Direitos de autor e condições de utilização do trabalho por terceiros

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Agradecimentos

Em primeiro lugar gostaria de agradecer minha orientadora professora Doutora Alesandra Silveira pelo suporte, correções e inspiração ao longo das aulas presenciais do Mestrado. Agradeço aos meus colegas que tornaram a caminhada ao longo destes dois anos mais agradável. Em particular ao grupo que cruzou comigo o Caminho de Santiago em 2017. Maíra Almeida, Geisa Daré, Douglas Weber, Thiago Beresford e Nicole Friedrich. Faço também um agradecimento à professora Doutora Patrícia Jerónimo que, além de ter participado dessa aventura, forneceu conselhos preciosos com relação a minha forma de escrever que por certo me ajudaram muito. Cássia Alves e Rubenita Nóbrega amigas queridas, companheiras nas aulas e fora delas, também precisam figurar aqui. Assim como minha grande amiga Lúcia Vanini que me incentiva e me ajuda desde sempre. Agradeço ainda ao Universo por ter conspirado para que eu me increvesse neste mestrado que além de muito conhecimento, trouxe experiências maravilhosas e amizades especiais. Devo dizer que sou extremamente grata aos meus cinco “filhos” Nyah, Clarinha, Zito, Teka e Neguinha, que mesmo sem saber fornceram todo apoio necessário para que eu pudesse escrever, me animando com suas gracinhas e me ajudando a ter boas ideias durante nossos passeios matinais. E por fim agradeço ao meu marido Diego pela paciência, apoio, auxílio e pelas intermináveis leituras desta dissertação. Muito Obrigada.

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Declaração de integridade

Declaro ter atuado com integridade na elaboração do presente trabalho académico e confirmo que não recorri à prática de plágio nem a qualquer forma de utilização indevida ou falsificação de informações ou resultados em nenhuma das etapas conducente à sua elaboração. Mais declaro que conheço e que respeitei o Código de Conduta Ética da Universidade do Minho.

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Resumo

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NO MERCADO DE TRABALHO: Prevenção de impactos e a implementação de políticas públicas

As tecnologias disruptivas das quais fazem parte a Inteligencia Artificial e a Internet das Coisas são novidades capazes de alterar o tecido social como um todo. Diversos estudos preconizam que o impacto mais significativo da popularização dessas inovações será perante o mercado de trabalho. No caso, tem- se que as máquinas ocuparão um percentual elevado das funções hoje exercidas por humanos Por conseguinte, os reflexos dessa revolução tecnológica afetarão a qualificação profissional, os sistemas de seguridade social e a forma de arrecadação de tributos, pois essas áreas relacionam-se diretamente com o trabalho na sociedade atual. Através de pesquisa bibligráfica, a presente dissertação visa analisar as possíveis consequências do implemento das tecnologias disruptivas a partir de uma visão sociológica e holística, primando pela relativização do papel do labor e consequentemente do consumo nas sociedades atuais. A perda de protagonismo do trabalho na economia, e os efeitos disso, poderão ser algo positivo se os indivíduos receberem incentivos para que busquem ocupações benéficas para a coletividade, para o meio ambiente e para si mesmos – ainda que tal atitude resulte numa contrapartida financeira menor. Busca-se aqui o enfrentamento desses desafios por várias frentes, em especial no que concerne à implementação de políticas públicas – como seja a efetivação de um sistema de Renda Básica Universal, propostas de mudanças na arrecadação tributária, e a criação de normas e regramentos em âmbito global, uma vez que tais tecnologias não obedecem limites territoriais.

Palavras-Chave: Inteligência Artificial; Mercado de Trabalho; Políticas Públicas; Renda Básica Universal.

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Abstract

ARTIFICIAL INTELIGENCE IN THE JOB MARKET: Prevention of impacts and implementation of public policies

The disruptive technologies of which and the Internet of Things are updates capable of altering the whole path of society. Several studies suggest that the most significant impact of popularizing these innovations will affect directly the labor market. In this case, machines will occupy a high percentage of functions now performed by humans. Therefore, the reflexes of this technological revolution will affect professional qualification, social security systems and the way taxes are collected, since these areas are directly related with jobs in today's society. Through bibliographic research and documentary analysis, this dissertation aims to analyze the possible consequences of the implementation of disruptive technologies with a sociological and holistic view, specially the relativization of the role of labor and consequently the consumption in current societies. The loss of the leading role of labor in the economy, and the effects of it, could be positive if individuals are given motivation to pursue occupations that are beneficial to the whole community, the environment and themselves, even if such attitudes imply in a less financial compensation. The purpose here is to confront these changes on several fronts, especially regarding the implementation of public policies, such as the implementation of a system, suggestions for changes in tax collection, and the creation of globally laws and regulations considering that such technologies do not obey territorial limits.

Keywords: Artificial Intelligence; Job Market; Public Policies; Basic Income.

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Índice

Direitos de autor e condições de utilização do trabalho por terceiros ...... ii Agradecimentos ...... iii Declaração de integridade ...... iv Resumo ...... v Abstract ...... vi Lista de siglas e abreviaturas ...... viii Introdução ...... 9 1. Capítulo I - Da máquina à vapor ao Watson. O que mudou? ...... 15 2. História das revoluções industriais e tecnológicas ...... 16 3. Relações de trabalho. Perspectivas históricas ...... 23 4. Quarta Revolução Industrial, o que já é realidade ...... 31 1. Capítulo II – Reflexos da Quarta Revolução Industrial ...... 39 2. Reflexos sobre os Empregos ...... 39 3. Educação e qualificação profissional ...... 45 4. Repercussões do desemprego nas políticas públicas e nos direitos humanos ...... 49 1. Capítulo III – Iniciativas para o amortecimento dos possíveis impactos ...... 53 2. Legislação ...... 54 3. Robot Taxes e questões tributárias ...... 61 4. Renda Básica Universal ...... 68 5. Dificuldades ...... 73 1. Capítulo IV – Para problemas globais soluções globais ...... 78 2. Trabalho e a necessidade de uma nova forma de organização social ...... 80 3. Renda Única Universal Global na sociedade tecnológica ...... 85 4. Problemas globais e soluções individuais ...... 89 5. Economia colaborativa, consumo e desenvolvimento sustentável ...... 93 Considerações finais ...... 99 Referências ...... 104

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Lista de siglas e abreviaturas

IoT Internet das Coisas IA Inteligência Artificial RBU Renda Básica Universal OIT Organização Internacional do Trabalho OECD Organization for Economic Coperation and Development PIB Produto Interno Bruto FMI Fundo Monetário Internacional FAM Mecanismo de Ação contra a Fome ONU Organização das Nações Unidas CEO Chief Executive Officer IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

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Introdução

A preocupação sobre o risco de termos postos de trabalho tomados por máquinas não é uma ideia nova. Dúvidas sobre a possibilidade de mantermos os empregos já ocorriam durante a Primeira Revolução Industrial. Expectativas semelhantes foram criadas na ocorrência da popularização dos computadores pessoais na década de 90, bem como após a expansão dos serviços de internet. Entretanto, nenhuma das previsões anteriores se concretizou. Muito pelo contrário. Nas transições anteriores a mecanização não apenas gerou novas oportunidades, como também criou sociedades mais prósperas.1 Com toda certeza existiram gargalos e períodos de transição que ocasionaram grandes mudanças no paradigma das sociedades ao redor do mundo. A mecanização da agricultura ocorrida principalmente nos anos 1950, por exemplo, ceifou um percentual significativo de vagas no setor, gerando o fenômeno que conhecemos como êxodo rural. Posteriormente a mecanização da indústria procedeu a migração de trabalhadores para o setor de serviços. Este movimento gerou a necessidade de profissões mais qualificadas, mas que por sua vez propiciavam melhor remuneração. Após os referidos períodos de ajuste, que variaram de acordo com as condições sociais de cada região, o mercado voltou a se estabilizar. Por certo é possível afirmar que os ciclos anteriores de mecanização incrementaram o mercado de forma generalizada. Porém, de acordo com o que preconizam novos estudos sobre o tema, a perda de empregos para as chamadas tecnologias ou inovações disruptivas2, que incluem dispositivos de robótica, sistemas de Internet das coisas (IoT)3, inteligência artificial (IA)4, entre outros, está perto de se concretizar. Isto se dá em razão da melhora dos sistemas computacionais e da consequente diminuição de custos para a implantação de tais aparatos em larga escala.

1 Cf. FORD, Martin. Robôs: A ameaça de um futuro sem emprego. Tradução de José Valle Roberto. 1ª ed., Lisboa, Bertrand, 2016, p.11. 2 Nas palavras de Cortez uma inovação pode ser chamada de disruptiva quando uma inovação disruptiva ocorre quando for capaz de enfraquecer ou, eventualmente, de substituir indústrias, empresas ou produtos estabelecidos no mercado. “Disruption theory tells us that certain innovations can undermine existing products, firms, or even entire industries”. Cf. CORTEZ, Nathan. Regulating disruptive innovation, Berkeley Tech, v. 29, 2014, p. 175. 3 Para Peter Friess, responsável de ciência e políticas na Comissão Europeia e coordenador do IERC – Cluster Europeu de Pesquisa da Internet das Coisas, a IoT pode ser definida por uma combinação de tecnologias e perspectiva sociais. IoT é um fenômeno de um número constantemente crescente de objetos interconectados que está gradualmente mudando – e melhorando – a vida das pessoas. Cf. PRESSER, Mirko. Inspirando a Internet das Coisas, Traduzido Flextime Language Center, Edição Brasileira do Comic Book, Alexandra Institute, 2011, p. 5. 4 Ainda não há uma definição estrita para o que seria inteligência artificial em razão da ampla gama de funções que tais dispositivos podem desempenhar. Para facilitar o presente estudo, utilizaremos a definição da União Europeia.“ O conceito de inteligência artificial (IA) aplica-se a sistemas que apresentam um comportamento inteligente, analisando o seu ambiente e tomando medidas — com um determinado nível de autonomia — para atingir objetivos específicos. Os sistemas baseados em inteligência artificial podem ser puramente confinados ao software, atuando no mundo virtual (por exemplo, assistentes de voz, programas de análise de imagens, motores de busca, sistemas de reconhecimento facial e de discurso), ou podem ser integrados em dispositivos físicos (por exemplo, robôs avançados, automóveis autónomos, veículos aéreos não tripulados ou aplicações da Internet das coisas).” Cf. CONSELHO DA UNIÃO EUROPEA. Documento COM (2018) 237 final, Comunicação da comissão ao parlamento europeu, ao conselho europeu, ao conselho, ao comité económico e social europeu e ao comité das regiões − Inteligência artificial para a Europa, Bruxelas 30 de abril de 2018, disponível em file:///C:/Users/chari/Downloads/AI%20-%20comunica%C3%A7%C3%A3o%20abril%202018%20portugu%C3%AAs.pdf {22/10/2019}. 9

Dados coletados pelo instituto McKinsey & Company5 indicam que cerca de 800 milhões de trabalhadores ao redor do mundo poderão perder seus empregos até 2030 para dispositivos de inteligência artificial e automação. Previsões de outros órgãos como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) demonstram informações parecidas, aferindo que a mecanização industrial irá atingir em média 50% dos postos de trabalho até 20256. No campo da economia, filosofia e ciências políticas, autores como Peter Singer e Klaus Schwab7 vêm chamando a atenção para estes dados informando que estamos diante de uma Quarta Revolução Industrial. Nos países emergentes os números são ainda mais altos em razão de os mesmos não terem completado a transição do setor industrial, de média qualificação técnica, para o setor de serviços que exige, via de regra, formação superior. No Brasil, exemplo de país emergente, pesquisas recentes denotam que 57% deverão substituídos por máquinas até 2026.8 Esta situação poderá afetar de maneira direta os países mais pobres, nos quais a industrialização é relativamente recente9. Este cenário denota a preocupação com a possibilidade de que o aumento da mecanização leve ao possível crescimento da desigualdade social. As mesmas pesquisas ora mencionadas preveem a criação de novas funções, como ocorreu em fases de revoluções tecnológicas anteriores. No entanto, possivelmente durante um período de transição haverá um índice elevado de desemprego. Isto porque a integração dos trabalhadores que perderão seus postos ao mercado de trabalho não será automática e nem tão rápida quanto durante os ciclos de transição anteriores. Primeiro em virtude de os empregos ligados à tecnologia exigirem uma capacitação de alto nível, de preferência desde os estudos de base. E também devido ao próprio expoente populacional que atualmente é muito maior do que era na ocasião das revoluções tecnológicas anteriores. De acordo com as estimativas apresentadas pelo instituto Gartner10 a tendência é que durante a transição, ou seja até 2025, sejam criados somente dois milhões de novos postos de emprego em âmbito global. Um número pequeno perto da quantidade de pessoas que tendem a perder suas vagas. Os primeiros sinais desta revolução já são bastante visíveis, existindo inúmeros exemplos de máquinas realizando o trabalho antes feito por humanos, em diversas partes do mundo.

5 Cf. CHUI, Michael, MANYIKA, James, e MIREMADI, Mehdi. Where machines could replace humans—and where they can’t (yet), McKinsey Quartely, junho de 2016, disponível em https://www.mckinsey.com/business-functions/digital-mckinsey/our-insights/where-machines-could-replace-humans-and-where- they-cant-yet [12/11/2018]. 6 Cf. KOCH, Markus, e JENSEN, Bjornar. Man and Machine: Robots on the rise? The impact of on the Swiss job market, Deloitte LLP, London, 2015, p. 6, disponível em https://www2.deloitte.com/ch/en/pages/innovation/articles/automation-report.html [12/11/2018]. 7 Cf. SCHWAB, Klaus. A quarta revolução industrial, Tradução Daniel Moreira Miranda, 1ª ed., São Paulo, Edipro, 2016. 8 Cf. ALBUQUERQUE, Pedro Henrique Melo. Na era das máquinas, o emprego é de quem? Estimação da probabilidade de automação de ocupações no Brasil, Repositório IPEA, 2019, p. 23, disponível em http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/9116/1/td_2457.pdf [22/05/2019]. 9 Cf. MUIRHEAD, Angus. Robotics and Automation – Creating or Taking Jobs?, Credit Suisse Group, 8 de novembro de 2017, disponível em https://www.credit- suisse.com/corporate/en/articles/news-and-expertise/robotics-and-automation-creating-or-taking-jobs-201708.html [25/11/2017]. 10 Cf. MUELEN, Rob van der, e PETTEY, Christy. Gartner Says By 2020, Artificial Intelligence Will Create More Jobs Than It Eliminates, Gartner Newsroom, Stamford, 13 de dezembro de 2017, disponível em https://www.gartner.com/newsroom/id/3837763 [18/12/2018].

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Em Paris ônibus autônomos estão rodando em um projeto piloto que busca modernizar 100% da frota em um curto prazo.11 A internet cada vez mais acessível que influencia através de algoritmos12 a forma como nos relacionamos, o que consumimos e os filmes que assistimos. Além de diminuir cada vez mais a cadeia de consumo, levando a extinção alguns serviços que anteriormente eram prestados de maneira presencial. Drones e câmeras se tornam cada vez mais comuns no patrulhamento de bens públicos e particulares. Em Dubai já existe até mesmo uma delegacia integralmente operada por dispositivos de inteligência artificial13. No campo da engenharia também ocorrem avanços. Impressoras

3D são capazes de construir uma casa em 24h a preços populares14. Com relação à medicina o diagnóstico feito com a ajuda de inteligência artificial tem se mostrado mais preciso do que quando realizado por médicos humanos, além disto, com a ajuda de novos tipos de impressoras 3D vem sendo possível realizar a impressão de órgãos do corpo humano15, propiciando uma alternativa para o problema dos transplantes. No campo das ciências jurídicas os exemplos são fartos. No Supremo Tribunal Federal brasileiro, quem faz a primeira análise das demandas é o robô Victor 16. Relativamente ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, um algoritmo desenvolvido pela University of Sheffield e da University

College of London, acertou 79% dos veredictos exarados pela corte17. E por fim, no campo da literatura, em 2019 tivemos acesso ao primeiro livro integralmente escrito por robôs18, demonstrando que até mesmo as tarefas mais complexas e que demandam criatividade podem estar ameaçadas pela eficiência das máquinas.19

11 Cf. NUÑEZ, Noelia. Así son los autobuses sin conductor que ya funcionan en París, El país, 07 de março de 2019, disponível em https://elfuturoesapasionante.elpais.com/asi-son-los-autobuses-sin-conductor-que-ya-funcionan-en-paris/ [15/03/2019]. 12 Existem diversos tipos de algoritmos dentro da área de programação, entretanto o algoritmo a que nos referimos no texto é o chamado algoritmo de mineração de dados, utilizado para a coleta de informações dos utilizadores da rede mundial de computadores. Segundo Fayyad (apud Carine Halmenschlager), tal algoritmo pode ser descrito como: “um processo interactivo não trivial de identificar novos padrões nos dados que sejam válidos, potencialmente úteis e interpretáveis”. Cf. FAYYAD, Usama apud HALMENSCHLAGER, Carine. Um algoritmo para indução de árvores e regras de decisão, Lume UFRGS, Dissertação Pós Graduação em Computação, Porto Alegre, abril de 2002, p. 15, disponível em http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/2755 [16/11/2018]. 13 Cf. SHOUK, Ali Al. Fully automated police station opens at City Walk, Gulf News, 18 de setembro de 2017, disponível em http://gulfnews.com/news/uae/government/fully-automated-police-station-opens-at-city-walk-1.2091514 [14/11/2017]. 14 Cf. PETYHOVA, Tatyana. Features and perspectives of 3D-printing, Apis Cor News, 18 agosto 2017, disponível em http://apis- cor.com/en/about/blog/features-and-perspectives-of-3d-printing [14/11/2017]. 15 Cf. SCHMID, Franziska. Testing a soft artificial heart: ETH researchers from the Functional Materials Laboratory have developed a silicone heart that beats almost like a human heart. In collaboration with colleagues from the Product Development Group Zurich, they have tested how well it works., ETH Zurich, 13 de julho de 2017, disponível em https://www.ethz.ch/en/news-and-events/eth-news/news/2017/07/artificial_heart.html [14/11/2017]. 16 Cf. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Inteligência artificial vai agilizar a tramitação de processos no STF, Notícias STF, 30 de Maio de 2018, disponível em http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=380038 [14/04/2019]. 17 Cf. VIANA, Joana Azevedo. Inteligência Artificial prevê veredictos de centenas de casos do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, Expresso, 24 de outubro de 2016, disponível em http://expresso.sapo.pt/internacional/2016-10-24-Inteligencia-Artificial-preve-veredictos-de-centenas-de-casos-do-Tribunal-Europeu- de-Direitos-Humanos [14/11/2017]. 18 Cf. WRITER, Beta. Lithium-Ion Batteries: A Machine-Generated Summary of Current Research, Scientific Advisor Steffen Pauly, 1ª ed., Cham, Springer Nature Switzerland, 2019, disponível em https://link.springer.com/content/pdf/10.1007%2F978-3-030-16800-1.pdf [08/03/2019]. 19 Para os fins deste estudo será utilizada a definição de robô preconizada pelo dicionário Cambridge. “A machine controlled by a computer that is used to perform jobs automatically” “Uma máquina controlada por um computador que é usada para realizar trabalhos automaticamente” (tradução livre) em razão de ser relativamente genérica, adequando-se ao contexto de todas as menções feitas durante a pesquisa e também por ser a mais utilizada. Existem outras definições mais específicas de acordo com o tipo de robô utilizado. Cf. CAMBRIDGE DICTIONARY. Meaning of robot in English, Cambridge Advanced Learner's Dictionary & Thesaurus, Cambridge University Press, disponível em https://dictionary.cambridge.org/dictionary/english/robot [05/03/2019].

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Como vimos todas as categorias de ocupação estão ameaçadas em maior ou menor grau. Até mesmo as que atualmente demandam um alto nível de escolaridade como medicina, engenharia e advocacia20. O Parlamento Europeu, que recentemente elaborou um relatório sobre as tecnologias disruptivas, externou sua preocupação com o tema da seguinte forma:

“A robótica e a IA tornaram-se uma das mais proeminentes tendências tecnológicas do nosso século. O rápido aumento da sua utilização e do seu desenvolvimento coloca novos e difíceis problemas à nossa sociedade. O percurso do sector industrial para o ambiente da sociedade civil impõe uma abordagem diferente no que respeita a estas tecnologias, uma vez que os robôs e a IA aumentarão a sua interação com humanos em domínios muito diversos.”21

Diante desta nova realidade que se descortina, a forma de trabalhar (tal e qual conhecemos hoje) não deverá se manter por muito tempo. Ainda que novas funções sejam criadas, e o desemprego após a transição seja superado, a utilização de inteligência artificial poderá diminuir a necessidade de longas jornadas de emprego, tornando-nos autossuficientes através da produção de bens de maneira autônoma, bem como diante da realização de tarefas domésticas, entre outras funções que, possivelmente, nos farão relativizar o papel do trabalho em diversas esferas.

Neste contexto, conceitos ligados à economia cunhados nos últimos séculos, como o valor uso22, valor troca23 e a mais valia24, que até então foram determinantes para a compreensão do sistema capitalista atual, podem perder o sentido, em razão de serem atrelados diretamente à força de trabalho humana e sua consequente remuneração. Teóricos da economia como Adam Smith e David Ricardo sustentam a ideia de que o valor de troca de uma mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho humano aplicado em sua produção25. Portanto, com o avanço da inteligência artificial tais premissas deverão ser revistas. Ademais, a mudança nos moldes dos vínculos de emprego irá afetar as relações em comunidade de forma subjetiva, tendo em vista termos a tendência de nos identificarmos socialmente através da posição laboral que ocupamos.

Hoje não existe dúvida de que o trabalho é o pilar fundamental da sociedade. Tanto no tocante à questão econômica, quanto no que diz respeito à pirâmide social. Porém, em razão das previsões

20 Cf. FREY, Carl Benedikt, e OSBORNE, Michael A. The future of employment: how susceptible are jobs to computerisation?, Technological forecasting and social change, v. 114, 2017. disponivel em https://www.oxfordmartin.ox.ac.uk/downloads/academic/The_Future_of_Employment.pdf [14/11/2017]. 21 Relatório 2015/2103(INL) Parlamento Europeu, texto disponível em http://www.europarl.europa.eu/doceo/document/A-8-2017- 0005_PT.html?redirect#title2 [12/04/2019]. 22 “os valoresde-uso constituem o conteúdo material da riqueza, qualquer que seja a forma social desta” Cf. MARX, Karl, e ENGELS, Friedrich. O Capital: crítica da economia política, Livro I, Volume I, Tradução de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe, 3ª ed., São Paulo, Nova Cultural, 1988, p. 46. 23 “O valor de troca aparece, de início, como a relação quantitativa, a proporção na qual valores-deuso de uma espécie se trocam contra valores-de-uso de outra espécie, uma relação que muda constantemente no tempo e no espaço” Cf. MARX, Karl, e ENGELS, Friedrich. O Capital: crítica da economia política...., op. cit., p. 38. 24 “A mais-valia se apresenta (tem sua existência real) num produto excedente além da quantidade de produtos que apenas repõe os seus elementos originais, ou seja, que entra nos custos de produção e – tomando o capital constante e variável conjuntamente – é igual ao capital total avançado para a produção” Cf. MARX, Karl, e ENGELS, Friedrich. O Capital: crítica da economia política...., op. cit., p. 38. 25 Cf. MARX, Karl, e ENGELS, Friedrich. O Capital: crítica da economia política...., op. cit., p. 50.

12 sobre a tomada dos empregos pelos dispositivos de IA, IoT e robótica, questionamentos sobre inclusão e status social das profissões no futuro digital tem se tornado recorrentes. Principalmente sobre até que ponto será possível manter a igualdade dentro de uma sociedade extremamente tecnológica, e na qual possivelmente as relações de trabalho serão amplamente modificadas. Iniciativas sustentáveis que possam ou não estar atreladas à remuneração pecuniária deverão ser levadas em consideração quando se trata de trabalho, o que tende a embasar uma mudança sem precedentes no tocante às relações empregatícias. O objetivo desta pesquisa não é “prever o futuro”, mas sim basear-se nos dados já levantados e nas consequências prováveis ocasionadas por elevados indíces de desemprego em nivel global. Nas palavras do economista alemão Klaus Shwab: “Com efeito, seria ingenuidade afirmar que sabemos exatamente para onde a Quarta Revolução Industrial nos levará. Mas seria igualmente ingênuo ficar paralisado por medo e pela incerteza sobre o que poderá acontecer.”26 Busca-se, portanto, realizar uma abordagem tendo como ponto de partida a relação entre a sociedade atual e o trabalho, demonstrando alternativas para que o avanço da tecnologia possa propiciar a evolução a nível global, ao invés de mais desigualdades. Dentro deste contexto será possível analisar quais medidas, na esfera das políticas públicas, e de acordo com pilares de desenvolvimento sustentável, deverão ser tomadas para que o avanço das tecnologias disruptivas não concretize as previsões mais pessimistas, criando uma sociedade de desempregados pautada em desigualdade econômica extrema. Alguns países já estão tomando medidas preventivas, no sentido de capacitar seus cidadãos para o novo mercado de trabalho que se descortina, implementando modelos inovadores de emprego, seguridade social e políticas diferenciadas na área fiscal, visando antecipar-se aos efeitos da transição inerente à chamada Quarta Revolução tecnológica. O presente estudo busca abordar as consequências dessa revolução primordialmente sobre o mercado de trabalho e, como consequência, os reflexos nas demais áreas, elencando as iniciativas que já estão em prática e analisando as pesquisas mais expressivas sobre os prováveis índices de desemprego e suas implicações. Porém, o principal ponto no qual se concentra esta pesquisa é a busca por soluções. No primeiro capítulo será abordado o contexto histórico da evolução da mecanização, das relações de trabalho e da tecnologia, traçando um paralelo com as revoluções industriais anteriores. No segundo capítulo serão elencadas as iniciativas em âmbito mundial que vem sendo colocadas em prática buscando mitigar os impactos ocasionados pelas mudanças no paradigma das relações de emprego. Nesta seção serão discutidas tanto as medidas legislativas que estão em curso, quanto as iniciativas

26 Cf. KLAUS, Schwab, e MIRANDA, D. M. A quarta revolução industrial, Tradução Daniel Moreira Miranda, 1ª ed., São Paulo, Edipro, 2016, p. 25

13 ligadas ao implemento de tributos específico, e ainda as experiências feitas através da implementação de projetos visando conferir uma renda básica universal (RBU)27. No terceiro e último capítulo o estudo se concentra na apresentação de propostas inovadoras ligadas a políticas de distribuição de renda, trabalho, economia e desenvolvimento sustentável.

27 De acordo com a definição de Van Parijs, Renda Básica Universal é uma renda paga por uma comunidade política a todos os seus membros individualmente, independentemente de sua situação financeira ou exigência de trabalho. Contudo, como bem apontado pelo próprio autor, esta definição por si só não é capaz de definir todas as espécies de benefícios que podem ser abrangidos pelo conceito. Cf. PARIJS, Philippe Van. Renda básica: renda mínima garantida para o século XXI?, Estudos Avançados, São Paulo, v. 14, n. 40, 2000, p. 179-210.

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1. Capítulo I - Da máquina à vapor ao Watson. O que mudou?

Diversas fases de progresso intenso marcaram a história da humanidade, especialmente nos últimos três séculos. Podemos destacar a primeira revolução industrial ocorrida em meados de 1770 como o início destes eventos, pois além de modificar substancialmente as relações empregatícias também trouxe uma reorganização demográfica e social. A facilidade ao acesso de energia elétrica ocorrida no final do século XIX proporcionou outro grande avanço para a ocorrência de um salto técnológico.28 O terceiro grande marco foi o advento das produções em série, por volta de 1914. Posteriormente, o período pós segunda guerra mundial, cravou definitivamente a humanidade na era da tecnologia com a utilização de dispositivos nucleares e o protótipo do que seria o computador atual através da máquina de Turing.29 Entretanto, como podemos notar, todos esses avanços se deram em períodos de cinquenta a cem anos. Nada se compara ao avanço técnológico ocorrido nos últimos trinta anos, e na revolução sem precedentes trazida pelas novas tecnologias que deixam ao alcance de qualquer pessoa uma infinidade de dados através de seus computadores pessoais e smartphones. Estudos recentes demonstram que para resolver um problema de planejamento de produção utilizando os computadores e os softwares existentes em 1982, seriam necessários oitenta e dois anos completos. Em 2003 o mesmo problema poderia ser resolvido em menos de um minuto30. Sem sombra de dúvidas a popularização dos computadores pessoais foi o grande marco técnológico da última década, revolucionando as relações sociais de uma maneira inédita através também da abrangência e possibilidade de acesso generalizado a internet. Atualmente mais da metade dos habitantes do planeta possui acesso à rede mundial de computadores, ou seja, são cerca de 4 bilhões de pessoas conectadas através de seus dispositivos informáticos31. Porém, existem mais algumas diferenças importantes entre as eras de inovação anteriores e o que estamos vivenciando com os computadores nos últimos anos. Primeiro porque nenhuma outra invenção moderna evoluíu na medida em que os dispositivos de informática evoluiram. Podemos tomar como exemplo os aviões. Utilizando as mesmas datas do exemplo anterior, no caso de 1982 a 2003, os aviões, exceto por alguns novos dispositivos de segurança e entretenimento não mudaram muita coisa.

Aliás os voos de hoje são, inclusive, mais lentos do que há 30 anos. 32 Outros casos seguem na mesma

28 Cf. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 1ª ed., São Paulo, Paz e Terra, 1999. 29 Cf. AGAR, Jon. The government machine: a revolutionary history of the computer, 1ª ed., Cambridge, MIT Press, 2003. 30 Cf. FORD, Martin. Robôs. A ameaça de um futuro sem emprego...., op. cit., p. 102. 31 Cf. WE ARE SOCIAL. Global Digital Report 2018, 2018, disponível em https://digitalreport.wearesocial.com/ [28/02/2019]. 32 Cf. FRANK, Jacqui. Here’s why flights take longer than they did 50 years ago, Business Insider, 28 de outubro de 2016, disponível em https://www.businessinsider.com/fights-longer-gas-years-ago-2016-10?IR=T [25/02/2019].

15 esteira. Utensílios domésticos, automóveis, sistemas de água e esgoto, distribuição de energia elétrica são paradigmas de invenções ocorridas nos últimos três séculos que, apesar de se modernizarem periodicamente, possuem poucas diferenças efetivas entre a forma que tinham na ocasião de sua criação e a forma que possuem hoje. Já os computadores deixaram de ser objetos do tamanho de uma sala de estar, para se transformarem em dispositivos que cabem na palma da mão. Além disso há a questão da eficiência. Um computador nos dias atuais é capaz de resolver um sem número de atividades e tarefas em poucos segundos de forma muito mais eficaz do que qualquer ser humano. E é justamente neste aspecto que se concentra o presente estudo. Hoje felizmente (ou infelizmente) é possível afirmar categoricamente que os dispositivos informáticos nos superaram em quase todas as atividades que exigem raciocínio. Essas máquinas que foram criadas para atuar como decodificadores de mensagem, ou meras calculadoras mais sofisticadas, atualmente têm a possibilidade de serem melhores que nós tanto em coisas banais – como o computador Watson da IBM que venceu um torneio de Jeopardy nos Estados Unidos em 201133 –, quanto em tarefas mais complexas – como o robô farmacêutico da Universidade da Califórnia que é capaz de embalar, quantificar e distribuir medicamentos aos pacientes internados de forma dez vezes mais eficiente e barata do que um farmacêutico humano34. Isto se faz possível através de duas novas tecnologias ligadas à revolução informática que acabamos de narrar de forma resumida. A inteligência artificial e a internet das coisas. A seguir será narrada de forma pormenorizada a jornada da humanidade desde a primeira revolução industrial e suas máquinas a vapor, até a criação do computador quântico – e como esta trajetória está prestes a dar um salto, modificando toda a estrutura social que conhecemos hoje.

2. História das revoluções industriais e tecnológicas

Teóricos e pesquisadores são praticamente uníssonos em afirmar que estamos passando pela

Quarta Revolução Industrial da história moderna35. Durante os períodos de transformação anteriores o temor de que máquinas avançariam sobre os empregos já existia, entretanto, tal previsão não se concretizou, ao menos durante a primeira, a segunda e a terceira revoluções. Já na quarta, como veremos a seguir, é possível notar uma modificação profunda nas relações de trabalho com um progressivo aumento do desemprego em níveis globais.

33 Cf. HARARI, Yuval Noah. Homo Deus: história breve do amanhã, 8ª ed., Braga, Elsinore, 2018, p. 350. 34 Cf. Martin FORD, Robôs. A ameaça de um futuro sem emprego..., op. cit., p. 198. 35 Neste rol de pesquisadores podemos elencar expoentes da filosofia como Peter Singer, da economia como Klaus Shwab, além de H. Kagermann, e W Whalster, que foram aparentemente os primeiros a utilizarem o termo, referindo-se a indústria 4.0 alemã.

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Antes de adentramos em cada um dos períodos, é importante deixar claro que as revoluções técnológicas são caracterizadas por mudanças radicais, motivadas pela incorporação de novas tecnologias, tendo desdobramentos nos âmbitos econômico, social e político. Por mais que as primeiras ondas de inovação não tenham ceifado mais empregos do que puderam criar, por certo modificaram de forma ampla as relações profissionais, a demografia global e até mesmo a forma de as pessoas se portarem perante o ente coletivo. Outro aspecto salutar diz respeito à extensão destses eventos no tempo e no espaço. É sabido que as revoluções não se deram de um dia para o outro e de forma igualitária em todos as regiões do mundo. Entretanto, de uma forma ou de outra a ocorrência delas trouxe modificações positivas e negativas para grande parte dos países em maior ou menor grau. Neste sentido também é possível afirmar que, na medida em que a globalização se fez presente, as mudanças passaram a ser mais homogêneas, atingindo de forma mais rápida um maior espectro de regiões36. Para que possamos entender a totalidade desses fenômenos vamos começar a narrativa a partir do aparecimento das primeiras máquinas a vapor que foram o ponto de partida do mundo industrializado como conhecemos hoje.

O período compreendido como a Primeira Revolução Industrial iniciou-se com a criação da primeira máquina movida a vapor, no caso um motor de combustão externa, construído por James Watt na Escócia em 1767,37 com o intuito de substituir alguns dispositivos que necessitavam de força humana ou tração animal. Interessante mencionar que, de acordo com Traver, os gregos antigos já possuiam acesso a este tipo de tecnologia utilizando-a para construção de “portas automáticas” nos templos da antiga Alexandria. Tal mecanismo fora idealizado por Heron de Alexandria38 por volta de III dC, sendo completamente perdido com o passar dos anos, e redescoberto apenas muitos séculos depois de sua morte. No entanto, a mera invenção do motor movido a vapor não foi suficiente para que houvesse uma grande mudança a nivel mundial.

Somente trinta anos depois da referida inovação é que as máquinas a vapor se tornaram mais populares e vieram, de fato, substituir a força humana em larga escala. O movimento revolucionário começou na Inglaterra se expandindo na sequência para os demais países europeus e, após alguns anos, nos Estados Unidos. Primeiramente na indústria textil, através do fabrico de teares de algodão, e concomitantemente nas atividades ligadas à siderurgia. Em pouco tempo o homem se tornou capaz de

36 Cf. NICOLACI-DA-COSTA, Ana Maria. Revoluções tecnológicas e transformações subjetivas, Psicologia: teoria e pesquisa, v. 18, n. 2, p. 193-202, 2002, disponível em http://www.scielo.br/pdf/ptp/v18n2/a09v18n2 [14/01/2019]. 37 Cf. HOBSBAWM, E. J. Da Revolução lndustrial lnglesa ao lmperalismo. 5ª ed., Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2003, p. 3. 38Cf. TRAVER, Andrew G. From Polis to Empire - The ancient world, c. 800 b.c.-a.d. 500: A Biographical Dictionary, 1ª ed., Westport: Greenwood Press, 2002, disponível em https://books.google.es/books?id=JEvN6XwWTk8C&pg=PA128&redir_esc=y#v=onepage&q&f=false [20/02/2019].

17 produzir mais do que o necessário para sobreviver39, modificando de maneira profunda as relações sociais e trabalhistas da época. Se, por um lado, as pessoas que antes viviam com o pouco que conseguiam produzir (e a economia perdurava na base de trocas e feiras) passavam a se integrar ao mercado de trabalho, por outro, homens, mulheres e até mesmo crianças eram contratados para atuar nas indústrias e nas minas de carvão mediante exaustivas jornadas e baixos salários.

De acordo com Nicolaci, a Primeira Revolução Industrial também foi responsável pela primeira onda de exôdo rural a nível global trazendo milhares de pessoas que antes executavam labor campesino nas zonas rurais para viverem em núcleos urbanos, o que veio a modificar de maneira profunda a forma da humanidade se relacionar em sociedade40. Além das mudanças ocorridas nos processos de fabricação de bens, a Primeira Revolução Industrial trouxe ainda a popularização dos transportes a vapor, no caso navios e locomotivas, que vieram a tornar muito mais rápidas as comunicações entre as pessoas, trazendo ainda possibilidade de deslocamento ágil por longas distâncias em substituição aos veículos de tração animal. Ademais, o referido movimento também trouxe impactos ambientais dignos de nota, pois por serem as máquinas industriais movidas a carvão os índices de poluição do ar eram bastante elevados, além das técnicas de extração do mineral serem altamente rudimentares, espalhando resíduos prejudiciais no solo e na água.41

Com o advento desta onda inicial de mecanização muitas pessoas que laboravam na fabricação textil artesanal vieram a perder seus empregos rapidamente, afinal as máquinas eram capazes de produzir de maneira muito mais rápida e barata. Neste contexto surgiu o primeiro movimento visando preservar os postos de trabalho contra o avanço das máquinas. Este movimento ficou conhecido como a Revolta Ludista de 1812.42 Os chamados “Ludistas”, em razão do nome do fundador do movimento Ned Ludd, invadiam as fábricas têxteis e quebravam as máquinas, acreditando que desta forma seria possível barrar o progresso. Ocorre que, como sabemos, o esforço dos ludistas não foi suficiente para que as máquinas parassem de avançar, em poucos anos as indústrias haviam expandido os sistemas de mecanização ao redor do globo.

39 Cf. TREVISAN, Rita. Lixo interessante, São Paulo, Nova Escola, abril, 2010, disponível em https://novaescola.org.br/conteudo/1190/reciclagem-levada-a- serio . [31/03/2019]. 40 Cf. NICOLACI-DA-COSTA, Ana Maria. Revoluções tecnológicas e transformações subjetivas. Psicologia: teoria e pesquisa..., op. cit., p.196. 41 Cf. GIANNETTI, Biagio F., et al. A ecologia industrial dentro do contexto empresarial. Banas Qualidade, São Paulo, n° 184, p. 76-82, setembro de 2007, disponível em http://www.advancesincleanerproduction.net/papers/journals/2007/2007_Banas_ecoindlemp.pdf [19/01/2019]. 42 Cf. GREGOIRE, Carolyn. A Field Guide to Anti-Technology Movements, Past and Present, The Huffington Post, 17 de janeiro de 2014. disponível em https://www.huffpost.com/entry/life-without-technology- t_n_4561571?guccounter=1&guce_referrer=aHR0cHM6Ly93d3cuZ29vZ2xlLmNvbS8&guce_referrer_sig=AQAAABdDy3jegRiTkB62- Cjk0WQXLg2etkTXjqgZ2X6A8rN6GLwc7DB3trcYbMBK9OWCKuSIh4D66VjJX6rTRcziwFAKBhc7wFVZ5- JG6qk28dHZiRSraOps2DoZBRimmBqfQwGegVhD_n87hYmUa7VVxajF-_-q-WopOz3OxvrGUD3Z [15/01/2018].

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Na nova sociedade industrial, ao contrário do que ocorria na sociedade predominantemente rural, os trabalhadores deveriam ser mais especializados. Outrossim, a preocupação com os lucros durante este período era cada vez maior, pois ao passo que se tornava necessário criar um mercado consumidor para os produtos oriundos das indústrias, os salários ainda eram não eram suficientes para que os trabalhadores consumissem aquilo que produziam. O que acabava de certa forma por conter a mecanização em determinados setores para que a produção acompanhasse os índices de crescimento econômico.

Nesta época, começavam a tomar forma as primeiras associações e sindicatos de trabalhadores exigindo a diminuição das jornadas laborais e um piso salarial mínimo, o que por óbvio, aumentava os custos dos donos das indústrias. Através da busca de soluções para maximizar os lucros surgiu o primeiro modelo de produção moderno conhecido como Taylorismo43 ou Administração Científica. O modelo Taylorista visava o aumento dos lucros e a aceleração da produção através de um método sistemático de produção, com investimentos na especialização dos funcionários, fábricas setorizadas, melhoria do ambiente laboral e a eliminação de todo tipo de improviso na produção. Privilegiando técnicas estudadas e testadas. Estes moldes abriram caminho para que eclodisse o período conhecido como Segunda Revolução Industrial. Tal movimento teve início quase cem anos após a primeira onda de mecanização. Foi um fenômeno mais forte nos Estados Unidos com o avanço das tecnologias nas áreas da química e da metalurgia. O modelo Taylorista e suas prerrogativas abriram espaço para indústrias cada vez mais eficientes e por sua vez setorizadas, o que culminou no segundo modelo científico de administração da era moderna, o chamado Fordismo.44

O Fordismo, paradigma de execução criado pelo estadunidense Henry Ford, constituiu a linha de montagem automatizada em série, no qual cada funcionário se torna responsável pela operação da máquina que fabrica apenas um dos componentes do produto total. Entretanto, a grande revolução trazida pelo Fordismo não se deu somente na modernização, padronização e especificação da montagem de bens, e sim perante uma nova forma de enxergar o sistema capitalista como um todo. Com a criação do primeiro automóvel em série, o Ford T, foi possível diminuir os custos dos veículos (e consequentemente dos demais bens que passaram a ser produzidos em série), haja vista a diminuição dos movimentos fabris inúteis e do excesso de funcionários. Mas Ford também precisava criar um público apto a consumir os veículos que produzia – e para isto - decidiu dobrar o salário de todos os seus

43 Cf. PINTO, Geraldo Augusto. A organização do trabalho no século 20: taylorismo, fordismo e toyotismo. 2ª ed., São Paulo, Expressão Popular, 2010, p. 22. 44 Cf. BRAGA, Ruy. A nostalgia do fordismo: modernização e crise na teoria da sociedade salarial. 2ª ed., São Paulo, Xamã, 2003, p. 80.

19 empregados45 fazendo com que lhes fosse possível adquirir os bens que ajudavam a fabricar. Como preconiza Pinto46, esse tipo de atitude revolucionária para época fez com que o Fordismo ultrapassase o conceito de um simples modelo produtivo, tornando-se a base do estilo de consumo e produção norte- americano. No entanto, ainda que tenha sido uma mudança cabal dos paradigmas da época, não se trata de uma revolução industrial por si só.

A produção do automóvel em série incrementou diversos outros mercados de forma reflexa, como a siderurgia, metalurgia, mineração, combustíveis e também o setor de serviços, pois os veículos necessitavam de manutenção. Desta forma houve uma era de prosperidade sem precedentes na história moderna, cujo ápice se deu no período pós segunda guerra mundial. Durante a segunda guerra foram criados diversos dispositivos que vieram a influenciar a tecnologia até os dias de hoje. Entre eles está o primeiro computador criado em 1946 pelos cientistas da Universidade da Pensislvânia, e o embrião do que viria a ser a Inteligência Artificial idealizada por Alan Turing em 193747 – sobre os quais falaremos mais adiante. Nesta fase as comunicações também ganharam ênfase, havendo a popularização de tecnologias como o telégrafo e posteriormente o telefone fixo, trazendo ainda mais celeridade para que as informações corressem ao redor do globo. O período pós guerra também foi responsável pelo ingresso efetivo das mulheres no mercado de trabalho48, o que trouxe ainda mais prosperidade e o incremento da sociedade capitalista tal e qual conhecemos hoje.

O período posterior à segunda guerra ficou conhecido como “anos dourados”, pois aliou de maneira exemplar progresso técnológico e o aumento de emprego e renda de forma bastante abrangente na sociedade ocidental. Com a ocorrência da Guerra Fria entre os EUA e a extinta União Soviética, os Estados Unidos continuaram voltando seus investimentos para tecnologia bélica, o que de certa forma acabou por colaborar com outros avanços importantes no campo científico. Em contrapartida o Japão, que se encontrava destruído no mesmo período, viu-se obrigado a criar alternativas de baixo custo para sua reconstrução; dependente da ajuda americana e com poucos recursos naturais, novos modelos de produção tiveram que ser implementados para que a economia japonesa se recuperasse. Neste contexto teve início o período conhecido como Terceira Revolução Industrial, marcado pelo terceiro modelo de administração científica vinda do oriente, o chamado Toyotismo.49

45 Cf. FORD, Martin. Robôs. A ameaça de um futuro sem emprego..., op. cit., p. 245. 46 Cf. PINTO, Geraldo Augusto. A organização do trabalho no século 20: taylorismo, fordismo e Toyotismo..., op. cit., p. 24. 47 Cf. AGAR, Jon. The government machine: a revolutionary history of the computer…, op. cit., p. 19. 48 Cf. FORD, Martin. Robôs. A ameaça de um futuro sem emprego..., op. cit., p. 69. 49 Cf. PINTO, Geraldo Augusto. A organização do trabalho no século 20: taylorismo, fordismo e Toyotismo..., op. cit., p.32.

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No Toyotismo é privilegiada a produção flexível, na qual o trabalhador é constantemente qualificado, estando apto para atuar em diversas funções relacionadas ao processo de produção. Conforme narrado, no período pós guerra o Japão passava por dificuldades não apenas financeiras mas também de mão-de-obra qualificada, por isso ao contrário do que ocorria no Fordismo, era interessante que os empregados fossem multifuncionais. Outra inovação trazida pelo modelo Toyotista50 é o chamado sistema “just in time” em que a produção se adapta as demandas do mercado. Esta nova forma de produzir foi uma nova mudança de paradigmas entre o binômio demanda e procura, pois além de evitar estoques encalhados e a produção exagerada de peças inúteis – o que maximiza os lucros –, ainda traz a possibilidade de aplicação do capital de giro não utilizado em aplicações do mercado financeiro. Esta novidade mudou os arquétipos das relações entre os bancos, o mercado de ações e as indústrias, fazendo com que cada vez mais a iniciativa privada passasse a influenciar as flutuações mercantis.

A Terceira Revolução Industrial privilegiou as inovações eletrônicas e informáticas, incrementando de forma reflexa as atividades ligadas à mineração, uma vez que a maioria dos componentes eletrônicos são produzidos a partir de certos tipos de minérios – como o silício, a prata e o ouro. Este movimento rendeu ao período um salto sem precedentes nas questões concernentes à comunicação, possibilitando o acesso de um número ímpar de pessoas a computadores pessoais e, posteriormente, à internet. Tais avanços colaboraram para que fosse quebrada toda e qualquer barreira técnica e temporal para o compartilhamento de informações.

Como vimos a história moderna da humanidade é marcada por uma onda de progresso que só fez aumentar, sempre acompanhada por maior geração de empregos e crescimento econômico proporcional. As revoluções industriais introduziram mais tecnologia, e eventualmente substituiram postos de trabalho por máquinas, porém criaram novas funções na mesma medida. Comparando os números referentes ao consumo humano pré Revolução Industrial com os índices de hoje podemos perceber facilmente o quanto avançamos. A este respeito demonstra Harari:

“O valor total dos bens e serviços produzidos pela humanidade em 1500, está estimado em 250 bilhões em moeda atual. Hoje em dia o valor de apenas um ano de produção humana chega em 60 trilhões. Em 1500 a humanidade consumia cerca de 13 bilhões de calorias de energia por dia. Hoje consome 150 trilhões. A população humana aumentou 14 vezes, a produção 240, e o consumo de energia 115 (vezes)”51

50 Cf. LIKER, Jeffrey K.. O modelo Toyota: 14 princípios de gestão do maior fabricante do mundo. 1ª ed., Porto Alegre, Bookman, 2005, p. 50. 51 Cf. HARARI, Yuval Noah. Sapiens de animais a Deuses: História Breve da Humanidade, 11ª ed., Amadora, Elsinore, 2018, p. 291.

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Ainda que a economia tenha sofrido alguns reveses nos últimos anos, tais fatos não foram capazes de barrar o progresso técnológico. Mesmo com uma queda progressiva nos postos de trabalho – e algumas retrações do crescimento econômico – a humanidade está ingressando em sua Quarta Revolução Industrial. Esta nova fase é impulsionada por um conjunto de tecnologias como robótica, inteligência artificial, mega dados, blockchain, nanotecnologia, impressão 3D, e a chamada internet das coisas – que conecta equipamentos, dispositivos e objetos por meio da internet. A respeito da Quarta Revolução nos diz Shwab:

“Estamos a bordo de uma revolução tecnológica que transformará fundamentalmente a forma como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos. Em sua escala, alcance e complexidade, a transformação será diferente de qualquer coisa que o ser humano tenha experimentado antes”52

A Quarta Revolução industrial, não diz respeito apenas a sistemas e máquinas inteligentes e conectadas. Seu escopo é muito mais amplo. Ondas de novas descobertas ocorrem simultaneamente em áreas que vão desde o sequenciamento genético até a nanotecnologia, das energias renováveis à computação quântica. O que a torna fundamentalmente diferente das anteriores é a fusão dessas tecnologias e a interação entre os domínios físicos, digitas e biológicos.53

Ocorre que ao contrário das revoluções anteriores – que aliaram progresso técnológico ao crescimento econômico e ao aumento das funções e dos empregos –, no presente a expansão do mercado de trabalho não será capaz de acompanhar o ritmo do progresso tecnológico. Possivelmente, as novas empresas e indústrias na sociedade tecnológica deixarão de absorver os trabalhadores ociosos – por conseguinte, gerando novos desafios em diversas áreas.

Não é novidade que o sistema capitalista já vinha dando mostras de não ter possibilidade de se sustentar por muito tempo – os índices de desemprego vêm aumentando de maneira global a cada ano, danos ambientais são cada vez mais frequentes e as desigualdades entre ricos e pobres também sobem em escalada. Entretanto, os empregos e o consumo, mesmo diante dos momentos de crise, vinham sendo os pilares fundamentais para propiciar a sustentação da estrutura econômica global. Porém, são justamente esses dois pilares que podem estar ameaçados pela Quarta Revolução Industrial. Para compreendermos o fenômeno em sua totalidade se faz necessária a análise pormenorizada das relações de trabalho e sua evolução.

52 Cf. SCHWAB, Klaus. A quarta revolução industrial..., op. cit., p. 33. 53 Cf. HARARI, Yuval Noah. Sapiens de animais a Deuses: História Breve da Humanidade..., op. cit., p. 48.

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3. Relações de trabalho. Perspectivas históricas

Desde o início dos tempos a necessidade de executar algum tipo de atividade para prover suas necessidades básicas é inerente ao seres humanos. Durante a pré-história os chamados caçadores recoletores já tinham as caçadas e as colheitas de frutas e cogumelos silvestres como atividade principal54. Ademais, para viabilizar tais tarefas também fabricavam armas, varas de pescar, roupas e outros artefatos visando garantir a eficiência em seu “trabalho”. Já o trabalho na forma que conhecemos hoje, hierarquizado e organizado, teve seus primórdios com o surgimento da agricultura há mais ou menos dez mil anos. Nesta época os homens passaram a ter uma maior noção temporal, pensando no futuro de forma rudimentar e respeitando as estações do ano com o fito de se prevenirem da escassez. A agricultura modificou o mundo de forma inequívoca, gerando o embrião das sociedades como conhecemos e fazendo com que surgissem os primeiros assentamentos, cidades, leis e grupos organizados socialmente. A transição da era da agricultura começou entre 9.500 e 8.500 aC. lentamente em uma área geográfica restrita, possivelmente entre a região do oriente médio e o mar Egeu. O trigo e as cabras estavam domesticados por volta de 9.000 aC. As ervilhas e as lentilhas, por volta de 8000aC. Alguns animais e plantas, como o caju, foram domesticados ainda mais tarde. Posteriormente por volta do ano 3500 aC. a primeira onda de domesticação havia terminado e os homens já estavam familiarizados com o domínio das plantas e dos animais.55

Anos depois, durante a antiguidade clássica, com a crescente hierarquização da sociedade, o trabalho exaustivo, braçal e repetitivo passou a ser visto como uma atividade de menor valor, sendo relegada aos escravos no ocidente e para as castas mais baixas em sociedades orientais56. Já os ofícios que despendiam um pouco mais de habilidade eram executados por artesãos no ocidente e pela chamada castas de comerciantes no oriente. Porém, as classes superiores, – ou os “homens livres” no caso da Grécia antiga – não trabalhavam. Dedicando seu tempo a filosofia, música, leitura, esportes e outras atividades que hoje são consideradas como lazer. Interessante salientar que até mesmo a origem latina da palavra “trabalho” deriva de tripalium, nome de um instrumento composto por três estacas de madeira, utilizado pelos romanos para torturar os devedores de impostos, ou animais de acordo com

54 Cf. HARARI, Yuval Noah. Sapiens de animais a Deuses: História Breve da Humanidade..., op. cit., p. 102. 55 Cf. HARARI, Yuval Noah. Sapiens de animais a Deuses: História Breve da Humanidade..., op. cit., p. 103. 56 Cf. MARTINS, Sérgio Pinto. Breve histórico a respeito do trabalho, Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, v. 95, p. 167-176, 2000, disponível em http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/67461 [12/02/2019].

23 alguns autores57. Com o tempo o sentido da palavra passou a ser “realizar atividade desagradável”58. Durante este período, em meados do século III aC. visando normatizar as atividades de pequenas fábricas e comércios que começavam a surgir nas sociedades mais desenvolvidas, foram confeccionadas as primeiras leis pertinenentes à atividade empresarial e às regulações trabalhistas. Na Grécia houve a inclusão do princípio do trabalho na Constituição dos Atenienses59. Já na Índia o Código de Manu trazia em seus livros quarto e quinto disposições sobre a função social do trabalho e a forma correta de realiza- lo.60

Conforme preconiza Martins61 o trabalho continuou sendo uma atividade considerada penosa e desagradável durante a Idade Média. Com a sociedade dividida entre senhores feudais e servos, que trabalhavam em troca de proteção e subsistência, a desigualdade era tremenda, restando aos nobres atividades nos moldes da antiga Grécia scomo caçadas esportivas, treinamentos militares, e celebrações em geral. A concepção de trabalho como algo digno e necessário, nos moldes em que conhecemos hoje, somente começou a ser delineada no período final da Idade Média. Durante esta fase surgiu uma nova classe social, a burguesia, cuja atividade era baseada no comércio, na importação e na exportação de produtos.

Posteriormente, durante o período do Renascimento, a concepção de trabalho como algo importante e que deveria ser exercido por todos se consolidou. Em igual medida a ascensão do

Calvinismo62 na Europa buscou valorizar o trabalho unindo em seus princípios éticos a ideia de trabalho árduo recompensado com enriquecimento pessoal. Desta forma, ao aliar princípios religiosos à exaltação do trabalho, foi cunhada definitivamente na história humana a ideia do trabalho como necessidade. O sociólogo Max Weber63 aponta que os protestantes consideravam a dedicação ao trabalho como uma virtude perante Deus e que esta lógica fez com que o capitalismo tivesse um início mais forte nos países protestantes, posteriormente se espalhando por todo o mundo.

Enfim, se inicia a Primeira Revolução Industrial – que além de inovações tecnológicas criou novas condições de vida e a mudança nas relações entre os trabalhadores e os proprietários dos meios de produção. Ao contrário dos períodos anteriores, nos quais o trabalho era uma espécie de moeda de troca,

57 HARARI, Yuval Noah. Sapiens de animais a Deuses: História Breve da Humanidade..., op. cit., p. 103. 58 Cf. CUNHA, Antonio Geraldo. Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, 4ª ed., Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2001, p 250. 59 Cf. GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito, 3ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2001, p.105. 60 Cf. MANUSRTi, Código de Manu (200 a.c. e 200d.c.), disponível em: http://www.infojur.ufsc.br/aires/arquivos/CODIGo_%20MANU.pdf [12/02/2019]. 61 Cf. HARARI, Yuval Noah. Sapiens de animais a Deuses: História Breve da Humanidade..., op. cit., p. 104. 62 Cf. SEATON, W. J. Os Cinco Pontos do Calvinismo, 1ª ed., São Paulo, PES, 2013, p. 85 63 Cf. WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo, 1ª ed., Tübinger, v. XX e XXI, 1904, p. 13, disponível em: http://www.afoiceeomartelo.com.br/posfsa/autores/Weber,%20Max/Max%20Weber%20- %20A%20%C3%89TICA%20PROTESTANTE%20E%20O%20ESP%C3%8DRITO%20DO%20CAPITALISMO.pdf [14/02/2019].

24 a partir da Revolução Industrial a força de trabalho passa a ser assalariada64. Mas apesar haver remuneração, os salários eram baixíssimos e as jornadas exaustivas e insalubres, sendo comuns as mortes por exaustão durante o labor.

Neste período, embora o mundo vivesse uma etapa de progresso e crescimento econômico, as desigualdades ainda se mostravam intensas. Ao passo que os donos das indústrias acumulavam cada vez mais riquezas, os operários permaneciam em condições de precariedade. Desta feita, ainda durante a Primeira Revolução Industrial, através da ascensão do capitalismo, surgem os primeiros movimentos em prol de melhores condições de trabalho. Além disto, diversos teóricos apontavam ideias sobre o real papel do trabalho na sociedade.65

Um dos mais conhecidos teóricos sobre o trabalho foi o filósofo Karl Marx, que analisou as implicações do sistema capitalista na esfera social. Marx66 preconizava que o trabalho, além de ser componente essencial para o desenvolvimento social, era condição intrínseca para a liberdade humana. Porém, ele também acreditava que o problema da desigualdade estava na forma com que as relações eram estabelecidas gerando lucros exorbitantes para alguns e pobreza para outros. Na visão Marxista, quanto mais os trabalhadores colocavam sua força na produção, mais pobres ficavam. Nas palavras do próprio: “quanto mais o operário se esgota no trabalho, tanto mais poderoso se torna o mundo estranho, objetivo, que ele cria perante si, mais ele se torna pobre e menos o mundo interior lhe pertence.”67

Para Marx, a única saída para colocar um fim na situação de desigualdade que pautava as relações trabalhistas seria a tomada de consciência de classe seguida por uma revolução, visando a extinção da propriedade privada68 e a redistribuição de renda coordenada pelo ente estatal. Em contraponto à visão Marxista o sociólogo Émile Durkheim69 acreditava que divisão social do trabalho era elemento fundamental para a coesão social. Entendendo através de uma visão pragmática que cada uma das partes é responsável pelo bom funcionamento da sociedade e precisa trabalhar para efetivar sua colaboração com o todo. Os indivíduos devem simplesmente aceitar o lugar social que lhes é dado, desde que impere uma ordem social e solidária que leve, na medida do possível, justiça a todos os seus membros.

64 Cf. MARTINS, Sérgio Pinto. Breve histórico a respeito do trabalho, Revista da Faculdade de Direito..., op. cit., p. 04. 65 Cf. MARTINS, Sérgio Pinto. Breve histórico a respeito do trabalho, Revista da Faculdade de Direito..., op. cit., p. 05. 66 Cf. MARX, Karl, e ENGELS, Friedrich. O Capital: crítica da economia política...., op. cit., p.12 67 Cf. MARX, Karl, e ENGELS, Friedrich. O Capital: crítica da economia política...., op. cit., p.14. 68 Cf. MARX, Karl, e ENGELS, Friedrich. O manifesto comunista, Editora Ridendo Castigat Mores, 1999, disponível em: http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/manifestocomunista.pdf [10/02/2019]. 69 Cf. DURKHEIM, Émile. Da Divisão do Trabalho Social, Tradução Eduardo Brandão, 2ª ed., São Paulo, Martins Fontes, 1999, p. 65.

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Embora existissem divergências, e de fato as condições dos trabalhadores não fossem as melhores possíveis, era inegável que o mundo vinha dando sinais de crescimento econômico e progresso a níveis nunca antes vistos. O capitalismo se consolidava como um modelo econômico promissor sobrepujando a ideia de que os Estados precisavam competir entre si para gerarem riqueza. Na visão capitalista preceituada por Adam Smith,70 quanto maior a liberdade concedida à iniciativa privada, maior seria o crescimento econômico e a prosperidade generalizada. Ademais, diante da mecanização cada vez maior das indústrias e do êxodo rural, criaram-se diversos novos postos de trabalho no setor de serviços, modificando profundamente os paradigmas coletivos e criando uma pluralidade de classes sociais que antes não existia.

No decorrer dessas mudanças o trabalho passou a ter um simbolismo único dentro do tecido social. Os indivíduos passaram a identificar-se mais do que nunca com as suas profissões, fazendo delas símbolos de status e poder. Neste sentido nos diz Ricardo Musse, ao analisar a obra de Emilie Durkheim, sobre fato social e divisão do trabalho:

“Com efeito, os indivíduos estão agrupados não mais segundo suas relações de descendência, mas segundo a natureza particular da atividade social a que se consagram. O meio natural e necessário não é mais o meio natal, mas o meio profissional. Não é mais a consangüinidade, real ou fictícia, que marca o lugar de cada indivíduo, mas a função que ele desempenha” 71

O período pós Segunda Guerra Mundial coroou as prerrogativas impostas pelos filósofos e teóricos liberais. Com a consolidação da Segunda Revolução industrial houve uma explosão do consumo massificado, trazendo prosperidade e poder de compra a um número maior de pessoas. Diante deste fenômeno, uma das principais premissas propostas por Marx caiu por terra – a de que os trabalhadores jamais seriam capazes de comprar aquilo que produziam – pois a produção em massa possibilitou que as classes de trabalhadores menos abastadas também estivessem aptas a consumir. Simultaneamente ocorre a consolidação das mulheres no mercado de trabalho, aumentando o poder de compra das famílias72. Os números do crescimento nunca haviam sido tão altos. O aumento do PIB global dos países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) obteve crescimento de 5% ao ano, e taxas de desemprego baixíssimas, variando entre 1 e 4%73.

70 Cf. BLAUG, Mark. História do Pensamento Económico. 1ª ed., Alfragide, Dom Quixote, 1989, p. 35. 71 Cf. MUSSE, Ricardo. Émile Durkheim: Fato social e divisão do trabalho. Ensaios comentados, 1ª ed., Rio de Janeiro, Ática, 2011, p. 33, disponível em https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/352563/mod_resource/content/1/MUSSE%2C%20Ricardo%3B%20DURKHEIM%2C%20%C3%89mile%2C%20Fat o%20social%20e%20divis%C3%A3o%20do%20trabalho.pdf [10/12/2017]. 72 Cf. FORD, Martin. Robôs. A ameaça de um futuro sem emprego..., op. cit., p. 69. 73 Cf. MARGLIN, Stephen A., e SCHOR, Juliet B. The Golden Age of Capitalism: Reinterpreting the Postwar Experience, 1ª ed., Oxford, Oxford University Press, 1992, p. 19.

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Ressalte-se que na mesma época alguns países, ao contrário da maioria das economias ocidentais, adotaram os princípios marxistas com destaque para a antiga União Soviética. Contudo, as experiências neste sentido se mostraram mal sucedidas social e economicamente74, cravando, desta forma, o capitalismo, seus modos de produção e seu sistema de trabalho como uma benesse praticamente unânime durante os últimos dois séculos. Na lógica do capitalismo, procedendo a uma análise simplista, bastaria que os índices de emprego e consumo se mantivessem balaceados para que a economia jamais parasse de crescer. Neste sentido preconiza Harari:

“Na era moderna a economia capitalista tem de aumentar constantemente sua produção caso queira sobreviver. Como um tubarão que tem de continuar a nadar ou então sufoca. Mas não basta produzir. Alguém tem que comprar os produtos pois caso contrário tanto os empresários industriais quanto os investidores abrirão falência. Para evitar esta catástrofe e para termos certeza de que as pessoas compram sempre todas as coisas novas que a indústria produz, surgiu um novo tipo de ética. O consumismo.”75

E assim ocorreu até meados dos anos 1970, quando a crise do petróleo e o fim do acordo de

Bretton Woods76 (que fixava regras para as relações monetárias entre as nações independentes) geraram um cenário de instabilidade econômica, provocando o primeiro grande período de recessão global após a Segunda Guerra. Desde então os índices de desemprego nos países desenvolvidos passaram a subir e o valor de compra dos salários decaiu de maneira sensível como vem ocorrendo até a atualidade. No entanto, a produtividade e o consumo não diminuiram na mesma medida, o que desvinculou momentaneamente a geração de empregos como condição para o crescimento econômico. Martin Ford77 ilustra claramente o período economico pós década de 1970, através da seguinte passagem:

“Há fortes razões para crer que o período econômico favorável da América também chegou ao fim. Que a relação simbiótica entre o incremento da produtividade e os aumentos dos salários começou a dissolver-se nos anos 70. Em 2013 um típico trabalhador da produção com ou sem funções de supervisão ganhava cerca de 13% menos que 1973 (após correção monetária), ainda que a produtividade tenha aumentado em média 107% e os custos de bens onerosos com habitação, ensino e cuidados de saúde tenham subido em flecha” 78

74 Em suma os principais regimes apoiados no ideal Marxista mantinham dois pontos em comum: Economia e meios de produção centralizados e estatizados, além de monopólio político nas mãos de apenas um partido. Saliente-se que boa parte do fracasso dos regimes deve-se justamente a estes dois aspectos. A ausência de qualquer viés democrático, a ausência de certos produtos (principalmente alguns alimentos) e a diferença entre a qualidade de vida dos países do bloco socialista diante dos países capitalistas, ocasionava resistência por parte da população fazendo com que, pouco a pouco, houvesse um enfraquecimento do Estado. Reformas mal conduzidas e corrupção também prestaram auxílio para que houvesse um decréscimo da qualidade geral dos serviços oferecidos pelo Estado. Por fim importante salientar que as pressões econômicas sofridas durante a Guerra Fria e o excesso de investimento em material bélico também foram cruciais para o fracasso deste modelo de gestão estatal. Cf. PONS, Silvio. A Revolução Global – história do comunismo internacional. (1917-1991). Trad. Luís Sérgio Henriques, Rio de Janeiro, Contraponto, Fundação Astrogildo Pereira, 2014, p. 218. 75 Cf. HARARI, Yuval Noah. Sapiens de animais a Deuses: História Breve da Humanidade..., op. cit., p. 406. 76 Cf. MAGNOLI, Demetrio. História da Paz, 2ª ed., São Paulo, Contexto, 2008, p. 448. 77 Cf. FORD, Martin. Robôs. A ameaça de um futuro sem emprego..., op. cit., p. 155. 78 Cf. FORD, Martin. Robôs. A ameaça de um futuro sem emprego..., op. cit., p. 13.

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As mudanças trazidas pela crise dos anos 1970, e o avanço da tecnologia oriundo da Terceira Revolução Industrial, propiciaram uma modificação no mercado de trabalho a partir da década de 1980. Primeiramente com relação à necessidade de especialização. Nesta fase, quanto mais anos de estudo maiores as chances de salários satisfatórios. Concomitantemente, o setor de serviços passou a ser o protagonista da economia, empregando uma parcela maior da população, principalmente nos países desenvolvidos. Já nos países em desenvolvimento a industrialização se tornava cada vez mais abrangente. Em contrapartida, empregos ligados à tecnologia eram os bem remunerados abrindo espaço para a criação de novas carreiras, essencialmente no setor de informática, que a esta altura já apresentava um alto índice de crescimento. Ainda que os índices de desemprego continuassem muito mais altos do que nas décadas anteriores nos países desenvolvidos (sempre acima de 5%, em alguns casos chegando a 10% da população economicamente ativa),79 mais uma vez a economia havia conseguido se reorganizar após as crises, estabilizando-se e continuando a crescer.

À partir dos anos 1990 mudanças políticas e econômicas no panorama mundial fizeram com que houvesse uma nova transformação nas relações laborais. A dissolução da União Soviética em 1991, colocando fim à Guerra Fria80, combinado com largo período sem grandes conflitos efetivos, ocorrido após a Segunda Guerra Mundial, proporcionou uma aproximação comercial entre países que antes compunham blocos opostos. Com este novo cenário, costurado por acordos internacionais de livre comércio, outro fenômeno importante passou a influenciar os números de emprego na indústria: A chamada deslocalização também conhecida como offshoring81. A deslocalização consiste na migração de indústrias de países desenvolvidos para países nos quais os impostos se apresentem mais baixos e as leis trabalhistas mais flexiveis. A globalização modificou a dinâmica dos empregos através da escalada dos bens e componentes transacionáveis, tornando a deslocalização uma alternativa atraente para grandes empresas. Entretanto, muito embora as novas indústrias tenham levado certo progresso a países menos desenvolvidos, existem duras críticas a respeito desta prática. Primeiro em virtude do caráter de exploração inerente à atividade uma vez que em razão da flexibilização das leis trabalhistas, via de regra, as condições de trabalho se apresentam insalubres e os salários baixíssimos. Segundo porque os produtos fabricados são consumidos, quase que em totalidade, nos países desenvolvidos – trazendo à tona novamente o paradigma marxista sobre a impossibilidade de quem trabalha na produção consumir

79 Cf. OECD, Short-Term Labour Market Statistics: Harmonised Unemployment Rates (HURs), Organisation for Economic Co-operation and Development, 2019, disponível em: https://stats.oecd.org/index.aspx?queryid=36324 [15/02/2019]. 80 Cf. GADDIS, John Lewis. História da Guerra Fria, 1ª ed., Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2007, p.250. 81 Cf. FORD, Martin. Robôs. A ameaça de um futuro sem emprego..., op. cit., p. 55

28 as mercadorias produzidas. E, por fim, em razão da fuga de impostos que deixam de ser pagos nos países sede das empresas que trabalham de maneira deslocalizada82.

Através da deslocalização um novo modelo de produção industrial surgiu83. Atualmente é comum que as empresas optem por fabricar seus produtos de acordo com as condições mais vantajosas oferecidas por outros países, muitas vezes fazendo com que um objeto finalizado tenha cada peça fabricada em um lugar do planeta. Porém, este novo sistema de fabricação e comércio não é necessarimente benéfico em todos os seus aspectos. Tanto pelas razões expostas acima, quanto pela possibilidade de ser algo efêmero – que acabe trazendo mais danos de ordem social e ambiental aos países terceiros que recebem as indústrias, do que efetivamente benesses econômicas e progresso. Isto porque o ciclo de prosperidade de uma nação depende não apenas de seus empregos na indústria mas também dos postos gerados no setor de serviços, que normalmente exigem qualificação mais alta. Oferecendo aos países menos desenvolvidos postos no setor industrial, existe a promessa de desenvolvimento social futuro – quando supostamente as próximas gerações poderão usufruir dos benefícios econômicos gerados pela massa de operários que atualmente trabalha em condições insalubres e recebendo baixos salários. Ocorre que esta premissa, que antes já não era fidedigna, na era tecnológica possui ainda mais chances de não se concretizar. Com o avanço da tecnologia, muito provavelmente os trabalhadores oriundos da indústria nos países subdesenvolvidos verão seus empregos evaporarem antes que possam usufruir dos benefícios prometidos. A este respeito nos diz Ford:

“Embora o fenômeno da deslocalização possa aparentemente não ter nenhuma relação com a perda de empregos gerada por computadores e algoritmos, o exatamente oposto é verdadeiro. A deslocalização é com muita frequência um percussor da automatização, sendo que os empregos que cria em países de salários baixos podem revelar-se de vida curta conforme a tecnologia for avançando”84

Durante a expansão industrial globalizada ocorreu a primeira explosão tecnológica dos computadores ocasionando uma onda de perda maciça de algumas funções mas, por outro lado, descortinando um novo universo. Após o impacto inicial criou-se uma vasta gama de profissões ligadas à informática e ao processamento de dados. Via de regra, houve um aumento global na média salarial comparando os valores obtidos com as funções que deixaram de existir. Um bom exemplo desta ocorrência são as bolsas de valores. Ao passo que a imagem dos pregões na bolsa, com suas centenas

82 Cf. FORD, Martin. Robôs. A ameaça de um futuro sem emprego..., op. cit., p. 153 83 Cf. BASTOS, Ercília. O que é offshoring?, in Portal Gestão, 07 de janeiro de 2015, disponível em https://www.portal-gestao.com/artigos/7587-o-que- %C3%A9-o-offshoring.html [11/01/2019]. 84 Cf. FORD, Martin. Robôs. A ameaça de um futuro sem emprego..., op. cit., p. 153.

29 de corretores gritando ao telefone atualmente inexiste, diversas empresas de tecnologia que realizam investimentos descentralizados absorveram estes profissionais e geraram outras tantas posições novas.

Por fim, chegamos ao momento presente. O trabalho continua sendo o protagonista da economia mundial, motor responsável pelo avanço social e ainda segue como símbolo de status. De acordo com o sociólogo Georges Friedmann85 é pelo trabalho que o homem modifica seu próprio meio e pode modificar a si próprio. Trabalhar pode trazer realização pessoal e social, ou ainda gerar dignidade ou status perante a sociedade. Nos dias atuais os países desenvolvidos – como Estados Unidos, Canadá e Espanha86 – contam com quase 80% de suas vagas de emprego no setor de serviços, sendo mais de um terço postos de média ou alta qualificação. Já nos países em desenvolvimento como Índia, China e Brasil, este número gira em torno de 40% da população economicamente ativa87. Portanto, é possível afirmar que o setor de serviços ganha cada vez mais protagonismo no que diz respeito à geração de empregos e renda, em detrimento das atividades rurais ou fabris.

Entretanto, este panorama também pode estar prestes a se modificar. O setor de serviços tem como característica fundamental um amplo número de pessoas com qualificação educacional média ou alta. Se até a década passada o binômio anos de estudo/melhores salários ainda era uma conta certeira, atualmente estes números já não se relacionam de forma linear. De acordo com Ford88 o excesso de pessoas com nível escolar compatível com graduação vem inundando o mercado de algumas profissões, gerando um altíssimo índice de desemprego entre os recém formados. Na China o índice gira em torno de 20%. Nos Estados Unidos também. Até pouco tempo atrás os motivos para esta crise no setor de empregos de média e alta qualificação ainda eram desconhecidos. Atualmente já se sabe que este fenômeno está ligado ao início da Quarta Revolução Industrial.

Em uma espécie de transformação silenciosa, novas tecnologias ganham cada vez mais espaço em funções que antes eram desempenhadas por trabalhadores humanos. De início com a mecanização crescente das indústrias. De acordo com dados da International Federation of Robotics o uso de robôs nas indústrias aumentou em mais de 60% entre 2000 e 201389. Simultaneamente as chamadas vending machines popularizaram-se ao redor do mundo, bem como caixas eletrônicos e serviços realizados pelo

85 Cf. TARTUCE, Gisela Lobo Batista Pereira. Algumas Reflexões sobre a Qualificação do Trabalho a partir da Sociologia Francesa do Pós-Guerra., Educação & Sociedade, Campinas, vol. 25, n, 87, maio/agosto de 2004, p. 353-382, disponível em http://www.scielo.br/pdf/es/v25n87/21461.pdf [20/02/2019]. 86 Cf. SANTANDER, Trade Portal, Ferramentas de Análise de Mercado, disponível em: https://pt.portal.santandertrade.com/analise-os-mercados/ [20/02/2019]. 87 Cf. SANTANDER, Trade Portal, Ferramentas de Análise de Mercado, Economia China, disponível em: https://pt.portal.santandertrade.com/analise-os- mercados/china/economia [20/02/2019]. 88 Cf. FORD, Martin. Robôs. A ameaça de um futuro sem emprego..., op. cit., p. 159. 89 Cf. INTERNATIONAL FEDERATION OF ROBOTICS, Executive Summary World Robotics 2018 Service Robots, 2018, disponível em: https://ifr.org/downloads/press2018/Contents_WR_Service_Robots_2018.pdf [22/02/2019].

30 telefone, culminando com a acensão da internet via banda larga e determinando definitivamente o fim das barreiras para a comunicação em nível mundial. Todos estes fatores possibilitaram ao varejo expandir-se através de vendas online, sem a necessidade de intermediários. Em contrapartida as empresas de tecnologia, novas protagonistas do mercado empresarial, geram pouquíssimos empregos.

Em 2012 a Google, por exemplo, gerou um lucro de 14 bilhões de dólares, dando emprego a menos de trinta e oito mil pessoas. Comparando com a indústria automobilística, a General Motors tem quase oitocentos e quarenta mil funcionários e lucrou apenas 11 bilhões de dólares.90 Tais dados são fortes sinalizadores acerca de uma mudança de paradigma que, via de regra, tem impacto direto sobre os empregos.

O advento da Quarta Revolução Industrial traz uma perspectiva diferente de tudo o que já havia sido vivenciado em termos de economia, sociedade e relações de trabalho. Até hoje nenhum avanço tecnológico foi capaz de ceifar empregos e propiciar modificações tão drásticas. Nos períodos anteriores as crises e avanços tecnológicos não foram capazes de destruir o modelo social existente – muito pelo contrário, geraram ainda mais empregos e prosperidade. No entanto, esta premissa pode estar prestes a cair por terra. Para percebermos os motivos que levam diversos teóricos a acreditar que o período que se aproxima é capaz de realizar as profecias mais pessimistas acerca da queda do modelo econômico capitalista – e dos empregos na forma como conhecemos – é preciso proceder uma análise profunda do personagem principal por trás destas previsões. O computador.

4. Quarta Revolução Industrial, o que já é realidade

Convidados das mais altas classes sociais estavam reunidos em um grande banquete conversando, comendo e se divertindo, quando foram surpreendidos por uma estátua de bronze capaz de lhes servir vinho. Como se não bastasse, o vinho era colocado nas taças misturado com água, em perfeita proporção, ao gosto da nobreza grega. Todos se espantam, afinal ainda que a matemática, a engenharia, e as ciências tenham avançado vertiginosamente nos últimos anos, uma estátua de bronze capaz de servir vinho com maestria era algo surpreendente.

90 Cf. FORD, Martin. Robôs. A ameaça de um futuro sem emprego..., op. cit., p. 107.

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A cena poderia ter sido retirada de algum filme de ficção científica, ou até mesmo de alguma reunião patrocinada por executivos da robótica no momento presente. Porém o ano era 250 aC. E o inventor da estátua de bronze Filon de Bizâncio91, conhecido como pai da robótica em virtude da criação de automatos, também chamados de robôs92, cuja tecnologia baseava-se na pneumática e na hidráulica.

Os fatos narrados acima ilustram como desde tempos remotos procuramos criar dispositivos que executem por nós as tarefas que não temos interesse, vontade ou capacidade de fazer. Relatos de outros robôs podem ser encontrados com facilidade sendo um dos mais conhecidos o robô pertencente ao rei chinês Mu of Zhou93 que governou a China entre os anos 956-918 a.C. O Robô de Mu era capaz de mover-se sozinho em todas as direções. Já na Idade Média foi criada uma máquina capaz de realizar operações matemáticas fabricada pelo filósofo e matemático francês Blaise Pascal94. Porém tais inventos eram obras isoladas, disponíveis apenas para os nobres, e de confecção altamente trabalhosa e dispendiosa.

Como vimos anteriormente, este panorama modificou-se através das máquinas oriundas da Revolução Industrial, capazes de realizar com maestria alguns trabalhos até então feitos somente por humanos, e cujo custo não era exorbitante a ponto de barrar sua produção em larga escala. Mesmo assim, durante praticamente dois séculos a mecanização ficou restrita apenas à área industrial e rural, através do maquinário de grande porte, capaz de executar uma série de tarefas repetitivas sob o comando de um operador humano. De acordo com Silveira95 tudo começou a mudar por volta da década de 1930 quando a Inglaterra, os Estados Unidos e a Alemanha passaram a financiar projetos de máquinas capazes de realizar tarefas mais complexas, como operações matemáticas e decodificações com o mínimo de interferência humana possível. Tais iniciativas culminaram na invenção de máquinas que seriam os precurssores do compuador moderno. O embrião do computador tal e qual conhecemos hoje foi criado na Alemanha, era o chamado Z1, idealizado por Konrad Zuse96. A máquina era capaz de realizar cálculos de dados com a utilização do sistema de fitas perfuradas. Aperfeiçoando o mesmo método os americanos criaram o chamado Harvard Mark I que conseguia efetuar cálculos longos

91 Cf. GILLE, Bertrand. Les Mécaniciens grecs: La naissance de la technologie, 1ª ed., Paris, Seuil, 1980, p.203 disponível em https://www.cambridge.org/core/journals/annales-histoire-sciences-sociales/article/bertrand-gille-les-mecaniciens-grecs-la-naissance-de-la-technologie- paris-seuil-1980-230-p-bibliogr-illustr/37470B4725097F1CEF6D65F6E6B5BBA3 [21/02/2019]. 92 Cf. Faculdade de Engenharia de Ottawa, A reprogrammable ,multifunctional, manipulator designed to move parts,tools, or specialized devices through various programmed motions for the performance of a variety of tasks (Robot Institute of America), texto disponível em https://engineering.uottawa.ca/school-EECS [21/11/2018]. 93 Cf. BARRETT, T .H. Lieh tzu, in Michael Loewe, Early Chinese Texts: A Bibliographical Guide, 1 ª ed., Berkeley, The Society for the Study of Early China, 1993, p.353 94 Cf. FAMOUS SCIENTISTS, Blaise Pascal, disponível em https://www.famousscientists.org/blaise-pascal/ [21/02/2019]. 95 Cf. SILVEIRA, Sérgio Amadeu da. Inclusão digital, software livre e globalização contra-hegemônica. Software Livre e Inclusao Digital, Organizadores: Sergio Amadeu de Silveira e Joao Cassino, São Paulo, Conrad, v. 7, 2003, p. 11. 96 Cf. BRETON, Philippe. História da Informática, 1ª ed., São Paulo, UNESP, 1991, p. 12

32 automaticamente97. Ambos os dispositivos eram gigantescos, ocupando em média 100m2. No mesmo período também ocorreu o protótipo do que viria a ser a inteligência artificial moderna, através da criação abstrata da máquina de Turing98. Porém, a invenção de Turing era um modelo e não uma máquina efetivamente, embora posteriormente muitos de seus conceitos tenham sido aplicados durante a fabricação do computador Colossus99 em 1943.

Todas estas invenções se deram no período da Segunda Guerra mundial e tinham como objetivo proporcionar vantagens durante o conflito. Em princípio, não existia aplicabilidade prática para tais inventos fora do contexto de guerra, tendo em vista que os computadores eram utilizados para calcular trajetórias balísticas e decodificar mensagens. Contudo, assim como outras tecnologias com finalidade bélica posteriormente se revelam úteis em outros contextos, em 1946, aprimorando as técnicas já existentes, foi criado o primeiro computador digital, cerca de mil vezes mais rápido que os anteriores, o chamado ENIAC (Eletronic Numeric Integrator And Calculator)100. Tal equipamento viria a inaugurar a era dos computadores definitivamente. Com a invenção do computador digital o aprimoramento dos dispositivos informáticos se tornou frequente, evoluindo sistematicamente de acordo com o ditame conhecido como “Lei de Moore”101 – que preconiza a diminuição de preços dos componentes e uma evolução duplamente superior da capacidade dos sistemas de informática, em média, a cada dois anos.

Observe-se que até então as indústrias contavam com uma crescente modernização pautada na mecânica e na elétrica, sem nenhuma relação com os avanços da informática. Esta perspectiva começou a ser modificada com o advento da Terceira Revolução industrial que, pela primeira vez, aliou as funções informáticas aos dispositivos mecânicos, inaugurando a era da mecatrônica. Nas palavras de Adamwoski e Furukawa 102 a Mecatrônica pode ser definida como a integração de Mecânica, Eletrônica e Computação de forma concorrente. Este processo ampliou de sobremaneira as possibilidades de aplicação da informática dentro das indústrias, proporcionando o avanço dos sistemas robóticos103 – e consequentemente, a escalada definitiva das máquinas sobre os postos de trabalho humano no setor fabril.

97 Cf. BRETON, Philippe. História da Informática..., op. cit., p. 18. 98 Cf. TURING, Alan M. Computing Machinery and Intelligence, Mind, n. 236, p. 433-460, v. 59, outubro 1950, disponível em http://phil415.pbworks.com/f/TuringComputing.pdf [22/02/2019]. 99 Cf. FLEMING, Stephen. World-famous rebuild of the first modern computer, in The National Museum of Computing, The Colossus Gallery, disponível em http://www.tnmoc.org/explore/colossus-gallery [22/02/2019]. 100 Cf. BRETON, Philippe. História da Informática..., op. cit., p. 13. 101 Cf. BRETON, Philippe. História da Informática..., op. cit., p. 15. 102 Cf. ADAMOWSKI, Julio Cezar, e FURUKAWA, Celso Massatoshi. Mecatrônica: Uma abordagem voltada à automação industrial, Mecatrônica Atual, UFSM, nº1, Outubro-Novembro, 2001, disponível em: http://w3.ufsm.br/fuentes/index_arquivos/Meca.pdf [25/02/2019]. 103 Cf. SÁNCHEZ-MARTÍN, F. M. et al. Historia de la robótica: de Arquitas de Tarento al Robot da Vinci. (Parte II), Actas urológicas españolas, v. 31, n. 3, p. 185-196, 2007. Disponível em https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0210480607736240?via%3Dihub [26/02/2019].

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Os computadores jamais pararam de evoluir. A partir da década de 1970 a quarta geração de computadores possibilitou a popularização microprocessadores, iniciando a era do computador pessoal. Posteriormente, na década de 1990 a internet se tornou cada vez mais popular, possibilitando a conexão entre pessoas de todas as partes do mundo – e na sequência, viabilizando a conexão em rede de outros dispositivos como os telefones. Tais acontecimentos configuram um salto técnológico em tempo recorde – e, por conseguinte, a primeira geração de dispositivos conectados.

Com a Quarta Revolução Industrial, ingressamos na segunda geração de conexão. Aliando diversas tecnologias que se complementam e atuam umas com as outras como as cadeias blockchain, megadados, algoritmos inteligentes, bioinformática entre outras inovações inaugura-se em definitivo o que conhecemos como era digital, que por sua vez está intimamente relacionada à Quarta Revolução Industrial. Um dos principais exemplos desta novidade da intersecção entre as aplicações físicas e digitais é a chamada internet das coisas (IoT internet of things). Tal mecanismo pode ser descrito como a relação entre as coisas tangíveis e as pessoas por meio de diversas plataformas e tecnologias conectadas. Segundo R. Minerva, A. Biru, e D. Rotondi104, a internet das coisas pode ser definida como a ligação de objetos físicos e virtuais conectados através de uma rede de infraestrutura global, atuando através da captura de dados e comunicação. Este sistema oferece a possibilidade de identificação objeto- sensores em tempo real. Tal sistema é operado através de um alto grau de captura de dados autônoma, possibilitando a transferência de eventos, a conectividade de rede e a interoperabilidade105.

Em termos de aplicabilidade prática, a conexão de objetos e ações com a internet possibilita o controle remoto de objetos através de tablets, computadores e Smartphones, também que os próprios objetos sejam acessados como provedores de serviços. Por ora é possível dizer que a IoT ainda está engatinhando, porém possui um imenso potencial transformador. O exemplo mais popular desta tecnologia a que temos acesso no momento são as assistentes virtuais conectadas a casas inteligentes. Porém a partir do momento em que mais pessoas e estabelecimentos comerciais aderirem a este movimento será possível “etiquetar (Tags)”106 a maioria dos objetos com os quais temos contato,

104 Cf. MINERVA, Roberto, BIRU, Abyi, e ROTONDI, Domenico. Towards a definition of the Internet of Things (IoT). IEEE Internet Initiative, v. 1, 2015, p. 17, disponível em https://iot.ieee.org/images/files/pdf/IEEE_IoT_Towards_Definition_Internet_of_Things_Revision1_27MAY15.pdf [05/05/2019]. 105 Cf. ATZORI, Luigi, IERA, Antonio, e MORABITO, Giacomo. The internet of things: A survey, Elsevier, Computer networks, v. 54, n. 15, p. 2787-2805, 31 de maio de 2010, disponível em https://www.cs.mun.ca/courses/cs6910/IoT-Survey-Atzori-2010.pdf [20/01/2019]. 106 Etiquetar é o termo simples para informar que o objeto estará munido de sensores capazes de conecta-lo a rede mundial de computadores. Na definição técnica de Internet das Coisas: da Teoria à Prática “É a combinação entre identificação e sensores: Identificação: é um dos blocos mais importantes, visto que é primordial identificar os objetos unicamente para conectá-los à Internet. Tecnologias como RFID, NFC (Near Field Communication) e endereçamento IP podem ser empregados para identificar os objetos. Sensores/Atuadores: sensores coletam informações sobre o contexto onde os objetos se encontam e, em seguida, armazenam/encaminham esses dados para data warehouse, clouds ou centros de armazenamento. Atuadores podem manipular o ambiente ou reagir de acordo com os dados lidos” SANTOS, Bruno P. et al. Internet das coisas: da teoria à prática. Minicursos SBRC-Simpósio Brasileiro de Redes de Computadores e Sistemas Distribuıdos, p. 31, 2016.

34 possibilitando seu acesso remoto tanto para fins particulares quanto empresariais. De forma simples é possível demonstrar o pleno funcionamento da IoT com o seguinte exemplo:

O indivíduo adquire uma embalagem de 1kg de sabão em pó no seu supermercado favorito. No caso desta embalagem já estar etiquetada e devidamente conectada ao sistema IoT, o vendedor saberia quando o produto estivesse perto do fim, enviando outro automaticamente para a residência do comprador. Ao mesmo tempo, o fabricante da máquina de lavar roupas saberia se o utilizador está colocando o sabão na quantidade correta e poderia enviar um sinal de alerta, através de e-mail ou mensagem, informando caso haja sabão em excesso. Além disto, a assistente pessoal virtual de sua residência poderia realizar uma pesquisa para informar se existe outro supermercado cujo o preço do sabão em pó estivesse mais atraente, providenciando ainda o envio do produto diretamente em sua casa. Em contrapartida, assim que o produto é retirado da prateleira, o gerente do supermercado recebe um aviso em seu sistema indicando a necessidade de reposição do estoque.

O exemplo acima pode ser considerado bastante simplista – e até mesmo incapaz de proporcionar grandes revoluções quando analisado superficialmente. Porém a mesma lógica pode ser aplicada em praticamente todas as esferas da sociedade. Ao invés de apenas processos comerciais inteligentes, podemos ter cidades inteligentes que conectam informações sobre o trânsito, a poluição, o mercado imobiliário, os problemas estruturais, os atos do governo, etc. O mesmo mecanismo serve como base para a criação medicamentos e invenções inteligentes na área de saúde, que avisem o médico ou o paciente acerca da ingestão de remédios na dosagem e horário corretos, sobre o bom ou mau funcionamento de marcapassos, próteses e medidores dos níveis de pressão e insulina, por exemplo.

Iniciativas neste sentido inclusive já existem. G. Yang et al (2014)107 propôs um Sistema de Cuidados da Saúde a Domicílio denominado “IHome Health IoT”. Tal iniciativa entrega ao paciente uma caixa de medicamentos inteligente (IMedBox) conectada a dispositivos IoT e devidamente etiquetada. Em contraponto o corpo do paciente também recebe etiquetas ou “tags” com a presença de sensores capazes de detectar e transmitir bio-sinais do usuário ao IMedBox em tempo real. Os dados coletados são interpretados, armazenados e exibidos no IMedBox. A informação processada é encaminhada para um hospital ou clínica, capaz de realizar diagnósticos ou armazenar as informações para análises futuras.

Pelas informações ora colacionadas é possível perceber que a IoT é mais um passo importante rumo ao avanço tecnológico e, consequentemente, capaz de modificar nossa sociedade de forma

107 Cf. YANG, Geng et al. A health-IoT platform based on the integration of intelligent packaging, unobtrusive bio-sensor, and intelligent medicine box, IEEE, v. 10, n. 4, p. 2180-2191, 2014. Disponível em https://ieeexplore.ieee.org/abstract/document/6747344 [14/04/2019].

35 profunda. Com a expansão da IoT, diversos setores são passíveis de atuar praticamente sem nenhum intermédio humano, dependendo tão somente da tecnologia para funcionar. A IoT é um dos pilares fundamentais da revolução tecnológica que estamos experienciando. Nas palavras de Presser 108

“A Internet das Coisas irá otimizar os processos que acontecem no mundo real. Logística, concessionárias de serviço público e operações por ocorrências são funções complexas regidas por parâmetros que hoje em dia são estimados ou simplesmente desconhecidos. A IoT permite uma coleta de dados e informação com muito maior granularidade e mais precisão do que nunca”.

Da mesma forma outro setor da inovação informática merece total atenção nos dias atuais é a Inteligência Artificial (IA), e suas variações aliadas a robótica. Pesquisas com a finalidade de produzir máquinas capazes de pensar como um humano já existem desde a década de 1940, porém foi apenas em 1997 que o real potencial desta tecnologia foi visto na prática. Nesta ocasião a IBM criou e Deep

Blue109, um computador capaz de vencer o até então campeão mundial de xadrez Gary Kasparov. O Deep Blue assustadoramente mostrou que enfim havíamos chegado à era em que as máquinas nos superariam em definitivo. A partir de então, aliando esta nova tecnologia tanto com softwares de gestão quanto de automação, a IA tornou-se cada vez mais presente nas mais diversas áreas, superando os humanos em praticamente todas as tarefas que executa.

Nas tarefas mecânicas e industriais as máquinas dotadas de inteligência artificial são mais rápidas e mais eficientes que os humanos. Como exemplo, podemos citar o Baxter110 – uma máquina projetada para embalar produtos numa fábrica de brinquedos de forma inteligente. Além de embalar de forma melhor e pelo menos cinco vezes mais rápida que um embalador humano, após um ano de utilização descobriu-se que o Baxter era capaz utilizar de 20% a 40% de caixas a menos embalando a mesma quantidade de produtos.

Na área gastronômica já existem empresas especializadas em “robotizar” as cozinhas de restaurantes, diminuindo o número de funcionários significativamente. A empresa Eatsa111, mais antiga neste ramo de atuação, apresentou pesquisas recentes informando que 73% das funções em restaurantes podem ser robotizadas e substituídas por dispositivos de inteligência artificial sem grandes custos operacionais. Neste caso o implemento de tais tecnologias não significaria apenas a diminuição

108 Cf. PRESSER, Mirko. Inspirando a Internet das Coisas…, op. cit., p. 5. 109 Cf. BITTENCOURT, Guilherme. Inteligência Artificial. Ferramentas e Teorias, 2ª ed., Florianópolis, UFSC, 2001, p. 45. 110 Cf. FORD, Martin. Robôs. A ameaça de um futuro sem emprego..., op. cit., p. 27. 111 Cf. FORD, Martin. Robôs. A ameaça de um futuro sem emprego..., op. cit., p. 17.

36 de custos e maior eficiência, mas também aumento exponencial dos níveis de higiene, uma vez que os robôs são muito mais limpos do que os humanos, além de não transmitirem doenças.

Ao contrário dos exemplos mencionados acima – cujo uso de IA encontra-se restrito a atividades mecânicas, necessitando de programação humana –, através do aprimoramento das tecnologias conhecidas como Deep Learning (ou aprendizagem automática) os robôs são capazes de atuar eficientemente também em tarefas de cunho intelectual. A este respeito nos diz Ford: “A aprendizagem automática envolve geralmente duas fases. Um algoritmo começa a ser preparado sobre informações conhecidas e é depois libertado para resolver problemas semelhantes com novas informações.”112 Um bom retrato do que a tecnologia de aprendizagem é capaz de fazer pode ser obtido observando o sistema utilizado pelo Google tradutor. Neste sistema não existe alguém acrescentando palavras novas todos os dias, não é necessário “alimentar” a máquina, pois ela mesma construiu modelos de linguagem muito mais amplos que qualquer pessoa na história da humanidade. Nem mesmo a criatividade, tida como prerrogativa exclusivamente humana, é capaz de impor barreiras a esta nova tecnologia. Quill113 é um jornalista robótico que é capaz de descrever partidas esportivas com a mesma empolgação que um narrador humano. Atualmente diversas revistas de renome o utilizam, inclusive a Forbes114.

O ápice da tecnologia de IA no desempenho de funções humanas pode ser observado com a criação de Watson115, dispositivo de computação congnitiva criado para jogar Jeopardy116. Ao contrário de outros dispositivos de IA capazes de jogar xadrez ou cartas, jogos com regras fixas, no caso de Jeopardy todos os assuntos poderiam ser abordados. Em 2011 Watson sagrou-se como o grande campeão de Jeopardy, vencendo todos os campeões de anos anteriores que ousaram desafia-lo. Atualmente Watson atua como médico em hospitais importantes como a Cleveland Clinic e o Centro oncológico da Universidade do Texas, possuindo capacidade de realizar diagnósticos completos através de recolha e análise de dados. Além dos diagnósticos feitos por Watson serem mais precisos do que os realizados por um médico humano, uma vez que Watson possui acesso aos bancos de dados de artigos científicos com atualização em tempo real, ele também não sofre indisposições, ou problemas emocionais como um

112 Cf. FORD, Martin. Robôs. A ameaça de um futuro sem emprego..., op. cit., p. 125 113 Cf. LATAR, Noam Lemelshtrich. The robot journalist in the age of social physics: The end of human journalism?, The new world of transitioned media, Cham, Springer, 2015. p. 65-80. 114 Cf. SIMONITE, Tom. Robot Journalist Finds New Work on Wall Street, MIT Technology Review, 9 de janeiro de 2015, disponível em https://www.technologyreview.com/s/533976/robot-journalist-finds-new-work-on-wall-street/ [12/04/2019]. 115 Cf. HARARI, Yuval Noah. Homo Deus: Hitória Breve do Amanhã..., op. cit., p. 350. 116 Jeopardy é um jogo de perguntas e respostas feitas através de enigmas sucesso na televisão americana em meados dos anos 2000.

37 humano comum, tornando-se muito mais eficiente. Recentemente Watson também passou a atuar como analista de riscos em bancos internacionais como o Citigroup117.

Por fim, importa mencionar a mais nova invenção do campo informático: O computador quântico, ainda em fase de testes. Seu primeiro modelo comercial foi apresentado pela IBM em 2018118. Aliando os princípios da mecânica quântica aos processadores existentes, a promessa é que os computadores quânticos sejam os responsáveis por fazer a Lei de Moore deixar de ser precisa, haja vista a possibilidade de resolverem problemas algoritmos em tempo recorde e ainda conseguirem evoluir de forma completamente inovadora. De toda forma, se a lei de Moore continuar valendo, fazendo com que os computadores dobrem sua capacidade a cada dois anos, a inteligência artificial será capaz de atingir o mesmo nível de processamento do cérebro humano em 2025.119

Como vimos através dos exemplos citados acima, a IoT é capaz de diminuir as cadeias produtivas e as cadeias de serviço tornando a atuação humana dispensável em suas principais atividades. Por outro lado, a IA é capaz de solucionar problemas, traçar diagnósticos, escrever textos e até mesmo investir dinheiro de forma mais inteligente que nós, humanos. Estas duas tecnologias combinadas serão capazes de trazer inúmeros benefícios nas questões de gestão de recursos, medicina, segurança, além do aumento da eficiência empresarial e estatal. Porém, em posse destas informações e sabendo do potencial de modificação social trazido pela combinação entre IoT e IA, fica evidente que muitas das funções executadas por humanos, em especial no mercado de trabalho, estão ameaçadas. No mesmo sentido a qualificação profissional e ensino que recebemos hoje podem não servir daqui alguns anos. A seguir iremos analisar os dados relativos aos riscos de desemprego em virtude das novas tecnologias, bem como pontos importantes no tocante ao sistema educacional em âmbito global.

117 Cf. IBM. Citi and IBM Enter Exploratory Agreement on Use of Watson Technologies, Comunicado à imprensa da IBM, 5 de março de 2012, disponível em: http://www-03.ibm.com/press/us/en/pressrelease/37029.wss [10/02/2019]. 118 Cf. IBM, Introducing the new IBM Q Experience, Leading universities partner with IBM to accelerate joint research and drive educational opportunities in quantum computing, 2018 disponível em https://www.research.ibm.com/ibm-q/ [10/02/2019]. 119 Cf. FORD, Martin. Robôs. A ameaça de um futuro sem emprego..., op. cit., p. 65.

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1. Capítulo II – Reflexos da Quarta Revolução Industrial

Os impactos da Quarta revolução Industrial serão sentidos de maneira ampla nas mais diversas esferas da sociedade e dos direitos. Contudo, é sabido que o mercado de trabalho tende a ser afetado de maneira rápida pelas tecnologias disruptivas, o que poderá ocasionar na perda maciça de milhões de postos de trabalho, bem como numa mudanca significativa ante a forma de atuação das profissões que permanecerão existindo. Em razão disto é necessária a análise dos possíveis efeitos das novas tecnologias sobre as relaçôes de emprego.

2. Reflexos sobre os Empregos

Já sabemos que as tarefas que os dispositivos de IA, IoT e robótica são capazes de realizar não se limitam mais a profissões de baixa qualificação, ou pouca capacidade técnica. Embora tais tecnologias estivessem presentes desde o início dos anos 2000, o momento atual trouxe mais uma modificação importante: O preço desses aparatos. Um robô industrial custa em média o valor de um ano de salário de um empregado dos setores de base das fábricas120. Ressalte-se que os robôs industriais são a categoria mais cara com relação a esta tecnologia. Outros dispositivos como o Watson121 podem ser instalados em qualquer computador de forma a terem custos ainda mais baixos. Existe, inclusive, disponível na internet um sistema aberto (Robot Operation System122) que possibilita a pessoas comuns criarem seus próprios robôs sem nenhum custo. Nunca é tarde para dizer que além de todas as vantagens já mencionadas, os robôs e dispositivos de IA não recebem salários, não tiram férias, não ficam doentes, não têm filhos (embora esteja em avançado estado de desenvolvimento um software de inteligência artificial apto a criar outros programas de computador e se replicar123), e são capazes de trabalhar praticamente sem interrupções aumentando a produtividade a índices nunca vistos.

A primeira onda de tecnologia, no âmbito da Terceira Revolução Industrial, ceifou diversas profissões, como: datilógrafos, telefonistas, operadores de Telex e postos de vendas no varejo, substituídos por máquinas de venda. No entanto, foram criados novos postos principalmente ligados a ciências, computação e mídias sociais. Por certo as novas vagas exigem maior qualificação do que as

120 Cf. FORD, Martin. Robôs. A ameaça de um futuro sem emprego..., op. cit., p. 29. 121 Cf. HARARI, Yuval Noah. Homo Deus: história breve do amanhã..., op. cit., p. 305. 122 Cf. ROS, Robot Operation Sistem, Brought to you by the Open Source Robotics Foundation, disponível em http://www.ros.org/ [14/11/2018]. 123 Cf. BALOG, Matej et. al. Deepcoder: Learning to write programs, Cornell University, 7 de novembro de 2016. disponível em https://www.microsoft.com/en- us/research/publication/deepcoder-learning-write-programs/ [14/11/2018].

39 profissões suprimidas, mas esta evolução é comum, e inclusive já foi vista em outras épocas nas quais a humanidade trocou uma tecnologia por outra. O aumento do nível técnico nunca foi capaz de desequilibrar a balança, pois ao passo que algumas pessoas perdiam seus postos, outras se aposentavam e já haviam outras tantas se qualificando para ocupar as novas funções. Com o advento da Quarta Revolução Industrial, ao que tudo indica, o equilíbro poderá ser quebrado.

Pesquisas apontam que em escala mundial serão abolidos oitocentos milhões de postos de trabalho124 até 2030, ao passo que deverão ser criadas somente dois milhões de novas vagas no mesmo período. A transformação será global, pois mesmo nos países que ainda não realizaram a transição indústria-serviços, considerados como países em desenvolvimento, será mais barato possuir empregados robóticos ou dispositivos de IA do que funcionários humanos. No Brasil, por exemplo, um dos países em desenvolvimento que ainda não possui a predominância do setor de serviços na economia, o índice de desemprego ocasionado pelas tecnologias disruptivas deverá ficar em torno de 50%.125 Atenta às modificações globais, a China estabeleceu um plano chamado “Made in China 2025”126 que visa aumentar a automação em suas fábricas em até 84% até 2025, o que cortará pelo menos 30% dos postos de trabalho nas indústrias no país. Nos Estados desenvolvidos nos quais a automação fabril já é realidade e cuja economia se concentra no setor de serviços, os empregos estão ameaçados da mesma forma pelos dispositivos de IA e pela expansão da IoT, uma vez que tais adventos que não estão limitados a tarefas mecânicas. Nas palavras de Harari127:

“A revolução tecnológica pode em breve excluir bilhões de humanos do mercado de trabalho e criar uma nova e enorme classe sem utilidade, levando a convulsões sociais e políticas com as quais nenhuma ideologia existente está preparada para lidar. Essa conversa sobre tecnologia e ideologia pode soar muito abstrata e remota, mas a perspectiva real de desemprego em massa — ou pessoal — não deixa ninguém indiferente”.

E ainda de acordo com parecer da Comissão sobre os empregos e assuntos sociais do relatório do Parlamento Europeu.128

“Ao mesmo tempo que o desenvolvimento da robótica e da inteligência artificial está a acelerar, é essencial moldar o seu rumo e antever as possíveis consequências em termos de emprego e política social, porque a utilização crescente e generalizada de robôs na produção de bens e de serviços tem como consequência obter uma maior produtividade com menor dispêndio de

124 Cf. MUELEN, Rob van der, PETTEY, Christy, Gartner Says By 2020, Artificial Intelligence Will Create More Jobs Than It Eliminates, in Gartner Newsroom, Stamford, 13 de dezembro de 2017, disponível em https://www.gartner.com/newsroom/id/3837763. [14/01/2019]. 125 Cf. MANYIKA, James, et. al. O futuro do mercado de trabalho: impacto em empregos, habilidades e salários, in McKinsey Global Institute, Relatório, novembro 2017, disponível em https://www.mckinsey.com/featured-insights/future-of-work/jobs-lost-jobs-gained-what-the-future-of-work-will-mean-for-jobs- skills-and-wages/pt-br [14/11/2017]. 126 Cf. GÓMEZ PÉREZ-CUADRADO, Esther. Plan Made in China 2025, ICEX España Exportación e Inversiones, Oficina Económica y Comercial de España en Pekín, 2016, disponível em https://www.icex.es/icex/es/navegacion-principal/todos-nuestros-servicios/informacion-de-mercados/paises/navegacion- principal/el-mercado/estudios-informes/DOC2016671546.html?idPais=CN [14/03/2019]. 127 Cf. HARARI, Yuval Noah. 21 lições para o século 21, 1ª ed., São Paulo, Companhia das Letras, 2018, p. 24. 128 Relatório 2015/2103(INL) Parlamento Europeu,op. cit.

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mão-de-obra, e, por conseguinte, ao longo da próxima década, alguns empregos serão completamente eliminados e muitos outros afetados”

Outro aspecto importante a ser levado em consideração é o fato de que as empresas de tecnologia – que tendem a dominar cada vez mais o mercado e que são hoje as com maior valor acionário129 – geram um número muito menor de postos laborais do que os modelos antigos de produção de bens. Como exemplo, Shwab cita um grande centro industrial como Detroit em 1990, cujas três maiores empresas possuiam uma capitalização de mercado estimada em US$ 36 bilhões, faturamento de US$ 250 bilhões, e 1,2 milhão de empregados. Em 2014, as três maiores empresas do Vale do Silício tinham uma capitalização de mercado muito maior (US$ 1,09 trilhão), haviam gerado aproximadamente as mesmas receitas (US$ 247 bilhões), mas com cerca de 10 vezes menos empregados (137 mil).130

Diante deste cenário no qual seria impossível tentar barrar os avanços tecnológicos, resta-nos a prevenção. Neste sentido pesquisas vem sendo feitas com o escopo de quantificar os prováveis índices de desemprego e analisar as profissões que correm mais riscos. Pesquisadores da Oxford School131 realizaram um estudo e quantificaram os efeitos das tecnologias disruptivas perante os empregos, classificando cerca de setecentas profissões de acordo com a probabilidade maior ou menor de sua automatização. As dez profissões com maior risco de serem extintas são: Técnicos de biblioteca, Contador, Operadores de Processos Fotográficos, Operadores de Máquinas de processamento, Agentes de Carga e Frete, Reparador de relógios, Consultores de Seguros, Técnicos matemáticos, Técnicos de conserto em esgoto, Pesquisadores de títulos, Operadores de Telemarketing, e Analistas de dados132. De acordo com este estudo, profissões cuja a qualificação técnica por ser considerada alta, como matemáticos e contadores, figuram no topo da lista, demonstrando mais uma vez que contabilizar anos de estudo formal não será mais garantia de bons empregos. Entre as profissões com menor risco estão Terapeuta ocupacional, Especialista em gerenciamento de crises, Assistentes sociais, Nutricionistas, e Cirurgião Bucomaxifacial. A metodologia adotada no estudo levou em consideração o grau de dificuldades para que os dispositivos de IA fossem capazes de executar tarefas com caráter humanístico específico como empatia, carinho, criatividade e capacidade de compreender o humor. Por esta razão, profissões ligadas aos cuidados de saúde e cuidados pessoais foram as que obtiveram um menor índice de riscos.

129 Cf. GÓMEZ, Fran. Apple, Google y Microsoft son las marcas más valiosas del mundo, in Forbes, 6 de junio de 2018, disponível em https://forbes.es/listas/43213/apple-google-y-microsoft-son-las-marcas-mas-valiosas-del-mundo/ [22/01/2019]. 130 Cf. MANYIKA, James; CHUI, Michael. Digital era brings hyperscale challenges, in The Financial Times, v. 13, 2014. Disponível em https://www.ft.com/content/f30051b2-1e36-11e4-bb68-00144feabdc0 [14/11/2018]. 131Cf. FREY, Carl Benedikt, e OSBORNE, Michael A. The future of employment: how susceptible are jobs to computerisation?, Technological forecasting and social change, v. 114, p. 254-280, 2017. Disponivel em https://www.oxfordmartin.ox.ac.uk/downloads/academic/The_Future_of_Employment.pdf [30/11/2017]. 132 Cf. FREY, Carl Benedikt, e OSBORNE, Michael A. The future of employment: how susceptible are jobs to computerisation?..., op. cit., p.75

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Ocorre que aparentemente este é justamente o ponto falho do estudo. Primeiro porque como vimos anteriormente dispositivos de cuidados médicos são os que estão em nível mais avançado de desenvolvimento, tanto no que tange a IoT, quanto no que diz respeito a IA. Em segundo lugar porque nem todas as pessoas possuem habilidades emocionais e físicas suficientes para serem cuidadoras de idosos, crianças ou doentes. E em terceiro porque deixou de abordar um ponto essencial: Em um mundo com elevadíssimas taxas de desemprego, quem seriam os idosos ou doentes super ricos capazes de pagar por cuidadores e terapeutas humanos em tempo integral?

O problema não reside efetivamente em tentar adivinhar as profissões requisitadas no futuro e buscar qualificação nestas áreas, inclusive porque neste caso, os mercados de tais profissões também ficariam saturados. A grande questão é a busca de soluções para que a sociedade continue funcionando sem que isto dependa de altas taxas de emprego entre as pessoas. No tocante aos índices de desemprego futuro todos os estudos realizados sobre o tema são unânimes sobre o aumento dos índices.

Variando entre desemprego global de 20%133, a 45%134, ou até mesmo 60%135. Neste contexto, a OIT publicou relatório recente com dez medidas136 visando barrar as possíveis desigualdades ocasionadas pelo avanço das tecnologias sobre o mercado de trabalho. Para a organização é premente que sejam buscadas soluções de âmbito sustentável, visando ainda a ênfase no empoderamento feminino, uma vez que as análises137 demonstram que existe uma forte tendência para a ampliação das desigualdades de gênero no mercado de trabalho na Quarta Revolução Industrial.

Segundo estudos da UNRISD e do Fórum Social Mundial138 é fundamental considerar o impacto da revolução tecnológica sobre as lacunas de gênero no mercado de trabalho139. De acordo com os documentos citados as profissões atualmente dominadas por mulheres estão mais suscetíveis a serem automatizadas. Este seria um reflexo altamente negativo, pois a desigualdade mundial e a lacuna de gênero tendem a aumentar de forma significativa a ponto de tornar praticamente impossível a

133 Cf. DIAS, Otávio. Inovações disruptivas e o futuro do emprego: ameaças e oportunidades, in Fundação FHC, 25 de setembro de, 2017 disponível em http://fundacaofhc.org.br/iniciativas/debates/inovacoes-disruptivas-e-o-futuro-do-emprego-ameacas-e-oportunidades [01/05/2019]. 134 Cf. FREY, Carl Benedikt, e OSBORNE, Michael A. The future of employment: how susceptible are jobs to computerisation?..., op. cit., p.40 135 Cf. CHUI, Michael, MANYIKA, James, MIREMADI, Mehdi, Where machines could replace humans—and where they can’t (yet)…, op. cit., p. 08 136 Cf. INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. Work for a brighter future, Global Commission on the Future of Work, 1ª ed., Genebra, ILO Publications, 2019, disponível em https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---dgreports/---cabinet/documents/publication/wcms_662410.pdf [05/05/2019]. 137 Cf. UNRISD. Gendered Impacts of Globalization: Employment and Social Protection, United Nations Research Institute for Social Development, UNRISD Research and Policy Brief 13, Genebra, setembro de 2012, disponível em http://www.unrisd.org/80256B3C005BCCF9/httpNetITFramePDF?ReadForm&parentunid=1EAA1985666DB496C1257A590052D22A&parentdoctype=bri ef&netitpath=80256B3C005BCCF9/(httpAuxPages)/1EAA1985666DB496C1257A590052D22A/$file/RPB13e.pdf [23/04/2018]. 138 Cf. SCHWAB, Klaus. A quarta revolução industrial..., op. cit., p.24 139 Lacunas de gênero no mercado de trabalho são a diferença entre os índices salariais pagos aos homens e as mulheres que exercem as mesmas funções. Além disto a menor participação feminina em determinados setores também pode ser considerada lacuna de gênero. Cf. KRIVKOVICH, Alexis, NADEAU, Marie-Claude, ROBINSON, Kelsey, ROBINSON, Nicole, STARIKOVA, Irina, e YEE, Lareina. Um panorama atual das mulheres no Mercado de Trabalho, McKinsey, outubro de 2018, disponível em https://www.mckinsey.com/featured-insights/gender-equality/women-in-the-workplace-2018/pt-br [10/10/2019].

42 alavancagem dos talentos femininos no mercado de trabalho. Portanto, é possível aferir que o avanço das tecnologias disruptivas pode propiciar impactos sociais ainda mais profundos do que simplesmente a perda de empregos.

Como solução para este problema o relatório elaborado por experts a mando da Comissão Europeia prevê a necessidade de prestar apoio aos intermediários do mercado de trabalho para reduzir as disparidades estruturais em especial para as mulheres na área da ciência. Intermediários (como empresas públicas, serviços de emprego, escritórios de substituição ou agências temporárias) investiriam em requalificação para esssas trabalhadoras posteriormente obtendo o dos empregadores que por sua vez, se beneficiarão de trabalhadores treinados.140 Todavia, conforme explanado é possível que não existam vagas suficientes para absorver o total de trabalhadores oriundos de procedimentos de requalificação.

Em contraposição ao que foi exposto por Freye e Osborne, alguns pesquisadores buscaram refazer os cálculos sobre o percentual de vagas que serão perdidas em face da automação. Um destes artigos foi elaborado por Arntz, Zierahn e Gregory141, na forma de um relatório para a OECD. O estudo preconiza que o percentual de vagas perdidas será muito menor do que os 47% trazidos por Freye and Osborne, ficando em torno de 10%. A metodologia utilizada retirou o foco das profissões como um todo baseando-se em funções isoladas que tendem a ser substituídas. No contexto atual é difícil afirmar qual dos métodos tem mais chances de estar correto. Sem embargo, é sabido que a maioria dos pesquisadores aposta em percentuais maiores quando se trata de perda de postos de trabalho.

De maneira completamente oposta, Thomas et al, defende a possibilidade de aumento da oferta de empregos com o advento das tecnologias disruptivas142, porém, o autor não explica como isso irá ocorrer sem rebaixar ainda mais salários e direitos (o que seria necessário para competir com países como a China que já tem um plano de automação total em prática). De nada adianta que sejam mantidas vagas de emprego cujos salários sejam baixíssimos e as funções degradantes. Já Bessen afirma que o impacto das tecnologias disruptivas não será uniformemente destruidor de empregos, sendo que algumas indústrias encolherão, outras crescerão. Nas palavras do autor “os trabalhadores precisarão fazer a transição para novos empregos muitas vezes exigindo novas habilidades, novas organizações e

140 Cf. COMISSÃO EUROPEIA. High-level expert group on the impact of the digital transformation on eu labour markets, Digital Economy and Skills, Unit F.4, 18 outubro de 2019, disponível em https://ec.europa.eu/digital-single-market/en/high-level-expert-group-impact-digital-transformation-eu-labour-markets [24/10/2019] . 141 Cf. ARNTZ, Melanie, GREGORY, Terry, ZIERAHN, Ulrich. The risk of automation for Jobs, OECD iLibary, n. 189, 14 de maio de 2016, disponível em https://www.oecd-ilibrary.org/social-issues-migration-health/the-risk-of-automation-for-jobs-in-oecd-countries_5jlz9h56dvq7-en [24/10/2019]. 142 Cf. THOMAS, Rachel, e GUNSUN Russel. Scotland skills 2030: The future of work and the skills system in Scotland, Institute of Public Policy Research, Escócia, maio de 2017, disponível em https://www.ippr.org/research/publications/scotland-skills-2030 [31/03/2019].

43 novos locais.”143 Neste caso é importante salientar que o prognóstico foi feito utilizando dados obtidos há alguns anos, e como se sabe a automação vem ganhando espaço de forma muito rápida. Ademais o estudo é falho ao não exemplificar que novos locais, habilidades e organizações seriam estas e que tipo de empresa ainda precisaria contar com a necessidade de capital humano no futuro próximo.

Por fim, resulta mencionar a possibilidade de que a onda tecnológica também venha provocar mais desigualdades de cunho social entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento. O relatório “Future of Jobs”, publicado no Forum Econômico Mundial de 2017144 (que analisou os possíveis impactos da 4ª Revolução industrial em quinze países), concluiu que os cinco anos seguintes seriam um período crucial da transição com as perspectivas de emprego global bastante diminuídas. Muito embora existam países que ainda não tenham sequer acesso à eletricidade, à água potável, ao saneamento e várias outras prerrogativas essencias de desenvolvimento, diante do implemento de mão de obra robótica na agricultura através da agricultura de precisão, o impacto das tecnologias disruptivas também passará a ser visto nestes lugares. Talvez de forma até pior do que nos países desenvolvidos. Atualmente a deslocalização de indústrias leva milhares de postos de trabalho, ainda que precários, aos países em desenvolvimento. Porém, nas atividades fabris é realidade o fato de ser mais barato contratar robôs do que humanos. No tocante a estes países, as pessoas que estão prestes a adentrar no mercado de trabalho podem ter suas expectativas frustradas, causando um encolhimento da economia e consequentemente dos direitos sociais que ainda não estão plenamente difundidos. Já nos países desenvolvidos funções com alto grau de qualificação também estão ameaçadas, tornando a mecanização um risco para que a economia continue fluindo de maneira satisfatória. Diante destes fatos é imperiosa a análise dos sistemas educativos em âmbito mundial, tendo em vista que o ensino é a base para que se adquiram as competências necessárias perante os novos desafios. A seguir iremos observar pontos sensíveis no tocante à ideia de qualificação e requalificação profissional.

143 Cf. BESSEN, James E. Automation and jobs: When technology boosts employment, Boston University School of Law, Law & Economics Paper No. 17-09, Technology & Policy Research Initiative, 2018.disponível em https://papers.ssrn.com/soL3/papers.cfm?abstract_id=2935003 [23/04/2019]. 144 Cf. WORLD ECONOMIC FORUM, The Future of Jobs Report 2018, Centre for the New Economy and Society, Genebra, 2018, disponível em https://www.weforum.org/reports/the-future-of-jobs-report-2018 [22/04/2019].

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3. Educação e qualificação profissional

Como esses homens demitidos farão para prover suas famílias? E como a geração em ascensão poderá ter alguma coisa para mantê-los no trabalho, a fim de que eles não sejam como vagabundos passeando na ociosidade? Alguns dizem, comecem e aprendam algum outro negócio. E se todos fizermos isso quem irá sustentar nossas famílias enquanto nos dedicamos a esta árdua tarefa? E quando tivermos aprendido, como saber se o novo trabalho irá resolver nossos problemas? Pois outra máquina poderá surgir e tirar nossos empregos também145. O trecho acima foi extraído da petição dos trabalhadores de Leeds, Inglaterra, em meados de 1700. Porém se encontra mais atual do que nunca. As perguntas feitas pelos empregados fabris ingleses na Primeira Revolução Industrial permanecem iguais às que nós fazemos atualmente durante o advento da Quarta Revolução Industrial. Entretanto, no presente é praticamente certo que não haverá tempo hábil para transições de carreira na maioria dos empregos. Ao passo que em 1700 um agricultor poderia facilmente aprender em poucas semanas a fazer cálculos simples, ou operar uma máquina de tecelagem, nos dias atuais aprender a programar um computador ou entender de maneira profissional o funcionamento das tecnologias disruptivas pode levar anos. Neste contexto o investimento em educação, que anteriormente garantia a ordem social frente as mudanças tecnológicas, terá de ser revisto e modificado. A par do avanço da tecnologia, diplomas não são mais garantia de bons empregos há algum tempo. Estatísticas mostram que o número de desempregados recém-formados aumenta a cada ano. Nos Estados Unidos este percentual gira em torno de 30%, e na China 20% mesmo no que concerne as profissões ligadas à área tecnológica146 que deveriam estar oferecendo um maior número de vagas. O fenômeno está ligado a vários fatores. Primeiro a questão do notório aumento populacional e a crescente entrada de pessoas em instituições de nível superior, tornando o mercado mais competitivo. Segundo, ao fato de que justamente em razão do progresso da internet e outros adventos, empresas de uma forma geral oferecem a cada dia menos postos laborais, em especial aquelas cujas atividades referem-se à

145 “How are those men, thus thrown out of employ to provide for their families; - and what are they to put their children apprentice to, that the rising generation may have something to keep them at work, in order that they may not be like vagabonds strolling about in idleness? Some say, Begin and learn some other business. - Suppose we do; who will maintain our families, whilst we undertake the arduous task; and when we have learned it, how do we know we shall be any better for all our pains; for by the time we have served our second apprenticeship, another machine may arise, which may take away that business also; so that our families, being half pined whilst we are learning how to provide them with bread, will be wholly so during the period of our third apprenticeship?” .Cf. INTERNET MODERN HISTORY SOURCEBOOK, Leeds Wooolen Workers petition 1786, Fordham University, disponível em https://sourcebooks.fordham.edu/mod/1786machines.asp [14/02/2019]. 146 Cf. FORD, Martin. Robôs: a ameaça de um futuro sem emprego..., op. cit., p. 159

45 tecnologia147. E porque o modelo de ensino atual está notadamente desatualizado na maioria dos países. Ainda são utilizados os mesmos métodos e conteúdo adequados à realidade de vinte anos atrás, sendo que o mundo mudou drasticamente no mesmo período. Uma vez que, nem o aumento populacional, nem o acesso às universidades a um amplo espectro de pessoas podem ou devem ser contidos, e que as empresas de tecnologia tampouco irão aumentar sua oferta de empregos, está na educação e na modificação do sistema educacional a chave para conter o paradoxo entre anos de estudo e garantia de emprego. Tentar prever como será o mundo daqui vinte anos e buscar que todas as pessoas se qualifiquem de forma idêntica para exercer as mesmas profissões – que supostamente serão as “profissões do futuro” – é uma ideia fadada ao fracasso. A priori por ser impossível realizar tal previsão. Como bem apontado pelos trabalhadores de Leeds no início do capítulo, não há garantia de que após anos de estudo e preparação para sermos programadores de computador, não haverá o surgimento do um dispositivo de IA que possa realizar a tarefa melhor do que nós. Ademais, se todos os habitantes do planeta focarem seus esforços na qualificação profissional para apenas meia dúzia de ofícios, por certo o mercado será inflado e pouquíssimos privilegiados obterão êxito em conseguir um emprego digno. Neste sentido nos diz Harari:

“Hoje não temos ideia de que aspecto terão a China e o resto do mundo em 2050. Não sabemos o que as pessoas farão para ganhar a vida e não sabemos como vão funcionar exércitos ou burocracias, e não sabemos como serão as relações entre os gêneros. Algumas pessoas provavelmente viverão muito mais do que se vive hoje, e o próprio corpo humano poderá ter passado por uma revolução sem precedentes graças à bioengenharia e a interfaces cérebro-computador diretas. Daí ser provável que muito do que as crianças aprendem hoje seja irrelevante em 2050” 148

O Parlamento Europeu também demonstrou preocupação com o avanço da IA no que concerne

à qualificação profissional, afirmando em seu relatório149 que os sistemas de educação e de formação têm imperativamente de se adaptar à evolução das profissões e dos modos de produção. O relatório também aponta a necessidade de que se dê ênfase aos empregos com conteúdo criativo na tentativa de preservar o valor do trabalho humano. Como ponto principal com relação aos novos métodos de ensino, o relatório realça a importância da flexibilidade das competências que extrapolem os limites do ensino

147 As empresas de mídias sociais e internet costumam oferecer pouquíssimas vagas de emprego. O Instagram por exemplo possui apenas treze funcionários e valor de capital em torno de um bilhão de dólares. Cf. SHONTELL, Alyson. Meet The 13 Lucky Employees And 9 Investors Behind $1 Billion Instagram, in Business Insider, 2012 disponível em https://www.businessinsider.com/instagram-employees-and-investors-2012-4?IR=T [14/03/2019]. 148 Cf.HARARI, Yuval Noah. 21 lições para o século 21..., op. cit., p. 201 149 Relatório 2015/2103(INL) Parlamento Europeu, op. cit.

46 académico ministrado nas escolas, visando a necessidade de que os estudantes adquiram competências de raciocínio crítico para poderem questionar e tomar decisões esclarecidas.150

No modelo atual geralmente as escolas se concentram em prover os alunos de um conjunto de habilidades predeterminadas, que pouco tem a oferecer numa sociedade amplamente tecnológica. Por outro lado, ao voltarmos o foco para uma mudança estrutural no sistema educacional, bem como para o desenvolvimento de habilidades genéricas e adaptáveis, as chances de sucesso poderão ser ampliadas. Neste contexto, a educação superespecializada – visando a obtenção de empregos no cenário oriundo da Terceira Revolução Industrial e no setor de serviços como protagonista da economia – dá lugar a uma visão holística do aprendizado. O aprendizado holístico é avesso à ideia de fragmentação e especialização151. Neste modelo de ensino o foco é a transdisciplinaridade, enfatizando a criação de uma sociedade sustentável, justa, harmônica e pacífica. Nas palavras de Santos152: “A visão holística procura ampliar a maneira como vemos e a relação que temos com o mundo, exaltando nossos potenciais humanos inatos: o intuitivo, o emotivo, o físico, o imaginativo e o criativo, assim como o racional, o lógico e o verbal.” A propósito dessa nova realidade educacional é importante destacar o modelo de ensino conhecido como os “Cs” da educação – que tem como fundamento a preparação dos alunos para o enfrentamento de problemas através de uma visão sistêmica baseada em pensamento crítico, colaboração, criatividade e comunicação153. Certamente é importante que além desses conceitos abstratos o currículo escolar continue ensinando as matérias básicas como idiomas, matemática, ciências e tecnologia. Contudo, o objetivo do aprendizado não deve ser mais exclusivamente a busca por um bom emprego e sim o acúmulo de habilidades que devem ser úteis em qualquer esfera da vida. Em uma sociedade em que poucos deverão ter o status conferido pelas profissões, educar pessoas compassivas, generosas e criativas pode ser bem mais produtivo do que preparar experts em matemática – que mesmo sendo ótimos no que fazem não terão chance alguma contra dispositivos de IA. Em contrapartida, o advento das novas tecnologias também apresenta a possibilidade de acesso à informação generalizado, com a possibilidade de tornar mais acessíveis os estudos em qualquer nível através do ensino à distância. Adequar a nova realidade tecnológica às salas de aula também traz diversas vantagens no que concerne ao rendimento dos alunos. A China, por exemplo, vem integrando

150Relatório 2015/2103(INL) Parlamento Europeu, op. cit. 151 Cf. CREMA, Roberto. Visão holística em psicologia e educação, 1ª ed., São Paulo, Summus Editorial, 1991, p. 6. 152 Cf. SANTOS REGO, Miguel Anxo. El pensamiento complejo y la pedagogía: bases para una teoría holística de la educación, Estudios pedagógicos, Universidad Austral de Chile, Valdivia, n. 26, p. 133-148, 2000 disponível em www.redalyc.org/articulo.oa?id=173514139012 [14/05/2019]. 153 Cf. DREW, Sally Valentino. Open up the ceiling on the Common Core State Standards: Preparing students for 21st‐century literacy—now, Journal of Adolescent & Adult Literacy, v. 56, n. 4, p. 321-330, 2012, disponível em http://www.nea.org/assets/docs/A-Guide-to-Four-Cs.pdf [15/05/2019].

47 seu sistema de ensino às mais modernas tecnologias existentes, realizando o intercâmbio de dados viabilizado pela IoT, ao mesmo tempo em que moderniza o currículo escolar visando adequar a ementas às recentes inovações tecnológicas.

Nas palavras de Zuin154

“a comunicação onipresente entre os mundos físico e informacional, proporcionada pela Internet das Coisas, já suscita o repensar da forma como professores elaboram estratégias didáticas em relação ao modo como as informações serão apreendidas pelos alunos no transcorrer do processo de ensino-aprendizagem”

As ferramentas como IoT, Smartphones, Internet, Big Data e outras tecnologias disruptivas são peças fundamentais para melhorar o ensino e adequá-lo as demandas da atualidade. Projetos neste sentido vem sendo implantados além da China também na União Europeia155. As mudanças nos sistemas educacionais devem ocorrer de forma a privilegiar habilidades de forma holística, atender às demandas das novas tecnologias, mas especialmente se libertar do modelo padronizado conferindo a possibilidade de um sistema com ênfase nas potencialidades e talentos individuais. Hoje estas prerrogativas tornam- se facilitadas pois os indivíduos já atuam por conta própria procurando informações que lhes interessem através da internet. Entretanto, para que não se tornem limitados a apenas poucos assuntos de interesse, o papel dos professores conferindo direcionamento adequado é fundamental. A personalização é uma das palavras de ordem no que concerne ao novo modelo educativo, colocando o aluno no centro do aprendizado conforme suas experiências pessoais. Ressalte-se que a ideia de personalização educativa nada tem a ver com o conceito de individualização, mas sim com o pressuposto de que o aprendizado se torna mais eficaz quando leva em consideração não apenas o currículo obrigatório, mas também as aspirações do aluno e seus eventuais potenciais. De acordo com

Ferrari, Rocha e Lisboa156

“A personalização está ligada à consciência educacional, à habilidade de aprender sozinho e à seleção do que se deseja aprender. A Educação personalizada não termina na escola e vai além do sistema educacional em seu sentido mais amplo. Ela tem a ver com nossas paixões, vida social, experiências e desenvolvimento pessoal. É a única maneira de explorar ao máximo o potencial educacional do aluno. O professor é essencial nesse processo. É ele quem apresenta aos alunos a autoconsciência, as ferramentas, dá dicas e mostra o caminho correto”

154 Cf. ZUIN, Vânia Gomes, e ZUIN, Antônio Álvaro Soares. A formação no tempo e no espaço da internet das coisas, Educação & Sociedade, Campinas, vol.37, n.136, julho/setembro de 2016, p.773. Disponível em < http://dx.doi.org/10.1590/es0101-73302016167198 [14/04/2019]. 155 Responsive Open Learning Environments é um projeto colaborativo europeu com 16 grupos de pesquisa de renome internacional de 6 países da UE e da China. A tecnologia ROLE é centrada em torno do conceito de aprendizagem autorregulada que cria aprendentes responsáveis e pensantes que são capazes de planejar seu processo de aprendizagem, procurar os recursos de forma independente, aprender e depois refletir sobre seu processo de aprendizagem e progresso. Cf. ROLE, Project, Responsive Open Learning Environments, disponível em http://www.role-project.eu/ [15/04/2019]. 156 Cf. YOUNG DIGITAL PLANET. Educação no século XXI: Tendências, ferramentas e projetos para inspirar, SmartLab, 1ª ed., São Paulo, Moderna, 2016, p. 235, disponível em https://smartlab.me/baixe-gratis-nosso-livro-educacao-no-seculo-21/ [15/04/2019].

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Conforme mencionado anteriormente, as chaves para o ensino na era tecnológica são a criatividade e a colaboração, uma vez que garantir empregos formais para todos tende a deixar de ser prioridade. Ainda que pareça utópico e talvez até mesmo difícil para alguns, a ausência de empregos na sociedade tecnológica pode nos proporcionar a descoberta de nossos verdadeiros potenciais e talentos,157 através de um novo modelo educativo. Não raro, médicos, advogados, e engenheiros afirmam que seriam mais felizes se pudessem ser músicos, pintores, tratadores de animais ou bailarinos. A busca desenfreada por dinheiro, status e sucesso profissional por vezes obriga-nos a seguir por caminhos de menor satisfação pessoal – o que pode vir a ocasionar problemas a longo prazo. Além disso, existe um abismo social entre as profissões, fazendo com que ofícios extremamente úteis socialmente não sejam valorizados de maneira adequada, gerando excesso de profissionais em algumas áreas unicamente em virtude de status ou remuneração. Esta tendência também deverá e poderá ser revertida na sociedade tecnológica.

Porém, a perda de grande número de postos laborais e a extinção de determinadas profissões é apenas a ponta do iceberg no que concerne às mudanças ocasionadas pelas tecnologias disruptivas. Começando pela eventual perda de empregos é possível intuir que os impactos serão estendidos a diversas outras áreas. Por esta razão, a seguir serão analisados os possíveis impactos nos direitos sociais ocasionados pelo advento das novas tecnologias, visando demonstrar os setores nos quais possivelmente os primeiros reflexos serão percebidos.

4. Repercussões do desemprego nas políticas públicas e nos direitos humanos

Caso o mundo não sofra nenhum revés imprevisível como uma grande guerra ou catástrofe natural, nada será capaz de barrar os avanços da tecnologia – e, por conseguinte, o encolhimento do número de pessoas empregadas de maneira geral. Diante deste cenário, é de suma importância nos debruçarmos sobre a questão do funcionamento da máquina estatal. Uma boa parcela do dinheiro arrecadado pelos governos advém de iniciativas comerciais e é consequência do mercado de trabalho na forma em que conhecemos hoje. Através de tributos, arrecadados em todas as esferas da cadeia de produção e consumo, os Estados conseguem o capital para investir em políticas públicas que visem

157 Cf. ROBINSON, Ken. Bring on the learning revolution, TED Talks, Monterey, fevereiro de 2010, disponível em https://www.ted.com/talks/sir_ken_robinson_bring_on_the_revolution#t-247915 [31/03/2019].

49 garantir o bom funcionamento social158. A arrecadação de tributos, chamada de receita pública, responde por uma parcela fundamental do que é arrecadado pelos países ao redor do mundo. A título de exemplo, no Brasil corresponde a 34% do PIB, em Portugal 34%, e nos Estados Unidos 26% (OECD, 2017)159. Até então o trabalho foi o pilar fundamental para que este sistema funcionasse. Os governos fomentam o mercado através de incentivos para criação de empresas e indústrias, visando o retorno através da geração de empregos. Investe em educação, buscando formar bons profissionais no futuro e desta forma incrementar o mercado de trabalho. Os empregos, por sua vez, financiam o consumo dos bens e serviços produzidos – e desta forma a engrenagem se mantém ativa. Num possível futuro com altos índices de desemprego a pergunta a ser feita é: Quem vai pagar os tributos? Ou como as políticas públicas serão financiadas160? Numa perspectiva pessimista, imaginando que com a expansão da tecnologia somente os fabricantes de robôs e as empresas de tecnologia tivessem a possibilidade de pagar tributos, por certo seria criado um paradoxo entre o preço dos serviços oferecidos e a capacidade de consumir da população em geral. Ademais, reduzir a tributação corporativa e oferecer incentivos fiscais tem sido um instrumento comum por parte dos governos no intuito de, justamente, atrair mais investimentos. O foco destas iniciativas é que, a médio e longo prazo, os investimentos signifiquem arrecadação ainda maior, além de geração de empregos e estabilidade social. De acordo com Casalta Nabais:

“medidas que embora traduzam despesas fiscais enquanto diminuem as receitas ou a produtividade dos correspondentes impostos, são adoptadas pelo legislador fiscal no exercício do seu poder tributário, isto é, enquanto seleciona e delimita os factos tributários pronunciando-se sobre o que pretende tributar e o que não pretende tributar em função da política de impostos adoptada. Em suma, dos benefícios fiscais são de afastar estes desagravamentos que se situam no domínio da chamada erosão fiscal (pela erosão da matéria colectável ou do imposto que provocam) ou da extrafiscalidade interna”.161

No entanto, dentro de uma situação de perda maciça de empregos não faria mais sentido reduzir a tributação das empresas sem que houvesse a contrapartida do avanço pelo investimento em questões que trariam melhoria no gozo dos direitos sociais. Neste cenário os países em desenvolvimento, dependentes de incentivos fiscais para atrair empresas estrangeiras e criar empregos, nos quais boa parte da população ainda sequer teve acesso pleno a serviços básicos de infraestrutura e educação,

158 Cf. CASTRO, Jorge Abrahão. Financiamento e gasto público na educação básica no Brasil: 1995- 2005, Educação & Sociedade, Campinas, v. 28, n. 100, p. 857-876, maio/agosto de 2007, disponível em http://www.scielo.br/pdf/%0D/es/v26n92/v26n92a07.pdf. [10/12/2018]. 159 Cf. OECD, Revenue Statistics 1965-2016: Special feature: Complementary Indicators of Tax Revenues, OECD Publishing Paris, 23 de novembro de 2017, disponível em http://www.oecd.org/tax/tax-policy/revenue-statistics-2522770x.htm#RS-COUNTRY-SUMMARIES . [10/12/2018]. 160 Por certo a explicação de funcionamento da máquina tributária é muito mais complexa. Entretanto por não ser este o objetivo do presente estudo não iremos nos ater às possíveis diferenças entre tributos e suas finalidades assim como a questão das nuances da extrafiscalidade. 161 Cf. CASALTA NABAIS, José. O dever fundamental de pagar impostos, 1ª ed., Coimbra, Almedina, 2004, p. 169.

50 poderiam cair num limbo de pobreza e atraso sem precedentes. Tem-se, portanto, que a arrecadação tributária seria o primeiro problema a ser vencido após o estabelecimento da Quarta Revolução Industrial. Por conseguinte, as questões ligadas à legislação também deverão ser revistas. Não apenas no aspecto tributário, mas principalmente no que diz respeito à responsabilização civil e penal. Com o avanço dos carros autônomos, por exemplo, questionamentos são cada vez mais constantes acerca de quem seria responsabilizado em caso de acidentes.162 Da mesma forma, imperiosas são as mudanças na legislação com relação a danos ocasionados por robôs, e ainda os problemas relacionados com a cyber segurança. O acesso ao meio ambiente equilibrado também é direito que demanda maior atenção ante o advento das novas tecnologias. De imediato em virtude da necessidade de mineração. Como vimos anteriormente para a construção de dispositivos informáticos é preciso extrair e beneficiar diversos tipos de minérios. Porém a mineração é a atividade comercial que mais prejudica o meio ambiente, tanto através de resíduos tóxicos no ar, na água e no solo163, quanto em razão de tragédias que ocorrem frequentemente causando impactos irreparáveis. Sem embargo, este não é o único problema ambiental oriundo do avanço da tecnologia. O lixo tecnológico, somado aos resíduos produzidos pelo consumo inconsciente também se torna cada vez mais preocupante – e iniciativas de reciclagem e descarte consciente não têm sido suficientes para sanar esta adversidade,164 principalmente nos países em desenvolvimento. Por fim, os sistemas de seguridade social também deverão ser revistos visando a diminuição das desigualdades. Em praticamente todos os países do mundo existe um sistema de seguridade que, salvo algumas exceções, é sustentado pelas pessoas que estão trabalhando. Programas previdenciários nos dias atuais são responsáveis pela maior parte das transferências governamentais a nível global, e por parte importante do aumento da carga tributária nos países desenvolvidos. Num primeiro momento a perda maciça de empregos pode ocasionar impactos até mesmo sobre a renda de quem já estiver aposentado – ou prestes a se aposentar. Principalmente nos países com sistema de benefício definido e repartição simples, caso do Brasil e de alguns outros países emergentes, os impactos de um possível desemprego em massa provavelmente afetariam seriamente as verbas destinadas à seguridade social.

162 Cf. SILVA, Lucas do Monte. A responsabilidade civil por acidentes de carros autônomos: uma análise sob a ótica das smart cities, Revista do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, v. 29, n. 7/8, julho/agosto de 2017, p. 45 .http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/a_responsabilidade_civil_por_acidentes_de_carros.pdf [10/12/2018]. 163 Cf. PENNA, Carlos Gabaglia. Efeitos da mineração no meio ambiente, in O Eco, 26 de janeiro de 2009. https://www.oeco.org.br/colunas/carlos-gabaglia- penna/20837-efeitos-da-mineracao-no-meio-ambiente/ [20/01/2019]. 164 Cf. MATTOS, Karen Maria da Costa, MATTOS, Katty Maria da Costa, PERALES, Watson José Saenz. Os impactos ambientais causados pelo lixo eletrônico e o uso da logística reversa para minimizar os efeitos causados ao meio ambiente, XXVIII Encontro Nacional de Engenharia de Produção, Rio de Janeiro, v. 28, p. 01-11, outubro de 2008, disponível em http://www.abepro.org.br/biblioteca/enegep2008_tn_stp_077_543_11709.pdf [20/01/2019].

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Em igual sentido a desigualdade ocasionada por todos os fatores supracitados em conjunto também é um obstáculo a ser vencido na era tecnológica. Nos dias atuais é patente a disparidade no que diz respeito à concentração de renda nas mãos de poucos. De acordo com estudo realizado pelo

Banco Mundial165, nos últimos anos o índice de riqueza concentrada na mão dos 10% mais ricos subiu significativamente e de forma global. A nível mundial os 8% mais ricos detém a metade de toda a renda do planeta166. Atualmente nos Estados Unidos os 10% mais ricos detém 41% da renda total. Na Espanha este índice é de 36%, mesmo índice de Portugal. Nos países em desenvolvimento a desigualdade é ainda maior. No Brasil 52% da renda está concentrada nas mãos dos mais ricos e a diferença salarial entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres é de dezessete vezes. Na África do Sul a concentração de renda está na casa dos 60%, e na China, país em que houve o maior aumento da desigualdade nas últimas décadas a média é de 41% – e na Rússia 87% da riqueza se encontra nas mãos dos 10% mais ricos.167 Não é propriamente árduo imaginar que se nada for feito em termos de políticas públicas com o fito de prevenir possíveis efeitos negativos das tecnologias disruptivas, haverá a possibilidade de caos social e aumento das desigualdades a longo prazo. No capítulo seguinte serão abordadas as principais iniciativas tendentes a balancear os tributos, criar leis eficazes para a regulamentação das tecnologias disruptivas e diminuir as desigualdades, ponderando sua aplicabilidade prática em contraponto com seus aspectos positivos e negativos.

165 Cf. THE WORLD BANK. World development indicators, World Bank Group, International Economics Dept. Development Data Group, 2016, disponível em https://databank.worldbank.org/data/reports.aspx?source=2&series=SI.POV.GINI [14/11/2018]. 166 Cf. MILANOVIC, Branko. Global income inequality by the numbers: in history and now-an overview, World Bank Group, novembro de 2012. Disponível em https://elibrary.worldbank.org/doi/abs/10.1596/1813-9450-6259 [20/01/2019]. 167 Cf. RESEARCH INSTITUTE. Global Wealth Report 2015, Credit Suisse, outubro de 2015 disponível em https://www.credit-suisse.com/about-us/en/reports- research/global-wealth-report.html [02/05/2019].

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1. Capítulo III – Iniciativas para o amortecimento dos possíveis impactos

Antes de tudo é importante mencionar que o foco das políticas públicas visando o amortecimento dos possíveis impactos das tecnologias disruptivas deve ser aquele de preservar os humanos – e não os empregos propriamente ditos. Todavia tentar frear a onda tecnológica seria inútil, assim como buscar uma reserva de mercado para manter em atividade certas profissões. Dito isto, também é salutar que se ressalte a importância de prever certos reflexos e buscar medidas de cunho preparatório quanto a problemas que por certo irão surgir. Não se trata de tentar prever o futuro, mas sim aceitar o óbvio. A mudança já está acontecendo e minimizar seu viés negativo é um dever tanto dos governos quanto dos particulares. É certo que não conseguiremos atuar perante todas as frentes, sanando todos os problemas de antemão. Dado o nível de inteligência alcançado pela humanidade nos dias atuais, evitar pensar no que fazer até que a tecnologia tenha tomado conta da maioria dos postos de trabalho seria, no mínimo, irresponsável. Neste sentido é o relatório da Comissão de Emprego do Parlamento Europeu:

“Insta a Comissão e os Estados-Membros a consultarem e a implicarem regularmente os parceiros sociais na adaptação do quadro regulamentar aplicável à robótica e à economia digital, a identificarem potenciais riscos no domínio da saúde e segurança no trabalho causados pelas inovações técnicas, a tomarem medidas adequadas para os combater, e a explorarem a possibilidade de introduzirem um sistema de notificação, antes do estabelecimento dos robôs e da sua participação relativa para o volume de negócios das empresas, para efeitos de tributação e contribuição para a segurança social”168

Ocorre que a perda dos postos de trabalho é apenas um dos tópicos a respeito das consequências trazidas pela Quarta Revolução Industrial. Reflexos nos sistemas de previdência, tributos, impactos ambientais e a necessidade de criação de novos dispositivos legais são problemas urgentes e que necessitam atenção. Tanto é assim que algumas possíveis iniciativas já estão sendo colocadas em prática pelos entes governamentais em várias partes do globo. A título de exemplo, além do relatório do Parlamento Europeu visando normatizar as questões inerentes às tecnologias disruptivas, está em prática um modelo de tributação específica para empresas de tecnologia ou que optarem pela contratação de robôs na Coreia do Sul169. Da mesma forma, no que diz respeito à seguridade social e medidas para evitar a pobreza maciça, projetos piloto de Renda Básica Universal (RBU) são vistos adotados em várias partes

168 Cf. Relatório 2015/2103(INL) Parlamento Europeu, op. cit., Item 11 169 As chamadas robot taxes, ou impostos para robôs, são iniciativas defendidas por alguns economistas e programadores, que preveem a cobrança de imposto extra dos empregadores que optarem pela troca de mão de obra humana por robôs e algoritmos, visando o equilíbrio da balança tributária e previdenciária. Cf. WOLLA, Scott A. Will Robots Take Our Jobs?, Federal Reserve Bank of St. Louis, janeiro de 2018, p. 3, disponível em https://files.stlouisfed.org/files/htdocs/publications/page1-econ/2018/01/02/will-robots-take-our-jobs_SE.pdf [05/01/2018].

53 do mundo170. As iniciativas que estão em prática sinalizam que os impactos trazidos pela possível onda de desemprego podem ser mitigados através de resoluções baseadas em políticas públicas como: i) a criação de leis que visem normatizar as atividades desempenhadas por robôs e dispositivos de inteligência artificial, ii) a modificação na cobrança de tributos, buscando equilibrar a arrecadação diante de uma realidade em que máquinas tomarão o lugar dos trabalhadores e iii) a criação de novos sistemas de seguridade social. A seguir iremos analisar o que está sendo feito neste sentido, começando pelas leis que por certo servirão como base para que os demais aspectos funcionem de maneira ordenada.

2. Legislação

Para que as medidas de prevenção possam ser tomadas é necessário que se tenha uma base normativa sólida buscando definir a necessidade e possibilidade de taxar as empresas de tecnologia e outros setores que optarem pela contratação de robôs ao invés de trabalhadores humanos – e ainda pautar diretrizes no que concerne às questões de responsabilização civil e criminal. Tais definições serão o ponto de partida para que existam regramentos eficientes capazes de prever as situações de conflito adequando os fatos concretos às normas. No dia 16 de fevereiro de 2017, a sessão plenária do Parlamento Europeu votou favoravelmente para a criação de uma resolução que elabore um novo quadro ético-legal de acordo com o qual os robôs podem ser qualificados como “pessoas eletrônicas”. Como resultado desta iniciativa, em abril de 2019 foi divulgado um relatório que visa traçar diretrizes para que os Estados-Membros da União Europeia adotem normas utilizando o que fora recomendado como base. A princípio, tais recomendações servem apenas como orientação sobre dispositivos de IA e outras tecnologias disruptivas. Não possuem força de lei e não há obrigação de segui-los nem punição para quem resolver não adotá-los. Tais orientações têm como base o artigo 114.º do Tratado de

Funcionamento da União Europeia (TFUE)171 combinado com o artigo 5.º, n.º 3, do Tratado da União

Europeia (TUE)172, referentes ao princípio da subsidiariedade – cuja previsão determina que nos domínios que não sejam da sua competência exclusiva a União deve intervir somente na medida em que os

170 Cf. CAMPORESI, Alberto Tena. La Renta Basica Universal basada en la evidencia/Universal Basic Income based on evidence. Politica y Sociedad, v. 55, n. 3, p. 851-872, 2018, disponível em https://go.galegroup.com/ps/anonymous?id=GALE%7CA571977985&sid=googleScholar&v=2.1&it=r&linkaccess=abs&issn=11308001&p=IFME&sw=w [30/04/2019]. 171 Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, texto disponível em https://eur-lex.europa.eu/resource.html?uri=cellar:9e8d52e1-2c70-11e6-b497- 01aa75ed71a1.0019.01/DOC_3&format=PDF [14/11/2018]. 172 Tratado da União Europeia, texto disponível em https://eur-lex.europa.eu/resource.html?uri=cellar:9e8d52e1-2c70-11e6-b497- 01aa75ed71a1.0019.01/DOC_2&format=PDF [14/11/2018].

54 objetivos da ação considerada não possam ser suficientemente alcançados pelos Estados-Membros. Contudo, devido à dimensão das ações que devem ser tomadas, maior benefício será alcançado se as normas forem harmonizadas e capazes de produzir efeito em todos os Estados-Membros da União.

O documento de 2017 preceitua que é impossível travar o progresso tecnológico através de qualquer tipo de medida de reserva de mercado ou bloqueio de tecnologias. No entanto, através da realização de estudos pertinentes existe a oportunidade, e a responsabilidade, de prever possíveis impactos visando o benefício das pessoas e do meio ambiente. Existe ainda a solicitação para queos Estados-Membros estudem exaustivamente as implicações que terá no futuro imediato a utilização crescente de sistemas robotizados no trabalho – e que adotem um enquadramento legislativo para esta evolução173, visando especialmente os reflexos que tais modificações trarão para o setor de empregos, tendo em conta as alterações demográficas, a sustentabilidade, e todas as consequências sociais involuntárias. Neste sentido, a principal preocupação dos parlamentares europeus é com relação à perda de privacidade. Especialmente no tocante a dispositivos IoT existe a necessidade de alto nível de compartilhamento de dados para que os sistemas funcionem. Para que se saiba efetivamente até que ponto as pessoas estão dispostas a abrir mão de sua privacidade em prol de cidades inteligentes, sistemas de acompanhamento médico mais eficazes e viabilidade de uma forma de consumir mais sustentável, se faz necessária a promoção de diálogo público.

Os assuntos constantes no relatório mais recente foram levantados com a colaboração de especialistas acadêmicos, órgãos setoriais e empresas, como a Google, a SAP, o grupo Santander e a Bayer. Além da cooperação de companhias de âmbito internacional a elaboração dos relatórios, dada a amplitude do tema, contou com a participação de seis comissões no caso: Comissão dos Transportes e Turismo, Liberdades Cívicas, Justiça e Assuntos Internos, Emprego e Assuntos Sociais, Ambiente, Saúde Pública e Segurança Alimentar, Indústria, Investigação e Energia e Mercado Interno e Proteção dos Consumidores. Cada um dos grupos elaborou considerações a respeito das tecnologias disruptivas, as quais iremos observar a seguir.

A Comissão dos Transportes e do Turismo teceu considerações principalmente acerca da questão dos transportes autônomos e as consequentes responsabilizações necessárias no caso de incidentes envolvendo tais veículos. Saliente-se que no âmbito da União Europeia a utilização comercial de ônibus autônomos já é realidade, uma vez que este meio de transporte se encontra em plena utilização

173 Relatório 2015/2103(INL) Parlamento Europeu, cit.

55 na cidade de Paris174. Diante disto tem-se que as preocupações neste sentido são absolutamente pertinentes e urgentes. Também demonstrou preocupação com as questões ambientais no tocante à possibilidade de utilização de energias renováveis e eficiência energética – além de questões relacionadas com a informação como proteção dos dados pessoais e da privacidade, partilha dos dados sobre acidentes e situações de risco, valor financeiro dos dados e sua distribuição175.

Dentre as solicitações procedidas pela Comissão do Turismo encontra-se o pedido para que seja elaborada uma regulamentação comum, com âmbito de abrangência para todos os Estados-Membros da União Europeia relacionada com transportes autônomos. Tal preocupação é legítima tendo em vista o fato de, via de regra, as fronteiras rodoviárias dos Estados Membros serem abertas, existindo a grande possibilidade de que com a popularização dos veículos autônomos estes venham a cruzar os limites entre os países. Neste caso é salutar que as regras vigentes tenham abrangência transnacional, buscando evitar que tais veículos venham a ser barrados em determinadas fronteiras, ou ainda que em caso de acidentes possa ser buscada a responsabilização dos culpados em qualquer país.

A Comissão Das Liberdades Cívicas e Assuntos Internos, exarou suas preocupações com relação a temáticas ligadas à bioética, ou que possibilitem a integração de seres humanos com partes robóticas. Além disso solicitou a criação de regras de supervisão para que não exista atuação de dispositivos robóticos sem participação humana. A Comissão do Turismo solicitou medidas urgentes para a eventual responsabilização de danos cíveis ou criminais ocasionados por robôs. Tal questionamento já vinha sendo aventado por pesquisadores há algum tempo, haja vista que de acordo com Silveira et al, no atual enquadramento jurídico europeu, os robôs não podem ser responsabilizados por si só pelas ações ou omissões que causam danos a terceiros. Diante de danos causados através de ação ou omissão de robôs, a responsabilidade será atribuída a um agente humano específico, tal como o fabricante, o operador, o proprietário ou o utilizador, e em que tal agente podia ter previsto e evitado o comportamento lesivo do robô. Ocorre que na atualidade existe a possibilidade de robôs operarem outros robôs – e diante disto não é fácil aventar quem seria o real responsável por danos ocasionados. Nas palavras dos autores:

“Perante o cenário em que um robô pode tomar decisões autónomas, as normas tradicionais não serão suficientes para suscitar problemas de responsabilidade jurídica pelos danos causados por um robô, uma vez que não seria possível identificar a parte responsável para prestar a indemnização e para lhe exigir que reparasse os danos causados” 176

174 Cf. CERQUEIRA, Silvia Helena. Micro-ônibus autônomo começa a circular em Paris, Mobilize, 29 de novembro de 2017, disponível em https://www.mobilize.org.br/noticias/10712/microonibus-autonomo-comeca-a-operar-em-paris.html[07/12/2018]. 175 Relatório 2015/2103(INL) Parlamento Europeu, op. cit. 176 Cf. SILVEIRA, Alessandra et al. Sustentabilidade tecnológica e discriminação algorítmica: o problema da regulamentação de algoritmos de aprendizagem, in IV Seminário internacional hispano-luso-brasileiro sobre direitos fundamentais e políticas públicas, Bubok Publishing, 2018. p. 143-154.

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No mesmo sentido, o relatório demonstrou apoiar o desenvolvimento de um quadro de ética para os investigadores, o meio académico e os engenheiros garantindo que as inovações e pesquisas estarão em conformidade com os códigos e práticas éticas nacionais e da União em vigor e também com os direitos e princípios consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia – em especial, a dignidade do ser humano, o respeito e a proteção da privacidade e da vida familiar, a segurança, a proteção dos dados pessoais e da propriedade intelectual, a liberdade de expressão e informação, a igualdade e não discriminação, a solidariedade, a justiça e direitos dos cidadãos – e subordinado à proporcionalidade177.

Outro tópico levantado pela Comissão dos transportes foi sobre os drones. Ainda que tais dispositivos já estejam em uso há alguns anos, e tenham se tornado bastante populares nos últimos tempos, inexiste um regramento claro com relação a danos ou até mesmo crimes cometidos através de sua utilização. No caso da UE existem regras com relação ao uso recreativo178. Todavia algumas proibições variam nos Estados Membros, fazendo com que a eficácia se torne comprometida, pois, assim como os veículos autônomos, os drones podem facilmente ultrapassar fronteiras. Países como Estados

Unidos179, Canadá e Inglaterra possuem regramento mais rígido, exigindo que os proprietários realizem um registro dos dispositivos nos órgãos competentes, e se submetam a um curso de piloto de aeronaves autônomas. No entanto, assim como na UE, ainda não foram adotadas normas visando a responsabilização civil e criminal.

A Comissão do Emprego e dos Assuntos Sociais pontua sobre a perda maciça dos empregos e solicita a criação leis que protejam a saúde dos trabalhadores quando atuarem em conjunto com tais dispositivos robóticos ou de inteligência artificial. Nos mesmos termos do que fora citado no primeiro capítulo deste trabalho, a comissão acredita que uma parcela significativa dos postos de trabalho serão tomados pela tecnologia, sendo impossível frear tais avanços. Porém, crê ser plenamente possível mitigar os impactos eventualmente ocasionados.

No que concerne às observações feitas pela Comissão do Ambiente, da Saúde Pública e da Segurança Alimentar as perspectivas são otimistas. De acordo com os seus levantamentos haverá a diminuição da pegada ambiental através da utilização de sistemas ciberfísicos, economizando materiais

177 Relatório 2015/2103(INL) Parlamento Europeu, op. cit. 178 Cf. DRONE RULES, Mapa da legislação europeia sobre drones, Regulamentação, Programa Cosme União Europeia, 2019, disponível em http://dronerules.eu/pt/recreational/regulations [30/04/2019]. 179Cf. FEDERAL AVIATION ADMINISTRATION, Unmanned Aircraft Systems, United States Department of Transportation, Drone rules, maio de 2019, disponível em https://www.faa.gov/uas/getting_started/ [30/04/2019].

57 poluentes como papel, plástico e etc. Observam também que a utilização das novas tecnologias deverá ter um impacto positivo sobre o ambiente, em especial nos domínios da agricultura e do abastecimento alimentar, nomeadamente através da menor dimensão das máquinas e da utilização reduzida de fertilizantes, energia e água, bem como através da agricultura de precisão180. Por outro lado, também reconhecem que deve haver um cuidado no que diz respeito ao consumo energético, uma vez que os dispositivos robóticos são alimentados por eletricidade. Sendo assim solicita a priorização de dispositivos que possam ser alimentados por energia limpa, e a incorporação dos princípios da economia circular em qualquer política da União em matéria de robótica.

A Comissão de Indústria, da Investigação e da Energia, também tem perspectivas otimistas quanto às novas tecnologias, considerando que a robótica e a inteligência artificial desempenham um papel importante na melhoria da competitividade e da produtividade da economia. Como foco principal esta comissão apresentou propostas de ordem prática visando a promoção de políticas transetoriais no domínio da robótica e da IA, tendentes a facilitar a integração das tecnologias nas cadeias de valor, o desenvolvimento de modelos de negócios inovadores e a redução do tempo que demora a passar da inovação à industrialização181. Por fim, a comissão salienta a preocupação com o desemprego em massa e solicita à União a elaboração de normas visando a preservação dos postos de trabalho. É possível aferir que neste caso existe um paradoxo, pois certamente fomentar as novas tecnologias implica na diminuição dos postos de trabalho tal e qual conhecemos hoje.

Já a Comissão do Mercado Interno e da Proteção dos Consumidores fez apontamentos visando a necessidade de harmonização nos regramentos no âmbito da União. Mais uma vez preconizando a necessidade de que as normas sejam aplicáveis para todos os Estados-Membros, visando evitar discrepâncias legislativas que permitam a inovação sem que haja o desrespeito aos regramentos consumeristas182. Outro aspecto importante levantado pela referida comissão diz respeito à ordem de desenvolvimento das normas. Normalmente as leis são criadas visando sanar situações concretas, que já ocorreram ou que possivelmente irão ocorrer. Porém, no que diz respeito às tecnologias disruptivas, os regramentos estão sendo elaborados de antemão, justamente porque é sabido que as mudanças ocorrem de maneira extremamente rápida, sendo impossível esperar que os fatos ocorram para que só então sejam elaboradas as normas.

180 Relatório 2015/2103(INL) Parlamento Europeu, op. cit. 181 Relatório 2015/2103(INL) Parlamento Europeu, op. cit. 182 Relatório 2015/2103(INL) Parlamento Europeu, op. cit.

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Através de um prisma pioneiro, a criação de normas de caráter global e não apenas local foi a principal preocupação do relatório apresentado pela Comissão das Liberdades Civis. De maneira geral, em virtude das tecnologias disruptivas não serem submissas a fronteiras geopolíticas, seria necessária a elaboração de normas transfronteiriças. Embora tal prerrogativa seja algo praticamente inédito, não existe outra solução quando tratamos da nova revolução tecnológica. Assim como o desemprego tende a atingir todos os pontos do globo, as soluções visando a mitigação de impactos devem seguir o mesmo raciocínio.

Como observamos, o relatório elaborado pelo Parlamento Europeu é bastante completo e busca uma abordagem generalizada, tentando se antecipar aos problemas que deverão surgir. Neste sentido foi adotada a exposição de motivos do referido documento que assim preconiza:

“O desenvolvimento da robótica é, atualmente, uma realidade em toda a União. Em resposta a esta inovação, os Estados-Membros estão a desenvolver diferentes legislações nacionais. Prevê-se que tais discrepâncias criem obstáculos a um desenvolvimento efetivo da robótica. Uma vez que esta tecnologia tem implicações transfronteiriças, a melhor opção legislativa é uma opção europeia”183

Ainda em sede de exposição de motivos o documento chama a atenção para o fato de que os robôs não são apenas ferramentas de trabalho, mas agem cada vez mais de forma autónoma na produção de bens e serviços, o que seguramente diminuirá consideravelmente os postos de trabalho humanos. Conforme bem pontuado pela Comissão das Liberdades Civis, a tecnologia não conhece fronteiras, portanto, a preocupação da União se compadece com o que vem sendo narrado nesta dissertação a propósito da criação de bolsões tecnológicos em países ou regiões de legislação e tributação mais flexíveis. Diante disto existe a menção expressa para que haja cooperação internacional durante a elaboração dos diplomas legais pertinentes ao tema, conforme observamos em excerto extraído do mesmo documento:

“Atendendo ao desenvolvimento da robótica e da IA em todo o mundo, há que ter em conta a alteração dos acordos internacionais pertinentes em vigor e tomar medidas nesse sentido, sempre que necessário, ou elaborar novos instrumentos com o intuito de introduzir referências específicas à robótica e à IA. A cooperação internacional nesta matéria é muito recomendável”184

Em princípio, ainda não existem outras normas ou relatórios tão completos quanto o que fora elaborado no âmbito da União Europeia. No entanto, outros países estão começando a dar os primeiros

183 Relatório 2015/2103(INL) Parlamento Europeu, op. cit. 184 Relatório 2015/2103(INL) Parlamento Europeu, op. cit.

59 passos neste sentido. Nos Estados Unidos há uma preocupação dos acadêmicos no sentido de limitar os conceitos sobre a inteligência artificial e a robótica. Uma colaboração entre cientistas da Google,

OpenAI e Universidades de Stanford e Berkeley resultou num artigo técnico185 trazendo cinco questões a serem contempladas no desenvolvimento da inteligência artificial. Porém, até o momento, trata-se apenas de um documento informal, sem pretensão de atingir qualquer tipo de status legal.

Existem ainda normativas técnicas186 que buscam delimitar o que pode ou não ser considerado um robô, além de determinar padrões de qualidade na fabricação de dispositivos robóticos. Neste caso trata-se apenas de standards técnicos com o objetivo de atestar eficiência das máquinas e não necessariamente normas a serem seguidas. Ressalte-se que a padronização é de suma importância para a disseminação de tais dispositivos, uma vez que somente desta forma poderá haver a expansão plena dos sistemas de IA e IoT. Harish Viswanathan187 acredita que as empresas devem estabelecer protocolos mundiais de confecção e funcionamento dos sistemas sob pena de que se não fizerem certos dispositivos simplesmente não funcionem corretamente em determinados países em razão da ausência de compatibilidade entre tecnologias. Como ocorria por exemplo com os aparelhos de DVD no início dos anos 2000 em que o funcionamento era dividido em cinco regiões – ou o sistema de telefonia CDMA utilizado nos Estados Unidos até pouco tempo, fazendo com que telefones celulares adquiridos naquele país não funcionassem em determinadas partes do mundo. Por isso as regulamentações técnicas são igualmente importantes.

Por ora tem-se que o relatório do Parlamento Europeu é o documento mais completo visando legislar e estabelecer parâmetros éticos sobre as novas tecnologias disruptivas. O referido diploma, embora não tenha caráter vinculativo, deve servir como modelo para que outros países e blocos ao redor do mundo criem suas legislações visando o amortecimento dos impactos da revolução tecnológica. Por diversas vezes ao longo dos apontamentos apresentados pelas comissões envolvidas no relatório mencionado, salienta-se a necessidade de normas homogêneas de caráter transfronteiriço visando evitar disparidades. No que concerne às tecnologias disruptivas é praticamente impossível estabelecer fronteiras de acordo com a geopolítica, pois o alcance dos dispositivos não é limitado. Tem-se, Entretanto, que o modelo legislativo ideal para evitar problemas de ordem global deveria ser um tratado internacional.

185 Cf. PRESSER, Mirko. Inspirando a Internet das Coisas..., op. cit., p. 08 186 Cf. COMMITTE, About ISO/TC 299 Robotics, ISO, 2016, disponível em https://committee.iso.org/home/tc299 [30/04/2019]. 187 Cf. PRESSER, Mirko. Inspirando a Internet das Coisas..., op. cit., p. 12

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Tomemos como exemplo Watson, o dispositivo de IA criado pela IBM e que hoje atua como

“médico” realizando diagnósticos com muito mais precisão do que seus colegas humanos188. Futuramente Watson poderia estar presente como um programa em todos os hospitais do mundo. Sendo assim, países com legislações que supostamente proibissem a utilização de Watson, visando reservar os empregos dos médicos, por exemplo, possivelmente não acompanhariam as evoluções na área de diagnóstico possibilitadas pela utilização do dispositivo. Nesta situação hipotética, as pessoas do país que impôs a proibição continuariam morrendo por erros de diagnóstico que em outros locais já estariam superados, gerando desigualdades imensas e colocando em risco direitos fundamentais como o direito à vida e à saúde.

No mesmo sentido, países com regras éticas mais maleáveis poderiam atrair para si todas as indústrias que preferem cortar custos contratando robôs, bem como as empresas de tecnologia que geram pouquíssimos empregos e consequentemente pagam tributos irrisórios, em desacordo com seus altos lucros. Buscando evitar este tipo de situação, a Coreia do Sul elaborou algumas normas de caráter tributário visando reduzir os benefícios de dedução de impostos anteriormente concedidos a empresas para melhorar a infraestrutura189 quando estas optarem pela contratação de mão de obra mecânica ao invés de humana. De acordo com as leis estabelecidas pelos governos anteriores do país, as empresas que investiram em equipamentos de automação industrial foram elegíveis para deduzir de 3% a 7% de seus impostos corporativos. Sob a nova normativa, a taxa da dedução seria reduzida em 2% e duraria até 2019. Embora não seja um imposto direto sobre robôs, ele foi interpretado como uma política com o escopo de recuperar parte do imposto perdido envolvido na automação. Neste caso não houve a preocupação efetiva em definir conceitos para o que entraria ou não na nova regra de isenções. O dispositivo incluiu automações em geral, e por ser uma regra nova ainda não se conhecem os problemas ou práticos oriundos desta política. Entretanto, iniciativas parecidas vêm sendo defendidas por estudiosos do tema como medida de melhorar a arrecadação diante de uma sociedade tecnológica em que os empregos possivelmente serão escassos. A seguir serão explanados os principais tópicos pertinentes à tributação no que diz respeito ao avanço das tecnologias disruptivas e a Quarta Revolução Industrial.

3. Robot Taxes e questões tributárias

188 Cf. FORD, Martin. Robôs: a ameaça de um futuro sem emprego..., op. cit., p. 127 189 Cf. ABBOTT, Ryan, e BOGENSCHNEIDER, Bret. Should Robots Pay Taxes: Tax Policy in the Age of Automation. Harv. L. & Pol'y Rev., v. 12, 2018, p. 145.

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Os tributos são o meio pelo qual os Estados exercem seu poder de império arrecadando recursos para financiar suas atividades desde os tempos mais antigos. São o pilar que mantém o funcionamento dos Estados devendo ser cobrados de forma a não sobrecarregar os contribuintes, oferecendo a contrapartida adequada pelos pagamentos, e cumprindo adequadamente sua função social. A arrecadação de tributos responde por uma boa parte do total do que é arrecadado pelos Estados. A título de exemplo, no Brasil corresponde a 34% do PIB, em Portugal 34%, e nos Estados Unidos 26% (OECD,

2017)190. Esta verba é responsável por custear e financiar praticamente todos os demais serviços públicos, sendo um importante motor de acesso aos direitos fundamentais. Existe uma tendência a se acreditar que os impostos influenciam apenas as atividades estatais em grande escala como a construção de escolas, hospitais, estradas e entre outros. Entretanto, a forma com que o Estados tributam seus cidadãos gera reflexos importantes nas decisões particulares. Tomemos como exemplo a capital da Bolívia, La Paz, onde uma norma tributária conferiu a prerrogativa de diminuição de aliquotas aos proprietários de imóveis inacabados gerando praticamente uma cidade inteira de casas sem acabamento.191. Ou então a Hungria que isentou de impostos as mulheres com mais de quatro filhos visando aumentar as taxas de natalidade no país e a contenção da imigração, fazendo com que as famílias de quatro filhos ou mais se tornassem comuns.192 Os paradigmas citados supra demonstram que a tributação influencia as pequenas decisões do dia a dia, e de esfera estritamente privada. Levando-se em conta um aspecto mais amplo, o sistema de tributação tem o condão trazer consequências bem mais abrangentes, como gerar ou ceifar empregos através de incentivos fiscais; proporcionar bem estar social através do bom uso dos recursos arrecadados; e balancear as contas públicas de forma responsável. Os tributos de maneira geral estão presentes em praticamente tudo. Desde os bens que consumimos, aos serviços prestados, imóveis, heranças e principalmente sobre o trabalho. E é exatamente neste aspecto que devemos nos concetrar para que se atinja a compreensão das mudanças que devem ocorrer diante da nova revolução tecnológica. Dito isto, antes de se adentrar ao mérito das propostas de tributação relacionadas à tecnologia, é importante que se tenha conhecimento do sistema fiscal em voga na maior parte dos países. As políticas fiscais em sua maioria são projetadas para taxar o trabalho ao invés de capital193. Sem embargo,

190 Cf. OECD, Revenue Statistics 1965-2016: Special feature: Complementary Indicators of Tax Revenues, OECD Publishing, Paris, 23 de novembro de 2017, disponível em http://www.oecd.org/tax/tax-policy/revenue-statistics-2522770x.htm#RS-COUNTRY-SUMMARIES [30/04/2019]. 191 Ley Municipal Autonómica nº 170 Gobierno Autónomo Municipal De La Paz, texto disponível em http://autonomias.gobernacionlapaz.com/wp- content/uploads/2015/leyes/municipal/lapaz/LM-LP-170.pdf [30/03/2019]. 192 Cf. WALKER, Shaun. Viktor Orbán: No tax for Hungarian women with four or more children, in The Guardian, 2019, disponível em https://www.theguardian.com/world/2019/feb/10/viktor-orban-no-tax-for-hungarian-women-with-four-or-more-children [01/05/2019]. 193 De acordo com Adam Smith, capital pode ser conceituado como “Parte do estoque do qual se espera produzir retorno”. O capital de um país ou empresa pode ser:

62 quando os indivíduos não tiverem mais trabalho as consequências deste modelo tributável serão desastrosas. O paradigma tributário que visa a taxação do trabalho como objetivo número um da arrecadação surgiu a partir da década de 1990194 buscando o fomento da atividade industrial e empresária, tornando a parcela de tributação sobre o capital praticamente nula e repondo tão somente a inflação sem nenhum tipo de acréscimo. Este modelo permitiu que as empresas pudessem deduzir da base de cálculo dos impostos os juros pagos aos bancos. Em linguagem simples, este sistema desonera as atividades empresariais e os bens acumulados de forma geral, onerando o trabalhador de forma individual. Ressalte-se que desta forma praticamente não existe política redistributiva, ou seja, nenhuma parcela do que é pago pelos mais ricos é destinada aos mais pobres, a não ser por meio de obras visando o bem-estar social generalizado. Sendo assim na maior parte dos países ocidentais os tributos eram revestidos de neutralidade sem caráter redistributivo – o que obviamente acaba por privilegiar as camadas mais abastadas da sociedade. Muito embora a grande maioria dos países busque, de certa forma, compensar os incentivos determinando alíquotas maiores no imposto de renda aos contribuintes com maior capacidade de pagamento, tais políticas não foram eficazes para barrar as desigualdades que, como vimos nos capítulos anteriores, vêm aumentando progressivamente. Diante disto é possível afirmar que ainda que a revolução tecnológica não fosse capaz de ceifar praticamente 50% dos postos de trabalho nos próximos cinco anos, as políticas tributárias de taxação do trabalho deveriam ser revistas de qualquer maneira, pois são parcialmente responsáveis pelo aumento das desigualdades em âmbito global. Voltemos ao exemplo das empresas de tecnologia. O aplicativo de mensagens Whatsapp possui capital em torno de 19 bilhões de dólares195 e emprega tão somente cinquenta e cinco funcionários. O que faz com que seu lucro convertido em valor de capital praticamente não sofra nenhuma incidência tributária. Esta é uma tendência irreversível. As empresas ligadas à tecnologia acumulam números expressivos de capital sem gerar empregos, pagando muito menos tributos do que deveriam. Quando as empresas substituem as pessoas por máquinas (ou optam por automatizar inicialmente) o governo perde a capacidade de taxar os trabalhadores. Isso não é compensado na forma de impostos mais altos sobre os lucros ou os bens de capital das empresas. Sem embargo, o aumento do desemprego nos próximos anos, em virtude das novas tecnologias, em especial a combinação entre IA e IoT, tende a agravar ainda mais o problema. A Quarta Revolução Industrial não somente diminuirá a arrecadação fiscal em razão

Máquinas, imóveis, melhorias na terra capazes de aprimorar o cultivo, Dinheiro, provisões em posse dos produtores ou comerciantes, dos quais se espera lucro após sua venda. Artigos fabricados, ainda que incompletos, em posse dos produtores ou comerciantes. Cf. SMITH, Adam. A riqueza das nações, 8ª ed., Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2017, p. 232. 194 Cf. GOBETTI, Sérgio Wulff. Tributação do capital no Brasil e no mundo. 1ª ed., Rio de Janeiro, IPEA, 2018, p. 20, disponível em http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/8354/1/TD_2380.pdf [30/04/2019]. 195 Cf. FORD, Martin. Robôs: a ameaça de um futuro sem emprego..., op. cit., p. 225

63 do encolhimento do mercado de trabalho, como aumentará as despesas dos Estados em função do aumento da demanda por serviços governamentais como seguro desemprego e programas de requalificação profissional. Como vimos nos capítulos anteriores reciclar pessoas desempregadas já era uma tarefa difícil há trezentos anos – e se torna ainda mais desafiador agora que a ruptura tecnológica está se espalhando de forma rápida, ampla e imprevisível. Posteriormente serão necessários novos planos de bem estar social e oferecimento de outros serviços públicos como saúde e educação.196 No mesmo sentido, a ausência de pessoas empregadas tende a diminuir o consumo, criando um decréscimo na tributação de bens e serviços. Diante deste cenário estudiosos do sistema tributário197 e grandes nomes da tecnologia – como e Bill Gates – sugerem que os Estados passem a taxar de maneira diferenciada as empresas que optarem pela utilização de mão de obra robótica ao invés da contratação de trabalhadores humanos. O tributo nestes moldes é conhecido como robot tax198. A ideia não é tão simples quanto parece e esbarra em diversas questões de ordem técnica e legal. Em sentido geral, a política tributária até os dias atuais vinha se movendo justamente em sentido contrário, oferecendo reduções e incentivos fiscais para indústrias. Países como Estados Unidos, Portugal e China aumentam ainda mais os incentivos para empresas ligadas a tecnologia e inovação, pois a longo prazo os benefícios como geração de empregos e aumento dos investimentos supostamente compensariam as deduções. Porém, na prática o que vem ocorrendo é que muitas empresas estão investindo em automação para obter as deduções sem oferecer as contrapartidas adequadas. Empresas de tecnologia geram uma quantidade mínima de empregos, não agregam valor ao mercado de consumo e, via de regra, enriquecem apenas os seus acionistas. Nas palavras de Abbot e Bogenschneider “O sistema tributário incentiva a automação, mesmo nos casos em que não é eficiente”199. O propósito de taxar robôs não é simplesmente impedi-los de matar empregos, mas sobretudo garantir que os investimentos em automação aumentem de fato a produtividade e realmente incrementem o mercado oferecendo produtos mais baratos e serviços acessíveis. Para que isto aconteça o primeiro passo é que seja quebrada a resistência generalizada de tributação sobre capital. De acordo com Bill Gates:

“A ideia básica em taxação é que você pode taxar capital ou você pode taxar trabalho, e um robô é um bem de capital. E agora, há muitos impostos sobre o trabalho, como impostos sobre folha de pagamento. Com o tempo, porque nós como seres humanos queremos para incentivar o emprego e a criação de empregos, em vez de ter esses impostos positivos sobre

196 Cf. ABBOTT, Ryan; BOGENSCHNEIDER, Bret. Should Robots Pay Taxes: Tax Policy in the Age of Automation…, op. cit., p. 145. 197 Ibidem 198 As chamadas robot taxes, ou impostos para robôs, são iniciativas defendidas por alguns economistas e programadores, que preveem a cobrança de imposto extra dos empregadores que optarem pela troca de mão de obra humana por robôs e algoritmos, visando o equilíbrio da balança tributária e previdenciária. Cf. WOLLA, Scott A., Will Robots Take Our Jobs?..., op. cit. 199 Cf. ABBOTT, Ryan; BOGENSCHNEIDER, Bret. Should Robots Pay Taxes: Tax Policy in the Age of Automation…, op. cit., p. 147

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o trabalho, provavelmente teremos impostos negativos, subsídios para aumentar a demanda de trabalho. Vamos mudar e vamos ter muito, muito mais impostos sobre o capital. Então, quando eu falo sobre um imposto robô, estou falando de uma mudança básica da forma de tributação que temos. Imposto sobre a propriedade, imposto sobre ganhos de capital. Sociedade quer mudar e isso significa que será como um imposto sobre robôs”.200

Abbott, Geffen e Bogenshcneider 201 preconizam que eliminar o incentivo fiscal para robôs não prejudicaria o crescimento econômico. Ao contrário, melhoraria a eficiência econômica. Ao subsidiar o investimento de capital o governo está incentivando as empresas a usar o capital quando, de outra forma, não o fariam, para substituir trabalhadores por máquinas. Ademais, tais medidas auxiliariam a amortecer os impactos do período de transição, mitigando os custos sociais de um possível desemprego em massa. Os subsídios oferecidos às grandes indústrias e empresas que optarem pela contratação de robôs deverão ser revistos, afinal não faz sentido o oferecimento de isenções fiscais por parte dos governos sem que isto vá gerar empregos e renda no futuro. Além disso a mão de obra robótica por si só já gera economia aos empresários em razão de não contar com os impostos sobre folha de pagamento. Via de regra os tributos sobre os salários são os grandes financiadores de direitos sociais como saúde pública, previdência social e seguro desemprego. Serviços que, sem dúvidas, serão mais do que indispensáveis com o acréscimo do desemprego. Portanto, taxar a atividade dos robôs é indispensável para que a economia continue funcionando. Alterar a fórmula dos incentivos fiscais parece ser o caminho mais fácil por enquanto. Esta foi a solução adotada pela Coreia do Sul, país mais robotizado do mundo, em 2018202. Além do corte de subsídios existem outras propostas visando aumentar a arrecadação das empresas que optarem por contratar robôs ou que tenham como finalidade apenas a prestação de serviços na área de tecnologia.

De acordo com Porter,203 as empresas que usam robôs para substituir trabalhadores também podem ser obrigadas a cobrir os impostos sobre os salários dos trabalhadores afetados pela automação, perfazendo um imposto calibrado de acordo com a proporção entre o lucro de uma empresa e a remuneração do empregado visando compreender as perdas salariais. Outra opção seria taxar efetivamente o uso de robôs através do cálculo sobre as vagas de emprego efetivamente perdidas. De toda forma, tanto a retirada dos subsídios e incentivos fiscais quanto a criação de qualquer tipo de tributação sobre os robôs deve possuir caráter extrafiscal. Ao contrário das tendências tributárias

200 Cf. DELANEY, Kevin J. The robot that takes your job should pay taxes, says Bill Gates, Quartz Media LLC, 17 de fevereiro de 2017, disponível em https://qz.com/911968/bill-gates-the-robot-that-takes-your-job-should-pay-taxes/ [05/04/2018.] 201 Cf. ABBOTT, Ryan; BOGENSCHNEIDER, Bret. Should Robots Pay Taxes: Tax Policy in the Age of Automation…, op. cit., p. 148 202 Cf. MCGOOGAN, Cara. South Korea introduces world's first 'robot tax', in The Telegraph, 9 de Agosto de 2017, disponível em https://www.telegraph.co.uk/technology/2017/08/09/south-korea-introduces-worlds-first-robot-tax/ [10/04/2018] 203 Cf. PORTER, Eduardo. Don’t Fight the Robots. Tax Them, in The New York Times, 23 de fevereiro de 2019, disponível em https://www.nytimes.com/2019/02/23/sunday-review/tax-artificial-intelligence.html [10/05/2019]

65 observadas nos dias atuais, que tão somente financiam a máquina estatal e os serviços públicos, a tributação com caráter extrafiscal possui caráter redistributivo visando principalmente a garantia de subsistência aos trabalhadores afetados pelo desemprego e suas famílias. Para esclarecer a ideia de extrafiscalidade nos valemos das palavras do professor Casalta Nabais204:

“A extrafiscalidade tem por finalidade principal ou dominante a consecução de determinados resultados económicos ou sociais através da utilização do instrumento fiscal e não a obtenção de receitas para fazer face às despesas públicas. Trata-se assim de normas (fiscais) que, ao preverem uma tributação, isto é, uma ablação ou amputação pecuniária (impostos), ou uma não tributação ou uma tributação menor à requerida pelo critério da capacidade contributiva, isto é, uma renúncia total ou parcial a essa ablação ou amputação (benefícios fiscais), estão dominadas pelo intuito de actuar directamente sobre os comportamentos económicos e sociais dos seus destinatários, desincentivando-os, neutralizando-os, nos seus efeitos econômicos e sociais ou fomentando-os, ou seja, de normas que contêm medidas de política económica e social”

Na prática, a adequação tributária provavelmente será difícil. Taxar robôs exige, em primeiro lugar, a definição do que são robôs. Muitos veem a robótica como uma manifestação física da IA. Mas não é apenas isto. Os carros autônomos são tributáveis? Máquinas-ferramentas avançadas? Drones? Se percebermos que a robótica é apenas uma tecnologia e a automação envolve milhares de subcategorias de tecnologia, há algum limite para as ferramentas e produtos que poderiam ser tributados para potencialmente afetar negativamente as perspectivas de emprego? Independentemente de onde traçarmos a linha, uma tributação sobre robôs poderia distorcer as decisões de investimento de outras formas. Estudiosos contrários à proposta afirmam que taxar as empresas que empregam robôs pode ser inviável, pois a robot taxes desestimularia a inovação, fazendo com que o mercado ficasse estagnado. Além disso existe o temor de que haja uma discrepância entre países que têm ou não têm a tributação específica, gerando um abismo tecnológico e a possibilidade de alguns lugares do mundo tornarem-se paraísos fiscais da robótica, atraindo para si todas as indústrias de tecnologia.205 Sánchez-urán Azaña e Grau Ruiz preconizam que além das robot taxes poderiam ser criadas outras políticas de inclusão, como o estabelecimento de uma "quota humana" nas empresas, como medida de amortecimento ao desemprego ou incentivos para empresas que investirem em realocação laboral.206 A par dos questionamentos, nos locais em que a redução de postos de emprego já está ocorrendo de forma significativa – como em algumas cidades do Estado da Califórnia e na cidade de

204 Cf. NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. 6ª ed., Coimbra, Almedina, 2009, p. 69 205 Cf. FLORIDI, Luciano. Robots, jobs, taxes, and responsibilities, Philosophy & Technology, v. 30, n. 1, p. 1-4, 2017, disponível em https://link.springer.com/article/10.1007/s13347-017-0257-3 [30/03/2019]. 206 Cf. SÁNCHEZ-URÁN AZAÑA, e María Yolanda GRAU RUIZ María Amparo. Robotics and Work: labor and tax regulatory framework, in International Congress Technological Innovation and Future of Work, Santiago de Compostela, abril de 2018, disponível em http://eprints.ucm.es/47718/1/Inclusive%20Robotics%20and%20Work.pdf [30/03/2019].

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Tókio – existe um aumento expressivo de campanhas populares e propostas no legislativo para que sejam criados tributos aplicáveis aos empresários que optarem por contratar robôs ao invés de trabalhadores humanos. Da mesma forma, uma iniciativa desta ordem foi submetida à apreciação do

Parlamento Europeu em 2017 através da recomendação 2015/2103207. O Parlamento votou para que fosse elaborada legislação a fim de regular a ascensão dos robôs, incluindo um enquadramento ético para o seu desenvolvimento e a definição de responsabilidades sobre suas ações, conforme visto no capítulo anterior. Todavia, foi rechaçada a recomendação sobre a criação um imposto sobre os proprietários de robôs para financiar programas de reciclagem para trabalhadores deslocados pelas máquinas e reforçar as finanças de seu sistema de seguridade social precisamente em razão da dificuldade em limitar sobre o que ou quem tal tributo incidiria. Ainda que questões deste tipo se apresentem como dificuldades de ordem técnica para a implantação eficaz de um tributo sobre robôs, urge refletir e discutir o assunto. Não seria responsável aguardar uma situação de desemprego maciço para dar início às ações necessárias. Ademais em alguns pontos do mundo a tomada de postos de trabalho por máquinas é realidade, exigindo que sejam estabelecidos regramentos visando a prevenção de problemas posteriores. Normativas buscando definir tecnicamente o que seriam robôs, inteligência artificial e dispositivos autômatos não são importantes apenas por questões de ordem tributária, mas também no que concerne a hipóteses de responsabilização civil e criminal. As lacunas legais devem ser supridas a nível global sob pena de que na hipótese de cada país estabelecer regramentos próprios, passa a existir a possibilidade de que as empresas de tecnologia prefiram se estabelecer em locais nos quais as normas de responsabilização sejam mais brandas – ou os tributos mais baixos. Contudo, para que a arrecadação tributária diferenciada seja eficaz no combate às desigualdades e ajude realmente a melhorar a situação das pessoas que perderam seus empregos para as máquinas, é de suma importância que os recursos sejam direcionados da maneira correta. Pesquisadores que se dedicam à análise dos impactos trazidos pelas tecnologias disruptivas e grandes nomes ligados à área tecnológica acreditam que a criação de um sistema de seguridade social diferenciado seja a chave para evitar o caos social causado pelo excesso de pessoas sem ocupação formal ou remunerada. Na sequência iremos nos aprofundar nesta ideia, buscando compreender a viabilidade da criação de um sistema de Renda Básica Universal.

207Relatório 2015/2103(INL) Parlamento Europeu, cit.

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4. Renda Básica Universal

Por tudo o que já foi exposto até aqui é possível aferir que a tomada dos postos de trabalho pelas máquinas não é mais uma questão de “se” , mas sim de “quando” irá ocorrer. Isto é preconizado por estudiosos do tema, como o vencedor do prêmio Nobel de economia Angus Deaton208, pelo relatório do Parlamento Europeu, e ratificado pelos grandes nomes da tecnologia como Mark Zuckeberg209. Diante deste cenário vem ganhando adeptos a ideia de garantir um valor mínimo de subsistência para as pessoas que deixarem de exercer atividades remuneradas. De forma simples, a ideia foi muito bem explanada por Van Parijis quando preconizou “Dêem a todos os cidadãos uma renda modesta, porém incondicional, e deixem-nos completá-la à vontade com renda proveniente de outras fontes”. 210 O conceito é conhecido como Renda Básica Universal (RBU), Renda Universal Única ou Imposto de Renda Negativo211. As nomenclaturas diferem de acordo com a proposta dos países nos quais são implantados os projetos, para o presente trabalho será utilizado o termo Renda Básica Universal, por parecer o mais adequado aos objetivos do estudo. De maneira geral podem ser colocadas regras, prazos e certas condições para o recebimento do benefício, levando-se em conta a realidade social de cada país. No caso do chamado Imposto de Renda negativo a premissa é de que haja uma suplementação na renda do recebedor até que se atinja o patamar mínimo de subsistência pré-estabelecido212. Já no que concerne às propostas de Renda Básica Universal presume-se um pagamento em valor fixo geral para todas as pessoas com ou sem condicionantes. Tal ideia não é nova – muito pelo contrário é bastante antiga. Está enraizada até mesmo em conceitos religiosos ancestrais como o dízimo e o incentivo a doações aos mais pobres. De maneira estruturada, a primeira notícia histórica de sua implantação se deu com a chamada “Lei dos pobres”213 criada em meados de 1600 pela Rainha Elizabeth I. Entretanto, embora a iniciativa tenha conferido aos miseráveis ingleses a primeira proposta de renda mínima de que se tem notícia, o procedimento não era tão louvável, uma vez que os beneficiários eram internados compulsoriamente em asilos, ou tinham suas terras leiloadas com os frutos revertidos a favor do Estado. Cerca de duzentos anos depois um projeto

208 Cf. DEATON, Angus. Income, health, and well-being around the world: Evidence from the Gallup World Poll. Journal of Economic perspectives, v. 22, n. 2, p. 53-72, 2008, disponível em https://www.aeaweb.org/articles?id=10.1257/jep.22.2.53 [30/04/2019]. 209 Cf. CLIFFORD, Catherine. What billionaires and business titans say about cash handouts, in CNBC, 28 de dezembro de 2017, disponível em https://www.cnbc.com/2017/12/27/what-billionaires-say-about-universal-basic-income-in-2017.html [01/05/2019]. 210 Cf. PARIJS, Philippe Van. Renda básica: renda mínima garantida para o século XXI?, op. cit., p. 179. 211 Imposto de Renda Negativo é uma espécie de na qual pessoas com rendimentos abaixo do patamar estabelecido recebem pagamentos suplementares do governo. Cf. SUPLICY, E. M. Um diálogo com sobre o imposto de renda negativo, in Basic Income European Network VIII International Congress, Berlin, 2000, p. 6-7, disponível em https://basicincome.org/bien/pdf/2000Suplicy2.pdf [01/05/2019]. 212 Cf. FRIEDMAN, Milton, e FRIEDMAN, Rose D. Capitalismo e liberdade, 1ª ed;. Rio de Janeiro, Artenova, 1977, p. 57. 213 Cf. BREGMAN, Rutger. Utopia para realistas: Como construir um mundo melhor, 1ª ed., Rio de Janeiro, Sextante, 2018, p. 76.

68 pioneiro conhecido como “Sistema Speenhamland”214, também na Inglaterra, passou a oferecer subsídios com o objetivo de suplementar a renda das famílias pobres com quantias suficientes para cobrir as necessidades básicas de renda e moradia. Os custos eram financiados através de um sistema parecido com o de imposto de renda negativo. Ironicamente, foi justamente um relatório deturpado acerca desta iniciativa que suplantou a possibilidade de implemento de programas do gênero por quase duzentos anos. Em 1832, baseando-se em suposições feitas por clérigos da igreja inglesa, afirmando que o projeto tornava os pobres preguiçosos e os fazia procriar mais215, o governo inglês encomendou um estudo através de questionários que coincidentemente concordou com as afirmações trazias pela igreja. Imediatamente o programa foi cortado dando ensejo a um novo estudo, desta vez sobre os impactos do corte. Da mesma forma aferiram que sem o subsídio os pobres passaram a trabalhar mais e procriar menos. Assim o relatório Speenhamland216 serviu como base para que programas visando subsídios de renda aos mais pobres fossem rechaçados por governos de todo o mundo. Ocorre que tal relatório era uma fraude. Na década de 1970 pesquisadores examinaram os questionários recolhidos e descobriram que mais de 90% dos dados inseridos no documento eram falsos. Hoje já se sabe que o experimento foi um completo sucesso diminuindo significativamente a fome, a miséria e sanando o problema das revoltas populares naquele local durante todo o tempo em que foi implementado217. Posteriormente muitos outros experimentos do tipo foram implantados ao redor do mundo. Um dos maiores é o projeto MINCOME218, cuja aplicação se deu no Canadá em 1973, visando assegurar uma renda mínima de, em média, mil dólares por mês para treze mil pessoas sem qualquer tipo de condição adicional. O programa era financiado pelo governo federal e funcionou por cerca de quatro anos. Teve seu encerramento decretado em razão da troca de governo, que utilizou-se, mais uma vez, de relatórios ambíguos declarando que o projeto não trazia os benefícios esperados. Assim como aconteceu no caso de Speenhamland, somente trinta anos depois os relatórios foram revistos e sem nenhuma surpresa os inúmeros benefícios do projeto foram divulgados. Os números de evasão escolar haviam caído drasticamente durante o período, os índices de natalidade em famílias

214 Cf. POLANYI, Karl. Speenhamland, 1795, Tradução Fanny Wrobel in K. Polanyi, A Grande Transformação, Rio de Janeiro, Campus, 2000, p. 99-100, disponível em http://www.fafich.ufmg.br/hist_discip_grad/Speenhamland.pdf [30/03/2019]. 215 Cf. BREGMAN, Rutger. Utopia para realistas: Como construir um mundo melhor..., op. cit., p. 76. 216 Cf. LONDON, C. J., e BOURNE, William Sturges. Report from His Majesty's Commissioners for Inquiring Into the Administration and Practical Operation of the Poor Laws, Fellowes, 1834. p 257 -261 217 Cf. BREGMAN, Rutger. Utopia para realistas: Como construir um mundo melhor..., op. cit., p.35 218 Cf. FORGET, Evelyn L. The town with no poverty: A history of the North American guaranteed annual income social experiments, Research Gate, University of Manitoba, Canadian Institutes for Health Research, Canada, 12 e maio de 2008, p. 35, disponível em https://www.researchgate.net/profile/Evelyn_Forget/publication/228680075_The_Town_with_No_Poverty_A_history_of_the_North_American_Guarante ed_Annual_Income_Social_Experiments/links/53ee53390cf23733e80c9e72/The-Town-with-No-Poverty-A-history-of-the-North-American-Guaranteed- Annual-Income-Social-Experiments.pdf [20/03/2019].

69 sem condições também diminuíram, e as taxas de hospitalizações caíram em média 10%. O projeto MINCOME, ainda que de forma tardia, foi pioneiro ao demonstrar que o valor aplicado na provisão de uma renda mínima para pessoas de baixa renda, se mostrava um excelente investimento para o governo, pois somente a economia estatal com as hospitalizações já seria suficiente para cobrir o valor dispendido. No mesmo sentido a diminuição da evasão escolar colaborou para formação de profissionais capacitados – o que a longo prazo também proporciona benefícios maiores e de abrangência significativa. Recentemente algumas iniciativas do gênero foram colocadas em prática na África. Em posse dos dados coletados, acadêmicos da Universidade de Manchester219 demonstraram que este tipo de inciativa funcionou bem na Namíbia, país no qual as taxas de desnutrição caíram em mais de 30%. A evasão escolar foi de 40% a zero, além do índice de criminalidade que caiu 42%. Já no Malaui o número de mulheres na escola aumentou 40% durante o projeto. Ademais o número de pessoas trabalhando geralmente é aumentado após o implemento da renda básica, contradizendo o mito de que tais iniciativas tornariam as pessoas preguiçosas. Todavia, o valor intrínseco do trabalho enraizado em nossa sociedade faz com que a ideia de oferecer dinheiro a alguém de forma gratuita pareça uma loucura. Porém não é de hoje que pensamentos deste tipo são um dos alicerces do fenômeno da precarização do trabalho, submetendo pessoas a jornadas insalubres e à baixíssima remuneração. A mentalidade de que indivíduos que não exercem serviços remunerados não colaboram para a sociedade e devem viver na pobreza é imoral, egoísta e obrigatoriamente será desacreditada com a escalada das tecnologias disruptivas e a tomada dos postos de trabalho por dispositivos de inteligência artificial. A pobreza ocasionada pelo desemprego é tão nociva quanto empregos medíocres de baixa remuneração. Em ambos os casos os indivíduos que não têm acesso a um valor mínimo que lhes garanta subsistência tendem a dar gastos muito maiores aos cofres públicos do que os valores necessários para que pudessem se alimentar bem, ter acesso à educação, remédios, lazer, cultura e transportes. A necessidade de trabalho durante a infância e a adolescência, frequente em alguns países em desenvolvimento, é altamente prejudicial porque ocasiona evasão escolar e adultos com baixa formação acadêmica, o que acaba por onerar os cofres públicos a longo prazo. No mesmo sentido, algumas pesquisas220 demonstram que os índices de criminalidade costumam despencar quase a metade quando

219 Cf. HULME, David, HANLON, Joseph, e BARRIENTOS. Armando. Just give money to the poor: The development revolution from the global South, 1ª ed., Sterling, Kumarian Press, 2012, p. 90, disponível em https://books.google.com.br/books?hl=pt BR&lr=&id=M2WWHIzQON0C&oi=fnd&pg=PR7&dq=HANLON,+Joseph.+Et+al+.+Just+give+the+Money+to+the+poor&ots=dEU3bjnKja&sig=8Knz4R5zxLOJ Pf3ZqIYFHqkc2HA#v=onepage&q=HANLON%2C%20Joseph.%20Et%20al%20.%20Just%20give%20the%20Money%20to%20the%20poor&f=false . [21/04/2019]. 220 Cf. BREGMAN, Rutger. Utopia para realistas: Como construir um mundo melhor..., op. cit., p. 33.

70 as pessoas possuem o mínimo para sobreviver, o que garante economia significativa com verbas destinadas à segurança pública e uma melhor qualidade de vida generalizada. Saliente-se que iniciativas do gênero funcionam excepcionalmente bem em comunidades atingidas pela pobreza absoluta, nos quais os índices de mortalidade infantil são cerca de oito vezes maiores do que nos países desenvolvidos, a evasão escolar ronda os 60% e nos quais a expectativa de vida média não ultrapassa os cinquenta anos221. Nas palavras de Mc Namara citado por Singer o conceito de pobreza absoluta “É a vida nos limites da existência. Os pobres absolutos são seres humanos com carências gravíssimas, que lutam pela sobrevivência num conjunto de circunstâncias miseráveis e degradantes, quase inconcebíveis para a imaginação sofisticada e as condições privilegiadas das quais desfrutamos”222. Contudo, ainda que os resultados mais visíveis se deem em países nos quais a pobreza absoluta é a regra, políticas de concessão de renda em países ricos visando amortizar os impactos da pobreza relativa – que no caso é a possibilidade de poder contar com serviços públicos de qualidade, porém com o aferimento de renda abaixo da média – também tem se apresentado bem sucedidas. Como no caso da Holanda, que em 2006 implantou um projeto com o fito de retirar os sem teto das ruas, oferecendo- lhes moradia, dinheiro e aconselhamento. Após seis anos o experimento chegou ao fim. O relatório final demonstrou que cada euro investido retornou aos cofres públicos de forma dobrada através da economia em serviços sociais e segurança pública.223 Aspecto importante a ser mencionado é que o implemento de programas de auxílio de renda obtém melhores resultados quando aplicados sem condicionantes224 – como prazo para que o indivíduo arrume um emprego, encontros com assistentes sociais, ou a necessidade de submissão a cursos de capacitação profissional. A possível razão é que a necessidade de comprovar que está em estado de pobreza por necessidade ou azar – e não por ser preguiçoso – interfere na esfera íntima do indivíduo impedindo que este desenvolva seu potencial de maneira plena. Em sentido contrário, projetos que oferecem dinheiro às pessoas de forma direta e incondicional fazem com que as taxas de emprego aumentem, assim como a criação de novos estabelecimentos comerciais. Em Uganda225 um programa que distribui 150 dólares para mulheres de baixa renda revolucionou a economia das comunidades, inserindo um alto número de mulheres no mercado de trabalho, além de proporcionar a abertura de atividades comerciais completamente novas.

221 Cf. SINGER, Peter. Ética Prática, Trad. Alvaro Fernandes, 3ª ed., Lisboa, Gradiva, p. 240. 222 Cf. SINGER, Peter. Ética Prática…, op. cit., p. 240. 223 Cf. BREGMAN, Rutger. Utopia para realistas: Como construir um mundo melhor..., op. cit., p. 67. 224 Cf. BREGMAN, Rutger. Utopia para realistas: Como construir um mundo melhor..., op. cit., p. 67. 225 Cf. BLATTMAN, Christopher et al. The returns to cash and microenterprise support among the ultra-poor: A field experiment, Boston University, maio de 2014, disponível em http://sites.bu.edu/neudc/files/2014/10/paper_15.pdf [30/01/2019].

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Suplicy, ferrenho defensor do implemento de um programa de Renda básica de cidadania no Brasil assim preconiza:

“Se o objetivo é erradicar a fome e a miséria, é preciso compreender que a pessoa pobre necessita algo mais do que simplesmente matar a fome. Por exemplo, se num determinado mês estiver fazendo frio, precisa comprar um agasalho ou um cobertor. Se a telha ou a porta de sua casa estiverem avariadas, é preciso consertá-las. Se um filho ficar doente, é preciso comprar remédio com urgência. Se a vizinhança estiver vendendo um tipo de alimento muito barato, é bom comprar, porque vai sobrar mais para outras coisas. Em muitas cidades onde programas de renda mínima foram implementados, tive a preocupação de dialogar com as pessoas beneficiadas perguntando se preferiam receber o benefício dos programas na forma de bens alimentícios ou em dinheiro. A maioria respondeu que prefere o dinheiro”226

No mesmo sentido Peter Singer227 acredita que a implantação de programas de distribuição de renda são, antes de mais nada, obrigações éticas, cuja argumentação demonstra através de três premissas básicas:

“1ª) Se pudermos impedir que algo de ruim aconteça sem termos de sacrificar algo de importância comparável, devemos impedir que aconteça; 2ª) A pobreza absoluta é uma coisa ruim; 3ª) Existe uma parcela de pobreza absoluta que podemos impedir sem que seja preciso sacrificar nada de importância moral comparável”.

Certamente a redistribuição de renda através de um programa de renda básica universal não seria oneroso a ponto de empobrecer as parcelas mais ricas da sociedade, causando prejuízos a quem quer que seja. Muito pelo contrário. Ao que tudo indica retirando as pessoas de situações de pobreza, em especial nos casos de pobreza absoluta, todos saem ganhando. Além da economia perante os cofres públicos nos sistemas de saúde, educação e segurança pública, uma sociedade igualitária é premissa essencial para os índices gerais de satisfação. Tal afirmativa pode sem comprovada através de dados coletados em países da Escandinávia, por exemplo, cujos índices de desigualdade são menores que a média e a população em geral mais satisfeita.228 Diante da vasta gama de dados acerca dos benefícios trazidos por programas de rendimento básico incondicionado, e da notória necessidade de modificação dos sistemas de assistência social devido a probabilidade alta de uma situação maciça de desemprego num futuro próximo, atualmente geografias tão diversas como Finlândia, Ontário (Canadá), Stockton (Califórnia), Barcelona, Quênia,

226Cf. SUPLICY, Eduardo Matarazzo. Da Renda Mínima à Renda Básica no Brasil: A Evolução Recente de um Instrumento de Combate à Pobreza e à Desigualdade, Revista de Economia Mackenzie, v. 1, n. 1, 2009, p.67 227 Cf. SINGER, Peter. Ética Prática…, op. cit., p. 240 228 Cf. OECD. Better Life Index: The Complete Dataset with List of indicators and definitions, 2011, disponível em http://www.oecdbetterlifeindex.org/countries/sweden/ [30/01/2019].

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Escócia, Utrecht (Holanda), Reino Unido, Itália e Índia já colocaram em funcionamento ou estão preparando programas-piloto deste tipo229. Todavia assim como no caso das robot taxes, muitos são os problemas enfrentados acerca da viabilidade ampla de tais programas. Questionamentos de ordem moral – como se seria justo que alguns trabalhem para prover o sustento de outros – ainda permeiam boa parte das mentes da sociedade mundial. Já no tocante à aplicabilidade prática das medidas, as dúvidas se dão tanto na forma de execução – como a existência ou não de situações condicionantes, se serão financiados pelo governo ou através de compensações nos moldes de imposto de renda negativo – quanto com relação à validade das pesquisas já realizadas uma vez que mensurar os reais benefícios dos programas pode ser uma tarefa sensível demais para ser simplesmente quantificada. E é claro, não se pode esquecer dos infindáveis debates sobre qual seria efetivamente um valor de benefício mínimo adequado. Por ser uma temática complexa, a seguir iremos elencar alguns pontos que precisam ser melhor elucidados quando tratamos sobre o tema da Renda Básica Universal.

5. Dificuldades

Muitas questões permanecem de fato em aberto. O valor ideal dos pagamentos, a melhor forma de entrega do dinheiro, e os efeitos macroeconômicos da adoção em larga escala da renda básica universal são aspectos que necessariamente devem ser discutidos. Outro ponto levantado sobre os pensadores contrários à adoção de políticas de redistribuição de renda diz respeito ao potencial simplório e até mesmo utópico das propostas. Economistas liberais de forma geral se opõe à ideia em razão da defesa da supremacia do uso e fruição da propriedade privada. A este respeito Robert Nozick230 preceitua que toda apropriação legítima garante ao seu dono o seu direito de possuir e usufruir como quiser. Ter que compartilhar dos seus bens para ajudar ao próximo deve somente de sua generosidade ocorrendo de maneira absolutamente voluntária, repelindo o caráter compulsório de medidas fiscais de redistribuição. Para Nozick a redistribuição de renda pautada em coerção fere os princípios do Estado liberal e da propriedade privada.

229 Cf. GARCIA VEGA, Miguel Angel, Renda básica universal: a última fronteira do Estado de bem-estar social, in El País, 26 de novembro de 2018, disponível em https://brasil.elpais.com/brasil/2018/06/15/economia/1529054985_121637.html [30/04/2019]. 230 Cf. MORRESI, Sergio D. Robert Nozick e o liberalismo fora de esquadro, in Lua Nova, n. 55-56, 2002, p.294, disponível em http://www.scielo.br/pdf/ln/n55-56/a14n5556.pdf [29/01/2019].

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Os adeptos do pensamento liberal também argumentam no sentido de que programas de redistribuição de renda fazem com que a população pare de buscar trabalho. Contudo, além das experiências em projetos deste tipo terem concluído o contrário, conforme dados expostos retro, o que ocorre de fato é que a imposição de regras condicionantes, outro aspecto defendido pelos liberais, acaba por dificultar a efetividade das medidas. A imposição de um teto de rendimentos para receber o benefício, por exemplo, impede que os beneficiários busquem outras fontes de renda complementares. Tal fenômeno é conhecido como ‘armadilha do desemprego”231. Para sanar este paradoxo é essencial que os programas redistributivos tenham o mínimo possível de regras condicionantes, visando não apenas conceder a possibilidade de os beneficiários buscarem outras fontes de rendimento como também deixar de imputar qualquer tipo de estigma social aos que recebem a verba. A este respeito é importante salientar que um dos aspectos negativos de iniciativas de redistribuição de renda por meio de programas de Renda Básica Universal é o viés constrangedor conferido aos mesmos, fazendo com que aqueles que devem receber benefícios assistenciais sintam-se envergonhados e incapazes de prover a subsistência por si próprios, como se fossem “culpados” por sua condição econômica. De acordo com Van Parijis232

“No Estado de Bem-estar convencional as transferências se concentram nas pessoas excluídas pelo sistema de mercado; nas pessoas desempregadas, pessoas deficientes, pessoas muito velhas para trabalhar etc. Neste Estado de Bem estar tradicional a organização, a concepção do desenho tradicional implica inevitavelmente em processo de estigmatização dos beneficiários destas transferências, dos pobres excluídos do mercado que têm direito a esta compensação”.

Porém perante a revolução tecnológica este tipo de mentalidade tende a ser modificada uma vez que o valor da ocupação laboral tende a ser ressignificado. Ademais, a probabilidade de que um percentual maior de pessoas passe a depender de subsídios governamentais para prover seu sustento, por si só, seria motivação suficiente para que a pecha de preguiçoso ou incapaz deixe de ser vinculada aos beneficiários de programas do tipo. Um terceiro argumento proposto pelo economista Garett Jones prevê que sistemas redistributivos baseados em taxação de capital233 estão fadados ao fracasso, pois acarretariam no encolhimento do potencial industrial devido à impossibilidade de investimento em novas máquinas e equipamentos. 234 No

231 Cf. FORRESTER, Viviane. A renda de cidadania, in PIBIC, PUC Rio de Janeiro, 2007, disponível em http://www.puc- rio.br/ensinopesq/ccpg/Pibic/relatorio_resumo2007/relatorios/dir/relatorio_gustavo_fferreira.pdf [29/01/2019]. 232 Cf. PARIJS, Philippe Van. A renda básica: por que, como e quando nos países dos hemisférios Norte e Sul, Econômica/Revista do Programa de Pós Graduação em Economia da Universidade Federal Fluminense, v. 4, n. 1, 1999, p. 2.

234 Cf. JONES Garret, The Redistribution Impossibility Theorem: An open economy exposition, George Mason University, dezembro de 2017, disponível em https://mason.gmu.edu/~gjonesb/ChamleyJuddWorker.pdf [25/01/2019].

74 entanto, ao que tudo indica o estudo não levou em conta a nova realidade empresarial, na qual as empresas de tecnologia vêm abocanhando fatias cada vez maiores do mercado, acumulando valores expressivos de capital sem que necessariamente possuam atividade industrial. Crítico ferrenho dos mecanismos de distribuição de renda, Rallo235 chega a comparar as políticas de redistribuição de renda a assaltos. Na visão do autor, ao invés do implemento de uma RBU os países deveriam implantar um ambiente de maior liberdade econômica e social, pois, a liberdade não seria uma ameaça para os mais pobres, mas sim uma forma de multiplicar suas oportunidades. O mesmo autor acredita ainda ser injusta a distribuição de renda aos mais pobres sendo que o Estado já fornece serviços públicos. Por último é mister salientar que os valores que deveriam ser conferidos a título de RBU também são motivo de poscionamentos antagônicos. Algumas correntes acreditam que o valor deva ser apenas o suficiente para as necessidades básicas, sem necessariamente tirar a pessoa da pobreza. Outros pesquisadores como Antony Painter defendem que o benefício seja calculado de acordo com a renda média per capta da população 236. Definir o que é pobreza por si só já se apresenta como algo complicado. Um rendimento fixado acima da linha da pobreza necessariamente elimina a pobreza absoluta. Já pobreza relativa é mais complicado porque muitos esquemas de RBU farão com que a renda média aumente, o que acaba por ter reflexos na economia como a possibilidade de aumento da inflação, por exemplo. A maioria dos países europeus definem a linha de pobreza em 60% da renda média de determinada localidade. Portanto, tem-se que a eliminação da pobreza requer um programa de Renda

Básica Universal com valor que atenda ao menos este montante237. Diante das controvérsias que ainda pairam sobre o melhor modal de aplicação dos subsídios de Renda Básica Universal, mas considerando que o implemento de políticas do gênero são necessárias, diversos experimentos visam mensurar os benefícios trazidos pelo implemento de tais programas.

Entretanto, conforme preconiza Karl Widerquist238 a lacuna entre o que um experimento pode mostrar e as respostas para as principais questões referentes aos programas de Rendimento Básico Universal são enormes. Dentro de um determinado campo o especialista pode alcançar a compreensão de pequenos fragmentos do experimento, já em diferentes campos o entendimento mútuo dificulta a compreensão de todos os pontos envolvidos. Suponhamos que durante a implantação de um programa de RBU os pesquisadores descubram que houve aumento no PIB, surgiram novas atividades comerciais, além de

235 Cf. RALLO, Juan Ramon. Contra la renta básica. Por qué la redistribución de la renta restringe nuestras libertades y nos empobrece a todos, 1ª ed., Barcelona, Grupo Planeta, 2015, p. 34. 236 Cf. PAINTER, Anthony, COOKE Jamie, BURBIDGE Ian, e AHMED Aima, A basic income for Scotland, RSA, maio de 2019. Disponível em https://www.thersa.org/globalassets/pdfs/rsa-a-basic-income-for-scotland.pdf [26/01/2019] 237 Cf. WIDERQUIST, Karl. A Critical Analysis of Basic Income Experiments for Researchers, Policymakers, and Citizens, 1ª ed., Genebra, Springer International Publishing, 2018, p. 27. 238 Cf. WIDERQUIST, Karl. A Critical Analysis of Basic Income Experiments for Researchers, Policymakers, and Citizens…, op. cit., p. 27.

75 um sensível decréscimo na busca por serviços de saúde pública. Em contrapartida, economistas descobrem que o índice de desemprego aumentou durante o período em que as pessoas receberam a renda. Como mensurar então se o programa trouxe benefícios ou malefícios? Em razão dos problemas notórios inerentes aos resultados das pesquisas quando tratamos de RBU novos experimentos vêm sendo colocados em prática em alguns países buscando diagnosticar alternativas eficientes. A cidade de Utrecht, na Holanda está conduzindo um projeto chamado “What

Works”239, comparando os efeitos de quatro tipos de rendimento básico. O primeiro dará às pessoas 980 euros, sem nenhum tipo de condicionante, permitindo que as mesmas trabalhem o que quiserem. O segundo irá exigir uma contrapartida social como limpeza de praças, cuidados com idosos, mantenimento de espaços públicos e etc, sendo-lhes retirado o rendimento caso cumpram o que combinaram. O terceiro irá oferecer dinheiro extra caso as pessoas ofereçam a contrapartida – caso contrário o subsídio será menor. E o quarto proverá o rendimento, mas não permitirá nenhum tipo de atividade remunerada. Este novo tipo de experimento poderá atestar cientificamente qual o método mais efetivo de distribuição de renda. É importante que, de qualquer forma, sejam sempre incluídos na contabilização dos resultados os valores reflexos gerados a título de economia dos cofres públicos, haja vista ser este o principal benefício do implemento da Renda Básica Universal. Este argumento é conhecido como a

“alegação de benefício generalizado”240 – que se baseia no argumento de que a maior parte das pessoas se beneficiará da RBU em algum momento de suas vidas de forma direta ou indireta. Seja recebendo a renda e melhorando suas condições, seja participando do incremento da economia gerado por este tipo de iniciativa. Outrossim para que os programas não tenham efeitos sociais perniciosos é importante modificar a ideia de que este tipo de benefício seja algo como um seguro desemprego ou atestado de incompetência. É essencial diante da nova realidade de uma sociedade tecnológica modificar este tipo de ideias pré concebidas e que não se coadunam com a realidade. Devemos ter em mente que a Renda Básica Universal, antes de mais nada, é um exercício de cidadania. A implantação de projetos deste tipo não se trata apenas de combate à desigualdade puro e simples, mas sim de evitar que metade da população mundial entre num limbo de pobreza comparável a Idade das Trevas. Ademais as perspectivas da sociedade tecnológica são no sentido de que a produtividade será elevada o suficiente para que todos

239 Cf. What works: Researchers from Utrecht University to conduct study into better welfare benefits, in Utrecht University News, 2018, disponível em https://www.uu.nl/en/news/what-works-researchers-from-utrecht-university-to-conduct-study-into-better-welfare-benefits [30/04/2019]. 240 Cf. WIDERQUIST, Karl. A Critical Analysis of Basic Income Experiments for Researchers, Policymakers, and Citizens…, op. cit., p. 30

76 possam receber um rendimento mínimo básico. A renda para que a ideia seja colocada em prática já existe. O ponto de inflexão não é monetário, mas sim geográfico e político. Até aqui observamos os aspectos inerentes à chamada Quarta Revolução Tecnológica. O desemprego, o paradoxo da qualificação profissional, questões ligadas aos tributos na sociedade tecnológica e, por fim, a ideia de implementação de uma Renda Básica Universal. A seguir pretende-se demonstrar como todos esses aspectos em conjunto podem ser capazes de reverter os retratos mais pessimistas da Quarta Revolução Industrial tornando esta transformação benéfica em âmbito global.

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1. Capítulo IV – Para problemas globais soluções globais

No decorrer deste estudo foi possível observar que no desenrolar da história – através da cooperação econômica, das necessidades mercantis, da melhoria das telecomunicações e da evolução tecnológica – a globalização e a interação entre países atingiram o seu ápice. Na atualidade a maioria dos produtos são fabricados com peças, materiais e mão de obra de diversas partes do mundo. Informações são trocadas em tempo real de maneira inédita com o amplo acesso à internet. E até mesmo o turismo possibilita aos indivíduos a possibilidade de transitar por quase todo o planeta. Olhando de longe poderíamos dizer que estamos no melhor momento da humanidade. Mas nem tudo são flores. A globalização foi responsável pela deslocalização de empregos gerando posições de trabalho por muitas vezes degradantes com jornadas insalubres. No mesmo sentido, importação e exportação de produtos faz com que alguns países tornem-se reféns de outros. Informações trocadas pela internet são muitas vezes falsas, ou especulativas. E a possibilidade de trânsito entre diversos países depende em grande parte da sorte de se possuir um bom passaporte. Além de tudo isso as agressões ao meio ambiente e a desigualdade social aumentam cada vez mais. O que não se pode negar é que os problemas enfrentados pela humanidade hoje possuem caráter global. De nada adianta alguns se preocuparem com as mudanças climáticas, enquanto os demais continuarem poluindo a todo vapor. Da mesma maneira seria inócuo que dois ou três países desenvolvidos abrissem suas fronteiras visando oferecer uma oportunidade aos migrantes de lugares menos privilegiados enquanto o resto do mundo trava uma inglória batalha em face da chamada “crise migratória”. Se Brasil e China resolvem censurar o fluxo de dados da internet, por exemplo, o resto do planeta continuará tendo informações acerca do que vem ocorrendo no mundo, tornando apenas estes dois lugares nações de alienados. Em igual sentido, criar leis que visem regulamentar as questões ligadas às tecnologias disruptivas, instituir tributos ou medidas de compensação a empresas de tecnologia, ou um programa de igualdade de renda, só terão efeito caso sejam implantados em escala global. No mundo em que nos encontramos hoje não é possível que tais discussões e conflitos nos isolem uns dos outros. Por óbvio os problemas enfrentados têm natureza interdependente. Nunca estivemos tão próximos da ideia de “Aldeia global” tal e qual preconizado por Marshall McLuhan241 há

241 Cf. TREMBLAY, Gaëtan. De Marshall McLuhan a Harold Innis ou da aldeia global ao império mundial, Revista Famecos, v. 10, n. 22, 2003, p. 13, disponível em http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/article/viewFile/3228/2492 [04/04/2019].

78 quase cinquenta anos. No entanto, alguns ainda buscam resisitir a esta nova realidade com todas as suas forças. A escalada de políticos ultranacionalistas em diversos países, bem como a existente onda de xenofobia generalizada ilustram perfeitamente essa resistência. Como observamos nos capítulos anteriores as mudanças ocasionadas pela tecnologia nos últimos vinte anos foram muito mais abruptas do que tudo que fora inventado nos últimos cem. Hoje avanços científicos, danos ao meio ambiente e oscilações na economia são compartilhados em âmbito mundial. Infelizmente nem todos foram capazes de compreender isso. Já passamos da hora de nos preocuparmos se os migrantes estão “roubando” nosso trabalho, ou se devemos apoiar a invasão de países em razão de “violações humanitárias” (leia- se na maior parte das vezes interesses econômicos ou combustíveis fósseis), ou então qual a metragem ideal para que o mar seja considerado propriedade internacional permitindo a caça de baleias indefesas. Todos estes tipos de questionamentos, além de mesquinhos, não possuem a menor importância diante da revolução tecnológica que estamos prestes a experienciar. As perguntas da atualidade são outras, como explana Harari242

“O que acontecerá quando computadores sobrepujarem os humanos em uma quantidade cada vez maior de tarefas, e os substituírem em um número cada vez maior de empregos? O que vai acontecer quando a biotecnologia nos permitir aprimorar os humanos e estender a duração da vida? O nacionalismo pensa em termos de conflitos territoriais que duram séculos, enquanto as revoluções tecnológicas do século XXI deveriam ser compreendidas em termos cósmicos. Depois de 4 bilhões de anos de vida orgânica evoluindo por seleção natural, a ciência está nos levando à era da vida inorgânica configurada por design inteligente”.

A inevitabilidade de respostas abrangentes para os questionamentos trazidos pelas novas tecnologias já foi reconhecida até mesmo pelo Parlamento Europeu, que em seu relatório sobre a IA e novas tecnologias aponta por diversas vezes para a necessidade de que os regulamentos sejam confeccionados de forma que as normas sejam transfronteiriças, não somente no âmbito da União mas também pela elaboração de tratados internacionais. Os problemas oriundos da Quarta Revolução Industrial têm a capacidade de atingir toda a sorte de direito. Por esta razão nada mais justo que, assim como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o documento que vise estabelecer regras para o uso das tecnologias disruptivas também seja dotado de caráter internacional. Para que seja possível lidar com as situações inéditas trazidas pelo avanço das novas tecnologias é necessária a criação de um novo arranjo mundial tanto no tocante à criação de novas leis, quanto no que diz respeito à arrecadação tributária e a projetos de segurança social. Na sociedade tecnológica as palavras de ordem, por mais

242 Cf. HARARI, Yuval Noah. 21 lições para o século 21..., op. cit., p. 89.

79 que isso doa aos ouvidos dos nacionalistas, devem ser cooperação e redistribuição universal através do implemento de políticas públicas globais.

2. Trabalho e a necessidade de uma nova forma de organização social

O filósofo Albert Camus243 traçou uma referência entre o mito de Sísifo - condenado a passar a eternidade rolando uma pedra montanha acima sem nunca conseguir chegar ao topo - e a imagem do proletário. Para ele a maioria dos homens está condenada a repetir tarefas indefinidamente por toda sua vida sem obter nenhum benefício individual e tampouco coletivo por isso. De acordo com as teorias de Camus o homem médio só seria capaz de obter opiniões acerca do sentido real de sua existência nos momentos de tempo livre. Tais teorias encontram escopo em muitos outros pensadores ao longo da história. Aristóteles afirmava que a ocupação laboral é capaz de retirar a cidadania dos indivíduos através da impossibilidade do exercício de uma vida virtuosa voltada para a contemplação. Os indivíduos livres, na visão do filósofo, são apenas àqueles que "não estão submetidos aos trabalhos indispensáveis à existência" 244. De acordo com ele o tempo deveria ser utilizado para o aperfeiçoamento do intelecto sem que isso fosse um objetivo profissional, mas somente por amor a sabedoria e com o intuito prático de melhorar o tecido social como um todo. Mesmo na sociedade moderna em que o ócio passou a ser algo condenável, devendo ser suprimido em nome da produção, alguns pensadores continuaram defendendo a necessidade de mais tempo livre. Um dos mais conhecidos é o sociólogo italiano Domenico De Masi criador do conceito de “ócio criativo”245 cujo objetivo é defender além do aumento de tempo livre em detrimento das horas trabalhadas, que este tempo seja aproveitado com tarefas mais produtivas e enriquecedoras do que ficar em frente à televisão, por exemplo. Ocorre que nos dias atuais, com a atuação das tecnologias disruptivas e a possível perda maciça de empregos, saber o que fazer com mais tempo livre visando a melhoria da sociedade como um todo ao invés de milhões de desocupados em frente à televisão (ou ao tablet) é uma necessidade. Ainda que as teorias mais otimistas se confirmem e o percentual de desempregados no período pós revolução tecnológica não seja efetivamente tão alto

243 Cf. CAMUS, Albert. O mito de Sísifo.Tradução Mauro Gama, 1ª ed., Rio de Janeiro, Guanabara, 1989 244“Se o artesão é também um cidadão, então a virtude do cidadão, como o definimos, deve ser entendida em relação, não a todos os homens da cidade, nem mesmo a todos aqueles que têm apenas a qualidade da liberdade, mas apenas sobre aqueles que não necessariamente têm que trabalhar para viver. Trabalhar para nas coisas indispensáveis da vida é ser um escravo; trabalhar para o público é ser trabalhador e mercenário.” Cf. ARISTÓTELES. A política. Traduzido por Roberto Leal Ferreira, 1ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 30. 245 Cf. DE MASI, Domenico, e PALIERI, Maria Serena. O ócio criativo, 1ª ed., Rio de Janeiro, Sextante, 2000..

80 quanto indicam as pesquisas de Osborne246, a redução de jornada continua sendo uma das medidas mais interessantes para manter um percentual maior de pessoas no mercado de trabalho. Neste sentido é o parecer do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE)247 que desde a década de 90 preconiza a diminuição de horas como alternativa ao combate ao desemprego no Brasil.

“Se os ocupados trabalharem menos horas por semana, é possível gerar novos empregos para que as demais pessoas possam se inserir no mercado de trabalho. Se os trabalhadores do setor formal da economia reduzirem sua carga horária, a tendência é que sejam criadas novas vagas”

No mesmo sentido é o relatório que embasou a resolução 175 da OIT248. Há muito tempo já se sabe que o trabalho em jornada reduzida ou tempo parcial é algo com potencial benéfico para o mercado laboral como um todo. Pesquisas feitas desde a década de 1930 demonstram isto. No primeiro experimento do tipo do qual se tem notícias, ocorrido em 1930, W K

Kellog249 introduziu em suas fábricas de cereal uma jornada diária de seis horas em substituição a jornada usual de oito horas. A novidade possibilitou a contratação de cerca de trezentos novos funcionários e foi responsável pela diminuição dos acidentes de trabalho na fábrica em 40%. Estudos posteriores apontam ainda para muitos outros benefícios que podem ser obtidos a partir da redução do número de horas trabalhadas, entre eles: A Diminuição do estresse, a redução de CO2, a diminuição dos níveis de desemprego, o aumento dos índices de emancipação feminina pois possibilita que cuidem de filhos pequenos e trabalhem meio período e ainda diminuição da desigualdade em razão de mais pessoas terem acesso ao emprego. Tudo isso sem que haja diminuição na produtividade250. Sem embargo, existem estudos indicando que nos países em que a jornada é mais longa o lazer de qualidade é praticamente inexistente, uma vez que os trabalhadores terminam o dia tão cansados que preferem simplesmente passar o resto do dia fazendo coisas que exijam o mínimo de esforço e raciocínio251. Contudo, a sociedade capitalista e voltada para o consumo vem remando em sentido contrário, pois para que sejamos capazes de consumir tudo o que queremos ou devemos ter somos impelidos a trabalhar cada vez mais. O que acaba por trazer consequências maléficas muito maiores do que tão somente o cansaço. Pais esgotados não tem tempo de educar seus filhos adequadamente.

246 Cf. FREY, Carl Benedikt, e OSBORNE, Michael A. The future of employment: how susceptible are jobs to computerisation?, Technological forecasting and social change…, op. cit., p.200. 247 Cf. GOMES, Magno Rogério et al. Redução da jornada de trabalho e o impacto no emprego brasileiro, Revista Ciências do Trabalho, n. 10, 2018, p. 4. 248 Convenção 175 - sobre o trabalho a tempo parcial texto disponível em https://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_242712/lang--pt/index.htm [30/04/2019]. 249 Cf. HUNNICUTT, Benjamin Kline, Kellog´s six hour day, Temple University Press, Filadélfia, 1996 p. 274, disponível em https://econpapers.repec.org/article/cupjechis/v_3a58_3ay_3a1998_3ai_3a01_3ap_3a274-275_5f02.htm [20/03/2019].

250 Cf. BREGMAN, Rutger. Utopia para realistas: Como construir um mundo melhor..., op. cit., p. 123 251 Cf. BREGMAN, Rutger. Utopia para realistas: Como construir um mundo melhor..., op. cit., p. 128

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Pessoas que não tem tempo de ler e se instruir dificilmente irão evoluir de forma a serem criativas o suficiente para se adaptarem as novas situações trazidas pela tecnologia. Da mesma maneira que a ausência de atividade física por certo trará problemas de saúde a longo prazo, onerando ainda mais os sistemas de saúde estatais e assim por diante. É preciso que haja o entendimento geral sobre a amplitude dos pequenos problemas, modificando comportamentos perniciosos a fim de que sejam mitigados os reflexos negativos do estilo de vida equivocado típico da era moderna e que também poderá ser impactado pelas tecnologias disruptivas. Portanto, tem-se que a diminuição de horas trabalhadas é prerrogativa essencial não apenas para gerar novos postos de emprego como para também melhorar todo o tecido social. No entanto, não basta que as pessoas apenas trabalhem menos horas. O uso do tempo livre também pode ser melhor aproveitado visando a melhoria individual e coletiva. A ideia de que é durante o seu tempo livre que o homem descobre o verdadeiro sentido da existência - tal e qual proposta pelos filósofos antigos - deverá ser resgatada. Mesmo porque na sociedade atual existe uma identificação exagerada entre o indivíduo e a profissão que desempenha. Diante de uma realidade na qual máquinas tomarão a maioria das vagas em determinadas profissões, fazer com que as pessoas descubram potenciais além das paredes do escritório tende a ser mais um ponto desafiador trazido pela Quarta Revolução Industrial. Por outro lado, a possibilidade de que os indivíduos deem vazão aos seus verdadeiros potenciais, sem que se escolha a profissão tendo como meta exclusivamente os proventos desconsiderando a satisfação pessoal pode trazer uma nova era de ouro para a humanidade. Ao descrever o ideal da sociedade comunista há mais de duzentos anos em sua obra a Ideologia Alemã, Karl Marx visualizou uma sociedade em que as pessoas pudessem trabalhar em diversas funções escolhendo as que mais lhes aprouvessem. Em nenhum outro momento da história tal citação se encontrou tão atual, senão vejamos:

“Na sociedade comunista, porém, onde cada indivíduo pode aperfeiçoar-se no campo que lhe aprouver, não tendo por isso uma esfera de atividade exclusiva, é a sociedade que regula a produção geral e me possibilita fazer hoje uma coisa, amanhã outra, caçar da manhã, pescar à tarde, pastorear à noite, fazer crítica depois da refeição, e tudo isto a meu bel-prazer, sem por isso me tornar exclusivamente caçador, pescador ou crítico..Esta fixação da atividade social, esta petrificação do nosso próprio trabalho num poder objetivo que nos domina e escapa ao nosso controlo contrariando a nossa expectativa e destruindo os nossos cálculos, é um dos fatores principais no desenvolvimento histórico até aos nossos dias”252

252 Cf. MARX, Karl, e ENGELS, Friedrich.. A ideologia alemã, p. 19, disponível em https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/praxis/484/ideologia%20alem%C3%A3.pdf?sequence=1 [01/05/2019]

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Outro aspecto a ser levado em consideração diante da nova realidade pertinente aos empregos na sociedade tecnológica é o vínculo entre a real utilidade de alguns empregos e a sua consequente remuneração. Atualmente dispositivos de IA dominam uma boa fatia do mercado de especulações financeiras. Além de analisarem o risco dos investimentos, como no caso do trabalho de Watson253 no Citigroup, os robôs também são responsáveis por praticamente a totalidade das transações feitas perante a bolsa de valores. Como sabemos nas décadas de 1980 e 1990 ser corretor da bolsa de valores e analista de riscos de investimento em um grande banco eram funções que ofereciam, além de remunerações excelentes, um certo prestígio. Entretanto, podemos dizer que tais profissões eram realmente úteis socialmente? Provavelmente não. Em ambos os casos os trabalhadores atuavam visando tão somente aumentar o bolo de riquezas conferido à alguns poucos privilegiados. Na mesma esteira podemos mencionar profissões como caixa de supermercado, vendedor, operador de máquinas, e toda a sorte de ofícios que nos dias de hoje já são substituíveis por máquinas. Todos estes exemplos acrescentam nada ou muito pouco a esfera íntima do profissional que executa a tarefa e menos ainda ao quadro social.

A prerrogativa de que o homem que não possui uma profissão remunerada não é digno de atuar em sociedade levou a humanidade a atitudes insanas como a obrigação de que os pobres quebrassem pedras ou caminhassem em esteiras rolantes na Inglaterra do século XIX apenas para não estarem

“ociosos”254 e continua propiciando o mantenimento de toda sorte de funções inúteis. A tônica da execução de funções laborais na sociedade tecnológica deve ser a utilidade. Continuar primando pelo trabalho sem nenhum tipo de motivação útil é irracional e incompatível com as medidas que devem ser tomadas para que se evite uma situação de caos social perante o desemprego em percentual elevado a nível global. Nem sempre os empregos bem remunerados são úteis para o indivíduo e para a sociedade. Possivelmente alguém que se dispõe a todos os dias caminhar na praia e recolher todo o lixo encontrado, oferecendo-lhe a destinação correta por mera liberalidade, está criando um impacto social positivo muito maior do que alguém que trabalha limpando uma única casa em troca de um salário degradante. Pesquisas demonstram em diversos países que o número de pessoas que exercem funções não remuneradas vem crescendo ano após ano.255 Atividades produtivas como cozinhar, limpar e o cuidado de idosos, deficientes e crianças acaba por aumentar o consumo de bens e serviços e representa injeção de renda no mercado. Países que incluiram em seu cálculo do PIB a renda gerada através de trabalho

253 Cf. FORD, Martin. Robôs. A ameaça de um futuro sem emprego..., op. cit., p. 138 254 Cf. BREGMAN, Rutger. Utopia para realistas: Como construir um mundo melhor..., op. cit., p. 128 255 Cf. IBGE Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Divulgação Especial Novos Indicadores Sobre a Força de Trabalho no Brasil, 2018, disponível em https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/17270-pnad-continua.html [30/04/2019].

83 não remunerado, como a Itália e a Hungria,256 tiveram um crescimento expressivo dos índices econômicos.

Ignorar a produção doméstica influencia os índices de desigualdade de renda e taxas de pobreza257. Podemos tomar como exemplo as famílias cujos membros tem tempo livre para oferecer mais horas de cuidados aos filhos ou a casa. Estas pessoas terão um rendimento disponível mais elevado do que as famílias com a mesma renda, mas onde todos trabalham a ponto de terem que terceirizar serviços de limpeza da casa e cuidados com as crianças. Ocorre que pesquisas de índices de rendimento tratam essas duas famílias como idênticas, fazendo com que a qualidade de vida propriamente dita não seja medida de maneira eficaz. Atividades de voluntariado seguem a mesma lógica. Oferecer cursos a imigrantes, treinar equipes esportivas, designar cuidados aos idosos necessitados, entre tantas outras atuações, também contribuem para o bem-estar social de forma geral fazendo com haja economia de serviços do públicos a longo prazo. O mesmo raciocínio é válido com relação aos profissionais que desempenham funções governamentais, legislativas e algumas categorias de servidores públicos. Perante uma sociedade de empregos escassos não há mais sentido em oferecer altas remunerações para tais cargos uma vez que os recursos que sustentam os empregos públicos podem ser melhor realocados. O fenômeno é bem ilustrado no que concerne aos países em desenvolvimento que, via de regra, padecem carecendo de políticas públicas essenciais enquanto sustentam gabinetes e assessores a perder de vista. No Brasil, por exemplo, o Congresso nacional paga 3 bilhões de reais por ano em salários de deputados e assessores.258 Tal verba é praticamente o total do montante destinado para a construção de moradias sociais a pessoas de baixa renda no país durante o mesmo período.259 À primeira vista pode parecer impossível a ideia de que as pessoas deverão abrir mão de seus empregos e até mesmo de parte dos seus salários visando o bem-estar geral e o equilíbrio da economia perante um futuro com empregos escassos. Em frente oposta, pesquisas demonstram que a busca por mais tempo livre é o desejo número um de um percentual elevado de trabalhadores, ficando à frente até

256 Cf. MIRANDA, Veerle. Cooking, caring and volunteering: Unpaid work around the world, in OECD iLibary, 2011, disponível em https://www.oecd- ilibrary.org/social-issues-migration-health/cooking-caring-and-volunteering-unpaid-work-around-the-world_5kghrjm8s142-en [30/04/2019]. 257 Cf. ABRAHAM, Katharine, G. Distinguished Lecture on Economics in Government-What We Don't Know Could Hurt Us: Some Reflections on the Measurement of Economic Activity, Journal of Economic Perspectives, 19 (3), 2005, p 13. 258 Conheça o valor do salário de um deputado e demais verbas parlamentares, 05 de outubro de 2018, texto disponível em, Câmara notícias, 2018, disponível em https://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/POLITICA/563464-CONHECA-O-VALOR-DO-SALARIO-DE-UM-DEPUTADO-E-DEMAIS-VERBAS- PARLAMENTARES.html[25/04/2019]. 259 Orçamento atualizado para área de habitação 2019, Portal da transparência brasileiro, texto disponível em http://www.portaltransparencia.gov.br/funcoes/16-habitacao?ano=2019 [25/04/2019].

84 mesmo do desejo de ganhar na loteria.260 Mesmo que tais premissas pareçam utópicas para a maioria, a ressignificação do valor do trabalho na sociedade tende a acontecer naturalmente, a medida em que as tecnologias substituirem os trabalhadores humanos. Como dito no início do capítulo, cooperação e redistribuição devem ser as palavras de ordem para que o maior número de pessoas permaneça em condições confortaveis quando os empregos deixarem de existir – ou até que sejam efetivamente criadas novas profissões. Contudo, com o advento das tecnologias disruptivas, leis, tributos, e sistemas de seguridade social só funcionarão em regime de cooperação global. Não é possível que apenas metade dos países do mundo se prepare criando leis e políticas públicas para a realidade que está por vir e a outra metade não. Se assim fosse seria criado um abismo econômico e social, sendo praticamente impossível conter o fluxo migratório e os problemas ocasionados pelas pessoas que se encontrassem em situação de desemprego permanente – e, consequentemente, miséria extrema. Harari preconiza que os esforços devem se voltar para a concretização de uma rede de segurança econômica universal, desconhecendo as fronteiras geopolíticas, além da busca por ocupações laborais dotadas de sentido.261 Nos próximos tópicos serão apresentadas propostas visando o alinhamento destes dois objetivos como saída para as consequências negativas oriundas da perda de empregos ocasionada pelas tecnologias disruptivas.

3. Renda Única Universal Global na sociedade tecnológica

No capítulo dois foram apresentadas as principais teorias relacionadas aos tributos sobre robôs e tecnologia, bem como as propostas sobre a implementação de projetos de Renda Básica Universal. Foram elencados os principais pontos positivos de tais iniciativas e as dúvidas que ainda pairam diante da possível implantação de ambos. Porém, um dos principais problemas referentes à colocação em prática das robot taxes e da Renda Básica Universal é o fato de que tais projetos estão sempre limitados às fronteiras geopolíticas. Exemplificando: que a Bósnia passe a tributar as empresas que preferem contratar mão de obra robótica, utilizando esta renda de maneira a subsidiar o restante da população – em especial os desempregados –, tal medida não resolveria em nada o problema dos novos desempregados das fábricas do Sri Lanka.

260 Cf. COOTE, Anna, e HIMMELWEIT, Jacob Mohun. The problem that has no name-work, care and time, Soundings, v. 54, 2013, p. 90, disponível em https://muse.jhu.edu/article/522130/pdf [26/04/2019]. 261 HARARI, 21 lições para o século 21…, op cit., p. 42.

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Assim como ocorre com a legislação, que se tornaria praticamente inócua no caso de apenas alguns países criarem regras acerca das tecnologias disruptivas. Conforme bem apontado pelo relatório do Parlamento Europeu262, a implantação de tributação sobre tecnologia deveria ser global, assim como o sistema de seguridade social. Primeiro em virtude de que, como já mencionado, países que possuírem alíquotas mais atraentes podem acabar atraindo para si todas as empresas de tecnologia, jogando o resto do mundo em um abismo de desemprego. Ressalte-se que aqui não estamos falando apenas em transferências de fábricas com maquinário e uma infinidade de funcionários, mas sim de escritórios que comandam todo um nicho de mercado e possuem apenas cinco ou seis funcionários como ocorre com o Whatsapp.263 Em segundo lugar, ainda na hipótese de apenas alguns países atraírem para si as empresas de tecnologia ou que optarem por mão de obra robótica, mesmo estes lugares não estariam imunes ao desemprego, pois a tendência é que nos locais em que a tecnologia está mais evoluída a robótica avance de forma mais rápida sobre os postos de trabalho. Não à toa a Coreia do Sul, país mais robotizado do mundo, também foi o primeiro a implantar tributos desta natureza. E em terceiro, porque a necessidade de que os países mais ricos colaborem com a melhoria da economia dos mais pobres já existe há muito tempo. No caso tal cooperação em tese seria materializada pelo Fundo Monetário

Internacional (FMI).264 Contudo, o sistema de funcionamento do FMI é alvo de críticas em virtude de não ser baseado em cooperação, mas sim em empréstimos, tornando os países mais pobres devedores dos mais ricos. Além disto, o fato de o poder de voto dos países mais desenvolvidos no Conselho ser dez vezes mais representativo do que o voto dos países mais pobres acaba por tornar a entidade um tanto quanto parcial.265 O que se propõe é um sistema completamente diferente do FMI e de forma alguma baseado em empréstimos entre países ricos e países pobres. Um sistema baseado em cooperação visando evitar um colapso de grandes proporções nas economias dos Estados com o advento das tecnologias disruptivas, que certamente impactaria negativamente o mundo todo. Como bem apontado por Harari266 o problema das redes de seguridade regionais é que as principais vítimas da automação possivelmente não estarão alocadas nos países desenvolvidos. Na sociedade tecnológica, alinhar a cidadania do indivíduo ao seu possível direito a receber uma verba de subsistência acabará por tornar tal medida praticamente inócua, aumentando ainda mais as desigualdades regionais e sociais. Atualmente os governos não se importam com as fronteiras quando

262 Relatório 2015/2103(INL) Parlamento Europeu, op. cit. 263 Cf. FORD, Martin. Robôs. A ameaça de um futuro sem emprego..., op. cit., p. 225. 264 Cf. FMI. Grupo Intergubernamental De Los Veinticuatro Para Asuntos Monetarios Internacionales Y Desarrollo, in IMF Comunicados, 12 de abril de 2019, disponível em: https://www.imf.org/es/News/Articles/2019/04/11/cm041119-intergovernmental-group-of-twenty-four-on-international-monetary-affairs- and-development [15/04/2019]. 265 Cf. OLIVEIRA, Maria José Galleno de Souza. A globalização da pobreza: impactos das políticas sociais do Estado neoliberal nas democracias dos países latino-americano, Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, v. 99, 2004, p. 465. 266 Cf. HARARI, Yuval Noah. 21 lições para o século 21..., op. cit., p. 42

86 recebem produtos feitos em países mais pobres cujos trabalhadores recebem salários degradantes. Tampouco em alguns casos levam em conta a soberania dos demais quando existem interesses econômicos em jogo. Porém, a proposta de que a renda obtida com o pagamento de tributos possa extrapolar fronteiras e servir como subsídio para nacionais de outros países é vista como polêmica e até mesmo absurda. Fouksman267 demonstrou que o implemento de uma renda única global seria muito menos custoso do que as medidas tomadas pelos países mais ricos como Estados Unidos e Noruega com objetivo de auxiliar no combate à pobreza em outros países. No mesmo sentido, Jorge Carrera268 atenta para o fato de que mesmo que somente um único país decida implantar de forma perene um subsídio universal é praticamente impossível que tal atitude não venha a ter impactos externos em razão da interdependência econômica entre os países. Nas palavras do autor:

“si un país individualmente desea implementar una política de redistribución del ingreso que aumente la participación del trabajo en el ingreso, debe tener presente que en economías cada vez más abiertas comercial y sobre todo financieramente –como es la situación de la mayoría de los países desde mediados de los 90– pueden ocurrir fuertes repercusiones en el sector externo de la economía. Por lo tanto, una política redistributiva en economías abiertas requiere que el país cuente con “espacio externo” para ser llevada adelante. Ceteris paribus, países con superávit en la CC están en mejores condiciones de implementar esas medidas que los deficitarios”.

Ademais, o implemento de um projeto de RBU, cujo rendimento possa ser usufruido independente de cidadania, acaba por colocar uma pedra sobre um dos grandes problemas enfrentados por países que oferecem este tipo de auxílio: a questão dos migrantes.269 Caso os migrantes fossem elegíveis para receber um valor de renda nos países em que se estabelecem, seria razoável pensar que mais estrangeiros viriam e tornariam insustentável a situação para o país de acolhimento. Obviamente na atualidade a maioria dos países controla as regras de elegibilidade de seguridade social para migrantes visando evitar este tipo de problema. Todavia, se o benefício fosse oferecido a nível mundial, muitas pessoas sequer sairiam de seus países em busca de melhores condições nos países mais desenvolvidos.270

267 Cf. FOUKSMAN, Liz. Universal Basic Income: A Radical Post-Labour Agenda, in South Africa Labour Bulletin, Umanyano Publications, Volume 31, Number 3. September-October 2017, disponível em https://efouksman.weebly.com/uploads/5/6/6/1/56610801/salb_sept-oct_2017.pdf [27/04/2019]. 268 Cf. CARRERA, Jorge. Macroeconomía y objetivos de desarrollo sostenible: una propuesta para la coordinación de políticas económicas y la reducción de las desigualdades, Real Instituto Elcano, Documento de Trabajo 16/2018, 8 de agosto de 2018, p. 22, disponível em http://www.realinstitutoelcano.org/wps/wcm/connect/3b8e6ed2-4f4c-438b-8929-0b7c15f6d0ad/DT16-2018-Carrera-Macroeconomia-y-objetivos-de- desarrollo-sostenible.pdf?MOD=AJPERES&CACHEID=3b8e6ed2-4f4c-438b-8929-0b7c15f6d0ad [30/04/2019]. 269 Cf. WIDERQUIST, Karl. A Critical Analysis of Basic Income Experiments for Researchers, Policymakers, and Citizens…, op. cit., p. 37. 270 Cf. UDAHEMUKA, Martine; PERNICE, Regina. Does motivation to migrate matter? Voluntary and forced African migrants and their acculturation preferences in New Zealand, Journal of Pacific Rim Psychology, v. 4, n. 1, 2001, p. 50, diposnível em https://www.cambridge.org/core/journals/journal-of-pacific-rim- psychology/article/does-motivation-to-migrate-matter-voluntary-and-forced-african-migrants-and-their-acculturation-preferences-in-new- zealand/42128672DF782D1E334F44E1FCBACBF1 [22/04/2019]. Cf. LI, Manyu et al. Reasons for leaving home: comparing predictors of wanting to migrate and travel in Croatian undergraduates, Migracijske i etničke teme, v. 28, n. 1, 2012. p. 18, disponível em https://hrcak.srce.hr/index.php?show=clanak&id_clanak_jezik=121379 [22/04/2019].

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A ideia de conferir um subsídio de caráter universal não é nova. Já foi proposta por Paine em 1715 na Inglaterra quando opinou que donos de terra deveriam subsidiar os demais habitantes sem ocupação. No livro “Justiça Agrária” Paine defende que em razão da propriedade privada apenas alguns teriam oportunidade de retirar da terra seu sustento. Assim os proprietários deveriam ser obrigados pelo governo ao pagamento de um tributo cuja destinação fosse o oferecimento de renda aos demais.271A proposta de Paine baseia-se na ideia de que todo ser humano do planeta é coproprietário da terra apenas em virtude de ter nascido e estar vivo.272 Posteriormente muitos outros teóricos apontaram para soluções parecidas buscando aplacar o problema da pobreza, entre eles Orestes Brownson, Napoleón De Keyser e Juliet Rhys-Williams.273 A diferença é que se na época de Paine a maior parte da população vivia na pobreza extrema e a realidade mercantilista obrigava que a renda fosse atrelada à terra – acreditando-se que, para acumular mais riquezas, seria necessário conquistar mais territórios –, nos dias atuais existe riqueza de sobra para sustentar a todos sem grandes esforços. A título de exemplo, as guerras do Afeganistão e Iraque custaram aos EUA quarenta vezes mais do que custaria a implantação de um programa de erradicação da pobreza, garantindo uma renda mínima aos habitantes do país inteiro.274 Ou então as recentes doações feitas por milionários para a reconstrução da Catedral Notre Dame275 – que em apenas três dias atingiram valor maior do que o PIB anual de países africanos como a Gâmbia e a República Centro Africana.276 Mencione- se ainda os níveis absurdos de concentração de renda nas mãos dos 10% mais ricos do mundo277 – e se torna fácil perceber que acabar com o problema da desigualdade em âmbito mundial esbarra mais na falta de vontade política do que em uma possível carência de recursos. Atualmente, conferir uma rede de seguridade é tarefa essencial em virtude das novas tecnologias – e diante disso não é sequer necessário que os países ricos “dividam” seus lucros com os mais pobres, ou que os milionários deixem de comprar jatinhos e iates pensando nos famintos da África, mas tão somente que se modifique o sistema de tributos. Onerando efetivamente o capital das empresas

271 Cf. DE SOUZA, Matheus Silveira. Renda básica de cidadania: possíveis estratégias para uma implementação no Brasil Basic income of citizenship: possible strategies for implementation in Brazil, Revista de Direito, Universidade de Direito de São Paulo, 2017. 272 Cf. PAINE, Thomas. Justiça Agrária. (trad. Miguel Araújo de Matos) in . Renda de Cidadania A saída é pela porta. 4ª ed., São Paulo, Cortez, 2006, p. 182 273 Cf. CAPUTO, Richard K. Review of John Cunliffe and Guido Erreygers, The Origins of Universal Grants, Basic Income Studies, v.1, issue 1, 28 de junho de 2006, disponível em https://www.degruyter.com/abstract/j/bis.2006.1.1/bis.2006.1.1.1009/bis.2006.1.1.1009.xml[30/04/2019]. 274 O cálculo sobre a renda mínima considera um subsídio de U$ 1,25 dólares por dia para cada americano. Com essa verba o custo seria de U$ 175000000 (cento e setenta e cinco bilhões de dólares anuais. Já as guerras do Iraque a Afeganistão juntas custaram aos cofres públicos a soma de U$ 6.000.000.000.000 (seis trilhões de dólares) Cf. BREGMAN, Rutger. Utopia para realistas: Como construir um mundo melhor..., op. cit., p. 43 275 Cf. CHAKRABORTTY, Aditya, The billionaires’ donations will turn Notre Dame into a monument to hypocrisy, in The Guardian, 18 de abril de 2019, disponível em https://www.theguardian.com/commentisfree/2019/apr/18/billionaires-donations-notre-dame-france-inequality [28/04/2019]. 276 Cf. BANCO MUNDIAL. PIB Gambia, in World Bank Group, 2014, disponível em https://datos.bancomundial.org/pais/gambia https://www.theguardian.com/commentisfree/2019/apr/18/billionaires-donations-notre-dame-france-inequality [28/04/2019]. 277 MILANOVIC, Branko. Global income inequality by the numbers: in history and now-an overview, in World Bank Group, 2012, p. 15, disponível em http://documents.worldbank.org/curated/pt/959251468176687085/Global-income-inequality-by-the-numbers-in-history-and-now-an-overview [28/04/2019].

88 de tecnologia ou das empresas que optarem pela contratação de robôs e redistribuindo estas verbas para um fundo internacional de cooperação, não de empréstimos. De forma concisa, a ideia se resume a utilizar as robot taxes para o financiamento de um sistema de seguridade global. Se as tecnologias disruptivas não conhecem fronteiras, então as soluções para os impactos que elas propiciam também não devem conhecer. Propor a cooperação global para diminuição das desigualdades também não é algo inédito. A própria ONU278 traz em suas metas para o novo milênio a repartição de renda entre países ricos e pobres, incluindo expressamente como um dos objetivos a revitalização da aliança mundial para o desenvolvimento sustentável.279 No entanto, até pouco tempo o preceito de combate transfronteiriço à desigualdade nada mais era do que um imperativo moral. Hoje podemos afirmar que se trata de necessidade. A crise migratória que assola a Europa e os Estados Unidos é um bom demonstrativo disso. E por tudo que já foi dito sabe-se que diante da Quarta Revolução Industrial a situação tende a piorar se não houver prevenção. Em contrapartida medidas podem ser tomadas de antemão, visando especialmente o financiamento de uma rede de seguridade social mundial, sem que isso signifique apenas países prósperos fazendo doações a conta-gotas para países não tão prósperos. Ao examinar a viabilidade de se modificar o sistema de tributos, conferindo o pagamento de taxas às empresas que lucrarem com as novas tecnologias, bem como àquelas que preferirem a contratação de mão de obra robotizada, o ônus deixa de ser inteiramente dos Estados e passa a ser também dos particulares. Antecipando-se a estas tendências, algumas empresas vêm se mobilizando com o fito de realizar soluções para distribuição de renda global, sem que isso signifique a dependência de criação de um sistema estatal. A seguir serão elencadas algumas dessas iniciativas, buscando demonstrar seus resultados efetivos.

4. Problemas globais e soluções individuais

Nos dias de hoje alguns dos maiores filantropos e investidores particulares são os donos e CEOs das empresas de tecnologia.280 Os gigantes do Vale do Silício possivelmente acreditam possuir a obrigação moral de ajudar os menos favorecidos em razão dos bilhões acumulados de maneira

278 Cf. SINGER, 1989, op cit, pp; 242 279 Cf. CARRERA, Jorge. Macroeconomía y objetivos de desarrollo sostenible: una propuesta para la coordinación de políticas económicas y la reducción de las desigualdades…, op. cit., p. 13. 280 Cf. DOLAN, Kerry A., KROLL, Luisa. Billionaires: The richest people in the world, in Forbes, 5 de março de 2019, disponível em https://www.forbes.com/billionaires/#41135aba251c [02/05/2019].

89 relativamente fácil. Todavia, pessoas ricas fazendo caridade não é novidade. A grande diferença é que na atualidade as ações não se voltam apenas para que os detentores de grandes fortunas façam jantares, cujo menu provavelmente custa muito mais do que a quantia que pretendem destinar à caridade, vendendo convites a preços astronômicos e revertendo a renda (ínfima) aos pobres da África como acontecia no passado. Hoje muitos representantes do mundo dos ultra ricos estão criando projetos e iniciativas que buscam diminuir a desigualdade de forma real, tomando para si a responsabilidade de atuar perante as novas demandas do mundo. Além disso, como já mencionado, a maior parte dos milionários da atualidade está concentrada nas empresas de tecnologia e mídia, portanto, cientes do potencial que as tecnologias disruptivas possuem para extinguir a fonte de renda de um grande número de pessoas. Um bom exemplo pode ser dado através do investimento de empresas como a Momentum

Machines281. Esta empresa de robótica vem revolucionando o mercado de fast food americano através da substituição de mão de obra humana por robôs em 100% das funções, e destina 20% de seus lucros para programas de requalificação voltados a profissionais de baixo nível de escolaridade sobretudo atendentes de lanchonete ou cozinheiros. Na mesma esteira o Google.org, braço do Google que se destina a financiar projetos sociais, lançou recentemente um desafio para que as pessoas propusessem ações voltadas para aliar inteligência artificial e as dezessete metas para o desenvolvimento sustentável da ONU. Tal desafio pautou-se no relatório McKinsey282 que preconiza a perda maciça de empregos em um curto período de tempo. Outra iniciativa parecida é a chamada FAM - Mecanismo de Ação contra a

Fome283 – que conta com a participação do Google, da Microsoft e da Amazon no desenvolvimento de um dispositivo de IA capaz de fornecer os primeiros sinais de alerta para identificar crises alimentares que poderiam se transformar em fome ao redor do globo. O dispositivo atua acionando os programas de financiamento para uma resposta rápida. Com o objetivo de traçar medidas preventivas para os possíveis impactos negativos da IA, e sabendo que possivelmente as companhias ligadas a mídias e tecnologia irão aferir maior lucro com a nova onda tecnológica, nada mais justo do que auxiliar na amortização de impactos. Até mesmo porque tais empresas não o fazem somente pensando no bem-estar geral, mas sim buscando a garantia de que no futuro ainda existirão consumidores para seus produtos e serviços. Ocorre que, por ora, tais iniciativas dependem somente da “bondade” dos milionários e das empresas de tecnologia. Não há nenhum tipo de lei ou dispositivo coercitivo que as obrigue a destinar parte de seus rendimentos para ações sociais. Empresas devem ser compelidas a direcionar verba para

281 Cf. FORD, Martin. Robôs. A ameaça de um futuro sem emprego..., op. cit., p. 36 282 Cf. CHUI, Michael, MANYIKA, James, e MIREMADI, Mehdi. Where machines could replace humans—and where they can’t (yet)…, op. cit. 283 Cf. ONU, ONU e parceiros usam tecnologia em nova iniciativa para baixar risco da fome, in ONU News, 23 de setembro de 2018, disponível em https://news.un.org/pt/story/2018/09/1639282 [02/05/2019].

90 os problemas que elas mesmas irão causar num futuro próximo. Não é mais possível jogar apenas nas costas do ente público a responsabilidade pelos empregos perdidos. Até pouco tempo atrás as novas tecnologias criavam novos empregos e assim tudo permanecia em certo equilíbrio – o que não irá ocorrer agora. Um relatório encomendado pela IBM preconiza que cerca de 120 milhões de trabalhadores do próprio setor de tecnologia deverão ser requalificados neste novo cenário.284 Diante disto, mais uma vez é preciso destacar a necessidade delinear políticas públicas com o fito de regulamentar tais iniciativas, principalmente no tocante à criação de legislação específica, uma vez que não se pode ficar à mercê simplesmente do que as empresas acham ser justo. Compartilhando deste pensamento, existem alguns movimentos encabeçados por Bill Gates e Abigail Disney que não apenas defendem a necessidade de as empresas de tecnologia (e dos ultra ricos) em dividirem sua fortuna, como também estão pressionando os Estados para aumentarem os tributos sobre os mesmos – além de criar compromissos que vinculem os interessados em ajudar com as causas, buscando diminuir as desigualdades.

No caso de Bill Gates a associação “Giving pladge285” obriga que seus signatários firmem um compromisso público se comprometendo a doar metade de suas fortunas para causas sociais em vida ou após a morte. Neste caso os projetos beneficiados pelas doações não precisam necessariamente ser ligados a expansão da IA. A Microsoft, empresa que também conta com Bill Gates em seu comando, firmou compromisso com a ONU, procedendo a doação de 5 milhões de dólares, e se comprometendo a investir em soluções tecnológicas para os problemas de Direitos Humanos286ocasionados pelas tecnologias disruptivas. Já Abigail Disney, herdeira do conglomerado de mídia Disney, é uma das líderes da associação “Patriotic Milionaires”287 fundada nos Estados Unidos – e cujas causas principais são pressionar o governo americano para que confira alíquotas tributárias mais altas para os ultra ricos e as empresas de tecnologia, bem como a diminuição das desigualdades salariais entre funções de baixa e alta qualificação. Iniciativa parecida com a que foi aprovada no Estado do Oregon em 2017, buscando taxar de forma mais alta CEOs de grandes Companhias que recebam mais de cem vezes o valor dos funcionários de base da empresa.288 Com exceção do Patriotic Milionaries, que atua somente no território dos Estados Unidos, os demais programas citados têm caráter transfronteiriço, compactuando com a

284 Cf. IBM. IBM Talent Business Uses AI To Rethink The Modern Workforce, in IBM News Room, 28 de novembro de 2018, New York, disponível em https://newsroom.ibm.com/2018-11-28-IBM-Talent-Business-Uses-AI-To-Rethink-The-Modern-Workforce [02/05/2019]. 285 Cf. The Giving Pledge, A Commitment to Philanthropy, disponível em https://givingpledge.org/ [02/05/2019]. 286 Cf. NADELLA, Satya, 2017 Annual Report 2017 Microsoft, disponível em https://www.microsoft.com/investor/reports/ar17/index.html. [28/04/2019.] 287 The Patriotic Millionaires, disponível em https://patrioticmillionaires.org/ [02/05/2019] 288 Cf. OISHI, Shigehiro, KUSHLEV, Kostadin, e SCHIMMACK, Ulrich. Progressive taxation, income inequality, and happiness, American Psychologist, v. 73, n. 2, 2018, p. 157, disponível em https://psycnet.apa.org/record/2018-03098-001 [02/05/2019].

91 ideia de que não existe outra maneira de combater os possíveis efeitos nocivos das novas tecnologias, e da desigualdade global, senão deixando em segundo plano as fronteiras geopolíticas. Por certo os projetos criados pelas empresas de tecnologia e pelos detentores das grandes fortunas a nível mundial são de grande importância para a prevenção do aumento das desigualdades. Todavia, na atualidade não são os únicos a se preocupar com a possibilidade da desigualdade social global aumentar ainda mais diante da revolução tecnológica. Pessoas comuns movidas pelo objetivo de colaboração e redistribuição eficaz vem conseguindo resultados substanciais através de iniciativas simples como por exemplo projetos de RBU financiados por particulares. A iniciativa pioneira a realizar tal feito é o “Give Directly” – aplicativo criado por uma Startup do Vale do Silício que possibilita às pessoas comuns colaborarem com o implemento de sistemas de renda única universal em comunidades atingidas pela pobreza absoluta. Através do projeto é possível doar online e posteriormente acompanhar em tempo real a melhoria nas condições de vida dos beneficiários. O Give Directly289 foi criado como um experimento visando conferir os efeitos da RBU sem qualquer tipo de condicionantes em comunidades de extrema pobreza da África. Cada beneficiário recebe cerca de US$ 22 (vinte e dois dólares) por mês, uma fortuna para os padrões locais. No total dezesseis mil pessoas de um vilarejo do Quênia290 foram incluídas no programa. Seis mil receberão dinheiro mensalmente durante doze anos e as outras dez mil receberão mensalmente por dois anos. Os efeitos foram melhores do que se poderia imaginar. De acordo com

Shapiro291 e Haushofer, além dos efeitos econômicos óbvios inerentes à maioria dos projetos de redistribuição de renda como melhora nas condições de nutrição e saúde –, houve um aumento expressivo do empoderamento feminino na comunidade, bem como a melhoria das relações interpessoais em toda a aldeia. Pode se dizer que ainda é um experimento pequeno e voltado para comunidades que sequer possuem o básico. Entretanto, o ponto mais importante da experiência não é apenas a melhoria de vida dos Quenianos, mas sim aferir se as pessoas comuns estão dispostas a compartilhar o que têm, visando o bem-estar generalizado. Este tipo de atitude é extremamente importante diante da nova realidade que se descortina no mercado de trabalho. Abrir mão não apenas de recursos obtidos, mas até mesmo de tempo e de horas trabalho, será algo essencial para que os efeitos negativos do desemprego ocasionado pelas tecnologias disruptivas não provoquem mais desigualdades. Muito embora as políticas públicas, as empresas de tecnologia e os detentores de grandes fortunas respondam por uma boa parte da

289 Cf. STARR Kevin, e HATTENDOR Laura. Give Directly? Not so fast. We are mistaking an important experiment for a proven solution, Stanford Social Inovvation Review, 11 de março de 2014, disponível em https://ssir.org/articles/entry/givedirectly_not_so_fast [02/05/2019]. 290 Cf. BREGMAN, Rutger. Utopia para realistas: Como construir um mundo melhor..., op. cit., p. 31 291 Cf. HAUSHOFER, Johannes; SHAPIRO, Jeremy. The short-term impact of unconditional cash transfers to the poor: experimental evidence from Kenya, The Quarterly Journal of Economics, v. 131, n. 4, 2016, p. 1996, disponível em https://www.princeton.edu/~joha/publications/Haushofer_Shapiro_UCT_2016.04.25.pdf [03/05/2019].

92 responsabilidade de amortizar os impactos das tecnologias disruptivas sobre os empregos e sobre os Direitos Humanos em geral, o certo é que o compartilhamento e o consumo sustentável fazem parte da fatia de responsabilidade cabível a todos os indivíduos. A par do que deverá ser feito pelos governos e pelas empresas ligadas à tecnologia, cabe a cada um cooperar de maneira individual para que as tecnologias disruptivas sejam um fator de desenvolvimento e não a ruína da humanidade. Neste sentido, práticas de consumo consciente e desenvolvimento sustentável devem ser colocadas em prática desde já.

5. Economia colaborativa, consumo e desenvolvimento sustentável

É dever dos Estados, dado o momento atual, se prevenir estudando soluções a curto prazo para a questão da perda dos postos de trabalho para IA, sob pena de prejudicarem fortemente o acesso da população aos serviços essenciais se não o fizerem. Os esforços devem estar focados principalmente no que diz respeito às questões de qualificação laboral, abordagem do sistema educacional, assuntos relativos à privacidade e à capacidade de decisão dos algorítmos, além de medidas fiscais e de seguridade social. Sem embargo, ainda que existam iniciativas por parte das grandes empresas de tecnologia e de uma pequena parcela de grupos de super ricos – buscando mitigar a desigualdade visando a prevenção dos impactos ocasionados pelas tecnologias disruptivas –, é impossível retirar dos Estados a maior parte do ônus de tomar as medidas necessárias para que não haja um colapso global. Entretanto, não se pode fugir do fato de que nos países democráticos os responsáveis pela tomada de decisões a nível político são nossos próprios representantes. Como bem explanado por Silveira, a propósito dos decisores políticos europeus, “A União Europeia não é feita por extraterrestres

– são os nossos representantes que lá estão: no Parlamento, no Conselho, na Comissão”292. Por isso é dever da população acompanhar as mudanças que vem ocorrendo mundialmente, questionando a necessidade e viabilidade do sistema na forma em que hoje se apresenta. Em contrapartida, é imperioso que além das políticas inerentes à economia social, haja uma colaboração ativa dos indivíduos revendo a sua forma de consumir, bem como buscando rever o real papel do trabalho dentro das relações em sociedade. Saliente-se que a implantação do programa de RBU

292 Cf. SILVEIRA, Alessandra. UNIO E-book–Workshop CEDU/UNISC 2016: interjusfundamentalidade, internormatividade e interjurisdicionalidade, Braga, dezembro de 2017, disponível em http://www.unio.cedu.direito.uminho.pt/Uploads/E-book%20-%20Workshop%20CEDU-UNISC%202016%20.pdf [02/05/2019].

93 na Finlândia293, assim como a proposta de estabelecer a RBU na Suiça, não deram certo não em razão de resultados negativos294 nos indicadores de melhoria da qualidade de vida – mas sim porque a população destes dois países, mesmo estando entre as mais privilegiadas economicamente a nível mundial, não concordou em dividir suas receitas com pessoas que não trabalham. A implantação de projetos de RBU já se provou boa. Não obstante existam divergências no tocante aos métodos utilizados para mensurar seus benefícios, no decorrer deste estudo não foi possível encontrar nenhum artigo acadêmico ou trabalho de pesquisa expressivo que elencasse efeitos negativos reais nas comunidades em que a RBU foi implantada. Contudo, nossos representantes políticos não podem trabalhar apenas com dados, precisam também que seus eleitores aprovem suas propostas. E como dito acima, uma grande parcela da população ainda acredita ser injusto alguém que não trabalha receber qualquer tipo de benefício. Ocorre que sustentar este tipo de pensamento às portas de uma nova revolução tecnológica que promete ceifar empregos – ou, no mínimo, extinguir algumas funções, além de relativizar o status conferido a certas profissões –, é algo prejudicial e socialmente contraproducente. Diante deste cenário deve haver campanhas de conscientização, não apenas popularizando as pesquisas feitas sobre o futuro dos empregos, mas também demonstrando de forma clara os benefícios e a necessidade de um plano efetivo de segurança de rendimentos sem condicionantes. Portanto, tem-se que cada indivíduo ciente dos problemas que podem ocorrer diante da revolução tecnológica deverá ter o papel ativo tanto de cobrar seus representantes sobre o implemento de políticas públicas para mitigação dos impactos, quanto sobre a criação de um sistema de seguridade de rendimentos. Mas as iniciativas individuais ainda podem chegar mais longe. A forma de consumir, principalmente nos países ricos e nas economias emergentes, não tem mais possibilidades de se sustentar – tanto por razões sociais quanto por motivos ambientais. Para Dill

Goi295 o padrão de consumo exacerbado inaugurado pelo homem cria uma das maiores problemáticas relacionadas ao tema na atualidade: A natureza não consegue repor seus recursos com a mesma velocidade com que estes são explorados. Some-se isso a nova realidade tecnológica que enseja um paradoxo ainda não resolvido: Como as pessoas poderão continuar consumindo em um mundo com poucos empregos? – e é possível chegar à conclusão de que precisamos mudar. O relatório do

293 Cf. UNISINOS. Finlândia conclui experiência de renda básica universal com resultados ambíguos, Revista do Instituto Humanitas Unisinos, 11 de fevereiro, 2019, disponível em http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/586521-finlandia-conclui-experiencia-de-renda-basica-universal-com-resultados-ambiguos [05/05/2019]. 294 Cf. PIACHAUD, David. Basic income: confusion, claims and choices, Journal of Poverty and Social Justice, v. 26, n. 3, pp. 299-314, 2018, disponivel em https://www.ingentaconnect.com/content/tpp/jpsj/2018/00000026/00000003/art00001# [02/05/2019]. 295 Cf. DILL GOI, M. Educação ambiental: uma proposta para o desenvolvimento sustentável do planeta. Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas, Pouso Alegre, v.26, n.1, janeiro/junho 2010, p. 100.

94

Parlamento Europeu296, em sua exposição sobre o Direito ao Meio Ambiente, aponta para a necessidade de que se privilegie a economia circular viabilizando a destinação consciente dos resíduos produzidos.

De acordo com Azevedo297:

“A economia circular, ao determinar a possibilidade de criação de produtos de ciclos múltiplos de uso, reduz a dependência em recursos ao mesmo tempo em que elimina o desperdício. Produtos e serviços desse modelo são elaborados para circular de modo eficiente, com materiais biológicos que retornam para a cadeia de alimentos e agricultura, ao passo que materiais técnicos são recolocados na produção, sem perda da qualidade”.

Não se pode esquecer que as indústrias e empresas com certeza possuem uma responsabilidade maior na gestão de resíduos sólidos, especialmente aquelas ligadas à tecnologia e à mineração cujos resíduos podem ser até mesmo tóxicos. Também deve haver incentivos por parte do poder público para que empresas invistam na qualidade de seus produtos, evitando assim a necessidade de diversas compras de um mesmo item e os problemas com o descarte. No entanto, somos nós os consumidores dos produtos e, portanto, é preciso diminuir o ritmo de consumo, priorizando produtos mais duradouros e cuja produção esteja comprometida com a preservação sócio ambiental. Muito do que estamos acostumados a comprar atualmente não é necessário. É inegável a existência de uma forte influência das mídias sociais e do marketing para que tenhamos tantos “sonhos de consumo”. Não à toa os algoritmos que buscam determinar nossos padões de aquisição são os que se popularizaram de maneira mais rápida.298 As pressões sociais exercidas para que sejamos obrigados a possuir determinados objetos são nocivas até mesmo do ponto de vista econômico, pois ao invés de gerarem riqueza e produtividade emanam efeitos nefastos a longo prazo. De acordo com Steed, em um estudo sobre consumismo realizado no Reino Unido, cada libra investida em executivos de propaganda consome outras sete libras em danos reflexos – como estresse, excesso de consumo, poluição e dívidas. Por outro lado cada libra investida em um varredor de rua gera outras doze libras em benefícios sociais e ambientais.299 Os valores da sociedade, nos moldes em que se encontram hoje, estão completamente distorcidos – dando ênfase para profissões e objetos que em nada acrescentam, em detrimento de valorizar atitudes benéficas em um contexto mais amplo. De acordo com Kamila Pope300, a forma com

296 Relatório 2015/2103(INL) Parlamento Europeu, op. cit. 297 Cf. AZEVEDO, Juliana Laboissière. A Economia Circular Aplicada no Brasil: uma análise a partir dos instrumentos legais existentes para a logística reversa, in Congresso Nacional de Excelência em Gestão, 2015, disponível em http://www.inovarse.org/sites/default/files/T_15_036M.pdf [05/04/2019]. 298 Cf. SCHWAB, Klaus. A quarta revolução industrial..., op. cit., p. 7; 299 Cf. LAWLOR, Eilis, STEED, Susan, e KERSLEY Helen. A Bit rich: Calculating the real value to society of different possessions, NEF, Economics as if people and the planet mattered, dezembro de 2009, p. 6, disponível em http://fdm.rio20.net/sites/default/files/IMG/pdf_A_Bit_Rich._Calculating_the_value_of_professions.pdf [02/05/2019]. 300 Cf. POPE, Kamila. Understanding planned obsolescence: unsustainability through production, consumption a waste generation, Kogan Page Limited, Londresm 2017, p. 102-103, disponível em https://www.researchgate.net/publication/329452684_Obsoleting_planned_obsolescence [01/05/2019].

95 que estamos acostumados a consumir baseia-se no conceito chamado “obsolência planejada”. Como era de se esperar, a obsolência não é planejada por nós, consumidores – mas sim pelas empresas e pelos profissionais de marketing, para que acreditemos que os produtos devem ter uma curta vida útil, seja em virtude da necessidade de um design mais moderno ou porque simplesmente quebram. A não escolha ou a escolha de opções alternativas àquelas propostas pelo mercado pode ser causa de exclusão social – ainda que de maneira implícita. Campanhas de marketing e estratégias de design têm papéis fundamentais na implementação deste tipo de obsolescência planejada, incutindo nos consumidores a ideia de que para serem aceitos socialmente devem obrigatoriamente possuir determinado produto.

Ocorre que provavelmente esta visão não terá lugar perante as mudanças trazidas pela revolução tecnológica em curso. Iniciativas em sentido contrário, buscando o compartilhamento de produtos e recursos, já podem ser vistas em todo lugar. Finalmente, parece que a ideia de propriedade privada como requisito fundamental para ser considerado bem sucedido socialmente está prestes a cair por terra. Não à toa a palavra “privado” em grego era “idios”, posteriormente substituída por “idiotes”, que significa aquele que só cuidava de si mesmo. Ou como preferem alguns autores301, “o privado de senso”. Basear um sistema social na ideia de que devemos acumular bens e primar pela propriedade privada se mostrou uma catástrofe social, humana e ambiental. Harari preceitua que a propriedade é um pré- requisito para uma desigualdade de longo prazo.302 De acordo com Rifkin303, a era do capitalismo está perto de seu suspiro final, pois atualmente já estamos vivendo um momento de economia híbrida, parte capitalista e parte colaborativa. Enquanto a economia capitalista se sustenta numa lógica individual, privada e competitiva, a economia colaborativa se fundamenta numa perspectiva de relações grupais, cooperativas e compartilhadas.

Estas mudanças buscam responder às demandas da sociedade tecnológica, conectada e interativa.304 A Internet que conecta tudo e todos, aliada ao aumento da produtividade que poderá ocorrer na sociedade tecnológica, nos direciona cada vez mais rápido a uma era de bens e serviços que fluam livremente, causando o encolhimento do capitalismo e a ascensão dos bens colaborativos305.

Uma ferramenta fundamental para viabilizar o compartilhamento de qualquer tipo de bens, tornando este modelo de economia realmente viável e universal, é a IoT. Pois através do seu sistema de

301Cf. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito, 5ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 20. 302 Cf. HARARI, Yuval Noah. 21 lições para o século 21, op cit., p. 60. 303 Cf. RIFKIN, J. The zero marginal cost society: the internet of things, the collaborative commons, and the eclipse of capitalism, 1ª ed, New York, Palgrave Macmillan, 2014, p. 44. 304 Cf. RAMALHO, Francisco Rodolfo Xavier, e SILVA JUNIOR, Jeová Torres. A Emergência do Compartilhamento: O Futuro da Sociedade é Colaborativo?. NAU Social, UFBA, v. 7, n. 12, 2016, disponível em http://www.periodicos.adm.ufba.br/index.php/rs/article/viewFile/551/420 [01/05/2019]. 305 Cf. RIFKIN, J. The zero marginal cost society: the internet of things, the collaborative commons, and the eclipse of capitalism…, op cit., p. 80.

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“tags” é possível saber via smartphone se o objeto que se deseja utilizar está disponível ou não. Nas palavras de Bassi:

“Pegue o exemplo de uma furadeira, que você vê em muitas casas. Uma furadeira pode ser muito cara. Se levarmos em conta que a utilizaremos apenas 10 minutos de sua vida útil, o custo sairá caro por minuto de uso. Alugar em uma loja “faça você mesmo” local é bem trabalhoso. Imagine, ao invés disso, colocar um simples chip na furadeira e poder compartilha- la livremente” 306

Ademais, aliando os sistemas de IoT à nova economia, além de benefícios econômicos existirão benefícios ambientais significativos. Pesquisas apontam que com a disseminação do uso de produtos compartilhados ligados a uma rede de IoT, existirá uma economia de USS 14,4 trilhões de forma direta ou indireta – deste montante, US$ 2,7 trilhões podem ser contabilizados como economia relativa à preservação do ambiente. As soluções em IoT são capazes reduzir 9,1 bilhões de toneladas das emissões dos gases de efeito estufa até 2020.307 No mesmo sentido, podemos destacar as iniciativas voltadas para agricultura de precisão e hortas urbanas ligadas a dispositivos de IA e IoT308 – que melhoram a qualidade e quantidade dos alimentos de forma relevante, evitando desperdícios e possibilitando que as pessoas produzam um percentual de seus próprios alimentos de maneira orgânica e sustentável. A interconectividade inerente à sociedade tecnológica reforça o modelo colaborativo e compartilhado. Tal realidade é tangível e pode ser observada através das empresas que surgem ano após ano, buscando viabilizar este tipo de sistema como a BlaBlaCar, Airbnb, Uber e Catarse – que abrangem o compartilhamento de carros, imóveis e a possibilidade de financiamento coletivo. A mudança de paradigma, passando de uma economia estritamente capitalista para um modelo econômico colaborativo, pode mostrar-se benéfica e lucrativa para as empresas e fábricas, ainda que não pareça lógico – pois e elas podem investir em produtos mais duráveis, privilegiando matérias primas sustentáveis, e ganhando através de um sistema de locação compartilhada ao invés da venda direta309. Sem embargo, não são apenas bens que podem ser compartilhados. Serviços e conhecimento também têm potencial para servirem como uma nova moeda de troca na sociedade tecnológica. Bons exemplos são as plataformas TrustedHousesitters em que pessoas se oferecem gratuitamente para cuidar de casas ou animais enquanto os donos viajam e o Bliive, uma rede social voltada para trocas de conhecimento. O implemento de programas Renda Básica Universal é uma necessidade. A combinação

306 Cf. PRESSER, Mirko. Inspirando a Internet das Coisas..., op. cit., p. 12. 307Cf. PRESSER, Mirko. Inspirando a Internet das Coisas..., op. cit., p. 12. 308 Cf. FORD, Martin. Robôs. A ameaça de um futuro sem emprego..., op. cit., p. 51. 309 Cf. BOESLER, Matthew. The rise of the renting and sharing economy could have catastrophic ripple effects, in Business Insider, 12 agosto de 2013, disponível em https://www.businessinsider.com/rise-of-the-renting-and-sharing-economy-2013-8?IR=T [01/05/2019].

97 disto com as iniciativas oriundas da economia compartilhada e colaborativa podem ser a pedra angular de uma nova economia na qual os empregos tendem a ser escassos. É preciso ressaltar que a economia colaborativa e compartilhada sofre algumas críticas de economistas como Erving – que em suas pesquisas, dentro do contexto Norte Americano, acredita que tais sistemas trazem um encolhimento da economia, pois não há o consumo de novos bens e serviços. A autora acredita ainda que os trabalhadores inseridos na economia compartilhada (por exemplo, motoristas de Uber, pet sitters e anfitriões) não recebem benefícios trabalhistas e nem possuem possibilidade de crescimento vertical dentro de uma organização310, finalizando com críticas à necessidade de se estar conectado à internet para poder usufruir do compartilhamento de bens e serviços. Contudo, a não ser no que se refere aos direitos trabalhistas – que de fato merecem um estudo mais aprofundado além de normas reguladoras – as considerações da autora estão na contramão das diretrizes mundiais de desenvolvimento sustentável. Atualmente, acreditar que refrear o consumo seria maléfico pois pode causar retração econômica é uma visão considerada arcaica. Não é possivel suplantar direitos humanos importantes como a preservação do meio ambiente em prol do crescimento da economia americana. Além disso, a ideia de que todos devem almejar trabalhar em empregos formais dentro de organizações nas quais possam ascender também não se sustenta mais diante da Quarta Revolução Industrial onde os empregos serão escassos.

Outra crítica ao sistema de economia compartilhada diz respeito ao chamado paradoxo dos custos de transação – que enriquece as gigantes da tecnologia com valores embutidos sobre os serviços prestados pelos utilizadores das plataformas digitais.311 Tal crítica é legítima uma vez que, de fato, as plataformas de compartilhamento virtuais costumam ser administradas pelas grandes empresas tecnológicas. Todavia, sendo possível que as gigantes tecnológicas sejam taxadas na medida em que acumulam capital, conforme proposto neste estudo, não existiria problema com o fato de serem as controladoras das plataformas de compatilhamento, já que os tributos seriam revertidos com o propósito de sanar possíveis desigualdades. Ao que tudo indica, o potencial benéfico da economia solidária e compartilhada tende a ser maior do que seus possíveis malefícios. Por ora, os esforços devem estar concentrados em conferir dignidade laboral aos envolvidos nas plataformas de oferecimento de serviços e na aplicabilidade de políticas fiscais adequadas à nova realidade das gigantes tecnológicas.

310 Cf. ECKHARDT, G. M., e BARDHI, F. The sharing economy isn’t about sharing at all, Harvard Business Review, 2015. disponível em: https://hbr.org/2015/01/the-sharing-economy-isnt-about-sharing-at-all [01/05/2019]. 311 Cf. HENTEN, Anders Hansen, e WINDEKILDE, Iwona Maria. Transaction costs and the sharing economy, Emerald Insight, v. 18, n. 1, p. 1-15, 2016, disponível em https://www.emeraldinsight.com/doi/pdfplus/10.1108/info-09-2015-0044 [02/05/2019].

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Considerações finais

Diante de tudo o que foi narrado no presente trabalho duas afirmações podem ser feitas. A par das dúvidas acerca de percentuais e datas para que as máquinas tomem efetivamente nossos postos laborais, é patente que mais cedo ou mais tarde isto acontecerá. Esta é a primeira consideração. A segunda é que, embora alguns países estejam mais avançados do que outros quando o assunto são as tecnologias disruptivas, isso não impedirá que a Quarta Revolução Industrial acabe por se espalhar pelo mundo inteiro.

Os questionamentos são diversos, abrangendo as mais variadas áreas – e a presente dissertação não teve, de forma alguma, a intenção de esgotá-los. O que se pretendeu foi, em primeiro lugar, explorar os possíveis impactos nas questões laborais e seus reflexos em outras áreas diretamente relacionadas. E, por conseguinte, traçar caminhos baseados nos relatórios e estudos elaborados por acadêmicos, comissões parlamentares e companhias de tecnologia para saber se as consequências poderão ser benéficas a nível social ou não.

Sem embargo, também é preciso dizer que muitos tópicos importantes merecem estudos mais detalhados, como por exemplo no que se refere às lacunas de gênero no mercado de trabalho – que podem ser alargadas devido à presença dos robôs – e os reflexos da Quarta Revolução Industrial no sistema educativo. Por certo ambas são inquirições de suma importância. No entanto, por não serem o objetivo principal desta dissertação foram apenas mencionadas de forma breve.

Dito isso, o que se pode concluir é que o principal aspecto a ser verificado no que concerne à Quarta Revolução Industrial é a questão do papel do trabalho na sociedade atual. O trabalho foi o pilar fundamental para que a sociedade se desenvolvesse e se mantivesse em expansão pelos últimos trezentos anos. É certo que também pudemos observar que antes deste período o papel do labor era muito diferente, sendo uma atividade relegada tão somente às classes mais baixas e em algumas sociedades às pessoas menos privilegiadas intelectualmente.

Após todas as pesquisas utilizadas para a composição deste estudo, a impressão que fica é a de que na sociedade tecnológica será preciso encontrar um meio termo sobre o papel do trabalho na atualidade e a determinação de sua real importância.

Ao passo que nem todos pretendem utilizar seu tempo livre para praticar esportes e escrever poesias como ocorria na Grécia Antiga – até mesmo porque na atualidade o leque de opções para aplicar

99 o tempo ocioso é muito mais amplo –, é patente que existe uma tendência cada vez maior de que as pessoas procurem atividades com um distinto propósito, que promovam realização não apenas no âmbito financeiro mas também na esfera íntima. Neste sentido, é interessante salientar que os estudos buscando prever quais profissões tendem a ser mais afetadas pelas novas tecnologias são unânimes em afirmar que profissões mecanizadas possuem um risco muito maior a curto prazo (embora todas as demais também estejam ameaçadas). Partindo deste pressuposto, vale ressaltar que as profissões em tempos de Quarta Revolução Industrial devem estar além do que simplesmente algo penoso e enfadonho com o fito único de prover o sustento.

Portanto, conclui-se que muito provavelmente o valor do trabalho há de ser relativizado. A principal controvérsia quanto à relativização do status das profissões – e do valor desempenhado por cada indívíduo dentro do contexto laboral entronca na forma como lidaremos com isso, se positiva ou negativativamente.

Tornar a Quarta Revolução Industrial uma mudança socialmente favorável é uma escolha que deverá ser feita primordialmente pelos governantes e pelos grandes empresários do setor da indústria e tecnologia. Contudo, a mudança deverá passar também por cada um de nós na esfera individual. A perda de protagonismo do trabalho como conhecemos hoje na economia, e as consequências disso no tecido social, poderão ser algo positivo se as pessoas forem incentivadas a buscar ocupações que sejam benéficas para a coletividade, para o meio ambiente e para si mesmas, ainda que isto resulte numa contrapartida financeira menor.

É certo que, para que esta nova revolução tecnológica não acabe por tornar o mundo um lugar pior e mais desigual, modificações estruturais deverão ser realizadas. Neste aspecto, concentramos o estudo em algumas bases fundamentais. A criação de um sistema de Renda Básica Universal, a aplicação de uma nova forma de arrecadação tributária, a criação de regramentos sobre tecnologias disruptivas que ultrapassem as fronteiras geográficas dos países, e por fim o incentivo à novas formas de consumo.

Com relação à Renda Básica Universal, esta se faz importante para que mesmo dentro de sociedades com empregos escassos as pessoas possam continuar a ter suas necessidades supridas de alguma forma. Muitas arestas ainda precisam ser aparadas quando o assunto é a aplicação de um sistema de renda básica. A princípio, o implemento de tal sistema dentro de um valor acima do salário mínimo e sem a imputação de condicionantes parece ser o que melhor funciona. Porém os estudos visando sanar tais indagações ainda estão em fases preliminares, não sendo possível afirmar exatamente

100 qual modelo se adequaria melhor ao cenário apresentado pela Quarta Revolução Industrial. Todavia, excluindo as minúcias quando ao modelo a ser adotado, podemos asseverar que algum tipo de programa deste tipo há de ser aplicado, sob pena de que, caso contrário, sejam criados bolsões de pobreza nos países em que o desenvolvimento das novas tecnologias se dê de forma mais lenta ou pouco abrangente.

Já no que tange à questão dos tributos, a conclusão é de que, ainda que soe ousada a criação de tributos ultrapassando as fronteiras políticas e geográficas dos Estados, ao que tudo indica, esta será a única solução para que não passem a existir polos de concentração tecnológica nos lugares em que a carga tributária for mais vantajosa para as empresas que prefiram utilizar mão de obra robótica ao invés da humana, gerando desigualdades. Importante mencionar também que a tendência apresentada pelas gigantes tecnológicas é oferecer cada vez menos postos de trabalho, obtendo cada vez mais lucro. Por isso a criação de tributos sobre o capital é medida imperiosa e urgente nesta área. Outro ponto significativo dentro do domínio fiscal é a possibilidade da criação de políticas de compensação fiscal – como o chamado Imposto de Renda Negativo – buscando subsidiar programas de Renda Básica Universal.

No tocante à parte legal, há a necessidade de elaboração de regramentos e normas que ultrapassem as fronteiras geográficas e políticas – isto porque as novas tecnologias por certo as ultrapassarão. Assim como citado em relação aos tributos, Estados que contem com uma legislação mais flexível e favorável ao trabalho robótico poderiam atrair para si todas as empresas de determinados setores. Outrossim, a necessidade de normas globais ocorre até mesmo perante questões menores, como por exemplo, ultrapassar fronteiras entre países com um veículo autônomo, ou a validade de contratos inteligentes quando os bens são deslocados de um Estado para o outro. Portanto, é imperioso que as diretrizes normativas sejam traçadas de forma mais ampla e abrangente do que tem sido feito normalmente, porventura na forma de tratados internacionais.

Os três aspectos supracitados dependem quase que exclusivamente de esforços legislativos e governamentais. Muito embora na maioria dos países os legisladores e governantes sejam representantes eleitos, é impossível para a população atuar de forma enérgica nestas questões. O máximo que se pode faze é cobrar os representantes para que atuem de forma eloquente com os interesses de quem os elegeu. Já o quarto aspecto, concernente ao consumo, está mais ligado à esfera individual e também é medida importante a ser tomada com o advento da Quarta Revolução Industrial.

A consequência óbvia diante da diminuição dos postos de trabalho remunerados é a diminuição do consumo. O que poderia ser uma tragédia – visto que o crescimento econômico tem como pedra

101 fundamental a necessidade ininterrupta de consumo. Porém, como alternativa, as novas tecnologias trazem consigo inovações importantes capazes de proporcionar uma nova forma de consumir. A tônica desta mudança está na possibilidade de compartilhamento, na capacidade de se evitar o desperdício, e na busca por soluções sustentáveis. Plataformas de compartilhamento de bens já são comuns atualmente. A diferença é que com a aplicação mais abrangente de IA e IoT será possível o compartilhamento de uma variedade muito maior de produtos. Desta maneira o capital continuará circulando – só que em outros termos. Em igual sentido, as tecnologias disruptivas são capazes de proporcionar um controle muito maior para que se evite o desperdício de produtos utilizados individualmente, ou até mesmo através do transporte por longas distâncias.

No que concerne à questão da sustentabilidade, é mister destacar que esta pode ser aventada em várias frentes. Primeiro sobre a produção: a fabricação de bens mais duráveis, visando o compartilhamento, bem como a eficiência proporcionada pelos trabalhadores robôs, evitando o desperdício, são boas propostas para imprimir o modelo de gestão sustentável nas indústrias e nas empresas. Já sobre a produção de alimentos é possível afirmar que a agricultura de precisão é uma das grandes promessas trazidas pela incursão dos robôs no campo.

Em segundo lugar, é preciso adotar uma postura individualmente sustentável. A atuação sustentável ultrapassa as barreiras da produção e do consumo, tendo seus principais reflexos na vida privada. Perante uma realidade futura na qual empregos podem ser escassos, utilizar o próprio tempo cuidando de crianças ou idosos, colaborando com iniciativas de preservação ambiental, ou buscando simplesmente estudar e se aperfeiçoar como ser humano, podem ser consideradas atitudes muito mais úteis e sustentáveis do que passar oito horas por dia executando uma tarefa carente de sentido, unicamente com o objetivo de receber qualquer contrapartida financeira, muitas vezes insuficiente.

Para que o advento da Quarta Revolução Industrial não seja uma completa catástrofe no que tange aos direitos humanos, aumentando ainda mais as desigualdades, o implemento de políticas públicas para a prevenção de impactos é altamente recomendável. Mas mais importante é que nós mesmos deixemos de ser os “robôs programados” apenas para trabalhar, trabalhar, trabalhar e consumir, consumir, consumir. Passar para as máquinas os postos de trabalho que hoje cremos ser o objetivo de nossas vidas, talvez seja a melhor coisa que já aconteceu em toda a história. Tomemos as rédeas de nossa humanidade. Sejamos de fato o homo sapiens (homem sábio) que devemos ser e criemos uma nova sociedade sem as disparidades criadas pelo sistema de exploração da força de trabalho que perdurou pelos últimos anos. A revolução tecnológica pode nos levar ao abismo – ou então

102 melhorar as condições globais de maneira ímpar. A escolha do futuro que desejamos dependerá exclusivamente de nossos atos no momento presente.

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