JORNALISMO

TV a cabo e a segmentação da comunicação ATÉ O INÍCIO DA DÉCADA DE 90, quem qui ses se assistir televisão poderia escolher entre RESUMO sete canais abertos na freqüência VHF e O presente trabalho discute o aumento da segmentação na mais alguns poucos em UHF, com exceção televisão a partir da tecnologia do cabo e mostra como a das pessoas que tinham antena parabólica audiência tem se posicionado frente ao grande número de em casa. Com a consolidação da TV por canais disponíveis. Para isso, foi realizada uma pesquisa assinatura, essa história mudou. No caso qua li ta tiva – através da técnica de grupo focal – com dois do cabo, objeto deste estudo, o número de pú bli cos dis tin tos: de adultos e de crianças e adolescentes. canais disponíveis aos assinantes varia, che gan do a ser superior a cinqüenta. ABSTRACT O cabo intensifi cou a segmentação, The paper discusses the increasingly segmentation of cable embora essa seja uma tendência tv channels, trying to show how the audiences position registrada também em outros veículos de themselves in relation to that development. In order to do that co mu ni cação. Se gun do Duarte (1996), a qualitative research was performed with two different publics: cada vez mais é ne ces sá rio que haja um adults and children/teenagers. complemento seg men ta do para atender aos interesses do pú bli co em matérias PALAVRAS-CHAVE específi cas. Ou seja, al gu ma segmentação - Segmentação (Segmentation) é observável em todo processo de - TV a cabo (Cable tv) comunicação. - Estudo da audiência (Audience research) As emissoras da TV aberta são pre do mi nan te men te generalistas. A segmentação, nesses canais, acontece principalmente na distribuição da programação de acordo com o horário: na parte da manhã, pro gra mas infantis; à tarde, destinados ao público jovem e feminino, e à noite, novelas, te le jor nais e fi lmes. A TV a cabo intensificou a seg men ta ção por canais e não mais por horários. Quem gosta de desenhos animados pode assisti-los a qualquer hora do dia. O mes mo acon te ce com o público de filmes, te le jor nais, entre outros programas. Para Du ar te (1996), as operadoras de cabo per ce be ram essa ten dên cia dos telespectadores e passaram a conquistar uma porção sig ni fi ca ti va da au di ên cia ao oferecer programas adaptados a nichos específi cos de mercado. Roseane Andrelo De acordo com o Guia de Jornalista e mes tre em Comu ni ca ção pela Unesp/Bauru Pro gra ma ção NET (2001) entre os canais existentes há aque les dedicados apenas

88 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 20 • abril 2003 • quadrimestral Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 20 • abril 2003 • quadrimestral 89 a esportes (SPOR TV e ESPN), a música con so li da-se como um dos alvos (MTV), a com pras (), a desenhos cen trais das práticas mercadológicas.” animados (Car toon), a jornalismo (Globo News e CNN) e a fi lmes (Telecine), entre Já para Youichi Ito (In: CASTELLS, outros te mas. Quem quiser, por exemplo, 1999), há uma evolução de sociedade de passar o dia assistindo a documentários massa para sociedade segmentada, devido sobre ani mais, pode sintonizar a TV no às novas tecnologias de comunicação, Animal Pla net. que enfocam a informação especializada, Outra forma de segmentar a tor nan do a audiência mais segmentada por pro gra ma ção para atender audiências ide o lo gi as, valores, gostos e estilos de vida. específicas diz res pei to aos chamados Françoise Sabbah (In: CASTELLS, “canais ét ni cos”. Esses canais têm 1999, p. 364) entende que audiência bastante res tri ta, li mi ta da basicamente a de ter mi na das co lô ni as “(...) a nova mídia determina uma de imigrantes e seus des cen den tes. É o au di ên cia segmentada, diferenciada caso da Dubai. Outros canais tam bém são que, embora ma ci ça em termos de limitados a quem conhece idi o mas, como o nú me ros, já não é uma audiência de alemão (Deutsche Welle), o italiano (RAI) e massa em termos de si mul ta nei da de e o francês (TV5). Segundo Duarte (1996), uni for mi da de da mensagem recebida. a TVA decidiu incluir o ca nal RAI na sua A nova mídia não é mais mídia de pro gra ma ção pelo fato de que São Paulo mas sa no sentido tradicional do envio apresenta uma população ita li a na maior do de um número limitado de mensagens que a cidade de Milão. a uma audiência ho mo gê nea de Assinantes que estudam idiomas massa. Devido à multiplicidade sus ten tam boa parte do sucesso dos canais de men sa gens e fontes, a própria es tran gei ros. É o que mostra pesquisa feita audiência tor na-se mais seletiva. A por Straubhaar (apud DUARTE, 1996, audiência vi sada tende a escolher p.192): suas mensagens, assim aprofundando sua segmen-tação, in ten si fi can do “As razões oferecidas pelos o re la ci o na men to individual entre o assinantes de TV a cabo, para emis sor e o re cep tor.” assinarem o ser viço, tendem a revelar um motivo ins tru men tal, aprender A quantidade de canais é tamanha inglês, e um mo tivo cultural, conseguir que há um canal para veicular as opções acesso à cul tu ra estrangeira...” de programação que estão no ar, a fi m de fa ci li tar a escolha do telespectador. Moraes (1998, p.197) avalia que as A au di ên cia, por sua vez, também pode re des aber tas ainda têm a massifi cação recorrer a revistas elaboradas pelas como prin ci pal característica, mas ressalta operadoras para saber o que ver em que os veículos de comunicação investem determinado horário. si mul ta ne a men te na fragmentação e no Conforme ressalta Moraes (1997, p. 25), re a grupa men to de consumidores por in te res ses afi ns. “a qualquer momento, os assinantes de te le vi são paga consomem tele- “Se nos anos 80 a segmentação das jor nais, filmes, documentários, ba ses consumidoras prenunciava-se pro gra mas de variedades, como alternativa à homogeneização com pe ti ções es por ti vas, desfiles de gostos pelas indústrias culturais, de modas e de se nhos animados, hoje a chamada hipersegmentação dublados ou legen-da dos, em línguas

88 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 20 • abril 2003 • quadrimestral Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 20 • abril 2003 • quadrimestral 89 as mais va ri a das (in glês, francês, con se qü ên cia “uma televisão de duas espanhol, italiano ou alemão), marchas, ge ra lis ta e pobre de opções para inclusive o por tu gu ês. Cabe ao os públicos po pu la res e uma miríade de telespectador enveredar pe los gui as programas mais in te res san tes nas redes de programação atrás de in for ma ções, temáticas (...)” (1996, p.17). culturas, estilos de vida, mo dis mos, Mas não é apenas na qualidade passatempos e ame ni da des. Os da pro gra ma ção da TV aberta que se cardápios da TV-mundo ten dem a se pautam as crí ti cas do autor. Para ele, a pulverizar ainda mais: com tecnologia frag men ta ção, mais do que gerar novas digital e miniparabólicas ope ran do na formas de or ga ni za ção da televisão, induz banda KU, os canais pro li fe ram em a uma nova relação en tre os indivíduos ra zão geométrica. Hoje, são dezenas, e a co le tivi da de. Ou seja, ela inaugura ama nhã, centenas”. um modo de re a gru pa men to que não é a comunidade no sentido tra di ci o nal, nem Para Almeida (1988, p. 61), o cabo é a aldeia, mas algo mais in di vi du a lis ta. a tec no lo gia do narrow cast por excelência. Wolton acrescenta que a presença, em “A TV a cabo seleciona gostos e hábitos, um mesmo canal, de gê ne ros di fe ren tes, seg men tando audiências de acordo com o como informação e lazer, de sem pe nha con teú do.” “Não se trata de um processo um papel de propiciar a uni da de social e de gue ti fi ca ção da informação, mas cultural, mesmo que a au di ên cia não tenha sim plesmen te a aber tu ra e solidifi cação de consciência disso. Já a TV te má ti ca rompe canais de co mu ni ca ção específi cos.” essa mistura. Wolton (1996, p.7) pensa diferente Ele utiliza a noção formulada por e faz vá ri as críticas ao fato de a TV Du rkheim e usada pela antropologia geralista estar cedendo lugar à temática. cultural para afi rmar que a TV de massa “Se as sis tirmos a uma fragmentação das atua como laço social de comunidade mídias, para le la às desigualdades e fraturas nacional. Isso acon te ce na medida em que sociais da so ci e da de, a televisão perderá o o espectador, ao assisti-la, agrega-se a um seu papel essen ci al de laço social.” O autor público po ten ci al men te imenso e anônimo, vê a TV como um símbolo da democracia es ta be le cen do com ele uma espécie de e avalia que ela deve associar duas laço invisível. dimensões - a técnica, ligada à imagem, e a social, ligada ao seu status de meio de “Quando ʻzapeiaʼ, o telespectador massa. sabe por quais canais temáticos ou No que diz respeito à qualidade dos geralis-tas circula e, in con tes ta vel m pro gra mas na TV aberta, um dos principais en te, muda a sua atitude em relação ar gu men tos dos defensores dos canais aos pro gra mas assistidos. Ao zapear pagos, o autor faz uma analogia entre pelos canais temáticos, ele sabe muito te le vi são e elei ção, uma vez que ambas bem que está em meio a um público reúnem a par ti ci pa ção coletiva. Avalia que es pe cí fi co, enquanto que ao zapear se o pú bli co assiste a maus programas pelos ca nais geralistas pertence a não é por que gosta deles, mas porque esse gran de público inseparável, que eles são ofe re ci dos. “Os maus programas pode, em princípio, ser todo o mundo: dizem menos sobre o pú bli co do que sobre a forma de laço social é, portando, a re pre senta ção que se fazem aqueles que diferente nos dois casos.” (1996, os produzem e os difundem”. (1996, p.15) p.113) Para Wolton, há o risco de des lo ca mento dos programas interessantes Wolton elenca algumas causas que para os canais temáticos, o que teria como ex pli cam o sucesso da TV segmentada,

90 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 20 • abril 2003 • quadrimestral Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 20 • abril 2003 • quadrimestral 91 en ten di da aqui como sinônimo de TV frag men ta da: a existência de públicos plurais; o mer ca do, com empresas de Mercado publicitário comunicação ca pa ci ta das para produzir e oferecer pro gra mas diversifi cados, e o O meio publicitário percebeu há tempos desgaste da TV ge ra lis ta. essa tendência de segmentação no ramo da televisão e vem investindo nisso. “O que é uma televisão fragmentada? Segundo Duarte (1996), os primeiros sinais Uma televisão, gratuita ou paga, de uma defi nitiva segmentação de mercado con ce bi da para um público específi co. co me ça ram a ser percebidos nos anos 80, A idéia básica é de não mais oferecer tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil. uma programação que misture O autor ressalta ainda que, dentro gêne ros, mas sim visar estreitamente des se con tex to, novas tecnologias, como a uma população, um público. É a o cabo, o MMDS e a DBS, tiveram papel idéia de ʻpro gra ma çãoʼ levada ao im por tan te, uma vez que intensifi caram a limite, pois que a pro gra ma ção já seg men ta ção. Redes de TV convencional, visa a ajus tar ofer tas e demandas no prin ci pal men te nos Estados Unidos, plural.” (103) perderam partes de suas audiências para as redes de TV a cabo em crescimento. As Barbero (In: SOUZA, 1995) afirma operadoras de cabo, por sua vez, tiveram que com a grande quantidade de canais de buscar uma forma diferenciada de atrair dis po ní veis os intelectuais vêem cada au di ên cia, optando por nichos específi cos. um a sua TV, deixan do de ter acesso a Essas operadoras podiam não ter uma uma in for ma ção comum. Essa tendência, parcela tão grande de audiência, mas a chamada por Giu se ppe Richieri de es pe ci fi ci da de de seus pú bli cos atraiu fragmentação do ha bi tat cultural, reforça anunciantes. uma das mais antigas di vi sões sociais: No Brasil, a televisão passou entre os que ascendem de al gu ma forma a sofrer a seg men ta ção a partir das ao poder – os que têm in for ma ção para novas con ces sões, em grandes áreas tomar decisão – e a maioria da população metropolitanas, como São Pau lo. Sem – que busca entretenimento. espaço para novos canais na fre qüên cia O teórico espanhol (1997, p. 292) lembra VHF, as atenções se dirigiram para a que a questão econômica – e não só a freqüência ultra-alta. Mas a UHF, que in te lectu al – contribui para a estratifi cação permitiu tal segmentação, não podia ser so ci al. considerada uma novidade na re gião metropolitana de São Paulo, já que ha via “Quanto à relação dos ʻusuáriosʼ com nesse período transmissores UHF pon to-a- a te le vi são, no que diz respeito às ponto que distribuíam sinais das re des às gran des mai o ri as, não só na América estações de TV afi liadas, no interior. Latina, mas também na Europa, A indústria brasileira sofreu um gran de as mu dan ças de oferta, apesar da im pac to a partir da chegada da Jovem Pan pro pa gan da sobre a descentralização e da MTV-Abril, que introduziram o con cei to e a pluralização, parecem apontar de canais segmentados. para um aprofundamento da estratificação social, pois a oferta “Em essência, essas empresas diferenciada dos produtos de vídeo ti ve ram de identifi car uma demanda está ligada ao po der aquisitivo dos de mer ca do não totalmente ou não indivíduos.” pro pri a men te servida pelas redes já exis ten tes – a Abril achou música, e

90 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 20 • abril 2003 • quadrimestral Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 20 • abril 2003 • quadrimestral 91 a Jo vem Pan achou as notícias. Então iden ti fi ca do. Portanto, os profi ssionais da elas ti ve ram de medir esse segmento pu bli cida de têm se esforçado em identifi car do mer ca do e defi nir seu potencial, a au di ên cia em pequenos grupos, o que tan to em termos numéricos quanto de de mons tra a importância da segmentação po der aqui si ti vo.” (DUARTE, 1996, p. para o mer ca do. 137) “No âmago da segmentação A implantação da TV a cabo gerou do mercado está o conceito de que mu dan ças nos investimentos publicitários os telespectadores/con su mi do res des tina dos à televisão. Hoineff (In: são, ao mesmo tempo, complexos KA PLAN, 1994) aponta que essa tecnologia e di fe ren ci a dos demais para serem apri mo ra a economia da televisão uma vez tratados como massa única, mas que o bolo publicitário tende a aumentar e homogêneos o su fi ci en te para serem ser me lhor distribuído. classifi cados em pequenos grupos. Até os anos 60 (início da década, no Parece que o tru que é identifi car a caso dos Estados Unidos, e fi nal dela, no variável (ou com bi na ção de variáveis) caso do Brasil), vendia-se de tudo através que ca rac te ri za um grupo específi co, da te le vi são. A partir desse período, o di fe ren ci an do-o de outros.” (DUARTE, com por ta men to da audiência passou a 1996, p. 179) ser pes qui sa do de forma mais intensa. Kotler (In: DUARTE, 1996) organiza Ficou , en tão, que havia diferenças as va ri á veis em quatro grandes categorias: de acordo com as preferências da ge o grá fi ca (região, densidade, cidade, programação e as em pre sas entenderam clima); demográfi ca (idade, sexo, renda, que era melhor seg men tar o conjunto total ocupação, religião, tamanho da família); de consumidores para melhor atender a um psicográfica (classe social, estilo de dos grupos. vida, per so na li da de) e comportamental Como resultado dessa constatação, (oportunidade de com pra, status de uso). o ma rke ting dirigido - target marketing Almeida (1988) ressalta, inclusive, - vem subs ti tu in do o marketing de massa que a par tir dos novos métodos de - mass marketing. “(...) enquanto as redes co mu ni ca ção, “descobriu-se que a de broad cas ting (difusão pelo ar) perdem massa tinha nome, peso, credo, raça e, audiência para seus programas de massa, sobretudo, pre fe rên ci as”. Num primeiro as novas redes via cabo têm conquistado momento, a impressão que se tem é que uma por ção significativa da audiência a segmentação tem per mi ti do que os com pro gra mas adaptados a segmentos publicitários conheçam de ta lhes sobre específi cos do mercado.” (DUARTE, 1996, os destinatários para quem cri am seus p. 21) produtos. Porém, a história não é bem É justamente por identificar mais essa, como apontam outros autores. es pe ci fi ca men te sua audiência que a TV A forma mais comum de conhecer o por as si na tura seduz o mercado publicitário. re per tó rio da audiência se dá através das “Em bo ra a sua base de audiência seja pes qui sas de opinião, que nem sempre - ou bem me nor do que a da TV aberta, a TV quase nunca - são completas. Bigal (1993, paga pro por ci o na aos anunciantes duas p. 24) lembra que “o repertório do público- van ta gens: o custo de anúncios é bem alvo vem através de representações inferior e a seg men ta ção ajuda a identifi car sim bóli cas realizadas pelo recorte feito pelo com mais pre ci são o público-alvo.” de par ta men to de pesquisa”. Isso porque, (MORAES, 1998, p. 113) para delinear o repertório do público de Mesmo segmentado, o público de um anúncio, a agência recorta um campo um canal de TV a cabo não é fácil de ser de interesse e dele extrai o material que

92 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 20 • abril 2003 • quadrimestral Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 20 • abril 2003 • quadrimestral 93 ori en tará a pesquisa de mercado e de de opi ni ões. Se gun do Figueiredo e opi nião. Cervellini (1996), é pre ci so levar em conta Além de a produção publicitária se a plu ra li da de do gru po pesquisado. Nesse ori en tar a partir de um recorte, o que por sentido, a dis cus são em grupo permite que si só não permitiria conhecer de forma o trabalho vá além da contagem de opiniões am pla men te efi caz a audiência, algumas in di vi du ais, procurando tendências, atitudes con si de ra ções devem ser feitas sobre com par ti lha das, etc. as pesquisas, que são a base da criação Uma vez que a opinião da audiência publicitária. Uma das formas de obter é fun da men tal para se entender a a segmentação, explica Jhally (1995), questão le van ta da, optou-se por aliar o acontece através da dimensão econômica questionário à dis cus são de grupo, devido da audiência. E é justamente nes se ponto à sua im por tân cia pelo aprofundamento que muitas pesquisas se an co ram. de questões. Segundo Minayo (1999, Bigal (1993) ressalta que quando a p. 129), “o es pe cí fi co do grupo de pu bli ci da de, através da pesquisa, recorta discussão são as opiniões, relevâncias o segmen to consumidor, ele continua e valores dos entrevistados. Di fe re por anô ni mo. Uma das explicações para isso isso da observação que focaliza mais é o fato de que o recorte mostra apenas o comportamento e as relações. Tem a ca pa cida de de compra da audiência, uma função complementar à observação deixando de lado as demais facetas par ti ci pan te e às entrevistas individuais”. do receptor. Para Jhally, mais eficiente Com base nesses pressupostos, seria pautar uma pes qui sa com base entre os as si nan tes da NET, em Bauru, nos “padrões de estilo de vida”, tentando dois gru pos distintos foram selecionados descobrir como se con fi gu ram os valores, para par ti ci par da pesquisa: um com crenças, necessidades e so nhos do adultos - 18 anos para cima - e outro receptor. com crianças e ado les cen tes - de 8 a 17 anos, todos eles as si nan tes da NET Bauru, operadora que oferece o serviço no Estudo da audiência município. Essas pes so as foram escolhidas aleatoriamente, sen do a única res tri ção, Para verifi car se houve impacto na relação imposta prin ci pal men te para os adultos, audiência/televisão a partir da im plan ta ção foi não atuar nas áreas de jor na lis mo e do cabo, principalmente no que diz publicidade, uma vez que poderiam ter respei to à segmentação, foi realizada amplo conhecimento so bre o tema em uma pes qui sa qualitativa, através da questão e, com isso, induzir a dis cus são. abordagem exploratória. Foram utilizadas duas formas de observação: a aplicação de um ques ti oná rio e, posteriormente, o grupo Discussão dos resultados focal – en ten di do aqui como sinônimo de entrevista de grupo focal, como a técnica A TV ainda continua ocupando um local de também é conhecida. Segundo S. Caplan destaque nas residências – normalmente (In: DIAS, 2000), grupo focal é uma a sala -, segundo respostas colhidas nos reunião de pe que nos grupos de pessoas gru pos focais. Porém, isso não signifi ca, que avaliam con cei tos ou identificam ne ces sa ri a men te, que a família consuma, problemas. uni da, os programas televisivos. Seis A utilização de dois mecanismos adultos e quatro pessoas do grupo de de ob ser va ção, ambos vinculados à adolescentes e crianças contaram que, meto do logia qua li ta ti va, visa a evitar que dentro casa, cos tu mam assistir TV o re sul ta do fi nal seja a simples somatória separadamente. Dos 24 par ti ci pan tes, nove

92 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 20 • abril 2003 • quadrimestral Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 20 • abril 2003 • quadrimestral 93 têm mais de um ponto da NET. seg men ta ção na televisão tem gerado, Embora, no questionário, tenham segundo Bar be ro (1997), uma espécie res pon dido que a assinatura da TV a cabo de estratifi cação social, devido à oferta não mudou o fato de a família assistir à diferenciada dos pro du tos de vídeo. Para TV uni da ou separada, outras respostas Barbero (In: Sousa, 1995, p. 45), quando for ne ci das durante o grupo focal indicam havia dois ou três ca nais de TV, até os mais uma si tu a ção diferente. No que diz respeito elevados in te lec tu ais pre ci sa vam se inteirar ao pú bli co infantil, por exemplo, os adultos de que havia mui ta gente que gostava de com fi lhos pequenos contaram que as melodrama. Agora, “eles não vêem mais cri an ças as sis tem, praticamente, só aos uma televisão, uma in for ma ção comum”. canais com dese nhos infantis. Para isso, Essa fragmentação acontece de ou têm sua pró pria TV ligada à NET ou têm acordo com uma série de variáveis um horário prédeterminado no aparelho demográficas e com por ta men tais, como que é de toda a família. o fator fi nanceiro, idade, gosto, etc. Um Quando tinham acesso apenas à deles, é o próprio fato de assinar ou não TV TV aberta, essa situação possivelmente a cabo. No grupo de adultos, participantes não existia, uma vez que a programação disseram que a te le vi são pauta muitas das infantil era exi bi da apenas durante o dia, conversas diárias e alguns deles relataram deixando a noite aos programas destinados que já sentiram di fi cul da de de conversar a adul tos. Na TV a cabo, há vários canais com amigos que, di fe ren te deles, não têm que exibem desenhos animados o tempo TV a cabo. Outro exem plo veio de uma todo. Es ses ca nais são um dos mais universitária, 25 anos. Ela contou que antes assistidos, se gun do pesquisa feita pelo de receber o si nal da NET em casa, seus Ibope (2001). amigos falavam gírias que aprendiam em Além disso, ao serem questionados seriados de ca nais estrangeiros que ela so bre os canais de que mais gostam, os não conseguia en ten der. par ti ci pan tes mencionam a programação Há vários motivos que fazem com que dos mes mos. Entre os homens, foi comum as pessoas se juntem e se reconheçam, ou vir como resposta os canais de esportes. mas se gun do Barbero (In: Sousa, Muitos adolescentes citaram os de seriado. 1995), não se pode desprezar o papel Houve quem dissesse preferir os de fi lmes de reorganização da divisão social da e quem é fã de documentários. Enquanto comunicação. Wolton (1996) entende que a alguns adolescentes contaram que vêem a fragmentação gera não apenas nova forma Sony e MTV, uma dona-de-casa, 71 anos, de organização da TV, mas uma nova assiste à RAI, TV Senado, entre outros. Até relação entre indivíduos e a coletividade. dentro do mesmo grupo, principalmente no Para ele, a TV fracionada inau gu ra um de adultos, ao conversar sobre te le vi são, modo de reagrupamento que não é a alguns participantes perceberam que não comunidade no sentido tradicional, nem a viam as mesmas coisas. aldeia, mas algo mais individualista. Para Um dos pontos de convergência na Castells (1999), a fragmentação é o fu tu ro con ver sa acabava sendo o jornalismo da televisão: descentralizada, di ver si fi ca da bra si leiro. Isso acontece mesmo que um e adequada ao público-alvo. as sista ao Jor nal Nacional, da Rede Globo, O fato de as pessoas assistirem e o ou tro à Globonews, uma vez que, a pro gramas diferentes na televisão só embora haja tra ta men tos diferenciados, as não é mais intenso porque a TV aberta prin ci pais pautas são bastante parecidas continua fa zen do parte do dia-a-dia dos e as re porta gens são, muitas vezes, as te les pec ta do res. Segundo pesquisa feita mesmas. pelo Ibope (2001), entre os assinantes As respostas indicam que a de TV a cabo, a maioria ainda continua

94 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 20 • abril 2003 • quadrimestral Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 20 • abril 2003 • quadrimestral 95 assistindo mais aos canais abertos. diversifi cados e, com a concorrência, as empresas têm ex plo ra do mercados cada vez mais estreitos, os chamados mercados Conclusão de nichos. Frente a esse contexto, os consumidores individuais ou mesmo as Entre as alterações que a tecnologia do famílias adotam práticas sin gu la res muito cabo gerou no conceito de televisão, uma mais diversifi cadas do que no passado. que já está bem incorporada pela au di ên cia “A tal ponto que o verdadeiro problema diz respeito à segmentação dos ca nais. Ao ao qual as sociedades con tem po râ ne as contrário da TV aberta, ge ne ra lis ta, que tem confrontam-se é um problema de de tudo um pouco em sua pro gra ma ção, a frag men ta ção e dispersão das referências TV a cabo aposta em canais que di vul gam cul tu rais mais do que a homogeneização um único tipo de pro gra ma ção. As sim, des tas referências.” (WARNIER, 2000, p. as pessoas podem escolher os ca nais 151) pelo gênero televisivo. Entre os que Frente à fragmentação dos públicos não praticam o zapping (uso do controle à medida que a oferta dos bens e serviços re mo to de forma indiscriminada), é comum se diversifi ca, vale refl etir sobre como fi ca o encontrar quem vê só fi lmes, quem faz conceito de cultura de massa. A re pro du ção o mesmo com esportes, com jornalismo, em série dos bens culturais, criticada desde do cu men tá rio, desenho animado e assim a Escola de Frankfurt, permanece. Po rém, por diante. o público-consumidor deixa de ser visto Os fatores que determinam o gênero como uma massa homogênea. Ao ela bo rar assistido são vários, sendo a idade um seus produtos culturais, os pro du to res deles. Isso faz com que, dentro de casa, a pensam nos nichos que querem atender TV deixe de ser um motivo para a família – terceira idade, as donas de casa ou as estar junta. Enquanto um quer passar a cri an ças. Será que estamos em um período tarde de domingo vendo campeonatos de transição da cultura de massa à “cultura esportivos, outro pode querer dedicar o de nicho”? mesmo tempo aos desenhos animados. A segmentação também tem Quando há mais de uma TV ligada à levado a uma outra situação: o fato de a operadora de cabo, a tendência é que cada audiência assistir a coisas diferentes na um assista à televisão no seu espaço. televisão ate nua a integração sociocultural. Essa segmentação faz com que, Conforme já mencionado, na entrevista de mui tas vezes, as pessoas selecionem o grupo fo cal, entre os participantes havia con teú do assistido somente naquilo que quem se quer conhecia o que o outro mais gos tam, deixando de lado outros assistia na TV. Entre eles, a televisão, formatos de programas que, quando só conforme discute Wolton (1996), deixou de havia a TV aberta, também costumavam desempenhar seu papel de unidade social ver. Na TV aber ta, pessoas que gostam e cultural. de en tre te ni men to acabam consumindo Para Castells (1999), as mensagens informações jor na lís ticas porque elas estão não são só segmentadas pelos mercados inseridas na programação. me di an te as estratégias do emissor, Essa segmentação, intensifi cada pelas mas também são cada vez mais novas tecnologias, segundo Warnier (2000), diversifi cadas pelos usu á ri os dos veículos indica que, embora haja padronização de comunicação de acor do com seus da produção, não se deve concluir que interesses. ela leve a uma homogeneização do consumo. Isso porque a indústria coloca “Ao zapear pelos canais temáticos, ele no mercado produtos cada vez mais (telespectador) sabe muito bem que

94 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 20 • abril 2003 • quadrimestral Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 20 • abril 2003 • quadrimestral 95 está em meio a um público específi co, en quan to veículo de comunicação. Hoineff enquanto que ao zapear pelos canais (1996, p. 29) aponta que pouca coisa geralistas, pertence a esse grande mu dou na pro gra ma ção televisiva ao longo pú bli co inseparável, que pode em de seus cin qüen ta anos de existência. prin cí pio, ser todo o mundo: a forma As pes so as con ti nu am assistindo a de laço social é, portanto, diferente shows, séries, fi lmes de longa-metragem, nos dois casos.” (WOLTON, 1996, p. coberturas jor na lís ti cas e esportivas, etc. 113) Para o autor, há um modelo seguido no mundo, e talvez por isso a TV a cabo dê A segmentação se dá entre quem certo, já que a au di ên cia está acos tu ma da as sis te a diferentes canais, mas também com esse mo de lo. “Ele (mo de lo) é o entre os que possuem e os que não principal responsável pelo es go ta men to do possuem TV a cabo. A TV pauta conversas próprio sistema de re des ame ri ca nas por no dia-a-dia das pessoas e, conforme broadcast, que entre 1975 e 1990 perderam verificado em res pos tas da entrevista 20 pontos per cen tu ais na par ti ci pa ção de grupo focal, há si tu a ções em que um da audiência.” Sobre esse assunto é telespectador não en ten de o que diz seu necessário lembrar que parte importante colega, quando o assunto é programação da segmentação da TV a cabo consiste televisiva. da re ci cla gem de produtos da in dús tria Ao discutir a estratificação social cultural audiovisual dos últimos 50 anos, entre usuários, Castells (1999) aponta que por meio da reapresentação de se ri a dos de as opções multimídia são restritas aos TV; fi l mes de longa-metragem; sho ws que com tem po e dinheiro. Avalia, também, fi ze ram sucesso em outras épocas. que as dife ren ças culturais/educacionais Castells (1999) entende que o futuro são de ci sivas no uso da interação para o da televisão - descentralizada, di ver si fi ca da proveito de cada usuário. e adequada ao público-alvo - não sig ni fi ca a perda do controle da TV por em pre sas “A informação sobre o que procurar e governos, já que os investimentos são e o conhecimento sobre como usar generosos no campo das comunicações a men sa gem será essencial para com a formação de megagrupos e alianças se co nhe cer ver da dei ra men te um estratégicas para conseguir fatias no sistema diferente da mídia de massa mer ca do em transformação. “O resultado per so na li za da. As sim, o mundo da da con cor rên cia e concentração desse multimídia será ha bi ta do por duas negócio é que, embora a audiência po pu la ções es sen ci al men te distintas: tenha sido seg men ta da e diversifi cada, a a interagente, ou seja, aqueles televisão tor nou-se mais comercializada do capazes de selecionar seus cir cui tos que nunca e cada vez mais oligopolista no multidirecionais de co mu ni ca ção e âmbito glo bal.” (CASTELLS, 1999, p. 365) a receptora da interação, ou seja, Castells diz que a diversifi cação dos aque les capazes de selecionar meios de comunicação não transformou a seus cir cui tos multidirecionais de lógica unidirecional de sua mensagem, nem co mu nica ção e os que recebem permitiu o feedback da audiência, ex ce to na um nú me ro restrito de opções pré- forma mais primitiva de reação do mercado. em pa co ta das.” (CASTELLS, 1999, p. Ou seja, as mudanças se dão mais na 393) forma de o telespectador se re la ci o nar com a TV do que no conteúdo trans mi ti do por Tantos canais oferecidos pela TV a ela . cabo não signifi caram, necessariamente, uma mu dan ça qualitativa na televisão,

96 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 20 • abril 2003 • quadrimestral Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 20 • abril 2003 • quadrimestral 97 Referências vida cotidiana. Dialogos de la comunicacion. Lima, n. 17, p. 46-59, 1987. ALMEIDA, Cândido José Mendes de. Uma nova ordem audiovisual: novas tecnologias de co mu nica ção. São Pau lo: MINAYO, Maria Cecília de Souza (organizadora). Pesquisa Summus, 1988. Social: Teoria, Método e Criatividade. 5ª edição. Rio de Ja nei ro: Vo zes, 1994. BIGAL, Solange. Afi nal, o que é criação pu bli ci tá ria? (O es té ti co na publicidade). São Paulo: Razão Social, 1993. ______. O desafi o do conhecimento: pesquisa qua li ta ti va em saúde. 6ª ed. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Abrasco, CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. Tra du ção: Roneide 1999. Venâncio Majer. São Paulo: Paz e Terra, 1999. MORAES, Dênis de (org.). Globalização, Mídia e Cultura DIAS, Cláudia Augusto. Grupo focal: técnica de coleta de Con tem po râ nea. Campo Grande: Letra Livre, 1997. dados em pesquisas qualitativas. In for ma ção e So ci e da de. Paraíba, v. 10, n. 2, p.141-158, 2000. ______. Planeta Mídia: Tendências da co mu ni ca ção na era global. Cam po Grande: Letra Livre, 1998. DUARTE, Luiz Guilherme. É Pagar Para Ver: a TV por As si na tu ra em Foco. São Paulo: Summus, 1996. NET. Como o sinal de TV por assinatura chega na sua casa. Disponível em: . Acesso em: 05 mar. FIGUEIREDO, Rubens e CERVELLINI, Sílvia. O que é opi nião 2001. pública. São Paulo: Brasiliense, 1996. SOUSA, Mauro Wilton de (org.). Tradução e trans cri ção: HOINEFF, Nelson. A Nova Televisão: Desmassificação e Síl via Cristina Dotta e Kiel Pimenta. Sujeito, o lado oculto do o Impasse das Grandes Redes. Rio de Janeiro: Relume receptor. São Paulo: Brasiliense, 1995. Damará, 1996. WARNIER, Jean-Pierre. A mundialização da cul tu ra. Tra du ção: ______.TV em Expansão: Novas Tecnologias, Segmentação, Viviane Ribeiro. Bauru: Edusc, 2000. Abrangência e Acesso na Televisão Mo der na. Rio de Janeiro: Record, 1991. WOLTON, Dominique. Elogio do grande público: uma te oria crítica da televisão. Tradução: José Rubens Siqueira. São IBOPE. Investimento publicitário por meio de co mu ni ca ção. Paulo: Ática, 1996. Disponível em: . Aces so em: 03 mar. 2001.

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