Universidades Lusíada

Ribeiro, André Filipe Silva Grilo Batista, 1991- Projecto e metamorfose : permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa http://hdl.handle.net/11067/5623

Metadados Data de Publicação 2019 Resumo O espaço público constitui por excelência a condição para que se possa realizar a vida urbana, tratando-se assim de uma “condição geral” para a existência própria da cidade. É um espaço multidimensional: físico, simbólico e político onde as relações sociais se estabelecem e que serve de palco à sociedade. O espaço público é o espaço da representação, no qual a sociedade se mostra visível. A presente dissertação tem como principal objectivo estudar a evolução e as características do espaço públic... The public space is par excellence the condition for the achievement of urban life, therefore being a main condition for the city's own existence. It is a multidimensional space: physical, symbolic and political where social relations are established and serves as a stage for society. Public space is the field of representation, in which society is visible. The present master thesis main objective is to study the evolution and the features of the public space in Downtown. This area of Lis... Palavras Chave Espaços públicos - - Lisboa, Centros históricos - Portugal - Lisboa, Percurso pedonal assistido da Baixa ao Castelo de São Jorge (Lisboa, Portugal), Lisboa (Portugal) - Edifícios, estruturas, etc., Campo das Cebolas (Lisboa, Portugal), Praça do Comércio (Lisboa, Portugal) Tipo masterThesis Revisão de Pares Não Coleções [ULL-FAA] Dissertações

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U NIVERSIDADE L USÍADA

FACULDADE DE ARQUITECTURA E ARTES

Mestrado Integrado em Arquitectura

Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Realizado por: André Filipe Silva Grilo Batista Ribeiro

Orientado por: Prof. Doutor Arqt. Rui Manuel Reis Alves

Constituição do Júri:

Presidente: Prof. Doutor Horácio Manuel Pereira Bonifácio Orientador: Prof. Doutor Arqt. Rui Manuel Reis Alves Arguente: Prof. Doutor Arqt. Orlando Pedro Herculano Seixas de Azevedo

Dissertação aprovada em: 2 de Julho de 2020

Lisboa

2019

U NIVERSIDADE L USÍADA

FACULDADE DE ARQUITECTURA E ARTES

Mestrado Integrado em Arquitectura

Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

André Filipe Silva Grilo Batista Ribeiro

Lisboa

Novembro 2019

U NIVERSIDADE L USÍADA

FACULDADE DE ARQUITECTURA E ARTES

Mestrado Integrado em Arquitectura

Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

André Filipe Silva Grilo Batista Ribeiro

Lisboa

Novembro 2019

André Filipe Silva Grilo Batista Ribeiro

Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Dissertação apresentada à Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada para a obtenção do grau de Mestre em Arquitectura.

Orientador: Prof. Doutor Arqt. Rui Manuel Reis Alves

Lisboa

Novembro 2019

Ficha Técnica

Autor André Filipe Silva Grilo Batista Ribeiro

Orientador Prof. Doutor Arqt. Rui Manuel Reis Alves

Título Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Local Lisboa

Ano 2019

Mediateca da Universidade Lusíada - Catalogação na Publicação

RIBEIRO, André Filipe Silva Grilo Batista, 1991-

Projecto e metamorfose : permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa / André Filipe Silva Grilo Batista Ribeiro ; orientado por Rui Manuel Reis Alves. - Lisboa : [s.n.], 2019. - Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura, Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada.

I - ALVES, Rui Manuel Reis, 1964-

LCSH 1. Espaços públicos - Portugal - Lisboa 2. Centros históricos - Portugal - Lisboa 3. Campo das Cebolas (Lisboa, Portugal) 4. Percurso Pedonal Assistido da Baixa ao Castelo de São Jorge (Lisboa, Portugal) 5. Lisboa (Portugal) - Edifícios, estruturas, etc. 6. Praça do Comércio (Lisboa, Portugal) 7. Universidade Lusíada. Faculdade de Arquitectura e Artes - Teses 8. Teses - Portugal - Lisboa

1. Public spaces - Portugal - Lisbon 2. Historic districts - Portugal- Lisbon 3. Campo das Cebolas (Lisbon, Portugal) 4. Percurso Pedonal Assistido da Baixa ao Castelo de São Jorge (Lisbon, Portugal) 5. Lisbon (Portugal) - Buildings, structures, etc. 6. Praça do Comércio (Lisbon, Portugal) 7. Universidade Lusíada. Faculdade de Arquitectura e Artes - Dissertations 8. Dissertations, Academic - Portugal - Lisbon

LCC 1. NA9053.S6 R53 2019

Aos meus pais, aos meus avós, e ao meu irmão…

AGRADECIMENTOS

Ao Professor Doutor Arquitecto Rui Manuel Reis Alves um agradecimento especial pela disponibilidade, acompanhamento e orientação que culminou na elaboração e conclusão desta dissertação. Sem a sua sabedoria e experiência nada disto teria sido possível.

Aos meus pais, aos meus avós e ao meu irmão, e a toda a minha família, por todo o apoio, força e motivação que me deram ao longo deste percurso e por terem deixado sempre do meu lado a opção de seguir o meu caminho e aceitado as minhas decisões. Por sempre terem estado e continuarem a estar presentes. Por nunca deixarem de acreditar em mim e por sempre me mostrarem que com humildade, honestidade e trabalho tudo se consegue! Obrigado pelas vossas palavras e conselhos, pelos vossos esforços e sacrifícios, pela vossa motivação e apoio constante. Obrigado por tudo!

Ao Arq.º Luís Jorge Bruno Soares e ao seu atelier por toda a disponibilidade em receber- me e por me ter facultado elementos necessários, para a elaboração da dissertação.

À Professora Doutora Arq.ª Helena Botelho pelo apoio, amizade e bibliografia facultada.

À Mediateca da Universidade Lusíada de Lisboa pelo serviço de excelência e à Sra. D. Catarina Graça, pela paciência, disponibilidade e dedicação na formatação e referenciação da presente dissertação.

Agradeço a todas as pessoas que acompanharam o meu percurso e formação académica e que, de alguma forma, contribuíram para o meu crescimento como estudante e como pessoa, com especial foco para todos os professores e corpo docente da Universidade Lusíada de Lisboa. Obrigado pelos ensinamentos e valores que me transmitiram ao longo destes anos.

Um especial agradecimento a todos os meus amigos e colegas de curso e em particular, ao Gonçalo, ao Ricardo, à Andreia, ao Miguel e ao Rafael. Obrigado pela vossa amizade e companheirismo.

À QB Family, pelo vosso apoio e amizade.

A todos, o meu mais sincero obrigado!

“O espaço, mais do que uma realidade física e tridimensional, é o aspecto mais difícil da Arquitectura… é, afinal, a sua própria essência.”

ALVES, Fernando M. Brandão (2003) – Avaliação da qualidade do espaço público. Proposta metodológica. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian. p. 108.

“Lisboa parece ter, ainda hoje, essa capacidade de deixar sentir de forma bastante clara, quase como um corpo, o território que a suporta; como se a cidade fosse o vestuário em cima de um corpo que permanentemente se revela e se torna visível.”

Carrilho da Graça apud TAVARES, André (2015) – Carrilho da Graça : Lisboa. Porto : Dafne Editora, p. 144.

APRESENTAÇÃO

Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

André Filipe S. G. Batista Ribeiro

O espaço público constitui por excelência a condição para que se possa realizar a vida urbana, tratando-se assim de uma “condição geral” para a existência própria da cidade. É um espaço multidimensional: físico, simbólico e político onde as relações sociais se estabelecem e que serve de palco à sociedade. O espaço público é o espaço da representação, no qual a sociedade se mostra visível.

A presente dissertação tem como principal objectivo estudar a evolução e as características do espaço público na zona central da cidade de Lisboa - a Baixa. Esta área de Lisboa é relevante pela sua importância no contexto urbano, uma vez que, nela, hierarquicamente se concentram alguns dos espaços públicos mais importantes da cidade e pela leitura, que nos é permitida fazer, da sua evolução desde a antiguidade até aos nossos dias.

O foco da dissertação concentra-se no espaço público da Baixa de Lisboa, mas é nossa intenção neste trabalho compreender a articulação e a evolução / adaptação do espaço público à transformação da própria cidade (projecto e metamorfose) através do estudo do mesmo, num contexto funcional e arquitectónico, relacionando-o com todo um contexto social que lhe dá razão de ser.

Deste modo procura-se compreender a zona baixa da cidade através da evolução do seu espaço público, analisando-o e caracterizando-o, propondo-se por fim, um estudo de três obras / projectos de reabilitação de espaço público consolidado.

Palavras-chave: Espaço Público, Baixa de Lisboa, Projecto, Metamorfose.

PRESENTATION

Project and metamorphosis: permanence and transformation in the public space of Lisbon Downtown

André Filipe S. G. Batista Ribeiro

The public space is par excellence the condition for the achievement of urban life, therefore being a main condition for the city's own existence. It is a multidimensional space: physical, symbolic and political where social relations are established and serves as a stage for society. Public space is the field of representation, in which society is visible.

The present master thesis main objective is to study the evolution and the features of the public space in Lisbon Downtown. This area of Lisbon is relevant because of its value in the urban context, since it concentrates hierarchically some of the most important public spaces of the city and because allow us to do a reading of its evolution from ancient times to the present day.

The focus of the work is on public space of Lisbon Downtown, but it’s our intention in this paper the understanding of the articulation and evolution / adaptation of public space to the transformation of the city itself (project and metamorphosis) by studying it in a functional and architectural context, relating it to a whole social context that gives it a reason of being.

Thus, we seek to understand the city's downtown through the evolution of its public space, analyzing and characterizing it, and finally proposing a study of three works / projects of consolidated public space rehab.

Keywords: Public Space, Lisbon Downtown, Project, Metamorphosis.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração 1 - Rockefeller Center, Nova York. (Ling, 2015)...... 47 Ilustração 2 - Seagram Building Plaza, Nova York. (Ling, 2015)...... 47 Ilustração 3 - Cabot Square, Londres. (Ling, 2015)...... 48 Ilustração 4 - Downtown Container Park, Las Vegas. (Ling, 2015)...... 48 Ilustração 5 - Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa. (Ling, 2015)...... 48 Ilustração 6 - Yebisu Garden Place, Tóquio. (Ling, 2015)...... 48 Ilustração 7 - Pavimento Praça do Comércio, Lisboa. (Ilustração nossa, 2018)...... 52 Ilustração 8 - Pavimento Rua do Carmo, Lisboa. (Ilustração nossa, 2018)...... 52 Ilustração 9 - Pavimento Rua Augusta, Lisboa. (Ilustração nossa, 2018)...... 52 Ilustração 10 - Rua Augusta, Lisboa. (Ilustração nossa, 2018)...... 52 Ilustração 11 - Praça do Comércio, Lisboa. (Ilustração nossa, 2018)...... 52 Ilustração 12 - Arco do Bandeira, , Lisboa. (Ilustração nossa, 2018)...... 53 Ilustração 13 - Rua Augusta, Lisboa. (Ilustração nossa, 2018)...... 53 Ilustração 14 - Arcadas, Praça do Comércio, Lisboa. (Ilustração nossa, 2019)...... 54 Ilustração 15 - Torreão Poente, Praça do Comércio, Lisboa. (Ilustração nossa, 2019)...... 54 Ilustração 16 - Lote, Unidade de Habitação de Marselha, Le Corbusier. (Kroll, 2016). 55 Ilustração 17 - Unidade de Habitação de Marselha, Le Corbusier. (Kroll, 2016)...... 55 Ilustração 18 - Unidade de Habitação de Marselha, Le Corbusier. (Kroll, 2016)...... 55 Ilustração 19 - Quarteirões, Baixa Pombalina, Lisboa. (Jorge, 2013)...... 55 Ilustração 20 - Quarteirões, Baixa Pombalina, Lisboa. (Jorge, 2013)...... 55 Ilustração 21 - Pátio Siza Vieira, , Lisboa. (Ilustração nossa, 2019)...... 56 Ilustração 22 - Quarteirão Império, Chiado, Lisboa. (Ilustração nossa, 2019)...... 56 Ilustração 23 - Quarteirão Império, Chiado, Lisboa. (Ilustração nossa, 2019)...... 56 Ilustração 24 - Ruínas de Fórum Romano - Praça Oval de Gerasa, Jerash, Jordânia. (Raddato, 2018)...... 58 Ilustração 25 - Plaza Mayor, Madrid, Intervenção Artística. (SpY, 2017)...... 58 Ilustração 26 - Estátua Equestre D. José I, Praça do Comércio, Lisboa. (Ilustração nossa, 2019)...... 59 Ilustração 27 - Torre de Belém, Lisboa. (Ilustração nossa, 2019)...... 59 Ilustração 28 - Padrão dos Descobrimentos, Lisboa. (Ilustração nossa, 2019)...... 59 Ilustração 29 - Campo das Cebolas. (Ilustração nossa, 2019)...... 60 Ilustração 30 - Alinhamento arbóreo na Av. da Liberdade, Lisboa. (Jorge, 2013)...... 60 Ilustração 31 - Ribeira das Naus, Lisboa. (Lisboa. Câmara Municipal, 2016b)...... 60 Ilustração 32 - Mobiliário Urbano, Lisboa. (Ilustração nossa, 2019)...... 61

Ilustração 33 - Mobiliário Urbano, Lisboa. (Ilustração nossa, 2019)...... 61 Ilustração 34 - Mobiliário Urbano, Lisboa. (Ilustração nossa, 2019)...... 61 Ilustração 35 - Piazza del Campo, Siena, Itália. (Gonçalves, 2017)...... 62 Ilustração 36 - Monsaraz, Portugal. (Gonçalves, 2017)...... 62 Ilustração 37 - Casa do Penedo, Portugal. (Gonçalves, 2017)...... 63 Ilustração 38 - Ronda, Andaluzia, Espanha. (Gonçalves, 2017)...... 63 Ilustração 39 - Praça do Comércio, Lisboa. (ilustração nossa, 2018)...... 64 Ilustração 40 - Parâmetros do Espaço Público. ([Adaptado a partir de:] Francisco, 2005, p. 6)...... 67 Ilustração 41 - Tipologias de Espaço Público. ([Adaptado a partir de:] (Mora, 2009, p. 5)...... 67 Ilustração 42 - Tipologias de Espaço Público ([Adaptado a partir de:] (Brandão, 2008, p. 19)...... 69 Ilustração 43 - Planta actual da Baixa Pombalina e o “seu” esteiro. (Almeida, 2004, p. 154)...... 72 Ilustração 44 - Estudo geológico: corte e sondagem geológica. ([Adaptado a partir de:] Silva, 1939, p. 20)...... 73 Ilustração 45 - Planta de Lisboa com indicação dos principais achados da época romana. (atualizada à data). ([Adaptado a partir de:] Moita, 1994, p. 58-59)...... 75 Ilustração 46 - Olisipo, recriação arqueológica virtual 3D de César Figueiredo. (VxMag, 2015)...... 77 Ilustração 47 - Olisipo, recriação arqueológica virtual 3D de César Figueiredo. (VxMag, 2015)...... 77 Ilustração 48 - Olisipo, recriação arqueológica virtual 3D de César Figueiredo. (VxMag, 2015)...... 80 Ilustração 49 - Olisipo, recriação arqueológica virtual 3D de César Figueiredo. (VxMag, 2015)...... 80 Ilustração 50 - Olisipo, recriação arqueológica virtual 3D de César Figueiredo. (VxMag, 2015)...... 80 Ilustração 51 - Al Uxbuna – Olisipo é absorvida pelo império árabe e torna-se mais densa. (Camarim Arquitectos, 2019)...... 83 Ilustração 52 - Al Uxbuna, em 1147 d.C. quando D. Afonso Henriques conquista a cidade e cria um gueto para muçulmanos na encosta norte da colina (a Mouraria). (Camarim Arquitectos, 2019)...... 83 Ilustração 53 - Traçado das Muralhas de Lisboa. ([Adaptado a partir de:] Gomes da Silva, 2010)...... 87 Ilustração 54 - Rua Nova [3] e Rua dos Ferreiros [6] com a muralha de D. Dinis [5] a intermediar. ([Adaptado a partir de:] Carita, 1999, p. 76)...... 89 Ilustração 55 - Rua dos Ferreiros [1] e alargamento do Largo dos Açougues [2] na sequência da abertura desta rua e da construção da muralha de D. Dinis [3]. ([Adaptado a partir de:] Carita, 1999, p. 34)...... 89

Ilustração 56 - Vista geral do Hospital Real de Todos os Santos no início do séc. XVIII, também visível o Convento de S. Domingos à esquerda; Praça do Rossio – lado nascente. (França, 1987)...... 91 Ilustração 57 - Vista de Lisboa - Terreiro do Paço. (Granadeiro, 2016)...... 93 Ilustração 58 - A reforma manuelina assinalada (a rosa) na planta de Lisboa de João Nunes Tinoco, 1659. (Carita, 1999)...... 94 Ilustração 59 - Rua Nova dos Mercadores, séc. XVI. ([Adaptado a partir de:] (Ferreira, 2015)...... 95 Ilustração 60 - Rua Nova dos Mercadores, séc. XVI. ([Adaptado a partir de:] (Ferreira, 2015)...... 95 Ilustração 61 - Assinalada a Rua Nova D’El Rey (Rua dos Ourives do Ouro) na planta de 1650 de João Nunes Tinoco. ([Adaptado a partir de:] (Tinoco, 1650)...... 96 Ilustração 62 - A abertura da Rua Nova d’El-Rei e o conjunto de reformas urbanas realizadas em Lisboa, na sequência do programa de reordenamento da cidade iniciado em 1498. (Carita, 1999, p. 76)...... 96 Ilustração 63 - Formação urbana da Rua Direita de Cata-Que-Farás com os quarteirões doados por D. Manuel. (Carita, 1999, p. 92)...... 98 Ilustração 64 - Vila Nova da Oliveira cuja urbanização é iniciada em 1501 na sequência do decreto que mandava derrubar todos os que existiam no interior dos muros da cidade. (Carita, 1999, p. 94)...... 98 Ilustração 65 - Inícios da urbanização de Vila Nova de Andrade, cuja data de 1498 coincide com o programa de reordenamento urbano da cidade de Lisboa implementado entre os anos de 1498-99. (Carita, 1999, p. 102)...... 98 Ilustração 66 - Lisboa em 1593, G. Braunio. (Granadeiro, 2016)...... 99 Ilustração 67 - Lisboa em 1593, G. Braunio. (Granadeiro, 2016)...... 99 Ilustração 68 - O Paço da Ribeira. ([Adaptado a partir de:] Hogenberg, 1593)...... 102 Ilustração 69 - O Hospital de Todos-os-Santos. ([Adaptado a partir de:] Hogenberg, 1593)...... 102 Ilustração 70 - O Paço da Ribeira. ([Adaptado a partir de:] Hogenberg, 1593)...... 102 Ilustração 71 - O Hospital de Todos-os-Santos. ([Adaptado a partir de:] Hogenberg, 1593)...... 102 Ilustração 72 - Modelo urbano: quarteirão rectangular a ocidente da Ribeira – de S. Roque. ([Adaptado a partir de:] (Carita, 1999, p. 103)...... 104 Ilustração 73 - Planta de Lisboa (1650) – João Nunes Tinoco. ([Adaptado a partir de:] Tinoco, 1650)...... 105 Ilustração 74 - Desembarcação de Sua Majestade o Rei D. Filipe II de Espanha, I de Portugal, em Lisboa. (Granadeiro, 2016)...... 106 Ilustração 75 - Palácio Real no Terreiro do Paço antes de 1755 com o «Torreão de Terzi». (Rossa e Tostões, 2008)...... 107 Ilustração 76 - Vista Poente/Norte do Terreiro do Paço e do Paço da Ribeira. (Granadeiro, 2016)...... 108 Ilustração 77 - Maqueta de reconstituição da cidade de Lisboa antes do terramoto de 1755. (Antanho, 2016)...... 109

Ilustração 78 - Maqueta de reconstituição da cidade de Lisboa antes do terramoto de 1755. (Rossa e Tostões, 2008)...... 109 Ilustração 79 - Maqueta de reconstituição da cidade de Lisboa antes do terramoto de 1755. (Rossa e Tostões, 2008)...... 110 Ilustração 80 - O terramoto, seguido de maremoto e vários incêndios no 1º de Novembro de 1755. (Tomas dos Anjos, 2013)...... 112 Ilustração 81 - Palácio Real destruído após o terramoto de 1755. ([Adaptado a partir de:] Lisboa e Mateus, 2004)...... 113 Ilustração 82 - Ruínas da Igreja Patriarcal. (França, 1987)...... 114 Ilustração 83 - Ruínas do Teatro de Ópera. (França, 1987)...... 114 Ilustração 84 - Plantas com cinco das seis hipóteses para o traçado urbano da Baixa integrantes do respectivo anteplano, Março/Abril de 1756: 1.ª Pedro Gualter da Fonseca e Francisco Pinheiro da Cunha; 2.ª Elias Sebastião Poppe e José Domingos Poppe; 3.ª Eugénio dos Santos e António Carlos Andreis; 4.ª Pedro Gualter da Fonseca; 5.ª Eugénio dos Santos (desaparecida); 6.ª Elias Sebastião Poppe. (Rossa, 2004, p. 26)...... 120 Ilustração 85 - Quatro das seis configurações-tipo integrantes no anteplano para a Baixa, 1756. (Rossa, 2004, p. 27)...... 121 Ilustração 86 - Estudo para a reconstrução da cidade, Eugénio dos Santos. (Rossa e Tostões, 2008)...... 122 Ilustração 87 - Estudo para a reconstrução da cidade, Eugénio dos Santos. (Rossa e Tostões, 2008)...... 122 Ilustração 88 - O plano-piloto (com base na planta nº 5) aprovado para a reconstrução da cidade após o terramoto de 1755 – planta de Eugénio dos Santos e Carlos Mardel. (Rossa e Tostões, 2008)...... 124 Ilustração 89 - Conjunto urbano da Baixa Pombalina – hierarquia viária. (Rossa, 2004, p. 41)...... 128 Ilustração 90 - Fachada Tipo A. (França, 1987)...... 132 Ilustração 91 - Fachada Tipo B. (Santos, 2005)...... 132 Ilustração 92 - Fachada Tipo C. (Santos, 2005)...... 132 Ilustração 93 - Exemplo de fachadas no cruzamento da Rua Augusta com a Rua de Sta. Justa (fachada tipo A e tipo C). (Ilustração nossa, 2018) ...... 134 Ilustração 94 - Exemplo de fachadas na Rua do Comércio (fachada tipo A). (Ilustração nossa, 2018)...... 134 Ilustração 95 - Rua da Conceição sentido poente (fachadas mistas A, B, C). (Ilustração nossa, 2018)...... 134 Ilustração 96 - Rua da Conceição sentido nascente (fachadas mistas A, B, C). (Ilustração nossa, 2018)...... 134 Ilustração 97 - Exemplo de fachada da Rua dos Sapateiros (fachada tipo C). (Ilustração nossa, 2018)...... 135 Ilustração 98 - Exemplo de fachada na Rua Augusta (fachada tipo A). (Ilustração nossa, 2018)...... 135

Ilustração 99 - Exemplo de fachada na Rua da Madalena (fachada tipo B). (Ilustração nossa, 2018)...... 135 Ilustração 100 - Exemplo de fachada no cruzamento da Rua dos Fanqueiros com a Rua de S. Julião (fachada tipo B e tipo C). (Ilustração nossa, 2018)...... 135 Ilustração 101 - Antevisão da Praça do Comércio, segunda metade do século XVIII. (Rossa e Tostões, 2008)...... 136 Ilustração 102 - Eugénio dos Santos, “Real Praça do Comercio e mostra parte do edifício da Alfândega e do Arsenal de Marinha”, c. 1759. (Rossa e Tostões, 2008)...... 137 Ilustração 103 - Estátua equestre de D. José I, prospecto de Eugénio dos Santos. (Rossa e Tostões, 2008)...... 138 Ilustração 104 - Estátua equestre de D. José I, prospecto de Eugénio. dos Santos (Rossa e Tostões, 2008)...... 138 Ilustração 105 - Lado norte da Praça do Comércio, Arco de Triunfo – desenho de Eugénio dos Santos. (Rossa e Tostões, 2008)...... 138 Ilustração 106 - Praça do Comércio, 1876. (Santos, 2005)...... 138 Ilustração 107 - Praça do Comércio, 2019. (Lisboa. Câmara Municipal, 2019i) ...... 138 Ilustração 108 - Plaza Mayor, Madrid. (McCaffrey, 2018)...... 139 Ilustração 109 - Praça do Comércio. (Ilustração nossa, 2019)...... 139 Ilustração 110 - Praça do Rossio na planta de Eugénio dos Santos. ([Adaptado a partir de:] (Rossa e Tostões, 2008)...... 140 Ilustração 111 - Carlos Mardel, “Ellevação e plano de hum lado da Praca do Rocio.”. (Rossa e Tostões, 2008)...... 140 Ilustração 112 - “Prospecto do edifício da Inquisição na Praça do Rossio.”. (Rossa e Tostões, 2008)...... 141 Ilustração 113 - Arco do Bandeira, Rossio. (Ilustração nossa, 2018)...... 141 Ilustração 114 - “Prospecto no lado meridional da Praça do Rocio.”, Arco do Bandeira. (Rossa e Tostões, 2008)...... 141 Ilustração 115 - Fachada tipo do edificado do Rossio, Carlos Mardel. ([Adaptado a partir de:] Rossa e Tostões, 2008)...... 142 Ilustração 116 - Praça do Rossio, 1876. (Santos, 2005)...... 142 Ilustração 117 - Praça do Rossio, 2019. (Lisboa. Câmara Municipal, 2019i)...... 142 Ilustração 118 - Praça do Município assinalada a cor no plano-piloto (com base na planta nº 5) aprovado para a reconstrução da cidade após o terramoto de 1755 – planta de Eugénio dos Santos e Carlos Mardel. ([Adaptado a partir de:] Rossa e Tostões, 2008)...... 143 Ilustração 119 - Praça do Município, 2019. (Lisboa. Câmara Municipal, 2019i)...... 144 Ilustração 120 - “Prospecto do Edifício do Senado da Câmara na Rua Direita do Arsenal”, c. 1760. (Rossa e Tostões, 2008)...... 145 Ilustração 121 - Praça do Município assinalada a cor no plano-piloto. ([Adaptado a partir de:] Rossa e Tostões, 2008)...... 145 Ilustração 122 - Paços do Concelho antes do incêndio de 19 de Novembro de 1863. (Rossa e Tostões, 2008)...... 145

Ilustração 123 - “Prospecto da Igreja de São Julião na frente da Rua Nova de El Rey.”. (Rossa e Tostões, 2008)...... 146 Ilustração 124 - “Planta da Parochial Igreja de S. Nicolau.”. (Rossa e Tostões, 2008)...... 147 Ilustração 125 - Arquitectura religiosa na Baixa Pombalina. (Silva, 2004, p. 115). .... 147 Ilustração 126 - A Baixa de Lisboa pré-terramoto e o seu espaço público demarcado a cinza, em 1650. (Ilustração nossa, 2019)...... 148 Ilustração 127 - A Baixa de Lisboa pós-terramoto e o seu espaço público demarcado a cinza, plano 1758. (Ilustração nossa, 2019)...... 148 Ilustração 128 – A transição entre o plano da Baixa e a malha pré-existente da colina do Castelo. ([Adaptado a partir de:] Rossa e Tostões, 2008)...... 149 Ilustração 129 - A transição entre o plano da Baixa e a malha pré-existente da colina do Castelo. ([Adaptado a partir de:] Santos, 2005)...... 149 Ilustração 130 - O plano-piloto de 1758. (Rossa e Tostões, 2008)...... 150 Ilustração 131 - A Baixa Pombalina, 2018. (Lisboa. Câmara Municipal, 2019i)...... 150 Ilustração 132 - Datação da reconstrução da Baixa Pombalina (1762-1834). (Reis, Simões e Rodrigues, 2004, p. 59)...... 154 Ilustração 133 - Inventário do Património Arquitectónico: conjunto urbano da Baixa Pombalina – ritmos construtivos (1762-1834). (Reis, Simões e Rodrigues, 2004, p. 63)...... 155 Ilustração 134 - O portão sul do Passeio Público, visto da Rua do Príncipe, actual Rua 1º de Dezembro, 1882. (Portugal, 1882)...... 156 Ilustração 135 - Passeio Público, portão sul. (Portugal, 194-)...... 156 Ilustração 136 - Galerias Romanas. (Ilustração nossa, 2013)...... 157 Ilustração 137 - Galerias Romanas. (Ilustração nossa, 2013)...... 157 Ilustração 138 - O mercado livre da Praça da Figueira, séc. XVIII. (Estúdio Mário Novais, 1947)...... 159 Ilustração 139 - Praça da Figueira, início séc. XIX. (Portugal, s.d.a)...... 160 Ilustração 140 - Praça da Figueira, início séc. XIX. (Estúdio Mário Novais, [entre 194- e 195-])...... 160 Ilustração 141 – A Praça D. Pedro IV e a Praça da Figueira com o seu mercado. ([Adaptado a partir de:] Folque, 1882)...... 161 Ilustração 142 - Teatro D. Maria II, no Rossio, séc XX. (Guedes, [post. 1901b])...... 162 Ilustração 143 - Teatro D. Maria II, visto da praça D. João da Câmara. (Ilustração nossa, 2019)...... 162 Ilustração 144 - Teatro D. Maria II, visto do Largo de S. Domingos. (Ilustração nossa, 2019)...... 162 Ilustração 145 - O empedrado do Rossio, séc. XIX. (Portugal, [ant. 1919])...... 163 Ilustração 146 - O “Mar Largo” do Rossio. (Passaporte, 1940)...... 163 Ilustração 147 - Uma das fontes ornamentais (norte) do Rossio, séc. XX (Praça D. Pedro IV). (Guedes, [ant. 1919a])...... 164

Ilustração 148 - Fonte ornamental do Rossio (Ilustração nossa, 2019)...... 164 Ilustração 149 – Praça do Comércio. (Benoliel, 1907a)...... 165 Ilustração 150 – Ociosos na Praça do Comércio. (Benoliel, 1907b)...... 165 Ilustração 151 – Pavimento empedrado na Praça do Comércio. (Benoliel, 1911). .... 165 Ilustração 152 - Pavimento empedrado na Praça do Comércio. (Benoliel, 191-c) ..... 165 Ilustração 153 – Populares na Praça do Comércio (pavimento de terra batida). (Guedes, 19--b)...... 165 Ilustração 154 – Candeeiros a gás na Praça do Comércio. (Guedes, 19--c)...... 165 Ilustração 155 - Arborização da Praça do Comércio, séc. XIX. ([Adaptado a partir de:] Seixas, 1895)...... 166 Ilustração 156 - Arborização da Praça do Comércio, séc. XIX. ([Adaptado a partir de:] Guedes, 19--a)...... 166 Ilustração 157 - Aterro da Boavista / Av. 24 de Julho, séc XX. (Flaviens, 1905-1915)...... 168 Ilustração 158 - Paços do Concelho, séc XIX. (Passaporte, s.d.)...... 170 Ilustração 159 - Paços do Concelho, séc XX. (Cunha, E., s.d.)...... 170 Ilustração 160 - Praça do Município. (Ilustração nossa, 2019)...... 170 Ilustração 161 - Paços do Concelho. (Ilustração nossa, 2019)...... 170 Ilustração 162 - O Rossio e o “Galheteiro” – o primeiro monumento a D. Pedro IV, efectivamente construído, e apelidado de “o galheteiro” pelos lisboetas (entre 1852- 1864). (Antanho, 2015a)...... 172 Ilustração 163 - A Praça D. Pedro IV no dia do casamento do Rei D. Luís, tendo sido colocada ao centro uma coluna evocativa. (Antanho, 2015a)...... 172 Ilustração 164 - Construção do Monumento a D. Pedro IV (Rossio). (Antanho, 2017b)...... 172 Ilustração 165 - Construção do Monumento a D. Pedro IV (Rossio). (Antanho, 2017b)...... 172 Ilustração 166 - Inauguração do Monumento a D. Pedro IV em 1870. (Antanho, 2017b)...... 173 Ilustração 167 - Praça dos Restauradores e o seu monumento (obelisco), séc. XX. (Benoliel, 194-c)...... 173 Ilustração 168 - Praça dos Restauradores e o seu monumento (obelisco), séc. XX. (Branco, 195-)...... 174 Ilustração 169 - Praça dos Restauradores e o seu monumento (obelisco). (Ilustração nossa, 2019)...... 174 Ilustração 170 - Rua Augusta vista da Praça do Comércio, séc. XIX, sendo visíveis já as colunatas compósitas do arco triunfal colocadas em 1815. ([Adaptado a partir de:] Bárcia, 1900-1945)...... 175 Ilustração 171 - A construção do coroamento do Arco da Rua Augusta, séc. XIX. (Cifka, 1855)...... 175

Ilustração 172 - Arco da Rua Augusta, ainda em construção, ornamentado por ocasião do casamento de Dom Luís I, 1862. ([Adaptado a partir de:] Estúdio Mário Novais, 1863)...... 175 Ilustração 173 - Arco da Rua Augusta, finalmente concluído, séc. XIX. ([Adaptado a partir de:] Bárcia, 1890-1945)...... 175 Ilustração 174 - Arco Triunfal da Rua Augusta. (Ilustração nossa, 2019)...... 176 Ilustração 175 - Mercado de Ferro da Praça da Figueira, 1903, Tinta-da-china s/ papel. (Lisboa. Câmara Municipal, 2019h)...... 177 Ilustração 176 - O Mercado de Ferro da Praça da Figueira. (Portugal, 1944)...... 178 Ilustração 177 - O Mercado de Ferro da Praça da Figueira. (Portugal, [ant. 1949]). . 178 Ilustração 178 - Primeiro edifício da Estação Sul e Sueste, séc. XIX. (Portugal, s.d.b)...... 178 Ilustração 179 - Primeiro edifício da Estação Sul e Sueste, séc. XIX. (Benoliel, 191-a)...... 178 Ilustração 180 - Estação Ferroviária do Rossio vista do Largo D. João da Câmara, séc. XX. (Estúdio Mário Novais, 1949)...... 179 Ilustração 181 - Estação Ferroviária do Rossio vista da Praça D. Pedro IV (Rossio), séc. XX. (Bárcia, [ant. 1919])...... 179 Ilustração 182 - Gare e cobertura metálica, Estação Ferroviária do Rossio. (HistoriaDePortugal.info, 2010)...... 179 Ilustração 183 - Fachada Estação Ferroviária do Rossio, ambiente nocturno. (HistoriaDePortugal.info, 2010)...... 179 Ilustração 184 - Estação Ferroviária do Rossio. (Ilustração nossa, 2019)...... 180 Ilustração 185 - Piazza Navona, Roma. (Microsoft Corporation, 2019)...... 181 Ilustração 186 - Praça D. Pedro IV, Lisboa. (Microsoft Corporation, 2019)...... 181 Ilustração 187 – Principais achados da época romana em Lisboa. (Lisboa. Câmara Municipal, 2019o)...... 182 Ilustração 188 - Circo, via e necrópole. (Lisboa. Câmara Municipal, 2019o)...... 182 Ilustração 189 - Olisipo, recriação arqueológica virtual 3D de César Figueiredo. (VxMag, 2015)...... 182 Ilustração 190 - Praça D. Pedro IV (Rossio), em 1895, séc. XIX (Seixas, 1895b). .... 183 Ilustração 191 - Praça D. Pedro IV (Rossio), início do séc. XX. (Guedes, 1901-1919)...... 183 Ilustração 192 - Praça D. Pedro IV (Rossio), início do séc. XX. (Guedes, [ant. 1919b])...... 183 Ilustração 193 - Edifício Armazéns Grandella & C.ª. (Ilustração nossa, 2019)...... 185 Ilustração 194 - Sede do Montepio Geral (canto superior esquerdo); Ascensor de Santa Justa (canto inferior esquerdo); Sede do Banco Lisboa & Açores, fachada principal para a Rua Áurea (canto superior direito); Sede do Banco Lisboa & Açores, fachada secundária para a Rua dos Sapateiros (canto inferior direito). (Martins, 2004, p. 144)...... 188

Ilustração 195 - A Praça D. Pedro IV após remoção da maioria do empedrado do séc. XIX. (Benoliel, 194-b)...... 189 Ilustração 196 - A Praça D. Pedro IV após remoção da maioria do empedrado do séc. XIX. (Seixas, 1947)...... 189 Ilustração 197 - A Praça D. Pedro IV após remoção da maioria do empedrado do séc. XIX. (Tavares, [ant. 1925])...... 189 Ilustração 198 - A Praça D. Pedro IV após remoção da maioria do empedrado do séc. XIX. (Portugal, 1942)...... 189 Ilustração 199 - A Praça D. Pedro IV após remoção da maioria do empedrado do séc. XIX. (Guedes, [post. 1901a])...... 190 Ilustração 200 - A Praça D. Pedro IV após remoção da maioria do empedrado do séc. XIX. (Bobone)...... 190 Ilustração 201 - Estação Fluvial Sul e Sueste, séc. XX. (Matias, 1959a)...... 191 Ilustração 202 - Estação Fluvial Sul e Sueste, séc. XX. (Matias, 1959b)...... 191 Ilustração 203 - Edifício Barros & Santos, foi a primeira obra do Arq.º Carlos Ramos (1920-1921). (Martins, 2004, p. 147)...... 192 Ilustração 204 - Edifício Barros & Santos. (Ilustração nossa, 2019)...... 192 Ilustração 205 - O Arsenal da Marinha e a relação intrínseca com o rio, séc. XX (vista aérea). (Benoliel, [post. 1935])...... 193 Ilustração 206 - Aterro – obras de terraplanagem na ribeira das naus, séc. XX. (Benoliel, ant. 1957a)...... 194 Ilustração 207 - Aterro – obras de terraplanagem na ribeira das naus, séc. XX. (Benoliel, ant. 1957b)...... 194 Ilustração 208 - A Av. da Ribeira das Naus já aberta e a doca seca da Marinha ainda em obras, séc. XX. (Benoliel, 195-b)...... 194 Ilustração 209 - A Av. da Ribeira das Naus já aberta e a doca seca da Marinha ainda em obras, séc. XX. (Benoliel, 195-a)...... 194 Ilustração 210 - Av. Ribeira das Naus no cruzamento com o Corpo Santo (sentido nascente). (Benoliel, [ant. 1957c])...... 195 Ilustração 211 - Av. Ribeira das Naus no cruzamento com o Corpo Santo (sentido poente). (Benoliel, 1928)...... 195 Ilustração 212 - Ante-Projecto de Arranjo da Praça da Figueira. (Martins, 2004, p. 148)...... 196 Ilustração 213 - Demolição do mercado de ferro da Praça da Figueira, 1949-50. (Benoliel, 1953b)...... 196 Ilustração 214 - Demolição do mercado de ferro da Praça da Figueira, 1949-50. (Benoliel, 1953a)...... 196 Ilustração 215 - Maqueta do Estudo de Ligação da Av. 24 de Julho à Praça do Comércio. (Martins, 2004, p. 148)...... 197 Ilustração 216 - Parque de estacionamento na Praça da Figueira, séc. XX. (Portugal, 1950)...... 198

Ilustração 217 - Parque de estacionamento na Praça da Figueira, séc. XX. (Benoliel, 1959)...... 198 Ilustração 218 - Parque de estacionamento na Praça da Figueira, séc. XX. (Benoliel, ca. 1953)...... 198 Ilustração 219 - A apropriação da Praça D. Pedro IV (Rossio) por parte dos automóveis, séc. XX. ([Adaptado a partir de:] Fernandes, 1961)...... 199 Ilustração 220 - A apropriação da Praça D. Pedro IV (Rossio) por parte dos automóveis, séc. XX. (Serôdio, 1965)...... 199 Ilustração 221 - A Praça do Comércio antes de ser convertida num parque de estacionamento automóvel, década de 40, séc. XX ([Adaptado a partir de:] Benoliel, 194-a) ...... 199 Ilustração 222 - A Praça do Comércio convertida em parque de estacionamento, década de 60, séc. XX. (Serôdio, 1959b)...... 200 Ilustração 223 - A Praça do Comércio convertida em parque de estacionamento, década de 60, séc. XX. (Fernandes, 195-)...... 200 Ilustração 224 - A Praça do Comércio convertida em parque de estacionamento, década de 60, séc. XX. (Serôdio, 1966)...... 200 Ilustração 225 - Praça da Figueira, 1972. (Serôdio, 1972)...... 201 Ilustração 226 - Rua Augusta, 1963. (Serôdio, 1963a)...... 202 Ilustração 227 - Rua Augusta, 1963. (Serôdio, 1963b)...... 202 Ilustração 228 - Rua Augusta, séc. XX. (Cunha, F., s.d.)...... 202 Ilustração 229 - Rua Augusta, séc. XX. (Madureira, 1960)...... 202 Ilustração 230 - A Rua Augusta antes de ter a "calçada à portuguesa", mas já funcionando como rua pedonal. (APS, 2012)...... 202 Ilustração 231 - A Rua Augusta antes de ter a "calçada à portuguesa", mas já funcionando como rua pedonal. (APS, 2012)...... 202 Ilustração 232 - Rua Augusta, vista aérea. (Ilustração nossa, 2018)...... 203 Ilustração 233 - Rua Augusta, sentido Praça do Comércio. (Ilustração nossa, 2019)...... 203 Ilustração 234 - Rua Augusta, sentido Praça D. Pedro IV (Rossio). (Ilustração nossa, 2019)...... 203 Ilustração 235 - Rua do Carmo, Chiado. (Benoliel, 1957)...... 204 Ilustração 236 - Rua do Carmo, Chiado, em 1988. (Bazard, 1988)...... 204 Ilustração 237 - Rua do Carmo, Chiado, na década de 1980, séc. XX. (Estúdio Horácio Novais, 1980?)...... 204 Ilustração 238 - Incêndio do Chiado, 1988. (Paula, 2018)...... 205 Ilustração 239 - Incêndio do Chiado, 1988. (Paula, 2018)...... 205 Ilustração 240 - Incêndio do Chiado, 1988. (Paula, 2018)...... 205 Ilustração 241 - Incêndio do Chiado, 1988. (Paula, 2018)...... 205 Ilustração 242 - Incêndio do Chiado, 1988. (Paula, 2018)...... 205

Ilustração 243 - Incêndio do Chiado, 1988. (Paula, 2018)...... 205 Ilustração 244 – Ortofotomapa da área do Chiado com planta das áreas a integrar no espaço público, no âmbito do Plano de reconstrução do Chiado sobreposta. (Lisboa. Câmara Municipal, 2019i)(Siza Vieira, 2000, p. 45)...... 207 Ilustração 245 – Planta das áreas a reconstruir no Chiado e a integrar no espaço público. Siza Vieira, 2000, p. 45)...... 207 Ilustração 246 – Espaço público no Chiado e os novos percursos implementados aquando do plano de reconstrução. ([Adaptado a partir de:] Siza Vieira, 2000, p. 45...... 207 Ilustração 247 – Ilustração representativa da transição entre o Largo do Chiado, a estação de metropolitano Baixa-Chiado e a Rua do Crucifixo. (Campos, 2013b) ..... 208 Ilustração 248 – Logradouro do Bloco A, Pátio Siza Vieira. (Ilustração nossa, 2019)...... 209 Ilustração 249 – Vista interior do Quarteirão Império. (Ilustração nossa, 2019)...... 209 Ilustração 250 - Vista interior do Quarteirão Império. (Ilustração nossa, 2019)...... 210 Ilustração 251 - Vista interior do Quarteirão Império. (Ilustração nossa, 2019)...... 210 Ilustração 252 – Ilustração representativa da rede de Metropolitano na Baixa. (Siza Vieira, 2000, p. 50)...... 211 Ilustração 253 - Baixa Pombalina e Praça do Comércio: áreas classificadas e respectivas zonas de protecção. (Leal, 2004, p. 8)...... 213 Ilustração 254 - Estátua equestre D. João I, Praça da Figueira. (Ilustração nossa, 2019)...... 221 Ilustração 255 - Estátua equestre D. João I, Praça da Figueira. (Ilustração nossa, 2019)...... 221 Ilustração 256 - Praça da Figueira e o seu edificado. (Ilustração nossa, 2019)...... 222 Ilustração 257 - Pavimento Praça da Figueira. (Ilustração nossa, 2019)...... 222 Ilustração 258 - Acesso ao parque de estacionamento subterrâneo, Praça da Figueira. (Ilustração nossa, 2019)...... 222 Ilustração 259 - Eixo de alinhamento entre a estátua equestre D. João I (Praça da Figueira) com a Rua da Prata. (Ilustração nossa, 2019)...... 223 Ilustração 260 - Imagem aérea da Praça D. Pedro IV e Praça da Figueira, Lisboa. (Jorge, 2013)...... 224 Ilustração 261 - Imagem aérea da Praça D. Pedro IV e Praça da Figueira, Lisboa. (Jorge, 2013)...... 224 Ilustração 262 - Imagem aérea da Praça D. Pedro IV e Praça da Figueira, Lisboa. (Jorge, 2013)...... 224 Ilustração 263 – Aspecto urbano da Praça do Comércio aquando das obras do metropolitano. (Ferreira, 2013)...... 225 Ilustração 264 - Projectos de Intervenção na Frente Ribeirinha entre o Cais do Sodré e Sta. Apolónia. (Lisboa. Câmara Municipal, 2019k)...... 227 Ilustração 265 - Av. Ribeira das Naus. (Ilustração nossa, 2019)...... 229

Ilustração 266 - Av. Ribeira das Naus, escadaria ribeirinha. (Ilustração nossa, 2019)...... 229 Ilustração 267 - Av. Ribeira das Naus, jardim. (Ilustração nossa, 2019)...... 229 Ilustração 268 - Av. Ribeira das Naus, doca do Caldeirinha. (Ilustração nossa, 2019)...... 229 Ilustração 269 - A Baixa de Lisboa pós-terramoto e o seu espaço público demarcado a cinza, plano de 1758. (Ilustração nossa, 2019)...... 232 Ilustração 270 - A Baixa de Lisboa actualmente e o seu espaço público demarcado a cinza, actualmente. (Ilustração nossa, 2019)...... 232 Ilustração 271 - Transição entre colinas e a Baixa assinalada sobre planta da Baixa. ([Adaptado a partir de:] Santos, 2005)...... 233 Ilustração 272 – Transição entre colinas e a Baixa assinalada sobre ortofotomapa. ([Adaptado a partir de:] (Lisboa. Câmara Municipal, 2019i)...... 233 Ilustração 273 - João Pedro Falcão de Campos. (SPSS Design, 2016)...... 238 Ilustração 274 - Requalificação Urbana de Alcobaça e da zona envolvente ao Mosteiro de Alcobaça. (Byrne e Campos, 2009)...... 240 Ilustração 275 - Rua da Vitória, demarcada a cor sobre ortofotomapa da Baixa de Lisboa. ([Adaptado a partir de:] (Lisboa. Câmara Municipal, 2019i)...... 242 Ilustração 276 - A Rua da Vitória e a Igreja de S. Nicolau em 1910. (Benoliel, 191-b)...... 243 Ilustração 277 - A Rua da Vitória e a Igreja de S. Nicolau em 1959. (Serôdio, 1959a)...... 243 Ilustração 278 - Rua da Vitória, 1963. (Serôdio, 1963c)...... 244 Ilustração 279 - Rua da Vitória, 1963. (Serôdio, 1963d) ...... 244 Ilustração 280 - Rua da Vitória, década de 80, séc. XX. (Pastor, 198-a)...... 244 Ilustração 281 - Rua da Vitória, década de 80, séc. XX. (Pastor, 198-b)...... 244 Ilustração 282 - Requalificação urbana da Rua da Vitória - levantamento do existente. ([Adaptado a partir de:] Campos, 2009a)...... 246 Ilustração 283 - Requalificação urbana da Rua da Vitória – proposta. ([Adaptado a partir de:] Campos, 2009a)...... 246 Ilustração 284 - Requalificação urbana do Largo A. A. da Costa, zona envolvente ao Mercado do Chão do Loureiro até ao Castelo de S. Jorge – levantamento do existente. ([Adaptado a partir de:] Campos, 2009a)...... 247 Ilustração 285 - Requalificação urbana do Largo A. A. da Costa, zona envolvente ao Mercado do Chão do Loureiro até ao Castelo de S. Jorge – proposta. ([Adaptado a partir de:] Campos, 2009a)...... 247 Ilustração 286 - Saída do Metro Baixa-Chiado para a Rua da Vitória. (Ilustração nossa, 2019)...... 248 Ilustração 287 - Rua da Vitória – Acessibilidade à Igreja da Vitória. (Ilustração nossa, 2019)...... 248 Ilustração 288 - Junta entre pavimento em cubo de granito e lajeta de pedra lioz. (Ilustração nossa, 2019)...... 248

Ilustração 289 - Pavimento em cubo de granito escuro. (Ilustração nossa, 2019). .... 248 Ilustração 290 - Junta entre pavimento em lajeta de pedra lioz e calçada portuguesa. (Ilustração nossa, 2019)...... 248 Ilustração 291 - Rua da Vitória. (Ilustração nossa, 2019)...... 249 Ilustração 292 - Rua da Vitória. (Ilustração nossa, 2019)...... 249 Ilustração 293 - Rua da Vitória – Acessibilidade à Igreja de S. Nicolau. (Ilustração nossa, 2019)...... 249 Ilustração 294 - Rua da Vitória – Adro da Igreja de S. Nicolau. (Ilustração nossa, 2019)...... 249 Ilustração 295 - Comércio e Restauração na Rua da Vitória. (Ilustração nossa, 2019)...... 249 Ilustração 296 - Comércio e Restauração na Rua da Vitória – pavimento em pedra lioz. (Ilustração nossa, 2019)...... 249 Ilustração 297 - Cruzamento da Rua da Vitória com a Rua Augusta – transição de pavimento em pedra lioz com calçada portuguesa. (Ilustração nossa, 2019)...... 250 Ilustração 298 - Edifício de Acolhimento – Alçado Rua dos Fanqueiros. ([Adaptado a partir de:] Campos, 2009b)...... 251 Ilustração 299 - Edifício de Acolhimento – Alçado Rua dos Fanqueiros. (Campos, 2013b)...... 251 Ilustração 300 - Edifício de Acolhimento – Alçado Rua da Madalena. ([Adaptado a partir de:] Campos, 2009b)...... 251 Ilustração 301 - Edifício de Acolhimento - Alçado Rua da Madalena. (Ilustração nossa, 2019)...... 251 Ilustração 302 - Corte longitudinal do Edifício de Acolhimento. ([Adaptado a partir de:] Campos, 2009b)...... 251 Ilustração 303 - Corte longitudinal do Edifício de Acolhimento com cor a assinalar a transição entre a Rua dos Fanqueiros e a Rua da Madalena. ([Adaptado a partir de:] Campos, 2009b)...... 251 Ilustração 304 - Hall / Foyer do Edifício de Acolhimento a partir da Rua dos Fanqueiros. (Campos, 2013b)...... 252 Ilustração 305 - Hall / Foyer do Edifício de Acolhimento a partir da Rua dos Fanqueiros. (Ilustração nossa, 2019)...... 252 Ilustração 306 - Hall / Foyer do Edifício de Acolhimento a partir da Rua dos Fanqueiros. (Ilustração nossa, 2019)...... 252 Ilustração 307 - Hall / Foyer do Edifício de Acolhimento a partir da Rua da Madalena. (Ilustração nossa, 2019)...... 253 Ilustração 308 - Patamar dos Elevadores à cota da Rua da Madalena. (Ilustração nossa, 2019)...... 253 Ilustração 309 - Escadaria em pedra lioz. (Ilustração nossa, 2019)...... 253 Ilustração 310 - Caleira em pedra lioz ladeada por pavimento de cubo de granito e pavimento de pedra basáltica. (Ilustração nossa, 2019)...... 253 Ilustração 311 - Luís Jorge Bruno Soares. (Ferreira, 2009)...... 255

Ilustração 312 - O Terreiro do Paço, séc. XVII. (Soromenho, 2012, p. 63)...... 259 Ilustração 313 - O Terreiro do Paço, séc. XVII. (Soromenho, 2012, p. 65)...... 259 Ilustração 314 - Projecto final da Real Praça do Comércio, Eugénio dos Santos e Carlos Mardel, Museu da Cidade. (Pimentel, 2012, p. 89)...... 261 Ilustração 315 - A Praça do Comércio e a estátua equestre de D. José, 2000. (Pavão, 2000)...... 262 Ilustração 316 - Planta da Real Praça do Comércio, Eugénio dos Santos. (Rossa e Tostões, 2008)...... 263 Ilustração 317 - A Praça do Comércio como ponto de chegada na aproximação pelo rio. (Ferreira, 2013)...... 264 Ilustração 318 - A Praça do Comércio como ponto de partida na saída por terra. (Ilustração nossa, 2018)...... 264 Ilustração 319 - Segmento do piso identificado (Neves e Martins, 2017, p. 157)...... 266 Ilustração 320 - Registo do piso no perfil (Neves e Martins, 2017, p. 157)...... 266 Ilustração 321 – O Cais das Colunas na década de 40 do séc. XX. (Ferrari, 194-). .. 269 Ilustração 322 – Estudo Prévio para a requalificação do Terreiro do Paço. (LXProjectos, 2009)...... 270 Ilustração 323 - Estudo Prévio para a requalificação do Terreiro do Paço. (LXProjectos, 2009)...... 270 Ilustração 324 - Estudo Prévio para a requalificação do Terreiro do Paço. (LXProjectos, 2009)...... 271 Ilustração 325 - Estudo Prévio para a requalificação do Terreiro do Paço. (LXProjectos, 2009)...... 271 Ilustração 326 - Estudo Prévio para a requalificação do Terreiro do Paço. (LXProjectos, 2009)...... 271 Ilustração 327 - Estudo Prévio para a requalificação do Terreiro do Paço. (LXProjectos, 2009)...... 271 Ilustração 328 – Planta Geral do Projecto de Requalificação do Terreiro do Paço / Praça do Comércio. (Soares, 2019)...... 272 Ilustração 329 – Geometria e matriz fundamental do pavimento / malha da Praça. (Soares, 2019)...... 273 Ilustração 330 – Praça do Comércio, noção de escala. (Ilustração nossa, 2018)...... 274 Ilustração 331 - Praça do Comércio, noção de escala. (Ilustração nossa, 2018)...... 274 Ilustração 332 – Praça do Comércio, panorâmica. (Ilustração nossa, 2018)...... 275 Ilustração 333 – Planta da Praça do Comércio com o percurso dos veículos eléctricos assinalado. (Soares, 2019)...... 275 Ilustração 334 - Planta da Praça do Comércio com os eixos rodoviários assinalados. (Soares, 2019)...... 275 Ilustração 335 – Praça do Comércio. (Ilustração nossa, 2019)...... 276 Ilustração 336 – Torreão poente da Praça do Comércio. (Ilustração nossa, 2019). .. 277 Ilustração 337 - Torreão poente da Praça do Comércio. (Ilustração nossa, 2019). ... 277

Ilustração 338 – Diferença de cota no estremo oeste da Praça, entre a placa central e as vias de tráfego. (Ferreira, 2013)...... 277 Ilustração 339 – Vista aérea sobre a Praça com foco no torreão e ala poente. (Ilustração nossa, 2018)...... 278 Ilustração 340 – A chegada ao Cais das Colunas desde a placa central do Terreiro do Paço / Praça do Comércio. (Ferreira, 2013)...... 278 Ilustração 341 – Desnível evidente entre a cota da placa central e as vias de tráfego. (Ilustração nossa, 2018)...... 279 Ilustração 342 – Panorâmica do Terreiro do Paço / Praça do Comércio. (Ilustração nossa, 2018)...... 279 Ilustração 343 – Drenagem da praça com base em pendentes assinalada na planta geral do projecto de requalificação do Terreiro do Paço / Praça do Comércio. ([Adaptado a partir de:] Soares, 2019)...... 280 Ilustração 344 – A ala nascente do Terreiro do Paço / Praça do Comércio com as suas esplanadas. (Ilustração nossa, 2014)...... 281 Ilustração 345 - A ala poente do Terreiro do Paço / Praça do Comércio com as suas esplanadas. (Ilustração nossa, 2014)...... 281 Ilustração 346 – Praça do Comércio, 1953. (Branco, 1953)...... 283 Ilustração 347 – Terreiro do Paço / Praça do Comércio, 2011. (Ferreira, 2013)...... 283 Ilustração 348 - João Luís Carrilho da Graça. (Carrilho da Graça, 2019b)...... 284 Ilustração 349 - Terminal de Cruzeiros de Lisboa. (Carrilho da Graça, 2019a)...... 286 Ilustração 350 - Campo das Cebolas. (Carrilho da Graça, 2019a)...... 286 Ilustração 351 - Mercado da Ribeira Velha. Painel de Azulejos, século XVIII. Museu da Cidade. (Lavado, 2013, p. 100)...... 287 Ilustração 352 - Mercado da Ribeira Velha. Painel de Azulejos, século XVIII. Museu da Cidade. (Lavado, 2013, p. 100)...... 287 Ilustração 353 - , 1955-1970. (Lisboa. Câmara Municipal. Museu, 2019a)...... 288 Ilustração 354 - Casa dos Bicos, 2018. (Lisboa. Câmara Municipal. Museu, 2019a). 288 Ilustração 355 - Maqueta da cidade de Lisboa pré-Terramoto, com a zona da Ribeira Velha demarcada a cor. ([Adaptado a partir de:] Rossa e Tostões, 2008)...... 289 Ilustração 356 - Mercado da Ribeira Velha no quadro A partida de S. Francisco de Xavier, c. 1730. (Bettencourt et al., 2017)...... 290 Ilustração 357 - Planta de Lisboa de Filipe Folque ,1856/58. (Folque, 1882)...... 291 Ilustração 358 - Planta de Lisboa de Filipe Folque ,1856/58. (Lisboa. Câmara Municipal, 2018)...... 291 Ilustração 359 – Identificação dos muros pombalinos e cais de acesso ao rio na planta de Lisboa de Filipe Folque. (Folque, 1882)...... 292 Ilustração 360 – Doca da Alfândega - Excerto da Planta topográfica da cidade de Lisboa segundo Francisco e Cesar Goullard, 1879. (Lavado, 2013, p. 109)...... 293 Ilustração 361 - Excerto da Planta topográfica da cidade de Lisboa segundo António Vieira da Silva Pinto, 1909. (Lavado, 2013, p. 110)...... 293

Ilustração 362 - Parque de Estacionamento do Campo das Cebolas, década de 60, séc. XX. ([Adaptado a partir de:] Serôdio, 1969)...... 293 Ilustração 363 - Imagem aérea da antiga fisionomia do Campo das Cebolas, Lisboa. (Google Inc., 2017)...... 294 Ilustração 364 - Campo das Cebolas, 2013. (Lavado, 2013)...... 295 Ilustração 365 - Campo das Cebolas, 2013. (Lavado, 2013)...... 295 Ilustração 366 - Campo das Cebolas, 2013. (Lavado, 2013)...... 295 Ilustração 367 - Campo das Cebolas, 2013. (Lavado, 2013)...... 295 Ilustração 368 - Campo das Cebolas, 2013. (Lavado, 2013)...... 295 Ilustração 369 - Campo das Cebolas, 2013. (Lavado, 2013)...... 295 Ilustração 370 - Campo das Cebolas, 2013. (Lavado, 2013)...... 295 Ilustração 371 - Campo das Cebolas, 2013. (Lavado, 2013)...... 295 Ilustração 372 – Limite da área de intervenção. ([Adaptado a partir de:] (Lisboa. Câmara Municipal, 2019i) e (Lisboa. Câmara Municipal, 2019d)...... 296 Ilustração 373 - Limite da área de intervenção. (Lisboa. Câmara Municipal, 2019d). 296 Ilustração 374 – Planta de implantação. (Carrilho da Graça, 2018, p. 75)...... 298 Ilustração 375 – Planta geral do projecto do Campo das Cebolas. (Carrilho da Graça, 2018, p.78)...... 299 Ilustração 376 – Novo Campo das Cebolas, pódio. (Ilustração nossa, 2019)...... 300 Ilustração 377 - Novo Campo das Cebolas, pódio. (Ilustração nossa, 2019)...... 300 Ilustração 378 - Novo Campo das Cebolas, pavimento. (Ilustração nossa, 2019). .... 300 Ilustração 379 - Novo Campo das Cebolas, pavimento. (Ilustração nossa, 2019). .... 300 Ilustração 380 - Novo Campo das Cebolas, pavimento. (Ilustração nossa, 2019). .... 300 Ilustração 381 - Novo Campo das Cebolas, muro. (Ilustração nossa, 2019)...... 300 Ilustração 382 - Novo Campo das Cebolas, muro. (Ilustração nossa, 2019)...... 300 Ilustração 383 – Planta piso -1, parque de estacionamento semi-enterrado. (Carrilho da Graça, 2018, p. 78)...... 301 Ilustração 384 – Rampa de acesso ao parque de estacionamento do Campo das Cebolas. (Ilustração nossa, 2019)...... 301 Ilustração 385 - Rampa de acesso ao parque de estacionamento do Campo das Cebolas. (Ilustração nossa, 2019)...... 301 Ilustração 386 - Interior do parque de estacionamento do Campo das Cebolas. (Ilustração nossa, 2019)...... 302 Ilustração 387 - Interior do parque de estacionamento do Campo das Cebolas. (Ilustração nossa, 2019)...... 302 Ilustração 388 – Acesso em escada do parque de estacionamento à Rua da Alfândega. (Ilustração nossa, 2019)...... 302 Ilustração 389 - Acesso em escada da Rua da Alfândega ao parque de estacionamento. (Ilustração nossa, 2019)...... 302

Ilustração 390 - Ventilação natural proporcionada pelo muro da superfície ao longo da avenida. (Ilustração nossa, 2019)...... 302 Ilustração 391 - Ventilação natural recebida no interior pelo muro da superfície. (Ilustração nossa, 2019)...... 302 Ilustração 392 – Pátio (Ilustração nossa, 2019)...... 303 Ilustração 393 - Pátio (Ilustração nossa, 2019)...... 303 Ilustração 394 - Pátio (Ilustração nossa, 2019)...... 303 Ilustração 395 – Percurso acessível desde o plano da praça ao parque de estacionamento. (Ilustração nossa, 2019)...... 303 Ilustração 396 - Percurso acessível desde a Av. Infante D. Henrique ao parque de estacionamento. (Ilustração nossa, 2019)...... 303 Ilustração 397 – Acesso à escadaria setecentista. (Ilustração nossa, 2019)...... 303 Ilustração 398 - Escadaria setecentista. (Ilustração nossa, 2019)...... 303 Ilustração 399 – Muros expostos do Cais de Ver-o-Peso. (Ilustração nossa, 2019). . 304 Ilustração 400 - Muros expostos do Cais de Ver-o-Peso. (Ilustração nossa, 2019). .. 304 Ilustração 401 – Planta da escadaria e do pavimento circundante (Carrilho da Graça, 2018, p. 74) / Escadaria setecentista (Ilustração nossa, 2019)...... 304 Ilustração 402 – Pinheiros mansos na praça do novo Campo das Cebolas. (Ilustração nossa, 2019)...... 305 Ilustração 403 – Equipamento lúdico. (Ilustração nossa, 2019)...... 305 Ilustração 404 - Equipamento lúdico. (Ilustração nossa, 2019)...... 305 Ilustração 405 - Equipamento lúdico. (Ilustração nossa, 2019)...... 305 Ilustração 406 – Rua da Alfândega rumo ao Terreiro do Paço / Praça do Comércio. (Ilustração nossa, 2019)...... 306 Ilustração 407 - Rua da Alfândega rumo à Rua Cais de Santarém e ao bairro de . (Ilustração nossa, 2019)...... 306 Ilustração 408 – Pavimento e área circundante à Casa dos Bicos. (Ilustração nossa, 2019)...... 307 Ilustração 409 – Entrada da Casa dos Bicos. (Ilustração nossa, 2019)...... 307 Ilustração 410 – Edifícios do quarteirão Q1 e a praça / pódio circundante. (Ilustração nossa, 2019)...... 308 Ilustração 411 – Paragens de transporte público na Rua dos Armeiros. (Ilustração nossa, 2019)...... 309 Ilustração 412 – Paragem de autocarro. (Ilustração nossa, 2019)...... 309 Ilustração 413 – Acessibilidade à paragem de autocarro. (Ilustração nossa, 2019). . 309 Ilustração 414 - Fotomontagem do projecto de requalificação da Doca da Marinha. (Ferreira, 2019)...... 310 Ilustração 415 - Anteprojecto Campo das Cebolas / Doca da Marinha. (1825, 2019)...... 311

Ilustração 416 – Anteprojecto Campo das Cebolas / Doca da Marinha. (1825, 2019)...... 311 Ilustração 417 - Planta tipo do anteprojecto Campo das Cebolas / Doca da Marinha com a área do estacionamento demarcada a cor. ([Adaptado a partir de:] Lisboa. Câmara Municipal, 2019n)...... 311 Ilustração 418 - Planta tipo do projecto Campo das Cebolas com a área do estacionamento demarcada a cor. ([Adaptado a partir de:] Carrilho da Graça, 2018)...... 311 Ilustração 419 – Baixa Pombalina: área classificada e zona de protecção. Desenho I. (Santos, 2005)...... 363 Ilustração 420 – O centro de Lisboa na planta de João Nunes Tinoco – 1650, Desenho II. (Santos, 2005)...... 364 Ilustração 421 – Evolução urbana: 1650 - 1718. Desenho II / III. (Santos, 2005)...... 365 Ilustração 422 – O centro de Lisboa na época do terramoto – 1718, Desenho III. (Santos, 2005)...... 366 Ilustração 423 – Evolução urbana: 1718 – 1756, Desenho III / IV. (Santos, 2005). ... 367 Ilustração 424 – O plano para a reconstrução do centro de Lisboa – 1756, Desenho IV. (Santos, 2005)...... 368 Ilustração 425 – Evolução urbana: 1756 – 1987, Desenho IV / V. (Santos, 2005). ... 369 Ilustração 426 – A Baixa Pombalina e área envolvente (ant. 2014), Desenho V. (Santos, 2005)...... 370 Ilustração 427 - Lisboa Pré-Histórica. (Cardoso, 2012, p. 96)...... 373 Ilustração 428 - Lisboa Romana - Traço a negro do limite de Lisboa e Traço a vermelho da Cerca Moura. (Cardoso, 2012, p. 129)...... 373 Ilustração 429 - Lisboa Medieval - Traço a negro do limite de Lisboa, Traço a cinzento da Cerca Moura e da Muralha da Ribeira e Traço a Vermelho da Muralha Fernandina. (Cardoso, 2012, p. 130)...... 374 Ilustração 430 - Lisboa Oitocentista – Traço a negro do limite de Lisboa, Traço a cinzento da Cerca Moura, da Muralha da Ribeira e da Muralha Fernandina (Cardoso, 2012, p. 132)...... 374 Ilustração 431 - Lisboa Novecentista - Traço a negro do limite de Lisboa, Traço a cinzento da Cerca Moura, da Muralha da Ribeira e da Muralha Fernandina. (Cardoso, 2012, p. 133)...... 375 Ilustração 432 - Lisboa contemporânea - Traço a negro do limite de Lisboa, Traço a cinzento da Cerca Moura, da Muralha da Ribeira e da Muralha Fernandina (Cardoso, 2012, p. 134)...... 375

LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E ACRÓNIMOS

a.C. - antes de Cristo Arq.ª - Arquitecta Arq.º - Arquitecto Av. - Avenida C.M.L. - Câmara Municipal de Lisboa CCB - Centro Cultural de Belém D. - Dom / Dona d.C. - depois de Cristo E.-O. - Este-Oeste ESBAL - Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa etc. - E outras coisas mais (…) m2 - metros quadrados n.º - número N.-S. - Norte-Sul p. - página S. - São s.d. - sem data séc. - século Sta. - Santa Sto. - Santo

SUMÁRIO

1. Introdução ...... 37 1.1. Âmbito ...... 37 1.2. Metodologia ...... 39 1.3. Organização ...... 40 2. Espaço Público: o vazio que estrutura ...... 43 2.1. Ideia e conceito de espaço público ...... 43 2.2. O espaço público e a cidade ...... 47 2.2.1. Espaço Público no contexto morfológico ...... 48 2.2.1.1. Os elementos morfológicos do espaço público ...... 51 2.2.2. Do Sítio ao Espírito do Lugar… ...... 61 2.2.2.1. Carácter e Significado ...... 63 2.3. Tipologias de espaço público ...... 65 3. A evolução urbana da Baixa de Lisboa...... 71 3.1. O sítio de Lisboa e as suas origens pré-históricas ...... 71 3.2. Olisipo, a influência romana ...... 74 3.3. Al-Uxbuna, a influência muçulmana ...... 81 3.4. Lisboa ...... 84 3.4.1. Período Medieval: estrutura e limite ...... 84 3.4.2. Período Manuelino e Joanino: centralidade e consolidação ...... 91 3.5. A reconstrução de Lisboa, após o terramoto de 1755 ...... 111 3.5.1. A trágica manhã de 1 de Novembro ...... 111 3.5.2. O plano para a reconstrução da Baixa de Lisboa ...... 115 3.6. Do plano de 1755-1758 ao séc. XXI… ...... 150 3.6.1. Séc. XVIII: Lisboa Pombalina ...... 152 3.6.2. Séc. XIX: Lisboa Romântica e Liberal / Oitocentista ...... 159 3.6.3. Séc. XX: Lisboa Modernista ...... 184 3.6.3.1. O Modernismo e a tomada de consciência face ao património da Baixa Pombalina ...... 212 3.6.4. Séc. XXI: Lisboa Contemporânea ...... 219 4. Casos de Estudo – Espaço Público ...... 237 4.1. Percurso Pedonal Assistido da Baixa ao Castelo de S. Jorge, Arq.º J. P. Falcão de Campos ...... 238 4.1.1. Arquitecto João Pedro Falcão de Campos ...... 238 4.1.2. A Rua da Vitória ...... 242 4.1.3. Percurso pedonal assistido da Baixa ao Castelo de S. Jorge ...... 245

4.2. Requalificação do Terreiro do Paço, Arq.º L. J. Bruno Soares ...... 255 4.2.1. Arquitecto Luís Jorge Bruno Soares ...... 255 4.2.2. O Terreiro do Paço / A Praça do Comércio ...... 257 4.2.3. Requalificação do Terreiro do Paço / Praça do Comércio ...... 268 4.3. Campo das Cebolas / Doca da Marinha, Arq.º J. L. Carrilho da Graça ...... 284 4.3.1. Arquitecto João Luís Carrilho da Graça ...... 284 4.3.2. Da Ribeira Velha do séc. XVI ao Campo das Cebolas do séc. XXI ...... 287 4.3.3. O novo Campo das Cebolas / Doca da Marinha ...... 296 5. Considerações Finais ...... 313 Referências ...... 319 Bibliografia ...... 347 Anexos ...... 357 Lista de anexos ...... 359 Anexo A ...... 361 Anexo B ...... 371

Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

1. INTRODUÇÃO1

1.1. ÂMBITO

O tema “Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa” constitui a investigação desenvolvida e apresentada nesta dissertação, e enquadra-se na etapa de conclusão do Mestrado Integrado em Arquitectura na Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa.

A presente dissertação aborda a temática do espaço público urbano e tem como foco a análise e transformação do mesmo na área urbana da Baixa de Lisboa. O objectivo essencial consiste em compreender, em particular, a evolução da malha urbana da Baixa através do seu espaço público, elaborando uma leitura aprofundada desta área da cidade entendendo as suas origens e transformações desde a sua génese até à actualidade. Procura-se clarificar o conceito de espaço público enquanto imagem urbana, o seu significado para a cidade, como se desenvolve, bem como as suas repercussões em termos da vida urbana. Debruçar-nos-emos sobretudo sobre a génese e importância destes espaços, ao longo dos tempos, o contexto urbano em que surgem, a forma de ocupação e uso na área em estudo, bem como a influência que têm na morfologia da cidade.

Pretende-se reflectir sobre o espaço público da Baixa de Lisboa, enquanto espaço expectante e consolidado, mas simultaneamente espaço de oportunidade, carregado de valor arquitectónico, que justifique a valorização da sua qualidade urbana, que crie condições para um equilíbrio lógico entre a utilização da pré-existência e a reabilitação, que contribua para transformar esta área nevrálgica da cidade numa soma de espaços públicos acessíveis, inclusivos e que sirvam para o encontro e união da cidade com os seus habitantes como espaço social que traz nova vida à cidade.

O espaço público constitui por excelência a condição para que se possa realizar a vida urbana, tratando-se assim, de uma “condição geral” para a existência própria da cidade. É um espaço multidimensional: físico, simbólico e político onde as relações sociais se estabelecem e que serve de palco à sociedade. O espaço público é o espaço da representação no qual a sociedade se mostra visível, e a relação que este estabelece com a cidade é, de maneira inequívoca, complementar, uma vez que ambos não

1 A presente dissertação de mestrado não cumpre o acordo ortográfico em vigor, tendo sido redigida com base na antiga ortografia.

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 37 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

configuram sentido um sem o outro, apesar de serem entidades físicas diferenciadas e elementos espacialmente distintos. Enquanto a cidade se apresenta como uma realidade concreta, composta por edifícios e uma estrutura, isto é, matéria construída; o espaço público, por sua vez, revela a materialização do seu inverso, ou seja, a ausência de matéria, não sendo deste modo uma rejeição da cidade, mas pelo contrário, a afirmação da sua existência.

A cidade, organismo vivo, é objecto de análise principalmente devido às suas constantes transformações. A sua evolução ao longo dos séculos, confere ao espaço urbano a justaposição de camadas históricas que revelam o percurso físico e moral de uma cidade. Lisboa é uma cidade particular pela sua localização geográfica privilegiada, construída sobre colinas e recostada nos vales. A área que conhecemos como Baixa é um vale inserido entre as colinas de S. Francisco e do Castelo e nasceu de diversos e sucessivos assoreamentos realizados no esteiro do rio Tejo. Ao longo dos tempos a cidade sofreu as mais diversas influências, desde os Romanos aos Muçulmanos; no entanto, Lisboa consolidou-se à beira rio e a Baixa constituiu-se no seu coração. Sucessivas modificações ocorreram no contexto social, económico e político da cidade, o que contribuiu para a alteração dos hábitos dos cidadãos, o que se reflecte no espaço público e no seu uso.

Ao longo da história de Lisboa, a Baixa em particular, atravessou dois acontecimentos de enorme importância para a sua actual consolidação: o fatídico terramoto de 1755 e o catastrófico incêndio do Chiado em 1988. Estas duas tragédias foram factos que modificaram a forma urbana da Baixa oferecendo-lhe uma imagem singular.

A partir do séc. XX a inclusão do automóvel na vida da cidade proporcionou uma nova solução a nível do transporte, no entanto, viria a ser um dos maiores problemas a nível de utilização do espaço público num passado recente. A cidade passou a desenvolver- se em função do automóvel remetendo os cidadãos para segundo plano, esquecendo que são eles mesmo que constroem as cidades e que para tal necessitam de espaço, espaço público qualificado. A consciencialização deste problema levou a que diversos programas de requalificação do espaço público tenham surgido nos últimos anos.

Assim, é nesta perspectiva que surge a presente dissertação, tentando demonstrar que, no caso dos espaços públicos expectantes de qualidade urbana e social, mas repletos de significado e memória, é possível reinventá-los e requalificá-los.

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 38 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Motivação

A escolha deste tema centra-se, num primeiro momento, com o estímulo e a intriga que o autor sente acerca da temática de espaço público na cidade de Lisboa e em particular do sistema de espaço público do centro histórico da cidade.

A tomada de consciência acerca do declínio e descaracterização de determinados espaços públicos da cidade, e a constante dinâmica para a requalificação dos mesmos, foi o que originou a intriga e reflexão que deu origem ao tema. Existem espaços que conseguem por si só, captar vivências e desencadear relações humanas, ao mesmo tempo que se transformam e se adaptam para responder às exigências da sociedade e dos novos usos. Foram estes espaços que desde cedo, motivaram este estudo: nomeadamente pelo fascínio das transformações que neles ocorrem, através da interacção das pessoas; pela capacidade de alguns espaços em conseguir atrair vivências diversas, que reflectem a sua essência de forma simples e clara, através daqueles que os utilizam e que neles desenvolvem actividades.

1.2. METODOLOGIA

Para a realização da presente dissertação, numa primeira fase, a metodologia adoptada centrou-se numa pesquisa de informação bibliográfica em documentos escritos (artigos, livros, teses, etc.) relacionados com o tema, tendo como objectivo a contextualização e o conhecimento, tanto do conceito de espaço público, como do contexto a que está associado, a caracterização do espaço público e dos seus elementos morfológicos e tipologias.

Continuamente procedeu-se ao estudo e análise / evolução da área de estudo (a Baixa), também com base em pesquisa de informação bibliográfica em documentos escritos (artigos, livros, etc.), bem como ao estudo das suas características físicas e sociais no que à temática de espaço público diz respeito; servindo assim, para reforçar a ideia de que o espaço público merece ser alvo de atenção devido à importância que possui no domínio da vida dos cidadãos e da cidade culminando na análise de diferentes casos de estudo de génese diversificada.

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 39 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

1.3. ORGANIZAÇÃO

Da metodologia e estruturação da dissertação resultam três capítulos que pretendem formular, do geral para o particular, as questões inerentes ao conceito de espaço público e à área urbana da Baixa (e o seu espaço público).

No primeiro capítulo desta dissertação – “Espaço Público: o vazio que estrutura” – pretende-se através de pesquisas teóricas, fazer uma reflexão sobre a ideia e conceito de espaço público procurando reconhecer de forma clara, a complexidade que lhe está inerente. Inicia-se este capítulo a partir do conceito de espaço público e o modo como este é encarado por diversos autores; de seguida dá-se sequência ao tema onde se procura esclarecer a relação intrínseca que existe entre espaço público e a cidade através da morfologia urbana e do contexto morfológico em que o espaço público se insere uma vez que este é definido através de elementos morfológicos que se conectam e interligam; por sua vez, o facto do espaço público e a forma que este adquire não poder nunca ser dissociada do sítio / lugar em que está inserido, proporciona um subcapítulo dedicado aos conceitos de “sítio”, “lugar”, “carácter” e “significado” na óptica de diversos autores que sustentam esses mesmos conceitos na arquitectura em geral e no espaço público em particular. O capítulo finda com uma abordagem às tipologias de espaço público existentes.

O segundo capítulo – “A evolução urbana da Baixa de Lisboa” – tem como objectivo analisar a evolução da área urbana da Baixa desde o sítio de Lisboa e a sua génese, cruzando os períodos de influência romana e muçulmana até à fixação de Lisboa como cidade. A partir deste período faz-se uma retrospectiva histórica e evolutiva desde o período medieval em que se estabelece a noção de estrutura e limite na cidade até ao período manuelino e joanino em que a cidade se desenvolve e cresce como centralidade consolidada. Após o terramoto de 1755, a Lisboa de outrora desaparece à luz da catástrofe e da mão humana. Um novo plano para Lisboa e a sua zona baixa foi projectado e elevado ao longo de vários anos. É assim realizada uma análise esclarecedora do novo plano de reconstrução, sempre com foco na temática do espaço público, apontando as suas principais virtudes, os seus princípios base e a sua complexidade conceptual e metodológica. No subcapítulo final “3.6. Do plano de 1755- 1758 ao séc. XXI…” são demonstradas as várias etapas dos principais espaços públicos da Baixa, desde as suas ruas e praças, aos vários projectos que se sucederam, uns que fracassaram e outros que se mantém até aos dias de hoje.

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 40 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

No terceiro e último capítulo desta dissertação, com o objectivo de analisar a permanência e a transformação no espaço público urbano da Baixa de Lisboa, propomos o estudo de três obras / projectos de requalificação de espaço público outrora expectante. São três obras que lidam com realidades patrimoniais pré-existentes e formulam diferentes formas de interacção entre elementos do passado e do presente.

As obras arquitectónicas que servem de casos de estudo nesta dissertação, são o percurso pedonal assistido da Baixa ao Castelo de S. Jorge do Arq.º J. P. Falcão de Campos (uma rua), a requalificação do Terreiro do Paço / Praça do Comércio do Arq.º L. J. Bruno Soares (uma praça) e a requalificação do Campo das Cebolas / Doca da Marinha do Arq.º J. L. Carrilho da Graça (praça – jardim).

Se no projecto do Arq.º Falcão de Campos nem tanto, uma vez que incide num plano mais recente, as restantes obras são exemplos que tentam recolher a memória do passado olhando para o futuro, e que tendo pontos de partida diferenciados convergem para objectivos comuns: intervir em pré-existências de grande interesse arquitectónico devido à sua tipologia e ao lugar em que estão inseridos. Sendo a intenção das intervenções o espaço público e o seu usufruto, o que se pretende é interpretar o que os distingue: a observação crítica da realidade do lugar e a expressão dessa observação em obras cuja coerência e pertinência gera um reconhecimento alargado.

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 41 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 42 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

2. ESPAÇO PÚBLICO: O VAZIO2 QUE ESTRUTURA

2.1. IDEIA E CONCEITO DE ESPAÇO PÚBLICO

Espaço, | s. m. | do latim spatium | área; intervalo; lugar; área que está no intervalo entre limites (Costa e Sampaio e Melo, 1982, p. 578).

Público, | adj. | do latim publicus | pertencente ou relativo ao povo; que é de todos; comum (Costa e Sampaio e Melo, 1982, p. 1167).

O conceito de espaço público tem sido um foco de atenção transversal às mais variadas disciplinas como a arquitectura, o urbanismo, a geografia, a filosofia, a sociologia, a história, a psicologia, as ciências sociais e humanas, a antropologia e as artes, que ao longo do tempo dedicaram a sua atenção às características estruturais e morfológicas que definem o território desencadeando permanentemente novas abordagens. É, no entanto, um conceito teórico difícil de explicar, complexo e de árduo consenso.

A sua percepção e definição, contudo, varia ao longo dos tempos. Numa sucinta retrospectiva histórica, constatamos que o espaço público, século após século, foi sendo compreendido de acordo com a estrutura morfológica existente em cada cidade e com os interesses predominantes nessa estrutura. Na Antiguidade Clássica, o espaço público (a Ágora grega ou o Fórum romano, por exemplo) relacionava-se essencialmente com o poder; na Idade Média, o espaço público (de que é exemplo o mercado medieval) torna-se o lugar das relações sociais; na Idade Moderna (com a implementação de avenidas e praças monumentais) verifica-se um maior interesse e importância pela sua configuração espacial. Em todos estes períodos da História, de modo recorrente, o espaço público surge associado a três elementos fundamentais: ao poder, às relações sociais e à configuração espacial (forma urbana). Se no passado estes espaços assumiam-se, em grande parte, como pontos essenciais da vida social e política, actualmente as suas funções recaem em componentes associadas ao recreio, ao lazer e ao ócio.

De modo geral, o espaço público é sobretudo o espaço físico de livre acesso que pode ser desfrutado por parte de cada pessoa, cada cidadão, que vive a cidade. É o local de encontro, de reunião e geralmente decisivo nas relações interpessoais, permitindo constituir uma cultura agregadora e compartilhada pelas comunidades que o utilizam.

2 O conceito de «vazio» é aqui entendido como espaço público integrado num complexo sistema que é a cidade assumindo-se como espaço de relação entre elementos morfológicos e a articulação que estes estabelecem com a envolvente e com o Homem.

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 43 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Em termos gerais quando se pensa em espaço público, pensa-se num primeiro instante, em ruas e praças, em parques e jardins urbanos, e hoje em dia também em grandes superfícies comerciais, que embora sejam de domínio privado, têm acesso público. Mas espaço público é mais do que isso, é mais do que o seu nome indica, isto é, espaço…

Diversos autores, em contextos temporais e geográficos distintos, consolidaram definições, abordagens e percepções acerca da ideia de espaço público, no entanto, com inequívoca influência histórica, social e ideológica tácita de cada época. Em todos é possível identificar pontos essenciais convergentes na tentativa de descrever o que é o espaço público, sabendo-se, no entanto, que o conceito de espaço público é em si, bastante complexo e que, devido a esse facto, uma definição específica será sempre redutora.

Segundo François Ascher3, a expressão “espaço público” surge pela primeira vez em 1977, no âmbito de um processo de intervenção pública, “reagrupando numa mesma categoria, os espaços verdes, as ruas pedonais, as praças, a valorização da paisagem urbana e o mobiliário urbano.” (Ascher, 1995, p. 172).

Francesco Indovina4 afirma que “o espaço público deve ser considerado fundador da cidade (poder-se-á dizer em todas as épocas e em todos os regimes); no fundo, “o espaço público é a cidade” (Indovina, 2002). Afirmação essa suportada através de três pontos de vista segundo o autor:

1. o espaço público representa a condição para que se possa realizar a vida urbana, tratando-se assim, de uma “condição geral” para a existência própria da cidade;

2. constitui um importante factor de identidade, uma vez que relaciona os lugares dando-lhes forma representativa e assumindo, muitas vezes, a conotação de “símbolo” (a exemplo, as famosas praças de muitas cidades). Contudo, esta

3 François Ascher, (Metz, 1946 – Paris, 2009) foi um urbanista e sociólogo francês diplomado em ciências económicas, doutor em estudos urbanos e ciências humanas, especializado no estudo dos fenómenos metropolitanos e no planeamento urbano. 4 Francesco Indovina, (Termini Imerese, 1933) é um dos mais conhecidos e reputados urbanistas italianos. Nascido em Termini Imerese (Palermo), em 1933, compatibilizou desde sempre, a sua trajectória no estudo do território, com a docência universitária e o compromisso social e político. Desta vivência emergiu uma vasta e complexa obra que se converteu numa referência imprescindível no estudo das dinâmicas territoriais e urbanas, assim como no debate acerca das políticas públicas destinadas a serem canalizadas e corrigidas em benefício da comunidade.

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 44 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

afirmação não exclui que certos edifícios (elementos privados) possam também ter um papel de identidade importante e ascender a símbolos;

3. a cidade é o “lugar da palavra”, o que impõe a organização de espaços nos quais esta possa ser expressa. Nesta dimensão, o espaço público é o lugar da socialização, do encontro e da manifestação social, cultural e política.

Para Jordi Borja5 (Borja, 2000) o espaço público não se resume apenas ao espaço residual que existe entre edifícios, ruas e matéria construída da cidade, nem tão pouco a um espaço vazio considerado público por razões exclusivamente jurídicas. Para Borja é mais do que isso. É um espaço multidimensional: físico, simbólico e político onde as relações sociais se estabelecem e que serve de palco à sociedade. O espaço público é o espaço da representação, no qual a sociedade se mostra visível. Borja afirma ainda que “o espaço público é a cidade e que a história da cidade é a do seu espaço público” (Borja, 2000, p. 8). Nesta afirmação, constatamos a convergência entre autores, Borja e Indovina, no que à ideia e conceito de espaço público diz respeito.

Ainda, no seu texto “El espacio público, ciudad y ciudadanía” (Borja, 2000), declara que o espaço público (ou o seu conceito) é um desafio global à política urbana, acabando esse desafio global por se difundir em três desafios particulares que abrangem toda a cidade: um desafio urbanístico, político e cultural.

Na vertente urbanística,

[…] el espacio público no es el espacio residual entre lo que se ha construido y el espacio viario. Hay que considerarlo el elemento ordenador del urbanismo, sea cual sea la escala del proyecto urbano. Es el espacio público el que puede organizar un territorio que sea capaz de soportar diversos usos y funciones y el que tiene más capacidad de crear lugares. Ha de ser un espacio de la continuidad y de la diferenciación, ordenador del barrio, articulador de la ciudad, estructurador de la región urbana. (Borja, 2000, p. 41).

Do ponto de vista político, este divide-se em duas dimensões: a primeira incide nas relações sociais, onde,

[…] el espacio público es el espacio de expresión colectiva, de la vida comunitaria, del encuentro y del intercambio cotidianos. Nada queda al margen de este desafío: bloques de viviendas, centros comerciales, escuelas, equipamientos culturales o sociales, ejes

5 Jordi Borja (Barcelona, 1941) é Presidente do Observatório DESC (direitos económicos, sociais e culturais) com sede em Barcelona. Doutor em Geografia e História pela Universidade de Barcelona e Geógrafo Urbano pela Université de Paris-Sorbonne, ocupou cargos de gerência na Câmara Municipal de Barcelona e participou no desenvolvimento de planos e projectos de desenvolvimento urbano em várias cidades da Europa e da América Latina.

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viarios, por no nombrar calles y galerías, plazas y parques. Todas estas realizaciones son susceptibles de un tratamiento urbanístico que genere espacios de transición, que contribuyan a crear espacios de uso colectivo […]. (Borja, 2000, p. 41). enquanto que na segunda, o desafio político do espaço público relaciona-se com o direito do cidadão à afirmação, à confrontação e à manifestação, sendo por isso fulcral o direito à acessibilidade a espaços públicos que interajam com edifícios políticos ou administrativos e com a capacidade para concentrações urbanas.

La ciudad exige grandes plazas y avenidas, especialmente en sus áreas centrales (y, también, en otra escala, en sus barrios), en los cuales puedan tener lugar grandes concentraciones urbanas. Estos actos de expresión política tienen su lugar preferente frente a los edificios o de los monumentos que simbolizan el poder. (Borja, 2000, p. 41).

Na vertente cultural o grau de monumentalidade de um espaço é um dos melhores indicadores dos valores urbanos predominantes nesse espaço, pois expressa e cumpre diversas funções, sejam de índole urbanística, histórica, política ou simbólica. No entanto a dimensão cultural do espaço público não se limita apenas à sua monumentalidade e aos espaços não construídos, mas sim a todo um conjunto de edifícios, equipamentos e infra-estruturas da cidade.

Assim como Borja e Indovina assumem a sua posição, outros autores como Kevin Lynch6 (Lynch, 2009) e Jane Jacobs7 (Jacobs, 2000), renovam a mesma ideia e definição de espaço público enfatizando o seu valor estruturante e afirmando que o mesmo é a cidade.

Na globalidade destas percepções e abordagens críticas é possível identificar aspectos transversais ao conceito de “espaço público” que se adequam em três dimensões importantes: a dimensão morfológica e funcional - lugares onde ocorrem diversas actividades; a dimensão social - lugares relevantes e primariamente vocacionados para

6 Kevin Lynch (Chicago, 1918 – Massachusetts, 1984) foi um escritor e urbanista americano. Foi estudante do arquitecto Frank Lloyd Wright, antes de se formar em planeamento urbano no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), onde veio a leccionar entre 1948 e 1978. Exerceu urbanismo profissionalmente com a Carr / Lynch Associates, mais tarde conhecida como Carr, Lynch e Sandell. O seu mais famoso livro é ”The Image of the City”, publicado em 1960, e que foi resultado de um estudo de cinco anos sobre o modo como as pessoas percebem e organizam informações aleatórias quando percorrem o espaço urbano das cidades. Utilizando três cidades como exemplo (Boston, Jersey City e Los Angeles), Lynch observou que as pessoas, por norma, entendem a cidade que as rodeia de maneira consistente e previsível, formando mapas mentais. 7 Jane Jacobs (Scranton, 1916 – Toronto, 2006) foi uma escritora e activista canadiana de origem americana, com foco primário nas comunidades, planeamento e decadência urbana. A sua obra mais conhecida é “The Death and Life of Great American Cities” (1961), uma poderosa crítica às políticas de renovação urbana da década de 50 nos Estados Unidos da América.

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 46 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

a vida pública colectiva; e a dimensão simbólica e cultural - lugares que concentram história e significados.

2.2. O ESPAÇO PÚBLICO E A CIDADE

Quando referimos espaço público, a ele associamos imediata e instintivamente, uma imagem urbana. De facto, a relação que o espaço público estabelece com a cidade é indubitavelmente complementar, uma vez que ambos não configuram sentido um sem o outro, apesar de serem entidades físicas diferenciadas e elementos espacialmente distintos.

A cidade apresenta-se, à vista do seu observador, como uma realidade concreta, composta por edifícios, equipamentos e infra-estruturas. Matéria construída. Ao invés, o espaço público, representa, num entendimento comum, a materialização do seu inverso, isto é, a ausência de matéria. No entanto, o conceito de espaço público, não é uma rejeição da cidade, pelo contrário, é a afirmação da sua existência. (Lavado, 2013, p. 21).

Ilustração 1 - Rockefeller Center, Nova York. (Ling, 2015). Ilustração 2 - Seagram Building Plaza, Nova York. (Ling, 2015).

O espaço público é o espaço por excelência na e da cidade. É a sua vida, o seu coração, e é a partir dele que a apreendemos. Como coração que é, o espaço público imprime um plano à cidade, assumindo com esta, uma condição de complementaridade estruturante, sendo ainda o elemento principal da centralidade urbana, que limita edifícios, expondo o seu grau de importância; é a ausência de matéria, (isto é, o vazio que separa edifícios), mas que, no entanto, delimita a mesma matéria (os edifícios / equipamentos que o caracterizam) – seja através de uma rua, praça ou largo / jardim – propondo ao cidadão, observador da cidade, deambular pela mesma usufruindo desse mesmo espaço. (Bom, 2008).

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Ilustração 3 - Cabot Square, Londres. (Ling, 2015). Ilustração 4 - Downtown Container Park, Las Vegas. (Ling, 2015).

A história de cada cidade tem a capacidade de revelar as inúmeras transformações ocorridas ao longo dos séculos, sendo esta também capaz de demonstrar a contingência da relação que se estabelece entre cidade - espaço público - sociedade (Borja, 2000). A cidade sempre esteve, está e estará em constante transformação (metamorfose8), pelo que é senão o resultado de um acumular sucessivo de acontecimentos históricos que actualizam o conceito de cidade, redesenham a forma urbana e consequentemente o espaço público.

Ilustração 5 - Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa. (Ling, Ilustração 6 - Yebisu Garden Place, Tóquio. (Ling, 2015). 2015).

2.2.1. ESPAÇO PÚBLICO NO CONTEXTO MORFOLÓGICO

El hecho que el espacio público sea el elemento determinante de la forma de la ciudad ya es razón suficiente para atribuirle el rol ordenador del urbanismo y en primer lugar o de la trama urbana. (Borja, 2000, p. 53).

8 Metamorfose, [Figurado], transformação, mudança.

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 48 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

O espaço público exibe-se e materializa-se através de uma forma, configurado por um desenho que o define e caracteriza, e que o torna num espaço único e com uma identidade própria. Ao nível da arquitectura, a forma é a aparência exterior e sensível das coisas, e que no seu processo de criação se une à matéria sem a qual não existiria. O estudo da forma da cidade dá pelo nome de morfologia urbana9, sendo esta de enorme importância para a compreensão do processo de desenhar cidade, que é inevitavelmente o processo de desenhar espaço público.

À morfologia urbana interessam, em primeiro lugar, os instrumentos de leitura urbanísticos e arquitecturais – partindo do princípio de que as disciplinas de concepção do espaço têm instrumentos de leitura que lhes são próprios: a leitura da cidade como facto arquitectural. (Lamas, 2017, p. 41).

Esta posição implica aceitar que a construção do espaço físico passa necessariamente pela arquitectura. Então a noção de «forma urbana» corresponderia ao meio urbano como arquitectura, ou seja, um conjunto de objectos arquitectónicos ligados entre si por relações espaciais. A arquitectura será assim a chave da interpretação correcta e global da cidade como estrutura espacial. (Lamas, 2017, p. 41).

Ao descrevermos espaço público descrevemos cidade. E ao descrevermos cidade “ocupamo-nos preponderantemente da sua forma” (Rossi, 2001, p. 43). A forma urbana10 da cidade corresponde, intimamente, à organização e articulação que esta estabelece com a sua arquitectura. Ora, por “arquitectura da cidade” (Rossi, 2001) entendemos dois aspectos distintos: 1. é “uma produção ou obra de arquitectura e / ou engenharia, maior ou menor, mais ou menos complexa, que cresce no tempo […]” (Rossi, 2001, p. 43) ou, 2. num outro caso, quando nos referimos a áreas particulares da cidade, onde factos urbanos (elementos morfológicos11) são caracterizados por uma arquitectura de forma própria.

9 Morfologia Urbana – o termo «morfologia» utiliza-se para designar o estudo da configuração e da estrutura exterior de um objecto. A morfologia urbana, estudará, portanto, os aspectos exteriores do meio urbano e as suas relações, definindo e explicando a paisagem urbana e a sua estrutura. A morfologia urbana é o estudo da forma do meio urbano nas suas partes físicas exteriores / elementos morfológicos, e na sua produção e transformação no tempo. (Lamas, 2017). 10 Forma Urbana – O conceito geral da forma de um objecto refere-se à sua aparência exterior. A forma urbana está intimamente ligada ao “desenho” urbano. A própria palavra “forma” sugere a materialização e a organização de elementos morfológicos que caracterizam o espaço urbano, ou seja, é em suma, o conjunto de objectos, que ligados entre si, estabelecem relações espaciais. A forma urbana deve constituir uma solução para o conjunto de problemas que o planeamento urbano pretende organizar e controlar. É a materialização no espaço da resposta a um contexto preciso. (Lamas, 2017). 11 Elementos Morfológicos – são unidades ou partes físicas que, estruturadas e associadas, constituem forma. Devem ter uma relação tanto a nivel de escala / dimensão, como a nível de concepção, podendo ser: ruas, praças, edifícios, etc. (Lamas, 2017).

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 49 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

O espaço público quando entendido como vazio, é um vazio que é em si, estruturado e estruturante, com dimensões e características definidas, que influencia uma determinada área, e por consequência transforma todo um território.

Qualquer leitura que façamos da cidade e mais particularmente do seu espaço público, deve ser feita a três níveis / dimensões espaciais distintas:

1. À dimensão sectorial ou escala da rua: é associada a mais pequena unidade (ou porção) de espaço urbano, com forma própria à qual pertencem as ruas, praças, edifícios, mobiliário urbano, estrutura verde, pavimentos, texturas…; é assim classificada uma vez que o observador de qualquer ponto em que se encontre, consiga vislumbrar a unidade espacial no seu conjunto;

2. À dimensão urbana ou escala do bairro: estão presentes os traçados, as praças, os quarteirões, os monumentos e os grandes jardins. É nesta escala que se tem a real percepção da área urbana. Esta dimensão pressupõe vários percursos e diferentes tipos de movimentos essenciais para a sua apreensão. Consiste na estrutura das ruas, nas praças e outros elementos morfológicos de escala inferior; esta dimensão / escala, tal como o nome indica, corresponde numa cidade à área do bairro;

3. À dimensão territorial ou escala da cidade: surge a forma total da cidade, que na essência se estrutura através da articulação de outras formas diferentes, isto é, “diferentes bairros ligados entre si” (Lamas, 2017, p. 74). A forma da cidade define-se através da articulação dos seus elementos primários / estruturantes (sistema de ruas e bairros, zonas habitacionais, centrais e industriais), com uma das mais importantes condições: a topografia.

Desde sempre e para sempre o desenho e forma da cidade irá responder a um contexto específico (histórico, cultural, etc.), através da arquitectura. Diferentes contextos originam diferentes desenhos e formas urbanas, mesmo que se sirvam de elementos morfológicos idênticos.

O espaço público, como o percepcionamos actualmente, é normalmente definido como espaço livre, verde, não edificado, expectante; contudo, assume e adquire uma complexidade acrescida devido à sua função estruturante na morfologia urbana, uma

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vez que, como espaço gerador, é o elemento fundamental para a articulação e ordenamento dos restantes factos urbanos da cidade.

2.2.1.1. OS ELEMENTOS MORFOLÓGICOS DO ESPAÇO PÚBLICO

A identificação de elementos morfológicos pressupõe conhecer quais as partes da forma […]. (Lamas, 2017, p. 79).

Segundo José Ressano Garcia Lamas (Lamas, 2017), são vários os elementos morfológicos que caracterizam o espaço público. (Lamas, 2017, p. 79-110).

Apesar dos elementos que actualmente caracterizam o espaço público serem praticamente os mesmos que figuravam noutras épocas históricas, a sua importância veio sendo alterada. No entanto, estes continuam a fazer parte integrante da leitura do espaço, e da própria organização da cidade. Por mais variadas funções que assumam e por mais diversificadas que sejam as suas formas, a sua simbiose é importantíssima na estrutura da forma urbana da(s) cidade(s).

1. O solo - a base, o pavimento, o “chão que pisamos” …

Destacar os elementos que compõem e caracterizam o espaço público e não começar pela base que lhe dá “vida” seria o mesmo que erguer uma casa começando por construir o telhado. É a partir do território e da sua topografia que se desenha e constrói a cidade e o espaço.

É a topografia e modelação do terreno, mas são também os revestimentos e pavimentos, os degraus e passeios empedrados, as faixas asfaltadas, os carris dos eléctricos […]. (Lamas, 2017, p. 80).

O “chão que pisamos”, poderemos chamar-lhe preferencialmente pavimento, é um dos elementos mais importantes do espaço público, senão o mais importante, pois é um elemento de grande fragilidade e sujeito a sucessivas mudanças ao longo da história. Lisboa, por exemplo, é fértil em pavimentos históricos (Fernandes et al. 2017), pois foi uma cidade que se construiu e ergueu de camada em camada, devido a condições topográficas singulares, a permanências e vestígios de outros povos, ou até mesmo devido a catástrofes naturais. Aliado a esta condição, as soluções de pavimentação foram-se modificando ao longo do tempo tendo sofrido uma enorme evolução. Hoje em dia, o alto nível de pavimentação e tratamento do solo concedem à cidade uma enorme diferença de aspecto e comodidade, em relação a outros períodos da História.

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Ilustração 7 - Pavimento Praça do Ilustração 8 - Pavimento Rua do Carmo, Ilustração 9 - Pavimento Rua Augusta, Comércio, Lisboa. (Ilustração nossa, Lisboa. (Ilustração nossa, 2018). Lisboa. (Ilustração nossa, 2018). 2018).

2. Os edifícios, o elemento mínimo; e as suas fachadas, o plano marginal…

Uma vez que o espaço público, na maioria dos casos, depende de matéria edificada e do modo como esta se agrupa para se evidenciar, o “edifício” surge como elemento mínimo para o fazer valer. É essencialmente através dos edifícios que se constitui o espaço público e se organizam os mais variados espaços com “forma própria” que identificamos nas cidades: a rua, a praça, o beco, a avenida, etc.

Ilustração 10 - Rua Augusta, Lisboa. (Ilustração nossa, 2018). Ilustração 11 - Praça do Comércio, Lisboa. (Ilustração nossa, 2018).

A tipologia edificada determina a forma urbana, e a forma urbana é condicionadora da tipologia edificada, numa relação dialéctica. (Lamas, 2017, p. 86).

Contudo, se nos limitarmos a interpretar o edifício como um “corpo”, fica-nos a faltar uma “cara”, algo que o identifique e caracterize; essa “cara” que procuramos é a fachada. Na cidade tradicional a relação do edifício com o espaço público vai

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 52 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

estabelecer-se através da fachada. Um edifício situado entre duas empenas (como são exemplo a maior parte dos edifícios da nossa área de estudo - a Baixa Pombalina), dispõe apenas da fachada para “comunicar” com o espaço público. As fachadas dos edifícios exprimem as suas características distributivas (programa, função e organização), o tipo de edificado e as características e linguagem arquitectónica (o estilo, a época); todo um conjunto de elementos que acabarão por moldar a imagem da cidade. É de salientar ainda, que a importância da fachada resulta da posição hierarquizada, que o lote, onde se encontra o edifício, ocupa no quarteirão.

Ilustração 12 - Arco do Bandeira, Rossio, Lisboa. (Ilustração Ilustração 13 - Rua Augusta, Lisboa. (Ilustração nossa, 2018). nossa, 2018).

É através das fachadas dos edifícios (e dos seus volumes) que se definem os espaços urbanos. A fachada é o invólucro visível da massa construída, e é também o cenário que define o espaço urbano. (Lamas, 2017, p. 96).

A Praça do Comércio, por exemplo, seria completamente distinta se o seu edificado não tivesse os torreões, ou as arcadas e a expressão arquitectónica que a caracteriza. Apesar de ser uma necessidade interpretativa, “como quando se semicerram os olhos para melhor captar os traços essenciais do objecto” (Lamas, 2017, p. 84), referir estes elementos é bastante importante, pois são determinantes na forma do espaço urbano.

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Ilustração 14 - Arcadas, Praça do Comércio, Lisboa. (Ilustração nossa, 2019). Ilustração 15 - Torreão Poente, Praça do Comércio, Lisboa. (Ilustração nossa, 2019).

Em determinadas épocas a fachada vai assumir uma concentração de esforço estético, procurando o aparato, a representatividade, a ostentação e o prestígio, moldando a imagem e a estética das cidades.

A partir do urbanismo moderno, o edifício, e consequentemente a sua fachada, deixa de ocupar no espaço urbano a posição que detinha na cidade tradicional, passando a ser um objecto isolado em redor do qual existe espaço livre. Desaparecem as empenas, e os lados passam a ser vistos e a pertencer à imagem da cidade. Consequentemente, a orientação dos edifícios deixa de ser determinada pela orientação dos traçados e deixa de existir a «fachada principal» para a rua. (Lamas, 2017, p. 96).

3. O lote…

O lote não é apenas uma porção de área urbana; é a génese e fundamento do edificado e do qual o edifício não pode, em situação alguma, ser separado. O lote é um princípio essencial da relação que o edifício estabelece com o terreno e é a forma do lote que condiciona a forma do edifício, que por sua vez e consequentemente, condiciona a forma da cidade. Até meados do séc. XX o lote estabelecia os limites do edifício e vincava a separação entre espaço público e privado.

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Ilustração 16 - Lote, Unidade de Habitação de Marselha, Le Ilustração 17 - Unidade de Ilustração 18 - Unidade de Corbusier. (Kroll, 2016). Habitação de Marselha, Le Habitação de Marselha, Le Corbusier. (Kroll, 2016). Corbusier. (Kroll, 2016).

Na unidade de habitação de Le Corbusier, o lote deixa, por assim dizer, de existir, uma vez que o edifício não ocupa o solo definido pela sua projecção vertical. Assenta em pilares que saem de um terreno público, como público é todo o espaço circundante. (Lamas, 2017, p. 86).

4. O quarteirão…

Um quarteirão tanto pode ser definido através da forma construída que aparenta ou através do seu traçado no desenho da cidade. Essencialmente o quarteirão é um contínuo de edifícios agrupados entre si (podendo configurar variadas formas), e é delimitado por ruas ou avenidas.

Ilustração 19 - Quarteirões, Baixa Pombalina, Lisboa. (Jorge, 2013). Ilustração 20 - Quarteirões, Baixa Pombalina, Lisboa. (Jorge, 2013).

O sistema de quarteirão é muito antigo. É um processo geométrico elementar, e como tal começou a sua existência. A partir desse processo elementar, foi adquirindo estatuto na produção da cidade, como unidade morfológica. (Lamas, 2017, p. 88).

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Na nossa área de estudo, a Baixa Pombalina, o quarteirão confunde-se com um grande edifício ou uma grande fracção. O traçado ortogonal onde se insere e o ritmo que impõe, estabelece grande dinamismo com o espaço público que o delimita.

No entanto, se o limite do lote se identifica com o limite do edifício, a delimitação do quarteirão prevê uma hierarquia superior, contudo, é um elemento morfológico que não é autónomo dos restantes elementos que caracterizam o espaço urbano da cidade: traçados, ruas, jardins, lotes e edifícios.

5. O logradouro…

O logradouro é um terreno ou espaço anexo a um edifício, usado para serventia ou com outras funcionalidades. Constitui, na sua essência, o espaço privado do lote não ocupado por construção, vulgarmente chamado de “traseiras”, separado do espaço público pelos contínuos edificados. Na cidade tradicional, o logradouro, foi compreendido como um resíduo ou como resultado dos acertos de loteamentos e de geometrias de ocupação, muitas vezes utilizado desde horta, quintal ou até mesmo oficina. Este tipo de condição está patente nos quarteirões do plano urbano da Baixa Pombalina. No entanto, com o evoluir dos séculos, este espaço veio ganhando novos usos. De espaço residual e anexo, o logradouro veio a assumir-se como espaço público comum que pode ser usufruído por toda a população, como são exemplos elucidativos dessa nova condição, as intervenções arquitectónicas que o Arq.º Siza Vieira e o Arq.º Gonçalo Byrne assinaram no interior dos quarteirões da Rua Garrett, na área do Chiado, em Lisboa.

Ilustração 21 - Pátio Siza Vieira, Chiado, Ilustração 22 - Quarteirão Império, Ilustração 23 - Quarteirão Império, Lisboa. (Ilustração nossa, 2019). Chiado, Lisboa. (Ilustração nossa, 2019). Chiado, Lisboa. (Ilustração nossa, 2019).

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6. O traçado / a rua…

O traçado é um dos elementos mais importantes na forma de uma cidade e também é o mais facilmente identificável. Do desenho do traçado, surge o elemento - rua.

A rua é o elemento nuclear do espaço público, com forma própria. A sua forma está normalmente associada a um eixo longitudinal linear, regular ou irregular, côncavo ou convexo, podendo pontualmente assumir outras formas, ao longo do seu desenvolvimento, sem deixar de ser um espaço - rua. É ela um dos elementos com maior destaque na hora de projectar uma cidade ou uma parte desta, regulando a disposição dos edifícios, quarteirões e os seus espaços públicos ligando os vários espaços da cidade. É entendida como sendo um espaço público destinado à circulação de pessoas e veículos, possui um carácter muito social (quando inserida e parte integrante de um bairro), e é onde frequentemente ocorre a vida quotidiana e as relações sociais.

[…] a rua ou o traçado relaciona-se directamente com a formação e crescimento da cidade de modo hierarquizado, em função da importância funcional da deslocação, do percurso e da mobilidade de bens, pessoas e ideias. (Lamas, 2017, p. 100).

O traçado e a rua existem como elementos morfológicos nas diversas escalas da forma urbana. Seja uma rua apenas pedonal, uma travessa, uma avenida ou uma via rápida, encontra-se sempre correspondência entre a hierarquia do traçado das ruas e a hierarquia das escalas da forma urbana.

Segundo Matthew Carmona et. al., Camillo Sitte, no seu livro “City Planning According to Artistic Principles”, a rua ideal deve formar uma unidade inteiramente fechada. Esta ideia tem por base a noção de espaço limitado, onde o olhar não se perde no infinito e as actividades e vivências ficam contidas num espaço, o que convida à participação dos que a elas assistem. No entanto, normalmente uma rua não é um espaço completamente encerrado, ela é caracterizada pela demarcação de dois dos seus lados, ao longo do seu comprimento, podendo ser ou não rematada nos seus extremos, por edifícios ou outros elementos e interrompida ou atravessada por outras ruas ou outros espaços urbanos. (Santos, 2008, p. 17).

7. A praça…

No período romano, o conceito de praça era assumido pelo Fórum (romano). Era um lugar central e social. “Nas cidades islâmicas, a praça não existe. Quanto muito, o cruzamento de ruas produz uma área mais larga no ponto de confluência” (Lamas, 2017, p. 100). A praça como elemento morfológico, é símbolo das cidades ocidentais e

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distingue-se de outros espaços públicos devido à sua organização espacial e intencionalidade de desenho.

As praças são muitas vezes encaradas como a expressão de uma sociedade uma vez que atribuem identidade ao lugar onde se encontram. Ao contrário da rua, que é um lugar de trânsito e transição, a praça pressupõe a vontade e o desenho de uma forma e de um programa. É um lugar de destino, é o lugar intencional do encontro, da permanência, dos acontecimentos, de manifestações sociais e comunitárias, e consequentemente de funções estruturantes e arquitecturas significativas, sendo um dos elementos do espaço público onde a função social se encontra mais vincada.

Ilustração 24 - Ruínas de Fórum Romano - Praça Oval de Ilustração 25 - Plaza Mayor, Madrid, Intervenção Artística. (SpY, Gerasa, Jerash, Jordânia. (Raddato, 2018). 2017).

Na idade média, a praça era o resultado do vazio urbano, sem planeamento prévio, onde a sua principal função era a do comércio e de socialização. “É a partir do Renascimento que a praça se inscreve em definitivo na estrutura urbana e adquire o seu estatuto até fazer parte obrigatória do desenho urbano nos séc. XVIII e XIX.” (Lamas, 2017, p. 102). Praça, largo, terreiro, são todos eles, elementos morfológicos de espaço público identificáveis na forma da cidade. A geometria de uma praça pode cruzar as mais variadas formas geométricas e feitios conhecidos, sendo a praça um elemento de grande permanência e preponderância nas cidades.

Em Lisboa, até ao séc. XVIII, a única “praça” da cidade era o Rossio, porque o Terreiro do Paço, era isso mesmo, um terreiro. Com forte significado mas um terreiro, onde não poderia ser assimilado o conceito de praça. O Terreiro do Paço no séc. XV / XVI foi um espaço tornado público, com origem na conquista de território ao rio e pelo alargamento da estrutura urbana que com o tempo foi apropriado e usado. No mesmo lugar, Eugénio dos Santos veio a desenhar a Praça do Comércio.

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 58 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

A definição de praça na cidade tradicional implica, como na rua, a estreita relação do vazio (espaço de permanência) com os edifícios, os seus planos marginais e as fachadas. Estas definem os limites da praça e caracterizam-na, organizando o cenário urbano. A praça reúne o ênfase do desenho urbano como espaço colectivo de significação importante. Este é um dos seus atributos principais e que a distingue dos outros vazios da estrutura das cidades. (Lamas, 2017, p. 102).

8. O monumento12…

O monumento é um facto urbano singular, elemento morfológico individualizado pela sua presença, configuração e posicionamento na cidade e pelo seu significado. […] …é um dos elementos que fundamentam o princípio das permanências – um dos factos urbanos que melhor persistem no tecido urbano e resistem a transformações. A sua presença é determinante na imagem da cidade. (Lamas, 2017, p. 104).

A imagem de Lisboa é também conferida pela imagem oferecida pelos seus monumentos, independentemente se são marcos sem finalidade de uso, mas com significado social, histórico ou cultural, como é exemplo, a estátua equestre de D. José no centro da Praça do Comércio, ou edifícios utilitários com valor social e importância cultural.

Ilustração 26 - Estátua Equestre D. José Ilustração 27 - Torre de Belém, Lisboa. Ilustração 28 - Padrão dos I, Praça do Comércio, Lisboa. (Ilustração (Ilustração nossa, 2019). Descobrimentos, Lisboa. (Ilustração nossa, 2019). nossa, 2019).

O monumento é também um dos elementos com maior potencial na composição da cidade, “mesmo após a perda do seu significado utilitário” (Lamas, 2017, p. 104), como é exemplo a Torre de Belém, em Belém, Lisboa.

12 Monumento, pode ser definido como «construção», obra de arquitectura ou escultura destinada a transmitir à posterioridade a recordação de um grande homem ou feito; ou, como obra de arquitectura considerável pela sua dimensão ou magnificência.

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 59 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

«O edifício público ou monumento como individualidade e como localização devem interferir em primeira mão na composição da cidade. Não se localizam em qualquer ponto. Têm o seu lugar marcado. Servem para compor a fisionomia urbana». (Lamas, 2017, p. 104).

O monumento desempenha um papel essencial no desenho urbano, uma vez que caracteriza a área ou bairro onde se encontre e torna-se um elemento marcante e estruturante da cidade e do seu espaço público.

9. A árvore e a vegetação…

Do canteiro à árvore, ao jardim de bairro ou ao grande parque urbano, as estruturas verdes constituem também elementos identificáveis na estrutura urbana. (Lamas, 2017, p. 106).

Os espaços verdes ou a estrutura verde, como o nome indica, não têm o mesmo carácter permanente que as restantes partes edificadas da cidade. Mas situam-se no mesmo nível da hierarquia morfológica e visual. Esta estrutura caracteriza fortemente a imagem da cidade e do espaço público; têm individualidade própria e desempenha funções precisas, pois é um elemento compositivo do desenho urbano; organiza, define, e contêm espaço.

Ilustração 29 - Campo das Cebolas. Ilustração 30 - Alinhamento Ilustração 31 - Ribeira das Naus, Lisboa. (Ilustração nossa, 2019). arbóreo na Av. da Liberdade, (Lisboa. Câmara Municipal, 2016b). Lisboa. (Jorge, 2013).

O elemento “árvore” e a vegetação têm um papel importantíssimo no desenho da forma do espaço público. Não só por questões ambientais, de salubridade e de clima, mas também por questões estéticas e visuais. Uma rua sem árvores mudaria completamente de figura; um jardim sem vegetação não era um jardim, transformar-se-ia num terreiro.

Um traçado pode ser definido tanto por um alinhamento de árvores como por um alinhamento de edifícios. Uma praça também. (Lamas, 2017, p. 106).

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 60 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

10. O mobiliário urbano…

O mobiliário urbano é deixado para o fim nesta conjectura de elementos morfológicos, pela simples razão de serem elementos móveis e não fixos no espaço. No entanto, é bastante importante a sua existência e a sua utilização nos dias de hoje. Um banco de jardim, um chafariz, caixotes de lixo, iluminação, sinais de trânsito, ou outros com dimensão superior, como quiosques (férteis em Lisboa, actualmente) ou paragens de autocarro.

Ilustração 32 - Mobiliário Urbano, Ilustração 33 - Mobiliário Urbano, Ilustração 34 - Mobiliário Urbano, Lisboa. (Ilustração nossa, 2019). Lisboa. (Ilustração nossa, 2019). Lisboa. (Ilustração nossa, 2019).

Todos estes elementos, este mobiliário, marcam a imagem da cidade e dos espaços públicos contemporâneos. Situam-se na dimensão sectorial ou escala da rua, e não podem (ou não devem) ser negligenciados e considerados elementos secundários, dada a implicação que têm na forma e equipamento da cidade e pela importância que assumem no desenho da mesma, na sua organização, e na qualidade e comodidade que oferecem ao espaço público.

2.2.2. DO SÍTIO AO ESPÍRITO DO LUGAR…

O espaço público e a forma que este adquire não pode nunca ser dissociada do sítio / lugar em que está inserido. Aldo Rossi no seu livro “Arquitectura da Cidade” (Rossi, 2001), refere-se ao sítio como “locus13”, “entendendo-o como a relação singular e no entanto universal, que existe entre uma certa situação local e as construções aí

13 Locus - (do latim) significa lugar, sítio, localidade.

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 61 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

localizadas” (Rossi, 2001, p. 151). No entanto, estende também a mesma definição à palavra lugar.

Lugar, por sua vez, é um espaço que percepcionamos e guardamos na memória e no tempo, que encerra significados e formas específicas, que pode ser real e geograficamente reconhecido, ou apenas fruto da nossa imaginação.

Sítio e Lugar, muitas vezes enquadrados como sinónimos, diferenciam-se e distanciam- se, porque enquanto o sítio se ocupa, o lugar constitui-se, através da Arquitectura. (Veríssimo, 2016).

Ilustração 35 - Piazza del Campo, Siena, Itália. (Gonçalves, Ilustração 36 - Monsaraz, Portugal. (Gonçalves, 2017). 2017).

Architecture means to visualize the genius loci, and the task of the architect is to create meaningful places, whereby he helps man to dwell. (Norberg-Schulz, 1980, p. 5).

“Existential foothold” and “dwelling” are synonyms, and “dwelling”, in an existential sense, is the purpose of architecture. (Norberg-Schulz, 1980, p. 5).

O termo “Genius Loci14” refere-se ao espírito do lugar. Conceito proposto e transmitido à Arquitectura por Christian Norberg-Schulz (Norberg-Schulz, 1980), Genius Loci tornou-se, na modernidade, uma expressão aceite pela Teoria da Arquitectura “para definir uma abordagem fenomenológica do ambiente e da interacção entre lugar e identidade” (Paiva, 2009). Diferentes lugares têm diferentes identidades.

Genius Loci is a Roman concept. According to ancient Roman belief every «independent» being has a genius, its guardian spirit. This spirit gives life to people and places, accompanies them from birth to death, and determines their character or essence. (Norberg-Schulz, 1980, p. 18).

14 Genius Loci - Na religião romana clássica, um «genius loci» era o espírito protector de um lugar. Foi frequentemente representado na iconografia religiosa e muitos altares romanos encontrados por todo o Império Romano do Ocidente eram dedicados a um genius loci particular.

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 62 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Em cada lugar onde exista vida pressupõe-se a existência do seu próprio genius, que se manifesta tanto no sítio, como na configuração e caracterização espacial desse mesmo sítio. Consequentemente, a própria identidade humana pressupõe uma identidade do lugar.

Ilustração 37 - Casa do Penedo, Portugal. (Gonçalves, 2017). Ilustração 38 - Ronda, Andaluzia, Espanha. (Gonçalves, 2017).

Para Norberg-Schulz, arquitectura significa perceber o Genius Loci e o trabalho do arquitecto é, no seu exercício mais íntimo, produzir lugares com significado que nos permita existir, viver; é criar espaços com significado, oferecendo ao Homem a possibilidade de habitar.

2.2.2.1. CARÁCTER E SIGNIFICADO

Segundo Amílcar de Gil e Pires (Pires, 2008), a noção de “carácter” em Arquitectura tem tido várias interpretações, desde que o termo começou a ser utilizado na segunda metade do séc. XVIII. Paul Jacques Grillo no seu livro “Form, Function and Design” (Grillo, 1960), refere-se ao carácter como sendo “uma qualidade rara”, quando esta diz respeito ao Homem, a um edifício ou a um espaço urbano. Qualidade essa que, ao longo da História da Arquitectura, se manifestou quando um edifício ou um espaço urbano, devido à sua forte “personalidade”, se afirmou e evidenciou em determinado contexto construído.

Determinados espaços públicos das cidades evidenciam-se, sobrepõem barreiras, através do seu desenho, onde não é possível existir uma abordagem mais objectiva como a simples expressão da sua funcionalidade. Estes, não só cumprem rigorosamente o seu programa, numa perfeita harmonia entre desenho, forma, materiais e função, como estão ligados a um sítio como se fossem animais vivos, através da sua

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 63 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

história e do seu simbolismo, concedendo ao observador o sentimento de que a sua existência nesse lugar é intemporal.

Ilustração 39 - Praça do Comércio, Lisboa. (ilustração nossa, 2018).

Que exercício seria, fechar os olhos e imaginar a Praça do Comércio, num outro sítio, num outro lugar? Será possível? A perfeita relação que a Praça do Comércio, em Lisboa, estabelece com o sítio é de tal forma indiscutível que se torna (quase, ou até mesmo) impossível imaginar esta praça num outro sítio / lugar diferente.

O espírito do lugar está presente não só na paisagem natural como, cada vez mais, no perfeito enquadramento entre o construído e o natural; é também resultado da ocupação das formas arquitectónicas no seu conjunto, que se torna poético e principalmente identitário, herdeiro de uma memória.

What, then, do we mean with the word “place”? Obviously we mean something more than abstract location. We mean a totality made up of concrete things having material substance, shape, texture and colour. Together these things determine an «environmental character», which is the essence of place. (Norberg-Schulz, 1980, p. 6).

“O que confere ao sítio a noção de lugar, é o seu carácter, que cruza a história, a topografia, a proporção humana que contamina todo o território […].” (Bom, 2008, p. 32).

Por sua vez, o carácter de um espaço público é estabelecido, primariamente, através do papel que este estabelece na cidade e da arquitectura que o envolve. Ao considerarmos o espaço público como o “elemento ordenador del urbanismo, sea cual sea la escala del proyecto urbano” (Borja, 2000, p. 41), o significado que este venha a adquirir, depende exclusivamente, do contexto em que é construído, da utilização do Homem, e das memórias e vivências por ele geradas.

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O espaço público de uma cidade constitui ou deveria constituir a origem da representação pessoal, cultural e social, pois em muitas situações trata-se, não somente, de um espaço, mas sim de um lugar, simbólico e empático, onde deve ser dada voz à cidadania e onde muitas vezes são confrontados os discursos, contraditórios ou não, das personalidades políticas, sociais, religiosas, culturais e intelectuais que constituem uma sociedade.

O espaço público está repleto de significados, que representam, em muitos casos, o passado, que se reflecte no tempo e se transforma, contando-nos no presente a sua história.

2.3. TIPOLOGIAS DE ESPAÇO PÚBLICO

Numa óptica geral e tradicional, o espaço público é percepcionado como um espaço urbano aberto, livre, especialmente concebido para o desenvolvimento de actividades colectivas da vida pública e que, em conformidade com o espaço privado e interior do edificado arquitectónico, forma um todo numa relação complementar. O processo evolutivo do espaço público (e das suas tipologias) ao longo da história, consiste num acumular de ideias, hoje presentes nas mais variadas malhas citadinas, derivadas de diversos pensamentos urbanos. A tipologia é resultado de um pensamento concreto, é uma acção reflectida e temporal. O conceito de “tipo” é, segundo Aldo Rossi,

[…] a própria ideia da arquitectura, o que está mais perto da sua essência. É, portanto, aquilo que, não obstante cada transformação, sempre se impôs «ao sentimento e à razão», como princípio da arquitectura e da cidade. (Rossi, 2001, p. 55).

As tipologias inerentes ao conceito de espaço público (urbano) são complexas na sua análise e distinção, sendo notável a sua multiplicidade existente. Na tentativa de revelar esta questão, e torná-la clara, recorremos a quatro autores, nomeadamente: Marlene Francisco15 (Francisco, 2005), Pedro Brandão16 (Brandão, 2008), Maritza Rangel Mora17 (Mora, 2009) e Fernando Brandão Alves18 (Alves, 2003).

15 Marlene Francisco, geógrafa e docente na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa. 16 Pedro Brandão, docente auxiliar no departamento de engenharia civil do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa. 17 Maritza Rangel Mora, arquitecta venezuelana e docente na Facultad de Arquitectura y Diseño, Universidad de Los Andes, Mérida, Venezuela. 18 Fernando Brandão Alves, docente na Faculdade de Engenharia do Porto, responsável pela secção de planeamento do território e ambiente

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Marlene Francisco numa abordagem sociológica, contextualiza o espaço público na perspectiva do Homem enquanto “ser social” que se relaciona com outros indivíduos pertencentes ao seu “habitat natural” – a Sociedade – sendo no espaço público que estas interacções se processam. Assim sendo, afirma que estes espaços “constituem- se como elementos estruturantes e organizativos da forma urbana”, permitindo um “funcionamento equilibrado do sistema urbano”, apresentando um “papel integrador ao permitir a ligação e continuidade territorial e funcional da cidade”, ao mesmo tempo que “fundam e consolidam laços sociais ao se constituírem palcos de manifestações várias (como as sociais) que contribuem para a qualidade de vida”. (Francisco, 2005).

Marlene Francisco completa ainda a sua definição sociológica ao definir os espaços públicos como marcos de identidade da cidade, com simbolismo político e cultural, onde são acolhidos utilizadores de diferentes grupos sociais (moradores, visitantes, turistas, e restantes utilizadores sob forma individual e / ou colectiva). Desta forma, os espaços públicos tornam-se elementos qualificadores da colectividade tanto em termos materiais (urbanísticos, ocupação física) como também em termos imateriais (históricos, culturais, sociais, de identidade) condicionando a vivência urbana.

A notória diversidade e multiplicidade de elementos integrantes do espaço público provoca complexidade (em termos de análise tipológica), contudo, Marlene Francisco coloca-nos a questão de uma perspectiva, especificamente, física e material como meio de se obter uma percepção mais objectiva e sintética da temática em causa. Ora, o facto de o espaço público apresentar tradução espacial e concretizar-se de diferentes formas “mediante uma especificidade própria que os caracteriza e que os individualiza” (Francisco, 2005, p. 5-6), a autora classifica-os mediante diversos parâmetros – propriedade, morfologia, projecção, uso, acesso, função e atractividade (sintetizados na ilustração 40):

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 66 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Ilustração 40 - Parâmetros do Espaço Público. ([Adaptado a partir de:] Francisco, 2005, p. 6).

Ao longo da história, e ao longo da vida das cidades, diversas tipologias de espaço público foram sendo criadas, com características singulares que reflectiam diferentes formas de uso. Estas tipologias que surgiram foram essencialmente quatro grandes “tipos” de espaço público: a praça, a rua, o parque e a frente de água. Estes manifestaram-se de maneira bastante diferente, dependendo da localização onde se encontravam, da cultura em que se inseriam e da sociedade que serviam. Contemporaneamente, o espaço público como toda a arquitectura, sentiu necessidade de adaptar-se e somar-se à realidade dos nossos dias. Mora (Mora, 2009) na sua síntese tipológica acrescenta duas novas tipologias, ao que possamos chamar de “espaço público contemporâneo”, isto é, o espaço público interior e o espaço público informal (Ilustração 41).

Ilustração 41 - Tipologias de Espaço Público. ([Adaptado a partir de:] (Mora, 2009, p. 5).

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Segundo Maritza Mora:

- Praças: lugar urbano, testemunho da história e da cultura; lugar de referência nas cidades. Podem ser elementos centrais e simbólicos na vida cívica, corporativas, de mercado, de bairro, pracetas ou praça – parque;

- Parques: espaço livre destinado ao recreio e ao lazer, ao embelezamento do espaço, ao descanso e ao ócio e ao contacto com a natureza. Podem ser espaços nacionais, metropolitanos, centrais, desportivos, temáticos, ou de estacionamento.

- Ruas: lugar utilitário, fundamental para a mobilidade e estrutura física da cidade e do meio; limita o que é público do que é privado e propicia iluminação e ventilação natural. É um lugar de encontro constante ou espontâneo. Como “ruas” podemos entender: avenidas, auto-estradas, ruas alcatroadas, empedradas, calcetadas, ruas pedonais ou de tráfico restrito.

- Frentes de Água: faixa costeira, último limite urbano, suporte de diversos serviços que lhe possam estar associados (cais de barcos, etc.). São lugares de intercâmbio comercial, industrial, recreativo ou protector.

- Espaço Público Interior: espaço no interior de edificações ou outros equipamentos com outro nível de controlo, que cumprem funções públicas. São exemplo deste tipo de espaços: átrios e foyers, clubes privados, áreas residenciais comuns, igrejas, teatros, espaços culturais, edifícios patrimoniais, centros recreativos ou centros comerciais.

- Espaço Informal: espaço de uso espontâneo. Escadas, passeios, paragens de transportes públicos, estacionamentos, espaços residuais, etc.

Tradicionalmente se concibe al espacio público como el espacio urbano abierto, libre, apto para el desarrollo de necessidades colectivas para la vida pública; también llamado espacio exterior. Este, junto con el espacio privado, cerrado o arquitectónico, forma una totalidade; siendo contrarios pero complementarios, existiendo uno por la presencia del outro. (Mora, 2009, p. 3).

Los espacios públicos urbanos deben permitir además de la integración de los diferentes ciudadanos y com sus actividades, propiciar el encuentro, la estadía, la recreación, la expresión cultural, el contacto del ser humano com lo natural y la pervivencia de los sistemas naturales en lo urbano; combinando lo natural con lo construido, utilizándolos como herramientas fundamentales de la urbanística. (Mora, 2009, p. 4).

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O espaço público enquanto parte integrante e de destaque na cidade, é constituído hoje em dia por formas maioritariamente herdadas do passado, contudo, para o mesmo contribuem igualmente ideias recentes e inovadoras; integra-se na noção de cidade como algo sempre incompleto e em constante transformação (metamorfose), susceptível de mudança em prol de acontecimentos vários e necessidades novas, daí que pode, e deve, ser constantemente ajustado (Francisco, 2005, p. 5). O grande volume de edifícios construídos necessita de mais espaços como ruas e praças que apresentem estruturas diferenciadas, que incluam ruas de maior dimensão, ruas laterais, praças principais e secundárias. Além desse facto, e como refere Jan Gehl (Gehl, 2011) é perceptível a função que as ruas e praças apresentavam como elementos básicos na organização das cidades, estabelecendo não só as continuidades como resolvendo rupturas e impasses.

Por sua vez, e num outro ponto de vista, Pedro Brandão (2008) sistematiza as diferentes tipologias de espaço público de forma dinâmica e crescente, que são resultado de diferentes transformações estruturais que ocorreram e ocorrem nas cidades, considerando quinze tipologias (Ilustração 42) que se encontram enquadradas estruturalmente em seis parâmetros. Brandão integra critérios de ordem estrutural / espacial e de utilização, os quais se considera determinantes no processo de projectar e desenhar estes espaços.

Ilustração 42 - Tipologias de Espaço Público. ([Adaptado a partir de:] (Brandão, 2008, p. 19).

Para uma última reflexão apresentamos a visão de Brandão Alves,

[…] a evolução histórica do espaço público oferece-nos, hoje, uma larga variedade de tipos diferenciados, de fronteiras bem definidas, inseridos ou desviados dos modelos de

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 69 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

localização estratégica. Reflectem, hoje ainda, a multiplicidade de uso, a herança das mentalidades urbanísticas, a actualidade e a importância fundamental dos cidadãos. (Alves, 2003, p. 45).

Brandão Alves (Alves, 2003, p. 45) apresenta-nos uma selecção do que considera serem os “espaços públicos urbanos com maior expressão na urbe”, apresentando a diversidade tipológica de espaços públicos, com naturezas e especificidades próprias da cidade europeia.

O autor propõe a divisão do espaço público em cinco grupos: as ruas (ruas exclusivamente pedonais, percursos / eixos pedonais, ruas dominantemente motorizadas e ruas de tráfego restrito); as praças / largos (praças / pracetas, pequenos largos); os memoriais (espaços de homenagem e celebração); os mercados e feiras / espaços comerciais (largos de mercados e feiras, centros / núcleos comerciais centrais); os espaços verdes (parques urbanos, jardins, espaços abertos em áreas residenciais, recintos / pátios, jardins comunitários, vias verdes, espaços intersticiais, frentes marginais de rio ou de mar).

As ruas e os seus passeios são, assim como as praças, os principais espaços públicos de uma cidade, os seus órgãos vitais, a imagem que nos fica da cidade que visitámos. (Alves, 2003, p. 66).

O facto de termos deixado para último a reflexão de Brandão Alves, deve-se ao facto, de no objecto de estudo da presente dissertação, neste caso a Baixa de Lisboa (Baixa Pombalina), estarem presentes exactamente e especificamente este tipo de espaços e tipologias que nos importam estudar e em que o foco é maior.

O presente trabalho não pretende estudar exaustivamente todas as tipologias de espaço público existentes, pelo que apenas se apresenta uma breve descrição das conclusões de diversos autores e das tipologias consideradas.

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3. A EVOLUÇÃO URBANA DA BAIXA DE LISBOA

3.1. O SÍTIO DE LISBOA E AS SUAS ORIGENS PRÉ-HISTÓRICAS

Lisboa nasceu do rio. O facto de estar situada na margem direita do largo estuário do rio Tejo, já próximo da sua foz, e a sua excelente posição geográfica, fez Lisboa estar destinada a desempenhar um papel de enorme relevância na região ocidental da Península Ibérica. A esta condição excepcional, como é a sua proximidade ao rio, outras tantas se juntaram: a facilidade de abastecimento, as famosas e altas colinas como meio de defesa, a existência de matérias primas, etc., possibilitaram fixação e sobrevivência a diversas populações desde os primórdios da História. A sua implantação na faixa costeira da Península Ibérica, onde se definiram as mais variadas rotas mercantis mediterrânicas para vários destinos da fachada atlântica da Europa e dos países do Norte para o Mediterrâneo, fez com que fossem os povos navegadores, comerciantes e urbanos mediterrânicos a conferir, pela primeira vez, centralidade ao sítio onde nasceu Lisboa. (Moita, 1994).

O litoral ocidental da Hispânia19 era, sobretudo um finisterra20, onde morriam as migrações do Sul e de Nascente, ou tão só um lugar de passagem de migrações erráticas, na procura de terras prometidas. (Moita, 1994, p. 11).

Os povos mais importantes, de que há registo, a habitar a região de Lisboa antes de esta ser conquistada pelos Romanos (à época conhecida como Olisipo21), no principio do séc. II a.C., foram os Celtas (séc. VIII - VII a.C.), os Cartagineses e os Fenícios (séc. V a.C.), não se devendo menosprezar a hipótese de uma etimologia fenícia na palavra Lisboa (Alis Ubbo – enseada amena, a origem fenícia de Olisipo).

Nesta época histórica, a área de Lisboa hoje conhecido como Baixa, não seria nada mais nada menos do que um vale, um esteiro do rio Tejo onde desaguariam as ribeiras de Santo Antão e , ladeado por quatro colinas, a colina das Chagas e de S. Francisco a ocidente, a do Castelo / S. Jorge a oriente e a de Santana a norte.

19 Hispânia, (em latim Hispania), foi o nome dado pelos romanos à península Ibérica (actuais Portugal, Espanha, Andorra, Gibraltar e uma pequena parte a sul de França). 20 Finisterra, do latim finis terrae, «os confins do mundo», (Geografia) ponta ou cabo que termina uma região. 21 Olisipo, (em latim: Olisippo) foi nome da capital portuguesa, Lisboa, na antiguidade. A cidade foi uma das mais importantes da Lusitânia romana, contudo não era a sua capital, que ficava em Emerita Augusta, a actual Mérida (na Estremadura Espanhola). Foi município romano, e os seus cidadãos considerados romanos apesar de não serem de ascendência romana, devido à aliança que o governo da cidade estabeleceu com Roma.

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 71 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Ilustração 43 - Planta actual da Baixa Pombalina e o “seu” esteiro. (Almeida, 2004, p. 154).

Representado com cor azul o espaço que seria das duas ribeiras, ladeado pela colina de S. Francisco e das Chagas a ocidente e a colina do Castelo a oriente.

O “Esteiro do Tejo no vale da cidade Baixa” (Silva, 1939, p. 17), capítulo do livro “A Cerca Moura de Lisboa e o esteiro do Tejo na Baixa”, de Augusto Vieira da Silva elucida- nos como poderá ter sido esta zona da cidade nos seus primórdios.

A defesa natural que a colina do Castelo apresentava em séculos remotos, consistia no largo esteiro do rio Tejo que penetrava pelo vale da Baixa, “segundo o dá a entender a disposição das colinas do Castelo, de S. Francisco e de Santana, formando um fosso aquático” (Silva, 1939, p. 18), acreditando-se também que as vertentes destas colinas cujas bases mergulhavam no Tejo seriam bastante íngremes.

Os locais que nos dias de hoje, na Baixa, conhecemos como praças, a Praça D. Pedro IV (Rossio), a Praça da Figueira e a Praça do Comércio (antigo Terreiro do Paço) eram rio / mar em tempos pré-históricos sujeito a marés, mas as terras das encostas, transportadas pelas chuvas, as areias depositadas pelas marés e correntes do rio, o desmoronamento dos terrenos das colinas, fosse pela acção das chuvas ou pelos terramotos, e não menos importante, os aterros sucessivos feitos pelo Homem para conquistar espaço para a população, provocaram um sucessivo assoreamento do esteiro do rio que viria a ser quase inexistente no período de domínio romano e que já quase não conservava qualquer importância militar / defensiva no período de domínio muçulmano. (Silva, 1939).

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Ilustração 44 - Estudo geológico: corte e sondagem geológica. ([Adaptado a partir de:] Silva, 1939, p. 20).

Na ilustração 44 podemos verificar que “a existência do esteiro é comprovada por considerações de natureza geológica, histórica e pelos vestígios encontrados no subsolo de Lisboa” (Silva, 1939, p. 20). No lado esquerdo da ilustração 44 podemos ver um corte pelo terreno no local do antigo edifício do Crédito Predial (nº 232 da Rua Augusta) em que a cota da rua se situa cerca de 8 metros acima do que se supunha ser o nível médio das águas do Tejo; o lado direito da ilustração 44, por sua vez, refere-se a uma sondagem geológica feita no sítio da Praça da Figueira em que a cota da mesma se situa 10,6 metros acima do que outrora se supunha ser o nível médio das águas do rio Tejo.

No esteiro da Baixa, apesar do tecido urbano ter nascido fora das muralhas e de ter-se constituído inicialmente como arrabalde da cidade, este consolidou-se porque ficou integrado na cidade devido à urbanização das colinas envolventes, ao fecho realizado pela muralha da ribeira e posteriormente pela cerca fernandina que o envolveu. Os aterros na margem do Tejo geraram espaços de características diferentes dos anteriores, porque são espaços exteriores à própria cidade, que não são envolvidos, mas estabelecem a relação cidade/rio, tendendo mais para a cidade ou para o rio conforme os usos. São espaços de mediação. (Durão, 2012, p. 19).

O facto de o esteiro do Tejo na Baixa da cidade de Lisboa ter sido constantemente assoreado e alvo de aterros prende-se com uma razão puramente funcional uma vez que, referindo Vítor Durão,

Os terrenos resultantes dos aterros são planos, em contraste com os restantes espaços urbanos da cidade antiga […]. Eram por isso mais fáceis de organizar e de utilizar como permitiam uma significativa economia de construção. (Durão, 2012, p. 20).

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3.2. OLISIPO, A INFLUÊNCIA ROMANA

O mais antigo povo que, incontestavelmente, deixou vestígios do seu domínio e da sua presença na região de Lisboa foi o povo romano. Quando conquistada por Décimo Júnio Bruto22 em 139 a.C., Olisipo era já um povoado enraizado na região, mas com a chegada dos colonizadores romanos, o primitivo núcleo de povoamento foi estendido pela encosta meridional do Castelo até ao Tejo, ensolarada, abrigada dos ventos fortes do quadrante norte, e abundante em águas, o que transformou o povoado proto-histórico num oppidum23, cidade e fortaleza (Ilustração 47).

A povoação era já tão importante, ou tornou-se tão importante durante aquele domínio, que mereceu a honra de ser elevada por Júlio César à categoria de Municipium, município romano, o que conferia aos seus habitantes, além do título de cidadãos romanos, determinados direitos e regalias idênticas às dos cidadãos de Roma, acrescentando, ao topónimo Olisipo, a designação honorífica de Felicitas Julia.

Ocupando uma área de cerca de 16 hectares, ou um pouco mais, estendendo-se, no sentido norte-sul, desde a colina do Castelo até às margens do Tejo e, no sentido poente- nascente, desde o esteiro do Tejo até aos limites da freguesia de São João da Praça (zona da Sé), Olisipo Felicitas Julia sofre um grande desenvolvimento através dos séculos I a.C., e I e II d.C., a ponto de Hübner24 a considerar a segunda cidade da Lusitânia, só sendo precedida por Emérita Augusta (Mérida), a capital. (Moita, 1994, p. 12).

A importância de Olisipo, que se mantém romana até ao séc. III d.C., quando se inicia a retracção do império romano na cidade, encontra-se confirmada pela existência duma importante rede de estradas, tendo sido na cidade romana a origem da primeira grelha de distribuição urbanística de Lisboa, cujos eixos fundamentais subsistiram até aos nossos dias e condicionaram, em grande parte, o desenvolvimento do núcleo antigo, determinando a sua expansão através da rede viária que dele irradiava; e demonstrada também pela grandeza de vários conjuntos arquitectónicos conhecidos actualmente na zona baixa da cidade, como são os casos do fórum romano (no largo da Sé), o anfiteatro (na Rua de São Mamede), as termas dos Augustais e o criptopórtico (no cruzamento da Rua da Prata com a Rua da Conceição), as termas dos Cássios (na Rua de São Mamede) ou o templo dedicado a Cibele (junto à Igreja da Madalena). Na zona mais

22 Décimo Júnio Bruto, general e político romano, nomeado cônsul da Hispânia Ulterior em que se inseria a Lusitânia. 23 Oppidum, termo em latim para a principal povoação em qualquer área administrativa do Império Romano. 24 Emil Hübner (Düsseldorf, 1834 – Berlim, 1901) foi um epigrafísta, arqueólogo e historiador alemão.

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 74 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

estreita do esteiro já bastante assoreado, em pleno centro da Baixa Pombalina (Rua Augusta), destacam-se vestígios de cetárias e, até mesmo, de uma ponte, o que nos indica que o esteiro do Tejo na época romana não estaria ainda totalmente assoreado, sugerindo o aproveitamento da praia fluvial que se estendia ao longo do antigo esteiro para actividade piscatória e indústria de salga de peixe. (Moita, 1994).

Ilustração 45 - Planta de Lisboa com indicação dos principais achados da época romana. (atualizada à data). ([Adaptado a partir de:] Moita, 1994, p. 58-59).

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 75 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Uma importante descoberta arqueológica na Praça D. Luís I (aquando da construção de um parque de estacionamento junto ao Cais do Sodré) foi o ponto de partida para um documentário da autoria de Raul Losada25, que conta com uma inédita e surpreendente recriação arqueológica virtual 3D de César Figueiredo26 e que nos permite uma viagem pelo antigo porto e cidade romana de Olisipo, a Lisboa de há quase dois mil anos.

A campanha arqueológica que revelou um fundeadouro da época romana e que deu origem ao documentário “Fundeadouro Romano em Olisipo” – o porto de Lisboa em época Romana, dá-nos a conhecer um pouco mais a história do império romano, mas principalmente da “capital” portuária da província da Lusitânia. Há dois milhares de anos, Olisipo seria uma cidade marítima aberta ao império e um dos mais importantes portos de toda a fachada atlântica, ligando o Mediterrâneo ao norte da Europa, abastecendo os exércitos de Roma estacionados na Britânia e Germânia Inferior.

Pela primeira vez em registo oficial, foi apresentada neste documentário uma proposta 3D da imagem que teria a cidade de Lisboa em pleno período histórico de domínio romano:

25 Raul Losada (Cascais, 1971) estudou Televisão na vertente de Repórter de Imagem na ETIC. Em 1999 iniciou funções de repórter de imagem na Sporttv, funções que ainda desempenha na informação do canal de desporto. Com o incremento das redes sociais foram criadas condições para a divulgação de uma das suas paixões, a arqueologia. A comunicação social escrita, radiofónica e televisiva, salvo raríssimas excepções, nunca encontrou espaço para a divulgação da arqueologia. Tendo verificado esta lacuna, inicia em 2012, a produção de reportagens video para o canal de facebook Portugal Romano. Em 2014/2016 inicia a produção e realização do seu primeiro documentário “Fundeadouro Romano em Olisipo”. Actualmente concilia a sua paixão pela televisão com a da arqueologia, “casando” as duas vertentes em prol da divulgação da cultura. 26 César Figueiredo (Braga, 1976) começou a estudar design professional e desenvolveu ilustração no final dos anos 90. Em 2002, obteve um bacharelato (vulgar licenciatura) em Pintura e um segundo grau em Arte e Comunicação. Além disso, em 2010, Figueiredo obteve o grau de mestre em ilustração da Escola Superior de Arte do Porto (Escola Superior Artística do Porto – Guimarães). O seu trabalho como ilustrador abrange uma ampla gama de temas, desde técnicas arqueológicas até às técnicas editoriais. O seu foco principal é a ilustração científica, mas também a fotografia, design gráfico, renderização e preparação de exposições e layout textual.

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Ilustração 46 - Olisipo, recriação arqueológica virtual 3D de César Figueiredo. (VxMag, 2015).

Ilustração 47 - Olisipo, recriação arqueológica virtual 3D de César Figueiredo. (VxMag, 2015).

Sob domínio romano, Olisipo acabaria por se desenvolver a partir da colina do Castelo (S. Jorge), amuralhada, “[…] estendendo-se a urbe27, a uma zona, cujos limites, a nascente, deveriam coincidir, mais ou menos, com o percurso seguido mais tarde pela

27 Urbe, povoação que corresponde a uma categoria administrativa, geralmente caracterizada por um número elevado de habitantes, por elevada densidade populacional e por determinadas infra-estruturas, cuja maioria da população trabalha na indústria ou nos serviços.

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muralha oriental da cerca moura, prolongando-se, a ocidente, até aos limites do antigo esteiro […] (Moita, 1994, p. 44) e bordejando a sul as águas do rio Tejo (onde hoje se situa a Casa dos Bicos). Dúvidas não existem quando afirmamos que é aos romanos que se ficam a dever os primeiros traçados urbanos da cidade e o desenvolvimento / estrutura da sua vida cívica. Implementando infra-estruturas e equipamentos qualificadores da cidade, e ao mesmo tempo valorizando a componente portuária e piscatória, o povo romano faz, à época, surgir os primeiros princípios de urbanismo em Lisboa, o que marcou, para sempre, o território.

O urbanismo romano marcou a Europa e essencialmente as áreas mediterrânicas, pela criação de novos assentamentos e pelas influências culturais introduzidas. (Lamas, 2017, p. 144).

O urbanismo romano é caracterizado por ter uma estrutura em planta de traçado hipodâmico28, isto é, um sistema em malha ortogonal onde as ruas se cruzam em ângulos rectos resultando assim um sistema de quarteirões regulares onde se definia o edificado, rodeado de muralhas. A malha ortogonal era composta por dois grandes eixos principais, um com sentido norte / sul, o cardus; e outro com sentido este / oeste, o decumanos. No seu ponto de encontro costumava situar-se o centro da cidade, o Fórum. No Fórum (romano) desenvolve-se a zona mais importante da cidade, sendo este o local onde se concentravam os poderes civis e religiosos, ou seja, era o espaço público por excelência, o coração da cidade. Normalmente, as habitações não estariam no centro cívico, mas sim nos arredores da cidade; no entanto, em Olisipo, devido ao território sinuoso estas estariam integradas no perímetro defensivo do opiddum (Ilustração 48).

Os romanos definiam a cidade como um local de poder terreno e religioso, contrariando o mundo rural exterior à cidade. Assim, a cidade urbana, era limitada por muralhas, para defesa do povoado, mas principalmente, para fasear e controlar as entradas e saídas da cidade.

O desenho de Olisipo caracteriza-se essencialmente através de dois polos urbanos de referência – o alto e as ladeiras da colina (onde se desenvolveu a urbe fortificada) e o rio (elemento físico referencial), aberto à navegação mediterrânea. Entre estes dois limites estabeleceu-se um vasto conjunto de vias de circulação que percorriam a urbe, ligando as diferentes cotas da cidade, definindo o desenho e uso local do território

28 Hipodâmico, plano urbanístico introduzido por Hipódamo, grego natural de Mileto, e primeiro urbanista com critério científico rigoroso que o mundo conheceu.

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(Ilustração 48 e 50). A composição da urbe, constitui o elemento essencial para a organização cívica da cidade, colocando em evidência, as estruturas de maior relevo. Só através de alguns vestígios encontrados (Ilustração 45), é e foi possível restaurar com a mente, a composição do núcleo povoado da cidade romana. Fragmentos de um teatro, de templos dedicados a deuses e imperadores, de termas e de fóruns, revelam os vestígios de Olisipo que resistiram ao longo do tempo. Com eles foi possível prever um hipotético desenho da Lisboa romana, dando ênfase ao espaço público, o tema central.

Organicamente a cidade sofreu algumas alterações, tanto físicas como programáticas, em relação às orientações que os romanos tomavam para as suas cidades, muito devido às condições geográficas do território. Olisipo é, sucintamente, dividida em dois núcleos – o primeiro, o núcleo administrativo, religioso e lúdico a que correspondia o oppidum no alto da colina, a urbe fortificada constituída por diversos templos e o fórum, localizado ao longo da encosta com o seu teatro, mercado e habitações; e o segundo, o núcleo industrial, portuário e de lazer instalado na zona ribeirinha. Como já foi referido, as habitações, ao invés de se definirem no exterior do perímetro muralhado (como era comum nas orientações romanas) encontravam-se no seu interior e, em contrapartida no exterior encontrava-se todo o comércio e indústria portuária e piscatória pela qual Olisipo ficaria famosa. Também fora das muralhas encontrava-se o hipódromo romano, sensivelmente definido no local que hoje conhecemos como Rossio ou Praça D. Pedro IV (Ilustração 50).

O centro da cidade, por inerência a zona mais povoada, assumia um carácter público através do fórum romano. Seria a partir deste núcleo central que toda a estrutura urbana se articularia, naquela que era a lógica de ordenamento da cidade romana. O fórum configurava o lugar natural de encontro e de mercado para a população, dinamizando a cidade de forma singular. Atribui-se a sua localização, sensivelmente ao local onde actualmente se situa a Sé de Lisboa, devido aos vestígios de importantes edifícios públicos encontrados nas imediações. Outras indicações, como a zona de convergência dos principais arruamentos urbanos e vias de saída para fora da cidade, justificam a sua atribuição. No entanto, devido ao reconhecimento de outros vestígios ao longo da colina não se poderá afirmar com toda a segurança que o fórum da cidade tenha conhecido uma só localização (Moita, 1994, p. 58-59). O Fórum de Olisipo, designa a primeira praça pública da Lisboa romana, configuradora do espaço envolvente, como é hoje exemplo a Praça do Comércio ou o Rossio.

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Os caminhos de Olisipo protagonizam o desenho urbano, e são interpretados como a primeira imagem urbana de Lisboa. Por ironia do destino, o terramoto de 1755, pôs a descoberto grande parte dos monumentos romanos, sobrepostos por construções, camada sobre camada, remetidos ao esquecimento (Moita, 1982, p. 12).

Muitas outras ruínas podem ainda conviver no subsolo da cidade, à espera de serem reconhecidas e valorizadas, para, também elas, contribuírem para a reconstrução da história da cidade.

Ilustração 48 - Olisipo, recriação arqueológica virtual 3D de César Ilustração 49 - Olisipo, recriação arqueológica virtual Figueiredo. (VxMag, 2015). 3D de César Figueiredo. (VxMag, 2015).

Ilustração 50 - Olisipo, recriação arqueológica virtual 3D de César Figueiredo. (VxMag, 2015).

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3.3. AL-UXBUNA, A INFLUÊNCIA MUÇULMANA

Após cinco séculos de domínio romano, a vida da cidade de Olisipo foi abalada pelas primeiras invasões bárbaras na Península Ibérica, acabando tomada pelos Alanos por volta de 410 d.C. Aos Alanos outros povos sucederam, e a cidade acabou por passar por variados domínios e invasões. Os Visigodos impuseram-se, desde o séc. V até ao séc. VIII, durante os quais travaram sucessivas guerras (de variado sucesso) com os Suevos, até à chegada e à permanência dos Mouros que durou do séc. VIII até ao séc. XII. Após sucessivas guerras e pilhagens, muito da cidade romana desapareceu. Algumas estruturas foram aproveitadas para as necessidades das novas populações, que as manipulavam e adaptavam ao seu modo de vida, e diversas fortificações elevadas que viriam a rodear as áreas urbanas, protegendo-as, acreditando-se que terá sido deste modo que nasce a cerca velha ou cerca moura, designação que resultou do domínio seguinte (o muçulmano). (França, 1980).

Com efeito, em 719, os Mouros invasores da Península tomaram Olisipo vindo a deturpar-lhe o nome em Al-Uxbuna, ou Lixbuna, no falar local, veículo de vários estratos rácicos que ao longo dos séculos, e com predomínio último de romanos e de visigodos, se sedimentaram no sítio urbano […]. (França, 1980, p. 9-10).

Fixada no alto da colina, Al-Uxbuna partilhou com a antecessora Olisipo a mesma imagem física, estrategicamente bem posicionada. Contudo, sobre ela, introduziu ajustamentos que deram origem a um novo traçado, uma nova herança, que marcou o que viria a ser a configuração medieval da cidade de Lisboa.

Os muçulmanos recuperaram e valorizaram as potencialidades do sítio de Lisboa: “construíram uma urbe fortificada, segundo os cânones do urbanismo islâmico – Alcácer, Medina, hierarquização viária e arrabaldes especializados” (Gaspar, 1994, p. 15). A urbe islâmica é “funcional e, formalmente, um organismo mais simples e tosco” (Chueca Goitia, 2014, p. 60) do que era a urbe romana.

Urbe composta por casario compacto, ruelas tortuosas, mas cheias de vida, que variam de largura e de direcção e que se ramificam à saída de ruas principais - assim era a cidade islâmica. Contudo, o elemento mais emblemático do seu traçado revela-se na cerca que envolve a cidade. Al-Uxbuna era fechada ao exterior por uma linha de muralhas, a chamada cerca moura / cerca velha, constituindo assim um fortíssimo recinto que permitiu aos muçulmanos resistir a diversas tentativas de conquista.

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A cerca era um poderoso sistema fortificado; consistia numa grande parede cega que, escondia, no seu interior, um complexo de vida. No entanto, para permitir passagens e travessias entre o interior e o exterior da urbe, abriam-se na mesma diversas portas29. No conjunto geral terão sido cinco (ou seis?) as portas militares da cerca moura (Silva, 1939) (Ilustração 53).

Na essência da urbe mourisca destacam-se duas áreas principais: a Alcáçova no topo da colina (área administrativa e militar) e a Medina (área comercial e residencial) que se distribuía pela encosta, ambas inseridas no perímetro apertado da cerca. A Medina, local compreendido entre dois extremos do traçado urbano muçulmano (Porta de Ferro e Porta do Sol, Ilustração 53), era o centro da vida urbana e o espaço público por excelência de então. Era o lugar de convivência do povoado, pontuado por edifícios de significativa importância, entre os quais as importantes mesquitas, um mercado (souk) e ainda um conjunto de aglomerados habitacionais, situados em ruelas de configuração estreita e difusa. (França, 2009).

A malha urbana de Al-Uxbuna acaba por revelar toda a sua adequação ao terreno em que se inseria, “obedecendo organicamente às curvas de nível, conforme a ondulação do terreno […] e de uma maneira meio espontânea” (França, 2009, p. 52). No meio do traçado sinuoso de ruas e becos, identifica-se uma via principal “definida por um eixo de tráfego, que ligava as portas do Sol e de Ferro, no qual se situavam as duas mesquitas que o hierarquizavam” (França, 2009, p. 52).

A área urbana de Al-Uxbuna, no interior da cerca, acabou por tornar-se demasiado restrita e rapidamente surgiu a necessidade de expansão para o seu exterior, resultando no desenvolvimento dos dois primeiros arrabaldes da cidade. O arrabalde a oriente corresponde, nos dias de hoje, ao bairro de Alfama, enquanto que o ocidental, o que mais nos interessa, corresponde ao antigo esteiro da Baixa. É neste período que se dá o início da ocupação da baixa da cidade, antes submersa pelas águas do rio, tendo aterros sucessivos sido realizados para a implementação do que terá sido a zona industrial da urbe muçulmana (Matos, 1999). A necessidade de expandir a malha urbana

29 A porta é um elemento importante na imagem da cidade muçulmana. Estas cidades por estarem rodeadas de muralhas, possuíam diversas portas que na estrutura muçulmana possuíam um carácter decisivo. Além de um valor funcional preponderante, estas tinham também o seu valor simbólico tratando-se em muitos casos de verdadeiras composições arquitetónicas, por vezes de grande complexidade.

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revela-nos o constante crescimento demográfico de uma população nova, “atraída pelas possibilidades económicas que o rio continuava a assegurar” (França, 2009, p. 50).

Dentro da cerca e fora dela, em vasta extensão, a população dedicava-se ao comércio e à agricultura, em hortas ou «almoinhas» limítrofes, com casas que se multiplicavam em ruelas estreitas e becos, ou se dispersavam pelos férteis vales vizinhos. (França, 1980, p. 9-10).

Foi esta imagem fortemente urbana, com um território envolvente e rico, tanto no aspecto económico como no demográfico, que caracterizou o domínio muçulmano no sítio de Lisboa. Tal como Olisipo, a sucessora desta, Al-Uxbuna, ergueu-se também ela no alto da colina, criando uma identidade singular sobre os vestígios anteriores. Utilizando fragmentos da muralha romana, o desenho de Al-Uxbuna tem como grande referência, a cerca que a envolve. A cintura de muralhas reforçada pelos muçulmanos serviu de base para todo o desenvolvimento da urbe. Mas nem ela conseguiu travar o avanço da cidade. A visão do interior da cerca e a visão do exterior da mesma marcaram para sempre a história da cidade, tendo tido, naturalmente, tanto Al-Uxbuna como Olisipo, uma imensa importância na definição do que é hoje a cidade de Lisboa.

Ilustração 51 - Al Uxbuna – Olisipo é absorvida pelo império Ilustração 52 - Al Uxbuna, em 1147 d.C. quando D. Afonso árabe e torna-se mais densa. (Camarim Arquitectos, 2019). Henriques conquista a cidade e cria um gueto para muçulmanos na encosta norte da colina (a Mouraria). (Camarim Arquitectos, 2019).

Os bairros de Alfama e da Mouraria, são actualmente, a melhor preservação do traçado urbano muçulmano em Lisboa. A configuração estreita e tortuosa das ruas e ruelas, a existência de becos e pátios, uns privados, outros públicos, revelam uma lógica singular de desenho do espaço própria do urbanismo islâmico (Matos, 1999).

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3.4. LISBOA

3.4.1. PERÍODO MEDIEVAL: ESTRUTURA E LIMITE

Entre 138 a.C. e 1147, houve mais de quinhentos anos de Roma, mais trezentos de Suevos e Godos, e mais de quatrocentos de Muçulmanos – antes que Olisipo e Lixbuna integrassem o definitivo território do reino de Portugal […]. Uma civilização se instalou e desfez, outra dela se aproveitou e uma terceira, com mais capacidades de cultura, nela viveu e deixou memória quotidiana […]. (França, 2009, p. 55).

Após quatro séculos de permanência árabe na cidade, em Outubro de 1147, Lisboa é conquistada aos Mouros sob o comando do primeiro rei de Portugal D. Afonso Henriques (Ilustração 52). A cidade, à época, cobria cerca de 16 hectares para uma população de 15 000 habitantes, ocupando assim toda a área muralhada, onde as habitações se amontoavam no interior da cerca mourisca, e transbordando a nascente (Alfama) e a poente (Baixa), sempre na proximidade das praias. Ao todo, ao longo da cerca, contavam-se várias portas fortificadas às quais se acrescentariam outras do lado do rio, conforme a necessidade fosse de tráfego ou de serventia, abrindo, todas elas, para caminhos que iam servir os dois arrabaldes apontando para o desenvolvimento destes. Intramuros, existiam, segundo Vieira da Silva (Silva, 1939), sete freguesias: Sta. Cruz do Castelo, S. Bartolomeu, S. Tiago, S. Martinho, S. Jorge, Sta. Maria (Sé) e S. João da Praça.

Após a conquista de Lisboa, os mouros que sobreviveram e decidiram permanecer na cidade, sujeitaram-se às condições do reino e incorporaram grupos de trabalhadores comuns que acabaram por se fixar na encosta noroeste da colina do Castelo, onde passaram a viver. Nessa encosta, os mouros estabeleceram o seu casario modesto, as suas «almoinhas»30, as suas mesquitas, lagares, olarias, etc. Nascia assim a Mouraria.

Por outro lado, também a comunidade judaica foi tendo bairros próprios,

[…] a Judiaria Grande, entre a Madalena e as ruas da Conceição e dos Correeiros actuais, e a Pequena, no sítio actual do Banco de Portugal […], ocupando assim uma parte da Baixa que ia formigando de casario, cortada embora por canais de águas que várias pontes atravessavam. (França, 1980, p. 15).

A componente social, humana e cultural, tanto no interior como no exterior dos muros de Lisboa era enorme, e a diversidade de culturas uma evidência. Tanto as Judiarias,

30 No português antigo, chamava-se «almoinha» a uma horta ou terra de agricultura de subsistência. Existe a variante Almuinha e o derivado Almoinhas.

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na zona baixa da cidade, como a própria Mouraria, contribuíram para a consolidação de áreas até então residuais na cidade, servindo de embrião ao seu desenvolvimento futuro.

Contrariamente ao que sucedia no espaço limítrofe e primitivo da cidade moura, a ocidente existia uma grande superfície plana (a Baixa) definida entre a colina do Castelo e a colina de S. Francisco, enquanto que a oriente, de Alfama até à Graça, o terreno era em declive como na área velha da cidade. Destes dois novos povoados nos arrabaldes, viriam a ser criadas, posteriormente, novas freguesias: cinco na Baixa – Mártires, S. Julião, Sta. Justa, S. Nicolau e Madalena; e outras quatro na zona de Alfama – S. Pedro de Alfama, Sto. Estevão, S. Miguel e S. Vicente de Fora.

Contudo, será no novo bairro arrabaldino ocidental, com idêntica estrutura à cidade velha, que virá a desenvolver-se a parte mais rica de Lisboa, “num tecido contínuo cuja história minuciosa é impossível conhecer.” (França, 1980, p. 13).

Lisboa medieval tem sido entendida como um emaranhado orgânico de estreitíssimas ruas e becos, confundindo-se legado islâmico e medieval cristão31. (Carita, 1999, p. 19).

Multiplicavam-se as casas, as ruas, as travessas e os becos, elementos essenciais do espaço urbano / público. No que diz respeito ao desenho e ao plano urbano da cidade, o urbanismo medieval da cidade de Lisboa sofre da falta de uma clara distinção entre estruturas islâmicas e modelos medievais cristãos, isto é, não existem diferenças fundamentais, entre o que foi o seu passado e o que viria a ser o seu futuro; a mesma irregularidade do traçado, a mesma rede complexa de ruas estreitas e tortuosas, becos sem saída e falta de espaços abertos evidenciavam-se na cidade.

Porém, todo o desenvolvimento da cidade, veio sendo realizado conforme necessidades locais e “obedecendo a polos de atracção que eram os conventos, as novas paróquias e algumas casas nobres, que aglutinavam clientelas.” (França, 1980, p. 13).

[…] também as ordens religiosas se tinham instalado na cidade: logo os Agostinhos, em S. Vicente, a seguir à conquista, os Franciscanos cerca de 1217 e os Dominicanos depois, cerca de 1240, uns junto da Igreja dos Mártires, no monte Fragoso que tomou o nome de S. Francisco, os outros no Rossio, já então enxuto e que a partir do seu convento se definiu. (França, 1980, p. 14).

31 A permanência de um vasto tecido urbano da época islâmica acaba por diluir o legado urbanístico cristão medieval, levando a confundir um com o outro e negando a este último uma visão estética autónoma com lógicas e conceitos urbanísticos diferenciados. (Carita, 1999).

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À época (séc. XII e XIII), os principais núcleos da cidade são o Paço Real da Alcáçova (que receberá grandes obras por ordem de D. Dinis, depois continuadas até princípios de quinhentos) e os edifícios religiosos (a Sé, os conventos e as paróquias), que exaltavam o culto cristão; apenas e só em 1450, Lisboa teve um primeiro palácio construído “para albergue de embaixadores estrangeiros, o dos Estaus (no exacto local onde hoje se encontra o Teatro Nacional D. Maria II), no Rossio, fórum popular da urbe” (França, 1980, p. 14).

A área que hoje compreendemos como a Baixa, apresentava uma forma bastante irregular cujo limite terminava na margem do rio. O seu desenho continuaria (na Idade Média) a desenvolver-se através de ruas, becos e travessas, que vão surgindo aleatoriamente sem qualquer tipo de ordenamento.

O “termo rua, particularmente importante para o urbanismo, […] não existe nos primeiros documentos dos séculos XII e XIII” (Carita, 1999, p. 24), sendo mencionada apenas “a expressão «via pública» escrita das formas mais variadas; uia puluia ou via pupulium” (Carita, 1999, p. 24).

Derivando do termo latino via publica a rua pública, até ao século XV não invoca uma imagem espacial enquadrada formalmente por um conjunto de fachadas de edifícios urbanos, mas sim um percurso que se radica numa experiência vivida e onde espaço e tempo aparecem como que indissociáveis. (Carita, 1999, p. 24).

A imagem da cidade para o homem medieval estrutura-se por um conjunto de pontos – locais – autónomos e descontínuos entre si em que as relações espaciais parecem ausentes. (Carita, 1999, p. 24).

[…] o sentido de espaço na época medieval aparece como uma qualidade temporal, um intervalo ou vazio a preencher ou percorrer entre dois pontos ou lugares. (Carita, 1999, p. 25).

Corria o ano 1256, e Lisboa foi elevada a capital do reino (à época já totalmente definido) tendo crescido de modo bastante rápido e espontâneo durante toda a segunda metade do séc. XIII e a primeira metade do séc. XIV. Dos 16 hectares do período mourisco a nova cidade passa para 101,65 hectares, ou seja, 6,5 vezes maior. A nova imagem de Lisboa, apresentava uma cidade edificada em duas colinas (Castelo / S. Jorge e S. Francisco), com uma planície intermédia, cuja importância geográfica e económica aumentou, levando à sua completa ocupação. Devido ao aumento demográfico, já o vale da Baixa havia sido densamente povoado, durante os séc. XII-XIII, constituindo à época, o seu aterro mais significativo, influenciando por completo o desenho da cidade.

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Ilustração 53 - Traçado das Muralhas de Lisboa. ([Adaptado a partir de:] Gomes da Silva, 2010).

Nos séc. XIII e XIV (reinado de D. Dinis), período de grande desenvolvimento urbano, a cidade sofre uma primeira transformação. A zona baixa da cidade (área compreendida entre as duas colinas, Castelo / S. Jorge e S. Francisco) adquire o estatuto de centro político-económico, evoluindo como tal e ainda como centro da vida urbana, processando-se uma profunda alteração na fisionomia da cidade, uma vez que o núcleo da organização territorial desce da colina, instalando os seus bairros mais activos neste local.

A Lisboa da época dinisiana é marcada por um acontecimento decisivo para a sua evolução: a construção duma nova frente de muralhas ao longo do vale da Ribeira, unindo a povoada colina de S. Jorge com a colina de S. Francisco. (Carita, 1999, p. 30).

A par com a construção desta nova muralha, assiste-se também a uma forte dinâmica de crescimento da cidade, “com a reformulação da zona da Baixa em termos de centro económico, administrativo e portuário da cidade.” (Carita, 1999, p. 30). O centro político- económico que até então se encontrava nas imediações da Sé, passa para a parte baixa

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da cidade como já referido, edificando-se os principais edifícios públicos à volta da Praça do Pelourinho Velho32 (antigo Largo dos Açougues) (Ilustração 55).

Com o aumento da circulação, fosse de bens ou de população, proporcionado pelo desenvolvimento económico e comercial, tornou-se necessário reformular as aglomerações medievais, alargando as vias existentes. Esta reformulação no traçado deu origem ao termo «ruas novas».

A Rua Nova (Rua Nova dos Mercadores ou Rua Nova dos Ferros) começa a surgir, ainda que primitivamente, no séc. XIII (reinado de D. Afonso III), na área da Ribeira, mais propriamente na zona dos açougues33 que se situava no sopé da encosta da cidade islâmica perto da mais importante entrada da cidade, as Portas de Ferro. A presença na área das tercenas reais e ainda da alfândega, “permite-nos visualizar o lugar como um porto de funções comerciais” (Carita, 1999, p. 27).

[…] quando D. Dinis realiza grandes obras nesta área, os documentos referem já a existência da Rua Nova […]. (Carita, 1999, p. 27).

A estrutura primitiva da Rua Nova, antes da regularização e aumento realizado por D. Dinis, revela imediatamente um sentido de continuidade e abertura, com uma lógica profundamente europeia e cristã. O seu carácter eminentemente comercial radica-se, por outro lado, numa antiga tradição islâmica de centralidade urbana constituída a partir de um grande núcleo comercial. Neste sentido é particularmente significativo que a Rua Nova se forme a partir do antigo núcleo central da cidade, os açougues, assumido simultaneamente uma orientação para ocidente que imprime uma direcção ao desenvolvimento da cidade. (Carita, 1999, p. 29).

Pela novidade que constitui a Rua Nova em termos de conceitos espaciais, podemos concluir que dada a extensão da cidade islâmica, o urbanismo dos séculos XII e XIII se terá pautado, sobretudo, por uma reapropriação arquitectónica e urbana do legado muçulmano, manifestando-se contudo, a partir dos finais do século XIII, uma dinâmica com pressupostos estéticos diferenciados do urbanismo islâmico, que se irão estruturar, formal e conceptualmente, ao longo do reinado de D. Dinis. (Carita, 1999, p. 30).

Após a reestruturação levada a cabo por parte de D. Dinis, a Rua Nova era larga e comprida na sua configuração, com características urbanas diferenciadas da estrutura morfológica da restante cidade, de herança islâmica. Apresentando-se e constituindo- se como um grande eixo paralelo às margens do rio, desenvolvendo um conceito

32 Pelourinho Velho, ficava situado no local onde está hoje o último quarteirão construído da Rua do Comércio, entre as ruas dos Fanqueiros e da Madalena; e confinava a sul com a muralha fernandina dando passagem para o aterro da Ribeira através da Porta da Ribeira. 33 Em 1248, D. Afonso III doou à Câmara o Lugar da Ribeira da Cidade de Lisboa, para a venda de peixe dando origem ao edifício do açougue de peixe que D. Dinis integrou na sua remodelação urbana da zona da Ribeira.

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espacial contínuo próprio da noção europeia de espacialidade, “a Rua Nova afirma uma nova espacialidade dinâmica direccionada e contínua, oposta à descontinuidade da cidade islâmica estruturada em núcleos autónomos” (Carita, 1999, p. 29). Será na Rua Nova (dos Mercadores ou Rua Nova dos Ferros), que, no século seguinte, acabam por se instalar os mercadores de artigos de luxo e “onde, num recinto limitado por grades, «os ferros», eram tratados os negócios importantes do comércio e da finança.” (França, 1987, p. 18).

Estruturando-se com a muralha dinisiana e prolongando-se para ocidente até à colina de S. Francisco, a Rua Nova, com uma largura e extensão sem paralelo até ao séc. XVIII, estabelece nela um novo cais para a cidade com edifícios portuários, tercenas e uma nova judiaria, ligada às actividades de fabrico de barcos. Este prolongamento acaba por definir o desenvolvimento de Lisboa rumo a ocidente, no sentido da já referida colina de S. Francisco e do Bairro da Pedreira (Chiado) cuja urbanização se iniciava. “Este princípio marcará o urbanismo lisboeta durante largos séculos.” (Carita, 1999, p. 31).

Ilustração 54 - Rua Nova [3] e Rua dos Ferreiros [6] com a muralha de Ilustração 55 - Rua dos Ferreiros [1] e alargamento do D. Dinis [5] a intermediar. ([Adaptado a partir de:] Carita, 1999, p. 76). Largo dos Açougues [2] na sequência da abertura desta rua e da construção da muralha de D. Dinis [3]. ([Adaptado a partir de:] Carita, 1999, p. 34).

No séc. XIV, paralelamente à Rua Nova, é aberta uma nova rua, de seu nome Rua dos Ferreiros (Ilustração 54), situada do lado de fora da muralha de D. Dinis. O antigo Largo dos Açougues (mais tarde, Largo do Pelourinho Velho), que se situava no topo oriental da Rua Nova, acaba por ser aumentado e reformulado, acompanhando um avanço de terrenos sobre o rio, passando a constituir o remate das duas ruas. Devido à sua posição estratégica e aos edifícios circundantes, este largo assumirá a qualidade urbana de centro cívico e administrativo da cidade (Ilustração 54 e 55).

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A zona baixa da cidade assumia, cada vez mais, com o avançar dos anos, toda a sua importância como conjunto dinâmico dos serviços públicos e comerciais. Nela, a terra firme aumenta, em detrimento do solo inundável do passado.

Devido ao desenvolvimento natural e orgânico da cidade, D. Fernando manda edificar, em 1373, o que hoje conhecemos como cerca nova ou cerca fernandina (Ilustração 53). A muralha foi rapidamente contruída uma vez que o reino se via ante ameaças de guerra com Castela e passados dois anos estavam de pé os 5400 metros de muralha e as suas 77 torres; a realidade da cidade e do seu povoamento viu-se assim protegida em toda a sua extensão.

É também a partir do reinado de D. Fernando que, a norte da cidade, o Rossio, que já existia como largo semi-rural, onde se fazia a feira de gado e comestíveis, se transforma também em centro cívico de manifestações populares. Local de entrada do campo para a cidade, constituiu, durante séculos, o limite norte da mesma. À época (medieval), o Rossio não assumia o termo de praça, pois este termo urbano, “faz o seu aparecimento lentamente, como local onde se realiza uma actividade – o mercado – sem conter em si a noção de uma tipologia de espaço urbano, que só se forma no período moderno.” (Carita, 1999, p. 23).

Nos séculos XII, XIII e XIV o termo comum é açougue, derivado directamente do árabe «as-sõq», ainda hoje o souk das cidades islâmicas. Como estes mercados eram normalmente cobertos, os açougues das cidades portuguesas referiam sobretudo os edifícios de mercado central e fixo […], enquanto rossio e praça referiam lugares abertos para comércio itinerante. (Carita, 1999, p. 23).

No último quarto do séc. XIV, Lisboa, cercada pelo exército de Castela, que tinha atravessado um reino deixado sem defesa pelo rei D. Fernando, forjava a sua consciência popular e dava-se conta do seu poder: um novo rei e uma nova dinastia foram por ela escolhidos em 1385, (D. João I, mestre de Avis). (França, 1987, p. 19).

Antes de D. Manuel I subir ao trono num dos períodos de maior esplendor da cidade e do próprio reino, o rei que o antecedeu, D. João II mandou construir um hospital central para a cidade de Lisboa com um traçado monumental renascentista inspirado nos hospitais italianos. Em 1492, iniciou-se a construção do Hospital Real de Todos-os- Santos, no Rossio, que viria a ser concluído em 1501, já no reinado de D. Manuel I.

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Ilustração 56 - Vista geral do Hospital Real de Todos os Santos no início do séc. XVIII, também visível o Convento de S. Domingos à esquerda; Praça do Rossio – lado nascente. (França, 1987).

Assim, ao findar o séc. XV, a cidade tinha, não dois mas quatro ou cinco centros ou pólos aglutinadores: a alcáçova, ainda centro militar e político, onde vivia o rei e se situava a corte; a catedral ou Sé, mantendo as suas funções religiosas ímpares, embora ameaçada pela proliferação de mosteiros e conventos mais periféricos; a Ribeira, o Rossio; e a Rua Nova, na Baixa. (Santana e Sucena, 1994, p. 512).

Finda a Idade Média e o período medieval, podemos assumir que as primeiras definições de espaço público / urbano se estabeleciam na cidade de Lisboa; na lógica territorial do período medieval, numa primeira acção, Lisboa definiu-se através da estrutura do seu território, povoando-o e habitando-o, para depois o limitar através de uma linha – de muralhas – definindo a área do núcleo territorial e criando assim o primeiro traçado urbano da cidade.

3.4.2. PERÍODO MANUELINO E JOANINO: CENTRALIDADE E CONSOLIDAÇÃO

O séc. XV e a primeira metade do XVI – o período da expansão portuguesa além-mar – viram a cidade desdobrar-se para abrigar os novos habitantes que os negócios, a construção naval, os arrolamentos na frota ou a sede e o interesse das aventuras atraíam. (França, 1987, p. 19).

À entrada do séc. XVI, Lisboa modificou-se profundamente ao nível da sua estrutura urbana, física e simbólica. D. Manuel I, rei que herdou o impulso dos descobrimentos, quis descer das alturas fortificadas do castelo e do Paço da Alcáçova, em direcção ao

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rio Tejo, onde as suas naus tomavam o caminho das Índias e das terras novas do Brasil, e mandou edificar um novo e faustoso palácio junto ao rio: de seu nome, Paço da Ribeira. As estruturas medievais da cidade, neste período, foram sendo abandonadas uma vez que o rei já não sentira necessidade de se abrigar atrás de muralhas ordenando assim a construção de um verdadeiro palácio. Em 1504, com o novo Paço já em considerável fase de adiantamento, D. Manuel I, abandona o castelo medieval e desce ao Tejo de que, mais uma vez, dependia o destino da sua capital, reforçando a deslocação do centro da cidade em direcção ao rio e às zonas ribeirinhas.

O Paço da Ribeira conheceu obras sucessivas, em acrescentos e decorações e, tanto a nascente como a poente do palácio, outras instalações da construção e do comércio navais multiplicavam-se a par de casas da corte com arcadas e galerias, à beira rio, “em terrenos que o rei dava aos fidalgos para animar o seu local favorito.” (França, 1980, p. 17).

Com D. Manuel à frente dos destinos da cidade, nos primeiros anos do seu reinado, inicia-se em Lisboa um vasto conjunto de acções de carácter arquitectónico e urbano com profundas implicações na construção de uma nova estrutura e imagem para a cidade. Estas acções urbanísticas estão na base de dois programas de reordenamento, que se desenvolveram entre os anos de 1498-1499 e 1513, e que marcam uma enorme modificação na zona ribeirinha da cidade, nascendo uma nova estrutura de espaço público que proporcionará grandes oportunidades urbanísticas.

No período medieval, o espaço público em Lisboa apresentava-se através de pequenos alargamentos de ruas ou terreiros pouco definidos. No entanto, nos séc. XV e XVI, a evolução é enorme. O espaço público da cidade é renovado e apresenta-se estruturado, (dando origem a largos e praças), e na maioria das vezes associado a edifícios de relevante importância.

As obras promovidas pelo rei, como já referido, centravam-se essencialmente na zona ribeirinha da cidade em função das margens do rio, sendo o conjunto arquitectónico da Ribeira o “elemento central e gerador da nova imagem da cidade de Lisboa” (Carita, 1999, p. 62) e do seu programa de reordenamento. Do processo de modificação estrutural da cidade no reinado manuelino, o palácio real é identificado como a edificação mais significativa do conjunto. No entanto nos terrenos onde D. Manuel ordenara a construção do seu novo Paço, situavam-se as antigas tercenas construídas por D. Dinis;

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A edificação do paço implicava obrigatoriamente que fossem projectadas novas tercenas imprescindíveis num quadro económico em que estes grandes edifícios, para fabricação de barcos e fundição de canhões, eram o suporte do império marítimo que se estruturava. Em paralelo com o paço real nascem as tercenas de Cata-Que-Farás, os estaleiros da Ribeira das Naus. (Carita, 1999, p. 54).

Simultânea e paralelamente à construção do Paço da Ribeira, um novo centro urbano nascia em Lisboa – o Terreiro do Paço, a nova “praça” da cidade. Tanto o paço real como o seu terreiro “nascem como uma entidade urbana indissociável e geradora da nova estrutura da cidade” (Carita, 1999, p. 54). O futuro Terreiro do Paço (Praça da Ribeira) “institui-se como ponto de referência […], definindo a cidade a oriente e a ocidente, a norte e a sul” (Carita, 1999, p. 54).

Um terraço construído depois, abrindo-se sobre o rio, sublinhava essa ligação que alterava a própria vida da cidade, logo ao afeiçoar uma enorme esplanada extramuros num sítio de praia – o Terreiro do Paço, que ia ser centro da vida da corte, complemento do Rossio, na cidade agora polarizada entre as duas praças. (França, 1980, p. 16).

Ilustração 57 - Vista de Lisboa - Terreiro do Paço. (Granadeiro, 2016).

O Terreiro do Paço conquistado aos lodos e ao rio, teria 620 passos por 200, e seguia as proporções da cidade. Esta enorme esplanada, que um século antes não era mais do que uma pequena praia, tornava-se rival do Rossio; “Lisboa começava ali, e para além do Rossio nada mais existia” (França, 1987, p. 24). O bairro comercial e de maior relevância de Lisboa estendia-se entre as duas praças: o Terreiro do Paço, a nova praça e mais desafogada, estava mais ligada à vida da corte, onde tinham lugar grandes espectáculos como touradas e exercícios do exército, enquanto que o Rossio, fórum da cidade com o seu mercado tradicional, o seu hospital e os seus mendigos, estava ligado à tradição popular.

Para trás do Terreiro do Paço, a Baixa continuava a ser o coração da cidade activa, na encruzilhada das suas ruas e becos, com o arruamento principal da Rua Nova, e tendo já desde 1466 coberto o caneiro em que se escoavam ainda águas do Tejo, pela Rua

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dos Ourives do Ouro (Rua Nova d’El Rei). Em 1492, um Hospital de Todos-os-Santos, a par do convento de S. Domingos, no Rossio, com a sua enorme escadaria exterior, sítio de encontro e preguiça, punha na praça uma animação ainda maior. (França, 1980, p. 17).

O programa urbanístico de 1498-99, visou dotar e estruturar Lisboa como capital de um império marítimo, estimulada a partir de um novo centro – a Ribeira. Como característica essencial e profundamente moderna, este centro afirma-se com uma propensão eminentemente cívica. Ao longo do vasto Terreiro do Paço, ordenam-se os edifícios mais importantes como é o caso da Casa da Índia e Ceuta, Alfândega, Casa dos Contos ou Paço da Madeira, polarizados pela omnipresença do Paço Real da Ribeira. A Sé e os grandes edifícios religiosos acabam por ser marginalizados deste centro, assim como os grandes palácios, submetendo-se a ordem urbana a um único elemento estruturante do espaço – o poder central.

Ilustração 58 - A reforma manuelina assinalada (a rosa) na planta de Lisboa de João Nunes Tinoco, 1659. (Carita, 1999).

A Rua Nova, que tinha constituído o elemento fundamental da estruturação do centro da Lisboa de D. Dinis, é totalmente renovada na sua morfologia e no desenho dos seus

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alçados adquirindo no reinado de D. Manuel a nomenclatura de Rua Nova dos Mercadores ou Rua Nova dos Ferros; no entanto perde para a urbanização da Ribeira, o valor estruturante de centro que tivera nos séc. XIV e XV.

Ilustração 59 - Rua Nova dos Mercadores, séc. XVI. ([Adaptado Ilustração 60 - Rua Nova dos Mercadores, séc. XVI. ([Adaptado a partir de:] (Ferreira, 2015). a partir de:] (Ferreira, 2015).

Estabelecido o principal núcleo dinamizador da cidade manuelina, seria agora necessário ligá-lo aos restantes. Paralelamente às obras que iam sendo efectuadas na Ribeira, ordenou-se a execução de obras de reordenamento nas ruas principais da cidade, passando a irradiar, a partir do novo centro urbano, cinco novos eixos: da Ribeira à Alcáçova; da Ribeira ao Alto de S. Francisco; da Ribeira para ocidente a caminho de Cata-Que-Farás; da Ribeira para S. João da Praça e Alfama, a oriente; e por fim, da Rua Nova dos Mercadores, pela Rua Nova d’El Rei, para o Rossio. (Barreiros e Lisboa, 2001; Carita, 1999).

Sobressaindo deste grupo, a Rua Nova d’El Rei nasce como uma nova entidade urbana, que após uma série de demolições de edifícios, vem estabelecer uma grande linha de penetração para o interior da Baixa, permitindo a ligação da zona da Ribeira a um novo núcleo de centralidade urbana que se consolidava no Rossio. “Da denominação oficial desta via como Rua Nova d’El-Rei, transparece nitidamente um conteúdo ideológico, ao associar o poder real e a imagem do rei” (Carita, 1999, p. 75), com as transformações que iam acontecendo na cidade.

O nome de Rua Nova d’El-Rei tem criado confusões pela existência de outra rua, reformulada no reinado de D. Dinis, com a mesma designação de Rua Nova, mas que a partir do período manuelino passa a ser designada por Rua Nova dos Mercadores. Por outro lado, parte deste arruamento, junto da Ribeira e da Rua Nova, já existia desde meados do século XV, sendo a novidade urbana da Rua Nova d’El-Rei o prolongamento desta rua até ao Rossio. (Carita, 1999, p. 75).

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Ilustração 61 - Assinalada a Rua Nova D’El Rey (Rua dos Ourives do Ouro) na planta de 1650 de João Nunes Tinoco. ([Adaptado a partir de:] (Tinoco, 1650).

Ilustração 62 - A abertura da Rua Nova d’El-Rei e o conjunto de reformas urbanas realizadas em Lisboa, na sequência do programa de reordenamento da cidade iniciado em 1498. (Carita, 1999, p. 76).

Na ilustração 62 destacamos, no [1] a Calçada desde a porta do Paço (Paço da Alcáçova) até à porta da Portagem; no [2] a Calçada de S. Francisco; no [3] a Rua Nova

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dos Mercadores; no [4] a Rua da Sapataria (Calçataria); no [5] a Rua dos Ferreiros; no [6] a Rua dos Tanoeiros; no [7] a Rua Nova d’El-Rei; no [8] a Rua dos ferreiros da porta doura para Cata-Que-Farás (dos Arcos); no [9] a Rua da praça dos Escravos para São João da Praça (Bacalhoeiros); no [10] a Rua que vai para o terreiro dos ferradores; no [11] a Rua para Santa Maria (Sé) e por fim o reordenamento urbano do Rossio [12]. (Carita, 1999, p. 76).

Contrariamente aos outros arruamentos da cidade, que iam sofrendo, ora obras de rectificação e alargamento, ora obras de renovação de fachadas, a Rua Nova d’El-Rei nasceu na sequência de um conturbado processo de reordenamento da malha urbana da Baixa, na zona da Rua da Ourivesaria. Devido à permanência dos ourives neste novo arruamento, este retomará mais tarde o nome de Rua dos Ourives do Ouro.

Na análise da planta de João Nunes Tinoco (Ilustração 61) esta rua apresenta-se como um longo percurso urbano formado com trechos de traçado diferenciado. O mais chegado à Ribeira manifesta um desenho serpenteante acompanhando claramente o trajecto do antigo canal. O segundo trecho, que desemboca no Rossio, apresenta-se com uma estrutura mais rectilínea, o que testemunha a aplicação de novos parâmetros estéticos e urbanísticos no traçado da cidade manuelina. (Carita, 1999, p. 77).

Enquanto que o conjunto arquitectónico e cívico da Ribeira ocupava uma posição nevrálgica e central na cidade, a ocidente e a oriente deste mesmo centro identificam- se duas realidades bastante distintas. A Ribeira assumindo-se como centro urbano – protagonizado pelo Terreiro do Paço – estabelece o desenvolvimento da cidade em dois lados opostos.

Tanto a ocidente como a oriente, a malha urbana evoluía segundo o programa de reordenamento manuelino. Contudo o traçado urbano não era em nada semelhante em ambos os casos, uma vez que o desenvolvimento da cidade a ocidente opunha-se ao ordenamento urbano a oriente, formulando dois conceitos opostos de urbanismo. Enquanto que a oriente, à excepção de alterações que iam sendo feitas ao traçado islâmico do passado, a malha desenvolvia-se directamente encostada à antiga cerca moura, numa linha contínua de edifícios junto à orla do rio, a ocidente novas experiências urbanísticas começavam a desenvolver-se. Exemplos disso foram as primeiras vilas e bairros que se formaram nestes terrenos34, como é o caso dos

34 Em íntima ligação com o programa de reordenamento do centro da cidade de Lisboa de 1498-99, logo nos anos de 1501 e 1502, D. Manuel assina um conjunto de doações de terrenos a ocidente da Ribeira, a grandes armadores e altos funcionários de Estado. (Carita, 1999).

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quarteirões de Cata-Que-Farás (Ilustração 63), a Vila Nova da Oliveira (Ilustração 64) e a Vila Nova de Andrade (Ilustração 65).

Ilustração 63 - Formação urbana da Rua Ilustração 64 - Vila Nova da Oliveira cuja Ilustração 65 - Inícios da urbanização de Direita de Cata-Que-Farás com os urbanização é iniciada em 1501 na Vila Nova de Andrade, cuja data de 1498 quarteirões doados por D. Manuel. sequência do decreto que mandava coincide com o programa de (Carita, 1999, p. 92). derrubar todos os olivais que existiam no reordenamento urbano da cidade de Lisboa interior dos muros da cidade. (Carita, implementado entre os anos de 1498-99. 1999, p. 94). (Carita, 1999, p. 102).

Estas novas urbanizações apresentavam uma configuração de ruas e traçado que se distanciavam “das estreitas ruas islâmicas e medievais de Lisboa que encontramos em Alfama, Mouraria e encosta do Castelo” (Carita, 1999, p. 95).

No entendimento de José Augusto França (França, 2009) as modificações e a criação de novas artérias na cidade são a maior inovação da urbanização manuelina. Os elementos como a rua e a praça, surgem agora como elementos morfológicos do espaço e da cidade, manifestando-se “uma nova capacidade de exercer uma estratégia de intervenção no espaço urbano” (Carita, 1999, p. 55), que ao longo da Idade Média se desenvolvera lentamente.

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Ilustração 66 - Lisboa em 1593, G. Braunio. (Granadeiro, 2016).

Ilustração 67 - Lisboa em 1593, G. Braunio. (Granadeiro, 2016).

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 99 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

As gravuras desenhadas por Braunio35, ilustram bem o aspecto da cidade de Lisboa no séc. XVI. Nestas gravuras (Ilustração 66 e 67), a estrutura que a cidade tinha é respeitada; evidencia-se em primeiro plano o amplo estuário do Tejo, repleto por inúmeros barcos e navios, o porto e os estaleiros; a linha das muralhas defensivas estende-se ao longo dos cumes das colinas e junto ao rio, delimitando as áreas edificadas; no ponto mais alto vê-se o castelo e o Paço da Alcáçova, habitação real ao abrigo das muralhas; no sopé da colina, a Sé, o mais antigo dos monumentos que subsistem na cidade; em baixo, o rectângulo do Rossio com o Hospital Real de Todos- os-Santos e o amontoado de casas e casarios pelas ruas estreitas em ziguezague onde mal se distingue a Rua Nova dos Mercadores dos negociantes ricos e a Rua Nova d’El- Rei, mais comprida e estreita que anos depois veria o seu nome ser alterado para Rua dos Ourives do Ouro. Esta denominação correspondia a uma política de fixação do artesanato e do comércio especializado em ruas determinadas, política tornada oficial desde finais do séc. XIV; esta gravura dá também conta da existência do novo palácio real da Ribeira com o “seu” Terreiro do Paço, a praça em frente ao rio, debruçado sobre o Tejo ao lado dos estaleiros navais.

Em 1496-98, devido à expulsão dos Judeus da cidade por lei de D. Manuel I, as três Judiarias existentes à época foram absorvidas pela Baixa, tendo o mesmo sucedido ao bairro da Mouraria. Estas decisões políticas terão em muito contribuído para a remodelação das casas existentes na baixa da cidade. Estas, de três, quatro ou cinco andares, tinham pouca durabilidade e eram melhoradas ou aproveitadas de modo pragmático quando envelhecidas, incendiadas ou destruídas, algumas devido a grandes tremores de terra como foram os de 1531, 1551 ou 1597.

Lisboa era, à época, uma cidade extremamente rica a vários níveis, principalmente a nível comercial, onde atingiu um patamar de excelência devido o seu porto e ao impulso dos descobrimentos, que concediam à cidade uma opulência e grandiosidade nunca alcançada.

A Lisboa manuelina define-se pelo estatuto de capital enriquecida e de grande significado. Assim, em 1513, D. Manuel lança uma nova campanha de grandes obras

35 Georgio Braunio (Colónia, 1541 – Colónia, 1622) ou Georg Braun, nascido e falecido em Colónia, foi um cartógrafo e geógrafo responsável pela elaboração de variadíssimas ilustrações, perspectivas e mapas de cidades de todo o mundo.

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 100 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

na Ribeira de modo a que a sua cidade acompanhasse a importância e magnificência do Império;

Tratava-se agora de levantar o extenso alçado da praça virado ao Tejo com mais dois andares, dotando o conjunto duma outra ordem de monumentalidade. Em simetria com a varanda do Paço Real iniciam-se, igualmente neste período, as obras da Alfândega Nova, que vão conformar a Ribeira numa nova estrutura de praça, constituída por três corpos arquitectónicos em U, morfologia que marcará definitivamente a imagem de toda a cidade. (Carita, 1999, p. 95).

A escala do empreendimento e as obras efectuadas estão intimamente ligadas com os grandes sucessos alcançados pelas armadas portuguesas na Índia e pela perspectiva de formação de um Império no Oriente.

A carta régia enviada à Câmara sobre as obras não é, como em 1498, um regimento, mas apenas uma cópia do contrato de obra, efectuado pelo Senado da Câmara e enviado à Câmara Real para aprovação […]; Sem o rigor de pormenores do primeiro regimento da Ribeira, não deixa de ser notável, quando são especificados os orçamentos das janelas, que estas apareçam por conjuntos todos iguais e com rigorosas métricas. “…50 portaes de oito palmos por quatro… 50 janelas de sore loja de três palmos… 21 janelas que hao de ser como as do Hospital…”. Estamos aqui inequivocamente perante uma arquitectura de programa com uma clara preocupação de repetição sistemática dos elementos arquitectónicos e uma utilização de métricas proporcionais, com claras afinidades tanto com os pressupostos estéticos do primeiro regimento da Ribeira como do conjunto urbano da Rua Nova. (Carita, 1999, p. 96).

Em relação aos dois últimos andares do conjunto da Ribeira, com uma linha contínua de janelas iguais ao Hospital de Todos-os-Santos, como é especificado no documento, podemos observar a preocupação que existia em estabelecer concordâncias tipológicas entre praças (Terreiro do Paço e Rossio) com um mesmo valor simbólico. “Pela iconografia da época, podemos concluir que se tratava de uma ordem de janelas geminadas que corria em ambas as fachadas ao nível dos últimos andares.” (Carita, 1999, p. 96).

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 101 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Ilustração 68 - O Paço da Ribeira. ([Adaptado a partir de:] Hogenberg, 1593). Ilustração 69 - O Hospital de Todos-os-Santos. ([Adaptado a partir de:] Hogenberg, 1593).

Ilustração 70 - O Paço da Ribeira. ([Adaptado a partir de:] Hogenberg, Ilustração 71 - O Hospital de Todos-os-Santos. 1593). ([Adaptado a partir de:] Hogenberg, 1593).

O segundo programa de reordenamento urbano da Lisboa manuelina, em 1513, para além de toda a remodelação urbana da antiga Ribeira, consistia também na instituição oficial de um imposto para obras públicas. Estas novas directivas subentendiam um novo entendimento da cidade como capital de um Império que estruturava as suas redes económicas e militares. Na conjuntura económica e política do segundo período do reinado de D. Manuel, foram construídos grandes edifícios de relevante importância ao nível de equipamento administrativo e portuário como é o caso da Alfândega Nova, dos Armazéns Reais, da Casa dos Contos, do Paço da Madeira e as Tercenas da Porta da Cruz. Se no primeiro plano de reordenamento em 1498-99, foram concentrados esforços, sobretudo, na renovação e reestruturação urbana do centro da cidade, o segundo plano em 1513 vai concentrar-se na criação de uma imagem de cidade imperial, com a construção de grandes edifícios de suporte ao comércio e administração do império.

Como já referido, no programa de reordenamento de D. Manuel, a Ribeira era o grande centro da cidade, e a partir dele reestruturaram-se e irradiavam as principais ruas da urbe. O aparecimento do termo «rua» é a grande novidade urbanística do espaço público no séc. XVI.

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 102 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Numa articulação indissociável entre arquitectura e urbanismo, paralelamente à formação dum modelo de edifício moderno e duma arquitectura de programa, processa- se neste período a estruturação dum modelo urbano de traçado da cidade. Através de um processo que se tinha vindo a desenvolver lentamente ao longo dos séculos XIV e XV, a rua adquire no urbanismo manuelino um valor de entidade abstracta significante em si, estruturada a partir duma unidade formal definida por fachadas, com um princípio, um fim e um nome particular. (Carita, 1999, p. 189).

Antecedente do período manuelino, o conceito medieval de rua estruturava-se, segundo Carita36, a partir de uma experiência vivida, um percurso, que não tinha a capacidade de definir uma unidade estruturada por um conjunto arquitectónico de fachadas com limites definidos, em termos de início e de fim. No entanto, no período manuelino a rua passa a ser entendida como uma entidade urbana que estrutura o espaço, isto é, uma tipologia urbana / elemento morfológico da cidade.

Num processo de progressiva abstracção, o modelo medieval «de rua-travessa», que se forma ao longo dos séculos XIV e XV […], cede a uma noção mais abstracta de estrutura em «retícula» com ruas principais e secundárias. Esta rede urbana de ruas principais e secundárias adquire progressivamente um sentido geométrico, com a implementação, ao longo do reinado de D. Manuel, duma arquitectura de programa. (Carita, 1999, p. 190).

O modelo rua-travessa, iniciado a partir do século XIV, evolui e dá origem a “um modelo urbano fundamentado numa forma abstracta e geométrica: o quarteirão de base rectangular” (Carita, 1999, p. 190). O primeiro modelo não foi abandonado, mas reformulado com base nas ciências da aritmética e da geometria.

36 Hélder Carita (Lisboa, 1950), é um arquitecto formado na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa. Concluiu em 1999, o Mestrado em História da Arte Moderna - Arquitetura e Urbanismo, na Faculdade de Ciências Sociais e Humana da Universidade Nova de Lisboa, com o tema da sua dissertação «Lisboa Manuelina e a formação de modelos urbanísticos da época moderna». Em 2007 terminou o doutoramento em História da Arte Moderna – arquitectura e urbanismo, com o tema «Arquitectura Indo-Portuguesa na Região de Cochim e Kerala, modelos e tipologias do séc. XVI e XVII. Carita divide os seus domínios de investigação entre arquitectura e urbanismo sendo uma das suas áreas privilegiadas a arquitectura civil.

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 103 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Ilustração 72 - Modelo urbano: quarteirão rectangular a ocidente da Ribeira – Bairro Alto de S. Roque. ([Adaptado a partir de:] (Carita, 1999, p. 103).

Este novo traçado urbano é visível no lado ocidental da Ribeira na zona de Cata-Que- Farás e num fenómeno de urbanismo do maior interesse para a vida da cidade e para o seu processo urbanístico, que foi a lenta criação de um novo bairro, definido a par das muralhas ocidentais e ao longo delas, no decorrer do séc. XVI.

O primeiro plano conhecido de Lisboa, datado de 1650 e levantado pelo arquitecto João Nunes Tinoco, mostra-nos claramente, na sua extremidade esquerda, uma rede de ruas cortando-se em ângulos rectos, cujo aspecto é muito diferente do resto da cidade que vimos estender-se sem plano nem lei. É o «Bairro Alto», que conserva ainda hoje a mesma planta. (França, 1987, p. 26).

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Ilustração 73 - Planta de Lisboa (1650) – João Nunes Tinoco. ([Adaptado a partir de:] Tinoco, 1650).

À concepção urbana que estruturou e caracterizou o urbanismo medieval (e que evoluiu consideravelmente ao longo do séc. XVI), sucede, com a Lisboa manuelina, “um novo conceito de cidade, polarizado em torno dum ponto nuclear, a praça, centro de poder cívico” (Carita, 1999, p. 194). As ruas destacam-se como o elemento morfológico em maior evidência, manifestando a capacidade de configurar o espaço ainda que, de uma forma abstracta. A nível arquitectónico, destaca-se o rigor geométrico aplicado às fachadas dos edifícios.

A partir do século XVI, é este conjunto urbanístico, no qual alternam palácios com edifícios públicos, mercados e estaleiros […]. Seria esse, sem dúvida, o legado quinhentista por excelência, se não tivesse sido duramente atingido pelo Terramoto. (Moita, 1994, p. 147).

Quer a nível urbano quer arquitectónico, a imagem de Lisboa a partir do século XV tende a afastar-se, naturalmente, do retracto medieval do passado. Como novo núcleo de expansão, a cidade desenvolve-se preferencialmente para ocidente, sobre as margens do Tejo, nos conjuntos de Cata-Que-Farás até à Boavista. Mais acima na mesma colina, desenvolve-se a Vila Nova de Andrade e posteriormente o Bairro Alto de S. Roque, seguindo os mesmos princípios urbanísticos. “Baixa e Alta estabelecem-se como paradigmas da nova cidade, adquirindo a baixa um significado eminentemente

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administrativo e comercial e a alta um valor privilegiadamente habitacional.” (Carita, 1999, p. 194).

O Bairro Alto de S. Roque (Ilustração 72 e 73, à esquerda) acabará por marcar a passagem do séc. XVI para o séc. XVII na vida urbana da cidade de Lisboa, e a obtenção de uma consciência urbanística e arquitectónica que ao longo do séc. XVII se estendeu, o que em grande parte se deve à ocupação espanhola do reino de Portugal, “que trouxe à capital portuguesa a influência da civilização castelhana, num período em que nela se desenvolvia a grande arquitectura do «Siglo d’Ouro37».” (França, 1980, p. 22).

Ilustração 74 - Desembarcação de Sua Majestade o Rei D. Filipe II de Espanha, I de Portugal, em Lisboa. (Granadeiro, 2016).

O ano de 1580 assinala a subida ao trono português do rei Filipe II de Espanha, I de Portugal, que a partir de 1581 se estabelece ano e meio em Lisboa tendo sido recebido com os primeiros arcos de triunfo de uma arquitectura de festa maneirista, erguidos no Terreiro do Paço.

Seria ali, que no imediato, Filipe I de Portugal desejaria transformar o antigo paço de D. Manuel I numa habitação régia condigna. Filippo Terzi, arquitecto e engenheiro militar bolonhês estabelecido em Portugal desde 1577 é o escolhido para executar tal obra. Esta, consistiu essencialmente em erguer na extremidade do paço manuelino (que viria

37 Siglo d’Ouro, foi um dos períodos de maior crescimento da arte e da literatura espanhola, que coincidiu com o auge político e posterior queda da dinastía da Casa d'Austria ou Habsburgo.

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também a sofrer uma enorme modificação monumentalista) um maciço, mas elegante, torreão quadrangular com cerca de 15 metros de lado por 20 metros de altura.

Ilustração 75 - Palácio Real no Terreiro do Paço antes de 1755 com o «Torreão de Terzi». (Rossa e Tostões, 2008).

[…] o seu pavilhão – um torreão quadrado […], com dois andares nobres em que oito pilastras «serlianas», alternadamente dóricas e jónicas, separavam as cinco grandes janelas coroadas de frontões curvos e triangulares também alternados – era ao mesmo tempo, elegante e imponente. Sob uma cúpula quadrangular terminada por um lanternim, uma cornija sumptuosa em saliência, marcada nos quatro ângulos por uma pequena torre de longo pináculo e, ao meio, por uma janela de água furtada de grandes dimensões, coroava o edifício. (França, 1987, p. 29).

Este imponente pavilhão, recebe o nome de «Torreão de Térzi» e será muito importante na paisagem da cidade até ao terramoto de 1755. Em 1640, a Dinastia Filipina findou no reino de Portugal e na baixa da cidade poucas mudanças se registavam. Com D. João IV já como rei, a utilização de coches obrigou a tomar-se medidas para melhorar a circulação na Baixa. As ruas mantinham ainda a sua génese medieval e manuelina, com uma ou outra novidade: a abertura em 1665 da Rua Nova do Almada para dar passagem a poente para o bairro do Chiado e o alargamento da Rua dos Ourives da Prata em 1681 (ver Anexo I, Desenho II/III), que obrigou à demolição de várias casas, uma vez que esta proporcionava o acesso mais directo entre a Baixa, a Sé e o Mosteiro de S. Vicente de Fora.

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 107 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

No ano de 1706 sobe ao trono D. João V, e como rei cedo se dedicou a Lisboa. A cidade era regida à época por uma corte faustosa cimentada pela riqueza miraculosa (ouro e diamantes) que entrava no país vinda do Brasil e independentemente das obras magnânimas que ergueu ao longo do reino (Mafra, por exemplo), “D. João V não deixou de se ocupar da transformação e alargamento do Paço da Ribeira.” (França, 1987, p. 44).

A capital de D. João V era o seu paço, e tão ou mais importante que este, a sua capela real. O Paço da Ribeira compreendia uma capela que ultrapassando as suas funções, se tornou igreja paroquial em 1709, colegial em 1710 e patriarcal em 1716, sede de uma nova diocese de meia Lisboa ocidental. “Neste edifício, mais ainda que no palácio, revelavam-se os sonhos da magnificência do rei” (França, 1987, p. 45).

Ilustração 76 - Vista Poente/Norte do Terreiro do Paço e do Paço da Ribeira. (Granadeiro, 2016).

Em 1750, D. João V morre e sobe ao trono o seu filho D. José I. “Ao contrário do pai, era um homem simples, fechado, sem curiosidades, indiferente aos negócios públicos, gostando apenas de caçar” (França, 1987, p. 55). Do seu pai, D. José I apenas herdou o gosto pela música, e construiu junto do Paço da Ribeira, um teatro de ópera. O grande Teatro de Ópera do Tejo, seria o único monumento da primeira e breve parte do seu reinado uma vez que fora tragicamente arrasado pelo terramoto de 1755. Mas ainda assim se seguiu a tradição de D. João V: “o teatro era mais uma dependência do Paço da Ribeira, cujo conjunto arquitectónico se aumentava pela última vez” (França, 1987, p. 55).

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Ilustração 77 - Maqueta de reconstituição da cidade de Lisboa antes do terramoto de 1755. (Antanho, 2016).

Na ilustração 77, maqueta da cidade de Lisboa antes do terramoto de 1755, podemos ver em marcação, a azul o núcleo do Paço da Ribeira com o Torreão de Térzi, a vermelho o núcleo da Igreja Patriarcal de D. João V que fora totalmente destruída e a amarelo o núcleo do Teatro de Ópera de D. José I também ele totalmente desfeito na catástrofe.

Ilustração 78 - Maqueta de reconstituição da cidade de Lisboa antes do terramoto de 1755. (Rossa e Tostões, 2008).

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Ilustração 79 - Maqueta de reconstituição da cidade de Lisboa antes do terramoto de 1755. (Rossa e Tostões, 2008).

Por esta altura, um quarto de milhão de pessoas vivia numa cidade que há muito transbordara da cerca medieval. Os conventos formavam o centro dos novos bairros, destruíam-se casas a fim de alargar as ruas demasiado estreitas para o tráfego, mas estas eram novamente reerguidas irregularmente.

“O Terreiro do Paço com o Palácio Real, e o Rossio com o Palácio da Inquisição (ou Palácio dos Estaos), eram simbolicamente […] – as únicas grandes praças da cidade.” (França, 1987, p. 56).

Estamos em 1750, cinco anos antes de a cidade ser conquistada pela terra, pelo rio e pelas chamas. “No último dia de Outubro de 1755, o sol põe-se sobre uma cidade manuelina. Pela última vez.” (Dias, 1987, p. 11).

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 110 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

3.5. A RECONSTRUÇÃO DE LISBOA, APÓS O TERRAMOTO DE 1755

Debaixo do Sol, as paredes de Lisboa brilhavam, branqueadas de cal […] …Assim era a cidade que desapareceu no dia 1 de Novembro de 1755. (França, 1987, p. 58).

3.5.1. A TRÁGICA MANHÃ DE 1 DE NOVEMBRO38

A manhã do 1º de Novembro anunciava-se calma e quente, na continuação dos belos dias de fins de Outubro: a temperatura era de 17,5 graus. O céu estava sem nuvens, brilhava o Sol; um vento ligeiro soprava na direcção nordeste. Pelas 9 horas e 40 minutos, depois de um grande ruído subterrâneo que aterrorizou toda a gente, a terra teve um primeiro abalo […]. (França, 1987, p. 62).

A história de Lisboa, e com ela do país inteiro, ficou marcada pelo terramoto que, na manhã de 1 de Novembro de 1755, destruiu quase completamente a velha cidade que vivia então os restos da sua opulência. (França, 1989, p. 7).

No primeiro dia de Novembro de 1755, dia de Todos-os-Santos, a Lisboa que se conhecia desapareceu. A cidade, principalmente a zona baixa e mais próxima do rio, abalada por um terramoto de raríssima intensidade (graus VIII e X sobre XII da escala de Mercalli) e magnitude (grau 9, o máximo na escala de Richter), não resistiu.

Ao sismo que por si só fora devastador, seguiu-se um maremoto com a subida intermitente da água do Tejo em vagas de vários metros de altura, e no meio de toda a destruição provocada pelo terramoto, e por ele provocado, irrompeu um enorme incêndio ainda mais catastrófico que terá durado vários dias a combater, fosse por falta de meios ou por dispersão geral da população. “Se este último não tivesse ocorrido as pessoas teriam recuperado os seus bens das ruínas, mas o incêndio deixou um cenário de desolação e miséria indescritível.” (Farinha, 1997, p. 46).

Com efeito os incêndios que frequentemente se sucedem aos grandes sismos, são em regra os maiores responsáveis pelas perdas de vida, sempre que exista dificuldade de socorrer rapidamente as pessoas impossibilitadas de se deslocar pelos próprios meios, quando feridas, ou aprisionadas nos desmoronamentos. (Farinha, 1997, p. 46).

O pânico que tomou os lisboetas era imenso e fê-los fugir em atropelo em busca de mortos e feridos, parentes e desaparecidos e na tentativa de salvarem os seus bens; esta dispersão “suscitou uma desordem que ainda mais castigava as vítimas que todos eram, e que se acrescentava em assaltos e pilhagens.” (França, 1980, p. 38).

38 À data desta dissertação perfazem 264 anos desde o terramoto que assolou Lisboa.

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 111 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Ilustração 80 - O terramoto, seguido de maremoto e vários incêndios no 1º de Novembro de 1755. (Tomas dos Anjos, 2013).

Lisboa não era uma cidade monumental: crescera, desde os tempos medievais, dentro e fora de duas importantes muralhas, mas acima de tudo, havia concentrado a sua essência na planície do antigo esteiro do Tejo, a ocidente do castelo que a defendera. Esta área, a Baixa, foi das mais sacrificadas pela catástrofe pois era também a mais densamente habitada.

A população de Lisboa, à época, elevava-se a cerca de 250 mil pessoas, e apesar de o número de mortos e feridos do terramoto ter crescido de boca em boca, crê-se e com base nos números mais fidedignos da época, que tenham perecido dez mil habitantes, em plena catástrofe ou devido ao efeito da mesma.

À hora a que o terramoto se deu, e apesar das comemorações do dia de Todos-os- Santos, não se registaram mais vítimas porque “as missas das 9 horas não beneficiavam de uma grande afluência e as igrejas estavam apenas meio cheias” (França, 1987, p. 67). Das dez mil vítimas apenas oito eram ligadas à corte e a explicação é fácil de encontrar pois as grandes famílias não iam às igrejas uma vez que tinham as suas capelas privadas. “Quanto à família real, ela passara a noite de 31 de Outubro no Palácio de Belém, e, assim, escapou ao incêndio do Paço da Ribeira” (França, 1987, p. 67).

Foram inúmeras as perdas materiais da cidade: dois terços das ruas e milhares de casas ficaram inabitáveis devido ao terramoto e aos incêndios que se seguiram, das quarentas

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 112 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

igrejas paroquiais existentes à época, trinta e cinco desmoronaram-se, arderam, ou ficaram em ruínas, apenas onze conventos permaneceram habitáveis, embora com danos, enquanto que nenhum hospital (dos seis existentes) se salvou dos fogos deflagrados.

O terramoto devastou ainda trinta e três palácios das maiores famílias da corte, mas a maior perda foi a casa real que sofreu, uma vez que todo o complexo do Paço Real foi completamente perdido. Todas as suas riquezas, como as suas colecções de quadros e objectos de culto, a Ópera, a Igreja Patriarcal, a Biblioteca Real e o tesouro guardado nos armazéns da Casa da Índia, nada resistiu à fúria da terra, da água e do fogo que tudo consumiu.

Ilustração 81 - Palácio Real destruído após o terramoto de 1755. ([Adaptado a partir de:] Lisboa e Mateus, 2004).

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 113 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Ilustração 82 - Ruínas da Igreja Patriarcal. (França, 1987). Ilustração 83 - Ruínas do Teatro de Ópera. (França, 1987).

Medidas e providências a tomar, face à destruição da cidade, eram urgentemente necessárias:

«Enterrar os mortos e cuidar dos vivos» era dever imperioso dos responsáveis pelo governo do País – mas, entre os seus colegas em fuga e na ausência do rei que, fora da sua capital, a ela temia regressar, só um ministro o soube cumprir, providenciando friamente o que as circunstâncias impunham. Foi este Sebastião José de Carvalho e Melo39, futuro marquês de Pombal. (França, 1980, p. 38).

Sebastião José de Carvalho e Melo, o ministro de confiança de D. José, e chamemo-lo desde já marquês de Pombal, “no próprio dia do desastre já assinava decretos” (França, 1987, p. 71). Deste modo impedia a fuga da população e obrigava as pessoas a voltar a Lisboa. Os párocos foram persuadidos “a fazer voltar os seus clientes fugidos” (França, 1989, p. 11), enquanto a entrada de mantimentos na cidade foi controlada e rastreada, isentos de impostos e com preços fixos para evitar especulação, e regimentos vindos da província foram chamados à cidade para manter a ordem e prender salteadores que se aproveitavam da situação. Ao lado de Pombal, colaborando na

39 Sebastião José de Carvalho e Melo (1699 – 1782), mais conhecido como marquês de Pombal, nasceu em Lisboa em 1699 e foi um importante político, diplomata e um notável estadista e reformador na Europa na sua época. Recebeu os títulos de Conde de Oeiras em 1759 e de Marquês de Pombal em 1769. Entre 1738 e 1749 fez carreira e actuou em missões diplomáticas, primeiro em Londres, depois em Viena, tendo sido embaixador de D. João V nas cortes inglesa e austríaca, e embora sem significativo sucesso para Portugal, contribuiu para a sua formação política e económica. Em 1750, com a subida ao trono de D. José I, foi nomeado secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, e a sua grande capacidade de trabalho e de chefia revelou-se na forma como encarou o trágico terramoto de 1755 que destruiu a cidade de Lisboa. A sua reacção à catástrofe foi a imediata reconstrução da cidade atribuindo-lhe uma configuração mais moderna e racional. Durante o seu mandato como ministro de D. José I, entre os anos 1750 e 1777, o reino de Portugal foi um claro exemplo de política do tipo despótico esclarecido, forma de governo que mistura a monarquia absolutista com o racionalismo iluminista. O seu plano de reformas foi significativo e atingia todos os âmbitos do governo, desde o económico, religioso (expulsão dos Jesuítas em 1759), educativo e social. Com a morte de D. José I em 1777, e a consequente ascensão de D. Maria I ao trono, é demitido das suas funções e desterrado uma vez que os seus abusos de poder lhe tinham valido antipatia e criado inúmeros inimigos. Devido à sua idade avançada, foi apenas condenado a viver afastado de Lisboa tendo-se exilado em Pombal, onde veio a falecer em Maio de 1782.

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execução das primeiras medidas, estiveram, por cargo ou nomeação imediata, o duque de Lafões, Regedor das Justiças, o marquês de Alegrete, presidente do Senado camarário, e o marquês de Marialva, Governador das Armas.

O ministro de D. José I pensou imediatamente no futuro da cidade martirizada. Ordenou o desentulhamento das ruas, a drenagem das águas estagnadas, a delimitação das fracções destruídas, a adaptação dos escombros para nivelamento dos sítios, e a medição das praças, ruas, casas e edifícios públicos com exacta descrição para, sob decreto, a 30 de Dezembro de 1755, determinar que nenhuma construção se realizasse enquanto o inventário das propriedades não estivesse terminado. Isto, porque após o terramoto, a cidade viu surgir inúmeras barracas (de madeira, a exemplo da família real) erguidas dentro dos antigos limites da cidade, acção que ia contra o estipulado e contra as ordens e intenções de Pombal que novamente sob decreto, a 12 de Fevereiro do ano seguinte ordenava a demolição das mesmas. Uma nova cidade estaria a ser projectada e trabalhava-se com afinco nesses planos.

Passado o pânico, a vida recomeçava, porém, na cidade flagelada. […] Uma nova era ia começar para o País – e, na sombra, o seu novo senhor mandava traçar os planos da nova cidade que seria sua capital. (França, 1987, p. 76).

3.5.2. O PLANO PARA A RECONSTRUÇÃO DA BAIXA DE LISBOA

A reacção do marquês de Pombal, face à enorme catástrofe que assolou Lisboa, não se fez esperar. A cidade ainda ardia e já o marquês tomara conta da situação. A ideia de reconstrução rapidamente se formulou, e Pombal foi célere em dirigir instruções precisas para encarregar os melhores de estudar soluções. Manuel da Maia40, engenheiro-mor do Reino, foi o incumbido de tal missão. A Maia, foi de imediato pedida a definição estratégica e técnica para a reconstrução da cidade destruída. Este não

40 Manuel da Maia - (Lisboa, 1677 – Lisboa, 1768), desconhece-se o dia do seu nascimento e respectivo ano, mas baptizado a 5 de Agosto de 1677 em Lisboa, Manuel da Maia foi um dos mais importantes engenheiros militares da História Portuguesa. Levantar a capital das ruínas após o terramoto de 1755, projectar o Aqueduto das Águas Livres, participar na construção do Convento de Mafra e na reconstrução do Hospital das Caldas da Rainha são as suas obras e intervenções mais importantes. Manuel da Maia deixou um vasto legado para a história da arquitectura portuguesa, mas pouco se sabe sobre a sua vida além da obra feita, e muito menos é lembrado sobre o seu feito mais heroico. Se hoje os arquivos da Torre do Tombo estão intactos, muito se deve ao seu guarda-mor, que após Lisboa ter sucumbido ao terramoto e ao maremoto na fatídica manhã de 1 de Novembro de 1755, deixou a sua casa a arder e correu até ao topo do Castelo de S. Jorge, onde estavam as instalações do Arquivo Real. Recuperado o Arquivo, o engenheiro lançou-se à obra que o imortalizou. Fora nomeado engenheiro-mor do Reino em 1754 e após o terramoto foi encarregado pelo Marquês de Pombal, ministro do rei D. José I, de coordenar a reconstrução da cidade. A reconstrução da Baixa foi o maior legado de Manuel da Maia, mas o seu orgulho foram os arquivos reais. Viria a falecer a 17 de Setembro de 1768, e foi, conforme a sua vontade, sepultado na casa do capítulo do convento de S. Pedro de Alcântara.

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 115 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

tardou a responder e o relatório que apresenta com a resposta – a Dissertação (Ayres, 1910) –, é o principal guia que nos permite conhecer o método e o processo que conduziu ao anteplano formalmente apresentado a 19 de Abril de 1756 e, depois, ao Plano efectivamente aprovado por decreto a 12 de Junho de 1758.

Em relação ao todo do Plano, a Dissertação configurou, como diríamos hoje, os termos de referência, enquanto o Decreto consubstanciou a sua memória descritiva. (Rossa, 2008, p. 48).

A Dissertação de Manuel da Maia não é um registo ou memória do plano de reconstrução, mas sim, numa outra perspectiva, “o instrumento activo do processo de reflexão e decisão que a ele conduziu” (Rossa, 2008, p. 48). O seu desenvolvimento foi faseado, redigido ao longo de meses e efectivado em três etapas, às quais correspondem as suas três partes. A primeira das três foi entregue a 4 de Dezembro de 1755, um mês após a catástrofe; a segunda foi entregue a 16 de Fevereiro de 1756, dois meses após a entrega da anterior; enquanto que a terceira e última parte foi entregue a 31 de Março de 1756 (ainda que com um aditamento datado de 19 de Abril do mesmo ano), tendo seguido e sido entregue com esta, as plantas e desenhos que se considera ser um anteplano de reconstrução da cidade (segundo Rossa, 2008), dois meses após a segunda entrega. Com isto, concluímos que cinco meses após a catástrofe que assolou Lisboa, os princípios gerais da reconstrução da cidade ficaram maioritariamente estabelecidos.

Descrever ou elaborar um resumo, ainda que sintético do processo de aperfeiçoamento do plano de reconstrução, isto é, do riquíssimo conteúdo da Dissertação de Manuel da Maia, seria sempre exaustivo, no entanto é-nos impossível deixar de salientar os aspectos mais importantes e que consideramos fundamentais para o entendimento e compreensão do mesmo.

A primeira parte da Dissertação é dedicada na sua essência à discussão da questão primária e fundamental: onde será construída a cidade nova, e qual o seu centro? Nela é essencialmente discutida a exequibilidade e conveniência das diferentes alternativas propostas por Manuel da Maia. Cinco são as hipóteses que Maia propõe, mas nunca impõe. Propõe com fundamento e preocupação de explicar e justificar as suas ideias. Entre a reconstrução pura e simples de um novo centro no mesmo lugar da antiga cidade, obedecendo a normas de saneamento urbanístico (hipótese n.º 4), e a deslocalização da cidade para outro local a ocidente – para os lados de Pedrouços, “onde florescia um subúrbio cortesão de recreio em torno das quintas e do palácio que

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D. João V comprara e desenvolvera em Belém (hipótese n.º 5), Maia caracterizou outras três alternativas que precedem estas duas últimas, e onde as principais ideias e modificações a reter, consistiam em: restituir a cidade ao seu antigo estado e morfologia, mantendo tudo igual (hipótese n.º 1); restituir a cidade e o seu edificado com a mesma altura que tinham outrora, mas alargando os arruamentos (hipótese n.º 2); ou restituir a cidade à sua antiga morfologia, no entanto com edifícios substancialmente mais baixos (dois pavimentos sobre o piso térreo), alargando os velhos arruamentos (hipótese n.º 3).

Para todas estas alternativas de reconstrução / renovação, Maia explana na primeira parte da sua Dissertação, as principais desvantagens e benefícios que cada solução apresentava, tendo presente a sua previsível evolução futura (Ayres, 1910, p. 25-32). Uma das principais preocupações nesta fase, senão a principal, é a procura de uma morfologia (sistema morfológico) – um desenho – que melhor prevenisse os efeitos que a repetição de uma nova catástrofe pudessem causar, mas no entanto à época “ainda se estava a cerca de quatro meses do desenho e, provavelmente, sem se saber ao certo o que pensava o Poder.” (Rossa, 2008, p. 50).

De forma curiosa, Maia “perante a dificuldade da escolha entre a opção ex nihilo41 e ex novo42, propõe que o móbil da decisão” (Rossa, 2008, p. 50) fosse o da escolha do local de implantação do novo palácio real, pois fora matéria da qual se havia ocupado durante todo o reinado anterior.

Com clara preferência para as duas últimas soluções de reconstrução que propôs, que consistiam numa cidade regular e com arquitectura de programa, Manuel da Maia vê a tomada de decisão do poder recair sobre a quarta proposta. Esta consistia em arrasar toda a cidade baixa, levantando-a com entulhos e escombros, suavizando a pendente para o rio, formando novas ruas com liberdade competente, fosse na largura ou na altura dos edifícios que nunca poderia exceder a largura das ruas.

41 Ex nihilo – locução latina que significa “do nada”. 42 Ex novo – locução latina que significa “do princípio”.

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No entanto é extraordinariamente significativo e importante destacar que, nos parágrafos (§15.º até ao 20.º) da primeira parte da sua Dissertação, Maia ousa ainda vislumbrar a forma urbana geral, do qual viria a sobressair o tabuleiro da nova Baixa; o “desenho urbano e a localização dos principais equipamentos que viriam a ser desenvolvidos e fixados mais tarde (Parte III da Dissertação) por Eugénio dos Santos43 e Carlos Mardel44” (Rossa, 2008, p. 50). Simultaneamente ao desenvolvimento da Dissertação, iniciaram-se no terreno e nos escombros da Baixa, operações preliminares do que viria a ser a sua renovação de acordo com os princípios propostos por Maia, um mês após o terramoto (Rossa, 2008).

Nos dois meses seguintes – por certo em tertúlia técnico-política com diversos intervenientes, mas com dúvidas acerca da radicalidade de intenções do Poder -, Manuel da Maia reflectiu e registou na segunda parte da Dissertação questões essencialmente de ordem fundiária, legislativa, construtiva, financeira, etc., essenciais à decisão sobre o partido do desenho. Fê-lo a par e passo com a discussão dos pontos mais críticos do território em questão e, também, recomendando a adopção de regras de regularidade […]. (Rossa, 2008, p. 51).

43 Eugénio dos Santos e Carvalho - (Alcobaça, 1711 – Lisboa, 1760), arquitecto e engenheiro militar, nasceu em Março de 1711 em Aljubarrota, Alcobaça, no seio de uma família de pedreiros de Mortágua. Após ter concluído a sua formação na “Aula da Fortificação e Arquitectura Militar”, desenvolveu uma carreira brilhante e desempenhou cargos de elevada distinção. Foi oficial do Exército, engenheiro, e, mais tarde, capitão-engenheiro, executor e inspector das Reais Obras de Arquitectura da Corte, arquitecto dos Paços Reais, arquitecto do Senado de Lisboa, arquitecto e medidor da Marinha, director da Casa do Risco, membro da Irmandade de S. Lucas e cavaleiro da Ordem de Cristo. O seu reconhecimento profissional aumentou de forma considerável após o terramoto de 1755, ao tornar-se um dos principais obreiros da reedificação da cidade de Lisboa em estreita colaboração com o diretor das obras, o engenheiro-mor Manuel da Maia, e com o engenheiro húngaro Carlos Mardel. Entre muitas outras obras, Eugénio dos Santos traçou o plano de recuperação da capital, dirigiu, com Carlos Mardel, as obras do Mosteiro de S. Bento da Saúde (actual Assembleia da República), riscou os novos planos dos edifícios da Alfândega, do Arsenal, da Fábrica do Tabaco e da Ribeira das Naus e compôs o anteprojecto da estátua de D. José I a construir no Terreiro do Paço, em Lisboa. Eugénio dos Santos morreu em Lisboa, a 5 de Agosto de 1760 deixando para trás um dos mais importantes contributos de um arquitecto português na cultura e história de Portugal. 44 Carlos Mardel (Pozsony / Bratislava, 1695 – Lisboa, 1763), engenheiro militar de nacionalidade húngara, nascido em 1965 em Pozsony / Bratislava, então no Reino da Hungria, colheu formação em Inglaterra e França tendo chegado a Portugal no ano de 1733. Desempenhou os cargos de arquitecto das Águas Livres, da Real Casa das Obras e do Almoxarifado do Sal em Setúbal. Em 1747, sucedendo a Custódio Vieira, teve a seu cargo o último troço do Aqueduto das Águas Livres, entre o vale de Alcântara e o depósito da Mãe d’Água. D. João V nomeou-o, em 1748, como arquitecto das obras dos Paços Reais da Ribeira de Lisboa, da vila de Sintra, Almeirim e Salvaterra de Magos, do Mosteiro da Batalha, da província do Alentejo e das partes do reino onde não houvesse mestre. Foi também arquitecto das Ordens Militares de S. Tiago e S. Bento de Avis, a partir de 1749, e medidor das obras das fortalezas da barra e do Castelo de S. Jorge. Em 1751, alcançou a patente de coronel-engenheiro. Em Lisboa, após o terramoto de 1755, foi co- responsável, em parceria com Eugénio dos Santos, pelo novo traçado da Baixa e da praça do Rossio, para a qual projectou um Palácio da Inquisição no topo norte, o Arco do Bandeira a centralizar a ala oposta e os edifícios circundantes da praça. Em 1760 sucedeu a Eugénio dos Santos na direção da Casa do Risco das Reais Obras Públicas de Lisboa, dedicada ao ensino da arquitectura. A sua obra mais marcante e complexa foi, no entanto, o Palácio do Marquês de Pombal, em Oeiras, com uma notável articulação entre as fachadas e os jardins, concebidos como espaços arquitetónicos que prolongavam o edifício. A quantidade e diversidade de obras que coordenou e assinou apresentam-no como um artista multifacetado em termos estilísticos e estéticos. Faleceu a 8 de Setembro de 1763, em Lisboa.

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Findas as duas primeiras partes de uma intensa Dissertação, foi na terceira parte da mesma, que Maia assume ter consciência da necessidade de evoluir para o desenvolvimento gráfico (plantas e desenhos) dos ideais até então registados e discutidos, e com grande mestria, introduziu as primeiras quatro plantas desenhadas para reflexão sobre a reconstrução da Baixa. As restantes duas seriam oferecidas em aditamento duas semanas mais tarde.

A terceira parte da Dissertação de Manuel da Maia, surge dois meses após a segunda e serve fundamentalmente para acompanhar as seis plantas (uma desaparecida) da parte baixa da cidade e outros tantos desenhos-tipo (elaborados por Eugénio dos Santos), ainda que dois dos quais tenham também desaparecido, e que definiam todos os aspectos das ruas, desde os pavimentos, alçados e cobertura dos edifícios.

Três das seis plantas, foram elaboradas por equipas de um mestre com um ajudante e são soluções que na sua essência demonstram a evolução a partir da pré-existência segundo uma racionalização gradual do desenho urbano; as restantes três, por sua vez, foram executadas individualmente por cada um dos mestres.

- As quatro primeiras plantas,

[…] representavam diferentes graus de intervenção, a partir da reconstrução quase plena da preexistência ao longo de uma gradual abstracção operada pela geometria. Outro aspecto determinante é o relativo aos diferentes graus de liberdade com relação aos conjuntos religiosos pré-existentes. (Rossa, 2004, p. 27).

- As restantes duas (5.ª e 6.ª),

Só a 19 de Abril foram oferecidas […], mais ousadas, uma das quais a escolhida (e hoje desaparecida), Planta n.º 5, feita sem attenção á conservação dos sítios de templos. A outra, a planta n.º 6, consistia numa solução excessivamente radical, sem attender á conservação dos sítios antigos, assim dando cobertura à preferida que, pese embora a assunção de um traçado inteiramente novo, integrou como estruturantes memórias que também o eram na malha urbana destruída. Tratava-se da aplicação de um princípio caro a Manuel da Maia, o da liberdade competente. (Rossa, 2004, p. 27).

As plantas (Ilustração 84) que acompanham a terceira fase da Dissertação, revelam não só ou apenas, soluções sobre as questões de ordem ideológica e estética que se impunham, mas também as mais audazes e melhores soluções urbanísticas e construtivas com vista ao futuro da cidade. O foco principal será essencialmente feito sobre o espaço público enquanto a arquitectura será, em absoluto, de escala e expressão urbana.

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 119 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Ilustração 84 - Plantas com cinco das seis hipóteses para o traçado urbano da Baixa integrantes do respectivo anteplano, Março/Abril de 1756: 1.ª Pedro Gualter da Fonseca e Francisco Pinheiro da Cunha; 2.ª Elias Sebastião Poppe e José Domingos Poppe; 3.ª Eugénio dos Santos e António Carlos Andreis; 4.ª Pedro Gualter da Fonseca; 5.ª Eugénio dos Santos (desaparecida); 6.ª Elias Sebastião Poppe. (Rossa, 2004, p. 26).

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 120 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Ilustração 85 - Quatro das seis configurações-tipo integrantes no anteplano para a Baixa, 1756. (Rossa, 2004, p. 27).

Curiosamente, em todas as plantas apresentadas (Ilustração 84), o perímetro de intervenção para a reconstrução da cidade incluía já, propostas de resolução face à transição entre a Baixa e o Bairro Alto ao longo do Chiado, “sendo comum aos desenhos a valorização morfológica dada à via que hoje é a Rua Garrett” (Rossa, 2004, p. 25), e os dois acessos (actual Rua do Carmo e Rua Nova do Almada) que, no nó do Espírito Santo (Armazéns do Chiado), a ligam ao Rossio e à zona do destruído paço, actual Praça do Município (Rossa, 2004). “Assim, não só se lograva uma articulação ordenada com o Bairro Alto, também ele de morfologia racionalizada, como se apontava o eixo de expansão” (Rossa, 2004, p. 25).

Relativamente aos planos dos edifícios que viriam a compor o novo desenho urbano da Baixa (Ilustração 85), constatamos que estes eram todos de três pisos segundo pretensão de Maia. No entanto tal intenção viria a ser recusada aceitando-se como padrão a cércea que resultasse da altura final dos edifícios que viessem a configurar a nova praça aberta ao rio (Praça do Comércio) a construir no lugar do antigo Terreiro do Paço. Mais tarde, já após o layout final do Plano estar definido (Ilustração 88), estabelecer-se-ia uma cércea de quatro pisos mais águas-furtadas; facto que uma vez mais não se viria a comprovar com a real situação do edificado da Baixa hoje em dia.

Como já referido e citado, a planta seleccionada para o desenvolvimento da cidade nova viria a ser a n.º 5 da autoria de Eugénio dos Santos. Esse desenho aprovado é simultaneamente o mais ponderado e inovador. No entanto, é-nos impossível saber

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quando ou como foi aprovado, e nem tão pouco nos é permitido saber como era, pois, das seis plantas entregues, foi a única que desapareceu. “O que temos de mais próximo é uma planta em esboço, por diversos indícios claramente anterior à final […]” (Rossa, 2008, p. 53) (Ilustração 86 e 87).

Ilustração 86 - Estudo para a reconstrução da Ilustração 87 - Estudo para a reconstrução da cidade, Eugénio dos Santos. (Rossa cidade, Eugénio dos Santos. (Rossa e Tostões, e Tostões, 2008). 2008).

Manuel da Maia, lamentando não ter condições físicas para ser ele próprio a realizar os desenhos, esclareceu que a definição do programa e método para o apuramento de cada uma das seis soluções desenhadas era sua e que já designara quem iria apurar a planta final e dirigir as obras: Eugénio dos Santos e Carlos Mardel, ambos Engenheiros de Profição [e] na Architectura Civil os primeiros Architectos. (Rossa, 2004, p. 27).

Os engenheiros militares vão trabalhar […] ligados à prática, fazendo projecto e obra com um pragmatismo sem precedentes. A unidade é gerada pela escala urbana que deve dominar sobre a da arquitectura. (Tostões, 2008, p. 173).

De referir que, segundo Maia, era a Eugénio dos Santos, arquitecto do Senado, que competia o desenvolvimento das peças principais do Plano, pois era dele a planta escolhida (Ilustração 86 e 87), assim como os desenhos-tipo (Ilustração 85)45. Todo o processo de reconstrução e detalhe do projecto-Plano da Baixa passou a ser gerido por uma estrutura especialmente concebida para o efeito, a Casa do Risco das Obras

45 Note-se que Carlos Mardel não colaborou em nenhuma das plantas exploratórias, mas, para além de um papel determinante na definição da linguagem arquitectónica dos edifícios da Baixa-Chiado, especialmente no Rossio, seria também ele o principal autor de planos e projectos para a zona de expansão da cidade. Essa zona de expansão cobria a vastíssima área a norte e a poente da cidade até à Linha Fundamental de Fortificação definida aquando da restauração da independência. (Rossa, 2004, p. 27).

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Públicas46. Eugénio dos Santos foi o escolhido para a chefia da mesma, onde esteve até falecer (1760) auxiliado por Carlos Mardel que o substituiria na direcção das obras também até à sua morte (1763).

Os três, o velho Maia, Eugénio dos Santos e Mardel […], mais do que uma equipa, formam com efeito um triângulo de forças convergentes para uma obra comum – a nova Lisboa. (França, 1987, p. 93).

Enquanto toda a agitação de projecto e planeamento decorria, no terreno iam-se apurando “os levantamentos cadastrais, demoliam-se elementos arruinados e edifícios descontextualizados pelos novos desígnios de melhoramento, balizavam-se arruamentos, propriedades e aterros” (Rossa, 2004, p. 27).

“Entre a entrega do aditamento final da Dissertação […] e a promulgação formal do Plano […], decorreram dois anos” (Rossa, 2008, p. 53-54). Muito se realizou, mas do processo desenvolvido pouco de sabe. Como já vimos, o terreno foi preparado e o “tabuleiro da reconstrução” foi formado através de aterros sucessivos, tendo crescido sobre o Tejo quase duplicando a dimensão que o antigo terreiro tinha outrora.

46 Casa do Risco das Obras Públicas foi um gabinete de trabalho que nasceu após o terramoto de 1755 com o intuito de projectar a reconstrução da cidade de Lisboa. Constituído por uma equipa de competentes arquitectos e engenheiros, quase todos com formação militar, dos quais se destacam Eugénio dos Santos e Carvalho, Carlos Mardel, Miguel Ângelo Blasco, José Monteiro de Carvalho, Mateus Vicente, Gualter da Fonseca, Francisco Pinheiro da Cunha, Elias Sebastião Poppe e António Carlos Andreas. O coordenador desta equipa foi Manuel da Maia, ocupando o cargo de engenheiro-mor do Reino, até à sua morte em 1768. Entre Dezembro de 1755 e Abril de 1756, a equipa da Casa do Risco apresentou os resultados do seu trabalho: o levantamento das zonas destruídas e as propostas de reconstrução, que vão desde a edificação fiel do arruinado até à construção de uma cidade inteiramente nova.

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Ilustração 88 - O plano-piloto (com base na planta nº 5) aprovado para a reconstrução da cidade após o terramoto de 1755 – planta de Eugénio dos Santos e Carlos Mardel. (Rossa e Tostões, 2008).

Após um período de decisões e indecisões, o plano de reconstrução da zona baixa da cidade foi finalmente aprovado, a 12 de Maio de 1758 sob decreto47 (praticamente três anos após a catástrofe), tendo as obras sido iniciadas apenas um ano mais tarde.

Um dos aspectos que aqui mais importa destacar com relação à evolução entre o anteprojecto de Abril de 1756 e o plano de Junho de 1758 é o que consiste no considerável aumento da sua área de intervenção. Este último alarga-se a toda a zona central da cidade, tornando bem clara a manutenção da estrutura morfológica de toda a vertente sul-poente da colina do Castelo e do Bairro Alto que, com o rio, se constituem nas balizas da área sujeita a uma integral renovação morfológica do centro. É assim que as áreas do Chiado e de São Paulo surgem, pela primeira vez, integralmente ordenadas em desenho. Daí a insistência […] feita na designação Baixa-Chiado. (Rossa, 2004, p. 30).

Com os instrumentos legais e os desenhos publicados, estava assim concluído o processo de elaboração do plano-piloto, para a reconstrução, e para a renovação do centro da cidade. (Rossa, 2004).

47 O Decreto de 12 de Junho de 1758 é um diploma que mais não é do que uma detalhada memória descritiva do plano para a reconstrução do centro da cidade. Foi também nessa ocasião tornado público o desenho com o novo traçado urbano, no qual haviam trabalhado Eugénio dos Santos e Carlos Mardel, tudo o leva a crer, a partir da proposta que o primeiro desenvolvera dois anos antes. (Rossa, 2004, p. 30).

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Relativamente à nova cidade projectada, vários aspectos estão intimamente relacionados com a memória da cidade antiga. Pese embora toda a racionalidade e regularidade imposta pelo novo plano, este, no entanto, integrou a estrutura e os elementos essenciais da pré-existência destruída. Como veremos, as duas praças emblemáticas, a articulação das três principais ruas norte / sul com a rua paralela ao rio no tardoz da Praça do Comércio, o arquétipo formal e localização dos torreões da praça, etc., são tudo exemplos dessa mesma memória e de tal afirmação.

No que diz respeito ao desenho urbano em si, a melhor forma de o descrever é conduzir a olhá-lo. E é mesmo necessário ver o desenho, pois na sua concretização muito se perdeu e outro tanto de ganhou. (Rossa, 2008, p. 58). (ver Anexo I, Desenho IV/V).

O novo plano urbano da Baixa, no seu carácter distintivo, define-se entre a Praça do Comércio (para sempre, Terreiro do Paço) e o Rossio48, regularizando as duas praças tradicionais e criando entre as mesmas uma malha dinâmica, que é composta por oito ruas no sentido vertical N.-S. (nove, se incluirmos, a nascente do conjunto, a Rua da Madalena que faz a transição com a colina do Castelo; e onze, se por sua vez, a poente do mesmo conjunto, incluirmos a Rua Nova do Almada e a Rua do Carmo, que fazem a transição da Praça do Município e do Rossio na Baixa para a encosta do Chiado), e dez ruas transversais, no sentido E.-O. Das dez ruas que cruzam as verticais, três limitam as duas praças do conjunto, constituindo os seus lados norte e sul, e uma quarta substitui a antiga e importante Rua Nova dos Ferros (Rua Nova d’El Rei à data, hoje em dia Rua do Comércio). É uma malha urbana “comandada por um ritmo variado, animado por notável sentido dinâmico que não será de mais sublinhar.” (França, 1987).

Um dos aspectos que imediatamente realçamos é a forma como no projecto de reconstrução se reinterpretou o essencial da estrutura morfológica da cidade antiga. Mais do que reaproveitar alguns espaços e elementos arquitectónicos pré-existentes, “no seu próprio conceito e desenho o Plano repõe em localização, hierarquia e função as três principais praças: Terreiro do Paço / Praça do Comércio, Rossio e Patriarcal / Município” (Rossa, 2008, p. 59). Por outro lado, a articulação das praças através de três vias principais foi também ela estabelecida, assim como também se manteve a circulação ribeirinha de orientação nascente-poente onde a Rua Nova d’El Rei (memória da antiga Rua Nova dos Mercadores) assume o seu estatuto “com um calibre da ordem

48 A Praça do Comércio (Terreiro do Paço) foi projectada por Eugénio dos Santos, mas o Rossio é obra de Carlos Mardel. O plano da Baixa é assim também atribuído a Carlos Mardel, tendo ficado a Baixa Pombalina com dupla autoria. Após a morte de Eugénio dos Santos em 1760, foi necessário introduzir alterações ao plano, das quais se encarregou o seu sucessor no Senado da Câmara, Mardel.

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das do Ouro, Augusta e Prata. É hoje a Rua do Comércio, “mas no século XIX ainda conservava o velho nome” (Rossa, 2008, p. 59). Por outro lado, a reposição da circulação preferencial e a ligação entre as colinas do Castelo e de S. Francisco foi também assegurada por outra via paralela ao rio, mas esta por sua vez com uma dimensão inferior em relação às outras vias ditas principais. É o seu nome, Rua da Conceição. “O Plano manteve também a localização da Ribeira das Naus e do Arsenal. Tudo feito segundo um processo de racionalização que, pelo menos em desenho, foi levado ao extremo” (Rossa, 2008, p. 59).

Com efeito, do Terreiro do Paço / Praça do Comércio partem três ruas, que são consideradas as «nobres» do conjunto: a Rua Áurea, a Rua Augusta e a Rua Bela da Rainha (actual Rua da Prata), das quais as duas primeiras alcançam a área do Rossio, e a terceira encontraria a fachada lateral do antigo Hospital de Todos-os-Santos, que constituía a lateral nascente do Rossio, que, ao não ser reconstruído, abriu espaço à criação e abertura de uma nova área da cidade (primeiro arruada, e finalmente aberta como praça49 em 1775), onde se veio a instalar, primeiro provisória e depois definitivamente, um mercado (Praça da Figueira). Outras duas ruas, Rua Nova da Princesa (dos Fanqueiros) e a Rua da Madalena, paralelas a este conjunto, seguem a mesma direcção, mas convergem para diferentes pontos que não as duas praças principais: a Rua dos Fanqueiros, alcança também ela, a lateral nascente da Praça da Figueira (onde em Plano se havia previsto reconstruir o Real Hospital) e a Rua da Madalena, partindo da Rua da Alfândega estabelece a ligação com o antigo bairro da Mouraria e a encosta da Colina do Castelo.

Para além destas cinco ruas com idêntico comprimento e direcção, a planta propõe ainda, outras quatro, que intervalam as ruas «nobres» e que perfazem nove (das onze) que anteriormente referimos. São elas a Rua do Crucifixo, a Rua dos Sapateiros, a Rua dos Correeiros e a Rua dos Douradores. Estas três últimas, apesar de chegarem à linha sul do Rossio e da Praça da Figueira, não partem directamente da Praça do Comércio, nascendo sim, três quarteirões acima do mesmo, mais especificamente na Rua da Conceição, que estabelecia (como já referimos) a ligação entre as colinas que ladeavam

49 Em 1775 foi autorizada a abertura de uma outra praça que não fora prevista no Plano, mas bem poderá ter sido desejada ao traçá-lo: a Praça da Figueira. Com efeito, tudo no desenho apontava para a necessidade geométrica e compositiva da sua implantação, mas o facto de ser aquele o local de sempre do grande hospital de Lisboa – o Hospital Real de Todos-os-Santos – levou a que o Plano assim o tivesse contemplado. Contudo, a adaptação do colégio jesuíta de Santo Antão para tal fim acabaria por libertar o espaço, fazendo com que a Baixa passasse a ter quatro e não três praças, que em termos de sistema urbano funcionam como dois pares complementares. (Rossa, 2008, p. 60).

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a planície baixa da cidade, sendo a terceira das três transversais a contar da Praça do Comércio. Destacamos, uma vez mais, a primeira destas três transversais, a contar do terreiro ribeirinho: é a Rua Nova d’El Rei (actual Rua do Comércio), que dividia protagonismo com as ruas consideradas «nobres», pois adoptou, corrigindo geometricamente no alinhamento, a direcção / localização / dimensão e memória, a antiga e importante Rua Nova dos Mercadores (ou dos Ferros). Esta subtil diferença no traçado das ruas, segundo J. A. França, permite activar o ritmo da malha urbana, evitando a sua monotonia, para o qual contribuem as ruas transversais no interior do conjunto urbano, três delas com importância particular pois definem blocos de quarteirão de diferente configuração. Esta variação na largura das ruas50 e na forma / orientação dos quarteirões manifesta um ritmo urbanístico dinâmico que vitaliza a malha urbana. Todo este sistema e preferência dimensional da estrutura viária e consequente espaço público está directamente relacionado com a dimensão dos lotes e resultante dimensão dos edifícios que compõem o conjunto, assunto do qual, por razões óbvias, aqui não nos iremos ocupar.

Todo o génio do traçado de Eugénio dos Santos (e a ele só devido) reside neste acerto complexo, que as duas praças verificam e coroam. (França, 1980, p. 42).

Toda a preocupação com a reinvenção da malha urbana pré-terramoto surge-nos mais clara através do princípio da liberdade competente, imposto por Manuel da Maia, metodologicamente introduzido na elaboração das seis soluções de desenho, “de entre as quais a adoptada foi a quinta nessa progressiva escala de abstracção” (Rossa, 2004, p. 39). Segundo Rossa, o que para o autor é menos conseguido em todo o Plano é a proporção entre a massa edificada e o vazio em cada um dos quarteirões: “mesmo atendendo aos padrões da época, a proporção entre o espaço público, o edificado e o logradouro é absolutamente estranha” (Rossa, 2004, p. 39), com assinalável défice para este último. Por outro lado a altura dos edifícios também excedeu (o que observaremos adiante), por vezes de forma considerável, a que havia sido determinada pelo Plano (se recordarmos que do anteplano para o plano-piloto se aumentou um piso e se instituiu águas furtadas), o que provocou a perda da proporção que tanto preocupara Manuel da Maia na sua Dissertação.

50 Para as ruas principais do conjunto, Rua Áurea – Rua Augusta – Rua da Prata – Rua do Comércio, foi determinada a largura de 60 palmos (13,20 metros); para as ruas secundárias foi determinada a largura de 40 palmos (8,80 metros) enquanto as travessas surgem com a dimensão de 30 palmos (6,60 metros). (Alçada, 2004, p. 252).

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Ilustração 89 - Conjunto urbano da Baixa Pombalina – hierarquia viária. (Rossa, 2004, p. 41).

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Ao analisarmos a planta da Baixa Pombalina podemos concluir que foram estabelecidas duas zonas marcadamente distintas (Ilustração 89) (ver Anexo I – Desenho V). Um dos aspectos mais interessantes do sistema da Baixa é a forma como a hierarquia viária foi levada a uma complexidade incomum. Na área a norte, encabeçada pelo Rossio, os quarteirões são como sempre rectangulares e dispostos no seu maior comprimento ao longo das ruas, oferecendo o seu lado menor às travessas; desenvolvem-se verticalmente numa direcção norte – sul existindo entre eles um conjunto de ruas complementares que alternam entre as principais (eixo fundamental), sendo todas elas intersectadas por travessas (ruas secundárias).

A “linha que separa” as duas zonas é a Rua da Conceição que orienta um atravessamento pelo desenho em quadrícula estabelecendo a ligação entre as duas colinas que flanqueiam o “tabuleiro”. No sentido poente seguimos a calçada de S. Francisco; para nascente a rua segue pela Igreja da Madalena e pela Sé, rumo ao bairro medieval de Alfama.

A sul, dá-se uma inversão morfológica dos quarteirões, que, por sua vez, desenvolvem- se horizontalmente, perpendiculares aos quarteirões a norte da Rua da Conceição, acompanhando e estabelecendo uma ligação de paralelismo com a importante Rua Nova d’El Rei e a fachada norte da nova Praça do Comércio. No entanto, esta subtil alteração na orientação dos quarteirões gerou a secundarização das ruas (Sapateiros, Correeiros e Douradores) inseridas entre os três eixos principais norte-sul (Ouro, Augusta e Prata), acabando as primeiras por dar de topo nos quarteirões implantados entre a (Rua / Travessa da) Conceição e a Rua Nova d’El Rei. Esta condição acabará por levar a que, no caso da Rua dos Sapateiros, “esta também tenha sido formalmente fechada no outro extremo, o que deu origem ao Arco do Bandeira (Ilustração 113) que se encontra a eixo da Praça do Rossio e tinha réplica na renovada fachada da Inquisição” (Rossa, 2008, p. 62).

O ritmo da quadrícula vai acelerando e as ruas secundárias vão desaparecendo. As ruas transversais seguem-se umas às outras, “criando a antecâmara para a apoteose final” (Santos, 2005, p. 86): a praça aberta ao rio.

É notável a composição resultante obtida. Pode afirmar-se que um esquema em quadrícula foi sem dúvida pensado para um sítio específico. (Santos, 2005, p. 86).

Observe-se como ele absorve e incorpora no desenho as antigas memórias […] dos lugares destruídos, as dificuldades topográficas, e aproveita o cenário envolvente que os

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bairros antigos proporcionam, para criar uma realidade urbana nova. (Santos, 2005, p. 86).

A rua do plano da Baixa assumia diferentes estatutos. Esta, era considerada principal, secundária ou travessa conforme a sua importância, função e simbologia. A hierarquia da rua era definida pela largura e pelos seus usos, constituindo assim um elemento fundamental do plano urbano. (França, 1987; Rossa, 2004; Santos, 2005).

A hierarquia das ruas imposta pelo novo plano foi reforçada pela distribuição dos mais variados tipo de comércio ou actividade. Uma última nota sobre o sistema de hierarquização da malha viária é relativa à própria toponímia, para a qual é fundamental ter consciência de que antes de estabilizar, foi alvo de múltiplas alterações ao longo dos tempos. De qualquer das formas, e sempre com excepções, é notória a existência de uma lógica simples subjacente ao sistema: as ruas principais resultam de uma fusão estranha entre as corporações de actividades nobres e invocações da Casa Real (por exemplo, a Rua da Prata surge por vezes como da Rainha, e até a dos Fanqueiros como da Princesa); as ruas intermédias / complementares têm designações relativas às corporações de ofícios / artífices e as travessas às invocações religiosas das igrejas e paróquias.

[…] assim para as ruas principais estabeleceu-se: Rua Nova d’El Rei, a actual Rua do Comércio, para os capelistas, e comerciantes de louças da China e chás; a Rua Áurea destinada aos ourives do ouro; a Rua Augusta, para os comerciantes de lãs e sedas; a Rua Bella da Rainha, hoje a Rua da Prata, para os ourives da prata e livreiros […]. (Santos, 2005, p. 79).

Para as ruas intermédias e para as travessas ficou estabelecida a utilização de nomes que referenciavam corporações de artífices e santos padroeiros de antigas igrejas e capelas, conservando, estas ruas, os seus nomes até hoje. Relativamente aos artífices temos: a Rua dos Fanqueiros (antigamente Rua Nova da Princesa, que apesar do seu nome ligado à realeza, não preservava em si ser considerada principal), a Rua dos Sapateiros, dos Correeiros e dos Douradores. Já as de influência religiosa são: a Rua de S. Julião, S. Nicolau, Vitória, Assunção, Conceição, Santa Justa, Madalena e Crucifixo.

Nomes como o da Rua Áurea (vulgar Rua do Ouro), ou o da Rua da Prata, são os herdeiros directos da Rua dos Ourives do Ouro e dos Ourives da Prata que existiam na baixa da cidade pré-pombalina. A evolução que a cidade adquire com o seu novo plano urbano permite ainda evocar nas três principais ruas da Baixa as antigas épocas de luxo

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e riqueza apresentando-se ao centro do conjunto, a Rua Augusta, o poder supremo e sagrado, coroada junto ao rio por um Arco Triunfal; e num e noutro lado, as ruas Áurea (do Ouro) e da Prata, “metais preciosos que resplandecem!” (Santos, 2005, p. 80).

Não há dúvida de que a antiga Lisboa desapareceu com o terramoto e foi reconstruída segundo um novo Plano, mas a persistência dos nomes dos sítios, das igrejas, dos antigos comércios e artífices, lembra-nos a cada esquina a sua história de séculos e as gerações que por aqui viveram e passaram, olhando para o Tejo. (Santos, 2005, p. 80).

Outra característica relevante alusiva às ruas da nova Baixa (e seus edifícios) é também, o seu conjunto de alçados / fachadas. A fachada torna-se objecto de relevância para o nosso estudo, uma vez que estabelece a relação do edifício com o espaço público. A terceira e última parte da Dissertação de Manuel da Maia, como vimos, era acompanhada por modelos e desenhos de fachada a seguir na reconstrução. Da Casa do Risco saíram centenas de desenhos em alçado para todas as frentes de rua. No fundo, foram desenhados os alçados de todas as ruas para assim se garantir o controlo total da volumetria e expressão arquitectónica dos quarteirões que, “de um ponto de vista urbanístico, se comportam como a unidade arquitectónica de base, não o edifício sobre o lote” (Rossa, 2008, p. 63).

A nova fachada comporta já quatro pisos, o primeiro com janelas sacadas em continuidade, os segundo e terceiro com janelas «de peitoril», o quarto, de águas furtadas em colocação irregular; um rés-do-chão de lojas acompanha o mesmo ritmo dos vãos. Destinado às «ruas principais» da «Lisboa baixa», este modelo determinaria outros dois, aplicados a ruas de menor importância na mesma zona. (França, 1989, p. 39).

Segundo J. A. França, as fachadas dos edifícios da Baixa podiam ser classificadas em três tipos, dentro de uma tipologia constante, que o mesmo designaria por A, B e C. A estrutura destas fachadas e o seu esquema de composição é idêntico, no entanto são os pormenores ao nível dos vãos e da cantaria que variam, e que importa considerar pois traduzem uma hierarquia em uniformidade com a hierarquia das próprias ruas.

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Ilustração 90 - Fachada Tipo A. (França, 1987). Ilustração 91 - Fachada Tipo B. (Santos, 2005).

Ilustração 92 - Fachada Tipo C. (Santos, 2005).

A fachada tipo A (Ilustração 90), era destinada às ruas principais; as vergas de cantaria das janelas de sacada e de peito são recortadas, e as do terceiro piso ornadas com um pequeno fecho ligado a uma cornija; aletas decoram as águas-furtadas. Na fachada tipo B (que se encontra, por exemplo, na Rua dos Fanqueiros e na Rua da Madalena) (Ilustração 91), as vergas já não são recortadas, o fecho desaparece no terceiro piso (mantendo-se a cornija) assim como desaparecem as aletas das águas-furtadas). Na fachada tipo C (destinada às vias estreitas e travessas) (Ilustração 92), as janelas de sacada do primeiro piso desaparecem dando lugar a janelas de peito, as cantarias das

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janelas assumem uma forma rectangular simples, e desaparece ainda o arco das janelas do terceiro piso; as águas-furtadas são idênticas às da fachada tipo B.

Além destas diferenças, a hierarquia das fachadas hoje em dia na Baixa não é assim tão linear. Outras opções foram sendo tomadas nos desenhos dos vãos, o que faz com que hoje, na Baixa, tenhamos ruas heterogéneas no que a sua fachada diz respeito (Rua dos Sapateiros, por exemplo). Noutras ruas da Baixa, maioritariamente transversais, podemos encontrar formas híbridas, provenientes da sobreposição dos tipos B e C, com prédios do primeiro tipo, mas sem janelas de sacada. É o caso da Rua de Sta. Justa (Ilustração 93).

A padronização dos novos edifícios em conformidade com a harmonia que se pretendia dar às ruas era bem clara. No entanto já lográmos concluir que com o evoluir do processo, surgiu mais um piso e águas-furtadas; com o tempo, também essa condição seria excedida e os alçados concretizados com múltiplas alterações. Porém, nem tudo fugiu às determinações de Manuel da Maia, e à excepção da Praça do Comércio, não existem arcarias nas ruas da Baixa. Aliás, em tudo, a arquitectura da Praça do Comércio é uma excepção, facto que comprovaremos mais adiante.

O rigor tipológico que se pretendia impor perde assim alguma da sua força e o que contribuiu para isso não podemos afirmar com convicção. Quiçá o facto de a reconstrução da Baixa ter levado bastante tempo a estar concluída, tenha feito com que assim acontecesse.

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Ilustração 93 - Exemplo de fachadas no cruzamento da Rua Ilustração 94 - Exemplo de fachadas na Rua do Comércio Augusta com a Rua de Sta. Justa (fachada tipo A e tipo C). (fachada tipo A). (Ilustração nossa, 2018). (Ilustração nossa, 2018)

Ilustração 95 - Rua da Conceição sentido poente (fachadas Ilustração 96 - Rua da Conceição sentido nascente (fachadas mistas A, B, C). (Ilustração nossa, 2018). mistas A, B, C). (Ilustração nossa, 2018).

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Ilustração 97 - Exemplo de fachada da Rua Ilustração 98 - Exemplo de fachada na Rua Augusta (fachada tipo A). (Ilustração dos Sapateiros (fachada tipo C). (Ilustração nossa, 2018). nossa, 2018).

Ilustração 99 - Exemplo de fachada na Rua da Ilustração 100 - Exemplo de fachada no cruzamento da Rua dos Madalena (fachada tipo B). (Ilustração nossa, 2018). Fanqueiros com a Rua de S. Julião (fachada tipo B e tipo C). (Ilustração nossa, 2018).

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Tão ou mais importante que o elemento rua, na análise do plano urbano da Baixa, é também o elemento praça. Como salientámos anteriormente, a Baixa define-se entre o Rossio / Praça D. Pedro IV e o Terreiro do Paço / Praça do Comércio. As duas praças, tão distintas na sua génese e na sua morfologia, eram outrora dois dos principais ícones da cidade e assumem o mesmo estatuto no seu novo plano urbano.

O antigo Terreiro do Paço (baptizado Praça do Comércio, numa clara intenção política) é um admirável palco aberto ao Tejo que enobrece todo o plano da reconstrução. As suas arcadas regulares, um arco de triunfo, erguido a eixo da face norte da praça, e, uma estátua equestre51 do rei D. José levantada no centro desta, “formulam uma «Place Royale» de gosto internacional que o nome imposto contraria, sociologicamente” (França, 1980, p. 42).

Ilustração 101 - Antevisão da Praça do Comércio, segunda metade do século XVIII. (Rossa e Tostões, 2008).

A (Real) Praça do Comércio é, em tudo, a expressão vitoriosa do processo de renovação de Lisboa proporcionada pelo Terramoto. O velho Terreiro do Paço, já originalmente ganho em aterro ao rio, quase foi duplicado com o entulho da catástrofe e regularizado em simetria. […] Dali saiu o Paço, mas confirmou-se e reafirmou-se no local o Poder, quer nas funções, quer na estátua que a tonifica em praça real, pese embora do Comércio e não do rei. […] Numa primeira versão o icónico torreão primitivo seria para

51 A estátua equestre de D. José I, na Praça do Comércio, em Lisboa, é da autoria do escultor Joaquim Machado de Castro. É uma obra escultória notável: trata-se da primeira estátua equestre realizada em Portugal, tendo sido também, o primeiro monumento escultórico na via pública dedicado a uma pessoa viva.

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recuperar […]. Acabou chegado à frente e duplicado em espelho, cujo eixo é o do Plano. (Rossa, 2008, p. 59).

Como sempre, a cidade desenvolvia-se e constituía-se por trás. Ao contrário do que hoje sucede, a aproximação à praça pela sua frente não era feita de outro modo a não ser de barco. Aberta exclusivamente ao rio, “a praça mantinha-se majestaticamente fora de tráfego alheio, exclusivamente aberta ao Império, abraçando o Mundo” (Rossa, 2008, p. 59-60).

A monumentalidade da Praça do Comércio é essencialmente garantida pela qualidade rítmica do seu conjunto. Composta por elementos arquitectónicos simples, arcos que se multiplicam nas três faces dos edifícios contínuos, em galerias mais ou menos profundas, são as linhas que definem a arquitectura de Eugénio dos Santos – que conclui com dois torreões, na ala poente e nascente, que avançam para o rio, recordando o traço italiano de Terzi, que fora ali mesmo afirmado, século e meio antes.

Ilustração 102 - Eugénio dos Santos, “Real Praça do Comercio e mostra parte do edifício da Alfândega e do Arsenal de Marinha”, c. 1759. (Rossa e Tostões, 2008).

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Ilustração 103 - Estátua equestre de D. José I, prospecto de Ilustração 104 - Estátua equestre de D. José I, Eugénio dos Santos. (Rossa e Tostões, 2008). prospecto de Eugénio. dos Santos (Rossa e Tostões, 2008).

Ilustração 105 - Lado norte da Praça do Comércio, Arco de Triunfo – desenho de Eugénio dos Santos. (Rossa e Tostões, 2008).

Ilustração 106 - Praça do Comércio, 1876. (Santos, 2005). Ilustração 107 - Praça do Comércio, 2019. (Lisboa. Câmara Municipal, 2019i)

Na nova praça, os comerciantes da capital foram autorizados a edificar uma bolsa de comércio, que anteriormente se reunia nas arcadas da antiga Rua Nova dos Ferros. Desse facto, surge com certeza o novo topónimo do local: Praça do Comércio.

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Novo centro oficial da capital e do governo do País, […] a Praça do Comércio constitui a expressão mais original do magno empreendimento da Reconstrução: nela o espírito pombalino tem a tradução simbólica que lhe convém, digna e prática e justificada pelo próprio nome que necessariamente lhe foi atribuído. (França, 1989, p. 35).

Se ousarmos estabelecer um registo de comparação ou uma ideia arquitectónica convergente, em nota de curiosidade poderemos concluir que a Praça do Comércio em termos de conjunto arquitectónico em muito se assemelha à Plaza Mayor de Madrid, espaço singular no coração da capital espanhola, concluída na primeira metade do séc. XVII. As arcadas, os pórticos, a estátua equestre ao centro, são todos eles elementos presentes em ambas as praças.

Ilustração 108 - Plaza Mayor, Madrid. (McCaffrey, 2018). Ilustração 109 - Praça do Comércio. (Ilustração nossa, 2019).

Enquanto novo fórum de Lisboa, a Praça do Comércio passou a absorver, em parte, o papel social do Rossio, antigo fórum de Lisboa e o seu centro cívico. No entanto este, não deixou de ter a sua importância. À monumentalidade da Praça do Comércio respondia o arranjo do Rossio como local de habitação mais cuidada, projecto de Carlos Mardel.

A Praça do Rossio, uma rigorosa metade geométrica da Praça do Comércio, é um caso notável de persistência de uma matriz urbana. O novo desenho saído da Casa do Risco tornou-a absolutamente regular e simétrica, segundo um esquema rítmico de fachadas e coberturas inexistente em qualquer outra parte do Plano […]. Em boa medida essa regularidade, já hoje não se verifica […]. A traça original dos elementos arquitectónicos da praça dever-se-á a Carlos Mardel, mas o projecto de execução é um pouco mais tardio e da mão de Reinaldo Manuel dos Santos. (Rossa, 2008, p. 61-62).

O velho recinto medieval, uma zona que fora sucessivamente ocupada e enriquecida pelo palácio da Inquisição, o convento dos Dominicanos e o Real Hospital de Todos-os- Santos, depois do terramoto, foi regularizado em metade da área da Praça do Comércio,

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pela planta de Eugénio dos Santos, que continuava a prever, na sua face nascente o convento e o hospital.

O princípio do novo Rossio era simples: respeitava-se a superfície da antiga praça, regularizando-a, tornando os seus lados nascente e poente alinhados com as ruas (Rua Áurea e Rua Augusta) que a ligariam à Praça do Comércio (Ilustração 89).

Ilustração 110 - Praça do Rossio na planta de Eugénio dos Santos. ([Adaptado a partir de:] (Rossa e Tostões, 2008).

No entanto, a não reconstrução tanto do hospital como do convento, deu lugar a edifícios de habitação, privilegiados, com comércio no piso inferior. Três fachadas (sul, nascente e poente) de edifícios de três andares mais águas-furtadas completam-se com a fachada norte da praça, onde foi reconstruído o Palácio da Inquisição (Ilustração 112) que a assumia regularmente, no preciso local do antigo Palácio dos Estaos destruído.

Ilustração 111 - Carlos Mardel, “Ellevação e plano de hum lado da Praca do Rocio.”. (Rossa e Tostões, 2008).

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Ilustração 112 - “Prospecto do edifício da Inquisição na Praça do Rossio.”. (Rossa e Tostões, 2008).

Mais tarde, a fachada sul da praça é também ela modificada de modo a reproduzir o corpo central do palácio da Inquisição, com o seu portal - Arco do Bandeira (projecto de Mardel e execução de Reinaldo Manuel dos Santos52), garantindo assim a comunicação entre a Rua dos Sapateiros e o Rossio.

Ilustração 113 - Arco do Bandeira, Rossio. Ilustração 114 - “Prospecto no lado meridional da Praça do Rocio.”, Arco do (Ilustração nossa, 2018). Bandeira. (Rossa e Tostões, 2008).

52 Reinaldo Manuel dos Santos (1731 - 1791) foi um arquitecto e engenheiro militar. Foi aprendiz de canteiro nas obras de Mafra. Colaborou depois com Machado de Castro na estátua equestre de D. José I levantada na Praça do Comércio. Fez os projectos das novas igrejas dos Mártires e de S. Nicolau, do Chafariz das Janelas Verdes e do Passeio Público, que desapareceu na segunda metade do século XIX, para abertura da . No reinado de D. Maria I, levou a cabo a construção da Basílica da , tendo alterado o projecto primitivo, o que proporcionou maior grandiosidade à obra.

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Ilustração 115 - Fachada tipo do edificado do Rossio, Carlos Mardel. ([Adaptado a partir de:] Rossa e Tostões, 2008).

Ilustração 116 - Praça do Rossio, 1876. (Santos, 2005). Ilustração 117 - Praça do Rossio, 2019. (Lisboa. Câmara Municipal, 2019i).

Os edifícios do Rossio (Ilustração 115) possuem dois pormenores que os diferenciam do restante conjunto da Baixa e que chamam a nossa atenção: em primeiro o ritmo das janelas do primeiro andar, que insere módulos de sacada entre duas janelas de peito; o segundo pormenor distintivo são os telhados de águas sobrepostas, supostamente introduzidos em Lisboa por Carlos Mardel, e que segundo J. A. França “imprimem uma maior complexidade arquitectónica e uma maior riqueza visual ao Rossio” (França, 1989, p. 37).

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Na imediata vizinhança do Rossio realizar-se-ia, no século seguinte, a abertura de um mercado (Praça da Figueira), atrás do seu lado nascente, em terrenos onde não seria reconstruído o antigo hospital, e onde fora posta de parte a intenção de levantar neles quarteirões de edifícios de rendimento.

Se em jeito de exercício, como anteriormente realizámos para a Praça do Comércio, ousarmos uma vez mais, estabelecer um registo de comparação ou uma ideia arquitectónica convergente, em nota de curiosidade poderemos também desta feita concluir que o Rossio em termos de conjunto espacial e arquitectónico em muito se assemelha à Piazza Navona, em Roma, que mais adiante compararemos.

Por último e não menos importante, a mais pequena praça do conjunto perspectivado no Plano de 1758, é a Praça do Município que fora prevista no antigo local da Patriarcal, construída no reinado de D. João V.

Ilustração 118 - Praça do Município assinalada a cor no plano-piloto (com base na planta nº 5) aprovado para a reconstrução da cidade após o terramoto de 1755 – planta de Eugénio dos Santos e Carlos Mardel. ([Adaptado a partir de:] Rossa e Tostões, 2008).

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A actual Praça do Município acaba por ser, factualmente, um complemento morfológico e funcional da Praça do Comércio, “cumprindo também a função de rótula entre a circulação marginal de poente com a Rua do Comércio” (Rossa, 2008, p. 60). O edifício projectado para o Senado da Câmara53, futuro Paços do Concelho, figura de proa da praça, foi concebido como uma extensão a poente do conjunto da Praça do Comércio.

Note-se ainda como no Plano o desenho urbano para os limites norte e poente se mantinha o essencial da calçada (calçada de S. Francisco) em rampa que acedia à colina com o mesmo nome. A calçada foi mantida, mas recebeu entre ela e a praça um conjunto edificado que transformou a praça simétrica em relação aos eixos perpendiculares definidos pelos acessos principais ao Senado e ao Arsenal. (Rossa, 2008, p. 60) (Ilustração 119).

Ilustração 119 - Praça do Município, 2019. (Lisboa. Câmara Municipal, 2019i).

53 O edifício original do Senado da Câmara ardeu em 1863, tendo então sido substituído pelo actual, que deixou uma rua-travessa entre ele e o edifício da Praça do Comércio ao qual o anterior se ligava. (Rossa, 2008, p. 60).

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Ilustração 120 - “Prospecto do Edifício do Senado da Câmara na Rua Direita do Arsenal”, c. 1760. (Rossa e Tostões, 2008).

Ilustração 121 - Praça do Município assinalada a cor no plano- Ilustração 122 - Paços do Concelho antes do incêndio de 19 de piloto. ([Adaptado a partir de:] Rossa e Tostões, 2008). Novembro de 1863. (Rossa e Tostões, 2008).

Relativamente à rede eclesial e às igrejas da Baixa propriamente ditas, também se verifica um interessante programa de reordenamento. As igrejas são um aspecto marcante do Plano, talvez também acentuado pelo episódio ou quase mítica ideia (ou não) de que Eugénio dos Santos, no seu leito de morte, temeu ser castigado por tantas ter suprimido (cerca de metade dos templos pré-existentes), mas,

[…] isso não ficou a dever-se ao seu arbítrio e, por outro, essa supressão disse essencialmente respeito a pequenas capelas e ermidas, mantendo-se os principais conventos e evocações. O que a esse respeito se revela determinante no plano é a integração na disciplina urbanística global, não permitindo a individualização volumétrica ao nível da percepção de rua54. (Rossa, 2004, p. 39).

54 É muito interessante o jogo feito para o reaproveitamento de elementos arquitectónicos qualificados, aplicando-se portais em locais diversos da origem (Patriarcal / São Domingos, Misericórdia / Conceição Velha), convertendo uma capela lateral de um templo destruído em capela-mor de um feito de raiz (Conceição Velha), adoptando uma fachada falsa no Rossio para integrar as estruturas funcionais do edifício da Inquisição, etc. Mais interessante é o caso do Convento do Corpus Christi, no ponto onde a Rua dos Fanqueiros abre num tímido largo de cunhais chanfrados […]. (Rossa, 2004, p. 39).

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Para além da efectiva diminuição do número de igrejas e templos – quase apenas restaram as sedes de freguesia / paróquia –, a tradicional implantação em localização isolada comprometia os princípios da regularidade do Plano, nomeadamente no que dissesse respeito à existência, distribuição e expressão dos espaços públicos em redor e à hierarquia do edificado. A solução encontrada para este problema foi proceder à inserção das igrejas nos quarteirões do sistema urbano, escamoteando a sua forma e volumetria, à excepção do alçado principal. No entanto, era admitido um ligeiro recuo do plano de fachada de forma a insinuar pequenos largos / adros (caso da Igreja dos Mártires e da Igreja do Sacramento, ambas na zona do Chiado, e da Igreja de S. Nicolau na Baixa). Obviamente, que a opção por este tipo de intervenção, deu origem a um novo tipo de igreja, pois foi necessário resolver novos problemas, como por exemplo, a entrada de luz natural, os acessos e as circulações internas. (Rossa, 2004, 2008).

Ilustração 123 - “Prospecto da Igreja de São Julião na frente da Rua Nova de El Rey.”. (Rossa e Tostões, 2008).

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Ilustração 124 - “Planta da Parochial Igreja de S. Nicolau.”. (Rossa e Tostões, 2008).

Ilustração 125 - Arquitectura religiosa na Baixa Pombalina. (Silva, 2004, p. 115).

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Ilustração 126 - A Baixa de Lisboa pré-terramoto e o seu espaço Ilustração 127 - A Baixa de Lisboa pós-terramoto e o seu espaço público demarcado a cinza, em 1650. (Ilustração nossa, 2019). público demarcado a cinza, plano 1758. (Ilustração nossa, 2019).

Na ilustração 126 / 127 é-nos possível estabelecer uma comparação entre o que era o espaço público e a forma urbana da zona baixa de Lisboa em 1650, pré terramoto, e a sua evolução face à catástrofe e à implantação do novo plano urbano de 1758. É factual a enorme transformação urbana que ocorreu, mas é também evidente a permanência dos principais espaços da cidade antiga no novo plano (Ilustração 126 / 127).

O emaranhado de ruas, ruelas e becos da cidade antiga dá lugar à ortogonalidade racionalizada do novo plano, mas as duas praças da cidade, Rossio e Terreiro do Paço correspondem na prática à sua antiga localização; assim como a zona da Ribeira Velha (Campo das Cebolas) a oriente do antigo terreiro. A novidade que mais sobressai (na ilustração 127 / 129) é uma nova praça na nova malha urbana, que corresponde à actual Praça do Município que se abre no antigo lugar da Igreja Patriarcal.

Outro facto evidente na transformação do centro da cidade pós-terramoto prende-se com a transição entre o tabuleiro da Baixa e a encosta do Castelo e a malha pré- existente. Se no plano piloto de 1758, são projectadas e planeadas transversais que visam estabelecer a ligação poente – nascente, na transição entre a Baixa e a encosta da colina do Castelo, verificamos que, à excepção da Rua da Conceição que perfaz a ligação entre a calçada de S. Francisco e o Largo da Igreja da Madalena (Ilustração 129), estas vias não se ligam à restante malha o que demonstra que esta transição é

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pouco clara e até deficitária. Não obstante todo o rigor e obra dos engenheiros e arquitectos pombalinos é evidente a segregação desta área da cidade em relação à colina oposta (S. Francisco), o que se traduz numa impermeabilidade evidente da Rua da Madalena face à malha medieval oriental da encosta do Castelo.

Ilustração 128 – A transição entre o plano da Baixa e a malha Ilustração 129 - A transição entre o plano da Baixa e a malha pré- pré-existente da colina do Castelo. ([Adaptado a partir de:] Rossa existente da colina do Castelo. ([Adaptado a partir de:] Santos, e Tostões, 2008). 2005).

Deste modo finalizamos a descrição do plano para a reconstrução da Baixa – que resultou ligeiramente extensa, no entanto, não exaustiva –, acreditando termos sido capazes de demonstrar as principais virtudes do plano de reconstrução, os seus princípios base, e a sua complexidade conceptual e metodológica. Permite-nos principalmente entender que este Plano de 1758 tem tanto de novo quanto de memória, o que foi também extraordinário para a época.

Na própria história da cidade, a empresa pombalina, na sua brutal operação cirúrgica, marca uma etapa fundamental, separando duas Lisboas – a medieval […] e a moderna, que o séc. XIX desenvolverá. (França, 1980, p. 50).

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3.6. DO PLANO DE 1755-1758 AO SÉC. XXI…

Ilustração 130 - O plano-piloto de 1758. (Rossa e Tostões, 2008).

Ilustração 131 - A Baixa Pombalina, 2018. (Lisboa. Câmara Municipal, 2019i).

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Os dois séculos e meio (mais precisamente duzentos e sessenta e um anos) que este subcapítulo se propõe percorrer, entre a segunda metade do séc. XVIII e as duas primeiras décadas do séc. XXI, é de certo modo determinante para o entendimento e compreensão do que foi o desenvolvimento do plano pombalino para a reconstrução / renovação de Lisboa (no que à temática de espaço público diz respeito), e as metamorfoses e desvios que o mesmo sofrera ao longo dos tempos e que de sobremaneira caracteriza a zona da Baixa e o seu espaço público.

Citando e parafraseando Raquel Henriques da Silva (Silva, 2008), numa breve nota introdutória, ainda relativamente à destruição do centro de Lisboa depois do Terramoto de 1775, a autora afirma que vale a pena determo-nos, momentaneamente, num ponto de reflexão e tirar dele todas as ilações:

[…] o Terramoto provocou imensos estragos em Lisboa, multiplicados exponencialmente pelo violento incêndio a que deu origem, mas não é a ele que devemos o desaparecimento do centro da capital do Reino, antes à decisão – despótica, utópica e progressista55 - de arrasar o muito que estava de pé56 para fazer dele o chão pragmático de uma cidade quase literalmente nova, em termos físicos e simbólicos. (Silva, 2008, p. 131).

Com efeito, é ao estudo desta cidade nova que herdámos e à evolução do seu espaço público, que de seguida nos debruçaremos e no qual o conceito de projecto e metamorfose mais incide, comparativamente a uma cidade histórica e preponderante que permanecerá para sempre em memória e no passado.

Mas nada alterará a extraordinária realidade: a nova Lisboa, delineada com rara qualidade urbana, foi gerada sobre a perda dramática, mas voluntária de tantos séculos da sua existência anterior. (Silva, 2008, p. 132).

55 Raquel Henriques da Silva utiliza a designação “progressista” no sentido que lhe atribuiu Françoise Choay (1965) na sua obra L’Urbanisme, Utopies et Réalités, Paris: Éditions du Seuil, 1965. No entanto, o plano de Eugénio dos Santos, segundo Silva, não cumpre em todos os aspectos o que a historiadora caracteriza de “pré-urbanismo progressista”. Falta-lhe, nomeadamente, a separação das funções de “habitar, descansar, trabalhar”. Por isso, Raquel H. da Silva considera que seria um desafio interessante aplicar ao Plano da reconstrução de Lisboa os príncipios do “urbanismo de regulação que Choay restringe ao séc. XIX. (Silva, 2008, p. 165). 56 José-Augusto França foi quem primeiro abordou esta questão, afirmando que “a reedificação da Baixa começava […] – a partir do zero. Os bairros baixos da cidade tinham sido arrasados, sofrendo um outro tremor de terra, artificial, provocado pelas cargas de pólvora que o sargento-mor José Monteiro de Carvalho tinha feito explodir, por todo o lado, com uma firmeza que lhe valeu várias críticas e a alcunha de o ‘Bota- Abaixo’” (França, 1987).

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3.6.1. SÉC. XVIII: LISBOA POMBALINA

No período “pombalino57” propriamente dito, a reconstrução da cidade concentrou-se fundamentalmente na Rua Augusta (parte dela essencialmente financiada pelo Estado e posteriormente vendida aos proprietários) e nos quarteirões mais próximos da nova Praça do Comércio. Durante o reinado de D. Maria I (1777 – 1816) ter-se-á realizado a maior parte da reconstrução, enquanto que, após 1808 (com a transferência da Corte Portuguesa para o Brasil aquando da primeira invasão francesa a Portugal), a reconstrução expandiu-se sobretudo para as áreas periféricas do Plano.

De acordo com o artigo “A Décima da Cidade: contributo para a datação do edificado da Baixa” (Reis, Simões e Rodrigues, 2004), até ao afastamento do marquês de Pombal em 1777 por ordem de D. Maria I, 46% da Baixa tinha sido edificada; desde essa data até à ida da corte para o Brasil em 1807, mais 50% fora construído perfazendo 96% da totalidade. Os restantes 4% do conjunto foram construídos de 1807 até 1834. No lado norte do Terreiro do Paço / Praça do Comércio, os quarteirões tiveram uma edificação mais intensa nas décadas de 1760 - 1770, o que por exemplo não se verificou de forma tão significativa no lado sul do Rossio (Praça D. Pedro IV), onde os quarteirões do mesmo mostram sucessivas fases de construção que se prologam até ao séc. XIX.

Os trabalhos de reconstrução consolidaram-se, nos primeiros anos, essencialmente na Praça do Comércio, o elemento mais importante do Plano. Segundo Isabel Mayer Godinho Mendonça (Mendonça, 2004), é possível de certo modo confirmar que o processo das obras se iniciou pelo conjunto do Arsenal da Marinha, a poente da praça e consequentemente foi prosseguindo para nascente até aos edifícios da Alfândega. Com efeito, também em relação às ruas do conjunto, destaca-se pela rapidez da sua construção a Rua Augusta, que como já vimos, beneficiou de algumas medidas legislativas por parte de Pombal58. A propósito das restantes ruas, por sua vez, verificamos que a evolução destas não se cumpriu logicamente, “mas a favor das necessidades e de circunstâncias ocasionais” (França, 1987, p. 145). J. B. F. Carrère, viajante francês, relata e atesta também esta realidade em 1796, ao afirmar que as construções em muitas ruas da Baixa não estariam ainda todas concluídas, uma vez que a maior parte das ruas possuíam, à data, grandes espaços vazios e existiriam até

57 Entenda-se por pombalino, o período em que Sebastião José de Carvalho e Melo, marquês de Pombal, esteve à frente dos destinos da cidade até à sua demissão em 1777. 58 O decreto de 6 de Março de 1769, procurou salvaguardar a edificação da Rua Augusta em primeiro lugar em relação ao resto do conjunto. (Reis, Simões e Rodrigues, 2004, p. 62).

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ruas onde só se havia construído um dos lados59. Em 1834 existem ainda “vazios” para os quais não existe qualquer referência, o que nos leva a supor que não estariam ainda edificados. (Reis, Simões e Rodrigues, 2004).

Todo este processo foi continuamente gerido pela Casa do Risco, onde, após falecimento tanto de Eugénio dos Santos como de Carlos Mardel, sucederam-lhes Miguel Ângelo Blasco (1763 - 1770), Reinaldo Manuel dos Santos (1770 - 1791) e Manuel Caetano de Sousa (1792 – 1802). Ainda durante o processo de reconstrução, e sobretudo a partir de 1780, o acrescento de mais um piso sobre a cornija dos edifícios foi autorizado, o que veio a alterar as tipologias estipuladas inicialmente, o que deu origem a outras modificações na volumetria e composição dos alçados. Em 1808, foi decretado o encerramento do Gabinete de Reinspecção do Plano que controlava a gestão do plano da Baixa; mas, no entanto, o conjunto já estava praticamente todo ocupado, tendo-se apenas prolongado a construção das igrejas.

Tendo em conta o volume de construção, pode afirmar-se que durante o governo pombalino se fez tanto como nos trinta anos seguintes, encontrando-se a Baixa já quase totalmente edificada aquando da primeira invasão francesa. Uma das consequências do afastamento do marquês de Pombal, e da sua substituição pelo marquês de Angeja60, foi o abrandamento do ritmo da construção na Baixa Pombalina, sobretudo na Praça do Comércio, sendo verdade que outras frentes então se intensificaram, como a do Chiado. Estes factos podem justificar a edificação tardia do quarteirão que esquina, do lado oriental, a Rua Augusta com o Terreiro do Paço, e que surge apenas em 180561. (Reis, Simões e Rodrigues, 2004, p. 62). (ver ilustração 133).

A datação da Baixa Pombalina tem constituído um ponto de reflexão pouco conclusivo. Partindo da análise de cartografia da época, as conclusões podem ficar comprometidas por esta se referir, muito frequentemente, a planos ideais que raras vezes encontravam correspondência directa no terreno. […] A Décima da Cidade, acervo documental fruto do registo sistemático de um imposto, resulta involuntariamente, pela natureza dos

59 J. B. F. Carrère – O Panorama de Lisboa em 1796 (Carrère, 1989). 60 D. Pedro José de Noronha Camões de Albuquerque Moniz e Sousa (1716 – 1788), 4.º conde de Vila Verde e 3.º marquês de Angeja, nasceu a 17 de Agosto de 1716 e faleceu a 11 de Março de 1788. Era contrário ao governo do marquês de Pombal, e atravessou aquela época com tanta dissimulação, que o grande estadista confessava ser ele, entre todos os membros da nobreza, um dos únicos homens em cujos pensamentos e intenções nunca pudera penetrar. Depois da queda do grande ministro do rei D. José I, o marquês de Angeja, favorecido pela intimidade do infante D. Pedro, pela fraqueza da rainha, e pela fama de erudito que alcançara, foi escolhido para presidente do Real Erário quando se formou o novo gabinete. Falta de experiência na difícil arte de governor parece ter presidido aos seus actos como ministro, a única ideia de uma completa reacção contra o governo do seu antecessor, porque uma das primeiras medidas que adoptou, foi mandar suspender as obras começadas pelo marquês de Pombal para a reconstrução de Lisboa, que o terramoto de 1755 havia reduzido a um monte de ruínas. O povo, vendo isto, dizia então, resumindo nesta frase o juízo que formava do novo governo, a cuja frente estava o marquês de Angeja: "mal por mal antes Pombal". 61 A Décima não faz referência a edifícios públicos, contudo os quarteirões do topo norte do Terreiro do Paço / Praça do Comércio, do lado da Rua do Comércio, são propriedade de particulares e é possível atribuir-lhes datação segura, o que permite também datar aproximadamente o restante quarteirão. (Reis, Simões e Rodrigues, 2004, p. 65).

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dados que contém, numa espécie de inventário do que se foi edificando. Esta quantificação permite concluir que o período do governo de Pombal foi o mais dinâmico, com um forte impulso construtivo. Após a sua saída os trabalhos continuaram mais lentamente, arrastando-se pelo século XIX. Estes factos encontram a sua explicação na conjuntura social, política e económica do país entre o governo pombalino e a implantação do liberalismo. (Reis, Simões e Rodrigues, 2004, p. 63-64).

Ilustração 132 - Datação da reconstrução da Baixa Pombalina (1762-1834). (Reis, Simões e Rodrigues, 2004, p. 59).

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Ilustração 133 - Inventário do Património Arquitectónico: conjunto urbano da Baixa Pombalina – ritmos construtivos (1762-1834). (Reis, Simões e Rodrigues, 2004, p. 63).

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Na realidade da cidade pombalina, no ano de 1764 surgiu uma realização da maior importância urbana para a cidade: o «Passeio Público», alameda ajardinada e cercada à saída da cidade, foi o primeiro logradouro burguês que convidava a novos hábitos de merecido ócio, em certa medida, contra o Rossio popular. O «Passeio Público» aberto a norte do Rossio, fora dos limites da cidade velha e em terras de hortas que se estendiam pelo Valverde, foi obra e traçado do arquitecto Reinaldo Manuel dos Santos, que o rodeou de muros como uma quinta se tratasse. Composto por uma alameda de cerca de trezentos metros de comprimento, plantada de freixos e enterrada no fundo de um vale, tinha a pretensão de ser frequentada pela burguesia citadina. No entanto,

[…] numa cidade ainda traumatizada pela catástrofe que a vitimara, e onde a classe média não tinha o costume de espairecer, e ainda menos no seu elemento feminino, sempre recolhido em casa, o «Passeio» não pôde, porém, vingar ― o que só veremos acontecer daí a três gerações…[…] (França, 1980, p. 48).

O significado do «Passeio Público» no programa da nova cidade não deve, no entanto, escapar-nos. Logradouro condicionado (e entalado, como se observava, entre as forcas da Praça da Alegria e a Inquisição do Rossio…), ele oferecia timidamente um contraponto ao sistema racional do pombalismo, como se apresentasse, no quadro do seu Iluminismo, a face da natureza que nele paradoxalmente se integrava, em possível anúncio romântico. (França, 1989, p. 38).

Ilustração 134 - O portão sul do Passeio Público, visto da Rua do Ilustração 135 - Passeio Público, portão sul. (Portugal, Príncipe, actual Rua 1º de Dezembro, 1882. (Portugal, 1882). 194-).

No ano de 1771, aquando da abertura da Rua Bela da Rainha - actual Rua da Prata - foram descobertas as “Galerias Romanas” (anteriormente designadas por termas dos Augustaes ou termas romanas de Olisipo) que uma vez mais evidenciam a memória e legado histórico da cidade e das suas pré-existências. As galerias são uma estrutura arquitectónica que se encontra no subsolo da Rua da Prata (antiga Rua Bela da Rainha) e da Rua da Conceição, e que se estende até à Rua do Comércio. Actualmente esta estrutura é considerada um criptopórtico, uma grande plataforma artificial nivelada,

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sobre a qual terão sido construídos diversos edifícios como suporte para fazer face à pouca consistência dos solos nesta área da cidade. A estrutura que hoje resta, datada da época da ocupação romana durante o governo do imperador Augusto entre os séculos I a.C. e I d.C., supõe-se que terá sido primitivamente um vasto complexo de galerias, mas do qual não se conhece a dimensão total.

As galerias são compostas por corredores abobadados, paralelos uns aos outros, com cerca de 3 metros de altura por 2 a 3 metros de largura; as paredes são planas e verticais, com abóbadas em arcos de volta circular. Actualmente as galerias abrem ao público duas vezes por ano para a realização de visitas orientadas fomentadas pelo Museu da Cidade de Lisboa.

Ilustração 136 - Galerias Romanas. (Ilustração nossa, 2013). Ilustração 137 - Galerias Romanas. (Ilustração nossa, 2013).

Quatro anos mais tarde, o ano de 1775 contempla dois factos relevantes para a definição formal da Baixa. O primeiro deles foi a estátua equestre de D. José I, inaugurada vinte anos após a catástrofe que assim se exorcizava, e dois anos antes da morte de D. José I e da consequente queda do marquês de Pombal. A estátua ergue- se no centro da Praça do Comércio definindo-a em termos da cultura ocidental como uma praça real que o seu nome renega. “Ela coroa toda a imensa obra da Reconstrução, homenageando o príncipe reinante e, ao mesmo tempo, o seu ministro, cuja efígie figura

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no pedestal” (França, 1989, p. 85). O plano da estátua, como sabemos, vem de trás (projecto e desenho de Eugénio dos Santos); no entanto, à data do plano, era demasiado cedo para se pensar na elevação do monumento dada à conjuntura da cidade entre ruínas, tendo a ideia aguardado a necessária oportunidade e sido posta a concurso apenas em 1770. Da obra ficou encarregado Reinaldo Manuel dos Santos; a encomenda do vulto e das outras peças escultóricas coube a Joaquim Machado de Castro62. No momento da inauguração da estátua de D. José, a 6 de Junho de 1775, a Praça do Comércio não se encontrava ainda totalmente construída; no entanto, para desvanecer esse facto, a praça foi cenografada em madeira como se concluída estivesse. Mesmo não estando, já diversos serviços se haviam instalado na mesma, tanto na ala ocidental como na ala norte e na ala nascente (incluindo o torreão do mesmo lado).

O outro facto, prende-se com a abertura de uma nova praça na cidade: a Praça da Figueira.

Em 1775 foi autorizada a abertura da praça que não fora prevista no Plano, mas bem poderá ter sido desejada ao traçá-lo. Com efeito, tudo no desenho apontava para a necessidade geométrica e compositiva da sua implantação, mas o facto de ser aquele o local de sempre do grande hospital de Lisboa – o Hospital Real de Todos-os-Santos – levou a que o Plano assim o tivesse contemplado. Contudo, a adaptação do colégio jesuíta de Santo Antão para tal fim acabaria por libertar o espaço, fazendo com que a Baixa passasse a ter quatro e não três praças, que em termos de sistema urbano funcionam como dois pares complementares. (Rossa, 2008, p. 60).

A tradição de feiras e mercados ao ar livre era uma constante nas ruas e praças de Lisboa. Na Praça da Figueira não houve excepção, e logo depois da reconstrução pombalina foi definida para venda de produtos hortícolas ao ar livre (uma vez que tal actividade havia sido proibida no Rossio); a primeira de quatro fases pelas quais a Praça da Figueira irá passar ao longo de dois séculos nasce aqui em 1755 - o mercado ao ar livre - que terá vários nomes até ao definitivo: Horta do Hospital, Praça das Ervas, Praça Nova.

62 Joaquim Machado de Castro (Coimbra, 1731 - Lisboa, 1822) foi um dos maiores e mais reconhecidos escultores portugueses. Machado de Castro foi um dos escultores de maior influência na Europa do século XVIII e princípio do século XIX.

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Ilustração 138 - O mercado livre da Praça da Figueira, séc. XVIII. (Estúdio Mário Novais, 1947).

A cidade que, daí a dois anos, caído em desgraça à morte do seu rei, Pombal deixava mais de metade (ou só um terço, na vaga opinião dos contemporâneos) reedificada, constitui uma das obras maiores da cultura nacional ― e um caso de extrema importância, embora por diversos motivos mal conhecido, no quadro do urbanismo europeu, entre os projectos utópicos do Renascimento e realizações parciais, aquém do imenso estaleiro duma urbe de um quarto de milhão de habitantes. Na própria história da cidade, a empresa pombalina, na sua brutal operação cirúrgica, marca uma etapa fundamental, separando duas Lisboas ― a medieval e barroca e a moderna, que o século XIX desenvolverá. (França, 1980, p. 50).

3.6.2. SÉC. XIX: LISBOA ROMÂNTICA E LIBERAL / OITOCENTISTA

A Baixa de Lisboa não é feita apenas do legado da reconstrução pombalina, mas sim de um rol de intervenções que registam uma história particularmente dinâmica até aos dias de hoje. A transformação da cidade pombalina iniciou-se ainda na década de 30 do séc. XIX, delineada por uma primeira geração romântica e liberal.

O início do séc. XIX vê, no entanto, ligeiros desenvolvimentos urbanos sem originalidade própria;

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 159 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Vários factos contribuíram para que assim acontecesse, durante a primeira parte de Oitocentos: as invasões dos exércitos de Napoleão, a ocupação inglesa, a tensão política dos anos 20, a guerra civil na década seguinte, desacertos de regime e dificuldades institucionais […]. (França, 1980, p. 55).

Embora sem trazer desenvolvimento à cidade martirizada pela guerra, o regime liberal instaurado em 1834, por todo o país e na sua capital principalmente, pelo seu princípio centralizador, impôs grandes transformações, que modificaram a imagem de Lisboa. Com efeito, a extinção das ordens religiosas alterou fundamentalmente a fisionomia dos sítios que dos seus conventos em grande parte dependiam. (França, 1980, p. 56).

Ao longo do séc. XIX o plano da Baixa foi sendo realizado, interpretado e adaptado. “A humanização da crueza pombalina surge associada ao Romantismo como novo paradigma de identidade e celebração simbólica. O espaço urbano vai transformar-se e multiplicar-se com a criação de novos lugares de vida pública.” (Tostões, 2008, p. 177). Os antigos conventos dos Camilos e de S. Domingos63, na envolvente do Rossio e da Praça da Figueira, foram loteados logo após 1834; contudo, no mesmo ano, procedeu- se à iluminação e arborização desta última praça: que “de aterro cheio de bancadas diárias passou a verdadeira praça fixa, com barracas arrumadas e poço próprio” (Antanho, 2015).

Ilustração 139 - Praça da Figueira, início séc. XIX. (Portugal, s.d.a). Ilustração 140 - Praça da Figueira, início séc. XIX. (Estúdio Mário Novais, [entre 194- e 195-]).

63 O convento de S. Domingos foi alvo de demolição integral, mas a igreja foi preservada.

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Ilustração 141 – A Praça D. Pedro IV e a Praça da Figueira com o seu mercado. ([Adaptado a partir de:] Folque, 1882).

Nem só de progresso mas também de acidentes se descreve o séc. XIX e a 14 de Julho de 1836, um incêndio tomou e consumiu o antigo Palácio da Inquisição (figura de proa da ala norte do Rossio), destruindo-o e reduzindo-o a cinzas e memória.

Porém, se o emblemático torreão poente da Praça do Comércio (que evocava a memória do antigo) “só depois de 1840 se concluiu, só em 1845 o Rossio ficou terminado” (França, 1980, p. 57): do culminar das cinzas do Palácio da Inquisição nasceu um outro, desta feita, um símbolo de cultura: o teatro D. Maria II. Assim, os anos 40 do séc. XIX trariam à cidade o seu principal monumento moderno: o teatro D. Maria II, projecto e traçado de um arquitecto italiano, Fortunato Lodi64, “que não teve (mesmo que a evitasse) concorrência válida nacional” (França, 1980, p. 57).

64 Fortunato Lodi (Bolonha, 1805 - 1883) foi um arquitecto italiano e director da Academia de Belas-Artes de Bolonha.

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Ilustração 142 - Teatro D. Maria II, no Rossio, séc XX. (Guedes, [post. 1901b]).

Ilustração 143 - Teatro D. Maria II, visto da praça D. João da Ilustração 144 - Teatro D. Maria II, visto do Largo de S. Domingos. Câmara. (Ilustração nossa, 2019). (Ilustração nossa, 2019).

O gosto requintado e neoclássico do Teatro D. Maria II (1842-46) responde ao da Ópera de S. Carlos no Chiado (1793), “já academizado em modelos internacionais” (França, 1980, p. 57), colocando assim um ponto final civilizado no Rossio de Carlos Mardel ― que logo depois (em 1849) viria a ser “calcetado num desenho ondulado de basalto e

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calcário (Mar Largo65), de excelente efeito decorativo com curiosa função de animação espacial, graças ao general Pinheiro Furtado66.” (França, 1980, p. 57).

Ilustração 145 - O empedrado do Rossio, séc. XIX. (Portugal, [ant. Ilustração 146 - O “Mar Largo” do Rossio. (Passaporte, 1919]). 1940).

Em 1861 a praça foi arborizada, contudo, as fontes monumentais que hoje em dia vislumbramos no Rossio, foram apenas acrescentadas em 1889 ladeando de forma simétrica o monumento a D. Pedro IV (1870). As fontes67 são resultado e substituição de dois poços existentes no Rossio desde 1837, os quais são sobrepostos pelas duas fontes ornamentais da Fundição Val d'Osne, de acordo com a operação de remodelação que a praça à época estava a ser sujeita.

65 O famoso padrão de ondas do mar na calçada da Praça D. Pedro IV (Rossio) é chamado de Mar Largo. Foi um dos primeiros desenhos deste tipo a decorar as calçadas de Lisboa, tendo sido feito em cubos de pedra branca e preta, cortados a mão. A partir da criação desta calçada, a Baixa de Lisboa transformou-se e muitas outras ruas receberam este tipo de trabalho, que é possível vislumbrar hoje em dia pela cidade. 66 Eusébio Pinheiro Furtado (Luanda, 1777 - Lisboa, 1861) foi um oficial de engenharia do Exército Português, onde atingiu o posto de brigadeiro e exerceu as funções de comandante-geral da arma de Engenharia. Foi nomeado governador do Castelo de São Jorge, em Lisboa, cargo que exerceu até 1846. Nessas funções foi importante na criação da conhecida calçada portuguesa, devendo-se à sua iniciativa algumas das primeiras utilizações daquela técnica de pavimentação urbana. 67 É de realçar a beleza arquitectónica das fontes, com destaque para as maravilhosas esculturas de figuras mitológicas, em ferro fundido, de influência francesa. O módulo central da fonte caracteriza-se por apresentar um grupo escultórico bastante elaborado, coroado por quatro peixes, que vertem água para uma taça circular de pequena dimensão, a qual transborda para uma segunda taça, localizada num nível inferior, esta octogonal e de maior dimensão, que, por sua vez, transborda para um lago circular existente na base, onde quatro figuras, que representam sereias, funcionam como repuxo direccionado para a taça maior.

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Ilustração 147 - Uma das fontes ornamentais (norte) do Rossio, Ilustração 148 - Fonte ornamental do Rossio (Ilustração nossa, séc. XX (Praça D. Pedro IV). (Guedes, [ant. 1919a]). 2019).

Seguindo a mesma política de ordenamento e reabilitação / enriquecimento do espaço público da cidade, nomeadamente nas praças da mesma, a Praça do Comércio sofre também processo de arborização em 1865. As árvores na Praça do Comércio (cuja existência e posterior abate sempre levantaram polémicas) surgiram de uma proposta68 em sessão municipal a 11 de Dezembro do referido ano, por parte do vereador da cidade Polycarpo dos Santos. Após a plantação dos elementos arbóreos, foram necessários bastantes anos até que estes tivessem uma copa69 estabelecida capaz de provocar sombras e abrigar do sol a população que frequentava a praça e se sentava nos bancos que à data existiam na mesma.

À época (séc. XIX) e ao longo do séc. XX, supomos que segundo proposta de vereação da C.M.L, já a Praça do Comércio dispunha de uma placa central em terra batida com diverso mobiliário urbano (Ilustração 156), nomeadamente bancos (Ilustração 149 / 150) e postes de iluminação pontuais (Ilustração 154). No restante espaço público da Baixa, a nível de pavimentação, as praças eram compostas por calçada (Praça D. Pedro IV - Rossio) e terra batida (Praça do Comércio) e as ruas apresentavam um empedrado / calçada de granito e basalto (Ilustração 151 / 152 / 153).

68 Quando Manuel Joaquim de Almeida, 1.º Barão de Alenquer, liderava a Câmara de Lisboa, o vereador Polycarpo dos Santos chegou à sessão municipal com uma proposta: colocar árvores na Praça do Comércio que dessem mais sombra a quem passeasse por aquelas bandas. A proposta de Polycarpo foi aceite: as árvores foram plantadas nas laterais do Terreiro do Paço ainda sem folhas e cresceram ao longo de muitos anos até que as copas frondosas dessem sombra verdadeiramente digna desse nome. 69 Foi precisamente a dimensão das copas, o motivo do fim das árvores na Praça do Comércio, uma vez que se tornava impossível, a partir do centro da praça, vislumbrar as arcadas e as janelas de todo o conjunto pombalino. A Real Associação de Arquitectos, foi quem mais pressão fez junto da vereação, até que as árvores fossem arrancadas. Tal acontecimento veio a suceder na segunda década do séc. XX (1929), quando, às arvores, se juntaram os bancos de pedra, tendo sido tudo arrancado, também neste caso, por decisão camarária.

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Ilustração 149 – Praça do Comércio. (Benoliel, 1907a). Ilustração 150 – Ociosos na Praça do Comércio. (Benoliel, 1907b).

Ilustração 151 – Pavimento empedrado na Praça do Comércio. Ilustração 152 - Pavimento empedrado na Praça do Comércio. (Benoliel, 1911). (Benoliel, 191-c)

Ilustração 153 – Populares na Praça do Ilustração 154 – Candeeiros a gás na Praça do Comércio. (Guedes, 19--c). Comércio (pavimento de terra batida). (Guedes, 19--b).

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Ilustração 155 - Arborização da Praça do Comércio, séc. XIX. ([Adaptado a partir de:] Seixas, 1895).

Ilustração 156 - Arborização da Praça do Comércio, séc. XIX. ([Adaptado a partir de:] Guedes, 19--a).

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Durante o século XIX, mais concretamente nos últimos anos das décadas de Oitocentos, existiu a necessidade de modernizar o porto de Lisboa. Com isto,

[…] as atenções da cidade voltaram novamente a ocupar-se do espaço litoral, numa extensão que vai de Belém a Xabregas. Neste contexto, surgiram diversas propostas que incluíam não só a construção das tão necessárias instalações portuárias, como também o arranjo urbanístico de algumas zonas desta extensão. Uma vez mais, tornar- se-ia a colocar a hipótese de a cidade crescer para ocidente e para oriente, mantendo- se fiel ao seu rio. O projecto da construção dum grande e moderno porto que começava a estar cada vez mais presente nas discussões da época, pode inserir-se numa vontade e desejo de devolver a Lisboa o esplendor e a importância perdidos, transformando-a novamente na cidade-portuária por excelência […]. (Barata, 2009).

A primeira área a ser matéria de intervenção urbanística por parte do Município de Lisboa, é a zona onde surgiu o aterro da Boavista que, no início do séc. XIX, era constituída por um conjunto de praias lodosas onde se despejavam os lixos e imundícies da cidade. Toda a área desde a Ribeira Nova (Remolares – Cais do Sodré) até Santos era servida por pequenos cais construídos por iniciativa particular e a ligação da Rua da Boavista, a sua principal artéria, com a beira-rio era efectuada por numerosos boqueirões, verdadeiros locais de despejo de toda a espécie de detritos e, por consequente, ameaças latentes à saúde pública dos habitantes da cidade. Durante toda a década de 1860, as obras do Aterro da Boavista e a construção da Av. 24 de Julho até Santos estiveram na ordem de trabalhos do município da capital que para elas não deixou de solicitar repetidamente ao governo central, mais e melhores meios de actuação.

Esta nova artéria ribeirinha da cidade tinha o objectivo de ligar a cidade baixa a ocidente, ao longo do rio, projecto que outrora Carlos Mardel já tinha perspectivado ainda antes de 1755.

O aterro da Boavista foi e constitui-se como uma das maiores obras públicas e intervenções urbanísticas na cidade de Lisboa, mais precisamente na frente ribeirinha e na proximidade da cidade baixa, área - foco do nosso estudo, facto esse que torna esta intervenção relevante para a presente dissertação.

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Ilustração 157 - Aterro da Boavista / Av. 24 de Julho, séc XX. (Flaviens, 1905-1915).

Em 1864 é redigido um decreto que reconhece a necessidade de organizar o crescimento de Lisboa e que previa a realização de um "Plano Geral de Melhoramentos da Capital"; a 13 de Janeiro de 1865 foi finalmente publicado o decreto n.º 10, de 31 de Dezembro de 1864, através do qual,

O governo mandará imediatamente proceder a um plano geral dos melhoramentos da capital, atendendo nele ao das ruas, praças, jardins e edificações existentes, e à construção e abertura de novas ruas, praças, jardins e edificações, com as condições de higiene, decoração, cómodo alojamento e livre trânsito do público.70 (Portugal. Ministério das Obras Públicas, Commercio e Industria, 1865, p. 99).

Com a chegada de Ressano Garcia71 à Câmara Municipal de Lisboa e com a necessidade de colocar em exercício um Plano de Melhoramentos para a capital, a Comissão de Obras e Melhoramentos Municipais terá tido o papel de motor dessa dinamização que Lisboa pedia havia algum tempo.

70 Publicação do Decreto de 31 de Dezembro de 1864, no Diário de Lisboa, Título III, Secção I, Artº 34. 71 Frederico Ressano Garcia (Lisboa, 1847 - Lisboa, 1911) foi um engenheiro e professor de engenharia, político e administrador que se notabilizou por ter dirigido a expansão e renovação urbana da cidade de Lisboa no último quartel do século XIX. Entre outras funções, foi ministro, deputado e par do Reino. Deve- se a Ressano Garcia, o planeamento e construção de estruturas tão marcantes da zona metropolitana de Lisboa como a Avenida da Liberdade, a Praça Marquês de Pombal, a Avenida 24 de Julho, os bairros de e da Estefânia e a Linha de Sintra.

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 168 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Constava então dos planos da Câmara Municipal "abrir" a cidade, beneficiando o espaço público, já não só através da normalização das fachadas ou da construção de jardins, mas concedendo-lhe um novo conceito de espaço. O pragmatismo de Ressano Garcia queria transformar Lisboa num espaço alargado e descongestionado, além da Baixa Pombalina, estendendo a cidade para Norte. (Gago, 1995, p. 91).

Com efeito, a demolição do “Passeio Público” em 1879 seria apenas um de muitos passos a dar para o desenvolvimento de Lisboa. Deste facto, surgiu uma operação urbanística das maiores consequências para a cidade: a abertura da Avenida da Liberdade.

O Valverde, que fora em parte ocupado pelo «Passeio Público» setecentista, estendido para Noroeste, entre as colinas da Cotovia e a de Santana […] apresentava-se como um eixo de penetração da cidade […] A Avenida da Liberdade deteve-se, porém, após um curso de 1276 m, numa rotunda distributiva de 200 m de diâmetro, que seria consagrada ao marquês de Pombal, cujo centenário da morte se comemorou em 1882, e viria a ter um monumento lentamente erguido, em várias etapas, e só inaugurado cinquenta anos mais tarde. (França, 1980, p. 70-71).

Ainda na década de 60 de Oitocentos, mais precisamente em 1863, outro palácio da cidade, desta feita o municipal, foi alvo de especiais cuidados quando no mesmo ano, ardeu o edifício pombalino da Câmara. A obra de reconstrução / restauração foi entregue a Domingues Parente da Silva, que sem limites de orçamento, terminou em 1880 um edifício imponente72 “sem qualquer tipo de estilo ou gosto definidos no seu eclectismo, marcando assim (e na decoração interior também), um estado da arquitectura oficial de luxo na sua mais significativa função citadina” (França, 1980, p. 64).

A obra inicial, construída no local onde actualmente se encontra, data da reconstrução pombalina, segundo projecto de Eugénio dos Santos Carvalho. Objecto de incêndio em 19 de Novembro de 1863, o imóvel ficou completamente destruído. Novo edifício foi erguido no mesmo local, entre 1865-1880, pelo traço do arquitecto camarário Domingues Parente da Silva. Nas décadas de 30/40 do séc. XX sofreu intervenções que lhe alteraram a sua feição tardo-oitocentista. Um violento incêndio, em 7 de Novembro de 1996, destruiu parte do imóvel, nomeadamente os pisos superiores, ficando afectados os tectos e pinturas do primeiro andar. As obras de recuperação, realizadas sob a orientação do arq. Silva Dias, procuraram aproximar o edifício ao projecto inicial do arquitecto Domingos Parente, sendo-lhe retirado um andar amansardado acrescentado há algumas décadas. (Lisboa. Câmara Municipal, 2019j).

72 O edifício dos Paços do Concelho, para além do seu valor arquitetónico e artístico, reflecte a imagem de Lisboa e de Portugal Liberal, Regenerador e Republicano.

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Ilustração 158 - Paços do Concelho, Ilustração 159 - Paços do Concelho, séc XX. (Cunha, E., s.d.). séc XIX. (Passaporte, s.d.).

Ilustração 160 - Praça do Município. (Ilustração nossa, 2019). Ilustração 161 - Paços do Concelho. (Ilustração nossa, 2019).

Os sinais do Estado e do seu espírito reformulador faziam-se, porém, sentir ao longo dos anos 60 e 70 do séc. XIX, em monumentos comemorativos de heróis do passado a que o país (e a cidade sua capital) prestavam homenagem. Uma série de estátuas foram projectadas e erguidas, marcando um espaço urbano que se pretendia nobilitar em termos simbólicos ainda românticos. Fundador do Constitucionalismo, D. Pedro IV seria consagrado nesta vaga, num monumento que teve a sua primeira pedra em 1868 (após concurso internacional), sendo inaugurado em 1870 no centro do Rossio (Praça D. Pedro IV), “onde, desde 1834, o vulto do Rei-Libertador era aguardado” (França, 1980, p. 66).

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A escultura - D. Pedro IV73 é um monumento com 27,5 metros de altura projectado pelo Arq.º Gabriel Davioud74 e esculpido por Élias Robert75, ambos de nacionalidade francesa. Inaugurado ao centro da Praça do mesmo nome em 29 de Abril de 1870, é composto por uma base de granito, pedestal de mármore e coluna coríntia canelada encimada pela estátua de bronze do rei, que enverga um uniforme de general, ombros cobertos pelo manto real e cabeça coroada de louros. A figura real sustém ainda na mão direita a Carta Constitucional.

Em nota de curiosidade, a actual estátua em homenagem a D. Pedro IV, foi o terceiro e final projecto aprovado para a praça. Cedo quis o regime liberal auto glorificar-se com um monumento e, certamente por ser considerado um dos mais significativos espaços citadinos, foi no Rossio que tal sucedeu. O primeiro projecto de um monumento no Rossio – em louvor da Constituição – data precisamente de 1820, tendo a primeira pedra fundamental sido lançada em finais de 1821; no entanto este não prosseguiu. O segundo projecto para o mesmo lugar, que na linguagem popular fora designado como “Galheteiro” (Ilustração 162 / 163), teve a sua primeira pedra levantada em 1852, contudo também não teve seguimento (depois de ter servido de base a uma coluna comemorativa do casamento de D. Pedro V com D. Estefânia em 1858, ainda foi utilizado para os festejos de outro casamento em 1862, entre o Rei D. Luís e D. Maria Pia) e acabou demolido em 1864. Finalmente em Abril de 1867, devido ao esforço de uma comissão que envolveu diversas personalidades76, lançou-se a primeira pedra para o monumento que podemos hoje vislumbrar na Praça D. Pedro IV (vulgar Rossio), inaugurado três anos depois, em Abril de 1870, com uma extraordinária cerimónia (Ilustração 166).

73 Destacam-se no monumento: as 4 figuras alegóricas, representando a Prudência, a Justiça, a Fortaleza e a Moderação, que exaltam as qualidades de D. Pedro IV, na base do pedestal; as 4 figuras representando a Fama, esculpidas em baixo-relevo na parte superior do fuste; e também, em baixo-relevo, os 16 escudos das principais cidades de Portugal. 74 Jean-Antoine-Gabriel Davioud (1824 - 1881) foi um arquitecto francês, reconhecido pelo seu projecto Palais du Trocadéro, de 1878 em Paris, o qual foi demolido para dar lugar em 1937 ao Palais de Chaillot. 75 Élias Robert (Étampes, 1821 - Paris, 1874) foi um escultor francês. 76 O Duque de Palmela, os Marqueses de Sá da Bandeira e de Sousa Holstein, o Conde de Farrobo, os Viscondes de Benagazil e de Menezes, fizeram parte de uma comissão que reuniu esforços para que o Monumento a D. Pedro IV ganhasse projecto e forma.

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Ilustração 162 - O Rossio e o “Galheteiro” – o primeiro Ilustração 163 - A Praça D. Pedro IV no dia do casamento do monumento a D. Pedro IV, efectivamente construído, e apelidado Rei D. Luís, tendo sido colocada ao centro uma coluna evocativa. de “o galheteiro” pelos lisboetas (entre 1852-1864). (Antanho, (Antanho, 2015a). 2015a).

Ilustração 164 - Construção do Monumento a D. Pedro IV (Rossio). (Antanho, 2017b). Ilustração 165 - Construção do Monumento a D. Pedro IV (Rossio). (Antanho, 2017b).

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Ilustração 166 - Inauguração do Monumento a D. Pedro IV em 1870. (Antanho, 2017b).

A seguir foi a vez dos Restauradores da independência nacional em 1640, ideia da associação patriótica do 1. ° de Dezembro, melhorada pela Câmara em 1875, dando-lhe um terreno novo, no início do que iria ser a Avenida da Liberdade. Ali foi erigido em 1886 o monumento (de A. T. Fonseca), obelisco com esculturas alegóricas de Simões de Almeida e Alberto Nunes, que pontua bem o seu espaço. (França, 1980, p. 66).

Ilustração 167 - Praça dos Restauradores e o seu monumento (obelisco), séc. XX. (Benoliel, 194-c).

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Ilustração 168 - Praça dos Restauradores e o seu monumento Ilustração 169 - Praça dos Restauradores e o seu (obelisco), séc. XX. (Branco, 195-). monumento (obelisco). (Ilustração nossa, 2019).

Entretanto, e falhada a intenção em 1843, em 61 o governo aprovara um projecto para o arco da Rua Augusta proposto na planta de Eugénio dos Santos, e […] a pesada massa arquitectónica de Veríssimo J. da Costa seria inaugurada com estatuária alegórica […] Terminava assim, ao gosto ecléctico do dia, a obra pombalina da Baixa, celebrando o próprio marquês figurado também no arco triunfal a par de Viriato, Nun’Álvares e Gama […], sob a protecção da Glória, do Génio e do Valor. A cidade constitucional, ainda incapaz de inovar os seus espaços estruturais, pontuava-os com a decoração patriótica que convinha ao seu papel centralizador. (França, 1980, p. 66).

Em relação estrita com a vaga de monumentalização que, à época era realizada na Baixa da cidade, em 1875 foi finalmente inaugurado o Arco Triunfal da Praça do Comércio. Traduzindo uma arte comemorativa, pombalina e neoclássica, este arco do triunfo, único em Lisboa, ergue-se no eixo da Praça do Comércio abrindo a Rua Augusta. O arco durante anos subia apenas à altura da sua cimalha, num jogo de colunatas compósitas, colocadas em 1815 tendo ficado a aguardar o coroamento. O que veio a acontecer em 1844, com a aprovação do projecto do Arq.º Veríssimo José da Costa. A obra do arco triunfal já estava em fase adiantada em 1862 por ocasião do casamento de D. Luís I, como se observa em fotografias da época. No entanto, somente em 1873 se deu início à construção do coroamento final, tendo o mesmo ficado concluído e inaugurado em 1875. No arco evidenciam-se as estátuas de Viriato, Vasco da Gama, D. Nuno Álvares Pereira e Marquês de Pombal ladeadas pelas representações alegóricas dos rios Tejo e Douro, todas da autoria do escultor Vítor Bastos. Acima do arco é visível uma composição escultórica relevada tendo por motivo central a pedra de armas de Portugal. O remate é efectuado por platibanda coroada, a eixo, por um grupo escultórico alegórico, "A Glória coroando o Génio e o Valor", modelado pelo escultor francês Anatole Calmels. A completar o conjunto observa-se uma inscrição em latim, que exalta os nossos antepassados pelos seus actos heróicos,

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os quais se tornaram um exemplo para as gerações posteriores, (VIRTVTIBVS/MAIORVM/VT SIT OMNIBVS DOCVMENTO.PPD significa “Às Virtudes dos Maiores, para que sirva a todos de ensinamento. Dedicado a expensas públicas”. (Lisboa. Câmara Municipal, 2019a).

Ilustração 170 - Rua Augusta vista da Praça do Comércio, séc. Ilustração 171 - A construção do coroamento do Arco XIX, sendo visíveis já as colunatas compósitas do arco triunfal da Rua Augusta, séc. XIX. (Cifka, 1855). colocadas em 1815. ([Adaptado a partir de:] Bárcia, 1900-1945).

Ilustração 172 - Arco da Rua Augusta, ainda em construção, Ilustração 173 - Arco da Rua Augusta, finalmente ornamentado por ocasião do casamento de Dom Luís I, 1862. concluído, séc. XIX. ([Adaptado a partir de:] Bárcia, ([Adaptado a partir de:] Estúdio Mário Novais, 1863). 1890-1945).

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Ilustração 174 - Arco Triunfal da Rua Augusta. (Ilustração nossa, 2019).

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Um novo ciclo de obras, no final do séc. XIX, mais precisamente nas décadas de 80 – 90, evidenciaria as marcas do progresso tecnológico. O vasto mercado coberto da Praça da Figueira, com cobertura de ferro, foi aprovado em 1882 e entrou em funcionamento em 1885. Formada por uma estrutura metálica quadrangular, rematada nos gavetos por quatro pavilhões cupulados, tinha lojas abertas para o exterior e espaços interiores amplos para as bancas de venda, ocupando uma área de quase oito mil metros quadrados. Da venda de fruta e legumes, passou a efectuar-se a transacção de outros produtos alimentícios necessários à população, fazendo da baixa lisboeta um local em constante fervilhar de vida.

Desde logo, a Praça da Figueira tornou-se um dos emblemas de Lisboa, quer pela sua construção, quer pela sua localização no centro da cidade, quer ainda pela realização de verdadeiros arraiais por altura dos santos populares, transformando-a num verdadeiro teatro. (a.c, 2016).

Ilustração 175 - Mercado de Ferro da Praça da Figueira, 1903, Tinta-da-china s/ papel. (Lisboa. Câmara Municipal, 2019h).

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Ilustração 176 - O Mercado de Ferro Ilustração 177 - O Mercado de Ferro da Praça da Figueira. (Portugal, [ant. 1949]). da Praça da Figueira. (Portugal, 1944).

O Plano Geral das Obras do Porto de Lisboa veio determinar no ano seguinte (1886), a localização definitiva do Terminal Fluvial dos Vapores77 frente ao torreão oriental da Praça do Comércio.

Ilustração 178 - Primeiro edifício da Estação Sul e Sueste, Ilustração 179 - Primeiro edifício da Estação Sul e Sueste, séc. XIX. séc. XIX. (Portugal, s.d.b). (Benoliel, 191-a).

77 A estação provisória do Sul e Sueste, situada na Praça do Comércio, em frente da capitania e do torreão do Ministério da Guerra (torreão oriental), consistia essencialmente num barracão de madeira e ferro assente sobre estacaria. Durante a chefia da rede do Sul e Sueste pelo engenheiro João Pedro Tavares Trigueiros, até 1880, a estação foi profundamente modificada, tendo a estacaria de madeira sido substituída por uma de ferro, e foram cravados os cilindros de encosto dos navios. Este edifício revelou-se demasiado pequeno para o movimento, tinha problemas de insalubridade, e era desconfortável para os utentes, além de que as suas condições criavam dificuldades na atracagem dos barcos. Quando se fez o plano geral das obras do Porto de Lisboa, em 1885, projectou-se a Estação Fluvial do Sul e Sueste em frente do torreão oriental da Praça do Comércio, com acesso directo ao rio e à doca da Alfândega, e um apeadeiro na linha marginal.

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Ainda no mesmo ano, um extenso túnel ferroviário permitia no imediato, a chegada do comboio ao centro da capital. Falamos pois, da Estação Ferroviária do Rossio78, da qual a cobertura metálica foi inaugurada em 1888 e dois anos depois concluía-se e inaugurava-se o edifício de passageiros, num revivalismo neomanuelino de intenção nacionalista.

Ilustração 180 - Estação Ferroviária do Rossio vista do Largo D. Ilustração 181 - Estação Ferroviária do Rossio vista da Praça D. João da Câmara, séc. XX. (Estúdio Mário Novais, 1949). Pedro IV (Rossio), séc. XX. (Bárcia, [ant. 1919]).

Ilustração 182 - Gare e cobertura metálica, Ilustração 183 - Fachada Estação Ferroviária do Rossio, ambiente nocturno. Estação Ferroviária do Rossio. (HistoriaDePortugal.info, 2010). (HistoriaDePortugal.info, 2010).

78 A obra para a construção da estação, incluía, para além da estação, a abertura do túnel ferroviário do Rossio, a ligação rodoviária à Calçada do Carmo e o Hotel Palace tendo-se iniciado no ano de 1886. Foi projectada pelo arquiteto português José Luís Monteiro, sob encomenda da Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses. A empreitada da Estação Ferroviária do Rossio foi rápida e passados apenas 4 anos, esta foi inaugurada. No dia 23 de Novembro de 1890 abria ao público e ao tráfego ferroviário com o nome de estação da Avenida. De estilo neo-manuelino, o edifício que alberga a Estação do Rossio é considerado um verdadeiro monumento e a prová-lo está a classificação como Imóvel de Interesse Público atribuída pelo Estado em 1971.

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Ilustração 184 - Estação Ferroviária do Rossio. (Ilustração nossa, 2019).

[…] os valores da cidade romântica sofriam alteração nas imagens do quotidiano. […] os primeiros transportes em comum deram-lhe nova experiência das distâncias e dos espaços ― e abriram-lhe a possibilidade, secreta ou expressamente desejada, de crescimento e desafogo. (França, 1980, p. 68).

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NOTA:

No século XIX, mais precisamente no final da década de 80 do referido século (1889), a Praça D. Pedro IV, ou vulgarmente Rossio na linguagem popular desde sempre, ficou concluída no que a elementos do seu espaço público diz respeito, nomeadamente: o pavimento em calçada portuguesa, os elementos arbóreos, a estátua real centrada a eixo da praça e as duas fontes preponderantemente colocadas a norte e sul da respectiva estátua. No subcapítulo anterior fizemos referência ao facto das duas praças mais emblemáticas da Baixa de Lisboa (Praça do Comércio e Praça D. Pedro IV) terem semelhanças particulares com outras duas praças europeias e emblemáticas. Como vimos, a Praça do Comércio assemelha-se em muito à Plaza Mayor de Madrid; enquanto que o Rossio de Lisboa (Praça D. Pedro IV) afigura-se como parente próximo da Piazza Navona, em Roma.

Ilustração 185 - Piazza Navona, Roma. (Microsoft Corporation, Ilustração 186 - Praça D. Pedro IV, Lisboa. (Microsoft 2019). Corporation, 2019).

Nas duas praças podemos vislumbrar as duas fontes a vincar o lado norte e sul do espaço (público) assim como um monumento escultórico a eixo e centro de ambas as praças. Ladeadas em todas as suas alas (norte, sul, nascente, poente) por edifícios, tanto a Praça D. Pedro IV em Lisboa, como a Piazza Navona em Roma, são duas das mais emblemáticas praças da europa nas respectivas cidades.

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Ao recuarmos na História, nomeadamente até ao período do Império Romano, encontramos mais um ponto de convergência entre as duas praças: ambas resultaram do “vazio” deixado pelos antigos estádios / circos romanos, que no caso de Lisboa podemos verificar nas ilustrações 188 / 189.

Ilustração 187 – Principais achados da época romana em Lisboa. Ilustração 188 - Circo, via e necrópole. (Lisboa. (Lisboa. Câmara Municipal, 2019o). Câmara Municipal, 2019o).

Ilustração 189 - Olisipo, recriação arqueológica virtual 3D de César Figueiredo. (VxMag, 2015).

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Ilustração 190 - Praça D. Pedro IV (Rossio), em 1895, séc. XIX (Seixas, 1895b).

Ilustração 191 - Praça D. Pedro IV (Rossio), início do séc. XX. Ilustração 192 - Praça D. Pedro IV (Rossio), início do séc. XX. (Guedes, 1901-1919). (Guedes, [ant. 1919b]).

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3.6.3. SÉC. XX: LISBOA MODERNISTA

Reunindo essencialmente comércio e habitação no seu edificado, a Baixa da capital foi perdendo parte da sua anterior centralidade que se deslocou e desdobrou em complementaridade com a zona do Chiado, onde se ensaiou uma tipologia arquitectónica de “palacete” burguês e onde surgiram diversos equipamentos culturais. Especialmente a partir da 2ª metade do séc. XIX, a ligação entre o Rossio e o Chiado (Rua do Carmo / Rua Garrett) assumiu especial importância na vivência urbana da Baixa. “A construção do Elevador de Santa Justa (1902) insere-se neste quadro, ao mesmo tempo que aponta para uma nova visão da área” (Alçada, 2004, p. 250). Por outro lado, a consolidação progressiva de várias áreas de expansão da cidade de Lisboa (Lapa, Estrela, , Av. da Liberdade, entre outras) impôs que a Baixa se fosse convertendo “numa espécie de vértice urbano, acentuando um carácter de uma certa «historicidade»” (Alçada, 2004, p. 250).

Assim, o início do séc. XX observa a cidade de Pombal como antiga e é especialmente crítico quanto à sua “monotonia”. Menosprezava-se as suas linhas demasiado secas e geométricas, apesar de ser reconhecido o efeito que a harmonia da sua continuidade oferece ao conjunto de uma rua ou aspecto de uma praça. De resto, como veremos adiante, o plano pombalino foi olhado sem especial apreço pelos intelectuais da época. Nesta fase, “equipamentos urbanos de escala inusitada, com soluções arquitectónicas e construtivas em ruptura com o passado, não encontravam lugar na Baixa de Pombal procurando a sua periferia imediata” (Martins, 2004, p. 142). Exemplo prático desta afirmação é o Coliseu dos Recreios (1888 - 92), na Rua das Portas de Santo Antão que partia do Largo de S. Domingos, ou o Hotel Avenida Palace (1890 – 92), edifício contíguo à Estação Ferroviária do Rossio.

Deste modo,

as transformações operadas sobre os edifícios setecentistas eram aplaudidas, por se considerar que elas introduziam uma nota artística á cidade baixa e que, desse modo, o centro da cidade acompanhava o progresso iniciado ha annos na construção em Lisboa. (Martins, 2004, p. 142).

O quarteirão, como já vimos, é a unidade da Baixa Pombalina, isto é, a chave do conjunto. “O edifício não existe por si, não tem expressão avulsa nem pontual” (Tostões, 2008, p. 184). Não será de estranhar que alterações realizadas edifício a edifício irão resultar como corpos estranhos à unidade do quarteirão, e consequentemente do

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conjunto. Apesar de tal condição, diversos edifícios, nomeadamente bancos, à época, irão adoptar deliberadamente uma posição contrária ao padrão desornamentando do conjunto pombalino, apresentando modelos arquitectónicos exuberantemente eclécticos. Os primeiros sinais de progresso e intervenções de fundo em edifícios de reconstrução pós-terramoto, deixaram apontados os caminhos que, durante muitos anos, seriam seguidos e que acabaram no fim, por ter um impacto crescente no espaço público da zona baixa da cidade no que à percepção da rua diz respeito. O edifício da casa Grandella e C.ª79, inaugurado em 1891, depois de uma total remodelação com projecto de Alfredo d’Ascenção Machado80, foi precursor neste processo de transformação. As fachadas do edifício, ampliadas em três novos pisos, adquiriram portais de duplo pé direito em cantaria, “assinalando as entradas do estabelecimento no eixo de cada alçado. O uso de elementos estruturais em ferro permitiu o rompimento de largas montras envidraçadas ao nível do peão” (Martins, 2004, p. 142).

Ilustração 193 - Edifício Armazéns Grandella & C.ª. (Ilustração nossa, 2019).

79 O edifício da casa Grandella e C.ª encontra-se no cruzamento da Rua Áurea (n.ºs 205 – 217) com a Rua da Assunção (n.ºs 98 – 114). 80 O projecto é datado de 1889; no entanto, durante o período de 1913-1921, como arquitecto municipal, Alfredo d’Âscenção Machado viria a ser o principal responsável pela avaliação de projectos de arquitectura para a Baixa submetidos à aprovação da CML. (Martins, 2004).

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Mesmo ao lado, a sede do Montepio Geral81 subia também um piso e recebia um corpo central destacado, entre pilastras, coroado com frontão curvo (1894-1897; arquitecto José António Gaspar). (Martins, 2004, p. 142-143).

A evolução dos tempos e o desejo emergente de vencer a gravidade pelo emprego da tecnologia, estimulado pela sinuosa e difícil topografia da cidade, proporcionou à Baixa verdadeiros monumentos ao progresso. O Ascensor / Elevador de Santa Justa82, inaugurado em 1902, é exemplo deste facto e tinha o propósito de vencer o desnível entre a Rua Áurea / Rua de Sta. Justa, a Rua do Carmo e o Largo do Carmo. Este projecto inovador é, ao mesmo tempo, um objecto lúdico e utilitário, que coloca “o movimento mecânico, a dimensão vertical – e a vertigem – no quotidiano da Baixa” (Martins, 2004, p. 143). Em nota de curiosidade, o engenheiro Raoul du Ponsard83, autor desta iniciativa,

[…] tinha, porém, um sonho mais largo que não chegou a concretizar. A partir do piso superior do Ascensor de Santa Justa, propunha-se lançar um funicular até à Costa do Castelo e daí, sempre pelos ares, fazer uma ligação ao alto da Graça. (Martins, 2004, p. 143).

Mais tarde, em 1904, a expansão da casa Grandella e C.ª, edifício uma vez mais intervencionado, levou à primeira substituição integral de um edifício da Baixa que passaria a confrontar duas frentes de rua (Rua Áurea – Rua do Carmo). “A fachada, em três pisos de envidraçados contínuos como Lisboa nunca vira, materializava uma ideia de comércio feito espectáculo” (Martins, 2004, p. 143). Este estabelecimento, alcançaria a sua máxima extensão, em 1917, aquando da sua ampliação na Rua do Carmo e remodelação das fachadas na Rua Áurea e na Rua da Assunção, perfazendo um total de onze pisos (algo raro e incomum na Baixa, mas que se compreende dada à diferença topográfica entre ruas).

81 Na Rua Áurea, n.ºs 219-241. Projecto de 1894; o edifício original for a ampliado em mais um piso em 1888. 82 O Elevador de Santa Justa, é um sistema de transporte público, situado na Baixa de Lisboa. Liga a Rua do Ouro e a Rua do Carmo ao largo do Carmo e constitui-se num dos monumentos mais interessantes da Baixa. Foi construído sob a gestão do distinto engenheiro Raoul Mesnier du Ponsard e planeado desde a década de 1890, mas o projecto só foi aprovado pela CML em 1900, ano em que se iniciaram as obras. 83 Raul Mesnier du Ponsard (Porto, 1848 - Moçambique, 1914) foi um engenheiro português, de origem francesa, reconhecido por ter construído muitos elevadores e funiculares em Portugal.

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 186 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Igualmente na Rua Áurea, a sede do Banco Lisboa & Açores84, projecto de Ventura Terra85 em 1905, foi a primeira sede de um banco a ocupar um edifício integralmente reconstruído para o efeito. “De transformação radical e dramatizando a profundidade da construção para ganhar visibilidade no escorço da rua estreita, este edifício possui aquela que seria considerada a mais imponente fachada da Baixa.” (Martins, 2004, p. 144). Mais tarde, em 1920, uma outra obra também ela na Rua Áurea (incluída num ciclo modernista), tal como o banco de Ventura Terra, constituiu uma alteração radical introduzida no quarteirão pombalino: trata-se do edifício-sede da firma Barros & Santos86, projecto do jovem arquitecto Carlos Ramos87. A fachada foi totalmente remodelada, a cércea ampliada e o coroamento feito por uma cimalha. Como podemos constatar, a Rua Áurea no início do séc. XX, assume uma preponderância nunca vista na dinâmica de frente de rua / espaço público da Baixa que até então não existia.

84 Designado Banco Totta & Açores, a partir de 1970, ocupa hoje as frentes da Rua Áurea (n.ºs 82-92) e Rua dos Sapateiros (n.ºs 9-31). A frente para a Rua dos Sapateiros foi mais tarde ampliada com dois pisos (projecto do Arq.º João Simões, em 1937, e do Arq.º Cristino da Silva, em 1938); a frente sobre a Rua Áurea foi prolongada com dois módulos de fachada idênticos aos desenhados por Ventura Terra (projecto de João Simões, em 1949, com obra concluída em 1968). 85 Miguel Ventura Terra (Caminha, 1866 - Lisboa, 1919) foi um arquitecto português de formação portuguesa e francesa. 86 Edifício Art Deco, da autoria do Arq.º Carlos Ramos, de 1921. Apresenta uma fachada tripartida por pilastras jónicas de grande qualidade formal. Aqui instalar-se-ia a firma de publicidade “Havas” que acabará por dar nome ao edifício. 87 Carlos João Chambers de Oliveira Ramos (Porto, 1897 - 1969) foi um arquitecto, e urbanista português. É um dos pioneiros do movimento moderno na arquitetura portuguesa, juntamente com Pardal Monteiro, Cottinelli Telmo, Cassiano Branco, Cristino da Silva, entre outros. A sua obra inicial revela o desejo de sintonia com as tendências avançadas da arquitetura internacional das primeiras décadas do séc. XX, sendo autor de obras emblemáticas desse período em Portugal. Mais tarde viria a aproximar-se do pendor historicista/tradicionalista do estilo oficial do Estado Novo.

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 187 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Ilustração 194 - Sede do Montepio Geral (canto superior esquerdo); Ascensor de Santa Justa (canto inferior esquerdo); Sede do Banco Lisboa & Açores, fachada principal para a Rua Áurea (canto superior direito); Sede do Banco Lisboa & Açores, fachada secundária para a Rua dos Sapateiros (canto inferior direito). (Martins, 2004, p. 144).

No Rossio, o comércio e a hotelaria foram pretextos para a renovação. No entanto, a segunda década do séc. XX viu surgir uma “inovação” de significativa importância no espaço público da praça. O atraente empedrado do Rossio, que anteriormente vimos ser realizado nos anos de 1848 – 49, viria a ser demolido satisfazendo os caprichos de uma vereação indiferente aos protestos da opinião pública, e desapareceu aos poucos para facilitar o trânsito dos eléctricos e outros veículos tendo permanecido um breve vestígio em redor da estátua de D. Pedro IV.

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 188 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Ilustração 195 - A Praça D. Pedro IV após remoção da maioria do empedrado do séc. XIX. (Benoliel, 194-b).

Ilustração 196 - A Praça D. Pedro IV após remoção da maioria Ilustração 197 - A Praça D. Pedro IV após remoção da maioria do do empedrado do séc. XIX. (Seixas, 1947). empedrado do séc. XIX. (Tavares, [ant. 1925]).

Ilustração 198 - A Praça D. Pedro IV após remoção da maioria do empedrado do séc. XIX. (Portugal, 1942).

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 189 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Ilustração 199 - A Praça D. Pedro IV após remoção da maioria do Ilustração 200 - A Praça D. Pedro IV após remoção da maioria empedrado do séc. XIX. (Guedes, [post. 1901a]). do empedrado do séc. XIX. (Bobone).

Na década seguinte, mais precisamente no ano de 1932, uma outra obra única na Baixa surgiria: o inovador projecto final da “carente” Estação Fluvial Sul e Sueste88 da autoria de Cottinelli Telmo89 foi o primeiro equipamento público modernista implantado “num contexto urbano delicado, em frente ao torreão nascente da Praça do Comércio, o espaço reconhecido unanimemente por todos como o grande monumento da cidade.

Junto à Praça do Comércio, a Estação Fluvial do Sul e Sueste […] constituía uma inequívoca afirmação de modernidade internacionalista e era, à data da sua conclusão, o primeiro equipamento público promovido pelo Estado onde tal sucedia. Inaugurada em 1932, nas comemorações do aniversário do Estado Novo, ela foi considerada um testemunho da ressurreição da Pátria, de renovação nacional, verdadeiramente um padrão nacionalista. (Martins, 2004, p. 146).

88 A Estação Fluvial Sul e Sueste, situa-se no Terreiro do Paço, e o seu edificio definitivo foi construído entre 1929 e 1932. É representada como a porta de entrada de Lisboa para quem vem de barco do Barreiro, onde estabelecia a ligação fluvial à outra margem do rio. O edifício da estação foi projectado por Cottinelli Telmo, no estilo Art Déco, sendo considerada como um exemplo da abertura ao modernismo internacional. A estação foi instalada no aterro da Alfândega e veio melhorar a qualidade do serviço prestado aos utentes, considerando-se, também, que a nova estação melhorou a imagem da zona ribeirinha da cidade. 89 José Ângelo Cottinelli Telmo (Lisboa, 1897 - Cascais, 1948) foi um arquitecto e cineasta português. Figura multifacetada, a sua obra abarcou uma enorme diversidade de áreas, destacando-se não apenas na arquitetura e cinema mas também na escrita, poesia, desenho, música, banda desenhada. Destaca-se no âmbito da cultura portuguesa da primeira metade do século XX, surpreendendo pelo vasto número de iniciativas em que se envolveu. Cottinelli Telmo acreditava que a arquitetura não se baseava numa única disciplina, mas sim na unificação de várias disciplinas artísticas.

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 190 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Ilustração 201 - Estação Fluvial Sul e Sueste, séc. XX. (Matias, Ilustração 202 - Estação Fluvial Sul e Sueste, séc. XX. (Matias, 1959a). 1959b).

A década de 30 de Novecentos traria ainda a necessidade de debater a unidade formal da Baixa e a orientação a seguir em obras futuras. Esta conjuntura,

[…] foi uma das motivações para a Câmara Municipal de Lisboa promover, em Agosto de 1934, através do Conselho de Estética Citadina, um concurso para o Melhoramento Estético do Rossio. Os resultados não corresponderam às expectativas e dão-nos um retracto impiedoso da débil cultura arquitectónica do momento. (Martins, 2004, p. 147).

A maioria das propostas a concurso davam continuidade “à prática efectiva das décadas anteriores, deixando a descoberto a disparidade de orientações e a falta de critérios na condução do processo de transformação da cidade” (Martins, 2004, p. 147). Projectos muito amaneirados e quase platerescos90, e frontões esculturais sobre os edifícios centrais eram algumas das propostas; os projectos, no geral, testemunham à excepção de uma proposta de “reintegração” da praça da autoria de Carlos Ramos, um invariável desejo de monumentalização e, portanto, uma total incompreensão dos valores do urbanismo pombalino. Ramos, a exemplo, tomou o “alçado da casa Barros & Santos para padrão do Rossio e, à custa de inverosímeis demolições, ensaiava a duplicação da praça91 […]” (Martins, 2004, p. 147).

90 Plateresco é um estilo arquitetónico exclusivo do renascimento espanhol. Apareceu no início do séc. XV e estendeu-se durante os dois séculos seguintes. O plateresco consiste numa fusão de elementos do mudejar e do gótico flamejante. 91 A radical proposta de Carlos Ramos duplicava para nascente o espaço da praça, reproduzindo as fachadas e criando uma enorme praça que, assim, ficava à medida da Praça do Comércio e que definia a Rua Augusta como um dos eixos viários fundamentais da cidade, a par das Avenidas (Liberdade e Almirante Reis), sacrificando a Igreja de S. Domingos, o mercado e os quarteirões nascente. (Tostões, 2008, p. 197).

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 191 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Ilustração 203 - Edifício Barros & Santos, foi a primeira obra Ilustração 204 - Edifício Barros & Santos. (Ilustração nossa, do Arq.º Carlos Ramos (1920-1921). (Martins, 2004, p. 147). 2019).

De todas as propostas apresentadas “o único resultado efectivo do concurso terá sido a decisão de se reconstruir com fachada «pombalina» o prédio do café Chave d’Ouro (1935)” (Martins, 2004, p. 147), que à data do concurso, havia sido recentemente demolido. Porfírio Pardal Monteiro, arquitecto português que mais adiante destacaremos pela sua relevante importância para a época e para a Baixa Pombalina, não participou no concurso, mas, haveria indirectamente, de tomar posição no debate:

No seu anteprojecto não construído para a sede do Banco de Portugal (1936 – 1938), Pardal argumentava ser completamente impossível a construção actual de um edifício rigorosamente dentro dos moldes pombalinos, que uma reprodução fria e arqueológica seria sempre falsa, por não estar em relação natural com a sua época. Propunha-se, pois, conciliar as tendências do presente com o espírito da arquitectura pombalina e da arquitectura clássica, de forma a deixar evidente que o novo edifício era obra dos homens da época de Salazar. (Martins, 2004, p. 147).

Por outro lado, o concurso de 1934 comportava preocupações com uma outra escala, desta feita, de natureza urbanística. O estrangulamento das ligações entre o Rossio e os principais eixos de desenvolvimento da cidade para norte (Av. da Liberdade e Av. Almirante Reis) era um problema presente e notório. De igual modo, era também do conhecimento geral a necessidade de descongestionar os percursos que partiam da Praça do Comércio, paralelos ao rio (da Rua do Arsenal / Corpo Santo até ao Cais do Sodré; e da Rua da Alfândega para o Campo das Cebolas).

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 192 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Os aterros constituem áreas novas justapostas ao território definido pelo Plano. É uma superfície estranha aposta entre rio e a cidade92. A Praça do Comércio é, assim, a charneira não só formal e estrutural do Plano, mas também simbólica, funcionando como salão de entrada da cidade a partir do rio. Nessa medida, o Cais das Colinas é ponto de equilíbrio, personifica o limite da cidade, constitui marca intocável. (Tostões, 2008, p. 192).

Assim sendo, as décadas de 40 - 50 viram surgir a abertura de uma avenida marginal (num novo aterro) que ligaria a área urbana do Cais do Sodré, atravessando a Praça do Comércio, a Santa Apolónia. Lisboa, especialmente a Baixa, vivia um período em que a relação com o rio era completamente distinta dos dias de hoje, de grande impacto (negativo) a nível do espaço público, uma vez que a cidade vinha virando costas ao rio, e o acesso a este era bloqueado por uma atmosfera e paisagem que não era acessível nem agradável ao ócio. Foi na época (finais de séc. XIX93 e primeira metade do séc. XX) que se começou a desenvolver consciência de que a frente ribeirinha necessitava de intervenção, uma vez que se tratava (e sempre tratou) de uma zona de imenso impacto portuário fortemente ligado à imagem de Lisboa, porém, com enormes obstáculos funcionais, operacionais e organizativos. Na área adjacente à ala poente da Praça do Comércio, salientamos o Arsenal da Marinha cuja presença vincou desde sempre a evolução deste espaço, que era cingido às actividades navais, tratando-se de um local de culto militar e marítimo. A abertura desta avenida marginal (Av. Ribeira das Naus) que quebrou o acesso do Arsenal ao rio, foi concebida para ser um eixo de ligação ribeirinho, porém, transformou a morfologia urbana da frente de água e impediu o desenvolvimento da relação cidade - rio que era tão ambicionada. (Garcia, 2010).

Ilustração 205 - O Arsenal da Marinha e a relação intrínseca com o rio, séc. XX (vista aérea). (Benoliel, [post. 1935]).

92 Aterros como conquista de área ao rio através de terraplenos: aterro da Ribeira das Naus (1947-58) e aterro do Cais do Sodré com a Estação do Cais do Sodré (1928) e linha férrea de Cascais, ou o aterro do Campo das Cebolas com a construção da Estação Fluvial Sul e Sueste (1932). 93 Anteriormente citado, o Aterro da Boavista foi um dos passos dados nesta consciência.

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 193 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Ilustração 206 - Aterro – obras de terraplanagem na ribeira das Ilustração 207 - Aterro – obras de terraplanagem na ribeira das naus, séc. XX. (Benoliel, ant. 1957a). naus, séc. XX. (Benoliel, ant. 1957b).

Ilustração 208 - A Av. da Ribeira das Naus já aberta e a doca Ilustração 209 - A Av. da Ribeira das Naus já aberta e a doca seca da Marinha ainda em obras, séc. XX. (Benoliel, 195-b). seca da Marinha ainda em obras, séc. XX. (Benoliel, 195-a).

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 194 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Ilustração 210 - Av. Ribeira das Naus no cruzamento com o Corpo Ilustração 211 - Av. Ribeira das Naus no cruzamento com o Santo (sentido nascente). (Benoliel, [ant. 1957c]). Corpo Santo (sentido poente). (Benoliel, 1928).

No entanto, a solução integrada dos acessos à Baixa surgiria apenas com a contratação de Etienne de Groër94 como urbanista-consultor da C.M.L; Faria da Costa95, arquitecto- urbanista, por sua vez, desenvolveu os princípios que primeiro foram lançados no Esquisse de l’Amenagement des Environs Immediats du Rossio96 (1939) em função do Plano Director da Cidade de Lisboa (1948) e como base do Plano de Remodelação da Baixa97 (1949). (Martins, 2004).

Oriundo dos planos, um vasto programa de demolições foi prontamente iniciado (no mercado na Praça da Figueira em 1949-50, e no bairro da Mouraria), de modo a permitir o prolongamento da Av. Almirante Reis até à Praça da Figueira através do futuro largo do Martim Moniz, e também a ligação directa entre o Rossio e a Praça dos Restauradores (demolições na Rua 1º de Dezembro e no Largo D. João da Câmara, a partir de 1951). Paralelamente aos estudos que estariam a ser efectuados para outras

94 Étienne de Gröer (Varsóvia, 1882 - Paris, 1952) foi um arquitecto - urbanista de origem polaco-russa, professor no Instituto de Urbanismo de Paris (ao tempo Institut d’urbanisme de l’Université de Paris), que a convite de Duarte Pacheco, à época presidente da Câmara Municipal de Lisboa e pouco depois Ministro das Obras Públicas e Comunicações, a partir de 1938 se fixou em Lisboa, onde trabalhou em parceria com João Guilherme Faria da Costa na elaboração de diversos planos de urbanização. 95 João Guilherme Faria da Costa (Sintra, 1906 - Lisboa, 1971) foi o primeiro arquitecto - urbanista português com formação internacional. Diplomado em Arquitectura pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa (ESBAL) em 1936 e em Urbanismo pelo Instituto de Urbanismo da Universidade de Paris em 1935, foi interveniente no Plano Director de Lisboa (1938-1948) e no Plano Geral da Urbanização de Lisboa. 96 [Estudos e projecto do túnel do Socorro], Arquivo Municipal de Lisboa – Arco do Cego, Projectos da Direcção Municipal de Planeamento e Gestão Urbana, pasta 2-B. 97 Plano de Remodelação da Baixa: Praça da Figueira, Rossio, Rua da Palma e S. Lázaro / Comunicação apresentada pelo Eng. Jorge de Mesquita. (Mesquita, 1950).

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 195 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

zonas afectadas, um anteprojecto de arranjo da Praça da Figueira foi realizado mas nunca levado à prática.

Ilustração 212 - Ante-Projecto de Arranjo da Praça da Figueira. (Martins, 2004, p. 148).

Ilustração 213 - Demolição do mercado de ferro da Praça da Ilustração 214 - Demolição do mercado de ferro da Praça da Figueira, 1949-50. (Benoliel, 1953b). Figueira, 1949-50. (Benoliel, 1953a).

Igualmente por concretizar ficou o projecto desmesurado para as Novas Instalações dos Ministérios das Obras Públicas e das Comunicações (arquitectos Cristino da Silva e António Lino; 1950-1959), na Ribeira das Naus, integrado numa operação mais vasta que multiplicaria os ministérios na vizinhança imediata da Praça do Comércio, reforçando

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 196 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

o seu papel como sede do poder. Desse conjunto apenas seria realizada a ligação entre a Avenida 24 de Julho e a Praça do Comércio (com um traçado que se acreditava ser provisório) e o seu prolongamento em direcção a Santa Apolónia. (Martins, 2004, p. 148).

Ilustração 215 - Maqueta do Estudo de Ligação da Av. 24 de Julho à Praça do Comércio. (Martins, 2004, p. 148).

Fracassada a concretização deste projecto, a frente ribeirinha acabou por não ser valorizada com esta nova centralidade que teria sido muito certamente capaz de inverter o processo de declínio da Baixa que começaria na década de 60. (Tostões, 2008).

Em breve, o novo Plano Director da cidade de Lisboa (coordenado pelo urbanista Georges Meyer-Heine; 1967) viria estabelecer orientações bem distintas, numa deriva infrutífera e penalizadora para o centro da cidade98. (Martins, 2004, p. 148).

Após o desmantelamento do Mercado de Ferro na Praça da Figueira, iriam decorrer arranjos na superfície da mesma, mas rapidamente se transformou num parque de estacionamento automóvel. Destino idêntico teve a Praça do Comércio e a Praça D. Pedro IV (Rossio) praticamente até finais do século XX.

O tráfego é […] corpo estranho capaz de alterar a escala do espaço público, invadindo, com a sua presença e dinâmica, ruas e praças. (Tostões, 2008, p. 193).

As décadas de 50 / 60 / 70 do referido século foram cruciais para este desfecho, numa época em que os veículos (eléctrico e automóvel) tinham primazia sobre o peão no que a espaços públicos da cidade diz respeito, nomeadamente nas três mais importantes praças da cidade (Comércio, D. Pedro IV e Figueira), todas elas concentradas na Baixa (Ilustração 216 / 217 / 218 / 219 / 220 / 222 / 223 / 224).

98 Plano Geral de Urbanização de Lisboa (Plano de Meyer-Heine, 1967). A elaboração deste plano ficou a dever-se à necessidade de um instrumento que enquadrasse a nova realidade urbana da cidade, nomeadamente o aumento do tráfego automóvel, o arranque da rede de metropolitano, a construção da Ponte sobre o Tejo e o início do processo de terciarização do centro e do crescimento dos arredores da cidade. Este plano director retirou à Baixa o papel real e simbólico de centro da cidade, introduzindo uma ruptura de fundo no sentido urbano de Lisboa e do seu sítio. A perda de centralidade implicou gravosas consequências, contribuindo para destruir a Baixa na sua função de coração da cidade de Lisboa.

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 197 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Ilustração 216 - Parque de estacionamento na Praça da Figueira, séc. XX. Ilustração 217 - Parque de estacionamento na Praça (Portugal, 1950). da Figueira, séc. XX. (Benoliel, 1959).

Ilustração 218 - Parque de estacionamento na Praça da Figueira, séc. XX. (Benoliel, ca. 1953).

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 198 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Ilustração 219 - A apropriação da Praça D. Ilustração 220 - A apropriação da Praça D. Pedro IV (Rossio) por parte dos Pedro IV (Rossio) por parte dos automóveis, automóveis, séc. XX. (Serôdio, 1965). séc. XX. ([Adaptado a partir de:] Fernandes, 1961).

Ilustração 221 - A Praça do Comércio antes de ser convertida num parque de estacionamento automóvel, década de 40, séc. XX ([Adaptado a partir de:] Benoliel, 194-a)

Na primeira e segunda metade do séc. XX é possível vislumbrar alterações que vinham a ser feitas a respeito da pavimentação da Baixa. Na ilustração 221 (década de 40) a placa central da Praça do Comércio apresentava uma moldura em calçada portuguesa em redor do seu centro em terra batida; por sua vez, já na década de 60, as vias de tráfego e circulação aparentam apresentar asfalto (Ilustração 224).

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 199 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Ilustração 222 - A Praça do Comércio convertida em parque de estacionamento, Ilustração 223 - A Praça do Comércio década de 60, séc. XX. (Serôdio, 1959b). convertida em parque de estacionamento, década de 60, séc. XX. (Fernandes, 195-).

Ilustração 224 - A Praça do Comércio convertida em parque de estacionamento, década de 60, séc. XX. (Serôdio, 1966).

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 200 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Enquanto a partir da segunda metade do séc. XX, até finais do mesmo, o espaço público primordial da Baixa vinha sendo apropriado da maneira que constatámos, a Praça da Figueira foi a primeira das três praças da Baixa a sofrer uma requalificação99, mais precisamente no ano de 1971-72100. Esta seria a terceira fase de transformação pela qual a Praça da Figueira iria passar, e até ao início do séc. XXI não ficaria por aí.

Ilustração 225 - Praça da Figueira, 1972. (Serôdio, 1972).

Em sentido oposto à apropriação que vinha sendo feita ao espaço público na Baixa, a Rua Augusta, eixo central e estruturante do conjunto, foi fechada ao trânsito automóvel e eléctrico no ano de 1984 e revestida a calçada portuguesa. “Entregue ao peão” na sua totalidade, a Rua Augusta é hoje a rua mais cosmopolita e dinâmica de todo o “tabuleiro” da Baixa Pombalina.

99 Na década de 1960 a Praça da Figueira sofreu uma outra intervenção, desta vez muito invasiva, pois dava-se início à construção da primeira linha de Metro de Lisboa. Uma das estações viria mesmo a ter acesso directo nesta praça. Entretanto foi realizada uma campanha de escavações arqueológicas sob a orientação de Irisalva Moita (a quem está associada a escavação e levantamento do Teatro Romano de Lisboa, na Rua de S. Mamede). A campanha foi produtiva, não só pelos achados materiais recuperados, como pelo levantamento da morfologia de edifícios pertencentes ao Hospital de Todos-os-Santos. 100 Em 1968 foi realizado o contrato para a construção da estátua de D. João I, que dotou a praça, até então “despida” do tradicional elemento. A estátua ao rei que em 1383-85 liderara a revolução que o legitimou no poder, da autoria do escultor Leopoldo de Almeida (1898-1975), seria finalmente erguida em 1971.

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 201 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Ilustração 226 - Rua Augusta, 1963. (Serôdio, 1963a). Ilustração 227 - Rua Augusta, 1963. (Serôdio, 1963b).

Ilustração 228 - Rua Augusta, séc. XX. Ilustração 229 - Rua Augusta, séc. XX. (Madureira, 1960). (Cunha, F., s.d.).

Ilustração 230 - A Rua Augusta antes de ter a "calçada à Ilustração 231 - A Rua Augusta antes de ter a "calçada à portuguesa", mas já funcionando como rua pedonal. (APS, 2012). portuguesa", mas já funcionando como rua pedonal. (APS, 2012).

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 202 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Ilustração 232 - Rua Augusta, vista aérea. (Ilustração nossa, 2018).

Ilustração 233 - Rua Augusta, sentido Praça Ilustração 234 - Rua Augusta, sentido Praça D. Pedro IV (Rossio). (Ilustração do Comércio. (Ilustração nossa, 2019). nossa, 2019).

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 203 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

“Em meados do final do séc. XX, o processo de decadência da Baixa era evidente desde há muito” (Martins, 2004, p. 149). O terrível incêndio101 que assolou o Chiado em 1988102, viria apenas a ser o culminar de tal conjuntura.

Ilustração 235 - Rua do Carmo, Chiado. (Benoliel, 1957). Ilustração 236 - Rua do Carmo, Chiado, em 1988. (Bazard, 1988).

Ilustração 237 - Rua do Carmo, Chiado, na década de 1980, séc. XX. (Estúdio Horácio Novais, 1980?).

101 Diversos incêndios têm fustigado, ao longos dos tempos, o coração da cidade na zona da Baixa-Chiado. Na memória dos lisboetas ficaram visões de noites dramáticas como a do incêndio que destruiu a Igreja de S. Domingos ou, mais tarde, o Teatro D. Maria II. Mas a tragédia que atingiu proporções definitivamente dramáticas ocorreu em 1988 quando, na noite do dia 25 de Agosto, um enorme incêndio destruiu o Chiado numa área compreendida entre a Rua do Carmo e a Rua Nova do Almada, a nascente, e limitada, a poente, pela Rua Serpa Pinto. (Tostões, 2008, p. 222). 102 Á data da elaboração desta dissertação perfazem trinta e um anos desde o incêndio que destruiu o Chiado.

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 204 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Ilustração 238 - Incêndio do Chiado, 1988. (Paula, 2018). Ilustração 239 - Incêndio do Chiado, 1988. (Paula, 2018).

Ilustração 240 - Incêndio do Chiado, 1988. (Paula, 2018). Ilustração 241 - Incêndio do Chiado, 1988. (Paula, 2018).

Ilustração 242 - Incêndio do Chiado, 1988. (Paula, 2018). Ilustração 243 - Incêndio do Chiado, 1988. (Paula, 2018).

O incêndio assinalou de modo dramático a decadência e o despovoamento da zona, a crise dos grandes armazéns, a dificuldade de reconversão e actualização de alguns estabelecimentos comerciais e o quase desaparecimento do uso como habitação que, juntamente com a concorrência de grandes centros comerciais de outras zonas da cidade, conduziram ao progressivo empobrecimento da Baixa e do Chiado. (Tostões, 2008, p. 222).

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 205 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

A reconstrução da área ardida foi entendida uma vez mais, como uma acção impulsionadora para a requalificação e revalorização da cidade. Da autoria do Arq.º Álvaro Siza Vieira103, o plano104 de reconstrução do Chiado estabeleceu um modelo de actuação que se tornou referência fundamental em futuras intervenções. Neste plano foram estabelecidas regras muito rigorosas para a reconstrução das fachadas e, essencialmente, para a definição do (s) espaço (s) público (s).

O plano de reconstrução elaborado por Siza Vieira afirmou-se essencialmente na revalorização do espaço público de acordo com duas vertentes bem vincadas: a primeira foi o facto de encarar o conjunto urbano na sua globalidade de bairro e criar novos percursos urbanos conseguidos graças à utilização de pátios intersticiais nos logradouros; a segunda foi a utilização de um desenho de fachada modulada-tipo que retomou a concepção tipológica pombalina como elemento protagonista da unidade do espaço urbano.

Dos aspectos fundamentais do plano de reconstrução do Chiado é de salientar a abertura de percursos pedonais entre o tardoz dos edifícios que dispunham de frente para as ruas Garrett e do Carmo com acesso através de rampas, à lateral sul da Igreja / Convento do Carmo, assim como, a abertura de um percurso por escadas entre a Rua do Crucifixo e a Rua Nova do Almada (Ilustração 246); e o acesso por túnel desde o Largo do Chiado, entre a estação do Metropolitano (projectada para o cruzamento das ruas Garrett e Ivens) e a Rua do Crucifixo (Ilustração 247). Ainda dos aspectos fundamentais, faz parte, a recuperação e / ou reconstrução das fachadas existentes ou demolidas mantendo as características arquitectónicas originais e ajustando entre as sucessivas alterações executadas ao longo dos anos, confrontando essas mesmas alterações com os alçados-tipo do séc. XVIII, e a melhoria das condições de salubridade e saneamento do interior dos quarteirões.

103 Álvaro Joaquim Melo Siza Vieira (Matosinhos, 1933), é o mais premiado arquiteto português de sempre. Entre 1949 e 1955, estudou na Escola Superior de Belas-Artes do Porto, onde leccionou, de 1966 a 1969, voltando em 1976 (sempre como professor assistente). Fortemente marcado pelas obras dos arquitectos Adolf Loos, Frank Lloyd Wright e Alvar Aalto, cedo conseguiu desenvolver a sua própria linguagem, embebida não só nas referências modernistas internacionais como também na forte tradição construtiva portuguesa, dos quais resultaram obras de grande requinte e detalhe no modernismo português, dos quais se destaca a Casa de Chá da Boa Nova ou a Piscina das Marés, ambas em Leça da Palmeira. A isto, não é alheio, o relacionamento muito próximo com o arquitecto Fernando Távora, seu professor, e uma das principais referências da Escola do Porto, com quem colaborou de 1955 a 1958, desenvolvendo posteriormente forte amizade e cumplicidade criativa. Em 1992 venceu o Prémio Pritzker, da Fundação Hyatt, pelo projeto de renovação na zona do Chiado, em Lisboa. 104 Álvaro Siza Vieira, A Reconstrução do Chiado, Lisboa. (Siza Vieira, 2000).

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 206 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Ilustração 244 – Ortofotomapa da área do Chiado com planta Ilustração 245 – Planta das áreas a reconstruir no Chiado e a das áreas a integrar no espaço público, no âmbito do Plano integrar no espaço público. Siza Vieira, 2000, p. 45). de reconstrução do Chiado sobreposta. (Lisboa. Câmara Municipal, 2019i)(Siza Vieira, 2000, p. 45).

Ilustração 246 – Espaço público no Chiado e os novos percursos implementados aquando do plano de reconstrução. ([Adaptado a partir de:] Siza Vieira, 2000, p. 45).

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 207 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Na ilustração 246 é possível identificar os novos percursos implementados por Siza Vieira no espaço sinistrado do Chiado após o incêndio de 1988. Recuperaram-se antigos percursos medievais entre, e no tardoz dos edifícios que compõem a frente da Rua do Carmo (Bloco B) que levam directamente à Igreja / Convento do Carmo, assim como se estabeleceu um novo uso (público) do logradouro, tanto no Bloco B como no pátio Siza Vieira (Bloco A). No quarteirão dos Armazéns do Chiado (Bloco C), por sua vez, recuperou-se a escadaria entre a Rua do Crucifixo e a Rua Nova do Almada, que decorreu da reintegração no domínio público de um percurso anteriormente ocupado pelo edifício dos Armazéns.

Ilustração 247 – Ilustração representativa da transição entre o Largo do Chiado, a estação de metropolitano Baixa-Chiado e a Rua do Crucifixo. (Campos, 2013b).

Dos aspectos particulares do plano de reconstrução do Chiado salienta-se e assume- se o foco na temática do nosso estudo, isto é, o espaço público. Dos espaços públicos planeados destaca-se a escadaria entre as ruas do Crucifixo e Nova do Almada anteriormente “ocupada” pelo edifício dos Armazéns do Chiado; o pátio no tardoz das construções que constituem frente para a Rua do Carmo e que estabelece a ligação ao Convento do Carmo e respectivos Terraços; o pátio interior (logradouro reabilitado, ilustração 248) do quarteirão limitado pelas ruas Nova do Almada, Garrett e Ivens e

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 208 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

pelas escadas de S. Francisco (Bloco A, Siza Vieira, 2000, p.50); e o referido acesso por túnel desde o Largo do Chiado, entre a estação do Metropolitano (projectada para o cruzamento das ruas Garrett e Ivens) e a Rua do Crucifixo (Ilustração 247 / 252). Relativamente aos espaços públicos planeados para o trânsito de peões e automóveis estes foram cuidadosamente previstos e indicados com a construção, na periferia da zona, de parques de estacionamento cobertos, de dimensão e localização adequadas (a exemplo, o parque de estacionamento Baixa - Chiado na Rua Nova do Almada). Por sua vez, a pavimentação das áreas pedonais e de veículos foram realizadas respectivamente em calçada de pedra calcária e em cubos de granito.

Ilustração 248 – Logradouro do Bloco A, Pátio Siza Vieira. Ilustração 249 – Vista interior do Quarteirão Império. (Ilustração (Ilustração nossa, 2019). nossa, 2019).

Das linhas mestras deste plano de reconstrução, e no âmbito do mesmo, resultou também em 1998 um projecto de intervenção e recuperação de um quarteirão (Companhia de Seguros Império) no Chiado, da autoria do Arq.º Gonçalo Byrne. Estabelecendo uma continuidade com a obra de Siza Vieira, Byrne consolida um quarteirão, no qual estabelece um percurso pelo seu interior conectando a Rua Garrett à Travessa do Carmo (Ilustração 249 / 250 / 251).

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 209 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Ilustração 250 - Vista interior do Quarteirão Império. (Ilustração Ilustração 251 - Vista interior do Quarteirão Império. (Ilustração nossa, 2019). nossa, 2019).

A continuidade crítica assente no contextualismo cultural alarga-se ao contexto urbano. Esta posição coloca a cultura do lugar, o conceito de genius loci, no centro do projecto urbano. A arquitectura passa a situar-se entre os bens culturais do homem e é entendida como possibilidade de criação de lugares significativos, de património. A cultura do lugar promove o estudo da tradição tipológica e formal de cada contexto. Foi o que se passou no final dos anos 80 no plano de reconstrução do Chiado […]. (Tostões, 2008, 220).

Siza Vieira reergueu o Chiado usando o que Aldo Rossi “designa por máquina da memória, acreditando que os «lugares são mais fortes que as pessoas, o ambiente mais forte que o acontecimento»” (Tostões, 2008, p. 222). É esta última afirmação que devemos reter e estender a toda a área da Baixa Pombalina.

Concluído ao longo dos anos 90, repondo os princípios tipológicos do Plano pombalino de Setecentos, o Plano de Reconstrução do Chiado constitui uma obra de referência porque assenta na escolha corajosa de fazer a cidade em continuidade com as permanências. Com inteligência e «humildade corajosa», Siza secundarizou o discurso da linguagem em claro benefício do discurso da cidade. (Tostões, 2008, p. 223).

A extensão da rede de metropolitano no final do séc. XX, por sua vez, com a estação da Baixa - Chiado, esta também da autoria do próprio Siza Vieira (1992-1998), veio assegurar uma centralidade renovada à cidade de Pombal determinante para a sua revitalização no séc. XXI. Esta decisão estratégica partiu em grande parte do plano de reconstrução do Chiado que apontou para a extensão da rede até ao centro da Baixa (à

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 210 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

época os transportes públicos alcançavam apenas a Estação Ferroviária do Rossio), criando assim uma oportunidade única de revitalizar esta área da cidade.

Ilustração 252 – Ilustração representativa da rede de Metropolitano na Baixa. (Siza Vieira, 2000, p. 50).

O futuro da Baixa, à semelhança dos sinais inequívocos que foram dados “pelo Plano de Pormenor para a Zona Sinistrada do Chiado, passa por uma estratégia concertada que lance o futuro e assegure a contemporaneidade” (Tostões, 2008, p. 224). Os projectos estruturantes que mais adiante abordaremos (3.6.4. Séc. XXI: Lisboa Contemporânea), no arranque do novo milénio, são a prova dessa vontade: “de continuar o «primeiro plano integrado», e de confirmar a resistência desse «plano- conceito» excepcional. Como refere José-Augusto França (França, 1987), «é preciso reinventar a Baixa!»” (Tostões, 2008, p. 224).

NOTA:

Em 1994 observaríamos o Plano Director Municipal de Lisboa definir a Baixa como Núcleo Histórico, abrangendo, no entanto, uma vasta área para ocidente da zona protegida. O PDM de 1994 foi aprovado pela Assembleia Municipal em 26 de Maio de 1994 e ratificado pelo Governo em 14 de Julho do mesmo ano através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 94/94, tendo sido publicado no Diário da República n.º 226, I Série - B, de 29 Setembro de 1994.

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 211 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

3.6.3.1. O MODERNISMO E A TOMADA DE CONSCIÊNCIA FACE AO PATRIMÓNIO DA BAIXA POMBALINA

Embora contemporaneamente seja uma evidência, a Lisboa Pombalina como hoje a conhecemos, isto é, a modernidade do plano de reconstrução e o seu valor patrimonial, só muito tardiamente foram reconhecidos. Somente em 1978 a “cidade baixa” foi classificada como Imóvel de Interesse Público (através de decreto, n.º 95/78 de 12 de Setembro), decisão essa que acreditamos estar estreitamente relacionada com a publicação em 1965, da obra pioneira e de dimensão internacional de José-Augusto França105 - “Lisboa Pombalina e o Iluminismo” (França, 1987). França, inclusive, assinala que foi do seu estudo e obra que nasceu o impulso decisivo para novas investigações realizadas pela C.M.L. em 1967 e das quais resultou a “proposta de salvaguarda do património artístico – arquitectónico e histórico dos bairros tradicionais da cidade de Lisboa” (Leal, 2004, p. 6), aprovada a 19 de Fevereiro de 1970.

Entre a proposta de 1970 e o decreto que a efectiva decorreram oito largos anos. Uma demora provavelmente atribuível à transição do regime político, mas que atesta também a tortuosidade do caminho percorrido em face da inexistência de uma categoria legal apta a enquadrar o que hoje correntemente designamos como «património urbano». (Leal, 2004, p. 6).

A Baixa Pombalina acabou mesmo por ser classificada (1978) e foi garantida a salvaguarda do seu edificado com base no mecanismo das “Zonas Especiais de Protecção”, maioritariamente definidas em torno de monumentos singulares. Isto é, a classificação da Baixa fez-se mediante a definição de um perímetro individualizador, a partir do qual se delimitou ainda uma zona de protecção que abrange uma faixa exterior a esse mesmo perímetro com cinquenta metros de largo (Ilustração 253).

105 José-Augusto França (Tomar, 1922) é um historiador, sociólogo e crítico de arte português. Professor Catedrático Jubilado da Universidade Nova de Lisboa, é considerado um nome maior da historiografia da Arte em Portugal.

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 212 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Ilustração 253 - Baixa Pombalina e Praça do Comércio: áreas classificadas e respectivas zonas de protecção. (Leal, 2004, p. 8).

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 213 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Na ilustração 253, podemos constatar que que os limites do espaço protegido em 1978 não cobriu nem atingiu a Praça do Comércio; apenas os edifícios da ala norte integraram esse perímetro. Esta condição é facilmente justificável devido ao facto de a Praça do Comércio ter sido precocemente classificada como Monumento Nacional106 em 1910, sessenta e oito anos antes da restante Baixa ter sido reconhecida como de “Interesse Público”.

Quem de algum modo estiver familiarizado com o teor das apreciações críticas da obra da reconstrução produzidas desde o final do século XVIII até meados do séc. XX não estranhará seguramente a demora dessa classificação, nem o destaque conferido, em 1910, à Praça do Comércio. (Leal, 2004, p. 7).

A Lisboa Pombalina, nomeadamente o plano de reconstrução da cidade, foi desde muito cedo alvo das mais variadas críticas, algumas até severas, por parte de diversas personalidades, desde artistas, arquitectos, viajantes, escritores, historiadores, olisipógrafos, etc., e que sobre a cidade sucessivamente se pronunciaram, “lendo nas soluções implantadas não um projecto de seguro valor artístico, mas uma realização marcada por sintomas de «marginalidade estética»” (Leal, 2004, p. 7). Monotonia, pragmatismo, economia de meios, repetição, ausência de fantasia e originalidade foram várias as críticas levantadas ao conjunto urbano da Baixa que sobre ela lançaram uma vasta sombra, “tão vasta que cobriu inicialmente, para além da arquitectura e do traçado urbanístico, a própria Praça do Comércio” (Leal, 2004, p. 7).

Homens de épocas e formações tão diversas como José da Costa e Silva e Raul Lino (arquitectos), J. B. F. Carrère (viajante estrangeiro), Alexandre Herculano e Almeida Garrett (poetas, escritores), Júlio de Castilho (jornalista, poeta, escritor, político), bem como ainda, o núcleo de arquitectos modernistas envolvidos no concurso promovido pela C.M.L. em 1934 para a apresentação de um plano de melhoramento estético do Rossio – que incluiu profissionais como Cottinelli Telmo e Cassiano Branco – foram todos vozes unânimes na condenação do plano de reconstrução107.

Depois de quase dois séculos de desprezo pelo Plano de 1758 […], é no quadro contemporâneo e de um modo claro, quando são assumidas disciplinarmente as valências técnica, formal e ideológica da arquitectura do movimento moderno, que o Plano de 1758 conduzido pelos engenheiros militares da Casa do Risco pombalina é reconhecido pelos arquitectos modernos. Em primeira mão, ainda nos anos 30, de um modo inequívoco por Carlos Ramos […], e, na década seguinte, valorizado publicamente

106 A Praça do Comércio foi classificada como Monumento Nacional a 16 de Junho de 1910. 107 Ler artigo “Legitimação artística e patrimonial da Baixa Pombalina – Um percurso pela crítica e pela história da arte portuguesas, Revista Monumentos 21, 2004 (Leal, 2004).

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 214 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

em quadro internacional por Porfírio Pardal Monteiro […]. Ramos e Pardal destacam-se no conjunto da sua geração, dita modernista, porque realizam o que se pode designar por um pensamento global sobre a cidade. (Tostões, 2008, p. 170).

As vozes que se levantaram na condenação da Baixa “contrastam vivamente com o tom entusiasta” (Leal, 2004, p. 10) com que Porfírio Pardal Monteiro108 apresentou a obra da reconstrução como precursora do Movimento Moderno. No momento em que a Baixa começava a ser estudada com objectivos de transformação radical por Faria da Costa no quadro amplo do Plano Director de 1938-48, Pardal Monteiro elaborou a primeira tomada de posição em quadro internacional, revelando publicamente as suas reflexões actualizadas, cultas e inteligentes sobre o Plano de 1758, que confirmam a modernidade do seu pensamento. A 4 de Outubro de 1947, Pardal Monteiro dedicou uma conferência em Madrid cujo título fora – “Os portugueses precursores da arquitectura moderna e do urbanismo”. Sem revelar o tema e ainda antes da sua publicação, Pardal Monteiro repetiu-a um ano mais tarde, em 1948, desta feita a convite da C.M.L. apresentando-a com um título bastante mais esclarecedor: “Eugénio dos Santos precursor do urbanismo e da arquitectura moderna”. Pela primeira vez, um arquitecto português, expunha e concretizava, formal, pública e internacionalmente, uma chamada de atenção e uma reflexão estruturada sobre a importância e relevância cultural do processo de reconstrução do centro da cidade de Lisboa após a catástrofe de 1755 e o Plano da Baixa de 1755-58, assim como a sua actualidade (à época).

Pardal Monteiro reivindica “«ter sido em Portugal que, pela primeira vez, na história da arquitectura se puseram em prática as ideias que justificam a chamada arquitectura moderna e se conceberam ideias largas sobre urbanismo»”, estranhando porém, que os arquitectos “«não tenham procurado tirar desses factos o partido»”, e que ao longo de quase dois séculos tenham mesmo “desvalorizado, torpedeado e desrespeitado esse bem”. Afirmando o que ainda ninguém tinha revelado, isto é, “a modernidade do Plano e sobretudo o seu pioneirismo”, Pardal Monteiro crê que não seria atrevimento nenhum afirmar também que “«cabe aos portugueses a primazia de terem, em pleno século

108 Porfírio Pardal Monteiro (Sintra, 1897 - Lisboa, 1957) foi um arquitecto e professor universitário português. Pardal Monteiro é um dos mais importantes arquitectos da primeira metade do Século XX em Portugal e juntamente com um grupo notável, a que pertenceram Cottinelli Telmo, Carlos Ramos, Luís Cristino da Silva, Cassiano Branco irá protagonizar a viragem modernista da arquitectura portuguesa. Pardal Monteiro destaca-se como "o que mais construiu e que se celebrizou como primeiro moderno. Sem concessões, foi capaz de pegar no fio da tradição para inovar". A sua obra marcou a cidade de Lisboa, tendo sido responsável por muitas das mais importantes realizações arquitectónicas entre as décadas de 1920 e 1950.

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 215 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

XVIII, dado realização ao mais vasto e perfeito plano de urbanização de uma cidade»”. (Tostões, 2008, p. 199-200)

Também a compreensão funcional da magnificência da Praça do Comércio é clara, bem como do papel do Rossio e do Cais do Sodré: «Destinada à instalação dos grandes serviços públicos, [a Praça do Comércio] exprime a dignidade do Estado, [enquanto que o Rossio] a segunda praça, futuro centro comercial, [constitui] tapete interior de distribuição [onde] se concentra ainda hoje o maior movimento de Lisboa. O cais do Sodré, praça de importância secundária, constitui exemplo típico de descongestionamento local e de adaptação racional e lógica às características do terreno.» Pardal Monteiro considerava que estas praças constituíam «os pontos principais da composição» e que «a malha que os une é o resultado da ideia de ordenar (…) o lógico aproveitamento dos terrenos, sobrepondo», o que era fundamental afirmar, o «interesse público ao privado». (Tostões, 2008, p. 200).

Muitas vezes odiada, muitas vezes descontextualizada e muitas vezes renegada, a opinião geral sobre a Baixa desde sempre fora muito negativa, e é significativo que apenas em 1910, por decreto-lei, a Praça do Comércio tenha sido o único elemento da reconstrução a ser classificado como Monumento Nacional, recebendo em 1929 uma operação de recuperação do Cais das Colunas e da sua plataforma central (tendo sido retiradas as árvores e os quiosques).

É importante também realçar e assinalar que, apesar de toda a área de intervenção final do plano, a qual incluiu a zona da Baixa mas também toda a colina de S. Francisco (Chiado) até à zona de S. Paulo / Remolares (Cais do Sodré), apenas o desenho ortogonal da Baixa tenha sido foco de crítica continuada e posterior intenção de constantes melhoramentos.

Talvez se explique pela sua centralidade e relevância simbólica, mas também porque a maior flexibilidade do desenho e da execução do Plano nas outras áreas lhes conferiu uma feição menos dogmática e, assim, menos sujeita a críticas. O tabuleiro da Baixa é o expoente máximo da cultura urbanística que presidiu ao planeamento global da cidade […]. (Rossa, 2008, p. 26).

O Rossio (Praça D. Pedro IV) é desde há muito, o centro do pulsar quotidiano de Lisboa, emergindo da renovação pós-terramoto aos olhos da cidade e da sociedade como inexplicável parente pobre do outro espaço público de referência, a Praça do Comércio, antes (e para sempre) Terreiro do Paço. O Rossio, devido a novos requisitos de comércio ao longo dos séculos sofreu diversas intervenções pontuais (eclécticas) que muitos consideravam ter afectado a sua unidade e monumentalidade, o que se entendia como irreversível e como incapacidade de adaptação a novidades.

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 216 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Devido a uma relação intrinsecamente difícil entre os intelectuais e a Baixa, e devido também à maneira como se encarou e encarava o modo de intervir no património edificado, esta esteve em risco iminente de ser objecto de uma profunda descaracterização programada. No entanto, é deveras curioso que tenha sido Pardal Monteiro, arquitecto modernista, a primeira voz activa numa “grande chamada de atenção internacional e específica para a genialidade e vanguardismo do bem” (Rossa, 2008, p. 27).

E como? Pela percepção da sua modernidade expressa na desornamentação, na recusa da monumentalidade, no abandono de eixos privilegiados, na racionalidade do traçado e do desenho, na estandardização, na pré-fabricação e construção em série, na economia, na subordinação dos detalhes aos princípios gerais, na antecipação e antevisão do planeamento ao crescimento urbano, etc. Pardal Monteiro argumenta que “resultam para a chamada Arquitectura Pombalina extraordinárias afinidades com a Arquitectura moderna, em todo o Mundo. (…) O carácter da Arquitectura Moderna deriva de causas muito sérias, como aconteceu no século XVIII em Portugal. (Rossa, 2008, p. 27).

Também é claro que o arquitecto Pardal Monteiro “não foi o primeiro das (raras) vozes que defenderam a Baixa, nem o seu estudo foi, em absoluto o primeiro que a obra dos arquitectos pombalinos suscitou109” (Leal, 2004, p. 10). Em 1942, antes de Pardal Monteiro, também Francisco Keil do Amaral110 (1910 – 1975) – outro destacado arquitecto português – considerou o pombalino como “constituindo uma das mais sólidas e portuguesas expressões de arquitectura” na qual “a real beleza dos conjuntos fazia esquecer certa pobreza de pormenores”. Com isto, após ensaios críticos de 1942, 1947 e 1948, dois marcantes nomes da arquitectura moderna portuguesa – Keil do Amaral e Pardal Monteiro – abrem perspectivas de valorização do conjunto da Baixa, resultado do processo de reconstrução do centro da cidade destruído pela catástrofe de Novembro de 1755. “Sempre pelo precursor Modernismo que veicularia.” (Rossa, 2008, p. 31) (Rossa, 2008).

Após esta tomada de posição e num ambiente propício e natural, a opinião favorável e de valorização do conjunto da Baixa foi-se desenvolvendo. Vários trabalhos de

109 Aqueles que até à década de 40 do séc. XX manifestaram um maior interesse pelo fenómeno do terramoto de 1755 e prestado homenagem à cidade da reconstrução detinham, na sua maioria, uma formação militar de engenharia que os levava a reivindicar orgulhosamente a herança de Manuel da Maia, Eugénio dos Santos e Carlos Mardel. É o caso da obra do capitão F. Pereira de Sousa – Effeitos do Terramoto de 1755 nas Construcções de Lisboa. (Leal, 2004, p. 10). 110 Francisco Keil do Amaral (Lisboa, 1910 - Lisboa, 1975) foi um arquitecto português. Autor de uma produção teórica de relevo e de uma vasta obra construída, a sua acção foi determinante para a consolidação de uma plena consciência moderna na arquitectura em Portugal.

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 217 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

urbanistas começaram a surgir, entre eles, em 1935, o de Alfred Agache111 que estuda e apresenta três propostas um pouco radicais para solucionar o estrangulamento de tráfego que se fazia, à época, notar na Rua do Arsenal, e que conduziria ao desastre urbanístico e cultural que fora a Avenida da Ribeira das Naus até há relativamente pouco tempo antes do projecto de requalificação do espaço público da Ribeira das Naus (2012) da autoria dos arquitectos João Nunes (PROAP) e João Gomes da Silva (GLOBAL). Também Etienne de Gröer, arquitecto – urbanista que viria a elaborar o Plano Director de Urbanização de Lisboa (1946-48), debruçou-se mais seriamente sobre a área, propondo uma solução de correcção cirúrgica, quarteirão a quarteirão, para saneamento e mobilidade, sem nunca colocar em causa a cércea e o traçado112. De Gröer considerava que a cidade baixa possuía um carácter histórico e arquitectura que era preciso conservar; no entanto, “necessitava de uma profunda transformação para satisfazer as novas necessidades de circulação, assim como as de higiene e saneamento modernas” (Tostões, 2008, p. 208).

É, pois, um facto que a chamada de atenção de Pardal Monteiro sobre a Baixa e os seus arquitectos teve antecedentes e não foi inocente, até porque, como vimos, estava então em curso a elaboração do Plano Director de Urbanização de Lisboa no qual Etienne de Gröer para ali propunha uma profunda transformação. […] Aquele arquitecto-urbanista tinha uma posição muito crítica em relação aos princípios modernistas expressos na Carta de Atenas (1931), em especial no que dizia respeito à verticalização. Tudo leva a crer que viu na Baixa não a necessidade de inovar, mas sim de potenciar as suas características urbanas, sendo para tal necessário intervir – corrigindo – à luz daquilo que então eram consideradas necessidades prementes (higiene, mobilidade, etc.). (Rossa, 2008, p. 32).

Tanto a década de 30 como a de 40 do séc. XX foram férteis em discussão a respeito da Baixa. Olisipógrafos, historiadores, alguns dos mais importantes arquitectos portugueses e os mais destacados arquitectos – urbanistas estrangeiros a actuar em Portugal faziam parte de uma voz que se levantava a respeito do património da cidade.

“A valorização modernista e dos críticos do Modernismo ocorreu […], essencialmente sobre a Baixa e muito à conta das suas expressões arquitectónicas” (Rossa, 2008, p.

111 Alfred Agache (Tours, 1875 - Paris, 1959) foi um arquiteto francês, amplamente reconhecido por ter planeado a urbanização de várias cidades brasileiras como Rio de Janeiro, Recife, Porto Alegre e Curitiba nas décadas de 1940 e 1950. Agache foi também um dos fundadores da Sociedade Francesa de Urbanistas. 112 Prova cabal do verdadeiro e peculiar interesse de Etienne de Gröer pela Baixa é o facto de em 1936 – ainda antes de ter trabalhado como urbanista em Portugal, o que apenas ocorreu em 1938 – ter publicado um artigo intitulado “Lisbonne, exemple d’urbanisation au XVIIIème siècle” na revista La Vie Urbaine. Esta revista era editada pelo Institut d’Urbanisme onde leccionara antes de se fixar em Portugal, fugindo aos nazis. (Tostões, 2008, p. 208).

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 218 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

35). Apenas Pardal Monteiro “deu relevância ao planeamento além dela, ao processo e ao modelo ideológico e de gestão implícito” (Rossa, 2008, p. 35). Seguir-se-lhe-iam, com outra dimensão, enfoque e interesses, José-Augusto França e, entre outros, mais recentemente, Walter Rossa113.

Por último, mas que, em termos de cronologia, se converte no primeiro, é de salientar o contributo basilar para a articulação do pensamento de todos os protagonistas até aqui invocados, de Christovam Ayres de Magalhães Sepúlveda114 e o seu livro “Manuel da Maya e os Engenheiros Militares Portugueses no Terremoto de 1755” (Ayres, 1910).

Se a historiografia portuguesa, só na década de 60 do séc. XX “atribuiu a devida importância ao fenómeno cultural «Baixa Pombalina» com o trabalho pioneiro de dimensão internacional realizado por José-Augusto França” (Tostões, 2008, p. 171) (França, 1987), no quadro da produção arquitectónica, só no início da década de 90 a reconstrução do Chiado conduzida por Siza Vieira “vem repor a dignidade e o carácter do Plano de 1758 como mote para a intervenção contemporânea” (Tostões, 2008, p. 171).

A Baixa que hoje conhecemos resulta de um processo em rede assente no desenvolvimento de novos tipos urbanos, como o prédio de rendimento ou a igreja integrando o conjunto do quarteirão. Com o Plano de 1758, a unidade passou a ser o quarteirão com prédios uniformes. Foi essa unidade que determinou o carácter do conjunto urbano e, ao mesmo tempo, a sua elasticidade, capacidade de transformação e resistência. (Tostões, 2008, p. 170).

3.6.4. SÉC. XXI: LISBOA CONTEMPORÂNEA

O séc. XXI foi novamente um momento de viragem para a Baixa e para a cidade de Lisboa. A necessidade de pensar e planear Lisboa a longo prazo originou que diversas obras fossem projectadas com apontamentos para o futuro e que acabam por marcar profundamente a Lisboa metropolitana, em particular a Baixa Pombalina. Foi indispensável “repensar a Baixa, repensar um espaço que já foi o centro único da cidade

113 Walter Rossa (Caracas, 1962) é um arquitecto, urbanista e académico português. É arquitecto pela Universidade Técnica de Lisboa (1985), mestre em História da Arte pela Universidade Nova de Lisboa (1991), doutor (2001) e agregado (2013) em Arquitetura pela Universidade de Coimbra, professor catedrático da Faculdade de Ciências e Tecnologia (1989) e investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (2007). 114 Christovam Ayres de Magalhães Sepúlveda (1853 – 1930) foi Tenente-Coronel de Cavalaria, Lente da Escola do Exercito, deputado, governador civil de Bragança e de Coimbra, sócio efectivo da Academia das Ciências, da Academia de Historia de Madrid, do Instituto de Coimbra. Foi escritor, poeta, e jornalista.

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e, hoje, é uma das principais centralidades desta grande cidade multipolar” (Salgado, 2008, p. 235).

A partir dos finais do século XIX e primeira metade do século XX, a necessidade de concentrar mais serviços públicos, os bancos, sedes de empresas, os grandes armazéns e o «novo» comércio, assim como a instalação de novos meios de transporte público, como o comboio, os cacilheiros, os eléctricos e os elevadores públicos, mas também por força dos vários grandes incêndios que a assolaram, a Baixa foi forçada a modernizar- se, tanto com intervenções no espaço público, como no edificado. (Salgado, 2008, p. 235).

A partir da década de 1990, deu-se início a um novo capítulo na já muito longa história da Praça da Figueira (que consideramos por 4ª fase no registo até agora estudado), desta vez associada à construção de um parque de estacionamento subterrâneo. Simultaneamente à construção do estacionamento, em 2004, foi apresentado o projecto de requalificação da Praça da Figueira da autoria de Daciano da Costa115 (projecto datado de 1999) e da arquitecta Ana Monteiro da Costa, que previa uma total reformulação do espaço público e o revestimento de grande parte dos edifícios com azulejaria de padrões de azul e branco (projecto esse que não avançou). O projecto de Daciano da Costa incluía ainda a valorização do monumento equestre de D. João I (acção que foi concluída com a sua deslocação para o alinhamento com Rua da Prata) e o reordenamento, reequipamento e sinalização gráfica da praça (acção parcialmente concluída com a agregação do novo pavimento e novo mobiliário urbano), acções essas que decorreram após a construção do parque de estacionamento subterrâneo.

À data de apresentação do projecto em 2004, foi anunciado que numa das alas da praça, cada edifício e diversos pisos teriam azulejos com motivos próprios. De acordo com fontes da época, seriam mais escuros em baixo e mais leves no topo, um revestimento duradouro e de fácil manutenção. “A Praça da Figueira perdeu a sua componente popular quando desapareceu o mercado. Depois tentou-se dar um ar de praça real, que nunca teve, colocando a estátua no centro. Tínhamos de valorizar aquele monumento”; “existiu um sentido simbólico ao colocar a estátua onde hoje ela está”, terá justificado Daciano Costa, autor do projecto, que defendia ainda que o espaço que sobra na praça tinha a capacidade de ser utilizado para outras actividades e que deveria ter uma forte componente popular. “Havia que requalificar os edifícios envolventes e pensámos nos azulejos, que são uma reserva da própria arte portuguesa”, explicava, acrescentando

115 Daciano da Costa (Lisboa, 1930 - Lisboa, 2005) foi um arquitecto, pintor, designer e professor português. Daciano Costa é ainda uma figura de referência na área do Design de Equipamento em Portugal.

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que à data se assistia a uma “africanização da cidade, com cores berrantes, o que contraria a arquitectura portuguesa”. “Há que voltar a integrar o azulejo na cidade, mas com um padrão mais singelo. Isto é uma intervenção mais cívica do que plástica”, concluía. (JCD, 2010) (Agência Lusa, 2004).

Relativamente à estátua de D. João I, esta foi efectivamente realinhada segundo o eixo da Rua da Prata, mas relativamente à grandeza e afirmação deste projecto de intervenção pouco se retira. A Praça da Figueira é actualmente, na Baixa, um lugar expectante e pouco cuidado, com prédios degradados aguardando obras. É uma praça que, essencialmente, se tornou um lugar de culto de adeptos do skate e onde dormem pessoas em situação de sem-abrigo sobre os ventiladores do parque de estacionamento. É, infelizmente, uma praça vandalizada, pelo desleixo de quem não a limpa, de quem não cuida de um espaço nobre no centro da cidade. É uma espécie de “traseiras” da mais cosmopolita e, ainda assim, um pouco expectante (no que à reabilitação do edificado se refere), Praça D. Pedro IV (Rossio).

Ilustração 254 - Estátua equestre D. João I, Praça da Figueira. (Ilustração nossa, Ilustração 255 - Estátua equestre D. João I, 2019). Praça da Figueira. (Ilustração nossa, 2019).

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Ilustração 256 - Praça da Figueira e o seu edificado. (Ilustração nossa, 2019).

Ilustração 257 - Pavimento Praça da Figueira. (Ilustração nossa, Ilustração 258 - Acesso ao parque de estacionamento 2019). subterrâneo, Praça da Figueira. (Ilustração nossa, 2019).

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Ilustração 259 - Eixo de alinhamento entre a estátua equestre D. João I (Praça da Figueira) com a Rua da Prata. (Ilustração nossa, 2019).

Paralelamente à intervenção na Praça da Figueira, em 2001 foi a vez da Praça D. Pedro IV (Rossio) ser alvo de intervenção. Com o objectivo de proceder à requalificação da praça D. Pedro IV, o Metropolitano de Lisboa S.A. lançou um concurso público para adjudicação da referida empreitada. O projecto / obra teve como objectivo a requalificação urbana de uma das principais praças de Lisboa, com uma área de intervenção total de aproximadamente 20.000 m2, nos seguintes espaços: Praça D. Pedro IV – Rossio, Rua do Amparo, Calçada do Carmo, Rua da Betesga, Praça D. João da Câmara, Rua 1º de Dezembro, Largo Duque de Cadaval, Largo do Regedor, Largo de S. Domingos, Rua Barros Queirós, Rua D. Antão de Almada, e Travessa Nova de S. Domingos. Os trabalhos consistiram essencialmente na renovação de todos os sistemas de infra-estruturas (água, gás, electricidade, telecomunicações, pluviais), substituição de pavimentos e arranjos paisagísticos.

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Ilustração 260 - Imagem aérea da Praça D. Pedro Ilustração 261 - Imagem aérea da Praça D. Pedro IV e Praça da Figueira, IV e Praça da Figueira, Lisboa. (Jorge, 2013). Lisboa. (Jorge, 2013).

Ilustração 262 - Imagem aérea da Praça D. Pedro IV e Praça da Figueira, Lisboa. (Jorge, 2013).

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Em 2007 foi finalmente inaugurada a Estação de Metropolitano do Terreiro do Paço (e de Santa Apolónia). As obras do Metro de Lisboa para a ligação da Baixa - Chiado a Sta. Apolónia são controversas na cidade de Lisboa (e particularmente na Baixa), quer pela demora na sua conclusão quer pela derrapagem financeira, em grande parte ambas as situações causadas pelo acidente no túnel do Terreiro do Paço a 9 Junho de 2000. Aquando da perfuração das aduelas do túnel houve uma inundação de água e lodo que provocou a paragem imediata da obra. À superfície o problema foi visível com o abatimento do passeio e parte da Av. Infante D. Henrique. O caos instalado foi significativo, com o corte da circulação rodoviária e pedestre e o desvio da linha fluvial para o Cais do Sodré. Este acidente atrasou de sobremaneira a construção da estação do metro do Terreiro do Paço. Não obstante todo o processo administrativo e político que rodeou toda esta intervenção, o atraso na conclusão da obra foi por demais evidente, com a adjudicação da obra a ser realizada em 1995, o primeiro prazo de conclusão foi 1997 e a inauguração ocorre apenas no fim de 2007.

Ilustração 263 – Aspecto urbano da Praça do Comércio aquando das obras do metropolitano. (Ferreira, 2013).

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Um ano mais tarde, em 2008 a C.M.L. aprovou o Plano Geral de Intervenções da Frente Ribeirinha116. Este plano pretendeu adoptar uma estratégia de actuação que permita criar uma imagem conjunta para toda a frente ribeirinha, preservar o património histórico, aproximar a cidade do rio através do desenvolvimento de um novo sistema de vistas e promover a utilização da zona ribeirinha como uma área prioritária para revitalização da cidade. Para o desenvolvimento desta estratégia foram previstas uma série de intervenções ao longo dos 19 quilómetros de frente ribeirinha desenvolvidos pela Sociedade Frente Tejo; no entanto a área em estudo que pretendemos elevar será a frente ribeirinha entre o Cais do Sodré e Santa Apolónia que intercede directamente na área urbana da Baixa Pombalina. Um vasto conjunto de intervenções são enquadradas nesta estratégia de renovação e reconversão da frente ribeirinha, visto que esta apresenta em toda a sua extensão diversos problemas de ligação com a malha urbana da cidade que carecem de forte intervenção, de forma a garantir uma melhor qualidade de vida destas áreas. As zonas destacadas pela Sociedade Frente Tejo de importância predominante são as da frente ribeirinha pombalina, nomeadamente o eixo Belém- e do aterro da Boavista à estação de Santa Apolónia.

Com a construção dos aterros e do Porto de Lisboa, nos finais do século XIX, a cidade ficou privada do seu ancestral convívio com o rio. Recentemente, algumas áreas portuárias e ribeirinhas foram sendo libertadas e estão a ser convertidas para serem usufruídas pelas pessoas. Finalmente, o Tejo volta a ser nosso. (Lisboa. Câmara Municipal, 2019k).

116 Pretendeu-se com esta proposta contribuir para a implementação de uma estratégia que contribuisse para a valorização de Lisboa ao nível regional, como centro de uma grande Área Metropolitana nacional, como capital do País; e internacional enquanto grande metrópole europeia, privilegiando a relação da cidade com o rio, e o estuário como a grande mais valia para a afirmação da cidade.

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Ilustração 264 - Projectos de Intervenção na Frente Ribeirinha entre o Cais do Sodré e Sta. Apolónia. (Lisboa. Câmara Municipal, 2019k).

Na ilustração 264 podemos verificar o programa de intervenções para a frente ribeirinha entre o Cais do Sodré e Santa Apolónia. Numeradas de um a seis temos: [1] a requalificação do espaço público do Cais do Sodré / Corpo Santo; [2] a requalificação da Ribeira das Naus; [3] a requalificação da Praça do Comércio / Terreiro do Paço; [4] reabilitação da Estação Sul e Sueste e requalificação do espaço público envolvente; [5] requalificação do espaço público do Campo das Cebolas e da Doca da Marinha; [6] projecto de raiz do Terminal de Cruzeiros de Lisboa e espaço público circundante. Na numeração sete e oito, está previsto um programa de acessibilidades: [7] corresponde às novas acessibilidades à colina do Castelo e o [8] diz respeito à ciclovia ribeirinha.

O prolongamento da linha do metropolitano até ao Cais do Sodré (1998) foi uma das primeiras intervenções no espaço histórico da frente ribeirinha pombalina. A inauguração das estações de metropolitano do Terreiro do Paço e Santa Apolónia, em 2007, demonstram uma notória preocupação com o sistema de acessibilidades, multiplicando, desta maneira, a oferta de transportes públicos, conduzindo as pessoas do centro histórico e da malha urbana da cidade ao rio de maneira mais simples e

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directa. Assim, o espaço urbano (público) é desenvolvido de modo a garantir melhor cuidado e qualidade de vida a quem dele usufrui.

De acordo com o programa de intervenções para a frente ribeirinha, deu-se início a diversas intervenções a nível de ordenamento do espaço público e do tráfego viário. Uma vez que a requalificação do espaço público do Cais do Sodré / Corpo Santo e o projecto do Terminal de Cruzeiros e Santa Apolónia, situam-se a ocidente e oriente respectivamente, da nossa área de estudo (Baixa Pombalina), foquemo-nos essencialmente nas intervenções enquadradas a meio das mesmas. Isto é, a requalificação do Terreiro do Paço, Ribeira das Naus, Estação Sul e Sueste, Campo das Cebolas, e a nível de percursos acessíveis, o percurso pedonal assistido pela Rua da Vitória que perfaz a ligação entre Chiado – Baixa – Castelo.

A requalificação do Terreiro do Paço / Praça do Comércio (da autoria do Arq.º Bruno Soares), intervenção iniciada em 1998 e apenas concluída em 2011, apresenta-nos uma nova reorganização da praça, com um novo pavimento e consequente sistema viário, melhorando consideravelmente o usufruto da praça por parte das pessoas que a percorrem e contemplam. Ainda no âmbito desta requalificação estabeleceram-se no Terreiro do Paço, pela primeira vez desde o séc. XVIII, novos estabelecimentos culturais, de restauração e lazer. No âmbito da requalificação do Terreiro do Paço, em 2013, foram ainda executadas as obras de restauro da estátua equestre de D. José I e o do Arco da Rua Augusta, cuja intervenção incluiu a criação de um elevador de acesso à plataforma superior do Arco e que confere hoje à cidade mais um emblemático miradouro.

Na mesma vaga de intervenções ribeirinhas na Baixa, entre 2013 e 2014, a Ribeira das Naus foi intervencionada e posteriormente inaugurada em duas fases distintas. O projecto é da autoria dos arquitectos João Nunes (PROAP) e João Gomes da Silva (GLOBAL).

O Projecto da Ribeira das Naus consiste num processo de recriação do sítio, que apresenta a contemporaneidade como sinónimo de qualidade, com respeito pelo espírito do lugar, pela cidade e pelos seus cidadãos. Teve como objectivo a criação de um novo espaço público que privilegia o peão e o contacto com o rio. (Lisboa. Câmara Municipal, 2019k).

A primeira das duas fases de intervenção na Ribeira das Naus consistiu essencialmente em obras de requalificação de infra-estruturas e no avanço da margem sobre o Tejo que

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permitiu a criação da nova Av. Ribeira das Naus e de uma escadaria ribeirinha. Esta primeira fase foi inaugurada a 23 de Março de 2013.

Ilustração 265 - Av. Ribeira das Naus. (Ilustração nossa, 2019). Ilustração 266 - Av. Ribeira das Naus, escadaria ribeirinha. (Ilustração nossa, 2019).

Por sua vez, a segunda fase de intervenção foi concentrada na parte terrena do lugar e consistiu na criação de um jardim público. Onde outrora esteve instalado o gradeamento das Instalações da Marinha Portuguesa, hoje existe um jardim inteiramente vocacionado para o público, onde é possível passear, vislumbrar a doca seca (que antigamente estava enterrada) onde eram construídas e recuperadas as Naus das Descobertas, e reencontrar o antigo Cais da Caldeirinha e as estruturas do Palácio Côrte-Real (outrora parte do complexo palaciano do Paço da Ribeira). O Jardim da Ribeira das Naus foi finalmente inaugurado a 13 de Julho de 2014117.

Ilustração 267 - Av. Ribeira das Naus, jardim. (Ilustração nossa, Ilustração 268 - Av. Ribeira das Naus, doca do Caldeirinha. 2019). (Ilustração nossa, 2019).

117 Está ainda prevista uma 3ª fase, em complemento da requalificação da Ribeira das Naus, em que se prevê em colaboração com a Marinha Portuguesa a criação de um equipamento público de divulgação dos Descobrimentos Portugueses: trata-se do Museu “Projecto Descobrir”.

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O projecto da Ribeira das Naus pretende, na sua essência, articular a beleza histórica do lugar à experiência ribeirinha em primeira mão, que outrora fora negada aos lisboetas e a todos os cidadãos.

Paralelamente às intervenções que iam sendo levadas a cabo na frente ribeirinha da cidade, também a malha da Baixa Pombalina ia sofrendo intervenções de ordenamento no seu espaço público. Exemplo disso mesmo é o caso do percurso assistido Baixa – Castelo de S. Jorge, que atravessa uma das transversais do conjunto da Baixa: a Rua da Vitória. Este projecto, da autoria de João Pedro Falcão de Campos, foi igualmente dividido em duas fases. A primeira das fases diz respeito à requalificação urbana dos espaços afectos ao percurso nomeadamente questões de acessibilidade e de pavimento ao longo da Rua da Vitória (fase datada de 2009); a segunda diz respeito ao Edifício de Acolhimento que se situa na Rua dos Fanqueiros no cruzamento com a Rua da Vitória. Neste edifício estão presentes os elevadores que consequentemente fazem a ligação à Rua da Madalena para posterior prolongamento do percurso rumo ao Castelo de S. Jorge. Este projecto data de 2009 e apenas ficou concluído (após construção dos elevadores) em 2013.

Na senda do reordenamento do centro da capital, em 2016, a Rua do Arsenal e a Rua da Alfândega foram também alvos de intervenção. Com o objectivo de promover novas condições de utilização pública dos espaços da frente ribeirinha da Baixa Pombalina, implicando uma profunda alteração no sistema de circulação desta zona central e histórica da cidade, nomeadamente através do reordenamento da circulação rodoviária, da valorização do sistema de transportes públicos e da preferência dada à circulação e uso pedonal do espaço público, o Projecto de Execução da Rua do Arsenal e Rua da Alfândega promovido pela C.M.L. enquadra-se num conjunto de alterações com o objectivo de proporcionar novas condições de utilização pública dos espaços da frente ribeirinha da Baixa. A intervenção, na sua essência, consiste no reperfilamento dos dois arruamentos existentes, mantendo as suas características funcionais, tendo como objectivos específicos o alargamento dos passeios existentes, o reajustamento das faixas de circulação viária, a redefinição das áreas de paragem para cargas / descargas e a repavimentação dos espaços de circulação pedonal e viária.

Nos anos seguintes, entre Outubro de 2017 e Abril de 2018, foi concluída a requalificação do Campo das Cebolas (mantendo-se ainda em obra a área reservada à Doca da Marinha). O projecto centrou-se essencialmente na criação de um espaço

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urbano de conforto e ócio, através de um conjunto de operações contidas sobre o território. Propôs-se e construiu-se uma praça voltada para a cidade, com elementos arbóreos, que se abre e aproxima do rio. Promoveu-se a criação de um espaço público agradável que se pretende como palco da vida social e urbana.

Em 2019, ano em que nos encontramos e que data a conclusão desta dissertação, encontra-se em obra a requalificação da Estação Sul e Sueste e do espaço público urbano que a envolve. Este edifício classificado como Monumento de Interesse Público irá retomar as linhas originais desenhadas em 1929 pelo arquitecto Cottinelli Telmo, linhas essas que se “perderam” ao longo dos tempos com melhoramentos e expansões da própria estação. Os objectivos primordiais da intervenção são os de criar um terminal para a actividade marítimo-turística, restaurar o edifício antigo da Estação, completar a reabilitação do Cais das Colunas e requalificar o espaço público envolvente. Relativamente à requalificação do espaço público, para além de garantir a circulação rodoviária do eixo Av. 24 de Julho - Ribeira das Naus – Av. Infante D. Henrique, esta intervenção tem como principal objectivo a valorização dos espaços públicos que estabelecem a continuidade dos percursos ao longo da frente ribeirinha, especialmente os percursos pedonais e cicláveis na ligação entre a Praça do Comércio, o Campo das Cebolas e o novo Terminal de Cruzeiros, bem como os espaços de estar e de lazer que, nesta zona, proporcionam a relação mais directa com o rio Tejo. Assim, é intenção desta intervenção garantir, numa área de grande circulação, condições de segurança e de conforto aos peões oferecendo espaços públicos de fruição ribeirinha, nomeadamente com a introdução de áreas verdes, tirando partido da sua relação singular com o Terreiro do Paço e com o Cais das Colunas.

Segundo Fernando Medina, presidente da C.M.L.,

[…] este acto marca o último passo no amplo projecto da requalificação da frente ribeirinha, do Cais do Sodré a Santa Apolónia, e da devolução do Tejo à cidade e aos lisboetas. (Lisboa. Câmara Municipal, 2016a).

Actualmente a estrutura de espaço público das praças e das ruas da Baixa Pombalina está definida. Relativamente às praças, estas vão variando entre o uso rodoviário e o uso pedonal, isto é, apresentam uma divisão a esse nível. Excepção poderá ser feita à Praça do Comércio em que o trânsito rodoviário foi consideravelmente diminuído e ocorre apenas nos topos da mesma. Por sua vez, as ruas do conjunto pombalino podem ainda ser caracterizadas em dois grupos distintos: o de ruas exclusivamente pedonais e o de ruas abertas ao trânsito rodoviário.

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Do conjunto das vias que fazem parte da Baixa, e que se encontram vocacionadas exclusivamente para o trânsito pedonal, são a Rua Augusta e a Rua dos Correeiros em eixo longitudinal; a Rua de S. Nicolau, a Rua da Vitória, a Rua da Assunção, e a Rua de Santa Justa em eixo transversal; e na ligação ao Chiado, a Rua do Carmo. Do grupo de ruas abertas ao trânsito rodoviário fazem parte, a Rua do Ouro, a Rua da Prata, a Rua dos Fanqueiros, a Rua da Madalena, a Rua dos Sapateiros e a Rua dos Douradores (em eixo longitudinal), a Rua da Conceição, a Rua de S. Julião e a Rua do Comércio (em eixo transversal), e na ligação ao Chiado, a Rua Nova do Almada.

Ilustração 269 - A Baixa de Lisboa pós-terramoto e o seu espaço Ilustração 270 - A Baixa de Lisboa actualmente e o seu público demarcado a cinza, plano de 1758. (Ilustração nossa, 2019). espaço público demarcado a cinza, actualmente. (Ilustração nossa, 2019).

Relativamente à evolução do espaço público da Baixa desde 1758 até aos dias de hoje, comparando as ilustrações 269 / 270, podemos constatar o avanço da frente ribeirinha com base em terreno ganho ao rio nomeadamente na área da Estação Fluvial Sul e Sueste e na reformulação da Ribeira das Naus, anteriormente área reservada do Arsenal da Marinha, que nos dias de hoje se apresenta como espaço público consolidado entregue à cidade. A respeito da malha urbana ortogonal, ressalta à vista as duas praças no topo da mesma (a Praça D. Pedro IV e a Praça da Figueira, esta última que como vimos anteriormente fora aberta no lugar onde fora projectado o antigo hospital da cidade), a área do Chiado apresenta uma configuração ligeiramente diferente numa adaptação à própria topografia, com a inclusão dos logradouros como

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espaço público para usufruto dos mesmos, e a sul da malha podemos verificar a reconfiguração mais rectilínea da Praça do Município em relação ao que fora projectado em 1758 (Ilustração 269 / 270).

Ilustração 271 - Transição entre colinas e a Baixa Ilustração 272 – Transição entre colinas e a Baixa assinalada sobre assinalada sobre planta da Baixa. ([Adaptado a partir de:] ortofotomapa. ([Adaptado a partir de:] (Lisboa. Câmara Municipal, Santos, 2005). 2019i).

Como anteriormente analisámos aquando da implementação do plano urbano da Baixa, a ligação da malha racional e ortogonal da Baixa com a malha medieval oriental era factualmente pouco coesa. Se no plano piloto de 1758 estaria previsto que as sete transversais do interior da malha pombalina alcançassem a Rua da Madalena (Ilustração 269), após a implementação do mesmo e construção do edificado, verificamos que tal situação não sucedeu e em consequência disso verifica-se um maciço contínuo edificado entre a Rua dos Fanqueiros e a Rua da Madalena que se estende desde a Rua de Sta. Justa até à Rua da Conceição, paralelo aos restantes quarteirões longitudinais (Ilustração 270).

Assim, até há relativamente poucos anos, a conexão da Baixa com a encosta da colina do Castelo era apenas efectuada pela Rua Condes de Monsanto que liga a Praça da

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Figueira à Rua da Madalena; pela Rua de Sta. Justa, que vence o desnível de cota através de uma escadaria, alcançando a Rua da Madalena; pela Rua da Conceição que atravessando toda a Baixa alcança o Largo da Madalena e respectiva igreja, e pela Rua de S. Julião. Na ilustração 270 / 271 verifica-se também um verdadeiro isolamento do Largo Adelino Amaro da Costa (antigo Largo do Caldas) na encosta do Castelo devido à impermeabilidade do referido maciço edificado da Rua dos Fanqueiros e da Rua da Madalena face a esta colina.

Após a implementação do plano de pormenor de recuperação da zona sinistrada do Chiado em 1996, surgiu “apenas” em 2011, o plano de pormenor de salvaguarda da Baixa Pombalina118. Neste plano, estão reflectidas diversas preocupações nomeadamente com a requalificação do espaço público e consequente acessibilidade e permeabilidade do mesmo, visando converter o centro histórico da cidade num amplo lugar catalisador de encontros / ligações. O projecto do “percurso pedonal assistido da Baixa ao Castelo de S. Jorge” através da Rua da Vitória (assinalado a mais escuro na ilustração 271), que abordaremos e analisaremos no capítulo seguinte, surge no âmbito de permitir estabelecer uma ligação consistente, acessível e qualificada, recorrendo a meios mecânicos, entre a malha da Baixa Pombalina e a colina do Castelo, área bastante segregada em relação ao restante conjunto devido às características do seu tecido urbano que se constituíram como factores de exclusão e isolamento territorial.

Nestas duas primeiras décadas do séc. XXI, o espaço público de Lisboa, e da Baixa em particular, assumiu e continua a assumir uma importância vital na imagem da cidade, e na transformação desta na adequabilidade aos novos usos. Face a este valor reconhecido do espaço colectivo, o investimento na cidade e no seu espaço público aumentou consideravelmente, nomeadamente na sua consolidação e relativamente à mobilidade e acessibilidade dos mesmos por parte dos cidadãos. Esta visão, porém, não se pode dissociar de dois importantes momentos que marcaram a viragem da Baixa: a reabilitação do Chiado e a explosão do turismo na cidade de Lisboa. Contudo, para a questão da reabilitação do espaço público foi determinante o ensaio realizado com a

118 Plano de Pormenor de Salvaguarda da Baixa Pombalina - a 18 de Março de 2011, foi publicado em Diário da República, a aprovação do Plano de Pormenor de Salvaguarda da Baixa Pombalina: Torna-se público, nos termos do artigo 148.º, n.º 4, alínea d) do Decreto--Lei n.º 380/99 de 22/9 (RJGIT) e do artigo 91.º da Lei n.º 169/99 de 18/9 (LAL), que a Assembleia Municipal de Lisboa, deliberou em reunião de 21 de Dezembro de 2010 (Deliberação n.º 608/AML/2010), aprovar o Plano de Pormenor de Salvaguarda da Baixa Pombalina. (Aviso n.º 7126/2011 : Aprovação do Plano de Pormenor de Salvaguarda da Baixa Pombalina, 2011).

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Expo’98119 e a vontade de estender essa experiência a outras áreas, que começaram com o programa Pólis120 e mais recentemente com a acção da C.M.L. em reabilitar alguns espaços da frente ribeirinha (que foram objecto de estudo) e que se estenderam e têm vindo a estender ao resto da cidade através de várias iniciativas (“Uma Praça em Cada Bairro”, “Pavimentar Lisboa”, a reabilitação do eixo Av. Fontes Pereira de Melo, Av. da República e da Av. 24 de Julho).

A cidade é um “ser vivo” em constante transformação, em constante metamorfose, e não poderemos esperar que estagne seja em que circunstância for. Lisboa em particular, é exemplo disso mesmo, dessa constante metamorfose, mas também permanência que vimos a assistir ao longos dos tempos, séculos e anos mais recentes. Segundo Aldo Rossi (Rossi, 2001), a evolução da cidade e o “fenómeno das permanências” estão intimamente ligadas. As permanências podem evidenciar-se através dos monumentos, dos sinais físicos do passado e também através da persistência dos traçados e do plano da cidade.

[…] as cidades permanecem sobre os seus eixos de desenvolvimento, mantém a posição dos seus traçados, crescem segundo a direcção e com o significado de factos mais antigos que os actuais, factos esses muitas vezes remotos. Por vezes estes factos permanecem, são dotados de uma vitalidade contínua, outras perecem; fica então a permanência da forma, dos sinais físicos, do locus. A permanência mais significante é dada, portanto, pelas vias e pelo plano; o plano permanece sob diferentes edificações, diferencia-se nas atribuições, deforma-se frequentemente […]. (Rossi, 2001. p. 76).

119 A reabilitação da parte oriental da cidade, com a Expo’98 e consequente fixação como Parque das Nações, evidencia um espaço urbano de elevada qualidade, harmonioso, sendo resultado de uma requalificação urbanística e ambiental, que favoreceu a modernização e internacionalização da cidade. A concepção do espaço público e edificado para a realização da Expo’98, teve implícito um conceito urbano que passou pela revalorização da relação cidade-rio, pela recuperação do ambiente e da paisagem, e pela reconversão do uso, assegurando a integração harmoniosa deste espaço no tecido da cidade, com o objectivo de criar uma nova centralidade na área metropolitana de Lisboa. 120 O programa Pólis visa promover intervenções nas vertentes urbanística e ambiental, por forma a promover a qualidade de vida nas cidades, melhorando a atractividade e competitividade dos pólos urbanos.

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4. CASOS DE ESTUDO – ESPAÇO PÚBLICO

Neste capítulo pretende-se estudar o tema da presente dissertação através de três projectos de espaço público seleccionados. Com a análise do Percurso pedonal assistido da Baixa ao Castelo, da Requalificação do Terreiro do Paço / Praça do Comércio e do Projecto de Requalificação do Campo das Cebolas ambiciona-se o entendimento que o conceito de projecto e metamorfose tem sobre estes espaços públicos da Baixa de Lisboa (rua, praça, jardim): os casos de estudo que salientamos são exemplos práticos de requalificação e de projecto renovador sobre estruturas da cidade pré-existentes inseridas na área em estudo.

Apesar destes três espaços / lugares serem na sua génese e morfologia, completamente distintos nos mais variados aspectos, todos eles encerram um elo em comum: são espaço público urbano, da Baixa de Lisboa e cheios de significado. O contacto directo com as obras é (foi) importante e crucial para a compreensão dos diversos espaços / obras uma vez que a cidade e o seu vazio estruturante vivem-se percorrendo, com os sentidos despertos. Os projectos de requalificação / renovação nesta área da cidade demonstram uma clara preocupação na manutenção da estrutura urbana, procurando manter a linguagem arquitectónica do conjunto tendo em conta a sua integração com as infra-estruturas existentes, assim como a compatibilização dos projectos com as áreas envolventes. Hoje em dia, é evidente a procura de se aliar a autenticidade das estruturas a uma visão contemporânea de novos usos e necessidades do espaço, isto é, a adaptação das estruturas de outros tempos às necessidades da época actual.

Não obstante a análise e o estudo dos projectos referidos, pretende-se, ainda, neste capítulo, analisar embora de modo breve, a vida e obra dos três arquitectos que projectaram os mesmos, através da importância dos seus trabalhos e das referências ideológicas que os influenciaram no desenvolvimento das obras que estudaremos prontamente. O integração do percurso destes arquitectos tem o propósito de, através dos seus projectos, dos seus processos criativos e de trabalho, poder relacioná-los com o papel que o espaço público em estudo adquire, proveniente desses mesmos processos.

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4.1. PERCURSO PEDONAL ASSISTIDO DA BAIXA AO CASTELO DE S. JORGE, ARQ.º J. P. FALCÃO DE CAMPOS

4.1.1. ARQUITECTO JOÃO PEDRO FALCÃO DE CAMPOS

João Pedro Falcão de Campos, arquitecto português, nasceu em Lisboa no ano de 1961 tendo-se licenciado em Arquitectura pela FA-UTL (Faculdade de Arquitectura, Universidade Técnica de Lisboa) em 1984. Finda a licenciatura, no mesmo ano, efectuou um estágio no âmbito do IAESTE121, na Faculdade de Arquitectura de Cracóvia, Polónia. Entre 1985 e 1986, J. P. Falcão de Campos trabalhou na Suíça e em Itália, respectivamente com o Arq.º Jean Gerard Giorla e com a Arq.ª Anna Maria Linty.

Ilustração 273 - João Pedro Falcão de Campos. (SPSS Design, 2016).

Regressado a Portugal, em 1987, abre atelier em nome próprio e desde 1993 colabora como atelier associado, com o Arq.º Álvaro Siza Vieira e com o Arq.º Gonçalo Byrne122.

121 A IAESTE é uma organização internacional com mais de 80 Países-membros em 5 continentes. Foi fundada em 1948 no Imperial College de Londres e promove o intercâmbio de estudantes universitários entre os países-membro. Tem como objectivos proporcionar uma experiência de trabalho na indústria, instituições de pesquisa e outras entidades empregadoras e promover o espírito de cooperação e de solidariedade entre os estudantes de todas as nações. Portugal aderiu à IAESTE em 1954. 122 Gonçalo de Sousa Byrne (Alcobaça, 1941) é um arquitecto português., nascido em 1941, formado na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa. Durante a sua carreira tem sido bastante reconhecido, premiado e divulgado, a nível não só nacional como também internacional. Professor catedrático, convidado em Portugal e no estrangeiro, recebeu em 2005 o doutoramento Honoris Causa pela Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa. Da sua obra, diversificada em termos de escala, de tema e de programa, destacam-se como exemplo, a recente intervenção no Palácio de Estoi no Algarve, no antigo Hospital de São Teotónio em Viseu e no Mosteiro de Alcobaça e área envolvente, o edifício da Sede do Governo da Província de Vlaams-Brabant em Lovaina, Bélgica, a Torre de Controle de Tráfego Marítimo da APL em Lisboa, Quarteirão da Império no Chiado, Teatro das Figuras em Faro no Algarve e o Museu Nacional Machado de Castro em Coimbra. Na área do planeamento urbano realiza, entre outros, os Planos de Pormenor para a área envolvente ao Palácio Nacional da Ajuda em Lisboa, para a Alta Universitária em Coimbra e, mais recentemente, para a cidade de Argel, na Argélia e o Projecto de Requalificação Urbanística de São Martinho do Porto, em Alcobaça.

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Falcão de Campos é, actualmente, Professor Convidado, responsável pela disciplina de Projecto III no IST-UTL (Instituto Superior Técnico – Universidade Técnica de Lisboa), cargo esse que exerce desde 2004. Como docente, exerceu ainda o cargo de Professor Convidado no curso ETS de Arquitectura da Universidade de Navarra, em Pamplona entre 2010 e 2015, e na Faculté de l’Environnement Naturel Architectural et Construit da École Polytechnique Fédérale de Lausanne, Suiça, no ano de 2015 / 2016.

A nível projectual, o projecto de maior escala realizado pelo atelier J. P. Falcão de Campos foi precisamente um projecto no âmbito de espaço público, nomeadamente a Requalificação Urbana de Alcobaça e da zona envolvente ao Mosteiro de Alcobaça, projecto esse realizado em parceria com o atelier Gonçalo Byrne, Arquitectos. Esta obra que data entre 1998-2009 foi morosa, e a resposta para tal facto estará na procura de reestabelecer a relação entre a cidade de Alcobaça e o seu mosteiro através do terreiro monumental. A Requalificação Urbana de Alcobaça e da zona envolvente ao Mosteiro de Alcobaça,

[…] teve como objectivo promover e incentivar uma relação contemporânea de complementaridade e harmonia entre a cidade e o mosteiro, uma vez que a área de intervenção implica três elementos diferentes, todos ligados à história da abadia e, consequentemente, para o próprio desenvolvimento da cidade: a ala sul do mosteiro (convertido em museu) e do celeiro; a praça principal pública e praça e ruas laterais adjacentes; e, finalmente, a área de confluência dos dois rios Alcôa e Baça (incluindo um edifício de apoio de um café).

Celebrar a água e sentir a presença dos rios é decisivo neste contexto, enquanto o projecto restaura a inclinação da praça e a criação de uma rede de calhas de superfície que aprimoram e exibem a drenagem da água que corre para o rio (um sistema conhecido e usados pelos monges). Uma calha para água corrente revela o alinhamento da igreja com o castelo e a presença do rio Baça.

Os novos materiais utilizados foram escolhidos para acentuar uma certo desapego hierático, tão subjacente à arquitectura cisterciense, onde é a maneira de trabalhar a luz natural, por sistema, decisivo. Está na luz, por excelência, a matéria-prima da arquitectura e a sua capacidade reveladora que estabelece a principal ligação temporal do espaço. É principalmente a luz que introduz a alternância, a diacronia do tempo. Os sinais deixados ao longo dos séculos permitiram revelar naquele espaço magnífico algumas coerências perdidas e até intrusivos processos que estavam sendo direccionados e que o projecto ousou contar. (Byrne e Campos, 2009)

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Ilustração 274 - Requalificação Urbana de Alcobaça e da zona envolvente ao Mosteiro de Alcobaça. (Byrne e Campos, 2009).

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Este projecto recebeu numerosas nomeações, entre as quais, foi finalista do prémio europeu para os espaços públicos urbanos em 2006, e recebeu a nomeação para o prémio Secil de Arquitectura e para o prémio bienal de arquitectura contemporânea da União Europeia – prémio Mies van der Rohe em 2007; por fim recebeu, em 2008, uma Menção Honrosa Espaço Público BIAU’08 – VI Bienal Ibero-Americana de Arquitectura e Urbanismo tendo ainda participado na Mostra Internacional - 10º edição da Bienal de Veneza de Arquitectura em 2006.

No âmbito da nossa área de estudo, isto é, dentro do plano de revitalização da Baixa Pombalina, J. P. Falcão de Campos, apresenta dois projectos diferenciados e aclamados. São eles, o projecto da Sede do Banco de Portugal, situado entre a Rua do Comércio e a Rua de São Julião, projectado em co-autoria com o atelier Gonçalo Byrne, e o Percurso pedonal assistido da Baixa ao Castelo de S. Jorge (que analisaremos e estudaremos adiante), e que é dividido em duas fases: a primeira corresponde à (re)pavimentação da Rua da Vitória e acesso ao Castelo e a segunda ao Edifício de Acolhimento no qual está (estão) inserido (s) o (s) Elevador (es) Público (s) (que permite a transição de cotas entre a Rua dos Fanqueiros e a Rua da Madalena) concretizando uma das intervenções mais importantes no espaço público e no edificado da Baixa de Lisboa. Este projecto veio facilitar a transição entre as duas colinas que ladeiam a área urbana da Baixa Pombalina e permite um percurso sólido entre o Chiado e a estação de metropolitano Baixa-Chiado rumo à colina do Castelo.

Falcão de Campos foi diversas vezes reconhecido pela sua obra e trabalho, e se no projecto de remodelação do Edifício Sede do Banco de Portugal, foi nomeado para o European Union Prize for Contemporary Architecture - Mies Van der Rohe Award - 2015, vencedor do Prémio Nacional de Reabilitação Urbana na categoria de Melhor Intervenção de Restauro, e finalista do Prémio FAD Arquitectura - 2013; no caso do Percurso Pedonal Assistido, o mesmo, foi seleccionado no Panorama Iberoamericano de Obras da IX BIAU – Bienal Iberoamericana de Arquitectura e Urbanismo - 2014, nomeado para o European Union Prize for Contemporary Architecture - Mies Van der Rohe Award - 2015, vencedor do Prémio Nacional de Reabilitação Urbana na categoria de Melhor Intervenção na Cidade de Lisboa e finalmente Prémio FAD Arquitectura - 2014.

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4.1.2. A RUA DA VITÓRIA

Ilustração 275 - Rua da Vitória, demarcada a cor sobre ortofotomapa da Baixa de Lisboa. ([Adaptado a partir de:] (Lisboa. Câmara Municipal, 2019i).

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A Rua da Vitória, faz parte do conjunto urbano da Baixa Pombalina. Considerada uma travessa ou rua secundária do conjunto é uma das transversais que atravessa o conjunto pombalino de nascente a poente. No seu eixo, a Rua da Vitória tem inseridos dois dos diversos templos religiosos que foram reconstruídos na Baixa: a Igreja da Vitória no quarteirão que faz o cruzamento da Rua da Vitória com a Rua do Crucifixo e a Igreja de S. Nicolau no quarteirão que medeia o cruzamento da Rua da Vitória com a Rua da Prata e com a Rua dos Douradores. Durante largos anos esta travessa da Baixa, foi uma mera rua do conjunto sem qualquer dinamismo ou preponderância relevante; no entanto com o alargamento da rede de metropolitano e posterior construção da Estação de Metropolitano Baixa-Chiado a Rua da Vitória transformou-se e configurou-se como um dos eixos mais preponderantes de todo o conjunto da Baixa.

A ligação ao rio Tejo, através dos eixos ortogonais de direcção norte / sul, é predominante na organização da Baixa Pombalina. A poente, o elevador de Santa Justa garante e permite uma transição mecânica entre a cota mais alta do Chiado e a cota da Baixa Pombalina. A intervenção do Metro em 1998 permitiu vencer de forma subterrânea o desnível existente, ficando por realizar uma ligação mecânica da Baixa à colina nascente. O metro veio acentuar a importância da Rua da Vitória como atravessamento transversal da Baixa entre o Chiado e a Colina do Castelo, atravessamento esse completado pelo projecto de João Pedro Falcão de Campos.

Ilustração 276 - A Rua da Vitória e a Igreja de S. Ilustração 277 - A Rua da Vitória e a Igreja de S. Nicolau Nicolau em 1910. (Benoliel, 191-b). em 1959. (Serôdio, 1959a).

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Ilustração 278 - Rua da Vitória, 1963. (Serôdio, 1963c). Ilustração 279 - Rua da Vitória, 1963. (Serôdio, 1963d)

Ilustração 280 - Rua da Vitória, década de 80, séc. XX. (Pastor, Ilustração 281 - Rua da Vitória, década de 80, séc. XX. (Pastor, 198-a). 198-b).

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4.1.3. PERCURSO PEDONAL ASSISTIDO DA BAIXA AO CASTELO DE S. JORGE

Data do Projecto: 2009 | Conclusão da obra: 2013 Arquitecto: J. P. Falcão de Campos

Como destacámos anteriormente, a estação de metropolitano veio acentuar a importância da Rua da Vitória como atravessamento transversal da Baixa. Foi neste contexto que surgiu a intenção de estabelecer um ‘percurso pedonal assistido da Baixa ao Castelo de São Jorge’, que teve como objectivo a articulação de diferentes cotas segundo uma estratégia integrada que, facilitando a subida, potenciasse a revitalização e a requalificação da envolvente. O projecto promovido pela C.M.L., resultou de um convite ao atelier de João Pedro Falcão de Campos e data de 2009, tendo a maioria das obras sido terminadas no ano de 2013.

O projecto compreende um conjunto de intervenções que se interligam: a requalificação urbana da Rua da Vitória como eixo estruturante do percurso; a reconversão do edifício n.º 170/178 da Rua dos Fanqueiros onde se integram os elevadores públicos (Edifício de Acolhimento); a requalificação urbana do Largo Adelino Amaro da Costa (Largo do Caldas), da zona envolvente ao Mercado do Chão do Loureiro e do percurso até ao Castelo de São Jorge.

Na prática, o percurso começa na saída do metro da Baixa-Chiado que dá para a Rua da Vitória e termina na cota do Castelo de S. Jorge. O Castelo da cidade de Lisboa é provavelmente o monumento mais visitado do país, e era desígnio da C.M.L. facilitar o seu acesso. A dificuldade / desafio do percurso foi a de encontrar uma forma simples e pouco onerosa que permitisse facilitar e ajudar os cidadãos a subir até ao Castelo, fazendo a ligação da Baixa ao Largo Adelino Amaro da Costa (Largo do Caldas), articulado com um outro elevador implementado no Mercado do Chão do Loureiro. A sucessão destes dois elevadores permite o acesso à cota do cruzamento da Calçada do Marquês de Tancos com a Costa do Castelo / Rua do Milagre de Sto. António, facilitando em muito o acesso ao Castelo.

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Ilustração 282 - Requalificação urbana da Rua da Vitória - levantamento do existente. ([Adaptado a partir de:] Campos, 2009a).

A continuidade funcional do percurso resulta da aplicação de um número reduzido de materiais, respeitando a lógica dos espaços urbanos atravessados, em termos de escala, arquitectura e usos do edificado, alcançando-se um percurso facilmente identificável onde o conforto e a acessibilidade do peão são uma prioridade. Segundo J.P. Falcão de Campos, foi importante a procura de que os pavimentos fossem muito cómodos para todos os utilizadores, principalmente nas zonas mais declivosas, com uma pedra que evitasse escorregar, tendo sido as questões do conforto e do andar fundamentais na escolha dos materiais e no desenho da própria rua, inclusive no acesso às duas igrejas do percurso (Igreja de S. Nicolau e Igreja da Vitória) por parte de cidadãos com mobilidade condicionada. Essencialmente existem três materiais ao longo do percurso: o reaproveitamento das pedras existentes quer sejam de basalto ou granito, que foi ao encontro da preocupação do baixo custo da intervenção, com a reutilização dos materiais existentes; e a pedra lioz.

Ilustração 283 - Requalificação urbana da Rua da Vitória – proposta. ([Adaptado a partir de:] Campos, 2009a).

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Ilustração 284 - Requalificação urbana do Largo A. A. da Costa, zona envolvente ao Mercado do Chão do Loureiro até ao Castelo de S. Jorge – levantamento do existente. ([Adaptado a partir de:] Campos, 2009a).

Ilustração 285 - Requalificação urbana do Largo A. A. da Costa, zona envolvente ao Mercado do Chão do Loureiro até ao Castelo de S. Jorge – proposta. ([Adaptado a partir de:] Campos, 2009a).

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A intervenção pretende ir ao encontro dos pressupostos anteriormente enunciados, com a substituição do pavimento existente, em calçada de calcário, por um lajedo em pedra lioz, com acabamento amaciado, conferindo um grande conforto ao transeunte, e sendo o fio condutor de toda a proposta até ao Castelo. Em zonas do percurso com maior inclinação, optou-se por um acabamento em cubo de granito ou pedra de basalto para aumentar o atrito e reduzir o risco de acidentes. Por sua vez, a acessibilidade às igrejas da Vitória e de S. Nicolau foi facilitado através de plataformas alternativas às escadarias de difícil acesso por parte de pessoas com mobilidade condicionada.

O eixo contínuo da Rua da Vitória é interrompido no cruzamento com as artérias perpendiculares principais, nomeadamente Rua do Ouro, Rua Augusta, Rua da Prata e Rua dos Fanqueiros, por se considerar estas vias hierarquicamente mais importantes.

Ilustração 286 - Saída do Metro Baixa-Chiado para a Rua da Ilustração 287 - Rua da Vitória – Acessibilidade à Igreja da Vitória. (Ilustração nossa, 2019). Vitória. (Ilustração nossa, 2019).

Ilustração 288 - Junta entre pavimento em Ilustração 289 - Pavimento em cubo de Ilustração 290 - Junta entre cubo de granito e lajeta de pedra lioz. granito escuro. (Ilustração nossa, 2019). pavimento em lajeta de pedra lioz e (Ilustração nossa, 2019). calçada portuguesa. (Ilustração nossa, 2019).

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Ilustração 291 - Rua da Vitória. (Ilustração Ilustração 292 - Rua da Vitória. (Ilustração nossa, 2019). nossa, 2019).

Ilustração 293 - Rua da Vitória – Ilustração 294 - Rua da Vitória – Adro da Igreja de S. Nicolau. (Ilustração Acessibilidade à Igreja de S. Nicolau. nossa, 2019). (Ilustração nossa, 2019).

Ilustração 295 - Comércio e Restauração na Rua da Vitória. Ilustração 296 - Comércio e Restauração na Rua da Vitória – (Ilustração nossa, 2019). pavimento em pedra lioz. (Ilustração nossa, 2019).

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Ilustração 297 - Cruzamento da Rua da Vitória com a Rua Augusta – transição de pavimento em pedra lioz com calçada portuguesa. (Ilustração nossa, 2019).

Neste percurso rumo ao Castelo, as pessoas têm prioridade sobre o automóvel, com este último a ter de se deslocar a velocidades muito reduzidas, e segundo o arquitecto tentou-se que não existisse o mínimo desnível entre a transição de pavimentos que dificultasse o trânsito das cadeiras de rodas ou das pessoas idosas.

Relativamente à reconversão do edifício onde se integram os elevadores públicos, isto é, ao Edifício de Acolhimento, este, situa-se entre a Rua dos Fanqueiros (nº 170 a 178) e Rua da Madalena (nº 145 a 155). O edifício reflecte uma imagem sóbria e limpa, segundo o princípio de reabilitação pombalina (manutenção de fachadas). Segundo Falcão de Campos, o edifício serve de charneira da cota alta para a cota baixa, pois, o interior do mesmo, deu lugar aos elevadores públicos, à transição para o edifício da Rua da Madalena e, à sede da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior.

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Ilustração 298 - Edifício de Acolhimento – Alçado Rua dos Fanqueiros. ([Adaptado Ilustração 299 - Edifício de a partir de:] Campos, 2009b). Acolhimento – Alçado Rua dos Fanqueiros. (Campos, 2013b).

Ilustração 300 - Edifício de Acolhimento – Alçado Rua da Madalena. ([Adaptado a Ilustração 301 - Edifício de partir de:] Campos, 2009b). Acolhimento - Alçado Rua da Madalena. (Ilustração nossa, 2019).

Ilustração 302 - Corte longitudinal do Edifício de Acolhimento. Ilustração 303 - Corte longitudinal do Edifício de Acolhimento ([Adaptado a partir de:] Campos, 2009b). com cor a assinalar a transição entre a Rua dos Fanqueiros e a Rua da Madalena. ([Adaptado a partir de:] Campos, 2009b).

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Ilustração 304 - Hall / Foyer do Edifício de Acolhimento a partir da Rua dos Fanqueiros. (Campos, 2013b).

Ilustração 305 - Hall / Foyer do Edifício de Acolhimento a partir da Ilustração 306 - Hall / Foyer do Edifício de Acolhimento a partir Rua dos Fanqueiros. (Ilustração nossa, 2019). da Rua dos Fanqueiros. (Ilustração nossa, 2019).

A intervenção no Edifício de Acolhimento,

[…] pretende ser uma extensão natural do exterior urbano, assente no convite ao usufruto e passagem dos utentes que pretendem vencer o desnível entre a Baixa Pombalina e a colina do Castelo. Embora se trate de um conteúdo programático de excepção, que resultará num edifício com traços únicos neste contexto urbano, propõe- se uma intervenção de respeito pelas características globais e padrões que regulam as acções neste conjunto urbano, à semelhança da estratégia adoptada pelo Arquitecto Siza Vieira no Chiado. O edifício lê-se como uma peça de um todo e não como um elemento dissonante. A Baixa é a protagonista. (Campos, 2013b).

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Ilustração 307 - Hall / Foyer do Edifício de Acolhimento a partir Ilustração 308 - Patamar dos Elevadores à cota da Rua da da Rua da Madalena. (Ilustração nossa, 2019). Madalena. (Ilustração nossa, 2019).

Na chegada à cota da Rua da Madalena o percurso prossegue pelo Largo Adelino Amaro da Costa (Largo do Caldas), articulado com um outro elevador implementado no Mercado do Chão do Loureiro (Ilustração 285). Como referimos, após a utilização sucessiva destes dois elevadores é possível alcançar a cota do cruzamento da Calçada do Marquês de Tancos com a Costa do Castelo / Rua do Milagre de Sto. António, facilitando em muito o acesso ao Castelo. Neste troço do percurso, podemos vislumbrar a utilização das três pedras que compõem o pavimento: a pedra de granito, a pedra basáltica existente e a pedra lioz.

Ilustração 309 - Escadaria em pedra lioz. (Ilustração Ilustração 310 - Caleira em pedra lioz ladeada por pavimento de cubo de nossa, 2019). granito e pavimento de pedra basáltica. (Ilustração nossa, 2019).

Para J. P. Falcão de Campos intervir numa área consolidada é perceber a modernidade e a capacidade adormecida dos lugares. Esta é e foi uma obra feita a pensar na vivência diária e na forma como as pessoas utilizam os espaços. (gotofilms, 2014)

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A requalificação da Rua da Vitória e efectivo percurso pedonal assistido entre o vale da Baixa e as duas colinas, S. Francisco e Castelo, para além das questões da acessibilidade, pretende tirar partido do fluxo pedonal gerado por esse mesmo percurso e criar oportunidades comerciais e de dinamização na área urbana da Baixa-Chiado ao nível de serviços, e sobretudo de animação local que valorize esta zona.

No entanto, será que a revitalização das ruas pedonais da Baixa passa essencialmente por uma mercantilização do espaço público como o poder político espera que venha a acontecer e que está previsto no plano de pormenor de salvaguarda da Baixa Pombalina? É uma questão que permanece…

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4.2. REQUALIFICAÇÃO DO TERREIRO DO PAÇO, ARQ.º L. J. BRUNO SOARES

4.2.1. ARQUITECTO LUÍS JORGE BRUNO SOARES

Luís Jorge Bruno Soares, arquitecto-urbanista português, nasceu em Aveiro em 1941 e concluiu o seu curso de Arquitectura na ESBAL em 1965.

Ilustração 311 - Luís Jorge Bruno Soares. (Ferreira, 2009).

L. J. Bruno Soares trabalha em planeamento territorial e urbano desde 1970, tendo dirigido a realização de diversos Planos Directores Municipais (Lisboa, Évora, Faro, Olhão, Moita, Figueira da Foz), outros tantos Planos de Ordenamento da Orla Costeira (Sines-Burgau, Burgau-Vilamoura, Costa Norte da Madeira), Planos de Urbanização e Planos de Pormenor, nomeadamente para Áreas de Desenvolvimento Turístico. Além da realização dos referidos planos, Bruno Soares participou ainda na direcção e coordenação de Planos Estratégicos para várias cidades em Portugal (Lisboa, Aveiro, Coimbra, Faro / Olhão) e, como consultor de estudos urbanísticos, no Brasil (Fortaleza, Maceió, Juiz de Fora e Belo Horizonte), México (Ciudad Juarez), Espanha (San Sebastian, Maiorca e Vega de Granada) e Cabo Verde (EROT). Como especialista, participou também, no Plano Nacional de Desenvolvimento Económico e Social – 2000/2006, no Plano Estratégico da Região de Lisboa e Vale do Tejo, nos Planos Regionais de Ordenamento da Área Metropolitana da Lisboa, e do Oeste e Vale do Tejo, foi consultor da Direcção Geral de Transportes Terrestres para o Programa Nacional de Logística, e foi coordenador do Plano de Ordenamento Turístico da Região Autónoma da Madeira.

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Entre 1989 e 2003 foi sócio e director técnico da Risco - Planeamento e, em 1984, fundou com António Fonseca Ferreira e Arnaldo Flemming, a revista Sociedade e Território. Em termos de reconhecimento pela sua obra e trabalho foi agraciado com a Ordem de Mérito, Grande Oficial, em 2005.

Mais recentemente, L. J. Bruno Soares coordenou o Plano Geral de Espaço Público da Frente Ribeirinha, entre o Cais do Sodré e Santa Apolónia, do qual faz parte o Projecto de Remodelação da Praça do Comércio (Terreiro do Paço), de que é autor. Este projecto não convenceu a maioria dos arquitectos e Bruno Soares aquando da apresentação do seu trabalho não ficou incólume de críticas por parte dos seus pares, que exprimiram alguma desilusão pelo facto de não ter existido concurso público para a adjudicação da renovação / remodelação da Praça do Comércio, uma vez que estes, certamente, gostariam também de ter sido convidados a redesenhar a mesma.

O facto de Bruno Soares ter sido escolhido pelo Estado, via Sociedade Frente Tejo, para remodelar a Praça do Comércio (Terreiro do Paço), sem qualquer espécie de concurso público, foi um facto bastante criticado e que não passou despercebido. No entanto, segundo um artigo do Jornal Público, a resposta a essa mesma questão foi:

Ter o Terreiro do Paço remodelado a tempo das comemorações do centenário da implantação da República, em Outubro de 2010, tem sido o principal argumento usado para a dispensa do concurso público para a escolha do arquitecto responsável pelo projecto. Mas porquê Bruno Soares, que é acima de tudo um especialista em planeamento urbanístico? Foi o advogado José Miguel Júdice quem, quando dirigia a Sociedade Frente Tejo - entidade de capitais públicos encarregue da reabilitação de alguns troços da zona ribeirinha de Lisboa - o convidou. Evitou assim as delongas que um concurso público internacional implicaria e/ou os custos acrescidos motivados por obras que, arrancando mais tarde, teriam de ser concluídas em prazos--recorde. "O facto de a criatividade contemporânea não ser manifestamente essencial" foi outro argumento que invocou para a dispensa do concurso. E depois Bruno Soares já trabalhava desde 2006 para a Parque Expo, na realização de estudos urbanísticos para a zona entre o Cais do Sodré e Santa Apolónia, prossegue o advogado. A Parque Expo confirma que os seus técnicos se socorreram de Bruno Soares, até porque o primeiro já havia assessorado a administração portuária na zona ribeirinha da Baixa. (Carvalho, 2009).

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4.2.2. O TERREIRO DO PAÇO / A PRAÇA DO COMÉRCIO

O presente texto procura compreender de forma breve e sucinta a progressiva metamorfose do Terreiro do Paço / Praça do Comércio como referente da cultura urbanística de Lisboa. O desafio a que nos propomos é o de compor uma visão global sobre as diversas épocas do espaço ‘ex libris123’ de Lisboa, considerando a sua evolução morfológica, simbólica e funcional, numa progressiva investigação das soluções espaciais concretizadas e utilização quotidiana que se sucederam ao longo dos séculos, mais precisamente entre o séc. XVI e o séc. XVIII.

Assumindo um papel, não só de núcleo central da cidade como de elemento fundamental da imagem de Lisboa, o Terreiro do Paço constitui-se como um fenómeno de lenta formação, integrando-se numa progressiva afirmação de uma cidade que de grande porto comercial se transforma, numa primeira fase, em capital do Reino e posteriormente em capital de um império. (Carita, 2012, p. 13).

Assim, ao longo dos séc. XIV e XV, pudemos constatar o que foi a progressiva constituição da chamada “Ribeira”, na cidade de Lisboa, lugar que agregava um conjunto de actividades marítimas e comerciais, e que dotou esta zona da cidade de uma centralidade nunca antes vista na vivência citadina e que, pelas suas qualidades, se afirmou como importante porto comercial.

Como vimos, no capítulo anterior da presente dissertação (mais precisamente no 3.4.2. Período Manuelino e Joanino: centralidade e consolidação), os últimos anos do séc. XV foram profícuos para a zona da Ribeira que, através de um vasto plano de ordenamento e processo de urbanização intimamente interligados, e que de uma forma inaugural e deveras natural deu origem ao processo de definição de uma larga praça (terreiro) onde um novo paço real e um conjunto de edifícios de administração régias se estruturavam em função da sua relação com a margem norte do rio Tejo. Praça e paço real nasceram como uma entidade urbana indissociável e geradora da nova estrutura da cidade.

Se na fase do plano manuelino de 1498-1499 o Terreiro do Paço se definia por uma larga frente e uma ala perpendicular à qual correspondia o paço real, na segunda fase de reestruturação, em 1513, processou-se uma nova transformação,

com aumento da altura tanto do alçado do Paço como da frente urbana, adquirindo o Terreiro, nesta fase, uma configuração em U aberto sobre o Tejo com a constituição de

123 ex libris - aquilo que representa algo ou alguém.

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uma terceira ala formada pelos edifícios da Alfândega Nova e do Celeiro Público. (Carita, 2012, p. 14).

Foi, no entanto, o processo de construção da Alfândega Nova e do novo edifício do Celeiro Público (nomeado mais tarde, Terreiro do Trigo) que conformou à “Ribeira” a sua estrutura de praça pois estes novos edifícios constituíram uma nova ala perpendicular ao Tejo, passando assim a Ribeira e o seu terreiro a ser formada por três corpos arquitectónicos em U, morfologia que marcará definitivamente, e para sempre, a imagem do espaço na cidade. Com efeito, a estrutura urbana do Terreiro do Paço no reinado de D. Manuel I revela-se um elemento determinante na imagem de Lisboa. Na sua multiplicidade de significados, a nível urbanístico, o Terreiro constituiu-se, ainda, como elemento gerador de um modelo urbano de cidade aberta sobre o exterior e a olhar o Tejo.

No conjunto das estruturas urbanas implementadas no período de expansão, a «Ribeira» destaca-se pela sua inequívoca originalidade no contexto do urbanismo europeu da época moderna. Ao aglutinar num único e grande núcleo urbano «palácio e terreiro» com outros equipamentos como alfândega, almazéns, teracenas, cais, casa da moeda, fundições, ferrarias, cordoarias e estaleiros navais, a «Ribeira» eleva-se a elemento não só estruturante do traçado urbano, como também caracterizador de uma certa imagem da cidade. (Carita, 2012, p. 34).

Na sua centralidade funcional a “Ribeira” e particularmente o Terreiro do Paço afirmara- se indubitavelmente moderno na sua expressão de condição nova e cosmopolita. Aqui reunia-se o poder do Estado, representado pelas instituições de administração régia, facto que se comprova também actualmente, através dos ministérios.

Com a perda da independência para Espanha em 1580 e com a governação da corte espanhola, o Terreiro do Paço voltou a sofrer intervenções de maior, nomeadamente no seu aspecto formal, ou melhor, no aspecto do seu Paço Real. A modernização arquitectónica do paço (através da separação física de espaços administrativos e residenciais) e o famoso Torreão de Terzi foi o que de maior e mais notável se realizou na Ribeira de Lisboa no período de governação Filipina. No entanto, o aproveitamento do Terreiro para grandes celebrações da realeza foi também efectivado, facto evidenciado logo em 1581, com a entrada de Filipe II em Lisboa; a vasta praça foi preenchida com grandes arcos triunfais exibindo todos eles uma abundante iconografia e exaltação imperial, exactamente a mesma que incorporaria o ciclo decorativo do Torreão.

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Após a restauração, em 1640, as obras e intervenções na Ribeira e no seu terreiro eram particularmente dirigidas ao palácio real. As reformas realizadas por D. João IV não se limitaram ao rearranjo administrativo afecto às obras “intermináveis” da Ribeira, mas ao contrário do que se poderia pensar, promoveu importantes alterações no seu palácio e espaço fulcral de Lisboa. Quanto ao amplo terreiro que se apresentava frente à fachada nascente do Paço da Ribeira, este, passou a funcionar, desde a sua fundação, como a sua extensão simbólica, e simultaneamente um dos pólos da vida quotidiana da população lisboeta e palco das mais importantes festas públicas promovidas pela Coroa.

Espaço de representação, de comércio e de convívio cívico, ao Terreiro do Paço foram, ainda, adscritas funções complementares de defesa de Lisboa. Um parapeito corrido passou a separar o Terreiro do Tejo, acrescentado a partir de 1625 de um baluarte artilhado […]. Algumas vistas tardias mostram o arranjo da praça como pequena fortificação, entrando rio adentro como um espigão, com muros declivosos, guaritas em dois dos ângulos e os canhões distribuídos ao longo da plataforma, em ocupação espúria da praça real que duraria até ao Terramoto de 1755. (Soromenho, 2012, p. 67-68).

Ilustração 312 - O Terreiro do Paço, séc. XVII. (Soromenho, 2012, Ilustração 313 - O Terreiro do Paço, séc. XVII. (Soromenho, p. 63). 2012, p. 65).

Numa outra perspectiva, a actualização do terreiro, que era “dominado pela imagem austera do palácio joanino, não se fazia de outro modo senão por dispositivos efémeros de linguagem mais moderna, que conformavam por momentos a praça barroca” (Soromenho, 2012, p. 70) que Lisboa nunca alcançou. De qualquer das formas, as tentativas para legar dignidade urbana ao Terreiro do Paço não foram muitas. Por volta de 1650, procurou-se recuperar um projecto tardo-filipino que consistia em “trazer água ao Terreiro do Paço” através de um chafariz;

Mas, sem dúvida, a proposta mais radical de remodelação da Ribeira com intuitos de programa a uma escala monumental foi a da replicação do conjunto palácio/torreão na zona nascente do terreiro, rematando-o, a Norte, com um corpo de ligação. […] Surpreendente antevisão da praça pombalina, com a disposição simétrica e articulada dos lanços laterais e uma pormenorização arquitectónica uniforme, este plano germinou

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possivelmente graças à descompressão originada pelo fim da Guerra da Sucessão, em 1668, e com a necessidade acrescida de representação da realeza no âmbito da cultura barroca, que mal se podia rever nos cómodos modestos da velha casa filipina e joanina. (Soromenho, 2012, p. 71).

Este plano é confirmado por informações enviadas pelo representante diplomático de Carlos II de Espanha em Portugal, Giovanni Domenico Maserati, não podendo ser mais claras. No entanto, esta intenção foi abandonada pelos gastos excessivos a que iria obrigar (Soromenho, 2012, p. 71). Por outro lado, esta ambiciosa possibilidade de alargamento do edificado arquitectónico do paço, que o organizava a partir da criação de um eixo de simetria e da concepção de um conjunto mais homogéneo de enorme impacto urbano, manteve-se intacta ainda por bastante tempo, e com ela, a única solução possível para oferecer à Ribeira a dignidade monumental dos grandes palácios das realezas europeias. No entanto, tal intenção não passaria disso mesmo, mas respiraria até ao derradeiro sinal de vida antes da destruição provocada pelo terramoto de 1755. (Soromenho, 2012).

Após a catástrofe de 1755 nada da área baixa da cidade de Lisboa permaneceria fisicamente, mas a sua memória seria eterna. Memória essa, que seria e viria a ser perpetuada na história e no tempo, no contexto físico e espacial da cidade. A própria opção de fazer renascer, e no mesmo local, o pólo urbano que, nos derradeiros séculos, centralizava a sua própria imagem (o Terreiro do Paço), consistiu em submetê-lo a uma incontornável operação de regularização e,

[…] sobretudo, a pressupostos de reforço da sua própria monumentalidade, que reforçariam ainda o seu valor representativo no quadro da cidade novamente projectada – ela mesma, afinal, representação semiótica da capital do Reino, no quadro de uma urbe mais ampla e felizmente poupada, mas de que a Baixa constituía coração simbólico e vital. (Pimentel, 2012, p. 86).

Assim nasceria a Real Praça do Comércio, que ao Terreiro do Paço sucederia (apenas fisicamente porque em toponímia será eterno). Efectivamente, e ao mesmo tempo que se redefinia radicalmente a sua nova funcionalidade, a praça, transformada num quadrado regular de 180m de lado, aberto em palco sobre o rio, “crispava-se de memórias morfológicas, minuciosamente coligidas” (Pimentel, 2012, p. 86). Facto que podemos comprovar, e em primeira linha, é, desde logo, o tema das arcadas. O antigo terreiro comunicava com a cidade através de uma diversidade de arcos (Arco dos Pregos, do Açougue, Porta da Ribeira, entre outros) em boa parte incorporados na antiga muralha fernandina, e arcadas, ou loggias, com destaque para a Galeria das

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Damas do antigo palácio régio. Este facto constituiu memória e não deixou de funcionar como referência histórica no momento de traçar a composição dos alçados da nova praça.

É, pois, o valor dessa memória que leva Manuel da Maia a assumir desde cedo que a futura praça seria o único local da cidade a possuir arcadas, dessa forma a inserindo numa genealogia urbana que declaradamente funciona como elemento de legitimação do novo projecto, obviamente num quadro disciplinado e modernizado. Estruturada agora com base em longas alas, providas de arcadas, andar nobre e mezzanino, que nos segmentos perpendiculares ao rio se rematariam por torreões, a nova praça absorve, na verdade, e desenvolve coerentemente, com inteligência e sensibilidade, o sentido, não somente das experiências, mas de uma reflexão que é possível pressentir desde longe, exercida em torno do programa monumental desse recinto […]. (Pimentel, 2012, p. 87).

Ilustração 314 - Projecto final da Real Praça do Comércio, Eugénio dos Santos e Carlos Mardel, Museu da Cidade. (Pimentel, 2012, p. 89).

Na verdade, não foi só o tema das arcadas que Eugénio dos Santos, arquitecto da Praça do Comércio, retomou explicitamente. Em memória do velho Paço da Ribeira e do famoso torreão de Terzi, Eugénio dos Santos, num mimetismo declarado, acumulou afinidades com o torreão de outrora, nos torreões gémeos da praça pombalina. Com efeito, a importância modelar e simbólica do torreão está patente na sua função emblemática e iconológica, consolidada ao longo de século e meio no coração da cidade. Todas estas afinidades conceptuais com a memória e com a imagem antiga, não excluem, de todo, a oportuna retoma da intenção que abordámos anteriormente de fechar toda a praça do Terreiro do Paço em U, com outro pavilhão fronteiro no sítio onde anteriormente estaria a Alfândega. Esse projecto jamais executado, era, no entanto,

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obviamente do conhecimento do círculo educativo da Aula de Fortificação, e talvez se torne evidente a operação clara de “afirmação da nova praça como sede de poder, cuja memória – isto é, legitimidade – visaria conservar, dignificando-a, monumentalizando-a e racionalizando-a” (Pimentel, 2012, p. 88).

Uma constatação, porém, se evidencia e nela se tem recorrentemente insistido: a saber, a eliminação, no programa final da praça novamente planeada, do complexo palatino e patriarcal, que dominara o antigo Terreiro […]. O novo recinto, com efeito, vocacionava- se para receber a bolsa de comércio (ideia cuja paternidade pertencerá ainda a Manuel da Maia, no âmbito, de resto, da sua antiga vocação comercial), além da alfândega, dos tribunais e dos serviços públicos. Em confronto com a ociosidade cortesã, a cidade nova e a praça que a resumia – a Praça do Comércio, designação oficial, cuja ambiguidade (praça / bolsa) não somente consagraria a importância estratégica da nova classe comercial como, de forma mais pragmática, a sua utilidade enquanto financiadora do próprio edifício – surgiam como uma apologia da vida útil e moderna do comércio e da actividade económica […]. (Pimentel, 2012, p. 88).

Assumindo ainda uma novidade na nova praça, é o papel estrutural que nela desempenha a estátua equestre do monarca D. José I, “que lhe ocupa o centro (perspéctico), configurando-se como o eixo indispensável de todo o sistema arquitectónico e urbanístico da Baixa reconstruída” (Pimentel, 2012, p. 90). A ausência do Paço Real na nova praça da cidade, mas a presença inequívoca da estátua equestre de D. José, sem vestígio de contradição, indemnizava a praça da supressão do palácio de antigamente e justificaria a nomeação de “Real Praça do Comércio”.

Ilustração 315 - A Praça do Comércio e a estátua equestre de D. José, 2000. (Pavão, 2000).

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Não obstante o minucioso inventário de referências históricas e ontológicas que são acumuladas na Praça do Comércio, esta,

[…] denuncia, na sua morfologia, um último vínculo ao passado, porventura, afinal, o primeiro de todos: o mais estrutural. O que é fornecido pela própria planta, largo quadrilátero flanqueado de torreões angulares, opção através da qual se denunciam, uma vez mais, as raízes da reflexão de que constitui produto e que, nesse sentido, a configura como ponto de chegada, mesmo que, necessariamente (e como sempre ocorre), seja igualmente ponto de partida. (Pimentel, 2012, p. 90).

Ilustração 316 - Planta da Real Praça do Comércio, Eugénio dos Santos. (Rossa e Tostões, 2008).

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Ilustração 317 - A Praça do Comércio como ponto de chegada na aproximação pelo rio. (Ferreira, 2013).

Ilustração 318 - A Praça do Comércio como ponto de partida na saída por terra. (Ilustração nossa, 2018).

Em 2007, o Torreão Poente da Praça do Comércio, que é nos dias de hoje um dos edifícios que integra o Museu da Cidade, teve nas suas instalações uma exposição dedicada aos pavimentos históricos da cidade de Lisboa; exposição essa, nomeada “Debaixo dos nossos pés – Pavimentos Históricos de Lisboa”. Ora, é precisamente debaixo dos nossos pés, quando percorremos a cidade, que se encontram séculos e séculos de história, memória e camadas profundas de vestígios arqueológicos da máxima importância para o entendimento do sítio de Lisboa e da sua própria génese. Como abordámos anteriormente, a pavimentação é a base do espaço edificado (público ou privado) da cidade, seja ele interior ou exterior. Estudar e analisar os pavimentos de

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uma cidade tão antiga quanto Lisboa significa conhecer a própria cidade e nesta exposição o Museu de Lisboa abordou um tema raras vezes explorado: desde técnicas, materiais, formas, composições e cores que revestiram o chão que pisamos, desde a Pré-História até aos inícios do séc. XX. As soluções de pavimentação da cidade, como é do conhecimento geral, foram-se modificando ao longo do tempo. O Terreiro do Paço, que de antemão sabemos ter sido terreno e espaço ganho ao rio Tejo, faz parte da história que a exposição ousa contar, e que nós fazemos questão de incluir neste trabalho pela pertinência do seu conteúdo.

No âmbito de obras realizadas na Praça do Comércio, em 2009, foram identificados vestígios arqueológicos que permitem caracterizar e compreender com maior detalhe o lugar que foi, desde o séc. XVI, o principal centro social e político de Portugal. O revolvimento do subsolo da praça permitiu identificar um conjunto de realidades patrimoniais que foram alvo de distintas intervenções arqueológicas, visando a sua salvaguarda e registo integral. Apesar de todos os condicionalismos inerentes a uma intervenção arqueológica realizada em contexto urbano, numa das mais emblemáticas zonas da capital, a caracterização das realidades identificadas tem a pretensão de possibilitar uma leitura aproximada do ambiente urbano vivido na frente ribeirinha de Lisboa pré e pós-Terramoto de 1755. Com isto, o objectivo central deste texto é dar a conhecer os vestígios que foram identificados durante o acompanhamento arqueológico e que estão relacionados com eventuais pavimentos que terão sido parte integrante do grande espaço público lisboeta, o Terreiro do Paço. Intervir arqueologicamente no subsolo da Praça do Comércio, é estar presente numa realidade que sofreu muitíssimas transformações a nível urbano, principalmente após a catástrofe de 1755. A primeira realidade desta natureza surgiu na abertura de uma vala no tardoz da estátua equestre de D. José a uma profundidade de quatro metros. Após a remoção de vários níveis de aterro pós-Terramoto, foi possível observar a presença de um piso, dois metros abaixo da superfície actual da praça. Este piso, definido e registado integralmente é composto por argamassa e cal branca, com uma espessura de dez centímetros, apresentando em algumas zonas lajes de basalto. As reduzidas secções de piso identificadas não permitem, porém, grandes considerações histórico-arqueológicas. Pelo seu posicionamento constata-se que deverá ser anterior ao terramoto uma vez que se encontra atulhado por aterros depositados após essa ocorrência. É, portanto, um piso existente no Terreiro do Paço, prévio à construção da Praça do Comércio, mas de difícil avaliação a que momento cronológico específico da existência do Terreiro se insere.

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Ilustração 319 - Segmento do piso identificado (Neves e Martins, Ilustração 320 - Registo do piso no perfil (Neves e Martins, 2017, 2017, p. 157). p. 157).

O segundo vestígio encontrado na praça diz respeito a um possível pavimento registado numa zona mais a oeste da Praça do Comércio no enfiamento da Rua Áurea. Sobre ele, observaram-se dois níveis de aterros pós-pombalinos: um composto exclusivamente por fragmentos de porcelana e um outro composto por cerâmica comum e restos de fundição. Em virtude de condições débeis de segurança neste espaço específico, devido a um solo muito instável, a aterros pouco consolidados e níveis de rio expostos a forte subida da maré, não foi possível proceder a registo fotográfico do mesmo. O nível de pavimento caracteriza-se por uma calçada de seixos de quartzito (de dimensão média), localizada a três metros de profundidade em relação à superfície actual da praça. O elevado grau de destruição desta calçada deverá estar relacionado com a evolução urbana do lugar, tendo esta, sido mesmo cortada durante a colocação do caneiro da Rua Áurea. Corresponderá assim, a um piso existente no Terreiro do Paço, nas vésperas do dia 1 de Novembro de 1755.

As realidades arqueológicas identificadas ajudam a reconstruir a principal praça da cidade anterior a 1755, mas também as dinâmicas posteriores à catástrofe. No subsolo da praça idealizada por Eugénio dos Santos e Carlos Mardel, foi possível observar inúmeros níveis de aterro após 1755, que possibilitaram nivelar e altear a sua cota, fazendo-a também avançar em direcção ao Tejo e colmatando toneladas de destroços da catástrofe. Abaixo desses níveis de aterro, registaram-se vestígios de dois antigos pavimentos, de construção distinta, claramente relacionados com o Terreiro do Paço, embora seja difícil a sua leitura em conjunto, assim como especificar a sua correcta existência em termos cronológicos. (Neves e Martins, 2017, p. 159).

Deste modo, concluímos que a pavimentação da cidade, isto é, o acto de pavimentar, que num sentido lato, significa agir sobre a natureza, impondo-lhe uma estrutura e um tratamento, evidencia uma presença humana.

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Neste sentido, arriscamo-nos mesmo a considerar os pavimentos como um elemento do processo civilizador, no sentido dado por Norbert Elias, não apenas porque configuram uma medida de “civilização” e de elevação das “maneiras e costumes”, mas porque se afirmam no contexto mais vasto do progresso da humanidade. (Simões e Diogo, 2017, p. 17).

No final do séc. XV e início do séc. XVI, quando Lisboa se tornou capital de um império ultramarino em expansão no reinado de D. Manuel I, foi quando surgiu na cidade o calcetamento das ruas. À época, as ruas da cidade não evidenciavam dimensões alargadas, o que em teoria, tornava esta obra mais facilitada; o Terreiro do Paço, ao invés, consistia no maior espaço urbano da cidade. Calcetar toda a área do terreiro seria tarefa que não se afiguraria fácil e o pavimento deste variou entre a terra batida, as argamassas / cal e algumas lajes de basalto, mas também o referido calcetamento (calçada de seixos) em zonas mais periféricas do espaço do terreiro (nomeadamente em redor da placa central que acreditamos ter surgido efectivamente devido à grandiosidade do espaço e à dificuldade que seria calcetar toda a área), como vimos em resultado arqueológico. Diversos pavimentos foram sendo (re) conhecidos por toda a área baixa da cidade, talvez por falta de um planeamento efectivo que determinasse um pavimento comum: cubos de granito constituíram o calcetamento da Rua Nova dos Mercadores, o Largo do Pelourinho Velho apresentava pavimento em pedra basáltica e tanto o Terreiro do Paço como o Campo das Cebolas apresentaram vestígios de pavimentos de cal. Mais tarde, já no séc. XIX, surgiu a calçada portuguesa (através de Eusébio Pinheiro Furtado) como hoje a conhecemos. Este tipo de pavimento, inicialmente aplicado no Rossio foi um sucesso, e tornou-se um ícone de Lisboa, “mantendo-se em uso ao longo dos séculos XIX e XX e estendendo a sua influência cultural ao mundo lusófono. (Simões e Diogo, 2017, p. 17).

O pavimento, seja aplicado na rua, na praça, no passeio, etc.,

[…] é um elemento crucial do fazer cidade. Marca distintiva e linha de fronteira entre diferentes territórios – o espaço rural vs espaço urbano, o espaço das elites vs espaço dos operários, o espaço de circulação dos diferentes actores, os espaços marginais – o pavimento afirma-se de forma polissémica como zona de cruzamento entre a realidade técnica dos materiais e as múltiplas leituras sociais, culturais e civilizacionais que deles emanam. (Simões e Diogo, 2017, p. 17).

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4.2.3. REQUALIFICAÇÃO DO TERREIRO DO PAÇO / PRAÇA DO COMÉRCIO

Data do Projecto: 2009 | Conclusão da obra: 2011 Arquitecto: L. J. Bruno Soares

O Terreiro do Paço / Praça do Comércio, como estudámos, define-se na sua estrutura por um quadrilátero limitado por três alas (norte, nascente e poente), dispostas em U, que são compostas por elementos arquitectónicos simples, arcos que se multiplicam nas três faces dos edifícios contínuos, em galerias mais ou menos profundas. Na abertura a sul voltada ao rio, evidencia-se um cais de acesso em pedra (Cais das Colunas). Um arco de triunfo marca o centro do lado norte da praça (permitindo a transição directa da praça rumo ao Rossio pela Rua Augusta) e dois torreões marcam as extremidades sul tanto da ala nascente como da ala poente. Estes, assumem a sua preponderância e são elementos importantes na definição da praça, não só porque a encerram em termos formais “(criando o enquadramento para a ala “virtual” que é o próprio rio)” (Alçada, 2004, p. 249), como evocam a memória histórica, numa espécie de mimetismo duplicado, o emblemático “Torreão de Térzio” que constituía o elemento principal do destruído Paço da Ribeira, na cidade desaparecida. A estátua equestre de D. José (execução escultórica de Machado de Castro, mas projecto idealizado por Eugénio dos Santos) completa o conjunto da praça.

A definição e composição do Terreiro do Paço / Praça do Comércio foi na sua essência pensada como espaço significante, pois trata-se,

[…] da porta simbólica da nova e actual Lisboa que se pretende que seja vista na sua dupla novidade: a da cidade que se abre como um todo para o rio e a da praça em si, que renova o antigo Terreiro do Paço e a transforma na Real Praça do Comércio, incluindo nesta nova denominação a evocação de onde deriva o seu modelo formal (e ideológico), e o elogio do Comércio ao qual se associa a reconstrução da cidade. (Alçada, 2004, p. 249-250).

Relativamente à composição tipológica e arquitectónica da praça, esta tem um tratamento claramente diferenciado do restante conjunto da Baixa Pombalina. A utilização dos arcos, como vimos, por exemplo, foi uma decisão exclusiva para aquela área. Cada uma das alas apresenta alçados constituídos por elementos modulares simples:

arcadas de volta inteira, descarregando sobre pilares de secção quadrada, encimadas por janelão rectangular centrado, sobrepujado por vão quadrangular de emolduramentos de cantaria sem ornamentação. Uma platibanda com balaústres faz o remate da

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cobertura. Os torreões têm um tratamento especial em termos de material de revestimento (pedra) e na composição das fachadas. No centro geométrico de um triângulo equilátero, cujos vértices se encontram no eixo do Arco da Rua Augusta e nos eixos das portadas laterais dos dois torreões, localiza-se a estátua equestre de D. José I, parte integrante da tipologia de praça, que remete para o modelo formal das «places royales». (Alçada, 2004, p. 253).

Ao longo dos tempos, a Praça do Comércio sofreu as mais variadas transformações nomeadamente na sua placa central, que surgiu entre o final do séc. XIX e que se mantém até aos dias de hoje, no seu pavimento e nos elementos que outrora a compuseram: árvores, bancos e quiosques. Ao longo da segunda metade do séc. XX, o Terreiro do Paço / Praça do Comércio foi progressivamente perdendo o seu estatuto de marco simbólico e funcional na vida quotidiana da cidade. Desde a década de 60 até ao final da década de 90 do mesmo século a praça consistia num enorme parque de estacionamento automóvel que, entretanto, se tornou um importante centro rodoviário de acesso ao centro da cidade. Aquando das obras do metropolitano do Terreiro do Paço, a praça foi ainda mais descontextualizada, principalmente na sua relação com o rio, quando por motivos óbvios, foi desmantelado e retirado o Cais das Colunas que tanto a caracterizava (Ilustração 321).

Ilustração 321 – O Cais das Colunas na década de 40 do séc. XX. (Ferrari, 194-).

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No âmbito do programa de reordenamento e requalificação da frente ribeirinha da cidade, surge o projecto de requalificação do Terreiro do Paço / Praça do Comércio, intervenção iniciada em 1998 e apenas concluída em 2011, que nos apresenta uma nova organização da praça, com um novo pavimento e consequente sistema viário, melhorando consideravelmente o usufruto da praça por parte das pessoas que a percorrem e contemplam.

A 26 de Maio de 2009, Bruno Soares apresentou na sede da Ordem dos Arquitectos em Lisboa, o seu projecto para a requalificação da principal praça da cidade. Da sessão, destinada a discutir o seu trabalho, surgiu publicamente o estudo prévio do mesmo, no entanto, acompanhado de diversas críticas124 que Bruno Soares admitiu reconsiderar no seu projecto, nomeadamente: a questão do corredor em pedra lioz a marcar o percurso que se inicia no Arco da Rua Augusta, contorna a estátua equestre e culmina no Cais das Colunas (Ilustração 325); os losangos proeminentes no traçado do pavimento (Ilustração 324 / 325); a base em losango da estátua equestre (Ilustração 325); e a plataforma circular do Cais das Colunas (Ilustração 323).

Ilustração 322 – Estudo Prévio para a requalificação do Terreiro Ilustração 323 - Estudo Prévio para a requalificação do Terreiro do Paço. (LXProjectos, 2009). do Paço. (LXProjectos, 2009).

124 Em conferência de imprensa, Bruno Soares admitiu que a versão preliminar do projecto era “criticável” e tinha aspectos que “claramente tinham que ser revistos”, salientando que “obviamente, um projecto não resulta de um somatório de opiniões”, sendo necessário fazer “um balanço e valoração dos vários contributos”.

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Ilustração 324 - Estudo Prévio para a requalificação do Terreiro do Paço. (LXProjectos, Ilustração 325 - Estudo Prévio para a 2009). requalificação do Terreiro do Paço. (LXProjectos, 2009).

Ilustração 326 - Estudo Prévio para a requalificação do Terreiro Ilustração 327 - Estudo Prévio para a requalificação do Terreiro do Paço. (LXProjectos, 2009). do Paço. (LXProjectos, 2009).

A primeira e fundamental questão que se colocou no início do projecto foi a de estabelecer uma nova relação entre as características singulares e simbólicas da Praça e os novos modos contemporâneos de usar e desfrutar a cidade. Nesse sentido, a intervenção teve duas componentes importantes: a primeira passava pelo projecto de renovação e requalificação do espaço público; a segunda consistia num programa de reutilização dos edifícios contíguos, tendo em vista a introdução de novos usos em áreas deixadas vagas pela saída de alguns ministérios.

Deste modo, as principais linhas de força e princípios gerais do projecto de requalificação foram: evidenciar e valorizar a dimensão da praça, que detém cerca de 36.000 m2, e manter a unidade visual e cénica do conjunto monumental edificado; a sua unidade arquitectónica e caracterização enquanto praça de aparato (estátua e cais); repor a ligação axial da praça com o rio Tejo revalorizando o Cais das Colunas como elemento matricial e diferenciador do projecto de 1758, e o seu eixo monumental (Arco da Rua Augusta – Estátua Equestre – Cais); manter e valorizar a simetria e

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correspondência das fachadas nascente e poente assim como as arcadas, enquanto elemento contínuo de transição entre o espaço construído e o espaço aberto da praça; ampliar o espaço dedicado ao peão, garantindo-lhe condições de grande mobilidade e de diversidade de utilização; reordenar e limitar a circulação automóvel, privilegiando os transportes públicos; e minimizar os riscos de inundação, seja por acção das intempéries ou subida das marés.

Preservar a integridade morfológica da praça, valorizando a sua leitura global enquanto conjunto específico na cidade, e valorizar a compreensão e legibilidade global do espaço, compreendendo e acentuando a sua invulgar dimensão e carácter cenográfico foram desafios preponderantes na configuração do novo espaço da praça.

Ilustração 328 – Planta Geral do Projecto de Requalificação do Terreiro do Paço / Praça do Comércio. (Soares, 2019).

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Ilustração 329 – Geometria e matriz fundamental do pavimento / malha da Praça. (Soares, 2019).

O desenho da praça, por sua vez, partiu da definição de uma “matriz” que estabeleceu a base do projecto, baseado no alinhamento resultante do plano do séc. XVIII, pelo eixo monumental delineado pelo Arco da Rua Augusta – Estátua Real – Cais das Colunas, além da métrica das fachadas do edifícios que a circundam, isto é, tudo elementos pré- existentes que marcam a geometria da praça setecentista.

A Estátua Equestre de D. José, por sua vez, foi colocada numa base elíptica a meio da placa central quadrada da praça, que apresenta uma superfície porosa e uma malha diagonal em gravilha de lioz. A superfície quadrada da praça concede à estátua uma posição central que na verdade não possui relativamente à métrica definida pelos edifícios da ala nascente e poente (Ilustração 328 / 329).

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O pavimento e a malha diagonal125 que o constitui, construído em pedra126 e evocando a memória de um terreiro, serve dois propósitos: através de uma orientação enviesada em relação ao quadrado da praça e eixo monumental, acentua os pontos de fuga divergentes em relação ao rio; além disso, o tamanho da malha proporciona uma relação de proximidade entre os cidadãos e a praça e um maior entendimento entre a escala humana e a escala do espaço.

Ilustração 330 – Praça do Comércio, noção de escala. (Ilustração Ilustração 331 - Praça do Comércio, noção de escala. nossa, 2018). (Ilustração nossa, 2018).

O pavimento da placa central possui ainda negativos e calhas técnicas que permitem a ocupação da superfície da praça por parte de estruturas efémeras de eventos lúdicos ou outras cerimónias, mastros de bandeira, entre outras coisas...

125 A malha diagonal da placa central da Praça do Comércio provém de um paralelismo em relação ao triângulo equilátero que surge da ligação entre os pontos centrais do Arco da Rua Augusta e de ambos os torreões que compõem a praça (Ilustração 326). 126 O novo pavimento da Praça do Comércio, que ambiciona estabelecer uma analogia com o conceito de terreiro, é constituído na na sua composição por um betão betuminoso descolorável e gravilha de lioz. Este pavimento betuminoso foi aplicado na praça através de uma técnica de compressão por parte de cilindro como se de uma estrada se tratasse.

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Ilustração 332 – Praça do Comércio, panorâmica. (Ilustração nossa, 2018).

Ilustração 333 – Planta da Praça do Comércio com o percurso dos Ilustração 334 - Planta da Praça do Comércio com os eixos veículos eléctricos assinalado. (Soares, 2019). rodoviários assinalados. (Soares, 2019).

Como referimos anteriormente, reordenar e limitar a circulação automóvel, privilegiando os transportes públicos foi uma das principais preocupações na base do projecto. O trânsito rodoviário, que segundo Bruno Soares foi reduzido de 40% para apenas 11%, passou a realizar-se apenas nos topos da praça: o topo norte (que liga a Rua da Alfândega à Rua do Arsenal) é destinado a veículos de transporte público e é onde se concentram tanto as paragens de autocarros como de eléctricos, e o topo sul que outrora era composto por cinco vias de tráfego, foi reduzido para apenas duas vias,

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ligando a Av. Infante D. Henrique à Av. da Ribeira das Naus, destinando-se ao tráfego automóvel generalizado. As vias paralelas à placa central da praça, estritamente alinhadas com a Rua Áurea e com a Rua da Prata (Ilustração 334), destinam-se a cargas e descargas derivadas do comércio instalado nas alas nascente e poente da praça, mas podem, no entanto, ser abertas ao trânsito em situações de emergência ou de qualquer ocorrência que impossibilite o tráfego entre a Ribeira das Naus e a Av. Infante D. Henrique.

Ilustração 335 – Praça do Comércio. (Ilustração nossa, 2019).

A transição da placa central da praça rumo ao Cais das Colunas, à beira-rio, é feita através do eixo central da praça, reafirmando a conexão histórica da cidade com o rio, que havia sido perdida com as cinco vias rodoviárias que acomodavam o tráfego de veículos. Os quatro degraus projectados em circunferências de enorme raio (Ilustração 328 / 341), visam destacar a presença do cais quando nos encontramos na cota da praça. O final dos degraus, está por sua vez, vinculado ao círculo onde a superfície do Cais se inscreve.

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A diferença de cota entre a Praça e o Cais deve-se, no entanto, ao assentamento do torreão poente, facto que ocorreu durante a sua construção, conforme é evidenciado pelo extremo oeste da superfície da praça (Ilustração 338).

Ilustração 336 – Torreão poente da Praça do Comércio. Ilustração 337 - Torreão poente da Praça do Comércio. (Ilustração nossa, 2019). (Ilustração nossa, 2019).

Ilustração 338 – Diferença de cota no estremo oeste da Praça, entre a placa central e as vias de tráfego. (Ferreira, 2013).

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Ilustração 339 – Vista aérea sobre a Praça com foco no torreão e ala poente. (Ilustração nossa, 2018).

Ilustração 340 – A chegada ao Cais das Colunas desde a placa central do Terreiro do Paço / Praça do Comércio. (Ferreira, 2013).

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Ilustração 341 – Desnível evidente entre a cota da placa central e as vias de tráfego. (Ilustração nossa, 2018).

Ilustração 342 – Panorâmica do Terreiro do Paço / Praça do Comércio. (Ilustração nossa, 2018).

Minimizar os riscos de inundação da praça foi outro dos focos da intervenção de Bruno Soares. Fosse por acção das intempéries ou subida das marés, o projecto de requalificação assumiu uma posição sobre tal condição, razão essa que justifica em parte a subida de cota da praça (com a implementação dos degraus) em relação à área do Cais das Colunas. Outra curiosidade prende-se com a drenagem do próprio pavimento poroso da placa central. Para minimizar e, contudo, evitar a inundação das

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laterais da praça junto às arcadas e aos novos usos, a placa central assume pendentes para o interior da praça de modo a evitar tal situação (como é possível verificar na ilustração 343). Por mera coincidência, na ilustração 332, é possível vislumbrar um nicho de água que se concentra na respectiva área da praça.

Ilustração 343 – Drenagem da praça com base em pendentes assinalada na planta geral do projecto de requalificação do Terreiro do Paço / Praça do Comércio. ([Adaptado a partir de:] Soares, 2019).

Relativamente às arcadas e áreas laterais da Praça (alas poente e nascente), estas apresentam um pavimento em lioz amaciado e estão destinadas a restauração e comércio que transformam à praça de acordo com os novos usos contemporâneos.

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Ilustração 344 – A ala nascente do Terreiro do Paço / Praça do Comércio com as suas esplanadas. (Ilustração nossa, 2014).

Ilustração 345 - A ala poente do Terreiro do Paço / Praça do Comércio com as suas esplanadas. (Ilustração nossa, 2014).

A consequente reorganização e requalificação do Terreiro do Paço / Praça do Comércio, e a sua adequabilidade a novos usos contemporâneos, com a retirada de alguns ministérios e outros serviços, permitiu que fossem instaladas unidades hoteleiras e de restauração na praça, o que veio alterar a função governamental que esta possuía desde o séc. XVIII.

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Em suma e concluindo, o projecto final de requalificação do Terreiro do Paço / Praça do Comércio traduziu-se na:

- modelação do perfil transversal da Praça (recargas de pavimento, questões de drenagem, diferentes infra-estruturas) e definição – sem prejuízo da unidade espacial da Praça – de ambientes diferenciados;

- melhoria das condições de convivência da Praça com o rio Tejo (a nível visual e de acessibilidade);

- melhoria da articulação e complementaridade com: a Baixa-Rossio no eixo de acesso ao rio e ao Cais, com o passeio ribeirinho da Ribeira das Naus, com o Campo das Cebolas através da ala nascente, e com o corredor norte do qual faz parte a Rua do Arsenal e a Rua da Alfândega;

- leitura do Terreiro do Paço / Praça do Comércio no âmbito de um conjunto edificado e de um sistema de espaços públicos mais alargado;

- criação de condições para um uso diversificado da Praça (eventos ocasionais, usos quotidianos (serviços e comércio, lazer e turismo);

- adopção de pavimentos e bases adequados ao espaço, caleiras técnicas, redes de manutenção e limpeza, redes de negativos multifuncionais.

Não obstante a subjectividade de qualquer consideração que possa ser feita à intervenção realizada no Terreiro do Paço / Praça do Comércio, é irrefutável, que hoje em dia, o Terreiro do Paço / Praça do Comércio se apresenta como espaço público consolidado e com uma enorme melhoria estética e na qualidade das suas infra- estruturas a nível do espaço e do usufruto por parte dos cidadãos e da própria cidade, em comparação ao seu passado mais recente.

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Ilustração 346 – Praça do Comércio, 1953. (Branco, 1953).

Ilustração 347 – Terreiro do Paço / Praça do Comércio, 2011. (Ferreira, 2013).

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4.3. CAMPO DAS CEBOLAS / DOCA DA MARINHA, ARQ.º J. L. CARRILHO DA GRAÇA

4.3.1. ARQUITECTO JOÃO LUÍS CARRILHO DA GRAÇA

João Luís Carrilho da Graça, arquitecto português natural de Portalegre, nasceu em 1952, e licenciou-se em Arquitectura pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa (ESBAL) em 1977, ano em que iniciou a sua actividade profissional.

Ilustração 348 - João Luís Carrilho da Graça. (Carrilho da Graça, 2019b).

J. L. Carrilho da Graça foi assistente na Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa (FA-UTL) de 1977 a 1992; exerceu o cargo de professor na Universidade Autónoma de Lisboa entre 2001 e 2010, cargo que ainda exerce também na Universidade de Évora desde 2005, tendo sido coordenador do departamento de arquitectura em ambas as instituições até 2010. Foi ainda professor visitante da Escola Técnica Superior de Arquitectura da Universidade de Navarra em 2005, 2007 e 2010. Ao longo da sua carreira Carrilho da Graça foi convidado para seminários e conferências em diversas universidades e instituições internacionais.

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Agraciado e reconhecido ao longo da sua carreira, Carrilho da Graça viu diversos prémios serem atribuídos à sua obra, nomeadamente: o título de “Chevalier des Arts et des Lettres” pela República Francesa em 2010, o “Prémio Pessoa” em 2008, o prémio da Bienal Internacional da Luz - Luzboa em 2004, a Ordem de Mérito da República Portuguesa em 1999, e o prémio “Aica” da “Associação Internacional dos Críticos de Arte” em 1992.

Foi ainda distinguido com o prémio “Piranesi Prix de Rome” em 2010 pela musealização da área arqueológica da praça nova do Castelo de São Jorge, o prémio “FAD” em 1999 e o prémio “Valmor” em 1998 pelo Pavilhão do Conhecimento dos Mares - Expo’98, o prémio “Secil” em 1994 pela Escola Superior de Comunicação Social de Lisboa, e nomeado para o prémio europeu de arquitectura “Mies van der Rohe” em 1990, 1992, 1994, 2009, 2010 e 2011, este último ano pela ponte pedonal sobre a Ribeira da Carpinteira (Covilhã) e pela musealização da área arqueológica da praça nova do Castelo de São Jorge.

Com uma vastíssima obra realizada, os seus primeiros projectos foram concretizados no Alto Alentejo, região que é uma referência para o arquitecto, da qual é natural. Facto esse que se traduz numa influência gerada pela vivência alentejana, e que se nota na relação que as suas obras estabelecem com a paisagem, com a exploração de planos e geometrias elementares. A obra arquitectónica de Carrilho da Graça estabelece sempre uma forte relação com o território, sendo este, sempre o ponto de partida para todo e qualquer projecto. Assim, para cada projecto, o processo que é incessantemente procurado é essencialmente as relações com o sítio / lugar; o carácter transformador do sítio pela arquitectura está intrínseco no processo projectual de Carrilho da Graça. Conseguimos afirmar que, algumas obras do arquitecto desenvolvem sem rodeios, um diálogo com a pré-existência arquitectónica, e reinterpretam a memória arqueológica do lugar.

Lisboa tem sido um dos maiores palcos da obra de João Luís Carrilho da Graça, facto esse que fica bem evidente na exposição que inaugurou na Garagem Sul do CCB em 2015, com o nome “Carrilho da Graça: Lisboa” e que se prolongou até Fevereiro de 2016. Nesta exposição foi possível vislumbrar diversas obras projectadas pelo autor (umas construídas, outras que não saíram do papel) e a relação que o arquitecto estabelece com o território através do seu estudo sobre Lisboa, tendo como base a evolução da cidade e a importância dos antigos caminhos de festo e de vale para a sua

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definição. Em Lisboa no geral, mas na Baixa Pombalina e na frente ribeirinha em particular, J. L. Carrilho da Graça destaca-se com dois projectos vencedores de primeiro prémio em respectivos concursos internacionais que fazem parte do Plano Geral de Intervenções da Frente Ribeirinha. São eles, o Terminal de Cruzeiros de Lisboa e a requalificação do Campo das Cebolas / Doca da Marinha, este último, que analisaremos e estudaremos de seguida.

Ilustração 349 - Terminal de Cruzeiros de Lisboa. (Carrilho da Graça, 2019a).

Ilustração 350 - Campo das Cebolas. (Carrilho da Graça, 2019a).

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4.3.2. DA RIBEIRA VELHA DO SÉC. XVI AO CAMPO DAS CEBOLAS DO SÉC. XXI

O presente texto procura compreender de forma breve e sucinta a progressiva metamorfose da Ribeira Velha / Campo das Cebolas, também ela, referência da cultura urbanística de Lisboa ligada à actividade portuária e mercantil da frente ribeirinha da cidade. Pretende-se a composição de uma visão global sobre as diversas épocas do espaço, considerando a sua evolução morfológica e funcional, numa progressiva investigação das soluções espaciais concretizadas e na utilização quotidiana que se sucedeu ao longo dos séculos, mais precisamente entre o séc. XVI e a actualidade.

A Ribeira Velha do séc. XVI e o actual Campo das Cebolas, como referimos, associa-se, na história e no tempo, à actividade portuária e mercantil da frente ribeirinha de Lisboa. A Ribeira, como estudámos anteriormente, surge em Lisboa no reinado de D. Manuel I após as políticas de ordenamento da cidade levadas a cabo por este, que foram consolidando a frente de actividade portuária e ribeirinha. Resultado de terreno ganho sobre o rio Tejo e num processo secular de aterro, a nascente do conjunto da Ribeira (Paço Real e o seu Terreiro) surgiu a Ribeira Velha, tendo sido na praia de contacto entre a colina do Castelo, a Baixa e o rio, que se estabeleceu um mercado e vários equipamentos municipais.

Ilustração 351 - Mercado da Ribeira Velha. Painel Ilustração 352 - Mercado da Ribeira Velha. Painel de Azulejos, século XVIII. de Azulejos, século XVIII. Museu da Cidade. Museu da Cidade. (Lavado, 2013, p. 100). (Lavado, 2013, p. 100).

Na narrativa de Lisboa e do seu espaço urbano existem edifícios que marcam pela sua fisionomia e perpetuam memórias do passado histórico e urbano da cidade. Edificada

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entre 1521 e 1523 por parte de Brás de Albuquerque127 na Ribeira Velha no limiar da cerca moura, a Casa dos Bicos é exemplo dessa realidade (Ilustração 349). A Casa dos Bicos, situada na Rua dos Bacalhoeiros, muitas vezes representada em panorâmicas antigas de Lisboa, destaca-se dos restantes palácios e casarios, sobretudo pela originalidade da sua fachada revestida de pedra aparelhada em forma de pirâmide (“os Bicos”) voltada para o rio. Após o terramoto de 1755, o edifício perdeu os seus dois andares nobres e ficou reduzida aos pisos inferiores, lojas e sobrelojas (ilustração xx). Não obstante o seu estado de ruína, a Casa foi classificada como Monumento Nacional em 1910, acabando por ser adquirida pela C.M.L em 1955. Em 1981, foi alvo de reabilitação (foi reconstruída e reposta a sua volumetria inicial com o acrescento dos dois andares que haviam desaparecido na tragédia), sob o patrocínio da Comissão Organizadora da XVII Exposição Europeia de Arte, Ciência e Cultura, para aí albergar o núcleo expositivo “Os Descobrimentos Portugueses e a Europa do Renascimento”.

Actualmente, nos pisos superiores da Casa dos Bicos funciona a Fundação José Saramago, acolhendo a biblioteca do escritor prémio Nobel da Literatura, assim como uma exposição permanente sobre a vida e obra de José Saramago; por sua vez, no piso térreo, encontra-se o Núcleo Arqueológico do Museu da Cidade de Lisboa, onde se pode encontrar um espólio que percorre a história da cidade desde a ocupação romana até ao século XVIII. A Casa dos Bicos é figura marcante no espaço público da Ribeira Velha ao longos dos tempos assim como continua a ser hoje em dia no Campo das Cebolas.

Ilustração 353 - Casa dos Bicos, 1955-1970. (Lisboa. Ilustração 354 - Casa dos Bicos, 2018. (Lisboa. Câmara Municipal. Museu, 2019a). Câmara Municipal. Museu, 2019a).

Na segunda metade do século XVI, no actual Campo das Cebolas e antiga Ribeira Velha, observava‑se uma renovada frente urbana, na qual se instalaram novos palácios da nobreza e burguesia comerciante (exemplo, Casa dos Bicos), que incorporavam a

127 Brás de Albuquerque (Alhandra, 1501 - Lisboa, 1581), filho natural de Afonso de Albuquerque, foi vedor da Fazenda, e Presidente do Senado da Câmara de Lisboa.

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antiga muralha. Lisboa era uma cidade voltada ao rio e a Ribeira Velha um amplo terreiro onde era possível atracar pequenas embarcações.

Séc. XVII / XVIII

A passagem para o século XVII permite‑nos observar um papel mais marcante desta área urbana no quotidiano de Lisboa, com a instalação do Mercado da Ribeira Velha no antigo terreiro voltado ao rio. Em 1620, o grande mercado na Ribeira Velha, a nascente do edifício da Alfândega, era referido como um dos mais importantes mercados da cidade. O mercado em si, correspondia, a um conjunto de cabanas ou alpendres compridos, espalhados pelo terreiro, desde o Cais de Santarém até à antiga Alfândega.

Ilustração 355 - Maqueta da cidade de Lisboa pré-Terramoto, com a zona da Ribeira Velha demarcada a cor. ([Adaptado a partir de:] Rossa e Tostões, 2008).

[…] Diferentes fontes cartográficas e iconográficas de época permitem compreender uma constante presença de pequenas embarcações aportadas nesta zona de margem, a nascente do Terreiro do Paço. Com maior ou menor detalhe, é possível perceber a presença de zonas de cais que são também referidos nas fontes escritas, como exemplificam as denominações de Cais de Santarém, Cais da Aldeia Galega, Cais da Madeira ou Cais da Rainha. (Bettencourt et al., 2017, p. 1904) (Ilustração 356).

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Ilustração 356 - Mercado da Ribeira Velha no quadro A partida de S. Francisco de Xavier, c. 1730. (Bettencourt et al., 2017).

Segundo Bettencourt et al (Bettencourt et al., 2017), a linha de costa à época foi fortemente marcada pela presença de paredões, de traçado mais ou menos rectilíneo, que poderiam formar pequenas zonas de acostagem e de acesso ao rio. Até 1755, a Ribeira Velha manteve-se, na essência, como um amplo terreiro, delimitado por áreas de cais, com uma intensa actividade portuária e mercantil, que abasteciam um dos mais importantes mercados da cidade.

Aquando da obra recente do Campo das Cebolas, nos trabalhos arqueológicos realizados, este período da história e momento de ocupação encontra‑se revelado por uma sobreposição de pavimentos, que nos demonstram uma diversidade de momentos da vida do Mercado da Ribeira Velha, caracterizados essencialmente por uma gradual subida da cota de circulação. Embora representando diferentes momentos de utilização do mercado, estes pavimentos mantiveram uma tipologia semelhante. A calçada foi um pavimento predominante, construída com pequenos blocos e seixos, de calcário, mas sobretudo de basalto, predominando o tom negro destes pavimentos.

A análise estratigráfica e do espólio associado aos contextos intervencionados permitiu balizar o período de vida deste mercado entre os finais do século XVI / início do XVII e meados do século XVIII, tendo este sido relocalizado, após o terramoto de 1755, para a zona Nascente da presente área de intervenção, junto ao denominado Cais de Santarém. (Bettencourt et al., 2017, p. 1904).

Séc. XVIII / XIX

O terramoto de 1755 trouxe importantes mudanças para a Ribeira Velha e para a malha urbana da cidade, altura em que se verifica a reurbanização da frente ribeirinha, enquadrada no plano de reconstrução da Baixa de Lisboa, que conduziu a uma

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reorganização do seu espaço, facto que alterou completamente a sua fisionomia. Foi abandonada a antiga configuração da Ribeira Velha, como área totalmente aberta com algumas estruturas de pequeno porte (Ilustração 357), verificando‑se uma redefinição da linha costeira e a construção de grandes estruturas de apoio à actividade portuária e mercantil da zona.

Na nova realidade da área, destacam-se os paredões da nova Doca da Ribeira Velha, os edifícios mercantis de Ver-o-Peso, a nova área edificada do Terreiro das Farinhas ou o novo mercado da Ribeira Velha. Estas estruturas representam os contextos arqueológicos de maior impacto que foram identificados nos trabalhos arqueológicos da obra do Campo das Cebolas.

Ilustração 357 - Planta de Lisboa de Filipe Folque ,1856/58. Ilustração 358 - Planta de Lisboa de Filipe Folque ,1856/58. (Folque, 1882). (Lisboa. Câmara Municipal, 2018).

Como principal alteração deste espaço observa‑se a remodelação da linha de cais, com a construção de novos paredões, e o novo Cais da Ribeira Velha. A nova estrutura portuária prolongava‑se agora desde o Cais das Colunas, no Terreiro do Paço / Praça do Comércio, rodeando a nova Alfândega e criando uma doca na zona fronteira à antiga Porta do Mar, com respectiva escadaria de acesso ao rio, junto aos novos edifícios do Ver-o-Peso (escadaria essa que virá a integrar o projecto de J. L. Carrilho da Graça) (Ilustração 359). Encontrando‑se em bom estado de preservação e tendo sido amplamente colocada à vista, foi possível caracterizar a sua arquitectura como exemplo da construção portuária pombalina.

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Ilustração 359 – Identificação dos muros pombalinos e cais de acesso ao rio na planta de Lisboa de Filipe Folque. (Folque, 1882).

A ocupar a antiga área de implantação do Mercado da Ribeira Velha, as novas áreas edificadas, onde destacamos o edifício designado Ver-o-Peso, foram construídas de acordo com a nova linha de margem. No período pré‑terramoto, a instituição municipal Ver-o-Peso situava‑se junto ao antigo Largo do Pelourinho Velho, entre as actuais Ruas do Comércio e da Alfândega; “[…] após o terramoto e com o novo plano urbanístico colocado em prática, esta repartição muda de localização para a Ribeira Velha, ficando anexa à nova Alfândega e tendo funções de «mercado de azeite e vinho».” (Bettencourt et al., 2017, p. 1906).

A reorganização do espaço urbano do Campo das Cebolas conduziu ainda à construção de um novo quarteirão, fronteiro à Casa dos Bicos, conhecido como Terreiro das Farinhas. Esta área, edificada no período pós‑1755, foi aproveitada até ao século XX, e descrita como área de instalação de pequeno comércio e alguns armazéns, tendo a sua demolição ocorrido nos anos 40 do mesmo século.

Séc. XIX / XX

A segunda metade do século XIX marcou mais uma grande e importante fase de remodelação desta área da cidade, que culminou com o abandono e demolição dos edifícios pombalinos de Ver-o-Peso e com o aterro da antiga Doca da Ribeira Velha, o que permitiu obter novos terrenos ao rio, assim como, uma nova área marítima e de atracagem de barcos, a Doca da Alfândega (actual Doca da Marinha).

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Ilustração 360 – Doca da Alfândega - Excerto da Planta topográfica da cidade de Lisboa segundo Francisco e Cesar Goullard, 1879. (Lavado, 2013, p. 109).

Foi essencialmente a fase de remodelação do Porto de Lisboa que caracteriza os finais do século XIX, numa série de projectos que se iniciaram e que paralelamente foram abandonados. Com a ambição de regularizar as margens do rio, “de modo a manter as suas condições de navegabilidade, bem como eliminar o problema das praias lodosas” (Bettencourt et al., 2017, p. 1907), estes projectos deram origem ao grande aterro que desactivou o Cais da Ribeira Velha e ganhou novo espaço ao rio, permitindo a construção de novos espaços edificados.

Em meados do século XX encontramos já a configuração urbana actual desta área da cidade, com a Avenida Infante D. Henrique, o novo edifício da Repartição da Propriedade Industrial (actual Instituto da Propriedade Industrial) e um novo largo do Campo das Cebolas, primeiramente utilizado como parque de estacionamento e posteriormente requalificado nos anos 80. (Bettencourt et al., 2017, p. 1907).

Ilustração 361 - Excerto da Planta topográfica da cidade de Lisboa segundo Ilustração 362 - Parque de Estacionamento do António Vieira da Silva Pinto, 1909. (Lavado, 2013, p. 110). Campo das Cebolas, década de 60, séc. XX. ([Adaptado a partir de:] Serôdio, 1969).

O espaço que hoje conhecemos como Campo das Cebolas foi alvo de uma complexa evolução urbanística, nomeadamente da sua frente ribeirinha, associada à uma elevada

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actividade mercantil e portuária, que se fez sentir pelo menos desde época pós‑medieval até ao séc. XVIII. Se entre o século XVI e a primeira metade do século XVIII, o Campo das Cebolas foi um espaço que fomentava o bem-estar das pessoas e a socialização da população através do porto e do mercado proporcionando um contacto intrínseco entre a cidade e o rio; depois do Terramoto de 1755 toda essa dinâmica se foi perdendo. As edificações não tardaram a crescer e a ocupar o amplo terreiro, o que consequentemente dizimou toda a funcionalidade daquele espaço. A própria linha de costa redesenhada reduziu drasticamente o enorme terreiro, introduzindo-se e formando-se cada vez mais para o interior e para junto do edificado. A relação directa e intrínseca que outrora existira com o rio, foi-se perdendo até desaparecer definitivamente com as barreiras (Av. Infante D. Henrique e Doca da Marinha) que acabaram por surgir com o desenvolvimento da frente ribeirinha.

Até 2018, ano de inauguração do novo Campo das Cebolas, este, era um espaço muito pouco (ou nada) convidativo, pois não atraía ninguém à permanência. Era um pequeno jardim maioritariamente utilizado como estacionamento automóvel, obrigando a que a população apenas o utilizasse como local de transição, e sem usufruto do espaço, de enorme potencial, quer pela sua história, pela sua arquitectura envolvente, ou por ser na essência o espaço de transição entre o coração da cidade, a Baixa, e o bairro medieval mais antigo da cidade, Alfama.

Ilustração 363 - Imagem aérea da antiga fisionomia do Campo das Cebolas, Lisboa. (Google Inc., 2017).

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 294 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Ilustração 364 - Campo das Cebolas, 2013. (Lavado, 2013). Ilustração 365 - Campo das Cebolas, 2013. (Lavado, 2013).

Ilustração 366 - Campo das Cebolas, 2013. (Lavado, 2013). Ilustração 367 - Campo das Cebolas, 2013. (Lavado, 2013).

Ilustração 368 - Campo das Cebolas, 2013. (Lavado, 2013). Ilustração 369 - Campo das Cebolas, 2013. (Lavado, 2013).

Ilustração 370 - Campo das Cebolas, 2013. (Lavado, 2013). Ilustração 371 - Campo das Cebolas, 2013. (Lavado, 2013).

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 295 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

4.3.3. O NOVO CAMPO DAS CEBOLAS / DOCA DA MARINHA

Data do Projecto: 2013 | Conclusão da obra: 2018 Arquitecto: J. L. Carrilho da Graça

Contíguo ao Terreiro do Paço, o lugar da Ribeira das Portas do Mar, e depois da Ribeira Velha (e do seu Campo das Farinhas), atravessou os primeiros quartos do século XX sem nome (para além dos das ruas que o atravessam) até que, a meados do século, a demolição do “Barracão da Alfândega” e do quarteirão em cunha das Casas do Senado estenderam ao espaço reconquistado (e cedo perdido para o estacionamento) o topónimo do vizinho Campo das Cebolas. A esta fluidez toponímica foi correspondendo, ao longo dos séculos e até aos nossos dias, uma inconstante morfologia cuja única permanência foi, e é ainda hoje, o limite da cidade imposto pela muralha medieval. O projecto para este lugar construído de lugares – Ribeira das Portas do Mar, Campo das Cebolas e Doca da Marinha – resultante de um concurso público internacional, em 2012, constituiu-se como uma oportunidade para repensar a relação entre a cidade de Lisboa e a sua frente de rio. (Carrilho da Graça, 2018, p. 76).

10 de Agosto de 2012 foi o dia em que o Município de Lisboa lançou o Concurso Público Internacional de concepção para elaboração do Projecto do Campo das Cebolas / Doca da Marinha. No dia 8 de Janeiro de 2013, o júri anunciou a proposta vencedora, da autoria do Arq.º João Luís Carrilho da Graça.

Ilustração 372 – Limite da área de intervenção. ([Adaptado Ilustração 373 - Limite da área de intervenção. (Lisboa. Câmara a partir de:] (Lisboa. Câmara Municipal, 2019i) e (Lisboa. Municipal, 2019d). Câmara Municipal, 2019d).

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 296 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

A área de intervenção do projecto, localizada na freguesia da Sé e abrangendo uma área com cerca de 62.500 m2, engloba o Campo das Cebolas, a Doca da Marinha e a sua envolvente. É delimitada a poente pela Rua dos Armeiros e pelo conjunto edificado da Praça do Comércio, a norte pela Rua dos Bacalhoeiros e Rua Cais de Santarém, a nascente pelo Largo Terreiro do Trigo que estabelece a ligação entre a Rua Cais de Santarém e a Av. Infante D. Henrique, e a sul pela Doca da Marinha / Rio.

No âmbito do concurso e consequente resultado na proposta de J. L. Carrilho da Graça, pretendia-se que fossem analisadas e salvaguardadas as seguintes directrizes:

- ponderar as memórias históricas e o valor simbólico dos elementos urbanos, arquitectónicos e monumentais, com uma imagem contemporânea e diálogo entre as diferentes épocas;

- estabelecer a caracterização e consolidação dos vários espaços públicos e as suas formas de articulação e integração na envolvente;

- criar novos enquadramentos paisagísticos e/ou redefinição da imagem do local conferindo-lhe homogeneidade;

- adequar o sistema viário de circulação de transportes colectivos e individuais, resultante da evolução do modelo geral de circulação para a Frente Ribeirinha;

- privilegiar os espaços e os percursos pedonais, não apenas do ponto de vista de fruição da paisagem, mas também assegurando condições de segurança, acessibilidade e conforto;

- transformar a Doca da Marinha num amplo espaço de fruição pública, considerando duas áreas com graus de utilização distintos;

- desenvolver o estudo urbanístico do quarteirão Q1 de acordo com o Plano de Salvaguarda da Baixa Pombalina, uma vez que este apresentava diferentes estados de conservação, e no qual poderiam estar previstas demolições;

- e, por último, considerar materiais adequados às características históricas e ao valor patrimonial do local e em continuidade com as intervenções na envolvente. (Lisboa. Câmara Municipal, 2019d).

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 297 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

A intervenção proposta por Carrilho da Graça para a antiga Ribeira Velha centrou-se na criação de um espaço urbano de conforto, através de um conjunto de operações muito contidas sobre o território, sendo, segundo o autor, uma intervenção que, com o mínimo, potencia o máximo. “Uma operação de limpeza, que clarifica o encontro entre a cidade – densa e topográfica atrás das antigas muralhas – e as áreas planas dos terraplenos […]” (Carrilho da Graça, 2018, p. 76), do início do séc. XX, permitiu definir um lugar - propondo a definição de uma praça-jardim - que, pela sua natureza e carácter formal, se contrapõe ao vizinho Terreiro do Paço. “Não um espaço seco, de representação, com uma relação visual e física com o rio franca e encenada” (Carrilho da Graça, 2018, p. 76), mas antes uma praça que mesmo olhando o rio, se volta para a cidade, recolhida sob um coberto arbóreo. São criadas as condições para que se torne um espaço mais habitável, mais amável, e que, através de uma intervenção discreta, devolve ao lugar a capacidade de ser palco da vida urbana.

Ilustração 374 – Planta de implantação. (Carrilho da Graça, 2018, p. 75).

Recuperando a caracterização do lugar da Ribeira Velha e do Campo das Cebolas enquanto espaço aberto – campo / terreiro -, esta intervenção não nega a evidência das várias formas urbanas do passado (pelo contrário, utiliza-as como subtis matérias de projecto), e assume-se como um espaço singular reconhecendo a existência, a memória e o história das partes que o constituem. (Carrilho da Graça, 2018).

A praça projectada e hoje construída, materializa-se através da deformação do plano do solo, criando um plano pétreo ligeiramente inclinado – um anfiteatro - que se volta sobre a encosta da Sé (colina do Castelo) e que se dobra num pequeno pódio, ambos suportados por um muro que “ecoa os muros do antigo Cais de Ver-o-Peso / Cais da

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 298 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Ribeira Velha” (Carrilho da Graça, 2018, p.76). Quando percorrermos o anfiteatro e se alcança o pódio, “que permite que o olhar voe sobre a avenida marginal e alcance a doca e o rio” (Carrilho da Graça, 2018, p. 76), confrontamos o muro que se estende paralelo à Av. Infante D. Henrique, num gesto contido mas afirmativo, que defende a praça dos efeitos do trânsito da avenida. Aspecto marcante no projecto de J. L. Carrilho da Graça, é o reaproveitamento de elementos pétreos que resultaram da escavação arqueológica realizada no local da obra e do desmonte de um antigo muro de cais secundário. Estes elementos são parte constituinte tanto do pavimento128 (Ilustração 378 / 379 / 380) incorporado no plano da praça, como do muro (Ilustração 381 / 382) que a protege da Av. Infante D. Henrique.

Ilustração 375 – Planta geral do projecto do Campo das Cebolas. (Carrilho da Graça, 2018, p.78).

128 O pavimento da praça a sul da Rua da Alfândega é constituído por elementos pétreos recuperados arqueologicamente incorporados num betão combinado com pedra lioz. Apresenta um tom claro e uma forte presença.

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 299 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Ilustração 376 – Novo Campo das Cebolas, pódio. (Ilustração Ilustração 377 - Novo Campo das Cebolas, pódio. (Ilustração nossa, 2019). nossa, 2019).

Ilustração 378 - Novo Campo das Ilustração 379 - Novo Campo das Ilustração 380 - Novo Campo das Cebolas, pavimento. (Ilustração nossa, Cebolas, pavimento. (Ilustração nossa, Cebolas, pavimento. (Ilustração nossa, 2019). 2019). 2019).

Ilustração 381 - Novo Campo das Cebolas, muro. (Ilustração Ilustração 382 - Novo Campo das Cebolas, muro. (Ilustração nossa, 2019). nossa, 2019).

Sob o plano da superfície da praça, insere-se, literalmente, o parque de estacionamento subterrâneo do Campo das Cebolas, também ele, contido pelos muros – expostos – do Cais de Ver-o-Peso. Este parque de estacionamento que se configura no subsolo, é, no entanto, semi-enterrado, e apresenta um conjunto de características que lhe permitem um acesso facilitado e acessível sem utilização de meios mecânicos, ventilação natural

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 300 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

proporcionada pelo muro ao longo da avenida e do pátio aberto adjacente aos edifícios existentes. Este último, por sua vez, confere ao estacionamento iluminação natural.

Ilustração 383 – Planta piso -1, parque de estacionamento semi-enterrado. (Carrilho da Graça, 2018, p. 78).

Ilustração 384 – Rampa de acesso ao parque de estacionamento do Ilustração 385 - Rampa de acesso ao parque de Campo das Cebolas. (Ilustração nossa, 2019). estacionamento do Campo das Cebolas. (Ilustração nossa, 2019).

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 301 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Ilustração 386 - Interior do parque de estacionamento do Campo Ilustração 387 - Interior do parque de estacionamento do Campo das Cebolas. (Ilustração nossa, 2019). das Cebolas. (Ilustração nossa, 2019).

Ilustração 388 – Acesso em escada do parque de Ilustração 389 - Acesso em escada da Rua da Alfândega ao estacionamento à Rua da Alfândega. (Ilustração nossa, 2019). parque de estacionamento. (Ilustração nossa, 2019).

Ilustração 390 - Ventilação natural proporcionada pelo muro da superfície ao longo Ilustração 391 - Ventilação natural recebida da avenida. (Ilustração nossa, 2019). no interior pelo muro da superfície. (Ilustração nossa, 2019).

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 302 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Ilustração 392 – Pátio (Ilustração nossa, Ilustração 393 - Pátio (Ilustração nossa, Ilustração 394 - Pátio (Ilustração nossa, 2019). 2019). 2019).

Ilustração 395 – Percurso acessível desde o plano da praça ao Ilustração 396 - Percurso acessível desde a Av. Infante D. parque de estacionamento. (Ilustração nossa, 2019). Henrique ao parque de estacionamento. (Ilustração nossa, 2019).

Uma imponente escadaria, referenciada em cartografia histórica, revelada pelas escavações arqueológicas e do conhecimento prévio do arquitecto, que outrora permitia descer ao rio, permite agora aceder desde o estacionamento até à superfície da praça. Adjacente a esta, encontram-se dois troços do muro, expostos no interior do parque de estacionamento (Ilustração 399 / 400).

Ilustração 397 – Acesso à escadaria setecentista. (Ilustração Ilustração 398 - Escadaria setecentista. (Ilustração nossa, nossa, 2019). 2019).

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Ilustração 399 – Muros expostos do Cais de Ver-o-Peso. Ilustração 400 - Muros expostos do Cais de Ver-o-Peso. (Ilustração nossa, 2019). (Ilustração nossa, 2019).

Ilustração 401 – Planta da escadaria e do pavimento circundante (Carrilho da Graça, 2018, p. 74) / Escadaria setecentista (Ilustração nossa, 2019).

A cobertura vegetal de pinheiros mansos, ainda “jovem” à data, que se evidencia no espaço ajardinado da praça virada à cidade, “concorre para uma possibilidade de desaceleração e descontracção, um espaço de estadia, ensombrado e silencioso, que evoca a ocupação volumétrica anterior do espaço.” (Carrilho da Graça, 2018, p. 76).

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A presença dos pinheiros mansos, espécie arbórea transversal a várias épocas e culturas, como que celebra simbolicamente a história — e futuro — deste lugar, um ponto de partida e de chegada à cidade de Lisboa. (Lisboa. Câmara Municipal, 2019b).

Ilustração 402 – Pinheiros mansos na praça do novo Campo das Cebolas. (Ilustração nossa, 2019).

Ainda na área ajardinada do plano da praça e na área fronteira à Rua dos Bacalhoeiros encontram-se diversos equipamentos lúdicos para os mais jovens, ao jeito de parque infantil, que caracteriza a praça como um espaço aberto de comunhão entre os cidadãos seja qual seja a faixa etária.

Ilustração 403 – Equipamento lúdico. Ilustração 404 - Equipamento lúdico. Ilustração 405 - Equipamento lúdico. (Ilustração nossa, 2019). (Ilustração nossa, 2019). (Ilustração nossa, 2019).

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 305 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Ilustração 406 – Rua da Alfândega rumo ao Terreiro do Paço / Ilustração 407 - Rua da Alfândega rumo à Rua Cais de Praça do Comércio. (Ilustração nossa, 2019). Santarém e ao bairro de Alfama. (Ilustração nossa, 2019).

A norte da praça após o atravessamento da Rua da Alfândega, que nesta zona é interdita a trânsito generalizado e acessível a eléctricos, surge um espaço que apresenta um carácter diferenciado face ao conjunto de edifícios que compõem a frente da Rua dos Bacalhoeiros, com valores patrimoniais e estados de conservação diversos, onde se evidencia a Casa dos Bicos. O tratamento da área junto à Casa dos Bicos, é sensível ao facto de nesta estar sediada a Fundação José Saramago e ao memorial do escritor aí erguido. Propôs-se uma entrada na Fundação mais suave, através da modelação do pavimento, e a definição de um novo banco em pedra, que confere ao memorial o espaço de reserva e recato de que é digno, recentrando-o face à Casa dos Bicos e à praça fronteira. Nesta face norte da zona de intervenção, para além do pavimento diferenciado (composto por pedras de granito escuro e betão), evidencia-se ainda um conjunto de árvores que amplia “o tema do exótico dos exemplares arbóreos plantados na década de 80, onde se salienta uma imponente árvore-da-sumaúma (Chorisia speciosa).” (Carrilho da Graça, 2018, p.76).

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Ilustração 408 – Pavimento e área circundante à Casa dos Bicos. (Ilustração nossa, 2019).

Ilustração 409 – Entrada da Casa dos Bicos. (Ilustração nossa, 2019).

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Os dois edifícios reabilitados no quarteirão Q1 do Plano de Pormenor de Salvaguarda da Baixa Pombalina, sensivelmente a meio da área de intervenção (Ilustração 375 / 410), albergam um conjunto de serviços (o Instituto Nacional de Propriedade Industrial e a empresa portuguesa de Tecnologias de Informação – Edge), e completam a volumetria do lote trapezoidal, garantindo entre si um afastamento que permite a passagem da Rua da Alfândega até à Avenida Infante D. Henrique. A reabilitação e manutenção destes dois edifícios, que respeitam o enquadramento do quarteirão Q1 definido no plano de pormenor de salvaguarda da Baixa Pombalina, prende-se efectivamente com o estado de conservação do edificado, designado “Bom” na planta129 “15_Estado de Conservação” do respectivo plano.

Ilustração 410 – Edifícios do quarteirão Q1 e a praça / pódio circundante. (Ilustração nossa, 2019).

Nesta transição entre rua e avenida, a cobertura tanto da praça inclinada como do silo automóvel, podem ainda ser utilizadas para eventos de naturezas várias, e ser ainda complementada por estruturas efémeras aproveitando as vistas, simultâneas, sobre o rio e a cidade.

129 Esta planta “15_Estado de Conservação” faz parte do Plano de Pormenor de Salvaguarda da Baixa Pombalina – Peças Desenhadas – Elementos de Acompanhamento. (Lisboa. Câmara Municipal, 2019m).

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A poente da praça, na Rua dos Armeiros, encontra-se um plano horizontal suportado por pilotis, aberto e coberto, que configura as paragens de transporte público (nomeadamente autocarros).

Ilustração 411 – Paragens de transporte público na Rua dos Armeiros. (Ilustração nossa, 2019).

Ilustração 412 – Paragem de autocarro. (Ilustração Ilustração 413 – Acessibilidade à paragem de autocarro. (Ilustração nossa, nossa, 2019). 2019).

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 309 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Do outro lado da Av. Infante D. Henrique, junto ao rio, a intervenção alarga-se à Doca da Marinha, que à data desta dissertação se encontra em processo de obra.

Ilustração 414 - Fotomontagem do projecto de requalificação da Doca da Marinha. (Ferreira, 2019).

A operação aqui a realizar, além da reformulação da Doca, é a demolição do muro periférico que actualmente a separa da avenida, dando lugar a um grande passeio arborizado, que desde Santa Apolónia se estende ao Terreiro do Paço. No futuro, este local tornar-se-á mais amplo e desimpedido, fazendo apenas fronteira com o rio, tal como já acontece no percurso Cais do Sodré - Terreiro do Paço.

A Doca assume a condição de um espaço de descompressão de onde se têm vistas privilegiadas sobre a encosta da Sé e Castelo e sobre o rio Tejo. O seu funcionamento é, programaticamente, dividido em duas áreas. A Poente, localizam-se os edifícios e equipamentos de uso mais público. Um equipamento cultural na extremidade da doca, junto à Estação Fluvial Sul/Sueste, funciona como espaço de apoio a eventos náuticos ou outros, contendo ainda um espaço de restauração associado a uma esplanada. Ao longo da Doca dispõem-se um conjunto de pavilhões, de carácter mais efémero, que se destinam a albergar actividades comerciais ou de restauração. A Nascente, junto ao limite da Doca, contrapondo-se ao edifício do equipamento cultural, localiza-se o edifício que engloba os relocalizados serviços da Marinha e da APL. (Lisboa. Câmara Municipal, 2019b).

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Face ao anteprojecto vencedor de concurso internacional, a intervenção final do Campo das Cebolas sofreu diversas alterações projectuais. A apresentação da requalificação do Campo das Cebolas, por parte de João Luís Carrilho da Graça a diversos moradores e comerciantes, permitiu que estes tivessem oportunidade de colocar questões e interpelar o autor relativamente às alterações previstas para aquele espaço público. Desta intervenção de abertura e de enquadramento do projecto, é de salientar a importância de analisar os prós e os contras ouvindo os cidadãos, e possibilitando a introdução de alterações no projecto para ir ao encontro das necessidades dos mesmos.

Ilustração 415 - Anteprojecto Campo das Cebolas / Doca da Marinha. Ilustração 416 – Anteprojecto Campo das Cebolas / Doca (1825, 2019). da Marinha. (1825, 2019).

Ilustração 417 - Planta tipo do anteprojecto Campo das Cebolas Ilustração 418 - Planta tipo do projecto Campo das Cebolas com / Doca da Marinha com a área do estacionamento demarcada a a área do estacionamento demarcada a cor. ([Adaptado a partir cor. ([Adaptado a partir de:] Lisboa. Câmara Municipal, 2019n). de:] Carrilho da Graça, 2018).

O facto de se ter descoberto uma escadaria setecentista, aquando da intervenção arqueológica, implicou uma alteração na composição da praça e do silo automóvel que se previa, levando o arquitecto a repensar o projecto face a essa pré-existência e memória do espaço. A defesa das pré-existências históricas e a afirmação de que a matéria que está sob os nossos pés é a matéria de uso no presente configurou o aspecto formal da nova praça com o silo automóvel a configurar-se sob esta.

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A praça, despretensiosa e acolhedora, que combina solidez e simplicidade, arborizada em espaços de estadia e lazer, possui, no entanto, uma característica que se destaca: o muro (que no subsolo configura o perímetro do parque de estacionamento) e que à superfície separa e protege a praça da Av. Infante D. Henrique. Esta evidência de protecção, no entanto, acaba por se tornar uma barreira física entre o rio os cidadãos que se encontrem na praça (contrariando a génese da Ribeira Velha), uma vez que esta se encontra a uma cota elevada, sensivelmente dois metros acima da cota da avenida. Quando nos encontramos à cota da avenida, as únicas opções para se aceder à cota da praça são através do cruzamento da Rua dos Armeiros com a Av. Infante D. Henrique ou do lado nascente do conjunto, próximo à entrada do parque de estacionamento. Este facto provoca uma obstrução à circulação praça - rio, e às vistas e perspectivas de quem circula à cota da avenida e da doca ribeirinha. Contudo, é compreensível que esta solução final se tenha efectivado devido à escadaria setecentista, e que a cota a que esta se encontra tenha influenciado todas as restantes. A permanência (da escadaria) conduziu à transformação (do espaço da praça).

Se noutra perspectiva, desdobrarmos a intervenção de J.L. Carrilho da Graça em dois momentos, isto é, o Campo das Cebolas e a Doca da Marinha, consideramos a área da Doca como o espaço de usufruto do rio ligando o Terminal de Cruzeiros ao Terreiro do Paço / Praça do Comércio, enquanto a praça do Campo das Cebolas é o anfiteatro / “sala de estar” que se volta para a cidade. A cota superior da praça – o pódio, anteriormente referido -, porém, estabelece a ligação visual entre as duas entidades: cidade / doca - rio.

O Campo das Cebolas, ou Portas do Mar como Carrilho da Graça prefere denominar o espaço, em posição de charneira entre o Terreiro do Paço / Praça do Comércio e o bairro de Alfama, acaba por se transformar na “grande porta de entrada” para todos os que chegam a Lisboa através do terminal de cruzeiros de Santa Apolónia. A frente de rio composta pelo Terminal - Doca da Marinha – Estação Fluvial Sul e Sueste, por sua vez, configura o toque final de usufruto ribeirinho que a cidade necessitava e que se iniciou no eixo Cais do Sodré-Terreiro do Paço / Praça do Comércio.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente dissertação possibilitou uma observação alongada à ideia e conceito de espaço público, analisando-o no seu contexto morfológico e estudando-o na evolução urbana da área da Baixa de Lisboa desde a génese do seu sítio até à actualidade. Ao desenvolvermos a investigação, sentimos necessidade de contextualizar tanto o nosso objecto de estudo a nível conceptual – o espaço público – como contextualizar historicamente a área de estudo onde o nosso objecto de estudo se insere – a área urbana da Baixa de Lisboa.

Assim, pretende-se afirmar o percurso tomado e recentrá-lo no âmbito das dimensões que cruzam o presente trabalho, consubstanciadas num primeiro momento numa análise de natureza teórica e interdisciplinar acerca do espaço público, de modo a sustentar por via do aprofundamento da temática escolhida, a importância deste, a sua dimensão, o seu contexto morfológico, os conceitos e tipologias que lhe estão subjacentes, tendo presente que as mudanças urbanas concorrem para a sua perda e/ou ganho de importância, bem como dão lugar a processos de renovação. Num segundo momento salienta-se um dos casos mais representativos do uso do espaço público como meio de reinvenção criativa e (re) configuração de Lisboa, o caso da Baixa. Através de projectos de intervenção para o espaço público do coração da cidade, na Rua da Vitória – ligação Chiado-Baixa-Castelo, no Terreiro do Paço / Praça do Comércio e no Campo das Cebolas procura-se num terceiro momento, evidenciar o papel que a recuperação do espaço público pode ter na (re) qualificação da cidade e da paisagem urbana e nas necessidades de uma sociedade em constante desenvolvimento.

O espaço público configura um conceito teórico complexo, de difícil explicação e de árduo consenso. Tem sido foco de atenção, transversal às mais variadas disciplinas que dedicam a sua atenção às características estruturais e morfológicas que definem o território desencadeando permanentemente novas abordagens. A sua percepção e definição, contudo, varia ao longo dos tempos. O espaço público, século após século, foi sendo compreendido de acordo com a estrutura morfológica das cidades e com os interesses predominantes nas mesmas.

Como espaço físico de livre acesso que é, o espaço público pode e deve ser desfrutado por parte de cada pessoa, cada cidadão, que vive a cidade. É o local de encontro, de reunião e geralmente também determinante nas relações interpessoais, permitindo constituir uma cultura agregadora e compartilhada pelas comunidades que o utilizam.

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Constituindo por excelência, a condição para que se possa realizar a vida urbana, o espaço público configura a existência própria da cidade. É um espaço multidimensional: físico, simbólico e político onde as relações sociais se estabelecem e que serve de palco à sociedade. É o espaço da representação no qual a sociedade se mostra visível e a relação que este estabelece com a cidade é indubitavelmente, complementar, uma vez que ambos não configuram sentido um sem o outro, apesar de serem entidades físicas diferenciadas e elementos espacialmente distintos. Enquanto a cidade se apresenta como uma realidade concreta, composta por edifícios e uma estrutura, isto é, matéria construída; o espaço público, por sua vez, revela a materialização do seu inverso, ou seja, a ausência de matéria, não sendo deste modo uma rejeição da cidade, mas pelo contrário, a afirmação da sua existência. O espaço público urbano é o espaço por excelência na e da cidade, é a partir dele que a apreendemos e vivenciamos; essencialmente através dos elementos morfológicos que o configuram e das tipologias a ele inerentes, seja uma rua, uma praça ou um jardim.

Existe magia no espaço público e na forma que este adquire, nunca dissociada do sítio / lugar em que se configura. A subtileza em determinar o que faz com que um espaço público se torne mágico e fantástico persiste e persistirá em quem vive e vê a cidade; os espaços que absorvem este estatuto são aqueles que captam o olhar e permitem ampliar a imaginação. O enaltecimento e criação de um lugar em muito depende da relação entre localização, geometria, uso, carácter e significado; por outras palavras, depende da construção do seu “genius loci”, onde o conceito de lugar dificilmente se confunde com o espaço físico residual da cidade. Lugar é um espaço que percepcionamos e guardamos na memória e no tempo, que encerra uma pluralidade de significados e formas específicas, e que é qualificado pela mudança de rumo dos padrões de vida e pela arquitectura da cidade. Contudo, este conceito está também intrinsecamente relacionado com a sociedade no sentido em que esta se torna também geradora de comportamentos que dependem da relação entre os cidadãos e o espaço - da apropriação, do uso, ou da identidade.

No decorrer deste trabalho propusemo-nos também a estudar e analisar o centro histórico de Lisboa – a Baixa – desde a génese do seu sítio até à actualidade. Lisboa reflecte uma estrutura urbana onde se confrontam duas realidades distintas – a topografia da cidade e o rio. Através de uma análise e leitura do território e das influências que o condicionaram debruçámo-nos sobre a história de Lisboa e do seu rio, compreendemos que a construção das muralhas na cidade marcaram a sua morfologia,

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 314 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

estabelecendo a sua estrutura e limite; bem como os sucessivos aterros sobre o rio dos quais nasceu a Baixa e que ao longo dos anos redesenharam a silhueta de Lisboa e determinaram a sua centralidade e consolidação, modificando também o modo de a habitar. No entanto muito havia de se alterar após o terramoto de 1755…

No panorama desta catástrofe, a produção do espaço público na Baixa tornou-se marcante após uma conjuntura de protagonistas e intervenientes que determinaram a reconstrução urbana desta área de Lisboa, resultando num plano pioneiro na capacidade de converter a Baixa em espaço gerador de crescimento da cidade. Com este plano surgiram estratégias de regeneração do espaço público, com o objectivo de criar uma cidade compacta e reforçar o papel do espaço público como elemento fulcral na estrutura urbana e nas relações sociais, culturais e económicas. Tratou-se, de um caso específico, em todas as dimensões do espaço (morfológica, visual e perceptiva, vivencial e funcional, social e cultural) que ofereceu respostas quanto à sua centralidade e que se foi desenvolvendo encontrando-se actualmente em regeneração. Neste mesmo sentido, as ruas e praças, casos práticos estudados, são duas das tipologias de espaço público que conduzem funções preponderantes na estruturação da cidade e que simultaneamente se tornam espaços fulcrais para a ocorrência das mais variadas manifestações sócio culturais.

A história de Lisboa, e da a Baixa em particular, atravessou dois acontecimentos de enorme relevância para a sua actual consolidação: o terramoto de 1755 que já referimos, e mais recentemente no séc. XX, mais precisamente em 1988, o enorme incêndio do Chiado. Estes dois factos modificaram a forma urbana da Baixa oferecendo- lhe uma imagem singular. O caso do Chiado foi a rampa de lançamento para a implementação de planos de pormenor nesta área da cidade. O plano do Chiado surge em 1996 e demonstra, desde logo, preocupações com o espaço público; o plano de pormenor de salvaguarda da Baixa Pombalina, por sua vez, surge em 2011 e converge nos mesmos princípios.

O caso da Baixa apresenta ainda um contexto importante que se prende com o seu património arquitectónico e consequente reconhecimento tardio, que foi ficando condenado ao seu tempo, resultando em edificado abandonado que, por sua vez, acaba por condicionar o espaço público que o envolve, deixando-o expectante. A partir do séc. XX, a inclusão do automóvel na vida da cidade, proporcionou uma nova solução de transporte; no entanto, transformou-se também num dos maiores problemas no usufruto

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do espaço público por parte dos cidadãos que foram remetidos para segundo plano relativamente ao automóvel. São as pessoas que constroem as cidades e para tal necessitam de espaço, espaço público qualificado. A consciencialização desta problemática conduziu a diversos programas de requalificação do espaço público nos últimos anos.

A abordagem deste trabalho é clara: incidindo sobre a permanência e transformação do espaço público ao longo dos anos, através de projectos e consequente metamorfose da cidade e do espaço, é nosso dever salientar também, que o espaço público deve ser reabilitado visando a sua consolidação e / ou (re) funcionalização, devolvendo o mesmo à cidade e às comunidades. Assim, é através da visão e compreensão de três intervenções no espaço público da Baixa, que se pretende demonstrar como é possível aliar sistemas e memórias pré-existentes a novos projectos de requalificação de espaço público da cidade.

No percurso pedonal assistido da Baixa ao Castelo de S. Jorge assistimos a uma intervenção minimalista no eixo da Rua da Vitória centrada nas questões do pavimento e da acessibilidade do vale da Baixa à colina do Castelo, aliado à reabilitação de um edifício pombalino onde foram inseridos elevadores que permitem a transição de cota entre a Rua dos Fanqueiros e a Rua da Madalena. Uma vez que a topografia por vezes inibe a sua fruição, principalmente nas zonas declivosas, aqui verificamos que a introdução de meios mecânicos contribui efectivamente para a melhoria da circulação pedonal e da acessibilidade, permitindo que uma área, outrora segregada em relação ao restante conjunto da Baixa devido às características do seu tecido urbano que se constituíram como factores de exclusão e isolamento territorial, seja actualmente alvo das mais variadas intervenções de modo a assegurar a sua “integração” na cidade.

No Terreiro do Paço / Praça do Comércio, outrora a porta da cidade para o mundo, o propósito da intervenção centra-se na história, no significado, no carácter, e na identidade do lugar que é transcendente. É o maior espaço da cidade, e da sua história: é o seu ex libris. A intervenção incide em questões de pavimento e de escala do espaço. Consiste na adequação da praça aos novos usos contemporâneos e no enaltecimento da escala da praça na sua relação intrínseca com o rio, sem nunca desfazer os princípios gerais de um lugar projectado em plano há mais de 261 anos e que à época já evocava a memória do antigo Terreiro do Paço manuelino / filipino / joanino. É o

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respeito por essa história, por essa memória e por esse plano que prevalece na requalificação levada a cabo no Terreiro do Paço / Praça do Comércio.

Por último, na requalificação do Campo das Cebolas, por sua vez, assiste-se a uma completa metamorfose do que fora este espaço público até há relativamente poucos anos e ao que é actualmente. Respeitando a memória e a génese do espaço medieval ribeirinho (Ribeira Velha), o Campo das Cebolas é hoje uma praça ampla, voltada à cidade e à colina da Sé (Castelo), oferecendo aos cidadãos um espaço público requalificado para usufruto do mesmo. Como vimos anteriormente, a permanência das pré-existências e da história não apaga a memória do lugar acabando por ser o fio condutor e orientador da transformação deste espaço público da cidade de Lisboa.

Nas duas primeiras décadas do séc. XXI, o espaço público de Lisboa, e da Baixa em particular, assumiu e continua a assumir uma importância vital na imagem da cidade, e na transformação desta na adequabilidade aos novos usos. Face a este valor reconhecido do espaço colectivo, o investimento na cidade e no seu espaço público aumentou consideravelmente, nomeadamente na sua consolidação e relativamente à mobilidade e acessibilidade dos mesmos por parte dos cidadãos. Esta visão, porém, não se pode dissociar de dois importantes momentos que marcaram a viragem da Baixa: a reabilitação do Chiado e a explosão do turismo na cidade de Lisboa. Contudo, para a questão da reabilitação do espaço público foi determinante o ensaio realizado com a Expo’98 e a vontade de estender essa experiência a outras áreas, que começaram com o programa Pólis e mais recentemente com a acção da C.M.L. em reabilitar alguns espaços da frente ribeirinha (que foram objecto de estudo) e que se estenderam e têm vindo a estender ao resto da cidade através de várias iniciativas (“Uma Praça em Cada Bairro”, “Pavimentar Lisboa”, a reabilitação do eixo Av. Fontes Pereira de Melo, Av. da República e da Av. 24 de Julho).

Intervir em espaço público actualmente, é um dos maiores desafios que o arquitecto pode enfrentar. A temática do espaço público e o futuro do mesmo, ou seja, o futuro da cidade, depende em grande escala, da capacidade de preservar a identidade e a coesão dos lugares, mas também da resposta que é necessária dar a uma sociedade que procura espaços públicos com um propósito muito bem definido e simultaneamente polivalentes e abertos a qualquer tipo de uso. Verificámos que o espaço público é a condição primordial para que exista cidade e que o processo de revitalização ou de

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transformação da mesma, deve ser aquele que privilegia e actua sobre o espaço público entendendo-o como a essência da cidade.

Em suma e concluindo, a cidade é um “ser vivo” em constante transformação, em constante metamorfose, e é impossível que estagne seja em que circunstância for. Lisboa em particular, é exemplo disso mesmo, da constante metamorfose, mas também da permanência que vimos a assistir ao longos dos tempos, séculos passados e anos mais recentes. As permanências na cidade evidenciam-se essencialmente através da estrutura da mesma e do espaço público que a configura. Com o evoluir da cidade, o edificado vai-se alterando, os elementos móveis do espaço vão surgindo e desaparecendo conforme as vontades, mas o espaço em si - as ruas, as praças, os jardins – mantém-se salvo à passagem do tempo.

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ANEXOS

Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

LISTA DE ANEXOS

Anexo A - Evolução da Baixa de Lisboa

Anexo B - Evolução da Frente Ribeirinha de Lisboa (Cais do Sodré – Santa Apolónia)

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 359 Projecto e metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 360

ANEXO A Evolução da Baixa de Lisboa130

130 (Santos, 2005)

Projecto e Metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Ilustração 419 – Baixa Pombalina: área classificada e zona de protecção. Desenho I. (Santos, 2005).

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 363 Projecto e Metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Ilustração 420 – O centro de Lisboa na planta de João Nunes Tinoco – 1650, Desenho II. (Santos, 2005).

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 364 Projecto e Metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Ilustração 421 – Evolução urbana: 1650 - 1718. Desenho II / III. (Santos, 2005).

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 365 Projecto e Metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Ilustração 422 – O centro de Lisboa na época do terramoto – 1718, Desenho III. (Santos, 2005).

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 366 Projecto e Metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Ilustração 423 – Evolução urbana: 1718 – 1756, Desenho III / IV. (Santos, 2005).

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 367 Projecto e Metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Ilustração 424 – O plano para a reconstrução do centro de Lisboa – 1756, Desenho IV. (Santos, 2005).

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 368 Projecto e Metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Ilustração 425 – Evolução urbana: 1756 – 1987, Desenho IV / V. (Santos, 2005).

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 369 Projecto e Metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Ilustração 426 – A Baixa Pombalina e área envolvente (ant. 2014), Desenho V. (Santos, 2005).

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 370

ANEXO B Evolução da Frente Ribeirinha de Lisboa (Cais do Sodré – Santa Apolónia)

Projecto e Metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Ilustração 427 - Lisboa Pré-Histórica. (Cardoso, 2012, p. 96).

Ilustração 428 - Lisboa Romana - Traço a negro do limite de Lisboa e Traço a vermelho da Cerca Moura. (Cardoso, 2012, p. 129).

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 373 Projecto e Metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Ilustração 429 - Lisboa Medieval - Traço a negro do limite de Lisboa, Traço a cinzento da Cerca Moura e da Muralha da Ribeira e Traço a Vermelho da Muralha Fernandina. (Cardoso, 2012, p. 130).

Ilustração 430 - Lisboa Oitocentista – Traço a negro do limite de Lisboa, Traço a cinzento da Cerca Moura, da Muralha da Ribeira e da Muralha Fernandina (Cardoso, 2012, p. 132).

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 374 Projecto e Metamorfose: permanência e transformação no espaço público da Baixa de Lisboa

Ilustração 431 - Lisboa Novecentista - Traço a negro do limite de Lisboa, Traço a cinzento da Cerca Moura, da Muralha da Ribeira e da Muralha Fernandina. (Cardoso, 2012, p. 133).

Ilustração 432 - Lisboa contemporânea - Traço a negro do limite de Lisboa, Traço a cinzento da Cerca Moura, da Muralha da Ribeira e da Muralha Fernandina (Cardoso, 2012, p. 134).

André Filipe S. G. Batista Ribeiro 375