Inezita Barroso: a música caipira e o folclore nas ondas do rádio1

BUFARAH Junior, Alvaro – Mestre em Comunicação e Mercado2 Fundação Armando Alvares Penteado - FAAP .

Resumo

Este texto tenta traçar, de forma breve, a história de Inezita Barroso nos veículos de comunicação de sua época, especialmente no meio radiofônico, que segundo a cantora, revelou “um mundo de conhecimento”, quando ganhou um rádio valvulado ainda na infância. De família tradicional do interior do Estado de São Paulo, a menina Ignez brincou bastante com os primos e aproveitou muito suas férias nas fazendas dos tios para ouvir as modas de viola e causos dos colonos. Foi assim que se transformou em uma das mais respeitadas estudiosas do folclore brasileiro e também uma das maiores divulgadoras desta cultura.

Palavras-chave: rádio; música de caipira; folclore; história; cultura do interior;

1 Trabalho apresentado no GT de História da Mídia Sonora, integrante do 10º Encontro Nacional de História da Mídia, 2015.

2 Mestre em Comunicação e Mercado pela Fundação Cásper Líbero (FCL), professor dos cursos de Rádio e TV da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), e doutorando do Programa Pós-Graduação em Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM).

1) Uma breve biografia

Nascida em 4 de março de 1925, na rua Lopes de Oliveria, na capital paulista, num domingo de Carnaval, Ignez Magdalena Aranha de Lima, mais conhecida pelo nome artístico de Inezita Barroso, se transformou em uma lenda no universo caipira brasileiro. Filha de uma família que misturava portugueses e índios, Inezita cresceu brincando com os meninos do bairro da Barra Funda, local aonde seus avós maternos tinham um casarão. Chegou a ser capitã do time de futebol de rua, no qual era a ponta direita. Na vizinhança, tinham outras crianças de familias com posses, mas, todas calmas e “engomadas” que brincavam dentro de casa, em seus quintais. Inezita era diferente. Dizia que o negócio era brincar com os amigos do irmão de bicicleta, papagaio, corrida, bolinha de gude, soltar peão, esconde-esconde, e outras tantas molecagens quanto conseguisse. Como a família tinha posses e se dividia entre uma vida urbana e rural, era comum a menina passar suas férias nas fazendas dos parentes. Ela mesma reconhece que estas visitas ao interior do Estado de São Paulo, Mogi-Mirim, Matão, Itapira e Campinas, influenciaram muito sua história e carreira. “Crescer numa família de fazendeiros não só me proporcionou uma infância privilegiada como, indiretamente, acabou me empurrando de vez para a música” (Oliveria, 2014 p 16). A veia artística e o perfil corajoso, já estavam na familia, pois sua avó paterna, Maria Magdalena, era professora e cantora. Ficou viúva cedo, tendo de educar os três filhos sozinha. Por isso, veio para São Paulo, depois Santos e por fim, Ubatuba, aonde abriu um colégio com as duas irmãs. Dona Maria, tem uma história curiosa envolvendo a música. Inezita contava que a avó era uma mulher muito bonita e que cantava bem, sendo convidada pelas famílias abastadas de Belém (origem da família) a se apresentar em eventos sociais. Em uma destas ocasiões, iria cantar para a mais alta sociedade da cidade e por isso, mandou fazer um vestido de seda muito elegante. Tudo pronto para o evento, quando o marido, avô de Inezita, viu a esposa e sentenciou que ela não iria. Segunda a neta, Sr. Olyntho, professor e jornalista, era doente de ciumes pela esposa.

Com a crise instalada, na frente de todos, dona Maria aceitou a proibição, mas destacou que nunca mais cantaria para o marido ou para a família. Fechou o piano, trancou e jogou a chave no rio (Oliveria, 2014 p 17). Esta personalidade forte vai ser uma caracteristica da neta de dona Maria, pois desde de muito jovem, quando ia passar férias no campo, já montava nos cavalos com os primos e passava os fins de tarde nas casas dos colonos das fazendas. Lá aprendeu as principais canções populares da época sentada à beira da fogueira ouvindo as modas de viola, os improvisos e os duelos de violeiros. Como a família de Inezita tinha um piano na sala, o pai, ao perceber o encanto da filha pela música, contratou um professor. Mas, a menina se interessava era por violão, embora o instrumento não fosse considerado uma boa escolha, pois era tido como exclusivo para homens. Pior: era associado a botecos, serenatas e à “coisas de vagabundo” para a época. Porém, a insistência de Inezita foi tanta que conseguiu que os pais a colocassem para ter aulas com Dona Meire Buarque, que lecionava violão para grupos de meninas da alta sociedade. Era a mais nova da turma, o que não a impediu de se juntar ao grupo em apresentações em clubes finos da cidade, em saraus para as madames, enquanto tomavam chá da tarde. Entre as apresentações, o grupo de jovens musicistas foi se apresentar em um programa infantil da Rádio Cruzeiro do Sul, apresentado pelo César Ladeira. Ela afirma que este período e os ensinamentos da professora de violão foram uma influência para a vida toda. “Apesar de nova, comecei a descobrir e ter contato com a cena da música popular da época, saber quem estava fazendo coisa boa, quem estava em cartaz...e, principalmente a ter contato com bons locutores e compositores como , Lamartine Babo e Pixinguinha” (Oliveria,2014 p22). Outra influência forte na vida de Ignes foi a escola Caetano de Campos, na praça da República, atual sede da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. Lá Inezita fez seus estudos e acabou sendo levada ao curso de Biblioteconomia, da Universidade de São Paulo, que funcionou no mesmo espaço. Ela foi da primeira turma, sendo que o curso a ajudou a organizar outra paixão: os livros. Desde menina, ela brincava de professora e chegou a organizar uma biblioteca em casa, com fichas e pagamento pelo empréstimo dos exemplares. Esta dedicação e organização ainda hoje pode ser vista no acervo da cantora que guardou os livros de Cornélio Pires e outros nomes da literatura

juntamente com seus prêmios, histórias e presentes adquiridos ao longo da carreira. (Pereira,2013 p35). Junto dos estudos no Caetano de Campos, Inezita adorava esporte, e por isso, praticava muito. Ela era uma exímia nadadora, chegando a treinar no Clube de Regatas de São Paulo, que depois viria a ser o Clube Tietê. Foi lá que conheceu o marido, Adolfo, com que se casaria e teria uma filha. Mas, alguns anos depois da união, Inezita acabou se separando, embora mantendo a amizada pelo ex-marido e pela família dele. Inezita foi uma das grandes incentivadoras da chamada “música de raíz” no Brasil e acabou falecendo em 8 de março de 2015, vítima de insuficiência respiratória aos 90 anos. Ela havia sido internada em 19 de fevereiro, após uma queda em casa. Inezita deixou uma filha, Marta Barroso, três netas e cinco bisnetos. O velório ocorreu na Assembléia Legislativa de São Paulo e atraiu uma legião de fãs. A cantora, atriz, radialista e folclorista foi enterrada no Cemitério Gethsêmani, no Bairro do Morumbi, Zona Sul da capital.

2) A relação com a música e a cultura folclórica do país

A relação de Inezita com a cultura e o folclore do Brasil veio da convivência com os colonos das fazendas dos parentes no interior de São Paulo, mas, teve um grande mestre e modelo: Mário de Andrade. A história começa com a tia Zaida, irmã do pai de Inezita, que jovem tinha aulas com Mário no conservatório de São Paulo, onde o intelectual lecionava História Musical. Quando Ignes tinha uns nove ou dez anos, a tia lhe contava como o professor envolvia os alunos, de tal forma, que até gente de outros cursos vinham para assistir as aulas. Com isso, o efeito foi direto: Inezita passou a ler tudo sobre o autor e também seus livros, embora, recorde que “não entendia nada” pela pouca idade (Oliveria,2014 p43). Uma curiodade sobre esta paixão intelectual por Mario de Andrade: como ele morava próximo a Inezita, na Barra Funda, ela e a prima Suzana, iam passear de patins na frente da casa do escritor, esperando que ele passasse. O intelectual as via, mas elas nunca tiveram coragem de falar com ele. Ela dizia “que não era uma paixão, mas admiração, pois o consideravam um mito como escritor, cronista, poeta e professor”. Os

mistérios das obras de Mario só foram desvendados, quando Inezita já estava na Faculdade e pode reler suas obras (Oliveria,2014 p44). Além de Mário, Inezita afirma que um de suas maiores influências foi o pesquisador, escritor e radialista Cornélio Pires, que promovia cafés-concertos trazendo duplas caipiras para se apresentarem em São Paulo. Após os shows, ele fazia conferências e debates explicando o que eras aquelas manifestações culturais. O autor não foi só o primeiro a ter a preocupação de gravar música caipira, como também foi um dos maiores pesquisadores da área, recolhendo preciosidades ao longo da história. A cantora tinha todos os livros de Pires e sempre recorria a eles em suas pesquisas (Oliveria, 2014 p 65). Com este espírito de pesquisadora que Inezita passou sua vida em busca por novidades, músicas do interior do Brasil que ainda não haviam sido catalogadas nem apresentadas ao grande público dos meios de comunicação. Este perfil, foi uma tônica na carreira da cantora que levou estes elementos para seus programas de rádio e TV.

3) A relação com o Rádio e com a TV

Quando completou 10 anos, Inezita ganhou de presente um rádio. Segundo ela, “de repente o mundo pareceu se abrir”. Era um rádio de cabeceira, valvulado que ligava bem baixinho e ficava ouvindo até acabar a programação, por volta da meia-noite. As emissoras tinham programas musicais diversificados com músicas do mundo todo, como russa, alemã, portuguesa e mexicana. Esta última, uma paixão especial para Inezita que se recordava da vinda ao país de cantores como Pedro Vargas, Adelina Garcia e Elvira Rios. Entre as emissoras paulistanas, a jovem Ignes Magdalena, tinha como favoritas a Educadora, a Cruzeiro do Sul e a Record. Outro elemento importate que se juntou ao rádio para a composição de uma base musical de Inezita, foi a vitrola elétrica, que apareceu quando ela tinha uns doze anos. Com isso, a menina passou a utilizar a coleção de discos do pai, que tinha de tudo, especialmente música clássica. (Oliveria,2014 p27). Embora um pai conservador, seu Olyntho Ayeres de Lima incentivava o interesse da filha por música. Foi por isso, que passou a levá-la para assistir shows em teatros e no célebre auditório da Rádio Cultura, no centro da cidade. Este período, Inezita,

contava que foi importante pois nele foi a guinada definitiva para a música, pois embora o pai a quisesse estudando piano e com uma carreira de “professorinha”ela já havia se apaixonado pelo universo da música. Na realidade, ela já cantava em quermesses, festas de aniversário e ainda, se metia em qualquer roda de música que aparecesse. Também escrevia, dirigia e atuava em peças com os amigos de escola e do bairro. Em uma destas apresentações Inezita conheceu um amigo e parceiro que foi determinante para sua carreira. Eduardo Moreira, advogado, que era amigo da família e tinha bom trânsito pelo universo da música e do Rádio da época. Entre seus amigos estava o produtor da Rádio Record, Raul Duarte. Em uma visita para assistir a menina Inezita cantar, Eduardo levou o amigo radialista, que ficou encantado com a apresentação, tanto que convidou a jovem para cantar na Rádio. Mas, antes que isso acontecesse, ela foi apresentada a outro amigo de Eduardo, uns dos sócios da loja de eletrodomésticos Cássio Muniz, que tinha uma relação forte com a gravadora RCA. Ao ouvir a menina, em um dos saraus de sábado à noite, na casa da familia, o empresário a convidou para fazer um teste na gravadora. Como na época, tudo era feito no , lá se foram Inezita e Eduardo Moreira para a cidade maravilhosa. O teste era para a gravação de um disquinho com duas músicas. A primeira foi “Moda da Pinga”, que a moça tinha na ponta da língua. Mas, faltava a segunda para compor o outro lado. Inezita ficou preocupada, pois não tinha nada pronto. Neste momento, surge outro amigo. , que estava de carona com o amigo Moreira. O compositor chamou Inezita de lado e sugeriu que gravasse uma música que ele havia composto e que eles cantavam na casa de Inezita. Ela adorou e concordou em gravar. Quando a moça disse que iria gravar um samba, o líder do grupo de músicos disse, com um sorriso “samba de paulista não existe”. E saiu do estúdio deixando os músicos e a jovem ali. Mesmo assim, ela gravou “Ronda”, que foi a segunda música do primeiro disco gravado por Inezita. O teste ficou tão bom que a gravadora decidiu lançar o disco comercialmente, que estourou nas rádios da época. Assim, iniciou-se a carreira de uma das mais conhecidas cantoras e historiadoras do folclore caipira do país. Com a gravação da musica de Vanzolini entre as mais tocadas, Inezita foi convidada, em 1953, por Capiba e Nelson Ferreira, a cantar em Recife. Acabou ficando dois meses, viajando pelo Estado e depois contratada pela Rádio Clube de Recife. Na

volta à São Paulo, foi contratada para fazer parte do cast da Rádio Nacional, na capital paulista. Ela conta que ficou quase um ano no quadro da Nacional, ao lado de Leny Eversong, Osny Silva, Ivon Cury, Cauby Peixoto. Mas, não titubiou ao ser convidada para fazer parte do cast da Rádio Record, que estava lançando seu Canal de TV. Inezita Barroso foi a primeira cantora contratada pela nova emissora, ganhando dois programas: um no rádio e outro na TV. Em pouco tempo estreava “Vamos falar de Brasil”, o primeiro programa da televisão brasileira inteiramente dedicado a música, e especialmente a tradições e raízes do país. A produção da cantora era feita por Thalma de Oliveira e depois por Blota Júnior, e os arranjos orquestrados por Hervé Cordovil, com quem Inezita faria grandes parcerias ao longo de sua carreira. Com isso, em pouco tempo, a carreira decolou de vez, sendo que só em 1956, ela gravou no mesmo ano seis discos (LPs). Porém nos anos de 1960, a situação muda. Com a chegada dos Beatlhes, Bossa Nova, Jovem Guarda, os jovens passam a querer outros estilos e a música caipira de Inezita entra em queda nos veículos de comunicação. O número de shows caiu e como havia um desconhecimento do público sobre as musicas que Inezita cantava, ela passou a apresentar o conteúdo e a relação cultura da obra antes de cantar. Foi assim, que se destacou em tempos de “vacas magras”. Entre os sucessos escritos e dirigido por ela, está “ O Natal Brasileiro”, um auto de natal que não continha nada de estrangeiro, e sim, ritmos que marcaram as festas regionais no Brasil, como bumba-meu-boi, marujada e pastoril”. Após amargar mais de uma década de pouca visibilidade, Inezita, volta nos anos de 1980, quando passou a participar de alguns programas na TV Cultura de São Paulo a convite do jornalista Júlio Lerner. Depois com a influência do antigo padrinho no início de carreira Eduardo Moreira e de Nydia Lícia, amiga dos tempos de TBC (Teatro Brasileiro de Comédia), Inezita passa a apresentar o programa “Viola Minha Viola” com o radialista Moraes Sarmento, uma referência para a cantora, por seu trabalho na defesa da música e da cultura do interior do país. A dupla composta por Moares e Inezita assumiu a pauta do programa e só aceitavam músicos e cantores que realmente sabiam “fazer ao vivo” e que tinham história para contar. Desta forma, acabaram como um dos últimos redutos da música caipira brasileira, sem a influência das gravadoras (Pereira,

2014 p130). Aproveitando suas pesquisas, Inezita conta que em 1988 se reinventou no Rádio. Quanto passou a fazer um programa na Rádio da Universidade de São Paulo (USP) onde tocava música brasileira e fazia entrevistas com grande nomes da cultura de raíz. Porém, ela conta que um dia “encrencou” com a emissora, pois pagava tudo do próprio bolso (produção, condução, etc.) e um dia recebeu metade do baixo salário, pois a tesouraria tinha ordem de reduzir os custos a pretexto da greve dos professores. Inezita ficou furiosa e foi falar com a diretora da emissora que respondeu com um suave “que pena”. Foi assim que ela deixou a Rádio USP. Então acabou aceitando o convite de Maria Luiza Kfouri, na época, diretora da Rádio Cultura de São Paulo para fazer o “Estrela da Manhã” na emissora. Tudo ia bem, mas Inezita teve de deixar o programa por um problema de saúde. Não se dava bem com o ar condicionado do estúdio. Segundo ela, tudo ficava seco, e tinha de usar remédios para rinite, olhos, etc. Por isso, a contra gosto, deixou o programa. Já em 2004, a cantora aceitou o convite do professor e radialista Pedro Vaz, para apresentar o “Minha Terra”, na Rádio América, de São Paulo. Segundo ela, não “esquentou a cadeira”, pois toda vez que aumentava a audiência de um horário com seu programa, era colocada em outro para alavancar a atenção dos ouvintes novamente. Desta forma, Inezita deixou o rádio e focou seus últimos anos de vida na apresentação do programa “Viola Minha Viola”, na TV Cultura (Pereira, 2013, p139).

4) A carreira no cinema

A carreira de Inezita no cinema começou por acaso, quando o Teatro Brasileiro de Comédia e a Companhia Cinematrográfica Vera Cruz, comandada por Franco Zampari, trouxeram o diretor brasileiro Alberto Cavalcanti, de volta da Europa para dirigir os atores no palco e nas “fitas”. O diretor ficou muito amigo da cantora e era visto com frequência em seus shows. A amizade se transformou em admiração mútua e Alberto queria levá-la para o teatro e para o cinema. Tanto que tentou convencê-la a fazer a peça “Irmão de Almas” de Martins Pena. Mas, Inezita sempre afirmava “sou cantora, não sou atriz”. Porém um dia, ela concordou em participar do filme “Angela”, baseado em um conto do escritor alemão, E.T.A.Hoffmann, originalmente como “Sorte

no Jogo” (de 1819). Alberto Cavalcanti iniciou as filmagens, mas acabou brigando com Carlos Zampari, irmão de Franco, e deixou a companhia. Com isso, Inezita foi dirigida por Tom Payne e Abílio Pereira de Almeida. A obra tem ainda a participação de Alberto Ruschel, da cantora Vanju e por Eliana Lage, no papel que dá o título ao filme. O papel de Inezita, embora secundário na trama, é engraçado e ela ainda canta “Quem é”, de Marcelo Tupinanbá e “Enquanto Houver”, de Evaldo Ruy. No elenco, ainda tinham Mário Sérgio, Nydia Lícia, Renato Consorte e , de que Inezita se tornaria uma grande amiga. A trilha musical era composta pelo maestro Francisco Mignone. Embora o filme não tenha tido boa bilheteria, foi o suficiente para lançar Inezita no mundo da sétima arte. Depois ela ainda fez mais seis filmes e participou de outros tantos em “pontas”. Mas sua carreira cinematográfica teve o auge ao ganhar o prêmio de melhor atriz no longa Mulher de Verdade, com o roteiro feito por Oswaldo Molles, e diálogos de Miroel Silveira, baseados na música “Amélia", de Ataulfo Alvez e Mário Lago. A carreira de atriz de cinema teve fim, quando Inezita passou a se chatear com a rotina das gravações:

“Eu já não aguentava mais aquela correira a cada filme. Acordar de madrugada, horas de maquiagem, no guarda-roupa, e depois ficar sem fazer nada, esperando a hora de filmar. E tem aquela história de aproveitar o cenário: no mesmo dia você é uma adolescente, depois uma mulher com problemas amorosos. Pensando nisso, desisti. O teatro é que bom mesmo.Tem sequencia, não perde o sentimento, não perde a transmissão. Cinema não dá.” (Pereira, 2013 p 110)

Foi assim, que ela deixou o cinema, mas manteve grandes amizades com os atores e atrizes da época. E se concentrou na música e em ações que misturavam cantorias e teatro.

5) Curiosidades

Entre as várias histórias curiosas da vida e da carreira de Inezita, uma se destaca. Ela era fascinada por carros, sendo que aos 24 anos, já tinha seu primeiro automóvel, um Ford Inglês. Coisa rara, mulher digirir e gostar de carro na época, em meados de

1949. Entre as idas e vindas com carros, ela já era conhecida e estava escalada para participar de um filme, da Vera Cruz, onde representaria Jovita. Para ajudar na produção, a Willys Overland do Brasil, cederia os veículos em troca da divulgação. Ao visitar a fábrica com o elenco Inezita, se apaixonou pelo Jipe Willys. Ao fazer um teste com o automóvel ela ficou enlouquecida, tanto que o diretor da fábrica sugeriu que ela viajasse para o Nordeste com um e que podia ficar com ele pelo tempo que quisesse. Foi música para o ouvidos da atriz. Ela topou. Deixou a filha com os avós, fez o arranjos necessários e juntou o cunhado, ator do Teatro Brasileiro de Comédia, Maurício Barroso e o amigo carioca, Nelson Camargo, a empreitada. Detalhe: apenas ela dirigia. Foi assim que os três se embrenharam pelo litoral e interior do país. A viagem durou dois meses e o trio conseguiu chegar em Sergipe. Porém, tiveram de voltar para que Inezita ganhasse o seu sétimo prêmio Roquete Pinto, da TV Record. Para conseguir chegar a capital paulista a tempo eles tiveram de viajar por três dias e duas noites sem parar, pois a volta de avião não seria viável, já que na época os voos não eram tão comuns do Nordeste para o Sudeste (Oliveria,2014 p53). Ainda nesta mesma história, outra curiosidade: a comunicação com o grupo de pesquisadores (Inezita e seus companheiros de viagem) só era feita através de rádio amador, pois naquela época a telefonia não havia chegado nas cidadezinhas por onde o grupo passava. Outra história interessante é que ao ser espurgarda com outros nomes da música popular para fora dos meios de comunicação com a onda da Jovem Guarda, Inezita teve de se manter e para isso passou a dar aulas de violão aos meninos e meninas que queriam aprender música para tocar exatamente as músicas de Roberto e Erasmo. Imaginem a dificuldade para ela ensinar os garotos a tocarem um estilo musical do qual não gostava. Mas em 1975, as aulas acabaram dando lugar a um conservatório. Para isso, a cantora e professora alugou uma casa no bairro do Brooklin, zona sul de São Paulo. Montou então sua escola, mas a inesperiencia a fez investir e abrir as portas em dezembro, momento de férias da garotada, quando todos estão fora da cidade. Foi então que decidiu abrir a “Casa da Inezita” um restaurante aonde ele aproveitou a cinco mesas para servir comida caseira as pessoas. Em apenas um mês se transformaram em doze mesas e havia fila na porta. Os pratos típicos do interior, com base em receitas trazidas das viagens fizeram grande sucesso. Quem fosse ao restaurante ainda podia ouvir a proprietária cantando e explicando a origem das músicas e dos contos. O problema é

que a vida de empresária acabava colidindo com a de cantora. Em muitos momentos os clientes davam meia volta por não ver Inezita no restaurante, pois ela estava pelo interior em apresentações de fim de semana. Com isso, chegou um momento em que ela disse que não dava mais... Assim, acabou a “Casa da Inezita”. Um registro triste deste momento de ostracismo da mídia, é que Inezita chegou a queimar o violão mais querido e as anotações da viagem de jipe pelo Nordeste pelo desespero de não ver dias melhores no horizonte. Ela mesmo se arrepende destas ações... (Pereira;2013:p123). Por outro lado, ela também pode compartilhar suas histórias como professora de três universidades aonde dava muitos trabalhos para fazer com os alunos buscassem as histórias da cultura caipira.

6) Discografia

Segundo dados publicados no Dicionário da Música Popular Brasileira de Ricardo Cravo Albin, a discografia de Inezita Barroso é a demonstração de que suas pesquisas resultaram em um amplo registro de canções de grande importância para a cultura popular brasileira. (2013) Inezita Barroso - Cabocla eu Sou • Cultura • DVD (2011) O Brasil de Inezita Barroso • EMI • CD (2009) Sonho de Caboclo • Independente • CD (2006) Trilhas Globo Rural - Inezita Barroso e Roberto Corrêa - Coletânea - -CD (2005) Inezita Barroso - Ronda - Coletânea - • Revivendo • CD (2003) Hoje lembrando • Trama • CD (2001) A Música Brasileira deste Século por Seus Autores e Intérpretes - Inezita Barroso - Coletânea - • SESC • CD (2000) Perfil de São Paulo - Ao Vivo com Izaías e Seus Chorões • Inter CD • CD (2000) Bis Sertanejo - Inezita Barroso - Coletânea - • EMI • CD (1999) Raízes Sertanejas - Vol. 2 - Coletânea - • EMI/Odeon • CD (1999) Sou mais Brasil • CPC/UMES • CD (1998) Raízes Sertanejas - Coletânea - • EMI/Odeon • CD (1997) Caipira de fato - Inezita Barroso e Roberto Corrêa • RGE • CD

(1996) Voz e Viola - Inezita Barroso e Roberto Corrêa • RGE • CD (1993) Alma brasileira - Coletânea • Copacabana • CD (1985) Inezita Barroso, a incomparável • Líder • LP (1980) Joia da Música Sertaneja Nº2 • Copacabana • LP (1979) Inezita Barroso canta e Evandro no choro • Copacabana • LP (1978) Jóia da Música Sertaneja • Som/Copacabana • LP (1977) Seleção de Ouro - Inezita Barroso • Som/Copacabana • LP (1977) Moda da Pinga (Marvada Pinga)/Tristeza do Jeca/Lampião de Gás/Meu Limão, Meu Limoeiro • Copacabana • Compacto Duplo (1975) Modas e canções • Copacabana • LP (1975) Inezita em todos os cantos • Copacabana • LP (1974) Tô Como O Diabo Gosta/1900 E Nada • Copacabana • Compacto simples (1972) Clássicos da música caipira - Vol. II • Copacabana • LP (1972) Inezita Barroso • Copacabana • LP (1970) Corinthians Meu Amor/Festa No Coreto • Copacabana • Compacto simples (1970) Modinhas • Copacabana • LP (1969) Recital Nº 2 • Copacabana • LP (1968) O melhor de Inezita • Copacabana • LP (1966) Vamos Falar de Brasil, Novamente • Copacabana • LP (1963) Cavalo preto/Mineirinha • Sabiá • 78 (1963) A moça e a banda - Com A Banda da Força Pública do Estado de São Paulo • Copacabana • LP (1962) Clássicos da música caipira - Vol. I • Copacabana • LP (1962) Recital • Copacabana • LP (1962) Nhô Leocádio/Prece a São Benedito • Copacabana • 78 (1962) Baldrana Macia/Pingo d'Água • Sabiá • 78 (1961) A voz do violão/Moda do bonde camarão • Copacabana • 78 (1961) Tatu/Pezinho • Copacabana • 78 (1961) Balaio/No Bom do Baile • Copacabana • 78 (1961) Inezita Barroso interpreta Danças Gaúchas • Copacabana • LP (1961) Coisas do Meu Brasil • Copacabana • LP (1961) Inezita Barroso • Copacabana • LP

(1960) Moda do bonde camarão/Moda da onça • Copacabana • 78 (1960) Eu me Agarro na Viola • Copacabana • LP (1959) De papo pro á/Oi calango ê • Copacabana • 78 (1959) Fiz a cama na varanda/Meu limão, meu limoeiro • Copacabana • 78 (1959) Canto da Saudade • Copacabana • LP (1958) Lampião de gás/Engenho novo • Copacabana • 78 (1958) Vamos Falar de Brasil • Copacabana • LP (1958) Inezita Apresenta - Babi de Oliveira, Juracy Silveira, Zica Bergami, Leyde Olivé, Edivina de Andrade • Copacabana • LP (1957) No bom do baile/Nhô Locádio • Copacabana • 78 (1956) Danças Gaúchas • Copacabana • LP (1956) Coisas do Meu Brasil • RCA Victor • LP (1956) Lá vem o Brasil • Copacabana • LP (1956) O gosto do caipira/Casa de caboclo • Copacabana • 78 (1956) Chimarrita-Balão/Quero nana • Copacabana • 78 (1956) Balaio/Maçarico • Copacabana • 78 (1956) Estatutos de boate/Ser mãe é dureza • Copacabana • 78 (1955) Meu casório/Nhá Popé • RCA Victor • 78 (1955) Benedito Pretinho/Meu barco é veleiro/Na fazenda do Ingá • RCA Victor • 78 (1955) Dança de caboclo/Maracatu elegante • RCA Victor • 78 (1955) Moleque Vardema'/Prece à São Benedito • Copacabana • 78 (1955) Minero tá me chamando/Minha terra • Copacabana • 78 (1955) Inezita Barroso • Copacabana • LP (1954) Estatutos da gafieira/Soca pilão • RCA Victor • 78 (1954) Iemanjá/Pregão da ostra • RCA Victor • 78 (1954) Redondo Sinhá/Mestiça • RCA Victor • 78 (1954) Taieiras/Retiradas • Taieiras/Retiradas • 78 (1954) Coco do Mané/Roda a moenda • RCA Victor • 78 (1953) Isto é papel, João?/Catira • RCA Victor • 78 (1953) O canto do mar/Maria do mar • RCA Victor • 78 (1953) Moda da Pinga/Ronda • RCA Victor • 78

7) Conclusão

Inezita Barroso não demonstrava em seus programas ou na convivência a importância que teve para a música e cultura caipira do Brasil. Além de cantora, radialista, atriz, violeira, e pesquisadora do folclore brasileiro, ela foi uma defensora das tradições culturais de regiões que muitas vezes são esquecidas pela mídia e pelos estudiosos. Seguindo os modelos de Mario de Andrade e Cornélio Pires, Inezita deixou uma vasta obra de 405 gravações, registrando 289 músicas diferentes. Também foi responsável por dar visibilidade a manifestações artísticas pouco conhecidas através de seus programas de Rádio e TV. Ela chegou nas entranhas de um país pouco conhecido e trouxe de lá referências musicais, poesias, contos e causos que permeiam o imaginário dos caboclos brasileiros. Sua discografia revela músicas que poderiam ter se perdido no tempo pelo descaso, mas que foram salvas pelas mãos de uma pesquisadora inquieta e da professora de música que se tornou professora universitária. Infelizmente seu legado não tem um novo condutor como o ícone Inezita, nem no Rádio, nem na TV e nem nas pesquisas.

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