Arte e Tecnologia na Segunda Metade do Século XX: O Código como Paradigma

José António Gomes de Oliveira

Tese de Doutoramento em História da Arte Contemporânea

Outubro, 2015

Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor em História da Arte Contemporânea, realizada sob a orientação científica da Professora Doutora Margarida Acciaiuoli de Brito.

Apoio financeiro da FCT e do FSE no âmbito do III Quadro Comunitário de Apoio. ii

Aos meus filhos, Diana e Miguel

iii iv AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar à Professora Doutora Margarida Acciaiuoli ao possibilitar-me a escolha de um tema que, não sendo matéria trivial dentro das áreas de estudo da disciplina, sempre me apoiou com a sua dedicação, experiência e conselhos, em particular nas fases mais difíceis de indecisão e procura das vias mais produtivas.

Também lhe devo a escolha do meu co-orientador o Doutor Jorge Martins Rosa, Professor Auxiliar no Departamento das Ciências da Comunicação, que generosamente se disponibilizou numa ajuda preciosa em áreas ligadas à cultura contemporânea complementando, com as suas aturadas revisões e sugestões, ideias chaves no desenvolvimento do presente trabalho.

Uma palavra de apreço também pela maneira gratificante como fui recebido por Leonel Moura, António Cerveira Pinto e Maria Cecília Melo e Castro que, de um modo entusiástico, esclareceram questões e providenciaram material inédito ou raro. Do mesmo modo agradeço a prontidão dos esclarecimentos trocados por e-mail com Rui Trindade e Marta de Menezes.

De um modo particular são devedor das horas de leituras da Diana, da Alexandra e em especial da Helena a quem muito agradeço, assim bem como à Nica, pela ajuda no resumo/abstract.

Um destaque também especial para os meus colegas de doutoramento, pelo entusiasmo nos debates que mantivemos durante todos estes anos de viajem em conjunto.

Por último à Fundação para a Ciência e Tecnologia, pela atribuição da bolsa de investigação, sem a qual esta tese não seria possível.

v vi Arte e Tecnologia na Segunda Metade do Século XX:

O Código como Paradigma

José António Gomes de Oliveira

Resumo

Esta tese de doutoramento debruça-se essencialmente sobre a segunda metade do século XX na sustentação de que, tanto o código de programação dos computadores como o código genético constituíram, na prática artística, pontos de partida para o estabelecimento de novos modelos e paradigmas na arte contemporânea. Esses novos modelos revelaram-se a partir de uma certa resistência, tanto institucional como no discurso canónico da história e da crítica, ao acolhimento destas novas mediações, que tiveram como consequência um lapso de tempo que importa reabilitar. A partir de uma abordagem diferenciadora do século XIX relativamente ao século XX, estruturou-se um estudo que evidencia, essencialmente na sua segunda metade, uma realidade social e cultural de cariz tecnológica propiciadora à criação artística neste domínio. A análise da prática artística neste estudo recai essencialmente sobre os seus pioneiros, tanto em termos internacionais como nacionais, referenciando-se neste âmbito, com algum destaque, os trabalhos de Leonel Moura e Marta de Menezes como exemplos diferenciados da utilização do código (informática e biologia) nos respectivos processos artísticos. A prática artística no início do século XXI, considerada brevemente no final deste estudo, evidencia os novos paradigmas que a introdução dos novos meios, mais do que simples tecnologias, vieram aportar. Nomeadamente no relacionamento institucional, na criação de métodos de arquivo e manutenção, na divulgação e comercialização das obras, na formação interdisciplinar e investigação artística, e na aproximação entre arte e ciência.

PALAVRAS-CHAVE: Arte e Tecnologia, Código, Estética dos Sistemas, Tecnocultura, Software Art, Bioart, New Media.

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Abstract

The thesis sustains that code (computers programming code, as well as genetic code), represented starting points for a paradigm shift in contemporary art when it began to be integrated in art practices in the second half of the 20th century. Those new paradigms were originated from a certain resistance in welcoming those new mediations, both at the critical and institutional level, which lead to the lack of attention regarding its integration into art history mainstream discourse and, consequently, to a lapse in time that is important to rehabilitate in order to understand the 21st century art practices. The first part of this study is concerned with the analyses of the social and tecno-cultural contexts of the 20th century, as well as the aesthetic directions suggested by new media art practices (systems, information and database aesthetics), in order to show that the technological shift based on information and (later) biologic technologies, were not foreign environments in the artistic creation. The second part of this study is concentrated in the artistic practice analysis of the early developments and support of new media pioneers (both in national and international terms), with some emphasis on works by Portuguese artists Leonel Moura and Marta de Menezes, as differentiated examples of the use of code (information technology and biology) in their respective artistic projects. The artistic practice in the early 21st century, briefly considered at the end of this study, outlines the new artistic scenarios and the new paradigms that were brought to light with the introduction of new media - namely at the institutional relationship level, in the archive and preservation methods, in exhibition and selling works of art - and also in the creation of new interdisciplinary academic curriculum/artistic research, and in the new synergies (and sometimes symbiotic approach) between art and science.

KEYWORDS: Art and Technology, Code, Systems Aesthetics, Technoculture, Software Art, Bioart, New Media. viii

ÍNDICE

Introdução...... 1

Parte 1 – Genealogias, Estéticas e Culturas

Capítulo 1 – Acção Espaço e Imagem – Continuidades e Descontinuidades No Século XX...... 15 1.1 – A Acção – Do Confronto à Interacção...... 17 1.1.1 – A Importância da Acção no Século XX...... 17 1.1.2 – Da Provocação à Inclusão...... 20 1.1.2.1 – O Artista e a Acção...... 20 1.1.2.2 – O Espectador como Produtor...... 32 1.1.2.3 – A Dinâmica do Objecto...... 38 1.2 – O Espaço – Do Físico ao Virtual...... 46 1.2.1 – A Importância do Espaço no Século XX...... 46 1.2.2 – Do Espaço Físico ao Virtual...... 49 1.3 – A Imagem – Da Representação à Síntese...... 64 1.4 – Continuidades e Descontinuidades...... 83

Capítulo 2 – O Código - Sentidos e Significados...... 89 2.1 – Código...... 91 2.1.1 – Código: Informação e Computação...... 91 2.1.2 – Código: Biologia e Genética...... 95 2.1.3 – Código: Cibernética, Inteligência e Vida Artificial...... 100 2.2 – Arte...... 106 2.2.1 – Software Art...... 106 2.2.2 – Bioart...... 133 2.3 – Estética...... 144 2.3.1 – A Estética dos Sistemas...... 144 2.3.2 – A Estética da Informação...... 153 2.3.3 – A Estética das Bases de Dados...... 163

Capítulo 3 – A Tecnocultura – Máquinas, Dispositivos e Sociedade 173 3.1 – Tecnologia, Política e Sociedade...... 181 3.2 – A Cidade “Reconfigurada”...... 190 3.3 – Cyborgs, Ficção e Ciência...... 208 3.4 – Cultura, Identidade e Redes...... 221

ix Parte II – Práticas Artísticas

Capítulo 4 – Pioneiros Processos e Meios: Uma Perspectiva Internacional...... 247 4.1 - A revista Computers and Automation………………………...... 248 4.2 – A revista Leonardo –International Journal of the Contemporary Artist...... 262 4.3 – Anos 60 – Duas Exposições de Referência...... 266 4.4 – Arte e Tecnologia – Apoio Institucional : CAVS, E.A.T., e 273 LACMA...... 4.5 – Dois Casos na América do Sul e na Europa...... 286 4.5.1 – Argentina...... 286 4.5.2 – Brasil...... 296 4.5.3 – Espanha...... 306 4.5.4 – Jugoslávia...... 310

Capítulo 5 – Pioneiros Processos e Meios: Uma Perspectiva Nacional...... 323 5.1 – Reflexões Prévias: Amadeo de Souza-Cardoso e António Pedro 324 5.1.1 – Amadeo de Souza- Cardoso – Três Obras de 1917...... 324 5.1.2 – António Pedro – O Aparelho Metafísico de Meditação (1935)...... 328 5.2 – Primeiros Tempos: Um Início Desacertado...... 332 5.2.1 – Os Objectos de René Bertholo...... 332 5.2.2 – Computação Científica em Portugal – Primeiras Décadas...... 335 5.2.3 – Pedro Barbosa e o NCR Elliot 4130 da Faculdade de Ciências da Universiade do Porto...... 341 5.2.4 – Instituto Alemão de Lisboa: A Exposição A Arte do Computador (1974)...... 346 5.2.5 – A Alternativa Zero (1977)...... 351 5.2.6 – Silvestre Pestana – Computer Poems (1981-1983)...... 354 5.2.7 – Ernesto de Sousa – Contactos Internacionais...... 358 5.2.8 – Fundação Calouste Gulbenkian – Exposição de Holografia (1985) e Colóquio Internacional sobre Arte e Tecnologia (1987)...... 363 5.2.9 – A Revista Colóquio/Artes (1971-1996)...... 370 5.2.10 – E. M de Melo e Castro – A Arte High-Tech (1988)...... 380 5.2.11 – Pioneiros e Exposições – Em Particular o Ano de 1988 383

Capítulo 6 – Portugal na Passagem do Século XX...... 391 6.1 – A Bolsa Ernesto de Sousa (1992 – 2013)...... 392 6.2 – Exposições e Iniciativas de Fim de Século (1995 – 1999)...... 396 6.3 – No Início do Século XXI – Duas Exposições de Bioart em Portugal...... 411 6.4 – Dois Artistas Contemporâneos: Leonel Moura e Marta de Menezes...... 417 6.4.1 – Leonel Moura...... 419 6.4.2 – Marta de Menezes...... 431

Considerações Finais...... 447

x

Bibliografia Citada...... 465

Índice Onomástico...... 485

Índice de Ilustrações...... 499

Anexo I – Bibliografia Temática...... 505

xi

Introdução

“Mas se tudo isto parece razoável e até inevitável, nem por isso deixam de persistir algumas resistências institucionais à plena aceitação dos novos média no território da chamada arte contemporânea. Um fractal invisível separa ainda os museus, galerias, críticos e artistas do século XX dos museus, galerias, críticos e artistas do século XXI. Esse fractal tem vários nomes: web, net, media art, cyber art, new media. Chamemos- lhe simplesmente o fractal da arte e tecnologia.”

António Cerveira Pinto, 20011

Questão Central

A frase de António Cerveira Pinto em epígrafe, no dealbar do século XXI, era sintomática, na altura, de uma certa clivagem e de algum divórcio entre a arte contemporânea, inscrita e legitimada pela crítica e instituições museológicas, e as novas mediações artísticas e debates estéticos em que os computadores, as tecnologias da informação, as bases de dados, a Internet e a biotecnologia, faziam a sua aparição.

Este é o ponto de partida do presente trabalho. A constatação de uma certa resistência relativamente ao discurso que legitima a introdução das tecnologias no domínio artístico, sendo também verdade que essa absorção produz invariavelmente um novo debate estético e suscita questões que até aí não se colocavam, traduzindo-se assim num factor de enriquecimento cultural.

1 António Cerveira Pinto (2001). des-juego / de-game, Badajoz: Museo Extremeño e Iberoamericano de Arte Contemporáneo (MEIAC), s.p. [catálogo]. António Cerveira Pinto (n. 1952) tem dividido o seu trabalho entre a actividade artística, a crítica e a curadoria tendo trabalhado nomeadamente com o MEIAC de Badajoz, actividade que será referenciada no sexto capítulo do presente estudo.

1 Historicamente podemos recuar até meados do século XIX em que ficou conhecida a oposição de Charles Baudelaire à fotografia, como uma forma de expressão artística, opinião expressa na sua crítica ao Salão de Artes Plásticas de 1859 em Paris, evento no qual foi exibido pela primeira vez um conjunto apreciável de imagens fotográficas2 numa exposição dedicada às Belas-Artes. Na sua ideia, a fotografia representava uma ameaça para a arte e deveria cingir-se, tanto neste campo como no da ciência, a um papel subalterno de meio auxiliar de documentação3. Uma convicção de certo modo partilhada na mesma altura por M. H. Dumesnil, na sua obra Le Salon de 1859, reconhecendo-lhe uma utilidade prática mas não a considerando portadora de sentimento no campo artístico4.

Na segunda metade do século XX a rápida evolução das novas tecnologias ligadas as telecomunicações e computação, e a sua adopção por artistas, alguns com uma formação em áreas técnicas (nomeadamente engenharia), ou que se socorreram da ajuda técnica de engenheiros e/ou de instituições de investigação em ciência para a execução dos seus projectos, ao depararem com alguma falta de diálogo institucional ou de indiferença relativamente ao seu trabalho, promoveram vias diferenciadas de apresentação, debate e crítica, em circuitos e eventos paralelos ao designado mainstream da arte contemporânea.

Logo no fim da década de 60 a Computer Arts Society5, criada em 1968, foi uma das primeiras organizações a perceber a necessidade de troca de experiências e informações entre artistas que, na sua prática, se interessavam pela computação,

2 Aaron Scharf refere que foram exibidas 1.295 fotografias (Scharf, 1968/1986: 144), e M. H. Dumesnil, na sua crítica ao Salão de 1859, indica nessa exposição a existência de 3.045 telas (Dumesnil, 1859: 2).

3 “[...] I am convinced that the ill-applied developments of photography, like all other purely material developments of progress, have contributed much to the impoverishment of the French artistic genius, which is already so scarce. […] it is nonetheless obvious that this industry, by invading the territories of art, has become art´s most mortal enemy […]. It is time, then, for it to return to its true duty, which is to be the servant of the sciences and arts - but the very humble servant, like printing or shorthand, which have neither created nor supplemented literature.” (Baudelaire, 1859/2003: 667- 668)

4 “La gravure lutte courageusement contre la photographie, et toujours elle sera plus près que sa rivale du véritable terrain de l´art. [...] Le moyen mecanique à son employ: il est précieux pour l´arquitecture, il rend bien les parties inertes ; même pour les portraits, il peut ètre un très-utile renseignement ; mais la portée intellectuelle et sentimentale d´une ouevre n´est pas son domaine [...]” (Dumesnil, 1859 : 199).

5 http://computer-arts-society.com/ (consultado em 15 de Agosto de 2015).

2 interesse esse manifestado por Alan Sutcliffe6 (1930-2014), um dos seus co-fundadores e dirigentes mais activos.

Na década de 70 são exemplos o espaço alternativo Kitchen7, criado em Nova Iorque no ano 1971 pelos pioneiros da video art Woody Vasulka (n.1937) e Steina Vasulka (n.1940), e a organização Electronic Arts Intermix8, fundada no mesmo ano por Howard Wise, um galerista que, através do espaço que dirigia (Howard Wise Gallery), tinha desempenhado nos anos 60 um papel importante na divulgação de artistas ligados às novas tecnologias9. Já na Europa (Linz – Áustria), o festival Ars Electronica10, que teve em 1979 na pessoa de Herbert W. Franke (n.1927), físico e pioneiro da computer art11, um dos seus co-fundadores12, foi um evento que assegurou continuidade em sucessivas edições até aos dias de hoje constituindo, eventualmente, o mais prestigiado acontecimento do género ao conjugar temáticas que relacionam arte, tecnologia e sociedade13.

Do ponto de vista das publicações de referência de divulgação e crítica artística, também nos anos 60 existiu algum desinteresse pelas novas mediações, nomeadamente pela revista ArtForum na pessoa do seu editor Philip Leider quando, em Outubro de 1967, ao ser solicitado a apreciar o trabalho do artista Charles Csuri, na altura a explorar as capacidades estéticas dos gráficos executados por computador, respondeu do seguinte modo: “Thanks for the enclosed manuscript on Charles Csuri; I cant imagine

6 Matemático de formação, artista gráfico, compositor, e programador de computadores.

7 http://www.vasulka.org/Kitchen/ (consultado em 15 de Agosto de 2015).

8 http://www.eai.org/index.htm (consultado em 15 de Agosto de 2015).

9 On the Move: An Exhibition of Kinetic Sculpture (1964), Computer-Generated Pictures (1965), Light in Orbit (1967), TV as a Creative Medium (1969).

10 http://www.aec.at/news/en/ (consultado em 15 de Agosto de 2015).

11 Embora com outras conotações, este termo, com origem nos anos 60 (ver Capítulo 4) refere-se aos grafismos executados por sistemas de desenho (plotters ou impressoras gráficas) a partir de programas executados em computador.

12 Os fundadores deste festival foram Herbert Franke, Hannes Leopoldseder, Hubert Bognermayr, Ulrich Rützel. http://www.aec.at/about/en/geschichte/ (consultado em 15 de Agosto de 2015).

13 A atestar a importância deste festival é de referir que, para a edição de 2014, foram submetidas a apreciação 2.703 projectos de 77 países diferentes. http://www.aec.at/aeblog/en/2014/06/02/die-gewinnerinnen-2014/ (consultado em 15 de Agosto de 2015).

3 ARTFORUM ever doing a special issue on electronics or computers in art, but one never knows.”14

A alternativa a essa situação surgiu no ano seguinte, em 1968, com a criação da revista Leonardo15 (ainda hoje publicada) pelo cientista, engenheiro, e também artista Frank Malina (1912-1981)16, que passou a ser um fórum para artistas, engenheiros e académicos na troca de informação, desenvolvimentos técnicos aplicados à actividade artística, e divulgação das novas mediações, de que a holografia foi logo nos primeiros números um exemplo17.

Também obras recentes sobre História da Arte e cultura contemporânea incidindo em particular sobre a segunda metade do século XX, como é na circunstância The American Century: Art and Culture, 1950-2000 (1999)18, um catálogo que correspondeu à segunda parte de uma exposição organizada pela curadora e historiadora da arte Lisa Phillips levada a cabo no Whitney Museum of American Art em Nova Iorque (26 de Setembro de 1999 a 23 de Janeiro de 2000), não dá relevância a experimentação artística envolvendo processos tecnológicos (excepto o vídeo), omitindo nomeadamente o evento Nine Evenings: Theatre and Engineering (13 a 23 de Outubro, 1966), que tinha decorrido em Nova Iorque com a participação, entre outros, de Robert Rauschenberg, e John Cage, e marcado o início da colaboração técnica de artistas e engenheiros através da organização E.A.T. (Experiments in Art and Technology)19, que surgiu mais tarde a partir das sinergias criadas nesse evento.

14 Informação disponível em: http://www.csurivision.com/index.php/2008/12/early-computer-art/ (consultado em 30 de Julho de 2014). O trabalho de Charles Csuri será retomado na secção 4.1 e 4.2 do presente trabalho.

15 http://www.leonardo.info/leoinfo.html (consultado em 15 de Agosto de 2015)

16 Doutorado em aeronáutica Frank Malina foi co-fundador e director do Jet Propulsion Laboratory e responsável por projectos ligados à indústria aeroespacial americana. Paralelamente nos anos 50 iniciou uma actividade artística ligada a dispositivos ópticos e cinéticos. http://www.fondation-langlois.org/html/e/page.php?NumPage=233 (consultado em 15 de Agosto de 2015).

17 Hans Wilhelmsson (1968). “Holography: A New Scientific Technique of Possible Use to Artists”, in Leonardo, Vol 1, nº 2, Abril 1968, pp. 161-169.

18 Lisa Phillips (ed.) (1999). The American Century: Art and Culture, 1950 –2000, Nova Iorque: Whitney Museum of American Art.

19 Este assunto será abordado com mais detalhe no quarto capítulo deste estudo.

4 O mesmo acontecimento também é omitido na obra de referência em História da Arte Contemporânea Art Since 190020 (Shanken, 2007: 45), inclusive na sua segunda edição (2011) que, expandida em dois volumes, trata especificamente no seu segundo volume os acontecimentos que mediaram entre 1945 e 2010.

Já em Portugal, um país em que tradicionalmente a tecnologia nunca foi uma prioridade, não é de admirar que o trabalho dos seus artistas e a historiografia do século XX não reflicta essa realidade. De facto, a bibliografia de referência em História da Arte e as exposições retrospectivas da actividade artística das décadas da segunda metade do século XX no nosso país21, não assinalam de uma maneira explícita a importância ou convergência das tecnologias mais recentes no fazer artístico, apontando-se apenas alguma expressão nas áreas da fotografia e do vídeo, e só, de uma maneira tangencial, na utilização da máquina e do motor.

Não significa isto que não exista alguma actividade, pensamento, ou obras de carácter tecnológico relevantes, só que é necessária uma pesquisa histórica diferenciada e orientada por critérios e perspectivas com um foco específico nestes domínios no

20 Hal Foster, Rosalind Krauss, Yve-Alain Bois, Benjamin H. D. Buchloh, David Joselit (2011). Art Since 1900: Modernism, Antimodernism, Postmodernism, Vol. 2 – 1945 to the Present, Nova Iorque: Thames & Hudson.

21 Referimo-nos a: A Arte em Portugal no Século XX (3ªedição, 1991) , de José-Augusto França; História da Arte Portuguesa (1995), Vol. III, dirigida por Paulo Pereira; Artes Plásticas em Portugal: Dos Anos 70 aos Nossos Dias (1998), de Alexandre Melo; Arte Portuguesa nos Anos 50 (1992), catálogo de exposição comissariada por Rui Mário Gonçalves; Anos 60. Anos de Ruptura – Uma Perspectiva da Arte Portuguesa nos Anos Sessenta (1994), catálogo de exposição comissariada por António Rodrigues; Anos 70 Atravessar Fronteiras (2009), catálogo de exposição comissariada por Raquel Henriques da Silva; “A Situação Portuguesa”, texto integrado no catálogo Anos 80 – Uma Topologia (2006), editado por Ulrich Loock; Imagens para os Anos 90 (1993), comissariada por Fernando Pernes, embora esta exposição se afirme como um ponto de viragem no início de uma década que será analisada no sexto capítulo deste trabalho. Já no início do século XXI Bernardo Pinto de Almeida em Transição Ciclopes, Mutantes, Apocalípticos: A Nova Paisagem Artística no Final do Século XX (2002), numa reflexão sobre as genealogias do corpo faz referência ao “corpo digital” e às “extensões do humano em direcção ao pós-humano” (Almeida 2002: 139), mencionando também a importância para a divulgação da cultura contemporânea do site Virose (http://www.virose.pt/), criado em 1997 pelos artistas Miguel Leal, Fernando José Pereira e Cristina Mateus (Almeida, 2002: 95). Outra publicação de referência no início do novo milénio foi o projecto Anamnese (2006) de Miguel von Hafe Pérez que, na sua reflexão sobre a década de 1993 a 2003 inclui, na sua quase enciclopédica relação de perto 250 artistas portugueses, nomes de personalidades cuja actividade se tinha iniciado bem antes dessa década (ex. Silvestre Pestana), assim bem como as novas gerações representadas por exemplo em João Paulo Feliciano, Miguel Palma, Miguel Soares, e Marta de Menezes, a quem dedicaremos na última parte deste trabalho uma atenção particular.

5 sentido de orientar uma “arqueologia” que permita trazer à superfície novos factos e evidências como complemento ao que já se conhece.

Existindo obviamente excepções no acolhimento relativamente às novas mediações tecnológicas pelas instâncias internacionais reconhecidas no campo artístico, de que são exemplos a sua integração na 35ª Bienal de Veneza (1970), ou a exposição Electra (1983/84) comissariada por Frank Popper no Musée d´Art Moderne de Paris, a verdade é que as vias paralelas de apresentação das obras; o discurso crítico veiculado mais pelos próprios artistas e investigadores em áreas como o design, a engenharia, as ciências da comunicação, estética ou estudos culturais, do que propriamente dentro de uma historiografia tradicional; a falta de preparação dos curadores no entendimento das tecnologias e processos de produção; as dificuldades inerentes à sua exposição, conservação e criação de um mercado que valorizasse comercialmente as obras, foram, na segunda metade do século XX, factores que tiveram certamente um impacto negativo tanto no reconhecimento de artistas, como na certeza do esquecimento de peças cuja obsolescência tecnológica não permitem mais a sua recuperação e conservação.

Esta situação é bem caracterizada pelo historiador da arte Oliver Grau ao afirmar:

“Mas sem excepção, nem estes trabalhos artísticos [referindo-se às novas mediações interactivas] nem em geral as últimas décadas de artes digitais, tiveram uma atenção apropriada por parte das disciplinas académicas ou foram adquiridas em número adequado para as colecções dos museus ou galerias. Estamos assim perante o perigo de apagar uma parte significativa da memória cultural da nossa história recente.”22 (Grau, 2007: 8)

Objectivo do trabalho

Perante os cenários descritos anteriormente - circuitos paralelos de exibição, fóruns alternativos de discussão e crítica, discurso historiográfico escasso – que posicionam as novas mediações tecnológicas, de certo modo, numa rota paralela ou

22 “But without exception, neither these artworks nor the last decades of digital art in general have received the appropriate attention by academic disciplines or have been added in adequate numbers to the collections of museums and galleries. We are thus in danger of erasing a significant portion of our cultural memory of our recent history.”

6 periférica à da arte contemporânea na segunda metade do século XX, é nosso objectivo geral integrar e contextualizar estas práticas dentro de uma dinâmica própria da História da Arte, tentando estabelecer que não é possível, nesse enquadramento temporal, sustentar uma separação entre arte e tecnologia, nomeadamente mantendo um certo distanciamento relativamente à utilização de meios mais sofisticados que envolvam parcerias com institutos e investigadores de diferentes áreas científicas (engenharia, robótica, biotecnologia, ciências da computação, ciências dos materiais, etc.).

Estes factos conduzem necessariamente a uma nova estética ligada à informação e aos sistemas, a um relacionamento mais próximo da máquina e do homem, a uma nova maneira de encarar a mediação artística coadjuvada pela ciência e tecnologia, a um novo estatuto do artista, e a uma nova agenda das instituições de investigação e organismos de apoio à mostra e produção artística.

Isto implica, seguramente, novas metodologias e uma maior abrangência da historiografia da arte e dos seus investigadores, na compreensão dos fenómenos artísticos e das suas consequências, integrando informações pluridisciplinares (ciências da comunicação, estética, estudos culturais, tecnologias) para um seu melhor enquadramento, constituindo também este alargamento igualmente um objectivo da presente proposta.

Do Título da Tese

O título do presente trabalho - Arte e Tecnologia na Segunda Metade do Século XX: O Código como Paradigma - carece necessariamente de uma explicação prévia para o entendimento do seu alcance e definição do seu propósito.

Apesar da expressão “arte e tecnologia” ser de certo modo redundante já que, de um modo geral, todas as artes fazem uso de algum processo ou processos tecnológicos/tecnologias para se revelarem23, o limite temporal da segunda metade do século XX permite restringir e dar uma direcção específica à investigação no sentido de se debruçar sobre as tecnologias que nesse quadro, de algum modo, surgiram ou foram importantes na prática artística.

23 Mesmo no caso da performance ou do fica geralmente um registo sonoro, fotográfico ou videográfico do acontecimento, constituindo esse registo em si parte integrante da obra.

7 Este limite temporal, e possíveis domínios tecnológicos, são ainda mais restritos quando se aponta como subtítulo do trabalho “O Código como Paradigma”, deixando em aberto a expectativa da especificidade da determinação tecnológica para permitir abrir vias para uma reflexão mais abrangente que tem a ver com o modo como o “Código” – no decurso do trabalho tanto usado no domínio das linguagens de programação dos computadores (software), como no da programação dos seres vivos (código genético) – se afirmou como fundamental na estruturação da sociedade contemporânea através de inúmeros domínios da actividade humana, reflectindo-se obviamente na sua natural utilização no âmbito artístico.

O código, de um modo diverso da tinta na pintura, do metal na escultura, ou da película na fotografia, não é fruto de um desenvolvimento e do domínio de processos tecnológicos. O código, em abstracto, é sinónimo de informação, e digamos que são as suas unidades básicas, como building-blocks que, organizadas de determinado modo e utilizando determinados dispositivos (electrónicos ou biológicos), permitem construir imagens, formar sons, animar mecanismos, simular realidades, ou entrar no domínio da vida biológica.

Mais do que uma simples “matéria-prima” para a formatação de um determinado objecto, as áreas e a abrangência da actividade artística que advém da sua manipulação dão a possibilidade de explorar horizontes e dinâmicas totalmente novas (telepresença, colaboração em tempo real, criação de plataformas on-line, participação lúdica, exploração da identidade biológica, criação de experiências in vivo), numa atitude alargada de obra como processo e sistema, cuja materialidade, muitas vezes híbrida e variável, é dependente da determinação e, ao mesmo tempo, da plasticidade do código. Estas dinâmicas preconizam ao mesmo tempo novos métodos e disciplinas de ensino, de trabalho, e de investigação em arte, que se inscrevem em processos colaborativos e multidisciplinares indiciando novos modelos e novos paradigmas no fazer artístico.

Breves Considerações Metodológicas

Antes de propriamente apresentar a metodologia seguida no presente trabalho achámos por bem fazer primeiro um pequeno preâmbulo para o entendimento da via seguida na abordagem da temática em causa já que hoje, longe de se poder falar de uma História da Arte, é aceite falar de diferentes teorias e métodos associados a esta

8 disciplina que ao longo dos tempos teve a sua evolução e, eventualmente, mutações e fracturas nos tempos mais recentes.

E foi justamente a partir da segunda metade do século XX que o discurso da História da Arte contemporânea se tornou mais complexo seguindo por vezes orientações feministas, marxistas, psicanalíticas, semióticas, pós-estruturalistas, etc, que, de certo modo, espelhavam a complexidade das razões e dos contextos que levaram os artistas a produzir as suas propostas, nomeadamente na transição de uma sociedade industrial para uma sociedade pós-industrial em que a cultura dos media, a globalização, as questões de identidade e género surgiram como alguns dos novos paradigmas.

É neste sentido que Eric Fernie refere que, “[…] os novos historiadores da arte, como por vezes têm sido chamados, mudaram o centro de gravidade dos objectos para os contextos sociais e para a ideologia, isto é, para as estruturas de poder social e daí para a política, para o feminismo, psicanálise e teoria.” (Fernie, 1995: 19), uma tendência que o historiador Jonathan Harris caracterizou bem numa análise da evolução da disciplina a partir dos anos 70 em, The New Art History: A Critical Introduction (Routledge, 2001).

É portanto na possibilidade que hoje nos assiste na escolha dos métodos, dos sistemas, das teorias, relativamente às questões que pretendemos abordar, que permite justamente um discurso alargado e eclético da História da Arte, contrariamente a uma linha tradicional do estudo da disciplina que transformou, ao longo do tempo, alguns autores e obras em clássicos de referência canónica.

O historiador Hans Belting refere, no prefácio de Art History After Modernism (Univ. Chicago Press, 2003), que o título que escolheu para essa sua obra “[…] significa que, não só a arte é diferente hoje; também significa que o nosso discurso sobre a arte tem tomado novas direcções, se é de todo seguro dizer que tem tomado claramente uma direcção.” (Belting, 2003: VII)

Deste modo, a questão da procura do sentido e do significado das manifestações artísticas contemporâneas, tem de certa maneira acompanhar a indeterminação imposta pelas rápidas mudanças culturais e sociais, numa pós-modernidade caracterizada por um cepticismo relativamente às narrativas de progresso, por uma crise de identidade em que reifica o efémero e a incerteza, por uma cultura que, de raiz, passou a uma cultura

9 rizomática e híbrida, sustentada por uma sociedade que vive em fast forward e on-line num mundo global dominado pelas tecnologias da informação e comunicação.

Metodologia

A indeterminação e a fluidez de conceitos nos dias de hoje está bem patente no objecto de estudo do presente trabalho já que, na bibliografia existente sobre o tema, diferentes autores utilizam frequentemente expressões como Media Art, New Media Art, Information Art, Software Art, Digital Art, Internet Art, Computer Art, Virtual Art, Bioart, Moist Media Art, termos que, não sendo sinónimos, muitas vezes também não definem campos claramente determinados24, servindo antes para referenciar diferentes vectores da expressão artística no cruzamento da utilização de tecnologias (computação, geolocalização, nanotecnolgia, biotecnologia, robótica, ciências dos materiais, etc.) que se distinguem das associadas às disciplinas artísticas tradicionais (pintura, desenho, escultura).

Não é objectivo deste estudo escolher ou definir a nomenclatura que mais se adapta ao nosso propósito, ou justificar a utilização de uma determinada expressão em português, usando-se frequentemente a designação de “novas mediações” para denotar não uma tecnologia específica (vídeo, fotografia, computação, biotecnologia, etc.) mas nomear práticas artísticas que, na sua génese ou fases de trabalho, façam uso do código (binário ou genético) como unidade de trabalho.

Trazer portanto para o discurso da História da Arte contemporânea um conjunto de práticas que só tangencialmente, e de uma maneira dispersa, são tratadas no seu âmbito, implica um estudo a três níveis:

• Genealógico: com a intenção de perceber em que linhas de desenvolvimento se apoiaram as suas dinâmicas, e se existem continuidades ou fracturas relativamente às práticas artísticas aceites pelos discursos canónicos da História da Arte.

24 Christiane Paul, professora e curadora no Whitney Museum of American Art de Nova Iorque, refere justamente esta questão no início da sua publicação Digital Art : “ The terminology for technical art forms has always been extremely fluid and what as now known as digital art has undergone several name changes since it first emerged: once referred to as ´computer art´ (since the 1970s) and then ´multimedia art´, digital art now takes its place under the umbrella term of ´new media art´, which at the end of the twentieth century was used mostly for film and video, as well as sound art and other hybrid forms.” (Paul, 2003/2008: 7).

10 • Estético: no sentido de revelar o pensamento e as preocupações que norteiam, ou que são geradas, por essas mesmas práticas artísticas.

• Prática artística: na tentativa de perceber o seu impacto, pertinência, e tipo de validação institucional.

Genealogia

Partindo dos pressupostos anteriores, o método adoptado para uma abordagem genealógica das artes tecnológicas (no sentido da utilização das tecnologias da informação e da biotecnologia) no contexto da arte no século XX foi temática. Não em termos de inclinações de análise social que, como vimos, podem incidir sobre perspectivas marxistas, feministas ou pós-colonialistas, mas partindo de um ponto de vista conceptual considerando três eixos de desenvolvimento o Espaço, a Imagem, e a Acção. A nosso ver, uma análise destes três vectores25 permitem diferenciar o século XX dos séculos anteriores tanto do ponto de vista da sua reformulação no entendimento científico e filosófico (a relação espaço-temporal), como na sua influência cultural (a ubiquidade da imagem nas suas diferentes formas), ou nas consequências sociais (a acção, o confronto), matérias que foram de igual modo relevantes na prática e interpretação artística nesse século, na abertura de abordagens diferenciadas em relação às práticas dos séculos anteriores.

Estética

Apesar da genealogia de uma obra determinar relações de proximidade que a permitem situar, é na verdade o seu enquadramento estético que lhe dá uma mais valia de diferenciação. E quando se referem artes tecnológicas associadas aos sistemas de informação, está implícita a produção de peças que fazem uso de máquinas, computadores, interfaces, software, e que se definem por campos de caracterização diferentes do de uma pintura, escultura ou desenho.

Esses campos de caracterização, as estratégias de recepção, de interacção ou de participação, e a especificidade dos seus processos de significação, fazem obviamente parte de um convir estético que interessa abordar e distinguir.

25 Justificados no âmbito do primeiro capítulo do presente trabalho.

11 Neste sentido será feita uma abordagem das diferentes teorias estéticas que se desenvolveram baseadas na informação, influenciadas que foram por um lado pelos trabalhos de Claude Shannon (teoria da informação) e por um certo espírito pragmático e científico de tentar reduzir a apreciação estética a um conjunto de regras e, por outro lado, pelas novas possibilidades que a organização dessa mesma informação revelou no devir artístico recente em abordagens sistémicas.

Prática Artística

Como complemento às abordagens anteriores impõe-se de certo modo perceber o início da actividade artística no âmbito proposto, pelo que será dada alguma atenção às práticas, exposições e entidades nacionais e estrangeiras que, de algum modo, foram pioneiras neste domínio, estudando particularmente a actividade de alguns curadores/artistas de países com os quais existiram alguns contactos nacionais.

Organização da Tese

Este estudo está dividido em duas partes. A primeira, denominada de “Genealogias, Estéticas e Cultura”, constitui um corpo de ensaios que, nos seus três capítulos, se apresenta como preparatória para o natural entendimento da prática artística no uso das novas mediações; enquanto a segunda parte, designada de “Práticas Artísticas”, coloca a tónica nas obras, artistas e instituições, fazendo um percurso histórico com alguma ênfase no nosso país, no sentido de dar relevância a alguns aspectos relacionados com o tema deste trabalho, quer em leituras particulares de algumas obras, quer na apresentação de alguns factos novos decorrentes da investigação.

Deste modo o primeiro capítulo, “Acção Espaço e Imagem: Continuidades e Descontinuidades no Século XX”, constitui um ensaio temático introdutório, e de certa maneira experimental, que corresponde à procura de uma filiação de obras de índole tecnológica na sequência dos vectores mencionados no título do capítulo, começando por justificar a sua importância no decorrer do século XX, para depois o percorrer na introdução de obras/artistas cujas práticas operativas na convergência com plataformas tecnológicas, apesar de apresentarem afinidades com essas três linhas de orientação,

12 acabaram por se situar muitas vezes fora da atenção institucional e do discurso histórico e crítico de referência.

Depois de um primeiro capítulo que, servindo de introdução a um panorama artístico genérico do século XX, dá indicação de que as mediações tecnológicas surgem naturalmente na prática artística na sequência da utilização de outros meios, no segundo capítulo, “O Código – Sentidos e Significados”, procura-se aprofundar os temas associados ao código na mediação artística, nomeadamente o seu uso nos domínios da computação, cibernética e nas artes biológicas, dando ênfase de igual modo às questões e teorias estéticas que entretanto foram surgindo como suporte das novas mediações.

O terceiro capítulo, “A Tecnocultura – Máquinas, Dispositivos e Sociedade”, encerra a primeira parte do trabalho alargando o tema com perspectivas sobre a sociedade contemporânea (política, urbanismo, economia, tecnologia) enfatizando o modo como a nossa relação com o mundo foi profundamente alterada pela introdução das tecnologias da informação e pela investigação genética - na base das quais está a manipulação do código (binário e genético) – dando de certo modo uma sustentação à convicção de que não é possível separar a actividade artística das novas mediações tecnológicas, por serem partes integrantes da própria cultura do tempo.

A segunda parte deste estudo tem um carácter mais ligado à investigação histórica, no sentido usual do termo, iniciando-se com o quarto capítulo26, “Pioneiros, Processos e Meios: Uma Perspectiva Internacional”, no qual são referenciados alguns intérpretes, exposições e instituições internacionais que, de algum modo, nas décadas de 60 e 70 deram início, impulsionaram, ou apoiaram os artistas que viram nas tecnologias mais recentes uma oportunidade de experimentação e/ou de afirmação estética.

O quinto capítulo, “Pioneiros, Processos e Meios: Uma Perspectiva Nacional”, complementa o capítulo anterior com uma visão do que se passou no nosso país, perspectivando-se sempre que possível as relações com o estrangeiro (artistas, conferencistas, exposições), mas alargando a base temporal até ao fim da década de 80, justificada na base de um certo desacerto artístico com a cena internacional.

26 Pelo facto das imagens no presente estudo serem referenciadas pela sua ordem mas também previamente pelo capítulo em que se inserem (ex. fig. 4.8, figura oito do quarto capítulo) optou-se, na segunda parte do trabalho, por continuar a numeração da ordem dos capítulos anteriores (capítulos quarto, quinto e sexto) em vez de iniciar com um primeiro capítulo, para evitar repetições nas referências das imagens.

13 O sexto e último capítulo, “Portugal na Passagem do Século XX”, é uma sequência do anterior perspectivando as iniciativas, as exposições e os protagonistas dos anos 90, finalizando com um estudo em que, entrando já no século XXI, analisa a obra de Leonel Moura e Marta de Menezes, o primeiro como modelo de um trabalho ligado às tecnologias da computação e robótica, e a segunda à engenharia genética e biotecnologia, exemplos de como a manipulação do código pode ser gerador de atitudes estéticas diferenciadas.

Pelo facto das novas mediações artísticas terem, neste início do século XXI, merecido uma atenção particular de algumas instâncias, as considerações finais farão algum eco deste enfoque, permitindo uma comparação com o século XX.

14

Parte I

Genealogias, Estéticas e Culturas

Capítulo 1

Acção, Espaço, e Imagem: Continuidades e Descontinuidades no Século XX

Este primeiro capítulo constitui um ensaio breve cujo objectivo é pensar o século XX não como compartimentado numa sucessão de movimentos artísticos povoado cronologicamente por um conjunto de obras e artistas, mas antes tentar perceber em que medida é que esse século se diferenciou dos anteriores estabelecendo a partir daí linhas de orientação sob as quais iremos analisar algumas obras.

O seu objectivo é tentar procurar, através de uma perspectiva diferenciada, campos de caracterização e relações que sejam transversais ao século XX, contrariamente à procura de barreiras cronológicas e designações que, a partir do seu terceiro quartel, se dispersaram sob múltiplas denominações encontrando abrigo na caracterização vaga de um pós-modernismo.

Para tal escolhemos três vectores – a acção, o espaço e a imagem – que a nosso ver adquiriram no decorrer do século XX um índice de importância relevante quer através da reformulação destes conceitos, quer por intermédio do debate proposto à sua volta pelas ciências exactas e ciências sociais, acabando por ter uma influência determinante tanto nas estruturas económicas e sociais (pós-colonialismo, globalização, consumismo, etc.) como no pensamento cultural e artístico do nosso tempo.

A nossa metodologia baseou-se em primeiro lugar no entendimento da relevância da escolha de cada uma destas linhas de desenvolvimento para, em segundo

15 lugar, proceder à análise de obras ilustrativas em cada caso1, avaliando o modo como o desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação no pós-guerra foram ou não absorvidas de uma maneira natural pela prática artística, permitindo-lhe abordagens e concepções diferenciadas.

1 Sendo este capítulo um ensaio experimental e de dimensão algo reduzida, não foram incluídas muitas obras e artistas que, opcionalmente, poderiam igualmente ilustrar o nosso ponto de vista, assim bem como também foi reduzida ao essencial a análise da importância dos três vectores em questão.

16 1.1 – A Acção – Do Confronto à Interacção

“The visual arts at the moment seem to hover at a crossroad that may well turn out to be two roads to one place, though they appear to have come from two sources: art as idea and art as action. In the first case, matter is denied, as sensation has been converted into concept; in the second case, matter has been transformed into energy and time-motion.”

Lucy Lippard2

1.1.1 – A Importância da Acção no século XX

O primeiro vector que nos propomos abordar e que tem, a nosso ver, uma importância determinante no século XX, é o conceito de acção que, no seu fundamental, ao definir-se por um propósito de quem a exerce implica uma dinâmica de recepção e/ou comunicação, com leituras artísticas, económicas, históricas, sociais e culturais.

Um acontecimento que em definitivo marcou o século XX – e que confrontou a humanidade pela primeira vez com a possibilidade da sua aniquilação através de uma arma de destruição massiva – foi a criação da bomba atómica.

De facto o seu teste e experimentação em Hiroshima e Nagasaki, foi uma acção corolário de uma guerra que envolveu uma enorme quantidade de meios, homens e recursos, entre os anos de 1939 e 1945, e que na Europa constituiu, de certo modo, a continuidade de um conjunto de disputas regionais após a primeira Guerra Mundial.

Na verdade, podemos afirmar que o término da segunda Grande Guerra marcou o fim de cerca de 30 anos de conflitos armados na Europa (Judt, 2009: 22-23). Primeiro com a Guerra de 1914-18, depois com a Revolução Soviética de 1917 e a guerra civil

2 Lucy Lippard (1973/1997). Six Years: The Dematerialization of the Art Object from 1966 to 1972, Berkeley, Los Angeles, Londres: University of California Press, p. 43.

17 que se lhe seguiu prolongando-se até 1923, em seguida o poder e a repressão de Hitler entre Guerras e, finalmente, a guerra civil espanhola de 1936-1939, antes do conflito generalizado até 1945.

Embora numa vertente menos bélica, a instabilidade internacional continuou depois da Segunda Guerra Mundial com a Guerra Fria, que teve o seu símbolo no muro de Berlim, erigido em 1961 e sua queda em 1989, constituindo este facto o fim de um período de 75 anos de um século que não foi de todo pacífico.

Perante este cenário os artistas não poderiam ficar indiferentes e, na verdade, a integração destes contextos de acção em novas formas de expressão constituiu uma realidade.

Out of Actions foi uma importante exposição temática levada a cabo pelo Museu de Arte Contemporânea de Los Angeles (MOCA) no primeiro trimestre de 1998, e que teve como sentido primeiro justamente chamar a atenção para a multiplicidade de actividades artísticas que surgiram no pós-guerra, pondo em evidência os artistas cujas obras foram de algum modo o resultado ou influenciadas por estas questões.

O título Out of Actions significa justamente o resultado da acção, e a palavra acção é chave no entendimento da arte no pós-guerra pela forma diferenciada com que os artistas nessa altura a trabalhavam, quer no ritual ou na catarse que constituía a produção de uma obra (Pollock), quer nas acções aleatórias e imprevisíveis de determinados contextos (John Cage), quer na criação única que ocorria num determinado espaço e tempo sob a forma de happening ou na multiplicidade das performances individuais, quer mesmo na utilização do próprio corpo como espaço de inscrição da obra artística. Estas formas de expressão levaram a um deslocamento da atenção focada no objecto artístico produzido, para o efémero, para a acção, para o instante em que o acto criativo, ele próprio, acontecia.

Nos anos 60 os acontecimentos de Maio de 1968 em Paris foram paradigmáticos de uma revolta contra o poder instituído que ultrapassou o meio estudantil e as fronteiras francesas, estabelecendo uma clivagem social e cultural para os anos que se seguiram em que porém, as novas estratégias da economia global aliada ao poder dos media, das tecnologias da informação e da influência política forjaram novas formas de controlo social. Estas questões foram equacionadas de diferentes maneiras pelos artistas, nomeadamente por acções de “guerrilha” às esferas do poder e às políticas

18 governamentais, com expressão através de um activismo socialmente interventivo, fazendo um uso táctico dos meios da comunicação social em acções de crítica institucional, tanto em instalações participadas pelo público, como no lançamento de cumplicidades e acções no espaço virtual fazendo uso da Internet (Critical Art Ensemble, Electronic Disturbance Theatre).

Esta rápida leitura dos conflitos sociais do século XX, que foram marcados por duas Guerras Mundiais devastadoras (mais de sessenta milhões de mortos) e um outro conjunto de conflitos internacionais também relevantes que lhe deram continuidade (Coreia, Vietname, Indochina, Golfo, Bósnia, Israel, Egipto, Palestina), determinam, a nosso ver, um vector, a acção, que diferencia o século XX dos séculos precedentes, sendo esta uma primeira via que pretendemos explorar nas secções seguintes analisando a sua pertinência na prática artística, obviamente não no seu sentido bélico, mas numa leitura mais ampla como operador actuante no fazer artístico seja no pensamento e actividade do artista, na interacção do participante, ou nas dinâmicas das obras criadas.

19 1.1.2 – Da Provocação à Inclusão

Com a finalidade de sistematizar um pouco o âmbito em que pretendemos inserir a expressão acção na produção artística, iremos considerar, tal como referido atrás, o seu desdobramento em três vertentes: a integração da acção na forma de expressão do artista, assumindo por vezes aspectos performativos ou teatrais; a integração do público como participante activo na obra, seja na interacção com o artista ou com as plataformas criada por este e, por último, a acção como parte integrante do objecto artístico em si, assumindo uma autonomia que pode por vezes transcender o seu criador.

1.1.2.1 – O Artista e a Acção

Considerando a acção no contexto da expressão artística, o primeiro movimento que no século XX se afirmou com um sentido de irreverência e de confronto foi o Futurismo.

Com uma posição política ambígua de apoio ao nacionalismo, mas com atitudes próximas do anarquismo, este movimento rejeitava os valores e gostos da burguesia vigente e o culto do passado, na ânsia por uma liberdade de expressão na procura do novo, muitas vezes provocatória e agressiva3.

Na sua perspectiva, a arte, a atitude perante a vida, os espaços, as vivências, a consciência social, tudo deveria ser renovado.

E é neste sentido que o Futurismo tem provavelmente a sua maior relevância, ao sair do estrito domínio artístico tradicional (pintura, escultura, literatura) para contaminar a vida do dia-a-dia em áreas como o design, a culinária, a moda, a decoração4, numa transversalidade multidisciplinar pouco comum para a época.

3 No seu Manifesto Futurista, Marinetti declararia : “Nós afirmamos que a magnificência do mundo foi enriquecida por um novo tipo de beleza: a beleza da velocidade. […] Não existe beleza a não ser na luta. Não há obra prima sem um carácter agressivo […]. Tempo e espaço morreram ontem. […] Nós glorificamos a guerra[…]Nós destruiremos os museus, bibliotecas e academias de toda a espécie, combateremos o moralismo, feminismo, todos os oportunismos ou cobardices utilitárias.” (Marinetti, 1909/2003: 146,147)

4 Exemplos são o quarto de criança com mobília futurista e o fato de homem futurista, ambos criados em 1914 por Giacomo Balla; o restaurante futurista La Taverna del Santoplato, criado em 1929 em Turim, e as receitas de Marinetti editadas em livro em 1932; a influência que gerou a experimentação e o dinamismo gráfico de Marinetti nas novas possibilidades desenvolvidas em design gráfico e publicidade.

20 Apoiado num conjunto substancial de manifestos, que representavam outros tantos programas de desenvolvimento estético temáticos (cinema, teatro, poesia, música, pintura, escultura, literatura), a sua acção era revelada no confronto com o público em seratas que foram organizadas nas principais cidades italianas5. Estes eventos eram constituídos por leituras de textos, poesia, música, teatro, que tinham um carácter provocatório, e muitas vezes perturbador da ordem pública, com o sentido de desestabilizar as mentes mais conservadoras.

Apesar de o Futurismo ter sido um movimento de inspiração tecnológica, a máquina em si não teve uma presença predominante nas acções futuristas. Foi mais um pensamento conceptual ligado às possibilidades de mudança, eventualmente proporcionado por um desenvolvimento tecnológico, que se enraizou nas necessidades expressivas dos artistas futuristas.

Devedor e contemporâneo de um Futurismo que tinha explorado o dinamismo da expressão gráfica, pictórica ou sonora, ou mesmo retomando o sentido de originalidade e por vezes provocatório das suas acções, o Dadaísmo afirmou-se, porém, de uma forma contrária, não fazendo a apologia da guerra ou dos nacionalismos, e, fundamentalmente, não estabelecendo uma ideologia programática6.

O ecletismo, o non-sense, as contradições, e a complexidade deste movimento reside justamente nessa característica que o distinguiu de outros, e que o transformou numa espécie de laboratório de ensaio das mais diversas formas de expressão, de algum modo livres de constrangimentos estéticos e ideológicos.

Foi esta informalidade, baseada no sentido de independência de cada um dos seus intervenientes e da sua circulação internacional, que levou ao estabelecimento do

5 O primeiro destes encontros deu-se em Janeiro de 1910 no Teatro Municipal de Trieste, e o segundo no mês seguinte no Teatro Lírico de Milão.

6 Movimento criado em plena 1ª Guerra Mundial constituiu, de certo modo, uma reacção contra a sua brutalidade e falta de sentido. A este respeito afirmaria Hugo Ball na primeira publicação dadaista (15 de Maio de 1916): “Quando criei o Cabaret Voltaire tinha a certeza que deveria haver muita gente jovem na Suiça que, como eu, estavam interessados não só em gozar a sua independência mas também dar prova dela. […] O presente boletim […] tem a intenção de apresentar ao público as actividades e os interessas do Cabaret Voltaire, cujo único propósito é chamar a atenção, ultrapassando as barreiras da guerra e dos nacionalismos, para este grupo de espíritos independentes que vivem os seus ideais.” (Richter, 2001: 13- 14).

21 movimento Dada em diferentes cidades (Zurique, Nova Iorque, Berlim, Hanover, Colónia, Paris) com diferentes afinidades expressivas.

A falta de propósito e sentido da primeira Grande Guerra, que assolava e destruía a Europa, foi o leit-motif que os artistas encontraram para a combater, através de propostas igualmente descentradas dos cânones tradicionais da obra artística, apresentadas por vezes com uma certa irreverência, invocando o caótico, a improvisação, e o aleatório como plataformas criadoras.

Os ready-made, as montagens com objects trouvés, a fotocolagem, foram algumas das técnicas utilizadas pelos artistas neste particular, encontrando também no non-sense uma expressão crítica que, contrariamente aos Futuristas, em alguns casos parodiava a tecnologia e a máquina7.

Um dos objectivos das acções, da crítica, e das obras de anti-arte do Dadaísmo era o de chocar a mentalidade conservadora, como terapia de reavaliação de processos demasiado subordinados a hierarquias lógicas e programáticas, numa acção aparentemente algo anárquica e desconcertante.

Este espírito Dada “desconstrutivista” continuou a ter expressão no século XX sempre que se procurou pôr em causa métodos e processos excessivamente regulados e normalizados, de que foi exemplo o cinema realizado nos anos 50, no âmbito do movimento Letrista, por Isidore Isou, Gil Joseph Wolman, ou Guy Debord8, apresentado com algum escândalo em Paris.

7 São disso exemplos Parade Amoreuse (1917), de Francis Picabia, ou Pequena Máquina Construída por Minimax Dadamax em Pessoa (c. 1919/20) de Max Ernst.

8 O Letrismo foi um movimento criado por Jean-Isidore Isou (1925-2007) em 1945, inicialmente com preocupações estéticas ligadas à poesia (desconstrução do sentido da frase, utilização das “matérias das letras reduzidas a si próprias”), mas que se ampliaram a outras artes nomeadamente ao cinema, à música, ao teatro, numa acção de irreverência e subversão dos seus fundamentos, e num contexto de repensamento das artes que o pós-guerra marcou, de uma maneira geral, todos os países que nela se envolveram. O filme de Isidore Isou Traité de Bave et D´Éternité (1951), para além de um discurso inflamado do próprio Isou sobre o sentido que o cinema tinha para este movimento, punha em prática as suas noções estéticas, utilizando a rasura dos fotogramas, a utilização de onomatopeias sem sentido, e o discurso dissociado da imagem, entre outras técnicas. Já o filme Hurlements en Faveur de Sade (1952), de Guy Debord, ía num sentido ainda mais radical, por não apresentar imagens, mas apenas alternadamente o ecrã de projecção totalmente iluminado ou totalmente negro em que, aos textos que se ouviam quando o ecrã estava iluminado, se sucedia o silêncio total na ausência de luz.

22 No seguimento destas experiências Guy Debord, ao criar em 1957 o movimento Internacional Situacionista, alargou à sociedade a crítica que o Letrismo pretendia fazer no âmbito artístico, repudiando os esquemas, a organização e as condições de vida da contemporaneidade, propondo a criação de situações como método de auto-consciência e acção transformadora da alienação que, na sua opinião, a vida do dia-a-dia proporcionava9.

Respondendo como uma alternativa algo radical, a verdade é que os textos que o grupo publicou entre 1957 e 1969, nos doze números do boletim Internationale Situationiste, e a edição em 1967 da obra La Société du Spectacle de Guy Debord, inflamaram as mentes daqueles que pretendiam uma mudança social, atribuindo-se-lhe alguma influência nas movimentações do Maio de 68 em Paris.

O pensamento situacionista tanto foi buscar raízes políticas ao Marxismo, nas definições do seu Programa Revolucionário Unitário (Debord, 1960/2003:705-706), como adoptou uma estética anarquista de desconstrução da “sociedade do espectáculo”, ao mesmo tempo que explorou os conceitos de “psicogeografia”, e do “urbanismo unitário”, como paradigma da realização de uma “arte integral” que, no seu entender, não pressupunha nenhuma das categorias estéticas conhecidas10.

Como técnicas de acção propôs a dérive e o detournement que, efectivamente, têm algo de duchampiano na sua génese. A primeira, como um encontro desinteressado11 com ambientes citadinos proporcionados pelos efeitos da psicogeografia e, portanto, com uma função criadora de novas relações/revelações. A segunda, como método de reutilização de objectos/obras pré-existentes, mas

9 “A nossa ideia central é a da construção de situações, ou seja, a construção concreta de ambiências momentâneas de vida, e da sua transformação numa qualidade passional superior. Nós temos de desenvolver uma intervenção metódica baseados nos factores complexos de dois componentes em interacção perpétua: o ambiente material em que se desenvolve a vida, e os comportamentos que dão origem à sua transformação radical” (Debord 1957/2003:702).

10 Debord define psicogeografia como “O estudo dos efeitos específicos do ambiente geográfico, conscientemente organizado ou não, nas emoções e comportamento do indivíduo”, e urbanismo unitário como “ [...] a teoria do uso combinado das artes e das técnicas para a construção integral de um ambiente em relação dinâmica com experiências comportamentais” (Debord 1958/1996: 702-703). Para Debord a arte integral deveria ser realizada ao nível do urbanismo (Debord 1957/2003: 702).

11 “Numa dérive, uma ou mais pessoas durante um certo período de tempo abandonam os seus motivos habituais de movimento e acção, as suas relações, o seu trabalho e actividades de lazer, e deixam-se conduzir pelo que os atrai no terreno e pelos encontros que aí acontecem” (Debord, 1956/2003: 704).

23 transpondo-os para novos contextos mudando-lhes o significado e desviando-os, desse modo, da sua função/objectivo original12.

Não existem obras ou objectos artísticos situacionistas pois, segundo Debord, o que devia haver era um uso situacionista das formas artísticas. “A permanência da arte não entra nas nossas considerações”, diria Debord, reforçando o carácter efémero da situação como uma estratégia de passagem “para ser vivida pelos seus construtores”, e cuja finalidade era, “quebrar a identificação psicológica do espectador com o herói levando-o à actividade, provocando as suas capacidades para revolucionar a sua própria vida” (Debord 1957/2003: 703).

Esta crítica social e política do situacionismo de Debord teve continuidade nas práticas artísticas activistas que se definem justamente por um engajamento social relevante cruzando referências políticas, sociais, económicas e artísticas, levando a cabo um conjunto de acções que, pela sua natureza híbrida, tornam complexa a sua classificação.

Com o acelerado desenvolvimento tecnológico associado às tecnologias de informação a partir da década de setenta, o poder económico e a propaganda política passou obrigatoriamente pelo uso destes meios como forma de regular/vigiar uma sociedade cada vez mais global e em rede. Os artistas não ficaram alheios a estes desenvolvimentos, e não tardaram a aperceber-se de que as acções/performances de rua deveriam ser complementadas pelo uso destas tecnologias, no sentido de reivindicarem a sua resistência e protesto contra o autoritarismo, controlo e censura imposta através da utilização de estes novos meios pelas estruturas que detinham o poder.

12 Neste particular o detournement inspirou as gerações de artistas dos anos seguintes no que se convencionou chamar de Culture Jamming, uma expressão criada nos anos 80, que serve de designação à actividade de subversão dos valores resultantes de uma aculturação domesticada na criação de estereótipos de moda, consumismo, comportamentos sociais e ideologias políticas, orquestradas por grandes grupos empresariais e governos. Os métodos de resistência podiam passar pela utilização de símbolos/obras bem conhecidas do público mas que, modificadas, apresentavam-se como mensagens críticas, ou pela criação de peças/textos forjados com um formato conhecido mas que, nesse contexto, funcionavam como anti-informação. É exemplo deste último caso o projecto do colectivo que, em Novembro de 2008, forjou e distribuiu em Nova Iorque e outras cidades americanas, milhares de cópias do jornal New York Times, aparentemente igual a qualquer outra edição genuína, mas com uma data de oito meses no futuro e notícias falsas, porém desejáveis pela maioria dos cidadãos (fim da Guerra do Iraque, que fazia a manchete da primeira página, ou o fim do pagamento de propinas nas Universidades públicas, por exemplo).

24 Um dos grupos que se evidenciou neste domínio foi o Critical Art Ensemble (CAE), um colectivo formado em 198713 que repensou a actividade artística de intervenção, através de acções que cruzavam a arte com a teoria crítica, a acção política e os novos desenvolvimentos tecnológicos14. Essa intenção é claramente abordada no seguinte texto: “As regras da resistência cultural e política mudaram dramaticamente. A revolução tecnológica, que levou a um rápido desenvolvimento do computador e do vídeo, criou uma nova geografia do poder de relações nos países do primeiro mundo, que podia ser apenas imaginado há tão pouco tempo como há vinte anos atrás: os indivíduos são reduzidos a informação, a vigilância ocorre a uma escala global, as mentes fundem-se com a realidade do ecrã, e emerge um poder autoritário que se alimenta da ausência. A nova geografia é uma geografia virtual, e o cerne da resistência política e cultural deve assentar em si mesma neste espaço electrónico.”15 (Critical Art Ensemble, 1994: 3)

13 O Critical Art Ensemble (Steve Barnes, Dorian Burr, Steve Kurtz, Hope Kurtz e Beverly Schlee) aproveitou as sinergias entre as diferentes valências do conhecimento dos seus elementos (software, computação gráfica, fotografia, vídeo, performance) para as converter em projectos, muitas vezes site- specific, e que podiam passar pela performance (Shareholders Briefing, 1997), pela biotecnologia (GenTerra, 2001-03), pela instalação de vídeo (Immolation, 2008), ou, como refere o grupo, pela utilização táctica dos meios de comunicação (Child as Audience, 2001). As instalações e as performances do Critical Art Ensemble foram apresentados tanto em espaços públicos como em museus e galerias de arte de referência, tendo o grupo editado seis livros sobre activismo cibernético - The Electronic Disturbance (1993), Electronic Civil Disobedience & Other Unpopular Ideas (1996), Flesh Machine; Cyborgs, Designer Babies, Eugenic Consciousness (1998), Digital Resistance: Explorations in Tactical Media (2001), Molecular Invasion (2002), e Marching Plague (2006) – editados pela Autonomedia (Nova Iorque), que os autores disponibilizam livremente na internet no endereço: http://www.critical-art.net/books.html (consultado em 13 de Agosto de 2013).

14 A natureza transdisciplinar das acções do CAE e o seu carácter activista, com motivações políticas, éticas e sociais, poderia levantar questões relativamente à possibilidade do enquadramento artístico ou não das suas actividades. Em entrevista a Ryan Griffis o CAE respondeu que se escolhessem um rótulo que os classificasse prefeririam o de tactical media practioners, no sentido da escolha não só os meios mais adequados à acção que pretendiam desenvolver, mas também, de uma maneira táctica, da escolha do rótulo que mais se adaptava à actividade que preparavam afirmando que: “ Se a situação é mais fácil de negociar usando a palavra ´artista´, nós usá-la-emos, se for melhor usar a palavra ´activista´ ou ´teórico´ ou ´trabalhador cultural´, então usaremos esses rótulos. Independentemente da classificação as nossas actividades serão as mesmas. As classificações são apenas úteis na medida em que elas preparam a expectativa daqueles com quem nós queremos estabelecer um diálogo. […] Muito deste problema tem a ver com a construção social do papel do artista e do activista.[…] Para o CAE as categorias de activista e de artista não são fixas, mas fluidas, e podem estar interligadas numa variedade de acontecimentos.” Em: http://amsterdam.nettime.org/Lists-Archives/nettime-l-0012/msg00098.html (consultado em 13 de Agosto de 2013)

15 “The rules of cultural and political resistance have dramatically changed. The revolution in technology brought about by the rapid development of the computer and video has created a new geography of power relations in the first world that could only be imagined as little as twenty years ago: people are reduced to data, surveillance occurs on a global scale, minds are melded to screenal reality, and an authoritarian power emerges that thrives on absence. The new geography is a virtual geography, and the core of political and cultural resistance must assert itself in this electronic space.” 25

Uma das estratégias criadas por este grupo foi a Electronic Civil Desobedience (ECD), desenvolvida em forma de livro com o mesmo título publicado por este colectivo em 1996, que transporta para o campo das tecnologias de informação o conceito de desobediência civil, conceito este que contempla uma forma de resistência pacífica contra uma autoridade, empresa ou governo, que comumente passava por uma situação de bloqueio de acesso ou ocupação de instalações por um conjunto de manifestantes.

Contrariamente a estas acções de rua, no âmbito da ECD os meios são as redes de comunicações e os domínios de Internet das empresas e dos governos, ou das suas agências, e o processo pode passar, entre outras situações, por um redireccionamento de pedidos de informação, pela inserção de informação não desejada nesses domínios, ou por uma dificuldade (ou mesmo recusa) de fornecimento de determinado serviço induzido por um excesso temporário de pedidos de acesso simultâneos aos servidores de informação (distributed denial of service attack).

Este último processo é conhecido como um virtual sit-in, fazendo o paralelo com a acção real e física de um conjunto de manifestantes sentados de uma maneira compacta num determinado local, dificultando-lhe o acesso.

Um dos grupos cuja actividade é pautada por este tipo de acções é o Electronic Disturbance Theater (Ricardo Dominguez, Stefan Wray, Brett Stalbaum, Carmin Karasic)16 que desenvolveu uma ferramenta de software específico, denominada de

16 Ricardo Dominguez, criador do grupo no início de 1998, já conhecia e reunia frequentemente, nos anos oitenta, com os membros que mais tarde formariam o Critical Art Ensemble, tendo feito parte do grupo e contribuído para a edição de The Electronic Disturbance (1993) e Electronic Civil Disobedience & Other Unpopular Ideas (1996) (Dominguez, 2002: 381-383). A ideia subjacente à formação do Electronic Disturbance Theatre é a passagem destes princípios da teoria à prática, como forma de protesto/resistência política. A adesão dos restantes membros do grupo resulta em função da resposta de uma ideia lançada por email por Ricardo Dominguez que, na altura em Nova Iorque, teve apoio de Carmin Karasic, uma engenheira de software licenciada em ciências da computação pela Universidade de Sufolk e interessada em arte digital; Brett Stalbaum, programador de Java e professor na Universidade de S. José na Califórnia que se voluntariou para automatizar o processo descrito por Dominguez; Stefan Wray, doutorando na Universidade de Nova Iorque que pretendia fazer uma tese sobre Desobediência Civil Electrónica (Dominguez, 2002: 387-388). Ricardo Dominguez é hoje professor associado de Artes Visuais na Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD).

26 FloodNet17, cuja associação ao browser18 de acesso à Internet de um utilizador permitia, em teoria, bloquear ou dificultar o acesso de outros utilizadores à informação de um domínio específico. O processo funcionava com base nas repetidas solicitações de pedido de acesso a determinada página do servidor.

O FloodNet foi disponibilizado publicamente e, através de uma convocatória via Internet (e-mails, newsletters, listas de distribuição) milhares de pessoas puderam participar activamente em acções de bloqueio de informação, das quais a mais conhecida talvez tenha sido o protesto contra o governo mexicano e as acções militares levadas a cabo pelo exército e paramilitares contra a autonomia do movimento Zapatista19 na província de Chiapas, após o massacre contra indígenas na localidade de Acteal, em Dezembro de 1997.

Esta acção, que bloqueou intermitentemente, no dia 10 de Abril de 1998, o site do presidente da república mexicana, foi levada a cabo, segundo os activistas, por cerca de 14.800 pessoas (Dominguez, 2002: 388), alertando os governos e agências de

17FloodNet é uma pequena aplicação desenvolvida na linguagem de programação Java (Java Applet) que o utilizador associava à sua aplicação de acesso à Internet. Foi criado por Carmin Karasic e Brett Stalbaum.

18Um browser é uma aplicação que permite o acesso à informação na Internet. Um dos primeiros browsers com um grau de aceitação assinalável foi o Mosaic (1993), que permitia acesso a texto e imagem na mesma página. Seguiram-se-lhe o Netscape Navigator (1994) e o Internet Explorer (1995) da Microsoft. Mais recentemente o Mozilla Firefox (2004) e o Chrome (2008), da Google, disputam o mercado com o Internet Explorer. Um browser é geralmente complementado por uma outra aplicação - um motor de busca - que permite o acesso às paginas de informação na Internet mediante a indexação e utilização em tempo real de palavras-chave associadas aos ficheiros que se procuram, por sua vez disponibilizadas pelos browsers. Alguns exemplos de motores de busca são o Yahoo! (1995), Ask.com (1996) e o Altavista (1995), sendo este um dos que teve maior utilização nos primeiros anos da web. Actualmente (2012) o mercado é dominado pela Google (1998).

19 Por esta altura os Zapatistas (organizados em 1994), que reivindicavam os direitos dos povos indígenas e a democratização do México, já tinham granjeado a simpatia de diferentes organizações que lutavam pelos direitos humanos, de ONGs, escritores, artistas e activistas um pouco por todo o mundo, o que muito se deveu ao facto de terem sido um dos primeiros grupos de guerrilha/resistência a utilizar a Internet como meio táctico de divulgação da suas reivindicações, percebendo que este era o meio de comunicação mais rápido e eficaz de angariação de suporte internacional para a sua causa, sem a informação ser filtrada pelas agencias e media internacionais. Em entrevista a Bem Sheppard e Stephen Duncombe em 2000, Ricardo Dominguez (de ascendência mexicana) recorda que foi um email recebido no início de 1994 com a primeira declaração de Lancandona, nome da selva onde os Zapatistas se estabeleceram, que o levou a pensar a prática da desobediência civil electrónica como meio de resistência e suporte a esta causa (Dominguez, 2002: 384)

27 segurança para a vulnerabilidade dos sistemas de informação, e para a ameaça e poder que uma acção concertada deste tipo poderia constituir.

Na sequência deste acontecimento o colectivo Electronic Disturbance Theater criou e apresentou o projecto SWARM especificamente para o convite formulado pela organização do festival Ars Electronica, em 1998, que teve nesse ano justamente como tema a expressão Infowar, abreviatura de Information Warfare20, e em que foi dada atenção ao activismo artístico que utilizava a informação como meio de resistência/guerrilha contra a hegemonia de domínio cultural ou político de governos ou corporações empresariais.

O projecto SWARM tinha como objectivo demonstrar o apoio internacional à causa Zapatista através do bloqueio dos sites da presidência do México, da bolsa de Frankfurt e do Pentágono, símbolos do poder e dos interesses económicos, usando a ferramenta FloodNet como mecanismo de bloqueio a esses domínios, que funcionava solicitando repetidamente a mesma página do servidor dez vezes por minuto por cada participante.

A ideia do projecto era possibilitar a formação de vários “enxames” espontâneos dirigidos contra alvos específicos a partir dos contributos individuais dispersos, mas simultâneos, num determinado período de tempo.

A data de lançamento desta acção, uma semana antes da data da comemoração da independência do México (16 de Setembro), tornou ainda mais emblemática a sua escolha.

Apesar do sucesso limitado do bloqueio (mais simbólico do que real), em parte devido ao facto de ter sido pré-anunciada e ao efeito das contra medidas tomadas pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos, cerca de 20.000 pessoas participaram na

20 Ao tema Infowar não foi certamente estranho o facto de na Guerra do Golfo (1990-91) as tecnologias de informação e comunicação terem tido um papel crucial não só no teatro de guerra mas também na maneira como a informação foi veiculada e consumida pelos espectadores. Com o surgimento da web e o desenvolvimento das tecnologias de bases de dados, o controlo da informação tornou-se vital, e a information warfare passou a ter uma forte expressão nos domínios económica e político. No contexto do festival Ars Electronica esta temática foi pretexto para a criação, no ano de 1998, do prémio Information Weapon Award que pretendia galardoar a investigação em tipologias possíveis de dispositivos (hardware ou software) susceptíveis de serem utilizados nesta nova frente da guerra da informação, prémio atribuído à empresa Software and Systems International Limited (UK).

28 acção que teve repercussão nos media, nomeadamente no New York Times, em artigo publicado em 31 de Outubro de 199821 (Wray, 1998).

Neste artigo, um dos criadores do programa FloodNet, Carmin Karasic22, diria: “Não é ciber-terrorismo é mais arte conceptual”, colocando a ênfase da acção não tanto no campo da disrupção da ordem ou da legalidade – porque, efectivamente, o evento criado não corrompia a informação dos servidores nem tentava obter ilegalmente informação confidencial, mas apenas dificultar o seu acesso – mas na criação de uma situação que poderemos enquadrar na óptica de um alargamento do conceito de performance.

Também a revista americana Forbes, alguns meses mais tarde (Dezembro de 1998), faria a ligação entre esta acção do Electronic Disturbance Theater e uma intenção artística, ao referir no artigo “When Art Meets Ciberwar”23 que “talvez o primeiro ataque electrónico contra um alvo em solo Americano tenha sido o resultado de um projecto artístico”.

De facto, para Ricardo Dominguez, tratou-se efectivamente de um projecto artístico com características activistas, constituída por uma acção massiva de um conjunto alargado de pessoas que, por via do uso das tecnologias de informação, criaram corpos virtuais na execução de uma acção de virtual sit-in desenvolvendo, por oposição a uma deslocação física, uma performance virtual mas com efeitos reais na criação de uma situação de perturbação.

O facto de Dominguez se interessar por teatro, tendo deslocado o seu fascínio inicial de Shakespeare para o teatro experimental e agitprop, tendo inclusive sido actor

21 Neste artigo intitulado “´Hactivists´ of all Persuasions Take Their Struggle to the Web”, é feito uma resenha deste tipo de activismo político e igualmente mencionada a acção de hackers portugueses que modificaram a Home Page de cerca de 40 servidores indonésios para mostrarem a frase Free East Timor, colocando nestes sistemas links para sites que denunciavam os abusos aos direitos humanos perpetrados pelo governo da Indonésia. Artigo consultado em 29 de Fevereiro de 2012: http://www.nytimes.com/1998/10/31/world/hacktivists- of-all-persuasions-take-their-struggle-to-the-web.html?scp=1&sq=floodnet&st=nyt&pagewanted=3

22 Carmin Karasic (n. 1954) é licenciada em matemática e tem um mestrado (MFA) em Artes Visuais. Foi analista de sistemas e programadora, tendo também exercido actividade lectiva em diferentes Universidades. Como artista e activista utiliza essencialmente as tecnologias da Internet em instalações com intenções de intervenção social. http://www.carminka.net/ (consultado em 5 de Setembro de 2015).

23 Adam L., Penemberg (1998). “When Art Meets Ciberwar”, in Forbes, 14 de Dezembro, 1998 Em: http://www.forbes.com/1998/12/14/penenberg_1214.html (consultado em 7 de Março de 2012).

29 enquanto jovem, levou-o a integrar a palavra “teatro” no nome do grupo que formou, e fez com que a encenação e a performance fossem interesses naturais que tiveram expressão nas acções do grupo, tónica essa que manteve mais tarde, a partir de 2004, enquanto professor de Artes Visuais ( – Time and Movement) na Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD), na continuação do desenvolvimento da investigação e realização de projectos na área da Electronic Civil Desobedience.

Esta vertente da acção como performance teve obviamente diferentes propósitos e formas ou longo do século XX, em que muitas vezes foi o próprio corpo do artista chamado a intervir, ora como meio de inscrição da obra (), ora como condição estruturante do conceito que pretendia desenvolver.

Neste âmbito o Accionismo Vienense radicalizou esta prática, levando ao extremo a provocação, e por vezes a violência e o bizarro, em encenações ritualísticas de catarse, que também podiam passar pela auto-mutilação, invocando referências tão díspares como as mitologias pagãs ou a psicanálise, em que o corpo do artista e/ou intervenientes eram geralmente os protagonistas sujeitos às acções propostas.

Com o desenvolvimento da cibernética, dos computadores, da biomecânica e da robótica, a reflexão sobre o corpo tomou outras direcções, nomeadamente debruçando- se sobre questões relacionadas com a sua identidade, por via das competências interdisciplinares entretanto conseguidas na produção de próteses cada vez mais elaboradas.

Estava assim lançada a base para uma discussão sobre o cyborg24 e o conceito de pós-humano, abordado entre outros por Katherine Hayles (Hayles, 1999) e Donna Haraway (Haraway, 1991), com óbvias repercussões éticas e estéticas (Lippert- Rasmussen, 2012).

Estas questões foram objecto da prática artística de (Chipre, n. Stelious Arcadiou, 1946) que, iniciada em meados dos anos 70 com performances em que se apresentava suspenso por ganchos que penetravam no seu corpo, evoluiu para o uso da

24 Este termo, abreviatura de cybernetic organism, aparece pela primeira vez no título do artigo Cyborgs and Space, de Manfred E. Clynes (cientista) e Natham S. Kline (psiquiatra), publicado na revista Astronautics, Setembro de 1960 (pp. 29-33), que aborda a vantagem da alteração das funções humanas para se adaptar às condições de trabalho no espaço exterior, através de organismos-artefactos, em vez de providenciar ambientes à sua volta idênticos ao da Terra.

30 tecnologia na construção de próteses e interfaces no sentido de lhe aumentar as suas capacidades físicas.

Exemplo de uma das suas primeiras criações neste particular foi o projecto Third Hand (1980), uma mão robótica apoiada no seu braço direito, cujos movimentos eram despoletados pela actividade eléctrica resultante da contracção dos músculos abdominais e das pernas do artista.

Num outro projecto/performance do artista (Ping Body: An Internet Actuated and Upload Performance, 1996) é a actividade da Internet que controla os movimentos do seu corpo através da aplicação de pequenas correntes eléctricas aos seus músculos, por via de eléctrodos implantados em diferentes partes do seu corpo, correntes eléctricas essas que eram proporcionais ao tráfego da rede em tempo real e da distância a que determinados servidores se encontravam do local em que a performance era executada25.

Esta coreografia involuntária do artista26 – que produzia também som e imagem a partir da estimulação muscular – invertia deste modo o papel da Internet que, de repositório passivo e anónimo de informação, passava a ter um papel activo no controlo do corpo humano funcionando, em certa medida, como o seu sistema nervoso (Stelarc, 1997: 11-31), podendo ver-se nesta obra uma clara alegoria ao modo como hoje a rede é efectivamente determinante no funcionamento das sociedades.

O interesse de Stelarc pelo corpo não é tanto fazer dele uso como um meio de expressão, a exemplo da Body Art, mas como um meio de experiência. Utilizá-lo como uma plataforma experimental que pode ser articulada com a tecnologia de modo a ser estimulada e/ou re-desenhada nas suas funções.

25 O termo Ping, originalmente utilizado pelos sonares dos submarinos como um som audível para, por reflexão, referenciar a distância de um objecto, é igualmente utilizado nas redes de informática para sinalizar o bom estado de uma ligação e determinar, através do tempo de resposta de um sinal injectado na rede, valores relacionados com a distância do servidor e tráfego na rede. Nesta performance o sistema a que estava ligado Stelarc fazia o pinging aleatoriamente para cerca de 30 domínios na Internet, e o tempo de resposta (0 a 2000 milisegundos) era mapeado em estímulos eléctricos (0-60 Volt) aplicado aos seus músculos, provocando o movimento involuntário do artista.

26 Esta performance pode ser observada em (consultado a 8 de Fevereiro de 2012): http://www.youtube.com/watch?v=45MOlsFGSHI&feature=related

31 O corpo é, nas suas palavras, uma arquitectura evolutiva sendo mais importante a sua conectividade do que a sua identidade27.

E é partindo deste conceito de corpo como interface - como elemento disponível para ser conectado a outros dispositivos - que é obrigatória uma revisão de um antropocentrismo que fixava a sua lógica à volta do homem como entidade estanque. Este necessário alargamento é função dos avanços das diferentes áreas das ciências (biotecnologia, nanotecnologia, ciências da computação, ciências cognitivas) que tornaram ténues as barreiras entre a espécie humana e as outras espécies, e de uma cultura pós-humana que se estabeleceu por via de uma hibridação do natural e artificial.

Nesta revisão necessariamente breve e esparsa de alguns exemplos de práticas artísticas no século XX de movimentos, grupos e artistas que tomaram a acção como vector da sua conduta, podemos observar alguns deslocamentos interessantes quando esta é veiculada através do uso das tecnologias de informação e comunicação. Nomeadamente, por um lado, a facilidade de mobilização e mobilidade das acções/performances, que transcendem a fisicalidade e limitação de apresentação num local específico, através da criação de um novo espaço praticável virtual, e por outro a reivindicação de questões mais de ordem ética, social e filosófica, do que estética, dos novos cenários artísticos que se desenvolveram através de uma acção de performance tecnológica, acompanhando deste modo temáticas desenvolvidas pela filosofia das ciências e ciências sociais.

1.1.2.2 – O Espectador como Produtor

Se relativamente ao Futurismo e ao Dadaismo referenciámos a acção como uma ferramenta que o artista utilizava para confrontar e provocar o público, a verdade é que essa relação se alterou na segunda metade do século XX nomeadamente com o aparecimento do formato happening, um termo cunhado por em 1958, e que pressupunha a participação do público no evento.

27 In, Avatars Have no Organs – Second Life Performance (2009) (consultado em 8 de Fevereiro de 2012): http://www.youtube.com/watch?v=RiNp2Emtsvk

32 Esta participação, segundo o próprio Kaprow no seu texto “ Guidelines for ”, deveria ter como objectivo a eliminação das audiências por completo (Kaprow, 1965:709-714), opondo-se deste modo à passividade do espectador/receptor.

Com uma mesma clarividência, e antes ainda deste texto de Allan Kaprow, também Ernesto de Sousa vaticinava em 1959, no seu artigo “O Espectáculo e o Espectador”, publicado na Seara Nova, que “[...] em pintura, como no cinema ou no teatro o caminho do futuro é perfeitamente previsível: o espectador fará parte do espectáculo”28 (Sousa, 1959), o que efectivamente veio a acontecer na criação dos seus envolvimentos cénicos multimédia a partir de 1969.

Esta linha de pensamento tem raízes nos modelos do “teatro épico” de Brecht, que apelava para uma sensibilização crítica do espectador, e na noção de “teatro da crueldade” de Artaud que, abordada em O Teatro e o seu Duplo (1938), fazia mais apelo ao seu envolvimento físico29.

Influenciado pela action painting americana30, que privilegiava o momento da criação, pela collage-assemblage, e pelo espírito experimental de John Cage, professor de Kaprow na década de 50, o happening era um acontecimento que, preconizando a interdisciplinaridade e a colaboração, ao mesmo tempo desafiava a musealização e o sistema comercial instituído à volta do produto artístico.

A participação do público na peça introduziu igualmente um conjunto de características que passaram a ser aceites na produção de uma obra – a incerteza, o aleatório, a espontaneidade, o efémero - factores que o artista deixou de controlar, ou

28 Citado por Mariana Santos (Santos 2003:50).

29 Segundo Artaud este teatro de acção deveria “[...] ressuscitar a ideia de um espectáculo total pelo que o teatro recuperaria do cinema, do music-hall, do circo, e da própria vida, o que sempre lhe pertenceu. […] É com intenção de atacar por todos os lados a sensibilidade do espectador, que advogamos um espectáculo giratório, que em vez de tornar o palco e o auditório dois mundos fechados, sem comunicação possível, dissemine as suas explosões visuais e sonoras sobre a massa inteira dos espectadores.” (Artaud, 1938/2006: 95).

30 Allan Kaprow refere especificamente: “Estes eventos são essencialmente peças de teatro, embora não convencionais. Elas são ainda em grande medida rejeitadas pelos devotos do teatro talvez pela seu poder invulgar e energia primitiva, e por derivar dos ritos da American Action Painting. Mas se alargássemos o conceito de ´teatro´ para os incluir (tal como o alargamento do conceito de ´pintura´ para incluir a colagem), isto permitiria certamente contextualizá-los nesse pano de fundo para entendê-los melhor.” (Kaprow 1961/2003: 85)

33 que controlava apenas numa dimensão conceptual 31, negando o aspecto estático e especificamente autoral de determinada peça, para passar a encará-la como um campo de possibilidades e de experimentação colectiva.

Aparentemente a fórmula do confronto directo do espectador, quer pelo escândalo da peça ou pelo modo provocatório como o artista se apresentava, perdia algum fôlego para ser dada mais ênfase à questão da comunicação com o público em si e para uma acção integrada e participativa.

Estas extensões alargaram consideravelmente o conceito de obra artística que, teorizada por Umberto Eco na sua Obra Aberta (1962), lançou mão da teoria da informação, desenvolvida no âmbito da matemática no fim da década de 40 por Claude Shannon32, para trabalhar os termos entropia, ruído, informação, código, e aplicá-los, com algumas reservas, ao domínio estético (Eco, 1962/1989: 121-172), propondo-se fazer a ponte entre uma teoria da informação e uma teoria da comunicação, numa reflexão sobre o significado da participação e interactividade na obra de arte.

Ensaiadas nos anos 50, foi efectivamente a partir dos anos 60 do século XX que a participação do público nas propostas artísticas se tornou mais evidente, através de acções com as mais diversas tipologias, mais tarde nos anos 90 teorizadas por Nicolas Bourriaud, na sua Estética Relacional (1998), caracterizando manifestações artísticas que se apropriavam de funções sociais transformando a actividade comum do dia-a-dia em actividade artística, numa aproximação da arte à vida, como mecanismo de consciencialização e transformação social.

Genericamente podemos falar de participação a dois níveis: os projectos em que o artista estabelece uma plataforma na qual os participantes são livres de interagir e em

31 Uma obra paradigmática, e de certo modo pioneira deste tipo de interacção, foi a peça 4´33” de John Cage, constituída por três andamentos de silêncio, e executada pela primeira vez pelo pianista David Tudor em 29 de Agosto de 1952 no Maverick Concert Hall em Woodstock. O silêncio imposto pela partitura da peça era quebrado pelos ruídos feito pelos espectadores que, de uma maneira inusitada, participavam deste modo na obra dando corpo a uma experiência sonora alargada que colocava o ruído e o aleatório no centro da reflexão musical.

32 Claude Shannon (1916-2001) com formação em matemática e engenharia, foi uma das personalidades mais importantes no desenvolvimento das bases da computação digital e da teoria da informação, divulgada através da sua obra de referência The Mathematical Theory of Communication (University of Illinois Press, 1949), publicada em parceria com Warren Weaver.

34 que o resultado final é deixado em aberto dependendo dessa mesma interacção, e um outro nível em que o artista dirige os participantes com uma determinada finalidade.

É exemplo deste último a obra 18 Happenings in 6 Parts (1959) de Allan Kaprow, historicamente assumido como o primeiro happening (Reuben Gallery em Nova Iorque), em que os participantes, divididos em 3 grupos, executaram em cada uma das seis partes do happening três sequências de acções simultâneas, segundo instruções de Kaprow, em três espaços/salas separados por plástico translúcido33 e preparadas pelo autor com alusões às suas obras anteriores.

Ainda na linha do happening/performance dirigido, Cut Piece (1965), de , é uma peça em que a autora pediu a participação do público para, um a um, irem ao palco e cortarem pedaços da sua roupa com uma tesoura, enquanto a artista, sentada no chão, olhava sem emoção o público da plateia que, deste modo, “esculpia” o seu corpo transformando-o em objecto de desejo e de voyeurismo à medida que se ia revelando.

De outro modo, a criação de uma plataforma como objecto artístico, deixando ao participante a possibilidade da sua conclusão sem dirigir a sua acção, é evidenciado no trabalho de Lygia Clark denominado Bicho (1960), uma escultura de metal com dobradiças destinada a ser manuseada pelo público e para a qual não existe uma forma final certa ou errada da obra.

Na sequência dos novos desenvolvimentos tecnológicos da altura, também a televisão e o vídeo foram utilizados como meios de experimentação artística para a integração do espectador, de que é exemplo a obra Interface (1972), de Peter Campus.

Esta instalação consistia num vidro transparente, colocado na semi-obscuridade de uma sala, em que simultaneamente eram visíveis duas imagens do espectador que se apresentasse nesse espaço; uma reflectida (invertida horizontalmente), e outra projectada (direita), produzida por um sistema de vídeo em circuito fechado que captava a imagem do espectador, através de um câmara colocada por detrás do vidro, e a projectava a partir do lado em que aquele se encontrava.

33 Lisa Philips (1999). The Ameriacn Century: Art & Culture, 1950-2000, Nova Iorque: Whitney Museum of American Art, pp. 99-100.

35 A presença e a acção do espectador tornavam-se assim essenciais na realização do significado da obra que, explorando a noção de espaço e da percepção desse mesmo espaço, representava igualmente um comentário sobre os conflitos e fragilidades dos desdobramentos de personalidade na construção de uma identidade (a do próprio espectador), a partir da projecção da sua dupla imagem.

Dos muitos exemplos de artistas atentos aos desenvolvimentos na área do vídeo pode-se mencionar igualmente (n.1941) que, utilizando a tecnologia de laserdisc realizou o primeiro vídeo interactivo no início dos anos 80 com a obra Lorna (1983-84), uma instalação que permitia ao espectador decidir qual a alternativa da continuação da narrativa através da escolha de objectos assinalados no vídeo, fazendo uso de um controlo remoto34.

Mais tarde a mesma artista utilizou a tecnologia de touch-screen (que tinha sido disponibilizada do ponto de vista comercial recentemente) na instalação de vídeo interactiva Deep Contact (1984-89), em que o espectador é seduzido por Marion, a personagem do vídeo, a tocar as diferentes partes do seu corpo através do toque no monitor num gesto que, invocando um certo “voyeurismo” e fantasia sexual, permitia a exploração de diferentes narrativas. Este papel de voyeur, entretanto, invertia-se quando era accionada uma câmara de vigilância apontada para o interveniente operando-se a substituição da imagem de Marion pela do participante, que assim entrava no mundo tecnológico da narrativa interactiva da protagonista, tornando-se vítima do seu desejo numa espécie de transposição do mundo real para o mundo virtual.

Hole in Space (1980), de Kit Galloway e Sherrie Rabinowitz, é uma obra que utiliza as tecnologias dos meios de comunicação social (televisão via satélite) para espacializar a intervenção do público na construção de uma Public Communication Sculpture, como referem os autores. A obra consistia em colocar em comunicação, e em tempo real, habitantes de Nova Iorque e Los Angeles, através da projecção de imagens em montras de vidro de um edifício em Nova Iorque de transeuntes em tamanho natural captados por uma câmara em Los Angeles, e vice-versa, na captação de imagem em

34 Neste projecto o espectador com o seu controlo remoto imitava a acção da personagem do vídeo, Lorna, cujo temor de abandonar o quarto aumentava ao ver as notícias na televisão e os anúncios à medida que mudava de programa com o seu controlo remoto. A alienação da vida na era da informação, os medos, o isolamento, e a perturbação mental da personagem, são as temáticas da obra que o espectador tenta descobrir e exorcizar com a mudança do rumo da narrativa (Hershman, 1990: 644).

36 Nova Iorque e projecção em Los Angeles, inaugurando a possibilidade de uma arte colaborativa de público anónimo a partir de zonas geograficamente dispersas.

A realidade virtual foi uma das áreas de desenvolvimento tecnológico que igualmente interessou os artistas devido à possibilidade do seu elevado grau de interactividade em tempo real na criação de cenários, objectos e situações narrativas. Aos sistemas de luvas que captavam os movimentos da mão (datagloves) e capacetes (head mounting displays) que permitiam a visualização dos ambientes associados à tecnologia de realidade virtual35 criados nos anos 80, sucederam os ambientes imersivos dos sistemas CAVE (Cave Automatic Virtual Environment) dos anos 90, correspondendo a salas de projecção de video-3D e de ambientes sonoros comandados pelo movimento do utilizador no seu interior, que usava um dispositivo de localização acoplado a uns óculos 3D, para visualização, dispensando a utilização de capacetes de realidade virtual dando-lhe, deste modo, uma maior liberdade de acção.

Porém, apesar das promissoras possibilidades dos sistemas CAVE de realidade virtual, as dificuldades inerentes ao custo, operação, e manutenção destes equipamentos limitaram a sua disponibilidade aos artistas que, maioritariamente, produziram obras beneficiando de residências artísticas no local das instalações, ou no decurso da sua formação académica nos próprios centros em que existiam equipamentos (Master of Fine Arts no Electronic Visualization Lab da Universidade de Illinois em Chicago).

A alternativa foi encarar cenários de realidade mista em que à visualização da realidade se sobrepunham imagens de realidade virtual geradas por computador, designando-se este universo de realidade aumentada, actualmente com as mais diversas aplicações no mercado (lúdico, educativo, simulação e treino).

Com o advento de novas tecnologias ligadas à Internet surgiram renovadas possibilidades de trabalho artístico que passaram não só por um alargamento do espaço de interacção do público, fora da área restrita da galeria ou do museu, mas também na

35 O Head Mounting Display foi inventado por Ivan Sutherland em 1968, fruto da sua investigação na Universidade de Harvard, onde era professor, financiado em parte pelo Advanced Research Projects Agency (ARPA) do Departamento de Defesa dos Estados Unidos. A primeira dataglove foi desenvolvida no Electronic Visualization Lab da Universidade de Illinois em 1977, e depois patenteada, com melhorias substanciais, por Thomas Zimmerman em 1982, tendo sido posteriormente aperfeiçoada por este cientista em parceria com Jaron Lanier.

37 criação de obras virtuais existentes apenas nas redes de computadores e dispositivos informáticos.

Situam-se neste caso as obras emblemáticas The World´s First Collaborative Sentence (1994-2005), de Douglas Davis, e Communimage (1999 - presente), do colectivo calc36 e Johannes Gees.

Ambas as obras apelam à participação do público via Internet, a primeira através da produção de textos37 (mais tarde também grafismos, som e imagem), que cada utilizador poderia introduzir dando continuidade ao texto anterior, mas não obrigatoriamente com sentido coerente; a segunda através da introdução de imagens num local à escolha do utilizador, a partir da visualização do mapa de imagens já produzido pelos participantes anteriores, na construção de uma “escultura” virtual38.

A participação de mais de 200.000 contribuições no primeiro caso e de mais de 26.000 imagens de indivíduos de cerca de 90 países diferentes no segundo, espelha bem o modo como no final do século XX a Internet constituía já uma tecnologia acessível e uma dinâmica importante na abertura a uma arte colaborativa, em que a presença remota e a interacção em tempo real constituíram outras tantas facilidades.

1.1.2.2 – A Dinâmica do Objecto

Contrariamente a uma apreciação estática de uma obra de arte no século XIX podemos dizer que movimentos como o Futurismo e o Cubismo, logo no início do século XX, literalmente o anunciaram como um tempo de dinâmicas e de perspectivas.

E os termos dinâmica e perspectiva são de facto pertinentes no âmbito que nos propomos abordar já que tanto se podem conjugar numa obra formalmente em pontos

36 Calc é o acrónimo de Casqueiro Atlantico Laboratorio Curatorial, uma organização criada em Espanha (1991) por Teresa Alonso Novo, Looks Brunner e omi (Tomi Scheiderbauer), que em conjunto com Malex Spiegel, Daniel Gómez Blasco e Roger Luechinger, foram os responsáveis pelo conceito, design e programação da obra.

37 http://artport.whitney.org/collection/davis/Sentence/sentence1.html (consultado em 23 de Junho de 2012).

38 http://www.communimage.ch/ (consultado em 23 de Junho de 2012).

38 de vista diferenciados, como também, num contorno mais alargado, significar deslocamento, relatividade, subjectividade, mutabilidade, fragmentação, atributos que claramente diferenciaram não só a arte do século XX dos séculos anteriores, mas também a sua apreciação.

Estes novos dinamismos, impulsionados por uma sociedade industrial que apostava no desenvolvimento tecnológico, fizeram apelo a novas concepções do objecto artístico que axiomaticamente integraram o tempo, o espaço, o movimento, a acção, como vectores importantes na sua produção.

Uma obra icónica, neste âmbito, é o Light-Space Modulator (1922-1930) de László Moholy-Nagy que, finalizado em 1930 com a ajuda de um engenheiro e de um técnico em materiais, dispunha de um mecanismo motorizado para fazer rodar diferentes placas de metal perfuradas, e outros elementos metálicos e de vidro, produzindo diversos efeitos luminosos quando se fazia incidir sobre estes uma luz39.

Esta escultura cinética, de inspiração construtivista, resultou de um trabalho que vinha a ser desenvolvido pelo autor desde o início dos anos 20 com uma intenção de realizar um elemento coreográfico de iluminação para espectáculos cénicos40, e integra- se nos princípios do Manifesto Realista (1920) dos irmãos Naum Gabo e Antoine Pevsner que nesse documento, e pela primeira vez, referiram a palavra cinética aplicada às artes plásticas41.

Coincidindo com a publicação do Manifesto Realista, e de certa maneira para lhe dar forma e corpo, Naum Gabo apresentou no mesmo ano em Moscovo a obra Kinetic Sculture (Standing Wave) (1919-1920) que consistia numa vara de aço aplicada a um

39 Esta escultura serviu-lhe para a realização do filme abstracto Lichtspeil schwarz-weiss-grau (1930), em que no jogo de luzes é clara a utilização do filme tanto em positivo como em negativo numa estética de construção de fotogramas em movimento, técnica que Moholy-Nagy tinha também desenvolvido, de uma maneira estática, em fotografia. O filme pode ser visto em: http://www.youtube.com/watch?v=ymrJLhSeIlk (consultado em 25 de Maio de 2012).

40 Um dos primeiros esboços de Moholy-Nagy com a intenção de realizar esta obra é Kinetic Constructive System (Design for a Light Machine for Total Theater) (1922), claramente inspirada na obra não realizada de Vladimir Tatlin Monumento à III Internacional (1919), que pressupunha igualmente a rotação dos seus elementos e projecção de imagens (Hight, 1995: 30 e 93).

41 “Nós renunciamos à desilusão de um milhar de anos de arte que manteve os ritmos estáticos como os únicos elementos das artes plásticas e pictóricas. Nós afirmamos nestas artes um novo elemento, os ritmos cinéticos, como as formas básicas da nossa percepção do tempo real.” (Gabo e Pevsner 1920/2003: 300).

39 motor eléctrico cuja função era fazê-la vibrar produzindo temporariamente uma onda mecânica estacionária dando, deste modo, a ilusão de uma escultura dinâmica tridimensional42.

A inclusão de motores eléctricos e de abordagens artísticas influenciadas por campos da ciência não é estranha à formação de Naum Gabo que, antes de se dedicar às artes plásticas, tinha feito estudos de engenharia em Munique (1912).

Espaço, tempo e movimento foram os novos vectores explorados nos projectos do artista que afirmou no seu manifesto “Espaço e tempo renasceram para nós hoje. Espaço e tempo são as únicas formas sobre as quais a vida assenta e portanto é sobre elas que a arte deve ser construída.” (Gabo e Pevner 1920/2003: 299), numa linguagem não muito distante das teorias científicas de Albert Einstein e da relatividade do espaço- tempo (1905).

O desenvolvimento desta linha de pensamento, e a produção de obras que integravam o movimento como princípio43, levou Pontus Hultén (1924-2006) a criar a exposição Le Mouvement em 195544, na Galerie Denise René em Paris que, de certo modo, consagrou a arte cinética.

Nesta exposição, as concepções distintas dos artistas, relativamente à integração do movimento e do espaço, deram origem a especificidades mais tarde organizadas em diferentes denominações de que é exemplo a Optical Art ou Op-Art, ao agrupar as explorações da fisiologia da percepção dos fenómenos ópticos que induziam a sensação de movimento em evidência na mostra em obras de Victor Vasarely, Yacoov Agam, ou Rafael Soto. Outros artistas faziam depender da interacção do espectador, ou dos elementos atmosféricos a modificação da forma da obra, de que são exemplos os mobiles de Calder. Outros ainda situavam-se na continuidade das obras de Moholy- Nagy ou Naum Gabo, na utilização de sistemas motorizados para lhes darem autonomia

42 Pelo facto desta ilusão de escultura tridimensional ser apenas produzida enquanto o motor se encontrava em funcionamento, e portanto ter um carácter efémero, foi também apresentada pelo nome de Volume Virtual na exposição Bewogen Beweging (Arte em Movimento) que teve lugar no Stedelijk Museum em Amesterdão (1961), comissariada por Pontus Hultén.

43 Exemplos são os mobiles Abat-Jour e Obstruction (1920), de Man Ray, e Calderberry Bush (1932), de Alexander Calder, ou as peças motorizadas Rotary Demisphere (1925), de Marcel Duchamp, e as esculturas Méta-Mécaniques (1954-1955) de Jean Tinguely.

44 Obras expostas de Yaacov Agam, Pol Bury, Alexander Calder, Marcel Duchamp, Robert Jacobsen, Jesús Rafael Soto, Jean Tinguely, Richard Mortensen, Robert Breer e Victor Vasarely.

40 de movimento, tal como as esculturas de Jean Tinguely Machine à Dessiner, Relief méta-matique (1955) ou Sculpture méta-mécanique automobile, Sculpture méta- mécanique (1954).

Pouco mais de dez anos depois, a visão de Pontus Hultén é de novo determinante na organização da exposição The Machine as Seen at the End of the Mechanical Age (1968), que teve lugar no MoMA em Nova Iorque, e que justamente serviu de charneira entre uma arte apoiada no mecanismo e no motor, e uma outra que começava a despontar, e que contava já com as tecnologias electrónicas.

No mesmo ano, sintomático de um tempo em que o computador começava a ser visto como uma ferramenta de expressão artística (embora ainda pouco acessível e prática), e fruto também dos estudos de cibernética iniciados nas décadas anteriores, a exposição Cybernetic Serependity (1968), organizada por Jasia Reichardt no Institute of Contemporary Art, em Londres, foi, do mesmo modo, uma demonstração do que as novas tecnologias poderiam oferecer à criação artística45.

As esculturas, que eram apenas mobilizadas por motores eléctricos e sistemas mecânicos, podiam agora passar para um nível mais sofisticado de controlo via computador e sistemas de feedback, permitindo a sua reacção em tempo real de acordo com a informação recebida do ambiente (temperatura, humidade, luz, som, pressão, etc.), ou da interacção com o espectador.

Nicolas Schöfer (1912-1992) foi um dos primeiros artistas a interessar-se por estas novas tecnologias ao desenvolver a sua obra CYSP 1 (1956)46, que se movimentava de um modo autónomo (tinha uma base assente em rodas motorizadas) de acordo com o processamento de informação produzida pela variação da intensidade luminosa e sonora na sala onde se encontrava, captada por células fotoeléctricas e um microfone instalados na própria escultura.

45 Também entre 1968 e 1969, a exposição Tendencies 4, em Zagreb, integrou o simpósio Computers and Visual Research (5 e 6 de Maio de 1969), acompanhando a investigação estética das novas formas artísticas que tiravam partido do computador como ferramenta de produção.

46 A palavra CYSP é uma abreviatura composta de CY, as duas primeiras letras da palavra Cybernetic, e SP, as duas primeiras letras da palavra Spatiodynamic, indicando justamente a intenção do autor, criar uma escultura autónoma e dinâmica que se movimentasse no espaço através de um sistema cibernético.

41 Pelo facto desta peça ter um mecanismo de feedback que constantemente monitorizava as condições ambientais e actuava sobre ela própria, foi apelidada também de escultura cibernética, inaugurando uma nova denominação no domínio da arte cinética47.

Mais tarde foram criadas outras esculturas deste tipo, de que é exemplo SAM (1968) de Edward Ihnatowicz (1926-1988), cujo nome é a abreviatura de Sound Activated Mobile, tendo sido apresentado na exposição Cybernetic Serependity, de 1968. Esta obra consistia numa estrutura metálica cruciforme, na qual foram implementados quatro microfones com reflectores de som de fibra de vidro, aparentando assim as pétalas de uma flor ou um trevo de quatro folhas, montada no topo de uma coluna articulada que permitia a movimentação da estrutura através de sistemas hidráulicos. Sempre que era emitido um som a peça movimentava-se no sentido da fonte sonora sendo detectada a sua direcção através da diferença da intensidade sonora em cada um dos quatro microfones (Ihnatowicz, 2008: 113).

Uma outra peça do mesmo autor, mas agora controlada por um computador digital48 e com um grau de sofisticação maior, foi o Senster (1970), uma estrutura com uma dimensão considerável (5 metros de comprimento e 2,4 metros de altura) encomendada pela Philips para o seu, na altura recente, centro permanente de exposição de tecnologia em Eidhoven, na Holanda.

A escultura de tubos metálicos assemelhava-se a um animal com duas pernas fixas e um longo pescoço articulado por sistemas hidráulicos, no final do qual estavam instalados microfones e dois radares de efeito de Doppler para a detecção de som e movimento. A informação captada por estes dispositivos era analisada em tempo real para actuar sobre o seu movimento aproximando ou afastando a estrutura móvel dos visitantes, dando-lhes a sensação de uma comunicação inteligente49.

47 A expressão arte cibernética aplica-se às propostas artísticas que dispõem de mecanismos de auto- regulação, ou de feedback (computorizados ou não), que lhes permitem modificar o estado em que se encontram face a variações das condições iniciais, reagindo deste modo ao ambiente em que estão inseridas.

48 Um Philips P9201 com 8K de memória de ferrite, que usava um leitor de fita perfurada para carregar os programas (Zivanovic, 2008: 103)

49 http://www.youtube.com/watch?v=wY85GrYGnyw (consultado em 26 de Junho de 2012).

42 Esta possibilidade de interacção com o objecto artístico em tempo real foi uma das características mais evidenciadas nas obras que tinham por base estes dispositivos electrónicos, facilitada pela capacidade da sua programação para a execução de tarefas.

Neste âmbito, o desenvolvimento da robótica permitiu alargar o conceito de escultura cinética congregando um conjunto vasto de ciências e tecnologias de que são exemplo, a cibernética, a computação, as ciências dos materiais, a electromecânica, as telecomunicações, e a inteligência artificial, na construção de dispositivos com uma determinada autonomia de movimento e/ou parâmetros comportamentais.

Mas enquanto a indústria nos anos 80 e 90 adoptava robôs cada vez mais sofisticados - fruto da investigação dos departamentos de engenharia, robótica e inteligência artificial das universidades - a mesma tecnologia era utilizada pelos artistas como uma intenção bem diferente.

É o caso de Simon Penny (n.1955), cuja formação em escultura e interesse pela arte cinética, instalação, performance e arte interactiva, levou-o à realização de projectos com uma vincada componente electrónica não abdicando porém de uma estética de envolvimento corporal, tanto no campo da robótica como no da realidade virtual50, pretendendo nas suas peças evidenciar uma comunicação natural entre o humano e a máquina.

O trabalho desenvolvido durante o período em que foi professor de arte e robótica no Robotics Institute na Universidade de Carnegie-Mellon51, após convite endereçado em 1993, reflecte uma crítica justamente à complexidade e sofisticação que os estudos da robótica, das ciências da computação e da inteligência artificial, tinham na altura.

A sua obra Petit Mal (1993-1995) é um exemplo dessa crítica e da estética do autor na medida em que é construída com uma complexidade relativamente reduzida52

50 Traces (1999), obra que ganhou uma Menção Honrosa no festival Ars Electronica de 1999.

51 Actualmente Simon Penny é professor de artes e engenharia na Universidade da Califórnia em Irvine (UCI), na qual criou, e foi director, do programa transdisciplinar de mestrado (MFA e MS) em Arts Computation and Enginneering.

52 Tem um conjunto de sensores ultrasónicos e piroeléctricos, que lhe permite calcular a distância e a direcção da fonte de calor gerada pela presença humana, informação essa que controla a movimentação da peça, afastando-se ou aproximan-se das pessoas na sala, através de motores acoplados a duas rodas de bicicleta.

43 e, através do seu movimento, interage de uma maneira directa com as pessoas sem a necessidade de um conhecimento prévio de uma linguagem específica.

Nas suas palavras53, Petit Mal é um anti-robô na medida em que o seu movimento não é optimizado nem inteiramente programado, mas depende da sua dinâmica corporal que a introdução de um contra-peso, sob a forma de um pêndulo, lhe dá quando se movimenta.

A expressão Petit Mal é utilizada em neuropsicologia para designar a perca momentânea de consciência ou de controlo, e é justamente a introdução do pêndulo na peça que lhe dá essa instabilidade temporária e um comportamento diferenciado quando se movimenta, aparentando uma personalidade e uma postura próprias (nem antropomórfica nem zoomórfica), sem utilizar os recursos da programação sofisticada ou simulações de sistemas biológicos.

Contrariamente a Simon Penny, que distanciava os seus projectos de qualquer comportamento antropomórfico, existiam outros artistas porém, que transferiam para as suas obras características, ou pelo menos tentavam estabelecer paralelos, com o comportamento social humano.

A instalação La Cour des Miracles54 (1997), de Bill Vorn (n.1959) e Louis- Philipe Demers (n.1959), pretende justamente ser uma metáfora da infelicidade humana utilizando robôs como intérpretes.

A utilização da expressão La Cour des Miracles foi retirada do romance Notre- Dame de Paris (1831), de Victor Hugo, tendo uma conotação ligada a perigosos bairros de ladrões e proscritos, numa acção passada na Paris medieval do século XV, em que falsos pedintes e mendigos faziam dessa actividade o sua ocupação diurna, usando os disfarces adequados ou exibindo as suas maleitas, mas que desapareciam “como que por milagre” com o fim do dia.

A miséria humana, descrita por Victor Hugo, foi a fonte inspiradora para a leitura de Bill Vorn e Demers que, ao criarem uma coreografia com uma multiplicidade

53 http://ace.uci.edu/penny/works/petitmal.html (consultado em 26 de Junho de 2012).

54 Galardoada com o primeiro prémio (em exequo com Tickle de Erwin Driessens e Maria Verstappen) na competição internacional VIDA 2.0 (1999), criada pela Fundácion Telefónica (Madrid), para valorizar a produção artística na área da vida artificial e disciplinas como a robótica e a inteligência artificial.

44 de robôs (em alguns eventos chegaram a ser cerca de vinte), saturavam o ambiente visual da instalação com a sua estranha locomoção mergulhada num ambiente semi- obscuro, pontualmente iluminado pelos próprios robôs, e sons orgânicos e industriais processados por computador, que tanto provinham dos sistemas robotizados como da instalação em si.

Para tornar a instalação mais próxima da realidade humana, e da descrição do ambiente da altura, criaram robôs com características próprias personalizados através da atribuição de nomes como The Begging Machine, The Limping Machine, The Convulsive Machine,The Harassing Machine, The Heretic Machine e The Crawling Machine que, através de espasmos ou de um modo penoso, se deslocavam e interagiam com os visitantes, numa recriação distópica de “máquinas agonizantes” que tentavam despertar a empatia de quem visitava a instalação.

A transferência para as máquinas de situações ou comportamentos humanos, é uma forma de teatralização interactiva com os robôs que, como interlocutores, tentam a partir do ambiente criado e da sua movimentação despertar nos visitantes uma condição reflexiva sobre a proposta artística em causa. Neste particular, a peça Histerical Machines (2006), de Bill Vorn, apoiando-se na experiência anterior de La Cour des Miracles, retrata essa situação a partir do ambiente e dos movimentos executados pelos oito braços mecânicos das esculturas metálicas (assemelhando-se a polvos) suspensas do tecto, que, de uma postura mais passiva na ausência de visitantes, passam a tornar-se mais activos e rápidos com a proximidade e número de pessoas que as esculturas detectam em seu redor55, numa metáfora de desconforto, de agressão, de descontrolo, ou simplesmente numa tentativa de comunicação urgente da única maneira que a escultura robótica o “sabe” fazer.56

55 http://billvorn.concordia.ca/menuall.html (consultado em 26 de Junho de 2012)

56 Esta obra foi exposta em Lisboa integrada na mostra Inside – Arte e Ciêcia, que decorreu de 24 de Setembro a 24 de Novembro de 2009, com a curadoria de Leonel Moura.

45 1.2 – O Espaço – Do Físico ao Virtual

“Uma revolução tecnológica de proporções históricas está a transformar as dimensões fundamentais da vida humana: tempo e espaço.”

Manuel Castells57

1.2.1 – A Importância do Espaço no Século XX

Começando por reflectir sobre o conceito de espaço, aquilo que em primeiro lugar se nos afigura é que certamente o século XX ficará para a história como o século da conquista literal do espaço.

Pela primeira vez o homem conseguiu experimentar uma visão real e global do planeta que habita a partir do seu exterior, e deu os primeiros passos fora desse mundo, ao explorar o nosso satélite natural, a Lua.

Por outro lado, a investigação acerca da natureza do espaço foi também objecto de uma reformulação radical no século XX, nomeadamente por Einstein que, através da sua teoria da relatividade, juntou ao espaço tridimensional uma quarta coordenada, o tempo.

E embora se tivessem tratado de estudos do domínio da física, a verdade é que a linha condutora do tempo, como entidade independente e determinante de progresso, foi igualmente sujeita a uma recalibração tanto no pensamento de Lyotard, ao debruçar-se sobre a falência das grandes narrativas históricas (Lyotard, 2003), como numa progressiva consciencialização do esvaziamento do projecto modernista, apoiado

57 Manuel Castells (1989). Informational City: Information Technology, Economic Restructuring, and the Urban-Regional Process, Oxford: Basil Backwell, p. 1

46 justamente na linearidade de uma narrativa temporal, de que os estilos artísticos e as vanguardas históricas são exemplos.

Ao proferir uma conferência em 1967, mais tarde publicada como “Des Espaces Autres”58, Foucault teve igualmente noção de que a narrativa estruturada, partindo de uma base temporal, já não se adaptava à época, referindo a este respeito que:

“O grande assombro que obcecou o século XIX, sabemo-lo, foi a história: temas do desenvolvimento e da estagnação, temas da crise e do ciclo, temas da acumulação do passado, […] A época actual seria talvez antes a época do espaço. Estamos na época do simultâneo, estamos na época da justaposição, na época do próximo e do longínquo, do lado a lado, do disperso. Vivemos um momento em que o mundo se experimenta, creio, menos como uma grande vida que se desenvolveria através do tempo, do que como uma rede que liga pontos e que se entrecruza a sua meada” (Foucault, 1984/2005: 243).

Esta passagem, de um pensamento linear comandado pelo tempo, para uma dimensão espacial em rede, foi certamente uma abordagem pioneira daquilo que bem mais tarde se viria a chamar de cultura das redes, tal o impacto cultural, social e económico59 que teve o seu desenvolvimento.

A experiência espacial e em rede a que alude Foucault, tem um enunciado mais descentralizado no pensamento de Deleuze e Guattari quando cinco anos mais tarde, na obra Mil Planaltos: Capitalismo e Esquizofrenia 2, definem a sua noção de rizoma como algo que:

“Não tem começo nem fim, mas tem sempre um meio, pelo qual cresce e transborda. Constitui multiplicidades lineares de n dimensões sem sujeito nem objecto […] O rizoma é uma anti- genealogia. É uma memória curta ou uma anti-memória […] o rizoma é um sistema acentrado, não hierárquico e não significante, sem General, sem memória organizadora, ou

58 Conferência proferida em 14 de Março de 1967 no Cercle d´Études Architecturales, na Tunísia, e publicada originalmente com o título “Des Espaces Autres” em Architecture, Mouvement, Continuité, nº5, Outubro 1984, pp 46-49. Actualmente em Dits et Ecrits:1954-1998, vol IV, Paris, Gallimard, 1994, pp.752-762. Nota publicada e texto reproduzido in Espaços, Revista de Comunicação e Linguagens, nº 34 e 35, Junho de 2005, Relógio d´Água Editores, pp. 243-252.

59A este respeito veja-se Manuel Castells (1996/2007). A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura, Vol.1: A Sociedade em Rede, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 47 autómato central, unicamente definido por uma circulação de estados.” (Deleuze e Guattari 1972/2007: 43-44).

Claramente, neste breve apontamento, a questão do tempo encontra-se de algum modo subordinada à importância dada à circulação de estados, numa estrutura que se auto-transforma constantemente, ou seja, que não guarda memória.

Este conceito é obviamente um instrumento para a compreensão das sociedades pós-modernas que, sob a égide do imediato e da experiência, têm nos hyperlinks os seus pontos de rotura e de inflexão para rumos não sugeridos pelo pragmatismo de uma análise temporal.

Este modo de pensar o espaço em abstracto e a sua organização, adquiriram, deste modo, uma assumida importância no campo do pensamento filosófico no século XX.

Numa reflexão mais contemporânea também Maria Teresa Cruz60 no seu artigo “Cultura , Media e Espaço: A Instalação da Experiência e das Artes”61, reforça os temas que abordámos anteriormente ao referir:

“Da Física à Metafísica, a nossa era parece inclinar-se e a problematizar privilegiadamente o espaço, ao mesmo tempo que fala de uma espécie de usura do tempo ou de fim da história. Da realidade física à realidade social, política e económica, à cultura e às artes. A categoria de «espaço» tornou-se indispensável para descrever as transformações maiores que estão aí em curso. […] A transformação da experiência, que a modernidade pensava radicalmente no tempo e na história, pensa-a a contemporaneidade numa relação intrínseca com o espaço, em ideias como a mundialização, globalização, ciberespaço, telepresença, etc… termos que parecem abalar tão fortemente o dado e o existente, como o abalavam as velhas ideias de revolução ou de progresso.” (Cruz, 2009: 81)

60 Maria Teresa Cruz é Doutorada em Comunicação e Cultura, investigadora do Centro de Estudos de Comunicação e Linguagem, e professora no departamento de Comunicação Social da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

61 Maria Teresa Cruz (2009). “Cultura, Media e Espaço: A Instalação da Experiência e das Artes”, in, CRUZ, Maria Teresa e PINTO, José Gomes (org.) (2009). As Artes Tecnológicas e a Rede Internet em Portugal, Lisboa: Nova Vega Lda, pp. 81-100.

48 Efectivamente, o desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação na contemporaneidade vieram de certo modo dar corpo a uma nova experimentação do espaço e do tempo, quer não só através das capacidades inerentes à instantaneidade de comunicação e à relativização do espaço físico, como na criação de espaços virtuais em que a relação espaço-tempo é arbitrária e não determinista.

Na secção seguinte veremos de que modo esta alteração mudou as características, as obras, e o pensamento de alguns artistas ao longo do século XX62.

1.2.2 – Do Espaço Físico ao Virtual

No domínio artístico a expressão espacialização de um projecto, está normalmente associada a uma instalação, ou seja à maneira como determinado autor dispõe a sua obra no espaço, e ao modo como essa disposição estabelece um diálogo com o visitante.

Em boa verdade toda a mostra artística passa sempre por uma espacialização na medida em que as obras precisam de ser integradas num determinado espaço para serem apreciadas. No entanto, como adverte Claire Bishop (Bishop, 2005: 6), existem duas diferenças fundamentais entre instalar arte num determinado espaço ou, em alternativa, dispor os objectos com a intenção de realizar uma instalação artística. Neste último caso, essa diferença reside em primeiro lugar numa diminuição da importância dos objectos em si próprios, em favor de uma narrativa que tem em linha de conta as suas relações e disposição no espaço e, em segundo lugar, a importância adquirida pelo visitante da exposição, que deixa de ser apenas um observador com algum distanciamento em relação às obras, para passar a ser um elemento mais a integrar o conceito do artista, condicionando as dinâmicas que este procura estabelecer no espaço da instalação.

Esta abordagem contrasta claramente com o modo tradicional de encarar o objecto artístico como objecto de culto isolado e sujeito a uma contemplação passiva, correspondendo a uma mudança paradigmática no entender das propostas artísticas.

62 A atestar a importância e influência do espaço na expressão artística do século XX, é importante mencionar o estudo de referência de Margarida Brito Alves O Espaço na Criação Artística do Século XX: Heterogeneidade, Tridimensionalidade, Performatividade (Lisboa: Edições Colibri, 2012), que constituiu a sua tese de doutoramento em História da Arte Contemporânea.

49 Efectivamente, um projecto de instalação - tendo como evidência a deslocação da importância atribuída ao objecto para o da sua relação com o que o rodeia e a transformação da percepção contemplativa (normalmente passiva) do sujeito para um conceito de experiência – inaugura uma nova apreciação estética que se aproxima de algum modo à prática cognitiva humana condicionada igualmente por uma realidade espaço-temporal de relação (Cruz, 2007: 23).

As instalações de Ilya Kabakov63 (n. 1933) são bem o exemplo destas práticas, influenciadas que foram pela sua experiência de vida na União Soviética, país em que permaneceu até 1987.

Num texto que escreveu após quatro anos de contacto e vivência no ocidente64, o que mais lhe chamou a atenção, na comparação com o estilo de vida no seu país, foi a importância dada nos países ocidentais ao objecto em si, à sua beleza, à sua funcionalidade, ao seu apelo visual, e à sua independência relativamente ao espaço envolvente que, na medida do possível, se tornava invisível não interferindo na apreciação daquele.

Esta ênfase na apresentação do objecto no mundo ocidental contrastava com as dificuldades de produção e com o ambiente que Kabakov tinha deixado na União Soviética no qual, segundo a sua opinião, e contrariamente, os objectos “eram velhos, poeirentos, danificados, usados, e se fossem novos eram fabricados de uma maneira deficiente, não eram funcionais, eram feios, e sem formas apelativas” (Kabakov, 2000/2003: 1176).

É porém esta génese, segundo o autor, que confere ao objecto uma história e lhe atribui um contexto simbólico que se revela mais importante do que uma simples característica funcional. A este respeito refere que:

63 Todas as instalações, a partir de 1988, são assumidas por Ilya Kabakov como de autoria partilhada com Emília Kanevsky com quem começou a trabalhar, e que viria a ser a sua mulher em 1992 tomando o nome de Emília Kabakov. Entre 1988 e o ano de 2000 a sua produção conta com mais de cento e cinquenta instalações exibidas em cento e quarenta e oito museus de trinta países.

64 Illya Kabakov (2000/2003). “In the Installations”, in, HARRISON, Charles, e WOOD, Paul (eds.) (2003). Art in Theory 1900-2000: An Anthology of Changing Ideias, Malden/Oxford/Victoria/Berlin: Blackwell Publishing, pp. 1175-1178, originalmente publicado em, FELIX, Zdenek (ed.) (2000). The Text as the Basis of Visual Expression, Colónia: Oktagon, pp. 359-361.

50 “[…] não é importante para nós ´que espécie de coisa é´ e como funciona, mas de que maneira é apresentado. Para nós um objecto não fala de si próprio mas acerca de quem o possui e porque o possui. [….] estas circunstâncias são muito mais importante para nós do que a coisa, objecto ou evento em si. E é por isso que o espaço em que você se encontra, ou algo é colocado ou ocorre, tem um papel da mais alta importância. […] Se no Ocidente, os objectos são exibidos como os heróis principais e o espaço que os circunda não existe de todo, ´nós´, ao contrário, devemos talvez expor em primeiro lugar ´espaço´ e só depois nele instalar os objectos. Isto teoricamente conduz à necessidade de criar uma forma especial de instalação – a instalação ´total´”, (Kabakov, 2000/2003: 1176-1178).

Por “instalação total”65 Kabakov referia-se a um envolvimento do espectador não só no aspecto cénico, já que em algumas instalações o autor literalmente o obrigava a entrar em casas e quartos especificamente elaborados para transmitir uma determinada experiência66, mas também no confronto do que observava e experimentava com a sua própria vivência e memórias, num diálogo algo pessoal e psicológico.

Um exemplo deste conceito, posto em prática e referido pelo próprio Kabakov, é o seu projecto The Red Wagon (1991)67, apresentado no Kunsthalle de Dusseldorf, e que constitui uma visão sobre a história social e artística da antiga União Soviética desde a revolução Russa de 1917 até meados dos anos 80.

Nesta instalação, constituída por três partes e descrita em detalhe por Kabakov68, o espectador deparava-se em primeiro lugar com uma estrutura em forma de escada, à qual podia aceder e subir, que evocava um espírito construtivista da vanguarda soviética

65 Ver, Ilya Kabakov (1995). Übber die “Totale” Installation/On the “Total” Installation, Ostfildern: Hatje Cantz Verlag

66 Kabakov refere que a importância, o significado, e a sensibilidade que adquiriu aos espaços de habitação, vem desde a sua infância, altura em que foi evacuado com a família durante a segunda guerra mundial e viveu em dormitórios dos dez aos vinte e quatro anos de idade (Kabakov, 2000/2003:1177).

67 “´The Red Wagon´ deve ser designado como uma ´instalação total´. Tal expressão indica que o trabalho artístico em questão transforma o espaço de exposição em que se encontra integrando-o como parte da obra […] Além disso o espectador é também visto como parte da ´instalação total´. As suas reacções, uma vez confrontadas com ´The Red Wagon´, são estritamente calculadas antecipadamente e representam uma componente importante do funcionamento da instalação.” http://www.ilya-emilia-kabakov.com/index.php/installations/the-red-wagon/interactive-installation (consultado em 22 de Agosto de 2012)

68 http://www.ilya-emilia-kabakov.com/index.php/installations/the-red-wagon/description (consultado em 22 de Agosto de 2012. 51 dos anos 20, numa alegoria aos tempos de renovação, reconstrução, progresso e esperança num futuro melhor.

A segunda parte da instalação é uma construção de madeira de nove metros de comprido, correspondendo à forma de um vagão de caminho de ferro sem rodados e pintado de vermelho. No acesso ao seu interior pouco iluminado o espectador confronta-se de um lado com um banco corrido para se sentar, e do outro com uma paisagem pintada a todo o comprimento e iluminada pontualmente por detrás de uma barreira, simulando uma espécie cenário e palco que poderia servir de espaço para uma representação, ao som da música dos anos trinta que se ouve em fundo.

O estilo nostálgico da pintura (uma visão utópica dos anos 30/40 sobre o futuro paraíso soviético) e da música, entretêm a espera do espectador que entretanto é gorada pelo facto de nada acontecer dentro do vagão, acabando por dele sair.

Ao sair do vagão, o espectador é confrontado com a terceira parte da instalação, que contrasta com o ambiente apaziguado e sereno do seu interior, através de um amontoado caótico de diferentes materiais (caixas de cartão, plásticos, papeis, madeiras) que são as sobras da montagem da instalação, aparentando lixo que não foi limpo.

Estas três partes da instalação correspondem, segundo o autor, a uma atitude crítica a outros tantos períodos cronológicos da história soviética. O primeiro, de 1917 a 1932, é simbolizado pela estrutura construtivista da escada que, ao terminar a apontar para o céu, efectivamente não leva a lado algum. O segundo é uma alegoria ao mito da utopia soviética (1936-1963) simbolizado no vagão pintado de vermelho mas que, ao evocar uma certa nostalgia nas mensagens visuais e sonoras, promove uma regressão e paragem no tempo reforçada pelo facto da carruagem não ter rodas para se movimentar. A terceira e última parte (1963-1985) é uma representação da desagregação do poderio e das políticas soviéticas simbolizadas pelo caos, desordem, e “sobras” das construções anteriores.

Esta é apenas uma das inúmeras instalações em que Kabakov promove um alargamento do conceito de exposição incluindo a teatralização do espaço e o papel activo do espectador, ambos fundamentais no âmbito do seu conceito de “instalação total”.

52 E se a procura, no século XX, dessa pluralidade e do potencial da instalação, tem raízes nas vanguardas históricas69, como resultado das suas dinâmicas experimentais e de um modernismo marcado pela diferença, a verdade é que o conceito de instalação como definido anteriormente em termos de relação e de experiência, é o resultado das práticas sociais, culturais e artísticas que, no pós-guerra, assimilaram a vivência e a interacção humana como uma mais valia.

O happening, as acções do grupo Fluxus, a landart, a performance e, de uma maneira geral, o hibridismo das práticas artísticas nos anos 60 e 70, tornaram obsoletos os limites da tela de pintura ou o dispositivo fixo do plinto da escultura, e abriram novos horizontes relativamente ao espaço de criação, fruição e exposição das obras artísticas.

Por outro lado, também o desenvolvimento tecnológico chamou a atenção dos artistas para espaços alternativos mas que, em boa verdade, já não correspondiam a espaços físicos referenciados pelas suas coordenadas cartesianas, continuando-se a falar de espaço mas agora de uma forma alegórica (espaço radiofónico, espaço televisivo, espaço telemático70).

Estes desenvolvimentos tiveram igualmente origem nas vanguardas históricas nomeadamente nos manifestos Futuristas, movimento que se confessava “ [...] apostado na completa renovação da sensibilidade humana trazida através das grandes descobertas da ciência.” como escrevia Marinetti no seu texto “A Imaginação Sem Fios e as

69 Podemos citar como exemplo a disposição que Kasimir Malevitch entendeu dar às suas obras suprematistas na mostra denominada A Última Exposição Futurista: 0.10, em São Petersburgo (1915), com destaque para a posição central que ocupava o seu Quadrado Negro (1914-1915), montado em diagonal entre duas paredes no cimo da sala e inclinado na direcção do visitante questionando-o com uma espécie de grau zero, em que tudo se diluía e tudo existia, assumindo o topo de uma hierarquia a partir do qual todas as outras obras expostas se pareciam subordinar. Também El Lissitsky, alguns anos mais tarde na Alemanha, no desenvolvimento do seu trabalho suprematista que designou de Prouns, deu-lhes uma continuidade tridimensional no seu Prounraum (Proun Room) (1923), dispondo numa sala de exposição objectos inspirados nos seus estudos de pintura e desenho, numa tentativa de realização do objectivo preconizado na sua afirmação: “O proun começa ao nível da superfície, torna-se um modelo de espaço tridimensional e prossegue para a construção de todos os objectos do quotidiano” (Tupitsyn, 1999: 12). São igualmente exemplos pioneiros de instalações as colagens esculturais feitas a partir de materiais diversos que Kurt Schwitters apelidou de Merzbau, criadas entre 1923 e 1936, e que preencheram alguns quartos da sua casa em Hannover,

70 A palavra telemática é um neologismo criado por Simon Nora e Alain Minc em 1978 (L´Informatisation de la Société. Raport à M. le Président de la Republique, Paris: La Documentation Française) que procede da conjugação das palavras telecomunicação e informática, designando a utilização conjunta destas tecnologias.

53 Palavras em Liberdade. Manifesto Futurista”71, publicado em 1913 (Marinetti 1913/2008: 75).

A expressão sem fios no título deste manifesto, fazia já eco de uma tecnologia recente, a telegrafia sem fios, antecedendo a transmissão rádio que seria objecto igualmente de um manifesto publicado originalmente em Torino na Gazzetta del Popolo, a 22 de Setembro de 1933, com o título de “Il Manifesto Futurista della Rádio”, conhecido mais tarde72 como La Radia.

La Radia é a designação dada pelos Futuristas a uma nova utilização da rádio, “Uma nova Arte que começa onde o teatro, o cinema e a narrativa acabam […] Uma arte sem tempo ou espaço sem ontem ou amanhã”, propondo não só a sua utilização da rádio como veículo de transmissão, mas também como meio criativo ao referir que La Radia também seria “A utilização de interferência entre estações e o nascimento da evanescência dos sons” (Marinetti e Masnata, 1933/2008: 208-211).

A recusa pelos Futuristas da utilização da rádio para o uso comum de emissões teatrais ou de formatos pré-estabelecidos, deixava espaço para o improviso, para a execução em tempo real, para o som, para as “palavras em liberdade”, para a “música gastronómica”, ou para a “síntese de infinitas acções simultâneas”. Pretendia-se deste modo associar a La Radia uma abordagem estética diferenciada que patrocinasse “A liberdade de todos os pontos de contacto com a tradição literária e artística”, considerando-se grotesca qualquer tentativa de ligar a La Radia com a tradição.

Antecipando igualmente a utilização da televisão para fins artísticos, numa altura em que ainda nem sequer haviam emissões regulares73, o manifesto de 1933 já propunha essa hipótese fazendo projecções ainda mais futuristas da invenção de um tele-tactismo, tele-perfume e tele-sabor, numa antevisão da possibilidade de uma extensão à distância dos cinco sentidos humanos no que hoje podemos designar, de algum modo, por telepresença, embora ainda não usufruindo na totalidade desses desenvolvimentos tecnológicos.

71 No original L´Immaginazione Senza Fili e le Parole in Libertà. Manifesto Futurista.

72 Este texto apareceu no mês seguinte (1 de Outubro de 1933) no boletim Futurismo com o título de “Manifesto della Rádio”, e mais tarde, em Agosto de 1941 (Autori e Scrittori), como “La Radia. Manifesto Futurista dell´Ottobre 1933” (Fischer, 2009:232)

73 Nos Estados Unidos as emissões regulares de televisão da cadeia RCA/NBC iniciaram-se em 1939.

54 Esta primeira abordagem do Futurismo sobre as possibilidades da televisão numa vertente artística, é melhor concretizada no “Manifesto del Movimento Spaziale per la Televisione”, assinado por um conjunto de artistas no qual se incluía Lucio Fontana74, que tinha criado em 1947 o Movimento Spaziale, interessado que estava numa expansão dos limites impostos pelos meios artísticos tradicionais, embora na verdade a sua acção relativamente à utilização da televisão como meio criativo tivesse ficado apenas pelas intenções do manifesto e pela sua leitura frente às câmaras, durante uma emissão experimental de televisão em Milão, a 17 de Maio de 195275.

É no entanto de realçar a consciência que este grupo tinha do novo espaço à sua disposição e das suas capacidades, referindo no manifesto que: “A nossa expressão artística […] procura uma estética na qual uma pintura não é mais uma pintura, a escultura não é mais escultura, em que a palavra escrita deixa para trás a sua forma tipográfica”, concluindo que, “Nós espacialistas sentimos ser os artistas de hoje, já que as conquistas da tecnologia funcionam ao serviço da arte que professamos” (Fontana et al, 1933/2008:208-211).

A televisão teria, porém, de esperar mais alguns anos pelo surgimento da tecnologia de vídeo portátil, na segunda metade da década de sessenta que, atraindo a atenção dos artistas, podiam agora facilmente através de um monitor visionar de imediato a imagem produzida sem a necessidade demorada de processamento, como na utilização do filme. As sinergias entre o vídeo como registo, e a televisão como meio de visualização e difusão, tornaram-se evidentes.

E se uma das primeiras antologias da recente videoart americana foi justamente realizada e difundida em Março de 1969 pela cadeia de televisão WGBH de Boston, numa transmissão de meia hora intitulada The Medium is the Medium, a verdade é que os artistas pretendiam ir mais longe e usar a tecnologia e as capacidades da própria televisão como meio criativo.

74 Além de Lucio Fontana assinaram o manifesto Anton Ambrosini, Alberto Burri, Roberto Crippa, Mário De Luigi, Bruno De Toffoli, Enrico Donati, Gianni Dova, Giancarlo Carozzi, Virgílio Guidi, Beniarmino Joppolo, Guido La Regina, Milena Milani, Berto Murucchio, Cesare Peverelli, Tancredi, Vinicio Vianello, (Whitfield, 1999:188).

75 As emissões regulares de televisão em Itália iniciram-se em 1954.

55 As facilidades concedidas por algumas estações de televisão, nomeadamente através do Experimental Television Laboratory (WNET de Nova Iorque), do National Center for Experiments in Television (KQED em São Francisco), e o New Television Workshop (WGBH de Boston), foram decisivas para um conjunto de artistas residentes76 desenvolverem e produzirem dispositivos que trabalhavam directamente a imagem de vídeo.

Foi deste modo que e Shuya Abe (engenheiro), enquanto na WGBH, criaram em 1970 o Paik/Abe Video Synthesizer, e do mesmo modo Stephen Beck (na NCET) concebeu o Beck Direct Video Synthesizer.

Estes equipamentos permitiam a distorção tanto da cor como da forma da imagem captada (Paik/Abe), ou a criação de imagens puramente sintéticas sem necessidade de câmara de vídeo (Beck).

O primeiro projecto em que Paik utilizou o seu sintetizador foi Video Commune - The Beatles from Beginning to End, transmitido durante quatro horas pela WGBH em Agosto de 1970, misturando em tempo real imagens, efeitos, distorções, numa emissão algo surreal, acompanhada de música dos Beatles.

Mais tarde, durante a , em 1977, Paik fez parte do primeiro projecto artístico que utilizou a televisão via satélite como meio de expressão, numa colaboração com em Kassel, na Alemanha, e Douglas Davis em Caracas, na Argentina, numa transmissão para mais de vinte e cinco países.

Na década de 80 prosseguiram os seus projectos utilizando a televisão via satélite interligando materiais difundidos a partir de diferentes países numa produção coordenada por Paik em Good Morning Mr.Orwell (1984), Bye Bye Kipling (1986) e Wrap Around the World (1988).

A televisão desempenhou, deste modo, um papel importante não só como meio de divulgação77, mas também como meio criativo no alargamento do espaço artístico

76 A permanência dos artistas nas estações públicas de televisão foram conseguidas graças a um programa de apoio da Rockefeller Foundation, iniciado em 1967, às estações KQED de S. Francisco, WGBH de Boston, e WNET de Nova Iorque, que decidiram juntar a experiência de artistas e técnicos através do programa de residências Artists-in-Television (Bowman 2008: 43).

77 Cabe aqui referir, no aspecto da divulgação, uma nota breve relativamente à iniciativa de Gerry Schum (1938-1973) na utilização da televisão como galeria artística sem fins comerciais. O projecto por ele

56 para além de uma dimensão física, através da projecção de “objectos” que transcendiam a fisicalidade e existiam apenas no momento da sua manipulação e difusão em tempo real, aproximando-se a sua apresentação de uma atitude performativa, do ponto de vista do seu criador, diferenciando-se das restrições impostas por uma simples projecção cinematográfica78.

Foi igualmente a tecnologia da televisão que estimulou o cineasta e documentarista Morton Heilig (1926-1997) em 1960 a patentear uma das primeiras ideias relativamente à possibilidade da sua utilização individual num ambiente imersivo. Na verdade, o seu Stereoscopic-Television Aparatus for Individual Use perconizava a utilização de um dispositivo misto de capacete e óculos que incluíam dois pequenos monitores de televisão adaptados a cada um dos olhos, providenciando uma visão estereoscópica, auscultadores estereofónicos, e a possibilidade de sentir brisa e eventualmente várias fragrâncias, através de um sistema de pequenos tubos que expeliam ar para a face79.

Embora não tivesse sido levada à prática, esta ideia teve eco no ano seguinte no trabalho dos investigadores da Philco, Charles Comeau e James Brian, que criaram o primeiro sistema semelhante a um capacete que permitia som e visão remotos, a partir de um dispositivo montado na cabeça de um utilizador (head mounting display).

denominado de Fernsehgalerie Gerry Schum (Galeria Televisiva Gerry Schum) tinha a intenção de divulgar obras que originalmente não tinham sido criadas para apresentação institucional. Constituídos por filmes especificamente feitos para difusão televisiva, Land Art (1969) e Identifications (1970), foram os principais projectos desta galeria de curta duração (1969-1970).

78 Uma fórmula alternativa, que os artistas tinham encontrado para contrariar o aspecto diferido do cinema e passivo do espectador, tomou a designação de Expanded Cinema (Youngblood, 1970). Esta modalidade, embora sempre restrita a um determinado espaço físico de apresentação, podia passar pela possibilidade de projecções simultâneas em diversos ecrãs, intervenções que interrompiam a projecção (leituras, projecções de diapositivos), manipulação da própria projecção na altura, ou interacção simulada com a imagem. Ernesto de Sousa (1921-1988) foi um pioneiro na implementação destas ideias em Portugal, em projectos como Nós Não Estamos Algures (1969), Luiz Vaz 73 (1975) ou Almada um Nome de Guerra (1969-1983) (Oliveira, 2008: 115-125 e 144-156).

79 Esta patente teve sequência no trabalho de Morton Heilig no Sensorama (1962), uma espécie de consola individual na qual o participante se sentava e viajava de uma maneira simulada, dispondo de um ecrã envolvente que permitia uma ampla visão espacial 3D. Além da visão periférica o dispositivo tinha a capacidade de simular cheiros, velocidade (ventilação na cara ou corpo), vibração e som estereofónico, de acordo com as cenas apresentadas no decorrer dos filmes de curta duração. Este equipamento, criado com um fim lúdico, não teve os necessários apoios para um sucesso comercial.

57 Este sistema, que funcionava como um circuito fechado de televisão, dispunha de um mecanismo de informação de posicionamento da cabeça que, por sua vez, fazia movimentar uma câmara de vídeo remota para captação de imagem, transmitindo-a ao sistema de visão binocular do utilizador, que deste modo poderia ver em tempo real o que se passava num outro espaço.

Se, porém, em vez de uma câmara de televisão remota existisse um computador que gerasse imagens estereoscópicas de acordo com a posição e orientação da cabeça do utilizador, haveria então a possibilidade de criação de objectos virtuais 3D já não associados à realidade, mas artificialmente gerados de acordo com a informação processada pelos sistemas. Foi essa a ideia concebida e realizada por Ivan Sutherland (n.1938)80 entre 1965 e 1968, datas em que publicou os resultados das suas investigações81.

O sistema realizado por Ivan Sutherland tinha ainda uma outra particularidade, utilizava prismas semi-espelhados que permitiam não só a visualização da imagem gerada pelo computador nos pequenos monitores de televisão adaptados à visão binocular, mas também do mundo real à volta do utilizador. A utilização ou não destes prismas abria duas possibilidades, a visualização pura e simples dos objectos gerados por computador criando um ambiente exclusivamente virtual, ou a visualização da imagem gerada por computador sobreposta à imagem da realidade, podendo admitir-se que estava assim criado, ainda que de um modo rudimentar, o primeiro sistema de realidade mista82.

80 Ivan Sutherland é doutorado em Ciências da Computação pelo MIT, foi professor em diferentes universidades de prestígio e teve um papel fundamental na investigação e desenvolvimento da computação gráfica, domínio em que registou inúmeras patentes. O sistema criado por Ivan Sutherland denominado de Sketchpad (1963), constituído por um programa de edição gráfica e dispositivos manuais de interacção com o computador (uma caneta óptica e uma consola de interruptores com variadas funções), foi pioneiro das modernas interfaces gráficas e do desenho assistido por computador.

81 Ivan E. Sutherland, (1965). “The Ultimate Display”, Proceedings of International Federation of Information Processing, 65,Vol.2, pp.506-508. Em: http://www8.informatik.umu.se/~jwworth/The%20Ultimate%20Display.pdf (consultado a 30 de Agosto de 2012). Ivan E. Sutherland, (1968). “A Head-Mounted Three-Dimensional Display”, Proceedings of International Federation of Information Processing, 68, pp.757-764. Em: http://90.146.8.18/en/archiv_files/19902/E1990b_123.pdf (consultado a 30 de Agosto de 2012)

82 Um sistema de realidade mista, como o nome indica, consiste na visualização simultânea de informação real e também sintética gerada por computador, diferenciando-se da denominada realidade aumentada que consiste numa realidade mista mas em que a imagem virtual “acrescenta valor” à imagem real introduzindo geralmente informação complementar à visualização. Uma aplicação de realidade

58 Os desenvolvimentos tecnológicos subsequentes permitiram aperfeiçoar o sistema de Ivan Sutherland acrescentando-lhes novas funcionalidades e dispositivos de interacção, como os desenvolvidos e utilizados por Rebecca Allen (n.1953)83 na sua obra Coexistence (2001)84, uma peça interactiva de realidade mista e carácter lúdico para dois participantes em que, para além da utilização dos capacetes de realidade virtual, os intervenientes dispunham também de uma interface sensível ao sopro, para interagirem com os objectos gerados por computador, e um equipamento de feedback táctil que lhes permitia sentir através de vibração a interacção do outro participante.

Neste, como em outros trabalhos de Rebecca Allen, a artista coloca em evidência a existência de uma realidade supra-sensível para avaliação da experiência humana no confronto com a tecnologia como meio de testar novas regras comportamentais.

Paralelamente aos trabalhos de Ivan Sutherland também Myron Krueger (n.1942)85 no fim dos anos 60 trabalhava no desenvolvimento de ambientes imersivos controlados por computador, por ele denominado de responsive environments (Krueger,

aumentada em tempo real é por exemplo o da utilização de um dispositivo móvel que tem a capacidade de sobrepor à visualização da imagem do lugar onde o utilizador se encontra, informação sobre o comércio local.

83 Rebecca Allen desde cedo se interessou pela relação entre arte e tecnologia tendo como formação académica um bacharelato em arte (Bachelor of Fine Arts em animação e design gráfico) e um mestrado em ciência (Master of Science no MIT em design de interfaces, medias interactivos e computação gráfica). Com uma carreira artística iniciada em meados da década de 70, a sua actividade foi diversificada e repartida pela animação gráfica em 3D, instalação, vídeo, investigação e ensino, tendo colaborado com numerosos artistas do meio musical e teatral. Convidada a participar em festivais, exposições e conferência, o seu mérito é internacionalmente reconhecido. Informação mais detalhada em (acedido a 30 de Agosto de 2012): http://www.rebeccaallen.com/v2/bio/

84 http://www.rebeccaallen.com/v2/work/work.php?isInteract=1&wNR=15&wLimit=6 (consultado em 30 de Agosto de 2012)

85 Myron Krueger é um artista com uma formação mista em arte (B.A. pela Universidade de Dartmouth) e ciência (mestrado e doutoramento em Ciências da Computação pela Universidade de Wisconsin) tendo sido pioneiro no desenvolvimento de técnicas de computação gráfica para aplicações de arte interactiva e realidade artificial, expressão a que se refere nos seguintes termos: “Quando cunhei o termo realidade artificial em meados da década de 70, tinha como intenção designar tanto a minha tecnologia desenvolvida para Videoplace como o dispositivo de visão tridimensional para ser montado na cabeça desenvolvido por Ivan Sutherland. Eu considerava-os caminhos distintos que conduziam ao mesmo objectivo. Esse objectivo era a participação de um modo imersivo em eventos gerados por computador de tal modo que fossem aceites como experiências reais” (Krueger, 1991: xiii).

59 1977/2003: 379-389), que teve em Videoplace (1975-1984) a sua obra mais representativa86.

Contrariamente à tecnologia desenvolvida por Ivan Sutherland, que limitava os movimentos do corpo pela utilização de dispositivos de visualização especiais não autónomos e pouco práticos, a aposta de Krueger era na interacção natural através da posição do corpo ou do gesto, sem qualquer dispositivo especial adaptado ao corpo.

Uma das possibilidades de Videoplace era a da criação de dois espaços (salas) que podiam estar distantes entre si centenas de quilómetros, cada uma equipada com ecrãs de retroprojeção em que cada participante podia ver no ecrã da sala onde se encontrava o que aparentava ser a sua sombra projectada87 e a sombra do outro participante no outro espaço, podendo assim interagir e comunicar através do seu movimento, situação que seria impossível no mundo real. O sistema computorizado, que fazia parte da instalação, podia aumentar ou diminuir a escala da representação, colorir as sombras, produzir som ou grafismos a partir do movimento ou da própria voz dos participantes, gerar uma acção quando as figuras se intersectavam, bem como introduzir nos ecrãs objectos por ele criados para serem manipulados em tempo real pelos participantes, tornando a experiência mais complexa88.

Videoplace é nas palavras de Krueger, “um ambiente conceptual sem existência física” (Krueger, 1977/2003: 384) situando-se no que ele próprio denominava de realidade artificial89.

86 Apresentada pela primeira vez no Milwaukee Art Center, em 1975, foi desenvolvida posteriormente tendo sido galardoada em 1990 com o prémio Golden Nica, do reconhecido festival Ars Electronica, na categoria de Arte Interactiva, criada nesse mesmo ano.

87 Na verdade não se tratava da sombra mas da retroprojeção de uma imagem processada e analisada em tempo real por computador que detectava a linha do contorno do participante a partir da captação da sua imagem por uma câmara de vídeo colocada na parte superior do ecrã de projeção. Pelo facto da imagem projectada ser gerada por computador a mesma poderia ser alterada de acordo com os parâmetros de programação introduzidos pelo artista.

88 Este sistema de detecção do perfil do participante, ou participantes numa sala, e projecção da sua sombra em ecrã para interagir em tempo real com objectos gerados pelo sistema de computação, foi utilizado de uma forma lúdica em variadas obras de que são exemplo Text Rain (1999), de Camile Utterback, ou Mariposa (2001), de Zack Booth Simpson, tendo sido prevista por Myron Krueger a aplicação deste tipo de tecnologia, para além da expressão estética, em campos como a educação, psicologia e psicoterapia (Krueger, 1977/2003: 387-389).

89 A expressão realidade artificial foi a designação dada por Myron Krueger nos anos 70 ao seu trabalho em ambientes imersivos que, desenvolvidos na sua tese de doutoramento em 1974, foi publicada em 1983

60 O facto do participante poder experimentar em Videoplace um ambiente imersivo e interactivo sem a utilização de equipamento complexo e, de certo modo, evasivo e de difícil mobilidade (capacetes de realidade virtual, por exemplo), coloca esta obra na origem da linha de desenvolvimento dos sistemas CAVE (Cave Automatic Virtual Environment) concebidos em 1991 pelo Electronic Visualization Lab da Universidade de Illinois em Chicago, que ampliou a experiência do utilizador de um simples ecrã de projecção bidimensional para um ambiente tridimensional, ao colocá-lo no interior de um cubo com retroprojeção estereoscópica em três das paredes e no chão, com som envolvente90. A utilização de uns óculos especiais para visualização das imagens projectadas em 3D (e que dava também a indicação da posição do utilizador na sala, para o que o sistema gerasse as imagens com a perspectiva correcta do seu ponto de vista), e de um comando manual (Wand), uma espécie de rato 3D que funcionava como auxiliar de navegação no espaço virtual, eram os únicos equipamentos de que o utilizador necessitava para participar na experiência de realidade virtual.

Inicialmente as aplicações para este ambiente foram desenvolvidas para o âmbito da engenharia (desenvolvimento de produto, arquitectura, urbanismo), da ciência (visualização), e militar (simulação, e treino) mas rapidamente também os artistas se aperceberam das suas capacidades.

Em Linz, na Áustria, a inauguração do Ars Electronica Center, em 1996, foi o pretexto para a aquisição de um destes equipamentos tendo-se realizado no mesmo ano as apresentações Crayoland, OORT-Continuum, Virtual Reality Museum Vandalism e Vomit Mountain, todos com a participação do Electronic Visualization Lab de Chicago.

justamente com o título de Artificial Reality (Addison-Wesley Publishing Company, Inc., 1983), mais tarde actualizada pelo autor em Artificial Reality II (Addison-Wesley Publishing Company, Inc., 1991).

90Este sistema foi apresentado no SIGGRAPH´92 em Chicago. Mais recentemente foram desenvolvidos no California Institute for Telecommunications and Information Technology (Calit2) em San Diego, os sistemas StarCAVE (2008), que permitem uma imersão praticamente total do participante através da retroprojeção em quinze ecrãs que se dispõem à sua volta (cinco conjuntos de três a diferentes alturas), e mais dois ecrãs no chão, com imagem projectada a partir do topo da instalação, dispondo o StarCave de um agregado de quinze computadores com respectivos processadores gráficos de alto rendimento e trinta projectores de elevada definição com uma qualidade gráfica visualmente incomparavelmente superior às gerações anteriores (DeFanti, 2008: 169-178).

61 Em 1998 foi pela primeira vez premiada com o Golden Nica, na categoria de Arte Interactiva, uma obra de realidade virtual que usava o sistema CAVE 91. Os artistas galardoados foram a dupla Maurice Benayoun (n.1957) e Jean Baptiste Barrière (n.1958), com World Skin, uma peça que foi desenvolvida durante uma residência artística no ano anterior patrocinada pelo Ars Electronica Center, e que questionava, em ambiente virtual de um cenário de guerra, a fotografia como sistema de captura literal da realidade92.

Retornando agora à abordagem inicial sobre instalações artísticas, o que verificamos é que no fim da década de 90 os artistas tanto exploram o espaço físico, e demos o exemplo de Ilya Kabakov, como têm à disposição outros dispositivos que lhes permitem a criação de narrativas totalmente sintéticas em realidade virtual, ou em realidade mista.

Estas capacidades tecnológicas, embora dispendiosas e de trabalho técnico intensivo, abrem horizontes mais vastos à criação artística através de um enriquecimento de experiências que podem inclusive invocar novas regras de funcionamento e comportamento de universos não condicionados às leis físicas.

Por último, e ainda dentro dos desenvolvimentos das telecomunicações e da informática, o surgimento da world wide web, no início da década de 90 veio igualmente sugerir a abertura de novos espaços (telemáticos) criativos em que os modelos tradicionais da autoria, da visualização e da realização matérica da obra são postos em causa.

Um trabalho paradigmático e que invoca todas estas questões é The World´s First Collaborative Sentence (1994-2005), de Douglas Davis, já referida anteriormente, uma obra que só existe como informação na rede e em que o artista criou apenas o conceito e uma plataforma, deixando a sua realização aos mais de 200.000 participantes

91Anteriormente, em 1992, Monika Fleischmann e Wolfgang Strauss já tinham igualmente ganho o troféu Golden Nica, na categoria de Arte Interactiva, com uma obra de realidade virtual, Home of the Brain (1992), mas o participante nesta peça utilizava o sistema de luva e capacete de realidade virtual.

92 Em World Skin o participante era uma espécie de repórter munido de uma máquina fotográfica que ao fazer disparos transferia para a sua máquina aquele pedaço de cenário fotografado apagando-o da paisagem por onde circulava (ficava em branco o espaço virtual correspondente à imagem). À saída do CAVE o participante recebia impressas as imagens fotográficas obtidas durante a sua exploração do espaço.

62 que, livremente e sem sequer conhecerem o autor do projecto, decidiram de uma maneira remota aceder ao endereço electrónico criado para o efeito e participar.

A rigidez das coordenadas cartesianas, usualmente utilizadas para a definição de um ponto no espaço em que se podia visualizar uma obra, deixa agora de ter sentido. Essas coordenadas servem apenas para identificar locais onde existem dispositivos que por sua vez funcionam como gateways, ou pontos de acesso, para uma outra realidade que transcende a sua fisicalidade, abrindo espaços que não são lugares de existência mas de potenciação, de aparição, de probabilidade e de contingência gerida por redes, bases de dados e sistemas de comunicação.

Ainda assim há sempre uma tentação de colonizar e domesticar esse novo espaço tentando emular as características e regras familiares do espaço físico populado agora por Avatares, quais alter egos imaginados pelos seus criadores em aplicações como o Second Life93, que demonstra não só a capacidade “camaleónica” da criação virtual a partir da programação dos sistemas, mas permite também considerar a virtualidade como um espaço de significação e de relação transformando-o numa extensão do espaço antropológico (Merleau-Ponty), evidenciado mais recentemente pelas redes sociais.

É possivelmente o assumir características associadas ao espaço como a dinâmica, a performatividade e a ambiguidade, por oposição à estabilidade e determinação do lugar, que permite vislumbrar uma via de pensamento e um princípio unificador que conjuga o espaço físico e virtual.

93 O Second Life foi uma aplicação desenvolvida pela empresa Linden Lab, lançada em 2003, e que permite aos utilizadores a criação em tempo real de mundos virtuais a partir da simulação de ambientes 3D e, do mesmo modo, criar Avatares (personagens virtuais) que interagem “socialmente” com outros membros integrados nesses cenários.

63 1.3 – A Imagem – Da Representação à Síntese

“Caberá à fotografia fazer ruir aquilo mesmo que a fotografia erigiu enquanto modo de aproximação ao real, enquanto veículo de mediatização e de reificação do mundo”

Bernardo Pinto de Almeida94

1.3.1 – A Importância da Imagem no século XX

Se o espaço, como vimos anteriormente, é um conceito que obriga a alguma reflexão para entender as suas diferentes articulações e modalidades, a evidência da comunicação em todas as áreas da actividade humana no século XX, é, na verdade, inquestionável.

A proliferação da imagem, sob as suas diferentes formas (fotografia, cinema, televisão, vídeo, computador) marcou a cultura do século XX de uma forma absolutamente decisiva, e é essencialmente sobre a sua importância que iremos brevemente nos debruçar.

Depois de um período de “incubação” e de sucessivos desenvolvimentos técnicos no século XIX, a fotografia democratizou-se mesmo antes do início do século XX – após a empresa de George Eastman (1854-1932) ter introduzido os sucessivos modelos da câmara Kodak a partir de 188895 - instalando-se a imagem como um meio privilegiado de comunicação e conhecimento do mundo.

94 Bernardo Pinto de Almeida (1995). Imagem da Fotografia, Lisboa: Assírio & Alvim, p. 57.

95You press the button, we do the rest, foi o slogan introduzido pela companhia para identificar a facilidade de fazer fotografia resumindo-se o trabalho do fotógrafo a fazer o enquadramento e premir o botão para, após a última exposição, devolver a máquina fotográfica à Kodak que por sua vez se

64 Estas questões relativamente à comunicação e à imagem, neste caso fotográfica, já tinham sido antevistas por Lady Elizabeth Eastlake (1809-1893) num artigo que escreveu para a Quaterly Review, de Março de 1857, em que, começando por negar à fotografia o estatuto de objecto artístico96, viria a realçar as suas qualidades como objecto de comunicação visual ao formular a seguinte interrogação:

“ Quais são os seus registos infalíveis ao serviço da mecânica, da engenharia, da geologia , da história natural, senão factos dos mais genuínos e da maior evidência? […] mas factos que não são do domínio da arte nem da descrição, mas dessa nova forma de comunicação entre o homem e o homem – que não é a carta, a mensagem, ou o quadro – mas que agora, de uma maneira feliz, preenche o espaço entre eles?” (Eastlake 1857/1980:65).

Este novo espaço de comunicação viu ampliada a sua influência pelo facto de possuir, desde a sua génese – tomando em consideração o processo fotográfico de Fox Talbot (1800-1877)97 - um elemento substancialmente diferente das outras formas de comunicação existentes até então, a sua capacidade de reprodução. Ao ser realizada uma fotografia era gerada em primeiro lugar uma imagem latente na superfície sensível à luz que, depois de revelada, servia como matriz para a sua reprodução.

Foi claramente esta característica da reprodutibilidade técnica, inerente à imagem fotográfica que, aliada à evolução dos processos de impressão, permitiram passar da reprodução da gravura, ou da gravura baseada na fotografia, para os processos mais baratos da impressão directa da imagem fotográfica nas publicações.

encarregava de fazer a revelação dos negativos e produzir imagens positivas, para carregá-la novamente com película pronta a ser usada. Após o Modelo nº1, anunciado em 1888, e que permitia fazer 100 imagens a partir de um rolo de suporte em papel, o Modelo nº2 foi lançado no mercado logo no ano seguinte facilitando a realização de 150 imagens numa película mais resistente com suporte em celulóide para, em 1900, ser a vez do Modelo nº5 e da Brownie, uma máquina inicialmente pensada para crianças e que teve inúmeras variantes até 1962.

96“[…] para tudo o que requeira a mera correcção e escravidão manual, sem qualquer aplicação de sentimento artístico, ela [a fotografia] é, apropriadamente e portanto, o meio perfeito. Ela é feita para a época do presente, no qual o desejo pela arte reside numa pequena minoria. No entanto o anseio, ou mesmo a necessidade do público em geral, reside no conhecimento dos factos de uma maneira correcta, económica e rápida. A fotografia promove esse conhecimento do mundo” (Eastlake, 1857/1980: 65)

97Contrariamente ao processo fotográfico de Daguerre, as calotipias de Fox Talbot eram baseadas na produção de um negativo em papel que permitia, depois de revelado, a realização de várias provas positivas. 65 Este é um processo que no dealbar do século XX já estava suficientemente firmado para literalmente inundá-lo com imagens a partir das inúmeras publicações e periódicos que então surgiram98.

E se a fotografia constituiu de facto na passagem do século uma forma privilegiada de complementar a informação escrita, a imagem em movimento já estava no seu imaginário com o desenvolvimento da cronofotografia e de novos tipos de máquinas fotográficas para a captação do movimento, de que é exemplo o Fusil Photographique99 (1882) de Étienne-Jules Marey, ou o Zoopraxiscope (1879), criado por Eadweard Muybridge, um dispositivo que permitia obter uma visualização animada de um conjunto de imagens estáticas.

A facilidade da utilização da película fotográfica, já desenvolvida na altura, e os avanços tecnológicos associados à imagem em movimento, transformaram-se na invenção do cinema pelos irmãos Lumière, em 1895, com a projecção do primeiro filme.

Porém o cinema trouxe consigo mais do que apenas a imagem sequencial em movimento, trouxe a montagem, aspecto que se revelou fundamental na construção da sua narrativa e, consequentemente, na mensagem e discurso que pretendia veicular.

A entrada no século XX teve, deste modo, na fotografia e no cinema, duas formas inovadoras de comunicar através da imagem cuja importância foi posta em evidência cerca de duas décadas mais tarde em duas importantes exposições internacionais. A primeira, denominada de Pressa, teve lugar em Munique, em 1928, e constituiu a exposição corolário que consagrou o fotojornalismo. No ano seguinte, em Estugarda, a Film und Foto, teve a particularidade de, pela primeira vez, juntar

98Em Portugal são exemplos a Ilustração Portugueza que, publicada logo a partir de 1903, tem até 1924 a sua maior importância tornando-se, através da imagem, um repositório visual da vida contemporânea portuguesa. O Notícias Ilustrado (1928-1935) e O Século Ilustrado (1938-1977), foram igualmente dois exemplos de publicações que tiveram a sua importância em Portugal nas primeiras décadas do século XX. No panorama internacional a mais icónica das revistas ilustradas, num contexto de reportagem fotográfica, foi eventualmente a Life, com a sua direcção editorial depois de 1936.

99Permitia captar 12 imagens no espaço de tempo de um segundo, numa única chapa de vidro circular sensibilizada.

66 fotografia e cinema, constituindo um testemunho da importância e da influência da imagem na cultura contemporânea100.

Um outro acontecimento logo no início do século XX e que iria em definitivo mudar o rumo da transmissão da informação, foi o facto de na costa do Canadá, em 11 de Dezembro de 1901, Gugliemo Marconi ter conseguido captar um sinal em código Morse enviado da Cornualha inglesa. Foi a primeira transmissão de informação sem fios a uma distância tão longa101.

Menos de trinta anos depois, em 1928, foi a vez da primeira transmissão transatlântica de imagem, tendo as emissões regulares de televisão comercial começado no final da década de 30102.

Deste modo, e depois da fotografia e do cinema, a imagem ganhava no século XX um novo aliado para a sua divulgação - a televisão - mas agora com duas diferenças importantes, não era necessário possuir uma matriz para a sua reprodução (possibilidade de emissões ao vivo), nem era necessário a deslocação a determinado local para usufruir

100Nesta exposição estiveram patentes diferentes modos de abordar a imagem. A secção alemã foi da responsabilidade de László Moholy-Nagy que no ano anterior tinha deixado o cargo de professor na Bauhaus onde, entre outras actividades, tinha desenvolvido um trabalho meritório no campo da reflexão e experimentação da imagem; a secção americana esteve a cargo de Edward Weston e Edward Steichen, ambos pertencentes ao grupo f/64, que privilegiava a correcção técnica da fotografia e a straight photography , ou seja a fotografia sem qualquer manipulação, por oposição à fotografia picturialista da passagem do século; a representação da União Soviética foi endossada a El Lissitzky que levou à exposição as fotomontagens de Klutsis, a fotografia modernista de Rodchenko, e os filmes de Dziga Vertov e Einsenstein. Estas diferentes sensibilidades, aliada à itinerância que a exposição teve nos anos seguintes por diferentes cidades alemãs e países (Suíça, Áustria, Japão), fizeram da mesma um importante sucesso.

101Na década anterior já se tinham tinha realizado testes de transmissão sem fios de código Morse, embora a distâncias bem mais curtas. Pioneiros como Marconi na Europa, Nikola Tesla nos Estados Unidos e Alexander Popov na Rússia, realizaram experiências sensivelmente na mesma altura sendo difícil atribuir a paternidade da primeira transmissão sem fios. Pelo trabalho realizado no desenvolvimento da tecnologia da transmissão sem fios, Marconi ganhou, em parceria com Karl Ferdinand Brown (1850-1918), o prémio Nobel da Física, em 1909.

102Nos Estados Unidos, o impacto desse novo meio de transmissão de som e imagem para o grande público deu-se durante a Feira Mundial de Nova Iorque, em 1939, quando o discurso do presidente Roosevelt foi transmitido ao vivo através da cadeia RCA/NBC, que aproveitou o evento para inaugurar as suas transmissões regulares de televisão. Em Portugal as emissões regulares iniciaram-se em 1957.

67 da sua presença, ela entrava na intimidade de cada domicilio transformando-se numa presença inevitável, tal como tinha já acontecido com a rádio.

O facto da comunicação da imagem e som ser veiculada num único sentido, e do poder do espectador sobre a informação produzida ser muito limitado (mudar de canal ou desligar o televisor), potenciou a sua utilização como ferramenta de instrumentalização de massas tanto por governos como por parte de grandes grupos económicos que detinham a posse das cadeias televisivas, exercendo uma influência social e cultural como até aí não existia.

Este processo sofreu uma alteração importante nos anos 90 com a introdução da World-Wide Web103, desenvolvida nas palavras do seu criador, “ [...] para ser um repositório do saber humano, com a finalidade de permitir a partilha de ideias e de todos os aspectos relacionados com projectos comuns, entre investigadores dispersos em diferentes locais” (Berners-Lee, et al., 1994/2003: 792).

De facto este era o problema que Tim Berners-Lee, um engenheiro inglês a trabalhar no Centro Europeu de Pesquisa Nuclear (CERN) em Genebra, enfrentava ao ter de colaborar com numerosas instituições de investigação para pesquisa em diferentes projectos relacionados com a física das partículas de alta energia.

O projecto foi, no entanto, bastante mais longe do que o objectivo inicial traçado, quando os servidores de páginas HTML começaram a multiplicar-se104 e a surgirem os primeiros browsers gráficos105 e motores de busca de informação que, na verdade, permitiram transformar a net num espaço de partilha generalizado.

103 De uma maneira muito simplista a World-Wide Web assenta fundamentalmente sobre dois aspectos: a existência de uma linguagem específica - o HTML (Hypertext Markup Language) - que permite “marcar” num documento as necessárias ligações a outro documento, geralmente noutro local e computador, através dos chamados hyperlinks; e um protocolo – o HTTP (Hypertext Transfer Protocol) - que funciona numa rede Internet, e, como o próprio nome refere, permite com a necessária eficiência a transferência de documentos que têm ligações a outros documentos via hipertexto.

104De acordo com o Internet Systems Consortium o número de sistemas ligados em rede no espaço de dez anos, entre 1993 - ano em que a net começou efectivamente a ter expressão - e 2003, passou de 1,3 milhões para 171,6 milhões de unidades, atestando o elevado crescimento causado pelo impacto da implementação da World-Wide-Web. http://ftp.isc.org/www/survey/reports/current/ (consultado em 13 de Agosto de 2013)

105O primeiro browser gráfico a aparecer com um alguma popularidade foi o Mosaic em 1993, seguiu-se o Netscape Navigator em 1994, AltaVista em 1995 e, no mesmo ano, o Internet Explorer da Microsoft, Opera em 1996, Safari da Apple em 2003, Firefox em 2004 e o Chrome da Google em 2008.

68 Esta partilha de informação tornou-se mais efectiva com o desenvolvimento de ferramentas de fácil utilização que permitia a qualquer utilizador produzir conteúdos para a net (páginas pessoais, blogs, redes sociais) disponibilizando-os publicamente ou controlando o seu acesso a públicos reservados.

Na passagem do século XX para o século XXI estavam dados os passos necessários para que qualquer utilizador na net fosse ao mesmo tempo produtor de informação à escala global, publicasse as suas imagens, e controlasse a sua disponibilidade, constituindo este facto um novo paradigma na comunicação.

Esta partilha de informação só foi possível porque os documentos (som, texto, imagem) adaptaram-se ao meio que permitia a sua partilha ou seja, passaram a existir em formato digital.

Efectivamente, e relativamente à fotografia, a evolução da captação de imagem das tecnologias tradicionais de película fotográfica para uma captação digital aconteceu quando o primeiro protótipo de uma máquina fotográfica digital foi criada pelo engenheiro Steve Sasson (1950) em 1975, nos laboratórios da Kodak106.

Deixava, deste modo e pela primeira vez, de haver uma ligação física entre a realidade e a sua captação pela máquina fotográfica. O armazenamento digital da imagem fotográfica transformou-a em informação do mesmo tipo de um programa de processamento de texto ou de uma folha de cálculo. A linguagem dos computadores, das bases de dados, do bit e do byte, passava a fazer parte do seu léxico.

Os anos 80 e 90 foram pródigos no desenvolvimento da tecnologia digital aplicada à fotografia, que via na confluência da computação pessoal com os novos tipos de captação e armazenamento de imagem novas funcionalidades, designadamente a sua manipulação.

A imagem, que no início do século XX teve na fotografia o seu principal veículo de divulgação, assumindo-se como base de verdade, viu, no seu decorrer, o reforço da sua presença através da passagem pelo cinema, pela televisão, pelo vídeo e agora pelo computador. O poder da sua mensagem foi aproveitado pelas ditaduras e sistemas

106Esta máquina fotográfica pesava cerca de quatro quilogramas e demorava vinte e três segundos a gravar uma imagem em cassete de áudio (usando duas frequências diferentes que correspondiam aos “zero” e “um” da informação digitalizada) para posterior reprodução, a preto-e-branco, num ecrã de televisão.

69 totalitários para a manipulação das massas; a facilidade da sua reprodutibilidade foi usada pela publicidade numa lógica da sociedade de consumo do pós-guerra que apostou na sua repetição exaustiva para conseguir os seus intentos; a sua omnipresença nos meios de comunicação social tornou-se excessiva, e a sua credibilidade, como documento, foi em definitivo abalada pelas técnicas de digitalização.

Este percurso, necessariamente breve, da imagem e dos seus meios de comunicação, foi tema de reflexão de teóricos (Benjamin, Bazin, Flusser, Barthes, Deleuze, Baudrillard) e levantou, e levanta certamente, muitas questões às quais os artistas não ficaram indiferentes.

A imagem passava assim, no decurso do século, de uma afirmação de realidade pela sua inscrição física na própria película, para a sua virtualização, através dos processos de criação sintética dos computadores e de sofisticados software de animação e modelação.

Numa alusão à importância da imagem, Jean Baudrillard, justamente no fim do século passado, afirmava que, “A fotografia é o nosso exorcismo. A sociedade primitiva tinha as suas máscaras, a sociedade burguesa os seus espelhos. Nós temos as nossas imagens” (Baudrillard, 1999: 79), atestando a importância da sua presença no século XX.

1.3.2 – Fotografia - Da Representação à Síntese

A fotografia foi, desde a sua criação, uma expressão resultante do desenvolvimento e pesquisa tecnológica, referindo-se Edgar Allan Poe relativamente ao daguerreótipo, logo após o ano oficial da sua criação, como “ [..] o instrumento [que] deve ser sem dúvida considerado como o mais importante e o mais extraordinário triunfo da ciência moderna” (Poe, 1840/1980: 37)

Tendo claramente como antecedentes os desenvolvimentos científicos e técnicos do fim do século XVIII e inícios do século XIX, a fotografia impôs-se quando estes lhe permitiram fixar a imagem captada registando-a para a posteridade107

107Embora haja notícias de imagens fotográficas anteriores, a que hoje chegou aos nossos dias e é considerada a mais antiga, é a heliografia de Nicéphore Niépce (1765-1833) View from Window at Gras (1826).

70 O seu objectivo era a representação da realidade, tal como se apresentava do ponto de vista em que era colocado o dispositivo fotográfico, o que teve como consequência, no século XIX, todo um trabalho de desenvolvimento de processos químicos e físicos aplicados à fotografia com a finalidade de lhe melhorar a qualidade da imagem e a rapidez do processo.

Esta sua especialidade, digamos assim, em captar de uma maneira fiel a realidade e de a registar de uma maneira automática relativamente rápida e duradoura, fizeram com que uma das suas vocações fosse a de inventariação e arquivo, sendo disso prova as numerosas missões, no século XIX, de recolha de informação patrimonial e etnográfica108.

Por outro lado, a documentação de factos e acontecimentos teve na fotografia um aliado importante, quando o desenvolvimento da tecnologia permitiu que a mesma fosse inserida nos meios de comunicação social.

Porém, a génese tecnológica da fotografia, que lhe permitiu fixar imagens aparentando corresponder à realidade, também lhe deu capacidades para divergir desse objectivo.

Na verdade, o processo fotográfico podia ir para além da representação da própria realidade percebida como natural - quando a exposição demasiado longa provocava arrastamentos dos objectos que se movimentavam diante da câmara, ou quando tempos muitos curtos de exposição congelavam esse movimento possibilitando

108É disso exemplo a Missão Heliográfica, que teve lugar em França em 1851, e que foi o primeiro projecto encomendado por um governo com o fim de fazer um levantamento do património histórico, constituindo deste modo uma das primeiras utilizações sistemáticas da fotografia como um meio de registo e de arquivo. A encomenda foi feita, entre Janeiro de 1851 e Maio do mesmo ano, a cinco fotógrafos, pela Comission des Monuments Historiques, comissão esta que, fundada em 1837, tinha por missão zelar pela conservação e restauro dos monumentos, dando assim voz ao nascimento de uma nova preocupação de que é fundador o século XIX, – o património. Os fotógrafos escolhidos para fazer este levantamento foram Hippolyte Bayard (1801-1887), Édouard Baldus (1813 – 1882), Henry Le Secq (1818 – 1882), Gustave Le Gray (1820 – 1884), e Auguste Mestral (1812 - 1884), tendo sido atribuído a cada um deles um conjunto de monumentos entre igrejas, catedrais, castelos, fortificações e outros edifícios públicos, numa totalidade de 175 edificações espalhadas por toda a França.

71 a observação de fenómenos invisíveis a olho nu - permitindo-se mesmo inventar realidades fictícias através da montagem.

As supostas fotografias de fantasmas no século XIX (Medeiros, 2011), ou as imagens sobrenaturais pretensamente de fadas e gnomos, de que ficaram célebres as produzidas pelas irmãs Elsie Wright e Francis Griffiths em 1917, são exemplos disso.

Porém, a montagem e a “invenção da realidade” remonta quase à invenção da fotografia quando, menos de vinte anos depois dos primeiros daguerreótipos, Oscar Rejlander (1813-1875) imprimiu a imagem que denominou de Two Ways of Life (1857) a partir de trinta negativos, mas com os cuidados necessários na preparação, encenação dos personagens, e na impressão do conjunto de negativos, de modo a dar a ilusão que a imagem tinha sido obtida a partir de uma única fotografia de uma cena real. Na verdade, a cena que nos é dada a ver nunca existiu e, portanto, a fotografia insinua-se já nesta altura como algo que se comporta de uma maneira indeterminada, umas vezes assumindo a realidade como documento que pretende captar e transmitir, outras vezes porém, partindo dessa mesma realidade como matéria-prima de transformação.

Um outro exemplo relativamente à manipulação fotográfica que pode ser dado ainda no século XIX, tem a ver com as dificuldades de obtenção de uma imagem com os valores tonais correctos quando se tratava de fotografia de paisagem. Estas dificuldades eram inerentes ao facto das emulsões fotográficas da altura não serem uniformemente sensíveis a todas as cores do espectro (muito sensíveis ao azul e pouco às outras cores), fazendo com que o céu e as nuvens ficassem sobre-expostas e sem detalhe para que se tivesse detalhe na imagem do terreno. Para obviar a esta situação o fotógrafo tinha de recorrer a uma máscara de exposição, a uma dupla exposição no mesmo negativo, ou à realização de dois negativos com tempos de exposição diferentes, um para as nuvens e outro para o terreno ou mar. É o caso das paisagens marítimas de Gustave Le Gray (1820-1884), de que é exemplo Mediterranean Sea at Sète (1856-59), em que o autor utilizou dois negativos (um de nuvens e outro de mar) na impressão final para ter um melhor controlo da gama tonal.

Este processo permitiu-lhe também criar paisagens fictícias ao usar o mesmo negativo de céu em duas montagens com paisagens marítimas diferentes como em Large Wave, Mediterranean Sea (1857) e Seacsape with a Ship Leaving Port (1857) (fig. 1.1).

72

Fig 1.1: Gustave Le Gray (1820-1884) Large Wave, Mediterranean Sea / Grand Lame – Mediterranée – Nº 19 (1857) (esquerda). Seascape with a Ship leaving Port / Marine, Bateau Quittant la Port (1857) (direita).

Estes são apenas dois exemplos para ilustrar que a “verdade” da fotografia, como mecanismo de captura instantânea da realidade, nem sempre corresponde à opinião que de uma maneira geral se tem, e que esta dualidade, de traço e de transformação são, de certo modo, intrínsecos à sua própria natureza.

Acreditar que a essência da fotografia residia no seu naturalismo109, como afirmava o crítico Clemente Greenberg (Eisenger, 1995:4), ou no seu formalismo, na opinião de John Szarkowski110, é limitar o alcance e a expressão fotográfica, como facilmente demonstrou o seu percurso.

Fora do alcance das teorias de Greenberg ou Szarkowski ficavam, por exemplo, a manipulação fotográfica, a fotocomposição ou a fotografia abstracta.

E esse abstraccionismo em fotografia teve expressão justamente no início do século XX, quando a fotografia passava de uma linguagem de pendor pictórico para

109No texto “The Camera´s Glass Eye: Review of an Exhibition of Edward Weston” (1946) Clement Greenberg compara a fotografia com as outras expressões plásticas afirmando que, pelo facto de ser uma arte jovem, tem mais facilidade em se desembaraçar do peso das reminiscências do passado do que as outras artes, concluindo que: “A fotografia é a única arte que ainda tem a possibilidade de ser naturalista” (Greenberg ,1946:61), vendo no automatismo do processo uma capacidade diferenciadora.

110John Szarkowski (1925–2007) foi o conservador do departamento de fotografia do MoMA de Nova Iorque entre 1962 e 1991, e uma das mais influentes personalidades da fotografia americana neste período até meados da década de oitenta. A sua teoria formalista foi abordada na obra The Photographer´s Eye (1966), tomando o mesmo nome da exposição que teve lugar no MoMA em 1964.

73 uma straight photography111, transição de que Alvin Langdon Coburn (1882-1966) foi um intérprete112 mas também um pioneiro na experimentação abstracta através das suas denominadas Vortografias113, mostradas na exposição individual de Coburn no Camera Club de Londres em Fevereiro de 1917, numa estética influenciada pelo Vorticismo, movimento literário e de artes visuais vanguardista que surgiu em Londres em 1914, com raízes no Cubismo e Futurismo.

Esta série de imagens está em consonância com as suas reflexões expressas no ano anterior no artigo “The Future of Pictorial Photography” relativamente às possibilidades da fotografia, ao referir: “Sim, se nós vivemos o espírito dos nosso tempo são estes modernos [referindo-se aos pintores, músicos, e escritores modernistas] que nos interessam. Eles estão esforçando-se e tentando alcançar o futuro, analisando as estruturas bolorentas do passado e construindo novas estruturas na cor, som e na construção gramatical, com a visão cintilante das suas mentes; e estando particularmente interessado em fotografia, ocorreu-me, porque é que também a câmara fotográfica não poderá abandonar as regras da representação convencional e tentar algo novo e nunca experimentado? […] Porquê, pergunte-vos sinceramente, precisamos de continuar a fazer imagens de lugares comuns de assuntos que devem ser agrupados como paisagens, retratos, e estudos de forma? Pensem na alegria de fazer algo que seria impossível de classificar, ou dizer qual a parte de cima ou de baixo!”114.

111Conceito adiantado pelo crítico de arte Sadakichi Hartmann (1867-1944), em 1904, ao aconselhar os fotógrafos a utilizarem os recursos próprios da fotografia sem os artificialismos de emulsões químicas e intervenções manuais (utilização de pincéis, raspagem da emulsão) na criação da imagem (Hartmann, 1904/1994:167).

112Alvin Longdon Coburn foi admitido em 1902 como membro do grupo Photo-Secession de Alfred Stieglitz em Nova Iorque, e no ano seguinte como membro do grupo Linked Ring de Londres. As suas imagens oscilam entre o ambiente atmosférico e nitidamente pictorialista da paisagem (ex. Regent´s Canal, Londres, 1904) ou do retrato clássico (ex. George Bernard Shaw, 1904), e o modernismo de que são exemplos The House of the Thousand Windows (Nova Iorque, 1912) ou The Octopus (Nova Iorque, 1912).

113Para a execução das imagens desta série Coburn fotografava através de um dispositivo simples construído por ele próprio e baseado no caleidoscópio, constituído por três espelhos montados como se fosse um prisma triangular oco (apropriadamente denominado de vortóscópio por Ezra Pound, um dos mentores do Vorticismo) que produzia efeitos de múltiplos reflexos e sobreposições de imagens (Newhall, 1982/1994:199). Este tipo de dispositivo já tinha sido mencionado por Coburn ao referir que “[…] o uso de prismas para dividir a imagem em segmentos tem sido muito pouco experimentado, tal como as múltiplas exposições na mesma chapa” (Coburn 1916:24).

114 Alvin Longdon Coburn (1916). “The Future of Pictorial Photography” in MORTIMER, F. J. (ed.) (1916) Photograms of the Year 1916, Londres: Hazell, Watson & Viney, pp. 23-24, publicação online consultada a 9 de Setembro de 2012: http://scans.library.utoronto.ca/pdf/1/1/1916photogramsof00londuoft/1916photogramsof00londuoft.pdf

74

Coburn afirmava ainda que desejava que a fotografia vivesse o espírito do progresso e, na sequência deste pequeno texto, o autor terminava com um desafio aos fotógrafos para criarem algo de novo, para irem mais longe na sua experimentação sugerindo a organização de uma exposição de Fotografia Abstracta (Coburn, 1916:24).

Apesar do limitado número de provas fotográficas e do tempo reduzido que Coburn se dedicou a este tipo de imagem (1916-1917), é relevante perceber que até ao primeiro quartel do século XX a fotografia já não era só documento e representação da realidade, devendo-se esta procura de novos caminhos à experimentação artística.

De facto os fotodinamismos futuristas (1913) nas imagens de Antonio Bragaglia, as Vortografias de Coburn (1917), os fotogramas115 (1918) de Christian Schad e um pouco mais tarde de László Moholy-Nagy e de Man Ray, as colagens Dadaístas dos anos vinte de Raoul Hausmann ou de Hannah Hoch, são bem exemplos das capacidades da imagem no trabalho artístico.

Na publicação Neuwe Wege in der Photographie (Novos Métodos em Fotografia) Lázló Moholy-Nagy depois de referenciar a etimologia da palavra fotografia conclui que “ [...] o elemento mais importante do procedimento fotográfico não é a câmara mas sim a película sensível à luz” (Moholy-Nagy, 1928/2005: 156) fazendo algumas observações relativamente à produção de fotogramas.

Na verdade, como referiu Moholy-Nagy, a fotografia no seu princípio mais básico dispensa a câmara fotográfica, como já o tinham testemunhado os desenhos fotogénicos de Fox Talbot antes ainda da divulgação do daguerreótipo (1839).

Mas se amadores, repórteres e artistas se interessaram pela fotografia também a ciência viu nela um instrumento essencial não só para registar eventos ou documentar processos, mas também para o estudo dos fenómenos que estavam para além da capacidade da visão humana, de que é exemplo no século XIX o estudo do movimento na cronofotografia de Étienne-Jules Marley (1830-1904).

115Um fotograma consiste na interposição de objectos entre uma fonte luminosa e papel fotográfico fotossensível (ou chapa fotográfica) obtendo-se depois de revelado o contorno dos mesmos, se forem opacos, ou várias gradações de cinzento de acordo com o grau de opacidade desses objectos.

75 Essa natureza invisível, desvendada posteriormente pela utilização de dispositivos tais como o microscópio electrónico ou aparelhos de raios-x, revelou-se para György Kepes (1906-2001)116 um tema importante no relacionamento da fotografia científica com a expressão artística que desenvolveu na exposição The New Landscape in Art and Science (1951). Esta exposição teve lugar no Massachusetts Institute of Technology (MIT), uma instituição que ao longo dos anos estabeleceu uma tradição de ligação entre as disciplinas científicas e artísticas, nos dias de hoje herdado pelo MIT Media Lab (1985).

György Kepes era um artista que tinha colaborado com Lázló Moholy-Nagy na Europa e voltou a trabalhar nos Estados Unidos quando este o convidou para dirigir o departamento Light and Color na New Bauhaus de Chicago, por ele criada em 1937.

A sua sensibilidade à tecnologia e à ciência foi desenvolvida quando ingressou no MIT, em 1946, para criar um programa de design visual, em que tentava conjugar o ambiente de uma instituição ligada naturalmente à investigação científica com a expressão artística.

A exposição The New Landscape in Art and Science foi o corolário das suas investigações e eventualmente a primeira exposição em que existiu deliberadamente essa preocupação de explorar a imagem científica como campo de inspiração artística.

Complementada alguns anos mais tarde (1956) pela edição em livro com o mesmo título117, contava com textos de filósofos, poetas, artistas e cientistas118, constituindo a publicação um verdadeiro ensaio pedagógico em que textos e imagens se cruzavam mais em campos de possibilidades de abertura a diferentes discursos, do que

116György Kepes, artista húngaro de nascimento, trabalhou entre as duas guerras em diversos países na Europa, e colaborou intermitentemente com László Moholy-Nagy até 1937, ano que László estabeleceu em Chicago a “New Bauhaus” convidando Kepes para dirigir o departamento de “Light and Color”. Em 1946 juntou-se ao MIT, para criar um programa de design, instituição na qual conheceu Norbert Wiener (1894-1964), matemático e cientista que na mesma altura desenvolvia as noções de cibernética, o estudo das relações entre as máquina e os sistemas biológicos, contacto este que foi determinante para a sua aproximação à ciência e tecnologia.

117György Kepes (ed.) (1956). The New Landscape in Art and Science, Chicago: Paul Theobald

118Jean Arp, Naum Gabo, R.W. Gerard, S. Giedion, Walter Gropius, S.I. Hayakawa, Jean Helion, Fernand Léger, Kathleen Lonsdale, Charles Morris, Richard J. Neutra, C.F.A. Pantin, Bruno Rossi, Paul Weidlinger, Heinz Werner, Norbert Wiener, Richard Wilbur.

76 no fechamento de determinismos científicos. As palavras de György Kepes, logo na abertura do prefácio desta obra, são elucidativas: “Este livro é para ser mais visto do que para ser lido. É um livro de imagens criado para chamar a atenção para um novo aspecto emergente da natureza que se tem mantido invisível, mas agora revelado pela ciência e tecnologia. O ´texto´ do livro não é a sua mensagem. Essencialmente é apresentado um corpo de material, em vez de informação científica ou teoria estética. O material está organizado para o leitor ver [a palavra ver está em itálico no original], na esperança de que consiga estabelecer ligações significativas por ele próprio. […] Este é francamente um livro de alusões e não de conclusões. Nem o texto nem o material visual clamam por uma precisão rigorosa. Os registos científicos são apresentados sem informação precisa e os trabalhos artísticos sem a erudição académica. Como o seu título implica, o livro é uma paisagem. Ou mais precisamente é o primeiro esboço de uma nova paisagem que me parece rica em promessas, uma paisagem que me motiva e na qual tenho confiança.”119 (Kepes, 1956: sp) É interessante notar como o contacto com o meio científico, neste caso a sua imagética, pode estimular um artista e professor como Kepes a ensaiar e a desenvolver um projecto de ampliação da visão artística criando ao mesmo tempo condições de aprendizagem sem a condicionar a objectivos perfeitamente determinados. Como ele próprio refere no prefácio: “Embora sugestivo em vez de definitivo […] este livro tem reconhecidamente um propósito ambicioso […] desenvolver uma nova forma de comunicação.” (Kepes, 1956: sp)

Embora não se possa dizer que a fotografia científica tenha intrinsecamente um carácter artístico, já que o seu propósito é documentar e ilustrar publicações científicas, a verdade é que o seu estatuto como documento torna-se menos relevante do que a sua apreciação estética quando deslocada e criada com a intenção de ser exibida especificamente num museu ou galeria.

119 “This book is meant to be looked at more than read. It is a picture book, arranged to bring attention to a newly emerged aspect of nature, hitherto invisible but now revealed by science and technology. The ‘text’ of the book is not its message. Primarily, a body of material is presented, rather than scientific information or esthetic theory. The material is organized to help the reader to see, with the hope that he will grasp significant connections for himself. […] This is frankly a book of allusions and not conclusions. Neither the text nor the visual material claims rigorous precision. Scientific records are presented without data and works of art without pretense of scholarly erudition. As its title implies, the book is a landscape. Or, more correctly, it is the first sketch of a new landscape that seems to me rich in promise, a landscape I am moved by and have confidence in.” 77 A exposição Fantasquímica que Gil Montalverne (n.1931) criou para ser exibida na Galeria de Exposições Temporárias da Fundação Calouste Gulbenkian, em Dezembro de 1986, e que constava de fotografias de cristais feitas através de microscópios com diferentes graus de ampliação (até 4500 vezes), é um exemplo de fotografia científica com uma função estética, no seguimento do trabalho do autor e do seu interesse por fotografar a natureza.

Nesta exposição Montalverne não valorizava a preparação científica da amostra nem dava a conhecer o que cada cor revelava da composição dos elementos químicos, pretendendo antes que se centrasse a atenção na cor, na forma e na relação dos elementos que constituíam as imagens que, como paisagens fantásticas, estimulavam livremente o imaginário do visitante.

Mas quer tratando-se de fotografia científica, de manipulação, de invenção do surreal, de abstracção, ou simplesmente mimese da realidade, a fotografia em mais de um século da sua presença teve sempre como pressuposto a existência de uma chapa ou película sensível à luz que, com propriedade, Moholy-Nagy referia ser o mais importante no procedimento fotográfico.

Porém, com o advento das tecnologias digitais, a partir de meados da década de setenta, esse último reduto da fotografia convencional iria desaparecer para a imagem passar a ser processada como informação e armazenada em memória e nos discos rígidos dos computadores.

A não existência de um suporte físico que constituísse a prova cabal da “escrita pela luz”, dando sentido ao termo fotografia, originou inúmeros debates relativamente à sua ontologia particularmente nos anos subsequentes à celebração dos cento e cinquenta anos da sua existência, em 1989, quando houve necessidade de avaliar historicamente o seu percurso120.

120Algumas das exposições retrospectivas criadas nesse ano para celebrar o evento foram, em Paris, L´Invention d´un Regard (1939-1918) no Musée D´Orsay, e L'Invention d'un Art : Cent Cinquantième Anniversaire de la Photographie, no Musée National d´Art Moderne Centre Georges Pompidou . Em Nova Iorque teve lugar no MoMA a exposição Photography Until Now, organizada por John Szarkowski, curador do departamento de fotografia deste museu. Nenhuma destas exposições abordava a questão da fotografia digital embora a exposição no MoMa tivesse a particularidade, segundo Szarkowski, de estar organizada não de uma forma histórica tradicional mas de ser uma tentativa de “esboçar uma história da imagem fotográfica organizada de acordo com padrões de mudança tecnológica” (Szarkowski 1989:9), mostrando ao longo dos sete capítulos que constituiu o livro/catálogo da exposição, de que maneira esses aspectos influenciaram a produção e a recepção fotográfica.

78 Argumentos baseados na natureza das novas tecnologias, na relação da fotografia com o real, ou na sua continuidade estética, suscitaram revisitações à semiótica da imagem (Dubois121), propostas alternativas de uma pós-fotografia (Mitchell122), ou simplesmente negação de rupturas (Manovich123).

A perca do real no registo da fotografia digital corresponde à sua desmaterialização, à perca do seu traço, da sua marca, o que indicia uma estética do desaparecimento, contrariando a tradição histórica da evidência fotográfica do acontecimento e da objectividade da fotografia. Rosalind Krauss referiu-se em relação a este aspecto nos seguintes termos: “Se considerarmos que a imagem fotográfica é objectiva, esta definição só poderá funcionar no quadro de uma tautologia: a sociedade tem necessidade de definir as coisas como sendo reais; isto leva-a a insistir no realismo e na total objectividade do testemunho produzido.” (Krauss 1990/2002: 221)

A tecnologia digital veio tornar mais claro que, na verdade, a fotografia foi sempre uma representação artificial articulada através de processos tecnológicos (revelação química, ampliação, dispositivos ópticos, sistemas mecânicos). Ao perder o seu traço é como se caísse uma máscara e se revelasse a sua verdadeira face - a transformação – que pode ou não indiciar semelhança, mas agora percebe-se que essa semelhança mais não é do que um simulacro da realidade reconstruída através da interpretação de código binário.

E se essa capacidade de transformação já tinha sido evidente quando a revista National Geographic adaptou a posição de duas das pirâmides de Gizé, encurtando o seu distanciamento, para que, por uma questão estética, coubessem na imagem ao alto

Nos Estanos Unidos uma exposição cujo tema e reflexão incidiu sobre fotografia digital foi Metamorphosis: Photography in the Electronic Age, que aconteceu por iniciativa da revista Aperture em 1994, tendo editado um número especial com textos críticos sobre o tema e a exposição percorrido várias cidades americana. Na Europa a mesma reflexão teve lugar um ano depois com a exposição Photography after Photography, uma iniciativa alemã que percorreu vários países (Áustria, Dinamarca, Suiça, Finlândia, Estados Unidos, Austrália), apresentando trabalhos de trinta artistas e reproduzindo no seu catálogo um conjunto alargado de ensaios sobre a temática.

121Philippe Dubois (1990). L´Acte Photographique et Autres Essais, Paris: Editions Nathan

122William J. Mitchell (1992). The Reconfigured Eye: Visual Truth in the Post-Photographic Era, Cambridge (Mass.): The MIT Press

123Lev Manovich (1995). “The Paradoxes of Digital Photography” in AMELUNXEN, Hubertus von, et al (ed.) (1995). Photography After Photography: Memory and Representation in the Digital Age, Munique: Munich G+B Arts International, pp. 57-65 79 da capa da sua edição de Fevereiro de 1982, não tardou que o passo seguinte fosse desenvolver ferramentas de software que gerassem elas próprias o código binário para a criação de imagens realistas.

Programas informáticos de simulação de paisagem como o VistaPro (1987), Bryce (1994), ou mais tarde o Terragen (1999), chamaram a atenção de Joan Fontcuberta (1955) quando em 1994 participou numa residência artística no Banff Center for the Arts no Canadá, tendo como resultado, mais tarde, a criação da série de imagens a que deu o nome de Orogenesis (2003).

Esse conjunto de imagens revelava paisagens aparentemente realistas embora puramente sintéticas, já que tinham sido geradas por computador tanto a partir da digitalização de imagens de pinturas de paisagens célebres da história da arte124, que Fontcuberta denominou de Landscapes of Landscapes, como a partir de fotografias de partes do corpo do próprio Fontcuberta (mão, calcanhar, dedos, olho, …) que denominou de Bodyscapes.

Estas imagens singulares e sem substância histórica constituem-se como “paisagens sem memória”, como o autor lhes chamou, e apresentam-se como uma reflexão sobre a crise dos códigos da representação (da pintura e da fotografia), inscrevendo-se num limbo de indeterminação entre o real e o virtual, em que a fotografia como tal não existe, mas em que a semelhança fotográfica do resultado final se apresenta como um simulacro de simulação (Baudrillard).

Com refere Geoffrey Batchen: “[…] nas mãos de Fontcuberta a fotografia tornou-se uma actividade filosófica, não uma actividade pictórica.” (Batchen 2005:13), o que nos permite concluir que estamos perante o objecto teórico que Rosalind Krauss denominou de fotográfico no sentido em que a imagem se transforma “[...] numa espécie de crivo ou filtro através do qual se pode organizar dados de outro campo, situado em segundo plano.” (Krauss, 1990/2002:14).

Esta mesma reflexão pode adaptar-se ao trabalho High Altitude (2008-2010) de Michael Najjar (n.1966) em que o autor procedeu a uma alteração digital das cristas das

124São exemplos: The Burning of the Houses of Lords and Commons, 1834-35 (W. Turner), Wanderer Above the Sea of Fog, 1818 (Caspar D. Friedrich), Mont Saint-Victoire, 1900 (P. Cézanne), The Great Wave Off Kanagawa, 1823-29 (K. Hokusai), The Stanberg Lake II, 1908 (W. Kandinsky).

80 montanhas das imagens captadas durante a realização de uma expedição de três semanas em que alcançou o cume do Aconcágua na Argentina, a montanha mais alta do mundo fora da cordilheira dos Himalaias.

Essa manipulação consistiu na modificação da configuração natural dos topos das montanhas fazendo com que os seus perfis reflectissem as subidas e descidas dos índices das principais bolsas de valores mundiais (Nasdaq, Dow Jones, Nikkei, Dax, e outras) durante os últimos vinte a trinta anos, resultando numa imagem que, ao representar uma paisagem, é ao mesmo tempo uma visualização de informação.

Estas paisagens fictícias de Najjar constituem-se como metáforas de uma sociedade contemporânea cuja realidade é efectivamente moldada pelos investimentos, pela especulação, e pela virtualidade das ferramentas e transacções financeiras nas bolsas de todo o mundo.

Porém, ao dar-se mais ênfase à fotografia nesta secção, é também essencial mencionar o papel crucial do cinema no século XX e os cruzamentos e mútuas influências que daí resultaram.

E se a ânsia da imagem em movimento encontrou uma vertiginosa dinâmica na sucessão de planos em Man with a Movie Camera (1929) de Dziga Vertov, também se apaziguou na monotonia do plano único de Empire (1964) de Andy Warhol, ou encontrou um meio-termo na realização quase fotográfica em La Jetée (1962) de Chris Marker que, além de ser objecto de sucessivas revisitações teóricas, é talvez um prenúncio da diluição de fronteiras entre imagem fixa e em movimento.

Esta capacidade de explorar a imagem fixa e em movimento foi evidenciada por Julian Lee (1961-2014)125 na série Inspired by Eadweard Muybridge, apresentada na sua exposição Suspending Torso (2010), na qual o autor, baseado nos estudos do movimento efectuados por Eadweard Muybridge no fim do século XIX, actualizou o processo utilizando um conjunto de monitores planos (em vez de imagens fotográficas) em que imagens fixas das diferentes posições de um corpo masculino em movimento passam em sequência, após uma temporização determinada, para o espaço adjacente do

125Julian Lee teve formação no Royal College of Art de Londres (mestrado em fotografia) (MA) e foi Professor Associado de Fotografia e Imagem Digital na School of Creative Media na Universidade de Hong Kong.

81 monitor seguinte e assim sucessivamente, num efeito de circularidade que se repete numa animação em contínuo movimento

O cinemático e o fotográfico126 que aqui coexistem, são termos que permitem um alargamento dos campos restritos do cinema e da fotografia no sentido de um hibridismo que procura novos campos de expressão.

Essa procura pode hoje passar pela utilização de bases de dados que se constituem como repositórios de informação incluindo imagem fixa, imagem em movimento, grafismo e som, sendo estes elementos endereçados e escolhidos a partir de conjuntos de regras parametrizáveis pelo utilizador, permitindo-lhe realizar diferentes montagens e narrativas com o mesmo material base, como foi a investigação desenvolvida em Soft Cinema (2005) por Lev Manovich e Andreas Kratky127, numa demonstração cabal das capacidades das tecnologias digitais e das bases de dados.

Fotografia e cinema fundem-se no que podemos designar de imagem- informação.

126Ver: David Campany (ed.) (2007). The Cinematic, Londres e Cambridge (MA): Whitechapel Gallery and The MIT Press, e Rosalind Krauss (1990/2002). O Fotográfico, Barcelona: Editorial Gustavo Gili

127Lev Manovich, e Andreas Kratky (2005). Soft Cinema: Navigating the Database, Cambridge: the MIT Press

82 1.4 – Continuidades e Descontinuidades

É sabido que a tecnologia digital executa sobre a realidade um conjunto de operações que levam à transformação da sua variabilidade contínua no tempo numa série descontínua, posteriormente quantificada e armazenada em diferentes níveis discretos de informação sob a forma codificada de bits128.

Esta codificação aproxima-se, tanto mais da realidade, quanto maior o número de níveis discretos que é possível codificar ao fazer uma amostragem do que se pretende capturar, ou seja, quanto maior o número de bits utilizados na precisão dessa operação.

Tomemos o exemplo do sistema de captura de cor nas máquinas fotográficas digitais. Estes dispositivos utilizam normalmente 8 bits de informação por cada canal de cor (vermelho, verde e azul), o que permite a reprodução de cerca de 16,7 milhões de cores129. Apesar dessa imensa variedade tonal não podemos em boa verdade afirmar que esse conjunto de cores pode constituir-se como uma gradação contínua, e que possa por exemplo reproduzir fielmente um fim de tarde com um pôr-do-sol, já que essas cores são discretas e bem definidas.

É legítimo, portanto, afirmar que um sistema digital é, por inerência, descontínuo, e que a reprodução a partir destes sistemas está sujeita a uma codificação prévia, deslocando o que se designa de realidade para uma representação em impulsos eléctricos existentes nas memórias dos computadores e bases de dados, num processo de desmaterialização dessa mesma realidade.

Esta descontinuidade é uma questão processual. Outro aspecto eventualmente mais importante e que interessa abordar é a questão estética, e perceber se a introdução destas tecnologias, e da sua intrínseca descontinuidade, de algum modo facilitou aos artistas formularem novos modelos ou paradigmas de trabalho, transcendendo a questão da utilização da tecnologia apenas como ferramenta.

128Bit é a abreviatura de Binary Digit e constitui, em tecnologias de informação, a unidade mais pequena de informação no sistema binário podendo tomar apenas tomar o valor “um” (on) ou “zero” (off).

129Oito bits de informação originam 256 níveis discretos (dois à oitava potência). Como existem três canais de cor temos 256 níveis por cada canal o que dá 256 x 256 x 256 cores diferentes, ou seja um total de 16.777.216 cores.

83 Na leitura que fizemos do século XX, tendo como objectos de estudo as noções de acção, espaço e imagem, verificámos que a utilização das tecnologias de informação surge naturalmente na continuidade da prática artística, patrocinada muitas vezes por uma desejável aproximação e sinergia entre o artista e o engenheiro, muito embora esse alargamento de fronteiras só por si não constitua um novo paradigma, mas apenas uma evolução espectável da utilização dos novos meios tecnológicos.

O que pode constituir uma atitude diferenciadora, e que certamente abre novos campos de debate, são por exemplo a noção de obra como plataforma de interacção, a diluição da noção de autoria, a abertura de novos espaços (virtuais) de inscrição das obras, a ubiquidade e função destes novos espaços alternativos. Estas e outras questões, estão associadas às três linhas de orientação que tomámos como base de estudo neste capítulo.

De uma maneira simplista podemos dizer que a reflexão sobre a noção de acção, permitiu-nos colocar em evidência uma das tendências importantes das obras da segunda metade do século XX que foi o sair do modelo da obra artística estática, e de uma visão estética formalista baseada na produção de objectos, para uma dinâmica de relacionamento e de envolvência. A interactividade, no domínio das práticas artísticas associadas às tecnologias da informação, surge assim como uma expressão natural e abrangente que tanto pode passar pelo convite dos artistas à participação do público in loco ou remotamente através de sistemas de telecomunicações, como pela sua experiência em plataformas através da utilização de interfaces gráficas, ou ainda num diálogo criativo e lúdico em ambientes virtuais.

Tal como refere Teresa Cruz “A interactividade é uma das mais poderosas ideologias da viragem do século. É a ideologia que corresponde à era da comunicação e das novas tecnologias de informação [...]” referindo ainda que “Na ideologia da interactividade triunfa, por excelência, a lógica da comunicação, a lógica do relacional e da conectividade [...]” (Cruz, 2011:72), indo ao encontro, ao fim e ao cabo, dos desígnios do ser humano que encontra em obras artísticas interactivas conformidades com a sua natureza.

Referenciando agora as considerações feitas anteriormente sobre o espaço, além das mesmas revelarem a importância da sua dimensão na criação artística no século XX, o facto do espaço passar a ser parte da própria obra perspectiva um diálogo integrado

84 com o que lhe é exterior, seja ele o espectador ou o ambiente que a rodeia, permitindo- lhe, eventualmente, modificar ou adaptar o seu comportamento a essas mesmas condições ou interacções. Estas novas práticas de integração e de dinâmica da obra artística indiciam uma estética diferenciada, a que nos anos 60 o crítico e historiador Jack Burnham (n.1931) apelidou de “Estética dos Sistemas”130, uma expressão que sugere justamente esse “transbordar” da obra para fora de si mesma e a complexidade da sua variabilidade de acordo com a noção alargada de sistema e que será objecto de estudo no segundo capítulo deste trabalho.

É no âmbito desta nova estética que as tecnologias da informação e da comunicação têm um papel importante não só como facilitadores da prática artística, mas também no desenhar desses novos modelos que tanto passam pela interactividade física como remota, como pela transformação da obra num fluxo de informação sem coordenadas, existindo apenas nessa virtualidade designada de ciberespaço.

A passagem de um modelo mecânico para um modelo sistémico, permitiu uma reorganização dos fluxos de trabalho e um entendimento alargado do conceito de criação artística como processo, que tanto pode enveredar por paralelos com a investigação tecnológica e científica (residências artísticas em instituições de investigação), como por aspectos lúdicos de utilização dos novos meios (interactividade e realidade aumentada em dispositivos móveis ou simulação imersiva em 3D), na afirmação de um discurso adaptado ao tempo presente e numa sociedade em que os valores da tecnocultura e de um certo sublime tecnológico131 imperam.

Por último, a reflexão sobre a imagem conduziu-nos do universo da representação ao da simulação, ao do engano, da criação sintética, espelhando de certo modo uma realidade cada vez menos real em que, como referia Baudrillard: “Por toda a parte se reciclam as faculdades perdidas, ou o corpo perdido, ou a sociabilidade perdida, ou o gosto perdido pela comida.” (Baudrillard 1981/1991:22), num século que acabou por aceitar o simulacro e o sucedâneo como a coisa em si mesma.

A imagem participa deste universo paralelo criando-lhe cenários em que se inscrevem desejos, ansiedades, evidências que, na ambiguidade entre o documento e a

130Jack Burnham (1968). “Systems Esthetics”, in Artforum, Vol. VII, No. 1, Setembro 1968, pp. 30-35.

131A noção de sublime tecnológico foi introduzida por Frederic Jameson em Postmodernism, or, The Cultural Logic of Late Capitalism (Durham: Duke University Press, 1991). 85 ficção, potenciam uma cultura visual já saturada de códigos e rizomática numa era “pós- fotográfica”.

Esta abordagem temática tripartida debruçando-se sobre a acção, o espaço e a imagem, na criação artística no século XX, serviu não só para referenciar e perspectivar o papel importante e transversal que as tecnologias da informação desempenharam na consubstanciação de novos dispositivos utilizados pelos artistas, mas também para determinar pontos de inflexão nas possibilidades alargadas que a sua prática introduziu, traduzindo-se por vezes em descontinuidades na apreciação que as instituições de referência, a crítica, ou a História da Arte, fazem da sua obra.

Grupos como o Critical Art Ensemble e o Electronic Disturbance Theater, ou artistas com uma carreira mais longa como Rebecca Allen, Myron Krueger ou Simon Penny, só para citar alguns exemplos que decorreram do presente ensaio, não aparecem de todo na segunda edição (2011) da obra de referência em História da Arte Contemporânea Art Since 1900132 que, no seu segundo volume trata especificamente os anos de 1945 a 2010, sendo necessário procurar informação sobre os seus trabalhos em edições específicas sobre arte e cultura digital, de que são exemplo Information Arts (2002)133, Digital Art (2003/2008)134, ou Art and Electronic Media (2009)135, pontuando

132 Hal Foster, Rosalind Krauss, Yve-Alain Bois, Benjamin H. D. Buchloh, David Joselit (2011). Art Since 1900: Modernism, Antimodernism, Postmodernism, Vol. 2 – 1945 to the Present, Nova Iorque: Thames & Hudson

133 Stephen Wilson (2002). Information Arts: Intersections of Art, Science, and Technology, Cambridge (MA) e Londres: The MIT Press

134 Christiane Paul (2003/2008). Digital Art. Londres: Thames & Hudson

135Edward A. Shanken (2009). Art and Electronic Media, Londres e Nova Iorque: Phaidon Press

86 as suas obras em eventos específicos como o Ars Electronica136, Siggraph137 ou ArtFutura138, ainda hoje existentes.

Há pois aparentemente, em pleno século XX e início do século XXI, um divórcio entre arte, informação e tecnologia, e o discurso canónico da História da Arte, relegando a sua apreciação para outros fóruns e problemáticas, podendo conduzir a equívocos relativamente às suas mais-valias. Uma espécie de resistência notada por António Cerveira Pinto na frase em epígrafe transcrita na introdução deste trabalho.

Essa resistência só pode ser prejudicial na compreensão de trajectos que, no caso do presente ensaio, esboçam a interactividade (acção), o sistema (espaço), e a simulação (imagem), como possíveis legados do século XX ao século subsequente.

136 Ars Electronica, um dos mais importantes festivais que relaciona arte, tecnologia e sociedade. Existe desde 1979: http://www.aec.at/news/en/ (consultado em 5 de Agosto de 2015).

137 ACM Siggraph (Association for Computing Machinery Special Interest Group on Computer Graphics and Interactive Techniques), é uma organização internacional que organiza conferências, exposições, workshops, em tópicos relacionados com computação gráfica e interactividade, congregando do mesmo modo cientistas e artistas. Existe desde 1972: http://www.siggraph.org/ (consultado em 5 de Agosto de 2015).

138 ArtFutura, festival de cultura e criatividade digital. Existe desde 1990: http://www.artfutura.org/v2/ (consultado em 5 de Agosto de 2015)

87

88 Capítulo 2

O Código: Sentidos e Significados

“If every historical epoch is governed by a leading philosophy, then the philosophy of code is what governs our own” Friedrich Kittler, 20081

Com um entendimento da importância das tecnologias de informação na produção artística feita na abordagem do capítulo anterior, procura-se agora aprofundar e perceber se a aplicação destas tecnologias à obra artística conduz a novas questões estéticas, e entender se a possibilidade da manipulação da informação, através do código de programação e das bases de dados, alterou substancialmente a nossa relação com o mundo.

Etimologicamente a palavra código deriva do latim codex ou codice2 no sentido de lei, com antecedentes históricos por exemplo no Codex Justinianus (séc. VI) que constituía uma compilação de leis do império romano, sentido ainda hoje preservado na expressão manual do código civil, como o volume que congrega o conjunto de leis que regem a vida em sociedade.

1 Friedrich Kittler (2008), “Code (or, How you Can Write Something Differently)”, in FULLER, Matthew (ed.) (2008). Software Studies: A Lexicon, Cambridge/Londres: The MIT Press, p.45.

2 José Pedro Machado (1977). Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, Lisboa: Livros Horizonte, Vol. 2, p. 175.

89 Contudo este termo tem vindo ao longo dos tempos a adquirir sentidos cada vez mais abrangentes ao condensar conjuntos de símbolos (escrita e cifras), de regras (código moral, ou deontológico) ou de instruções (código genético, ou de programação).

Estas últimas acepções de código (programação e genético) foram particularmente importantes do ponto de vista da criação artística na segunda metade do século XX e, no nosso entender, constituíram efectivamente um novo paradigma não só estético, mas também um testemunho de passagem importante para a criação no século XXI.

A metodologia seguida neste capítulo é a de em primeiro lugar revelar, de uma maneira breve, o contexto histórico da genealogia do código, nos sentidos acima indicados, em três abordagens - Informação e Computação; Biologia e Genética; Cibernética, Inteligência e Vida Artificial3 – para de seguida sinalizar a relevância da produção artística em duas áreas específicas, Software Art e Bioart4. Na última parte do capítulo serão analisadas as questões estéticas na secção designada de Estética dos Sistemas e da Informação.

3 A primeira e a última categoria estão intimamente ligadas, já que no seu cerne se encontra a computação. No entanto, no nosso entender, merecia uma distinção porque a actividade artística ligada à cibernética e vida artificial aproxima-se mais da biologia e genética, embora por uma via inorgânica, do que ao puro processamento de informação.

4 Por uma questão de coerência linguística decidimos manter as expressões anglo-saxónicas de Software Art e Bioart, embora esta última seja referenciada em alguma literatura em português por Bioarte.

90 2.1 - Código

2.1.1 – Código: Informação e Computação

A escrita, como processo de codificar a linguagem natural, obviamente propiciou o avanço das sociedades através da criação de repositórios de conhecimento em bibliotecas. Porém, através de cifras e códigos específicos de conhecimento restrito de minorias, também apoiou o exercício de poderes políticos e económicos através da comunicação de informação privilegiada para a tomada de decisões estratégicas.

Veiculado ao código está sempre informação, e cedo se percebeu que o acesso, a rapidez, e a fiabilidade com que se conseguia transmitir e receber informação era fundamental. Essa preocupação, acentuada com o advento da modernidade, teve resposta prática no telégrafo óptico do final do século XVIII (o telégrafo dos irmãos Ignace e Claude Chappe5), historicamente o primeiro sistema implementado à escala nacional, em França, e a proporcionar a comunicação de informação à distância sob uma forma codificada, que dispensou o processo físico da sua entrega, até aí confiada ao mensageiro a cavalo.

Apesar de rudimentar este processo já equacionava as principais questões que ainda hoje são pertinentes em qualquer comunicação codificada, nomeadamente a eficiência da codificação e o controlo da sua recepção/transmissão, colocando em prática métodos tais como reserva de símbolos especiais de controlo (início, fim de transmissão, suspensão, falha do equipamento, erro de transmissão, etc.) ou a escolha do menor número de símbolos codificados para as letras ou números mais frequentemente utilizados na escrita, com o sentido de acelerar a transmissão.

Entretanto, os avanços tecnológicos permitiram a possibilidade da transmissão de informação via cabo eléctrico, o que veio a eliminar as principais desvantagens do telégrafo óptico, nomeadamente a necessidade da manutenção da linha de vista entre as estações emissoras/receptoras e a limitação da visibilidade imposta pela dependência das condições atmosféricas.

5 Jeremy M. Norman (2005). From Gutenberg to the Internet: A Sourcebok on the History of Information Technology, Novato (CA): historyofscience.com, pp. 173-174

91 Dos vários sistemas de telégrafo eléctrico, o criado por Samuel Morse (1791- 1872) e Alfred Vail (1807-1859), patenteado em 1836 e desenvolvido nos anos seguintes, foi o que teve maior sucesso e conseguiu uma maior implementação permitindo, em poucas décadas, comunicações transcontinentais fazendo uso de cabos submarinos.

Do ponto de vista operacional uma chave de Morse liga ou desliga um circuito eléctrico durante um determinado tempo produzindo uma frequência audível cuja duração é assumida pelo receptor da mensagem como um ponto ou um traço que, agregados num conjunto máximo de cinco elementos seguidos, designa um caractere. Conceptualmente, o processo de ligar e desligar um circuito para a transmissão de informação é representativo de dois estados possíveis, podendo-se afirmar que, deste modo, se está perante um sistema de codificação binária.

Curiosamente George Boole (1815-1864), matemático contemporâneo de Morse e interessado no estudo da filosofia do pensamento, ao assumir também no seu trabalho dois estados, Verdadeiro e Falso, traduziu o estudo das operações lógicas num conjunto de regras matemáticas que ficaram conhecidas como a álgebra combinatória de Boole.

Esses estudos foram decisivos no trabalho de Claude Shannon (1916-2001), nos anos 30, na optimização de circuitos eléctricos, que utilizavam relés6 como interruptores para o cálculo matemático de equações diferenciais. Esse trabalho de Shanon seria, mais tarde, instrumental no desenvolvimento dos sistemas digitais de computação.

A passagem dos sistemas de computação digital electromecânicos7 para os electrónicos teve a ver não só com o desenvolvimento da tecnologia (utilização de

6 Um relé é um componente electromecânico que funciona como um interruptor mediante a passagem ou não de corrente eléctrica numa bobina que, ao produzir um campo magnético, move um dispositivo que abre ou fecha um circuito. Claude Shannon, na altura investigador e assistente no departamento de engenharia eléctrica no Massachusets Institute of Technology (MIT), reuniu os seus estudos sob a forma de tese de mestrado que apresentou em 1938 com o título A Symbolic Analysis of Relay and Switching Circuits. Um resumo da tese pode ser consultada em: https://www.cs.virginia.edu/~evans/greatworks/shannon38.pdf (consultado em 22 de Julho de 2015).

7 O primeiro desses sistemas - o Zuse 1 - foi concebido por Konrad Zuse (1910-1995) em 1938 embora a sua funcionalidade e fiabilidade fosse reduzida devido a problemas mecânicos. O modelo Zuse 3 (1941), embora ainda electromecânico, era mais robusto que o Z1 e teve aplicação prática durante a Segunda Guerra Mundial pelos alemães. Historicamente o primeiro computador digital electrónico programável foi o Colossus Mark 1 (1943/4), utilizado pelos serviços secretos britânicos durante a Segunda Grande Guerra para a descodificação de mensagens encriptadas pelas forças alemães.

92 válvulas e mais tarde de transístores, que substituíram os relés como interruptores) mas também com o esforço imposto por uma guerra que claramente viu na rapidez da computação uma vantagem absolutamente necessária, nomeadamente na criptografia e no cálculo balístico.

A capacidade de programar os computadores foi uma outra área importante e que mereceu atenção passando-se de um processo manual – que obrigava o operador ao estabelecimento de ligações físicas com cabos e interruptores, com todos os inconvenientes ligados à morosidade do processo de programação (horas ou dias) e do conjunto de instruções muito limitado - para um processo de armazenamento electrónico na memória do próprio computador.

Esta passagem deve-se em particular ao trabalho do cientista John von Neumann (1903-1957) ao criar uma organização particular mais eficiente dos elementos que constituíam o computador e que passou, em ciências da computação, a designar-se por arquitectura de von Neumann (1946).

Nesta arquitectura, as instruções de programação partilham com os dados a memória do computador sob a mesma forma (código binário) cabendo ao processador interpretar o conteúdo das posições de memória de modo diferente conforme se trate de uma instrução ou de dados. Este processo permitiu aumentar substancialmente a rapidez de cálculo e o número de instruções a executar.

As linguagens de programação surgiram assim como uma necessidade de criar uma interface entre o utilizador e o computador de modo a que aquele pudesse, utilizando uma sintaxe própria, escrever instruções para o sistema traduzir em linguagem máquina e executar.

As primeiras linguagens de programação, que tiveram aplicação prática, datam de meados dos anos 508 e tinham uma vocação científica. Hoje contam-se dezenas de linguagens dirigidas para os mais diferentes domínios (Internet, base de dados, design visual, etc.).

Há portanto, a partir desta altura, aquilo se designa em linguagem corrente por código de programação ou simplesmente código, produzido pelos programadores de

8 São exemplos o FORTRAN (1955) e o LISP (1958).

93 sistemas e informação, introduzida nos sistemas por operadores ou sistemas automáticos de aquisição de dados.

A produção de aplicações informáticas baseadas nas linguagens de programação multiplicou-se rapidamente à medida que os computadores se tornavam mais acessíveis e baratos, passando a informação a ser uma matéria sensível manuseada das mais diferentes formas pelas aplicações e dispositivos.

O domínio do código, a intenção com que se utiliza, os objectivos a que se propõe, formata a informação de acordo com determinados parâmetros. Essa formatação, aparentemente transparente para o utilizador final, não é de todo inocente e condiciona mecanismos e pessoas numa sociedade que, a partir de meados do século XX, se tornou cada vez mais dependente das tecnologias de informação.

O reconhecimento destas particularidades fez com que a plasticidade do código fosse utilizado de diferentes formas por artistas/engenheiros tanto na produção de aplicações e sistemas, como na crítica e desconstrução de uma manipulação que tem tanto de técnica como cultural constituindo, como veremos, um novo paradigma no convir artístico da passagem do século XX para o XXI.

94 2.1.2 - Código: Biologia e Genética

Se nas primeiras décadas do século XX os desenvolvimentos da matemática, da física e da química, tiveram um papel fundamental num novo entendimento da matéria que constitui o mundo em que vivemos, através dos estudos da mecânica quântica e das teorias da relatividade, e se a computação, a partir dos anos 50, contribuiu para modelar e formatar os modos de vida das sociedades ditas desenvolvidas, também os estudos da biologia e da genética foram fundamentais na apreciação do orgânico e na relação do humano com os outros seres vivos.

Obviamente que um conhecimento empírico das espécies, acumulado de geração em geração, já tinha dado ao homem a capacidade de fazer cruzamentos de géneros diferentes para a criação de novas plantas ou animais com características específicas, de que são exemplos as enxertias nos pomares, conhecimento este que foi tanto usado de uma forma funcional e utilitária como puramente estética.

Esta esteticização da manipulação genética foi apresentada pela primeira vez num fórum artístico de referência no MoMA de Nova Iorque, instituição que realizou durante uma semana do mês de Junho de 1936 uma exposição individual totalmente dedicada à mostra de novas variedades de flores (Delphiniums)9 criadas por Edward Steichen (1879-1973), como resultado dos seus estudos e investigação nas últimas três décadas, interesse que manteve em paralelo com a actividade de fotógrafo pela qual era mais conhecido10.

Foi no entanto a investigação das ciências biológicas, nomeadamente da biologia molecular, que permitiu perceber os mecanismos da vida através do funcionamento dos genes, trabalho desenvolvido por diferentes investigadores que culminou em 1953 na

9 Steichen obtinha as novas variedades não só através de cruzamentos de diferentes espécies mas também fazendo uso de colchicina, uma droga utilizada em farmácia e que alterava a composição genética das flores.

10 Edward Steichen, companheiro de Alfred Stieglitz nos primórdios do pictorialismo, foi co-fundador das Little Galleries of the Photo Secession (1905-1917), mais tarde conhecidas como “291” por ser o seu endereço postal na 5ªAvenida em Nova Iorque, um espaço que se revelou instrumental na divulgação da fotografia e da arte moderna europeia (Matisse, Cézanne, Picasso, entre outros). Com um percurso entre a fotografia publicitária e moda, nos anos 20 e 30, foi mais tarde, entre 1947 e 1962, curador do departamento de fotografia do MoMA.

95 descodificação da estrutura das moléculas de ADN presentes nas células de todos os seres vivos, por James Watson e Francis Crick11.

Numa apresentação recente (2005)12 James Watson refere que foi a leitura nos anos 40 das questões e das pistas lançadas na publicação What is Life?, da autoria do fisíco teórico e prémio Nobel (1933) Erwin Schrödinger (1887-1961), que o levou a mudar a sua carreira para a biologia.

Na verdade, esta publicação de 1944 já mencionava que a essência da vida estava presente nos cromossomas do núcleo da célula, referindo neste particular que, “São estes cromossomas, ou provavelmente apenas as fibras de um esqueleto axial do que nós vemos ao microscópio como cromossomas, que contêm uma espécie de escrita codificada que descreve o padrão de todo o desenvolvimento futuro do indivíduo e do seu funcionamento no estado maduro. Cada conjunto completo de cromossomas contém todo o código”, (Schrödinger, 1944/2006: 21) acrecentado ainda que “ [...] eles são código-lei e poder executivo - ou, de uma maneira similar, eles são o plano do arquitecto e a ferramenta do artesão -num só.”13 (idem: 22).

É certamente legítimo fazer uma analogia entre a descrição de Schrödinger para o código genético e o código de computação, ambos primeiro como arquitecturas ou arquétipos e depois como programas e instruções executáveis para o cumprimento de uma determinada função. É também interessante notar a sensível coincidência no tempo de um pensamento estruturado em função do código, fruto eventualmente dos

11 A sua descoberta foi apresentada na comunicação Molecular Structure of Nucleid Acids: A Structure for Deoxyribose Nucleic Acid, publicada na revista Nature (vol. 171, nº 4356, pp. 737-738), em 25 de Abril de 1953.

12 Abertura da conferência TED2005 em: http://www.ted.com/talks/james_watson_on_how_he_discovered_dna.html (consultado em 12 de Março de 2013). TED (Technology, Entertainnement, Design) é uma organização sem fins lucrativos com sede em Nova Iorque e Vancouver que realiza encontros e conferências com o intuito de divulgar ideias inspiradoras de personalidades, artistas e investigadores convidados. http://www.ted.com/

13 “It is these chromosomes, or probably only an axial skeleton fibre of what we actually see under the microscope as the chromosome, that contains in some kind of code-script the entire pattern of the individual´s future development and of its future functioning in the mature state. Every complete set of chromosomes contains the full code; […] They are the law-code and executive power - or, to use another simile, they are architect’s plan and builder’s craft – in one”. Em: http://whatislife.stanford.edu/LoCo_files/What-is-Life.pdf (consultado em 20 de Julho de 2015)

96 desenvolvimentos tecnológicos em torno das práticas de encriptação de mensagens durante a segunda guerra mundial.

Porém, de um modo diverso, embora o código de programação dos computadores estivesse disponível logo nos anos 50 através do desenvolvimento de linguagens específicas no sentido de facilitar a criação de novas “entidades” de acordo com a ideia do programador, o código genético levou bastante mais tempo a ser utilizado de uma forma utilitária ou criativa.

De facto, o trabalho de Watson e Crick foi apenas o início de um conjunto de investigações que tiveram lugar nas décadas seguintes até ter sido possível, em 1973 na Universidade de Stanford, recombinar ADN de espécies diferentes (recombinant DNA), uma tecnologia que, permitiu à biotecnologia e à engenharia genética desenvolverem novos produtos importantes para a saúde humana (vacinas, testes de doenças, produção de insulina) mas também abrir outras possibilidades, ainda hoje temas de debate e controvérsia, como a produção de alimentos transgénicos ou a clonagem artificial.

Obviamente que os artistas encontraram também nestas tecnologias capacidades, fora do âmbito restrito da investigação científica, que lhes permitiram a sua utilização tanto de um modo inovador e criativo, como também no sentido crítico desse novo campo da engenharia genética.

As dificuldades que se lhes colocavam prendiam-se com o acesso a este material, restrito ao uso em laboratórios de investigação especializados, razão pela qual só a partir de meados dos anos 80 surgem projectos e trabalhos que fazem uso do código genético em processos artísticos.

Uma das primeiras peças nesta área é a obra Microvenus (1986) de Joe Davis (n.1951)14, que criou um organismo genéticamente modificado pela introdução numa bactéria (E. coli)15 de uma molécula de ADN sintetizado, cuja estrutura codificava a

14 Joe Davis é um pioneiro da Bioart, e um artista/investigador em genética/biologia tanto na Harward Medical School, como no MIT. Com trabalho na área da microbiologia desde meados da década de 80, em 2012 ganhou o prémio Golden Nica na categoria de Hybrid Arts no festival Ars Electronica, com a obra Bacterial Radio. O seu trabalho foi objecto em 2010 do documentário Heaven and Earth and Joe Davis, de Peter Sasowsky, que foi premiado em diversos festivais e inclui cenas filmadas em Portugal no âmbito de um workshop realizado pelo artista em 2002, na Fábrica da Pólvora (Barcarena – Oeiras).

15 Escherichia coli é uma bactéria encontrada no tracto intestinal e é a mais comum utilizada em biotecnologia.

97 forma de uma imagem de um “Y” e de um “I” sobrepostos, numa representação gráfica de um símbolo associado à vida e fertilidade em iconografias várias, mas também do sexo feminino16. A ideia do artista era veicular uma informação não genética através da utilização de ADN tendo como suporte bactérias, pelo facto de estudos recentes terem apontado para a sua resistência às condições de vida extremas tanto em ambiente terrestre como no espaço exterior.

Esta utilização do ADN, explica o artista17, é uma alternativa experimental aos sistemas de armazenamento de informação nos computadores já que é possível, através de uma operação de atribuição, passar a informação (imagem ou texto) digitalizada sob forma de código binário para uma sequência de bases da molécula de ADN (Citosina, Timina, Adenina, Guanina) e sintetizar uma nova molécula em que a organização dos pares de bases na dupla hélice do ADN reflectem uma informação real codificada, podendo esta ser readquirida através dos processos de leitura das sequências das bases do ADN18.

Joe Davis refere ainda que o facto de se estar a trabalhar com material genético como veículo de memória, e não com dispositivos fabricados pelo homem, torna mais fácil a sobrevivência da informação devido ao seu carácter reprodutivo e ao seu poder de auto-regeneração, caso haja modificações não desejadas ao ADN19.

16 Joe Davis refere que a inspiração para esta peça partiu do contraste entre as representações femininas na antiguidade (figuras de Vénus) e as veiculadas pelos cientistas da NASA quando optaram por eliminar a representação exterior dos órgãos genitais femininos nas placas gravadas e enviadas para o espaço exterior a bordo da sonda Pioneer 10 (1972), manifestando uma censura cultural. A obra Microvenus afirma-se por um lado como uma crítica artística a esta censura e, por outro, como um veículo possível de reparação desta tentativa de comunicação extra-terrestre, como uma espécie de post-script ou adenda ao que foi enviado (Davis, 1996: 70-74).

17 Joe Davis, “Microvenus”, in Contemporay Art and Genetic Code, Nova Iorque: College Art Association, Art Journal, Vol. 55, No. 1, (Spring, 1996), pp. 70-74.

18 Este processo foi patenteado (Pak Wong, Kwong Wong, Harlan Foote) nos Estados Unidos, em Junho de 2006, com o título Storing Data Encoded DNA in Living Organisms (Pat. 7056724 B2), em que é referenciado o artigo de Joe Davis mencionado na nota anterior. http://www.lens.org/images/patent/US/7056724/B2/US_7056724_B2.pdf (consultado em 28 de Janeiro de 2014)

19 “Once inside the bacteria into which it can be introduced, DNA can be robust. Bacteria have been shown to survive extreme pressures and temperatures. […]Further, if bacterial DNA molecules are accidentally damaged due to injury or ionizing radiation, built-in capabilities can self-correct, a feature generally lacking in physical-storage media or in other cellular components. […] Another important feature of biological data storage is that it is self-copying. Astronomical numbers of individual bacteria

98 Estava aberto, deste modo, um novo campo de investigação artística que, ao utilizar o código genético como bloco elementar de trabalho, veio suscitar questões éticas relacionadas com o manuseamento e finalidade deste material, mas também a acompanhar a investigação científica e a lançar questões sobre os interesses económicos associados a esta nova área de investigação. Fazendo parte de um campo mais alargado que se convencionou designar de Bioart, estas práticas artísticas são bem um exemplo de uma integração de vários domínios científicos e tecnológicos para a sua realização.

(and/or bacterial spores) can be safely and inexpensively produced by fermentation of one or more ´parent´ cells in an appropriate medium (nutrient broth). Because their production is safe and cheap, bacteria can conveniently be sent to numerous possible destinations.” (Davis, 1996: 73).

99 2.1.3 - Código: Cibernética, Inteligência e Vida Artificial

A expressão vida artificial (em inglês, A-life) tem a ver com o estudo e a lógica dos sistemas vivos para, através de mecanismos de simulação que fazem uso da computação e outros meios, potenciar a criação de entidades autónomas que não só interajam com outras entidades e com o meio que as rodeia, revelando estruturas com poder de reacção, decisão e inteligência, mas também eventualmente com capacidade de se reproduzir.

Historicamente os autómatos celulares20, que John von Neuman divisou no final da década de 40 e início de 50, podem ser considerados uma primeira tentativa para simular um mecanismo artificial de evolução biológica. A sua motivação era a de criar uma máquina auto-reprodutora a partir de elementos simples. Daí o título da sua publicação póstuma, Theory of Self-Reproducing Automata que, editada em 196621, suscitou um conjunto de estudos teóricos importantes no desenvolvimento de diferentes modelos.

É nesta sequência que surge um dos mais conhecidos autómatos celulares evidenciando motivações biológicas no seu título - Game of Life – um jogo criado pelo matemático John Conway em 1970, no qual as células, assumidas como pequenos quadrados dispostos numa grelha ortogonal, só podiam estar num de dois estados possíveis, vivas ou mortas, dependendo apenas do estado das células vizinhas e de um conjunto de regras simples pré-estabelecidas22. Uma vez definidas as posições iniciais de algumas células vivas (semente) e iniciado o jogo, estas passavam a evoluir

20 Um autómato celular é um modelo matemático que pode ser utilizado para simular situações complexas. De uma maneira simplista, pode tomar a forma de uma matriz ou grelha de unidades lógicas, denominadas células, que podem assumir diferentes estados (29 estados no modelo de von Newman) sendo o seu estado futuro sempre função da informação trocada com as células vizinhas num determinado momento e de um conjunto de regras pré-programadas que se aplicam a todas as células.

21 John von Newman (edited and completed by Arthur W. Burks) (1966). Theory of Self-Reproducing Automata, Urbana e Londres: University of Illinois Press.

22 As regras definadas eram: • Qualquer célula viva que tenha menos do que duas células vivas adjacentes morre (como se a causa fosse a via de extinção). • Qualquer célula viva que tenha mais do que três células vivas adjacentes morre (como se a causa fosse a superpopulação). • Qualquer célula viva que tenha duas ou três células vivas adjacentes, vive na geração seguinte • Qualquer célula morta que tenha exactamente três células vivas adjacentes torna-se uma célula viva (nasce).

100 autonomamente nessa grelha bidimensional com cada iteração, como pequenos quadrados que se movimentavam, formando sequências e padrões muitas vezes complexos e inesperados que, metaforicamente, davam expressão a situações de morte, vida e sobrevivência, tal como na vida real23.

Os estudos de von Newman despertaram a atenção do cientista Christopher Langton, (n.1948) que, em 1984, criou uma versão de um autómato celular com uma intenção de auto-replicação (Langton Loop), dando início a um estudo multidisciplinar e sistematizado sobre a vida artificial, com uma nova fisionomia e dinâmica, quando mais tarde, em 1987, promoveu no National Laboratory, em Los Alamos, um encontro que congregou investigadores de diferentes áreas, no que denominou de Interdisciplinary Workshop on the Synthesis and Simulation of Living Systems, e que teve renovadas edições nos anos subsequentes com a publicação dos trabalhos apresentados24.

Segundo Langton, a vida artificial ao debruçar-se sobre a vida dita natural tenta recriar os fenómenos biológicos a partir da base por meio de computadores e outros meios artificiais, complementando de certo modo a abordagem analítica da biologia com uma metodologia de síntese. Ou seja, em vez de estudar os fenómenos biológicos desmembrando os organismos vivos para tirar ilações sobre o seu funcionamento, tenta agregar vários sistemas mais ou menos complexos que, no seu conjunto, se comportem como organismos vivos (Langton 1993: 261) 25.

Esta relação entre vida artificial, vida biológica, modelação matemática, e computação, é tembém devedora de um novo campo de estudo científico que veio a ser designado em 1947 de cibernética26, pelo matemático Norbert Wiener (1894-1964), e

23 Uma versão do jogo pode ser experimentada em: http://www.bitstorm.org/gameoflife/ (consultado em 25 de Julho de 2015)

24 A edição das comunicações deste primeiro encontro foi publicada em 1989: Cristopher Langton (ed.) (1989). Artificial Life: The Preceedings of an Interdisciplinary Workshop on the Synthesis and Simulation of Living Systems, Redwood City (California): Addison-Wesley.

25 “Artificial life (´AL´or ´A-life´) is the name given to a new discipline that studies ´natural´ life by attempting to recreate biological phenomena from scratch within computers and other ´artificial´ media. A-life complements the analytical approach of traditional biology with a synthetic approach: rather than studying biological phenomena by taking living organism apart to see how they work, we attempt to put together systems that behave like living organisms.”

26 O termo cibernética, refere Wiener, foi escolhido devido à falta de uma terminologia adequada que descrevesse e desse uma unidade ao “[…] conjunto de problemas centrados em torno de comunicação, controlo, e estatística mecânica, tanto na máquina como no tecido vivo.” (Wiener 1948/1961:11),

101 que está intimamente ligado ao título da obra que escreveu e lhe deu origem, Cybernetics: Or Control and Communication in the Animal and the Machine27, na qual o autor estabelece um paralelo entre os mecanismos de controlo e de comunicação nos sistemas biológicos (ou orgânicos) e na máquina para, através do seu estudo, ser possível criar modelos matemáticos para a simulação de comportamentos dinâmicos.

Obviamente que os conhecimentos de matemática de Norbert Wiener só por si não lhe facultavam o entendimento dos fenómenos fisiológicos que se propunha estudar. Porém, Wiener, um adepto convicto da transdisciplinaridade científica como forma de equacionar novos desafios e de resolver questões complexas28, mantinha já relações de trabalho com o fisiologista Arturo Rosenblueth e o engenheiro Julian Bigelow que culminaram, em 1942, na realização de uma primeira comunicação conjunta com o título de “Behaviour, Purpose, and Teleology”29, apresentada por Rosenblueth na Josiah Macy, Jr. Foundation, em Nova Iorque.

Esta comunicação foi integrada na conferência designada por Cerebral Inhibition Meeting, organizada por Frank Fremont-Smith (1895-1974), que mais tarde teve funções executivas na Macy Foundation, e foi instrumental na promoção dos encontros interdisciplinares que decorreram nessa fundação entre 1946 e 1953 (Macy Conferences) que congregaram neuro-fisiologistas, psiquiatras, matemáticos, engenheiros, psicólogos, antropólogos, entre outras especialidades. Estes encontros ficaram conhecidos, a partir de 1949, por Cybernetics: Circular Causal and Feedback Mechanisms in Biological and Social Systems.

preocupações orientadoras do grupo de cientistas que se dedicava a este conjunto de estudos desde 1942. O termo, de origem grega, tem o sentido de timoneiro, ou seja aquele que dirige. A metáfora do navio e do seu timoneiro era assim bem representativo de um sistema de controle que monitorizava e reagia a condições exteriores (sistemas retroalimentados ou, utilizando um termo anglo-saxónico, com feedback).

27 Embora esta obra tenha sido publicada em 1948 é na introdução, escrita em Novembro de 1947, que Norbert Wiener afirma: “Altough the term cybernetics does not date further back than the summer of 1947, we shall find it convenient to use in referring to earlier epochs of the development of the field.” (Wiener, 1948/1961:12).

28 “For many years Dr. Rosenblueth and I shared the conviction that the most fruitful areas for the growth of the sciences were those which had been neglected as a no-man´s land between the various established fields.” (Wiener 1948/1961:2)

29 Esta comunicação foi publicada em 1943 na revista científica Philosophy of Science, nº10, pp. 18-24 (Wiener 1948/1961:8).

102 A investigação nesta área levou à execução de simuladores e à modelação matemática cada vez mais complexa que, a partir dos anos 50, começou a ter a ajuda de computadores, para a execução dos cálculos, e das ciências dos materiais para a construção de protótipos.

Foram os estudos da cibernética que levaram ao desenvolvimento da robótica no sentido da produção de dispositivos análogos ao funcionamento do corpo humano, tanto para a realização de sistemas que nos ajudam em tarefas repetitivas ou de precisão, nomeadamente na indústria, como para a realização de próteses que podem ser consideradas como extensões do próprio corpo, permitindo-lhe ampliar as suas capacidades, ou mesmo substituir partes do corpo que já não cumprem a sua função (membros artificiais).

É deste modo que, em 1960, poucos anos depois de iniciados os estudos da cibernética, surge o termo cyborg, um neologismo que aglutina os sentidos das palavras cibernético (cybernetic) e organismo (organism) para designar sistemas híbridos que participam destas duas naturezas, uma inorgânica ou artificial (máquina) e outra orgânica ou natural (biológica).

Uma das áreas pelas quais a cibernética também se interessou, para além do estudo dos aspectos puramente funcionais da máquina e do humano, foi o do conhecimento e do modo como a aprendizagem se exercia.

Uma segunda edição do livro de Norbert Wiener, publicada em 1961, vem justamente nesse sentido acrescentando dois novos capítulos à edição de 1948 com os títulos On Learning and Self-Reproducing Machines e Brain Waves and Self- Organizing Systems.

De um modo claro, Wiener faz no primeiro desses capítulos a seguinte pergunta “Será que as máquinas construídas pelo homem podem aprender e, de igual modo, reproduzir-se? Nós tentaremos demonstrar neste capítulo que de facto elas podem não só aprender mas também reproduzir-se, e daremos conta das técnicas necessárias para ambas as actividades.” (Wiener 1948/1961:170)

Wiener não resolveu totalmente a questão colocada, mas lançou as sementes para os estudos subsequentemente desenvolvidos pelas disciplinas da inteligência e da vida artificial apoiadas em modelos de computação cada vez mais exigentes e complexos, mas limitados por vezes pela tecnologia existente.

103 Embora a expectativa fosse grande relativamente às possibilidades imaginadas, as aplicações de inteligência artificial tiveram, além da robótica, um sucesso moderado, geralmente associadas a sistemas periciais (auxiliares de diagnóstico em medicina, por exemplo) e a funções de data mining (produção de informação a partir da detecção de padrões numa base de dados de hábitos de consumo, por exemplo).

Interessa referir, no entanto, que a modelação e a simulação foram áreas em que não só convergiram as mais diferentes disciplinas científicas e desenvolvimentos tecnológicos (física dos materiais, engenharia genética, nanotecnologia, ciências da computação, biotecnologia, neurociências, etc), como também foram geradoras de novas especialidades científicas.

Do mesmo modo que estas tecnologias interessaram aos cientistas também os artistas viram nelas uma variedade de possibilidades no âmbito da sua investigação, desenvolvida muitas vezes em parceria com engenheiros e laboratórios científicos, e que passaram por exemplo pela criação de dispositivos robóticos (Bill Vorn, Simon Penny), programação de sistemas periciais (Harold Cohen), implantação de próteses (Stelarc), criação de eco-sistemas artificiais (Rebecca Halen, Christa Sommerer e Laurent Mignonneau), ou de ambientes interactivos inteligentes (Ken Rinaldo).

Apesar das “esculturas cibernéticas” datarem da década de 50, de que é exemplo o robô CISP 1 (1956) de Nicholas Schöfer, a primeira obra que, embora ainda de um modo rudimentar, explorou a comunicação entre espécies e a interacção de um organismo vivo com o seu ambiente foi a peça Squat (1966), de Tom Shannon (n.1947), que fez parte da emblemática exposição The Machine as Seen at the End of the Mechanical Age (1968) no MoMA em Nova Iorque.

Esta obra, criada na juventude de Shannon, coloca em evidência a alteração da carga eléctrica de uma planta ao reagir à acção do visitante. Quando este lhe tocava, o sinal eléctrico captado através de sensores na planta e posteriormente amplificado, servia de interruptor para accionar motores que comandavam um tripé cujas hastes se retraíam e alongavam sequencialmente, ao mesmo tempo que um outro motor exercia a mesma função em duas hastes montadas com espelhos. Quando a planta era novamente tocada pelo espectador os motores paravam (Hultén 1968:193).

Estava aberto, deste modo, um vasto campo de exploração artística que privilegiava a relação do biológico (orgânico) com a máquina (inorgânico), podendo

104 fazer uso ao mesmo tempo da computação (redes neurais) e do código (algoritmos genéticos) como agentes facilitadores de projectos artísticos complexos que envolvessem noções de inteligência ou vida artificial.

105 2.2 – Arte

2.2.1 – Software Art

Culturalmente, a codificação do conhecimento e do mundo sempre foi um processo que permitiu o avanço das sociedades (escrita, bibliotecas), ou o exercício de poderes políticos e económicos (cifras, códigos). Logicamente a necessidade de estar de posse das chaves de acesso da manipulação dos códigos, e dos processos de codificação e descodificação da informação, tornaram-se essenciais para uma participação activa em qualquer período histórico e em particular na contemporaneidade, razão pela qual Friedrich Kittler (1943-2011), filósofo e influente teórico do estudo dos media, dá uma dimensão da sua importância ao referir que, “Os códigos […] são o que hoje nos determina e o que temos de articular se queremos evitar desaparecer completamente sob o seu domínio. Eles são a linguagem do nosso tempo […].”30 (Kittler, 2008:40).

Esta frase do artigo de Kittler, publicado originalmente em alemão em 200331, foi justamente o tema da edição do festival de artes e tecnologia Ars Electronica de 2003 – O Código: A Linguagem do Nosso Tempo – que, no início do século XXI, fazia uma chamada de atenção para um facto na altura já comum no dia-a-dia, a omnipresença do software em todos os sistemas que regulavam a vida contemporânea das sociedades desenvolvidas, e o modo como a sua utilização e aplicação condicionavam as estruturas sociais, económicas e culturais.

Esta perspectiva do início do século XXI foi o resultado do desenvolvimento tecnológico levado a cabo essencialmente a partir da segunda metade do século XX, em que se foi acentuando uma dependência cada vez maior dos sistemas controlados pelos computadores, tanto integrados em equipamentos diversos como funcionando autonomamente. Estes sistemas, como máquinas universais32, dependem do código de

30 “Codes […] are what determine us today, and what we must articulate if only to avoid disappearing under them completely. They are the language of our time […]”

31 Friedrich Kittler(2003). “Code oder wie sich etwas anders schreiben lässt” in STOKER, Gerfried e SCHÖPF Schnaitter (ed.) (2003). Code – The Language of Our Time, Ostterfildern-Ruit: Hatje Cantz Verlag (pp. 15-19)

32 A expressão refere-se ao modelo criado nos anos trinta pelo matemático Alan Turing (1912-1954) (Universal Turing Machine), que serviu de base para o desenvolvimento da computação moderna.

106 programação, dos algoritmos, e do desenvolvimento de aplicações para executarem funções que se revelaram determinantes na investigação tecnológica e científica, na criação de novos modelos económicos, no exercício do poder e da soberania dos governos, ou simplesmente na vida quotidiana de cada pessoa.

Efectivamente, a simples utilização e condução de um automóvel nos dias de hoje, a vigilância ou segurança electrónica, a utilização do cartão de crédito, a marcação da viagem, o acesso à Internet, o comando da televisão, o pacemaker, o telemóvel, são actividades e dispositivos que, independentemente da diversificação dos processos, meios e finalidades, têm na sua raiz um denominador comum – o software – que, além de condicionar o seu funcionamento de um modo invisível para o utilizador, é na realidade motor de novas abordagens sistémicas na procura de soluções para problemas complexos, de novos padrões de entendimento e de acesso à informação e, consequentemente gerador de novos comportamentos que moldam as sociedades e a cultura.

Nesta perspectiva, pode-se entender a máquina ou dispositivo como um efeito e não uma causa, entendendo-se agora um pouco melhor a citação atrás mencionada de Kittler ao referir a importância do código nas sociedades contemporâneas.

O enfoque do festival Ars Electronica nesta temática potenciou duas vertentes: em primeiro lugar, chamou a atenção para a necessidade de se iniciarem estudos críticos sobre o código e o software, no sentido de revelar o seu papel na cultura contemporânea - tendo sido realizado um simpósio temático de 7 a 11 de Setembro de 2003 composto por um conjunto de trinta e cinco apresentações agrupadas em tópicos como, The Meaning of Code, The Art of Code, Social Code, Collective Criativity, Tangible Code, Software & Art I, Software and Art II. - e em segundo lugar, serviu de estímulo à criação artística neste aspecto através da apresentação de diferentes obras em exposição e em particular com a mostra CODeDOC II, comissariada por Christiane Paul, ao criar uma segunda edição da exposição que tinha sido por si concebida no ano anterior, em Setembro de 2002, para o portal ArtPort do Whitney Museum of American Art de Nova Iorque33.

33 Explica Christiane Paul (Paul, 2003: 231) que, devida à política do Whitney Museum de só expor artistas americanos ou artistas e cidadãos que vivam e trabalhem nos Estados Unidos, a edição americana teve de contar com esta restrição (Golan Levin, Mark Napier, Brad Paley, Scott Snibbe, Martin

107 Esta exposição tinha como objectivo colocar em pé de igualdade tanto o código de programação em si como a sua execução, em vez de realçar apenas a sua funcionalidade, numa tentativa experimental de auto-reflexão sobre o tema questionando a existência de uma nova estética associada à relevância da presença do código, ou à definição de particularidades autorais que as diferentes abordagens (a escolha da linguagem de programação, a organização do programa, a funcionalidade) e utilização determinassem.

Esta atenção dada ao código de programação, presente na altura já num número significativo de artistas e obras - de que foi paradigmático o vírus informático biennalle.py34, especificamente criado e apresentado como obra artística em 2001 na 49ª Bienal de Veneza - levaram à sua organização em repositórios de acesso público na Internet, dos quais o runme.org35 criado em 2003 foi pioneiro, passando estas preocupações artísticas a serem denominadas sob a designação de software art.

Uma das primeiras tentativas de encontrar uma definição do domínio e da especificidade da software art foi ensaiada na edição de 2001 (4 a 11 de Fevereiro) do festival de arte e cultura digital transmediale36, realizado anualmente em Berlim, em que, também pela primeira vez, foi criada uma competição artística nesta categoria (artistic software) - tendo sido constituído para o efeito um júri formado por Florian

Wattenberg, Maciej Wisniewski, John Klima, Camille Uttertback, Mary Flanagan, Kevin McCoy, Savad Brooks, Alex Galloway) que, não existindo no Ars Electronica, lhe possibilitou convidar especificamente para esta exposição oito artistas/equipes fora desse âmbito: Reino Unido - Ed Burton, Graham Harwood e John F. Smith, Jr., Itália – epidemiC e Jaromil, Aústria - Annja Krautgasser & Rainer Mandl, Espanha - Joan Leandre, França - Antoine Schmitt.

34 Esta obra, produzida pela dupla Eva e Franco Mattes (conhecida como 0100101110101101.org) e o grupo epidemiC, foi apresentada em Portugal na exposição Emergências (16 de Junho a 2 de Setembro de 2012) na Fábrica ASA, em Guimarães, uma mostra com a curadoria de Marta de Menezes.

35 Criado em Janeiro de 2003 o runme.org é um projecto colaborativo - desenvolvido por Amy Alexander, Florian Cramer, Matthew Fuller, Olga Goriunova, Thomax Kaulmann, Alex McLean, Pit Schultz, Alexei Shulgin, e o colectivo The Yes Men - em que os próprios artistas introduzem a descrição e funcionalidade dos seus projectos, sujeitos a categorias temáticas e moderação dos criadores da organização, contabilizando-se em Maio do mesmo ano cerca de cento e oitenta projectos distribuídos por perto de cinquenta categorias diferentes (Stoker e Schöpf, 2003:224-230). No início de 2013 esta base de dados já contava com quatrocentos e cinquenta projectos. http://runme.org/about.tt2 (consultado em 28 de Janeiro de 2013).

36 Este festival começou em 1988 por se denominar de VideoFilmFest para, em 1997/98, alargar o seu campo de interesses à produção multimédia, altura em que o festival passou a designar-se transmediale. Com esta denominação o festival dirigiu o seu percurso da multimédia para a cultura digital, para a crítica e teoria, tendo criado em 2008 o prémio Vilém Flusser Theory Award..

108 Cramer (professor na Freie Universität de Berlim), e os artistas Ulrike Gabriel (n.1964) e John F. Simon, Jr. (n.1963) – ao mesmo tempo que era anunciado um painel de discussão, com oradores convidados e artistas participantes37, para debater e clarificar o tema.

Na ocasião a organização referenciou o evento do seguinte modo:

“A transmediale.01 organiza a primeira competição que inclui um prémio para o software. Esta competição reconhece o trabalho artístico realizado por artistas-programadores […] cujo material estético é o código e a programação a sua forma de expressão. Uma definição sugerida para a categoria de Software Art é que incorpore projectos nos quais o algoritmo […] não seja apenas uma ferramenta funcional, mas seja ele próprio uma criação artística.”38

Os artistas galardoados nesta primeira edição do prémio foram Adrian Ward/Signwave39 com a peça Auto-Illustrator40, que fazia referência ao software comercial Illustrator da Adobe mas que dava ao utilizador controlo sobre o processo de geração de algoritmos criativos, e o colectivo artístico Netochka Nezvanova com Nebula M.81, um web browser experimental que transformava e apresentava a informação recolhida da net dinamicamente sob forma sonora e gráfica, uma aplicação que já tinha sido premiada em 1999 no International Music Software Competition em Bourges.

37 Os oradores convidados foram Jean-Pierre Balpe, Florian Cramer (membro do júri), Ulrike Gabriel (membro do júri), Anne Nigten, Gerfried Stoker. Os artistas participantes foram os que constavam da short-list para o prémio (Chris Czikszentmihalyi, Golan Levin, Netochka Nezvanova, Daniela Plewe, Antoine Schmitt, Adrian Ward/Signwave). Em: http://archive.transmediale.de/01/en/conf_artistic.htm (consultado em 29 de Janeiro de 2013).

38 “The transmediale.01 has organised the first competition that includes an art award for software. This competition acknowledges the artistic work done by hybrid artist-programmers who are neither 'interactive media artists' or 'net artists', but whose aesthetic material is code and whose expressive form is software programming. One definition suggested for Software Art is that it encompasses projects in which self-written algorithmic computer software – stand-alone programmes or script-based applications - is not merely a functional tool, but in itself an artistic creation.”. Em: http://archive.transmediale.de/01/en/conf_artistic.htm (consultado em 28 de Janeiro de 2013).

39 Adrian Ward (n.1976) é um artista que se dedica à produção artística através do desenvolvimento de aplicações de software que eram distribuidas pela sua empresa Signwave. Em 2001 ganhou uma menção honrosa na categoria de arte interactiva, no festival Ars Electronica, e em 2007 foi co-fundador da Clay, uma empresa vocacionada para a criação de instalações interactivas multimédia.

40 http://swai.signwave.co.uk/ (consultado em 5 de Fevereiro de 2013)

109 À pergunta sobre o motivo que o tinha levado à criação desta nova categoria de artistic software, que assim se juntava à competição e prémios nas áreas do vídeo e da instalação interactiva, respondeu em entrevista o próprio director do festival, Andreas Broeckman, ao afirmar:

“Por duas razões. Um número razoável de artistas têm vindo a queixar-se que, de alguns anos a esta parte, as categorias existentes de classificação dos media artísticos têm falhado no enquadramento da sua aproximação estética. Eles são praticantes de uma arte que utiliza o código de computação como material estético. A prática estética consiste na programação e a produção estética tem lugar dentro do processador. O software que controla o computador não é apenas uma ferramenta de criação artística, é também um meio artístico. Qualquer definição do que seria a Software Art foi até agora muito generalista, e a necessidade de definir esta categoria foi, em primeiro lugar, uma das questões discutidas pelo júri. As conclusões do júri, em conjunto com os debates mantidos durante o festival, poderão dar origem a uma ideia mais precisa. E a segunda razão? O software é um factor decisivo na formatação da sociedade da informação emergente, cujo design – ou infra-estrutura – assenta justamente sobre o próprio software. Nós precisamos de ter uma maior consciência crítica relativamente à produtividade social do software. Não existe ainda uma teoria dos media que se debruce sobre o significado social do software. O painel que propusemos para debate sobre o Software Social, assume o software como um factor social formativo e, através da criação de uma competição nós queremos realçar o reconhecimento da criatividade desta disciplina no domínio artístico.”41

41 “For two reasons. A number of artists have been complaining for some years that the existing media art categories fail to comprehend their aesthetic input. They are practitioners of an art that uses computer code as aesthetic material. The aesthetic practice consists in programming, the aesthetic production takes place inside the processor. The software that controls the computer is not just an art-making tool, it is also an artistic medium. Any definition of what might count as Software Art was very loose to up to now, and the need to define the category in the first place was among the questions discussed by the jury. The findings of the jury in conjunction with the discussions held during the festival might deliver a more precise specification. And the second reason? Software is a decisive factor in shaping the emergent information society, whose design - or infrastructure - is coming about in software. We need to heighten our critical awareness of software‘s social productivity. There is still no media theory dealing with the social significance of software. The Social Software panel sees software as a socially formative factor, and by staging a competition we want to foster recognition of this creativity in the sector of art.” Em: http://archive.transmediale.de/01/en/p_broeckmann.htm (consultado em 1 de Fevereiro de 2013)

110 É interessante ainda considerar as reflexões sobre a software art que Florian Cramer e Ulrike Gabriel publicaram alguns meses mais tarde (Agosto de 2001) depois de terem sido, em Fevereiro, parte integrante do júri da competição no transmediale.01. Começando por formular a questão do que é a software art e de que maneira pode ser genericamente definida a noção de software, esclarecem: “Nós tivemos de responder a estas questões pelo menos provisoriamente quando nos foi pedido, em conjunto com o artista-programador John Simon Jr., para fazermos parte do júri de atribuição do prémio na categoria de artistic software no festival de artes transmediale.01 em Berlim, Alemanha.”.42

É curioso notar a expressão “tivemos de responder a estas questões pelo menos provisoriamente”, o que denota ainda não haver na altura uma substancial reflexão crítica sobre o tema embora, como referido anteriormente por Andreas Broekman, “Um número razoável de artistas têm vindo a queixar-se que, de alguns anos a esta parte, as categorias existentes de classificação dos media artísticos têm falhado no enquadramento da sua aproximação estética”.

Havia portanto, manifestamente, no século XX produção artística que só o início do século XXI viu ser-lhe reconhecido o mérito através de um novo enquadramento e estudo que, de certo modo, mais do que apenas categorizar práticas artísticas sob uma nova designação, veio mostrar-se revelador de um campo mais vasto de questões associadas ao software e ao código de programação, nomeadamente a necessidade de uma análise crítica do seu papel e influência na cultura e sociedade contemporânea, como mencionou Andreas Broeckman.

Dois exemplos que podem ser referenciados neste particular são as obras wwwwwwwww.jodi.org (1995), da dupla Joan Heemskerk (n.1968) e Dirk Paesmans (n.1965), conhecidos sob a designação de Jodi43 (abreviatura dos seus dois primeiros nomes), e Shredder 1.0 (1998) de Mark Napier (n.1961).

42 Florian Cramer e Ulrike Gabriel (2001). Software Art Em: http://www.netzliteratur.net/cramer/software_art_-_transmediale.html (consultado em 4 de Fevereiro de 2013).

43 A dupla Jodi, formada em 1994, foi pioneira no recurso à linguagem de programação para acentuar a crítica às convenções associadas aos sistemas de informação, usando os seus próprios mecanismos e recursos de um modo disruptivo e desestabilizador. Joan Heemskerk, nascida na Holanda, estudou fotografia e mais tarde frequentou o CADRE Laboratory for New Media, na Universidade de San Jose na Califórnia. Dirk Paesmans começou a sua carreira como

111 Ambas as obras têm um ponto comum, o manuseamento do código de programação no sentido de transformar aquilo que acreditamos ser informação em algo sem sentido, pondo a descoberto a sua fragilidade e o poder que se detém no domínio da sua formatação.

Na primeira, o acesso ao endereço electrónico http://wwwwwwwww.jodi.org/ revela um conjunto caótico de caracteres (fig. 2.1) não mostrando nenhuma informação coerente e dando a sensação de ter havido algum erro de interpretação do browser da Internet.

Na verdade, não se trata de erro algum mas o resultado algo desformatado de uma estrutura gráfica feita com os códigos alfanuméricos da linguagem de programação HTML (Hyper Text Markup Language), que só se conseguem visualizar acedendo ao código fonte escrito pelos programadores que deu origem à página44, revelando-se então estruturas com formas definidas aparentando esquemas de máquinas (fig. 2.2).

Fig. 2.1: Página de entrada do site http:wwwwwwwwwjodi.org (1995)

artista ligado ao vídeo, estudou com Nam June Paik na academia de arte de Düsseldorf, frequentando mais tarde igualmente o programa do CADRE dedicado à experimentação artística usando as tecnologias de informação.

44 Embora o comando para a visualização do código fonte HTML de uma página da web dependa do browser que se utiliza, uma das maneiras mais usuais é, com o cursor colocado em cima da página que se deseja ver, pressionar o botão do lado direito do rato e escolher a opção “ver código fonte”.

112 Estas formas estruturais (fig. 2.2) foram criadas pelos artistas linha a linha (o programa em HTML tem 270 linhas de código), seguindo os procedimentos normais de programação, mas utilizando os próprios símbolos do código de programação (o texto alfanumérico) de uma forma estética e sem preocupações funcionais, invertendo a sua função de programa que seria a de gerar páginas de informação inteligível, através da sua interpretação pelo browser.

Claramente o código de programação foi utilizado pela dupla Jodi como material de expressão artística integrando-se na âmbito da software art.

Fig. 2.2: Parte do código fonte (HTML) do site http:wwwwwwwwwjodi.org (1995)

No segundo exemplo, Shredder 1.0 funciona na net de uma maneira análoga aos destruidores de papel que transformam os documentos em tiras finas, ou pequenos pedaços, tornando ilegível a informação neles contida. Para tal Mark Napier criou um

Pode também ser visualizado no seguinte endereço electrónico: view-source:http://wwwwwwwww.jodi.org/ (acedido em 29 de Janeiro de 2014)

113 pequeno script em linguagem de programação Perl que analisa, divide, e procede à reformatação do código fonte de uma qualquer página web que o utilizador designe, apresentando-a de uma forma ilegível e fragmentada45, apresentando-se na figura seguinte a página de entrada da FCSH e o resultado depois do seu código fonte ter sido processado pelo Shredder 1.0.

Fig. 2.3: Shredder 1.0 (1998)

45 O programa poderá ser executado em: http://www.potatoland.org/shredder/shredder.html (consultado em 6 de Fevereiro de 2013).

114 Esta obra poderia ser assumida facilmente como um vírus, se o seu código fosse introduzido de uma forma maliciosa como “filtro” de passagem obrigatório antes da informação ser apresentada num ecrã a um utilizador final por qualquer browser ou, de um modo mais drástico, se o mesmo script de software tivesse a possibilidade de reescrever a nova informação, desformatando as páginas nas bases de dados que lhe deram origem, alterando-a em definitivo.

Estes são apenas dois exemplos de obras em que o código não só é a matéria que os artistas utilizaram para a produção artística mas também a sua execução levanta questões importantes relativamente à segurança, fiabilidade e disponibilidade da informação em rede, obrigando a uma pausa reflexiva.

Este parêntesis que abrimos, para apresentar de uma maneira abreviada duas referências artísticas no século XX, serviu apenas para corroborar o que Andreas Broekmann tinha referido em relação à falta de enquadramento estético de alguns artistas.

Na verdade, o trabalho iniciado no festival transmediale.01 teve, neste particular, uma continuidade sucessiva noutros festivais que deram origem a apresentação de comunicações, obras, concursos, artistas, debates, publicações, estudos, em que o temática do código e da software art esteve sempre presente.

É evidente que existiram alguns antecedentes importantes, ainda no século XX, de certo modo contribuindo para a atenção dada ao código de programação no transmediale.01, como por exemplo a atribuição em 1999 do prestigiado prémio Golden Nica na categoria .net, do festival Ars Electronica46, a Linus Torvalds pela criação do

46 A atestar a importância deste festival na comunidade artística ligada às artes digitais é de referir que no ano de 1999 deram entrada 2119 obras candidatas a concurso, de cerca de 60 países diferentes, nas categorias de .net (446), arte interactiva (270), animação por computador/efeitos visuais (271), música digital (532) e u19 freestyle computing (600) ( para jovens residentes na Áustria com menos de 19 anos), cada categoria premiada com um troféu Golden Nica. Este prémio em forma de uma pequena estatueta, foi criado em 1987, e a sua importância nas artes digitais pode-se dizer que é o equivalente ao dos Óscares no cinema. Em: http://www.nettime.org/Lists-Archives/nettime-l-9906/msg00034.html (consultado em 6 de Fevereiro de 2013). Neste festival a categoria .net criada em 1995, com a denominação de world wide web, passou a ser designada por Net Vision em 2001.

115 sistema operativo open-source47 Linux, dando ênfase à partilha do desenvolvimento do código e a uma nova cultura de software de distribuição livre de direitos através de licenciamento público (General Purpose Licence).

Também as sucessivas edições, desde 1998, das Generative Art International Conferences48, em Milão, certamente contribuíram, embora de uma maneira indirecta, para o reconhecimento da importância do código de programação em novas abordagens estéticas no âmbito das possibilidades da geração de funcionalidades autónomas na produção de obras artísticas49. Uma das comunicações proferidas neste particular, com o título The Aesthethiques of Generative Code (2000), teve a co-autoria de Adrian Ward50, artista que no ano seguinte ganharia, como referido atrás, o prémio artistic software na transmediale.01 e, no mesmo ano, uma menção honrosa na categoria de arte interactiva no festival Ars Electronica.

Em termos de tomada de consciência do grande público da importância do código de programação, não se pode deixar de mencionar o designado “bug do ano 2000”, em que se suspeitava de que uma parte significativa dos sistemas informáticos que controlavam os aeroportos, os hospitais, as transacções económicas, a distribuição

47 De uma modo sucinto a denominação de um software (sistema operativo, aplicação,etc) designado de open-source, significa que o seu código fonte não é propriedade de nenhuma entidade (pública ou privada) e que portanto qualquer outro programador pode ter acesso podendo modificá-lo e melhorá-lo. O sistema operativo Linux foi inicialmente desenvolvido por Linus Torvalds em 1991, enquanto estudante universitário em Helsínquia, tendo sido desde então adicionadas sucessivas funcionalidades por uma comunidade alargada de programadores tornando-o um sistema robusto e funcional que corre em diferentes plataformas e é tanto utilizado em ambientes universitários e de investigação, como comerciais ou de produção artística.

48 http://www.generativeart.com/ (consultado em 6 de Fevereiro de 2013)

49 De notar que a designação generative art não é sinónimo de software art, embora nela possa ser englobada. A primeira tem o seu foco nas aplicações que geram autonomia e resultados eventualmente não previsíveis pelo seu autor/programador mas o software é utilizado de uma maneira pragmática como em qualquer outra aplicação, enquanto que na segunda o código adquire uma visibilidade específica na desconstrução da sua utilização aplicacional comum, induzindo uma reflexão crítica sobre o seu papel e impacto cultural. Este tema é tratado de uma maneira mais extensa por Inke Arns no seu artigo Read_Me, Run_Me, Execute_Me: Software and Its Discontents, or: It´s the Performativity of Code Stupid (Arns, 2004: 177-193).

50 Neste artigo os autores (Geoff Cox, Alex McLean e Adrian Ward) fazem um paralelo entre a estética da poesia, na sua forma escrita e lida, e a do código generativo, argumentando que a sua apreciação estética está tanto na forma escrita como na sua execução, o que permitiria não só perceber o seu efeito mas entender os mecanismos, e a “poética”, da sua construção. Em: http://www.generativeart.com/ (consultado em 6 de Fevereiro de 2013)

116 de energia, as telecomunicações, etc, supostamente poderiam falhar na passagem do ano 1999 para 2000 devido a não ter sido acautelada, em alguns programas, a especificação completa do ano civil mas apenas a sua abreviatura para dois dígitos, o que levou à criação de comissões governamentais, serviços de consultoria empresariais, e planos de contingência que alarmaram a opinião pública e potenciaram gastos financeiros avultados.

Em Maio do ano seguinte, poucos meses depois do “bug do ano 2000”, mais um acontecimento ligado à informática surgiu de uma forma alarmante em todos os serviços noticiosos - um vírus informático tinha-se espalhado à escala mundial em poucos dias. Tratava-se do vírus que ficou conhecido como I Love You51, porque justamente era esse o título da mensagem recebida no correio electrónico, e que solicitava ao utilizador a abertura de um ficheiro anexo (Love-Letter-for-You). Uma vez aberto o programa viral replicava-se e enviava a mesma mensagem para contactos da lista de distribuição desse utilizador propagando-se rapidamente, ao mesmo tempo que substituía o conteúdo de ficheiros (nomeadamente ficheiros de imagem) pelo próprio vírus, propiciando novamente o seu reenvio quando o utilizador tentava abrir a suposta imagem52.

O seu efeito devastador fez com que algumas empresas e agências governamentais bloqueassem o acesso ao correio electrónico até ser encontrada uma solução, traduzindo-se em prejuízos e custos elevados que, só nos primeiros cinco dias, foram estimados em cerca de 6,7 mil milhões de dólares de acordo com o relatório da empresa de estudos Computer Economics53.

51 Curiosamente a mesma expressão foi aproveitado como título da exposição I Love You – computer_viruses_hacker_culture, primeiro apresentada em 2002 no Museum of Applied Arts em Frankfurt, e no ano seguinte integrada no festival transmediale.03 (31 de Janeiro a 6 de Fevereiro de 2003)

52 Por exemplo se uma imagem tinha como título “imagem_1.jpg.”, depois de “infectada” pelo vírus transformava-se em “imagen_1.jpg.vbs” em que o conteúdo do ficheiro era o próprio vírus e já não a imagem. Como nos sistemas Windows não se visualizava a nova extensão VBS (visual basic script) que o vírus acrescentou, o utilizador ao tentar abrir a suposta imagem enviava novamente o vírus para um conjunto de utilizadores da sua lista de distribuição do Outlook. (correio electrónico).

53 Computer Economics (2007), 2007 Malware Report: The Economic Impact of Viruses, Spyware, Adware, Botnets and Other Malicious Code Citado em: Hamid Nemati (2008). Information Security and Ethics: Concepts, Methodologies, Tools and Applications (Volume 1), Hershey (PA): Information Science Reference, p. XIV

117 Estes acontecimentos mais uma vez reforçam o sentido da afirmação atrás referida de Kittler sobre a necessidade de entender e dominar o código sob pena que ele nos domine, uma herança e uma ameaça que sempre esteviveram latentes mas que, de certo modo, se tornou mais consciente na passagem do século.

Curiosamente, o nome atribuido a este vírus informático foi aproveitado como título da exposição I Love You – computer_viren_hacker_kultur54, primeiro apresentada em Junho de 2002 no Museum Angewandte Kunst (Museu de Artes Aplicadas) de Frankfurt, e no ano seguinte ampliada e integrada no festival transmediale.03 (31 de Janeiro a 6 de Fevereiro de 2003) em Berlim.

Nesta mostra, além da componente didáctica que apresentava em terminais acessíveis aos visitantes uma coleção de mais de 400 virus que podiam ser testados, assim bem como informação histórica sobre os cerca de 30 anos de vírus informáticos, foram também exibidos biennale.py (2001) e bocconi.vbs (2001), dois vírus desenvolvidos com intenções artísticas55, o primeiro dos quais apresentado na 49ª edição da Bienal de Veneza (2001), como referido atrás, e o segundo nomeado pelos seus criadores como um brand virus56 (a marca era a Università Bocconni), que se propagava segundo o mesmo princípio do virus I Love You, e questionava os processos do marketing electrónico.

Além do tema relacionado com os vírus informáticos, a exposição propunha que também fosse feita uma reflexão sobre a função estética do código de programação, comparando as suas qualidades poéticas com a literatura experimental e a poesia vanguardista de Baudelaire e Apollinaire, tal como referido no comunicado de imprensa do transmediale.0357.

54 http://www.digitalcraft.org/index.php?artikel_id=244 (consultado em 25 de Julho de 2015)

55 O primeiro foi produzido pelos grupos 0100101110101101.org e epidemiC, e o segundo apenas pelo grupo epidemiC.

56 http://epidemic.ws/bocconi/index.html (consultado em 25 de Julho de 2015)

57 “Another perspective taken by the show reflects upon code as a language which, apart from its technical functionality, holds a high aesthetic component. The source codes that viruses are based on allow a comparison with experimental literature of the early avantgarde: Baudelaire or Apollinaire up to modern poets such as Ernst Jandl and the contemporary ‘Code Poets´.” http://www.digitalcraft.org/index.php?artikel_id=472 (consultado em 25 de Julho de 2015)

118 A inclusão desta exposição no transmediale.03 teve alguma lógica visto que, a sua edição de 2001 tinha já funcionado como um catalizador das preocupações estéticas surgidas na década anterior que colocavam ênfase no código de programação como matéria de trabalho, tendo sido criado para o efeito pelo festival um prémio para a categoria de software art, constituindo, deste modo, ponto de partida para reflexões mais aprofundadas sobre o tema.

E enquanto em 2002 o transmediale.02, efectivamente, continuou a premiar a categoria de software art58, dando seguimento à iniciativa do ano anterior, em Maio do mesmo ano foi criado um novo festival inteiramente dedicado a este tema, igualmente com o lançamento de um concurso e prémio neste âmbito, com a designação de read_me59 - numa evocação do nome dos ficheiros que normalmente acompanham qualquer instalação de software e que deverá ser lido previamente – com a sua primeira edição organizado em Moscovo (read_me festival 1.2) por Olga Goriunova60 e Alexei Shulgin61.

Em qualquer um dos dois festivais ainda se tentava clarificar a questão da definição do que seria a software art.

Nas palavras da declaração do júri do transmediale (Florian Cramer, Ulrike Gabriel, John F. Simon, Jr.), situava-se entre a netart, media art e a arte interactiva,

58 Em 2002 o artista galardoado foi Alex McLean com a obra Forkbomb, um pequeno programa escrito na linguagem Perl que, com apenas cinco linhas de código, levava à paragem do computador pela acumulação de processos lançados sucessivamente. O júri desta categoria foi constituído por Gollo Foellmer, Bob O´Kane e Antoine Schmitt.

59 Os membros do júri deste festival foram Florian Cramer, que tinha igualmente feito parte no ano anterior do júri no transmediale.01, Amy Alexander, Cue P. Doll, RTMark e Alexei Shulgin, tendo sido premiadas as obras Sibling Revelry: a Net Sampling Sound Toy, de Peter e Greg Traub, Skincare de Restate e Read_Me-No1Voter de Rainer Prohaska, de um total de 72 projectos apresentados. Em: http://readme.runme.org/1.2/ratien.htm (consultado em 8 de Fevereiro de 2013).

60 Olga Goriunova (n.1977) é actualmente (Julho 2015) professora associada no Center for Interdisciplinary Methodologies, na Universidade de Warwick (Reino Unido) e foi organizadora de todas as edições do festival de software art Read_me (Moscovo, 2002; Helsinquia, 2003; Aarhus, 2004; Dortmund, 2005). Foi uma das criadoras da plataforma runme.org (2003) e autora/editora de diferentes publicações relacionadas com a cultura digital.

61 Alexei Shulgin (n.1963) foi um pioneiro da netart nos anos 90 e criador, em 1994, da primeira galeria russa online de fotografia (Hot Pictures). Foi co-organizador das quatro edições do festival Read_me (2002-2005) e é co-administrador do repositório online runme.org. A prática com novos media fazem parte das actividades artísticas que desenvolve com Aristarck Chernyshev no colectivo Electroboutique e é actualmente professor na Rodchenko Moscow School of Photography and Multimedia.

119 realçando ainda que, “Na software art, o software não tem meramente uma função instrumental, o código é o seu material, ou a arte de codificar o seu trabalho artístico. O nosso critério como júri foi o de apenas considerar as propostas artísticas que se focassem no confronto com o software como um sistema conceptual ou como um processo. Processar o código tinha de estar no centro de um trabalho artístico para ser qualificado para o prémio.”62.

O entendimento dos organizadores do festival read_me não era muito diferente ao referirem que: “O software artístico é, em primeiro lugar e antes de tudo, software criado com propósitos diferentes dos tradicionais e pragmáticos. Tais programas não são vistos como ferramentas para a produção e manipulação de objectos digitais – em contas bancárias online ou trabalhos artísticos – eles são objectos artísticos de pleno direito”63, dando exemplo do que consideravam ser obras artísticas neste âmbito:

“Os seguintes trabalhos podem ser considerados como software artístico: 1. Instruções (sob forma de ficheiro read_me) de como modificar software standard (utilizado comummente), assim como patches [pequenos programas normalmente criados para corrigir problemas de funcionamento de uma determinada aplicação] e qualquer outro impacto no software, cujos resultados não foram planeados pelos produtores de aplicações, que levem à criação de um produto artístico. 2. Desconstrução de produtos de software existentes, incluindo jogos de computador. 3. Programas escritos de raiz com o propósito de diferirem dos propósitos racionais usuais do software, i.e. a recusa da ideia de um programa como uma ferramenta puramente pragmática.”64

62 “In software art, the software does not serve a merely instrumental function, but the code is its material, or the art of coding is the artistic craftsmanship of software art. Our criteria as jury for software art have been to only consider artistic propositions which focus on the confrontation with software as a conceptual system or a process. Running code had to be in the center of an artwork to qualify it for the award.” Em: http://www.gratin.org/as/txts/press/JuryStatementFinal.pdf (consultado a 7 de Fevereiro de 2013).

63 Olga Goriunova e Alexei Shulgin (2002). Artistic Software for Dummies, Thoughts About the New World Order. Em: http://readme.runme.org/1.2/teoren.htm (consultado em 7 de Fevereiro de 2013).

64 Em: http://readme.runme.org/1.2/abouten.htm (consultado em 8 de Fevereiro de 2013).

120

Ainda que obviamente os concursos e os prémios servissem de incentivo, dando ao mesmo tempo alguma visibilidade aos artistas que trabalhavam nessa área específica, eventualmente mais importante ainda era o pensamento, a crítica e a reflexão dos artistas e dos teóricos que, ao abordarem especificamente o software e o código, desmascaravam a sua suposta neutralidade e invisibilidade revelando o seu papel activo nas instâncias sociais e culturais da contemporaneidade.

Com efeito, os textos de Olga Goriunova e Alexei Shulgin (Artistic Software for Dummies, Thoughts About the New World Order), de Florian Cramer (Concepts, Notations, Software, Art), e de Matthew Fuller (Behind the Blip: Software as Culture / Some Routes into ´Software Criticism´, More Ways Out)65, produzidos para o festival read_me 1.2, são exemplos de vias de investigação mais tarde desenvolvidas pelos próprios e por outros investigadores.

O primeiro debruça-se sobre as questões da definição da software art e do seu papel na desconstrução do pragmatismo e racionalismo das sociedades ocidentais, ao fazer uso da ironia nas suas obras, ou contrapondo sistemas disfuncionais, como meio de alertar para os mecanismos de formatação ligados ao domínio e influência das aplicações informáticas numa sociedade tecnológica.

Este sentido de desconstrução é igualmente aproveitado no artigo de Florian Cramer66, para traçar uma breve genealogia da software art ligada à tradição Dada e à arte conceptual, utilizando uma forma mais alargada de encarar o código e a programação como um conjunto de instruções/conceitos não necessariamente executáveis por um computador67 para depois, ao retomar a concepção mais consensual da software art, reflectir sobre a existência de duas tendências na produção artística neste particular; uma mais formalista, em que relação do trabalho sobre o código é mais visível (Adrian Ward, Alex McLean, Geoff Cox), e outra em que são essencialmente

65 Em: http://readme.runme.org/1.2/teoren.htm (consultado em 8 de Fevereiro de 2013).

66 Em: http://readme.runme.org/1.2/teb2e.htm (consultado em 11 de Fevereiro de 2013).

67 Florian Cramer dá, neste contexto, como exemplos a peça de Tristan Tzara To Make a Dadaist Poem (1920), que consistia num conjunto de instruções para fazer um poema baseado na escolha aleatória de recortes de palavras de um artigo de jornal, e Compositions 1961 de La Monte Young que, nas suas 29 variações, simplesmente indicava ao executante para desenhar uma linha recta e segui-la.

121 endereçadas as questões culturais, sociais e políticas ligadas à produção de software (grupos I/O/D e Mongrel, Graham Harwood, Matthew Fuller).

É justamente neste último sentido que o artigo de Matthew Fuller68, explora a necessidade de uma prática crítica na produção de software propondo três abordagens diferenciadas que, na sequência do seu pensamento, tomam a designação de Critical Software, cujo intento seria a de “explicitamente puxar o tapete debaixo do entendimento normalizado do software”69 revelando os seus estratagemas; Social Software, realizado por e para aqueles excluídos da produção dos principais fabricantes de software, promovendo neste âmbito uma subcultura de partilha e de flexibilidade de adaptação (software open source) aos meios e utilizadores; Speculative Software que, de uma maneira liberta de restrições “pode ser entendido como um espaço de reinvenção do software pelos seus próprios meios […] operar reflexivamente sobre si próprio e sobre a sua condição de ser software […] tornar visíveis as dinâmicas, as estruturas, regimes e intenções de cada evento a que está ligado”70, constituindo a modalidade que mais se aproximava do software como matéria-prima de criação artística.

Este ensaio de Matthew Fuller deu o mote para o título da publicação, no ano seguinte, do seu livro Behind the Blip: Essays on the Culture of Software71, no qual foi incluído.

Eventualmente trata-se da primeira monografia em que não só o tema do estudo da cultura associada ao software é abordada de uma maneira crítica e teórica - a partir de um conjunto de textos da sua autoria já publicados na sua maioria em formato electrónico (em Telepolis, Mute, e lista de distribuição de correio electrónico nettime) – mas também acompanhada de uma reflexão sobre a sua prática artística a partir da segunda metade dos anos 9072, dando exemplos de obras em que teve parte activa.

68 Em: http://readme.runme.org/1.2/teb3e.htm (consultado em 11 de Fevereiro de 2013)

69 Idem

70 Idem 71 Matthew Fuller (2003). Behind the Blip: Essays on the Culture of Software, Nova Iorque: Autonomedia, pp. 11-37. 72 Matthew Fuller foi produtor do projecto Natural Selection (1996) do grupo Mongrel, e fez parte do colectivo I/O/D (com Colin Green e Simon Pope), que criou a peça Web Stalker (1997).

122 É através da análise e propósito dessas obras que Matthew Fuller evidencia uma forma de abordar o software e o código, já nos anos 90, com uma intenção diferenciada da sua utilização para a produção de aplicações artísticas que faziam uso da Internet apenas como galeria virtual ou como meio de interacção remota.

Antes porém da edição deste livro em 2003, Christiane Paul, na altura curadora adjunta de new media arts no Whitney Museum of American Art em Nova Iorque, criou em 2002 a exposição online CODeDOC73, que, nas suas palavras “[…] tinha mais a intenção de constituir uma experiência de exploração de processos de trabalho do que uma exposição com o sentido de marcar uma posição ou de afirmar um ponto de vista. Idealmente, eu queria levantar questões acerca do software como prática artística […]. Uma intenção do projecto era certamente desmistificar a noção do código como uma força escondida e algo ´misteriosa´, revelando o código ao visitante.” (Paul, 2003: 231).

Na verdade, qualquer visitante do site tem acesso tanto ao código fonte, na linguagem de programação que os artistas escolheram para o seu trabalho, como à sua execução, para visualização em tempo real dos objectos produzidos por esse código.

A posição de Christiane Paul é clara portanto; não existia subjacente a esta mostra online, uma intenção de subverter processos na afirmação de uma crítica ou uma tomada de posição relativamente a questões políticas, sociais ou culturais do papel do software na sociedade contemporânea, apenas revelar os seus mecanismos operativos74.

Os temas da exposição CODeDOC são retomados ainda em 2002 na Europa, no contexto do festival Electrohype75, que teve a sua segunda edição em Malmo na Suécia entre os dias 23 e 27 de Outubro, e que incluía no seu programa uma conferência de dois dias (24 e 25 de Outubro), cujo tema era Software and Art – Software as Art, no intuito de debater questões relacionadas com “o software como ferramenta artística e o

73 http://artport.whitney.org/commissions/codedoc/ (consultado em 14 de Fevereiro de 2013). 74 Esta posição da curadora está já de certo modo inscrita nos pressupostos de trabalho dados aos artistas participantes, que tinham como missão criar um programa para movimentar três pontos no espaço que não ultrapasse 8 KB, podendo optar pelas linguagens de programação Java, C++, Visual Basic, Perl, Lingo, XML. A revelação do código dos trabalhos aos visitantes do site permitia, eventualmente, comparar os diferentes processos e soluções encontradas pelos artistas/programadores, embora os objectos pudessem diferir radicalmente. 75 http://www.electrohype.org/sve.html (consultado em 13 de Fevereiro de 2013).

123 software como arte”76, através de um encontro e diálogo alargado de artistas, teóricos, e programadores.

Neste evento participou como artista e conferencista John F. Simon, Jr.77, que no ano anterior tinha sido membro do júri no transmediale.01, em Berlim, justamente na categoria de artistic software, e Olga Goriunova, que deu conta da experiência do primeiro festival read_me decorrido em Maio desse ano em Moscovo.

Não é também de menosprezar, o interesse académico por questões ligadas ao estudo da estética no âmbito das artes digitais que levou, ainda em 2002 (Junho), à criação do centro de investigação Digital Aesthethics Research Center (DARC)78, integrado no departamento de Information and Media Studies da Universidade de Aarhus na Dinamarca, e que apoiou activamente iniciativas ligadas ao estudo, publicação, e eventos ligados a esta área79.

Em 2003 já existia alguma massa crítica tanto de artistas, como de obras produzidas, e também interesse e reflexão teórica, para que um evento com o prestígio do Ars Electronica, que se movimentava em áreas transversais à arte, tecnologia e sociedade, se interessasse pelo trabalho desenvolvido e elegesse o código e o software como tema principal do festival desse ano que, deste modo, assumiu como lema – Código a Linguagem do Nosso Tempo.

Efectivamente, o ano de 2003 constituiu, até à altura, um ano recorde de propostas artísticas a concurso neste festival, totalizando 2.714 obras de cerca de 2.500 participantes provenientes de 85 países, incluindo 397 propostas80 na categoria de Net Vision/Net Excelence, da qual fazia parte a software art.

76 Em: http://www.electrohype.org/electrohype2002/conference.html (consultado em 13 de Fevereiro de 2013).

77 A comunicação de John Simon Jr. teve como título Coding as Creative Writing, e as peças que apresentou na exposição foram Every Icon (1996) e Color Panel v1.0 (1999).

78 http://darc.imv.au.dk/?page_id=1396 (consultado em 14 de Fevereiro de 2013).

79 Em 2004 recebeu o festival read_me organizado por Olga Goriunova e Alexei Shulgin, e publicou read_me Software Art and Cultures. Aarhus: DARC Press, Aarhus University, um volume com as actas das conferências e a descrição de um conjunto de projectos em exposição. Em 2010 este centro de investigação publicou a tese de doutoramento de Geoff Cox Antithesis: The Dialectics of Software Art, Aarhus: DARC Press, Aarhus University. 80 Em: http://90.146.8.18/en/global/press_detail.asp?iPressID=17 (consultado em 15 de Fevereiro de 2013)

124 Não se pode dizer, no entanto, que as escolhas das propostas que ganharam os troféus Golden Nica, nas categorias de Net Vision ou Net Excellence reflectissem as questões intrínsecas ligadas ao código, no sentido em que Olga Gurionova, Florian Cramer ou Matthew Fuller tinham já anteriormente concretizado. Na verdade, tanto Noderunner (2002), de Yuri Gitman e Carlos Gomes de Llarena (vencedor na categoria de Net Vision), como Habbo Hotel, desenvolvido pela empresa finlandesa Sulake Labs Oy (vencedor na categoria de Net Excellence), eram aplicações lúdicas que não tinham intuito reflexivo, nem a pertinência do seu código era relevante para o utilizador81.

Do mesmo modo a maioria das obras em exposição que integravam o tema principal da exposição (Code)82 também correspondiam a aplicações que utilizavam o código de programação mais de uma forma convencional, embora visualmente inovadora e apelativa, do que como um meio para a reflexão crítica sobre o modo como o código poderia condicionar a vida contemporânea.

Esta também foi uma das críticas de Lev Manovich83 ao afirmar que, “Embora a exposição CODE e o Electrolobby que foi colocado em palco no Brucknerhaus de Linz, tenham apresentado um conjunto vivo e diverso de prática artística, dentro e em volta do tema da software art, senti que as questões mais vastas acerca do papel do software

81 Noderunner é um jogo que transforma um espaço citadino numa área lúdica, em que se movimentam fisicamente equipas com computadores portáteis, cujo objectivo é procurarem e fazerem log-in no maior número possível de wi-fi hot spots (dispositivos emissores/receptores de acesso público à internet) num determinado tempo estabelecido. http://www.med44.com/pages/noderunner.html (consultado em 15 de Fevereiro de 2013). Habbo Hotel é um jogo social online vocacionado para jovens que permite a interacção através da criação de comunidades e ambientes virtuais. Divulgado pelas redes sociais, conta hoje com mais de 250.000.000 de utilizadores registados. http://www.sulake.com/habbo/ (consultado em 15 de Fevereiro de 2013)

82 As obras que integravam o núcleo temático eram: Das Universelle Datemwerk – Datanwerk: Mensch (Richard Kriesche), Microimage (Casey Reas), FooD (F-zero-zero-D), Reactive Graphics History (John Maeda), Visualy Desconstructing Code (Ben Fry), Epigenic Painting (Roman Verostko), CODeDOC II (curadoria de Christhiane Paul), bitforms gallery (Steve Sacks), Trash Mirror (Daniel Rozin), Crossing & the Nomadic Lines of Flight (Shirley Shor), Dictionary of Primal Behaviour (Urtica), Matarisama Dolls (Masahiro Miwa/Noriaki Ogasawara), Music Creatures (Marc Dowie), 24! (Michael Aschauer/Norbert Pfaffenbichler/Lotte Schreiber), co.in.cide ( Art & Tek), Mobile Feelings (Christa Sommerer/Laurent Mignonneau), Not to Scale (Isabelle Cornaro/Herman Chong) (Leopolseder et al, 2004: 338-339).

83 Lev Manovich (1960), autor de referência e conferencista internacional, é doutorado em estudos visuais e culturais pela universidade de Rochester, e actualmente é professor no CUNY Graduate Center (Nova Iorque), depois de mais de dez anos como professor associado de artes visuais e new media na Universidade da Califórnia, em San Diego. Em: http://www.manovich.net/about.php (consultado em 18 de Fevereiro de 2013).

125 na produção cultural não foram tidas em conta.”84, embora tenha assumido que no conjunto das 35 comunicações apresentadas no simpósio organizado em volta do tema do festival, de facto alargou-se a questão dos domínios culturais e políticos, enfatizando a intervenção de Friedrich Kittler e Florian Cramer.

A intervenção final do simpósio, devida a Andreas Broeckmann, director artístico do festival transmediale85, vai justamente no mesmo sentido, ou seja, da necessidade de reforçar a necessidade da reflexão sobre a recepção e o impacto cultural do código e do software.86 Neste particular fez notar a ausência da contribuição de Matthew Fuller nos debates, não deixando de referenciar a importância do trabalho já anteriormente desenvolvido por este autor.

É ainda interessante registar nas suas palavras que foi justamente alguns anos antes naquele fórum, quando Andreas Broeckmann e John F. Simon, Jr. fizeram parte do júri da categoria de .net no festival Ars Electronica de 1998, que, em conversa, este último lhe sugeriu que “[…] deveria haver uma categoria na competição para além da net art e arte interactiva, uma nova categoria dedicada a trabalhos artísticos que envolvessem especificamente software”87, ideia que veio mais tarde a ser concretizada por Andreas Broeckmann no festival transmediale em 2001.

Podemos dizer, de uma maneira simbólica, que este discurso de Broeckmann em 2003 encerra, por assim dizer, uma primeira fase pioneira de uma necessidade de trazer para primeiro plano o código não só como matéria de produção artística mas também de reflexão na cultura contemporânea que, iniciada em 2001, era já fruto da prática artística

84 O texto é uma citação da versão portuguesa em: http://www.virose.pt/vector/b_07/manovich.html (consultado em 18 de Fevereiro de 2013). O original em inglês tem como título Don´t Call it Art (2003) e encontra-se em: http://www.manovich.net/articles.php

85 Teve esta função entre os anos de 2000 e 2007.

86 “The starting point of the debates about software and culture is the realization that we have to take software seriously as a cultural artefact with a history, a sociology, and culture, in fact different cultures and histories attached to them”. Em: http://www.nettime.org/Lists-Archives/nettime-l-0309/msg00121.html (consultado em 18 de Fevereiro de 2013).

87 Andreas Broeckmann (2003). “Ars Lecture on Software / Art / Culture”, lista de distribuição de correio electrónico nettime em 25 de Setembro de 2003. http://www.nettime.org/Lists-Archives/nettime-l-0309/msg00121.html (consultado em 18 de Fevereiro de 2013).

126 e de um interesse que vinham detrás, e para a qual o Ars Electronica (2003) deu, apesar das críticas, uma maior visibilidade.

Ainda em 2003, e anteriormente à edição do Ars Electronica, constituiu um contributo importante para a divulgação de projectos de software art a criação da base de dados de acesso público runme (http://runme.org/). A ideia surgiu após a realização do festival read_me 1.2 em Moscovo que, numa iniciativa dos seus organizadores, tomou forma em Janeiro de 2003, constituindo um repositório base para a edição do festival desse ano (read_me 2.3), que decorreu nos dias 30 e 31 de Maio em Helsínquia.

Nesta edição, foi abandonado o sistema de atribuição de prémio monetário ao melhor trabalho apresentado de software art optando-se por uma escolha e divulgação alargada de projectos através de uma publicação em formato de livro. A edição de Read Me 2.3 Review88, constituiu assim uma mais-valia, que teve continuidade no ano seguinte, estabelecendo um formato em duas partes; uma primeira que transcrevia entrevistas a um conjunto de investigadores relacionadas com a cultura do software89, e uma segunda relacionada com os projectos seleccionados no festival.

O festival de 2004 (23 a 27 de Agosto), que teve lugar em Aarhus, na Dinamarca, teve um papel importante na expansão do discurso e da reflexão sobre o software como um fenómeno cultural, ao promover uma conferência com o título Software Art and Cultures, para a qual contribuíram 29 autores que apresentaram vinte comunicações organizadas tematicamente (Software: Social Prespective; The World According to Software; Software Art: Historical and Cultural Contexts; Code, Text; Software Art. Visual and Conceptual Traditions) e publicadas90 através da edição da entidade de acolhimento do festival, o Digital Aesthetics Research Center (DARC) da Universidade de Aarhus.

Adoptando o mesmo formato do ano anterior, esta publicação era complementada por uma segunda parte que apresentava um conjunto de textos sobre

88 Olga Goriunova e Alexei Shulgin (ed.) (2003). Read Me 2.3Reader, Helsínquia: NIFCA – Nordic Institute for Contemporary Art. Disponível em: http://www.m-cult.org/read_me/reader.php (consultado em 19 de Fevereiro de 2013).

89 Entrevistados Amy Alexander, Florian Cramer, Matthew Fuller, Alex McLean, Pit Schulz, Adrian Ward, entre outros.

90 Olga Goriunova e Alexei Shulgin (ed.) (2004). Read Me – Software Art & Cultures, Aarhus: Digital Aesthetics Research Center, University of Aarhus.

127 cada um dos 32 projectos seleccionados pela organização do festival, a partir da base de dados runme.org, comentados por um conjunto de especialistas sobre a matéria.

Segundo a organização o contexto deste festival, depois de duas edições em anos anteriores, era agora mais bem definido do que quando surgiu a ideia de o criar em 2001 (Goriunova e Shulgin, 2004:17), o que de certo modo transpareceu no pedido de comunicações para a conferência do evento em que era referido que, “A software art91 abarca uma extensa variedade de práticas desde as experiências formalistas a projectos com uma intenção política, da criação de ferramentas alternativas a add-ons e modificações criativas, de trabalhos algorítmicos a projectos com objectivos de mudança social. A software art foca-se e experimenta as estruturas subjacentes do domínio digital – o software, e as suas consequências existentes em quase todos os níveis da sociedade e cultura dos dias de hoje” (Goriunova e Shulgin, 2004:17) ou, dito de um modo mais abrangente, “ A software art é uma prática que vê o software como um fenómeno cultural e que define um dos principais domínios da nossa existência nos dias de hoje. Deste modo, o software não é considerado como uma camada invisível, mas, efectivamente, um nível decisivo e uma linguagem que funciona na reprodução de determinadas ordens, sejam elas estéticas, culturais, sociais ou políticas. A criatividade da software art questiona e redefine o software e os seus modos de funcionamento”92.

A descrição no parágrafo anterior retoma, talvez de um modo mais explícito, as considerações anteriormente feitas por Florian Cramer relativamente às duas tendências da praxis artística neste particular, uma mais formalista, fazendo uso do código de uma maneira convencional, e outra mais crítica e reflexiva relativamente à cultura do software.

Estas questões em torno da importância do software na contemporaneidade e da software art, como forma de lhe revelar os mecanismos através dos quais funciona e condiciona comportamentos e atitudes, foi perfeitamente interpretada por Christian Andersen e Soren Pold, ambos professores e investigadores na Universadade de Aarhus, ao referirem que a “[…] software art tem o potencial de tornar-se uma arte que articula

91 Manteve-se a expressão em itálico por ser um termo estrangeiro, apesar do original em inglês não ter esta forma.

92 Em: http://readme.runme.org/2004/conference.php (consultado em 20 de Fevereiro de 2013).

128 uma era – uma forma de arte que abre os nossos olhos para os modos como a cultura do software funciona.” (Andersen e Soren, 2004:12).

O ano de 2005 foi palco da quarta e última edição do festival Readme, desta vez em Dortmund na Alemanha (4 e 5 de Novembro), que tomou a designação de Readme 10093, pelo facto do conjunto de algarismos “100”, no sistema binário, corresponder ao valor quatro no sistema decimal, indicando assim, numa linguagem adequada ao festival, o número de vezes que o mesmo se tinha realizado.

Com foco na investigação e prática de modos diferenciados de produção de software com intenção artística, o festival, que tinha como o lema Temporary Software Art Factory94, estimulou e apoiou financeiramente um conjunto de 10 projectos (cinco projectos artísticos e cinco textos críticos), que foram seleccionados previamente por um júri95 na sequência do lançamento de um concurso de ideias, e cujo resultado de investigação foi apresentado nos dois dias do festival, fazendo parte de uma publicação editada em forma de livro96.

Das comunicações apresentadas a de Mitchell Whitelaw97, revisita a dualidade “formalismo”, versus “culturalismo” na software art, tendo como objectivo fazer uma ponte entre estas duas formas de encarar o código de programação, retomando os textos de Florian Cramer, publicado na edição do festival read_me de 2002, e de Inke Arns e Troels Johansson, publicados no mesmo evento em 200498.

93 http://readme.runme.org/ (consultado em 21 de Fevereiro de 2013).

94 O tema do festival fazia um paralelo com a vocação industrial da cidade de Dortmund, implementada numa zona da Alemanha conhecida pela sua indústria pesada (a região do Ruhr), mas que nas décadas recentes tinha já apostado o seu desenvolvimento nas tecnologias de informação.

95 O júri era composto por: Inke Arns, Francis Hunger, Olga Goriunova, Alexei Shulgin, Amy Alexander e Alex McLean.

96 Também disponível em: http://readme.runme.org/100/readme100_7.pdf (consultado em 21 de Fevereiro de 2013).

97 Mitchell Whitelaw (2005). “System Stories and Model Worlds: A Critical Approach to Generative Art”, in, Olga Goriunova (ed.) (2005). ReadMe 100 – Temporary Art Factory, Dortmund: Herstellung und Verlag: Books on Demand GmbH, pp. 135-154.

98 Florian Cramer (2002). Concepts, Notations, Software, Art. Em: http://www.netzliteratur.net/cramer/concepts_notations_software_art.html (consultado em 25 de Fevereiro de 2013).

129 Os argumentos de Whitelaw tinham a ver, por um lado com a posição já invocada por Inke Arns de que havia uma certa tendência de fazer coincidir o termo generative art99 com software art - reforçada nesse ano pela atribuição do prémio Golden Nica do festival Ars Electronica (categoria de Net Vision/Net Excellence) ao ambiente de programação Processing100, desenvolvido inicialmente por Casey Reas e Benjamin Fry, uma das ferramentas mais utilizadas nos últimos anos por programadores e designers na exploração da geração de formas abstractas – e por outro, com a necessidade de “reabilitação” de alguma generative art mostrando através de alguns exemplos que, para além da sua estética de pura abstracção, podiam subsistir narrativas, modelos, e metáforas de ecossistemas com interesse na definição de novas formas culturais.

As diferentes edições dos festivais read_me (2002-2005), a produção artística acumulada online na base de dados de acesso público runme, e o debate e a apresentação de comunicações no contexto da software art, estimularam os investigadores à apresentação de trabalhos de maior fôlego, de que é exemplo a tese de doutoramento de Geoff Cox com o título Antithesis: The Dialectics of Software Art

Inke Arns (2004). “Read_Me, Run_Me, Execute_Me: Software and Its Discontents, or: It´s the Performativity of Code Stupid”, in, Olga Goriunova e Alexei Shulgin (ed.) (2004). read_me – Software Art and Cultures, Arhus: University of Aarhus, pp. 177-193.

Troels Degn Johansson (2004). “Myse en Abyme in Software Art: A Comment to Florian Cramer”, in, Olga Goriunova e, Alexei Shulgin (ed.) (2004). read_me – Software Art and Cultures, Arhus: University of Aarhus, pp. 151-159.

99 Philipe Galanter, é um artista, investigador, curador, e professor na Universidade do Texas que tem desenvolvido trabalho relevante nesta área, e que define a generetive art de um modo abrangente como, “[…] qualquer prática artística em que o artista utiliza um sistema, tal como um conjunto de regras associadas às linguagens naturais, um programa de computador, uma máquina, ou outros sistemas processuais, que uma vez iniciados com algum grau de autonomia contribuem ou resultam numa obra artística.” Em: http://philipgalanter.com/downloads/ga2003_what_is_genart.pdf (consultado em 25 de Fevereiro de 2013). Esta definição pressupõe resultados não completamente controlados pelo artista que, de certo modo, cria uma plataforma de experimentação.

100 O Processing é uma linguagem e ambiente de programação open source, criado em 2001, e desenvolvida inicialmente para facilitar a aprendizagem das linguagens de programação num contexto visual. De acesso livre, é actualmente desenvolvido por uma comunidade alargada de contribuições tendo-se tornado numa ferramenta de utilização comum em actividades tão diversas como o design, a arquitectura, a engenharia, ou a prática artística. http://processing.org/ (consultado em 25 de Fevereiro de 2013).

130 (2006), editada mais tarde em 2010101, ou a realização do Software Studies Workshop, organizado por Matthew Fuller no Piet Zwart Institute, em Roterdão, onde se reuniu durante dois dias (25 e 26 de Fevereiro de 2006) um conjunto assinalável de investigadores, artistas e tecnólogos102 para debater questões relacionadas com o software como objecto de estudo e de prática artística.

Este encontro, que partia do reconhecimento de que o “software era frequentemente um ponto cego” no estudo dos media digitais e, na maioria da opinião dos investigadores, visto como um “vasto campo de instrumentalização”, foi igualmente um ponto de partida para outras diligências ligadas a estes estudos pela mão de alguns participantes como Lev Manovich que, no ano seguinte (2007), criou a Software Studies Initiative, uma linha de estudos e de investigação que actualmente tem pólos tanto na Universidade da Califórnia, em San Diego (California Institute for Telecommunications and Information Technology – Calit2), como na Universidade de Nova Iorque (CUNY).

A criação desta iniciativa foi decisiva para o arranque nos Estados Unidos de um encontro promovido por Lev Manovich, em San Diego (La Jolla), no sentido de criar uma comunidade de interesse em torno destes temas com a realização em 2008 do SoftWhere: Software Studies Workshop, um evento repartido em dois dias (21 e 22 de Maio), que congregou mais de 20 investigadores, na sua esmagadora maioria de universidades americanas, excepção feita a Anne Helmond (Holanda), Tristan Thielmann (Alemanha), e Cícero Silva (Brasil). Matthew Fuller, em representação da Universidade de Londres (Goldsmiths), apesar de confirmado não pôde comparecer.

Entre as apresentações públicas do primeiro dia, e a mesa-redonda/debate no segundo dia relacionadas com questões estratégicas ligadas ao desenvolvimento de áreas de interesse para os estudos do software, é de notar a participação de um representante da MIT Press, editora que nesse mesmo ano publicou uma das primeiras obras de referência nesta área - Software Studies: A Lexicon - uma colectânea de textos

101Geoff Cox (2010). Antithesis: The Dialectics of Software Art, Aarhus: Digital Aesthetics Research Center, University of Aarhus.

102 Das cerca de 40 personalidades, entre presenças confirmadas e participantes no projecto, contavam-se: Florian Cramer, Matthew Fuller, Olga Goriunova, Jaromil, Joasia Krysa, Lev Manovich, Jussi Parikka, Soren Pold, Alexei Shulgin, Geoff Cox, Friedrich Kittler, Adrian Ward. http://web.archive.org/web/20100327185154/http://pzwart.wdka.hro.nl/mdr/Seminars2/softstudworkshop (consultado em 25 de Fevereiro de 2013).

131 editados por Matthew Fuller, e que congregou um conjunto de estudos e autores que revelavam o seu interesse e investigação nestes campos103.

Esta participação da editora no evento serviu também para anunciar a criação de uma nova secção no seio da MIT Press, dedicada à edição de livros relacionados com os estudos de software (Software Studies Book Series), que nas publicações dos anos seguintes serviu de veículo à produção escrita nesta área104, fruto da investigação e prova do real interesse da comunidade académica nesta área.

Os workshops de Roterdão (2006) e San Diego (2008), e a associação de uma editora como a MIT Press, cimentaram em ambos os lados do Atlântico o interesse pelos estudos de software reflectindo o que a prática artística, essencialmente na Europa, vinha de alguns anos a esta parte a demonstrar em festivais como o Ars Electronica, read_me e transmediale, só para citar os mais conhecidos.

Mais recentemente (2011) a possibilidade da publicação de artigos online, e de consulta livre, foi facilitada pela criação do Computational Culture – A Journal of Software Studies que, num registo interdisciplinar, pretende abrir o leque a investigadores de diferentes áreas (estudos culturais, ciência da computação, teoria crítica, teoria dos media, filosofia, etc.) com o intuito de “examinar os modos como o software fortalece e formula a vida contemporânea”105.

A qualidade da publicação é garantida pela sujeição dos artigos à aprovação do grupo editorial composto por Matthew Fuller, Andrew Goffey, Olga Goriunova, Graham Harwood, e Adrian Mackenzie, académicos com publicações, experiência e curriculum importante na área.

103Matthew Fuller, Andrew Goffey, Derek Robinson, Soren Pold, Graham Harwood, Friedrich Kittler, Adrian Mckenzie, Ron Eglash, Simon Yuill, Jussi Parikka, Richard Wright, Matti Tedre, Ron Eglash, Olga Goriuniva, Alexei Shulgin, Lev Manovich, Ted Byfield, Michael Murtaugh, Florian Cramer, Alison Adam, Wilfried Hou Je Beck, Warren Sack, Nick Monfort, Cecile Crutzen, Erna Kotkamp, Geoff Cox, Adrian Ward, Wendy Hui Kyong Chun, Steve Goodman, Joasia Krysa, Grzesiek Sedek, Morten Breinbjerg, Marco Deseriis, Derek Robinson, Michael Mateas. Matthew Fuller (ed.) (2008). Software Studies: A Lexicon, Cambridge (Mass) e Londres: The MIT Press. Também disponível em: http://dm.ncl.ac.uk/courseblog/files/2010/02/softwarestudies.pdf (consultado em 27 de Fevereiro de 2013).

104 A primeira obra foi editada em 2009 tendo a MIT Press publicado até hoje (2013) mais quatro títulos. A direcção da edição da série ficou a cargo de Lev Manovitch e Noah Wardrip-Fruin http://mitpress.mit.edu/books/series/software-studies (consultado em 27 de Fevereiro de 2013)

105 http://computationalculture.net/computational-culture (consultado em 27 de Fevereiro de 2013).

132 2.2.2 – Bioart

“Alguns analistas predizem que o século XXI será o ´século da biologia´.”, é a expressão utilizada por Stephen Wilson106 (Wilson 2002:55) no início do capítulo que dedica à investigação biológica, como introdução à prática artística que faz uso das tecnologias de manipulação genética e de microbiologia.

Esta sua afirmação foi reforçada alguns anos mais tarde, em 2010, ao abrir o capítulo dedicado à biologia molecular no seu livro Art + Science Now107 com a seguinte frase:

“A biologia promete ser no século XXI um dos campos da ciência com maior possibilidade de descobertas. Comparativamente, alguns analistas acreditam que a revolução biológica poderá fazer parecer o enorme impacto da revolução digital uma brincadeira de criança. O optimismo e os recursos dedicados hoje à investigação biológica prometem ter um impacto profundo na vida comum do dia-a-dia bem como nas noções filosóficas acerca da própria vida. Quando os artistas se apercebem de tamanha concentração de energia cultural e foco, sentem-se compelidos a investigar e a responder.”108 (Wilson 2010:20)

Na verdade, o interesse na área da biologia e o modo como podia ser incluída na prática artística, já tinha tido exemplos pontuais, como vimos, nos Delphiniums (1936) de Edward Steichen ou na obra Squat (1966) de Thomas Shannon. Foi no entanto, a partir da década de 70, que os interesses e as afinidades ligadas à biologia começaram, via cibernética, a captar uma maior atenção dos artistas incluindo primeiro a robótica, a inteligência e a vida artificial e, mais tarde, a biologia molecular e a genética, alargando a reflexão para além das fronteiras do que normalmente é considerado orgânico e vivo,

106 Stephen Wilson (1944-2011) foi um investigador professor e artista focado nas novas tecnologias, tendo sido galardoado com um Prémio de Distinção no festival Ars Electronica de 1993. Com formação em Arquitectura, possui também um mestrado em Tecnologia/Performance e um doutoramento em Psicologia Educacional e Ciências Sociais Interdisciplinares. Foi professor no departamento de arte da Universidade da California (Conceptual and Information Arts) e autor de vários livros sobre a temática e cruzamentos entre arte e tecnologia.

107 Stephen Wilson (2010). Art + Science Now, Londres: Thames & Hudson

108 “Biology promises to be a major locus of discovery in the twenty-first century. Some analysts believe that the biological revolution will make the enormous impact of the digital revolution seem like a child´s play. The optimism and resources being devoted to biological research today promise to have a profound impact on everyday life as well as on philosophical notions about life itself. Whenever artists notice so much concentration of cultural energy and focus, they feel summoned to investigate and respond.”

133 no desenvolvimento de uma expressão plástica que podemos designar, no seu conjunto, de tecno-biológica.

As obras robóticas mencionadas no primeiro capítulo, Senster (1970) de Edward Ihnatowicz, ou Third Hand (1980) de Stelarc, enquadram-se nessa dinâmica de inspiração biológica enquanto no domínio da investigação em inteligência artificial o programa AARON, criado em 1973 pelo artista Harold Cohen (n.1928) e desenvolvido pelo autor ao longo de cerca de trinta anos, constitui uma referência incontornável na criação de desenho, e mais tarde pintura, executada por uma “entidade” autónoma109.

Na relação do orgânico com a obra artística, o reino vegetal continuou a ser inspiração e campo de experimentação nos cruzamentos genéticos de flores desenvolvidos a partir de meados da década de 80 pelo artista George Gessert (n.1944)110, tal como o tinha feito Steichen, embora Gessert afirme não ter tido conhecimento na altura em que começou a trabalhar nesta área da exposição que Steichen tinha feito no MoMA, em 1936 (Gessert,2007:194).

Para George Gessert o trabalho de hibridação com flores era como uma extensão da sua pintura (Gessert, 2007:188), tendo apresentado os primeiros resultados em 1988 (Iris Project) na exposição Post Nature que teve lugar na galeria New Langton Arts em S. Francisco.

Microvenus (1986), de Joe Davis foi, como referido anteriormente, a primeira obra que utilizou explicitamente o código genético como material artístico tendo sido criada no mesmo ano em que foi anunciado, pelo governo dos Estados Unidos, o programa Human Genome Initiative, trazendo para primeiro plano os desenvolvimentos tecnológicos associados à biologia molecular e a articulação do tema não só numa base científica, mas também filosófica e ética.

109 As diferentes fases de desenvolvimento do programa AARON, são abordadas na tese de doutoramento de Fernando Jorge Penousal Machado, Inteligência Artificial e Arte, Coimbra: Universidade de Coimbra, pp.27-35 (2006).

110 George Gessert (n.1944) iniciou a sua carreira como pintor após a conclusão da sua licenciatura e mestrado em Belas-Artes. Em meados dos anos 80 transitou da pintura para a hibridação de flores, vindo a interessar-se pelas relações entre a arte e a genética. Desde 1996 pertence ao grupo de editores (arte e biologia) da prestigiada revista Leonardo (MIT Press), onde também publicou alguns dos seus ensaios. Em 2005 a sua escrita ganhou o Pushcart Price e em 2010 publicou Green Light: Toward an Art of Evolution (MIT Press).

134 Entretanto os avanços nos estudos da inteligência artificial ligados à cibernética e robótica não deixaram de ser assinalados em encontros científicos que partilhavam não só informação técnica veiculada pelas comunicações dos investigadores, mas também serviam de pretexto para a mostra de experiências artísticas que faziam uso destas tecnologias. Foi o caso da décima conferência anual da Association for the Advancement of Artificial Intelligence, levada a cabo em Julho de 1992 em San Jose, na Califórnia (AAAI-92)111, em que foi apresentada a obra Edge of Intention, resultado de estudos em inteligência artificial por um colectivo de investigadores e artistas, que propunha um cenário 3D de interacção de quatro entidades distintas (uma controlada pelo operador). Estas entidades tinham a capacidade de reagir “emocionalmente” de acordo com o cumprimento dos objectivos para que estavam programados, cumprimento esse que dependia igualmente das situações de confronto/vizinhança das outras entidades112.

Foi porém em 1993 (14 a 18 de Junho), com a realização do festival anual Ars Electronica, em Linz, na Áustria, que a aplicação artística de todo este conjunto de tecnologias, ligadas ao desenvolvimento da genética, inteligência e vida artificial, cibernética e robótica, teve uma maior visibilidade.

De facto o tema do festival - Arte Genética - Vida Artificial – veio a reflectir um conjunto de interesses recentes abrangendo todo este conjunto de áreas que Peter Weibel, director artístico do festival, designou globalmente de arte genética definindo-a do seguinte modo: “A arte genética, como contraparte artística da engenharia genética, tem o intento de, por um lado, simular os processos da vida com as mesmas ferramentas tecnológicas e métodos da última, e por outro, de usar os métodos e estratégias tradicionais para uma reflexão crítica das consequências potenciais de tais simulações e da criação sintética da vida.”113 incluindo neste campo designações como, arte

111 http://www.aaai.org/Conferences/AAAI/aaai92.php (consultado em 29 de Março de 2013).

112 Esta peça mereceu no ano seguinte, no festival Ars Electronica, uma Menção Honrosa na categoria de Arte Interactiva. O funcionamento e explicação da sua operação pode ser visualizada em: https://vimeo.com/47883775 (consultado em 30 de Março de 2013).

113 “Genetic art as artistic counterpart of genetic engineering is on the one hand intended to simulate processes of life with the same modern technological tools and methods as the latter. On the other hand, it is to use traditional methods and strategies for a critical reflection on the potential consequences of such simulations and the synthetic creation of life.”

135 evolutiva, arte biogenética, engenharia genética, arte algorítmica, robótica, seres virtuais, e vida artificial 114

Este festival, além de constituir uma mostra de projectos recente nas vertentes acima indicadas, promoveu a realização durante os seus quatro dias de duração, de outros tantos simpósios cujos temas foram: Vida Artificial, Tecnologia Genética, Desejo de Imortalidade (Clonagem, Criogenética e Cosmética), e Robótica (Animação e Criaturas Artificiais), reunindo cerca de 30 apresentações de cientistas, investigadores e artistas que tiveram nestes fóruns oportunidade de trocar informações e estabelecer contactos para parcerias, pesquisa, e desenvolvimento de novos projectos.

O conjunto das 35 propostas artísticas em exposição, ligadas aos temas em questão, foi distribuído em subcategorias que incluíam Arte Biogenética (10), Criaturas Virtuais (3), Robótica (2), Manipulação Genética (11) e Vida Artificial (9).

Embora a secção denominada de Manipulação Genética fosse aquela que, aparentemente, seria a mais indicada para a apresentação de projectos artísticos que colocassem em evidência a utilização do código genético como material artístico, a exemplo do que Joe Davis tinha já feito na década anterior, a verdade é que nenhuma das propostas apresentadas nesta categoria enveredou por esta via centrando-se, em alguns casos, na escultura alusiva à manipulação genética, como por exemplo nas peças da série Misfits, de Thomas Grünfeld (1956), que provocava o espectador através da criação de seres híbridos em poses estáticas como se tivessem sido recriados para o museu através dos processos da taxidermia.

Do mesmo modo, na secção denominada Arte Biogenética os projectos apresentados endereçavam indirectamente a genética quer através da instalação (Genetix de Niki Nicki e Legal Cheese de Dan Peterman) ou através da pintura, como no caso de Roman Verostko (n.1929)115 com a apresentação de trabalhos (Ezequiel series)116,

http://90.146.8.18/en/archives/festival_archive/festival_catalogs/festival_artikel.asp?iProjectID=8828 (consultado em 29 de Março de 2013)

114 No seu artigo Genetic Art, Peter Wiebel define o que entende por cada uma destas designações, podendo ser consultado em: http://90.146.8.18/en/archives/festival_archive/festival_catalogs/festival_artikel.asp?iProjectID=8828 (consultado em 29 de Março de 2013)

115 Roman Verostko (n.1929) iniciou a sua prática artística nos anos 60 depois de uma passagem pela vida religiosa como monge (1952-1968) e de uma formação em teologia, arte (Master of Fine Arts no Pratt Institute), e história da arte (New York University e Columbia). Nos anos 80 dedicou-se ao trabalho com

136 executados por computador a partir de algoritmos generativos por si criados, que o autor denominou de epigenetic art117. Verostko refere-se a esta expressão como inspirada no termo epigenése que, em processos biológicos, designa o modo como uma planta ou fenótipo cresce a partir de uma semente ou genótipo, afirmando que, de uma maneira análoga, “[…] no meu estúdio o trabalho artístico (fenótipo) ´cresce´ do software (genótipo)”118.

Este processo de geração de “vida” a partir da programação de computadores faz parte dos estudos e práticas da Vida Artificial exemplificados no trabalho Interactive Plant Growing (1992) que Christa Sommerer e Laurent Mignonneau119 apresentaram no festival, obra essa igualmente exibida em Portugal alguns anos mais tarde no Cyberfestival 96: Imagens do Futuro, realizado em Fevereiro de 1996, no Fórum Telecom em Lisboa120.

Nesta instalação o visitante deparava-se com cinco vasos com plantas verdadeiras diferentes iluminados pontualmente, e um ecrã de projecção sem nenhuma

computador e plotter tendo criado software específico para desenho. Verostko denominou-se a si próprio, e ao grupo de artistas com interesses próximos que utilizavam algoritmos para a produção de desenhos por computador, de algorists (Manfred Mohr, Helaman Ferguson, Jean-Pierre Hebert, Frieder Nake, Roman Verostko, entre outros). O termo algorist foi criado em 1995 por Jean-Pierre Hebert em correspondência com Verostko e outros artistas (http://www.verostko.com/algorist.html#eight, consultado em 6 de Maio de 2013). 116 Esta obra foi galardoada com uma menção honrosa no Prix Ars Electronica de 1993, na categoria de Gráfico/Animação Computurizada.

117 Epigenetic Painting: Software as Genotype, a New Dimenson of Art foi uma comunicação apresentada por Roman Verostko originalmente em 1988, no First International Symposium of Electronic Art, (FISEA´88), e publicada mais tarde na revista Leonardo com o título Epigenetic Painting: Software as Genotype, The MIT Press, Vol. 23 nº1, 1990, pp. 17-23.

118 http://90.146.8.18/en/archives/festival_archive/festival_catalogs/festival_artikel.asp?iProjectID=8803 (consultado em 2 de Abril de 2013).

119 Christa Sommerer (n.1964) e Laurent Mignonneau (n.1967) são reconhecidos pela criação de instalações interactivas trabalho que, iniciado em 1992, foi já apresentado em mais de 200 exposições internacionais. São ambos professores na Universidade de Arte e Design de Linz (Áustria) onde criaram, em 2004, o programa multidisciplinar Interface Culture (Mestrado) para a investigação e desenvolvimento de novas interfaces em ambiente artístico. Sommerer iniciou estudos biologia e botânica na Universidade de Viena, tem um mestrado em artes e é doutorada pela Universidade de Wales (investigação em ciência, tecnologia e arte). Mignonneau estudou arte e videoarte (Mestrado) e é doutorado pela Universidade de Kobe no Japão. Em 1994 ganharam o prémio Golden Nica, na categoria de Arte Interactiva, no festival Ars Electronica.

120 Esta obra foi re-apresentada em Portugal no âmbito da exposição INTER[IN]VENÇÃO, que teve lugar em Évora, no Fórum da Fundação Eugénio de Almeida, entre os dias 28 de Novembro de 2013 e 9 de Março de 2014.

137 imagem. Com a sua aproximação, ou toque nas plantas, o sistema gerava em tempo real no ecrã um conjunto de gráficos semelhantes a plantas que evoluíam em forma, espécie e cor, de acordo com o tipo de planta escolhida pelo visitante e modo de interacção (aproximação, afastamento, toque), aprendendo assim a modelar a sua intervenção. Este biossistema artificial desaparecia, porém, quando o visitante tocava no cacto, uma das plantas da instalação, precipitando uma espécie de morte do cenário projectado, voltando o sistema ao início.

Esta obra equaciona aspectos relevantes como a relação entre o natural e o artificial, a comunicação entre espécies121, ou a utilização de seres vivos como interface natural que, de um modo primário, já tinham sido postos em evidência na década de 60 na obra Squat, de Tom Shannon, embora as preocupações na altura fossem mais de ordem tecnológica.

E se de facto a simulação e a produção de obras que faziam uso da computação e de algoritmos específicos inspirados em processos genéticos estavam bem representadas122, a manipulação genética em si, como matéria de trabalho artístico, não marcava ainda a sua presença.

Eventualmente, uma das razões podia ter a ver com a dificuldade de acesso a tecnologia, equipamentos e laboratórios por parte dos artistas porque, efectivamente, a primeira obra neste âmbito tinha sido realizada apenas em 1986 (Microvenus) tendo-se prolongado até 1990, altura em que Joe Davis conseguiu “ler” a sequência das bases do ADN da bactéria geneticamente modificada (Davis, 1996:72).

Contudo, contrariamente à prática artística, os temas ligados à biotecnologia e biologia molecular foram frequentes durante os simpósios nomeadamente o dedicado à tecnologia genética com intervenções, na sua maioria, de investigadores.

121 Os autores referem que, na medida em que o visitante necessita de algum tempo para perceber os diferentes modos de interacção com as plantas, ele irá desenvolver uma maior sensibilidade e reconhecimento do papel de mediação das plantas reais. Em: http://193.170.96.93/christa-laurent/WORKS/CONCEPTS/PlantsConcept.html (consultado em 2 de Abril de 2003).

122 Um outro exemplo em exposição no festival era a obra Genetic Images (1993), de Karl Sims (n.1962), que explorava a interacção do visitante na escolha de um conjunto de imagens entre as dezasseis apresentadas em ecrãs de projecção que “sobreviveriam” para a geração de outras tantas novas imagens relacionadas com a triagem, como se o visitante fizesse parte de um processo de selecção genética.

138 O moderador deste simpósio, Florian Rötzer (n.1953), foi o curador no ano seguinte do festival DEAF 94 (Dutch Electronic Arts Festival), que decorreu em Roterdão de 8 a 13 de Novembro e cujo tema, Digital Nature, congregou no seu segundo dia um conjunto de oradores, entre artistas e investigadores, num simpósio internacional123 cujas preocupações se centravam na compreensão dos fenómenos vitais e na simulação computorizada ligada aos desenvolvimentos da vida artificial. De acordo com o tema do festival, também a exposição que decorreu em paralelo reflectiu estas inquietações nas peças dos cinco artistas/colectivos representados124.

Fora do âmbito desta exposição esteve a manipulação do código genético em si, por não ser a sua temática, o que não tinha sido o caso do Ars Electronica levado a efeito no ano anterior.

Eventualmente os desenvolvimentos da computação, nomeadamente nas áreas da inteligência e vida artificial, continuavam a ser mais acessíveis ao trabalho dos artistas do que o seu envolvimento em áreas da biologia molecular que, além do mais, envolvia também um esforço de aprendizagem de uma nova linguagem associada a estas ciências. De facto, só no fim da década de 90 se pode falar de um envolvimento efectivo dos artistas nesta área certamente devido não só a uma maior facilidade de experimentação e avanço tecnológico, mas também ao interesse suscitado por diferentes publicações que revisitaram o tema.

São exemplos a publicação em 1995 na revista científica Nature do artigo de Steve Nadis “´Genetic Art´ Builds Cryptic Bridge Between Two Cultures”125, ao referir uma exposição de arte genética na Universidade de Harvard, em Cambridge nos Estados Unidos, e a polémica gerada pela mostra pública de bactérias geneticamente modificadas pela utilização de ADN sintético; no ano seguinte a publicação do artigo de Joe Davis “Microvenus”, em que descreve o processo e o conceito ligados a esta sua

123 http://v2.nl/events/deaf94-symposium (consultado em 3 de Abril de 2013).

124 Woody Vasulka com The Brotherwood Table III (1994) e The Theater for Hybrid Automata (1990), Knowbotic Research com DWKTS – Dialogue with the Knowbotic South (1994-1997), Paul Garrin com Yuppie Ghetto with Watchdog (1989), Simons and Bosch com Krachtgever 94 , Ulrike Gabriel e Bob O´Kane com Perceptual Arena (1994) e Terrain 01 (1993). http://v2.nl/events/deaf94-exhibition/view (consultado em 3 de Abril de 2013)

125 Steve Nadis (1995), “´Genetic Art´ Builds Cryptic Bridge Between Two Cultures”, in, Nature, Vol.378, nº 6554, p.229.

139 obra na publicação de referência Art Journal126, cujo tema era justamente a relação entre a arte contemporânea e o código genético; em 1997 a publicação na revista Nature do artigo “Viable Offspring Derived from Fetal and Adult Mammalian Cells”127, que dá conta da clonagem do primeiro mamífero (a ovelha Dolly que tinha nascido em Julho do ano anterior), lançando obviamente para a discussão pública questões ligadas à ética e às aplicações desta tecnlogia, numa altura em que também estava em via o desenvolvimento de esforços para a descodificação do genoma humano.

Foi no ano de 1999 (4 a 9 de Setembro) que o festival Ars Electronica volta ao mote de 93, agora com o tema Life Sciences, denotando não só uma atenção às questões importantes do seu tempo, mas também uma oportunidade para reapreciação do trabalho artístico nesta área passados seis anos.

Tal como nas edições anteriores, o tema mereceu um simpósio dividido em dois dias (5 e 6 de Setembro) durante o qual foram apresentadas dezasseis comunicações de entre as quais a do artista Eduardo Kac, que propõe a expressão Transgenic Art, e George Gessert que apresenta um contributo histórico com “A History of Art Involving DNA”128.

Neste simpósio também participou Jeremy Rifkin, um economista de reconhecido mérito e presidente da The Foundation on Economic Trends que, na sua comunicação “The Biotech Century – Genetic Commerce and the Dawn of a New Era”129, vaticinava que: “ O século XX foi assinalado pelas descobertas espectaculares da física e da química, mas as estrelas do século XXI serão as ciências biológicas e aqueles que decifram o código genético da vida. Depois de milhares de anos fundindo, derretendo, soldando, forjando, nós agora estamos separando, recombinando, inserindo e ligando material vivo. […] nós podemos, pela primeira vez na história, criar a própria

126 Joe Davis (1996). “Microvenus”, in, Art Journal, Nova Iorque: College Art Association, Vol. 55. Nº1, Contemporary Art and the Genetic Code (Spring, 1996), pp. 70-74.

127 I. Wilmut, A. E. Schnieke, J. McWhir, A. J. Kind and K. H. S. Campbell (1997). "Viable Offspring Derived from Fetal and Adult Mammalian Cells", in, Nature, Vol. 385, nº 6619, pp. 810–813.

128 Esta e outras comunicações e textos incluídos no catálogo da exposição podem ser consultadas em: http://90.146.8.18/en/archives/festival_archive/festival_catalogs/festival_catalog.asp?iProjectID=8316 (consultado em 4 de Abril de 2013).

129 http://90.146.8.18/en/archives/festival_archive/festival_catalogs/festival_artikel.asp?iProjectID=8828 (consultado em 4 de Abril de 2013).

140 vida, reprogramando os códigos genéticos de entidades vivas para servir as nossas próprias necessidades.”130

Embora com as devidas cautelas éticas relativamente à utilização indescriminada destas tecnologias, havia já uma perfeita consciência do alcance e do poder do seu desenvolvimento. De facto, nos últimos dez anos do século XX a possibilidade de cortar as cadeias de ADN através de enzimas de restrição, e de substituir genes específicos ou introduzir ADN sintético na cadeia existente, era já uma realidade relativamente comum na investigação científica.

A técnica desenvolvida por Joe Davis no trabalho pioneiro Microvenus (1986), e que teve continuidade em Riddle of Life (1993), foi certamente inspiradora para Eduardo Kac na realização de Genesis (1999), obra que foi apresentada no festival Ars Electronica desse ano.

Efectivamente, Kac utilizou a mesma técnica e o mesmo tipo de bactéria (E. Coli) que Davis usou, para introduzir, de um modo encriptado no seu código genético, uma passagem do livro do Génesis alusiva ao domínio do homem sobre a natureza131. A ideia desta peça era dar a entender ao público que a sua presença e acção tinha poder sobre o reino animal, podendo controlar o desenvolvimento e mutação da bactéria em exposição.

A instalação era composta de três secções; na parede da direita estava escrito o texto da passagem biblíca em inglês; na parede oposta estava escrita uma sequência extensa composta pelas letras C (Citosina), T (Timina), A (Adenina), e G (Guanina), que aparentemente não fazia sentido, mas que correspondia à passagem da frase inicial em inglês para código Morse depois traduzido, através de uma atribuição específica de símbolos e letras, para cada uma das bases de ADN; finalmente a secção central evidenciava uma caixa de Petri com a colónia de bactérias em desenvolvimento,

130 “The 20th century was shaped by spectacular breakthroughs in Physics and chemistry, but the stars of the 21st century will be the biological sciences, and those deciphering the genetic code of life. After thousands of years of fusing, melting, soldering and forging, we are now splicing, recombining, inserting, and stitching living material.[…] we can, for the first time in history, engineer life itself, reprogramming the genetic codes of living entities to suit our own needs.”

131 “Let man have dominion over the fish of the sea, and over the fowl of the air, and over every living thing that moves upon the earth”.

141 integrando o ADN sintético criado por Kac com a sequência de bases indicada na parede da esquerda, e a projecção da visão microscópica num ecrã.

A instalação tanto era acessível local como remotamente, via Internet, e o desenvolvimento e mutação da bactéria poderia ser acelerada pela acção dos visitantes ao ligarem uma luz ultravioleta que, ao incidir na caixa de Petri contendo a cultura biológica, transmitia-lhe a sua energia podendo eventualmente provocar a alteração do material genético. No fim da exposição a frase inicialmente encriptada foi descodificada, a partir da leitura do ADN das bactérias, apresentando alterações devido às mutações genéticas, como seria de esperar132.

No ano seguinte (2 a 7 de Setembro) o festival Ars Electronica de certa maneira reforça o tema do ano anterior ao adoptar a expressão Next Sex como mote de trabalho. O sentido desta escolha é explicado pelos organizadores, Gerfried Stoker e Christine Schöpf133, ao referirem que:

“Continuando o seu foco no tema LifeScience, o festival Ars Electronica 2000 apresenta Next Sex para ir ao encontro da necessidade óbvia de análise crítica do ambiente social e tecnológico no qual tais prognósticos [referindo-se às possibilidades de emancipação do determinismo dos géneros biológicos face aos recentes desenvolvimentos da biotecnologia] começam a ser realidades operativas”134.

No simpósio dedicado ao tema do festival (3 e 4 de Setembro) foram apresentadas cerca de vinte comunicações em que, para além da participação de Joe Davis na apresentação do seu trabalho sobre Artistic Molecules - referindo-se

132A frase lida apresentava o seguinte texto: Let aan have domination over the fish of the sea and over the fowl of the air and over every living thing that ioves ua eon the earth. http://www.ekac.org/daubner.html (consultado em 4 de Abril de 2013)

133 Gerfried Stoker é um artista com formação em engenharia (expôs na Bienal de Veneza em 1993 e 1997, entre outras mostras internacionais), e desde 1995 é também o diretor artístico do festival Ars Electronica, sucedendo a Peter Weibel. Christhine Schöpf tem um doutoramento em literatura e língua alemã e desenpenhou funções de jornalista. Está ligada ao festival Ars Electronica desde o seu início (1979) partilhando a direcção artística com Gerfried Stoker desde 1996.

134 “In continuing its thematic focus on LifeScience, Ars Electronica 2000 presents NEXT SEX to meet the obvious need for critical analysis of the social and technological environment in which such prognoses are starting to become operative realities.” http://90.146.8.18/en/archives/festival_archive/festival_catalogs/festival_artikel.asp?iProjectID=8260 (consultado em 4 de Abril de 2013).

142 obviamente a Microvenus, Riddle of Life, e ao novo trabalho Milky Way DNA – teve também presente, pela primeira vez, uma artista portuguesa, Marta de Menezes (n.1975)135, com a comunicação “Nature?”, correspondendo também ao nome da peça com que se apresentou ao festival e que, de uma maneira muito resumida, consistia na modificação de padrões das asas de borboletas através de intervenções no fenotipo ao nível dos tecidos (microcauterização e microenxertia).

O interesse do festival Ars Electronica nos dois últimos anos do século XX sobre a biotecnologia e o código genético atestam bem a importância do tema tanto do ponto de vista social como do ponto de vista artístico.

Estamos em crer que, no fim do século XX, tanto o código de programação (informática) como o código genético (biologia) são efectivamente os legados para o século XXI, constituindo, na verdade, mudanças de paradigma para um novo devir artístico e estético, para o qual é necessário preparar curadores, instituições, crítica e historiadores, na recepção desta nova produção artística que se apresenta plena de desafios (técnicos, estéticos, éticos), mas que são a expressão de uma cultura tecnológica na contemporaneidade.

135 Marta de Menezes (n.1975) tem formação em Belas-Artes, é Mestre em História da Arte e Cultura Visual pela Universidade de Oxford, e é hoje (Junho de 2014) doutoranda pela Universidade de Leidin. Explora a intersecção entre a biologia e arte, e dirige a associação Cultivamos Cultura e a organização Ectopia.

143 2.3 – Estética

2.3.1 – A Estética dos Sistemas

The old art was an object. The new art is a system

Willloughby Sharp, 1967

A frase em epígrafe, referida por Donna de Salvo no início do texto de apresentação do catálogo da exposição Open Systems – Rethinking Art c. 1970, realizada na Tate Modern em 2005, representa uma inquietação comum na segunda metade da década de 60; a de tentar perceber onde se situavam as novas mediações artísticas que nessa época surgiam fruto da exploração de formas de expressão para além do objecto em si (escultura ou pintura), e para além do espaço privilegiado da galeria ou museu.

Uma citação mais completa do mesmo texto de Sharp permite perceber qual a área de trabalho artístico a que se referia:

“ A velha arte descrevia o espaço como uniforme e fechado. A nova arte percebe o espaço como orgânico e aberto. A velha arte era um objecto. A nova arte é um sistema. A confirmação do movimento é mais importante do que a forma do objecto. A mensagem de um trabalho cinético ou lumínico é a luz e o movimento que produz.”136 (Sharp, 1967:318)

136 “The old art depicted space as uniform and enclosed. The new art perceives space as organic and open. The old art was an object. The new art is a system. The confirmation of the movement is more important then the shape of the object. The message of a kinetic and luminic work is the light and movement it produces.”

144 Willougbhy Sharp137, escreveu estas palavras no texto do catálogo da exposição Light–Motion–Space, que teve lugar em 1967 no Walker Art Center em Minneapolis, claramente reflectindo a necessidade de incluir esse aspecto imponderável do movimento e da luz na categoria da mediação artística, relegando o objecto ou o dispositivo físico que a produzia, para um segundo plano. A expressão sistema correspondia assim a um alargamento necessário para a compreensão do fenómeno artístico para além dos horizontes de uma visão formalista, baseada na produção de objectos.

Este sentido de perca da importância do objecto em si tinha vindo a acentuar-se desde o fim da década de 50 na referência ao imaterial, por exemplo na obra de Yves Klein138, ou com o formato happening e performance que acentuava o carácter do efémero na obra artística tendo no registo, muitas vezes apenas fotográfico, uma representação diferida e fragmentada do acontecimento.

Por outro lado, a relevância dada à experiência do artista na execução da peça, ou do espectador na sua fruição ou participação, autonomizaram a praxis artística dos formatos tradicionais e permitiram lançar mão de uma multiplicidade de meios que passaram a valorizar mais a acção, o relacionamento e o envolvimento, do que a permanência, a peça única, e a pura contemplação estática do objecto, contrariando deste modo um enquadramento estético num cânone eminentemente formal.

Perante este cenário de dispersão artística, a crítica de arte e curadora Lucy Lippard (n.1937) avançou em 1968 a noção da desmaterialização da obra de arte 139

137 Willougbhy Sharp (1936-2008) teve formação no domínio da história da arte mas dividiu o seu trabalho em múltiplas actividades (editor, curador, galerista, artista), sendo instrumental a sua função como editor da revista Avalanche (1970-1976) na divulgação das tendências artísticas mais recentes da altura (arte conceptual, performance, videoart, landart…). Como curador organizou exposições no âmbito da arte cinética e da landart, na década de 60, e posteriormente de vídeoart, tendo na sua actividade artística uma produção assinalável no domínio do vídeo para depois também se dedicar ao uso da tecnologia de televisão como meio de expressão.

138 Veja-se por exemplo a exposição Le Vide (1958), na Galeria Iris Clert em Paris, em que o artista transformou efectivamente o espaço da galeria num espaço vazio, ou o artigo Theatre du Vide, publicado no jornal Dimanche (1960), criado pelo autor, em que pela primeira vez é também publicada a montagem fotográfica Un Homme dans l´Espace – Le Peintre de l´Espace se jette dans le Vide, conhecida também como Salto no Vazio.

139 Apesar de escrito em 1967, o texto sobre a desmaterialização da obra de arte foi apenas publicado em 1968, em parceria com John Chandeler, na revista Art International. Lucy Lippard e John Chandeller (1968) “The Dematerialization of Art”, in Art International, February, 1968, pp. 31-36.

145 tendo publicado mais tarde, em 1973, uma obra de referência com um longo título que consagrou essa dispersão de denominações e actividades artísticas inseridas na capa próprio livro:

“Six Years: The dematerialization of the art object from 1966 to 1972: a cross-reference book of information on some esthethic boundaries: consisting of a bibliography into which are inserted a fragmented text, art works, documents, interviews, and symposia, arranged chronologically and focused on so-called conceptual or information or ideia art with mentions of such vaguely designated areas as minimal, antiform, systems, earth, or , occurring now in the Americas, Europe, England, Australia, and Asia (with occasional political overtones), edited and annotated by Lucy R. Lippard.”

A estrutura do livro segue exactamente as indicações da autora na capa; é uma apresentação cronológica de acontecimentos entre 1966 e 1971, por si seleccionados (exposições, artigos de revistas, livros editados, comentários, etc), relacionados com a “arte como ideia e a arte como acção”, nas palavras de Lippard no seu artigo seminal de 1968.

É interessante tomar nota das palavras information e systems no conjunto das designações mencionadas por Lippard, embora a sua conotação não esteja relacionada com sistemas de informação, já que no ano de 1968 a autora ignorou, na sua síntese, as exposições charneira The Machine at the End of the Mechanical Age, no MoMA em Nova Iorque, e Cybernetic Serendipity no Institute of Contemporary Art, em Londres, que deram corpo, particularmente a última, à presença de sistemas electrónicos e computadores no ambiente da galeria e museu.

Refere porém nesse mesmo ano a publicação do livro Beyond Modern Sculpture de Jack Burrnham140, e o seu artigo “System Esthetics”, na edição de Setembro da revista Artforum141, publicações nas quais o pensamento de Burnham sobre o sentido de sistema vai na mesma direcção da reflexão do artista Hans Haacke, que alguns meses antes (Janeiro de 1968) tinha afirmado:

140 Jack Burnham (1968). Beyond Modern Sculpture: The Effects of Science and Technology on the Sculpture of this Century, Nova Iorque: George Braziller

141 Jack Burnham(1968). “Systems Esthetics”, in Artforum, Vol. VII, No. 1, Setembro 1968, pp. 30-35.

146 “Uma ´escultura´ que reage fisicamente ao seu ambiente não pode ser olhada como um objecto. O conjunto de factores exteriores que a afectam, tal como o seu raio de acção, tem um alcance para além da materialidade e do espaço que ocupa. Deste modo funde-se com o ambiente numa relação que é melhor compreendida como um ´sistema´ de processos interdependentes. Estes processos evoluem sem a empatia do espectador. Ele torna-se uma testemunha. Um sistema não é imaginário, é real”142

Esta afirmação de Haacke é mencionada por Lucy Lippard na publicação citada (Lippard, 1973/1997: 37), destacando ainda outros trabalhos do artista envolvendo ambientes escultóricos que interagem com o meio envolvente.

Jack Burnham, que cita a mesma passagem no seu artigo “System Esthethics” (p.35), levou um pouco mais longe do que Haacke a sua noção de sistema, embora a sua reflexão começasse igualmente através da escultura.

Efectivamente, no prefácio do seu livro Beyond Modern Sculpture, que tem como subtítulo The Effects of Science and Technology on the Sculpture of This Century, Burnham afirma que o objectivo da publicação era mostrar “[…] pelo menos a sobrevivência temporária da escultura através da transição do objecto para o sistema. O sistema, tal como expresso através da Arte Cinética, escultura de Luz, alguma da Arte no Ambiente, e Arte Cibernética, tornou-se uma preocupação estética viável, apesar de evanescente.”143 (Burnham 1968/1982: 13)

Para demonstrar o seu ponto de vista Burnham dividiu o seu livro em duas secções em que na primeira, denominada Escultura como Objecto, faz um historial temático, centrado essencialmente na primeira metade do século XX, em que aborda o percurso da escultura estática até chegar à sua exaustão formal com o minimalismo para, na segunda secção denominada Escultura como Sistema, acompanhar os

142 “A ´sculpture´ that physically reacts to its environment is no longer to be regarded as an object. The range of outside factors affecting it, as well as its own radius of action, reaches beyond the space it materially occupies. It thus merges with the environment in a relationship that is better understood as a ´system´ of interdependent processes. These processes evolve without the viewer´s empathy. He becomes a witness. A system is not imagined, it is real.”

143 “This book makes a case for at least the temporary survival of sculpture through transition from the object to the system. The system, as expressed through Kinetic Art, Light sculpture, some Environmental Art, and Cybernetic Art, has become a viable, if evanescent, aesthethic preoccupation”.

147 desenvolvimentos da década de sessenta através das dinâmicas escultóricas do movimento na arte cinética, da imponderabilidade da luz como meio artístico, e do auto- controlo dos mecanismos cibernéticos como meio de reacção a estímulos exteriores.

Nas suas palavras “[…] o objecto denota escultura na sua forma física tradicional enquanto que o sistema (um conjunto interactivo de complexidade variável) é o meio pela qual a escultura deixa o seu estatuto de objecto e assume de algum modo uma actividade idêntica à vida.” (Burnham 1968/1982: 12), continuando na parte final do livro: “O sistema, tal como o objecto de arte, é uma presença física, porém não mantém a dicotomia espectador-objecto mas tende a integrar os dois num conjunto de eventos em constante mudança e interacção” (Burnham 1968/1982: 372).

Esta noção de sistema é mais bem desenvolvida no seu artigo “System Esthethics”, publicado na revista Artforum no mesmo ano da edição do livro. Neste artigo, começa por situar o problema da falta de um enquadramento estético que tenha em conta as recentes concepções artísticas do deslocamento do objecto para o “não- objecto”, dando como exemplos a arte cinética, a criação de ambientes luminosos, os happennings e as apresentações mixed-media144, para depois referenciar que na origem desta mudança de paradigma estão as recentes evoluções tecnológicas145.

Esta relação que Burnham estabeleceu entre o desenvolvimento tecnológico e as novas mediações artísticas é que lhe permitiu utilizar o vocábulo sistemas para definir uma nova aproximação estética. Uma expressão que o próprio justifica ligada a uma cultura e a um pensamento contemporâneo que tinha de lidar com simulações, e com criação de modelos a partir de matrizes complexas de informação, cuja finalidade era endereçar novas realidades e preocupações emergentes (guerra-fria, ecologia, relação homem-máquina), só possíveis estudar através de novos métodos alargados e multidisciplinares de investigação, genericamente designados por análise de sistemas.

144 “A polarity is presently developing between the finite unique work of high art, that is, painting or sculpture, and conceptions that can loosely be termed unobjects, these being either environments or artifacts that resist prevailing critical analyses. This includes works by some primary sculptors (though some may reject the change of creating environments), some gallery kinetic and luminous art, some outdoor works, happenings, and mixed-media presentations. […] As yet the evolving esthethic has no critical vocabulary so necessary for its defence, nor for that matter a name or explicit cause” (Burnham, 1968:31)

145 “Transition between major paradigms may best express the state of the present art. Reasons for it lie in the nature of current technological shifts.” (Burnham, 1968: 31)

148 Burnham vê a necessidade de uma nova estética numa altura de transição de uma cultura orientada por objectos, de uma era industrial, para uma cultura orientada por sistemas de uma era pós-industrial. É esta mudança cultural iniciada com o pós-guerra e fruto dos desenvolvimentos tecnológicos na altura, que lhe permite afirmar que “[…] o maior paradigma da arte emergente no nosso tempo não é um novo ismo nem uma nova colecção de estilos [mas] a implementação de um impulso artístico numa sociedade tecnologicamente avançada.” (Burnham, 1968:35).

A esta estética “pós-formalista” Burnham apelidou de estética dos sistemas, referenciando-a como algo que expande os limites sob os quais a obra de arte deve ser encarada, afirmando que:

“Numa perspectiva sistémica não existem limites pré-definidos, como no proscénio teatral ou numa moldura. É num horizonte conceptual, e não num limite material, que é definido o sistema. Assim qualquer situação, fora ou dentro do contexto da arte, pode ser designada e pensada como sistema. Na medida em que um sistema pode albergar pessoas, ideias, mensagens, condições atmosféricas, fontes de energia, etc, um sistema é, para citar o biólogo dos sistemas, Ludwig von Bertalanffy, um ´complexo de componentes em interacção´.” (Burnham, 1968:32)

Para o autor a diferença entre objecto e sistema residia nos limites formais e estático do primeiro versus a fluidez do segundo, cujo comportamento podia ser alterado no tempo e espaço quer pelos seus próprios mecanismo de controlo146, quer por factores que lhe eram externos. Na sua concepção, o artista deveria ter uma avaliação global e dinâmica da obra tomando em linha de conta os inputs e os outputs, a interacção e a eventual reformulação de objectivos e diluição das fronteiras, deslocando deste modo do objecto para o sistema a sua atenção147.

A referência a Ludwig von Bertalanffy (1901-1972) no pensamento de Burnham é oportuna porque justamente este autor, embora servindo-se do campo da biologia

146 “Where the object almost has always has a fixed shape and boundaries, the consistency of a system may be altered in time and space, its behavior determined both by external conditions and its mechanisms of control.” (Burnham, 1968:32)

147 “In evaluating systems the artist is a prespectivist considering goals, boundaries, structure, input, output, and related activity inside and outside the system.” (Burnham, 1968:32)

149 como base, constatou que havia processos e modelos comuns a esta e a outras ciências que, sendo transversais, podiam ser usados em diferentes campos científicos. Segundo Bertalanffy, o isomorfismo desses modelos permitia a análise de problemas relacionados com a ordem, organização e finalidade, questões que não eram endereçados pelas disciplinas específicas (Bertalanffy, 1968/1973:13), havendo necessidade desse tipo de abordagem em projectos ou sistemas complexos148.

A publicação em 1968 das conclusões de Bertalanffy, no seu livro General Systems Theory, deu início a uma necessidade de encarar o complemento de uma especialização científica com uma análise de sistemas, termo que o autor refere ser na altura já corrente na linguagem comum149.

Para Bertalanffy “Um sistema pode ser definido como um conjunto de elementos que se relacionavam entre si e o ambiente.” (Bertalanffy 1968/1973:252), e foi eventualmente partindo de uma premissa idêntica que Jack Burnham ao observar as dinâmicas das novas manifestações artísticas - que tanto se auto-transformavam como eram sensíveis à interacção exterior - considerou haver uma estética para além do objecto artístico, embora não fundamentasse um modelo de estudo mais aprofundado.

Dois exemplos da aplicação da designação de sistemas, refenciados por Jack Burnham, são as obras Photo-Electric Viewer Programmed Coordinated System (1968), de Hans Haacke, e Electric Shock (1968), de Les Levine.

A primeira consistia numa sala em que a posição física de um visitante que nela entrasse era assinalada constantemente por duas luzes que acendiam em paredes perpendiculares, e que correspondiam às suas coordenadas (x, y) no espaço da sala, acompanhando o seu movimento à medida que o visitante se deslocava e ia interrompendo uma espécie de grelha ortogonal de localização formada por feixes

148 Pensar em termos de sistemas em vez de máquinas foi a grande mudança. E Bertalanffy dá o exemplo da produção de um veículo espacial ou de um míssil balístico que, para além de serem constituídos por um aglomerado de diferentes tecnologias têm, na sua concepção, fabrico e utilização, um conjunto de implicações sociais, financeiras e políticas, tornando-se necessária uma aproximação sistémica ao projecto no equacionamento de todas as variáveis com o sentido de promover a sua optimização, através da maximização da sua eficiência e redução de custos (Bertalanffy 1968/1973: 4).

149 “If someone were to analyze current notions and fashionable catchwords, he would find ´systems´ high on the list.” (Bertalanffy, 1968/1973: 3).

150 infravermelhos emitidos por sensores, igualmente colocados em posição ortogonal nas paredes, e que enviavam essa informação para as lâmpadas na sala.

A peça de Les Levine consistia numa sala completamente vazia à excepção de um banco corrido e de um conjunto de fios paralelos que atravessavam a sala à altura da cabeça do visitante. Esses fios estavam electrificados e produziam choques eléctricos de fraca intensidade uma vez tocados.

Para Les Levine - que Burnham refere como “[…] possivelmente o mais consistente expoente da estética dos sistemas.” do ponto de vista metodológico (Burnham 1968:34) - o que lhe interessava era, nas suas palavras, a reacção física ao dispositivo e não o aparato visual150.

Nestes dois exemplos, que podem ser pensados como uma crítica à livre circulação dos cidadãos - constantemente vigiados e localizados no primeiro caso, ou regulados no seu comportamento no segundo - facilmente se vê que a participação do visitante é absolutamente necessária para que a peça funcione, existindo sempre como uma experiência dinâmica de relação, mas apenas durante o tempo que dura esse encontro.

Pode-se afirmar que nestes casos o artista criou fisicamente uma plataforma para ser accionada, mas a plataforma não constitui o “objecto” artístico em si. A noção de sistema permite ir para além do entendimento estrito da forma, para incluir o diferido, o efémero, a experiência, a participação, o jogo, o conceito, como componentes essenciais da criação artística que não é determinista e contida, mas antes aproxima-se de um processo aberto e permeável.

Estas questões estão bem presentes em muitas obras das últimas décadas que têm nas novas tecnologias os meios adequados para permitir a interacção ou para a criação de plataformas de software em que o público, ou outros artistas, são chamados a colaborarem, assumindo o artista o papel de mediador de um work-in-progress que por vezes pode só existir na Internet151.

150“What I am after here is physical reaction, not visual concern.” (Burnham,1968:34), uma frase que o autor cita do texto de Jay Jacobs, March 1968, ´More Les´ the ART Gallery, Ivoryton (Conneticut): Hollycraft Press, p. 27.

151 São exemplos The World´s First Collaborative Sentence (1994-2005), de Douglas Davis, e Communimage (1999-presente), de calc e Johannes Gees. Ambos os projectos são formados a partir da

151

participação do público com texto ou imagem enviados pela internet, associando-se ao material já enviado por outros participantes, na construção de um projecto colaborativo para ser vizualizado apenas na internet.

152 2.3.2 - A Estética da Informação

Mas se uma estética dos sistemas representa um modo de pensar o alargamento das considerações relativamente ao “objecto” artístico, assumindo que está inserido num domínio mais vasto de interacções que dele fazem parte, isto não implica necessariamente uma expressão plástica que envolva sistemas de informação e computação. A conhecida obra de Hans Hacke Condensation Cube (1963-65), cujo ciclo de condensação da água inserida num cubo de acrílico transparente está dependente da temperatura do meio ambiente, é disso um exemplo.

No entanto, quando as possibilidades de utilização dos computadores se abriram ao domínio artístico, primeiro para a música e depois, em meados da década de 60, para as artes visuais, houve necessidade de reflectir sobre essa nova matéria-prima de que os artistas lançaram mão, a informação, e a formatação estética associada às obras produzidas.

A elaboração de uma teoria da informação (Claude Shannon), o desenvolvimento de uma reflexão cibernética (Norbert Wiener), e o pragmatismo dos métodos de análise da semiótica (Charles Peirce), foram alguns dos pilares substantivos que, traduzidos para uma nova análise estética mais objectiva, evitava os conceitos metafísicos de uma estética de Hegel ou Kant.

Abraham Moles (1920-1992), com formação tanto em disciplinas científicas como em filosofia,152 foi um dos primeiros a reflectir sobre estas novas questões com a publicação de Théorie de l´Information et Perception Esthéthique (1958)153, centrando as suas preocupações em torno da teoria da informação aplicada à estética musical.

Mais tarde a cibernética também fez parte do seu pensamento ao publicar o artigo “Cybernétique et Oeuvre d´Art” (1965)154, em que propõe uma atitude mais

152 Abraham André Moles formou-se em engenharia electrotécnica e mais tarde doutorou-se em electroacústica (1952) e em filosofia (1956), tendo exercido funções docentes em diferentes universidades nomeadamente em Estugarda, onde colaborou com Max Bense em estudos de estética da informação. O seu Manifesto de Arte Permutacional (Erstes Manifest der Permutationellen Kunst) foi publicado na edição nº 8 da revista ROT (Outubro de 1962), uma publicação vanguardista editada por Max Bense e Elisabeth Walther-Bense, associada à pesquisa em estética do grupo da Escola de Estugarda.

153 Abraham Moles (1958). Théorie de l´Information et Perception Esthéthique, Paris : Flammarion

154 Publicado originalmente em Révue d´Esthétique, vol 18, nº2, Abril-Junho 1965 e rupublicado como “Cybernetics and the Work of Art”, in Margit Rosen (ed.) (2011). A Little-Know Story about a Movement,

153 pragmática na análise dos fenómenos artísticos no sentido de traduzir as sensações estéticas numa linguagem possível de ser utilizada pelos sistemas de computação. Para Moles o papel do esteta, neste novo contexto tecnológico, não era o da produção de discurso acerca da obra mas algo mais próximo da função do analista de sistemas que, partindo de um problema ou de uma realidade, deduzia a forma e o modo de encará-lo concebendo modelos lógicos para o traduzir numa linguagem matemática ou adaptada aos sistemas que tinha à disposição (programação de computadores por exemplo) para a sua resolução155.

Levando à prática a sua ideia, Abraham Moles desenvolveu na sequência do seu artigo um conjunto de cinco organigramas (Moles, 1965/2011: 223, 224), como exemplos de análises funcionais, para o desenvolvimento de outros tantos programas de computador, cujo papel seria justamente o de caracterizar, analisar, desenvolver, simular, e produzir propostas artísticas baseadas nos processos e técnicas que descreve156.

Estes modelos, embora ainda rudimentares, apontavam já para possibilidades que foram exploradas nos anos 70 por artistas como Manfred Mohr (n.1938)157, na utilização de computadores na sua actividade criativa.

a Magazine, and the Computer´s Arrival in Art: New Tendencies and Bit International, 1961-1973, Karlsruhe: ZKM, Cambridge e Londres: The MIT Press, pp. 217-225.

155 “This question offers a new role to the aesthetician, no longer the ethereal philosopher discoursing on the notion of the beautiful, but the practitioner of sensations, solidity trained in the psychology of values and preparing the tasks of the machine, as the linguist and the grammarian have prepared the tasks for the translating machine.” (Moles, 1965/2011:219).

156 Esses cinco modelos tinham designações directamente relacionadas com as suas funções, que no original em francês eram: Auditeur ou spectator artificiel choissant selon certains critères posés par la théorie de la perception dans les spectacles offerts par le monde extérieur; La machine amplificateur d´intelligence developpe une idée crée par l´artiste en vue d´une ouvre ; Amplificateur d´intelligence ou de complexité sur un algorithm ; Simulation du processus de composition a partir d´une analyse des ouevres existentes ;Synthese : Integration des formes d´ordre a grande distance (Moles 1965/2011:223-224). Estes modelos são também analisados por Cáudia Giannetti em Estética Digital : Sintopia da Arte, Ciência e Tecnologia, Lisboa: Nova Vega, Lda, 2012, pp. 40-41.

157 Manfred Mohr (n.1938) começou a sua carreira como pintor e músico de Jazz nos anos 50, mas foi pela utilização do computador na produção de composições gráficas, iniciadas em 1969, que ficou a ser mais conhecido. Influenciado pelo pensamento estético de Max Bense (estética da informação) e pelo compositor Pierre Barbaud (composição musical assistida por computador), Mohr concebeu variados algoritmos de composição gráfica que estiveram na base da composição estética da sua obra nas décadas seguintes, sendo considerado um pioneiro da computer art. O seu trabalho foi reconhecido, entre outros, pelo prémio Golden Nica do festival Ars Electronica na categoria de gráfico assistido por computador, em 1990.

154 Efectivamente, no catálogo da sua exposição Manfred Mohr | Computer Graphics – Une Esthétique Programmée, levada a cabo no A-R-C Musée d´Art Moderne de la Ville de Paris (Maio de 1971)158, o artista dá voz ao título da exposição mencionando a função activa da programação do computador no desenvolvimento do seu processo criativo para a exposição. Para tal Mohr fez uma análise dos seus desenhos e pinturas da década anterior, deduziu as suas principais características e elementos essenciais, criou uma sintaxe básica, e introduziu estas informações num programa de computador que, através de uma análise combinatória, produziu os gráficos desenhados por um plotter para a exposição retendo, deste modo, a essência do modelo desenhado por Mohr, porém apresentando variações não previstas, através da introdução de algoritmos pseudo-aleatórios. O artista fazia assim uso prático de um dos cinco modelos introduzido conceptualmente por Abraham Moles alguns anos antes, justamente o referenciado por este como Simulation du Processus de Composition a Partir d´une Analyse des Ouevres Existantes (modelo correspondente ao seu organigrama IV, no artigo mencionado anteriormente).

Esta relação entre o artista e o esteta enquadrava-se na função que Moles tinha descrito em 1968, ao referir que o papel do esteta era providenciar algoritmos de pensamento que o artista deveria trabalhar no sentido de desenvolver um método de produção de exercícios estilísticos159.

Ainda em relação à exposição de Mohr, é interessante referir a designação de estética programada comparando-a com a de arte programada utilizada por Umberto Eco alguns anos antes no seu ensaio Arte Programmata (1962), incluído na brochura de acompanhamento da exposiçãoa arte programmata, arte cinetica, opera multiplicate, opera aperta, que decorreu em Maio de 1962 em Milão, na galeria da empresa italiana de computadores Olivetti.

Neste ensaio Eco tece algumas considerações sobre a recepção estética contemporânea aberta às dinâmicas do acaso, do movimento, do múltiplo, por

158 Catálogo disponível em: http://www.emohr.com/ww1_out.html (acedido em 1 de Maio de 2013).

159 “The aesthetician is, ultimately, the one who provides, the algorithms of thought by which the artist, as a worker in originality, constructs something that is both less and more than a work of art: namely a method for making artworks and for offering a certain number of realizations of them, as stylistic exercises – leaving it to the manipulation of disciples to derive from them all the variations that may be of interest.” (Moles, 1968/2011: 301).

155 contraponto à criação estática. A Arte Programmata de Eco abre o rigor matemático da programação à contingência, e refere-se a um processo que, planeado, está também aberto ao acontecimento, à variação.

Não aludindo à utilização das tecnologias de informação ou da programação de computadores (que não existiam na exposição) Umberto Eco menciona os objectos de arte cinética como exemplos programados e pensados pelo artista para justamente incluir variações de sentido e aspecto referindo que, “Deste modo podemos falar de Arte Programada, e admirar as esculturas cinéticas que o homem no futuro próximo possuirá na sua casa, em vez de velhas impressões ou reproduções em tela de obras-primas modernas.” (Eco 1962/2011:99), pois, tal como referia Bruno Munari, organizador da exposição, “Uma imagem estática, única e final, não contem aquela quantidade de informação suficiente para interessar o espectador contemporâneo, que está habituado a viver num ambiente sujeito a estímulos múltiplos e simultâneos a partir das mais diversas fontes.” (Munari, 1964/2011: 176).

É interessante notar ainda que tanto na arte programmata de Eco como na estética programada de Mohr, a palavra “programa” não é assumida de uma forma determinista mas concebe na sua estrutura a possibilidade de elementos aleatórios que, efectivamente, podem produzir resultados que não foram pré-definidos pelo artista. As diferentes posturas que pode assumir uma escultura cinética ou os diferentes gráficos que se reconhecem ser de uma mesma família dentro de uma determinada série, são exemplos de processos gerativos que foram enquadrados nos anos 60 por Max Bense (1910-1990)160 nos conceitos desenvolvidos a partir da sua estética gerativa (Generative Aesthethics).

Com um vasto trabalho desenvolvido nos processos de valorização e produção estética apoiado no trabalho de Claude Shannon (teoria da informação), George D. Birkhoff (matemática aplicada à estética), Noam Chomsky (gramática gerativa), e Charles Peirce (semiótica), Bense assume o cientificismo da sua procura estética que, tal

160 Max Bense (1910-1990), doutorado em física, foi professor de lógica matemática, filosofia da tecnologia e teoria científica na Universidade Técnica de Estugarda a partir dos anos 50, onde desempenhou um papel relevante na investigação da teoria estética ligada à informação. A sua influência e estímulo à produção artística gerada por computador foi importante nomeadamente nas conversas que manteve com Jasia Reichardt levando-a à realização da exposição Cybernetic Serendipity (1968), no Institute of Contemporary Art (ICA) em Londres, que veio a ser considerada uma mostra emblemática neste domínio (Reichardt, 1968:5).

156 como Abraham Moles, iniciou nos anos 50 ao afirmar, “Naturalmente, esta estética não pode ser qualificada como filosófica. As reflexões metafísicas lhe são essencialmente estranhas. Prevalecem nela, pelo contrário, pontos de vista matemáticos e tecnológicos. […] Mais adequada ainda seria a designação ´estética científica´ para expressar que, aqui, a formação de teorias pode ser submetida à revisão crítica do experimento ou da experiência.” (Bense, 1968/1975:46). Não se tratava, pois, de uma estética do gosto mas de uma estética da constatação, como afirma, acrescentando ainda que, “Somente uma tal concepção estética, empírico-racional, objectivo-material, pode afastar o costumeiro palavrório especulativo da crítica de arte e fazer com que desapareça o irracionalismo pedagógico das nossas academias.” (Bense, 1968/1975:47).

Estas declarações de Bense foram feitas numa altura em que não só o desenvolvimento tecnológico, o processamento da informação pelos computadores, e a ciência tinham ganho grande credibilidade, mas também se procuravam novas maneiras de interpretar e de pensar uma arte e uma realidade social em mudança. Justificava-se portanto, para Bense, encontrar também uma nova interpretação estética, com ressonâncias no tempo presente e que tivesse em linha de conta as obras de artistas que começavam a utilizar a computação e as novas tecnologias no seu trabalho. Este novo tipo de trabalho, apoiado por Bense, já tinha sido ensaiado alguns anos antes (Fevereiro de 1965) com uma mostra de grafismos gerados por computador de George Nees (n.1926)161, levada a cabo pelo próprio Max Bense no espaço da galeria da Universidade Técnica de Estugarda (Studiengalerie der TH Stuttgart), exposição esta integrada no âmbito do seu Ästhetisches Coloquium, um seminário que mantinha no Instituto de Filosofia desta Universidade.

Segundo o pensamento de Bense um objecto artístico tanto é portador de um estado físico como de um estado estético, ambos objectivos e mensuráveis, excluindo portanto da sua apreciação estética os valores subjectivos tais como o belo, o feio, ou o sublime, que dependem da sensibilidade e da interpretação do receptor (Bense 1968/1975:49-51).

161 Georg Nees (n.1926), matemático de formação, começou a trabalhar em programação de computadores no fim da década de 50 tendo iniciado em 1964 o desenvolvimento de aplicações para a produção de desenho assistido por computador. As questões estéticas associadas à produção gráfica gerada por computador levaram-no ao estudo da filosofia tendo concluido o doutoramento nesta disciplina em 1968 na Universidade de Estugarda, sob a orientação de Max Bense, com a tese Generative Computergrafik, publicada no ano seguinte.

157 No seu entendimento um estado estético é descrito em quatro fases revelando-se através do estudo de uma estética numérica, estética semiótica, estética semântica e estética gerativa. A estética numérica de Bense baseia-se na apreciação física do objetcto, da sua forma, e da relação entre ordem e complexidade do mesmo, numa expansão da noção de medida estética, objectivada nos anos 30 pelo trabalho do matemático americano George D. Birkhoff (1884-1944), conjugando-a com os conceitos de entropia e redundância da teoria da informação162. A estética semiótica define a classe de signos pertinentes ao objecto em análise, usando Bense as bases lançadas pelos estudos de Charles Peirce. A estética semântica preocupa-se com as relações entre os signos e é da natureza da comunicação ou, nas suas palavras, dos seus processo de codificação e descodificação, numa clara alusão à teoria de informação de Claude Shannon. O objectivo da estética gerativa é a análise do processo de criação artística num número de passos finitos podendo levar, em última análise, “ […] à criação de ´programas´ que sirvam para produzir ´estados estéticos´ com a ajuda de computadores.” (Bense 1966/2011:297).

Max Bense refere a utilização de uma estética gerativa, no trabalho criativo com computadores de variados artistas, nomeadamente na área da música por Lejaren A. Hiller163, Iannis Xenakis (teoria das probabilidades e composição estocástica), Pierre Barbaud (composição algorítmica), e da composição gráfica em Michael Noll, Georg Nees e Frider Nake, que tinham começado a expôr em 1965.

A estética gerativa era para Bense “[…] uma teoria matemático-tecnológica de transformação de um reportório em directivas, das directivas em procedimentos e dos procedimentos em realizações.” (Bense 1968/1975:136) abordada pelo autor pela primeira vez no seu artigo Projekte Generativer Ästhetik incluido no número 19 da

162 “More precisely, we determine ´complexity´ as ´statistical information´ (about ´entropy´), and ´order´ then as analogous to ´redundancy´” (Bense 1966/2011:298).

163 Lejaren A. Hiller (1924-1994), foi co-autor, com o matemático Leonard Isaacson, da Illiac Suite for String Quartet (1957), a primeira peça musical composta por um computador para instrumentos tradicionais (Illiac era o nome do computador da Universidade de Illinois onde Lejaren trabalhava), e criador também, com Robert Baker, de uma das primeiras linguagem de composição musical por computador, o MUSICOMP, no início da década de 60.

158 publicação ROT (Fevereiro de 1965), editada pelo próprio Bense e cujo tema era dedicado à computação gráfica (Computer-Grafik)164.

Abraham Moles e Max Bense são dois representantes de uma nova estética científica ligada à informação e às possibilidades dos computadores no contexto artístico, porém a ausência da análise da recepção da obra de arte tornaram o seu modelo algo limitado e criticável. É neste sentido a opinião da investigadora Cláudia Giannetti ao referir que, “A tentativa de encontrar uma medida estética baseada na informação está destinada ao fracasso, uma vez que parte do pressuposto da existência de um significado imanente na obra de arte, isto é, independente do observador e do contexto.” (Giannetti 2012:56)165, embora reconheça que, “O grande mérito das estéticas racionalistas foi propor um modelo estético baseado num novo parâmetro de investigação: a informação.” (Giannetti 2012:55).

Mais cauteloso na referência directa à teoria da informação, desenvolvida alguns anos antes por Claude Shannon e Warren Weaver166, foi Umberto Eco com a publicação em 1962 de Opera Aperta. Forma e Indeterminazione nella Poetiche Contemporanae, em que abordou a questão da estética partindo do princípio do paralelismo que existe entre a probabilidade matemática de transmissão de informação e a abertura das poéticas contemporâneas a um conjunto de possibilidades que lhes permite “[…] escolhas operativas ou interpretativas sempre diferentes.” (Eco, 1962/1989:121).

164 Esta publicação de certo modo constitui-se como um catálogo da exposição de Georg Nees já que foi editada no mesmo mês e é ilustrada apenas com os seus trabalhos e um texto de Max Bense. Relativamente à coincidência da criação da expressão estética gerativa, da exposição de Georg Nees, e da publicação ROT 19, Max Bense afirma que, “Em 1965, por ocasião de uma primeira publicação sobre ´Gráfica de Computadores´, eu a concebi [a expressão estética gerativa] como a suma totalizadora de todas as operações, regras e teoremas que, aplicados a um reportório de elementos, materiais manipuláveis, pudessem criar neste, consciente e metodicamente, estados estéticos.” (Bense, 1968/1975:135).

165 Estas questões foram de certo modos contornadas nos trabalhos de Helmar Frank (n.1933) e Herbert Franke (n.1927), baseados nos desenvolvimentos teóricos de Abraham Moles e Max Bense, mas tomando em linha de conta a recepção da obra de arte como integrada num processo cibernético, resultando num convir estético menos cientifista do que a abordagem de Max Bense. A este respeito ver Cláudia Giannetti (2012). Estética Digital: Sintopia da Arte, Ciência e Tecnologia, Lisboa: Vega, pp. 44,45 e 48-50.

166 Claude Shannon e Warren Weaver (1949), The Mathematical Theory of Communication, Illinois University Press.

159 Esta noção de obra aberta de Umberto Eco é perfeitamente integrada na visão de Roy Ascott (n.1934)167 ao perceber na década de 60 a importância da transição da produção do objecto artístico, como objectivo, para a noção mais alargada de processo iniciado pelo artista mas integrado numa experiência estética mais abrangente. A este respeito refere que:

“À medida que a resposta [feedback] entre as pessoas aumenta e as comunicações se tornam mais rápidas e precisas, assim o processo artístico não termina mais no objecto, mas continua para além de si próprio na vida de cada pessoa. A arte é então determinada não apenas pela criatividade do artista em si, mas pelo comportamento criativo que o seu trabalho induz no espectador, e na sociedade em geral. Enquanto a arte da velha ordem constitui uma visão determinista, do mesmo modo a arte do nosso tempo tende para o desenvolvimento de uma visão cibernética, na qual são fundamentais a resposta [feedback], o diálogo, e o envolvimento numa certa relação de criatividade em níveis aprofundados de experiência.” (Ascott, 1968:106)

Esta visão cibernética da arte, próxima da estética dos sistemas de Jack Burnham, já tinha sido por si abordada nos artigos Behaviourist Art (1966) e The Cybernetic Vision in Art (1967)168, nos quais propõe um modelo abrangente de ambiente criativo que designou de Cybernetic Art Matrix (CAM), numa espécie de antevisão da integração das possibilidades que o desenvolvimento das tecnologias de comunicação e computação viriam mais tarde a possibilitar em exemplos como a implementação de plataformas artísticas online ou a criação colaborativa à distância.

167 Roy Ascott (n.1934) é um artista multidisciplinar (telemática, cibernética, arte interactiva), faz parte do corpo editorial da revista Leonardo e é professor de Technoetic Arts na Universidade de Plymouth onde também dirige o Center for Advanced Inquiry in Integrative Arts – Science Technology and Art Research Center (CAiiA-STAR), que a partir de 2003 tomou a denominação de Planetary Collegium. Nesta Universidade orientou teses de doutoramento de artistas como Eduardo Kac e Christa Sommerer. Como artista participou em diferentes exposições e festivais entre os quais, Les Immaterieux (1985) no Centre Pompidou, Bienal de Veneza (1986), Ars Electronica (1996), Bienal de Shangai (2012/13). É ainda professor honorário das universidades de Aalborg (Dinamarca) e de West London.

168 Publicado originalmente em duas partes com os títulos de, “Behaviourist Art”, in, Cybernetica: Journal of the International Association for Cybernetics (Namur), nº 9 (1966), pp. 247–64 e “The Cybernetic Vision in Art” nº 10 (1967), pp. 25–56. As duas partes foram republicadas na íntegra com o título “Behaviourist Art and the Cybernetic Vision” em Edward Shanken (ed.) (2003). Roy Ascott: Telematic Embrace, Berkeley, Los Angels, Londres: University of California Press, pp. 109-156.

160 Esta proposta resultou de um entendimento do paradigma de transição artística no seu tempo - do objecto para o sistema, e da recepção passiva para a experiência - e da constatação de que a própria sociedade estava a mudar em termos de facilidade de mobilidade, de comunicação e de interacção. O estático dava assim lugar a uma dinâmica de processos e sistemas que, em constante relação e mútua interferência, transformava, condicionava, e alterava percepções e comportamentos, permitindo a Ascott afirmar que, “Hoje estamos preocupados menos com a essência das coisas do que com o seu comportamento; não o que elas são, mas o que elas fazem. Esta tendência unificada é evidentemente comportamental, e podemos ver como a visão do nosso tempo é, em última análise, cibernética.” ( Ascott, 1968:108).

A integração de uma visão comportamental de mudança, com uma visão cibernética de retroacção, constituem as bases do modelo do CAM que, segundo Ascott, deveria desenvolver-se como um sistema auto-organizado num ambiente de constante dinâmica e de arquitectura flexível, com uma função catalisadora de aprendizagem, de comunicação e de geração de ideias e processos criativos (Ascott 1966-1967/2003:134).

Este sistema estava equacionado no pensamento de Roy Ascott como um modelo facilitador de serviços tanto para o artista profissional, como para o cientista ou para o estudante, que procurava informação e conhecimento, constituindo não só uma plataforma de aprendizagem que estimulava a participação interdisciplinar e a comunicação remota, mas também integrava módulos de ajuda à criação e realização artística. Na sua visão o ambiente do CAM deveria incluir um sistema de armazenamento de informação de experiências, arquivos de diferente natureza, e de bases de dados científicas, artísticas, lúdicas, etc. (Pillar of Information), sistemas de computação (Tought Amplifiers), comunicações (incluindo televisão, radar, etc), espaços exteriores adaptados à experimentação (Controlled Environments – External), criação de ambientes controlados de experimentação de modificação do sistema nervoso central através de estímulos eléctricos e/ou de substâncias químicas, como forma de expansão da consciência (Controlled Environments – Internal), áreas adjacentes para o manuseamento de materiais e construção de protótipos (Facilities for Materials Handling), equipamentos para a produção de fotografia, vídeo, cinema e artes gráficas (Copying Unit), guarda-roupa e adereços para os participantes poderem assumir papéis e identidades (Identity Bar), possibilidade de utilização permanente ou temporária de

161 extensões cibernéticas para aumentar as capacidades do corpo (Facilities for Phisical Modifications of the Individual) (Ascott, 1966-1967/2003:147-149).

Este complexo poderia ter diferentes configurações de acordo com as características da comunidade em que se inserisse, estando prevista a interligação em rede dos diferentes CAMs cujo intuito era o “livre fluxo de informação e manutenção de um comportamento criativo pela comunidade mundial.” (Ascott, 1966-1967/2003:149).

Embora não se tratando de um modelo estético, mas de uma plataforma de criação integrada, não deixa de ser interessante a visão de Roy Ascott, em 1966, sobre as possibilidades que a computação, as redes de comunicação, as bases de dados, e as aplicações das extensões cibernéticas das capacidades humanas, poderiam vir a ter no futuro da criação artística. É também de salientar que Ascott não restringe a utilização da complexidade de um sistema deste tipo a uma elite de especialistas mas disponibiliza-o, democraticamente, a toda a comunidade, o que o levou a afirmar que num ambiente deste tipo a própria denominação de artista poderia passar a ser redundante169, uma vez que todas as pessoas estão habilitadas a aprender e a participar no processo criativo.

Esta afirmação tem ressonância não só nas ideias postas em prática nos anos 60 pelos artistas do grupo Fluxus, nomeadamente na indeterminação das fronteiras entre a arte e a vida, mas também na abertura à actividade artística de novos tipos de criadores com curriculum e formação fora do âmbito estrito das Academias de Belas-Artes, e com proveniência de áreas como a matemática (Georg Nees), ou a engenharia (Wen-Ying Tsai170).

169 “The Cybernetic Art Matrix will spread creative involvement and responsibility over the whole community to the extend that the specialist term ´artist´ becomes redundant.” ( Ascott, 1968:108).

170 Wen-Ying Tsai (n.1928) é um artista de origem chinesa, naturalizado americano na década de sessenta, com formação em engenharia mecânica e considerado um pioneiro da escultura cibernética. Foi bolseiro no Center for Advanced Visual Studies no MIT (1969-1971), e as suas esculturas cibernéticas dos anos sessenta e setenta foram inspiradas no trabalho dos volumes virtuais de Naum Gabo (Kinetic Construction,1919-1920) (Benthall, 1972a: 117), tendo participado na importante exposição The Machine as Seen at the End of the Mechanical Age (1969), no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque.

162 2.3.3 - A Estética das Bases de Dados

Ainda que o Cybernetic Art Matrix, idealizado por Roy Ascott em 1966, não tivesse tido realidade prática tal como proposto, interessa reter a sua visão cibernética da sociedade e da arte, e o modo como possivelmente a partilha e a reorganização da informação podia ser geradora de situações criativas e, consequentemente, de novas experiências estéticas.

Esta esteticização da experiência, desenvolvida essencialmente a partir de meados da década de 60, impôs-se de certo modo a um juízo de carácter científico de medida estética baseado em processos valorativos e de análise estrutural da obra, opondo-se-lhe a contingência e a relação, como novas práticas operativas.

As referências científicas e estruturalistas da análise estética, que tinham servido de base ao trabalho de Moles e Bense, não continham já elementos suficientes para reflectir sobre os novos desenvolvimentos artísticos. O pensamento de Lyotard (fim das grandes narrativas), Derrida (desconstrução), Deleuze e Guattari (rizoma), Baudrillard (simulacro, hiper-realidade), Foucault (o panóptico e a vigilância), abriam novos caminhos na reflexão social e filosófica mais adaptada aos tempos que decorriam, anunciando uma era cada vez mais dominada pelas tecnologias de informação.

Esse domínio foi o resultado, por um lado, de um contínuo desenvolvimento tanto ao nível dos sistemas de hardware, como das linguagens da programação e das aplicações de software, que tornaram os sistemas mais rápidos, mais eficazes e mais baratos, e por outro do aumento exponencial da quantidade de informação armazenada e das necessidades de capacidades de gestão dessa mesma informação.

A informatização de dados pessoais, de transações financeiras, de registos históricos, de referências bibliográficas, de informação científica e técnica, em que aos dados numéricos se foram acrescentando textos, gráficos, som, imagem fixa, imagem em movimento, e informação adquirida em tempo real, tanto local (câmaras, sensores) como remota (telemetria), tornaram as bases de dados dinâmicas e massivas, por vezes distribuídas por sistemas em rede, transformando-as em repositórios imprescindíveis no apoio às decisões de diferentes organizações, nomeadamente instituições governamentais e financeiras, com manifesto impacto nos processos de desenvolvimento, político, económico e cultural, das sociedades industrializadas contemporâneas.

163 O trabalho sobre o arquivo sempre foi uma das vias de reflexão crítica dos artistas seja ele pré-existente ou criado pelo próprio artista. É exemplo do primeiro caso o trabalho The Reserve of Dead Swiss (1990), de Christhian Boltanski (n.1944), em que o artista utilizou fotografias de pessoas mortas publicadas nos obituários de jornais suíços, e do último o projecto inacabado Menschen des 20. Jahrhunderts (Homens do Século XX), iniciado em 1910 pelo fotógrafo August Sander171.

Com os sistemas de computação os arquivos passaram de um formato físico para um formato digital, com as vantagens de um mais fácil “manuseamento” e correlação da informação, à medida que se iam desenvolvendo as tecnologias associadas às bases de dados e às capacidades gráficas de visualização dos seus conteúdos.

A ênfase do trabalho artístico com computadores, que se tinha iniciado na década de 60 com a produção de gráficos baseados em algoritmos e nas capacidades de processamento dos sistemas, passou também a explorar as novas capacidades de trabalhar a informação, fazendo uso da mesma “matéria” que era utilizada pelas organizações tanto para agilizar processos como para controlar, supervisionar, e delinear determinadas linhas de orientação política económica ou cultural.

Uma instalação emblemática que faz a ligação entre o processo físico do arquivo/armário e as tecnologias de bases de dados, é a peça File Room (1994) de Antoni Muntadas172. Esta obra constitui-se como um historial/arquivo de livre acesso na Internet de casos documentados de censura o mais abrangente possível, quer em termos geográficos e temporais, quer em termos da natureza da censura (sobre obras de índole

171 August Sander (1876-1964) iniciou um arquivo de imagens que pretendia publicar através de 45 portfolios de 12 imagens cada (total de 540 imagens), portfolios esses que estavam agrupados em sete categorias correspondendo, na sua visão, à estrutura social alemã (o camponês, o artesão, a mulher, as categorias profissionais, os artistas, o tipo urbano, os últimos homens). Este retrato da sociedade alemã nunca foi publicado como tal, embora um subconjunto de 60 dessas imagens tenha sido escolhido pelo artista para publicação em 1929 com o título Antlitz der Zeit (Face do Nosso Tempo).

172 Antoni Muntadas (n.1942) é um artista de origem espanhola que vive nos Estados Unidos desde a década de 70, e cujos trabalhos geralmente endereçam questões políticas e sociais através de variados processos e meios (fotografia, video, instalação, meios digitais). Combina o seu trabalho com o ensino no Massachusetts Institute of Technology (MIT), e a sua obra foi reconhecida e apresentada em importantes mostras internacionais como a Bienal de Veneza ou a documenta de Kassel. A instalação File Room foi galardoada com uma Menção Honrosa na categoria de Word Wide Web no Festival Ars Electronica de 1995.

164 literária, artística, de opinião, ou outra)173. A instalação desta obra consiste numa sala, em que as paredes estão preenchidas de armários metálicos com gavetas de arquivo, (algumas portas dos armários são substituídas por ecrãs de terminais de computador) existindo no meio da sala uma secretária e um terminal de computador no qual o visitante pode aceder ao arquivo na Internet ou incluir novos casos conhecidos de censura. Esta informação também pode ser introduzida por qualquer pessoa remotamente via Internet.

A obra de Muntadas ao facilitar uma reflexão sobre os poderes da censura de um modo explícito, através da revelação de casos concretos nos diferentes territórios e épocas, é ao mesmo tempo um manifesto do direito à informação não antevendo porém, no ano da sua criação em 1994, a possibilidade da censura, vigilância e controlo, sobre a livre circulação de informação no próprio meio em que se apoiava, a Internet, e que veio a revelar-se, pouco depois, uma das áreas prioritárias da segurança nacional dos estados soberanos, em particular depois dos atentados de 11 de Setembro de 2001.

Mas se o modo de utilização das bases de dados na obra de Muntadas é o mais trivial possível, identificando-se com os ficheiros e pastas de um arquivo físico, existem possibilidades mais sofisticadas para veicular determinado tipo de informação dependente do modo como se organiza e seleciona o conteúdo de uma base de dados, sendo possível criar inúmeras combinações, ou desenhar diferentes interfaces, para a mesma base de dados obtendo-se resultados diferentes. Esta característica dinâmica de variabilidade174 é, eventualmente, uma das distinções entre uma obra artística tradicional de pintura ou escultura, com uma dada configuração, e um objecto produzido pelas tecnologias da computação integrando bases de dados175.

173 Acessível em: http://www.thefileroom.org/ (30 de Maio de 2013)

174 Segundo Lev Manovich as características inerentes a um objecto de new media (de que são exemplos texto, gráfico, imagem, som, passsíveis de serem armazenados, manipulados, e distribuídos por sistemas de computação) são a representação numérica, a modularidade, a automação, a variabilidade e a transcodificação cultural (Manovich, 2001: 19-20, 27-48).

175 “Historically, the artist made a unique work within a particular medium. Therefore the interface and the work were the same; in other words, the level of an interface did not exist. With the new media, the content of the work and the interface are separated. It is therefore possible to create different interfaces to the same material. These interfaces may present different versions of the same work […] or they may be radically different from each other […] This is one of the ways in which the principle of variability of new media manifests itself. […] The new media object consists of one or more interfaces to a database of multimedia material.” (Manovich, 2001:227)

165 O trabalho Soft Cinema (2005), de Lev Manovich e Andreas Kratky, reflecte justamente sobre esta questão. Contrariamente ao cinema tradicional, esta obra apresenta uma narrativa variável baseando-se em diferentes interfaces sobre um mesmo conjunto de bases de dados individualizadas de clips de video, som e informação gráfica. Para tal o autor classificou previamente cada um dos clips de acordo com um determinado conjunto de parâmetros tanto semânticos (localização geográfica, assunto) como formais (brilho, contraste, dinâmica, tipo de movimento da câmara) atribuíndo- lhes pesos relativos, para posteriormente criar uma programação dinâmica que explora esta classificação em diferentes modos de concatenar os clips, e decidir da sua simultaneidade em termos de imagem, som, e apresentação visual, na criação de diferentes versões de narrativas quando a obra é inicializada pelo utilizador ou quando são criadas determinadas condições de transição.

Estas diferentes possibilidades de apresentação, tanto do ponto de vista da narrativa como da visualização da obra176, estão directamente ligadas à organização da informação e ao modo como é estruturada a sua recolha, podendo eventualmente referir- se que a sua concepção e recepção estão associadas a uma estética das bases de dados, embora a expressão talvez não seja a mais correcta porque, em boa verdade, não se percepciona a base de dados e a sua estrutura mas o resultado de uma operação de selecção sobre a informação nela contida. Tal como refere Christiane Paul, “O entendimento comum da expressão ´estética da base de dados´ parece estar mais focada nas operações do ´front end´ – o conceito dos algoritmos, a sua manifestação visual, as suas implicações culturais – do que no ´back end´ do dispositivo de armazenamento e da sua estrutura. [mantivemos as expressões originais front end e back end]” (Paul, 2007:97), ou seja a dimensão estética de uma base de dados está na lógica do seu “atravessamento”, ou na experiência da sua “navegabilidade” (Manovich)177, e na revelação dos encontros de estruturas com múltiplas possibilidades.

Uma outra peça que, embora de um modo metafórico, proporciona uma visualização mais directa da relação da base de dados com a informação que contem, é a

176 O espaço de projecção da obra é dividido em vários ecrãs simultâneos cuja dimensão e forma é dinamicamente reconfigurado no decorrer da apresentação.

177 A obra Soft Cinema, de Lev Manovich, tem como subtítulo Navigating the Database.

166 obra Pockets Full of Memories (2001), de George Legrady178. Para a realização da mesma o autor pediu aos visitantes da exposição que colocassem num scanner, presente na sala, um objecto pessoal do seu uso diário e que, através de um inquérito, respondessem a um conjunto de questões relativamente ao mesmo descrevendo-o através de uma escala de oito atributos, definidos pelo autor, e três palavras-chave179 escolhidas livremente pelo participante. Em seguida o sistema, através de um algoritmo próprio, procedia a uma organização das imagens dos objectos, baseando-se na descrição dos visitantes, e projectava uma grelha de um conjunto de 280 desses objectos lado a lado, por afinidade descritiva. Esta projecção era renovada de minuto a minuto para dar espaço à imagem do objecto mais recentemente introduzido (assinalado por um contorno laranja para identificação) e refazer o painel com imagens cujas descrições/atributos estavam mais próximas desse objecto do que as anteriores, substituindo-as.

Nesta peça a visualização em forma de malha reticular remete efectivamente para a organização da informação num sistema de base de dados em que é dado a cada elemento um determinado espaço fixo (uma célula de memória, para simplificar), independentemente do seu significado. A organização dessas mesmas células por afinidade já tem a ver com as características relacionais e tipo de organização de uma base de dados. Por último, a dinâmica da visualização espelha a realidade da alteração constante de uma base de dados através da introdução de nova informação.

Um outro aspecto pertinente da instalação tem a ver com as questões semânticas da linguagem e da descrição, já que a organização da grade das imagens projectadas com afinidades depende unicamente das características atribuídas aos objectos pelos

178 George Legrady (n.1950) é actualmente professor de Interactive Media na Universidade da Califórnia, em Santa Barbara, onde dirige o Experimental Visualization Lab e colabora no programa de doutoramento em Media Arts and Technology. Iniciou a sua carreira artística na área da fotografia nos anos 70 e mais tarde interessou-se pela investigação estética relacionada com os processos algorítmicos de visualização da informação e sentido de narrativa em instalações interactivas. http://www.georgelegrady.com/ (consultado em 27 de Maio de 2013)

179 A colecção de imagens e atributos/palavras-chave utilizados nas diferentes exposições pode ser visualizada em: http://tango.mat.ucsb.edu/pfom/databrowser.php (consultado em 27 de Maio de 2013). Para uma descrição do projecto consultar: http://www.mat.ucsb.edu/~g.legrady/glWeb/Projects/pfom2/pfom2.html (consultado em 27 de Maio de 2013)

167 visitantes, podendo figurar lado a lado imagens muito diferentes mas que tenham uma tipologia descritiva semelhante.

O facto desta instalação ter viajado por diferentes instituições/países entre 2001 e 2007180, e acumulado mais de 10.000 imagens em paralelo com informação demográfica dos participantes (faixa etária, género, ocupação, país ou região de origem), permite uma análise dos seus perfis a partir dos estudos das ciências sociais, não sendo também de menosprezar o facto do projecto, como obra artística, insinuar-se de uma maneira lúdica, e não inocente, para conseguir o seu intento, ou seja, a captura de informação e criação de uma base de dados a partir do ambiente em que está instalada, o que de certo modo pode constituir uma crítica às práticas pouco ortodoxas utilizadas nos dias de hoje para obter informação pessoal com fins publicitários e de marketing.

Os exemplos dados anteriormente contemplaram a criação de um repositório de informação específico para a obra (seja produzida pelo artista ou por agentes exteriores). No entanto, com o desenvolvimento das tecnologias de comunicação é também possível trabalhar sobre bases de dados remotas pré-existentes (histórico das bolsa de valores ou das variações da dados metereológicos, por exemplo) ou sobre a informação na própria Internet, como uma gigantesca base de dados não estruturada.

Do mesmo modo que a informação financeira, estatística, demográfica, científica, etc., está a ser organizada em bases de dados, também a informação genética começa a ser armazenada desta forma. Um exemplo é a United Kingdom National DNA Database. Uma base de dados que contém perfis genéticos simplificados de todas as pessoas que cometeram delitos no Reino Unido desde 1995, e que acumula actualmente mais de seis mil milhões de registos. Esta informação é apenas utilizada para fins policiais, como complemento a outros métodos de identificação, mas constitui mais um exemplo do avanço contínuo da transformação dos dados que dispomos num conjunto organizado de informação em formato digital para mais fácil manipulação pelos sistemas de computação.

180 Center Georges Pompidou, Paris (2001); Dutch Electronic Arts Festival, Roterdão (2003); Ars Electronica, Linz (2003); Aura, C3 Center for Culture & Communication, Budapest (2003); Museum of Contemporary Art Kiasma, Helsinquia (2004); Cornerhouse Gallery, Manchester (2005); Frankfurt Museum of Communication (2006); Museum of Contemporary Art, Taipé (2007).

168 O próprio ADN de cada ser vivo é também um imenso corpo de informação que determina, a partir das sequências das bases que o constituem (Citosina, Timina, Adenina, Guanina), o seu genotipo e em larga medida o fenotipo. Contudo uma alteração na sequência do código genético, por mutação ou modificação intencional, produz diferentes resultados, assemelhando-se neste aspecto a uma alteração da informação numa base de dados.

É evidente que a possibilidade deliberada da introdução da alteração ou recombinação do ADN em qualquer ser vivo tem repercussões que podem ser reprovadas do ponto de vista ético, mas também pode levar à cura de doenças, descoberta e síntese de novos medicamentos, ou eventualmente à produção de alimentos com características, à partida, desejáveis.

Neste aspecto, o investimento das grandes farmacêuticas e corporações de engenharia genética e biotecnologia têm sido imensos, mas também acompanhados de alguma crítica quanto ao seu modus operandi e ao secretismo da investigação.

A prática artística nesta área tem-se revelado importante como campo de reflexão sobre a manipulação genética utilizando as mesmas tecnologias de ponta e os mesmos laboratórios da investigação científica para, de um modo diverso desta, realçar a capacidade criativa do trabalho com material genético ao endereçar questões tanto éticas como estéticas, por vezes com um carácter interventivo/participativo, ou com contornos activistas, como alguns projectos criados pelo gupo Critical Art Ensemble181.

Dos trabalhos deste grupo, GenTerra (2001-2003), desenvolvido em parceria com a artista Beatriz da Costa182 (1974-2012), parte de uma permissa didáctica que tem como objectivo consciencializar os participantes para as questões ligadas à manipulação genética através do diálogo e experiência na criação de material transgénico. Para tal, o projecto apresenta-se como uma performance/teatro participativo em que os visitantes são recebidos num ambiente de laboratório científico pelos cientistas/mentores do

181 São exemplos os trabalhos Flesh Machine (1997-1998), The Society for Reproductive Anachronisms (1999-2000), Intelligent Sperm On-Line (1999), Cult of New Eve (1999-2000), GenTerra (2001-2003). http://www.critical-art.net/Biotech.html (consultado em 3 de Junho de 2013).

182 Beatriz da Costa (1974-2012) foi uma artista multidisciplinar interessada nos cruzamentos da arte, tecnologia, ciência e política, co-fundadora do grupo activista Preemptive Media e colaboradora do grupo Critical Art Ensemble (2000-2005). Foi professora associada no programa de Arte Computação e Engenharia na Universidade da Califórnia em Irvine. http://www.beatrizdacosta.net/about.php (consultado em 6 de Junho de 2013)

169 projecto como fazendo parte dos quadros de uma empresa de engenharia biológica fictícia, denominada GenTerra (na sala existem computadores, microscópios, reagentes, placas de Petri com bactérias, amostras várias), que, animada de um espírito de responsabilidade social, disponibiliza os seus especialistas para dialogar e esclarecer os visitantes relativamente às questões ligadas aos riscos e problemas éticos inerentes à sua actividade como empresa. No decorrer da visita os participantes têm oportunidade de criar bactérias transgénicas e decidir sobre a sua libertação para o ambiente através de um mecanismo robótico criado para o efeito, o Transgenic Bacteria Release Machine.

Este dispositivo funciona segundo o mesmo princípio lúdico da “roleta russa”, ou seja, quando o participante decide actuar, um interruptor faz funcionar um braço robótico que, ao rodar por cima de um conjunto de dez placas de Petri tapadas e dispostas em círculo (nove das quais com culturas de bolores vários e uma décima placa com bactérias transgénicas) selecciona aleatoriamente uma das placas destapando-a e libertando assim o seu material para a atmosfera. Se a placa escolhida for a que contem as bactérias transgénicas acende-se uma luz vermelha no braço robótico, como uma espécie de alerta, embora a libertação dessas bactérias na atmosfera não apresentem perigo algum.

A concepção e apresentação deste trabalho, que mais parece uma visita guiada a uma instituição de investigação do que a participação num projecto artístico, filia-se numa estética de experiência directa como meio de aquisição de informação que encerra em si um potencial de mudança de atitude, neste caso confrontando o participante com decisões relativamente ao seu papel activo/passivo nos destinos do futuro biológico das espécies, numa sociedade em que os interesses das grandes corporações e da economia de mercado não são por vezes compatíveis com as decisões mais acertadas.

Uma obra de cariz idêntico, no sentido em que dá igualmente ao visitante capacidade de modificação do código genético de um ser vivo, é o trabalho Genesis (1999), de Eduardo Kac, descrito anteriormente. Neste caso o participante, local ou remoto (via Internet), tem o poder de alterar o ritmo de mutação de uma bactéria transgénica, criada por Kac183, através da sua decisão em acender ou não uma luz-

183 O ADN da bactéria foi recombinado com ADN sintético criado pelo artista.

170 ultravioleta cujo impacto energético faz quebrar a sequência da cadeia de ADN, acelerando esse processo.

Em ambas as instalações estão presentes equipamentos e dispositivos típicos do ambiente da investigação microbiológica (placas de Petri, microscópios, culturas biológicas). Outras existem em que a cultura de tecidos vivos obriga a maiores cuidados de manutenção das condições de vida, por exemplo com a utilização de reactores biológicos, para manter um nível adequado de nutrientes e condições ambientais de desenvolvimento dos espécimens biológicos utilizadas.

Do exposto facilmente se vê que a informação genética, apesar de poder ser associada a uma base de dados, carece de mecanismos de visualização e estratégias de instalação/recepção bem diferentes das veiculadas à informação digital, transformando por vezes o espaço expositivo num ambiente laboratorial.

As suas preocupações, enquanto instalações com material vivo, são mais do alcance ético do que propriamente do domínio estético, estimulando uma reflexão crítica sobre questões polémicas (alimentação transgénica, pós-humanismo, biopolítica, etc.) mas pertinentes no desenvolvimento das sociedades do século XXI

Segundo Manovich, “A base de dados tornou-se o centro do processo criativo na era dos computadores.” (Manovich, 2001:227), o que não deixa de ser verdade se se assumir a expressão “base de dados” na sua acepção mais lata para a inclusão do código genético, já que goza das mesmas capacidades de reprodução, transmissão, alteração, recombinação, síntese e armazenamento, idênticas à da informação digital.

171

172 Capítulo 3

A Tecnocultura: Máquinas, Dispositivos e Sociedade

“A tecnocultura que se tornou nossa englobará numa mesma realidade homens e máquinas. As noções de criatividade, de interactividade, de inteligência (sem aspas), e eventualmente talvez as de consciência, de sentimento, de emoção, até aqui definidas num quadro único de referência humana, deverão provavelmente ser remodeladas ou, com toda a probabilidade, modeladas em função da evolução tecnológica em curso.” René Berger, 19931

A cultura é tradição e herança mas também o que - de algum modo filtrado da aprendizagem de campos como a política, economia, literatura, ciência, tecnologia, arte, e da experiência de relacionamento social – é retido da actualidade condicionando comportamentos, atitudes, pensamentos e acções que, por sua vez, também são geradores de actividade cultural.

Somos todos, portanto, produtos e produtores de cultura à semelhança de um sistema não linear de realimentação em contínuo, que processa tanto o passado como o presente, de acordo com a percepção, tendências, interesses e capacidades individuais.

1 “La tecno-culture qui est devenue nôtre englobera dans une même réalité hommes et machines. Les notions de créativité, d´interactivité, d´intelligence (sans guillemets), en attendant peut-être celles de conscience, de sentiment, d´émotion, jusqu´ici définies dans le seul cadre de référence humain, devront probablement être réaménagées ou, selon tout vraisemblance, aménagées en function de l´évolution technologique en cours.” René Berger (1993). “L´Ordinateur à la Recherche d´une Âme le Défi des Artistes”, in, SANTOS, A. M. Nunes dos (coord.) (1993). Arte e Tecnologia, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 158-159.

173 Ao fazer-se a analogia no parágrafo anterior da produção cultural com o processamento de um sistema não linear de realimentação, está obviamente a ser utilizada uma nomenclatura que faz parte dos estudos de engenharia e que, de certa maneira, condicionaram o autor, pela sua formação base, na escolha da expressão. Pode- se portanto afirmar que foi efectivamente uma cultura técnica, ou uma tecnocultura, que se apresentou como modelo para interpretação de um conceito.

Mas se no início do século XXI esta opção por uma tecnocultura não é de todo estranha2, já que a cultura contemporânea é certamente muito devedora das tecnologias de informação e comunicação, o mesmo não se passava em meados do século XX que assistia a uma transição de uma indústria da mecanização para uma indústria da informação, de uma estética da máquina para uma estética do sistema, do trânsito das certezas de um legado humanista clássico para os paradoxos de uma ciência das teorias da relatividade e das probabilidades da mecânica quântica. Uma sociedade em mudança para novos hábitos de consumo alimentados por produtos tecnológicos, fruto de uma forte componente de desenvolvimento científico e técnico que o esforço de uma guerra mundial a isso tinha obrigado.

A evidência de uma cultura científica alimentada por uma certa euforia de um futuro próspero no pós-guerra, embora ensombrado por uma guerra-fria que se lhe seguiu, criou cenários mais utópicos do que distópicos comandados por imperativos tecnológicos e dinâmicas de pensamento afins que, de inspiração transdisciplinar (a cibernética de Norbert Wiener, a teoria geral dos sistemas de Ludwig von Bertalanffy), não se compadeciam com o sistema monolítico da cultura das humanidades clássicas.

Estas fissuras entre uma formação clássica humanista e o pragmatismo de um discurso científico, foram abordadas por Charles Percy Snow (1905-1980) na sua

2 Tecnocultura foi um neologismo criado por René Berger na sua obra La Mutation des Signes (Paris: ed. Denoël, 1972), para justamente sinalizar uma nova cultura de base tecnológica a que correspondeu também uma mudança radical em termos sociais, filosóficos e políticos. Para Berger esta expressão “ [...] combina as mudanças nas telecomunicações, os novos tratamentos do espaço e do tempo, as mutações linguísticas, epistemológicas, filosóficas, aliados à hibridação dos nossos sistemas de pensar em conjunto com a sofisticação cada vez maior das máquinas.” (Berger, 1994: 5)

174 célebre conferência na Universidade de Cambridge em 1959, “The Two Cultures”3, que constituiu tema de debate e controvérsia nos anos que se seguiram.

C. P. Snow, cientista (doutorado em física) por formação, mas escritor por vocação (Snow, 1959/1990:169), apercebeu-se que, ao participar desses dois mundos nos círculos de amigos que mantinha, existia um enorme fosso de comunicação entre o discurso da ciência e o produzido pelos, por ele denominados, literary intellectuals4.

A sua observação incidia sobre a falta de interesse dos cientistas pela cultura clássica e da falta de conhecimento das ciências por parte de quem tinha na escrita uma forma de elaborar sobre a condição humana. No diagnóstico que fez da situação atribuía a principal causa da situação ao ensino especializado, apontando como solução a necessidade de repensar esse mesmo sistema de ensino5.

Esta análise de C. P. Snow, embora particularmente pertinente na altura em que surgiu, não era mais do que a continuidade de preocupações já expressas no último quartel do século XIX num debate entre Thomas Henry Huxley (1825-1895), cientista e biólogo, e Matthew Arnold (1822-1888), poeta e crítico literário, sobre o tipo de ensino que mais se adequava aos jovens que iniciavam a sua formação. As opções entre um curriculum com um pendor científico ou, de outro modo, favorecendo uma instrução humanista clássica, ficaram assinaladas nas conferências “Science and Culture” (1880), de Huxley, e na resposta de Arnold em “Literature and Science” (1882), esta curiosamente também na Universidade de Cambridge onde C. P. Snow faria a sua apresentação6.

3 Originalmente publicada em forma de livro em, C. P. Snow (1959/1961). The Two Cultures and the Scientific Revolution, Nova Iorque: Cambridge University Press, pp. 1-22. Republicado em C. P. Snow (1959), “The Two Cultures”, in, Leonardo, vol.23, nº 2/3, 1990, pp.169-173, disponível em: http://classes.dma.ucla.edu/Fall07/9-1/pdfs/week1/TwoCultures.pdf (consultado em 10 de Abril de 2013).

4 “I believe the intellectual life of the whole western society is increasingly being split into two polar groups […] Literary intellectuals at one pole - at the other scientists, and as the most representative, the physical scientists. Between the two a gulf of mutual incomprehension – sometimes (particularly among the young) hostily and dislike, but most of all lack of understanding.” (Snow 1959/1990:169).

5 “There is only one way out of all this. It is, of course, by rethinking our education.[…] Nearly everyone will agree that our school education is too specialized.” (Snow 1959/1990:172).

6 Para um enquadramento histórico mais detalhado consultar o capítulo The Two Culture Debates, de John Cartwright, em John Cartwright e Brian Baker (2005), Literature and Science: Social Impact and Interaction, Santa Barbara, Denver e Londres: ABC- CLIO, pp.265-280.

175 Obviamente que a especialização tinha sido uma inevitável condição de desenvolvimento do conhecimento científico na altura em que Snow pensava estas questões e não havia retorno possível mas, por outro lado, se esse conhecimento estivesse alheado do mundo e das questões culturais, sociais, políticas ou económicas, corria o risco de ficar fechado nele próprio e isolado da realidade. Havia portanto necessidade de desenvolver competências de integração e de entendimento das vantagens mútuas da troca de saberes.

Sensivelmente na mesma altura em que Snow publica a sua conferência é criada nos Estados Unidos a Society for the History of Technology7 (1958), uma associação internacional, hoje representada em mais de 35 países8, que congrega investigadores de diferentes áreas não só interessados na História mas também no relacionamento e impacto da tecnologia nos diferentes aspectos da vida em sociedade (política, economia, arte, trabalho, etc.). O seu órgão oficial, Technology and Culture, criado em 19599 e ainda hoje editado, reflecte justamente sobre os aspectos relacionais da tecnologia com a cultura e a sociedade.

Com ressonâncias até aos dias de hoje, o que o C. P. Snow logrou com o seu discurso, mais do que apenas referenciar uma divisão, foi sinalizar a passagem para um novo tipo de cultura em que a tecnologia passou a ter um papel determinante absorvendo e reciclando as disciplinas das humanidades em novos tipos de preocupações transdisciplinares (teoria crítica, estudos culturais, media studies), a que se assistiu essencialmente a partir da década de 60.

Ainda na década de 60 também Aldous Huxley revisitou as ideias de Snow na sua última obra publicada em vida, Literature and Science (1963) – curiosamente dada ao prelo com o mesmo título da conferência que Matthew Arnold tinha pronunciado em 1882 como argumento contrário à posição de Thomas H. Huxley, avô de Aldous Huxley – mencionada pelo filósofo Jürgen Habermas (n.1929) no artigo “Progresso Técnico e Mundo Social da Vida” (Habermas,1968/2006: 93-106), contrapondo a uma visão de

7 http://www.historyoftechnology.org/the_society.html (acedido em 16 de Abril de 2013).

8 De quatro em quatro anos esta associação realiza o seu congresso anual na Europa. Em 2008 este encontro foi realizado em Lisboa de 11 a 14 de Outubro.

9 É uma publicação trimestral multidisciplinar peer-review editada pela Johns Hopkins University Press. http://www.press.jhu.edu/journals/technology_and_culture/ (acedido em 22 de Abril de 2013)

176 Huxley de assimilação do conhecimento científico na literatura como mediadora de relacionamento, uma experiência de inscrição social através da experimentação da tecnologia e das suas consequências práticas, explicitadas por Habermas na sua afirmação:

“As informações de natureza estritamente científico-natural só podem entrar no mundo social da vida, por meio da sua utilização técnica, como saber tecnológico […] Para o seu saber prático, que se exprime na literatura, o conteúdo informativo das ciências não pode, pois, ser relevante sem mediações – só pode adquirir significação pelo desvio através das consequências práticas do progresso técnico.” (Habermas 1968/2006: 95)

Embora a afirmação de Habermas seja discutível, a verdade é que o efeito prático da tecnologia no surgir de uma nova cultura já tinha sido assinalado por alguns artistas em obras da segunda metade da década de 40 de que são exemplo as colagens de Eduardo Paolozzi (1924-2005), ao lançar mão da apropriação de imagens de revistas americanas de circulação comum espelhando o imaginário de uma cultura popular consumista e tecnológica que se começava a instalar10.

Do mesmo modo, a colagem de Richard Hamilton (1922-2011), Just What Is It that Makes Today's Homes So Different, So Appealing? (1956), apresentada na sugestiva exposição This is Tomorrow, na Whitechapel Gallery de Londres, revelava um certo fascínio pelos bens de consumo de origem tecnológica representados pelo artista na composição e escolha de recortes de imagens de objectos como a televisão, o gravador de som, o aspirador, ou o automóvel, simbolizado pelo logotipo da Ford num candeeiro da sala representada na colagem.

O próprio transístor, inventado em 1947 (patenteado em 1948), e que iria revolucionar a electrónica, as telecomunicações, e a computação nas décadas seguintes, foi alvo de atenção de John McHale11 que, logo no início da década de 50, lhe dedicou

10 Estes aspectos são particularmente patentes em algumas colagens pertencentes à série denominada Bunk (1947-1952), de que é exemplo It´s a Psichological Fact Pleasure Helps Your Disposition (1948), pertencente à colecção da Tate. http://www.tate.org.uk/art/artworks/paolozzi-its-a-psychological-fact-pleasure-helps-your-disposition- t01463 (consultado em 6 de Agosto de 2015).

11 John Mchale (1922-1978) foi um dos membros fundadores do Independent Group em Londres na década de 50 - incluindo, entre outros, Eduardo Paolozzi, Richard Hamilton e Lawrence Alloway – grupo 177 um conjunto de colagens apresentadas na exposição Collages and Objects (1954), no Institute of Contemporary Arts (ICA) , em Londres.

A sua peça Transistor (1954) (fig. 3.1), é um trabalho claramente influenciado pelo símbolo convencionado do componente electrónico utilizado em esquemática de engenharia (fig.3.2), e pela tecnologia de fabrico do dispositivo em si (camadas e dessiminação de “impurezas” no substrato do semicondutor para obtenção de determinadas características).

Fig. 3.1 - John Mchale, Transistor, 1954, (Colecção Fig. 3.2 – Transístor Tate)

A tomada de consciência desta nova cultura de pendor tecnológico teve obviamente um grande impulso nas mostras das feiras mundiais do início da década de 60 que se realizaram em 1962 em Seattle, na costa Oeste dos Estados Unidos, e a que se lhe seguiu em Nova Iorque, em 1964/65. A primeira, também conhecida pela Century 21 Exposition, teve como tema central a exploração espacial – representada na sua emblemática torre denominada Space Needle, de 184 metros de altura – tema este que surge na sequência do discurso do presidente Kennedy no ano anterior (Maio de 1961), em que tinha anunciado a intenção de colocar um americano na Lua antes do fim da

ao qual se atribuiu o início da Pop-art britânica, essencialmente através da colagem de fragmentos de imagens de revistas e publicações de circulação generalizada.

178 década dando início, deste modo, a uma fase determinante de competição entre russos e americanos pelo domínio do espaço12.

A feira de Nova Iorque, pelo facto de não ter tido o apoio do organismo internacional que regulava este tipo de eventos (Bureau of International Expositions) e que congregava as diferentes representações nacionais, centrou-se mais nas exposições dos pavilhões das empresas americanas que tiveram, desta forma, uma oportunidade de mostrar ao mundo os seus produtos e as suas capacidades tecnológicas.

A presença de empresas como a IBM e a NCR levaram ao grande público, pela primeira vez, o contacto com os computadores numa altura em que a especialização dos sistemas mainframes dos anos 50 começava a dar lugar a uma computação interactiva e as aplicações comerciais e científicas já eram realidade num número crescente de instituições e empresas. A Bell Telephone Laboratories demonstrou o seu sistema de telecomunicações Picturephone que permitia ver e ouvir o interlocutor da chamada telefónica. A exploração espacial estava amplamente representada por sondas espaciais em tamanho real e módulos de foguetões dos programas americanos Mercury, Gemini e Apollo, não faltando também os projectos futuristas da Ford e da General Motors, nas suas visões da cidade do futuro.

Os novos produtos e materiais estimulavam um clima de optimismo em torno do desenvolvimento tecnológico e de uma nova fonte de energia (nuclear) que prometia alimentar sem limites, e a baixo custo, toda uma infra-estrutura social de consumismo baseado em dispositivos eléctricos e electrónicos.

Os cerca de dez milhões de visitantes da feira de Seattle e de cinquenta milhões em Nova Iorque, tiveram oportunidade de perceber, em primeira-mão, a mudança cultural e do estilo de vida que estava em curso tendo por base o automatismo, as telecomunicações, o computador, e também o que veio a revelar-se, apenas, de utopias de uma sociedade altamente tecnológica.

É conhecida a célebre frase de Andy Warhol que, em entrevista em 1963, anunciava que desejava ser e pintar como uma máquina13.

12 Um excerto da gravação em vídeo deste discurso do presidente Kennedy endereçado ao Congresso Americano, em 25 de Maio de 1961, pode ser visionado em: http://www.space.com/11775-president-kennedy-moonshot-moment.html (consultado em 6 de Agosto de 2015) 179 Embora referindo-se à repetição e automatismo do processo de serigrafia na sua produção, a verdade é que pouco depois um conjunto de artistas/engenheiros começaram programar computadores para a produção de grafismos e desenhos14, o que de certo modo obrigava mais a um pensamento estruturado e racional que “entendia” a linguagem máquina do computador, do que a um entendimento das técnicas da pintura e do desenho em si. A computer art, como ficou conhecida, foi apenas uma aplicação destes sistemas que se multiplicaram nas décadas seguintes nos mais diferentes domínios da engenharia à produção industrial, mas também do planeamento económico à estratégia política e militar, como potenciadores de rapidez, de acesso à informação, e de poder de cálculo e decisão, na construção de uma sociedade em mudança impulsionada por estas novas tecnologias.

Este inevitável envolvimento diário de cada indivíduo com a experiência tecnológica a partir da segunda metade do século XX, tanto ao nível do trabalho como na vida privada é, eventualmente, a mediação a que Habermas se referia anteriormente como significante na produção de uma cultura contemporânea, temas que serão abordados nas secções seguintes.

13 “The reason I´m painting this way is that I want to be a machine, and I feel that whatever I do and do machine-like is what I want to do.” Andy Warhol em entrevista a Gene R. Swenson, originalmente publicado em Artnews (Nova Iorque), vol. 62, Novembro 1963, pp. 60-63, e reproduzida em, Jacob Baal-Teshuva (ed.) (1993). Andy Warhol: 1928- 1987, Munique, Londres e Nova Yorque: Prestel Verlag, pp. 133-134.

14 Em 1965, entre 8 e 24 de Abril, é apresentado em contexto de galeria de arte um conjunto de obras resultantes da mediação do computador como meio de produção de gráficos com intenção artística. A exposição foi denominada Computer-Generated Pictures, e teve lugar na Howard Wise Gallery de Nova Iorque, com obras de A. Michael Noll e Bela Julesz, ambos investigadores nos Bell Telephone Laboratories.

180 3.1- Tecnologia, Política e Sociedade.

O desenvolvimento tecnológico na última metade do século XX mudou a face do domínio político e das questões ligadas à vigilância e segurança nacional. A gestão da informação, as bases de dados, e todos os processos de arquivo, segurança, e tratamento da informação, passaram a ser activos da mais alta importância e prioridade dos governos de que é exemplo o programa de vigilância Prism, iniciado em 2007 sob a égide do governo de George Bush e da agência americana National Security Administration (NSA), cujo objectivo era fazer um escrutínio da informação que passava pelos servidores da principais companhias de informática americanas (Google, Facebook, Microsoft, Yahoo, Apple, Dropbox), empresas estas que se demarcaram da situação quando este programa de vigilância foi denunciado em 2013 por Edward Snowden, ex-empregado em sistemas de informação nas agências de segurança do governo americano.

A criação na organização militar americana do United States Cyber Command (2009), sob a égide do seu comando estratégico, revelou a necessidade de formar uma unidade específica no âmbito da defesa nacional para a preservação da informação e integridade das redes militares contra os ataques informáticos e espionagem internacional, no sentido de contrariar, e também de certo modo organizar-se, num novo domínio que se designou de Cyberwarfare, uma guerra em que as ferramentas tecnológicas são mais importantes do que o número de combatentes e em que os domínios territoriais de conquista não coincidem com a geografia nem com objectivos no terreno, mas em afinidades com códigos e encriptações no ciberespaço.

Dominar processos de obtenção de palavras-chave de acesso a sistemas e redes informáticas, e/ou alterar informação, pode ter efeitos devastadores numa economia e sociedade cada vez mais dependente da informática para o seu funcionamento. A Cyberwarfare concentra-se sobre a maneira de adquirir controlo sobre este “sistema nervoso central” que permite a pulsação e o funcionamento das sociedades. A sua acção diversificada tanto pode veiculada através de vírus destrutivos15, como por processos

15 O Stuxnet foi um vírus descoberto em 2010 cujo objectivo era a reprogramação de sistemas industriais induzindo o seu mau funcionamento e em última análise a sua destruição. O facto de, por um lado, mais de 60% dos sistemas afectados mundialmente terem sido detectados no Irão e em particular nos equipamentos de enriquecimento de urânio, e por outro, a elevada sofisticação da elaboração do vírus que só era activado quando detectava determinadas configurações industriais, fez com que o Stuxnet ficasse 181 intrusivos de monitorização ou quebra de segurança, no sentido de obter informações estratégicas do domínio da defesa nacional, ou de controlo de estruturas básicas essenciais, como a distribuição da energia da água ou do gás, cuja paralisação ou mau funcionamento pode ter consequências nefastas.

A guerra convencional transformou-se numa guerra de informação gerida à distância em ecrãs de computador. O campo de batalha tem um novo domínio - o ciberespaço - assemelhando-se e um jogo de simulação de guerra em que os intervenientes são designados de alvos e os territórios meras manchas coloridas acompanhadas de vectores de dados.

A consciencialização das capacidades das novas ferramentas tecnológicas no domínio da guerra e do controlo político já tinha sido objecto de investigação e divulgação através da edição da revista Time de 21 de Agosto de 1995 exibindo como título de capa a expressão Cyber War colocando, em subtítulo, a questão da preparação e vulnerabilidade dos Estados Unidos em caso de ataque neste domínio. Pouco depois, em Outubro do mesmo ano, foi criada pela força aérea dos Estados Unidos o primeiro esquadrão com missões específicas na área da guerra da informação, o 609th Information Warfare Squadron, que se manteve activo até meados de 1999, e que teve como desafio criar métodos de defesa contra as ameaças aos sistemas de informação da força aérea americana e ao mesmo tempo desenvolver ferramentas neste domínio com capacidades ofensivas em teatro de guerra.

Estas questões das tecnologias da informação aplicadas ao domínio do poder e da guerra não passaram despercebidas aos pensadores contemporâneos. O filósofo e urbanista Paul Virilio (n.1932) em conversa com Derrick de Kerckhove16 identificava a guerra da informação como o terceiro sistema histórico de armamento (Virilio, 1998: 326,327). Para Virilio o primeiro sistema tinha sido constituído, pelo que designa, de

ligado a uma suspeita de concertação política internacional com o objectivo de paralisar o programa de energia nuclear do Irão que se suspeitava ter intenções bélicas. Relatório da empresa de segurança informática Symantec sobre o vírus Stuxnet (consultado em 4 de Agosto de 2013): http://www.wired.com/images_blogs/threatlevel/2011/02/Symantec-Stuxnet-Update-Feb-2011.pdf

16 De nacionalidade belga, Derrick de Kerckhove (n.1944) é professor no departamento de francês na Universidade de Toronto e doutorado em Sociologia da Arte. Trabalhou com Marshall McLuhan cerca de dez anos como assistente, tradutor e co-autor, continuando o seu legado intelectual como director do McLuhan Program in Culture and Technology, entre 1983 e 2008, na mesma universidade.

182 processos de obstrução ao avanço e ao domínio inimigo, materializado pelo levantamento de muralhas e pela construção de abrigos, com antecedentes históricos na muralha da China ou nas fortificações medievais, até chegar ao abrigo atómico. O segundo sistema correspondeu à criação de armamento destrutivo, à invenção dos explosivos que, nas mãos de um novo ramo das forças armadas, a artilharia, passou a ter poder para destruir os abrigos e as muralhas, passando a estratégia de guerra a ser mais apoiada na mobilidade e na capacidade e poder de fogo à distância do que na morosidade do cerco à cidade. Finalmente com o advento da guerra-fria as armas da informação começaram a ser mais significativas à medida que as telecomunicações e os sistemas de computação tomavam conta das decisões do xadrez de guerra, da orientação de mísseis balísticos e dos satélites de espionagem. Começou a perceber-se que o domínio dos sistemas de informação num ambiente de guerra podia evitar o accionamento das armas de destruição do inimigo, podia desviar as suas tropas ao criar cenários fictícios de comunicações, ou mesmo paralisar a sua acção no terreno17. O seu poder podia tornar-se superior ao das forças de artilharia que tinha sido dominante no passado.

Segundo Virilio está-se actualmente perante a bomba da informação18 como sucessora da bomba atómica mas que, contrariamente a esta, em vez de orientada para detonar numa determinada zona física e instância temporal, procura zonas de informação para actuar. Esta particularidade fez com que Virilio afirmasse que a guerra da informação não é tanto uma guerra da História, como acontecimento com uma dimensão espaço-temporal, mas uma guerra da realidade, que é independente do espaço

17 Para que o grande público se apercebesse do alcance e do poder da guerra da informação, Douglas Waller e Mark Thompson, começaram o seu artigo incluído na revista Time sobre a Cyberwar ( “Onward Cyber Soldiers”) , por criar um cenário hipotético de sequência de acções militares usando as tecnologias da informação em que primeiro era introduzido um virus na rede telefónica do agressor tornando-a inoperante, em seguida era a vez dos controlodares electrónicos de tráfego dos comboios militares serem atacados por programas que descoordenavam a sua operação. Entretando os comandantes militares obedeciam a ordens recebidas nos seus rádios sem suspeitarem serem falsas tornando as suas tropas ineficientes. No campo inimigo aviões da força aérea americana especialmente equipados difundiam mensagens de propaganda pelos serviços televisivos locais numa acção psicológica de revolta do povo contra o seu líder. Por fim quando o dirigente da força inimiga ligava o seu PC via que a sua conta bancária na Suiça tinha ficado absolutamente sem dinheiro de um momento para o outro. Tudo isto sem disparar um único tiro, como referiam os articulistas (Waller e Thompson, 1995:38).

18 La Bomb Informatique (Paris: Editions Galileé, 1998) é o título de um livro de Paul Virilio em que aborda as questões ligadas à globalização, tecnociência, informação, genética, e política, integradas numa visão de fim do milénio de certo modo apocalíptica, de que é exemplo a afirmação: “With the end of the twentieth century, it is not merely the second millenium which is reaching its close. The Earth too, the planet of the living, is being closed off.” (Virilio 2000:131) 183 onde pode ocorrer e que se situa na continuidade de um tempo presente19; uma mudança de coordenadas que corresponde a uma navegação num hiperespaço sem realidade física.

A conversa entre Paul Virilio e Derrick de Kerckhove ocorreu durante o simpósio internacional do festival Ars Electronica, em 1998, cujo tema era justamente a guerra da informação (Infowar – information.match.krieg), um simpósio que congregou em dois dias (8 e 9 de Setembro) apresentações de vinte personalidades de diferentes áreas (activistas/artistas, investigadores, curadores, teóricos, cientistas e historiadores) com o objectivo de debater as novas questões políticas, sociais e culturais, relacionadas com o uso da informação como arma de controlo e de agressão/defesa numa sociedade em processo de mudança20. O simpósio foi moderado pelo filósofo Manuel De Landa21, autor que já se tinha debruçado alguns anos antes sobre as questões da relação da história militar, da guerra e da tecnologia, ao escrever, War in the Age of Intelligent Machines (1991)22, tema retomado no simpósio com a sua comunicação “Economics, Computers, and the War Machine”23.

Esta edição do festival Ars Electronica aconteceu no mesmo ano e mês em que os Membros do Parlamento Europeu discutiram um relatório encomendado em 1996 à Omega Research Foundation24 sobre as funcionalidades das tecnologias de informação

19 “In this sense, this warfare implies the movement away from the local space-time in history toward the global space-time of telecommunications […]. We move from the acceleration of history permitted by mobile warfare and by the extraordinary sophisticated assault methods used in World War II toward the acceleration of reality” (Virilio, 1999: 327) .

20 Grande parte das apresentações estão acessíveis em (consultado em 13 de Agosto de 2013): http://90.146.8.18/en/archives/festival_archive/festival_overview.asp?iPresentationYearFrom=1998

21 Manuel De Landa (n.1952) iniciou os seus estudos no campo artístico tendo a sua prática passado nos anos 70 e 80 pela realização de filmes experimentais e utilização de computadores e programação. Influenciado pelo pensamento de Gilles Deleuze e Félix Guattari é actualmente professor de filosofia contemporânea e ciência na European Graduate School (Suíça) e na Universidade da Pensilvânia em Filadélfia.

22 Manuel De Landa (1991). War in the Age of Intelligent Machines, Nova Iorque: Zone Books

23 Disponivel em (consultado em 13 de Agosto de 2013): http://90.146.8.18/en/archives/festival_archive/festival_catalogs/festival_artikel.asp?iProjectID=8451

24 A Omega Research Foundation é uma instituição independente de pesquisa com sede no Reino Unido, fundada em 1990, cujo objectivo é realizar estudos na área do equipamento de uso militar e das forças de segurança no sentido de providenciar meios de análise relativamente ao fabrico, venda, controlo e transparência no seu uso. http://www.omegaresearchfoundation.org/ (consultado em 13 de Agosto de 2013).

184 no domínio do controlo político. O documento, intitulado “An Appraisal of the Technology of Political Control”25, foi acrescido de um sumário executivo preparado especificamente para servir de base de trabalho na sessão plenária de 16 de Setembro no Parlamento Europeu, que tinha justamente o tema da vigilância electrónica na sua agenda de trabalhos. Este relatório tinha quatro objectivos principais: servir como documento de referência na orientação dos Membros do Parlamento Europeu relativamente às tecnologias mais recentes no controlo político; identificar, analisar e descrever as tecnologias state of the art neste domínio; revelar as práticas e tendências na Europa e nas principais potências mundiais; apresentar um conjunto de recomendações políticas no foro da regulamentação, controlo e gestão destas tecnologias.

No texto do documento pode ler-se que as preocupações com o desenvolvimento de novas tecnologias no domínio do controlo político e social já tinham sido referenciadas nos anos 70 pela British Society for Social Responsability in Science26 com a publicação de The Thechnology of Political Control (1977)27. Este trabalho surge dois anos depois da edição de Vigiar e Punir de Foucault, uma referência no âmbito do pensamento sobre o sistema penal e a história dos métodos de repressão da criminalidade, mas também da implementação de sistemas eficientes de controlo e vigilância dos quais ficou célebre a arquitectura influenciada pela ideia do panóptico do filósofo Jeremy Bentham, no fim século XVIII, caracterizada pela possibilidade de ver, ou vigiar a partir de um ponto central, sem ser visto (Foucault, 1975/1997:186-214).

Hoje a centralidade da observação panóptica, como “figura de tecnologia política” (Foucault, 1975/1997:194), reside na capacidade de estar informado em tempo

25Documento publicado pelo Parlamento Europeu (PE 166 499) em 6 de Janeiro de 1998 (consultado em 13 de Agosto de 2013): http://aei.pitt.edu/5538/1/5538.pdf

26 Esta associação foi criada em 1969 por um conjunto de cerca de oitenta cientistas, académicos e pensadores, entre os quais o filósofo Bertrand Russell, com o sentido de informar a opinião pública sobre aspectos importantes do desenvolvimento científico com impacto na sociedade e, de outro modo, denunciar a pressão política e económica no desenvolvimento científico. Questões como a investigação em armas químicas e biológicas, controlo das armas atómicas, desenvolvimento de drogas psiquiátricas, políticas energéticas, etc, eram temas que interessavam a este grupo de cientistas e activistas sociais. http://www.bssrs.org/home (consultado em 22 de Agosto de 2013)

27 Carol Ackroyd, Karen Margolis, Jonathan Rosenhead, Tim Shallice (1977). The Technology of Political Control, Londres: Penguin Books Ltd

185 real sobre o acontecimento, de ver e ouvir indirectamente através de meios sofisticados (câmaras de vigilância e visão nocturna, microfones laser de infra-vermelho para captação de som no interior de edifícios, rastreio de posicionamento de veículos via satélite, sensores de infra-vermelho, de calor e de movimento) e dos sistemas que facilitam inferir, comparar, concatenar e, por vezes, reconstruir informação para alimentar modelos e ferramentas de ajuda à decisão. Os software de computer-aided design e de computer-aided manufacturing28, que nasceram como imperativos de uma indústria que se impunha mais automatizada e eficiente, tiveram complementos em sistemas periciais desenvolvidos para o marketing, a economia, a política, ou a guerra, como facilitadores da tomada de decisão gerando respostas por vezes dependentes apenas de sistemas automáticos e outras ancoradas fortemente em dispositivos tecnológicos.

Esta situação já tinha sido assinalada na década de 60 por Habermas ao referir que, “Sem dúvida o espaço das puras decisões encolheu-se na medida em que o político pode dispor de um arsenal múltiplo e refinado de meios tecnológicos e servir-se de meios auxiliares estratégicos para a sua decisão” (Habermas 1968/2006: 111), condição que surge na sequência dos desenvolvimentos proporcionados pela segunda Guerra Mundial e pela continuidade da Guerra Fria.

A excessiva valorização da informação e a instrumentalização da política pela técnica (e vice-versa) cria uma racionalização progressiva da visão social e induz uma cultura do domínio técnico que pode perigosamente legitimar uma tecnocracia, na substituição de valores humanos por ideais puramente pragmáticos de organização e sistematização, se levada ao extremo.

Não sendo desejável esta situação, mas também sabendo de antemão que a visão e a condução política para ser eficiente necessita de uma assessoria técnica, foi prática comum no pós-guerra a criação de agências mandatadas no sentido de desenvolver estratégias e projectos de investigação científica e tecnológica para serem utilizados

28 São designações genéricas dados a aplicações de software que ajudam a conceber, projectar e simular o comportamento de peças que se pretendem fabricar (software de computer-aided design ou CAD), por vezes integrados com outro tipo de aplicações que comandam máquinas de controle numérico ou robôs para a fabricação efectiva das peças (software de computer-aided manufacturing ou CAM). A título de exemplo, o arquitecto Frank Ghery utilizou uma versão modificada do software de CAD/CAM CATIA para o estudo, disposição e forma das placas de titânio que constituem o revestimento exterior da estrutura do museu Guggenheim, em Bilbau.

186 com intuito político/militar de que foi exemplo a Advanced Research Projects Agency (ARPA), criada nos Estados Unidos sob a administração Eisenhower em 1958, fruto de uma necessidade eminente de avanço tecnológico dos Estados Unidos face ao bem sucedido programa espacial russo com o lançamento do satélite Sputnik no ano anterior.

No contexto dos programas desta agência é bem conhecido o papel determinante, no fim da década de 60, no apoio ao desenvolvimento das tecnologias de redes de comunicação entre computadores, que daria origem à primeira rede de comunicações descentralizada, a ARPAnet (1969), e mais tarde à Internet29.

Para a concretização desta rede contribuiu o estudo prévio encomendado pela Força Aérea dos Estados Unidos (USAF) a uma outra agência, a RAND Corporation30, uma instituição criada no pós-guerra para estudos estratégicos, no sentido de identificar meios redundantes da manutenção das comunicações militares perante a possibilidade de um ataque nuclear soviético aos Estados Unidos após a crise dos mísseis em Cuba, em 1962. O resultado foi o relatório “On Distributed Networks” (1964)31 de Paul Baran, engenheiro e investigador nesta instituição que, contrariamente à utilização de sistemas de comunicação hierárquicos e centralizados, propôs topologias alternativas descentralizadas de comunicação entre sistemas ligados em rede, em que nenhum deles exercia a supremacia e controlo sobre os outros. O envio de mensagens entre sistemas fazia uso apenas de tecnologia digital em que a mensagem era dividida em pequenas parcelas independentes (comutação por pacotes ou packet switching) podendo seguir diferentes caminhos até serem reunidas de uma forma coerente no destino. Este modo de ligação permitia o reencaminhamento de mensagens para um determinado nó, caso um dos sistemas, ou vias de acesso, tivessem sido incapacitadas de fazê-lo, garantindo redundância na comunicação.

29 A história dos primeiros anos de desenvolvimento da rede de computadores designada por ARPAnet pode ser consultada no relatório técnico produzido para a DARPA por Bolt Beranek and Newman, Inc. (1981). A History of The ARPANET: The First Decade, disponível em: http://www.darpa.mil/About/History/PARTIAL_BIBLIOGRAPHY_OF_THE_INTERNETARPANET.as px (consultado em 25 de Abril de 2013).

30 http://www.rand.org/about.html (consultado em 23 de Agosto de 2013).

31 Memorandum RM-3420-PR de Agosto de 1964, disponível em (consultado em 23 de Agosto de 2013): http://www.rand.org/content/dam/rand/pubs/research_memoranda/2006/RM3420.pdf

187 O papel da RAND Corporation como entidade consultora do governo dos Estados Unidos, foi importante tanto na implementação de estratégias políticas como no desenvolvimento de tecnologia. O programa de vigilância fotográfica espacial, que levou ao lançamento de cerca de 120 satélites espiões entre 1959 e 1972, ou os relatórios sobre os novos métodos de organização em rede “acéfala” do crime organizado ou do terrorismo internacional, que culminaram na publicação do relatório “The Advent of Netwar” (1996)32, são apenas dois exemplos desta parceria.

Tanto a ARPA (actualmente DARPA)33, sob a alçada do departamento de defesa do governo americano, como a RAND Corporation, com um estatuto de maior independência governamental, constituem think-tanks, que congregam engenheiros, cientistas e investigadores em equipas multidisciplinares na procura de soluções e estratégias inovadoras, muitas delas com efeitos colaterais no desenvolvimento de tecnologias para uso civil. Na verdade, a necessidade da supremacia da máquina militar e a conquista do poder económico, sempre foram dois dos principais vectores que dirigiram a investigação científica. Foram exemplos no século XX os recursos disponibilizados e os investimentos feitos na aceleração do desenvolvimento do computador, cujas motivações primárias tiveram a ver com a necessidade da rapidez de cálculo e precisão das trajectórias balísticas, assim como a capacidade urgente de decifrar o código das transmissões das mensagens inimigas durante a segunda Guerra Mundial. O radar teve igualmente um incremento no seu desenvolvimento, e utilização, por parte de diferentes potências mundiais durante este conflito mundial, e a ARPAnet teve na sua origem um relatório suscitado por uma preocupação militar de defesa.

Paul Virilio leva ainda mais longe essa relação entre, a investigação científica e a instituição militar ao referir-se à militarização da ciência34, como um facto que a levou

32 John Arquila e David Ronfeldt (1996). The Advent of Netwar, Santa Monica: RAND Coroporation. Alguns capítulos desta publicação estão disponíveis em (consultado em 24 de Agosto de 2013): http://www.rand.org/pubs/monograph_reports/MR789.html#toc

33 A ARPA tomou a designação de DARPA (Defense Advanced Reseach Projects Agency) pela primeira vez em 1972, até 1993, e definitivamente a partir de 1996. http://www.darpa.mil/About/History/ARPA-DARPA__The_Name_Chronicles.aspx (consultado em 24 de Agosto de 2013)

34 Paul Virilio inicia o seu livro Information Bomb com a questão provocatória, “The civilization or militarization of science?” (Virilio 1998/2005:1), como se no percurso da humanidade se tivesse chegado a uma encruzilhada em que não há um meio-termo de escolha.

188 a estabelecer um equilíbrio mundial baseado no terror da destruição global, e a desvirtuou da procura das verdades universais para a transformar numa “tecno-ciência” mais preocupada com a exploração dos limites para além do que muitas vezes é comprovadamente seguro ou razoável35.

Por outro lado, na opinião de Manuel De Landa, a maior influência militar na sociedade civil não é tanto em tempo de guerra mas em tempo de paz apontando a disciplina industrial, a racionalização dos métodos de trabalho, os processos de controlo da produção, a modularidade, como exemplos que têm origem numa prática e necessidade militar36.

Estas ecologias entre a sociedade civil e a instituição militar, entre a necessidade política de apoio tecnológico e o indispensável desenvolvimento de mecanismos de segurança e vigilância, fazem do envolvimento da investigação científica e dos sistemas de aquisição de informação, um território comum de uma imprescindível cultura técnica em que o domínio das tecnologias de informação, e da manipulação do código como matéria prima, representam evidentes estratégias de sobrevivência.

35 “After having been drawn, against its own better nature, into the planetary death race of the ‘balance of terror´, ´post-modern science´ is now engaging in a new type of competition that is equally insane: a race to achieve limit performances in the field of robotics and genetic engineering, which in its turn draws the various scientific disciplines on to the path of a ´post-scientific extremism´ that exiles them from all reason” (Virilio, 1998/2005:2)

36 Este é um dos temas abordado pelo autor na sua comunicação “Economics, Computers, and the War Machine” apresentado no festival Ars Electronica em 1998 (consultado em 13 de Agosto de 2013): http://90.146.8.18/en/archives/festival_archive/festival_catalogs/festival_artikel.asp?iProjectID=8451

189 3.2 – A Cidade “Reconfigurada”

Na primeira metade do século XX dois arquitectos, Le Corbusier e Frank Lloyd Wright, desenvolveram conceitos opostos relativamente à ideia de cidade. A Cidade Radiosa (1935) de Corbusier é uma cidade comprometida com a industrialização, com a produção em série, com a funcionalidade e rentabilidade dos espaços, com a concentração urbana. Promove a utilização do betão armado como meio da passar da horizontalidade para a construção em altura, aproveitando os espaços verdes livres resultantes desta economia para fazer a ligação entre os blocos de apartamentos.

Pelo contrário a Broadacre City37 (1932–1958) de Frank Lloyd Wright, é uma antítese da cidade moderna de unidades de habitação em apartamentos e edifícios de elevada estatura. É o conceito de uma cidade dos espaços abertos, de uma grande liberdade de realização da habitação familiar, preocupada com a qualidade de vida e com a relação entre o homem e a natureza.

O funcionalismo de Le Corbusier tem expressão na afirmação “[...] uma casa é uma máquina de morar” (Choay, 1965/2005: 186), numa aproximação dos conceitos de eficácia e rendimento de uma máquina ao espaço de habitação. Essa lógica de rentabilidade do espaço ditou que a habitação familiar se concentrasse em unidades de habitação com cerca de 50 metros de altura albergando perto de 1600 pessoas no espaço de quatro hectares.

De modo diverso entendia a cidade Frank Loyd Wright que partia de uma organização espacial em torno da área de um acre de terreno (cerca de 4.000 metros quadrados), a área disponível para cada família construir a sua casa.

Contrariamente ao plano de Corbusier esta cidade não tinha uma concentração em centros nevrálgicos dos quais “radiava” a cidade38. Para F. Lyod Wright, numa sociedade industrializada e tecnológica, a ênfase deveria ser colocada na comunicação, e Broadacre City apostava de facto num conjunto integrado de vias de comunicação, auto-estradas e vias aéreas, que promoviam uma mobilidade sem centro. Cada unidade

37 Broadacre City foi um projecto que acompanhou Frank Lloyd Wright mais de 25 anos da sua carreira. Tendo surgido na obra The Disappering City, publicada em 1932, foi expandido em When the Democracy Builds (1945), para ter uma última revisão em The Living City, publicada em 1958, um ano antes da sua morte.

38 “Só há uma estação. A estação só pode ficar no centro da cidade. É seu único lugar; não há nenhum outro motivo para a instalar em outro. A estação é o cubo da roda” (Choay 1965/2005: 193).

190 de território, cada acre, estava efectivamente no centro de um conjunto de vias que promoviam uma interligação sem hierarquia.

Nem a Cidade Radiosa nem Broadacre City tiveram uma implementação tal como a imaginaram os seus mentores. No entanto, tanto uma como outra funcionaram como base de experiências habitacionais reais.

Foi o caso da Unité d´Habitation de Marselha (1947-1953), com os seus 377 apartamentos de diferentes topologias, e as Usonia Homes (1945), um conjunto de 47 habitações distribuídas por um vasto espaço comprado por uma cooperativa de construção criada por um conjunto de famílias de Nova Iorque, que atribuíram a supervisão do seu planeamento e construção a Frank Lloyd Wright para implementar alguns dos seus princípios de Broadacre City, nomeadamente a sua integração na natureza.

Uma rápida comparação entre as duas implementações, mostra claramente a oposição entre as duas concepções relativamente à gestão do espaço, estando os 377 apartamentos da Unité d´Habitation concentrados em 30.000 metros quadrados, enquanto as 47 habitações de Usonia Homes se espalhavam por cerca de 400.000 metros quadrados, usufruindo de independência e integração no espaço envolvente.

Françoise Choay, historiadora e professora de urbanismo e arquitectura na Universidade de Paris, referia que o modelo “progressista” de Corbusier apostava na eficácia, e era, de certa maneira, uma versão moderna do falanstério de Fourier propondo uma unidade de habitação e serviços sensivelmente para o mesmo número de pessoas (1.500 a 2.000), mas em que o indivíduo se tinha de adaptar à organização do espaço dividido em tipologias de apartamentos. Era uma solução determinista, racional, que limitava a liberdade de escolha, e em que reinava a ordem e a hierarquia (Choay, 1965/2005:24-26).

O projecto de Broadacre City é claramente mais utópico, mais liberto de constrangimentos directivos relativamente à habitação. Inclusive a ideia de cidade, como uma grande metrópole, está arredada do pensamento da sua criação. É eventualmente o primeiro projecto de uma cidade que não aposta na densidade habitacional, no crescimento vertical, na concentração de serviços, que não é refém do processo da industrialização e da lógica das trocas comerciais, e que tem no indivíduo, na natureza, e nas facilidades de comunicação, a sua coerência estruturante.

191 Apesar deste projecto nos seus amplos espaços abraçar a natureza, não era uma “cidade” desligada da tecnologia já que no seu projecto estava implícita a utilização do automóvel, dos meios aéreos, e das vias terrestres. Os computadores ainda não existiam na altura da sua concepção, mas a sua estrutura descentralizada e aberta era já uma espécie de premonição e o decalcar de uma realidade que num futuro próximo, de facto, as tecnologias da informação e comunicação viriam trazer à vida moderna.

Há evidentemente uma relação directa entre a máquina, a arquitectura e o urbanismo. A maneira como é pensada e implementada uma estrutura num espaço, a sua eficácia, o seu rendimento, foram sempre preocupações fundamentais de um modernismo que teve em Le Corbusier ou Walter Gropius (1883-1969) dois expoentes conhecidos.

Na segunda metade do século XX a computação veio decerto facilitar o projecto da cidade mas principalmente introduzir uma nova maneira de pensar a sua estrutura e flexibilizar o seu desenho. A cidade deixou de ser inspirada na imitação da máquina e na sua eficiência - como um processo linear de organização de pensamento para chegar a um determinado resultado - para passar a formular as questões e possíveis soluções utilizando processos iterativos, dinâmicas de recorrência, tendo no feedback uma estratégia de redefinição, numa lógica mais de gestão continuada do que num planeamento finalizado.

O investigador em planeamento urbano François Ascher39, ao referir-se aos princípios do novo urbanismo no fim do século XX e início do século XXI, coloca justamente ênfase nesta mudança de paradigma, ou seja, na passagem de uma programação espacial a médio prazo, sob a forma de planos directores municipais que estabeleciam metas e objectivos na tentativa de projecção e controlo do futuro da cidade, para um processo de gestão estratégica continuada assumindo e integrando a incerteza de um futuro através de processos abertos que recolhem e assimilam a

39 François Ascher (1946-2009) foi um economista, sociólogo, e um influente investigador dos fenómenos do planeamento urbano contemporâneo. Consagrado com o Grand Prix de l´Urbanisme (2009) do governo francês, foi académico e professor no Institute Français d´Urbanisme (Universidade de Paris), e desempenhou várias funções em organismos estatais. O seu pensamento relativamente aos novos processos de urbanismo foi enunciados principalmente em Les Nouveaux Principles de l´Urbanisme. La Fin des Villes n´est pas à l´Ordre du Jour (Paris : Éditions de l´Aube, 2001).

192 complexidade das contingências económicas e de mutação social, para melhor se adaptarem às exigências de uma contemporaneidade em acelerada transição.

Refere Ascher que a velha metodologia de planeamento urbano - que encadeava o diagnóstico, o levantamento das necessidades, a disposição dos cenários, a elaboração do projecto e, posteriormente, a sua realização e gestão - é substituída no neo-urbanismo por “[...] elementos heurísticos, iterativos, incrementais e recorrentes, ou seja por actos que servem ao mesmo tempo para elaborar e testar hipóteses, através de realizações parciais que modificam o projecto e tornam possíveis procedimentos mais cautelosos e duradouros através de avaliações que pressupõem feedback e que se traduzem eventualmente pela redefinição de elementos estratégicos.” (Ascher 2010:80-81).

Opunha-se, assim, a um pensamento linear e determinista dirigido por objectivos pré-definidos, uma dinâmica de processos de inspiração cibernética em contínua evolução e re-avaliação.

Christine Boyer40 é peremptória ao afirmar que “a máquina está para o modernismo assim como o computador está para o pós-modernismo” (Boyer, 1996: 10), acrescentando que a metáfora da máquina e do seu dinamismo, tão proclamada pelos Futuristas, deu lugar a uma captação da realidade e modelação do espaço baseada nos computadores, na análise da informação, e na interface como elemento de ligação, influenciando o modo como se pensa e projecta a cidade.

A necessária passagem de uma “[...] cidade-máquina do modernismo, para uma cidade-informação do pós-modernismo” (Boyer, 1996: 14), esbarra na oposição entre a materialidade da primeira e a imaterialidade da última. A uma arquitectura de espaços físicos e a uma metodologia top-down, opõe-se uma arquitectura de funcionalidades distribuídas fundamentada em estruturas e processos dinâmicos.

A força de coesão que fazia do planeamento urbano um todo com uma certa coerência ditado por uma eficiência de ordem progressista na rentabilização do espaço e organizada em torno da fábrica, da escola, da indústria, vacila e é posto em causa perante o carácter descentralizador das tecnologias de informação e da nova economia.

40 Christine Boyer é professora de história do urbanismo na Escola de Arquitectura da Universidade de Princeton, tendo também leccionado nas universidades de Columbia e Harvard. A sua investigação passa, além da história, pelo interesse nos cruzamentos entre as novas tecnologias e o planeamento urbano contemporâneo tendo publicado artigos e obras de referência sobre este assunto. http://soa.princeton.edu/content/m-christine-boyer (consultado em 7 de Junho de 2013)

193 As redes de comunicação, a telepresença, a facilidade da criação de ambientes de realidade mista e a virtualidade, desmaterializam a noção tradicional de tempo e espaço obrigando a uma reformulação dos conceitos que geram a sua organização.

É no limbo entre a afirmação de um novo status, que deriva da aculturação de novas maneiras de pensar, agir, e percepcionar a realidade, e a continuidade de uma tradição modernista datada, que se situam os “traumas” de uma sociedade que pressente uma necessária mudança.

As cidades tal como eram projectadas, com os seus sucessivos acrescentos periféricos representados nos subúrbios, já só davam continuidade a modelos ultrapassados que entravam em contradição com uma contemporaneidade pós-fordista e em que a importância do sector terciário dos serviços, o carácter global da economia, e as novas geopolíticas distribuídas de poder, se tornavam realidades mais evidentes.

A uma arquitectura inspirada na história, no racionalismo, e no progresso técnico, sucede uma arquitectura pós-moderna em que estes valores e códigos são abandonados em favor de uma irónica “ [...] provocação estilística trans-histórica.” (Castells 1996/2007:544) em que as referências ideológicas, o sentido de pertença, ou a herança cultural não são mais os vectores que organizam o espaço edificado - como se o desenvolvimento destes processos históricos estivesse já esgotado - e houvesse necessidade de o requalificar para novas dinâmicas e para novas práticas sociais.

Efectivamente, e embora reconhecendo que os processos sociais também exercem a sua influência no espaço construído, o sociólogo Manuel Castells41 afirma de uma maneira peremptória que “[...] o espaço não é o reflexo da sociedade, é a própria sociedade.” (Castels, 1996/2007:534), dando assim ao planeamento urbano e à arquitectura uma particular relevância.

A análise de Castells centra-se na função social do espaço, integrando a especificidade e memória do legado histórico e cultural de um lugar, que designou de

41 Manuel Castells (1942) é um sociólogo com uma carreira académica internacional de reconhecido mérito associando ao estudo da sociologia a evolução tecnológica na segunda metade do século XX e os seus efeitos no planeamento regional e urbano, áreas em que exerceu funções docentes na Universidade da Califórnia em Berkley durante mais de vinte anos. É professor convidado de várias Universidades, conferencista internacional, escreveu mais de 20 livros sobre estes temas, e integrou diversos organismos consultivos internacionais, nomeadamente da Comissão Europeia e da Organização das Nações Unidas, no âmbito de estudos de políticas de desenvolvimento. Mais informação em: http://www.manuelcastells.info/en/cv_index.htm (consultado em 24 de Janeiro de 2014).

194 espaço dos lugares, com as novas dinâmicas descentralizadas que suportam os processos tecnológicos, financeiros e económicos, e que assentam no imediatismo da transacção e da comunicação, e que designou de espaço de fluxos.

Para este autor “[...] a nossa sociedade está construída em torno de fluxos: fluxos de capital, de informação, de tecnologia, de interacção organizacional, de imagens, de sons, de símbolos.” (Castells 1996/2007:535), que, efectivamente, dominam as práticas sociais contemporâneas. O espaço de fluxos pode ser encarado como um agregado de processos que, para serem consequentes, necessitam de um conjunto de condições descrita por Castells em três níveis, ou camadas. A primeira é a infra-estrutura das redes de comunicação em si e dos equipamentos informáticos que as constituem, comparando-as o autor às funções do caminho-de-ferro da era industrial na sinalização do desenvolvimento das regiões económicas por onde passava. Neste espaço de fluxos a lógica espacial passa da importância do lugar para a estrutura descentralizada da rede. A segunda são os centros com funções de coordenação de determinados conjuntos de interesses, sejam eles financeiros (Wall Street, em Nova Iorque), de investigação tecnológica (Palo Alto, na Califórnia), ou de decisão política (Estrasburgo e Bruxelas) cuja implementação obedecem a questões de ordem estratégica e podem não coincidir com grandes aglomerados populacionais. A terceira camada tem a ver com a organização espacial das elites administrativas, ou seja, refere-se à importância e ao modo como o espaço funciona como facilitador das relações entre os responsáveis das empresas na criação de ambientes específicos para a condução de negócios.

A co-existência e implementação destes três níveis do espaço dos fluxos ditam novos tipos de estruturas (aeroportos com hotéis, heliportos em edifícios, parques industriais sectoriais, aglomerados de empresas de serviços, centros logísticos, condomínios e zonas residenciais exclusivas, ubiquidade das telecomunicações) que se demarcam da ordem histórica e cultural do lugar e cuja finalidade é servir os interesses empresariais multinacionais numa oferta de facilidades e serviços que tendem para uma certa homogeneidade, o que levou Castells a afirmar que, “Se o espaço de fluxos for realmente a forma espacial dominante da sociedade em rede, nos próximos anos a arquitectura e o design serão provavelmente redefinidos na sua forma, função, e valor.” (Castells 1996/2007:543), declaração esta que parte do princípio defendido pelo autor de que existe uma relação de proximidade entre a expressão social de uma determinada época e lugar, e o que “dizem” os seus arquitectos através da obra edificada.

195 Na verdade, esta nova “forma espacial” do espaço de fluxos poderá condicionar não só a arquitectura e o design, mas também ter repercussões no entendimento do próprio planeamento urbano como atesta o crescente interesse por esta disciplina, em particular após a década de 60, quando uma acentuada influência da sociologia de tendência neo-marxista conduziu e influenciou uma orientação de estudos sobre a cidade tendo como pano de fundo a economia de mercado (Soja, 2000:97)42.

Partindo de uma visão eclética e abrangente das análises realizados nas décadas anteriores, e tomando como base de trabalho de campo a cidade de Los Angeles, o professor e geógrafo Edward Soja (n.1940)43 propõe o termo Postmetropolis44, na sua análise teórica sobre a organização da cidade, para evidenciar a exploração das potencialidades que as novas economias, o hibridismo social, e o imaginário tecnológico podem criar. Na sua visão, Postmetropolis pode ser a designação da metrópole pós-moderna ou das tendências do urbanismo pós-moderno, objecto da sua reflexão em Postmetropolis – Critical Studies of Cities and Regions (2000)45.

Interessado, tal como Castells, no estudo do espaço no ambiente urbano46, Soja expandiu a sua visão na sequência de Postmetropolis ao definir seis discursos/topologias sobre a cidade pós-moderna (Soja, 2000:145-232) que concentram

42Edward Soja (Soja, 2000:100) cita como exemplos destes estudos, La Question Urbaine (Manuel Castells, 1972) e Social Justice and the City (David Harvey, 1973).

43 Edward Soja (n.1940) é professor de planeamento urbano na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) e pioneiro de uma corrente pós-estructuralista de repensamento do espaço com particular aplicação na área da teoria e crítica da geografia social e humana.

44 Poder-se-ia traduzir o termo postmetropolis por pós-metrópole. Porém, na sequência do raciocínio de Soja aparecem outras expressões como Flexopolis e Cosmopolis, igualmente citadas mais à frente, e cuja tradução seria forçada não acrescentando valor, pelo que no texto se optou pelos termos originais em itálico.

45 Edward Soja (2000). Postmetropolis – Critical Studies of Cities and Regions, Oxford: Blackwell Publishers Ltd.

46 Edward Soja conjugou os trabalhos do espaço social de Henry Lefebvre com a noção de heterotopia de Michel Foucalt para a definição do que designou de um terceiro espaço em Third Space: Journeys to Los Angeles and Other Real-and-Imagined Spaces (1996). Henry Lefebvre (1901-1991) foi um sociólogo e filósofo de orientação marxista que influenciou em grande medida o pensamento crítico contemporâneo relativamente à análise do espaço e das cidades através de obras como La Production de L´Espace (1974), uma obra seminal na transformação dos estudos urbanos, na opinião de Edward Soja (Soja, 2000:101). Michel Foucault explicitou a sua noção de heterotopia numa conferência proferida em 1967 com o título Des Espaces Autres. O texto desta conferência, só publicado em 1984, encontra-se reproduzido em Espaços, Revista de Comunicação e Linguagens, nº 34 e 35, Junho de 2005, Relógio d´Água Editores, pp. 243-252.

196 outras tantas áreas de estudo e debate actual: a Flexopolis como referência às políticas de flexibilização na reconstrução da nova metrópole industrial pós-fordista que toma forma essencialmente depois dos anos 6047; a Cosmopolis como resultado das políticas de globalização; a Exopolis que redefine a condição urbana questionando as divisões entre centro e periferia, urbano, não urbano e rural; a Fractal City que equaciona a organização do espaço em função da coexistência e preservação das diferentes culturas num mosaico de diferentes identidades; o Carceral Archipelago que define um urbanismo preocupado com as questões de segurança; as Simcities48 em que o imaginário comanda a organização da cidade criando um espaço hiper-real e de simulação49.

O modo como estes seis vectores se cruzam no espaço urbano são objectivados no decurso do estudo de Edward Soja na cidade de Los Angeles, uma metrópole que se transformou numa região alargada com os seus cerca de 15 milhões de habitantes e que, segundo o autor, “[...] é uma janela representativa através da qual se pode observar […] os novos processos de urbanização que têm vindo a reformular as cidades e a vida urbana em todo o mundo nos últimos trinta anos” (Soja, 2000:XVII).

Numa tentativa de mapear estes seis conceitos no trabalho de Castells verificamos que as suas preocupações enquadram-se essencialmente no âmbito da Cosmopolis, com o seu conceito de cidade informacional50, o espaço de fluxos e as

47 “The contemporary literature abounds with references to flexible specialization […], flexible production systems, a capitalism regime of flexible accumulation, an Age of Flexibility, flexible labor- management relationships, flexible technologies, even Flex-cities or Flexopolis as a synonymous of postfordist industrial cityscape.” (Soja, 2000:171)

48 O termo é retirado do popular jogo de computador SimCity, criado em 1989, um jogo de simulação de criação de uma cidade com a sua rede de infra-estruturas, áreas residenciais, industriais e serviços, partindo de premissas de funcionalidade e de orçamento.

49 A cidade de Celebration na Florida (http://www.celebration.fl.us/), criada de raiz em 1994 por um grupo empresarial pertencente às indústrias Disney, é um dos exemplos citados frequentemente como a implementação de um imaginário ligado não só ao espírito da fantasia de inspiração Disney mas também à utopia da cidade do futuro que o EPCOT Center (Experimental Prototype Community of Tomorrow) já apontava, no âmbito do parque temático da empresa em Orlando. A conjugação da recuperação de um ambiente ligado a uma arquitectura de moradias de cariz tradicional do princípio do século XX, com uma arquitectura pós-moderna em alguns edifícios públicos, aliada ao estímulo do espírito comunitário e à utilização dos benefícios das tecnologias mais recentes, fizeram da cidade de Celebration um caso de estudo das novas tendências no urbanismo em agregados populacionais de pequena dimensão (Celebration tem cerca de 7.500 habitantes).

50 Manuel Castells (1989). The Informational City: Information Technology, Economic Restructuring, and the Urban-Regional Process, Oxford: Basil Blackwell.

197 questões da globalização, e da Exopolis, na sua abordagem dos novos tipos de aglomerados urbanos, as megacidades.

Embora os dois tipos de cidade possam coincidir no mesmo espaço existem efectivamente critérios que condicionam a sua classificação e distinção baseando-se numa análise qualitativa (cidade informacional ou cidade global51), ou quantitativa (megacidade).

A primeira tem a ver com a valorização de um conjunto de índices que avaliam o modo como a cidade se insinua como centro de decisão política, financeira e empresarial, com reflexos tanto no decurso de acontecimentos com impacto mundial, como na economia global, correspondendo à existência ou não no seu espaço de sedes de empresas multinacionais, de organismos internacionais de referência (ex. OTAN, ONU, FMI), de bolsas de valores financeiros, da excelência dos centros de ensino e investigação em ciência e tecnologias de ponta, de acessibilidades (telecomunicações e outras infra-estruturas); enquanto que o critério para a classificação de uma megacidade tem a ver com o número total de habitantes no seu espaço metropolitano alargado, devendo exceder os 10 milhões.

No primeiro caso a importância da cidade depende dos pesos e dos critérios utilizados, e o Global Cities Index52, um estudo conjunto da consultora A.T. Kerney e do Chicago Council on Global Affairs, realizado em 2012, pode ser uma boa indicação ao fazer a avaliação de 25 parâmetros em cinco áreas diferentes que têm em atenção tanto os aspectos económicos e políticos como culturais53. Neste estudo as primeiras dez

51 Os conceitos de cidade informacional (Manuel Castells) e cidade global (Saskia Sassen) embora não tenham exactamente o mesmo sentido, são próximos. O primeiro coloca a ênfase nas novas tecnologias de informação e comunicação como meio estruturante de um novo tipo de organização social e espacial com particular impacto na organização da cidade, o segundo assume essa base tecnológica como um dado adquirido para pensar o modo como a economia global e os centros de decisão transformam a fisionomia e importância das cidades. O conceito da cidade global foi elaborado no final dos anos 80 por Saskia Sassen (n.1949), professora de sociologia na Universidade de Columbia, e desenvolvido por esta investigadora de uma forma consequente em The Global City: New York, London, Tokyo (Priceton: Princeton University Press, 1991).

52 2012 Global Cities Index and Emerging Cities Outlook em: http://www.atkearney.com/documents/10192/dfedfc4c-8a62-4162-90e5-2a3f14f0da3a (consultado em 11 de Julho de 2013). Este estudo teve uma primeira edição em 2008, e outra mais tarde em 2010.

53 As cinco grandes áreas em que se debruça este relatório são: a actividade económica (peso de 30% - sedes de multinacionais, infra-estruturas e acessibilidades, mercado de capitais, etc.), capital humano (peso de 30% - qualidade das universidades, residentes com grau de instrução superior, capacidade de atrair profissionais de talento), fluxo de informação (peso15% - serviços de banda larga, presença na

198 cidades globais por ordem de importância são: Nova Iorque, Londres, Paris, Tóquio, Hong-Kong, Los Angeles, Chicago, Seul, Bruxelas e Washington.

Já uma visão sobre as megacidades num relatório das Nações Unidas54 que inclui a população das maiores regiões urbanas mundiais (abarca a população das cidades e zonas metropolitanas55), aponta como os dez maiores aglomerados urbanos em 2010 as zonas de Tóquio, Nova Deli, Cidade do México, Nova Iorque, Shangai, Mumbai (Bombaim), São Paulo, Pequim, Dacca e Karachi.

Estas megacidades, que Castells classificou como a “urbanização do terceiro milénio” (Castells 1996/2007:526-534), contrariam eventualmente as previsões de que as tecnologias de telecomunicações poderiam dispersar pelo globo os serviços que outrora estavam concentrados na cidade, retirando-lhe protagonismo. A verdade é que o que tem vindo a assistir-se nas últimas décadas é “[...] um modelo espacial diferente caracterizado pela dispersão e concentração simultânea de serviços avançados.” (Castells 1996/2007:496) organizando-se a nova economia em cidades expandidas que chamam a si outras cidades vizinhas, regiões suburbanas, novas indústrias e serviços, transformando-se em metrópoles urbanas com uma dimensão cada vez maior.

Internet, etc.), experiência cultural (peso de 15% - número de eventos desportivos internacionais, número de viajantes estrangeiros, número de museus, etc.), empenhamento político (peso 10% - número de embaixadas e consulados, número de organizações internacionais, número de conferências políticas internacionais, etc.).

54United Nations, Department of Economic and Social Affairs, Population Division (2012). World Urbanization Prospects: The 2011 Revision, CD-ROM Edition. Disponível em: http://esa.un.org/unpd/wup/CD-ROM/Urban-Agglomerations.htm (consultado em 11 de Julho de 2013).

55 Há necessidade de distinguir entre a população de uma cidade e de uma zona metropolitana. A título de exemplo a cidade de Lisboa com as suas 53 freguesias tem apenas 547.733 habitantes. Já considerando a Grande Lisboa, com os seus nove concelhos (Cascais, Lisboa, Loures, Mafra, Oeiras, Sintra, V. F. de Xira, Amadora, Odivelas), o número sobe para 2 milhões. O alargamento para a zona metropolitana de Lisboa, que inclui os concelhos da península de Setúbal, aumenta este número para 2,8 milhões de habitantes (dados do Census de 2011, do Instituto Nacional de Estatística). Disponível em (consultado em 15 de Julho de 2013): http://censos.ine.pt/xportal/xmain?xpid=CENSOS&xpgid=ine_censos_publicacao_det&menuBOUI=137 07294&contexto=pu&PUBLICACOESpub_boui=156651739&PUBLICACOESmodo=2&selTab=tab1 199 45

40

35

30

1950 25 1970 1990 20 2010 2020 ação (milhõesde habitantes) 15 Popul

10

5

0 Tóquio Nova Deli Shangai Mumbai Cidade do Nova Iorque São Paulo Pequim Dacca Karachi (Bombaim) México - Newark Aglomerados Urbanos

Fig. 3.3 - População dos principais aglomerados urbanos (1950-2020)

É interessante notar que cidades como Nova Deli, Shangai, Pequim e Dacca tiveram um crescimento excepcional no período de 1990 a 2010, correspondendo à sua abertura aos mercados globais, enquanto o grande crescimento de Tóquio deu-se entre as décadas de 50 e 70 (e um pouco mais moderado entre as décadas de 70 e 90), certamente ligado ao incremento da indústria japonesa no pós-guerra, nomeadamente a electrónica.

Estes aglomerados urbanos correspondem a uma extensão territorial ampla que ultrapassa a noção de cidade e zona suburbana para incorporar vários núcleos “[...] como constelações descontínuas de fragmentos espaciais [...]” (Castells 1996/2007:528), numa organização que vem ao encontro do conceito de “metápole”, desenvolvido por François Ascher56, definindo-o como “vastos territórios à escala dos quais se organiza a vida urbana, doméstica e económica, formando um espaço urbanizado extenso, descontínuo, heterogéneo, polinuclear, que integra no mesmo conjunto cidade densa e neo-rural, pequena cidade, vila e subúrbio.” (Ascher, 2010: 105)

Este conceito de metápole propõe uma organização espacial não hierárquica descontínua e dispersa em centros de diferente dimensão e características, colocando a

56 O conceito de Metápole foi desenvolvido pelo autor na obra Métapolis ou l´Avenir des Villes (Paris: Éditions Odile Jacob, 1995).

200 ênfase na mobilidade e nos meios de comunicação (vias aéreas, terrestres e telecomunicações) como eixos estruturantes da ligação entre os diferentes pólos57.

Tanto na articulação das megacidades, como na comunicação entre os nós das cidades globais, que constituem centros de decisão importantes, ou na organização das metápoles, as tecnologias de informação estão omnipresentes e desempenham um papel absolutamente vital.

A expressão cidade informacional, utilizada por Castells, foca-se justamente nesse paradigma que permitiu o desenvolvimento urbano neste duplo sentido de extensão espacial e redução temporal. As palavras de abertura da sua obra The Informational City (1989) lançam esta questão de uma maneira mais ampla ao referir que “Uma revolução tecnológica de proporções históricas está a transformar as dimensões fundamentais da vida humana: tempo e espaço.” (Castells, 1989:1)

Mas se as tecnologias de informação e a economia global obrigaram a uma reavaliação do planeamento urbano, também a uma escala mais reduzida a própria cidade, a arquitectura, a habitação e a vida do dia-a-dia nesses espaços, absorveram a tecnologia e a sua nomenclatura no seu funcionamento e estrutura.

O surgimento da abreviatura “e”, com o sentido de electronic, deu origem a expressões anglo-saxónicas que já entraram no léxico do dia-a-dia, como e-commerce, e-business, e-mail, e-book, e-government, para indicar justamente a utilização dos meios informáticos na agilização de procedimentos que podem ser executados remotamente sem necessidade de deslocação.

Menos conhecida, porém, será a expressão e-topia que William J. Mitchell58 utiliza na sua obra e-topia: “Urban Life, Jim – But Not As We Know It” (Cambridge e Londres: The MIT Press, 1999), para se situar entre a realidade e a utopia na sua descrição das possibilidades da vida urbana na cidade, cuja infra-estrutura é atravessada por redes de comunicação e repleta de dispositivos e sensores electrónicos integrados

57 “A globalização e a metapolização alimentam-se das tecnologias de transportes e de comunicações e estimulam o seu desenvolvimento.” (Ascher 2010:64)

58 William J. Mitchell (1944-2010) conjugou na sua formação a arquitectura com as políticas sustentáveis ambientais, foi professor de arquitectura na Harvard School of Design e director da School of Architecture and Planning do Massachusetts Institute of Technology. Nesta instituição (MIT Media Lab) foi também director do programa de investigação em Smart Cities.

201 tanto no espaço público, como na arquitectura, e mesmo no design de objectos de uso diário.

Estas visões de integração electrónica e de preocupações ambientais e sociais deram origem à designação de smart como qualificador de cidade, espaço, objecto, etc, em expressões como smart city, smart space, smart house, smart object, que em português se pode denominar de “inteligente” (cidade inteligente, casa inteligente, etc.) para referir estruturas ou dispositivos que dispõem de tecnologias (electrónicas e outras) que permitem por um lado ir ao encontro das preocupações ligadas à sustentabilidade do ambiente, e por outro proporcionar uma vida mais integrada e confortável.

Em 1992 o documento Agenda 21, que teve origem na cimeira da UNCED (United Nations Conference on Environment and Development) no Rio de Janeiro, vaticinava que no início do século XXI mais de metade da população mundial viveria em regiões urbanas e que em 2025 essa proporção cresceria para cerca de 60%59. Esta pressão da tendência do crescimento urbano é de certo modo consistente com os dados mais recentes e obriga efectivamente a uma reelaboração do planeamento urbano tendo em atenção a salvaguarda de recursos.

As tecnologias de informação e de comunicação são certamente instrumentais nesta reformulação do pensamento da cidade, mas a classificação de smart city não é sinónimo apenas de uma cidade “electrónica”60, englobando muitos outros componentes que tentam integrar, numa visão holística, os componentes vitais de funcionamento da cidade e as necessidades dos seus habitantes (ambiente sustentável, qualidade de vida, acesso à informação, mobilidade, facilidades empresariais, etc.).

59 A indicação deste dado foi sinalizada por William J. Mitchell (Mitchell 1999:147), e está referenciado no documento “Agenda 21” em (consultado em 19 de Julho de 2013): http://sustainabledevelopment.un.org/content/documents/Agenda21.pdf (capítulo 18, parágrafo 18.56)

60 Esta noção de “cidade electrónica” está mais dentro do âmbito do conceito da U-City (U de Ubiquitous) que, de um modo diverso da smart city, assenta essencialmente num planeamento que se preocupa com a ubiquidade das tecnologias de comunicação e de informação interligando todos os aspectos da vida urbana (serviços, transportes, empresarial, social). A cidade de New Songdo, na Coreia do Sul, foi planeada de raiz em 2001 tendo em mente estes requisitos. A sua primeira fase de ocupação iniciou-se em 2009, estando projectada para receber 75.000 habitantes em 2015. O governo da Coreia do Sul é o que mais está empenhado na implementação de cidades deste tipo tendo actualmente cerca de 25 projectos neste âmbito http://www.europarl.europa.eu/document/activities/cont/201305/20130514ATT66084/20130514ATT660 84EN.pdf (consultado em 19 de Julho de 2013)

202 Embora não haja uma definição unívoca para smart city61, um dos trabalhos frequentemente citado é o projecto realizado em 2007 por um conjunto de investigadores do Centre of Regional Science da Universidade de Tecnologia de Viena62, em cooperação com a Universidade de Lubliana e a Universidade Técnica de Delft, que define um conjunto de critérios para a sua avaliação e constitui uma base de trabalho que permite perceber as potencialidades e fragilidades das cidades neste âmbito.

Este projecto debruçou-se sobre seis eixos fundamentais que os investigadores identificaram como decisivos para um bom desempenho dos aspectos multifuncionais de uma cidade, e que incluíam as capacidades profissionais e de desenvolvimento dos seus habitantes (capital social e humano), a economia (a integração empresarial), medidas de governança (facilidades de acesso aos serviços, participação, cidadania), a mobilidade, o ambiente (gestão de recursos), e a qualidade de vida. Surgem assim expressões como smart people, smart economy, smart governance, smart mobility, smart environment, smart living, que correspondem no relatório citado a seis critérios de ponderação, analisados através de 74 indicadores, para uma leitura da eficiência e da adaptação das cidades aos requisitos dos dias de hoje.

Na prática o projecto foi aplicado na comparação de 70 cidades europeias de média dimensão (abaixo de 500.000 habitantes), permitindo o seu escalonamento nestas seis categorias, tendo-se chegado à conclusão que as cidades que responderam melhor ao critério dos investigadores se situavam na Finlândia, Áustria, Dinamarca, Alemanha e Benelux63.

Obviamente que a implementação de uma cidade inteligente implica desenvolvimento de tecnologia adaptada às diferentes áreas (infra-estruturas de

61 Por vezes o termo é apenas utilizado de uma forma sectorial ou associado à implementação de determinados programas inovadores. Disso são exemplos a Malaga Smart City, com ênfase na eficiência energética, e a SmartCity Malta que corresponde à criação de um parque tecnológico na zona de Kalkara no leste da ilha de Malta.

62 Smart Cities – Ranking of the European Medium-Sized Cities (consultado em 19 de Julho de 2013): http://www.smart-cities.eu/download/smart_cities_final_report.pdf

63 As primeiras cinco cidades na classificação deste relatório foram: Luxemburgo (Luxemburgo), Aarhus (Dinamarca), Turku (Finlândia), Aalborg (Dinamarca), Odense (Dinamarca). Neste estudo a única cidade portuguesa considerada foi Coimbra, ocupando a quadragésima sexta posição.

203 telecomunicações, preocupações ambientais, arquitectura, etc.) mas também, do ponto de vista empresarial, um incremento substancial de negócio no estudo, projecto, implementação e manutenção de soluções para as mais diferentes áreas. Daí o grande interesse de empresas multinacionais em criarem programas atractivos dos seus produtos, integrados numa visão mais alargada do que é o futuro de uma cidade inteligente na sua perspectiva.

Programas como Smarter Planet (IBM), Smart+Connected Communities (Cisco), Sustainable Cities (Siemens), Smart Cities (Orange e Oracle), City 2.0 (HP), Next Generation Smart Cities (Hitachi), são algumas dessas visões de empresas ligadas às tecnologias de informação que obviamente estão interessadas em parcerias e inclusão em programas de implementação de infra-estruturas (Hatzelhoffer et al., 2012:37)

De um modo inovador a Deutsche Telekom, lançou em 2006 um concurso a nível de todo o território da Alemanha para dotar uma cidade de novos meios e tecnologias que envolvessem toda a comunidade urbana no sentido de uma melhoria da sua qualidade de vida. O montante envolvido de 115 milhões de euros seria para ser aplicado durante um período de cinco anos em infra-estruturas de rede de banda larga, em equipamentos, e na implementação de projectos adaptados às características da cidade. A candidatura a este concurso pressupunha municípios ou cidades com uma população entre os 25.000 e os 100.000 habitantes, e a elaboração de um projecto sobre as vantagens do uso da tecnologia na sua região.

Das candidaturas de 52 cidades, a escolhida foi Friedrichshafen, um município no sul da Alemanha com cerca de 60.000 habitantes nas margens do lago Constança, tendo sido identificadas seis áreas de actuação (educação, turismo e cultura, mobilidade e transportes, trabalho, saúde, cidadania) que deram origem a mais de quarenta projectos dos quais cerca de trinta foram implementados nos cinco anos de duração da parceria (2008-2012).

Na globalidade a adesão dos habitantes a estes projectos na sua utilização diária foi moderada e por vezes relutante, excepto por parte dos directamente envolvidos no seu teste. A mudança de hábitos, as dificuldades de aprendizagem da população sénior, ou as preocupações com a fiabilidade do armazenamento virtual de dados e com a sua manipulação, foram algumas das dificuldades anotadas durante a implementação do projecto. Um inquérito realizado em 2012 aos habitantes da cidade indicava que cerca

204 de 85% já tinham conhecimento do projecto e que 36% concordavam acerca da sua importância para a melhoria da qualidade de vida (Hatzelhoffer et al., 2012:170-171).

A descrição do processo do lançamento do concurso, as dificuldades de implementação, os meios envolvidos, a opinião dos participantes, as expectativas geradas, e a realidade social da mudança, fez de Friedrichshafen um caso de estudo amplamente documentado na publicação Smart City in Practice (2012)64, da autoria de investigadores da Universidade de Bona, responsáveis pelo acompanhamento do projecto.

A tendência recente de dotar a cidade com infra-estruturas informatizadas no sentido de facilitar a implementação de soluções integradas de sustentabilidade ambiental e de integração de serviços para melhorar a qualidade de vida do cidadão, levanta novas questões ao planeamento urbano.

Este é o objectivo de empresas como a Living PlanIT SA, formada em 200665, que, em 2009, anunciou ter escolhido Portugal para a criação de uma comunidade de raiz que obedecia a estes requisitos e que seria ao mesmo tempo uma plataforma de desenvolvimento e teste de novas tecnologias66.

O projecto, a ser implementado no concelho de Paredes nos arredores do Porto, denominou-se PlanIT Valley e conta com uma área perto dos 17 Km2, estando prevista albergar uma população de 225.000 habitantes após a sua conclusão que se esperava em 2015, envolvendo um investimento de dez mil milhões de euros.

64, Lena Hatzelhoffer, Kathrin Humboldt, Michael Lobeck, Claus-C. Wiegandt (2012). Smart City in Practice, Berlim: jovis Verlag GmbH

65 A Living PlanIT SA é uma empresa integradora de tecnologias e serviços cuja mais valia é a criação de uma plataforma de software, o sistema operativo PlanIT OS, que funciona a nível urbano (ou em ambientes específicos) como interface de interligação de sensores e dispositivos fixos e móveis de diferentes fabricantes, facilitando o desenvolvimento de aplicações, a aquisição, a gestão, e a utilização da informação em tempo real. http://www.living-planit.com/ (consultado em 30 de Julho de 2013)

66 A Living PlanIT SA pretende fazer do PlanIT Valley, uma área no concelho de Paredes na região do Porto, um pólo de atracção de centros de investigação e desenvolvimento de tecnologia aplicada a centros urbanos de empresas como a Cisco, Microsoft, Philips, McLaren Electronic, etc., muitas delas parceiras de projecto da própria Living PlanIT, no sentido de fazer da cidade um proof of concept, numa demonstração em ambiente real do valor acrescentado da utilização das tecnologias de informação.

205 Considerado em 2009 como Projecto de Interesse Nacional (PIN), pela AICEP (Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal), o projecto teve, no entanto, um abrandamento considerável67 face aos enormes investimentos envolvidos, e à retracção dos mercados de capitais que seriam a sua fonte financeira.

Esta e outras cidades a construir de raiz, estão permeadas de sensores, e dispositivos transmissores de informação por sua vez integrada e processada em tempo real pelas mais diversas aplicações, que vão desde o alerta aos serviços de segurança, ao envio remoto de informação do estado clínico de pacientes, da conservação e poupança de energia, aos sistemas que indicam ao condutor o lugar de parqueamento mais próximo. A ubiquidade da tecnologia muda a face da cidade e reconfigura o tipo de relação do cidadão com o espaço que o envolve. Nas novas cidades contemporâneas efectivamente, tal como Castells referia, o espaço de fluxos toma conta do espaço dos lugares despromovendo a cultura e a história no traçado do arquitecto para deixar em aberto o seu sentido face aos imperativos funcionais “[...] o abandono da experiência, história e culturas específicas para a formação de significado está a conduzir à generalização da arquitectura a-histórica e a-cultural.” (Castells 1996/2007:544), referindo que o significado da mensagem dessa arquitectura:

“[…] perder-se-á na cultura da ´navegação´ que caracteriza o nosso comportamento simbólico. É por isso que, paradoxalmente, a arquitectura que parece mais repleta de significado nas sociedades moldadas pela lógica do espaço de fluxos é a que chamo de ‘arquitectura da nudez´. Ou seja, uma arquitectura cujas formas são tão neutras, tão puras, tão diáfanas, que não pretende dizer nada. E ao nada dizer, elas comparam a experiência com a solitude do espaço de fluxos. A sua mensagem é o silêncio.” (Castells 1996/2007:545-546)

. Este desenraizamento da cultura da navegação e da arquitectura da nudez, exemplificadas por Castells no novo aeroporto de Barcelona ou nos escritórios da empresa D. E. Shaw & Company em Nova Iorque, claramente contrasta com a arquitectura da cidade de Celebration na Florida, criada de raiz em 1994, que oscila

67 Em afirmações ao jornal Expresso (25 de Outubro de 2011) o responsável pela Living PlanIT SA, Steve Lewis, afirmava que em 2012 seriam instaladas as primeiras casas e que em menos de 10 anos a cidade deveria albergar cerca de 225.000 habitantes, prolongando assim o horizonte temporal inicial de 2015 para a conclusão do projecto. http://expresso.sapo.pt/planit-valley-cidade-do-futuro-nasce-em-portugal=f683845#ixzz1cMVdWRv7 (consultado em 29 de Julho de 2013)

206 entre o imaginário do estilo tradicional americano retro do início do século XX e o pós- modernismo de alguma arquitectura pública. Aqui não se trata da nudez referida por Castells mas da mascarada de um simulacro histórico e cultural na tentativa de criação de um espaço do lugar para evitar uma “[...] esquizofrenia estrutural entre duas lógicas espaciais que ameaça romper os canais de comunicação da sociedade.” (Castells 1996/2007:555)

A facilidade da utilização e adaptação dos novos materiais de construção, e as vantagens da utilização de aplicações de software de design e simulação, tanto no projecto de arquitectura como no planeamento urbano, fazem com que se pense a cidade do século XXI como uma estrutura adaptável às necessidades de quem a vai habitar através das capacidades modulares do hardware, da substituição ou upgrade do software, ou da reorganização das redes de comunicações, em vez de sucessivas destruições e reconstruções de estruturas (Mitchell, 2000:155).

Contrariamente à arquitectura do ferro, do fim do século XIX, e do betão armado de meados do século XX, os computadores e as tecnologias de informação, a partir da segunda metade do século XX, não vieram trazer um novo material de construção mas foram instrumentais na mudança dos fluxos económicos e sociais ocasionando transformações físicas importantes na configuração das cidades para se adaptarem às novas realidades. A imaterialidade do código é o impulsionador das aplicações que gerem hoje grande parte dos sistemas de controlo de uma cidade (tráfego, abastecimento de água e luz, serviços públicos), e a tendência é cada vez mais a sua presença se efectivar no dia-a-dia do cidadão através da interacção e conexão em rede dos dispositivos que utiliza, e que se encontram no espaço público e privado, alterando não só fluxos de trabalho e de comunicação empresarial e social, mas também a criação de novos hábitos (estar on-line) e a personalização de ambientes e perfis virtuais no estabelecimento de novas dimensões de um hiperespaço social.

A vida urbana contemporânea congrega efectivamente novas propostas de relacionamento, no entanto, tal como refere William J. Mitchell: “Sometimes we will use networks to avoid going places. But sometimes, still, we go to places to network.” (Mitchell, 2000:155), uma frase que encerra um necessário equilíbrio entre a oferta tecnológica e a interacção pessoal.

207 3.3 – Cyborgs, Ficção e Ciência

Uma das áreas que mais contribui para o imaginário popular de uma cultura ligada à ciência e tecnologia é a literatura e os meios audiovisuais que, de uma forma ficcional ou com um intuito de divulgação, tornam os conceitos científicos e as hipóteses tecnológicas da sua utilização não só mais acessíveis à generalidade das pessoas, como também é factor gerador de estímulo à própria investigação científica e à produção artística, induzindo igualmente reflexão sobre as relações entre a ciência, desenvolvimento tecnológico, e a sociedade, em visões tanto utópicas como distópicas.

O tema da ficção científica já foi largamente debatido em obras que se dedicaram exclusivamente a esta temática e não é nosso objectivo fazer uma abordagem histórica exaustiva nem debruçarmo-nos sobre um autor em particular, mas apenas realçar, num breve apontamento, a importância do tema no contexto da tomada de consciência de uma tecnocultura que influencia e conduz, em alguma medida, o relacionamento, as ansiedades, e os desejos da sociedade contemporânea em geral

Filmes como Metropolis (1927) de Fritz Lang, Forbiden Planet (1956) de Fred M. Wilcox, 2001: Odisseia no Espaço (1968) de Stanley Kubrick, Blade Runner (1982) de Ridley Scott, e Matrix (1999) dos irmãos Wachowski, ou obras literárias como, O Admirável Mundo Novo (1932) de Aldous Huxley, 1984 (1949) de George Orwell, passando pela ficção de Jules Verne e H.G. Wells, são referências sobejamente conhecidas que povoaram o imaginário de várias gerações. Também os meios televisivos foram importantes na criação e divulgação de séries de ficção científica que se tornaram populares tais como Star Treck (1966-2005), Doctor Who (1963-1989), ou X-Files (1993-2002), complementadas por filmes, jogos e toda uma panóplia de bens de consumo nelas inspirados, como estratégia no estímulo à fidelização de públicos e criação de uma rede alargada de seguidores68.

Contrariamente à ideia generalizada de que o género da ficção científica se revela apenas nos encontros e lutas com seres alienígenas em galáxias ou planetas

68 Para mais informação relativamente à história das séries de ficção científica na televisão e cinema ver: Mark Bould (2003). “Film and Television”, in Farah Mendlesohn (ed.) (2003). The Cambridge Companion of Science Fiction, Cambridge: Cambridge University Press, pp. 79-95.

208 distantes, género que ficou conhecido como space opera69, a verdade é que é palco também de antecipação das ansiedades, desejos e das preocupações humanas, no seu encontro com a tecnologia e a ciência, tendo constituído nas últimas décadas assunto de debate e estudo académico nomeadamente, através de áreas disciplinares como a dos estudos culturais e ciências sociais, com foco justamente no modo como as temáticas tratadas neste tipo de literatura e ligadas ao feminismo, colonialismo e pós- colonialismo, identidade e género, robótica e computação, espaço real e virtual, genética e evolução, entre outros, criaram novas linguagens e influenciaram o espaço cultural contemporâneo.

Publicações académicas periódicas (peer-reviewed), ainda hoje editadas, tais como a Science Fiction Studies (1973)70, nos Estados Unidos, ou a Foundation: The International Review of Science Fiction (1972)71, no Reino Unido atestam, desde a década de 70, a importância do género neste domínio. Também a introdução de graus académicos com ênfase na cultura da ficção científica, de que é exemplo a criação em 2007 do programa Science Fiction and Technoculture Studies ao nível de doutoramento (designated emphasis) na Universidade da Califórnia em Riverside72, além de um conjunto alargado de teses académicas nesta área73 e a contínua organização de encontros (convenções, seminários, workshops) tendo esta temática como base,

69 A expressão space opera, foi criada por Wilson Tucker em 1941, um termo não muito abonativo que se refere a um determinado género de ficção científica que encontra paralelos nas séries designadas por soap operas americanas, um tipo menor de entretenimento e que obedece a um esquema determinado envolvendo exotismo romance e aventura, desta feita, passada no espaço (Westfahl, 2003:197-208).

70 http://www.depauw.edu/sfs/ (consultado em 3 de Setembro de 2013).

71 http://www.sf-foundation.org/publications/foundation/index.html (consultado em 3 de Setembro de 2013).

72 http://sfts.ucr.edu/ (consultado em 22 de Janeiro de 2014).

73 Em Portugal é exemplo a tese de doutoramento de Jorge Rosa, Imagens da Técnica na Ficção Científica: A Obra de Philip K. Dick no Contexto Sociotécnico (2006), Lisboa: Universidade Nova de Lisboa [Tese de doutoramento policopiada] Outros exemplos recentes de teses de doutoramento são: Tiina Kymäläinen (2015). Science Fiction Prototypes as Design Outcome of Research, Aalto University School of Arts, Design and Architecture - http://www.creative-science.org/activities/phd/ (consultado em 7 de Agosto de 2015) Joshua Thomas Raulerson (2010). Singularities: Technoculture, Transhumanism, and Science Fiction in the 21st Century, University of Iowa - http://ir.uiowa.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=3115&context=etd (consultado em 7 de Agosto de 2015)

209 reforçam a existência de um fenómeno cultural com implicações sociais e, naturalmente, artísticas.

Portugal, apesar de não ser um país na linha da frente no desenvolvimento tecnológico, não deixou de acompanhar o interesse internacional que se instalou por este tipo de literatura, nomeadamente a partir dos anos 50.

Na verdade, a editora Livros do Brasil, através da colecção de livros de bolso Argonauta, foi uma das principais impulsionadoras do género tendo publicado cerca de 560 volumes entre 1953 e 200574. Também as publicações Europa-América, através da colecção Livros de Bolso FC (ficção científica) publicou 247 volumes entre 1979 e 2001 e, por intermédio da colecção Nébola, editou 105 volumes entre 1983 e 2008.

Juntando-se a este interesse pelo género, a editorial Caminho instituiu, entre 1982 e 1999, o “Prémio Editorial Caminho de Ficção Científica”, no sentido de estimular a produção em língua portuguesa.

Sem pretensões de exaustão, estes são bons indicadores da manifesta importância e interesse deste tipo de literatura em Portugal na segunda metade do século XX na qual estiveram também envolvidos artistas portugueses na execução das capas dos livros, nomeadamente na colecção Argonauta, com destaque para Cândido Costa Pinto nos primeiros 32 volumes (1953-1956)75, e Lima de Freitas do volume 33 ao 221 (1956-1975).

A escolha de Cândido Costa Pinto, um artista de pendor surrealista, foi uma maneira de cativar público através do impacto na ilustração da altura que convinha a uma editora que estava a dar os primeiros passos na divulgação de um género novo em

74 As capas e indicações de resumos de uma parte substancial desta colecção pode ser consultada no blog: http://coleccaoargonauta.blogspot.pt/ (consultado em 30 de Agosto de 2013). A colecção de bolso foi ampliada por mais 25 volumes da Colecção Argonauta Gigante publicada entre 1998 e 2007.

75 Ressalve-se que não há indicação de autoria de capa nos volumes 9 a 12, e mesmo em alguns em que é referida a autoria de Cândido Costa Pinto (volume 14, 15 e 23) o autor não assina com a usual abreviatura do seu primeiro nome (CAN). De facto essas capas eram cópias ou adaptações de edições estrangeiras e Costa Pinto só assinou aquelas que foram criações originais suas, apesar de ter feito todas as artes finais. http://www.cromos.com.pt/FC/textos/Argonauta.htm (consultado em 30 de Agosto de 2013)

210 Portugal, e que já tinha tido referências positivas do seu trabalho nas capas que desde 1947 estava a desenhar para a colecção policial Vampiro, da mesma editora.76

O facto de alguns escritores conhecidos no mundo da ficção científica terem sido cientistas, ou tido formação em áreas científicas, como Isaac Assimov (1920-1992) (bioqímico), Fred Hoyle (1915-2001) (astrofísico), Arthur C. Clark (1917-2008) (formado em matemática e física no King´s College de Londres) ou, numa geração mais recente, David Brin (n.1950)77 (formação em astrofísica e doutorado em ciências espaciais), fez com que a sua escrita reflectisse sobre informação factual projectando-a naturalmente no campo ficcional da especulação científica.

Hans Moravec (n.1948), doutorado em ciências da computação e investigador no Robotics Institute da Universidade de Carnegie Mellon, não é um escritor de novelas de ficção científica. A sua escrita inscreve-se mais no âmbito da divulgação e antecipação das possibilidades dos desenvolvimentos tecnológicos, como é o caso da sua obra Mind Children: The Future of Robot and Human Intelligence (1988)78, frequentemente citada por antever num futuro próximo a possibilidade da passagem da mente de um ser humano para um computador (Moravec 1988/1992:166-168), situação que, do ponto de vista puramente ficcional, tinha sido abordada por Fritz Lang no filme Metropolis (1927) quando no seu laboratório o cientista Rotwang faz uso de um corpo feminino mecânico para a passagem não só da consciência mas da fisionomia da personagem Maria, criando um duplo androide, embora controlado e manipulado pela vontade de Rotwang.

Contrariamente a estes enredos de novela de ficção, Moravec apoiou-se na ciência granjeando, através da publicação dessa obra, uma visibilidade que lhe permitiu estar presente na edição de 1991 do festival Ars Electronica79, com a comunicação “The

76 A colecção policial Vampiro, também da editora Livros do Brasil, teve desde o seu primeiro número (1947) ilustrações da capa da autoria de Cândido Costa Pinto até ao volume 112 (1956), a quem sucedeu Lima de Freitas, tal como na colecção Argonauta.

77David Brin iniciou a sua produção literária na área da ficção científica no início dos anos 80, tendo sido distinguido com os dois mais prestigiados galardões na área, o Nebula Award (1983) e o Hugo Award (1984 e 1987), além de outras nomeações e prémios.

78 Em Portugal editada como Homens e Robots: O Futuro da Inteligência Humana e Robótica, Lisboa: Gradiva Publicações (1992).

79 Esta edição teve como tema a expressão Out of Control, e realizou-se de 10 a 13 de Setembro. 211 Universal Robot”80, em que apresentou uma previsão do desenvolvimento dos robôs na primeira metade do século XXI e do seu papel na sociedade.

Na sua comunicação, e partindo da hipótese de que o poder de computação aumenta cerca de mil vezes em cada vinte anos (Lei de Moore)81, Moravec reafirma o cenário da possibilidade da passagem da mente humana para uma máquina, numa previsão que situa para além de 2050, usando a mesma descrição do processo que tinha enunciado em Mind Children (Moravec, 1988/1992:166-168)82.

Mas se esta hipótese, só por si, pode gerar controvérsia e polémica, não é menos questionável a situação avançada por Moravec de que no futuro a herança biológica do ser humano terá um papel diminuto perante a nova geração de máquinas e robôs inteligentes que na altura serão comuns.

Na verdade, o autor afirma que a herança humana tem duas componentes, uma biológica, através das cadeias genéticas do ADN, e outra cultural, passada de geração em geração através da comunicação de conhecimento e da experiência do mundo. E se

80 Hans Moravec (1991). “The Universal Robot”, in, Timothy Druckrey (ed.) (1999) Ars Electronica: Facing the Future, Cambridge (Mass.) e Londres: The MIT Press, pp. 116-123. O título The Universal Robot poderá eventualmente ter sido inspirado na peça RUR –Rossum´s Universal Robots (1920), do escritor checo Karel Čapek (1890-1938), que introduziu pela primeira vez na linguagem o termo robô, uma designação que tem origem na língua checa (robota).

81 A chamada Lei de Moore tem origem numa observação empírica de Gordon Moore, co-fundador da empresa de fabricação de circuitos integrados e processadores Intel, que constatou, em 1965, que o número de transístores possíveis de integrar em cada polegada quadrada de uma pastilha de silício aumentava para o dobro aproximadamente a cada 18 meses, estimando-se que o respectivo aumento da capacidade de processamento evoluísse para o dobro em cerca de dois anos, previsão esta que se manteve actual na indústria. De acordo com esta progressão, em vinte anos a capacidade de processamento aumentaria 1024 vezes.

82 Nesta obra Moravec cria um cenário hipotético em que um ser humano é operado ao cérebro por um cirurgião robô que vai penetrando nas suas sucessivas camadas e criando simulações do seu funcionamento num computador que vai constituir a nova mente do ser humano e residir num corpo robotizado. Para permitir o acesso às camadas mais profundas do cérebro, vão sendo eliminadas as suas estruturas mais exteriores que já não são necessárias, vivendo o paciente temporariamente num estado de partilha em que o seu cérebro é parte física e parte simulação até a passagem estar completa. Após esta operação o corpo físico (robotizado) poderá ser modelado de acordo com os desejos e necessidades do seu “ocupante”. Pelo facto da mente residir agora num sistema computorizado, as evoluções tecnológicas permitirão acelerar o processamento de instruções, deste modo incrementando a rapidez de cálculo, de decisão e a capacidade de trabalho pois, tal como refere Moravec: “Your new mind has a control labeled ´speed´. It had been set to 1 to keep the simulation synchronized with the old brain, but now you change it to 10.000 allowing you to communicate, react and think ten thousand times faster” (Moravec, 1991:122).

212 estas componentes estão intrinsecamente ligadas à evolução humana, na linha de evolução e criação de robôs inteligentes a herança biológica não faz sentido.

Para Moravec: “Estamos muito próximos do tempo em que, virtualmente, a nenhuma função humana essencial, quer física, quer mental, faltará a correspondente artificial. A encarnação desta convergência de desenvolvimentos culturais será o robot inteligente, uma máquina capaz de pensar e de agir como um ser humano, por muito desumana que seja nos pormenores físicos e mentais. Tais máquinas serão capazes de prosseguir a nossa evolução cultural, incluindo a própria construção e desenvolvimento cada vez mais rápidos, sem necessidade de nós ou dos genes que nos deram origem. Quando tal acontecer, o nosso ADN tornar-se-á inútil, perderá a corrida evolucionária em favor de um novo tipo de competição.” (Moravec, 1988/1992:11)

Tal como Moravec, também Ollivier Dyens83 em Metal and Flesh – The Evolution of Man: The Technology Takes Over (2001)84, acredita que “Nós como seres ´humanos´ estamo-nos a tornar extintos.” (Dyens, 2001:95)

O facto do autor colocar a palavra “humanos” entre aspas, aponta justamente para o cerne da questão – o que é ser, hoje, humano? Qual o sentido que, na contemporaneidade, se dá a este termo?

Efectivamente, esta é a questão que também Katherine Hayles aborda na sua obra de fim de século How We Became Post Human (1999)85, título que indica claramente que já foi ultrapassada a condição humana, tal como era conhecida, dando início nessa publicação à condução de uma investigação dos antecedentes de tal processo.

83 Ollivier Dyens (n.19) é professor associado de estudos de francês na Universidade de Concordia em Montreal, investigador em cibercultura, e interessado no impacto das novas tecnologia na sociedade. Em 2005 apresentou no festival Ars Electronica a comunicação “Hybrid Reality” disponível em: http://90.146.8.18/en/archives/festival_archive/festival_catalogs/festival_artikel.asp?iProjectID=13268 (consultado em 11 de Setembro de 2011).

84 Ollivier Dyens (2001). Metal and Flesh – The Evolution of Man: Technology Takes Over, Cambridge (Mass.) e Londres: The MIT Press

85 N. Katherine Hayles (1999). How we Became Posthuman: Virtual Bodies in Cybernetics, Literature, and Informatics, Chicago: University of Chicago Press

213 Na verdade, talvez tenha sido efectivamente no decurso do século XX que a questão do corpo se tenha tornado mais presente, evidenciada tanto no discurso e conduta política (racismo, eugenia, genocídio), como na investigação científica (genética, cibernética, robótica), como na arte (bodyart, performance, bioart) ou, de uma maneira metafórica, na filosofia de Deleuze e Guattari (“Corpo sem Órgãos”), e na ficção literária. Neste último campo Ollivier Dyens refere como exemplos A Ilha do Doutor Moreau (1896) de H. G. Wells, que descreve um cenário de manipulações genéticas em que o corpo é reduzido apenas à escala de material experimental para a criação de espécies híbridas, A Metamorfose (1915) de Franz Kafka, em que também o corpo é palco de transformação utilizado como tema de reflexão sobre a exclusão social, ou 1984 (1949) de George Orwell, em que a vigilância panóptica é um meio de repressão e de exercício de poder sobre a mente e o corpo.

De um modo mais evidente, na segunda metade do século XX a ficção designada de cyberpunk86 associa a transformação do corpo à tecnologia geralmente em cenários distópicos ou pós-apocalípticos, introduzindo um conjunto de possibilidades (a extensão das capacidades físicas do corpo através de membros prostéticos e interfaces tecnológicas, implantes de circuitos integrados no cérebro, possibilidades de download e upload de informação, substituição de órgãos criados por clonagem ou engenharia biotecnológica) que diluem a fronteira entre o corpo orgânico e biológico, e o dispositivo tecnológico inorgânico.

Para Ollivier Dyens, estas ficções cyberpunk não são apenas histórias de poder e de identificação do homem com a máquina mas principalmente representam narrativas da conjugação da biologia, da tecnologia e da cultura, integradas na definição de novos

86 O termo cyberpunk, criado por Bruce Bethke em 1980 para título de um conto publicado em 1983 na revista Amazing Science Fiction Stories (Volume 57, número 4, Novembro 1983, pp. 94-105), foi divulgado por Gardner Dozois, editor da revista Assimov´s Science Fiction, para descrever na altura um tipo de literatura recente no domínio da ficção científica, e por Bruce Sterling, através da colectânea Mirrorshades: The Cyberpunk Anthology (Nova Iorque: Arbor House, 1986). Embora hoje o termo tenha um sentido mais abrangente, a temática endereçada pela literatura cyberpunk geralmente descreve lutas de poder em cenários distópicos de opressão, em que a tecnologia desempenha um papel importante tanto na articulação da história como na própria relação corporal dos personagens, extrapolando de certo modo os receios de uma sociedade que, nos anos 80, via os interesses das grandes corporações tornarem-se globais, e um domínio cada vez mais acentuado do poder das tecnologias de informação, dos estudos da cibernética, e da inteligência artificial. Uma das obras mais conhecidas neste género é Neuromancer (1984) de William Gibson, distinguida com os três principais galardões da ficção científica (os prémios Hugo, Nebula e Philip K. Dick), e o filme Blade Runner (1982) de Ridley Scott, baseado na novela Do Androids Dream of Electric Sheep? (1968) de Philip K. Dick.

214 parâmetros para a redefinição da ideia de corpo na contemporaneidade - um corpo cultural – em que, “[...] sangue e silicone, alma e algoritmo estão interligados [...]”87. Na verdade, é eventualmente esta designação de “corpo cultural”, que pode resolver uma tensão, que se tornou crescente no século XX, entre a natureza biológica e tecnológica do corpo, ou entre os binómios máquina-corpo e informação-pensamento, fruto certamente do surgir de disciplinas como a nanotecnologia, vida artificial, robótica, inteligência artificial, ciências cognitivas, biotecnologia e neurofisiologia que, no decurso do século, tiveram importantes desenvolvimentos no entendimento e modelação das funções corporais.

Num tempo em que o actual desenvolvimento tecnológico veio de certo modo ao encontro da ficção, ao permitir a ligação ao nervo óptico de câmaras digitais de pequenas dimensões instaladas em óculos para facultar uma visão rudimentar a invisuais, ou a actuação de interfaces robóticas comandadas a partir das ondas cerebrais de doentes tetraplégicos permitindo-os manipular objectos88, estamos perante novas possibilidades e um necessário alargamento da noção de corpo e da complexidade do ser humano.

É significativo que, pela primeira vez na história da humanidade, o desenvolvimento tecnológico produziu não apenas aparatos para auxiliar o homem e que se adaptam ao seu exterior, de que são exemplos as próteses oculares ou os mecanismos facilitadores de locomoção, mas criou dispositivos para serem implantados no seu interior (neuro-estimuladores, pacemakers, interfaces neurais) fazendo parte intrínseca do funcionamento do próprio corpo.

A integração de tecnologia no corpo como reparadora de funções que biologicamente já não são possíveis ou, num passo seguinte, a possibilidade do aumento

87 “But cyberpunk fictions do not focus solely upon man´s identification with machines; they are also (and especially) a common narrative on the rise of a new type of cultural body (created and formed within computers). Cyberpunk fictions are stories of the coupling of blood and silicone, of soul and algorithm […]” (Dyens, 2001:73).

88Com uma designação genérica de interfaces neurais (neural interfaces), este termo inclui estimuladores neurais, implantados no cérebro para regular a sua actividade, e os dispositivos neuro-prostéticos, que permitem uma actuação física ou possibilitam a aquisição de informação do exterior quando o órgão respectivo não o consegue pelos próprios meios (visão, audição). Estas tecnologias começaram a ser investigadas e desenvolvidas a partir dos nos anos 70 e são actualmente uma das áreas importantes da biotecnologia para o estudo, produção e aplicação médica de implantes em indivíduos incapacitados.

215 das suas capacidades, são realidades que colocam uma necessária distinção entre o humano e o “humano-aumentado” ou, eventualmente de um modo mais apropriado - o pós-humano - já que se está perante o limiar de um paradigma na evolução humana.

No âmbito da ciência, da reflexão dos estudos culturais89, na produção de literatura e filmes de ficção90, e inclusive na área de interesse de organizações governamentais91, têm-se estabelecido cruzamentos de informação sobre a temática que, no fundamental, vai cimentando uma base de dimensão cultural, ela própria propícia a um acolhimento do relacionamento do corpo com as novas tecnologias na redefinição dos princípios da identidade humana.

Na sua origem estão os estudos de cibernética que promoveram a criação de modelos de analogia funcional entre a máquina e o animal, e as capacidades de manipulação, transferência e armazenamento de informação que, ao passarem ao domínio digital, criaram meios de se autonomizar da materialidade da sua fonte-origem.

É efectivamente esta noção de informação sem corpo (Hayles, 1999:2), associada à capacidade da recriação sintética dos mecanismos biológicos, que fez com que o imaginário do cyborg pudesse evoluir no sentido dos robôs inteligentes de Hans

89 São exemplos recentes The Prosthethique Impulse: From a Posthuman Present to a Biocultural Future (Cambridge: The MIT Press, 2006) de Marquard Smith e Joanne Morra (editores), e What is Posthumanism? (Minneapolis: University of Minesota Press, 2010) de Cary Wolf. Katherine Hayles cita também como exemplos The War of Desire and Technology at the Close of the Mechanical Age (Cambridge: MIT Press, 1995) de Allucquére Roseanne Stone e Posthuman Bodies (Bloomington: Indiana University Press, 1995) de Judith Halberstam e Ira Livingston (editores), entre outros (Hayles 1999:293).

90 As referências nesta área são extremamnnte variadas. Katherine Hayles utiliza as obras Blood Music (1983) de Greg Bear, Terminal Game (1994) de Cole Perriman, Galatea 2.2 (1995) de Richard Powers, e Snow Crash (1992) de Neal Stephenson, para ilustrar quatro questões relacionadas com a problemática do pós-humano, respectivamente a mutação, a hiper-realidade, a inteligência artificial e a informação (Hayles 1999:247-282).

91 O relatório “Converging Technologies for Improving Human Performance” (2002), patrocinado pela National Science Foundation e pelo US Department of Commerce, faz uma abordagem clara das oportunidades em integrar a nanotecnologia, biotecnologia, as ciências cognitivas, e as tecnologias de informação, tanto no âmbito civil como militar. Disponível em: http://www.wtec.org/ConvergingTechnologies/Report/NBIC_report.pdf (consultado em 20 de Setembro de 2013). Também a agência do departamento de defesa dos Estados Unidos, a DARPA (Defense Advanced Reseach Projects Agency), tem programas de investigação nestas áreas de que são exemplo o Reliable- Neural Interface Technology (Re-Net), e o projecto SyNAPSE, em parceria com a IBM, com o objectivo da construção de um sistema computacional baseado em redes neurais que emule o funcionamento do cérebro.

216 Moravec em que o corpo é considerado apenas uma instância de inscrição material da consciência, sujeito a adaptações e extensões para a realização de determinadas funções.

Esta visão cartesiana da separação do corpo e da mente não é partilhada por Katherine Hayles que nega o papel puramente funcional e redutor do corpo sujeito a uma consciência, evidenciando de outro modo a função da herança biológica, fruto da evolução da raça humana, numa visão integrada de corpo-consciência. Nas suas palavras, “O corpo é o resultado liquido de milhares de anos da sedimentação da história evolutiva, e é ingénuo pensar que esta história não afecta o comportamento humano em todos os seus níveis de acção e pensamento” (Hayles, 1999:284). Para esta investigadora o corpo e a corporalização (embodiment) da experiência estão intimamente ligados.

Deste modo a perspectiva de Hans Moravec e da Katherine Hayles relativamente ao futuro da humanidade, ou ao pós-humano, é diverso. Moravec olha para um futuro tecnológico dominado pelas máquinas inteligentes em que ao ser humano só resta a opção da preservação da sua mente em sistemas cibernéticos extinguindo-se como evolução biológica, enquanto Hayles acredita na continuidade da espécie humana em simbiose com os sistemas inteligentes. Esta postura, recorrente em vários artigos da autora92, está patente na sua afirmação:

“ […] o pós-humano não significa realmente o fim da humanidade. Em vez disso sinaliza o fim de uma certa concepção do humano […]. O que é letal não é o pós-humano como tal, mas a enxertia do pós-humano dentro de uma visão do eu numa perspectiva humanista liberal. […]. [o conceito do] pós-humano oferece bases para o repensamento da articulação do humano com as máquinas inteligentes.”93 (Hayles, 1999: 286-287).

Dois anos antes da publicação destas reflexões de Katherine Hayles também o festival Ars Electronica, na edição de 1997 (8 a 13 de Setembro), congregou um

92 “Flesh and Metal: Reconfiguring the Mindbody in Virtual Environments”, in Configurations, Vol. 10, Number 2, Spring 2002, pp. 297-320, The Johns Hopkins University Press and the Society for Literature and Science. “Afterword – The Human in the Posthuman”, in Cultural Critique, No. 53, Posthumanism, (Winter, 2003), pp. 134- 137, University of Minnesota Press

93 “[...] the posthuman does not really mean the end of humanity. It signals instead the end of a certain conception of the human […]. [the concept of] posthuman offers resources for rethinking the articulation of human with intelligent machines.” 217 conjunto alargado de investigadores, artistas e cientistas para, através da temática com o título FleshFactor – Informationsmachine Mensch, equacionarem a assimilação do ser humano (Mensch) com os sistemas de processamento de informação como estratégia de adaptação a uma contemporaneidade tecnológica.

Nas cerca de vinte comunicações integradas no simpósio temático do festival participaram, entre outros, Steve Mann94, um pioneiro no estudo, projecto e integração de dispositivos computorizados para o uso pessoal diário (wearable computers)95, Stelarc, professor e artista que explora as relações do corpo com a tecnologia96, e Donna Haraway97, professora e ensaísta que, em meados dos anos 80, tinha publicado o influente artigo “ Manifesto for Cyborgs: Science, Technology, and Socialist Feminism in the 1980´s” (1985)98, mais tarde integrado na sua obra Simians, Cyborgs and Women - The Reinvention of Nature (Nova Iorque: Routledge, 1991)99.

O cyborg, um híbrido que junta duas naturezas aparentemente opostas, a máquina e o organismo, é utilizado por Haraway como metáfora de uma necessária transformação política e social tradicionalmente baseada na dualidade de lutas de classes e na separação dos géneros e raças.

94 Steve Mann (n.1962) é doutorado em Media Arts and Sciences pelo Massachusets Institute of Technology (MIT), professor no departamento de engenharia de computadores na Universidade de Toronto, e membro senior da organização IEEE (Institute of Electric and Electronic Engineers).

95 Wearable computers é uma expressão que designa os dispositivos electrónicos especialmente concebidos para uso pessoal no dia-a-dia e que tanto podem ser utilizados como acessórios (óculos de realidade aumentada por exemplo) ou integrados em objectos de uso comum (peças de indumentária com bio-sensores ou dispositivos de geo-localização), no sentido de fornecer/produzir indicações que permitem ao utilizador actuar/decidir de um modo mais informado.

96 Neste festival, além da sua comunicação, Parasite Visions. Alternate, Intimate and Involuntary Experiences, Stelarc apresentou a peça Parasite: Event for Invaded and Involuntary Body, uma performance em que o corpo do artista foi ligado à Internet que funcionava não só como uma extensão virtual do seu sistema nervoso mas também constituía o meio pelo qual entidades exteriores actuavam sobre o seu corpo através de comandos que se traduziam em estímulos eléctricos aplicados aos músculos, provocando uma coreografia involuntária do artista.

97 Donna Haraway (n. 1944) estudou literatura inglesa, filosofia e zoologia e doutorou-se em biologia. Foi professora de estudos femininos na Universidade do Hawai e no departamento de História da Ciência na Universidade de Johns Hopkins. Actualmente exerce docência no departamento de História da Consciência na Universidade da Califórnia, em Santa Cruz. As suas reflexões e publicações foram influentes em áreas como a crítica cultural, a filosofia da ciência, a teoria política, e estudos femininos.

98 Publicado originalmente em Socialist Review, no. 80 (1985), pp. 65-108.

99 Nesta obra o artigo toma a forma de capítulo (cap. VIII) com o título A Cyborg Manifesto: Science, Technology, and Socialist- Feminism in the Late Twentieth Century (pp. 149-181).

218 Refere Haraway que uma das razões persistentes na tradição ocidental nas práticas e lógicas do exercício do poder e domínio sobre a mulher, os trabalhadores, as raças, a natureza, e animais, é a existência de um pensamento repartido num conjunto de dualidades entre as quais a separação entre eu/outro, mente/corpo, natureza/cultura, masculino/feminino, certo/errado, realidade/aparência, Deus/homem (Haraway 1991: 177), que, na verdade, não são mais do que enquadramentos culturais.

A mudança de paradigma cultural, em que essas dualidades podem ser equacionadas num novo patamar, é assinalada por Haraway com o advento do cyborg que, na sua óptica, foi o resultado de três transgressões: em primeiro lugar os estudos de biologia molecular, que permitiram uma diluição da fronteira entre o humano e o animal, em segundo os trabalhos da cibernética na ligação entre o orgânico (animal- humano) e a máquina, e por último os estudos da física (mecânica quântica e o princípio da incerteza) sobre a constituição da matéria e a imprecisão da fronteira da realidade física (Haraway 1991: 151-152).

O cyborg pode ser assim empossado do simbolismo da ruptura das certezas e da rigidez das delimitações. Tal como refere a autora “ […] o meu mito do cyborg é sobre fronteiras transgredidas, fusões, e possibilidades perigosas que podem ser exploradas como uma parte de um necessário trabalho político”100 (Haraway 1991: 154)

Mas se por um lado Haraway utiliza a figura do cyborg como uma metáfora, reconhecendo também a sua existência no imaginário da ficção científica, por outro também assume a sua realidade não só ao perceber o empenhamento dos governos no desenvolvimento de tecnologia de guerra, em que a robótica, o controlo remoto, a inteligência artificial, e a simulação, são áreas importantes de investigação, mas também os avanços da medicina na introdução de próteses robotizadas no corpo humano101, vaticinando que:

“No fim do século XX, no nosso tempo, um tempo mítico, seremos todos quimeras, híbridos teorizados e fabricados de máquinas e organismos; em suma seremos todos cyborgs. O cyborg é a nossa ontologia; dá-nos a nossa política. O cyborg é

100 “So my cyborg myth is about transgressed boundaries, potent fusions, and dangerous possibilities which progressive people might explore as one part of needed political work.”

101“ Contemporary science fiction is full of cyborgs […] . Modern medicine is also full of cyborgs, of couplings between organism and machine […]. And modern war is a cyborg orgy” (Haraway 1991: 149- 150)

219 uma imagem condensada tanto da imaginação como da realidade material, os dois centros que, juntos, estruturam qualquer possibilidade de transformação histórica.”102 (Haraway 1991: 150)

Do exposto constata-se que tanta a ficção literária, como a ciência, e mesmo a reflexão social e política, todos eles convergem no sentido de que no decorrer do século XX a identidade humana sofreu profundas alterações. É um facto que o desenvolvimento tecnológico, essencialmente na sua segunda metade, criou novos paradigmas culturais que se imiscuíram no processo evolutivo dito natural ou biológico, podendo alterar o seu rumo. Daí os diferentes pontos de vista sobre o seu futuro, desde os avisos distópicos de uma sociedade humana alienada, a um mundo em que o ser humano deu lugar a máquinas inteligentes, a uma utopia “transhumanista”103 que vê no desenvolvimento tecnológico a capacidade do homem se transcender, até uma visão de convívio e de mútuo entendimento entre o dispositivo inteligente e o ser humano.

Tal como Manuel Castells afirmou, ao referir-se aos efeitos das tecnologias de informação nas novas formas de organização social mediadas pelos conflitos entre a globalização e identidade, também podemos concluir que, “Admirável ou não, trata-se, na verdade de um mundo novo.” (Castells 1997/2007: XXX)

102 “By the late twentieth century, our time, a mythic time, we are all chimeras, thorized and fabricated hybrids of machine and organism; in short, we are cyborgs. The cyborg is our ontology; it gives us our politics. The cyborg is a condensed image of both imagination and material reality, the two joined centers structuring any possibility of historical transformation.”

103 O transhumanismo é um movimento que, iniciado na década de 80, preconiza o desenvolvimento de tecnologias no sentido não só de aumentar as capacidades humanas para além do que é natural, mas também prolongar a sua vida.

220 3.4 – Cultura, Identidade e Redes

Em 1986 foi realizada a quinta edição do festival Ars Electronica104 cujo tema Computer Culture Days, integrou concertos, performances, mostras artísticas, e simpósios, com o objectivo de investigar o impacto das novas tecnologias da informação, tanto na produção artística e cultural, como na sociedade em geral.

Dos três simpósios que fizeram parte desta edição, teve uma importância particular aquele que, abordando directamente o tema do festival, dividido tematicamente em três dias, debateu não só aquilo que se avizinhava nessa altura como uma cultura emergente associada aos computadores - com a recente introdução da computação pessoal105, tendo como plataforma orientadora dos trabalhos o mote On the Threshold of Computer Culture - mas também a sua utilização como ferramenta criadora de novos paradigmas no campo da imagem, nomeadamente no desenvolvimento da área do vídeo (New Pictures for New Times e The Everyday Video- World).

O facto de participarem neste simpósio não só artistas que se interessavam pelo encontro da electrónica com a imagem, nos quais se incluíam Woody Vasulka (vídeo e computadores) e Larry Cuba (animação por computador), como um conjunto alargado de investigadores, ensaístas, curadores, e outros profissionais, permitiu uma visão alargada do tema e um conjunto de contribuições de relevo106.

A dar o mote do tema, Hannes Leopoldseder, co-fundador do festival, apresentou a comunicação “Ten Indications of an Emerging Computer Culture”107, no

104 Esta edição, realizada de 20 a 27 de Junho, foi a primeira em que o festival se estabeleceu de um modo autónomo e com uma periodicidade anual. Nas edições anteriores, em 1979, 1980, 1982 e 1984, o festival Ars Electronica esteve associado ao International Bruckner Festival de Linz.

105 Os computadores pessoais com sucesso comercial surgiram na segunda metade da década de 70 tendo o Apple II, lançado em 1977, alcançado um número assinalável de vendas. O IBM-PC, mais vocacionado para o mundo empresarial, apareceu no mercado em 1981, e o Apple Macintosh em 1984. Estes sistemas permitiram a descentralização do poder de cálculo e do armazenamento da informação, e uma integração da computação no dia-a-dia implicando novas aprendizagens, mudanças de processos e procedimentos e, eventualmente, de atitudes e estilos de vida.

106 Muitas dessas contribuições estão disponíveis em (consultado em 28 de Setembro de 2013): http://90.146.8.18/en/archives/festival_archive/festival_catalogs/festival_catalog.asp?iProjectID=9249

107 Hannes Leopoldseder (1986). “Ten Indications of an Emerging Computer Culture”, in DRUCKERY, Timothy (ed.) (1999). Ars Electronica: Facing the Future, Cambridge (Mass.) e Londres: The MIT Press, pp. 67-70. 221 âmbito do simpósio On the Threshold of Computer Culture, na qual, de um modo muito pragmático, apontava um conjunto de observações associadas à percepção que na altura se tinha do impacto que os computadores, na fase de transição do uso empresarial generalizado para o uso pessoal e doméstico, teriam como um factor de transformação cultural e social.

De acordo com a observação do autor eram eles:

1- Computer Culture is an Emerging Culture 2- Computer Culture Calls for a New Alphabet, a New Language, a New Way of Thinking 3- Computer Culture Demands the Computer-Literate Learning Society 4- Computer Culture Requires Restructuring of the Work, Leisure, and Society 5- Computer Culture Requires the Screen as a Major Tool in Home and Office 6- Computer Culture Permits a New Type of Artist 7- Computer Culture Permits a New World of Images and Sound 8- Computer Culture Permits New Networks 9- Computer Culture Permits New Media 10- Computer Culture Allows New Experiences in Art and Culture

Sem intenção de exaustão o autor tece sucintamente algumas considerações sobre cada um destes pontos, referindo que estas indicações são apenas estímulos para outras abordagens e reflexões.

Efectivamente, passados mais de 25 anos sobre a altura em que este artigo foi redigido, pode-se elaborar de uma maneira muito mais extensa sobre cada uma destas dez afirmações embora hoje, na verdade, a cultura associada à computação já não seja emergente, como refere o primeiro ponto, mas algo efectiva, uma vez que a ubiquidade dos dispositivos inteligentes para uso pessoal (smart-phones, tablets, laptops), associados às capacidades de mobilidade, do acesso às redes e à informação, mudaram radicalmente hábitos sociais e de trabalho.

Esta percepção de uma cultura associada à computação, em meados dos anos 80, já tinha sido objecto de atenção da revista Time Magazine que, em 1982, quebrou a tradição de nomear todos os anos uma personalidade do ano, como era norma desde 1927. Nesse ano a “personalidade” foi o Computador Pessoal, destacado como a

222 máquina do ano (edição de 3 de Janeiro de 1983). A máquina substituía, pela primeira vez, a personalidade do ano na capa da revista108.

Um inquérito feito para a revista Time, e publicados na edição de Janeiro de 1983109, revelava um certo optimismo relativamente a estes avanços tecnológicos demonstrado pelos 80% dos inquiridos que acreditavam que num futuro próximo o computador pessoal seria tão comum nos lares americanos como o televisor ou a máquina de lavar loiça, atribuindo-lhe também a possibilidade de aumento da produtividade (67%), e de melhoria da formação educativa (68%).

Isto era sintomático de uma consciência que se generalizava de que algo estava a mudar na vida do dia-a-dia e que a introdução desta máquina nos lares prometia mais do que o simples entretenimento de um aparelho de rádio ou de televisão.

O crescimento do número de fabricantes de computadores pessoais, e a passagem do número de unidades vendidas em todo o mundo de 1,1 milhões em 1980 para, em apenas cinco anos, passar para 11 milhões (1985), indiciava já um bom acolhimento das capacidades destes equipamentos que, no fim do século atingiriam os cerca de 132 milhões de unidades vendidas (2000)110, expandindo um negócio de empresas que, iniciando-se de uma forma modesta, rapidamente atingiram uma dimensão multinacional complementando a venda de sistemas com periféricos, redes, aplicações e serviços.

A invenção do transístor, do circuito integrado, e do microprocessador, tinha possibilitado, nas décadas de 60 e 70, a redução substancial das dimensões dos sistemas, e o anúncio em 1981 do primeiro computador pessoal portátil, o Osborn 1 pesando apenas 11 Kg, o que ultrapassava as previsões mais optimistas do que se pensava ser o futuro da computação na década de 50, tendo em conta uma antevisão da revista

108 “There are some occasions, though, when the most significant force in a year's news is not a single individual but a process, and a widespread recognition by a whole society that this process is changing the course of all other processes. […] TIME´s Man of the Year for 1982, the greatest influence for good or evil, is not a man at all. It is a machine: the computer” - Otto Friedrich, “The Computer Moves In”, in Time Magazine, 3 Janeiro, 1983, pp. 14-24.

109 Otto Friedrich, “The Computer Moves In”, in Time Magazine, 3 Janeiro, 1983, pp. 14-24.

110 Dados da empresa de consultoria e pesquisa de mercados eTForecast consultados em 2 de Dezembro de 2013. http://tech-insider.org/statistics/research/2001/0119.html

223 Popular Mechanics que, na sua edição de Março de 1949, vaticinava que no futuro os computadores poderiam pesar menos de 1,5 toneladas, usando como termo de comparação as 30 toneladas que pesava na altura o ENIAC111.

O fim da década de 70 viu também surgir as primeiras consolas de jogos com sucesso comercial pela mão de empresas como a Atari, em 1975, e Nintendo, em 1977, dando início a uma forma de entretenimento que rapidamente passaria para o computador pessoal, absorvendo uma geração já nascida na era da informação.

Os jogos de computador foram também o tema que, em 1982, as indústrias Disney utilizaram na realização de Tron, o primeiro filme de longa metragem em que os personagens reais foram combinados com gráficos e animação computorizada, num guião que trazia esse mundo dos jogos e o léxico dos computadores para o ecrã do cinema e ao grande público112.

Passava-se assim no espaço de 25 anos dos computadores de válvulas electrónicas da década de 50, de uso restrito e extremamente técnico, para o microprocessador e para a computação pessoal ao alcance de qualquer pessoa, dando origem gradualmente a processos de mudança cultural e social que se iriam acentuar nas décadas seguintes.

Estas mudanças foram assinaladas por diferentes por autores como Alvin Toffler, na visão futurista de The Third Wave, obra publicada em 1980113, ou expressa através do optimismo de Nicholas Negroponte, fundador e ex-director do Media Lab do Massachusetts Institute of Technology, no seu livro Being Digital editado em 1995114.

Ainda na década de 80 um texto particularmente interessante que lança mão do computador como metáfora para pensar a cultura contemporânea é o ensaio de Bill

111 "Where a calculator like ENIAC today is equipped with 18,000 vacuum tubes and weighs 30 tons, computers in the future may have only 1000 vacuum tubes and perhaps weigh only 1½ tons." Popular Mechanics, Março, 1949, Vol. 91, nº 3, consultado em 26 de Outubro, 2013 em: http://www.popularmechanics.com/technology/engineering/news/inside-the-future-how-popmech- predicted-the-next-110-years-14831802

112 No guião do filme o programador e hacker Kevin Flynn (Jeff Bridges) ao tentar entrar de um modo ilegal num computador é “digitalizado” e integrado no interior de um computador como um programa enfrentando outros programas que o pretendem destruir antes dele conseguir neutralizar o programa principal, o Master Control Program (MCP).

113 Alvin Toffler (1980). The Third Wave, Nova Iorque: Bantam Books.

114 Nicholas Negroponte (1995). Being Digital, Nova Iorque: Alfred A Knopf, Inc.

224 Nichols, “The Work of Culture in the Age of Cybernetic Systems” (1988)115, que parte do conhecido texto de Walter Benjamim, The Work of Art in the Age of Mechanical Reproduction (1936-1939)116, como base para perceber de que modo a cibernética, substituindo-se aos meios mecânicos de reprodução, funciona como plataforma transformadora de conceitos e modos de relação numa sociedade pós-industrial.

O autor está particularmente apto a retomar a via de investigação iniciada por Walter Benjamin na medida em que o cinema é, para ambos, matéria de reflexão117 e, no entender de Benjamin, eminentemente do foro da reprodução mecânica por inerência do próprio sistema de custos associados à produção de um filme118.

O ensaio de Bill Nichols começa justamente com um conjunto de considerações sobre o cinema (na subsecção denominada Mechanical Reproduction and Film Culture), referenciando a importância da montagem na deslocação temporal e espacial que faz da realidade, através da sua posterior reordenação a partir dos planos filmados que funcionam como peças individuais numa linha de montagem fabril. A sua justaposição e reprodução permite, deste modo, vários graus de liberdade e veicular determinadas mensagens, sejam elas de cariz ideológico, político ou de outra natureza.

Ao não valorizar o objecto único e a questão do autêntico, o cinema era assim paradigmático de mudanças que reflectiam de certo modo uma sociedade industrializada (a linha de montagem, a produção em massa), utilizando os seus processos numa consequente manipulação da percepção da realidade e democratização de acesso, razão pela qual Benjamin afirmou que “[…] com o fracasso do padrão de autenticidade na reprodução da obra de arte modifica-se a função social da arte. Em vez de assentar no

115 Originalmente este ensaio apareceu na revista Screen, nº 21, Winter, 1988, pp. 22-46. Este artigo foi republicado em Noah Wardrip-Fruin e Nick Monfort (ed.) (2003). The New Media Reader, Cambridge (Mass.) e Londres: The MIT Press, pp. 627-641.

116 Publicado na versão portuguesa (1992) na colectânea de textos de Walter Benjamim Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política, Lisboa: Relógio D´Água Editores, pp. 71-113.

117 Bill Nichols (1942) é professor no departamento de cinema da San Francisco State University e tem uma extensa obra como crítico e teórico de estudos de cinema. Participou em júris internacionais de cinema e foi consultor de vários projectos neste âmbito.

118 “Nas obras cinematográficas, a reprodutibilidade técnica do produto não é uma condição imposta do exterior para a sua divulgação em massa, contrariamente ao que sucede com as obras literárias ou de pintura. A reprodutibilidade técnica da obra cinematográfica tem o seu fundamento directamente na técnica da sua reprodução. Esta possibilita não só a sua imediata divulgação em massa como também a impõe. Impõe-a porque a produção de um filme é tão cara que alguém que pudesse, por exemplo, comprar um quadro, não poderia certamente dar-se ao luxo de comprar um filme.” (Benjamin 1936/1992: 83-84) 225 ritual [o culto e a aura que envolvia a obra única], passa a assentar numa outra praxis: a política” (Benjamin, 1936/1992: 84).

Esta mutação no significado da função da obra artística, determinante no pensamento de Benjamin, tinha-se iniciado, na sua opinião, com a fotografia “[…] o primeiro meio de reprodução verdadeiramente revolucionário (que coincide com o alvorecer do socialismo) […]” (Benjamin, 1936/1992: 83), estabelecendo uma crise que só o entendimento do impacto das tecnologias de reprodução mecânica fizeram compreender “[emancipando-a] pela primeira vez na história do mundo, da sua existência parasitária no ritual” (idem).

Esta afirmação não é de somenos importância já que perspectiva novos modos de encarar a representação e o papel dessa representação, com impacto na recepção/percepção da obra artística.

No entanto, nos dias de hoje, e numa sociedade pós-industrial, impõe-se uma revisão destes considerandos articulada por Bill Nichols nas seguintes questões: “ […] de que modo o nosso sentido de realidade está a ser ajustado pelos novos meios de computação electrónica e comunicações digitais? […] Será que os sistemas cibernéticos trouxeram mudanças na nossa percepção do mundo com potencial libertador? […] Será que a obra de arte na era do pós-modernismo conduziu, pelo menos potencialmente, a percepções relativamente à ´estrutura profunda´ da sociedade pós-industrial, comparáveis às ocasionadas pelas descobertas sobre a reprodução mecânica na era do capitalismo industrial?” (Nichols, 1988: 629-630).

A análise e subsequente desenvolvimento destas questões, abordadas por Nichols no seu ensaio, na subsecção Cybernetic Systems and Electronic Culture, parte do enquadramento do pensamento de Walter Benjamin tendo como base o surgir da fotografia, do filme, e das tecnologias de reprodução mecânica, para extrapolar que a limitação da cópia e da reprodução mecânica, tem uma nova etapa com o surgir das tecnologias de transmissão da rádio e da televisão, levando o acontecimento de uma forma instantânea à generalidade da população que disponha de um receptor (comunicação unidireccional), e que para lá desta capacidade, as tecnologias de informação trouxeram uma nova possibilidade – a simulação - ou seja a criação de ambientes que, podem ser interactivos (bidireccionais) e co-existir ou, de certo modo, serem autónomos relativamente ao mundo que nos rodeia.

226 De uma maneira pragmática Bill Nichols afirma que, “A cópia reproduz o mundo, o circuito integrado simula-o. […] Simulação electrónica em vez de reprodução mecânica.” (Nichols, 1988:633)

O entendimento desta mudança de paradigma, da reprodução para a simulação, é fundamental para perceber as repercussões que pode ter na abertura de novos horizontes num todo cultural e não apenas na área artística, razão pela qual eventualmente o título do ensaio de Nichols refere a expressão The Work of Culture e não The Work of Art como no ensaio de Benjamin, reflectindo preocupações mais abrangentes.

Esta percepção de Nichols está bem patente na passagem em que afirma,

“Se a reprodução mecânica se centra na questão da reprodutibilidade e traduz e autenticidade e o original como algo problemático, a simulação cibernética torna a experiência, e o próprio real, problemático. Em vez de reproduzir, e alterar, a nossa relação com o trabalho original, a comunicação cibernética simula e altera, a nossa relação com o ambiente que nos rodeia e com a nossa consciência. […] Em vez de representações de práticas sociais recodificadas em convenções e signos de uma outra linguagem ou sistema de signos, como o cinema, nós encontramos simulacros que são novas formas de prática social de direito próprio e não representam nada.”119 (Nichols, 1988:631)

Obviamente influenciado pelo pensamento de Jean Baudrillard, que em 1981 tinha editado Simulacres et Simulation120, Bill Nichols encontra neste autor apoio para levar por diante a sua metáfora cibernética num mundo claramente em transformação em que o jogo, o código, e o simulacro, se confundiam em contaminações e deslocamentos dinâmicos sem fronteiras determinadas, e numa entropia em que a dimensão do real se perdia.

Numa reflexão mais tardia Baudrillard afirmaria a este respeito:

119 “If mechanical reproduction centers on the question of reproducibility and renders authenticity and the original problematic, cybernetic simulation renders experience, and the real itself, problematic. Instead of reproducing, and altering, our relation to an original work, cybernetic communications simulates and alters, our relation to our environment and mind. […] Instead of a representation of a social practices recoded into the conventions and signs of another language or sign-system, like the cinema, we encounter simulacra that represents a new form of social practice in their own right and represents nothing.”

120 Jaen Baudrillard (1981). Simulacres et Simulation, Paris: Éditions Galilée

227 “A realidade. O mundo real, terá portanto durado apenas um certo tempo, o tempo de a nossa espécie o fazer passar pelo filtro da abstracção material do código e do cálculo. Real a partir de certa altura, o mundo não estava destinado a permanecer assim por muito tempo. Terá atravessado a órbita do real durante alguns séculos, e muito rapidamente se perderá para além dele.” (Baudrillard, 1996:73)

É importante salientar os termos código e cálculo nesta frase de Baudrillard pois foi justamente essa capacidade de traduzir o fluxo contínuo do mundo analógico para o universo discreto da abstracção digital, representados em unidades de informação nas memórias e bases de dados dos computadores, que permitiu a Bill Nichols pensar os avanços da cibernética como paradigmas de mudança não estritamente artística mas, na sua essência, cultural, sublinhada na sua afirmação de que: “[…] a simulação cibernética pede uma redefinição de termos fundamentais tais como vida e realidade, do mesmo modo que, para Benjamim, a reprodução mecânica altera a própria concepção de arte pelos padrões pelos quais nós a conhecemos.” (Nichols, 1988:635)

A “paixão pelo real”, que segundo Alain Badiou caracterizou o século XX (Badiou, 2005/2007:48,57), deparou-se com um vazio depois de não vislumbrar, após a destruição da guerra e do holocausto, uma nova ordem que renascesse das cinzas. Este mergulho profundo no real encontra eventualmente no simulacro um redireccionamento dessa paixão numa substituição do objecto pelo processo e pela encenação, a que progressivamente se veio a assistir na segunda metade do século XX.

Tal como refere Baudrillard numa passagem célebre: “O território já não precede o mapa, nem lhe sobrevive. É agora o mapa que precede o território – precessão dos simulacros – é ele que engendra o território cujos fragmentos apodrecem lentamente sobre a extensão do mapa, cujos vestígios subsistem aqui e ali, nos desertos que já não são os do Império, mas o nosso. O deserto do próprio real.” (Baudrillard 1981/1991:8).

Neste contexto o jogo e a simulação assumiram expressões relevantes que, com o surgimento da computação pessoal e desenvolvimento das tecnologias de informação, potenciaram esse imaginário “hiper-real”.

Na verdade, depois do sucesso das máquinas computurizadas de jogos em locais públicos, a década de 80 assistiu à explosão das consolas de jogos e à sua passagem para os computadores pessoais. A jogos populares, e de puro entretenimento, como Pong (1972), Space Invaders (1978), ou Pacman (1980), sucederam os ambientes de

228 simulação mais sofisticados como o Microsoft Flight Simulator (1982), ou a possibilidade de criação de cidades virtuais com SimCity (1989), que inauguraram um conjunto de aplicações para além do próprio aspecto lúdico do jogo.

No domínio político a simulação já era uma realidade usada nos jogos de guerra como estratégia de treino no âmbito da defesa nacional, enquanto nas áreas da engenharia da tecnologia e da ciência exploravam-se os algoritmos, as interfaces, os dispositivos, e os sistemas que permitiam captar e modelar a realidade para a criação de seus sucedâneos (capacetes e ambientes de realidade virtual, realidade aumentada, e o desenvolvimento dos estudos de inteligência artificial).

Com o aumento da largura de banda das redes de comunicações e com o advento da Internet deu-se um passo substancial para a criação de comunidades virtuais em que o espaço físico deixou de ser uma barreira para a comunicação. Os jogos de uso pessoal, ou limitados a um número de jogadores num determinado local, passaram a ser globais, e a interacção em tempo real em locais distintos uma possibilidade.

A evolução das capacidades gráficas dos sistemas, aliadas à sua rapidez, permitiu o design de interfaces cada vez mais intuitivas no “manuseamento” dos objectos digitais, tornando apelativa a interacção com os mesmos. A complexidade deixa de estar do lado do utilizador para passar para o lado do sistema de computação.

A criação de objectos, ambientes, e regras de comportamento, em contexto virtual, torna-se assim mais fácil e credível. O jogador assume-se como um avatar na incorporação de uma entidade que lhe serve de interface na sua relação com esse mundo virtual, referenciado pelas regras estabelecidas pelo seu criador. O simulacro toma conta da realidade.

O termo avatar, no âmbito dos jogos comerciais para computador, foi primeiro utilizado em Ultima IV: The Quest of the Avatar (1985) 121, uma aventura em que o personagem (jogador) tinha de conquistar um conjunto de virtudes para se tornar um avatar, encarnando deste modo uma série de qualidades que o tornavam no tão esperado líder espiritual do povo do império da Britania, a fim de o conduzir da Idade das Trevas para a Idade da Luz.

121 Anteriormente, em 1979, já tinha sido criado na Universidade de Illinois um jogo com a denominação de Avatar, embora sem intuito comercial.

229 No caso deste jogo a condição de avatar era conquistada através da experiência lúdica e tinha uma finalidade moral e ética na construção de uma personagem com uma função de mentor e figura de referência de um povo, preservando de certo modo a intenção do termo de origem sânscrita, utilizado no Hinduísmo. Não é esta a conotação do termo geralmente utilizado em ambientes de jogos, fazendo-se referência à expressão avatar para designar o objecto ou entidade que no jogo incorpora o jogador, como seu alter-ego, podendo este, de algum modo, configurar a sua aparência.

A expressão avatar, neste contexto, foi utilizado no ano seguinte em Habitat (1986), um jogo criado pela Lucasfilms Games em parceria com a companhia de telecomunicações Quantum Computer Services, Inc., empresa que disponibilizava um serviço online (correio electrónico, mensagens, conversação, notícias) para utilizadores registados que utilizavam computadores pessoais Commodore 64 e Commodore 128, e que se ligavam à rede, e a um sistema central, através de linha telefónica comutada utilizando modems de velocidade hoje considerada muito reduzida.

Este sistema de comunicações, mesmo com as limitações inerentes à tecnologia da altura, permitia, no entanto, a sua utilização por milhares de utilizadores que jogavam Habitat de uma forma interactiva e online122, constituindo uma das primeiras plataformas de jogos alargada a um conjunto considerável de utilizadores que mais tarde, com o advento da Internet, teria outra escala de desenvolvimento tanto em velocidade de acesso como em conectividade, multiplicando-se drasticamente a possibilidade do número de utilizadores de jogos online..

Com uma estratégia do jogo focado na interacção dos intervenientes (role-play), Habitat, era constituído por um mundo virtual, cujo modelo e regras de funcionamento eram mantidas no servidor da rede (backend), e no qual interagiam os jogadores através de comandos executados com a ajuda da visualização da interface gráfica no seu computador pessoal (frontend), que actualizava o cenário e os diálogos dos intervenientes sob a forma de avatares, expressão escolhida explicitamente pelos criadores de Habitat para designar as personagens que representavam os jogadores.

O jogo não tinha como finalidade a conquista de um objectivo, estimulando a competição entre os participantes, nem obrigava à implementação do desenvolvimento

122 A especificação inicial para Habitat era a da criação de um jogo que suportasse 20.000 avatares. http://www.fudco.com/chip/lessons.html (consultado em 29 de Dezembro de 2013).

230 de uma estratégia, como meio de contornar dificuldades e chegar a um determinado desfecho numa posição vencedora. O seu único propósito era a exploração da enorme variedade de cenários disponíveis e o da interacção entre os avatares que podiam comunicar através de caixas de diálogo sob uma forma gráfica idêntica à da banda desenhada com textos escritos pelos jogadores, embora houvesse um conjunto de objectos que o avatar podia coleccionar para o ajudar nessa navegação e interacção. A existência de uma unidade monetária própria do jogo com a possibilidade de compra e venda de objectos, a existência de um jornal com notícias de eventos do Habitat, e as mais diferentes actividades em que os avatares podiam participar, numa transcrição adaptada do mundo real, transformaram o jogo numa espécie de laboratório123 de aplicação de diferentes tecnologias e de teste de criação de um relacionamento social virtual, que serviu posteriormente de modelo ao desenvolvimento de aventuras lúdicas deste tipo (online role-playing games).

Estes ambientes de criação de mundos virtuais foram também objecto da atenção de artistas, como Rebecca Allen que, nas diferentes versões da instalação interactiva Bush Soul (1997-1999)124, criou ambientes imersivos com o sentido de testar o papel do comportamento humano num mundo virtual animado de vida artificial. O título da instalação, Bush Soul, provém da mitologia africana em que se acredita que uma das múltiplas almas humanas, habita um animal selvagem, estabelecendo-se deste modo uma relação de proximidade entre o ser humano e esse animal que não deixa, no entanto, de ser selvagem e ter vida própria.

A expressão avatar, no contexto de Bush Soul, corresponde a essa incorporação da “alma” do participante numa entidade que não é por ele totalmente controlada, tornando a sua interacção mais complexa e dependente das características e regras que o

123 Os autores de Habitat apresentaram as conclusões da sua experiência na criação e manutenção do jogo na comunicação com o título “The Lessons of Lucasfilm´s Habitat” no First Anual Conference on Cyberspace na Universidade do Texas, em Austin (Maio de 1990), tendo o texto sido publicado com o mesmo título no ano seguinte em: Michael Benedikt (ed.), 1991.Cyberspace: First Steps, Cambridge (Mass.), MIT Press, pp. 273-302. O texto pode ser consultado em: http://www.fudco.com/chip/lessons.html (consultado em 30 de Dezembro de 2013).

124 Bush Soul foi criado utilizando uma aplicação de software 3D em tempo real para PC, denominada Emergence, desenvolvida por uma equipe de investigadores liderados por Rebecca Allen e apoiada pela empresa Intel Corporation, que permite, sem um conhecimento profundo das tecnologias de informação, integrar elementos e regras para a criação de ambientes virtuais de inteligência artificial. http://emergence.design.ucla.edu/ (consultado em 30 de Dezembro de 2013)

231 animam e das relações que estabelece no mundo virtual com outras entidades (plantas, animais), também elas programadas com determinadas propriedades e possibilidades de comportamento (movimento, defesa, ataque, fuga, empatia, rejeição), constituindo um ecosistema virtual em contínua evolução.

A Rebecca Allen interessava, nesta instalação, a participação do público, o modo de aprendizagem, e o grau de adaptação a novos ambientes e regras, no estabelecimento de diferentes tipos de interacções “sociais” que implicavam conhecimento, sobrevivência e processos de exploração de “mundos” desconhecidos, potencialmente hostis.

Estes ambientes de simulação e jogo foram aproveitados de diferentes modos pelo cinema de que é exemplo Lawnmover Man (1992), realizado dez anos depois de Tron, em que já não é o computador em si mesmo o protagonista da acção mas o cenário da realidade virtual em que esta se desenrola, apresentando-se tanto como um ambiente propício à evolução e aprendizagem, como também um meio de controlar e condicionar emoções e seres humanos125.

No espaço de dez anos que medeia entre os dois filmes, o interesse passava da máquina e dos mecanismos da programação para a sua capacidade de criar realidades paralelas, de algum modo influenciado pela investigação que, desde meados dos anos 80, tinha tido um incremento substancial e divulgação por Jaron Lanier, criador da empresa VPL Research, que desenvolveu vários dispositivos para realidade virtual, nomeadamente óculos (eyephones) e luvas (data gloves) usados no decorrer do filme.

Mais conseguido do que este filme, que tinha uma narrativa e efeitos gráficos pouco convincentes, foi a dupla de filmes realizados alguns anos mais tarde eXistenZ, de David Cronenberg, e Matrix, de Larry e Andy Wachowski, ambos de 1999, com argumentos em que o jogo, a simulação, a realidade e a virtualidade se confundem.

Em ambos a realidade virtual é em tudo semelhante ao mundo conhecido, e também em ambos as personagens são “transportadas” para o seu avatar nesse mundo

125 Logo no início do filme o realizador, denunciando ainda um certo optimismo que na altura havia pelo desenvolvimento da tecnologia ligada à realidade virtual, anuncia como prólogo do desenrolar da narrativa: “By the turn of the millenium a technology known as VIRTUAL REALITY will be in widespread use. It will allow you to enter computer generated artificial worlds as unlimited as the imagination itself. Its creators foresee millions of positive uses – while others fear it as a new form of mind control…”

232 alternativo, através de um implante na espinha dorsal em forma de tomada que permite ligar o sistema nervoso central ao sistema de criação virtual. Porém os argumentos são bem diferentes.

Em eXistenZ a narrativa gira em torno dos interesses das grandes empresas na comercialização dos jogos de computador que entretanto, na economia real dos anos 90, já se tinha transformado num negócio de muitos milhões de dólares. A apresentação de um novo sistema de jogos que prometia uma imersão e um realismo para além de tudo o que até aí era possível, transforma-se numa aventura em que a protagonista, e criadora do jogo, é perseguida tanto no mundo real como no virtual.

O argumento de Matrix, arquitectado numa tradição de narrativas distópicas no domínio da ficção, vai mais além na sua complexidade na medida em que tem diferentes níveis de entendimento num cenário de simulação de um mundo criado por máquinas e sistemas em tudo idêntico ao mundo real conhecido no fim do século XX, embora a acção se passe na realidade no fim do século XXII. Esse mundo, que nos é apresentado como real, é na verdade constituído por programas que fazem parte do Matrix, um mundo virtual interactivo criado por máquinas que é alimentado pela energia de seres humanos, entretanto subjugados e mantidos em casulos em estado de dormência, após uma guerra entre as máquinas e a humanidade, em que esta perdeu o seu controlo e o do mundo real. O Matrix foi criado pelas máquinas para controlo dos seres humanos e com o objectivo único de os transformar em fonte de energia para a sua manutenção.

Mas, como em todos os programas complexos, também o Matrix não é perfeito no controlo de todas as suas operações permitindo que alguns hackers escapem à sua supervisão e tenham possibilidade de retomar a consciência dos seus corpos físicos fora do Matrix, instituindo-se como resistência de guerrilha que tenta desarticular a sua função e operacionalidade, através de sucessivas incursões dos seus avatares, no programa. Morpheus (Laurence Fishburne) e Trinity (Carie-Ann Moss) são os protagonistas que recrutam Neo (Keanu Reeves) para a sua causa, conseguindo resgatá- lo do Matrix e apresentando-lhe o que resta desse mundo real, numa visão desolada de uma cidade em ruínas, com a frase “welcome to the desert of the real”126. Esta

126Esta expressão também serviu à obra homónima de Slavoj Zizek, em que tece considerações sobre o paralelo com o capitalismo e o radicalismo islâmico relacionado com os acontecimentos do 11 de Setembro de 2001 em Nova Iorque. Slavoj Zizek (2002). Welcome to the Desert of the Real, Nova Iorque: Verso Books 233 referência directa ao texto de Jean Baudrillard referido anteriormente (Baudrillard 1981/1991:8) não é por acaso, já que anteriormente na sequência do filme o livro de Jean Baudrillard, Simulacra and Simulation (1981), é retirado de uma prateleira pelo protagonista Neo e por ele utilizado, enquanto “habitante” do Matrix, para esconder no seu interior escavado alguns discos com informação127.

Sem intenção de aprofundar as diferentes questões lançadas pelo filme Matrix, tratadas já por outros autores (Erwin e Grau)128, o que nos interessa salientar no contexto do tema que estamos a abordar é que no decorrer da segunda metade do século XX foram sendo desenvolvidas um conjunto de actividades procedentes do desenvolvimento tecnológico (computação, cibernética, inteligência artificial) e do pensamento filosófico sobre a realidade contemporânea ligada ao virtual, à rede, à simulação e ao jogo, que, ao revestirem-se de diferentes formas (filme, filosofia, ciência, tecnologia, literatura, jogos de computador) foram-se gradualmente transformando em formas culturais que se imiscuíram no dia-a-dia como vectores transformadores da sociedade.

O surgimento da Internet no início dos anos 90 foi um factor decisivo para essa virtualidade, na criação de um ciberespaço cada vez mais participativo e alargado a um maior número de pessoas.

A possibilidade da geração de avatares com uma identidade à escolha do seu criador, tanto em termos de género, como de aparência, ou de características, tornou-se uma realidade no ambiente virtual do Second Life (2003)129, uma plataforma online criada pela empresa Linden Lab que dificilmente pode ser enquadrada no domínio dos jogos correspondendo, na verdade, mais a uma rede social com a possibilidade da criação de uma realidade simulada que, desenhada à medida da imaginação de cada interveniente, servia de projecção à criação de identidades alternativas à do próprio

127 O actor Keanu Reeves afirmou em entrevista, incluída em Matrix Revisited (2001), que este livro, em conjunto com Out of Control: The New Biology of Machines, Social Systems, and the Economic World (1995), de Kevin Kelly, e Introducing Evolutionary Psychology (1999), de Dylan Evans, constituiram leituras obrigatórias pelos realizadores antes de propriamente conhecer o guião do filme.

128 William Erwin (ed.) (2002). The Matrix and Philosophy, Chicago: Open Court Christopher Grau (ed.) (2005). Philosophers Explore Matrix, Nova Iorque: Oxford University Press

129 http://secondlife.com/ (consultado em 2 de Janeiro de 2013)

234 participante através dos seus avatares, designados no Second Life como residentes. Actividades como a exploração e criação de ambientes, socialização com outros avatares, adesão a grupos de interesses, criação e venda de bens e serviços, fazem deste ambiente virtual uma alternativa ficcional da realidade conhecida como tal. É uma espécie de reedição de Habitat, dos anos 80, mas com todas as possibilidades de interacção e grafismos que entretanto a tecnologia tinha desenvolvido, já fora das restrições da utilização de um determinado tipo de computador, e alargado a uma rede global, a Internet, que permitia multiplicar o número de participantes online.

Uma característica que catapultou o sucesso do Second Life foi a possibilidade de cada utilizador poder modificar o cenário que rodeava os avatares e criar objectos (através de primitivas simples ou aplicações mais sofisticadas de modelação 3D) fazendo uma gestão personalizada do seu espaço e, adicionalmente, participar no desenvolvimento de todo o espaço virtual do Second Life independentemente dos criadores da aplicação da Linden Lab, algo que os promotores de Habitat tinham vaticinado como desejável, nos anos 80, mas que a tecnologia da altura ainda não o permitia.

A existência de uma moeda própria, o Linden dollar (L$), que permitia a transacção de objectos e serviços no âmbito do simulador, mas que também tinha uma correspondência em dólares americanos130, levou muitos residentes a estabelecerem os seus negócios e a ganharem dinheiro real a partir de uma economia virtual, tema que foi capa da revista BusinessWeek (1 de Maio de 2006) com o título Virtual World, Real Money, mostrando uma imagem de Anshe Chung, o avatar de Ailin Graef, uma professora de origem chinesa a viver na Alemanha que tinha ganho somas avultadas no negócio imobiliário do Second Life131.

A chamada de atenção dos meios de comunicação social para esta economia paralela132, e a divulgação das capacidades da criação de uma identidade alternativa, fez

130 A cotação do Linden dollar é variável mas situa-se perto dos 250 L$ por cada dólar na economia real. http://gridsurvey.com/lindex.php?page=1 (consultado em 9 de Janeiro de 2014).

131 O artigo pode ser consultado em: http://www.businessweek.com/stories/2006-04-30/my-virtual-life (8 de Janeiro de 2014)

132 Apenas a título informativo, o Second Life conserva um arquivo (certamente não exaustivo e com critérios que desconhecemos) dos títulos e datas dos artigos, com referência à aplicação, publicados na imprensa periódica em: http://secondlife.com/news/ ( consultado em 8 de Janeiro de 2014). 235 com que a popularidade do Second Life aumentasse rapidamente e ficasse também na mira das grandes empresas que começaram a ver uma oportunidade de usufruir desta plataforma e atraírem novos clientes criando a sua própria publicidade e lojas virtuais, que serviam por vezes para testar a aceitação de novos produtos a serem lançados na economia real. Empresas multinacionais como a Dell133, Reebok, Mercedes, Adidas, e muitas outras, começaram a criar os seus próprios ambientes no Second Life a partir de 2006.

Um relatório de 2007 da empresa de consultoria em tecnologia de informação Gartner134, previa que em 2011 cerca de 80% dos utilizadores activos na Internet, e das empresas na lista Fortune 500 (uma listagem das maiores empresas mundiais de acordo com a revista de negócios Fortune), teriam uma second life, embora não necessariamente no Second Life, aconselhando os seus clientes a explorarem, embora de um modo moderado, este novo canal de vendas.

O número de aderentes ao Second Life passou rapidamente de 200.000 em 2006 para cerca de sete milhões em 2008 (Coleman, 2011:11) e, embora o seu número continue a aumentar, estimando-se hoje (2014) cerca de 36,6 milhões135 em todo o mundo, o interesse por esta aplicação tem vindo a diminuir desde 2009 a avaliar pelo número médio de residentes diários simultâneos que decresceu de cerca de 55.000 (início de 2010) para 45.000 (início de 2014)136, acompanhado por uma desvalorização do Linden Dollar de 260 L$ para 247 L$, por cada dólar americano na economia real.

Ao mesmo tempo a procura da expressão Second Life no motor de busca Google, que tinha tido um pico máximo em Fevereiro de 2007, tem em Janeiro de 2014

133 A título de exemplo, o espaço criado pela Dell no Second Life pode ser observado através da “viagem” de um avatar em: http://www.youtube.com/watch?v=mv44qFJcDls (consultado em 9 de Janeiro de 2014)

134 http://www.gartner.com/newsroom/id/503861 (consultado em 5 de Janeiro de 2014)

135 A Linden Lab não fornece elementos oficiais. Estes dados devem ser considerados apenas indicativos e foram recolhidos de: http://gridsurvey.com/economy.php?page=1 (consultado em 9 de Janeiro de 2014)

136 http://gridsurvey.com/economy.php (consultado em 9 de Janeiro de 2014)

236 uma expressão reduzida a menos de 10% desse número, mostrando também a falta de interesse actual no tema137.

No entanto, o sucesso do Second Life também chamou a atenção de artistas que utilizaram esta plataforma através dos seus avatares.

Stelarc é um desses artistas que, no decorrer da sua exploração sobre os limites, controlo, e extensões do corpo físico no domínio tecnológico, adoptou um corpo virtual no Second Life para a realização de performances, a primeira das quais intitulada Avatar Have no Organs, realizada em 2009138.

Nesta obra o avatar de Stelarc em palco, com uma prótese em forma de braço mecânico, apresentava aparentemente uma conferência com o mesmo título tendo por detrás de si um ecrã gigante com a projecção da sua cabeça para melhor visionamento dos espectadores, como se se tratasse de uma vasta plateia num espectáculo ao vivo. Porém, na verdade, era esta projecção que ditava a conferência139 e era o seu som que comandava o corpo, o braço mecânico do avatar, e o sincronismo dos seus lábios, na evocação de controlo de um corpo por uma entidade virtual, embora esta performance se passasse na virtualidade, passe a redundância, do Second Life.

Esta era uma questão que interessava e que vinha sendo explorada por Stelarc. O controlo do mecanismo pela fisiologia do corpo ou, o que para o artista era mais interessante, o controlo do corpo por um mecanismo, fosse ele real ou virtual.

Na sua performance Split Body: Voltage in / Voltage Out (1994), o controlo da acção de alguns dos seus músculos, e consequentemente do seu movimento corporal, era feita pela escolha dos assistentes/participantes140 através de um ecrã táctil em que estava assinalado um esquema corporal do artista com os pontos sensíveis, ou seja, dos músculos que podiam ser actuados, traduzindo-se o toque no ecrã na aplicação de um

137 Foi utilizada a ferramente Google Trends e feita uma avaliação em termos mundiais. http://www.google.com.br/trends/explore#q=%22second%20life%22&cmpt=q (9 de Janeiro de 2014)

138 http://stelarc.org/video/?catID=20258 (consultado em 9 de Janeiro de 2014)

139 A projecção em forma de cabeça animada era da sua obra Prosthetic Head (2002/3), que assim fazia uma aparição no Second Life.

140 Uma variante desta obra realizada no ano seguinte, Fractal Flesh (1995), permitia o acesso ao corpo de Stelarc através de comandos executados por participantes em locais remotos (Paris, Helsínquia, e Amesterdão) ligados via Internet à sala em Luxemburgo, onde estava a ser executava a performance.

237 impulso eléctrico transmitido a um determinado músculo através de eléctrodos em contacto com o seu corpo, provocando a sua contracção. Essa contracção originava um movimento que se materializava numa “coreografia” involuntária do artista por acção dos participantes que, deste modo, controlavam parcialmente o seu corpo. Noutras partes do corpo (abdómen e perna direita) Stelarc tinha sensores de actividade muscular cujo objectivo era transformar esta actividade em tensão eléctrica que, por sua vez captada e amplificada, fazia movimentar uma mão electromecânica apoiada no seu braço direito, a Third Hand (1980), mobilizando-se de acordo com a actividade física daqueles músculos e considerada como uma prótese do próprio artista. Esta experiência de split body, em que parte esquerda do corpo era controlada pelos assistentes/participantes na performance, e a parte direita controlava um dispositivo electromecânico, iniciava um conjunto de investigações sobre o agenciamento do corpo e da sua capacidade de controlar o que lhe é exterior e ser controlado remotamente.

É esta possibilidade de divisão do corpo, que permite ao mesmo tempo ser “possuído” por uma outra entidade num acto de telepresença mas ao mesmo tempo ter capacidade para actuar em outros dispositivos ou eventualmente outros corpos, que Stelarc denomina de fractal flesh141, numa espécie de possibilidade de desmultiplicação infinita do controlo em sucessivos níveis ao invocar o termo fractal, do domínio da matemática.

No âmbito destes estudos, Stelarc refere em entrevista que a tecnologia pode proporcionar, o que se pode designar de, um agenciamento corporal distribuído se, por exemplo, metade do corpo de uma pessoa controlar metade do corpo de outra e vice- versa, tornando irrelevante a distância física entre os corpos, desde que existam interfaces implementadas em ambos os corpos, que interpretem os comandos enviados e a possibilidade de uma telecomunicação entre eles142.

141 A este respeito ver o texto de Stelarc, “Zombies and Cyborgs: The Cadaver, the Comatose and the Chimera” em: http://stelarc.org/documents/zombiesandcyborgs.pdf (consultado em 14 de Janeiro de 2013)

142 “If a half of my body could move a half of your body and the other half of your body would be able to prompt the other half of my body, we would be in control of a half of each others bodies, which would mean our agency would be distributed between two bodies and we would be spatially separated but electronically connected.” http://thequietus.com/articles/11469-stelarc-interview (consultado em 12 de Janeiro de 2013).

238 Em 2000, na performance designada por Movatar143, parte do movimento corporal de Stelarc era controlado por uma entidade virtual, um avatar criado pelo artista, que ao mesmo tempo era afectado pela posição espacial de Stelarc, através de sensores colocados no chão. A performance era iniciada pelo avatar cujos movimentos eram traduzidos em diferentes posturas dos braços e da parte superior do tronco de Stelarc através de um dispositivo electromecânico acoplado ao torso do artista.

É a este conjunto constituído pelo avatar, pela prótese electromecânica, e pelo corpo do artista, que Stelarc designa de Movatar, um avatar que encontra uma correspondência física para se movimentar no mundo real através de um corpo e de uma comunicação bidirecional, numa simbiose temporária.

Esta situação foi mais tarde explorada no ambiente do Second Life na performance Involuntary, Improvised and Avatar Arms (2012)144 em que o artista utilizou dispositivos de estimulação e sensores musculares, dispondo a audiência de óculos de visão 3D permitindo-lhe visualizar a coreografia de Stelarc e do avatar lado a lado, numa ambiência imersiva de realidade aumentada.

Ao contrário do tradicional controlo do avatar pelo seu criador ou da sua manifestação à distância (telepresença) através de um robô, Stelarc inverteu essa situação ao permitir um agenciamento corporal por entidades exteriores tanto reais como virtuais.

Estes estudos e obras de Stelarc convocam questões relacionadas com a fragmentação da identidade corporal, e com o controlo das suas acções, esvaziando ou pelo menos re-equacionando, a noção do corpo e pele como fronteira da individualidade. Para o artista o corpo é uma arquitectura em evolução, um meio que pode ser adaptado a determinadas funções, tanto no sentido do aumento das suas capacidades como no da interligação com agentes exteriores através de dispositivos tecnológicos, num tempo em que as capacidades e desenvolvimentos da mecatrónica, da ubiquidade das telecomunicações, do desenvolvimento da inteligência artificial, e do poder da criação virtual, estabelecem novos patamares possíveis de integração e horizontes de inter-relacionamento.

143 http://stelarc.org/?catID=20225 (consultado em 15 de Janeiro de 2014)

144 http://stelarc.org/video/?catID=20258 (consultado em 15 de Janeiro de 2014). 239 Beth Coleman145, em Hello Avatar: Rise of the Networked Generation146, reforça a questão da conectividade nos dias de hoje em que, contrariamente a estabelecer uma dicotomia entre o real e o virtual, propõe uma X-reality, não no sentido do símbolo que designa uma incógnita ou valor desconhecido no domínio da matemática, mas no de realidade cruzada (cross reality), em que os perfis e as identidades criadas tanto na virtualidade das redes sociais como nos jogos e aplicações online são parte integrante da personalidade de cada indivíduo e não apenas algo que é projectado e lhe é exterior.

A sociedade em rede é, para Coleman, um fenómeno suficientemente estudado e algo que está de certo modo já interiorizado na prática do dia-a-dia. O que lhe interessa perceber é esse espaço contínuo que abrange tanto o online como o offline, essa nova realidade (X-reality) que atravessa e contém ambos os espaços, o real e o virtual, e o modo como a presença humana se afirma nessa continuidade (Coleman, 2011: 3).

Com a simulação dos jogos online, a criação de avatares nas redes sociais, ou com as possibilidades da telepresença e agenciamento do corpo na investigação artística de Stelarc, talvez se possa entender melhor agora, do que no início dos anos 80, a afirmação na altura proferida por Baudrillard de que, “ Do mesmo tipo que a impossibilidade de voltar a encontrar um nível absoluto do real é a impossibilidade de encenar a ilusão. A ilusão já não é possível porque o real já não é possível” (Baudrillard, 1981/1991: 29-30), o que de certo modo é também a visão partilhada por Beth Coleman na sua alusão à experiência humana mediada pelas redes e tecnologias de informação ao afirmar que: “[…] a grande mudança na implementação e adesão às redes de informação é a criação do que eu denomino de uma realidade cruzada [X-reality]: no sentido em que todos os nossos mundos, do virtual ao corpóreo, estão a trabalhar para uma maior consciencialização de uma existência como avatar. Em suma não somos “virtuais” nem “reais” mas criaturas ligadas em rede cujas trocas de informação mediadas pela

145 Beth Coleman é uma artista e media designer reconhecida internacionalmente. Entre 2005 e 2011 foi professora de Comparative Media Studies no Massachusetts Institute of Technology, e actualmente (2014) lecciona na Universidade de Waterloo no Ontário (Canadá), no mestrado em Arts in Experimental Digital Media (XDM), onde também é co-directora do Critical Media Lab.

146 Beth Coleman (2011). Hello Avatar: Rise of the Networked Generation, Cambridge (Mass.) e Oxford: The MIT Press.

240 tecnologia têm impacto directo na nossa experiência do mundo.”147

O tempo da simulação electrónica, em vez da reprodução mecânica, como referido anteriormente no artigo escrito por Bill Nichols na década de 80, tornou-se cada vez mais evidente a partir da década seguinte e em particular no âmbito dos jogos de computador online, em que o jogador designava um avatar para desempenhar um determinado papel (role playing games).

Jogos como Ultima Online (1997) ou EverQuest (1999), designados pelo acrónimo de MMORPG (Massively Multiplayer Online Role-Playing Game), assentam numa arquitectura de cliente-servidor para a sua manutenção online disponibilizando-o a um número elevado de jogadores que podem interagir com outros jogadores mediante subscrição. A título de exemplo da popularidade destes jogos, Ultima Online alcançou cerca de 250.000 subscritores e, EverQuest, 450.000 (Yee, 2014:16), mas nada que se comparasse com os números alcançados pelo jogo World of Warcraft (2004) que atingiu os 10,2 milhões de assinantes no final de 2011, segundo a empresa que integrou a sua criação, a Activision Blizzard148.

Neste âmbito, os jogos de computador deixaram de constituir apenas um curioso entretenimento ocasional de adolescentes, para passar a ser um produto de consumo massivo de muitas horas online, tipicamente 20 a 30 horas semanais (Castronova, 2005:1), incutindo a assimilação e desenvolvimento de linguagens particulares que influenciam comportamentos e posturas com efeitos na vida fora do âmbito do jogo,

147 “[…] the big change in network engagement is what I am calling X-Reality: the sense that all our worlds, spanning the simulated to the bodily, are working toward a greater sense of an avatar existence. In short, we are neither “virtual” or “real” but rather these networked creatures whose technologically mediated exchanges directly impact our wordly experience.” Entrevista concedida a Hemry Jenkins em: http://henryjenkins.org/2012/04/our_avatars_our_selves_an_inte.html (consultado em 16 de Janeiro de 2014). Henry Jenkins é professor de Comunicação, Jornalismo e Artes Cinemáticas na Universidade da Califórnia, tendo anteriormente sido director do programa de Comparative Media Studies no Massachusetts Institute of Technology

148http://files.shareholder.com/downloads/ACTI/2864390541x0x541685/787ea4e2-d928-4139-8ae3- 4e37250d2443/ATVI_News_2012_2_9_General.pdf (consultado em 27 de Dezembro de 2013).

241 moldando as identidades dos participantes e, portanto, associados à criação de uma cultura própria149.

O estudo dos aspectos sociais, estéticos e culturais decorrentes dos jogos de computador tornaram-se, deste modo, uma área multidisciplinar de interesse e investigação académica (sociologia, antropologia, literatura, filosofia, ciências da comunicação, estudos culturais) que, designada genericamente de Game Studies, teve em Espen Aarseth150 um dos seus principais impulsionadores com a criação em 2001 da publicação periódica científica Game Studies: The International Journal of Computer Game Research151, ao mesmo tempo que em Março do mesmo ano co-organizava, em Copenhaga (IT University), a primeira conferência internacional sobre o tema, denominada de Computer Games and Digital Textualities.

A partir do conjunto de elementos abordados nesta secção (agenciamento do corpo, simulação e simulacro, avatar, hibridação do espaço real e virtual) pode-se de certo modo afirmar que os efeitos dos desenvolvimentos tecnológicos na formação cultural e identitária do indivíduo na segunda metade do século XX foram profundos e paradigmáticos já que a própria retórica de um humanismo liberal, bandeira secular de desenvolvimento e progresso humano, foi posta em causa por um pós-humanismo que, nas suas diferentes abordagens, integra a tecnologia como um factor decisivo para esse eventual progresso e entendimento dos novos fenómenos sociais.

A vida na “Galáxia da Internet” (Castells)152, a partir dos anos 90, influenciou de uma maneira acelerada o acesso, a troca, e a produção de informação, criou novos modelos económicos, novos espaços de socialização, mas também de vigilância e controlo, na emergência de uma nova cultura online que é um balanço delicado entre informação e simulação, entre liberdade e censura, alargada a uma escala global.

149 Este aspecto da ligação entre o mundo virtual do jogo e a sua influência na personalidade do jogador foi tema de estudo de Nick Yee em: Nick Yee (2014) The Proteus Paradox: How Online Games and Virtual Worlds Change Us – And How They Don´t, New Haven e Londres: Yale University Press.

150 Espen Aarseth (1965) foi o fundador das conferências internacionais Digital Arts and Culture (1998- 2009), foi professor associado na Universidade de Bergen, na Noruega, até 2003 e actualmente é investigador principal no Center for Computer Games Research na IT University de Copenhaga.

151 http://gamestudies.org/1302/archive (consultado em 16 de Janeiro de 2014).

152 Manuel Castells (2004). A Galáxia Internet: Reflexões sobre Internet, Negócios e Sociedade, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian

242

Parte II

Práticas Artísticas

243 244 Depois de realizada uma análise da importância da tecnologia no âmbito social e cultural na segunda metade do século XX, torna-se necessária alguma “arqueologia” no sentido de colocar em contexto obras, autores, eventos e organizações que, de algum modo, formaram as bases de uma nova maneira de encarar as tecnologias da informação na produção e prática artística.

Esta segunda parte do trabalho, de índole mais histórica, tem como objectivo por um lado dar uma visão do começo da produção artística internacional (Cap. 4) e, por outro lado, permitir uma comparação com o panorama nacional (Cap. 5).

Não é objectivo desse primeiro capítulo, sobre a actividade artística internacional, fazer um estudo histórico exaustivo e uma cronologia de exposições, obras e artistas que foram relevantes, trabalho esse já feito por outros autores1, mas sublinhar alguns aspectos que possam conduzir a um entendimento das oportunidades e dificuldades por que passou a introdução das tecnologias da informação tanto na prática artística como nas instituições que a apoiaram.

A janela temporal sobre a qual nos iremos debruçar medeia entre a década de 60 e 70, altura em que internacionalmente se revelou, de algum modo, um certo movimento pioneiro no acolhimento das tecnologias de informação na prática artística.

No caso de Portugal, a pesquisa neste período de tempo revelou alguma aridez, tendo-se só, efectivamente, revelado de algum interesse nas artes visuais, mais tarde, durante a década de 80. Daí o ter-se prolongado até ao fim dessa década a base temporal em que incide o estudo sobre o nosso país, e que é objecto do capítulo cinco.

O último capítulo desta segunda parte (Cap. 6) é uma extensão temporal e um complemento do capítulo anterior para permitir uma melhor compreensão das actividades e iniciativas do fim do século XX, entrando o estudo em definitivo no início do século XXI através da obra de dois artistas, Leonel Moura e Marta de Menezes, que,

1 A este respeito veja-se o artigo de Cooper Giloth e Lynn Pocock-Williams, “A Selected Chronology of Computer Art: Exhibitions, Publications, and Technology”, in Art Journal, Vol. 49, No. 3, Computers and Arts: Issues and Contents (Autumn, 1990), pp. 283-297, em que os autores abordam as principais exposições, publicações e desenvolvimentos tecnológicos, numa informação organizada por ano entre 1945 e 1990. Este artigo pode ser consultado em: http://computer-arts-society.com/static/cas/computerartsthesis/wp-content/uploads/2010/11/A-Selected- Chronology-of-Computer-Art.pdf (acesso em 5 de Fevereiro de 2014).

245 de modo diferente, fazem uso das novas mediações artísticas expressando abordagens e preocupações estéticas distintas.

Na investigação sobre a actividade artística em Portugal não será dada uma ênfase particular aos movimentos e/ou correntes estéticas vigentes no nosso país nas décadas que atravessa o estudo, por estarem suficientemente tratado por outros autores na literatura sobre o assunto2.

2 São exemplos: José-Augusto França (3ªedição, 1991). A Arte em Portugal no Século XX, Lisboa: Bertrand; António Rodrigues (1994). Anos 60. Anos de Ruptura – Uma Perspectiva da Arte Portuguesa nos Anos Sessenta, Lisboa: Livros Horizonte; Bernardo Pinto de Almeida (2010). A Última Geração: A Arte Portuguesa na Década de 1960, Lisboa: Museu Colecção Berardo; Raquel Henriques da Silva (comiss.) (2009). Anos 70 Atravessar Fronteiras, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian; Alexandre Melo (1998), Artes Plásticas em Portugal: Dos Anos 70 aos Nossos Dias, Lisboa: Difel; Rui-Mário Gonçalves (2004). Vontade de Mudança: Cinco Décadas de Artes Plásticas, Lisboa: Caminho; Bernardo Pinto de Almeida (2002). Transição Ciclopes, Mutantes, Apocalípticos: A Nova Paisagem Artística no Final do Século XX, Lisboa: Assírio & Alvim.

246 Capítulo 4

Pioneiros, Processos e Meios: Uma Perspectiva Internacional

Com ênfase primeiro nos acontecimentos nos Estados Unidos e depois em alguns países da América do Sul (Argentina e Brasil) e Europa (Espanha e ex- Jugoslávia), a escolha na América do Sul da Argentina e do Brasil tem a ver não só por ser pouco conhecida a produção artística nestes países no âmbito do que podemos designar, para facilitar, como artes tecnológicas nas décadas de 60 e 70, mas principalmente porque houve algum contacto de Ernesto de Sousa, nessa última década, com os protagonistas a quem iremos dar algum destaque (Jorge Glusberg na Argentina e Waldemar Cordeiro no Brasil), o mesmo se passando com algumas das manifestações artísticas que tiveram lugar na ex-Jugoslávia visitadas por Ernesto de Sousa.

Relativamente a Espanha, a sua inclusão justifica-se atendendo à proximidade geográfica do nosso país e na possibilidade de algum contágio artístico que, nessas décadas e no âmbito do estudo que nos propomos, aparentemente não se revelou.

Não foi destacado de um modo específico o panorama artístico de países relevantes como a Alemanha e a Inglaterra pelo facto de alguns elementos (exposições e artistas) terem sido já aflorados em capítulos anteriores e, do mesmo modo, terem também sido objecto de estudos monográficos recentes de referência3.

3 Um exemplo é White Heat Cold Logic: British Computer Art 1960-1980 (The MIT Press, 2008), com testemunhos e textos de vários intervenientes na cena artística britânica da altura (Roy Ascott, Harold Cohen, Ernest Edmonds, Jasia Reichardt, entre outros), uma publicação editada por investigadores de reconhecido mérito (Paul Brown, Charlie Gere, Nicolas Lambert e Catherine Mason).

247 4.1 - A revista Computers and Automation

“Art in the future will be as profoundly influenced by the computer as by any other medium for expression.” Edmund C. Berkeley4, 1967

A expressão Computer Art, ligada às artes visuais, teve eventualmente uma primeira aparição na revista Computers and Automation5 no seu número de Janeiro de 1963 (Vol XII, nº1), quando o seu editor Edmund Berkeley decidiu colocar na capa da revista uma representação gráfica feita por computador com o título A Portrait by a Computer as a Young Artist (fig. 4.1), indicando no seu editorial (Front Cover: Computer Art6) que esta imagem tinha sido produzida por Ebram Arazi, um estudante do Massachusetts Institute of Technology (MIT), durante um curso designado de Art for Engineers, do professor Robert O. Preusser7, curso este que fazia parte de um programa iniciado no MIT em 1957 para, de algum modo, fazer o entrosamento entre arte e tecnologia.

4 Editor da revista Computers and Automation, no editorial “Computer Art: Turning Point”, in Computers and Automation, Agosto de 1967, Vol. 16, No.8, p. 7.

5 A revista Computers and Automation tomou esta designação em Março de 1953, sucedendo à publicação Computing Machinery Field (1952-1953) e Roster of Organizations in the Field of Automatic Computing Machinery (1951-1952), do mesmo editor. Em Janeiro de 1974 passou a denominar-se de Computers and People, tendo mantido esta designação até 1988. Esta revista constituiu uma publicação pioneira importante na divulgação das tecnologias de informação e computação, servindo de modelo para muitas outras que se lhe seguiram. Um conjunto significativo de edições da revista Computers and Automation está disponível em: http://bitsavers.trailing-edge.com/pdf/computersAndAutomation/ (consultado em 5 de Fevereiro de 2014):

6 Edmund C. Berkeley (1963). “Front Cover: Computer Art”, in Computers and Automation, Vol XII, nº1, Janeiro de 1963, p.8.

7 Robert O. Preusser (1919-1992), pintor ligado ao expressionismo abstracto americano e professor no MIT desde 1954, escreveria mais tarde um artigo na revista Leonardo (1973) sobre o racional da existência de uma formação deste tipo numa instituição como o MIT. Nesse artigo reproduz a imagem da capa da revista Computers and Automation com uma legenda indicando que se trata de um gráfico do domínio da investigação científica (Computerized intensity domains derived from light penetrating holes in an opaque surface). Robert Preusser (1973). “Relating Art to Science and Technology: An Educational Experiment at the Massachusetts Institute of Technology (M.I.T.)”, in, Leonardo, Vol. 6, No. 3, Summer 1973, pp. 199-206.

248

Fig. 4.1: Computers and Automation (Janeiro de 1963). No topo da imagem pode ler-se A Portrait by a Computer as a Young Artist

Foi esta imagem que levou o editor no mês seguinte, numa pequena nota denominada Computer Art Contest, a lançar um concurso com a finalidade de “[…] explorar este novo domínio artístico”8, prometendo o anúncio do resultado do concurso na edição de Agosto com publicação na capa da revista.

Efectivamente, a capa da Computer Automation de Agosto de 1963 (fig 4.2) apresentava mais um exemplo de um grafismo executado por computador embora, estranhamente, na altura não tenha sido anunciado o nome do vencedor do concurso indicando-se apenas que tinha sido executado por um plotter9 da Electronics Associates. A imagem que ganhou o concurso, com o título de Splatter Pattern, apesar de apelativa esteticamente, não tinha sido criada com essa intenção e era o resultado de um estudo

8 Edmund C. Berkeley (1963). “Computer Art Contest”, in Computers and Automation, Vol XII, nº1, Fevereiro de 1963, p.21.

9 Um plotter é um equipamento periférico que se liga a um computador de um modo idêntico a uma impressora, mas que está particularmente adaptado ao desenho de gráficos em papel através da utilização de uma ou várias canetas de tinta que podem ter cores diferentes. Dependendo da tecnologia estas canetas, fixas a braços mecânicos comandados pelo computador, ora se deslocam num plano horizontal (x-y) em cima de uma superfície de papel fixa (flatbed plotters), ou apenas num eixo (x) movimentando- se o papel, apoiada num tambor rotativo, na outra direcção (y) (drum plotters). O computador determina o movimento da caneta (e eventualmente do papel num drum plotter), e a sua posição para cima (pen-up) ou para baixo (pen-down) permitindo a realização do gráfico. Os plotters surgiram no fim da década de 50 e tiveram na empresa americana CalComp um dos fabricantes pioneiros nesta tecnologia.

249 sobre a distorção óptica de uma objectiva. Do mesmo modo, relativamente à imagem classificada em segundo lugar, apenas se mencionava o seu título, Stained Glass Window, indicando o editor que tinha sido realizada através de um equipamento do mesmo tipo. Também neste caso o gráfico era o resultado da resolução de uma equação matemática que produziu um padrão simétrico assemelhando-se aos que se encontram em vitrais, dando-lhe deste modo o título.

Só no concurso do ano seguinte, em Agosto de 1964, é que foi revelado que a entidade que ganhou o concurso desse ano, a U.S. Ballistic Army Research Laboratories, tinha sido a mesma do ano anterior10.

Uma vez mais o gráfico apresentado a concurso em 1964, e que serviu de capa ao número da revista de Agosto, tinha sido produzido no âmbito das competências deste laboratório de investigação do governo, e era constituído por um estudo de simulação da trajectória de ricochetes de projécteis, não tendo, portanto, uma motivação artística na sua génese.

Fig 4.2: Computers and Automation (Agosto de 1963). Computer Art Contest First Prize

10 Computers and Automation, Vol XIII, nº8, Agosto de 1964, p.5.

250 É interessante notar neste número da Computers and Automation a publicação do artigo com o título “Artistic Design by Computer”11, da autoria de Leslie Mezei, na altura a trabalhar como programador e analista de sistemas12, no qual o autor tenta fazer uma apreciação estética dos gráficos produzidos por computador no sentido de avaliar o seu mérito artístico.

Com uma formação em matemática, Leslie Mezei recorre no artigo à teoria de Medida Estética do matemático George D. Birkhoff, professor na Universidade de Harvard na altura em que publicou a sua teoria em forma de livro13 (1933), e que constituiu uma tentativa de racionalização estética baseada em apreciações matemáticas.

Segundo Birkhoff a medida estética de uma forma geométrica, ou objecto, é um quociente entre a ordem e complexidade desse objecto (M= O/C), no qual a definição do valor numérico correspondente ao factor ordem e complexidade é, em cada caso, um somatório de ponderações formais14 de atributos relativos à classe do objecto em análise (simetria, repetição, sequência, contraste, ambiguidade, estabilidade, etc.). De acordo com a fórmula de Birkhoff, quanto mais ordenado, regular, e menos complexo for o

11 Leslie Mezei (1964). “Artistic Design by Computer”, in, Computers and Automation, Vol XIII, nº8, Agosto de 1964, pp.12-15.

12 Leslie Mezie (n. 1931), tinha uma formação de base em matemática e física e foi posteriormente professor de ciências da computação na Universidade de Toronto. Desenvolveu linguagens específicas de programação gráfica (Sparta e Arta) e utilizou-as no domínio da sua produção artística que expôs no fim da década de 60 e início de 70.

13 George D. Birkhoff (1933). Aesthethic Measure, Cambridge (MA): Harvard University Press. Disponível em: http://www.skidmore.edu/~flip/Site/Lab/Entries/2008/10/24_Aesthetics_files/Birkhoff%20Aesthetic%20 Measure.pdf (consultado em 11 de Fevereiro de 2014)

14 Birkhoff define que o factor ordem depende de aspectos formais e conotativos mas reconhece que os aspectos conotativos não podem ser tratados numericamente e portanto a sua análise debruça-se apenas sobre os aspectos formais. “Unfortunately the connotative elements of order cannot be so treated, since they are of unconceivable variety and lie beyond the range of precise analysis.” (Birkhoff, 1933:13).

251 objecto15, maior será a sua medida estética, assumindo-se como um índice quantitativo de comparação entre objectos de uma mesma classe16.

Embora a formulação de Birkhoff tenha uma aplicação limitada, Leslie Mezei via-a como a possibilidade de um contributo para a análise de gráficos feitos por computador, nomeadamente na atribuição de uma medida estética e subsequente escolha, perante a diversidade de um conjunto de grafismos semelhantes quando na sua concepção/programação se introduzissem variáveis pseudo-aleatórias17.

No seu artigo, Leslie Mezei faz um pequeno historial do grafismo produzido por computador utilizando a expressão Artistic Design (Artistic Design by Computer – Some Events and References) reportando a utilização de computadores no auxílio ao design de padrões de tecelagem ao ano de 195818.

Na sequência desta informação dá nota, em 1963, das experiências de computação gráfica de Michael Noll, engenheiro nos Bell Telephone Laboratories, embora, em boa verdade, estas experiências tivessem sido iniciadas em 1962 tal como o demonstra um memorandum técnico escrito por Noll em 28 de Agosto desse ano, com o título Patterns by 709019, referindo-se este título à utilização de um computador IBM 7090.

Neste relatório, Noll descreve as técnicas de programação utilizadas e menciona que deliberadamente evita qualquer debate sobre a natureza artística ou não dos gráficos

15 No caso mais simples a complexidade de um polígono é, para Birkhoff, definida como o número de linhas rectas que contêm todos os lados desse polígono. No caso de um quadrilátero a complexidade será igual a 4 (número de rectas igual ao número de lados), mas terá o valor de 8 no caso de uma cruz grega (12 lados) que pode visualmente ser assumida como dois quadriláteros sobrepostos, estando de acordo com uma noção empírica de aumento de complexidade (Birkhoff, 1933: 34).

16 Birkhoff refere que a medida estética só pode ser aplicada como termo comparativo em classes de objectos do mesmo tipo, não fazendo sentido comparar, por exemplo, um vaso com uma melodia ou uma pintura a óleo com uma aguarela (Birkoff, 1933:11).

17 A teoria de Medida Estética de Birkhoff serviu também, sensivelmente na mesma altura, de modelo a Max Bense no desenvolvimento da sua estética gerativa (Generative Aesthethics) (ver Cap. 2).

18 “1958 - Program written by Dr. A. P. Rich of the Applied Physics Laboratory, Johns Hopkins University, to print out weaving designs for a loom. He has also experimented with random-walk patterns with various repetitions and symmetries.” (Mezei, 1964:13)

19 A. Michael Noll (1962). “Patterns by 7090”, Bell Telephone Laboratories Technical Memorandum MM-62-1234-14. Disponível em: http://noll.uscannenberg.org/Art%20Papers/BTL%201962%20Memo.pdf (consultado em 19 de Março de 2014).

252 obtidos20, o que na verdade, num documento técnico não teria muito sentido nem Noll, na altura com 23 anos, sem conhecimentos artísticos e com uma formação em engenharia, se sentiria muito à vontade.

É porém de realçar a intenção deliberada de experimentação estética, sem aplicação prática, fazendo uso de equipamentos e técnicas que Noll utilizava diariamente na sua investigação nos Bell Telephone Laboratories, em New Jersey, em torno do estudo da determinação da frequência fundamental do discurso na voz humana, um projecto que implicava um conjunto de operações matemáticas complexas e utilização de computadores para análise gráfica21.

Esta sua intenção está bem expressa na introdução do relatório mencionado, em que Noll afirma:

“O computador digital é utilizado no presente na produção de novos sons musicais e técnicas de composição. O advento da impressão em microfilme usado em conjunto com o computador digital permite incursões similares no campo das artes visuais. Deste modo seria certamente interessante tentar a criação de novos projectos usando o computador IBM 7090 e o Stromberg- Carlson 4020 Microfilm Printer. Esta comunicação descreve os resultados de um conjunto experimental de séries exploratórias neste âmbito. Em vez de arriscar um debate não intencional no presente sobre se os gráficos apresentadoss são na verdade arte ou não, os resultados produzidos por este sistema serão simplesmente designados de ´Patterns´”22 (Noll, 1962:1)

20 “This paper describes the mathematical and programming techniques used but neglects any discussion of the ´artistic´ merits of the results” (Noll, 1962: sp)

21 A descrição do trabalho de Noll e a génese do seu interesse pela computação gráfica são descritos em: A. Michael Noll (1994). “The Beginnings of Computer Art in the United States: A Memoir”, in Leonardo, Vol. 27, No. 1, 1994, pp. 39-44.

22 “The digital computer is presently being used to produce new musical sounds and techniques of composing. The advent of microfilm printing used in conjunction with a digital computer allows similar excursions into the field of visual art. Thus, it would certainly be interesting to attempt the creation of novel designs by using the IBM 7090 computer and the Stromberg-Carlson 4020 Microfilm Printer. This paper describes the results of such an exploratory series of design-producing experiments. Rather then risk an unintentional debate at this time on whether the computer-produced designs are truly art or not, the results of the machine´s endeavors will simple de called ´Patterns´”.

253 A continuidade dos interesses de Noll nesta área levaram-no em 1965 a aceitar o convite feito pelo colega de trabalho e cientista Bela Julesz23, que por sua vez lhe tinha sido endereçado por Howard Wise, a exporem o trabalho de ambos na sua galeria em Nova Iorque (Howard Wise Gallery), um espaço que nos anos 60 se diferenciou por uma programação que valorizava os meios artísticos alternativos24.

A exposição, denominada Computer-Generated Pictures, que decorreu entre 6 e 24 de Abril desse ano, constituiu a primeira mostra nos Estados Unidos do que se passou então a designar de Computer Art embora, segundo relato do próprio Michael Noll, não se tivesse vendido um único trabalho (Noll, 1994: 41), o que não deixa de ser sintomático de um mercado que, habituado ao estatuto do artista, se via agora confrontado com técnicos, engenheiros e cientistas na utilização do espaço da galeria de arte, revelando não só uma certa resistência à sua aceitação, mas também à aceitação do computador como intermediário da obra artística.

No mesmo ano de 1965, Michael Noll concorre e ganha o Annual Computer Art Contest da revista Computers and Automation com a peça Computer Composition with Lines (1964) (fig. 4.3).

Pela primeira vez a obra vencedora deste concurso não é, como em outros anos, um gráfico resultante de um processo técnico de investigação científica, mas uma criação com uma intenção estética que, inspirada na obra Composition with Lines realizada por Piet Mondrian em 1917 (fig. 4.4), tentava de certo modo recriá-la utilizando os meios técnicos da programação de computadores como ferramenta de trabalho artístico25.

23 Os trabalhos de Bela Julesz eram constituídos por padrões complexos de pontos e traços gerados por computador usados nos seus estudos sobre percepção visual, não tendo sido realizados com uma intenção artística.

24 Disso são exemplos as exposições: On the Move: An Exhibition of Kinetic Sculpture (1964), Computer- Generated Pictures (1965), Light in Orbit (1967), e TV as a Creative Medium (1969).

25 Descrição de Michael Noll do processo da realização da sua composição: “The positions of the vertical and horizontal bars have been chosen at random with the constraint that the positions must fall inside a circle. The length and width of the bars was chosen at random within a specified range. If the position of the bar fell within a parabolic region in the upper half of the circle, the length of the bar was shortened by a factor proportional to the distance of the position from the edge of the parabolic region. The motivation for this type of pattern came from Piet Mondrian' s ´Composition with Lines´, 1917, now in the possession of the Rijkmuseum Kroller-Muller, Otterlo, The Netherlands.” (Berkeley, 1965:10).

254 No ano seguinte, em 1966, o vencedor da edição do concurso foi Frieder Nake (n.1938), matemático de formação que trabalhava no centro de cálculo da Universidade de Estugarda, e que tinha eventualmente ficado atento a esse concurso por lhe ter sido mostrado anteriormente, em Fevereiro, um exemplar do número de Agosto de 1965 da revista Computers and Automation que representava na capa a composição de Michael Noll, vencedor da competição desse ano26, e anunciava o concurso do ano seguinte.

Fig. 4.3: Computer Composition with Lines (1964) Fig. 4.4: Composition with Lines (1917) A. Michael Noll Piet Mondrian Computers and Automation (Agosto de 1965)

Em 1966 Michael Noll escrevia um artigo em que explorava a relação entre as duas peças fazendo uma apresentação de ambas a um conjunto de 100 pessoas para identificarem qual delas tinha sido produzida pelo computador, e com a qual das duas sentiam mais afinidade. O artigo foi publicado em: A. Michael Noll (1966). “Human or Machine: A Subjective Comparasion of Piet Mondrian´s ´Composition With Lines´ (1917) and a Computer-Generated Picture”, in, Psychological Record, 1966, 16, pp 1-10. Este artigo está disponível em: http://noll.uscannenberg.org/Art%20Papers/Mondrian.pdf (consultado em 20 de Março de 2014).

26 Frieder Nake descreve o seu conhecimento da obra de Michael Noll em 1966 na comunicação: Frieder Nake (2005). “Computer Art. A Personal Recollection”, in C&C´05 – Proceedings of the 5th Conference on Creativity and Cognition, Londres 12-15 Abril de 2005, Nova Iorque: ACM (Association for Computing Machinery), pp 54-62. Este documento está disponível em: http://design.osu.edu/carlson/history/PDFs/p54-nake.pdf (consultado em 20 de Fevereiro de 2014)

255

Apesar da obra de Nake ter sido exibida na capa do número de Agosto de 1966, como vinha acontecendo com os vencedores deste prémio nos outros anos (fig.4.5), não foi mencionado o seu título (conhecida como, 13/9/65 Nr.5, Distribution of Elementary

Signs). É no entanto interessante notar que, na reprodução da capa, consegue notar-se no

Fig. 4.5: 13/9/65 Nr.5, Distribution of Elementary Signs Frieder Nake (detalhe da assinatura) Computers and Automation (Agosto de 1966) canto inferior direito aquilo que corresponde à assinatura do autor na sua obra, embora não tenha sido feita pelo seu punho mas pelo próprio dispositivo gráfico de desenho, programado para tal. A “assinatura” NAKE/ER56/Z64, algo enigmática para um leigo, indica simplesmente que Frieder Nake decidiu juntar a indicação de que tinha trabalhado na concepção deste gráfico com um computador Standard Elektrik Lorenz ER56, e com um plotter Zuse Graphomat Z64, concebido por Konrad Zuse (1910- 1995), um engenheiro de nacionalidade alemã pioneiro na construção de computadores27.

27 Entre outros desenvolvimentos Konrad Zuse foi o responsável pela criação do primeiro computador com uma lógica binária usando relés electromecânicos como interruptores - o Zuze Z-3 (1941) - constituindo o antecessor dos computadores digitais que se lhe seguiram passando a usar como elementos activos válvulas electrónicas, depois transístores, e mais tarde circuitos integrados, permitindo um maior fiabilidade, maior rapidez, menor consumo de energia, e dimensões mais reduzidas.

256 O concurso do ano de 1967 teve particular relevância na revista Computers and Automation. Em primeiro lugar porque se celebrava o quinto ano seguido da realização deste concurso, e em segundo porque o número e a diversidade de propostas a concurso teve, nesse ano, um incremento assinalável, o que justificou o editorial de Edmund C. Berkeley, “Computer Art: Turning Point”, especialmente focado no computador como ferramenta de trabalho artístico28.

É igualmente relevante o facto de, pela primeira vez, o concurso desse ano ter sido ganho por um artista – Charles A. Csuri (n.1922), pintor de formação e professor na Universidade de Ohio 29 - que inaugurou também a apresentação de arte figurativa associada à computação gráfica, e que veio a interessar-se por explorar as capacidades destas tecnologias de um modo diferenciado dos matemáticos e engenheiros, mais empenhados na representação gráfica das possibilidades dos algoritmos e das variantes introduzidas por funções pseudo-aleatórias na programação.

Questões ligadas à representação espacial, à escala, ao movimento, à perspectiva, foram alguns dos tópicos que levou Csuri a utilizar e equacionar o computador primeiro como ferramenta experimental em 1964, para depois passar a utilizá-lo de um modo mais intenso e presente no seu trabalho artístico. É disso exemplo a obra de Csuri que ganhou o concurso - Sine Curve Man (1967) (fig. 4.6) - feita em colaboração com o programador James Shaffer do departamento de matemática da Universidade de Ohio,

Nesta obra Csuri serviu-se do desenho de um retrato, que foi digitalizado e constituiu a base do trabalho, ao qual foi aplicado no eixo das ordenadas (na vertical) uma transformação matemática30 que variava a sua escala, introduzindo uma

28 Edmund C. Berkeley (1967). “Computer Art: Turning Point”, in Computers and Automation, Agosto de 1967, Vol. 16, No.8, p. 7.

29 Nesta Universidade Csuri criou o Computer Graphics Research Group (1971), um importante centro de investigação e desenvolvimento de novas técnicas de computação animada e linguagens de programação gráfica, que nos anos 80 tomou a designação de Advanced Computing Center for the Arts and Design (1987). Charles Csuri participou na exposição Cybernetic Serendipity (1968), levada a cabo no Institute of Contemporary Arts de Londres, e em 1986 esteve presente na 42ª Bienal de Veneza. Os seus trabalhos foram galardoados com o Prémio de Distinção no festival Ars Electronica de 1989 e 1990.

30 A descrição do processo é referida por Csuri na revista Computers and Automation: "A picture of a man was placed in the memory of an IBM 7094. Mathematical strategies were then applied to the original data. The X value remained constant, and a sine curve function was placed upon the Y value. Given the X 257 interferência que pode ser percepcionada como algo entre a materialização e desmaterialização de uma imagem. Porém, uma observação mais cuidadosa, revela que na verdade não se trata de uma única imagem mas de um conjunto de sobreposições de imagens que ora coincidem com o retrato original ora divergem (nota-se em particular na linha dos ombros) dando essa sensação de desfoque.

Fig. 4.6: Sine Curve Man Charles Csuri Computers and Automation

Este simulacro de retrato é significativo Não se trata apenas de um gráfico executado a partir de uma função matemática pura, mas de uma exploração estética que parte da técnica tradicional do desenho para testar novos campos de significação utilizando algoritmos no processo artístico. Eventualmente, uma das contribuições de Csuri na utilização desta tecnologia foi a demonstração que o binómio computador/algoritmo não é apenas uma ferramenta para a execução de uma tarefa, mas uma “meta-ferramenta”31 ao possibilitar a abertura a novas reflexões e propostas estéticas.

and Y coordinates for each point, the figure was plotted from X' = X, Y' = Y + C * SIN(X) where C is increased for each successive image." (Computers and Automation, Vol.16, No. 8, Agosto de 1967, p.8).

31 A expressão de “meta-ferramenta” é utilizada por Roger Malina no fim dos anos 80 (Malina, 1989: 68) para caracterizar o papel do computador e da programação no contexto artístico, perante os seus múltiplos desenvolvimentos e aplicações de que os artistas já faziam uso (inteligência artificial, telecomunicações e redes, interactividade, etc.). A referência é feita no artigo: Roger F. Malina (1989). “Computer Art in the Context of the Journal Leonardo”, in Leonardo. Supplemental Issue, Vol. 2, Computer Art in Context: SIGGRAPH ´89 Art Show Catalog (1989), pp.67-70. Roger Malina (n. 1950) é físico, astrónomo, professor de Arte e Tecnologia na Universidade do Texas, e editor desde 1982 da prestigiada revista de arte, ciência, e tecnologia Leonardo publicada pela MIT Press.

258 Numa outra obra de Csuri em destaque no mesmo número da revista Computers and Automation (Bird in a Circle, 1967) a tradução espacial de coordenadas cartesianas em coordenadas polares, no posicionamento de um conjunto de 22 pássaros (beija- flores) em círculo, transforma claramente a figura original num elemento modular de trabalho, retirando-lhe o seu sentido original para criar um novo objecto que desafia a percepção na elaboração de um elemento repetitivo e perturbador, em que a atenção se desloca sucessivamente entre o elemento simples e a nova ordem em que foi colocado.

Já uma leitura de cariz política - que se relaciona com o período de tumulto social em que vivia a América nos anos 60, nomeadamente com a guerra do Vietname e a oposição pública nas manifestações de rua - pode ser feita a partir de Random War (1967)32, também em evidência na revista, em que o artista criou um cenário de guerra utilizando um programa de computador para colocar no desenho várias repetições da mesma figura (o perfil de uma peça miniatura de um soldado numa postura de ataque, que remete para as figuras utilizadas nos tabuleiros de simulação de teatros de guerra e para o imaginário dos brinquedos das crianças da altura) em perspectiva e em várias posições, atribuindo um nome a cada soldado (incluindo o seu próprio, o de administradores e pessoal da Universidade, e nomes mais conhecidos de figuras públicas como Gerald Ford e Ronald Reagan), deixando ao computador (através de uma função pseudo-aleatória) além da escolha da posição do soldado no terreno, também a atribuição do seu estado físico (ferido, morto, desaparecido, sobrevivente), elaborando a partir destas escolhas, listagens por ordem alfabética dos respectivos nomes dos soldados organizados por situação em que se encontravam.

A escolha do computador como sistema de atribuição de posições no teatro de guerra era de certo modo uma validação do empenhamento da computação nos dias que decorriam, e do seu papel cada vez mais importante na condução das guerras a partir da segunda metade do século XX.

As abordagens de Csuri eram, deste modo, diferenciadas em relação à grande maioria dos gráficos feitos por computadores e plotters de autores que receberam Menções Honrosas, também em destaque na Computers e Automation de Agosto de

32 Esta leitura, assim bem como uma descrição mais detalhada da obra, pode ser consultada no catálogo da exposição de 2006 sobre a obra do artista em: Janice Glowski (ed.) (2006). Charles A. Csuri: Beyond Boundaries, 1963 – Present, College of the Arts: Ohio State University, pp. 76-79. 259 196733, que se centravam mais na exploração da capacidade algorítmica na criação de formas abstractas, ou de padrões repetitivos, em que os planos de simetria estimulavam uma relação visual pura.

Depois destes cinco anos em que a Computers and Automation assumiu um certo papel pioneiro na valorização da denominada Computer Art, começaram a surgir as exposições, a literatura, as instituições, e um interesse maior pelas sinergias entre arte e tecnologia, nomeadamente na utilização de computadores.

Prova disso foi a criação em 1966 da organização Experiments in Art and Technology (E.A.T.) com o sentido de providenciar ajuda técnica de engenheiros a artistas envolvidos em projectos tecnológicos, a criação em 1967 do Center for Advanced Visual Studies (CAVS) liderado por György Kepes no Massachusetes Institute of Technology (MIT), o mesmo ano em que se iniciou (prolongando-se até 1971) o programa de residências artísticas denominado Art and Technology (A&T) sob a direcção de Maurice Tuchman do Los Angeles County Museum of Art (LACMA).

Em 1968 foram marcos incontornáveis as exposições Cybernetic Serendipity, primeiro em Londres no Institute of Contemporary Art (ICA) e mais tarde nos Estados Unidos, e a exposição The Machine, as Seen at the End of the Mechanical Age no MoMA em Nova Iorque, com a extensão Some More Begginings, no Brooklyn Museum, ano também do início da publicação da revista Leonardo34, sob a direcção de Frank Malina (1912-1981), que se tornou uma referência e um ponto de encontro de académicos, críticos, artistas, engenheiros e tecnólogos, no debate e divulgação da aplicação das novas tecnologias no devir artístico.

No entanto a Computers and Automation prosseguiu com a organização dos seus concursos anuais mesmo depois de mudar de designação em 1974 para Computers and People, embora no ano anterior o modelo tenha deixado de ser o de concurso para passar para o de exposição, tendo sido referenciado em 1975 um número recorde de propostas de 41 artistas de 11 países diferentes.

33 Os autores que obtiveram Menções Honrosas foram: Leslie Meizei, Petar Milojevic, Darel Eschbach, Stan VanDerBeek e Kenneth Knowlton, Donald K. Robbins, Adage Inc., Lloyd Summer, Frieder Nake, D. J. DiLeonardo, M. S. Mason, Craig Sullivan, e Charles Csuri. Das vinte propostas representadas sete eram de Csuri, o que não deixa de ser significativo.

34 http://www.leonardo.info/leoinfo.html (consultado em 25 de Fevereiro de 2014).

260 É interessante notar na edição de 1968 um número apreciável de imagens destacadas com Menções Honrosas de concorrentes provenientes do Japão. Na verdade, tratava-se de elementos do grupo Computer Technique Group que, formado em Dezembro de 1966 por Masao Komura, Haruki Tsuchiya, Junichiro Kakizaki e Kunio Yamanaka, apresentaram gráficos que incluíam também trabalhos de Koji Fujino, Takeshi Hasegawa, Fujio Niwa e Makoto Ohtake.

Já no concurso de 1969 o único concorrente japonês destacado na revista foi Hiroshi Kawano, não associado ao Computer Technique Group, grupo que um pouco mais tarde, em Novembro desse ano, anunciava a sua dissolução.

261 4.2 - A revista Leonardo – International Journal of the Contemporary Artist

Excluindo a revista Computers and Automation - dedicada essencialmente à divulgação de assuntos técnicos ligados à indústria da computação e que, de uma maneira singular, acabou por constitui através dos seus concursos, um meio também de divulgação da denominada Computer Art - o interesse por estes temas nos anos 60 no meio editorial ligado à crítica e divulgação artística era muito reduzido ou inexistente.

Um exemplo dessa falta de interesse é a conhecida resposta em mensagem datada de 30 de Outubro de 1967 de Philip Leider, editor da revista ArtForum que, à solicitação do professor de História da Arte da Universidade de Ohio Matthew Baigell, para publicação na revista de trabalhos do colega e artista Charles Csuri, respondeu do seguinte modo: “Thanks for the enclosed manuscript on Charles Csuri; I cant imagine ARTFORUM ever doing a special issue on electronics or computers in art, but one never knows.”35

Este desinteresse foi colmatado pelo aparecimento poucos meses depois, em Janeiro de 1968, da revista Leonardo criada por Frank Malina que, face à existência de publicações de divulgação artística para o público em geral ou especializadas para o crítico e historiador da arte, justamente percebeu não haver no mercado nenhuma publicação que se estabelecesse como um canal privilegiado de comunicação entre artistas, com artigos e textos escritos pelos próprios, na qual pudessem partilhar técnicas e informações relativamente aos seus processos criativos, além de terem acesso a outras matérias passíveis do seu interesse escritas por especialistas de outras áreas, incluindo das ciências humanas e dos domínios tecnológico e científico.

A revista assentou na objectividade do modelo das publicações científicas, em que a clareza do discurso e a descrição dos métodos contrariava uma poética aberta a interpretações subjectivas, usual noutros tipos de publicações artísticas, estando os artigos sujeitos à aceitação de um corpo redactorial internacional especializado.

35 Informação disponível em: http://www.csurivision.com/index.php/2008/12/early-computer-art/ (consultado em 30 de Julho de 2014)

262 A internacionalização da revista foi desde o início um dos seus objectivos com a possibilidade de publicação de artigos escritos em inglês e/ou francês (1968-1970), e um vasto corpo editorial, liderado por Frank Malina, que logo no seu primeiro número incluía três co-editores, cinco editores correspondentes, catorze consultores internacionais, e cerca de vinte personalidades de nove países diferentes, designados de consultores honorários, entre os quais se incluía o historiador da arte Giulio Argan e o professor do MIT e artista György Kepes.

Esta faceta da organização da revista Leonardo obedecendo ao modelo das publicações científicas, advém da experiência de cerca de 20 anos de Frank Malina na área da investigação e da engenharia, antes de se dedicar à actividade artística em 1953, período no qual estabeleceu uma reputação científica notável e uma carreira brilhante no domínio da aeronáutica (mestre em engenharia mecânica e doutorado em engenharia aeronáutica), tendo sido co-fundador e director do Jet Propulsion Laboratory (1944- 1946), ingressando posteriormente na UNESCO (1947-1953) com funções de consultor para, mais tarde, assumir a direcção do departamento de investigação científica em Paris36.

Frank Malina pode ser considerado um pioneiro de uma nova geração de engenheiros/artistas que, com formação técnica ou científica, começaram essencialmente a partir da segunda metade do século XX a tirar partido das tecnologias mais recentes na exploração de novas fórmulas de criação.

A revista Leonardo veio justamente facilitar o conhecimento dessas tecnologias, ao mesmo tempo que trazia para o domínio artístico uma prática que era mais comum na área da ciência - a partilha de informação e da experimentação, no fomento do diálogo e da criação de sinergias – constituindo uma mudança de mentalidade relativamente ao isolamento da investigação artística, que agora passava a ter um canal directo de informação e divulgação.

Um dos exemplos que se podem dar da vantagem e do estímulo à actividade criadora ligada ao interesse e partilha de informação de diferentes áreas das ciências, é a prática artística que resultou da aplicação da tecnologia de cristais líquidos, descrita

36 Para um curriculum vitae completo de Frank Malina ver: “Bio-Bibliography of Frank J. Malina”, Leonardo, Vol. 20, No. 4, 20th Anniversary Special Issue: Art of the Future: The Future of Art (1987), pp. 417- 425.

263 primeiro em 1969 pelo engenheiro Rein Lemberg no artigo de carácter técnico Liquid Crystals: A New Material for Artists37- e no qual se circunscreve à descrição da alteração das propriedades ópticas destes materiais com as mudanças de temperatura, de pressão mecânica, etc. - mais tarde (1982) confirmado pelo artista Yves Charnay (n.1942), que cita o trabalho de Rein Lemberg e exemplifica na sua prática artística a utilização das propriedades destes materiais no artigo “A New Medium for Expression: Painting with Liquid Crystals”38.

Um outro exemplo é a comunicação “Holography: A New Scientific Technique of Possible Use to Artists”39, de Hans Wilhelmsson, investigador do Institute of Physics da Universidade de Upsala, na Suécia, em que o autor descreve o contexto do desenvolvimento histórico da investigação e aplicações científicas da holografia, mais tarde acrescidas das aplicações desta tecnologia no domínio artístico no artigo “Holography as an Art Médium”40, relatadas por Margaret Benyon (n. 1942), uma pintora que assumiu a holografia na continuidade do seu trabalho criativo, e que esteve mais tarde, em 1985, representada na exposição A Imagem Holográfica: Oito Artista na Era do Laser, na Fundação Calouste Gulbenkian.

A estrutura da revista Leonardo divisada por Frank Molina abrangia diferentes secções. Articles by Artists era uma secção dedicada a comunicações de artistas num formato extenso que obrigava a um resumo, tal como numa publicação científica. As comunicações mais curtas eram endereçadas à secção Notes sem resumos. Em General Articles eram agrupadas as comunicações especializadas de investigadores de diferentes áreas complementares aos interesses artísticos. A revista era ainda constituída por uma secção informativa de terminologia, em que eram apreciadas designações com as quais os artistas se deparavam no seu encontro com a tecnologia e ciência, uma secção de crítica sobre livros/publicações pertinentes, e uma calendarização de eventos e oportunidades internacionais para os artistas.

37 Rein Lemberg (1969). “Liquid Crystals: A New Material for Artists”, in, Leonardo, Vol. 2, No. 1, Jannuary1969, pp. 45-50.

38 Yves Charnay (1982). “A New Medium for Expression: Painting with Liquid Crystals”, in, Leonardo, Vol. 15, No. 3, Summer 1982, pp. 219-221.

39 Hans Wilhelmsson (1968). “Holography: A New Scientific Technique of Possible Use to Artists”, in, Leonardo, Vol. 1, No. 2, Abril 1968, pp. 161-169.

40 Margaret Benyon (1973). “Holography as an Art Medium”, in, Leonardo, Vol. 6, No. 1, Winter 1973, pp. 1-9.

264 Contrariamente aos concursos limitados da Computers and Automation que divulgaram as capacidades do computador como ferramenta criativa, a revista Leonardo tinha um objectivo mais amplo e pretendia um entrosamento da cultura artística com a cultura científica, uma visão que Malina teve nos anos 60 e que pôs em prática numa revista ainda hoje publicada constituindo uma referência de incontornável mérito.

Obviamente que a computação, os algoritmos, e a cibernética, estiveram dentro dos interesses da revista, mas também a ecologia, a biotecnologia, a inteligência artificial, as teorias da percepção, a física dos materiais e muitas outras áreas.

Das muitas contribuições ao longo de mais de 40 anos de publicação a participação dos artistas e/ou investigadores portugueses nesta revista foi muito reduzida e surge apenas já no século XXI, sintomático de um certo afastamento da investigação e práticas artísticas nestes domínios mais tecnológicos.

Na verdade, e tanto quanto nos pudemos aperceber, surgem apenas dois artigos, um de Marta de Menezes em 2003 (“The Artificial Natural: Manipulating Butterfly Wing Patterns for Artisitic Purpose”, Leonardo, Vol. 36, No. 1, 2003, pp. 29-32) e que se debruça sobre o trabalho desenvolvido em laboratório para a realização da sua obra Nature?, apresentada no festival Ars Electronica no ano de 2000, e um artigo de Carlos M. Fernandes41 em 2010 (“Pherographia: Drawing by Ants”, Leonardo, Vol. 43, No. 2, 2010, pp. 107-112), na sequência da aplicação do seu estudo sobre estigmergia e algoritmos genéticos na produção de imagens, fazendo uso do acrónimo pherographia, uma termo derivado das palavras feromona e fotografia.

41 Carlos M. Fernandes (n. 1973) é doutorado em Ciências da Engenharia pelo Instituto Superior Técnico, e professor convidado de Inteligência Computacional nos programas de Mestrado e Doutoramento do ISCTE, estando integrado em vários projectos de investigação científica envolvendo algoritmos genéticos e computação evolucional. http://www.carlosmfernandes.com/wp-content/uploads/2012/11/cv1.pdf (consultado em 2 de Agosto de 2014).

265 4.3 - Anos 60 – Duas Exposições de Referência

Se efectivamente a primeira exposição que referenciou a utilização de computadores na produção artística teve lugar na Alemanha, na galeria estúdio da Universidade Técnica de Estugarda (Studiengalerie der Technichen Hochschule Stuttgart), entre os dias 5 e 19 de Fevereiro de 196542, com trabalhos gráficos programados pelo matemático George Nees, a verdade é que as exposições que neste particular mais marcaram a década de 60 aconteceram alguns anos mais tarde, em 1968, primeiro em Londres a Cybernetic Serendipity (2 de Agosto a 20 de Outubro - 1968)43, no Institute of Contemprory Art com a curadoria de Jasia Reichardt, e pouco depois em Nova Iorque a The Machine as Seen at the End of the Mechanical Age (27 de Novembro - 1968 a 9 de Fevereiro -1969)44, no Museum of Modern Art (MoMA) com a curadoria de Pontus Hultén.

Esta última exposição fazia justiça ao seu título, ao realizar uma retrospectiva histórica da máquina na representação artística (desenho, pintura, escultura, fotografia), iniciando o seu percurso no Renascimento, com os esboços de máquinas voadoras nos desenhos do século XV de Leonardo da Vinci, até às amálgamas de chapas retorcidas de carros de César (César Baldaccini) ou às máquinas desconcertantes de Jean Tinguely, já na década de 60 do século XX, numa espécie de agonia da máquina em fim de ciclo45.

A exposição contava ainda com um conjunto de obras em que as tecnologias mais recentes estavam presentes, e que tinham sido fruto de um concurso lançado no

42 Só após esta mostra é que no mesmo ano, entre 6 e 24 de Abril, a galeria Howard Wise, em Nova Iorque, apresentou a exposição Computer-Generated Pictures, com trabalhos de Michael Noll e Bela Julesz.

43 Depois de Londres esta exposição foi parcialmente apresentada nos Estados Unidos na Corcoran Gallery of Art, em Washington D.C. (16 de Julho a 31 de Agosto de 1969), e no mesmo ano em São Francisco na abertura do museu da ciência Exploratorium (11 de Outubro de 1969).

44 Depois da apresentação no MoMA de Nova Iorque esta exposição esteve ainda patente na University of St. Thomas, em Houston (25 de Março a 18 de Maio - 1969), e depois no San Francisco Museum of Art (23 Junho a 24 de Agosto -1969) (Hultén, 1968: 216).

45 Apropriadamente a concepção do catálogo fazia alusão à máquina de uma forma inovadora utilizando como capa e contracapa folha de alumínio estampada em relevo (como as matrículas automóveis), articuladas por meio de dobradiças com a lombada também de metal.

266 ano anterior numa parceria do MoMA com a organização Experiments in Art and Technology, que teve um papel importante a partir de meados da década de 60 no apoio, com meios técnicos e de engenharia, aos artistas que deles necessitassem para a concepção e realização dos seus projectos tecnológicos.

Na introdução do catálogo Pontus Hultén justifica a inclusão deste tipo de obras ao afirmar: “[…] era essencial que uma exposição preocupada com as atitudes dos artistas relativamente à tecnologia tivesse a maior abertura possível em relação ao futuro, ainda para mais hoje que muitos artistas estão a trabalhar em colaboração estreita com engenheiros.” (Hultén, 1968: 3).

Este repto lançado aos artistas e anunciado no New York Times (17 de Novembro de 1967), pressupunha que as obras a concurso fossem precisamente fruto da colaboração de um artista e de um engenheiro, tendo o júri como critérios não só a criatividade na utilização dos meios tecnológicos mas também o sucesso e a afinidade da colaboração entre engenheiro e artista, cabendo a Pontus Hultén a decisão final da escolha de nove obras a expor, de entre todas as propostas apresentadas (Hultén, 1968: 198-199).

O concurso revelou-se um sucesso nas cerca de duzentas propostas artísticas provenientes de nove países (Hultén, 1968:199), o que demonstra o interesse e a vitalidade da colaboração tecnológica na segunda metade da década 60. Destas obras, perto de 140 apresentaram-se numa exposição paralela no Brooklyn Museum de Nova Iorque (25 de Novembro de 1968 a 5 de Janeiro de 1969), com a designação de Some More Beginnings, organizada pelo E.A.T, como uma extensão da mostra no MoMA46.

As obras escolhidas por Hultén eram variadas no tipo de tecnologia que utilizavam, evidenciando-se o seu movimento e a interacção com o visitante através da reacção ao som por este produzido ou à sua proximidade do objecto.

46 Apesar de Hultén referir no catálogo o número de duzentas obras a concurso, outras fontes (comunicado de imprensa nº 4149 do MoMA) referem um número perto 150 obras, o que nos parece mais plausível face ao conjunto de 140 obras expostas no Brookyn Museum que, adicionadas às nove escolhidas para a exposição do MoMA se aproximam deste número. http://www.moma.org/docs/press_archives/4149/releases/MOMA_1968_July-December_0081.pdf?2010 (acedido a 12 de Novembro de 2012)

267 Através do uso de sensores, motores e mecanismos electrónicos de controlo, as esculturas, que podemos designar de cibernéticas47, completavam-se na interacção com o visitante, enunciando deste modo uma reconfiguração da sua relação e experiência com o objecto artístico.

Está neste caso a peça que ganhou o prémio do concurso lançado pelo E.A.T., a obra Heart Beats Dust (1968), de Jean Dupuy (artista) e Ralph Martel (engenheiro), constituída por uma caixa de acrílico fechada dentro da qual um pó químico muito pouco denso e de cor vermelha, era iluminado por um cone de luz intenso. Na base da caixa, um altifalante amplificava o batimento cardíaco do visitante fazendo com que o pó reagisse às ondas sonoras elevando-se no ar para penetrar no cone de luz revelando deste modo a sua cor vermelha, numa alegoria visual à pulsação do sangue impulsionado pelo batimento do coração do participante.

Uma das nove obras escolhidas por Hultén48 que não pressupunha interacção, mas que fazia alusão directa ao computador como ferramenta de produção, era a obra Studies in Perception, I (1968), de Leon Harmon e Kenneth Knowlton, constituída por uma representação gráfica de um nu reclinado produzido pelo processamento em computador a partir do scanning de uma imagem fotográfica, em que o conjunto de tonalidades de cinzento da imagem original eram analisadas e reduzidas a apenas oito níveis, sendo substituídas por matrizes de pequena dimensão com símbolos matemáticos e símbolos de componentes electrónicos que, deste modo, formavam uma imagem mosaico constituída pelo aglomerado de milhares destes símbolos. Só a aproximação do espectador à imagem permitia perceber os elementos que dela faziam parte.

47 Esculturas cibernéticas são obras que reagem dinamicamente a perturbações detectadas no seu ambiente envolvente ou remoto através de informação veiculada pelos mais variados tipos de sensores (som, infra-vermelhos, movimento, calor, temperatura, humidade, etc) a mecanismos electrónicos de controlo, no sentido de restabelecer um novo padrão de equilíbrio, identificando-se neste aspecto com os processos homeostáticos dos organismos vivos.

48 O conjunto das nove obras escolhidas por Hultén e expostas no MoMA foram: Heart Beats Dust (1968), de Jean Dupuy (artista) e Ralph Martel (engenheiro), Cybernetic Sculpture (1968), de Wen-Ying Tsai (artista e engenheiro) e Frank T. Turner (engenheiro), Fakir in ¾ Time (1968), de Lucy Jackson Young (artista) e Niels O. Young (engenheiro), Arm (1967/68), de Hillary Harris (artista) e James Macaulay (engenheiro), Proxima Centauri (1968), de Lillian Schwartz (artista) e Per Biorn (engenheiro), Toy-Pet Plexi-Ball (1968), de Robin Parkinson (artista) e Eric Martin (engenheiro), ELLI (1968), de John William Anthes (artista) e Tracy S. Kinsel (engenheiro), Studies in Perception, I (1968), Leon D. Harmon (artista) e Kenneth C. Knowlton (engenheiro), Picture-Frame (1968), de Richard Fraenkel (artista) e Jeffrey Raskin (engenheiro).

268 Mas se a exposição no MoMA tinha sido projectada essencialmente como uma retrospectiva do percurso da máquina na interpretação artística, embora lançando um olhar sobre a utilização das novas tecnologias numa passagem de testemunho para uma sociedade em que a importância do processamento da informação começava a despontar, a Cybernetic Serendipity de Londres tinha já plenamente assumida esta temática no seu plano de trabalho, como explicita a curadora Jasia Reichardt no catálogo da exposição:

“A ideia por detrás deste empreendimento, pela qual estou grata ao Professor Max Bense de Estugarda, é mostrar algumas das formas criativas engendradas pela tecnologia. O objectivo é apresentar uma área de actividade que manifesta o envolvimento dos artistas com a ciência e o envolvimento dos cientistas com as artes; do mesmo modo também mostrar as ligações entre os diferentes sistemas empregados pelos artistas, compositores e poetas, e aqueles que estão envolvidos no fabrico e utilização dos dispositivos cibernéticos.”49 (Reichardt, 1968: 5)

Esta exposição, organizada em torno de três núcleos distintos50, contou com 325 participantes, num conjunto de obras de 43 compositores, artistas e poetas, e 87 engenheiros, cientistas e filósofos, distribuídas pelo espaço de 600 m2 (Reichardt, 1971: 11), espaço esse que, partilhado ainda por seis sistemas IBM, máquinas de pintar e robôs, mostrou-se exíguo atendendo ao elevado número de visitantes e ao carácter lúdico e dinâmico de algumas instalações51.

49 “The ideia behind this venture, for which I am gratefull to Professor Max Bense of Stuttgart, is to show some of the creative forms engendered by technology. The aim is to present an area of activity which manifests artist´ involvement with science, and scientist´s involvement with the arts; also, to show the links between the random systems employed by artists, composers and poets, and those involved with the making and the use of cybernetic systems”.

50 A primeira secção agrupava obras gráficas, poemas, textos, filmes e música composta e gerada por computador; a segunda secção englobava dispositivos cibernéticos produzidos com intenção artística, robôs controlados remotamente e máquinas que executavam pintura; a terceira secção, mais generalista, congregava dispositivos variados que demonstravam a utilização de computadores e documentos sobre a história da cibernética (Reichardt, 1968: 5).

51 Ernesto M. de Melo e Castro, na sua apreciação à exposição publicada no suplemento literário do jornal Diário de Lisboa (5 de Dezembro de 1968), refere justamente o espaço demasiado apertado para conter tantas obras e conjunto de visitantes: “A exposição merecia no entanto mais espaço e melhor arrumação: as máquinas interferiam em som, luz, movimento, e espaço ocupado, criando um ambiente de pesadelo que era francamente oposto ao que se propunha: a máquina como extensão do homem, como instrumento capaz de aumentar a capacidade humana para fazer felizes encontros casuais – isto é, aumentar o teor e a frequência da comunicação e o entendimento entre os homens.” (Castro, 1977: 150).

269 Esta mostra teve a particularidade de não distinguir entre engenheiros, artistas, arquitectos ou matemáticos na produção das peças em exibição já que a sua concepção residia na observação do facto de que muitos técnicos, alheios ao mundo artístico, tinham começado a apreciar e a executar imagens que não tinham utilidade prática ligada à sua actividade profissional mas que poderiam ser esteticamente integradas no domínio artístico, sendo este aspecto referido por Jasia Reichardt como a revelação mais importante da exposição (Reichardt, 1968: 5).

Esta situação é de particular significado já que nos anos 60, e através dessa nova ferramenta, o computador, surgiram efectivamente novas estéticas e uma nova geração de artistas com formação técnica avançada, ou que se socorreram de parcerias tecnológicas e técnicas, para as quais muito contribuíram engenheiros, matemáticos e investigadores em Universidades e laboratórios privados e governamentais que tiveram, em primeira-mão, o conhecimento e acesso a esses sistemas sofisticados na sua área de trabalho.

Os pioneiros da denominada Computer Art, de que são exemplo Frieder Nake (n.1938), George Nees (n.1926), ou Michael Noll (n.1939), vieram da comunidade científica, outros, como Weng-Ying Tsai52, trocaram a engenharia pela actividade artística, e artistas, como Nam June Paik (1932-2006), trabalharam com técnicos e engenheiros na sequência do seu trabalho criativo.

Ao perceber estas sinergias, que se vinham desenvolvendo há alguns anos a esta parte, Jasia Reichardt colocou de lado o sistema elitista do museu e da galeria para promover um encontro de tecnologia, ciência, e arte, cuja enorme afluência de visitantes, na ordem dos 60.000 (Reichardt 1971: 11), fez da exposição um enorme sucesso com particular destaque para as peças que modificavam o seu comportamento através da interacção com o público. Na opinião de Jasia Reichardt (Reichardt, 2008: 79) uma dessas obras foi The Colloquy of Mobiles (1968), de Gordon Pask53, que criou

52 Wen-Ying Tsai (n.1928) é um artista de origem chinesa, naturalizado americano na década de sessenta, com formação em engenharia mecânica e considerado um pioneiro da escultura cibernética. Foi bolseiro no Center for Advanced Visual Studies do MIT (1969-1971), e as suas esculturas cibernéticas dos anos sessenta e setenta foram inspiradas no trabalho dos volumes virtuais de Naum Gabo (Kinetic Construction, 1919-1920) (Benthall,1972a:117). As suas obras fazem parte do acervo de instituições de referência entre as quais a Tate Gallery em Londres, o Whitney Museum em Nova Iorque, e o Centre Georges Pompidou em Paris.

53 Gordon Pask (1928-1996) teve uma formação eclética que se iniciou em geologia e engenharia de minas, posteriormente completada em estudos artísticos (BA e MA), em psicologia (PhD) e cibernética

270 um sistema de mobiles accionados por motores comandados por computador e que interagiam entre si, mas também com o público, se este o desejasse.

Esta peça, inspirada nos mobiles de Alexander Calder, levou mais longe o aspecto cinético evidenciado por estes, e merece alguma atenção na perspectiva de uma estética dos sistemas atrás referida. Efectivamente, a obra era constituída por cinco mobiles, controlados por motores e programas de computador autónomos, divididos pelo autor em dois grupos, dois mobiles masculinos rodeados de três femininos, assim denominados por apresentarem diferentes características. Os masculinos tinham a propriedade de poder emitir feixes de luz mas não podiam usufruir da sua iluminação, e os femininos não podiam emitir luz mas podiam reflecti-la através de espelhos móveis. O objectivo era competir e cooperar para estabelecer uma relação masculino/feminino de modo a que a luz emitida pelo mobile masculino fosse reflectida por um feminino na sua direcção. Para a comunicação de posição relativa entre os mobiles havia uma sinalização luminosa intermitente e sonora, estabelecida e reconhecida por cada um, através de microfones e altifalantes que os equipavam. Esta sinalização permitia aos programas alterarem o seu fluxo de operações accionando ou parando os respectivos motores que movimentavam os mobiles54.

Este sistema social, se assim o podemos designar, poderia ser também perturbado pela acção do visitante que, através de estímulos sonoros e luminosos, poderia interferir e tentar criar outras configurações de relação entre os mobiles55.

Funcionando como uma simulação, embora rudimentar, de um modelo de relacionamento comportamental usando a cibernética e a computação, a sua aproximação é sistémica na medida em que são enunciados não só princípios gerais de diferenciação mas também de complementaridade e de sinergia. Do ponto de vista artístico, pode ser encarado como uma metáfora de comportamento social humano no seu jogo de influências e interesses por vezes forçados por factores exteriores que, inesperadamente, podem alterar o decurso dos acontecimentos.

(DSc). Foi um investigador em relações comportamentais e ciências cognitivas e fundador da Research System Ltd, que se dedicava aos estudos em cibernética e sistemas auto-organizados de aprendizagem.

54 A explicação mais detalhada da peça é dada pelo próprio Gordon Pask no catálogo da exposição (Reichardt, 1968: 34-35).

55 Gordon Pask refere-se a esta peça como um ambiente reactivo e adaptativo socialmente orientado, no qual as entidades que o constituem comunicam entre si e aprendem umas com as outras, mesmo na ausência do ser humano (Fernández, 2008: 58) 271 Estas questões interessavam a Gordon Pask que fazia investigação em questões comportamentais, e tinha editado alguns anos antes An Approach to Cybernetics (Londres, Hutchinson, 1961) e A Predective Model for Self Organizing System (Urbana, University of Illinois, 1961), podendo considerar-se a escultura cibernética The Colloquy of Mobiles como um ensaio prático das suas teorias.

Embora as reflexões e os estudos sobre a complexidade dos sistemas tenham captado nos anos sessenta uma grande atenção, a verdade é que em termos de investigação histórica só nas últimas décadas se tem feito uma reavaliação da produção artística e crítica da altura, tendo em atenção esta vertente56.

A exposição Open Systems: Rethinking Art c. 1970, que teve lugar em 2005 na Tate Modern de Londres, foi uma dessas reavaliações ao reflectir sobre a diversidade de peças de trinta e um artistas oriundos de doze países da Europa, dos Estados Unidos, e da América do Sul, em obras que se situavam temporalmente entre 1963 e 1976, embora a tecnologia e a cibernética, que tiveram evidência nas propostas apresentadas na exposição Cybernetic Serendipity, não tivessem sido destacados em nenhum dos núcleos de Open Systems, optando por referenciar nas suas escolhas obras e artistas mais consensuais do domínio do discurso da história da arte contemporânea, de que são exemplos, Andy Warhol, Sol Lewitt, Donald Judd ou Richard Long.

56 A este respeito consultar Reprogramming Systems Aesthetics: A Strategic Historiography por Edward A. Shanken disponível em: http://escholarship.org/uc/item/6bv363d4 (consultado a 23 de Novembro de 2012)

272 4.4 - Arte e Tecnologia - Apoio Institucional: CAVS, E.A.T. e LACMA

Em meados dos anos 60 foram criadas duas organizações nos Estados Unidos que, respondendo de certo modo ao anseio dos artistas de trabalharem com as novas tecnologias, providenciaram conhecimento e apoio técnico especializado no sentido de lhes facilitar essa tarefa. Foram elas a Experiments in Art and Technology (E.A.T.), criada em Novembro de 1966 e anunciada à imprensa no início de 1967 e, no mesmo ano, o Center for Advanced Visual Studies (CAVS), um centro de investigação integrado no Massachusetes Institute of Technology (MIT).

Por seu lado, na costa oeste dos Estados Unidos, o Los Angeles County Museum of Art (LACMA), através do seu curador Maurice Tuchman, concebeu no final de 1966 o projecto Art and Technology (A&T), um projecto inovador e a longo prazo (durou até 1971) cuja finalidade era providenciar sinergias entre a arte e a indústria através da criação de residências artísticas nas empresas que aderissem ao programa e apresentassem níveis importantes de desenvolvimento e investigação tecnológica, estando prevista para mais tarde uma exposição no museu das obras realizadas através dos processos de residência.

Já o objectivo do CAVS liderado por György Kepes - professor de design visual no departamento de arquitectura do MIT desde 1946 - era duplo. Por um lado, a criação de um programa de residências e bolsas de estudo com a duração de dois anos que permitiam aos artistas trabalhar nos seus próprios projectos num ambiente de colaboração com a comunidade científica do MIT e, por outro lado, estimular a sua participação colaborativa em projectos de grande escala em ambiente público patrocinados pelo CAVS.

A organização E.A.T. era uma associação com uma direcção repartida entre engenheiros (Billy Klüver e Fred Waldhauer) e artistas (Robert Rauschenberg e ), que resultou da experiência de colaboração no projecto de cariz tecnológico 9 Evenings: Theatre & Engineering (13 a 23 de Outubro de 1966) - um evento que teve lugar no emblemático 69th Regiment Armory em Nova Iorque, onde em 1913 tinha

273 decorrido a famosa exposição de arte moderna Armory Show - e no qual participaram dez artistas57, na criação de peças de diferente índole (performance, dança, música, teatro, etc.) fazendo uso de novos meios tecnológicos desenvolvidos por uma extensa equipa de engenheiros (cerca de 30) liderados por Billy Klüver58, realização a partir da qual se pensou estabelecer vínculos mais estreitos entre artistas e engenheiros de diversas valências que quisessem colaborar em projectos comuns. Para tal a organização estabeleceu dois vectores de actuação: um programa de assistência técnica, que punha em contacto artistas e engenheiros para eventual cooperação, e projectos próprios geridos pelo E.A.T. que procuravam utilizar recursos dos associados e financiamento exterior.

Pareciam assim estar criadas, a partir destas organizações, condições adequadas para que a introdução das tecnologias mais recentes não fosse obstáculo à sua utilização artística. No entanto, depois de uma certa euforia tecnológica, questões institucionais e ambiente político e social adverso, trouxeram alguns reveses na continuidade dos seus princípios e objectivos.

O programa do LACMA demorou algum tempo a arrancar com os primeiros contratos assinados com empresas em Maio de 196859. O objectivo do programa era, de acordo com uma circular publicada nessa altura, o de “colocar ´em residência´ cerca de 20 artistas importantes por um período de 12 semanas em empresas líderes nas áreas industrial e tecnológica na Califórnia.” (Tuchman, 1971: 11) estando prevista uma exposição dos trabalhos resultantes dessa cooperação para a Primavera de 1970, segundo o curador.

57 John Cage (Variations VII), Lucinda Childs (Vehicle), Öyvind Fahlström (Kisses Sweater than Wine), Alex Hay (Grass Field), Deborah Hay (Solo), Steve Paxton (Physical Things), Yvonne Rainer (Carriage Discretness), Robert Rauschenberg (Open Score), David Tudor (Bandoneon! – a combine), e Robert Whitman (Two Holes of Water – 3).

58 Billy Klüver (1927-2004), foi um engenheiro e cientista nos Bell Telephone Laboratories. No início da década de 60 trabalhou com Jean Tinguely em aspectos técnicos da peça L´Hommage à New York, foi conselheiro técnico de Pontus Hultén na exposição de arte cinética Bewogen Beweging (1961), em Amesterdão, tendo igualmente colaborado com Robert Rauschenberg na escultura sonora Oracle (1962- 1965), com Andy Warhol nas esculturas flutuantes com hélio Silver Clouds (1965-1966), com Jasper Johns nas esculturas Field Painting (1963) e Zone (1966), com John Cage e Merce Cunningham na sua peça Variations V (1965), entre outros.

59 De um conjunto inicial de 250 empresas contactadas apenas foram celebrados contratos com 40 tendo algumas eminentemente tecnológicas, como a California Computer Products, Inc, a National Cash Register Company ou a Packard-Bell Electronics, declinado à partida o convite (Tuchman, 1971: 10, 361, 382).

274 Na verdade, e apesar terem participado no programa 76 artistas, apenas 23 conseguiram efectivamente trabalhar em residências artísticas resultantes das parcerias com as empresas, e desses só pouco mais de metade exibiram as suas obras na exposição levada a cabo no LACMA, inaugurada em Maio de 197160. Algumas das razões apontadas para este número mais reduzido foram diferenças de expectativas entre os artistas e as empresas, trabalho não completado, ou trabalho experimental não passível de ser apresentado em contexto de museu.

É interessante notar a opinião expressa por Maurice Tuchman, em 1970, relativamente à sua expectativa em relação ao programa proposto e à atitude dos artistas. Tuchman esperava alguma resistência por parte destes em trabalharem em ambiente empresarial, no que era por vezes designado como “ […] templos do Capitalismo ou, em particular, na indústria que trabalhava em projectos militares”61, acrescentando porém que de facto essa não foi uma questão que se colocou. É no entanto peremptório ao afirmar que se o programa se tivesse iniciado nesse ano (1970) em vez de 1967, devido à polarização da opinião americana relativamente aos interesses e acordos empresariais e governamentais e à forte oposição da comunidade artística à política externa americana, muitos dos artistas que participaram no programa não o teriam feito.62

De facto, essa afirmação é sintomática de um clima social de instabilidade que se vivia de uma maneira generalizada no fim da década de 60, agravado em particular nos Estados Unidos com a guerra do Vietname, que alimentava um sentimento de protesto anti-guerra e um movimento de contracultura, apoiado por artistas, insurgindo- se contra as grandes corporações, algumas delas com fundos governamentais, que

60 A exposição, inicialmente pensada para Abril de 1970 no LACMA, foi adiada para o ano seguinte porque Maurice Tuchman foi solicitado a expôr um conjunto de trabalhos em Março de 1970 no pavilhão dos Estados Unidos montado na Expo ´70, a feira mundial que decorreu em Osaka. Neste evento foram expostos trabalhos de Claes Oldenburg, Boyd Mefferd, Tony Smith, Robert Whitman, Newton Harrison, Rockne Krebs, Roy Lichtenstein e Andy Warhol (Tuchman 1971: 26-29).

61 “I had expected resistance from artists […], on ´moral´ grounds – opposition, that is, to collaborating in any way with the temples of Capitalism, or, more particularly, with military involved industry. This issue never became consequential in terms of our program […]” (Tuchman 1971: 17).

62 “However, I suspect that if Art and Technology were beginning now instead of in 1967, in a climate of increased polarization and organized determination to protest against the policies supported by so many American business interests and so violently opposed by much of the art community, many of the same artists would not have participated.” (Tuchman, 1971: 17).

275 faziam investigação e estabeleciam acordos com os militares. Essa situação não era certamente benéfica para parcerias que se pretendessem estabelecer entre a indústria e os artistas sob risco de ficarem conotados politicamente63.

Douglas Davis64 na introdução do seu livro Art and the Future (Praeger Publishers, 1972)65, é muito claro relativamente à situação que se vivia na altura ao referir:

“Ao escrever isto neste momento, tenho plena consciência que a grande euforia dos meados da década de 60, quando artistas e engenheiros se juntaram em número significativo, já passou. […] Max Kozloff acusa os artistas que participaram na exposição Art and Technology no Los Angeles County Museum de nada menos do que cegueira moral. […] A guerra [do Vietname] tornou-nos a todos doentes, e ouvimos falar pouco no presente acerca do potencial criativo da tecnologia por contraste com o muito que se ouve falar da capacidade do seu poder destrutivo. […] Claro que esta posição não pode prolongar-se. A Arte não pode mais rejeitar a tecnologia ou a ciência do que o mundo ele próprio.”66 (Davis, 1972: 11)

63 Numa carta do artista britânico de origem alemã Gustav Metzger (n.1926) - membro da Computer Arts Society de Londres e conhecido pelo seu activismo político e arte socialmente empenhada, - dirigida a Douglas Davis, e por este transcrita parcialmente, refere: “O artista comprometido com o uso de computadores e tecnologia avançada precisa de se relacionar com esses cientistas e técnicos lutando de dentro contra o sistema, na tentativa de expôr a desastrosa aliança da ciência com um sistema social explorador e destructivo.” (Davis, 1972: 109).

64 Douglas Davis (1933-2014), foi um autor, um crítico de arte, e um artista com uma carreira importante a partir dos anos 60. Foi bolseiro do Center for Advanced Visual Arts no MIT, pioneiro da videoart e colaborador de Nam June Paik e Joseph Beuys na primeira transmissão internacional de televisão em directo via satélite, realizada por artistas durante a documenta 6 (1977). Em 1994 foi o autor de The World´s First Collaborative Sentence, a primeira obra de netart a ser adquirida por um museu (Whitney Museum of American Art).

65 Douglas Davis (1972). Art and the Future – A History/Prophecy of the Collaboration Between Science, Technology and Art, Nova Iorque: Praeger Publishers.

66 “As I write this, I am more than normaly aware that the heady euphoria of the mid-1960´s, when artists and engineers came together in significant numbers for the first time, has passed. […] Max Kozloff charges the artists who participated in the Los Angeles County Museum´s Art and Technology exhibition with nothing less than moral blindness. God knows, I sympatize with the emotions behind this reaction. The war [Vietname] has sickened us all, and we hear little at this hour about the creative potential of technology and much about its destructive capacity. […] This position cannot long endure, of course. Art can no more reject technology or science than it can reject the world itself.”

276 Este sentimento de abrandamento do relacionamento entre arte e tecnologia na década de 70, em particular nos Estados Unidos67, tem de ser colocada na perpectiva de uma arte apoiada por grandes corporações e numa altura histórica muito particular já que, na verdade, a mesma questão não se colocou nos anos 90 com o programa de residências artísticas da Xerox nas suas instalações em Palo Alto na California (Palo Alto Research Center Artist-in-Residence Program) que decorreu entre 1993 e 199968.

Inclusive o projecto de Maurice Tuchman no LACMA deixou raízes nesta instituição tendo sido retomado pelo museu recentemente (2014) para a criação nas suas instalações do Art + Technology Lab69, com a finalidade de dar suporte ao desenvolvimento de projectos tecnológicos com apoios empresariais (Google, Accenture, NVidia, SpaceX, Daqri, e Gensler)70, assumindo os responsáveis pela sua criação a inspiração histórica no projecto de Tuchaman

Nesse âmbito, e decorrente do lançamento de um concurso público de projectos lançado em Dezembro de 2013, foram avaliados cerca de 450 projectos submetidos até ao fim de Janeiro de 2014, dos quais foram escolhidos cinco71 que irão contar com apoio técnico, financeiro, e das empresas participantes, para desenvolvimento e apresentação pública no ano inaugural do programa. O elevado número de projectos a concurso em tão curto espaço de tempo é obviamente um sintoma de uma enorme

67 Este assunto foi abordado por Marga Bijvoet em “How Intimate Can Art and Technology Really Be? A Survey of the Art and Technology Movement of the Sixties”, in Philip Hayward (ed.) (1990). Culture Technology & Creativity in the Late Twentieth Century, Londres: John Libbey & Company, pp. 15-37 e também por Anne Collins Goodyear em “From Technophilia to Technophobia: The Impact of Vietname War on the Reception of ´Art and Technology´”, in, Leonardo, Vol. 41, No. 2, 2008, pp. 169-173. Sem focar os problemas sociais ou políticos Jack Burnham, desiludido com as questões técncicas que marcaram a exposição Software por ele criada em 1970, marca a sua posição com o artigo “Art and Technology: The Panacea that Failed” in, Kathlenn Woodward (ed.) (1980). The Myths of Information: Technology and Post Industrial Culture, Madison, Wi: Coda Press, pp. 200-215.

68 A este respeito ver: Craig Harris (ed.) (1999). Art and Innovation – The Xerox Parc Artist-In-Residence Program, Cambridge e Londres: The MIT Press.

69 Endereço electrónico: http://www.lacma.org/lab (consultado em 19 de Setembro de 2014)

70 Genericamente as áreas de actuação destas empresas são as tecnologias de informação (Google), gestão empresarial e tecnologias de informação (Accenture), computação visual (NVidia), indústria aero- espacial (SpaceX), tecnologias de realidade virtual (Daqri), e arquitectura e design (Gensler).

71 Os artistas e projectos escolhidos foram Taeyoon Choi e E Roon Kang (In Search of Personalized Time), Annina Rüst (A Piece of the Pye Chart), John Craig Freeman (Things We Have Lost), Tavares Strachan (Lift Off), Rachel Sussman (The Poetics of Space). Informação em: http://www.architectmagazine.com/arts-and-culture/lacma-selects-five-recipients-for-its-inaugural-art-- technology-lab-grant-awards_o.aspx (consultado em 18 de Setembro de 2014). 277 vitalidade e interesse na experimentação tecnológica no âmbito da expressão plástica, manifestamente fruto também não só de uma tecnocultura generalizada mas também de uma formação transdisciplinar, tanto de artistas como de curadores neste século XXI.

Retomando os acontecimentos dos anos 60, a organização E.A.T., que teve durante os seus primeiros anos um sucesso assinalável não só com a organização da exposição Some More Begginings (1968) no Brooklyn Museum de Nova Iorque, mas também na capacidade de angariar fundos, na captação de membros (mais de 2.000 artistas e 2.000 engenheiros em 196972), e no número de projectos em que conseguiu estabelecer uma intermediação entre engenheiros e artistas (cerca de 500 nos primeiros dois anos73), enfrentou no entanto, na década de 70, alguns contratempos. O primeiro deles foi no projecto para o pavilhão da Pepsi-Cola na Expo ´70 em Osaka, para o qual o E.A.T. tinha criado um conjunto de ideias inovadoras e envolvido um elevado número de engenheiros e artistas mas que, devido a atrasos, problemas técnicos, e “derrapamentos” financeiros, acabou por não contar com o apoio da Pepsi-Cola para a programação dos eventos durante o acontecimento, como estava previsto inicialmente. A publicidade negativa envolvida num evento desta responsabiblidade obviamente não abonou a favor da organização.

Ainda em 1970, Douglas Davis faz referência (Davis, 1972: 137) a um artigo com o título “Who Is Being Eaten?”74, publicado na revista underground americana The East Village Other pelo crítico Alex Gross, no qual este denuncia os desvios desta organização relativamente aos seus objectivos iniciais, invocando julgamentos menos próprios na atribuição dos prémios a concurso de obras resultantes da parceria de artistas e engenheiros, anunciado em Novembro de 1967, e expostas mais tarde no

72 De acordo com informação fornecida por Billy Klüver a Craig Harris, na altura director executivo da International Society for the Arts, Sciences and Technology (ISAST), e por este referida em: Craig Harris (ed.) (1999). Art and Innovation – The Xerox Parc Artist-In-Residence Program, Cambridge e Londres: The MIT Press, pp. 10-11. Esta informação também faz parte do prospecto Experiments in Art and Technology – A Brief History and Summary of Major Projects 1966-1998, editado pela organização em 1998, disponível em: http://www.vasulka.org/archive/Writings/EAT.pdf (consultado em 20 de Setembro de 2014)

73 Informação referida em 1972 por Douglas Davis em Art and the Future – A History/Prophecy of the Collaboration Between Science, Technology and Art, Nova Iorque: Praeger Publishers, p.73.

74 Alex Gross (1970). “Who Is Being Eaten?”, in, The East Village Other, Vol. 5, No. 13, 3 Março 1970, p.14. Disponível em: http://eastvillageother.org/pdf/the-paper/EVO-ISSUE-V05N13.pdf (consultado em 21 de Setembro de 2014).

278 MoMA (The Machine As Seen at the End of the Mechanical Age), acusando-a de má gestão de fundos na sua maioria destinados a salários da direcção e custos administrativos injustificados, e de um tratamento elitista em relação a alguns artistas.

Também Jack Burnham em 1980, já numa fase em que pouco acreditava nas sinergias entre arte e tecnologia, referiu que: “Sem dúvida que o grande sucesso do E.A.T. foi a sua grande facilidade em captar avultadas somas de dinheiro do National Endowment for the Arts, do New York Arts Council, de grandes corporações, e de vários patronos das artes. A tecnologia parecia ser a chave para abrir todos os cordões das bolsas”75 (Burnaham, 1980), sugerindo que a realização artística era pouco mais do que um meio para atingir um fim de certo modo afastado cada vez mais dos princípios que tinham norteado a criação da organização.

Efectivamente, dos eventos organizados pelo E.A.T. na década de 70 não constaram mais exposições emblemáticas em conjunto com museus de referências ou projectos artísticos relevantes usufruindo de investigação tecnológica saída dos laboratórios, como tinha sido o caso em 1966 da performance Open Score (14 e 23 de Outubro) de Robert Rauschenberg, integrada nas apresentações de 9 Evenings: Theatre & Engineering, que tinha feito uso de transmissores portáteis de FM e captação de imagem no escuro através de câmaras de televisão sensíveis ao infra-vermelho. Eventualmente, a expectativa criada na década de 60 não teve continuidade nas práticas das décadas seguintes. Alguns dos projectos em que o E.A.T. participou já não tinham a ver directamente com a participação dos artistas, de que é exemplo Rooftop Gardenning (1971), especificamente designado na documentação do E.A.T. como Projects Outside Art76, um trabalho em parceria com o Environmental Laboratory Research da Universadade do Arizona para a criação de uma estufa no topo de um edifício. Outros exemplos são Recording of Indigenous Culture in El Salvador (1972), um estudo de viabilidade encomendado pelo governo de El Salvador para a utilização de equipamento móvel de transmissão de televisão na criação de conteúdos culturais em canais

75 “No doubt, E.A.T.´s greatest success was its ability to extract relatively large sums of money from the National Endowment for the Arts, the New York Arts Council, large corporations, and various patrons of the arts. Technology seemed to be the key to loosening all sorts of purse strings.”

76 Experiments in Art and Technology – A Brief History and Summary of Major Projects 1966-1998, editado pela organização em 1998, disponível em: http://www.vasulka.org/archive/Writings/EAT.pdf (consultado em 20 de Setembro de 2014)

279 educativos, e Large Screen Outdoor Television System (1976-77), um sistema de projecção para a praça do Centre Georges Pompidou, que não chegou a ser realizado por questões financeiras, numa altura em que era seu director Pontus Hultén, amigo pessoal de Billy Klüver, dirigente do E.A.T., que tinha conhecido em Estocolmo na década de 50, e mantido com ele contacto não só enquanto director do Moderna Museet mas também posteriormente na colaboração e apoio técnico a diversas exposições.

É porém também de elementar justiça referir alguns trabalhos do E.A.T. nas décadas de 70 e 80 com artistas de que são exemplos Island Eye – Island Ear (1974), com David Tudor, ou Opal Loop (1980), com Fujiko Nakaya, e afirmar que, apesar dos desvios de percurso do E.A.T., é inegável o seu papel pioneiro na organização de equipas multidisciplinares facilitadoras da integração da tecnologia no âmbito artístico, promovendo o que hoje é já comum tanto na elaboração de workshops como na realização de projectos, residências artísticas, e ensino.

A outra organização criada nos anos 60, o CAVS, teve no seu fundador, György Kepes (1906-2001) e em Otto Piene (1928-2014), que lhe sucedeu na direcção e tomou conta dos destinos da instituição entre 1974 e 1993, dois artistas com gosto por projectos cívicos de grande dimensão aliando a visão exploratória do espaço público como cenário de expressão plástica. Neste particular Otto Piene tirou partido do céu como pano de fundo para instalar estruturas ou tubos de grande dimensão de polietileno insuflável, que oscilavam ou modificavam a sua forma ao sabor dos elementos atmosféricos, numa modalidade artística que Piene designou de Sky Art (1969). Já György Kepes, que tinha sido convidado por László Moholy-Nagy, em 1937, para assumir a direcção do departamento de Luz e Cor (Ligh and Color Department) na recém criada New Bauhaus de Chicago77, teve na escultura e design da luz uma das suas áreas de trabalho privilegeada de que foram exemplos a criação, em 1949, de um painel programável de néons e luzes incandescentes encomendado pela Radio Shack, para a sua loja de equipamentos electrónicos em Boston, e de um mural cinético-luminoso para os escritórios em Nova Iorque da companhia de aviação KLM, em 195978.

77 Mais tarde Chicago School of Design e Institute of Design, integrado em 1949 no Illinois Institute of Technology.

78 Jack Burnham dedica todo um capítulo do seu livro Beyond Modern Sculpture – The Effects of Science and Technology on the Sculture of this Century (Gerorge Brazilier, 1968/1982), às relações da luz com a escultura (“Light As a Sculpture Medium”, pp. 285-311).

280 O facto de, em 1946, ter sido convidado pelo MIT para integrar a disciplina de design visual no ensino do departamento de arquitectura, aliado aos projectos citados que entretanto desenvolveu, fez com que o meio urbano fosse naturalmente um terreno fértil para uma arte que, acreditava, deveria ter um propósito social. Na verdade, o primeiro projecto colectivo que propôs ao CAVS foi a criação, no porto marítimo de Boston, de uma enorme torre de luz programada por diferentes dispositivos, obra que por variadas razões nunca foi realizada79, e de algum modo criticada por Jack Burnham, um dos primeiros artistas integrado no programa do CAVS, que acusou mais tarde a instituição da falta de um programa concreto “ […] para além de preencher os sonhos vagos do director de criar situações urbanas espectaculares.”80 (Burnham, 1980).

Tal como outras instituições também o MIT foi alvo de protestos estudantis no fim da década de 60 contra o envolvimento dos Estados Unidos na guerra do Vietname e no empenhamento dos seus laboratórios de investigação no desenvolvimento de tecnologia militar81. Na verdade, muito do seu financiamento provinha de contratos governamentais nesse sentido. Estas épocas de turbulência tiveram em Howard W. Johnson, presidente do MIT entre 1966 e 1971, o discernimento necessário para contornar a situação implementando programas de índole tecnológica aplicados aos problemas urbanos e das comunidades, o que de facto constituíu um dos focos da

79 Nesta obra foi colocada uma expectativa elevada nomeadamente a de constituir um símbolo da cidade e um marco importante nas celebrações do bicentenário dos Estados Unidos, que seria comemorado em 1976. O segundo projecto colectivo do CAVS, em 1968, foi o da construção no perímetro do MIT de uma fonte de líquidos de diferentes densidades com objectivo de criar uma coreografia animada pela programação de um conjunto de luzes stroboscópicas e efeitos luminosos (Massachusetts Institute of Technology Bulletin, Vol. 104, No. 3, Dezembro de 1968, pp. 48-49). Este boletim encontra-se disponível em: http://libraries.mit.edu/archives/mithistory/presidents-reports/1968.pdf (consultado em 25 de Setembro de 2014).

80 “Certainly the Center never really had any concrete program, outside of fulfilling the director´s vague dreams of creating urban spectaculars. During my first month and a half we met twice weekly to discuss Kepes´ambitions for erecting a colossal light tower in the middle of Boston Harbour. Somehow the conversation and exchange of ideias remained vague.”

81 Era o caso do MIT Lincoln Laboratory, criado no início da década de 50 e encarregue na altura do desenvolvimento de um novo sistema de defesa aérea dos Estados Unidos, que ficou sempre na dependência de projectos de investigação ligados ao Departamento de Defesa. Segundo o jornal The Tech, editado pelo MIT (The Tech, Volume 109, Issue 7, 28 Fevereiro de 1989, p. 5) no ano fiscal de 1988 as verbas para investigação no MIT rondavam os 540 milhões de dólares em que cerca de 80% era proveniente de projectos financiados pelo Departamento da Defesa dos Estados Unidos, em grande parte canalizado para o MIT Lincoln Laboratories (cerca de 386 milhões de dólares).

281 actividade do CAVS no princípio dos anos 70, ao envolver-se num conjunto de projectos de arquitectura e desenvolvimento urbano (Douglas, 1972: 116). Tal como refere Jack Burnham, “Abundavam as especulações de que o Centro era um gesto do MIT em direcção a um certo humanismo, talvez um meio de desviar o foco de atenção da presença de numerosos contratos com a Marinha e a Força Aérea.”82 (Burnham, 1980). Eventualmente foi esta postura que grangeou da parte da direcção do MIT o suporte para a sua manutenção, já que Kepes não tinha apoio financeiro de empresas de grande dimensão.

As primeiras residências artísticas no CAVS começaram em Novembro de 1967 com Harold Tovish, ao qual se juntou mais tarde Otto Piene, Will Garnett e Vassilakis Takis. No ano académico seguinte foi a vez de Jack Burnham e Ted Kraynik, e em Fevereiro e Março de 1969, respectivamente, Stan VanDerBeek e Wen-Ying Tsai, tendo entretanto Kepes organizado em Março de 1968 um simpósio sobre Arte e Ciência em parceria com o Centro de Física Teórica do MIT83.

O ano de 1969 foi, para o CAVS, o da organização da exposição que iria representar os Estados Unidos na X Bienal de Arte de São Paulo, a realizar entre os meses de Setembro a Dezembro, e que decorreu de um convite feito pela National Collection of Fine Arts do Smithsonian Institution. Para tal Kepes contava com os artistas residentes e com mais doze artistas que convidou, não pertencentes ao Centro84. No entanto, devido a um boicote generalizado de uma parte substancial dos artistas das representações nacionais como protesto pela situação política de ditadura militar que se vivia no Brasil, também mais de um terço dos artistas da representação americana recusou apresentar obras, invibializando assim a presença dos Estados Unidos na exposição85.

82 “Speculation abounded that the Center was M.I.T.´s gesture towards the humanities, perhaps a means of focusing attention away from the presence of so many Navy and Air Force contracts.”

83 Massachusetts Institute of Technology Bulletin, Vol. 104, No. 3, Dezembro de 1968, p. 386.

84 Massachusetts Institute of Technology Bulletin, Vol. 105, No. 3, Dezembro de 1969, pp. 437-438. Disponível em: http://libraries.mit.edu/archives/mithistory/presidents-reports/1969.pdf (consultado em 27 de Setembro de 2014).

85 Devido a estes acontecimentos terem ocorrido em datas relativamente próximas da exposição, o catálogo da X Bienal de São Paulo ainda menciona os Estados Unidos como país participante (X Bienal

282 Havia entretanto uma preparação já feita de algumas obras para este evento entre as quais um mural luminoso controlado electronicamente (cerca de 5 metros de altura por 26 metros de comprimento) de Ted Kraynik, estruturas pneumáticas de Otto Peine de grande dimensão, um mural dinâmico de Stan VanDerBeek que utilizava tecnologia Xerox, e uma peça do próprio Kepes em colaboração com William Wainwright denominada Photoelastic Walk, uma obra interactiva composta por luzes fluorescentes e painéis polarizados que mudavam de cor quando o visitante os pisava (Kepes e Supovitz, 1978: 15).

No ano seguinte organizou a exposição Explorations (Março e Abril de 1970), primeiro na Hayden Gallery do MIT e depois na National Collection of Fine Art, em Washington, para mais tarde criar a exposição Multiple Interaction Team, uma exposição itinerante (1972-74) financiada pelo National Endowment for the Arts, que fechou o ciclo de trabalhos de Kepes à frente dos destinos do CAVS.

Esta exposição, que aspirava a estabelecer um novo formato de apresentação das peças artísticas para além da usual contemplação estática do público, pretendia estimulá-lo a participar activamente na interacção com as obras que, ao mesmo tempo, não eram exemplos isolados do trabalho dos artistas do Centro mas apresentavam entre si uma certa organicidade, ou uma sinergia interactiva, nas palavras de Kepes86.

Este envolvimento do público era para Kepes fundamental, inserindo-se numa linha de desenvolvimento que denominou de arte cívica, título de um artigo publicado em 1971 na revista Leonardo (“Toward Civic Art”)87, baseado num texto com o mesmo nome incluido no catálogo da exposição Explorations (1970).

Mais tarde editou o livro Arts of the Environment (1972)88, em que dá conta da necessidade de uma arte desperta para as questões ambientais e ecológicas, e que integra

de São Paulo, São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 1969, p.15) apesar de, no seu interior, não fazer referência a artistas e obras, como para os outros países.

86 Massachusetts Institute of Technology Bulletin, Vol. 105, No. 3, Dezembro de 1969, pp. 437-438. Disponível em: http://libraries.mit.edu/archives/mithistory/presidents-reports/1969.pdf (consultado em 27 de Setembro de 2014)

87 György Kepes, “Toward Civic Art”, Leonardo, Vol. 4, No.1 (Winter, 1971), pp. 69-73.

88 György Kepes (ed.) (1972). Arts of the Environment, Nova Iorque: George Braziller

283 a publicação do artigo “The City as an Artwork”, do grupo Pulsa89, um colectivo de artistas que assumia as estruturas e ambientes urbanos como espaço e matéria de intervenção dedicando-se, no fim da década de 60 e inícios de 70, à realização de instalações de índole tecnológica90.

Nestas instalações, utilizavam a informação do ambiente (som, humidade, temperatura, movimento, etc.) para, depois de processada por sistemas electrónicos e computadores, produzirem novos ambientes (luz, som, controlo de temperatura, etc.), que interagiam com os visitantes na produção de um “ecosistema” artificial. Jack Burnham, ao referir-se à actividade do grupo menciona que: “Os seus membros falam do computador como um dispositivo sensor do ambiente para estruturar a participação humana no ambiente.”91 (Burnahm, 1969: 108), o que aponta para novos horizontes e aplicações do computador distintas dos gráficos da computer art dos anos 60, em que é valorizada a interacção com os sistemas de um modo integrado e não determinista, uma via artística que seria explorada subsequentemente com o desenvolvimento das tecnologias de informação, da programação, e de novas interfaces interactivas.

A partir de 1974 Otto Piene foi o sucessor de Kepes na direcção do CAVS, função que exerceu durante quase 20 anos, até Setembro de 1993.

Uma das suas primeiras iniciativas foi expandir em larga medida os programas académicos multidisciplinares (arte, ciência e tecnologia) oferecidos pelo CAVS tendo para tal nomeado para a sua direcção o professor Robert Preusser que, como vimos, já tinha experiência deste tipo de formação no MIT antes de surgir o Centro. O resultado foi um assinalável sucesso com 133 alunos inscritos em 1974-75 e 240 inscrições no ano lectivo seguinte92, numa demonstração de interesse por esses cruzamentos.

89 O grupo Pulsa iniciou as suas actividades em 1967 e era constituído na sua formação inicial por dez elementos dos quais se mantiveram Michael Cain, Patrick Clancy, William Crosby, William Duesing, Paul Fuge, Peter Kindlmann, e David Rumsey. A formação académica dos seus membros integrava várias valências compreendendo a psicologia, a física, as artes plásticas, a arquitectura.

90 São exemplos Boston Public Gardens Demonstration (1968), uma instalação luminosa e sonora no lago dos jardins da cidade e, dois anos depois, no jardim das esculturas do MoMA, no âmbito da exposição Spaces (Janeiro e Fevereiro de 1970) realizado nesta instituição.

91 “As a group, Pulsa is not insensitive to the need for using a computer more elegantly. Its members talk of the computer as an environmental sensing device for structuring human participation in the environment.”

92 Massachusetts Institute of Technology Bulletin, Vol. 111, No. 4, Novembro de 1975, p. 76. Disponível em:

284 Em 1975 a conferência e exposição ARTTRANSITION, preparada pelo CAVS, trouxe até ao MIT pela primeira vez um conjunto de mais de uma centena de artistas, teóricos, e investigadores de diferentes universidades, museus e galerias, e entre 1975 e 1976 as exposições Boston Celebrations: Part I (1975) e Boston Celebrations: Part II (1976), foram a contribuição do CAVS para as celebrações do bicentenário da cidade de Boston93.

No ano seguinte, o CAVS internacionaliza-se ao marcar presença na documenta 6 de Kassel com a peça interactiva Centerbeam (1977), também exibida no ano seguinte em Washington. Para o projecto e execução desta obra foram mobilizados os recursos humanos do CAVS e de vários departamentos do MIT, tal a complexidade da obra com uma estrutura considerável, e que combinava um prisma de água de cerca de 50 metros de comprimento, projecções de laser em ecrãs de vapor de água, hologramas orientados pela direcção da luz solar, som processado, vídeo, esculturas insufláveis de hélio, e um ambiente natural de plantas. A interacção dos elementos entre si convidavam à participação do espectador que podia manusear espelhos, hologramas, video interactivo, e despoletar, com a sua presença, sons variados94.

Esta forma apelativa de participação de públicos foi um vector característico das obras desenvolvidas pelo CAVS, tanto durante a orientação de Kepes como de Otto Piene, que sempre tiveram um espírito comunitário tanto na apresentação como na fase de concepção e execução dos projectos na convergência de artistas e profissionais de diferentes sensibilidades num ambiente de partilha multidisciplinar, certamente uma das mais valias do CAVS.

O Center for Advanced Visual Studies sobreviveu até 2009, ano no qual foi fundido com o Visual Arts Program, criado em 1989, para dar origem ao MIT Program in Art, Culture and Technology, um departamento de ensino e centro de investigação com valências académicas que continua integrado no departamento de Arquitectura do MIT, conferindo na sua formação avançada um grau de Mestre (Master of Science) em Arte Cultura e Tecnologia.

http://libraries.mit.edu/archives/mithistory/presidents-reports/1975.pdf (consultado em 27 de Setembro de 2014)

93 Massachusetts Institute of Technology Bulletin, Vol. 111, No. 4, Novembro de 1975, p. 78, e, Vol. 112, No. 4, Novembro de 1976, p. 67.

94 Massachusetts Institute of Technology Bulletin, Vol. 113, No. 4, Novembro de 1977, p. 75. 285 4.5 - A Europa e a América do Sul

4.5.1 - Argentina

Embora nos anos 60 e 70 tanto a Argentina como o Brasil estivessem, tal como Portugal, igualmente sob um regime ditatorial, isso não impediu de algum modo a abertura desses países relativamente à possibilidade de introdução das novas tecnologias no seio artístico.

Na Argentina um dos principais promotores foi Jorge Glusberg (1932-2012), que entre outras actividades exerceu a função de presidente da secção nacional da Associação Internacional dos Críticos de Arte (AICA), nos períodos de 1978-1986 e 1989-199295, foi professor associado no departamento de Belas Artes da Universidade de Nova Iorque (1981-1993), director do Museu de Belas Artes de Buenos Aires entre 1994 e 2003 e também, na década de 90, editor honorário da revista Leonardo, além de ter organizado inúmeras exposições e escrito mais de vinte volumes sobre crítica e história da arte.

Em 1969, e nos anos subsequentes, destacou-se na direcção do Centro de Arte y Comunicación (CAyC) em Buenos Aires, nome pelo qual passou a designar-se o Centro de Estudos de Arte y Comunicatión de la Fundación de Investigación Interdisciplinaria (CEAC) que tinha sido por si criado no ano anterior, e cujo objectivo, assumido pela nova estrutura, era a de “[…] promover a execução de projectos e exposições nas quais a arte, os meios tecnológicos, e os interesses da comunidade se conjuguem num intercâmbio eficaz, pondo em evidência a nova unidade da arte com a ciência e o ambiente social em que vivemos”96.

95 Nestes períodos foram presidentes da secção portuguesa da AICA : Carlos Duarte (1977-1980), Pedro Vieira de Almeida (1980), Fernando Pernes (1981-1983), Sílvia Chicó (1984-1988), Fernando Azevedo (1988-1995).

96 "Qué es el CEAC = What is the CEAC.", in, Primera Muestra del Centro de Arte y Comunicación de la Fundación de Investigación Interdisciplinaria, Buenos Aires: Centro de Arte y Comunicación, 1969 [catálogo de exposição]. Este texto encontra-se em arquivo no International Center for the Arts of the Americas do Museum of Fine Arts, em Houston (consultado em 10 de Agosto de 2014): http://icaadocs.mfah.org/icaadocs/THEARCHIVE/FullRecord/tabid/88/doc/748067/language/en- US/Default.aspx

286 Para desenvolver as suas acções a organização tinha um carácter multidisciplinar constituída por “ […] artistas, sociólogos, lógicos, matemáticos, críticos de arte e psicólogos, cuja tarefa comum é destacar o comportamento e o desenvolvimento dos fenómenos de comunicação de massas e a ruptura das formas tradicionais para permitir a abertura a novos sistemas de expressão, nos quais os investigadores e os artistas tenham interesse em perfilar os interesses plásticos do homem do século XXI.”97

Este centro de estudos teve uma visibilidade internacional ao ser divulgada a sua criação pela revista Leonardo (Vol. 3, No. 2, Abril 1970, pp. 253-254) na secção International Opportunities for Artists, incentivando a colaboração com a organização que nessa altura já tinha realizado a sua primeira exposição de âmbito internacional denominada Arte y Cibernetica, também divulgada pela revista.

A mostra Arte y Cibernetica, organizada por Jorge Glusberg entre os meses de Agosto e Setembro de 1969 na Galeria Bonino em Buenos Aires, teve a participação de artistas argentinos (Luis Benedit, Antonio Berni, Ernesto Deira, Eduardo Mac Entyre, Osvaldo Romberg e Miguel Ángel Vidal) que produziram pela primeira vez obras gráficas fazendo uso da computação, recorrendo para tal aos sistemas do Centro de Cálculo de la Escuela Técnica ORT de Buenos Aires que dispunha de um computador IBM 1130 e de um plotter de tambor IBM 1627. Além da exposição em si decorreram em paralelo durante o mês de Setembro (dias 1, 8 e 15) um conjunto de comunicações, agrupadas sob a designação de Seminario de Información y Acercamiento, em que Glusberg98 apresentou as experiências já realizadas em Tóquio, Nova Iorque e Londres, respectivamente pelo Computer Technique Group, pela organização Experiments in Art and Technology, e as realizadas no contexto da exposição Cybernetic Serendipity. Este seminário foi divulgado pelo boletim Page da Computer Arts Society de Londres (Page, 4, Agosto de 1969)99, que se tinha iniciado com o seu primeiro número em Abril desse

97 Ver nota anterior.

98 Além da comunicação de Glusberg no dia 8 de Setembro participaram o engenheiro Ricardo Ferraro, abordando questões relacionadas com o desenho automático (1 de Setembro), e o arquitecto Arturo Montagu que apresentou as conclusões do seminário de aprendizagem técnica-artística relacionado com as capacidades da computação e do desenho em plotters (15 de Setembro).

99 Disponível em: http://computer-arts-society.com/uploads/46_4f4b90455149b266893992.pdf (consultado em 9 de Agosto de 2014)

287 ano, mostrando a atenção que Glusberg colocava já na questão da divulgação e comunicação internacional.

A ideia desta exposição, refere o próprio Glusberg (1986: 20), resultou de uma visita ao Japão em Fevereiro desse ano, durante a qual contactou com o grupo de designers e engenheiros japoneses do Computer Technique Group que faziam uso dos computadores para a realização das suas obras gráficas. Uma vez regressado da visita, fomentou em Abril um seminário com artistas argentinos e engenheiros do Centro de Cálculo, que propiciaram o suporte técnico e utilização dos equipamentos, cujos resultados foram objecto da exposição Arte y Cibernetica, inaugurada a 19 de Agosto, com obras de artistas argentinos acompanhadas de vinte trabalhos de japoneses do Computer Technique Group, e seis trabalhos de artistas britânicos e americanos (Glusberg, 1986: 21)100. Esta mostra constituiu-se, segundo Glusberg, como a primeira deste género na América Latina tardando apenas um ano relativamente à exposição de referência Cybernetic Serendipity, de Londres, numa demonstração de sintonia relativamente à via de experimentação tecnológica dos novos meios101.

No texto que acompanhava a exposição, Glusberg102 explicava que a intenção da mesma era não só difundir em Buenos Aires “ [...] uma das experiências mais importantes do século.”, mas também dar a conhecer aos artistas argentinos as

100 Num boletim redigido em inglês, que refere o conjunto de actividades levadas a efeito pelo CAyC, entre exposições nacionais e internacionais, colóquios e cursos, a exposição de 1969 tem a seguinte descrição: “1969 – August: Art and Cybernetics: exhibition of engravings with the computer of the Computer Tecgnique Group (Tokyo), Motif Editions (London), and Eleven Argentine Painters”. Este boletim sem data de edição e sem paginação foi enviado por Jorge Glusberg a Ernesto de Sousa (provavelmente no ano de 1976, fruto da correspondência trocada) e encontra-se no seu espólio (biblioteca pessoal) à guarda de Isabel Alves. A Motif Editions, foi uma editora inglesa de gravuras de arte que lançou uma edição limitada de litografias de algumas obras executadas em computador apresentadas na exposição Cybernetic Serependity.

101 A apetência por este tipo de novidade fez com que a exposição tivesse um percurso por outros países passando por Punta del Este no Uruguai (Fevereiro/1970), pela Bienal de Arte Coltejer em Medellin na Colômbia (Maio/1970), pela Galeria Bucholz em Bogotá na Colômbia (Junho/1970), pelo Museu de Belas Artes de Montevideo no Uruguai (Agosto/1970), e por Chicago nos Estados Unidos (Agosto/1971). Esta informação consta de um boletim de actividades do CAyC no espólio de Ernesto de Sousa (biblioteca pessoal) a cargo de Isabel Alves.

102 Jorge Glusberg (1969). "Arte y Cibernética", in, Primera Muestra del Centro de Arte y Comunicación de la Fundación de Investigación Interdisciplinaria, Buenos Aires: Centro de Arte y Comunicación, [catálogo de exposição]. Este texto encontra-se em arquivo no International Center for the Arts of the Americas do Museum of Fine Arts, em Houston (consultado em 10 de Agosto de 2014): http://icaadocs.mfah.org/icaadocs/THEARCHIVE/FullRecord/tabid/88/doc/747989/language/en- US/Default.aspx

288 possibilidades deste novo instrumento de criação no estímulo a uma interdisciplinaridade como “ [...] reflexo da época em que vivemos”.

Estava-se no final dos anos 60 num período de intensa mudança, social, tecnológica e artística em que Glusberg reconhecia “O desinteresse cada vez maior na obra de arte como objecto [...]”, afirmando que: “O artista da actualidade está mais interessado no comportamento, que na essência das coisas, e esta tendência identifica-se evidentemente com a visão cibernética. A arte actual é processo e tem a sua finalidade em aberto; está em contínuo estado de mudança e participa com o espectador das decisões e acções que a informam.” (Glusberg, 1969), percebendo a mudança de paradigma que se estava a operar, e à qual o artista não se podia alhear103.

No seguimento desta exposição o CAyC apresentou nos dias 21 e 22 de Outubro de 1969 um evento ao vivo denominado Argentina Inter-medios, integrado no X Congresso Mundial de Arquitectos, que incluía música electrónica, filme experimental, poesia, projecção de vídeo, dança e escultura cinética, na criação de um ambiente de estímulos diversificados à semelhança do que no mesmo ano, e com o mesmo espírito experimental, Ernesto de Sousa iria realizar em Novembro no Teatro Primeiro Acto, em Algés, com a obra Nós Não Estamos Algures104, embora, no caso de Ernesto, a sua peça fosse devedora das ideias do Movimento Fluxus.

A inclusão deste evento num Congresso de Arquitectura afirmava-se, no entender de Glusberg, como uma visão da relação do homem com o novo urbanismo que o integrava num contexto heterogéneo e em mutação de um espaço físico e social rodeado de luz, movimento, ruído, sombra e objectos105.

103 “O artista está comprometido com a sociedade em que vive, a sua obra não está isolada mas é a visão e a versão do que o rodeia, com as ligações sociais, económicas, científicas, técnicas e conceptuais, da revolução social e tecnológica que transformaram a imagem do mundo” (Glusberg, 1969)

104 Desenvolvido na tese de mestrado do autor em: José Oliveira (2008). A Fotografia e o Fotográfico em Ernesto de Sousa, Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, pp. 115-118 [Tese de Mestrado policopiada].

105 “Argentina Inter-medios aspira a generar acontecimentos que señalen la relación entre el hombre e el espacio físico y social que lo rodea: las personas reunidas en ella, podrán participar de una experiência libre y rica, aunque sin terminar. […] El ombre rodeado de música, movimiento, ruído, luz, sombra y objectos, es la realidade del nuevo urbanismo. El programa de este espectáculo se preparó pensando en el Congresso Mundial de Arquitectos a realizarse en Buenos Aires en octubre de 1969.” Jorge Glusberg (1969). “Argentina Inter-medios = Argentina Intermedia”, in, Argentina Inter-medios, Buenos Aires: Centro de Arte y Comunicatión (CAyC) [ catálogo de exposição]. 289 A inspiração para este espectáculo, escreve Glusberg, teve origem no evento 9 Evenings: Theatre & Engineering, realizado entre os dias 13 e 23 de Outubro de 1966 em Nova Iorque, no qual dez artistas (coreógrafos, compositores, bailarinos, artistas plásticos) apresentaram peças/performances que resultaram de um trabalho em parceria com cientistas e engenheiros dos Bell Laboratoires, liderados por Billy Klüver que, em conjunto com Robert Rauschenberg, teve a ideia da sua implementação.

A estratégia do evento concebido por Glusberg era apostar na apresentação simultânea de diferentes meios de comunicação (sonoros, visuais, cinéticos, etc.) como veículos para a descoberta, nos seus “interstícios”, de novos códigos e referências, potenciando o encontro com novas realidades. Nas suas plavras: “A intermedia justapõe de uma maneira hábil e imaginativa os meios plásticos de tal modo que as brechas entre os distintos campos podem ser experimentadas e percebidas.”106, e, nesse contexto, o objectivo de Argentina Inter-medios seria o de “permitir ao espectador localizar esses códigos e apreender através deles o absoluto da nossa realidade tecnológica e urbana”107

Antes ainda do fim de 1969, Frank Malina, cientista, artista e fundador no ano anterior da revista Leonardo, foi convidado por Jorge Glusberg para proferir, na sede do CAyC em Buenos Aires, uma conferência sobre Arte e Ciência108, tema que no ano seguinte foi objecto do programa de um dos cinco seminários, designados genericamente por Jornadas Intensivas de Discusión 1970, (Arte y Estructura Social, Arte y Industria, Arte y Processo Psicológico, Arte y Arquitectura, Arte y Ciencia)109,

Este texto encontra-se em arquivo no International Center for the Arts of the Americas do Museum of Fine Arts, em Houston (consultado em 10 de Agosto de 2014): http://icaadocs.mfah.org/icaadocs/THEARCHIVE/FullRecord/tabid/88/doc/747146/language/en- US/Default.aspx

106 “Los Inter-medios yuxtaponen hábil e imaginativamente los medios plásticos, de manera que las brechas entre los distintos terrenos, puedan ser probadas y percibidas.” Jorge Glusberg (1969). “Argentina Inter-medios = Argentina Intermedia”, in, Argentina Inter-medios, Buenos Aires: Centro de Arte y Comunicatión (CAyC) [ catálogo de exposição]. http://icaadocs.mfah.org/icaadocs/THEARCHIVE/FullRecord/tabid/88/doc/747146/language/en- US/Default.aspx (consultado em 10 de Agosto de 2014).

107 Idem.

108 Glusberg refere que conheceu Malina nessa altura estabelecendo-se uma relação de proximidade a partir daí: “We met him when we invited him to give a lecture ´Art and Science´ at the Art and Communication Center (CAYC) in 1969, and later we visited him on repeated occasions in Paris” (Glusberg, 1993: 274).

109 “Jornadas Intensivas de Discussión 1970”, Buenos Aires: Centro de Arte y Comunicación, 1970.

290 organizados pelo CAyC e pela Galería Bonino numa exploração do alargamento das relações da arte contemporânea com as questões do seu tempo.

Estes seminários, que decorreram entre Julho e Novembro, estavam subordinadas a um conjunto de interrogações abordadas pelo painel de oradores convidados de acordo com a perspectiva e formação de cada um, sendo posteriormente postas à discussão as opiniões por si veiculadas. As questões base colocadas, no caso do seminário Arte y Ciência, foram:

• Aumenta ou diminui a brecha, que separa hoje, artistas e cientistas? • Que conhecimentos científicos devem ter os artistas e que conhecimentos artísticos devem ter os cientistas? • Que conhecimentos científicos podem aplicar nas suas obras os artistas? • Quais são as técnicas que mais se relacionam com manifestações artísticas?

Este encontro, com um conjunto multidisciplinar de convidados, teve como coordenador Manuel Sadosky (1914-2005), físico e matemático responsável pela introdução da computação e da informática na Argentina no início dos anos 60.

É interessante também notar a visibilidade que tinham no estrangeiro estes eventos do CAyC patrocinados por Glusberg de que é exemplo a publicação integral do programa destes seminários no boletim Page (Page, 11, Outubro de 1970)110 da Computer Arts Society de Londres.

Na continuação de uma actividade de divulgação da arte contemporânea internacional na Argentina foi inaugurada no dia 4 de Dezembro de 1970, a exposição Arte Conceptual concebida por Lucy Lippard e Jorge Glusberg e, que trouxe a Buenos Aires os artistas , Siah Armajani, Don Celender, Christopher Cook, Ira Joel Haber, e Richards Jarden, dos Estados Unidos, Victor Burgin, James Collins,

Este documento encontra-se disponível no arquivo do International Center for the Arts of the Americas do Museum of Fine Arts, em Houston (consultado em 10 de Agosto de 2014): http://icaadocs.mfah.org/icaadocs/THEARCHIVE/FullRecord/tabid/88/doc/747709/language/en- US/Default.aspx

110 Este boletim está disponível em: http://computer-arts-society.com/uploads/46_4f4ba9ae7d43e498379841.pdf (consultado em 14 de Setembro de 2014).

291 Gilbert & George, de Inglaterra, David Askevold, do Canadá, Stanley Brouwn, da Holanda, e Pier Paolo Calzolari, de Itália.

Esta exposição foi para Lippard a terceira numa série de quatro exposições que, iniciadas em 1969 em Seattle, tiveram uma segunda edição em 1970 em Vancouver, a terceira em Buenos Aires, com artistas que não estiveram presentes nas edições anteriores, e uma quarta versão mais tarde, em 1973, em Valencia (Califórnia) só com artistas femininos (Lippard 1973/1997: X-XI).

Apesar da divulgação feita pelo CAyC mencionar que a exposição foi organizada por Lucy Lippard e Jorge Glusberg111, a publicação de Lucy Lippard, editada alguns anos mais tarde, Six Years: The Dematerialization of the Art Object from 1966 to 1972 (1973), não menciona a co-autoria remetendo o papel de Jorge Glusberg apenas para o de autor de uma nota incluída no catálogo da exposição com o título 2.972.453, que representava o número de habitantes de Buenos Aires112 (Lippard, 1973/1997: 203).

As questões colocadas pela arte conceptual - nomeadamente a investigação artística e a comunicação, como processos dinâmicos em contínua transformação e relação com o espectador, que não valorizavam a forma acabada do objecto artístico em si como finalidade - foram passos importantes para a grande exposição internacional que seria inaugurada no ano seguinte (19 de Julho de 1971), no Museo de Arte Moderno de Buenos Aires, denominada Arte de Sistemas, organizada por Jorge Glusberg com ajuda de elementos do CAyC113.

111 Ver: Jorge Glusberg (1970) "CAyC: Arte conceptual; Una exhibición organizada por Lucy Lippard (EE.UU) y Jorge Glusberg.". Buenos Aires: Centro de Arte y Comunicación (CAyC) (28 de Novembro de 1970). Este documento encontra-se disponível no arquivo do International Center for the Arts of the Americas do Museum of Fine Arts, em Houston (consultado em 10 de Agosto de 2014): http://icaadocs.mfah.org/icaadocs/THEARCHIVE/FullRecord/tabid/88/doc/747375/language/en- US/Default.aspx

112 As exposições conceptuais organizadas por Lucy Lippard com uma designação numérica, que representavam o número de habitantes das cidades onde eram apresentadas, iniciaram-se em Seattle com 557.087 (1969), depois em Vancouver com 955.000 (1970), seguindo-se Buenos Aires com 2.972.453 (1970), e Valencia na Califórnia com c.7.500 (1973) (Lippard 1973/1997: X-XI).

113 Importante também foi a exposição prévia levada a cabo no ano anterior pelo CAyC em Cordoba (Argentina) com o título De la Figuración al Arte de Sistemas (1970) que, segundo Glusberg, “formulou as bases estéticas da nova década” (Glusberg 1986:22), e que ano seguinte foi ampliada de quatro artistas argentinos (Luis Fernando Benedit, Daniel García, Nicolás Garcia Uriburu e Edgardo Antonio Vigo) para

292 De acordo com a organização do evento:

“A arte dos sistemas inclui as últimas tendências da arte da segunda metade deste século. Arte como ideia, arte ecológica, arte pobre, arte cibernética, arte de propostas, arte política, agrupam-se sob a denominação de arte de sistemas; são as inquietações aparentemente distintas de diferentes artistas de vanguarda que se aprestam a investigar a entrada do homem no século XXI […]”114

Esta abrangência de abordagens contou na exposição com 87 artistas de 15 nacionalidades diferentes115, dos quais as mais representadas eram a Argentina com 23 artistas e os Estados Unidos com 25 artistas, podendo daqui depreender-se um eventual eixo de influência americana nas escolhas de Glusberg.

É interessante notar a actualidade do tema da exposição num altura em que existiu uma certa correspondência entre os factos políticos, os desenvolvimentos tecnológicos e as questões sociais do fim da década de 60, e a necessidade de uma busca artística contemporânea que se dispersou num conjunto de direcções mais interessadas na exploração de processos de trabalho e utilização experimental de novos meios, do que na produção de objectos. Esta pesquisa tomou forma na procura de novos valores estéticos que o crítico Jack Burnham agrupou no que nomeou de uma estética de sistemas (1968).

Nesta exposição estiveram presentes obras de Les Levine e Hans Haacke, que Burnham tinha usado como exemplos no seu artigo “System Esthethics” (1968) publicado na revista Artforum, mas também de Herbert Franke e George Nees que

um total de vinte e cinco artistas deste país, na apresentação da exposição em Fevereiro no Camdem Arts Centre de Londres, constituindo a primeira grande mostra internacional do CAyC.

114 Centro de Arte y Comunicación (CAyC). “CAyC: Arte de Sistemas en el Museo de Arte Moderno”, Buenos Aires: Biblioteca del Museo Nacional de Bellas Artes, 28 de Junho de 1971. Este documento encontra-se disponível no arquivo do International Center for the Arts of the Americas do Museum of Fine Arts, em Houston (consultado em 10 de Agosto de 2014): http://icaadocs.mfah.org/icaadocs/THEARCHIVE/FullRecord/tabid/88/doc/747665/language/en- US/Default.aspx

115 Os países representados e o número de artistas por pais foram: Argentina (23), Alemanha (6), Áustria (1), Canadá (2), Colômbia (1), Checoslováquia (6), Espanha (1), França (6), Holanda (1), Inglaterra (8), Itália (4), Japão (2), Peru (1), Porto Rico (1), Estados Unidos (25). Há alguma discrepância relativamente ao número de artistas presentes. A informação colhida encontra-se no documento referido na nota anterior que data de 28 de Junho de 1971, ou seja, um pouco antes da inauguração da exposição a 19 de Julho. Mais tarde Glusberg mencionaria 101 artistas de 16 países, dos quais 27 argentinos (Glusberg 1986: 22).

293 exploravam as vias da cibernética e da computação, ou de nas suas investigações conceptuais. O êxito desta exposição, e o entusiasmo de Glusberg relativamente à denominada arte de sistemas116, fez com que no ano seguinte, em 1972, fosse realizada uma segunda exposição internacional em Buenos Aires com o título de Arte de Sistemas II, ano também em que vieram à Argentina Jasia Reichardt e Abraham Moles, entre outras personalidades, na demonstração de um interesse por manter actualizada e informada a comunidade artística argentina sobre as relações entre a arte e a cibernética.

Na sequência destes encontros, e na continuidade da promoção das vanguardas sul americanas, Glusberg preparou a exposição Art Systems in Latin America levando-a em 1974 ao Institute of Contemporary Art, em Londres, ao Espace Pierre Cardin, em Paris, e, em 1975, ao Palazzo dei Diamanti em Ferrara, na Itália.

Entretanto continuava a interessar-se pela introdução das novas tecnologias e pela computação na expressão artística deslocando-se em Julho de 1973 à Universidade de Minnesota (Minneapolis) para proferir a conferência Arte y Computadoras en Latinoamérica no âmbito da conferência internacional Computers in the Humanities, enquanto no mesmo ano um grupo alargado de 8 artistas do CAyC (Luis Fernando Benedit, António Berni, Ernesto Deira, Eduardo Mac Entyre, Mário Mariño, Rogelio Polesello, Osvaldo Romberg, Miguel Ángel Vidal) participavam em Zagreb na exposição Computer and Visual Research integrada na tendencija 5 (Tendências 5) (Junho de 1973)117.

O trabalho de Glusberg e do CAyC nos primeiros dez anos da sua existência foi imenso com a “[...] montagem de mais de cem exposições em Buenos Aires […] e mais de oitenta noutros países da América latina, Estados Unidos e Europa. Também organizou cerca de duzentos outros eventos (seminários, simpósios, cursos, e conferências) envolvendo cerca de mil artistas Argentinos e estrangeiros, críticos, cientistas e académicos.” (Glusberg 1986: 23)

116 O interesse de Glusberg sobre a arte de sistemas levaram-no a fazer algumas considerações teóricas que aborda na sua obra Arte in Argentina (1986: 26-31).

117 Alguns destes artistas (Antoni Berni, Ernesto Deira, Ango Demarco, Osvaldo Romberg e Miguel Vidal) já tinham participado no ano anterior na exposição Creative Computers (2 a 24 de Junho de 1972) na Gordon Maynard Gallery, em Welwin Garden City, nos arredores de Londres, em conjunto com artistas como George Nees, Kenneth C. Knowlton, Peter Struyken, Auro Lecci, Herbert W. Franke, Charles Csuri, entre outros.

294 Glusberg pode ser considerado um verdadeiro impulsionador de uma nova vanguarda de artistas argentinos na década de 70 promovendo não só a exploração de novos meios, fomentando encontros, e montando exposições, mas também participando na sua internacionalização, contribuindo de um modo decisivo para a visibilidade da sua obra.

295 4.5.2 – Brasil

No Brasil não vamos encontrar uma personalidade com as características de Glusberg ou um conjunto vasto de artistas que se tenham dedicado à utilização das novas tecnologias na sua obra, nomeadamente computadores. Foi, no entanto, o mesmo espírito de explorador de novos horizontes artísticos que orientou a obra de Waldemar Cordeiro (1925-1973), artista com uma obra já reconhecida no campo da pintura antes de se aventurar na descoberta das possibilidades da utilização de computadores no fim da década de 60.

Waldemar Cordeiro nasceu em Roma (filho de mãe italiana e pai brasileiro), e veio para o Brasil apenas aos 21 anos de idade, depois de completar a sua formação académica em Belas Artes naquela cidade.

Nos anos 50 foi um dos principais impulsionadores da arte concreta brasileira ao criar com outros artistas o grupo Ruptura (1952), e ao promover a I Exposição de Arte Concreta (1956) no Museu de Arte Moderna de São Paulo, em conjunto com os poetas concretos do grupo Noigandres (Haroldo de Campos, Augusto de Campos e Décio Pignatari, aos quais se juntou Ronaldo Azeredo), fundado no mesmo ano do grupo Ruptura.

Os anos 60 constituíram vectores de mudança na sua trajectória artística ao confrontar-se com novas linguagens. Em primeiro lugar o encontro com a Pop-Art levou-o a reformular a sua pintura e a integrar a iconografia de objectos de uso comum nas formas estruturais da arte concreta em montagens que designou de arte concreta semântica, exibida pela primeira vez em Dezembro de 1964 na Galeria Atrium em São Paulo; e em segundo lugar a descoberta da linguagem digital dos computadores levou-o, no fim da década, ao abandono da pintura para se dedicar à exploração das capacidades da computação e da comunicação, culminando na elaboração do manifesto e exposição Arteônica (1971), uma expressão que conjuga num único termo as palavras Arte e Electrónica.

O interesse pelos computadores foi certamente derivado do contacto que manteve com os poetas concretos brasileiros do grupo Noigandres de São Paulo, cidade onde vivia, e da relação destes e do próprio Cordeiro com Max Bense, filósofo e

296 académico que visitou várias vezes o Brasil na primeira metade dos anos 60118, e se interessava tanto pela informação associada às novas estruturas poéticas119, como pelas experiências combinatórias da poesia concreta fazendo uso da computação120.

Na verdade, o primeiro programa concebido por Waldemar Cordeiro, com a assistência técnica do físico nuclear Giorgio Moscati121 da Universidade de São Paulo, foi um gerador de palavras a partir de um reportório limitado de seis letras, entre vogais e consoantes, e de um conjunto estabelecido de regras de composição adaptadas à língua portuguesa122 de modo a produzir palavras passíveis de serem lidas e, eventualmente, com sentido. O programa, designado de Beabá (1968), foi criado num computador IBM 360/44 recentemente instalado no departamento de física para funções de investigação, modelo idêntico ao que seria adquirido em Lisboa pelo Instituto Superior Técnico, em 1971.

Esta primeira experiência conduziu a um trabalho continuado de Cordeiro com Moscati, numa exploração das capacidades estéticas mediadas por essa nova ferramenta,

118 Durante essas visitas estabeleceu-se uma relação de amizade entre Waldemar Cordeiro e Max Bense a avaliar pela carta-prefácio datada de 15 de Novembro de 1964, escrita de Estugarda para Cordeiro, e publicada no catálogo da exposição deste no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (16 de Setembro a 17 de Outubro de 1965), integrada nas comemorações do IV Centenário desta cidade. Nesta carta Bense começa por afirmar, “Caro Waldemar Cordeiro: regressando do Rio e de novo instalado numa cidade que pouco amo, penso na tarde que passamos juntos, na casa de nosso amigo Lino Grünewald, na companhia de Augusto e Haroldo de Campos e senhoras.”

119 Max Bense após contacto com o poeta brasileiro Haroldo de Campos, em 1959, realizou a exposição Konkrete Texte em 1960 e dedicou totalmente o número 7 da revista rot, publicada em 1962, à poesia concreta brasileira do grupo Noigandres (Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Augusto de Campos, Ronaldo Azeredo, José Lino Grünewald), incluindo também um ensaio introdutório de Helmut Heissenbüttel sobre a estética do concretismo nas artes visuais e na poesia. Mais tarde, em 1965, levou a cabo na Studiengalerie da Technichen Hochschule de Estugarda, uma exposição internacional de poesia concreta (Konkrete Poesie International), tendo a ela dedicado a edição do número 21 da revista rot, publicada no mesmo ano.

120 É exemplo o trabalho de Theo Lutz (1932-2010), aluno de Bense na Technichen Hochschule de Estugarda que, em 1959, realizou o primeiro programa gerador de frases aleatórias (textos estocásticos), a partir de um conjunto limitado de palavras do romance O Castelo, de Franz Kafka, palavras essas interligadas por regras estabelecidas no programa criado por Lutz no computador do centro de cálculo da escola de Max Bense, um Zuze Z-22.

121 Giorgio Moscati era na altura director do Departamento de Física da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade de São Paulo.

122 Essas regras estabeleciam, por exemplo, a alternância de vogais e consoantes na palavra formada e a probabilidade de determinados pares de vogal/consoante aparecerem com mais frequência na língua portuguesa. Mais detalhes em: http://www.visgraf.impa.br/Gallery/waldemar/moscati/beaba.htm (consultado em 24 de Agosto de 2014)

297 cimentada por uma amizade que se manteve durante os breves anos que mediaram até à morte prematura de Waldemar Cordeiro em 1973.

O seu segundo programa em parceria com Moscati, Derivadas de Uma Imagem (1969) (Fig. 4.7), diverge das questões de construção textual e da rapidez da capacidade combinatória do computador, para investigar o seu alcance no processamento de imagem. Para tal Cordeiro partiu da imagem do rosto de um casal de perfil (e de corpo inteiro do lado direito da imagem) apropriado de um poster do dia dos namorados, dividiu-a numa retícula de 98 por 112 pontos e atribuíu visualmente a cada ponto um nível de cinzento, entre sete possíveis (do branco ao preto), e um número correspondente (0 a 6)123, transformando a imagem numa tabela e num conjunto de pontos e números (perto de 11.000), informação essa introduzida no computador através de cartões perfurados constituindo o que se pode chamar de uma digitalização manual da imagem. Em seguida o programa produzia numa impressora de linhas uma nova imagem constituída por pontos mais ou menos negros, de acordo com o contraste de dois pontos contíguos da imagem original digitalizada, em que o novo valor calculado seria nulo, se o contraste fosse igual, ou diferente de zero e tanto maior quanto maior fosse o contraste original desses pontos contíguos. Na nova imagem produzida pelo programa poder-se-ía notar bandas claras nas zonas correspondentes a um igual contraste na imagem original e zonas mais densas que corresponderiam às mudanças de contraste, simulando assim a aplicação do conceito da função matemática da derivada à imagem original124.

Depois de obtida a imagem assim tratada, Waldemar Cordeiro e Giorgio Moscati foram ainda mais longe sujeitando-a novamente a mais dois processamentos

123 Jorge Moscati refere sete níveis diferenciados de cinzento enquanto Jonathan Benthall (1972a: 66) menciona oito níveis, de 0 a 7. Convém referir que esses níveis estavam associados a um conjunto de símbolos que as impressoras conseguiam produzir, utilizando-se os sinais gráficos de subtracção, multiplicação, asterisco, ou sobreposição de símbolos e letras para obter um determinado nível de cinzento que correspondia a um ponto da imagem. O processo é descrito com detalhe por Moscati em: “Waldemar Cordeiro e o Uso do Computador nas Artes”, in, Luiz Velho (ed.) (1993). Waldemar Cordeiro - Arteônica, Recife: VI Sibgrapi (Simpósio Brasileiro de Computação Gráfica e Processamento de Imagem), p. 11. Este catálogo está disponível em: http://www.visgraf.impa.br/Gallery/waldemar/catalogo/catalogo.pdf (consultado em 24 de Agosto de 2014).

124 Em ciências a derivada de uma função variável no tempo dá justamente uma medida da variação dessa função sendo uma das transformações mais utilizadas em física. Esse foi, segundo Moscati, um critério de escolha do tipo de processamento a aplicar à imagem digitalizada face a um reportório de possíveis transformações (inversão, deformação, ruído).

298 subsequentes (derivada de segunda e de terceira ordem), observando-se, nas quatro imagens que constituem a obra, uma progressiva desconstrução da imagem original (derivada de grau zero) para as outras três processadas (grau um, dois e três).

Embora o crítico inglês Jonathan Benthall refira em relação a esta obra de Cordeiro que: “Seria certamente absurdo descrever Derivadas de Uma Imagem como uma obra de arte profunda […]” (Benthall, 1972a: 70), realça, no entanto, a qualidade evanescente da imagem nas suas sucessivas fases, e na sugestão cinematográfica de uma sequência animada eventualmente aludindo a relação humana efémera, dando crédito a esta obra de Cordeiro e Moscati relativamente a outros trabalhos produzidos pela programação de computadores, por ele considerados como meros exercícios formais.

Fig 4.7: Derivadas de Uma Imagem (1969); tranformação em grau 0 (esq.) e transformação em grau 1 (direita).

Na verdade, uma das características importantes no envolvimento de Waldemar Cordeiro com os computadores foi, depois de Beabá, o interesse pelo factor humano em todas as suas obras, circunstância essa bem observada por Benthall ao mencionar que, “O trabalho de Cordeiro é um começo no sentido de trazer a emoção humana ao trabalho frio e cerebral do mundo do computador” (Benthall, 1972a: 70), o que aliás se aproximava das preocupações de comentário e crítica social de Waldemar Cordeiro que é transversal na sua obra. Um exemplo disso é A Mulher que não é B.B. (1971) (fig. 4.8), em que o artista contrasta a referência no título à conhecida sex-symbol e actriz Brigitte Bardot, com o anonimato de uma jovem vietnamita nitidamente perturbada com os horrores da guerra em que a digitalização do seu rosto, pelo processo descrito atrás,

299 torna a imagem menos ligada à realidade, como que num processo de esquecimento, mas que o título da obra insiste em tornar presente.

A primeira exposição na qual Waldemar Cordeiro apresentou trabalhos produzidos com o computador foi a Computers and Visual Research (5 de Maio a 30 de Agosto de 1969), que teve lugar na Galeria de Arte Contemporânea de Zagreb, uma mostra integrada num evento mais alargado denominado Tendências 4 (tendencije 4), (1968-1969) que contou com outras exposições, retrospectivas, projecção de filmes, e colóquios internacionais.

Fig 4.8: Imagem original da imprensa (à esquerda) e A Mulher que não é B. B. (1971)

O trabalho levado por Cordeiro a esta exposição foi Beabá (1968), a sua primeira obra realizada em colaboração com Giorgio Moscati, que no catálogo da exposição tinha como título il contenuto informativo di tre consonanti e tre vocali (1968)125, nome pelo qual também é conhecida esta obra em português (Conteúdo Informativo de Três Consoantes e Três Vogais Tratadas por Computador), tendo

125 Tendencije 4, Zagreb: Galerija Suvremene Umjetnosto, 1970 [obra 44]. Catálogo disponível em: http://www.msu.hr/files/15115/1969%20-%20Tendencije%204_X_c1.pdf (consultado em 24 de Agosto de 2014)

300 Waldemar Cordeiro optado no catálogo por uma breve explicação da obra também em italiano, a sua língua natal126.

Nesta exposição participaram artistas de diferentes sensibilidades que exploraram tanto a geração de filmes (Duane Palyka) e esculturas criadas por computador (Robert Mallary), como o trabalho gráfico desenhado a partir de funções matemáticas (engenheiros e técnicos da California Computer Products, Inc.), mas também igualmente convergiram artistas como George Nees, Frieder Nake, Charles Csury, e outros que tinham estado no ano anterior na exposição Cybernetic Serendipity, em Londres, totalisando um conjunto abrangente de cerca de 40 artistas e mais de 100 obras expostas.

A presença de Waldemar Cordeiro nesta exposição advém de uma participação anterior na Novas Tendências 3 (Nova Tendencija 3) (1965)127, realizada igualmente em Zagreb, e por contacto feito pela comissão organizadora das Tendências 4 em Abril de 1968, através de um boletim informativo que projectava a futura edição do evento, indicando que a sua temática central seria sobre a utilização dos computadores na pesquisa visual128. Em resposta a esta informação Waldemar escreve em Agosto a Bozo Bek, director da Galeria de Arte Contemporânea de Zagreb, referindo que: “Não há artistas no mundo artístico Brasileiro interessado no tema do seu evento. Eu aproveito esta oportunidade para informá-lo que tenho vindo a fazer pesquisa sobre a utilização do computador em projectos artísticos no último ano.” (Rosen, 2011: 241), tendo apresentado no ano seguinte o resultado dessa primeira investigação com Giorgio Moscati.

O facto de ter participado na Tendências 4 e de ser o único artista brasileiro já com uma carreira consolidada a fazer investigação nesta área, deu-lhe uma certa

126 Esse texto encontra-se traduzido para inglês em: Margit Rosen (ed.) (2011). A Little-Know Story about a Movement, a Magazine, and the Computer´s Arrival in Art: New Tendencies and Bit International, 1961-1973, Karlsruhe: ZKM, Cambridge e Londres: The MIT Press, p. 387.

127 Nesta exposição Waldemar Cordeiro apresentou a obra Déformations óptico- intentionnelles (1964), que referiu tratar-se de uma “pesquisa semântica ao nível da percepção”. Era constituída por garrafas com água penduradas sobre recortes de jornais que podiam ser manipuladas pelo público, deformando efectivamente a sua leitura, numa alusão às diferentes interpretações/distorções da imprensa diária. O texto Art Concret Sémantique, incluído no catálogo da exposição, completava a sua intervenção na Novas Tendências 3 (Rosen, 2011: 202-204). O catálogo da exposição está disponível em: http://www.msu.hr/#/en/14907/ (consultado em 28 de Agosto de 2014)

128 “Program Information 1”, escrito por Bozo Bek, presidente da comissão organizadora da Tendências 4, republicado por Margit Rosen (2011: 239).

301 visibilidade eventualmente determinante para a sua presença em Março (17 a 31) de 1970129 na primeira exposição de computer art no Brasil, denominada Computer Plotter Art, uma mostra de âmbito restrito que decorreu em São Paulo na pequena galeria da biblioteca do Serviço de Divulgação e Relações Culturais dos Estados Unidos130, por iniciativa da CalComp (California Computer Products, Inc.), uma empresa norte- americana conhecida pelo fabrico de plotters, que tinha em 1968 realizado em Los Angeles uma exposição de obras executadas nos seus equipamentos a pretexto do lançamento de uma competição internacional neste domínio (First International CalComp Awards Competition for Computer/Plotter Art)131, fazendo dessa mostra uma promoção das capacidades dos seus produtos.

Waldemar Cordeiro foi o único artista brasileiro representado. E apesar da obra que foi exposta, Derivadas de uma Imagem (fig. 4.7), não ter sido produzida por um plotter da CalComp, nem integrar a harmonia dos desenhos em exposição executados por engenheiros e técnicos da empresa nestes equipamentos - que se baseavam na exploração de funções matemáticas (fig. 4.8) e que tinham estado igualmente representados em Zagreb no ano anterior com Cordeiro - mostrava claramente a diferença entre a sua intenção artística e os exercícios de virtuosismo gráfico, obviamente do interesse da entidade organizadora, que era a opção mais comum da denominada computer art nos seus primeiros anos.

129 Há alguma discrepância na literatura consultada relativamente à data desta exposição (Março de 1969 ou Março de 1970). No entanto uma leitura atenta do texto que Waldemar Cordeiro escreveu para esta exposição em que refere “Novas Tendências 4, sob a direcção de Bozo Bek, realizou em Maio do ano passado, em Zagreb, uma exposição e um importante seminário subordinados ao tema ´Computadores e Pesquisas Visuais´. Para este ano estão programadas várias exposições, entre elas ´Computer Graphic 70´ na Brunel University de Londres, promovida pela Computer Arts Society” (Waldemar, 1970: 24), permite-nos situar a exposição em Março de 1970 e não de 1969 já que o Colóquio em Zagreb aconteceu entre os dias 3 e 4 de Agosto de 1968 mas a exposição decorreu de 5 de Maio a 30 de Agosto de 1969. Por seu lado a exposição que Waldemar refere que se iria realizar nesse ano em Londres ocorreu efectivamente entre 14 e 16 de Junho de 1970. O texto de Waldemar Cardoso disponível em: http://www.visgraf.impa.br/Gallery/waldemar/catalogo/catalogo.pdf (consultado em 29 de Agosto de 2014), em que é citada a data de 1969, é uma cópia do que aparece na monografia Waldemar Cordeiro: Uma Aventura da Razão, São Paulo: Museu de Arte Contemporânea (1986), p. 45, porém no catálogo Arte Novos Meios/Multimeios – Brasil 70/80, publicado originalmente em 1985 pela Fundação Armando Alveres Penteado e re-editado em fac-símile em 2010, é indicada tanto na cronologia (p.43) como no texto (p. 51-52) a data de 1970. Ver, Daisy Peccinini (org.) (2010). Arte Novos Meios/Multimeios, São Paulo: Fundação Armando Alvares Penteado.

130 Também conhecida como galeria da USIS (United States Information Services).

131 O press release do anúncio deste concurso está disponível no arquivo do National Museum of American History, em: http://scienceservice.si.edu/pages/008005.htm (consultado em 24 de Agosto de 2014)

302 Waldemar Cordeiro não se deixou cativar por esse virtuosismo. Aliás, o seu envolvimento com os computadores vem na sequência do concretismo e da evolução das suas preocupações ligadas à arte concreta semântica, expressa em meados dos anos 60 numa figuração com um sentido crítico social e com referências ao quotidiano utilizando materiais do dia-a-dia. Os computadores e as telecomunicações eram, na altura, por um lado projectados em utopias sociais de bem-estar e de lazer mas também faziam parte de distopias de controlo totalitário. Pressentia-se que as estruturas sociais não iriam ficar indiferentes à sua utilização e presença, e foi neste sentido que Cordeiro, com uma convicção política de esquerda num país com uma ditadura de direita (resultado do golpe de estado militar de 1964), pensou a sua utilização artística como modo de activar uma consciência crítica sobre a contemporaneidade.

Fig 4.8: Kerry Strand e California Computer Producuts. The Snail (1968) (esquerda), e The Fisherman (1968) (direita).

Nesse sentido Waldemar Cordeiro criou o termo Arteônica, tema e título da exposição internacional, Arteônica – O Uso Criativo dos Meios Eletrônicos nas Artes, por ele organizada, e que teve lugar no Museu de Arte Brasileira da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), em São Paulo, em Março de 1971.

Esta exposição constituiu um evento da maior importância não só no Brasil, que na sequência da pequena mostra de gráficos exibidos na Computer Plotter Art ainda não tinha visto outros desenvolvimentos neste âmbito, mas também em boa verdade na aproximação da América Latina ao resto do mundo, já que na Arteônica participaram

303 104 artistas (Moraes, 2010: 211) de países como os Estados Unidos, Alemanha, Holanda, Argentina, França, Alemanha, Brasil, Espanha, Itália, Japão, Jugoslávia.

Neste contexto há que destacar, entre outros, a presença de Jorge Glusberg e do grupo de artistas que na Argentina faziam investigação neste âmbito (Ernesto Deira, António Berni, Luis Benedit, Osvaldo Romberg, Miguel Ángel Vidal), dos Estados Unidos, Leslie Meizei, K.C. Knowlton, Leon D. Harmon, Frank Malina, Michael Noll, da Alemanha, Manfred Mohr, Georg Nees, Frieder Nake, Herbert W. Franke, e de Espanha uma extensa representação que incluía José Luís Alexanco, Manuel Barbadillo, Garcia Camarero, Eusébio Sempere, Soledad Sevilla, José Maria Yturralde, além do Brasil representado pelo próprio Waldemar Cordeiro e outros compatriotas132.

Para Waldemar arteônica não era simplesmente uma nova expressão linguística que aglutinava as palavras arte e electrónica, mas um novo caminho de democratização da cultura e eventualmente a possibilidade artística mais apta no âmbito de uma sociedade tecnológicamente evoluída. No texto de abertura do catálogo da exposição, justamente com o título Arteônica, as primeiras palavras de Waldemar Cordeiro são para situar questões estruturais da arte do seu tempo ao referir que “As variáveis da crise da arte contemporânea são a inadequação dos meios de comunicação, enquanto transporte de informações, e a ineficácia da informação enquanto linguagem, pensamento e ação.” (Cordeiro, 1971: 21), pretendendo com isso significar que, nos contextos actuais, o modo tradicional de divulgação e fruição da obra de arte objecto, por contacto directo em espaço de galeria, é muito limitado no alcance e visibilidade da mesma, dando como exemplo a dificuldade de acesso dos habitantes de uma cidade como São Paulo, na altura com 8 milhões de indivíduos.

Por outro lado, a utilização pura e simples dos novos meios de comunicação à distância, apesar de puderem levar mais longe o conhecimento da obra, podem descontextualizá-la, desvirtuando-a, concluindo Cordeiro um pouco na esteira de Marshall McLuhan que, “[...] a mudança de comunicação é também mudança de informação.” (Cordeiro 1971: 22).

132 Uma parte substantiva destes artistas (cerca de 70) são citados por Angelica Moraes em: Angelica Moraes (2010). “Arteônica: 1971”, in, Denise Mattar (org.) (2010). Arte Brasileira – 50 Exposições do MAB – FAAP: 1960-2010, São Paulo: Fundação Armando Alvares Penteado, pp. 211-213. Em paralelo com a exposição estava previsto um simpósio no qual era suposto participarem Herbert Franke, Abraham Moles e Frank Malina, mas que infelizmente não chegou a acontecer (Moraes, 2010: 213).

304 Assim sendo, propõe a utilização dos meios electrónicos para a geração e produção da mensagem artística que, deste modo, estaria preparada para ser difundida pelos sistemas de telecomunicações sem mutação informativa advogando que, “No caso da arteônica o transporte não causa transformação.” (Cordeiro 1985: 22).

Waldemar Cordeiro preocupava-se com a extensão territorial do Brasil mencionando a vantagem do aproveitamento das telecomunicações como um facilitador de relacionamento, aproximação e integração das populações, podendo igualmente “[...] oferecer os meios para o desenvolvimento de uma cultura artística de âmbitos nacional e internacional.” (Cordeiro, 1971: 23), percebendo antecipadamente que essa colonização cultural estava já a ser feita nem sempre da forma mais adequada133.

A atenção que granjeou a expressão arteônica levou à criacção em 1972, no Instituto das Artes da Universidade de Campinas, do Centro de Arteônica, dirigido por Waldemar Cordeiro, “[...] dedicado à tarefa, pioneira no Brasil, de pesquisa sistemática de algoritmos para a geração automática de imagens.” (Peccinini, 2010: 43).

Cordeiro participou ainda na mostra Tendências 5 (tendencije 5), em Junho de 1973 em Zagreb, tendo contribuído com a obra Gente, Grau 1 (1972)134 e apresentado uma comunicação no simpósio The Rational and the Irrational in Visual Research Today. Match of Ideas, integrado no Congresso da AICA (Associação Internacional dos Críticos de Arte) (Rosen, 2011: 503 e 521).

Infelizmente a morte súbita nesse ano não permitiu que continuasse a sua investigação no domínio das possibilidades da computação na expressão plástica, mas o seu legado constitui uma referência incontornável tanto no movimento do concretismo brasileiro, nos anos 50 e 60, como no papel pioneiro que desenpenhou na introdução dos meios digitais e dos computadores na investigação artística.

133 “O processo cultural pelas telecomunicações está ocorrendo – e é irreversível – sob a orientação de técnicos, que nem sempre possuem uma visão profunda, global e humanística dos problemas.” (Cordeiro, 1971: 23).

134 Esta obra foi executada em colaboração com Raul Fernando Dada e J. Soares Sobrinho num sistema PDP-11, da Digital Equipment Corporation, do Instituto de Artes da Unicamp. (Rosen, 2011: 503).

305 4.5.3 - Espanha

Tal como na Argentina ou no Brasil, o interesse em Espanha pela exploração dos computadores como ferramenta de produção artística data do fim da década de 60.

Neste contexto teve um papel primordial o Centro de Cálculo da Universidade de Madrid (CCUM), que surge em 1966 a partir de um acordo com a empresa IBM135, e a criação nesta instituição, em 1968, do Seminario de Generación Automática de Formas Plásticas (SGAFP)136, com edições subsequentes nos cinco anos posteriores (1968-1973), que congregaram tanto interesses de profissionais das artes plásticas como das áreas técnicas (engenharia, arquitectura, matemática).

Na génese da criação deste seminário está uma carta endereçada por Mario Fernandez Barberá - executivo da IBM igualmente com funções de coordenação no Centro de Cálculo - ao pintor Manuel Barbadillo (1929-2003) solicitando-lhe um contacto com o CCUM para avaliar a possibilidade do computador o poder ajudar na investigação de padrões para o seu trabalho, que nesta altura se desenvolvia de uma forma modular em torno da abstração geométrica.

Deste primeiro contacto, em Abril de 1968, resultou o interesse de Barbadillo, que frequentou no Centro de Cálculo cursos de introdução à computação e foi desenvolvendo com Ernesto García Camarero, subdirector do Centro, a ideia da criação de um seminário que tratasse de questões artísticas137. Essa ideia tomou forma em Dezembro de 1968 com a organização do primeiro SGAFP (Alés, 2008: 120-122).

Do trabalho de diferentes artistas e técnicos nestes seminários resultaram conferências, publicações e exposições das quais as mais relevantes foram Formas

135 Esta empresa disponibilizaria dois sistemas, um IBM 7090 e um IBM 1401, assim bem como uma quantia monetária anual para financiamento de bolsas de investigação (Moraga, 2009: 48).

136 Uma referência importante a este respeito e sobre os primeiros tempos da utilização de computadores na expressão plástica em Espanha é a tese de doutoramento do professor Enrique Alés: Enrique Castanõs Alés (2000). Los Orígenes del Arte Cibernético em España: El Seminário de Generación Automática de Formas Plásticas del Centro de Cálculo de la Universidade de Madrid (1968- 1973). Málaga: Universidad de Málaga. Esta tese encontra-se disponível na biblioteca virtual Miguel Cervantes em: http://www.cervantesvirtual.com/buscador/?q=arte+cibern%C3%A9tico#posicion (consultado em 5 de Agosto de 2014).

137 “Tanto Garcia Camarero como Ignacio Gómez de Liaño reconheceram o papel essencial desempenhado por Barbadillo na decisão finalmente adoptada pelos responsáveis do CCUM de criar o SGAFP, embora Gómez de Liaño também enfatize a importância que, segundo ele, tiveram nesta decisão as sugestões de alguns arquitectos que participaram no já constituído seminário sobre Espaços Arquitectónicos.” (Alés, 2008: 122).

306 Computables (Junho e Julho de 1969), Generación Automática de Formas Plásticas (Junho de 1970), e Formas Computadas (Maio de 1971), todas organizadas pelo CCUM.

A primeira destas exposições, Formas Computables, surgia assim menos de um ano depois da emblemática Cybernetic Serendipity de Londres, embora o seu âmbito fosse mais restrito na utilização do computador no domínio artístico e na abrangência de artistas participantes, maioritariamente nacionais138, destinando-se essencialmente a mostrar os resultados decorrentes do primeiro ano de funcionamento do seminário revelado em trabalhos de José Luís Alexanco, Manuel Barbadillo, Manuel Quejido, Abel Martín, Javier Seguí de la Riva, Soledad Sevilla, Eusébio Sempere e José Maria López Yturralde, embora apenas as obras em exposição de Barbadillo, Sempere e Yturralde tivessem sido executadas por computador (Alés, 2000: 110, 211-212).

No decorrer do seminário no ano seguinte (1969/1970) foram convidados a apresentar comunicações Abraham Moles, investigador interessado na pesquisa estética relacionada com a teoria da informação que tinha no ano anterior co-organizadado e moderado o colóquio Computers and Visual Research em Zagreb, Alan Sutcliffe, membro fundador e presidente da recente Computer Arts Society (1968) de Londres, Herbert W. Franke, físico, artista pioneiro na utilização das novas tecnologias e mais tarde co-fundador do festival Ars Electronica (1979).

Como corolário desta presença internacional, a exposição de fecho do seminário, com a designação de Generación Automática de Formas Plásticas (22 de Junho a 4 de Julho de 1970), contou também com a presença de artistas convidados estrangeiros incluindo, E. Robert Ashworth, Auro Lecci, Leslie Mezei, Petar Milojevic, Frieder Nake, George Nees, A. Michael Noll, Zoran Radovic e Rogers Saunders, assim bem como os espanhóis participantes no seminário José Luís Alexanco, Manuel Barbadillo, Gerardo Delgado, Tomás García, Gómez Perales, Lugán (Luís Garcia Núñez), Manuel Quejido, Soledad Sevilla e Eusébio Sempere (Alés, 2000: 211-212).

138 José Luis Alexanco, Amador Rodríguez, Elena Asins, Manuel Barbadillo, Equipo 57, Tomás García Asensio, Lily Greenham, Luis Lugán, Manuel Quejido, Abel Martín, Eduardo Sanz, F. Javier Seguí de la Riva, Soledad Sevilla, Eusebio Sempere, Victor Vasarely e José María López Yturralde (Alés, 2000: 108).

307 Obviamente que esta estratégia de trazer conferencistas de reconhecido mérito e artistas estrangeiros a Madrid, além de dar prestígio e visibilidade ao seminário colocando-o na linha da frente da investigação estética neste domínio, teceu as relações necessárias para a internacionalização dos artistas espanhóis, o que aconteceu logo no ano seguinte na exposição Arteônica, organizada por Waldemar Cordeiro em São Paulo, com um número apreciável de presenças, como referido anteriormente.

O prestígio alcançado pela exposição de fecho do seminário de 1969/1970 levou a que a última mostra organizada pelo CCUM, Formas Computadas (Maio de 1971), não fosse realizada nas suas instalações mas no Ateneu de Madrid, embora a exposição com maior impacto viesse a ocorrer no ano seguinte com o título Impulsos: Arte y Ordenador (22 de Fevereiro a 14 de Março de 1972), uma mostra organizada pelo Instituto Alemão que circulou por diversos países, e que agora chegava a Espanha com a colaboração do Instituto Alemão de Madrid, local onde teve lugar a exposição que contou com cerca de 90 obras de artistas de diferentes nacionalidades maioritariamente da Alemanha, Áustria, Canadá, Reino Unido, Japão e Estados Unidos.

Neste evento a participação espanhola ocorreu no conjunto das conferências que, de uma forma paralela, completavam o evento, tomando nelas parte Max Bense, na abertura do ciclo, Alan Sutcliff, num regresso a Madrid para se referir à procedural art, Konrad Zuse, engenheiro e empresário alemão criador dos computadores Zuse, Georg Nees, aluno de Bense e que tinha recentemente publicado a sua tese de doutoramento, Generative Computergrafik (1969), Josep M. Mestres Quadreny, compositor espanhol que apresentou uma conferência sobre música e computadores e José Luís Alexanco, que abordou a sua investigação artística no decorrer dos seminários do CCUM em que participou (Alés, 2000: 118-120).

Todo o trabalho de investigação nos seminários do CCUM, exposições, conferências e contactos internacionais ao longo de vários anos, com início em 1968, fizeram com que em 1973 se criasse uma massa crítica importante de investigação em diferentes áreas artísticas tendo como base a computação, o que tornou possível e natural a presença de 9 artistas espanhóis (José Luís Alexanco, Manuel Barbadillo, José Luís Gómez Perales, Gerardo Delgado, Manuel Quejido, Javier Seguí de la Riva, Ana Buenaventura, Soledada Sevilla, José Maria Yturralde) na exposição Computer Visual Research, que integrou a Tendências 5 (Junho de 1973) em Zagreb, a maior representação a seguir à da Alemanha com 12 artistas. É também interessante notar a

308 participação de Ana Buenaventura e de Javier Seguí de la Riva no simpósio The Rational and the Irrational in Visual Research Today. Match of Ideas, que decorreu na mesma altura em Zagreb, e integrou o Congresso da AICA, numa evidência do reconhecimento da investigação espanhola neste domínio.

O ano de 1973, foi também o ano em que terminou o Seminario de Generación Automática de Formas Plásticas, um exemplo de colaboração entre uma instituição pública e a investigação artística multidisciplinar, que logrou resultados positivos tanto na obra dos artistas que por lá passaram (destacando-se Manuel Barbadillo, José Luís Alexanco e José Maria Yturralde, que frequentou posteriormente o Center for Advanced Visual Studies do MIT como artista residente em 1975/1976) como na sua visibilidade internacional, contribuindo deste modo para a criação artística na contemporaneidade.

É de realçar o papel importante do Centro de Cálculo da Universidade de Madrid e da sua direcção que, logo no seu início percebendo o papel do computador para além de uma simples máquina de cálculo, procurou outras aplicações desenvolvendo para além do seminário Generación Automática de Formas Plásticas ligado à investigação artística, outros seminários nomeadamente Linguística Matemática, com preocupações ligadas à semântica e ao estudo dos elementos da linguagem, e Composición de Espacios Arquitectónicos, com incidência na análise e criação espacial, o que fez com que “durante os primeiros quatro anos o CCUM fosse não apenas um centro de cálculo e uma organização de ensino em computação, mas também um local de discussão e debate sobre o papel dos computadores na sociedade.” (Moraga, 2009: 49), marcando deste modo uma diferença fundamental, por exemplo, com o panorama do que se passava na mesma altura em Portugal, como veremos mais adiante.

309 4.5.4 - Jugoslávia

Estas breves notas sobre um país hoje politicamente já não existente como tal, e tradicionalmente não incluído nas referências canónicas da História da Arte, devem-se, por um lado, à importância que tiveram para a “arqueologia dos novos meios” um número de exposições e simpósios que decorreram entre 1961 e 1978 denominadas genéricamente de Novas Tendências em conjunto com a edição da revista bit international, no decorrer destes eventos a partir de 1968 e, por outro lado, pelo facto de Ernesto de Sousa ter estabelecido um breve contacto com estes acontecimentos, situação que abordaremos mais tarde.

Estas exposições, colóquios, e edições, foram amplamente estudadas por Margit Rosen, investigadora e curadora do ZKM - Center for Art and Media, de Karlsruhe, na publicação por si editada com o título A Little-Known Story About a Movement, a Magazine, and the Computer´s Arrival in Art: New Tendencies and Bit International, 1961-1973 (ZKM e MIT Press, 2011), que usaremos como referência.

Em Portugal a exposição em 2001 no Centro Cultural de Cascais (24 de Maio a 24 de Junho) trazida até nós pelo Museu de Arte Contemporânea de Zagreb (com o apoio do Ministério da Cultura e da Embaixada da República da Croácia em Portugal) com o título EXAT 51: 1951-1956 – Novas Tendências - New Tendencies: 1961-1973, revelou informação importante relativamente à actividade, na altura um pouco desconhecida, de um número significativo de artistas da ex-Jugoslávia nesse período de tempo.

A iniciativa e o título das exposições Novas Tendências deveram-se ao artista brasileiro Almir Mavignier (n. 1925) que, a viver na Europa desde o início dos anos 50, desenvolveu no decurso do seu trabalho uma extensa rede de contactos, primeiro em Paris (1951) e depois na Alemanha (1953), tendo passado por Zagreb em 1960 onde deu conta, num encontro promovido na Academia de Belas Artes, da sua visita à recente Bienal de Veneza desse ano.

Questionado sobre novos movimentos artísticos evidenciados nesta mostra a sua resposta foi negativa. Porém, tendo percebido um ambiente de abertura dos artistas e críticos com que contactou propôs uma exposição na Galeria de Arte Contemporânea de Zagreb para promover o que considerava ser a vanguarda artística contemporânea, que não tinha encontrado em Veneza. Essa ideia teve um bom acolhimento e depois de

310 estudadas algumas possibilidades para o título ficou assente que seria Novas Tendências, referido pelo próprio como inspirado no da exposição Stringenz. Nuove Tendeze Tedesche [Rigor. Novas Tendências Alemãs] ocorrida em 1959 na galeria Pagani del Grattacielo, em Milão, e na qual Mavignier tinha participado (Rosen, 2011: 59, 344-345 e 534-535).

A Novas Tendências teve lugar entre 3 de Agosto e 14 de Setembro de 1961, partindo de uma escolha de artistas selecionados por Mavignier, porém, apenas metade dos 29 artistas que apresentaram trabalhos na exposição pertenciam à sua lista original, tendo ficado de fora, por diferentes razões, nomes como , Jean Tinguely, Jesús Rafael Soto ou Lygia Clark.

Também o brasileiro Waldemar Cordeiro, proposto por Mavignier, não figurou na lista de artistas presentes tendo apenas participado mais tarde, em 1965, na terceira edição deste evento (Almir Mavignier foi o único artista brasileiro na exposição de 1961) (Rosen, 2011: 59-61 e 65).

Dos 29 artistas representados mais de metade eram alemães (10) e italianos (8), podendo dizer-se de uma maneira ligeira que as obras em exposição comumgavam do espírito do rigor alemão e do design italiano. As influências do tachisme europeu e do expressionismo abstracto americano, estavam definitivamente arredadas num universo mais racional que valorizava a abstracção geométrica, o neo-construtivismo, a arte concreta, em obras que exploravam os efeitos visuais, e as possibilidades das superfícies na interacção com o visitante. Destas circunstâncias dão provas os comentários dos artistas, escritos pelos próprios para o catálogo da exposição, relativamente às linhas de desenvolvimento de pesquisa do seu trabalho. Gerhard von Graevenitz (1934-1983), que pertencia ao grupo Zero fundado em 1957 por Heinz Mack e Otto Piene (também presentes na exposição) escreve, “Racionalidade – não emocionalidade […] Geometria da grelha: Organização do acaso – ordem”, por sua vez o artista francês Joël Stein (1926-2012), co-fundador em 1960 do Centre de Recherche d´Art Visuel, que no ano seguinte tomou o nome de Group de Recherche d´Art Visuel (GRAV) refere, “ Um quadro não é mais um trabalho artístico, o fruto de uma sensibilidade e da expressão de uma personalidade, mas um fenómeno puramente visual, cujos componentes não têm outro objectivo senão criar uma impressão óptica e não mais criar uma situação literária ou psicológica.”, por último Manfredo Massironi (n.1937), porta-voz no catálogo dos artistas italianos do Gruppo N (1959) de Pádua, refere: “Alberto Biasi – Através de um

311 processo de estratificações repetitivas, cria superfícies que são opticamente dinâmicas e indetermináveis. Ennio Chiggio – Cria estruturas ópticas tornadas visíveis através da luz, que são percebidas diferentemente pelo observador dependendo do ângulo a partir do qual são vistas.”139

É também interessante juntar as afirmações, no mesmo catálogo, do suiço Karl Gerstner (n.1930), designer, e as de François Morelllet (n. 1926), co-fundador do grupo GRAV, que têm já a ver com um conceito que só a partir de meados dos anos 60 seria dada mais atenção, a da validação da arte como pesquisa ou da arte como processo de investigação140. Diz Morellet, “Imagine-se que estamos nas vésperas de uma revolução nas artes que é tão grande como a revolução que existe na ciência. Então, a razão e o espírito de investigação sistemática tem de substituir a intuição e a expressão individual”, a complementar, afirma Gerstner: “O que eu desejava era ter não as mais óbvias mas todas as partes combinatórias à minha disposição; um catálogo de todos os parâmetros e dos seus elementos para a realização de imagens.”. Alguns anos mais tarde o computador assumiu-se como essa máquina combinatória, uma ferramente utilizada na pesquisa de muitos artistas no sentido de produzir inúmeras variantes, quer em forma quer em cor, a partir de modelos pré-estabelecidos.

Um exemplo de um artista para quem esta ferramente foi essencial no desenvolvimento da sua obra foi o espanhol Manuel Barbadillo cuja concepção do seu trabalho passava pela conjugação de variantes de módulos que ele estudava e combinava exaustivamente. O próprio Karl Gerstner apresentaria mais tarde uma comunicação intitulada “Producing Art with the Computer”141, no simpósio Computers and Visual Research (5 e 6 de Maio de 1969) integrado na Tendências 4 (Tendencije 4) em Zagreb, expressando por um lado a sua convicção na utilidade da utilização dos computadores no domínio artístico, mas apontando também as fragilidades e os

139As citações anteriores e as do parágrafo seguinte foram publicadas originalmente no catálogo nove tendencije (Gelerija suvremene umjetnosti, Zagreb, 1961, s. p.), e republicadas por Margit Rosen (2011: 82 e 83).

140 Em 1963 um grupo de artistas participantes nas exposições Novas Tendências assumiu-se como um movimento internacional tendo editado a publicação Nouvelle Tendance – recherche continuelle, e em 1965 o historiador Giulio Argan, na altura presidente da AICA, escreveu o artigo Arte como Ricerca [Arte como Pesquisa], publicado no catálogo da exposição Nova Tendência 3 (nova tendencija 3,galerija suvremene umjetnosti, Zagreb, 1965, pp 19-22), republicado por Margit Rosen (2011: 194-197).

141 Publicado originalmente em 1971 no número 7 da revista bit international, (Zagreb: Galerije grada Zagreba, pp. 149-154), e republicado por Margit Rosen (2011: 419-420).

312 problemas da sua infância, nomeadamente a falta de recursos e a necessidade de uma investigação mais vasta ligada às questões artísticas.

À exposição de 1961 segiu-se a Novas Tendências 2 (nove tendencije 2) em 1963, de 1 de Agosto a 15 de Setembro, na ideia de um evento que teria uma periodicidade bienal, consolidando um grupo de artistas que se apresentavam confiantes nas novas pesquisas plásticas e que se assumiu como um movimento internacional ultrapassando as fronteiras da Jugoalávia em exposições itinerantes como nuova tendenza 2 (Dezembro de 1963/ Janeiro de 1964) na Fondazione Querini Stampala, em Veneza, e neue tendenzen (Março de 1964), no Städtisches Museum, em Leverkussen ou, já fora do circuito itinerante, Propositions Visuelles du movement international Nouvelle Tendance (Abril e Maio de 1964), no Musée des Arts Décoratifs, no Louvre, em Paris, com um texto de Karl Gerstner na catálogo da exposição com o título Qu´est que la Nouvelle Tendance?142, explicando os objectivos do movimento.

A visibilidade deste movimento alcançada com a participação dos seus diversos grupos e artistas na Bienal de Veneza e na documenta III em Kassel, ambas em 1964, e os prémios ganhos pelos seus membros em diferentes exposições (Denegri, 2011: 23) parecia apontar para a absorção do movimento pela cena artística internacional e do seu esvaziamento de conteúdo inovador e de pesquisa (Rosen, 2011: 28). Prova disso é o comunicado de imprensa da exposição The Responsive Eye143, no MoMA em Nova Iorque, que em 1965 consagrou a optical art, e no qual se podia ler que estavam representadas todas as tendências dentro do domínio do tema da exposição incluíndo aquelas que estavam categorizadas como o Optical, Retinal ou Cool art, Hard-Edge Painting, Visual Research, The New Abstraction, La Nouvelle Tendance, Post Painterly Abstraction, Color Imagery, e Programatic Art, reduzindo o trabalho do movimento Nova Tendência, supostamente de vanguarda, a apenas mais um “rótulo” entre tantos outros.

O ano de 1965 seria de reavaliação dos objectivos da exposição de Zagreb que, nesta sua terceira edição, deixou de ser plural no título (Novas Tendências) para

142 Texto republicado por Margit Rosen (2011: 162-163).

143 Este comunicado de imprensa está disponível em: https://www.moma.org/momaorg/shared/pdfs/docs/press_archives/3439/releases/MOMA_1965_0015_14 .pdf?2010 (consultado em 7 de Setembro de 2014).

313 concentrar na singularidade do nome - Nova Tendência 3 (nova tendencija 3) - uma particularidade que era transversal no percurso de qualquer artista mas que agora passava a ser relevante – a valorização da pesquisa artística como processo, independentemente do “produto acabado”.

Esse desígnio é referido logo na introdução do catálogo da exposição pelos organizadores do evento - “A intenção básica da manifestação da nova tendencija 3 [Nova Tendência 3] é: em vez da representação – acção. Portanto: em vez da representação de valores de duração ilusória – encorajar e iniciar acções que pesquisem a passagem dos conhecimentos e experiência da comunicação plástica em percepção visual.”144. Intenção esta que foi levada à prática pelo lançamento de um concurso que valorizava exemplos de pesquisa, designado de Divulgation des exemplaires de recherches, e que teve no artigo “Art as Research”, do historiador e crítico de Arte Giulio Argan, publicado no catálogo da exposição145, um elemento importante para o entendimento deste conceito como actividade artística146.

Esta abertura para a arte como uma actividade de pesquisa fez com que fosse possível equacionar outras direcções no labor artístico, fora do estrito objectivo da produção de objectos, nomeadamente procurar novos modelos e sistemas que propiciassem a pesquisa como ferramenta de trabalho. É nesse sentido que surge o artigo “Cybernetics and the Work of Art”, da autoria do engenheiro e filósofo Abraham Moles, publicado no catálogo da exposição147, que advogava os princípios e métodos da cibernética na criação de algoritmos como proposta de realização de máquinas de

144 “The basic intention of the nova tendencija 3 [New Tendency 3] manifestation is: instead of representation – action. Therefore: instead of the representation of illusory lasting values – encourage and initiate action that research the plastic communication of experience and insights into visual perception;”, citação da tradução em inglês (Rosen 2011: 182), do texto originalmente publicado no catálogo da exposição nova tendencija 3 (Galerija suvremene umjetnosti, Zagreb, 1965, p.9)

145 Publicado originalmente como “Arte como Ricerca”, in, nova tendencija 3, Galerija suvremene umjetnosti, Zagreb, 1965, pp. 19-22, republicado por Margit Rosen (2011: 194-197).

146 Segundo Argan: “[…] the essencial difference between ´research art´ and ´non-research art´ seems to lie in the fact that the latter is based on established values, whereas the former aspires to establish values, or rather, to establish itself as value. […] ´Research art´ is not based on established values. Its procedures which are oriented toward the establishment of value do not assume a predetermined or predictable result. The artist acts, his action is deliberate, but not predetermined” (Rosen, 2011: 195)

147 Publicado originalmente como “Cybernétique et oeuvre d´art” em Révue d´Esthétique, vol 18, nº2, Abril-Junho, 1965, e republicado como “Cybernetics and the Work of Art” por Margit Rosen (2011: 217- 225).

314 simulação, em que o artista teria um papel de programador e de explorador de campos de possibilidades.

A participação de Abraham Moles na Nova Tendência 3, tanto através do seu artigo como nas reuniões/debates no decorrer do evento com outros protagonistas (artistas, historiadores, teóricos, curadores), levou a que a sua presença fosse requisitada para a preparação da edição seguinte que não se realizaria em 1967, como seria de esperarar, mas sim em 1968 e 1969, e que teria a designação de tendencije 4 (Tendências 4).

Das reuniões preparatórias levadas a efeito a partir de Dezembro de 1967 saíram diversos programas orientadores de possíveis actividades, em que agora a pesquisa artística, tema do evento de 1965, passava a ter um novo aliado, o computador, que deu o mote do tema da Tendências 4 na utilização da expressão computers and visual research.

Com efeito, esta expressão surge logo na informação divulgada no primeiro programa preparatório do evento, numa circular datada de Abril de 1968 e enviada aos potenciais participantes internacionais, no qual se declarava que o tema da tendencija 4 era investigar as possíveis conexões históricas “[…] entre o movimento NT e as possibilidades endereçadas pelos computadores no campo da pesquisa visual.”148

Com esse objectivo, a Tendências 4 desmultiplicou-se num conjunto de iniciativas que contou com a organização do colóquio internacional, organizado e moderado por Abraham Moles, denominado Computers and Visual Research (3 e 4 de Agosto, 1968), acompanhado de uma exposição ilustrativa que decorreu entre 2 e 8 de Agosto com obras de 25 artistas. A mostra principal da Tendências 4 decorreu apenas no ano seguinte (5 de Maio a 30 de Junho, 1969), numa exposição tripartida que abarcava uma retrospectiva das primeiras três edições das Tendências (retrospective nt1 – nt3), uma exposição de pesquisas recentes no campo visual (nt4 – recent examples of visual research), e uma outra exposição com a mesma temática do colóquio, (tendencies 4. computers and visual research) no qual participaram 41 artistas distribuídos pela

148 “This year the fourth such manifestation called ´Tendencija 4´ is going to take place with the basic theme: General and historical connections between the movement NT and the possibilities given by computers in the field of visual research”, in, Program Information 1, Abril 1968, republicado por Margit Rosen (2011: 239).

315 Áustria (3) , Alemanha (7), Jugoslávia (4), Estados Unidos (16), Holanda (3), Brasil (1), Reino Unido (2), Japão (1), Itália (2), Hungria (1), República Checa (1)149, denotando um movimento e um interesse que, em 1969, já atingia uma dimensão multinacional apreciável.

A este conjunto de iniciativas, que incluíram o colóquio e as diversas exposições, juntou-se também a edição de uma nova revista teórica, a bit international, da qual foram publicados nove números entre 1968 e 1972, e cujo objectivo era criar um instrumento de cooperação internacional que incluísse campos de investigação em“ […] teoria da informação, estética exacta, design, meios de comunicação de massas, comunicação visual, e outros assuntos relacionados com estas áreas”150, de modo a colmatar brechas que, na opinião dos editores, se abriam entre o “científico e o artístico” ou entre o “conhecimento teórico e a praxis do dia-a-dia”.

A revista, substancial no seu conjunto, geralmente com de mais de 100 páginas por edição, era temática, e justamente o tema do seu primeiro número em 1968 foi The Theory of Information and the New Aesthetics, com artigos de fundo repartidos entre Max Bense e Abraham Moles, em que ambos apresentaram a visão de uma apreciação estética baseada em conceitos aparentemente colaterais à actividade artística tradicional (semiótica, teoria da informação, algoritmos, análise combinatória), mas que o desenvolvimento recente dessa mesma actividade artística como pesquisa, na utilização de novas ferramentas e conceitos, obrigava de certo modo a um novo suporte teórico mais actual e em novos moldes, que não se compadecia com uma estética clássica.

O ano de 1968 viu ainda editados mais dois números da revista bit international. O seu segundo número, com o tema Computers and Visual Research, deu voz a alguns artistas que estiveram na exposição desse ano em Zagreb e que faziam da utilização do computador uma ferramenta exploratória de novas plasticidades (Herbert Franke, Hiroshi Kawano, George Nees, Frieder Nake, Leslie Mezei, entre outros), e o terceiro número, International Colloquy, Computers and Visual Research, Zagreb, August 3 - 4

149 A compilação dos nomes dos 41 participantes pode ser consultada no trabalho de Margit Rosen (2011: 361).

150 “Why bit Apperas”, editorial da bit International 1, Galerije grada Zagreb, 1968, pp. 3-5, republicado por Margit Rosen (2011:295).

316 1968, foi o veículo da publicação das comunicações do colóquio internacional desse ano em Zagreb.

No ano seguinte publicam-se os números 4 (Design) e o duplo 5/6 (The World Image / Poésie Concrète), com uma intervenção de Max Bense relativamente à poesia concreta, e de Siegfried J. Schmidt e Zeljko Bujas relativamente à utilização de computadores na composição poética.

Os últimos dois números da bit international surgiram apenas em 1971 e 1972 respectivamente com os temas Dialogue With the Machine e Television Today: Television and Culture - The Language of Television – Experiments, em que esta última - nas suas mais de duzentas páginas com artigos de Abraham Moles (“Television et Culture Mosaique”), Gilio Dorfles (“La Caratteristiche dei Linguaggio Televisivo”), Umberto Eco (“Ligne d´une Recherche Sémiologique sur le Message TV”), entre outros151 - dava corpo à ideia inicial expressa no editorial do primeiro número da revista, a de uma abordagem aos meios de comunicação de massas, isto numa altura em que a galeria Howard Wise, de Nova Iorque, já tinha apontado o caminho da criação artística neste particular com a exposição TV as a Creative Medium (17 Maio a 14 de Junho de 1969), e o vídeo surgia como uma forma de expressão plástica cada vez com maior importância.

Numa lógica de eventos bienais a tendencija 5 (Tendências 5) deveria ser realizada em 1971. No entanto, esse ano foi marcado apenas pelo colóquio internacional Art and Computers 71 (26 e 27 de Junho) e por uma exposição alusiva ao tema.

Dos participantes no colóquio contava-se Florentino Briones, na altura director do Centro de Cálculo da Universidade de Madrid, e que certamente trouxe ao conhecimento dos presentes as experiências artísticas decorrentes do seminário Generación Automática de Formas Plásticas, que se tinham iniciado em 1968, na altura também por ele dirigido depois de suceder nesta função a García Camarero.

Embora não comparecendo ao colóquio em pessoa, Frieder Nake - na altura a trabalhar na Universidade da British Columbia, em Vancouver, depois de desenvolver um trabalho de pós-doutoramento na Universidade de Toronto como bolseiro do National Research Council of Canada – enviou ao colóquio a sua comunicação “There

151 O índice completo da revista foi publicado por Margit Rosen (2011: 473)

317 Should Be No Computer Art”, lida por Jonathan Benthall e publicada poucos meses mais tarde no boletim Page da Computer Arts Society (Page ,18, Outubro de 1971)152.

Nesta comunicação, Nake deu forma ao racional que esteve por detrás da sua declaração no ano anterior ao boletim Page (Page, 8, Maio de 1970) em que afirmava que deixaria de expôr a partir desse momento, apontando como razão a tomada de posse da produção artística executada por computador pelo mercado capitalista e, ao mesmo tempo, a falta de novas ideias nessa produção gráfica153.

Na verdade, o que causou impacto em Nake, sendo um matemático de formação, foi o choque com o mercado da arte e os múltiplos interesses das diferentes entidades envolvidas (galerias, coleccionadores, críticos, agentes) que decidiam sobre a compra e venda de bens artísticos no establecimento de tendências efémeras e estilos que Nake colocava em paralelo com o mundo da moda. “Os computadores não devem ser usados para a criação de uma outra moda artística”, refere Nake na sua comunicação, afirmando que: “Eu não vejo o computador como fonte de imagens para a galeria. Eu vejo o computador como uma ferramenta conveniente e importante na investigação do fenómeno estético visual (e outros) como parte da nossa experiência diária.” (Rosen 2011: 467). Ou seja para Nake não fazia sentido a simples produção de imagens com um sentido estético apurado pela descrição de uma fórmula matemática e de fácil consumo num contexto de galeria resumindo esta posição da seguinte forma “ […] o papel do computador é a produção e apresentação de informação semântica que, acompanhada de informação estética suficiente, torna-a significativa; o papel do computador na produção de informação estética per si com o sentido de fazer lucro é

152 Este boletim encontra-se disponível em: http://computer-arts-society.com/uploads/46_4f4bafa3196e2423914490.pdf (consultado em 15 de Setembro de 2014). O texto foi também publicado por Margit Rosen a partir da transcrição áudio da conferência no colóquio (Rosen, 2011: 466-468).

153 A declaração de Frieder Nake na íntegra, assinada em 16 de Abril de 1970, é: “I stop exhibiting for the present (last exhibition, in form of a retrospective, with H de Vries at Swart Gallery, Amesterdam). Reason: It looks as if the capitalist art market is trying to get hold of computer productions. This would mean a distraction from visual research. Exhibiting in universities etc., is different as it helps to communicate; communication is essencial to research. The actual production in artistic computer graphics is repeating itself to a great extent. Really good ideias haven´t shown up for quite a while.” (Page, 8, Maio de 1970). Este texto pode ser consultado em: http://computer-arts-society.com/uploads/46_4f4ba8ba1cd4b015074217.pdf (consultado em 15 de Setembro de 2014)

318 perigosa e sem sentido.” (Rosen, 2011: 467), dando a entender a natureza diferente de muitos dos gráficos produzidos por engenheiros e matemáticos com acesso aos sistemas e com conhecimentos de programação que, a partir de um certo deslumbramento da tecnologia, produziam imagens (exemplos das imagens produzidas por técnicos da CalComp ou as primeiras imagens que ganharam os concursos da revista Computers and Automation) facilmente assimiladas a desenhos artísticos, e o trabalho de artistas como Charles Csuri ou Manuel Barbadillo que, trabalhando com os mesmos sistemas nas universidades, utilizavam o computador para a produção de obras que decorriam das suas preocupações e investigação artística.

Por sua vez Jonathan Benthall154 na sua comunicação “The Computer as a Médium”, resume aquilo que seria o terceiro capítulo (The Computer – or Information Processing Technology) do seu livro a editar no ano seguinte, Science and Technology in Art Today (Thames & Hudson, 1972), apresentando algumas considerações sobre os aspectos económicos sociais e estéticos da utilização dos computadores.

Neste último aspecto, confessa o seu cepticismo relativamente à aplicação de algoritmos e modelos matemáticos à informação estética, contrariamente a Max Bense ou Abraham Moles155, concordando porém com Frieder Nake relativamente a um fim de percurso da computer art expressa através da expressão gráfica156.

Como possibilidade de desenvolvimento de outras direcções na utilização de computadores na expressão artística Benthall dá como exemplo o trabalho Seek - criado pelo Architecture Machine Group, um grupo de investigação do Massachusetts Institute of Technology liderado por Nicholas Negroponte – que tinha sido recentemente

154 Jonathan Benthall (n.1941), essencialmente interessado nos estudos de antropologia a partir de meados dos anos 70, teve na década anterior a percepção de que as tecnologias de informação seriam importantes no futuro, mantendo durante três anos um emprego na IBM como engenheiro de sistemas (1965-1968), e mais tarde trabalhou como analista de investimentos no mercado financeiro. O seu interesse pela arte contemporânea e pela tecnologia - em particular pela computação e holografia - levaram-no a trabalhar no Institute of Contemporary Arts em Londres, tendo iniciado em Março de 1969 uma coluna mensal na revista de arte americana Studio International sobre as relações entre arte e ciência. O seu trabalho mais conhecido neste particular foi a edição em 1972 do livro Science and Technology in Art Today (Londres: Thames & Hudson).

155 “I don´t want to detain you by talking about information aesthethics, the attempt to apply computer models to aesthethics. I´m extremely sceptical about this as a whole enterprise. […] I don´t think that it is helpful or valuable to draw flow charts about art […]” (Benthall, 1971: 464)

156 “I think that rather a dead end has been reached in computer graphics, for instance, and I hope that one of the functions of this colloquy will be to go to certain fundamentals of theory about the possibility of extending work in this direction.” (Benthall, 1971: 465), referindo-se à possibilidade da utilização de outros dispositivos e interfaces do computador para além das impressoras e plotters. 319 apresentado na exposição Software, Information, Technology: Its New Meaning for Art, criada por Jack Burnham no Jewish Museum de Nova York (16 de Setembro a 8 de Novembro de 1970). Nesta obra, um espaço fechado albergava um conjunto de cubos de cerca de 4 centímetros de lado passíveis de serem empilhados e alinhados por um mecanismo (braço mecânico) comandado por um computador, ao mesmo tempo que esses mesmos blocos podiam também ser deslocados e “dessarrumados” dessas posições por uma colónia residente de pequenos roedores (gerbilos) que se deslocavam livremente no mesmo espaço. As questões que se colocavam entre ordem e desordem, entre o pragmatismo tecnológico e a interacção social, entre a reformulação de estratégias e a adopção de novos modelos, representavam metáforas sociais que Benthan via como válidas numa perspectiva de utilização artística dos computadores e que passava pela interacção destes com o mundo que lhe era exterior.

Na verdade, muito do desenvolvimento posterior dos computadores na actividade artística deixou de ser na produção gráfica para passar a ter na interacção e no aperfeiçoamento de interfaces e sensores (ao som, à luz, ao movimento, à temperatura, etc.) uma mais valia para as mais diferentes aplicações.

Depois do colóquio Art and Computers 71, a tendencije 5 (Tendências 5) finalmente foi levada a efeito dois anos depois, em 1973, sendo o último evento desta série que teve uma repercussão internacional importante, albergando exposições e colóquios, embora mais tarde, em 1978, tivesse sido ainda realizada a tendencije 6 (Tendências 6) mas que constou apenas de um colóquio subordinado ao tema Arte e Sociedade (13 e 14 de Outubro).

A tendencije 5 (1 de Junho a 1 de Julho de 1973) teve a a particularidade de coincidir com a XXV Assembleia Geral e Congresso da Associação Internacional dos Críticos de Arte (AICA), nesse ano realizado em Zagreb, o que lhe deu uma visibilidade particular.

O evento consistiu numa exposição com três secções distintas (Constructive Visual Research, Computer Visual Research, Conceptual Art) albergando mais de 120 artistas, e de um simpósio no âmbito do Congresso da AICA denominado The Rational and the Irrational in Visual Reaserach Today. Match of Ideas.

320 É de realçar a forte presença de artistas espanhóis (nove artistas)157 no conjunto dos 56 artistas158 que participaram na secção Computer and Visual Research, que já se tinham dado a conhecer através do intercâmbio das exposições organizadas pelo Centro de Cálculo da Universidade de Madrid, e cuja investigação nesta instituição estava em linha com o tema da exposição.

Também é de notar pela primeira vez a presença de um número considerável de artistas argentinos (Luís Fernando Benedit, António Berni, Ernesto Deira, Eduardo Mac Entyre, Mario Mariño, Rogelio Polesello, Osvaldo Romberg, Miguel Ángel Vidal) participantes das actividades do CAyC de Buenos Aires, dirigido por Jorge Glusberg que tinha com alguns deles organizado a exposição pioneira na Argentina e na América do Sul, Arte y Cibernetica, em 1969.

Contrastando com este conjunto numeroso de artistas da Argentina, o Brasil estava apenas representado por Waldemar Cordeiro que participou tanto como artista, com a obra Gente, Grau 1 (1972), como conferencista no simpósio da AICA, podendo concluir-se que, depois da organização da exposição Arteônica em 1971 em São Paulo, e excluindo Cordeiro, a comunidade artística brasileira nesta altura ainda não se tinha eventualmente deixado envolver ou prestado a devida atenção a essa vertente tecnológica.

Portugal não se fez representar nem na exposição nem no simpósio, o que é sintomático do panorama artístico português neste particular, embora estivesse presente na pessoa de Ernesto de Sousa que, participando no âmbito da AICA, estabeleceu contactos com Waldemar Cordeiro e Jorge Glusberg, dando notícia dos eventos na revista Colóquio/Artes, como veremos adiante.

157 Apesar de já mencionados anteriormente os seus nomes, optámos por repeti-los aqui por uma questão de conveniência. São eles: José Luís Alexanco, Manuel Barbadillo, José Luís Gómez Perales, Gerardo Delgado, Manuel Quejido, Javier Seguí de la Riva, Ana Buenaventura, Soledad Sevilla, José Maria Yturralde.

158 A distribuição de artistas por país era : Espanha (9), Estados Unidos (7), Áustria (2), Jugoslávia (6), Argentina (8), Brasil (1), França (7), Alemanha (12), Suécia (2), Itália (2).

321

322

Capítulo 5

Pioneiros Processos e Meios: Uma Perspectiva Nacional

Neste capítulo iremos, sem uma preocupação de estudo sistemático e exaustivo, dar essencialmente ênfase aos antecedentes, vias de investigação, obras e artistas que, no domínio da História da Arte em Portugal, de algum modo primeiro manifestaram, directa ou indirectamente, interesse pelos meios tecnológicos referenciando-os nas suas obras, para tentar perceber o modo como no nosso país a introdução das tecnologias da informação foram acolhidas no domínio artístico, e a existência ou não de pontos de contacto com o que se passava em outras geografias.

Começaremos por tomar nota da possibilidade de interpretar algumas obras de artistas portugueses da primeira metade do século XX (Amadeo de Souza-Cardoso e António Pedro) a partir de uma perspectiva iconográfica que, suportada em contextos diversos podem eventualmente orientar novos regimes de visibilidade e de leitura, para depois, ao debruçarmo-nos sobre a sua segunda metade, dar a conhecer algumas publicações, textos, exposições, iniciativas, obras, e artistas pioneiros na utilização das tecnologias da informação.

323 5.1 – Reflexões Prévias: Amadeo de Souza-Cardoso e António Pedro

5.1.1 - Amadeo de Souza-Cardoso – Três Obras de 1917

Nas primeiras décadas do século XX não se pode dizer que a máquina ou o mecanismo fosse dominante no percurso de algum artista português como o foram de algum modo para Naum Gabo com as suas esculturas cinéticas (ex., Kinetic Sculpture: Standing Wave, 1920); para Francis Picabia, nos seus variados desenhos esquemáticos de mecanismos (ex., Machine sans Nom, 1915); nas máquinas de Marcel Duchamp (ex., Rotary Glass Plate, 1920); nas obras de Alexander Calder (ex. The Motorized Mobile that Duchamp Liked, 1932); ou nas peças e estudos sobre a espacialidade de László Moholy-Nagy (ex., The Light-Space Modulator, 1930).

No entanto, o contacto com as vanguardas europeias não deixou indiferentes Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918) ou, mais tarde, António Pedro, podendo pontualmente sublinhar-se uma ou outra obra no percurso destes artistas que, embora não constituindo referências continuadas no seu trabalho, podem ser consideradas antecedentes merecedores de alguma atenção no estudo que nos propomos realizar.

De Amadeo de Sousa-Cardoso iremos considerar brevemente três obras do seu último período realizadas em Portugal, já depois da sua assimilação estrangeira em Paris, que têm entre si alguma unidade pictórica, na repetição da representação de alguns elementos em todas elas (discos, números, palavras), e unidade estética, na formalização da sobreposição de planos entrecortados numa paleta cromática idêntica.

São obras a que o autor não deu título sendo contudo identificadas, excepto uma, por elementos que delas constam. Trata-se de Título Desconhecido (1917), Título Desconhecido (BRUT 300 TSF) (1917), e Título Desconhecido (Máquina Registadora) (1917).

Na primeira obra, Título Desconhecido (1917) (Fig. 5.1), um conjunto de planos sobrepostos parecem ser atravessados e ligados por “ […] elementos mecânicos, fios e cabos sempre de sugestão eléctrica.” (França 1986:124), sugestão essa que continua de um modo mais evidente no canto superior direito de Título Desconhecido (BRUT 300 TSF) (1917) (Fig. 5.2), com uma referência directa à sigla TSF, que genericamente

324 designa a transmissão (telegrafia ou telefonia) sem fios, à qual Marconi tinha dado corpo no fim do século XIX.

É também curioso notar que uma espécie de mão estilizada, com ressonâncias mecânicas, representada um pouco abaixo do centro da tela (Fig. 5.1), tem semelhanças com a mão mecanizada que sai do braço articulado em Máquina Registadora (Fig. 5.3).

Fig 5.1: Amadeo de Souza-Cardoso Fig 5.2: Amadeo de Souza-Cardoso Título Desconhecido (1917) Título Desconhecido (BRUT 300 TSF) (1917)

Por último, em Título Desconhecido (Máquina Registadora) (1917), o universo mecânico de uma máquina registadora confunde-se com a representação de uma calculadora, observando-se ainda, num primeiro plano, uma espécie de braço mecânico, quase diríamos robotizado, articulado em torno de discos nitidamente influenciados pela pintura dos Delaunay, mas agora transformados em elementos integrados na obra sem a importância e função que tinham na pintura deste casal.

Esta obra de Amadeo aparece ainda permeada da inscrição de números, códigos e cifras só quebrados pelas palavras Barrett e Wotan. Esta última é uma referência à lâmpada eléctrica fabricada pela Siemens em 1910, que tomou esta designação a partir da abreviatura da liga de volfrâmio e tântalo (wolfram e tantalum) de que era constituído o seu filamento, estando a lâmpada, de forma oblonga, representada no topo

325 da obra por baixo da palavra Wotan1. O nome Barrett pode ser mais enigmático, mas é certamente uma alusão às máquinas calculadoras do mesmo nome fabricadas pela Barrett Adding Machine Company, a partir de 1910 nos Estados Unidos. Estas máquinas tinham a possibilidade de impressão dos resultados das operações matemáticas em papel, uma visibilidade que Amadeo concede na sua pintura/colagem, e uma situação que eventualmente levou à designação menos correcta desta obra como “máquina de escrever”2, em alguma literatura.

Fig 5.3: Amadeo de Souza-Cardoso Fig 5.4: Máquina calculadora Barrett (c. 1912) Título Desconhecido (Máquina Barrett Adding Machine Company Registadora) (1917)

Embora o registo em papel logicamente permita atribuir a esta máquina uma função de máquina registadora - designação mais correcta do que máquina de escrever - pode no entanto ser enganadora por poder ser confundida com caixa registadora3, esta

1 A representação de uma lâmpada, ao qual está associado o nome Wotan neste quadro, aparece também em Título Desconhecido (Entrada) (1917), mas sem a designação Wotan.

2 Esta obra é designada por Pintura (Máquina de Escrever) (c.1917) em, Paulo Henriques (coord.) (1997). Arte Moderna Portuguesa no Tempo de Fernando Pessoa, 1910-1940, Zurique: Edition Stemmle, pp. 118-119. Do mesmo modo, é também descrita como Máquina de Escrever em Alexandre Melo (1998). Artes Plásticas em Portugal – Dos anos 70 aos Nossos Dias, Lisboa: Difel, p. 17.

3 Esta possibilidade de confusão está patente na tradução em inglês do título desta obra como Title Unknown (Máquina Registadora) [Cash Register] (1917), no endereço electrónico da entidade detentora da obra (Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian). http://www.cam.gulbenkian.pt/index.php?article=69606&visual=2&langId=2 (consultado em 22 de Abril de 2014).

326 com funções de registos de transacções comerciais e acoplada a um sistema de gaveta com divisórias para dinheiro, que a obra de Amadeo pode sugerir.

No entanto, a inscrição do nome Barrett na obra, pelo próprio Amadeo, ganha importância no esclarecimento da função da máquina representada como calculadora, e não como caixa registadora, pelo que, ao não ter sido explicitado pelo autor um título para esta obra, seria de considerar a designação entre parêntesis de Calculadora Barrett em vez de Máquina Registadora, devolvendo a importância à função primordial da máquina representada e usando um termo inscrito (que a define) na própria obra, como se optou por fazer noutras do mesmo período de que são exemplo Título Desconhecido (Entrada) (1917), e Título Desconhecido (Coty) (1917).

Nestas três obras de Amadeo, o artista enuncia um conjunto de factos recentes da sua contemporaneidade tecnológica, em que a máquina, a electricidade, o código e a comunicação, estão presentes através de uma síntese pictórica apoiada numa visão geométrica de planos entrecruzados num dinamismo visual fragmentado e de simultâneo excesso de informação, situação com que o século XX, essencialmente na sua segunda metade, se iria defrontar.

327 5.1.2 - António Pedro: O Aparelho Metafísico de Meditação (1935)

Uma outra peça que merece algumas considerações no contexto a que nos propomos é a obra Aparelho Metafísico de Meditação (1935), de António Pedro (1909- 1966), que surge na sequência das suas pesquisas em torno da expansão do tempo e espaço condensadas no Manifeste Dimensionniste, assinado nesse ano pelo artista em Paris, em conjunto com Marcel Duchamp, Robert Delaunay, Kandinsky, Miró, Francis Picabia, Jean Arp, László Moholy-Nagy, Alexander Calder e outros.

Fig 5.5: António Pedro Aparelho Metafísico de Meditação (1935)

Esta escultura é em si mesmo um mecanismo de operações combinatórias que pressupõe a acção do observador através da rotação de dois discos de baquelite transparentes sobrepostos, cada um com três inscrições. O mais pequeno, apresenta três variações não completas da frase “Deus Fez o Homem”, e o maior, por baixo do anterior, apresenta igualmente outras três inscrições com variações, igualmente não completas, da frase “O Homem Querido de Deus” que, articulados nas suas nove combinações possíveis, quando enquadradas pela marcação de um triângulo no topo da peça, se apresentam como outras tantas propostas de reflexão4.

4 As frases no disco maior são “O Homem Querido”, “De Deus o Homem”, Querido de Deus”, e no disco mais pequeno são “Deus Fez”, “O Homem Deus”, “Fez o Homem”. Uma combinação possível é por exemplo “O Homem Querido Deus Fez”. A respeito desta obra António Pedro refere no seu “Dicionário Prático Ilustrado”, na revista Pentacórnio: “Andei em tempos interessado (1934-35) nas correspondências espaciais da expressão verbal. Das várias experiências feitas nesse sentido, a mais sensacional foi, sem dúvida, a realização dum aparelho metafísico a que chamei de Meditação. Consiste essencialmente na aplicação da descoberta da

328 O aspecto combinatório, posto em evidência nesta obra, conjugado com considerações de ordem metafísica, tem algo de paralelo com o trabalho do filósofo e monge medieval Ramon Llull (1232-1316)5 denominado Ars Generalis Ultima (1305- 1308), também conhecido por Ars Magna, na descrição de uma nova lógica de base combinatória que, de um modo diverso da lógica Aristotélica, propunha-se como um processo inventivo e de estímulo para o conhecimento de Deus.

O seu processo baseava-se na composição de círculos divididos em nove sectores com as letras B, C, D, E, F, G, H, I, K, (a letra A, por ser a primeira, estava reservada para designar Deus) às quais correspondiam duplos sentidos, designando o que Llull referenciava como as “Dignidades Divinas” ou “Atributos de Deus” (Bondade, Grandeza, Eternidade, Poder, Sabedoria, Vontade, Virtude, Verdade, Gloria), associando também a estas mesmas letras o que entendia por princípios relativos (diferença, concordância, oposição, principio, meio, fim, maioridade, igualdade, menoridade), conceitos definidos em detalhe pelo autor na sua obra e que, numa perspectiva mais contemporânea, poderíamos apelidar de operadores.

Associado ainda a cada uma das letras o autor fazia corresponder um conjunto de questões (porquê, quando, de que espécie, como, etc.), assuntos (Deus, anjo, homem, imaginativo, vegetativo, etc.), virtudes (justiça, prudência, temperança, fé, etc.) e pecados (avareza, gula, luxúria, soberba, etc.), tornando o sistema bastante complexo.

Através de um processo delineado por Llull, e que conduzia o utilizador deste dispositivo através da leitura de três figuras, de várias definições, e de regras combinatórias, chegava a uma quarta figura que descreve como um conjunto de três círculos concêntricos de diferentes dimensões (o de cima é o de menor dimensão) divididos em nove partes com as respectivas letras de B a K, e em que os dois superiores rodam sobre um terceiro fixo - e aqui a semelhança com o dispositivo de António Pedro - permitindo um imenso conjunto de combinação de conceitos que seria necessário descodificar de acordo com a pergunta que inicialmente se tinha formulado e

circularidade da frase 'DEUS FEZ O HOMEM', que pode, consequentemente, ler-se das três maneiras seguintes: 1) DEUS FEZ O HOMEM, 2) FEZ O HOMEM DEUS, 3) O HOMEM DEUS FEZ . . . . Todos os pontos de partida da especulação teológica ou anti-teológica se invalidam mutuamente, mercê da simples redução dum conceito abstracto (metafísico) a uma forma abstrata (neste caso o círculo) que lhe é correspondente” (Pedro, 1956:15).

5 Sobre a obra de Ramon Llull ver: Anthony Bonner (ed.) (1985), Doctor Illuminatus: A Ramon Llull Reader, Princeton (NJ): Princeton University Press.

329 para a qual se esperavam algumas linhas orientadoras, resultado da utilização deste processo que passava por uma fundamentação baseada em quatro figuras, que se podem designar de algoritmos.

A criação de um mecanismo de funcionamento, de regras de controlo e definições de parâmetros, fizeram com que este processo de lógica combinatória de Llull fosse associado de muito perto à lógica dos sistemas de computação em que é, do mesmo modo, necessário atribuir nomes às variáveis, definir funções, e estabelecer as regras da construção de um algoritmo que coordene as operações passíveis de serem executadas por um operador ou utilizador6.

Jaisa Reichardt, curadora da exposição Cybernetic Serendipity (1968), faz uma referência à lógica de Lull no catálogo da exposição citando o neurofisiologista Warren McCulloch7, na altura presidente da American Society for Cybernetics, notando que Warren McCulloch se refere à máquina dos atributos de Deus de Llull como sendo digital, “[…] an either/or machine.” (Reichardt, 1968:11).

Obviamente que a máquina de António Pedro não pretendia instalar uma nova lógica. Era uma interpretação artística de uma preocupação que, à partida, não tinha nenhuma ligação com o sistema criado por Lull8. No entanto, o paralelo formal da utilização dos círculos rotativos como meio combinatório e expedito de reflexão sobre temas metafísicos, além de tornar a associação algo evidente, serve também como plataforma para valorizar a obra de António Pedro num outro prisma em que a

6A relação entre este trabalho de Ramon Llull e os sistemas de computação, são evidenciados em estudos que entram em linha de conta com outras tradições místicas combinatórias, nomeadamente a Cabala, nos trabalhos de Janet Zweig e Florian Cramer em: Janet Zweig (1997). “Ars Combinatoria: Mystical Systems, Procedural Art, and the Computer”, in Art Journal, Vol. 56, No. 3, Digital Reflections: The Dialogue of Art and Technology (Autumn, 1997), pp. 20-29. Florian Cramer (2005). Words Made Flesh: Code Culture, Imagination, Roterdão: Piet Zwart Institute, disponível em: http://www.netzliteratur.net/cramer/wordsmadefleshpdf.pdf (consultado em 10 de Abril de 2014).

7 Warren McCulloch no prefácio ao livro de Gordon Pask An Approach to Cybernetics (1961), faz a seguinte afirmação: “For Aristotelian logic, the followers of Ramon Lull, including Leibnitz, have frequently made machines for three, and sometimes four, classifications. The first of these to be lively computes contingent probabilities.” (McCulloch, 1960:10).

8 Contrariamente a António Pedro, a obra de Ramon Llull inspirou directamente a instalação Arte da Memória (1998), de Manuel Valente Alves, constituída por 27 caixas de luz (9 paisagens, 9 nomes das dignidades de Deus, 9 letras de B a K) que expôs no Centro Português de Fotografia no Porto, tendo sido editado um catálogo com textos do autor, de Teresa Siza, de Bernardo Pinto de Almeida, e entrevista realizada por Maria Helena de Freitas. Manuel Valente Alves (1998). Arte da Memória, Porto: Centro Português de Fotografia

330 matemática das combinações, os algoritmos, e as bases de dados, não podem estar de todo arredadas.

Com efeito, usando uma linguagem das tecnologias de informação, o que António Pedro criou foi, de uma maneira simplista, um processo aleatório de busca de informação através do cruzamento de duas bases de dados, cada uma no seu disco de baquelite transparente, sem recorrer a dispositivos ou circuitos electrónicos.

Na verdade, o Aparelho Metafísico de Meditação que António Pedro concebeu em 1935 é, como o próprio nome refere, um aparelho, um dispositivo cuja função é ser manipulado por um utilizador que não está interessado no resultado estético mas que pretende informação. Esta é uma distinção importante relativamente ao objectivo de outras obras, nomeadamente do âmbito da arte cinética em que, pelo movimento autónomo da peça ou o induzido pelo espectador, se pretende obter uma experiência estética diferenciada.

A simplicidade da obra de António Pedro pode, de um modo conceptual, representar um ponto de partida para equacionar outras dinâmicas artísticas que não têm uma função puramente estética, de acordo com os cânones tradicionais, e nas quais os sistemas, a informação, o código, e a interactividade, constituíram novos paradigmas exploratórios.

331 5.2 – Primeiros Tempos: Um Início Desacertado (1960-1990)

5.2.1 – Os Objectos de René Bertholo

Nos anos 50 surge, eventualmente numa primeira aparição por um artista português, uma obra que faz uso de um motor eléctrico. Trata-se de Espacilimité (1956), de Nadir Afonso, que utiliza a motorização da peça para fazer deslocar lentamente na horizontal uma tela pintada com elementos geométricos, num movimento contínuo e repetitivo entre dois rolos, como se tratasse da passagem de um filme em loop.

Obviamente que o motor em si é um recurso ou, dito de outro modo, é um operador que tem uma função exploratória do cinetismo que Nadir pretendia imprimir à sua obra, no devir do espaço-movimento escultórico para a temporalidade de uma imagem-movimento, tema com ressonâncias bergsonianas abordadas mais tarde nas reflexões sobre cinema por Deleuze9. É ainda nesta linha de utilização de motores eléctricos que René Bertholo (1935- 2005), na continuidade da sua vivência em Paris, depois da partilha com o grupo KWY, inicia em 1966 um conjunto de obras/objectos que se prolongam até 1973/74, por ele denominados de modelos reduzidos, na verdade paisagens em miniatura construídas de elementos discretos animados de movimento através de motores eléctricos, veios de excêntricos, e temporizadores. Obras que chegaram a integrar mais de uma dezena de motores (Arc-en-Ciel, 1969-1971) e mais tarde controlo electrónico (Palmeiras, 1974), ou mesmo promover a intervenção do espectador no estímulo ao movimento activado através da voz ou do bater de palmas10 (Le Dauphin, 1972). Fazendo lembrar brinquedos artesanais de corda mecânica construídos de folha- de-flandres pintada, estes objectos são na verdade uma extensão da sua pintura, também ela repleta de objectos desenhados, como se retirados de um imaginário infantil, um universo bem caracterizado por Maurice Henry no desenho/caricatura incluído no

9Abordado pelo autor em : Gilles Deleuze (2004). A Imagem – Movimento – Cinema 1, Lisboa: Assírio & Alvim e, Gilles Deleuze (2006). A Imagem – Tempo - Cinema 2, Lisboa: Assírio & Alvim

10 René Bertholo descreve esta obra no catálogo da exposição Modèles Reduits, que teve lugar na Galeria 111 (Junho/Julho, 1972), do seguinte modo: “O Golfinho, que tem vontade própria, pode aparecer em qualquer momento e sítio, da esquerda para a direita ou ao contrário, mais acima ou mais abaixo do nível das vagas. Estes movimentos são comandados por um programador aleatório. Ele pode também ser chamado com a voz – duas ou três palavras em voz alta – ou batendo as palmas bem forte duas ou três vezes”.

332 catálogo da exposição de Bertholo na Galerie Mathias Fels et Cie em Paris (23 de Novembro a 23 de Dezembro de 1965), ao representar o artista a atirar um conjunto de objectos/brinquedos de reduzida dimensão sobre uma tela em branco. É também importante perceber que, para Bertholo, o mecanismo e o motor não são apenas um recurso, como em Espacilimité de Nadir Afonso, mas uma parte integrante da obra que merece a mesma visibilidade que as peças em movimento. A este respeito o artista refere:

“Sou ainda hoje como as crianças que gostam de abrir um objecto para ver como ele funciona e como penso que há pessoas como eu, não escondo os maquinismos, deixo aberto os chassis, pelo menos de um lado, para que se possa ver por trás como anda. Não gostaria que a mecânica ou mesmo certos elementos eléctricos estivessem dissimulados: para mim o objecto é constituído não só por ele próprio mas também pelos seus maquinismos, o programador aleatório, o seu cordão umbilical e todos os fios de cor.” (Verley, 1972: s.p.)

Relativamente a este universo entre pintura, objecto, ciência, e tecnologia, René Bertholo confessa em entrevista que: “Quando era criança estava mais virado para a mecânica e a ciência do que para a arte: o meu pai fez-me aprender uma profissão artística. Os meus objectos com movimento permitiam-se pela primeira vez misturar todos os meus ´talentos´.”. (Douroux e Gautherot, 1979)11 É este espírito de engenho e curiosidade, baseado na ingenuidade de um imaginário infantil, que fazem da obra de Bertholo uma constante reinvenção numa arte exploratória que o artista conjuga em diversas linguagens, nomeadamente no desenho, na pintura, na escultura dos modelos reduzidos e, a partir da década de 70, na música. Esta última vertente foi desenvolvida a partir da sua estadia de um ano, entre 1972 e 1973 em Berlim, na Deutscher Akademischer Austauschdienst onde o estudo da electrónica o levou a iniciar a construção de um conjunto de módulos musicais (sintetizadores, sequenciadores) que foi interligando e construindo ao longo de quase 30 anos de actividade artística (1973-2000), num crescendo de complexidade, funcionalidade e aparato visual.

11 Este trecho é um excerto de uma entrevista conduzida por Xavier Douroux e Frank Gautherot a René Bertholo, em 1979, por este traduzida e transcrita no catálogo AAVV (2000). René Bertholo, Porto: Fundação de Serralves, p.65.

333 Esta peça/instrumento, não é simplesmente um sintetizador de sons complexo, é um objecto artesanal projectado e construído de raiz pelo artista módulo a módulo, atravessando várias décadas de desenvolvimentos tecnológicos - dos sintetizadores analógicos aos digitais, dos sequenciadores de sons aos samplers - num longuíssimo período de gestação para a produção de um único CD, quando Bertholo já contava com 67 anos, intitulado Um Argentino no Deserto, editado em 2002 pela SIRR.RECORDS, a culminar um conjunto de apresentações públicas do artista e da sua máquina de sons, que se tinham iniciado em 1995 na Casa das Artes em Tavira.

Obviamente que a máquina musical de Bertholo, pelo sua dimensão e visual aparato tecnológico, composto por uma parafernália de módulos interligados por inúmeros cabos, de comutadores, de centenas de botões e leds luminosos, tinha um interesse muito particular para a execução de peças improvisadas ao vivo, numa espécie de liberdade criativa e performance sonora que, efectivamente, René Bertholo realizou.

Sem formação académica no campo musical, é no entanto curioso ouvir a música que produziu neste CD12, em que os sons transformados ou sintetizados sucedem-se em ritmos e timbres diferentes sem uma narrativa estruturada pelas regras de composição canónicas, por vezes apresentando-se como fragmentos sem continuidade, outras formando texturas que se misturam, outras ainda divergindo em elementos sonoros aparentemente desconexos e aleatórios, numa lógica que escapa ao sentido musical do termo.

É um universo precário e artesanal de sons que encontra eco e coerência na própria máquina que lhe dá origem, no seguimento da ingenuidade dos modelos reduzidos, e nos objectos que, como refere José-Augusto França em relação à sua pintura (França, 1965: s.p.), caem uns após outros de um céu inexistente, alheios a qualquer semântica.

Há uma coerência no trabalho de René Bertholo em que o desenho, a pintura, a escultura e a electrónica têm um mesmo estatuto e servem de igual modo a criatividade de um artista multifacetado que não abriu mão de si mesmo e do seu querer, mesmo sabendo eventualmente o país que nos anos 80 o esperava no seu retorno e que, com isso, dificilmente manteria a projecção internacional que já tinha granjeado.

12 Algumas das faixas deste CD podem ser ouvidas em: http://www.moo.pt/musica/Ren%C3%A9+Bertholo/letra/Um+Argentino+No+Deserto/ (consultado em 23 de Abril de 2014):

334 5.2.2 - Computação Científica em Portugal: Primeiras Décadas13

Tal como referido no capítulo anterior a denominada Computer Art, surgiu nos anos 60 a partir de instituições de investigação ou de universidades que dispunham de sistemas de computação e de dispositivos que, de algum modo, permitiam uma impressão do resultado dos programas executados sob forma gráfica (em papel ou em película fotográfica).

Por razões que se prendiam com a dificuldade de acesso e complexidade de operação, os primeiros gráficos foram executados por matemáticos, engenheiros e investigadores que trabalhavam nestas instituições, e que começaram a valorizar a apreciação estética dos resultados numa experimentação que era independente do valor utilitário do trabalho profissional que produziam.

Em Portugal não há referências conhecidas desta experimentação e, até aos anos 80, o computador, a programação, ou mesmo de um modo mais abrangente, a referência ou incorporação de tecnologia eléctrica ou electrónica nas obras artísticas, só ocasionalmente aconteceu e, mesmo assim, geralmente de um modo pontual e/ou experimental no âmbito do percurso da obra de alguns (poucos) artistas.

Podem-se à priori invocar como razões a introdução tardia das tecnologias de informação no nosso país, a falta de diálogo entre a formação técnica e a formação artística, a falta de sinergia entre a indústria, a investigação académica técnica e o trabalho de índole artística, as condições políticas vigentes no regime do Estado Novo, que promoviam o fechamento do país sobre si mesmo e um clima conservador pouco propício à inovação, no entanto, todas estas questões merecem uma investigação mais profunda.

13 Para uma visão mais completa da implementação das tecnologias de informação em Portugal consultar: Eduardo Beira e Manuel Heitor (eds.) (2004). Memória das Tecnologias e Sistemas de Informação, Braga: Associação Industrial do Minho. Disponível em: http://www.memtsi.dsi.uminho.pt/livros/memorias.pdf (consultado em 16 de Abril de 2014). Eduardo Beira (2004). Protagonistas das Tecnologias de Informação em Portugal: Uma Colecção de Testemunhos, Braga: Associação Industrial do Minho. Disponível em: http://www.memtsi.dsi.uminho.pt/entrevistas/protagonistas_completo.pdf (consultado em 16 de Abril de 2014). Alguns dados destas obras serviram de referências nesta secção.

335 Não é nosso objectivo fazer de momento o levantamento exaustivo destas condições, mas não queremos deixar de aflorar alguns tópicos que poderão servir de referência a esse necessário estudo.

Tendo como ponto de partida a investigação sobre as condições de acesso às tecnologias de informação no nosso país, interessa perceber em primeiro lugar que parque informático dispunha Portugal no âmbito da investigação e cálculo científico nas décadas de 50 a 70.

Para um país que não era fabricante de material informático e nem tinha uma tradição científica de vanguarda, não se pode dizer na verdade que tivesse contactado demasiado tarde com estes tipos de tecnologias. Efectivamente o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) começou a apetrechar-se com computadores em 1957, com o modelo IBM 602-A, um sistema electromecânico que executava as operações básicas de cálculo através da introdução de dados em cartões perfurados e programação manual a partir da execução de ligações com cabos num painel de controlo14, e mais tarde um IBM 604 que, funcionando segundo o mesmo princípio, já era um sistema de válvulas electrónicas e obviamente mais rápido.

Em 1962 foi criado o Centro de Cálculo Científico do Instituto Gulbenkian de Ciência, apetrechado com um equipamento IBM 1620. O objectivo deste centro era não só o estudo das matemáticas puras e aplicadas, mas também apoiar a investigação científica externa e as instituições de ensino superior15, colmatando a falta de equipamento nas universidades.

A primeira universidade portuguesa a dispor de computador foi a Faculdade de Ciências da Universidade do Porto que, em 1968, adquiriu um sistema NCR Elliott 4100, equipamento também igualmente adquirido pelo LNEC, para substituir um Elliott 803-B, e também pelo Centro de Cálculo Científico do Instituto Gulbenkian de Ciência, para substituir o IBM 1620.

14 Ver a descrição em, Gustavo de Castro (1962). Memória nº 182 – Equipamentos de Cartões Perfurados, Lisboa: Laboratório Nacional de Engenharia Civil. Disponível em: http://www.memtsi.dsi.uminho.pt/ocr/lnec_memoria_182.pdf (consultado em 15 de Abril de 2014)

15 Ver: Instituto Gulbenkian de Ciência (1962). Centro de Cálculo Científico, Lisboa: Instituto Gulbenkian de Ciência, p. 3. Disponível em: http://www.memtsi.dsi.uminho.pt/ocr/inst_gulbenkian_ciencia.pdf (consultado em 15 de Abril de 2014).

336 No fim da década de 60 eram estas as três instituições mais bem equipadas na área da investigação, e os computadores da NCR dominavam o parque informático nacional no campo do cálculo científico. O Instituto Superior Técnico só mais tarde, em 1971, teria o seu primeiro equipamento, um IBM 360/44, o mesmo tipo de sistema que também foi adquirido, sensivelmente na mesma altura, pelo Instituto de Meteorologia.

Em nenhum destes sistemas a programação era interactiva obrigando à perfuração prévia de cartões em equipamentos específicos, ou à execução de programas em fita perfurada, num trabalho moroso e sujeito a erros, que só eram revelados na execução do programa. O tempo que mediava entre a entrega do programa ao operador do sistema e a entrega do seu resultado processado, geralmente apresentado sob forma impressa em papel, não era imediato e, dependendo do volume de trabalho, podia demorar horas ou só estar disponível nos dias seguintes.

Os equipamentos periféricos associados a estes computadores de investigação científica eram variados integrando impressoras, leitoras de cartões e fita perfurada, unidades de discos, leitores/gravadores de fita magnética, e traçadores de gráficos.

Este último equipamento, o traçador de gráficos (plotter), é particularmente importante em engenharia e ciência para a visualização gráfica de funções matemáticas e para o registo de simulações computorizadas.

Tanto os sistemas instalados na Faculdade de Ciências do Porto como no Instituto Gulbenkian de Ciência, dispunham de plotters16. E embora não esteja documentado, estamos em crer que o equipamento do LNEC também o tivesse, por inerência da função desta instituição e das aplicações a que estava destinado no âmbito da engenharia civil.

Estariam assim, no fim da década de 60 e inícios dos anos 70, criadas as condições materiais para que, a haver iniciativa de artistas/engenheiros e um bom

16 Relativamente ao sistema instalado na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, Azevedo Machado, que trabalhou com este equipamento, refere especificamente a sua configuração adiantando que o traçador de gráficos era capaz de “[…] desenhar curvas à velocidade de 300 passos/segundo (cada passo =0,1 mm ou 0,1/2 mm conforme a direcção do traço)” (Barbosa, 1977:153), não adiantando a marca e modelo do equipamento. Em relação ao computador instalado no Instituto Gulbenkian de Ciência, António Cadete, investigador do Centro de Cálculo entre 1962 e 1986, afirma que o equipamento dispunha de um traçador de gráficos Benson-Lehner. http://www.memtsi.dsi.uminho.pt/mesas/2_sessao/mesa2%20-Antonio%20Cadete.pdf (consultado em 15 de Abril de 2014).

337 acolhimento das instituições, surgissem gráficos fora do contexto do trabalho científico e com uma intenção estética, tal como em outros países.

Aparentemente não foi o caso em Portugal, embora não tenha sido por um total desconhecimento dessas capacidades e informação relativamente ao que se passava nesse âmbito em outros países.

Efectivamente a revista Vida Mundial, em Fevereiro de 1970, num artigo intitulado “Arte Electrónica”17, refere a exposição que no ano anterior tinha ocorrido na galeria Kubus, em Hannover intitulada Computerkunst: On the Eve of Tomorrow,18 com trabalhos de Manfred Schroeder, Jack Citron, George Nees, e do Computer Technique Group do Japão, entre outros, exposição essa que, segundo o articulista, apresentou um conjunto de 217 obras, revelando deste modo a dimensão e a importância do evento.

No ano seguinte é também a revista Vida Mundial (Setembro de 1971), num artigo de Douglas Davis intitulado “O Artista e o Computador”19, que divulga o trabalho do artista americano Charles Csuri, nomeadamente Hummingbird (1967), uma animação gerada por computador, e Sine Curve Man (1967) um gráfico desenhado por um plotter a partir da conjugação de um desenho de um busto alterado com a aplicação da função matemática seno (ver Fig. 4.6). No mesmo artigo são mencionados os investigadores A. Michael Noll, Kenneth Knowlton e Leon Harmon, dos Bell Telephone Laboratories, e os seus trabalhos exploratórios de meados da década de 60, assim como os artistas Stan VanDerBeek, Lilian Schwartz e John Whitney, relacionados com a animação por computador entre outras áreas.

Além de nomes de artistas e obras, o artigo menciona a exposição Cybernetic Serendipity, ocorrida em Londres em 1968, e a mais recente Computerkunst - Impulse (1970) que, tendo como base a exposição Computerkunst: On the Eve of Tomorrow (1969), iniciava a partir da Alemanha o seu percurso itinerante por vários países tendo chegado uma versão a Portugal em 1974 via Instituto Alemão, que mencionaremos mais adiante.

17 “Arte Electrónica”, in, Vida Mundial, nº 1601, 13 de Fevereiro de 1970, p. 53.

18 Esta exposição, que decorreu de 19 de Outubro a 12 de Novembro de 1969, é no artigo referida como “Véspera de Amanhã” e, erradamente, apresentada como se tivesse ocorrido no Instituto of Contemporary Art de Londres.

19 Douglas Davis (1971). “O Artista e o Computador”, in, Vida Mundial, nº 1685, 24 de Setembro de 1971, pp. 43- 45.

338 É interessante também notar que, no mesmo artigo, é referida a importância do curso do professor do Robert O. Preusser, do MIT, na abertura desta instituição de ensino em ciência e investigação à experimentação estética, no caso, o trabalho de estudantes na caracterização tridimensional de desenhos do ilustrador Saul Steinberg (1914-1999).

Em 1973 é a revista Flama que, na sua edição de 16 de Novembro20, publica o artigo Estética da Informação ou a Arte Computada, da autoria do jornalista Rogério Carapinha, não deixando de ser curiosa a expressão Estética da Informação que o articulista afirma ser uma “ciência nova […], ramo da cibernética que, por sua vez constitui um paralelo com as ciências da natureza […] um novo domínio da pesquisa científica.” (Carapinha, 1973: 102), o que nos leva a fazer um paralelo com os estudos de carácter científico divulgados por Max Bense relativamente a este particular, embora o seu nome não seja mencionado no artigo.

A vocação do computador para além da sua função utilitária e científica é reconhecida logo no início do artigo por Carapinha que afirma: “Embora a alimentação para computador continue sendo à base de algoritmos, eles não param de se desenvolver abarcando continuamente novos domínios. A última conquista chama-se infoarte.” (Carapinha, 1973: 101).

Eventualmente o termo infoarte aparece em Portugal pela primeira vez neste artigo, expressão que é mais tarde utilizada por E. M. de Melo e Castro, e deu nome à exposição Infoarte, na Galeria Barata (1988), assuntos que abordaremos mais adiante.

Para ilustrar esta relação da informática e computadores com a arte, Rogério Carapinha refere o trabalho Computer Composition with Lines (1964) de Michael Noll (ver fig. 4.3), baseado na obra de Mondrian, e o processo analítico de Manfred Mohr sobre a sua própria obra para, a partir da constatação de elementos comuns, criar algoritmos para a realização de novas obras a partir da programação do computador.

Relativamente ao papel do computador neste particular em Portugal, é de salientar o testemunho do articulista ao afirmar que:

“Portugal, onde em algumas empresas se continuam a processar dados a lápis e borracha, ainda não é um país de computadores. Já os conhecemos, muitas empresas privadas e estatais os têm ao seu

20 Rogério Carapinha (1973). “Estética da Informação ou a Arte Computada”, in, Flama, nº 1341, Ano XXX, 16 de Novembro de 1973, pp. 100-104.

339 serviço, mas ainda não estamos familiarizados com eles, ainda não os tratamos por tu. Portanto, não admira que o fazer quadros a computador seja por enquanto desconhecido entre nós.” (Carapinha, 1973: 101-102)

Obviamente que esta constatação necessita de uma investigação para perceber as causas ou para revelar obras e autores que, eventualmente por não terem uma formação artística, não fazem parte do discurso canónico da História da Arte portuguesa.

O que está efectivamente documentado nos anos 70 é o trabalho executado por Pedro Barbosa com o computador da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, uma investigação que realizou sobre a utilização de computadores e de programação como ferramenta para a geração de textos literários, tema abordado na secção seguinte.

340 5.2.3 – Pedro Barbosa e o NCR Elliot 4130 da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto21

A formação em programação, proporcionada pelo Laboratório de Cálculo Automático (LACA) da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, a profissionais fora das carreiras específicas da investigação científica ou da engenharia permitiu, eventualmente, a Pedro Barbosa (n.1950)22 a oportunidade de entrar em contacto com as tecnologias da informação de um modo directo.

Efectivamente a frequência de um curso livre de programação em FORTRAN para linguistas, levado a efeito por profissionais daquela instituição em 1976, constituiu o início de um interesse que manteve mais tarde ao frequentar em 1982 um curso de introdução à micro-informática e programação em BASIC, enquanto mantinha funções lectivas como Assistente na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (1976-1983), após uma licenciatura em Filologia Românica pela Universidade de Coimbra (1973).

Os interesses pela programação, pela semiótica literária e pela estética, levaram Pedro Barbosa a aproximar-se da criação computacional e dos conceitos da estética informacional e gerativa, desenvolvidos por Max Bense23 e Abraham Moles, tendo trabalhado com este na Universidade de Estrasburgo (1989-1990), no desenvolvimento da sua tese de doutoramento sobre a criação literária assistida por computador, e traduzido deste autor para português, em 1990, a obra Art et Ordinateur (1971).

A investigação de Pedro Barbosa na década de 70 está condensada em duas publicações da sua autoria, A Literatura Cibernética 1 – Autopoemas Gerados por Computador (1977) e A Literatura Cibernética 2 – Um Sintetizador de Narrativas (1980)24 nas quais ensaia não só considerações estéticas sobre a criação computacional,

21 Os sistema da série 4100 tinham duas variantes, o modelo 4120 e o 4130, dispondo este último de um processador de vírgula flutuante que correspondia ao equipamento instalado no Laboratório de Cálculo Automático (LACA) da Universidade do Porto, razão pelo qual é denominado de NCR Elliott 4130 em alguma documentação.

22 Pedro Barbosa é licenciado em Letras (Filologia Românica) e doutorado em Ciências da Comunicação (Semiótica), tendo exercido investigação e funções docentes em várias universidades. Para informação mais completa ver: http://www.pedrobarbosa.net/ (consultado em 15 de Abril de 2014).

23 Max Bense (1975). Pequena Estética, São Paulo: Editora Perspectiva S.A., pp. 135-139.

24 Pedro Barbosa (1977). Literatura Cibernética 1 – Autopoemas Gerados por Computador, Porto: Edições Árvore. Pedro Barbosa (1980). Literatura Cibernética 2 – Um Sintetizador de Narrativas, Porto: Edições Árvore.

341 que podem ser generalizadas às artes visuais, mas também propõe vias exploratórias de criação sintética através da elaboração de programas informáticos que produziu para serem utilizados com diferentes repertórios textuais.

O objectivo de cada uma destas publicações era contribuir para, nas palavras do autor, “ […] uma futura MÁQUINA LÍRICA (que constitui o 1º volume), segue-se a presente achega para uma hipotética MÁQUINA NARRATIVA.” (Barbosa, 1980: 5)

A construção dessas “máquinas” para a realização de poemas e narrativas pressupunha todo um trabalho prévio de análise linguística, equacionando questões gramaticais, fonéticas e semânticas, com a finalidade de estabelecer regras de síntese e filtros de construção textual, envolvendo processos combinatórios e aleatórios complexos que, traduzidos numa sintaxe de programação, produziam um algoritmo final.

Para levar a bom porto o seu trabalho, Pedro Barbosa contou com a colaboração do engenheiro Azevedo Machado, do Laboratório de Cálculo Automático da Faculdade de Ciências, para a codificação dos programas em FORTRAN25, sinergia que não deixa de ser interessante e que se insere na mesma estratégia que internacionalmente muitos artistas lançavam mão para colmatar a sua falta de conhecimentos técnicos e conseguirem realizar as suas obras.

Estes programas, dedicados à produção textual, não se preocupavam com a distribuição espacial de uma poesia visual já explorada pela poesia experimental portuguesa desde a década de 6026. A sua intenção era produzir sentido a partir de uma determinada proposta base que, alterada quer por operações combinatórias e de permuta, quer por funções pseudo-aleatórias, geravam automaticamente novas propostas, por vezes com resultados algo inesperados.

Estavam no entanto criadas as condições e os precedentes para que uma experimentação visual formada a partir de texto ou com um formato gráfico, usando outros símbolos ou fórmulas matemáticas, explorasse com uma intenção estética a folha

25 Os programas Permuta (Barbosa 1977:157-162) e Texal (Barbosa 1977: 163-164) tendo este último uma segunda versão melhorada (Barbosa 1980:81-87).

26 Num texto escrito para a XIV Bienal de Arte de S. Paulo (1977), E. M. de Melo e Castro afirma “Quase toda a Poesia Experimental Portuguesa produzida a partir da década de 60 se pode inscrever dentro de uma denominação geral de POESIA ESPACIAL, uma vez que as suas coordenadas visuais são dominantes.” (Castro, 1981: 9)

342 de papel em todas as suas dimensões. O traçador de gráficos, um periférico que fazia parte da configuração do sistema do Laboratório de Cálculo, era o equipamento que permitiria registar essas experimentações contrariamente à impressora de linhas que, ideal para texto, tinha inerentes limitações gráficas.

Pedro Barbosa não faz referência a esta hipótese. As suas preocupações e investigação centravam-se nas questões da produção literária assistida por computador - a literatura cibernética - e não tanto na criação visual, embora adiante ser evidente que “[…] se em vez de palavras fossem fornecidas ao computador formas e cores, este faria sair uma pintura […]” (Barbosa 1977:24), o que vai ao encontro do programa de inteligência artificial AARON, desenvolvido a partir de 1973 nas suas sucessivas versões pelo artista Harold Cohen.

É claro que internacionalmente a produção de textos e “poesia” criadas por computador não data da década de 70. No fim dos anos 50 e inícios de 60 foram variadas as experiências e os autores de diferentes países (Nanni Balestrini na Itália, Emmett Williams nos Estados Unidos, Jean Baudot no Canadá, o grupo OuLiPo - Ouvroir de Littérature Potentielle - em França, entre outros) que exploraram essa possibilidade, de acordo com a investigação que Cristopher T. Funkhouser desenvolveu extensamente em Prehistoric Digital Poetry: An Archeology of Forms (2007)27.

Estes e outros autores estiveram representados na exposição Cybernetic Serendipity (1968) em Londres, merecendo um destaque no catálogo deste evento na secção denominada Computer Poems and Texts que incluía um conjunto de textos, de vários artistas e investigadores28, explicativos dos processos e meios utilizados.

27 Cristopher T. Funkhouser (2007). Prehistoric Digital Poetry: An Archeology of Forms, Tuscaloosa: University of Alabama Press C. T. Funkhouser é Professor Associado no New Jersey Institute of Technology e director nesta instituição do programa de Communication and Media Studies. Em Portugal (2013) foi consultor do projecto PO.EX´70-80 (Arquivo Digital da Literatura Experimental Portuguesa), projecto em que Pedro Barbosa foi também consultor em 2011. http://po-ex.net/sobre-o-projecto/projecto-poex70-80?showall=&start=2 (consultado em 24 de Abril de 2014)

28 A secção incluia textos de Marc Adrian, Robin McKinon e Margaret Masterman do Cambridge Research Language Institute, Nanni Balestrinin, Alison Knowles e James Tenney, Edwin Morgan, Jean A. Baudot, E. Mendoza. Ver: Jasia Reichardt (ed.) (1968). Cybernetic Serendipity - The Computer And the Arts, Londres: Studio International, pp. 53-62.

343 O poeta experimental e escritor E. M. de Melo e Castro visitou esta exposição e dela fez uma crónica no jornal Diário de Lisboa (5 de Dezembro de 1968)29 realçando o papel do computador como auxiliar na actividade artística, porém não lhe atribuindo um papel criativo ao afirmar a este respeito que: “Os textos e poemas concretos feitos pelos computadores não são melhores que os textos dos poetas mas tirou-se definitivamente a limpo (pelos resultados obtidos) que só os poetas sabem fazer textos criadores e poemas concretos, usem eles que instrumento for: um lápis ou um computador” (Castro, 1977: 155).

Pedro Barbosa coloca justamente esta questão logo no início do seu primeiro livro (Barbosa, 1977:11-20) ao dar como exemplo uma experiência levada a efeito pelo matemático e investigador em cibernética Louis Couffignal (1902-1966) numa conferência internacional em 1965, em Genebra, na qual o público foi desafiado a votar a sua preferência perante dois poemas, um da autoria de um conhecido poeta francês cujo nome não foi revelado na altura (Paul Éluard) e um outro poema produzido por um computador, sobre um determinado repertório de texto, a partir de um programa realizado por Louis Couffignal e Albert Ducrocq.

Embora o contexto da experiência fosse apenas exploratório, a verdade é que, de um universo de 80 pessoas na assistência, 30 preferiram o poema do computador, o que não deixa de ser relevante numa sempre subjectiva definição de fronteiras entre apreciação estética e criatividade.

Uma das mais valias do trabalho de Pedro Barbosa, além da investigação linguística e dos procedimentos informáticos, foi justamente a exploração teórica em torno dos processos de significação dos objectos estéticos criados por sistemas artificiais e pela exploração da estética da informação, convocando trabalhos de Max Bense (que curiosamente tinha conhecimento da prática de poesia concreta em Portugal em 196530), e Abraham Moles, autores e referências que, não sendo totalmente

29 Este artigo foi reproduzido em: E. M. de Melo e Castro (1977). In – Novar, Lisboa: Plátano Editora, pp. 149-155.

30 Num texto para o catálogo da exposição Koncret Poesie International, realizada em 1965 em Estugarda, Max Bense refere: “In South America and North America, in Germany, France, Italy, England, Portugal, Denmark, Sweden and Switzerland, in Czechoslovakia and Japan there is concrete poetry. Already well-known poets are making use of this important experimental way of writing.”. O texto foi também publicado no número 21 da revista rot (1965) editada por Max Bense e Elisabeth Walther-Bense em Estugarda e pode ser consultado no original em alemão em: http://www.stuttgarter-schule.de/bense_konkret3.htm (consultado em 15 de Maio de 2014)

344 desconhecidos na altura31, pouco ou nenhum eco tiveram nas reflexões e abordagens estéticas da história e da crítica da arte em Portugal32, sintoma também de um eventual vazio artístico neste particular.

A tradução apresentada acima consta da publicação: Mary Ellen Solt (ed.) (1970). Concrete Poetry: A World View, Bloomington (Ind.): Indiana University Press, p.73.

31 Salette Tavares tinha, em 1967, feito uma muito sumária referência a Max Bense e abordado a relação entre a estética e a teoria da informação baseando-se nos estudos de Abraham Moles num artigo publicado na revista Brotéria: Salette Tavares (1967). “Teoria da Informação e Abraham Moles”, in, Brotéria, Vol. 84, nº2, Fevereiro de 1967, pp. 152-173.

32 A obra de Max Bense estava apenas disponível em alemão. A primeira edição traduzida noutra língua estrangeira foi em português, por Haroldo de Campos, numa publicação da editora brasileira Perspectiva em 1971, divulgada posteriormente com uma segunda edição em 1975. Max Bense (1971). Pequena Estética, São Paulo: Edusp/Perspectiva.

345 5.2.4 – Instituto Alemão de Lisboa: A exposição A Arte do Computador (1974)

De um modo inesperado Lisboa foi palco, entre Fevereiro e Março de 1974 (18 de Fevereiro a 15 de Março), da primeira exposição no nosso país de arte mediada pelo computador graças a uma exposição itinerante, organizada pelo Goethe-Institute de Munique, que já tinha percorrido nos anos anteriores (1970-1973), um conjunto assinalável de países e instituições. Reunindo um vasto conjunto de obras e autores escolhidos por Käthe Clarissa Schröder33, a exposição foi acompanhada de um ciclo de conferências, a primeiras das quais (18 de Fevereiro) proferida por Salette Tavares (1922-1994) - ensaísta, poeta experimental, especialista em estética, e na altura presidente da secção portuguesa da AICA (Associação Internacional dos Críticos de Arte) - que apresentou a comunicação Uma Poética do Computador. No dia 20 de Fevereiro foi a vez do crítico de arte Egídio Álvaro apresentar Manfred Mohr – Arte do Ordenador: Uma Comparação com Outras Vanguardas, e por último, no dia 22 de Fevereiro, coube ao pioneiro em arte por computador e professor de informática, o alemão Georg Nees (n. 1926), fechar este ciclo com a conferência Gravuras do Computador que, nas palavras do autor, endereçava tópicos relacionados com o design, a semântica, a estética, o papel do acaso, da técnica, e da teoria (Nees, 1974: s/p).

33 Käthe Clarissa Schröeder foi uma galerista e colecionadora de computer art na década de 60 e inícios de 70 e também a organizadora, em 1969, da maior exposição internacional de arte por computador na Alemanha (Hannover), denominada Computerkunst – On the Eve of Tomorrow. Foi baseada nesta exposição que, no ano seguinte, tomou forma Impulse Computerkunst: Graphik, Plastik, Musik, Film, uma mostra itinerante internacional patrocinada pelo Goethe Institute de Munique. A colecção de arte por computador de Käthe Schröeder foi recentemente exposta no Sprengel Museum de Hannover com o título Die Virtualität des Buildes. Frühe Computerkunst der Sammlung Clarissa (9 de Dezembro de 2009 a 7 de Março de 2010).

346 Fig 5.6: Prospecto/Programa do Ciclo de Conferências integradas na exposição A Arte do Computador (1974)

No interior do prospecto do programa das conferências Salette Tavares referia um conjunto de tópicos que pretendia endereçar na sua comunicação:

“A formulação de uma poética do computador deve ter a mesma qualidade de todas as poéticas. Necessidade da ´criação´ do novo e diferente. A estética, após a sua crise do princípio do século, constitui-se como uma ciência de comunicação poética. O programa da arte com o computador não deve ser um regresso a uma atitude académica. Visa-se nesta conferência criticar a poética do computador, o qual poderia servir uma autêntica originalidade” (Tavares, 1974: s/p)

Para tornar mais claras estas ideias base é necessário ter presente o artigo “Teoria da Informação e Abraham Moles”, que Salette Tavares tinha escrito em 1967 para a revista Brotéria34, em que a autora fazia uma apologia da aplicação da Teoria da Informação ao estudo da estética - do mesmo modo que Umberto Eco já o havia feito na sua Obra Aberta, publicada originalmente em 196235 - passando a considerar a estética,

34 Salette Tavares (1967). “Teoria da Informação e Abraham Moles”, in, Brotéria, Vol. 84, nº2, Fevereiro de 1967, pp. 152-173.

35 Umberto Eco (1962/1989). Obra Aberta, Lisboa: Difel, pp. 121-169.

347 nas suas palavras, como uma “Ciência da Comunicação poética”36, expressão utilizada num dos tópicos da sua apresentação, considerando Salette Tavares que a palavra poética não tem a ver com a escrita de poesia mas sim com um sentido figurado da descoberta do novo37. A Ciência da Comunicação Poética inscrever-se-ía, deste modo, como uma área de estudo derivada da Teoria da Informação, na avaliação do original e do novo na actividade artística, contrariando de certo modo a subjectividade da apreciação estética, situação que é confirmada pela autora ao afirmar que: “A meu ver é sobretudo frente à Estética falsamente especulativa e à crítica apoiada em opiniões não fundamentadas que este sistema se levanta no seu rigor e com o seu quadro esclarecedor” (Tavares, 1967: 173). Esta exposição teve alguma repercussão na crítica da arte em Portugal, tendo sido considerada por José-Augusto França como a melhor exposição estrangeira no período 1973/74, ao fazer na revista Colóquio/Artes o balanço da actividade artística desses anos no nosso país38. Sem se deter em considerações estéticas ou artísticas relativamente a esta exposição, apenas ilustra o artigo com a obra Shot Kennedy nº1 (1967/68) de Fujio Niwa do Computer Technique Group (Japão), relatando que a exposição no Instituto Alemão teve o mérito de, contrariamente a outras exposições, ter sido formativa e informativa com um “radicalismo elogiável”39, certamente referindo-se ao ciclo de conferências que decorreram em paralelo, porém não as mencionando explicitamente. Também José Luís Porfírio já tinha assinalado esta exposição no artigo com o título A Propósito de “Arte de Computador”, publicado na revista Arquitectura (Maio

36 “Foi exactamente por verificar os resultados positivos do estudo da percepção da obra de arte e dos fenómenos gerais da percepção criadora como mensagens tratáveis pela Teoria da Informação, que decidi passar a considerar a Estética, como Ciência da Comunicação poética” (Tavares, 1967: 152)

37 “Quanto a este termo ´poética´ como já tive ocasião de dizer, foi usado em contraposição a ´estética´ para entender que o essencial de todas as artes é a parte activa da produção. Desligada do sentido restrito que possa manter a palavra, ´poética´ ligada à arte da poesia, como a usamos abarca a necessária conquista que a produção artística tem de realizar no sentido do que se possa considerar ´novo´.” (Tavares, 1967: 152).

38 José-Augusto França (1974). “Exposições Estrangeiras em Portugal”, in, Colóquio/Artes, nº19, Outoubro de 1974, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 38-44.

39 “Uma arte de anos 50, melhor ou pior, foi mostrada ao longo do ano, alheia a uma preocupação de informação e formação actual e actuante […] A exposição do Instituto Alemão mostrou que era possível (e necessário) sair desse beco. Mas foi a única a fazê-lo, em 1973-74, com um radicalismo elogiável.” (França 1974: 43)

348 de 1974, pp. 42-43), contudo aproveitando esta coluna sobre artes plásticas mais para fazer “ […] um ponto muito pessoal […] sobre esse tipo de manifestações artísticas” (Porfírio, 1974: 42), do que para fazer uma crítica informada e aprofundada sobre a exposição. A este respeito apenas refere que, “De todos os trabalhos mostrados certamente que os mais interessantes eram aqueles que se destinavam a objectivos práticos e específicos, como o estudo de todas as posições possíveis de um piloto de avião sentado no seu posto executado para a Boeing Company […]” (Porfírio, 1974:43), um trabalho de William Allan Fetter (1928-2002), adiantando que nos trabalhos gráficos apresentados na exposição do Instituto Alemão o aspecto técnico sobrepunha- se “[…] nitidamente a uma proposta estética que não chegava a existir.”40 Se essa avaliação em relação a algumas obras pode ter alguma evidência, e Porfírio no seu artigo coloca uma imagem da obra (não citando a autoria) de A. Michael Noll Computer Composition with Lines (1964) (ver fig. 4.3), com o título Mondrian: corrigido? aumentado?, a verdade é que uma generalização adiantada pelo autor em 1974 ao afirmar que “[…] o computador não nos deu ainda trabalhos gráficos relevantes, para o ponto de vista de quem se preocupe com artes visuais” (Porfírio, 1974: 43), é obviamente uma maneira de negar a importância do início da arte mediada por computador41 que teve no grafismo o seu primeiro recurso, e evitar uma investigação e incursões estéticas mais abrangentes desenvolvidas em trabalhos de Max Bense ou de Abraham Moles. Esta exposição, que teve lugar pouco antes do 25 de Abril de 1974, não deixou eco nos artistas portugueses cujas preocupações e experimentação nos anos seguintes tiveram mais a ver com questões políticas e sociais não integrando a utilização dos computadores e só, de um modo modesto, o vídeo como novo meio artístico. Alguns anos depois a Alternativa Zero (1977) assumia-se como a exposição mais importante no panorama artístico português da altura com o duplo objectivo de

40 “Na exposição do Instituto Alemão em Lisboa, no conjunto de trabalhos gráficos apresentados, era patente (o que é inevitável quando se experimenta uma técnica nova) que se procurava com um ´instrumento´ novo refazer o que já havia sido feito antes. Daí que o seu aspecto experimental e técnico se sobrepusesse nitidamente a uma proposta estética que não chegava a existir.” (Porfírio, 43: 1974)

41 José Luís Porfírio concede porém que existe “um número de propostas suficientemente significativas” (Porfírio, 1974: 43) fora do contexto dos grafismos executados por computador, dando como exemplo a obra Seek (1970), de Nicholas Negroponte, criada para a exposição Software (1970) elaborada por Jack Burnham em Nova Iorque, um exemplo que Porfírio não presenciou, assumindo a informação e opinião veiculada por Jonathan Benthall no seu livro Science and Technology in Art Today (Thames &Hudson, 1972), citado pelo autor.

349 fazer um ponto da situação do estado da arte e perspectivar o início de novas vias exploratórias constituindo, por isso, um bom barómetro para aferir da sua condição em Portugal.

350 5.2.5 – A Alternativa Zero (1977)

Na década de 70, já depois da abertura do país proporcionada pelo 25 de Abril de 1974, embora num período difícil da afirmação do mercado e do espaço galerista português42, a exposição Alternativa Zero (Março de 1977), concebida por Ernesto de Sousa (1921-1988), foi um marco importante na arte contemporânea portuguesa estabelecendo-se como ponto de convergência das vanguardas artísticas nacionais, ao conseguir reunir perto de 50 artistas na apresentação de um conjunto de propostas diversificadas que incluíam também concertos, conferências, várias exposições paralelas, performances e oficinas artísticas, a que o público acorreu de uma forma fora do normal para a altura43. O conhecimento profundo da cena artística nacional recente como comissário (Do Vazio à Pró-Vocação, em 1972 e Projectos-Ideias em 1974), o contacto internacional que mantinha com o grupo Fluxus desde meados da década de 60, e a abertura à experimentação, de que o próprio Ernesto tinha dado exemplo nas suas obras de mixed-media Nós Não Estamos Algures (1969) e Luiz Vaz 73 (1975), faziam com que a Alternativa Zero fosse o palco ideal e privilegiado para a mostra e divulgação de artistas e obras que poderiam ter encontrado nas tecnologias mais recentes um eco como meio artístico. A haver alguma massa crítica na vanguarda portuguesa, esse era o tempo e a oportunidade para a revelar. A verdade porém é que essa revelação não existiu. A Alternativa Zero não constituiu uma referência importante nesse domínio. A denominada Computer Art, ou a arte com um predicado cibernético, celebrada há mais de uma década internacionalmente em exposições tanto na Europa como na América do Norte e do Sul, ou no Japão, e inclusive representada na Bienal de Veneza em 1970, simplesmente não teve existência nesta exposição.

42 Um estudo do Observatório das Actividades Culturais sobre as Galerias de Arte em Lisboa menciona que: “O período entre 1974 e o início dos anos 80 é, por razões económicas, políticas e ideológica, um período de não mercado. A crise económica internacional declarada em 1973 e a instabilidade económica inerente ao processo de democratização do país inviabilizaram o funcionamento de qualquer espécie de mercado de arte. Também a polarização de todas as questões em torno das lutas e discussões políticas não deixava grande margem para a autonomização de outros tipos de dinâmicas – tudo estava subordinado às clivagens políticas.” (Santos, Melo e Martinho, 2001: 124).

43 Ernesto de Sousa refere que a exposição foi visitada por mais de 10.000 pessoas, chegando a afluência aos domingos no Mercado do Povo em Belém, que constituía o núcleo principal da exposição (Galeria Nacional de Arte Moderna), a atingir as 1.200 pessoas (Sousa, 1977/1997:239).

351 As tecnologias mais recentes tiveram apenas uma presença tímida no vídeo e numa obra que incluía componentes electrónicos. A primeira com a instalação de um circuito fechado na obra Câmara Obscura (1977), de João Vieira44, e com a organização por parte de Ernesto de Sousa do primeiro estúdio experimental de vídeo em circuito fechado (CCTV) durante a Alternativa Zero45, a segunda na obra pontual de Pedro Andrade (n.1951), Música Bioelectrónica (1975), um dispositivo que emitia vários tipos de sons reagindo à humidade e temperatura do corpo captados através de sensores manuseados pelo operador. Nenhumas destas tecnologias se constituíram como meios essenciais na carreira destes artistas. Para João Vieira o objectivo da obra era a experiência do espectador e o vídeo apenas um meio de visualização em tempo real, tendo o artista ficado mais conhecido pela sua experiência criativa no seio do grupo KWY, no fim dos anos 50 e início de 60, e pelo trabalho com as letras do alfabeto em pintura, instalações, e criação de ambientes com poliuretano e vários tipos de materiais no que denominava de acções- espectáculos. De Pedro Andrade não se pode dizer que tenha tido uma carreira artística consequente já que trocou essa continuidade por uma actividade dedicada à sociologia, após ter finalizado a licenciatura nesta área na Universidade de Paris, na mesma altura em que foi solicitado a expôr na Alternativa Zero. Foram portanto duas experiências pontuais que não constituíram referências significativas, embora nos anos posteriores o trabalho com o vídeo tivesse tido um incremento e um maior interesse por parte dos artistas portugueses, que viram de um modo colectivo o seu trabalho exposto internacionalmente na mostra Portuguese Video

44 A obra Câmara Obscura proporcionava um espaço de convite à criatividade livre e consistia num circuito fechado de vigilância constituído por uma câmara de vídeo instalada no interior de uma sala que revelava a actividade dos participantes nesse espaço através de um monitor de vídeo colocado no exterior, embora essa não fosse a ideia inicial da obra (Fernandes, 1997:31). Esta instalação invertia a função do dispositivo conhecido como câmara obscura que era o de reproduzir numa parede interior de um quarto fechado o que se passava no seu exterior, através da luz que penetrava por um orifício de pequenas dimensões na parede oposta.

45 Este estúdio tinha como finalidade a experimentação e a criação livre, tendo sido executados trabalhos com Fernando Calhau, Grupo 8, Fernando de Matos e uma acção-video com o grupo Living Theatre. A descrição desta actividade do estúdio experimental de vídeo é referida na biografia de Ernesto de Sousa no catálogo da exposição Portuguese Video Art em: J. M. Vasconcelos (org.) (1981). Portuguese Video Art, Lisboa: Secretaria de Estado da Cultura (Direcção-Geral de Acção Cultural), p.28.

352 Art realizado na Corroboree: Galery of New Concepts, da Universidade de Iowa, em 1981, num total de 14 artistas representados46. Esta exposição representou, de certo modo, o ponto alto do trabalho de divulgação iniciado em 1976 por Ernesto de Sousa, ao promover tanto em Lisboa como no Porto, e em colaboração com o Goethe Institute, o debate sobre um conjunto de vídeos produzidos por artistas entre os quais W. Vostell, Joseph Beuys, e Allan Kaprow, assim como o interesse manifestado pela Direcção-Geral de Acção Cultural (Secretaria de Estado da Cultura) em adquirir equipamento para apoiar os artistas na sua produção, dando continuidade à instalação experimental iniciada por Ernesto de Sousa na Galeria Nacional de Arte Moderna em Belém, e criando no mesmo complexo um Centro de Vídeo, infelizmente destruído no incêndio que em Agosto de 1981 deflagrou naquele espaço47.

46 Helena Almeida, José Barrias, José de Carvalho, José Conduto, Abel Mendes, Leonel Moura, António Palolo, Silvestre Pestana, Cerveira Pinto, Joana Rosa, Julião Sarmento, Henrique Silva, Ernesto Sousa, João Vieira.

47 Este Centro de Vídeo consistia de um pequeno estúdio semi-profissional da Philips, com três câmaras, monitores, mesa de mistura de vídeo e som. Segundo João Vieira o estúdio serviu de base para produção de alguns trabalhos apresentados na exposição Portuguese Video Art, em Abril/Maio de 1981, na Universidade de Iowa. Ver: Catarina Rosendo (2009). “A Bienal que Lisboa Perdeu”, in, L+Arte, nº61, Junho, pp. 56-61 e entrevista a João Vieira em : http://arquivolarte.blogspot.pt/2009_06_01_archive.html (consultado em 9 de Abril de 2014)

353 5.2.6 – Silvestre Pestana – Computer Poems (1981-1983)

É necessário chegar aos anos 80 para que em Portugal o computador tenha uma presença assumida como ferramenta de trabalho artístico. Em boa verdade porque, em primeiro lugar, a revolução dos computadores pessoais permitiu finalmente a facilidade de acesso directo aos sistemas de computação sem a dependência de instituições, e em segundo, porque estes dispositivos chegavam finalmente ao consumidor final português por um preço acessível através dos equipamentos, de fabrico inglês, Sinclair ZX80, Sinclair ZX81 e ZX Spectrum, os dois últimos com um sucesso assinalável no mercado nacional. A facilidade de operação combinada com a integração de um interpretador da linguagem de programação BASIC, tornavam a iniciação na programação uma experiência que, com a ajuda dos manuais incluídos, dispensava uma formação técnica intensiva, tornando estes pequenos computadores ideais para fins experimentais. Foi justamente das plataformas ZX81 e ZX Spectrum que Silvestre Pestana (n. 1949) lançou mão, entre 1981 e 1983, para realizar os seus três Computer Poems48 documentados na publicação Poemografias (1985)49, uma edição organizada em conjunto com Fernando Aguiar que aproveitou um desses poemas para ilustrar a capa e contra-capa dessa edição50.

48 Computer Poetry To: E. Melo e Castro (1981), Computer Poetry To: Henry Chopin (sd), Computer Poetry To: Julian Beck (1983). Os dois primeiros realizados em computador ZX81 e o último em ZX Spectrum.

49 Fernando Aguiar e Silvestre Pestana (org.) (1985). Poemografias: Perspectivas da Poesia Visual Portuguesa, Lisboa: Ulmeiro, pp. 214-216.

50 É o próprio Fernando Aguiar que no seu blog “O Contrário do Tempo” descreve o processo da criação da capa do livro: “Desenhei a capa do livro com base num poema de computador de Silvestre Pestana […]. E se agora parece uma coisa quase banal, em 1985 foi realmente ´diferente´ apresentar uma antologia de poesia e de teoria poética com uma obra ´gerada´ por computador na capa. Como não tínhamos acesso a impressora – nem sei se havia naquela altura alguma associada ao Spectrum – fomos a uma loja de electrodomésticos e pedimos para ligar o ´computador´ a uma televisão, e ali mesmo fiz várias fotografias de um dos poemas, das quais resultou a capa de ´POEMOGRAFIAS´”. Em: http://ocontrariodotempo.blogspot.pt/2009/10/poeticas-experimentais-faz-este-mes-26.html (consultado em 13 de Junho de 2014)

354 Fig 5.7: Capa de Poemografias (1985). Org. de Fernado Aguiar e Silvestre Pestana

Naquela edição Silvestre Pestana revela não só as diferentes fases da construção do poema, que se ia formando no ecrã do televisor (utilizado como monitor do computador) à medida que o programa era executado, mas também o programa em si em linguagem BASIC, assumindo-o como uma parte integrante da obra (fig. 5.8). O facto de revelar o código não é de somenos importância e em particular quando se trata de poesia visual em que as letras e os números estão do mesmo modo tão presentes no programa como no resultado da sua execução. Na verdade, podemos afirmar que estamos perante dois poemas visuais, um estruturado sob a forma de algoritmo que constitui o programa, e outro como o resultado das transformações das relações fonéticas e semânticas executadas pelo próprio computador. Estas questões do código e da comunicação já tinham interessado Silvestre Pestana na década de 60 quando, no início da sua carreira com vinte anos apenas, criou, Telegrafias (1969) (fig. 5.9), publicado mais tarde na Antologia da Poesia Concreta em Portugal (1973)51.

51 José Alberto Marques e E. M. de Melo e Castro (org.) (1973). Antologia da Poesia Concreta em Portugal, Lisboa: Assírio & Alvim, p.122.

355 Fig. 5.8: Computer Poetry, To: Julian Beck (1983). Silvestre Pestana

Esta obra, na qual se visualiza um conjunto alinhado de pequenos círculos brancos, negros, e vermelhos, é basicamente uma representação de três troços de fita de papel perfurada com 5 canais. Este sistema de fita de papel perfurada era utilizado tanto em telegrafia, na recepção ou transmissão de mensagens, como nos primeiros tempos da computação (fita perfurada com 8 canais) essencialmente para a introdução de programas nos sistemas em que a cada linha na horizontal correspondia um código alfanumérico de acordo com a perfuração.

Fig 5.9: Telegrafias (1969), de Silvestre Pestana, e fita de papel perfurada de 5 e 8 canais.

356 O que torna interessante esta obra de Silvestre Pestana é justamente esta operação de substituição da escrita por uma metalinguagem, um novo código sobre o código que é a própria escrita, assumindo a obra um carácter abstracto mas ao mesmo tempo real na representação de um dispositivo que faz referência à codificação da informação e à necessidade de estar de posse desse mesmo código para permitir a decifração das mensagens. A apetência pelas questões técnicas foi de certo modo prosseguido na Suécia, país em que viveu entre 1969 e 1974, ao frequentar um curso de Comunicação- Televisão na Universidade de Estocolmo (1973) e um curso de música electrónica. Mais tarde, já em Portugal, complementou esses estudos com formação em áreas da electrónica e programação. Com uma actividade artística diversificada, que inclui o vídeo, a poesia visual e a instalação, é de destacar o campo da intervenção e performance para os quais congrega diferentes técnicas e tecnologias.

357 5.2.7 – Ernesto de Sousa – Contactos Internacionais

Atento à cena artística internacional, principalmente a partir da segunda metade da década de 60 com o seu envolvimento e interesse pela vertente ligada às actividades do grupo Fluxus, Ernesto de Sousa (1921-1988) não poderia deixar de se aperceber das inquestionáveis mudanças relacionadas com o estatuto do objecto artístico.

A partir da sua primeira obra multimédia Nós Não Estamos Algures, realizada em 1969 no Teatro Primeiro Acto em Algés, elementos como a festa, a performance, a improvisação, o efémero, a experiência e participação do público, passaram para Ernesto a fazer parte dessa nova abrangência artística num movimento de integração da arte e vida.

Na sua visita à documenta 5 (1972), em Kassel, pôde constatar, com entusiasmo, pontos de encontro com a sua linha de pensamento artístico na procura de um novo rumo estético, que partilhou no seu regresso em apresentações de diapositivos e conferências em diferentes locais, entre os quais a Cooperativa Árvore (Porto) e a Galeria Ogiva (Óbidos), tendo publicado em Fevereiro do ano seguinte as suas impressões no artigo “De 4 em 4 anos em Cassel – os 100 dias da 5ª Documenta”52.

Nesse texto, faz um resumo em nove pontos do que entendeu ser uma tendência da prática artística na aproximação a uma nova pedagogia e a “[…] um certo número de operações e paradigmas recriadores […]” (Sousa, 1973/1998: 60) citando, entre outros aspectos, a valorização do efémero, a experiência directa, a actividade lúdica, e o que designa de “Arte de sistemas”, explicando em nota de rodapé:

“Para lá da construção de ambientes, situações e envolvimentos, a arte dos sistemas, como o recurso eventual à cibernética, constitui um dos aspectos mais sensacionais do modernismo. Hans Haacke com os seus ´transfer´ de energia, matéria ou informação, é um dos artistas mais consequentes deste grupo. Essa consequência já levou à recusa de uma das suas obras pelo Guggenheim Museum. A contribuição de Haacke à Documenta 5 era o ´Perfil do Visitante´ já experimentado noutras manifestações como ´Software´, em Nova Iorque 1970 e em Directions 3, Milwaukee, 1971. Este inquérito elaborado por um computador, é classificado como uma obra em processo.” (Sousa, 1973/1998: 61)

52 Revista Lorenti´s, nº 11, Fevereiro de 1973.

358 É interessante notar a actualidade informativa de Ernesto de Sousa ao referir a exposição Software, levada a cabo por Jack Burnham, que se debruçou justamente sobre a arte e a estética dos sistemas, e a polémica levantada pela obra de Hans Haacke denominada Shapolsky et al. Manhattan Real Estate Holdings, a Real-Time Social System as of May 1, 1971 que, recusada, levou à anulação da exposição deste artista que tinha como título Hans Haacke: Systems, apenas algumas semanas antes da sua inauguração, já planeada para Abril de 1971, no museu Guggenheim de Nova Iorque.

Ernesto não desenvolveu considerações teóricas sobre esta arte dos sistemas mas, eventualmente, é um dos primeiros em Portugal a apontar a expressão no sentido do deslocamento de uma apreciação estética do objecto em si para uma estética de relação e de processo, em que as novas tecnologias, nomeadamente a cibernética, teriam naturalmente lugar.

No ano seguinte à visita à documenta, Ernesto prossegue o contacto com a cena artística internacional deslocando-se em 1973 à ex-Jugoslávia para participar na XXV Assembleia Geral e Congresso da AICA.

Este evento, onde Ernesto de Sousa apresentou a comunicação “L´Art Naif et l´Operation Conceptuelle”, deu origem a um artigo/relatório na revista Colóquio/Artes em Outubro desse ano53 em que, começando por descrever o périplo pelas diferentes cidades e roteiros de exposições integradas no Congresso (Zagreb, Hlebine, Koprovnic, Liubliana, Belgrado e Dobrovnik), foca-se no programa alternativo e nas exposições, que faziam parte do programa, nomeadamente a de Belgrado, Documentos sobre as Tendências Pós-Objectivas da Arte Jugoslava de 1968 a 1973, e a de Zagreb, abreviada por Ernesto como“T5” (Construtivistas, Computadores e Conceptuais) 54, na verdade a quinta edição das exposições denominadas Novas Tendências, que Ernesto faz questão de salientar notando que:

“Desta última rede de tendências terá de se destacar todo um feixe de ´artes tecnológicas´, o construtivismo, o cinetismo e, agora a chamada ´computer art´.

53 Ernesto de Sousa (1973). “A XXV Assembleia da A.I.C.A. na Jugoslávia”, in, Colóquio/Artes, nº 14, Outubro de 1973, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 57-59.

54 A exposição tendencije 5 tinha em inglês a designação de tendencies 5. constructive visual research, computer visual research, conceptual art, tendo sido efectivamente utilizada a abreviatura t5, na capa do catálogo da exposição, em conjunto com esta designação ( Rosen, 2011: 476 - 477).

359 A Jugoslávia tem votado uma atenção especial a este sector, sendo relevante o papel exercido pelas exposições ´Novas Tendências´ de Zagreb, a primeira das quais, em 1961, desempenhou no quadro europeu uma função pioneira” (Sousa, 1973: 58).

Relativamente a esta exposição Ernesto de Sousa refere-se às opiniões de Waldemar Cordeiro55, que conheceu pessoalmente em Zagreb, artista pioneiro no Brasil na utilização dos sistemas de informação como vimos anteriormente, que propunha uma utilização artística diferenciada destes sistemas, “Manifestando-se polemicamente contra a tendência da utilização da ´computer art´ no sentido da fabricação tradicional de objectos artísticos em substituição do seu verdadeiro papel que deverá ser o fornecimento de algoritmos para pensar a cidade e o envolvimento humano” (Sousa, 1973: 58), uma afirmação de certo modo derivada do seu pensamento em torno do que denominou, em 1971, de Arteônica, um termo que tentava aglutinar os desígnios de uma nova linguagem de comunicação, e que constituiu, no mesmo ano, o título da exposição internacional organizada em São Paulo por Waldemar Cordeiro.

Não mencionando especificamente nomes e obras de artistas presentes na t5 - e curiosamente todos os artistas espanhóis nesta exposição (nove) encontravam-se representados apenas na secção dedicada à arte por computador, sendo significativa esta presença por contraste com a ausência de artistas portugueses - Ernesto de Sousa dá relevo aos diálogos encetados no Match of Ideas, apresentado como um debate público durante o evento com temas lançados pelos intervenientes, e às comunicações de Abraham Moles56, Giulio Argan e Gillo Dorfles como personalidades convidadas.

É também de realçar a nota de rodapé escrita por Ernesto de Sousa no seu artigo, em que enaltece a qualidade da revista bit international editada em Zagreb durante os anos de 1968 a 1972, e de certo modo companheira das Novas Tendências, referindo que os seus números 7 (Dialogue with the Machine, 1971), e 8 (Television Today, 1972), tinham sido oferecidas a todos os participantes da Assembleia da AICA, a primeira com artigos de Herbert W. Franke, Frieder Nake, Leslei Mezei, Gustav

55 Quando o artigo foi escrito Waldemar Cordeiro já tinha precocemente falecido (Julho de 1973) com apenas 48 anos.

56 Esta comunicação seria transcrita mais tarde na revista Colóquio/Artes: Abraham Moles (1973). “Rationnel et Irrationnel dans les Tendances de l´Art Contemporain”, in, Colóquio/Artes, nº 15, Dezembro de 1973, pp. 5-9.

360 Metzger, Charles A. Csuri, e a segunda com textos de Abraham Moles, Umberto Eco, Gillo Dorfles, Pierre Schoeffer, entre outros (Rosen, 2011: 471-474), constituindo referências na altura actuais e importantes da investigação sobre as novas mediações artísticas (computação, vídeo e televisão).

Ainda durante o evento de Zagreb, estabeleceu contacto com o crítico argentino Jorge Glusberg e interessou-se pelas actividades do CAyC a avaliar pela troca de correspondência entre 1976 e 1977, documentos que fazem parte do espólio de Ernesto de Sousa em depósito na Biblioteca Nacional57. Igualmente fazem parte do espólio de Ernesto de Sousa, neste caso da sua biblioteca pessoal, os catálogos das exposições tendencije 4 (1969) e tendencije 5 (1973), assim bem como o número 8 da revista bit international.

Depois da visita à documenta de Kassel, em 1972, e dos contactos, recolha de informação e visita às exposições em Zagreb em 1973, nomeadamente a Tendências 5, pode-se dizer que Ernesto de Sousa estava de posse de informação actualizada dos movimentos mais actuais da cena artística contemporânea, à qual não era estranha a cibernética e a computação.

Um apontamento interessante relativamente à relação de Ernesto de Sousa com as novas tecnologias foi o projecto Aldeia Global (1988), em que se pode entrever alguns ecos das afirmações de Waldemar Cordeiro referidas anteriormente, mas que devido à falta de suporte institucional, não chegou a ser realizado.

Este projecto, assumido como uma homenagem a Marshall McLuhan58 - autor que cunhou a frase em 1964 e vaticinou, cerca de 30 anos antes da invenção da World- Wide-Web59, a crescente utilização das tecnologias de comunicação como meio de aproximar os povos - inspirou nos mesmos moldes a Aldeia Global de Ernesto de Sousa

57 Em carta dirigida a Ernesto de Sousa escrita em 22 de Junho de 1976, Jorge Glusberg refere: “Dear Mr. Sousa: Enclosed you will find photos and slides corresponding to different artists and exhibitions which were held in different art centers and museums of the world. Enclosed also, a curriculum of activities of the CAYC, all those to be used for your article.” (B.N. Espólio D6 – Caixa 73).

58 O conceito de “Aldeia Global” atravessa a obra deste filósofo e ensaísta canadiano que em Understanding Media refere “As electric contracted, the globe is no more than a village.” (McLuhan, 1964/2006: 5).

59 O primeiro servidor da World Wide Web foi colocado on-line na organização de pesquisa científica CERN (Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire) em Genebra, em 1991.

361 que preconizava a utilização de redes de computadores para partilha de informação, não a limitando apenas ao domínio das artes, mas englobando toda aquela “ […] que se revista de uma utilidade teórica (científica) e prática (utilização imediata) […] [incluindo] protecção do ambiente, património, defesa de língua e saúde.”60.

Ernesto de Sousa, animado certamente do seu espírito utópico, esperava a adesão dos institutos governamentais, das Câmaras Municipais, das fundações que subsidiavam a investigação, dos fabricantes de material informático, para em conjunto lançarem as bases de um projecto alargado que tinha inegavelmente um alcance cultural e cívico importante.

Infelizmente, e apesar dos contactos, nada disso se concretizou não tendo sido possível pô-lo em prática.

Entretanto, num exemplo de partilha e por acreditar na sua importância, tornou esse projecto público apresentando a proposta da sua implementação no espaço da Cooperativa Diferença durante o 1º Fórum de Arte Contemporânea (1988), no Fórum Picoas, em Lisboa. O prospecto com esta proposta de implementação, que incluía três configurações possíveis61, termina com a nota, “Pensamos ser esta a solução ideal para o indivíduo que, sem sair da sua casa, pretende transmitir ou adquirir conhecimentos que deverão ser património de todos”.

Poucos anos passados, as bases de dados distribuídas, os browsers, a Internet, e a World-Wide-Web, tornavam esse projecto uma realidade tanto na área do entretenimento como na área cultural e artística, e uma ferramenta indispensável para uso profissional.

É interessante notar a actualidade deste projecto relativamente com o que se fazia fora de Portugal, nomeadamente com o interesse também da cena artística, manifestado no tema do festival Ars Electronica em 1989 - In the Network of Systems - um ano após a morte de Ernesto de Sousa, dando ênfase à interacção entre artistas utilizando vários sistemas de comunicação e computadores.

60 Ernesto de Sousa (1988), “Aldeia Global”, in José Oliveira (2008). A Fotografia e o Fotográfico em Ernesto de Sousa, Lisboa: FCSH, anexo 12 [tese de mestrado policopiada]

61 A proposta incluía três níveis de escolha de sistemas e investimento (PC com MS/DOS, PC multiposto com Xenix, Minicomputador multiposto com UNIX), e respectivas bases de dados (DBase III Plus, Informix, Oracle), que se ligavam às redes internacionais, via modem e protocolo X.25.

362 5.2.8 - Fundação Calouste Gulbenkian – Exposição de Holografia (1985) e Colóquio Internacional sobre Arte e Tecnologia (1987).

Se no início dos anos 60 a Gulbenkian teve um papel importante no desenvolvimento das artes em Portugal, nomeadamente através da atribuição de bolsas de estudo no estrangeiro, não é menos verdade que nos anos 80 deu também um impulso à relação das novas tecnologias com as artes, ao acolher iniciativas que de certo modo despertaram algum interesse neste domínio.

Foi o caso da exposição de holografia A Imagem Holográfica: Oito Artistas na Era do Laser, exibida na Galeria de Exposições Temporárias da Fundação entre Outubro e Novembro de 1985 que, embora contando apenas com artistas estrangeiros62, constituiu a primeira mostra relevante no nosso país dedicada em exclusivo à utilização desta tecnologia.

Esta exposição, organizada por Susan Gamble e Michael Wenyon, foi facilitada pelo facto da delegação de Londres da Fundação Calouste Gulbenkian ter apoiado financeiramente desde o início63 (1978) a criação, no Goldsmiths´ College da Universidade de Londres, de um laboratório e estúdio de holografia, destinado a auxiliar a prática artística na utilização desta tecnologia através da criação de workshops - o primeiro dos quais realizado em Maio de 1980 – complementados com programas de apoio que incluía a utilização das instalações e suporte de pessoal técnico especializado.

A exposição na Fundação Gulbenkian, eclética nas diferentes abordagens estéticas dos artistas presentes, tinha ainda uma função didáctica e de incentivo aos artistas portugueses, em particular para aqueles que já tinham participado em 1983 num workshop de holografia naquela instituição a convite da Fundação Calouste Gulbenkian, entre os quais Eduardo Nery, Emília Nadal e Sérgio Pinhão.

No ano seguinte a esta exposição, em 1986, a Fundação Calouste Gulbenkian convidou novamente um conjunto de artistas portugueses para integrarem mais um

62 Participaram nesta exposição: Margaret Benyon, Rudie Berkhout, Jeremy Diggle, Dieter Jung, John Kaufman, Doug Tyler e a dupla Susan Gamble e Michael Wenyon.

63 O apoio financeiro da Fundação Calouste Gulbenkian para este projecto totalizou £14.850, uma verba aprovada em duas fases pelo Conselho de Administração nas actas 38/78 e 62/79 (documentação de arquivo da Fundação Calouste Gulbenkian). Contribuíram também financeiramente a Rockefeller Foundation, de Nova Iorque, e o Arts Council do Reino Unido.

363 workshop de holografia no Goldsmiths´ College de Londres no qual participou Guilherme Parente e António Viana.

A prática destes artistas na utilização continuada da holografia foi nula ou muito reduzida no caso de Sérgio Pinhão64. Na colecção de arte do Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian existe uma única obra de um artista português que integra um holograma, uma peça sem título de António Viana, que o artista doou à instituição em 1986, ano justamente em que se tinha deslocado a Londres. Além desta peça, a colecção de arte do Centro de Arte Moderna inclui mais três hologramas de Margaret Benyon e um de Adrian Lines, todos doados em 1985, ano em que ocorreu a exposição na Gulbenkian.

Depois da exposição de 1985 na Gulbenkian a prática holográfica surge novamente em 1992, integrada na VII Bienal de Vila Nova de Cerveira numa secção com a curadoria de Silvestre Pestana (Vídeo-Arte, Hologramas e Estereoscopia), com obras de Rosa Oliveira (n.1953) e Isabel Azevedo (n.1963), artistas conhecedoras das práticas e processos tecnológicos nesta matéria, que entretanto enveredaram por uma carreira académica, ambas com teses de doutoramento relacionadas com a temática da holografia65.

Entretanto foi Julião Sarmento - que curiosamente fez parte inicialmente de uma primeira lista/escolha de artistas nacionais para integrar o primeiro workshop de holografia em 1983 em Londres, embora não o tenha vindo a frequentar66 – o artista

64 Ver artigo de Leonor Nazaré “Novas Tecnologias” (1992) em: http://danielvaz.eu/motelcoimbra/wp-content/uploads/2013/05/Novas-tecnologias-Leonor- Nazar%C3%A9.pdf (consultado em 20 de Novembro de 2013)

65 Maria Isabel Azevedo. A Luz Como Material Plástico. Universidade de Aveiro (2005), e Rosa Maria Oliveira. Pintar com Luz. Holografia e Criação Artística. Universidade de Aveiro (2001). Estas artistas fariam parte também, em 2012, da mostra Hologramas e Tecnologia Óptica, realizada pelo departamento de física e astronomia da Faculdade de Ciências do Porto, integrada no festival de cinema Fantasporto.

66 A primeira listagem de possíveis artistas que podiam integrar um primeiro curso de holografia em Inglaterra data de 31 de Outubro de 1978, e consta de um documento (INF Nº 422/BA/78, do arquivo da Fundação Calouste Gulbenkian) redigido pelo pintor Fernando Azevedo, na altura no Serviço de Belas Artes da Fundação Calouste Gulbenkian. Neste documento são apontados os nomes de Ernesto Mello e Castro, Noronha da Costa, Helena Almeida, Artur Rosa, Palolo, Vítor Pomar, Alberto Carneiro, Eduardo Nery e Julião Sarmento. Em 1982 a lista foi reduzida aos nomes de Noronha da Costa, Eduardo Nery, Sérgio Pinhão e Helena Almeida, tendo como suplentes António Palolo e Julião Sarmento (INF Nº 54/BA/82 de 17 de Fevereiro de 1982). O curso foi agendado em Londres para Abril de 1983 mas, por coincidir com uma exposição de Helena Almeida na Fundação Calouste Gulbenkian, esta artista não pôde participar tendo sido substituída por Emília Nadal.

364 português que, em 1997, deu maior visibilidade a esta tecnologia tendo exibido um holograma integrado no trabalho que nesse ano levou à Bienal de Veneza, em representação de Portugal67.

A obra, Untitled (1997)68, representava o volume de uma figura feminina sem cabeça em suspensão numa sala obscurecida, numa aparição algo fantasmática e com uma tangibilidade determinada apenas por condições fronteiras do feixe luminoso da luz laser de cor verde na invocação de uma latência do desejo, que tinha a ver com a temática da série Casanova apresentada em Veneza e que integrava, além de um conjunto de pinturas, a singularidade deste holograma.

Porém, anteriormente a Julião Sarmento, já António Cerveira Pinto (n.1952) tinha apresentado uma obra com hologramas numa exposição internacional, embora a aquisição desta obra por um coleccionador (Daniel Weiss) a tivesse retirado de circulação, tendo sido apresentada apenas uma única vez.

A obra, que tomou o título Morceaux Choisis au Hasard (1986), era uma apropriação da peça Fresh Widow (1920), de Marcel Duchamp, em que as janelas de couro negro tinham sido substituídas por hologramas de um auto-retrato de Duchamp, permitindo ou não a sua visibilidade de acordo com o ângulo de visão do espectador69.

A peça foi apresentada na exposição Procesos: Cultura y Nuevas Tecnologías (26 de Maio a 20 de Junho de 1986), uma mostra que integrou a inauguração do Museu Nacional Reina Sofia de Madrid, e que deu uma ampla visão da criação artística internacional baseada em dispositivos tecnológicos.

67 Esta obra foi objecto da comunicação: Bruno Marques e José Oliveira (2013). “Julião Sarmento ou a Virtualidade do Objecto de Desejo: Da ´Pintura-Desenho´ ao Holograma”, apresentada na Conferência Internacional Tecnologias Culturais e Arte dos Media, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, realizada no dia 28 de Novembro de 2013.

68 Idealizada por Julião Sarmento, a obra foi levada a cabo pelos amigos e artistas Rita McBride e Glen Rubsamen, na altura em Nova Iorque, aos quais Julião lançou o repto da sua realização. A este respeito ver: Rita McBride e Glen Rubsamen (2013). “O Holograma Ausente de Julião”, in, James Lingwood (ed.), Maria Burmester (coord. e ed.) (2013). Julião Sarmento – Noites Brancas: Retrospectiva, Ostfildern: Hatje Cantz e Porto: Fundação de Serralves, pp. 186-189.

69 Esta peça foi produzida no âmbito de um workshop de holografia patrocinado por Daniel Weiss na cidade da Corunha na Galiza, no qual participou Cerveira Pinto, na sequência da exposição Cuarto Escuro (1986), que tinha comissariado nesta cidade. A tecnologia utilizada permitia a visualização da imagem do holograma à luz natural (holograma de reflexão ou de Denisyuk).

365 De Portugal apenas participou António Cerveira Pinto num conjunto de cerca de 140 artistas, em que se destacavam nomes como John Cage, Peter Campus, Allan Kaprow, Nam June Paik, Woody Wasulka, Otto Piene e Bill Viola entre muitos outros.

De realçar também a presença nesta exposição dos espanhóis José Luis Alexanco, Manuel Barbadillo, Eusébio Sempere, Soledad Sevilla, José Maria Yturralde que, como vimos, tiveram um papel importante no desenvolvimento dos seminários artísticos, no fim da década de 60 e inícios de 70, no Centro de Cálculo da Universidade de Madrid, mas com os quais Cerveira Pinto, tal como afirmou ao autor, não teve contacto.

Em 1987, foi uma vez mais a iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian que, através do serviço ACARTE, levou a efeito a realização, entre os dias 17 e 19 de Dezembro, de um colóquio internacional sobre Arte e Tecnologia, complementado por um conjunto de actividades paralelas que incluíram exposições, música, teatro multimédia, demonstrações e visitas guiadas70.

Este evento, que teve apenas direito a uma nota na revista Colóquio Artes de Março de 1988 (nº 76, pp. 74), mereceu no entanto mais tarde, em 1993, uma edição em livro com a transcrição das comunicações dos conferencistas71.

Curiosamente e antes da edição do livro, a ACARTE foi a única organização portuguesa a figurar na Directory of Art/Science/Technology Organizations, publicada em 1991 na revista Leonardo (Vol. 24, No. 1, 1991, pp. 105-111), eventualmente reconhecendo o trabalho desenvolvido e interesse do encontro.

Congregando 28 personalidades, que se distribuíram pela presença de 13 cientistas e 15 artistas, de 10 países diferentes72, este evento revelou-se uma iniciativa

70 De acordo com nota publicada na revista Colóquio Artes (No. 76, Março de 1988, pp. 74) estas actividades foram: “Música Espacial” de Emanuel de Melo Pimenta; exposição “Triluz-Hologramas” de Augusto de Campos, Décio Pignatari, Júlio Plaza, Moysés Baumstein e Wagner Garcia; exposição de fractais “Frontiers of Chaos” de H. O. Peitgen e P. H. Richter; “Desenhos” de M. Sabri; visitas guiadas por Lima de Freitas com o tema “O Espaço e a Geometria na Colecção Gulbenkian”; apresentação da obra musical “Júpiter” de Philippe Manoury (para flauta e computador); computação e arte, demonstração pela IBM; apresentação do audiovisual “Lisboa/spiritus loci” de Luís Pavão, António Maria Braga, Enrique Macias, Carlos Zíngaro e Jorge Gonçalves; teatro multimédia “O lagarto do âmbar”, com texto de Maria Estela Guedes e encenação de Alberto Lopes, estreado a 14 de Janeiro de 1989.

71A. M. Nunes dos Santos (Coord.) (1993). Arte e Tecnologia, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian

72 Nesta edição foram apresentadas as comunicações de: Bettina Brendel (Alemanha), István Hargittai (Hungria), Emanuel Dimas Pimenta (Brasil), Décio Pignatari (Brasil), Philippe Manoury (França), Fernando Gil (Portugal), José Manuel Costa e M. S. Fonseca (Portugal), Pedro Faria Lopes (Portugal),

366 importante e rara no país no sentido de colocar em diálogo e permitir a reflexão sobre as sinergias entre arte, ciência e tecnologia.

Num conjunto de comunicações heterogéneas que abrangiam desde a matemática dos fractais à investigação científica sobre o restauro de obras de arte, ou da história da filosofia das ciências ao desenho assistido por computador, salientamos as comunicações de René Berger (“L´Ordinateur à la Recherche d´une Ame: Le Défi des Artistes”) e a de José-Augusto França (“Arte-Ciência-Tecnologia / História e Linguagem”), por fazerem uma apreciação histórica da introdução das novas tecnologias nas práticas artísticas.

Com um entendimento claro do papel das tecnologias da informação na sociedade contemporânea, René Berger evoca três linhas principais da actuação artística que, no seu entender, poderiam passar tanto pela imagem científica com predicados estéticos, como pela imagem sintética fazendo uso dos mecanismos da computação, ou mesmo recorrendo directamente aos meios da ciência e da tecnologia à disposição dos investigadores na possibilidade da criação de novos paradigmas artísticos.

A diferenciação apontada por Berger entre a utilização artística dos meios tradicionais (pintura, escultura, desenho) e as realizações multimédia, com recurso ao vídeo, ao laser, à síntese sonora, à computação em tempo real; entre a apresentação formal de uma obra e a exploração dinâmica do espaço e tempo através das novas tecnologias; ou entre a apreciação estética distanciada da obra e a vocação de envolvência, acontecimento e experiência das obras mais recentes, levaram este autor a invocar a expressão responsive environments de Myron Krueger73, para definir os novos ambientes e direcções que pareciam estar a surgir das explorações e pesquisas artísticas mais recentes74.

Pierre Laszlo (França), Opy Zouni (Egipto), René Berger (França), Jürgen Claus (Alemanha), José- Augusto França (Portugal), João M. G. Graça (Portugal), M. Sabri (Iraque), Maria Fernanda Viana (Portugal), Lima de Freitas (Portugal), Alberto Lopes (Portugal), J. A. Temudo de Castro/Ângelo Queiroz da Fonseca/Maria Susana Veiga Simão Canedo Neves (Portugal), Anthony Hill (Inglaterra), A. M. Nunes dos Santos (Portugal)/Christopher Auretta (Estados Unidos), Heinz-Otto Peitgen/Hartmut Jürgens (Alemanha).

73 Ver a referência a esta expressão e ao trabalho de Myron Krueger no capítulo 1, parágrafo 1.2.2.

74 Apesar de Berger em nota de rodapé afirmar recolher a expressão da publicação Artificial Reality (Addison-Wesly Publishing Company, 1983) de Myron Krueger, a mesma já tinha sido utilizada como título de uma comunicação apresentada em 1977 numa conferência nacional sobre computação e publicada em, Myrin Krueger (1977). “Responsive Environments”, in, Robert R. Korfhage (ed.) (1977). AFIPS Conference Proceedings – 1977 National Computer Conference, Montvale (NJ): AFIPS Press, pp.

367 Para Berger “ […] recorrer ao computador é muito mais do que utilizar uma ferramenta aperfeiçoada, é adquirir formas de pensar que, no estado actual das coisas, se limitam à computação, mas que se pode augurar estarem na via para a ultrapassar.” (Berger 1993: 158), explicitando melhor esta ideia com a afirmação de que:

A tecnocultura que se tornou nossa englobará numa mesma realidade homens e máquinas. As noções de criatividade, de interactividade, de inteligência (sem aspas), e eventualmente talvez as de consciência, de sentimento, de emoção, até aqui definidas num quadro único de referência humana, deverão provavelmente ser remodeladas ou, com toda a probabilidade, modeladas em função da evolução tecnológica em curso.”75 (Berger 1993: 158-159)

É também interessante notar na comunicação de Berger o seu contributo para a divulgação do conhecimento dos “palcos” internacionais em que a arte e novas tecnologia partilhavam interesses e projectos, nomeadamente a menção do festival Ars Electronica de 1986, ao referir os seus projectos, encontros e debates, ou a chamada de atenção para a realização da Bienal de Veneza nesse mesmo ano, cujo tema foi justamente Arte e Ciência, e que deu origem à edição de um catálogo de referência neste âmbito (Arte e Scienza: Biologia, Tecnologia e Informatica76) incluindo ensaios de Roy Ascott, Don Forest e Tom Sherman entre outros.

A comunicação de José-Augusto França revestiu-se de um cariz mais histórico do que filosófico, não deixando de assinalar coordenadas importantes no devir tecnológico da obra artística ao mencionar o Manifesto Realista (1920) de Naum Gabo e Antoine Pevsner77 e a obra Kinetic Sculture (Standing Wave) (1919-1920) de Gabo,

423-433. Esta comunicação foi também recentemente publicada em, Noah Wardrip-Fruin e Nick Montfort (ed.) (2003). The New Media Reader, Cambridge/Londres: The MIT Press (pp. 379-389). Pode igualmente ser consultada em: http://zeitkunst.org/media/pdf/Krueger1977.pdf (consultado em 22 de Maio de 2014)

75 “La tecno-culture qui est devenue nôtre englobera dans une même réalité hommes et machines. Les notions de créativité, d´interactivité, d´intelligence (sans guillemets), en attendant peut-être celles de conscience, de sentiment, d´émotion, jusqu´ici définies dans le seul cadre de référence humain, devront probablement être réaménagées ou, selon tout vraisemblance, aménagées en function de l´évolution technologique en cours.”

76 Carlo Pirovano (ed.) (1986). Arte e Scienzia: Biologia, Tecnologia e Informatica, Veneza: Edizione La Biennale.

77 Alguns anos antes, em 1972, a Fundação Calouste Gulbenkian tinha acolhido uma retrospectiva itinerante da obra de Naum Gabo e publicado o seu “Manifesto Realista” no catálogo.

368 para depois tecer algumas considerações sobre o Light-Space Modulator (1922-1930) de László Moholy-Nagy e o interesse manifestado pelas questões ligadas à espacialidade e à luz relacionadas com o tempo, desígnios que estavam de acordo com os desenvolvimentos científicos da altura.

Na passagem para a segunda metade do século XX França continua a assinalar alguns marcos importantes passando muito brevemente dos robôs de Nicholas Schöffer, para as máquinas de Tinguely e da videoarte à holografia.

Da utilização de computadores menciona o trabalho do Computer Technique Group (CTG) do Japão com a ilustração da metamorfose de Return to Square B (1967/68), obra que esteve presente na exposição Cybernetic Serependity em 1968 em Londres para, de um modo sumário, apenas referenciar mais duas exposições: Electra, uma exposição organizada por Frank Popper no Musée d´Art Moderne de Paris (Dezembro de 1983 a Fevereiro de 1984), e a exposição-debate Les Immatérieux levada a cabo no Centre Georges Pompidou por Jean-François Lyotard no ano seguinte.

José-Augusto França embora conhecedor profundo da realidade artística portuguesa, não a aborda na sua comunicação nem menciona o nome de nenhum artista nacional relacionado com uma prática de algum modo ligada ao desenvolvimento científico ou tecnológico recente, o que eventualmente poderá indiciar uma falta de matéria e obras, ou uma falta de foco da crítica neste particular.

Na verdade, não deixa de ser interessante verificar que, no ano anterior a este colóquio - e quando a temática da Bienal de Veneza de 1986 era Arte e Ciência - que a representação portuguesa neste evento, comissariada por José Luís Porfírio, foi constituída por Carlos Nogueira, Ilda David, Pedro Calapez, Pedro Casqueiro e Xana, numa abordagem de um “regresso” à pintura, como referiu o crítico Alexandre Pomar78, longe do espírito de uma experimentação de uma Alternativa Zero e desfasada das preocupações centrais da exposição.

Fundação Calouste Gulbenkian (org.) (1972). Naum Gabo, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 29-32.

78 Alexandre Pomar (2003). “Portugal nas Bienais”, in, Expresso, Actual, 24 de Maio de 2003, em: http://alexandrepomar.typepad.com/alexandre_pomar/2007/06/portugal_em_ven.html (consultado a 23 de Maio de 2014)

369 5.2.9 - A Revista Colóquio/Artes (1971-1996)

A revista Colóquio Artes editada pela Fundação Calouste Gulbenkian foi, durante os anos da sua existência, o principal veículo da crítica e da divulgação artística em Portugal79. Nesse sentido, constitui uma referência incontornável para tomar o pulso às apreciações estéticas, e ao desenvolvimento das tendências artísticas nesse período no nosso país.

Interessa-nos porém recuar ao ano anterior ao do início da publicação, para se tentar perceber o tipo de avaliação feita pela crítica portuguesa à 35ª Bienal de Veneza que, em 1970, integrou pela primeira vez no seu seio uma exposição de arte mediada por computador no contexto da mostra Ricerca e Progettazione. Proposte per una Esposizione Sperimentale80, organizada por Umbro Appolonio, director da bienal, e por Dietrich Malow, director do Instituto de Arte Moderna de Nuremberga.

Esta exposição, que tomou o espaço nobre dos Giardini, era, como o próprio nome indicava, devotada à investigação e arte experimental como reflexo das novas tendências, integrando também a aplicação dos desenvolvimentos tecnológicos recentes em obras do Computer Technique Group (Japão), Herbert W. Franke, Auro Lecci, Frieder Nake, George Nees e Richard C. Raymond, entre outros (Franco, 2013: 123).

Sem se pretender fazer um levantamento exaustivo da recepção crítica a esta exposição, sem dúvida que a opinião de José-Augusto França é importante considerar até porque na altura era o presidente da secção portuguesa da Associação Internacional dos Críticos de Arte (AICA), tendo visitado o certame.

O registo de França tanto no seu artigo publicado no Diário de Lisboa no mês de Setembro81, como no mês seguinte, na revista Colóquio/Letras82, é sensivelmente o

79 Um estudo de referência sobre esta revista é a publicação: Margarida Brito Alves (2007). A Revista Colóquio/Artes, Lisboa: Edições Colibri – IHA / Estudos de Arte Contemporânea, FCSH – Universidade Nova de Lisboa.

80 A este respeito veja-se o trabalho de Francesca Franco (2013). “The First Computer Art Show at the 1970 Venice Biennale: An Experiment or the Product of the Bourgeois Culture?”, in, Sean Cubitt e Paul Thomas (ed.) (2013). Relive: Media Art Histories, Cambridge e Londres: The MIT Press, pp. 119-134.

81 José- Augusto França (1970a). “A Defunta Bienal de Veneza”, in, Diário de Lisboa, 3 de Setembro de 1970.

82 José-Augusto França (1970b). “A 35ª Bienal de Veneza a o 3º Salão Internacional das ´Galleries Pilotes´”, in, Colóquio/Letras, No. 60, Outubro de 1970, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 54- 56.

370 mesmo ao anunciar, em ambas as publicações, a morte da Bienal de Veneza. Não só pela tentativa frustrada de em 1970 mudar a fórmula baseada na competição entre as representações nacionais e prémios baseados em categorias, após as críticas de 1968, mas também pelo peso da sua própria longevidade que, nas últimas edições já tinha, na sua opinião, mostrado alguns sinais de fraqueza83.

Relativamente ao carácter experimental da proposta de Appolonio e Mallow, José-Augusto França tece uns comentários mais de indignação do que desagrado referindo que à data da inauguração “era uma hipótese apenas, em corredores e salas vazias” (França, 1970b: 54), indiciando o atraso na sua montagem, e queixando-se igualmente do desolamento da falta público pelos Giardini.

No âmbito da sua apreciação não refere minimamente os novos artistas e trabalhos expostos no contexto da arte por computador referidos acima, nem a contribuição de Max Bense e René Berger para o catálogo da exposição, omitindo igualmente os três dias de um simpósio paralelo à mostra cujo tema era a música por computador (Franco, 2013: 123-125), informação que, para a generalidade do público e artistas portugueses, à falta de conhecimento in loco, se traduziu na não existência destes eventos,.

Na revista Colóquio/Artes são raros ou quase inexistentes os artigos, tanto da crítica estrangeira como portuguesa, na abordagem das novas mediações artísticas que começavam a fazer uso da computação ou dos processos tecnológicos mais recentes.

Efectivamente é Jonathan Benthall, colaborador durante algum tempo da revista, que, ao fazer na edição de Outubro de 197284 o balanço da actividade artística dos anos de 1971 e 1972 em Inglaterra, chama a atenção para estas novas mediações e para o trabalho da artista britânica Margaret Benyon85, pioneira na utilização da holografia, remetendo explicações mais detalhadas do processo para o livro que

83 “O que aconteceu foi ter morrido a Bienal de Veneza. Com ela morreu uma fórmula de exposição internacional que estava moribunda e alimentada a oxigénio há alguns anos já, disfarçando-lhe o estado de organizadores incultos, ou sentimentalmente interessados numa continuidade bem conservada.” (França, 1970a).

84 Jonathan Benthall (1972). “London”, in, Colóquio/Artes, nº 9, Outubro de 1972, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 18-23.

85 Artista que integrou em 1985 a exposição de holografia A Imagem Holográfica: Oito Artista na Era do Laser, na Fundação Calouste Gulbenkian.

371 Benthall tinha editado nesse ano com o título Science and Technology in Art Today86, e estimulando à sua leitura ao referir que nessa publicação “argumenta que a holografia é um novo meio radical tal como o foi a fotografia no século XIX.” (Benthall, 1972a: 22).

Há portanto no início dos anos 70 informação disponibilizada à comunidade de leitores da revista Colóquio/Artes de uma referência bibliográfica que se tornou importante na visão do papel activo das novas tecnologias nas mediações artísticas recentes, incluindo todo um capítulo dedicado à cibernética e às tecnologias de informação que, como vimos, foi leitura referenciada por José Luís Porfírio na crítica que fez à exposição de Arte por Computador levada a efeito mais tarde no Instituto Alemão em 1974.

Uma nota também para mencionar, ainda na primeira metade dos anos 70, o artigo de Abraham Moles com o título Rationnel et Irrationnel dans les Tendances de l´Art Contemporain87, uma comunicação apresentada pelo autor alguns meses antes (Junho de 1973) no XXV Congresso da AICA em Zagreb, na ex-Jugoslávia, e que basicamente propunha uma análise estrutural, sob forma de oposições dialécticas, como ferramenta para situar as mediações artísticas recentes88.

É importante recordar que este Congresso da AICA foi coincidente com a organização da tendencije 589 (Tendências 5), um evento organizado pela Galeria de Arte Contemporânea de Zagreb que decorreu de 1 de Junho a 1 de Julho de 1973, e que incluía uma exposição, com uma secção dedicada à pesquisa visual fazendo uso do computador, e um simpósio integrado no quadro do Congresso da AICA com o tema The Rational and the Irrational in Visual Research Today. Match of Ideas, obviamente ligado ao título da comunicação de Abraham Moles.

86Atendendo à novidade, Benthall dedicada à holografia todo o capítulo IV (Laser Holography and Interference Patterning, pp.85-98) do seu livro.

87 Abraham Moles (1973). “Rationnel et Irrationnel dans les Tendances de l´Art Contemporain”, in, Colóquio/Artes, nº 15, Dezembro de 1973, pp. 5-9.

88 “Je vous proposerai donc une série d´oppositions dialectiques pour essayer de situer les phénomènes de l´art contemporain en tant que corpus de recherches et d´essai. Nous admettrons ici que la recherche artistique ne diffère pas fondamentalement de la recherche scientifique […]” (Moles 1973: 6)

89 Relativamente a este evento consultar: Margit Rosen (ed.) (2011). A Little-Known Story About a Movement, A Magazine, and the Computer´s Arrival in Art: New Tendencies and Bit International, 1961- 1973, Karlsruhe: ZKM e Cambridge (MA), Londres: The MIT Press, pp. 475-528.

372 As suas primeiras palavras nesta comunicação anunciam desde logo esta coincidência de eventos ao afirmar que, “ Nous nous trouvons reunis ici par la conjonction de deux dynamismes, l´AICA et la Galerie Zagreba.” (Moles 1973: 5), louvando em seguida o trabalho desta galeria que, desde o início dos anos 60, tinha instituído um conjunto de debates e exposições pioneiras na conjugação de arte e tecnologia, conhecidas como Novas Tendências.

É no âmbito destas exposições que Moles recorda a previsão do papel importante do computador na sociedade e nas artes referenciando que “não é o computador que constrói especificamente obras de arte, mas é porque o computador constrói a Sociedade que ele constrói também obras de arte. Nós devemos pensar com o computador e não pelo computador.”90 (Moles 1973: 5), terminando por se congratular que este tipo de questões tenham sido tema de debate na “NT5”, designação que aparentemente no decorrer do texto pode ser um pouco enigmática para o leitor do artigo na Colóquio/Artes, mas que obviamente se referia à quinta edição das Novas Tendências, embora as exposições só tivessem a designação de Novas até à terceira edição (1965).

O artigo de Abraham Moles (Dezembro de 1973) constituiu, entre outras reflexões, um complemento ao testemunho de Ernesto de Sousa, já publicado na Colóquio/Artes de Outubro desse ano, relativamente à XXV Assembleia da AICA em Zagreb, mencionando do mesmo modo as exposições denominadas Novas Tendências como vectores de referência da vanguarda artística internacional que reunia, já ao longo de vários anos, um conjunto de obras, artistas, críticos e curadores, em que a teoria, o debate estético, e a prática artística, se conjugavam em torno das novas mediações. Note-se também que o pensamento estético de Abraham Moles não era totalmente desconhecido do público português, tendo inclusivamente inspirado Salette Tavares em algumas experiências poéticas publicadas nos cadernos de Poesia Experimental 1 (1964) e Poesia Experimental 2 (1966), baseadas no tipo de distinção que Moles fez entre informação estética e informação semântica, mencionado por Salette Tavares91 no

90 “En d´autres termes ce n´est pas que l´ordinateur construise spéfiquement des oeuvres d´art, mais c´est parce que l´ordinateur construit la Société quíl construit aussi des oeuvres d´art. Nous devons penser avec l´ordinateur et non pour l´ordinateur. Ce sont les discussions de NT5 qui l´ont bien nettement fait apparaître.”

91 “Aproveitando um sentido estético exactamente neste dosear da informação semântica e estética fiz algumas experiências de carácter poético publicadas nos Cadernos de Poesia Experimental 1 e 2. Sem estas duas noções da Teoria de Abraham Moles não se podem entender rigorosamente os ensaios que fiz

373 seu artigo “Teoria da Informação e Abraham Moles”, publicado na revista Brotéria em Fevereiro de 1967, já referido anteriormente a respeito da exposição de Arte do Computador no Instituto Alemão.

Excluindo a breve referência na revista Colóquio/Artes a esta exposição do Instituto Alemão sobre A Arte do Computador, em 1974, como a melhor exposição estrangeira em Lisboa, na opinião de José-Augusto França, e um artigo em 1983 de Jürgen Claus sobre a Sky Art92, na revelação do espaço aéreo como pano de fundo para manifestações artísticas, é já na segunda metade da década de 80 que aparecem alguns artigos referenciando as novas tecnologias através de Jürgen Claus (“Un Nouveau Concept: La Technologie de la Forme”93), de Eduardo Kac (“Holopoesia e Dimensão Fractal”94), de E. M. de Melo e Castro (“Infoarte e Infopoesia”95), e por fim de René Berger (“Les Artes Technologiques a l´Aube du XXI Siecle”96) já em 1994.

Em “La Technologie de la Forme”, Jürgen Claus esboça um pensamento sobre as artes tecnológicas e a necessidade de novos enquadramentos teóricos, para depois se fixar nas modalidades em que o computador se pode integrar na acção artística referindo-se à arte ambiental, às telecomunicações, ao video-disco e video-texto, à escultura cibernética, à animação computorizada e vídeo digital, dando exemplos de artistas e obras nestes âmbitos.

Eduardo Kac, na altura interessado na experimentação de meios alternativos relacionados com a poesia, descreve as possibilidades da holografia, como método de apresentação tridimensional da escrita, conjugando-a com a geometria fractal e a computação gráfica com o objectivo de expandir a dinâmica da percepção visual, no que

que visam o tratamento poético-semântico ou puramente estético com a delimitação muito estricta dos reportórios de símbolos.” (Tavares, 1967: 169).

92 Jürgen Claus (1983). “Sky Art dos anos 80”, in, Colóquio /Artes, nº 58, Setembro de 1983, pp. 40-45.

93 Jürgen Claus (1986). “Un Nouveau Concept: La Technologie de la Forme”, in, Colóquio/Artes, nº 69, Junho de 1986, pp. 14-21.

94 Eduardo Kac (1987). “Holopoesia e Dimensão Fractal”, in, Colóquio/Artes, nº 74, Setembro de 1987, pp. 44-47.

95 E. M. de Melo e Castro (1988a), “Infoarte e Videopoesia”, in, Colóquio/Artes, nº 77, Junho de 1988, pp. 38-49.

96 René Berger (1994). “Les Artes Technologiques a l´Aube du XXI Siecle”, in, Colóquio/Artes, nº 101, Abril e Junho de 1994, pp. 5-9.

374 designou de holopoemas, mais tarde objecto de reflexão do artista no seu livro Media Poetry: An International Anthology97, dedicando-lhe um capítulo.

O artigo de E. M. de Melo e Castro é uma boa contribuição para o estado da arte na altura, relativamente aos novos caminhos trilhados pela poesia experimental que, contrariamente à generalidade das artes visuais no nosso país, fazia já uso de tecnologias recentes (vídeo e computação).

Distinguindo entre infoarte, infopoesia e videopoesia por uma questão operatória, E. M. de Melo e Castro dá conta no primeiro caso dos Computer Poems de Silvestre Pestana realizados entre 1981 e 1983 e das pesquisas, desde 1986, de Maria Cecília Melo e Castro (n. 1941) em torno da pintura fazendo uso de meios informáticos para gerar imagens – no que Silvestre Pestana designou de pintura assistida por computador 98 - posteriormente fotografadas e exibidas na Galeria Barata, numa exposição justamente designada de INFOARTE, mas que teve uma reduzida visibilidade de sete dias apenas (11 a 18 de Janeiro de 1988).

Por infopoesia Melo e Castro entendia a utilização de algoritmos derivados de processos combinatórios e/ou aleatórios para a elaboração de poesia que, obviamente, tinha nos computadores um poderoso aliado.

Recuando aos anos 60 e à obra Electronicolirica (1964) de Herberto Helder, Melo e Castro chama a atenção para uma nota do autor em que refere que a génese dos poemas, nessa edição, tinham a ver de certo modo com as experiências combinatórias que o poeta italiano Nanni Balestrini tinha realizado com o auxílio do computador alguns anos antes, poeta que, como referenciámos anteriormente, esteve presente na exposição Cybernetic Serendipity em Londres, em 1968.

Através dessa nota99, Herberto Helder evidenciava uma actualidade e conhecimento da realidade internacional destes círculos experimentais de poesia

97 Eduardo Kac (ed.) (2007). Media Poetry: An International Anthology, Bristol e Chicago: Intellect Books

98 Desdobrável da exposição INFOARTE, de Maria Cecília Melo e Castro, que teve lugar na Galeria Barata entre 11 e 18 de Janeiro de 1988.

99 “Em 1961 Nanni Balestrini realizou em Milão uma curiosíssima experiência. Escolhendo alguns fragmentos de textos antigos e modernos, forneceu-os a uma calculadora electrónica que, com eles, organizou, segundo certas regras combinatórias previamente estabelecidas, 3002 combinações, depois seleccionadas.” (Castro, 1988a: 42).

375 algorítmica com recurso à informática e, numa entrevista que deu no mesmo ano ao Jornal de Letras e Artes (27 de Maio de 1964), manifestou também ter informação relativamente ao pensamento de Max Bense e do seu interesse pela poesia concreta100, informação essa eventualmente veiculada por Haroldo de Campos ou outros poetas brasileiros, já que Bense tinha efectuado diversas viagens ao Brasil, entre 1961 e 1964, e estabelecido estreitas relações com artistas e poetas concretos brasileiros.

Na sequência da infopoesia, Melo e Castro menciona a investigação e as experiências textuais de Pedro Barbosa na década de 70, fazendo uso da programação de computadores, condensadas nas obras deste autor sobre literatura cibernética publicadas em 1977 e 1980, já mencionadas anteriormente, e a mais recente interpretação do seu poema Tudo Pode Ser Dito Num Poema101, integrado em Álea e Vazio (1971) 102, por um programa escrito em linguagem BASIC, denominado ACASO por Pedro Barbosa.

Este programa ordenava de um modo aleatório um repertório limitado de palavras (cerca de 50), seguindo as indicações de Melo e Castro no poema original, na geração de um conjunto de expressões sempre diferentes designadas de aforismos pelo autor, dos quais 33 foram seleccionados e publicados em Máquinas Pensantes (1988)103 e no artigo de Melo e Castro na Colóquio/Artes.

100 Diz Herberto Hélder: “Compreendo que se possam fazer poemas recorrendo, por exemplo, à expressão matemática, ao grafismo, à técnica comercial e industrial, às máquinas, à música, ou a qualquer outro fonte ou tipo de sintaxe. Por outro lado imagino que as preocupações do poeta se devem libertar da linguagem organizada para o diálogo. Max Bense afirma algo de semelhante ao acentuar que ´no conceito convencional de literatura, põe-se a ênfase na função comunicativa-social dela, enquanto que, no conceito progressivo, se insiste na sua função experimentativa-intelectual´. Interessa-me, portanto, […] muito menos executar, uma gramática literária, destinada ao diálogo, do que perfazer um organismo internamente coerente e bastante. A comunicação será consequente se for. De qualquer maneira bani a ideia, do diálogo, no meu estilo.” (Mello, 1964: 15). Esta entrevista também está em acesso público em: http://editora-afrodite.blogspot.pt/2007_09_01_archive.html (consultado em 16 de Junho de 2014)

101 Neste poema Melo e Castro propunha apenas uma estrutura e um conjunto de indicações básicas, deixando ao leitor a escolha de algumas palavras e a construção do próprio poema através de uma lógica combinatória não determinista que dava a possibilidade de encontrar sempre expressões renovadas.

102 E. M de Melo e Castro (1971). Álea e Vazio, Lisboa: Moraes Editores, pp. 65-67.

103 Pedro Barbosa (1988). Máquinas Pensantes (Aforismos Gerados por Computador), Lisboa: Livros Horizonte, pp. 66-69.

376 Mas se a construção de textos, embora fazendo uso de meios informáticos, se possa situar no domínio da exploração literária, a videopoesia, por estar ligada à imagem, já se insere no campo das artes visuais.

Neste âmbito Melo e Castro começa por referir a sua primeira experiência em vídeo com a realização de Roda Lume (1968/1969), um ensaio pioneiro na utilização do vídeo associado à escrita e ao grafismo, produzido para um programa da televisão portuguesa e transmitido em Janeiro de 1969, mas cuja existência infelizmente se perdeu104.

Com um hiato relativamente longo na década de 70, a videopoesia de Melo e Castro torna a ganhar expressão, agora com meios técnicos mais sofisticados do que em 1968/1969, no conjunto de videopoemas que realiza desde 1985 num estúdio da Universidade Aberta, agrupados mais tarde sob o título de Signagens (1985-1989)105.

Interessante também é a apologia que Melo e Castro faz do vídeo, como valor acrescentado à escrita, na medida em que introduz a possibilidade de manusear o tempo, o cromatismo, a abstracção, a montagem, a imagem sintética, abrindo deste modo um vasto campo de reflexão estética e permitindo, na opinião do autor, classificar o vídeo não como uma linguagem natural mas como uma metalinguagem (Castro, 1988a: 49).

Alguns anos mais tarde, é René Berger que faz uma reflexão sobre a relação entre a arte e os meios tecnológicos num artigo publicado na Colóquio/Artes (nº101, Abril-Junho de 1994, pp. 5-9) com o título Les Arts Technologiques a l´Aube du XXI Siecle.

Nesta comunicação Berger começa por referir que: “Apesar da sua longa tradição ´as artes clássicas´, com efeito, não parecem mais responder inteiramente às mudanças da nossa sociedade. Pela primeira vez emerge um novo tipo de cultura, altamente complexa, à qual eu dei o nome de Tecnocultura, que combina a mudança nas telecomunicações, os novos tratamentos do espaço e do tempo, as mutações linguísticas, epistemológicas, filosóficas, aliadas à hibridação dos nossos sistemas de pensar em conjunto com a sofisticação

104 Mais tarde, em 1986, E. M. de Melo e Castro reconstrói esse poema a partir do storyboard e de alguns fotogramas que tinha guardado, dando origem à versão Roda Lume Fogo (Melo e Castro, 2006: 202-205).

105 Estes videopoemas podem ser visionados em (consultado em 19 de Junho de 2014): http://www.po- ex.net/index.php?option=com_content&view=article&id=485:signagens&catid=43&Itemid=68

377 cada vez maior das máquinas. Os artistas, que eu apelido ´tecnológicos´, são precisamente aqueles que procuram responder aos novos desafios explorando o novo imaginário que se está a formar..”106 (Berger, 1994: 5)

E se as artes clássicas já não respondiam às questões colocadas por uma sociedade que, na segunda metade do século XX, tinha iniciado uma transformação tecnológica com profundas implicações culturais, era necessário perceber quais as mediações mais adequadas a este novo paradigma.

Na opinião de René Berger estas novas mediações seriam a videoarte, a arte por computador (arte digital, gráficos por computador, infografia, imagem sintética), a holografia, a reprografia (técnicas da fotocópia), a telemática artística (utilização das redes de telecomunicações, televisão via satélite, rádio e telefone, para a execução de obras), a realidade virtual (a criação e imersão em ciberespaços) e a vida e inteligência artificial.

Berger refere, obviamente, que esta lista não é exaustiva propondo agrupar estas mediações sob a designação de arte(s) tecnológica(s) ou techno-art (Berger, 5: 1994), porém acautelando que as artes ditas clássicas não devem desaparecer mas devem deixar-se contaminar pelas artes tecnológicas “para além da fotografia e do cinema, pela televisão, pelo vídeo, pela infografia, pela reprografia, pela holografia e outras técnicas” (Berger 1994: 9), fazendo jus ao hibridismo social e cultural contemporâneos.

Exceptuando pontualmente alguns artigos que sublinhámos nesta secção, a revista Colóquio/Artes foi sempre uma revista pouco ousada na divulgação do cruzamento da prática artística com as tecnologias mais recentes. A própria fotografia teve dificuldade de se afirmar nas páginas desta revista107 na qual exposições marcantes,

106 “En dépit de leur longue tradition, ´les artes classiques´ ne semblent en effet plus répondre entièrement aux changements de notre sociéte. Pour la première fois emerge un nouveau type de culture, hautement complex, auquel j´ai donné le nom de Technoculture, qui combine le changement des telecommunications, les nouveaux traitements de l´espace et du temps, les mutations linguistiques, épistémologiques, philosophiques, allies à l´hibridation de nos sistèmes de penser en liason avec la sophistication toujours plus grande des machines. Les artistes, que jáppelle ´technologiques´sont précisément ceux qui cherchent à répondre aux nouvelles attentes en explorant le nouvel imaginaire en formation.”.

107 É essa também a opinião de Margarida Brito Alves na investigação exaustiva que fez sobre os artigos publicados na revista ao afirmar que: “A Fotografia foi pouco representada ao longo do período de publicação da Colóquio/Artes – para além dos artigos que, como vimos num capítulo anterior, destacaram as obras de Fernando Lemos [nº102 – Jul. 94] e de Manuel Valente Alves [nº 99 – Dez. 93], foram apenas incluídos ´Jorge Guerra, fotógrafo´ [nº 16 – Fev. 74], ´Les musseques de Luanda ou la civilization du dechet version africane´ [nº 26 – Fev. 76], ´´Os fotógrafos e as coisas´ [nº 42 – Set. 79], ´Fotografia –

378 como A Fotografia na Arte Moderna Portuguesa (1977) ou A Fotografia como Arte, A Arte como Fotografia (1979), mereceram respectivamente apenas uma nota muito breve num artigo de Rui Mário Gonçalves, na sua retrospectiva artística de Portugal nos anos de 76 e 77 (nº34, Out. 77, p. 36), e um pequeno artigo de rodapé de José -Augusto França na Colóquio/Artes nº42 (Setembro de 1979, pp.64-65).

De salientar ainda, que nesta revista as comunicações que apontámos são na sua maioria de estrangeiros, exceptuando as referências de Ernesto de Sousa e o artigo de E. M. de Melo e Castro, eventualmente as personalidades mais informadas e entusiastas não só pela experimentação na sua diversificada prática artística, como também nos textos e ensaios que escreveram.

Arte e / ou suporte´ [nº 72 – Mar. 87], ´Fotografias de Isidoro Augusto´ [nº 77 – Jun. 88], ´Fotografia italiana´ [nº 85 – Jun. 90], ´La photographie ou l´espace du dedains au vingtième siècle´ [nº 95 – Dez. 92] e ´La fotografia nel mondo´ [nº 102 – Jul 94]” (Alves, 2007:134).

379 5.2.10 - E. M de Melo e Castro - A Arte High-Tech (1988)

O título desta secção é obviamente tomado da publicação Poética dos Meios e Arte High Tech de E. M. de Melo e Castro108 (n. 1932) que, em 1988, constituiu eventualmente a primeira abordagem reflexiva em Portugal, em forma de livro, sobre o que hoje se convencionou designar de new media. Uma publicação com um cariz didáctico que, dividida em quatro partes, começa por introduzir as questões fundamentais e definir o objectivo da publicação para depois, no segundo capítulo (Poética dos Meios), se debruçar sobre as questões teóricas que os novos meios tecnológicos introduzem, como preparação para, na terceira parte (Arte High-Tech), abordar as diferentes modalidades e práticas artísticas, finalizando com ilustrações de algumas obras (Documentação Visual).

Como é óbvio, a expressão Poética dos Meios não tem a ver com poesia, apesar de Melo e Castro se referir à criação poética no decurso do livro, trata sim, “[...] duma investigação das especificidades e das probabilidades de materialização do novo através de gramáticas específicas desses mesmos meios.” (Castro 1988b: 12), em consonância com o significado do mesmo termo utilizado por Salette Tavares, como vimos anteriormente.

Em complemento no título do livro, a arte high-tech designa, no entender do autor, uma fórmula para englobar a expressão artística que faz uso da informática, do vídeo, da holografia, das telecomunicações, ou nas suas palavras, que utiliza genericamente “[...] os meios tecnologicamente avançados.” (Castro, 1988b:10), na realização de obras como propostas de “[...] questões estéticas e éticas que deslocam decisivamente a consideração da produção artística para fora quer dos esteticismos decadentes quer dos progressismos utópicos tal como eles se puseram durante a maior parte do século XX.” (Castro, 1988b: 10).

Enunciando as modalidades da arte high-tech, Melo e Castro aponta como exemplos a infoarte, a infopoesia, a videopoesia, a holopoesia, a estética fractal, a poética de gravidade zero109, a telearte e a robótica, dedicando a cada uma delas algumas páginas de reflexão.

108 E. M. de Melo e Castro (1988b). Poética dos Meios e Arte High Tech, Lisboa: Veja

109 Por poética de gravidade zero Melo e Castro equacionava as possibilidades de escultura em campos magnéticos antigravitacionais, tomando como referência o trabalho do artista e investigador brasileiro

380 Esta apetência pelos novos meios, como ferramentas exploratórias de estéticas diferenciadas, faz parte da prática artística do autor e remonta à década de 50 e 60 com a realização de filmes experimentais em película de 8 mm, os Poemas Fílmicos, o primeiro dos quais, Lírica do Objecto, realizado em 1958110.

Em 1968 a realização de Roda Lume constituiu, como referido anteriormente, certamente a primeira utilização da tecnologia vídeo de uma forma criativa por um artista em Portugal e, eventualmente, o primeiro videopoema da história da poesia experimental internacional (Castro 2005: 202).

A segunda fase da exploração da videopoesia por Melo e Castro é descrita pelo próprio no capítulo que escreveu para o livro Media Poetry: An International Anthology111, editado por Eduardo Kac, referindo a possibilidade que teve da utilização do estúdio de vídeo da Universidade Aberta para a produção de um conjunto de 21 videopoemas a que deu o título de Signagens (1985-1989). Estes poemas dividem-se em duas categorias; aqueles que fazem uso do vídeo para modificar e animar poemas já escritos pelo autor, e um conjunto de 6 videopoemas112 realizados inteiramente com imagens geradas por computador depois transformadas e modificadas numa mesa de mistura e efeitos de vídeo para posterior edição113. Esta vertente experimental teve continuidade na videopoesia que produziu nos anos 90, de que Sonhos de Geometria (30´) (1995) é exemplo, e mais tarde na introdução da geometria fractal com imagens geradas pelo software Fractint114, um programa de utilização livre concebido em 1988.

Mário Ramiro com a sua obra Gravidade Zero (1986), constituída por um objecto metálico suspenso no ar por via da influência de um campo magnético que contrariava a força da gravidade.

110 Este filme pode ser visualizado em (consultado em 23 de Junho de 2014): https://www.youtube.com/watch?v=Llgs3XJ7J0M. Informação adicional sobre os Poemas Fílmicos pode ser consultada no catálogo da exposição O Caminho de Leve (2006), sobre a obra de Melo e Castro, que teve lugar no Museu de Serralves no Porto (pp. 189-199), e no texto de António Preto, “Um Pássaro, um rato, uma rã e cinco flechas – poemas fílmicos de E. M. de Melo e Castro”, inserido no mesmo catálogo (Preto, 2006: 242-246).

111 E. M. de Melo e Castro (2007). “Videopoetry”, in, Eduardo Kac (ed.) (2007). Media Poetry: An International Anthology, Bristol e Chicago: Intellect Books, pp. 175-184.

112 Estes vídeos são: Poética dos Meios (9´50´´), Infografitos (5´24´´), Ideovideo (7´50´´), Metade de Nada (5´55´´), Do Outro Lado (5´), Vibrações Digitais de um Protocubo (5´20´´).

113 Na página 67 do livro Poética dos Meios e Arte High-Tech está representado um esquema elucidativo do equipamento utilizado na realização da videopoesia do autor.

114 http://www.fractint.org/ (consultado em 24 de Junho de 2014).

381 Entretanto, também a infopoesia fazia parte dos interesses exploratórios de Melo e Castro que, absorvendo os princípios algorítmicos de composição, conjugou a combinação e a permuta de elementos do texto, com a introdução do aleatório em novas propostas poéticas com sentido diverso, como em alguns poemas de Álea e Vazio (1971), de que Sintaxe das Misturas ou Requiem Entropiano são exemplos115.

A introdução da computação pessoal e dos software de edição e criação de imagem na década de 80, veio não só proporcionar mecanismos para automatizar a criação de variantes textuais, através da programação de algoritmos, como veio facilitar a experiência da espacialização da poesia, que Melo e Castro colocou em prática em The Cryptic Eye (1995)116 “um produto tipicamente de infopoesia”, como refere o autor numa entrevista a Jorge Luiz António e Maria Guariglia (Fernandes, 2006: 225), em que utilizou o software Adobe Photoshop117.

A prática artística com a passagem do cinema experimental ao vídeo e à computação, atesta o interesse de Melo e Castro pelas novas tecnologias que conjugava não só na exploração poética da linguagem escrita, mas também na criação de novas dinâmicas visuais, numa contínua pesquisa de novos caminhos e novas fórmulas a que certamente a sua formação em engenharia (têxtil) e o gosto pelo ensino e pelo ensaio não eram indiferentes.

115 Em relação a Álea e Vazio Melo e Castro refere: “E quanto à própria poesia que eu escrevi, pois de facto existem poemas computacionais em Álea e Vazio, mas uma computação principalmente de combinação e de permutação feita manualmente…” (Fernandes, 2006: 225)

116 Esta obra apresentada na Universidade de Yale (Yale Simphosophia on Experimental, Visual and Concretic Poetry Since 1960) era constituída por dez infopoemas, e um texto introdutório no qual se pode ler logo no início: “ The cryptic eye is an approach to infopoetry. Infopoetry is made with the use of the computer thus adding the virtual reality of the poetic images to the virtual, dematerialized substance of the synthethic imagery and writing produced by the computer. Infopoetry is metavirtual, bringing with it the difficult reading of the non obvious.” (Castro, 1996: 77)

117 “Tanto com The Cryptic Eye tanto como com a Transpoética 3D e no livro Algorritmos, eu usei sempre o meu software de eleição, que é o Photoshop” (Fernandes, 2006: 227).

382 5.2.11 – Pioneiros e Exposições - Em Particular o Ano de 1988

Feita uma abordagem simples nas secções anteriores que, sem um carácter exaustivo, tentou trazer para primeiro plano alguns antecedentes, obras, e artistas, estabelecendo alguma relação entre a sua produção e os meios tecnológicos do seu tempo, fica-se efectivamente com a sensação que não há um movimento, uma crítica informada, uma organização, ou um espaço privilegiado que congregue essas novas explorações.

Depois do importante colóquio internacional Arte e Tecnologia, realizado em 1987 na Fundação Calouste Gulbenkian, foi efectivamente no ano seguinte que existiu notícia de um maior interesse por estes temas.

Logo no início do ano a exposição Infoarte, na Galeria Barata (11 a 18 de Janeiro de 1988), revelou a obra de Cecília Melo e Castro (n. 1941) que, contrariamente à utilização de tintas ou pigmentos, fazia uso de computadores e software como meio de gerar imagens de carácter abstracto posteriormente fotografadas e apresentadas no espaço da galeria como se de pintura tratasse118.

E. M. de Melo e Castro, no texto do desdobrável da exposição, reforça uma qualidade estética naquilo que apelida de um info-impressionismo na obra de Cecília, chamando a atenção para as capacidades da matriz informática, como potencial de desenvolvimento119.

Esta exposição de infoarte de Cecília teve mais duas edições em exposições individuais ainda no ano de 1988, Infoarte 2, na galeria da Junta de Turismo da Costa do Estoril (17 de Junho a 22 de Julho)120, e Infoarte 3, na galeria O Outro Lado do Espelho, em Sintra (15 de Outubro a 9 de Novembro).

118 Em entrevista ao autor Cecília Melo e Castro revelou que nas suas composições utilizou o computador pessoal Atari 1040 ST, inicialmente apenas com o software de edição gráfica de base mas que, posteriormente, foi complementado com outros programas de que são exemplo o Degas Elite, Cyber Paint, ou o Advanced OCP Art Studio.

119 O texto de E. M. de Melo e Castro está reproduzido tanto no artigo “Infoarte e Videopoesia” da revista Colóquio/Artes nº 77, de Junho de 1988 (p. 41-42), como no seu livro Poética dos Meios e Arte High Tech (1988) (pp.57-58).

120 O desdobrável da exposição contava com textos de E. M. de Melo e Castro, Eduardo Kac, na altura interessado na relação da holografia com a poesia, e de Silvestre Pestana.

383

Fig 5.10: Capas dos desdobráveis das exposições de infoarte de Maria Cecília Melo e Castro. Em cima na Galeria Barata (Jan. 1988), e ao lado na Junta de Turismo da Costa do Estoril (Junho/Julho, 1988)

Paralelamente, e durante o mesmo ano, Pedro Barbosa editou o pequeno livro Máquinas Pensantes (Aforismos Gerados por Computador), o terceiro de uma série sobre Literatura Cibernética que dava continuidade à investigação iniciada em 1977, agora numa perspectiva da criação literária assistida por computador121 e, por seu lado, E. M. de Melo e Castro editava as suas reflexões sobre a criação artística e os novos meios tecnológicos em Poética dos Meios e Arte High Tech, reforçada pelo artigo “Infoarte e Videopoesia”, publicado na revista Colóquio/Artes (nº 77, Junho, 1998, pp 38-49).

Em Junho (22 de Junho a 1 de Julho) de 1988 veio a Lisboa a dupla exposição Art et Science e Arts et Maths - uma mostra itinerante criada pelo museu da técnica e da ciência Cité des Sciences et de l´Industrie, inaugurado recentemente (1986) no Parc de La Villette em Paris – que, apresentada no espaço da Reitoria da Universidade Clássica de Lisboa, tomou o nome de Arte e Ciência – Cinco Artistas Portugueses.

121 No prefácio deste livro Pedro Barbosa refere que, contrariamente a um esforço de “ensinar o computador a escrever sozinho”, tema dos dois primeiros livros, trata-se agora de “aprender a escrever com ele […] de estreitar a simbiose homem/máquina” (Barbosa, 1988:11).

384 Fig. 5.11: Capa do desdobrável da exposição Arte e Ciência – Cinco Artistas Portugueses

Esta exposição “essencialmente com um carácter didáctico”, como refere Rui Mário Gonçalves no desdobrável da exposição, equacionava o papel das novas tecnologias e da actividade científica na criatividade artística, conjugando efectivamente uma parte documental, das relações da matemática com as artes plásticas e destas com as ciências nos trabalhos dos artistas Jacques Monory (n.1924), Jeffrey Shaw (n.1944), Klaus Pinter (n.1940) e Pierre Comte (n.1927), com obras dos portugueses Artur Rosa, Clara Menéres, Maria Cecília Melo e Castro, E. M. de Melo e Castro e Jorge Pinheiro122.

Embora não especificamente concebidas para esta exposição, e em alguns casos realizadas através dos meios e materiais tradicionais da pintura ou do desenho, as obras escolhidas dos artistas portugueses insinuavam pelo menos alguma inspiração no

122 No desdobrável da exposição não é referido o título de nenhuma obra em exposição dos artistas estrangeiros embora a descrição no que se refere ao trabalho exposto de Jeffrey Shaw, como “Vídeo-disco de imagens de síntese sobre os grandes mitos universais, relativos à criação do universo”, aponte para a obra Inventer la Terre (1986), hoje integrada na colecção do museu Cité des Sciences et de l´Industrie de Paris. Dos artistas portugeses são referidas as obras: • De Artur Rosa – esculturas: Evolução de um Quadrado numa Malha Logarítmica (1967), e Do Ciclo do Rectângulo, serigrafias: Rotação de uma Pirâmide (1972) e Rotação de um Triângulo numa Malha Logarítmica (1972), desenhos: A Linha Recta e A Malha Logarítmica, fotografia: Visão Logarítmica • De Maria Cecília Melo e Castro - Encontros (1987), Pontes (1987), e Espaço 4D (1987), fotografias de imagens sintéticas produzidas em computador. • De Clara Menéres –Da Terra a Luz (1987), Fons Ignotus (1987), Cuspoid Catástrophe (1979), Swallowtail Catastrophe (1979), esculturas. • Ernesto M. de Melo e Castro – montagem gráfica Soneto Soma 14 X (1962), fotografias de 10 imagens produzidas em microcomputador Vibrações Digitais de um Protocubo Perante os Seus Espectadores (1988). • De Jorge Pinheiro –Quinze Ensaios Sobre um Tema ou Pitágoras Jogando Xadrez com Marcel Duchamp (1970/1974) gravura, Sem Título (1972) óleo sobre tela, Penélope (da série Ulisses) óleo sobre tela.

385 universo tecnológico e/ou da ciência, como no caso da escultura em madeira pintada Evolução de um Quadrado numa Malha Logarítmica (1967), de Artur Rosa, ou na alusão continuada à matemática no poema escrito exclusivamente com algarismos Soneto Soma 14 X (1962) de E. M. de Melo e Castro. Por outro lado os meios tecnológicos recentes, os computadores, foram efectivamente utilizados por Cecília Melo e Castro para a execução de cada uma das três peças em exibição descritas como “pintura realizada em microcomputador fixada em ampliação fotográfica”, num alargamento do âmbito do conceito de pintura, e por E. M. de Melo e Castro nas captações fotográficas de imagens de vídeo realizadas de igual modo recorrendo a microcomputadores, com o título Vibrações Digitais de um Protocubo Perante os seus Espectadores (1988).

Num encontro entre arte, ciência e tecnologia, esta exposição propunha-se, mais do que dar respostas, levantar questões que Rui Mário Gonçalves não deixou de assinalar no seu texto:

“Como é que os cientistas se comportam perante a Arte, e os artistas perante a Ciência? Como se está processando a introdução de disciplinas estéticas na preparação dos futuros cientistas e engenheiros? Como se transforma o ensino artístico com os novos materiais e ferramentas? […] Que disciplinas servem o trabalho de grupo na investigação científica, na realização técnica e na criação artística?” (Gonçalves, 1988: sp)

Estas perguntas, certamente pertinentes no meio artístico e da crítica em Portugal, um país em que a relação entre arte ciência e tecnologia não tinha tradição e começava agora a despontar, surgem com um atraso de mais de trinta anos relativamente ao já referido anteriormente programa experimental Art for Engineers, criado no MIT pelo professor Robert O. Preusser, e mais de uma década relativamente às preocupações expressas por exemplo por Jonathan Benthall, com a edição em 1972, em Inglaterra, de Science and Technology in Art Today, ou um ano depois por Douglas Davis na edição nos Estados Unidos de Art and the Future – A History/Prophecy of the Collaboration Between Science, Technology and Art, publicações a que aludimos anteriormente.

Não foi pelo facto de Rui Mário Gonçalves ter feito as perguntas no texto que acompanhou a exposição que mereceram de imediato uma atenção especial das

386 instituições dos artistas ou da crítica. No entanto, deverá ser reconhecido o mérito desta mostra ao agregar um conjunto de artistas em cujas obras podem ser detectados ecos de uma tecnocultura que obviamente também se fazia sentir no nosso país.

E. M. de Melo e Castro foi um dos artistas que, à época, mais se interessou pelos meios tecnológicos na realização da sua videopoesia (vídeo e computação) colaborando com o duo de música experimental Telectu (Jorge Lima Barreto e Vítor Rua) para a realização das bandas sonoras.

Este interesse levou-o, logo após a mostra na Reitoria, a organizar na Galeria Diferença, de 7 a 30 de Julho, a exposição com o título Arte High Tech em Questão, com a presença de obras do próprio, de Cecília Melo e Castro, de Pedro Barbosa, de Silvestre Pestana, de Clara Menéres e do brasileiro Eduardo Kac.

Fig 5.12: Frente e verso do postal convite da exposição Arte High Tech em Questão (Julho de 1988) na Galeria Diferença.

Esta exposição, da qual infelizmente não foi feito catálogo, representou uma tentativa de, como o próprio título refere, equacionar a tecnologia recente na abertura de novos horizontes e paradigmas na criação artística, que aliás foram abordados por E. M. de Melo e Castro no já referido livro Poética dos Meios e Arte High Tech, editado ainda em 1988, mas posteriormente à exposição123, e que pode ser assumido como um seu complemento teórico.

Na verdade, alguns dos temas abordados por Melo e Castro no livro tiveram, de algum modo, representação na exposição. Assim, e de acordo com documentação

123 No último capítulo do livro (documentação visual) estão representadas algumas das obras em exposição.

387 preparatória dactilografada e manuscrita pelo próprio E. M. de Melo e Castro124, a infoarte, esteve presente nas imagens sintéticas de Maria Cecília de Melo e Castro que recorreu ao computador para a realização das suas composições, a videopoesia e infografismo nas obras Luz e Vibrações Digitais de um Protocubo Perante seus Espectadores do próprio E. M. de Melo e Castro, a holopoesia fez-se representar pela obra Wordsl de Eduardo Kac, a tecnologia laser fazia parte integrante da obra Máquina de Fazer Geluz, de Clara Menéres, e a literatura cibernética esteve presente através de Pedro Barbosa, certamente aludindo à sua investigação recente em literatura e computação. Segundo a documentação de Melo e Castro foram apresentadas por Silvestre Pestana várias obras, uma “peça luminosa / Crack (vídeo) / Homenagem a Mishima”, participando também o duo Telectu que produziu música electroacústica ambiental. A exposição era ainda complementada por um conjunto de documentação que incluía os primeiros poemas por computador de Silvestre Pestana, uma referência à escultura de gravidade zero do artista brasileiro Mário Ramiro, à telearte de Mário Ramiro e Eduardo Kac, à electrografia de António Aragão, e vários artigos de jornais e revistas alusivos à matéria da exposição.

Embora com um número muito reduzido de artistas, pareciam estar a ser dados os primeiros passos no sentido de levar ao público, através da galeria, a um novo tipo de abordagem e experimentação artística que englobava as novas tecnologias, certamente ajudada pelas publicações e textos que foram surgindo, e pela influência do colóquio internacional na Gulbenkian.

Por último, entre 11 e 20 de Novembro, celebrou-se o Ano Europeu do Cinema e da Televisão com o festival Audiovisual Lisboa 88, um evento que teve lugar no Fórum Picoas pontuado por uma conferência da artista/música e performer multidisciplinar (n. 1947), e que entre outras áreas de exposição tinha uma secção dedicada à animação por computador, coordenada por Pedro Lopes, uma de infoarte, coordenada por Cecília Melo e Castro, e uma de videopoesia, coordenada por E. M. de Melo e Castro, numa demonstração pública das capacidades dos computadores na criação artística.

Podemos de certo modo dizer que os acontecimentos do ano de 1988 representam o culminar de um primeiro período em Portugal de pioneirismo na utilização das tecnologias mais recentes em que, após as exposições internacionais no

124 Documento do espólio de Maria Cecília Melo e Castro.

388 Instituto Alemão, em 1974, e de holografia na Gulbenkian, em 1985, a ainda escassa produção artística nacional chegava finalmente ao conhecimento público e à galeria de arte embora ainda não acompanhada de um vector crítico que lhe desse o necessário fôlego para prosseguir o seu caminho de uma maneira consistente.

Constata-se deste modo um desfasamento de cerca duas décadas entre a realidade portuguesa e o que se tinha passado noutros países pioneiros na utilização dos computadores na criação artística, o que representa efectivamente, na segunda metade do século XX, um lapso de tempo bastante considerável.

O ano de 1988 foi marcado também pelo desaparecimento de Ernesto de Sousa, um dos promotores mais dinâmicos da experimentação artística no nosso país, e que constituiu uma figura incontornável tanto pela sua prática como pela sua influência sobre a nova geração de artistas que, nas décadas de 70 e 80, iniciavam a sua carreira, mas cuja memória persistiu ao ser instituída, alguns anos mais tarde, a Bolsa Ernesto de Sousa.

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Capítulo 6

Portugal na Passagem do Século XX

Enquanto internacionalmente nos anos 90 as mediações tecnológicas eram comuns em festivais europeus como o Ars Electronica (1979) na Áustria, o European Media Art Festival (EMEAF, 1984) e o Transmediale (1998) na Alemanha , o Dutch Electronic Art Festival (DEAF, 1994) na Holanda, ou em Espanha o VIDA (1999), centrado nas relações da arte com a vida artificial, em Portugal o interesse por estes temas era ainda reduzido.

A Bolsa Ernesto de Sousa, criada em 1992 para premiar um artista com trabalho experimental intermedia1, abria de certo modo uma janela de oportunidade para os artistas que, de algum modo, pretendiam ver o seu trabalho reconhecido em instâncias internacionais pela ligação que a bolsa tinha estabelecido com a cena experimentalista americana, em áreas que incluíam tecnologia, instalação e performance.

Em meados da década, e até 1999, a tentativa de acertar o passo através dos festivais Cyber e Atlântico foi a possibilidade que houve de trazer ao público português as novas mediações artísticas mas que, apesar dos seus méritos, acabaram por não se constituir como massa crítica ou rampa de lançamento nem para os artistas que entretanto tinham ganho a Bolsa Ernesto de Sousa, nem para uma nova geração interessada nas áreas tecnológicas.

Fechava assim uma década da qual não se pode dizer que os artistas portugueses estivessem de algum modo integrados na cena artística internacional ou que Portugal atraísse a si, através de uma continuidade de eventos, de parcerias, ou de residências artísticas em instituições/empresas de desenvolvimento tecnológico, oportunidades de investigação nas novas mediações.

1 Mais à frente (secção 6.1) explica-se o contexto e origem da expressão.

391 6.1 - A Bolsa Ernesto de Sousa (1992-2013)

O legado e a energia que orientou a vida de Ernesto de Sousa eram demasiado importantes para que a sua obra se resumisse ao seu tempo de vida. Consciente deste facto, Isabel Alves, a sua viúva, em conjunto com o jornalista Rui Eduardo Paes e o artista Leonel Moura, propuseram em meados de 1991 à Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) a criação de uma bolsa associada ao nome de Ernesto de Sousa (Bolsa Ernesto de Sousa – BES) 2, para premiar anualmente um artista de nacionalidade portuguesa que desenvolvesse trabalho no “âmbito da arte experimental intermedia”, tal como explica o regulamento3.

A expressão intermedia, divulgada em 1966 por Dick Higgins no contexto do movimento Fluxus4, foi utilizada mais tarde por Ernesto de Sousa para classificar algumas das suas obras desenvolvidas a partir do final dos anos 605 que, mais do que um aglomerado de estímulos sonoros ou visuais simultâneos, pretendia que fossem envolvimentos participativos, uma experiência alimentada por um novo espaço criado nos interstícios e para além das categorias mediáticas tradicionais como resultado de uma articulação mais ou menos complexa entre o artista, o participante, e as possibilidades intrínsecas do projecto.

O objectivo da bolsa era, portanto, estimular a criação artística neste âmbito e facilitar uma via de acesso dos artistas nacionais aos circuitos internacionais através do

2 A carta-proposta para a criação da BES está transcrita em: Isabel Soares Alves (ed.) (2008). BES: 15 Anos de Bolsa Ernesto de Sousa (1992-2007) – Arte Experimental Intermedia, Lisboa: Bolsa Ernesto de Sousa, p. 110.

3 http://www.ernestodesousa.com/info/BES2013-REG-WEB.pdf (consultado em 4 de Julho de 2014)

4 Dick Higgins (1938-1998), utilizou a palavra intermedia para chamar a atenção para as novas mediações e hibridismos de que a década de 60 foi pródiga, nomeadamente no seio das experiências e manifestações do grupo Fluxus. A expressão deu título ao primeiro número do boletim The Something Else Newsletter que Higgins começou a editar e a distribuir em Fevereiro de 1966. Dick Higgins, “Intermedia”, in, The Something Else Newsletter, Vol. 1, nº 1, Fevereiro de 1966, Nova Iorque: The Something Else Press. Este boletim está disponível em: http://www.withoutbordersfest.org/2010/SEP_Newsletter_V1N1.pdf (consultado em 4 de Julho de 2014).

5 Nós Não Estamos Algures (1969), Almada, um Nome de Guerra (1969-1983), Luiz Vaz 73 (1975), Ultimatum (1983).

392 estágio de um mês em Nova Iorque na Experimental Intermedia Foundation6, instituição na qual desenvolveria o trabalho proposto a concurso que seria incluído na programação daquela fundação de Nova Iorque para, posteriormente, ser apresentado publicamente.

A escolha da Experimental Intermedia Foundation deveu-se a um contacto que Ernesto de Sousa tinha mantido nos anos 80 com Phill Niblock, seu director e artista, que resultou na apresentação nesta instituição, no dia 10 de Junho de 1983, da sua última peça intermedia denominada Ultimatum7.

A esta sinergia entre a Experimental Intermedia Foundation e a Fundação Luso Americana para o Desenvolvimento, associou-se a Fundação Calouste Gulbenkian, em 1996, mais uma vez apoiando uma iniciativa inédita e inovadora no nosso país.

A bolsa teve vinte edições, entre 1992 e 2013 (não existiu em 1993 e 1998 por razões operacionais) com um júri anual composto por seis ou sete individualidades de um painel internacional que contou, além dos membros representantes das instituições e mais permanentes (Phill Niblock, Manuel Costa Cabral, Rui Eduardo Paes, Isabel Alves e Emanuel Dimas Pimenta), com a colaboração de 40 personalidades8, entre artistas e/ou curadores nacionais e estrangeiros.

É óbvio que para se perceber o impacto da bolsa na carreira de cada um dos premiados9, para entender as mais valias ganhas e avaliar percursos individuais, mas

6 http://www.experimentalintermedia.org/ (consultado em 4 de Julho de 2014)

7 Para mais informação sobre esta obra de Ernesto de Sousa e o contacto com Phill Niblock ver: José Oliveira (2008). A Fotografia e o Fotográfico em Ernesto de Sousa, Lisboa: Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, pp. 156-157 [tese de mestrado policopiada].

8 António Cerveira Pinto (1994), Delfim Sardo (1999), Nuno Faria (2006), e Leonor Nazaré (2012 e 2013), foram os curadores portugueses participantes em júris nos anos indicados. Já do ponto de vista artístico nacional integraram o júri, Leonel Moura (1992), João Paulo Feliciano (2003), David Maranha (2004), Manuel Mota (2005), Adriana Sá (2006), Sónia Rodrigues (2007), Margarida Garcia (2008), Ruben Verdadeiro (2009), André Gonçalves (2010), Rafael Toral (2011), Daniela Abelaira Roxo (2012), e Luís Miguel Girão (2013), todos premiados em edições anteriores excepto, por razões óbvias, Leonel Moura. A constituição completa do júri em cada ano da Bolsa Ernesto de Sousa pode ser consultada em: http://www.ernestodesousa.com/?cat=17 (consultado em 15 de Julho de 2014)

9 Os artistas premiados nas diferentes edições da BES entre 1992 a 2013 foram: João Paulo Feliciano (n.1963) - Sem título (1992), Rafael Toral (n.1967) - Electrical Guitarmedia Perception (1994), Manuel Mota (n.1970) - Treated Spatial Pain Reflex (1995), Paulo Raposo (n.1967) - Rizoma (1996), David Maranha (n.1969) - Ópera Para Quatro Vozes Confinada Entre Dois Diafragmas (1997), Adriana Sá (n.1972) - Laboratório de Sensações 3 (1999), Sónia Rodrigues (n.1973) - Multiples of 1 + MOV.LTIPLES (2000), João Castro Pinto (n.1977) – A Sense of Flow (2001), Elga Ferreira (n.1974) – UnReal (2002), Margarida Garcia (n.1977) – And I Wake to the Perfect Patient of Mountains (2003), Ruben Verdadeiro (n.1974) - Silêncio Azul (2004), André Gonçalves (n.1979) – Ressonating Objects (2005), Yella (Daniela Abelaira Roxo) (n.1977) – Body of Work (2006), Luís Miguel Girão

393 também perspectivar, numa base mais alargada, qual o alcance desta iniciativa e que novas raízes foram lançadas no panorama artístico nacional, é necessário um estudo aprofundado das decisões, dos relatórios e das composições dos júris, das obras propostas, dos relatórios de estágio dos vencedores da bolsa, da recepção crítica nacional e internacional, e da subsequente evolução artística.

Não cabe nesta breve nota um estudo dessa dimensão, no entanto são laudatórios os excertos dos relatórios dos bolseiros publicados por Isabel Alves (Alves, 2008: 94- 95), nomeadamente o de Rafael Toral (n.1963), premiado em 1994, ao referir que beneficiou na sua experiência profissional da bolsa de Paulo Feliciano, ganha por este artista em 1992, por intermédio dos contactos que ele lhe proporcionou, e que foram reforçados e ampliados depois da sua permanência em Nova Iorque, permitindo-lhe a programação de circuitos e colaborações internacionais. Já no excerto do relatório de Luís Miguel Girão, premiado em 2007, é referido que a sua estadia em Nova Iorque conduziu a uma ampliação dos horizontes da sua pesquisa e investigação como artista, facultando-lhe o conhecimento, e posteriormente a frequência do programa de doutoramento do Planetary Collegium, dirigido por Roy Ascott na Universidade de Plymouth em Inglaterra, uma formação que concluiu em 2010 com o grau académico de Master of Philosophy (MPhil) em Art, Science, Technology and Consciousness Studies.

Em áreas tão diversificadas como a instalação interactiva, de que é exemplo UnReal (2002) de Elga Ferreira, “em que o visitante interage com um ambiente 3D” (Alves, 2008:64), às performances informadas pela tecnologia de Adriana Sá em Laboratório de Sensações 3 (1999), ou de Yella (Daniela Abelaira Roxo) em Body of Works (2006), passando pelos projectos com origem em instrumentos musicais e manipulação do som (João Paulo Feliciano e Rafael Toral em 1992 e 1994, respectivamente), à escultura sonora Ressonanting Objects (2005) de André Gonçalves, há em todas as obras um sentido de imersão do participante num ambiente sonoro e/ou visual, em que o orgânico e natural convive com o sintético e virtual numa multiplicidade de estímulos e experiências.

(n.1976) – First Series of Audiovisual Studies for Body in Sensory Space (2007), Francisco Janes (n.1981) – O Concílio (2008), Sérgio Cruz (n.1977) – Sem Título (2009), shadoWMan (Carlos Manuel da Silva António) (n.1972) – (Self)-made Movie (2010), Laetitia Morais (n.1984) – Missing for 10 Years (2011), Ana Carvalho (n.1970) – Sem Título (2012), Pedro Sousa (n.1986) - A Song for True: Performance for Plural Larynx (2013). Disponível em: http://www.ernestodesousa.com/?cat=18 (consultado em 19 de Julho de 2014).

394 Os caminhos seguidos pelos artistas premiados são diversos. A título de exemplo Paulo Raposo (n. 1967), com estudos em Filosofia (Universidade Católica) e Cinema (Escola Superior de Teatro e Cinema) e premiado com a Bolsa Ernesto de Sousa em 1996 com o projecto Rizoma, interessou-se pela programação em MAX/MSP para a criação e manipulação de ambientes sonoros em instalações artísticas. O seu interesse pela exploração na área do som levou-o em 2001 a fundar a editora discográfica SIRR que, no ano seguinte, registou e editou a música experimental de René Bertholo no CD Um Argentino no Deserto, já referido anteriormente.

Mais tarde, em 2006, Paulo Raposo foi o director artístico do Pushing the Médium #2 - Simpósio Internacional de Artes Intermédia (15-24 de Setembro)10, em que é interessante a renovação da utilização da palavra intermédia, perpetuando um termo tão caro a Ernesto de Sousa, num encontro que, durante 10 dias, congregou em diferentes locais (Guarda, Viseu, e Nodar em S. Pedro do Sul) artistas de diferentes sensibilidades ligados aos novos meios audio/visuais em apresentações públicas, performances, workshops, palestras, evento no qual também participou André Gonçalves (n. 1979) que no ano anterior tinha sido premiado com a Bolsa Ernesto de Sousa.

É interessante notar estas sinergias que surgem entre artistas que tiveram em comum a Bolsa Ernesto de Sousa, aqui apenas afloradas, mas que certamente um estudo mais aprofundado dará outra relevância no entendimento das redes e dos contactos nacionais e internacionais estabelecidos, como plataforma significante da actividade artística recente neste contexto.

Eventualmente no fim do século XX, a Bolsa Ernesto de Sousa terá sido a iniciativa mais estimulante e interessante em Portugal, no âmbito continuado do suporte à exploração e utilização das novas tecnologias no domínio artístico, mas cuja sobrevivência não resistiu às restrições económicas de 2013/2014, tendo sido colocado um ponto final na sua actividade de suporte à criação nacional.

10 Este evento foi criado pela associação cultural Binaural, sediada em Nodar (S. Pedro do Sul), fundada em 2004 por Luís Costa, Paulo Raposo, Rui Costa e André Gonçalves.

395 6.2 – Exposições e Iniciativas de Fim de Século (1995-1999)

Foi nos últimos anos do século XX, por comparação com os anos anteriores, que de certo modo em Portugal se assistiu a uma maior atenção às manifestações artísticas nas quais as novas mediações tecnológicas tiveram um papel mais relevante11.

Neste âmbito tiveram particular evidência os eventos Festival Atlântico, organizado nos anos de 1995, 1997 e 1999 pela Galeria Zé dos Bois (ZBD), as quatro edições da Bienal da Utopia realizadas em Cascais nos anos de 1995, 1997, 1999 e 2001, os festivais Cyber, com a primeira edição no Fórum Telecom (1996) e as três subsequentes no Centro Cultural de Belém (1997, 1998, 1999), e, na área da investigação e debate académico, a Conferência Internacional Sobre Tecnologias e Mediação (ICTM´97), organizada pelo Departamento de Ciências e Comunicação e Centro de Estudos de Comunicação e Linguagens (CECL) da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

Do ponto de vista institucional, e antes destas manifestações, a exposição Imagens para os Anos 90 (1993), apontava para uma certa vontade de mudança relativamente à década anterior, apostando numa geração jovem firmada nas propostas apresentadas num palco – a Fundação de Serralves – que se pretendia de confronto internacional. Esse intento é articulado pelo comissário da exposição, Fernando Pernes, no seu texto “Serralves – O Espaço e a Hora da Juventude”, em que afirma:

“Quiçá algo renovando o diálogo com a rebeldia juvenil dos anos sessenta, importar-nos-á, pois e agora, retomar o desejo inconformista de uma arte de provocação e de revolta, plenamente convictos de ser esse o papel melhor adequado ao projecto interventivo na vida artística do País, atribuído à Fundação de Serralves. E só viabilizável na legítima aproximação e descomplexado confronto da criatividade portuguesa à panorâmica possível da cena artística internacional contemporânea” (Pernes, 1993: 9)

11 Salientamos que a nossa atenção nesta secção está centrada nas mediações tecnológicas e não numa análise histórica da globalidade das manifestações artísticas no nosso país na década de 90. Essa análise foi feita por diferentes autores, nomeadamente por Bernardo Pinto de Almeida em Transição – Ciclopes, Mutantes, Apocalípticos: A Nova Paisagem Artística no Final do Século XX (Assírio & Alvim, 2002).

396 Enquanto João Pinharanda no catálogo da exposição12 sublinhava que os anos 80 tinham sido “[…] um período de encenação/mercantilização antecipada do fim dos tempos [...]” , acentuando que os anos 90 poderiam ser propícios a uma “ […] crítica radical às utopias da arte e do social [...]” podendo atingir “[…] uma muito mais aguda consciência da prática de diluição da especificidade do artístico nas linguagens globais da comunicação.” (Pinharanda, 1993: 14), por sua vez António Cerveira Pinto referia a questão da falta, no meio artístico português, de uma prática diversificada e estimulante de modo a constituir-se como uma massa crítica propiciadora de novas linguagens13. Segundo o crítico e artista, as possibilidades abertas pelos novos meios de comunicação, nomeadamente a Internet (que dava os seus primeiros passos), poderiam ser uma via activa de informação e de troca de experiências.

A este respeito afirma: “ Poder-se-à questionar até que ponto a forte interactividade dos novos espaços cibernéticos ajudará os criadores residentes em lugares remotos e globalmente dependentes (como Portugal) a superar as consequências da falta de ´massa crítica´. […] De qualquer modo, acredito na interactividade cibernética como um dos meios necessários ao melhor enquadramento operacional das nossas acções criativas. Através deste género especial de conversa será com toda a certeza mais fácil romper o isolamento e, sobretudo, evitar cair na armadilha que é confundir o espaço burocrático mundial com uma estrutura de comunicação.” (Pinto, 1993: 15,16)

Dos artistas presentes nesta exposição14 Fernando José Pereira, Miguel Palma e João Paulo Feliciano foram os que, de um modo diverso, vieram a integrar questões

12 João Pinharanda (1993), “Arte Segredo Evidência – Segredo Evidência Arte – Evidência Arte Segredo”, in, PERNES, Fernando (comiss..) (1993). Imagens para os Anos 90, Porto: Fundação de Serralves, pp. 11-14.

13 “Embora um biólogo meu amigo insista que à inovação não é imprescindível a existência de uma ´massa crítica´ (ou seja, um conjunto de circunstâncias gerais e locais estimulantes do processo criativo), continuo a pensar que no campo da arte – a qual tendo origem num processo específico de invenção e de expressão individual, se complete no tempo interactivo da recepção estética -, sem tal ´massa crítica´, apenas podem ocorrer criações virtualmente epigonais.” (Pinto, 1993: 15).

14 Participaram na exposição: André Gomes (1951), André Magalhães (1966), António Olaio (1963), Baltazar Torres (1961), Carlos Vidal (1964), Catarina Baleiras (1963-2000), Daniel Blaufuks (1963), Fernando Brito (1958), Fernando José Pereira (1961), Joana Rosa (1959), João Louro (1963), João Tabarra (1966), Luís Palma (1959), Manuel Valente Alves (1953), Miguel Ângelo Rocha (1964), Miguel Palma (1964), Nuno Santiago (1956), João Paulo Feliciano (1963), Paulo Mendes (1966), Pedro Andrade (1954), Pedro Sousa Vieira (1963), Rui Serra (1970), Sebastião Resende (1954).

397 relacionadas com a tecnologia nas suas obras. Este último, em entrevista aos meios de comunicação social em 1992 – ano em que ganhou a primeira edição da Bolsa Ernesto de Sousa - demonstrava já uma perfeita consciência da importância dos novos meios e dos sistemas de informação como plataformas de criação e divulgação das obras artísticas15, tendo apresentado no ano seguinte, como resultado do seu trabalho/residência em Nova Iorque, uma peça interactiva experimental para guitarra, computador e vídeo. Miguel Palma por seu lado, através da construção dos seus modelos e instalações, tanto exercia uma crítica aos meios tecnológicos como subvertia a sua utilização em ambientes por vezes irónicos, utópicos ou do domínio da impossibilidade e do non-sense, obrigando a uma recalibração do pensamento sobre a função dos objectos e os intuitos da engenharia e da técnica. Já Fernando José Pereira foi, dos três artistas mencionados, aquele que, além da produção própria, mais se interessou na divulgação da mediação artística apoiada nas tecnologias da informação através da criação, em conjunto com Cristina Mateus e Miguel Leal, da Associação Cultural Virose (1997). O seu site www.virose.pt conjuga alojamento de projectos, links para congéneres internacionais, artigos e entrevistas de personalidades ligadas à criação e ao pensamento contemporâneo, constituindo uma plataforma de referência algo inovadora no panorama nacional da altura.

No mesmo ano, em Março de 1997, a Iniciativa Mosaico – um projecto do Ministério da Cultura - lançou o portal Terràvista para alojamento gratuito de páginas de Internet do público português, no sentido de estimular a sua presença no ciberespaço mas que alguns anos mais tarde, em Setembro de 2004, e depois de passar para a esfera privada, acabaria por encerrar.

Apesar de não estar presente na exposição Imagens para os Anos 90, é de todo o mérito mencionar o nome de Miguel Soares (n. 1970)16 que desenvolveu, a partir dos anos 90, um trabalho singular mas eclético englobando escultura interactiva, vídeo,

15 “ […] interessa-me também o campo dos media porque acho que pode ser uma forma dos artistas ultrapassarem uma certa barreira que se criou com os vários modernismos e as várias vanguardas e os artistas e o grande público, e que a arte pop veio de certo modo nivelar […] As telecomunicações baseiam-se em sistemas de informação e o futuro da humanidade passa muito pela gestão dos meios da circulação da informação e nesse sentido as telecomunicações, por serem um meio de veicular informação, vão ser certamente muito importantes e já o são, e qualquer criador que não tenha consciência disso dificilmente conseguirá fazer chegar os seus produtos aos seus destinatários”. Em: https://www.youtube.com/watch?v=iVvqc3W3wCI (consultado em 6 de Abril de 2015)

16 Endereço electrónico da página Internet do artista: http://migso.net/ (consultado em 21 de Junho de 2015)

398 música, animação 3D, fotografia, num fascínio em que conjuga o universo da ficção científica e dos jogos de computador, tanto na criação de narrativas utópicas como distópicas, frequentemente exercendo uma atitude crítica a partir de um trabalho apoiado numa paisagem cultural contemporânea.

A sua participação em 1997 na mostra Mediações – Inter@actividades17, integrada na Conferência Internacional sobre Tecnologias e Mediação (ICTM´97), com a obra Your Mission is a Failure (numa edição especial para este evento a partir da peça original criada no ano anterior)18, é um exemplo da utilização dos jogos de computador como matéria de trabalho, em que a intenção lúdica do jogo é subvertida tanto pela falha sistemática e deliberada em cumprir determinadas missões como - através da manipulação do código do próprio jogo – permitir ao personagem assumir a imortalidade perante quaisquer adversidades de percurso, ou mesmo ultrapassar os limites cénicos do ambiente em que se desenrolava a acção. Estas performances virtuais do avatar de Miguel Soares em diferentes jogos19, gravadas em vídeo em tempo real, tiveram sequência na apresentação no ano seguinte de Barney Online (1998) uma obra baseada no Quake TeamFortress, um jogo de estratégia na Internet no qual Miguel Soares chegou a ser um dos líderes da comunidade de jogadores em Portugal20.

Estes trabalhos serviram de base para o artista fabricar os seus próprios mundos virtuais, numa exploração criativa da animação 3D, a que se dedicou a partir do final da década de 9021. Essas obras, algumas com produção musical do próprio artista (H2O, 2004), foram objecto de uma retrospectiva em 2008 na Culturgest (18 de Outubro de 2008 a 4 de Janeiro de 2009).

A este respeito Miguel Wandschneider, curador da exposição, afirmou:

17 Palácio Galveias em Lisboa, de 28 de Março a 20 de Abril de 1977

18 Para uma descrição mais detalhada pelo artista ver: http://migso.net/blog/?m=1996 (consultado em 21 de Junho de 2015)

19 Na obra Your Mission is a Failure , originalmente criada em 1996, os jogos de computador que Miguel Soares utilizou na gravação das suas performances foram MechWarrior 2, Dark Forces, Doom, Descent 2, Duke Nukem 3d. http://migso.net/blog/?m=1996 (consultado em 21 de Junho de 2015)

20 http://migso.net/blog/?m=1998 (consultado em 21 de Junho de 2015)

21 São exemplos: Y2K (1999), Time for Space (2000), Archibunk 3r Associates (2000), SpaceJunk beta 1.0 (2001), GT (2001), Sparky (2002), Time Zones (2003), H2O (2004), Place in Time (2005).

399 “Com as animações 3D o trabalho de Miguel Soares atingiu a maturidade e definiu uma posição de enorme singularidade no contexto artístico português […]. Sendo a primeira exposição individual de Miguel Soares no circuito institucional, ela corresponde a um acto de reconhecimento da singularidade e relevância do seu trabalho, mas também a um gesto de incentivo a um artista que tem perseverado em condições difíceis e no qual depositamos a expectativa de que o melhor trabalho ainda está para vir.” (Wandschneider, 2008: 32)

Outro artista que merece também a nossa atenção neste final de século, embora o seu percurso se tenha dividido entre a crítica, a curadoria de exposições e o design conceptual, é António Cerveira Pinto (n. 1952).

Com um manifesto interesse pelas novas tecnologias, de que a holografia fez parte nos anos 80, como referenciámos, foi na verdade nos anos 90 que Cerveira Pinto deu mais atenção a estas questões na expressão artística afirmando a este respeito:

“O meu interesse pela web e pela chamada ´media art´, ´new media´, e ´net art´, começou no longínquo ano de 1994 quando, um pouco farto das circunvalações pós-conceptuais e com alergias várias ao cinismo que recobre como um manto letal o processo da implosão das vanguardas pré-digitais, resolvi investigar o mundo da computação, o mundo das novas tecnologias e os novos temas que, a passo acelerado, convocam a curiosidade intelectual mais apurada: jogos electrónicos, Manga, Internet, Realidade Virtual, computação ubíqua, interactividade, engenharia genética, representação da violência, super-erotismo e imortalidade.” Foi o ano em que comecei uma experiência educativa chamada Aula do Risco, a partir da qual venho insistindo na utilidade de desenvolver estratégias de apropriação criativa das novas tecnologias.” (Pinto, 2001: s.p.)

Estas recentes áreas de interesse permitiram-lhe participar num conjunto de iniciativas, tanto do ponto de vista conceptual como na curadoria de exposições, que apontavam para a necessidade de um repensamento arquitectónico das instituições museológicas face aos novos desenvolvimentos da computação e das telecomunicações, nomeadamente com o aparecimento da Internet e a possibilidade da criação de espaços virtuais.

400 Efectivamente a produção, sob a sua direcção, do CD-ROM Museu Virtual, em 1995, o primeiro CD-ROM multimédia interactivo criado em Portugal22, constituiu um primeiro passo de um projecto bem mais amplo que preconizava a virtualização do espaço museológico, e que teve temporariamente acolhimento e apoio em Montemor-o- Novo.

Para este projecto em Montemor, denominado Parque Museu Virtual, a Câmara Municipal desta cidade cedeu, nos seus arredores, o espaço (herdade da Adua) para o início dos estudos de um programa urbano e arquitectónico que pretendia ser “ […] um verdadeiro parque temático cujo núcleo duro será um museu virtual ligado em rede a instituições congéneres de todo o mundo.” (Pinto, 1997: 29), contando para tal com um conjunto alargado de equipamentos e infra-estruturas abrangidas no programa e que incluía um lago artificial, um sistema automático de transporte de passageiros sobre carris entre o centro urbano de Montemor-o-Novo e os núcleos do Parque Museu Virtual (People Mover), uma unidade de produção de energia solar, equipamentos de lazer (observatório celeste e de pássaros, escola/campo de aviação, escola de equitação, centro de estudos sobre a paisagem) um pequeno núcleo de casas unifamiliares e apartamentos (Teleurbe), e o núcleo inicial do museu constituído por três estruturas, um edifício multifuncional que albergaria as exposições virtuais, um motel e um espaço destinado a ateliers23.

Esta envolvente do Parque Museu Virtual destinava-se a facilitar o acesso, a cativar audiências, visitantes, e artistas para a criação de uma comunidade que, de algum modo, se constituísse como uma massa crítica no plano das ideias e das novas tecnologias, no desenvolvimento de novas aplicações que na altura passavam, no entender de Cerveira Pinto, pela Realidade Virtual (Pinto, 1997: 118-119).

Depois de uma apresentação inicial deste projecto em 1996 na feira de Arte Contemporânea ARCO de Madrid, Cerveira Pinto foi convidado pelo Museu Extremeño e Iberoamericano de Arte Contemporâneo de Badajoz (MEIAC) a ampliar as suas ideias

22 Este CD-ROM foi um projecto da Aula do Risco, sob a direcção de Cerveira Pinto, e foi apresentado em 1995 no decorrer da Bienal da Utopia, em Cascais. Além da interactividade inerente ao Museu Virtual este CD incluía também um Guia de Todas as Artes constituído por uma base de dados com endereços de mais de mil e duzentas entidades e artistas (algumas com o link para a sua página institucional ou pessoal) numa primeira edição deste tipo de distribuição electrónica.

23 Esta estrutura tinha sido já delineada no CD-ROM Museu Virtual que, a partir de uma visualização espacial em forma de projecto arquitectónico, dava a possibilidade de visitar as diferentes áreas destinadas às exposições virtuais, aos arquivos, reservas e ateliers artísticos.

401 através de uma exposição alargada neste museu, em 1997, com a edição de um catálogo bilingue (português e espanhol) incluindo textos, projectos e estudos prévios, de diferentes arquitectos e artistas que com ele colaboraram neste projecto24. Esta exposição teve continuidade itinerante em Portugal no Centro Cultural de Belém em Lisboa (Dezembro de 1997 a Janeiro de 1998) mas, apesar de agendada (Maio de 1998), não chegou a ser exibida em Montemor-o-Novo.

Posteriormente, por razões políticas, o projecto não teve seguimento acabando por ser um exercício de arquitectura e de reflexão sobre as condições contemporâneas de exibição e produção artística, num fim de século em que o acesso generalizado às novas tecnologias da informação, à computação pessoal e à Internet, se apresentavam como mediações que previsivelmente iriam provocar profundas alterações naqueles domínios.

Depois deste projecto Cerveira Pinto continuou a interessar-se pelas novas tecnologias e a colaborar com o MEIAC que o convidou novamente em 2001 para comissariar a representação desta instituição na ARCO´01 em Madrid (14 a 19 de Fevereiro), tendo criado um projecto centrado nos jogos de computador e no modo como os artistas os utilizavam modificando as suas características através da alteração do código de programação original. Este projecto foi apropriadamente apelidado de des- juego/de-game, tendo sido convidados a dupla de artistas Joan Heemskerk e Dirk Paesmans (JODI), o artista catalão Joan Leandre (n. 1968) e o mexicano Fran Ilich (n. 1975), todos com reconhecidos méritos na criação artística usando o código do software como ferramenta de trabalho e com ampla presença em festivais internacionais como o Ars Electronica em Linz, ou o Transmediale em Berlim.

Posteriormente, embora já um pouco fora da janela temporal que nos propusemos inicialmente analisar (1995-1999), e ainda em colaboração com o MEIAC, Cerveira Pinto produziu a exposição META.morfosis: El Museu y el Arte en la Era Digital (27 de Janeiro a 30 de Junho de 2006), dando continuidade às suas preocupações relativamente às relações da tecnologia com a arte e com o papel do museu no século XXI.

Esta mostra, que se desenrolou em dois espaços (jardins envolventes e museu propriamente dito) consistiu na apresentação de um conjunto de projectos inovadores de

24 António Cerveira Pinto (comiss.) (1997). Ex-Mater: Parque Museo Virtual, Badajoz: MEIAC, Museo Extremeño de Arte Contemporáneo

402 arquitectura para o espaço do MEIAC - mediante determinadas premissas de sustentabilidade e de inovação tecnológica - resultado de um concurso de ideias lançado em 2004, com o sentido de redefinir a sua funcionalidade adaptando-o às necessidades e exigências dos novos públicos e características das obras eminentemente tecnológicas do século XXI.

Estes projectos de arquitectura foram complementados por um conjunto de obras de artistas, entre as quais as dos portugueses André Sier (n. 1977) e Marta de Menezes (n. 1975)25, em que, de algum modo, a utilização das tecnologias mais recentes (programação e algoritmos, investigação biológica, som e imagem interactivos, bases de dados, Net art) eram dominantes, reforçando assim a necessidade de projectar um ambiente propício à sua fruição e pensar a metamorfose não tanto como metáfora mas como inevitabilidade.

Voltando à segunda metade dos anos 90, merece algum destaque a realização da Conferência Internacional Sobre Tecnologias e Mediação (ICTM´97), que teve lugar entre 27 e 29 de Março de 1997, pelo facto de ter juntado reflexão teórica com o “ […] objectivo interrogar os efeitos das tecnologias contemporâneas (interactividade, multimédia, e virtualidade) na experiência humana a partir de uma perspectiva transdisciplinar.” (Cruz, 1997: s.p.) e ao mesmo tempo promover um conjunto de exposições em diferentes instituições acolhendo a produção de “ […] propostas artísticas de interpretação sobre a temática cultura, tecnologia e mediação.” (Cruz, 1997: s.p.), que formalmente fizeram uso da fotografia, da videoart, dos jogos de computador, da instalação vídeo, da música electroacústica, e da instalação sonora26.

Este evento (ICTM´97) teve, além da conferência em si, das exposições paralelas, e de uma mostra de cinema e de videoart, o lançamento do catálogo inter@ctividades 27 com um conjunto de ensaios pertinentes ao tema e a descrição das obras dos artistas.

25 André Sier exibiu struct_1 (2001-2002), e Marta de Menezes apresentou Nature? (1999-2000), NucleArt (2000-2002) e Functional Portraits (2002-2003).

26 Participaram nestas exposições: Sara Barros, Rui Moreira, Teresa Santos, Noé Sendas, Pedro Tropa, Fernando José Pereira, Paulo Carmona, Entretainment CO (João Tabarra e João Louro), Luísa Cunha, Luís Bragança Gil, Cristina Mateus, Miguel Soares, Sérgio Taborda, Ana Vieira, Bill Viola, Emanuel Marcelino, João Paulo Feliciano/Rafael Toral.

27 Teresa Cruz (coord.) (1997). Inter@ctividades: Artes, Tecnologias, Saberes, Lisboa: Centro de Estudos de Comunicação e Linguagens (CECL) da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

403 Mais tarde, esta iniciativa foi complementada com a edição do CD-ROM Cultura Digital (1999)28, com entrevistas a investigadores realizadas durante o ICTM´97, e um número duplo da revista do Centro de Comunicação e Linguagens da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa com o tema Real vs. Virtual (1999)29, que incluía, numa volumosa edição de mais de quinhentas páginas, as comunicações do ICTM´97.

Esta iniciativa do meio académico, ao congregar pensamento e prática artística, permitiu certamente um enquadramento teórico das preocupações dos artistas que, como agentes de mudança cultural e social, estavam também atentos à plasticidade dos novos meios tecnológicos e das profundas alterações que estes iam introduzindo na experiência da contemporaneidade.

Mas se a presença dos artistas portugueses foi a regra nas exposições paralelas ao ICTM´97, durante os festivais Cyber (1996-99)30 foi a excepção, contando apenas na edição de 1998 com os nomes de Fernando José Pereira, Sérgio Taborda/Luís Bragança Gil, que já tinham marcado presença anteriormente nas exposições do ICTM´97, e de uma apresentação/workshop da Associação Virose (Fernando José Pereira, Cristina Mateus e Miguel Leal). Estes festivais tiveram, no entanto, o mérito de trazer até nós um conjunto importante de artistas e obras, embora ainda pouco conhecidos no nosso meio, num figurino que incluía instalações locais e remotas de acesso via web, projecções de vídeos e filmes, visualização de CD-ROMs, e conferências temáticas.

A dupla Christa Sommerer e Laurent Migonneau foram os artistas que mais vezes marcaram presença nestes festivais (Interactive Plant Growing no Cyberfestival 96, Phototropy no Cyber 97, Haze Express no Cyber 99, esta última com uma Menção Honrosa no festival Ars Electronica de 1999), mas também estiveram representadas

28 http://www.cecl.com.pt/pt/publicacoes/publicacoes-colectivas/107-cd-rom-cultura-digital (consultado em 25 de Junho de 2015)

29 José Bragança de Miranda (org.) (1999). Real vs. Virtual, Lisboa: Edições Cosmos (nº 25 e 26 da revista do Centro de Comunicação e Linguagens da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa)

30 Cyberfestival 96 (Fórum Telecom, Fevereiro de 1996), Cyber 97: Criação na Era Digital (Centro Cultural de Belém – 11 de Abril a 8 de Maio de 1997), Cyber 98: Criação na Era Digital (Centro Cultural de Belém – 13 de Novembro a 20 de Dezembro de 1998), Cyber 99: Criação na Era Digital (Centro Cultural de Belém – 15 de Outubro a 28 de Novembro de 1999).

404 obras de Eduardo Kac, Joan Fontcuberta, Masaki Fujihata, Pedro Meyer, Antoni Muntadas, Lynn Hershman Leeson, Perry Hoberman, Lev Manovich, entre muitos outros31.

É também interessante notar a iniciativa de uma conferência, anunciada como parte integrante do festival Cyber de 1997, que supostamente poderia ser o arranque da criação em Portugal de um centro dedicado à arte e tecnologia mas que, infelizmente, não passou de uma intenção. No catálogo da exposição podia ler-se:

“Em colaboração com a iniciativa Mosaico do Ministério da Cultura esta conferência de um dia (7 de Maio) irá juntar representantes de diversos centro mundiais de arte e tecnologia para um debate sobre o modo como uma instituição desta natureza poderá ser criada e desenvolvida em Portugal. A Iniciativa Mosaico encontra-se actualmente empenhada em lançar, entre nós, um centro desta natureza pelo que se considerou ser esta a altura indicada para desencadear uma reflexão deste tipo. Prevêem-se contribuições de participantes dos seguintes centros: ZKM (Alemanha), Banff Centre (Canadá), Metafort de Aubervilliers (França), e Artec (Reino Unido). A presença de representantes destas instituições permitirá, simultaneamente, debater as diversas problemáticas hoje associadas às relações entre a arte e a tecnologia” (Trindade, 1997: 35)

Esta reunião, que efectivamente teve lugar, foi levada a efeito pelo facto de Rui Trindade32, programador de todos os Cyber, ter mantido nos anos anteriores contacto com entidades, festivais (Ars Electronica, Siggraph, Images du Futur) e instituições (ZKM na Alemanha e, Cité des Arts et Nouvelles Technologies de Montréal no Canadá), permitindo-lhe acreditar na promoção de um centro de arte e tecnologia congénere em Portugal. Porém, este primeiro encontro para “partir pedra”, como referiu Rui Trindade

31 Eduardo Kac (Rara Avis, Cyber 97), Joan Fontcuberta (Topophonia: Terrestrial Music, Cyber 97), Masaki Fujihata (Beyond Pages, Cyber 97), Pedro Meyer (Truth and Fictions, Cyber 97), Antoni Muntadas (Interom, Cyber 98), Lynn Hershman Leeson (America´s First e Room of One´s Own, Cyber 98), Lev Manovich (Little Movies, Cyber 99), Perry Huberman (Systems Maintenance, Prémio de Distinção no festival Ars Electronica de 1999, The Sud-Division of Electric Light, Faraday´s Ghost, Cyber 99).

32 Rui Trindade é licenciado em História pela Faculdade de Letras de Lisboa, colaborou com entidades como a Culturgest e a Experimenta Design e vários órgãos de comunicação social, nomeadamente o jornal Expresso, onde foi editor de ciência e tecnologia. Foi consultor de projectos de divulgação científica para o Ministério da Ciência e Tecnologia (1995/97) e membro fundador da associação CADA (2004) (Centro de Artes Digitais Atmosferas).

405 ao autor, não teve continuidade num desejado empenhamento institucional33 e, na sua opinião, o centro não se concretizou devido “[…] à inexistência daquela massa crítica que é fundamental para um projecto desta natureza: artistas e criadores abertos à experimentação, universidades e centros de investigação disponíveis para a pesquisa de novas linguagens, empreendedores com gosto pelo risco, uma vida intelectual cosmopolita, etc.”34

No ano seguinte o Cyber 98 manteve a inclusão de conferências temáticas paralelas aos eventos destacando-se Mundos Virtuais, com Jane Prophet (artista que expôs no evento desse ano a obra Tecnosphere), e Arte e Tecnologia com Roger Malina (director da revista Leonardo), Maria Teresa Cruz e Anne Marie Druguet, ambas realizadas a 13 de Novembro35. Já no Cyber 99 a reflexão foi em torno de Cinema e Internet (18 de Novembro) com Lev Manovich, na altura professor na Universidade da Califórnia em San Diego e que mais tarde produziria a sua obra Soft Cinema (2005), Erkki Huhtamo, professor e investigador da arqueologia dos media, aos quais se juntaram Bart Cheever e Alain Escalle.

Coincidente no tempo com o Cyber 99 (15 de Outubro a 28 de Novembro), realizou-se a edição do Festival Atlântico´99 (21 de Outubro a 20 de Novembro), subordinado ao tema Sensibilidade Apocalíptica, numa programação de Natxo Checa pela galeria Zé dos Bois, reunindo um conjunto diversificado de perspectivas artísticas agrupadas em iniciativas em vários pontos da cidade de Lisboa, que incluíram exposições, conferências, performances, workshops, um programa de música electrónica e video art.

Presentes na exposição, que decorreu durante o mês do evento, estiveram em paralelo artistas portugueses das gerações mais recentes, cuja carreira tinha começado a

33 “A reunião com o ZKM, Banff Centre, etc, que ocorreu no Cyber 97, não teve ´representantes nacionais´ (excepto eu, claro, mas que só me representava a mim próprio: enquanto ´curator´ do Cyber e ´promotor´ informal de um centro de artes electrónicas) havia outros portugueses presentes, da PT, de algumas universidades, do Min. da Ciência, etc. mas o entendimento era de que se tratava apenas de uma primeira abordagem (´partir pedra´) e as pessoas presentes eram, há que dize-lo, sobretudo amigos e amigas minhas que se identificavam com a ´causa´; não eram as instituições que estavam presentes enquanto tal.” Informação trocada via e-mail com Rui Trindade em 29 de Junho de 2015.

34 Informação trocada com o autor via e-mail em 29 de Junho de 2015.

35 Além destas conferências realizaram-se a 20 de Novembro Cidadania Digital: O Público e o Privado (Simon Davies, José Magalhães e José Pacheco Pereira) e, na semana seguinte (27 de Novembro), Sobre Joseph Beuys, com a presença de René Berger e Lucrezia de Domizio Durini.

406 afirmar-se nessa década e de que são exemplos Alexandre Estrela (n.1971), Miguel Palma (n.1964), Miguel Soares (n.1970), Paulo Mendes (n.1966), Pedro Cabral Santo (n.1968), com criadores reconhecidos internacionalmente como Antoni Muntadas, Eduardo Kac, Jenny Holzer, Mariko Mori, ou Yves Amu Klein36.

O tema “sensibilidade apocalíptica”, manifestado sob a forma de vídeo, fotografia, instalações, objectos e esculturas, teve nos artistas portugueses preocupações de ordem política (Paulo Mendes e Pedro Cabral Santo), ecológicas (Miguel Palma), ou sociais (Marília Maria Mira), e em Miguel Soares a continuidade de uma narrativa ficcional já ensaiada em obras anteriores mas que na peça exposta (Y2K, 1999), uma animação 3D feita em computador e exposta pela primeira vez neste festival, tinha como tema um dos assuntos que na altura lançava alguma preocupação e perplexidade, o denominado bug do ano 2000.

Nesta peça, Miguel Soares utiliza como base de cenário a cidade virtual futurista (X-City) (que tinha desenvolvido em anos anteriores), aqui multiplicada em diferentes cidades sobrevoadas por um avião a jacto que, tentando escapar do vírus informático anunciado para a passagem do ano, passa de cidade em cidade e de fuso em fuso horário ameaçado pelas badaladas que se ouvem em fundo, anunciando a proximidade da hora de activação do vírus37.

Em paralelo com a exposição, que só por si merecia uma atenção particular pelo conjunto de artistas e obras expostas, realizaram-se três conferências no Auditório da Faculdade de Belas Artes em Lisboa agrupando um conjunto de personalidades/artistas que apresentaram comunicações pertinentes aos temas do festival tendo marcado

36 Os artistas e o conjunto de obras apresentadas nesta exposição foram (programa do festival): Alexandre Estrela (S/sol, 1999, The Nail´s Feedback, 1998) Antoni Muntadas (The Words: The Press Conference Room, 1991), Atelier Van Lieshout (AVL M80 Mortar, 1999), David Hoffos (You will Remenber When you Kneed to Know, 1995), Eduardo Kac (Telepresence Garment, 1995-96), Egle Rakauskaite (For a Guilty Without Guilty. Expulsion from Paradise, 1997, Honey, 1996), Group AES (Witness of the Future: Islamic Project, 1996) HR Giger (Samurai, 1976, Erotomechanic IX, 1980) Jenny Holzer (Truisms, 1977-1979), Joe Coleman (Faith, 1996, Nero, Ecce Homo, 1994), Kenji Yanobe (Yellow Suit, 1991, Radiation Suit, 1996, Emergency Escape Pods, 1996, Radiation Car Cobolt, 1996), Liew Kung Yu (colagens não especificadas), Manuel Ocampo (Para Eso Hábeis Nacido,1993-1994, Painting With Built- in Guilty, International Symposium, Créme de la Créme, 1995), Marília Maria Mira (Imergência, Little Billy´s Bed, Old World), Mariko Mori (Miko no Inori, 1996, Kumano, 1998), Miguel Palma (Ecosistema, 1995, Olho Mágico,1993), Miguel Soares (Y2K, 1999) Rigo (500 Years of What, 1992), Paulo Mendes (Timor Loro Sa´e – Enterrados Vivos / Work in Progress, 1996) Pedro Cabral Santo (Óxido PlayEurope, 1996, The Body Language) Philippe Meste, (Turbulent, 1998), Yves Amu Klein (Octofungi, 1996), Wang Du (La Famille, 1997).

37 http://migso.net/blog/?m=1999 (consultado em 20 de Julho de 2015)

407 presença na primeira, realizada em 23 de Outubro, o artista e professor Roy Ascott, o grupo Critical Art Ensemble e o artista Yves Amu Klein, na segunda (13 de Novembro) o filósofo Jean Baudrillard, o artista Leonel Moura, e o professor e filósofo Francisco Jarauta, e na última conferência (20 de Novembro), o jornalista e editor Adam Parfrey, os artistas Guillermo Gomez-Peña e Roberto Sifuentes, o professor Bragança de Miranda, e o crítico de arte Alexandre Melo.

Este conjunto de exposições, conferências, ciclos de vídeo, música e performances era uma continuidade do modelo que tinha sido adoptado anteriormente na última edição do Festival Atlântico realizado em 1997 (2 a 31 de Maio), desta vez com uma identidade temática repartida em três palavras-chave, Corpo, Limites, Manipulações, inscritas na capa do programa do festival, e que no seu interior era apresentada como O Corpo na Sociedade Pós-Moderna: Manipulações e Limites, referindo especificamente que: “Este ano o tema do festival é a natureza do corpo na sua relação com as mudanças sociais, políticas, científicas, éticas, económicas e culturais, envolvendo associações complexas de identidade, desejo, espiritualidade, mortalidade, dor, prazer e transcendência possível.”

Não deixa de ser interessante que a temática do festival Ars Electronica desse ano, que iria acontecer posteriormente (8 a 13 de Setembro), foi igualmente relacionada com o corpo tendo como título FleshFactor – Informationsmachine Mensch, que relaciona a máquina, a informação e o corpo humano, lendo-se no comunicado de imprensa que no cerne dos tópicos do festival estariam: “A sociedade da informação como uma sociedade de vigilância, os media modernos como uma segunda pele, e a tecnologia digital como um periférico ou como uma extensão ao corpo humano – em conjunto com o assunto complexo da engenharia genética […].”38

Os dois festivais tiveram na presença de Stelarc um ponto comum apresentando em ambos a mesma peça - Parasite: Event for Invaded and Involuntary Body (1997) – uma obra expressa numa coreografia/performance em que o seu corpo era involuntariamente actuado através de estímulos eléctricos aplicados aos músculos por eléctrodos colocados em diferentes zonas, e cuja actuação dependia do mapeamento

38 “The information society as a surveillance society, modern media as a second skin, and digital technology as a peripheral or extension to the human body - together with the complex subject of genetic engineering, those and related topics will be at the heart of the 1997 Ars Electronica Festival.” Comunicado de imprensa de 25 de Junho de 1997 em: http://www.aec.at/fleshfactor/feste97.html (consultado em 20 de Julho de 2015)

408 feito entre o seu corpo e imagens anatómicas aleatoriamente recolhidas da Internet, transformando o corpo de Stelarc numa entidade emprestada ao controlo das imagens de corpos do espaço virtual numa simbiose expressa nas suas palavras: “ Uma vez ligado o corpo torna-se um parasita sustentado por um sistema nervoso ampliado, externo e virtual.”39

Os temas do festival, em torno das “[…] questões éticas, levantadas pela clonagem, pela eugenia e pela genética em geral”40 foram objecto de uma exposição41 na qual participaram instalações dos portugueses Gilberto Reis, Paula Soares e Paulo Mendes, ao lado de artistas já com carreira internacional firmada como Orlan, que apresentou as suas hibridações corporais nas imagens de My Body is My Software (1997), e Lynn Hershman Leeson com o imaginário da série Phamtom Limbs (1985-7).

Em paralelo com a exposição, um conjunto de conferências/debates, ao longo de seis dias no Centro Cultural de Belém, teve como objectivo estabelecer o “[…] enquadramento teórico e crítico às questões levantadas pelas manifestações artísticas presentes no festival”42, através de uma abordagem transdisciplinar agrupando artistas e especialistas de diferentes áreas que se debruçaram sobre três temas: Arte na Era Digital (3 e 4 de Maio)43, O Corpo Pós-Orgânico (10 e 11 de Maio)44, Dos Modernos Primitivos ao Corpo Cyborgue (17 e 18 de Maio)45.

39 “Plugged-in, the body becomes a parasite sustained by an extended, external and virtual nervous system." Originalmente publicado em: Stelarc (1997). “Parasite Visions Alternate, Intimate and Involuntary Experiences”, in STOCKER, Gerfried e SCHÖPF, Christhine (ed.) (1997). Ars Electronica Festival 97: FlashFactor – Informationsmachine Mensch, Viena: Springer Em: http://archive.aec.at/print/#17 (consultado em 20 de Julho de 2015)

40Programa do Festival Atlântico 97 (s.p.)

41 Os artistas e o conjunto de obras apresentadas referenciados no programa do festival foram: Aziz+Cucher (Dystopia, 1994/5), Daniel Buetti (Looking for Love, 1996), Gilberto Reis (Já não sei a História, 1997), Juan Urriós (Ortopèdies, 1992), Lynn Hershman Leeson (Phamtom Limbs, 1985-7), Made in Eric (Corps-Object, 1997), Orlan (My Body is My Software, 1997), Paula Soares (Don´t Desire, 1997), Paulo Mendes , E(x)-Romance (Surgical Plastic Glove), 1997, Philippe Meste (Le Sexe Moderne 2, 1997), Ugo Rondidone (I Don´t Live Here Anymore, 1997). 42 Programa do Festival Atlântico 97 (s.p.).

43 Participantes: Paul Sermon, Andrea Zapp, Lebrero-Stals. Otto Rossler (professor), Alex Adriaansen e o grupo Sensorband (artistas)

44 Participantes: Orlan (artista), Teresa Macri, Cláudia Giannetti (professora e crítica), Maite Carjaraville, Lyn Hershman Leeson (artista)

45 Participantes: Bragança de Miranda (professor), Stelarc (artista), Fakir Musafar (artista), Cléo Dubois (artista), Annie Sprinkle (artista).

409 Infelizmente o que parecia ter sido o início prometedor da existência de um interesse tanto a nível de festivais e públicos, como de apoio institucional à criação artística nos domínios da arte e das tecnologias mais recentes, depressa se esvaneceu com as edições do Festival Atlântico´99 e do Cyber 99 a não se repetirem nos anos seguintes, e com o apoio institucional, nomeadamente o da Portugal Telecom que tinha sido o suporte de todos os festivais Cyber, a orientar os seus interesses promocionais para outros eventos, nomeadamente para o Porto Capital da Cultura em 200146.

Diluía-se deste modo um balanço de vários anos de actividades, interesses, contactos, sinergias e apoios, anunciando-se para a década seguinte a necessidade de um recomeço com novas iniciativas, intérpretes e mediadores culturais.

46 http://www.interact.com.pt/memory/interact1/flash/actual/act_1.swf (consultado em 29 de Junho de 2015)

410 6.3 – No Início do Século XXI – Duas Exposições de Bioart em Portugal

O desenvolvimento de obras artísticas fazendo uso de técnicas e dispositivos usados em biotecnologia e de organismos ou tecidos vivos, envolve geralmente o recurso a instituições especializadas e a equipamentos dispendiosos. Por vezes, são igualmente necessárias equipas de cientistas de diferentes valências que estejam na disponibilidade de acolher artistas no seu meio, e artistas que estejam igualmente na disponibilidade de aceitar códigos, procedimentos, e protocolos exigidos pelas práticas científicas em laboratório, se o projecto assim o exigir. Por último, tudo isto exige recursos financeiros que podem ser avultados e que normalmente não estão ao alcance do artista.

Por todas estas razões, o modelo de residência artística numa instituição de investigação científica suportada por uma bolsa de investigação artística é o modelo mais usual na prática artística da bioart.

No século XX em Portugal, a tradição de residências artísticas em instituições de investigação era inexistente e a bioart um organismo estranho no mundo artístico, razão pela qual não há registo da sua prática.

Marta de Menezes (n.1975), a quem dedicaremos à frente mais atenção, foi a primeira artista portuguesa a ter reconhecimento além fronteiras quando apresentou a sua obra Nature? (1999-2000) na edição do ano de 2000 no festival de artes e tecnologia Ars Electronica, em Linz na Áustria, tendo seguido para a sua realização justamente o modelo de residência artística numa unidade de investigação em ciência, embora fora de Portugal (Universidade de Leiden, na Holanda).

Foi porém a partir dessa apresentação na Áustria que se estabeleceram contactos para a realização da primeira exposição de bioart em Portugal dois anos depois. Efectivamente, encontrava-se de visita à exposição Jorge Barreto Xavier, na altura presidente do Clube Português de Artes e Ideias, e que nesse mesmo ano tinha criado o centro de artes experimentais Lugar Comum nas instalações da Fábrica da Pólvora, em Barcarena (Oeiras). Marta de Menezes, a única representante portuguesa a apresentar

411 obras nesta exposição, conheceu Jorge Barreto Xavier nessa ocasião47 e foi convidada, em conjunto com Joe Davis, também presente no evento na Áustria, a participarem na exposição intitulada A Biologia como Artmedium que teria lugar justamente no Lugar Comum, entre os dias 11 de Maio e 2 de Junho de 2002.

Esta primeira apresentação de bioart, que contou apenas com os dois artistas, não teve infelizmente um catálogo, ou um texto crítico digno de registo, ficando apenas para a posteridade um conjunto de imagens video de uma demonstração48 de Joe Davis, que integraram mais tarde o filme Heaven + Earth + Joe Davis (2011), do realizador Peter Sasowsky49.

É pertinente, porém, salientar a relevância simbólica do acontecimento já que se apresentaram no mesmo espaço dois pioneiros, Marta de Menezes no início da sua carreira e na sua primeira apresentação em Portugal, ao lado de Joe Davis, já com créditos firmados, e que tinha sido também pioneiro no fim dos anos 80 na utilização de técnicas de biologia molecular e de manipulação genética com intenções artísticas.

Uma investigação nos arquivos do Clube Português de Artes e Ideias do ano de 2002 apenas revelou uma nota sobre a exposição em que se refere: “A biologia moderna oferece a oportunidade de criar arte usando materiais e técnicas biológicas como art-medium. Estamos a testemunhar o nascimento de uma nova forma de produção artística: arte criada em tubos de ensaio, no interior de laboratórios usados como estúdios de arte. Nesta exposição é apresentada uma retrospectiva do trabalho de Joe Davis (MIT) e os trabalhos mais recentes de Marta de Menezes (Imperial College)”50

As obras apresentadas por estes dois artistas foram diversas, tanto nos temas como nas técnicas, num panorama das capacidades exploratórias deste novo meio artístico. Marta de Menezes revelou dois trabalhos que tinha recentemente desenvolvido

47 Informação de Marta de Menezes ao autor.

48 A demonstração consistia em cobrir uma modelo primeiro com mel e depois com pó de ouro para, através de meios ópticos, captar a sua pulsação, respiração e outros parâmetros biológicos.

49 O trailer do filme, que ganhou vários prémios em festivais de cinema, pode ser visto em: https://www.youtube.com/watch?v=1aVJkKgtTEQ (acedido a 4 de Março de 2015).

50 Informação cedida ao autor pelo Clube Português de Artes e Ideias. O mesmo documento refere ainda que compareceram cerca de 80 pessoas na inauguração e 400 durante as restantes três semanas da exposição.

412 em residência artística no Imperial College for Science, em Londres, foram eles nucleArt (2000-2002) e alguns dos seus Retratos Funcionais (2002-2003), sobre os quais nos debruçaremos mais adiante. Em nucleArt a artista faz uma espécie de pintura microscópica utilizando moléculas de ADN com corantes fluorescentes que se ligavam a determinados cromossomas, possibilitando assim a pintura de núcleos de células humanas51. Já nos Retratos Funcionais Marta de Menezes explorava o complemento do retrato tradicional buscando no interior do corpo humano imagens da actividade cerebral captadas pela técnica da ressonância magnética nuclear funcional (Menezes, 2007a: 215-229).

A retrospectiva da obra de Joe Davis incluía trabalhos que tinham sido recentemente mostrados no Ars Electronica de 2000, de que faziam parte das suas denominadas Artistic Molecules52, moléculas sintéticas criadas pelo artista a partir das bases que constituem o ADN dos seres vivos, utilizando processos que lhe permitia codificar no ADN qualquer tipo de informação binária e proceder à sua posterior leitura.

A denominação de Artistic Molecules englobava três obras de Joe Davis: Microvenus (1986), Riddle of Life (1993) e Milky Way DNA (2002), esta última apresentada pela primeira vez em Barcarena53, tendo o artista também exibido Audio Microscope (2000), um aparato que permitia não só a visualização de organismos microscópicos mas também ouvir a sua “assinatura sonora” como refere o artista.

Alguns anos mais tarde foi a vez de Leonel Moura, de cuja obra nos ocuparemos mais adiante, organizar a exposição Bioarte – Uma Nova Forma de Arte (2005), que

51 A visualização desta obra implicava o uso de um microscópio laser especializado que, ao fazer o scanning tridimensional das células, ia reduzindo o efeito da fluorescência dos cromossomas levando à sua anulação e, consequente, a uma duração efémera da obra artística. Devido a este efeito, a apresentação pública desta obra passava pela projecção à posteriori da gravação vídeo utilizando o microscópio e não pela apresentação das caixas de Petri que continham as células (Menezes, 2002: 265- 266).

52 A este respeito ver, Joe Davis e Katie Egan (2000). “Artistic Molecules”, in Gerfried Stocker e Christine Schöpf (ed.) (2000). Next Sex: Sex in the Age of its Procreative Superfluousness , Nova Iorque e Viena: Springer-Verlag, pp. 249-250.

53 “The first Milky Way DNA was synthesized in 2002 and installed at the Biologia Como Arte exhibition (Queiroz 2002) in Barcarena, Portugal (2002). The entire Milky Way DNA sequence comprises a 3867 bp DNA molecule that is larger than many plasmids and is the approximate size of many complete viral genomes.” (Davis, 2007: 264). A indicação da referência bibliográfica “(Queiroz 2000)”, que Joe Davis explicita na citação acima, refere-se ao artigo de Inês Pinto Queiroz “A Biologia ao Serviço da Arte”, publicado no jornal A Capital no dia 19 de Maio de 2002, no suplemento GLX – Guia de Cultura e Lazer, p. 10, embora este artigo não faça referência à obra Milky Way DNA de Joe Davis.

413 decorreu entre 23 de Setembro e 18 de Outubro de 2005 na galeria António Prates, em Lisboa, e na qual participaram, além do próprio Leonel Moura, Suzanne Anker, Harold Cohen, Casey Reas54, Ken Rinaldo, Christa Sommerer & Laurent Mignonneau.

Contrariamente à exposição de 2002, esta exposição contou com a edição de um catálogo/livro bilingue55 em que foi dado espaço a cada artista para introduzir o seu trabalho, permitindo assim um melhor entendimento das suas intenções e conhecimento das respectivas áreas de trabalho.

De Casey Reas (n. 1972) já dissemos anteriormente que se dedicava à produção artística fazendo uso de software, tendo criado, em conjunto com Ben Fry, o ambiente de programação open-source usado em artes visuais Processing (2001), que alguns meses antes da exposição em Lisboa tinha ganho o prémio Golden Nica (categoria de Net Vision) no festival Ars Electronica (2005). Na galeria António Prates apresentou resultados do programa MicroImage que vinha desenvolvendo há já alguns anos e que nas suas palavras “[...] explora o fenómeno de emergência em ambiente computacional. É um micro-mundo onde milhares de organismos com programação autónoma e um ambiente minimal criam um ecosistema computacional.”(Reas, 2005: 39), mencionando que o conceito de emergência “[...] refere-se à geração de estruturas que não estão especificadas ou programadas […]. Em vez de criar a estrutura completa de forma consciente, foram escritos programas simples para definir as interacções entre os elementos.” (idem), que, clonados em elevado número, desenvolvem interacções e evoluem de uma forma não previsível.

Harold Cohen (n. 1928), também já referido no decurso deste trabalho, é um decano no estudo e aplicação das técnicas de inteligência artificial à pintura por robôs. Os sucessivos resultados e desenvolvimentos têm sido incorporados no seu programa AARON, criado em meados dos anos 70, tendo sido justamente imagens produzidas por este programa que Cohen mostrou na exposição.

Também Christa Sommerer e Laurent Mignonneau já foram mencionados anteriormente como artistas dedicados à criação de ambientes artificiais interactivos

54 No catálogo da exposição é referido como C.E.B. Reas, uma abreviatura do seu nome completo Casey Edwin Barker Reas.

55 Leonel Moura (concepção) (2005). Bioart: A New Kind of Art – Bioarte: Uma Nova Forma de Arte, Lisboa: Galeria António Prates.

414 ligadas aos estudos da Vida Artificial e técnicas de computação usando algoritmos genéticos56.

Depois da apresentação em Lisboa da obra Interactive Plant Growing (1992) no Cyberfestival 96: Imagens do Futuro, realizado em Fevereiro de 1996 no Fórum Telecom em Lisboa, a dupla apresentou na galeria António Prates a obra Life Spacies II, uma edição melhorada de Life Spacies (1997), um ecossistema artificial que correspondia à simulação de um ambiente evolucionário complexo, no qual podiam ser introduzidas “criaturas” criadas e alimentadas pelos visitantes da obra a partir de uma interface gráfica disponível no local da exposição ou via Internet. Tal como num sistema natural, também nesta emulação as “criaturas” estavam sujeitas à mutação, crescimento, morte, acasalamento, reacção e adaptação às condições ambientais, tornando a sua interacção complexa e imprevisível (Sommerer e Mignonneau, 2005: 59- 63).

Ken Rinaldo57 apresentou em Lisboa Augmented Fish Reality (2004), uma peça que veio a ser uma das mais conhecidas do artista, e que tinha sido galardoada no ano anterior, no festival Ars Electronica, com um prémio de Distinção na categoria de Arte Interactiva. O trabalho explora a comunicação entre espécies e consiste num conjunto de 3 a 5 estruturas móveis motorizadas suportando cada uma um aquário com um peixe siamês lutador que, através de um sensor da sua posição no aquário e graças ao software e hardware desenvolvido pelo artista, movimenta a estrutura no sentido de aproximação ou afastamento das outras estruturas com peixes, ou dos visitantes da instalação.

56 Algoritmos genéticos são programas, ou modelos de computação, inspirados nas leis da evolução, cujos elementos decisórios incluem comportamentos derivados da genética e biologia, tais como selecção, mutação, evolução, reprodução. Aplicam-se a uma determinada população descrita pelos seus cromossomas ou genotipo que, sujeita ao algoritmo, evolui na procura da solução mais adaptada ao fim que se pretende. Estes algoritmos são utilizados na procura de soluções não triviais de problemas com múltiplas variáveis e em aplicações que vão da economia às ciências sociais.

57 Ken Rinaldo (n.1958) é um artista que se dedica à criação de instalações robóticas multimédia de inspiração biológica criando por vezes uma simbiose entre a vida artificial e a vida orgânica como estímulo a uma reflexão sobre o conceito de natural e natureza numa sociedade tecnologicamente evoluída. Ken Rinaldo dirige o programa de Arte e Tecnologia na Universidade de Ohio. Mais informação em http://kenrinaldo.com/ (consultado em 18 de Novembro de 2014).

415 Contrariamente a um aparato tecnológico sofisticado Suzanne Anker58 utilizou diferentes meios (serigrafia, fotografia, instalação, escultura digital) para, de uma forma mais conceptual, invocar questões que tinham a ver com a “semiótica do código genético” em Difference and Repetion (2000) e Codex Genome (1998-2000), comentando as tecnologias da medicina regenerativa em Golden Boy (2004-2005), e chamando a atenção para a produção natural e artificial deixando em aberto a reflexão sobre a revolução genética em Origins and Futures (2002-2005).

Por último, nesta exposição Leonel Moura apresentou o trabalho dos seus robôs pintores, sobre o qual nos debruçaremos com detalhe mais adiante, em varias obras da série Seed Marilyn (2005), usando justamente um retrato de Marilyn Monroe como base das pinturas que funcionava como estímulo para a execução da obra dos robôs. Estes eram animados por um programa de inteligência artificial que comandava a direcção do movimento e o dispositivo da caneta com tinta, de acordo com o padrão detectado na tela.

Do exposto observa-se um conjunto variado de técnicas e tecnologias, desde as mais triviais (serigrafia e fotografia) às mais sofisticadas (algoritmos genéticos e inteligência artificial) cuja utilização artística tem como finalidade a reflexão sobre um mundo em mudança em que as práticas da biotecnologia, da engenharia genética, da cibernética e da relação do orgânico com o artificial, constituem preocupações na passagem do século XX para o século XXI.

58 Suzanne Anker (n.1946) é uma artista plástica, ensaísta e professora que se dedica à relação entre a arte e as ciências biológicas. É responsável (chair) pela formação em Belas Artes (BFA) na School of Visual Arts em Nova Iorque e pelo Bio Art Laboratory na mesma instituição. A sua obra é reconhecida internacionalmente tendo sido exposta no Walker Art Center (Nova Iorque), Pera Museum (Istambul), Museum of Modern Art (Japão), entre outros. Mais informação em: http://www.suzanneanker.com/ (consultado em 24 de Novembro de 2014).

416 6.4 – Dois Artistas Contemporâneos: Leonel Moura e Marta de Menezes

O estudo da obra de Leonel Moura (n. 1948) e de Marta de Menezes (n. 1975) torna-se pertinente no presente trabalho não só porque são artistas reconhecidos internacionalmente pela sua actividade, mas também porque desta sobressai a utilização do código como programação, na robótica, no caso de Leonel Moura, e do código ligado à biologia, no caso de Marta de Menezes, podendo deste modo referenciar-se, a partir destas duas vias, o modo como aquele tem sido utilizado na produção artística recente em Portugal.

Apesar de pertencerem a diferentes gerações e com percursos muito diversos, é comum a Leonel Moura e a Marta de Menezes tanto o interesse pela ciência e tecnologia como pela sua utilização com uma finalidade artística, buscando frequentemente apoio e recursos técnicos de entidades, profissionais, e/ou laboratórios, fora dos contextos habituais da actividade artística, mas fundamentais para o seu trabalho e para o desenvolvimento de processos de investigação apoiados em parcerias e transferência de conhecimento.

Este modus operandi em rede e em sinergia com profissionais de áreas científicas diversas, potencia uma prática artística que, pela sua natureza tecnológica, não tem uma genealogia baseada em critérios de representação nem uma finalidade estética ligada ao belo, antes posicionando-se como processo e sistema, na procura de um enunciado em que as designações de variabilidade, autonomia, reconfiguração, interacção, indeterminação, entropia, contaminação, simulacro, e instância, se adaptam de um modo mais coerente aos tempos de uma contemporaneidade ela própria instável, em transição, e devedora do desenvolvimento dessa mesmo tecnologia.

Ambos os artistas empenhados na experimentação tecnológica no fim do século XX e início do século XXI, têm, porém, razões diferentes para a sua prática. Leonel Moura no esgotamento de uma modernidade que, na sua visão crítica, tinha chegado a um impasse na criação artística consequente, manipulada por interesses económicos e

417 em consonância com processos de legitimação e apreciação estética ultrapassados59. Já Marta de Menezes, com o início da sua actividade no fim dos anos 90, assume naturalmente a via da pesquisa biológica como possível forma de afirmação artística - tal como em meados dos anos 60 os computadores tinham feito parte dessa pesquisa por parte de alguns artistas - integrando a investigação científica na sua prática como vector sujeito a novos enunciados.

59 “A robótica permite, entre outras coisas superar o paradigma esgotado da chamada arte contemporânea. Nas últimas décadas a arte tem sofrido um processo de erosão conceptual concentrando-se num forte subjectivismo individualista, legitimado por efeitos de mercado não muito distintos dos processos de promoção das restantes mercadorias.” (Moura, 2007: 31).

418 6.4.1 – Leonel Moura (n. 1948)

Leonel Moura, com mais de quatro décadas de actividade artística, começou a expor no final da década de 60 atravessando um período de mudança particularmente fértil na expressão artística contemporânea, reflexo de uma sociedade em transição na procura de novos paradigmas políticos, sociais, económicos e culturais que, na Europa, teve no Maio de 68 um dos seus pontos de viragem com reflexos em Portugal, em Abril de 1974.

Influenciado por estes acontecimentos no final da década, e expressando uma atitude não alinhada com o regime político da altura em Portugal, Leonel Moura passou os anos de 1969 a 1974 essencialmente na Holanda, depois de ter participado, com pouco mais de vinte anos, na sua primeira exposição, uma colectiva na Galeria Dinastia em 1969.

De regresso a Portugal, depois de alguma actividade artística no país de acolhimento, integrou nos anos 70 e 80 iniciativas que constituíram alguns dos marcos mais importantes no panorama artístico português da altura de que são exemplo a Alternativa Zero (1977), comissariada por Ernesto de Sousa e na qual participou com um diaporama de diapositivos, e Depois do Modernismo (1983), uma exposição que, no entender do comissário Luís Serpa, “[...] é o resultado de um longo ano de trabalho que reuniu, sistematicamente, um grupo de pessoas interessada em discutir a problemática do chamado movimento post-moderno.” (Serpa, 1983: 9), na qual Leonel Moura participou como membro da comissão executiva para as artes visuais e também expôs como artista.

Do ponto de vista internacional fez parte da colectiva 11 Artisti Portughesi D´Oggi em Milão (1978), representou Portugal na Bienal de Paris de 1980, e no ano seguinte esteve presente na Portuguese Video Art (1981) na Universidade de Iowa, a primeira mostra de videoart nacional fora do nosso país.

Num reconhecimento do mérito do trabalho e do bom acolhimento que séries como Europa (1987) tinham tido a nível internacional, Leonel Moura foi ainda na década de 80 convidado por Ida Panicelli, editora da revista Artforum, a publicar um projecto no número de Novembro de 1988. Esse projecto, de nome Territory (Artforum, Vol. 27, No.3, Novembro de 1988, pp. 127-130), mereceu um texto introdutório de Ida Panicelli (A Gentle Guide) que se debruçava sobre o trabalho do artista.

419 É importante salientar que Ida Panicelli, ao iniciar a sua actividade de editora da Artforum em Março de 1988, introduziu na revista um novo formato no sentido de dar uma voz mais activa aos artistas, consubstanciado na publicação de projectos encomendados, que podiam fazer livre uso de algumas páginas da edição para a qual eram convidados. Foi nessa conjuntura que Leonel Moura foi convidado a participar, tal como Robert Longo, Rebecca Horn, Jenny Holzer, Nam June Paik e Sol LeWitt, entre outros60, a quem igualmente foram pedidos e publicados projectos nas diferentes edições da revista.

Fig 5.13: Leonel Moura, Territory (1988) (excerto), publicado na revista Artforum, Novembro, 1988

Este percurso não é de forma alguma um pacto de estabilidade do artista com o sistema e as instituições que o revelaram e valorizaram, quando sabemos que a atitude e o pensamento situacionista de Guy Debord influenciou o seu modo de encarar a arte e a função do artista. É o próprio Leonel Moura que afirma: “Nunca escondi, no meu trabalho, textos e vida, essa referência central, mesmo naquilo que ela tem de perturbador e crítico, numa actividade tão contraditória como é a artística. Não há compreensão do texto situacionista sem as suas consequências. O mesmo é dizer, sem feridas e sem raiva” (Moura, 1995: 12).

60 Mais tarde, além de Leonel Moura também Rui Sanches publicou o seu projecto To Marat, na edição de Fevereiro de 1990.

420 Esses ecos do pensamento de Debord, que podem ser apontados em referências tão distantes temporalmente como na exposição Potlatch ou a Morte do Artista, que teve lugar em 1979 na galeria Quadrum, ou na obra Entretanto (1994) em que explicitamente se pode ler “Entretanto na sociedade do espectáculo…”, têm também nota quando, em entrevista conduzida por Carlos Vidal, Leonel Moura refere: “A minha atitude artística não tem nada a ver com o indivíduo em si. Tem antes a ver com a criação de interfaces – palavra horrível – entre a realidade ou a natureza e o pensamento ou a cultura. Mais pretensiosamente se se quiser, entre o homem e o homem em devir.” (Vidal, 1993: 27). Essa preocupação com o “homem em devir” e com a criação de “interfaces”, conjugam-se de algum modo na criação de situações que tiveram na abordagem de questões relacionadas com identidade, história, cultura, poder e política, vectores críticos de uma actividade conceptual61 na qual a re-contextualização da imagem, e muitas vezes a sua apropriação pontuada por texto, logrou um dos meios privilegiados da prática operativa do artista até meados da década de 90 de que são exemplos as séries Europa (1987), Filósofos (1989), ou Urban Times (1991).

Nos anos 90, o desalento com uma prática artística generalizada cada vez mais subjugada a interesses económicos62 levou Leonel Moura a um certo afastamento do mercado da arte e a uma fase de transição da sua carreira passando por outras actividades, nomeadamente o empenhamento na criação, com Isabel Alves, da Bolsa Ernesto de Sousa, que teve a sua primeira edição em 1992, pela criação e trabalho de curadoria na organização da 1ª Bienal da Utopia em Cascais (1995), pela direcção do Pavilhão do Território na Expo´98 (1997 e 1998), e pelo papel de consultor do Museu dos Transportes e Comunicações do Porto em 1999 e 2000.

A retrospectiva da sua obra realizada em Villeurbanne (Lyon) no Nouveau Musée / Institut d´Art Contemporain, em 1995, constituiria o culminar de um processo de afirmação artística que na década seguinte teria formalmente uma mudança radical

61 Em entrevista a Carlos Vidal refere: “A principal ferramenta do artista é o pensamento, não são as tintas ou os pincéis. Qualquer pessoa pode pintar, mas nem todos conseguem pensar a arte.” (Vidal, 1993: 24).

62 Na entrevista citada na nota anterior Leonel Moura refere: “A Galeria é cada vez menos o lugar para fazer arte. Tem-se reduzido a um espaço de mercado.” (Vidal, 1993: 26). Também António Cerveira Pinto mais tarde, numa reflexão retrospectiva sobre os anos 80 em Portugal, aponta para uma década dividida num período “heróico” e num período de “mercantilização”, referindo em relação a este último que: “É então que se deixa de falar em arte e se passa a falar de contratos com galerias.” (Pinto, 2006: 104).

421 com o empenhamento de Leonel Moura nos estudos de inteligência artificial e prática artística relacionada com a robótica.

A charneira desse processo, que para Leonel Moura constituiu uma mudança de paradigma, veio na sequência da organização e criação da 1ª Bienal da Utopia em Cascais, em 1995, em que justamente o subtítulo de Arte e Ciência63 dava o mote de um evento cuja periodicidade deveria reflectir sobre estas relações, embora nem sempre este propósito tivesse sido cumprido, na opinião do seu criador, que estipulou uma alternância na sua direcção.

Leonel Moura foi o comissário da 1ª Bienal e da quarta e última edição em 2001. Em ambas as mostras as sinergias entre arte e ciência estiveram presentes. Em 1995 com a organização de um conjunto de palestras em que apresentaram comunicações o crítico de arte e curador Harald Szeemann (1933-2005), o historiador de arte Benjamin Buchloh (n.1941), o cientista e investigador em tecnologias de realidade virtual Jaron Lanier (n. 1960), o biólogo e co-autor da teoria da autopoiesis Humberto Maturana (n.1928) e o matemático e criador da teoria das catástrofes René Thom (1923-2002). Em 2001 foi a vez de, no âmbito da bienal, organizar a conferência Human Genome Toward the New Millenium, contando Leonel Moura com a ajuda e orientação de Carolino Monteiro (n.1957), professor e biólogo doutorado em Genética Molecular, que trouxe a Portugal especialistas na matéria.

Entre 1995 e 2001, enquanto director do Pavilhão do Território na Expo´98 (1997-1998) e no âmbito da pesquisa sobre os campos inovadores de investigação científica em Portugal, Leonel Moura travou conhecimento em 1997 com o cientista Vitorino Ramos que trabalhava na investigação em vida artificial e em algoritmos genéticos.

O seu fascínio por esta área levou a que iniciasse nesse ano uma colaboração que levou à pesquisa e partilha de informação no sentido de encontrar uma aplicação prática de implementação dos modelos e algoritmos utilizados no estudo da vida e da

63 O subtítulo Arte e Ciência também fez parte da exposição organizada por Leonel Moura denominada Inside – Arte e Ciência, que teve lugar na Cordoaria de Lisboa entre 24 de Setembro e 24 de Novembro de 2009. Nesta exposição participaram os artistas Suzanne Anker, Catherine Chalmers, Miguel Chevalier, Carlos M. Fernandes, FutureFarmers, Ken Goldberg, Eduardo Kac, Roman Kirschner, Rejane Cantoni e Daniela Kutschat, Marta de Menezes, Leonel Moura, ORLAN, Emanuel Pimenta, Carl Pisaturo, Ken Rinaldo, Kathleen Rogers, Philip Ross, Stelarc, Driessens & Verstappen, Bill Vorn, Amy Youngs, Oron Catts e Ionat Zurr. http://inside-lx.wix.com/insidearteciencia (consultado em 10 de Setembro de 2015).

422 inteligência artificial, nomeadamente os relacionados com as áreas da estigmergia e dos comportamentos emergentes.

A palavra estigmergia, cuja origem etimológica vem de stigma (marca) e ergon (trabalho), pode ser definida de um modo simples como a colaboração indirecta entre agentes (ou indivíduos) através de mensagens (vestígios, marcas) deixadas num determinado ambiente ou meio. É um termo que surge ligado aos insectos sociais, nomeadamente às colónias de formigas, para descrever os seus métodos de auto- organização de que a procura de alimento é um exemplo. Este processo, que passa inicialmente pela busca em diferentes direcções aleatórias, é no entanto modificado quando as formigas encontram comida produzindo feromonas (substâncias químicas com odores estimulantes) que deixam no seu percurso de retorno à colónia, permitindo a outras formigas percorrer os caminhos assim assinalados. As feromonas evaporam-se com a passagem do tempo de modo que só os percursos mais curtos para os alimentos são percorridos em menos tempo, mantendo assim um nível mais elevado de feromonas e favorecendo esta escolha relativamente a outras possíveis opções.

Este comportamento das formigas não foi dirigido de um modo centralizado nem resultou de um racional de entendimento ou de uma acção concertada entre os indivíduos para a procura de comida, no entanto conduziu a um determinado resultado resolvendo um problema que podia apresentar alguma complexidade. Os seus percursos aleatórios transformaram-se num padrão uniformizado que não foi previamente programado e que dependeu inteiramente das condições experimentadas no terreno. As acções complexas podem deste modo ter origem em regras simples, e são estes comportamentos bottom-up que são denominados emergentes (Johnson, 2001: 18), no sentido em que surgem de um ambiente aparentemente caótico ou aleatório.

Este procedimento foi modelado por algoritmos nos anos 90 (ant colony optimization algorithms) permitindo a simulação de estigmergia em computador, e termos como swarm intelligence são utilizados na investigação em inteligência e vida artificial para o entendimento das regras que regem grupos de indivíduos com comportamentos emergentes.

Foram estes algoritmos que Leonel Moura pôs em prática na simulação em computador quando criou, em 2001, as primeiras pinturas executadas por um braço mecânico de um dispositivo de CAD/CAM, em que a ferramenta de corte foi substituída

423 por um pincel, e o âmbito da modelação em 3D do dispositivo foi reduzido à bidimensionalidade do papel. O desenho que se obteve era o correspondente aos percursos simulados em computador pela estigmergia de um conjunto de indivíduos, numa espécie de mapeamento efémero de um território num determinado momento.

Uma das imagens obtidas através deste processo serviu de capa durante o ano de 2008 para os quatro números da revista Artificial Life (Fig. 5.14), a publicação oficial da Association Society for Artificial Life, editada pelo MIT, e em cada um dos números, nas suas primeiras páginas, era referido o processo de obtenção da imagem e a sua autoria64.

Fig 5.14: Capa da revista Artificial Life, (Vol.14, No. 1, 2008), ilustrada com uma obra de Leonel Moura

Embora o interesse de Leonel Moura pelos algoritmos, estigmergia, e comportamentos emergentes, se tivesse iniciado no fim da década de 90, na verdade o seu trabalho com computadores, como ferramenta de trabalho, já tinha tido lugar na década anterior, conquanto de uma forma não explícita ou publicada.

64 “The cover depicts one of the Swarm Paintings produced in 2001 by Leonel Moura. These paintings were the result of several experiments with an Ant Algorithm that applied virtual emergent pheromone trails to a real space pictorial expression. In this case, a computer running an ant algorithm was connected to a robotic arm (a CAD/CAM machine), which translated the trails generated by the artificial swarm of ants into brush strokes. Considering the dynamics of the deposition/evaporation mechanism, the robotic arm would operate only when a certain pheromone peak threshold was reached. The Swarm Paintings initiated Moura’s use of robotics in emergent machine creativity. In the same year he produced a swarm of autonomous ant-like-robots (coined ArtSBot) with sensorial capacity and in which pheromones were replaced by color. In 2006 a creative and autonomous robot, RAP (Robotic Action Painter), was installed as a permanent resident at the Museum of Natural History in New York. More information is available on the web site www.leonelmoura.com.” (in, Artificial Life, Vol. 14, No. 1, Cambridge (MA.): The MIT Press, 2008, sp.).

424 Tal como Silvestre Pestana, também Leonel Moura utilizou em 1983 um computador ZX Spectrum, embora não na área de texto, mas para a produção de um conjunto de imagens que não chegou a publicar, e que são aqui mostradas publicamente pela primeira vez. Trata-se de retratos de personalidades do seu conhecimento realizados em vídeo, e que o artista posteriormente digitalizou e trabalhou em computador como estudos de identidade (Fig. 5.15).

Fig. 5.15: Retratos de: Anamar, Luís Lucas, Manuel Reis, Olga Roriz, Ribeiro da Fonte (da esq. para a direita, e de cima para baixo). Leonel Moura, 1983

Estes retratos são percursores de obras que iria mais tarde realizar utilizando o computador não só na construção de diferentes tramas, mas também na criação de uma fonte tipográfica que em muitos casos aparece sob a forma de texto em faixa sobreposta à imagem, como nas obras Territory (1988) (Fig. 5.13), Europa (1987), e Portugal (1987), esta com a imagem emblemática de Amália, trabalhos mais uma vez em torno de questões de identidade.

425 Voltando novamente aos interesses mais recentes de Leonel Moura, o passo seguinte à utilização do braço robótico de CAD/CAM para desenho foi a construção de robôs autónomos, agora não só com capacidade de movimento livre na superfície do papel mas também para detectar, através de sensores instalados no próprio robô, de estímulos coloridos desenhados no papel (que funcionam por substituição das feromonas químicas das formigas) que os próprios robôs pintam utilizando canetas coloridas e a programação residente no próprio dispositivo robótico com os algoritmos de estigmergia. Os seus comportamentos e decisões (movimento e pintura) são assim ditados pelo algoritmo residente e pelos estímulos que vão encontrando à medida que se deslocam.

O processo inicia-se, tal como no mundo das formigas, com percursos aleatórios a partir do qual o robô começa a deixar alguns traços de cor. A partir daí, começam a aparecer núcleos mais ou menos concentrados de manchas coloridas de acordo com comportamentos que tem a ver com o modo de interpretação do algoritmo sobre aquilo que encontra no terreno, mas que nunca é igual. A utilização de vários robôs em simultâneo, como se de um enxame se tratasse (swarm), torna o processo mais complexo e imprevisível, criando no entanto condições para que um comportamento colectivo emergente aconteça na execução de uma pintura (swarm paintings) (Fig. 5.16).

Este factor é importante no entendimento do que se está a passar. Não se trata de um sistema pré-programado para executar uma determinada tarefa bem definida e com um resultado previsível, nem de um processo baseado em algoritmos geradores de sequências aleatórias ao qual é dada toda a liberdade para fazer qualquer tipo de movimento e pintura. É um sistema baseado em regras simples que processa em tempo real a informação que lhe chega via sensores e que toma decisões (direcção de movimento e escrita no papel ou tela) baseadas em mecanismos de emulação, ou de inspiração biológica.

É este o princípio de funcionamento dos robôs baptizados pelo autor como LBot (2001), ArtSBot (2003), Botme (2003), Redbot (2003) e RAP (2006) (Moura, 2007: 40). Este último, que por extenso tem a designação de Robotic Action Painter, só inicia o trabalho na presença de espectadores e tem ainda a capacidade de decidir quando a

426 pintura está finalizada, graças a um processo de reconhecimento de padrões, terminando o processo com a assinatura da sigla RAP no canto inferior direito da sua “obra”65.

Fig. 5.16: Swarm Painting (400 x 500 cm) produzida por um conjunto de 10 robôs.

Eventualmente, a semelhança com o comportamento de um artista humano, fez com que o robô RAP passasse a fazer parte da exposição permanente do American Museum of Natural History, em Nova Iorque, curiosamente instalado no espaço denominado Hall of Human Origins onde produz as suas “obras”, que obviamente levantam interrogações sobre a condição humana e o conceito de criatividade num mundo dominado pela tecnologia66.

A autonomia que os robôs foram ganhando, nomeadamente o iniciar e finalizar o processo de pintura sem intervenção humana, assim bem como a emancipação relativamente ao seu criador na execução da própria pintura, foi um objectivo de Leonel Moura. A sua postura é a de distanciar-se o mais possível tanto da interacção com os dispositivos robóticos, como da indicação através de programação específica que

65 O modo de operação do robô RAP é descrito por Leonel Moura no catálogo da exposição realizada no Museu Municipal de Tavira em: Leonel Moura (2009). RAP, Tavira: Câmara Municipal de Tavira, p. 26.

66 Em entrevista gravada em Fevereiro de 2008 no Museu de História Natural, junto do RAP, Leonel Moura afirmou: “O facto deste Museu aceitar este robô, uma vida completamente artificial, é extraordinário. Mostra como o nosso pensamento sobre o mundo, a vida, a arte, a ciência está a mudar. Aceitamos agora que uma máquina pode fazer arte, que pode ser criativa, pode até estar num museu ao lado de fósseis humanos e ser parte da história do Homem. É admirável!” (Moura, 2009: 20).

427 determine formas, cores e comportamentos. Na sua opinião “Os robots pintores foram concebidos para pintar. Não as minhas pinturas mas as deles” (Moura, 2005: 27), assumindo que o seu papel é o de criador do DNA do “artista” mas não dos trabalhos artísticos67.

Daí a proclamação de uma arte simbiótica, resultado da colaboração de humanos e máquinas, que Leonel Moura publicou sob a forma manifesto em 2004 – Manifesto da Arte Simbiótica68 – reforçado num segundo momento pelo Manifesto de Istambul (2011)69.

Os manifestos, historicamente associados a posições políticas e artísticas, constituem-se, contrariamente a um ensaio, como declarações de intenções, apresentando-se como uma crítica ao status quo e ao mesmo tempo uma via de acesso à sua renovação na afirmação de um conjunto de novos pressupostos.

No Manifesto de Arte Simbiótica essas declarações resumem-se a 6 pontos:

1 – As máquinas podem fazer arte 2 – Homens e máquinas podem fazer arte simbiótica. 3 – A arte simbiótica é um novo paradigma que abre novos caminhos para a arte. 4 – Implica o abandono definitivo da manufactura e do reino da mão em arte. 5 - Implica o abandono definitivo da expressão pessoal e da centralidade do artista/humano. 6 – Implica o abandono definitivo de qualquer pretensão moralista ou espiritual, assim como qualquer propósito de representação.

67 Numa referência às pinturas feitas a partir da acção simultânea de um conjunto de robôs idênticos (swarm paintings) Leonel Moura refere: “[…] But in the ´swarm art´ the essential decisions for the emergence of the forms belong entirely to the ant-swarm. Therefore this ´art ´ cannot be attributed to any human being, even not to the author of the algorithm. That is, the programmer creates the ´DNA´ of the ´artist´ but not the art works.” Em “Swarm Paintings: Non-Human Art” - http://www.leonelmoura.com/aswarm3.html (consultado em 10 de Agosto de 2015)

68 Manifesto assinado por Leonel Moura e pelo professor e engenheiro Henrique Garcia Pereira http://www.lxxl.pt/artsbot/indexpt.html (consultado em 27 de Outubro de 2014)

69 Assinado por Leonel Moura, Henrique Garcia Pereira, e pelo artista Ken Rinaldo.

428 Para Leonel Moura, “O papel do artista simbiótico é a partir de agora criar artistas não-humanos e cooperar com eles para a produção de arte” (Moura, 2004), ideia que tem continuidade no Manifesto de Istambul ao afirmar peremptoriamente na sua última frase: “ O grande artista de amanhã não será humano.”70

Obviamente que estas afirmações, inseridas num contexto de manifesto, devem ser apreciadas nessa óptica particular e interpretadas mais como alarmes que soam para despertar emoções e sugerir linhas de discussão, do que verdades com uma lógica racional e irrefutável.

Embora em meados dos anos 90 o interesse por estas questões ligadas à robótica e à inteligência artificial tenham representado uma mudança paradigmática nos interesses de investigação artística de Leonel Moura, que o levaram a integrar a tecnologia e os campos da investigação científica na sua produção, há no entanto inquietações e referências que são comuns aos períodos antes e depois dessa década nomeadamente, como já referido, a influência de um pensamento crítico influenciado por Guy Debord, que lhe serve como articulação para desmontar as estruturas e esquemas da sociedade contemporânea, e uma busca constante do papel activo do artista nessa mesma sociedade.

O texto de Leonel Moura “1979 – À Procura de Outra Coisa”, inserido no catálogo da exposição Potlatch ou a Morte do Artista (1979), dá justamente nota de um duplo intento que tem a ver com esse último aspecto, por um lado “ […] o fim de um período de actividade artística, realizada ainda dentro dos moldes considerados convencionais” e por outro “[…] o desejo de partir em busca de qualquer coisa de diferente no que concerne a feitura e divulgação de arte” (Moura, 1978: 7 e 9). Estes objectivos são simbolizados pela morte consciente do artista, ou pela sua entrega ritualística (tratando-se de uma interpretação da tradição cerimonial de Potlatch), na sequência final de imagens que constituem a série fotográfica da exposição.

Estas “mutações” artísticas e sucessivas “mortes” tiveram expressão em 2004 no seu Manifesto de Arte Simbiótica ao declarar que:

“A arte tal como a conhecemos morreu. E desta vez é definitivo e oficial.

70 “The great artist of tomorrow will not be human.” (Moura, 2011)

429 Tantas vezes declarada durante o século passado mas nunca realmente conseguida, a morte da arte é agora um facto. Não por mero desejo ou retórica vanguardista, mas porque as condições de produção artística se alteraram bruscamente. De súbito toda a arte contemporânea transformou-se em arte antiga. Porque finalmente se abandonou uma ideia de arte como produto da exclusiva criatividade humana, para se passar directamente à criação de artistas não-humanos.”

Mais uma vez esta afirmação deve ser entendida num contexto provocador como estratégia para obrigar a uma reflexão séria sobre um conjunto de temas que tem a ver com a noção de criatividade, de impulso artístico, de autonomia da obra de arte, e da capacidade dos algoritmos de inteligência artificial na geração de objectos estéticos.

É óbvio que para além da produção de obras executadas pelos robôs são as perguntas por elas sugeridas que importa considerar como matéria de ponderação. Isto é confirmado de certo modo por Leonel Moura ao afirmar que: “Mas mais do que formas e cores aquilo que alguns de nós realmente aprecia é a ideia e o processo associado. Neste sentido as pinturas robóticas são uma arte conceptual e provocativa que questiona as fronteiras da arte tal como a conhecemos.” (Moura, 2005: 28)

430 6.4.2 – Marta de Menezes (n. 1975)

Já nascida após o 25 de Abril de 1974, e com uma actividade artística que se iniciou no fim da década de 90, Marta de Menezes teve um percurso algo singular no meio artístico português na medida em que o seu trabalho se tem desenvolvido na utilização de materiais biológicos e em colaboração com laboratórios de ciência e cientistas da área da biotecnologia.

Licenciada em pintura pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa (FBAUL) (1994-1999), é uma artista da mesma geração de Vasco Araújo (n.1975), João Pedro Vale (n.1976), João Onofre (n.1976), e de Filipa César (n.1975) que, do mesmo modo, exploraram outras plataformas após a sua formação na FBAUL, nomeadamente a instalação e o vídeo.

No caso de Marta de Menezes o seu interesse pela via da ciência foi algo estimulado pela influência familiar, tendo sido determinante na sua carreira o facto de, entre o terceiro e quarto ano do curso, poder ter frequentado os laboratórios de investigação do Instituto Gulbenkian de Ciência71. A este respeito afirmou que: “Frequentar os laboratórios do Instituto mostrou-me um universo visual completamente novo e diferente daquele a que eu estava habituada numa faculdade de belas-artes. E isso fascinou-me. Visualmente fascinou-me. E já no quarto ano da faculdade comecei a fazer os meus projectos dentro da cadeira de pintura com um interesse particular no aspecto visual dos laboratórios de investigação científica, no caso das biociências.” (Menezes, 2014: 54).

Porém, rapidamente o interesse de Marta de Menezes passou da ordem da representação meramente visual do laboratório e dos seus aparatos científicos, para se focar no trabalho efectivo dos cientistas, nas suas técnicas, métodos e resultados experimentais, como uma possibilidade de os utilizar com uma finalidade artística72.

71 “É importante as pessoas perceberem que a minha mãe estudou física e química e o meu pai sempre adorou História. […] A outra pessoa que mais me influenciou foi o irmão do meu pai, o meu tio Fernando, que era um apaixonado pela ciência. […] Encontrava-me a frequentar a Faculdade de Belas- Artes, entre o terceiro e o quarto ano, quando comecei a namorar o Luís, que tinha o curso de medicina acabado e estava no fim do internato a pensar se iria fazer o doutoramento em biologia. E efectivamente nessa altura, no primeiro ano do doutoramento do Luís, é que eu consegui ter pela primeira vez acesso a laboratórios de investigação científica como o do Instituto Gulbenkian de Ciência.” (Menezes, 2014: 52 e 54).

72 “A partir de determinada altura a parte visual do laboratório encontrava-se esgotada […]. Comecei então a interessar-me mais pelo que os cientistas estavam a fazer, pelo que andavam à procura, porque estavam a trabalhar com determinadas células ou certos organismos, e pelas estratégias que estavam a

431 Em 1998, e enquanto ainda frequentava o curso de pintura na FBAUL, foi desperta por um trabalho científico num laboratório do Institute of Evolutionary and Ecological Sciences na Universidade de Leiden na Holanda, no qual se desenvolvia investigação sobre a evolução biológica de espécies de borboletas introduzindo modificações nos padrões das suas asas. O interesse motivado por esta investigação permitiu-lhe no ano seguinte, entre Julho e Setembro, realizar uma residência artística nessa instituição dando início ao projecto Nature? (1999-2000), que acabou por constituir o trabalho final do curso de pintura na FBAUL.

Este projecto consistiu na modificação do padrão visual das asas de borboletas induzindo cores e formas artificiais criados pela sua intervenção que, numa leitura simplista, poderia ser assimilado a uma pintura in vivo. Para tal utilizou duas espécies de borboletas73 modificando em ambas as espécies apenas o padrão da asa anterior direita, permitindo assim uma comparação com o da asa esquerda não intervencionada (Fig. 5.17).

É importante notar que as modificações dos padrões nas asas das borboletas não foram obtidas por manipulação genética, mas por intervenção física em locais específicos do animal ainda na fase de crisálida (estádio intermédio entre lagarta e borboleta), fazendo uso de técnicas de microenxertia e de microcauterização74. Estas técnicas tanto podem modificar a cor como a forma dos padrões das asas e a sua observação só é possível nos indivíduos intervencionados, não se transmitindo às gerações seguintes.

utilizar para chegar a certos objectivos. E progressivamente é que se foi dando a mudança de eu pensar que aquilo que me estavam a explicar poderia ser transformado em projectos visuais.” (Menezes, 2014: 54).

73 Bicyclus anynana, oriundas de África, e Heliconius melpomene, oriundas da América Latina. As intervenções resultaram em mudança de padrão nas borboletas Bicyclus e mudança das manchas coloridas nas Heliconius. (Menezes, 2003a: 29-30).

74 A microcauterização, em particular, queima e modifica tecidos porém, Marta de Menezes afirma que este processo segue os protocolos laboratoriais relativamente ao bem-estar das borboletas uma vez nascidas, e que não lhes causa dor devido ao facto de não existirem nervos nas zonas de intervenção. “It is also important to note that all my procedures have followed the protocols of the laboratory, with the same concern for the well-being of the butterflies. There are no nerves in the wing; therefore the procedures do not cause pain. Also, the pupal wing tissue recovers after damage, leaving no scars visible on the adult wing […]” (Menezes, 2003: 31).

432 Fig. 5.17: Borboleta do género Bicyclus anynana com padrão modificado na asa anterior direita.

A viver desde Outubro de 1999 em Inglaterra, para frequentar o Mestrado em História da Arte e Cultura Visual na Universidade de Oxford, a carreira artística de Marta de Menezes teve início justamente com a obra Nature?, apresentada pela primeira no ano de 2000 no âmbito do festival Ars Electronica, em Linz, que contou também com uma comunicação da artista no simpósio que decorreu nos dias 3 e 4 de Setembro75, e um texto no catálogo da exposição76. Foi este evento que, de certo modo, lhe proporcionou o contacto com o meio artístico internacional no domínio da bioart, registando-se também a presença neste simpósio de Joe Davis, Oron Catts e Ionat Zurr, artistas que viria a reencontrar e, no caso dos dois últimos, colaborar mais tarde. Dava assim os primeiros passos de um percurso que passou pela sua presença em festivais, simpósios, conferências e residências artísticas mais no estrangeiro do que no nosso país.

Com efeito, foi apenas em 2003 que Marta de Menezes teve alguma visibilidade no nosso meio artístico ao participar na iniciativa 7 Artistas ao Décimo Mês na Fundação Calouste Gulbenkian77, comissariada nesse ano por Miguel Amado, onde apresentou a obra Retrato Funcional (O meu jardim Gulbenkian) (2003), uma peça que

75 A sua apresentação pode ser visionada em: http://talksandlectures.aec.at/search.php?searchtext=menezes&search=ok (consultado em 7 de Novembro de 2014).

76 Marta de Menezes (2000). “Nature?”, in, Gerfried Stocker e Christine Schöpf (ed.) (2000). Next Sex: Sex in the Age of its Procreative Superfluousness , Nova Iorque e Viena: Springer-Verlag, pp. 258-259.

77 Nessa exposição estiveram presentes Ana João Romana, Hugo Brito, Hugo Canoilas, Marta de Menezes, Nuno Pedrosa, Ricardo Jacinto e Sancho Silva. A exposição decorreu de 23 de Outubro a 18 de Janeiro de 2004.

433 surgiu na sequência de outros retratos funcionais78 desenvolvidos no ano anterior, e que tinham sido exibidos em Oeiras no centro de artes experimentais Lugar Comum79, integrado nas instalações da Fábrica da Pólvora em Barcarena.

A designação do título de retrato funcional provém da técnica utilizada pela artista, a ressonância magnética nuclear funcional (em inglês denominada de functional Magnetic Ressonance Imaging ou, abreviadamente fMRI), uma prática derivada da ressonância magnética utilizada em pesquisa científica e medicina que permite, por via de aumento do fluxo sanguíneo às regiões cerebrais empenhadas num determinado processo, visualizar as zonas do cérebro com maior actividade através da diferente coloração de um conjunto de imagens obtidas por scanning em corte.

Marta de Menezes utilizou esta técnica colocando diferentes indivíduos no interior do aparelho e indicando-lhes que realizassem determinada tarefa. Em Patricia Playing Piano (2002) a cientista Patrícia Figueiredo simulou tocar piano enquanto o aparelho fazia o scanning do seu cérebro. Já para a exposição na Gulbenkian a artista apresentou dois auto-retratos funcionais: um enquanto desenhada uma paisagem do jardim da Fundação Calouste Gulbenkian a partir de uma fotografia, e outro enquanto desenhava a mesma paisagem recorrendo apenas à sua memória. Na exposição foram mostrados os dois retratos funcionais sob a forma de vídeo, os dois desenhos que realizou e a fotografia do jardim (Menezes, 2005).

A Marta de Menezes não interessava a interpretação analítica das imagens obtidas por fMRI - este seria o objectivo do cientista - mas apenas o conjunto das imagens em si como um complemento ou uma extensão do retrato fisionómico de alguém que executava duas actividades idênticas, um desenho. Tal como refere o título do artigo que na altura escreveu, Retratos Funcionais: Visualizando o Corpo Invisível80, a artista procurava ir à procura de um corpo para além da forma, para além do que o retrato fotográfico tradicional ou a pintura podiam mostrar, não deixando de estar o retrato funcional intrinsecamente ligado àquele corpo e àquela actividade naquele

78 Ver: http://martademenezes.com/portfolio/functional-portraits/ (consultado a 1 de Julho de 2015)

79 Este centro de arte experimental tinha sido inaugurado em 2000 como uma extensão do Clube Português de Artes e Ideias. Os retratos funcionais de Marta de Menezes integraram a exposição A Biologia como Artmedium, comissariada por Jorge Barreto Xavier, na altura com funções de direcção do centro, e presidente do Clube Português de Artes e Ideias (1986 a 2003).

80 Marta de Menezes (2005). “Retratos Funcionais: Visualizando o Corpo Invisível”, in, Nada, No. 4, Janeiro de 2005, Lisboa: Edição UR, pp. 96-101.

434 momento e circunstância. A este respeito Marta de Menezes referia que, “Como artista estou interessada no evento único. Pelo que aquilo que faço é arte e não ciência.” (Menezes, 2005:101), distanciando-se das finalidades técnicas da imagiologia científica apropriada pela artista para outras finalidades, no caso “[…] fazer retratos em que a função do cérebro é parte integrante das imagens” (Menezes, 2003:71).

Este projecto, desenvolvido entre 2002 e 2003, insere-se num conjunto de preocupações que se inscrevem, em abstracto, no universo da procura de uma identidade, e que tiveram continuidade nos projectos Nuclear Family (2004), Extended Family (2004) e Retrato Proteico (2003-2007), nos quais a investigação da artista procura novos enunciados e coordenadas, incidindo em particular sobre a identidade biológica passando, para tal, pelo trabalho em laboratório e pelo recurso a técnicas de biologia molecular comuns na pesquisa científica.

Na verdade, em termos biológicos, o que permite diferenciar um organismo vivo de outro é o seu genótipo, e portanto faz todo o sentido procurar a raiz da identidade naquilo que é comum e ao mesmo tempo diferente, o seu ADN.

Nos dois primeiros projectos a artista serviu-se justamente do ADN como matéria-prima do seu trabalho, usando-o em Nuclear Family (2004) como termo de comparação entre seres da mesma espécie (humanos mas com características diferentes), fazendo em Extended Family (2004) a mesma comparação mas com seres de espécies diferentes (humanos, moscas da fruta e peixes-zebra).

Estes projectos, desenvolvidos sob a forma de instalações, chamam a atenção para aquilo que a investigação científica já tinha avançado, ou seja, para a semelhança genética dentro da mesma espécie e entre espécies diferentes.

No processo do desenvolvimento do seu trabalho Marta de Menezes utilizou vários DNA microarray, um dispositivo utilizado em microbiologia e genética para identificar os genes activos numa determinada célula. De um modo simplista a técnica consiste na produção de uma matriz de silício de reduzida dimensão dividida em pequenas células denominadas de spots, onde são colocadas determinadas amostras de ADN sintético com uma sequência de bases conhecida correspondente a um determinado gene, e que serve de referência. A combinação ou não do ADN de referência de um determinado spot com o ADN da amostra que se pretende analisar,

435 produz uma determinada cor que indica se o respectivo gene existe na amostra em análise ou não81.

Em Nuclear Family82 a artista concebeu uma instalação que consistia em estruturas cúbicas abertas e justapostas, cada uma identificada com um grupo de pessoas com determinadas características, que podiam ser físicas (cor dos olhos, cor do cabelo,….) ou não (religião, vegetariano,…), existindo sempre na junção de dois cubos a reprodução ampliada em placa de acrílico transparente do DNA microarray com as cores respectivas83, resultado da combinação do ADN dos dois grupos (Menezes, 2003: 83). As estruturas cúbicas tinham cerca de dois metros de lado de modo a que os visitantes pudessem circular e posicionar-se numa das estruturas fazendo nessa altura também parte da instalação e simulando pertencer ao grupo identificado com o cubo (fig. 5.18). Em Extended Family84 a ideia era semelhante porém, além dos visitantes humanos que ao integrarem os cubos passavam a ser parte da instalação, existia também um cubo de material transparente com moscas da fruta, e um aquário cúbico com peixes-zebra, juntando deste modo às amostras dos genótipos, patentes na representação dos DNA microarrays, os diferentes fenótipos.

A obra Retrato Proteico (2003-2007)85 dá continuidade às questões relacionadas com a identidade, reforçadas pela utilização da palavra retrato no título da obra que aqui tem mais uma função mediadora de sentido para uma poética alargada do retrato, do que propriamente para o estabelecimento de uma relação de reconhecimento e imediatez entre um sujeito e a sua representação.

81 Marta de Menezes dá uma explicação mais detalhada do processo em Família Alargada e Família Nuclear (Menezes, 2003b: 77- 83).

82 http://martademenezes.com/portfolio/nuclear-family/ (consultado em 10 de Julho de 2015)

83 A cor amarela indica que ambas as células têm o gene do respectivo spot; a cor vermelha ou verde indica que apenas uma das células tem o gene do respectivo spot; a cor negra indica que nenhuma das células tem o gene de referência.

84 http://martademenezes.com/portfolio/extended-family/ (consultado em 10 de Julho de 2015)

85 http://martademenezes.com/portfolio/proteic-portrait-2/ (consultado em 10 de Julho de 2015)

436 Fig 5.18: Vista da instalaçãoNuclear Family (acima). Padrão colorido resultante do DNA microarray (ao lado).

Nesta obra, que se pretende um auto-retrato, Marta de Menezes utilizou aminoácidos como meio artístico para a criação de uma proteína sintética, que denominou de mArta, e que constitui, na sua tridimensionalidade, uma micro-escultura. A relação entre esta escultura proteica e a sua criadora parte conceptualmente da relação que a artista estabeleceu entre a seriação de todas as letras que constituem o seu nome completo (Marta Isabel Sobral Ribeiro de Menezes da Silva Graça) e as vinte letras que, cientificamente, são as designações abreviadas dos vinte aminoácidos endereçados directamente pelo código genético86.

Pelo facto de não existirem todas as letras do alfabeto nas designações dos aminoácidos (não existem as letras O e B, por exemplo), Marta de Menezes substituiu as letras O por W, o B por V, e o Z por S na sequência da criação da proteína mArta que ficou com a forma:

MARTAISAVELSWVRALRIVEIRWDEMENESESDASILVAGRACA

Cada letra designa um aminoácido, e como uma proteína é constituída por uma sequência linear de aminoácidos ditada pelo código genético do ADN das células, foi

86 Por exemplo a letra M designa a Metionina, a letra A a Alanina, e a letra R a Arginina.

437 também necessário sintetizar um segmento de ADN que contivesse o necessário código para a geração da proteína e replicar este mesmo segmento, no caso feito através da sua inserção no plasmídeo de bactérias Escherichia coli, que se encarregaram, por sua vez, de produzir uma quantidade apreciável da proteína com a finalidade de permitir o seu estudo volumétrico (Menezes, 2009: 13). Esse estudo permitiu inferir sobre a natureza tridimensional da estrutura da proteína, o que levou Marta de Menezes a construir um pequeno modelo escultórico fabricado de um polímero biodegradável revestido de células vivas do seu próprio corpo, com a finalidade de lhe dar uma visibilidade física podendo assim, conceptualmente, estabelecer-se uma relação de representação identitária entre a escultura proteica, e o nome, embora adulterado, da sua criadora.

Contudo, Marta de Menezes levou mais longe a reflexão sobre este seu auto- retrato considerando que:

“Este objecto, a escultura de mArta na escala visível é um mero passo desta viagem. Por este motivo, a instalação de mArta representa o processo: as notas de laboratório, a proteína purificada, os cristais de mArta, as ideias e os conceitos imateriais, os planos, os enganos e as relações que se estabeleceram com todos os colaboradores deste projecto. Todo este conjunto é o que me retrata.” 87(Menezes, 2009: 15)

Efectivamente, na exposição desta obra sob a forma de instalação em 2007, no MEIAC (4 de Outubro a 11 de Novembro) em Badajoz, a artista alargou o âmbito da escultura biológica já mencionada, apresentando uma bancada de trabalho sobre a qual existiam um vasto conjunto objectos relacionados com o trabalho da equipa que com ela colaborou e que incluíam notas, registos de procedimentos, esquemas, material de ensaio de laboratório, computadores com apresentações em vídeo realizadas durante o trabalho em laboratório, imagens científicas, projecção mostrando os cristais da proteína, etc, mais parecendo a recriação de uma bancada de trabalho de um cientista do que o trabalho de um artista (Menezes 2007: 22), mergulhando deste modo o visitante numa envolvente cultural e científica que complementava o retrato biológico da artista e que fazia parte, em boa verdade, da sua identidade como criadora.

87 Tradução do autor. No original: “Este objeto, la escultura de mArta en la escala visible es un mero paso de este recorrido. Por este motivo, la instalación de marta representa el proceso: las notas de laboratório, la proteína purificada, los cristales de marta, las ideas y los conceptos inmateriales, los planes, los enganos y las relaciones que se establecieron com todos los colaboradores de este proyecto. Todo este conjunto es el que me retrata”

438 Um outro aspecto desta obra que poderia passar despercebido mas que não é de menor importância, é o da fabricação de uma proteína que não existe na natureza utilizando os mecanismos naturais da reprodução de bactérias com um código genético modificado. Sabendo que os aminoácidos são como que tijolos na construção das proteínas, e que estas são estruturantes para a existência equilibrada e saudável de qualquer organismo, dominar tecnologicamente os meios para a sua produção abre campos de investigação que tanto podem ser úteis (produção de insulina, actividades terapêuticas) como podem ser eticamente pouco recomendáveis ou mesmo reprováveis (acções de guerra biológica).

No caso, a proteína mArta foi criada com uma finalidade puramente estética, mas Marta de Menezes, ao conceber este projecto e ao utilizar as capacidades tecnológicas para a sua produção, torna mais visível esse “admirável mundo novo” da engenharia genética na qual o natural e o artificial se confundem, tensões que a própria artista confessa serem recorrentes nos seus trabalhos88.

A natureza dos seus projectos passa sempre pela parceria com cientistas e laboratórios de investigação, normalmente no estrangeiro, que dispõem dos conhecimentos e da tecnologia necessária para os levar por diante. Foram exemplos o MRC Clinical Sciences Centre, integrado no Imperial College de Londres (Nucleart), ou a Division of Structural Biology, da Universidade de Oxford (Retrato Proteico).

Uma das poucas excepções realizadas em Portugal foi a obra Decon: Desconstrução, Descontaminação, Decomposição (2007)89, desenvolvida em Lisboa no Instituto de Tecnologia Química e Biológica (ITQB). Este projecto valeu-se do conceito de biorremediação, em investigação naquela instituição, que Marta de Menezes aplicou numa vertente artística.

A biorremediação basicamente consiste na utilização de microorganismos para a decomposição de poluentes orgânicos tóxicos em ambientes contaminados, reduzindo a sua toxicidade ou mesmo transformando-os em substâncias inócuas. Na altura, no ITQB, investigavam-se as “[…] formas de degradar corantes têxteis e altamente

88 “La proteína mArta tembién es fruto de uma tensión entre lo natural y lo artificial, un tema recurrente en mi trabajo. mArta es algo natural, producido por bactérias y utilizando aminoácidos naturales, pêro que nunca existió en la naturaleza. Es algo natural y a la vez artificial.” (Menezes, 2009: 15)

89 http://martademenezes.com/portfolio/decon-deconstruction-decontamination-decomposition/ (consultado em 10 de Julho de 2015)

439 poluentes utilizando bactérias inofensivas ao meio ambiente e ao Homem.” (Menezes, 2007b: 99). Foram os testes com corantes de diferentes tonalidades efectuados no laboratório deste Instituto que chamaram a atenção da artista, no sentido de desviar a sua utilidade prática, ligada à investigação da descontaminação ambiental por processos biológicos, para promover utilização do mesmo princípio na substituição dos pigmentos utilizados em pintura por estes corantes, aos quais adicionou organismos (bactérias do tipo Pseudomonas putida) cuja função era fazer desaparecer gradualmente a cor estabelecendo assim um ciclo de vida próprio da pintura.

O projecto de Marta de Menezes90 consistiu na reprodução de obras de Mondrian91 (de que é exemplo Composition with Large Red Plane, Yellow, Black, Gray, and Blue, 1921), com o formato de caixas de acrílico transparente (50 x 50 cm) divididas em secções de diferentes dimensões, em que algumas continham agar (nutriente utilizado no cultivo de bactérias em laboratório) pigmentado com a cor correspondente à secção da obra em questão. De cada peça foram feitos dois exemplares semelhantes. No primeiro foram introduzidas as bactérias que, à medida que se reproduziam, iam decompondo o pigmento e fazendo desaparecer a cor ao longo do tempo de exposição da obra; contrariamente no segundo exemplar, que não continha bactérias, a cor não sofria alteração sendo a sua função apenas de referência para controlo da visualização do processo.

A artista com esta peça, além das implicações plásticas de uma obra efémera e de, nas suas palavras, “ […] criar uma obra de arte que está literalmente viva e em mudança.” (Menezes, 2007b:105), pretendia que a mesma fosse um exemplo do relacionamento do artista com o cientista. A existência da segunda caixa de controlo, que não sofre alteração de cor, faz parte da obra apenas porque em ciência experimental existe essa noção de grupo de controlo. Segundo Marta de Menezes, “Existem duas caixas porque se trata da colaboração com um cientista. Se fosse apenas o meu projecto existia apenas uma caixa, já que não preciso de uma caixa de controlo para nada.” (Menezes, 2014: 64).

90 A descrição do projecto apoia-se no seguinte artigo da autora: Marta de Menezes (2007b). “Decon: Desconstrução, Descontaminação, Decomposição”, in, Nada, nº 9, Março de 2007, pp. 98-109.

91 Segundo Marta de Menezes a escolha de Piet Mondrian não foi sem uma razão de ser, estando ligada à sua noção de neo-plasticismo (Menezes, 2007b: 100-104).

440 Esta relação do artista com o cientista, e do ambiente em que se desenrola o trabalho de ambos, é caro a Marta de Menezes que se debruça de uma maneira reflexiva sobre o papel do laboratório e da investigação em arte, tal como um cientista investiga em ciência ou no âmbito do desenvolvimento tecnológico. Em 2010 Marta de Menezes fazia o diagnóstico do que se passava em Portugal referindo que: “Não há investigação em arte nas universidades. Os cursos em arte são cursos para formar futuros artistas e não investigadores académicos em arte” (Menezes, 2010: 50).

A possibilidade que teve de frequentar diferentes laboratórios e trabalhar continuamente em ambiente de investigação científica, permitiram-lhe explicitar um pouco melhor o que significava investigação em arte na sua perspectiva, afirmando que: “A razão pela qual considero o processo de desenvolvimento do meu trabalho […] como investigação artística deve-se ao facto da natureza desse processo implicar a manipulação de material vivo com aplicação de conhecimentos de biologia para expressão artística” (Menezes, 2010:52), algo que Marta de Menezes fazia com esforço próprio no acompanhamento da investigação científica em diferentes áreas especializadas da biologia desde 1999. A sua postura relativamente à investigação em arte é a mesma do cientista, ou seja publicar, expor e partilhar processos e métodos, referindo a este propósito que, “Quanto mais explorar as áreas científicas e em especial a biologia, para criar as minhas obras, mais hipóteses abro a outros artistas de desenvolverem os seus trabalhos em áreas semelhantes.” (Menezes, 2010: 52)

Esta postura e os conhecimentos que foi adquirindo ao longo dos anos, levaram- na em 2006 a criar em Portugal o que eventualmente se pode designar de uma agência para a promoção de residência artísticas em instituições de investigação científica nacionais. O projecto, denominado Ectopia, foi concebido por Marta de Menezes, tendo na altura como base de acolhimento o Instituto Gulbenkian de Ciência em Oeiras, mas que, desde 2009, se constituiu como uma entidade legal e independente com sede em Lisboa.

A designação de Ectopia, um vocábulo que significa fora do lugar, pretendia, por um lado, invocar esse lugar estranho ao artista que ia trocar o seu atelier tradicional por um laboratório científico de investigação no qual desenvolveria o seu trabalho criativo, por outro lado, dava também a indicação que as residências seriam feitas fora da organização, já que esta não se constituía como um laboratório experimental ou uma unidade de investigação. O projecto tinha como intenção servir apenas de interface entre

441 as necessidades do artista e a escolha da instituição mais adequada à proposta apresentada, providenciando, portanto, apenas as condições de acolhimento para a sua viabilidade.

Marta de Menezes afirma que, “Idealmente o artista propõe um projecto, nós encontramos o cientista que se enquadra no âmbito da investigação desse projecto que esteja disposto a trabalhar com esse artista e esse artista vai passar uma temporada no laboratório desse cientista a desenvolver o seu projecto” (Menezes, 2014: 79), o que não deixa de ter algumas semelhanças com a organização Experiments in Art and Technology que Robert Rauschenberg e Billy Klüver criaram em 1966, numa altura em que também os artistas tinham dificuldade de acesso tanto à tecnologia, nomeadamente à computação, como aos especialistas e engenheiros nas diferentes disciplinas que necessitavam para os seus projectos.

A experiência internacional de Marta de Menezes na realização das suas obras em residências artísticas em diferentes instituições até à altura92, foi determinante para verificar a necessidade desse elo importante quando se tratava de desenvolver trabalho artístico de base tecnológica e laboratorial. A experiência pessoal na residência artística que levou a cabo entre 2004 e 2005 no laboratório de investigação SymbioticA, gerido por artistas e cientistas e sediado num campus universitário em Perth na Austrália93, serviu de certo modo de modelo94 e inspiração para a criação da Ectopia porém adaptado à realidade portuguesa, já que não dispunha nem física nem financeiramente dos recursos de um laboratório de investigação.

92 1999 - Institute of Evolutionary and Ecological Sciences, Universidade de Leiden, Holanda (projecto Nature?), 2000-2004 - MRC – Clinical Sciences Centre, Imperial College for Science, Technology and Medicine, Londres, Reino Unido (projecto nucleArt) 2004 - Department of Structural Biology, Universidade de Oxford, Reino Unido ( projecto Proteic Portrait) 2004-2005 - SymbioticA, School of Anatomy and Human Biology, University of Western Australia, Perth, Australia. (projecto Tree of Knowledge)

93 http://www.symbiotica.uwa.edu.au/ (consultado em 13 de Julho de 2015).

94 Um dos objectivos da residência artística, subsidiada pelo Instituto das Artes/Ministério da Cultura, era também o de criar em Portugal um modelo de uma organização semelhante à SymbioticA (http://www.symbiotica.uwa.edu.au/residents/de-menzies - consultado em 13 de Julho de 2015).

442 Embora com algumas dificuldades de percurso95 a Ectopia estabeleceu relações e facilitou residências artísticas nas seguintes instituições: Instituto Gulbenkian de Ciência (Marta de Menezes, Maria Manuela Lopes, Lucy Lions, Rita Cachão), Instituto de Medicina Molecular (Maria Manuela Lopes, Tagny Duff), Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa (Tagny Duff), Cento de Computação Gráfica da Universidade do Minho/ engageLab (Arcangel Constantini, André Sier)96.

Com um âmbito mais alargado e com um foco diferenciado da Ectopia, Marta de Menezes criou em 2009 a associação Cultivamos Cultura97, em São Luís no concelho de Odemira, que patrocina do mesmo modo residências artísticas, mas também exposições, conferências, workshops, e projectos integrados com o ambiente natural envolvente e com a comunidade local.

A relação entre a Ectopia e a Cultivamos Cultura tem expressão nas Summer School, organizadas nesta associação desde 2013, que congrega artistas nacionais e internacionais no sentido de uma aprendizagem, experimentação e produção artística na intersecção entre a arte e as ciências biológicas.

Marta de Menezes, além da vertente artística própria, teve também um papel relevante na organização de eventos para a divulgação das confluências entre arte e ciência, assim bem como na curadoria de exposições dentro destas temáticas, por vezes através das organizações Ectopia e Cultivamos Cultura que criou.

Foi o caso do encontro entre arte e ciência que teve lugar no Museu Nacional Soares dos Reis (Porto, 21 de Julho de 2007), organizado pelo projecto Ectopia em conjunto com o Instituto de Biologia Molecular e Celular / Instituto de Engenharia Biomédica (IBMC. INEB Laboratório Associado) da Universidade do Porto, que baseou os seus trabalhos em torno de dois simpósios subordinados aos temas Borders Cultures or Art and Science Intersections, e Co-habitation and Dialogue Between the

95 Em entrevista em 2008, Marta de Menezes tinha a expectativa de que no futuro a Ectopia coordenaria uma rede internacional de agências e curadores que tinham vindo a trabalhar nas áreas da ciência, arte e tecnologia e que, nesse sentido, participaria activamente na investigação, produção e exibição de projectos de arte e ciência (http://rhizome.org/editorial/2008/aug/20/interview-with-marta-de-menezes/ - consultado em 13 de Julho de 2015). Porém, em 2014 referia-se ao projecto Ectopia do seguinte modo: “Continuo a achar que a Ectopia é como se não existisse realmente porque ainda não senti que corresse por si própria. Até agora têm sido sempre residências pontuais e sempre muito apoiadas por mim no sentido em que ainda não conseguimos um programa continuado de actividades que funcione.” (Menezes, 2014: 79).

96 http://martademenezes.com/curatorial-work/ (consultado em 13 de Julho de 2015).

97 https://www.cultivamoscultura.org/pt-pt/ (consultado em 14 de Julho de 2015).

443 Arts and the Sciences98. Este encontro teve continuidade no ano seguinte numa segunda edição denominada hYbrid: Reflections on Art and Science (31 de Maio de 2008), no mesmo local mas mais extensa, e que incluiu, além de debates e conferências de um painel de convidados de referência99, uma mostra artística com a curadoria de Marta de Menezes que esteve patente de 29 de Maio a 4 de Junho.

O conhecimento do meio artístico e académico na conjugação da arte e da ciência que ao longo do seu percurso foi acumulando, permitiram-lhe mais tarde ser convidada para curadora da exposição Emergências (16 de Junho a 2 de Setembro de 2012) na Fábrica ASA em Guimarães, integrada nas comemorações desta cidade como Capital Europeia da Cultura.

Esta exposição que, na opinião da sua curadora, se assumiu como experimental em todas as suas vertentes100, teve como projecto apresentar obras e artistas que pesquisavam novos meios de expressão artística recorrendo por vezes a laboratórios de investigação científica para a sua realização (biotecnologia, computação gráfica, etc.), mas também obras emblemáticas já consagradas em eventos anteriores como biennalle.py101, um vírus informático criado em 2001 como obra artística e apresentado

98 http://www.ibmc.up.pt/hybrid/content.php?menu=2&old=1&submenu=29&meeting_submenu_id=15 (consultado em 14 de Julho de 2015).

99 Beatrice Allegranti (artista, coreógrafa, e investigadora, UK), Siân Ede (directora do programa artístico da Fundação Calouste Gulbenkian de Londres,UK), George Gessert (artista e editor da secção de arte e biologia para a revista Leonardo, USA), Jens Hauser (curador e investigador em arte e tecnologia, DE/FR), Louis-Marie Houdebine (director de investigação do Institute National de la Recherche Agronomique, investigador em organismos transgénicos e bioética, FR), Riccardo Manzotti (professor de psicologia e investigador em neuro-estética, IT), Mário Montenegro (director do teatro Marionet. Relação entre ciência e teatro, PT), Kira O’Reilly (artista, práticas performativas e biotécnicas em torno do corpo, UK) Jill Scott (artista, co-directora do programa Artists-in-Labs e professora no Institute of Cultural Studies em Zurique, CH) Jennifer Willet (artista e investigadora no campo biotecnológico, CA), Ionat Zurr (artista, co-fundadora do Tissue Culture and Art Project, AU), Robert Zwijnenberg (professor de história da arte e relações com a ciência e tecnologia na Universidade de Leiden, membro fundador do The Arts and Genomics Centre, em Amesterdão, NL). Referências mais completas em: http://www.ibmc.up.pt/hybrid/content.php?menu=2 (consultado em 14 de Julho de 2015)

100 Em entrevista à revista arqa – Arquitectura e Arte (No. 104, Nov/Dez/2012, p.114) Marta de Menezes afirma: “Esta exposição foi um desafio interessantíssimo que decidi, teria de ter um componente experimental em todas as suas facetas, quer na selecção de peças, artistas, espaços de residência (como o Centro de Computação Gráfica da Universidade do Minho, a Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa e a Associação Cultivamos Cultura em Odemira) e mesmo na concepção do espaço expositivo com a ajuda do arquitecto José Pedro Sousa ou na criação da identidade visual com a MoshiMoshi.”

101 http://epidemic.ws/biannual.html (consultado em 25 de Julho de 2015).

444 na 49ª Bienal de Veneza nesse mesmo ano, produzido pela dupla Eva e Franco Mattes

(conhecida como 0100101110101101.org) e o grupo epidemiC.

Num cruzamento entre arte, ciência e tecnologia, das dezoito obras apresentadas102 algumas foram desenvolvidas para esta exposição em residências artísticas que decorreram no âmbito da Guimarães Capital Europeia da Cultura, de que é exemplo Lampsacus, de André Sier, e Magnetoplankton, de Arcangel Constantini, ambas realizadas no engageLab (http://www.engagelab.org/) integrado no pólo de Guimarães da Universidade do Minho, e WetNet, de Tagny Duff, na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa. Outros artistas apresentaram obras que tinham sido objecto de residências artísticas via Ectopia, como Ethology I (2007), de Maria Manuela Lopes, no Instituto Gulbenkian de Ciência, ou via Cultivamos Cultura, em Odemira, como Instrumentation (2010), de Peter Flemming, ou Social Airbags (2011), de Roman Kirschner.

Este percurso diversificado de Marta de Menezes (artista, curadora, investigadora e educadora), cuja actividade tem passado essencialmente por trabalho em laboratórios de investigação e pelo contacto com cientistas, permite-lhe uma percepção diferenciada do entendimento que normalmente se tem sobre a relação da arte com a ciência e a tecnologia. Para a artista não há antagonismos mas antes sinergias que devem ser aproveitadas e que são benéficas para ambas as partes. O artista, não estando sujeito às regras da prova científica pode, com a sua liberdade criativa, conduzir experiências e produzir resultados inusitados que, eventualmente, podem levar os cientistas a pensar novas vias de investigação. Por outro lado, o diálogo e o contacto com os investigadores e com o laboratório podem ser importante no entendimento das possibilidades plásticas de um processo tecnológico. Ambas as situações se passaram na carreira de Marta de Menezes (projectos Nature? e Decon) que acredita no papel partilhado da arte e ciência no entendimento da experiência humana.

102 Biennale.py (Eva e Franco Mattes, e epidemiC, 2001), Blue Remix (Yann Marussich, 2007), Community (Terike Haapoja, 2007), Ethology I (Maria Manuela Lopes, 2007), Every Icon (John F. Simon, 1996), Instrumentation (Peter Flemming, 2010), IP Poetry (Gustavo Romano, 2007), Just Noticeable Difference (JND) (Chris Salter, 2010-2013), La Máquina Podrida aka La Desdentada (Brian Mackern, 1999-2004), Lampsacus (André Sier, 2012), Latro (Mike Thompson, 2010), Magnetoplankton (Arcangel Constantitni, 2012), NETescopio (Gustavo Romano, repositório de netart do MEIAC iniciado em 2008), Social Airbags (Roman Kirschner, 2011), Train (John Klima, 2005), Voltar (Shawn Brixey, 2012), Waves (Daniel Palácios, 2006-2007), WetNet (Tagny Duff, 2012).

445

446 Considerações Finais

“MOIST MANIFESTO

MOIST SPACE is where dry pixels and wet molecules converge. MOIST ART is digitally dry, biological wet, and spiritually numinous. MOIST REALITY combines Virtual Reality with Vegetal Reality. MOIST MEDIA comprises bits, atoms, neurons, and genes. MOIST TECHNOLOGY is interactive and psychoactive. MOIST LIFE embraces digital identity and biological being. MOIST MIND is technoetic multiconsciousness. MOISTWARE erodes the boundary between hardware and wetware. MOIST MANUFACTURE is tele-biotic, neuro- constructive, nano-robotic. MOIST ENGINEERING embraces ontology. MOIST DESIGN is bottom-up, seeded and emergent. MOIST COMMS are bio-telematic, and psi- bernetic. MOIST ART is at the edge of the Net.”

Roy Ascott, 20001

Enquanto a frase de António Cerveira Pinto, citada no capítulo de introdução deste trabalho, tinha a ver com as condições e com as dificuldades sentidas na passagem do século na aceitação dos novos meios artísticos por parte das instituições e da crítica, sensivelmente na mesma altura, o discurso visionário de Roy Ascott, propunha para o

1 O The MoistMedia Manifesto foi apresentado pelo autor como uma instalação de vídeo no decorrer do gr2000az Kunst – Wissenschaft – Kommunikation, em Graz (Áustria) entre Maio e Outubro de 2000. O “Moist Manifesto” foi originalmente publicado em Helmut Konrad e Richard Kriesche (eds.) (2000). Kunst, Wissenchaft, Kommunikation: comm..gr2000az, Vienna e Nova Iorque: Springer Verlag, pp. 44- 49.

447 século XXI um cruzamento entre arte, ciência, tecnologia e consciência humana, enunciado no seu Moist Manifesto.

Roy Ascott é uma referência incontornável não só do ponto de vista artístico, mas também no domínio da reflexão crítica e do ensino ligados às novas mediações artísticas2, cuja carreira, com mais de 50 anos, foi reconhecida com a atribuição do galardão Golden Nica na categoria de Visionary Pioneers of Media Art, no festival Ars Electronica de 2014.

Dessa sua qualidade de visionário já demos conta no segundo capítulo deste trabalho e da sua ideia à volta do que designou de Cybernetic Art Matrix (1966/67), um complexo facilitador de comunicação e de criação artística, que hoje tem paralelo no que é designado de media lab, laboratórios com valências variáveis (computação, robótica, telecomunicações, biotecnologia, video, som, etc.) adaptáveis em cada caso à experimentação, investigação e criação artística.

Numa contínua capacidade de reflexão, os interesses de investigação de Ascott no final do século XX situavam-se em duas áreas por ele designadas de Technoetics (tecnologia e consciência) e Moist Media que, na tradução literal de “meio húmido”, conjuga os mundos inorgânico e “seco” do silício dos computadores, da programação e dos sistemas digitais, com o orgânico, fluido e “molhado” da biologia.

Este conceito de moist media é de particular interesse para o presente trabalho, já que reúne num só campo o código nas suas duas vertentes: o código binário da programação dos computadores e o código genético da biologia. A designação moist media aponta, deste modo, para a exploração de áreas artísticas em que a co-existência destas vertentes abrem novas perspectivas e, eventualmente, constituem novos paradigmas não só no fazer artístico (questões éticas, protocolos de segurança, novos tipos de formação artística e de relacionamento com a ciência e tecnologia, procedimentos de investigação, de transdisciplinaridade, etc.), mas também no relacionamento institucional com estas novas mediações (exposição, arquivo, manutenção).

2 Uma extensa descrição dos trabalhos e percurso académico de Roy Ascott pode ser consultado em: http://www.detaoma.net/UDocument/showIntroduction/?id=15575&masterid=15553 (consultado em 9 de Setembro de 2015).

448 Num diagnóstico do século XX e análise prospectiva para século XXI, Roy Ascott adiantou que, tal como no século passado o advento das tecnologias interactivas substituíram o culto do objecto artístico estático por uma cultura associada a processos e sistemas dinâmicos, também o início do século XXI se anunciava como o advento de uma reformulação artística, na medida em que as novas fronteiras conjugavam o pixel e o silício com as moléculas e a matéria viva3.

Esta reformulação passava, segundo o autor, pelo reconhecimento de que existe um espaço intersticial entre o mundo virtual (seco) da computação e das tecnologias de informação, e os domínios biológicos (molhado), designado de uma maneira metafórica como moist media (húmido) “ [...] que inclui bits, átomos, neurónios, e genes, em todo o tipo de combinações, e que constituirão o substrato da arte do nosso novo século, uma arte transformadora engajada na construção de uma realidade fluida.”4 (Ascott, 2000: 2).

A importância conjunta da biotecnologia e da computação, tanto na actividade artística como no seu impacto social, foi reconhecida pelo festival Ars Electronica que, na sua edição de 2005, adoptou a temática Hybrid – Living in Paradox.

A relevância deste tema, consubstanciou-se dois anos mais tarde na criação de uma nova categoria no âmbito do Prix Ars Electronica designada de Hybrid Art, com a finalidade de dar visibilidade a obras e artistas5 cuja actividade era relevante mas que dificilmente se enquadrava nas categorias existentes (animação computorizada/efeitos visuais, arte interactiva, musica digital/arte sonora, comunidades digitais), como o demonstraram as mais de 450 propostas artísticas endereçadas nesse ano naquela

3 “Just as the development of interactive media in the last century transformed the world of print and broadcasting, and replaced the cult of the objet d’art with a process-based culture, so at the start of this century we see a further artistic shift, as silicon and pixels merge with molecules and matter.” (Ascott, 2000: 2).

4 “Between the dry world of virtuality and the wet world of biology lies a moist domain, a new interspace of potentiality and promise. Moistmedia (comprising bits, atoms, neurons, and genes in every kind of combination) will constitute the substrate of the art of our new century, a transformative art concerned with the construction of a fluid reality”.

5 O vencedor desta primeira edição foi a organização SymbioticA (representada por Oron Catts, seu co- fundador e director artístico), um laboratório de investigação em arte e ciência sedeado na University of Western Australia em Perth (http://www.symbiotica.uwa.edu.au/), premiada não através de um trabalho específico mas como facilitadora da investigação levada a cabo por diferentes artistas, desde a sua criação em 2000, em áreas ligadas à biologia. Dos artistas citados no decorrer neste trabalho Eduardo Kac foi o vencedor do Golden Nica nesta categoria em 2009 com a obra Natural History of the Enigma (2003-2008), em 2010 foi a vez de Stelarc, com Ear on Arm, e em 2012 o galardoado foi Joe Davis com Bacterial Radio (2011).

449 categoria (deLahunta et al., 2007: 103), entre as quais a do colectivo português @c (Miguel Carvalhais e Pedro Tudela)6 que, em conjunto com a artista austríaca Lia (@c + Lia), foram premiados com uma Menção Honrosa7.

A definição da categoria Hybrid Art era algo difícil de delimitar, como reconheceram os próprios membros do júri ao referirem que, se pudessem fazer uma generalização acerca desta nova categoria, diriam que corresponde a uma mudança de interesse dos artistas, que trabalham com os novos meios, por experimentar as tecnologias materiais da biologia, da química, da mecânica e da nanotecnologia, para além das tecnologias da informação e das redes dos computadores8.

A mesma pergunta, acerca da definição de Hybrid Art, foi feita a Victoria Vesna9, um dos quatro membros do júri que integrou a premiação nesta categoria no festival do ano de 2015, e a resposta foi igualmente muito genérica como sendo “[...] algo que reside entre, à volta, acima e abaixo daquilo que é geralmente aceite como ´cultura´, e normalmente experimental na exploração de novas ideias que requerem colaboração com outras disciplinas.”10, correspondendo, deste modo, a uma categoria em constante mutação e transportando consigo um conjunto dinâmico de possibilidades artísticas que, na orientação do próprio site do Ars Electronica, podiam passar pela arte transgénica, pela software art, generative art, pela vida artificial, pela mecatrónica/robótica, por ambientes participativos ou, eventualmente, pelo cruzamento destes domínios.11

6 http://www.at-c.org/ (consultado em 10 de Setembro de 2015).

7 O júri atribuiu o prémio a @c+Lia não especificamente pela performance apresentada, The Stage is the Space and Space is the Place, mas em reconhecimento da qualidade continuada do trabalho de colaboração e da sua influência na cultura audiovisual contemporânea (deLahunta et al., 2007: 103).

8 “If we can make one generalization about the new Hybrid Art category, it is a shift in the interests of ‘new media´ artists, beyond the information technologies of the networked computer, and towards materials technologies – biological, chemical, mechanical, and (undoubtedly soon) nanotechnological.” (deLahunta et al., 2007: 105).

9 Victoria Vesna é uma artista e professora no departamento de Media Arts/Design na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA). É directora do Art/Sci Center na UCLA, um centro de investigação em arte e tecnologia, e no ano de 2000 completou o seu doutoramento no Centre for Advanced Inquiry in Interactive Arts (CAiiA), na Universidade do País de Gales, com a tese Networked Public Spaces: An Investigation into Virtual Embodiement, sob a orientação de Roy Ascott. Site da artista: http://victoriavesna.com/index.php (consultado em 12 de Setembro de 2015).

10 http://www.aec.at/aeblog/en/2015/03/24/was-ist-hybrid-art/ (consultado em 12 de Setembro de 2015)

11 http://www.aec.at/prix/en/kategorien/hybrid-art/ (consultado em 12 de Setembro de 2015).

450 É interessante verificar que, em 2015, o festival Ars Electronica eliminou a premiação na categoria de Interactive Art, criada em 199012, obviamente aumentando o número de propostas submetidas em Hybrid Art, que nesse ano alcançaram o número de 719 (a média nos anos anteriores tinha-se situado à volta das 390). Este facto teve certamente a ver, por um lado, com uma reflexão sobre a delimitação dos campos de cada uma das categorias, e por outro pela diminuição acentuada do número de obras inscritas em Interactive Art que passaram de 577, em 2006, para 353 em 2007, ano em que foi criada a designação de Hybrid Art, constituindo aparentemente13, já na altura, uma categoria de melhor enquadramento da investigação artística.

Esta circunstância leva-nos a recordar a análise de Roy Ascott no ano de 2000, referida atrás, sobre a transformação que pressentia estar a acontecer na passagem do século XX para o século XXI relativamente à mudança da importância da interacção - em boa parte devida ao desenvolvimento das tecnologias de comunicação e computação - para um nova abordagem na qual, às tecnologias da informação, se juntavam a biotecnologia e a nanotecnologia, no estabelecimento de novos paradigmas de desenvolvimento social e artístico. Esta evolução das possibilidades de um modelo mais restrito ligado à definição de interacção, para as possibilidades mais abrangentes da hibridação, parece assim ter tido um reconhecimento no festival Ars Electronica em 2015.

Refere-se no decurso deste trabalho frequentemente o Ars Electronica porque, por ser o mais antigo festival do género, pode ser tomado como um barómetro das tendências das novas mediações artísticas.

Na verdade, a partir da introdução do Prix Ars Electronica, em 1987, pode observar-se nos seus quase 30 anos de existência, um contínuo aumento do número de obras candidatas nas diferentes categorias que passaram de 719, no primeiro ano, para

12 Em 1990 o Golden Nica nesta categoria foi atribuído a Myron Krueger com a obra Videoplace (1975- 1984), artista e obra mencionados no primeiro capítulo deste trabalho.

13 Dizemos aparentemente porque, nos anos subsequentes, ambas as categorias mantiveram um equilíbrio no número de admissões, talvez porque as fronteiras entre arte interactiva e híbrida fossem pouco definidas. Os dados por ano e categoria podem ser consultados em http://archive.aec.at/prix/.

451 951 no ano de 2000, e que em 2015 alcançaram as 2889 propostas de artistas repartidos por 75 países14.

O aumento substancial destes números nos últimos 15 anos não só demonstra a atenção que os artistas de todo o mundo, e não apenas os centrados nas economias dos países mais desenvolvidos, têm dado a estas práticas artísticas, mas como denota certamente uma mudança importante de contextos que lhes facilitaram essa produção, não podendo por isso mesmo deixar de ser motivo de reflexão crítica de historiadores, curadores, académicos, instituições e galerias.

Apesar do presente estudo se situar essencialmente na segunda metade do século XX, nestas considerações finais importa fazer uma, ainda que breve, leitura deste fenómeno tanto a nível internacional como nacional, para tentar perceber, no tempo presente, as tendências, direcções, e eventual suporte institucional às novas mediações artísticas.

Efectivamente, na passagem do século XX e na continuidade do século XXI, os festivais ligados aos novos meios artísticos multiplicaram-se um pouco por toda a parte, alguns mais efémeros que outros, tanto com uma intenção de divulgar e apoiar a criação artística contemporânea15, como também por efeito de uma indústria cultural com o foco na comercialização de um produto para divulgação e apresentação em espaço público (festivais de luz e som, projecções multimédia, etc.).

O desfasamento institucional no século XX, relativamente à aquisição, arquivo e manutenção de obras eminentemente tecnológicas (programação e computação, netart, bioart), só começou a ser uma preocupação no final do século, face à inevitabilidade de ter de lidar com as novas mediações artísticas. Foi o caso do lançamento do programa de conservação Variable Media Initiative16, iniciado em 1999 pelo Museu Guggenheim, e que, em 2001 e 2004, apresentou as suas propostas metodológicas e expandiu a sua

14 http://www.aec.at/press/files/2015/05/Prix-Ars-Electronica-2015_en_final.pdf (consultado em 13 de Setembro de 2015).

15 Como exemplo, em http://monoskop.org/Media_art_festivals (consultado em 15 de Setembro de 2015) são citados 135 festivais. A comparação com os anos 80/90 pode ser feita a partir do artigo “An Inventory of Media Art Festivals” de Piotr Krajewski, incluído em Joasia Krysa (ed.) (2006). Curating Immateriality: The Work of the Curator in the Age of Network Systems, Brooklyn (NY): Autonomedia, pp. 223-235.

16 http://www.guggenheim.org/new-york/collections/conservation/conservation-projects/variable-media http://www.variablemedia.net/ (consultados em 15 de Setembro de 2015).

452 rede de contactos17 ao congregar um conjunto de personalidades (artistas, cientistas, curadores, investigadores, críticos, conservadores) na organização das conferências Preserving the Immaterial: A Conference on Variable Media18 (30 e 31 de Março de 2001) e Echoes of Art: Emulation as a Perservation Strategy19 (8 de Maio de 2004).

Na continuidade deste programa, também o projecto DOCAM (Documentation and Conservation of the Media Arts Heritage)20, que decorreu entre 2005 e 2010 sob os auspícios da Daniel Langlois Foundation do Canadá, teve como objectivo desenvolver metodologias e ferramentas de preservação de trabalhos artísticos que utilizavam as novas mediações, nomeadamente a tecnologia digital21.

No início do século XXI foi também relevante, do ponto de vista institucional, a exposição 010101: Art in Technological Times (3 de Março a 8 de Julho de 2001)22 no San Francisco Museum of Modern Art (SFMOMA) em que, pela primeira vez, o museu conjugou a apresentação de obras no seu espaço físico com peças encomendadas a diversos artistas e expostas unicamente num website criado para o efeito. Esta mostra foi, segundo o seu director, David Ross, a demonstração e o reconhecimento

17 Foi criada uma rede de instituições denominada Variable Media Network, que teve como membros fundadores o Berkley Art Museum/Pacific Film Archives (Berkley), Franklin Furnace (Nova Iorque), Guggenheim Museum (Nova Iorque), Daniel Langlois Foundation for Art Science and Technology (Montreal), Performance Art Festrival + Archives (Cleveland), Rhizome.org (Nova Iorque), Walker Art Center (Minneapolis). http://www.variablemedia.net/e/index.html (consultado em 15 de Setembro de 2015).

18 http://variablemedia.net/e/preserving/html/var_pre_index.html (consultado em 15 de Setembro de 2015)

19 http://www.variablemedia.net/e/echoes/index.html (consultado em 15 de Setembro de 2015). Paralelamente a esta conferência decorreu no Guggenheim de Nova Iorque a exposição Seeing Double: Emulation in Theory and Practice (19 de Março a 16 de Maio de 2004) que exibiu, para termos comparativos, obras originais e as suas versões em emulação. http://www.variablemedia.net/e/seeingdouble/index.html (consultado em 15 de Setembro de 2015).

20 http://www.docam.ca/en.html (consultado em 15 de Setembro de 2015).

21 A esta necessidade de conservar os artefactos digitais nos museus e galerias, e de um modo geral os volumes de informação digital das diferentes instituições (bibliotecas, empresas, arquivos), correspondeu o mercado com a criação de formação especializada de que é exemplo o recente mestrado (MA) em Digital Curating, numa parceria do King´s College de Londres e da Universidade de Humboldt de Berlim.

22 http://www.sfmoma.org/media/exhibitions/010101/ (consultado em 15 de Setembro de 2015).

453 institucional de que ambos os espaços (físico e virtual) podiam servir um mesmo projecto de curadoria23.

Coincidindo com a exposição no SFMOMA, o Whitney Museum of American Art, em Nova Iorque, criou em Março de 2001 um portal de exposições online, designado de Artport24, depois de na sua bienal, no ano anterior, ter acolhido uma secção de netart e apresentado obras de nove artistas25.

O ano de 2001 marcou também a inauguração em Nova Iorque da galeria bitforms26, ainda hoje existente, e que nas palavras do seu fundador, Steve Sacks, foi criada “[...] para explorar o domínio da arte digital. Para redefinir as categorias e níveis de participação artística. Para descobrir arte nova. Para educar os novos coleccionadores e os da velha escola.”27 (Sacks, 2003: 212) com um programa de exposições que privilegiava a escultura digital, a visualização de informação, instalações sonoras e de vídeo, manipulação fotográfica, e software art.

Mais recentemente, também as questões da comercialização de obras artísticas passaram por uma nova fase ao fazerem uso das novas tecnologias, que se traduziu na possibilidade de aquisição de trabalhos em edições digitais limitadas e certificadas pelos artistas, num paralelo com a prática usual no mercado da venda de séries limitadas de

23 “This exhibition is the first in the Museum´s history to combine commissioned work available only in the Internet with works displayed solely within the traditional space bound by the Museum´s walls. In doing this, we recognize that there are at least two very distinct kind of exhibition space available to artists today and that, while we recognize and respect their differences, clearly they can be deployed in parallel in the service of a single project” ( Ross, 2001: 11).

24 http://artport.whitney.org/about.shtml (consultado em 15 de Setembro de 2015). Elucidativa sobre o contexto da criação e desenvolvimento deste portal é a entrevista concedida pela sua curadora, Christiane Paul, publicada pela organização rhizome.org (10 de Agosto de 2015) em: http://rhizome.org/editorial/2015/aug/10/artport-interview-christiane-paul/ (consultado em 16 de Setembro de 2015).

25 Anteriormente a netart tinha já merecido a atenção, em 1997, da documenta X que incluiu projectos nesta área. Na bienal do Whitney Museum, em 2000, estiveram representados: Mark America, Grammatron (1997-); Lew Baldwin, Redsmoke (1995 - ); Ben Benjamin, Superbad (1995 - ); Fakeshop, Fakeshop (1997-1999); Ken Goldberg, Ouija (2000); RTMark, RTMark (1997 - ); John F. Simon, Jr., Every Icon (1997); Darcey Steinke, Blindspot (1999); Annette Wientraub, Sampling Broadway (1999). http://artport.whitney.org/exhibitions/past-exhibitions.shtml (consultado em 16 de Setembro de 2015).

26 http://www.bitforms.com/gallery (consultado em 15 de Setembro de 2015).

27 “I started bitforms to explore the realms of digital art. To redefine categories and levels of artistic engagement. To discover new art. To educate both new and old school collectors. […] The types of work we show include: Reactive sculpture, Data visualization, Sound and video installations, Digital derived sculpture, Photo manipulation, Mixed media, Software art.”

454 serigrafias ou fotografias, mas com a vantagem da capacidade de apresentação de imagem com movimento e som em qualquer dispositivo que disponha de um ecrã (computador, televisor, tablet, telemóvel). Este foi o processo criado pela galeria s[edition]28, fundada em Novembro de 2011 por Harry Blain, atento às novas mediações artísticas e já com uma relativamente longa experiência no mercado da arte.

A atribuição da propriedade e autoria em trabalhos digitais, assim bem como a sua manutenção, foram sempre questões que se colocaram como entraves à sua comercialização devido à natureza reprodutível dos ficheiros digitais e à fácil obsolescência do suporte tecnológico (Diskette, CD, DVD,...). A Ascribe29 é uma empresa recentemente formada em Berlim (Agosto de 2014) que, encarando estas limitações, propõe-se como mediadora entre o artista e os coleccionadores, galerias ou museus, pela atribuição de uma identidade encriptada indissociável da obra digital que certifica a sua origem, mantendo também o seu arquivo e um registo das transacções, empréstimos, ou transferência de propriedade da mesma.

Deste modo, o início do século XXI parece evidenciar não só algum interesse institucional pelas novas mediações mas também, a partir de diferentes iniciativas, marcar o início da criação de condições e modos inovadores de lidar com as novas tecnologias, embora não caiba nestas considerações finais fazer um historial de todos os eventos relacionados com os festivais artísticos, da adesão institucional, da formação dos artistas e dos curadores, e da actividade das galerias mais dinâmicas neste particular.

É, no entanto, relevante mencionar o reconhecimento e apoio da Comissão Europeia à investigação artística e tecnológica através do recente programa STARTS – Science Technology and the Arts30 que, iniciado em 201531, pretende estabelecer-se

28 http://www.seditionart.com/ (consultado em 18 de Setembro de 2015). Edições limitadas de obras de artistas como Jenny Holzer, Damien Hirst, Yoko Ono ou Tracey Emin, fazem parte do acervo desta galeria que tem como clientes a Serpentine Gallery (Londres), o Stedelijk Museum (Amesterdão), e o MACBA (Barcelona) entre outros.

29 https://www.ascribe.io/ (consultado em 18 de Setembro de 2015). Mais informação também no artigo de Patrícia Prior “Arte Digital e Museus: Uma Nova Era”, em : http://www.artecapital.net/perspetiva-176-patricia-prior-arte-digital-e-museus-uma-nova-era (consultado em 18 de Setembro de 2015).

30 http://www.ictartconnect.eu/ (consultado em 16 de Setembro de 2015)

31 Teve o seu simpósio inaugural entre os dias 22 e 23 de Junho em Bruxelas, no qual foram oradores de relevo, entre outros, Gerfried Stoker (Ars Electronica) e Roger Malina (director executivo da revista

455 como uma plataforma de comunicação e sinergias entre artistas e organismos, entidades, ou empresas focadas em investigação, nomeadamente nas áreas das tecnologias da informação e comunicação.

Este programa teve como antecedente o estudo ICT Art Connect32 (ICT é um acrónimo de Information and Communications Technology) criado com o objectivo de mapear e caracterizar a comunidade de artistas e tecnólogos interessados em trabalhar na intersecção das suas disciplinas de um modo inovador e criativo.

O ICT Art Connect foi um relatório realizado para a Comissão Europeia e teve a co-autoria de Luís Miguel Girão que, como mencionado anteriormente, foi o vencedor da Bolsa Ernesto de Sousa em 2007, tendo nesse ano terminado o mestrado (MFA) em Design and Digital Media na Universidade de Conventry e ingressado posteriormente no plano de estudos de doutoramento do Planetary Collegium, dirigido por Roy Ascott na Universidade de Plymouth em Inglaterra33.

Foi este contacto com Roy Ascott que lhe permitiu organizar, em parceria com a Universidade do Porto e Aveiro, entre os dias 23 e 24 de Abril de 2010, a conferência internacional Conversas sobre Arte, Consciência e Práticas Transdisciplinares34, no Centro Cultural Vila Flor (Guimarães), com a presença de Roy Ascott como orador e participante numa mesa redonda final presidida por Jorge Barreto Xavier, na altura director da Direcção-Geral das Artes.

No ano seguinte, as mesmas entidades35, em colaboração com o Planetary Collegium, organizaram em Lisboa (Centro Cultural de Belém) a 12th Consciousness

Leonardo), tendo também contado com a intervenção do deputado português no Parlamento Europeu Carlos Zorrinho, membro da comissão para a indústria, investigação e energia. http://ictartconnect.eu/resource/id/55683c2cfda147b677efcf8a (consultado em 16 de Setembro de 2015)

32 Luis Miguel Girão, Pieter Jan Valgaeren, Eva van Passel (2015). ICT Art Connect – Activities Linking ICT and Art: Past Experience – Future Activities, Luxemburgo: Publications Office of the European Union. Esta publicação está disponível em: http://cheshirehenbury.com/ict-art-connect/ict-art-pdf-files/ICT- ART_CONNECT_study_report.pdf (consultado em 16 de Setembro de 2015).

33 Depois desta formação Luís Miguel Girão foi consultor da Secretaria de Estado da Cultura para as novas mediações artísticas, entre 2010 e 2012 e, a partir de 2013, da Comissão Europeia.

34 O programa desta conferência pode ser consultado em: http://www.dgartes.pt/news_details.php?month=8&year=2015&newsID=23946&lang=pt (consultado em 16 de Setembro de 2015).

35 Skilled Arts/Engenho e Arte, um projecto de investigação e desenvolvimento com a participação das Universidades do Porto e Aveiro e a empresa Artshare, criada por Luís Miguel Girão.

456 Reframed International Research Conference (30 de Novembro a 2 de Dezembro de 2011), na continuidade da série de encontros transdisciplinares denominados Consciousness Reframed, iniciados por Ascott em 1997, na Universidade do País de Gales.

Esta conferência, subordinada ao tema Presence in the Mindfield: Art, Identity and the Technology of Transformation, e que congregou mais de sessenta artistas e investigadores de cerca de vinte nacionalidades, contou com a presença de António Cerveira Pinto (Is There Anything Beyond Reality? Well, Yes: Death!), Leonel Moura (Robotic Art: A New Kind of Abstraction), e Marta de Menezes (Art Practice and Art Research: An Experimental Approach), tendo a publicação das actas (Universidade de Aveiro) a co-edição de Luís Girão e Roy Ascott36.

Numa tentativa de actualizar em Portugal a tendência que noutros países já era comum - a coexistência da prática artística em ambiente de investigação científica e tecnológica - a Direcção-Geral das Artes, em parceria com a Ciência Viva, criou um programa de residências artísticas, denominado de Programa Rede de Residências | Experimentação – Arte Ciência Tecnologia37 que, nas suas duas únicas edições, teve 33 candidaturas em 2007/2008 e 53 candidaturas na edição de 2009/2010, tendo sido seleccionados, no total, 17 artistas para residências em 13 instituições de investigação38.

Este período coincidiu sensivelmente com a criação da maior parte da oferta de formação artística no ensino superior em Portugal que, nos seus programas curriculares,

36 Roy Ascott e Luís Miguel Girão. (ed.) (2011). Consciousness Reframed 12- Presence in the Mindfield: Art Identity and the Technology of the Transformation, Aveiro: Universidade de Aveiro.

37 http://www.dgartes.pt/redederesidencias/index.htm (consultado em 17 de Setembro de 2015).

38 Em 2007/2008 foram seleccionados, Rodolfo Quintas, Sónia Moreira, Soraya Vasconcelos, Patrícia Noronha, Simão da Costa, Manuela Lopes, Virgínia Mota, André Castro, e em 2009/2010, Aida Castro, Ana Bárbara Teixeira, Carla Castiajo, Herwig Turk, Ivo Andrade, Marionet, Nádia Duvall, Nuno Delmas e Tiago Dionísio. As entidades de acolhimento aos artistas que participaram nestas duas edições foram: Instituto de Biologia Molecular (IBMC – Porto), Instituto de Engenharia Biomédica (INEB – Porto), Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (IPATIMUP), Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores do Porto (INESC - Porto), Instituto de Sistemas e Robótica – Lisboa (ISR- Lisboa), Instituto de Tecnologia Química e Biológica (ITQB), Unidade I&D - Física de Semicondutores em Camadas, Optoelectrónica e Sistemas Desordenados - FSCOSD, Aveiro, Universidade de Coimbra - Centro de Neurociências e Biologia Celular - CNC, Coimbra, Universidade do Minho - Dept. de Eng. de Polímeros - 3B's (Biomateriais, Biodegradáveis e Biomimétricos), Braga, CENIMAT - Centro de Investigação de Materiais - Universidade Nova de Lisboa - Faculdade de Ciência e Tecnologia, Costa da Caparica, Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT), UNL, Campus da Caparica, Instituto de Medicina Molecular - IMM, Faculdade de Medicina de Lisboa, Lisboa, Centro de Estudos em Inovação, Tecnologia e Políticas de Desenvolvimento - IN+, Lisboa,

457 passou a integrar as novas tecnologias. São exemplos, o Mestrado em Arte Multimédia (2008) na FBAUL e Mestrado em Multimédia (2007) na FBAUP, que veio substituir o Mestrado em Arte Multimédia, existente desde 1997. Também a Universidade do Minho criou o Mestrado em Tecnologia e Arte Digital (2007) e, em 2009, a Universidade da Madeira, em conjunto com a Universidade de Carnegie Mellon e o Madeira Tecnopolo, inaugurou o Interactive Technologies Institute (M-ITI) que, ao oferecer um mestrado em Interacção Humano-Computador (Master of Human- Computer Interaction), pode ser um centro de interesse para a investigação artística no desenvolvimento de interfaces técnicas.

Esta oferta formativa, aqui só apenas pontuada, conduz obviamente a um maior interesse artístico pelas áreas tecnológicas e à apresentação de propostas em eventos que, de algum modo, constituem plataformas de reconhecimento desse trabalho, tal como a atribuição do prémio de Apoio à Produção a Sérgio Soares Ferreira no festival VIDA 13 (2010), um concurso de prestígio internacional de Arte e Vida Artificial apoiado pela Fundación Telefónica de Madrid39, a presença de João Martinho Moura40 no Ars Electronica de 2012, ou a apresentação de obras de três alunos do Mestrado em Tecnologia e Arte Digital da Universidade do Minho (Gisela Nunes, Daniel Samperio, Mário Costa) no festival Ars Electronica de 2015, ao abrigo de um programa de intercâmbio com a Kunstuniversität de Linz41.

Constitui certamente também um incentivo para os artistas nacionais a instituição de prémios, como Sonae Media Art42, criado em 2014 numa parceria da empresa Sonae e do Museu Nacional de Arte Contemporânea (MNAC), que decorre em duas fases (selecção e premiação) com dois júris diferentes43.

39 http://vida.fundaciontelefonica.com/en/ (consultado em 20 de Setembro de 2015).

40 João Martinho Moura é desde 2010 professor convidado no Mestrado em Tecnologia e Arte Digital na Universidade do Minho e foi também o vencedor do Prémio Nacional Multimédia em 2013. http://jmartinho.net/ (consultado em 18 de Setembro de 2015).

41 http://www.ufg.ac.at/News-detail.2042+M57a808bbcbe.0.html (consultado em 18 de Setembro de 2015).

42 A periodicidade é bienal e atribui um prémio pecuniário no valor de 40.000 €. http://sonae-mediart.com/ (consultado em 18 de Setembro de 2015).

43 Júri de selecção: Sandra Vieira Jurgens (historiadora e crítica de arte), Natxo Checa (curador e director da Galeria ZDB), Emília Tavares (curadora de fotografia e multimédia do MNAC). Júri de premiação: Marco Martins (realizador de cinema), Lori Zippay (directora do Electronics Arts Intermix), João Silvério (curador).

458 Desta primeira edição, e na altura da redacção do presente trabalho, são conhecidos apenas os nomes dos finalistas, Diogo Evangelista (n.1984), Miguel Ferrão, (n.1986) e Eduardo Guerra (n.1986) (Musa Paradisíaca), Tatiana Macedo (n.1981), Rui Penha (n.1981) e Patrícia Portela (n.1974), escolhidos entre 128 candidaturas, estando previsto o anúncio do premiado para o dia 12 de Dezembro de 2015.

Retomando a relação entre arte, ciência e tecnologia, também em 2014 a Fundação Champalimaud, em parceria com o Centro Cultural de Belém, criou o programa Raízes da Curiosidade – Tempo de Ciência e Arte44, que juntou cinco artistas e cinco cientistas (da área das neurociências) em duplas artista/cientista de uma maneira autónoma45, com o objectivo da produção de obras que fossem objecto de uma reflexão artística mas, ao mesmo tempo, tivessem um fundo de conhecimento científico. A ideia era a troca de conhecimento e sensibilidade, na procura conjunta da simbiose de uma terceira via de entendimento e investigação.

Os resultados, apresentados publicamente (7, 8 e 9 de Novembro de 2014) no Centro Cultural de Belém, deram origem a oficinas e debates que culminaram numa conferência internacional no auditório da Fundação Champalimaud (30 e 31 de Janeiro de 2015), com a presença de todos os intervenientes e um painel de convidados (curadores, artistas, cientistas) que debateram a transversalidade da arte e da ciência46.

Uma outra iniciativa em Portugal, e que agora está ainda numa fase preliminar, é a criação de um centro de arte digital designado de Museu Zer047, e cuja expectativa é ser inaugurado na Primavera de 2017, em Santa Catarina da Fonte do Bispo (Tavira).

O promotor deste centro é o Instituto Lusíada de Cultura, uma associação fundada em 1982 e considerada de utilidade pública em 1991, que decidiu renovar uma parte substancial dos edifícios da Cooperativa Agrícola daquela localidade, com a

44 http://www.fchampalimaud.org/pt/newsroom/raizes-curiosidade-simbiose-arte-ciencia-view/ (consultado em 19 de Setembro de 2015).

45 Os pares de neurocientistas / artistas foram: Ana Pereira / Filipe Raposo (compositor / músico), Thiago Gouvêa / Catarina Vasconcelos (designer / performer vídeo), Maria Inês Vicente / Teresa Gentil (compositora / música), Gil Costa / Tiago Barbosa (actor), Alex Gomez-Marín / Sara Anjo (bailarina / coreógrafa).

46 Este projecto termina com o lançamento, em Novembro de 2015, de uma publicação com textos dos artistas, dos cientistas, e dos responsáveis pelo projecto.

47 http://www.museu0.pt/ (consultado em 5 de Setembro de 2015).

459 finalidade de os adaptar a espaços de lazer, de exibição, de criação e investigação artística através de residências temporárias, estando prevista para o efeito a instalação de laboratórios e condições tecnológicas para o desenvolvimento de projectos.

Fig A: Instalações do futuro Museu Zer0

O estabelecimento e inclusão numa rede internacional de especialistas e instituições congéneres, assim bem como uma ligação às universidades e instituições de investigação nacionais, foram já elementos identificados como prioritários para a criação de sinergias e troca de conhecimento.

Nesse sentido foi organizada na Biblioteca Municipal Álvaro de Campos de Tavira (5 de Setembro de 2015), um primeiro encontro internacional, mediado por António Cerveira Pinto, subordinado ao tema The Future of Digital and Knowledge – Intensive Based Art, que procurou explorar os caminhos e as possibilidades da investigação em arte, na visão de um painel de convidados (curadores, investigadores, artistas)48 com diferentes experiências profissionais e sensibilidades.

Em discussão esteve a elaboração de um projecto sustentável que se irá dedicar aos novos meios tecnológicos criando condições de pesquisa artística mas que, contrariamente ao conceito associado ao espaço museológico, não tem a intenção de

48 Alex Adriaanses, director da organização V2_Institute for the Unstable Media, em Roterdão, e responsável pelo festival DEAF(Dutch Electronic Art Festival,) uma bienal de arte, ciência e tecnologia; Regine Debatty, curadora, crítica, e editora do blog We Make Money not Art; John Klima, artista com trabalho na área da programação 3D, e extenso curriculum em museus e galerias internacionais; André Sier, artista-programador multimédia; Angelica D. Schmitt, investigadora, artista e teórica dos novos meios; Margarida Sardinha, artista (animação, texto, som, instalação); Pedro Cruz, designer e investigador em multimédia.

460 afirmar-se como um museu com acervo próprio, o que leva a equacionar novos modelos de funcionamento.

Esses modelos podem passar pela partilha de experiências idênticas como a relatada na conferência em Tavira por Alex Adriaanses, director do V2_ Institute for the Unstable Media49, de Roterdão, uma organização de referência no panorama internacional, formada a partir de um colectivo de artistas no início dos anos 80 e que em 1998 criou o V2_Lab, como um espaço interdisciplinar de investigação e criação artística.

Segundo Adriaanses, uma das vantagens de uma organização fora dos contextos institucionais públicos, é não ter a pressão da medida do número de visitantes com a finalidade de angariar fundos, e também não depender da variabilidade das agendas políticas, podendo concentrar-se na criação de valor acrescentado em termos sociais.

Esse valor acrescentado passa, segundo o director do V2_, por um novo paradigma que designou de designing relations, ou seja o estabelecimento de relações e a integração dos projectos de investigação artística com a sociedade civil, criando desse modo uma massa crítica e visibilidade institucional que justifica a sua continuidade, sinergias com outras instituições e financiamento.

Este equilíbrio entre produto artístico, investigação em ambiente laboratorial e integração social, obriga a uma disciplina processual e a uma metodologia que inclui não só investigação tecnológica numa óptica artística, mas também investigação relacionada com contextos e transformação, na passagem de uma ideia, ou conceito, para arte aplicada. Este processo está, de certo modo, um pouco na linha dos modelos do domínio científico em que a investigação fundamental é apropriada pelos engenheiros para o desenvolvimento de produtos tecnológicos com uma determinada funcionalidade e finalidade social.

O conceito de laboratório, como local de investigação e experimentação, faz hoje parte do horizonte da produção artística que, de um modo transversal, pode reunir profissionais de diferentes campos (engenheiros, designers) e investigadores (ciências da comunicação, estudos culturais, sociologia,...), numa visão alargada e transversal do uso dos novos meios tecnológicos e da investigação em ciência. Exemplo disso, na

49 http://v2.nl/organization (consultado em 5 de Setembro de 2015)

461 Europa, é a organização artists-in-labs50 que, através do Institute of Cultural Studies in the Arts integrado na Zurich University of the Arts (ZHdk), promove, desde 2003, o diálogo entre artistas e cientistas (residências em laboratórios de investigação científica, publicações, conferências, exposições).

Este breve ensaio sobre o século XXI, permite perceber que existem mudanças significativas no foco como são encaradas as novas mediações, nomeadamente com a introdução do código (informática e biologia) na actividade artística, conduzindo a novos modelos e paradigmas, de que são exemplos: formação académica diferenciada (artística e crítica), promoção do diálogo entre arte e ciência, exploração de novos horizontes artísticos (híbrido, tempo real, virtual), investigação em arte em contexto de laboratório, novos métodos de exibição, conservação e comercialização das obras.

A situação descrita para o século XXI não autoriza ilibar algum esquecimento reflexivo sobre a segunda metade do século XX, em que o que se assistiu não foi a um divórcio entre a arte e a tecnologia mas antes a um divórcio entre as novas mediações tecnológicas, as instituições e o discurso canónico da crítica e da História da Arte que, nos anos 70 e 80, estavam mais interessadas com o balanço de um modernismo estafado - sinalizado pelo pensamento filosófico e pelas revoluções sociais no fim da década de 60, para ater-se na indefinição de um pós-modernismo - do que propriamente atentas à mudança cultural e subtil encenada pelas tecnologias da informação que, como um “vírus”, se ia insinuando e moldando a sociedade51.

A performance, a op-art, a arte cinética, a body-art, o happening, a land-art, a arte conceptual, a fotografia, o vídeo, e até os meios televisivos, fizeram parte do discurso histórico da segunda metade do século XX. Porém a escultura cibernética e a arte interactiva, a holografia, a computer art, a simulação virtual, e o extenso campo de investigação da bioart, a partir dos anos 80, foram apenas notas de rodapé num discurso pouco consistente e esclarecido do ponto de vista institucional.

A complexidade da manutenção e preservação dos projectos, a resistência própria das instituições à mudança e introdução da tecnologia, a falta de preparação e meios dos conservadores e curadores das instituições, levou à existência de circuitos

50 http://www.artistsinlabs.ch/en/ (consultado em 20 de Setembro de 2015).

51 A este respeito veja-se a introdução de Joline Blais e Jon Ippolito em At the Edge of Art (Londres, Thames & Hudson, 2006, pp. 6-13) em que os autores, numa metáfora biológica, associam a tecnologia a um vírus e a arte a um anti-corpo necessário para a sobrevivência da sociedade.

462 paralelos de exposição e crítica, à semelhança dos famosos “salões dos recusados” do fim do século XIX e início do século XX, numa espécie de repetição de um ciclo histórico e de uma lição que, aparentemente, não foi bem assimilada.

Estamos em crer, e disso há já sinais, que eventualmente uma nova geração de profissionais (curadores, críticos, historiadores) ao partilharem os mesmos interesses e ao fazerem parte de uma comunidade de artistas cuja formação nas áreas tecnológicas está já integrada no seu curriculum escolar, possam valorizar os seus projectos inovadores e colocar no devido lugar a sua apreciação estética.

Fica no entanto uma espécie de interregno dificilmente recuperável em que, por ser um período de transição, urge fazer a “arqueologia” possível desse espaço temporal, importante para o entendimento e história de uma genealogia da arte do código.

463 464 BIBLIOGRAFIA CITADA

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484 Artaud, Antonin, 33 Índice Onomástico Aschauer, Michael, 125 Ascher, François, 192, 193, 200 Ascott, Roy, 159 - 163, 247, 368, 394, 408, Aarseth, Espen, 242 447 - 451, 456, 457 Abe, Shuya, 56 Asensio, Tomáz Garcia, 307 Adage Inc., 260 Ashworth, E. Robert, 307 Adam, Alison, 132 Asins, Elena, 307 Adriaansan, Alex, 409 Askevold, David, 292 Adriaanses, Alex, 460, 461 Assimov, Issac, 211 Afonso, Nadir, 332, 333 Auretta, Christopher, 367 Agam, Yacoov, 40 Azeredo, Ronaldo, 296, 297 Aguiar, Fernando, 354, 355 Azevedo, Fernando, 286, 364 Alés, Enrique Castãnos, 306 Azevedo, Maria Isabel, 364 Alexanco, José Luís, 304, 307, 308, 309, Aziz+Cucher, 409 321, 366 Alexander, Amy, 108, 119, 127, 129 Allegranti, Beatrice, 444 Badiou, Alain, 228 Allen, Rebecca, 59, 86, 231, 232 Baigell, Matthew, 3, 262 Alloway, Lawrence, 177 Baldaccini, César, 266 Almeida, Bernardo Pinto de, 5, 64, 246, Baldus, Édouard, 71 330, 396 Baldwin, Lew, 454 Almeida, Helena, 353 Baleiras, Catarina, 397 Almeida, Pedro Vieira, 286 Balestrini, Nanni, 343, 375 Alves, Isabel, 288 Ball, Hugo, 21 Alves, Manuel Valente, 330, 378, 397 Balla, Giacomo, 20 Alves, Margarida Brito, 49, 370, 378 Balpe, Jean-Pierre, 109 Amado, Miguel, 433 Baran, Paul, 187 Ambrosini, Anton, 55 Barbadillo, Manuel, 304, 306 - 309, 312, 319, America, Mark, 454 321, 366 Anamar, 425 Barbaud, Pierre, 154, 158 Andersen, Christian, 128 Barberá, Mario Fernandez, 306 Anderson, Laurie, 388 Barbosa, Pedro, 340 - 344, 376, 384, 387, Andrade, Ivo, 457 388 Andrade, Pedro, 352, 397 Barbosa, Tiago, 459 Anjo, Sara, 459 Bardot, Brigitte, 299 Anker, Suzanne, 414, 415, 422 Barnes, Steve, 25 Anthes, John William, 268 Barreto, Jorge Lima, 387 Antin, Eleanor, 291 Barrias, José, 353 António, Carlos Manuel da Silva, 394 Barrière, Jean Baptiste, 62 António, Jorge Luiz, 382 Barros, Sara, 403 Apollinaire, Guillaume, 118 Barthes, Roland, 70 Aragão, António, 388 Batchen, Geoffrey, 80 Araújo, Vasco, 431 Baudelaire, Charles, 2, 118 Arazi, Ebram, 248 Baudot, Jean, 343 Argan, Giulio, 263, 312, 314, 360 Baudrillard, Jean, 70, 80, 85, 163, 227, 228, Armanaji, Siah, 291 234, 240, 408 Arnold, Matthew, 175 Baumstein, Moysés, 366 Arns, Inke, 116, 129, 130 Bayard, Hippolyte, 71 Arp, Jean, 76, 328 Bazin, André, 70

485 Beatles, The, 56 Brito, Fernando, 397 Beck, Stephen, 56 Brito, Hugo, 433 Bek, Bozo, 301, 302 Brixey, Shawn, 445 Belting, Hans, 9 Broeckman, Andreas, 110, 111, 126 Benayoun, Maurice, 62 Brooks, Savad, 108 Benedit, Luís, 287, 292, 294, 304, 321 Brouwn, Stanley, 292 Benjamin, Ben, 454 Brown, Karl Ferdinand, 67 Benjamin, Walter, 70, 225, 226, 227 Brown, Paul, 247 Bense, Max, 153, 154, 156 - 159, 163, Brunner, Looks, 38 252, 269, 296, 297, 308, 316, 317, Buckloh, Benjamin H. D., 5, 86, 422 319, 339, 341, 344, 345, 349, 371, Buenaventura, Ana, 308, 309 376 Buetti, Daniel, 409 Benthall, Jonathan, 298, 299, 318, 319, Bujas, Zeljko, 317 349, 371, 372, 386 Burgin, Victor, 291 Benyon, Margaret, 264, 363, 364, 371 Burks, Arthur W., 100 Berger, René, 173, 174, 366, 367, 368, Burnham, Jack, 85, 146 - 151, 160, 277, 371, 374, 377, 378, 406 279 - 282, 284, 293, 320, 349, 359 Berkeley, Edmund C., 248, 249, 254, Burr, Dorian, 25 257 Burri, Alberto, 55 Berkhout, Rudie, 363 Burton, Ed, 108 Berners-Lee, Tim, 68 Bury, Pol, 40 Berni, Antonio, 287, 294, 304, 321 Bush, George, 181 Bertalanffy, Ludwig von, 149, 150, 174 Byfield, Ted, 132 Bertholo, René, 332, 333, 334, 395 Bethke, Bruce, 214 Beuys, Joseph, 56, 276, 353, 406 Cabral, Manuel Costa, 393 Biasi, Alberto, 311 Cachão, Rita, 443 Bigelow, Julian, 102 Cage, John, 4, 18, 33, 34, 274, 366 Biorn, Per, 268 Cain, Michael, 284 Birkhoff, George D., 156, 158, 251, 252 Calapez, Pedro, 369 Bishop, Clair, 49 Calder, Alexander, 40, 271, 324, 328 Blain, Harry, 455 Calhau, Fernando, 352 Blais, Joline, 462 Calzolari, Pier Paolo, 292 Blasco, Daniel Gómez, 38 Camarero, Garcia, 304, 306, 317 Blaufuks, Daniel, 397 Campany, David, 82 Bognermayr, Hubert, 3 Campos, Augusto de, 296, 297, 366 Bois, Yve-Alain, 5, 86 Campos, Haroldo de, 296, 297, 345, Boltansky, Christhian, 164 376 Boole, George, 92, Campus, Peter, 35, 366 Bourriaud, Nicolas, 34, Canoilas, Hugo, 433 Boyer, Christine, 193 Cantoni, Rejane, 422 Braga, António Maria, 366 Capek, Karel, 212 Bragaglia, Antonio, 75 Carapinha, Rogério, 339 Brecht, Bertolt, 33 Carjaraville, Maite, 409 Breer, Robert, 40 Carmona, Paulo, 403 Breinbjerg, Morten, 132 Carozzi, Giancarlo, 55 Brendel, Bettina, 366 Carvalhais, Miguel, 450 Brian, James, 57 Carvalho, Ana, 394 Bridges, Jeff, 224 Carvalho, José de, 353 Brin, David, 211 Casqueiro, Pedro, 369

486 Castells, Manuel, 46, 47, 194, 195, Cook, Christopher, 291 196 - 199, 201, 206, 207, 220, 242 Corbusier, 190, 191, 192 Castiajo, Carla, 457 Cordeiro, Waldemar, 247, 296 - 305, 308, Castro, Aida, 457 311, 321, 360, 361 Castro, André, 457 Cornaro, Isabelle, 125 Castro, Ernesto M. de Melo e, 269, Costa, Beatriz da, 169 339, 342, 344, 354, 355, 374 - 377, Costa, Gil, 459 379 - 388 Costa, José Manuel, 366 Castro, J. A. Temudo de, 367 Costa, Luís, 395 Castro, Maria Cecília Melo e, 375, Costa, Mário, 458 383 - 388 Costa, Noronha da, 364 Catts, Oron, 422, 433, 449 Costa, Rui, 395 Celnder, Don, 291 Costa, Simão da, 457 César, Filipa, 431 Couffignal, Louis, 344 Cézanne, Paul, 80, 95 Cox, Geoff, 116, 121, 124, 130, 131, 132 Chalmers, Catherine, 422 Cramer, Florian, 108, 109, 111, 119, 121, Chandeler, John, 145 125 - 132, 330 Chappe, Claude, 91 Crick, Francis, 96, 97 Chappe, Ignace, 91 Crippa, Alberto, 55 Charnay, Yves, 264 Critical Art Ensemble, 19, 25, 26, 86, 169, 408 Checa, Natxo, 406, 458 Cronenberg, David, 232 Cheever, Bart, 406 Crosby, William, 284 Chernyshev, Aristarck, 119 Crutzen, Cecile, 132 Chevalier, Miguel, 422 Cruz, Maria Teresa, 48, 84, 403, 406 Chicó, Sílvia, 286 Cruz, Pedro, 460 Chiggio, Ennio, 312 Cruz, Sérgio, 394 Childs, Lucinda, 274, Csuri, Charles, 3, 4, 257, 258, 259, 260, 262, Choi, Taeyoon, 277 294, 319, 338, 361 Chomsky, Noam, 156 Cuba, Larry, 221 Chong, Herman, 125 Cunha, Luísa, 403 Chung, Anshe, 235 Cunningham, Merce, 274 Citron, Jack, 338 Czikszentmihalyi, Chris, 109 Clancy, Patrick, 284 Clark, Arthur C., 211 Clark, Lygia, 35, 311 Dada, Raul Fernando, 305 Claus, Jürgen, 367, 374 David, Ilda, 369 Clynes, Manfred E., 30, Davis, Douglas, 38 56, 62, 151, 276, 278, Coburn, Alvin Langdon, 74, 75 338, 386 Cohen, Harold, 104, 134, 247, 343, Davis, Joe, 97, 98, 134, 136, 138 - 142, 412, 414 413, 433, 449 Coleman, Beth, 240 Davis, Simon, 406 Coleman, Joe, 407 Debatti, Regine, 460 Collins, James, 291 Debord, Guy, 22, 23, 24, 420, 421, 429 Comeau, Charles, 57 Deira, Ernesto, 287, 294, 304, 321 Computer Technique Group, 261, 287, Delaunay, Robert, 325, 328 288, 338, 348, 369, 370 Deleuze, Gilles, 47, 48, 70, 163, 184, 214, Comte, Pierre, 385 332 Conduto, José, 353 Delgado, Gerardo, 307, 308 Constantini, Arcanjel, 443, 445 Delmas, Nuno, 457 Conway, John, 100 Demarco, Ango, 294

487 Demers, Louis-Philipe, 44 Éluard, Paul, 344 Denisyuk, Yuri, 365 Emin, Tracey, 455 Derrida, Jacques, 163 Entyre, Eduardo Mac, 287, 294, 321 Deseriis, Marco, 132 epidemiC, 108, 118, 445 Dick, Philip, K., 209, 214 Equipo 57, 307 Diggle, Jeremy, 363 Eric, Made in, 409 DiLeonardo, D. J., 260 Ernst, Max, 22 Dionísio, Tiago, 457 Escalle, Alain, 406 Doll, Cue P., 119 Eschbach, Darel, 260 Dominguez, Ricardo, Estrela, Alexandre, 407 Dominguez, Ricardo, 26, 27, 29 Evangelista, Diogo, 459 Donati, Enrico, 55 Dorfles, Gilio, 317, 30, 361 Douroux, Xavier, 333 Fahlström, Öyvind, 274 Dova, Gianni, 55 Fakeshop, 454 Dowie, Marc, 125 Faria, Nuno, 393 Dozois, Gardner, 214 Feliciano, João Paulo, 5, 393, 394, 397, Driessens & Verstappen, 422 403 Driessens, Erwin, 44 Ferguson, Helaman, 137 Druguet, Anne Marie, 406 Fernandes, Carlos M., 265, 422 Du, Wang, 407 Fernie, Eric, 9 Duarte, Carlos, 286 Ferrão, Miguel, 459 Dubois, Cléo, 409 Ferraro, Ricardo, 287 Dubois, Philippe, 78 Ferreira, Elga, 393, 394 Duchamp, Marcel, 40, 324, 328, Ferreira, Sérgio Soares, 458 365, 385 Fetter, William Allan, 349 Ducrocq, Albert, 344 Figueiredo, Patrícia, 434 Duesing, William, 284 Fishburne, Laurence, 233 Duff, Tagny, 443, 445 Flanagan, mary, 108 Dumesnil, M. H., 2 Fleischmann, Monika, 62 Duncomb, Stephen, 27 Flemming, Peter, 445 Dupuy, Jean, 268 Flusser, Vilém, 70, 108 Durini, Lucrezia de Domizio, 406 Foellmer, Golo, 119 Duvall, Nádia, 457 Fonseca, Ângelo Queiroz da Fonseca, 367 Dyens, Ollivier, 213, 214 Fonseca, M. S., 366 Fontana, Lucio, 55, Fontcuberta, Joan, 80, 405 Eastlake, Elizabeth, 65 Fonte, Ribeiro da, 425 Eastman, George, 64 Foote, Harlan, 98 Eco, Umberto, 34, 155, 156, 159, Ford, Gerald, 259 160, 317, 347, 361 Forest, Don, 368 Ede, Siân, 444 Foster, Hal, 5, 86, Edmonds, Ernest, 247 Foucault, Michel, 47, 163, 185, 196 Egídio, Álvaro, 346 Fraenkel, Richard, 268 Eglash, Ron, 132 França, José-Augusto, 5, 246, 334, 348, Einsenstein, Sergei, 67 367, 368, 369, 370, 371, 374, 379 Einstein, Albert, 40, 46 Frank, Helmar, 159 Eisenhower, Dwight D., 187 Franke, Herbert W., 3, 159, 293, 294, 304, Electronic Disturbance Theater, 26, 28, 307, 316, 360, 370 29, 86 Freeman, John Craig, 277

488 Freitas, Lima de, 210, 211, 366, 367 Goldberg, Ken, 422, 454 Freitas, Maria Helena de, 330 Gomes, André, 397 Fremont-Smith, Frank, 102 Gomez-Marín, Alex, 459 Fry, Benjamin 125, 130, 414 Gomez-Peña, Guillermo, 408 Fuge, Paul, 284 Gonçalves, André, 393, 394, 395 Fujiata, Masaki, 405 Gonçalves, Jorge, 366 Fujino, Koji, 261 Gonçalves, Rui Mário, 379, 385, 386 Fujio, Niwa, 261, 348 Goodman, Steve, 132 Fuller, Matthew, 108, 121, 122, 123, Goriunova, Olga, 108, 119, 120, 121, 125, 12, 127, 131, 132 124, 127, 129 - 132 Funkhouser, Christopher T., 343 Gouvêa, Thiago, 459 FutureFarmers, 422 Graça, João M. G., 367 Graef, Ailin, 235 Graevenitz, Gerhard von, 311 Gabo, Naum, 39, 40, 76, 162, 270, Grau, Oliver, 6 324, 368 Gray, Gustave Le, 71, 72, 73 Gabriel, Ulrick, 109, 111, 119, 139 Green, Colin, 122 Galanter, Philipe, 130 Greenberg, Clement, 73 Galloway, Alex, 108 Greenham, Lily, 307 Galloway, Kit, 36 Griffis, Ryan, 25 Gamble, Susan, 363 Griffiths, Francis, 72 García, Daniel, 292 Gropius, Walter, 76, 192 Garcia, Margarida, 393 Gross, Alex, 278 Garcia, Tomás, 307 Grünewald, José Lino, 297 Garcia, Wagner, 366 Grünfeld, Thomas, 136 Garnett, Will, 282 Guariglia, Maria, 382 Garrin, Paul, 139 Guattari, Félix, 47, 163, 184, 214 Gautherot, Frank, 333 Guedes, Maria Estela, 366 Gees, Johannes, 38 Guerra, Eduardo, 459 Gentil, Teresa, 459 Guerra, Jorge, 378 Gerard, R. W., 76 Guidi, Virgílio, 55 Gere, Charlie, 247 Gerstner, Karl, 312, 313 Gessert, George, 134, 140, 444 Haacke, Hans, 146, 147, 150, 293, 358, Ghery, Frank, 186 359 Giannetti, Cláudia, 154, 159, 409 Haapoja, Terike, 445 Gibson, William, 214 Haber, Ira Joel, 291 Giedion, S,, 76 Habermas, Jürgen, 176, 177, 180, 186 Giger, HR, 407 Hamilton, Richard, 177 Gil, Fernando, 366 Haraway, Donna, 30, 218, 219 Gil, Luís Bragança, 403, 404 Hargittai, István, 366 Gilbert & George, 292 Harmon, Leon, 268, 304, 338 Girão, Luís Miguel, 393, 394, 456, Harris, Craig, 278 457 Harris, Hillary, 268 Gitman, Yuri, 125 Harris, Jonathan, 9 Glusberg, Jorge, 247, 286 - 296, 304, Harrison, Newton, 275 321, 361 Hartmann, Sadakichi, 74 Goçalves, Rui Mário, 5, 246, 379, 385, Harwood, Graham, 108, 122, 132 386 Hasegawa, Takeshi, 261 Golan, Levin, 107, 109 Hauser, Jens, 444

489 Hausmann, Raoul, 75 Jodi, 111, 113, 402 Hay, Alex, 274 Johansson, Troels, 129 Hay, Deborah, 274 Johns, Jasper, 274 Hayakawa, S. I., 76 Johnson, Howard W., 281 Hayles, Katherine, 30, 213, 216, Joppolo, Beniarmino, 55 217 Joselit, David, 5, 86 Heemskerk, Joan, 111, 402 Judd, Donald, 272 Hegel, George Friedrich, 153 Jürgens, Hartmut, 367 Heilig, Morton, 57 Julesz, Bela, 180, 254, 266 Heissenbüttel, Helmut, 297 Jung, Dieter, 363 Helion, Jean, 76 Jurgens, Sandra Vieira, 458 Helmond, Anne, 131 Herbert, Jean-Pierre, 137 Higgins, Dick, 392 Kabakov, Emilia, 50 Hill, Anthony, 367 Kabakov, Ilya, 50, 51, 52, 62 Hiller, Lejaren A., 158 Kac, Eduardo, 140, 141, 142, 160, 170, Hirst, Damien, 455 374, 375, 381, 383, 387, 388, 405, Hitler, 18 407, 422, 449 Hoberman, Perry, 405 Kafka, Franz, 214, 297 Hoch, Hannah, 75 Kakizaki, Junichiro, 261 Hoffos, David, 407 Kandinsky,Wassily, 328 Holzer, Jenny, 407 Kang, E Roon, 277 Horn, Rebecca, 353, 420 Kant, Immanuel, 153 Houdebine, Louis-Marie, 444 Kaprow, Allan, 32, 33, 35, 353, 366 Hoyle, Fred, 211 Karasic, Carmin, 26, 27, 29 Hugo, Victor, 44 Kaufman, John, 363 Huhtamo, Erkki, 406 Kaulmann, Thomax, 108 Hultén, Pontus, 40, 41, 104, 266, 267, Kawano, Hiroshi, 261 268, 274, 280 Kennedy, John F., 178, 179 Hunger, Francis, 129 Kepes, György, 76, 77, 260, 263, 273, Huxley, Aldous, 176, 208 280 - 285 Huxley, Thomas Henry, 175, 176 Kerckhove, Derrick de, 182, 184 Kindlmann, Peter, 284 Kinsel, Tracy S., 268 I/O/D, 122 Kirschner, Roman, 422, 445 Ihnatowicz, Edward, 42, 134 Kittler, Friedrich, 89, 106, 107, 118, 126, Ilich, Frank, 402 131, 132 Ippolito, Jon, 462 Klein, Yves Amu, 407, 408 Isou, Jean-Isidore, 22 Klein, Yves, 145, 311 Klima, John, 108, 445, 460 Kline, Natham S., 30 Jacinto, Ricardo, 433 Klüver, Billy, 273, 274, 278, 280, 290, Jacobsen, Robert, 40 442 Jameson, Frederic, 85 Klutsis, Gustav, 67 Jandl, Ernst, 118 Knowles, Alison, 343 Janes, Francisco, 394 Knowlton, Kenneth, 260, 268, 294, 304, Jarauta, Francisco, 408 338 Jarden, Richards, 291 Komura, Masao, 261 Jaromil, 108, 131 Kosuth, Joseph, 294 Jenkins, Henry, 241 Kotkamp, Erna, 132

490 Kozloff, Max, 276 Lopes, Alberto, 366, 367 Kratky, Andreas, 82, 166 Lopes, Maria Manuela, 443, 445, 457 Kraus, Rosalind, 5, 79, 80, 82, 86 Lopes, Pedro Faria, 366 Krautgasser, Annja, 108 Louro, João, 397, 403 Kraynik, Ted, 282, 283 Lucas, Luís, 425 Krebs, Rockne, 275 Luechinger, Roger, 38 Kriesche, Richard, 125 Lugán, 307 Krueger, Myron, 59, 60, 86, 367, 451 Luigi, Mário De, 55 Krysa, Joasia, 131, 132, 452 Lumière, August e Louis, 66 Kubrik, Stanley, 208 Lutz, Theo, 297 Kurtz, Hope, 25 Lyons, Lucy, 443 Kurtz, Steve, 25 Lyotard, Jean-François, 46, 163, 369 Kutschat, Daniela, 422

Macaulay, James, 268 Lambert, Nicolas, 247 Macedo, Tatiana, 459 Landa, Manuel De, 184, 189 Machado, Fernando Jorge Penousal, 134 Lang, Fritz, 208, 211 Machado, José Pedro, 89 Langton, Christopher, 101, 134 Macias, Henrique, 366 Lanier, Jaron, 37, 232, 422 Mack, Hans, 311 Lazlo, Pierre, 367 Mackenzie, Adrian, 132 Leal, Miguel, 5, 398, 404 Mackern, Brian, 445 Leandre, Joan, 108, 402 Macri, Teresa, 409 Lebrero-Stals, 409 Maeda, John, 125 Lecci, Auro, 294, 307, 370 Magalhães, André, 397 Lee, Julian, 81 Magalhães, José, 406 Leeson, Lynn Hershman, 36, 405, 409 Malevich, Kasimir, 53 Lefebvre, Henry, 196 Malina, Frank, 4, 260, 262, 263, 290, 304 Léger, Fernand, 76 Malina, Roger, 258, 406, 455 Legrady, George, 167 Mallary, Robert, 301 Leider, Philip, 3, 262 Mandl, Rainer, 108 Lemberg, Rein, 264 Mann, Steve, 218 Lemos, Fernando, 378 Manoury, Philippe, 366 Leopoldseder, Hannes, 3, 221 Manovich, Lev, 79, 82, 125, 131, 132, 165, Levine, Les, 150, 151, 293 166, 171, 405, 406 Lewis, Steve, 206 Manzotti, Riccardo, 444 Lewitt, Sol, 272, 420 Maranha, David, 393 Lia, 450 Marc, Adrian, 343 Liãno, Ignacio Gómez de, 306 Marcelino, Emanuel, 403 Lichtenstein, Roy, 275 Marconi, Gugliemo, 67, 325 Lines, Adrian, 364 Marey, Étienne-Jules, 66 Lippard, Lucy, 17, 145, 146, 147, 291, Marinetti, Filipo Tomaso, 20, 53, 54, 292 Mariño, Mário, 294, 321 Lissitsky, El, 53 Marionet, 457 Llarena, Carlos Gomes de, 125 Marker, Chris, 81 Llull, Ramon, 329, 330 Martel, Ralph, 268 Long, Richard, 272 Martín, Abel, 307 Longo, Robert, 420 Martin, Eric, 268 Lonsdale, Kathleen, 76 Martins, Marco, 458 Loock, Ulrich, 5 Marussich, Yann, 445

491 Mason, Catherine, 247 372, 373, 374 Mason, M. S., 260 Mondrian, Piet, 254, 255, 339, 349, 440 Massironi, Manfredo, 311 Monfort, Nick, 132, 225 Masterman, Margaret, 343 Mongrel, 122 Mateas, Michael, 132 Monory, Jacques, 385 Mateus, Cristina, 5, 398, 403, 404 Montagu, Arturo, 287 Matisse, 95 Montalverne, Gil, 78 Matos, Fernando de, 352 Monteiro, Carolino, 422 Mattes, Eva e Franco, 108, 444 Montenegro, Mário, 444 Maturana, Humberto, 422 Moore, Gordon, 212 Mavignier, Almir, 310, 311 Morais, Laetitia, 394 McBride, Rita, 365 Moravec, Hans, 211, 212, 213, 217 McCoy, Kevin, 108 Moreira, Rui, 403 McCulloch, Warren, 330 Moreira, Sónia, 457 Mchale, John, 177, 178 Morelllet, François, 312 McKinon, Robin, 343 Morgan, Edwin, 343 McLean, Alex, 108, 116, 119, 121, 127, Mori, Mariko, 407 129 Morrir, Charles, 76 McLuhan, Marshall, 182, 304, 361 Morse, Samuel, 67, 92, 141 Mefferd, Boyd, 275 Mortensen, Richard, 40 Melo, Alexandre, 5, 246, 326, 408 Moscati, Giorgio, 297 - 300 Mendes, Abel, 353 Moss, Carie-Ann, 233 Mendes, Paulo, 397, 407, 409 Mota, Mnuel, 393 Menéres, Clara, 385, 387, 388 Mota, Virgínia, 457 Menezes, Marta de, 5, 14, 108, 143, Moura, João Martinho, 458 245, 265, 403, 411, 412, 413, 417, Moura, Leonel, 14, 45, 245, 353, 392, 393, 418, 422, 431 - 445, 457 408, 413, 414, 416 - 430, 457, 458 Merleau-Ponty, Maurice, 63 Munari, Bruno, 156 Meste, Philippe, 407, 409 Muntadas, Antoni, 164, 165, 405, 407 Mestrak, Auguste, 71 Murtaugh, Michael, 132 Metzger, Gustav, 276, 361 Murucchio, Berto, 55 Meyer, Pedro, 405 Musafar, Fakir, 409 Mezei, Leslie, 251, 252, 307, 316, 360 Muybridge, Eadweard, 66, 81 Mignonneau, Laurent, 104, 125, 137, 414 Milani, Milena, 55 Nadal, Emília, 363, 34 Milojevic, Petar, 260, 307 Nadis, Steve, 139 Minc, Alain, 53 Nadjar, Michael, 80, 81 Mira, Marília Maria, 407 Nakaya, Fujiko, 280 Miranda, Bragança de, 408, 409 Nake, Frieder, 137, 158, 255, 256, 260, 270, Miró, Joan, 328 301, 304, 307, 316 - 319, 360, 370 Mitchell, William J., 78, 201, 202, 207 Napier, Mark, 107, 111, 113 Miwa, Masahiro, 125 Nazaré, Leonor, 364, 393 Moholy-Nagy, László, 39, 40, 67, 75, 76, Nees, George, 157, 158, 159, 162, 266, 270, 78, 280, 324, 328, 369 293, 294, 301, 304, 307, 308, 316, 338, Mohr, Manfred, 137,154, 155, 156, 304, 364, 370 339, 346 Negroponte, Nicholas, 224, 319, 349 Moles, Abraham, 153, 154, 155, 157,159, Nery, Eduardo, 363, 364 163, 294, 304, 307, 314 - 317, 319, Neshat, Shirin, 407 341, 344, 345, 347, 349, 360, 361, Neumann, John von, 93

492 Neutra, Richard J., 76 Passel, Eva van, 45 Neves, Maria Susana, 367 Paul, Christiane, 10, 107, 123, 166, 454 Nezvanova, Netochka, 109 Pavão, Luís, 366 Niblock, Phil, 393 Paxton, Steve, 274 Nichols, Bill, 225 - 228, 241 Pedro, António, 323, 324, 328 - 331 Niépce, Nicéphore, 70 Pedrosa, Nuno, 433 Nigten, Anne, 109 Peirce, Charles, 153, 156, 158 Niki, Niki, 136 Peitgen, Heinz-Otto, 366, 367 Nogueira, Carlos, 369 Penemberg, Adam L., 29 Noll, Michael, 158, 180, 252 - 255, Penha, Rui, 459 266, 270, 304, 307, 338, 339, 349 Penny, Simon, 43, 44, 86, 104 Nora, Simon, 53 Perales, José L. Gómez, 307 Norman, Jeremy M., 91 pereira, Ana, 459 Noronha, Patrícia, 457 Pereira, Fernado José, 5, 397, 398, 403, 404 Novo, Teresa Alonso, 38 Pereira, Henrique Garcia, 428 Nunes, Gisela, 458 Pereira, José Pacheco, 406 Pereira, Paulo, 5 Pérez, Miguel von Hafe, 5 O´Kane, Bob, 119, 139 Pernes, Fernando, 5, 286, 396, 397 O’Reilly, Kira, 444 Pestana, Silvestre, 5, 353 - 357, 364, 375, Ocampo, Manuel, 407 383, 387, 388, 425 Ogasawara, Noriaki, 125 Peterman, Dan, 136 Ohtake, Makoto, 261 Peverelli, Cesare, 55 Olaio, António, 397 Pevsner, Antoine, 39, 368 Oldenburg, Claes, 275 Pfaffenbichler, Norbert, 125 Oliveira, Rosa Maria, 364 Phillips, Lisa, 4 Ono, Yoko, 35, 455 Picabia, Francis, 22, 324, 328 Onofre, João, 431 Picasso, 95 Orlan, 409 Piene, Otto, 280, 282, 284, 285, 311, 336 Orwell, George, 56, 208, 214 Pignatari, Décio, 296, 297, 366 Ouija, 454 Pimenta, Emanuel Dimas de Melo, 366, 393, 422 Pinhão, Sérgio, 363, 364 Paes, Rui Eduardo, 392, 393 Pinharanda, João, 397 Paesmans, Dirk, 111, 402 Pinheiro, Jorge, 385 Paik, Nam June, 56, 112, 270, 276, Pinter, Klaus, 385 366, 420 Pinto, António Cerveira, 1, 87, 353, 365, Palácios, Daniel, 445 366, 393, 397, 400, 401, 402, 421, 447, Paley, Brad, 107 457, 460 Palma, Luís, 397 Pinto, Cãndido Costa, 210, 211 Palma, Miguel, 5, 397, 398, 407 Pinto, João Castro, 393 Palolo, António, 353 Pinto, José Gomes, 48 Palyka, Duane, 301 Pisaturo, Carl, 422 Panicelli, Ida, 419, 420 Plaza, Júlio, 366 Pantin, C, F. A., 76 Plewe, Daniela, 109 Paolozzi, Eduardo, 177 Poe, Edgar Allan, 70 Parfrey, Adam, 408 Pold, Soren, 128, 131, 132 Parikka, Jussi, 131 Polesello, Rogelio, 294, 321 Parkinson, Robin, 268 Pollock, Jackson, 18 Pask, Gordon, 270, 271, 272, 330 Pomar, Alexandre, 369

493 Pope, Simon, 122 Robinson, Derek, 132 Popov, Alexander, 67 Rocha, Miguel Ângelo, 397 Popper, Frank, 6, 369 Rodchenko, Alexander, 67 Porfírio, José Luís, 348, 349, 369, 372 Rodrigues, Amália, 425 Portela, Patrícia, 459 Rodrigues, António, 5, 246 Pound, Erza, 74 Rodrigues, Sónia, 393 Preusser, Robert O., 248, 284, 386 Rodríguez, Amador, 307 Prior, Patrícia, 455 Rogers, Kathleen, 422 Prohaska, Rainer, 119 Romana, Ana João, 433 Prophet, Jane, 406 Romano, Gustavo, 445 Pulsa, 284 Romberg, Osvaldo, 287, 294, 304, 321 Rondidone, Ugo, 409 Roosevelt, Franklin D., 67 Quadreny, Josep M. Mestres, 308 Roriz, Olga, 425 Queiroz, Inês Pinto, 413 Rosa, Artur, 385 Quejido, Manuel, 307, 308, 321 Rosa, Joana, 353, 397 Quintas, Rodolfo, 457 Rosa, Jorge, 209 Rosen, Margit, 310 Rosenblueth, Arturo, 102 Rabinowitz, Sherrie, 36 Ross, David, 453 Radovic, Zoran, 307 Ross, Philip, 422 Rainer, Yvonne, 274 Rossi, Bruno, 76 Rakauskaite, Egle, 407 Rossler, Oto, 409 Ramiro, Mário, 381, 388 Rotwang, 211 Ramos, Vitorino, 422 Rötzer, Florian, 139 Raposo, Filipe, 459 Roxo, Daniela Abelaira, 393, 394 Raposo, Paulo, 393, 395 Rozin, Daniel, 125 Raskin, Jeffrey, 268 RTMark, 119 Rauschenberg, Robert, 4, 273, 274, RTMark, 454 279, 290, 442 Rua, Vítor, 387 Ray, Man, 40, 75 Rubsamen, Glen, 365 Raymond, Richard C., 370 Rüst, Annina, 277 Reagan, Ronald, 259 Rützel, Ulrich, 3 Reas, Casey, 125, 130, 414 Rumsey, David, 284 Reeves, Keanu, 233, 234 Regina, Guido La, 55 Reichardt, Jasia, 41, 156, 247, 266, 269, Sá, Adriana, 393, 394 270, 271, 294, 330, 343 Sabri, M., 366, 367 Reis, Gilberto, 409 Sack, Warren, 132 Rejlander, Oscar, 72 Sacks, Steve, 125, 454 Research, Knowbotic, 139 Sadosky, Manuel, 291 Resende, Sebastião, 397 Salter, Chris, 445 Restate, 119 Salvo, Dona de, 144 Richter, P. H., 366 Samperio, Daniel, 458 Rifkin, Jeremy, 140 Sanches, Rui, 420 Rigo, 407 Sander, Auguste, 164 Rinaldo, Ken, 104, 414, 415, 422, 428 Santiago, Nuno, 397 Riva, Javier Seguí de la, 307, 308, 309, Santo, Pedro Cabral, 407 321 Santos, A. M. Nunes dos, 367 Robbins, Donad K, 260 Santos, Mariana, 33

494 Santos, Teresa, 403 124, 127, 129 -132 Sanz, Eduardo, 307 Sier, André, 403, 443, 445, 460 Sardinha, Margarida, 460 Sifuentes, Roberto, 408 Sardo, Delfim, 393 Silba, Cícero, 131 Sarmento, Julião, 353, 364, 365 Silva, Henrique, 353 Sasowsky, Peter, 412 Silva, Raquel Henriques da, 5, 246 Sassen, Saskia, 198 Silva, Sancho, 433 Sasson, Steve, 69 Silvério, João, 458 Saunders, Rogers, 307 Simon Jr., John F., 109, 111, 119, 124, 126, Schad, Christian, 75 445, 454 Scharf, Aaron, 2 Simons and Bosch, 139 Scheiderbauer, Tomi, 38 Simpson, Zack Booth, 60 Schlee, Beverly, 25 Siza, Teresa, 330 Schmidt, Siegfried J., 317 Smith, John F., 108 Schmitt, Angelica D., 460 Smith, Tony, 275 Schmitt, Antoine, 108, 109, 119, Snibbe, Scott, 107 Schoeffer, Pierre, 361 Snow, Charles Percy, 174, 175, 176 Schöfer, Nicholas, 41, 104 Snowden, Edward, 181 Schöffer, Nicolas, 369 Soares, Miguel, 5, 398, 399, 400, 403, 407 Schöpf, Christine, 106, 108, 142, 409, Soares, Paula, 409 413, 433 Sobrinho, J. Soares, 305 Schreibe, Lotte, 125 Soja, Edward, 196, 197 Schröder, Käthe Clarissa, 346 Sommerer, Christa, 104, 125, 137, 160, 404, Schrödinger, Erwin, 96 414 Schroeder, Manfred, 338 Soto, Jesús Rafael, 40, 311 Schultz, Pit, 108 Sousa, Ernesto de, 33, 57, 247, 288, 289, 310, Schum, Gerry, 56, 57 321, 351, 352, 353, 358 - 362, 373, 379, Schwartz, Lilian, 338 389, 391, 392, 393, 395, 398, 419, 421, 456 Schwartz, Lillian, 268 Sousa, Pedro, 394 Scott, Jill, 444 Souza-Cardoso, Amadeo, 323 - 326 Scott, Ridley, 208, 214 Spiegel, Malex, 38 Secq, Henry Le, 71 Sprinkle, Annie, 409 Sedek, Grzesiek, 132 Staruss, Wolfgang, 62 Sempere, Eusébio, 304, 307, 366 Steichen, Edward, 67, 95, 133, 134 Sendas, Noé, 403 Steinberg, Saul, 339 Sermon, Paul, 409 Steinke, Darcey, 454 Serpa, Luís, 419 Stelarc, 30, 31, 104, 134, 218, 237, 238 - 240, Serra, Rui, 397 408, 409, 422, 449 Sevilla, Soledad, 304, 307, 308, 321, 366 Stieglitz, Alfred, 74, 95 Shaffer, James, 257 Stoker, Gerfried, 109, 142, 455 Shanken, Edward A., 86, 160, 272 Strachan, Tavares, 277 Shannon, Claude, 12, 34, 92, 153, 153, Struyken, Peter, 294 156, 158, 159 Sullivan, Craig, 260 Shannon, Thomas, 104, 133, 138 Summer, Lloyd, 260 Sharp, Willoughby, 144, 145 Sussman, Rachel, 277 Shaw, Jeffrey, 385 Sutcliffe, Alan, 3, 307, 308 Shepard Ben, 27 Sutherland, Ivan, 37, 58, 59, 60 Sherman, Tom, 368 Swenson, Gen R., 180 Shor, Shirley, 125 Szarkowski, John, 73, 78 Shulgin, Alexei, 108, 119, 120, 121, Szeemann, Harald, 422

495 Vasconcelos, Catarina, 459 Vasconcelos, Soraya, 457 Tabarra, João, 397, 403 Vasulka, Steina, 3 Taborda, Sérgio, 403, 404 Vasulka, Woody, 3, 221 Takis, Vassilakis, 282 Verdadeiro, Ruben, 393 Talbot, Fox, 65, 75 Verne, Jules, 208 Tancredi, 55 Verostko, Roman, 125, 136, 137 Tavares, Emília, 458 Verstappen, Maria, 44 Tavares, Sallete, 345 - 348, 373, 380 Vertov, Dziga, 67, 81 Tedre, Matti, 132 Vesna, Victoria, 450 Teixeira, Ana Bárbara, 457 Viana, António, 364 Tenney, James, 343 Viana, Maria Fernanda, 367 Tesla, Nikola, 67 Vianello, Vinicio, 55 The Yes Men, 24, 108 Vicente, Maria Inês, 459 Thielmann, Tristan, 131 Vidal, Carlos, 397, 421 Thom, René, 422 Vidal, Miguel Ángel, 287, 294, 304, 321 Thompson, Mark, 183 Vieira, João, 352, 353 Thompson, Mike, 445 Vieira, Pedro Sousa, 397 Tinguely, Jean, 40, 41, 266, 274, 311, 369 Viera, Ana, 403 Toffler, Alvin, 224 Vigo, Edgardo Antonio, 292 Toffoli, Bruno De, 55 Vinci, Leonardo da, 266 Toral, Rafael, 393, 394 Viola, Bill, 365, 403 Torres, Baltazar, 397 Virilio, Paul, 182, 183, 184, 188, 189 Torvalds, Linus, 115, 116 Vorn, Bill, 44, 45, 104, 422 Tovish, Harold, 282 Vostell, Wolf, 353 Traub, Greg, 119 Trindade, Rui, 405, 406 Tropa, Pedro, 403 Wachowski, Andrew e Larry, 208, 232 Tsai, Wen-Ying, 162, 268, 270, 282 Wainwright, William, 283 Tsuchiya, Haruki, 261 Waldhauer, Fred, 273 Tuchman, Maurice, 260, 273, 275, 277 Waler, Douglas, 183 Tucker, Wilson, 209 Walther-Bense, Elisabeth, 153, 344 Tudela, Pedro, 450 Wandschneider, Miguel, 399 Tudor, David, 34, 274, 280 Ward, Adrian, 109, 116, 121, 127, 131, 132 Turing, Alan, 106 Wardrip-Fruin, Noah, 132, 225, 367 Turk, Herwig, 457 Warhol, Andy, 81, 179, 180, 272, 274, 275 Turner, Frank T., 268 Watson, James, 96, 97 Tyler, Doug, 363 Wattenberg, Martin, 108 Weever, Warren, 34, 159, Weibel, Peter, 135, 142 Uriburu, Nicolás Garcia, 292 Weidlinger, Paul, 76 Urriós, Juan, 409 Weiner, Norbert, 76, 101, 102, 103, 153, Urtica, 125 174 Utterback, Camile, 60 Weiss, Daniel, 365 Wells, H. G., 208 Wendy, Hui Kyong Chun, 132 Vail, Alfred, 92 Wenyon, Michael, 363 Valgaeren, Pieter Jan, 456 Werner, Heinz, 76 VanDerBeek, Stan, 260, 282, 283, 338 Weston, Edward, 67, 73 Vasarely, Victor, 40, 307 Whitelaw, Mitchell, 129, 130

496 Whitman, Robert, 273, 274, 275 Zwijnenberg, Robert, 444 Whitney, John, 338 Wientraub, Annette, 454 Wihelmsson, Hans, 4, 264 Wilbur, Richard, 76 Wilcox, Fred M., 208 Wilfreid, Hou Je Beck, 132 Wilhelmsson, Hans, 264 Willet, Jennifer, 444 Williams, Emmett, 343 Wilson, Stephen, 86, 133 Wise, Howard, 3, 254 Wisniewski, Maciej, 108 Wolman, Gil Joseph, 22 Wong, Kwong, 98 Wong, Pak, 98 Wray, Stefan, 26, 27 Wright, Elsie, 72 Wright, Frank Lloyd, 190, 191 Wright, Richard, 132

Xana, 369 Xavier, Jorge Barreto, 411, 312, 434, 456 Xenakis, Iannis, 158

Yamanaka, Kunio, 261 Yanobe, Kenji, 407 Yee, Nick, 242 Young, La Monte, 121 Young, Lucy Jackson, 268 Young, Neils O., 268 Youngs, Amy, 422 Yturralde, José Maria, 304, 307, 308, 309, 321, 366 Yu, Liew Kung, 407 Yuil, Simon, 132

Zapp, Andres, 409 Zimmerman, Thomas, 37 Zíngaro, Carlos, 366 Zippay, Lori, 458 Zizek, Slavoj, 233 Zorrinho, Carlos, 456 Zouni, Opy, 367 Zurr, Ionat, 422, 433, 434 Zuse, Konrad, 92, 256, 308 Zweig, Janet, 330

497 498 Índice de Figuras

Pág. Fig 1.1: Gustave Le Gray (1820-1884)…………………………………………………………….. 73 Large Wave, Mediterranean Sea / Grand Lame – Mediterranée – Nº 19 (1857) Fonte: http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b8470435k Seascape with a Ship leaving Port / Marine, Bateau Quittant la Port (1857) Fonte: http://www.getty.edu/art/collection/objects/61904/gustave-le-gray-seascape- with-a-ship-leaving port-french-1857/

Fig. 2.1: Página de entrada do site: http://wwwwwwwww.jodi.org/(1995)...... 112 Fonte: http://wwwwwwwww.jodi.org/

Fig. 2.2: Parte do código fonte (HTML) do site http:wwwwwwwwwjodi.org (1995)...... 113 Fonte: https://fairhavenjenny.files.wordpress.com/2010/07/picture-11.png

Fig. 2.3: Shredder 1.0 (1998)...... 114 Fonte: Execução do programa em: http://www.potatoland.org/shredder/shredder.html

Fig. 3.1 - John Mchale, Transistor, 1954, (ColecçãoTate)………………………………………… 178 Fonte: http://www.tate.org.uk/art/artworks/mchale-transistor-t07088

Fig. 3.2 – Transístor...... 178 Fonte: http://www.circuitstoday.com/wp-content/uploads/2011/11/Transistor-NPN- Circuit-Symbol.jpg

Fig. 3.3 - População dos principais aglomerados urbanos (1950-2020)...... 200 Fonte: United Nations, Department of Economic and Social Affairs, Population Division (2012). World Urbanization Prospects: The 2011 Revision, CD-ROM Edition

Fig. 4.1: Computers and Automation (Janeiro de1963)...... 249 Fonte: http://bitsavers.trailing-edge.com/pdf/computersAndAutomation/196301.pdf

Fig 4.2: Computers and Automation (Agosto de 1963). Computer Art Contest First Prize……… 250 Fonte: http://bitsavers.trailing-edge.com/pdf/computersAndAutomation/196308.pdf

Fig. 4.3: Computer Composition with Lines (1964), A. Michael Noll.Computers and Automation. 255 (Agosto de 1965) Fonte: http://bitsavers.trailingedge.com/pdf/computersAndAutomation/196508.pdf

Fig. 4.4: Composition with Lines (1917), Piet Mondrian………………………………………….. 255 Fonte: http://mysite.pratt.edu/~llaurola/cg550/compositionwithlines.gif

Fig. 4.5: 13/9/65 Nr.5, Distribution of Elementary Signs,Frieder Nake (detalhe da assinatura)...... 256 Computers and Automation (Agosto de 1966) Fonte: http://bitsavers.trailingedge.com/pdf/computersAndAutomation/196608.pdf

Fig. 4.6: Sine Curve Man, Charles Csuri - Computers and Automation………………………… 258 Fonte: http://bitsavers.trailingedge.com/pdf/computersAndAutomation/196708.pdf

Fig 4.7: Derivadas de Uma Imagem (1969); tranformação em grau 0 (esq.)...... 299 e transformação em grau 1 (direita). Fonte: http://www.phillips.com/detail/WALDEMAR-CORDEIRO/UK000210/338

499

Fig 4.8: Imagem original da imprensa (à esquerda) e A Mulher que não é B. B. (1971)...... 300 Fonte:http://www.cosacnaify.com.br/loja/interna.asp?cod=240&codigo_categoria=2&la nguage=pt

Fig 4.8: Kerry Strand e California Computer Producuts. The Snail (1968) (esquerda), e The 303 ...... Fisherman (1968) (direita). Fonte: http://dada.compart-bremen.de/item/artwork/470 e http://dada.compart- bremen.de/item/artwork/1234

Fig 5.1: Amadeo de Souza-Cardoso, Título Desconhecido (1917)...... 325 Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/d7/Cardoso10.jpg

Fig 5.2: Amadeo de Souza-Cardoso, Título Desconhecido (BRUT300 TSF) (1917)...... 325 Fonte: http://cam.gulbenkian.pt/CAM/pt/Colecao/Pesquisa

Fig 5.3: Amadeo de Souza-Cardoso, Título Desconhecido (Máquina Registadora) (1917)...... 326 Fonte: http://cam.gulbenkian.pt/CAM/pt/Colecao/Pesquisa

Fig 5.4: Máquina calculadora Barrett (c. 1912) Barrett Adding Machine Company...... 326 Fonte:http://www.netdocent.com/objects/viewObject.aspx?id=70ADEDD4-5FE9- 4D21-B8C0-B477F1711B74&circa=1912

Fig 5.5: António Pedro, Aparelho Metafísico de Meditação (1935)...... 328 Fonte:http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdReg =203352&EntSep=3#gotoPosition

Fig 5.6: Prospecto/Programa do Ciclo de Conferências integradas na exposição A Arte do Computador (1974)...... 347 Fonte: Fotografia do autor

Fig 5.7: Capa de Poemografias (1985). Org. de Fernado Aguiar e Silvestre Pestana...... 355 Fonte: Fotografia do autor

Fig. 5.8: Computer Poetry, To: Julian Beck (1983). Silvestre Pestana…………………………… 356 Fonte: Fotografia do autor

Fig 5.9: Telegrafias (1969), de Silvestre Pestana, e fita de papel perfurada de 5 e 8 canais...... 356 Fontes: Fotografia do autor e http://en.wikipedia.org/wiki/Punched_tape#mediaviewer/File:PaperTapes- 5and8Hole.jpg

Fig 5.10: Capas dos desdobráveis das exposições de infoarte de Maria Cecília Melo e Castro. Em cima na Galeria Barata (Jan.1988), e ao lado na Junta de Turismo daCosta do Estoril (Junho/Julho, 384 1988)...... Fonte: Fotografia do autor

Fig. 5.11: Capa do desdobrável da exposição Arte e Ciência – CincoArtistas Portugueses...... 385 Fonte: Fotografia do autor

Fig 5.12: Frente e verso do postal convite da exposição Arte High Tech em Questão (Julho de 1988) na Galeria Diferença...... 387 Fonte: Fotografia do autor

Fig 5.13: Leonel Moura, Territory (1988) (excerto), publicado na revista Artforum, Novembro, 1988...... 420 Fonte: Cortesia de Leonel Moura

500 Fig 5.14: Capa da revista Artificial Life, (Vol.14,No. 1, 2008), ilustrada com uma obra de Leonel Moura...... 424 Fonte: Cortesia de Leonel Moura

Fig. 5.15: Retratos de:Anamar, Luís Lucas, Manuel Reis, Olga Roriz, Ribeiro da Fonte (da esq. para a direita, e de cima para baixo), Leonel Moura, 1983...... 425 Fonte: Cortesia de Leonel Moura

Fig. 5.16: Swarm Painting (400 x 500cm) produzida por um conjunto de 10 robôs...... 427 Fonte: Cortesia de Leonel Moura

Fig. 5.17: Borboleta do género Bicyclus anynana com padrão modificado na asa anterior direita.. 433 Fonte: Cortesia de Marta de Menezes

Fig 5.18: Vista da instalaçãoNuclearFamily (acima).Padrão colorido resultantedo DNA microarray (ao lado)...... 437 Fonte: Cortesia de Marta de Menezes

Fig A: Instalações do futuro Museu Zer0...... 460 Fonte: Cortesia do Instituto Lusíada de Cultura

501 502

Anexo I

503 504 BIBLIOGRAFIA TEMÁTICA

(Selecção da bibliografia citada - volumes e catálogos)

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• WANDSCHNEIDER, Miguel (comiss.) (2008). Miguel Soares Vídeos e Animações 3D: 1999-2005, Lisboa: Fundação Caixa Geral de Depósitos – Culturgest [catálogo]

História da Fotografia / Fotografia

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• EISINGER, Joel (1995). Trace and Transformation – American Criticism of Photography in the Modernist Period, Albuquerque: University of New Mexico Press

• FONTCUBERTA, Joan (2005). Landscapes Without Memory, Nova Iorque: Aperture Foundation [catálogo]

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• KRAUSS, Rosalind (1990/2002). O Fotográfico, Barcelona: Editora Gustavo Gili, SA

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• NEWHALL, Beaumont (1982/1994). The History of Photography, Nova Iorque: The Museum of Modern Art.

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Realidade Virtual

• GRAU, Oliver (2003). Virtual Art: From Illusion to Immersion, Cambridge / London: The MIT Press

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Software Art

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• FULLER, Matthew (2003). Behind the Bleep: Essays on the Culture of Software, Nova Iorque: Autonomedia.

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Tecnocultura

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• LIPPERT-RASMUSSEN, Kasper (ed.) (2012). The Poshuman Condition: Ethics, Aesthethics and Politics of Biotechnological Challenges, Aarhus: Aarhus Univerversistetsforlag.

• MORAVEC, Hans (1988/1992). Homens e Robots: O Futuro da Inteligência Humana e Robótica, Lisboa: Gradiva Publicações.

• EDWARD, James e MENDLESOHN, Farah (eds.) (2003). The Cambridge Companion to Science Fiction, Cambridge: Cambridge University Press

• WIENER, Norbert (1948/1961). Cybernetics or Control and Communication in the Animal and the Machine, Cambridge (Mass.): The MIT Press.

Urbanismo

• ASCHER, François (2010). Novos Princípios do Urbanismo seguido de Novos Compromissos Urbanos – Um Léxico, Lisboa: Livros Horizonte

• BOYER, M. Christine (1996). Cybercities: Visual Perception in the Age of Electronic Communication, Nova Iorque: Princeton Architectural Press.

• CHOAY, Francoise (1965/2005). O Urbanismo, São Paulo: Editora Perspectiva S.A.

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• MITCHELL, William J. T. (2000). e-topia – “Urban Life, Jim – But Not As We Know It”. Cambridge (MA) e Londres: The MIT Press

• SOJA, Edward W. (2000). Postmetropolis – Critical Studies of Cities and Regions, Oxford: Blackwell Publishers Ltd.

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