VII Encontro Brasileiro de Administração Pública, Brasília/DF, 11, 12 e 13 de novembro de 2020

VII Encontro Brasileiro de Administração Pública ISSN: 2594-5688 [email protected] Sociedade Brasileira de Administração Pública

Mineração e CFEM em : realidades e utopias na promoção do desenvolvimento territorial sustentável?

Angélica Cidália Gouveia dos Santos, Patrícia Daniela Souza dos Anjos, Armindo dos Santos de Sousa Teodósio, Patrícia Bernardes

Disponível em: http://ebap.sbap.org.br/

Resumo: A autorização para atividades de exploração mineral, concedida às mineradoras, requer, como contrapartida, o pagamento da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), cujo objetivo é compensar e minimizar os efeitos decorrentes dessas atividades nas localidades afetadas por elas. Esse retorno financeiro deve ser aplicado em políticas inclusivas de educação, saúde, habitação e infraestrutura. Levanta-se a questão se os municípios mineradores localizados no estado de Minas Gerais têm conseguido promover o desenvolvimento territorial sustentável a partir das receitas econômicas oriundas da CFEM. Foram coletados dados dos índices IFDM (Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal), da CFEM (Compensação Financeira Pela Exploração Mineral), e da RCL (Receita Corrente Líquida) de oito municípios que fazem parte do Quadrilátero Ferrífero: , Congonhas, , , Mariana, , e São Gonçalo do Rio Abaixo. Os resultados indicam que os municípios analisados estão longe de uma prática de mineração com bases sustentáveis, assim como da redução, ou até mesmo, eliminação dessa atividade como principal fonte de renda, tanto por parte das prefeituras quanto de seus habitantes.

Palavras-chave: Mineração; CFEM; Poder Local; Sustentabilidade; Desenvolvimento Territorial.

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Mineração e CFEM em Minas Gerais: realidades e utopias na promoção do desenvolvimento territorial sustentável?

Resumo: A autorização para atividades de exploração mineral, concedida às mineradoras, requer, como contrapartida, o pagamento da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), cujo objetivo é compensar e minimizar os efeitos decorrentes dessas atividades nas localidades afetadas por elas. Esse retorno financeiro deve ser aplicado em políticas inclusivas de educação, saúde, habitação e infraestrutura. Levanta-se a questão se os municípios mineradores localizados no estado de Minas Gerais têm conseguido promover o desenvolvimento territorial sustentável a partir das receitas econômicas oriundas da CFEM. Foram coletados dados dos índices IFDM (Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal), da CFEM (Compensação Financeira Pela Exploração Mineral), e da RCL (Receita Corrente Líquida) de oito municípios que fazem parte do Quadrilátero Ferrífero: Brumadinho, Congonhas, Itabira, Itabirito, Mariana, Nova Lima, Ouro Preto e São Gonçalo do Rio Abaixo. Os resultados indicam que os municípios analisados estão longe de uma prática de mineração com bases sustentáveis, assim como da redução, ou até mesmo, eliminação dessa atividade como principal fonte de renda, tanto por parte das prefeituras quanto de seus habitantes.

Palavras-chave: Mineração; CFEM; Poder Local; Sustentabilidade; Desenvolvimento Territorial.

Introdução A exploração mineral em territórios é factível mediante concessão dada pelos municípios, estados e União às empresas mineradoras. A contraprestação da utilização econômica desses recursos minerais é feita por intermédio da CFEM (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais), um royalty mineral que as empresas pagam ao Estado para compensar os efeitos das atividades de exploração ou extração de recursos minerais. Segundo Enríquez (2007) a arrecadação deve estar em acordo com a disponibilidade (escassez) e renda proporcionada pelo minério a ser explorado. Os recursos advindos da CFEM devem ser aplicados em projetos voltados para o desenvolvimento da comunidade local através de ações nas áreas da educação, saúde, habitação e infraestrutura, não podendo ser usados em prol do pagamento de dívida ou no quadro de pessoal. Tendo em vista a finitude do minério, a lógica seria de investir e atrair novos setores produtivos para os municípios. Ao se falar em desenvolvimento territorial sustentável, é preciso levar em consideração a conciliação das práticas humanas e dos recursos disponíveis. Nas últimas décadas têm crescido estudos sobre o desenvolvimento sustentável e a sustentabilidade, e a proposição de movimentos alternativos como o Bem Viver que focaliza a relação profunda

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com o lugar onde se habita, preservando os modos de vida, artes, cultura, danças, músicas (Alcântara & Sampaio, 2017). A questão levantada neste artigo é, portanto, se municípios mineradores localizados no estado de Minas Gerais têm conseguido promover o desenvolvimento territorial sustentável a partir das receitas econômicas oriundas da CFEM. Para tanto, este trabalho foi dividido em alguns tópicos, começando por esta introdução e seguido pela revisão literária com a promoção de discussões acerca das contradições do termo desenvolvimento sustentável e a ascensão de novas abordagens possíveis para o estudo da relação homem-natureza. Dando sequência, foi desenhado o percurso metodológico e realizada a análise dos dados coletados através do indicador IFDM (Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal). Por último, foram tecidas as conclusões da pesquisa, destacando a relevância do estudo em si, lacunas e propondo novos estudos.

1 Revisão de Literatura

1.1 Caminhos e Descaminhos para o alcance do desenvolvimento

A visão clássica de desenvolvimento, em que predomina a crença na existência de crescimento perpétuo e progressivo, tem dado lugar a proposição de alternativas para garantir um desenvolvimento cada vez mais sustentável. Deste modo, alguns países têm investido em novos paradigmas socioeconômicos que consideram a relação sociedade e natureza como indissociáveis (Alcântara & Sampaio, 2017). Embora o termo “desenvolvimento sustentável” seja bem difundido, vários debates têm emergido na literatura questionando a sua validade como modelo em si. As contradições começam na definição do conceito, uma vez que há várias correntes com definições que divergem quanto a aspectos centrais de análise, acentuando, portanto, a complexidade do tema. Segundo Laville (2005), mesmo que se admita a legitimidade do desenvolvimento sustentável, as interpretações sobre o seu alcance estão abertas, bem como a solidariedade que isso implica. A historicidade do termo tem seu marco nos anos 1980, mais especificamente em abril de 1987, durante a chamada Comissão Brundtland que foi presidida pela médica Gro Harlem Brundtland. Ao final do evento, foi publicado o relatório “Nosso Futuro Comum” que trouxe ao discurso público o seguinte conceito de desenvolvimento sustentável: “O desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento que encontra as necessidades atuais sem comprometer a habilidade das futuras gerações de atender suas próprias necessidades” (ONU, 1987).

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Para Baroni (1992), um dos objetivos da proposta de Brundtland é a preocupação em eliminar permanentemente a pobreza a partir da conservação e elevação da base de recursos. Partindo-se dessa concepção, surge uma questão polêmica envolvendo esse objetivo: “o que garante que a pobreza seja eliminada com a abundância de recursos? Por que não se eliminou a pobreza quando havia muito mais abundância de recursos? Por que haveria agora esta garantia?” (Baroni, 1992, p. 18). Essas são perguntas que ainda não puderam ser respondidas. Além disso, incorporar apenas a dimensão ambiental nas estratégias e projetos de crescimento econômico não garante que haja promoção do desenvolvimento sustentável ou melhoria das condições de vida dos pobres e desprovidos (Rattner, 1991). Para Lévesque (2009), a análise a ser feita deve englobar outra matriz de desenvolvimento que permita associar a conservação do meio ambiente e promoção, cada vez maior, de equidade social e geográfica. Desse modo, o autor aponta que são feitos dois discursos: a versão forte e a versão fraca de desenvolvimento sustentável. No primeiro, “o desenvolvimento sustentável apresenta um conteúdo específico (substantivo)” (Lévesque, 2009, p. 126). Já na versão fraca, “o conceito é ao mesmo tempo um recipiente e um meio sem conteúdo específico (procedural)” (Lévesque, 2009, p. 126). O conteúdo específico da versão forte, de acordo com Gendron (2005), advém dos princípios debatidos na Conferência do Rio de 1992 e pela Agenda 21, que são: prioridade às gerações futuras e a integração das dimensões econômica (meio), social (finalidade) e ambiental (condição). O que se propõe é um conceito de desenvolvimento sustentável que leva em consideração a economia como um meio ou instrumento que responda às exigências da sustentabilidade e não somente o vetor ambiente nas políticas setoriais para uma transversalidade quanto à equidade e integridade ecológica (Lévesque, 2009). Assim, para Laville (2005), o desenvolvimento sustentável só se materializa, transformando-se em avanços concretos, a partir do fortalecimento das esferas não-mercantis (ajuda financeira do poder público) e não-monetárias (voluntariado) inseridas e sendo articuladas em mercados regulados. Por sua vez, a versão fraca tem sua âncora numa definição de economia mais formal na qual o capital natural (recursos naturais) e o capital técnico são substituíveis, ou seja, se parte do primeiro desaparecer, facilmente poderá ser compensado pelo segundo, pois o mecanismo do mercado juntamente com a capacidade de autorregulação das empresas permitiria essa substituição (Lévesque, 2009).

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Segundo Lelé (1991), o sentido literal de desenvolvimento sustentável é aquele desenvolvimento que pode ser continuado. Para uns é representado pelo número do PIB e, para outros, inclui algum fenômeno social desejável. Decorrem, portanto, algumas possíveis perguntas-chave como: “O que deve ser sustentável? Por quê? Para quem?” (Baroni, 1992, p. 24). Outros dois termos também são comumente encontrados na literatura: sustentabilidade ecológica e sustentabilidade. Embora possuam significados distintos, muitas vezes são confundidos e usados com os mesmos sentidos (Baroni, 1992). A sustentabilidade ecológica, consoante Lélé (1991), diz respeito às condições ecológicas necessárias para dar suporte à vida humana, especialmente às futuras gerações, através de um nível específico de bem-estar. Já a sustentabilidade é um conceito mais macro, atrelado ao território com vistas a um alcance maior. Logo, exige uma mudança sistêmica, de padrão civilizacional que abranja aspectos: sociais, territoriais (relação dos povos), políticos (participação democrática dos atores do território), culturais (cultura como modo de vida), ambientais e econômicos. Diante dos debates existentes sobre o desenvolvimento sustentável, uma das questões que é colocada hoje passa a ser não mais a contradição entre desenvolvimento e preocupação ambiental, mas sim, como o desenvolvimento sustentável pode ser realmente sustentável como modelo e, também, como pode ser alcançado (Baroni, 1992; Lelé, 1991). A partir dos posicionamentos aqui elencados, Baroni (1992) afirma que é preciso ter cuidado ao usar o conceito de desenvolvimento sustentável já que as ambiguidades são muitas e os conflitos sociais e econômicos pelo uso dos recursos naturais não são claramente explicitados tendo em vista a diversidade de interesse dos atores sociais envolvidos. A autora ainda pontua que o debate sobre a sustentabilidade é muito produtivo por considerar diversas perspectivas, configurando em um novo paradigma social econômico. Tendo em vista que o atual modelo se mostrou insustentável, promover a discussão ampla da sustentabilidade pode contribuir para a definição do conceito de desenvolvimento sustentável (Baroni, 1992). Outros movimentos alternativos ao desenvolvimento territorial sustentável têm emergido. Destacam-se propostas como: “o decrescimento”, forma alternativa para superar o consumismo; o “slow”, que é uma revolução cultural que questiona a velocidade do ritmo da vida, ou seja, propõe que as coisas devem ser feitas na velocidade adequada ao ritmo da vida; a “economia solidária”, “turismo comunitário”, “soberania alimentar” e o “Bem Viver” (Honoré, 2013; Alcântara & Sampaio, 2017).

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Os modelos que emergem visam reconstruir uma nova visão de modelo econômico baseado no equilíbrio, bem-estar e sustentabilidade, levando em consideração aspectos das formas de organização e culturas locais.

1.2 Uma mineração mais sustentável? De acordo com o Atlas: Mapeando os Objetivos Sustentáveis da Mineração, a mineração é uma indústria global e está frequentemente localizada em áreas remotas, ecologicamente sensíveis e menos desenvolvidas, que incluem diversos territórios, inclusive os indígenas. Quando gerida de forma adequada, pode criar empregos, estimular a inovação e trazer investimentos e infraestrutura em uma escala de mudanças de longo prazo. No entanto, se mal administrada, a mineração pode também levar à degradação do meio ambiente, ao deslocamento de populações, à desigualdade e aumento de conflitos, entre outros desafios (PNUD, 2017). O Brasil apresenta durante sua história uma íntima relação com a busca e o aproveitamento de seus recursos minerais, que sempre contribuíram com importantes insumos para a economia nacional, fazendo parte da ocupação territorial e da história nacional. A mineração é um dos setores básicos da economia do país, contribuindo de forma decisiva para o bem-estar e a melhoria da qualidade de vida das presentes e futuras gerações, sendo fundamental para o desenvolvimento de uma sociedade equânime, desde que seja operada com responsabilidade social (Faria, 2002). Segundo a classificação internacional adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU), define-se mineração como sendo a extração, elaboração e beneficiamento de minerais que se encontram em estado natural: sólido, como o carvão e outros; líquido, como o petróleo bruto; e gasoso, como o gás natural. Nesta acepção mais abrangente, inclui a exploração das minas subterrâneas e de superfície (ditas a céu aberto), as pedreiras e os poços, incluindo-se aí todas as atividades complementares para preparar e beneficiar minérios em geral, na condição de torná-los comercializáveis, sem provocar alteração, em caráter irreversível, na sua condição primária (Carvalho et al., 2009). Uma característica do desenvolvimento com base na exploração mineral é a geração de indústrias secundárias e terciárias, que não sejam apenas de extrativismo, o que representa não apenas o crescimento econômico, mas também, o desenvolvimento como um todo da região na qual grandes projetos de mineração estão em atividade (Carvalho et al., 2009). Quando os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) são considerados no contexto da atividade mineradora, observa-se que, historicamente, a mineração tem

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contribuído com muitos dos desafios que os ODS procuram resolver (PNUD, 2017). Sendo assim, como desenvolver uma mineração mais sustentável? De acordo com Carvalho, Carvalho, Júnior & Abrahim (2009), grandes líderes e empresas estão buscando introduzir o conceito de mineração sustentável baseados em suas atividades de responsabilidade social e sustentabilidade, visto que seus projetos de mineração revigoram as economias dos municípios e trazem consigo desenvolvimento e ao mesmo tempo usufruem de recursos finitos. Nesse sentido, algumas empresas buscam promover projetos de geração de rendas que possam manter por si só a comunidade (Carvalho et al., 2009). Empresas mineradoras vêm investindo em projetos direcionados ao artesanato, agricultura e corte e costura, muitas vezes aproveitando uma vocação do município, contudo essas atividades representam apenas deveres e contribuições de empresas mineradoras, e não é possível afirmar que a atividade de extração mineral está realmente ligada a sustentabilidade. O que existe é o incentivo ao desenvolvimento sustentável dos municípios, porém a atividade de mineração não se renova, assim o conceito de “Mineração Sustentável” deve ser discutido por todos, pois, ainda não se destacaram verdadeiros líderes sustentáveis, que devem ter coragem de defender as mudanças que não irão agradar a todos, mas devem ser implantadas (Carvalho et al., 2009). Segundo Enríquez e Drummod (2007), conciliar mineração e desenvolvimento sustentável para a atual geração depende da ampliação do “nível de bem-estar socioeconômico” e minimização dos danos ambientais e, para as futuras gerações, a condicionante é a geração de “riqueza alternativa que compense os recursos exauridos”. Neste caso, avalia-se que esta abordagem tem uma interface com o ODS 1 (erradicação da pobreza) em razão da capacidade de o setor mineral gerar receitas, por exemplo. Também há correlação com o ODS 8 (trabalho digno e crescimento econômico), tendo em vista que as ações vinculadas podem impulsionar a core business diversificação econômica. Quanto ao ODS 17 (parcerias e meios de implementação), a análise dos autores alinha-se ao entendimento de que as mineradoras podem desempenhar um relevante papel na formação de parcerias público- privadas. Com relação às gerações futuras, sem encontrar alternativas de fontes de energia e de outros recursos minerais, o nível de consumo dos recursos exauríveis pode forçar as futuras gerações a terem um padrão de vida inferior (Enríquez & Drummod, 2007). Nesse sentido, a abordagem sobre o desenvolvimento sustentável pode ser associada com a abordagem do Bem Viver na busca por alternativas que reduzam a destruição ambiental e promovam a

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diversificação econômica, através de propostas voltadas para as áreas da educação, saúde, habitação e infraestrutura, lançando luzes para o futuro. Sob a perspectiva de desenvolvimento sustentável e do sentido do Bem Viver expostos anteriormente, o presente estudo busca avaliar se a atividade mineradora tem contribuído para o desenvolvimento socioeconômico dos municípios mineradores que obtiveram as maiores receitas provenientes da CFEM em Minas Gerais, no período entre 2010 e 2016.

2 Percurso Metodológico

A pesquisa, de natureza exploratória e abordagem qualitativa, foi feita no período de setembro a outubro de 2019 a partir da coleta de dados dos índices IFDM (Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal), da CFEM (Compensação Financeira Pela Exploração Mineral), e da RCL (Receita Corrente Líquida) disponíveis nos sítios eletrônicos do IBRAM, IBGE e do movimento Compara Brasil. A amostra utilizada compreende oito municípios: Brumadinho, Congonhas, Itabira, Itabirito, Mariana, Nova Lima, Ouro Preto e São Gonçalo do Rio Abaixo. Esses municípios fazem parte da região denominada Quadrilátero Ferrífero que está localizada no centro-sul do estado de Minas Gerais. A região possui uma extensão de aproximadamente 7 mil quilômetros quadrados e é considerada a maior produtora nacional de minério de ferro, sendo responsável por 60% de toda a produção nacional. Além disso, ela ainda se destaca na produção de ouro e manganês (Castro, Nalini Júnior & Lima, 2011). Os municípios dessa região têm uma população que corresponde cerca de 22% da população do estado e a sua produção abrange 26,8% do PIB de Minas Gerais (UFOP, 2018). Buscou-se analisar a dependência dos municípios em relação à atividade mineral e para isso foi feita a relação entre o volume de recebimentos da CFEM e as respectivas RCL municipais. Analisou-se ainda, a evolução do desenvolvimento socioeconômico dos municípios através dos resultados do índice IFDM e de seus componentes. A análise compreendeu os anos de 2010, 2012, 2014 e 2016.

2.1 Dependência Mineral dos Municípios

Segundo Enríquez (2007), as receitas municipais provenientes da mineração são compostas pela Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) e por uma série de outras receitas provenientes do ISSQN (recolhido pelas empresas que prestam serviços à companhia mineradora); do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) -

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relativo aos imóveis utilizados pela companhia mineradora na sede do município; do incremento do Valor Adicionado Fiscal (VAF) e, consequentemente, aumento do repasse do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), do movimento produtivo gerado pelas firmas contratadas (e por outras contratadas das contratadas) e pela massa de salários que irriga o mercado local. Ainda pode haver outras formas de geração de renda resultantes de acordos e convênios de cooperação entre as companhias mineradoras, prefeituras e sociedades locais. Como o grau de dependência de um município em relação à atividade mineradora é medido pela participação das rendas provenientes da mineração no total da receita do município, temos que, este grau é tanto maior quanto maiores forem as proporções dessas rendas (Enríquez, 2007). Nesse sentido, ainda de acordo com Enríquez (2007), uma elevada proporção da renda mineral no município sinaliza que outras atividades produtivas têm importância restrita, o que também reforça a situação de dependência pela falta de alternativa de emprego e de ocupação. Uma medida exata do grau de dependência da mineração de um município é bastante complexa e difícil de se obter por necessitar de dados, muitas vezes com acesso restrito. Para realização de uma análise preliminar do grau de dependência da mineração dos municípios objetos desta pesquisa, foi utilizada uma medida simplificada que considera apenas a proporção do volume recebido de CFEM per capita por município sobre a RCL (Receita Corrente Líquida) per capita municipal, para os anos de 2010, 2012, 2014 e 2016. No período analisado (Gráfico 1), foi possível observar que a maioria dos municípios detêm uma forte dependência dos recursos oriundos da CFEM. Em média, 20% dos recursos dos municípios são oriundas apenas da CFEM. No ano de 2014, ocorre um ponto de redução da relação CFEM/RCL em grande parte dos municípios, com exceção do município de Ouro Preto. Em 2016, a tendência de queda perdura de uma forma geral, com exceção dos municípios de Ouro Preto e Itabirito. O movimento de redução da dependência mineral pode estar relacionado ao fato de municípios como, por exemplo, Itabira, estarem num processo de transição e reorganização das atividades econômicas devido à aproximação do tempo previsto para a exaustão das minas. Outro fator que, possivelmente, influenciou esse movimento, foi a queda do valor das commodities minerais nos mercados internacionais, o que promoveu a queda de repasses da CFEM e dos recursos gerados pela atividade mineradora, acendendo o sinal de alerta para essas localidades.

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Gráfico 1. Grau de Dependência da Mineração

Fonte: Dados da pesquisa, 2019.

2.2 Desenvolvimento Socioeconômico dos Municípios Mineradores

Após a verificação da situação de dependência dos municípios em relação aos recursos minerais, cabe realizar uma análise de seu desenvolvimento socioeconômico. Para isso, foram observados os resultados do Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM) e seus componentes - Emprego & Renda, Educação e Saúde - nos anos de 2010, 2012, 2014 e 2016. O IFDM é referência para o acompanhamento do desenvolvimento socioeconômico brasileiro. O Índice monitora três áreas: Emprego & Renda, Educação e Saúde, utilizando exclusivamente estatísticas públicas oficiais, sendo as fontes primárias de dados provenientes dos Ministérios do Trabalho e Emprego, da Educação e da Saúde. Especificamente, o índice acompanha as conquistas e os desafios socioeconômicos brasileiros pelo prisma da competência municipal: manutenção de um ambiente de negócios propício à geração local de emprego e renda, educação infantil e fundamental e atenção básica em saúde (Firjan, 2018). O IFDM apresenta quatro faixas de classificação dos municípios em termos de desenvolvimento social, sendo elas: baixo estágio de desenvolvimento, desenvolvimento regular, desenvolvimento moderado e alto estágio de desenvolvimento. O Gráfico 2 mostra que o IFDM apresenta uma tendência inversa se comparado ao grau de dependência da atividade mineral na maioria dos municípios. Identificou-se que a maioria dos municípios apresenta um desenvolvimento moderado durante todo o período de análise. Apenas o município de Nova Lima apresenta um alto estágio de desenvolvimento em

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todo o período, porém com uma trajetória de declínio do índice. Do ano de 2014 para 2016 todos os municípios apresentaram queda de seu IFDM.

Gráfico 2. Evolução do Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal

Fonte: Dados da pesquisa, 2019.

2.2.1 Componente Emprego & Renda do IFDM

A componente Emprego & Renda do IFDM apresenta resultados bastante preocupantes para os municípios em análise. No Gráfico 3, verifica-se uma tendência acentuada de queda dos resultados para a componente Emprego & Renda, onde a maioria dos municípios em 2010 apresentavam um desenvolvimento moderado e em 2016 a maioria dos municípios em análise passa a apresentar um desenvolvimento regular na componente Emprego & Renda. Depreende-se dos resultados que os municípios não possuem programas efetivos voltados para o desenvolvimento da manutenção de um ambiente de negócios propício à geração local de emprego e renda.

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Gráfico 3. Evolução da Componente Emprego & Renda do

IFDM Fonte: Dados da pesquisa, 2019.

2.2.2 Componente Saúde do IFDM

A análise da componente saúde do IFDM encontra resultados mais satisfatórios. De um modo geral os municípios apresentam uma trajetória de melhoria dessa componente. A maioria dos municípios passa de um desenvolvimento moderado para um alto estágio de desenvolvimento da componente saúde.

Gráfico 4. Evolução da Componente Saúde do

IFDM Fonte: Dados da pesquisa, 2019.

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2.2.3 Componente Educação do IFDM

Os resultados encontrados para a componente Educação do IFDM retratam que houve uma melhoria contínua dessa componente, indicando uma tendência dos resultados dos municípios mineradores em análise em direção ao alto estágio de desenvolvimento. É possível observar ainda que, nenhum município apresentou retrocesso do índice durante o período.

Gráfico 5. Evolução da Componente Educação do

IFDM Fonte: Dados da pesquisa, 2019.

3 Análise dos Resultados

Os municípios mineradores em análise apresentaram resultados que indicam um nível de desenvolvimento moderado em sua maioria. Quando analisada a trajetória temporal é possível verificar um choque negativo no ano de 2014, na componente Emprego & Renda, que afetou o resultado do IFDM em 2014. Esse choque em termos nacionais, pode ser associado à recessão econômica enfrentada pelo país. Além disso, o fato da queda dos preços das commodities minerais nos mercados internacionais pode ter agravado os efeitos da crise. Considerando que os municípios mineradores recebem a CFEM, e que os recursos oriundos dessa compensação deveriam ser aplicados de forma a preparar o município para o momento de encerramento da exploração mineral, a dependência desse recurso pode ser considerada alta, cerca de 20% das RCL. Este fato representa uma grande sensibilidade às

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variações do mercado da mineração e indicam que os municípios ainda não estão preparados para a ausência da atividade mineradora. As componentes Saúde e Educação mostraram trajetórias com evolução positiva e pouco afetadas pela participação da CFEM em suas RCL, entretanto a componente Emprego & Renda apresentou resultados que sugerem que a diminuição da participação da atividade mineradora na economia afeta diretamente o emprego e a renda, o que pode ser um indício que os municípios não estão conseguindo diversificar as suas atividades econômicas, mantendo a população dependente dos empregos e da renda oriunda da mineração. Quando analisamos as trajetórias da dependência mineral dos municípios e das componentes do IFDM, em termos de desenvolvimento local é possível relacionar os maus resultados da componente Emprego & Renda às estratégias locais e falta de programas e políticas nacionais neste quesito. Já nos quesitos Saúde e Educação, temos programas definidos a nível nacional que talvez sirvam como base de orientação para estratégias locais mais efetivas e com melhores resultados, o que não ocorre em relação ao quesito Emprego & Renda.

4 Conclusões

Considerando a análise dos resultados sob a perspectiva do desenvolvimento territorial sustentável, conclui-se que os municípios analisados estão longe de uma prática de mineração com bases sustentáveis, assim como da redução, ou até mesmo, eliminação dessa atividade como principal fonte de renda, tanto por parte das prefeituras quanto de seus habitantes. Os resultados sobre o desenvolvimento econômico apresentados pelos municípios foram pouco satisfatórios, significando que provavelmente enfrentarão dificuldades quando suas minas se exaurirem. Além disso, algumas regiões lidam com o risco iminente da ocorrência de rompimento de barragens ocasionadas pela negligência das mineradoras e falta de fiscalização e controle dos órgãos públicos e sociedade. Há pouco mais de quatro anos ocorreram dois grandes desastres ambientais, sendo um no município de Mariana e mais recentemente em Brumadinho. No mês de novembro de 2015, o rompimento da barragem de fundão em Mariana provocou um grande dano ambiental e humano, que se estendeu por toda a extensão do leito e das margens do Rio Doce, desde Mariana até sua foz no Estado do Espirito Santo, gerando devastação, mortes e desemprego das populações que viviam da própria atividade mineradora, da agricultura e da pesca na extensão afetada. Até hoje, 4 anos depois do desastre, as famílias afetadas ainda lutam para

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receber indenizações e recuperar as perdas, assim como a cidade também luta para se reerguer economicamente. O rompimento da barragem do Córrego do Feijão ocorrida em janeiro de 2019 no município de Brumadinho trouxe resultados devastadores e dolorosos para os habitantes da região. Foram mais de 350 vítimas fatais e além das perdas e devastação, as pessoas ainda precisam conviver com os constantes alertas e fragilidades do risco iminente de novos rompimentos nas centenas de barragens existentes em todo território de Minas Gerais. Diante dos resultados catastróficos ocorridos nos territórios afetados pela mineração, percebe-se a emergência de alternativas que promovam formas de desenvolvimento territorial cada vez mais sustentável. Torna-se necessário haver investimentos em educação, serviço de saúde satisfatório e incentivo para geração de novos empreendimentos sustentáveis que combata a minério-dependência. Como defendido pela perspectiva do Bem Viver, é preciso que sejam implantadas propostas mais inclusivas. Uma das limitações do artigo está no fato de não serem usados outros indicadores para a análise como o IDH, por exemplo, ou aqueles específicos voltados para a educação, cultura, segurança pública, emprego e renda. Um cruzamento de informações decorrentes de mais índices aplicado ao uso de ferramentas estatísticas poderia servir como parâmetro de análise mais aprofundada que permita avaliar se os municípios apresentam estrutura que permite o Bem Viver para suas populações.

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