A Consagração Dos Naturais
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LUÍS PEDROSO DE LIMA CABRAL DE OLIVEIRA A CONSAGRAÇÃO DOS NATURAIS DIREITO(S) E ELITES NATURAIS CATÓLICAS EM GOA (1780-1880) Dissertação com vista à obtenção de grau de Doutor em Direito na especialidade de História do Direito. Orientador: Doutor António Manuel Hespanha, Professor da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa Novembro 2014 ii Declaro que o texto que apresento é da minha autoria, sendo exclusivamente responsável pelo respetivo conteúdo e citações efetuadas, e que toda a utilização de contribuições ou textos alheios está devidamente referenciada. iii iv “Eis a cidade morta, a solitária Goa! Seis templos alvejando entre um palmar enorme! Eis o Mandovy-Tejo, a oriental Lisboa! onde, em jazigo regio, immensa gloria dorme. Torres da catedral, que lugubres sonidos manda o sonoro bronze aos eccos da floresta? e a coma da palmeira a modular gemidos, como se um funeral passasse em torno á festa! Ó musicas, tangei! retumba, artilharia! Ó multidão, aclama o viso-rei que passa! Cáe, flor do tamarindo! a rua é tão sombria!... Cajueiro, deixa ao sol que inunde a immensa praça! Que fazes tu de pé, arco das grandes eras? Que te sustem no ar, abobada, que scismas?! Passaram para nós as floreas primaveras, as musicas da gloria, a luz dos aureos prismas! Portico arrendilhado, orgulho da espessura, tão nobre, velho e nu… cobri-o, trepadeiras! deixai-vos afundir no oceano de verdura que sobe e cresce e abysma as grimpas derradeiras. Jaz em tristeza immersa a tetrica cidade! O turbilhão dourado, o estrondear da festa, involve-os em seu crepe a mystica saudade, e abysma-os no mysterio a pavida floresta. Gentio triste e nú, que páras e pasmas de ver pisar sem bulha as vírides alfombras: a gala na solidão é brilho de phantasmas! a festa no deserto é voltear de sombras. v Nós somos do passado a timida memoria buscando os seus avós no palmeiral funéreo, que apenas sobre-doira um ténue albor de gloria como de fatua luz se esmalta um cemiterio. D’aqui a pouco, á noite, hão-de entoar os ventos na sonorosa palma um cantico plangente; e projectar-se ao largo as sombras dos mo(v)imentos ao pallido clarão da lâmpada doente. Rajás de Bisnagar, a vossa Goa é nada! Filhos de Siva-Rai, é sombra o vosso imperio! a flor do Mandovy cae murcha e desfolhada! a filha d’um jardim tapiza um cemiterio! Memorias!... Nada mais, sombrios monumentos? Saudades?... Oh! não basta, homericos vestígios! Remorsos… mas são vís e estereis os lamentos! Esp’rança!... eis o segredo, a vara dos prodigios! A esp’rança é fonte e sol, manancial e origem; Deus sabe quando finda a serie dos tormentos; nem sempre a cerração e a livida vertigem! Esp’rae por honra nossa, altivos monumentos! (…) Mas, se o formoso sol que a minha mente sonha Não rompe a cerração, nem calma adversos ventos; roubando-nos á luz, poupae-nos á vergonha! Cahide sobre nós, heroicos monumentos.” Tomás Ribeiro (1870) vi Panorâmica de Pangim e em primeiro plano retrato de um “canarim” (goês católico) – óleo da coleção do Governo Regional da Madeira vii viii Para os meus Pais e o meu Padrinho. ix x Agradecimentos Os agradecimentos são, com certeza, como também agora acontece, uma das partes mais amenas e aprazíveis no processo de escrita de uma dissertação. Por um lado, indiciam o término de uma longa caminhada; por outro, permitem, sempre agradável, memorar quem, neste périplo, nos acompanhou mais de perto. O presente trabalho deve muito a muita gente. Mas relembraremos, aqui, apenas aqueles, de entre tantos, que estiveram mais presentes ao longo da sua elaboração. Uma primeira referência, justíssima, para o meu orientador, o Professor Doutor António Manuel Hespanha. Integrei a sua equipa logo dois dias após a conclusão da minha licenciatura, e desde então tenho aprendido, permanentemente, com as suas lições, também através do seu exemplo. Devo-lhe a escolha de Goa como tema de investigação, bem como o acompanhamento, sempre atento, ao longo de todo este processo de estudo. O saber imenso, a disponibilidade inteira, a sua infindável paciência, a solidariedade sempre mostrada, as leituras críticas, as análises francas, as sugestões que ajudaram a ultrapassar indecisões, as palavras de alento nos momentos mais complicados e as chamadas à ordem sempre que necessário foram uma constante, indispensável, ao longo destes anos. Uma muito particular palavra para a Professora Doutora Maria de Jesus dos Mártires Lopes, para Percival Noronha e para Pedro do Carmo Costa. Se aprendi a gostar verdadeiramente de Goa, e a compreender as suas elites naturais católicas, a eles o devo. Maria de Jesus dos Mártires Lopes, para além dos ensinamentos, abriu portas, franqueou arquivos e estabeleceu contactos que me fizeram sentir em casa desde o primeiro momento em que pisei terra goesa. As longas horas de animada conversa que – dia após dia, mês após mês – mantive com Percival Noronha permitiram-me conhecer o passado e o presente de Goa de uma forma inalcançável de outro modo. Relembrarei sempre com grande simpatia aqueles fins de tarde na sua casa das Fontainhas, depois de mais uma incursão pelos arquivos e bibliotecas. Percival Noronha teve ainda a amabilidade de xi me disponibilizar a sua rica livraria pessoal e emprestar-me os manuscritos de Gomes Catão, os quais se revelaram da maior importância para a construção das genealogias das elites naturais católicas que acompanham este trabalho. Com Pedro do Carmo Costa aprendi muito do que sei sobre as dinâmicas das referidas elites, com ele aprofundei longamente inúmeros aspetos relativos à Goa de outrora. Descendente de várias das mais antigas estirpes naturais católicas das Velhas Conquistas, o Pedro, não raro, funcionou como uma ponte entre as Ilhas, Bardez e Salsete – dos séculos XVIII e XIX – e a Lisboa da nossa geração. Mas a este pequeno núcleo há, indispensavelmente, que agregar o nome de Ernestina Carreira, que desde que nos conhecemos acompanha, com enriquecedora atenção, o meu trabalho de investigação. Em terras de Goa, não é possível esquecer os nomes de Gustavo Monteiro (interlocutor privilegiado em matérias históricas, genealógicas e jurídicas), Anita e Diogo Fernandes e respetiva família, Céu e Luís Abreu, Maria de Lourdes Bravo da Costa, António Manuel Pereira, Jason Keith Fernandes, padre Délio Mendonça, Fátima Gracias, José Miguel Lume, Giulia Tabacco, Delfim Correia da Silva e a equipa do Instituto Camões, Maria de Lourdes Figueiredo de Albuquerque, Paulo Varela Gomes e os colaboradores da delegação da Fundação Oriente em Pangim. Em terras portuguesas, Cristina Nogueira da Silva, Ângela Barreto Xavier, Sandra Ataíde Lobo e Gil Menezes. Mais o Professor Doutor Artur Teodoro de Matos. E a equipa do CEDIS. Isto sem esquecer José Moura Ferreira e Manuel Campos de Magalhães, que começaram a trabalhar recentemente nestas matérias. Também os Professores Doutores Pinto Bronze e Rogério Soares, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, bem como a equipa da biblioteca dessa instituição, que tantas horas dedicou à busca dos livros e opúsculos que, recorrentemente, lhe ia solicitando, ainda a biblioteca da Faculdade de Economia coimbrã. Sem esquecer o departamento de ciências jurídicas do Instituto Politécnico de Leiria, na pessoa dos Professores Doutor Eugénio Lucas e João Poças Santos. Em paralelo, a equipa de colegas com quem estudo as relações entre direito e literatura em Goa: Helder Garmes, Everton V. Machado e Paul Melo e Castro. Para todos, o meu muito obrigado. xii Agradeço ainda à Fundação Calouste Gulbenkian e à Fundação para a Ciência e Tecnologia os subsídios concedidos, que foram de grande importância para o desenvolvimento da minha investigação. Uma nota final para a família e a mão-cheia de amigos mais próximos. Tolerantes com as minhas ausências, apoiando nos momentos em que o trabalho parecia infindável, críticos quando necessário – então, essa tese nunca mais fica pronta? – a sua presença foi uma constante e indispensável força motivadora. Não tenho de os nomear, eles sabem perfeitamente quem são. Destaco, apenas, a minha Irmã, o meu Padrinho e os meus Pais. Nesta longa jornada de Lisboa a Goa, todos foram, em todo tempo, angras seguras espalhadas ao longo da rota. A sua presença, os seus conselhos, a sua colaboração (e mesmo os seus justos ralhetes) revelaram-se essenciais para o sucesso do périplo. Sempre na certeza – e felizmente para todos os que prazenteiramente cedem aos fumos da Índia – de que o regresso de uma viagem a Goa é sempre prelúdio de muitas outras a realizar no futuro! xiii xiv Principais abreviaturas usadas AHD/MNE – Arquivo Histórico Diplomático/Ministério dos Negócios Estrangeiros AHU – Arquivo Histórico Ultramarino ANTT – Arquivo Nacional Torre do Tombo AUC – Arquivo da Universidade de Coimbra HAG – Historical Archives of Goa SGL – Sociedade de Geografia de Lisboa STA – Supremo Tribunal Administrativo STJ – Supremo Tribunal de Justiça XCHR – Xavier Centre of Historical Research (Porvorim, Goa) O corpo da presente tese, incluindo espaços e notas, ocupa um total de 1.244.306 carateres, o que é permitido pela deliberação adotada pelo Conselho Científico em 18 de junho de 2014, na qual se determinou “estender aos doutorandos que entreguem a sua dissertação em 2014 o regime transitório acima referido, admitindo as suas teses independentemente da sua dimensão”. xv xvi Resumo É impossível avaliar um instituto jurídico descontextualizado do seu âmbito sociocultural e económico de aplicação – essa é a tese que desde há muito vem sendo defendida por António Manuel Hespanha. Consideramos que tais considerações são igualmente aplicáveis, mutatis mutandis, aos agentes do direito (magistrados, advogados, notários, escrivães e demais funcionários judiciais) que viveram e trabalharam num determinado tempo e contexto. O nosso principal desígnio foi, assim, procurar entender como terão atuado esses agentes do direito num enquadramento e época particulares: na Goa dos finais do século XVIII e ao longo do século XIX.