Os qualificadores de dados buscam legitimar os dados, mas são mais utilizados em cenas de transição, evidenciados pela opção da montagem linear, deixando sempre mais a cargo dos entrevistados credenciados esta tarefa. As garantias são implícitas e também são articuladas da forma laminar para constituir a asserção. Histórias pessoais, eventos, fatos sobre composições das canções, depoimentos, transitam em fluxo laminar no sentido de dar garantia ao mesmo argumento. Como o apoio é um dos principais recursos de apoio à narrativa, cabe às performances a demarcação por repetição, conforme se sucedem números musicais intimistas, envolvendo e promovendo aspectos emocionais, assim como ocorre com as opiniões categóricas. A refutação se dá pela argumentação em torno da evocação da espontaneidade e da urbanidade das canções, pontuadas por depoimentos que corroboram para contrariar um argumento de que as origens da bossa-nova são elitistas ou desprovidas de brasilidade. A análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: A bossa nova é um estilo musical legítimo do Brasil apesar do contraponto das acusações de não-brasilidade de suas influências jazzísticas e elitistas.

Nzinga, Octávio Bezerra, 84 min., 2006 (Categoria Storytelling, Faceta Ideologia Reativa)

Fotogramas do filme Nzinga. Encenações são intercaladas por performances musicais e de dança. Os diálogos roteirizados, encenação e performances sustentam a argumentação assertiva.

Uma jovem afro-descendente de nome Ana, interpretada pela atriz Thais Araújo, é o personagem que conduz a narrativa do documentário em meio às referências da música e da dança, determinadas por performances musicais e coreográficas em locações de Pernambuco, Bahia, e Rio de Janeiro. Ela busca o autoconhecimento por

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meio de um jogo de búzios e sua jornada é iniciada pelo som do atabaque, sonoridade característica do estilo musical retratado. A jogadora de búzios tem sua presença determinante para a citação de dados, que são os fatos históricos dos negros no Brasil e a busca pelo autoconhecimento libertador. Estas referências são explícitas, apresentadas verbalmente em falas da jogadora de búzios como “o seu pai branco, como os europeus, rejeitaram os filhos que punham na barriga das mulheres índias e negras” e “ está na hora de você descobrir o que é que veio fazer aqui”. A jovem enuncia “eu vim até aqui porque os tambores me chamaram” e recebe como resposta evocações poéticas como “quando a noite é mais escura, é porque está próximo o amanhecer”. As conversas da jovem com a jogadora de búzios são entremeadas por performances musicais e coreográficas em ambientes externos, onde os artistas usam figurinos que remetem às tradições tribais, que operam como qualificadores de dados, promovendo uma identidade sonora constante referenciando estruturas audiovisuais como os videoclipes, inseridos para reforçar a qualificação dos dados como argumentos culturais. Uma lógica arquetípica pode ser percebida nas imagens de barcos partindo, e na proximidade das performances com a natureza, onde a vegetação, os pés descalços, as tempestades e a luz do sol competem para a articulação da jornada da protagonista em sua busca. Estes elementos são garantias que legitimam e justificam a argumentação, já que a música também pontua os humores da personagem. Os apoios argumentativos que validam a garantia são reguladores da narrativa e tomam forma na declaração verbal das emoções personagem, seja emitindo opiniões ou por meio do recurso voz-pensamento da protagonista. A adoção do modelo de encenação tem um papel de apoio à narrativa, acentuando as possibilidades de diálogo entre passado, presente e futuro. Há na argumentação do filme uma forte intenção de refutação, pela insistência nos aspectos históricos da marginalização da cultura afro-descendente. A análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: A cultura afro-brasileira expressa-se na cultura musical e na dança dos povos negros, sobre os quais pesa um passado de escravidão, tendo como referência de liberdade o som do atabaque.

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Musicagen, Edu Felistoque e Nereu Cerdeira, 75 min., 2008 (Categoria Storytelling, Faceta Ideologia Reativa)

Fotogramas do filme Musicagen. Depoimentos e experiências de produção de instrumentos e sonoridades a partir de objetos inusitados confrontam o mundo formal da música e sustentam a argumentação assertiva.

A proposição do filme é mostrar que uma outra música é possível, em refutação à práxis estabelecida pelo mercado de instrumentos musicais, das gravadoras e das rádios. O documentário argumenta que é possível criar instrumentos não tradicionais, os quais permitem que se extraiam sonoridades originais e criar o que considera uma música de invenção. Não é um filme que recorre às evidências argumentativas dos dados como imagens e sons de arquivo, mas utiliza-os na forma de depoimentos e ações de músicos e maestros que buscam objetos do cotidiano para criar novos instrumentos. Os testes feitos com objetos dos quais se pode perceber sonoridades aparentemente tão distantes do universo musical comercial atuam como qualificadores de dados. Um exemplo de qualificador de dados é o depoimento de um maestro da OSESP acerca da importância desses instrumentos alternativos na elaboração de um determinado tipo de música. Também a presença do músico André Abujamra, ao demonstrar o uso destes instrumentos feitos com materiais como latas, garrafas de plástico e embalagens de produtos descartadas, visa chancelar a autenticidade da música de invenção atuando como qualificadores de dados. A argumentação se dá prioritariamente em torno dos apoios, centrando-se no exercício de criar, tocar e ouvir os resultados proporcionados pelas novas invenções. A repetição de situações criativas também contribui para o perfil centrado em apoios da argumentação do filme. Os argumentos inferem sentido a um mundo atípico de produção musical e refutam o fato de que a música deve ser criada a partir de padrões de instrumentos e sonoridades legitimadas pelo mainstream musical. A análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: Fazer música de forma alternativa

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e com instrumentos singulares é possível, mas enfrenta dificuldades num mundo dominado pelo sistema industrial tradicional.

Simonal. Ninguém sabe o duro que dei. Claudio Manoel, Micael Langer e Calvitto Leal; 84 min., 2009 (Categoria Storytelling, Faceta Ideologia Reativa)

Fotogramas do filme Simonal. Performances do cantor Simonal e destaques para uma vida de talento, ostentação e mal-entendidos constituem a argumentação assertiva.

Demonstrar a trajetória do cantor Wilson Simonal é a proposição central deste documentário, que pontua os aspectos de ascensão da carreira e a queda do artista devido ao envolvimento numa situação política controversa. Os dados que sustentam a argumentação são declarados em depoimentos curtos, entremeados por imagens de arquivo e poucas performances musicais. A qualificação destes dados se dá pelo credenciamento de entrevistados como o crítico Nelson Mota, o humorista Chico Anísio, os cartunistas Ziraldo e Jaguar, o jogador de futebol Pelé, que era amigo pessoal do cantor, a crítica Bárbara Heliodora, o músico Paulo Moura, o jornalista Arthur da Távola e familiares, entre outros. Os conteúdos presentes na argumentação enfatizam o talento do artista, que criou um estilo descontraído na forma de cantar, tematizava a brasilidade e teve grande influência no cenário musical brasileiro dos anos 60 até 80. Mas também revelam a personalidade intransigente e ingênua do artista, que não foi hábil para se cercar de apoio de amigos e da opinião pública, levando-o ao comprometimento extremo da carreira e condenação da mídia por seu suposto envolvimento num caso de agressão

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e tortura ao seu contador pelo DOPS48, por suposição de que Simonal teria sido o denuciante e que culminou com a acusação do cantor ser um aliado dos militares em pleno período de ditadura militar. A história do artista é contada principalmente por meio de dados que estão presentes nos depoimentos e que ressaltam a proximidade dos entrevistados da factualidade citada. O documentário qualifica os dados por meio destes depoimentos aliados à inserção de recortes de jornais da época. Evidencia-se o uso de qualificadores de dados também nas cenas em que Simonal vai a programas de televisão não para uma performance musical, mas para apresentar os documentos que obteve após ter sua carreira arruinada pelo boicote de artistas e órgãos da mídia, o que o levou à depressão e ao alcoolismo. Apesar de legitimar a argumentação por meio de entrevistados reconhecidos, o que se enquadra na noção de garantia, a ênfase da argumentação recai sobre a questão do apoio. Entre os principais recursos do apoio estão as afirmações categóricas. Alguns exemplos ocorrem por repetição, quando várias falas curtas são alinhadas repetindo o mesmos conteúdos ou um depoimento complementa o outro, como no caso em que Chico Anísio inicia um comentário sobre o fato inusitado de uma brincadeira dos amigos feita com Simonal de que ele integraria a seleção brasileira de futebol em 1970 e a história é confirmada e complementada por Pelé. Principalmente ao abordar o caso no qual o cantor foi acusado de ter solicitado a prisão e tortura de seu contador, as opiniões categóricas direcionam a argumentação às falas de Chico Anísio: “A imprensa é quem menos se interessava em esclarecer isso. Por que isso (Simonal estigmatizado como aliado dos militares) para a imprensa era um prato” e “O Simonal seria incapaz de ser um alcaguete do SNI.” O jornalista Arthur da Távola também é incisivo no apoio à argumentação: “Isso traz à tona um problema que ocorre com a imprensa no Brasil e no mundo hoje em dia, não é só no Brasil não. É tomar o sintoma por indício, tomar o indício por fato, o fato por julgamento, o julgamento por condenação e a condenação por linchamento”. Bárbara Heliodora destaca que “ter um cara que está tendo muito sucesso, que não é engajado, é de cor,

48 Departamento de Ordem Política e Social, órgão governamental usado institucionalmente para reprimir movimentos políticos durante o período da ditadura brasileira.

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de repente era uma vítima, era um petisco para todos os preconceitos possíveis. Preconceitos teóricos e práticos”. Jaguar admite que “é uma história trágica, realmente trágica, por causa de um negócio que ficou mal explicado”. E Nelson Motta complementa, sobre os boicotes velados impostos aos artistas por casas de shows e programas de televisão, que “virou um tabu, como se ele fosse um leproso, um pária. As pessoas foram muito covardes”. Da mesma forma que a argumentação é fortalecida por estes apoios, a emoção também é destacada pela junção de garantia e apoio numa situação fílmica em que o realizador vai à casa do contador e informa que está fazendo um documentário sobre Simonal. A imagem fecha em zoom no rosto do contador e é inserida sobre a imagem uma voz feminina que diz “e depois de 40 anos vocês vão mexer tudo outra vez?” Este recurso opera como garantia na medida em que o tempo real da imagem é alterado na edição e como apoio na medida em que salienta o aspecto emocional do fato. O documentário utiliza dos recursos de refutação para argumentar que o artista não foi anistiado após o período da ditadura e sofreu com o fato de ter sido acusado de delator. A análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: O cantor Simonal foi um dos mais conhecidos da cena popular brasileira e teve sua carreira arruinada por um mal-entendido de cunho político.

Coração do samba, Thereza Jassouroum, 72 min., 2012 (Categoria Storytelling, Faceta Ideologia Reativa)

Fotogramas do filme Coração do samba. O cotidiano dos músicos da escola de Samba Mangueira, depoimentos e a atuação da bateria da escola durante desfile sustentam a argumentação assertiva.

A bateria é o “coração” de uma escola de samba, mas a tradição da Mangueira, uma das maiores do carnaval do Rio de Janeiro se encontra numa encruzinhada. Com a adoção de uma “paradinha” pelas outras escolas, a Mangueira precisa mudar a sua batida principal para deixar de perder sucessivamente a competição

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do desfile anual das Escolas de Samba. Em meio a este conflito vital, o documentário ressalta a trajetória da escola por meio dos diversos mestres de sua bateria que tiveram grande importância e influência no ritmo e batida tradicional que marcaram o seu samba. Os dados são apresentados nos depoimentos destes músicos e a qualificação destes dados se dá pela demonstração das inovações implementadas na bateria ao longo do tempo como, por exemplo, a criação de uma bateria mirim e a participação das mulheres. Também operam como qualificadores de dados as referências ao sucesso da bateria da escola de samba da Mangueira nas várias vitórias em diversos carnavais em que a sua bateria teve papel fundamental. Como garantia de que os dados de tradição da escola são legítimos, o documentário utiliza-se de imagens de ensaios e performances dos músicos. Os apoios acontecem principalmente na carga emocional enunciada dos depoimentos, face à necessidade de reação ao apego a um conceito tradicional para encontrar uma saída de inovação e recolocar a escola entre as campeãs do carnaval carioca. A autorreflexão é o fator determinante da asserção reativa por parte da bateria da escola de samba da Mangueira para encontrar uma nova sonoridade. A análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: A tradicional bateria da Mangueira reinventou o seu samba após a tendência das escolas de samba em promover uma “paradinha” em seus desfiles e fazer com que perdesse a competição do carnaval carioca sucessivas vezes.

Onde a coruja dorme, Marcia Derraik e Simplício Neto, 72 min., 2012 (Categoria Storytelling, Faceta Ideologia Reativa)

Fotogramas do filme Onde a coruja dorme. Depoimentos e rodas de improviso musical levam a argumentação assertiva ao entendimento do perfil do músico.

O documentário apresenta a trajetória do cantor Bezerra da Silva e a sua música que retrata a malandragem, os problemas dos moradores dos morros cariocas e

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da Baixada Fluminense e os seus compositores anônimos. Mesmo com a apresentação de dados sobre a competência e o pionerismo do sambista por meio de extenso material de arquivo, depoimentos, perfomances e acompanhamento do cotidiano de músicos, a argumentação atende a um apelo conflitante. O fato de que este estilo de música possui uma carga de preconceito é uma problemática central do filme em decorrência das letras retratarem uma rotina violenta entre os moradores dos morros, seus confrontos com a polícia e as relações com a ilegalidade, como o consumo de drogas, constituindo a refutação em torno da qual o filme discorre. O principal qualificador de dados é a abordagem sobre como os elementos do cotidiano prosaico da comunidade se refletem nas letras das canções, assim como a forma de sociabilidade da própria comunidade, nas rodas de samba locais. Como garantia, os depoimentos destacam a originalidade da linguagem utilizada nas canções, abordando temáticas e vocábulos que não eram anteriormente entendidos como um samba de malandragem. Neste sentido, os improvisos e performances musicais operam como apoio, fundamentando a argumentação. Ainda como apoio, o filme busca na emoção o retrato de um músico simples, engajado com a vida da comunidade, capaz de levar para a música os códigos de seu universo imediato e que, com humor, esnobou a intelectualidade. A análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: Bezerra da Silva é um músico original e competente, mas a sua música sofre preconceito devido à associação com o universo da malandragem carioca, de presidiários e bandidos.

Marcelo Yuka no caminho das setas, Daniela Broitman, 95 min., 2012. (Categoria Storytelling, Faceta Ideologia Reativa)

Fotogramas do filme Marcelo Yuka no caminho das setas. Depoimentos, a rotina do músico que se tornou paraplégico e performances contribuem para a argumentação assertiva.

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Após ser vítima de nove tiros em um assalto, o compositor e baterista Marcelo Yuka, da banda O Rappa, no auge da sua carreira, tem sua vida e carreira modificados. O filme enfoca a vida do músico no período em que esteve entre a vida e a morte e o cotidiano com as sequelas de dor e alterações drásticas na carreira que decorreram do fato de estar numa cadeira de rodas. As imagens do resgate durante o assalto, os depoimentos do músico, médicos e de sua mãe constituem os principais dados comprobatórios para delinear uma narrativa na qual o artista busca encontrar uma possibilidade de voltar a andar, retomar a carreira de músico e seu comprometimento com a causa das pessoas com necessidades especiais, como as imagens em que comparece a mobilizações de cidadãos em espaços públicos. Como qualificadores de dados, os conteúdos do depoimento do próprio artista operam para delinear uma perspectiva pessimista do artista, que em sua luta busca sem sucesso uma solução para voltar a andar. A nova rotina do artista acompanhada em sua casa e no remanejamento da sua locomoção atuam como garantia, ao mesmo tempo em que enfatizam aspectos de segregação racial presentes nas composições de letras de canções de sua autoria e revelam a dificuldade e a não aceitação do artista, com conteúdos verbais dos depoimentos pessimistas. Uma das características da garantia é a observação lógica que conduz a uma necessidade de nova observação da realidade imediata. Isto acontece com a revelação dos conflitos internos da banda O Rappa, a postura dos músicos quanto à autoria das canções e os processos criativos e críticos desenvolvidos pelo artista na criação das letras. O filme prioriza em sua argumentação os apoios, que se dão por meio de ênfase emotiva dos depoimentos, prioritariamente fatalistas. A repetição dos argumentos, como a recorrente recusa da nova realidade física pelo músico, contribui para delinear uma narrativa de subjetividades ancoradas em autorreflexão e angústias pessoais. Este aspecto leva o filme a ser fortemente caracterizado pela refutação da nova condição que vitimou o músico. A análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: A vida pessoal, o cotidiano e a carreira do músico Marcelo Yuka foram marcados pela não-aceitação da nova realidade e redefinidos após um ato de violência que o tornou paraplégico.

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Meu amigo Cláudia, Dácio Pinheiro de Andrade, 80 min. 2013. (Categoria Storytelling, Faceta Ideologia Reativa)

Fotogramas do filme Meu amigo Cláudia. Depoimentos da artista, imagens de arquivo e entrevistas compõem a argumentação assertiva do filme.

O documentário tem como proposição apresentar a trajetória artística da cantora, atriz e travesti Cláudia Wonder que nos anos 80 teve uma carreira de sucesso, enfrentou preconceito e foi militante para aceitação pública da causa da homoafetividade. A narrativa de projeção e seguinte ostracismo da artista utiliza-se de dados como imagens de arquivo, performances e entrevistas concedidas a emissoras de televisão no período de sucesso, intercalada por depoimentos atuais. Ainda constituem os dados as referências verbais às peças teatrais e às obras cinematográficas onde atuou. A qualificação destes dados é dada pela sua própria versão em depoimento onde explica sua origem de menino qua nasceu de um casal muito jovem, a rejeição pela mãe, a criação pelos tios-avós e a infância no colégio onde começou a perceber as diferenças entre suas preferências e as de seus colegas. Como qualificadores destes dados, são utilizadas fotos de família e cenas de filmes onde ela atuou, além de referências ao auge da carreira de Cláudia, como a sua participação em peça do diretor teatral José Celso Martinez nos anos 80, quando ela substituiu a atriz Sônia Braga e foi elogiada pela crítica por sua performance. A postura política do governo, de considerar a homossexualidade como desvio de comportamento, é amplamente registrada no filme por meio de recortes de jornais de época e texto de narrador sobre fatos ocorridos, como prisões e atos descriminatórios. Também qualificam os dados as referências midiáticas à peste-gay, como era chamada a Aids no surgimento da doença. As garantias da argumentação estão presentes nos depoimentos de diretores de cinema que descrevem a postura dos colaboradores no set de filmagens no

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tratamento da travesti e de outras pessoas que testemunharam fatos discriminatórios, explicitando a postura ousada da artista de enfrentamento da polícia dentro de uma delegacia de polícia. Os apoios, que validam as garantias, estão também neste filme presentes como principal ênfase da argumentação. Entre os depoimentos destaca-se o de José Celso Martinez sobre a participação da artista em sua peça. A emoção é um forte elemento utilizado no filme, presente nos conteúdos verbais dos depoimentos, ora de cunho autorreflexivo, em defesa da liberdade sexual e revelando os preconceitos da sociedade contra os transexuais. As falas curtas veiculadas em programas televisivos com anônimos enunciam um cenário preconceituoso sobre o fato de homossexuais estarem sendo perseguidos e assassinados como “Eu acho que tem mais é que assassinar mesmo” ou “Eu acho que eles estão poluindo a cidade de São Paulo”. A crítica ao termo peste-gay é repetitivo, outra característica da argumentação por apoios. O documentário tem grande apelo de refutação aos preconceitos sociais pré-estabecidos e destaca a trajetória da artista sob este aspecto. A análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: Cláudia Wonder, travesti, performance e cantora nos anos 80, teve uma carreira transgressora marcada pelo ecletismo estilístico e pelo ativismo em favor dos direitos homoafetivos.

Mais uma canção, Rene Goya Filho e Alexandre Derlam, 96 min., 2013 (Categoria Storytelling, Faceta Ideologia Reativa)

Fotogramas do filme Mais uma canção. Depoimentos, performances e entrevistas constituem a argumentação assertiva.

A proposição deste documentário é apresentar a obra e a trajetória do cantor gaúcho Bebeto Alves e a sua música de características regionais do sul do Brasil com um enfoque no estilo musical milonga. Os principais dados são os depoimentos do

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cantor, de críticos e produtores musicais acerca de sua música e da sua potencialidade enquanto artista. Destaca-se o fato de sua música não ter feito grande sucesso no país devido a explorar um estilo não comum ao cenário musical popular, como o samba ou a bossa nova. Estas informações são apresentadas principalmente nos conteúdos dos depoimentos. Os qualificadores de dados constituem-se de imagens performáticas de shows do cantor em cidades como Porto Alegre, Buenos Aires e Rio de Janeiro e das parcerias com outros músicos. Como garantia, a argumentação do filme acompanha uma jornada do músico a países como Marrocos e Espanha, onde ele procura as raízes da milonga e suas influências. Os apoios são destaque na argumentação e mostram a insistência do artista em divulgar a sua música, sua frustração pelo não reconhecimento das gravadoras, além da estreita seleção das rádios que não divulgam este estilo musical. Depoimentos marcados por emotividade intensificam o aspecto dos apoios e revelam a refutação presente no filme, onde cabe uma crítica ao fato do estilo não ter sido aceito comercialmente no país, impedindo o cantor de fazer sucesso com a sua música no eixo Rio–São Paulo nos anos 80. A análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: Bebeto Alves investiu sua carreira musical no estilo da milonga que possui muitas vertentes mundiais, mas até hoje não vê seu trabalho reconhecido pelo grande público e pelo sistema musical industrial.

Paulo Moura – Alma Brasileira, Eduardo Escorel, 86 min., 2013. (Categoria Storytelling, Faceta Ideologia Reativa)

Fotogramas do filme Paulo Moura, alma brasileira. Performances, imagens de arquivo e depoimentos constituem a argumentação assertiva.

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A proposição do documentário trata da carreira e vida pessoal do músico instrumental, clarinetista, compositor e saxofonista brasileiro Paulo Moura. Sua abordagem também destaca as dificuldades para realizar o documentário em decorrência da falta de autorização dos detentores dos direitos autorais do material de acervo do músico, devido ao seu falecimento durante o período de realização do filme. Este enunciado caracteriza o aspecto de refutação presente no filme. Na argumentação são utilizados dados como imagens de arquivo de apresentações, depoimentos do músico e de pessoas próximas a ele. Fotos de família são os principais qualificadores de dados, assim como imagens produzidas por outros realizadores, como Mika Kaurismaki, que cedeu imagens captadas para outro documentário musical e que foram incluídas neste filme. Como garantia, a argumentação utiliza-se da seleção de materiais pesquisados em emissoras de televisão internacionais e performances musicais. Neste aspecto da argumentação, a voz do narrador destaca a captação de imagens durante o último sarau no qual o músico participou, no quarto do hospital onde estava internado dias antes de sua morte, mas cujo uso não foi autorizado pela família para inclusão no documentário. Como apoio, a opinião categórica da voz over conduz não só ao entendimento das condições de realização do filme, como problematiza um debate pertinente à questão dos direitos autorais em discussão na sociedade brasileira no período de realização do filme, que abrange o impedimento de publicações de biografias literárias e a propriedade do patrimônio histórico imaterial cultural. “Não fomos autorizados a incluir a gravação do sarau de despedida de Paulo Moura feita em junho de 2010. Também não foi possível usar algumas cenas de arquivo por ter sido negada autorização pelos detentores dos direitos. Poderes mesquinhos tentam controlar o passado e apagar a nossa memória. Agradecemos a todos que colaboraram com a realização desta homenagem a Paulo Moura, em especial aos que autorizaram a inclusão das cenas que filmaram, gravaram, produziram e preservaram”. A análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: Paulo Moura e o próprio filme são os personagens do documentário, que destaca a performance do músico no universo internacional e os momentos finais de sua vida, com forte crítica à interdição de uso de material de acervo pelos herdeiros do artista.

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4.4.2 Faceta Memória de vida e obra

A faceta Memória de vida e obra é uma subcategoria dos documentários musicais de Storytelling. Em geral é composta por filmes com personagens-títulos que contam histórias de vida ou carreira musical, buscando recontar uma história que destaca aspectos impactantes ou cotidianos destas trajetórias. Nesta categoria há duas sub- categorias denominadas classes e determinadas pela forma como a argumentação articula as camadas narrativas indicadas por Parent-Altier (2009): a) o enredo; b) a personagem; c) o conflito e d) a estrutura. Na classe fluxo laminar, os documentários tem uma tendência à linearidade e exploram as histórias de forma a destacar cada uma destas camadas ou layers. Na classe turbulência a argumentação promove uma interação intensa entre estas camadas, de forma que o enredo se desenlaça mesclando conflitos pessoais que são levados para a vida profissional e destacados frequentemente como impulsionadores da narrativa.

4.4.2.1 Classe Fluxo laminar

Os documentários da categoria Storytelling, faceta Memória e história de vida e classe fluxo laminar destacam trajetórias histórias lineares de vida, carreiras e aspectos adjacentes das histórias que se movem em camadas ou lâminas, rumo ao mesmo sentido, mas não ao mesmo ponto; caminham para um mesmo fim, mas de forma paralela, com argumentos enfáticos e por vezes repetitivos e num eixo contínuo. Da mesma forma em que o conceito de fluxo laminar é utilizado na termodinâmica, estes filmes apresentam velocidades relativamente baixas, determinadas pela montagem, onde um dos principais elementos da sua argumentação é a garantia. Vinte filmes do corpus da pesquisa integram esta classe, conforme segue:

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Um certo Dorival Caymmi, Aluísio Didier, 70 min., 2000 (Categoria Storytelling, Faceta Memória de Vida e obra, Classe fluxo laminar)

Fotogramas do filme Um certo Dorival Caymmi. Encenação, depoimentos e performances constituem a argumentação assertiva.

A proposição do filme é apresentar a obra do músico e compositor Dorival Caymmi, a temática de sua obra e a sua trajetória pessoal. Os dados são utilizados como principais evidências e são caracterizados por informações contidas nos depoimentos do próprio músico, na abordagem que o artista faz dos temas de suas canções e nas declarações sobre suas origens e início na carreira musical. Performances, imagens de arquivo de shows e de partituras de suas composições são os principais qualificadores de dados. Nesta mesma classe de argumentos, imagens do universo da vida cotidiana do artista como o mar e os telhados da cidade de Salvador são utilizados. Conforme os pontos mais importantes para o artista ditos em seus depoimentos são chancelados por imagens de arquivo, como no momento em que o artista conta sobre seu encontro com Carmem Miranda ou como conheceu Assis Chateubriand. Imagens de referência à temática preferida do músico, o mar, operam como garantia, uma vez que são inseridas pela montagem em momentos diversos para condução das referências arquetípicas de sua obra. Como apoio, a performance de outros artistas para sua música, como a interpretação de Dori Caymmi para uma composição de Dorival são recorrentes. Há também a opção por trechos de encenação, com o uso narrativo de personagens ligados aos trabalhadores do mar. A argumentação não demonstra indícios de refutação e sua análise indica a seguinte asserção: a experiência de vida do músico Dorival Caymmi reflete-se em sua obra, com destaque para a temática do mar recorrente em suas composições.

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Nelson Gonçalves, Eliseu Ewald, 90 min., 2001 (Categoria Storytelling, Faceta Memória de Vida e obra, Classe fluxo laminar)

Fotogramas do filme Nelson Gonçalves. Depoimentos, encenação e performances compõem a argumentação assertiva.

O documentário apresenta a obra e a trajetória do cantor Nelson Gonçalves com ênfase ao seu sucesso e aos conflitos que o levaram à queda. Os principais dados são as informações apresentadas em depoimentos extraídos de imagens de arquivo do cantor, além de declarações de críticos e produtores musicais acerca do alcance de sua música, da qualidade da sua voz e do seu talento durante muitos anos na cena musical brasileira. Como qualificadores de dados são utilizadas cenas de shows do cantor, de sua legião de fãs, imagens de arquivo que conferem referências factuais ao seu sucesso na Rádio Nacional, bem como os números de vendagem de discos e quantidade de shows no Brasil e internacionalmente à sua época. Reconstituições por meio de encenações de fatos da carreira do artista são prioritariamente utilizados como apoio durante todo o filme, que possui fortes traços de docudrama. Mas algumas das situações dramáticas incorporadas à narrativa são características da garantia da argumentação, como o destaque para a voz inconfundível e a forma de interpretação das canções pelo artista. Como apoios, a principal característica é a encenação, onde o ator que interpreta o músico Nelson Gonçalves, Alexandre Borges, inclusive dubla as canções originais. O destaque para a fase e os conflitos que levaram a carreira do cantor ao declínio não são utilizados com a intenção de refutação, pois tem sua função direcionada à apresentação de dados. A análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: Nelson Gonçalves foi um cantor famoso e admirado, teve sua trajetória interrompida por um período de decadência decorrente do jogo e drogas e no final da vida tentou recuperar sua carreira.

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Paulinho da Viola: meu tempo é hoje, Izabel Jaguaribe, 83 min., 2003 (Categoria Storytelling, Faceta Memória de Vida e obra, Classe fluxo laminar)

Fotogramas do filme Paulinho da viola: meu tempo é hoje. Performances, imagens de arquivo e depoimentos constituem a argumentação assertiva.

A proposição do documentário é apresentar a obra e a trajetória do cantor e compositor Paulinho da Viola, a sua música e a sua ligação com a escola de samba Portela. Os dados são indicados por meio de depoimentos do próprio artista, críticos e parceiros musicais, bem como amigos do artista. Os qualificadores de dados da argumentação se configuram pela performance de suas canções, interpretadas por vários cantores e cantoras de expressão da música popular brasileira, em especial em rodas de samba com a presença do cantor Zeca Pagodinho, Nelson Sargento e demais importantes figuras do samba carioca. Como garantias, o filme utiliza em sua argumentação o cotidiano calmo do músico, com uma rotina tranquila em contraposição ao fato de ser um dos grandes expoentes do samba. A ênfase da argumentação se dá por dados e qualificadores de dados, sendo que poucos apoios são empregados além da emoção perceptível pelos personagens durante as interpretações das canções nas rodas de samba. O documentário não apresenta indícios de refutação em sua argumentação. A análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: Paulinho da Viola é um cantor, compositor e instrumentista reconhecido e humilde, participa do universo musical do samba de forma discreta, possui hábitos cotidianos simples e contribui para manter a tradição musical do samba.

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Fala Tu, Ricardo Coelho, 74 min., 2004 (Categoria Storytelling, Faceta Memória de Vida e obra, Classe fluxo laminar)

Fotogramas do filme Fala Tu. Depoimentos e performances constituem o principal elemento da argumentação assertiva.

A proposição do documentário ocupa-se de três personagens simples e com empregos ordinários que se dedicam ao estilo musical do rap como perspectiva para superar o cotidiano de dificuldades financeiras e o anonimato. Como dados da argumentação são priorizados os depoimentos dos três personagens e a observação de suas atividades cotidianas no trabalho, com suas famílias e amigos. Como qualificadores de dados, as referências à exclusão social e cultural e à falta de oportunidades na indústria musical são os principais argumentos, presentes nos depoimentos e nas declarações de expectativas dos artistas. Como garantias, a presença de um universo de fruição do rap com seus personagens característicos e ávidos pela cultura que cerca este estilo musical operam na argumentação com sentido implícito e legitimam a demanda dos músicos. Como apoios, as performances seguidas por depoimentos emotivos e opiniões categóricas estão presentes. Há indícios de refutação nos depoimentos que em determinados momentos são pessimistas, especialmente quando reconhecem a falta de oportunidades no mercado musical, mas o documentário enfoca os argumentos de superação com maior atenção. A análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: Talentos jovens da música popular de São Paulo e Pernambuco em difíceis condições sociais e de trabalho têm subempregos e sonham viver da música.

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Cartola: música para os olhos, Lírio Ferreira, Hílton Lacerda, 88 min., 2007 (Categoria Storytelling, Faceta Memória de Vida e obra, Classe fluxo laminar)

Fotogramas do filme Cartola. Performances, entrevistas e imagens de arquivo constituem a maior parte da argumentação assertiva.

A proposição do filme visa contar a trajetória de vida e obra do compositor Cartola, demonstrando paralelamente as mazelas de sua vida pessoal e destacado como um dos maiores criadores do samba, que nunca enriqueceu mas deixou um legado importantíssimo à música brasileira. Como dados são apresentados depoimentos, entrevistas e reportagens de arquivo que resgatam a memória de sua obra. Declarações do artista sobre sua vida pessoal e os contextos de composição de sua música igualmente contribuem como dados, que são o principal recurso da argumentação do filme. Os qualificadores de dados aparecem nas parcerias do compositor com outros músicos e na interpretação de grandes nomes da música popular brasileira como Paulinho da Viola e outros sambistas renome no universo deste estilo musical. A vida pessoal do artista é tomada como garantia da autenticidade da sua música, que registra em suas canções o cotidiano da vida simples, boêmia e intensa que ambienta a sua convivência no morro da Mangueira. O principal aspecto da garantia como recurso argumentativo é a relação que o documentário faz com o paralelismo da trajetória do músico com a própria história do estilo musical. Os apoios são aparentes na opção por depoimentos de conteúdo categórico sobre o papel essencial de Cartola na história do samba e na emoção durante performances de suas canções. Há indícios de refutação nas referências ao pouco reconhecimento financeiro do artista durante sua vida, mas a ênfase de sua argumentação se dá por meio de dados e qualificadores de dados. A análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: a história de vida de um dos maiores compositores do samba, Cartola, que viveu e morreu pobre, acontece em paralelo com a própria história do estilo musical.

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O Mistério do Samba, Lula Buarque e Carol Jabor, 88 min., 2008 (Categoria Storytelling, Faceta Memória de Vida e obra, Classe fluxo laminar)

Fotogramas do filme O Mistério do Samba. Entrevistas, performances e acompanhamento do cotidiano constituem prioritariamente a argumentação assertiva.

A proposição do documentário é discorrer sobre a tradição do samba carioca, especialmente destacando a contribuição dos artistas que construíram o patrimônio cultural musical da escola de samba Portela. Não há um narrador para condução da argumentação, mas a cantora a e intérprete Marisa Monte conduz a apresentação dos dados do filme, em conversas com músicos, compositores e cantores facilitando depoimentos pessoais sobre a história de suas vidas pessoais e sua relação com a música e os processos criativos. O cotidiano da vida pessoal dos músicos e os encontros dos grandes sambistas para interpretar suas músicas operam como qualificadores de dados. Estas performances são o principal recurso de argumentação do filme, que reuniu os artistas para demarcar a memória do samba por meio de interpretações realizadas para o filme. Casos pessoais que revelam os momentos de criação e a evolução do estilo musical operam como garantias. Como apoios, a proposta de argumentação aposta na emotividade da presença dos músicos para performances coletivas. Não há indícios de refutação na argumentação. A análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: Os músicos da Escola de Samba Portela, do Rio de Janeiro, mantém viva a tradição do samba em meio a um cotidiano trivial mas culturalmente rico permeado pela tradição musical do samba.

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As cantoras do rádio, Gil Barone e Marcos Avellar, 85min., 2009 (Categoria Storytelling, Faceta Memória de Vida e obra, Classe fluxo laminar)

Fotogramas do filme As cantoras do rádio. Depoimentos e performances atualizadas são o centro da argumentação assertiva.

A proposição do documentário é apresentar os cantores, canções e as histórias da era de ouro do rádio no Brasil e, em especial, o papel da Rádio Nacional na divulgação de talentos musicais. Depoimentos de cantoras que ainda atuam em shows interpretando canções tradicionais, críticos e músicos que viveram ou participaram daquele momento musical são os principais dados articulados na argumentação do filme. Os shows de resgate desta memória, bem como as imagens de depoimentos e performances de arquivo são os qualificadores dos dados, que reforçam a importância de uma fase musical. Ainda como qualificadores, referências ao sucesso das cantoras do rádio e a repercussão do rádio como principal meio de comunicação de massas em seu período áureo são adotados. Como garantia, o acompanhamento da preparação das quatro cantoras Carmélia Alves, Carminha Mascarenhas, Ellen de Lima e Violeta Cavalcanti, que tiveram o auge de suas carreiras entre os anos 30 e 50, revive histórias que marcaram o período. Elas participam de um show, intitulado Estão Voltando as Flores, no qual interpretam as canções que revelaram seus talentos e fizeram imenso sucesso. Os preparativos das cantoras e as performances operam como garantias, ao passo que os conteúdos emotivos dos depoimentos e as memórias afetivas das personagens demarcam a opção argumentativa dos apoios. Há indícios de refutação nas declarações saudosistas das cantoras sobre o declínio de suas carreiras, mas a ênfase do filme recai sobre os aspectos de memória de vida e obra com os argumentos priorizando as garantias. A argumentação do filme indica a seguinte asserção: Na terceira idade, cantoras da época de outro do rádio no Brasil reúnem-se para um show e revisitam suas memórias de vida e trajetórias musicais.

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Contratempo – uma valsa da dor, Malu Mader e Mini Kerti, 98 min., 2009 (Categoria Storytelling, Faceta Memória de Vida e obra, Classe fluxo laminar)

Fotogramas do filme Contratempo – uma valsa da dor. Entrevistas e performances constituem a prioridade assertiva do filme.

A proposição do documentário é apresentar o destino de jovens que participaram do projeto musical Villa-Lobinhos e tiveram acesso ao aprendizado de instrumentos musicais e música clássica. Os dados são apresentados pelos depoimentos dos coordenadores do projeto, imagens de arquivo do projeto, ensaios e performances musicais. Para qualificar estes dados são utilizados depoimentos dos jovens estudantes sobre como a participação no projeto os ajudou com relação à inclusão social e quais oportunidades surgiram em suas vidas após integrarem o projeto. Como garantia, são mostradas imagens de arquivo e depoimentos sobre o sucesso de alguns jovens que se apresentaram em Nova York e depois conseguiram bolsas de estudo de música em universidades norte-americanas. Os principais apoios da argumentação recaem sobre o aspecto emotivo, como no caso do jovem que abandonou o projeto e acabou morto por traficantes. Não há referências à refutação. A argumentação do filme indica a seguinte asserção: O projeto Villa-Lobinhos reuniu jovens que seguiram diversos caminhos após a participação no projeto, sendo que para muitos a transformação promovida foi determinante para suas escolhas e busca de oportunidades.

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Herbert de perto, Roberto Berliner e Pedro Bronz, 197 min., 2009 (Categoria Storytelling, Faceta Memória de Vida e obra, Classe fluxo laminar)

Fotogramas do filme Herbert de perto. Depoimentos, imagens de acervo e performances são a prioridade na constituição da argumentação assertiva.

A proposição do filme é apresentar a trajetória do músico Herbert Viana, guitarrista, compositor e vocalista de uma das mais consagradas bandas brasileiras e que teve sua vida pessoal marcada por uma tragédia pessoal, um acidente no qual faleceu sua esposa e que o deixou paraplégico. Dados sobre o início da carreira do músico são apontados em depoimentos de familiares, amigos e músicos que acompanharam sua carreira. As declarações descritivas dos fatos organizados de forma linear na narrativa são qualificadas por reportagens de televisão, imagens de jornais e revistas da época, vídeos do acervo pessoal do músico e de sua família e por sequências de shows nacionais e internacionais do período de maior repercussão da banda Paralamas do Sucesso e caracterizam-se como dados. O filme tem um roteiro estruturado em atos, com uma introdução que aborda o início da carreira até a formação da banda Paralamas do Sucesso, enfatizando depoimentos e imagens de arquivo com as dificuldades pessoais do artista, que queria ser piloto de aviões mas devido a sua miopia teve suas expectativas frustradas e acabou por dedicar-se à música. A narrativa demarcada por atos e pontos de virada indica o uso de garantia como um dos aspectos da argumentação. O primeiro ponto de virada ocorre com um dos grandes sucessos da banda, a canção Óculos, que relata a frustração pelo uso das lentes pelo músico. As garantias se estendem na articulação com cenas de videoclipes da banda, que determinam os passos lógicos do decorrer da narrativa, referenciando a repercussão da sua obra na mídia, juntamente com declarações e entrevistas concedidas à MTV brasileira. O segundo ponto de virada é definido pelo

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acidente em que o músico pilotava um avião um monomotor com sua esposa e sofre o acidente em que ela morre. O período onde decorre a sua recuperação é exposto a partir de reportagens de televisão, que operam na argumentação do documentário como apoios, substituindo partes da narrativa. Seguem-se conteúdos de evocação emotiva a partir de apoios como o depoimento categórico dos músicos da banda, ao afirmar que a recuperação da banda dependia da recuperação do músico, efeito decorrente dos apoios à garantia da argumentação. Imagens do acervo pessoal marcam a presença dos apoios neste ato da narrativa. No filme não há evidências de refutação e a análise da argumentação no filme indica a seguinte asserção: A memória da vida pessoal e a carreira do músico Herbert Viana foi marcada pela tentativa e realização de fazer a banda Paralamas do Sucesso ascender e, após uma tragédia pessoal, pelo exemplo de superação e retomada da carreira musical junto à banda.

Titãs – a vida até parece uma festa, Branco Mello e Oscar Alves, 100 min., 2009 (Categoria Storytelling, Faceta Memória de Vida e obra, Classe fluxo laminar)

Fotogramas do filme Titãs: a vida até parece uma festa. Imagens de arquivo, acervo pessoal da banda, performances e depoimentos marcam a argumentação assertiva.

A proposição do documentário é registrar a trajetória de um dos mais famosos grupos de rock brasileiros, marcada pelas diferentes fases e influências musicais, assim como as mudanças em sua formação original. As informações e comprovações de acontecimentos na história da banda são apontados em dados argumentativos como depoimentos, imagens de arquivo de shows do início da carreira e performances em programas de televisão. A qualificação dos dados se dá por meio dos conteúdos de depoimentos dos músicos, da identificação dos estilos musicais adotados

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pelo grupo no decorrer da carreira e nas fontes criativas que deram origem aos diversos álbuns lançados. A narrativa linear destaca como pontos de virada as alterações dos integrantes da banda, primeiro com a troca do baterista André Jung por Charles Gavin, depois com a saída de Arnaldo Antunes, a morte de Marcelo Frommer e por fim a saída de Nando Reis. Um elemento que recorre na argumentação como garantia é a lógica da montagem que completa a performance de um show do início da carreira com a mesma canção, interpretada anos depois, em outro momento musical do grupo. Estes elementos da garantia são reforçados por apoios que destacam novos rumos e estilos performáticos da banda por meio de sequências de shows e propostas acústicas adotadas após estes momentos de ruptura. No filme não há evidências de refutação e a análise da argumentação no filme indica a seguinte asserção: Uma das maiores bandas de rock brasileiras, Titãs, tem sua história marcada por parcerias musicais, performances, estilos musicais e os diferentes rumos dos integrantes.

Um homem de moral, Ricardo Dias, 84 min. 2009 (Categoria Storytelling, Faceta Memória de Vida e obra, Classe fluxo laminar)

Fotogramas do filme Um homem de moral. Depoimentos e performances marcam a argumentação assertiva.

A proposição do documentário é mostrar a trajetória do compositor Paulo Vanzolini e a sua obra musical, caracterizada por composições que se tornaram populares nas rodas de samba paulistana e tornaram-se referenciais para o samba. Depoimentos do próprio compositor, de críticos e grandes nomes da cena musical brasileira revelam os dados sobre a vida pessoal e a trajetória musical do compositor.

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Paulo Vanzolini teve uma profícua carreira acadêmica em outra área, sendo premiado por suas pesquisas e descobertas acadêmicas na área da zoologia, fato que opera como contraponto na apresentação de dados. Na música, suas composições tornaram-se populares conforme apontado pelos qualificadores de dados da argumentação, como os depoimentos de compositores e músicos Martinho da Vila e Paulinho da Viola que comparam o seu talento ao de Adoniran Barbosa. Como garantias da argumentação são explorados aspectos como o processo criativo do músico, que conta em depoimento as fontes de inspiração para suas composições, que partem de observações da vida cotidiana e simples, revelando a sua preocupação com a sonoridade e a métrica das frases. A emoção está presente quando ele revela seu apurado sentido de observação da vida boêmia, como acontece na referência de uma situação vivenciada num bar e que deu origem a Ronda, uma de suas canções mais conhecidas e que ganhou o status popular de poética da vida noturna paulistana. Este aspecto arquetípico da obra de Vanzolini também caracteriza as garantias da argumentação. Como apoio, as declarações emocionadas de Adoniran Barbosa, admiradores, intérpretes e do próprio Vanzolini, entremeadas por suas canções, constituem os apoios do filme. Não há evidências de refutação na argumentação do documentário e a análise da sua argumentação indica a seguinte asserção: O compositor Paulo Vanzolini é um personagem simples e enaltecedor da crônica do cotidiano como autor de algumas das mais populares obras da MPB, apesar de ter dedicado sua carreira ao meio acadêmico em outra área do conhecimento, tendo sua obra compilada e gravada tardiamente.

Velhas guardas, Joatan Berbel, 80 min., 2009 (Categoria Storytelling, Faceta Memória de Vida e obra, Classe fluxo laminar)

Fotogramas do filme Velhas Guardas. Depoimentos, performances e o acompanhamento do cotidiano dos artistas marcam a argumentação assertiva.

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A proposição do documentário é apresentar a tradição do samba carioca, a partir do registro de encontros das velhas guardas: os sambistas, compositores e cantores veteranos que constituíram as memórias de suas escolas de samba. Os dados são indicados por meio de performances nas rodas de samba, ensaios de músicos nas sedes de suas escolas e depoimentos. Como qualificadores de dados são mostrados os improvisos e as composições interpretadas durante os encontros dos músicos, que ocorrem semanalmente e mantém o estilo musical em contato com as comunidades que lhe deram origem. Estas performances são o principal recurso de argumentação do filme, que reuniu os artistas para demarcar a memória do samba por meio do registro das performances, que reeditam os sucessos das escolas de samba e cultivam a sua tradição. Casos pessoais que revelam os momentos de criação e a evolução do estilo musical operam como garantias. Como apoios, a proposta de argumentação aposta na emotividade da presença dos músicos para performances coletivas. Não há indícios de refutação na argumentação. A análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: Os integrantes da Associação das Velhas Guardas das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (AVGESRJ) possuem histórias cotidianas de personagens históricos deste estilo musical e mantém a tradição do samba com encontros semanais.

Rita Cadillac, a Lady do povo; Toni Venturi, 77 min., 2010 (Categoria Storytelling, Faceta Memória de Vida e obra, Classe fluxo laminar)

Fotogramas do filme Rita Cadillac, a Lady do povo. Depoimentos, performances e o acompanhamento do cotidiano da artista marcam a argumentação assertiva.

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A proposição do filme apresenta a trajetória da performer e dançarina Rita Cadillac que se tornou famosa nos anos 80 como dançarina do programa televisivo Cassino do Chacrinha. Não há narração no filme e os dados são apresentados por meio de shows, imagens de arquivo e depoimentos de artistas e produtores musicais. Da mesma forma, o protagonismo da artista no documentário conduz a apresentação de dados enquanto o filme acompanha seu cotidiano e registra em seus depoimentos sua percepção da vida pessoal e da carreira. Como qualificadores de dados são utilizadas imagens de arquivo de apresentações da cantora para platéias predominantemente masculinas e de perfil popular como no garimpo de Serra Pelada e no presídio do Carandiru. Como garantia, a narrativa é marcada por pontos de virada em sua vida pessoal e em sua carreira, o que demarca a estrutura da narrativa em atos. As fases da carreira da cantora são legitimadas por apoios de argumentação como os depoimentos de amigos e de seu empresário e por sequências dos filmes nos quais atuou comentados por ela e por seus diretores. Há indícios de refutação nos conteúdos dos depoimentos quando abordam o declínio da carreira e o esquecimento por parte de seu público. A análise da argumentação do documentário indica a seguinte asserção: Ex-chacrete, cantora e atriz, Rita Cadillac teve uma vida pessoal marcada por dificuldades familiares, financeiras e perfil popular de performance, vivenciou fase de sucesso e atualmente tem uma vida comum.

Rock Brasília – Era de Ouro, Vladimir Carvalho, 111 min., 2011 (Categoria Storytelling, Faceta Memória de Vida e obra, Classe fluxo laminar)

Fotogramas do filme Rock Brasília. Depoimentos, performances e imagens de acervo predominam na argumentação assertiva.

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A proposição do filme apresenta a fervilhante cena musical da cidade de Brasília no início dos anos 80 como incubadora de bandas de rock que viriam a ter repercussão nacional e contribuir para a consolidação do estilo musical no país. Depoimentos de músicos de bandas de sucesso como Legião Urbana, Capital Inicial e Plebe Rude apresentam os dados da argumentação sobre a formação das bandas e cenário cultural da época em substituição à presença de um narrador. Imagens de arquivo com depoimentos da época, imagens de performances musicais e notícias veiculadas na mídia operam como qualificadores destes dados. Percepções pessoais dos músicos e a opinião dos críticos tem na argumentação o aspecto de garantia, pois visam reconstituir a memória a partir de fatos históricos comprováveis e revelar bastidores do movimento cultural em torno do rock e apontar as características dos seus participantes. Como apoio, o aspecto de resgate da memória ancora-se em depoimentos pessoais marcados por opiniões categóricas e contrapontos da crítica sobre a contribuição positiva dos músicos para a divulgação do estilo musical. O aspecto das divergências entre as bandas também é abordado e utilizado como apoio da argumentação na constituição da argumentação. Não há indícios de refutação. A análise da argumentação do documentário indica a seguinte asserção: O movimento cultural em torno do rock em Brasília nos anos 80 teve grandes grupos e músicos representantes e exerceu influência em toda uma geração de músicos e admiradores do estilo musical no País.

Prova de artista, José Joffily, 84 min., 2011 (Categoria Storytelling, Faceta Memória de Vida e obra, Classe fluxo laminar)

Fotogramas do filme Prova de artista. Acompanhamento do cotidiano de estudos dos artistas e seus depoimentos predominam na argumentação assertiva.

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A proposição do documentário é apresentar a trajetória de cinco estudantes de música que enfrentam as dificuldades dos processos seletivos de concursos para integrar orquestras sinfônicas e a cansativa rotina de estudos diária para desenvolver habilidades técnicas. Os dados são apresentados nos depoimentos dos músicos que demonstram suas rotinas pessoais de estudos, ensaios e disputas por uma vaga com os melhores profissionais da área. Como qualificadores de dados há as sequências de treinamento dos estudantes e o seu cotidiano de disciplina e esforço constante. Como garantia para legitimar os dados da argumentação, o documentário utiliza-se da narrativa guiada por múltiplos protagonistas, de forma a reforçar as suas dificuldades, angústias e expectativas. São revelados nos depoimentos dos artistas aspectos como as competições internas e as hierarquias das orquestras, bem como a frieza com que são realizadas as audições por parte dos avaliadores das seleções, conteúdos que também podem ser considerados como garantias. Como apoios, as carreiras e vidas pessoais dos músicos são identificadas nas declarações com os momentos de realização profissional ou frustração pelo insucesso. Não há indícios de refutação. A análise da argumentação do documentário indica a seguinte asserção: Os desafios de cinco estudantes de música que concorrem a vagas em orquestras destacam um cotidiano de árduo esforço de estudos, grande concorrência, expectativas pessoais, sucessos e frustrações.

Mamonas para sempre, Cláudio Kahns, 84 min., 2011 (Categoria Storytelling, Faceta Memória de Vida e obra, Classe fluxo laminar)

Fotogramas do filme Mamonas para sempre. Depoimentos e imagens de acervo constituem o princípio da argumentação assertiva.

A proposição do documentário é apresentar a trajetória da banda Mamonas Assassinas e seus integrantes, que fizeram imenso sucesso no Brasil nos anos 90 e

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morreram num acidente de avião que causou comoção nacional. A argumentação baseia- se principalmente em dados de depoimentos de músicos, amigos, produtores musicais e críticos para promover uma narrativa de memória de vida e obra, com estrutura linear do percurso do grupo musical. Os qualificadores de dados são os depoimentos retirados de imagens de arquivos pessoais e midiáticos, com ações performáticas dos músicos também no seu cotidiano e na participação não musical em programas televisivos populares e na MTV. Imagens de acervo também operam para qualificar dados dos depoimentos que referenciam a personalidade dos músicos, reconhecidos por um estilo performático irreverente e marcado por letras fáceis e irônicas, típicas do repertório adolescente. Na argumentação, a garantia é determinada pela articulação da narrativa em atos, estabelecida para registrar as viradas no itinerário da banda e culminar com o final trágico da sua história. Os apoios são empregados na argumentação especialmente nas referências à emoção despertada no país com a notícia do trágico acidente que vitimou todos os integrantes da banda e atraiu multidões em sua homenagem póstuma. Não há indícios do uso da refutação e a análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: A memória de vida e trajetória da banda Mamonas Assassinas foi marcada por irreverência musical e performática, ascensão rápida e fim trágico.

Filhos de João, admirável mundo Novo Baiano, Marcelo Laffitte, 75 min., 2011 (Categoria Storytelling, Faceta Memória de Vida e obra, Classe fluxo laminar)

Fotogramas do filme Filhos de João: admirável mundo Novo Baiano. Imagens de arquivo e depoimentos predominam na argumentação assertiva.

A proposição do documentário é narrar a trajetória do grupo musical Os Novos Baianos desde o seu surgimento por meio de seu grande incentivador, o cantor e

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compositor João Gilberto. Como dados, a argumentação utiliza-se de imagens de arquivo de shows, ensaios e depoimentos dos músicos, críticos e produtores musicais. Como qualificadores de dados, faz uso das letras das músicas do grupo que incorporaram a guitarra elétrica de Pepeu Gomes que traz inovações para a música popular brasileira. Ainda neste aspecto de qualificação, estão presentes as imagens dos vários ensaios dos integrantes do conjunto em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, em busca de uma nova musicalidade, além de shows e o aval de João Gilberto. Estes elementos colaboram para conferir uma chancela de qualidade à obra dos Novos Baianos e na argumentação são identificados como qualificadores de dados. A linearidade da narrativa compete para a argumentação por garantias, com a intenção de desenvolver um resgate de memória em ordem crescente com estrutura em atos com introdução, desenvolvimento e declínio do grupo. A repetição dos conteúdos dos depoimentos, a emoção destacada nas performances e processos de criação da banda e os depoimentos categóricos como o do músico Tom Zé, operam como apoios para a argumentação. Não há indícios de refutação na argumentação. A análise da argumentação do documentário indica a seguinte asserção: A trajetória dos músicos e do grupo Novos Baianos foi marcada pela criação musical inovadora, performática e deixou um legado de ousadia à música popular brasileira

Jorge Mautner – Filho do Holocausto, Sérgio Heitor D´Alincourt Ribeiro e Pedro Bial, 86 min. 2013. (Categoria Storytelling, Faceta Memória de Vida e obra, Classe fluxo laminar)

Fotogramas de Jorge Mautner – filho do holocausto. Depoimentos, entrevistas e performances criadas para o filme predominam na argumentação assertiva

A proposição do documentário é traçar a trajetória do cantor e compositor Jorge Mautner, filho de pais austríacos judeus fugidos da segunda guerra mundial a partir da sua chegada ao Brasil pelo porto do Rio de Janeiro. Destaca que os problemas da

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segunda guerra, em especial a perseguição dos judeus pelo nazismo, teve um impacto fundamental na vida e sua obra musical do artista. Como dados da argumentação o filme utiliza performances do músico, entrevistas e depoimentos realizados para o documentário. A performance é realizada num cenário onde também comparecem músicos convidados como Caetano Veloso e Gilberto Gil para interpretar canções compostas por Jorge Mautner. Os qualificadores de dados são as comprovações de acontecimentos passados e os principais recursos da argumentação do filme. Isto acontece como no exemplo do depoimento de uma sobrevivente da 2ª Guerra, nas declarações de amigos e na entrevista dialogada entre o músico e sua filha, Amora Mautner. A garantias da argumentação, que são implícitas, aparecem nos aspectos criativos das letras de suas canções e nos arranjos onde incorporou o violino de forma harmônica com a guitarra elétrica e o violão. O aspecto do apoio na argumentação comparece na performance do artista durante o show realizado para o filme e no recurso de teatro de bonecos que também corrobora com a encenação. Da mesma forma, alguns conteúdos pessoais e psicológicos da entrevista que realiza com sua filha contribuem para enaltecer a impressão emotiva do caráter do apoio. Não há indícios de refutação na argumentação. A análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: Jorge Mautner é um artista que imprimiu características contemporâneas em sua música e viveu intensamente apesar da proximidade pessoal com o holocausto.

Dominguinhos. Joaquim Castro, Eduardo Nazarian e Mariana Aydar. 84 min. 2014 (Categoria Storytelling, Faceta Memória de Vida e obra, Classe fluxo laminar)

Fotogramas do filme Dominguinhos. Performances, depoimentos e imagens de arquivo constituem a argumentação assertiva.

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A proposição do documentário é resgatar a memória de vida e obra de um dos maiores artistas da música popular brasileira, Dominguinhos, que teve uma sólida carreira e viu no Rei do Baião - o cantor Luiz Gonzaga - seu grande padrinho artístico e grande incentivador. Na argumentação do filme os dados são apresentados por meio de imagens de arquivo de shows, depoimentos do próprio Dominguinhos e de outros artistas renomados do cenário musical brasileiro que destacam sua importância musical e influência na MPB. Como qualificadores de dados destacam-se as performances que demonstram sua maneira espontânea de cantar, sua originalidade com aportes na cultura do sertão nordestino, sua interação com os outros artistas e sua principal atribuição musical, de sanfoneiro. A garantia da argumentação está presente na fluência dos seus improvisos e na proposta narrativa crescente e linear, que visa resgatar suas origens de jovem humilde cujo talento foi inicialmente credenciado pela parceria com Luiz Gonzaga. Como apoio da argumentação destacam-se as declarações sobre sua vida pessoal, e as referências ao momento de criação de composições motivadas pela afetividade relacionada à vida simples. A análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: o músico Dominguinhos foi uma personalidade humilde e teve uma trajetória relevante para a música popular brasileira, marcada por grandes parcerias musicais.

4.4.2.2 Classe Fluxo turbulência

A turbulência é uma característica recorrente num grupo de 15 documentários nos quais as asserções dão destaque para aspectos aleatórios ou de grande variabilidade de argumentos sobre os temas. Conceito tomado da mecânica dos fluidos, a turbulência opõe-se à noção de fluxo laminar. Enquanto este último incorre em uma narrativa cronologicamente demarcada e com apreço pela linearidade, na classe turbulência as asserções demonstram preferência por aspectos multicamadas e conteúdo caótico. Ao passo em que o fluxo laminar apresenta asserções que direcionam as camadas narrativas para um fluxo mais contínuo, as de fluxo laminar evocam a condição de redemoinhos, num curso que acompanha ou tropeça na instabilidade.

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Samba Riachão, Jorge Alfredo, 86 min., 2004 (Categoria Storytelling, Faceta Memória de Vida e obra, Classe turbulência)

Fotogramas do filme Samba Riachão. Depoimentos, Performances e acompanhamento do cotidiano do artista constituem a argumentação assertiva.

A proposição do documentário é apresentar a trajetória do cantor e compositor baiano Riachão, cuja espontaneidade e originalidade tornou-o uma figura popular no estilo musical do samba. Os dados sobre a carreira e trajetória de vida do artista são narrados em primeira pessoa, a partir de seus próprios depoimentos. O acompanhamento de seu cotidiano e suas rotinas complementa-se com imagens de arquivo de shows, performances em parceria com grandes nomes da música popular brasileira e improvisos. A argumentação conta com qualificadores de dados como depoimentos de amigos e compositores de renome como Caetano Veloso e Gilberto Gil, que enunciam a relevância de sua obra. A garantia da argumentação se dá por meio da presença do artista no seu universo próximo, na interação que promove com a comunidade e os músicos, tratada no filme por meio de cenas de sua rotina pessoal. O principal recurso explorado como apoio na argumentação é a intempestividade da personalidade do artista e a emoção com que se dedica à sua carreira, como na sequência em que está num estúdio de gravação com Tom Zé e canta uma de suas mais famosas canções, Xô xuá. Não há evidências de refutação na argumentação. Como nos filmes da classe turbulência, o efeito de narrativa em multicamadas confluentes é identificado pela presença de conflitos pessoais, da carreira e por vezes desconexo fluxo de ideias criativas. A análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: Riachão é um sambista de personalidade agitada e expressão ativa no samba, estilo ao qual dedicou quase toda a vida.

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Vinícius de Moraes, Miguel Faria Jr., 121 min., 2005 (Categoria Storytelling, Faceta Memória de Vida e obra, Classe turbulência)

Fotogramas do filme Vinícius de Moraes. Depoimentos, imagens de acervo e encenação constituem a argumentação assertiva.

A proposição do filme apresenta aspectos da vida pessoal e da obra musical de Vinícius de Moraes, frequentemente apontando para a convergência entre estas duas camadas narrativas. Por ter sido um músico de vida pessoal e musical com características passionais, o filme procura por meio de sua argumentação enfatizar como o artista transitava o êxtase de sua vida pessoal em sua música e vice-versa. Os dados utilizados demonstram preferência por depoimentos de músicos com quem atuou em parceria, críticos, familiares e amigos. Como dados ainda há as imagens de arquivo de situações casuais e em shows. As qualificações de dados ocorrem pela seleção de depoimentos que revelam a passionalidade do músico, seu processo criativo, suas influências e preferências musicais e seus hábitos boêmios. A instabilidade emocional do artista de muitas mulheres e composições incessantes reflete-se na preferência narrativa que lhe dá fornece uma garantia implícita, pontuada por performances e improvisos. A encenação é o principal apoio à constituição das emoções turbulentas do personagem, que também se constitui por afirmações categóricas de amigos e contribuem para reforçar um perfil afetivo inconstante das emoções do artista presentes na argumentação do filme. As encenações são caracterizadas por interpretações poéticas que perpassam a narrativa, com inserções constantes de declamações de poemas de autoria de Vinícius. Há indícios de refutação no filme, mas centrados exclusivamente nos aspectos pessoais do músico, especialmente presentes nas críticas de suas ex-mulheres sobre a sua incapacidade de dedicar-se a um relacionamento só e ter magoado muitas pessoas, inclusive seus filhos. A análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: O músico e compositor brasileiro Vinícius de Moraes teve uma vida

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pessoal passional e deixou legado poético e musical indiscutível que influencia até hoje a MPB.

A Odisséia musical de Gilberto Mendes, Carlos de M. R. Mendes, 117min, 2006. (Categoria Storytelling, Faceta Memória de Vida e obra, Classe turbulência)

Fotogramas do filme A Odisséia musical de Gilberto Mendes. Imagens de arquivo, performances, narração e depoimentos constituem a argumentação assertiva.

A proposição do documentário é apresentar a trajetória do compositor e maestro Gilberto Mendes e a sua obra musical contemporânea inovadora, que mescla elementos musicais clássicos e contemporâneos. Depoimentos de Gilberto Mendes, amigos e críticos musicais apontam os dados da argumentação, conduzidos pela voz narradora de sua neta, que demarca o filme em vários momentos promovendo reflexões pessoais sobre a obra do avô. No aspecto de dados argumentativos são apresentados os aspectos de inovação da complexa proposta musical do artista, especialmente sobre as performances criadas por ele para o canto coral. Os qualificadores de dados são articulados por meio da inserção de gravações de performances, imagens de arquivo e a presença do maestro em sua atuação presencial em ensaios e apresentações de suas obras. Os depoimentos do artista, dos músicos que o acompanham e ressaltam a importância do seu trabalho e a admiração de suas obras no exterior são os indicadores do uso de garantias na argumentação. Como apoio, o principal recurso é a própria forma incomum da proposta de Gilberto Mendes, que revoluciona a maneira de pensar e executar a música e põe em conflito o status quo da música erudita. A evidência de refutação também se dá sob este aspecto, mas a argumentação do filme privilegia uma narrativa de ordem de memória de vida e obra. A análise da argumentação do filme indica

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a seguinte asserção: A trajetória de Gilberto Mendes revela uma contribuição inegável para a música contemporânea mundial, com características inovadoras.

Fabricando Tom Zé, Décio Matos Jr. 90 min. 2007. (Categoria Storytelling, Faceta Memória de Vida e obra, Classe turbulência)

Fotogramas do filme Fabricando Tom Zé. Depoimentos e performances são os principais aspectos da argumentação assertiva.

A proposição do documentário é retratar a vida e obra do cantor e compositor Tom Zé com referências a sua origem humilde na cidade natal de Irará, na Bahia, sua obra musical original e sua personalidade turbulenta. O filme acompanha prioritariamente uma rotina de shows na Europa, demonstrando a rotina do músico na sua vida pessoal com sua esposa, sua percepção sobre a música e seu relacionamento com os músicos de sua banda. Os principais dados da argumentação são as referências diretas ao registro dos bastidores desta série de shows, os depoimentos de sua esposa e do próprio artista sobre as fases de sua carreira e declarações de jornalistas e músicos que juntamente com ele, participaram do início de sua carreira durante o movimento do Tropicalismo. Qualificam estes dados a fidelidade e adesão do público aos shows do artista na Itália, por exemplo, e a péssima recepção de determinado público num show internacional quanto ao estranhamento provocado por sua música. Os principais qualificadores de dados são em sua maioria os depoimentos do próprio artista. A articulação revela uma tendência do filme a confundir intencionalmente as tipologias da argumentação, com características de turbulência quando são feitos prioritariamente por opiniões categóricas, o que é em essência um recurso pertinente aos apoios. O contraponto a estes depoimentos que demonstram a personalidade forte e

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tumultuada do artista são as declarações de sua esposa, que demonstra equilíbrio e foco na gestão da carreira do marido e em momentos em que Tom Zé revela o desenvolvimento de suas competências musicais, de maneira clara e objetiva, menos passional. A narrativa manifesta uma organização turbulenta como a obra do artista intempestivo, o que opera como uma forma de garantia da argumentação. Como apoios o filme utiliza-se das performances inusitadas do artista, sua proposta de sonoridades com enceradeiras e outros elementos incomuns à música tradicional e a cobrança por um perfeccionismo musical como um contratempo que culmina com agressões físicas e verbais na passagem de som em um show no Festival de Montreux, na Suíça. Há indícios de refutação nas críticas de Tom Zé sobre o mal entendido com Caetano Veloso que teria colaborado para excluí-lo do grupo de artistas da Tropicália e o decorrente declínio de sua carreira musical. A crítica à falta de aceitação do seu trabalho também é um elemento presente na argumentação do filme como refutação à tradição musical que rejeita artistas com propostas fora dos padrões comerciais. A análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: O músico de influência tropicalista, com proposta de sonoridade original e atitudes irreverentes retoma sua carreira no cenário internacional enquanto relembra as memórias de sua trajetória.

Pan-cinema permanente, Carlos Nader, 83 min., 2008 (Categoria Storytelling, Faceta Memória de Vida e obra, Classe turbulência)

Fotogramas do filme Pan-cinema permanente. Depoimentos e performances constituem os principais elementos da argumentação assertiva.

A proposição do filme é resgatar a memória de vida e obra do poeta e compositor da música popular brasileira Wally Salomão, indentificada por sua irreverência, contradições, potencialidades criativas e performáticas. Os dados da

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argumentação são principalmente imagens de arquivo de performances e depoimentos do artista, críticos e parceiros de criação como a cantora Adriana Calcanhoto. Os qualificadores destes dados são as referências explícitas ao estilo do artista, como a seleção de momentos performáticos que demonstram a espontaneidade de seu trabalho. Os depoimentos dos seus dois filhos também constituem os qualificadores de dados da argumentação, destacando o valor de sua obra. A articulação das imagens de arquivo que fazem referência à personalidade tuurbulenta de Wally Salomão atuam como garantia da argumentação da mesma forma que a organização narrativa visa promover um certo mal-estar, refletindo o entendimento de não aceitação das instituições sociais e um fluxo nervoso característico da verborragia da do obra artista em sua montagem. As declarações marcadas por opiniões categóricas de cunho autorreflexivo e filosóficas sobre temas cotidianos e a repetição do perfil de conteúdos performáticos operam como apoio da argumentação. A refutação está presente quando o documentário aborda o comportamento perfomático midiático do artista, muitas vezes criticado pelo senso comum. A análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: Wally Salomão, poeta e compositor performático inovador, contribuiu de forma significativa com a cultura brasileira e deixou um legado de experimentalismo e ousadia artística.

Palavra (En) cantada, Helena Solberg, 84 min. (Categoria Storytelling, Faceta Memória de Vida e obra, Classe turbulência)

Fotogramas do filme Palavra (En)Cantada. Depoimentos são o principal elemento da argumentação assertiva do filme.

A proposição do filme é apresentar a correlação entre a palavra articulada na língua portuguesa e a música que a populariza. Os dados são apresentados por meio de depoimentos, com poucos momentos em que recorre ao uso de narrador, como no

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início do filme em que explica a relação histórica da palavra na arte. Os dados são qualificados pela presença de depoimentos de compositores e músicos reconhecidos como Chico Buarque, Tom Zé e Lenine. A garantia é dada pela revelação dos processos criativos dos compositores e a explicação, por vezes didática, sobre como articulam a poesia nas letras de suas canções. Os apoios são utilizados pela argumentação no filme na medida em que enfatizam aspectos de semelhança no uso da palavra, caracterizando a repetição. Os conteúdos poéticos em questão também operam como garantia quando destacam as possibilidades da palavra na música criando situações de emotividade nos improvisos e performances de alguns músicos. Há poucos indícios de refutação, uma vez que o filme prioriza um enunciado sobre o uso da palavra nas canções como uma forma de difusão dos usos da língua portuguesa. A análise da argumentação no filme indica a seguinte asserção: A música brasileira tem uma importância indiscutível na promoção e inserção da língua portuguesa na cultura popular.

Loki – Arnaldo Baptista, Paulo Henrique Fontenelle, 128 min., 2009 (Categoria Storytelling, Faceta Memória de Vida e obra, Classe turbulência)

Fotogramas do filme Loki – Arnaldo Baptista. Imagens de arquivo, performances e depoimentos são os principais elementos da argumentação assertiva.

A proposição do filme apresenta a memória de vida e obra do músico e compositor Arnaldo Baptista, o Loki, reconhecido por sua trajetória intempestiva, passional e obra inovadora, com grande contribuição para a música brasileira. O filme enfatiza a ascensão e declínio da carreira do artista devido ao excessivo consumo de drogas que o levou a uma tragédia pessoal, quando se jogou da janela de um hospital. Os dados são articulados prioritariamente pela presença de depoimentos e imagens de arquivo que revelam a formação da banda Os Mutantes, seu relacionamento e

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rompimento traumático com a cantora Rita Lee e as tentativas de retomada de sua carreira musical e vida pessoal após período de intenso uso de drogas. Os qualificadores de dados estão presentes as imagens de arquivo de performances que comprovam o estilo do artista. Depoimentos de críticos, amigos, familiares, arquivos de notícias e reportagens de época são os elementos que entregam premissas de legitimidade aos dados, constituindo também os qualificadores de dados. A garantia é um recurso da argumentação que se organiza de forma turbulenta, enfatizando os pontos de virada da vida pessoal que influenciam a vida profissional e vice-versa. Como apoios à argumentação, as opiniões categóricas nos depoimentos de músicos e familiares que testemunharam fatos abordados no filme são elementos que se destacam. A análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: A memória da vida pessoal e criativa do músico Arnaldo Baptista – o Loki, ex-integrante da banda Os Mutantes, foi marcada pela passionalidade, criatividade, decadência após abuso de drogas e atual reposicionamento para as artes visuais.

Dzi Croquetes, Tatiana Issa e Raphael Alvarez, 110 min., 2010 (Categoria Storytelling, Faceta Memória de Vida e obra, Classe turbulência)

Fotogramas do filme Dzi Croquetes. Imagens de arquivo, performances e depoimentos são os principais elementos da argumentação assertiva.

A proposição do documentário é apresentar as memórias do grupo performático baiano Dzi Croquetes que obteve grande sucesso em plena era da ditadura no Brasil com espetáculos de cunho irônico e de contracultura. A argumentação do filme utiliza-se de dados como imagens e sons de arquivo das performances do grupo, depoimentos de ex-integrantes, artistas que acompanharam a sua trajetória, críticos e jornalistas. Para qualificar estes dados há o uso de imagens de jornais e reportagens da

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época, cenas de bastidores, depoimentos de pessoas que o filme credencia para validar os dados de forma explícita e referências ao sucesso internacional do grupo. As garantias da argumentação são apresentadas por meio da articulação da montagem que ressalta os aspectos inusitados, ousados e principalmente com referências aos processos de censura vigentes no país. Os apoios são a característica mais enfática da argumentação, explorando a preparação dos artistas e as performances, os aspectos emotivos de suas vidas pessoais e a repetição, presente inclusive no conteúdo dos depoimentos, quando opta por exibir em sequência declarações que retomam os mesmos argumentos ditos por entrevistados diversos. Os indícios de refutação estão presentes no fato da proposta principal do grupo ser de cunho contestador e de contracultura, num período em que artistas sofriam com a censura no País. A análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: O grupo performático de atores e cantores Dzi Criquetes foi um fenômeno original de contracultura com repercussão internacional e o resgate de sua trajetória é justificada pelo seu pioneirismo.

Elza, Izabel Jaguaribe e Ernesto Baldan, 82 min., 2010 (Categoria Storytelling, Faceta Memória de Vida e obra, Classe turbulência)

Fotogramas do filme Elza. Depoimentos e performances realizadas para o documentário constituem argumentação assertiva.

A proposição do filme procura mostrar a trajetória de vida e carreira da cantora Elza Soares, sua música e sua voz rouca, o que a diferenciou no cenário da MPB. Os dados da argumentação são apresentados pelo depoimento da própria cantora, que relembra os fatos da infância, sua visão de vida conflitante com a de sua família e os obstáculos vencidos no início de sua carreira até se tornar uma das grandes vozes femininas da música popular brasileira. Os dados são qualificados por depoimentos da

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cantora, de amigos, críticos, produtores musicais, imagens de arquivo e de shows da cantora. Como garantias o filme explora os aspectos expansivos da personalidade de Elza Soares, suas parcerias musicais e a descontração de suas conversas durante as performances realizadas para o documentário. O principal recurso utilizado na argumentação como apoio são as opiniões categóricas da artista, que arremetem à validação da originalidade e ousadia do seu trabalho. O documentário não promove sua argumentação com ênfase em refutação. A análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: Em sua trajetória musical a cantora Elza Soares promoveu encontros entre várias vertentes do samba e outros estilos musicais que enfatizam sua autenticidade artística e personalidade passional.

Jards Macalé, Marco Abujamra e João Pimentel, 72 minutos, 2010. (Categoria Storytelling, Faceta Memória de Vida e obra, Classe turbulência)

Fotogramas do filme Jards Macalé, um morcego na porta principal. Depoimentos, entrevistas, performances e acompanhamento do cotidiano do artista constituem a argumentação assertiva.

A proposição do documentário apresenta a trajetória pessoal e musical de Jards Macalé, com aportes à irreverência e ousadia de sua obra na complementação do título do filme, Um Morcego na porta principal, uma referência a uma brincadeira entre o artista e seus amigos sobre a presença da ditadura e à perseguição de artistas durante o período político brasileiro de governos militares. Os dados são apresentados por imagens de arquivo de sua infância e adolescência, que são qualificados pelos depoimentos de sua mãe e amigos. Depoimentos de amigos, jornalistas, críticos e músicos contribuem para a apresentação de dados quando qualificam estes dados quando complementados por imagens de arquivo, de performances e depoimentos do artista. As garantias sobre a autenticidade da obra do autor são aspectos tomados pela argumentação quando mostram o processo criativo do artista e seus rompantes de

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personalidade, conforme citado em depoimentos sobre as consequências de exagero na bebedeira que o levaram a declarar a amigos sua tendência suicida ou a sua postura contrária ao regime político que promoveu a censura de sua obra. Como apoios a argumentação utiliza-se principalmente de opiniões categóricas do artista em suas declarações e nos conteúdos emotivos de seus amigos ao remeter ao fato que ele chegou a ser preso. A refutação está presente neste aspecto político que é uma grande característica da obra do músico. A análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: O músico e compositor Jards Macalé teve sua trajetória profissional e pessoal marcada por contestação política e musical e deixou grande contribuição para a música popular brasileira.

Argus Montenegro & a instabilidade do tempo forte, Pedro I. Lucas, 75min., 2012. (Categoria Storytelling, Faceta Memória de Vida e obra, Classe turbulência)

Fotogramas do filme Argus Montenegro & a instabilidade do tempo forte. Depoimentos e performances constituem os elementos principais da argumentação assertiva.

A proposição do documentário é revelar as memórias de vida e obra de um baterista gaúcho, Argus Montenegro, cuja carreira foi reconhecida nacional e internacionalmente mas que teve um declínio devido aos problemas de saúde do músico e ao pouco reconhecimento decorrente das restrições do universo comercial da música. Os principais dados da argumentação são apresentados nos depoimentos do músico, que conta as suas origens musicais, sua dedicação aos estilos brasileiros como identidade artística, sua experiência internacional e sua relação com a família. Como qualificadores de dados são utilizadas imagens de arquivo pessoal do baterista, depoimentos de músicos, de seu filho também músico e de sua ex-esposa, com quem ele vivia no final de sua vida. As garantias são articuladas pelos pontos de virada na vida pessoal e profissional do artista passional, que critica constantemente a falta de ousadia,

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de dedicação e o desapego aos ritmos nacionais para a formação do músico no Brasil. Como apoios, a argumentação recorre às opiniões categóricas de Argus Montenegro como “a vanguarda no Brasil é tida como um descontrole emocional” ou “eu aconselho a todo baterista que estiver estudando a não tocar muita nota porque o silêncio está grávido de som”. Um aspecto de refutação merece destaque na argumentação é apresentado em depoimento de seu filho por ocasião da morte do artista, antes da finalização do filme. Zé Montenegro explica que o pai tinha muitos problemas de saúde e utilizava medicamentos muito fortes, tendo se impressionado muito com a realização do documentário e por vezes divagando por horas reconstruindo novas versões de fatos declarados em seus depoimentos para o documentário quando estava em casa. A análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: O baterista gaúcho Argus Montenegro teve uma carreira internacional profícua e uma vida pessoal agitada, marcada por instabilidades e deixou um legado autêntico.

Raul: o início, o fim e o meio, Walter Carvalho, 115., min., 2012 (Categoria Storytelling, Faceta Memória de Vida e obra, Classe turbulência)

Fotogramas do filme Raul: o início, o fim e o meio. Imagens de acervo, depoimentos e performances constituem a argumentação assertiva.

A proposição do documentário é apresentar a trajetória de vida e obra do músico e compositor Raul Seixas, que teve uma carreira marcada por grande sucesso e decorrente declínio, destacando a sua genialidade e ousadia em letras irreverentes e performances provocadoras. A argumentação utiliza-se de vasto material de arquivo pessoal do artista cedido pelos detentores dos direitos autorais ao diretor Walter Carvalho, que operam como dados. Neste aspecto os argumentos são constituídos de entrevistas, imagens de shows, depoimentos sobre criações musicais e declarações filosóficas do artista.

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Como qualificadores de dados são utilizados depoimentos, arquivos de áudio e imagens midiáticas do início e auge de sua carreira e parcerias musicais. Imagens inéditas como as que mostram o sacrifício de animais em ritual de magia negra operam como dados. Como qualificadores de dados, o documentário aposta em entrevistas como a do próprio Paulo Coelho que declara ter se desligado do grupo que realizava estes rituais e dos membros deste mesmo grupo que o contradizem, afirmando que ele nunca oficializou sua saída. No mesmo sentido, as entrevistas realizadas com as ex-mulheres de Raul Seixas são evidências explícitas da personalidade intempestiva do artista. Enquanto estes depoimentos operam como qualificadores de dados para demonstrar as evidências da turbulenta vida pessoal do músico, associam também o aspecto de apoios nos momentos em que respondem às provocações repetitivas sobre as preferências do músico entre as ex-mulheres. A argumentação do filme utiliza-se de garantias quando estabelece uma narrativa didática sobre a trajetória do artista, convergindo os pontos de virada do filme com os conflitos de seu objeto temático. Como apoios, as opiniões categóricas do músico e as conduções emotivas de algumas entrevistas constituem-se nos principais recursos. O principal aspecto de refutação se dá no fato da carreira do artista ter entrado em declínio e no final de sua vida ele estar vivendo só e praticamente no anonimato. A análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: A vida do músico Raul Seixas foi marcada polêmicas e intempestividade de personalidade e relacionamentos conturbados mas sua obra um legado inquestionável à música brasileira.

Tropicália, Marcelo Machado, 87 min. 2012 (Categoria Storytelling, Faceta Memória de Vida e obra, Classe turbulência)

Fotogramas do filme Tropicália. Imagens de acervo, depoimentos e performances constituem a argumentação assertiva.

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A proposição do documentário é revisitar a temática do movimento cultural Tropicália, especialmente nos seus aspectos musicais. Como dados são utilizados principalmente depoimentos e imagens de arquivo de performances, que caracterizam a identidade do movimento. Depoimentos de personalidades que integraram o movimento, jornalistas, críticos e músicos confirmam as evidências do legado da Tropicália e são qualificadores de dados. Como garantias a proposta de revisão histórica destaca os principais fatos que deram origem ao movimento, as suas relações com o momento político do País e as propostas irreverentes e criativas de seus integrantes. Apoios da argumentação constituem-se principalmente pelo destaque às opiniões categóricas que sustentam os dados e demonstram as considerações assistemáticas dos artistas no auge do movimento quando, por exemplo, realizaram uma passeata contra as guitarras elétricas. A refutação se dá pela caracterização da proposta de ruptura do Tropicalismo, especialmente com a arte militante. A análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: Os músicos Caetano Veloso e Gilberto Gil lideraram o movimento Tropicália, que deixou sua marca criativa num período político conturbado do Brasil.

Futuro do pretérito: tropicália now!, Ninho Moraes e F. C. Filho, 76min., 2012 (Categoria Storytelling, Faceta Memória de Vida e obra, Classe turbulência)

Fotogramas do filme Futuro do pretérito: tropicália now! Performances, depoimentos e encenação constituem a argumentação assertiva.

A proposição do filme é apresentar um enunciado em favor de propostas performáticas contemporâneas ancoradas em influências do Tropicalismo. Como dados são utilizadas performances de artistas como André Abujamra e sua banda, depoimentos de artistas, críticos e músicos. Os qualificadores dos dados da argumentação são evidenciados nas comprovações de que as referências ao Tropicalismo estão presentes

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no estilo de muitos artistas brasileiros na atualidade. Como garantia são utilizadas inserções pontuais de declamações de poemas, textos aleatórios, reflexões filosóficas, sonoridades e visualidades da contracultura. Desta forma a narrativa se mostra turbulenta e impulsionada por aleatoriedades. Como apoios as encenações e a ironia contribuem para a identificação das propostas de releituras e inferências musicais. O aspecto de refutação na argumentação é explorado pelos enunciados que pretendem evidenciar um universo artístico experimental, culturalmente rico, desconhecido do público e ausente na difusão midiática atual. A análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: A inquietação criativa da Tropicália ainda se manifesta na música brasileira, com destaque para propostas contemporâneas como a do músico André Abujamra.

Olho Nu, Joel Pizzini, 104 min., 2014 (Categoria Storytelling, Faceta Memória de Vida e obra, Classe turbulência)

Fotogramas do filme Olho nu. Imagens de acervo do artista, performance e depoimentos marcam a argumentação assertiva.

A proposição do documentário é revisitar a obra do cantor e ator Ney Matogrosso a partir de suas impressões pessoais. Os dados utilizados na argumentação foram selecionados do acervo pessoal do artista com a intenção de compor um legado de sua trajetória a partir de suas impressões sobre as fases de sua carreira, as relações pessoais e familiares, os processos criativos e a suas performances musicais. Como qualificadores de dados destacam-se as imagens de arquivo como os shows do início da carreira do cantor quando era o líder e vocalista do grupo Secos & Molhados e as evidências da proposta inovadora na forma de se vestir e se apresentar, quebrando paradigmas da época. Como garantia é utilizada a condução narrativa do próprio artista, que pontua os aspectos de sua vida e obra com declarações reflexivas. Entre os apoios,

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os principais recursos empregados são as longas sequências performáticas. A análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: O músico Ney Matogrosso reconhece em sua trajetória as motivações pessoais que a direcionaram e expõe sentimentos e impressões pessoais numa revisão de sua carreira performática e musical.

4.4.3 Faceta Revelação

Os filmes da categoria Storytelling, faceta Revelação argumentam a divulgação de segredos em suas asserções. E não apenas se apegam a fatos desconhecidos, mas intentam divulgar fatos especialmente desconhecidos de um grande público. Os oito títulos, além de promover aportes assertivos sobre memória de vida e obra de artistas, lugares, grandes eventos ou de um ritmo musical, apostam na pressuposição de que o factual discreto serve como diretriz para a tonalidade narrativa. Nesta tipologia, as asserções parecem muito aproximadas da intenção de afirmar versões de fatos supostamente ocultos por meio de uma narrativa determinada por histórias de vida.

Helena Meirelles: a dama da viola, Francisco de Paula, 72 min., 2006 (Categoria Storytelling, Faceta Revelação)

Fotogramas do filme Helena Meirelles: a dama da viola. Performances, improvisos e depoimentos configuram a argumentação assertiva.

A proposição do filme visa revelar a história de vida e o talento da violeira Helena Meirelles, desconhecida de grande parte do público brasileiro até os seus 69

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anos, quando foi consagrada pela revista Guitar Player como uma das 100 melhores do mundo. Os dados da argumentação são apresentados por meio de depoimentos da artista, de seus familiares e críticos musicais. Os qualificadores de dados constituem-se da revelação da violeira pela revista Guitar Player e o endosso de sua competência por parte dos críticos e pela observação de suas performances. A garantia se dá por uma narrativa de vida e obra em estrutura linear, que revela a adolescência difícil, os conflitos pessoais e a vida simples da artista. Os apoios constituem-se dos enunciados demonstrados nas opiniões categóricas de Helena Meirelles e na emoção deliberada dos depoimentos dos críticos e familiares. A análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: A tocadora de viola sul-matogrossense Helena Meirelles fez aos 67 anos seu primeiro show em um teatro, aos 69 foi eleita uma das 100 mais importantes violeiras do mundo pela revista Guitar Player e teve uma vida anônima e ousada.

L.A.P.A., Cavi Borges e Emílio Domingos, 74 min., 2008 (Categoria Storytelling, Faceta Revelação)

Fotogramas do filme L.A.P.A. Depoimentos e performances constituem a prioridade da argumentação assertiva.

A proposição do filme visa revelar talentos musicais que se concentram no bairro carioca da Lapa, caracterizados por uma grande diversidade de estilos musicais e artistas que lidam com as dificuldades de divulgação de seu trabalho. Os dados são apresentados em depoimentos de músicos e performances musicais. Os qualificadores de dados são os enunciados dos depoimentos que revelam os inúmeros talentos musicais da região e os conflitos que enfrentam para se dedicar à música. Como garantia são acompanhados o cotidiano pessoal e profissional de vários artistas, demonstrando a sua insatisfação com os esquemas da indústria musical que dá pouca ou nenhuma

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oportunidade a novos talentos. Os apoios constituem-se de opiniões categóricas sobre o mercado musical, o gosto popular e os processos criativos dos artistas. O aspecto de refutação está presente na crítica ao mercado cultural mas destaca-se a feição de incubador de talentos do bairro. A análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: O bairro boêmio da Lapa, no Rio de Janeiro, é o cenário onde se reúnem músicos de vários estilos musicais, que revelam como fazem para se dedicar à arte, seus processos criativos e sua relação com a indústria musical.

O milagre de Santa Luzia, Sérgio Rosenblitz, 104 min., 2009 (Categoria Storytelling, Faceta Revelação)

Fotogramas do filme O milagre de Santa Luzia. Depoimentos e performances constituem a argumentação assertiva.

A proposição do documentário visa apresentar a diversidade dos estilos dos sanfoneiros brasileiros nas diversas regiões do país. Os dados são apresentados por depoimentos e performances que revelam como o instrumento é tocado e as influências que permitem a criação de muitas variações musicais. Como qualificadores de dados estão a presença do músico Dominguinhos que conduz uma viagem aos extremos do país mostrando como os músicos estabelecem suas identidades musicais e as performances variadas destes artistas. A garantia que legitima os qualificadores de dados são os enunciados nos depoimentos de especialistas que revelam as influências musicais de cada região. Os apoios se concentram em enunciados que reforçam a identidade regional dos músicos e na emoção proporcionada pela execução de suas criações. A análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: O músico Dominguinhos mostra as variações musicais dos sanfoneiros adotadas nas diferentes regiões do Brasil.

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Uma noite em 67, Renato Terra e Ricardo Calil, 85 min., 2010 (Categoria Storytelling, Faceta Revelação)

Fotogramas do filme Uma noite em 67. Depoimentos e imagens de arquivo constituem a argumentação assertiva.

A proposição do filme visa revelar os bastidores de um evento que marcou a época de ouro dos Festivais Musicais no Brasil. Os principais dados sobre o evento tematizado no documentário, a final do 3o Festival de Música Popular Brasileira da Tv Record, são apresentados em depoimentos dos músicos, produtores e críticos que participaram do evento e nas imagens de arquivo do Festival e de entrevistas realizadas durante o evento. O principal qualificador de dados é a seleção de depoimentos apenas de testemunhas que estiveram presentes ao evento. A garantia da argumentação constitui-se de uma narrativa linear que mostra a sequência do evento conforme fora exibida pela televisão naquela noite de 21 de outubro de 67. Como apoio estão as declarações sobre fatos dos bastidores até então desconhecidos do grande público e que são revividos pelos músicos e produtores com emoção e por meio de opiniões categóricas. A análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: A memória da final do III Festival de Música Popular Brasileira da Tv Record, em 1967, foi marcada por emoção e situações de bastidores só agora reveladas.

O homem que engarrafava nuvens, Lírio Ferreira, 106 min., 2010 (Categoria Storytelling, Faceta Revelação)

Fotogramas do filme O homem que engarrafava nuvens. Depoimentos, performances e imagens de acervo constituem a argumentação assertiva.

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A proposição do filme é revelar a história de vida pessoal e a obra do compositor Humberto Teixeira, parceiro musical de Luiz Gonzaga, desconhecido por muitos como o autor de vários dos sucessos imortalizados pelo cantor e sanfoneiro. Como dados o filme utiliza-se de depoimentos de familiares, músicos, críticos e imagens de arquivos de performances musicais. O principal qualificador de dados é a presença da voz over de sua filha que conduz a narrativa buscando resgatar a memória do pai na música popular brasileira. A garantia é estabelecida pelo modelo narrativo linear, marcado por conflitos e pontos de virada revelados na vida e obra do artista. Como apoios são utilizados recursos gráficos de animação e a emoção de depoimentos como o da filha do compositor ao revelar os conflitos da convivência como pai. A análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: A memória da vida pessoal e da carreira de Humberto Teixeira, compositor de muitas das músicas imortalizadas por Luiz Gonzaga, foi marcada pelo pouco reconhecimento da autoria de suas canções e conflitos familiares.

As canções, Eduardo Coutinho, 90 min., 2011 (Categoria Storytelling, Faceta Revelação)

Fotogramas do filme As canções. Depoimentos e performances constituem a argumentação assertiva.

A proposição do filme é revelar a relação de pessoas comuns com canções que associam com momentos decisivos de suas vidas. O filme é composto por depoimentos de anônimos e interpretações das canções que os emocionaram. Dados, qualificadores de dados e garantias só são diferenciados pelos conteúdos dos enunciados. A interpretação, a emoção e as opiniões categóricas constituem os apoios da argumentação. A análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: Canções são interpretadas por uma diversidade de pessoas anônimas que as identificam com momentos decisivos de suas vidas.

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Vou rifar meu coração, Ana Rieper, 76 min., 2012 (Categoria Storytelling, Faceta Revelação)

Fotogramas do filme Vou rifar meu coração. Depoimentos e performances constituem a argumentação assertiva.

A proposição do filme é revelar a relação de pessoas com a música brasileira considerada “brega”. Como dados são apresentados depoimentos e imagens de arquivo, como qualificadores de dados se configuram as letras das canções e as declarações dos músicos e compositores. Como garantia está presente a relação popular generalizada com a dramaticidade, exagero e vulgaridade das composições. A ênfase argumentativa é dada pelos apoios, que ressaltam a emoção nas declarações sobre este estilo musical. A análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: Relatos de anônimos revelam suas reações emotivas com a música brasileira considerada “brega”, que associam a momentos decisivos de sua afetividade e erotismo.

O Liberdade, Rafael Andreazza e Cíntia Lainge, 71 minutos, 2012 (Categoria Storytelling, Faceta Revelação)

Fotogramas do filme O Liberdade. Depoimentos, performances e acompanhamento do cotidiano de frequentadores de um bar constituem a argumentação assertiva.

A proposição do filme visa revelar um universo de amantes da música popular que se reúnem no bar O Liberdade, localizado na cidade de Pelotas, RS. Durante o dia o bar é um estabelecimento comum e à noite recebe músicos de MPB e um público

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cativo que o frequenta. Como dados da argumentação são apresentados depoimentos de músicos e frequentadores, imagens do público no bar e performances musicais. O acompanhamento da vida cotidiana dos moradores locais que frequentam o bar opera como qualificador dos dados. A garantia pode ser evidenciada no aspecto arquetípico resgatado das histórias de vida que tornam o próprio bar personagem do filme. Constituem os apoios as declarações categóricas sobre a importância do bar na vida das pessoas e o aspecto de afetividade que envolve seus frequentadores. A análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: Memórias de personagens anônimos e músicos revelam um universo de narrativas cotidianas relacionadas à música popular brasileira tendo o bar gaúcho O Liberdade, como ponto central da vida social e musical local.

4.5 CATEGORIA EXPRESSÃO FOTOGRÁFICA

Os dois documentários desta categoria, Aboio (2007) e A música segundo Tom Jobim (2012) priorizam a fotografia em detrimento da narração ou do excesso de depoimentos e isso caracteriza o sentido de asserções. O cenário e a paisagem constituem o elemento fundamental da identidade assertiva destes filmes. Há uma preferência declarada sobre a expressão fotográfica, onde o espaço da imagem convoca o tempo da reflexão na fruição musical do filme. A imagem-câmera é dada como determinante de temáticas diferentes, mas que convergem para a mesma possibilidade de compreensão: a força das imagens pode conduzir a expressão cinematográfica do documentário, criando espaços sonoros para o espectador produzir afirmações sobre o mundo.

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Aboio, Marília Rocha, 71 min., 2007 (Categoria Expressão fotográfica)

Fotogramas do filme Aboio. Imagens do cotidiano de personagens e poucos depoimentos constituem a argumentação assertiva.

A proposição do filme é apresentar o declínio da cultura do canto dos boiadeiros que apesar de tradicional, vem se dispersando no interesse das novas gerações e parece estar em vias de extinguir-se. A argumentação do filme está especialmente centrada na cinematografia e na sonoridade características dos praticantes do canto do Aboio. Há no filme dados apresentados em depoimentos e o acompanhamento dos boiadeiros em sua rotina opera como evidência de qualificadores de dados. As garantias são aparentes na opção por imagens de paisagens que por vezes se desfiguram, numa referência a um processo de desaparecimento da tradição por meio da expressão fotográfica. Como apoios, as opiniões categóricas e as sequências que priorizam a fotografia contribuem para constituir aspectos emotivos sobre o tema. A análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: A cultura do canto dos boiadeiros se extingue com o fim da atividade no sertão brasileiro deixando referências nostálgicas de uma época.

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A música segundo Tom Jobim, Dora Jobim e Nelson P. dos Santos, 88min., 2012 (Categoria Expressão fotográfica)

Fotogramas do filme A música segundo Tom Jobim. Depoimentos, performances e longas sequências musicais operam como linha condutiva. A argumentação assertiva enfoca a visualidade e a fruição da música em detrimento de explicações factuais.

A proposição do filme visa revisitar a obra do músico e compositor Tom Jobim priorizando o transcorrer da musicalidade do artista com imagens de arquivo em detrimento do uso de depoimentos excessivos e construção narrativa linear ou didática. Como dados são apresentadas imagens de arquivo de performances musicais, da gravação de canções, da parceira com outros músicos e da sua convivência pessoal com amigos e outros músicos. Os qualificadores de dados são as próprias performances, sem a preocupação com a sua datação específica, mas que permite identificar a legitimidade dos dados. A garantia é a própria continuidade fílmica, que seleciona canções e momentos musicais para constituir uma trajetória musical relevante para a música popular brasileira. Os apoios são constituídos também essencialmente de materiais fotográficos, que validam as garantias quando necessário como nos casos de declarações que evocam emoções dos artistas. A análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: A trajetória pessoal e musical de Tom Jobim é resgatada por meio de imagens e performances que evocam a nostalgia da obra do compositor.

4.6 CATEGORIA MATRIZ PROSAICA

Os filmes desta categoria apresentam asserções que tendem a encerrar-se sobre si mesmas, deixando pouco ou nenhum espaço para questionamentos, inferências ideológicas e associações cognitivas extrafilme. A abordagem argumentativa que prevalece nas asserções destes filmes toma o pressuposto de um conhecimento prévio

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sobre o tema abordado e está demasiadamente vinculada a algum tipo de registro factual, o que torna os filmes datados e localizados muito próximos à linha de fronteira entre o registro e o documentário musical. Os filmes são, efetivamente, documentários musicais, mas o fio narrativo flerta com o esvaziamento argumentativo, priorizando a performance factual. As asserções classificadas nesta categoria exploram um aspecto sócio- histórico de um tema geral, como a musicalidade das festas de São João no nordeste brasileiro, caso do filme Viva São João (2002); as origens de um grupo de carnaval de rua do Rio de Janeiro, retratada no filme Banda de Ipanema – Folia de Albino (2003); os ritmos de cada região do país conforme como apresentados em Moro no Brasil (2005) e em especial o chorinho em Brasileirinho (2007) e ainda as carreiras internacionais de Caetano Veloso no filme Coração Vagabundo(2009) e Nelson Freire(2003). Estes seis filmes tomam como referência um evento determinando, como a performance em shows ou encontros populares e complementam suas asserções priorizando aspectos pessoais ou factuais, o que esvaziam a dimensão do conflito, tendendo para a afirmação simples e direta com suporte performático de cunho ilustrativo. Um documentário musical de matriz prosaica tem como principal proposta a alusão a fatos históricos por meio da possibilidade de detecção da atualidade dos temas, sendo o suporte de recursos intrafilme o principal esforço do argumento.

Viva São João, Andrucha Waddington, 90 min., 2002 (Categoria Matriz Prosaica)

Fotogramas do filme Viva São João. Depoimentos, performances e acompanhamento do cotidiano de personagens constituem a argumentação assertiva.

A proposição do filme visa apontar o perfil das festas de São João no nordeste brasileiro, com destaque para sua musicalidade. Como dados estão presentes

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depoimentos e performances musicais. Como qualificadores de dados estão a seleção de grandes músicos como Dominguinhos e a condução narrativa de Gilberto Gil. Como garantia da argumentação são adotadas a referências regionalistas numa variedade de performances que constituem uma narrativa conduzida pelo cancioneiro característico. Como apoios, os principais aspectos da argumentação são as opiniões categóricas sobre o valor cultural da musicalidade destas festas. A análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: A tradição musical do nordeste relacionada às Festas Juninas é um rico patrimônio imaterial revelado na cultura regional brasileira.

Banda de Ipanema: Folia de Albino, Paulo César Saraceni, 86 min., 2003 (Categoria Matriz Prosaica)

A proposição do filme é apresentar o perfil da Banda de Ipanema, um dos principais blocos do carnaval de rua do Rio de Janeiro. Como dados são utilizados depoimentos e acompanhamento do cotidiano de um desfile de foliões. Os dados são qualificados pelos conteúdos dos depoimentos e pela observação da festa na rua. A principal característica da garantia na argumentação é a estruturação de sua narrativa em dois atos. O primeiro consiste em imagens realizadas num evento da diretoria do bloco, onde personalidades dão seu depoimento em um microfone instalado num salão em meio ao público presente, de maneira informal e aleatória. Na segunda parte acompanha-se o desfile do bloco com seus foliões e é mostrada a estrutura para a realização do carnaval de rua. Como principal característica no apoio, a referência à embriaguez é evidente em ambas as partes do filme, dado que muitos depoimentos são dados por pessoas nesta condição. A observação da argumentação do filme indica a seguinte asserção: O filme registra a memória da Banda de Ipanema, Albino Pinheiro, e destaca a cultura dos foliões do carnaval de rua do Rio de Janeiro e os bastidores do evento.

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Nelson Freire, João Salles, 102 min., 2003 (Categoria Matriz Prosaica)

Fotogramas do filme Nelson Freire. Performances e depoimentos são a base da argumentação assertiva.

A proposição do filme visa apresentar o perfil do pianista Nelson Freire, com destaque para a sua consagração internacional. Os qualificadores de dados são as próprias performances e depoimentos em que se revela a importância do artista. Como garantias são adotados enunciados sobre a sua genialidade e como apoios a emoção do artista e seu processo de estudos, bem como declarações sobre suas origens musicais. Não há evidências de refutação. A análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: O pianista brasileiro Nelson Freire tem seu talento reconhecido por grandes maestros no mundo inteiro onde se apresenta como concertista.

Moro no Brasil, Mika Kaurismaki, 104 min., 2005 (Categoria Matriz Prosaica)

Fotogramas do filme Moro no Brasil. Depoimentos e performances constituem a argumentação assertiva.

A proposição do filme é apresentar a diversidade da música no Brasil, marcada por diversas influências regionalistas. Os dados são apresentados por meio de depoimentos de músicos e do próprio diretor que faz sua viagem pessoal pelos estilos musicais do País, o que credencia a narrativa como qualificador de dados. As garantias são dadas pelas performances e expressão fotográfica das regiões onde se manifesta

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cada estilo musical. Como garantia está a proposta narrativa do filme com a presença seletiva do realizador e a colagem de performances entremeada por depoimentos. Apoios são pouco utilizados na argumentação, que intenciona uma abordagem mais descritiva e deixa os aspectos emotivos para a performance musical. A análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: O Brasil possui vários estilos musicais e influências regionais dos músicos são percebidas por meio de suas performances.

Brasileirinho: grandes encontros do choro, Mika Kaurismaki, 90 min., 2007 (Categoria Matriz Prosaica)

Fotogramas do filme Brasileirinho. Depoimentos e performances constituem a argumentação assertiva.

A proposição do filme é mostrar a intensidade das relações de músicos brasileiros com o estilo musical do choro. Os dados constituem-se por depoimentos e performances, mas também são indicados pela presença de um narrador em determinados momentos. Os qualificadores de dados ocorrem pelo reconhecimento de artistas que interpretam as canções, em geral músicos renomados da MPB. Como garantia a estrutura narrativa é credenciada pela presença de um narrador, mas prioritariamente pela performance de músicas do estilo referido. Como apoios são utilizados alguns depoimentos categóricos, mas a prioridade são os efeitos emocionais evocados pelo acompanhamento da execução das canções. A análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: O choro é um ritmo genuinamente brasileiro, com características e história própria e possui músicos e compositores talentosos que mantém esta tradição musical viva.

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Coração vagabundo, Fernando Grostein Andrade, 74 min., 2009 (Categoria Matriz Prosaica)

Fotogramas do filme Coração vagabundo. Depoimentos e performances constituem a argumentação assertiva.

A proposição do filme visa retratar a carreira internacional do músico Caetano Veloso e o reconhecimento de sua obra no exterior por meio do registro de shows realizados em Nova York e em Tóquio. Os principais dados articulam imagens dos shows e dos seus bastidores, bem como a preparação do músico, sua rotina e depoimentos. Como qualificadores de dados são adotados depoimentos de personagens reconhecidos no mainstream cultural como Pedro Almodovar e David Byrne. A garantia pode ser percebida pela despreocupação do documentário em recuperar uma biografa do músico, promovendo uma narrativa leve e descolada de ancoragens essencialmente históricas. Os principais recursos do apoio à argumentação são as performances musicais e as opiniões genéricas. A análise da argumentação do filme indica a seguinte asserção: Caetano Veloso é um músico que possui carreira internacional consolidada, é admirado em vários países e tem uma rotina de shows e bastidores registrada neste filme.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise empreendida nesta tese pretende contribuir para a compreensão do documentário musical brasileiro, face ao grande número de títulos lançados no País, o que demonstra um interesse deliberado por parte dos realizadores. A análise permitiu uma observação das abordagens preferidas para o tema musical no documentário e indica determinadas preferências estilísticas na argumentação nas obras analisadas. O objetivo final foi identificar uma possibilidade de categorização para estes filmes a partir de suas asserções, reveladas após análise de um corpus exaustivo composto por 61 filmes de longa-metragem, com duração superior a 70 minutos e registrados na Ancine. O levantamento inicial mostrou que há um grande número de filmes no subgênero. Para empreender a análise foi necessário o estabelecimento de critérios para uma seleção de filmes que permitisse responder à problematização da pesquisa: como organizar em categorias os documentários musicais brasileiros, de forma a contribuir para a compreensão de uma possível ordem cinematográfica que perpassa os filmes do subgênero, mas que ao mesmo tempo reconhece as especificidades assertivas de cada filme? Como a investigação tem como objetivo analisar documentários musicais brasileiros de longa-metragem, de forma a compreender quais são as suas propostas assertivas, foi adotado um modelo que se aproximasse das competências teóricas do recorte analítico-cognitivo, em detrimento de análises apoiadas em grandes teorias como os estudos culturais, o estruturalismo, o pós-estruturalismo e a fenomenologia. Estudos realizados durante a pesquisa com o apoio de conceituações destas teorias foram empreendidos e alguns foram publicados em periódicos científicos ou anais de congressos durante o curso do doutorado. É o caso do artigo Um estudo da formalidade sonoro-narrativa no documentário musical Titãs – a vida até parece uma festa49, baseado nas proposições metodológicas de decomposição fílmica proposto por Casetti (1991)

49 Artigo apresentado na Mesa Cinema Documentário e MPB, do IV Musicom – Encontro de Pesquisadores em Comunicação e Música Popular, realizado de 15 a 17 de agosto de 2012, na escola de Comunicação e Artes da USP, São Paulo, sob coordenação do crítico e doutor em Multimeios Luciano Vaz Ramos e posteriormente publicado na revista Doc On-line, n. 12, agosto de 2012. Disponível em: http://www.doc.ubi.pt/12/dt_cynthia_schneider.pdf . Acesso em 10.03.2015.

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para compreensão de como este documentário musical opera os códigos sonoros como recursos narrativos, o enredo e a organização dada pela montagem cinematográfica. O estudo Montagem punk rock: por um design do espectador imaginado do documentário musical Botinada50 ocupou-se da análise deste documentário musical a partir do conceito de semiogramática de Odin (2005) para identificar como este filme documentário constitui, por meio das referências à sonoridade punk perceptíveis na montagem, um enunciante pressuposto. A teoria adotada para esta reflexão articulou os conceitos do pesquisador Roger Odin, propostos em sua semiopragmática. A análise deste filme foi dedicada a compreender como ocorrem os processos de ficcionalização, com destaque para o que o autor considera como modo documentarizante, além da função articuladora da montagem. A análise revela que a montagem deste filme contribui sobremaneira para a intenção de assertividade rítmica evocando as características do punk rock e evidenciando o design de um enunciante pressuposto condicionável a um modo de leitura idealizado. Estes estudos iniciais permitiram uma aproximação aos documentários musicais mas revelaram a inviabilidade de adoção de uma grande teoria que pudesse servir a todos os filmes, pois cada um tem suas particularidades e solicitaria um modelo diferente de observação de forma a compreender as propostas formais cinematográficas. Os resultados dos debates promovidos nestes encontros científicos demonstraram que seria necessário outro tipo de abordagem para promover uma análise dos filmes, bem como valorizasse as similaridades entre os filmes, pois já fora possível perceber que as diferenças não determinariam uma análise que desse a ver possibilidades classificatórias nos filmes. O recorte analítico-cognitivista se mostrou ideal porque permitiu a observação de um corpus complexo que tem em sua essência conceitual uma preocupação com a asserção dada pelo filme documentário e que também contribui para a definição do subgênero musical. E no âmbito dos estudos dos autores deste

50 Montagem punk rock: por um design do espectador imaginado do documentário musical Botinada. Apresentação de trabalho publicada nos anais do I Congresso Internacional de Estudos do Rock, realizado de 25 a 27 de setembro de 2013, na Unioeste – Campus Cascavel, Paraná. Resumo publicado nos Anais do evento disponíveis em: http://www.congressodorock.com.br/evento/docs/caderno_resumos.pdf . Acesso em: 10.03.2015.

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pensamento teórico, não foi identificada uma disseminação de estudos analíticos aplicados aos documentários musicais. Ao adotar o conceito de asserção individual de cada filme determinado pela sua argumentação, procurou-se preservar a individualidade dos filmes, ao passo que se tornou possível contribuir para os estudos do cinema documentário promovendo uma categorização que permite a visualização das propostas fílmicas, afastada do lugar comum das grandes teorias. O método buscou observar estruturas intrafilme capazes de promover associações cognitivas não exclusivamente de cunho formal como a observação da montagem, dos espaços diegéticos e não-diegéticos, da produção de sentido semiótico ou de intepretação psicanalítica. Para isto, optou-se pela observação de como os filmes operam sua argumentação a partir da observação de como são usados os recursos de proposição, dados, qualificadores de dados, garantia, apoio e refutação. Este modelo foi adaptado da Teoria da Argumentação de Toulmin (2006) e aplicado individualmente a todos os filmes do corpus da pesquisa. Com este exercício de análise fílmica no documentário, foi possível observar metodologicamente como os documentários do subgênero estabelecem sua asserção a partir da argumentação, entendendo-se que o conceito de asserção é central para o pensamento analítico-cognitivo, conforme está presente na obra de Carroll (2005), que indica o documentário como um cinema de asserção pressuposta. Por meio da análise das propostas assertivas decorrentes de sua argumentação e considerando-se as similaridades e afastamentos entre as asserções identificadas no corpus foi possível identificar que o cinema documentário musical brasileiro se organiza em três categorias: storytelling, expressão fotográfica e de matriz prosaica. Na etapa de observação extrafilme, onde as asserções foram classificadas por associação e diferenciações entre os filmes do subgênero, percebeu-se que os filmes demonstram majoritariamente a preferência pelo ato de contar histórias, estabelecendo narrativas em atos que referenciam as trajetórias pessoais e de carreira de personagens, sejam eles individuais, como músicos, compositores e maestros ou coletivos, como grupos musicais. A categoria Storytelling foi composta por estes filmes, que ao remeter sua argumentação às ancoragens de ascensão e queda de artistas, estabelecem asserções demonstradas por narrativas marcadas por atos temáticos e pontos de virada,

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situação características da organização de roteiros cinematográficos, inclusive nos filmes documentários, conforme apontado por Puccini (2009). A categoria Storytelling constitui-se de 85% dos filmes analisados, o que manifesta uma preferência dos realizadores por filmes que contam histórias, especialmente destacando percursos de ascensão e queda, ou o desconhecimento do público sobre determinados fatos ou carreiras de artistas ou a refutação de situações históricas que teriam sido mal esclarecidas ou a ênfase em conflitos determinantes de novas atitudes dos artistas. Estes aspectos permitiram a classificação dos filmes de Storytelling em três subcategorias, denominadas facetas, que são: Ideologia reativa, Memória de vida e obra e Revelação. Trinta e cinco filmes compõem a maior das facetas, de Memória de vida e obra, exibindo o favoritismo dos realizadores pelo apego aos argumentos que se aproximam de dados históricos e qualificadores de dados, como os depoimentos de familiares, amigos, especialistas e imagens de arquivo. A faceta Memória de vida e obra é a única que possui subcategorias, denominadas classes, que são de fluxo laminar e turbulência. Na classe de fluxo laminar, vinte filmes determinam asserções a partir do paralelismo de dados e qualificadores de dados conforme os quatro eixos expostos por Parent-Altier (2004): a) o enredo; b) a personagem; c) o conflito e d) a estrutura. A argumentação destes filmes não necessariamente determina filmes lineares, mas procura abordar estes aspectos das histórias que narra de forma a demonstrar os pontos em que elas se tangenciam, mas mantendo estas camadas narrativas bem definidas. Na classe turbulência, estes aspectos se entrecruzam frequentemente, descortinando a interdependência, por exemplo, dos fatos da vida pessoal da carreira do artista, retornando a premissas argumentativas regularmente e determinando asserções que destacam a complexidade intercognitiva dos personagens-tema. Além da faceta Memória de vida e obra da categoria Storytelling, as de Ideologia reativa e Revelação compõem-se respectivamente, de onze e oito filmes. Esta última prioriza recursos de argumentação que visam mostrar versões de fatos pouco difundidas pela mídia ou desconhecidas do público a partir de depoimentos e articulações fílmicas implícitas como a sobreposição de dados e referências arquetípicas além de improvisos caracterizados como garantias da argumentação. Em contrapartida, os onze

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filmes da faceta ideologia reativa optam pelo apoio como principal tipologia argumentativa, enfatizando as performances, a repetição de dados, apelos emotivos e a opinião categórica. A segunda categoria, diferentemente da primeira, e que prioriza as imagens-câmera temáticas é a Expressão fotográfica. Dois filmes foram identificados nesta categoria por utilizarem sua argumentação de forma a dar a ver asserções que, apesar de contar histórias, preocupam-se mais com a possibilidade de visualidade e temporalidade para percepção sonora como garantia de suas propostas. A última categoria, De matriz prosaica, constitui-se dos filmes que, em sua argumentação, optam por apresentação de dados para constituir asserções mais descritivas de temas ou eventos pontuais, enfocam a maior parte de argumentação na performance dos artistas e situam-se numa fronteira muito próxima ao registro, utilizando-se basicamente de dados e qualificadores de dados para suas asserções. Notou-se, na análise dos documentários musicais brasileiros, uma tendência à escolha de temas que trazem um conteúdo dramático, com ênfase a aspectos trágicos de carreiras e memórias de vida. Quanto à argumentação, o aspecto da encenação tem um tratamento distinto e é preterido na quase totalidade dos filmes, pois são priorizadas as situações de performances dos artistas, seja por meio de interpretações para a câmera ou pela presença de imagens de arquivos de apresentações e shows51. No corpus da pesquisa, apenas um filme assume o caso de encenação em que um ator interpreta o personagem principal. Isto acontece em Nelson Gonçalves, de Eliseu Ewald, 2001, onde o ator Alexandre Borges interpreta o personagem-título dublando canções do cantor e participando de cenas com diálogos roteirizados, com forte evocação ao docudrama. A encenação está presente também em filmes como Carmem Miranda, de Helena Solberg, 1995, onde algumas cenas com uma atriz que faz o papel da cantora são inseridas de forma a reconstituir o momento de sua morte ou como inserções poéticas, ou quando ela sai de uma vitrine de loja deixando de ser um manequim. No filme Um certo Dorival Caymmi, Aluísio Didier, 2000, as

51 Cabe ressaltar que há filmes documentários musicais que utilizam do recurso da encenação como opção central em sua argumentação, apesar de não fazerem parte do corpus da pesquisa, mas que foram observados na etapa de levantamento dos títulos nacionais. É o caso do filme Isto é Noel Rosa, de Rogério Sganzerla, 43 min. 1990, que não consta na lista da Ancine e é um filme de média-metragem.

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encenações limitam-se às composições de personagens na praia, evocando as letras do compositor que enaltece o tema do mar. Esta observação sobre uma certa negação da encenação leva ao entendimento de que pode existir uma certa convenção no subgênero de que a troca que se pretende estabelecer na fruição do filme considera como público final o nicho de fãs e admiradores dos artistas, que poderiam ter uma preferência por ver o artista em lugar de uma situação onde atores interpretam-no. Poucos documentários musicais mostram categoricamente a presença do realizador, mas os filmes onde isto acontece merecem destaque, pois a argumentação do filme utiliza-as como elemento importante para a sua asserção. É o que acontece em filmes como Paulo Moura, Alma Brasileira, de Eduardo Escorel, 2013, onde o diretor dá seu depoimento ao final da obra indicando as dificuldades de realização do filme devido a impedimento de uso de imagens com direitos autorais reservados. Em Jards Macalé, um morcego na porta principal, de Marco Abujamra e João Pimentel, 2010, esta interferência é realizada pelo próprio artista, ao questionar logo no início do filme o fato de que quem está fazendo um documentário sobre ele pode destruir tudo o que ele construiu. A principal contribuição desta pesquisa está no fato de aplicar ao exercício da análise fílmica de documentários um modelo de estudos que permite identificar as propostas assertivas dos filmes e revelar o que acontece no universo de um subgênero em termos de argumentação e preferências de abordagens temáticas. A observação exaustiva de um corpus de pesquisa extenso possibilitou uma visão ampla das propostas dos documentários musicais brasileiros e pretendeu reunir em categorias possíveis os filmes, mas ao mesmo tempo respeitar determinadas individualidades dadas nos filmes por seus autores. Não se pretende com esta pesquisa que as categorias sejam determinísticas nem que possam ser estendidas a todo documentário musical que foi ou será realizado, pois o universo fílmico se dá a partir de propostas estilísticas e argumentativas particulares, mas este pode ser um ponto de partida para futuros estudos que visem colaborar para a pesquisa sobre os documentários musicais.

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FILMOGRAFIA NACIONAL A música segundo Tom Jobim, Dora Jobim e Nelson P. dos Santos, 88min., 2012 A Odisséia musical de Gilberto Mendes, Carlos de M. R. Mendes, 117min, 2006. A pessoa é para o que nasce, Roberto Berliner, 85 min., 2004 Aboio, Marília Rocha, 71 min., 2007 Alô, Alô Terezinha!, Nelson Hoineff, 95 min., 2009 Argus Montenegro & a instabilidade do tempo forte, Pedro I. Lucas, 75min., 2012 As canções, Eduardo Coutinho, 90 min., 2011 As cantoras do radio, Gil Barone e Marcos Avellar, 85min., 2009 Bahia de todos os sambas, Paulo César saraceni e Leon Hirszman, 102min.,1998. Bananas is my Business, de Helena Solberg, 91 min., 1995. Banda de Ipanema:Folia de Albino, Paulo César Saraceni, 86 min., 2003 Botinada. A origem do punk no Brasil, Gastão Moreira, 110. Min., 2006. Brasileirinho: grandes encontros do choro, Mika Kaurismaki, 90 min., 2007 Café dos maestros, Miguel Kohan, 100 min., 2008 Cartola: música para os olhos, Lírio Ferreira, Hílton Lacerda, 88 min., 2007 Certas palavras com Chico Buarque, Maurício Beru, 113 min., 1980 Coisa mais linda: histórias e casos da Bossa Nova, Paulo Thiago, 131 min., 2005 Contratempo – uma valsa da dor, Malu Mader e Mini Kerti, 98 min., 2009 Coração do samba, Thereza Jassouroum, 72 min., 2012 Dzi Croquetes, Tatiana Issa e Raphael Alvarez, 110 min., 2010 E aí Hendrix?, Pedro Paulo Carneiro e Roberto Lamounier, 110 min., 2011 Elza, Izabel Jaguaribe e Ernesto Baldan, 82 min., 2010 Espia Só, Saturnino Rocha, 85 min., 2012 Fala Tu, Ricardo Coelho, 74 min., 2004 Filhos de João, admirável mundo Novo Baiano, Marcelo Laffitte, 75 min., 2011 Futuro do pretérito: tropicália now!, Ninho Moraes e F. C. Filho, 76min., 2012 Gretchen, filme estrada, Pascoal Smora e Eliane Brum, 90 min., 2010. Guidable. Fernando Rick e Marcelo Appezzato, 120 min., 2008. Helena Meirelles: a dama da viola, Francisco de Paula, 72 min., 2006 Herbert de perto, Roberto Berliner e Pedro Bronz, 197 min., 2009

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Jards Macalé, Marco Abujamra e João Pimentel, 72 minutos, 2010. L.A.P.A., Cavi Borges e Emílio Domingos, 74 min., 2008 Liberdade, Rafael Andreazza e Cíntia Lainge, 71 minutos, 2012 Loki – Arnaldo Baptista, Paulo Henrique Fontenelle, 128 min., 2009 Mamonas para sempre, Cláudio Kahns, 84 min., 2011 Marcelo Yuka no caminho das setas, Daniela Broitman, 95 min., 2012. Mestre Bimba: a capoeira iluminada, Luiz Fernando Goulart, 78 min., 2007 Moro no Brasil, Mika Kaurismaki, 104 min., 2005 Musicagen, Edu Felistoque e Nereu Cerdeira, 75 min., 2008 Nelson Freire, João Salles, 102 min., 2003 Nelson Gonçalves, Eliseu Ewald, 90 min., 2001 Nzinga, Octávio Bezerra, 84 min., 2006 O homem que engarrafava nuvens, Lírio Ferreira, 106 min., 2010 O milagre de Santa Luzia, Sérgio Rosenblitz, 104 min., 2009 O Mistério do Samba, Lula Buarque e Carol Jabour, 88 min., 2008 O samba que mora em mim, Geórgia Guerra-Peixe, 72 min., 2011 Onde a coruja dorme, Marcia Derraik e Simplício Neto, 72 min., 2012 Os doces bárbaros, Tob Azulay, 103 min., 1978 Pan-cinema permanente, Carlos Nader, 83 min., 2008 Patativa do Assaré – ave poesia, Rosemberg Cariri, 84 min., 2009 Paulinho da Viola: meu tempo é hoje, Izabel Jaguaribe, 83 min., 2003 Prova de artista, José Joffily, 84 min., 2011 Raul: o início, o fim e o meio, Walter Carvalho, 115., min., 2012 Rita Cadillac, a Lady do povo; Toni Venturi, 77 min., 2010 Rock Brasília – Era de Ouro, Vladimir Carvalho, 111 min., 2011 Samba Fantástico, Jean Manzon e René Persin, 1955 Samba Riachão, Jorge Alfredo, 86 min., 2004 Simonal. Claudio Manoel, Micael Langer e Calvitto Leal; 84 min., 2009 Titãs – a vida até parece uma festa, Branco Mello e Oscar Alves, 100 min., 2009 Três irmãos de sangue, Ângela Patrícia Reiniger, 90 min., 2007 Tropicália, Marcelo Machado, 87 min. 2012

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Um certo Dorival Caymmi, Aluísio Didier, 70 min., 2000 Um homem de moral, Ricardo Dias, 84 min. 2009 Uma noite em 67, Renato Terra e Ricardo Calil, 85 min., 2010 Velhas guardas, Joatan Berbel, 80 min., 2009 Vinícius e Moraes, Miguel Faria Jr., 121 min., 2005 Viva São João, Andrucha Waddington, 90 min., 2002 Vou rifar meu coração, Ana Rieper, 76 min., 2012

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FILMOGRAFIA INTERNACIONAL

Jazz, Ken Burns, 1.140 min., 2000 Dizzie Gillespie, Les Blank, 22 min., 1965 Christopher Tree, Les Blank, 10 min.,1967 The Blues Accordin’ to Lightnin’ Hopkins, Les Blank, 31 min., 1968 The Sun’s Gonna Shine , Les Blank, 10 min., 1969 Ry Cooder and the Moula Banda Rythm Les Blank, Les Blank, 90 min., 1988 No Direction home: Bob Dylan, Martin Scorsese, 208 min., 2005 Living in a material world: George Harrison, Martin Scorsese, 208 min., 2011 The last Walts, Martin Scorsese, 117 min., 1978 Shine a light, Martin Scorsese, 122 min., 2008 Gimme Shelter, Albert Maysles e David Maysles, 91 min., 1970 Mahaleo, Cesar Paes e Raymond Rajaonarivelo, 2005 Searching for Sugar Man, Malik Bandjelloul, 86 min., 2012 Sound City, Dave Grohl, 108 min., 2013. 74 – The reconstruction of a Struggle, Raed Rafei e Rania Rafei, 95 min., 2013.

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APÊNDICE I – 61 DOCUMENTÁRIOS MUSICAIS DE LONGA-METRAGEM BRASILEIROS QUE COMPÕEM O CORPUS DA PESQUISA

No. ANO FILME DIRETOR DURAÇÃO 1. 1995 Bananas is my Business Helena Solberg 91 min. 2. 2000 Um certo Dorival Caymmi Aluísio Didier 70 min. 3. 2001 Nelson Gonçalves Eliseu Ewald 90 min. 4. 2002 Viva São João Andrucha Waddington 90 min. 5. 2003 Banda de Ipanema: Folia de Paulo César Saraceni 86 min., Albino 6. 2003 Nelson Freire João Salles 102 min. 7. 2003 Paulinho da Viola: meu Izabel Jaguaribe 83 min. tempo é hoje 8. 2004 Fala Tu Ricardo Coelho 74 min. 9. 2004 Samba Riachão Jorge Alfredo 86 min. 10. 2005 Coisa mais linda: histórias e Paulo Thiago 131 min. casos da Bossa Nova 11. 2005 Moro no Brasil Mika Kaurismaki 104 min. 12. 2005 Vinícius de Moraes Miguel Faria Jr. 121 min.

13. 2006 A Odisséia musical de Carlos de Moura 117min. Gilberto Mendes Ribeiro Mendes 14. 2006 Nzinga Octávio Bezerra 84 min. 15. 2006 Helena Meirelles: a dama da Francisco de Paula 72 min. viola 16. 2007 Aboio Marília Rocha 71 min. 17. 2007 Fabricando Tom Zé Décio Matos Jr. 90 min. 18. 2007 Brasileirinho: grandes Mika Kaurismaki 90 min. encontros do choro 19. 2007 Cartola: música para os Lírio Ferreira, Hílton 88 min. olhos Lacerda 20. 2008 L.A.P.A Cavi Borges e Emílio 74 min. Domingos 21. 2008 Musicagem Edu Felistoque e 75 min. Nereu Cerdeira 22. 2008 O Mistério do Samba Lula Buarque e Carol 88 min. Jabour

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23. 2008 Pan-cinema permanente Carlos Nader 83 min. 24. 2009 Palavra (En) cantada Helena Solberg 84 min. 25. 2009 As cantoras do rádio Gil Barone e Marcos 85min. Avellar 26. 2009 Contratempo – uma valsa Malu Mader e Mini 98 min. da dor Kerti 27. 2009 Coração Vagabundo Fernando Grostein 74 min. Andrade 28. 2009 Herbert de perto Roberto Berliner e 197 min. Pedro Bronz 29. 2009 Loki – Arnaldo Baptista Paulo Henrique 128 min. Fontenelle 30. 2009 O milagre de Santa Luzia Sérgio Rosenblitz 104 min. 31. 2009 Simonal – ninguém sabe o Claudio Manoel, 84 min. duro que dei Micael Langer e Calvitto Leal 32. 2009 Titãs – a vida até parece Branco Mello e Oscar 100 min. uma festa Alves 33. 2009 Um homem de moral Ricardo Dias 84 min. 34. 2009 Velhas guardas Joatan Berbel 80 min. 35. 2010 Uma noite em 67 Renato Terra e 85 min. Ricardo Calil 36. 2010 Dzi Croquetes Tatiana Issa e 110 min. Raphael Alvarez 37. 2010 Rita Cadillac, a Lady do Toni Venturi 77 min. povo 38. 2010 O homem que engarrafava Lírio Ferreira 106 min. nuvens 39. 2010 Elza Izabel Jaguaribe e 82 min. Ernesto Baldan 40. 2010 Jards Macalé – Um Marco Abujamra e 72 min. morcego na porta principal João Pimentel 41. 2011 As canções Eduardo Coutinho 90 min. 42. 2011 Rock Brasília – Era de Ouro Vladimir Carvalho 111 min. 43. 2011 Prova de artista José Joffily 84 min. 44. 2011 Mamonas para sempre Cláudio Kahns 84 min. 45. 2011 Filhos de João, admirável Marcelo Laffitte 75 min. mundo Novo Baiano

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46. 2012 A música segundo Tom Dora Jobim e Nelson 88min. Jobim Pereira dos Santos 47. 2012 Argus Montenegro & a Pedro I. Lucas 75min., instabilidade do tempo forte, 48. 2012 Coração do samba Thereza Jassouroum 72 min. 49. 2012 Raul: o início, o fim e o Walter Carvalho 115 min. meio 50. 2012 Vou rifar meu coração Ana Rieper 76 min. 51. 2012 Onde a coruja dorme Marcia Derraik e 72 min. Simplício Neto 52. 2012 Tropicália Marcelo Machado 87 min. 53. 2012 Marcelo Yuka no caminho Daniela Broitman 95 min. das setas 54. 2012 Futuro do pretérito: Ninho Moraes e 76min. tropicália now! Francisco César Filho 55. 2012 O Liberdade Rafael Andreazza e 71 min. Cíntia Lainge 56. 2013 Jorge Mautner Sérgio Heitor 86 min. D´Alincourt Ribeiro e Pedro Bial 57. 2013 Paulo Moura Eduardo Escorel 86 min. 58. 2013 Meu amigo Cláudia Dácio Pinheiro de 80 min. Andrade 59. 2013 Mais uma canção René Goya Filho e 96 min. Alexandre Derlam 60. 2014 Dominguinhos Joaquim Castro, 84 min. Eduardo Nazarian e Mariana Aydar 61. 2014 Olho Nu Joel Pizzini 104 min. Lista elaborada pela autora a partir dos critérios metodológicos da pesquisa: registro na Ancine, duração superior a 70 minutos e asserção musical.

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APÊNDICE II – 61 DOCUMENTÁRIOS MUSICAIS DE LONGA-METRAGEM BRASILEIROS CATEGORIZADOS

DOCUMENTÁRIOS, CATEGORIAS, FACETAS E CLASSES 1. Categoria Storytelling 1.1 Faceta Ideologia Reativa Bananas is my Business, de Helena Solberg, 91 min., 1995 Coisa mais linda: histórias e casos da Bossa Nova, Paulo Thiago, 131 min., 2005 Nzinga, Octávio Bezerra, 84 min., 2006 Musicagen, Edu Felistoque e Nereu Cerdeira, 75 min., 2008 Simonal. Ninguém sabe o duro que dei. Claudio Manoel, Micael Langer e Calvitto Leal; 84 min., 2009 Coração do samba, Thereza Jassouroum, 72 min., 2012 Onde a coruja dorme, Marcia Derraik e Simplício Neto, 72 min., 2012 Marcelo Yuka no caminho das setas, Daniela Broitman, 95 min., 2012 Meu amigo Cláudia, Dácio Pinheiro de Andrade, 80 min. 2013 Mais uma canção, Rene Goya Filho e Alexandre Derlam, 96 min., 2013 Paulo Moura – Alma Brasileira, Eduardo Escorel, 86 min., 2013

1.2 Faceta Memória de vida e obra 1.2.1 Classe Fluxo Laminar Um certo Dorival Caymmi, Aluísio Didier, 70 min., 2000 Nelson Gonçalves, Eliseu Ewald, 90 min., 2001 Paulinho da Viola: meu tempo é hoje, Izabel Jaguaribe, 83 min., 2003 Fala Tu, Ricardo Coelho, 74 min., 2004 A pessoa é para o que nasce, Roberto Berliner, 85 min., 2004 Cartola: música para os olhos, Lírio Ferreira, Hílton Lacerda, 88 min., 2007 O Mistério do Samba, Lula Buarque e Carol Jabour, 88 min., 2008 As cantoras do rádio, Gil Barone e Marcos Avellar, 85min., 2009

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Contratempo – uma valsa da dor, Malu Mader e Mini Kerti, 98 min., 2009 Herbert de perto, Roberto Berliner e Pedro Bronz, 197 min., 2009 Titãs – a vida até parece uma festa, Branco Mello e Oscar Alves, 100 min., 2009 Um homem de moral, Ricardo Dias, 84 min. 2009 Velhas guardas, Joatan Berbel, 80 min., 2009 Rita Cadillac, a Lady do povo; Toni Venturi, 77 min., 2010 Rock Brasília – Era de Ouro, Vladimir Carvalho, 111 min., 2011 Prova de artista, José Joffily, 84 min., 2011 Mamonas para sempre, Cláudio Kahns, 84 min., 2011 Filhos de João, admirável mundo Novo Baiano, 75 min., 2011 Jorge Mautner – Filho do Holocausto, Sérgio Heitor D´Alincourt Ribeiro e Pedro Bial, 86 min. 2013 Dominguinhos, Joaquim Castro, Eduardo Nazarian e Mariana Aydar. 84 min. 2014

1.2.2 Classe turbulência (sublevação) Samba Riachão, Jorge Alfredo, 86 min., 2004 Vinícius de Moraes, Miguel Faria Jr., 121 min., 2005 A Odisséia musical de Gilberto Mendes, Carlos de M. R. Mendes, 117min, 2006 Fabricando Tom Zé, Décio Matos Jr. 90 min. 2007 Pan-cinema permanente, Carlos Nader, 83 min., 2008 Palavra (En) cantada, Helena Solberg, 84 min Loki – Arnaldo Baptista, Paulo Henrique Fontenelle, 128 min., 2009 Dzi Croquetes, Tatiana Issa e Raphael Alvarez, 110 min., 2010 Elza, Izabel Jaguaribe e Ernesto Baldan, 82 min., 2010 Jards Macalé, Marco Abujamra e João Pimentel, 72 minutos, 2010 Argus Montenegro e a Instabilidade do tempo forte. Pedro Lucas, 75 min., 2012

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Raul: o início, o fim e o meio, Walter Carvalho, 115., min., 2012 Tropicália, Marcelo Machado, 87 min. 2012 Futuro do pretérito: tropicália now!, Ninho Moraes e F. C. Filho, 76min., 2012 Olho Nu, Joel Pizzini, 104 min., 2014

1.3 Faceta revelação Helena Meirelles: a dama da viola, Francisco de Paula, 72 min., 2006 L.A.P.A., Cavi Borges e Emílio Domingos, 74 min., 2008 O milagre de Santa Luzia, Sérgio Rosenblitz, 104 min., 2009 Uma noite em 67, Renato Terra e Ricardo Calil, 85 min., 2010 O homem que engarrafava nuvens, Lírio Ferreira, 106 min., 2010 As canções, Eduardo Coutinho, 90 min., 2011 Vou rifar meu coração, Ana Rieper, 76 min., 2012 O Liberdade, Rafael Andreazza e Cíntia Lainge, 71 minutos, 2012

1.3 Categoria Expressão Fotográfica Aboio, Marília Rocha, 71 min., 2007 A música segundo Tom Jobim, Dora Jobim e Nelson P. dos Santos, 88min.,2012

1.4 Categoria matriz prosaica Viva São João, Andrucha Waddington, 90 min., 2002 Banda de Ipanema: Folia de Albino, Paulo Cesar Sarraceni, 86 min., 2003 Nelson Freire, João Salles, 102 min., 2003 Moro no Brasil, Mika Kaurismaki, 104 min., 2005 Brasileirinho: grandes encontros do choro, Mika Kaurismaki, 90 min., 2007 Coração vagabundo, Fernando Grostein Andrade, 74 min., 2009

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