ARTIGO ARTICLE 2109 ------Iniquidade Social/economia, Iniquidade Este texto se propõe discutir textoEste se propõe concei

rias ‘clássicas’ do desenvolvimento. A anti do desenvolvimento. ‘clássicas’ rias DOI: 10.1590/1413-81232017227.04062017 no sentido da intrínseca contradição do progresso técnicoestri com social,igualdade a pressupõe tamenteenfoqueo ético econômicoprimeirada sociais dominando todas as relações abordagem, social’. ‘ordem constitutivas da Palavras-chave e Tecnologia sociais/economia,Ciência, Condições Tecnológicas/ Sociedade, Atividades Científicas e ética Resumo tualmente entre a relação científico progresso e tecnológico Industriais das Revoluções e da era as ideias de igualdade social das da redução ou critério Como desigualdades. exa metodológico, mina-se em a relação sob foco três perspectivas: 1) enfoqueo ético-econômico clássicosdos do pensa centrado utili no autointeresse mento econômico, tário; perspectiva na 2) destaca-se, das teoriasdo o “mainstream”, desenvolvimentoeconômico do argumento do incremento produtivi da contínuo ligação mediante endógena do dade do trabalho, técnicoprogresso com a ação ética econômica es tritamente utilitária;sob 3) o enfoque crítico das teorias do desenvolvimento econômico da segunda incluído a críticametade ao subde do século XX, enfatiza-se da ten senvolvimento, o predomínio dência igualitarista; comoda chamada também economia ecológica, construindo vias alternativas ­ às teo nomia primária sugerida pelo título do artigo, ------Social/, Social/ Social/Economic inequality, This paper conduct aims to a concep and ecological which , suggest alterna of “classical” tive those paths to set by The fundamentaldevelopment. posed antinomy the titleby of this article, characterized an in by trinsic contradiction between technical strictly the ethical presupposes and social equality, economics perspective,the social by dominated re “social order”. lations that constitute the words Key Economic Science, conditions, technology and Scientifictechnological/Ethical and activsociety, ities and technical progress and social equality, or the and socialand technical progress equality, examine this rela We reduction of inequalities. theoreticaltionship on three perspec drawing by tives: 1) ethical championed economics, classi by cal economic thinkers and centered on utilitarian theories 2) Mainstream of economicself-, development espousing the endogenous link be tween labor productivity growth and technical 3) the critiqueprogress, of theories of that emerged in the second half of including Furtado’s Celso twentieththe century, critique of the of em , phasizing the prevalence of egalitarian tendencies, Abstract Abstract tual analysis of the relationship between scientific Desigualdades sociais face ao desenvolvimento científico científico ao desenvolvimento sociaisDesigualdades face histórico? antinomia ou problema e tecnológico: ofSocial inequalities in the face technological and scientific problem? an historic or an antinomy development: 1 Instituto de Pesquisa Pesquisa de Instituto guilhermecostadelgado@ gmail.com Econômica Aplicada (IPEA). Aplicada (IPEA). Econômica BNDES Quadra 1/Bloco Ed. Bancário Setor Sul. J/601, 70.096 Brasília DF Brasil. 1 Guilherme Costa Delgado Costa Guilherme 2110 Delgado GC Introdução micos que podem estar presentes na dinâmica do progresso técnico e da igualdade social no capita- A pergunta explícita expressa no título deste ar- lismo contemporâneo; b) discutir as condições de tigo indica uma contradição potencial na relação possibilidade a uma reconceituação dessa relação, entre igualdade social e progresso técnico e cien- na perspectiva da justiça social e da liberdade. tífico. Isto posto, o objetivo do texto é esclarecer Nessas duas abordagens, a ética do agir humano e responder a essa pergunta básica; para o que visando fins estará sendo visitada. No primei- propomos um caminho crítico. ro caso como problema, haja vista sua completa Estamos propondo, como método, três enfo- submissão à norma utilitária como único guia ques para desvendar a contradição sugerida pelo admissível ao comportamento do “hommo eco- título deste artigo – a relação antinômica entre o nomicus” racional. No segundo caso, colocam-se progresso técnico-científico e a igualdade social. necessidades humanas e teses sobre desenvol- O primeiro é o enfoque historicamente contex- vimento humano, que claramente implicariam tualizado nos fundamentos éticos da economia em uma mudança de paradigma científico. Neste moderna. O segundo enfoque é o do desenvol- novo paradigma, busca-se uma relação amigável vimento econômico, conceito polissêmico, no do progresso técnico com a igualdade social. âmbito do qual a relação entre progresso técnico A passagem da abordagem “a” para a “b”, sua e igualdade é uma espécie de refúgio a diferentes possível conciliação (ou não) são questões em concepções teóricas. Mas na discussão ética, que aberto, que serão discutidas nos enfoques do de- também subjaz às teorias do desenvolvimento, senvolvimento e da igualdade social, seguindo a há que se fazer escolhas políticas sobre a “justa” sequência analítica das seções subsequentes. distribuição dos frutos do progresso técnico. Isto porque o mero crescimento econômico pela sua Progresso Técnico e Desigualdade Social dinâmica endógena, não o faz; ou o faz de ma- – Fundamentos Éticos neira invertida. O terceiro enfoque é propriamente da igual- A ética utilitária e individual assumida pelos dade social, que de certa forma está pressuposto fundadores de economia moderna, associada aos nos dois precedentes, mas que requer explicitação métodos produtivos modernos, divisão do traba- conceitual, para o que se recorre a determinadas lho, manufatura, maquinaria e grade industrial, teorias da justiça, historicamente contextualiza- são, por assim dizer, molas propulsoras do pro- das. Que critérios da igualdade ou da correção da gresso material trazidas pela Revolução Indus- desigualdade; ou de justiça distributiva, que mais trial do final do Sec. XVIII na Inglaterra. O suces- adequadamente se conformariam a uma ética so- so econômico desse casamento, individualismo cial solidária, pressuposto da teoria do desenvol- ético (utilitário) e progresso técnico científico, vimento humano, susceptível a responder com promotor da “Riqueza das Nações” capitalistas propriedade a sugerida antinomia básica deste (Secs. XIX e XX), é também causa eficaz da desi- texto – desigualdade social e progresso técnico- gualdade social endógena, inerente a esse sistema. científico. As forças sociais operantes nos espaços políticos, Finalmente, do cotejo dos diferentes enfo- que se propõem a corrigir ou neutralizar essa ques teóricos adotados, o texto encaminha-se ao contradição, confirmam-na. final para uma hermenêutica capaz de responder Os fundamentos éticos da economia contem- a pergunta sugerida pelo título, de maneira não porânea em quaisquer das vertentes ou escolas de binária. pensamento que disputam o bastão da chamada “ciência normal”, repousam na conduta de um Conceituação e problematização “hommo economicus”, movido pelo autointe- de uma tensão: enfoque ético resse ou pelo egoísmo utilitário comportamental como mola propulsora ao progresso material. A relação invertida entre igualdade social e É fundamento das várias escolas do pensa- progresso científico e tecnológico, que o título mento econômico, desde os clássicos, passando deste artigo enseja, sugere-nos, desde logo, con- pelos marxistas, neoclássicos (ou neoliberais), ceituar e contextualizar o ambiente histórico schumpeterianos, keynesianos e toda uma gera- e ético-filosófico em que essa relação se coloca ção de “neo”, dos anos mais recentes, considerar o como problema. Como tal, duas abordagens se agente econômico à imagem e semelhança de um colocam relevantes: a) desvendar conceitualmen- animal acumulador, movido fundamentalmente te essa relação, atentando para os aspectos antinô- pela pulsão utilitária1. 2111 Ciência & Saúde Coletiva, 22(7):2109-2118, 2017

Os pensadores da ética econômica clássica qual buscando o autointeresse e maximizando que influenciaram ou fundaram a economia mo- seus ganhos respectivos, gerariam a prosperidade derna, Mandeville, , , geral. Haveria um mecanismo endógeno (uma , dentre outros, destacaram a bus- mão invisível) no funcionamento dos mercados, ca da realização dos interesses próprios, paixões, sem intervenção estatal, bastando que o Estado preferências e/ou desejos individuais de renda e garantisse a adimplência dos contratos e a defesa riqueza, associados ao progresso técnico, como da propriedade privada, para que se produzisse o casamento perfeito a um novo mundo de pros- pleno emprego e a máxima eficiência econômica. peridade e riqueza. A ética do utilitarismo, subjacente à teoria Outro fundamento relevante da economia econômica dos campos clássico e neoclássico, clássica, autônoma à ética do autointeresse, mas contém princípios do valor/utilidade, que im- que imprimirá historicamente um sentido novo pelem consumidores a satisfazer desejos de con- à economia capitalista, é a busca do progresso sumo e empreendedores a maximizar lucros na técnico. Adam Smith2 começa a tratar dessa ques- produção, como único modelo de agir admissí- tão a partir dos princípios da divisão de trabalho vel no sistema econômico, porque conducente a e da coordenação do processo produtivo, como eficiência privada, no sentido utilitário (maior contribuições substantivas à elevação da produ- prazer e menor dor individuais; ou maior ganho tividade do trabalho. Marx elabora teoria própria com menor custo). A eficiência privada é uma es- sobre o progresso técnico, sob o enfoque do de- pécie de pedra angular da microeconomia. Nesse senvolvimento das forças produtivas do , cálculo utilitário hedonístico, ficam de fora os tratando do tema longamente na Parte Quarta critérios de eficiência social, e bem-estar social, do seu Livro I, especialmente nos capítulos que tratados na teoria econômica convencional como abordam a “Divisão do Trabalho e Manufatura” “externalidades”. e “A Maquinaria e a Indústria Moderna3. Joseph Desse comportamento econômico não esca- Schumpeter4, já no século XX, tratou da inovação pam outros sistemas teóricos, fundados em re- técnica como principal força promotora da con- gularidades ou “leis da acumulação do capital”, corrência e do progresso na economia capitalista. como a economia marxista, a economia keyne- Uma síntese histórico-teórica do crescimen- siana, a teoria schumpeteriana, etc. e quase todos to material da riqueza e do poder econômico os economistas que pensaram o desenvolvimento do capitalismo nestes dois séculos de sua plena econômico nos últimos 100 anos. hegemonia revela-nos uma situação peculiar. O Mas os princípios econômicos estritos do in- avanço sem precedentes da ciência experimental, dividualismo-utilitário, da autorregulação e do potenciado pelas várias Revoluções Industriais, progresso técnico não são suficientes para garan- precedidas pelo Iluminismo no séc. XVIII, criou tir que o sistema da economia de mercado resolva condições técnico-científicos para que uma clas- dois problemas centrais, colocados por Keynes5 e se de empreendedores (a burguesia industrial) adotados por várias gerações de economistas ke- forjasse uma nova onda de civilização, centrada ynesianos, que, diga-se de passagem, não estão na produção, circulação e consumo de mercado- questionando os fundamentos éticos do sistema, rias. Essas ondas se propagaram, com fortes ci- senão sua funcionalidade econômico-social: clos expansivos e de contração, durante mais de 1 – A garantia do pleno emprego e da supe- duzentos anos, gerando a sociedade e a economia ração das crises cíclicas de realização (ou venda) capitalista globalizada com que hoje convivemos. da produção; Nunca na história da humanidade formaram-se 2 – A geração de uma distribuição “justa” da impérios com tal grau de domínio e expansão renda e da riqueza produzidas. materiais como nos séculos XIX e XX. O capita- As respostas das políticas econômicas e das lismo da era industrial inaugurou este ciclo his- políticas sociais a esses dois macro-problemas, tórico. colocados pelo keynesianismo, ainda não tocam Uma terceira ideia-força, que é comum às na questão de fundo que ora nos preocupa – a economias clássica e neoclássica (mas não ao garantia da vida humana, ou a satisfação de suas keynesianismo, nem ao marxismo), é a tese de necessidades básicas como paradigma ético da que os empreendedores, os consumidores e os economia política, ao qual ficariam subordina- trabalhadores, deixados livres para negociar con- dos como meios e não como fins, todos os fatores tratos privados nos mercados respectivos, cada que impelem o sistema a funcionar. 2112 Delgado GC Como Incluir a Ética da Vida micos da economia capitalista, que ficariam en- na Agenda Econômica torpecidos, sempre que se interpusessem outros determinantes éticos, que não os do utilitarismo Os problemas cruciais da vida humana em so- individualista. ciedade são também questões econômico-sociais O campo das políticas públicas, de forte inci- relevantes. O modo de como ganhar e garantir os dência sobre a economia, é o espaço onde a ética meios de sustento para si e para a família, sob o social comparece, contrapondo-se aos princípios formato de remuneração pelo trabalho, é certa- fechados do utilitarismo individualista. Mas aqui mente um deles. Mas, o que fazer nas situações é preciso conhecer os limites do próprio espaço de desemprego generalizado ou de incapacidade público nestas economias e sociedades, domina- física para o trabalho. Como cuidar da saúde in- das como estão pela cultura do utilitarismo, para dividual e coletiva. E como enfrentar a educação fazer valer princípios da igualdade social na po- básica dos filhos; a proteção pública aos pobres, lítica. a habitação adequada, a alimentação, a segurança É preciso voltar às fontes originárias de signi- social. Tudo isto constitui um conjunto de meios ficação da vida humana em sociedade, a partir do essenciais, mediante os quais o ser humano exer- que podemos colocar perguntas e critérios para a cita suas liberdades. Todas essas questões pode- economia e sociedade do século XXI. riam ficar inscritas numa agenda de necessidades humanas básicas, cujo atendimento dependeria Progresso técnico e igualdade (ou redução fundamentalmente da ética social e da economia das desigualdades) sob o enfoque política. Mas esta é uma problematização que do desenvolvimento não é feita pelas teorias da economia de merca- do desregulamentado, cujos vetores de demanda A construção teórica do desenvolvimento social refletem preferências e desejos de consu- econômico se configura em determinado am- midores, dotados de renda e riqueza, que se ex- biente histórico – o da Revolução Industrial, pressam pela compra de mercadorias. A ciência quando se constituem as bases sistêmicas para econômica inaugurada pelos Clássicos é funda- gerar elevação persistente da produtividade do mentalmente a ciência da produção, circulação e trabalho, fruto da coordenação por determinada distribuição da mercadoria, mesma na Crítica da classe social – a burguesia industrial, coordena- Economia Política de ‘O Capital” de Marx. dora das inovações técnico-científicas emergen- Atender necessidades, acudir direitos sociais, tes com o Iluminismo, tendo em vista sua apli- proteger a sociedade contra os riscos incapaci- cação à produção de mercadorias. O paradigma tantes ao trabalho, preservar a vida humana, pro- teórico é o próprio desenvolvimento do capitalis- teger o ecossistema, realizar o desenvolvimento mo industrial, tecnologicamente autossuficiente humano etc., são todos princípios de uma eco- para produzir suas próprias forças produtivas, nomia em favor da vida, que, contudo, são ex- impelido por determinadas “leis” de crescimen- ternos à ética utilitária da economia de mercado. to, que são imanentes à própria reprodução do Haverá certamente campo de interseção entre sistema. a ética utilitária e a ética protetora da vida em As teorias clássica, neoclássica, marxista, sociedade, como de resto nos revelam a historia schumpeteriana e keynesiana do desenvolvimen- do capitalismo e a emergência da democracia de to econômico, formuladas entre os Sécs. XVIII massas em determinadas experiências nacionais e XX, apresentam um elemento comum, não do Ocidente. obstante grandes diferenças, que não cabe aqui O chamado Estado do Bem-Estar Social ten- detalhar: a elevação da produtividade do traba- ta fazer esta ponte, juntamente com as mudan- lho, sustentada pelas inovações técnico-cientí- ças econômicas capitalistas do Pós-Guerra. Mas ficas ou por outros fatores, é causa motora do mesmo aí, este tipo de pacto ou acordo político desenvolvimento econômico ou da “Riqueza das estará sempre em disputa. Os arautos da econo- Nações”, como classicamente foi denominado o mia do livre mercado, recuperados no final do desenvolvimento capitalista nos termos de Adam Séc. XX pela doutrina neoliberal, leem a ética uti- Smith (final do séc. XVIII). Relacionando com litária e individualista como autossuficiente. Jul- esse movimento da elevação persistente da pro- gam ainda prescindível a própria ideia do direito dutividade do trabalho, impelida pela Revolução social e da sociedade igualitária, que se imiscui na Industrial, surgirá o problema da distribuição ou Economia do Bem-Estar. É como se um declara- da apropriação dos frutos do progresso técnico- do “espírito animal” movesse os agentes econô- científico. A luta de classes, que o marxismo re- 2113 Ciência & Saúde Coletiva, 22(7):2109-2118, 2017

velou e protagonizou no final do Séc. XIX e na como problema endógeno da desigual relação maior parte do séc. XX, põe em questão a desi- lucros/salários no capitalismo. Mas não discute gualdade da distribuição da “mais-valia”, mas não o progresso técnico, até mesmo porque é pelo questiona o progresso técnico capitalista, que é crescimento da produtividade do trabalho no ca- visto como virtuoso, na perspectiva do desen- pitalismo que se viabiliza, sob pressão, a melhoria volvimento das forças produtivas da civilização. na distribuição salarial. Por sua vez, a geração de O desenvolvimento técnico-científico na antiga direitos sociais e trabalhistas que se criam no Es- URSS e na atual China não é distinto do padrão tado Bem Estar Social é também cativa do cresci- das economias capitalistas, mas ao contrário o mento da produtividade do trabalho. imitou. Outra tradição das teorias do desenvolvi- As questões de sentido ou dos princípios mento, de geração mais recente, as teorias ligadas orientadores do desenvolvimento, pertinentes ao ao desenvolvimento humano ()6, e a tema deste artigo – progresso técnico e igualda- crítica ao subdesenvolvimento ()7 de social, sugerem diferentes orientações teórico enfatizam o aspecto comum da distribuição; mas -políticas, cujas implicações para promoção da no caso de A. Sen são as privações humanos que igualdade irão emergir da análise que se segue: obstam a liberdade humana; e no caso de Furta- 1) da distribuição da renda social; 2) da liberdade do, a desigualdade social e a dependência externa humana e do atendimento de “necessidades bási- que se autorreproduzem, sem disseminação das cas”; 3) da superação das condições estruturais do correntes autônomas de progresso técnico, reali- subdesenvolvimento, elaboradas teoricamente na mentam o subdesenvolvimento. vasta obra de Celso Furtado; 4) da sustentabili- Diversamente, os fundadores da contempo- dade ambiental. Nos quatro enfoques propostos, rânea economia ecológica e da sustentabilidade estamos supondo um problema implícito – a de- ambiental põem em xeque o padrão de progresso sigualdade social, conceitualmente analisada na técnico dominante no capitalismo global, em ra- próxima seção, mas que nesta aparece como pro- zão de suas contradições essenciais com o concei- blema do desenvolvimento em sua formulação to daquilo que é ecologicamente sustentável e de “clássica”. Essas quatro problematizações à teoria baixa dissipação de energia útil (baixa entropia). do desenvolvimento, que analisaremos em se- Pode-se dizer, que um dos mais influentes funda- quência, estão datadas historicamente (segunda dores da economia ecológica, Nicholas Georges- metade do Sec. XX) e se formulam em ambiente cu8, põe em xeque a própria concepção de produ- crítico às tradições fundadoras do crescimento tividade do trabalho da economia convencional. econômico capitalista (clássicos, marxistas, ne- Mas não estão (os ecologistas) primariamente oclássicos, schumpeterianos e keynesianos); mas situados na discussão da igualdade ou da distri- não como uma ruptura revolucionária, como o buição, embora atualmente as várias correntes foi o marxismo político no Sec. XX; e sim como multidisciplinares da chamada ecologia integral tentativa de reforma democrática (ou democráti- possam ser compreendidas no campo comum da co burguesa no jargão marxista), tendo em vista igualdade social. basicamente o enfrentamento do problema da Há, portanto um corte epistemológico que desigualdade e mais recentemente com a econo- precisa ser explicitado, que vai além do proble- mia ecológica – do enfrentamento da sustentabi- ma da distribuição. Toca fundo nas concepções lidade ambiental. do desenvolvimento presentes em dois diferentes “paradigmas”, que para simplificar distinguirei O campo crítico reformador: identidades provisoriamente em duas abordagens: conven- e algumas diferenças nas questões cional x crítica. da igualdade e do progresso técnico Na primeira abordagem, aqui denominada convencional, cabem todas aquelas tradições te- Há quatro problematizações básicas coloca- óricas fundadoras do crescimento econômico das pelos teóricos do desenvolvimento e das suas capitalista, muito em voga no Sec..XX, princi- relações com igualdade social e progresso téc- palmente na sua 2ª metade (“clássicos”, marxis- nico. E essas problematizações comparecem de tas, neoclássicos, schumpeterianos, keynesianos, maneira marginal na teoria dominante do desen- etc.), cujo fator de convergência teórico é a ino- volvimento econômico, que de alguma maneira vação técnico-científico, funcionando por meio enunciamos nas seções precedentes. da elevação permanente da produtividade do O critério da distribuição de renda pressu- trabalho, como motor da ampliação do “estoque põe a desigualdade de rendimentos monetários de capital”. A teoria mais refinada deste campo 2114 Delgado GC é a Teoria do Desenvolvimento Econômico” de via, percorrendo um caminho que Furtado abrira . com sua teoria crítica ao subdesenvolvimento. Em parte, como crítica, ou, independente- No subdesenvolvimento12, os países pré-in- mente, propõe-se uma “segunda abordagem”, dustriais que se integram pelo comércio inter- que não é estranha ao pensamento marxista, mas nacional com as economias centrais e industria- que terá outros princípios orientadores, a igual- lizadas, realizam um peculiar mimetismo socio- dade social, a liberdade humana e o atendimento econômico: reproduzem os padrões de consumo de necessidades básicas e finalmente a própria “centrais” a uma elite ligada ao setor primário autorreprodução das condições da natureza, a exportador, enquanto a maioria da população sustentabilidade ambiental. Amartya Sen com subsiste, sob condições de forte desigualdade; a sua teoria do “Desenvolvimento como liberdade” margem dos padrões de consumo da chamada e Celso Furtado9,10 com sua teoria crítica ao sub- vida civilizada. Nessas economias (subdesenvol- desenvolvimento são, de certa forma, precursores vidas) o progresso técnico-científico, motor da dessa segunda abordagem. Revolução Industrial é completamente marginal, Na sua teoria do “Desenvolvimento como enquanto as “vantagens comparativas naturais” Liberdade”, Amartya Sen realiza certa ruptura são a via para integração no comércio externo e epistêmica com a ideia instrumental do progres- exercem o principal papel da inserção dependente so técnico promovendo a elevação da produtivi- desses países na divisão internacional do trabalho. dade do trabalho, pela via dos mercados, como O enfoque da economia ecológica, que tem mola propulsora do desenvolvimento. Na teoria no economista, físico e filosófico romeno-nor- do A. Sen são as capacidades humanas inatas e te-americano Nicholas Georgescu-Roegen uma adquiridas, dotadas de desempenhos fundamen- espécie de fundador, ataca de maneira radical os tais potenciais – o cerne do desenvolvimento. Es- fundamentos da “alta entropia”, ou do desperdí- sas capacidades, uma vez exercitadas como ações cio de energia útil, promotora da poluição glo- visando fins que são caros aos indivíduos, ou seja, bal. A emergência dos problemas do aquecimen- exercitada a liberdade humana, estaríamos efeti- to global e das mudanças climáticas, claramente vamente promovendo o desenvolvimento. Ca- verificadas já neste século XXI, recuperaram o pacidade de agir e liberdade são de certa forma pensamento de Georgescu, formulado nos anos sinônimos. Contudo, estão sujeitas a privações 1970/1980, quando o paradigma tecnológico da humanas – de caráter social ou individual, que Revolução Industrial era de certa forma “indiscu- se constituem em barreiras ao desenvolvimento – tível” no círculo acadêmico a que este economis- porque obstam a capacidade do agir livre. ta-filósofo se filiava. Observe-se que nessa teoria não cabe a dico- As abordagens de Georgescu, Amartya Sen, tomia progresso técnico x igualdade social, por- Celso Furtado, Ian Gough e de muitos teóricos que o vetor de desempenhos das pessoas, uma do Estado do Bem-Estar, são distintas em vários vez desbloqueado das privações humanas que aspectos. Mas quando lidas sob o enfoque da re- impedem o exercício das capacidades, gera ações lação antinômica do progresso técnico x igual- intrinsicamente boas, segundo uma ética livre do dade social nos oferecem pistas para enfrentar indivíduo e não segundo uma compulsão utilitá- o problema. Mas não são suficientes ainda para ria, imposta pelo binômio do autointeresse an- romper a aliança endógena que se estabeleceu corado no critério da produtividade do trabalho. nos primórdios do capitalismo (ver primeira Len Doyal e Ian Gough formulam contem- seção) com o paradigma da inovação técnica, poraneamente a Amartya Sen uma teoria muito coordenado pela ética utilitária e individualista, próxima, a das “Necessidades Humanas Bási- motores da “Riqueza das Nações” e dos indivídu- cas”11, para cujo atendimento haveria de se criar os; mas também da desigualdade da sociedade. pelo Estado toda uma agenda de progresso téc- Contudo mapeiam o campo de uma espécie de nico e demanda social, imprescindíveis ao pleno revolução científica13, em curso na teoria do de- exercício dos direitos humanos. A teoria (das ne- senvolvimento, que por influência pluridiscipli- cessidades humanas básicas) é de certa forma um nar questiona o paradigma do progresso técnico/ adendo às de Estado do Bem-Estar, formulada produtividade do trabalho, e recuperam alterna- a partir do campo marxista, enquanto Amartya tivamente os princípios da igualdade, liberda- Sen o faz a partir de uma visão liberal (na acep- de (tendo a solidariedade como pressuposto) e ção anglo-saxônica). sustentabilidade ambiental como novos vetores Amartya Sen, colega do brasileiro Celso Fur- éticos em perspectiva, para uma sociedade pós- tado em Cambridge nos anos 1950, está por outra capitalista a ser construída. 2115 Ciência & Saúde Coletiva, 22(7):2109-2118, 2017

O enfoque da igualdade social sanitárias, educacionais, políticas e culturais que nos impedem de fazer escolhas livres. Pela análise das seções precedentes deduz-se Para alcançar a igualdade, segundo o concei- que, da perspectiva ética utilitária e individualis- to das “capacidades para realizar desempenhos” ta ou do desenvolvimento estritamente concebi- (funcionamentos) que nos sãos caros, priorizam- do sob o primado da acumulação de capital, não se meios, mas, sobretudo o fim que é a própria se resolve a antinomia do progresso técnico cien- liberdade. tífico e da igualdade social. Ao contrário, a ten- Na discussão dos meios, de forma instrumen- dência é que se aprofunde a divergência. O pró- tal, discutem-se as políticas que de maneira mais prio John M. Keynes já constatara esse problema eficaz possam ser úteis à remoção dos constran- ao diagnosticar na sua “Teoria Geral” – os pro- gimentos à liberdade humana – saúde adequada, blemas do desemprego e de injusta distribuição nutrição, educação básica, capacitação técnica de renda, como inerentes ao sistema econômico etc., direitos sociais; sempre tendo em conta o ca- capitalista, para o que sugere pistas à superação ráter mediador desses instrumentos. do problema, que os seus contemporâneos na Possivelmente a grande incógnita da obra Inglaterra interpretaram à luz da construção do de Amartya Sen é responder como se transitaria Estado do Bem-Estar. Mas se há, por outro lado, ética e politicamente de uma situação de forte certo acordo sobre a correção da desigualdade na desigualdade social (reino da extrema necessi- distribuição da renda monetária (no Estado do dade) para o polo oposto, o reino da liberdade e Bem-Estar), não há consenso entre os vários estu- da justiça social. Mas se não é esta a abordagem diosos das questões da desigualdade social sobre principal do autor, presta-nos por outro lado conceitos chave. A divergência existe quando se uma grande contribuição ao fazer a crítica ao examina o gênero – desigualdade social. Quando utilitarismo econômico como critério unificador se indaga, como o faz Amartya Sen – “desigual- do bem-estar social. Revela ainda que mesmo em dade de que? ”: ou pensando normativamente - o sociedade onde a distribuição de renda é mais que deve ser igualado? igualitária, fruto de uma mais justa distribui- As respostas a essas questões revelam a de- ção, propiciada pelo Estado do Bem-Estar, per- sigualdade de rendimentos monetários, ao lado manecem muitos outros focos de desigualdade. de muitas outras desigualdades sociais, constran- Isto porque essencialmente não se promoveu a gendo ou provocando privações humanas, sus- liberdade das pessoas escolherem os fins que lhes ceptíveis de bloquear as capacidades individuais são caros. Simplesmente se lhes impõe certas es- de agir, tendo em vista fins que são caros às pes- colhas mercantis do tipo “A” ou do tipo “B” com soas; ou até mesmo à escolha dos mesmos. base em desejos e preferências vinculados a uma Perante a diversidade inerente à condição escala de utilidade pré-estabelecida. humana, seja considerada em particular, seja na Dois outros enfoques da desigualdade – “Jus- vida em sociedade, há muitas desigualdades (ida- tiça como Equidade: uma Concepção Política de, sexo, talentos, patrimônios, hereditariedades não Metafísica”, de , e “Em Torno da genéticas, etnias, etc.), que suscitam as perguntas Noção de Justiça”15, de Norberto Bobbio, são sobre “desigualdade de que” e o “que precisa ser bastante úteis, na perspectiva da busca de su- igualado”. Ao fazer tais perguntas, Amartya Sen14 peração da desigualdade, do atraso social ou do tem por pressuposto a liberdade humana como subdesenvolvimento. A seção que se segue, uti- meio e como fim da igualdade social. Liberdade lizando das teorias desses autores, é uma espécie aqui é concebida como capacidade de agir tendo de síntese teórico-política, sobre uma maneira de em vista fins que nos sãos caros, podendo esses como se transitaria pela ação política, a chamada mesmo fins serem alterados pela liberdade de es- política social, das situações de atraso e desigual- colha. Mas essa liberdade de escolha não é pre- dade rumo ao desenvolvimento, no contexto do determinada por qualquer critério-princípio de capitalismo e da democracia, que são pressupos- valor “a priori”, como é o caso do valor utilidade tos dessas teorias. na ética individualista/utilitária. Ao contrário, a capacidade de agir, uma vez desbloqueada das Política Social, Igualdade privações humanas que a constrangem, é livre, e Desenvolvimento para Determinadas criativa, diversa, desobstruindo todas as desigual- Teorias da Justiça dades sociais que limitam o desenvolvimento hu- mano. Requer um processo complexo de desblo- A tese desenvolvimentista que se propõe res- queio das muitas privações sociais e econômicas, gatar nesta seção síntese é completamente distin- 2116 Delgado GC ta da visão dualista-modernizante que expressa- Os bens primários e os bens públicos de mos previamente na abordagem convencional do Rawls são, na teoria do desenvolvimento huma- desenvolvimento. Como tal, é uma possibilidade no de A Sen, equivalentes aos “entitlements” que teórica a ser considerada, no confronto com a si- viabilizam habilitação dos desiguais, ao prover tuação social de pobreza e desigualdade, por um “capacidades para realizar desempenhos”, de sor- lado, mediante ação de políticas sociais e econô- te a que mediante acesso a esses bens se cumpram micas executadas, por outro, que supostamente condições iniciais de igualdade de oportunidade superariam esta situação inicial. ou de igualdade de capacidades, como condição Neste ponto, se impõe o sentido da equidade ao desenvolvimento humano. ou da justiça, que estão ausentes na formulação Finalmente na sua teoria da igualdade, Bob- econômica convencional. Também aqui vamos bio trabalha com o princípio do “tratamento precisar recorrer a conceitos diversos dos adota- igual aos iguais e desigual aos desiguais”20, onde dos nas teorias convencionais do desenvolvimen- o seu conceito de bem público é precisamente to. São ideias-força que refundam a compreensão aquele que garante a justiça distributiva e a pro- do desenvolvimento e que podem ser resgatadas moção da igualdade mediante ação legal do esta- no âmbito da própria literatura tida como de do. O critério da igualdade de Bobbio vai além da cunho liberal (no sentido anglo-saxão) ou so- “igualdade de oportunidade”. Afeta não apenas as cial democrata, de referência histórica a Europa condições da dotação inicial do processo compe- continental. Nessa perspectiva, tomamos, por titivo-cooperativo das relações econômicas e so- exemplo, o conceito de “Bens Primários” e “Bens ciais, mas as próprias condições de obtenção final Públicos” da teoria da “justiça como equidade” da igualdade de resultados. de Rawls16, assim como o conceito de “capacida- Para o que nos importa resgatar dessa discus- des”17 da teoria do desenvolvimento humano de são teórica, os conceitos de bens primários, bens A Sen; e finalmente do conceito de “bem público” públicos e capacidades para realizar desempenhos da teoria de estado de N. Bobbio18. são dotações políticas, portanto dependem da ação Esses conceitos, cada um a sua maneira, con- ou regulação do Estado. Neste sentido, eles signifi- têm princípios de equidade, como dotação po- cam alterar as condições iniciais de desigualdade lítica, que alteram estruturalmente as condições autorreprodutivas; e se incorporam à condição iniciais de desigualdade. Vamos recorrer a cada de desenvolvimento com justiça, de tal forma que um deles para apropriar nos seus diferenciados ocorreria na economia um produto e/ou renda de- contextos teóricos aquilo que é relevante ao nos- nominado “produto potencial”, que estaria direta so eixo explicativo. ou indiretamente afetado pela dotação de bens “Bens Primários” e “Bens Públicos” na teoria primários e bens públicos anteriormente descritos. da “Justiça como Equidade” de John S. Rawls, são No contexto da política social brasileira, esses essenciais à sociedade justa. Os primeiros (Bens bens se materializam, dentre outras, sob as for- Primários) – ‘direitos, liberdade e oportunidades, mas de renda ‘imputada’ (gasto social em edu- renda e riqueza e as bases sociais da autoestima, cação fundamental e saúde pública), renda mo- por serem necessários à sobrevivência digna de netária direta (benefícios não contributivos da todos os indivíduos’. seguridade social), ou titularidades fundiárias na Os bens públicos, por seu turno, educação, Reforma Agrária. Como tais, esses bens afetam saúde, habitação, segurança, etc., ‘são necessários fundamentalmente as condições de circulação da para garantir igualmente condições dignas à vida renda social em benefício dos mais pobres. Mas coletiva, isto é, à preservação da qualidade de vida o financiamento desses bens públicos depende- em comum, e são pactuados socialmente à medida rá do sistema tributário e das condições de pro- do desenvolvimento político da sociedade’. Tanto gressividade da política tributária pactuadas na os “Bens Primários”, quanto os “Bens Públicos”, na democracia. Do exposto, pode-se concluir que os teoria de Rawls, são finalmente gerados na esfera critérios teóricos ora expostos são úteis à cons- pública, onde o Estado justo cumpre, dentre ou- trução de um conceito de desenvolvimento com tras, as funções de transferência, (que estabelece justiça. São também, como se os definiu, de mu- o mínimo de bens a serem socialmente garantido dança de situação e de paradigma teórico. Como a todos)19 e da distribuição (para financiar conti- tais, se defrontam, originalmente, com situações nuamente programas destinados a recompensar de pobreza e desigualdade, abstratamente defi- àqueles que por razões alheias à sua vontade ficam nidas. Mas a aplicação histórica concreta dessas fora do sistema produtivo e da possibilidade de al- concepções teóricas a determinados casos nacio- cançar bens primários necessários). nais foge aos objetivos e limites deste texto. 2117 Ciência & Saúde Coletiva, 22(7):2109-2118, 2017

Conclusões a solução dos problemas gerais em sociedade; e principalmente daqueles gerados pela própria A pergunta básica sugerida pelo título deste ar- expansão dessa economia, tais como o desem- tigo, sobre se há uma antinomia intrínseca entre prego e a má distribuição da renda, tão bem de- progresso técnico científico e igualdade social; tectados por J.M. Keynes na sua “Teoria Geral...” ou se tal contradição é de natureza histórica, nos Portanto, do ponto de visto ético, há sim uma limites das sociedades hegemonizadas pela ética antinomia essencial entre progresso técnico, sob individualista e utilitária, fundada pelos precur- a égide da acumulação do capital e a igualdade sores da economia moderna, de certa forma con- social. tém sua própria resposta. Mas não de maneira Por outro lado, o desenvolvimento histórico binária, como aparentemente poderia ser lida. das sociedades hegemonizadas pelo capitalismo Observe-se que a ética individualista e uti- também produziu instituições do estado demo- litária, fundadora da economia política moder- crático em sentido amplo, que contêm outras na, contém desde os primórdios um casamento forças de contraposição às tendências totalitárias explícito com o progresso técnico. Dessa união, do capital e do dinheiro. Essas instituições são su- passando por diferentes ciclos histórico, nascerá postas, em teoria, de deter capacidade para sub- a economia política moderna, que praticamente meter a relação antinômica ora proposta a certo em dois séculos estabeleceu uma verdadeira ci- compromisso histórico. O chamado “Estado do vilização industrial planetária. E essa civilização Bem- Estar” representaria um compromisso nes- carrega uma certa pretensão de abrangência, te sentido, embora limitado, histórica e geogra- totalidade e subordinação de todas as relações ficamente. humanas às normas das relações mercantis, ora Há, portanto, uma questão histórica em aber- regidas pela esfera financeira, que em última ins- to, decorridos mais de dois séculos de plena hege- tância repõem a ética utilitário ao centro da vida monia do capitalismo em bases industriais, que, social. contudo, não produziu no capitalismo global Nesse sentido, a ética econômica, que nos pri- com que ora nos defrontamos, respostas seguras mórdios do capitalismo governava tão somente relativamente às tendências à igualdade social as nascentes estruturas mercantis do capitalismo, e menos ainda à sustentabilidade ambiental. A tem pretensão de substituir a própria Ética Ge- resposta à questão inicial permanece em aberto, ral, submetendo-a e nunca sendo submetida pela provavelmente sem a disjuntiva “antinomia ou Política. Mas tal pretensão não se compraz com problema histórico”. 2118 Delgado GC Referências

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Artigo apresentado em 15/08/2016 Aprovado em 28/11/2016 Versão final apresentada em 16/02/2017