Filogenia morfológica de Bromelia L. (, )

Raquel Fernandes Monteiro, André Mantovani & Rafaela Campostrini Forzza

Palavras-chave: cladística, monocotiledôneas, anatomia, América Latina, sistemática.

Introdução depositados nos herbários nacionais e Bromelia inclui 56 espécies (Luther internacionais e de matérias coletados durante 2006) que se distribuem da região central do a realização do presente trabalho. Nos estudos México até a Bacia do Prata, na Argentina. da anatomia foliar de Bromelia, foram Dois centros de diversidade podem ser utilizadas amostras conservadas em etanol 70° reconhecidos para o gênero, o primeiro na GL, além de materiais herborizados. Os cortes América Central, estendendo-se aos Andes; e transversais foram realizados à mão livre no o segundo no Escudo Brasileiro, terço mediano da lâmina foliar e tratadas principalmente no Domínio do Cerrado segundo Kraus & Arduin (1997). Uma matriz (Smith & Downs 1979, Benzing 2000). com 120 caracteres foi elaborada com o Segundo Mez (1891) as espécies do auxílio do programa Mesquite 2.5. Análises gênero encontram-se agrupadas nos cladísticas foram realizadas através do critério subgêneros Distiacanthus, Bromelia e da máxima parcimônia, conduzindo uma Karatas. No primeiro, estão incluídas duas busca heurística com 1000 replicações espécies cujas folhas são pecioladas. No mantendo 10 árvores por replicação, por meio segundo, as espécies que possuem do algoritmo branch swapping com o método inflorescências paniculadas, que supera em tree bisection-reconnection, a partir do tamanho a roseta foliar devido à presença de método de otimização dos caracteres um escapo muito desenvolvido e no terceiro accelerated transformation optimization, são posicionadas as espécies com desordenados e sem peso, e retenção de inflorescências subsésseis e completamente múltiplas árvores mais parcimoniosas, imersas na roseta foliar. utilizando o programa PAUP* 4b10. O Nas filogenias realizadas para a família enraizamento foi realizado a partir do método Bromelia emerge como monofilética e sempre do grupo externo. Os valores de suporte dos na base de Bromelioideae (Schulte et al. ramos foram avaliados através da replicação 2005, Terry et al. 1997, Givinish et al. 2007). bootstrap de busca heurística com 100 Apesar de seu consolidado posicionamento replicações. Os cladogramas foram nas análises, apenas um dos trabalhos inclui vizualizados no programa Mesquite 2.5. dados morfológicos (Hornung-Leoni & Sosa Resultados e Discussão 2008) e nenhuma inclui mais que duas A análise cladística gerou duas árvores espécies do gênero (Schulte et al. 2005). igualmente parcimoniosas com 796 passos, Diante do exposto, o presente estudo índice de consistência (IC) 0,274; índice de teve como objetivo realizar uma análise retenção (IR) 0,440; e índice de consistência filogenética de Bromelia buscando verificar o rescalonado (CR) 0,121. Dos 120 caracteres monofiletismo do gênero, bem como dos seus utilizados 108 são informativos. subgêneros, além de elucidar as relações O baixo índice de consistência obtido interespecíficas no gênero. reflete o grande número de caracteres Material e Métodos homoplásticos, tal fato é recorrente em todas Foram incluídos na análise 38 terminais, as filogenias de Bromeliaceae baseadas em sendo 25 espécies de Bromelia; 11 de outros caracteres morfológicos (Forzza 2001, Faria gêneros de Bromelioideae e Encholirium et al. 2004, Sousa et al. 2007, Hornung-Leoni spectabile e Puya nana para o enraizamento & Sosa 2008). Contudo, filogenias da árvore. Os caracteres da morfologia morfológicas ainda são extremamente externa foram retirados a partir de espécimes importantes na família já que caracteres

Jardim Botânico do Rio de Janeiro Bolsa Capes concedida à primeira autora, e CNPq à primeira e à terceira autoras. moleculares são pouco informativos no nível congesta (B. balansae, B. reversacantha, B. de espécie (Faria 2006) e mesmo em níveis interior, B. serra, B. goyazensis, B. horstii). hierárquicos superiores (Terry et al.1997). No ápice do clado A emergem dois clados Os baixos valores de sustentação dos menores com espécies que possuem a clados em Bromeliaceae também se repetem inflorescência completamente inserida na em todas as análises publicadas, tanto roseta foliar. No primeiro, B. mínima, B. morfológicas quanto moleculares (Faria 2006, macedoi e B. lindevaldae, espécies de Faria et al. 2004, Horres et al. 2007, Schulte pequenas dimensões e de ocorrência quase et al. 2005, Hornung-Leoni & Sosa 2008). que simpátrica em Goiás, emergem como um Apenas quatro clados na árvore de consenso grupo, mesmo sem a utilização de dados possuem sustentação maior que 50% de métricos. No segundo clado, B. lagopus, B. bootstrap (Fig. 1) A posição basal de villosa, B. grandiflora e B. karatas, surgem Bromelia e Fernseea, e de grupo irmão das unidas, confirmando sua proximidade demais Bromelioideae, obtidos em estudos anteriormente sugerida por Leme & Siqueira filogenéticos baseados em caracteres Filho (2006). moleculares são corroboradas na presente Bromelia arenaria, B. binotii e B. análise. antiacantha, espécies de inflorescência laxa Bromelia com a atual circunscrição é que habitam principalmente regiões costeira parafilético devido ao posicionamento de da floresta atlântica, surgem juntas em um Fernseea itatiaiae dentro do gênero. Três clado. Logo acima, emerge B. pinguin, que sinapomorfias suportam o clado Bromelia + intercala seu habitat entre regiões costeiras e Fernseea: indumento flocoso na face abaxial desérticas. Vale destacar também que no da bainha foliar, ovário oblongo e hipoderme clado A, estão agrupadas as espécies de mecânica na face abaxial com quatro camadas ocorrência no cerrado, principal centro de de células. diversidade do gênero. O clado B inclui Distiacanthus emerge como espécies restritas à ambientes florestais, B. monofilético (Fig. 1) sendo sustentado por morreniana, B. scarlatina e B. tubulosa da três sinapomorfias: presença de pecíolo, floresta amazônica, e, B. aff. tubulosa e B. bráctea floral diminuta e células do auriculata da floresta atlântica (Fig. 1). parênquima braciforme com braços curtos. Referências Bibliográficas Porém, as duas espécies deste subgênero BENZING, D.H. 2000. Bromeliaceae: emergem aninhadas dentro de um clado maior profile of an adaptive radiation. Cambrigde que também abriga três espécies de folhas não University Press, 590p. pecioladas, B. aff. tubulosa, B. tubulosa e B. FARIA, A.P.G.; WENDT, T. & auriculata, pertencentes ao subgênero BROWN, G. 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Filogenia da Na base deste clado encontram-se espécies de tribo Puyeae Wittm. e revisão taxonômica do inflorescência ampla e laxa (e.g. B. arenaria, gênero Encholirium Mart. ex Schult. & B. binotii, B. antiacantha e B. pinguin). Nas Schult. f. (Pitcairnioideae – Bromeliaceae). ramificações subseqüentes, as espécies ainda Tese de Doutorado. Universidade de São possuem inflorescência ampla, com Paulo, São Paulo, 208p. pedúnculo emergindo a roseta, no entanto, GIVNISH, T.J.; MILLAM, K. C.; suas flores passam a ter uma disposição BARRY, P. E. & SYTSAM, K. J. 2007. Phylogeny, adaptive radiation and historical MEZ, C. 1891. Bromeliaceae. In: biogeography of Bromeliaceae inferred from Martius, C. F. P. von; Eichler, A.W. & Urban, ndhF sequence data. In: Columbus, J.T.; Friar, I. (Eds.), Flora brasiliensis, vol. 3, part. 3. E.A.; Porter, J.M.; Prince, L.M. & Simpson, München, Wien, Leipzig, pp. 173-634. M.G. (Eds.) Monocots: Comparative Biology O’BRIEN, T.P. & McCULLY, M.E. and Evolution-. 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Figura 1. Consenso estrito de duas árvores igualmente parcimoniosas com 796 passos. Números nos ramos mostram o valor do “bootstrap”. CI= 0,274; RI= 0,440, RC= 0,121.