| 56 | Esportes > ZERO HORA > DOMINGO | 7 | MAIO | 2006

A Copa servia para amenizar a imagem da Argetina atormentada pela ditadura, como registrou o Professor Ruy nas histórias escritas no hotel Liberty Menotti e o general Dois protagonistas, sem dúvida, foram o general Carlos Lacoste, que dirigiu a construção militar do grande acontecimento da Copa, e Cesar Luis Menotti, El Flaco, o Tudo proibido, menos o futebol técnico da seleção que seria campeã do mundo contra a Holanda, sem Cruyff, que se negara a jogar na por boas razões políticas. Lacoste autorizou e desautorizou tudo, A ditadura militar (1976-1983) percebeu desde o princípio a importância amigo do presidente Vidella, mas Menotti teve poderes como nenhum outro técnico, protegido pela oficialidade. Eram política do futebol. No dia do golpe, 24 de março de 1976, as rádios e os canais de tempos intransigentes e de desaparecidos. Menotti fez um televisão sofreram intervenções, foram suspensos os programas habituais e eram time forte sob a liderança de . Tinha um grande goleiro, Ubaldo Fillol, um lateral-esquerdo transmitidas em cadeia marchas militares e proclamações da Junta. O único maravilhoso, Tarantini, um dono de time, , e o mais decisivo dos atacantes, , herói de duas programa transmitido foi o jogo entre as seleções da Polônia e da Argentina, áreas, autor dos gols e símbolo, cabelos ao vento, de uma nunca tão festejada garra para simplesmente jogar mais do realizado na cidade polonesa de Chorzow. Tudo estava proibido, menos o futebol. que futebol. Os militares viram no Mundial uma possibilidade única para obter a união nacional e mudar a imagem do país no exterior. O Ente Autárquico Mundial 78 (EAM 78) firmou contrato de US$ 500 mil com a agência publicitária norte- americana Burson Masteller, especialista em melhorar imagens de ditaduras. A A desconcertante alegria O fenômeno politicamente desconcertante, o das multidões Masteller aconselhava envolver-se com êxitos esportivos, uma vez que se ocupava enlouquecidas de alegria, hinos e passeatas monumentais pela 9 em persuadir jornalistas estrangeiros. Nos seus boletins dizia: “A oportunidade de de Julio, Corrientes, Florida, Santa Fe, por toda parte, foi um objetivo político-militar do governo do general Videla bem divulgar os jogos da Copa permitiria ao governo argentino se apresentar de forma sucedido: os delírios do futebol, incontrolados pelos efeitos mágicos da grande conquista da Copa do Mundo, em Nuñez, favorável e positiva”. O general Merlo, segundo presidente do Ente, declarou: “A abafaram as críticas e as denúncia dos crimes monstruosos praticados pelo regime. Mas viria a tragédia das Malvinas, o possibilidade de atrair 35 mil turistas, que poderiam ser protagonistas de uma futebol sempre exige novas alegrias e não fica no lugar de visão diferente daquela que se criou no mundo inteiro, é todo nosso esforço”. Só a nada. Mas nos dias subseqüentes, mal nos identificavam, os adolescentes ainda acrescentavam o racismo ao seu voz solitária do jornalista Dante Panzieri, fazia duras críticas à realização do

evento: “O Mundial está nos afundando, há muitos que dolorosamente estão Los brasileiros estan dejúbilo: luto enriquecendo com o Mundial”. Panzeri morreria pouco antes de que seus piores Son todos negros vaticínios se cumprissem. Son todos putos. , de Juan José Sebrelli, edição Debolsillo, Buenos Aires, 2005, pág. 187). (La Era del Fútbol Ah, sim, o hotel Libérti

Sempre gostei da arrogância portenha o carpete mofava, às vezes o sapato fazia com os nomes estrangeiros. Eles não chulape. Mas nada que impedisse que se permanecem como nomes estrangeiros, andasse para cima e para baixo, correndo embora possam estar na fachada dos para o Ente Autárquico na Figueroa Alcorta, prédios, na lista telefônica, na placa da rua e uma das provas da mão de ferro gastadora na identidade dos automóveis e caminhões. do governo Vidella e da assustadora presença É saudável dizer-se Brodoei, Brocolino em do general Lacoste que, segundo se dizia em vez de ficar enrolando a língua para dizer voz baixa e no fim da noite, tinha mandado Broadway ou Broocklin. Asim como nosso fuzilar o general Actis, seu antecessor. pequeno hotel na Corrientes. Uma quadra abaixo ficava a Florida, Era a sede das operações da Rádio Gaúcha sempre agitada, uma quadra acima pela naquela primeira Copa do Mundo logo que Corrientes, ficava o meu restaurante até hoje, assumi a direção de esportes, em março, 13. o Sorriento, agora também no Puerto Éramos muitos, buliçosos, a maioria de Madero. Comia a ensalada do chefe, raviolis e primeira viagem, embora fosse Buenos bebia um cálice de Tannat. Modesto e só. Aires, sempre ao lado de Porto Alegre. Houve Ah, nosso hotel era o Libérti, isso é, o problemas no encanamento da água quente, Liberty.

Edição: Mauro Toralles – Diagramação: Norton Voloski e Vanessa Cardoso ZERO HORA > DOMINGO | 7 | MAIO | 2006 Esportes > | 57 |

4Ruy Carlos Ostermann

Moedas e vergonha As leivas de Mar del Plata Capitão sem pulso A delegação do Peru voltou para Lima e jogavam A estréia da seleção foi modesta, num frio de ventos e A combinação do regime militar com o moedas no aeroporto e nas ruas de Lima. Não pararam até umidade de Mar del Plata, Reinaldo, o Rei-Rei-Rei do futebol, se deu certo em 70, talvez tenha hoje de jogar moedas. Uma conseqüência da goleada de 6 a Atlético-MG, supremo goleador de campo seco e manhas sido pelo doloroso fracasso de 66. 0 para a Argentina quando só um escore ao menos de de pé e perna, ao lado de Zico, o Galinho de Quintino da Mobilizou-se a Escola Superior de quatro gols poderia levar o time de Menotti para a final da torcida do Flamengo e do Maracanã festivo, tropeçavam Educação Física do Exército (Carlesso, Copa. Verdade que o incerto time de Cláudio Coutinho nas leivas que se desprendiam do campo recém Parreira, capitão Cláudio Coutinho e dera uma goleada no Peru numa gelada Mendoza, à beira inaugurado, escorregavam no barro, não ficavam de pé outros), deu-se o tempo que fosse da cordilheira. Mas pareceu que tudo estava arranjado, o diante dos metódicos zagueiros da Suécia, viam o jogo necessário, dinheiro e todas as condições. goleiro Quiroga falhou em três gols, todos os zagueiros, trôpego da Seleção passar longe deles. Deu-se o mesmo Mas na Argentina, quatro anos depois, incluindo o até então sóbrio Chumpitaz, quase o time no jogo seguinte contra a Espanha, supliciado no 0 a 0 em 78, o técnico era um iniciante com um todo, afora umas poucas tentativas iniciais, Cubilla sem atacantes. A grande proposta que era a de um ano de Flamengo, um teórico incorrigível no poste, desmoronou. É uma das histórias do futebol de sonho e fantasia enterrou-se no barro do – são dele o overlapping, o ponto futuro, futebol que não se conta e se inverno argentino. os vazios da criação, a superposição de trata de esquecer. dois laterais, um atrás do outro e dos dois lados, e ainda uma indecisão sobre o time que levou Zico a dar um depoimento: – Ele não tinha pulso para comandar a Seleção. Os jogadores faziam o que queriam. No último jogo, o Rivelino entrou sem ninguém saber quem ia sair. Ele se levantou do banco e foi para a beira do campo. Saiu o Toninho Cerezzo. Foi triste, o almirante Heleno Nunes, chefe da delegação, foi quem escalou Roberto Dinamite. E Reinaldo, Edinho e Zico souberam que estavam fora do time ouvindo uma entrevista dele para o rádio. – A gente notava que ele não sabia, concluiu Zico.

E Falcão ficou

Batista estava voando, é verdade, muito justo que estivesse na Argentina, mas Falcão era o primeiro dos jogadores de meio-campo. Cláudio Coutinho não deixava de ser o que mais favorecia na época, era capitão do Exército. Deixou Falcão em casa, levou Chicão, um obscuro mas militar ocupante do meio-campo. E Toninho Cerezzo contava com graça que adormecera titular da Seleção e acordara na reserva. Critérios.

No próximo sábado, a Copa de 1982, na Espanha Edição: Mauro Toralles – Diagramação: Norton Voloski e Vanessa Cardoso