de Salazar só é livre e democrático no Brasil: Intelectuais portugueses constroem sua imprensa

Yvone Dias Avelino1

“O século XVIII foi o século dos direitos do homem; o século XIX será o dos direitos da mulher” (Victor Hugo) O presente artigo se preocupa com as mulheres portuguesas que emigraram do seu país durante o governo ditatorial de Antônio Salazar. O foco do estudo estava direcionado para algumas personagens femininas como Maria Irolinda Roque, Manuela Gouviea Antunes e Maria Fiadeiro que nos apontou ao estudo de Maria Lams, que não emigrou para São Paulo, mas sofreu perseguições Salazaristas e esteve por conta disso fora de sua pátria. A força e a delicadeza de Maria Lamas permitiram compreender o que era ser mulher militante de oposição, humanista e autoexilada em um regime opressor, mas que de forma corajosa e terna foi exemplo para outras mulheres entre as tramas e os dramas da história de Portugal. O tema da imigração está diretamente relacionado aos espaços rurais e/ou urbanos como também às questões do trabalho na cidade de São Paulo durante o período que vai do século XIX até a primeira metade do século XX, pois o espaço urbano paulista foi o palco onde foi montado o cenário da sobrevivência de muitos imigrantes que deixaram vários vestígios históricos como: cartas, passaportes, fotografias, hábitos alimentares, assinaturas em livros de registros de hospedarias, de hospitais, de pensões e de prisões, que demarcam suas “entradas e saídas” e até mesmo na cultura material arquitetônica expressa na estética dos bairros étnicos e na cultura imaterial representada nas festas, dança, música e na oralidade. A região Sudeste, em especial o estado e a cidade de São Paulo, foi o principal destino do desembarque de muitos portugueses, italianos, espanhóis, japoneses, sírio- libaneses, russos, húngaros, poloneses, armênios e judeus. Esta narrativa refere-se ao estudo sobre as mulheres intelectuais que militaram contra o governo de Antonio Salazar em Portugal, sendo fruto do desdobramento das

1 Professora titular do Departamento de História da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e coordenadora do Núcleo de Estudos de História Social das Cidades.

pesquisas realizadas sobre a emigração portuguesa para o Brasil e que estiveram na militância política de oposição ao regime Salazarista no além-mar. Uma das expressões significativas desse protesto na cidade de São Paulo foram os jornais Portugal Livre e Portugal Democrático, entre outras manifestações na vida daqueles lutadores inconformados que buscavam algo melhor, a liberdade. São três mulheres selecionadas que emigraram de Portugal para São Paulo, militantes conscientes, foram elas: Maria Irolinda Roque, Manuela Gouviea Antunes e Maria Fiadeiro. Nosso interesse se deteve em Maria Antonia Fiadeiro, que vive em Portugal na cidade de Lisboa, com a qual tivemos contato e estamos aguardando sua colaboração, a mesma se propos a colaborar com a pesquisa, mas nada nos remeteu e não tem atendido nossos telefonemas, e-mails e contatos por celular. A militância feminina contra o governo Salazarista iniciou-se em um período anterior a ação das mulheres aqui investigadas, isso se deve ao fato de que já nos anos 20 a situação social foi tornando-se cada vez mais opressiva porque o general Oscar Carmona assumiu como Presidente da República Portuguesa em 19282. Ao entrar na presidência, Carmona convidou António Oliveira Salazar formado em Direito em 1914 pela Universidade de Coimbra e já como professor catedrático de Economia Politica, Ciência das Finanças e Economia Social na referida Universidade, para ocupar a cadeira de ministro das finanças. Este aceitou na condição de supervisionar os ministérios e de ter direito de veto sobre os aumentos das despesas. Assim Salazar conseguiu aumentar em muito o valor das receitas do país, graças à redução dos custos na área da saúde, educação e do pagamento dos funcionários públicos e de outros gastos. A administração salazarista pretendia criar um Estado forte, que garantisse a ordem, o que não aconteceu no período da Primeira República portuguesa, entre 1910 a

2 É de suma importância esclarecer que António de Oliveira Salazar assumiu a presidência da República Portuguesa como presidente interino no ano de 1951 data que marcou a morte do presidente António Oscar de Fragoso Carmona no cargo entre 1933 á 1951 ,até a posse do próximo presidente Francisco Higino Craveiro Lopes ( que ficou na presidência de 1951 á 1958) este que foi sucedido por Américo de Deus Rodrigues Tomás (que governou de 1958 á 1974 ano da abertura política com a Revolução dos Cravos).Assim António de Oliveira Salazar entre 1932 á 1968 e Marcello das Neves Alves Caetano entre 1968 á 1974 ocuparam os cargos de primeiros ministros nos referidos períodos. A história da política portuguesa do período salazarista está dividida entre o período da Ditadura Militar, (1926 e 1928), a Ditadura Nacional (1928 e 1933) e o , iniciado em 1933 e findado em abril de 1974.

1926. Para Salazar, o governo deveria assentar-se essencialmente no reforço do poder executivo. Assim, substituía-se um pluralismo partidário por um partido único e aboliram-se os sindicatos livres. Em primeiro lugar, Salazar, defendia a preservação de valores tradicionais tais como Deus, Pátria e Família, de modo a formar uma sociedade educada e com bons princípios morais. O governo caracterizou-se ainda pelo imperialismo colonial e nacionalismo econômico, à semelhança de Mussolini e de Hitler. Os direitos dos cidadãos foram muito limitados, bem como as suas liberdades. Já no ano de 1926 instituiu-se a censura aos meios de comunicação social com o objetivo de supervisionar todos os assuntos políticos, religiosos e militares. A influência de Salazar dominava todos os setores da vida portuguesa, repressão e censura cerceavam as liberdades individuais, políticas e todos os direitos civis e trabalhistas como, por exemplo, as greves que foram seriamente restringidas. Os direitos dos cidadãos foram muito limitados, essas ações impediram a divulgação de atividades contra o governo, alguns livros, jornais e outras formas de expressões de pensamento e ideologias divergentes ao governo foram proibidas, assim impedia-se a que a opinião pública fosse livre. Segundo os estudos referentes à relação do feminino com a militância feminista em busca por direitos de liberdade, algumas mulheres se destacaram, entre elas esteve Maria Lamas personagem biografada pela jornalista e também militante Maria Antonia Fiadeiro que também foi uma mulher de atuação opositora a opressão ditatorial e que migrou para a cidade de São Paulo A dissertação de Maria Antónia Fiadeiro é considerada obra pioneira no estudo da figura de Maria Lamas como jornalista militante . Para Fiadeiro, Maria Lamas lutou pela paz e suas atuações sociais, políticas e humanistas o que a levou à prisão e ao exílio. Esteve preocupada com os direitos e com a dignidade para a vida das mulheres portuguesas. A pesquisa de Maria Fiadeiro descreve Lamas em conexão com as modernas reivindicações da primeira metade do século XX, a própria Lamas na visão de Fiadeiro assistiu às grandes transformações sociais do mundo ja na década de 20 o que a levou a se interessar pelo jornalismo, seus escritos que vão alem das atividades jornalisticas estão imersos nos discursos intelectuais reinvindicatórios naquele contexto, por isso Fiadeiro a considera feminista.

É importante discutir o que veio a ser a atuação militante e considerada feminista na década de 20 por aquelas mulheres, em especial por Maria Lamas, o que difere do conceito militância feminista em décadas posteriores. Quando se fala em feminismo é pertinente historicizar o seu significado porque segundo a autora Vera Soares3 o conceito de feminismo, pode ser entendido como a ação política realizada na teoria para ser colocada em prática através de ideais éticos, onde as mulheres como sujeitos históricos lutaram e lutam em prol da transformação de suas próprias condições sociais em diversas temporalidades e espaços e lugares do mundo. A autora Maria José Magalhães esclarece que a prática feminista é plural e multifacetada e abrange mulheres que atuam também no âmbito individual com a intenção de obter resultados coletivos, por isso a atuação feminista está ligada aos movimentos sociais e políticos, por outro lado , a política não pode ser vista apenas relacionada ao espaço público, porque o cotidiano , a vida privada e a pessoal também devem ser debatidos e colocados na pauta das discussões para uma ação política ,o que torna possível o diálogo entre a vida pública com a vida privada e as esferas institucionais de poder. Segundo a autora: Há que passar de uma solidariedade mecânica para uma solidariedade inclusiva. Se formos capazes de construir uma solidariedade que entenda as nossas diferenças, que dê espaço e reconhecimento à individualidade de cada uma de nós, a “sororidade em arco-íris”, estaremos mais aptas a trabalhar em conjunto as causas comuns e as preocupações políticas que constituem a nossa agenda feminista.4 Alguns estudos como aqueles que foram realizados pela cientista social Vanda Gorjão, afirmam ‘‘que nem sempre a oposição feminina foi feminista, apesar de considerar ser possível identificar uma pluralidade de circunstâncias de aproximação e de contágio entre as duas, resultantes da complexidade inerente ao estatuto de sujeitos políticos que as mulheres assumiram’’5 Algumas personagens femininas que atuaram contra a opressão política e social diziam ser feministas no sentido de estarem lutando para melhores condições de suas

3 Sobre esse assunto confira: SOARES, Vera. Movimento de mulheres e feminismo: evolução e novas tendências. IN: Revista Estudos feministas. Rio de Janeiro, 1994. 4 MAGALHAES, Maria José. O Longo Caminho das Mulheres. Feminismos 80 anos depois Lisboa. Dom Quixote, Editors. 2007 p.p 229 – 244. 5 Sobre esse assunto confira: GORJÃO, Vanda. Mulheres em tempos sombrios : oposição feminina ao Estado Novo. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2002.p.97.

vidas inseridas na sociedade, esta que pretendiam também beneficiar com suas lutas, mas muitas delas repetiam modelos que hoje podem ser considerados tradicionais, conservadores e sexistas6. Inclusive o termo feminismo poderia ser visto na sociedade entre os anos da década de 20 á 50 como uma postura feminina radical contra os homens devido a mentalidade machista permeada por tradições paternalistas. Por isso é necessário analisar a questão da atuação feminista com bastante sensibilidade e cautela, porque nem todas as mulheres que foram classificadas como feministas radicalizaram em seus atos como muitas vezes o senso comum aborda, nele as mulheres feministas aparecem representadas através de arquétipos que negam a sua feminilidade e as colocam como inimigas do sexo masculino. Isso posto é pertinente citar a reflexão da Primeira Ministra portuguesa Maria de Lourdes Pintasilgo7 A mulher quer se despojar de generalizações. Porque a atuação de muitas mulheres podem até serem vistas diz no singular refere-se a um destino que é sempre plural. E nesse plural se vem a reconhecer cada história singular. Teia que se tece e se desfaz para de novo se tecer8 Há feminismos porque as mulheres feministas são múltiplas e ao mesmo tempo singulares, assim é importante dizer que muitas mulheres que foram contestadoras podem ser chamadas de não feministas mediante o olhar das mulheres mais radicais do movimento situadas em temporalidades posteriores ás décadas do presente estudo, isso não quer dizer que as militantes mais ousadas e por exemplo, aquelas que atuaram nos anos 60 e que defendiam a liberdade sexual e o aborto entre outras questões possam deslegitimar a atuação daquelas que foram contrárias a essas práticas. Considerar a história de vida, o contexto sócio politico e econômico se faz muito relevante quando se quer desvelar as tramas da vida humana pelo olhar da história. A temporalidade histórica fértil aos trabalhos sobre a história das mulheres se desenvolveu em Portugal a partir dos anos setenta, beneficiando-se da abertura política democrática através da Revolução dos Cravos, que foi o movimento civil militar que

6 Sobre esse assunto confira: BUTLER, Judith. Problemas de gênero – feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. 7 Maria de Lourdes Pintasilgo, foi primeira ministra em Portugal entre os anos de 1979 á 1980. Além de ocupar vários outros cargos públicos. Foi autora de vários livros que discutem a participação feminina na esfera pública , social e política. 8 PINTASILGO, Maria de Lourdes. In: BARRENO, Maria Isabel Horta e outros. Novas Cartas portuguesas. Lisboa: Moraes editora. 1980.p.12.

derrubou o regime salazarista em Portugal, e ocorreu no ano de 1974, com o objetivo de estabelecer liberdades democráticas e de promover transformações sociais no país. Com a nova abordagem proposta pela Escola dos Analles as pesquisas históricas abririam seu olhar cada vez mais para o estudo de atividades humanas até então pouco investigadas levando em conta a diversidade de registros deixados pelos homens no tempo e a conexão dos mesmos com outras áreas do conhecimento, propondo assim a interdisciplinariedade entre os saberes, afinal “os homens parecem mais com o seu tempo do que com seus pais”9 Conforme esclarece Irene Vaquinhas:

O clima de liberdade que então se passou a viver em Portugal reflectiu-se, ao nível das ciências sociais, no estímulo dado a novas áreas de estudo, na renovação metodológica ou no interesse prestado a períodos históricos desprezados pela historiografia do regime a que a Revolução pusera fim. A história das mulheres foi um dos campos de investigação que então emergiu, beneficiando de uma série de circunstâncias favoráveis, em particular, a renovação da docência ministrada nas universidades, a influência da escola dos Annales e da "nova história" de orientação antropológica, dirigida para os estudos da vida privada e quotidiana, bem como alterações na própria sociedade portuguesa, mais concretamente, a entrada massiva de mulheres no ensino superior.10 Os estudos a respeito das personagens femininas iniciaram com a vontade de reparar o que os pesquisadores e autores chamaram de injustiça contra as mulheres comuns que ficaram ausentes da história oficial, era necessário estudar outras mulheres além das rainhas, e ou das heroínas que também foram estigmatizadas pelo olhar historiográfico masculino do positivismo. Assim a partir da abertura política na década de 70, e das produções da Nova História advinda dos Analles, os sujeitos históricos femininos e ou feministas foram ganhando visibilidade na historiografia que tinha o objetivo de investigar a vida pública , a privada , o cotidiano , o pensamento, o sentimento, a militância entre outras diversas temáticas que envolvem a vida feminina.

9 Sobre esse assunto cf: BLOCH, Marc. Apologia a História. Ofício do Históriador. Rio de Janeiro: Zahar.2001. 10 VAQUINHAS, Irene. Estudos sobre a História das mulheres em Portugal: As grandes linhas de Força no início do século XXI. In: Revista Interdisciplinar Interthesis. Volume 6. Número 1. Doutorado Interdisciplinar em Ciências Humanas. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis: 2009 .p.243. Disponível no link: https://periodicos.ufsc.br/index.php/interthesis/article/view/1807- 1384.2009v6n1p241/10802.

Duas são as personagens eleitas para análise são elas Maria Lamas e Maria Antonia Fiadeiro duas mulheres que são bastante significativas para o estudo sobre as mulheres intelectuais portuguesas militantes. Maria Lamas foi biografada por Maria Fiadeiro na obra Maria Lamas biografia publicada pela editora Quetzal no ano de 2003. Para realizar o desenvolvimento da pesquisa foram consultados diversos materiais, e entre eles parte da obra: As mulheres do meu país de autoria de Maria Lamas ,publicada pela editora Actuális em 194811, o referido estudo foi significativo para a compreensão da importância da militância feminina em Portugal diante da temporalidade histórica onde se instalou a repressão governamental compreendida pelos regimes do período da Ditadura Militar, (1926 a 1928), a Ditadura Nacional (1928 á 1933) e o Estado Novo, iniciado em 1933 e findado em abril de 1974. Na referida obra Maria Lamas descreve a trajetória de sua luta a partir de seu atento olhar sobre outras mulheres de diversas regiões de Portugal, seu trabalho foi um desafio enfrentado por si mesma e ao mesmo tempo uma atitude desafiadora ao regime ditatorial. Maria da Conceição Vassalo e Silva da Cunha Lamas nasceu em a 6 de Outubro de 1893 em uma familia considerada burguesa ,veio a falecer em Lisboa a 6 de Dezembro de 1983, aos noventa anos de idade. Atuou como: escritora, tradutora, jornalista e militante opositora ao governo Salazar, sua ação estava em promover a independencia das mulheres mediante a educação e ao exercício de uma profissão ou de um ofício que as emanciapassem financeiramente. Estudou como aluna interna no Convento de Santa Teresa de Jesus em Torres Novas, até os quinze anos de idade, onde aprendeu vários idiomas , a tocar piano, a pintar e a bordar entre outras aprendizagens. Em 1911 com dezessete anos casou-se com um jovem oficial do exército republicano,

11 Vale ressaltar a respeito da data de publicação da obra : As mulheres de meu país de autoria de Maria Lamas. Os estudos de Luciana de Andrade de Almeida apontam como data de edição da obra o ano de 1948. Confira ALMEIDA, Luciana de Andrade. As mulheres do meu país: A viagem de Maria Lamas ao encontro das trabalhadoras portuguesas. (1948-1950) in: Fazendo Gênero . Diásporas, Diversidades e Deslocamentos p.10 disponível no link: http://www.fazendogenero.ufsc.br/9/resources/anais/1291731507_ARQUIVO_LUCIANAANDRADEDE ALMEIDA.pdf Já a autora Manuela Tavares na obra Feminismos Percursos e Desafios . Portugal : Leya.2010 p.45 , afirma que a primeira edição da referida obra surgiu em 1950. Isso porque a referida obra de Maria Lamas foi publicada em 15 fascículos mensais entre os anos de 1948 á 1949, e em 1950 foi publicada como livro com uma estrutura editorial montada para a ocasião (Actuális, Distribuidores Gerais, Lisboa). Foi reeditado em fac-simili pela editora Caminho em 2002.

o português Teófilo Ribeiro da Fonseca que na época tinha vinte e cinco anos. Mesmo durante a gravidez, não hesitou em acompanhar Teófilo em missões militares vivendo em lugares inóspitos na África, assim em Luanda nasceu sua primeira filha que recebeu o nome de Maria Emilia. Em 1913 regressou a Portugal e retorna a casa dos pais em Torres Novas , novamente grávida da segunda filha, mas infeliz no casamento assim divorciou-se de seu esposo em 1919, após o divórcio e com duas filhas foi viver em Lisboa , e para sustentar a sua família decidiu dedicar-se ao jornalismo isso foi possível devido a amizade com Maria Monteiro Torres víúva de Oscar Monteiro Torres que era colega de profissão do esposo de Maria Lamas, o casal Torres era padrinho de Maria Emila . Maria Monteiro Torres apresentou Maria Lamas para Virgína Quaresma que era diretora da Agencia Americana de Notícias, assim Maria Lamas passou a trabalhar intensamente como escritora e jornalista. Logo que se divorciou começou a escrever nos jornais. Voltou a se casar em 1921 com um colega de profissão Alfredo da Cunha Lamas, foi um casamento permeado de turbulencias e dificuldades financeiras,onde Maria Lamas passou a ter também o ofício de costureira para ajudar nas despeas da casa , desse relacionamento teve mais uma filha chamada Maria Candida em 1922. Em 1936 separou-se de Alfredo Lamas que veio a falecer em 1953 , mas não chegou a divorciar-se do marido, por isso manteve o sobrenome Lamas. Como jornalista trabalhou em diversos empregos, em jornais e revistas, tais como A Joaninha onde a sua colaboração no "Correio da Joaninha" passou a ser um diálogo educativo com o público, passou pelas redações da Agência Americana de Notícias, da revista e Civilização. Escreveu no jornal A Voz, Correio da Manhã, e no suplemento semanal "Modas e Bordados” revista que surgiu no ano de 1912 ligada ao jornal O Século ,o trabalho de Lamas ai iniciou -se entre os anos de 1928/29 a partir do contato com o escritor que ja era colaborador do referido jornal e finalizou-se por volta do ano de 1947 quando foi demitida devido as perseguições ditatoriais. Voltará a trabalhar no suplemento do jornal em 1975 apóa a Revolução dos Cravos.

Maria Lamas no cargo de diretora de Modas e Bordados passou a fazer um trabalho que para ela era essencial, de chegar às mulheres trabalhadoras pouco esclarecidas quanto aos seus direitos, o supelmento jornalístico transformou-se em algo mais do que uma distração para donas de casa.O engajamento de Maria Lamas até mesmo fez com que o jornal aumentasse seus lucros pela tiragem de vendas porque a revista trazia modas, artesanatos como bordados, com amostras de ‘tricot’, de ‘croché’ que foram mantidos como conteúdos da revista durante a sua direção inclusive Lamas dava importancia ao trabalho doméstico das mulheres, mas acrescentou a eles reflexões sobre suas vidas , fossem as leitoras donas de casa ou não . Inclusive havia um espaço da revista chamado Correio Sentimental destinado as questoes femininas através do pseudonimo de “Tia Filomena” Maria Lamas respondia as cartas que continham angústias referentes aos relacionamentos, as questões da vida familiar, social e, política, entre outras. Escreveu também contos infantis algo que ja fazia parte de sua vida desde 1925, onde escrevia com o pseudonimo de Rosa Silvestre, também escreveu sobre estudos na área da mitologia, porém o seu livro mais importante As mulheres de meu país , foi feito através de dois anos de viagens por várias regiões de Portugal. A década de 20 foi um período fértil para as produções de Maria Lamas, até mesmo porque a ditadura militar, implantada em 1926, não proibiu a atividade de movimentos de mulheres e abriu a esfera política para uma pequena elite composta por militantes feministas , situação que se manteve com muita luta por parte do movimento no Estado Novo. É importante dizer que essa atitude do Estado que foi considerada como abertura por muitas personagens do contexto e até mesmo por estudiosos do periodo, precisa ser vista com cautela porque o perído foi bastante hostil á reclamações de liberdades e por outro lado também, o Estado cumpriu muito bem sua função controladora e cercedadora de toda e qualquer manifestação mais ousada contra o regime, assim através das pequenas fendas as mulheres militantes foram atuantes no referido contexto e trouxeram resquícios dos movimentos de protestos femininos do século XIX, que tinham como preocupação que as mulheres tivessem acesso a instrução

escolar, direitos civis e trabalhistas entre outros.12 Inclusive Maria Lamas em 1930 organizou a exposição “Mulheres Portuguesas”, que foi evento de caráter literário, artístico e científico, e ocupou onze salas do edificio onde funcionava o jornal O Século em Lisboa, essa exposição contribuiu muito para corroborar a visibildiade de Maria Lamas. O decreto Estatal de 5 de Maio de 1931 possibilitou que as mulheres maiores de vinte e um anos, com diplomas do ensino secundário ou superior, tivessem o direito de voto, enquanto para os homens bastava que soubessem ler e escrever, assim apesar da conquista daquelas que eram diplomadas, não garantia a igualdade de direitos aquelas que não tinham estudo, dessa forma a diferença estava estabelecida pelas oportunidades que algumas tiveram de estudar e outras não , esse fator levava a desigualdade entre a parcela que compunha o grupo de mulheres letradas , diplomadas e cultas academicamente, em oposição aquelas que eram ,analfabetas e ou não possuíam ensino secundário e superior. Lamas esteve em comunhão com as condições de seu tempo , essas que atuaram sobre a sua vida. As preocupações de Maria Lamas estiveram voltadas em dar visibilidade as condições de vida de mulheres consideradas anônimas em seu cotidiano de trabalho em diversas profissões no espaço urbano , no campo, e no litoral, assim ela registrou a vida das camponesas, das operárias, das ribeirinhas, das donas de casa ,das bordadeiras e daquelas que viviam beira mar entre outras.13 Maria Lamas preocupou-se em estudar as especificidades de cada região e a interface com o ofício de cada grupo feminino mediante a realidade sócio politico e econômico de suas protagonistas. Durante seu percurso como escritora e militante é importante destacar que Maria Lamas não se autodenominava feminista, preferia ser chamada de democrata, o fato de negar o adjetivo feminista deve-se ao fato de que esse termo para a mentalidade

12 As políticas prostitucionais adotadas no fim da Monarquia e durante a República já foram objeto de estudo, sobretudo no que se refere às propostas de tolerância da prostituição sujeita à catalogação e as inspeções sanitárias, sendo estas articuladas com o desenvolvimento das ciências médicas e biológicas, inspiradoras de reformas no plano social com base nos discursos médicos sanitaristas e higienistas em voga no século XIX e início do XX.Por outro lado atuavam movimentos e mulheres como a Liga Republicana de Mulheres Portuguesas (1908-1919) e a Associação de Propaganda Feminista(1911-1918) entre outros.Sobre esse assunto confira:VAQUINHAS. Op.cit. p.251-252. 13 A obra Mulheres do meu País derivou-se das viagens de Maria Lamas por diversas regiões de Portugal, com a intenção de realizar uma reportagem sobre as condições sócio econômicas das mulheres portuguesas no final dos anos 1940, foi considerada a primeira grande reportagem sobre o tema , trabalho este que esta permeado de dados estatísticos e diversas histórias de vida.

conservadora da época era considerado muito ousado e geralmente estava associado á liberdades sexuais e á experiências sociais das mulheres em espaços e lugares considerados masculinos como os bares e também ao uso de substancias como álcool e a outras drogas, ao uso de calças compridas, aos cabelos curtos entre outras manifestações consideradas radicais . Maria Lamas estava muito mais preocupada com a emancipação da mulher enquanto trabalhadora e conhecedora de seus direitos, e isso seria possível adquirir através dos estudos, pelo caminho da educação.

O trabalho, por outro lado, poderia proporcionar à mulher uma atitude mais emancipada e consciente. Seria esse um dos receios do Estado Novo? Pergunta Maria Lamas, que demarca sua posição como democrata – e não feminista, adjetivo que jamais adotou para si... Contudo, o discurso do Estado Novo contra o trabalho feminino fora do lar esbarrava na realidade de um número cada vez maior de mulheres trabalhando fora de casa, na indústria, na agricultura e em uma série de atividades afetadas por massivas emigrações no país naquele período do século XX. ... e a realidade pretendida pelo regime autoritário já não era mais possível em muitas famílias, que dependiam dos rendimentos das mulheres para garantir seu sustento. Trabalhavam como lavradeiras, jornaleiras, carvoeiras, amassadeiras de pão, pastoras, comerciantes. Atuavam nas indústrias caseiras de doces, pães, bolos, tecelagem, tapetes, rendas, bonecos de barro, chapéus de palha de trigo e de milho, cestos de vime. Desempenhavam ofícios intelectuais de professora, escritora, jornalista, médica, advogada, investigadora científica, funcionaria pública, enfermeira, datilógrafa, telefonista, vendedora. Apesar de abordar prioritariamente o cotidiano feminino relacionado ao trabalho, Maria Lamas não deixou de incorporar a seu discurso o lugar da mãe na família, responsável pelo cuidado dos filhos. Procurou mostrar que elas precisavam conciliar as diversas atividades e estabelecia um diálogo entre as diversas dimensões femininas.14 O modo de pensar de Maria Lamas oscilava entre a moral conservadora e a liberdade de direitos da mulher, sua atuação não rompeu com o papel tradicional da mulher como esposa, mãe e dona de casa, mas avançou na luta da conscientização feminina , permitiu que as mulheres tivessem a oportunidade de olhar para si mesmas diante de suas vidas em diversos cenários onde estavam inseridas. Apesar de abordar prioritariamente o cotidiano feminino relacionado ao trabalho, Maria Lamas não deixou de incorporar a seu discurso o lugar da mãe na família, responsável pelo cuidado dos

14 ALMEIDA, Luciana de Andrade. As mulheres do meu país: A viagem de Maria Lamas ao encontro das trabalhadoras portuguesas. (1948-1950) in: Fazendo Gênero . Diásporas, Diversidades e Deslocamentos p. 7.op,cit.

filhos. Procurou mostrar que elas precisavam conciliar as diversas atividades e estabelecia um diálogo entre as diversas dimensões femininas.15 Maria Lamas teve uma longa trajetória como escritora , jornalista e militante ,por isso produziu vários escritos desde seu trabalho como escritora para o público infantil na Revista Pintainho fundada em 1925, onde assinava como o pseudônimo de Rosa Silvestre ,na direção do Correio dos Pequeninos vinculado ao Jornal da Manhã em 1927,como também na Semana Infantil do jornal A Voz onde ela assinava com o pseudônimo de Tio Tiroliro, entre outros , escreveu livros com temáticas infanto juvenis , entre eles estão : Maria Cotovia (1928), Aventuras de Cinco Irmãozinhos (1931) A Montanha Maravilhosa (1933), A Estrela do Norte (1934), Brincos de Cereja ( (1935), O Vale dos Encantos (1942). É muito interessante como Maria Lamas se preocupou em enfatizar o tema da educação e do trabalho em suas obras. Alice Vieira estudiosa da obra infanto juvenil de Lamas esclarece: Também em toda obra de Maria Lamas o poder do conhecimento e a necessidade da educação para todos, temas tão queridos ao ideário republicano- estão sempre presentes... Não deixa de ser interessante verificar que, na quase totalidade dos livros de Maria Lamas para os mais novos, sejam referenciadas apenas profissões ligadas ao meio rural, profissões – para utilizar a terminologia que lhe é tão cara – de “ gente simples “, nas suas páginas encontramos pescadores,pastores, oleiros, hortelões, e com alguma frequência gente ligada ao circo... Quanto ás restantes personagens que não se enquadram em ambientes rurais, não se sabe muito bem quais as suas atividades, a não ser , evidentemente, as legiões de criados e criadas que toda família burguesa da época não dispensava.16 O olhar de Maria Lamas ficou registrado em seus escritos que esteve preocupado em dar visibilidade aos ‘‘outros, ou seja as minorias, aqueles que estiveram oprimidos por alguma condição em suas vidas, até mesmo os livros destinados ao público infato juvenil continham essa preocupação conforme esclarece Alice Vieira. De resto até para leitores adultos estes livros de Maria Lamas tem interesse: neles se encontra espelhada a vida portuguesa dessas primeiras décadas do século, as desigualdades sociais, o estatuto especial de que muitos desfrutam a arte , a cultura e o lazer possíveis apenas para os que tem bolsa farta e vida tranquila. De tal maneira a autora tem consciência de que seus livros( e os livros em geral) serão lidos por uma minoria de privilegiados – e os que tinham acesso á

15 Idem. Ibdem. 16 VIEIRA, Alice. Maria Lamas-Uma escritora para a infância.In: MUCZNIK ,Lúcia Liba. Maria Lamas 1893-1983. Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro. Biblioteca Nacional. Lisboa: 1993.p.19.

cultura e á grande riqueza do conhecimento – que aproveita as suas páginas para chamar a atenção dos leitores para os “ outros”...17 No entendimento da autora era necessário conscientizar aqueles que sabiam ler e escrever mas que pertenciam a classes sociais menos favorecidas ,como também aqueles que pertenciam as classes mais abastadas de que havia outras realidades que precisavam ser conhecidas e reconhecidas, e que havia no meio social havia muitas diferenças do ponto de vista econômico, politico e cultural entre as pessoas, mas que apesar delas todos mereciam ser tratados com dignidade, propunha igualdade apesar das diferenças. Algumas de suas obras publicadas na década de 30 e 40 como A Montanha Maravilhosa (1933) que denuncia o trabalho infantil através do personagem do menino Cadocha onde ela tem a preocupação de propor a aceitação daqueles que são diferentes fisicamente através do personagem do anão Rico Pico , a obra O Vale dos Encantos (1942) coloca a questão do idoso na personagem Serafina a Tonta. Preocupou-se com a fauna e com a flora , com os minerais, incluindo os metais , a água dos rios e dos mares. Trouxe a tona a dominação da natureza pelo homem e a formação das cidades em oposição ao espaço rural e vice e versa, deu visibilidade aos sentimentos e as necessidades da alma dos seres humanos, suas obras também propõem a superação dos problemas, trazem mensagens de esperança. Em A Montanha Maravilhosa o grupo de cinco primos da cidade insere-se na vida da quinta com todos os seus trabalhos, percorrem o pátio , a vacaria, os palheiros, a horta, o jardim, ficam a saber como era moído o milho na azenha, á beirinha do regato... todas crianças tem brinquedos simples... A leitura destes livros infantis de Maria Lamas é, sem dúvida uma viagem fascinante a um tempo tão perto e já tão distante : um tempo onde a televisão anda não chegara, onde as pessoas tem o conhecimento limitado á aldeia onde vivem, ou a que ouvem contar quem por lá passa... Em todos os seus livros Maria Lamas inclui sempre uma (ou mais ) criança infeliz, trabalham desde muito pequenos para seu próprio sustento (são normalmente pastores), procuram os pais que um dia deixaram, padecem de doenças de grande sofrimento, pedem esmolas ... aturam maus tratos, choram o pai que morreu no mar. Mas todos sabem que o futuro pode ser diferente, que é possível diminuir o sofrimento das criaturas e tornar o mundo melhor...18 Além do trabalho jornalístico e bibliográfico, Lamas deixou um vasto material catalogado e dividido em três grupos de documentação Manuscritos onde encontram –

17 idem. Ibidem 18 idem . pp. 22-23.

se textos, cartas , bilhetes ,documentos biográficos, e homenagens recebidas, no outro grupo estão aqueles que foram impressos e ou publicados, e por ultimo estão toda a iconografia composta por fotografias, desenhos, pinturas, e esculturas.19 Os objetivos de sua militância estiveram comprometidos com a denuncia das injustiças sociais, onde muitas pessoas estiveram subjugadas através das múltiplas formas de violência que sofriam e que por sua vez mediante o Estado Novo , foram silenciadas. Os estudos referente a Maria Lamas apontam que foi em meados da década de 40 que ela declarou-se publicamente sem o uso de metáforas contra o Estado Novo. Naquele contexto no ano de 1949, foi presa por alguns dias, julgada e absolvida. Apesar de ter construído a sua trajetória como uma defensora da conquista dos direitos das mulheres e suas atitudes terem sido consideradas de oposição ao Estado Novo, o seu discurso também aclamava que as mulheres tinham deveres a cumprir, como filha , esposa, mãe, dona de casa , entre outros papéis que hoje podem ser considerados conservadores já que a base do Estado Novo português estava alicerçado nos elementos do catolicismo, na exaltação do Estado Nação Português e na consolidação da família burguesa. “ Deus , Pátria e Família” que formaram o slogan da propaganda Salazarista. Segundo Ferreira: Escritos respectivamente na primeira e na última parte dos anos vinte e publicados com o pseudónimo de Rosa Silvestre, os dois primeiros romances de Maria Lamas, Diferenças de Raças (1923) e O Caminho Luminoso (1927, 1930), representam dois momentos diferenciados do discurso eugênico (e não apenas higienista), nacionalista e conservador surgido na década de vinte em resposta a um estado de crise nacional... Maria Lamas junta a sua voz a uma corrente de forte carácter moralista que representa certo desencanto perante as promessas da primeira república vis-à-vis a situação das mulheres em Portugal. Nos seus dois primeiros romances, mas de modo mais acentuado ainda no segundo, Maria Lamas serve-se de um estilo simples e imediato, pedagógico-maternal – é de notar que começa a escrever para crianças em 1925 – para apresentar modelos de conduta feminina exemplar-salvadora, que evocam o receituário conservador... e cujos elementos de base re-aparecerão na propaganda do Estado Novo sobre a mulher e a família.20

19 Sobre a referida vasta documentação sobre Maria Lamas confira o trabalho de : MUCZNIK, Lúcia Liba. Maria Lamas 1893-1983. Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro. Biblioteca Nacional. Lisboa: 1993. 20 FERREIRA, Ana Paula. Maria Lamas romancista a parte esquecida da jornalista. In: AREIAS, Laura & PINHEIRO, da Cunha Luis. (coord) As Mulheres e a Imprensa Periódica. Lisboa: Centro de Literaturas e Culturas Lusofonas e Europeias. Universidade de Lisboa.2014. pp. 64 -65.

A pesquisa encontrou dados sobre a perseguição por parte do governo contra Maria Lamas, assim entende-se que apesar de alguns aspectos conservadores, Lamas, foi uma mulher de vanguarda. O que a pesquisa desvelou foi a ambiguidade existente na vida e obra dessa personagem forte e delicada ao mesmo tempo, isso deve se ao fato de que sua vida e carreira foram extensas e intensas, e assim com sua inquietude demonstrou mudanças de atitudes e de posicionamentos quando referiu-se a causa que defendia. Quanto mais escrevia, viajava e atuava, Lamas foi sendo modificada , suas vivencias e experiências a levaram a querer mudar o seu entorno. Ferreira fez apontamentos sobre o aspecto democrata e feminista de Maria Lamas a partir da obra As mulheres de meu pais : Sintomaticamente, contrário ao que acontece em Para Além do Amor, não se regista neste último romance de Maria Lamas nem a valorização da fé cristã nem da maternidade como terapias reintegradoras do indivíduo na família e na comunidade. A Ilha Verde constitui, de facto, um hiato crítico-especulativo na ficção da Autora após o qual não haverá retorno à articulação normativa entre a mulher e a mãe, que é outro modo de dizer o silenciamento daquela em função do papel reprodutivo desta última. Esse hiato, como vimos, centra-se na explanação da sexualidade feminina como fonte de prazer marginal à ordem moral do casamento (cujo objectivo é a maternidade). Que se faça representar por meio de uma personagem estrangeira, uma mulher solteira, instruída e independente, ... A Ilha Verde, em 1938, é depressa apreendida pela censura . Mas seja ou não estratégia dado um tema supostamente imoral, o uso de uma estrangeira reclamando o direito feminino ao prazer sexual pode ser sugestiva da distância irremediável entre ideais (e condutas) feministas “lá de fora” e mulheres portuguesas vivendo realidades concretas relativas a meio-ambiente, a classe social, a nível de educação, de formação religiosa, etc. É a estas mulheres que Maria Lamas dedicará a sua atenção em As Mulheres do Meu País, poucos anos depois de se afirmar publicamente como feminista e, sobretudo, como democrata.21 Maria Antonia Fiadeiro afirma que a obra As mulheres do meu país foi o grande desafio de Maria Lamas conforme descreve Manuela Tavares citando Fiadeiro: Em 1950, surge a primeira edição de Maria Lamas, As mulheres do meu país. O grande desafio de sua vida , assim descreve Maria Antonia Fiadeiro, a resposta apropriada ao governador civil de Lisboa, que tinha ordenado o encerramento do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas (CNMP) em 1947, afirmando que o Estado

21 FERREIRA, op.cit. p.74. Vale que a escritora Maria Archer publicou a novela Ida e Volta de uma Caixa de Cigarros em 1938 no mesmo ano da referida obra de Maria Lamas, ambas as obras trazem a temática da liberdade feminina e das questões ligadas á sexualidade entre outras.

confiava a Obra das Mães para a Educação Nacional (OMEN), o encargo de educar e orientar as mulheres. Durante dois anos Maria Lamas percorreu o país de “comboio” de caminhoneta, de carro de bois, á pé, de burro, de toda a maneira revelando –se uma notável jornalista, num trabalho de reportagem ímpar, capaz de captar nos seus ínfimos pormenores, os quotidianos das mulheres portuguesas22 A obra As mulheres do meu País, publicada como livro em 1950, traz detalhes das regiões onde viviam as mulheres que foram encontradas por Lamas, onde ela mesma se preocupou em observar a vidas daquelas que foram observaadas em seus afazeres , o olhar da autora registrou impressões sobre aquelas personagens além do mundo do trabalho. Para ela as mulheres encontradas eram pobres e viviam imersas na ignorância e no abandono conforme registrou no jornal Diário de Lisboa 27 de Janeiro de 1949. O livro fala nos da vida das mulheres de Lamas de Mouro, Cubalhão, Cardielos,Parede do Monte, Cortegaça , Gavieira, Merufe, Várzea, Soajo, Lindoso. Não só de sua resistência mas de sua combatiividade,...Maria Lamas não esquece os ambientes, as paisagens, os dizeres, as quadras soltas, as canções e fala do encantamento dessas mulheres quando são jovens, risonhas, comunicativas. Mas como afirma depois do casamento ‘ caem geralmente em desmazelo, perdem toda a frescura, tão depressa que mesmo antes de se lhes ter esgotado a seiva da mocidade já elas próprias se consideram velhas. Mesmo quando o marido as não maltrate a vida encarrega-se de as maltratar23 A década de 50 reafirmou valores capitalistas , burgueses e patriarcais, o clichê Anos Dourados24 sintetizou valores de uma ideologia estadunidense que divulgou nas áreas de influencia capitalista a glamourização da vida, a definição dos papéis sociais de homens e mulheres que culturalmente passaram a desempenhar funções em seus cotidianos através da cultura do American way of life que representava os gêneros de forma estereotipada, assim modelos de feminilidade e masculinidade marcaram enfaticamente o períodos. Estudos afirmam que houve no pós segunda guerra um retrocesso nas conquistas obtidas pelos movimentos feministas nas décadas anteriores conforme esclarece Vanda Gorjão: Nas democracias ocidentais dos anos 50 eram dominantes os valores tradicionais na definição do feminino e do masculino. O culto da

22 TAVARES, Manuela. Feminismos Percursos e Desafios. 1947-2007. Portugal: Leya. 2010. p.37. 23 TAVARES, Manuela. Feminismos Percursos e Desafios. 1947-2007. Portugal: Leya. 2010. 24 Sobre esse assunto confira VALDIVIA, Marcia Barros, A São Paulo Glamourosa. Encantos e Desencantos. 1949-1959. Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 2008.

maternidade e o antifeminsimo, eixos fundamentais da politica autoritária relativa as mulheres, faziam parte de um caldo ancestral de códigos patriarcais partilhados pelas sociedades democráticas ... Na globalidade as politicas sociais das democracias ocidentais durante esse período não consideravam as mulheres enquanto sujeitos autônomos, pensavam nas antes enquanto mães.25 Devido a ditadura Salazarista as mulheres em Portugal não obtiveram as mesmas conquistas que as mulheres europeias , essas que conquistaram o direito de votar, divorciar-se e livrar-se do poder paternal e marital entre outras questões que também estiveram na pauta de luta do movimento feminista em outras partes do mundo, o que não significa que essas conquistas aboliram o preconceito contra a mulher . Um fato interessante foi que já em 1911 Carolina Beatriz Ângelo viúva e provedora de sua família conseguiu votar em Portugal, mas novas as legislações promulgadas em 1913, vetou o direito do voto ao sexo feminino. As vivencias e experiências das portuguesas tiveram inúmeras especificidades, entre elas a pesquisa encontrou estudos que afirmam que década de 20 foi muito propícia para a atuação feminista em Portugal, isso deve-se ao fato de ainda haver certas liberdades que serão banidas diante do recrudescimento do regime, e conforme já foi citado neste relatório que a referida década foi um período fértil para as produções de Maria Lamas, até mesmo porque a ditadura militar, implantada em 1926, não proibiu a atividade de movimentos de mulheres e deu abrertura para uma pequena elite composta por militantes feministas como ja foi aqui dito. Na primeira metade do século XX em Portugal, o pensamento e a acção feminista afirmavam-se em torno do direito á a educação, ao trbalho , a participação política através da luta pelo direito ao voto e ainda nas alterações legislativas sobre o divorcio, o casamento e a filiação... , Ana de Castro Osório, Angélica Porto, Aurora de Castro Gouveia, Carolina Beatriz Ângelo, Carolina Michaelis de Vasconcelos, Deolinda Lopes Vieira, Alice Moderno, Virgínia Quaresma, Beatriz Pinheiro, Maria Velada,Elina Guimaraes e Maria Lamas, são algumas da mulheres que marcaram os feminismos na primeira metade do século , sendo que a acção das duas últimas se prolongou pelas décadas seguintes. Os anos de ouro dos feminismos em Portugal – a década de 20... que permitiu a realização de dois Congressos feministas (1924-1928) a adesão ao feminismo de uma

25 GORJÃO, Vanda. Mulheres em tempos: oposição feminina ao Estado Novo. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2002.p.11.

nova geração de mulheres e a consolidação do Conselho Nacional de Mulheres Portuguesas.26 Engajada na luta pelo direito de uma vida digna ás mulheres, Maria Lamas que fazia parte da Comissão Central do Movimento Nacional Democrático foi presa, sua ação estava em divulgar as necessidades das mulheres como seres humanos, porém o que afligiam as mulheres devia ser considerado como tudo aquilo que ofende a humanidade.O recrudescimeno da repressão trouxe as seguintes consequencias para Lamas e todas aquelas que defendiam a causa do direito feminino: No inicio da década de 1950, uma vaga repressiva conduz a prisão de todos os elementos da Comissão Central do Movimento Nacional Democrático (MDN), consequentemente das duas únicas mulheres com assento legal nesse orgão, Maria Lamas e Virginia Moura.Quando em 1952 , Virgínia Moura é de novo presa pela publicação com outros democratas do Manifesto “Pacto da Paz”... surge no Boletim da Comissão Central do Moviento Democrático uma carta dirigida a Virgínia Moura escrita pela presidente da Federação Democrática Internacional das Mulheres (FDIM), Eugénie Cotton, de solideriedade com as mulheres portuguesas que sofriam a opressão do regime. A presença da FDIM, fez se sentir ao longo das décadas seguintes com mensagens e acções de carácter antifascistas.No MDN havia se também formado uma componente feminina designada por Movimento Democrático Nacional Feminino de que faziam parte entre outras: Maria Izabel Aboim Inglez, Virginia Moura, Manuela Porto, Ema Quintas Alves, Ermelinda Cortesão, Vitalina Machado,Eugenia Fernandes,Maria das Dores Cabrita, Antonia Farracha e Cesina Bermudes... Antonia Farracha,Maria das Dores Cabrita, Cesina Bermudes foram presas mediante um processo de acusação da policia politica.27 É importante considerar que a mulher foi inserida na cultura do american way of life através da projeção do ideal de feminilidade, onde as mulheres entre os finais dos anos 40 e 50 desempenhavam funções muito definidas socialmente através de arquetipos como : a moça solteira que se mantinha virgem até o casamento, a esposa dedicada ao lar ,ao casamento e aos filhos , mas que deveria se manter bela e recatada. O corpo era adornado por idumentárias que valorizavam a cintura, o quadril e os seios, em uma espécie de tríade entre o seduzir,o parir e o nutrir em uma sociedade patriarcal

26 TAVARES, Manuela. Feminismos Percursos e Desafios. Op.cit.p.31. É importante ressaltar que o movimento feminista já havia percorrido um longo caminho de lutas desde o século XIX e foi amadurecido no início século XX diante das questões que foram pertinentes aquele contexto. Sobre esse assunto o historiador João Gomes Esteves traz contribuições sobre o assunto ESTEVES, João Gomes. A liga Republicana das Mulheres Portuguesas. Uma organização Politica e Feminista 1908-1919. Lisboa: Conselho Consultivo da Comissão para a Igualdade do Direito das Mulheres. ( CIDM.) 1991. 27 TAVARES, Manuela. Feminismos Percursos e Desafios. Op.cit.p.41

que vigiava os gestos , os usos, os costumes e as atitudes das mulheres em espaços públicos e privados. Havia toda uma rede de discrusos no Ocidente capitalista, em especial no pós guerra que tinha como função doutrinar, ensinar e divulgar o arquétipo ideal de feminilidade: Ser mãe, esposa e dona de casa era considerado o destino natural das mulheres. Na ideologia dos Anos Dourados, maternidade, casamento e dedicação ao lar faziam parte da essência feminina; sem história, sem possibilidade de contestação (BASSANEZI, 2006, p.609). Essa vocação prioritária era a marca da feminilidade da época e estava impregnada no processo de educação das mulheres. Como diz a autora os conselhos sobre como se comportar estavam sempre presentes nas conversas entre mãe e filha, nos romances para moças, nos sermões do padre, nas opiniões de um juiz ou legislador sintonizado com seu tempo. “Isso não quer dizer que todas as mulheres pensavam e agiam de acordo o esperado, e sim que as expectativas sociais faziam parte de sua realidade, influenciando suas atitudes e pesando em suas escolhas.28 As mulheres que não seguiam a risca os padrões pré - estabelecidos eram vistas como exemplo daquilo que não deveria ser seguido, isso siguinificava” ser mal vista”, “mal falada”, vale dizer que as regras e as cobranças recaiam com maior peso sobre as mulheres que perteciam á elites e ou a classe média, pois estas estavam mais em evidência e tinham acesso a tais modelos culturias estadudidenses de comportamento infiltrado através da industria cultural . As mulheres de baixa renda necessitavam trabalhar, muitas eram provedoras do seu sustento e de sua familia assim tinham outras formas de comportamento inclusive burlavam os costumes da forma de se vestir, ja que por muitas vezes usavam uniformes dos seus locais de trabalho que poderia ou não, incluir calças compridas. Portugal recebeu a influência dos referidos padrões culturais na década de 50, inclusive muitas mulheres apoiaram o Estado Salazarista e seus discursos de valores moralistas, patriarcais e burgueses. Nós mulheres portuguesas que temos uma personalidade que não é apenas um elemento amorfo de uma massa que se deixa dominar por agitadores, nós que nos dirigimos por uma inteligencia que sabe discernir e uma vontade que sabe querer, não queremos a Portugal a

28 BASSANEZI, Carla. Mulheres dos anos dourados. PRIORI,Mary Del (org). História das mulheres no Brasil. 8ª Ed. São Paulo: Contexto, 2006. p. 607-639. In: MATOS ,Juscelina Bárbara Anjos . Papéis de mulher – Moda , Identidade e Gênero. VI ENECULT- Encontro de Estudos Multiciplinares em Cultura. Universidade Federal da Bahia. 2010.Disponível in: http://www.cult.ufba.br/wordpress/24501.pdf

desordem. Queremos uma politica que tenha na base os princípios cristãos, que assegure a liberdade religiosa e a santidade da família que respeite as tradições e esteja a altura do destino de Portugal.29 Respeito e admiração á Salazar são explicitos no discurso acima o qual o apresenta como um herói para as mulheres que aceitavam e concordavam com o conservadorismo e com os papéis que lhes eram atribuídos. Assim a figura do ditador era uma referencia de masculidade, decência, cuidado, ordem, disciplina, um lider mitiicado como o condutor de uma nação emoldurado de hombridade por alguns discursos, entre eles estava o da imprensa como o jornal Diário de Lisboa citado acima e também a revista Menina Moça uma revista que surgiu em 1947 e vigorou até 1974. ...revista dirigida às jovens portuguesas como um importante instrumento ideológico do regime: ―Menina e Moça. ―Feminilidade, simplicidade, recato, disciplina, austeridade, empenhamento na vida escolar, religiosidade são valores sempre presentes desde o primeiro momento e que permanecem até ao último número.Enaltecer a figura de Salazar era também o objectivo de muitos dos artigos escritos que o apresentavam como uma figura de referência, um pai da Nação que tinha desistido dos seus interesses pessoais para a servir.30 Maria Lamas não seguia a “cartilha” do Estado Novo porque inúmeras vezes atuou em defesa das mulheres, a análise dessa pesquisa encontrou na pessoa de Lamas uma defensora das mulheres como seres humanos, mas que tinham deveres a cumprir e direitos a conquistar, foi além do arquétipo da mulher feminista na época como muito bem esclarece Fiadeiro sobre o conceito do feminismo naquele contexto histórico: A palavra feminismo foi proibida, foi censurada à direita e à esquerda. Ela deixa de aparecer na imprensa. A própria Maria Lamas nunca se assume como feminista, na opinião muito apropriada, de Elina Guimarães – uma feminista explícita , a Maria Lamas era uma feminista tácita. Fogem à designação para fugir ao estereótipo social, que «condena» o feminismo a uma luta contra os homens. Quer de um lado, quer do outro intervêm questões ideológicas. À direita, põe-se em causa que o destino das mulheres não seja casar e ter filhos. É a visão essencialista determinada pela biologia. À esquerda postula-se que os movimentos feministas são elitistas ,protagonizados por

29 LEAL, Maria Joana Mendes. “As mulheres portuguesas vão votar em respeito e gratidão a Salazar. In: Diário de Lisboa 25/05/1958. In TAVARES, Manuela.op.cit.p.55. 30 Sobre esse assuto cf: FIDALGO, Marta Vestia Menina e Moça: um Ideal de Formação Feminina (1960-1970), Lisboa: ONGS do Conselho Consultivo da CIDM, 2002p. 225. O primeiro número da revista surge em 1947 e o último número em 1974.In:TAVARES op.cit.

mulheres letradas e intelectuais burguesas com valores não coincidentes com os anseios das mulheres trabalhadoras.31 O feminismo sofreu modificações ao longo dos anos e dedicou-se a várias vertentes, muitas feministas hoje podem considerar Maria Lamas como uma personagem inserida no movimento, assunto este que este artigo não aborda, o que é importante destacar foi a presença humanista e as atitudes solidárias da personagem eleita para análise, que sofreu com o regime, pois foi presa quatro vezes entre os anos de 1949-1962, julgada, auto autoexilou-se em Paris até 1969. Maria Antonia Fiadeiro que a conheceu nesse período relata: Eu conheci-a nessa época, conversámos, ia ao café. Eu também estive exilada em França. Ela vivia num quarto onde cabia a cama e o guarda-fato e uma mesinha. Ali viveu anos”, disse Fiadeiro sobre o Hôtel Saint-Michel, no Quartier Latin, em Paris.32 Este trabalho pretendeu oferecer uma pequena contribuição mediante a grandiosa trajetória de Maria Lamas que continuou atuar após a década de 50. Foi uma mulher feita de pensamentos, reflexões e atitudes corajosas no âmbito público e privado. Pretendemos deixar com estre artigo um convite a outros olhares sobre essa mulher que imprimiu sua marca além de seus escritos.

31 FIADEIRO, Maria Antonia. Entrevista realizada em 08 de outubro de 2004 por TAVARES, Manuela. Feminismos em Portugal. (1947-2007). Lisboa: Universidade Aberta.( tese de doutorado). 2008.p. 110. 32 FIADEIRO, Maria Antonia. Depoimento Jornal Mediotejoneto. Maria Lamas, a escritora-jornalista, que lutava pelos direitos das mulheres. Dezembro de 2016. Disponível in: http://www.mediotejo.net/maria-lamas-a-escritora-jornalista-que-lutava-pelos-direitos-das-mulheres/