ROBIN WILLIAMS

A BIOGRAFIA Universo dos Livros Editora Ltda. Rua do Bosque, 1589 • 6º andar • Bloco 2 • Conj. 603/606 Barra Funda • CEP 01136-001 • São Paulo • SP Telefone/Fax: (11) 3392-3336 www.universodoslivros.com.br e-mail: [email protected] Siga-nos no Twitter: @univdoslivros EMILY HERBERT

ROBIN WILLIAMS A BIOGRAFIA Robin Williams: When the Laughter Stops Text copyright © 2014 by Emily Herbert

Copyright © 2014 by Universo dos Livros Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros.

Diretor editorial: Luis Matos Editora-chefe: Marcia Batista Assistentes editoriais: Aline Graça e Rodolfo Santana Tradução: Mauricio Tamboni Preparação: Pedro Monfort Revisão: Guilherme Summa Arte e capa: Francine C. Silva e Valdinei Gomes Imagem de capa: Armando Gallo/Corbis/Latinstock

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Angélica Ilacqua CRB-8/7057 H46r Herbert, Emily Robin Williams: a biografia / Emily Herbert; tradução de Maurício Tamboni. – São Paulo: Universo dos Livros, 2014. 240 p.: color.

ISBN: 978-85-7930-758-4 Título original: Robin Williams: When The Laughter Stops – 1951-2014

1. Atores – Estados Unidos - Biografia 2. Comediantes – Estados Unidos – Biografia 3. Williams, Robin, 1951-2014 I. Título II. Tamborini, Maurício

14-0807 CDD 791.43092 “Carpe diem. Aproveitem o dia, rapazes. Façam as suas vidas serem extraordinárias.” John Keating (Robin Williams), Sociedade dos Poetas Mortos (1989) SUMÁRIO

HOMENAGENS

Capítulo um UM HOMEM MUITO ADORADO

Capítulo dois AH, QUE GAROTINHO SOLITÁRIO

Capítulo três ROBIN E A JUILLIARD

Capítulo quatro SENSAÇÃO DOS ANOS 1970

Capítulo cinco NANU NANU

Capítulo seis O MUNDO SEGUNDO ROBIN

Capítulo sete TEMPOS DE DIFICULDADES

Capítulo oito NO APOGEU

Capítulo nove TRIUNFO E TRAGÉDIA

Capítulo dez PICASSOS E PRÍNCIPES

Capítulo onze GAME BOY

Capítulo doze DECLÍNIO E QUEDA

Capítulo treze UM RECOMEÇO?

Capítulo quatorze AS SOMBRAS CAEM

Capítulo quinze EPÍLOGO: UM GÊNIO DA COMÉDIA HOMENAGENS

Abaixo está uma seleção de homenagens feitas após o falecimento de Robin Williams:

“Estou em choque!” Bill Cosby @BillCosby

“Extremamente arrasada com a morte trágica de um dos meus ídolos. Descanse em paz, Robin Williams.” Melissa Joan Hart @MelissaJoanHart

“O sr. Williams me visitou no primeiro dia das filmagens de Operação Cupido. Jamais me esquecerei de como foi gentil. Uma perda enorme. Meus sentimentos.” Lindsay Lohan @lindsaylohan

“Descanse em paz, @robinwilliams. Você foi um dos melhores que já existiu. Foi um dos meus heróis. #RobinWilliams” Joel McHale @joelmchale

“Oh capitão! Meu capitão! Erga-se e ouça os sinos. Levante-se, por você a bandeira dança, por você tocam os clarins.” Anna Kendrick @AnnaKendrick47

“Descanse em paz, querido… você fez um mundo rir durante décadas… agora descanse um pouco xxxooo” Kirstie Alley @kirstiealley

“Nossa perda. Ganho de Orson. #RIPRobinWilliams” Jane Lynch @janemarielynch

“Estou devastada. O querido e doce amigo Robin Williams se foi. Nossas preces por paz a todos os amigos e familiares, a seus belos filhos.” Rita Wilson @RitaWilson

“Robin Williams foi meu herói enquanto eu crescia. Você sabe que alguém é especial quando todo mundo o considera parte da família.” Chris Colfer @chriscolfer

“Meu pai me levou para assistir a uma sessão de improvisos de Robin Williams. Nunca vi algo daquele calibre, ele era um espírito único. Jamais o esqueceremos.” Jeremy Piven @jeremypiven

“Deus, não. O primeiro autógrafo que ganhei: Querido dinheiro, mande a mamãe. Robin Williams.” John Stamos @JohnStamos

“Estou abalada e entristecida com a morte de Robin Williams. Tive o enorme prazer de trabalhar com ele em Surpresa em Dobro. #RobinWilliams” Lori Loughlin @LoriLoughlin

“Meu nome vem de uma personagem de um programa de TV com Robin Williams, de quando meus pais ainda viviam na África. Ele significava tanto para tantos e tão longe.” Mindy Kaling @mindykaling

“Acabo de fazer um minuto de silêncio por Robin Williams no set de filmagem. Um homem que trouxe tanto riso, tanta alegria e cura a tantas pessoas.” Lena Dunham @lenadunham

“Conheci esse homem doce, generoso e brilhante, Robin Williams, em 1991. Aqui estamos com o ídolo DELE, Jonathan Winters. #RIP” Kathy Griffin @kathygriffin

“Obrigada pelos anos de boas risadas. Descanse em paz, Robin Williams.” Queen Latifah @IAMQUEENLATIFAH “Sei que ele e seu amigo Jonathan Winters estão fazendo os anjos gargalharem.” Meredith Vieira @meredithvieira

“Ainda não acredito na notícia sobre Robin Williams. Ele fez tanto por tantas pessoas. Estou devastada.” Ellen DeGeneres @TheEllenShow

“Adeus ao meu herói de infância e ao meu Gênio. O mundo não será o mesmo sem ele.” Scott Weinger @ScottWeinger

“Meu Deus! Estou tão arrasada! Que perda para o mundo. #riprobinwilliams” Debbie Allen @msdebbieallen

“Me sinto honrada por ter trabalhado com esse homem brilhante e iluminado. Amor e preces à família e aos amigos. #RIPRobinWilliams.” Mandy Moore @TheMandyMoore

“A primeira coisa que eu quis ser quando crescesse foi o personagem Popeye, de Robin Williams. #RIPRobinWilliams. Que contribuição incrível Robin Williams fez ao mundo, a ponto de milhões de pessoas (e eu) agora sentirem uma perda humana real e profunda. Tão triste.” John Mayer @JohnMayer

“Ah, Robin… Nossos corações estão partidos. Descanse em paz, querido. Nós o amamos.” Goldie Hawn @goldiehawn

“Sentimos luto pela perda de nosso amigo Robin Williams, que sempre nos fez rir e sorrir.” @sesamestreet

“Ah, Robin. Ele era um homem doce, ADORÁVEL. Estava sempre em alta voltagem, a mente sempre funcionando, ele era assim. Eu entendo… Muitas vezes, quem vive tão alto tem um lado mais baixo. Tão triste.” Cher @cher

“Robin Williams mudou minha vida. Ele foi um grande ator e uma pessoa generosa. Por meio de uma bolsa de estudo, tornou possível que eu me formasse na faculdade. Seu espírito generoso vai me inspirar a ajudar outras pessoas como ele me ajudou. Sentiremos sua falta para sempre.” Jessica Chastain @jes_chastain CAPÍTULO UM

UM HOMEM MUITO ADORADO

“O que eu posso fazer é assistir a Uma Babá Quase Perfeita. Ou Sociedade dos Poetas Mortos, ou Gênio Indomável. E posso ser bom com as pessoas. Manter-me atento, hoje, a quão frágil todos nós somos, a quão delicados somos, mesmo quando o zumbido da loucura divina parece infinito.”

RUSSELL BRAND, “ROBIN WILLIAMS DIVINE MADNESS WILL NO LONGER DISRURUPT THE SADNESS OF THE WORLD”, THE GUARDIAN, AGOSTO DE 2014

Em 11 de agosto de 2014, o mundo se viu em profundo choque. Robin Williams, o ator vencedor do Oscar, comediante e gênio da comédia foi encontrado morto em sua casa em Tiburon, nos arredores de San Francisco. Ele tinha apenas 63 anos de idade. O que tinha acontecido? Um ataque cardíaco? Um derrame? Recentemente, ele não vinha sendo visto em público com frequência, mas ninguém fora de seu círculo imediato estava ciente de que existia algo errado. Todavia, logo ficou claro que as coisas estavam muito erradas. Parecia que o talentoso, porém atormentado, comediante tinha tirado a própria vida. O Departamento de Polícia do Condado de Marin fez uma declaração: “Suspeita-se que a morte tenha sido suicídio causado por asfixia”. Em outras palavras, Williams havia se enforcado. O mundo estava horrorizado: Robin Williams não era apenas um ator popular, mas também uma pessoa muito amada. Gerações tinham crescido assistindo a seus filmes; em sua vida pessoal, era reconhecido também por ser gentil e generoso. Sim, eram bem documentadas suas batalhas contra as drogas e o alcoolismo no passado, mas, apesar de um recente período na reabilitação, acreditava-se que ele estivesse livre de seus demônios. Agora, entretanto, parecia que esse não era o caso. Mais detalhes começaram a surgir. O Departamento de Polícia do Condado de Marin tinha mais informações. Eles haviam recebido uma chamada às 11h55 da manhã, horário do Pacífico, relatando que um homem estaria “em sua casa, inconsciente e sem respiração”. Robin Williams foi declarado morto às 12h02. A declaração dizia o seguinte:

Em 11 de agosto de 2014, por volta de 11h55 da manhã, o centro de comunicações do Departamento de Polícia do Condado de Marin recebeu um telefonema relatando que um homem adulto havia sido encontrado inconsciente e sem respiração dentro de sua residência em Tiburon, Califórnia. O Departamento de Polícia, assim como o Departamento de Bombeiros de Tiburon e do Sul de Marin, foi enviado ao local do incidente com uma equipe de emergência, chegando lá às 12 horas. O homem, considerado morto às 12h02, foi identificado como Robin McLaurin Williams, um residente de 63 anos de Tiburon, Califórnia. Uma investigação da causa, modo e circunstâncias da morte está em andamento, sendo realizada pelas Divisões de Investigação e Legista do Departamento de Polícia. As informações preliminares, reunidas durante a investigação, apontam que o sr. Williams foi visto vivo pela última vez em sua residência, onde vivia com a esposa, por volta das 22 horas de 10 de agosto de 2014. O sr. Williams foi localizado esta manhã, pouco antes de a ligação de emergência ser feita ao Departamento de Polícia. A essa altura, a Divisão Legista suspeita que a morte tenha sido suicídio por asfixia, mas uma investigação abrangente precisa ser finalizada antes de se chegar a uma conclusão final. Um exame forense foi agendado para 12 de agosto de 2014, com um exame toxicológico subsequente.

O mundo estava abalado, mas sua dor era muito pequena comparada à daqueles que viviam mais próximos de Williams. “Esta manhã, perdi meu marido e melhor amigo enquanto o mundo perdia um de seus mais amados artistas e belos seres humanos”, declarou sua esposa, Susan Schneider. “Estou extremamente triste. Em nome da família de Robin, pedimos privacidade durante esse momento de profundo sofrimento. Com relação às lembranças, esperamos que o foco permaneça não na morte, mas nos incontáveis momentos de alegria e riso que Robin provocou em milhões.” E logo ficou claro que Robin não estava bem de saúde. “[Ele] vinha lutando contra uma depressão profunda”, declarou sua assessora, Mara Buxbaum. “Foi uma perda trágica e repentina. A família respeitosamente pede privacidade durante esse momento tão difícil”. Parecia que sua temporada na reabilitação havia causado problemas maiores do que qualquer um pudesse ter se dado conta na ocasião. Zelda, a filha de 25 anos de Robin, fez uma homenagem extremamente tocante: “Meu pai era e sempre será uma das mais gentis, mais generosas e melhores almas que conheci. E, embora existam poucas coisas das quais eu tenha certeza agora, uma delas é que não apenas o meu mundo, mas todo o mundo encontra-se um pouco mais escuro agora, menos colorido e menos tomado pelo riso por conta da ausência dele. Teremos de trabalhar em dobro para preencher esse espaço novamente”. Seus dois filhos fizeram homenagens parecidas. Zack, o mais velho, expressou: “Ontem, perdi meu pai e melhor amigo, e todo o mundo se tornou um pouco mais cinza. Levarei seu coração comigo todos os dias. Eu pediria àqueles que o adoravam para manterem sua memória sendo gentis, bondosos e generosos como ele era. Busquem trazer alegria ao mundo, assim como ele buscou”. Cody, de 23 anos, acrescentou: “Não existem palavras suficientemente fortes para descrever o amor e o respeito que tenho por meu pai. Sem ele, o mundo nunca mais será o mesmo. Sentirei sua falta e o levarei comigo aonde eu for pelo resto da vida, e esperarei ansioso, para sempre, o momento quando poderei vê-lo novamente”. O também comediante David Steinberg havia sido empresário do ator por 35 anos. “Ninguém fazia o mundo rir como Robin Williams”, ele declarou. “Meu irmão, meu amigo, minha alma gêmea, sentirei saudades.” E as homenagens rapidamente começaram a aparecer: “Robin Williams foi aviador, médico, gênio, babá, presidente, professor, um Peter Pan “bangarang”* e tudo que há no meio disso”, declarou o Presidente Barack Obama. “E foi único. Chegou às nossas vidas como um estranho, mas acabou tocando todos os elementos do espírito humano. Ele nos fez rir e chorar. Ofereceu generosamente seu imensurável talento àqueles que mais precisavam – de nossas tropas no exterior aos marginalizados em nossas ruas. A família Obama presta condolências à família, aos amigos e a todos que encontraram sua voz e sua poesia graças a Robin Williams.” *Grito de guerra dos Garotos Perdidos no filme Hook – A Volta do Capiptão Gancho, no qual Robin Williams interpreta Peter Pan. (N.E.) O Secretário de Estado americano John Kerry falou do “entusiasmo extraordinário” de Williams. “Robin não era apenas um enorme gênio criativo, mas um cidadão amoroso, envolvido”, prosseguiu. “Sempre serei grato por sua amizade pessoal e por seu apoio às causas com as quais nós dois nos preocupávamos profundamente.” “Robin Williams foi um gênio da comédia e, embora somente o conhecêssemos pessoalmente por motivos específicos, ele era carinhoso, divertido e um verdadeiro profissional”, declarou a companhia produtora da série The Crazy Ones, 20th Century Fox Television, com a qual Robin recentemente havia trabalhado. “Seu elenco e equipe o amavam e amavam trabalhar com ele. Nossos corações estão com sua família e com seus amigos. Ele era único.” David E. Kelley, o homem por trás do programa, declarou: “O talento era lendário. Mas igualmente inspirador, talvez até ainda mais, era sua bondade e humanidade. Uma alma gentil que tocou a todos nós. Um homem muito especial; nossos corações estão partidos”. Sarah Michelle Gellar foi sua colega de trabalho. “Minha vida é melhor porque conheci Robin Williams”, ela contou à revista People. “Para meus filhos, ele era o Tio Robin; para todos com quem trabalhou, era o melhor chefe que qualquer um poderia ter, e, para mim, era não apenas uma inspiração, mas o pai que sempre sonhei ter. Não existem adjetivos suficientes para descrever a luz que ele era a todos aqueles que tiveram o prazer de conhecê-lo. Sentirei saudades todos os dias, mas sei que a memória dele vai seguir viva. À família, eu os agradeço por nos permitir conhecê-lo e por ver a alegria que ele nos trouxe. Nós, os loucos*, te amamos.” *"Crazy ones" no original, referência à série The Crazy Ones. (N.E.) A CBS, que transmitiu a série, enunciou: “Nosso mundo perdeu um gênio da comédia, um ator talentoso e um belo homem. Nos lembraremos de Robin Williams como um dos talentos únicos de sua era, alguém que era amado por muitos, mas também uma alma gentil, amorosa, que tratava seus colegas com grande afeição e respeito. Nossas sinceras condolências e pesar à família, entes queridos e amigos”. Um dos projetos mais recentes de Williams foi Uma Noite no Museu 3, o terceiro filme da famosa trilogia criada pela 20th Century Fox e previsto para estrear em dezembro de 2014. “Realmente não existem palavras para descrever a perda de Robin Williams”, disse o estúdio em uma declaração. “Ele era imensamente talentoso, um membro querido de nossa comunidade e parte da família Fox. Nossos sentimentos estão com a família, os amigos e os fãs. Ele fará muita falta.” Robin recebeu muitas honras, incluindo dois prêmios SAG (Screen Actors Guild). Ken Howard, presidente do SAG-AFTRA, comentou: “Fiquei profundamente entristecido por saber da morte de Robin Williams. Ele era um ator de versatilidade infinita, igualmente adepto da comédia e do drama, fosse escrito ou improvisado. Com seu estilo cômico, conseguia ser interessante às sensibilidades adultas na comédia stand-up ou arrancar sorrisos de crianças como a voz do gênio em . Fora da carreira, usava seu enorme talento para levantar dinheiro para obras de caridade. Não era apenas um homem talentoso, mas um verdadeiro humanitário. É uma perda imensa”. Williams também tinha ido ao ar em muitos especiais da televisão, incluindo aqueles do Comic Relief, na HBO. “Robin Williams agraciou a HBO por muitos anos com seus dons incomuns”, declarou a rede. “Nunca falhava em elevar sua arte, e fazia isso com um coração grande, generoso. Sempre humilde e bondoso, Robin era um príncipe e tem um lugar especial em todos os nossos corações.” Um memorial foi criado no banco do Boston Public Garden usado no filme Gênio Indomável. Fã de longa data, Nicholas Rabchenuk visitou, acompanhado de sua namorada, o local: “Fomos ao [Boston] Common e fiquei realmente surpreso por não haver nada lá”, ele contou ao Hollywood Reporter. O casal decidiu corrigir isso. Eles buscaram flores e giz e, quando voltaram, encontraram quatro fãs sentados no banco. O quarteto então decidiu escrever falas do filme. Elas incluíam: “Desculpem, caras, fui encontrar uma garota” e “Sua vez, chefe”. Esse filme provocou outra homenagem e lembrança, dessa vez de Minnie Driver, que também havia estrelado Gênio Indomável. “Eu o vi filmar com Matt [Damon] a bela cena no banco do parque em Gênio Indomável, e, quando eles pararam para o almoço, a gente se sentou na grama e comeu sanduíches”, ela contou ao Hollywood Reporter. “O que começou como um comentário sobre alguma coisa fez a gente e a equipe de repente dar risada – até os funcionários de escritórios que estavam almoçando, desfrutando do sol, prestaram atenção. E logo ele se levantou e sua voz forte, tomada pelo riso, chegou às pessoas que agora corriam da rua e atravessavam o parque para assistir àquele stand-up improvisado. Devia haver 200 pessoas ouvindo e rindo quando o almoço terminou. Eu me lembro do sorriso enorme dele, ele me dando tapinha no ombro e dizendo: ‘Viu, isso foi ÓTIMO’. Eu o amava e sentirei muito sua falta. Meus sentimentos estão com a família e os amigos.” Tributos similares começaram a aparecer em todos os cantos. No letreiro do Laugh Factory, na Sunset Boulevard, Los Angeles, estava escrito: “Robin Williams, descanse em paz. Faça Deus rir”. Mork & Mindy, a série de TV que o tornou famoso anos antes, passava-se em Boulder, Colorado. Os fãs visitaram a casa para prestar homenagens. As luzes da Great White Way se apagaram por um minuto, tradição pela qual a Broadway homenageia seus membros. Outra colega de elenco foi Sally Field, que apareceu com Williams em Uma Babá Quase Perfeita. “Eu me sinto atordoada e muito triste por Robin”, ela contou ao Entertainment Tonight. “Fico triste pelo mundo da comédia. Extremamente entristecida pela família dele. E triste por Robin. Ele sempre melhorava quando conseguia fazer as pessoas rir, e ele as fez rir durante toda a vida… incansavelmente. Era único. Não existirá outro. Por favor, Deus, faça-o descansar em paz.” Robin também contracenou com Nathan Lane em A Gaiola das Loucas. “O que sempre vou me lembrar de Robin, talvez até mais do que seu gênio cômico, seu talento extraordinário e seu intelecto impressionante, é de seu enorme coração – sua imensa bondade, generosidade e compaixão como um colega de cenas e colega de viagens por um mundo difícil”, declarou Lane. O ator Alan Alda falou do “Niágara da sagacidade”. “Espero que isso leve todos nós a querer fazer alguma coisa”, escreveu no site TIME.com. “Enquanto o país e grande parte do mundo sentem esse momento de tristeza por sua morte, será que poderíamos transformar a perda desse artista que tanto amávamos em algo que combata os estragos causados pelo desespero?” O também comediante e ator Chevy Chase conhecia parte do que Williams vinha passando. “Robin e eu éramos grandes amigos, sofrendo da mesma e pouco conhecida doença: depressão”, comentou. “Eu jamais teria esperado esse fim à vida dele. Não consigo acreditar. Estou transbordando de dor.” Ben Stiller obviamente também foi um colega de elenco (da franquia Noite no Museu) e o conhecia bem. “Um tuíte não pode começar a descrever o tamanho do coração, da alma e do talento de Robin Williams”, ele escreveu. “Isso é tão triste. #RobinWilliams. Eu o conheci aos 13 anos e era um grande fã. Ele era tão gentil. O vi sendo gentil com todos os fãs com quem esteve… E, com outros atores, era tão generoso e brilhante. Mesmo sendo um gênio, fazia todos se sentirem especiais e iguais à sua volta… Seu coração era enorme, e, mesmo se você não o conhecesse, o que ele oferecia a todos era aquele mesmo espírito presente em seu trabalho, então todos nós o sentíamos… Seu impacto no mundo foi tão positivo. Ele fazia tão bem às pessoas. Fez a mim e a muitas pessoas rirem tanto e por tanto tempo. E, como eles não usam o Twitter, essa mensagem representa todos os Stillers (Jerry, Anne e Amy) de quem Robin era um grande amigo. Xxxxx.” A colega de elenco de Violação de Privacidade, Mira Sorvino, ficou terrivelmente entristecida. “Não consigo acreditar que perdemos Robin Williams”, ela disse. “Um grande homem, um grande gênio da comédia. Eu o tinha entre meus amigos e levo ótimas memórias. Robin Williams era doce, gentil, generoso e extremamente brilhante, capaz de incorporar qualquer coisa em suas falas impressionantes. Robin era um homem bom e isso não devia ter acontecido. Devastada. Envio amor à família.” E o colega de elenco de Surpresa em Dobro, John Travolta, declarou: “Nunca conheci uma pessoa mais doce, mais brilhante, mais atenciosa do que Robin. Seu envolvimento como artista para melhorar o humor de todos e nos fazer feliz não é comparável ao de ninguém. Ele amava a todos, e nós retribuíamos esse amor”. Uma homenagem extremamente comovente veio da família do falecido Christopher Reeve. O ator americano e Williams foram amigos por toda a vida após se conhecerem, quando eram estudantes na famosa Juilliard School, em Nova York, e se tornaram tão próximos que às vezes eram descritos como irmãos; depois que Reeves ficou paralisado por conta de um acidente, Robin rapidamente o visitou e passou muito tempo com o velho amigo, até sua morte em 2004 (aliás, acredita-se que tenha sido a morte de Chris que o abalou tanto no início dos anos 2000). “Depois do acidente de nosso pai, foi durante a visita de Robin ao quarto, no hospital, que ele riu pela primeira vez”, contou a família em uma declaração à People. “Posteriormente, meu pai disse: ‘Meu velho amigo me ajudou a reconhecer que, de alguma forma, eu ficaria bem’.” O choque e a cobertura foram tamanhos ao redor do mundo que, excepcionalmente, o tenente Keith Boyd do Departamento de Polícia de Marin realizou uma coletiva para falar sobre os momentos finais do falecido ator. Robin havia sido encontrado enforcado. Sua esposa, Susan, tinha ido para a cama às 22h30 da noite anterior. Robin foi dormir em um quarto separado e, quando ela saiu de casa na manhã seguinte, teve a impressão de que ele ainda estava dormindo. Ela deixou a casa por volta de 10h30 da manhã. Uma vizinha, Sandy Kleinman, viu Susan sair para passear com o cachorro. Na verdade, foi Mara Buxbaum, assessora de Williams, a primeira a perceber que havia algo errado: quando ele não atendeu depois de repetidas batidas à porta por volta das 11h45, ela entrou no quarto e o encontrou. Obviamente, já era tarde. Mara ficou em choque. “A pessoa ao telefone [Buxbaum] estava perturbada e indicou que parecia se tratar de um suicídio por enforcamento e que o rigor mortis já havia começado”, declarou Boyd. Conforme mais detalhes surgiam, ficava claro que algo estava muito errado nos últimos meses. Williams vinha dormindo até oito horas por dia, falava de cansaço constante e perda de apetite, e andava muito recluso. “Seu quarto tinha cortinas corta luz, porque ele não queria que a luz entrasse”, contou uma fonte ao RadarOnline.com. Após a morte, surgiram fotos de sua última aparição pública, participando de uma exposição na Bay Area Art Gallery. O ator estava terrivelmente magro, até mesmo esquelético, o que indicava uma severa perda de apetite, mas também poderia ser outro problema: mais um sinal da depressão. Entretanto, não havia qualquer indício claro de que algo estava errado. O artista Mark Jaeger, cujo trabalho estava exposto na ocasião – Robin havia comprado obras de Jaeger no passado –, relatou que o ator parecia estar de bom humor naquela noite, riu com frequência e não bebeu. Os dois discutiram possíveis futuros projetos. Todavia, a aparência dolorosamente magra de Williams indicava que algo estava, de fato, errado. Eles tinham se conhecido através da esposa de Robin, Susan, curadora de exposições no 142 Throckmorton Theatre, e Williams se mostrou um grande apoiador do trabalho de Jaeger, comprando uma enorme cabeça de barro de sua série “Superhero”, cujo destaque eram pessoas comuns como super- heróis. Os dois conversaram demoradamente. “Na verdade, vínhamos falando sobre transformar esse conceito do super-herói em um roteiro de filme”, contou o artista ao Marin Independent Journal. “Essa ideia do super-herói sem teto, que sai à noite e faz coisas boas e cuida de pessoas com necessidades. Eu falei: ‘Robin, estou entusiasmado. Adorei a ideia de que isso poderia estar em um filme, mas não sei como agir’, e ele disse, ‘Ah, você só precisa anotar algumas coisas em uma folha de papel’. E eu falei: ‘E depois?’. Ele respondeu: ‘não se preocupe, eu cuido de tudo. Vou colocá-lo em contato com as pessoas certas e depois vou ajudá-lo a passar pelos outros procedimentos’.” Jaeger completou: “Ele era tão generoso! Toda vez que conversávamos, demonstrava uma humildade enorme. Eu não sou ninguém, e ele me fazia sentir que meu trabalho era importante”. Outros diziam que Williams não era ele mesmo. “A última vez que vi Robin foi no fim de semana, a gente se encontrou na rua, como de costume”, relatou ao Mail Online um vizinho que preferiu permanecer anônimo. “Ele estava muito abatido e magro, não se parecia com o Robin que se mudou para essa comunidade muitos anos atrás. Estava exausto e sem energia, mas ainda era o cara gentil que conheci. Parecia haver algo em sua mente. Ele não era, de forma alguma, esse personagem estranho; aquele não era o Robin que eu conhecia. Estava mais quieto e simples, não lembrava em nada aquele sujeito exagerado dos filmes. Era um bom ouvinte. Com frequência, ficava quieto e mostrava-se bastante reservado. Na última vez que o vi, ele parecia estar em uma situação emocional ruim.” Outros também diziam que Robin era muito mais quieto fora das telas e que gostava de levar os cachorros para passear para ficar sozinho com seus pensamentos. Surgia a imagem de um homem complexo e com problemas. O que, então, poderia ter causado uma mudança tão drástica? A batalha constante de Williams contra a bebida, as drogas e a depressão se tornava mais conhecida, mas, para a surpresa de muitos, agora surgia a notícia de que ele talvez pudesse estar passando também por sérios problemas financeiros. De certa forma, isso era quase inconcebível – Robin Williams era um VIP de Hollywood há décadas, com sua fortuna estimada, em certo momento, em quase 300 milhões de reais. Todavia, ele passara por dois divórcios dispendiosos e, embora seu nome continuasse tão famoso quanto sempre fora, grandes papéis não lhe apareciam com a mesma frequência que certa vez apareceram. Seu rancho de 600 acres em Napa Valley estava à venda há dois anos, com o preço caindo de 83,5 para 70,8 milhões de reais, enquanto ele dizia a amigos: “Eu simplesmente não aguento mais”. De fato, parecia que as dificuldades financeiras eram bastante severas: “Ele só falava de sérios problemas financeiros. Robin era conhecido por ser muito generoso com seus amigos e com sua família no ápice do sucesso, e ajudaria qualquer um que necessitasse”, contou um amigo da família ao Radar Online. “Também havia a frustração que Robin expressava por ter de aceitar papéis na TV e no cinema que ele gostaria de não aceitar, mas precisava assumi-los por causa do dinheiro.” Começaram a surgir histórias de que ele estava tão preocupado com o dinheiro que chegou a começar a vender sua adorada coleção de 50 bicicletas. Olhando para o cenário mais abrangente, havia outros sinais de que nem tudo estava bem. Dizia-se que os dois divórcios haviam custado 80 milhões de reais, e Williams falou abertamente em fazer outra turnê de comédia, voltar para a TV e até mesmo fazer filmes de baixo orçamento. “Os filmes são bons, mas muitas vezes sequer são distribuídos”, ele confessou à revista Parade em 2014. “Há contas a pagar. Divórcios custam caro. Eu costumava brincar que eles chamavam de ‘all the money’*, mas trocaram para ‘alimony’**. É rasgar seu coração pela carteira”. Ele estava brincando – mas há um pouco de verdade em toda brincadeira. Quando morreu, Williams não estava vivendo em seu rancho. Em vez disso, residia em um bangalô em Tiburon, o qual havia herdado de sua mãe, Laurie, em 2001. Ele falava em “fazer cortes”, claramente se referindo ao dinheiro. Outros, todavia, negaram que as preocupações financeiras estivessem em primeiro plano. “Relatos sugerindo que Robin pudesse ter problemas financeiros são simplesmente falsos”, afirmou sua assessora, Mara Buxbaum, em um e-mail à BBC News. “Compreendo o desejo das pessoas de tentar entender, mas gostaríamos de encorajá-las a se concentrarem em ajudar outras pessoas e entenderem a depressão”. Outros sustentavam igualmente que o ator tinha papéis por vir e que, portanto, o fator financeiro não seria motivo de preocupação. A Forbes estimou que ainda havia lhe restado a maior parte de sua fortuna, cerca de 120 milhões de reais. Talvez não fosse tanto dinheiro quanto antes, mas não se tratava de um homem passando dificuldades. * Todo o dinheiro. (N.T.) ** Pensão alimentícia. (N.T.) Porém, logo outro fator entrou em cena, algo totalmente diferente: Robin não apenas vivia atormentado por uma série de demônios se manifestando no uso de álcool e drogas combinados com possíveis preocupações financeiras e sobre sua carreira, mas também vinha sofrendo os primeiros estágios de uma doença séria. Talvez alguns anos ainda se passassem antes que o problema começasse a se manifestar; todavia, surgiu a notícia de que Williams havia recentemente sido diagnosticado com mal de Parkinson. Teria isso finalmente o levado ao limite? As opiniões se mostraram divididas, mas sua viúva, Susan Schneider, sentiu que precisava fazer uma declaração sobre a doença, a qual seu marido não queria que se tornasse pública, e também deixar claro que ele não havia novamente sucumbido ao álcool. A declaração foi a seguinte:

Robin passou grande parte de sua vida ajudando outras pessoas. Fosse entretendo milhões no palco, em filmes ou na TV, fosse animando nossas tropas na linha de frente ou confortando uma criança doente, ele queria que déssemos risada e que sentíssemos menos medo. Desde sua morte, todos que amamos Robin encontramos consolo na enorme quantidade de afeto e admiração vinda de milhões de pessoas cujas vidas foram tocadas por ele. Seu maior legado, além dos três filhos, é a alegria e a felicidade que ele ofereceu aos outros, particularmente àqueles enfrentando batalhas pessoais. A sobriedade de Robin permanecia intacta e ele foi corajoso ao enfrentar suas batalhas contra depressão, ansiedade e também os primeiros estágios do mal de Parkinson, o qual ele ainda não se sentia pronto para dividir publicamente. É nossa esperança, na esteira da morte trágica de Robin, que outros encontrem forças para buscar o cuidado e o apoio que lhes sejam necessários para tratar quaisquer batalhas que estejam enfrentando, de modo que sintam menos medo.

Foi uma declaração corajosa em um momento em que Susan obviamente sofria uma terrível perda. Todavia, isso não impediu as especulações de continuarem. Williams havia sido um ciclista entusiasta, tendo adotado o esporte para ajudá-lo na luta contra vários vícios. O dono de uma loja de bicicletas de San Francisco, Tony Tom, que viria a se tornar amigo e colega de ciclismo de Robin e que também revelou que Williams usava o ciclismo para se manter longe das drogas, questiona se o ator tinha medo de, conforme a doença progredisse, não ser mais capaz de praticar o esporte. O ator e produtor Michael J. Fox, diagnosticado com Parkinson ainda muito jovem, tuitou que estava “impressionado” por saber que Robin Williams também sofria da doença. Ele tinha “certeza” de que o apoio de Williams a Michael J. Fox Foundation viera antes de Robin descobrir que também sofria da doença, acrescentando: “Um verdadeiro amigo. Eu lhe desejo paz.” Agora que a notícia havia saído, outra possibilidade surgia: seriam as drogas que Williams usava para tratar essa condição responsáveis por levá-lo ao limite? Algumas pessoas realmente acreditam que sim. O ator Rob Schneider, de quem Robin fora amigo por mais de 20 anos, desde que os dois participaram do Saturday Night Live, certamente pensa que sim. Ele tuitou: “Agora que podemos falar sobre isso, #Robin Williams usava um remédio para tratar os sintomas do mal de Parkinson. Um dos efeitos colaterais é o suicídio”. Todavia, a família não acreditou na hipótese, apesar dos rumores de que eles concordavam com ela. Mesmo assim, uma fonte se pronunciou: “Robin havia recentemente saído da reabilitação”, ela contou à Forbes. “Estava tomando um medicamento para ansiedade e depressão e também havia começado a usar um remédio para combater o primeiro estágio do mal de Parkinson. Muitas dessas drogas listam pensamentos suicidas como possível efeito colateral. Muitos amigos de Robin estão convencidos de que o coquetel de comprimidos prescritos que ele tomava de alguma forma contribuiu para a deterioração tão rápida de seu estado mental. Robin sempre sofreu de depressão e vício, mas o diagnóstico e o tratamento do mal de Parkinson eram novos, assim como a combinação de drogas que ele vinha tomando.” Williams de fato sempre sofreu de depressão, mas o diagnóstico de Parkinson piorou muito as coisas. Ademais, acredita-se amplamente que a depressão também seja um dos primeiros sintomas da doença. Aliás, a revelação atraiu tanta publicidade que a National Parkinson Foundation, nos Estados Unidos, viu-se compelida a fazer uma declaração:

Todos nós estamos devastados com a morte de Robin Williams. Ficamos ainda mais tristes por saber que ele havia recentemente sido diagnosticado com Parkinson. Por mais que o diagnóstico de qualquer doença séria possa ser devastador, Parkinson e depressão andam de mãos dadas. De acordo com um recente estudo conduzido pela NPF, mais da metade daqueles com a doença sofrem de depressão clínica. A depressão afeta a qualidade de vida para além dos problemas motores. A NPF estimula avaliações anuais em busca de depressão como parte fundamental do tratamento da doença. O tratamento da depressão deve incluir tanto medicamentos quanto apoio psicológico. A National Parkinson Foundation encoraja as pessoas vivendo com Parkinson e seus familiares a buscarem os cuidados especializados de um neurologista.

As repercussões continuaram. Susan, abatida pelo sofrimento, deixou a casa e o bairro onde o casal vivia junto. Os filhos de Williams continuaram expressando surpresa e tristeza. Zelda tuitou uma passagem do romance francês O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry:

Você – somente você – terá as estrelas, de uma maneira que ninguém as tem. Em uma das estrelas eu estarei vivendo. Em uma delas eu estarei rindo. E assim será, como se todas as estrelas estivessem rindo quando você olha para o céu à noite. Você – somente você – terá as estrelas que podem rir. Eu te amo. Eu sinto a sua falta. Vou tentar continuar olhando para cima. – Z

Surgiu então a notícia de que o funeral havia acontecido de forma bastante rápida: uma cerimônia episcopal, a religião com a qual Williams fora criado, na Chapel of the Hills, uma casa funerária em San Anselmo, Califórnia. Após a cerimônia privada, as cinzas foram espalhadas na Baía de San Francisco – apropriado, considerando que ele tinha vivido ali grande parte da vida, desde o fim da adolescência. Enquanto aqueles mais próximos dele continuavam se esforçando para entender o que havia acontecido, crescia a especulação de que aquela fora uma decisão no calor do momento, com uma pessoa próxima dizendo que poucos dias antes ele falava sobre projetos que estavam por vir. Williams estava “completamente envolvido na conversa”, relatou a fonte ao TMZ e, assim, certamente não nutria pensamentos sobre deixar esta vida. Entretanto, por outro lado, talvez não seja amplamente conhecido que Williams teve uma infância traumática, que deixou nele marcas para o resto da vida. O ator interpretou tantos personagens problemáticos tão magnificentemente porque ele mesmo era assim. Por fim, talvez ele não tenha conseguido suportar o desespero que aparecia em intervalos periódicos ao longo de sua vida. Uma genuína maré de dor estava se desenvolvendo: Robin Williams podia ter seus defeitos, mas era um homem decente, gentil e amoroso, e seu falecimento estava afetando não apenas seus fãs, mas também aqueles que anteriormente não se importavam tanto com ele. Então, quem, exatamente, foi Robin Williams? E como ele conseguiu causar um impacto tão grande em tantas pessoas ao redor do mundo?

“A morte é uma forma de a natureza lhe dizer: ‘Sua mesa está posta’.”

ROBIN WILLIAMS CAPÍTULO DOIS

AH, QUE GAROTINHO SOLITÁRIO

“A comédia pode ser uma forma catártica de lidar com traumas pessoais.”

ROBIN WILLIAMS

Chicago, Illinois. Era o ápice do verão na Cidade dos Ventos quando Laura McLaurin, ex-modelo de Jackson, Mississippi, e seu marido, Robert Fitzgerald Williams, executivo da Ford Motor Company, viram-se eufóricos. Em 21 de julho de 1951, Robin McLaurin Williams nasceu. Ele tinha dois meios-irmãos mais velhos, Robert Todd Williams (que viria a se tornar um vinicultor conhecido como “Toad”) do primeiro casamento de seu pai, e McLaurin Smith-Williams, do primeiro casamento de sua mãe. Todavia, embora sempre tivesse se dado muito bem com seus meios-irmãos, Robin foi, assim como ambos, criado essencialmente como filho único. “Nós três crescemos como filhos únicos – Todd, eu e Robin. Eu fui adotado pelos pais da minha mãe depois que ela se divorciou do primeiro marido. Todd cresceu com a mãe. Todos nos damos muito bem. Todd não tem ligação de sangue comigo, mas somos realmente próximos”, contou McLaurin, professor de física, ao Chicago Tribune em 1991. Para alguém que desenvolveria uma personalidade tão anárquica, Williams certamente vinha de uma família muito respeitável: o bisavô de sua mãe foi Anselm J. McLaurin, senador e governador do Mississippi, ao passo que seu pai vinha de uma família extremamente proeminente de Evansville, Indiana. Havia muita riqueza em mãos: o pai de Robert, que também se chamava Robert e era originário do Kentucky, fora escrivão-chefe e, em 1902, transformou-se em secretário, tesoureiro e diretor-geral da Indiana Tie Company. “Ele contribuiu muito para o sucesso da empresa, administrando com competência os interesses da companhia e as ligações comerciais de forma que permitiu a conquista de ótimos resultados”, conta a obra History of the City of Evansville and Vanderburgh County, Indiana. Vários membros da família de Williams estão enterrados no cemitério de Evansville, fato que causou grande alvoroço quando foi revelado pelos fãs do ator na cidade. Todavia, isso não era tudo. Robin podia facilmente listar ingleses, galeses, irlandeses, escoceses, alemães e franceses entre seus antepassados – um sinal, talvez, de por que ele seria tão bom com sotaques mais tarde em sua vida. A família era abastada. Robin cresceu cercado por privilégios e conforto, mas, de muitas outras formas, teve uma infância carente. Seu pai tinha 46 anos quando ele nasceu. Era um homem rigoroso e não tinha muito tempo para o filho. A mãe era uma aspirante a modelo com muitos interesses filantrópicos fora de casa. Ela também passava muito tempo ausente e as feridas já começavam a se formar quando Robin ainda era muito jovem – feridas que nunca viriam a se curar. Com o tempo, elas se transformariam em tormento, provocando uma forte angústia pelo resto da vida do ator. Robin passou a infância em Lake Forest, um bairro próspero a norte de Chicago. Naqueles tempos, ele não se parecia em nada com a criatura cômica e extrovertida que se tornaria. A família tinha uma casa enorme, mas ele passava grande parte do tempo sozinho, divertindo-se com seus brinquedos. Seu pai passava muito tempo fora por conta do trabalho; a mãe, por sua vez, dedicava-se a trabalhos de caridade. Não é necessário um diploma de psiquiatria para deduzir que o jovem Robin passou boa parte de seu tempo tentando (e não conseguindo) atrair a atenção dos pais – algo que ele transformaria em uma busca ao longo da vida. Tímido, gordinho, melancólico e quieto, ele também foi uma criança nervosa, com medo do escuro e, de certa forma, com medo do pai. Pode ser clichê apontar que muitas pessoas tornam-se comediantes para combater sua própria melancolia interna, mas a infância de Williams foi um exemplo clássico do que acontece com um indivíduo e do que o leva a tentar apagar a dor interna com bebidas, drogas e muita comédia. O riso, na infância, não acontecia com frequência. “Eu colecionava bonecos de soldados, milhares deles”, relembrou o ator. “Você aprende a criar jogos para brincar sozinho e lê muito. Não era exatamente divertido, mas, no futuro, acaba ajudando suas habilidades como comediante e lhe dá uma imaginação enorme.” Todavia, ele tinha alguns amigos – um dos quais se lembra dessa enorme coleção de brinquedos – dois mil no total. “Eu tinha aqueles soldadinhos normais, verde-oliva, de plástico, mas Robin tinha todo um conjunto de soldados ingleses feitos de chumbo e pintados à mão”, contou Jeff Hodgen, que conheceu Williams na quinta série na Gorton Elementary School, ao Chicago Tribune. “Ele era meio distante quando nos conhecemos, mas só por que era um aluno novo na escola. Eu me lembro de uma ocasião em que estávamos jogando bolas de neve uns contra os outros e acertamos um carro de polícia, o que fez a brincadeira acabar. Toda vez que um dos telefones tocava em casa, mesmo meses depois, morríamos de medo de ser a polícia pedindo para conversar com nossos pais.” Um fato interessante: Hodgen acrescentou que Williams não era o palhaço da classe; em vez disso, era um garoto sério e, de certa forma, introvertido. Mesmo assim, a vida em Lake Forest era boa. Apesar da proximidade com Chicago, o lugar assemelhava-se mais a uma cidade pequena: era parte do desenvolvimento de North Shore e tinha o Lago Michigan de um lado, onde os habitantes podiam nadar durante os verões quentes e patinar nos dias gelados de inverno. As grandes casas, construídas em terrenos próprios, eram, em muitos casos, projetadas pelos mais famosos arquitetos do século XX, incluindo David Adler e Frank Lloyd Wright; os enormes jardins eram bons para brincadeiras. Além disso, as crianças podiam andar de bicicleta pelas amplas calçadas da cidade, como se esperava que elas fizessem. A pobreza não era exatamente um problema em Lake Forest. As minorias praticamente não existiam – a cidade era, em sua maior parte, composta por uma população branca. Depois da Gorton Elementary School, na sexta série, Robin mudou para a Deer Path Junior High School, mas, quando ele estava na sétima série, a família mudou-se para Detroit. Hodgen ficou surpreso, mas aceitou a situação: “Eu senti saudade dele, mas tinha começado a jogar futebol americano, então entrei de cabeça no esporte para lidar com a situação”. A família mudou-se para uma mansão enorme, de trinta cômodos, em Bloomfield Hills, na esquina da Woodward com a Long Lake. Posteriormente, Robin falaria do lugar como se fosse um paraíso. “Era uma mansão antiga, bonita, gigante, com guarita, uma garagem com espaço para 25 automóveis, celeiros… E também havia um velho e maravilhoso inglês, o sr. Williams, que cuidava dos jardins”, contou à Detroit Free Press. “Nós não éramos os donos, apenas alugávamos a casa. Depois nos mudamos para Chicago e, quando voltamos a Detroit alguns anos mais tarde, vivemos apenas em um apartamento. E era diferente, você sabe. Mas a primeira casa, ela era maravilhosa, uma paz… Não havia ninguém num raio de quilômetros. Havia apenas um campo de golfe gigante, com pessoas acertando a bola.” Na verdade, essa era uma história embelezada por Robin, deliberadamente ou não. Cercado por sua enorme coleção de brinquedos, ele tinha todo um piso para si no sótão, mas não gostava daquele espaço. Tinha medo do escuro, dos cantos escuros. Era uma existência solitária para um garotinho. Como brincava sozinho, ele começou a inventar histórias e personagens. Nessa época, entretanto, ninguém tinha ideia de que havia um gênio da comédia entre eles; as pessoas viam apenas um menino querendo ser amado, tendo sido arrancado de uma existência anterior e agora começando tudo do zero. “Meus únicos companheiros, meus únicos amigos na infância, eram fruto da minha imaginação”, ele declarou em uma ocasião. A igreja fazia parte de sua vida. Sua mãe era uma cientista cristã, embora Robin tenha crescido como episcopal. De fato, ele teve um papel muito ativo na igreja por algum tempo e isso também viria a se tornar fonte de parte de sua comédia, assim como a inspiração para participar, em 2007, do filme Licença para Casar. “Tendo sido um corista, e não sou católico, apenas retornei aos velhos dias, quando eu gostava de ir à igreja, e lembrei, como protestante, que a luz católica é, mais uma vez, a ideia de que alguém podia realmente me aconselhar e tem algo [a] oferecer… Me fez lembrar aqueles caras com quem cresci na Igreja Episcopal, para a qual não existe um purgatório, mas apenas uma custódia espiritual. Isso foi o começo. E depois a ideia de que ele é tão envolvido quanto se pode ser sem ser um padre”, ele contou à Canmag perto do lançamento do filme. Robin foi matriculado na Detroit Country Day School, um colégio particular no qual se saiu bem em alguns aspectos, mas também passou por momentos difíceis. Foi representante de classe, jogou futebol e entrou para o time de luta, e um de seus professores teria sido a pessoa em quem ele baseou seu papel de John Keating de Sociedade dos Poetas Mortos. “Eu adorava a escola. Talvez até demais, para dizer a verdade”, confessou ao Washington Post em uma entrevista que coincidiu com o lançamento de Jack (1996), um filme sobre um garoto que envelhece quatro vezes mais rápido do que as outras pessoas e que pinta um retrato muito melhor de seus primeiros anos de vida do que é a realidade. “Eu era summa cum laude no colegial. Era atraído por esse lado. Não posso dizer que foi fácil me adaptar. Eu simplesmente desviava do meu caminho para me encaixar. Era um colégio particular para meninos, o Detroit Country Day, e eu jogava futebol. Estava na equipe de luta. O Senhor-Faz- Tudo, sabe? Mas acho que o que me levou a querer fazer o Jack foi aquele tempo inocente antes de tudo isso, andar de bicicleta, amigos na casa da árvore, todas essas coisas que pairam no limite entre ser criança e a entrada da adolescência. Quando você tem dez anos, ainda é um menino. Esse momento logo antes da puberdade, que inicia aos 12 anos – ou aos 11, se você mora em algum lugar onde o leite é diferente –, é incrível. Os garotos ainda são tão vulneráveis nessa idade. Os meninos dessa idade não têm tanta habilidade no sentido de esconder sentimentos. O que eles sentem está lá, estampado bem no rosto deles.” Aliás, o que alguns desses garotos sentiam era malevolência. Robin pode ter adorado a escola, ou pelo menos passado a pensar que adorava, mas enfrentou alguns problemas durante essa fase. E foram esses problemas, combinados com a busca pela atenção de sua mãe e seu relativo isolamento na casa da família, que começaram a formar as bases para o que o comediante um dia viria a se tornar. Em outra entrevista, dessa vez ao The Oklahoman, em 1991, Robin apresentou uma descrição consideravelmente mais deprimida de sua vida naquela época. “Eu não era tão exuberante. Passei mais ou menos três anos em uma escola apenas para garotos. Era bem parecido com o que acontece em Sociedade dos Poetas Mortos. Blazer. Lema em latim. Fui humilhado muitas vezes. Não havia apenas o bullying físico, mas também bullying intelectual. Isso me fortaleceu, mas também me fez recuar muito. Eu tinha uma certa reticência ao lidar com pessoas. Na comédia, encontrei uma forma de transpor esse espaço…” Ou seja, ele era vítima de bullying. Num primeiro momento, tentou encontrar outros caminhos para voltar para casa, mas essa estratégia não funcionou. Os garotos o provocavam porque Williams era, na opinião deles, pequeno, gordo e articulado. Também era disléxico, o que significa que lutava contra dificuldades no colégio, e muito provavelmente sofria de Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) – nenhuma dessas condições era reconhecida na época. Robin não conseguia revidar fisicamente, tampouco conseguia se livrar dos outros alunos; então, em vez disso, experimentou uma técnica de distração: começou a fazê-los rir. “Comecei a contar piadas como forma de evitar que toda aquela porcaria invadisse meu interior”, ele revelou em certa ocasião. Mais uma vez, trata-se de um exemplo clássico da melancolia que se esconde por trás do sorriso de tantos comediantes. Usar o riso para evitar a violência? Desde o início, Williams certamente sabia que seus talentos se provariam uma faca de dois gumes. Os valentões não eram as únicas pessoas que Robin tentava impressionar. Ele queria ser parte do grupo na escola, mas, em casa, continuava desejando a atenção dos pais, em especial da mãe. Então, passou a empregar exatamente o mesmo truque que usava na escola: contar piadas. “Estou começando a me dar conta de que nem sempre fui feliz”, admitiu em uma entrevista à Esquire Magazine. “Minha infância foi um pouco solitária. Meu pai estava sempre fora de casa; minha mãe trabalhava, fazia ações de caridade. Fui basicamente criado por uma empregada. Mas minha mãe se fez presente mais tarde. Ela era maravilhosa, bonita e inteligente. Acho que talvez a comédia tenha sido parte do meu caminho para me ligar à minha mãe… ‘Vou fazer a mamãe dar risada e vai ficar tudo bem’, e foi aí que tudo começou”. Aliás, sua primeira imitação foi de sua avó, o início de um talento que viria a defini-lo. E assim continuou, o garotinho desesperado para evitar apanhar no colégio e, em casa, ansioso pela atenção dos pais. Conforme continuava desenvolvendo estratégias para lidar com essa realidade, Robin começava a descobrir que realmente tinha uma habilidade fenomenal para fazer as pessoas darem risada. Entretanto, isso nunca funcionou totalmente: a família tinha empregadas para cuidar dele, mas, por mais que Robin gostasse delas, essas mulheres não substituíam sua mãe. Já adulto, confessou um medo agudo do abandono e um caso severo da “Síndrome do Me Ame”. Não é difícil entender o motivo. Apesar de ter alguns amigos, Williams passou a infância em solidão e isolamento. O homem que um dia teria todo o mundo aos seus pés era um garotinho tímido, solitário e assustado e, no fundo, foi isso que Robin Williams sempre continuou sendo. Como alguém certa vez observou, nem todo o dinheiro e o sucesso na vida são capazes de compensar uma infância infeliz. A religião de sua mãe tampouco ajudava, embora ele tipicamente a transformasse em assunto de humor. Robin era atacado “porque minha mãe era cientista da Christian Dior. Eu não era agredido fisicamente, mas intelectualmente – as pessoas costumavam esfregar cópias de George Sand na minha cara”. Havia uma corajosa tentativa de esconder a dor, mas a tristeza ainda latejava. Quando tinha aproximadamente 16 anos, Robin sofreu com ainda mais agitações que se tornariam parte dele. Cada vez mais desiludido com a indústria automobilística, seu pai Robert aposentou-se antecipadamente e a família mudou-se outra vez, dessa vez para Woodacre, Califórnia, parte do Condado de Marin, região que Robin transformaria em sua casa por grande parte da vida. Ele se matriculou na Redwood High School, em Larkspur. Diferentemente das instituições anteriores, essa não era uma escola particular, o que abriu todo um mundo novo para ele. Camisas havaianas passaram a fazer parte de seu guarda-roupas (e continuaram lá); ele começou a dirigir uma Land Rover… Enfim, os horizontes da vida se abriram para Robin Williams. “Quando vim para a Califórnia para cursar o colegial, era 1969”, ele contou ao The Oklahoman. “Estudei numa escola onde um dos professores tomou LSD um dia. Então você entrava e ouvia [sussurros]: ‘Eu sou Lincoln’.” O colégio combinava perfeitamente com a personalidade anárquica de Williams: a mudança das formalidades do Meio-Oeste para o clima mais descontraído da Califórnia logo após o Verão do Amor foi reveladora. E, a essa altura, o hábito de contar piadas era tal que ele começou a realmente considerar uma carreira nas artes. Aliás, a mudança do Meio-Oeste provavelmente foi sua formação. O Meio-Oeste ainda parece ser dominado pelo pensamento pioneiro – pouco mais de um século se passou desde que homens arriscaram suas vidas para controlar o território. Entretanto, o clima descontraído da Califórnia e de San Francisco era algo totalmente diferente. Mais tarde em sua vida, Williams gostava de viver lá porque ninguém parecia notá-lo, ele comentou. Obviamente isso acontecia, em parte, porque ele morava ali há muito tempo e as pessoas estavam acostumadas a vê-lo. Entretanto, esse fato também talvez implique que talvez existissem, naquele local, muitos habitantes um tanto excêntricos a ponto de fazê-lo sentir que se encaixava perfeitamente. E a mesma ideia se aplica à escola consideravelmente mais tranquila, onde ele se viu distante dos atormentadores e capaz de finalmente se divertir. Embora não fosse uma instituição privada, ainda era um local saudável para estudar, com muitos outros alunos que viriam a construir um nome. O comediante e escritor Greg Behrendt foi um desses alunos, assim como o ator David Dukes. O jornalista vencedor do prêmio Pulitzer para o The New York Times, Eric Schmitt, era outro, assim como Andy Luckey, que viria a produzir a série de TV As Tartarugas Ninja. Dali saíram também alguns acadêmicos de renome, incluindo Gunnar Carlsson, professor de matemática da Universidade de Stanford, e o notável epidemiologista americano Don Francis, que se tornou um grande nome na pesquisa do vírus HIV e da AIDS. Desde o instante em que ele a viu pela primeira vez, a nova cidade causou um impacto em Williams. “Eu tinha 16 anos”, ele contou à American Way em 2007. “Meu pai e minha mãe atravessaram o país de carro [comigo]. Enquanto passávamos pela Golden Gate Bridge, havia bastante neblina. Eu nunca tinha visto neblina na vida. Aquilo era gás venenoso? Não. A forma como ela se espalha pelas colinas no Condado de Marin e passa pela Gate… é muito impressionante. Essa foi minha primeira impressão: o que é essa fumaça esquisita? Mas era muito bonito ver a ponte. Em Detroit, não existem muitas coisas tão grandes assim. Também fiquei bastante impressionado por haver tanta natureza tão perto da cidade. Mount Tamalpais State Park. Temos todo o litoral – extraordinariamente bonito.” De modo geral, a experiência trouxe todo um novo ambiente – uma mudança bem-vinda, que deu a Robin a oportunidade de amadurecer e se tornar o homem que queria ser, de explorar os esportes e a arte dramática e também de relaxar. Seu pai, de quem ele sempre tivera um pouco de medo, talvez também tenha relaxado um pouco. Afinal, agora ele estava aposentado, fora do mundo dos negócios e conseguia se sentir à vontade no ambiente doméstico de uma forma que nunca havia conseguido antes. (Dito isso, Williams nunca falou muito de seu pai além de recordar uma ocasião em que ele o estimulou a comprar um carro japonês em vez de um carro americano. Então, talvez essa postura mais relaxada nunca tenha acontecido.) Laurie, sua mãe, certamente percebeu a mudança no filho. “Quando era criança, Robin era muito tímido”, ela contou ao Chicago Tribune. “Seu pai era severo, e acho que um momento decisivo para Robin surgiu quando ele deixou a Country Day School, colégio onde os garotos usavam camisas perfeitamente brancas, e nos mudamos para Marin. Ele estudou na Redwood High School e começou a levar para casa alguns amigos bem loucos. Não acho que Robin se interessaria por eles se ele também não fosse bem louco. Mais tarde, sua exposição ao improviso com o Committee [um grupo de comédia de improviso] foi muito estimulante para ele. As pessoas diziam uma única frase e ele era bom em fazer improvisos a partir disso.” Ela certamente sabia quão talentoso seu filho era, mesmo se não se desse conta de que grande parte daquilo era para impressioná-la. Em última análise, o garoto solitário, imitando a avó para fazer a mãe rir, transformou-se em uma estrela internacional, e Laurie certamente sentiu orgulho disso. “Sinto que Robin veio à Terra para nos fazer rir”, ela continuou. “Sabe, ouvi dizer que, na Yale Drama School, eles usam Robin e Steve Martin como exemplos perfeitos do bobo da corte. O bobo tem que ser brilhante, bem informado e capaz de fazer o rei dar risada para não ter sua cabeça cortada. Robin é desse jeito.” E assim ele se tornaria o Bobo da Corte, provocando a pomposidade dos grandes, mas, de alguma forma, sempre saindo ileso. Não devemos esquecer que Williams não apenas tinha um talento enorme, mas também um grande charme. Mesmo em seus momentos mais maníacos, nunca existia aquela sensação de que ele seria capaz de ferir alguém com sua comédia. No máximo, a única pessoa que ele parecia pretender ferir era a si mesmo. E tudo isso vinha como resultado da solidão de seus primeiros anos de vida, pois ele mesmo havia sofrido muita dor – de certa forma, uma dor que nunca desapareceu. Entretanto, agora Robin estava muito mais feliz do que antes. “Nós vivíamos em Tiburon, numa casa pequenininha”, contou à revista American Way. “Existe um ótimo restaurante em Tiburon chamado Sam’s Anchor Cafe, que ainda está lá. É um restaurante de frutos do mar do qual meu pai gostava porque você pode se sentar ao ar livre nos dias quentes, ou então num ambiente interno. É uma casa que serve frutos do mar e hambúrguer tradicional, e meu pai adorava os hambúrgueres.” Mas, estranhamente, na relação de Robin com sua mãe, o humor continuou vivo, e, de certa forma, ligado à infância. Embora o restante do mundo o enxergasse como um adulto, a relação entre mãe e filho nunca deixou de ser exatamente isso e, embora Williams agora tivesse crescido, ele ainda funcionava, com a mãe, como se continuasse sendo criança. “Ele é muito bom em fazer vozes, sabe”, ela continuou. “Consegue imitar muito bem uma criança pequena. Às vezes, estou com pressa para sair de casa e recebo um telefonema [com voz de uma menininha]: ‘Olá, aqui é Candy. Minha mãe não está em casa. Posso passar aí para brincar com você?’. E eu fico muito impaciente; ele ainda consegue me enganar. Robin também tem a chave da minha casa e, às vezes, eu telefono e ele atende e imita alguém dizendo que a sra. Williams se mudou.” Isso não parece totalmente saudável. Aliás, Robin jamais se desfez das dificuldades do início da infância e dessa compulsão por fazer a mãe rir, embora certamente tivesse a atenção dela anos depois. Todavia, retomando o assunto do colegial, agora que já não era importunado por valentões como havia sido antes, Robin começou a florescer. Ele continuou com as atividades esportivas no colégio – por um breve período, chegou a considerar o caminho para se transformar em atleta profissional e era muito bom em corridas, outro passatempo que acabou fazendo parte do repertório de suas performances de stand-up, quando ele comparava o efeito da euforia da corrida com a euforia das drogas –, entrou para o grupo de teatro e começou a encontrar seu caminho. Robin continuava sagaz como sempre; agora não havia a necessidade de tentar vencer os valentões pela inteligência, mas para ele era impossível não tentar divertir seus colegas de sala. Quanto a atuar, ele alegou posteriormente que só tinha escolhido essa profissão para “se dar bem” com as mulheres. Isso era mais mitologia da sua parte. Ele também disse ao apresentador de talk-show britânico Michael Parkinson que havia decidido se tornar ator após ver o filme Dr. Fantástico. Por mais estranho que possa parecer, esse filme era estrelado por Peter Sellers, que tinha a mesma habilidade de imitar e se transformar em uma série de personagens diferentes diante dos nossos olhos. Outra influência inicial foi 2001: Uma Odisseia no Espaço, que seus pais o levaram para assistir. Williams certamente não era um esportista convencional. Após a morte do ator, um colega de escola foi questionado se era verdade que ele costumava começar todos os dias gritando “Bom dia, Redwood High!” (improvável, devemos dizer). O veredicto do colega de sala foi um pouco contundente: “Sem chance! Qual é?! Ninguém faz coisas desse tipo. O cara era um nerd. Usava gravata borboleta e era superquieto. Nunca gostei dele”. Mas outras pessoas gostavam. Agora ele tinha amigos – pessoas com as quais andava – e logo estava prestes a conhecer outras pessoas das quais continuaria sendo amigo para o resto de sua vida. William Drew conheceu Robin Williams na Redwood High School em 1967. “Eu me lembro de Rob e eu dando uma volta para desaquecer após praticarmos lançamento de peso”, ele contou à BBC logo após a morte do ator. “Enquanto passávamos pelo local de arremesso, Rob parou de repente, foi até a linha de arremesso, olhou para três caras enormes lançando o peso, pegou uma das pesadas bolas de aço e, bem, use sua imaginação para ter ideia do comentário que saiu da boca de Robin Williams. O mesmo na turma de teatro – nenhum roteiro era seguro, nenhuma linha era sagrada. Duas palavras resumem Robin: paixão e compaixão. Ele era focado e apaixonado por tudo que fazia e, conforme demonstrou depois de mais velho, sentia compaixão pelo próximo.” Entretanto, era hora de seguir em frente, de começar a pensar no futuro e decidir o que fazer em seguida. Embora Williams tivesse sobrevivido a uma infância complicada, no final da adolescência ele começava a se tornar independente, já excepcionalmente sagaz e adepto de fazer as pessoas darem risada. Porém, ainda não estava totalmente claro se esse seria seu caminho, não apenas como pessoa, mas como artista. Seus colegas de classe não sabiam exatamente o que pensar sobre isso. Será que ele conseguiria ser bem- sucedido nesse mundo enorme em qualquer que fosse seu talento? Na formatura, os colegas de classe o elegeram “o mais engraçado” e o “menos propenso a alcançar o sucesso” – e aqui eles certamente estavam errados.

“E algumas pessoas dizem que Jesus não era judeu. É claro que ele era judeu! Trinta anos de idade, solteiro, vivendo com os pais… qual é?! Trabalhava no negócio do pai, a mãe achava que ele era um presente de Deus. Ele é judeu, desistam!”

ROBIN WILLIAMS CAPÍTULO TRÊS

ROBIN E A JUILLIARD

“Sou um entertainer inato. Quando abro a porta da geladeira e a luz se acende, entoo uma canção.”

ROBIN WILLIAMS

Robin Williams era, se não um talento inato, alguém que certamente se afinou com seus talentos por meio das vicissitudes da infância. Mas a ficha ainda não tinha caído. Então, em 1969, ele se matriculou na Claremont Men’s College, em Claremont, Califórnia, para estudar ciência política. Todavia, ele não tinha nascido para isso, e logo deixou o curso de lado. Aliás, cursou apenas um semestre. Dependendo do que você escolher acreditar, ou ele deixou a faculdade porque tinha cometido um enorme equívoco, ou então foi expulso por invadir um salão de jantar com um carrinho de golfe. Robin certamente tinha atuado durante o tempo que passou em Claremont e sentia- se mais inclinado a perseguir seu dom. Seja qual for a verdade, ele não passou muito tempo no curso de ciência política. Seu pai não ficou contente, mas aceitou a situação tão bem quanto se poderia esperar. Todavia, aconselhou o filho a, apenas por precaução, aprender uma profissão “prática”: soldagem. Robin chegou a fazer uma aula, mas o instrutor não o encorajou muito: “Você pode ficar cego com isso”, dissera o homem. Não foi o momento de maior sucesso na vida de Williams. Na verdade, para qualquer um com um mínimo de percepção, ficava cada vez mais claro que Robin não era apenas talentoso; ele era extraordinário, destacava-se muito dos demais. Mesmo agora, nesse início de carreira, demonstrava uma perspicácia, uma capacidade de improviso, um dom extraordinário para comédia em alguém tão jovem. Todos aqueles elementos que vieram anteriormente – a luta contra o bullying, tentar atrair a atenção da mãe, a solidão que o levou a depender de sua imaginação – estavam lá, obviamente, mas havia algo mais. Williams tinha capacidades bastante excepcionais, que agora começavam a fazer sentido. O Claremont Men’s College e a carreira nas ciências políticas não eram uma opção. Era preciso repensar seu rumo, e rápido. Então, ele se matriculou no College of Marin, em Kentfield, Califórnia, onde estudaria teatro pelos próximos três anos. Era uma faculdade comunitária, na qual os alunos não recebiam diplomas per se, mas realizavam o tipo de estudo que era essencial entre a escola e a universidade. Agora, o lado anárquico de Robin se viu verdadeiramente livre. Outros estudantes lembram-se dele andando de shorts verdes e touca de natação, fazendo o andar tolo. (Isso foi na época em que a televisão britânica exibia Monty Python* e muitos aspirantes a comediante estavam fazendo seus próprios andares tolos.) * A trupe inglesa criou o esquete "The Ministry of Silly Walks" (traduzido aqui no Brasil como "O Ministro do Andar Tolo"), no qual o personagem interpretado por John Cleese é um funcionário do "Ministério do Andar Tolo", responsável por desenvolver os andares tolos dos cidadãos por meio de doações e subsídios. Trata-se de uma sátira do grupo ao modo inglês de caminhar, bem como aos numerosos Ministérios na Inglaterra. (N.E.) De acordo com seu professor de teatro, James Dunn, Robin se destacou desde o primeiro momento. Foi um personagem de uma adaptação de Dickens que o fez destacar-se. E, conforme os anos se passavam, foram seus talentos para o improviso que o fizeram se sobressair. “Quando ele fez o papel de Fagin, em Oliver!, eu logo me dei conta de que Robin era mais talentoso do que os outros garotos”, contou Dunn ao Marin Independent Journal logo após a morte de Williams ser anunciada. “Estávamos tendo problemas com a luz e, à meia-noite, só tínhamos encenado metade do musical. Em certo momento, ele começou a falar com um bastão que tinha nas mãos, e o bastão respondia. Isso desfez a tensão e levou o pessoal a rir histericamente. Lembro que liguei para minha esposa às duas horas da manhã para contar que aquele jovem seria alguém especial.” Fagin não foi o único papel com o qual ele se destacou; os amigos também lembram de sua performance como Malvólio em Noite de Reis, de Shakespeare. Os críticos que sentiram que ele deveria permanecer na comédia stand-up e não seguir o caminho da atuação séria talvez se surpreendam ao descobrir a ambição que existia em Robin desde o início. Por outro lado, ele usava os monólogos como inspiração para algumas improvisações próprias. Reduzia os colegas de classe a lágrimas de risos, mas, apesar de seus comentários subsequentes sobre os demais alunos, muitos sentiam que Williams estava testando a paciência de Dunn. Todavia, o professor apreciava a energia fenomenal que fluía de seu aluno, sobretudo aquela manifestada nas primeiras horas da manhã. Dunn realizava um evento anual de 24 horas para levantar fundos, no qual testava as capacidades de seus alunos. Robin era capaz de aparecer às duas ou três horas da manhã e dar início à sua performance. De fato, sempre que estava diante do público, ele não parava. Robin tinha um pequeno Fusca, o qual dirigia do restaurante Trident até o cais de Sausalito. Para bancar parte dos estudos, trabalhava no Trident como garçom e até mesmo lá promovia um show secundário, fazendo malabarismo com pratos e copos e o que mais chegasse às suas mãos enquanto presenteava os clientes com uma rotina de comédia improvisada. Marin nunca tinha visto algo daquele tipo! Fora do trabalho, todavia, ele não se mostrava assim. Era tímido. Após sua morte, muitos comentaram que, quando estava fora do palco, Robin era muito diferente daquele homem que surgia em cena quando as cortinas se abriam: não fazia piadas e, de muitas formas, preferia a reclusão. Um amigo comentou que Robin vivia “em um lugar escuro”, o que, na época, também era verdade. Entretanto, isso não o impedia de trabalhar em sua atuação. Quando não estava na faculdade ou trabalhando de garçom, Williams fazia aparições nos clubes de comédia locais, começando com o Holy City Zoo, onde conquistou seu espaço, iniciando suas atividades como barista até finalmente subir no palco. O Holy City Zoo recebeu esse nome do primeiro dono, Robert Steger, que conseguiu uma placa gratuita em uma loja prestes a fechar no zoológico de Holy City, Califórnia. (Certa vez, chegou-se a dizer que Williams “usava o clube como seu espaço de ensaio na vizinhança”.) Localizado na região de Richmond, em San Francisco, o estabelecimento era minúsculo, acomodando apenas 78 pessoas sentadas. Também vendia cerveja, vinho e refrigerantes, e originalmente era uma casa de música folk. Todavia, a direção começou a abrir espaço com o microfone aberto para comediantes aos domingos, e esses shows se tornaram tão populares a ponto de se estenderem para o resto da semana. Foi no Holy City Zoo que Robin começou a aprimorar sua arte, em um ambiente pequeno e seguro, entre pessoas que ele conhecia. Robin tinha uma história de estudos formais muito mais densa que a maioria das pessoas imaginava, mas foi nesse clube (e em outros) de San Francisco que ele aprendeu seu ofício. (Aliás, depois de se tornar famoso, ele voltou ao Holy City Zoo. E sempre deixou outros artistas se apresentarem antes de seus shows. O que, para os artistas novos, era uma ótima forma de atrair público.) O Holy City Zoo fechou as portas em 1984, mas viria a reabrir no futuro. “Fico triste”, declarou Robin. “Passamos por momentos maravilhosos e por momentos estranhos aqui. Esse lugar não era um refúgio, era uma reserva de caça. Eu me lembro de um cara negro enorme que vinha com um taco de basebol e dizia: ‘Eu gostaria de fazer uma audição’. Mas muito disso ficou no passado. Tantas mudanças…” Quando o clube por fim fechou de uma vez por todas, em 1993, Robin ficou tão entristecido quanto muitos dos antigos alunos do local. Era “como se alguém desligasse os aparelhos de suporte à vida da sua tia. É deprimente. O Zoo foi o útero”. O comediante Steve Pearl viu Williams se apresentar no Holy City Zoo. Robin era “um tornado, frenético, tomava conta de todo o palco”, contou Pearl ao The New Yorker em um tributo a Williams. “Aquilo me inspirou e me assustou ao mesmo tempo.” Agora, Robin também começava a ganhar seu próprio dinheiro. Durante toda a vida, ele foi reconhecido por sua generosidade excepcional, e bem ali, no começo, quando não ganhava praticamente nada para trabalhar no Holy City Zoo, ele soube da dívida gerada pelas apostas de um amigo. E a pagou. Outros lugares em que ele fez aparições incluíram o The Boarding House e o Old Spaghetti Factory. O The Boarding House era outro ponto agitado da comédia – foi onde Steve Martin gravou seus primeiros três discos. O local também recebeu várias outras lendas da música, incluindo Dolly Parton e Talking Heads. O Old Spaghetti Factory começou sendo exatamente o que o nome diz – uma fábrica de macarrão –, e posteriormente se transformou em um restaurante que contava com um cabaré. O espaço também recebeu alguns nomes extremamente famosos, entre os quais os pioneiros da geração beat, Jack Kerouac e Allen Ginsberg; também Ken Kesey (autor de Um Estranho no Ninho). Toda a cena era incrivelmente cheia de vida, e Williams era grande parte disso. Agora ele começava a ganhar seguidores: as plateias buscavam os shows dos quais ele faria parte. Robin muito provavelmente não sabia o que viria em seguida, pois estava se saindo muito bem ao construir seu caminho para o sucesso. Entretanto, o jovem Robin Williams era cheio de ambição e estava ansioso por frequentar uma das melhores escolas de artes existente. Já ficava claro que Robin chegaria a algum lugar, mas agora ele entrava na liga dos campeões. Após três anos em Marin, em 1973 ele ganhou uma bolsa integral de estudos na The Juilliard School, em Nova York. Robin foi um dos 20 alunos a conquistarem uma vaga naquele ano, e um dos dois únicos aceitos no Programa Avançado de John Houseman, que foi a primeira pessoa a perceber seu enorme potencial. O outro aluno foi Christopher Reeve, famoso por Superman e que também se tornaria um amigo de Robin para toda a vida. Outro colega de classe foi o ator de filmes e de teatro William Hurt. “Ele usava camisetas tie-dye com calça comprida e falava mil palavras por minuto”, Reeve posteriormente falou de seu amigo. “Eu nunca tinha visto tanta energia contida em uma pessoa. Ele era como um balão desamarrado que havia sido inflado e imediatamente solto. Eu observava impressionado enquanto ele praticamente ricocheteava pelas paredes da sala de aula e dos corredores. Dizer que ele vivia ‘ligado’ seria um enorme eufemismo.” Isso marcava um passo significativo no destino de Williams. A Juilliard é uma das mais prestigiadas escolas de arte do mundo. Fica no Lincoln Center for Performing Arts em Nova York, e o processo de admissão dos alunos é extremamente difícil. A escola se gaba por uma proporção significativa de seus alunos fazerem parte da crème de la crème da indústria das artes americana. Dança, teatro e música são ensinados lá, e, para um aluno, conseguir um lugar ali era preciso ter o máximo possível de certeza de que ele se tornaria um sucesso no mundo do show business. A Juilliard, embora seja uma escola de atores, e não de comediantes, contribuiu enormemente para o futuro de Robin na comédia. Ele já vinha de uma formação sólida, abastada e sofisticada, mas a Juilliard lhe deu uma camada extra de educação, referências e conhecimento. Como Williams sabia ser extremamente engraçado no palco, era parte da cultura pop e acabou se envolvendo com a cultura das drogas nos anos 1970. É muito fácil negligenciar quão bem educado e literato ele era. Robin já conhecia Shakespeare, mas a Juilliard lhe ensinou mais. Ele era capaz de declamar demoradamente um solilóquio de Shakespeare antes de desviar pela tangente e começar a falar de drogas. O esnobismo em alguns setores acerca de sua carreira como ator mainstream foi algo totalmente descabido: Williams era um ator de formação clássica, extremamente bem instruído. Ele só por acaso também tinha um lado cômico. Depois de entrar para a Juilliard, ele passou a chamar a atenção de John Houseman, o ator americano e inglês de origem romena que anteriormente havia trabalhado extensivamente com Orson Welles e sido grandemente aclamado pelo papel do Professor Charles Kingsfield no filme O Homem que eu Escolhi, de 1973. Um titã do mundo das artes performáticas, tanto no cinema quanto no teatro, ele também foi diretor fundador da Divisão de Teatro da Juilliard, e seus outros protégés incluíam o ator e comediante Kevin Kline, a atriz e cantora Patti LuPone, e a atriz, tenor, artista vocal e comediante Mandy Patinkin. As experiências de Williams na Juilliard se provariam mistas, talvez mais negativas, mas ele sem dúvida colheu os benefícios de seu trabalho com Houseman. Enquanto estava na Juilliard, ele e Christopher Reeve dividiram um quarto, e foi então que os dois desenvolveram uma ligação que só terminaria com a triste e prematura morte de Christopher, vítima de uma parada cardíaca em 2004. Aliás, Robin não poderia ter descrito melhor seu amigo: “Ele é TÃO bom e um ator tão cheio de métodos que Oliver Sacks queria fazer uma eletroencefalografia para ver se conseguia duplicar as ondas cerebrais de seus pacientes. Não estou brincando!”, declarou Robin em uma entrevista publicada em 2013 pela Reddit, “Ele foi um amigo tão bom na Juilliard, literalmente me alimentou quando eu não tinha dinheiro e minha bolsa ainda não tinha chegado. Ele dividiu a comida comigo”. Na ocasião, os dois jovens prometeram que aquele que fosse mais bem-sucedido ajudaria o outro. Posteriormente, os dois se tornaram artistas de sucesso mais ou menos na mesma época, e a ligação entre eles resistiu. Williams continuou tendo um papel importantíssimo na vida de Reeve após o acidente. Surgiram rumores de que Robin ajudava financeiramente a família do amigo – talvez uma pequena retribuição por todas as refeições compartilhadas. Outros colegas incluíam Kelsey Grammer (de Cheers e Frasier) e Diane Venora, nomeada ao Globo de Ouro e vencedora do New York Film Critics Award por sua performance em Bird, de Clint Eastwood, um retrato de Charlie Parker, grande nome do jazz. “Todos nós passamos quatro anos no mesmo grupo”, contou Diane ao Los Angeles Times. “Ele era brilhante e complexo, extremamente sensível, detentor de uma vulnerabilidade e humildade que dava a seu trabalho um poder enorme. Eu o amava muito.” Christopher Reeve também elogiou muito o talento de seu amigo. “Robin e eu entramos no nível do terceiro ano”, ele contou à New York Magazine em 1993. “Fomos colocados em seções avançadas especiais; com frequência, éramos os únicos alunos na sala. John Houseman tinha uma ideia de como o ator da Juilliard deveria ser – bem articulado, mas um pouco homogeneizado. Então não é surpresa que os professores ficassem abismados com Robin. Ele realizou um monólogo de Beyond the Fringe que nos fez rir tanto a ponto de chegarmos a sentir dores físicas. Eles diziam que aquilo era ‘um ato de comédia, não uma atuação’.” Mas Robin era muito bom – e se tornava cada vez melhor – nos “atos de comédia”. Robert M. Beseda, que se tornou decano de teatro na North Carolina School of the Arts, era um colega. “Fomos colegas de faculdade”, ele contou ao Time Warner Cable News. “Ele estava um ano atrás de mim. Eu não o conhecia bem; ele era cool demais para o meu gosto, mas de fato era engraçado. Atraía atenção e nos fazia morrer de rir. Eu me lembro de Robin em um workshop de Sonho de uma Noite de Verão. Ele era Tisbe e, quando os mecânicos realizaram sua performance, no quinto ato, ele tinha duas toranjas no vestido, formando os seios. Em certo momento, elas de repente saltaram para fora e ele as usou para fazer malabarismo. Foi um dos momentos mais engraçados da história da comédia. Eu nunca vou esquecer. É uma grande perda para um mundo que precisa daquilo que ele nos dava com tanta generosidade!” Enquanto isso, Nova York formava um contraste total com San Francisco. A cidade tranquila no Pacífico não se assemelhava em nada com a agitada metrópole onde Williams agora vivia, casa da Broadway, onde ele posteriormente atuaria, e um dos mais vibrantes e estimulantes lugares do mundo. Era a primeira vez que ele vivia sozinho (embora dividisse seu espaço com Reeve) na vida adulta, e a primeira vez que estava livre dos pais e podia viver em seus próprios termos. Todavia, os antigos demônios continuavam existindo. As pessoas estavam fascinadas por sua comédia – pelo elemento maníaco de sua comédia –, mas ninguém realmente entendia o que havia por trás daquilo: o garotinho que havia sofrido bullying e que tentava se aproximar da mãe ausente. Robin estava aprendendo a formar uma carapaça e disfarçar a dor, canalizando-a para outros lugares, mas nem mesmo toda a animação da Juilliard e da cidade de Nova York eram capazes de suprimir completamente a dor. Infelizmente, não demoraria até ele buscar outras formas de tentar suprimi-la, mas, por enquanto, ele estava aprendendo rápido. Para ganhar alguns trocados, ele e um amigo faziam números de pantomima na frente do Metropolitan Museum of Art. Em um dia, chegaram a lucrar 75 dólares – uma soma bastante razoável para a época. Uma das professoras de Robin (e de Christopher) era Edith Skinner, técnica de voz que os ensinou a falar em diferentes dialetos. Ela logo descobriu que Robin já sabia fazer aquilo, sem precisar de ajuda. Michael Kahn era outro professor e, embora inicialmente menosprezasse Robin um pouco, vendo-o como apenas um ator de stand-up, acabou se rendendo após ver a performance do ator como o jovem de A Noite do Iguana, de Tennessee Williams, que transformou-se em um enorme sucesso. Robin continuou na Juilliard por mais dois anos, e por fim deixou a escola sem se formar. Mais uma vez, as histórias diferem quanto ao motivo. Algumas décadas atrás, ele aparentemente se sentia envergonhado pelo motivo que o fez sair. De acordo com algumas versões, Robin teria deixado a instituição por vontade própria. Entretanto, no livro Juilliard: A History, a escritora Andrea Olmstead conta que a instituição o teria convidado a se retirar, embora ela inclua isso em uma lista de “erros que poderiam constranger a escola”. De fato, a Juilliard se concentrou em promover sua ligação com Robin Williams e, independentemente do que eles possam ter pensado naquela época, a instituição se mostrou muito orgulhosa de ter sido parte da vida do ator. Robin nunca lançou muita luz sobre o assunto, tendo dito, em 2001, que ainda não tinha diploma de nenhuma faculdade. (A Juilliard então concedeu-lhe um diploma honorário.) Todavia, parece que a escola o subestimou significativamente, vendo-o apenas como um comediante, e não como um ator, falhando, portanto, em enxergar Williams mais profundamente. Gerald Freedman, decano emérito da Escola de Drama da North Carolina School of the Arts, no centro de Winston-Salem, foi professor de Williams na Juilliard, e uma entrevista por ele concedida após a morte do ator pode lançar luz sobre o assunto. “Isso é extremamente triste… Ele era um gênio, um inovador… Fui seu professor na Juilliard”, ele contou ao Time Warner Cable News. “Ele não era muito adequado a um programa de treinamento clássico e conservador, mas nós reconhecemos seu talento e ele sempre levou na esportiva. Ninguém ficou surpreso quando Robin deixou a escola antes de se formar e se tornou o que se tornou. Sinto muitíssimo por termos perdido-o, por a situação ter chegado a esse ponto. Ele tinha muito a dizer sobre o mundo em que vivemos. Talvez tudo isso o tenha atingido. Não sei.” Levar na esportiva? Isso certamente implica que a saída de Robin não foi totalmente sua escolha, mas fruto de uma incapacidade de controlar seu senso de anarquia. Ademais, o fato de ele precisar transformar todas as performances em um ato cômico era, novamente, sinal de uma necessidade existente dentro de si. Ele mesmo em certa ocasião admitiu que sofria da “Síndrome do Me Ame”, e lá estava ela, manifestando-se novamente. Robert M. Beseda também sinalizou que o temperamento de Williams era simplesmente inadequado para o estudo formal. “Ele era um excelente imitador – conseguia imitar com perfeição todos os professores e talvez eles não gostassem disso”, contou ao News Piedmont. Certamente foi uma ironia da vida o fato de muitos estudantes que vieram a frequentar a Juilliard citarem Robin Williams como um de seus heróis e um dos motivos que os inspirou a seguir a carreira de ator. Isso também implica que talvez lhe faltasse um pouco de tato para desafiar figuras de autoridade. E as figuras de autoridade não gostavam disso. Uma terceira versão dos eventos veio à tona posteriormente – deve-se esclarecer que se trata de uma versão que apareceu consideravelmente mais tarde e que, talvez, busque não manchar reputações –, lançada pela Juilliard. A instituição teria alegado que ninguém menos do que John Houseman sugerira que Williams saísse porque não havia nada que a Juilliard pudesse lhe ensinar, então Robin podia ganhar imediatamente sua credencial para a comédia. Isso não parece ser totalmente verdade – a Juilliard é o tipo de instituição que sempre acredita ser capaz de ensinar algo mais às pessoas. Entretanto, Williams estranhamente permaneceu em silêncio. Ele claramente nunca sentiu necessidade de apresentar o seu lado da história, preferindo deixá-la de lado. O ator James Marsters, que apareceu como Spike na série de TV Buffy, a Caça-Vampiros (1997–2003) e que também deixou a Juilliard mais cedo, apresentou outro argumento: “A piada da Juilliard é que os atores que acabam trabalhando são sempre os que foram chutados”, ele contou ao Mediatainment Online em 2001. “Robin Williams, John Hurt… é infinita a lista de pessoas a quem foi dito que jamais seriam atores, que deveriam deixar esse caminho antes de se tornarem amargurados. A Juilliard tem um programa de atuação fortemente arregimentado, e, se você tiver um espírito individual, eles tentarão acabar com essa sua característica. A minha opinião é que meu instinto como ator é a única coisa que tenho a oferecer, e eu não os deixaria arrancar isso de mim. Ah… então é muito legal. Não quero falar mal da Juilliard, mas não era o programa certo para mim e as duas partes perceberam isso.” Tampouco era o programa certo para Robin. Não que isso importasse muito no longo prazo. Todavia, ele claramente não carregou mágoas, pois anos depois arcou com os custos para estudantes frequentarem a Juilliard – estudantes que, sem essa ajuda, não conseguiriam se formar. Jessica Chastain foi uma das beneficiadas. “Sou a primeira pessoa da minha família a fazer faculdade”, contou à revista Interview em 2011. “Nós não tínhamos muito dinheiro, e a Juilliard é uma escola muito cara. Robin Williams é um aluno muito generoso da Juilliard e a cada dois anos oferece uma bolsa de estudos a um aluno. Paga tudo. E eu consegui essa bolsa. Ainda não tive a oportunidade de conhecê-lo.” Compreensivelmente, logo após a morte de Robin, Jessica quis fazer uma homenagem: “Robin Williams mudou minha vida”, declarou. “Ele foi um grande ator e uma pessoa generosa. Por meio de uma bolsa de estudo, tornou possível que eu me formasse na faculdade. Seu espírito generoso vai me inspirar a ajudar outras pessoas como ele me ajudou. Sentiremos sua falta para sempre.” Nos últimos anos, obviamente, as várias instituições nas quais Williams estudou quiseram se aliar à imagem do excelente ator e gênio da comédia. Ele chegou a manter contato com algumas delas, incluindo James Dunn no College of Marin, e sua morte foi um terrível choque para as instituições e os indivíduos envolvidos em sua carreira. Muitos deles quiseram prestar homenagens ao mestre que os havia deixado (e havia deixado a muitos outros). “Pela primeira vez, seus olhos pareceram profundos e seu rosto cansado”, contou Dunn, que via Williams ocasionalmente ao longo dos anos, ao MailOnline sobre um dos últimos encontros. “Ele sempre teve um encanto travesso, desde que consigo me lembrar, mas essa característica havia desaparecido. Sempre existiu uma aura em volta dele. Robin sempre atraiu a atenção das mulheres. Era impossível não amá-lo, e isso definitivamente as atraía. Era um mulherengo, não resta dúvida quanto a isso, e sempre pareceu capaz de enfrentar qualquer coisa.” (Devemos esclarecer que Dunn estava falando do passado, e não do casamento de Robin com sua esposa, Susan Schneider, que foi extremamente feliz.) “Ele era um cara perspicaz”, continuou. “E até recentemente parecia estar em boa forma, apesar dos problemas do coração. Existem pessoas que carregam demônios, mas Robin não era assim, eu nunca o enxerguei como uma pessoa sombria. Porém, alguns comediantes têm um lado sombrio. Acho que é difícil ser engraçado e extrair os absurdos da vida. Ele usou muitas drogas, mas depois ficou limpo. Então, passou a usar álcool e foi para a reabilitação algumas vezes. Quando você olha para trás, pensa: ‘Bem, ele viveu a vida’. Robin era como uma mariposa sobrevoando uma chama. Por fim, acabou se queimando.” Devemos dizer que nem todos concordam com Dunn – muitos acreditam que Robin Williams de fato tinha um lado sombrio. Sempre havia uma tristeza subjacente, mesmo em seus momentos mais engraçados. Naturalmente, a Juilliard foi também afetada pela morte do ator. Ironicamente ou não, Robin Williams estava entre os alunos mais famosos; o garoto considerado “individual” demais para estudar atuação naquela escola transformou-se em um dos melhores atores do mundo. A instituição emitiu a seguinte nota:

DECLARAÇÃO DA JUILLIARD SCHOOL SOBRE A MORTE DE ROBIN WILLIAMS

A comunidade da Juilliard está profundamente entristecida pela morte de Robin Williams, nosso distinto aluno. O gênio de Robin para o improviso cômico, que rapidamente surgiu em seus estudos na Juilliard, vinha acompanhado de sua profunda compreensão da arte da atuação e de como tocar o público de forma significativa. Ele era um apoiador generoso dos alu nos de teatro da escola. Por meio da Bolsa de Estudos Robin Williams, arcava com a mensalidade de um aluno do curso por ano. Como artista, reunia uma mistura única do treino tradicional para atuação com o espírito criativo que criou um novo padrão para a performance no cinema, na televisão e no teatro ao vivo. Seu jeito carinhoso e sua personalidade efervescente deixarão saudades em todos aqueles que foram tocados por essa pessoa especial.

Joseph W. Polisi Presidente da The Juilliard School CAPÍTULO QUATRO

SENSAÇÃO DOS ANOS 1970

“Comédia é representar o otimismo.” ROBIN WILLIAMS

Após a Juilliard, Williams mudou-se de volta para a Califórnia, lugar que se tornaria sua casa para o resto da vida. Independentemente de quais tivessem sido suas experiências até aquela época – e suas ambições de atuação eram tão ardentes quanto sempre – uma coisa estava clara: Robin tinha o dom de um gênio da comédia e faria bom uso desse dom. Em suas próprias palavras, isso aconteceu porque sua atuação não estava indo nada bem: “Deixei a escola e não conseguia encontrar trabalhos como ator, então comecei a trabalhar em clubes onde era possível fazer stand-up. Eu sempre improvisei, então o stand-up era um enorme alívio. De repente, éramos só eu e o público”. E não é que funcionou? Obviamente, Robin já tinha certa experiência anterior com stand-up, mas agora era hora de dar início a uma carreira. Já tinha realizado performances em San Francisco, mas chegava a hora de se mudar para o circuito de Los Angeles, onde ele começou a trabalhar. E, como é bem documentado desde então, sobretudo pelo próprio ator, ele embarcou em uma jornada de autodestruição, envolvendo bebidas e drogas. E não foi o único… Durante esse período, descobriu sobre “as drogas e a felicidade”, ele revelou, acrescentando ter visto “os melhores cérebros da minha época se transformarem em lama”. A cena dos clubes de comédia de Los Angeles da década de 1970 viria a produzir alguns dos melhores talentos da indústria americana de entretenimento até hoje. É uma marca de seu gênio o fato de Williams ter se destacado entre os nomes a seguir, tendo todos emergido mais ou menos na mesma época: David Letterman, Andy Kaufman, Jay Leno, Richard Lewis, Sam Kinison, Elayne Boosler, Tom Dreesen e George Miller. Todos eram talentos excepcionais à sua maneira, mas Williams acabou eclipsando todos. Quase imediatamente, ele causou uma sensação: “Robin parecia ser onipresente naquela época, e era assunto de discussão aonde quer que fosse”, comentou a escritora Merrill Markoe. Ele era “um ciclone da comédia. Em suas atuações, Williams era id, ego e superego, tudo ao mesmo tempo”. Muito já foi escrito sobre o estilo intenso e extremamente engraçado de stand-up de Robin, mas, de certa forma, esse estilo desafia a análise; ademais, o garotinho que tão desesperadamente buscava a atenção de sua mãe não estava implorando de forma tão ansiosa a afeição do mundo todo. Suas performances eram vigorosas, além de frenéticas. Em certos momentos, pareciam perigosas, não por conta do assunto (embora esse conteúdo com frequência fosse bastante arriscado), mas por conta do que esse material dizia sobre o estado mental de seu criador. Vincent Canby, o crítico de cinema americano que, como Williams, viera de Chicago, certa vez declarou que os monólogos eram tão intensos que o “processo criativo [de Williams] podia se reverter em um completo colapso” – uma observação bastante presciente, tendo em vista que o que aconteceu no fim foi quase exatamente isso. O próprio Robin tentou explicar: o fluxo de ideias era infinito, ele dizia, porque sempre havia algo acontecendo no mundo, algo que o levava a reagir. A associação livre mantinha o público interessado. E assim por diante. Williams citou muitas influências em sua atuação, incluindo Jonathan Winters, Peter Sellers, Mike Nichols, Elaine May e Lenny Bruce. O motivo pelo qual ele gostava desses atores era não apenas o fato de eles serem extremamente engraçados, mas também muito inteligentes. Todos eram eruditos, como ele próprio, embora já se tenha dito algo no sentido de que nenhum deles, nem mesmo Sellers, o mais parecido com Robin como ator, chegasse próximo à sua intensidade. Ele admirava particularmente o trabalho de Jonathan Winters (ator de comédia de improviso que apareceu na famosa série de comédia de ficção científica Mork & Mindy), que também era uma fonte de energia com um enorme dom para imitação. A descrição de Williams de por que gostava tanto desse ator é um resumo bastante pertinente de seu próprio trabalho: “Qualquer coisa é possível, qualquer coisa é engraçada… Ele me deu essa ideia de que se pode trabalhar de forma livre, que você pode entrar e sair das coisas com muita facilidade”, o escritor, colunista e crítico Gerald Nachman cita as palavras de Robin. Era verdade e, até certo ponto, qualquer um podia fazer stand-up… Mas fazer bem? Isso requeria um talento muito raro, e um talento que Robin obviamente cultivava aos montes. E ele adorava trabalhar com Winters. “Era uma alegria”, declarou em 2013, em uma entrevista ao Reddit. “Acredito que eu tenha dito no Oscar que era como dançar com Fred Astaire, mas ainda melhor do que isso porque, estando perto de Jonathan, ele fazia uma performance para todo mundo. Não havia plateia pequena demais. Acho que uma vez o vi imitar um gato para um beagle. E tive a mesma experiência assistindo ao The Tonight Show com meu pai. Assistir aquilo e rir de Jonathan com meu pai nos ajudou a nos aproximar, e muito. Minha fala preferida de Jonathan Winters é: ‘Você já tirou a roupa na frente de um cachorro?’.” Williams também era um enorme fã de Peter Sellers, tendo o ouvido no programa de rádio The Goon Show da BBC Home Service – um programa considerado inovador para a época. E, em uma entrevista, ele falou ao apresentador Michael Parkinson sobre a performance de Sellers no filme Dr. Fantástico: “Não existe nada melhor do que aquilo”. Peter Cook e Dudley Moore, à frente do sucesso da sátira no início da década de 1960, e outro grupo de homens ilustrados e bem educados também o influenciaram. Richard Pryor foi outra inspiração, embora, como Robin, também tenha sucumbido ao álcool e às drogas. De fato, é notável que, com a possível exceção de Nichols e May, todos os artistas que Williams citou como suas primeiras influências não eram apenas extremamente engraçados, mas também extremamente problemáticos. Winters teve alguns colapsos bastante severos e passou algum tempo em um hospital psiquiátrico. Peter Cook tornou-se alcoólatra. Dudley Moore lutou contra a depressão. Peter Sellers nunca foi capaz de ser ele mesmo: só se sentia feliz durante as performances e morreu de ataque cardíaco com apenas 54 anos, deixando para trás uma família repleta de tragédias e tormentos. Lenny Bruce acabou viciado em drogas e morreu aos 40 anos após uma overdose. Richard Pryor, que também morreu relativamente novo (aos 65 anos de idade) de um ataque cardíaco, em dezembro de 2005, enfrentou problemas com álcool e drogas no mínimo piores do que os do próprio Robin. Por sinal, esse problema tornava-se mais do que mera coincidência. Aliás, a maior parte dos melhores comediantes são pessoas problemáticas – eles fazem as pessoas rir para esconder sua própria dor. E assim começava uma carreira que seria o melhor e o pior caminho que Williams poderia ter escolhido. Sua energia e exuberância eram tais que precisavam encontrar uma válvula de escape para algum lugar, e que lugar melhor do que fazer as pessoas darem risada? Robin disse a Michael Parkinson que falava sobre problemas pessoais porque era “mais barato do que pagar um terapeuta” – uma observação bastante pertinente, no mínimo porque ele mesmo acabaria fazendo terapia por grande parte da vida. E, de alguma forma, isso era verdade. Se existiam coisas que o faziam chorar na vida privada (e elas existiam – Robin derrubava lágrimas muito mais facilmente do que qualquer um poderia imaginar naquela época), então certamente parecia um alívio abençoado conseguir usar esses mesmos problemas para fazer as pessoas gargalharem. Entretanto, essa era uma existência maníaca e não criada para acalmar um homem já oscilando no limite. Era uma vida instável: as performances acontecem à noite, e o ator, após oferecer tudo de si, acaba em um pico de euforia. E depois disso, para onde ir? Para outro pico de euforia, dessa vez induzido pela química. Williams posteriormente revelou que nunca bebia ou usava drogas antes de uma performance, mas certamente o fazia depois, e com frequência atuava de ressaca. Robin só fez uma atuação após ter usado cocaína, o que, segundo ele, deixou-o paranoico; não foi uma combinação feliz. Havia também o fato de ele estar constantemente na estrada, exposto aos novos talentos e cercado por todas as formas de tentação que se provariam difíceis de resistir. “É um campo brutal, cara”, ele é citado no excelente livro de Gerald Nachman, Seriously Funny: The Rebel Comedians of the 1950s and 1960s. “Eles se desgastam demais. Isso tem um preço. E também, o estilo de vida… Festas, bebidas, drogas. Se você está na estrada, isso é ainda mais brutal. Precisa voltar para relaxar, e aí a performance o joga no mundo outra vez. Eles se esgotam porque a coisa vem e vai. De repente, você é a sensação do momento, e depois outra pessoa é a sensação do momento. Às vezes, eles ficam muito amargurados; outras vezes, simplesmente desistem. Em algumas ocasiões, passam por um ressurgimento e voltam. Outras vezes, explodem. A pressão aparece. Você fica obcecado e perde o foco que precisa ter.” Nem todos acreditam que os problemas de Robin eram piores do que os de qualquer outra pessoa. Afinal, isso se deu na década de 1970: praticamente todo mundo no show business usava drogas. “Qualquer um que cresceu naquela época teve essas experiências”, contou à Variety Chris Albrecht, diretor-executivo da Starz e amigo próximo de Williams. “Robin não foi o único nesse sentido. Eram os anos 1970.” Isso certamente é verdade, mas Robin também tinha um traço depressivo, uma personalidade propensa ao vício e uma vulnerabilidade que não era óbvia quando alguém o via no palco ou, de fato, para a maioria das pessoas na vida particular. Ele tinha uma propensão à autodestruição que certamente não seria ajudada pelas drogas. “Toda noite era diferente”, James Dulworth, que agora é diretor do Dangerfield’s Comedy Night Club, em Manhattan, revelou à CBS News após a morte de Williams. Ele era responsável pela contratação dos talentos da Comedy Store quando Robin surgiu na cena. Dulworth também revelou que os improvisos do ator eram um pouco mais ensaiados do que pareciam. “Todas as noites, ele criava as cenas em seu cérebro para qualquer situação”, contou. “Já tinha as piadas prontas para a maioria das situações. A dona do Comedy Store era Mitzi Shore, mãe de Pauly Shore. Eu trabalhei para ela bem no início, e ela encontrou [Williams] em San Francisco e o levou para lá [Los Angeles].” Outros que assistiram às suas performances na época atestam que Williams era um gênio do humor. “Ele causava convulsões de risos na plateia”, contou Mark Breslin, que contratou Williams para se apresentar no clube do qual era dono na época, em Toronto. Agora diretor da rede de clubes de comédia Yuk Yuk’s, ele falou à CBC News: “Ele fazia personagens, sotaques, associações insanas e jogos de palavras. Transformava todo o clube em um palco para si. Andava pelas mesas e fazia comédia. Era completamente incrível”. A gama de assuntos assustava as pessoas. Em um momento, ele estava citando Shakespeare (citar Shakespeare imitando alguma personalidade, como Jack Nicholson ou Marlon Brando, seria uma de suas especialidades e extremamente bem utilizado no filme Sociedade dos Poetas Mortos, de 1989; no instante seguinte, agarrava a virilha para ter certeza de que o “Sr. Feliz” estava em casa. Ele transitava por tudo, fingindo ser Hortelino Troca-Letras cantando músicas de rock antes de transformar o refrão em uma cena policial. Para o público, era impossível ficar entediado ou imaginar o que viria a seguir. “Realidade! Que conceito!”, ele gritava, mas às vezes era difícil entender o que ele realmente compreendia como sendo a realidade. Havia uma mistura de comédia e sátira – material que seria engraçado em um momento, mas também extremamente tópico, refletindo os acontecimentos da época. Aquilo era exaustivo? Williams continuaria seu stand-up na carreira televisiva, deixando o teatro para entreter outro público, mas certamente a graça e a diversão tinham seu lado obscuro. No palco, sujeito a adulação, ele desfrutava de um público que ria histericamente, mas, nos bastidores, após a performance, era como deixar para trás um pico de euforia. Para alguém com a personalidade de Robin Williams, isso talvez inevitavelmente deixasse um vazio que precisava ser preenchido de alguma forma. E não era difícil ver de que forma ele seria preenchido. Já naquela época ficava aparente que ele era uma alma problemática. Começava a entrar no mundo do álcool e das drogas, e os mais perceptivos sabiam que aquilo não terminaria bem. “Nunca vou me esquecer de como ele era sensível”, declarou Dulworth. “Era possível ver como havia uma grande possibilidade de ele se tornar uma pessoa deprimida. A situação provavelmente não era fácil para ele. Robin não podia sair por aí e ser jovial e cheio de energia. Provavelmente precisava de alguns desses ‘empurrões’ para ajudá-lo a manter-se aquele personagem com energia, em ritmo rápido. Ele quase precisava usar drogas para manter aquele nível de performance. Quase como esteroides para os esportistas.” Mas o fato é que ele estava desenvolvendo um problema com o álcool e as drogas, um problema que teria de enfrentar pelo resto da vida. Havia muitos outros problemas com os quais ele tinha de lidar, e um deles, o que parecia lhe causar mais dor pessoal, era o fato de ele roubar material de outras pessoas. A maioria dos comediantes dirá que é, no mínimo, difícil não estar ciente do uso do material de outras pessoas e reciclá-lo não intencionalmente. Mas, com Robin, a coisa foi ainda mais longe e finalmente se tornou pública quando, em 1989, a GQ Magazine escreveu: “Sua reputação [de Williams] de apropriar-se de piadas e transformá-las em suas é sem igual, e vem desde seu surgimento repentino no sitcom Mork & Mindy”. De fato, vinha de antes disso. Alguns comediantes não apenas o acusaram de roubar piadas descaradamente, mas também se recusaram a se apresentar diante de Robin, com medo de que o material deles acabasse saindo de sua boca. “Quando ele entra em um ambiente”, contou o coordenador artístico de um famoso clube de comédia à Rolling Stone em 1991, “muitos comediantes não querem subir no palco. Acho que Williams tem uma nuvem enorme sobre sua cabeça, e acredito que ele seja mantido distante da comunidade da comédia”. Entretanto, a comediante Whoopi Goldberg falou em defesa de Robin. “Fazem parecer que ele está tirando suas vidas”, declarou. “A comédia faz isso o tempo todo. Alguém fala algo e você carrega isso consigo, e passa a usar. Temos, por exemplo, a expressão ‘Make my day’. Todo mundo diz isso. É roubo?” O próprio Williams admitiu que uma de suas frases mais famosas (“A cocaína é o jeito de Deus lhe dizer que você tem muito dinheiro”) foi dita a ele por um desconhecido. Essa acusação de roubo, contudo, acabou causando ressentimento, e assim foi pelo resto da vida do ator. “Não vou me sentar aqui e alegar inocência”, ele declarou à Rolling Stone. “Se você assistir a oito horas diárias de comédia, algumas coisas vão ficar registradas e acabarão saindo. E, se isso aconteceu, eu digo: ‘Peço desculpas. Vou lhe pagar por isso’. Mas eu não desvio do meu caminho para sair roubando. Porque, se você está por cima, eles vão pegar no seu pé. Então, comecei a me cansar de pagar o tempo todo, de ser idiota o tempo todo.” E continuou: “Eu falei: ‘Ei, espere um minuto. Isso não é verdade’. As pessoas estavam me acusando de roubar coisas que basicamente vinham da minha própria vida. E aí eu disse: ‘Espere, isso é uma loucura. Eu não roubei isso. Essa frase é sobre a minha mãe’. Muitos clubes de comédia são como grupos de encontro dos apalaches. Todo mundo imita todo mundo. Você pode entrar em um clube e ver quinze atores diferentes, e todos estão ruminando as falas dos outros. E você diz ‘Oi, seu idiota. Isso aí é meu. Fui eu quem escreveu Oi’.” Havia, portanto, um certo ciúme profissional – tanto que, a certa altura, ele insistia em ficar do lado de fora dos clubes antes de entrar para fazer sua performance, para que, assim, ninguém o acusasse de roubar as piadas. “É algo que faço agora como um esforço consciente para ninguém me acusar. Não sou chegado a necrofilia”, disse à Rolling Stone. “Eu não preciso ver e copiar alguém fazendo alguma piada sobre um remédio tarja preta. Vou simplesmente usar a piada e ela vai funcionar. E há [muitas] pessoas que imitam trejeitos inteiros meus. Não é algo que me irrite. É um elogio. É ótimo. Quando acontece do outro jeito, você só precisa sorrir.” E isso era verdade – ele mesmo inspiraria toda uma geração de comediantes. Entretanto, esse era um tema recorrente, e um tema que não tornava sua vida mais fácil. Todavia, em certo sentido, as coisas começavam a melhorar. Em 1976, Robin estava trabalhando em um bar de San Francisco quando conheceu Valerie Velardi, aluna do Mills College que trabalhava como garçonete para arcar com os custos de sua formação. Filha de um empreiteiro italiano, ela vivia em New Haven, Connecticut, na Costa Leste dos Estados Unidos, e era a mais velha de quatro filhos. Seus pais se divorciaram quando ela tinha apenas 12 anos, e então Valerie assumiu o papel de mãe depois que sua mãe verdadeira se mudou. Isso deve ter contribuído para Robin se interessar por ela. Valerie estudava com o objetivo de se tornar professora de dança, já que havia começado tarde demais para se tornar dançarina. “Uma boa garota, corajosa”, foi como Robin a descreveu a um entrevistador. E logo os dois começaram um relacionamento. Um mês depois, passaram a morar juntos. Ela se tornaria a primeira esposa de Williams em 1978, e os dois viveriam um relacionamento bastante agitado. Porém, Robin não ficaria muito mais tempo trabalhando em um bar. O casal se mudou para Los Angeles, onde ele continuou atuando no circuito de clubes de comédia. Em 1977, fez uma apresentação no Comedy Club – apresentação que mudou sua vida. O produtor de televisão George Schlatter, um profissional experiente e bem-sucedido, estava na plateia. Nascido em Birmingham, Alabama, e criado em Webster Groves, Missouri, Schlatter cantou, na adolescência, no St. Louis Municipal Opera, onde sua mãe, que era violinista, também se apresentava. Ele estudou na Pepperdine University, em Los Angeles, antes de começar a trabalhar como agente na MCA Records. Depois de alguns anos, tornou-se diretor-geral do Ciro’s Nightclub, na Sunset Strip. Foi enquanto estava no Ciro’s que Schlatter viu Dan Rowan e Dick Martin se apresentarem; coincidentemente, também começou a produzir uma variedade de programas e especiais de TV. Não demorou muito para se dar conta de que as duas coisas precisavam se misturar. Em 1967, produziu algo que seria um especial de um único episódio: Rowan & Martin’s Laugh-In (o título era uma referência aos vários protestos sit-ins e love-ins acontecendo naquela época). O especial fez tanto sucesso que uma série foi encomendada, sendo exibida de 1968 a 1973 e substituindo The Man From U.N.C.L.E nas noites de segunda-feira às oito horas. Tomando como base o teatro de variedades e com um toque de sátira (o satire boom estava, na época, a todo vapor), o programa levava ao ar comédia muda, esquetes e muito mais. Foi o primeiro a passar vídeos musicais na televisão e também foi, entre outras coisas, responsável por lançar a carreira da atriz Goldie Hawn. O programa havia sido um grande sucesso da história da televisão, e Schlatter agora pensava em revivê-lo, então estava em busca de novos talentos. E, meu amigo, foi exatamente isso o que ele encontrou naquela noite. “Ele [Williams] apontou o microfone para a plateia e disse: ‘Estou pescando idiotas’”, recordou Schlatter. Ele também estava procurando uma forma de dar nova vida ao programa Laugh-In, então contratou Robin para aparecer no especial The Great American Laugh-Off, da NBC, no final de 1977. Schlatter, assim como muitas outras pessoas, ficou impressionado pelo amplo conhecimento de Williams: “Ele é um dos comediantes mais bem instruídos que já tivemos”, contou à Variety. “Parte disso veio de uma riqueza de conhecimento e técnica que ele obteve na Juilliard.” Em tese, Robin teria um espaço de cinco minutos, mas essa janela logo foi estendida para quinze minutos. E ele foi o sucesso do show: desde o instante em que apareceu pela primeira vez, trocando um aperto de mão com uma mulher confusa e berrando “Ela me tocou como se me conhecesse! Venderei minhas roupas e irei para o paraíso!”, ficou claro que um talento raro havia chegado. O elenco deveria abrir algo que se assemelhava às portas de um estábulo, colocar suas cabeças para fora e se apresentar. No caso de Robin, a porta estava no chão, mas, quando ele colocou a cabeça para dizer seu nome, até mesmo nesse instante, exalou uma energia extraordinária. Williams também foi responsável pela única citação do programa que chegaria ao site do IMDb: “Senhoras e senhores, esta noite, estou aqui para falar para vocês sobre o problema muito sério da esquizofrenia. – Não, ele não está! – CALE A BOCA! DEIXE-O FALAR!”. Ele era, sem qualquer sombra de dúvida, a estrela da noite, um enorme novo talento agora aparecendo em rede nacional. A comediante e apresentadora de TV Joan Rivers o conheceu durante a produção do programa, mas não se mostrou tão convencida quanto todo mundo. Ela sentiu que, de certa forma, Robin ainda estava participando de uma audição – tão decidido a chamar a atenção que nunca parava. “Sabe como é, você está na luta, quer ser percebido, e a única forma de fazer isso é ser um rapaz engraçado”, ela contou à New York Magazine em 1993. “Tiramos uma foto juntos – e ele nunca parava quieto. Dava vontade de amarrá-lo e dizer: ‘Pare’.” De qualquer forma, todas as outras pessoas estavam convencidas. Porém, Robin vinha trabalhando para isso já há alguns anos. Vinha melhorando sua atuação em stand-up e sua dedicação nos ensaios era igual à sua habilidade de improviso – era necessário muito mais preparação do que as pessoas imaginavam. Agora, ele também desenvolvia um traço de aparência característico, o qual levaria consigo por algum tempo: suspensórios coloridos. Ninguém poderia descrevê-lo como um ícone da moda, mas Robin sabia a importância da apresentação e da criação de uma imagem pessoal que as pessoas associariam a ele. Na ocasião, o programa não alcançou o sucesso do original, mas ficava claro para todos que um imenso novo talento havia surgido em cena. Schlatter o contratou para ser parte do elenco regular da série Laugh-In que ele estava planejando. “Você nem precisava se preocupar em escrever para ele”, contou o humorista Merrill Markoe. “Quando a câmera estava ligada, ele mergulhava naquilo que fazia e atraía as atenções.” (Rowan & Martin aparentemente não acharam nada daquilo divertido. Eles não estiveram envolvidos no revival, mas eram detentores do formato do programa e lançaram mão de um processo; por fim, ganharam 4,6 milhões de dólares em 1980.) A velocidade da ascensão de Williams foi estonteante, mas também contribuiu para seus problemas. Qualquer um precisa de algum tempo para fazer as pazes com a fama, mas, quando ela acontece praticamente de um dia para o outro, a pressão pode ser quase insuportável. Para Robin, a realidade se transformava muito rápido – rápido demais. Mais um motivo para se automedicar começou a se manifestar. A fama traz pressão e atenção constantes, e ele enfrentava problemas para lidar com isso. Também houve uma aparição no The Richard Pryor Show, mas algo muito maior estava reservado para ele; algo que significava que ele teria de ir aos tribunais para se livrar de seu contrato do Laugh-In. Na realidade, Robin estava ganhando 1.500 dólares por hora no Laugh-In, e queria ganhar 15 mil dólares por episódio se o novo contrato fosse assinado. Na ocasião, ele conseguiu se livrar do contrato, casou-se com Valerie e passou a ansiar por um futuro brilhante. O casamento foi uma grande ocasião. Os dois celebraram a união no The Farms Country Club em 4 de junho de 1978, em Wallingford, Connecticut, um clube de campo do qual o pai de Valerie, Leonard, era sócio. Num primeiro momento, Robin e Valerie certamente se mostraram animados com a união, mas o casamento não veio em boa hora, pois a repentina e estonteante mudança no status de Robin significava que ele estava prestes a experimentar um estágio feroz de sua vida. Com apenas uma aparição na TV, o ator havia causado um enorme impacto e chamado a atenção de algumas pessoas muito importantes. Um dos maiores comediantes da época estava prestes a se tornar um nome conhecido.

“Falamos brevemente sobre cocaína… sim. Qualquer coisa que o deixa paranoico e impotente, me dê mais disso aí!”

ROBIN WILLIAMS CAPÍTULO CINCO

NANU NANU

“Mindy McConnel: Não acredito que você chamou todos os meus amigos! Mork: Não acredito que eles chamaram você daquilo!”

Garry Marshall enfrentava um problema: o roteirista, diretor e produtor tinha um sucesso de longa data em mãos, Dias Felizes, sobre uma família feliz crescendo nas décadas de 1950 e 1960. A série havia sido lançada em 1974 e deveria chegar ao fim em 1984, mas, na metade desse período, Marshall tentava ampliar o público-alvo. Com isso em mente, procurou o filho para perguntar o que ele queria ver no programa e recebeu uma resposta ligeiramente inesperada. “Meu filho Scott, de sete anos, mostrava-se relutante em assistir a Laverne & Shirley, a Dias Felizes ou a qualquer programa que eu produzisse”, contou Marshall à New York Magazine em 1993. “Então, perguntei a ele: ‘Do que você gosta?’. E ele respondeu: ‘Só gosto do espaço’. Então, eu lhe disse: ‘Eu não faço coisas espaciais’. ‘Mas poderia fazer’, foi a resposta. Então, questionei: ‘Como inserir o espaço em Dias Felizes?’. E ele disse: ‘Poderia ser em um sonho’. Estávamos no quarto ano do programa e tentávamos encontrar adversários dignos para Fonzie. Então, escrevemos uma participação especial para Mork, o extraterrestre. E minha irmã, a agente de elenco, trouxe Robin da escola de atuação da minha irmã Penny.” Conforme Penny Marshall observaria posteriormente: “Williams foi o único alienígena na audição para o papel. Ele entrou na sala, Garry pediu para que se sentasse, e Robin prontamente colocou a cabeça na cadeira. Naquele exato momento, ficou muito claro que ele era perfeito para o papel: anárquico e um pouco louco, você facilmente acreditava que ele era um alienígena”. “Meu trabalho deixou de ser tentar lembrar falas e movimentos e se transformou em um esforço para não dar risada”, conta Henry Winkler, ator que fazia o papel de Fonz e que se lembrou bem da situação. “E, ainda assim, Robin era tão tímido que, para ele, era difícil falar. Ele me perguntou: ‘Depois de um dia disso, como você consegue se apresentar na Comedy Store?’. Eu respondi: ‘Depois disso, você não tem energia para se apresentar à noite’.” O episódio “Meu Orkano Favorito” (uma referência a outra série de TV, Meu Marciano Favorito), da quinta temporada, foi ao ar em fevereiro de 1978, e os telespectadores simplesmente adoraram. Por certo, foi um pouco exagerado: envolvia um alienígena, Mork, do planeta Ork, que chegara à Terra e tentava sequestrar Richie Cunningham (Ron Howard) como amostra de material humano. Fonz aparece, salva Richie e revela que Richie estava sonhando… pelo menos a princípio. Quando todos os envolvidos adoraram aquilo, o final foi alterado de modo que agora mostrasse Mork apagando as memórias de todos. Marshall deleitou-se: “Nós dissemos: ‘Não, não é um sonho; é real. É outra série!’”. Certamente era. E então, Mork & Mindy, o programa que quase do dia para a noite transformaria Robin Williams em um nome conhecido, nasceu. A premissa era a seguinte: Mork, que fora criado em tubo de ensaio e bebe usando os dedos, havia sido enviado à Terra por Orson em uma espaçonave pequena e oval para observar os humanos. Orson queria livrar-se dele porque o humor não é permitido em Ork. Uma vez na Terra – ele acaba indo parar em Boulder, Colorado, um lugar que posteriormente viria a se tornar um local de tributo a Robin –, ele coloca um terno, mas de trás para a frente. Então se encontra com Mindy (Pam Dawber), que acaba de terminar com o namorado e o leva para ser padre, até ele revelar quem realmente é. Ela promete guardar o segredo de Mork e ajudá-lo a estudar a Terra. Há uma cena de flashback na qual Mork conta a Mindy sobre quando ele veio anteriormente à Terra e Fonz lhe arranjou um encontro com Laverne De Fazio (de Laverne & Shirley) – um dos muitos crossovers entre Mork & Mindy e outras séries de TV. Henry Winkler e Penny Marshall apareceram na cena. Mork vai morar com Mindy, para desgosto do pai dela. Todavia, sua avó, Cora, com quem ela trabalha na loja de Fred, gosta de Mork. A autoridade local, o xerife Tilwick, por sua vez, pensa que Mork é desequilibrado e tenta expulsá-lo. No segundo episódio, o alienígena concorda em ir embora, mas seus planos são frustrados quando ele fica bêbado com cerveja de gengibre e revela também a Fred que é um extraterrestre. O tema de deixar a cidade continua no terceiro episódio, quando Mork tem um ataque de consciência após fazer Mindy perder um encontro e, enquanto busca um lugar para ficar, encontra o excêntrico Exidor, sobre quem falaremos mais adiante. No episódio seguinte, Mindy diz a Mork que ele precisa provar o amor para saber como é ser humano – embora isso claramente resultará em uma situação de “será que sim?/será que não?”. Mork a escuta e se apaixona por um manequim chamado Dolly. Agora ficava claro por que Robin era tão perfeito para o papel: uma inocência quase infantil era necessária para um personagem assim. E esse é o episódio no qual Mork e Mindy se beijam, e o futuro fica muito claro. O próximo episódio, que mostra um segundo beijo trocado entre eles, apresenta a personagem Susan (sobre quem falaremos mais adiante), que tenta seduzir Mork para se vingar de Mindy, que roubara seu namorado no colegial. Ela não consegue, todavia. As coisas melhoram com Fred, que salva a vida do alienígena após o repórter de um jornal surgir em busca de provas da existência de vida extraterrestre. Mork então finge ser capaz de prever o tempo, levando Mindy a lhe dizer para nunca mentir. Depois disso, ele ressuscita o desprezível proprietário do imóvel, Arnold (sobre quem falaremos mais adiante). No episódio seguinte, Mork está com Exidor na cadeia, após acreditar em uma história triste – de certa forma desconfortável para o espectador atual, Exidor idolatra O. J. Simpson. Mindy se reconcilia brevemente com seu ex-noivo e Mork se reduz à idade de três anos, usando sua máquina de idade orkana (esse aparelho era perfeito para os talentos de Williams e também permitia várias reviravoltas). O alienígena então resgata Mindy de um admirador indesejado, que fica furioso e a quem Mork tem de enfrentar. Em seguida, ele volta a usar a máquina de idade para se tornar o amigo mais antigo de Cora, a quem também revela sua verdadeira natureza. Em seguida, Mork descobre o verdadeiro espírito do Natal e o ensina a todos. Depois, convida a terrível Susan para passar a cerimônia com eles, já que ela está solitária (há um toque dos futuros papéis sentimentais de Robin aqui). Após isso, ele confunde um imigrante russo com um alienígena. Um vizinho novo e irritante, Franklin, muda-se para lá. Então, Mork realiza uma cerimônia de casamento para dois amigos. Exidor retorna, planejando tornar- se Imperador da Terra, e deixa o casal usar sua casa de verão, mas aí o caos se instala. Mork recebe uma ameaça de transferência, Sally retorna com um filho recém-nascido, que Mork adora tanto a ponto de comprar seu próprio bebê. Depois, em um episódio consideravelmente mais calmo, Mork desliga suas emoções após um pesadelo. Mindy o beija para afastar essas emoções que o alienígena não consegue controlar. Mais uma vez, aquele era o veículo de comédia perfeito para Williams. Mindy vai embora e Mork e o sr. Bickley visitam um bar para solteiros, onde conhecem mulheres que acabam se provando bandidas. Então, o sr. Bickley também se torna ladrão e rouba a máquina de idade do alienígena, transformando-se de bebê em um homem de meia-idade. Mork tenta encontrar trabalho, mas seu “aniversário” provoca uma condição potencialmente fatal. Então, faz Mindy perder o emprego. Quando descobre isso, diz a Orson que gostaria de nunca ter vindo à Terra, mas Orson lhe mostra o que teria acontecido se ele não tivesse vindo: Mindy teria se casado com Cliff, que era viciado em jogos; Fred teria seguido suas viagens e tido um relacionamento curto; Cora estaria vivendo com Mindy e a loja teria sido vendida. O episódio se chamava “It’s a Wonderful Mork”, em referência ao comovente filme It’s a Wonderful Life (A Felicidade não se Compra, em português), de 1946. O último episódio da temporada – o 25º – traz Exidor de volta como a reencarnação de Júlio César, e Mork transforma um lagarto em um animal de estimação chamado Bob. E assim a temporada da série chega ao fim. Dificilmente haveria melhor veículo para o talento de Williams. Ele fez grande parte de seu papel no improviso e se tornou famoso quase da noite para o dia. Aliás, Robin improvisava tanto que havia espaços em branco no roteiro, deixados ali justamente para ele criar seu próprio monólogo. A situação era difícil para sua colega de elenco Pam Dawber; afinal, ela precisava conter os risos enquanto assistia. O público certamente achava tudo aquilo hilário: o show foi um enorme sucesso, com mais de 60 milhões de espectadores regulares. A Paramount se apressou em contratar Robin para um contrato de três milhões de dólares que duraria cinco anos. Williams já vinha de uma família abastada, mas, pela primeira vez, parecia que ele mesmo se tornaria muito rico. O seriado Mork & Mindy logo entrou para a cultura popular. As pessoas começaram a se cumprimentar com o bordão “Nanu nanu” acompanhado por uma saudação vulcaniana ao estilo Spock. O termo “shazbot”, um palavrão orkaniano, entrou para a língua, assim como “KO”, a versão de Mork para “OK”. Por fim, a série ultrapassou Dias Felizes nas avaliações. Aqueles eram dias de glória. Robin e Valerie mudaram-se para uma casa imensa e Robin comprou uma BMW prateada; eles passaram a criar alguns animais. Entretanto, Williams começava a participar de muitas festas e, após um dia no set, estava ou socializando, ou fazendo stand-up, o que não é exatamente uma receita para a felicidade doméstica. E não ajudava o fato de Valerie não gostar daquelas festas – e, como infeliz resultado, Robin saía sozinho com frequência. Ele ainda usava as camisas havaianas e calças largas, mas teve de deixar de lado os suspensórios multicoloridos porque eles o tornavam reconhecível demais. A fama começava a invadir sua vida. Ele estava muito próximo da modelo Molly Madden; Valerie foi vista sozinha na Itália. Pelo lado positivo, ele começou a fazer caridade para, entre outras instituições, a Human Dolphin Foundation – hábito que continuaria pelo resto de sua vida. As coisas mudaram na segunda temporada da série, todavia, e o resultado não foi tão positivo. A ênfase deixou de ser nas tentativas de Mork de entender a Terra e passou a ser no seu relacionamento com Mindy. E, em uma tentativa de abordar questões sociais, em vez de apenas divertir com a comédia, o programa passou a focar no público mais jovem, com Fred e Cora deixando seus papéis regulares (embora eles tenham retornado em episódios posteriores). Vários novos personagens foram incluídos. De uma forma insensata, a atração transformou-se em uma série de diferentes quadros, e a audiência começou a cair. “Num primeiro momento, foi um tanto deprimente porque achei que a culpa fosse minha, e pensei: ‘Ah, Deus! Eu não sou mais engraçado’”, confessou Williams à New York Magazine em uma entrevista concedida em 1981. “Finalmente percebi que era uma combinação de outras coisas. Eles estavam bagunçando a programação, mudando o horário dos quadros a cada duas noites. E os pais ficaram furiosos quando começamos a explorar todos aqueles programas mais sensuais – escritos especificamente para colocar garotas correndo com roupas apertadas e eu vestido de mulher. Isso fez o programa perder a audiência de muitas pessoas que costumavam assisti-lo com seus filhos. Também houve quem achasse que estávamos ficando pesados demais ao abordar temas como a eutanásia; tivemos aquele episódio sobre o robô ser desplugado.” As coisas certamente estavam longe daquele caos divertido do início da série. Também começavam a surgir os rumores sobre a vida pessoal de Robin, com seu nome agora abertamente associado a um grupo de outras mulheres. Ele foi forçado a realizar um esforço consciente para se acalmar. “Não foi o trabalho, mas a vida social que me deixou esgotado”, contou à People Magazine em 1979. “Eu estava à beira da exaustão. Fiquei tão frenético que cheguei a ter medo. Não havia tempo para eu me recuperar, não havia tempo de ir para casa e dizer ‘Vá se ferrar!’ para uma parede. Eu estava começando a ficar muito furioso. Você precisa dizer ‘não’ ou então pouco a pouco começa a ficar maluco.” Enquanto isso, Valerie também se esforçava. Ela tinha aceitado que agora estava casada com um ator famoso e tentou entrar no jogo, participando com ele de eventos da indústria e sendo “a esposa de um ator”, além de trabalhar como professora de dança. Todavia, o programa entrava em decadência. Houve outras tentativas de melhorar a imagem da série e, na quarta temporada, Mork e Mindy se casaram. Mork botou um ovo e eles tiveram um filho – Mearth, interpretado por Jonathan Winters (a explicação era que os orkanos envelheciam de trás para a frente). Entretanto, a magia havia passado e, em 1982, o programa foi por fim cancelado. No total, 91 episódios haviam sido filmados. A experiência ensinou a Williams uma lição que ele jamais esqueceria: não seja complacente. “Descobri que o programa havia sido cancelado lendo a notícia na Variety”, ele confessou à People em uma entrevista em 2009. “Em Hollywood, isso é mais ou menos como ler seu próprio obituário: ‘Você está morto, boa sorte’.” Para um homem com tamanha insegurança pessoal, um fato desse tipo é um tanto quanto infeliz. A série deu vida a muitos outros personagens adorados além de Mork e Mindy. O irritadiço e velho Fred (Conrad Janis) e a livre-pensadora Cora (Elizabeth Kerr) tinham muitos fãs e, em retrospecto, foi um grande erro diminuir o espaço desses personagens. Franklin Delano Bickley (Tom Poston) era o vizinho da casa ao lado; Mearth (Jonathan Winters), o filho gigante de meia-idade do casal. Os irmãos Remo e Jean Davinci (Jay Thomas e Gina Hecht) eram proprietários da The New York Delicatessen. Nelson Flavor (Jim Staahl) era o primo conservador e ambicioso de Mindy. Havia também o muito sofrido Orson (dublado por Ralph James), superior de Mork. Existiam, ainda, outros personagens recorrentes. Susan Taylor (Morgan Fairchild) era uma amiga esnobe de Mindy – as duas tinham se conhecido no colegial. Exidor (Robert Donner) era um profeta que reconhecia Mork pelo que ele era e líder de um grupo que ninguém mais consegue ver. O sr. Sternhagen (Foster Brooks) torna-se chefe de Mindy no canal de TV local; Todd Norman Taylor (TNT) (Bill Kirchenbauer) era um esportista mulherengo que ensina Mork a dirigir. Eugene (Jeffrey Jacquet) era um garoto de dez anos que se torna amigo de Mork; Billy (Corey Feldman) era uma criança da creche. Arnold Wanker (Logan Ramsey) era o dono da loja de Fred. Estranhamente, para um projeto que começou como diversão fútil, Mork & Mindy tocou em vários elementos que afetariam a vida de Williams. Robin era um ator extremamente talentoso, reconhecido como tal até mesmo pelo mais mal-humorado dos críticos, e se sobressaía em qualquer tipo de comédia – em especial, na comédia de improviso. Todavia, uma crítica recorrente recebida por ele estava ligada ao fato de o ator às vezes se mostrar sentimental demais e negligenciar seu verdadeiro dom, transformando as situações em algo um pouco enjoativo. E foi exatamente isso que aconteceu com Mork & Mindy: a série começou como comédia, mas acabou se tornando um programa que tentava abordar questões da época. Não funcionou; o público não gostou. E, embora seja fácil despejar a culpa nos produtores, Robin também estava envolvido no processo de tomada de decisão. Isso ficou claro em um episódio (“Mork Conhece Robin Williams”) extremamente autoindulgente de 1981. Mindy sai para comprar um álbum do comediante Robin Williams. Ao retornar para casa, percebe que ele tem uma aparência idêntica à de Mork. O próprio Robin então aparece e debate o assunto celebridade. Depois, quando o alienígena faz contato com Orson, ele lhe diz: “Ser um astro é um trabalho de tempo integral, e você não pode deixar seu rosto no escritório… Algumas pessoas não aguentam.” Ele então lista os nomes de algumas personalidades que acabaram destruídas pelas pressões da fama: Elvis Presley, Marilyn Monroe, Jimi Hendrix, John Lennon… Considerando que esse episódio foi ao ar apenas dois meses após a morte de Lennon, a mensagem era alta e clara: a fama pode ser fatal. Aliás, aquilo era uma previsão sombria do futuro do próprio Williams, isso sem falar em seu estado de espírito. O episódio não foi engraçado e não era o que o público queria. No entanto, ele ofereceu alguns indícios do que acontecia nos bastidores. Em alguns poucos anos, Williams havia passado de praticamente desconhecido a um dos homens mais famosos do mundo, e isso viera com um preço. Até mesmo o mais estável e equilibrado ser humano teria dificuldade de lidar com algo assim, e ele não era nem estável, nem equilibrado. Ademais, uma parte de Robin sentia que ele estava próximo demais de sua criação alienígena: quando Williams ia se apresentar em clubes noturnos, algo que ele ainda fazia (e com frequência após um dia de filmagens), o público gritava: “Faça o Mork!”. Mas Robin não queria fazer o Mork. Com o ator sempre inclinado à autodestruição, a crise agora realmente começava. Junto com seu amigo e colega comediante John Belushi, Williams entrava fortemente no mundo das drogas e do álcool, o que começava a cobrar um preço em todos os aspectos da sua vida. Agora que Robin estava famoso e cada vez mais rico, as mulheres começavam a se jogar em cima dele. Frequentemente bêbado e/ou chapado, ele nem sempre as recusava. Obviamente isso teria um efeito negativo sobre seu casamento. As coisas começavam a ficar extremamente estressantes nos bastidores. Inicialmente, Valerie pareceu ser capaz de lidar com a situação. Ela queria lutar pelo marido. “Veja bem, eu sou um produto da Goddard College”, ela contou à Rolling Stone em 1982, em uma entrevista extremamente reveladora que sugeria uma turbulência maior do que a imaginada nos bastidores. “Você conhece essa escola? Se tem uma coisa que ela me ensinou é que você é capaz de guiar as pessoas; você mesma pode se tornar suficientemente interessante e importante na vida do seu amante para que ele sempre volte para você, se você continuar crescendo junto com isso. Se você apenas fizer parte do ritmo dele, lhe der muita liberdade e participar de seu crescimento em vez de afastá-lo do que é agradável e estimulante. Encaremos os fatos: Robin é viciado em estímulos”. Ele certamente era, muito mais do que as pessoas imaginavam. Agora a situação não apenas chegava a um ponto insustentável, mas que dificultava cada vez mais a convivência. Entretanto, Valerie sempre simulava a felicidade – por enquanto. Questionada sobre outras mulheres, ela respondeu: “Quero dizer que não, em uma situação como essa… É complicado porque eu poderia ser terrivelmente mal interpretada. Veja bem, a questão é que nunca houve uma mulher. Eram muitas mulheres e acredito que ele não tenha tido nada íntimo com elas. A maioria apenas andava com ele. Robin adora mulheres e gosta de andar com mulheres. Tenho uma carta de uma mulher com quem Robin foi visto por aí. Eles supostamente estariam tendo um caso, hum, quente, e eu a conheci e ela foi adorável. Eles só queriam sair juntos. Não posso impedi-lo de sair para jantar com uma mulher de quem gosta. Isso não é problema meu, assim como eu não gostaria que ele me impedisse de sair com alguém com quem eu quisesse sair. Se ele não puder ter amigas mulheres e eu não puder ter amigos homens, se você tiver que acreditar no pior toda vez que alguém encontra outra pessoa para enriquecer sua vida de alguma forma, então que tipo de mundo é esse?”. E quanto ao ciúme? “Só tenho ciúme quando sinto que alguém está tomando meu lugar. E sempre ficou muito claro para mim que temos essa coisa. Somos nós. Não parece certo, mas sob circunstâncias extraordinárias, sob as quais estamos, se você não fizer os ajustes necessários, acaba perdendo coisas preciosas. Isso não quer dizer que nos dê licença para sair por aí e estragar tudo. É apenas a liberdade para pelo menos sentir que somos pessoas livres em vez de ser casado e viver trancado e não poder sair hoje à noite porque sei que fulana estará lá e é bonita e gostosa e eu tenho medo de você se envolver com ela. Ele jamais se envolverá com alguém sem que eu saiba. E o oposto não funciona. Você não pode prender uma pessoa. Elas ficam magoadas, passam a odiá-la e você se torna entediante e desinteressante. Se eu tivesse sido precipitada e me divorciado dele, teria perdido a coisa mais preciosa da minha vida, e isso teria cerceado nossa experiência juntos, que é muito mais rica do que qualquer coisa que ele possa arrumar na rua por aí.” A condescendência de Valerie era extremamente admirável, mas uma situação desse tipo jamais funcionaria. A relação tornava-se cada vez mais tempestuosa: Robin estava essencialmente fazendo o que queria e a provocando tanto que ela logo começaria a sair de casa, tirando alguns dias para longas caminhadas, por vezes saindo de férias e só retornando quando tivesse se acalmado. Nesse estágio, a postura de Valerie era a de que, enquanto Robin se comportasse mal, as mulheres não significariam nada para ele. Afinal de contas, ela era sua esposa. Entretanto, embora isso fosse verdade, ficava cada vez mais difícil ignorar o fato de que o sucesso havia transformado seu marido em um mulherengo que abusava das drogas. De fato, os problemas ficariam ainda piores, mas, por enquanto, ela pretendia manter as coisas como estavam. E quem poderia culpá-la? Em alguns aspectos, a vida também tinha melhorado para ela: ser casada com uma grande estrela podia trazer algumas pressões, mas, ao mesmo tempo, o casal começava a experimentar um padrão de vida bastante decente. Não se tratava apenas de ter as melhores mesas nos melhores restaurantes; todos queriam conhecer Robin naquela época. Em todos os lugares se falava dele, e esse tipo de fama abria todas as portas que vivem fechadas para a maioria de nós. Mas, por outro lado, obviamente, quando estava bem, Robin era uma excelente companhia. É compreensível que Valerie quisesse que a relação funcionasse. A essa altura, Robin tinha comprado uma casa em Topanga Canyon e outro carro: uma antiga Land Rover. “Não consigo entender os carros novos. Gosto de carros que são como eu – você nunca sabe o que vai acontecer em seguida.” Ele certamente não estava tão interessado em bens materiais pelos bens materiais, embora agora o dinheiro chegasse em grandes quantidades. O que ele realmente queria, entretanto, era uma carreira em Hollywood, e, em 1980, fez sua estreia no cinema – em um filme que foi amplamente considerado uma decepção: Popeye, com Shelley Duvall no papel de Olívia Palito. (Ele também havia feito uma aparição no filme Óculos? Para Quê?. Por sorte, isso foi esquecido e quase nunca é mencionado na obra de Williams. O filme sumiu sem deixar traços, e merecidamente.) Havia muita esperança depositada em Popeye, no mínimo porque o diretor era Robert Altman e o produtor Robert Evans (os papéis principais originalmente seriam de Dustin Hoffman e Lily Tomlin), mas o musical foi um fracasso de crítica, embora tenha sido bem recebido pelo público, gerando, nas bilheterias, o dobro de seu orçamento de 30 milhões. Um problema era o enredo – confuso e bagunçado. Nem todos os críticos detestaram a obra, mas alguns certamente o fizeram. “O adorável marinheiro de E. C. Segar embarca em um navio afundando com um musical impressionantemente chato”, escreveu o respeitado crítico Leonard Maltin em seu guia de cinema. “O elenco faz seu melhor com base em um roteiro sem graça, encenação desordenada e algo que alegam ser canções. Assista a algumas horas dos desenhos de Max Fleischer em vez de escolher o filme; você vai se divertir muito mais.” O único aspecto do filme a receber elogios foi a trilha sonora de Harry Nilsson, a qual foi bem recebida. O restante da obra, todavia, acabou sendo considerado uma bagunça pela maioria dos espectadores. Foi uma estreia decepcionante para alguém de quem se esperava tanto, mas Robin Williams aguentou firme. Tinha outras temporadas de Mork & Mindy para gravar e os produtores e diretores ainda formavam fila para trabalhar com ele. Embora alguns fracassos tenham levado carreiras do cinema a finais prematuros, aqui esse certamente não foi o caso. Williams surfava em uma onda cada vez mais alta de adulação enquanto Hollywood continuava apreciando o talentoso recém-chegado, e apenas as pessoas mais próximas sabiam que ele estava pagando um preço terrível. Seu problema com as drogas saía cada vez mais de controle e seu casamento ainda sofria porque, intoxicado com tudo que surgia em seu caminho, quando o assunto era mulheres, ele se comportava como uma criança solta em uma loja de doces. Não eram apenas a riqueza e a fama que o tornavam atraente. Robin realmente gostava de mulheres e flertava muito. Ademais, seu humor e sua vivacidade por si sós já eram extremamente atraentes, e se tornavam ainda mais interessantes em alguém que estava se tornando um grande astro. Valerie persistiu, e o casamento duraria por mais algum tempo. No entanto, tornava-se cada vez mais difícil para o casal manter uma fachada feliz. Havia brigas e infelicidade e, embora Valerie às vezes pensasse que Robin tivesse melhorado, a verdade era bem diferente. Ele rapidamente se tornava conhecido como um mulherengo viciado em drogas, e seria necessária uma tragédia para forçá-lo a enfrentar o fato de que seus demônios agora estavam fugindo do controle.

“Gosto do meu vinho como as minhas mulheres – pronto para me derrubar!”

ROBIN WILLIAMS CAPÍTULO SEIS

O MUNDO SEGUNDO ROBIN

“Sabe, todo mundo morre. Meus pais morreram. Seus pais morreram. Todo mundo morre. Eu também vou morrer. E você também. A questão é viver antes de morrer. Viver pode ser uma verdadeira aventura.” JENNY FIELDS (GLENN CLOSE), O MUNDO SEGUNDO GARP (1982)

No início da década de 1980, Williams estava certo sobre o que queria fazer: entrar para o mundo da atuação mainstream. Afinal, essa havia sido a intenção inicial: ele tinha estudado na Juilliard para ser ator, e não comediante de stand-up. E, se a escola não tinha enxergado seu potencial, o problema era deles. Embora Popeye pudesse ter sido uma decepção, havia muitos projetos à sua espera. Todavia, o que ele escolheu em seguida assustou a todos. O Mundo Segundo Garp (1982) foi o quarto romance de John Irving, autor best-seller e vencedor do National Book Award na categoria ficção. A obra seria transformada em filme, coincidentemente também estrelando John Lithgow em um dos papéis principais. (Lithgow posteriormente protagonizou o seriado televisivo 3rd Rock from the Sun [1996–2001], outra comédia com alienígenas na vizinhança e que devia muito a Mork & Mindy.) A história começa com Jenny Fields (Glenn Close, na época ainda não muito famosa, pois essa foi sua estreia nas telonas), uma enfermeira que, durante a Segunda Guerra Mundial, engravida de um soldado que está para morrer, conhecido apenas como Garp, e da à luz um filho. Garp filho cresce, transforma-se em um escritor de sucesso e se casa com Helen Holm (Mary Beth Hurt), com quem tem dois filhos (Duncan e Walt). Enquanto isso, Jenny se transforma em uma espécie de ícone feminista. Helen acaba se envolvendo com um de seus alunos. Garp descobre e bate no carro do amante da esposa enquanto os dois fazem sexo. Walt morre no acidente e Duncan sai com um olho ferido. Apesar disso, o casal consegue se reconciliar e tem outra filha, Jenny. A mãe Jenny agora cuida de um centro para transexuais, e é em uma visita a esse centro que Garp ouve falar de Ellen James, uma jovem que foi estuprada por uma gangue e teve a língua cortada para não conseguir identificar seus agressores. Algumas das mulheres no centro de Jenny transformam-se em “Ellen Jamesianas”, cortando voluntariamente as próprias línguas para demostrar solidariedade. Garp fica horrorizado com a prática e descobre que as Jamesianas receberam uma carta da própria Ellen James, implorando para que deixassem a prática de lado. Porém, elas fazem uma votação e escolhem recusar o pedido. Jenny também é vítima de ameaças de morte, assim como Garp, após escrever um livro sobre Ellen James. Jenny é baleada e morta por um antifeminista fanático. As mulheres do centro realizam um memorial para ela, mas proíbem qualquer homem de participar. Vestido de mulher, Garp entra em segredo na cerimônia, mas sua identidade é descoberta e ele então passa a correr o risco de ser atacado pelas mulheres; uma das que o coloca para fora é Ellen James. No entanto, ele também acaba levando um tiro e é levado pelo resgate aéreo. Garp tem uma última memória: sua mãe o jogando no ar, ainda criança. Essa obra não era Mork & Mindy. Tampouco era Popeye. Em vez disso, dava a Robin um papel dramático sólido, consistente, que precisava de um ator com habilidades para encená-lo. E, considerando que Williams era quase totalmente conhecido pelo papel de Mork e por sua comédia stand-up, o mundo do show business ficou impressionado quando a notícia do elenco vazou. “Muitas pessoas acharam que eu estava louco por incluir Robin no elenco”, contou o diretor George Roy Hill (Butch Cassidy/Golpe de Mestre) à New York Magazine em uma entrevista concedida antes do lançamento. “Mas você toma essas decisões instintivamente. Eu o tinha visto em Popeye e não entendi uma palavra do que ele dizia. Eu o tinha visto em Mork e também não entendi nada. Pensei que ele fosse apenas um ator de stand-up. Porém, ao conhecê-lo, senti que ele tinha um senso de decência que era importante. Garp era um homem abrasivo, mas sua decência subjacente é parte chave do personagem. E eu senti que Robin era o tipo de ator capaz de oferecer isso. Espero que eu esteja certo.” De fato, Hill foi um dos primeiros em Hollywood a perceber que Robin Williams era muito mais do que apenas um ator de comédia, como era visto até então. Um ator extremamente talentoso, Robin tinha a profundidade e inteligência emocional necessárias para pegar um papel mais sério. O Mundo Segundo Garp foi classificado como comédia dramática, embora abordasse um assunto extremamente sério e, portanto, estivesse destinado a ser polêmico. “Robin é um talento extraordinário”, declarou George Roy Hill. “É um ator, um ator de verdade, não apenas um comediante colocado em um papel para atuar ali. É capaz de fazer tudo aquilo a que se dedicar. Eu diria que é um dos homens mais brilhantes que já conheci. Tem uma mente impressionante e, embora não seja um intelectual, apresenta as qualidades para ser, se quiser em algum momento. É rápido, instintivo, engraçado e caloroso. E um dos poucos comediantes que conheci que, embora esteja ‘no ponto’ na maior parte do tempo, não é ofensivo. Garp não é um personagem cômico. É um personagem muito sério, mas também há comédia, a maior parte tomando como base a realidade. No filme, Robin tem que passar de 18 anos a 34. De fato, ele tem 29, mas sempre teve um rosto mais velho. Vi fotos dele com 18 ou 19 anos e ele parecia mais velho, então passa credibilidade quando tem que fazer um papel de alguém com mais idade.” Mesmo assim, aquilo certamente seria uma experiência de aprendizado. Williams teve de aprender a se controlar: sua comédia stand-up dependia de um ritmo rápido, assim como em seu papel de Mork – aliás, sua capacidade de falar tão rapidamente foi uma das muitas características que o tornou adequado ao papel. George Roy Hill reconhecia isso. “Robin tinha um hábito que tivemos de vencer”, contou. “Essa inclinação de entregar rapidamente – precisei de muito tempo para trazê-lo a uma velocidade de leitura, já que a mente dele funciona com muita agilidade. Acho que consegui fazê-lo diminuir o ritmo suficientemente, mas talvez eu apenas esteja me acostumando a ele.” Para Robin, a experiência também foi grandiosa, e não apenas no sentido de aprender a se expressar mais devagar. A obra estava a um mundo de distância do tipo de material ao qual ele estava acostumado – tratava-se de um papel dramático exigente, não exatamente fácil de ser encenado. “O principal problema está em fazer todas as idades diferentes se encaixarem”, ele revelou em 1981 à New York Magazine. “Eu tenho que fazer todas as fases da vida e diferentes relacionamentos transmitirem credibilidade. Precisei buscar muito fundo em mim, examinar coisas dolorosas e coisas maravilhosas. Existem cenas cheias de vida com as crianças; muita perda e muito enfrentamento da dor. As cenas com minha esposa no filme são muito pessoais, não existe fingimento. Tive de ser muito direto, muito aberto.” Ele também revelou uma insegurança real; o primeiro sinal público de uma personalidade muito mais vulnerável do que parecia ser antes. Nesse estágio da vida, Williams ainda era, em grande parte, visto como um palhaço – um palhaço talentoso, obviamente, mas, ainda assim, um palhaço. Ninguém – pelo menos ninguém em público – sabia da profundidade de sua depressão, do lado solitário, do doloroso vazio que acompanhava a bebida, as drogas e a comédia, todos fatores que o estavam matando. Para aqueles próximos a Robin, ficava claro que ele não era tão direto quanto às vezes parecia. “Não acompanhei o processo de edição porque tive medo de ele me ferir”, ele confessou. “Acho que não vou me ver até a obra estar finalizada. É mais ou menos como você se afogar, como correr para salvar a própria vida. Não tenho uma perspectiva. Não é como a comédia ou a farsa descarada, nas quais conheço meus instintos. Tudo é um território desconhecido. É como estar em um combate. Terminei um dia de filmagens e pensei: ‘Deus, estou morto’. Muito embora fosse uma única cena, tive uma sensação estranha e chorei por algumas horas depois de terminar. Quando finalmente chegar a hora de ver o filme, vou olhar para trás e dizer: ‘Eu fiz isso’. E me sentirei orgulhoso. Agora já me sinto orgulhoso, mas não posso dizer isso porque ainda não terminou. É uma aposta. É assustador, realmente bizarro, porque toda vez que você faz algo novo, de repente pensa: ‘Ah, não! Agora acabou. De agora em diante, vou vender jornal de porta em porta’.” Obviamente muitos atores têm um terrível senso de insegurança – temem que um dia serão deixados de lado e terão de voltar a viver a vida que levavam antes. Porém, no caso de Robin, esse temor era acentuado pelo fato de que tudo acontecera rápido demais. Quase não importava que Mork & Mindy estava, a essa altura, perdendo o público e logo chegaria ao fim. Ele havia dado um enorme salto, mas, junto com muitos outros, não conseguia enxergar a força de sua própria posição. Em meio ao turbilhão que agora era sua vida, Williams não conseguia enxergar claramente que agora era tão procurado que uma carreira de sucesso estava assegurada. “Fico impressionado e em choque às vezes”, ele confessou quando questionado pelo The New York Times sobre sua fama. “Em certos momentos, sinto como se pudesse voltar ao marco zero agora. Passo por essas fases de ficar aterrorizado. Realmente não posso lidar com elas porque são debilitantes. Tenho que experimentar coisas novas – como Garp – e me esforçar. Você entende… a próxima chance. Porque meu maior medo é me tornar medíocre, voltar pelo mesmo caminho e fazer as mesmas coisas sem descobrir nada novo. Isso também vale para a vida. Tento não ficar parado, esse medo de andar para trás, de me afundar em mim mesmo.” Mas pelo menos sua relação com Valerie atualmente encontrava-se calma e estável, pois Robin não aprendia apenas a diminuir a velocidade de suas falas na tela, mas também o ritmo maníaco de sua vida. Assim, aprendia também a apreciar a esposa e o casamento. Afinal, Valerie o conhecera antes de ele se tornar famoso, e um grande problema para muitos dos ricos e famosos é saber se seus amigos e parceiros estão ao seu lado por causa do status ou por quem eles realmente são. Isso não era um problema: tendo se casado com Robin quando ele era completamente desconhecido, Valerie era uma das poucas pessoas com quem Williams realmente podia ser ele mesmo. “Ela deveria voltar a dar aula”, Robin comentou à New York Magazine. “Valerie tem um orgulho muito forte no sentido de se recusar a ser conhecida como sra. Robin Williams.” “No começo, não tínhamos empresários, imprensa… Éramos apenas nós dois. Ela era importante apenas por estar lá, indo às discotecas comigo, saindo comigo. Agora passamos dessa fase e chegamos a outra. É puramente emocional. É bom voltar para casa e encontrar alguém que o conhece. Às vezes, eu apago. Outro dia, passei 13 horas batalhando. Não consegui dizer nada quando voltei para casa. Não preciso fazer nada. Ela entende. Eu a amo tanto! Às vezes, olho para ela e me sinto muito em paz. Passamos por coisas loucas, por tempos complicados e ferozes. Agora é como ‘Olhe… terra à vista!’. Garp fez algo brotar em mim. Hoje em dia, as coisas realmente simples me agradam. Gosto de sair para longas caminhadas, de estar ao ar livre, de fazer coisas com os amigos, mais do que eu gostava antes. É maravilhoso. Antes, eu precisava sair e ir a festas e fazer apresentações e sempre estar ‘ligado’. Agora, fico contente em ouvir e relaxar.” Pelo menos por enquanto… Porém, ainda havia traumas por vir. O Mundo Segundo Garp foi lançado em julho de 1982 e Williams se provou ser uma revelação – pelo menos para os críticos. Eles não apresentaram resenhas totalmente positivas do filme, em especial porque muitos pareceram não gostar da história ou do livro no qual o filme era baseado. Mesmo assim, ficaram impressionados com o que viram. “Robin Williams demonstra habilidades de atuação que poderiam lhe render um Oscar”, avaliou Alex Sandell, do Juicy Cerebellum. “Um bom esforço, às vezes quase ótimo” declarou Ken Hanke na Mountain Xpress. “Steve Tesich adaptou O Mundo Segundo Garp para as telonas, e George Roy Hill dirigiu a obra”, escreveram Frederic e Mary Ann Brussart na Spirituality and Practice. “O claro humanismo de Tesich e o respeito saudável de Hill para a comédia séria da vida transformam este em um dos melhores filmes de 1982. As performances são todas de primeira linha. O enredo – fiel ao espírito do romance – nos leva a considerar as ambiguidades do amor, da morte, do sexo e da violência que caracterizam a vida moderna.” “Garp não entende, e tem bons motivos para isso. Apesar de sua concepção e criação diferentes, ele é o típico homem comum”, escreveu James Kendrick da Q Network Film Desk. “Só quer ter uma boa vida e ser lembrado por algum motivo. Sua vida comum no subúrbio fica apagada em comparação ao refúgio feminista de sua mãe, povoado por mulheres sem línguas e jogadores de futebol americano que passaram por mudança de sexo como Roberta Muldoon (John Lithgow). Robin Williams pode parecer uma escolha estranha para fazer o papel de um homem comum, mas o faz muito bem. Consegue transmitir sua perplexidade com as coisas estranhas à sua volta, enquanto Jenny apenas se afasta e sorri, sem jamais pensar que aquilo é estranho.” Ao mesmo tempo, a Variety elogiou o filme, embora não tenha se mostrado tão positiva com relação a Robin. “Garp cresce em um ambiente acadêmico e plácido, e, como adulto, interpretado por Robin Williams, aparece apenas após 25 minutos”, escreveu a publicação. “Ele conhece e se casa com Mary Beth Hurt, dá início a uma família, esforça-se irregularmente em sua escrita enquanto ela dá aulas, tem discussões com feministas na mansão de sua mãe e, durante todo o tempo, tenta evitar o “pânico”, a ameaça invisível e penetrante que espreita por todos os cantos e ataca sem avisar. Fisicamente, Williams está bem, mas grande parte da performance é composta por tentativa e erro. Fora isso, o elenco é de primeira linha. Hurt está excelente como esposa de Garp. Glenn Close prova-se uma escolha perfeita como Jenny Fields, uma mulher de simplicidade quase etérea. O melhor de todos talvez seja John Lithgow como Roberta Muldoon, um ex- jogador de futebol americano que agora é transexual.” A Time Out também não estava convencida. “Williams é suficientemente fofinho como o homem cujos talentos para ter uma família são constantemente minados por um destino maligno, e há uma performance com certa dignidade de Lithgow, um ex-jogador profissional de futebol americano de quase dois metros de altura e agora transexual”, avaliou a publicação. “Mas é o tipo de filme corajoso – ou idiota – o suficiente para perguntar qual é o significado da vida sem ter suficiente coragem para garantir uma resposta.” Alguns perceberam o desenvolvimento de comediante a ator na carreira de Robin. “O sr. Williams afeta mais as crianças; faz um pai apaixonado, divertido, o homem perfeito em casa, em uma armadura de mentira feita com tapetes de boas-vindas e tampas de lata de lixo”, escreveu Janet Maslin do The New York Times. “O papel do sr. Williams exige muito, fazendo-o envelhecer de um adolescente a um homem de família, um processo com o qual enfrenta problemas. Sua performance é envolvente, mas errática, mais efetiva nas cenas agitadas e engraçadas do que naquelas que lhe requerem recitar frases ou permanecer parado. O sr. Williams é muito menos convincente no restante do filme do que quando está livre para representar Garp por meio de ações. Quando o papel não pede algum tipo de movimento, ele falha.” E alguns simplesmente não conseguiram engolir o filme. “O que devemos pensar dessas pessoas e dos eventos em suas vidas?”, perguntou o mais cético Roger Ebert no Chicago Sun-Times. “Achei a atuação nada convencional e atraente (especialmente as de Williams, Glenn Close como sua mãe e John Lithgow como transexual). Considerei a visualização dos eventos, realizada pelo diretor George Roy Hill, atual e consistentemente interessante. Todavia, quando o filme chegou ao fim, minha resposta imediata não foi tudo aquilo que deveria ter sido. Só consegui me perguntar: que diabos foi isso tudo?” Pauline Kael também não se mostrou tão satisfeita: “Não há um sentimento de verdade – nem no livro, nem no filme”, ela declarou, e a “de modo geral fiel adaptação não parece mais (nem menos) do que uma fantasia castrada”. Entretanto, independentemente do que as pessoas achassem do filme, ele provou que Robin Williams sabia atuar. Alguns, incluindo o crítico de cinema Roger Ebert, sustentariam a visão de que Robin era essencialmente um comediante, e não um ator, mas agora ficava claro que seus talentos iam muito além do imaginado até então. E isso também veio em um bom momento: Mork & Mindy tinha acabado de terminar e era hora de procurar o próximo trabalho. Contudo, três meses antes de o filme sair, ocorreu um evento que deixaria profundo efeito na vida de Williams. Em março de 1982, seu amigo próximo e também ator e comediante John Belushi então com 33 anos de idade, morreu de overdose após consumir uma mistura de cocaína e heroína. Belushi foi encontrado morto em seu quarto no Chateau Marmont, na Sunset Boulevard. Nas primeiras horas do dia de sua morte, ele foi visitado tanto por Williams quanto pelo colega de atuação Robert De Niro. O choque foi terrível para todos. Assim como Williams, Belushi era uma das estrelas ascendentes de Hollywood. Também havia criado um nome na televisão – no seu caso, no Saturday Night Live – e, assim como Williams, era um talento cômico impressionante, hoje provavelmente mais lembrado por seu papel em Os Irmãos Cara-de-Pau (1980), com seu grande amigo Dan Aykroyd, que escreveu o papel do Dr. Peter Venkman de Os Caça-Fantasmas (1984) com Belushi em mente (o papel posteriormente foi para Bill Murray). Assim como aconteceu com Williams, Belushi tivera uma ascensão meteórica e também começava a ver como Hollywood podia ser uma piscina de tubarões. No dia que antecedeu sua morte, a Paramount Pictures o pressionava para aparecer em Joy of Sex (1984), algo que Aykroyd posicionava-se contra, dizendo que estavam usando o envolvimento de Belushi apenas para conseguirem fazer o filme ser rodado: “Ah, não faça esse papel. Está brincando?”, disse a seu amigo. “Saia, saia. Venha para casa, é primavera, alguma coisa vai acontecer no verão ou no outono.” Essa “alguma coisa” quase certamente teria sido Os Caça Fantasmas, mas não seria assim. Apesar disso, Belushi concordou em fazer o filme. Talvez fosse seu desgosto inato pelo projeto, ou talvez o uso de drogas que agora estivesse totalmente fora de controle, mas ele passou a última noite com a notória viciada Catherine Evelyn Smith, antiga vocal de apoio da The Band, entre outros, indo do Roxy Theatre ao Chateau Marmont, com Smith repetidas vezes injetando-lhe heroína. Na manhã seguinte, Belushi foi encontrado morto em sua cama. Smith foi posteriormente presa e acusada de homicídio qualificado, mas acabou apelando para homicídio culposo e passou 18 meses na prisão. Williams havia estado lá antes, cheirado várias carreiras de cocaína, mas aparentemente sentiu uma espécie de repulsa por Smith, a quem ele considerou “assustadora”. Infelizmente, diz-se que Robin foi embora naquela noite após dizer: “Se você voltar a acordar, me ligue”. Embora parecesse uma frase sem importância, ela se provou assustadoramente premonitória. Apesar de Williams de forma alguma ser responsável pelo ocorrido, ele sofreria com uma culpa enorme no rastro daquela noite. De qualquer forma, a verdade era que, a essa altura, seria improvável que alguém pudesse salvar John. A amiga e colega de trabalho Penny Marshall (que dirigiu Robin em Tempo de Despertar, de 1990) revelou décadas mais tarde que John era totalmente incapaz de resistir a qualquer tipo de tentação, o que gerou resultados inevitáveis e tristes. “Eu juro: você andava pelas ruas ao lado de John e as pessoas passavam drogas para ele. E ele usava todas elas – mais ou menos como os personagens que fazia em esquetes ou em O Clube dos Cafajestes”, ela contou ao The Hollywood Reporter mais de 30 anos após a morte do amigo. “Eu o amo e sinto sua falta. Gostaria que ele não tivesse andado com as pessoas com quem andava. Mas, nos anos 1970 e 1980, as pessoas eram loucas.” A morte prematura de John Belushi foi um choque terrível para Hollywood e para todo o mundo. Sua viúva, Judy, que fora a paixão de Belushi desde a infância, ficou extremamente abalada. Os mais próximos sabiam que ele tinha um problema com o vício, mas, mesmo assim, havia um futuro tão brilhante à sua frente que ninguém conseguia acreditar no que havia acontecido. “O que eu poderia dizer? John era extremamente talentoso e acho que se poderia dizer que ele viveu a vida ‘excessivamente’”, declarou o produtor Bruce Robb, que vinha trabalhando com Belushi no passado e também era próximo de Dan Aykroyd. “Acho que o que aconteceu com John provocou o efeito de fazer muitas pessoas, inclusive eu, se tornarem sóbrias.” E o ocorrido teve um efeito devastador em Robin, de quem John era amigo próximo. Williams o tinha visto poucas horas antes da morte, e havia muitos paralelos entre os dois para não se imaginar que a mesma coisa poderia acontecer a Robin. Por outro lado, devemos deixar claro que o nível do vício de Williams não era igual ao de John. “Foi uma coisa estranha porque meu empresário me fez ir a um médico, dizendo que eu tinha um problema com a cocaína”, declarou Robin ao Los Angeles Times em 1991. “Ele disse: ‘Quanto você usa?’. Respondi: ‘um grama a cada dois dias’. E ele disse: ‘Você não tem um problema’. Foi antes de eles começarem a reconhecer que a cocaína causava um vício psicológico. E depois de algum tempo você se dá conta de que talvez seja, sim, um problema. Fisicamente, não sinto desejo, mas mentalmente acho que pode ser uma boa ideia.” Ele certamente vinha fazendo o que podia para perceber que seu hábito estava sob o risco de sair do controle. Além disso, andava bebendo muito. Esse foi um daqueles momentos cruciais quando um indivíduo pode seguir por um caminho ou por outro. Como Belushi, Williams era um homem jovem que havia estourado e tinha um futuro brilhante à sua frente. Podia escolher se entregar a esse futuro ou ao lado sombrio, com todos os riscos que isso implicava. Havia ainda outros motivos para o ator se manter sóbrio. Robin e Valerie estavam dando mais uma chance ao casamento – tanto que, alguns meses após a morte de John, ela engravidou do primeiro filho de Robin. Ele podia ser feroz e descuidado nessa época, mas não era tolo, e trazer um filho ao mundo, com o estilo de vida que ele estava levando, simplesmente não era uma possibilidade. Williams sabia que precisava parar, e assim o fez. Nessa ocasião, não foi para a reabilitação, como faria mais tarde em sua vida, mas, por pura força de vontade, deixou todas as drogas de lado, tudo de uma vez. E permaneceu limpo por décadas. “A tragédia de Belushi foi assustadora”, ele revelou à People muitos anos mais tarde. “Sua morte assustou todo um grupo de pessoas do show business. E provocou um grande êxodo para longe das drogas. Além disso, no meu caso, havia o bebê por vir. Eu sabia que não podia ser pai e continuar vivendo aquela vida.” Parecia que um novo capítulo começava e, de certa forma, isso era verdade. Robin estava no começo de uma carreira extraordinariamente bem- sucedida no cinema, estava sóbrio e esperava um filho de Valerie. Todavia, não havia conseguido se livrar totalmente de seus demônios. Embora seu casamento estivesse outra vez nos trilhos, ele logo se encontraria imerso em um affair que resultaria em um processo judicial espetacularmente constrangedor que estampou as manchetes por todos os motivos errados. E, apesar do fato de ele e Valerie se empenharem, o casamento não duraria. Em uma das grandes ironias da vida, Robin Williams, que trouxe tanta alegria e riso àqueles à sua volta e que se tornaria uma grande estrela do entretenimento, jamais faria as pazes consigo mesmo.

“A primavera é a forma de a natureza dizer: ‘Vamos festejar!’”

ROBIN WILLIAMS CAPÍTULO SETE

TEMPOS DE DIFICULDADES

“Fui para a reabilitação em Wine Country, só para manter as opções abertas.” ROBIN WILLIAMS

Londres, Inglaterra. Era o início da década de 1980 e uma das novas figuras mais famosas de Hollywood estava na cidade. Ele decidiu que queria fazer uma apresentação, e então pediu a um taxista que o levasse a um clube de comédia. O taxista então o deixou no The Comedy Store, onde os membros permanentes Alexei Sayle e Andy de la Tour concordaram com o pedido de Robin de fazer uma apresentação e lhe concederam o primeiro número para aquecer o público antes de os comediantes da casa subirem no palco. Foi uma performance que ninguém jamais esqueceria. Em tese, Robin se apresentaria por 15 minutos, mas as coisas não funcionaram bem assim. “Quarenta minutos depois, Robin Williams deixou o palco”, lembra Andy de la Tour em seu livro Stand-Up or Die. “O público ficou esgotado. Eles riram demais. Não dariam risada de mais ninguém por pelo menos um ano. Estavam jogados sobre as cadeiras em um estado de total exaustação. Williams tinha feito uma apresentação cômica com tanta energia e criatividade que a expressão ‘tour de force’ nem passa perto de descrever.” Aparentemente, o público britânico gostava tanto de Robin quanto as pessoas do outro lado do Atlântico. Ele já tinha ganhado um Grammy por seu show ao vivo de 1979 no Copacabana, em Nova York, Reality… What A Concept (era esse o disco que Mindy segurava quando ela e Mork conheceram Robin). Em conjunto com sua carreira cinematográfica em ascensão, ele continuava fazendo especiais de TV extremamente populares: Off The Wall (1978), An Evening With Robin Williams (1982) e Robin Williams: Live At The Met (1986). Rapidamente, tornava-se um participante regular dos programas de entrevistas, aparecendo primeiro no David Letterman, ocasião em que realizou outra performance hilária após tornar-se famoso no papel de Mork, e dessa vez com Johnny Carson. No total, Robin participaria 50 vezes do The Late Show with David Letterman, e o apresentador viria a se tornar um amigo durante 40 anos. Letterman viu Robin pela primeira vez na LA Comedy Store e se recorda de ter pensado: “Vão ter que colocar um ponto-final no show business – afinal, o que mais pode acontecer depois disso? Ele surgiu como um furacão”. E acrescentou ter pensado em silêncio: “Caramba, lá se vai minha carreira no show business”. (Todavia, Letterman se saiu muito bem em sua própria carreira!) Mas Williams ainda tinha a intenção de investir na carreira cinematográfica, e agora, ao lado de Walter Matthau, faria parte de outra decepção, O Negócio é Sobreviver, de 1983. “Com O Negócio é Sobreviver, uma nova comédia com uma mensagem social, estrelando Robin Williams e Walter Matthau, Michael Ritchie volta a deslizar almofadas sob as solas dos gurus presunçosos. Barulhos grosseiros acontecem, mas os risos são escassos e dispersos”, escreveu James Wolcott na Texas Monthly. O grande sucesso cinematográfico que Robin tanto ansiava não chegaria com esse filme. Em 1983, seu primeiro filho, Zachary Pym “Zak” Williams, nasceu. Outro filme veio logo depois: Moscou em Nova York (1984), sobre um músico russo que se muda para a cidade americana. A obra não alcançou um enorme sucesso, mas recebeu algumas críticas positivas e fez crescer a percepção de que Robin Williams era um ator a ser levado a sério. “Na metade de O Mundo Segundo Garp, comecei a pensar que Robin Williams talvez precisasse de pesos nos sapatos, para evitar que flutuasse no ar… Ele era insubstancial assim”, escreveu David Denby em uma crítica extremamente positiva publicada na New York Magazine. “Dessa vez, porém, Williams tem os pés no chão; faz o papel de um personagem real, e de forma extremamente tocante. Barbudo e cabeludo como um urso russo, ele é uma figura pequena, quase inofensiva nas cenas em Moscou, protegendo-se do frio, fechando a cara ao ver a fila de três horas para conseguir papel higiênico.” Com sua sobriedade recentemente conquistada, Williams agora era um homem de família e tinha um filho. Investiu pesadamente no ciclismo, esporte que se transformaria numa paixão para toda a vida, em um esforço para permanecer limpo. Anteriormente, fora um praticante de corridas, mas o exercício começava a ter um preço sobre seu corpo, e ele achou o ciclismo mais apropriado. Conseguiu permanecer sóbrio por quase duas décadas antes de ter uma recaída. Mesmo assim, os demônios jamais o deixariam em paz por muito tempo. Quando ele parecia conseguir se acalmar, outra crise aconteceu em sua vida privada, mais uma vez centrada em uma mulher, mas dessa vez em uma mulher que o levaria aos tribunais. Robin conheceu Michelle Tish Carter, uma garçonete (como Valerie, quando ele a conhecera), enquanto se apresentava em um clube de comédia chamado Improv, em Los Angeles. Os dois deram início a um affair, mas essa relação durou mais do que algumas das anteriores antes de finalmente sair feio dos trilhos. Em 1986, Michelle processou Robin, pedindo 6,2 milhões de dólares, alegando que ele tinha transmitido herpes sem dizer a ela que estava infectado. Foi um evento terrível e constrangedor, chamado pelos advogados de Williams de “Atração Financeira” (Atração Fatal, outra história de um encontro inicial que dá terrivelmente errado, havia saído recentemente) e um caso que pegava muito mal para todas as partes envolvidas. Por fim, chegou- se a um acordo fora dos tribunais, e Robin nunca admitiu ou negou que tivesse o vírus. Dois anos depois, ele e Valerie finalmente se divorciaram, embora isso também fosse gerar outro escândalo. A natureza desse julgamento não era, de forma alguma, única. Estamos falando da década de 1980, quando a herpes e a AIDS dominavam as manchetes e uma enorme quantidade de adultos sexualmente ativos temiam as duas doenças. As pessoas debatiam sobre quantas e quais informações você devia dar a seu novo parceiro sexual, e tanto Robin quanto Michelle se viram forçados a admitir publicamente que nenhum deles havia perguntado ao outro se tinha uma doença sexualmente transmissível. Philip Ryan, advogado de Williams, argumentou que, se fosse esse o caso, então qualquer pessoa que não perguntasse e não insistisse no uso de preservativos deveria ser considerada alguém que assumiu aceitar o risco. Então, ele argumentou, esses casos acabariam “criando um ménage à trois jurídico” e abririam os tribunais “a qualquer amante abandonado cuja relação chegou a um fim inesperado”. Robin manteve um silêncio digno acerca do assunto do vírus, mas foi impossível para ele não tocar no assunto em suas apresentações. “E todos nós sabemos que existe ESSA OUTRA COISA por aí”, disse a uma plateia. “O que significa que todos temos que usar um pouco de… senso de preservação. Vocês sabem o que é uma camisinha? A touca de banho do amor! [Risos] Um profilático, do latim prophylactorum, que significa ‘lembrancinha estranha’. Sei que vocês odeiam colocar a camisinha. No calor da paixão, você não quer parar e dizer ‘Vamos parar e encher o balão’.” O comentário causou risos fervorosos. Pode-se questionar por que, considerando que ele reconhecia publicamente uma certa necessidade e baseou toda a sua carreira no conceito da expressão “me ame”, Robin se comportava tão mal com uma esposa que, de fato, amava-o e que agora havia lhe dado um filho. Todavia, não existe uma resposta direta para isso. Tudo que se pode dizer é que Williams não era estável – nem mesmo nessa época, quando havia deixado de lado a bebida e as drogas. Era seu lado maníaco que preenchia a comédia, mas, ao mesmo tempo, era esse lado que o impedia de encontrar a paz. Até mesmo seus maiores fãs teriam dificuldade em perdoar esse comportamento, mas agora o problema já era profundo demais. O homem que ansiava por amor estava ferindo a mulher que lhe oferecia amor – e agora também a feria publicamente. Enquanto o divórcio se tornava inevitável, o trabalho continuava, dessa vez com uma adaptação do romance Seize the Day (1986). Mais uma vez, o filme foi considerado bom, mas não conseguiu causar uma grande comoção. “Robin Williams, em grande parte, corresponde”, escreveu John Leonard na New York Magazine. “Sua feroz energia cômica se inverte; olhando para dentro, ela corrói em vez de fazer rir. Ele é todo dor, nenhum sorriso, fumando seus cigarros e tomando remédios. É uma performance claustrofóbica, como deve ser. Somos coroados por seu desamparo e por sua desesperança. E quais, exatamente, são seus pecados? Decepcionar o pai? Mudar de nome? Ir para Hollywood? Desejar amor? Não pertencer? Talvez não seja surpresa que Williams não consegue produzir um choro que nos reconcilie com o pensamento da morte.” Em 1985, Robin apresentou, com Whoopi Goldberg e Billy Crystal, o primeiro Comic Relief nos Estados Unidos – um evento de caridade para ajudar pessoas sem teto e que tomou como base o modelo britânico e conseguiu arrecadar 50 milhões de dólares. Depois, em 1987, Robin passou a fazer terapia (“cirurgia do coração em parcelas”, brincou). E foi a isso que ele creditou o sucesso que tanto desejava. Ninguém poderia ter previsto o que viria a acontecer – um filme sobre um DJ em uma zona de guerra? –, mas sua considerável força cômica como ator e comediante de stand-up entrou em cena em Bom Dia, Vietnã (1987). Baseada nas experiências do DJ Adrian Cronauer, da rádio AFRS, a trama – como aconteceu com a série inicial de Mork & Mindy – poderia ter sido criada com Robin em mente, pois se adequava perfeitamente a seus dons particulares. Narrava a história de Cronauer chegando a Saigon em 1965 para trabalhar no Serviço de Rádio das Forças Armadas. Sua atitude irreverente logo começou a irritar seus superiores, incluindo o Sargento Major Philip Dickerson (J.T. Walsh). Todavia, outros gostavam de Cronauer e de seu programa – uma mistura de humor e rock’n’roll. Como acontecia em Mork & Mindy, Williams foi fortemente encorajado a improvisar. Cronauer conhece Trinh (Chintara Sukapatana), uma jovem vietnamita, e a segue até uma aula de língua inglesa, a qual ele assume. Ele então fica amigo do irmão de Trinh, Tuan, e o leva a um bar das forças armadas. Uma briga tem início. Cronauer é reprimido, mas as coisas continuam como de costume até Tuan puxá-lo para fora do bar antes de o local ser destruído por uma bomba, o que Cronauer reporta, apesar de ordens para não fazer isso. Ele é suspenso, mas seu substituto é ineficiente. Cronauer continua atrás de Trinh e finalmente mostra-se relutantemente persuadido a retornar ao trabalho depois de um grupo de soldados convencê-lo a realizar uma “transmissão” improvisada para eles antes de saírem para lutar. Cronauer é enviado para o campo e forçado a se esconder, na floresta, dos vietcongues; Tuan o encontra e o resgata mais uma vez. Ele é então desmascarado como um membro dos vietcongues, o que significa que Cronauer precisa sair com uma dispensa honrosa se for embora discretamente; o vingativo Dickerson também é transferido para longe. Cronauer vai embora e seu lugar é tomado por Garlick (Forest Whitaker). O filme foi um sucesso absoluto. Robin recebeu um Globo de Ouro por sua atuação e foi indicado ao Oscar (não ganhou esse prêmio, mas não precisaria esperar muito), ao Bafta e ao Sant Jordi Award em Barcelona como Melhor Ator Estrangeiro. O filme e outros indivíduos envolvidos conquistaram outros prêmios. E os críticos adoraram a obra: “Não se engane: a performance de Williams, embora carregada de comédia escandalosa, é o trabalho de um ator talentoso. Bom Dia, Vietnã é o tour de force de um homem”, escreveu Vincent Canby do The New York Times. A TIME Magazine considerou o filme “a melhor comédia militar desde M*A*S*H”. “Desde o início, o filme o bombardeia com emoções, e, para aqueles que aguentam, é uma jornada sem pausas”, declarou a Variety. “A vitrine perfeita para Robin Williams e suas habilidades únicas como ator de comédia”, avaliou Stephen Carty na Flix Capacitor. Outras críticas o elogiaram ainda mais: “A comédia séria de Levinson sobre o Vietnã é, acima de tudo, um veículo para o comediante Robin Williams, que oferece uma performance hilária no papel do verdadeiro DJ Adrian Cronauer nos primeiros anos da guerra”, declarou o crítico e professor americano de cinema Emanuel Levy. “Apresentando percepções banais da guerra, o filme é carregado de drama. Todavia, os monólogos maníacos de Williams atrás do microfone valem o dinheiro de qualquer um”, escreveu Geoff Andrew na Time Out. “Bom dia, Vietnã provou que Robin Williams é capaz de atuar e ser hilário no mesmo filme”, comentou James Plath na Movie Metropolis. E assim por diante. De uma forma um tanto irônica, considerando o quanto Williams queria ser levado a sério como ator, ele mesmo admitiu que sua atuação foi tão bem- sucedida porque ele estava fazendo o papel de si mesmo. “Até esse personagem, a atuação e a comédia estiveram bastante separadas na tela”, contou ao The New York Times em 1988. “Barry [Levinson, o diretor] dizia: ‘Você não precisa ser engraçado agora’. No passado, eu costumava pensar: ‘Vou forçar a barra aqui, vou fazer ficar mais engraçado’.” E Robin tinha certeza de que a terapia o havia ajudado a conquistar esse avanço. “Ela me permitiu mostrar mais vulnerabilidade, e acho que a câmera consegue capturar isso. Acredito que a terapia tenha me ajudado a expor um nível mais profundo de comédia”, revelou. “[O sucesso] faz a gente subir na cadeia alimentar. É como a vida no mar pré-cambriano. Existe uma cadeia alimentar de roteiros, e o sucesso lhe dá acesso a roteiros melhores.” Era melhor assim, ele dizia, pois “é um filme difícil de categorizar. Quero dizer, como você descreve os elementos engraçados e os elementos sérios? É uma dramédia. Mas não! É uma comédia anã! Não! É uma farsa trágica… Não! É comédia de humor negro… Não! O que é, então?”. Ele ficou contente por os veteranos do Vietnã também terem gostado da produção. “Ninguém disse: ‘Ei, eu estava lá em 1965 e você não estava, então não pode fazer esse filme’. Ainda existe muita ambivalência com relação à guerra porque somos um país orientado no sentido da vitória, e não saímos vitoriosos… Meu número era 351 e eles pararam de chamar pessoas no 120. Fui um garoto branco de sorte! Quero dizer, meu número significava que eu enfrentaria os vietcongues quando eles chegassem a Mulholland Drive.” “Eu provavelmente teria participado”, ele acrescentou. “Meu pai estava na Marinha e meu irmão estava na Força Aérea.” Robin finalmente tinha alcançado o sucesso que tanto desejava. Até hoje, Bom Dia, Vietnã é considerado um dos pontos altos de sua carreira. Em 1988, ele e Valerie finalmente se divorciaram. Detalhes exatos do acordo não são conhecidos, mas acredita-se que ela tenha recebido 50 mil dólares por mês pelo resto da vida (Williams estava se tornando um homem muito rico) e um pagamento de 518 mil dólares de um plano de participação de lucros que ele havia assumido. Mas as circunstâncias aqui foram, mais uma vez, uma bagunça. “É claro que estou feliz com o filme”, ele contou à People. “Mas agora estou atravessando minha vida pessoal como um hemofílico em um fábrica de lâminas.” Robin não estava brincando; a situação vinha se agravando já há algum tempo. Marsha Garces nasceu em 18 de junho de 1956 e parte de sua família era de origem filipina. Seu pai, Leon Garces, nascera em Ubay, Bohol, nas Filipinas e se mudara para os Estados Unidos em 1929, tendo posteriormente servido na Marinha Americana durante a Segunda Guerra Mundial. A mãe de Marsha, Ina Rachel Mattila, era finlandesa. Marsha cresceu em Shorewood, Wisconsin, e estudou para ser pintora antes de começar a trabalhar como garçonete e passar por dois breves casamentos. E então, em 1984, foi trabalhar para a família de Williams, como babá de Zak. Robin estava passando por várias situações turbulentas na época, conforme seu casamento tornava-se cada vez mais complicado, mas é geralmente aceito que o relacionamento começou por volta de 1986, quando Marsha tornou-se oficialmente sua secretária. Em algum momento de 1987, Robin e Valerie discretamente se separam, com um acordo de guarda compartilhada de Zak. Daí em diante, talvez fosse inevitável que Robin e Marsha se casassem. Ela era “aquela que faz meu coração cantar”, ele declarou. Independentemente do que fosse certo ou errado, Williams estava extremamente feliz. “Marsha é a âncora de Robin”, comentou a amiga e colega de elenco Pam Dawber. “Ela é a realidade. O marco zero. Muito equilibrada, e é disso que ele precisa. Também é incrivelmente amorosa. E protetora. Sabe quem faz mal e quem faz bem para ele, e ajuda a manter os bons relacionamentos em andamento.” E Marsha estava com Robin na Tailândia para as filmagens de Bom Dia, Vietnã. O produtor Mark Johnson declarou: “Ela era a pessoa que mais trabalhava no set. Estava lá com ele 24 horas por dia. Realmente o ama”. Marsha também estava ao lado de Robin quando, em 1987, ele perdeu o pai. Os dois podem ter passado por um relacionamento complicado, mas a perda de um membro da família é sempre traumática, e Robin precisava de todo o apoio dela. É claro que também havia um filho na jogada, então todos tentavam ser o mais civilizados possível. “Ele é simplesmente maravilhoso”, contou Robin em uma entrevista à People em 1988. “A coisinha mais sóbria e maravilhosa na minha vida. Loiro. Os olhos azuis de Valerie. Meu queixo. Lábios bem desenhados. Parece um modelo ariano. Tem uma imaginação muito fértil e adora números. Às vezes, ele é como um contador judeu de 40 anos; outras vezes, mais se parece Damien, de A Profecia. Em certos momentos, é como um anjo sem as asas. Sabe o que sente o tempo todo. Hoje, levei-o para almoçar. O lugar estava barulhento, e ele não gosta de barulho. Quando a impressionante notícia da morte de Robin Williams se espalhou pelo mundo, as luzes da Broadway se apagaram e a Times Square fez uma homenagem ao astro.

Pam Dawber e Williams deram um salto para a fama ao estrelarem o famoso programa de TV Mork & Mindy. As performances hilárias do ator – visto aqui usando um roupão de banho feminino, chapéu felpudo e óculos de sol – mostravam seus dons tanto para a comédia quanto para a atuação.

O ator foi casado com Valerie Velardi por décadas, mas o casal lutou para manter o relacionamento privado enquanto a carreira de Williams se tornava cada vez mais pública.

Sempre presente no Globo de Ouro, Williams era respeitado tanto pelos colegas quanto pelos críticos. Conquistou cinco prêmios individuais ao longo dos anos, o que culminou no troféu Cecil B. DeMille – um dos mais invejados da indústria – por sua “impressionante contribuição ao mundo do entretenimento”. Com os então novatos Affleck e Damon; Gênio Indomável – uma das melhores performances de Williams de todos os tempos – conquistou três Oscars.

Independentemente do que estivesse acontecendo na vida de Williams, sua família – e, em especial, seus três filhos – era sempre prioridade; no mínimo por conta do potencial cômico que ser pai trazia para seus shows de stand-up. Ninguém o levava a sério; Williams é “molhado” para o Nickelodeon em 2006. À esquerda: Christopher Reeve – grande amigo e antigo colega de escola de Williams – contou que foram as palhaçadas do ator que o animaram após seu trágico acidente. Eles eram “mais próximos do que irmãos”, e sua morte afetou Robin profundamente.

À direita: Um gênio do improviso, Williams com frequência criava suas próprias falas para seus papéis, fosse como o Gênio de Aladdin ou em sua performance no brilhante Bom Dia, Vietnã. À esquerda: Um elenco estelar atuou ao lado de Williams na comédia de animação Happy Feet: O Pinguin, um dos mais bem-sucedidos filmes do final de sua carreira.

À direita: Sempre um favorito dos programas de entrevistas, Williams dá autógrafos antes de participar mais uma vez do Late Show, com seu velho amigo David Letterman, em 2013.

Realmente confortável no palco. O talento de Williams fora das telas foi reconhecido no The Comedy Awards de 2012, quando ele recebeu o prêmio de Ícone do Stand-up. Nos anos recentes, Williams havia encontrado a felicidade ao lado de Susan Schneider, com quem se casou em 2011. Ninguém o segurava. Williams faz uma pose tipicamente cheia de energia durante uma apresentação de stand-up em 2012 no Stand Up For Heroes, em Nova York.

A queda de uma estrela. Pouco depois de a morte de Williams ser publicamente anunciada, a estrela com seu nome na Calçada da Fama, em Hollywood, foi tomada por homenagens a esse grande ator e comediante. ‘Precisamos voltar aqui em outro momento, quando não estiver tão cheio’, falou com muito tato. E não é exatamente um amante dos ambientes ao ar livre. Quando o levei para acampar, ele disse: ‘Precisamos encontrar um quarto com a geladeira cheia’.” Mas como Zak estava lidando com tudo agora? “Ele se adapta muito bem”, explicou Robin. “E todos nós tentamos fazer o acordo funcionar. Todos amamos Zachary e Zachary ama a todos nós. Além disso, estamos todos fazendo terapia, e isso nos ajudou muito… Jesus, eles deviam me dar um desconto! Valerie e eu nos entendemos bem. A separação foi difícil, mas, ao mesmo tempo, tranquila. Melhor fazer isso do que um avançar na garganta do outro.” Valerie concordou. “Robin tem se comportado muito bem”, contou à People. “Estamos trabalhando juntos em nome de Zach. Nós nos separamos para reexaminar nossas vidas. É um momento de crescimento pessoal para ambos. Estou saindo com outro homem [o jornalista David Sheff], mas moro sozinha, e prefiro que seja dessa forma.” E assim o divórcio continuou. Porém, por mais civilizados que fossem todos os envolvidos, em algumas áreas as críticas surgiram. Com o tempo, Robin tentou desfazer de uma vez por todas uma certa ideia. “Marsha não acabou com meu primeiro casamento”, contou a um entrevistador. “O primeiro casamento já estava estilhaçado antes de nos apaixonarmos, e Valerie já tinha encontrado outra pessoa. Marsha foi quem consertou a minha vida. É uma alma grandiosa, gentil”, ele contou ao LA Times. Tendo recentemente conquistado o sucesso com Bom Dia, Vietnã, Williams participou do que, em retrospectiva, só pode ser visto como uma péssima ideia. Todavia, também é possível ver por que, em teoria, essa ideia parecia boa. Em novembro de 1988, ele e outro excelente ator e comediante, Steve Martin, participaram de uma encenação do clássico Esperando Godot, de Samuel Beckett, no Lincoln Center, em Nova York. Dirigida por Mike Nichols, a peça ficou em cartaz por sete semanas, e os ingressos se esgotaram tão rapidamente que nunca chegaram a de fato ser vendidos ao público. Financeiramente, pelo menos, o projeto foi um sucesso. O motivo desse sucesso era óbvio: dois grandes nomes da comédia, que também eram atores, participando de uma peça sombriamente cômica acerca da inutilidade da existência humana; dois mendigos esperando Godot, que nunca realmente chega. E havia muitos precedentes para isso: não era incomum grandes estrelas de Hollywood participarem de produções menores, no mínimo para provar que eram capazes. Em geral, eles também aceitavam salários extremamente baixos, em especial para mostrar que estavam prontos para sofrer por sua arte (e também que não precisavam do dinheiro!). No entanto, se existe um dramaturgo cuja obra não permite improvisos, é Samuel Beckett. Em suas peças, cada vírgula é cuidadosamente pensada. E foi aí que Robin Williams errou. Os críticos não tiveram piedade: “O anseio frustrado de ser reconhecido e esse senso de vida como uma redução perpétua deveria parecer universal”, escreveu William A. Henry III na TIME Magazine. “Em vez disso, a suprema tragédia existencialista do século XX foi reduzida a um esboço comovente de esquetes sobre os sem-teto. O principal pecador é Williams. Quando o escravo Lucky faz um longo e angustiado discurso, um fluxo de conhecimento rebaixado, Williams confirma o tédio presumido da plateia por ter que pensar. Ele corre. Ele bate no chão. Ele joga um grande osso nas mãos do escravo como se fosse um Oscar e lhe diz para ‘agradecer a Academia’. Enquanto Martin simula a morte, Williams paira sobre ele, murmurando o apelido ‘Didi, Didi’, e então segue com o tema de Além da Imaginação. Martin não chega a ser tão ultrajante, mas seu jeito de andar típico de um cara cool e seus vocalismos relaxados o deixam longe de entrar no personagem.” Nossa! “A peça tem novas falas acrescentadas, todas vulgares e indesejadas”, esbravejou John Simon na New York Magazine. “Muitas são pronunciadas por Vladimir e Estragon durante o monólogo de Lucky com o objetivo de desencorajar o falante. Ossos da mandíbula de um coiote se transformam em claquete nas mãos de Estragon. Há o crânio de Yorick enquanto um Gogo entusiasmado, Robin Williams, murmura um ‘Ai de Mim’ hamlético. Ele também empunha um enorme osso com palavras apropriadas a uma apresentação do Oscar, e faz seus efeitos vocais habituais, como o sinal sonoro de um programa de perguntas e respostas na TV, a música assustadora de Além da Imaginação e todo tipo de voz, como se aquilo fosse Bom Dia, Godot.” Nossa, pesado mesmo! “Transformar o banquete de ironia agnóstica de Beckett em uma série de esquetes ameaçou transformar Godot em nada além de um veículo para os números favoritos de Martin e Williams”, revoltou-se W. J. Weatherby, do Guardian. “Em um filme recente, Steve Martin transformou o Cyrano de Bergerac em um americano contemporâneo com nariz grande, e fez basicamente a mesma coisa com Vladimir. Como Mike Nichols não subiu no palco para questionar que diabos Williams estava fazendo, os improvisos presumidamente tiveram a aprovação do diretor. No entanto, é impossível não se perguntar se haverá uma reação negativa quando a notícia chegar ao autor, em Paris.” Frank Lipsius, do Financial Times, foi um pouco mais gentil: “Mas a indiferença de uma geração cínica faz justiça a Beckett?”, escreveu. “A resposta é sim. Apesar das liberdades, o autor sem dúvida pareceria desconfiado, pois é um notório purista com relação à produção de suas peças. Há apenas uma nota falsa, ao final do Primeiro Ato, quando Robin Williams, como Estragon, geme desnecessariamente por sua incapacidade de se mover enquanto a luz se apaga. Todavia, ao longo da produção, Williams faz uma pantomima com apenas uma leve referência ao texto. Quando Vladimir sai apressadamente, Williams o encara, rindo, levantando a perna e raspando o chão como um cachorro. Ele pega um crânio de boi e fala com ele como Hamlet ou move a mandíbula como um ventríloquo. Para fazer Lucky parar de falar, ele grita: ‘Você é um liberal’. Claramente uma referência à campanha presidencial.” Williams, recém-coberto pela glória de Bom Dia, Vietnã, e Martin não estavam acostumados a receber reações desse tipo. Aquilo claramente o feriu e, alguns dias mais tarde, Robin voltou ao assunto. “Doloroso”, contou à Playboy. “Colocamos nossos traseiros em jogo e recebemos um belo de um chute. Em algumas noites, eu improvisei um pouco, e os fanáticos por Beckett ficaram irritados. Atuamos como um grupo de comédia, não foi algo existencial. Como aqueles dois caras do Vaudeville que encenavam números que acabavam se desfazendo em raiva. Basicamente, são o Gordo e o Magro, que foi como Beckett encenou a peça na Alemanha.” Mas Robin não precisava se preocupar. Após alguns tumultuosos anos de abstinência, divórcio, processos, novo casamento e por fim o filme que se tornou um sucesso (e pelo qual ele tanto esperava), Robin Williams ainda era um dos maiores nomes do planeta. Agora podia escolher os roteiros à sua frente. Todo mundo queria Robin em suas produções. No futuro, ele viria a fazer outros filmes decepcionantes, caindo demais no sentimentalismo, mas, por enquanto, Williams estava por cima. E seu melhor momento ainda estava por vir. “Booom diaaaa, Vietnã! São seis horas. ‘O’ é de quê? ‘Ó, meu Deus, como é cedo!’ Por falar em cedo, que tal aquele Cro-Magnon, Marty Lee Drywitz. Obrigado, Marty, pelo som suave como seda. Me faz parecer a Peggy Lee…”

ADRIAN CRONAUER (ROBIN WILLIAMS), BOMOM DIA, VIETNÃ (1987) CAPÍTULO OITO

NO APOGEU

“Oh, Capitão! Meu Capitão!”

SOCIEDADE DOSOS POETAS MORTOSOS (1989)

Com exceção de Esperando Godot, o final da década de 1980 e início da década de 1990 viu Robin Williams no ápice de sua vida profissional, produzindo seus melhores trabalhos. Era como se Bom Dia, Vietnã tivesse aberto as portas: depois de alguns anos durante os quais parecia que ele não alcançaria todo seu potencial, o sucesso agora chegava – e com força. Robin viria a fazer um total de mais de 60 filmes, sendo alguns inesquecíveis. Outros foram considerados, aos olhos de alguns, sentimentais demais, mas, mesmo assim, figuram entre os melhores filmes de todos os tempos. E Sociedade dos Poetas Mortos (1989) inquestionavelmente é um deles. Dirigido por Peter Weir, com roteiro de Tom Schulman, o enredo se passa em 1959 na Welton Academy e conta a história de um professor inspirador, John Keating (Williams), que vira de cabeça para baixo os métodos tradicionais de ensino. Seus alunos – Neil Perry (Robert Sean Leonard), Todd Anderson (Ethan Hawke), Knox Overstreet (Josh Charles), Charlie Dalton (Gale Hansen), Richard Cameron (Dylan Kussman), Steven Meeks (Allelon Ruggiero) e Gerard Pitts (James Waterston) – podem chamá-lo de “Oh Capitão! Meu Capitão!”, ele lhes diz, em uma referência ao poema de Walt Whitman. E Keating os estimula a rasgar a introdução do livro de poesia! Ao descobrir que o próprio Keating é um ex-aluno da instituição, os garotos ressuscitam um grupo, a Sociedade dos Poetas Mortos, à qual o professor pertenceu e que se reúne em segredo. Enquanto isso, Keating encoraja todos eles a descobrirem seu potencial interno, ajudando Anderson com uma tarefa de redação. Dalton publica um artigo dizendo que a escola deveria passar a aceitar meninas como alunas e, como resultado, é punido. Overstreet se apaixona e usa a poesia para homenagear sua amada. Perry quer ser ator e participa de uma produção de Sonho de uma Noite de Verão contra o desejo expresso de seu pai, que enfrenta Keating antes de tirar o filho da escola e insistir que ele estudará em Harvard e terá uma carreira como médico. Subsequentemente, Perry comete suicídio. Uma investigação tem início, durante a qual Cameron culpa Keating e revela a existência da Sociedade dos Poetas Mortos. Dalton o agride e é expulso. O diretor Nolan (Norman Lloyd) chama Anderson à sua sala, força- o a admitir que pertence à sociedade e então o faz assinar um documento culpando Keating por encorajar Perry a desrespeitar o desejo do pai. O professor então é demitido. Nolan assume as aulas de inglês, descobre que a introdução do livro de poesia foi arrancada e, enquanto ele encontra um livro intacto de um garoto para ler, Keating entra na classe para recolher alguns de seus pertences. Anderson lhe diz que foi forçado a assinar o documento e, quando Nolan ordena que o garoto fique em silêncio, ele sobe na carteira e grita “Oh Capitão! Meu Capitão!”. Nolan ameaça expulsar o aluno caso ele não se sente. Os demais garotos ignoram o aviso e também sobem nas carteiras, olhando para Keating. Muito tocado, ele vai embora, tendo mudado a vida dos garotos e os tornado cientes de seu potencial. Uma história tocante (mesmo deixando implícito que o ensino inspirador e a individualidade podem fazer um professor ser demitido e um aluno cometer suicídio), ela foi um dos maiores sucessos da carreira de Williams. Quase todos os críticos elogiaram a obra. O crítico do Washington Post chamou-a de “entretenimento sólido e inteligente” e exaltou Robin por oferecer uma “atuação bastante contida”. Vincent Canby, do The New York Times, escreveu sobre “a performance excepcional” de Williams e apontou que “Sociedade dos Poetas Mortos é muito menos sobre Keating e muito mais sobre um grupo de jovens impressionantes”. Pauline Kael não estava certa sobre a “altivez” do filme, mas o elogiou: “A performance de Robin Williams é mais graciosa do que qualquer coisa que ele tenha feito antes – Williams está lá, em sua totalidade, concentrado. Lê os versos impressionantemente e, quando imita vários atores recitando Shakespeare, não há comédia indevida; ele é um professor talentoso demonstrando suas habilidades”. Robert Ebert foi mais cuidadoso, mostrando-se preocupado com a possibilidade de a persona cômica de Williams ter se derramado sobre a atuação, e falou de “um conjunto de banalidades piedosas. […] O filme adula qualidades e valores que, com base no próprio roteiro, está alegremente disposto a abandonar”. Os prêmios começaram a surgir aos montes. Sociedade dos Poetas Mortos conquistou o Oscar de Melhor Roteiro Original; ademais, Williams, o diretor Peter Weir e o próprio filme foram todos indicados. Vários Bafta Awards e indicações se seguiram, acompanhados de menções ao redor do mundo. A famosa frase: “Carpe diem. Aproveitem o dia, rapazes. Façam as suas vidas serem extraordinárias” foi eleita a 95º melhor citação de um filme pelo American Film Institute. Até mesmo o título foi justificado – havia a preocupação de que seria um nome que não estimularia a venda ao público; o ator e produtor Harrison Ford chegou a dizer que só conseguia pensar em um nome pior: “Sociedade dos Poetas Mortos no Inverno”. De qualquer forma, funcionou. Peter Weir revelou que teve de manter Williams em uma coleira apertada. “O humor de Keating tinha de ser parte da personalidade”, contou à revista Premiere em 1989. “Logo no início, Robin e eu concordamos que ele não seria um profissional do entretenimento na sala de aula. Isso seria errado para o filme como um todo. Teria sido muito mais fácil para Robin fazer os garotos rolarem no chão de tanto rir, então ele precisou pisar no freio algumas vezes.” Todavia, ele permitiu que o ator se soltasse na cena de Shakespeare: “Eu tinha duas câmeras ligadas, obviamente, e apenas disse: ‘Rapazes, essa é uma cena para a qual não temos roteiro. Tratem Robin como seu professor e reajam da forma esperada, sem se esquecer de que estamos em 1959’”. Outra inovação da parte de Weir foi renuir os sete jovens atores que fizeram papel de alunos e levá-los para praticar esportes antes das filmagens, de modo a criar, entre eles, uma ligação que se fazia essencial para o filme. Enquanto isso, a carreira de Robin, o grande herói da ocasião, ia de vento em popa. Sua vida pessoal também estava bem: em 30 de abril de 1989, ele se casou com Marsha e, pouco tempo depois, ela deu à luz a primeira filha do casal, Zelda Rae Williams. Como se sabe, o nome da filha vem da Princesa Zelda da série de videogame The Legend of Zelda – Robin foi um fanático por videogames até o fim da vida, tanto que algumas pessoas acreditavam que isso pudesse contribuir para sua depressão. Todavia, ele falou que o nome da filha foi ideia de Zack. De qualquer forma, Robin estava muito feliz. O segundo filho do casal, Cody Alan Williams, veio em 1991. Williams agora estava envolvido em obras que estampavam manchetes. A próxima foi Tempo de Despertar (1990), a história real do neurologista britânico Oliver Sacks – representado, no filme, por um americano chamado Malcolm Sayer (Williams) –, que descobre que a droga L-Dopa (também conhecida como levodopa) pode ser usada para tratar aqueles que sobreviveram à epidemia de encefalite letárgica (EL) entre 1917 e 1928. Os pacientes, incluindo Leonard Lowe (Robert De Niro) eram acordados após décadas de catatonia. O filme foi dirigido por Penny Marshall, antiga amiga de John Belushi. Embora a obra abordasse um assunto complicado, o consenso geral foi de que ela o tratou com elegância e bom gosto. O filme começa com Sayer descobrindo que alguns pacientes conseguiam responder a certos tipos de estímulo: por exemplo, quando uma bola era jogada contra eles ou quando ouviam canções conhecidas. Consegue-se chegar a Leonard por meio de um tabuleiro ouija. Pouco a pouco, os pacientes começam a voltar à vida. Enquanto faz isso, Leonard vai se interessando e se apaixonando pela filha de outro paciente, além de se irritar com as restrições que o hospital lhe impõe e de causar uma certa revolta no processo. Mas então seu corpo começa a desintegrar-se novamente, e todos percebem que o efeito da droga é apenas temporário. No único leve sinal de pieguice, o “despertar” começa a ter um significado diferente quando Sayer, um homem cronicamente tímido, pede café à enfermeira e a equipe médica começa a tratar os pacientes, novamente catatônicos, com maior respeito. Houve outra enchente de críticas positivas: “Após ver Tempo de Despertar, li a obra para saber mais sobre o que aconteceu naquele hospital do Bronx”, escreveu Roger Ebert no Chicago Sun-Times. “O que tanto o livro quanto o filme transmitem é a imensa coragem dos pacientes e a profunda experiência dos médicos, que, de formas sutis, reexperimentam o que significa estar vivo, abrir os olhos e descobrir, para sua surpresa, que ‘você’ está vivo.” “Tempo de Despertar é criado com sensibilidade e bom gosto”, escreveu David Denby na New York Magazine. “Certamente não há exploração do tipo óbvio, e nada no estilo sensacionalista e descarado de Um Estranho no Ninho (a grande reputação desse festival ideológico me impressiona). Os pacientes são sempre tratados como pessoas, não como espetáculos, embora, de fato, a estranheza e a ênfase em seus sintomas clínicos sejam os maiores atrativos do filme. […] Conforme colocado pelo roteirista Steven Zaillian, o próprio Sayer precisa despertar. Tímido e resguardado, gentil, mas afastado e assexual, ele é um homem que carece de um elemento vital. Williams, tendo deixado de lado o adorável papel de Flautista de Hamelin que fez suas performances em Bom dia, Vietnã e Sociedade dos Poetas Mortos tão cansativas, realiza um belo trabalho. Escondido atrás de uma barba desgrenhada, ele mantém os braços nas laterais do corpo e as costas ligeiramente arqueadas, como se para evitar que o ar frio atingisse sua barriga.” Outros críticos se mostraram convencidos, embora com reservas. “Existe um elemento bruto e subversivo na performance de De Niro: ele não impede que Leonard pareça grotesco”, declarou Owen Gleiberman da Entertainment Weekly. “Todavia, Tempo de Despertar, diferente do infinitamente superior Rain Man, não é criado em torno das excentricidades de seu personagem principal. A obra mostra Leonard piedosamente; transforma-o em um ícone do sentimento. Então, mesmo se você ficar preso (como eu fiquei) pela atuação, ainda pode se ver lutando contra o design do filme”. Todavia, Oliver Sacks, autor do livro de memórias de 1973, no qual o filme é baseado, ficou “satisfeito com grande parte [da obra] […] Acho que, de uma forma inquietante, De Niro de algum modo sentiu o começo do mal de Parkinson. Tanto é que, às vezes, enquanto jantávamos, eu via seu pé se curvar ou seu corpo inclinado para um lado, como se ele não conseguisse deixar aquilo para trás. Considero inquietante a forma como as coisas foram incorporadas. Em outros níveis, acho que as coisas foram, de certa forma, sentimentalizadas e simplificadas”. De qualquer forma, Sacks adorou a atuação de Williams: “Robin tem um acesso quase instantâneo a partes da mente – partes oníricas, com associações fantasmagóricas – que a maioria de nós não tem”, contou à New York Magazine. “Robin se transformando em outras pessoas me lembra Theodore Hook, o talento do início do século XIX que conseguia improvisar óperas, fazer todo tipo de papel. Era o homem mais popular de Londres, constantemente se via convidado para jantares e para fazer suas apresentações. Para Hook, assim como para Robin, as exigências nunca deixaram de existir. Porém, Hook nunca teve uma chance de paz interna – bebia muito e morreu com pouco mais de 50 anos. O brilhantismo de Robin, todavia, é consideravelmente controlado. Ele não se prende a isso.” O comentário foi consideravelmente premonitório, tendo em vista o que aconteceria duas décadas e meia depois. Todavia, a admiração era mútua, com Robin citando esse papel como seu preferido em uma entrevista concedida em 2013 ao Reddit. “Acho que o papel de Oliver Sacks em Tempo de Despertar foi um presente porque pude conhecê-lo e explorar o cérebro humano de dentro para fora”, declarou. “O fato de Oliver escrever subjetivamente sobre o comportamento humano foi, para mim, o início da fascinação pelo comportamento humano”. Enquanto isso, os críticos ainda expressavam suas opiniões. Desson Howe do Washington Post não se mostrou tão impressionado, declarando: “Quando [o interesse amoroso de Sayer] a enfermeira Julie Kavner (outra antiga estrela da TV) apresenta a mensagem principal (a vida, ela diz a Williams, é “dada e tirada de todos nós”), isso não soa como o clímax de um bom filme. Soa mais como uma fala de um dos episódios mais sensatos de Laverne & Shirley”. Janet Maslin, do The New York Times, opinou: “Tempo de Despertar requer mais esforço para alcançar uma vivacidade tão mal colocada do que para ganhar o público de outras formas”. A essa altura, Williams era considerado um ator de destaque, mas sua próxima escolha incomodaria a muitos: o papel de um Peter Pan já crescido em Hook – A Volta do Capitão Gancho. É concebivelmente possível que o motivo que o tenha levado a aceitar o papel foi o fato de ele nunca ter realmente visto uma produção da peça; Robin a viu pela primeira vez com 38 anos, após Steven Spielberg já tê-lo contratado. O elenco é sensacional, contando com Dustin Hoffman (Capitão Gancho), Julia Roberts (Sininho), Bob Hoskins (Barrica) e Maggie Smith (Vovó Wendy), mas a ideia de que Peter cresceu e, como Peter Banning, um advogado corporativo com esposa e dois filhos, esqueceu-se de sua infância foi demais para algumas pessoas. O malvado Capitão Gancho sequestra a família de Peter, que precisa retornar à Terra do Nunca para resgatá-los, mas a história não funcionou. O filme foi um sucesso comercial (ainda assim, não alcançou tanto sucesso quanto previsto), mas um fracasso de crítica, e, em uma carreira de acertos e erros, esta obra definitivamente caiu na última categoria. Esse fracasso inesperado foi quase imediatamente compensado quando Williams realizou o que alguns consideram ser seu melhor trabalho: O Pescador de Ilusões. Dirigido por Terry Gilliam e escrito por Richard LaGravenese, a obra é uma fantasia que facilmente poderia ter se perdido, mas isso não aconteceu. Conta a história de Jack Lucas (Jeff Bridges), um DJ cujas palavras proferidas no rádio levam um homem a cometer um assassinato em massa em um bar de Manhattan. Lucas torna-se um alcoólatra desesperado e passa a trabalhar em uma loja de discos com a namorada, Anne, antes de ser atacado por um grupo de bandidos. É resgatado por Parry (Williams), um sem-teto buscando o Santo Graal. Incialmente, Jack é cuidadoso, mas então descobre que Parry havia se tornado catatônico por algum tempo após ver a esposa ser assassinada pelo mesmo psicopata que cometeu os assassinatos no bar (e que havia anteriormente ligado para Lucas). Parry é assombrado por alucinações de um Cavaleiro Vermelho, do qual ele tem pavor. Ele conta a história do Pescador de Ilusões, que era encarregado de guardar o Santo Graal. Jack quer se redimir por ter inadvertidamente causado as mortes. Ele apresenta Parry a Lydia (Amanda Plummer), uma contadora por quem Parry nutre sentimentos, e eles se apaixonam. Todavia, Parry vê o Cavaleiro Vermelho e foge, encontrando-se com os mesmos bandidos que estavam atrás de Jack. Eles o espancam, e ele retorna a um estado catatônico. Para ajudá-lo, Jack invade a casa de um famoso arquiteto e se apodera de um troféu simples que Parry acredita ser o Graal. Ao fazer isso, ele dispara o alarme e evita o suicídio do arquiteto. Então, leva o troféu a Parry, que recobra a consciência e se reúne com Lydia. Por fim, Jack diz a Anne que a ama e eles se abraçam. Esse não foi um dos maiores sucessos de bilheteria de Williams, embora a obra tenha se saído bem nesse quesito. Mesmo assim, os críticos a adoraram. “O Pescador de Ilusões traz dois atores em sua melhor forma, além de uma história convincente, bem dirigida e bem produzida”, avaliou a Variety. “Visualmente impressionante, frequentemente pretensioso e extremamente fluido como narrativa (os 137 minutos de narrativa fluem sem esforço), essa comédia dramática mítica apresenta Gilliam como metade vidente, metade charlatão e o desafia a descobrir qual é qual”, escreveu Jonathan Rosenbaum no Chicago Reader. “Embora haja momentos em que a mistura de comédia, fantasia e drama não funciona, ainda é um filme original e comovente que vale muito o preço do ingresso”, opinou Jo Berry na Empire Magazine. “Trabalhar dentro das limitações de um filme de um grande estúdio levou Gilliam a fazer seu melhor: ele se torna um verdadeiro contador de histórias e um maravilhoso diretor de atores. Dessa vez, leva ao deleite não apenas os olhos, mas também a alma”, comentou David Ansen na Newsweek. “Uma joia emocionante e única sobre duas almas perdidas que se ajudam mutuamente a encontrar a redenção. Bridges mais uma vez prova que é um ator subestimado, ao passo que Williams faz seu melhor maníaco”, avaliou Chuck O’Leary do FulvueDrive-In.com. “O Pescador de Ilusões enfatiza o propósito dos contos de fadas em nossas vidas e a forma como a fantasia pode nos ajudar a enxergar a realidade de forma mais clara”, opinou Jeffrey Overstreet. O filme resultou em mais uma indicação ao Oscar para Williams (que, a essa altura, já devia se sentir como sendo sempre a dama de honra, e nunca a noiva), ao passo que sua colega de elenco, Mercedes Ruehl, que fez o papel de Anne, venceu o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante, além de uma série de outros prêmios. O filme recebeu outras indicações ao Oscar e a prêmios internacionais. Williams recebeu o Globo de Ouro de Melhor Ator. Enquanto isso, Terry Gilliam venceu o prêmio da escolha popular no Toronto International Film Festival pelo que fora uma interpretação impressionantemente original do que era uma lenda arturiana. Foi mais um grande triunfo. As tentativas e erros continuaram. O próximo foi A Revolta dos Brinquedos (1992), outro filme de fantasia com um excelente elenco, incluindo Michael Gambon, Joan Cusack, Robin Wright e Jamie Foxx em sua estreia no cinema, sobre um homem infantilizado e proprietário de uma fábrica de brinquedos. “A Revolta dos Brinquedos é uma obra estranha, lunática, quase um musical sem música”, Williams contou ao The New York Times. “Espero que as pessoas gostem.” Mas elas não gostaram. O filme foi visto como um fracasso comercial e de crítica, com o diretor, Barry Levinson, sendo em parte considerado culpado. Considerando-se que ele também dirigiu Bom Dia, Vietnã (e Rain Man, em 1988), não ficou claro por que o projeto deu tão errado. “[O que fez do filme] esse infeliz fracasso foi o fato de todos os envolvidos terem sinceramente sentido que estavam fazendo o trabalho de Deus, o cuidado e a preocupação andando de mãos dadas com um cálculo quase totalmente errado do humor”, avaliou Kenneth Turan do Los Angeles Times. “Até mesmo Robin Williams, tão cheio de vida em Aladdin, encontra-se em um terrível piloto automático, preferindo ser caloroso e fofinho quando lhe falta desesperadamente um pouco de energia (paradoxalmente ao que aparece no trailer do filme). O Grinch não apenas roubou o Natal, como também parece ter subtraído a vida desse filme, deixando uma carapaça bela e dispendiosa, porém vazia, no lugar.” “Considerar A Revolta dos Brinquedos algo pequeno ainda assim é ambicioso”, escreveu Peter Travers na Rolling Stone. “Também é um filme chamativo, óbvio e muito chato, isso sem mencionar superproduzido e longo demais”. Mas, para todo erro, havia um acerto. Williams havia, de fato, participado do supracitado Aladdin (1992) – ou pelo menos sua voz havia participado. O papel do Gênio havia sido escrito especificamente com Robin em mente – um risco, considerando que deu trabalho convencê-lo antes de aceitar. Robin não queria trabalhar para a Disney, ele dissera. O resultado? Dois dos autores, Ron Clements e John Musker (que também eram os produtores e diretores), criaram uma série de animações para o Gênio, as quais seguiam alinhadas ao stand-up da vida real de Robin. Quando eles mostraram o trabalho para o ator, ele achou engraçado, e então concordou em participar do filme. Williams também improvisou grande parte de seu papel, contribuindo com até três horas de gravações (que tiveram de ser editadas para caber no filme) incluindo imitações de vários outros no processo (como Jack Nicholson, Carol Channing, Ethel Merman, William F. Buckley Jr., Robert De Niro [“Você está falando comigo?”] e Pinóquio). “Eu estava improvisando quando os animadores entraram e começaram a rir, e aí tudo passou a se desenvolver”, ele contou à New York Magazine. “Em momentos assim, quando tem muita coisa chata acontecendo em volta, é bom dar risada e ser livre. Eu me senti maravilhosamente bem, por isso fiz o trabalho. E foi um prazer enorme quando o filme saiu e as pessoas começaram a dizer ‘Gostei tanto quanto meu filho’. Mas algumas coisas aconteceram depois.” Posteriormente, foi estimado que, no total, Williams improvisou 52 vozes diferentes – um verdadeiro tour de force. Na ocasião, Aladdin foi o mais bem-sucedido filme de 1992. Incomumente para Robin – em geral, dizia-se ser fácil trabalhar com ele –, o filme acabou causando uma sensação ruim em parte dos envolvidos por conta dos eventos que vieram a acontecer. Por vários motivos ligados ao fato de A Revolta dos Brinquedos ter sido lançado mais ou menos na mesma época, em Aladdin Williams exigiu que seu nome e imagem não fossem usados para o marketing (na verdade, que não fossem usados em mais do que 25% do espaço de marketing). O estúdio não seguiu o acordo ao pé da letra, usando a voz de Williams para vender merchandise, o que levou a um conflito público e muito amargo entre as duas partes, com Robin, que havia recebido um valor muito menor do que o de costume (isso era normal no caso de dublagem) recusando-se a participar de qualquer divulgação do filme. Basicamente, ele havia concordado em participar do filme contanto que a obra não fosse apresentada como um “veículo de Robin Williams” – o que a produtora acabou fazendo. Por fim, a Disney se desculpou publicamente com Robin (e lhe deu um Picasso avaliado, na época, em um milhão de dólares), mas o episódio infeliz deixou um gosto amargo na boca de todos os envolvidos. “Afinal, nós tínhamos definido as condições”, ele afirmou. “Não quero vender coisas. É algo que não faço. Em Mork & Mindy, eles criaram os bonecos de Mork… Esses bonecos não me incomodaram, a imagem é deles. Mas a voz, a voz sou eu. Eu me entreguei a eles. Quando aconteceu, eu disse: ‘Vocês sabem que eu não faço isso’. E eles pediram desculpas. Disseram que foi feito por outras pessoas.” Em seu tempo livre, Williams continuava fazendo stand-up, algo que ele passou a importar para suas numerosas aparições em talk-shows, que rapidamente se tornavam tão agradáveis de se assistir quanto suas atuações. Em 1992, ele apareceu no The Arsenio Hall Show e falou sobre o evento basicamente da mesma forma como falava de suas atuações: “Subir no palco é, em parte, uma catarse para mim, é quase como tentar enfrentar meus próprios medos”, confessou ao The New York Times logo após retornar de uma viagem ao Reino Unido. A entrevista também foi uma explicação de como a situação atual influenciava em suas atuações: “Esta noite, eu estava sofrendo com o jet-lag, mas queria explorar, com isso, todas essas informações”, falou sobre sua aparição no programa de TV. “Você quer falar sobre os fuzileiros na Somália estarem chegando à encosta e encontrando a imprensa. ‘Está bem, Coronel, quero que você tire essa câmera dessa posição. Dê o fora, filho! Ele tem uma lâmpada’. E, tipo, a família real. Eu estava na Inglaterra e o Castelo de Windsor estava em chamas e, tipo, não tem seguro. Ah, caramba, sinto muito! Deixe o povo pagar oito bilhões de coroas. E não há um sistema de sprinkler. Ah, minha nossa!” Divertido, mas havia também um quê de maníaco aí – afinal, era uma entrevista a um jornal. Porém, parecia que Robin simplesmente não conseguia fechar a torneira: alguma coisa dentro dele era inquietante, forçando-o a ser engraçado mesmo quando não precisava ser. Afinal, essa era a marca de um gênio da comédia. Porém, não era saudável e não dava a impressão de se tratar de um homem que estava em paz consigo mesmo. Por outro lado, ele podia levar algumas coisas a sério, e, a essa altura, Marsha era uma delas. A relação estava muito forte, com Robin dando os créditos à esposa por ajudá-lo em um momento muito complicado. E Robin ressentia-se intensamente pela imagem de que ele havia fugido com a babá. Aliás, ele culpava um artigo da People por essa imagem: “Foi uma emboscada armada por eles”, contou ao The New York Times em 1992. “É algo muito destrutivo. Ainda é. Ainda acontecem piadas envolvendo o assunto babá. Você tem vontade de sair por aí e gritar. Publicaram um artigo sobre homens que deixam suas esposas quando se tornam famosos. E eu queria escrever pra aquele cara e dizer: ‘Ouça, seu cafajeste, você pode ter suas teorias ridículas, mas a verdade é que foi a minha esposa quem me deixou’. Meu casamento estava estilhaçado já havia algum tempo. Basicamente, Marsha começou a conversar comigo e disse: ‘Ouça, seu babão, por que você anda tendo esses affairs ridículos? Por que está gritando e berrando? Acorde!’. Pouco a pouco, comecei a me dar conta de que sou uma pessoa decente e de tudo de maravilhoso que aconteceu em minha vida por conta dela. É ridículo que Marsha ganhe a reputação de destruidora de lares, isso é mentira. É exatamente o oposto. Ela me levou do zero ao céu.” Foi um desabafo excepcionalmente apaixonado, e ver Robin reclamar de alguém fazer piadas quando ele mesmo com tanta frequência era tão duro com os pomposos mostrava que a situação havia deixado algumas cicatrizes verdadeiras. Para ele, aquele era mais um sinal de que a fama tinha um lado ruim: as pessoas se interessavam e faziam comentários e piadas sobre sua vida pessoal. De qualquer forma, ele agora estava no topo da lista de Hollywood, colhendo os frutos de seu sucesso, e havia se tornado um homem muito rico. Estava prestes a desfrutar de mais alguns pontos altos na carreira nos próximos anos, mas também a experimentar uma terrível tragédia que recaiu sobre um de seus amigos mais próximos.

“Margaret: Miriam, não existe um jeito fácil de lhe contar isso, então… Seu marido… Ele se divorciou de você em 1952. Miriam: Ah, graças a Deus!” TEMPO DE DESPERTAR (1990) CAPÍTULO NOVE

TRIUNFO E TRAGÉDIA

“Você só recebe uma pequena faísca de loucura. Não pode perdê-la.”

ROBIN WILLIAMS

Durante grande parte da década de 1990, a carreira cinematográfica de Williams continuou em ascensão. Em 1993, surgiu outro papel promissor, dessa vez em Uma Babá Quase Perfeita (baseado no romance Alias Madame Doubtfire, de Anne Fine), filme que também era estrelado por Sally Field. Estranhamente, quando lançada, a obra recebeu críticas mistas, mas hoje em dia é considerada um grande clássico, figurando na 67ª posição da lista 100 Years, 100 Laughs: America’s Funniest Movies, do American Film Institute e na posição de número 40 na lista dos 100 filmes mais engraçados de todos os tempos da revista Bravo. O longa, que também trazia Pierce Brosnan em seus dias pré-Bond, contava a história de Daniel e Miranda Hillard, divorciados, pais de três filhos. Daniel, coincidência ou não, era dublador – o que deu a Robin muitas oportunidades de brincar. Depois do divórcio e de receber uma custódia extremamente limitada, ele passa a se vestir como uma babá escocesa e a conquistar espaço no coração dos filhos. No fim, tudo é revelado e prevalece o perdão, deixando a mensagem (e, a essa altura, muitos dos filmes de Williams tinham mensagens) de que ele não apenas havia aprendido a se tornar um pai melhor, mas de que a família triunfou acima de tudo. (Por falar em família, um ator totalmente desconhecido, chamado Dr. Toad, recebeu o papel de bartender no filme. Na verdade, o Dr. Toad não era ninguém menos do que R. Todd Williams, o aclamado vinicultor e fundador da Toad Hollow Vineyards e meio-irmão de Robin. Ele de fato era um bartender na época.) E Williams certamente se saiu bem: sua performance foi absolutamente central para a obra. “No filme, se o personagem de Robin não enganar a mulher com quem ele passou 14 anos casado, ela não vai contratá-lo – e aí o filme não existiria”, contou o diretor Chris Columbus à New York Magazine em 1993. Mas o trabalho era muito mais pessoal do que muitos imaginavam: o próprio Robin já havia passado por um divórcio e estava muito ciente de todos os problemas causados quando pais e filhos não se veem com frequência. De certa forma, esse trabalho era tão brutal quanto o material de stand-up sobre usar drogas que ele certa vez havia levado ao palco. Uma Babá Quase Perfeita foi muito comparado a Tootsie (1992), filme no qual Dustin Hoffman também se veste de mulher para conseguir o trabalho em uma novela; porém, Tootsie tornou-se imediata e merecidamente um clássico da comédia. O mesmo não aconteceu, todavia, com Uma Babá Quase Perfeita, que foi comparado, de forma nada favorável, a outro grande nome do cross-dressing, Quanto Mais Quente Melhor. E até mesmo as críticas (mais ou menos) positivas foram um pouco ásperas. “Poucas vezes dei tanta risada de um filme do qual, de modo geral, não gostei”, declarou David Ansen na Newsweek. “O vestido, a máscara, o requinte da Babá são inerentemente limitados, mas nada segura Williams quando ele está envolvido com o papel”, escreveu Janet Maslin do The New York Times. “Embora sentimental demais em alguns pontos e provavelmente 20 minutos longo demais, essa obra com Robin Williams vestido de mulher oferece à comédia o habitat perfeito para que ele faça suas imitações e improvisos dentro de uma história que conta com um amplo apelo familiar”, opinou Brian Lowry da Variety. “Material de sitcom com interlúdios de farsas bem trabalhadas e uma sensibilidade pós-feminista piegas. Mesmo assim, engraçado”, avaliou Derek Adams na Time Out. “Williams precisa se libertar de uma espécie de imitação de segunda categoria de Tootsie, tornozelos presos em ternura e rosto coberto com látex. No final, ele consegue, mas o resultado não é nada agradável”, comentou Desson Thomson no Washington Post. De forma muito mais positiva e também no Washington Post, Rita Kempley comentou: “Você vai rir até as costelas doerem – não porque o diretor Chris Columbus, da série Esqueceram de Mim, tenha um dom para a farsa (o que ele, de fato, tem), mas porque Williams está para o humor assim como o coelho da Energizer está para as pilhas. Ele vai além e além e além”. Mas as pessoas que realmente entendiam do assunto (ou seja, aquelas da indústria do cinema) imediatamente reconheceram a qualidade da obra. Williams ganhou o Globo de Ouro de Melhor Ator e o filme foi contemplado com o prêmio de Melhor Filme, além de um Oscar de Melhor Maquiagem. Robin certamente estava se saindo bem. “Aqui está um cara que vive de forma bastante aleatória e, por meio de um processo doloroso, descobre que há algo além dele”, contou Robin à New York Magazine. “E a esposa, ela faz a mesma coisa. Tivemos um encontro antecipado com o estúdio; eles queriam que o casal voltasse. Bem, essa é uma fantasia que a maioria dirá que é perpetuada por filhos de pais divorciados que fazem terapia – e é algo que os profissionais não querem perpetuar. Eles perguntam às crianças: ‘Você tem uma memória do papai e da mamãe juntos?’. A criança responde que não, mas aí está o grande conceito: ‘Eles estão juntos. Vendido a você por Norman Rockwell. A família, à mesa… muito embora todos estejam armados’. Esse filme é sobre os verdadeiros valores da família. Depois de um divórcio, quantos pais simplesmente desistem? A tendência é dizer ‘amo meu filho’ e depois dar o fora. Se você tiver sorte, seu pai se torna um tio. Mas o mais estranho é que ele precisa dos filhos tanto quanto os filhos precisam dele.” Uma Babá Quase Perfeita viria a se tornar um dos maiores sucessos da carreira de Williams, tanto que houve muitos rumores de uma sequência (na verdade, Robin detestava sequências) até o fim de sua vida. Várias ideias de roteiro foram elaboradas, incluindo disfarçá-lo como mulher procurando a filha que foi para a faculdade, mas nada pareceu adequado. Então, nos últimos anos, quando a carreira de Williams estava, talvez, em um ponto não tão estratosférico quanto no passado, chegaram a brotar rumores de que a sequência de Uma Babá Quase Perfeita talvez pudesse ajudá-lo a voltar ao apogeu. Mas isso não viria a acontecer. Ainda em maio de 2013, entretanto, o diretor Chris Columbus continuava falando sobre a possibilidade: “[Robin Williams e eu estamos] conversando sobre a sequência de Uma Babá Quase Perfeita”, confessou em uma entrevista concedida ao Huffington Post. “Já debatemos o assunto e o estúdio está interessado. O que me fascina sobre a sequência de Uma Babá Quase Perfeita é que a maioria dos atores que criaram personagens icônicos estão hoje vinte anos mais velhos. Quando for a hora de recriar esses personagens, bem, não dá para ter a mesma aparência. O legal da babá é que existe uma personagem, uma mulher, que vai estar exatamente com a mesma aparência de 1993. Por isso, estou ansioso para ver o trailer. Adoro o conceito. Só precisamos ter total certeza de que a história é emocionalmente forte, para haver uma razão para contá-la e não se tornar algo como Vovó… Zona. Precisa ser tanto emotiva quanto engraçada.” Em 1993, Robin encontrava uma forma de viver com sua enorme fama. Naquele verão, levou a família para uma villa na Itália e se afastou completamente dos negócios. Eles estavam prestes a se mudar para uma propriedade de mais de 3.500m2 com vista para a Baía de San Francisco. Ainda muito envolvida com a família, Marsha tinha, a essa altura, um papel central na carreira de Williams. Compreendendo a vulnerabilidade do marido, ela agia como uma espécie de “guardiã”, protegendo-o o máximo que podia das pressões da indústria. E Marsha fazia muito mais do que isso. Antes de Bom Dia, Vietnã, encorajou-o a estudar a história daquele período. Ela estava no set na maioria dos filmes, oferecendo apoio. Às vezes, parecia ser a agente de Williams: “O dinheiro nunca é motivo para eu recomendar alguma coisa”, contou à New York Magazine. “A não ser que todo o país entre em colapso, já temos o dinheiro de que vamos precisar. Estou mais interessada em ver o que Robin nunca fez e o que vem em seguida. Nunca vi ninguém com tantas habilidades quanto ele.” Embora alguns a acusassem de ter se tornado uma esposa arrogante de Hollywood, Marsha fazia o que era ideal para Robin. Os dois fundaram a produtora Blue Wolf para examinar roteiros e encontrar projetos adequados para ele, e foi Marsha quem encontrou Uma Babá Quase Perfeita. Na verdade, ela foi a produtora do filme, o que parecia preocupante, mas, considerando que tudo que ela fazia tinha como objetivo aumentar o status e a felicidade do marido, não pela primeira vez os céticos estavam errados. Ela seguiria produzindo outros filmes para Robin. Porém, enquanto tudo estava feliz na vida familiar, um dos mais próximos amigos de Robin acabaria sofrendo uma grande tragédia. Christopher Reeve, seu velho colega dos dias da Juilliard, agora era tão famoso quanto Williams, porém, de forma totalmente diferente, tendo criado um nome com os filmes da série Superman. Homem bastante atlético e cheio de energia, um de seus hobbies era cavalgar, mas, em junho de 1995, acabou sendo jogado das costas de um cavalo e caindo de cabeça no chão. Reeve quebrou o pescoço e, daquele momento até o fim da vida, nove anos mais tarde, ficou paralisado do pescoço para baixo. Obviamente, o episódio foi devastador para todos os envolvidos, em especial para o próprio Reeve e sua esposa, Dana. Ele posteriormente confessou ter tido pensamentos suicidas (e quem poderia culpá-lo?), mas, com o apoio da esposa, resolveu seguir em frente da melhor forma que conseguisse. Reeve inicialmente começou a sofrer com delírios e anos mais tarde não lembrava nada do acidente. Então, passou por uma cirurgia para reajustar o crânio à coluna – e tinha apenas 50% de chances de sobreviver à operação. Até mesmo um homem tão inquestionavelmente corajoso quanto Reeve ficou abalado: no procedimento cirúrgico, um “colega” entrou usando avental e óculos e falando com um sotaque russo. Ele disse que faria em Reeve um exame retal. Obviamente, era Williams fazendo o papel secundário que tivera no filme Nove Meses, estrelado por Hugh Grant em 1995. Christopher caiu na gargalhada pela primeira vez desde o acidente. “Meu velho amigo me ajudou a ver que, de uma forma ou de outra, eu ficaria bem”, ele posteriormente escreveu em sua autobiografia Still Me. “Christopher Reeve e eu estudamos juntos na Juilliard. Quando descobri sobre o acidente, fiquei tão abalado quanto todo mundo”, Robin viria a confessar ao Calgary Sun. “As pessoas foram tão solenes. Eu sabia que a coisa não estava boa para Chris, então vesti o jaleco do hospital e fingi ser o proctologista. O sorriso no rosto dele quase partiu meu coração. Ele me contou que foi naquele momento que ele percebeu que podia rir outra vez e que passou a querer continuar vivo.” Porém, Robin queria ir muito além de fazer Christopher dar risada. Nunca foi tornado público até que ponto, mas surgiram muitos rumores de que Williams teria contribuído para arcar com os custos do tratamento médico do amigo. Ele certamente participou da Christopher & Dana Reeve Foundation. Dana descreveu os dois como “mais próximos do que irmãos” e, conforme os anos se passavam, Robin era frequentemente visto ao lado do antigo amigo. A transformação física de Reeve falava muito sobre a vida que ele havia deixado para trás. De fato, Robin fazia muitas boas ações longe das câmeras. Entre outras instituições, apoiou: Comic Relief (para os sem-teto e vítimas do furacão Katrina), Médicos Sem Fronteiras, Operation Smile, Pediatric AIDS Association, Challenged Athletes Foundation, St. Jude Children’s Research Hospital, Make-A-Wish Foundation (algumas das crianças participaram de Patch Adams: O Amor é Contagioso, de 1998), Project Open Hand, Glide, The Gorilla Foundation, Seacology, River of Words, God’s Love We Deliver, Women at Ground Zero, Bread and Roses, Meridian Gallery, Mercury House, Kidsclub, Season of Sharing, SMMoA, Ant Farm, Fresno County Public Library, Muir Fest, USO, Best Friends, Universidade da Califórnia em San Francisco (UCSF) e San Francisco General Hospital Pediatrics. Ele também era um visitante frequente das alas infantis de hospitais em San Francisco. “Costumo ir no Natal”, contou ao Calgary Sun. “Ando em uma bicicleta na qual há um equipo e soro. Eu costumava fazer sucesso imitando Mork, mas agora eles preferem que eu me transforme na Sra. Euphegenia Doubtfire.” As motivações de Williams eram completamente diferentes das de tantas celebridades que se envolvem em ações de caridade apenas para alimentar suas relações públicas. Ele já vinha de uma formação abastada e agora era estratosfericamente rico (estima-se que, no curso de apenas dois anos no início da década de 1990, ele tenha ganhado 29 milhões de dólares, valor que é muito maior se atualizado para a realidade atual). E foi muito além do que tantos outros fazem. Robin fez aparições para apoiar a educação e os direitos das mulheres e fez muito na United Service Organizations (USO), que cuida do entretenimento das tropas americanas no exterior. No total, o ator visitaria 13 países pela USO, incluindo Iraque e Afeganistão, entretendo cem mil tropas. (Nesse sentido, ele era muito parecido com outro dos maiores comediantes norte-americanos, Bob Hope, que também fazia apresentações regulares para o Exército dos Estados Unidos.) Com Marsha, fundou a Windfall Foundation para apoiar muitas obras de caridade, e continuou com essa atividade pelo resto da vida. Em dezembro de 1999, cantou em francês em um vídeo musical de celebridades internacionais fazendo um cover de “It’s Only Rock ‘n Roll (But I Like It)” dos Rolling Stones para a instituição de caridade Children’s Promise. Depois do terremoto de 2010 em Canterbury, Williams doou todos os lucros de sua performance Weapons of Self Destruction para ajudar a reconstruir a cidade neozelandesa (metade do valor foi repassado para a Cruz Vermelha e a outra metade para o fundo de construção da prefeitura). Também foi um apoiador do St. Jude Children’s Research Hospital. Depois de sua morte, muitas das pessoas e organizações de caridade a quem ele havia ajudado passaram a homenageá-lo; e até mesmo seus piores caluniadores tiveram de reconhecer que Robin Williams era um homem excepcionalmente generoso. E os filmes continuavam rodando. Alguns afundavam sem deixar rastros, mas outros se tornavam parte da paisagem cultural. Jumanji, por exemplo, é uma obra de 1995 na qual um garoto, Alan Parrish (Williams), de 12 anos, encontra-se preso em um estranho jogo de tabuleiro chamado Jumanji, em 1969, só sendo libertado 26 anos mais tarde, já adulto, quando duas outras crianças começam a jogar. Porém, quando Parrish se vê livre, também são libertados todos os monstros e o terror que ali se escondiam com ele. Curiosamente, considerando a relação inquieta de Robin com seu pai, o mesmo ator faz o papel de seu pai no filme e posteriormente do caçador alucinado que quer encontrá-lo – e ninguém jamais comentou sobre esse fato. Williams certamente viu a ironia aí existente. O filme recebeu críticas mistas e uma grande quantidade de dinheiro, o que significava que qualquer envolvido que se chateasse com a visão de algum crítico poderia ir chorando até o banco. E a obra foi de fato divertida: “Um facão. Lança-chamas! E a luz da noite – ah, está bem, eu tinha apenas dez anos, então talvez eu deixasse de lado o lança-chamas e o trocasse por um isqueiro”, disse Williams ao Reddit quando questionado sobre o que levaria se tivesse de entrar no jogo de tabuleiro Jumanji. E alguns dos críticos estavam preparados para aceitar o elemento cômico: “Deixe de lado o caos dos efeitos especiais e o que resta é uma história comovente de segundas chances e da inocência perdida prematuramente”, apontou Neil Smith na BBC.com. “Uma extravagância de efeitos especiais calculada, mas muito divertida”, opinou o USA Today. “Como as demais obras de Johnston, Jumanji coloca um personagem cheio de vida para percorrer um caminho que vai acelerar os batimentos cardíacos de qualquer criança”, declarou Peter Canavese no Groucho Reviews. “Uma aventura visualmente impressionante e emocionante, que mantém o suspense, o frio na barriga e a comédia até chegar a um fim surpreendente. Apresenta personagens interessantes em apuros subsequentes de modo a manter o público na torcida”, declarou Christine James na Boxoffice Magazine. “Todo mundo é bom, com Williams adotando o incomum personagem do homem correto”, avaliou Chris Hicks no Deseret News. As plateias também adoraram o filme, que trazia Williams como uma espécie de Indiana Jones, embora não fosse um arqueólogo em busca de tesouros, mas apenas um homem comum. Todavia, o famoso crítico de cinema Roger Ebert não se mostrou impressionado: “O filme é capaz de fazer as crianças mais novas fugirem do cinema ou se esconderem nos braços dos pais. Aqueles que aguentam até o fim provavelmente terão pesadelos inspirados pelas imagens assustadoras”, escreveu no Chicago Sun-Times . “Quem imaginou que é um filme para a família (A Motion Picture Association of America o classifica como ‘Sugerido acompanhamento dos pais’ – nem mesmo como ‘Proibido para menores de 13 anos’) deve pensar que as crianças são feitas de algum material duro. O longa é extravagância sombria de efeitos especiais, repleto de imagens grotescas que geram medo e desespero. Mesmo para o público mais velho, existem poucos fatores que absolvam a obra, pois a pouca história existente leva do nada a lugar nenhum.” Apesar disso, Jumanji tornou-se um dos mais aclamados filmes infantis e continua sendo um belo candidato à programação da TV, sendo exibido com frequência. Williams era um homem ocupado. Em 1996, veio A Gaiola das Loucas, inspirado no sucesso francês La Cage aux Folles, sobre um casal gay: Armand Goldman (Williams), proprietário de um clube noturno, e seu parceiro Albert (Nathan Lane), uma drag queen. (Muitas pessoas ficaram surpresas por os papéis não terem sido distribuídos ao contrário.) Armand tem um filho, Val (Dan Futterman), que acaba de noivar e quer apresentar os pais, mas a noiva vem de uma família conservadora. Passa-se, então, a uma sucessão de momentos hilários. Estariam eles preocupados por representarem uma visão de certa forma estereotipada dos gays, com muitos gritos e escândalos? “Se tem uma coisa que vai ajudar, é a sensibilidade do filme”, Robin contou à revista Premiere. “Talvez tenhamos sacrificado algo, mas tentamos passar a imagem de um casal que se ama tanto quanto um casal heterossexual. É uma história de amor. Mas temos que estar preparados, já que muita gente vai ficar irritada.” O filme também o colocou em uma posição incomum: ele teria de ser mais moderado enquanto seu colega de elenco seria mais exuberante. Talvez ciente de que isso pudesse ser difícil para Lane, Williams mostrou-se excepcionalmente generoso com o colega, ciente de que se esperava que ele, e não Nathan, fizesse todos gargalhar. “Ah, foi mesmo difícil”, comentou em uma entrevista ao Reddit quando questionado sobre se sentia vontade de rir. “A voz dele, aquele personagem, Agador Spartacus. Eu não fui o único a sofrer. [O diretor] Mike Nichols gargalhava tanto que tiveram de colocar um cobertor sobre sua cabeça. Outro cara muito engraçado foi Gene Hackman. Seu discurso sobre as folhas na Nova Inglaterra foi um dos momentos mais hilários de comédia que já vi.” De modo geral, a obra recebeu críticas positivas e foi elogiada pela Gay & Lesbian Alliance Against Defamation por “ir além dos estereótipos e mostrar a profundidade e o caráter humano dos personagens. O filme celebra diferenças e aponta que esconder essas diferenças é uma atrocidade”. E talvez o mais importante, pelo menos aos olhos de Hollywood: o filme gerou muitos lucros. Além disso, provou que Williams, fazendo papel de um homossexual, também poderia ser um homem “comportado”. De fato, ele havia sido procurado para fazer o papel de drag queen. Também lhe pediram para se vestir de mulher um ano antes, em Para Wong Foo, Obrigada Por Tudo, Julie Newmar (1995), mas ele recusou os dois papéis pelo mesmo motivo: já havia se vestido de mulher em Uma Babá Quase Perfeita e não queria ser estereotipado. “Meu empresário implorou para que eu fizesse Albert”, explicou. “Disse que me daria carta branca para ser mais feroz do que fui em toda a vida. Mas eu já tinha feito o papel de uma mulher grande e malvada antes. Para mim, o desafio era fazer o papel de Armand, que é mais sutil, e ver se ainda conseguiria arrancar alguns risos. Já é suficientemente ruim o fato de que, depois de Uma Babá Quase Perfeita, as pessoas queiram me vestir de mulher para fazer uma sequência. Não preciso me contorcer usando sutiã e meia-calça para todos os estúdios de Hollywood.” A nunca concretizada sequência de Uma Babá Quase Perfeita de fato já estava em discussão, mas, a essa altura, ficava claro que os cineastas enfrentavam dificuldades em criar um roteiro decente. Em contraste com seu extraordinário portfólio profissional, Williams agora passava por um momento mais tranquilo em sua vida pessoal. A maioria das crianças quer que seus pais imitem vozes quando lhes leem histórias infantis, mas os filhos de Robin faziam o oposto: tinham de pedir para ele se acalmar. Os entrevistadores começaram a comentar o fato de ele não imitar mais vozes engraçadas durante entrevistas, como fazia antes, o que certamente era bom sinal. Além de tudo, Williams agora era pai de três crianças, e seus filhos pediam para que ele agisse como adulto. Robin e Marsha trabalhavam basicamente como uma equipe, administrando a carreira e os trabalhos de caridade, isso sem mencionar a vida doméstica. Como ele era um dos astros mais ricos do mundo, as ofertas continuavam aparecendo. A vida ia de vento em popa. Nas telas, Robin Williams continuava tão hilário quanto sempre fora, e mais uma vez suscitou comparações a um filme clássico de 1988 – Quero Ser Grande, em que Tom Hanks faz o papel de um garoto de 12 anos no corpo de um homem adulto – ao estrelar Jack (1996), no qual faz o papel de uma criança de 10 anos no corpo de um homem adulto. Em Quero Ser Grande, a confusão aconteceu por conta de uma misteriosa máquina de ler a sorte, ao passo que, em Jack, ela se dá por uma condição que faz o indivíduo envelhecer prematuramente. Todavia, certamente existiam similaridades, no mínimo porque ambos tinham de lidar com um desconfortável assunto: garotas. Num primeiro momento, Robin mostrou-se relutante em aceitar o projeto. “Quando o roteiro de Jack chegou às minhas mãos, respondi com um ‘não’ bem sonoro”, confessou ao Calgary Sun. “Falei à Disney que já tinha feito aquilo vezes suficientes. Tenho 44 anos e sou peludo. A única coisa para a qual sirvo é a versão musical de Congo. [Mas] a Disney apareceu fortemente armada. Eles chamaram meu amigo Francis Ford Coppola para ser o diretor, e ele me assegurou de que eu jamais tinha feito um papel daquele tipo antes.” Francis Ford Coppola certamente é um nome de peso. Robin assinou a linha pontilhada e passou algumas semanas socializando com os atores mirins que atuariam como amigos de Jack, acampando, jogando basebol e contando histórias de fantasmas. “Era como O Senhor das Moscas da creche”, ele brincou. “Eu criei esse conceito de ter Robin em uma situação com oito ou nove crianças de nove anos de idade”, contou Coppola ao Toronto Sun em 1996. “Sou um antigo monitor de acampamentos, então nos envolvemos com todo tipo de atividade. Fizemos sanduíches de pasta de amendoim e geleia e dormimos na montanha.” “Nós apelidamos [o lugar] de Acampamento Coppola”, acrescentou Robin. “Fizemos coisas de crianças, andamos de bicicletas durante dias, visitamos lojas de brinquedos. Mas, no fim, foi estranho, eu tinha assimilado tudo aquilo. Era como viajar no tempo por associação. Sabe, todas as pequenas coisas naquela idade são importantes – suas ‘coisas’, as coisas que você tem, as amizades. Quando o mundo desaba, o colapso é completo. É por isso que eles ficam nervosos e choram e, no instante seguinte, sentem-se bem.” Coppola foi exagerado em seus elogios: Williams era “como uma criança, mas não infantil e nem remotamente uma criança. A criatividade e o entusiasmo são o que fazem Robin parecer tanto uma criança”. E os dois levaram o projeto tão a sério que trouxeram a bordo um garoto de dez anos para ajudar na preparação para o papel. “Robin passava cada cena primeiro”, explicou Coppola. “Depois, o conselheiro repetia independentemente, com Robin observando. O garoto fazia coisas que deixavam Robin impressionado, e então ele ajustava o que estava fazendo.” Os dois sentiram que o filme refletia a tristeza existente em suas próprias infâncias. “Vivi naquela casa grande, onde passava o tempo basicamente sozinho”, confessou Robin ao Toronto Sun em um tom sóbrio que com frequência se sobressaía a todo o humor. “Eu frequentava o colégio, mas vivia em uma grande fazenda, longe de todos. Eu me lembro de ser provocado, de ter que encontrar caminhos alternativos para ir para casa porque você não quer apanhar dos outros. Eu era provocado por ser pequeno. A certa altura, passei a me sentir gordo. Foi por isso que me tornei um lutador no colegial. Se você só tiver 45 kg, pelo menos pode revidar em outro cara de 45 kg.” Aparentemente, Coppola tampouco teve uma infância feliz. “Acho que foi Hemingway quem disse que, para ser um grande artista, você precisa ter uma infância infeliz”, comentou. “Tive poliomielite quando criança e fui mantido longe do contato com outros garotos. Senti muita dor. E acho que por isso dei essa ênfase a esse filme.” “Li o roteiro de Jack com Robin em mente. E li mais ou menos como A Metamorfose, de Kafka. Aí falei: ‘Se você aceitar Robin como uma barata gigante, será bom. Se não aceitá-lo como uma criança de dez anos, então a premissa cai por terra’.” Mas o público de fato aceitou Robin como uma criança – aliás, as plateias já o tinham aceitado assim em muitos de seus trabalhos anteriores, independentemente de ele estar ou não fazendo o papel de uma criança. Todavia, agora Williams já tinha mais de 40 anos, era casado, com filhos e figurava na lista VIP de Hollywood. Ele sem dúvida tinha crescido.

Miranda: O que houve? Sra. Doubtfire: Ele era muito fã da bebida. Foi a bebida que o matou. Miranda: Oh, que pena! Ele era alcoólatra? Sra. Doubtfire: Não, foi um caminhão de cerveja. Por isso, foi literalmente a bedida que o matou.

UMA BABÁ QUASE PERFEITA (1993) CAPÍTULO DEZ

PICASSOS E PRÍNCIPES

“Mickey Mouse tem quatro dedos para não conseguir segurar um cheque.”

ROBIN WILLIAMS SOBRE SUA DISPUTA FINANCEIRA COM A DISNEY

Não demorou até os problemas com a Disney se acalmarem. Justo é justo: não fazia sentido nenhuma das partes – um grande astro e uma grande companhia cinematográfica – continuar envolvida em um conflito. E a Disney queria trabalhar novamente com Robin, que usou seu típico estilo turbulento para falar da situação. “Não, eu não tenho contrato com a Disney”, contou ao Toronto Sun. “Na verdade, eles têm um contrato comigo. Um cara chamado Tony anda me perseguindo por aí. [Voz de mafioso:] ‘Quero que você pare de falar coisas sobre o sr. Eisner. O cara é frio como uma pedra de gelo.’ ‘Você tirou sarro do Rei!’ ‘Robin, gostaríamos de conversar com você do lado de fora.’” “Ligação com merchandise, a coisa toda. Não me importo se eles fizerem bonecos”, continuou. “É quando usam minha voz que a coisa fica interessante.” Mas aquele Picasso claramente havia ajudado, embora a versão dos eventos contada por Williams fosse um pouco diferente. “A questão é que eles não me deram um Picasso por terem violado o acordo”, ele continuou. “O Picasso veio primeiro, depois eles violaram o acordo, aí terminamos o casamento. Então, pediram desculpas, e isso era tudo que eu queria. Eu queria que eles dissessem: ‘Nós violamos o contrato e depois fizemos uma campanha na imprensa para fazer parecer que você queria tirar nosso dinheiro’. Os estúdios fazem isso o tempo todo, mas se esquivam da responsabilidade. ‘Shhhh! Você está dizendo que é mentira?’ Mas eles fizeram e admitiram o que fizeram e agora voltamos. Foi complicado por algum tempo. Como você conta aos seus filhos: ‘O papai está brigando com a Disney, então não visitaremos Orlando por algum tempo, está bem? E nada de pelúcias ou bonecos ou merchandise do Corcunda de Notre Dame’.” Williams incidentalmente havia recebido 75 mil dólares por um filme que conquistou mais de 600 milhões nas bilheterias, porém, esse não era o problema. Havia um princípio em jogo. Mas todos fizeram as pazes bem a tempo de produzirem a sequência de Aladdin, Aladdin e os 40 Ladrões (1996). De fato, essa não era a primeira sequência – que havia sido O Retorno de Jafar (1994), produzida apenas para home video, e não para o cinema, com a voz de Dan Castellaneta (Homer Simpson) comandando o Gênio Azul quando o clima da disputa entre Robin e a Disney ainda estava quente –, mas o interesse de todos era voltar a ver Williams em ação. De fato, parte do filme – um terço da animação – já havia sido feito com a voz de Castellaneta, mas, quando Robin assinou o contrato, todos ficaram felizes de recomeçar do zero. “Com Robin, o filme fica muito mais forte”, declarou Ann Daly, presidente da Buena Vista Home Video, ao TV Guide em 1996. “Ele eleva o projeto a outro nível. Ninguém consegue fazer o que ele faz no estúdio de gravação. Os animadores se inspiram nele.” (A situação parece um pouco injusta para Castellaneta, mas é assim que o showbiz funciona.) Em 1997, Williams atuou no filme que finalmente lhe renderia um Oscar: Gênio Indomável, longa que também lançou as carreiras de Matt Damon e, em menor grau, Ben Affleck (que já havia começado a deixar sua marca na indústria cinematográfica), embora o prêmio tenha sido por Melhor Ator Coadjuvante, e não como ator principal. A história, escrita por Affleck e Damon, trazia este último no papel principal: Will Hunting, um gênio da matemática. Depois que seu dom é descoberto, ele quase acaba na cadeia por assaltar um oficial de polícia, mas é solto ao concordar em estudar matemática com um famoso professor (Stellan Skarsgård) e passar a visitar um terapeuta, Sean Maguire (Williams), que também teve de enfrentar muitos problemas no passado. Will então é capaz de reavaliar sua vida e tentar ser alguma coisa. O filme foi um enorme sucesso – um dos maiores da carreira de Williams –, faturando mais de 225 milhões de dólares durante a temporada no cinema e rendendo nove indicações ao Oscar. Junto com a vitória de Robin, Affleck e Damon conquistaram o Oscar de Melhor Roteiro Original. Gênio Indomável foi uma daquelas obras que conquistaram tanto a crítica quanto o público. “Damon e Affleck foram suficientemente espertos para entender que não conseguiriam filmar seu roteiro escrevendo apenas bons papéis para si mesmos”, escreveu Quentin Curtis em 1998 no Daily Telegraph. Eles precisavam de uma grande estrela, então apostaram no prospecto de entregar um grande papel secundário a um grande nome. Esse é o papel do psiquiatra, cuja própria vida saiu dos trilhos e que incentiva a maturidade de Will. Robin Williams mordeu a isca, e pôde fazer dois discursos tão maravilhosos a ponto de parecerem prontos para se tornarem peças de audição para atores; um deles é sobre a virtude da imperfeição; o outro, um sermão hostil a Will sobre a diferença entre conhecimento e experiência. “O ponto forte de Gênio Indomável está na incrível segurança do roteiro, e tanto o elenco quanto os produtores fizeram um ótimo trabalho”, declarou o Empire Online. “O diretor Van Sant afasta-se de sentimentos desnecessários, optando, em vez disso, por encontrar a realidade e a dureza emocionais existentes dentro da história. Damon está excelente, e seu colega, Affleck, mostra uma atuação igualmente forte. Porém, em um filme que exala qualidade, é Robin Williams quem representa tanto seu cerne quanto seu ponto alto – o Oscar, nesse caso, foi totalmente merecido”. “Williams apresenta uma atuação maravilhosamente substancial e forte. Damon, a supernova, é volúvel no sentido de manter seu personagem sempre surpreendente”, escreveu Janet Maslin do The New York Times. “Os melhores momentos do roteiro surgem em alguns monólogos longos e precisos (particularmente naquele de Sean no Boston Public Gardens) que furiosamente trazem vida a Will e a Sean.” “Uma performance altiva de Matt Damon no papel principal e um conjunto superlativo encabeçado por um impressionante Robin Williams elevam Gênio Indomável, o drama psicológico emocionalmente envolvente de Gus Van Sant, acima da sensibilidade terapêutica mainstream da história”, avaliou Emanuel Levy da Variety. “Centrado em um jovem brilhante da classe trabalhadora que se vê forçado a aceitar seu gênio criativo e seus verdadeiros sentimentos, essa bela narrativa é sempre envolvente e muito tocante.” O filme, pelo menos até hoje, sobreviveu ao teste do tempo: é atualmente considerado um dos melhores de sua época, e levou Damon e Affleck a se tornarem enormes astros. Williams, por sua vez, estava feliz: “Muitas pessoas estão vindo até mim para agradecer por Gênio Indomável, porque o filme as tocou muito”, declarou. “Para mim, isso significa tanto quanto quando alguém diz: ‘Eu morri de rir porque, bem, sabe, você é um cara muito engraçado’.” O papel de Robin no filme, a reação das pessoas e o Oscar lhe deram uma sensação de legitimação – no sentido de que pelo menos ele estava realmente sendo reconhecido como um ator sério. De fato, Williams cada vez se tornava uma figura mais séria. Ainda fazia muito para apoiar Christopher Reeve, acompanhando-o até Porto Rico para participar de um evento beneficente da American Paralysis Association, e parecia cada vez mais relutante em mostrar seu lado cômico a entrevistadores. “É cedo demais”, reclamou a um deles, acrescentando: “Só quero trabalhar com os personagens, com grandes grupos de pessoas”. Robin estava, de fato, fazendo exatamente isso: apareceu como Osrico na adaptação de Kenneth Branagh de Hamlet (1996), a trágica história do Príncipe da Dinamarca, e como o malevolente construtor de bombas em The Secret Agent (1996), baseado no romance de Joseph Conrad. O faturamento com Hamlet foi muito abaixo do normal, tendo em vista o fato de ser uma montagem com muitas estrelas. Até mesmo os papéis menores foram encenados por grandes nomes, com Billy Crystal (outro ator de comédia que queria ser levado a sério) como Primeiro Coveiro, Judi Dench como Hécuba, Julie Christie no papel de Gertrudes, Derek Jacobi como Cláudio, Kate Winslet como Ofélia e até mesmo Gérard Depardieu fazendo uma aparição como Reinaldo. Jack Lemmon fez o papel de Marcelo. Um elenco eclético, para dizer o mínimo. Mas Robin estava feliz, mesmo com o pagamento mais baixo (afinal, ser parte desse elenco significava muito), porque, para sermos diretos, não havia tanta pressão. Quando seu nome está acima do faturamento, seu pescoço também está na corda: se o filme for um fracasso, esse fracasso será visto como culpa sua. Williams já tinha enfrentado um bom número de fracassos na carreira (aliás, um entrevistador comentou sobre o fato de que, embora Robin estivesse preparado para admitir isso, era perceptível que ele nunca mais tivesse falado sobre Popeye), mas, em casos assim, a vida ficava um pouco mais fácil. Ele não precisava carregar um filme nas costas. Afinal, Robin tinha descoberto que o sucesso estrondoso também trazia pressões enormes; havia difamadores e uma quantidade grande de voluntários dispostos a jogar lama se alguma coisa desse erado. Cinco de seus filmes na década de 1990 (Gaiola das Loucas, Jumanji, Uma Babá Quase Perfeita, Aladdin e Hook – A Volta do Capitão Gancho) haviam faturado mais de cem milhões e, portanto, geraram muita pressão. Williams ainda aparecia sem ser anunciado em clubes de comédia – “mais barato do que terapia” –, mas agora queria igualmente ser visto como um “homem sério”. Para enfatizar ainda mais sua posição incomum, e como uma fonte a mais de pressão, ele havia sido chamado de “o homem vivo mais engraçado do mundo” tanto pela revista People quanto pela Vogue, o que inevitavelmente levou algumas pessoas a se ofenderem e a dizerem que não o achavam tão engraçado. “Eles deviam simplesmente ter colado um cartaz no meu traseiro dizendo ‘Chute- me’”, comentou Robin. Ele simplesmente não podia vencer. Quanto ao fator “homem sério”, deve ser dito que ele fez algumas escolhas cinematográficas bastante estranhas. Entre elas, estava 1 Dia, 2 Pais (1997), com Billy Crystal, longa no qual os dois atores faziam o papel de homens convencidos de que eram pais do mesmo garoto, com a mãe (Nastassja Kinski) mentindo a ambos para fazê-los ajudar a encontrar seu filho. “Billy e eu estamos trabalhando juntos em um projeto há anos. Trabalhamos tão bem juntos nos especiais do Comic Relief que parecemos uma dupla natural nas telas”, contou Robin. “Sempre que estamos juntos no palco ou na frente das câmeras, somos como dois alces lançando almíscar no ar. É uma competição saudável, que mantém nossos chifres para comédia atentos. Toda comédia é competitiva. Negar isso seria negar a essência da comédia.” A essência da comédia tampouco ficou evidente no filme, que afundou sem deixar rastros. Robin teve uma experiência mais feliz em Amor Além da Vida, filme no qual contracenou com Cuba Gooding Jr. Trata-se de uma obra extraordinária, quase metafísica, na qual Williams e Annabella Sciorra fazem os papéis de Chris e Annie, um casal que perde os filhos em um acidente de carro antes de Chris também morrer em outro acidente automobilístico. Ele vai para o Céu, onde é capaz de, de alguma forma, comunicar-se com Annie até que, consumida pelo desespero, ela se suicida. Assim, Annie vai para o Inferno, e Chris, apesar de muitos avisos para não fazer isso, desce para resgatá-la. Inicialmente, ele escolhe permanecer ao lado dela no Inferno, mas, em um desejo de salvá-lo, Annie deixa para trás o desespero e os dois sobem novamente ao Céu. Eles se reúnem com os filhos antes de reencarnarem para se encontrarem novamente na Terra. O filme é fenomenal. Apresenta a teoria de que a visão de Céu e Inferno de um indivíduo é definida por seu subconsciente e, como Annie era uma artista que influenciava Chris profundamente, o Céu é espetacular. Por outro lado, o Inferno é tão horrível que alguns críticos sentiram a necessidade de avisar os espectadores. Era uma excelente trama e, se Robin queria ser levado a sério, então estava no caminho certo. Roger Ebert, do Chicago Sun-Times, que nem sempre se mostrou um fã de Williams, derreteu-se em elogios: “É uma obra que, mesmo em sua forma imperfeita, mostra como os filmes são capazes de idealizar o desconhecido e levar nossas imaginações a lugares maravilhosos. Além de apresentar performances de partir o coração de Robin Williams e Annabella Sciorra”. Todavia, Stephen Holden, ao escrever para o The New York Times, não se mostrou nada satisfeito: “Não muito tempo atrás, na linguagem de Hollywood, o amor deveria significar nunca dizer que você sente muito”, escreveu. “Amor Além da Vida, uma das histórias de amor metafísicas mais elaboradas lançadas por Hollywood, utiliza-se de toda uma sorte de bordões irritantes para definir a busca por um amor que triunfa sobre a morte. Eles variam do mitigado ‘nunca desista’, que é repetido como um mantra ao longo do filme, até proclamações portentosas sobre vencer quando se perde e perder quando se vence.” E bílis particular foi reservada a Robin: “Robin Williams aparece com seu sorriso de Humpty Dumpty e olhos lacrimejando empatia”. Por outro lado, James Berardinelli, do Reelviews, gostou do que viu: “Muitos filmes trazem representações do céu e do inferno, mas poucos com tanta convicção e criatividade quanto Amor Além da Vida”, escreveu. “A trama, que se centra nos sacrifícios daquilo que um indivíduo é capaz de fazer pelo verdadeiro amor, não é nem complicada, nem original, mas, aprimorada pelo incrível senso visual do diretor, torna-se uma bela peça de drama.” Owen Gleiberman, do Entertainment Weekly, avaliou: “Existe uma contradição central em um conto de fadas como esse: o filme pode pregar ao público sobre as questões do espírito, mas seus efeitos especiais para retratar a vida após a morte não ajudam – em vez disso, apresentam-se tão literais que chegam a ser agressivos”. Embora a reação dos críticos possa ter se mostrado mista, o público adorou o filme, assim como a indústria do cinema, que lhe concedeu o Oscar de Melhores Efeitos Visuais e um Art Directors Guild Award por Excelência em Design de Produção. “Você sente muita coisa”, Robin admitiu ao Toronto Sun, falando em um tom nada cômico sobre sua performance no filme durante as entrevistas que vieram em seguida. “Tem muita emoção envolvida e você pensa: ‘Eu quero, mesmo, passar por isso?’. Essa é a principal pergunta. E no fim, eu decidi: ‘Sim!’. Mas é difícil lidar com essas coisas, toda a perda e toda a dor de tudo. Somente em alguns dias você diz: ‘Hoje é um bom dia’. Mesmo nos momentos em que estava no céu, ele ainda enfrentava o sentimento de não conseguir se desprender, de tentar contato com ela [a esposa]. É difícil quando você lê e pensa: ‘Eu quero fazer isso, visitar esses lugares?’. Mas o mais extraordinário é a visão de um céu e inferno bastante subjetivos.” Parte das filmagens aconteceu no Condado de Marin, perto da casa de Williams, então ele pelo menos conseguia passar as noites com a família – o que, de certa forma, mantinha alguns demônios distantes. “A obra lida com questões tão emocionalmente intensas que eu não sabia se queria participar daquilo por quatro ou cinco meses, enfrentar essa espécie de dor e perda sombria que são o centro de tudo”, ele contou à CNN. “Mas, conforme seguíamos em frente, eu pensava: ‘Bem, certamente é interessante’. E faz você olhar para a própria vida e como está vivendo – mas esse é o efeito colateral de se estar envolvido com esse tipo de emoção tão intensa.” Porém, quando não estava envolvido com seus turbilhões internos, ele se sentia bastante feliz, no mínimo porque agora tinha um Oscar na prateleira. “É bom ter, como disse Bertolt Brecht, um passaporte para ir a qualquer lugar”, admitiu à CNN. “É bom ter essa opinião, ter esse tipo de oportunidade em que as pessoas dizem: ‘Você pode experimentar isso porque já provou que é capaz de fazer um personagem, um personagem completo, que tem esse alcance emocional’. Isso permite que você tenha mais oportunidades de fazer comédia, o que é maravilhoso, mas também papéis dramáticos. Esse tipo de coisa lhe dá uma amplitude maior, um campo maior de atuação.” Todavia, agora já estava claro há algum tempo que Williams era tão considerado como ator quanto o era como comediante – “Eu jogo nos dois times” – e suas atuações continuaram sendo fenomenais. Houve uma variação com o número um tanto quanto amargo de Woody Allen, Desconstruindo Harry (1997), um retorno às palhaçadas em Flubber; Uma Invenção Desmiolada, obra na qual ele fez o papel de um professor insano; e outra ruptura se deu com Um Sinal de Esperança (1999), sobre os judeus poloneses na Segunda Guerra Mundial. (Robin frequentemente era considerado, de forma errada, judeu.) Marsha continuou fortemente envolvida em todos os aspectos da vida do marido, e esse foi um filme no qual ela esteve particularmente próxima. Jakob era um antigo dono de restaurante vivendo em um gueto na Polônia; seus vizinhos erroneamente acreditam que ele tem um rádio, e Jakob começa a dar a eles esperanças fingindo ouvir notícias de última hora. Por fim, os nazistas descobrem esse prisioneiro com um rádio e vão atrás dele. O filme termina de forma trágica, o que era inevitável, considerando a história que contava. Escrita e dirigida pelo cineasta húngaro Peter Kassovitz, a obra inicialmente seria uma produção francesa, mas a sensibilidade do assunto em questão acabou afastando os produtores. “Então, decidi reescrever o roteiro em inglês e adequá-lo a Robin Williams”, contou Kassovitz ao Calgary Sun em uma entrevista na qual deixava claro que o ator mostrou-se mais dependente de Marsha do que nunca. “Você não consegue chegar diretamente em Robin. Precisa passar por agentes e advogados e aí chegar à Marsha, que decide se Robin vai ou não ver o material. Ele confia muito na esposa e ela tem muito poder porque está à frente de Robin, e as pessoas o querem em seus filmes.” “Encontrei Peter após ler o roteiro e trabalhamos no material por aproximadamente um ano antes de eu entregá-lo a Robin. Não foi uma situação isolada”, contou Marsha ao Calgary Sun em 1999. “Trabalhei em Uma Babá Quase Perfeita durante um ano antes de Robin sequer ver o roteiro. Procuro personagens que acredito não terem sido vistos antes. Grande parte do que produtores e autores querem que ele faça são coisas que já fez. [Eu o trato] como qualquer outro ator. Não pensaria em entregar um roteiro até ter certeza de que se trata de uma produção de alto nível.” Quanto a Robin, ele estava perfeitamente feliz com esse arranjo, pois percebia que podia contar com a esposa e que, diferentemente do que acontecia com muitos atores de Hollywood, Marsha lhe dava uma opinião sincera. “Ela é uma pessoa que é brutalmente honesta comigo”, declarou. “A maioria das pessoas preferiria me dizer o que acham que quero ouvir. Isso não acontece com Marsha. Ela se recusa a deixar que eu recicle o mesmo personagem cômico simplesmente porque funcionou. Para mim, é vital ter uma pessoa decidida a ver que posso crescer como ator.” Olhando em retrospecto para a proximidade óbvia existente entre os dois a essa altura e quão bem eles funcionavam como uma equipe, o divórcio que veio logo depois parece ainda mais trágico. Todavia, por mais que Robin agora estivesse sóbrio, distante das drogas e da bebida e começando a praticar ciclismo, ele sairia seriamente dos trilhos mais uma vez. Em seguida, entretanto, no que algumas pessoas consideram o ponto mais baixo da carreira de Robin Williams, veio Patch Adams: O Amor é Contagioso (1998), provavelmente o último filme a ajudá-lo a crescer como ator. Em retrospecto, fica claro por que o projeto pode ter parecido uma boa ideia na ocasião: baseava-se na história verídica do Dr. Hunter “Patch” Adams, médico com algumas visões nada ortodoxas sobre como tratar os pacientes. A trama se passa na década de 1990, quando Patch quase foi expulso da Virginia Medical School por “felicidade excessiva”. Infelizmente, para o impacto do observador, isso revela imediatamente o ponto fraco do filme. Patch acredita que o humor deve ser usado para tratar pacientes, mas esse humor inclui vestir-se de palhaço e andar em um par de pernas de pau gigantes em uma conferência de obstetras. E, enquanto algumas pessoas podem ter talento para serem médicos ou para serem palhaços, são pouquíssimas as que seguem esses dois campos. O humor pode ser de mau gosto e nada engraçado. Os críticos e também o verdadeiro Patch Adams detestaram o filme, atacando não apenas a obra, mas também Williams, embora ele posteriormente tenha retirado alguns de seus comentários. Todavia, o poder de um astro é o poder de um astro. O filme ainda assim conquistou 200 milhões de dólares ao redor do mundo, além de várias indicações ao Oscar e ao Globo de Ouro (embora não tenha recebido prêmio algum). Nenhum dos envolvidos foi capaz de prever as críticas – e menos ainda Robin, que concedeu uma série de entrevistas alegres e descontraídas para promover o filme. “Seus críticos o chamam de um Don Quixote moderno e desiludido, mas Patch não persegue moinhos de vento”, falou ao Calgary Sun. “Ele é comprometido, dedicado e inteligente, e faz tudo que está ao seu alcance para ajudar os pacientes.” Em uma cena, o médico entretém pacientes com câncer. “A maioria das crianças naquela cena realmente são pacientes com câncer”, revelou Robin. “Elas conseguiram os papéis no filme por meio da Make-A-Wish Foundation. A reação das crianças é espontânea, não se trata de atuação.” Robin também conheceu o verdadeiro Patch. E acrescentou: “Ficamos amigos no mesmo instante. Ele me fez rir tanto que cheguei a sentir dor. É um cara escandaloso, que nasceu sendo um palhaço”. Robin deve ter ficado bastante ofendido quando seu novo amigo mostrou-se um crítico ferrenho do filme, logo após o lançamento. Mas o showbiz funciona assim. Em outra entrevista, dessa vez concedida ao Toronto Sun, Robin, sem se dar conta, colocou o dedo em outra ferida do filme: “Fizemos algumas cenas de Patch na faculdade”, contou. “É mais ou menos o início de seu personagem escandaloso. Patch é bastante edificante. Tentamos mostrar isso. Mas também mostramos que ele podia ser irritante com seu desejo de sempre desafiar o sistema.” Obviamente, existe um risco em retratar alguém irritante na tela – o resultado pode ser, digamos… também irritante. Williams agora se deparava com outros problemas: os fãs, especialmente os mais antigos, começavam a reclamar que queriam que ele voltasse a ser engraçado como costumava ser. De fato, Robin nunca deixou de ser engraçado – as contínuas aparições em clubes de comédia confirmavam isso, assim como suas aparições frequentes em programas de entrevistas, nos quais parecia pensar que sua tarefa era fazer as pessoas chorarem de rir desde o momento em que pisava no palco. Todavia, Robin era o palhaço que queria fazer Hamlet – mais do que isso, era o palhaço que queria fazer o papel de Hamlet ou, pelo menos, de Osrico. E esse era um ponto no qual ele não conseguia se decidir: comediante ou ator sério? E por que os espectadores não podiam aceitar as duas coisas? “As pessoas só querem ser entretidas”, ele falou a um entrevistador. “Elas veem você fazer algo maravilhoso e querem que você faça outra vez… e outra vez… e mais uma vez… até se cansarem daquilo e passarem a querer outra pessoa. Aí mora o perigo. Se você fizer a mesma coisa várias e várias vezes, elas finalmente dirão: ‘Que droga! Eu já vi isso antes!’. ‘Mas era isso que você queria!’ ‘E aí você está morto.” Um incidente particular com uma fã pareceu deixá-lo bastante incomodado: “Chegou uma mulher para mim no aeroporto e gritou ‘Seja um palhaço! Seja um palhaço!’ O quê?! Ela quer que eu seja louco. Então você precisa se reinventar o tempo todo, como a Madonna faz. Este é o ano ‘indiano’ dela. O ano passado foi o ano ‘da valquíria’. Dois anos atrás, teve peito de fora… O que você faz? Você muda”. “Acabei me libertando porque filmes como Sociedade dos Poetas Mortos, Tempo de Despertar, O Pescador de Ilusões ou Gênio Indomável foram um sucesso. E não se trata apenas do Oscar. Essa percepção começou há algum tempo. Eu me reinventei da comédia para fazer drama. Você muda o tempo todo. É só mais uma cor com a qual pintar.” Mas a frustração mostrava-se palpável. Robin conseguia ver que era capaz de transitar entre essas duas diferentes disciplinas. Por que, então, as outras pessoas não conseguiam ver?

Will: Você gosta de maçãs? Clark: Gosto. Will: Bem, eu consegui o número do telefone dela. Como você gosta das maçãs dela?

GÊNIO INDOMOMÁVEL (1997) CAPÍTULO ONZE

GAME BOY

“A cocaína é o jeito de Deus lhe dizer que você tem muito dinheiro.”

ROBIN WILLIAMS

Quando se libertam de um vício, muitas pessoas acabam substituindo-o por outro. Assim diz a sabedoria popular, e a frase parece certa. Isso havia acontecido a Robin: quando deixou de beber e usar drogas, no início da década de 1980, ele passou a praticar ciclismo. E, em uma região acidentada como San Francisco, ele tinha a paisagem perfeita na qual se tornar tão bom quanto qualquer profissional. E assim o fez. Criou uma grande coleção de bicicletas e qualquer um que o acompanhasse nas pedaladas rapidamente passava a ver que Robin não estava para brincadeira. Ademais, aquilo era bom para ele: exercícios físicos ajudam pessoas que sofrem de depressão e, quanto mais pedalava, melhor ele se sentia. Williams era amigo do ciclista Lance Armstrong (isso antes de as infelizes revelações envolvendo Armstrong e as drogas) e cruzou o Atlântico para vê- lo no Tour de France. “Eu adorei aquele lugar”, ele contou à Sports Illustrated em 2003. “Adorei assistir a seus colegas de equipe, os domestiques. Aqueles caras dão um jeito de providenciar qualquer coisa de que Lance precise – comida, água, empurrá-lo colina acima, o rádio está quebrado, enfim… Todos eles estão com o corpo inclinado e montados em suas bicicletas, levando coisas para ele. É como ‘Quasimodo é Gunga Din!’. O técnico diz: ‘Ei, alguém poderia voltar até o carro e descolar uma água para Lance?’ E um cara precisa descer o caminho todo, pegar a água, voltar para lá e entregá-la. E aí Lance diz: ‘Essa água está quente demais’. No fim das contas, domestique parece significar ‘escravo’ em francês!” Robin também adorava sua coleção de bicicletas: “Você pode consegui-las por seis ou sete mil dólares”, contou à revista Autograph. “São mais baratas do que Maseratis e mais fáceis de guardar. Estão todas dependuradas na garagem. Adoro andar com elas. Muitas são esculturas criadas à mão, sério! A maioria é feita por artistas.” Tony Tom era proprietário de uma loja de bicicletas de San Francisco e parceiro de pedaladas de Robin. “Ele simplesmente adorava andar de bicicleta – era sua válvula de escape”, contou Tony ao Nightline em uma entrevista emotiva após a morte de Williams, durante a qual estava claramente à beira de lágrimas. “Ele foi [à loja] logo depois que John Belushi morreu vítima de uma overdose. Precisava de uma espécie de válvula de escape e disse: ‘só digo uma coisa: o ciclismo salvou a minha vida’. E acrescentou: ‘Pedalar é muito melhor do que usar cocaína’. Robin simplesmente adorava o ciclismo. [Os arredores de San Francisco] eram seu quintal, por assim dizer. Ele adorava sair para pedalar.” “Eu o via provavelmente uma vez por semana quando ele estava por aqui. Era um ciclista muito ávido, muito proficiente e sempre cordial. Não consigo me lembrar de ele ter se recusado uma vez sequer a dar um autógrafo ou a conversar com quem o visse. Robin sempre respondia. Era incrivelmente gracioso e muito generoso. Um homem realmente bom. Todos sentiremos sua falta, e acho que deveríamos aproveitar os presentes que ele nos deixou, todas essas performances, todos esses filmes. Nunca mais haverá um cara como ele.” É verdade. Mas Williams também desenvolveu outro vício, um vício que não lhe fazia bem algum – aliás, algo que provavelmente lhe fazia mal. Todos sabiam que ele gostava de games – tanto sua filha Zelda quanto o filho Cody haviam recebido esses nomes por conta de jogos de videogame; o nome de Cody veio de Final Fight –, mas foi somente nos primeiros anos do século XXI que pessoas fora de seu círculo mais íntimo descobriram a gravidade do problema. Não que Robin tentasse esconder; ele falava muito abertamente de seus passatempos. De fato, era viciado em internet – e não apenas em games, mas também em salas de bate-papo (nas quais ele não necessariamente revelava sua identidade, embora os rumores de que ele se passasse por uma garota de seis anos chamada Samantha não fossem verdadeiros) e todo tipo de diversão online. “Não tenho medo disso. Na verdade, sou muito viciado”, ele admitiu durante uma entrevista ao Zapzit no início da década de 2000, ou seja, antes de o Wi-Fi se espalhar por todos os cantos. Aliás, seu computador havia se tornado um companheiro regular de viagens, o que, apesar de comum hoje, era muito menos recorrente nos dias que antecederam smartphones e iPads. Naquela época, em geral apenas pessoas viajando a negócios levavam seus computadores a todos os cantos. “Quando descubro que um hotel não tem DSL [digital subscriber loop], digo: ‘Como é que é? Não tem banheiro?’ Quando você se acostuma à velocidade rápida, é impossível voltar atrás”, declarou. “Uma vez que teve DSL, você não volta atrás. Eu jogo, não vou mentir, e a melhor forma de se jogar é online, competindo com outras pessoas. Especialmente quando se joga contra um garoto de 12 anos que já faz aquilo há um ano e conhece todos os segredos. Sou fascinado por jogos militares.” Se ele lia sites de fãs? “É como se esfregar em lâminas, o que é horrível, pois você se depara com coisas boas e coisas terríveis. Li uma vez”, revelou. “Você encontra pessoas que adoram o que você está fazendo e pessoas que detestam o que você está fazendo. Assim é a internet, uma gama de todos os tipos de personalidades.” Obviamente isso foi antes dos tempos de Facebook, Twitter, Instagram e trollagem; um período quando toda uma série de oportunidades oferecidas pela internet ainda era desconhecida. Mas Robin adorava seus jogos. Era um aficionado por tiro em primeira pessoa, Half-Life e War Craft 3: “Existe um milhão de jogos e modificações desses jogos”, disse, demonstrando conhecimento profundo da área. “As modificações estão invadindo esses games e, em linhas gerais, redesenhando- os, tornando-os algo único. Existe um jogo chamado Half-Life e os caras adotaram uma abordagem totalmente diferente, usando o mecanismo para criar um mecanismo da Segunda Guerra Mundial chamado Day of Defeat, com americanos e alemães fazendo algo como o que aconteceu na Normandia. Mas esses caras criaram uma coisa própria, e a empresa basicamente aprovou. É incrível. É um mundo novo. Tem sua própria mitologia, além de clãs e grupos.” De fato, Robin sabia muito sobre o assunto. “Eles começam com uma espécie de visão primitiva, na qual as pessoas vagam conduzindo missões, mas agora, com Morrowind, Never Winter Nights e Dark Age of Camelot, estão criando e melhorando os personagens a um ponto em que, se equiparem um personagem com pontos suficientes, eles o vendem no eBay”, acrescentou. E então, o possível lado negativo parecia lhe ocorrer: “Enquanto não se torna, tipo… Bem, como é uma espécie de cocaína em vídeo, pode ser tão viciante quanto qualquer coisa que tenha janelas de computador. Você precisa impor um limite, pois é viciante, por causa desse mundo. Acho que o pior caso foi o de um garoto que se suicidou porque seu personagem morreu. Você precisa dizer: ‘Espere aí, isso já está saindo dos limites de um jogo’.” Uma das tragédias de Williams residia no fato de que, embora fosse um homem excepcionalmente inteligente, ele não conseguia enxergar a verdade a respeito de si mesmo. Essa verdade, por mais que o encarasse de frente, não lhe permitia identificar o perigo: jogos viciavam. E, embora houvesse um lado negativo relativamente pequeno em ser viciado em ciclismo, a obsessão por jogos era algo totalmente diferente, em especial para alguém que lutava contra a depressão. Sozinho, em um quarto com seu computador e seus pensamentos, esse era o pior cenário para ele e, na esteira de sua morte, houve certa especulação acerca de essa relação obsessiva com os jogos terem levado sua mente a um estado caótico. Todavia, como costuma ser o caso, ninguém viu nenhuma preocupação em potencial. Robin fez uma breve aparição no The Tonight Show Starring Jimmy Fallon e falou sobre o quanto adorava Call of Duty; e adorava role- plays (o que talvez não seja surpresa, considerando que era um ator). Após sua morte, foi anunciado que ele seria homenageado em World of Warcraft. Esse era um lado de Robin que os fãs não costumavam ver, mas que estava lá. Ele fez uma performance ao vivo na Keynote Session do Google no 2006 Consumer Electronics Show e participou de uma demonstração ao vivo de Spore a convite do criador do jogo, Will Wright, na 2006 Electronic Entertainment Expo, durante a qual os jogadores criavam seres básicos que evoluíam em pequenas comunidades, depois cidades, países, planetas e espaço sideral. Williams criou algo que era flexível ao extremo – “É uma criatura capaz de beijar o próprio traseiro” – e que acabou com três pares de braços, um torso fino e pernas curtas. “Estou fazendo uma criatura que levaria Darwin a dizer: ‘Ei, nunca mais vou tomar ácido’”, comentou. E Robin deu a esse ser um nariz bem avantajado: “É basicamente uma criatura capaz de cheirar cocaína a um quilômetro de distância”. Logo depois, ele foi um dos membros de um grupo de celebridades escolhidas para participar do 2007 Worldwide Dungeons & Dragons Game Day em Londres. Em uma entrevista online ao Reddit, Robin falou: “Ainda estou à espera do próximo Call of Duty. Para mim, é algo muito incomum, já que fiz viagens ao Iraque e ao Afeganistão e vi aqueles caras acabando de voltar da patrulha e jogando Call of Duty. E eu dizia ‘Vocês estão vivendo isso aí! E ainda assim estão jogando…’” Mas, mais uma vez, surgia uma nota de aviso: “Estou jogando um game chamado Battlestation Pacific. E esperando ansiosamente o próximo Xbox. Não consigo imaginar gráficos melhores do que os que já existem. Será como se os personagens estivessem vivendo na sua casa. Terei de me esquivar e me esconder para ir ao banheiro! Quanto ao WiiU e o PS4, ainda não os vi, mas terei de verificar a ala de viciados em cibernética do Betty Ford.”* E Robin voltou a dizer, dessa vez ao Daily Telegraph, em 2011, que os jogos eram “cocaína cibernética”. “Especialmente se você estiver online, jogando contra outras pessoas, é totalmente viciante. Você acaba se desligando do mundo.” Esse era metade do apelo, obviamente – não havia nada que Robin quisesse mais do que se desligar do mundo e, se ele não podia fazer isso com estimulantes como álcool e drogas, então encontraria outros meios. Esse amor pelos games resultou em algumas postagens muito estranhas. Em um site de entretenimento chamado The Vest, uma pessoa identificada como DigInTheCrates deu início a um tópico intitulado: “As pessoas estão se preparando para o fato de que Robin Williams morrerá em breve?”. E isso foi postado em 8 de agosto de 2014, três dias antes do falecimento do ator. Não que alguém pudesse imaginar, obviamente. * Betty Ford é um centro de reabilitação para viciados em álcool e drogas. (N.T.) “Você vai matá-lo ou algo assim?”, foi uma resposta. DigInTheCrates rebateu: “Ele é velho e está com a saúde debilitada, por isso criei este tópico. Não, não planejo matá-lo, seus doentes. Por que eu mataria alguém que adoro?”. E depois, obviamente, o pobre Robin de fato morreu, provocando uma explosão de atividades no tópico, movimentado principalmente por pessoas culpando (embora não de forma séria) o usuário DigInTheCrates. “É… o op está possuído pelo diabo.” “A polícia vai ver este tópico”. “Alguém mais pensou: ‘Realmente espero que Robin Williams não tenha visto este tópico, percebido que a gente não se diverte há dez anos e resolvido dar um fim a tudo”. “OP é o anjo da morte.” “Não me culpem”, insistiu DigInTheCrates. “Eu culpo todas as pessoas que não o amaram ou apreciaram o suficiente enquanto ele estava aqui.” De qualquer forma, após a morte de Williams, não foram apenas os atores que prestaram suas homenagens, mas também a comunidade de gamers. Um usuário chamado Vulpes escreveu no fórum Zeldauniverse.net: “Considerando a ligação dele com Zelda, alguém na comunidade acha que seria de bom tom enviar à família uma espécie de condolências ou alguma outra coisa que pudesse ser apropriado? Poderíamos levantar dinheiro para a organização de caridade Windfall, talvez?”. Muitos outros engrandeceram o ator. Por mais que Robin tivesse se sentido um excluído durante grande parte da vida, aqui ele certamente era aceito. Os gamers o adoravam: ao expor publicamente seu hobby, ele havia se mostrado parte daquele grupo. Vulpes falou subsequentemente ao Salon.com: “O mais impressionante da relação de Williams com os games era o fato de ele não ter vergonha de dizer que jogava. Hoje em dia, se uma celebridade admite que gosta de jogar, isso é, com frequência, tratado como um segredo perigoso: ‘Sei que é coisa de nerd, mas eu jogo videogame!’.” Todavia, os jogos podiam não ter sido bons para a saúde de Robin. Alguns anos atrás, o Dr. Douglas Gentile, da Iowa State University, conduziu uma pesquisa chamada “Pathological Video Game Use Among Youths: A Two- Year Longitudinal Study” e publicada na Pediatrics. Obviamente, Williams não era nenhum jovem, mas, ao ler o que o dr. Gentile declarou em uma entrevista sobre seu estudo, é difícil não suspeitar de que as conclusões também se aplicassem ao ator. “Eu esperava descobrir que a depressão levava aos jogos, mas encontramos o oposto nesse estudo. A depressão parecia seguir o jogo. Conforme os jovens ficavam viciados – se quiser usar essa palavra –, a depressão parecia piorar. E, conforme deixavam o vício, a depressão parecia melhorar. Eu esperava descobrir que a depressão levava ao jogo, mas descobrimos o oposto nesse estudo.” Todavia, ele passou a acreditar que, na realidade, os dois fatores andavam de mãos dadas. “Na verdade, não acho que [a depressão] venha na sequência”, declarou. “Acredito que realmente trate-se de comorbidade [situação em que duas condições médicas são entrelaçadas]. Quando uma pessoa sofre de uma desordem, acaba tendo outras. Se você foi diagnosticado com transtorno bipolar, um ou dois anos mais tarde pode acabar com problemas de ansiedade ou fobias sociais. Essas doenças começam a interagir umas com as outras e a piorar o quadro do indivíduo. [Os problemas com o ‘vício’ em jogos e de saúde mental] surgiam cronologicamente próximos a ponto de um provavelmente afetar os outros. Conforme fica mais deprimido, você se retrai mais para os jogos, o que não ajuda, pois não resolve o problema. Isso não melhora a depressão, mas a piora, e aí você joga mais, e aí a depressão piora, e assim por diante. Torna-se uma espécie de espiral negativo.” Certamente não se tratava de um passatempo saudável para alguém que vinha sofrendo com problemas de saúde mental durante toda a vida. Mas, enquanto isso, os filmes e as ocasionais aparições na televisão continuavam surgindo. Em 1997, Robin apareceu com seu amigo Billy Crystal em um episódio de Friends chamado “Aquele com o Campeão de Vale-Tudo”, e, conforme o novo milênio se aproximava, diversos novos projetos apareciam. Ele fez o papel de um robô em O Homem Bicentenário (1999), baseado em um romance de Isaac Asimov – um robô com sentimentos, como se poderia esperar, o que era uma alegria para alguém tão fanático por ficção científica quanto Robin: “Li Eu, Robô na faculdade”, contou à Science Fiction Weekly. “O Homem Bicentenário eu só li depois que decidimos fazer o filme. E então li O Homem Positrônico, livro que Asimov escreveu com Robert Silverberg. É muito interessante porque [o filme] é fiel ao espírito que ele capturava com os robôs. É estranho Asimov nunca ter transformado a obra em filme antes; tenho certeza de que ele não transformou.” “[A história] fala sobre a inteligência artificial e o comportamento humano. Sempre fui fascinado por ambos. Por isso virei ator. É um trabalho árduo, sério, quero dizer, encontrar os aspectos diferentes entre eles. Mas, com isso, vem a ideia de uma criatura se desenvolvendo. E Asimov estava basicamente falando de uma criatura moral, humana, de robôs como sendo seres sensíveis e guiados por três leis que se assemelham a mandamentos. Eles não podem violar essas leis, nem se quiserem.” Na ocasião, o filme recebeu críticas bastante mistas e não se tornou um fenômeno. Uma das características mais interessantes era a vulnerabilidade de Williams; incomum para alguém que havia sofrido bullying durante a infância, ele não tinha medo de dizer às pessoas quando se sentia ferido. Nunca conseguiu se afastar da acusação de sentimentalismo – às vezes merecidamente, como no piegas Patch Adams: O Amor é Contagioso –, mas isso não significa que conseguisse simplesmente se livrar de seus sentimentos por meio do riso. “Meu Deus, foi assustador!”, falou ao totaldvd.net em uma entrevista concedida em 2002. “Eu tinha lido críticas de outros filmes e elas me atacavam outra vez. Uma mulher disse que o longa sobre o qual ela estava escrevendo era tão ruim que o diretor deveria ser mandado para uma ilha deserta com as pessoas que fizeram Patch Adams, e que todos deveriam se afogar com Robin Williams. Eu pensei: ‘Ah, qual é, minha senhora?! Não precisa me agredir assim outra vez’. Mas acho que os últimos filmes mudaram um pouco a percepção das pessoas.” Ele estava se referindo a três filmes nos quais fez papéis bastante assustadores. Em Retratos de uma Obsessão (2002), Robin deu forma a um revelador de fotografias solitário que se torna obsessivo a ponto de perseguir a família Yorkin, cujas fotos ele revela. Morra, Smoochy, Morra (2002), o segundo filme, era uma comédia de humor negro sobre um apresentador de TV que se vinga de uma forma terrível de um rival. Depois veio o terrivelmente subestimado Insônia (também de 2002), no qual atuou com Al Pacino. O filme era centrado no personagem de Pacino, um policial de Los Angeles enviado ao Alasca com seu parceiro. Após assassinar involuntariamente esse parceiro, ele se vê arrastado para uma rede nada saudável. Robin fez um trabalho incrível no papel de um assassino realmente assustador que entra em uma relação por telefone com Pacino, que então admite ser o culpado. O filme foi um sucesso tanto de público quanto de crítica, portanto, não se pode dizer que Williams tenha recebido as mesmas pedradas que havia recebido com outros trabalhos. Porém, a obra deveria ter gerado muito mais elogios do que de fato gerou. É totalmente possível que, neste filme, a reputação de Williams tivesse trabalhado ativamente contra ele a ponto de as pessoas não conseguirem acreditar que Robin fosse capaz de se sustentar contra o grande Al Pacino. Mas ele foi, sim, capaz. Teria esse movimento (fazer o papel de monstros após o enjoativo Patch) sido uma atitude deliberada? “Ah, sim, o período sombrio”, ele falou à totaldvd.net. “Não passei a conscientemente buscar filmes mais sombrios, as coisas simplesmente aconteceram assim, em uma sincronia estranha – primeiro, Retratos de uma Obsessão, depois Morra, Smoochy, Morra, e então Insônia. ‘São filmes tão bons e tão estranhos que preciso fazê-los’, pensei. ‘Especialmente com esses diretores envolvidos.’ Vi Amnésia [do diretor Chris Nolan, de Insônia] com doze outras pessoas, e todos nós saímos dizendo: ‘O que foi aquilo? Agora preciso fazer uma tatuagem: Rever Aquele Filme’.” Robin estava gostando de fazer papéis de vilões – e eles certamente fugiam de seu tipo comum de personagem –, mas, ao mesmo tempo, mostrava-se ciente da possibilidade de ser estereotipado também por esses trabalhos. “Se outro personagem repulsivo aparecer, é provável que eu o faça, mas, se eu aceitar esses papéis o tempo todo, vão dizer: ‘Ah, já entendi que você vai fazer outro daqueles papéis de vilão, sr. Williams’”, ele afirmou. “Adoro fazer personagens desse tipo porque você não se vê preso às leis da simpatia do público e as plateias acabam recebendo um ataque surpresa. As pessoas pensam: ‘Ah, é aquele cara bonzinho, ele não faria nada assim tão horrível’. E aí percebem que… ele é um canalha!” Robin estava claramente desesperado por não ser estereotipado e talvez isso o tenha levado de volta ao stand-up. Ao longo de sua carreira, ele vinha fazendo performances em clubes, mas essas performances voltariam a ganhar força. Em 1986, tornou-se o primeiro comediante a aparecer na Metropolitan Opera House de Nova York, e agora retornava à Broadway com um número de stand-up que viria a ser o quarto número transmitido pela HBO – dessa vez, ao vivo. Como sempre, ele estava sozinho, totalmente exposto e no palco por mais de duas horas – um feito que requeria quantidades enormes de energia, especialmente para manter uma performance tão hilária quanto a dele. Robin teve uma recepção arrebatadora: independentemente de quanto as pessoas apreciassem suas performances como ator, o que elas amavam era o fato de que ele conseguia fazê-las rir. E rir muito, por sinal. Robin fazia piadas sobre toda e qualquer coisa: presidente Bush, golfe, os escoceses, o Canadá (“O Canadá é como um loft em cima de um apartamento onde rola uma baita festa”), pandas (“Anestesiaram o panda, o que é meio redundante), terrorismo, Keith Richards, Afeganistão, piercings em regiões íntimas, Sir Winston Churchill, oferecer cigarros a bebês, Michael Jackson alegando racismo (“E eu disse: ‘querido, você precisa escolher uma raça primeiro’”), snowboard canadense, Donald Rumsfeld, médiuns, o gorila Coco, padres católicos pervertidos (ele foi vaiado por essa piada), gatos, boxe, os suíços, Ted Kennedy, o Oscar, Martha Stewart, Mike Tyson, segurança nos aeroportos, Gandhi, Charlton Heston sobre o controle de armas, fazer 50 anos, Viagra, Osama bin Laden, Gênesis (da Bíblia, e não a banda) e muitos, muitos outros assuntos. Foi uma performance impressionante, repetida não apenas em 26 shows com ingressos esgotados, mas também na TV. (Na verdade, houve uma falha naquela transmissão ao vivo. De acordo com o site IMDb: “No início desse show, o locutor disse: ‘Senhoras e senhores, por favor, recebam Robin Williams!’ mais ou menos cinco segundos antes do planejado. [Ele deveria dizer isso de modo que o fim da apresentação ficasse “colada” com o toque dos tambores da música de abertura.] Foi o único show de toda a turnê em que isso aconteceu”. O público chegava a chorar de rir e muitos fãs pediam publicamente para Williams retornar ao stand-up e deixar de lado a carreira cinematográfica. (Até parece que algo assim aconteceria!) Enquanto isso, ele se sentia em casa, fazendo o que fazia melhor. E, quando o show saiu em DVD, veio outra onda de vendas. Em 2003, conquistou um Grammy na categoria “Melhor Álbum Falado”. Williams continuava sendo o grande profissional que sempre fora. Mas, como sempre, a tristeza estava à espreita. Christopher Reeve não vinha apresentando melhoras (e não voltaria a apresentá-las) e a mãe de Robin faleceu em 2001. Questionado sobre qual havia sido a experiência mais triste de sua vida, ele respondeu: “Foram duas. A morte do meu pai e a morte da minha mãe”. Então lhe foi perguntado o que ele mudaria, se pudesse, na infância: “Ter um irmão, e não um meio-irmão”, foi a resposta. Aquele garotinho solitário continuava existindo dentro de Robin, embora ele agora fosse um homem com mais de 50 anos. Robin não conseguia não tocar em questões profundas. Quando estava jogando ou no palco, não precisava enfrentar a realidade, mas, analisando friamente, ainda havia muito que o levava a se sentir melancólico. “Essa violência toda ao redor do mundo, ela me faz chorar”, contou à revista Autograph. “E é incessante. Eu estava fazendo uma apresentação em um clube de Nova York, e depois havia um cara sentado com um iraniano, um palestino e um israelense, e todos concordavam que queriam paz, mas não sabiam como chegar a ela. Como criar uma pátria palestina quando existe uma grande quantidade de palestinos que querem extinguir Israel? Como dar fim a esse ciclo insano que simplesmente não para?” Obviamente havia perguntas para as quais não existiam respostas, mas Robin as fazia mesmo assim. E nem todo o ciclismo do mundo seria capaz de acabar com a melancolia, a qual, por fim, não teria cura. Com frequência, ele dizia que já estava cansado de brincar de ser um garoto preso no corpo de um adulto, e realmente se sentia assim. Em 1984, ele participou de um programa de TV chamado Superstars and Their Moms (assista no YouTube). O Robin que aparece nesse especial é bem diferente daquele Robin que o mundo conhecia. Ele claramente adorava a mãe, mas, diferentemente de qualquer outro contato público que Williams tivera durante a vida, ali ficava claro que ela, e não ele, estava no controle da conversa. Houve uma grande quantidade de gracejos trocados entre os dois, assim como enorme afeição. Por fim, ele havia conquistado com classe a atenção dos pais. Mas agora Robin não tinha mais a mãe…

“Não importa o que as pessoas lhe digam, palavras e ideias podem mudar o mundo.”

ROBIN WILLIAMS CAPÍTULO DOZE

DECLÍNIO E QUEDA

“Minhas batalhas contra o vício definitivamente ajudaram a moldar quem sou hoje. Elas me fizeram apreciar mais profundamente o contato humano. E o valor dos amigos e da família, e quão precioso é esse valor.”

ROBIN WILLIAMS

Em retrospecto, agora fica bastante claro que 2004 foi o ano que marcou o início do longo declínio de Williams. Um casamento que no passado fora sólido chegaria ao fim, um problema com o álcool e uma temporada na reabilitação se aproximavam e um fim extremamente triste o esperava. Mas, na época, não era possível ver sinais de que tudo isso ocorreria. Todavia, o que também ficava claro, olhando para trás, é que sua personalidade pareceu se fragmentar. A essa altura, ele dividia o tempo entre o stand-up e filmes muito sérios, nos quais fazia papéis não apenas de homens assustadores, mas também assassinos. Robin não atuava mais em comédias. Quando entrevistado, tampouco parecia aquela pessoa tão cheia de vida. Se não estivesse atuando e falando rapidamente como um louco, falava de forma tão lenta a ponto de parecer catatonicamente deprimido. Robin Williams, o palhaço, ainda aparecia ocasionalmente, mas alternando-se com ele estava uma personalidade mais séria, que mal conseguia esboçar um sorriso, muito menos zombar de todas as doenças do mundo. Robin estava muito distante dos dias de Mork & Mindy. Filmes inferiores se seguiram, incluindo a ficção científica Violação de Privacidade (2004), um sub-Matrix no qual ele fazia o papel de um “editor” que editava as memórias das pessoas. Williams se viu deliberadamente no papel conjunto de ator sério e comediante. “Ela [a comédia] lhe dá uma espécie de destemor, porque você sabe que, para aparecer e fazê-la, precisa colocar seu traseiro na linha de frente”, falou ao Sydney Morning Herald em 2004. “Os diretores dizem que gostam de trabalhar com atores de comédia, em geral porque eles não têm medo de experimentar. Eles precisam [estar preparados para] fazer qualquer coisa com o intuito de arrancar o riso das pessoas. São desavergonhados, mas também destemidos a esse ponto.” Mas por que ele havia parado de fazer comédia para as telonas? “É difícil encontrar um roteiro que você adore e, quando encontra, as pessoas dizem: ‘Esse não é o papel, sabe…’” Avaliar toda essa escuridão de dentro para fora certamente não foi fácil. Robin também mudava fisicamente. É claro que todos começam a parecer diferentes quando envelhecem, mas ele transmitia a impressão de estar encolhendo. Quando da sua morte, uma década depois, tinha mais ou menos metade do tamanho que tivera com 20 e poucos anos. Nunca foi um ícone da moda, mas passou a perder interesse pela aparência, frequentemente aparecia barbado e sem parecer ter feito qualquer esforço para pentear os cabelos. A retrospectiva é algo inacreditável, mas, olhando para trás em sua vida, foi aqui que tudo começou a mudar. E o motivo era o sofrimento. Robin havia sido fortemente atingido pela morte da mãe, três anos antes. “Marsha e eu agora somos órfãos”, comentou. “Pensava que meus pais nunca morreriam. Minha mãe era tão cheia de vida. E logo em seguida transformou-se em apenas uma casca. Meu pai também – ele quase morreu e aí voltou à vida. E disse: ‘Por que vocês fizeram isso?’” Assim como muitos de sua geração, Robin viu os pais alcançarem uma idade avançada, com resultados dolorosos. E então ele os perdeu; a dor foi profunda. Agora surgia outra perda, outro golpe. Seu amigo próximo, Christopher Reeve, vinha trabalhando como diretor de um filme de animação, O Pequeno Herói (2006), quando, em outubro de 2004, morreu repentina e inesperadamente de um ataque cardíaco. (O casal tinha um filho jovem e Dana, que não era fumante, morreu de câncer do pulmão apenas dois anos mais tarde.) Robin se viu tomado pela dor. A morte de um amigo em qualquer idade é sempre difícil, mas o fim de Reeve foi particularmente trágico. Ele tinha apenas 52 anos quando morreu, mas sua decadência física havia sido triste. Christopher fora um dos mais belos atores de sua geração, e seus nove anos na cadeira de rodas o deixaram uma sombra do que ele costumava ser, quase irreconhecível se comparado ao belo Superman. Não havia explicação para nada daquilo: Christopher Reeve era uma figura universalmente adorada, generoso ao extremo e muito bem quisto. Sucumbir a um destino assim parecia estar além da crueldade. “Para mim, é difícil acreditar que ele se foi, pois era um lutador, uma personalidade e uma alma enormes”, declarou Robin em uma entrevista concedida em 2004 à CBS. “Eu lembro que as pessoas costumavam me procurar em Nova York logo depois do acidente: ‘Diga a seu amigo que ele é incrível!’. Os caras na parte de trás do caminhão de lixo gritavam: ‘Diga oi ao Chris!’. Ainda ontem, quando eu estava vindo para a cerimônia, havia pessoas paradas lá fora: ‘Meus sentimentos. Sinto muito por sua perda’. Pessoas comuns, que estavam ali para prestar suas homenagens.” A vida continuou, como tinha de ser, mas as palavras sequer começavam a transmitir a dor que Robin sentia. Conforme Dana certa vez declarou, os dois mais pareciam irmãos do que amigos. Tinham começado juntos quando jovens e o mundo se abria à frente deles, formando um laço que só surge após décadas de memórias compartilhadas. E assim terminaria. A vida parecia extremamente sem graça, e nem toda a comédia, os games e as pedaladas e outras distrações do mundo conseguiriam afastar a tristeza que agora transbordava de Robin Williams. O fato de ele ter feito alguns filmes terríveis e completamente esquecíveis não ajudava. Quem é Morto Sempre Aparece (2005) envolvia um agente de viagens cuja esposa sofria da síndrome de Tourette. Ele rouba um cadáver e finge ser seu irmão há muito tempo desaparecido. Não é exatamente Cidadão Kane. Porém, nos bastidores, independentemente de quais dores ele pudesse estar sentindo, havia atos de pura bondade. Em 2004, foi revelado que Robin havia telefonado para um professor de Literatura Inglesa chamado Tim Pechey, que estava perto de morrer. Williams jamais conhecera Pechey, que era um grande fã seu, em especial de Sociedade dos Poetas Mortos. Na primeira vez, eles conversaram por 30 minutos ao telefone. Robin voltou a ligar e também enviou pequenos vídeos ao professor. Williams claramente transformou esses gestos em um hábito. Em 2014, logo após sua morte, surgiu um vídeo que ele havia feito poucas semanas antes para Vivian Waller, uma garota de 21 anos e com uma doença terminal, que vivia em Auckland, na Nova Zelândia. O vídeo mostra Robin mandando um beijo e dizendo: “Ei, garota, o que está acontecendo aí na Nova Zelândia?”. Ele chegou a cantar para ela. Esses gestos estavam muito além do que se poderia esperar de alguém, e isso logo antes de ele ser esmagado por seus próprios problemas. Robin também manteve o trabalho de caridade para as Forças Armadas. Em dezembro de 2004, apenas dois meses após a morte de Christopher, ele voltou ao Afeganistão, uma experiência que relatou ao San Francisco Chronicle. “Alguns dos shows no Iraque aconteceram em ambientes fechados”, explicou. “Muitos foram ao ar livre. É estranho quando você faz shows como alguns do Iraque, nos quais todos estavam camuflados e nós não… Dá aquela sensação de ‘Uaaaaau!’. É estranho ver todas aquelas camuflagens diferentes, afinal, as tropas da coalizão têm todo tipo de camuflagem. Os australianos vieram com uma roupa para o deserto, nós temos uma para o deserto e alguns caras usando verde. E eu penso: ‘Não funciona aqui, no deserto’. E a Força Aérea tem uma camuflagem azul. A não ser que você esteja contra o céu, para que é essa m…? Azul, tipo, muito azul. Até mesmo os gays diriam: ‘Tipo, não. Ovos de codorna, que diabos é isso? É azul esverdeado e branco, então é fabuloso!’ Os shows, nós nos apresentamos para duas ou três mil pessoas em alguns lugares… No final, o ritmo acabou sendo bom.” E ele estava bastante consciente de que seguia uma tradição iniciada por Bob Hope durante a Segunda Guerra Mundial. “Ah, sim, como um show tradicional do Bob Hope, mais ou menos, só que azul”, comentou. “Sabe, Bob Hope com um strap-on. O general [a autoridade maior das Forças Armadas, General Richard B. Myers] abriu o show. É um cara bem durão. Ele dá o tom apenas dizendo ‘obrigado’. É muito atento, sai e cumprimenta todo mundo. No primeiro ano em que estivemos com ele, fomos sozinhos. Eram apenas os shows da United Service Organizations, apenas eu. Fazíamos as apresentações e, na maioria das vezes, passávamos as noites nas bases, como fazíamos no Afeganistão. Bagram, Candaar, Jacobabad [Paquistão] e depois uma base no Afeganistão. A gente visitou todas as bases. Quando vai com o general, você pode entrar e sair. Da primeira vez, era apenas eu. No último ano, fui outra vez com o general, e foi divertido. Você viaja com a credencial dele e pode entrar e sair sem ter que esperar.” Quando tinha 53 anos, Robin recebeu um Prêmio Cecil B. DeMille no Globo de Ouro, possivelmente prematuro demais, e deu voz a Manivela, na obra de animação Robôs (2005). Ostentando um elenco que incluía Ewan McGregor, Halle Berry, Greg Kinnear e Mel Brooks, o filme foi um progresso na carreira de Williams, rendendo boas críticas e sucesso comercial. Era seu primeiro filme de animação desde Aladdin, e foi uma experiência positiva. Como no filme anterior, ele improvisou, dessa vez produzindo mais de 30 horas de gravações, embora grande parte não pudesse ser usada, uma vez que, foi alegado, o material parecia muito triste. “Acho que fiquei adulto demais”, ele confessou. “Não posso fazer nada. Acabei me sentindo inspirado e as palavras simplesmente saíram da minha boca.” Nos bastidores, por outro lado, outro enorme problema começava a ressurgir: durante a produção de Quem é Morto Sempre Aparece, Robin acabou saindo dos trilhos. Já há alguns anos ele tinha voltado a beber, e isso começava a cobrar um preço. “Eu estava em uma cidadezinha que não é o fim do mundo, mas você consegue ver o fim do mundo de lá, e aí pensei: ‘beber’”, contou ao Guardian. “Simplesmente pensei: ‘Ah, talvez beber ajude’. Porque me sentia solitário e com medo. Era aquela coisa de trabalhar muito e depois, bem, dane-se, talvez isso aqui ajude. E foi a pior coisa do mundo. Você se sente bem, maravilhoso. E, em seguida, a situação se torna um problema e você se vê isolado.” Ali estava, mais uma vez, a vulnerabilidade se mostrando: ele se sentia solitário e com medo. O que Robin Williams tanto temia? Ele era um enorme astro, conseguia lotar salas enormes em seus espetáculos, e contava com um nome tão forte a ponto de dar força a todo um filme apenas com seu envolvimento. Fora isso, tinha uma unidade familiar por trás. Mas o garotinho ainda estava lá, e aparentemente seus problemas não desapareciam. Na verdade, o que causou a recaída foram as preocupações com a carreira. Williams não conseguia ignorar o fato de que seus filmes vinham recebendo críticas terríveis, e muitos deles também não andavam se saindo bem nas bilheterias. Hollywood conseguia perdoar qualquer quantidade de sentimentalismo, mas não aceitava falhas, e isso era o que ele começava a temer. Afinal, esse destino havia acontecido com muitos outros astros. Fora isso, outro estresse em ser um nome grandioso é que, quando se chega ao topo, há um longo caminho de decadência. E ainda existe toda uma lista de difamadores felizes em chutá-lo ladeira abaixo. Robin relembrou o filme que o fez procurar novamente os bares: “Quem é Morto Sempre Aparece foi filmado em Skagway [Alasca], uma cidadezinha minúscula. Onde você consegue ver o fim do mundo. O filme era interessante, mas eu estava preocupado. Minha carreira cinematográfica não estava indo muito bem. Certo dia, entrei em uma loja e vi uma garrafinha de Jack Daniel’s. E aí veio aquela voz, eu a chamo de ‘poder menor’ dizendo: ‘Ei, só um golinho. Só um’. Eu bebi, e, em seguida, por um breve instante, pensei: ‘Ah, estou bem!’. Mas a coisa cresceu muito rapidamente. Dentro de uma semana, eu me vi comprando tantas garrafas que mais parecia uma rajada de vento andando pelas ruas. E percebi que a coisa estava realmente ruim em um Dia de Ação de Graças, quando eu estava tão bêbado que tiveram de me ajudar a subir até meu quarto”. Ele negou que a morte de Christopher Reeve tivesse piorado a situação, mas nem sempre somos capazes de compreender nossa forma de agir. “Não”, respondeu ao Guardian quando questionado sobre o assunto. “É algo mais egoísta do que isso. Trata-se, realmente, de sentir medo. E você pensa: ‘Ah, isso aqui vai diminuir o medo’. E não diminui.” Mas o que causava esse medo? “Tudo. É uma bagunça generalizada. É medo e ansiedade.” Robin afirmou ter percebido quase imediatamente que os resultados seriam desastrosos, mas seguiu bebendo por três anos. “Durante a primeira semana, você mente para si mesmo e diz que é capaz de parar. Depois, seu corpo retrocede e diz: ‘Não, pare depois’. E aí se passam outros três anos até você finalmente parar. Na maioria das vezes, você percebe que começou a fazer coisas constrangedoras.” Ele se lembrava de ter bebido em um leilão de caridade apresentado por Sharon Stone em Cannes: “E aí percebi que eu estava fora de controle, olhei em volta e, de repente, vi um muro de paparazzi. E pensei ‘Ah, bem… Acho que agora chega’”. Pelo menos ele se manteve longe da cocaína. “Eu sabia que aquilo me mataria”, continuou. “Não. Cocaína… Paranoico e impotente, nada divertido. Nem por um instante pensei: ‘Ah, vamos voltar para aquilo’. Conversas inúteis até a meia-noite, acordar ao amanhecer como um vampiro no dia seguinte. Não.” Mas ele seguia bebendo. Williams preferia vodca – a bebida favorita de muitos alcoólatras – e começou a sofrer apagões, não conseguindo se lembrar, no dia seguinte, do que tinha feito ou dito. Em 2006, sua vida estava agitada e, seu casamento, em sérios problemas. “Sabe, eu estava com vergonha, e você faz coisas que causam repulsa e das quais é difícil se recuperar”, admitiu posteriormente. “Você pode dizer ‘eu te perdoo’ e todas essas coisas, mas recuperar-se não é a mesma coisa. Não é voltar atrás.” Sob pressão da família, ele foi para a reabilitação, especificamente para o centro de tratamento Hazelden Springbrook, no Oregon, onde permaneceu se recuperando por dois meses. Robin também estava nervoso pelo que havia acontecido com Mel Gibson, outro ator que passou décadas lutando contra os problemas do álcool e que acabava de ser preso por dirigir embriagado – naturalmente, Williams se preocupava com a possibilidade de a mesma coisa lhe acontecer. Os habitantes locais que o viram durante sua permanência na clínica afirmaram que ele parecia bastante moderado e abatido. Robin claramente estava mal. De fato, estava pior do que ele mesmo imaginava. “Inicialmente, Williams entrou em um tratamento de 30 dias”, contou uma fonte ao Sun. “Mas, depois que os 30 dias iniciais se passaram, ele percebeu que precisaria de outros 30 de tratamento para conseguir controlar a própria vida. Durante o último mês, viveu em uma casa próxima ao centro de reabilitação criada especificamente para abrigar pacientes após o tratamento. Williams ainda precisava frequentar as reuniões do AA com seus conselheiros.” Depois que saiu, ele não voltou para a casa da família, mas alugou um apartamento em Los Angeles. “Em vez de voltar para casa para viver com os filhos e a esposa, em Napa Valley, ele se mudou para Los Angeles, onde alugou um apartamento para viver com ‘um acompanhante sóbrio’”, relatou a fonte. “Williams contratou o acompanhante para assisti-lo 24 horas por dia e garantir que ele não saísse dos trilhos.” A essa altura, ele esperava conseguir salvar seu relacionamento com Marsha, o que não viria a acontecer. “Existe a espera”, Robin falou ao Good Morning America em 2006. “Tem a hora de parar e pensar: ‘Agora está tudo bem, eu estou bem’. Logo depois você percebe que não está tudo bem. E aí questiona: ‘Onde estou? Não percebi que estava em Cleveland’.” O período na reabilitação foi suficiente para deixá-lo novamente sóbrio (embora, dessa vez, não por duas décadas – haveria um deslize final), mas o dano já havia sido causado e o casamento não resistiria. Por fim, a parceria que havia funcionado tão bem, tanto no âmbito pessoal quanto no profissional, estava próxima de chegar ao fim. De alguma forma, no meio disso tudo, Williams continuou trabalhando. Ainda se preocupava com a carreira e agora recebia convites bem diferentes daqueles que tivera no passado, mas sua produção continuava constante. Logo veio Reflexos da Amizade (2004), estrelando sua filha Zelda e dirigido por David Duchovny. O filme contava a história de Tommy, de 13 anos, e seu amigo Pappass (Williams), um homem de meia-idade, mas com a idade mental de Tommy. A tentativa de deixar de fazer o papel de criança problemática presa no corpo de um homem mais velho não estava funcionando. Preocupantemente classificado como “comédia dramática para a maioridade”, o filme foi, infelizmente, outro grande fracasso. A essa altura, talvez uma pausa fizesse bem a Robin Williams. Mesmo assim, sendo o profissional dedicado que era, ele cumpriu com a obrigação de dar entrevistas para divulgar o projeto. “Fiz uma pesquisa sobre uma pessoa com deficiência intelectual muito ativa”, contou ao Cinema Confidential em 2005. “Socialmente competente, mas intelectual e emocionalmente não tão adequado a certas situações. Intelectualmente, tinha 10 ou 12 anos; fisicamente, era capaz de fazer trabalhos manuais e coisas assim. […] É um filme muito específico, então você tenta alcançar uma extensão que não vê na maioria das pessoas. Há aqueles que sabem, que dizem: ‘Sei o que é isso’. E outras pessoas olham em volta e dizem ‘Ah, isso é diferente’. Quero dizer, ele é muito falante, mas é devagar com algumas coisas. É capaz de entender o que está acontecendo num nível emocional, mas existe esse desenvolvimento reprimido em um certo estágio, talvez com 10 ou 11 anos.” Era “mais do mesmo”, embora ele não tenha usado essa expressão. Mas havia sido divertido trabalhar com Zelda, que havia feito o papel de Melissa, por quem Tommy se interessa. Williams certamente ficou orgulhoso da filha. “Zelda está excelente no filme Reflexos da Amizade”, comentou, feliz. “Ela é muito instintiva. Eu fiz o papel de um personagem com problemas mentais. E ficava ali, sentado e a observando, e ao mesmo tempo percebendo como ela é boa. Tem o mesmo tipo de agilidade mental, mas também é bastante sensível. O maior de todos os elogios foi que ela não é apenas uma atriz competente, mas também boa com as pessoas. Tratou bem todos os outros garotos. Não foi arrogante com eles, e se mostrou gentil com toda a equipe. As pessoas diziam: ‘Sua filha é boa atriz, mas também é legal’. Isso é uma recompensa em dobro.” Depois veio Segredos na Noite (2006). Baseado no livro de Armistead Maupin (da série Contos da Cidade), o filme conta a história de um DJ que se torna amigo de um garoto por telefone, mas passa a duvidar de que ele realmente exista. Era outra obra um tanto confusa. Ouvindo as entrevistas da época, percebe-se que Williams começava a soar muito mais deprimido, mesmo quando não conseguia se conter e voltava a fazer vozes engraçadas. No entanto, ele dava sinais de um problema muito mais profundo. “Se eu às vezes faço performances um tanto doidas? Sim”, contou a Terry Goss em uma entrevista de rádio. “Se sou doido o tempo todo? Não. Se fico triste? Não tenha dúvida. Se essa tristeza bate fundo? Sim, certamente… Não se trata de depressão clínica, não. Não. Eu fico chateado, assim como acredito que muitos de nós fiquemos de tempos em tempos. Você olha para o mundo e diz: ‘Nossa!’. Em outros momentos, olha e diz: ‘Ah, as coisas estão bem’.” A morte dos pais, a morte do amigo Christopher Reeve, o álcool, a reabilitação e agora o fim do casamento… Robin se viu preso em um turbilhão que, às vezes, parecia sair de controle. E havia, ainda, o fato inegável de que sua carreira já não era a mesma de antes: ele havia feito alguns filmes bem ruins e ninguém parecia deixá-lo se esquecer disso. “Por quê?”, questionou o Guardian. Por que ele tinha escolhido aquele caminho? Williams demonstrou energia – brevemente. “Bem, muitas pessoas me disseram que assistiram a Surpresa em Dobro com seus filhos e se divertiram.” Então, ele admitiu: “Não, [o trabalho] pagava as contas. Às vezes, temos que trabalhar em alguns filmes pelo dinheiro. Você sabe no que está entrando. Sabe que vai parecer um pateta. E tudo bem.” Mas será que estava, mesmo, tudo bem? Afinal, Robin era um ator com formação na Juilliard, que levava a sério seu trabalho. E parte do público realmente não achava que estava tudo bem. Uma vez que se provou da glória, fica difícil enfrentar posições de segunda categoria. Infelizmente, mais fracassos se seguiram – Candidato Aloprado (2006), com Christopher Walken, e Férias no Trailer (também de 2006), que ficou pouquíssimo tempo em cartaz antes de ser lançado em DVD. Todos os traumas dos últimos anos talvez tivessem afetado seu julgamento, pois Robin participou de muitos filmes ruins. Talvez isso se devesse ao fato de outro divórcio dispendioso aparecer no horizonte, mas, em 2004 e 2005, ele apareceu em três filmes, ao passo que, em 2006, participou de seis. É uma quantidade enorme de trabalho, então ou Robin precisava do dinheiro, ou vinha usando o trabalho para ignorar tudo mais que estava errado em sua vida. De qualquer maneira, alguma coisa estava acontecendo. Todavia, em meio a tantos filmes ruins, algumas joias pareceram sobreviver ao teste do tempo. Embora ele não estivesse no papel principal, essas obras definitivamente se beneficiaram com sua participação. A primeira delas foi Uma Noite no Museu (2006), que, na verdade, trazia Ben Stiller no papel principal (se Williams ressentia-se pelo fato de ter um personagem secundário, atrás de um jovem ator de comédia em um papel que talvez o próprio Robin encenasse alguns anos antes, ele teve o bom senso de não demonstrar). Stiller fez o papel de Larry Daley, segurança do Museu de História Natural Americano que descobre que a exposição em cartaz ganha vida à noite. Theodore Roosevelt (Robin Williams) explica por que isso acontece e, com o tempo, Larry aprende a controlar o caos. O filme recebeu críticas mistas, mas foi um enorme sucesso comercial – e fez o museu passar a receber mais visitantes. Robin não gostava muito de sequências, mas apareceria nos outros dois filmes da franquia, incluindo um que, até a presente data, ainda não foi lançado. O segundo projeto, Happy Feet – O Pinguim, também teve uma sequência. Trata-se de um filme de animação no qual Robin deu voz a Ramón e Amoroso. Aparentemente, a obra tinha unicamente a finalidade de divertir, mas ela também traz uma forte mensagem ambiental: “É impossível contar uma história sobre a Antártida e os pinguins sem trazer essa dimensão”, comentou o diretor George Miller. O filme não apenas foi bem recebido pela crítica, mas chegou a vencer 007 - Cassino Royale, estrelando Daniel Craig como a última encarnação de James Bond, nas bilheterias. O trabalho também conquistou muitos prêmios, inclusive o Oscar na categoria de Melhor Filme de Animação. Robin seguiu com esses papéis na sequência Happy Feet 2 – O Pinguim (2011), e, independentemente do que ele pensasse sobre sequências, essa franquia em particular fez brotar uma séria discussão sobre o meio ambiente – discussão que, por sinal, segue existindo até hoje. É irônico que um homem tão frequentemente acusado de ser sentimental demais tenha participado de um filme que, mesmo sendo infantil, mostra que existe uma ameaça muito séria no mundo. Mais filmes seguiram, nem sempre dignos de uma menção, mas, independentemente de sua carga de trabalho, Robin não conseguia mais se afastar muito tempo do inevitável. Aquele período de três anos bebendo veio com um preço, e o afastamento de Marsha foi completo. Robin, a criança carente que não conseguia suportar ficar sozinha, estava a caminho do segundo divórcio.

Gus: Não grita comigo não, borra-botas! UMA NOITE NO MUSEU (2006) CAPÍTULO TREZE

UM RECOMEÇO?

“Ah, sim, divórcio… da palavra em latim que significa arrancar a genitália de um homem por meio da carteira.”

ROBIN WILLIAMS

Williams talvez tivesse esperança de salvar seu casamento, mas havia muito estresse a ser enfrentado e, em março de 2008, Marsha pediu o divórcio, alegando diferenças irreconciliáveis. No total, ele acabaria com uma conta de 30 milhões de dólares – valor que não é brincadeira nem mesmo para alguém muito rico. “Eu me dou muitíssimo bem com minhas ex – agora não estamos mais juntos. Elas sempre apreciaram os pelos do meu corpo, o que obviamente é um bônus”, disse ao Daily Telegraph, tentando adotar um tom mais descontraído. Na realidade, havia muito mais coisas acontecendo. Robin comparou ser casado com um comediante com ter uma cobra: “Basicamente, existe um certo nível de novidade, a novidade é mostrar a cobra aos amigos – mas os comediantes podem ser asquerosos” admitiu. “Além de termos essas inseguranças desesperadas, às vezes somos cruéis.” Mas, apesar das piadas, esse realmente não era um assunto para diversão. Marsha fora uma verdadeira fonte de estabilidade para Robin. Em 2008, quatro anos após eles se unirem, o ator deu uma entrevista ao The New York Times na qual declarou: “Agora não preciso ir a um clube e ficar ligeiramente íntimo de 100 ou 200 pessoas. Agora posso conseguir isso conversando com amigos em volta de uma mesa”. Marsha tinha levado Robin por esse caminho. A ex-esposa também havia ajudado a dar forma à carreira do marido e, embora essa carreira não estivesse tão bem nos últimos anos, Marsha havia se envolvido intensamente em projetos como Uma Babá Quase Perfeita e Robin Williams Live On Broadway. Os dois tinham participado juntos da Windfall Foundation, realizado numerosas atividades para levantar doações e encorajado um ao outro em seus empreendimentos particulares ligados a caridade – Marsha particularmente envolvida com os Médicos Sem Fronteiras e a Seacology. Ela também era mãe de dois filhos de Robin e o havia ajudado durante uma fase muito ruim. Robin viria a se casar uma terceira vez, e seria muito errado insinuar que Susan Schneider, a terceira esposa, significava para ele menos do que Marsha. Todavia, a separação marcou uma mudança sísmica em sua vida. Robin e Marsha estiveram juntos não apenas durante o reinado de Williams no topo da lista VIP de Hollywood, mas também durante as dores do primeiro divórcio dele, e haviam dividido a felicidade da vida em família. Durante duas décadas, Marsha havia sido o centro do mundo de Robin, e a separação foi um golpe terrível. Porém, em seu cerne, ele estava tão infeliz e inseguro que chegou a um ponto em que sua carreira se tornou um verdadeiro marasmo. Não era um bom momento. Embora nenhum deles tivesse declarado publicamente, havia sinais já há algum tempo de que nem tudo estava bem. Em 2007, Williams foi homenageado pelo San Francisco International Film Festival com o Peter J. Owens Award, mas, estranhamente, Marsha não estava ao seu lado. Ela emitiu uma declaração bastante graciosa após a morte de Robin, mas claramente ambas as partes ainda guardavam mágoa. Agora com mais de 50 anos, Williams tinha de enfrentar o fato de estar envelhecendo (o que não é fácil para ninguém). Ele insistia que isso não fazia diferença. Disse ao Philippine News Online: “Realmente não penso na idade. Reconheço que, com certa idade, existem coisas que você começa a perceber que já não ouve mais. Ou tem um momento senil e começa a se perguntar: ‘Qual é o meu nome? Ah, Robin. Sim, é isso’”. Porém, a vida se mostrava consideravelmente dura. Para piorar as coisas, o meio-irmão mais velho de Robin, Robert Todd Williams – “Toad” – morreu em 2007, após complicações decorrentes de uma cirurgia no coração (uma cirurgia pela qual o próprio Robin posteriormente viria a passar). Havia ainda outro motivo de grande tristeza: embora os três meios-irmãos não tivessem sido próximos durante a infância, eles haviam se aproximado depois de adultos, então Robin ficou muito angustiado. Ironicamente, considerando a luta recente de Williams contra o alcoolismo, Toad, que era dono da Toad Hollow, uma famosa vinícola, chamava (pelo menos em particular) um de seus salões de “Hospedaria Perigosa para o Fígado”. E Robin falou sobre o irmão: “Toad deixou uma grande marca com as rolhas, ou, como um amigo disse, deixou um grande rastro”. O bon vivant faria muita falta. A essa altura, a viúva de Christopher Reeve, Dana, também havia falecido – outra tragédia que deixou Williams arrasado, no mínimo porque ela deixara um filho jovem. Então, Robin fez o que com frequência fazia quando a vida parecia lhe tirar o que ele tinha de melhor: voltou para o stand-up. Em 2008, anunciou que daria início a uma turnê de 26 cidades intitulada Weapons of Self Destruction, uma referência bastante clara a seus recentes infortúnios. Muitíssimas outras apresentações seriam incluídas, e a turnê acabaria passando por Reino Unido e Austrália. Havia a especulação de que Robin estava fazendo essas apresentações porque precisava do dinheiro, mas, independentemente da verdade, podemos enxergar vários elementos por trás de suas motivações. O primeiro era que o stand-up sempre oferecia uma espécie de refúgio durante os momentos complicados, e de fato ele estava passando por uma temporada difícil. Seu velho amigo, Billy Crystal, certamente concordava. “Ao longo dos últimos anos e por conta da dor que ele sente, seu cérebro é a única coisa que o mantém alegre”, contou ao Guardian em 2009. “Acho que ele precisa do stand-up de uma forma diferente daquela que precisou antes. Ainda é um lugar seguro para Robin, mas ele pode falar sobre as coisas e, além de fazer todos se sentirem melhor, fazer também a si mesmo sentir-se melhor.” O segundo era que, independentemente de quais angústias ele pudesse estar enfrentando na carreira cinematográfica, seus shows de stand-up continuavam tão populares quanto sempre haviam sido. Os ingressos esgotavam quase instantaneamente – nada mal para um homem com mais de 50 anos. Williams, o ator de cinema, talvez estivesse enfrentando problemas, mas o Williams do stand-up continuava tão adorado como sempre. Aliás, esse sempre foi o caso: o carinho do público sempre esteve lá, até o fim da vida do ator. Isso era algo que ele sentia quando saía em turnê. “Eu andava por aí e as pessoas diziam: ‘Ah, oi, como você está?’”, contou ao Robin Williams Fansite. “Noventa e nove porcento das pessoas são tão gentis! As únicas que violam essa barreira estão bêbadas. Tendo eu mesmo sido um alcoólatra, acabo entendendo, mas não preciso tolerar. Tipo, eu estava andando… ele nem estava bêbado, mas teve um cara que de repente começou a me segurar e tirar fotos com o celular. E eu disse: ‘Me solte’. Ele continuou me segurando, e falei ‘Não, não. Sei que você não entende inglês muito bem, mas não me segure’. Eu tiro foto com as pessoas. Mas me trate como uma pessoa, e não como um cabide. A maioria delas me trata como uma pessoa.” Era uma demonstração clara do fato de que ele jamais conseguia ser anônimo – algo com que claramente vivia há anos. Mas também significava que, quando Robin passava por dificuldades, elas acabavam se tornando públicas. A turnê teve início em setembro de 2008, com Williams agora declarando abertamente que estava fazendo os shows pelo dinheiro – ele não gostava dos papéis que lhe vinham sendo oferecidos no cinema. Entre os alvos comuns, também falava muito abertamente de suas angústias recentes. Todavia, nem isso era tão direto quanto parecia. O comediante Eric Idle, que o conhecia há muito tempo, apontou: “Sempre senti que a velocidade estonteante e o brilho do humor de Robin eram um esforço no sentido de esconder, e não de revelar. Ele falava de algo pessoal ou sexual, mas sempre de forma generalizada, nunca sobre si próprio”. Robin certamente não tinha perdido a antipatia que nutria por George W. Bush – “A biblioteca Bush será interativa, e o código vai ser ‘Não Muitos Livros’” – e sempre se mostrou contente em falar sobre o novo presidente: “Obama é uma combinação incrível de Martin Luther King e Spock”. Ademais, continuava tão engraçado quanto sempre fora; ainda tinha a habilidade de fazer as pessoas chorarem de rir. No palco, como ele mesmo com frequência comentava, não precisava enfrentar a vida real. Porém, se mesmo em parte ele estivesse fazendo essa turnê para afastar a mente dos problemas correntes, a vida colocaria outra dificuldade em seu horizonte. Conforme a turnê seguia, ele passou a sofrer golpes de falta de ar. Andava mais quieto nos bastidores, mas, no palco, continuava sendo a mesma força de sempre. E, entre fevereiro e março do ano seguinte, passou a ter tosse. Cada vez ficava mais claro que havia algo errado, e Robin decidiu consultar um médico. Num primeiro momento, ele parecia ter uma condição respiratória, mas logo ficou claro que o problema era o coração. Fez uma angiografia e descobriu que precisava de uma ponte de safena e, em março de 2009, após remarcar algumas datas da turnê, passou por uma cirurgia na Cleveland Clinic, em Ohio, e foi ficar algumas semanas em casa, para se recuperar. Robin teve uma aorta substituída por uma válvula, o que, obviamente, tornou-se motivo de muitas outras piadas. “Eu terminava os shows e de repente pensava: ‘Nossa, estou mesmo cansado’”, contou ao New Zealand Herald. “Não era normal, tipo, cansado, mas me sentindo bem. Então, eu estava em Miami, prestes a fazer alguns shows, e pensei: ‘Não, não, preciso dar uma olhada nisso aqui. Você tem duas semanas para decidir onde quer fazer a cirurgia’. E foi tipo… ‘Nossa! Aperte o freio e coloque a válvula’, o que acho que soa como uma dança sexual. Foi a turnê que me disse: ‘Você precisa fazer algo e resolver isso, meu colega’.” Para Robin, as piadas eram parte de sua natureza. Na realidade, porém, elas só serviam para aumentar sua melancolia. Ele sentiu “um leve medo” de não sair vivo da cirurgia, conforme confessou ao The New York Times em 2009, acrescentando: “Acho que, como você literalmente abriu o peito, acaba ficando totalmente vulnerável pela primeira vez desde o nascimento. É tipo… ‘Não, não chore agora’… Meus filhos! Meus bebês!”. A cirurgia foi um sucesso total, mas não poderia ter vindo em pior hora. Robin já havia passado por um momento complicado, e agora tinha de ficar em casa apenas com a companhia de seus pensamentos – o que passa muito longe de ser a receita da felicidade. Ele precisava trabalhar, precisava subir no palco, e se sentiu muito aliviado quando recebeu permissão para retomar a turnê. Williams queria, todavia, mostrar que estava em forma novamente. Oito semanas após a cirurgia, ele soltou uma foto com a camisa erguida, mostrando uma enorme cicatriz atravessando o peito. Então, apareceu no David Letterman para explicar o que lhe havia acontecido, lançando algumas piadas durante a entrevista. “Percebi que falta de ar é mais ou menos um código para problemas cardíacos”, admitiu. “Assim como exaustão é sinal de alcoolismo. Vou me internar no Betty Ford por exaustão. Vou tirar uma soneca!” “Tenho uma queda por bebida. Fui subir um lance de escadas e, de repente, me dei conta: “Estou velho”. Mas havia algo errado, aí fizeram um teste de estresse e eu andei na esteira. Tenho uma válvula nova e uma válvula reparada. É uma válvula de vaca, e pastar tem sido divertido. E também faz queijo. É do coração de uma vaca. Eles dão uma escolha: você pode ter a válvula de um porco e acabar pegando fungo ou a válvula de uma vaca. As válvulas mecânicas duram muito mais. São legais, mas, se alguém usar o controle remoto, você pode acabar soltando um pum.” E acrescentou: “Isso o leva a apreciar as pequenas coisas, como respirar”. Aquele era o bom e velho Robin. E, com isso, ele caiu na estrada outra vez. “Tirei três meses de folga e, depois desses três meses, pensei: ‘Acho que dou conta’”, contou ao Star Adviser. “Certa noite, entrei no palco um pouco mais cedo, um ou dois meses após o período de recuperação. Fiquei sem fôlego e pensei: ‘Não estou pronto, não estou pronto. Alerta’. Então, depois de três meses, pensei: ‘Não, eu consigo’. Estou um pouco mais lento do que costumava ser, mas não muito. Apenas algumas pessoas percebem, mas você fica um pouco mais lento.” Robin passaria uma boa parte do tempo em turnê, com o show inevitavelmente sendo exibido como especial na HBO. E, embora reclamasse da qualidade dos trabalhos que lhe eram oferecidos, os filmes continuavam surgindo. E não seria justo dizer que todos eram ruins: “Tenho participado de filmes menores”, contou ao New Zealand Herald. “É bom fazer filmes pequenos, mas eles não pagam as contas. Literalmente. Você pode fazê-los, e é ótimo fazê-los, e realmente me sinto orgulhoso deles, mas não pagam as despesas. O cara com quem fiz o último filme, Bobcat Goldthwait, o diretor, também é ator de comédia… Ele precisa fazer shows em clubes. Eu estou fazendo minhas apresentações em auditórios. Nós dois estamos ganhando dinheiro do jeito antigo.” E lhe foi perguntado o que ele achava dos insucessos: “Você não pode lamentá-los. Tem alguns trabalhos que você olha e diz: ‘Talvez eu não devesse ter feito isso’. Mas já fez. Algumas coisas são maravilhosas, outras não são tão boas, e com relação a outras ainda você diz: ‘Nossa!’. E, em geral, as que não funcionaram foram aquelas em que alguém disse: ‘Isso aqui vai ser um sucesso’. Essas são as mais assustadoras, porque você entrou nelas pelo motivo errado – para ganhar muito dinheiro”. Aí estava, mais uma vez, a referência ao dinheiro. Apesar de toda a especulação inicial após sua morte, aparentemente ele não estava passando por dificuldades financeiras, por mais que os divórcios tivessem lhe custado caro – no mínimo porque ele ainda tinha alguns filmes a serem lançados. Muito mais provável, contudo, é a possibilidade de Robin estar se tornando obcecado pelo medo de o dinheiro acabar (o que é algo totalmente diferente) e por isso ele abordava tanto o assunto. Quando se entra em um período de escuridão, tudo parece sem esperança, mesmo que Robin ainda não estivesse em uma situação tão feia assim. O filme que ele estava fazendo com Goldthwait era, de fato, um enorme retorno à forma. Os dois fizeram O Melhor Pai do Mundo, que estava em pé de igualdade com alguns de seus melhores filmes do passado e lhe rendeu as melhores críticas em anos. Sendo uma produção de baixo orçamento, foi exibido em poucos cinemas, mas mostrou Robin em sua melhor forma, muito distante de seu material mais sentimental. Era uma comédia de humor negro – e bota humor negro nisso. Robin está no papel de Lance, um professor de literatura inglesa que é exatamente o oposto de seu personagem em Sociedade dos Poetas Mortos, tendo em vista que dava aulas de poesia que todos os alunos detestavam. Romancista fracassado, desesperado para ter uma obra publicada, Lance é pai solteiro de um filho mal-educado, Kyle (Daryl Sabara) e se vê em um relacionamento com uma colega de trabalho, uma professora que também saía com um professor consideravelmente mais bem-sucedido do colégio. Certa noite, Lance volta para casa e descobre que Kyle se matou acidentalmente em um ato de autoasfixia erótica e, para evitar uma marca de constrangimento sobre a memória do filho, o pai faz parecer que o jovem se enforcou de uma maneira mais tradicional, além de forjar uma carta de suicídio. Essa carta alcança um status cult no colégio, assim como o diário de Kyle, também forjado por Lance. Então, o professor percebe uma mudança: seus alunos passam a respeitá-lo e ele também aparece na TV, uma vez que a mídia se mostra cada vez mais interessada na história. A única pessoa que desconfia de algo é Andrew (Evan Martin), amigo de Kyle, que acha que a comovente nota de suicídio e o diário não são nada característicos de seu amigo. Quando o diretor anuncia que a biblioteca da escola receberá o nome de Kyle, Lance não consegue aguentar mais e confessa o que fez. Embora repudiado por todos, ele agora está livre. A obra definitivamente não se parecia em nada com Patch Adams, mas marcava um verdadeiro retorno à forma. Se Williams tivesse se apegado a filmes como esse, certamente teria de suportar muito menos críticas do que algumas de suas escolhas geraram, porque as pessoas simplesmente amaram a obra. Porém, como ele mesmo admitiu, filmes assim não geravam dinheiro. O Melhor Pai do Mundo foi exibido no Sundance Film Festival, em Utah. “Deliciosamente perverso, uma comédia muito original que aborda amor, perda e nossa curiosa busca pela infâmia”, foi o veredicto. E Robin se viu recebendo elogios por sua excelente atuação. De acordo com os críticos, o filme era “brilhante”, “genial”, “um dos melhores do ano”. “Uma comédia assustadoramente excelente sobre os poderes das relações públicas póstumas positivas. Um dos filmes de 2010 que todos deveriam assistir”, escreveu Catherine Bray. “O ritmo de Goldthwait é incerto, e seu humor com frequência não funciona, mas a sensação de provocação arriscada é hipnotizante”, opinou Anthony Quinn do The Independent. E a mensagem estava clara: Williams ainda tinha o que era necessário para fazer comédia. Só precisava escolher seus outros projetos com mais cuidado. Porém – e aqui temos um grande porém –, o filme não foi um estrondoso sucesso, quase certamente por conta do tema. Goldthwait inicialmente listou Robin como amigo, não como possível ator principal, para ver se conseguia levar o filme a ser rodado. “Eu li e disse: ‘Deixe-me ver se consigo ajudá-lo a produzir isso’. Porque quando ele fez Um Palhaço Suspeito, fiz Jerry como favor, e foi mais ou menos como: ‘Deixe-me ver que papel posso fazer’. E depois pensei ‘Não, isso aqui é muito bom’.” Entretanto, Williams estava ciente de que o filme abordava um assunto delicado. “Enfrentar a perda de um filho, não consigo nem imaginar… É algo bem difícil de pensar. Mas o roteiro era destemido e tínhamos que seguir por esse caminho. Você não pode ser volúvel com relação a isso. Não pode pensar: ‘Ei, meu filho era um idiota. Ele morreu. E daí?’. Não pode seguir por esse caminho.” E havia a cena em que ele tinha de arrumar o local do suicídio… “Sim, e limpar a sujeira deixada pelo filho. E tentar e… bem, fechar o zíper dele e se livrar de todo tipo de evidência. Você pensa: ‘Certo, como vamos fazer isso, pessoal?’” As coisas pareciam estar melhorando. Robin tinha uma nova esposa, Susan Schneider, que ele havia conhecido em uma Apple Store. “Eu estava usando uma calça camuflada e ela disse: ‘Essa camuflagem aí está funcionando?’. Eu respondi: ‘Funcionando muito bem, já que você percebeu’. Tive uma sensação estranha e falei: ‘Sei que isso soa como uma cantada barata, mas acho que a conheço de algum lugar’. E ela disse: ‘É, eu também’. Aí percebemos que tínhamos o tema da sobriedade em comum”, ele contou à People. Eles se conheceram em 2009, pouco antes de Robin descobrir que precisaria passar pela cirurgia, e Susan, uma designer de San Francisco, mostrou-se uma protetora, cuidando do ator enquanto ele se recuperava. Quinze anos mais jovem e 12 centímetros mais alta, ela também era pintora e trouxe muito da tão necessária felicidade à vida de Williams. O relacionamento ficou sério muito rapidamente: eles se casaram em 2011 no Meadowood Resort, em St. Helena, Califórnia, e passaram a lua de mel em Paris. Williams parecia ser um homem que precisava de companhia feminina: ele nunca teve o menor problema para atrair mulheres, mas precisava de algo mais estável do que envolvimentos casuais que não significavam nada. “Não, Apple. A-P-P-L-E Store. Nós dois estávamos em busca de tecnologias estranhas e nossos olhos se encontraram e nos casamos no mês passado, o que, considerando meu histórico, é mais ou menos como levar uma vítima de incêndio a uma queima de fogos de artifício”, ele disse em outra ocasião ao Daily Telegraph. O casal agora vivia na antiga casa da mãe de Robin. “Já passei pela experiência de viver no rancho, agora estou vivendo perto da água, onde posso praticar caiaque e paddleboard e passar horas na floresta com minha bicicleta. É minha forma de pensar no tempo, e é muito terapêutico. Também tenho um pug gay adotado chamado Leonard, que levo para passear porque estou muito seguro da minha sexualidade. Ele tem namorado e os dois estão planejando adotar um gato siamês. Somos muito modernos.” Era uma nova família. Não precisa ser nenhum psicólogo para imaginar que Robin certamente estava tentando substituir a família que havia perdido. Todavia, ele continuava preocupado com o dinheiro. “Nunca me chamaram para aparecer no I’m a Celebrity… Get Me Out of Here!”, brincou. “Então acho que ainda não cheguei ao fundo do poço na carreira”, falou ao Daily Telegraph. “E digo mais: eu nunca participaria desse programa. Jamais. Não sei lidar com cobras nem dançar. Sou um dançarino tão ruim, aliás, que só conseguiria aparecer no Teleton para levantar dinheiro para pessoas com problemas: ‘As linhas estão abertas. Dê-nos dinheiro e NÓS O FAREMOS PARAR.” Robin parecia ter confundido I’m a Celebrity… Get Me Out of Here! com A Dança dos Famosos, mas o humor ainda estava lá. A estabilidade recentemente restabelecida em sua vida particular combinada com o fato de que ele vinha fazendo alguns filmes decentes aparentemente fizeram Williams se abrir à possibilidade de correr um risco. Anos haviam se passado desde a montagem nada bem-sucedida de Esperando Godot no Lincoln Center, mas, em 2011, ele pisou no palco uma vez mais na peça Bengal Tiger at the Baghdad Zoo, de Rajiv Joseph, no Richard Rodgers Theatre, sua estreia na Broadway. A esposa de seu empresário, David Steinberg, havia lhe apresentado a peça. Com uma barba enorme (uma aparência que ele ostentava com frequência nessa época), Robin fez o papel do tigre guardado por dois soldados americanos nos primeiros dias de guerra no Iraque. O animal conversa com o público e continua conversando depois que um soldado é morto por um tiro. Bengal Tiger at the Baghdad Zoo foi uma peça corajosa, e um homem corajoso aceitou o papel. Mais uma vez, Robin colheu excelentes críticas. “Mas o sr. Williams, comediante dos cinemas que às vezes leva um traço piegas aos filmes, nunca satisfaz a fome do público por demonstração de invenções ou alfinetadas humorísticas”, escreveu Charles Isherwood no The New York Times. “Ele cria uma performance de inteligência aguçada e integridade, incorporando o animal que se torna a consciência questionadora da peça, com uma mordida selvagem que nunca se afrouxa.” Muito melhor, de fato, do que as críticas a Godot. Mais uma vez, Williams recebia os elogios profissionais que tanto desejava. “A peça bateu fundo em mim, é muito forte”, confessou Robin ao New York Times. “Eu a li e logo fui dizendo: ‘Estou dentro. Posso me envolver com ela e criá-la desde o zero’. E sou suficientemente peludo para ser o tigre, o que é bom. Na maior parte do tempo, a maioria dos personagens são, para ser bem direto, fantasmas. Quero dizer, não pretendo estragar a experiência de ninguém, mas logo de cara você está no Iraque e tem vários fantasmas andando, conversando e ganhando mais consciência conforme a peça se desenvolve.” Como se sabe, Robin havia visitado o Iraque para entreter as tropas americanas. “Da última vez em que estive [no Iraque] fiquei no pavilhão de caça de Uday [filho de Saddam Hussein], embora a única coisa que ele caçasse fossem prostitutas russas”, falou à TIME Magazine em uma entrevista concedida em 2011. “Era como se Hitler tivesse construído Graceland. Era tão brega! Até mesmo os traficantes de drogas colombianos pensariam: ‘Isso é realmente cafona’. Mas meus sentimentos a respeito da guerra envolvem fantasmas. Estive lá recentemente e [tudo estava] acabando. O que você deixa para trás quando tudo acaba? Tem uma fala na peça: ‘Os americanos pensam que, quando alguma coisa morre, pronto, acabou’. Mas, quando você vai ao Oriente Médio, percebe que há uma sensação de que as coisas continuam por ali.” De fato, a peça foi um sucesso e ele recebeu muitos elogios. Mais uma vez, Williams mostrava que ainda estava em forma. Mas aquela insegurança incômoda acerca do dinheiro continuava existindo e, em conjunto com a escolha de vender seu belo rancho no Condado de Marin, Robin decidiu que queria uma renda regular. Ele retornaria para onde tudo começou: uma série regular na TV. “No palco, você fica livre. Pode falar e fazer coisas que, se as falasse ou fizesse em outros lugares, acabaria preso.” ROBIN WILLIAMS CAPÍTULO QUATORZE

AS SOMBRAS CAEM

“Sabe aquela tatuagem de arame farpado que você faz quando tem 18 anos? Quando tiver 80, ela será uma cerca de piquete.”

ROBIN WILLIAMS

Williams continuava se ajustando à nova vida. Seus filhos agora tinham crescido e saído de casa – embora, na esteira do divórcio, eles tivessem ido morar com Marsha. Portanto, em casa era basicamente Robin, Susan e os cachorros. Anteriormente, ele havia desfrutado da vida familiar, mas, mesmo se Williams e Marsha não tivessem se divorciado, a vida estava mudando. Robin ficava cada vez mais velho e a vida começava a seguir em um ritmo diferente. “É mais tranquilo agora”, contou ao MSN Today em 2011. “Vi minha filha, Zelda, ainda há algumas noites. Meu filho mais velho já se casou e meu filho mais novo está na faculdade. É como se eles tivessem deixado para trás a gravidade da Terra e eu os estivesse vendo… ‘Lá vão eles!’ Apenas me sinto orgulhoso. Eu mesmo não tenho diploma universitário, meu pai não tinha diploma universitário, então, quando meu filho, Zachary, se formou, falei: ‘Meu filho tem instrução!’” É claro que o imensamente culto Robin Williams também tinha instrução – e muita! E se sentia orgulhoso dos filhos: “Tenho que dar os créditos à minha ex- mulher, Marsha”, contou à revista Parade. “Ela fez a maior parte desse trabalho. Tentou criá-los e protegê-los, mas não excessivamente. Passei três dias [bebendo] e fiquei praticamente apagado. Agora tenho que estar lá por eles. O mais importante que posso dizer é: ‘Se precisarem de mim, estou aqui’. Zelda vem atuando em filmes menores e escrevendo, o que é maravilhoso. Cody está trabalhando com produção musical. Zachary, casado e trabalhando. Quando se formou na NYU, aquele foi um dos dias mais emocionantes da minha vida. Fiquei muitíssimo orgulhoso dele. Porque eu mesmo não tenho um diploma.” Era estranho Robin agora se tornar tão obcecado por isso: um homem de meia-idade, talvez tivesse chegado a um estágio em que passou a refletir sobre o que poderia ter sido. Enquanto isso, os filmes continuavam brotando. Ele deu continuidade a seu papel em Happy Feet 2 – O Pinguim (2011): “Bem, você precisa fazer melhor do que da primeira vez para valer a pena, e não apenas porque é uma franquia”, contou ao MSN Today. “[O diretor] George [Miller] fez um trabalho bem sério. Depois que ele assistiu, perguntei o que achou, e a resposta foi: ‘Bem, não sei, mas acho que está melhor’. E eu falei: ‘Também acho’. Ele usou tecnologia, performances, tudo, e levou a obra a um novo patamar.” Os improvisos costumeiros também tiveram espaço: “Houve um momento, com Amoroso, no qual comecei a falar em línguas. Fiquei tão alucinado que quase perdi o controle. George disse: ‘Isso é ótimo, continue!’ Expliquei a ele que, se eu continuasse, acabaria desmaiando. Apenas comecei a fazer aquela coisa dos hinos batistas. ‘Hmmmmhmmmmhmmmm.’ Acho que foi isso que levou o pessoal a incluir uma música gospel no filme”. Em seguida, veio outro filme (embora, infelizmente, não tenha sido uma de suas melhores escolhas): O Que Fazer (2014). A história envolve um homem odioso que sofre um acidente de carro e é tão desagradável com a médica no hospital a ponto de ela lhe dizer que ele tem apenas 90 minutos de vida. Ele tenta consertar seus erros em tempo recorde, e a médica, percebendo que talvez esteja errada, passa a correr desesperada, tentando encontrá-lo. As críticas foram impiedosas: “Uma ópera com sentimentalismo excessivo que apresenta os tiques e temas mais melancólicos de Robin Williams”, escreveu Peter Debruge na Variety. “O filme em momento algum consegue descobrir do que quer tratar”, declarou Bilge Ebiri na New York Magazine/Vulture. “O longa é previsivelmente sentimental em sua raiz, mas também tem como propósito ser uma comédia, apoiando-se parcialmente na atuação cheia de energia de Williams. Porém, não consegue atingir esse propósito e se torna uma piada”, escreveu Nicolas Rapold no The New York Times. “Todas as cenas com duas pessoas parecem um vídeo filmado por alguém bêbado em um ensaio teatral que deu terrivelmente errado”, opinou Robert Abele no The Los Angeles Times. “Robin Williams mais uma vez prova que é capaz de, sem qualquer sofrimento, explodir em energia em um piscar de olhos. O problema é que, dessa vez, a conduta de humor frenético é substituída por um desprezo atormentado”, declarou Drew Hunt da Slant Magazine. “Por mais óbvio que Williams pareça nessas cenas, a culpa não é sua. Ele está seguindo um roteiro creditado a Daniel Taplitz e salpicado com floreios mal escritos”, avaliou Jesse Hassenger do AV Club. Caramba! Para um homem bastante sentimental, não deve ter sido nada bom ler essas críticas. Dito isso, junto com as pedradas vieram muitas rosas para Williams. Ele foi convidado ao The Paley Center for Media para participar de uma noite em sua homenagem, patrocinada pela TV Guide. “Nunca me vi como uma lenda”, declarou um Robin bastante admirado. “É um rótulo estranho, como ‘mito’, quando algumas pessoas atrás de você [dizem:] ‘Nós o idolatramos’. Quando comecei na TV, existiam apenas três canais, e agora há centenas deles. E, muito embora essa seja minha primeira vez no The Paley Center, sei que a gente pode vir aqui e assistir programas de TV incríveis do passado.” O diretor Bobcat Goldthwait fez um discurso: “Durante meu brinde no casamento de Robin, chamei sua esposa de boazuda. E fiz uma despedida de solteiro para ele, na qual uma adorável stripper chamada Lady Monster apareceu e colocou fogo em diferentes partes do corpo. Era o mínimo que eu podia fazer por Robin, que sempre ofereceu um ombro para eu chorar quando as coisas estavam ruins. Tivemos ótimos momentos como bons amigos”. Alguns outros filmes de menor escala se seguiram, incluindo Uma Nova Chance Para Amar (2013), no qual uma mulher, Nikki (Annette Bening), se apaixona por um homem que se parece muito com seu falecido marido (Ed Harris). Robin fez o papel de Roger, um amigo próximo que queria algo mais. Como costumava ser, os cineastas ficavam felizes por ter Robin no elenco. “Ele provavelmente é uma das minhas pessoas preferidas com quem trabalhar”, declarou a produtora Bonnie Curtis. “Conheci Robin quando eu tinha 23 ou 24 anos. Fizemos Hook – A Volta do Capitão Gancho (1991) juntos, uma filmagem que levou mais ou menos três anos, então tivemos a oportunidade de nos conhecer muito bem. Chamei Robin porque imaginei que ele entenderia perfeitamente esse personagem.” Ela lhe enviou o roteiro e “ele me telefonou e falou: ‘Bem, agora Ed ficou com a parte boa’. E eu concordei, ‘Sim, é verdade’. E então, Robin disse: ‘Mas eu entendo esse cara. Quero entender Roger, e realmente consigo. Eu adoraria pelo menos tentar’. E foi isso. Robin foi precioso. Ele me disse que se baseou em uma história real ocorrida com sua mãe, que viu um homem exatamente igual ao pai [de Williams] e que isso a afetou. Então, ele começou a construir [o personagem] a partir disso, o que é muito bonito. O tom é muito doce. Ao mesmo tempo, tem uma grande profundidade e tristeza. Essas coisas são muito apaixonadas, muito palpáveis”. Não havia absolutamente nada errado em fazer esse tipo de filme – era um território artístico, com uma trama interessante e que valia a pena –, mas não se tratava de um blockbuster com orçamento generoso, e Williams estava preocupado com o dinheiro. A vida se mostrava deprimente também em outros aspectos. O comediante e ator Jonathan Winters havia morrido recentemente, e Williams prestou belas homenagens ao amigo de uma maneira que, infelizmente, muitos de seus contemporâneos logo prestariam a ele. “Jonathan Winters foi meu mentor. Certa vez, contei isso a ele, que disse: ‘Por favor, eu prefiro ser chamado de ídolo’. Mas eu sabia que era verdade. Soube assim que o vi no Tonight Show, quando Jack Paar lhe passou um bastão. O que aconteceu em seguida foi uma atuação genial. John e aquele bastão se transformaram em uma dezena de personagens diferentes, com direito a efeitos sonoros – um pescador, um matador, Bing Crosby jogando golfe… Ele era comédia na velocidade do pensamento, e eu me vi totalmente hipnotizado.” “Vinte anos mais tarde, tive a oportunidade de fazer o papel do pai de Jonathan em Mork & Mindy. Suas participações no nosso programa foram como pequenos filmes épicos. Às vezes, eu entrava e improvisava com Jonathan. Era como dançar com Fred Astaire. Ele sempre fazia aflorar o seu melhor.” “A beleza de Jonathan estava no fato de ele ser uma criança grandiosa e maravilhosa que nunca cresceu, e o mundo era seu parque de diversão. Em abril, Johnny apagou as luzes, mas certamente brilhou com um fulgor fortíssimo enquanto ainda estava aqui. Obrigado pela faísca, garotão.” Essa, todavia, não era a única notícia triste. Robin continuava fã das pedaladas, mas agora seu amigo Lance Armstrong havia se metido em um escândalo envolvendo doping quando foi descoberto que vinha usando drogas. “Acabei me envolvendo [com o ciclismo] porque não podia mais correr”, Robin contou em 2013 à Parade. “Eu adorava correr, mas, de repente, passei a sentir muitas dores. Comecei a pedalar quando Zelda nasceu. Quando conheci Lance, eu já era fã do ciclismo. Fui a cinco Tours de France e acompanhei sua equipe. Por isso fiquei tão entristecido quando [o escândalo do doping] aconteceu.” Se Robin se sentiu traído? “Não foi apenas com Lance. [A maioria] da equipe usava doping. Eu não o vejo desde um dos últimos eventos da organização Livestrong, acredito que pouco antes da entrevista com a Oprah. Foi realmente um despertar de alguém que ainda estava vivo, essa sensação geral de que o sonho tinha chegado ao fim.” O mundo da TV estava em alvoroço. David E. Kelley, o homem por trás de clássicos televisivos como Picket Fences, Chicago Hope, O Desafio, Ally McBeal e Justiça Sem Limites estava prestes a lançar uma nova série, The Crazy Ones, sobre um homem chamado Simon Roberts que trabalha no meio publicitário com sua filha, Sydney, em uma agência de Chicago chamada Lewis, Roberts + Roberts. Havia uma ansiedade particular porque o ator que faria o papel de Simon seria ninguém menos do que Robin Williams. O personagem havia sido escrito especificamente para ele. Era a primeira vez que Robin aparecia em um seriado de TV desde Mork & Mindy, 32 anos antes. A atriz no papel de Sydney era Sarah Michelle Gellar, certamente um nome considerado grande. Assim que ela ouviu que Williams estaria na nova série, telefonou para uma amiga, Sarah de Sa Rego, que era casada com Bobcat Goldthwait, para dizer que queria fazer o papel de Sydney. Gellar admitiu que passou a “perseguir” Robin: “Até telefonei para o melhor amigo dele e disse: ‘Preciso estar nessa série. Por favor, diga ao Robin!’. Fiz isso mesmo”, ela contou. Seu desejo foi atendido: “Ele é uma lenda! Pense nisso: melhor ator de stand-up de todos os tempos, vencedor do Oscar e o homem mais gentil do planeta”, acrescentou. “É como se Gandhi fizesse stand-up!”, respondeu Robin. Como haviam feito muitos antes dele, Williams usou a TV como uma plataforma para a carreira cinematográfica. Então, voltar para a televisão parecia equivalente a dar um passo para trás? Certamente não havia motivos para se sentir assim. Era cada vez mais comum ver grandes astros do cinema aparecerem na TV – Alec Baldwin, por exemplo, havia sido uma revelação do Um Maluco na TV da NBC. E David E. Kelley era um dos maiores nomes da TV. Não havia nenhum motivo para surtar. “Precisávamos de um ator capaz de transmitir genialidade, insanidade e comédia misturados com humanismo”, Kelley contou à Parade. “Robin foi a primeira e única escolha.” Robin Williams certamente estava se divertindo. Temporariamente vivendo com Susan em Los Angeles, ele soava bastante animado. “É legal”, disse à Parade. “Estou me divertindo muito aqui com Sarah. É uma mulher doce. E a ideia da relação pai-filha… Como tenho uma filha, já fiz minha pesquisa sobre o assunto. Você sabe, o orgulho e tentar ajudá-la ao longo do caminho, mas, ao mesmo tempo não ajudar tanto e permitir que ela aprenda.” Mas havia outra coisa da qual ele também gostava: “A ideia de ter um emprego fixo e estável é interessante”, comentou com franqueza em 2013. “Tenho duas [outras] escolhas: cair na estrada fazendo stand-up ou trabalhar em filmes pequenos e independentes e receber o pagamento mínimo. Os filmes são bons, mas muitas vezes sequer são distribuídos. Tenho contas a pagar. Minha vida teve suas dimensões diminuídas, de uma forma positiva. Estou vendendo o rancho em Napa. Não, não consigo mais bancar tudo isso.” O rancho não foi vendido – continuava à venda após a morte do ator –, mas havia um tom de infelicidade na base de tudo isso. E, embora Williams sempre tivesse lutado, essa infelicidade surgia na forma de um humor maníaco, e não como a sensação de extrema infelicidade. “É a ideia de você hoje estar no topo e amanhã não estar mais”, contou. “Quando você está no topo, as pessoas se jogam na sua direção. Certa vez, fui parado por um policial: ‘Oi, sr. Williams, não vou multá-lo, mas tenho uma ideia para um filme’.” E quando você não está no topo? “As pessoas se distanciam de você.” Ele soava bastante desolado. Mesmo assim, estava preparado para dar tudo de si. Seu personagem Simon era “um cara capaz de vender qualquer coisa. Capaz de vender até frappuccinos para a Starbucks. Conseguiria vender nuvens para Deus. Simon é um cara com muita nuance. Leva uma vida complicada e está no limite há algum tempo. Casamentos múltiplos, reabilitação, até mesmo reabilitação em Wine Country. Acredite, já fiz esse laboratório pessoalmente”. A ideia era que Simon havia se casado e divorciado algumas vezes, negligenciando Sydney ainda criança, e agora tentar recompensá-la como adulta (embora ela já tivesse provado que sabia ser independente). Simon era o maníaco cômico, enquanto Sydney era a comportada. Havia outros personagens regulares, no mínimo para oferecer a Sydney um pouco de amor e interesse e para envolvê-la em um espírito de competição. Pam Dawber, também conhecida como Mindy, fez uma aparição como convidada perto do fim da temporada: era a primeira vez que ela e Robin apareciam juntos desde os tempos antigos. E a nova série funcionou? Na verdade, apesar de os elementos essenciais estarem ali presentes, a resposta é não. Todos os envolvidos alegaram estar nervosos. O Zapzit perguntou a Robin como ele e Sarah se relacionavam. “É tudo muito legal”, ele disse. “Acho que no primeiro dia fomos muito sinceros. Eu me aproximei e disse: ‘Estou com um pouco de medo’. E ela respondeu: ‘Eu também’. Eu sabia que não havia público, o que afastou a pressão, e aí começamos a trabalhar.” E quanto a James Wolk, que fazia o papel do redator mulherengo Zach Cropper? “Ele é muito bom”, argumentou Robin. “Para ele, é bom se libertar e ser o mais louco e mais engraçado que puder ser e fazer o papel de um garanhão. ‘Você dormiu com ela?’ ‘Ainda não.’ ‘Está bem, legal.’ E eles também podem conversar comigo e debater ideias e colocar James no papel cômico que lhe é designado, o que é maravilhoso.” E os atores mais novos se sentiam intimidados pelos improvisos de Robin? “Ah, não. Eles me acompanham. Aliás, são até mais rápidos do que eu”, afirmou Williams. “São tão rápidos quanto, ou até mais ágeis. Para mim, com 62 anos agora… É por isso que preciso encontrar o ritmo, a velocidade. No final do piloto, eu pensei: ‘Certo, ah, acabou… Agora eu preciso voltar à forma, encontrar o personagem, encontrar os momentos. Quão engraçado a gente pode ser?’” Entretanto, a história não havia terminado. As críticas foram, para dizer o mínimo, diversas. “Williams não consegue não lançar mão de seus antigos truques ocasionalmente – vozes de desenhos animados, caretas, jogos de palavras –, mas há uma quantidade suficiente de pathos em sua performance como o parcialmente palhaço, parcialmente gênio Simon Roberts, e o veterano da comédia compartilha uma química calorosa e genuína com Gellar, sua filha na série”, avaliou Morgan Jeffery do Digital Spy. Enquanto isso, Rob Owen, do Pittsburgh Post-Gazette, mantinha a mente aberta: “Se The Crazy Ones vai resistir como série ao longo do tempo, essa é uma questão que permanece aberta, mas o piloto apresenta charme e humor suficientes para garantir considerações acerca do futuro”. Ross Bonaime, do Paste, foi bem direto: “Não sei como fazem algo assim, mas The Crazy Ones continua sendo uma das comédias mais entediantes com um dos elencos mais incríveis no ar atualmente. Todo o programa é um porre. Também dá a sensação de que ele existe em um vácuo, com nada nos episódios anteriores tendo qualquer efeito no que vem depois. Não existem arcos de história, nem uma ligação real entre os personagens”. “Com criação e produção executiva de David E. Kelley, The Crazy Ones apresenta Williams como Simon Roberts, um gênio da publicidade, enquanto Gellar faz o papel de Sydney, sua filha, que por acaso também é parceira de negócios”, escreveu Kelly West no Cinemablend.com. “Robin é cheio de energia e louco, exatamente como se esperaria dele, ao passo que Sydney é um pouco mais reservada, nem sempre ansiosa por seguir o caminho do pensamento rápido e comportamento duvidoso de seu pai.” O Boston Herald foi provavelmente o que chegou mais perto da realidade, declarando: “Williams parece exausto”. Considerando que a cascata constante de filmes de forma alguma secou, Robin devia realmente estar cansado. Agora com mais de 60 anos, até mesmo esse super-homem cheio de energia tinha seus limites. Porém, também havia a sensação de que ele começava a desistir. Tinha passado por alguns anos bastante complicados, e a depressão que nunca se afastava parecia mais uma vez escravizá-lo. E ainda pior: de acordo com algumas pessoas, Robin tinha voltado a beber. Uma cena foi filmada em um famoso restaurante chamado Wolfgang Puck, em Beverly Hills, onde o elenco costumava se encontrar. “Robin insistiu em uma bebida de verdade”, declarou uma fonte. “Ninguém o tinha visto beber antes disso. Um drinque levou a outro, mas pareceu acalmá-lo.” Se verdadeira, essa não era uma boa notícia: Robin não estava apenas bebendo outra vez, mas sequer tentava esconder o fato. Quando saiu dos trilhos em 2003, pelo menos se esforçava para esconder o que fazia, dizendo aos baristas que estava comprando drinques para outra pessoa. Agora, dez anos depois, não parecia se importar com o fato de as pessoas saberem. Existiam também outros problemas. Williams havia sido contratado por ser engraçado e saber improvisar, mas, quando começou a fazer seus improvisos e gracejos no set, começaram a surgir rumores de que os outros envolvidos não conseguiam suportar aquilo. Dizia-se que Sarah Michelle Gellar, em particular, tinha dificuldade para trabalhar desse jeito, embora devamos deixar claro que ela nunca tenha dito uma palavra publicamente e que, aliás, mostrou-se muito abalada ao saber da notícia da morte de Williams. E a realidade era diferente daquela dos dias de Mork & Mindy. Naquela época, Robin era um homem de 20 e poucos anos, extremamente ambicioso e charmoso, com vontade de deixar sua marca. Agora tinha mais de 60 anos, e o que uma pessoa faz com 20 anos não necessariamente funciona várias décadas depois. Ele mesmo reclamava da falta de química do elenco, e o sentimento era recíproco. Houve comentários entre os atores sobre a necessidade e as tentativas de Robin de sempre querer ser o centro das atenções. Mais uma vez, isso havia funcionado com Mork; Simon, no entanto, era diferente. Williams também irritou muita gente ao levar seu pug, Leonard, ao set. “Ele o levava para todos os cantos”, revelou uma fonte. “Quando não estava filmando uma cena, estava abraçando, acariciando e agradando o cachorro.” Algumas pessoas achavam isso incômodo; a atenção de Robin parecia estar em outro lugar. De modo geral, o programa se transformava em uma experiência infeliz, e isso se refletia na audiência. A atração começou com 15,52 milhões de expectadores – a estreia de maior sucesso naquele outono –, mas esse número caiu para apenas 5,23 milhões no último episódio. Williams foi indicado para vários prêmios por seu papel, mas não se viu contemplado por nenhum deles. Sarah Michelle Gellar, por outro lado, recebeu o People’s Choice Award na categoria de Atriz Favorita em uma Nova Série de TV – o que talvez tenha sido irritante. Em maio de 2014, foi anunciado que a série havia sido cancelada. Então, assim foi a volta de Robin à TV. Não foi exatamente o retorno glorioso que todos esperavam. E, para um homem que já estava tendo dificuldades em enfrentar a realidade, esse foi um golpe devastador. Em julho do mesmo ano, Robin voltou à reabilitação. Publicamente, foi negado que ele tivesse sofrido uma recaída. “Após trabalhar ininterruptamente em diferentes projetos, Robin está apenas aproveitando a oportunidade para recuperar o foco e se concentrar em seus compromissos contínuos, dos quais ele continua se sentindo extremamente orgulhoso”, dizia uma declaração. Porém, estava claro para aqueles à sua volta que havia alguma coisa muito, muito errada acontecendo. Robin Williams há anos vinha se mostrando atormentado com sua carreira no cinema, seu retorno à televisão não havia funcionado e, de acordo com alguns, ele estava enfrentando fortes dificuldades para ficar longe da bebida. Tendo passado toda uma vida lutando contra seus demônios, eles agora o sobrepujavam. E, quando as pessoas chegam a esse ponto, elas já não percebem que podem contar com o apoio da família. Conforme sua filha viria a comentar, Robin simplesmente não se dava conta de quanto era amado.

“A realidade é apenas uma muleta para as pessoas que não conseguem lidar com as drogas.” ROBIN WILLIAMS CAPÍTULO QUINZE

EPÍLOGO: UM GÊNIO DA COMÉDIA

“Você vai passar por momentos ruins, mas sempre vai acabar percebendo coisas boas às quais não prestava atenção.”

ROBIN WILLIAMS

Ninguém é capaz de dizer o que leva uma pessoa ao limite. Robin Williams havia afundado em um terrível abismo, mas, embora os contratempos da carreira sem dúvida tivessem um papel, ele vinha enfrentando a depressão durante toda a vida. Preocupações com saúde e dinheiro não ajudavam, mas o que aconteceu a Williams foi resultado de uma luta que se estendeu durante toda a vida, e não uma série de contratemos que o deixaram entristecido. Por fim, até mesmo aqueles que afirmavam desgostar de Robin Williams em seu apogeu ficaram abalados ao descobrirem o que tinha acontecido. Porém, Robin mudou a cara do entretenimento. Pode ter feito alguns filmes duvidosos, mas também realizou trabalhos grandiosos que se tornaram parte de nossa cultura popular. Até mesmo Mork & Mindy, um programa de TV leve, é mencionado com carinho por toda uma geração. E ele era o maior nome do stand-up de seu tempo, um artista contra quem ninguém podia sequer tentar pensar em competir, alguém que levava plateias inteiras a chorar de rir. Entretanto, ter energia para fazer isso sempre mexia com seu lado mais obscuro. E, de certa forma, sua tentativa de controlar esse lado mais feroz quase pode ser vista como algo que acabava o diminuindo. “Foi uma série de eventos”, ele relatou à Rolling Stone já em 1991. “Com Bom Dia, Vietnã, as pessoas disseram: ‘Ah, finalmente ele encontrou uma forma de ser engraçado e, ao mesmo tempo, um pouco comedido’. Com Sociedade dos Poetas Mortos, elas passaram a dizer: ‘Ah, isso é interessante… Ele está ainda mais comedido’. E, com Tempo de Despertar, será algo como: ‘Veja! Esse cara está tomando remédios! Foi ainda mais longe! O que vai acontecer em seguida? Ele vai fazer o papel de uma porta. E depois disso? Um buraco negro’.” Sem querer bancar a psicóloga amadora, esse buraco negro foi onde ele por fim caiu, assim como uma série de outros comediantes de destaque que finalmente se viram engolidos por um mundo que não sabiam enfrentar. Robin com frequência era acusado de ser excessivamente sentimental; é possível, mas “sensível demais” parece uma descrição mais apropriada. “Williams parecia ter uma habilidade e uma vulnerabilidade sobrenaturais para assumir tantos personagens”, falou Dwight DeWerth-Pallmeyer, professor de comunicação da Widener University em Chester, Pensilvânia, ao Christian Science Monitor. “Intelectualmente, era capaz de entrar nos personagens com uma nuance que refletia tanto a profundeza desses personagens quanto a inteligência do próprio Robin Williams.” Mas fazer isso obviamente o tornava ainda mais vulnerável: se estava dando vida a um personagem problemático, Robin tinha de se sentir problemático. E ele já era muito problemático. O ator nunca deixou de fazer o papel de adulto infantilizado porque ele mesmo nunca deixou de ser um adulto infantilizado. Até mesmo suas atividades decididamente adultas, o uso de drogas e períodos de promiscuidade eram fruto de uma necessidade interna. Como sabemos, Robin passou por muitos períodos ruins na vida, mas nunca foi um homem ruim. “Também havia um humanismo profundo em seu trabalho, uma compreensão do que significava ser diferente, de como todo mundo tem um lado generoso e criativo – ele compreendia e explorava totalmente o impulso que o ligava a outras pessoas em um nível muito básico, algo que os maiores artistas sabem enxergar para discutir grandes verdades”, avaliou Derek A. Burrill, professor associado de Estudos Midiáticos e Culturais da University of California em Riverside, Califórnia, em uma entrevista ao Christian Science Monitor, comparando Robin Williams a Tom Hanks, Bill Cosby, Peter Sellers e Richard Pryor – “aquele algo especial”. Williams também mudou a cara do stand-up, tornando-se um personagem muito importante na crescente cena da comédia de San Francisco e dando início a um estilo de improviso que jamais havia sido feito antes. Ele influenciou toda uma geração de comediantes, inclusive Jim Carrey, que, no início da carreira, imitava Mork. E Robin realmente elevou o nível da comédia: poucas pessoas podiam alcançar seu nível de energia e senso de anarquismo. Seu legado inquestionavelmente permanece. E, no fundo, toda essa agonia acerca da carreira não era necessária: Robin era um dos mais bem-sucedidos atores de sua geração. De acordo com a Box Office Mojo, seus filmes produziram um total de 3,2 bilhões de dólares nos Estados Unidos e 5,2 bilhões de dólares ao redor do mundo. Ele participou de 13 filmes que geraram mais de cem milhões de dólares nos Estados Unidos – o que é muito bom para os padrões até mesmo dos mais exigentes. E certamente teria recebido ainda mais com as vendas e locações de DVDs. Os papéis principais podiam ter deixado de aparecer, mas ele permaneceu no topo por 30 anos, muito mais do que a maioria dos atores. Muitos jovens comediantes que conseguiram passar alguns anos como principal atração do momento agora já foram esquecidos, mas Robin certamente não o foi, como ficou óbvio com a reação das pessoas à sua morte. O status de Williams como ator hollywoodiano influente foi confirmado pelo fato de que, quando da sua morte, em 11 de agosto de 2014, ele ainda tinha três filmes a serem lançados: A Merry Friggin’ Christmas (sobre um pai alienado e seu filho caindo juntos na estrada), Uma Noite no Museu 3 (no qual repetia o papel de Theodore Roosevelt) e Absolutely Anything (uma história de ficção científica estrelando Simon Pegg e Kate Beckinsale, na qual Robin dá voz a um cachorro chamado Dennis). Também existe um filme de arte chamado Boulevard, que, até o momento da escrita deste livro, não tem data de lançamento. As conversas intermináveis sobre a possível sequência de Uma Babá Quase Perfeita também haviam sido retomadas – todavia, após a morte de Williams, é provável que tenham deixado de existir. O diretor Chris Columbus deu uma declaração à Variety após a morte de Robin: “Suas performances eram diferentes de qualquer coisa que qualquer um de nós tenha visto; elas vinham de um lugar espiritual, de outro plano. Ele realmente era uma das poucas pessoas que merecem o título de ‘gênio’.” Considerando esse cenário, aparentemente as dificuldades financeiras estavam todas na cabeça de Robin – talvez em decorrência do fato de ele estar envelhecendo. Estava na casa dos 60 anos – o que não é muito hoje em dia, mas, em Hollywood, sempre há a busca pelo novo, e Robin já não era novo. Entretanto, era original, um homem enormemente talentoso, capaz de ir desde o stand-up até a atuação séria. E, além de tudo, era um ser humano bondoso e generoso. O lendário Robin Williams pode não estar mais conosco, mas sua estrela continuará brilhando por muitos anos.

“Mas apenas nos sonhos o homem a liberdade alcançará. Assim nunca foi e assim nunca será.”

JOHN KEATING (ROBIN WILLIAMS), SOCIEDADE DOS POETAS MORTOSOS (1989) Confira nossos lançamentos

Nem todo conto de fadas tem um final feliz. Esta é a história de uma princesa que se tornou vilã…

Como princesa de um palácio no País das Maravilhas e futura Rainha de Copas, os dias de Dinah são uma monotonia sem fim. São muitos chás, tortas e uma série de humilhações causadas pelo Rei de Copas, seu pai. O momento mais esperado de seus dias é quando é visitada por Wardley, seu melhor amigo de infância, o futuro Cavaleiro de Copas – e o amor de sua vida. Quando a coroação de Dinah se aproxima, uma sequência de eventos sangrentos sugere que algo errado está acontecendo nos extravagantes salões do palácio. A princesa terá de desvendar esses mistérios antes que ela perca a cabeça para um inimigo sagaz e sem rosto. Personagens conhecidos como o Gato de Cheshire, o Coelho Branco e o Chapeleiro Maluco fazem parte da narrativa que encantará os leitores com uma nova perspectiva do País das Maravilhas, criado por Lewis Carroll. Da mesma autora de Jogando Xadrez com os Anjos, chega este novo romance que promete encantar o leitor da primeira à última página.

Eles têm uma última chance de salvar suas vidas…

Cátia, após quase acabar com a própria existência, mergulhada em uma vida de vícios e erros, acorda em um local misterioso, em uma caixa dourada presa aum espelho repugnante. Em meio a uma cidade estranhamente maravilhosa e conhecendo um amor mais forte que a própria vida, ela tem a última chance de encontrar a cura para o seu coração manchado e aprender a amar incondicionalmente. Descubra o que é o Santuário, o clarão dourado e o templo onde a rosa flutua… Corações em Fase Terminal é uma história fascinante, da busca pela magia da vida e pela cura das feridas do passado. Daniela Sacerdoti é a autora best-seller de Watch Over Me, que vendeu mais de 450.000 cópias. Ela nasceu e foi criada na Itália, mas viveu na Escócia nos últimos dez anos. É formada em Cultura Clássica pela Universidade de Turin e dá aulas de Italiano, Latim e Grego. Em Deixe-me ir, seu segundo romance, a autora conta a história de Inary Monteith, uma editora que vive em Londres. Quando a irmã caçula encontra- se entre a vida e a morte, as coisas se tornam mais difíceis para Inary do que ela poderia imaginar. Após dormir com Alex, seu melhor amigo, ela o deixa de coração partido e viaja às pressas de Londres para a Escócia para cuidar da irmã doente. Em sua cidade natal, Inary tem de lidar com emoções intensas e lembranças dolorosas das quais tenta fugir. Enquanto procura se esquivar dos sentimentos confusos que sente por Alex e redescobre seu passado ao lado da família, ela misteriosamente perde a voz e readquire um sexto sentido da infância: a capacidade de ver espíritos. E quando uma voz do passado fica ecoando em sua mente “Leve-me para casa”, ela percebe que para libertar a si mesma é preciso desvencilhar-se dos fantasmas do passado.