UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE EDUCAÇÃO – FACED PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO BRASILEIRA

ANA KILVIA OLIVEIRA LOPES

O TRABALHO DA COORDENADORA PEDAGÓGICA JUNTO ÀS DOCENTES DE TURMAS DE CRECHE EM UM CENTRO DE EDUCAÇÃO INFANTIL (CEI) MUNICIPAL DE FORTALEZA

FORTALEZA 2019

ANA KILVIA OLIVEIRA LOPES

O TRABALHO DA COORDENADORA PEDAGÓGICA JUNTO ÀS DOCENTES DE TURMAS DE CRECHE EM UM CENTRO DE EDUCAÇÃO INFANTIL (CEI) MUNICIPAL DE FORTALEZA

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do título Mestre em Educação. Linha de Pesquisa: Desenvolvimento Linguagem e Educação da Criança. Eixo: Educação Infantil e Formação de Professores.

Orientadora: Prof.ª. Dra. Silvia Helena Vieira Cruz.

FORTALEZA 2019

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará Biblioteca Universitária Gerada automaticamente pelo módulo Catalog, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a) ______

L1t LOPES, ANA KILVIA OLIVEIRA. O TRABALHO DA COORDENADORA PEDAGÓGICA JUNTO ÀS DOCENTES DE TURMAS DE CRECHE EM UM CENTRO DE EDUCAÇÃO INFANTIL (CEI) MUNICIPAL DE FORTALEZA / ANA KILVIA OLIVEIRA LOPES. – 2019. 198 f. : il. color. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Fortaleza, 2019. Orientação: Prof. Dr. SILVIA HELENA VIEIRA CRUZ. 1. EDUCAÇÃO INFANTIL. 2. CRECHE. 3. COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA. 4. GESTÃO ESCOLAR. I. Título. CDD 370 ______

ANA KILVIA OLIVEIRA LOPES

O TRABALHO DA COORDENADORA PEDAGÓGICA JUNTO ÀS DOCENTES DE TURMAS DE CRECHE EM UM CENTRO DE EDUCAÇÃO INFANTIL (CEI) MUNICIPAL DE FORTALEZA

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação.

Linha de Pesquisa: Desenvolvimento, Linguagem e Educação da Criança.

Aprovada em: ___/___/_____

BANCA EXAMINADORA

______Prof.ª Dr.ª Silvia Helena Vieira Cruz (Orientadora) Universidade Federal do Ceará (UFC)

______Prof.ª Dr.ª Rosimeire Costa Andrade Cruz Universidade Federal do Ceará (UFC)

______Prof.ª Dr.ª Denise Maria de Carvalho Lopes Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

AGRADECIMENTOS

À Deus, pelo presente da vida, pela luz no meu caminho, pela sombra no calor do sol. À minha querida orientadora, professora doutora Silvia Helena Vieira Cruz, principal responsável pela minha caminhada na Universidade. Por apostar em uma professora que tem aprendido a ser pesquisadora. Pela partilha, não só de conhecimentos, mas de vida. Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira, da Faculdade de Educação, da Universidade Federal do Ceará, que contribuíram significativamente para as reflexões nesse trabalho. Aos funcionários do Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará, pelos esclarecimentos necessários que facilitaram a minha caminhada neste curso de mestrado. À Secretaria Municipal de Educação de Fortaleza por ter permitido a realização da pesquisa no Município. À coordenação da creche por ter me acolhido e dividido comigo o cotidiano da Instituição. À coordenadora pedagógica e as professoras, sujeitos da pesquisa, pela confiança e carinho. Às professoras doutoras Rosemeire de Andrade Cruz e Denise Maria de Carvalho Lopes, pelas contribuições sobre o projeto, pelas conversas enriquecedoras e a gentileza em participar da minha banca de defesa. Aos meus avós, Maria Zuleide de Oliveira (in memoriam), Maria de Jesus de Lima Lopes e João Rodrigues Lopes (in memoriam), pela educação, cuidado e fé depositados em mim. A toda a minha família, pelo apoio e torcida. Ao meu esposo, Herlan Alves, que, com paciência e carinho, me apoiou e me incentivou. Que esteve ao meu lado em todos os momentos. Ao meu filho Gael Lopes Alves que renova minhas esperanças e que me faz feliz diariamente. À minha sogra Fátima Mateus da Silva e meu sogro Mateus da Silva, pela contribuição inestimável na atenção e no cuidado para com meu filho, pela torcida em mais essa jornada, pelas orações, pela comida sempre deliciosa, pela palavra amiga, por serem essas pessoas altruístas que me ensinaram que a felicidade habita na simplicidade. Aos meus amigos que com sensibilidade me ajudaram a tornar a caminhada da vida mais saborosa e mais leve. Vocês são o tempero da minha alma.

Aos colegas da LIDELEC, em especial: Silvana Mendes Sabino Soares, Rosalina Rocha Araújo Moraes e Pedro Neto Oliveira de Aquino, pela parceria e cumplicidade que nos fez mais do que simples colegas. Aos parceiros nos grupos de estudos Mirare, em especial à professora Silvia Helena Vieira Cruz, referência para todas as participantes do grupo; Diálogos com a Abordagem Pikler, em especial à professora Cristina Façanha Soares, que me acompanha em minha formação desde a graduação; Olhares Sobre Crianças e Infâncias, em especial à professora Ana Maria Monte Coelho Frota, que com paciência e escuta atenta me ensinou a pensar “fora da caixinha”. Ao professor Alexandre Santiago pela companhia inestimável na minha jornada acadêmica, profissional e pessoal. Gratidão!

Todas as formas de totalitarismo, todos os rostos de Herodes, têm uma coisa em comum: sufocar o enigma ontológico do novo que vem ao mundo, ocultar a inquietação que todo nascimento produz, eliminar a incerteza de um povir aberto e indefinido, submeter a alteridade da infância à lógica implacável do nosso mundo, converter as crianças numa projeção de nossos desejos, de nossas ideias e de nossos projetos. As crianças podem ser vistas como uma ameaça indiferenciada que tem de ser destruída; podem ser tomadas como encarnação de uma Raça, de uma Classe, de um Povo; podem ser consideradas como recursos para o progresso econômico; podem ser utilizadas como ponto de partida para a realização de certos ideais políticos, sociais ou culturais; mas, em todos os casos; trata-se de anular o enigma desse novo começo e desse fim em si mesmo que é sempre o nascimento de uma vida humana concreta e singular. Jorge Larrosa (1998, p. 239/240)

RESUMO Para que a Educação Infantil alcance o objetivo determinado na legislação vigente (o desenvolvimento integral da criança de até cinco anos e onze meses em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade), é necessário que o trabalho de todos os envolvidos no processo educativo seja orientado para esta finalidade. A presente pesquisa centra a sua atenção no trabalho desenvolvido pela coordenação pedagógica (CP) nessa direção, buscando apreender a perspectiva de vários segmentos que compõem um Centro de Educação Infantil (CEI) da rede municipal de Fortaleza acerca das ações que envolvem as professoras de turmas de creche. Os principais subsídios teóricos acerca de educação, Educação Infantil e do trabalho da CP nessa etapa foram buscados em Rocha (1999), Faria (1999), Bondioli (2004), Marx (2004), Cerisara, (2005), Paro (2016), Vasconcellos (2009), Domingues (2014). O trabalho de campo adotou a pesquisa qualitativa e utilizou, principalmente, observações do quotidiano do CEI e entrevistas semiestruturadas com três professoras de turmas de creche para a produção de dados. As observações registraram uma infinidade de atribuições da CP, única gestora no CEI, e um predomínio de questões gerenciais em detrimento de um trabalho pedagógico, próximo às professoras. Esse abismo é maior em relação às docentes de turmas de creche, devido a interferência direta de uma política de resultados adotada na rede municipal, que exige da CP atuação especial junto às turmas de pré-escola a fim de apressar a apropriação da leitura e da escrita pelas crianças, em uma clara contraposição ao que determina as orientações legais (BRASIL, 2009). As entrevistas apontam que, na perspectiva das professoras, o trabalho da CP é de grande relevância em qualquer etapa ou modalidade de ensino e que na creche ele se traduz em uma ação cooperativa e de assistência aos professores nas dimensões formativa, diretiva e de cuidado. Contudo, consideram que no CEI pesquisado esta ação é atravessada por um acúmulo de tarefas que distanciam a CP do acompanhamento das docentes em seu trabalho junto às crianças. Ao avaliar seu trabalho, a CP afirma ter um sentimento de insatisfação por não conseguir realizar todas as ações que gostaria. Contudo, considera que, apesar dos muitos desafios, busca junto à equipe meios para executar um trabalho comprometido com as crianças como sinal de resistência e luta no cotidiano da instituição. A análise dos dados construídos tem indicado a necessidade de maior apoio ao núcleo gestor das instituições de Educação Infantil, incluindo a ampliação da equipe para oferecer melhores condições para que a

CP realize um trabalho com as professoras visando garantir o direito dos bebês e das crianças bem pequenas à uma educação pública e de qualidade.

Palavras-chave: Educação Infantil. Creche. Coordenação Pedagógica. Gestão escolar.

ABSTRACT

In order to Early Childhood Education reach the goal established in current legislation (child’s integral development of children up to five years and eleven months old in terms of their physical, psychological, intellectual and social aspects which complements the family and community action), it is necessary that the work of all those involved in the educational process be aimed towards this purpose. The present research focuses on the work developed by the Pedagogical Department (PD) in this direction seeking to understand the perspective of several segments that comprise an Early Childhood Education Unit (ECEU) of the municipality of Fortaleza, , regarding actions involving nursery teachers. The main theoretical subsidies with regard to education, early childhood education, and with regard to the work of the PD in this stage were sought in Rocha (1999), Faria (1999), Bondioli (2004), Marx (2004), Cerisara, (2005), Paro (2016), Vasconcellos (2009), Domingues (2014). For the fieldwork the qualitative research was adopted and it was mainly used observations from the daily life of the ECEU, and semi-structured interviews with three nursery teachers for data collection. The observations showed a great amount of attributions of the PD, sole manager in the ECEU, and mostly the occurrence of managerial issues to the detriment of a pedagogical work with the teachers. This wide gap is larger in relation to nursery teachers due to the direct interference of a policy of results which is adopted within the municipality, and that requires the PD to perform special activities with the preschool classes in order to hasten the reading and written acquisition by the children clearing opposing to what the legal guidelines determine (BRASIL, 2009). The interviews show that, from the teachers’ perspective, the work of the PD is of great relevance in any stage or teaching modality, and that in the nursery it translates into a cooperative action, and assistance to teachers in the formative, directive and care dimensions. However, they consider that in the researched ECEU this action is crossed by an accumulation of tasks that makes distant the PD from the follow-up of the teachers in their work with the children. In evaluating her own work, the CP PD stated that she has a feeling of dissatisfaction for not being able to carry out all the actions that she would like. However, she considers that in spite of the many challenges, along with her team she seeks ways of performing a committed work with the children as a sign of resistance and daily struggle in the institution. The analysis of the collected data has

indicated a necessity of a greater support to managerial centers of institutions of Early Childhood Education, including to expand the team for offering better conditions for the PD to carry out a work with the teachers aiming to guarantee the right of the babies and fairly small children of having a public education and with quality.

Keywords: Early Childhood Education. Nursery. Pedagogical Department. School management.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 − Planta baixa do CEI: dependências...... 92

Figura 2 − Planta Baixa – Área Construída ...... 92

Figura 3 − Parque na área externa do CEI...... 92

Figura 4 - Área externa em que a CP promove reuniões com os pais...... 93

Figura 5 - Sala da coordenação: mesas para as professoras planejarem ...... 94

Figura 6 - Sala da coordenação: Materiais para as professoras e porta de acesso ao depósito de alimentos...... 95

Figura 7 - As crianças também frequentam a sala da coordenação...... 95

Figura 8 - Sala Infantil I ...... 100

Figura 9 - A decoração da sala do Infantil I se repete nas demais...... 102

Figura 10 - Sala do Infantil II ...... 103

Figura 11 - Sala do Infantil III ...... 103

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 − Ações realizadas pela Coordenadora Pedagógica ...... 138

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BNCC Base Nacional Comum Curricular CEB Câmara de Educação Básica CEI Centro de Educação Infantil CIES Centros Integrados de Educação e Saúde CNE Conselho Nacional de Educação CP Coordenadora Pedagógica COEDUC Coordenadoria de Educação do município COEI Coordenadoria de Educação Infantil DCNEI Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil DDC Departamento de Desenvolvimento Curricular EI Educação Infantil FEIC Fórum de Educação Infantil do Estado do Ceará FUNDEB Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação FUNDEF Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MIEIB Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil ONG Organização Não Governamental OPEFOR Operação Fortaleza SEDAS Secretaria Municipal de Educação e Assistência Social SEDUC Secretaria da Educação e Cultura do Município SER Secretarias Executivas Regionais SME Secretaria Municipal de Educação STAS Secretaria do Trabalho e da Ação Social TAC Termo de Ajustamento de Conduta UFC Universidade Federal do Ceará

SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...... 17 2. O TRABALHO DO GESTOR ESCOLAR ...... 24 2.1 As especificidades do trabalho na Educação ...... 24 2.2 A Gestão Escolar ...... 29 2.3. O Trabalho do Coordenador Pedagógico ...... 35 3. O COORDENADOR PEDAGÓGICO E A CRECHE ...... 45 3.1. A Pedagogia da Infância: transmissão x participação ...... 45 3.2. A Pedagogia da Infância no Brasil ...... 47 3.3 A Coordenadora Pedagógica da creche – resultados de algumas pesquisas brasileiras ...... 53 4. A EDUCAÇÃO INFANTIL E A COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA NA REDE MUNICIPAL DE FORTALEZA ...... 60 4.1 O Trabalho do Coordenador Pedagógico segundo os documentos legais do município de Fortaleza ...... 75 5. ABORDAGEM METODOLÓGICA E PROCEDIMENTOS ...... 78 5.1 A abordagem qualitativa com características de um estudo de caso ...... 78 5.2. O lócus do trabalho de campo ...... 81 5.3 Os sujeitos da pesquisa ...... 83 5.4 Os instrumentos de pesquisa ...... 86 6. O CEI HANNA EVELYN ANDRADE E A ROTINA DA CP ...... 90 6.1 A CP, tempos, espaços e relações no CEI Hanna Evelyn Andrade ...... 90 7. O TRABALHO DA CP NO CEI PESQUISADO: FRENTES DE ATUAÇÃO ...... 106 7.1 Organização dos Funcionários e Espaços do CEI ...... 106 7.2 Organização, distribuição, racionamento e providência de materiais e alimentos para o CEI ...... 110 7.3 Interação com as famílias; ...... 112 7.4 Interação com as crianças ...... 116 7.5 Interação com o núcleo gestor; ...... 119 7.6 Interação com as instâncias superiores: Distrito de Educação e SME ...... 123 7.7 Interação com documentos e sistemas...... 127 7.8 Formação e Planejamento de Ações Institucionais ...... 129 7.9 Interação com as professoras e assistentes educacionais; ...... 132 8. OLHARES SOBRE O TRABALHO DA CP NO CEI HANNA EVELYN DE ANDRADE ...... 140

8.1 Concepções acerca do trabalho da coordenação Pedagógica ...... 140 8.2 Percepções acerca do trabalho da Coordenação Pedagógica no CEI pesquisado ...... 153 9. CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 169 REFERÊNCIAS ...... 174 APÊNDICE A - ROTEIRO PARA ENTREVISTA COM A CP ...... 185 APÊNDICE B - ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO DO TRABALHO DA CP NO CEI .. 187 APÊNDICE C – ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA AS PROFESSORAS DE TURMAS DE CRECHE DO CEI ...... 190 APÊNDICE D – ROTEIRO PARA ANÁLISE DA PROPOSTA PEDAGÓGICA DO CEI ...... 191 APÊNDICE E – QUESTIONÁRIO PARA AS ENTREVISTADAS ...... 192 ANEXO 1 – PLANO DE AÇÃO PARA O ALCANCE DE METAS DO INFANTIL V ...... 194

ANEXO 2 - ACOMPANHAMENTO DA APRENDIZAGEM DO NOME PRÓPRIO ...... 195 ANEXO 3 – “PROJETO LITERÁRIO” ...... 197 ANEXO 4 – EXEMPLO DE SUGESTÃO DE ATIVIDADES DAS ROFESSORAS PARA O PROJETO ...... 199 ANEXO 5 – PLANEJAMENTO DA CP ...... 200

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INTRODUÇÃO

A Educação Infantil tem se apresentado como foco de pesquisas nas mais diversas abordagens. Os diferentes trabalhos produzidos no país, compreendendo a educação de qualidade1 em instituições para bebês e crianças bem pequenas como direito, contribuem para o maior conhecimento sobre essa área e ações de militância e resistência, que têm grandes possibilidades de influência desde as políticas públicas até as práticas pedagógicas. A percepção do acesso à educação pública de qualidade como direito, leva a uma constante avaliação dos elementos que compõem os complexos contextos das diversas instituições de educação voltadas aos bebês, às crianças bem pequenas e às crianças pequenas. Esta pesquisa tem como tema um desses elementos: a gestão destas instituições de educação. Considerando-a como condição para uma Educação Infantil de boa qualidade (CORREA, 2006), e assume como foco o trabalho do coordenador pedagógico junto aos professores de turmas de creche, nos Centros de Educação Infantil (CEI) da rede pública municipal de ensino de Fortaleza. Marx (2004) define que o trabalho constitui uma característica essencialmente humana, sendo esta perspectiva retomada nos argumentos de Paro (2016, p.37), que a assume como expressão de “uma atividade adequada a um fim”. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN, Lei 9394/96 (BRASIL, 2013) define, no seu artigo 29, que a finalidade da Educação Infantil enquanto primeira etapa da educação básica “o desenvolvimento integral da criança de até 5 (cinco) anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.” (p. 22). Portanto, é importante que o trabalho empreendido nas instituições de Educação Infantil oriente-se a este fim sob pena de, administrativamente falando, ser considerado como ineficaz, como assinala Paro (2015):

1 Compreende-se como qualidade da educação as ideias defendidas por Moss (2002, p. 20/21) em que a qualidade é um conceito socialmente construído, sujeito a constantes negociações, ela depende do contexto e baseia-se em direitos, necessidades, demandas, conhecimentos e possibilidades. A definição de critérios de qualidade está constantemente tensionada por essas diferentes perspectivas. (CAMPOS et. al., 2006) 18

“Se se considera o caráter mediador da administração, sua ação na escola perpassa todos os momentos do processo de realização do ensino, incluindo não apenas as atividades-meio, mas também as atividades-fim, em especial aquelas que se dão na relação educador-educando, pois a ação administrativa só termina com o alcance do fim visado.” (p.25)

Torna-se necessária, portanto, a discussão sobre o trabalho da gestão das instituições de Educação, em seus aspectos administrativos e pedagógicos, considerando que ambos são meios para o fim da Educação (PARO, 2015) e, especificamente nesta pesquisa, aos fins da Educação Infantil, já referidos. Segundo a Lei Complementar 169/2014, de 12 de setembro de 2014, publicada no Diário Oficial do Município de Fortaleza de 15 de setembro de 2014:

Art. 43 - A gerência das escolas municipais de Fortaleza será desempenhada pela equipe gestora composta pelo diretor escolar, vice-diretor escolar, coordenador pedagógico e secretário escolar, conforme a modulação de cada escola, em consonância com as deliberações do Conselho Escolar, respeitadas as disposições legais. Parágrafo Único. A Equipe Gestora é responsável pela administração e pela coordenação dos recursos e ações curriculares propostas nos projetos político-pedagógicos de cada escola municipal de Fortaleza.

No entanto, na prática, a administração dos Centros de Educação Infantil – CEI tem como referência a pessoa do Coordenador Pedagógico, que compõe o núcleo gestor do CEI, juntamente com o diretor e vice-diretor escolar, coordenadores pedagógicos do ensino fundamental e secretário escolar. Estes últimos exercem sua função na escola patrimonial2 sendo, portanto, o coordenador pedagógico o único responsável pela administração do cotidiano da unidade de Educação Infantil. É neste contexto que se dá esta pesquisa. A preocupação com esse tema possui relação direta com a minha trajetória profissional na rede pública municipal de Fortaleza, inicialmente como professora, posto que desde a aprovação em concurso, encontrei grandes desafios. O maior deles teve início a partir de lotação em uma creche recém-municipalizada3, na periferia do

2 As chamadas Escolas Patrimoniais são instituições de patrimônio do Município e seguem a lógica já explicitada por Bodião e Mamede (2004 apud PEREIRA, 2014) como “escolas municipais que funcionam em prédios próprios do Município e, frequentemente, são chamadas de “escolas-mãe”, por terem ligadas a elas instituições anexas” como os CEI, “de cujos repasses financeiros dependem para a compra de materiais pedagógicos.” Assim, os CEI funcionam em prédios próprios da prefeitura, alugados ou cedidos e não tendo uma equipe de gestores próprios; em sua maioria, possuem apenas uma coordenadora pedagógica e, quando muito, também uma secretária. 3Segundo dados publicados na Proposta Curricular para a Educação Infantil da rede Municipal de Ensino de Fortaleza no ano de 2016, a cidade conta com 80 creches em regime de convênio entre a Prefeitura de Fortaleza e instituições de ordem religiosa, filantrópica, comunitárias e afins. É uma prática comum que

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município, que atendia crianças de um a três anos, em tempo integral. De imediato, o sentimento de deslocamento emergiu. Sentada ao chão, compondo um círculo com vinte crianças entre dois e três anos com a assistência de uma auxiliar educacional4, em uma sala pequena de um prédio inadequado para o funcionamento de um Centro de Educação Infantil – CEI. Naquele momento, percebi que, mesmo após concluir a graduação em pedagogia no ano anterior, não havia segurança para trabalhar com todas as especificidades da educação de crianças pequenas. Frente ao relatado, surgiram algumas reflexões: O que leva o professor iniciante a um sentimento de insegurança ao trabalhar com crianças tão pequenas? Este sentimento atinge outros educadores (iniciantes ou não) de creche? Face a este sentimento, como deveria agir o coordenador pedagógico junto aos docentes? Em busca de compreender todas essas questões que me inquietavam constantemente, fiz um curso de especialização na área da Educação Infantil. Os estudos no âmbito da especialização ampliaram meu olhar em relação às crianças pequenas e às responsabilidades de um CEI. Estes estudos me proporcionaram conhecimentos e a possibilidade de estabelecer relações com o que vivenciava na prática pedagógica junto às crianças da creche. A pesquisa para a monografia, que visava compreender em quais conhecimentos os professores da rede pública municipal de ensino de Fortaleza pautavam suas práticas pedagógicas, apresentou um quadro que indicava a necessidade da construção de um novo olhar pedagógico que rompesse com as práticas assistencialistas e transmissivas predominantes na creche. Já na gestão do CEI, alguns fatos, desde a posse no cargo, avocaram atenção e geraram questionamentos recorrentes. O CEI atendia 370 crianças entre nove meses a cinco anos e 11 meses, distribuídos em 22 turmas que funcionavam em um prédio alugado na periferia de Fortaleza, fisicamente separado da escola patrimonial. O acúmulo de atribuições administrativas delegadas ao coordenador pedagógico concorria com a função que considerava essencial: o acompanhamento do trabalho docente.

por diversos motivos estas instituições sejam integradas ao parque escolar municipal como “municipalizadas”, ou seja, passem a ser de responsabilidade única do Município. 4 Segundo Pinheiro (2017) “Na rede municipal de Fortaleza, existem diferentes nomenclaturas para as Auxiliares (terceirizadas, efetivas e substitutas). A depender do vínculo empregatício, a nomeação do cargo pode sofrer alteração. A Auxiliar efetiva é chamada de Assistente. (...) ao usar o termo Auxiliar, estarei fazendo referência a todas as profissionais que ocupam esta função que, segundo a Secretaria Municipal de Educação (SME), trata-se do exercício de “apoio técnico-pedagógico aos professores da Rede Municipal de Ensino”. (FORTALEZA, 2014, 2016, p. 1).

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As atuais pesquisas sobre a gestão na Educação Infantil trazem contribuições significativas para esta discussão. As fontes para o levantamento realizado foram duas plataformas digitais, repositórios de Teses e Dissertações: a Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD) e o banco da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), no qual foi possível obter os resumos das teses e dissertações encontradas no período de 2010 a 2017. Este recorte temporal se deu em virtude da publicação de marcos legais importantes para a Educação de zero a três anos no âmbito nacional: o Parecer CNE/CEB 20/2009 e a Resolução CNE nº5, de 17 de dezembro de 2009, (BRASIL, 2009a) que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, a serem observadas na organização das Propostas Pedagógicas dos CEI. Para tanto, foram utilizadas para a pesquisa nas bases citadas as palavras- chave: Coordenador Pedagógico, Coordenação Pedagógica e Gestão Escolar. Assim, foi realizado um filtro, a partir dos resumos, para definição dos trabalhos mais relevantes para este estudo (por assumirem a coordenação pedagógica na creche como foco). Feita a intercessão das pesquisas encontradas nas duas plataformas de busca, foram identificadas 22 dissertações e 8 teses no período selecionado. Vale ressaltar que, quanto ao descritor “gestão escolar”, foram encontrados diversos trabalhos com abordagens e/ou interesses diferentes. A palavra-chave citada foi comumente atrelada a três tipos diversos de foco na gestão. O primeiro, Gestão dos Sistemas, no qual ficou clara a preocupação com políticas públicas e ações por parte do Estado e Secretarias de Educação para a Educação Infantil; o segundo referia-se à gestão da sala de aula, que está relacionada com as formas com que o professor gerencia o tempo, os espaços e situações de aprendizagem; o terceiro coaduna com os interesses deste trabalho e trazem à discussão a função do coordenador pedagógico, do seu histórico e papel, da sua práxis e saberes, além de sua relação com a qualidade na Educação Infantil. Portanto é para este terceiro foco que esta pesquisa se voltou. Vista como filha mais nova da Educação Básica, emergente nos discursos no meio político e de discussões sociais, a creche ainda é objeto de poucas pesquisas considerando as outras etapas da Educação quanto a produções em diversos âmbitos. Quanto à coordenação pedagógica das creches, a realidade da escassez se agrava: embora a primeira busca tenha encontrado 22 dissertações (a partir de filtro que buscava trabalhos sobre o coordenador pedagógico na Educação Infantil), apenas 12 delas (54,54% do total) tiveram a creche como objeto/lócus de pesquisa. Dentre as teses, 21

das oito encontradas, apenas três enfocam a coordenação pedagógica na creche. Entre as teses e dissertações pesquisadas, o percentual de investigações é de 50% de interesse específico em creches. O que ressalta a relevância de mais trabalhos sobre a gestão das creches no Brasil. Estes números tornam-se mais expressivos principalmente nos últimos três anos, quando pôde ser observado, nas dissertações, um crescente interesse pela figura do Coordenador Pedagógico na Educação Infantil. Na pesquisa realizada pode-se observar uma quase duplicação das produções de dissertações no último ano, ou seja, de 18,18% de pesquisas que abordaram a temática em 2015, foi para 36,36% em 2016. Pesquisas como as de Palliares, (2010); Zumpano (2010); Mendes (2013), Leite (2013), Teixeira (2015), Bertochi (2016), Bartholomeu (2016), Borges (2016), e Santos (2017) apontam que a visão do Coordenador Pedagógico da Educação Infantil está intimamente ligada a um profissional, como afirma Bertochi (2016, p.159), “sobrecarregado, desvalorizado, responsabilizado e cerceado”. Portanto, as indagações da pesquisa, que em um primeiro momento eram apenas relativas a questões pessoais, após períodos de reflexão e debate no ambiente de trabalho, realização de formação continuada e estudos acadêmicos, passaram a constituir a questão norteadora deste trabalho: Como se dá o trabalho da coordenadora pedagógica junto aos docentes de turmas de creches em um Centro de Educação Infantil da rede municipal de Fortaleza? A partir deste questionamento surgiram outras indagações: ✓ Em que condições o trabalho da coordenadora ocorre junto aos docentes das turmas de creche? ✓ Como a CP compreende o seu trabalho junto aos professores de turmas de creche? ✓ Como os professores percebem o trabalho desenvolvido pela CP? ✓ Que desafios e possibilidades a CP encontra nesse trabalho? Considerando essas questões, o presente trabalho tem como objetivo geral: Analisar o trabalho da coordenadora pedagógica junto aos professores de turmas de creche em um Centro de Educação Infantil da rede municipal de Fortaleza. Como objetivos específicos, tem: ✓ caracterizar as condições de trabalho da coordenadora pedagógica (CP) junto aos professores; 22

✓ compreender as concepções e percepções da CP em relação ao seu trabalho na creche, especialmente em relação à prática pedagógica das professoras; ✓ apreender a percepção das professoras sobre o trabalho desenvolvido pela CP; ✓ identificar os desafios e possibilidades encontrados pela CP neste trabalho. As bases teóricas desta pesquisa estão organizadas em dois capítulos. No capítulo 2, intitulado “O trabalho do gestor escolar”, há concepções importantes para o olhar desta pesquisa. O conceito de trabalho a partir de Marx (2004) e a diferença entre o trabalho de produção material a serviço do capital e o trabalho na educação segundo Paro (1999; 2015; 2016) são apresentados na primeira seção deste capítulo. Na segunda seção emerge, segundo Paro (1999; 2015; 2016), Vieira (2008) e Lück (2010), os conceitos de gestão educacional, gestão escolar, administração escolar, gestão democrática e equipe gestora. A partir destes conceitos, a terceira seção, centra- se nas discussões sobre o trabalho do coordenador pedagógico enquanto componente da equipe gestora da escola, seu papel, história, identidade e tensões (ALARCÃO, 2001, ALARCÃO e CANHA, 2013; ALMEIDA e PLACCO, 2001, 2006, 2008, 2012, 2013; DOMINGUES, 2014; VASCONCELLOS, 2009). Na primeira seção do capítulo 3 há um rápido estudo sobre a Pedagogia da Infância (OLIVEIRA – FORMOSINHO, 2007; OLIVEIRA – FORMOSINHO e FORMOSINHO, 2013), e especialmente a Pedagogia da Educação Infantil (ROCHA, 1999; CERISARA, 2002) com a finalidade de compreender este trabalho na Educação Infantil. Os princípios que regem estas pedagogias passam então, a compor um olhar sobre o trabalho do CP nos Centro de Educação Infantil. Na segunda seção, verifica-se, a partir de estado da arte, como tem se configurado a gestão pedagógica na EI e, especialmente nas creches, a fim de obter um panorama nacional da atuação destes profissionais. No quarto capítulo foi elaborado um resgate histórico da Educação Infantil no município de Fortaleza com o apoio de Leite (2014) e Barbosa (2017) no intuito de ressaltar como surge a figura do CP da EI no município, bem como de contextualizar o momento histórico-político em que atuam estes profissionais. O trabalho do CP segundo a legislação vigente no município de Fortaleza é apresentado e há a indicação, a partir dos processos de descontinuidade que marcam a história da educação no município, de alguns desafios para a coordenação pedagógica dos CEI. 23

No quinto capítulo, comprometo-me com o delineamento da metodologia desta pesquisa e apresento os procedimentos e critérios para as escolhas do lócus e dos sujeitos. O capítulo seis apresenta o CEI Hanna Evelyn de Andrade a partir das ações diárias da coordenadora pedagógica neste espaço. É seguido pelo capítulo sete, em que o trabalho da coordenadora é apresentado a partir das observações registradas no Diário de Campo. No capítulo oito, o trabalho da CP é revelado a partir dos olhares das professoras participantes da pesquisa e do olhar da própria coordenadora. Há, pois, a convicção de que esta investigação contribui para a ampliação do conhecimento em relação à compreensão das especificidades do trabalho da coordenadora pedagógica junto às docentes em creches no município de Fortaleza, e consequentemente, para uma reflexão sobre as práticas pedagógicas junto a bebês e crianças bem pequenas que visem uma Educação Infantil de boa qualidade. 24

2. O TRABALHO DO GESTOR ESCOLAR

Contra la subjetividad de los hombres se levanta la objetividad del mundo hecho por el hombre. Hanna Arendt, "La condición humana" (2009)

Este capítulo tem por objetivo apresentar os argumentos que norteiam esta pesquisa. Estes argumentos encontram-se na intercessão da categoria trabalho e gestão escolar, especificamente com o trabalho da coordenação pedagógica no município de Fortaleza. Ao interrogar como se dá o trabalho do coordenador pedagógico junto aos professores de turmas de creche de um CEI do município de Fortaleza, faz-se necessário registrar alguns conceitos que regem a questão e, portanto, esta pesquisa. Inicialmente, explicito sobre qual perspectiva de trabalho este texto assume. A compreensão de Karl Marx (2004) sobre o trabalho será abordada nos parágrafos que se seguem. As ideias do filósofo alemão serão, então, relacionadas ao trabalho na educação formal a partir dos postulados de Paro (2016) constituindo assim a primeira parte da base teórica desta pesquisa.

2.1 As especificidades do trabalho na Educação

Para Marx (2004) o trabalho é uma atividade essencialmente humana, o que difere os homens dos animais. Entende o homem como um ser de carências, desejos e necessidades as quais o move para sua autorrealização. Assim, o homem – ser social – a partir do trabalho, satisfaz suas necessidades e se desenvolve individual e socialmente. O filósofo explica a universalidade da produção humana como oposto a produção animal: É verdade que também o animal produz. Constrói para si um ninho, habitações, como a abelha, castor, formiga etc. No entanto, produz apenas aquilo de que necessita imediatamente para si ou sua cria; produz unilateral[mente], enquanto o homem produz universal[mente]; o animal produz apenas sob o domínio da carência física imediata, enquanto o homem produz mesmo livre da carência física, e só produz, primeira e verdadeiramente, na [sua] liberdade [com relação] a ela; [...] O animal forma apenas segundo a medida e a carência da species à qual pertence, enquanto o homem sabe produzir segundo a medida de qualquer species, e sabe considerar, por toda a parte, a medida inerente ao objeto; o homem também forma, por isso, segundo as leis da beleza. (p. 85).

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Para o referido filósofo o homem produz considerando fatores complexos e diversos, para além das necessidades urgentes. Essa produção (material e imaterial) por meio do trabalho é, portanto, a exteriorização da essência humana, porque “quando se fala do trabalho, está-se tratando, imediatamente, do próprio homem.” (MARX, 2004, p. 89). São, ainda, conceitos relevantes em Marx inerentes à positividade do trabalho, o objeto de trabalho e os instrumentos de trabalho. Para Marx (2004), historicamente, o homem foi o único animal capaz de produzir deliberadamente seus instrumentos de trabalho, é o uso destes que proporciona a perfeita intervenção no objeto de trabalho, que é a “própria matéria em que se dá o trabalho humano” (PARO, 2016, p. 38). Percebe-se que nos instrumentos de trabalho já há empenho de trabalho humano e que no objeto de trabalho isto não é uma constante, posto a variedade de matéria-prima que pode ser utilizada. Uma das maiores contribuições de Karl Marx na reflexão sobre o trabalho humano é sua perspectiva crítica frente ao sistema capitalista e seus ditames sobre a produção humana. É observado por Marx (2004) que:

A efetivação do trabalho tanto aparece como desefetivação que o trabalhador é desefetivado até morrer de fome. A objetivação tanto aparece como perda do objeto que o trabalhador é despojado dos objetos mais necessários não somente à vida, mas também dos objetos do trabalho. [...] A apropriação do objeto tanto aparece como estranhamento (Entfremdung) que, quanto mais objetos o trabalhador produz, tanto menos pode possuir e tanto mais fica sob o domínio do seu produto, do capital. (p. 80-81).

A partir desta perspectiva, pode-se perceber que o trabalho do homem que deveria existir como efetivação de satisfação e bem-estar, transforma-se em efetivação da miséria. Para Marx (2004):

[...] o trabalho é externo (äusserlich) ao trabalhador, isto é, não pertence ao seu ser, que ele não se afirma, portanto, em seu trabalho, mas nega-se nele, que não se sente bem, mas infeliz, que não desenvolve nenhuma energia física e espiritual livre, mas mortifica sua physis e arruína o seu espírito. O trabalhador só se sente, por conseguinte e em primeiro lugar, junto a si [quando] fora do trabalho e fora de si [quando] no trabalho. Está em casa quando não trabalha e, quando trabalha, não está em casa. O seu trabalho não é, portanto, voluntário, mas forçado, trabalho obrigatório. O trabalho não é, por isso, a satisfação de uma carência, mas somente um meio para satisfazer necessidades fora dele. Sua estranheza (Fremdheit) evidencia-se aqui [de forma] tão pura que, tão logo inexista coerção física ou outra qualquer, foge- se do trabalho como de uma peste. (p. 82-83).

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Aqui, reside a ideia de estranhamento do trabalho em sua particularidade capitalista, posto que o produto do trabalho do homem, através de sua força empreendida, é feito com objetos e instrumentos de outro para outro, estranho ao trabalhador. Como estranho é o seu fazer, é, também, estranho o seu “ser”. A relevância das discussões de Marx (2004) se materializa nas analogias feitas por Paro (2016) entre o trabalho na indústria e o trabalho pedagógico. Em se tratando do trabalho pedagógico, Paro (2016, p.39), assumindo a analogia outrora mencionada, ressalva que algumas especificações devem ser consideradas. A priori o fato de que o trabalho pedagógico se configura como uma produção não material, “seu produto não é um objeto tangível, mas um serviço”. O que, então, significa dizer quando se afirma as qualidades “não tangíveis” do trabalho pedagógico? Paro (2016) explica:

Isto levou Marx (1978, p. 79) a entender que o trabalho pedagógico escolar não pudesse ser subsumido senão formalmente na sociedade capitalista, em virtude da natureza mesma deste trabalho. Para ele, há dois tipos de trabalho na produção não material. Um que, apesar de ser, em essência, próprio da produção não material, seu produto acaba assumindo alguma corporeidade para entrar no mercado capitalista, como acontece, por exemplo, com a produção de livros. Nesse tipo de trabalho, processa-se a separação entre a produção e o consumo. Mas há outro tipo de trabalho na produção imaterial cuja produção e consumo se dão simultaneamente. É o caso, por exemplo, do ator no teatro, do palhaço no circo e do professor na sala de aula. (p.39)

A partir dos pressupostos marxistas acerca da produção imaterial explicados por Paro (2016), outras reflexões análogas ao processo pedagógico enquanto trabalho humano emergem. Sendo assim, qual seria o produto da atividade pedagógica nesta concepção? O processo de produção pedagógico estaria subordinado ao capital, como todas as outras produções materiais já mencionadas a partir de Marx? Paro (2016) apresenta a teoria de Dermeval Saviani (1984) para discutir estas e outras questões. Para Saviani (1984), uma especificidade importante da educação escolar está no fato de que a produção e o produto são inseparáveis. Marx (apud PARO, 1999, p. 139) aponta raras exceções em que a produção imaterial se encontra submissa à lógica capitalista e afirma que esta, “em virtude da natureza dessa atividade só pode estender-se em algumas esferas”. Saviani (1984), portanto, conclui a partir de Marx que a natureza intrínseca entre produção e produto é o que diferencia a lógica da educação escolar da lógica de produção do Capital. 27

Saviani (1984) indica que, a partir das aproximações de Marx, a aula, enquanto produto da educação escolar, não pode ser separada do seu consumo por parte do alunado, sendo esta - a aula - o produto da educação. Em uma análise mais refletida, no entanto, Paro (2016) amplia o horizonte para a discussão da problemática. Ao considerar a educação como a apropriação de saberes socialmente construídos e a escola como local de provimento da educação, a aula não pode ser considerada seu exclusivo produto. A complexidade desta análise, leva à compreensão de que a relação ensino-aprendizagem, a qual acontece entre sujeitos “com iguais condições no domínio da sociedade civil”, excede as ideias apresentadas por Saviani e aponta que esta relação, para além de um simples produto do trabalho, é o próprio trabalho pedagógico (PARO, 2016, p.41). Para tanto, Paro (1999) ergue sua tese em três pontos chaves. Considera o papel do educando no processo de produção pedagógico, reflete sobre o conceito de produto da educação escolar e sobre a natureza do saber envolvido no processo educativo escolar. É no trabalho pedagógico – entenda-se, no ato – que o estudante se apropria de saberes, incorpora-os e os ressignifica. O estudante não é mero expectador. Sua participação no processo é ativa enquanto ser histórico (PARO, 1999). Embora as analogias com a produção material favoreçam uma compreensão do aluno como objeto de trabalho do educador, entendido por Paro (2016) como sendo ele “o verdadeiro objeto sobre o qual se processa o trabalho pedagógico e que se transforma nesse processo, permanecendo para além dele” (p.41) estas analogias não podem ser estendidas para além das colocações aqui explicitadas. Paro salienta que, “em vista disso, o papel do educando no processo de produção pedagógico se dá não apenas na condição de consumidor e de objeto de trabalho, mas também na de sujeito, portanto de produtor (ou coprodutor) em tal atividade.” (PARO, 2016, p.41). Assim, não só o professor, em seu ato pedagógico, empreende força de trabalho humano posto que o aluno executa (em si) seu trabalho como realizador de sua própria educação (PARO, 1999). Aqui se empreende o conceito de trabalho dialogado com Marx (2004) como sendo “uma atividade adequada a um fim”. Posto que, se o processo pedagógico acontece com uma boa qualidade, e é perceptível as transformações quanto a personalidade viva dos sujeitos por meio das apropriações de conhecimentos, tornando- 28

o diferente do que entrou, pode-se considerar que o fim da educação foi alcançado e, por conseguinte, é aí que reside o seu produto. Eis aqui o segundo ponto de alargamento da perspectiva de Saviani segundo Paro (1999, 2016). Saviani (1984), em análise aos apontamentos de Marx, identifica como produto da educação escolar a aula. Considera, ainda que uma variante comercial deste produto seria, por exemplo, as aulas gravadas em vídeos. Paro (1999) segue além. Para este a “aula é apenas uma atividade ou o próprio processo através do qual se buscam determinados resultados” (p.144), portanto o que se constitui no produto da educação, como o já explicitado no parágrafo anterior é a diferença que esta educação provoca no aluno. Não uma simples e justaposição de conhecimentos transferidos, posto que “supõe uma real transformação na personalidade viva do educando” (p.144). Assim, Paro (1999) arremata:

Ou seja, partindo do aluno em determinado estágio de desenvolvimento pessoal, e mediante a ação deste mesmo aluno, do professor e das demais pessoas envolvidas na atividade educativa, a escola produz o “aluno educado”5. Claro que esta expressão não pode se referir a uma educação completa6do aluno (...). De qualquer forma, nessa educação [inacabada], há uma porção que foi realizada pela escola, e é aí que se encontra o produto de sua ação. (p.144, grifos do autor).

Frente ao exposto pelo autor, outro aspecto relevante em sua teoria é a separação entre a produção escolar e seu produto. O autor discorda de Saviani quanto ao consumo imediato do produto da educação e entende que este consumo se prolonga por toda a vida do indivíduo para além do ato de produção. O último fator que contribui para um alargamento da teoria de Saviani, segundo Paro (1999) é a natureza do saber envolvido no processo educativo escolar. O processo pedagógico exige que o aluno seja ao mesmo tempo objeto e sujeito da educação. Esta verificação leva a refletir sobre o papel desempenhado pelo saber neste processo. Paro (1999, 2016) aponta este aspecto como mais um elemento de negação da lógica do Capital à Educação escolar. Verifica que no processo de produção material há uma divisão dos saberes que classifica e qualifica o trabalho. A dicotomia entre concepção e execução coloca nas mãos do capital a concepção e deixa a execução nas mãos do trabalhador, subordinando-o. Esta dicotomia também pode acontecer na

5Paro considera que a educação do homem é um processo que nunca se completa e que a escola é apenas uma das instâncias em que se dá a educação que o aluno desenvolve durante toda a vida. (PARO, 1999)

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educação posto que, segundo o autor, “o trabalho humano tem a peculiaridade de ser concebido em um momento e executado em outro, ser concebido por uns e executado por outros.” (PARO, 2016, p.44) Todavia, no processo de trabalho pedagógico existe outro saber que Paro (2016) denomina de saber “que se passa”, que é o saber historicamente produzido e que é apropriado pelo educando. O trabalhador lança mão deste saber como objeto de trabalho. Deste modo, este saber não pode ser expropriado do trabalhador, posto que descaracterizaria o próprio processo pedagógico (PARO, 1999). Segundo Paro (2016) é este o cerne de sua teoria:

Parece-me que é essa característica do saber que se passa no trabalho pedagógico que opõe resistência à generalização do modo de produzir especificamente capitalista na escola, ou seja, que dificulta a radical “parcelarização” do trabalho docente com a consequente apropriação radical do saber do educador e a subordinação real do trabalho ao capital (p.44 grifos do autor).

Todas estas características do processo de trabalho pedagógico contribuem para uma percepção de que a escola possui especificidades que não podem ser generalizadas. As discussões a partir de Marx, Saviani e Paro são basilares para esta investigação. É fato que não se pretende esgotar nenhuma das reflexões aqui apresentadas, considerando todas as complexidades em que a pesquisa e as construções humanas estão imersas, mas, trazer uma boa compreensão sobre os conceitos relevantes para o caso que esta pesquisa se motiva a analisar. Na seção seguinte será construída uma reflexão sobre o trabalho da gestão escolar, considerando as discussões já apresentadas e algumas tensões que marcam essa delimitação do trabalho na educação.

2.2 A Gestão Escolar

A partir dos estudos de Paro (1999 e 2016) sobre as especificidades da lógica escolar e a difícil generalização quanto aos sistemas de produção material, surge a seguinte questão: como deve se dar a gestão desse ambiente escolar de estruturas, já comprovadamente, tão específicas? 30

Para seguirmos na busca pela clareza a esse respeito, alguns conceitos abordados neste texto merecem atenção. É importante salientar que a intensa dinâmica da realidade faz com que os fatos e fenômenos mudem de significados ao longo do tempo (Lück, 2010), a seguir trataremos de algumas terminologias caras para esta pesquisa. Vale ressaltar que algumas sofreram modificações ao longo da história por não contemplarem toda a riqueza de sentido das novas construções e desdobramentos. Para Lück (2010): “Uma mudança de denominação só é significativa quando representa uma mudança de concepção da realidade e de significados de ações, mediante uma postura e ações diferentes. Em vista disso a discussão terminológica se explica no sentido de compreender melhor o que representa para orientar de maneira adequada a ação – caso contrário representa apenas jogo de palavras e exercício no plano das ideias, sem compromisso com a ação e com os seus resultados” (p.47).

A primeira delas refere-se à necessária compreensão da diferença entre gestão educacional e gestão escolar. Em síntese, segundo Vieira (2008), a gestão educacional está no âmbito dos sistemas educacionais e a gestão escolar ancora-se nas instituições de ensino. A gestão educacional reside em uma dimensão macro e a gestão escolar em uma dimensão micro. A gestão educacional existe em função da escola e o trabalho que nela acontece. Nas palavras de Vieira (2008, p. 24) a “gestão escolar, por outro lado, orienta- se para assegurar aquilo que é próprio de sua finalidade – promover o ensino e a aprendizagem, viabilizando a educação como um direito de todos, conforme determinam a Constituição e Lei de Diretrizes e Bases.” Com efeito, as designações legais são relevantes para a compreensão sobre as tensões que se apresentam entre o que prevê a lei e os desafios que se impõe às instituições de educação. Como este trabalho se preocupa com a gestão escolar, é relevante um breve olhar sobre a legislação neste âmbito. A Lei de Diretrizes e Bases de 1996, outrora mencionada, destaca em seu artigo 12, nos incisos I a X as incumbências da gestão escolar. De acordo com o inciso I, a principal atribuição da escola é a construção e efetivação de uma proposta pedagógica, deste modo é dever da gestão escolar orientar-se para este fim. A proposta pedagógica é o norte da escola e define percursos que os sujeitos que a compõem assumem para si e para os seus próximos. É da proposta pedagógica que dependem muitas outras atribuições da gestão escolar. 31

O inciso II traz o dever da administração do pessoal e dos materiais da instituição. A Lei faz uso da terminologia “administração”, que posteriormente será discutida neste trabalho, e aponta tarefas específicas da escola quanto à gestão de seu patrimônio imaterial e material. Ao mesmo tempo, reserva à escola o dever de zelar especialmente pelo ensino aprendizagem – razão de ser da escola. Os incisos III, IV e V especificam esse movimento quando preveem: III - assegurar o cumprimento dos dias letivos e horas-aula estabelecidas; IV - velar pelo cumprimento do plano de trabalho de cada docente; V - prover meios para a recuperação dos alunos de menor rendimento. Segundo Vieira (2008, p.41), “ao exercer com sucesso tais incumbências, esta (a escola) realiza a essência de sua proposta pedagógica.” Além destes, os incisos VI e VII atentam para a relação da escola com a comunidade, outra relevante dimensão da gestão escolar. Relega a esta o dever de “articular-se com as famílias e a comunidade, criando processos de integração da sociedade com a escola” e de, concomitantemente, “ informar pai e mãe, conviventes ou não com seus filhos, e, se for o caso, os responsáveis legais, sobre a frequência e rendimento dos alunos, bem como sobre a execução da proposta pedagógica da escola”7; Ações voltadas ao cuidado com os alunos também são previstas nos incisos VII, IX e X, que determinam que a escola deve:

VIII – notificar ao Conselho Tutelar do Município, ao juiz competente da Comarca e ao respectivo representante do Ministério Público a relação dos alunos que apresentem quantidade de faltas acima de cinquenta por cento do percentual permitido em lei.8IX - promover medidas de conscientização, de prevenção e de combate a todos os tipos de violência, especialmente a intimidação sistemática (bullying), no âmbito das escolas;9 X - estabelecer ações destinadas a promover a cultura de paz nas escolas.

O Artigo 15 da mesma Lei preceitua quanto à autonomia da escola e parte da compreensão de que esta autonomia não é algo dado, mas é uma construção a partir de sua história e identidade. Assim, ao definir que “Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação básica que os integram progressivos graus

7Redação dada pela Lei nº 12.013, de 2009, em observação às diversas composições familiares. 8Incluído pela Lei nº 10.287, de 2001 9Incluído pela Lei nº 13.663, de 2018

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de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro público” observam as diferentes formas de existir da própria instituição construída pelos sujeitos que a constituem (VIEIRA, 2008). Vieira (2008) faz uma interessante análise, a partir das bases legais, sobre a gestão escolar no Brasil. Segundo a referida autora, todas as definições legais de abrangência da escola referem-se também à gestão educacional, especialmente quando se trata do setor público “Isto porque esta existe em função daquela, havendo entre ambas uma intercomplementaridade.” (VIEIRA, 2008, p.42) A compreensão de outros conceitos importantes quanto à gestão escolar também é necessária a este trabalho, como é o caso dos conceitos de Administração Escolar e Gestão Escolar. Segundo Paro (1999, p. 18), de forma geral a administração é “a utilização racional de recursos para a realização de fins determinados”. Com base em Marx, o autor afirma que a atividade administrativa é exclusiva e necessária ao homem. Dado o objetivo da administração (realizar um fim), deve-se utilizar racionalmente os recursos. Este trabalho abordou, no início deste capítulo, as relações de produção vigentes no modo de produção capitalista e guiou o olhar a este modo de trabalho relacionado à escola. De fato, o modo de produção capitalista tem forte influência sobre toda a forma de organização da sociedade. Para que se produza mais valia é necessária a existência de uma desenvolvida divisão do trabalho. Esta divisão que se dá no interior do processo de produção é diferente da divisão social que acontece de acordo com as diferentes funções de trabalho na sociedade. Observa-se que, enquanto a segunda divisão do trabalho é comum a todos os agrupamentos humanos, a primeira é uma característica exclusiva da organização capitalista. Esta organização, por ter como objetivo último o lucro do capitalista, entra em conflito com os interesses dos trabalhadores, que são continuamente desconsiderados. Por isso, os conhecidos estudos de administração enfocam na sociedade capitalista meios para a solução dos problemas relacionados ao controle dos trabalhadores. A figura do gerente nasce do fato de ser o processo de produção capitalista um processo de valorização do capital e de exploração do trabalhador inevitavelmente (PARO, 1999). No Brasil, a administração escolar enquanto disciplina e prática ainda não tem um corpo teórico construído e é comum que se adote perspectivas da administração 33

de empresas (HORA, 2012). Este modelo gerencial da administração se apresenta insuficiente para a complexidade das relações existentes na escola e aos fins que a educação se propõe, como já apresentados anteriormente. O conceito de administração não pode ser considerado como um conceito interessante para a escola quando visto como um processo puramente racional, linear e fragmentado de organização, de influência estabelecida verticalmente e de forma centrípeta, que emprega pessoas e recursos de forma mecanicista e utilitarista para que os objetivos institucionais sejam realizados e que traz como sinônimo ao ato de administrar as ações de comandar, controlar, cobrar, etc. (LÜCK, 2010). Entretanto, não é por perceber os limites da administração que esta se configura como um instrumento totalmente descartável para a escola. No início desta seção, foi explanado o aspecto racional da administração, enquanto condição necessária à vida humana, e é a partir tão somente deste aspecto que se pode pensar uma dimensão administrativa na escola (LÜCK, 2010; PARO, 1999; 2015; 2016). A este respeito, Paro (2015) pondera:

Na verdade, se o administrativo é a boa mediação para a realização do fim, e se o fim é o aluno educado, não há nada mais administrativo do que o próprio pedagógico, ou seja, o processo de educá-lo. É, portanto, o pedagógico que dá a razão de ser ao administrativo, senão este se reduz a mera burocratização, fazendo-se fim em si mesmo e negando os fins educativos a que deve servir (p.25).

É neste âmbito que se faz necessária uma nova terminologia, que dê espaço a todas as complexidades que se impõem na escola e em suas interrelações. A gestão escolar se apresenta, portanto, como uma ampliação da administração. Daí decorre, como foi apresentado anteriormente, a utilização da terminologia administração como uma dimensão da gestão escolar na legislação brasileira (LDBEN, art.12 inciso II). Assim, explica Lück (2010):

“A gestão, portanto, é que permite superar a limitação da fragmentação e da descontextualização e construir pela óptica abrangente e interativa, a visão e orientação de conjunto, a partir da qual se desenvolvem ações articuladas e mais consistentes. Necessariamente, portanto, constitui ação conjunta de trabalho participativo em equipe.” (p.43)

A proposição de Lück (2010) apresenta as características de uma importante dimensão da Gestão tanto Educacional como Escolar, a saber, a Gestão Democrática. 34

Este é um dos temas mais discutidos entre os educadores e objeto de estudo de muitos pesquisadores. Segundo Vieira (2010), a gestão democrática se caracteriza como um desafio concreto no cotidiano da escola. A gestão democrática como dimensão subjetiva tem por gênese de base legal a Constituição de 1988. No Artigo 206, inciso VI, a lei define: “a gestão democrática do ensino público, na forma da lei” como um de seus princípios. A LDBEN (BRASIL, 2013) reitera o mesmo em seu Artigo 3, inciso VIII, ao definir que o ensino tem por princípio a “gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino”. Portanto, a gestão democrática é um valor público definido em lei (VIEIRA, 2010). Enquanto valor público, os limites da gestão democrática são definidos da seguinte maneira:

Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios: I - participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola; II - participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes (LDBEN, Art. 14).

A gestão democrática da escola pressupõe participação. É um espaço de intervenção que se articula com outros e é uma forma de exercício da cidadania e da militância (VIEIRA, 2010). Para que este tipo de gestão saia do plano da utopia e passe para a sua concretização real entre os trabalhadores e sujeitos que compõem a escola, e, se existe o desejo de que a escola assuma seu papel transformador, esta mesma escola precisa ser transformada. E não há outra forma de transformação da escola que não se dê por meio da sua apropriação pelos trabalhadores. Neste sentido, afirma Paro (2010), é que precisam ser transformados os sistemas de autoridade e a distribuição do próprio trabalho no interior da escola. O gestor da escola não pode ser confundido com o gerente. É urgente que o sistema hierárquico que predomina atualmente nas escolas, que centraliza todo o poder nas mãos dos diretores, seja superado em função da participação dos diversos setores que constituem a instituição. Paro (2015), em seu livro intitulado “Diretor escolar: educador ou gerente?” coloca à prova vários conceitos equivocados a respeito da função deste profissional no 35

âmbito da educação. Apresenta também inúmeras contradições que permeiam o fazer gestão do diretor escolar, como, por exemplo, a forma que a sociedade o vê e como o Estado o caracteriza. Esses questionamentos são importantes para uma melhor compreensão da complexidade da gestão. Os conflitos que permeiam a gestão das escolas em busca (ou não) de uma gestão democrática relacionam-se tanto com sua esfera micro como macro. Conhecer como se dão, efetivamente, as formas de gestão das instituições e suas reverberações no trabalho pedagógico é elemento necessário à pesquisa. Lück (2009) apresenta uma importante definição do que se entende por equipe gestora da escola. Esclarece que nessa equipe de gestão:

“tem destaque o diretor escolar, responsável maior pelo norteamento do modo de ser e de fazer da escola e seus resultados. Ela é também diretamente formada por diretores assistentes ou auxiliares, coordenadores pedagógicos, supervisores, orientadores educacionais e secretários escolares” (p. 22).

É de conhecimento público que as formas de organização da equipe gestora das instituições variam muito de um lugar para outro e que os profissionais que atuam em uma mesma função podem receber nomes distintos: diretores, coordenadores, supervisores etc. Como esta pesquisa se preocupa com o trabalho do coordenador pedagógico enquanto componente da equipe gestora, as reflexões sobre o trabalho na educação serão feitas a partir deste profissional.

2.3. O Trabalho do Coordenador Pedagógico

A discussão que permeou este texto até aqui, ocupou-se em desenvolver o argumento de que o trabalho do gestor para uma escola democrática é, portanto, transformador. Ele acontece em dimensão oposta ao paradigma capitalista e em busca da superação da lógica gerencial em que se pauta a administração de muitas escolas até os dias de hoje. Os sujeitos que estão na gestão escolar, portanto, são aqueles nos quais o olhar desta pesquisa focaliza. Lück (2009) ao abordar as dimensões da gestão escolar e suas competências apresenta a função pedagógica como a dimensão central da gestão para o alcance do 36

objetivo da educação, qual seja, o aluno educado, como já designado por Paro (1999, 2015 e 2016). O coordenador pedagógico, enquanto elemento constituinte do núcleo gestor, desempenha um importante papel para o alcance deste objetivo. Um breve resgate do percurso histórico faz-se necessário para o entendimento de como a identidade do coordenador pedagógico vem se reconstituindo e se ressignificando no Brasil. Segundo Domingues (2014), na história e na legislação brasileira, muitas atribuições e tarefas de responsabilidade do coordenador pedagógico já estiveram em outros momentos atreladas a outros profissionais na organização escolar. Já no século XII, segundo pesquisa feita por Salvador (2000) na história da inspeção escolar se apresentavam os bispos, e posteriormente, com o avanço das escolas confessionais, os chamados escolásticos, ambos com a função de zelar pelas atividades das instituições. A mesma pesquisadora aponta que com o declínio do domínio da Igreja e com o início de um sistema público de educação, por volta do século XVIII, surge a função de inspetor escolar público. Este profissional assume uma função eminentemente fiscalizadora. Esta função tem papel preponderante na forma como ainda hoje se percebe a gestão pedagógica nas escolas. Vasconcellos (2009, p.86) aponta que muito dos problemas que se apresentam no exercício da coordenação pedagógica tem relação com o contexto histórico em que surgiu e “sua configuração formal ligada ao controle”. Um aspecto interessante na história, além de ser motivo pelo qual é necessário buscar nela indícios para a compreensão do trabalho do coordenador pedagógico hoje, é o observado por Fusari (1997) quando aponta o inspetor escolar como precursor do coordenador pedagógico posto que, estes primeiros, realizavam um trabalho de formação sempre que houvesse a necessidade (DOMINGUES, 2014; PEREIRA, 2014). Outro marco histórico-legal nessa constituição do coordenador pedagógico no Brasil pode ser encontrado na década de 60, na qual dentre as habilitações no curso de Pedagogia passou a existir a supervisão escolar. Posteriormente, a integração das funções inspeção e supervisão feita pela LDBEN n.5692/71, define o supervisor como o responsável por fiscalizar e orientar as práticas pedagógicas. 37

É importante ressaltar que a instituição dessa lei, no contexto de Ditadura Militar no país, trouxe ao supervisor uma conotação tecnicista e controladora, impondo a partir deste, uma espécie de militarização escolar. Segundo Venas (2012), a própria designação “coordenação pedagógica” advém de interesses relacionados à uma política financeira, em que as figuras do inspetor escolar, supervisor pedagógico, orientador educacional, não atendiam a estes mesmos interesses. Para o referido autor o termo “coordenador pedagógico” teve seu berço nas escolas, antes mesmo de ser publicado em qualquer documento oficial. Trata- se, pois, da designação para um profissional que desenvolve várias funções (supervisor escolar, orientador educacional, diretor, dentre outras.) enquanto é pago apenas por uma. Para Venas (2012), o caso do coordenador pedagógico, se constitui um evidente enxugamento da máquina pública em atenção às macropolíticas que têm forte influência no Brasil desde a década de 80. Em relação à construção da identidade do coordenador pedagógico frente às perspectivas legais, Pereira (2014) denuncia: Vale destacar que a atual LDB/1996 não se diferencia da primeira neste aspecto, haja vista que, no Art. 64, ao estabelecer a formação dos profissionais de educação para administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional para a Educação Básica, não delibera sobre os contextos de atuação desses profissionais, no sentido de definir quais deles atuarão diretamente em escolas, quais estarão mais diretamente vinculadas à SME e em que incide o trabalho de cada um. Também não determina a obrigatoriedade da existência de todos esses profissionais nas escolas ou nas Secretarias Estaduais de Educação (SEE) e nas SME (p.39).

Embora esta definição específica não esteja de forma clara na Lei, as escolas têm se organizado a partir de seus municípios e construído a seu modo as relações entre o objetivo primordial da escola e os profissionais ali presentes. Segundo Domingues (2014, p.25) “o papel do coordenador pedagógico, no contexto desse movimento histórico, vem sendo ressignificado e sua função cada vez mais associada à formação contínua do docente na escola”. Para Mate (2012, p.20), pode-se observar o contexto atual por dois ângulos. O primeiro diz respeito à necessidade de estabelecer a identidade do coordenador pedagógico que por não ter seu espaço definido pode ser “ameaçado por outras formas de poder e necessidades”. Por outro lado, a autora observa que é possível observar um movimento “criativo e inventivo” em busca de conquistar uma “territorialidade própria”. 38

É a partir desta ressignificação e da relevância do coordenador pedagógico no âmbito da formação contínua do docente (ALARCÃO, 2001, ALARCÃO e CANHA, 2013; PLACCO e ALMEIDA, 2001, 2006, 2008, 2012, 2013; DOMINGUES, 2014; PEREIRA, 2014;) que este profissional será visto. Neste trabalho, a definição de coordenador pedagógico apresentada por Alves (2007) e reiterada por diversas pesquisas no âmbito da coordenação pedagógica (WALTRICK, 2008; LEITE, 2013; PEREIRA, 2014) como sendo “uma função da gestão educacional que tem o papel de mediação e articulação coletiva dos projetos e práticas educativas realizadas em escolas e CMEIs10” (ALVES, 2007, p.258). Para o exercício de sua função enquanto articulador dos processos pedagógicos, o coordenador precisa traçar um plano de ação que envolva toda a comunidade escolar. “Se esse plano não existe, o trabalho do coordenador fica restrito a resolver problemas do dia a dia” (SILVA, 2012, p. 52), deste modo o coordenador é levado a uma ação descontínua e sem resultados. Essa concepção de coordenação pedagógica não pode se dá, se não, por um modo de gestão democrática e de fato participativa, um modelo que contraponha os limites dos processos hierarquizantes da produção material e avance no sentido da coletividade, da igualdade e do envolvimento de todos os participantes da escola nas ações de planejamento, execução e avaliação. Para Vasconcellos (2009), o coordenador pedagógico:

Não é fiscal de professor, não é dedo-duro[que entrega os professores para a direção ou mantenedora], não é pombo correio[que leva recado da direção para os professores e dos professores para a direção], não é coringa/ tarefeiro/quebra-galho/ salva vidas[ajudante de direção, auxiliar de secretaria, enfermeiro, assistente social, etc.], não é tapa buraco[que fica “toureando” os alunos em sala de aula no caso de falta de professor], não é burocrata[que fica às voltas com relatórios e mais relatórios, gráficos, estatísticas sem sentindo, mandando um monte de papeis para os professores preencherem – escola de “papel”], não é de gabinete [que está longe das práticas e dos desafios efetivos dos educadores], não é dicário [que tem dicas e soluções para todos os problemas, uma espécie de fonte inesgotável de técnicas, receitas], não é generalista[que entende quase nada de quase tudo] (p. 87).

A forma direta do autor explicar sobre o que o coordenador pedagógico não é, fazendo uso de uma linguagem por vezes coloquial, possivelmente, pode ser

10 Centros Municipais de Educação Infantil. 39

justificada pela falta de clareza em que se apresenta a função do coordenador pedagógico nas instituições de educação, conforme denunciou Pereira (2014). A negativa de todas as características apontadas por Vasconcellos (2009) se dá segundo Alarcão (2001) pela atual construção da autonomia docente e da democratização da escola. Para a referida autora, o supervisor11 passa a ser visto como co-construtor da escola junto ao grupo de professores e demais partícipes da escola. Historicamente, a supervisão escolar abre espaço para a coordenação pedagógica (Alarcão 2001, Vasconcellos, 2009; Rangel 2001). Alarcão (2001) apresenta as diversas abordagens da supervisão escolar em Portugal e seus princípios para uma educação de qualidade. Conclui que ano após ano essas abordagens têm percorrido um caminho no sentido de que os metodólogos dão lugar aos formadores, aos orientadores, aos conselheiros, aos facilitadores, aos colegas. Neste sentido, destaca que a qualidade do ensino e da aprendizagem, é vista pela supervisão não apenas no contexto das salas de aula, mas de uma forma mais abrangente em toda a escola, onde todos (alunos, professores, funcionários) estão em um lugar e em um tempo para a aprendizagem, constituindo essa mesma escola como aprendente. Nas palavras de Alarcão (2001, p.31) “como organização qualificante onde, também ela, aprende e se desenvolve”. No Brasil, as pesquisadoras Alves e Garcia (2008), convidadas a rediscutir os papéis dos diferentes profissionais da escola na contemporaneidade, salientam a transformação da escola ao longo do tempo em função da transformação das pessoas que a compõem, e lembram quão contraditória a escola seria se tomasse para si um modelo único em todos os tempos e espaços. É nesta perspectiva que essas pesquisadoras assumem o caráter plural da escola e ressaltam a importância dos saberes e subjetividades diversas ali presentes. Para elas, cada sujeito (aluno/a, professor/a, supervisor/a, servente, merendeira, vigia, diretor/a), vai mudando de acordo com os contextos em que vivem seus múltiplos cotidianos e “com sua própria história em confronto com outras histórias coletivas e singulares, vai participando de um grande movimento do qual é parte, influindo e sendo influenciados” (ALVES; GARCIA, 2008, p.134).

11 Em Portugal a função do supervisor escolar é similar à função do coordenador pedagógico no Brasil (ALARCÃO, 2001). 40

Neste ínterim, os coordenadores pedagógicos certos de que ninguém é proprietário de um conhecimento, “mas sim responsável por um dos fios necessários à tessitura de um lindo tapete de saberes e fazeres que só existirá com a troca/trançada de todos os fios necessários” (ALVES; GARCIA, 2008, p.141) atua em seu campo favorecendo estas trocas e tessituras. É de conhecimento geral que a natureza do trabalho pedagógico é de detentor de muitas atribuições. Distintos são os afazeres do coordenador no cotidiano das escolas, da atenção às famílias à simples produção de informativos, dentre outras burocracias. Mas o que é próprio do coordenador pedagógico e o que o diferencia de um secretário escolar, por exemplo, é sua atuação na formação de professores, como estratégia para a efetivação da proposta pedagógica coletivamente construída (CAMPOS e ARAGÃO, 2012). Para Campos e Aragão (2012, p.39) “a interação entre pares e as trocas de saberes precisam ser a base sobre a qual o coordenador desenvolve sua ação na escola na perspectiva de contribuir para a formação docente.” A escola enquanto espaço privilegiado de ricas interações, entre os diferentes pares, coordenador-professor-criança-funcionários-família-gestão, etc., é a inspiração para que o coordenador pedagógico apropriado dessa organização, reflita, planeje, elabore e execute diversas formas de discutir esse cotidiano junto aos professores, promovendo reflexão e trocas, formando os professores, os demais funcionários e a si. Segundo Campos e Aragão (2012) o trabalho do Coordenador Pedagógico não está predeterminado, é no dia a dia da escola que ele se depara com as muitas possibilidades e potencialidades. Os caminhos são diversos e é por este motivo que a ação e decisão coletiva é tão importante. Segundo as autoras, fazer junto pode ser um dos segredos da qualificação da atuação do coordenador. Pode-se afirmar que no Brasil, a coordenação pedagógica tem assumido seu papel fundamentalmente pedagógico, ao menos no âmbito dos discursos. Vasconcellos (2009) defende que a coordenação pedagógica seria a articuladora do Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola. Assim, cabe ao coordenador organizar a reflexão, a participação e os meios para a efetivação do PPP de forma que a escola possa cumprir seu papel essencial. Para o referido autor, a coordenação pedagógica é exercida por um educador que por essência se posiciona no combate a todos os processos que desumanizam a 41

escola, seja na reprodução da ideologia dominante, seja no autoritarismo, ora no conhecimento desvinculado da realidade, ora na evasão, ou na lógica classificatória e excludente, ou na discriminação social, racial, religiosa etc. Até aqui, é perceptível que a identidade do coordenador pedagógico é definida por um profissional da educação que, enquanto partícipe, não apenas de um grupo gestor, mas de toda uma comunidade escolar. Tem seu papel primordial no favorecimento da construção de uma rede de saberes, significados e conhecimentos. Neste sentido, é constituinte dessa rede e, também, constituído por ela. É justamente por seu caráter formador que se pressupõe uma abertura para sua própria formação. Uma formação que não reforce tudo aquilo que o coordenador pedagógico não é (ou não deveria ser), que não tem começo, meio e fim em si. Uma formação que considere a escola como totalidade e, portanto, não a fragmente em função de “uma sociedade que divide para melhor controlar e dominar” (ALVES e GARCIA, 2008, p.128). As referidas negativas de Vasconcellos (2009) apontam para a busca de um maior entendimento sobre a formação do coordenador pedagógico. Domingues (2014) dedica uma considerável parte de sua pesquisa a este tema. Para ela, no contexto da divisão do trabalho e das múltiplas concepções de entendimento sobre a função do coordenador pedagógico na escola, bem como do discurso que vem sendo fortalecido sobre a formação contínua nas instituições de ensino, encontra-se a problemática da formação do próprio coordenador pedagógico. Voltados para uma ação pedagógica crítica, é impreterível que a formação inicial do coordenador pedagógico se dê no curso de Pedagogia no qual saberes teóricos advindos deste curso e as experiências pessoais, profissionais e de vida comporiam uma rede de conhecimentos e práticas que o embasariam em suas ações de formador. Em sua pesquisa empírica Domingues (2014, p. 27) constatou junto às coordenadoras pedagógicas do estado de São Paulo “uma inadequação da formação inicial (...) que não as preparou para o trabalho de coordenação pedagógica”. E observou que a formação inicial do coordenador pedagógico ainda está pautada por incertezas que universalizam os aspectos pedagógicos da escola de incumbência do coordenador. O curso de Pedagogia no Brasil, em sua gênese, esteve atrelado à formação do técnico/especialista em educação. A priori, era voltado, especificamente, para formar estes técnicos e professores do curso Normal (nível médio na modalidade Normal), 42

depois, engendrava-se na formação de professores do Curso Primário (atualmente séries iniciais do Ensino Fundamental) (ALVES, 2007). Atualmente, tem como missão formar professores para a Educação Infantil e as séries iniciais do Ensino Fundamental, como também gestores para a Educação Básica, dentre outros aspectos (BRASIL, 2006). Ao tratar sobre a formação dos gestores escolares nos encontros e desencontros do curso de Pedagogia, Franco (2017) ressalta que a Resolução vigente do Concelho Nacional de Educação que legisla sobre o Curso de Pedagogia n. 01/06, mesmo diante de todo um percurso histórico e de construção do próprio curso de Pedagogia, segue preterindo a formação dos profissionais responsáveis pelas ações de gestão, dentre eles o coordenador pedagógico, dos processos educativos, não apresentando dispositivos complementares para tratar do assunto, implicando numa lacuna formativa até os dias atuais. Franco (2017) constata em sua pesquisa uma curiosa quantidade de mais de 50 nomes de disciplinas dos cursos de Pedagogia pesquisados voltadas à Gestão Escolar, além de observar que estas mudavam de nome de acordo com o enfoque a ser abordado no curso. Como apenas um dos enfoques era adotado, ficava caracterizada uma escassez de disciplinas que contemplassem os diferentes aspectos da gestão e da profissionalidade dos gestores em diferentes ofícios. Além disso, como enfatizou Pinto (2011), as formas como os cursos se estabeleceram culminam na confusão relacionada à dimensão conceitual de gestão escolar, gestão educacional e gestão pedagógica, tratando os sujeitos com a mesma profissionalidade embora haja diferenças, como já explicitadas neste capítulo. Em suas considerações sobre a formação dos gestores escolares, suas indefinições no curso de pedagogia e no contexto das organizações das escolas além de suas atuações no cotidiano das mesmas, Franco (2017) argumenta que a formação dos gestores (dentre os quais se encontra o coordenador pedagógico) tem um compromisso primordial com a qualidade na educação. O autor considera que é necessário questionar o conceito de qualidade que tem sido contemplado nos cursos de pedagogia, muito mais ligados a indicadores de desempenho do que de transformação e promoção de uma ética com uma qualidade socialmente democrática. Segundo o autor, “o que exige uma formação mais investigativa” (FRANCO, 2017, p. 121). Esta formação se mostra ainda mais necessária quando se leva em consideração as especificidades do trabalho do coordenador pedagógico na Educação Infantil. Para Bruno (2006, p. 26), o coordenador pedagógico é aquele que atua como o 43

“mediador que articula a construção coletiva do projeto político pedagógico (...) e que, em comunhão com os professores, elabora a qualidade das práticas educativas”. Segundo Bondioli (2004, p. 124) as funções principais do coordenador pedagógico na creche são: “gestão da organização interna de cada creche; definição do projeto pedagógico e monitoração da sua realização, em comum acordo com os colegiados; organização da formação permanente dos funcionários; e coordenação territorial”, além de indicar a necessidade de uma redefinição do seu papel, frente às mudanças que vem ocorrendo no cenário da rede para a infância.

Neste sentido, de acordo com Bruno, Abreu e Monção (2015), o coordenador pedagógico com atuação na Educação Infantil é o profissional que assume desempenhar um papel em que o bojo está centrado no cultivo da pessoa integral e que cultiva em si mesmo a busca pelo autoconhecimento e desenvolvimento de sua percepção de si e do mundo. Para as referidas autoras, as especificidades do trabalho do coordenador pedagógico em creches e pré-escolas baseiam-se em quatro premissas: a primeira é a de que é este o profissional responsável pela formação do colegiado além de parceiro do núcleo gestor; tem como fundamental especificidade levar os professores a refletir permanentemente sobre a articulação entre o cuidar e o educar na rotina das instituições; considera como premissa a escuta das crianças como importante fonte de informação para planejar e avaliar ações junto a elas; e tem o trato das relações interpessoais como fundamento para coordenar a constituição do grupo de educadores. Além dos aspectos, ora mencionados, o trabalho de construção e alicerçamento da parceria com as famílias das crianças também se faz necessário. Isto porque, compartilhar a educação e o cuidado com as famílias é uma premissa para que se alcance a finalidade da Educação Infantil. Monção (1999) ressalta que existe ainda a necessidade de conceber o trabalho com as famílias como parte integrante do projeto político pedagógico e não como um apêndice, uma tarefa à parte do trabalho educativo. Vale ressaltar que essas características do trabalho do coordenador pedagógico na Educação Infantil requerem conhecimentos e saberes consolidados tanto na área da gestão e da coordenação pedagógica quanto aos que constituem o contexto específico da Educação Infantil (BRUNO, ABREU, MONÇÃO, 2015). É importante destacar, ainda, que a ação docente da coordenação pedagógica se diferencia da regência de sala ao passo que a atuação do coordenador inclui, desde a gestão 44

democrática e o trabalho coletivo, até a formação continuada de professores e relações interpessoais (ALVES, 2007). É possível constatar, portanto, que a formação inicial do coordenador pedagógico, segundo as pesquisas aqui apresentadas, mostra-se insuficiente e confusa, gerando os descompassos outrora mencionados nos espaços das escolas, creches e pré- escolas. É por este motivo que se faz necessário que o coordenador pedagógico assuma, ele próprio, uma posição de aprendiz. Esta postura pode se dá em relação com seus pares e constitui uma caminhada longa, mas certamente, um caminho auspicioso “para o pleno desenvolvimento profissional”, como afirma Fillipini (1999, p. 126). 45

3. O COORDENADOR PEDAGÓGICO E A CRECHE

O pensamento pedagógico se constrói em diálogo com a infância. Esta traz à pedagogia as interrogações sobre as quais é obrigada a refletir para repensar suas verdades. Miguel G. Arroyo (2018, p.119)

Este capítulo constitui em um olhar sobre a coordenação pedagógica na creche. Para tanto, antes, é necessária a explicitação de que perspectiva o olhar para este contexto se dá: a Pedagogia da Infância e, especificamente no Brasil, a defendida por Rocha (1999), Cerisara et al. (2002) e Faria (2005). A opção pela Pedagogia da Infância como referência para o trabalho do coordenador pedagógico na Educação Infantil, se dá, fundamentalmente, pelo fato de que essa Pedagogia é guiada pelos princípios da igualdade e da democracia, além de, se constituírem importantes lentes para se olhar e conceber as crianças e as infâncias.

3.1. A Pedagogia da Infância: transmissão x participação

“A pedagogia da infância pode reclamar que tem uma herança rica e diversificada de pensar a criança como ser participante, e não um ser em espera de participação” (OLIVEIRA – FORMOSINHO, 2007, p.7). A assertiva de Arroyo na epígrafe deste capítulo dialoga com a citação de Oliveira – Formosinho (2007) já no início desta seção, a fim de refletir sobre em que medida a infância tem sido considerada na Pedagogia e que repercussões essa possível escuta tem resultado na área da ciência da educação. As interrogações das infâncias12 têm, desde o fim do século XIX, ganhando corpo durante todo o século XX, influenciado a pedagogia por meio de diversas ciências, como a psicologia, a antropologia, a sociologia e a história. Oliveira – Formosinho (2007) nomeia este constructo de “herança pedagógica”. A autora ressalta a importância de uma reflexão a partir de tantos pressupostos históricos e constituidores da pedagogia, enquanto ciência. A este respeito, ressalta que um olhar reflexivo sobre a própria história da pedagogia, especialmente

12 Em concordância com Sarmento (2007) ao defender que não há infância única e universal. Isto porque as crianças experimentam essa fase da vida de diferentes formas, a partir de inúmeras variáveis, como, por exemplo: nacionalidade, classe social e grupo étnico, religioso e cultural do qual fazem. 46

sobre as contribuições do século XX13, podem esclarecer que modo impactaram as diversas concepções, tais como infância, criança, adulto, escola, professor, aluno, ensino-aprendizagem etc. (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2007). Para Oliveira – Formosinho (2007), Nas “coisas da pedagogia” temos andado muito afastados desse diálogo histórico, temos enveredado, com irreflexão surpreendente, por propostas e receituários provenientes dos mais diversos quadrantes, sem previamente nos perguntarmos: quem? Por quê? Para quê? Como? Na ausência dessa indagação, caímos em uma pedagogia ditada pelos modismos, sujeita a lógicas que não se situam nas “coisas da profissão” e que, antes pelo contrário, lhe são exteriores. (p.8)

É por este motivo que, segundo a autora, o movimento de volta ao centro da pedagogia, enquanto ciência, na retomada de seus saberes sócio-histórico-culturalmente construídos é dever de todos e de cada um (OLIVEIRA – FORMOSINHO, 2007). Portanto, para que se supere a “esquizofrenia educativa”14 em que submergiram os educadores, impõe-se o aceitar outras imagens da criança que falam da competência participativa e dos direitos a essa participação como obrigação cívica. A Pedagogia da Infância é, nas palavras de Oliveira – Formosinho (2007, p.14), a construção a partir do arcabouço teórico que a constitui, “uma pedagogia transformativa, que credita à criança com direitos, compreende a sua competência, escuta a sua voz para transformar a ação pedagógica em uma atividade compartilhada”. É, pois, uma pedagogia que se interroga e se deixa interrogar. Para Oliveira – Formosinho & Formosinho (2013) a pedagogia é um espaço ambíguo entre três: as ações, as teorias e as crenças. Por isto, “convocar crenças, valores e princípios, analisar práticas e usar saberes e teorias constitui o movimento triangular de criação da pedagogia” (p.188). Para estes autores, a pedagogia sustenta-se em uma práxis, em uma ação fecundada pela teoria e sustentada em um sistema de crenças (FORMOSINHO, 2007; OLIVEIRA-FORMOSINHO e FORMOSINHO, 2008). Segundo os referidos autores há dois modos de fazer pedagogia – o da transmissão e o modo da participação. Esses dois modos divergem quanto aos seus objetivos, ao pressuposto de criança, à proposição de professor, ao processo de ensino-

13 Especialmente no diálogo entre Dewey, Freinet, Froebel, Montessori, Malaguzzi, Piaget, Bruner, Vygotsky dentre outros. 14 Termo utilizado por Oliveira-Formosinho (2007) para explicar a distância entre o discurso pedagógico e a prática pedagógica. 47

aprendizagem, ao espaço de aprendizagem, ao tempo de aprendizagem, às atividades e projetos, e às aprendizagens realizadas e documentadas. A pedagogia transmissiva para a educação da infância tem por objetivo a transmissão de um conjunto mínimo de saberes, que são considerados essenciais e imutáveis, em que o professor é mero transmissor do que viveu. É, por este e outros motivos, pobre, descontextualizada e opressora. A pedagogia participativa cria a ruptura com a pedagogia tradicional/transmissiva e propõe uma nova forma de ver os processos de ensino- aprendizagem e do ser criança, aluno e professor. Tem por objetivo o envolvimento na experiência constante e interativa para a construção da aprendizagem. Este processo de aprendizagem é percebido em desenvolvimento interativo entre a criança e o adulto. O rompimento com as práticas das pedagogias transmissivas é constantemente ressaltado nos discursos dos educadores brasileiros, este discurso, por muito tempo, passou longe das escolas e das políticas e, por mais que não se efetive na prática, é considerado um avanço no sentido que, mesmo que de forma incipiente, começa a delinear novas formas de ver a infância. Mapear o espaço de uma Pedagogia da Infância em âmbito nacional é o objetivo da seção seguinte.

3.2. A Pedagogia da Infância no Brasil

Falar de uma Pedagogia da Infância no Brasil é também questionar suas origens, indagar seu nascedouro. O que se segue, é um entrelace entre a história da Educação Infantil no Brasil e a construção de uma Pedagogia da Educação Infantil. Na apresentação do livro organizado por Kishimoto e Oliveira-Formosinho (2013), a pesquisadora Maria Malta Campos, faz um sintético resgate histórico da Educação Infantil no Brasil. Esta forma de apresentar o histórico da Educação Infantil no Brasil em síntese, interessa, dado o grande número de pesquisas que já se detém no estudo da história da Educação Infantil. Não é pretensão nesta pesquisa fazer um demorado apanhado histórico da constituição da Educação Infantil no Brasil e no mundo. Antes passear pela história e compreender como vem se constituindo uma Pedagogia da Infância neste país. 48

Campos (2013) divide a história da educação e da pedagogia no Brasil em dois âmbitos. No primeiro âmbito estão as pedagogias transmissivas que ganhavam potência no cenário das escolas. Especialmente nas escolas das elites. Alguns modelos de jardins da infância, importados da Europa, já eram frequentados pelos filhos das classes mais abastadas no século passado. Mesmo instituições oficiais públicas eram frequentadas pela burguesia, como afirma Kuhlmann Jr. (2010):

O setor privado da educação pré-escolar, voltado para as elites, com os jardins de infância, de orientação froebeliana, teve como principais expoentes no , o do Colégio Menezes Vieira, fundado em 1875; e em São Paulo o da Escola Americana, de 1877. No setor público, o jardim de infância anexo à escola normal Caetano de Campos, de 1896 (...), mesmo sendo oficial atendia aos filhos da burguesia paulistana. (p. 82)

Em um segundo âmbito, encontra-se as creches. Neste, a massiva força da assistência e da filantropia revestem a creche de um caráter institucional voltado para as consideradas infâncias abandonadas, crianças em extremo estado de pobreza. Para estas crianças a instituição tinha o dever de cuidar, higienizar e “inculcar bons hábitos”. Este é um estigma que a creche carrega até os dias atuais. Estas instituições não foram criadas enquanto direito das famílias ou das crianças, antes, estabeleceram-se como forma de caridade. Dentre estas instituições, destaca-se segundo Kuhlmann Jr. (2010):

O Instituto de Proteção e assistência à Infância do Rio de Janeiro (IPAI - RJ), entidade mais importante do período estudado, foi fundada pelo médico Arthur Moncorvo Filho, em 24 de março de 1899. Em 1929, já possuía 22 filiais em todo país, 11 delas com creche (Belo Horizonte, Fortaleza, Curitiba, Juíz de Fora, São Luís, Niterói, Petrópolis, Ribeirão Preto, Rio de Janeiro, Salvador, e Santos) (p. 84).

Esta entidade detém papel de destaque na História da Educação Infantil do Brasil não apenas por sua expansão pelo país, como também por suas ações de assistência à criança e às famílias, além de seus serviços de puericultura intrauterina e extrauterina. É, pois, um modelo ancorado na relação favor-gratidão, no controle exercido através de meios que relegam a transmissão de conhecimentos, na focalização em alguns grupos sociais que fogem aos padrões de uma sociedade. Segundo a autora, saem de cena os livros e cadernos padronizados, os globos terrestres, os mapas e 49

enciclopédias e entram no palco “os berços enfileirados, as “linhas de montagem” para a alimentação, a higiene e o banho, os longos períodos de sono compulsório e de ócio, a criança sem voz e sem direito ao movimento e a posição subalterna reservadas às famílias” (CAMPOS, 2013, p.14). Por este motivo, ao contrário do que se possa imaginar, Kuhlmann Jr. (2010) enfatiza o caráter educativo destes modelos de instituição. Uma educação não para a emancipação, mas uma educação para a subserviência:

“A pedagogia das instituições educacionais para os pobres é uma pedagogia da submissão, uma educação assistencialista marcada pela arrogância que humilha para depois oferecer o atendimento como dádiva, como favor aos poucos selecionados para o receber. Uma educação que parte de uma concepção preconceituosa da pobreza e que, por meio de uma atendimento de baixa qualidade, pretende preparar os atendidos para permanecer no lugar social a que estariam destinados.Uma educação bem diferente daquela ligada aos ideais de cidadania, de liberdade, igualdade e fraternidade.” (p.167)

Não fosse as datas que marcam as pesquisas de Kuhlmann Jr. (2010), facilmente se poderia questionar se suas pesquisas não se referem aos dias atuais. Como apontam Oliveira-Formosinho (2007; 2013) e Campos (2013) estas práticas persistem ainda nos dias atuais não por falta de reflexão, de estudos ou propostas alternativas, mas pelo que impôs a burocracia, o estado, o “autor anônimo do século XX15” (OLIVEIRA- FORMOSINHO, 2007, P. 33). Para Oliveira-Formosinho, quando a Pedagogia, enquanto reflexão crítica e atualizada sobre a prática educativa (CAMPOS, 2012), não assume sua gramática no contexto das instituições, ela abre espaço para outra pedagogia sem nome, nem rosto, ou seja, a pedagogia tradicional, aquela que não vê a criança e sim o aluno, é que ocupa seu lugar de sempre (CAMPOS, 2012, p.15). Na Educação Infantil, este cenário é mais crítico. Como uma etapa subordinada às etapas seguintes, a Educação Infantil encontra-se num processo de “colonização” por parte do ensino primário, como aponta Moss (2002). Desde o nome, a “pré-escola” é definida pelo ensino fundamental, de sua organização curricular à estrutura física das diversas instituições, seja na disposição de móveis e materiais, seja

15 Termo de Formosinho e Araújo (2007), na mesma coletânea. O “anônimo do século XX”, segundo esses autores, seria “a tecnocracia que administra os sistemas educacionais de massa, majoritariamente públicos, seguindo orientações sem autoria clara, que se reproduzem por meio de mecanismos burocráticos”. (CAMPOS, 2012, p.15). 50

na construção sequenciada de “salas de aula”, ou nas rotinas que “imitam” as rotinas das escolas para crianças maiores. Em relação à creche, Campos (2012) ressalta que há uma distância ainda maior entre o que está envolvido no atendimento de bebês e crianças bem pequenas e a forma de operar das redes escolares. A autora destaca ainda que:

“quando a creche é integrada aos sistemas educacionais, o contraste entre as necessidades de crianças bem pequenas, de suas famílias e dos adultos que delas se ocupam em ambientes coletivos e a organização da gestão pública na educação, tradicionalmente voltada para ambientes escolares, leva a muitos impasses e dificuldades difíceis de superar. As características da creche em tempo integral, chamam por uma pedagogia muito diferente daquela que os melhores esforços da burocracia educacional ainda não conseguiram, na maioria das vezes, sequer vislumbrar” (CAMPOS, 2012. p. 16).

É interessante perceber como, o estatuto diferente que a creche ocupa na educação, ainda causa estranhamento nos dias de hoje. Esta pedagogia da infância, ainda incipiente em nosso meio, segundo a autora, deveria “ser um objeto de trabalho prioritário entre nós, não somente na forma de declaração de princípios, mas traduzida em formas de fazer inteligíveis,” (CAMPOS, 2012, p. 19) e que possam ser apropriadas por aqueles educadores que estão atuando junto às crianças. A incipiência destacada pela autora quanto à consolidação de uma Pedagogia da Infância no Brasil se dá pelo fato de que neste país, a elaboração teórica acerca da Pedagogia da Infância teve seu início após a aprovação da Educação Infantil como primeira etapa da Educação Básica - Constituição Nacional (1988) e Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996) (BARBOSA, 2010). No cenário político brasileiro muitos foram os progressos legais relativos à educação formal na primeira infância e muitas as tensões que ainda se impõem (FARIA, 2005). Estes ganhos emergiram, não de forma pacífica, mas a partir de movimentos de luta e de discussão acerca do atendimento à criança pequena. Campos (2012) em alusão aos conhecimentos na área da pedagogia construídos no século XX, afirma que:

Muitos dos argumentos que fundamentaram essas inovações apoiavam-se em uma nova concepção da infância e, por que não dizer, em um humanismo que procurava incluir a criança e suas especificidades na sua concepção de ser humano. Essa era a novidade: no momento em que passava a dar atenção à especificidade da criança, e em suas diversas etapas de desenvolvimento, toda a pedagogia era colocada em questão (p.13).

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Segundo Barbosa (2010, p.1) a Pedagogia da Infância constitui-se de um conjunto de fundamentos e indicações de ação pedagógica que tem como referência as crianças e as múltiplas concepções de infância em diferentes espaços educacionais. Essa perspectiva pedagógica consolida-se, na contemporaneidade, a partir de uma crítica histórica, política, sociológica e antropológica aos conceitos de criança e infância. A Sociologia da Infância vem em defesa da observância das múltiplas infâncias (SARMENTO, 2007), especialmente no contexto de um país de grandeza continental e da diversidade cultural que lhe é própria. A Pedagogia da Infância compreende que toda e qualquer ação educativa exige considerar as crianças e os contextos sócio-culturais que definem sua infância (BARBOSA, 2010). Essa pedagogia concebe a infância como “uma categoria geracional, social e histórica e geograficamente construída, heterogênea, atravessada pelas variáveis de gênero, classe, religião e etnia” (BARBOSA, 2010, p.1). Nesta ótica as crianças são “[...] seres humanos concretos, um corpo presente no aqui e agora em interação com outros, portanto, com direitos civis” (BARBOSA, 2009, p.22). Faria (2005) conceitua as crianças como seres competentes, capazes de estabelecer várias relações, portadoras de história, ao mesmo tempo produtos e produtores de cultura. Este outro modo de ver a criança e as infâncias impõe um ouvir atento, um dar ouvidos às vozes das crianças, historicamente silenciadas. Essas vozes interrogam a Pedagogia. As vozes das crianças que é um Outro. Larrosa (1998, p. 230-232) diz que “alteridade da infância é (...) nada mais, nada menos que sua absoluta heterogeneidade em relação a nós e ao nosso mundo, sua absoluta diferença”. Esta infância, dominada e normatizada pelo adulto, questiona a pedagogia e “abre um vazio onde se abisma o edifício bem construído de nossas instituições de acolhimento” (LARROSA, 1998, p.230-232). Rocha (1999, p. 49) conclui que o vislumbrar da heterogeneidade e da alteridade na construção dos sujeitos humanos está presente em todo discurso referente a infância e nos diferentes níveis de análise desse “objeto”, “passando a sustentar a definição de uma ‘Pedagogia da Infância’, ao mesmo tempo em que acena para a sua insuficiência e para os limites de uma orientação pautada em pré-definições”. Deste modo, a referida autora desafia a Pedagogia a perceber a infância como um tempo de direitos. Esta consciência exige do educador um rompimento com a história que marcou a Educação Infantil no Brasil, como uma história da hegemonia do 52

adultocentrismo, em função do desenvolvimento pleno das capacidades humanas, especialmente a criatividade (ROCHA, 1999). Os estudos de Faria (1999) e Rocha (1999) indicam que os debates sobre as especificidades de uma Pedagogia da Educação Infantil consolidaram o início da discussão sobre o que hoje é denominado Pedagogia da Infância, que a princípio era vista como uma proposta de educação pública para a Educação Infantil. Posteriormente, as autoras defendem a extensão desta perspectiva da Pedagogia da Infância para educação da criança de zero a dez anos. A ideia de uma Pedagogia da Infância no Brasil (ROCHA, 1999 e FARIA, 1999), como movimento em construção, reconhece que a Pedagogia da Educação Infantil16 “teria como um de seus princípios buscar a voz das crianças pequenas sobre a sua vida, vivida no contexto das instituições de Educação Infantil” (CERISARA etal. 2002). Uma década após a tese de Rocha (1999) ser defendida, um olhar para as crianças e infâncias começa a se apresentar na legislação brasileira. Como marco para a Educação Infantil, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil - DCNEI, instituídas por meio da Resolução nº 5/2009, Art. 4º; do Conselho Nacional de Educação (CNE), determinam que a criança deve ser considerada nas Propostas Pedagógicas da Educação Infantil como:

[...] centro do planejamento curricular, sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura. (BRASIL, 2009, p. 1).

Deste modo, em diálogo entre a Pedagogia em Participação (Oliveira- Formosinho, 2007), a Pedagogia da Infância (ROCHA, 1998) e as DCNEI (2009) cabe a afirmação que uma das ações especiais do coordenador pedagógico com atuação na Educação Infantil é a de perceber e zelar pela criança como sujeito de direitos. Essa percepção permitirá aos educadores uma posição de confronto com as pedagogias transmissivas, estabelecendo nos Centros de Educação infantil e, em especial nas creches, um ambiente desafiador, de interação, participação, de brincadeira.

16 Rocha (1999) e Faria (2009) indicaram, a princípio, a Pedagogia da Infância como uma perspectiva de educação pública para a Educação Infantil (Pedagogia da Educação Infantil), porém, a seguir, estenderam-na para todos aqueles que estão entre 0 e 10 anos de vida.

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Um ambiente propício ao desenvolvimento integral, objetivo específico da Educação Infantil segundo as DCNEI (2009).

3.3 A Coordenadora Pedagógica da creche – resultados de algumas pesquisas brasileiras

O reconhecimento de marcos legais importantes para a Educação Infantil no Brasil, publicados no ano de 2009 como: o Parecer CNE/CEB 20/2009 e a Resolução CNE Nº5, de 17 de dezembro de 2009, (BRASIL, 2009) delimitou o levantamento de um apanhado de trabalhos em nível de mestrado e doutorado, ou seja, teses e dissertações, que tiveram como preocupação a Gestão da Educação Infantil em todo o país. Esse levantamento foi realizado no segundo semestre de 2017 e as fontes para a pesquisa foram duas plataformas digitais, repositórios de Teses e Dissertações: Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), em que foi possível obter os resumos dos trabalhos acadêmicos no período de 2010 a 2017. Como explicitado na introdução deste trabalho. Foram utilizadas para a pesquisa nas bases citadas as palavras-chave: Coordenador Pedagógico, Coordenação Pedagógica e Gestão Escolar. É importante destacar que com o descritor “gestão escolar” foram encontrados diversos trabalhos com abordagens e/ou interesses diferentes. A palavra- chave citada foi comumente encontrada atrelada a três tipos diversos de foco na gestão: a gestão educacional, em nível de sistemas, a gestão da sala de aula, responsabilidade do professor, e a gestão escolar como organização das práticas junto à comunidade no espaço da escola. Esta ressalva aponta mais indícios aos que Franco (2017) encontrou em sua pesquisa em relação à confusa e grande quantidade de nomenclaturas atribuídas nos cursos de pedagogia à dimensão da gestão escolar. Depois da leitura dos resumos das pesquisas foram selecionados os trabalhos verdadeiramente relevantes para este estudo, a saber, aqueles que assumiram a coordenação pedagógica na creche como foco. Feita a intercessão das pesquisas encontradas nas duas plataformas de busca, destacaram-se 22 dissertações e 8 teses no período selecionado, totalizando 30 54

pesquisas. Um número pequeno quando relacionado à produção acadêmica de outros campos específicos da Educação Infantil. Apenas doze dissertações e três teses, o que corresponde a um percentual de 50% do total de pesquisas sobre gestão escolar e coordenação pedagógica salvas no banco de dados deste estado da arte, apresentaram a creche como objeto/lócus de pesquisa. Quanto ao papel do gestor/coordenador pedagógico nove (30% do total de pesquisas) preocuparam-se com o mote da atuação do CP como formador e as especificidades no contexto da Educação Infantil. Outras nove dissertações e 5 (cinco) teses, 46,67% das pesquisas, preocuparam-se com a afirmação de sua identidade e funções. Duas dissertações e duas teses (13,33% das pesquisas) estudaram o trabalho do coordenador pedagógico a partir da gestão democrática, observando tanto seu papel como práticas escolares. Uma dissertação e 5 (cinco) teses, 20% das pesquisas, relacionou o trabalho do CP com a qualidade na Educação Infantil diretamente, as demais apresentam sua importância e fazem referência a este aspecto a partir de outras questões. Apenas uma dissertação (4,54%) se interessou pelos saberes mobilizados para a prática do CP. Nos anos de 2014 estão registradas 13,63% das dissertações preocupadas com a gestão escolar da Educação Infantil, esse registro aumenta em 2015 para 18,18% e em 2016 foram encontradas maior número de dissertações com a temática 36,36% o dobro da quantidade de dissertações em relação ao ano anterior. Estes dados comprovam uma emergente preocupação com a temática no Brasil e o quanto ela ainda deve ser estudada, investigada, considerando a incipiente quantidade de pesquisa neste âmbito, embora crescente. Serão apresentadas a seguir algumas contribuições das pesquisas encontradas no universo da Educação Infantil sobre a gestão escolar e o coordenador pedagógico, a fim de elencar em que medida estas são significativas para o que este trabalho se propõe a analisar. Paliares (2010) se propôs a pesquisar sobre as dificuldades que o coordenador pedagógico tem encontrado no processo de construção de sua identidade como formador de professores de Educação Infantil. Descobriu que a identidade do coordenador pedagógico de Educação Infantil não é algo pronto, acabado. A identidade 55

se faz no dia a dia, nas relações intra e interpessoais, no diálogo com o grupo, na construção de rotinas e na partilha das responsabilidades, bem como no trabalho integrado e articulado com a direção da escola. Estas afirmações são relevantes ao passo que muitas pesquisas, como a de Domingues (2014) e a de Alves (2007) apontadas no capítulo anterior, revelam o anseio do coordenador pedagógico em se encontrar em uma categoria na escola, em perceber sua identidade. Contudo, a partir dos estudos de Vygotsky, é possível perceber que o homem se constitui na interação com o outro, e como seres inconclusos, assim como afirma Paulo Freire, todos estão em um mundo em transformação, e, por isto, como seres aprendentes. Talvez esta seja uma interessante reflexão para pautar o olhar sobre este profissional durante toda a pesquisa. Uma pessoa importante na escola e na sociedade é um ser “aprendente”. Assim, pode-se romper com a ideia do “fazedor de receitas”, aquele que já sabe tudo e tem todas as soluções para o cotidiano das instituições, como o apresentado por Vasconcellos (2009), aquilo que definitivamente o CP não é. Ainda no incurso sobre definir quem é o gestor/CP da creche em seus múltiplos aspectos, encontram-se as pesquisas de Mendes (2013), Lima (2014), Pereira (2014), Teixeira (2015), Fernandes (2016), Bertochi (2016), Borges (2016) e Santos (2017). As pesquisas aqui mencionadas fizeram uso de diversas metodologias para a construção de seus dados e buscaram diversos informantes, o próprio gestor/CP, as famílias e as professoras. Não encontrei registros em que as crianças tenham sido escutadas em relação a como percebem este profissional na Educação Infantil, especialmente a escuta de crianças bem pequenas. Nestas pesquisas o CP foi percebido como um profissional sobrecarregado, desvalorizado, responsabilizado e cerceado. Em relação às suas atividades nas instituições os gestores destacam que as ações pedagógicas não são prioridade, visto que as de finalidade exclusivamente burocráticas sobrepõem-se a elas. Estas descobertas levaram, por exemplo, Pereira (2014, p. 227), que pesquisou a identidade do CP em um CEI público, a partir das perspectivas das professoras, afirma que “é urgente a necessidade de conferir maior atenção e apoio técnico e pedagógico ao profissional que assume a coordenação pedagógica na Educação Infantil”, com vistas a ampliar a qualidade do trabalho que desenvolve na primeira etapa da Educação Básica. 56

Zumpano (2010), Leite (2013), Moyano (2014), Franzoni (2015), Costi (2015), Machado (2015), Corrêa (2016), Bartholomeu (2016) e Fermi (2017) também discutiram a identidade do coordenador pedagógico, contudo, enfatizaram seu trabalho junto à formação docente. As pesquisas buscavam desde a simples percepção do coordenador como formador, até as questões de sua própria formação precária para a atuação deste profissional como formador em contexto nesta etapa da educação básica. Lima (2013) ocupou-se em estudar a formação em contexto como elemento para a boa qualidade da Educação Infantil. Embora dentre seus sujeitos estivesse o CP, a pesquisadora tinha como objeto de sua pesquisa a formação em contexto. Sua tese contribui para este trabalho ao indicar que uma formação em contexto, pode ao menos quantitativamente, elevar os índices de qualidade nas creches. Considerando as pesquisas outrora apresentadas sobre a importância da formação do coordenador pedagógico, pode-se inferir que na atualidade ainda se faz necessário um olhar específico à gestão das creches e para o CP enquanto formador e articulador neste contexto. As referidas pesquisas destacaram o papel fundamental do CP na formação continuada, alguns desafios para superação da concepção assistencialista nas creches e pré-escolas e as necessidades pessoais de formação do CP. Destacaram ainda que um dos aspectos que facilitam o trabalho do CP como formador é o sentir-se parte da equipe gestora e o ser valorizado por ela como tal. Monção (2013) também teve a creche como lócus de suas investigações. Sua tese buscou estudar em que medida pode efetivar-se, nas instituições de Educação Infantil, uma gestão democrática que possibilite o compartilhamento da educação e do cuidado da criança pequena entre educadores e famílias, além de analisar a interação entre família e Centro de Educação Infantil (CEI), a fim de identificar a especificidade da administração escolar neste segmento. Dentre suas descobertas, merece destaque a de que o compartilhamento da educação e do cuidado da criança assume uma natureza diferente da dos outros segmentos escolares, tornando necessário o diálogo permanente entre famílias e educadores para socializar, negociar a educação da criança. Monção (2013) conclui que esta se caracteriza a especificidade da gestão nos CEI. Tomé (2011) pesquisou na creche e na pré-escola, a viabilidade de se ensaiar uma teoria para a gestão de creches e pré-escolas públicas brasileiras, a partir da produção legal e científica do pensamento em gestão educacional e Educação Infantil. 57

Constatou em sua tese que a teoria para a gestão democrática das unidades de Educação Infantil, encontra-se inconclusa no Brasil. Além disso, apontou para a necessidade de maior investigação das relações no interior de creches e pré-escolas e, também, sobre os atores sociais envolvidos nessa prática. A tese de Tomé (2011) reafirma a observação, a partir da seleção para um estado da arte sobre o CP com atuação em creches, de que muito ainda há que se explorar neste âmbito. Cabe, inclusive, a inferência de que assim como uma Pedagogia da Infância vem se constituindo entre avanços e retrocessos, assim também a Gestão da Educação Infantil. Franzoni (2015) e Ferraz (2016) analisaram as práticas dos CP quanto à gestão democrática nas creches e pré-escolas. Franzoni (2015), que analisou as práticas participativas na Educação Infantil a partir de um estudo de caso em uma creche pública, percebeu que os dados apontam os muitos desafios que ainda se impõem para a concretização de práticas democráticas nas instituições de Educação Infantil quando se pensa em incluir as crianças, suas famílias e os profissionais. Ferraz (2016), ao analisar o discurso da equipe gestora de uma creche pública em Vitória da Conquista – BA, nota que existe um trabalho que visa a gestão democrática, e que ainda se faz necessário romper com as barreiras assistencialistas na creche para promover ações que fortaleçam os laços com as famílias a fim de construir uma proposta pedagógica que vise o desenvolvimento integral da criança. Para Ferraz (2016):

A equipe diretiva deve estar conectada com esse novo universo da gestão que prevê o manejo financeiro e administrativo dos espaços, pois este é um passo inicial na construção da autonomia, mas sem perder o foco na criança e nas famílias, uma vez que o trabalho com vistas ao exercício democrático e ao respeito ao ser criança é indispensável na gestão democrática. (p.111)

Esta consideração da pesquisadora retoma as reflexões feitas no capítulo anterior deste trabalho e a necessária presença do pensar e agir democrático nas instituições de Educação Infantil, favorecendo, sobretudo, a participação, o engajamento e a escuta de todos os envolvidos. Sula (2016) investigou o tempo, o caminho e a experiência do CP da creche, as rotinas e os saberes que articulam, formam e transformam suas práticas educacionais. Com o objetivo de conhecer os saberes profissionais do CP que atua em creches da rede de Santo André-SP, descobriu que o CP faz uso de diversos saberes para as 58

multiplicidades de situações que perpassa sua rotina. Deu destaques aos saberes relacionados à formação, articulação e transformação. Quanto a estes percebeu que no cotidiano do CP permeado por imprevistos, os saberes se articulam e se mostram cada um em evidência a cada momento determinado. A pesquisa que tratou o CP como elemento importante para a constituição de uma Educação Infantil de boa qualidade. Embora todas as pesquisas outrora mencionadas, indiretamente corroborem para esta afirmação, a dissertação de Oliveira (2012) buscou identificar a qualidade na atuação do coordenador pedagógico da Educação Infantil, as suas especificidades e os indicadores de qualidade inerentes à sua atuação. As considerações feitas em sua pesquisa encaminharam-na para o entendimento de que a atuação do coordenador pedagógico da Educação Infantil é constituída por especificidades que envolvam docentes, crianças, gestores e famílias. Nesse sentido, a qualidade de sua atuação depende de ações pedagógicas articuladoras dessas dimensões de modo a contribuir para a aprendizagem e desenvolvimento das crianças. As cinco outras teses que compõe este banco de dados, quais sejam, Ariosi (2010), Lopes (2014), Palmén (2014), Bezerra (2014) e Luz (2016) indicam que na Educação Infantil, a gestão encontra grandes desafios, especialmente quanto à formação de seus gestores, o reconhecimento das especificidades do trabalho neste âmbito, os entraves políticos que dificultam o trabalho e o desenvolvimento das instituições, bem como a difícil efetivação de práticas democráticas no interior destas. Na perspectiva dos coordenadores pedagógicos, Oliveira (2012) constata que quanto à sua atuação, os coordenadores a conceberam como vital para a construção da qualidade na Educação Infantil. Eles percebem que a qualidade nas creches e pré- escolas está atrelada a fatores como: a formação inicial e continuada específica dos profissionais, a estrutura física adequada para a Educação Infantil, disponibilidade de material pedagógico para a realização das atividades cotidianas, dentre outros. Tais aspectos estão relacionados, direta ou indiretamente, às ações por eles desenvolvidas. Para os CP, a qualidade na Educação Infantil caracteriza-se na aprendizagem e desenvolvimento das crianças, percebidas pelos CP como sujeitos de direitos e protagonistas de suas próprias histórias. Muitos foram os aspectos apontados pelos CP como necessários a uma atuação de qualidade e uma consequente educação de qualidade na primeira etapa da 59

educação básica brasileira. Os achados de Oliveira (2012) coadunam com os desafios encontrados em todas as outras pesquisas ao que diz respeito à atuação, identidade e práticas dos gestores e CP da Educação Infantil e especialmente nas creches, quais sejam: a formação inicial precária, a formação continuada descontextualizada, as concepções hierarquizantes e de jogo de poder, a falta de autonomia, a precarização dos espaços em que atuam e dos materiais que têm disponíveis, a formação inicial e continuada precária dos professores, a rotatividade do corpo docente, os desvios de função, a burocracia, a não valorização, as relações antidemocráticas e não participativas, a falta de pessoal, dentre outras. As pesquisas, em seus diferentes interesses frente ao CP na creche, enfatizam a necessidade de mais investigações neste campo, a correta compreensão sobre este profissional e sua valorização. Além de direta ou indiretamente reforçarem a necessidade desse profissional para a garantia de uma educação de boa qualidade nas instituições de Educação Infantil e, especialmente, na creche. Estudar, no contexto do município de Fortaleza o trabalho das coordenadoras de creche junto às professoras de bebês e crianças bem pequenas, favorecerá o aprofundamento e alargamento das discussões a este respeito, suscitando novas questões e novas mobilizações para a construção de conhecimentos nesta área ainda pouco explorada. 60

4. A EDUCAÇÃO INFANTIL E A COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA NA REDE MUNICIPAL DE FORTALEZA

Este capítulo se propõe a contextualizar a criação do cargo e as atribuições do CP com atuação na Educação Infantil na rede municipal de Fortaleza por meio de um resgate histórico. Para tanto, duas pesquisas (LEITE, 2013 e BARBOSA, 2017) realizadas na Universidade Federal do Ceará são preciosos mananciais para este fim. A pesquisa de Leite (2013) que estudou a formação continuada na perspectiva das coordenadoras pedagógicas de creches municipais de Fortaleza e construiu todo um percurso histórico das coordenadoras neste município, e a dissertação de Barbosa (2017) que estudou o cuidado na Educação Infantil e se propôs a construir, a partir de outras pesquisas, a linha do tempo da Educação Infantil no município de Fortaleza. No capítulo quatro de sua dissertação, Leite (2013) apresenta a Secretaria Municipal de Educação e sua relação com o atendimento em creches. Assim como em todo território nacional, as creches no município de Fortaleza têm seu berço com as roupas higienistas e assistencialistas da concepção outrora vigente. Em 1937, foi criada a primeira pré-escola de Fortaleza para crianças de três a seis anos que recebeu o nome de Escola Alba Frota (BARBOSA, 2017). A primeira creche de Fortaleza data de 22 de julho de 1961 e foi noticiada pelo Jornal O Povo. Fortaleza já conta com uma creche. É uma instituição muito popular nos Estados Unidos e já muito conhecida no Rio e São Paulo, onde as mães que trabalham durante o dia, longe de suas residências, deixam os filhos menores. Ali, as crianças passam os dias em companhia das encarregadas da creche que procuram proporcionar-lhes bons divertimentos, e, às vezes, estudos, fazendo com que não sintam muito a ausência dos pais. Ao anoitecer, as mães vêm recolher seus pimpolhos (...). Este é o nome da primeira e única instituição, no gênero, em Fortaleza: Creche S. José. É mantida pelas Irmãs Missionárias Capuchinhas, sob a direção da Madre Bernadete, e está localizada na Casa Santa Rosa de Viterbo, da Irmandade, à ac. Visconde de Cauípe, 1896. Mantém 30 crianças, quase todas absolutamente grátis. Apenas cinco dessas crianças pagam (cêrca [sic] de 20 cruzeiros mensais) para ficar durante o dia sob os cuidados das missionárias Capuchinhas. (PRIMEIRA…, 1961, p. 2 apud BARBOSA, 2017).

A notícia ressalta a concepção de criança e o atendimento a ela dispensado, enfatizando as ações exclusivas de cuidado e de às vezes estudo. A inauguração destas duas instituições é um marco na história da Educação Infantil de Fortaleza. Isto porque, segundo Barbosa (2017, p.55), “sua ampliação deu-se 61

gradativamente, especialmente a partir de 1977, com a implementação do Projeto Casulo pela Legião Brasileira de Assistência (LBA)”.Barbosa (2017) ressalta ainda que a política de diminuição de custo per capita que levou ao atendimento de 70 mil crianças naquele período, culminou na perspectiva compreendida como assistencial a vários municípios brasileiros, dentre eles, Fortaleza. Até 1997, o atendimento à criança pequena na rede pública municipal se dava por meio de duas instituições: a Secretaria da Educação e Cultura do Município (SEDUC) e a Secretaria do Trabalho e da Ação Social (STAS). A Secretaria da Educação e Cultura se responsabilizava pelas crianças, a partir dos três anos que eram atendidas em escolas patrimoniais em turmas de pré-escolas e em Centros Integrados de Educação e Saúde (CIES), criados na década de 1980 (LEITE, 2013). Neste período tornou-se comum o estabelecimento de convênios17 para o atendimento da demanda de crianças em idade de creches e pré-escolas como do ensino fundamental que não eram atendidas nas instituições patrimoniais. A chamada “Operação Fortaleza” – OPEFOR – era outro órgão que além da Secretaria da Educação e Cultura do Município e da STAS, atuava junto à Educação Infantil do município. Tratava-se de uma Organização Não Governamental (ONG) criada no início da década de 1990, na primeira gestão do prefeito Juraci Magalhães18, pela então primeira dama, a senhora Zenaide Magalhães. “Essa ONG gerenciava e prestava assistência às creches conveniadas, além de realizar um trabalho de “distribuição” de material pedagógico, colchonetes, dentre outros” (BARBOSA, 2017, p. 57). Segundo Leite (2013) as ações realizadas com as crianças nas escolas ficavam sob a responsabilidade de uma equipe de Educação Infantil lotada no Departamento de Desenvolvimento Curricular (DDC), da Secretaria da Educação e Cultura do Município (SEDUC). Após a promulgação da LDBEN/1996 muitas mudanças políticas ocorreram. Em dezembro de 1996, foi criado o Conselho de Educação de Fortaleza, Lei nº 7.991/1996, de acordo com a LDBEN nº 9.394/1996, para assumir funções normativas e deliberativas, juntamente com os Conselhos Estadual e Nacional.

17Segundo Leite (2013, p. 44) “os convênios eram de co-gestão, que à época recebiam um repasse dos recursos financeiros do poder público municipal calculado com base no número de alunos matriculados e de apoio comunitário, através do qual a PMF cedia os professores.” 18Juraci Magalhães foi prefeito do município de Fortaleza em três mandatos: 1990 a 1992, 1997 a 2000 e 2001 a 2004. 62

Os conselhos de educação são órgãos colegiados, de caráter normativo, deliberativo e consultivo, que interpretam, deliberam, segundo suas competências e atribuições, a aplicação da legislação educacional e propõem sugestões de aperfeiçoamento da educação dos sistemas de ensino. Eles se constituem como elo de ligação permanente entre a sociedade civil e os poderes públicos responsáveis pelas decisões cotidianas que afetam as creches, pré-escolas, escolas, estudantes, famílias e professores. Assim, as normas estabelecidas nesses conselhos ganham vida no cotidiano da instituição educacional […] (BRASIL, 2013, p. 15).

Mudanças ocorridas no município após as eleições de 1996 provocaram uma reforma política. Com base na Lei nº 8000, sancionada em 29 de janeiro de 1997, e nos princípios de descentralização e intersetorialidade, o prefeito Juraci Magalhães instituiu uma reestruturação administrativa no município. Ao que ressalta Barbosa (2017, p.58) “essa primeira reforma administrativa trouxe uma mudança geral na organização de Fortaleza, inclusive a divisão da cidade em seis Secretarias Executivas Regionais (SER).” Com a implementação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF) e a obrigatoriedade de oferta de vagas no Ensino Fundamental, todos os espaços possíveis foram transformados em sala de aula de 1ª a 8ª série. Isto aconteceu em 1998. Por este motivo “[…] as unidades da assistência social passaram a ser consideradas como anexos das escolas patrimoniais”, com o objetivo de poder contar, para efeito do FUNDEF, com os alunos ali matriculados (COSTA, 2002, p. 73). Por ocasião da publicação das DCNEI de 1999, iniciou-se uma corrida no país para a municipalização de creches e pré-escolas. No ano de 2000, em Fortaleza, houve a municipalização da Assistência Social, por este motivo, o município de Fortaleza recebeu 36 creches que atendiam crianças de zero a seis anos, mantidas pelo Estado, sem a menor organização prévia. Segundo Leite (2013), referendada em Costa (2002, p. 70), “a maioria dessas creches eram comunitárias e o local pertencia à própria comunidade; [...] muitas delas estavam em péssimas condições de funcionamento.” Cruz (2004) especifica quanto à precariedade das creches comunitárias observadas na pesquisa “o atendimento em creches comunitárias na cidade de Fortaleza: diagnóstico da situação atual”: As creches são equipadas muito precariamente. Não oferecem brinquedos adequados às várias idades, conservados ou em número suficiente. Dificilmente há tanques de areia ou brinquedos ao ar livre e, quando isso acontece, apresentam problemas de limpeza, conservação e segurança. Não foi encontrado um único espelho para as crianças. O material pedagógico 63

disponível resume-se a papéis, alguns lápis de cor ou giz de cera, cola. Em apenas uma creche havia livros de leitura infantil [e não foi observada nenhuma utilização deles]. Mesmo o mobiliário básico como mesas e cadeiras é insuficiente na maioria das creches. (p.140)

Em complementação ao descrito, Cruz (2004) aponta ainda os problemas de segurança e salubridade, além de ambientes desagradáveis, com pouca ventilação e luminosidade. Além de perceber que em relação às práticas pedagógicas que aconteciam ali havia o pouco uso das áreas externas, a predominância dos cuidados corporais e os longos períodos de ócio e espera. As “tarefinhas” (atividades em folhas de papel mimeografadas ou copiadas uma a uma pela professora) eram as atividades pedagógicas em que se limitavam as educadoras. Era da competência da Coordenadoria de Educação do município (COEDUC) repassar e acompanhar a execução dos recursos que vinham de Brasília, de acordo com o número de crianças, para as associações comunitárias. Ainda no ano 2000, foi desenvolvida por técnicas em Educação da Secretaria e das SER, uma pesquisa diagnóstica em setenta escolas que atendiam Educação Infantil com o objetivo de analisar a estrutura física das unidades que atendiam as crianças desta faixa etária. Este diagnóstico culminou no documento Relatório da Pesquisa de Avaliação das Unidades Escolares que Atendem a Educação Infantil – 04 a 06 anos na Rede de Ensino Municipal de Fortaleza (LEITE, 2013). Este relatório apresentou o quadro precário em que as instituições do município para o atendimento às crianças de quatro a seis anos funcionavam. Revelou a escassez de materiais pedagógicos, a falta de condições mínima de funcionamento dos prédios além de não contarem com um acompanhamento das SER. Este dado pode revelar, ainda, que o nefasto “casamento” entre secretarias ligadas à saúde e assistência social com a Educação resultou em pouco investimento nesta última, relegando a educação do município à uma situação além de precária, desrespeitosa. Em 2001, a Prefeitura Municipal de Fortaleza criou dezesseis CEI destinados ao atendimento de crianças de 4 a 6 anos. Nove, destes, pertenciam à Assistência Social e continuavam atrelados à Coordenadoria de Assistência Social que fazia uso de recursos da educação (LEITE, 2013). Por meio do Decreto nº 11.108 de janeiro de 2002, a Educação Municipal passou por outra reorganização que restabeleceu as funções de Educação e de Assistência Social, de forma centralizada, em uma única unidade administrativa: 64

Secretaria Municipal de Educação e Assistência Social - SEDAS (FORTALEZA, 2002a). No mesmo ano foram inauguradas cinquenta creches com o objetivo de ampliar o atendimento às crianças. Estas creches foram distribuídas nas seis SER com o mesmo padrão de construção, para o atendimento de oitenta crianças de um a três anos. Segundo Leite (2013, p. 46), estas creches, “devido a compromissos assumidos durante campanha por ocasião das eleições municipais, foram entregues para serem gerenciadas por associações comunitárias, com recursos municipais”. As creches funcionavam com uma equipe pedagógica formada por professor-coordenador, quatro professoras, quatro auxiliares de creche e duas merendeiras, indicados pelo presidente da associação. Leite (2013) destaca que no ano de 2002: Diante da urgente necessidade de formação para essas mulheres e consciente da demanda de direcionamentos para estas creches, a SEDAS produziu, publicou e distribuiu três documentos: Registro das ações pedagógicas para a Educação Infantil (FORTALEZA, 2002d), que tinha como finalidade facilitar e incentivar o acompanhamento das ações das professoras junto às crianças; o Manual Técnico de funcionamento das Creches (FORTALEZA, 2002c), documento de cunho administrativo que serviria de base para aquisição de material e organização geral dessas Instituições e as Diretrizes Pedagógicas – para implementação das Instituições de educação infantil – creches e pré – escolas da rede de ensino municipal de Fortaleza (FORTALEZA, 2002b), com o objetivo de orientar as Instituições que atendem crianças de 1 a 6 anos (p. 47).

Nestes documentos a SEDAS ressaltava a importância de um atendimento de qualidade para a educação das crianças, tidas como seres históricos e sociais, cidadãos e sujeitos de direitos. Embora esses documentos salientassem significativo avanço em relação à história da Educação Infantil municipal até aquele momento, muito ainda havia a ser conquistado e a organização popular e de educadores se mostrou cada vez mais necessária. Em 2003, no dia 11 de março, foi criado, pelos integrantes da Comissão Interinstitucional de Educação Infantil do Estado do Ceará, o Fórum de Educação Infantil do Estado do Ceará (FEIC), que passou a constituir o Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (MIEIB) e a reunir diversas entidades governamentais e não-governamentais, professores universitários e de Educação Infantil e a comunidade em geral para discutir questões voltadas às crianças (BARBOSA, 2017). A finalidade do FÓRUM, segundo o site do FEIC, é contribuir para assegurar o acesso e a qualidade da Educação Infantil para todas as crianças do Estado, estabelecendo um espaço permanente para discussão, divulgação de ideias, mobilização e articulação das políticas relacionadas à Educação Infantil e em consonância ao preconizado na legislação brasileira em vigor e na sua Carta de Princípios (FÓRUM…, 2014, p. 1). 65

No ano de 2005, houve novas mudanças políticas com a eleição de Luizianne Lins para prefeita municipal. Nesse período, formou-se uma parceria com a Universidade Federal do Ceará (UFC), sob a coordenação da Prof.ª Dr.ª Silvia Helena Vieira Cruz, com o objetivo de produzir três documentos importantes para a organização e reestruturação da Educação Infantil no município, quais sejam: a Política Municipal de Educação Infantil, a Proposta Pedagógica da Educação Infantil e um Programa de Formação Continuada de Professores. Embora o documento de Formação de professores não tenha sido publicado ou disponibilizado para conhecimento público, as ações formativas ali elaboradas, só se efetivaram no ano de 2009. Ainda em 2005, foi assinado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Dentre suas principais condutas, previa o fim dos convênios. Seria a continuação de uma busca por uma educação de mais qualidade. Houve, portanto, um interesse em municipalizar as creches conveniadas, especialmente as que funcionavam em prédios públicos. Embora este período aventasse boas expectativas para a Educacção Infantil do município, foi, também, um momento de incertezas por parte dos funcionários. Aqueles contratados pelas associações e que exerciam funções de confiança, tiveram seus cargos remanejados, normalmente para uma função inferior (por motivo de qualificação, por exemplo). Muitos ficaram desempregados. A pesquisa apresentada por Cruz (2004) sobre o perfil das professoras das creches comunitárias, aponta para mulheres jovens, que viram no trabalho na creche uma oportunidade de emprego e renda. Elas apresentaram uma visão muito positiva em relação ao trabalho das creches e ressaltavam a importância da instituição para a comunidade. Estas observações levam a perceber o grau de envolvimento afetivo destas profissionais com as creches conveniadas. Os desconfortos trazidos por uma mudança tão robusta, não podem ser desconsiderados. Neste período, final de 2006, em que as creches conveniadas passaram a ser de responsabilidade da Secretaria de Educação, “foram chamados orientadores educacionais e os supervisores escolares do concurso público de 2003, para coordenar as creches recém municipalizadas” (BARBOSA, 2017, p. 62). Este momento é importante para perceber como a figura do coordenador pedagógico das creches do município de Fortaleza (concursado com o título de orientador escolar e supervisor escolar) foi colocada em muitas comunidades. O 66

surgimento desse profissional concursado retirou o cargo de muitos professores- coordenadores que atuavam a frente das creches conveniadas, além de ocupar o espaço, também, do coordenador financeiro contratado pelas associações para a administração de recursos. A administração dos recursos das creches recém-municipalizadas passou a ser de responsabilidade do diretor da escola patrimonial, a qual estas creches passaram a integrar. Pode-se verificar, portanto, um início bastante ambíguo quanto a constituição da profissionalidade e identidade do coordenador pedagógico para a Educação Infantil do município de Fortaleza. Profissionais que se submeteram a um concurso público para as vagas de orientadora educacional e de supervisoras escolares são encaminhadas para o trabalho como coordenadoras pedagógicas. Na função de coordenadoras, aglutinam outros papeis, tanto de cunho administrativo como pedagógicos que leva à conclusão de que nos moldes do que aconteceu na Bahia (WALTRICK, 2008) e em São Paulo (FERNANDES, 2009), a constituição da coordenação pedagógica parece atender muito mais à uma política econômica e de enxugamento da máquina pública (quando um mesmo profissional realiza, sozinho, tarefas que cabem a outros) do que às necessidades e objetivos da Educação, e, neste caso, da Educação Infantil. Segundo relato de Barbosa (2017), para lidar com as situações adversas em que as novas “coordenadoras” estavam envolvidas: [...] houve, no DE VI, um grande vínculo entre as coordenadoras das creches recém-municipalizadas, que acabaram formando um grupo de estudo e trabalho devido às dúvidas, dificuldades e interesses comuns. Havia uma busca coletiva em prol da resolução dos problemas do dia a dia, bem como a organização do sábado letivo mensal destinado a estudos e planejamento dos professores (p. 62)

De acordo com a autora os temas do grupo de estudo formado pelas coordenadoras giravam em torno das necessidades das creches e das sugestões dos professores. Estudaram temas como, o processo de adaptação, teorias do desenvolvimento, importância da afetividade e da brincadeira, dentre outros. “Posteriormente, com a implementação do Programa de Formação Continuada de 67

Professores do Projeto “Cri-Ação”19, os temas passaram a ser definidos pelo coletivo que participou da elaboração do programa.” (BARBOSA, 2017, p.62) Ainda em 2006, foi sancionada a Lei nacional nº 11.274, que instituiu o Ensino Fundamental obrigatório com duração de nove anos e matrícula aos seis anos de idade, deste modo, as crianças de seis anos passaram a fazer parte do Ensino Fundamental (BRASIL, 2006). Este marco é considerado uma perda para a Educação Infantil. Desde então, há uma constante vigilância para que as crianças de seis anos não percam seus direitos fundamentais, como o direito de brincar. Ao que Kramer (2007) enfatiza: […] o trabalho pedagógico precisa levar em conta a singularidade das ações infantis e o direito à brincadeira, à produção cultural tanto na educação infantil quanto no ensino fundamental. É preciso garantir que as crianças sejam atendidas nas suas necessidades (a de aprender e a de brincar), que o trabalho seja planejado e acompanhado por adultos na educação infantil e no ensino fundamental e que saibamos, em ambos, ver, entender e lidar com as crianças como crianças e não apenas como estudantes (p. 20).

A substituição do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF) pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) que ocorreu no final de 2006, (BRASIL, 2006) possibilitou que o investimento, antes voltado apenas ao Ensino Fundamental, passasse a financiar todas as etapas da educação básica, o que incluiu a Educação Infantil. Em julho de 2007 é criada a Secretaria Municipal de Educação - SME. Nesta estrutura vai aparecer a Coordenadoria de Educação Infantil – COEI, que tem como atribuição “administrar o Sistema de creches e pré-escolas para crianças de zero a seis anos e estabelecer padrões de qualidade para o atendimento” (art. 8º, Inciso XVI apud LEITE, 2013, p.46). Nesta terceira organização, a Educação Infantil recebe um espaço, uma equipe e “mais respeito no município de Fortaleza” (LEITE, 2013, p.46). Neste mesmo ano houve reformulação do Conselho de Educação de Fortaleza, que instituiu pela Lei nº9.249/2007, o Plano de Cargos, Carreiras e Salários (PCCS) do Município de Fortaleza para o Ambiente de Especialidade Educação. Ainda em 2007, o governo do estado do Ceará assumiu e implementou o Programa de Alfabetização na Idade Certa (PAIC), por meio da Secretaria de Educação

19 O projeto Cri-ação foi firmado entre a SME e a Faculdade de Educação – UFC com o objetivo de elaborar três documentos: a política de Educação Infantil do Município, a reelaboração da proposta pedagógica e um programa de formação continuada dos profissionais de educação. 68

do Estado do Ceará (SEDUC). “Com o objetivo de dar suporte para que os municípios do estado pudessem elevar a qualidade do ensino nas séries iniciais e alfabetizar as crianças até os sete anos de idade, o PAIC foi organizado em cinco eixos, sendo um deles o eixo Educação Infantil” (BARBOSA, 2017, p. 64). Deste modo, a SEDUC assumiu a capacitação das equipes técnicas responsáveis pela formação dos professores e coordenadores pedagógicos em Fortaleza e no estado do Ceará. O ano de 2009 é marcado por muitos acontecimentos políticos relevantes para a Educação Infantil. Neste ano, a publicação da Proposta Pedagógica de Educação Infantil do município de Fortaleza, tinha por objetivo principal: “[…] contribuir para a melhoria da qualidade do atendimento nas instituições que atendem crianças de até seis anos de idade em Fortaleza, oferecendo subsídios para que todas elas elaborem suas próprias propostas.” (FORTALEZA, 2009, p. 5). Com a finalidade de suprir a necessidade de credenciamento destas unidades junto ao Conselho Municipal de Educação (CME), a SME promoveu uma formação que orientava a construção da proposta pedagógica das creches e pré-escolas. No mesmo ano, a prefeitura realizou concurso público para provimento do cargo de professor efetivo do município, no qual os aprovados passaram a ocupar as vagas nas creches, destituindo os professores temporários que ali estavam desde a municipalização. Esse fato também trouxe implicações às coordenadoras pedagógicas. Estas deveriam “ambientar” os professores recém-chegados e auxiliá-los em suas práticas pedagógicas. Apresentava-se, portanto, mais um desafio ao trabalho da coordenadora pedagógica, em que sua atuação foi determinante para a constituição de um grupo docente efetivo e coeso para os próximos anos da Educação Infantil do município de Fortaleza. Na esfera federal, a implementação da Emenda Constitucional nº 59/2009, que estabeleceu a educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade (BRASIL, 2009b) de início, no município de Fortaleza, certa pressão para que se priorizasse o atendimento de quatro anos, devido à sua obrigatoriedade de matrícula, o que vai de encontro à determinação legal de que desde que haja demanda, independente da idade, o Estado tem o dever de ofertar vagas – da creche à pré-escola. Isto configurou em um problema que fora denunciado por Barbosa (2017) da seguinte forma: 69

[...] em muitos locais havia grande demanda excedente de crianças aguardando vagas em todas as turmas, um problema que não poderia ser resolvido sem a construção de novas unidades, mas que gerou, em muitas instituições, a ampliação do número de crianças nas turmas (p.65).

Este problema aumenta sua gravidade no ano de 2017, em que o número das conhecidas creches conveniadas cresceu. Em comparação com os números apontados por Pinho (2014) e as informações cedidas pela SME em 2017, Barbosa (2017) identifica um aumento de creches municipais em 107% nestes nove anos, enquanto o número de creches conveniadas no mesmo período cresceu 218%. Estes dados, de proporções entristecedoras, levam à reflexão sobre a que preço o aumento do número de vagas no município de Fortaleza vem se estabelecendo. Exemplo disso é o caso que mobilizou vários grupos de defesa aos direitos da criança, como por exemplo, o FEIC, no ano de 2018. Isto porque, exatamente, em umas das instituições em que o descaso com a qualidade da educação pública levou a óbito a menina Hanna Evelyn de Andrade Laranjeira, de quatro anos, após chão que escondia uma fossa ceder. Cruz (2000, p. 22 apud BARBOSA, 2017, p. 68) enfatiza que: O simples fato de ter havido expansão do atendimento às crianças pequenas não representa a democratização das oportunidades educacionais para essa faixa etária. Quando analisamos a forma como isso ocorreu e algumas das características atuais desse atendimento, vemos que, ao contrário, as crianças que prioritariamente mereceriam um atendimento de qualidade [devido à dívida social que temos com elas] são as que são alvo dos programas que enfrentam os maiores problemas.

A substituição da Resolução nº 1/1999 (BRASIL, 1999) pela Resolução nº 5/2009, que fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2009a) também ocorreu em 2009. A partir desta, e aliada ao PAIC, as formações de professores e coordenadores pedagógicos passaram a ser organizadas. Em 2010, o CME publica a Resolução nº 002/2010, que fixa as normas para o ato de criação, credenciamento e autorização de funcionamento de instituições públicas e privadas de Educação Infantil no âmbito do sistema municipal de ensino de Fortaleza, orientando sobre todos os aspectos normativos a serem considerados para a autorização de seu funcionamento. Ainda em 2010, começou a ser implementada a Lei nº 11.738/2008, que instituiu o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica e implementou 2/3 (dois terços) da carga horária como limite máximo para o desempenho das atividades de interação com os educandos (BRASIL, 70

2008), possibilitando, assim, 1/3 da carga horária reservada para atividades extraclasse, como estudos, planejamentos e avaliação. Vale ressaltar que nenhuma dessas conquistas se deu sem luta. A educação braviamente tem resistido às inúmeras formas de silenciá-la ou desvalorizá-la. É o caso da implementação do 1/3 de planejamento que foi concedido em primeiro lugar ao ensino fundamental e só depois para a Educação Infantil. Além da luta pela efetivação da Lei do Piso para os professores das etapas da Educação Infantil e ensino fundamental, que ainda em 2018, mesmo diante das diversas mobilizações da categoria dos professores, não foi respeitada. Em 2011, a SEDUC publicou e distribuiu as “Orientações Curriculares para a Educação Infantil”, documento fundamentado nas DCNEI, que propôs possibilidades de reflexão sobre as funções e objetivos da Educação Infantil, além de apresentar possibilidades de ação docente em relação às “experiências” explicitadas nas DCNEI (BARBOSA, 2017). Neste mesmo ano, as creches municipais de Fortaleza passaram a ser Centros de Educação Infantil (CEI), ampliando, assim, legalmente a possibilidade de atendimento para crianças de pré-escola. No ano de 2013, o MEC publicou o documento “Dúvidas mais frequentes sobre Educação Infantil” e, embora apresente a Educação Infantil como “[…] um direito humano e social de todas as crianças até seis anos de idade, sem distinção alguma […]” (BRASIL, 2013, p. 2), acabou por admitir a utilização de critérios “[…] que devem ser utilizados para a seleção das crianças a serem matriculadas nas creches e pré-escolas”. (BRASIL, 2013, p. 4). De acordo com o documento, “[…] em geral os critérios de matrícula combinam vários fatores como, por exemplo: índice de vulnerabilidade social; faixa etária da criança; local de moradia; sorteio; atendimento a irmãos, mãe trabalhadora e outros.” (BRASIL, 2013, p. 4) (BARBOSA, 2017, p.65).

Assim, surge em Fortaleza a elaboração de um sistema de matrícula chamado “Registro Único”, que “seleciona, por critérios semelhantes, as crianças para ter acesso às limitadas vagas da rede” (BARBOSA, 2017, p.66). Dentre estes critérios estão: 1) renda per capita da família; 2) crianças pertencentes a famílias uniparentais; 3) responsáveis trabalhadores ativos ou beneficiários de programas de auxílio do governo. É também neste ano, com a mudança no governo municipal, que ocorreu a quarta reforma administrativa da PMF, legitimada pela Lei Complementar nº 0137, aprovada em 8 de janeiro de 2013 (FORTALEZA, 2013). Neste ínterim, algumas 71

decisões merecem destaque, dentre elas, a exclusão das turmas de infantil III, crianças entre dois anos e nove meses e 3 anos e nove meses, do sistema de atendimento em tempo integral. Passando a conferir às crianças apenas o atendimento parcial, justificado pela necessidade de aumento da quantidade oferta de vagas. Foi neste momento que alguns CEI passam a atender somente a pré-escola e o número gigantesco de creches conveniadas emergem. Foi o momento, em que mais uma vez, os números superaram a qualidade. A sanção da Lei complementar nº 0150 aprovada pela Câmara Municipal de Fortaleza e publicada no Diário Oficial do Município (DOM) em 28 de junho de 2013, traz pela primeira vez o cargo de coordenador pedagógico, embora este se legitime em comissão. No mesmo ano, aconteceu seleção para provimento do cargo. Os supervisores e orientadores escolares permaneceram automaticamente em suas funções de coordenadores pedagógicos. Os remanescentes, professores-coordenadores, não aprovados na seleção composta de três fases (prova objetiva, curso online e entrevista com o diretor da escola patrimonial para a qual se concorria a vaga) foram sumariamente exonerados. Vale ressaltar que, embora no ato de inscrição os candidatos ao cargo de coordenador pedagógico pudessem selecionar sua área de atuação, tais como Educação Infantil ou ensino fundamental, na escolha final dos diretores permanecia o que lhes parecia adequado, desconsiderando o desejo e a formação (inicial e contínua) dos candidatos. Por este motivo, muitas creches e pré-escolas receberam coordenadores pedagógicos que pouco ou nada conheciam a respeito da Educação Infantil. Esse evento coloca a Educação Infantil frente a mais um desafio que efetivamente se dá pelo lugar de “pouco prestígio” em que se encontra. Segue aqui a concepção de que qualquer pessoa, especialmente aquelas formadas na área da educação, pode assumir funções na Educação Infantil, mesmo que estas sejam especializadas e prefiram outras áreas. Com a finalidade de aprofundar a discussão sobre o trabalho do coordenador pedagógico e contextualizá-lo nesta pesquisa, torna-se necessário conhecer como o ofício do coordenador pedagógico vem se configurando no município de Fortaleza. Alguns documentos legais serão considerados a seguir. 72

Os anos seguem e as reformas na educação são feitas pelo governo do prefeito Roberto Cláudio, tais questões marcam a constituição da identidade da coordenação pedagógica no município de Fortaleza, como o apresentado anteriormente. Um desses marcos ocorre em 2014, quando a prefeitura municipal realizou concurso público para assistente da Educação Infantil. Este concurso prevaleceu mesmo frente à oposição de instituições como o FEIC e a UFC (BARBOSA, 2017). A oposição questionava o retrocesso identificado ali, posto que em outros concursos, exigia-se formação mínima em nível superior, e este certame exigia apenas formação em nível médio, além de colocar os ingressos fora do grupo do magistério em uma clara infração à legislação vigente, que prevê apenas professores para cada agrupamento de crianças, conforme o estabelecido no artigo 17 da resolução 02/2010 do Conselho Municipal de Educação. As assistentes educacionais concursadas possuem carga horária de 40h semanais e o direito de 2h de descanso diárias. Formatação diferente das antigas auxiliares educacionais terceirizadas que atuavam junto às crianças 44h semanais com 1h de descanso diariamente. Essas contas que não batem sempre foram problemas que as CP enfrentavam cotidianamente. Contudo, esta nova disposição atingiu os CEI e o trabalho das coordenadoras pedagógicas ao passo de que tiveram que articular novas formas de funcionamento que garantissem todos os direitos dos envolvidos no processo educativo, seja das assistentes, dos professores e, fundamentalmente, dos direitos das crianças. Além da preocupação com a formação destas novas profissionais e acompanhamento da “invisível” prática pedagógica destas. Como as assistentes educacionais não possuem hora-atividade sem ação direta com as crianças, a formação destas profissionais fica seriamente comprometida. Grave contradição, posto que estas são as profissionais que passam mais tempo junto às crianças, uma vez que as professoras regentes de maior20 e menor carga horária se revezam na “regência21” das turmas. No mesmo ano, houve uma grande preocupação com os resultados dos índices educacionais. Muitos entraves permearam os debates que emergiram destas

20 A professora regente de maior carga horária é a professora responsável pela turma que tem seu horário de atividade sem atuação direta com as crianças, substituído pela professora regente de menor carga horária. 21 Termo utilizado pela SME para os momentos de interação entre as professoras e as crianças. 73

preocupações. Especialmente as questões aos direitos das crianças, já mencionados aqui a partir de Kramer (2007). Quanto a estes embates, denuncia Barbosa (2017): Com isso, muitos gestores escolares passaram a cobrar cada vez mais que o trabalho na Educação Infantil caminhasse na perspectiva de “contribuir” para a alfabetização das crianças, tomando como “ineficiente” o trabalho até então realizado. Nas discussões das quais participei com grupo de gestores, falava- se muito em qualidade tomando-se como padrão o “ensino” da escola particular, demonstrando-se uma falta de conhecimento ou compreensão das DCNEI e das Orientações Curriculares para a Educação Infantil da SEDUC, que colocam o trabalho com a linguagem verbal como um direito da criança, mas que não reduz a ele as experiências da Educação Infantil (p. 69).

A referida pesquisadora levanta uma questão importante para esta pesquisa, no passo em que denuncia a postura inquisidora de muitos gestores escolares nesse momento da história da educação fortalezense. Sob a pressão destes, muitos coordenadores pedagógicos, que lutavam por todos os direitos das crianças, e não somente ao direito de aprender a linguagem escrita, foram exonerados sob a justificativa de não gerarem altos índices de alfabetização. Estava, portanto, instaurada uma política de resultados. Há um retorno (ou permanência) do gerencialismo à educação, já visto no capítulo anterior, e infelizmente à Educação Infantil. Ainda segundo Barbosa (2017), pressionada a mostrar o resultado do trabalho com a linguagem verbal, a Coordenadoria de Educação Infantil (COEI) da SME implementou em 2014, o “Instrumental de acompanhamento da escrita do nome próprio pelas crianças do Infantil V”. O que aconteceu diante desta ação é que os itens a serem diagnosticados, como a escrita do nome próprio e o reconhecimento de letras, passaram a constituir metas que toda a Educação Infantil deveria atingir. Na concepção de alguns gestores, metas ainda muito pequenas. Em 2015, pode ser notado uma força tarefa para revisão e atualização da proposta pedagógica do município, com inspiração na primeira versão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2015). Esse trabalho envolveu vários segmentos da Educação Infantil municipal, em um movimento democrático de escuta, e o documento final foi apresentado em 2016. As publicações que se seguem por parte da COEI, a partir de 2016, revelam forte preocupação com a orientação de práticas de escrita que contribuam para o desenvolvimento da língua escrita. Dentre os documentos destacam-se: “Orientações para as práticas de oralidade, de leitura e de escrita na Educação Infantil da rede municipal de ensino”, publicado em 2016, “Experiências de oralidade leitura e escrita 74

volume 1”, publicado em 2017 e o e-book intitulado “A criança e seu nome” publicado também em 2017. Barbosa (2017), a este respeito, chama a atenção para o fato de que: Não temos, aqui, a pretensão de analisar os documentos anteriormente citados em seus aspectos positivos ou negativos, mas, com a visualização das publicações oficiais da COEI, é possível considerar que a coordenadoria tem apresentado grande preocupação de “orientar” o trabalho com a linguagem verbal e com o nome próprio. Fato este que me parece estar mudando o sentido das práticas de Educação Infantil, atribuindo-lhe cada vez mais cedo um controle dos descritores a serem avaliados posteriormente (p. 70).

Este contexto adverso leva a crer que os eixos norteadores da Educação Infantil do município de Fortaleza, como reflexo das políticas de alfabetização instauradas no estado do Ceará, se mostram diferentes dos eixos norteadores para as práticas na Educação Infantil estabelecidos pelas DCNEI (2009). Ao passo que os tempos de interação e brincadeiras são substituídos por “tarefinhas”, treino para escrita do nome próprio, e um forçoso contato com a escrita, o desenvolvimento integral da criança, objetivo maior da EI, pode não ser alcançado. Os descompassos entre as gestões do município e o partidarismo, que a cada mudança de governo descontinuam os projetos, marcam por contradições o Sistema Municipal de Educação no Brasil, como já havia avaliado Kramer (2005). É, portanto, com um olhar muito curioso que esta pesquisa se aproxima do coordenador pedagógico de um CEI para analisar seu trabalho junto às professoras de turmas de creche. Considerando todo o quadro histórico em que se apresentou a Educação Infantil no município de Fortaleza e as atuais políticas de resultados que se configuram como as condições gerais em que a coordenação pedagógica exerce sua função, busca-se olhar bem próximo à realidade deste coordenador, a fim de identificar os desafios e possibilidades encontrados por ele para um CEI que realmente favoreça uma educação de boa qualidade. A história da Educação Infantil de Fortaleza, traçada até aqui, com os fios de Leite (2013) e Barbosa (2017) parece um pano de tapeçaria tão caro quanto incompleto. Percebê-lo caro significa atribuir-lhe um valor de identidade. Percurso permeado por lutas, retrocessos, dores para aqueles que empreendem sua jornada na educação, mas também de alegrias e de vitórias. Reconhecer sua incompletude, não o outorga menor valor, pelo contrário, confere-o um ar de utopia, aquele ar defendido por Paulo Freire, o inestimável valor da esperança.

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4.1 O Trabalho do Coordenador Pedagógico segundo os documentos legais do município de Fortaleza

A função coordenação pedagógica surge pela primeira vez nos documentos legais do município de Fortaleza no ano de 2013, com a sanção da Lei complementar nº0150 aprovada pela Câmara Municipal de Fortaleza e publicada no Diário Oficial do Município (DOM) em 28 de junho de 2013. Portanto, é uma função recente no município, embora outros profissionais a tenham executado em outros momentos da história, como é o caso dos professores pedagogos, orientadores educacionais e supervisores escolares, segundo Barbosa (2017). Esta lei regulamenta a criação do cargo em comissão de coordenador pedagógico na estrutura administrativa da Secretaria Municipal de Educação – SME. Prescreve que o provimento deste cargo se dará a partir de seleção pública a ser regulamentada pelo município, sob responsabilidade da SME. Determina, dentre outros critérios para seleção, que o candidato tenha formação na área específica da educação e mínimo de dois anos de comprovada experiência efetiva na docência. Estes pré-requisitos para ingresso no cargo são aspectos já mencionados como relevantes para a constituição do coordenador pedagógico como um educador (DOMINGUES, 2014; VASCONCELLOS, 2009; FRANCO, 2017). Contudo um cargo em comissão22 fragiliza o processo de construção de uma identidade coletiva e participativa da escola por causar muitas interferências na gestão e na continuidade do trabalho, como apontam os estudos de Kramer (2001). A lei também define que o cargo de supervisor escolar é considerado equivalente ao de coordenador pedagógico. Estabelece que os supervisores passam a ocupar de forma automática o cargo de coordenador pedagógico sem a necessidade de submissão à seleção. Na mesma lei, em seu anexo II, a função de coordenador pedagógico apresenta-se subdividida em Coordenador pedagógico da Educação Infantil e Coordenador pedagógico do Ensino Fundamental atribuindo a ambos os mesmos compromissos.

22 Segundo a Constituição Federal de 1988 um cargo comissionado é um cargo ocupado temporariamente por uma pessoa que não faz parte do quadro de funcionários da Administração Pública. 76

A referida lei comprometeu-se, ainda, em determinar as atribuições do coordenador pedagógico no município, seja da Educação Infantil ou do Ensino Fundamental, conferindo-lhe o dever de articular junto a toda comunidade escolar, diversas ações. Vale destacar algumas atribuições do CP junto aos professores, sendo elas: dar suporte didático e operacional, acompanhar os indicadores de rendimento da aprendizagem, identificar estratégias de superação de dificuldades, participar do acompanhamento e desenvolvimento de ações formativas para o professor, orientar o trabalho do professor quanto ao projeto político pedagógico da escola, assegurar a integração das atividades de planejamento, desenvolvimento e avaliação do trabalho docente, assessorar a escolha e avaliar livros e materiais didáticos solicitados e/ou produzidos pelos professores; e promover, entre alunos e professores o uso sistemático e articulado de todos os ambientes, equipamentos e materiais de ensino-aprendizagem existentes na escola. Além de todas as atribuições destacadas aqui, o coordenador pedagógico do município de Fortaleza, ainda tem o dever de participar de ações formativas que visem seu aperfeiçoamento profissional. Waltrick (2008) reflete sobre várias atribuições do CP que tendo que operar em tantas frentes e ainda zelar por sua própria formação, o CP se vê diante de um dilema sobre o que consegue fazer e o que realmente gostaria de realizar. Esta parece uma reflexão pertinente no caso do município de Fortaleza. Outra base legal importante para a compreensão da identidade do CP do município de Fortaleza é a Lei Complementar Nº 169 de 12 de setembro de 2014, sancionada pelo prefeito, que em seu capítulo VII organiza a equipe gestora das escolas de Fortaleza. No artigo 43 determina-se que a equipe gestora do município é responsável pela gerência das escolas municipais. Esta equipe é composta pelo diretor escolar, vice-diretor escolar, coordenador pedagógico e secretário escolar, conforme a modulação23 de cada escola. Cabe a Equipe Gestora administrar e coordenar os recursos e ações curriculares propostas nos projetos político-pedagógicos de cada escola. A lei reafirma

23As modulações das escolas têm relação com a quantidade de alunos, estrutura física e funcionamento (tempo integral ou parcial), estas características determinam a quantidade de profissionais (serviços gerais, manipuladores de alimentos, porteiros, coordenadores, professores, diretor, vice-diretor, secretário, etc.) que atuam nessas instituições. 77

as atribuições do coordenador pedagógico estipuladas anteriormente além de enumerar as funções dos demais componentes da equipe gestora de cada escola. A definição legal dos papéis de cada componente da equipe gestora, em um primeiro olhar ainda distante da escola, leva a crer que todos os envolvidos nesta equipe conhecem suas funções, delimitações e interlocuções. Este é um importante dado para uma possível superação da denúncia feita por Pereira (2014) quando, a nível nacional, não reconhece uma definição sobre o que é ser coordenador pedagógico e quais as suas atribuições. Nesta seção foram apresentados alguns aspectos da identidade do coordenador pedagógico em Fortaleza. Esta preocupação se dá pelo fato de poucos registros serem encontrados atualmente sobre este profissional, como já explicitado nas pesquisas. Motivo este que se recorreu aos aportes legais que o definem, ao menos, em âmbito jurídico.

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5. ABORDAGEM METODOLÓGICA E PROCEDIMENTOS

O presente capítulo tem por objetivo apresentar o paradigma de pesquisa que orienta este estudo, bem como as razões pelas quais foram realizadas as escolhas metodológicas utilizadas para a efetivação do trabalho de campo. Apresenta, portanto, as informações e justificativas acerca do lócus do trabalho de campo, dos sujeitos da pesquisa e dos procedimentos e instrumento para a geração24dos dados.

5.1 A abordagem qualitativa com características de um estudo de caso

O paradigma qualitativo é o que pode trazer maiores contribuições para a compreensão das questões desta pesquisa quanto ao trabalho da coordenadora pedagógica junto às professoras de turmas de creche e para alcançar os objetivos delineados. A escolha por este paradigma é justificado pela concepção de que este trabalho tem como centro a compreensão dos dados gerados. Segundo Robert Stake (1983, p. 22), o pesquisador qualitativo procura “[...] sequências importantes de eventos, testemunhas-chave de eventos passados e, particularmente, observa como estes eventos são determinados no contexto em que ocorrem.” Nesse sentido, um aspecto importante é o frequente e prolongado contato do pesquisador com os sujeitos da investigação. Deste modo nessa abordagem apresenta-se a percepção das condutas em função de um profundo contato com os sujeitos da pesquisa no seu lócus natural (BOGDAN & BIKLEN, 1991). Bogdan e Biklen (1991) apontam outras cinco características da pesquisa qualitativa: (a) o ambiente natural é a fonte direta dos dados; (b) tem o pesquisador como principal instrumento de pesquisa; (c) há um maior interesse pelo processo do que pelos resultados; (d) a análise de dados não tem como princípio confirmar hipóteses definidas previamente, (e) o pesquisador considera o significado que as pessoas dão aos fenômenos e à sua vida, e se certifica se suas próprias interpretações condizem com aquilo que os informantes relataram.

24 Graue e Walsh (2003) consideram que os dados precisam ser gerados, pois não estão prontos para que ocorra apenas uma coleta. Essa perspectiva pressupõe que o pesquisador assuma uma posição ativa junto ao fenômeno investigado. 79

Assim como Bogdan e Biklen (1991), para Anadón (2005), a pesquisa qualitativa pode ser organizada em três grandes grupos: a pesquisa qualitativa/interpretativa, a abordagem sociocrítica e as correntes pós-modernas e pós- estruturalistas. Segundo essa autora, a abordagem qualitativa/interpretativa é aquela em que o pesquisador tenta compreender por meio da observação, os significados que os sujeitos pesquisados dão à sua própria vida e às experiências. A abordagem sóciocrítica guia algumas pesquisas que se baseiam nas ideias de contexto, de prática, de participação e de consideração dos conhecimentos dos sujeitos implicados. Nesta, existe a interação democrática entre o pesquisador e os participantes, com o objetivo de trabalhar a transformação da realidade estudada, admitindo que os sujeitos inseridos possam dar opiniões e debater diferentes aspectos dessa realidade. As abordagens pós-modernas creem que “a realidade é incerta, diversificada e subjetiva e que exige uma pluralidade de leituras” (ANADÓN, 2005, p. 12) e, para tanto, faz-se necessário um desenho teórico, com o objetivo de compreender o funcionamento das sociedades ocidentais contemporâneas. Anadón (2005, p.12) esclarece que “em geral, a pesquisa qualitativa objetiva o “empowerment”, a sensibilização, a democratização, a solidariedade e a liderança dos participantes”. Dentre os autores que também compreendem que a pesquisa qualitativa enfatiza os processos e os significados, encontram-se Denzin e Lincoln (2006). Estes apontam a estreita relação entre o pesquisador e o objeto de estudo e percebem-na incluída em uma perspectiva multimetódica que abrange um enfoque interpretativo e naturalista face ao objeto de pesquisa. Frente à esta característica multimetódica da pesquisa qualitativa mencionada pelos autores anteriormente, a opção pela pesquisa qualitativa com características de um estudo de caso neste trabalho, é justificada pelo interesse de compreender em profundidade o fenômeno enfocado, com a intenção de ampliar o conhecimento sobre o trabalho da coordenadora pedagógica junto às professoras de turmas de creche em um CEI da Rede Municipal de Fortaleza. Lüdke e André (1986) ressaltam que os estudos de caso buscam retratar a realidade. O pesquisador procura revelar a multiplicidade de dimensões presentes numa determinada situação-problema, focalizando-a como um todo. Esse tipo de abordagem 80

enfatiza a complexidade natural das situações, evidenciando a interrelação natural dos seus componentes. Para Yin (2010, p. 39) o estudo de caso “[...] é uma investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo em profundidade e em seu contexto de vida real”. Esta pesquisa tem características de um estudo de caso por apresentar o “fenômeno contemporâneo”, que se traduz como o trabalho da coordenadora pedagógica junto às professoras de turmas de creche em seu contexto, neste caso, um CEI municipal de Fortaleza. Stake (1983, p. 11) vê o estudo de caso “como estudo da particularidade e complexidade de um caso singular para chegar a compreender a sua atividade em circunstâncias importantes”. O que, todavia, constituiria “circunstâncias importantes” para que o estudo de caso se justifique nesta pesquisa? Neste trabalho participa-se da ideia de construção social da escola, apresentada por Ezpeleta e Rockwell (1986):

Pensamos que a construção de cada escola, mesmo imersa num movimento histórico de amplo alcance, é sempre uma versão local e particular neste movimento. [...] as diferenças regionais, as organizações sociais e sindicais, os professores e suas reivindicações, as diferenças étnicas e o peso relativo da Igreja marcam a origem e a vida de cada escola. A partir daí, dessa expressão local, tomam forma internamente as correlações de forças, as formas de relação predominantes, as prioridades administrativas, as condições trabalhistas, as tradições docentes, que constituem a trama real em que se realiza a educação. É uma trama em permanente construção que articula histórias locais – pessoais e coletivas –, diante das quais a vontade estatal abstrata pode ser assumida ou ignorada, mascarada ou recriada, em particular abrindo espaços variáveis a uma maior ou menor possibilidade hegemônica. (p. 12 e 13)

Ao partir deste paradigma, cada escola tem características peculiares. As construções das próprias escolas frente ao seu momento histórico e todas as construções individuais dos sujeitos que a compõe são vistas por meio não de uma perspectiva vertical descendente (a escola como amostra do poder do Estado), mas de um olhar “de baixo para cima” (EZPELETA & ROCKWELL, 1986), na certeza de que os sujeitos que ali interagem, com suas subjetividades, podem lidar de diferentes formas com as forças dominadoras do Estado. Esta compreensão clarifica a ideia do que pode ser considerado como “circunstâncias importantes” para esta pesquisa. Para além do normatizado como importante historicamente, alargando os horizontes da história documentada que muitas 81

vezes foi construída a partir do poder estatal e que homogeneíza as escolas, é importante, neste trabalho, o fazer história no cotidiano, a história não-documentada, por meio da qual, os pais, os profissionais e as crianças se apropriam dos subsídios e prescrições estatais e dão vida à escola (EZPELETA & ROCKWELL, 1986). As referidas autoras apontam os aspectos elencados como extremamente relevantes para um novo olhar da pesquisa na escola e anunciam:

Na busca teórica que apoia esta construção, a unicidade da realidade em estudo coloca o desafio de aprender analiticamente o que a vida cotidiana reúne. Assim, importa evitar a transferência mecânica daqueles conceitos que, embora tendo uma tradição consagrada nas ciências sociais, foram elaborados e definidos. O trabalho teórico exige, para dar conta da unicidade da vida cotidiana, tanto um uso peculiar daquelas categorias como a construção de novas categorias pertinentes ao nível com que nos ocupamos. (EZPELETA & ROCKWELL, 1986p. 14)

É a partir deste olhar que se organiza este estudo. Não relegando ao campo do “não-investigável” toda essa história, que, como apresentam as autoras, é “coincidentemente não-documentada”, mas aproximando-se das realidades desconhecidas com a orientação da reflexão teórica. Trata-se de um estudo de caso do trabalho da coordenadora pedagógica em relação, especificamente, às professoras de turmas de creche no município de Fortaleza.

5.2. O lócus do trabalho de campo

No período de dois meses, foi realizado o trabalho de campo no CEI municipal patrimonial, localizado em Fortaleza, de jornada integral, para as turmas de creche de crianças de um e dois anos, e em tempo parcial, para as turmas de três a cinco anos. Esta escolha justifica-se por perceber que a maioria dos equipamentos de Fortaleza possui estes tipos de agrupamentos e funcionamento. Assim, foi reiterado o compromisso com a “história não-documentada” (EZPELETA & ROCKWELL, 1986), vivida num CEI pelos sujeitos que ali trabalham e que o constroem cotidianamente. Inicialmente o CEI recebeu o nome fictício de CEI Hannah Evelyn de Andrade com a intenção de homenagear a criança de quatro anos que, enquanto brincava no pátio de um CEI municipal de Fortaleza, no momento do recreio, foi levada a óbito após o piso sobre uma fossa, onde ela se encontrava, ceder. A trágica morte de Hanna mobilizou vários setores sociais na luta por uma educação de qualidade para 82

todas as crianças da cidade. A escolha provisória deste nome foi debatida com a coordenadora pedagógica da instituição juntamente com as professoras que participaram da pesquisa. O caso do falecimento de Hanna ainda estava muito vivo no cotidiano daquela instituição. A reação das professoras e da coordenadora foi de discordância. Em um argumento emotivo, afirmaram que o caso de Hanna não deve ser esquecido, deve ser objeto de luta, mas que não gostariam que a instituição em que trabalham ficasse registrada com um nome que traz consigo um profundo sentimento de tristeza e dor. Conforme entraram em acordo, o CEI pesquisado recebeu o nome fictício de “CEI Infância Feliz”. Meses após o período de pesquisa, durante o processo de escrita e análise dos dados, a CP entrou em contato por telefone e, de forma emocionada, solicitou que, caso ainda houvesse a possibilidade, o grupo gostaria de levar o nome da menina Hanna Evelyn de Andrade como nome fictício do CEI, no intuito de promover uma homenagem à comunidade e como referência à uma luta que não é apenas do CEI de uma comunidade específica mas de todo o povo brasileiro, que ainda sofre com o descaso dos governos para com a Educação Pública. A atitude da coordenadora foi motivo de comoção e reflexão. Provavelmente, durante a permanência para observação e entrevistas no CEI, a atualidade dos fatos e os muitos problemas estruturais que a instituição enfrentava guiavam as percepções do grupo de professores e coordenadora a uma perspectiva diferente da que demonstraram na ocasião em que optaram pela mudança do nome, visão guiada pelo medo, insegurança e sensação de estarem sozinhas com as muitas dificuldades diárias. A mudança de escolha do nome pode ser resultado de um processo de reflexão e amadurecimento coletivo voltado para uma possível construção de visão de classe. Um olhar focalizado pelas lentes de Paulo Freire, que enfaticamente afirma:

Não podemos alimentar a ilusão de que o fato de saber ler e escrever, por si só, vá contribuir para alterar as condições de moradia, comida e mesmo de trabalho [...] essas condições só vão ser alteradas pelas lutas coletivas dos trabalhadores por mudanças estruturais da sociedade. (1991, p. 70)

A escolha pela creche como campo específico desta pesquisa foi motivada pela constatação, em nível nacional e internacional, da, ainda, pouca visibilidade dos bebês e crianças bem pequenas, seja no campo das políticas estatais ou no campo das pesquisas. Fúlvia Rosemberg (2011, p. 53) que debruçou-se sobre muitos textos, 83

pesquisas e movimentos sociais sobre os direitos de todas as crianças (desde o nascimento) à educação pública de qualidade e sua consequente visibilidade enquanto atores sociais, destaca que, no Brasil, o interesse público se dirige mais a crianças maiores, adolescentes e jovens e que as organizações multilaterais priorizam sempre o ensino fundamental, o qual, atualmente, inicia-se a partir dos 6 anos. O compromisso com a creche pública, que levou à escolha deste contexto para a pesquisa, se deu a partir da história de vida da pesquisadora e sua relação direta com estas instituições, desde o ensino fundamental e médio, enquanto estudante, especialmente enquanto vice-presidente de grêmio estudantil, em que as preocupações com a pouca qualidade da educação pública se fortaleceu e se transformou em engajamento na luta, junto aos professores e estudantes para a mudança de realidade. O contato com tantos movimentos e ideais guiou a escolha do curso de Pedagogia como formação profissional e a submissão ao concurso público para ingresso na educação pública municipal de Fortaleza, a opção por atuar na creche, enquanto professora e posteriormente coordenadora pedagógica, enfatiza a força motriz deste trabalho de pesquisa, como construção de mais conhecimento nesta área e em retribuição à sociedade pelas experiências adquiridas no âmbito da educação pública. Foi, ainda, critério para a escolha do lócus desta pesquisa, além dos mencionados anteriormente, a indicação das equipes técnicas da SME e do Distrito de Educação de um CEI que fosse o mais comum dentre os CEI do município de Fortaleza, não apresentando nenhuma excepcionalidade em relação às demais instituições municipais.

5.3 Os sujeitos da pesquisa Os sujeitos da pesquisa foram uma coordenadora pedagógica e três professoras de turmas de creche - uma professora para cada agrupamento de crianças que em Fortaleza recebem as seguintes nomenclaturas: Infantil I, II e III25.

25Em Fortaleza os agrupamentos das turmas da Educação Infantil se dão a partir do corte etário de 31 de março e seguem a nomenclatura Infantil I, Infantil II, Infantil III, Infantil IV e Infantil V. A primeira turma (Infantil I) inicia com bebês a partir de nove meses até um ano e onze meses. As turmas de infantil II são constituídas por crianças bem pequenas entre um ano e nove meses a dois anos e onze meses. As turmas de infantil III são compostas por crianças de dois anos e nove meses a três anos e onze meses. As de infantil IV por crianças de três anos e nove meses a quatro anos e onze meses, e as turmas de infantil V por crianças de quatro anos e nove meses a cinco anos e onze meses. O município não dispõe de turmas para bebês desde os primeiros dias de vida até os nove meses. 84

Como critérios para a participação foram definidos que os sujeitos do CEI indicado deveriam desejar participar da pesquisa; a coordenadora pedagógica, bem como as professoras deveriam ter formação em Pedagogia, posto que é este curso que deve trazer maiores contribuições para uma formação de profissionais para a atuação com bebês e crianças bem pequenas em contextos institucionais de educação e cuidado; o vínculo profissional da CP e das professoras que atuam no CEI deveria ser de, no mínimo, dois anos, tendo contrato efetivo ou temporário. Entende-se que o vínculo efetivo permite que todos os profissionais da instituição construam suas práticas de forma mais autônoma, contudo, é real o substancial número de professores em situação de contratação temporária, como substitutos de profissionais em situação de licença médica para tratamento de saúde, ou por outros motivos de ausência. Por vezes, estes professores substitutos atuam na instituição há muitos anos e não poderiam ser desconsiderados neste trabalho. A figura do professor substituto na rede municipal de Fortaleza é uma realidade bastante presente e, ao mesmo tempo, um desafio para todo gestor, especialmente para o coordenador pedagógico, por este motivo não foi omitida nesta pesquisa. Marta é a atual coordenadora pedagógica do CEI Hanna Evelyn. Tem 31 anos de idade, é pedagoga com habilitação em gestão escolar, formada no ano de 2010. Tornou-se especialista em Psicopedagogia, no ano de 2013. Em 2017, concluiu um curso de 160 horas em Gestão Escolar, e, no mesmo ano, concluiu um curso on line de 40 horas sobre Liderança Escolar. Marta já trabalhou por quatro anos em Escolas Privadas, em que desempenhou as funções de estagiária e professora. Ingressou, por meio de concurso público, na Prefeitura de Fortaleza, no ano de 2010, tendo atuado como professora da Educação Infantil até agora. Em 2013, se submeteu às seleções públicas para os cargos em comissão de Diretora Escolar e Coordenadora Pedagógica. Foi aprovada nas duas seleções e, em 2016, quando a antiga CP do CEI Hanna Evelyn foi afastada do cargo, Marta foi escolhida pela diretora da escola patrimonial para substituí-la. Essa escolha se deu em grande parte porque Marta era professora da instituição e conhecia bem a rotina e a comunidade escolar. Há dois anos e meio é coordenadora deste CEI. Ao se dispor a colaborar com esta pesquisa, Marta solicitou um compromisso com a verdade. Pediu que os fatos não fossem omitidos e que buscasse 85

anotar todas as coisas que ela faz em seu cotidiano. Disse: “Quero ler depois. Ver tudo como é na verdade. De verdade!” (DIÁRIO DE CAMPO, SESSÃO1) A postura de solicitar o compromisso com a verdade marcou o andamento desta pesquisa. A verdade, tem muitas vertentes, é um conceito complexo e de muitas interpretações. Contudo, o contexto em que o pedido de Marta se deu, me levou a compreender que se tratava de um retrato daquela realidade. Era firmado naquele momento um compromisso de abandono das máscaras. Marta não pretendia esconder nenhum fator de seu trabalho, em troca, o retrato apresentado nesta pesquisa não poderia se furtar à uma análise crítica e contextualizada. Sem eufemismos ou hipérboles. Atualmente, Marta coordena um grupo de 17 funcionários e 150 crianças e suas famílias. Destas 150 crianças, sete possuem necessidades educativas especiais. O quadro de funcionários é composto por três assistentes educacionais, uma cozinheira, uma auxiliar de cozinha, um monitor de acesso, dois vigilantes noturnos e nove professoras. Dentre as nove professoras do CEI, cinco atuam em turmas de creche. Três destas professoras aceitaram participar desta pesquisa. São elas: Maria, Camila e Eliane. Maria é professora de maior carga horária (27 horas) em efetivo envolvimento com as crianças da turma do Infantil I, trabalha no CEI há 4 anos. Possui licenciatura em Pedagogia, concluído em 2013, e cursa especialização em Educação Infantil. Camila é professora com contrato temporário com o município. Trabalha no CEI há um ano, neste período atua como professora de menor carga horária (13 horas) das turmas de infantil I e II. Possui licenciatura em Pedagogia e experiência de dois anos como professora no Ensino Fundamental em escolas privadas. Eliane é professora com carga horária de 13 horas semanais em efetivo exercício junto às crianças da turma do Infantil III, que funciona em tempo parcial. É graduada em Pedagogia, formada em 2009. É estudante em curso de pós-graduação stricto sensu em Educação. Ingressou como professora efetiva da rede municipal de Fortaleza e trabalha no CEI Hanna Evelyn há seis anos. Marta, Maria, Camila e Eliane participam da formação continuada ofertada pela SME. Esta formação ocorre fora da instituição em que trabalham e são organizadas pela Coordenadoria da Educação Infantil (COEI) – SME. Para que se atenda ao maior 86

número de professores do município, as turmas são formadas por professores que atuam na Educação Infantil de cada Distrito. Neste momento, as professoras não discutem questões particulares da instituição em que trabalham com seus pares. É comum que se estude textos ou materiais que a COEI, por meio de contatos esporádicos com as instituições, julgue necessários. Portanto, este momento, não corresponde à uma Formação em Contexto (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2007).

5.4 Os instrumentos de pesquisa Foram adotadas, para a construção de dados acerca do fenômeno pesquisado, algumas técnicas que buscaram promover a participação dos sujeitos envolvidos. Portanto, para atingir os objetivos desta pesquisa, fez-se uso dos seguintes procedimentos e instrumento: observação participante; questionário, entrevista semiestruturada e exame de documentos. A observação participante teve como foco as práticas da coordenadora pedagógica da instituição pesquisada com as professoras de turmas de creche. A observação é importante porque “[...] ajuda o pesquisador na identificação e obtenção de provas a respeito de objetivos sobre os quais os indivíduos não têm consciência, mas que orientam seu comportamento”. (LAKATOS e MARCONI, 2009, p. 275). Foram realizadas dezesseis sessões de observação em que as ações da CP eram registradas no Diário de Campo. Cada observação foi orientada por um Roteiro de Observação preliminar (ver apêndice B) que ia se modificando a cada dia de observação de acordo com as dúvidas suscitadas ou interesses evocados. As sessões aconteceram em dias e horários diferentes da semana para que se constituísse um apanhado geral do trabalho semanal da CP. Para observar a rotina desta profissional foi necessário um constante deslocamento. O acompanhamento das ações da CP se deu em diversos espaços de acordo com sua movimentação no CEI. Na maioria das ocasiões tornou-se impossível o registro de suas práticas diretamente no computador, posto que o constante movimento não era propício para o transporte e uso deste recurso. Por este motivo, as notas eram escritas à mão no Diário de Campo e transcritas (no mesmo dia) para o Diário de Campo Digital no computador. Deste modo, algumas ações constantes e outras esporádicas puderam ser registradas, além da organização do seu trabalho em cada tempo de sua rotina. 87

Outro procedimento de relevância foi a realização de entrevistas com a coordenadora e professoras da instituição. Essas entrevistas sucederam a aplicação de um questionário que visava apreender informações básicas para a identificação do perfil profissional de cada sujeito (ver apêndice E). A entrevista com a coordenadora teve o objetivo de compreender, na sua perspectiva, em que condições se dá o trabalho dela junto às professoras de turmas de creche, quais as suas concepções e percepções em relação ao seu trabalho na creche, especialmente em relação à prática pedagógica das professoras, e identificar os desafios e possibilidades encontrados por ela neste trabalho (ver Apêndice A). As entrevistas com as professoras possibilitaram a apreensão da percepção delas sobre o trabalho desenvolvido pela CP (ver Apêndice C ). As entrevistas com as professoras aconteceram na instituição, em dias e horários previamente acordados e sugeridos por cada uma. Como o CEI não contava com um espaço propício (calmo e silencioso) para a realização das entrevistas, as professoras optaram pela área externa, abaixo de mangueiras, ao ar livre. Embora o ambiente para a realização das entrevistas fosse localizado bem próximo ao parque, apenas uma entrevista sofreu intervenção de uma criança que desejava abraçar a professora entrevistada. As entrevistas e as observações foram registradas através de áudio gravação e Diário de Campo. No Diário de Campo foram inseridos registros que, segundo Bogdan e Biklen (1991), são de dois tipos: o primeiro é do tipo descritivo e advém da tentativa do pesquisador entender o que ocorre em campo por meio da observação das ações, das conversas, dos sujeitos, além da descrição do lócus. O segundo tipo de registro é reflexivo e registra as ideias, reflexões, impressões e sentimentos do pesquisador ante esse campo. O Diário de Campo permitiu o registro escrito de todas as ações e reflexões observadas no CEI relacionadas direta e indiretamente com os objetivos desta pesquisa, além de, possibilitar a elaboração de roteiros para observações seguintes, bem como re/orientação de semiestruturas para entrevistas. A gravação em áudio foi importante para a documentação das entrevistas semiestruturadas e depoimentos para análise posterior, garantindo que as falas dos sujeitos fossem consideradas em sua inteireza.

Além destes recursos, o registro por meio de fotografias foi realizado para a apreensão de imagens que contribuíram com o trabalho com detalhes que não 88

podem ser simplesmente descritos pela pesquisadora e evocados pelo leitor. Por outro lado, as imagens trouxeram minúcias não percebidas no momento da observação e, portanto, possibilitaram novas reflexões pertinentes para o alcance dos objetivos desta pesquisa.

É importante ressaltar que o compromisso com os procedimentos éticos se efetivaram por meio da concessão de autorização para pesquisa com pessoas por meio do Comitê de Ética em Pesquisa que levou em consideração a autorização da Secretaria de Educação do município de Fortaleza e da Instituição pesquisada, além da assinatura dos participantes da pesquisa do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) em que os sujeitos ficam a par dos objetivos deste estudo bem como dos riscos e benefícios a que estão submetidos ao participarem desta pesquisa.

Além dos documentos de praxe para uma investigação com seres humanos pautados na ética, esta pesquisa também fez uso da sensibilidade interpessoal para, sempre que necessário, retomar ou revogar o aceite desde as menores situações do cotidiano. A exemplo disso, destaca-se que inicialmente, era previsto o uso de câmera filmadora em algumas situações que envolvessem a CP e as professoras participantes, contudo as expressões corporais dos sujeitos denotaram um contínuo desconforto. Após algumas tentativas ficou claro que, embora consentissem com a palavra, suas atitudes e reações demonstravam o sentimento oposto. Por este motivo não foram realizadas vídeo-gravações nesta pesquisa.

Dentre os documentos que foram analisados, destacou-se a proposta pedagógica do CEI, com o intuito de apreender como a instituição se orienta e em que medida este documento é importante no cotidiano, especialmente para orientar as ações da coordenadora junto às professoras na creche. Conforme se deu o caminhar da pesquisa, e frente às observações, outros documentos receberam destaque: o Quadro de Rotina Diária e Planejamento da CP (ver anexo 5) por terem relação direta com a prática pedagógica dos sujeitos. A chegada ao CEI observado e a realização deste trabalho de campo apresentou múltiplas tensões, tanto para a comunidade que constitui o CEI (gestão, professores, pais e crianças) como para a pesquisadora. É importante lembrar a constatação de Ezpeleta e Rockwell (1986, p. 136) de que “mesmo quando a preparação prévia tenha colocado em dúvida os preconceitos e estejam claros os problemas teóricos que demarcam a busca, impõe-se, de todos os modos, uma vigilância permanente.” Esta 89

vigilância possibilita que a pesquisadora amplie seu olhar sobre o cotidiano dos sujeitos da pesquisa e os elementos que se destacam em seu contexto para além dos conhecimentos prévios trazidos por ela, considerando que “das abrangentes perguntas iniciais uma ampla e inquietante determinação para o registro da informação de campo: registrar “tudo” o que se vê. Não é fácil.” (EZPELETA E ROCKWELL, 1986, p.136) Havia uma grande expectativa por parte da pesquisadora, mas a ansiedade por parte da CP também era verdadeira. Funcionários, professores, familiares e crianças também se mostraram curiosos, incertos de que poderiam agir naturalmente com a presença de uma pessoa estranha àquele cotidiano. Aos poucos, principalmente a partir da clara exposição dos objetivos desta pesquisa para cada grupo da comunidade escolar, a parceria e a solidariedade emergiram. Desde então, sempre que chegava ao CEI era recebida com sorrisos. Duarante as sessões, Vânia (nome fictício) que trabalhava na cozinha, me oferecia um chá de ervas da farmácia viva do CEI, ou preparava um lanche delicioso. Conversavam assuntos diversos, falavam de religião, do clima, da vida. Os momentos de lanche com as professoras também foram importantes para que se sentissem cada vez mais à vontade com a minha presença no CEI. Elas perguntavam sobre meu filho, a rotina de estudos e os mais diversos assuntos. Mas foi somente na sessão de número sete que tive a certeza que estava conseguindo superar as tensões e construir junto com os sujeitos dados importantes para esta pesquisa. Isto se deu durante um breve momento em que a CP estava alimentando o sistema de frequência dos professores no turno da tarde. Ela virou-se repentinamente para a cadeira em que estava sentada e disse: “Kilvia, estou muito feliz com sua presença aqui. Eu pensava que seria difícil ter alguém me observando, sendo minha ‘sombra’... mas eu me sinto bem com você. Sinto sua falta quando não vem.” Acredito que o uso dessa metodologia permitiu o “alargamento do olhar” (EZPELETA E ROCKWELL, 1986) e o aprofundamento do conhecimento sobre um tema ainda pouco explorado: o trabalho da coordenadora pedagógica junto a turmas de creche no município de Fortaleza. Assim, mostrou-se adequado ao objetivo desse trabalho. 90

6. O CEI HANNA EVELYN ANDRADE E A ROTINA DA CP

Este capítulo tem como objetivo caracterizar o contexto em que a pesquisa foi realizada. Opto por apresentá-lo permeado da vida que ali encontrei ao acompanhar a CP em seu dia a dia na instituição. Desse modo, é por meio das ações da CP que os espaços e as relações do CEI serão apresentados. Essas ações representam o que de mais comum e permanente havia na rotina da CP. Outras ações mais específicas e pontuais que também fazem parte do trabalho da CP serão analisadas no capítulo posterior. Dentre elas: encontros formativos, reuniões dentro e fora da instituição, atribuições específicas a um determinado período do ano (como: tombamento de patrimônio da instituição, credenciamento junto aos órgãos competentes, reelaboração da proposta pedagógica e etc).

6.1 A CP, tempos, espaços e relações no CEI Hanna Evelyn Andrade

O CEI Hanna Evelyn está localizado em um bairro da periferia de Fortaleza. A instituição é circundada por prédios de apartamentos comunitários construídos pelo governo municipal. Está localizada em uma Regional marcada por uma grande desigualdade social de acordo com as pesquisas do Instituto de Pesquisas e Estratégias econômicas do Ceará – IPECE (CEARÁ, 2010). Ao passo que uma única regional administrativa detém 26% da renda pessoal total da cidade, a regional em que o CEI pesquisado se encontra, divide com mais quatro regionais o mesmo percentual de 26% da renda pessoal total. É neste contexto que, segundo a Proposta Pedagógica da Instituição (2017), o CEI surgiu a partir “de uma grande mobilização das mães que ao partirem para o mercado de trabalho sentiram a necessidade de um espaço para deixar seus filhos.” Na ocasião, uma Associação de Moradores do bairro, em convênio com o município, investiu recursos para iniciar a construção do prédio no ano de 2001. Apesar de ter sido construído em 2001, a creche só começou a funcionar em 2003. De acordo com o histórico contido na Proposta Pedagógica do CEI, há dois pontos relevantes ao que diz respeito à coordenação pedagógica. Em primeiro lugar, o texto da proposta faz compreender que no período de 2001 a 2008 o CEI não contava com a figura de um coordenador pedagógico. Este profissional surge pela primeira vez 91

somente após cinco anos de funcionamento da instituição. Outro dado relevante é que, inicialmente, esse coordenador pedagógico, selecionado internamente pela SME, contava com a parceria de um coordenador administrativo indicado pela associação de moradores do bairro. Após o processo de municipalização, a coordenação pedagógica passou a ser a única responsável pela gestão no CEI. A partir deste processo, a instituição pesquisada passa a ser de responsabilidade de uma escola patrimonial do bairro, e distanciada fisicamente do CEI. Esta escola conta com um núcleo gestor formado por Direção, Vice direção, Secretário Escolar e Coordenadores Pedagógicos. Legalmente, é a escola quem gerencia e transfere recursos e materiais destinados ao CEI Hanna Evelyn Andrade. Nesta comunidade o CEI é conhecido por “creche”, embora nele também funcionem turmas de pré-escola. Entre as pessoas daquela localidade é comum ouvir “fica próximo à creche.”, “ela quer saber como chega na creche”. Algumas hipóteses podem ser levantadas em relação a isso. Pode tratar-se de uma nomenclatura popular, fincada nas ideias e preconceitos relacionados ao atendimento de crianças pequenas, órgão público e ações de cuidados dispensados às crianças que ali vivenciam a maior parte de seu tempo. No muro do CEI há um desenho que reforça essa ideia: uma casa em que se encontra uma placa com a palavra em letras garrafais “CRECHE”. Isto também pode se dá pelo fato desse CEI ter sido construído durante o governo Juraci Magalhães em que os CEI eram voltados para as crianças de 1 a 3 anos de idade. As instituições construídas nessa época são conhecidas entre os profissionais da prefeitura como “modelo galpão”. Este modelo ainda é o mais comum na rede municipal de ensino, e atende a um dos quesitos para escolha do lócus de pesquisa já descrito anteriormente. Diariamente, a CP chega à instituição minutos antes das sete horas da manhã. Neste horário, encontra o Sr. Carlos, monitor de acesso do CEI. O Sr. Carlos cumpre uma carga horária de 44 horas semanais. Esta carga horária não corresponde ao período de funcionamento do CEI, que vai de sete horas da manhã às 17 horas da tarde, em regime de tempo integral (funcionamento de dez horas). Bem no início da rotina da CP, já se pode perceber um de seus principais desafios: a quantidade insuficiente de profissionais para o pleno funcionamento da instituição.

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Para adequar-se à situação imposta, a CP posiciona-se junto ao portão para recepcionar as famílias, professores e crianças. Enquanto ocupa-se desta tarefa, Sr. Carlos auxilia na limpeza de toda a área externa do CEI.

Figura 2- Planta baixa do CEI : dependências Figura 1- Planta Baixa do CEI: área construída

Fonte: Arquivos da pesquisa

O espaço interno do CEI Hanna Evelyn é cercado por um amplo e arborizado espaço externo. Já na entrada, há um jardim em volta de uma rampa que dá acesso à porta principal do CEI. Seguindo pela lateral direita o jardim divide espaço com uma horta de plantas medicinais e algumas árvores frutíferas. Segundo a CP, é comum que a comunidade solicite essas ervas e frutas para uso doméstico.

Ainda na lateral direita, há uma área restrita aos funcionários em que se encontra a lavanderia (um tanque, um telefone público antigo, lixeiras e duas estantes com materiais diversos), há também uma grande fossa desativada e isolada. Na lateral esquerda do CEI, pode-se observar um amplo espaço com piso de paralelepípedos ao lado de uma enorme e frondosa árvore. Mais à frente desta árvore, outras dão sequência a um belo espaço arborizado. Figura 3 - Parque na área externa do CEI

Fonte: Arquivos da pesquisa

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Dividida por uma cerca, há uma ampla área de terra com árvores e brinquedos que compõem o parquinho das crianças. Junto às árvores, há uma casinha de plástico, gangorras, banquinhos de madeira e pneus pintados e enterrados, formando circuitos em que as crianças podem explorar os movimentos de diversas formas. Figura 3 - Área externa em que a CP promove reuniões com os pais.

Fonte: Arquivos da pesquisa

A estrutura física interna do CEI corresponde a um galpão que abriga, originalmente, quatro salas de referência para as crianças, uma brinquedoteca, cozinha, espaço de circulação, refeitório, banheiros feminino e masculino para funcionários, banheiro para as crianças, sala da coordenação, depósito de alimentos, depósito de materiais, almoxarifado, despensa da cozinha e lavanderia. Tem área construída de 375,31 m² em um terreno de 1880,00 m². O CEI possui uma ampla área externa. O Sr. Carlos auxilia na limpeza porque a instituição dispõe de apenas mais uma funcionária terceirizada, contratada para serviços gerais. Completam o quadro de funcionários uma cozinheira e uma auxiliar de cozinha. Com uma quantidade insuficiente de funcionários a CP, busca alternativas para suprir as necessidades do CEI e garantir o seu funcionamento diário. Por esta razão, se responsabiliza pela entrada na instituição, no período de sete às 8:30 horas da manhã. Enquanto recebe as famílias e as crianças, Sr. Carlos auxilia na limpeza do CEI. Diariamente, Marta recebe as famílias com bastante simpatia. É comum que alguns pais usem a oportunidade para pedir informações, narrar fatos sobre as crianças e até mesmo oferecer sugestões e ajuda. Em entrevista, a CP afirma: “eu gosto de abrir o portão, eu fico na recepção dando ‘bom dia’ aos pai.,Eu adoro dar bom dia aos pais ali na frente, eu acho que ele se sente bem ali. É uma forma que eu tenho de acolher os pais.” 94

A CP escuta-os com cuidado, cumprimenta as crianças e por vezes, a depender do assunto a ser esclarecido, solicita que os pais aguardem até que o tempo de chegada termine para oferecer-lhes um atendimento personalizado na sala da coordenação. Caso o assunto seja urgente, ou o responsável pela criança esteja a caminho do trabalho, a CP solicita ajuda de uma professora que esteja em horário de planejamento para continuar a recepção das famílias e das crianças enquanto atende uma família em específico. A sala da coordenação possui uma área de 17, 20 m². A CP divide este espaço com o material de secretaria e materiais para o planejamento das professoras, além dos móveis e equipamentos próprios da coordenação (armários tipo arquivo, estantes altas de ferro, armários grandes com portas).

Figura 5- sala da coordenação: mesas para as professoras planejarem

Fonte: Arquivos da pesquisa

A sala transmite uma sensação de aperto devido a quantidade de materiais ali presentes, além da pouca ventilação e iluminação.

Ao entrar pela porta, é possível visualizar ao lado direito um birô com duas cadeiras e um ventilador de parede. Na parede seguinte, duas prateleiras com pastas, revistas, livros e materiais pedagógicos diversos estão organizados para o uso das professoras e da CP. Um armário com portas fechadas guarda materiais escolares tais como cola, tinta, papel, cartolinas etc. e uma porta que dá acesso à despensa maior. Na parede de frente para a porta da coordenação encontra-se a mesa de trabalho da coordenadora com sua cadeira e cadeira do visitante. Sobre este há um notebook, uma impressora, e materiais como canetas, lápis grampeadores e borrachas. Os equipamentos 95

eletrônicos estão ligados por uma extensão que vai até a parede seguinte onde há uma tomada. Muitos fios percorrem este caminho. Ao lado da banca da CP estão dois armários do tipo arquivo que organizam as pastas escolares das crianças, os dados dos funcionários e das famílias dentre outros documentos. Encostados à mesa da CP dispõe-se duas escrivaninhas e duas cadeiras, totalizando quatro bancas de trabalho na sala da coordenação. Figura 6- Sala da coordenação: Materiais para as professoras e porta de acesso ao depósito de alimentos.

Fonte: Arquivos da pesquisa

A sala da CP é um espaço de muito movimento. É a ela que as manipuladoras de alimentos recorrem para buscar mantimentos, as professoras e assistentes buscam materiais e solicitam cópias de documentos. É o local em que acontece o planejamento semanal das professoras, reuniões com número pequeno de pessoas, matrícula, transferência e encaminhamento de crianças, conversas informais com funcionários, crianças e comunidade. Não é um espaço de privacidade, concentração. Percebo que para a CP se caracteriza mais como uma sala de apoio. Figura 7- As crianças também frequentam a sala da coordenação.

Fonte: Arquivos da pesquisa

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Ao apresentar a sala da coordenação, a CP afirma: “Quando vou fazer reuniões com os pais, vou ao espaço do parque e faço um círculo com cadeiras abaixo das mangueiras. Lá é um lugar tranquilo e ventilado.” (Notas do Diário de Campo, sessão 1). Esta afirmação apresenta um paradoxo, a sala da coordenação, espaço destinado ao trabalho da CP, é menos propícia para a efetivação de reuniões privadas do que o espaço do parque, marcado em muitas instituições, como lugar de brincadeira, movimento e do barulho efervescente das crianças em meio às suas interações, descobertas e alegria. Às terças e sextas, a CP promove uma acolhida coletiva para as crianças: ela própria planeja o espaço, música, brincadeiras e interage com todas as turmas. Após o atendimento às famílias, a CP deve, até as oito e trinta da manhã, repassar ao distrito a quantidade de crianças presentes no CEI e a quantidades das crianças que faltaram, junto às devidas justificativas. Este é um momento significativamente importante para a CP. Todos os dias ela cumpre esta função. “Se eu não colocar no sistema até as oito e trinta da manhã todos os dias, já recebo uma mensagem no zap me cobrando. Não gosto de ser cobrada por besteira. Então faço logo.” (Diário de Campo). Caso uma criança falte por três vezes seguidas sem justificativa, a CP tem a responsabilidade de iniciar um protocolo da SME chamado “Busca Ativa”. Nesse protocolo a CP deve tentar entrar em contato com a família por meio dos contatos informados ao CEI. Caso esta primeira tentativa falhe, deve tentar comunicação de várias formas, inclusive dirigindo-se à residência dessas crianças para a apuração da necessidade das faltas. Sobre esta questão a CP explica:

...eu faço infrequência, todos os dias eu passo de porta em porta perguntando quem veio hoje e quem não veio hoje e quando eu sento na minha sala que eu vou olhar turma por turma, eu vejo: “qual é a criança que tá faltando demais?”; “Ixi, essa criança já tá a 3 dias, eu vou ligar para ela.” Eu ligo imediatamente, eu tô ali sentada, fazendo a infrequência, eu já pego meu celular e ligo... E é do meu celular mesmo porque a escola não tem telefone. É do meu celular mesmo. Eu disponibilizo meu número de celular para todas as mães, talvez isso nem seja correto, certo? Porque o ideal era que realmente tivesse um telefone na instituição, tivesse um horário para falar só com os pais dentro da instituição. Eles me ligam muito também, eu atendo muito telefone de pai no dia a dia. Eles me informam se as crianças estão bem, se não estão, porque não estão vindo, isso é bom porque hoje a gente tem uma coisa chamada de BUSCA ATIVA, dentro do sistema de infrequência, que é dentro do SGE. É o BUSCA ATIVA em que você tem 4 opções em que você tem que falar da criança. A criança falta 3 dias, no primeiro dia eu tenho que informar: se eu fiz alguma ligação ou não, seu eu obtive êxito ou não. Se eu 97

não obtive êxito, eu vou para o segundo ponto, eu tenho que mandar um recado seja pelo vizinho, seja por quem for, eu tenho que mandar um recado para essa família. Não obtive êxito, eu tenho que ir até a cada dessa família, olhar o endereço e ir até lá. Se eu não tiver êxito, eu mando um relatório para o Conselho Tutelar, aí parte para eles. Então, são 4 etapas, certo? Se eu obtiver êxito no meio do caminho, ótimo, a criança retorna, como sempre a gente justifica e faz... (MARTA, ENTREVISTA COM A CP)

É também no início da manhã que a CP organiza junto com as funcionárias da cozinha os alimentos que serão necessários para aquele dia ou semana. Esta organização se dá no Depósito de Alimentos, anexo à sala da coordenação, em que é permitido a entrada apenas da CP e de pessoas por ela acompanhadas. Ao tempo em que separa e organiza os alimentos, a CP preenche fichas de prateleira, confere datas de vencimento, limpeza e déficit de mantimentos. Para todas estas observações há documentos e planilhas a serem preenchidos e enviados para o setor de nutrição do distrito de educação. Marta exemplifica momentos dessa rotina:

Diariamente, eu tô dentro do depósito de alimentos, olhando se tá... Eu tenho que ter essa percepção, se vai faltar arroz, se não vai faltar, se tem frango na geladeira, se não tem, se veio bat-gut no lugar do suco, qual a criança que não pode tomar bat-gut, qual a que toma, qual a que eu posso substituir pelo suco, são inúmeras coisas do dia a dia que as vezes a gente nem vê que fez e tá fazendo o tempo inteiro, entendeu? Passei na cozinha: Fulano, tu tem que ir lá no depósito de alimentos ver se tem gorgulho no arroz, são coisas desse tipo mesmo, entendeu? E ela sinaliza para mim: Tá faltando óleo. Tem que sinalizar para a nutricionista: Ó, não tem óleo. O que é que a gente vai fazer? Esse contato direto com a nutricionista também, no decorrer da semana, entendeu? (MARTA, entrevista com a CP)

Às nove horas da manhã, quando é possível, a CP busca sentar-se ao refeitório das crianças (área de 19, 72 m²) localizado em frente à sala da coordenação para tomar um café junto às professoras e/ou assistentes. Neste momento aproveita a ocasião para estreitar laços com as docentes bem como para auxiliá-las no que for possível.

No refeitório, mesas e cadeiras quadradas, antigas e enferrujadas estão organizadas em um pequeno espaço destinado aos momentos de refeição das crianças e dos funcionários do CEI, crianças, professoras e assistentes se revezam na utilização do refeitório. Neste momento aproveita a ocasião para estreitar laços com as docentes bem como para auxiliá-las no que for possível, esclarece dúvidas, apresenta informações sobre as crianças, sobre o funcionamento do CEI ou sobre assuntos de ordem burocrática. 98

É no refeitório que Marta também executa mais uma de suas atividades: acompanhar a alimentação das crianças e garantir a ingestão de um poli vitamínico entregue às creches por um programa em parceria da Secretaria de Saúde e da Secretaria da Educação do município, o NUTRISUS. A este respeito a CP explica:

Eu tenho acompanhamento diário do NUTRISUS, são as crianças do infantil 1 e 2, que tomam uma vitamina dentro da escola, que na minha concepção quem tinha que dar essa vitamina era a mãe em casa, não era na escola. Ou o posto de saúde realizar esse acompanhamento e não a escola, certo... Porque isso prejudica até na alimentação dos meus alunos, quando eu tô fazendo a alimentação dessa criança, a criança não quer comer porque ela já sabe que eu vou botar o pozinho. Muitas das vezes, ela nem vê, nem sabe que foi botado pozinho, mas ela já pergunta: “Tá amargo, tia, hoje.” Por conta do NUTRISUS. Quantas crianças deixou de comer por conta do NUTRISUS, depois vai melhorando, vai se adaptando, né? (...)Eu gosto... Tem muita mãe que chega para mim e não para a professora, pergunta como é que está, se o filho comeu ou não, eu tô sempre, gosto muito de estar ali pelo refeitório, vendo quais são as crianças, se a comida tá sendo aceita ou não, peço a moça da cozinha, se tiver alguma coisa, a comida não está legal, não está boa, que ela faça uma reflexão e tente melhorar, né? Isso aí também é muito importante, qual é a comida que não foi bem aceita? (Marta, entrevista com a CP)

Quinze minutos após o lanche retorna à sala da coordenação para preencher os sistemas da SME. Os sistemas que a CP preenche diariamente são Sistema de Gestão Educacional - SGE (relacionado à frequência das crianças), o Sistema de Gestão de Pessoas - SGP (relacionado à frequência dos professores e funcionários do município).

Sempre que necessário introduz no SGE informações coletadas em uma ficha intitulada “Registro Único” em que são inseridas as informações de crianças de 1 a 3 anos e 11 meses que desejam matricular-se na instituição, mas que são impedidas por falta de vagas. A inserção dessas crianças no sistema organiza uma fila de espera em que é facultada à criança de maior vulnerabilidade o “direito” a matricular-se na instituição tão logo a vaga seja detectada. Os critérios de graus de vulnerabilidade são determinados pelo Município. Dentre eles constam renda familiar per capta, situação uno parental, beneficiários de programas do governo, pais que trabalham fora de casa, dentre outros. Essas estratégias utilizadas pelo município de Fortaleza ferem o direito de atendimento que os bebês e crianças bem pequenas possuem desde a Constituição Federal de 1988, conforme o artigo 208, inciso IV: “o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: (...) Educação Infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade”. (BRASIL, 1988). É comum observar que muitas 99

famílias chegam à instituição em uma postura de alguém que solicita um favor, muitas dessas famílias ainda não percebem que a oferta de vagas para todas as crianças é dever do Estado e que a ele deve ser exigido a observância da Lei. Outros sistemas também são acionados pela CP semanalmente. É o caso do Sistema de controle do Aedes aegypti – Foco no Foco. Nesse sistema a CP deve introduzir todas as ações realizadas durante a semana que tenham como objetivo a exterminação e prevenção de focos do mosquito da dengue nas dependências do CEI. Marta relata um pouco este momento de sua rotina:

Então, eu faço muito isso, quando eu paro ali na minha mesa para mexer em SGE, eu tô mexendo em infrequência, busca ativa, eu tô atualizando criança, eu tô botando criança que a mãe pedia para ir da tarde para manhã, da manhã para tarde, eu tô fazendo essas alterações, eu tô inserindo crianças no sistema o tempo inteiro porque no nosso dia a dia , o tempo inteiro chega mãe com pasta de aluno, eu não tenho vaga, eu tenho que inserir no RU, infantil 4 e 5 não tem RU, mas eu tenho que fazer o cadastro e inserir ali para o meu controle pessoal, entendeu? Então, eu faço muito isso, outra coisa que eu também faço, toda terça feira eu preencho um questionário sobre o combate ao mosquito da dengue, sempre faço isso. (MARTA, entrevista com a CP)

Vale ressaltar que durante o período em que se deu esta pesquisa, o CEI não dispunha de uma internet oferecida pelo município e por isto a CP e as professoras pagavam do próprio bolso por uma conexão. Ainda no período da manhã a CP tenta acompanhar o planejamento das professoras. Em ritmo acelerado, esclarece dúvidas, dá instruções e auxilia contribuindo com materiais disponíveis no CEI. Esse momento é marcado por muitas interferências. A cada pequena quantidade de minutos a CP tem sua ação interrompida por uma demanda urgente e inadiável. Atende famílias, pessoas da comunidade, faz cópias de documentos, recebe ligações da SME, Distrito, da Diretora. É comum que as crianças também a busquem. Chamam-na pelo nome e são carinhosas. Por vezes entram na sala da coordenação apenas para satisfazer uma curiosidade. Cabe também à CP todo o preenchimento de documentos relacionados à secretaria do CEI. Estes documentos vão desde matrícula à transferência de crianças, bem como os mais diversos relacionados às professoras, funcionários, à própria instituição, patrimônio, nutrição etc. Há uma grande parte de sua rotina diária em que a interação e preenchimento desses documentos se faz necessária. Outra ação recorrente na rotina da CP é o cuidado e organização dos espaços do CEI. Ela não dispõe de um dia específico para organização desses espaços, o 100

que se pode perceber é que mediante as necessidades esses lugares são ressignificados e reorganizados. A parte interna do CEI, conta com um pátio (área de circulação) que liga as salas de referência. Todas as salas são divididas por paredes baixas (de em média 1,5 m²). Há ainda, como pode ser observado na planta, uma cozinha com uma pequena despensa, um pequeno almoxarifado, um depósito para materiais inservíveis e outros. O CEI possui cinco salas de referência em que funcionam oito turmas. As turmas de infantil I (bebês de 9 meses a 1 ano e 11 meses) e II (crianças bem pequenas de 1 ano e 9 meses a 2 anos e 11 meses) funcionam em período integral e estão sob a gestão de uma professora com maior carga horária (14h) e uma professora de menor carga horária (6h) e de uma assistente educacional, A sala em que funciona a turma do infantil I foi adaptada a partir do espaço da Brinquedoteca para a ampliação de vagas para as crianças da comunidade. Esta sala é a menor da instituição e abriga 12 crianças em uma área de 19,38 m², o que oferece, por bebê 1,61 m² de área, enquanto as outras salas com a capacidade máxima de 20 crianças oferecem uma área total de 30,42 m². Se uma delas fosse organizada para uma turma de bebês, proporcionaria uma área média de 1,90 m², quase dois metros por criança. Sabemos que os bebês fazem uso do próprio corpo para interagir com o mundo a sua volta, isto implica na necessidade de espaço para os movimentos amplos e para uma segura disposição de móveis que previnam possíveis acidentes. O que se percebe neste CEI, ao contrário, é uma disputa de espaço entre o mobiliário e os bebês. As professoras constantemente retiram móveis e/ou materiais da sala (como os colchonetes) para organizações que favoreçam experiências diversas aos bebês. Figura 8- Sala Infantil I

Fonte: Arquivos da pesquisa

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Nesta pequena sala da turma do Infantil I – A, podem ser encontrados doze colchonetes para o descanso dos bebês empilhados no canto direito da sala. Uma mesinha em precário estado de conservação (revestimento em madeira despregando e tampo se desfazendo), doze cadeiras pequenas, antigas e com ferrugem, há também um ventilador de parede, um armário com portas de ferro, uma estante de três prateleiras de ferro com alguns brinquedos, cadernos com targetas que identificam os bebês pelo nome, livros dispostos ao alcance dos bebês. Na parte mais alta da estante há dois gaveteiros de plástico para guardar os pertences pessoais, como lençóis e capas para os colchonetes. Em todas as gavetas targetas com os nomes de cada bebê. Na parte superior das paredes das salas, onde não há cerâmica, os espaços são preenchidos por letras soltas do alfabeto confeccionadas de E.V.A (borracha de uso comum na decoração das salas tanto da educação infantil como do ensino fundamental), desenhos de personagens confeccionados do mesmo material das letras, abelhas sorridentes estão por toda parte, parecem ser o “tema” da decoração da sala. Há uma centopeia com laço de fita na cabeça e os numerais de 0 a 9 em cada círculo que compõe o corpo do animal. Na mesma parede, estão um painel de aniversariantes com várias abelhas que trazem nome e data do aniversário de cada bebê, um quadro de pregas com o título “meu nome é”, outro com “palavras mágicas”: “com licença”, ‘por favor”, “obrigada” etc. Na parede oposta e na mesma altura há um painel com calendário, quadro de observação do tempo, chamadinha com vasos e flores de EVA contendo o nome de cada bebê, e uma placa de “sejam bem-vindos”. Mais abaixo, preso por parafusos, um cordão com pegadores revestidos de EVA e identificados com o nome de cada bebê, estes têm como função “segurar tarefinhas”. Ao fundo da sala, ganchos fixados acima da altura dos bebês e identificados com placas com o nome de cada um organizam as mochilas. Sobre o uso das paredes dessa sala a CP explica que:

A cerâmica das paredes não permite que nenhum material seja fixado à altura das crianças. Em todas as salas pode-se ver a disposição da maioria dos cartazes na mesma altura. Explica também que a confecção desses materiais é feita pelas funcionárias no período de férias das professoras e das crianças (Notas do Diário de Campo).

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O espaço organizado para as crianças do infantil I se reproduz nas outras salas até o infantil V. O que se pode observar de significativa mudança é a presença de um quadro branco nas salas em que as crianças de turmas de pré-escola convivem. A presença marcante de letras e números, decoração estereotipada e espaços para “tarefinhas” define a organização de todas as salas do CEI.

Figura 9- Decoração da sala do infantil se repte nas demais.

Fonte: Arquivos da pesquisa

Este modelo de organização é aquele que vem sendo construído pelo adulto a partir de suas vivências anteriores. Vivências marcadas pela escola de ensino tradicional, a do autor anônimo (FORMOSINHO, 2007) que perdura mesmo frente a tantas Pedagogias nomeadas e de gramática própria. É ainda, uma espécie de extensão prévia da Escola de Ensino Fundamental a quem é ligada. Desde seus espaços pode se observar que a Pedagogia aí desenvolvida está mais propensa a perpetuar o que aprendeu com o ensino fundamental do que a ensinar novas gramáticas e novos fazeres com as crianças. Segundo Barbosa (2013):

As escolas infantis passaram a cada vez mais a abandonar seus saberes práticos e teóricos para aderir ao modelo oficial de escola, submetendo-se a regras que não lhe diziam respeito. Sem se dar conta de que poderiam contribuir para a reflexão sobre a educação do ensino fundamental a partir das suas próprias construções, a escola infantil se submeteu. Afinal, ela sempre foi colocada hierarquicamente em um lugar de subserviência e submissão com relação ao ensino fundamental, achando que, para se tornar escola, deveria imitar as práticas da escola. (p. 78). 103

Figura 10- Sala infantil II Figura 11- Sala infantil III

Fonte: Arquivos da pesquisa Fonte: Arquivos da pesquisa

As turmas dos Infantis III, IV e V, funcionam em período parcial. A turma do infantil III, conta com uma assistente educacional e duas professoras (uma de maior e outra de menor carga horária) nos moldes das turmas de infantil I e II. As turmas dos Infantis IV e V contam apenas com duas professoras, as de maior e menor carga horária. Por este motivo, algumas ações da CP são apressadas para que aconteçam no período em que as crianças estão no CEI. Desde uma simples confecção e entrega de comunicados a soluções para as práticas pedagógicas das professoras. Estas ações podem ser observadas quando Marta fala sobre o acompanhamento diário das professoras e das turmas em suas salas de referência:

E assim, aquele olhar, aquele olhar ali pelas salas, não é um olhar de avaliador, não é um olhar acusador, que vai olhar se o professor tá fazendo ou não o seu trabalho, porque você conhece a equipe tem e sabe o que é que tá sendo realizado ou não, muitas das vezes... Eu passo, eu olho, as crianças adoram me dar tchauzinho, é bem legal, entendeu? Quando dá certo eu entro dentro na sala de aula, se eu puder ajudar em alguma coisa, eu ajudo e também. (MARTA, entrevista com a CP)

Outra situação rotineira na função de Marta é a substituição de professores quando há a necessidade de falta. Mesmo que o CEI não disponha de um profissional que “cubra” as faltas de um determinado professor é ordem das instâncias superiores que a CP garanta o direito de permanência das crianças na instituição. Para atender a determinação é a própria CP quem assume a regência das turmas quando necessário. Segundo Marta: 104

Se o professor falta e eu não tenho nenhum outro profissional que substitua ele naquele momento, quem substitui sou eu, eu vou para a sala de aula, ficar... Tudo que é meu fica atrasado, é como se eu que tivesse faltado e na verdade, não fui eu que faltei, foi o professor, mas eu fui suprir a necessidade da criança naquele momento, é isso. (MARTA, entrevista com a CP)

Próximo às onze horas da manhã, Marta guarda seus pertences, organiza suas atividades que porventura ainda não tenha concluído e dirige-se ao portão para despedir-se das crianças do tempo parcial. Deste período em diante a CP segue para seu intervalo de almoço e retorna pontualmente às 13h. É comum que nesse tempo a CP também resolva questões de trabalho. Faz compras, para alguma atividade do período da tarde. Vai à Escola Patrimonial para resolver alguma questão de ordem prática, entregar ou receber materiais ou documentos por exemplo. Dia a dia a CP implica parte de seu tempo pessoal para conseguir lidar com as situações do cotidiano do CEI. Em nota no Diário de Campo essa realidade pode ser observada :

Enquanto organiza seus pertences, me informa que no período da tarde haverá a comemoração dos aniversariantes do mês. Em seu horário de almoço irá buscar o filho na escola em que estuda, almoçar rapidamente com ele e sairá em busca de bolo e lembrancinhas para os aniversariantes. Comunica que embora o CEI funcione em tempo integral, de 7h às 17h (10 horas consecutivas), ela não estará presente no horário de repouso das crianças (11h às 13h) pois é de sua responsabilidade familiar buscar seu filho na escola todos os dias. Saímos por volta de 11 horas e 15 minutos para o almoço. Sr. Carlos fica responsável pelo portão de entrada do CEI neste período. (DIÁRIO DE CAMPO, sessão 2)

Todas as tardes em que se encontra no CEI, a CP segue a rotina de recepcionar as famílias e crianças deste turno. Dá continuidade a sequência de ações do período da manhã: resolve algumas questões com algumas famílias, preenche matrículas ou lista de espera/ RU, coleta as infrequências das crianças, turma a turma, repassa as informações para o sistema, confere se tudo está organizado e segue na sala da coordenação. Na sala da coordenação envolve-se em mais atividades burocráticas e nos sistemas. Mantem-se a disposição das professoras e demais funcionários. Distribui materiais, tira cópias, passa e repassa informações. Entre uma ação e outra a CP 105

estabelece pequenos contatos com as professoras em planejamento na tentativa de auxiliá-las, colaborando com ideias e sugestões. Diariamente a CP é responsável por abrir o portão para o tempo de saída e despedir-se das crianças, famílias, professoras e funcionários. Isto acontece porque a jornada de trabalho do Sr. Carlos é de 8h., ele trabalha de seis horas da manhã às catorze horas da tarde. A partir deste horário as pessoas que trabalham no CEI e que estejam de alguma forma próximas ao portão recebem pessoas e encaminham à coordenação ou ao destino desejado. Todos os dias a CP confere todos os espaços do CEI e fecha o portão após a saída de todos. A jornada efetiva de trabalho da CP na instituição pode ser observada em uma média de nove a dez horas diárias. As reflexões mais aprofundadas acerca do trabalho da coordenadora pedagógica serão apresentadas nos capítulos seguintes. Neles serão destacadas as condições em que a CP realiza seu trabalho, os desafios impostos e as possibilidades, além da percepção das professoras e dela própria sobre a função que desempenha. 106

7. O TRABALHO DA CP NO CEI PESQUISADO: FRENTES DE ATUAÇÃO

Este capítulo objetiva caracterizar e refletir sobre o trabalho da coordenação pedagógica no CEI Hanna Evelyn Andrade. Portanto, apresenta, descreve e dialoga sobre as ações presentes na rotina da CP. São fontes para esta análise as observações registradas no diário de campo, documentos cedidos pela escola e/ou publicados pela SME.

As observações realizadas no cotidiano do CEI quanto aos fazeres cotidianos da coordenadora pedagógica possibilitou elencar e organizar em grupos as ações e atribuições presentes na rotina profissional de Marta. Estas ações caracterizam seu trabalho na Instituição e são objetos de análise neste capítulo. São elas: 1. Organização funcionários e espaços do CEI; 2. Organização, distribuição, racionamento e providência de materiais e alimentos para o CEI; 3. Interação com as famílias; 4. Interação com as crianças; 5. Interação com o núcleo gestor; 6. Interação com as instâncias superiores: Distrito de Educação e SME; 7. Elaboração de documentos e alimentação de sistemas; 8. Formação e Planejamento de Ações Institucionais. 9. Interação com as professoras e assistentes.

De acordo com o apresentado anteriormente, a coordenação pedagógica é “uma função da gestão educacional que tem o papel de mediação e articulação coletiva dos projetos e práticas educativas realizadas em escolas e CMEIs26” (ALVES, 2007, p.258), e por esta razão há nesta organização das tarefas realizadas pela CP ênfase nas relações e interações desta com as pessoas, materiais, instâncias e planejamento para o funcionamento do CEI e a garantia dos direitos das crianças.

7.1 Organização dos Funcionários e Espaços do CEI A organização dos espaços e a garantia de pessoas que atuem sobre ele para o bem-estar e desenvolvimento das práticas pedagógicas mostrou-se uma preocupação basilar nas ações da CP.

26 Centros Municipais de Educação Infantil. 107

Desde a primeira sessão de observação a presença desta preocupação pode ser captada. De acordo com as notas no Diário de Campo:

Cheguei ao CEI às 9h da manhã conforme o combinado com a CP por telefone. Fui recebida pelo monitor de acesso que cuidava do jardim, enfeitando-o com garrafas ao limitar o espaço das plantas. (...) A CP informa que trabalhava no inventário do CEI, fazendo o tombamento dos materiais da instituição, conferindo se está tudo em uso e encaminhando os “inservíveis” para que sejam recolhidos. (DIÁRIO DE CAMPO, Sessão 1)

Os materiais “inservíveis” a que se refere, são materiais que fazem parte do inventário da escola e por conseguinte constituem patrimônio público. Recebem a nomenclatura de inservíveis ao passo que se desgastam, quebram ou que não oferecem mais utilidade à instituição. Estes materiais devem ser recolhidos pela SME que definirá o destino de acordo com a situação.

Como estes materiais geram um volume grande e ocupam o pouco espaço do CEI, Marta preocupa-se em devolvê-los o mais rápido possível para garantir o aspecto limpo e organizado da instituição.

Além desta observação, chama a atenção a beleza e decoração do jardim da instituição que só pode ser apreciada em virtude de uma ação cuidadosa da CP que organiza tanto meios, embora reciclados como é o caso das garrafas pet, como orienta e organiza pessoas para a realização desta tarefa. Como foi apresentado no capítulo anterior, o CEI não dispõe de profissionais suficientes para o seu pleno funcionamento. Uma atitude como esta evidencia a capacidade de articulação da CP para alcançar determinados objetivos. De acordo com Staccioli (2013): “Nada nos é dado sem esforço. Para proporcionar um ambiente respeitoso (aos adultos e às crianças), é necessário prever, projetar, organizar, realizar, manter e renovar...” (p.5).

Além das ações no Jardim também puderam ser captadas as seguintes ações:

Todos os espaços do CEI estavam em manutenção pelo Sr. Carlos, monitor de acesso. Ele, ajudava na limpeza dos ventiladores, pintava as paredes do CEI e auxiliava na limpeza de forma geral, além de fazer pequenos reparos em portas, vasos sanitários, encanamentos etc. (...). Em uma conversa com a CP fui informada que o monitor de acesso trabalha, além da portaria, na limpeza, no cuidado com o jardim e horta e toda a área externa. Além disso faz pequenas reformas no CEI, como pintar paredes e outros reparos menores. Está sempre disponível para as necessidades e emergências do CEI, como a instituição possui poucos funcionários a falta de um desestabiliza todo o funcionamento. Sr. Carlos é um “coringa”. Contudo 108

para conquistar essa colaboração do funcionário a CP negociou horários que facilitassem a permanência do Sr. Carlos. Ele mora em um bairro muito distante do CEI e poderia ter se lotado em uma instituição mais próxima a sua casa, por este motivo Sr. Carlos chega às 6h da manhã, faz horário corrido (sem pausa para almoço) e despede-se às 14h.

A falta de pessoas para a execução de tarefas diversas e necessárias no ambiente do CEI, leva a coordenadora a buscar soluções dentro das possibilidades a ela conferidas pelo governo. Estas soluções, no entanto, não revelam apenas a habilidade para solução de problemas da gestora. Revelam, mais uma vez, a condição de descaso em que a educação dos bebês e crianças bem pequenas se dá, por parte dos órgãos competentes. A fim de diminuir gastos, a prefeitura do município de Fortaleza tem submetido grande parte dos profissionais da educação, especialmente no contexto do CEI pesquisado, a condições insalubres de trabalho. É, por consequência, uma clara desconsideração ao documento oficial Critérios para um atendimento em creches que respeite os direitos fundamentais das crianças (BRASIL, 2009), dentre outros documentos de igual relevância. Dada a desconsideração à diretriz supracitada é evidente a negação a muitos dos direitos das crianças. Segundo os Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil (BRASIL, 2006, p.18), é cabe aos municípios “responsabilizar-se pela qualidade do atendimento nas instituições de Educação Infantil em âmbito municipal” (grifo meu). Este documento determina ainda que a organização, planejamento e execução de ações para a garantia da qualidade nas instituições de educação na primeira infância devem estar em consonância com as legislações estadual e federal vigentes. De acordo com as Diretrizes Pedagógicas para a Educação Infantil de Fortaleza (FORTALEZA, 2018, p.8) cabe ao coordenador pedagógico: “promover a saúde e o bem-estar das crianças, atendendo suas necessidades físicas, emocionais, intelectuais, comportamentais em colaboração com todos os profissionais da educação infantil da unidade escolar”. Os dados da pesquisa revelam que essa determinação é observada pela CP e que embora nestas mesmas diretrizes não exista ações específicas em relação aos espaços físicos e ambientação da instituição, estas têm sido uma preocupação constante na rotina da coordenadora. As ações da CP em relação aos espaços do CEI podem, portanto, ser definidas a partir de algumas circunstâncias: seu objetivo e preocupação pessoal e 109

profissional com o bem estar das pessoas no ambiente, suas crenças pedagógicas, sua formação (inicial e contínua), determinações superiores (de governo, gestão, etc.), das formas em que os funcionários, professores, crianças e famílias fazem uso destes espaços. Em nota no Diário de Campo:

Segundo a CP, a organização estrutural inicial do CEI foi se transformando conforme as novas normas do governo vigente, bem como às necessidades das crianças e demais pessoas que atuam neste espaço. Exemplo disso, é a transformação da brinquedoteca em sala para atendimento das crianças do infantil 1. (DIÁRIO DE CAMPO, sessão 1)

A exemplo do que foi apresentado no capítulo anterior no que tange à organização das salas de referência no CEI Hanna Evelyn Andrade a intervenção dos Distritos de Educação resultou na transformação da Brinquedoteca do CEI em uma sala de referência que na ocasião da pesquisa recebia o agrupamento de crianças entre 9 meses e 1 ano e 11 meses. Esta não é, portanto, uma necessidade das crianças no que se refere a um espaço de qualidade para interação e convivência, é, antes, resultado de estratégias governamentais para ampliação da oferta de vagas no município que não atribua grandes impactos aos cofres públicos.

Por outro lado, através de ofícios e contatos com o Distrito de Educação e SME, a CP busca solução para situações críticas relativas aos espaços da instituição. É o caso da acessibilidade do CEI.

Na ocasião da pesquisa havia sete crianças com deficiência matriculadas na instituição. Dentre elas uma criança cadeirante de quatro anos. O acesso mais rápido ao parque se dava pela lateral do refeitório. Era, originalmente, composto por uma escada de degraus muito altos, a antiga coordenadora da instituição havia investido em uma ação paliativa e construído com recursos próprios uma rampa improvisada. Esta rampa, no entanto, mostrou-se ineficaz por ser muito íngreme. Desde que assumiu a coordenação do CEI, Marta buscava junto aos órgãos competentes a construção de uma rampa adequada a esta e outras crianças do CEI. Durante as 16 sessões desta pesquisa o pedido ainda não havia sido respondido. Meses após minha convivência com as pessoas do CEI recebi a informação que finalmente a solicitação fora atendida e que agora as crianças, todas elas, podem acessar o parque mais facilmente. 110

Cruz (2000, p. 27) defende que todas as crianças precisam e merecem ser atendidas em instituições que sejam seguras, com espaços amplos e que propiciem contato com a natureza, que sejam aconchegantes, alegres e estimulantes. A pesquisadora destaca ainda que essas instituições, devem ser bem equipadas, “inclusive com brinquedos adequados, variados e em quantidade suficiente. Além de oferecer uma boa alimentação. É a partir deste olhar que a seção seguinte foi construída.

7.2 Organização, distribuição, racionamento e providência de materiais e alimentos para o CEI Diariamente Marta ocupa-se com essa atividade. A sala da coordenação, que também é o espaço de planejamento das professoras é continuamente requerida para solicitação de materiais das mais diversas ordens além de mantimentos para a cozinha. Geograficamente, a coordenação é localizada entre o Almoxarifado e a Cozinha. É também na sala da coordenadora que se encontra o depósito de alimentos, como já apresentado no capítulo anterior. O pouco espaço nas salas de referência e a escassez de materiais pedagógicos consumíveis (papel, tinta, fita gomada etc.) impõem que a sala da coordenação seja o espaço “ideal” para a guarda, distribuição, racionamento e provimento desses recursos.

No cotidiano, essa realidade marca algumas situações. É o caso da situação que será descrita baixo, durante um importante momento de planejamento com a professora Eliane, a CP foi interrompida várias vezes por pessoas (professores e demais funcionários) que solicitavam materiais.

Ao tentar dar continuidade ao assunto, é interrompida para atender a solicitação de fita gomada. Como os materiais do CEI são escassos a CP se vê no dever de guardar e racionalizar esses materiais para que todos tenham acesso conforme a necessidade. A CP entrega a fita a professora e tenta retomar com a professora do infantil III A. Outra professora entra na sala em busca de materiais. CP seguem sem se importar com o barulho e o movimento na sala. (DIÁRIO DE CAMPO, Sessão 2)

No trecho exposto torna-se evidente o que outras pesquisas já mencionadas neste trabalho (MENDES,2013; LIMA,2014; PEREIRA,2014; TEIXEIRA,2015; FERNANDES,2016; BERTOCHI,2016; BORGES,2016; SANTOS,2017) apontam: os coordenadores acabam realizando atividades que lhe são impostas e que poderiam ser 111

feitas por outros profissionais da instituição. A situação deste CEI, em específico, se agrava pela inexistência de pessoas para a partilha de mínimas tarefas sem que sobrecarregue outros profissionais. Deste modo o que poderia ser uma simples ajuda na instituição passa a ser uma preocupante transferência de responsabilidades. Existe, portanto, um conflito de funções que compromete o envolvimento da CP ao que se refere às suas ações especificamente pedagógicas. A mesma situação é destacada em relação aos alimentos da instituição. Existe um sistema municipal de provimento e entrega de mantimentos para os CEI e Escolas da rede de ensino. Essas entregas ocorrem mensalmente, semanalmente ou quinzenalmente conforme a vulnerabilidade dos alimentos. Caso a instituição perceba a necessidade de alguns desses alimentos, deve solicitar ao setor de Alimentação escolar dos Distritos de Educação para que a demanda seja suprida. Segundo as Diretrizes pedagógicas municipais outrora citada, cabe a coordenadora pedagógica: “acompanhar a alimentação escolar na instituição (cardápio escolar, controle e organização de estoque, preparo dos alimentos, higiene e limpeza) (FORTALEZA, 2018, p.7). Algumas ações da CP neste sentido, recebem destaque nos trechos abaixo:

A CP recebe a equipe de fornecimento de alimentos, eles trazem algumas frutas para a alimentação das crianças nos primeiros dias de volta ao CEI. A CP comemora muito este recebimento pois poderá realizar a atividade de “espetinhos de frutas” ou “churrasco de frutas” como havia se programado no planejamento. Assina a guia de recebimento da fornecedora e segue para a cozinha para orientar as manipuladoras de alimentos em relação a atividade. (DIÁRIO DE CAMPO, sessão 2).

9:00 – A CP para 20 min. para lanchar. Durante o lanche, confere em seu celular a solicitação de alimentos feita pelo grupo de WhatsApp da alimentação escolar com os CP dos CEI de todo o distrito. A CP percebe que nenhum CEI havia recebido alimentos até aquele horário. 9:20 – Marta orienta os profissionais da cozinha sobre o que é possível fazer com os alimentos que tem. (DIÁRIO DE CAMPO, sessão 4).

Junto à preocupação em providenciar a alimentação necessária para que o cardápio escolar seja cumprido como determinam as diretrizes municipais antes mencionadas, a CP tem, ainda, que lidar com a demora e/ou escassez de produtos para entrega. Ao receber os alimentos, mesmo em quantidade menor que a esperada a CP comemora. O que denota que lidar com a escassez é uma constante no trabalho da CP. Vale ressaltar que em companhia com o abastecimento da dispensa da instituição vêm uma série de documentos e planilhas a serem observadas, preenchidas e 112

acompanhadas por Marta. Isto se traduz, na prática, a mais tempo designado a um trabalho burocrático em detrimento das ações pedagógicas.

7.3 Interação com as famílias; O trabalho com as famílias por parte da coordenação pode ser percebido nos registros do Diário de Campo nos seguintes momentos: Recepção das famílias e crianças, no momento da matrícula, reuniões pessoais e específicas, rápidas conversas ao telefone, no pátio ou na sala da coordenação.

Embora as Diretrizes Pedagógicas para a Educação Infantil de Fortaleza (FORTALEZA, 2018, p.8) determinam que é dever da coordenação pedagógica “promover ações (reuniões, encontros, visitas) para fortalecer a participação das famílias na instituição”, durante as dezesseis sessões de observação não foram registradas reuniões coletivas de pais, embora por algumas vezes a CP tenha verbalizado que acontecem.

Alguns dos registros destacados abaixo exemplificam como se dá essa interação:

7:00 - A CP já estava à porta. Ela mesmo abriu o portão e recebia as crianças e famílias. Conversa com alguns pais rapidamente. 10:51 – recebe uma mãe e comunica que seu filho acaba de evacuar. Conversa com a mãe reservadamente. (DIÁRIO DE CAMPO, sessão 3) 13:30 - Responde alguns pais pelo app de mensagem. 16:35 - relata alguns desconfortos entre as famílias e a assistente do infantil III. Diz: “sempre saio em defesa do professor sem deixar de atender a família”. Entra em contato com os pais, por mensagem, para arrecadar os alimentos necessários para a festa dos aniversariantes do mês. “Eles adoram! Quando é dia dos aniversariantes do mês eles já sabem por que eu já boto para tocar os parabéns da na entrada.” 16:41 – Segue para o portão para receber as famílias. Conversa rapidamente na porta de entrada tirando dúvidas de alguns pais. Demonstra conhecer as famílias e essas se mostram bastante receptivas. (DIÁRIO DE CAMPO, sessão 4)

Estes são alguns dos momentos em que a interação com os pais se faz presente na rotina da CP do CEI pesquisado. Estes momentos de interação, que na maioria das vezes visam elucidar dúvidas, colaborar na atenção às crianças, receber as famílias e contribuir para um clima amistoso entre todos, além de contar com a colaboração dos pais na parceria do cuidado com as crianças e na contribuição de 113

materiais ou suprimentos que não sejam previstos no orçamento da instituição, são curtos e estanques, embora estejam presentes em todo o dia de trabalho da CP. Além destas situações, apresenta-se questões de relacionamento entre profissionais da instituição e famílias. Neste sentido, Marta entra como mediadora de conflitos com o objetivo de manter a harmonia, o respeito e a boa qualidade das relações. Estas medidas pontuais e por vezes aligeiradas têm sua significância e em parte atende aos documentos oficiais (BRASIL, 2006, 2009) no que se refere a manter as famílias informadas e na busca por parcerias nas situações do cotidiano da instituição. No entanto, não pode deixar de ser observado, que essa participação não pode limitar-se a contribuições materiais e/ou de simples informações sobre as crianças. A participação num sentido mais qualitativo pressupõe escuta sensível e atenta. Esta escuta não pode se dá em momentos curtos e envoltos em muitas preocupações, sem espaços ou condições específicas para que aconteçam. De acordo com Barbosa (2009):

Como qualquer contato entre pessoas e grupos sociais, a relação escola- família não pode ser unidirecional. A escola e os profissionais que nela atuam necessitam regular seu relacionamento com as famílias como uma via de mão dupla, pautada na dialogia, o que significa enfatizar a possibilidade de estabelecer conversas e trocas que somente acontecem se há escuta e respeito ao ponto de vista do outro, se há diálogo mediado pela ética.(p. 34)

A Lei de Diretrizes e Bases da educação Nacional (LDBEN – Lei 9394/96) caracteriza pela primeira vez a relação do vínculo creche-família e amplia o papel da creche em relação ao desenvolvimento infantil (ARAÚJO, GAMA e SILVA, 2013). Segundo a referida Lei a creche, como estabelecimento de educação infantil, tem o compromisso de relacionar-se com as famílias, instituindo um processo de integração da sociedade com a escola. Fillippini (1999, p 126) argumenta que “a continuidade educacional entre a escola e a família é um processo dialético, baseado em falar e ouvir”. Um momento valioso para ouvir e considerar o que as famílias têm a dizer e contribuir substancialmente para a constituição identitária da instituição ocorre durante a elaboração e reelaboração da proposta pedagógica do CEI. Uma análise deste documento, no entanto, não aponta em nenhum momento a participação das famílias e suas contribuições. 114

Este é um aspecto muito importante ao passo que se mostra de igual forma preocupante. Sendo o coordenador pedagógico o principal articulador e responsável pela construção e implementação da proposta pedagógica no espaço educativo (VASCONCELLOS, 2008), a não participação das famílias e demais segmentos da comunidade escolar fere os princípios da gestão democrática e por conseguinte de uma Pedagogia Participativa (FORMOSINHO, 2002; OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2007, 2011, 2013). A interação da CP com as famílias demonstra uma nuance diferente no que diz respeito aos pais e responsáveis de crianças que apresentam alguma deficiência. Essas crianças são motivo de preocupação da CP, que busca acompanhá-las com muito cuidado. Um dos trechos do Diário de Campo apresenta um dos momentos em que a CP interage com a família de uma dessas crianças. Com a finalidade de resguardar a identidade dos envolvidos, a criança será chamada por iniciais de um nome fictício e a responsável será apresentada unicamente como “mãe”:

13:00 – Segue para a portaria para receber as crianças e famílias do tempo parcial da tarde. Não há músicas na caixa de som porque as crianças do tempo integral ainda dormem. 13:17 – recebe uma mãe e segue para a sala da coordenação. Mãe: Tive que sair do trabalho. Coisa pior que tem é você ir trabalhar e deixar seus filhos em casa! (lamenta). CP: É, o MF até para a gente dar alimentação é difícil... Se você tiver algum alimento em casa que ele goste... porque é uma nova adaptação para ele... Mãe: É, levei ao médico, recebi encaminhamento para o neurologista. Tem coisas que é só comigo mesmo. CP instrui a mãe sobre como contribuir com o CEI no período de acolhimento da criança. Depois me informa que a criança foi diagnosticada com autismo e que pediu à mãe que buscasse auxílio de outros profissionais. A CP fala de todas as características da criança o que indica que a conhece bem. Demonstra bastante cuidado com a alimentação da criança. Explica que ele precisa de uma pessoa para acompanhá-lo especialmente no ano seguinte quando estará no infantil IV e não contará mais com o auxílio de uma assistente. Com o laudo trazido pela mãe em mãos, a CP redige uma solicitação de uma pessoa (chamada de cuidadora) para o apoio na assistência dessa criança e encaminha ao Distrito. 13:28 – A mãe demonstra satisfação no diálogo com a CP e despede-se. (DIÁRIO DE CAMPO, Sessão 5).

A especificidade do trabalho na Educação Infantil, se dá especialmente, não só pela sabida potência dos bebês e crianças bem pequenas, como também pela objetiva vulnerabilidade e necessidade de atenção e cuidados nas tarefas que ainda não são capazes de realizar sozinhos. Este trabalho ganha proporção mais acentuada quando 115

uma dessas crianças é deficiente, que demanda daqueles que cuidam e educam dela uma postura ética e conhecimentos específicos para que suas ações pedagógicas contribuam para seu desenvolvimento integral.

O contato com as famílias, nesta situação, é ainda mais necessário. Marta estabeleceu estratégias para que mesmo em meio a muitas atribuições, não houvesse um distanciamento entre ela e essas famílias. A partir da crença de que em participação, pais e escola poderiam contribuir para o desenvolvimento dessas crianças, Marta afirma que o trabalho se dá seguinte maneira:

1. Inicialmente, com as observações da professora e da própria CP é construído um relatório em que são registrados os avanços, potencialidades, necessidades e dificuldades das crianças. No caso da criança em questão, as professoras observaram indícios/ características que sugerem autismo. 2. O segundo passo foi convidar a mãe da criança para uma roda de conversa junto com outras mães de crianças que já receberam o laudo médico e fazem tratamento. O objetivo é aproximar essas mães e estabelecer uma rede de trocas onde as mais experientes auxiliam as que estão nos primeiros passos no tratamento de seus filhos. Este momento é muito importante porque o tratamento para as diversas deficiências é raro e de difícil acesso às famílias mais carentes. As famílias que já conhecem onde os tratamentos são viabilizados e a melhor forma de conseguir atendimento, auxiliam as famílias que estão iniciando o processo. 3. Posteriormente a CP se reúne individualmente com cada família e acompanha o andamento, desde a conquista de um atendimento médico e depois o próprio tratamento. 4. Segundo a CP, mesmo com a indicação para que busquem um neuropediatra, nos casos de traços de autismo, as famílias procuram primeiro por um fonoaudiólogo na esperança que as crianças tenham apenas uma dificuldade com a fala. A CP afirma que mesmo assim incentiva as mães a não faltarem as sessões com o “fono”, pois com o andamento do tratamento é mais comum que se convençam a buscar o neuropediatra. É um processo de aceitação. O laudo da criança é importante para que as professoras compreendam suas necessidades e planejem as melhores estratégias para auxiliá-las em seu desenvolvimento, além de garantir a redução de crianças por turma para que a professora possa garantir os direitos de aprendizagem de cada criança. No caso do CEI no município de Fortaleza, é o laudo que justifica a presença de uma cuidadora na instituição. É comum que cada instituição, a partir da comprovação através de laudo médico, tenham uma pessoa no apoio a essas crianças, normalmente uma “cuidadora” por instituição. Mas a dura realidade do CEI desta pesquisa é que mesmo com laudos de diversas crianças (são 7 crianças, uma média de 1 por turma) o CEI não dispões de um profissional de apoio, nem mesmo um local para Atendimento Educacional Especializado (AEE). Segundo a CP ela “corre atrás” dos laudos especialmente das crianças dos infantis IV e V que segundo ela, é “quando o bicho pega!” (DIÁRIO DE CAMPO, Sessão 5)

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Há neste registro alguns tópicos a serem destacados. É interessante observar, como a coordenadora busca em uma rede de pais e responsáveis uma forma de ajudar muitas famílias e crianças ao passo em que cada integrante aprende conviver com as diferenças características não só desta instituição mais de toda uma sociedade. Nas palavras de Mader (1997, p.47) “inclusão é o termo que se encontrou para definir uma sociedade que considera todos os seus membros como cidadãos legítimos”. Neste sentido, é perceptível na ação da coordenadora a efetividade de sua função, que na visão de Oliveira (2015, p.22) é de articular, formar e mediar.

Contudo, outros aspectos da realidade se impõem e transformam uma ação consciente e necessária em uma atitude de “sobrevivência e autopreservação”. Merece destaque a ampliação da preocupação com os laudos das crianças deficientes das turmas de infantil IV e V. Essa preocupação multiplicada, acontece em virtude das avaliações a que essas turmas são submetidas e à consequente cobrança de resultados por parte dos Distrito de Educação à essa coordenadora. No capítulo 4 foi explanada como se dá essa cobrança e as ditas “metas” (ver anexos 1 e 2) para estas turmas. Há um movimento comum nas instituições do município de buscar o mais rápido possível, laudos médicos que justifiquem o motivo pelo qual as crianças não alcançaram as metas estabelecidas. Ao passo que essas crianças recebem o laudo médico, passam a ser chamadas de “laudadas” e não constam nos gráficos de verificação de uma fatídica “alfabetização na idade certa”. Nas palavras de Marta “é aí que o bicho pega!”.

7.4 Interação com as crianças Na rotina de Marta alguns momentos de interação com as crianças são constantes, mesmo que rápidos. É o caso da recepção diária a elas e às suas famílias como relatado anteriormente. Há nestes momentos uma postura de simpatia e afeto por parte da CP. Em resposta as crianças sorriem, tocam-na, fazem carinho. Algumas reclamam e outras pedem colo. Este momento de despedida de seus familiares é muito difícil para as crianças e a figura de um adulto afetuoso ajuda na construção de uma sensação de bem-estar. Duas vezes por semana a CP elabora uma “acolhida coletiva” para envolver- se com as crianças de uma forma mais direta e lúdica. Em uma dessas acolhidas, Marta proporciona às crianças brincadeiras populares como “corrida de saco”, as crianças 117

menores participam apenas do momento do “Bom dia” em que a CP coloca músicas na caixa de som e canta com todos. É neste dia o meu primeiro contato com as crianças:

Marta inicia a acolhida cantando músicas com auxílio da caixa de som e com um fervoroso “Bom dia!”. As crianças percebem a minha presença. Algumas delas olham para mim com curiosidade, outras respondem ao meu sorriso com outro sorriso, alguns bem tímidos. A todo momento a CP interage com as crianças e com os funcionários no pátio. O momento é de envolvimento e descontração de todos. Organiza as crianças para iniciar as brincadeiras, mas antes pede que eu me apresente. Me apresento como pesquisadora e peço a permissão deles para acompanhar a brincadeira. Com olhares curiosos dizem que posso ficar. Uma criança corre e me abraça. (DIÁRIO DE CAMPO, sessão 3).

Campos (2008), ao discorrer sobre pesquisa científica com crianças, ressalta que crianças menores sentem dificuldade em se expressar oralmente e que, neste caso, outras formas de expressão podem ser utilizadas. A percepção das crianças sobre a ação da coordenadora pedagógica não foi objeto de pesquisa neste trabalho, contudo, observar e acompanhar as ações da coordenadora nos diversos ambientes do CEI, significa também adentrar espaços infantis, em que relações são construídas, é dividir tempos e rotinas com uma parte muito importante da comunidade escolar: as crianças. Movida por um princípio ético o aceite de minha permanência na instituição por parte das crianças foi muito importante. Vale ressaltar que esse “aceite” era reforçado ou revogado de acordo com cada situação e que momentos em que as crianças demonstraram de alguma forma que eu não era bem-vinda, me retirei e as situações daquele instante em diante não puderam ser observadas e registradas. Em uma determinada ocasião (DIÁRIO DE CAMPO, sessão 8), em que um grupo de crianças lia histórias debaixo de uma mangueira, Marta se encaminhou ao agrupamento para conversar com a professora. Ao acompanhá-la uma das crianças me interrompeu e disse: “Você não! Você não é minha amiga!”, então, aguardei a CP no refeitório. Esta situação apresenta meu posicionamento ético no que se refere ao respeito e escuta à criança. Mas também revela como esta mesma criança vê a coordenadora. Em uma análise simples da lógica utilizada pelo pequeno, pode ser aferido que se minha entrada não foi permitida porque não sou sua “amiga” e a entrada da coordenadora foi, significa que Marta é considerada uma “amiga”. Na mesma linha de raciocínio desta criança, também se pode aventar que eu não sou amiga porque não sou conhecida, não estou presente na instituição diariamente, 118

ou porque não me relaciono com esta criança especificamente. Marta, no entanto, o recepciona todos os dias na entrada e despede-se na saída, conversa com sua professora, acompanha o momento do lanche, está presente. A experiência e postura de escuta ao que as crianças falam de diversas formas é nas palavras de Cruz (2008, p. 304) uma “oportunidade preciosa para saber o que as crianças pensam das instituições que frequentam”. Outro momento que marca o contato de Marta com as crianças no CEI é a substituição momentânea da professora ou assistente. Essas situações ocorrem quando a professora ou assistente precisa se ausentar rapidamente do contato com as crianças por diversos motivos. Como pode ser verificado nos trechos abaixo:

10: 24 – A CP assume a sala do infantil III para “olhar” as crianças enquanto a assistente tenta convencer JF a retornar para a sala. JF foi diagnosticado com um grau leve de autismo e “foge” constantemente da sala para o parquinho.

7:30 – Dirige-se para a área externa para organizar junto com a professora do infantil IV uma apresentação para todas as crianças do CEI. 7:45 – Fica em sala com as crianças para que a professora do infantil IV conclua os detalhes finais. Ela organizou uma apresentação junto com as crianças sobre o sítio do pica pau amarelo. Esta atividade está ligada ao projeto Baú Literário.

É perceptível que o objetivo desta interação com as crianças nestas ocasiões se dá unicamente por uma necessidade emergencial e para a garantia de que, estando acompanhadas por um adulto, não aconteçam acidentes ou outras “fugas” da sala. Uma clara atitude de contenção. Outra forma de interagir com as crianças está relacionada aos eventos e festividades da instituição. Mesmo nas menores ocasiões coletivas é a coordenadora que apresenta e organiza o tempo. Esta atividade é exemplificada no seguinte registro de observação:

7:50 – Segue para a área externa e inicia a acolhida do projeto “Baú Literário” interagindo com as crianças ao microfone. As crianças se mostram motivadas e participativas. É comum que respondam em uníssono perguntas como: “Vocês tomaram café? Estão fortes?”, afirmando que “SIMMM!!!”. Repassa o microfone para que a professora do infantil IV conduza a apresentação junto as suas crianças. Trata-se de uma interpretação através de gestos da música Sítio do pica-pau-amarelo. Em seguida é oferecido pedaços de goiabada e bananada para as crianças experimentarem. Durante a apresentação, organiza a disposição das crianças nos tapetes alocados na areia para assistirem a apresentação, faz registros fotográficos... Ajuda a servir a bananada e a goiabada. Sorrindo e interagindo com as crianças. 119

Retorna ao microfone para o encerramento do momento. Auxilia as professoras no regresso das crianças às suas salas convidando para que se retirem turma por turma para evitar aglomerações e possíveis acidentes. (DIÁRIO DE CAMPO, sessão 11)

Essa situação, semelhante às acolhidas coletivas realizadas duas vezes por semana pela CP, recebe destaque por se tratar de um momento relacionado à um momento de um “projeto pedagógico” planejado para toda a instituição junto com as professoras e as assistentes educacionais. O termo projeto pedagógico recebe aspas nesta situação devido à forma como emergiu (uma reunião entre os profissionais adultos da instituição) e não por meio de uma situação em que o grupo (adultos e crianças) se sentissem afetados tanto socioemocionalmente quanto cognitivamente. Não houve, anterior a este processo, uma documentação pedagógica que apontasse um problema real ou uma interrogação que estimulasse o engajamento de todos em um percurso científico para o aprofundamento de um tema. Barbosa e Horn (2008, p.41) esclarecem que o conhecimento acerca de uma questão” pode ser construído ao longo do projeto, junto com as crianças, por meio de pesquisas, estudos, discussões e assessoria de colegas”. Em um momento de formação e avaliação em que todas as professoras estão reunidas, professora Eliane (infantil III) convoca a reflexão sobre o que de fato se constitui um trabalho de projetos ao afirmar: “ Eu teria muito prazer que esse CEI trabalhasse o que vem das crianças. Vamos dar um salto além na Pedagogia de Projetos!”

É interessante perceber que embora a ideia de projeto pedagógico ainda esteja em processo de construção e reflexão tanto para a CP quanto para o grupo de professores, Marta investe uma parte significante de seu tempo para acompanhá-lo em suas etapas, e uma substancial parte desse acompanhamento se dá, embora de forma coletiva, junto às crianças.

7.5 Interação com o núcleo gestor; Marta integra o núcleo gestor da Escola Patrimonial como coordenadora pedagógica do CEI Hanna Evelyn Andrade como já mencionado no capítulo anterior. Embora seja a responsável por quase todas as situações que emergem no cotidiano do CEI, é à Diretora da Escola Patrimonial a quem Marta deve se dirigir e responder como chefe imediato. É também da diretora o poder da “palavra final”. Há entre a 120

coordenação do CEI e a Direção da Escola uma relação vertical e subserviente. Esta constatação pode ser observada a partir dos trechos que se segue:

A CP prossegue sua fala me instruindo a comparecer ao CEI no encontro pedagógico a partir das nove horas. Ela explica que entre 7 e 9 horas da manhã todo o grupo de professores estará em um encontro de acolhida junto à direção na escola patrimonial (também conhecida por E.M. – Escola Municipal). Para a CP permanecer sobre a regência da diretora no encontro pedagógico apenas uma parte da manhã se constitui uma vitória de sua gestão no CEI. Isso porque a diretora costumava agregar todos os professores na E.M. durante todo o tempo destinado ao encontro pedagógico impossibilitando a discussão de aspectos próprios ao CEI em detrimento aos assuntos, na maioria das vezes, específicos da E.M. que atende crianças dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Percebo na fala da CP uma preocupação muito forte com as ações da diretora, atitudes autoritárias são facilmente percebidas em seu discurso: “Ela não deixava a gente se reunir no CEI, e ficávamos lá ouvindo os professores do ensino fundamental, doidas pra vir para a creche. Por isso as professoras não reclamam de ir para lá por duas horas. Antes era pior.” As interferências ao trabalho da CP junto as professoras são percebidas desde sua esfera macro à micro (da secretaria, passando pelo distrito até os desejos da diretora), a CP se apresenta em uma situação de vulnerabilidade frente a essas. Seu poder de decisão se dá à base de muita negociação em que fica claro seu papel “menos potente”. Quanto à relação entre o distrito e a diretora da E.M. a CP afirma: “Eles já sabem que podem confiar em mim, não dou trabalho, não fico levando problemas, ela (a diretora) sabe que dou conta, ela é muito correta, há coisas que não negocia.” (DIÁRIO DE CAMPO, sessão 1)

A relação unilateral por parte da direção da escola é evidente no trecho destacado. É comum que no calendário escolar do município exista apenas um ou no máximo dois dias designados para um encontro pedagógico entre a gestão da instituição, professores e pais por semestre. É fácil constatar que o tempo estipulado se mostra insuficiente frente à multiplicidade e complexidade de relações, desejos e acontecimentos que envolvem o cotidiano de uma instituição de Educação Infantil. Um diálogo produtivo, em que todos os envolvidos no processo educativo dessas crianças sejam escutados e considerados, demanda tempo e processo. As situações estanques e distantes são por si só um indicador de baixa qualidade nas reflexões sobre o fazer pedagógico nos CEI.

É ainda mais preocupante constatar que boa parte deste momento era “roubado” dos principais agentes deste processo: os professores, para que estivessem presentes em reuniões de um corpo docente do qual não pertencem e que por isto não interessam e não contribuem para o seu fazer praxiológico. Esta atitude, minimamente, 121

inconsequente por parte da Diretora da escola patrimonial realça um dos maiores entraves ao que diz respeito à constituição de uma escola democrática e de boa qualidade. Nas palavras de Paro (2015):

A degradação se concretiza, fundamentalmente, porque o próprio modo de gerir o pedagógico, alijando os educadores escolares de sua liberdade de conceber, planejar e executar o ensino de forma orgânica e tecnicamente consistente impossibilita uma educação eficiente, pois tira da escola as condições adequadas de realizar o ensino de acordo com suas peculiaridades políticas e pedagógicas. (p.69).

É importante ressaltar que essa atitude de subserviência, marca o trabalho da coordenadora pedagógica junto à diretora da escola é repetida em sua relação com as outras instâncias como Distrito de Educação e SME. Ao relatar que “não dou trabalho, não fico levando problemas” Marta faz uma relação direta entre esta postura e sua capacidade de resolver sozinha os diversos desafios que se impõe ao CEI. Essa relação pode se estabelecer pela falta de conhecimento de que a qualidade da educação nas instituições de educação infantil não se dá apenas pela atuação da coordenadora pedagógica mas é fruto de políticas públicas bem definidas em parceria entre a Federação, Estado e municípios até cada contexto escolar e seus agentes (BRASIL, 2006).

Por outro lado, a conclusão de que sua atitude é a mais acertada, pode emergir do fato da instabilidade de seu cargo. Esta ideia pode ser percebida no seguinte trecho:

A CP me apresentou o planejamento para o trabalho coletivo das professoras dos meses de agosto e setembro. O planejamento fora elaborado para o mês de junho em conjunto com todas as professoras do CEI. A CP disse que ele estava sendo retomado naquele momento porque a diretora da EM27 o interrompeu para que fosse realizado no CEI uma feria cultural com o mesmo tema que a EM trabalhava com seus alunos: “AS NAÇÕES”. Disse que por conta dessa intervenção da diretora houve um forte descontentamento por parte das professoras e que uma chegou a chorar. Uma situação difícil para a coordenadora. “Mas é assim, se eu não fizer assim ela vai arranjar quem faça o que me recuso a fazer, então...” (DIÁRIO DE CAMPO, sessão 1).

27 A diretora da EM – Escola Municipal, dirige também o CEI. É de sua responsabilidade a gerência de recursos e seleção de funcionários de cargo em comissão, como é o caso das CP, dentre outras atividades. 122

O trecho em destaque ressalta uma interferência direta por parte da direção da escola nas práticas pedagógicas desenvolvidas no CEI. Essa interferência visava tão somente uma ideia de homogeneidade já rebatida por muitos estudos da área da educação e fincadas em propósitos da antiga escola tradicional. É importante destacar que as crianças e professores do CEI estavam envoltos em um outro processo e que foram abruptamente interrompidos para que os desejos da diretora da escola fossem atendidos. A esses desejos a coordenadora prontamente disse “Sim!”. Um “sim” pautado na autopreservação e contra todas as diretrizes municipais, estaduais e federais contidas nos vários documentos oficiais, já citados ao longo deste trabalho (FORTALEZA, 2018; CEARÁ, 2011; BRASIL, 2006; 2009), que destacam a criança como centro do planejamento pedagógico.

Vale ressaltar que segundo as Diretrizes Pedagógicas (FORTALEZA, 2018, p. 5) o diretor escolar e o coordenador pedagógico exercem papel fundamental no sentido de “assegurar as práticas pedagógicas desenvolvidas pelos professores e assistentes da educação infantil/auxiliares de serviços educacionais, visando à concretização do atendimento educacional com qualidade”. De acordo com o mesmo documento é dever tanto do diretor como do coordenador pedagógico realizar um trabalho articulado entre o núcleo gestor, conhecer as especificidades do trabalho pedagógico na educação infantil e garantir o cumprimento dessas diretrizes. Segundo Bruno, Abreu e Monção (2015, p.79) o diretor e o coordenador pedagógico compõem a equipe da gestão e, portanto, precisam necessariamente realizar um trabalho conjunto e articulado. Para tanto, este trabalho em parceria deve estar ancorado em princípios comuns. No caso do CEI Hanna Evelyn de Andrade esta relação entre a CP e a diretora da Escola se mostrou não só com objetivos diferentes como marcada pela subserviência. Outro aspecto relevante está relacionado a como a comunicação entre a coordenadora pedagógica e a diretora se concretiza. Em todas as sessões há registros de que Marta recebia ligações constantes, normalmente com tom fiscalizatório e impositivo. Outras vezes mensagens por aplicativo de celular. Na maioria das vezes Marta se dirigia à Escola para reuniões com a diretora. Durante as dezesseis sessões de observação não foi registrada nenhuma “visita” da diretora no espaço do CEI (DIÁRIO DE CAMPO, todas as sessões). 123

Uma pedagogia participativa (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2007; 2011; 2013), como a que este trabalho vem apresentando e defendendo, não pode se concretizar se não pela convivência e participação como o próprio título enuncia. Conviver e participar são verbos que não são conjugáveis à distância. O sentimento de pertencimento brota na aproximação, na relação íntima e efetiva, no envolvimento. Nesta perspectiva pode-se afirmar que a relação à distância estabelecida entre a direção da escola e o CEI pesquisado é fator determinante para a proliferação de ações cada vez mais antidemocráticas.

7.6 Interação com as instâncias superiores: Distrito de Educação e SME Segundo as Diretrizes Pedagógicas para a Educação Infantil, é dever da coordenadora pedagógica do CEI:

• Participar das reuniões promovidas pela SME e pelos Distritos Educacionais, visando ao encaminhamento e à resolução das demandas institucionais. No caso dos CEI e Creches Conveniadas, buscar os encaminhamentos das demandas junto ao diretor da escola a qual está vinculada mantendo relação de parceria contínua; • Encaminhar aos Distritos de Educação processos com as demandas da instituição; (FORTALEZA 2018, p. 7 e 8)

A realização dessa comunicação com o Distrito de Educação e com a Secretaria Municipal de Educação se dá por intermédio da Diretora da Escola ou de formas mais diretas em reuniões previamente agendadas, formação continuada, telefonemas, ofícios, sistemas e recentemente pelo aplicativo de mensagens WhatsApp. Neste aplicativo, instalado em seu telefone pessoal, Marta participa de cinco grupos que ligam tarefas específicas de sua função às instâncias superiores. São eles: 1. Grupo de Coordenadores de CEI – que tem como objetivo o repasse rápido de informações entre as unidades escolares e o Distrito de Educação. Participam dele, os coordenadores de CEI, formadoras, nutricionista, superintendente e equipe técnica da Educação Infantil do distrito de educação; 2. O grupo Superintendentes em participam os gestores das unidades escolares, coordenadores de CEI e superintendentes do Distrito. Esse grupo tem objetivos mais voltados à garantia de uma organização administrativa e de sistemas; 3. Grupo Fotos da Educação Infantil - em que coordenadores de CEI compartilham com os técnicos e formadores da Educação Infantil do Distrito registros midiáticos 124

relacionados às práticas pedagógicas das instituições; 4. Grupo Alimentação – Em que a nutricionista do distrito repassa e colhe informações dos coordenadores pedagógicos de CEI a respeito da alimentação escolar; 5. Estagiários da Educação – relacionado a esses aprendizes em suas instituições.

É importante o destaque dessas formas interativas com as instâncias superiores para que se compreenda a quantidade de registros em que a CP se encontra ao celular enviando e recebendo mensagens.

Durante o período observado, os registros apontam que boa parte desses contatos via mensagem tinham um caráter de “cobrança”. Tratava-se de exigências do Distrito com prazo a ser cumprido. Em uma destas ocasiões (sessão, 8) a CP pede que eu leia a mensagem recebida pela nutricionista que dizia: “Você não viu o grupo? Hoje encerra o prazo para envio ao distrito do controle de estoque”.

Esse contato muito próximo do Distrito com as demandas do CEI, que segundo Marta por vezes invadiam suas noites de sono quando chegava a receber mensagens em horários inacreditavelmente inapropriados, não se fez tão presente quando relacionado à organização de situações pedagógicas. Uma dessas situações é ressaltada no registro que segue:

Pergunto quais as orientações do Distrito ou da SME na organização deste planejamento com os professores. A CP responde: “Nenhuma! Eles poderiam ter mandado um texto. Não sei... A orientação foi preparar um ambiente acolhedor para o professor via ‘zap’, não tivemos uma reunião para organizar esse dia” (DIÁRIO DE CAMPO, sessão 2)

Os contatos com o Distrito são constantemente marcados por exigências e cobranças. Alguns destes contatos podem ser visualizados nos registros a seguir:

14:56 – Marta resolve questões de funcionamento da internet. Recebe ligação do distrito em relação a fila de espera. Uma mãe recorreu ao Distrito para exigir vaga e matrícula de uma criança no CEI. Marta explica que não há vaga e solicita que verifiquem a informação no sistema. (DIÁRIO DE CAMPO, sessão 5).

09:09 – Recebe uma cobrança por mensagem por parte do Distrito. Trata-se da construção de um plano de intervenção para um avanço nos resultados do diagnóstico do nome próprio.

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Durante a maior parte de observação para a construção dos dados desta pesquisa, Marta se mostrou animada, simpática e envolvida de forma prazerosa com seu trabalho mesmo em meio a muitas dificuldades. Contudo em um dia específico notei que seu estado de ânimo era outro, cabisbaixo, introspectivo... Este estado de ânimo tem relação direta com o segundo trecho destacado no registro anterior. Uma cobrança do distrito acerca da apropriação por parte das crianças do infantil V da escrita do nome próprio e do reconhecimento de letras do alfabeto. Esta situação é transcrita no registro abaixo:

No dia anterior a esta sessão, a CP recebera uma visita de uma das técnicas- formadoras do distrito no intuito de orientá-la a respeito de formas de intervenção pedagógica para que as crianças avancem na escrita do nome próprio e no reconhecimento de todas as letras do alfabeto. Esta visita parece ter desestabilizado a CP a ponto de ser perceptível sua agitação e desconforto. Marta desabafa comigo na sala da coordenação e pede que eu registre: “Eu nunca passei duas horas com professor aqui. Ontem passei duas horas com a professora do infantil V fazendo plano de intervenção. A gente foi analisar criança por criança. As crianças que não atingiram as metas. Quais são as metas: escrever o nome próprio e reconhecer as letras do alfabeto. A meta que eu coloquei aqui com a professora foi: que eles aprendam o nome completo sem ser decorado porque se desfaz e o alfabeto de A a Z. Eu não tenho condições aqui no infantil V de entregar menino lendo não! Não consigo!” A CP apresentava grande desconforto. Após esse desabafo na sala da coordenação, mesmo com algumas professoras planejando ali, sigo com a CP para um café no refeitório onde continuamos a conversa. Ela pontua uma preocupação com a instabilidade de sua função, lembra que por ser cargo comissionado não se sente forte o suficiente para ir de encontro a essas cobranças. “Eu tenho que fazer, se eu não fizer eles colocam outros que vão fazer. Pelo menos eu sou daqui, tenho minha forma de fazer sem pesar tanto...” Nesta semana havia se espalhado pela rede municipal um boato de que haveria um concurso para supervisor educacional, cargo com extinção prevista no município. Sob o lema de que o “supervisor é um coordenador nato”. Todos os coordenadores, sentindo-se ameaçados, começaram a protestar e junto ao sindicato reivindicaram a decisão da SME. Em reunião, ficou decidido que por ora “as coisas permanecerão como estão”. A CP participou desta reunião sem o conhecimento de nenhum de seus superiores ou professores da instituição. Com uma aparência de cansaço e desconforto relata que após seu horário de trabalho, ainda foi “convidada” pela gerente da Educação Infantil do Distrito a participar de uma reunião com um político candidato nestas eleições. O convite soou como uma coerção. Diz: “por ser cargo comissionado preciso mesmo ir para esses lugares?” Fala com indignação. “Fui, falei com minha diretora, que sorriu pra mim. Apertei a mão do candidato e assim que pude saí. Fui pra perto do meu filho. Passei o dia longe dele e se ficasse ali passaria a noite.” Continua: “Ainda estou pensando aqui, voltei muito reflexiva sobre esse meu lugar. Por que eu sou professora né? Tenho bem claro que não sou coordenadora, que esse cargo não existe. Mas também tenho consciência do quanto trabalho aqui e do que ainda quero alcançar.” 126

A CP conclui a conversa: “Você está anotando isso né? Não deixe de escrever sobre isso. A gente tem que mostrar a verdade.” (DIÁRIO DE CAMPO, sessão 11)

Neste relato, pela primeira, vez pude constatar um forte descontentamento de Marta em relação à sua função. Este sentimento é marcado em grande parte pelas cobranças, que ferem os direitos das crianças na educação infantil (BRASIL, 2006; 2009) e que colocam a CP em uma posição de vulnerabilidade. O fato da função do coordenador pedagógico no município de Fortaleza ser em sua essência um cargo de confiança, tem implicações diretas na rotina e na postura daqueles a quem é conferido. Marta se vê coagida a executar aquilo que é ordenada a fazer, mesmo que as reais condições de trabalho imperem contra o exigido e, principalmente, mesmo de encontro aos direitos das crianças estabelecidos em lei (BRASIL 2006, 2009). Em mais uma ocasião justifica: “Eu tenho que fazer, se eu não fizer eles colocam outros que vão fazer. Pelo menos eu sou daqui, tenho minha forma de fazer sem pesar tanto...” Nas diversas situações em que as instituições de Educação Infantil foram enfocadas, se evidenciou que a estabilidade em uma determinada função é de grande relevância, por garantir mais autonomia tanto aos professores como à coordenadora pedagógica para se posicionar criticamente frente à imposições que ferem princípio de seu próprio trabalho ou de outros profissionais da educação. Importa destacar que as ações predominantemente ligadas a exigência de seus direitos enquanto trabalhadora, como determina o artigo 8º da carta magna brasileira (BRASIL, 1988) são realizadas pela CP como de forma clandestina. Em segredo, a CP se dirige ao sindicato dos professores para em companhia lutar por uma causa que lhe parece justa. Por outro lado, a olhos vistos, coordenadores e diretores são coagidos a ouvir políticos em campanha, após o horário de trabalho. É muito preocupante que atitudes relacionadas à “antiga” prática do “voto de cabresto” ainda sejam observadas na atualidade e especialmente na área da Educação. Por este motivo é necessário destacar que cargos de confiança comprometem a autonomia dos sujeitos que fazem educação a se posicionarem criticamente acerca de questões políticas, por exemplo, que se relacionam com suas práticas pedagógicas (PEREIRA, 2014). Neste sentido, Kramer (2001) constata que indicações, sobretudo políticas, causam muitas interferências na gestão e na continuidade do trabalho.

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7.7 Interação com documentos e sistemas Uma das atividades mais características do trabalho de Marta, é sua interação com documentos e com os sistemas já delineados no capítulo anterior.

As diretrizes municipais (FORTALEZA, 2018, p.7 e 8) estipulam que compete à coordenadora pedagógica:

• acompanhar o registro da frequência dos profissionais e encaminhá-lo no prazo determinado ao Distrito de Educação por meio de processo, mantendo-o informado sobre carências, atestados médicos, licenças e outros;. • Encaminhar aos Distritos de Educação processos com as demandas da instituição; • Acompanhar o processo de matrícula na instituição e o Registro Único (RU); • Acompanhar e manter atualizado, em parceria com o secretário escolar, o cadastro das crianças no Sistema de Gestão Acadêmica (SGE) e no arquivo permanente da instituição; • Manter organizada, em parceria com secretário escolar, a documentação escolar das crianças matriculadas e transferidas (arquivo permanente);

Estas atividades de cunho burocrático devem ser realizadas em parceria com o secretário escolar. No entanto, o que foi verificado no CEI em questão, é que a coordenadora se responsabiliza e é cobrada, inclusive pelo Distrito, pela realização destas ações. O que se constituiria, de acordo com as diretrizes, como um “acompanhamento” caracteriza-se na prática como feitura e dispêndio de tempo por parte da coordenadora. Algumas destas situações são descritas nos registros abaixo. É importante destacar que estas ações se repetem diariamente.

13:30 – A CP organiza ofícios para entregar no Distrito. Imprime com dificuldade na máquina com defeito. 14:33 - Volta à coordenação. Recebe ligação e orienta coordenadoras de outros CEI sobre documentos a serem entregues no Distrito. (sessão 5)

7:45 – Marta pegou a agenda e seguiu para as salas para registrar as “infrequências”. CP: “Olha aqui, às segundas-feiras o número de infrequência é muito grande. É sempre o mais alto da semana.” Mostra para mim o caderno e compara com os registros de sexta-feira. (DIÁRIO DE CAMPO, SESSÃO 9) 128

8:10 – Retorna à sala da coordenação e imediatamente segue com sua agenda para o registro das infrequências. 8:25 – tenta passar a infrequência para o sistema, porém o notebook não funciona. Demonstra insatisfação e agitação. (...) 10:12 - “Já fiz infrequência de aluno, frequência de professor, foco no foco, encerrei minha sexta-feira com o sistema.” (DIÁRIO DE CAMPO, sessão 12)

Nos trechos em destaque é possível acompanhar a preocupação da CP em garantir que a tarefa de registro de frequência tanto de crianças como de professores seja cumprida o mais breve possível. Sempre no início da manhã ou no início da tarde. Mas que também, esta não é a única tarefa burocrática que realiza. A confecção de ofícios com solicitações diversas, documentos com várias finalidades e ainda os destacados pelas diretrizes exemplificadas nas linhas acima, constituindo-se uma gama de ações essencialmente de secretaria que são realizadas unicamente pela CP. Durante todo o período de observação desta instituição e do trabalho da CP não há registros de que o responsável pela secretaria da escola e componente do núcleo gestor tenha participado de alguma dessas atividades. Os atos de secretaria elaboradas pela CP representam em média 21,1% das suas ações no CEI (segundo os arquivos da pesquisa) e se apresenta como um dado preocupante quando comparado aos momentos de interação direta com o professor, mesmo com os tempos de curtíssima duração para que se resolvam situações emergenciais, que representam apenas 14% dos registros, ou seja, quase a metade do tempo investido em burocracias. Ao analisar os dados de sua pesquisa em relação ao trabalho dos coordenadores pedagógicos, Oliveira (2015) conclui que:

Em outras palavras – por dedicarem-se em demasia às atividades de natureza burocrática ou administrativa, esses profissionais acabam por deixar de lado o que deveriam fazer: a coordenação dos professores e a organização de processos de formação continuada. (p. 101).

A constatação de Oliveira (2015) parece corresponder a realidade de muitos coordenadores do município de Fortaleza. No registro destacado anteriormente da sessão de observação número 5, é possível notar que Marta instrui outras coordenadoras de distintos CEI a produzir o mesmo documento que deveria entregar no distrito. Uma ação predominantemente de secretaria e que é alvo de preocupação da CP é a matrícula das crianças. Como relatado anteriormente, as famílias que desejam uma vaga na instituição entregam uma documentação e aguardam em uma fila de espera. Os recortes das sessões 3 e 12 apresentam uma sequência desse processo: 129

Neste momento, entra uma pessoa da comunidade com um bebê nos braços. A pessoa traz uma pasta com documentos para um projeto do CEI. O filho desta mulher está na fila de espera para matrícula. A CP demonstra conhecer bem a situação, chama a criança pelo nome e dá informações precisas e claras sobre a situação da criança até o momento da matrícula. Com ar de satisfação a mulher se despede da CP. (DIÁRIO DE CAMPO, sessão 3)

10:17 – Faz uma ligação para a família de uma criança que está em fila de espera. Sorri ao telefone. “mulher a mãe do menino está vibrando aqui no telefone, gritando de alegria, ela tá pulando... não consegue nem falar porque conseguiu a vaga do menino!” (DIÁRIO DE CAMPO, sessão 12)

Uma vaga na instituição é tão aguardada pelas famílias que leva a mulher descrita nesta situação a gritar de alegria com a conquista da matrícula. A garantia do direito a acesso a uma educação infantil pública e de qualidade é um fator preocupante em nossa sociedade. Especialmente quando esse direito é garantido em parte, posto que uma coordenadora pedagógica que empreende mais tempo em produzir documentos e alimentar sistemas com informações pouco consegue acompanhar e trabalhar para um efetivo trabalho pedagógico de qualidade para bebês e crianças bem pequenas.

7.8 Formação e Planejamento de Ações Institucionais Em relação à formação e planejamento das ações institucionais, pode-se perceber que Marta atuava em várias frentes. Os aspectos relacionados à formação, são organizados nesta seção, como Formação do Coordenador Pedagógico, momento a que ele se destina a estudar e aprofundar conhecimentos acerca do trabalho que desempenha. Quanto ao planejamento, há duas vertentes. A primeira está relacionada ao planejamento e ação do próprio coordenador em relação às demandas da instituição e algumas das atividades práticas que pretende desenvolver. A segunda é pertinente ao planejamento pedagógico relativos ao “onde, quando e como” desenvolver ações formativas e de acompanhamento do trabalho do professor. Ao que se refere à formação da coordenadora desta pesquisa, não há registros de momentos individuais em que dedicou um tempo de sua rotina no local de trabalho para estudo acerca do trabalho que desenvolve no CEI. O único momento considerado formativo está registrado na última seção de observações do Diário de Campo. Nesta sessão, foi acompanhada o encontro formativo 130

de Marta com as demais coordenadoras pedagógicas daquele distrito e as técnicas formadoras do Distrito de Educação. Neste encontro, Marta se mostrou quieta e observadora. Em linhas gerais, a formação continuada organizada pela SME contou com um tempo aproximado de quatro horas. Neste tempo houve uma sequência de situações planejadas: acolhida, um tempo para partilha de uma situação exitosa de uma coordenadora previamente escolhida, um momento para estudo e um outro momento dinâmico: um jogo de “verdadeiro ou falso”. A formação conclui com os informes passados pela SME aos Distritos e que agora são repassados aos coordenadores para serem replicados nas instituições. No tempo designado para estudo pelas formadoras as coordenadoras foram divididas em grupos e a partir de uma dinâmica respondiam questões relacionadas ao trecho específico do texto em estudo determinado pela formadora para cada grupo. Nesta dinâmica a formadora foi enfática: “Não é pra responder o que você pensa, é pra tirar do texto a frase que condiz com essa perguntinha.” Não é objetivo deste trabalho analisar a formação continuada da CP, outras pesquisas, aqui mesmo no município de Fortaleza, já se ocuparam do assunto e muito têm a contribuir com essa questão. É o caso, por exemplo, do estudo de Leite (2013). Contudo, frente a precária formação inicial para uma atuação na gestão escolar e especificamente na função de coordenadora pedagógica da Educação Infantil (PIMENTA; FUSARI; PEDROSO; DOMINGUES; GOMES; BELLETATI; LIMA; PINTO, 2017), um olhar ainda que superficial à temática da formação continuada em serviço se faz necessário. Cabe a ressalva de que esta formação observada, é a mesma que os professores participarão. As CP “recebem primeiro” (palavras de Marta) para que possam solucionar possíveis dúvidas posteriores dos professores. Em um rápido olhar sobre a organização e posicionamentos das formadoras é possível perceber o caráter transmissivo, embora lúdico que marcou o encontro. Durante as quatro horas de observação não houve leitura de um texto por completo, nem debate ou levantamento de questões. Havia sempre um comando e uma resposta certa a ser encontrada. Estas informações se tornam preocupantes ao passo que pouco fazem relação com o cotidiano do trabalho das CP, além de “ensinarem” para além dos conteúdos definidos, formas de se relacionar com os sujeitos aprendentes de uma 131

instituição em que embora a CP seja a pessoa responsável para articula e mediar um momento formativo, também se constitui um sujeito de aprendizagem. Expressões como “vocês vão sair bem sabidinhas daqui”, proferidas pela formadora podem implicar em uma reprodução do comportamento em cada instituição. Há implícito neste discurso, mesmo de forma inconsciente para quem o proferiu, a ideia de que há uma pessoa que detém o conhecimento e uma que recebe. A organização espaço-temporal, as relações estabelecidas naquele momento com este espaço-tempo, formadores, entre pares etc. Assemelham-se às relações permitidas pela escola tradicional a que Dewey (2002) já acusava de ser a responsável pela perda da própria vontade de aprender; da curiosidade intelectual para aquisição do conhecimento. Neste sentido, ao que Schön (2000) nomeou de homologia dos processos, não se pode formar para a reflexão e autonomia com métodos que restringem o pensamento e que se caracterizam como heterônomos. Estas mesmas posturas pautadas em princípios da desigualdade e da heteronomia podem ser observadas no que diz respeito as ações de planejamento das ações da própria CP. Era dever de Marta, exigido pela diretora da escola, elaborar um plano de ação semanal, a que designou de Planejamento Semanal da Coordenação, e encaminhar via e-mail para a direção. Este tema recebe destaque nos trechos abaixo:

Outras professoras entram e saem durante toda a manhã. A CP atende a todas e continua trabalhando no computador. Ela tenta concluir seu planejamento de ações semanais para enviar à diretora da E.M. Conclui e envia uma cópia para meu e-mail. (DIÁRIO DE CAMPO, sessão 3).

Depois de alguns minutos de conversa informal, afirmo não ter recebido o planejamento semanal da CP e peço que se possível me encaminhe por e- mail. Em tom sorridente Marta anuncia baixinho: “Nunca mais ela (diretora) me pediu. Esqueceu. Eu esqueci também. Não deu tempo.” (DIÁRIO DE CAMPO, Sessão 12)

Nos trechos mencionados é exposto a condição em que os planejamentos das ações da CP eram elaborados, em meio a muita movimentação e interferências. Além disso é possível perceber que, para Marta, se tratava de mais um trabalho burocrático e sem sentido, que não cabe em sua rotina agitada e repleta de tarefas. Dentre as ações relacionadas ao planejamento institucional encontra-se o planejamento do uso de recursos provenientes da espera federal e municipal para suprir as necessidades do CEI. Este planejamento se dava a partir de contato com as 132

professoras e funcionários em um rápido levantamento do havia de mais necessário para aquele momento. Em um dos registros, Marta salienta a necessidade de produtos de limpeza como exemplificado no trecho abaixo:

9:39 – Marta se organiza para ir à escola patrimonial assinar o documento para liberação do recurso financeiro. Diz: “gente, eu estou precisando muito de produtos de limpeza!” (DIÁRIO DE CAMPO, sessão XV)

As ações concernentes ao acompanhamento pedagógico estavam previstas no plano de ação semanal da CP. Contudo limitava-se à simples designação “acompanhar os professores em planejamento”. Esta forma de organizar o acompanhamento pedagógico parece muito mais com uma demanda para a qual a CP não tem interesse ou condição de realizar, mas que deve estar presente em seu plano de ação por considerar importante.

As ações voltadas a formação e planejamento por parte da CP constituem uma média de 1,8% das ações que desempenha na instituição. Esse percentual apresenta-se, por todas as questões já apresentadas, insuficientes e um forte indicador de que a qualidade da educação neste CEI pode dar um salto quando estes aspectos forem considerados. Bassedas, Huguet e Solé (1999, p. 113) indicam que a ação de planejar permite tornar “consciente a intencionalidade que preside a intervenção; permite prever as condições mais adequadas para alcançar os objetivos propostos; e permite dispor de critérios para regular todo o processo”

As formas de interação e acompanhamento dos professores pela CP serão analisadas na seção seguinte.

7.9 Interação com as professoras e assistentes educacionais; As Diretrizes Pedagógicas para a Educação Infantil (FORTALEZA, 2018) definem uma série de ações que estão sob a responsabilidade da coordenação pedagógica em que a interação com professores e assistentes recebem destaque. Segunda essas diretrizes o coordenador pedagógico deve:

• Promover encontros regulares de formação em contexto, incluindo o Encontro Pedagógico previsto no Calendário Escolar, com os professores e 133

assistentes da educação infantil/auxiliares de serviços educacionais para reflexão coletiva sobre suas práticas, tendo como base a Proposta Pedagógica da Instituição e as orientações da SME; • Socializar com Assistente da educação infantil/auxiliares de serviços educacionais, o planejamento pedagógico semanal; • Assessorar pedagogicamente os professores na elaboração do planejamento, de acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2009), com a Proposta Curricular para a Educação Infantil da Rede Municipal de Ensino de Fortaleza (FORTALEZA, 2016) e com as Diretrizes Pedagógicas da Educação Infantil do Município de Fortaleza (FORTALEZA, 2018) e a Proposta Pedagógica da Instituição; • Implementar e avaliar, com a comunidade escolar, a Proposta Pedagógica da Instituição, tendo como base os seguintes documentos: Projeto Político Pedagógico da Instituição, Proposta Curricular para a Educação Infantil da Rede Municipal de Ensino de Fortaleza (FORTALEZA, 2016), Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2009) e Resolução nº 02/2010 do Conselho Municipal da Educação de Fortaleza; • Garantir que os professores realizem os registros nos instrumentos de documentação pedagógica: Caderno de Registro Diário do Professor, Diário de Classe, Registro de Acompanhamento do Desenvolvimento e Aprendizagem da Criança e Relatórios; • Promover o acompanhamento sistemático das práticas dos professores e do assistente da educação infantil/auxiliar de serviços educacionais, tendo em vista a qualidade do trabalho junto às crianças; (p. 7 e 8).

Os tópicos em destaque decorrem da premissa de que, para o Município de Fortaleza, o coordenador pedagógico tem papel fundamental no sentido de assegurar as práticas desenvolvidas pelas professoras e assistentes educacionais, que para as crianças se configuram como adultos de referência (FORTALEZA, 2018). Neste sentido, as interações com os docentes e assistentes educacionais deveriam assumir um papel primordial nas ações da CP. Contudo, as observações registradas apontam que as precárias condições de trabalho, cobranças diversas das instâncias superiores e as múltiplas funções que a CP exerce no CEI, dentre outros fatores, interferem diretamente neste processo. Embora Marta consiga manter um clima agradável junto ao grupo de professoras e demais profissionais, as ações que se referem ao acompanhamento individual da prática pedagógica desenvolvida pelas professoras nos seus diversos espaços de atuação, foram pouco observadas nas sessões. Alguns dos momentos de interação de Marta com as professoras ou assistentes podem ser observadas nos trechos do Diário de Campo ressaltados nas linhas que seguem:

15:10 – Marta lancha com as professoras no refeitório das crianças. Conversa sobre assuntos diversos. O clima é amistoso. 15:45 – Volta à sala da coordenação e continua a fazer o levantamento dos recursos patrimoniais tombados de cada espaço do CEI (ela vem organizando esse documento desde a primeira sessão de observação) (...) Fala consigo: “Pronto. Agora falta aqui (coordenação) e a cozinha”. 134

A professora Camila planeja na mesa ao lado. Marta “repassa” orientações rápidas sobre o plano mensal da escola discutido ontem, na reunião com todas as professoras do CEI. A professora percebe a situação, se dirige a mim e pergunta se, como mestranda, reconheço que a CP executa três funções: pedagógica, financeira e administrativa. “Aqui ela é isso!”. E volta a planejar. Senti que o tom era de “por favor, não julgue minha CP. Anote aí que ela faz além do que deveria”. 16:08 – tira cópias de atividades e entrega na sala da professora. (sessão 5)

Como se pode observar, os contatos de Marta com as professoras são marcados por um tempo “corrido”, fragmentado e, portanto, com baixa efetividade. Marta está sempre a “repassar” informações. Procura munir as professoras de instruções práticas e de ordem organizacional do gênero “isto acontecerá tal hora”, “aja assim”, ou até mesmo “deve ser feito (ou escrito) assim”. As orientações “repassadas” provêm dos Informes da SME ou Distrito de Educação e, por vezes, da direção da escola. A constante transmissão de informações em curtos espaços de tempo não permitem, por parte das professoras, e mesmo da coordenadora um momento para reflexão, para compreensão dos diversos fenômenos que se manifestam e, por isso, não pode ser considerado um momento de interação de qualidade entre a coordenação pedagógica e professores (BONDIOLLI, 2004).

Neste mesmo trecho apresentado anteriormente, é possível assegurar ainda o bom relacionamento de Marta com as professoras e que, de alguma forma, a professora Camila entende que deveria receber mais atenção de Marta durante seu momento de planejar as ações pedagógicas para as crianças. Percebe que, para além de compreender como se “preenche” o quadro de planejamento do município de Fortaleza, outros conhecimentos se fazem necessários, como, por exemplo, como utilizar suas observações a respeito das crianças para organizar outras situações de aprendizagem. Ao salientar o quanto Marta é assoberbada, Camila não só a protege de críticas que não levam em consideração a realidade em que a CP está inserida, como ressalta uma concepção sobre o que deve ser primordial no trabalho da coordenadora pedagógica, que neste caso, leva a crer que seja o acompanhamento ao professor. Pode-se inferir que, por este motivo, fez-se necessário uma justificativa para o fato de estar planejando sozinha, com pouca colaboração da CP.

Do contrário do que foi apontado por algumas pesquisas (ARIOSI, 2010; LOPES 2014; PALMÉN, 2014; BEZERRA, 2014; LUZ, 2016), Marta não sofria de nenhum tipo de perseguição por parte das professoras que atuassem no intuito de 135

prejudicá-la ou assumir o seu lugar. Não havia o ar de concorrência observado em outras pesquisas (OLIVEIRA, 2012) ou um distanciamento em relação aos professores (VASCONCELLOS, 2008). Era comum um espírito de cooperação e de uma certa amizade.

Em alguns momentos, foi possível observar algumas estratégias que a CP faz uso para acompanhar o trabalho pedagógico, por exemplo:

Às 15:00 a CP segue para o café junto a duas professoras, o clima é amistoso, todas conversam sobre vários assuntos, inclusive os que se referem ao trabalho das professoras. Ao que parece, o turno da tarde é mais “tranquilo”. 15:20 –Marta retorna para a sala e dirige-se ao seu notebook para digitar alguns elementos referentes ao projeto de literatura, que já está em curso. Demonstra grande satisfação no envolvimento das professoras no projeto, com relação as ações desenvolvidas por elas, e como as crianças estão se relacionando com ele. (DIÁRIO DE CAMPO, sessão 10)

O trabalho com projetos estava presente na proposta pedagógica da instituição e, como foi mencionado anteriormente, ainda não assumia os contornos de uma Pedagogia de Projetos, tal como a caracterizam Barbosa e Horn (2008). Provavelmente, por ainda não existir na instituição uma compreensão sobre como se trabalha com projetos baseados em uma pedagogia que considerasse a potencialidade, a autonomia e, sobretudo, os diferentes desejos e interesses das crianças, Marta investia boa parte de seu tempo em assegurar que todas as professoras e turmas de crianças estivessem trabalhando dentro de uma mesma perspectiva, um mesmo tema. Para isto, recebia das diferentes professoras ideias de atividades (ver Anexo 4) que, na sua perspectiva, poderiam ser realizadas com as crianças de todas as turmas (do Infantil I ao Infantil V). Posteriormente, ela digitava cada sugestão em um compilado que recebia o nome de “Projeto”. Naquele caso, “Projeto Literário” (ver Anexo 3). O compilado era impresso e redistribuído para as professoras que, na perspectiva de Marta, teriam estabelecido trocas com seus pares.

É importante salientar que, embora essa estratégia elaborada por Marta seja uma “saída” à falta de tempo e condições para reunir o grupo de docentes e discutir a melhor maneira de planejar e trabalhar junto às crianças, findava por dificultar a troca de experiências que ela pretendia proporcionar, pois a troca de sugestões de atividades por escrito atuava como principal forma de comunicação entre as professoras, assumindo, em muitos casos, o debate, o diálogo. Ao ler o rol de sugestões de 136

atividades, a professora optava por aquilo que gostaria ou não de executar. Neste contexto, é ainda alarmante o fato de as crianças não serem ouvidas ou consideradas.

A relevância do acompanhamento da CP ao planejamento pedagógico da professora se dá não só por mais esse “repasse” de ideias e sugestões, mas por meio de uma observação da prática da professora e de como as ações propostas são recebidas e ressignificadas pelas crianças. É neste sentido que Gariboldi (2003) afirma:

Analisar as modalidades do fazer educativo, no âmbito de uma situação específica pode, então, ser útil para reconstruir algumas propriedades de um ambiente formador, em particular, o grau de participação ativa que é solicitada às crianças na definição do plano de atividade (e as formas com que é realizada essa situação). (p. 82).

Tendo em vista esta compreensão, a ação da coordenação pedagógica se mostra, além de necessária, urgente. São as observações feita por este profissional que possibilitarão não só um redirecionamento do planejamento e ações pedagógicas do professor como dele próprio, no intuito de atuar na formação do docente a partir de sua prática, de seu contexto.

Outro momento observado em relação à atuação da coordenadora como formadora refere-se à formação dita “em contexto” na instituição. Essa formação aconteceu em uma manhã de sábado de acordo com a seguinte organização: uma acolhida das professoras e assistentes educacionais com um café da manhã, momento de discussão teórica sobre o brincar na Educação Infantil, uma pausa para o lanche e confraternização dos aniversariantes do mês, e apresentação de uma sugestão de brincadeira de cada professora para as demais.

A formação foi destinada a todas as professoras do CEI, sem diferenciação entre creche e pré-escola. A todo momento, questões sobre fenômenos ocorridos na instituição eram suscitadas; porém, logo contornadas para a continuidade da temática da formação já estabelecida pela SME.

Nesta organização de uma suposta formação em contexto não é possível levar adiante a máscara na qual a SME e as instituições têm se escondido cotidianamente. É questionável a afirmação de que se trate de uma formação em contexto o ato de reter as professoras em uma sala para ler slides e pequenos trechos de um texto teórico, apresentar por nome autores e realizar joguinhos a fim de trazer um ambiente lúdico a este momento e, principalmente, não estar centrada nos desejos ou 137

necessidades daquele grupo, tornando-se pouco proveitoso para as docentes. Pautada em Pinazza (2013), pode-se afirmar que uma formação que não seja pautada em uma lógica de cooperação que admite as singularidades dos contextos e a pluralidade de potencialidade dos profissionais, assim como as relações interpessoais, em que se projetem, ao mesmo tempo, a individualidade e a equipe, e que não promova a legitimação dos saberes e convidem as professoras à participação do projeto do CEI, o que corresponde a um exercício de pedagogia em participação, também não se configura uma formação em contexto. A referida autora é taxativa ao concluir que:

(...) a formação contínua em serviço deve se centrar na instituição educacional, posto que se vincula diretamente ao seu projeto e não se faz descolada do desenvolvimento institucional. Nas palavras de Barroso (2003, p. 74), é “[...] uma formação que faz do estabelecimento de ensino o lugar onde emergem as atividades de formação dos profissionais com o fim de identificar problemas, construir soluções e definir projetos.”. (p. 57)

Com olhos nestas premissas, pode-se diferenciar uma formação que acontece no contexto de uma Formação em Contexto. Pode-se aferir, ainda, que na primeira o papel da coordenadora se resume a de uma transmissora das ideias que a Secretaria de Educação considera pertinentes e que na segunda a coordenadora é vista como elemento fundamental na observação das práticas pedagógicas, acompanhamento dos profissionais, promoção da reflexão em equipe, formadora e aprendente em contexto e em participação. As particularidades e complexidades que constituem o cotidiano do CEI exigem da coordenadora pedagógica práticas que possibilitem encontros significativos de formação permanente entre as professoras, pautados em confiança, afetividade e em ações que privilegiem o diálogo (VASCONCELLOS, 2008).

No gráfico, a seguir, é possível constatar uma média das ações diárias da CP ao que concerne a cada seção apresentada neste capítulo:

1. Organização funcionários e espaços do CEI;

2. Organização, distribuição, racionamento e providência de materiais e alimentos para o CEI;

3. Interação com as famílias;

4. Interação com as crianças; 138

5. Interação com o núcleo gestor;

6. Interação com as instâncias superiores: Distrito de Educação e SME;

7. Elaboração de documentos e alimentação de sistemas;

8. Formação e Planejamento de Ações Institucionais.

9. Interação com as professoras e assistentes.

Gráfico 1: Ações realizadas pela coordenadora pedagógica

AÇÕES REALIZADAS PELA CP

C A T E G ORIA… 8 C A T E G ORIA… 1 C A T E G ORIA… 12 C A T E G ORIA… 7 C A T E G ORIA… 2 C A T E G ORIA… 8 C A T E G ORIA… 5 C A T E G ORIA… 8 C A T E G ORIA… 4

Categoria Categoria Categoria Categoria Categoria Categoria Categoria Categoria Categoria 1 2 3 4 5 6 7 8 9

Fonte: Arquivos da Pesquisa 1

Neste gráfico, é evidenciado uma exaustiva atenção às atividades burocráticas relacionadas a documentos, sistemas e organização e providência de espaços e materiais. O gráfico também destaca uma similaridade entre as interações da CP com crianças e corpo docente. É importante salientar que, de acordo com as análises das sessões anteriores estas interações são marcadas por situações acidentais, rápidas, no sentido de resolver uma situação emergencial. Poucos foram os momentos registrados de significativa participação com esses sujeitos.

As observações do Diário de Campo e dos documentos fornecidos pela coordenação da instituição pesquisada e/ou publicados pela SME, apresenta um trabalho 139

da coordenação pedagógica atuante em diversas frentes. Essa multiplicidade de atribuições e tarefas faz das questões levantadas por Vasconcellos (2008, p.85) pertinentes: “afinal de contas, qual é o papel da supervisão? Diversas são as reclamações que emergem do cotidiano dos coordenadores: sentem-se sozinhos, lutando em muitas frentes, tendo que desempenhar várias funções. Qual seria sua efetiva identidade profissional?”

No capítulo seguinte, o trabalho da coordenadora no CEI será evidenciado a partir das percepções das professoras e da própria coordenadora. 140

8. OLHARES SOBRE O TRABALHO DA CP NO CEI HANNA EVELYN DE ANDRADE

Os olhares presentes nesse capítulo se cruzam e revelam algumas concepções e percepções acerca do trabalho da coordenadora pedagógica no CEI pesquisado. A análise que se segue emerge do olhar de Marta, a coordenadora, e das professoras Eliane, de Camila e Maria. Estas perspectivas foram expressas por meio das entrevistas semiestruturadas. A partir delas puderam ser observadas: as concepções acerca do trabalho da coordenação pedagógica, as percepções acerca do trabalho realizado por Marta no CEI pesquisado e desafios e possibilidades no trabalho da CP junto às professoras de turmas de creche.

8.1 Concepções acerca do trabalho da coordenação Pedagógica Esta seção abriga as concepções das professoras e da coordenadora acerca do que seria o objetivo do trabalho do coordenador pedagógico. O que para elas significa essa função e quais as atribuições que este profissional deve executar.

Apesar de, neste primeiro momento, as questões dirigidas às professoras e à coordenadora terem por objetivo compreender as concepções acerca do trabalho do coordenador pedagógico na creche de forma genérica e não especificamente do contexto em que estão inseridas, as professoras e a CP destacaram, em muitos destes momentos, suas vivências e a partir delas fizeram as reflexão que serão aqui apresentadas.

Quando perguntadas sobre o objetivo do trabalho da CP, duas das três professoras entrevistadas consideraram que o objetivo do trabalho do coordenador pedagógico em qualquer etapa da educação é de atuar no auxílio ao trabalho do professor.

Eu acho que o objetivo de uma coordenadora pedagógica dentro de qualquer estabelecimento de ensino é auxiliar ou administrar, ajudar o trabalho das professoras que ela coordena (...) facilitar o trabalho das professoras que ela coordena, administrar, achar soluções. (CAMILA)

Ele vem articular com o professor as atividades que a criança precisa aprender na faixa etária, tem que conhecer bem a proposta da instituição, já 141

que é um dos integrantes né... E ajudar e ajudar a gente, com a gente, a colocar em prática essa proposta. (MARIA).

Ao mencionarem como objetivo do trabalho da CP a “ajuda ao professor” cabe a compreensão de que as docentes percebem que suas ações pedagógicas junto às crianças podem dar um salto qualitativo com a presença atuante da CP, na provocação de reflexões desde a elaboração do planejamento das propostas de experiências para as crianças até a concretização destas. Para Bruno, Abreu e Monção (2015), o coordenador pedagógico tem por objetivo a formação do grupo de educadores de determinada instituição. Quando se trata de uma instituição de educação Infantil, este profissional tem por especificidade provocar a reflexão permanente desses educadores a respeito da articulação entre cuidar e educar nas práticas cotidianas. Parece ser neste sentido que a professora Maria arrematou sua resposta com a ideia de que:

(...) como são distintas a creche, do fundamental, do ensino médio, cada “tempo” desses tem as suas especificidades, eu acho que na creche é mais próximo por ser crianças muito pequenas ainda... Com suas (especificidades). O cuidar ainda muito ativo, tem que ter um olhar bem sensível na creche, nesse ponto, com coordenadores e em geral. (MARIA)

Estas observações também expressam a visão de parceria entre o corpo docente e a gestão das instituições. Este dado pode ser compreendido como uma preocupação revelada pelas professoras de um trabalho coeso em que a CP tem papel igualmente relevante para que os objetivos educacionais da instituição sejam alcançados. É importante destacar que para esta preocupação a abertura das professoras para a reflexão, análise e crítica do seu trabalho. Esta abertura pode ser considerada um avanço significativo na constituição de práticas pedagógicas mais interessantes para as crianças. Aqui, pode-se inferir que, na concepção das professoras, a criança se encontra no centro do planejamento da instituição e todos os adultos envolvidos no processo convergem e somam forças para este fim. Além destes destaques, Eliane, professora muito empenhada em estudos sobre a prática docente, evocou as Diretrizes Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2009) para salientar que a função do coordenador pedagógico é a de cuidar e educar, fazendo isto não somente para as crianças mas para todos os funcionários da instituição, atuando como formador nos sentidos teórico e humano. Eliane afirmou que não somente na Educação Infantil, mas em todas as etapas, modalidades e níveis da 142

Educação os coordenadores pedagógicos “deveriam desde sempre ter como princípio o educar e cuidar, deveria ser sempre na educação, a educação deveria cuidar das pessoas e educar ao mesmo tempo, de forma indissociável.” A partir de uma análise dialética a professora Eliane ressaltou a importância de ser cuidado pelo coordenador. Este dado revela que provavelmente sua formação contínua em outros espaços, além do ambiente de trabalho, permite um olhar amplo e amparado pela literatura. Segundo Eliane o coordenador pedagógico não deve estar preocupado:

(...) somente com as avaliações de grande escala que hoje a educação possui, né? Para mim, na minha concepção, nas outras etapas ele tá muito focado, ele tá sendo obrigado a tá muito focado, nesses aspectos e esquecendo um outro, porque pra ter boas notas em avaliação, seja de pequena escala ou de grande escala, estão esquecendo de algo que é primordial: esse cuidado. (ELIANE)

É necessário que se faça referência a importantes estudos quanto a qualidade na Educação Infantil, especialmente os realizados por Campos et. al. (2006) que constatam graves problemas no atendimento à criança pequena em todo país. Estes estudos verificaram dentre outras questões a dicotomia que as instituições apresentam entre os extremos trabalhos preponderantemente higienistas ou preparatórios. Dimensões que ora colocam as crianças em uma perspectiva do vir a ser, ora de que já são adultos em miniatura. De todo modo, ambas negam os direitos das crianças ao cuidado e a educação de forma indissociável. Segundo Barbosa (2009):

Cuidar exige estar disponível para atender às necessidades, aos desejos e inquietações das crianças, supõe encorajar as ações no coletivo, solicita apoiar a criança em seus devaneios e desafios, requer interpretação do sentido singular de suas conquistas no grupo. Implica também aceitar a lógica das crianças em suas opções e tentativas de explorar movimentos no mundo. (p. 69)

Este mesmo olhar ratifica a visão das professoras outrora mencionadas, no sentido da relevância da CP no processo de educação da criança e, para além disso, na contribuição para a formação teórica e humana dos professores. Cuidar dos profissionais que cuidam das crianças parece ser uma boa opção para concretizar, no espaço do CEI, práticas de uma educação de boa qualidade. Formosinho (2013) lembra que, os educadores são profissionais do desenvolvimento humano e que aprendem muito mais com o que vivenciam do que com os estudos que fazem. Experienciar formas de ser 143

cuidado parece ser uma boa alternativa para a compreensão do que significa cuidar de bebês e crianças bem pequenas no contexto da creche. Na visão de Marta, não há distinção no trabalho da CP seja em qualquer etapa ou modalidade de ensino. Segundo ela:

(...)não tem diferenças... devemos coordenar e trabalhar com pessoas, colocando o desenvolvimento e o bem-estar dos alunos acima de qualquer coisa. Se fosse para dizer uma diferença eu diria apenas que na creche nós temos um mundo maior de atribuições. Conversando com você naquele quadro das minhas rotinas diárias eu percebi que até faço mais do que imaginava... sabe aquela sensação de no fim do dia você achar que não fez nada porque não conseguiu fazer metade das coisas que se organizou pra fazer, que você imaginou... Se você me perguntar o que eu vejo de diferente é isso. Nós da creche temos muito mais atribuições.

Quanto a coordenação de pessoas ou “do esforço humano” (MARX, 2004), Paro (2015) lembra que embora sejam diferentes valores e interesses que existam dentro de uma organização, porque vários são os sujeitos que a compõe, a questão de maior importância se encontra na relação entre os objetivos a serem atingidos e o interesse dos que investem seus esforços nessa mesma direção. Estas questões políticas condicionam em grande medida a própria forma como se desenvolve a coordenação. Pode-se inferir, a partir desse prisma que, o objetivo primeiro do trabalho da CP na perspectiva de Marta é alinhar os valores e interesses das pessoas que compõem uma instituição no objetivo de garantir o desenvolvimento e o bem-estar dos alunos. Assim, pode-se concluir que Marta concorda com as professoras de que o centro das ações dos trabalhos, não só da CP, mas de todos que compõem a comunidade escolar devem ser no intuito de garantir o desenvolvimento das crianças. Esta concepção coaduna com o objetivo da Educação Infantil determinado pelas Diretrizes Nacionais para a Educação Infantil (2009) que norteia o constructo desta pesquisa, qual seja: o desenvolvimento integral da criança. Quando perguntadas sobre o objetivo do trabalho da CP na creche, as professoras não responderam diferente. Houve nas respostas uma certa clareza quanto as diferenças sobre o trabalho da CP em cada etapa e modalidade da Educação, mas as relações são estabelecidas a partir da Educação Infantil, por se tratar do contexto que vivenciavam e que têm maior conhecimento. A professora Eliane, apresentou uma visão diferente das demais colegas ao afirmar veementemente que o objetivo da CP independente de nível, etapa ou 144

modalidade de ensino é atuar para que a educação e o cuidado aconteçam de forma indissociável nesse processo. Ressaltou que este tema é mais abordado na Educação Infantil, com a ressalva de que mesmo que muitas vezes apenas nos discursos, e retomou a importância dessa concepção em todas as etapas. As professoras ressaltaram a relevância do trabalho da CP próximo ao professor, despida de uma visão fiscalizadora e comprometida com os objetivos traçados por todos na PP. Esta afirmação encontra amparo na perspectiva de Bruno (2206, p.26) quando afirma que a CP é aquela que atua como mediadora e que “articula a construção coletiva do projeto político pedagógico [...] e que, em comunhão com os professores, elabora a qualidade das práticas educativas.” Vale ressaltar que a palavra “comunhão” utilizada pela autora traduz uma ideia de proximidade entre os pares e de uma união de pessoas com o mesmo objetivo. As docentes também consideraram importante o envolvimento da CP com toda a comunidade escolar especialmente com as famílias. Eliane especifica a interação com as famílias como um importante papel da CP para além da formação dos educadores. Em sua perspectiva, esta interação constitui um saber necessário ao trabalho da CP tanto quanto um objetivo. Ela afirma: (...) como a CP está dentro desse ambiente de creche que é diferenciado porque se trabalha com crianças muito pequenas, ainda com todo cuidado desse desenvolvimento e principalmente da autonomia deles, esses elos familiares que eles trazem ainda com as suas famílias, a CP vai ter que ter esse manejo, né, esse cuidado de estar muito perto dessas crianças também. (...) Então, só a educação infantil já é um mundo, mas a educação infantil é família, é muito família, é a etapa que é impossível não trabalhar com a família, aí sobre essas teorias de como trabalhar com a família: Como que eu... Como eu vou trabalhar com essa família? Como que eu trago essa família para ir nessa instituição, né? Que estratégias eu uso para ter cada vez mais a colaboração? Como conquistar essa mãe... Conscientizá-la que ela não deve mandar essa criança sem a roupa todos os dias, que ela tem cuidar no final de semana da roupa da criança e trazer? Então, já seria, mas ela tem que ter outros conhecimentos, como ela é uma gestora, no momento uma gestora pedagógica, ela tem que conhecer muito de relacionamento, né?

É interessante observar que a professora Maria também retomou em outras situações, ao se tratar de creche, o laço estreito entre a instituição e as famílias. Este mesmo ponto não foi considerado quando tratou de um CP genérico e seu trabalho em outras etapas da educação. Esse dado pode revelar a concepção da professora sobre a atenção aos cuidados despendidos aos bebês e crianças bem pequenas, provavelmente mais relacionados a questões de saúde, higiene e segurança. Para Bruno, Abreu e Monção (2015, p.96) o trabalho articulado com as famílias compõe uma “especificidade do papel do coordenador pedagógico na Educação Infantil”. Segundo as autoras, nesta 145

etapa da Educação “compartilhar o cuidado e a educação das crianças com as famílias é norte para alcançar sua finalidade”. Neste sentido, essa articulação é importante e primordial. Mas ela não se dá apenas na partilha de cuidados ou no repasse de informes. Ela se constitui em uma lógica participativa, em que as tomadas de decisões são negociadas e tomadas em conjunto. Na participação, na democracia como defendem Vieira, (2010); Oliveira-Formosinho, (2013) e Paro, (2016). Contudo, segundo a profa. Eliane, o trabalho da CP no CEI não é orientado somente para estes objetivos fundamentais, é marcado constantemente, por uma seleção sobre o que fazer a cada momento devido a um acúmulo de atribuições centradas na coordenadora. Para Eliane o que deve prevalecer é a necessidade imediata e urgente da criança: “Qual fogo vai apagar a coordenadora? Ela vai apagar o da criança, vai ter que priorizar o trabalho com a criança.”. Ao ser colocada neste lugar, a professora considerou que a CP parece se configurar como uma super-heroína: “do jeito que se está formatado a educação infantil no município de Fortaleza, se espera do coordenador pedagógico de creche (...) um super-herói...”. Em sua percepção é humanamente impossível que uma pessoa consiga realizar tantas tarefas diárias e manter sua atenção no que entende como principal, ou seja, a criança e suas relações no ambiente da creche. Marta reconheceu esse acúmulo de tarefas e como ele é determinante em seu dia a dia. Por este motivo relatou a sensação de não conseguir fazer tudo que deseja fazer no cotidiano do CEI e como destacou a quantidade de trabalho que realiza como a principal diferença entre o trabalho da CP que atua na Educação Infantil para o da CP que atua nas demais etapas da Educação Básica: “Nós da creche temos muito mais atribuições” (MARTA).

Quando partiram para uma análise do trabalho da CP dentro de um Centro de Educação Infantil em que se trabalha com crianças em idade de creche e pré-escola, as professoras concordaram que há um trabalho diferenciado, ressaltando principalmente os aspectos dos cuidados relacionados às necessidades próprias dos bebês e das crianças bem pequenas, assim como uma logística para que estes permaneçam na instituição em período integral. É importante que se observe que embora as perguntas a elas dirigidas tivessem o interesse de compreender suas concepções acerca do trabalho do CP de forma ideal e genérica, elas sempre falavam a partir de suas vivências, por vezes expressando um grande desejo de que algumas 146

questões que consideraram urgentes quanto as condições de trabalho da CP no CEI e a necessidade que sentem de um acompanhamento mais próximo por parte da coordenadora, fossem registrados e levados a conhecimento público. Segue algumas das respostas das professoras:

Eu acredito que o trabalho do coordenador em uma creche, ele tem que ter todo um cuidado em relação ao ambiente que a criança vai dormir, ao ambiente que a criança vai ter os cuidados pessoais de banho, de alimentação, não é isso? Qual a alimentação que essa criança vai receber durante o dia todo, um tratamento em relação aos auxiliares e já a pré-escola é... O trabalho, acredito que seja mais voltado a questão da aquisição do conhecimento, não que a creche... Não que a criança não vá está recebendo e desenvolvendo o seu conhecimento. O seu cognitivo, mas eu acredito que é essa. (CAMILA)

Atualmente está tendo uma cobrança maior na pré-escola, principalmente no Infantil 5, que é um foco, assim, um objetivo bem mais específico, né, que é saber sair com o nome “completozinho”, escrevendo o nome completo, essa questão assim já é mais voltada para o letramento em si, né, para a alfabetização em si, e os coordenadores, eles tem essa função de as crianças sair, já no final do ano, já fazendo nome, um objetivo mais específico. Enquanto na creche, além de ter essa função também de... É... Auxiliar a gente, junto com a gente, cumprir a rotina, os tempos que não podem faltar28, também são coisas específicas, né, da própria creche. Eu não acredito que tenha uma divergência muito grande, mas tem um ponto que é o cuidar ainda... Principalmente, que é a turma que eu atuo, de 1 ano, ainda é muito, muito juntinho do educar, muito específico... Então ela tem que ter um olhar bem mais sensível, em relação a tanto aprendizagem, emocional, higiene, alimentação, o cuidado mesmo, o tempo todo ali com a gente, o que tá acontecendo a gente tá passando para ela, tá vendo, tá acompanhando também. (MARIA)

Uma análise que envolve as falas das professoras nos diversos ambientes durante as sessões de observação, assim como suas falas nas entrevistas mostram que o fato de as turmas de creche permanecerem na instituição em tempo integral confere à estas turmas um status de mais necessitadas de cuidados e atenção ao corpo, à higiene e à saúde. A reflexão que se pode fazer é: caso as turmas de crianças da pré-escola permanecessem em tempo integral na instituição também não necessitariam dos mesmos cuidados e atenção? Estas necessidades afastariam do horizonte do trabalho das professoras e da CP a preocupação com a inserção dessas crianças em nossa cultura, em seu desenvolvimento oral, motor, etc.? Com o amparo dos documentos oficiais já

28 Os “tempos que não podem faltar” mencionados pela professora Maria estão relacionados à organização da rotina dos CEI do Município de Fortaleza e estão explicitados na Proposta Curricular para a Educação Infantil do Município de Fortaleza (Fortaleza, 2016) 147

citados (BRASIL 2006; 2009) e por importantes pesquisas na área (CAMPOS et. al. 2006; BRUNO; ABREU; MONÇÃO, 2015) é sabido que não. As professoras Maria e Eliane, também apontaram a influência das avaliações externas nessa cisão do trabalho da CP em relação à creche e à pré-escola. Essa pressão por parte da Secretaria de Educação é percebida pelas professoras que identificaram na atuação de Marta um trabalho mais voltado à garantia desses resultados. Embora tenham ressaltado que a CP tenta não diferenciar essa atenção. Marta, contudo, deixou claro seus objetivos para a creche e para a pré- escola: A minha meta enquanto coordenadora da creche é o bem-estar das crianças, é que elas aprendam a se expressar oralmente, a falar né... é que elas desenvolvam suas habilidades motoras... com o infantil V, que saiam escrevendo seu nome completo, não só decorado mas que saibam as letras, os sons, reconheçam os nomes dos colegas... todos os dias eu saio para trabalhar com o desejo que ocorra tudo bem e que as crianças estejam bem no ambiente escolar. (MARTA – entrevista com a CP)

É perceptível na fala de Marta a cisão que existe entre o trabalho com as turmas de creche e o trabalho com as turmas de pré-escola. É comum que as especificidades dos bebês demandem um esforço e uma atenção maior por parte do educador, não só com o intuito de “ensinar”, mas sobretudo com o objetivo de compreender o que ele tem a dizer de suas diferentes maneiras. Na perspectiva de Marta, no entanto, se evidencia um olhar para aquilo que o bebê e a criança bem pequena ainda não sabe, parece que expressar-se oralmente é mais que uma conquista a ser celebrada com o bebê e sim uma meta para que ele esteja “pronto” para uma etapa posterior. A fase em que ele deverá escrever seu nome completo. Esses objetivos parecem divergir com os objetivos a que Marta se propôs, quando falou de um coordenador de forma geral: o desenvolvimento e o bem-estar da criança. Ora, se a criança é desconsiderada em suas potencialidades, naquilo que já é capaz de realizar sozinha, e em suas formas de expressão, como ela poderá se desenvolver e sentir-se bem no ambiente institucional e consigo mesma? Grandes nomes de referência na Educação como Arroyo (1985) tentam provar em seus estudos que mesmo na escola pública há a presença do capitalismo. Apesar de Paro (2016) contestar veementemente a assertiva de Arroyo (1985), os dados revelados nesta pesquisa erguem a dúvida se uma instituição pública de Educação Infantil não estaria abrindo suas portas para o capitalismo quando, apesar de ter como 148

objetivo a educação integral da criança (tantas vezes já mencionado neste trabalho), muda seu foco para atender as metas estabelecidas pelas avaliações externas que visam a garantia de recursos financeiros, logo, capital. Além desses aspectos Eliane ressaltou a insuficiente formação inicial para a atuação com bebês e crianças bem pequenas. Essa necessidade chega às instituições e culmina em uma preocupação para a CP. O dever de atuar efetivamente na formação das professoras para o trabalho com crianças de 0 a 3 anos e 11 meses se configura em um desafio ainda maior. A própria formação da CP também carrega esse déficit e o acúmulo de atribuições, além de uma formação contínua pouco incentivada culmina em ações pouco significativas junto às professoras de turmas de creche, de tal forma que as professoras não se sentem preparadas para assumirem essas turmas. Eliane foi enfática ao afirmar: “(...) eu não me vejo(atuando) no Infantil I por todas as questões que eu falei. Talvez eu seria uma mera cuidadora! Não teria aporte teórico para trabalhar com eles (os bebês) ainda e não me foi propiciado nessa formação. Como que eu faria?” Essa informação pode ser confirmada na própria fala da professora Eliane, que em dado momento afirmou: “eles (os bebês) ainda não conseguem ter esse tempo de concentração ainda,” A ideia de que os bebês não se concentram já foi há muito refutada e substituída pela busca de experiências que os interessem e os convidem para uma interação lúdica e prazerosa. A Abordagem Pikler, desenvolvida pela pediatra húngara Emmi Pikler, é um bom exemplo para que se desmitifique a ideia de que os bebês não aplicam muita atenção nas atividades que desejam executar (FALK, 2008). Quando as professoras são indagadas sobre o que seria necessário para que a CP alcance os objetivos elencados por elas no CEI, fizeram, mais uma vez, relação com a realidade que vivenciam e apontaram alguns problemas e possíveis soluções. Camila compreendeu que o necessário para que os objetivos da CP na creche sejam alcançados está alicerçado nas relações. Para ela:

(...) não só na função de coordenador, mas numa função de diretor, numa função de qualquer cargo onde (...), a pessoa, ela tem que tomar de conta de vários funcionários, vamos dizer assim, eu acho que ela precisa acima de tudo de respeito, confiança nas pessoas com quem ela tá delegando funções. (CAMILA)

Camila ressaltou também a parceria que existe entre o grupo de professores e a CP da instituição em que trabalha e como o fortalecimento dessas relações 149

interpessoais por parte de Marta são decisivas para o bom andamento do CEI. É comum que as professoras ajudassem no trabalho da CP, elas atuavam no atendimento aos pais, preenchimento de fichas dentre outros documentos quando a CP está ausente ou resolvendo outras questões. Como não dispõem de profissionais na secretaria, as professoras assumiam essa função. É aparentemente, por este motivo que ela ressaltou as palavras “respeito e confiança” nas pessoas em que “está delegando funções”. O acúmulo de tarefas e falta de pessoas para a realização do trabalho burocrático do CEI, também foi o ponto de partida das respostas das professoras Maria e Eliane, que ressaltaram a importância de um acompanhamento pedagógico próximo ao professor e às crianças para que o objetivo do trabalho da CP se concretizasse. No entanto, perceberam a necessidade de um outro profissional que auxiliasse no trabalho da CP. Para elas, colocar o professor na situação de um ajudante da CP não favorece o trabalho, antes, inverte a lógica do objetivo do trabalho da CP. Maria afirmou:

Eu acho que na coordenação pedagógica, em especial de CEI, ela tem muita atribuição. São muitas atribuições para uma pessoa só, (...) tem coordenadora pedagógica, só que faz serviço administrativo, faz serviço financeiro... Então assim, elas têm muitas outras demandas que não... Que as vezes choca com tempo de dar o apoio pedagógico também. (...) Eu acredito que (ela precisa) de outro profissional para... Para estar se dedicando só ao coordenador pedagógico. (...) se tivesse alguém para dar o suporte, essa área já financeira, essa área administrativa, se dedicaria mais ao pedagógico. (MARIA)

Assim como na primeira pergunta, as professoras retomaram a importância de um trabalho pedagógico refletido junto com a CP e mostraram interesse para que ele acontecesse. Maria evidenciou em vários momentos da entrevista características positivas do comportamento da CP nas relações interpessoais. O movimento da CP em cultivar boas relações no CEI pode ser percebido durante todas as sessões de observação e sentido durante as entrevistas quando as professoras buscavam escolher as melhores palavras para que não prejudicassem a imagem da coordenadora. Esse aspecto toma proporções maiores quando se compreende o contexto em que o CEI é gerido. No período em que a pesquisa se deu, o CEI estava sob a gestão de uma diretora da Escola Patrimonial que cultivava relações de ordem vertical e predominantemente hierárquicas. Marta conquistou pequenas vitórias ao evitar confrontos diretos com a gestora e sempre assumiu uma postura de negociação quando 150

possível. Em 16 sessões de observação no CEI não foi registrada nenhuma visita da diretora à instituição, como explicitado no capítulo anterior. Vale ressaltar que as sessões aconteceram em dias e horários diversos, contemplando todos os dias e horários de atendimento do CEI. Esse distanciamento e pouca comunicação da “gestora maior” para com os profissionais da instituição culminaram na defesa da professora Eliane por um Centro de Educação Infantil emancipado e detentor de um núcleo gestor próprio que conheça as necessidades e que assim cultive relações de cuidado e afeto entre toda a comunidade escolar. Deste modo o objetivo de cuidar e educar seria mais facilmente alcançado pela CP. Pronto, eu defendo a bandeira da emancipação dos Centros de Educação Infantil. (...) que nós tivéssemos uma estrutura nesse centro de educação infantil tal qual existe nas escolas que possuem ensino fundamental. Se não quisesse chamar essa pessoa de diretor, que trataria das questões burocráticas, se faltou a merenda ou se não faltou, se o gás veio ou se não veio, se a fruta chegou no horário ou se não chegou , né, na terça feira, se teve um problema na companhia de água e faltou agua, como é que eu vou banhar essas crianças que tão aqui o dia todo, funcionário assinou frequência ou não assinou, deveria ter uma pessoa que poderia ser um diretor do centro de educação infantil, não vejo problema nenhum, que trataria mais das questões burocráticas, mas que também educaria, da mesma forma teria que ter um cuidado com essa criança, ele teria que soltar todos os papéis para dar assistência à criança se isso fosse preciso, ele estando entre duas missões grandes, ele teria que priorizar a criança e daí que eu trago sempre essa especificidade... Creio que deveria ser na educação como um todo, nada deveria prevalecer ou estar acima do bem estar dos... Dos educandos, né. (ELIANE)

Marta concordou com as professoras no sentido de que devem ter um objetivo e uma vivência em comum. Ao responder sobre o que é necessário para que a CP alcance seus objetivos no CEI, Marta revelou que: O principal é ser claro com esse professor. É o professor conhecer, principalmente a proposta que a gente acredita. Conhecer a proposta da instituição, conhecer a proposta do município também, e principalmente, o que eu tento muito, é ser claro com esse professor com relação ao que é que a gente quer em determinado nível, o que é que a gente quer com as crianças de infantil I, o que que nós queremos atingir com as crianças de infantil II, entendeu? Eu ser clara nesses objetivos e entender o que realmente a gente tem o interesse de fazer.

Ela destacou a relevância de um trabalho coeso, a orientação do esforço coletivo (Marx, 2004) para um determinado fim em comum, o que se constitui um trabalho de coordenação (PARO, 2015), como já mencionado anteriormente. Contudo, mais uma vez, esta orientação é voltada para metas pré-estabelecidas que desconsideram os interesses e desejos das crianças. Essas metas, não fazem parte de um constructo 151

coletivo em que todas as partes que compõem a instituição são consultadas. Parte dos gabinetes, de uma perspectiva voltada para outros interesses divergentes aos que interessa à Educação Infantil e à uma Pedagogia da Infância em nosso país. No que tange aos conhecimentos necessários para um trabalho de qualidade nas instituições infantis as entrevistadas consideram que a CP deve ter todos os conhecimentos pedagógicos relacionados à Educação Infantil. Para elas, a CP deve possuir os mesmos conhecimentos que esperam de um professor da Educação Infantil (teorias do desenvolvimento, conhecimento das especificidades dos bebês e crianças bem pequenas, do trabalho com crianças com necessidades especiais, dos documentos oficiais, da legislação...), além de saber administrar uma instituição. É o que pode ser observado nos trechos abaixo: (...) ela tem que ter todos os conhecimentos que uma professora também já tenha né. (Camila)

Eu acho que o primeiro é o cuidar e o educar como indissociável, né... Que nem a gente, das diretrizes, os tempos que não podem faltar, que a criança daquela idade precisa aprender... É... Nessa parte pedagógica é muito parecida com a gente. E, além disso, ter liderança porque ela vai estar com um grupo de professores, né, exercer a liderança dela democraticamente, que é o mais importante. (...) e o relacionamento com os pais, porque, tem a relação professor com os pais e o coordenador, ele dá aquela mediada, porque a gente não tem tempo, não tem como tá falando o tempo todo ali diretamente com os pais e os pais muitas vezes tiram dúvidas com a coordenadora, a coordenadora passa segurança para os pais, né, em relação, a professora. A coordenadora ela tem esse papel que é muito importante essa mediação esse relacionamento, tanto com os professores... com o grupo né, os outros funcionários como também com os pais. (MARIA)

As professoras apontaram, ainda, a importância de saber como se relacionar com todos os envolvidos na instituição, sejam professores, funcionários ou pais. Maria especificou que essa relação deve ser democrática, principalmente. Assim seria necessário à CP conhecimentos pautados na gestão democrática (LÜCK, 2010; VIEIRA, 2010; PARO, 1999; 2015; 2016). Aqui as relações interpessoais assumiram, mais uma vez, destaque nas falas das professoras Maria e Eliane. Além destes saberes, os conhecimentos relacionados à administração (“administrativo, financeiro, liderança”) e gerenciamento da instituição também foram mencionados como importantes, já que a realidade em que o grupo de professoras está inserido exige essa ciência por parte da CP. É importante lembrar que nas palavras de Paro (2015, p.25) este trabalho administrativo está a serviço do pedagógico, caso contrário corre o risco de se resumir a “mera burocratização, fazendo-se fim em si mesmo e negando os fins educativos a que deve servir”. 152

As professoras também destacaram a diversidade de tarefas que a CP realiza. Segundo a Professora Eliane cada tarefa exige determinados conhecimentos, portanto, retomou a ideia de que para que a CP consiga abranger todos esses conhecimentos deve estar em permanente formação e para tanto é necessário tempo. Mas, como em um ciclo vicioso, este tempo é negado devido ao excesso de tarefas que a CP executa diariamente. A formação dos coordenadores pedagógicos, em especial para os que atuam na Educação Infantil, tem sido preocupação em muitas pesquisas. Bruno, Abreu e Monção (2015) ressaltam a deficiência na formação inicial do pedagogo que logo se revela, também, na atuação dos gestores. Pinto (2011; 2017) apresenta sua pesquisa que revela que o pouco tempo destinado nos cursos de pedagogia nas áreas da gestão e da Educação Infantil é um dos fatores determinantes para a confusão quanto a profissionalidade dos gestores que atuam na Educação Infantil. Esta afirmativa é ratificada por Oliveira (2012) ao constatar em sua pesquisa que os coordenadores pedagógicos em exercício na educação Infantil na Bahia também revelam pouca segurança quanto à sua profissionalidade e saberes necessários para o desempenho de um trabalho de boa qualidade. É por este motivo que a formação contínua se faz necessária e urgente nos contextos da Educação Infantil, especialmente na creche. Marta considerou que teve uma boa base formativa, cursou Pedagogia e fez disciplinas a mais com foco na gestão escolar (O conjunto dessas disciplinas é chamado de Habilitação e foi presente no currículo da faculdade em que estudou até o ano de 2008). Ela expressou acreditar que este curso favorece seu trabalho no CEI, embora não fosse voltado para a coordenação pedagógica especificamente. Quando questionada sobre como vem investindo em sua formação contínua Marta afirmou:

Mas assim, eu até digo que eu tenho pecado muito na minha formação... Eu não tenho conseguido participar dos FEIC de Educação Infantil... Por que eu não consigo participar? Porque eu sou muito centrada dentro da escola... Parece que na minha cabeça, se eu sair daquele momento ali, muita coisa vai deixar de ser feita, eu não vou dar conta, se eu faltar pra ir ao FEIC, eu não vou dar conta no outro dia do que vai ficar pra fazer. Então eu tenho que fazer essa reflexão de me doar mais com relação a minha formação. De aprender mais de buscar mais... Mas atualmente o que eu faço é isso: como é que eu me alimento? Nas formações dadas pela prefeitura e nos meus próprios estudos individuais.

Na perspectiva de Marta o tempo é fator limitante para que invista mais efetivamente em sua formação. A realidade de Marta é a mesma de vários educadores 153

no município de Fortaleza, com uma carga horária de trabalho de mais de 40 horas semanais, em uma rotina exaustiva, além do excesso de trabalho que leva para concluir em casa, para além do expediente, são pontos que devem ser considerados no processo formativo dos educadores. No município de Fortaleza, em observância a Lei do Piso (Lei nº11738/2008) que garante um terço de atividades sem interação direta com as crianças facilita que os professores invistam algumas horas por semana para estudo e planejamento da ação docente, contudo, esta lei não se aplica aos coordenadores, que se veem sobrecarregados e com pouca oportunidade para estudar e refletir sobre a própria prática.

É interessante observar a relevância do Fórum de Educação Infantil do Ceará na promoção de momentos formativos para os educadores de todo estado. Marta depositou expectativas que nestes encontros ela poderia ampliar sua visão acerca da Educação Infantil e sobre formas outras de se construir práticas pedagógicas interessantes para as crianças. Provavelmente essa ideia é fruto da partilha de outras coordenadoras que conseguem se organizar e comparecer ao Fórum. Vale refletir sobre como algumas coordenadoras conseguem meios para ampliar seus estudos, seja participando do FEIC ou de outros cursos, em condições de trabalho muito similares a de Marta. Seria uma questão de prioridade?

Estas questões levam à próxima seção que trata das percepções das entrevistadas acerca do trabalho de Marta especificamente.

8.2 Percepções acerca do trabalho da Coordenação Pedagógica no CEI pesquisado

É caro para esta pesquisa a compreensão de como se dá o trabalho da coordenadora pedagógica junto às professoras de turmas de creche em um CEI que atende crianças em idade de creche e pré-escola. Para tanto é necessário perceber em que condições esse trabalho acontece. Muitas dessas condições já foram reveladas a partir das observações registradas no diário de Campo e em algumas das respostas das professoras e da coordenadora na seção anterior. Contudo, a partir de questões que levavam as entrevistadas a pensar especificamente em seu contexto de trabalho destacam-se algumas percepções das pessoas que fazem o cotidiano do CEI Hanna Evelyn de Andrade. A CP foi avaliada pelas professoras como uma pessoa comprometida, responsável, esforçada, conhecedora da realidade do CEI, com boas ideias, boas 154

intenções e acolhedora. Elas apontaram que a CP é acessível e, sempre que pode, atua de forma a contribuir com o trabalho das professoras. Suas habilidades em conduzir as relações interpessoais foram ressaltadas a partir de palavras como: “mediação das relações” (MARIA) e “afetividade” (ELIANE). A postura da CP parece transmitir ao grupo uma sensação de segurança e liberdade, provavelmente devido a sua atitude que favorece o diálogo e relações democráticas com as professoras nas tomadas de decisões no ambiente do CEI. Marta também considerou que tem habilidade em liderar pessoas, em conversar com elas. Afirmou investir tempo na leitura de livros neste sentido e que atua em outros espaços como líder. Explicou: Eu não sei o porquê, mas eu gosto muito desses livros de liderança... Não tem nada a ver com Augusto Cury não, (risos). Mas eu gosto muito de procurar... Até porque eu não estou na liderança somente na escola não. Eu tenho outras funções que eu trabalho na liderança né? Na igreja que trabalho também... faço trabalho com casais... Isso também me impulsiona a lidar com pessoas e as pessoas, eu acho, sentem abertura para falar comigo, de poder conversar como eu disse inicialmente sobre a família porque eu acho que eu trago, carrego isso na minha formação e na minha fala diária. As pessoas se sentem muito à vontade para falar comigo sobre isso, por isso né?

Na visão das professoras e da coordenadora, este tem sido um fator importante para a superação de obstáculos encontrados na rotina do CEI. Bruno, Abreu e Monção (2015) também mencionam a importância do saber relacional e que este saber é aprendido. Lembram que é falsa a ideia de que o aprendemos intuitivamente em nossas experiências empíricas ao longo da vida. As autoras levam a cabo a afirmação de que este saber deve ser ensinado nos cursos de pedagogia e que deve ser um objetivo a ser alcançado pela Educação de modo geral. As autoras afirmam ainda que:

Para desempenhar esse papel, cujo bojo está centrado no cultivo da pessoa integral e no qual as relações intra e interpessoais constituem tão forte apelo que, o coordenador pedagógico precisa também cultivar em si mesmo o exercício permanente da busca de autoconhecimento e do desenvolvimento de sua percepção de si e do mundo. (...) O coordenador precisa assumir-se como um articulador das relações especialmente entre educadores e crianças, sem deixar ao largo as relações com a equipe gestora da unidade e a relação dos educadores entre si. (p. 84)

Os sentimentos de acolhimento, respeito, liberdade e segurança foram retomados pelas professoras quando perguntadas como se sentem em relação ao trabalho que Marta realiza no CEI. 155

Me sinto acolhida e respeitada. (CAMILA) Eu me sinto bem segura. (...) Ela nos dá liberdade de criar as atividades, quando a gente passa para ela, o que ela pode fazer... Puder fazer para ampliar, para dar novas ideias ela faz... Ela deixa o ambiente bem harmonioso, com os professores também... O grupo, assim, a gente é uma unidade. Ela deixa, assim, sempre a gente bem... Bem à vontade em relação a isso. Mesmo que a gente tenha algum... (problema) ela media. Pronto! A palavra certa é essa. Ela media muito bem as nossas relações e nos dá muito suporte em sala, o que ela puder fazer pela gente, ela vai fazer. (MARIA)

No entanto, na fala de Eliane, encontra-se um aspecto problematizador no que diz respeito a manutenção das boas relações no ambiente do CEI. Eliane destacou que não considera interessantes algumas posturas da CP, embora compreenda que muitas das vezes essas posturas são pautadas nas necessidades de sobrevivência da “pessoa coordenadora” que detém um cargo instável e por isso tende a acatar ordens superiores que ferem os princípios da Educação Infantil. Essas posturas são apresentadas pela professora Eliane na “Dificuldade de fazer críticas” ou “na dificuldade de fazer críticas às pessoas mais próximas” e na “dificuldade em permanecer leal aos princípios e objetivos da Educação Infantil (aos direitos e interesses das crianças) frente às ordens superiores alheias à realidade do CEI”. Eliane fez a seguinte ponderação:

(...)muitas vezes as pessoas não fazem (a crítica) pensando que estão ajudando, mas não estão né, não estão fazendo e eu acho que os coordenadores também, eles tem essa dificuldade de fazer, tem que se trabalhar muito para fazer (...) às vezes todo mundo tá vendo que um profissional não tá na linha né, ele não tá naquela ali, às vezes eu percebo que por alguma questão pessoal, aquela pessoa não tá sendo chamada atenção da forma que deveria né, você tá vendo aqui todo mundo tentando fazer esse trabalho, “é dessa forma aqui” é “desse jeito” e tem um que não caminha, não tenta caminhar por algumas dificuldades não... Não consegue, ás vezes, a minha crítica é porque muitas vezes você percebe que não é dificuldade, é porque (a pessoa) não quer e aí eu acho que falta um pouco disso... Acho que ela tem se trabalhado, mas que ainda falta isso. De chamar atenção, lógico, de forma muito ética, muito profissional, que a Marta é de fazer isso com alguns profissionais, entendeu? De tentar, por muitas vezes, por muito afeto que é muito afetuosa... Aí muitas vezes deixa passar algumas coisas, de não conseguir separá-las e eu já me trabalho para tentar fazer. (ELIANE - entrevista)

É importante atentar para que não se confunda cultivar boas relações com permissividade ou troca de favores. A ponderação de Eliane revelou ainda que as condições de trabalho em que a CP se encontra é um espaço fértil para que haja confusão entre essas duas situações, portanto, um espaço em que é exigido da CP princípios éticos e compromisso com uma educação de qualidade. Chama a atenção o 156

posicionamento da professora Eliane que mesmo aprovada em seleção pública para o cargo de Coordenadora Pedagógica decidiu permanecer como professora. Ela informou que essa escolha se deu pelas vivências que tem com esse modelo de gestão, ao perceber a coordenadora pedagógica sendo continuamente desconsiderada por parte de seus superiores: “talvez seja a minha experiência que eu tenho com esse gestor que por muitas vezes é insensível às nossas demandas, é que eu não aceito ir, assumir”. É interessante refletir sobre que imagem de gestão pedagógica é repassada aos professores por meio de posturas. Elas ensinam modos de ser, em que aquele que experiencia ao se ver na mesma condição tende a reproduzir estes modos, neste caso, reproduzir a lógica verticalizada e hierárquica a que foi submetido (Formosinho, 2013).

No que concerne à proximidade com as professoras, foi de comum acordo entre as entrevistadas que o excesso de atribuições da CP culmina na falta de tempo para mais investimento no trabalho pedagógico junto às docentes. As professoras expressaram, mais uma vez, o desejo de serem acompanhadas mais de perto pela CP e de vê-la desempenhando o seu papel predominantemente pedagógico: “Pedem dela o que não é para ela fazer e aí eu sinto falta de tê-la na minha sala.” (ELIANE). De um modo geral, as docentes, diferenciaram as atribuições da CP no CEI em duas esferas: Pedagógica e Administrativa/Financeira. Esta diferenciação pode ser observada desde as primeiras concepções sobre o trabalho da CP na Educação Infantil. Isto se dá provavelmente pelas experiências que tem no cotidiano com sua CP. É de conhecimento geral que a função de coordenador pedagógico é relativamente nova no Brasil e tem assumido diferentes formas e nomenclaturas nas diversas regiões. Em algumas ele desempenha papel central em outras é tido como o “recheio do biscoito” (ALVES, 2007; WALTRICK, 2008), aquele que está entre a Direção ou Secretaria de Educação e os professores, um “garoto de recados” que não assume uma posição de fato participativa nas decisões das instituições. No contexto de Fortaleza e, a partir da visão das professoras, pode-se perceber um misto dessas duas visões. Como a CP é a única gestora do CEI ela assume grande responsabilidade com toda a comunidade escolar, é referência para os profissionais e famílias. Organiza os tempos e espaços, media as relações, as funções, administra e supre muitas necessidades do CEI no que diz respeito a finanças, materiais e pessoas. Por outro lado, sempre que convém ao sistema, é relegada à posição de mera 157

reprodutora das ações pensadas pela SME. Seja no “repasse” de informações, na “aplicação” de ações predeterminadas, “formações”, preenchimento de planilhas e sistemas. Essa dualidade dificulta uma conclusão sobre o que de fato é ou deveria ser da competência da CP. Essa dificuldade em conseguir delinear uma profissionalidade ao CP também fora verificada nas pesquisas de Mendes (2013), Lima (2014), Pereira (2014), Teixeira (2015), Fernandes (2016), Bertochi (2016), Borges (2016) e Santos (2017). Em um movimento de tentativa de compreensão desse cargo, sobre o que deve ser da competência da CP, as professoras revelaram que consideram que algumas atribuições não deveriam ser da responsabilidade da CP, como pode ser verificado nos trechos abaixo: “Posso te dizer o que ela estava fazendo além da função pedagógica” (CAMILA)

“Tem que saber lidar com várias coisas ao mesmo tempo, tem que ser, assim, um pouco multifuncionais, nos CEIs.” (MARIA) “...por muitas vezes ela ... não vai atender porque ela não vai conseguir” (ELIANE)

O quadro a seguir, elaborado a partir das respostas das professoras, resume algumas das tarefas que a CP realiza e que foram percebidas pelas professoras:

PEDAGÓGICO ADMINISTRATIVO/FINANCEIRO/ OPERACIONAIS “que é olhar para os planejamentos (C)” “vê o que tá faltando de material” “Olhar como é que a gente pode fazer os projetos “o que precisa colocar na creche” (C)” “fazer reuniões com as professoras(C)” “vê quanto tem no caixa” “articular as relações (M)” “o que pode pagar.” “Executar o nosso projeto político-pedagógico (M)” “O que é que pode comprar” “auxiliar o professor” (M) “tem essa questão também de administrativo, de verba de dinheiro” “Se ver alguma coisa, assim, que ela acredite... Que “Várias demandas das famílias, desde a procura por acha que não tá, assim... Do jeito que é para estar, ela vagas que deveria ser um trabalho de secretaria (E)” ajude, ela auxilie” (M) “mediação com os pais e passar para os pais “ela faz todo um preenchimento no sistema... RU (E)” segurança (M)” “Atendimento às famílias (E)” “passar em todas as... As turmas vendo o número de crianças que vieram e as que não vieram (E)” “participar de uma formação (E)” “se tá tudo funcionando na cozinha (E)” 158

“ler todos os relatórios” “se o cardápio que tá lá dito pela nutricionista naquele dia tá tudo ok (E)” “Ver se nós, professores, estamos necessitando de “está realmente limpa né (E)” alguma coisa no momento do nosso planejamento” “ver os nossos planos de aula (E)” “Na ausência de algum profissional, ela tem que criar estratégia para que não fique um profissional só com as crianças pequenas(E)” “Participar... reunião para tratar muitas vezes de causas burocráticas” (E) “verificar se os diários dos professores estão em dia” “ela tem que receber os senhores, que são 2, que eu me lembro que vem, são duas firmas dos terceirizados” (E) “ficar atento a prazos para outros preenchimentos de avaliação (E)” “Se o professor preencheu a ficha de desempenho da criança”

Quando perguntadas sobre que atribuições aparecem como mais presentes na rotina da CP as professoras apresentaram perspectivas diferentes. A professora Camila apresentou um pouco de confusão, não conseguiu identificar em quais das atribuições a CP mais atua no cotidiano limitando-se a dizer que percebia ações em todas as frentes. Esta dificuldade na diferenciação do trabalho pedagógico em relação ao trabalho administrativo voltado para uma finalidade pedagógica, parece ser preponderante nas falas das professoras, além de pouco claro na perspectiva da própria coordenadora. Maria compreendeu que mesmo quando a CP está envolvida com assuntos administrativos, esses têm relação direta com o pedagógico e por este motivo elegeu o pedagógico como o mais presente na rotina da CP. Eliane foi enfática ao designar como mais presente os aspectos operacionais e administrativos. Para ela o pedagógico está voltado para o acompanhamento das professoras e das crianças em suas várias experiências, e neste aspecto, apesar de todos os esforços da CP, a professora não identificou como o mais presente. Na avaliação das professoras o cargo de CP ainda não apresenta uma clareza quanto às suas atribuições. Deste modo abre-se um leque de perspectivas em que as 159

vivências, formações e experiências de cada indivíduo serão determinantes na construção da imagem desse profissional. Por outro lado, Marta resumiu sua rotina do CEI em:

SGE, meu Deus, todo dia tem que abrir o SGE, todo dia tem que fazer frequência de professor, porque é uma coisa que eu faço diariamente, não posso deixar para outro dia, entendeu? Chegou uma pasta, eu já preencho, porque que eu já preencho logo, Rafaela? Porque você não junta 5, 6 pastas para preencher? Porque eu não vou ter tempo depois de fazer isso, eu não tenho outro profissional que insira isso no sistema para mim, então é mais cômodo para mim, chegou um agora, mais tarde coloco no sistema. Eu não costumo juntar trabalho, guardar trabalho. É interessante observar que como, a alimentação dos sistemas é o mais cobrado da parte do Distrito, é a este ponto que ela empreende grande parte dos seus esforços. Marta incorporou a manutenção dos sistemas digitais como um objetivo do seu trabalho. Essa incorporação é tamanha que a despeito do que foi relatado pelas professoras em diversas ocasiões, Marta não expressou considerar o acompanhamento ao professor como algo de extrema importância no contexto em que está inserida. Isto é reafirmado na situação em que é perguntada sobre quais das suas atribuições ela considerava mais importante e necessária no CEI. Marta respondeu:

Olha, umas das coisas que eu não gostava de fazer era infrequência de aluno, mas eu comecei a entender como isso é positivo porque eu começo a perceber realmente quais são as crianças que perdem muito por conta das faltas e isso me ajudou a ter um acompanhamento mais específico para essas crianças, a chamar mais o pai, a perguntar porque que a criança não tá vindo para escola, explicar que a escola é o melhor lugar para ela. Então, hoje eu tenho a infrequência como um ponto muito positivo, porque ela me ajudou a resolver um problema que eu tinha antes, de não saber quais eram as crianças que não eram frequentes e hoje tá na ponta da minha língua quais as crianças que não vem de cada turma.

Ao serem impelidas a destacarem um aspecto mais necessário na atuação da CP as professoras, em uníssono, levantaram a bandeira daqueles ligados ao Pedagógico. Contudo ressaltaram que o Município não dá condições para que este aspecto seja o mais perceptível na rotina da CP. Para que ele aconteça com a qualidade que desejam e com frequência. Reivindicaram, como em outros momentos, uma pessoa no apoio, um núcleo gestor para o CEI. Mesmo a professora Maria, que sempre ressaltava as habilidades da CP, e buscava ter um cuidado ao falar sobre seu trabalho, que afirmava ver na atuação da CP 160

os aspectos pedagógicos mais presentes, solicitou uma pessoa mais próxima do “chão da sala de aula”, no auxílio às necessidades do professor. A professora se colocou em uma posição de abertura para receber críticas e mostrou interesse tanto em seu crescimento profissional quanto na qualidade do trabalho junto às crianças. As palavras “ajuda”, “auxílio” e “acompanhamento” estavam muito presentes nas falas das professoras, especialmente nas falas das professoras Maria e Eliane. Somente nessa pergunta, a palavra “acompanhamento” aparece oito vezes. O que sugere a importância que as professoras empregaram a esta ação. Segundo o Dicionário29 “acompanhar” significa: escoltar, seguir, reconduzir. Pensar em “escoltar” sugere salvaguardar, estar bem próximo a ponto de proteger. De fato, imaginar-se em uma situação em que se é acompanhado pela CP, significa estar em um ambiente seguro e, além disso, que as professoras conferem esta segurança à pessoa da CP. Camila e Eliane, retomaram a afirmativa de que as questões relacionadas ao operacional, administrativo e financeiro não deveriam ser da responsabilidade da CP e reivindicaram a presença de mais profissionais no CEI para a execução dessas tarefas:

Administrativo e financeiro (são atividades que não deveriam ser da responsabilidade da coordenadora). Por que o nome da coordenadora não é “pedagógica”? Pronto, eu não preciso mais responder nada. (CAMILA)

A professora Eliane fez uma crítica pautada na disparidade de atenção que é dada para as escolas de Ensino Fundamental e para as Instituições de Educação Infantil, essa desigualdade já denunciada por vários autores na Educação Brasileira (Kuhlmann Jr., 2010; Krammer, 2001, 2005, 2007, 2011) é verificada no cotidiano dessas professoras. Por outro lado, a professora Maria concordou com a necessidade de um outro profissional na instituição, contudo, acreditou que mesmo este outro profissional teria atribuições em todas as esferas, pois compreendeu que no CEI o administrativo e o financeiro estão a serviço do pedagógico. A relevância desta outra pessoa estaria na divisão do trabalho, o que culminaria em tempo para um acompanhamento pedagógico efetivo. Como já mencionado, Paro (2015) referenda a ideia de um fazer administrativo e financeiro voltado para o fim da educação que é eminentemente pedagógico.

29 Fonte: https://www.dicio.com.br/acompanhar/ acessado em 14/03/2019

161

Outra questão levantada às professoras diz respeito a como percebem os impactos das reuniões e formações ofertados pela SME na atuação de Marta em relação ao trabalho docente. As professoras afirmaram que sempre que a CP retorna de reuniões ou formações com o Distrito ou SME há um “repasse” de informações para as docentes. Nenhuma professora registrou ter observado mudanças nas ações da CP após alguma dessas reuniões ou formações. Na perspectiva de Maria, há um compartilhamento de aprendizagem. Ela citou a ocasião em que a CP trouxe informações acerca de como realizar primeiros socorros. Ao considerar todos os momentos de suas falas, Maria ressaltou pontos relacionados à segurança das crianças, parece que por este motivo uma formação com a temática foi interessante a ponto de ser relembrada aqui. As palavras PASSA e REPASSA parece compor a gramática da educação bancária, aquela já referida neste texto (FORMOSINHO, 2013) e se concretiza no momento em que as ações formativas da CP são resumidas a: 1) CP recebe o que é “passado” pela Secretaria de Educação e 2)“repassa” às docentes. Neste movimento não percebemos uma práxis desses educadores. Um momento em que suas ações estão postas para que haja reflexão e se necessário um reordenamento dessas ações. Essa inferência é confirmada quando as professoras explicaram como são feitos esses repasses, apresentando a necessidade de toda uma logística para reunir o grupo de professores. Camila comentou:

Ela faz uma reunião com a gente e repassa o que foi no caso dito ou mostrado para ela nas formações ou reuniões com a secretaria. Às vezes ela faz uma formação com a gente... Fazendo toda uma logística para que isso aconteça até porque o município também não manda profissionais para ficar com as crianças enquanto nos reunimos. Sempre falta alguém pra ficar com as crianças. A diferença que eu percebo nela quando retorna dessas reuniões é que ela traz mais coisas assim que... Que a gente possa desenvolver nosso trabalho, né, que é repassado nas formações.

É preocupante pensar no coordenador pedagógico como mero reprodutor de informações de determinada secretaria de educação, ao passo que é possível compreender o motivo dessa situação estar instaurada no CEI pesquisado. As condições adversas já mencionadas em diversos trechos deste trabalho, tais como a quantidade insuficiente de profissionais para um atendimento minimamente possível, as diversas tarefas atribuídas à coordenadora pedagógica, as relações unilaterais a qual é submetida 162

e as precárias condições estruturais e materiais em que se dá o seu trabalho, culminam em um progressivo adiamento daquilo que para as professoras e as diversas pesquisas na área da gestão escolar apontam como principal na atuação da coordenação pedagógica: a formação de professores (BRUNO, ABREU e MONÇÃO, 2015; ALARCÃO, 2001, ALARCÃO e CANHA, 2013; VASCONCELLOS, 2009, ALMEIDA e PLACCO, 2001, 2006, 2008, 2012, 2013; DOMINGUES, 2014). Maria afirmou que estes momentos acontecem, mesmo que de forma aligeirada: “Ela busca repassar para gente, se houver alguma alteração, como houve agora, esses dias do inciso, né, nem que ela passe ali rapidinho, mas ela passa para gente”. Maria também percebeu que esses momentos acontecem rapidamente devido a dificuldade para reunir o grupo e estabelecer esse encontro com os pares: “Ela fala assim para gente, mesmo que seja muito corrido, assim, uma pincelada, né porque para o grupo, reunir todo mundo é muito difícil.” Outra observação que pode ser feita a partir do registro de Maria está relacionada ao uso do termo “difícil”. Há uma forma local de empregar esta mesma palavra, porém com outro significado. Na linguagem popular cearense, por vezes, quando se usa a palavra “difícil” não está relacionada somente a obstáculos para que algo se concretize, mas também sobre a distância temporal em que algo acontece. Ou seja, pode-se interpretar, a partir da fala de Maria, que poucas vezes é possível reunir o grupo de docentes para debater ou estudar um assunto específico. Eliane deu continuidade na reflexão sobre a problemática e denunciou que as crianças são “sacrificadas”, organizadas em uma sala com um único profissional para “olhá-las”. A professora também afirmou o desejo de que estes momentos sejam tratados como prioridade pela CP, mesmo que não soubesse dizer como ela faria isso diante de tantas demandas cotidianas. Embora esses momentos coletivos, em que a CP traz algo da Secretaria e repassa para os professores, aconteçam de forma insatisfatória, as professoras compreendem que são importantes para a o desenvolvimento de seu trabalho. A professora Maria arrematou com um sentimento que confirma essa relevância: “eu adoro!”

As habilidades com as relações interpessoais de Marta recebem destaque nas respostas das professoras quanto aos impactos do trabalho da CP na atuação das docentes junto às crianças. Um clima de bem-estar proporcionado por Marta no CEI, 163

confere às professoras a percepção de serem respeitadas enquanto profissionais. A atuação da CP, na parceria na tomada de decisões na proximidade com as famílias, crianças e professores mesmo em meio a tantos desafios já pontuados pelas professoras, traz motivação ao grupo. Essas percepções receberam destaque nas falas de Camila e Maria:

Eu acho que ela é uma pessoa muito que tem muita empatia e ela é muito (...) transparente... Ela tem muito respeito pelo trabalho do professor e eu acho que quando você coordena os professores, eu costumo dizer que para você ter um trabalho com os professores, primeiro você tem que entender que o trabalho do professor é um trabalho além de muito importante e que normalmente a nossa nação, o país onde a gente vive, não dá tanta importância, né, infelizmente, mas aí existem outras questões, né... E então... Acredito que daqui eu levaria essa visão que eu acho que ela tem maior... Que ela sabe que a gente é importante. Trabalha em conjunto e o respeito que ela tem é bem grande. Comigo já aconteceu, em outras instituições eu não senti esse mesmo respeito pelo profissional do professor mesmo, sabe? (CAMILA – entrevista com a professora)

As professoras se mostraram abertas às suas observações e sabem que podem contar com a CP na resolução dos problemas que emergem diariamente. Camila ressalta a importância do trabalho de Marta na organização da rotina das crianças e na dinâmica dos diversos tempos que as crianças vivenciam.

No entanto foi a professora Maria que trouxe, pela primeira vez na entrevista, uma ação de formação por parte da CP. Maria informou que, algumas vezes, Marta traz textos teóricos para que as professoras leiam. Essa prática, segundo Maria “repercute positivamente” no trabalho docente. Contudo, a professora não deu mais informações quanto ao que é feito com o teor do texto no que diz respeito a reuniões para reflexão coletiva ou um momento formativo em específico. É importante ressaltar que a troca entre os pares (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2007), não só de modos de propor experiências às crianças, mas formas de buscar conhecê-las e compreendê-las parece ser um caminho interessante para a construção de uma fazer pedagógico mais participativo nos CEI.

Neste sentido, Marta avaliou sua própria formação para então refletir como o que “recebe” pode ajudá-la de alguma forma com as professoras em seu contexto. Ela explica:

Existem encontros mensais que são as formações não é... inicialmente existia uma formação muito boa que era com a Paola (nome fictício) direto da SME, era técnica da SME, específico. Era muito, digamos que eram formações bem 164

teóricas que nos ajudavam muito a refletir sobre a prática mesmo, muita coisa boa que a gente já teve, não desmerecendo o que a gente tem agora, mas mensalmente, a gente tem encontros que chama “Formação de Coordenador”, é a mesma formação que há para professor só que se antecipa para os CP essa formação. Elas são dadas pelas técnicas do Distrito né, são as técnicas formadoras do Distrito. Acredito que caiu um pouco a formação... Mas o que é essa formação? Eles trazem para gente um tema, digamos que seja educação inclusiva, traz todo o tema, depois tem os informes e a gente também faz uma breve avaliação sobre o que a gente tem ou algo que a gente queira destacar. Em geral, cada CP traz uma experiência dele para compartilhar com o grupo. É muito interessante esse compartilhamento, é bom a gente ver o que cada CP está fazendo, o que a gente poderia fazer e não fez... Isso é muito bom. E os informes em geral.

Mesmo com os vários impedimentos já verificados neste texto, Marta buscava reunir-se com as professoras fazendo uso de várias estratégias. Esses encontros se davam em um “trabalho de formiguinha” durante os horários de planejamentos das professoras, o que exigiria uma semana inteira para que todas as informações fossem compartilhadas com todas as professoras em seus respectivos horários de planejamento. Neste sentido, Marta explicou um pouco com se dá a dinâmica de trabalho junto a essas professoras:

Como temos um CEI relativamente pequeno com um quadro de 8 turmas. Trabalhamos com temas macros como por exemplo " meio ambiente" dividimos esse tema em subtemas como: 1. Desperdício da água 2. Cuidado com as plantas... e assim elencados atividades que duram de acordo com o interesse das crianças. Faço essa construção com as professoras durante a semana nos planejamentos. Cada vez que tenho um grupo de 2 ou 3 Vou colhendo as sugestões, trocando ideias, perguntando sobre o desejo das turmas naquele momento, o que elas sugerem é assim vai sendo construído o planejamento mensal. Faço acolhidas 2 vezes por semana que tratam desses temas. As professoras vão relatando em seus planejamentos suas dificuldades e o que mais deu certo. Geralmente faço também uns 30 minutos de avaliação do mês para revermos o que foi bom, o que não foi legal e o que não deve deixar de existir. Dessa forma sei tudo que está acontecendo nas turmas do CEI e sei também quais são os temas trabalhados pelas professoras em cada mês. (MARTA – entrevista com a CP)

De outro modo, ela reunia as professoras no refeitório no momento do lanche, vinte minutos, e de forma suscinta tenta acolher as opiniões e repassar informações, ou aos sábados, em comum acordo com todos os professores, havia um momento mais extenso para estudo (Diário de Campo). É possível perceber na fala de Marta que ela buscava estratégias que amenizem os efeitos contrários do sistema em que está inserida. Embora estas ações não sejam as ideais, elas parecem se configurar 165

como um conjunto de ações que estão em um processo qualitativo e que, além disso, podem ser percebidas como atos de resistência no cotidiano do CEI. Em sua avaliação os esforços que vem empreendendo no cotidiano do CEI tem influenciado positivamente o fazer pedagógico das professoras. Marta explicou que:

(...) enquanto eu era professora em 2015, eu via o que era realizado nas salas, até um trabalho assistencialista, e hoje que eu estou na coordenação, eu vejo que as professoras e inclusive as assistentes, tiveram, puderam conhecer e construir junto uma proposta da instituição. A gente passou um ano construindo a proposta, a gente passou um ano refletindo sobre o que seria, o que são práticas pedagógicas? Porque melhorar minha prática pedagógica, qual o sentido da atividade que eu estou fazendo, o que são os tempos que não podem faltar? É só um tempo que a gente tem que registrar? O Que é que essa criança tem direito? A gente fez muito essa reflexão... Por que é que eu não posso tirar dela esse tempo? Porque ela tem direito ao tempo da história, da alimentação... E essas reflexões que nós fizemos durante todo esse ano, gerou, culminou, numa proposta pedagógica firme, numa proposta pedagógica que realmente representa a nossa Instituição hoje, e eu acho que as professoras ganharam muito. Ganharam muita informação, em formação, ganharam muito. Até elas fazem também, uma reflexão quando elas vão para as formações da prefeitura. Se é dito algo lá que não condiz com o que nós estudamos, elas falam, elas dizem: “Não! Mas o que a gente construiu não foi isso aí não...”. Então, isso é base firme. O que vem de lá, às vezes não é o que elas aprenderam aqui, então o interessante é isso mesmo. Contrapor uma coisa com a outra. Por que isso está diferente disso? Por que que pode ser igual e por que que não pode? Fazer essa reflexão. Eu entendo hoje que elas estão bem mais avançadas. Estão bem melhores...

Marta revelou observar um salto qualitativo no trabalho das professoras quando se buscou estudar mais e compreender de forma coletiva em que consiste o trabalho destas profissionais no CEI. A CP percebeu ainda que o momento de construção da proposta Pedagógica foi determinante nesse processo. A articulação para a construção desse documento é um fator muito importante no trabalho do coordenador pedagógico, como ressalta Vasconcellos (2009), contudo, por muitas vezes as determinações das instâncias superiores se sobrepõem a ela como foi possível observar anteriormente. Por outro lado, as condições de trabalho também são significativas no embotamento deste importante documento. A professora Camila considerou que Marta realiza todas as suas funções de forma satisfatória, esta afirmação parece contraditória quando se considera que em outros momentos Camila relatou a multiplicidade de tarefas que a CP é responsável, e inclusive reivindica um “apoio” à CP. Segundo Camila:

166

A nossa coordenadora, ela desempenha o papel que é dela, entendeu? Além dos outros que ela desempenha e que não é função dela, o município não dá o suporte de ter mais de uma coordenadora. (...) podia ter uma pessoa que, assim, desse uma assistência para coordenação. (CAMILA – entrevista com a professora)

As professoras Maria e Eliane ressaltaram o empenho da CP em realizar junto às professoras e crianças o melhor trabalho possível, embora reafirmem a denúncia sobre as precárias condições de trabalho no que se refere ao acúmulo de funções e pouca estrutura física e de pessoal. Lançaram mão das palavras “tenta muito”, afirmando com veemência os esforços da CP em realizar um bom trabalho. As professoras também reconheceram que essas tentativas não são suficientes. Perceberam que por muitas vezes o trabalho junto às docentes é relegado em função de outras demandas. As palavras “junto”, “estar junto”, “acompanhar” e “acompanhamento” foram bastante proferidas neste aspecto. Estas manifestações parecem reforçar o desejo já apontado em resposta a outras questões de que o trabalho da CP esteja mais voltado às vivências e práticas pedagógicas das professoras. Marta, pareceu concordar com a avaliação das professoras e apresentou, em sua visão, que:

O coordenador de CEI do município tem muitas atribuições. Tenho de realizar o máximo possível de atividades. Mas, infelizmente, deixamos a desejar em alguns pontos. Gostaria muito de me ater somente a parte pedagógica. Tenho certeza que fluiria bem melhor. Não consigo também realizar acompanhamento das crianças em sua individualidade. Acompanhar melhor as famílias. Tenho certeza que os resultados seriam bem melhores. Mas tenho consciência de que o trabalho realizado é satisfatório. (MARTA – entrevista com a CP)

Quando indagadas sobre o que mudariam no CEI para que Marta pudesse desempenhar um trabalho ainda melhor as professoras arrematam a pergunta apresentando basicamente os mesmos pontos: Necessidade de um apoio à CP para que possam ter um acompanhamento pedagógico e melhorias na estrutura física do CEI. Embora as professoras Camila e Maria coloquem estes dois aspectos em ordem inversa em relação ao que consideram como mais necessário (enquanto Camila considera a estrutura física o ponto principal, Maria considera o acompanhamento pedagógico primordial), estes dois pontos parecem ter a mesma relevância no contexto deste CEI. Neste sentido, Marta também compartilha da visão das professoras. Segundo a CP, caso pudesse: 167

Primeiro mudaria a estrutura predial pois as salas abertas não facilitam o aprendizado por conta dos barulhos externos. Segundo de imediato colocaria um apoio a gestão (...) para desafogar o coordenador de atribuições que não são dele. Colocaria também um profissional de apoio para o CEI para diversas demandas entre elas o sono das crianças. O apoio (um profissional de) as crianças especiais e para os dias em que faltam funcionários. Se pudesse também daria mais autonomia na parte financeira. Pois tudo temos que nos remeter a patrimonial. (MARTA- entrevista com a CP).

A questão física da instituição estava presente na fala de Marta e foi retomada em várias falas das três professoras. Embora Marta estivesse mais preocupada com a poluição sonora no CEI e a implicância disso na aprendizagem das crianças, as professoras retomaram essa problemática no que diz respeito à integridade física das crianças. Essa questão assumiu proporção mais relevante nos discursos provavelmente devido ao descaso do Município com o CEI em que uma criança chegou a óbito após cair em uma fossa. O CEI pesquisado também sofria a anos com problemas na fossa e com o perigo constante, além desta semelhança, o CEI Hanna Evelyn está próximo ao CEI em que aconteceu a tragédia. As pessoas se conheciam, estudavam juntas nas formações oferecidas pelo Distrito, a consternação era geral em todo o CEI durante o período da pesquisa. As professoras sempre ressaltavam palavras como “segurança”, “cuidados”, provavelmente influenciadas por este acontecimento. As professoras fizeram uso das palavras “desafio”, “desafiador”, indicando que percebem grandes dificuldades na posição de estar coordenador nas condições em que são submetidos. Para além disso, expressaram considerar uma atividade que ultrapassa as capacidades humanas na superação de situações adversas. Esse ponto de vista pode ser observado nas expressões que as professoras utilizaram para designar o coordenador pedagógico do município de Fortaleza, como aquele que “tem sangue no olho”, que é um “super-herói”. Além disso, a responsabilidade e o fardo parecem perder o sentido quando não se é possível evitar ou solucionar problemas. Quando se deve aguardar soluções por parte de órgãos superiores que pouco ou nada se preocupam com a realidade daqueles que estão diariamente enfrentando dificuldades graves para que as crianças possam usufruir de seus direitos. Neste aspecto Camila ponderou que “às vezes nem vale a pena”. O dito “super-herói” não conseguiu salvar a criança da fossa e, diariamente, a despeito de seus esforços não consegue realizar o que planeja fazer, o que gostaria de fazer e nem ao menos o que se espera que faça. 168

Por outro lado, o despertar diário da CP frente a tantos desafios apresentados pelas professoras parece direcionar os olhares para as tantas crianças que estão, neste exato momento, sob a responsabilidade de todos os profissionais daquela instituição e que, por isso, merecem todo o esforço daqueles que compartilham a rotina com elas. Este esforço, no entanto, pode ser visto para além das lutas diárias no âmbito do CEI, pode ser encontrado nas ruas, nas redes sociais e no engajamento político voltado à mudança e à garantia dos direitos dessas e tantas outras crianças. 169

9. CONSIDERAÇÕES FINAIS

À guisa de conclusão muitas são as palavras que desejam saltar para o papel e constituir um “fechamento”. E é por pensar em palavras que desisto deste “fechamento”, desta “conclusão”. Encerrar um processo de pesquisa recapitulando palavras é a única coisa que me parece fazer sentido afinal. A começar recapitulo a palavra “pesquisa”, esta, que tem assumido na realidade significados diferentes entre dois polos. Um polo mais afastado consegue torná-la similar a “balbúdia”, outro polo, este em que me encontro, percebe nesta palavra um importante contributo para sociedade, um olhar para esta mesma sociedade que ignora a pesquisa, que ignora sua necessidade. Outra palavra necessária a esta reflexão é: ser-humano. E aqui faço a junção com a palavra anterior e me proponho a refletir sobre pesquisa com seres humanos. O posicionamento ético daquele que se propõe a pesquisar com seres humanos, que se propõe a estranhar um determinado fenômeno e a junto àqueles que ali estão construir dados que revelem os motivos que o fazem existir, desdobramentos possíveis, que o destaque, que o traga à superfície, que o torne visível. Uma construção que não é similar com aquela pesquisa que com lupas especiais destrincham pedras, mas que imerso em um mundo complexo, em suas próprias complexidades consegue trazer à tona questões que este “mundo”, não por acaso, esconde. Este escrito trata de uma pesquisa com seres humanos que trabalham. Para tanto foi necessário compreender a partir de Marx (2004), no momento histórico em que este teórico é assustadoramente desprezado, desconsiderado, o que é trabalho. Compreender que trabalho é uma ação eminentemente humana e que não está a serviço de outrem, ou de uma minoria, mas que é uma parte que forma o próprio ser, nos leva a outro lugar, a um outro tempo, e a levantar ainda mais questões sobre o que temos vivenciado nos últimos anos em nosso país. Uma pesquisa que se preocupa com seres humanos que trabalham com “educação”, certamente não poderia se dá em um contexto mais árido. No contexto do Brasil atual em que faixas que exigem mais investimento na educação são retiradas violentamente por outros seres humanos que também trabalham, que também tem seus esforços, suas energias de vida explorados, pesquisar o trabalho na educação é 170

realmente desafiador. Pensar que na Educação o trabalho é diferente, que não está sujeito à lógica capitalista, que está a serviço do ser humano e que por ele é constantemente transformado, como conduziu Paro (1999, 2015, 2016) é ainda, urgente. É neste contexto que a preocupação com o trabalho da coordenadora pedagógica tem se configurado. Coordenação Pedagógica que se divorciou há não muito tempo da “supervisão” (ALARCÃO, 2001; VASCONCELLOS, 2009; LÜCK, 2006; 2009; 2010). Que vem se constituindo e se distanciando das práticas de vigilância da antiga e, quem dera, distante Ditadura Militar, que traz consigo o termo “democracia”, que busca atuar em uma “gestão democrática” (PARO, 2015; VIEIRA, 2008). De fato, refletir sobre estas palavras, me parece impactante neste momento. Além disso, há a implicância das hierarquias, não apenas aquelas política e economicamente instituídas, mas as culturalmente repassadas. Não busquei falar apenas da invisibilidade do ser-humano, do trabalhador, da educação, da mulher, mas da infância, especialmente da infância pobre, eminentemente negra pautada nos estudos de Cruz, 2010; 2011; Campos, 2012; 2013; Barbosa, 2009; Cerisara, 2002; Rocha, 1999; Faria, 1999; 2005; Kuhlmann Jr., 2010; Krammer, 2001, 2005, 2009. É por este motivo que não posso pensar em “fechamento”. Estamos, todos, em um difícil processo de luta, batalha por batalha, em busca do sucesso na guerra. Em um período de tantos retrocessos, de tantas falsas certezas, não posso “fechar”, mas posso “abrir”. Abrir para o debate as descobertas desta pesquisa. Conhecer o percurso histórico da Educação Infantil no município de Fortaleza foi um importante fator para a compreensão de como a figura da coordenadora pedagógica na Educação Infantil municipal vem se constituindo, além de, perceber quais os enlaces e desafios se mostram presentes, mesmo, atualmente. Os procedimentos utilizados neste trabalho culminaram na construção de dados que revelam as concepções, as percepções, os desafios e possibilidades acerca do trabalho de uma coordenadora pedagógica junto às professoras de turmas de creche em um CEI municipal de Fortaleza. Neste sentido, pude constatar muitos encontros e desencontros e, me parece, que não poderia ser de outro modo frente ao que considerei até aqui neste texto. A Educação Infantil no Brasil tem por objetivo o desenvolvimento integral das crianças. Esta é a determinação legal que orienta o trabalho das coordenadoras pedagógicas no país. 171

Em relação a esta finalidade, a pesquisa apresenta que a coordenadora pedagógica em questão, se vê frente a uma multiplicidade de objetivos que são, sobretudo, contrários entre si. Exigir que as crianças cumpram determinadas metas ao fim de cada determinado ciclo diverge com o objetivo de uma educação para o desenvolvimento integral e, para além disso, de uma perspectiva do cuidado. Frente a esta situação, o trabalho da CP, orientado para diferentes fins, parece contradizer a lógica levantada por Paro (2015) em relação ao distanciamento da lógica capitalista no trabalho educativo e reafirma uma preocupação de Arroyo (1985), com a presença massacrante do capital no cotidiano escolar e agora, ao que parece, na creche. As metas perseguidas para a garantia de recursos junto aos bancos internacionais, tem impactado diretamente o trabalho da CP no contexto pesquisado. Este impacto é observado no distanciamento da coordenadora pedagógica em relação às professoras e as práticas pedagógicas relacionadas às crianças. Como esta pesquisa se pautou no acompanhamento próximo à coordenadora e a registrar suas ações, mesmo com o foco no trabalho junto as professoras de turmas de creche, ficou evidente como estas ações são incipientes. Esta constatação pode ser observada nos poucos registros em que há uma intencional interação entre a coordenadora, professoras e crianças da creche. Os dados revelam que, em uma escala de prioridades, o trabalho com os professores de turmas de creche tem perdido lugar se comparado com a atuação da CP em turmas de pré-escola para o alcance dos objetivos a ela instituídos. Por outro lado, com o apoio das professoras, Marta busca alternativas para enfrentar essa lógica ao mesmo tempo em que as condições de trabalho a que é submetida a impulsionam para outro lugar. Os desafios apresentados à gestora, e identificados nessa pesquisa estão relacionados à precárias condições de trabalho, falta de materiais, financiamento insuficiente, quadro de funcionários deficitário, acúmulo de tarefas, pouca valorização profissional, relações verticalizadas com seus superiores, formação inicial e continuada insuficiente. Estes fatores objetivos são os principais propulsores da perpetuação de uma pedagogia transmissiva e burocrática. As habilidades relacionais de Marta abrem caminhos para a existência de ações mais democráticas no CEI. Este me parece um importante ponto a ser notado e refletido pela CP. Diferente das diversas pesquisas que buscaram investigar o CP, Marta 172

conta com o apoio das professoras da instituição que não só se mostram parceiras, como gostariam que essa parceria fosse ampliada e que a coordenadora pedagógica estivesse mais próxima a elas em suas vivências junto às crianças. As relações afetuosas entre Marta e as professoras recebem destaque nesta pesquisa e ressaltam dois pontos de tensão: o primeiro relacionado à forma como a CP era “protegida” pelas professoras que sempre buscavam formas de evitar que suas ações fossem mal interpretadas e sofressem julgamentos. Esta preocupação poderia levar a pesquisa à uma cortina de fumaça em que alguns pontos importantes sobre o trabalho da coordenadora junto a essas professoras não fossem analisados. O segundo, por outro lado, leva a um questionamento plausível: em que medida gestores na área da Educação Infantil tem investido tempo para aprender e vivenciar situações em que boas relações são cultivadas e propiciadas nas instituições de Educação? Na visão destas professoras, Marta é uma excelente profissional que tem contribuído de forma significativa para o crescimento do grupo docente, mas que, por mais que pareça, não é a super-heroína que instâncias superiores esperam que ela seja. E é por este motivo que reclamam um núcleo gestor para o CEI. A palavra “apoio” foi um termo muito utilizado pelas professoras durante as entrevistas em que buscavam soluções para que o trabalho da CP junto a elas acontecesse de forma mais efetiva. Como já explicitado o município de Fortaleza não disponibiliza nenhum profissional para o auxílio do trabalho da coordenadora pedagógica, mesmo quando esta coordenadora trabalha em uma instituição distante da escola patrimonial a qual é vinculada, o que ocorre na maior parte dos CEI do município. Na visão da coordenadora, o trabalho pedagógico realizado no CEI junto às turmas de creche poderia ser melhor acompanhado desde que houvesse na instituição profissionais que atuassem na secretaria, nas ações ligadas à nutrição das crianças, bem como no apoio direto às crianças deficientes. Segundo Marta, chegar ao fim do dia com a sensação de que pouco realizou frente ao que havia planejado causa uma certa angústia e a faz refletir sobre o que realmente significa ser coordenadora pedagógica. As reflexões de Marta levam a pensar sobre como vem se constituindo a profissionalidade das coordenadoras pedagógicas do município de Fortaleza e em que medida essa profissionalidade é refletida sob as especificidades inerentes à Educação Infantil. Apresentam o imperativo de que é urgente uma maior atenção por parte do 173

município a este profissional para que, junto a outras medidas, haja uma boa qualidade nas instituições que cuidam e educam de bebês e crianças bem pequenas. A síntese dos achados desta pesquisa leva a necessidade de outras reflexões acerca do trabalho da coordenadora pedagógica junto às professoras de turmas de creche e me faz desejar percepcionar outras formas de ser coordenadora pedagógica, outras formas de cuidar da coordenadora pedagógica e estabelecer relações com ela, especialmente no âmbito da Educação Infantil. 174

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185

APÊNDICE A - ROTEIRO PARA ENTREVISTA COM A CP

Data:___/___/_____ Local:______

Horário – Início: ______Término:______

ENTREVISTA

CONCEPÇÕES SOBRE O TRABALHO DA CP NA CRECHE 1. Como chegou a ser coordenadora pedagógica no município de Fortaleza? 2. Para você, qual o objetivo do trabalho do coordenador pedagógico? E qual o objetivo do CP de creche? Quais semelhanças e diferenças você destacaria em relação ao objetivo do trabalho dos demais coordenadores pedagógicos (ensinos fundamental e médio, por exemplo)? 3. E dentro do próprio CEI, você acha que existem diferenças entre o objetivo do trabalho para com a pré-escola e a creche? Quais? Por quê? 4. Em sua opinião o que é necessário para que esse objetivo seja atingido, na creche? 5. O que você pensa sobre o trabalho que vem realizando aqui? O que gosta? E o que gostaria que fosse diferente? 6. Como você se sente em relação à ele? Por quê?

CONDIÇÕES DO TRABALHO DA CP JUNTO ÀS PROFESSORAS 7. Quais as suas atribuições aqui no CEI? 8. Quais você percebe como mais presentes em sua rotina diária? 9. Quais as que você considera mais necessárias/importantes? 10. Alguma dessas atribuições você considera que não deveria ser de sua responsabilidade? Por quê? 11. O que você acha sobre o trabalho que vem realizando aqui? O que gosta? E o que gostaria que fosse diferente? 12. Como você se sente em relação à ele? Por quê? 13. Desde quando você participa dos encontros promovidos pela SME e Distrito de Educação para CPs especificamente? Normalmente, qual o teor desses encontros? 14. Você considera que os encontros de formação auxiliam no seu trabalho cotidiano? 15. O curso de Pedagogia contribuiu para que você se sinta segura ao realizar alguma destas funções? Qual e em que medida? 16. Para quais das suas atribuições você não percebe a contribuição do curso de Pedagogia? Por que? 17. Como você tem investido em sua própria formação desde que assumiu a CP? 18. Você acha que o seu trabalho junto às professoras repercute em suas práticas pedagógicas? De que maneira? 186

19. Como você realiza esse trabalho de acompanhamento pedagógico? 20. Você considera que desempenha todas as suas atribuições de maneira satisfatória? 21. Se você pudesse mudar algo aqui no CEI para melhorar o seu trabalho, o que mudaria? Por quê? 187

APÊNDICE B - ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO DO TRABALHO DA CP NO CEI

Data da observação:___/___/_____ Dia da semana______Nº da seção de observação:______Horário de início:______Término:______

1. Como é o CEI que a CP coordena? (Fica próximo ou distante da escola patrimonial? Em que região do Distrito – mais periférica ou central? Como é a estrutura física, os ambientes para as crianças, para os funcionários, professores e para a CP? Como estão organizados?)

1º MOMENTO – OBSERVAÇÕES SESSÕES 1 E 2

1. Como a CP organiza seu tempo no espaço que dispõe? Que horas chega? Quanto tempo permanece em cada ambiente? Que horas sai? 2. Como é a rotina da CP no CEI? Que atividades realiza? 3. A CP planeja suas atividades para o início do semestre letivo? O que organiza? Em quais atividades de preparação/organização dedica mais tempo? Como são as relações da CP com a direção, as professoras, assistentes, demais funcionários? 4. Quais os sentimentos durante esses dias de observação?

2º MOMENTO – OBSERVAÇÕES SESSÕES 3 A 16 1. Como a CP organiza seu tempo no espaço que dispõe? Que horas chega? Quanto tempo permanece em cada ambiente? Que horas sai? 2. Como é a rotina da CP no CEI? Que atividades realiza? Quais atividades são voltadas para as turmas de creche? E para os professores que atuam nestas turmas? 3. A CP planeja, organiza, executa e avalia suas atividades diárias? Quais delas são voltadas para a creche? E para os professores de turmas de creche? 4. Com quais integrantes da comunidade escolar interage?

Professores da pré-escola: ( ) SIM ( ) Não Em que tempo:______188

Com qual objetivo? ______

Professores da creche: ( ) SIM ( ) Não Em que tempo:______Com qual objetivo? ______

Assistentes: ( ) SIM ( ) Não Em que tempo:______Com qual objetivo? ______

Funcionários: ( ) SIM ( ) Não Em que tempo:______Com qual objetivo? ______

Diretora: ( ) SIM ( ) Não Em que tempo:______Com qual objetivo? ______

Crianças: ( ) SIM ( ) Não Em que tempo:______Com qual objetivo? ______

Famílias: ( ) SIM ( ) Não Em que tempo:______Com qual objetivo? ______

Distrito de Educação/ SME: ( ) SIM ( ) Não Em que tempo:______Com qual objetivo? ______

Outros: ( ) SIM ( ) Não Quem?______Em que tempo:______189

Com qual objetivo? ______

5. A CP elabora, organiza e executa ações formativas em contexto? De que maneira? Com que profissionais? Quais os temas abordados? Em que espaço acontece?

6. A CP acompanha o trabalho das professoras de turmas de creche nos momentos de interação com as crianças?

7. Como é a sua presença no planejamento? Traz que contribuições?

8. Sobre quais assuntos a CP tem demonstrado maior preocupação neste dia? Como o tratou? Obteve êxito?

9. Quais os sentimentos durante esse dia de observação?

190

APÊNDICE C – ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA AS PROFESSORAS DE TURMAS DE CRECHE DO CEI

Data:___/___/_____ Local:______Horário – Início: ______Término:______Nome da entrevistada:______Turma de crianças pela qual é responsável:______

CONCEPÇÕES SOBRE O TRABALHO DA CP NA CRECHE 1 Para você, qual o objetivo do trabalho do coordenador pedagógico? E qual o objetivo do CP de creche? Quais semelhanças e diferenças você destacaria em relação ao objetivo do trabalho dos demais coordenadores pedagógicos (ensinos fundamental e médio, por exemplo)? 2 E dentro do próprio CEI, você acha que existem diferenças entre o objetivo do trabalho para com a pré-escola e a creche? Quais? Por quê? 3 Em sua opinião o que é necessário para que esse objetivo seja atingido? 4 O que você pensa sobre o trabalho que a CP vem realizando aqui? O que gosta? E o que gostaria que fosse diferente? 5 Como você se sente em relação à ele? Por quê?

CONDIÇÕES DO TRABALHO DA CP JUNTO ÀS PROFESSORAS 6 Quais as atribuições da CP neste CEI? 7 Quais você percebe como mais presente na rotina diária da CP? Quais as que você considera mais necessárias? 8 Alguma dessas atribuições você considera que não deveria ser da responsabilidade da CP? Por quê? 9 A CP participa de alguns encontros com o Distrito de Educação e a SME? Ao retornar desses encontros normalmente o que acontece? Há alguma mudança no trabalho da CP em sua percepção? Algo desses encontros é compartilhado com as professoras? 10 Fale sobre o trabalho pedagógico da CP em relação às professoras, ele repercute nas suas práticas pedagógicas? De que maneira? 11 Como esse trabalho de acompanhamento pedagógico é realizado? 12 Você considera que a CP desempenha todas essas atribuições de maneira satisfatória? 13 Se você pudesse mudar algo aqui no CEI para melhorar o trabalho da CP, o que mudaria? Por quê?

191

APÊNDICE D – ROTEIRO PARA ANÁLISE DA PROPOSTA PEDAGÓGICA DO CEI

Observar no documento da Proposta Pedagógica do CEI os seguintes pontos:

• História do CEI • Objetivos da PP • Como foi a construção da PP (participantes, organização e tempo de construção) • Concepções de infância, criança, educação, Educação Infantil, função da instituição em relação à criança, a família e a comunidade presentes no documento. • Papel da CP. • Papel dos demais funcionários, professores e equipe gestora. • Princípios que norteiam as práticas pedagógicas e métodos. • Outros aspectos que considerem especificidades do trabalho com bebês e crianças bem pequenas. 192

APÊNDICE E – QUESTIONÁRIO PARA AS ENTREVISTADAS

30DADOS DA ENTREVISTADA: Idade:______Formação: • Graduação em: ______Instituição de Ensino da graduação ______Ano de conclusão do curso:______• Formação continuada: Curso(s) de Especialização Completo(s)? ______Nome(s), Intituição (ões) de Ensino e data(s) de conclusão do(s) curso(s)? ______

Mestrado? ______Nome do curso:______Instituição:______Data de Conclusão:______

Doutorado? ______Nome do curso:______Instituição:______Data de Conclusão:______

30 A ser respondido no dia em que marcarmos data e local para entrevista. Constitui uma prévia da entrevista. 193

Participa de encontros formativos para CP oferecidos pela Secretaria de Educação do Município? ______

Outro (s) curso (s):______Nome do curso:______Instituição:______Data de Conclusão:______

Nome do curso:______Instituição:______Data de Conclusão:______

Nome do curso:______Instituição:______Data de Conclusão:______Tempo de atuação na educação: • Trabalhou em escolas privadas? ______Quanto tempo? ______Em quais funções? ______• Quando ingressou na rede municipal? ______Tempo de atuação na CP da Educação Infantil (instituições privada e pública):______Tempo de atuação como CP no CEI pesquisado:______

194

ANEXO 1 – PLANO DE AÇÃO PARA O ALCANCE DE METAS DO INFANTIL V

195

ANEXO 2 – ACOMPANHAMENTO DA APRENDIZAGEM DO NOME PRÓPRIO

196

197

ANEXO 3 – “PROJETO LITERÁRIO”

198

199

ANEXO 4 – EXEMPLO DE SUGESTÃO DE ATIVIDADES DAS ROFESSORAS PARA O PROJETO

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ANEXO 5 – PLANEJAMENTO DA CP

ROTINA DO COORDENADOR DE CRECHE/SEMANAL/AGOSTO SEMANA 27 a 31 PROJETO: BAÚ LITERÁRIO SEGUNDA TERÇA QUARTA QUINTA SEXTA ✓ Acompanha ✓ Acompanhar a ✓ Acompanhar a ✓ Acompanhar a ✓ Acompanhar a r a chegada e saída chegada e saída das chegada e saída chegada e saída das chegada e saída das crianças nos crianças nos dois das crianças nos crianças nos dois das crianças nos dois expedientes. expedientes. dois expedientes. expedientes. dois expedientes. ✓ Realizar ✓ Acolhida coletiva. ✓ Monitoramento ✓ Ver cadernos d ✓ Realizar festa dos infrequência ✓ Monitoramento dos dos horários. planejamento das aniversariantes dos alunos no horários. ✓ Preencher professoras de I, II. do mês de agosto sistema. ✓ Atualizar SGE. questionário foco ✓ Monitoramento dos na acolhida ✓ Realizar ✓ Acompanhamento no foco. horários. coletiva. frequência de do planejamento ✓ Acompanhar as ✓ Ver limpeza geral ✓ Acompanhar o professores. das professoras. professoras no do depósito de planejamento das ✓ Monitoramento ✓ Realizar planejamento alimentos. professoras. dos horários. infrequência dos ✓ Ver limpeza geral ✓ Organizar material ✓ Elaborar agenda ✓ Verificar fichas alunos no sistema. da cozinha e solicitado pelas da semana para da cozinha e ✓ Realizar frequência necessidades. professoras para a entregar ao alimentos. de professores. ✓ Pesquisar material semana seguinte. gestor. ✓ Preparar ✓ Atendimento aos para próxima ✓ Realizar ✓ Monitoramento material para pais. formação em infrequência dos dos horários. acolhida de ✓ Reunião de gestão contexto. alunos no sistema. ✓ Preparar xerox terça. no distrito de ✓ Acompanhar ✓ Realizar frequência das frequências ✓ Reunião no educação. reforma do muro de professores. de terceirizados. turno da tarde no CEI. ✓ Preparar material ✓ Realizar com a diretora ✓ Realizar para a festa dos infrequência dos para tratar de infrequência dos aniversariantes do alunos no Inventário, alunos no sistema. mês de agosto. sistema. PDDE, festa de ✓ Realizar professores e frequência de questionário professores. MPEDUC.