Rosa dos Ventos ISSN: 2178-9061 [email protected] Universidade de Brasil

Arvorezinha em Festa: A Semana Italiana

CAMILOTTO, SAMARA; HALLAL, DALILA ROSA Arvorezinha em Festa: A Semana Italiana Rosa dos Ventos, vol. 8, núm. 4, 2016 Universidade de Caxias do Sul, Brasil Disponível em: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=473552031018 DOI: https://doi.org/10.18226/21789061.v8i4p480

PDF gerado a partir de XML Redalyc JATS4R Sem fins lucrativos acadêmica projeto, desenvolvido no âmbito da iniciativa acesso aberto Rosa dos Ventos, 2016, vol. 8, núm. 4, October-December, ISSN: 2178-9061

Artigos Arvorezinha em Festa: A Semana Italiana Arvorezinha in Feast: e Italian Week

SAMARA CAMILOTTO DOI: https://doi.org/10.18226/21789061.v8i4p480 Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, Brasil Redalyc: https://www.redalyc.org/articulo.oa? [email protected] id=473552031018

DALILA ROSA HALLAL Universidade Federal de , Brasil [email protected]. Recepção: 24 Março 2016 Aprovação: 29 Outubro 2016

Resumo:

O festejar é uma forma de expressão pessoal e coletiva, presente em diferentes culturas, o que transforma a festa em um acontecimento importante para indivíduos e comunidades. No sul do Brasil, as festas que comemoram a etnicidade presente nas culturas locais que as originam, são bastante frequentes. O presente artigo discute essa questão, buscando analisar a 11ª Semana Italiana, festa realizada anualmente no município de Arvorezinha, no Estado do , com o intuito de reafirmar a identidade dessa comunidade. Para a coleta de dados foram utilizadas fontes digitais, como o site oficial do município, e jornal local, além de acompanhamento e observação do evento que ocorreu em maio de 2015. A análise dos dados evidencia que este é um momento em que a comunidade se identifica, pois a festa se relaciona com a herança cultural da imigração itálica. O encontro possibilita preservar a identidade cultural dessa comunidade, pois muitas famílias se reúnem para partilhar o espaço, a música, a decoração, a comida. Palavras-chave: Festa, Cultura Italiana, Semana Italiana, Arvorezinha, RS, Brasil. Abstract:

To celebrate is a personal and collective expression in different cultures, what make festivals an important for individuals and communities. In southern, festivals that celebrate original ethnicity of local cultures are quite frequent. e article discusses this issue, seeking to analyze the 11th Italian Week, a festival held annually in Arvorezinha town, with the purpose of reaffirming the identity of this community. Data was collected in official website of the municipality, in a local newspaper, as well as observation of the event that took place in May 2015. e data analysis shows that this is a moment in which the community identifies itself, because the festival is related to cultural heritage of Italian immigration. It makes possible to preserve local cultural identity, because families gather together to share the space, music, decoration and food. Keywords: Feast, Italian Culture, Italian Week, Arvorezinha, RS, Brazil.

INTRODUÇÃO

O município de Arvorezinha está localizado no nordeste do Estado do Rio Grande do Sul, na região do Vale do . O local foi denominado inicialmente como Alto Figueira, em 1938 passou a se chamar somente Figueira. Em novembro do mesmo ano foi modificado para Arvorezinha, pois já havia outra localidade no Estado com tal denominação. A emancipação se dá em 1959. O local foi habitado, inicialmente, por índios caingangues [Kaa + Ingang = Habitante do Mato], que cultivavam mandioca, abóbora, milho, tabaco e pinhão. Há cerca de quatro mil anos, os guaranis chegaram ao território ocupado pelos caingangues e, com melhor organização social e tecnologia superior, os expulsaram do lugar. Por volta de 1883 se instalou no mesmo território, o descendente de portugueses, Francisco Floriano. Incentivado por ele, veio em seguida para o local o professor João Luís Ferreira, para ensinar os filhos do primeiro. Ambos encontraram campos propícios para o desenvolvimento da pecuária e grande mata de Araucárias e Erva Mate. Os dois faziam parte

PDF gerado a partir de XML Redalyc JATS4R Sem fins lucrativos acadêmica projeto, desenvolvido no âmbito da iniciativa acesso aberto 480 SAMARA CAMILOTTO, et al. Arvorezinha em Festa: A Semana Italiana dos luso-brasileiros que desde o início do século XIX, vindos de São Paulo, percorriam a região Sul em busca de campos habitáveis (Lopes, 2012; Prefeitura Municipal de Arvorezinha, 2015; Andrade & Andrade, 2006; Ferri & Ferri, 2000). A imigração italiana iniciou no Rio Grande do Sul em 1875, nas colônias de Conde d’Eu e Dona Isabel [atuais municípios de Garibaldi e Bento Gonçalves]. Será desse último que virão João Ferri e família, primeiros descendentes de italianos a habitar o local onde hoje está Arvorezinha. Com o passar dos anos, Ferri, almejando o desenvolvimento do local, incentivou a vinda de outros ítalo-descendentes, tendo atendido ao chamado as famílias de João Ferri Filho, Berto Berton, Severino Puppia, Francisco Somensi, Antônio De Bortolli e Luís Broetto, entre outras. A partir delas, o movimento migratório para o local intensificou-se entre 1900 e 1910. Essas famílias vinham de colônias já saturadas, ou seja, com grande número de habitantes e consequentemente com poucas terras disponíveis. O fluxo de migração também veio a se originar de Garibaldi, Caxias do Sul, Veranópolis, Guaporé, Antônio Prado, dentre outros municípios. Nos anos posteriores, inclui-se a presença de alemães, poloneses, portugueses e africanos (Parcianello, 2011; Andrade & Andrade, 2006; França & Sanson, 1970c; Ferri & Ferri, 2000). As festividades em Arvorezinha são uma organização social da comunidade, e marcam-se pelos traços de uma forte herança cultural colonial. A Semana Italiana, realizada no município desde 2005, é uma festa de reafirmação da ‘cultura italiana’ [3] , na qual se busca a promoção do seu resgate através da dança, música, gastronomia, religião e do exercício da linguagem. Tais festas étnicas, muitas vezes tratadas como ‘típicas’ ou folclóricas’, têm o papel de difundir e conservar aspectos do comportamento, do cotidiano de determinado grupo, dando a essas ações um caráter comemorativo. O objetivo deste estudo é o de analisar a Semana Italiana enquanto festa de reafirmação da identidade da comunidade arvorezinhense. Para tal, a pesquisa centrou-se na 11ª Semana Italiana, que ocorreu no mês de maio de 2015, onde foram feitas observações e acompanhamento de todas as atividades propostas pelos organizadores através da programação oficial do evento. Dentre os métodos de coleta de dados, a observação revela-se como um privilegiado modo de contato com o real, uma vez que é observando que o pesquisador se situa, orientando seus deslocamentos e compreendendo a realidade no qual está imergindo. Nesse sentido, para compreender melhor a realidade, a observação exige a inserção do pesquisador no grupo observado, interagindo com os sujeitos e partilhando o espaço social da pesquisa. A observação permite captar fenômenos que não podem ser registrados por meio de perguntas ou documentos quantitativos, mas que devem ser observados in loco, na situação concreta em que acontecem. Para realização da observação, utilizou-se um diário de campo, importante instrumento de trabalho e que consistiu em um registro de informações que emergiram do trabalho de campo, posteriormente utilizadas para a análise dos dados. Também foram utilizadas fontes digitais do site oficial do município e de um jornal local. A análise se deu através das características presentes no evento. As informações advindas da coleta de dados foram analisadas a partir do viés das festas étnicas e da memória e história da imigração italiana no Rio Grande do Sul (Laville & Dione, 1999; Deslandes, 2007).

A SEMANA ITALIANA EM ARVOREZINHA

A festa é uma das manifestações coletivas mais antigas e vivas da humanidade. Os registros históricos se perdem no tempo, e ela é, antes de tudo, um ato coletivo, que une pessoas em torno de um tema central. Dessa maneira, a festa é “uma força no sentido contrário ao da dissolução social” (Amaral, 1998, p. 26). Ao mesmo tempo em que conecta as pessoas, age contra um possível rompimento de um determinado grupo. A festa é um momento social onde se pratica a hospitalidade, pois se realizam trocas que, segundo Mauss (2003), mais que bens, coisas economicamente úteis, trocam-se antes de tudo gentilezas, banquetes, ritos, danças, festas, etc. Macedo (1986) destaca que a festa “cimenta o sentimento coletivo” (p.184) ou seja, elas são:

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As festas são uma dimensão da vida. Contribuem para promover o sentimento especial de estar junto e configuram o espaço social privilegiado do acontecimento extraordinário [...] são uma expressão e afirmação de valores. Está presente nelas o esforço de construção de uma imagem que é a representação da visão ideal do grupo. Uma festa sempre possui um tema, um porquê de se festejar. Pode ser uma data especial que relembre algo, como um aniversário, ou nascimento de Jesus [Natal] ou um acontecimento importante como um casamento. Amaral (1998) discorre que:

Festeja-se sempre algo, mesmo quando o objeto seja aparentemente irrelevante. A função do símbolo parece não estar então, simplesmente, em significar o objeto, o acontecimento, mas em celebrá-lo, em utilizar todos os meios de expressão para fazer aparecer o valor que se atribui a este objeto (p. 39). Para festejar, mais que a presença de um grupo é necessária a participação deste nas atividades a serem realizadas. Amaral (1998) explica, também, que é dessa maneira que se diferencia uma festa de um espetáculo. Festeja-se fora do cotidiano. As pessoas mantém suas rotinas de trabalho, aula, etc. e depois vão à festa. Ou interrompem atividades para ir à festa. Mas cotidiano e festa não se misturam. Roberto da Matta (1979) ao ser citado por Albuquerque Júnior expõe que a festa é

[...] uma ruptura com o cotidiano, um momento excepcional na vida social, um momento de quebra da rotina, um espaço lúdico, apartado do mundo do trabalho – pensado, muitas vezes, como seu oposto, como fazendo parte do universo da diversão, do lazer ou do desvio –, as festas poderiam ser reveladoras dos códigos e regras que regeriam uma dada ordem social (Albuquerque Júnior, 2011, p. 136). Por isso, Amaral (1998) ao citar Durkheim (1968) aponta três elementos que constituem uma festa: (1) a superação das distâncias entre os indivíduos; (2) a produção de um estado de efervescência coletiva; e (3) a transgressão das normas coletivas. Esses três elementos, ao se misturarem, fazem com que nas festas não exista vergonha. Os indivíduos se fantasiam, participam de brincadeiras que provavelmente não participariam se não estivessem nessa situação. O regozijo coletivo faz o indivíduo desaparecer no grupo. Ao mesmo tempo em que é só mais um, ele auxilia o evento a ter voz e demonstrar sua importância perante a sociedade. Dessa maneira, “as atividades humanas se voltam para a representação da existência de um grupo, revelando seus traços culturais” (Cruz et al., 2008, p. 16). Entre esses traços culturais pode estar presente e ter destaque como tema da festa a etnia de um povo. As festas étnicas buscam

[...] difundir e conservar aspectos do comportamento, do cotidiano de determinado grupo, dando a essas ações um caráter comemorativo. Esse caráter determina-se a festejar, de tempos em tempos, a trajetória de luta, de bravura e de sucesso dos primeiros imigrantes, espalhando um sentimento de orgulho aos seus descendentes, aproximando-os da sua origem, ainda que distante (Bonetti et al., 2007, p. 4). Toma-se, por exemplo, a Festa da Uva, em Caxias do Sul, e a Oktoberfest, em , ambos localizados no Rio Grande do Sul, que fazem das mesmas, festas marcantes dos municípios, procurando exprimir através da etnia de sua população o orgulho de fazer parte de uma determinando origem e criando, assim, um sentimento de pertencimento que se transforma na identidade dessas comunidades. A identidade é quando um grupo percebe e valoriza sua cultura. Lavandoski et al. (2012) afirmam que para construir uma identidade é fundamental que a região se volte para o seu passado “dando ênfase à aceitação coletiva dos mais diferentes aspectos existentes na mesma” (p.219). Batista (2005) exemplifica alguns tipos de identidade:

Pode ser abordada em relação à questão de gênero, pode ser definida a partir da religião que se professa, pode ser construída, e geralmente o é, com a contribuição da atividade profissional que uma pessoa exerce, está intimamente ligada ao grupo étnico ao qual pertencemos, o que já inclui outras categorias como língua, costumes, etc. (p. 30). Dessa maneira, as festas étnicas auxiliam na reafirmação da identidade de um povo. Com essa finalidade, o município de Arvorezinha criou, através da lei nº 1.716, de 18 de abril de 2005, a Semana Italiana, que “visa homenagear e resgatar a identidade e o trabalho dos antepassados italianos no município” (Jornal Eco Regional, 2015, s/p). A 11ª edição da Semana Italiana aconteceu no período de 14 a 20 de maio de 2015 e

PDF gerado a partir de XML Redalyc JATS4R Sem fins lucrativos acadêmica projeto, desenvolvido no âmbito da iniciativa acesso aberto 482 SAMARA CAMILOTTO, et al. Arvorezinha em Festa: A Semana Italiana coincidiu com as comemorações dos 140 anos da imigração italiana no Rio Grande do Sul. Durante todo o ano de 2015, vários municípios que receberam imigrantes itálicos desde o século XIX, organizaram atividades em comemoração à data. Em Caxias do Sul, entre maio de 2015 e março de 2016 realizaram-se apresentações de corais, exposições, jantares, festas pelo interior e outras atividades incluindo a Festa da Uva de 2016 (Prefeitura Municipal de Caxias do Sul, 2016). Em Garibaldi, a apresentação da Orquestra Municipal com o Concerto L’America ocorreu no dia 17 de maio (Turismo Garibaldi, 2016). A Semana Italiana é uma festa étnica que acontece, assim, desde 2005 em Arvorezinha no mês de maio, mas que tem pouca visibilidade nos meios de comunicação em nível estadual. É através deste evento que os moradores do local compartilham as marcas que os diferenciariam enquanto ítalo-descendentes, unindo-se enquanto comunidade e reafirmando a produção do sentido de lugar e de pertencimento. O enredo da festa trata da continuidade e manutenção das tradições itálicas, pois revitalizam a memória e a identidade étnica. Inúmeros trabalhos (Santana et al., 2013; Santos & Zanini, 2009) sobre as festas realizadas por comunidades italianas relacionam a importância das mesmas para o fortalecimento dos grupos de descendentes, bem como na positivação da identidade étnica dos mesmos. As festas étnicas são configuradas como fenômenos decorrentes da rede de sociabilidade entre os indivíduos que as criam e mantêm, estando profundamente interligados com as crenças e a afeição de seu povo, visando o festejo aos valores coletivos. Nas festividades:

[...] se incluem tanto os ritos, as celebrações sagradas ou religiosas, como as comemorações políticas, eventos realizados com danças, músicas, brincadeiras, comidas e jogos. Compreender a festa requer, nesse sentido, ver e sentir as representações e imagens materiais e mentais que a envolvem (Itani, 2003, p. 15).

A realização geral do evento foi da Associazione Italiani di Cuore [4] e Prefeitura Municipal de Arvorezinha, através da Secretaria de Turismo e Cultura. O site da Prefeitura Municipal destacou a Semana Italiana e, ao informar sobre o cenário e a programação da festa, mencionou o evento como “uma semana de festa, preservações, comida típica, momentos religiosos e diversão. Assim, pode-se resumir um pouco do que será a 11ª Semana Italiana do município de Arvorezinha” (Prefeitura Municipal de Arvorezinha, 2015, s/p). O folder de divulgação [Figura 1] evidenciou as cores da bandeira da Itália [verde, branco e vermelho] e a frase ‘Te aspetto’ [Te espero], convidando a comunidade a participar do evento. Além disso, apresentou imagens da gastronomia, de crianças com roupa característica e de músicas e danças. Através desses elementos, procurava-se despertar o interesse da comunidade em participar das atividades do evento, compartilhando costumes e tradições da herança deixada pelos imigrantes italianos.

FIGURA 1 Folder de divulgação da 11ª Semana Italiana Prefeitura Municipal de Arvorezinha, 2015 Em 2015, a programação do evento foi a seguinte:

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14 de maio – 19h30min: Sessão solene da câmara de vereadores para abertura da Semana Italiana. Após, apresentação artística e Filó – Local: Linha Tubuna. 15 de maio – 19h30min: Sarau Literário Arca das Letras – Encontro de Amigos envolvidos na Arte e na Cultura – Local: Auditório Domingos Dorigoni. 16 de maio – 20h: Jantar-baile. No cardápio, galeto assado, carne de porco assada, costela de porco frita, massa, aipim, polenta, batata caramelada, radici cotti, fortaia e saladas. Após o jantar, baile com animação da banda Demadri – Local: Ginásio de Esportes. 17 de maio – 09h: Missa realizada em dialeto Talian – Local: Igreja Matriz. 17 de maio – 19h30min: Filó com apresentações artísticas – Local: Linha São Valentin. 20 de maio – 19h30min: Filó de encerramento da Semana Italiana. Após, apresentação do Grupo Vanti in Drio – Local: Linha Quarta Tomé (Prefeitura Municipal de Arvorezinha, 2015, s/p). A programação aconteceu em diversos pontos do município, na cidade e no interior [nas Linhas e comunidades]. Mesmo que a maioria da população arvorezinhense resida na cidade - segundo o IBGE (2015), há 6.273 pessoas na zona urbana e 3.952 pessoas na zona rural -, as atividades do evento ressaltaram o interior, através da figura do ‘colono’, pois trata-se de um município de economia agrícola, onde rural e urbano por vezes se confundem. A figura do ‘colono’ é a figura do , do ‘herói’ que desbravou as terras americanas e, juntamente com sua família, cultivou alimentos para a subsistência do grupo no qual fazia parte. Desse modo, o evento teve como pano de fundo a figura do ‘colono’, do ‘imigrante’, buscando enaltecer esta cultura tão importante para a formação local. Um dos momentos mais aguardados e uma das principais atividades da festa, foi o Filó, que é

[...] o costume de reuniões entre parentes ou vizinhos mais próximos. Eram encontros sociais nas cozinhas, ou nas cantinas domésticas, sobretudo na zona rural. Dele participavam homens, mulheres, jovens e crianças. De um modo geral, fazia-se Filó aos sábados à noite, porque, no dia seguinte (domingo), não havia necessidade de levantar cedo para trabalhar (Ribeiro, 2004, p. 3).

O FILÓ

Quando os primeiros imigrantes italianos chegaram ao Rio Grande do Sul adotaram o costume de fazer Filó, pois, por conta das distâncias entre um vizinho e outro, criou-se uma necessidade das pessoas conviverem, confraternizarem, “saberem notícias da Itália, dos parentes e amigos que permaneceram por lá. Também trata-se de um momento em que as cartas recebidas da Itália eram lidas para todos os presentes” (Gomes & Laroque, 2010, p. 39). Então, esses encontros noturnos também foram vistos como um momento em que eles se reuniam para amenizar as agruras dos momentos iniciais. Serviam também para suportar a saudade da terra natal, dos parentes e amigos deixados na Itália, pois famílias inteiras foram divididas no processo imigratório: “Quando a saudade e o desconforto batessem à porta, o remédio era, quase sempre, um copo de vinho, uma cantoria ou um Filó bem aproveitado. O Filó era um momento de amenizar o sofrimento causado pela imigração” (Gomes & Laroque, 2010, p. 39). Realizar Filó na Semana Italiana é celebrar a bravura e a determinação que, juntas, as famílias de vizinhos e conhecidos tiveram para buscar progredir na terra desconhecida. Durante o evento 2015, em Arvorezinha, o Filó foi realizado três vezes e em três comunidades diferentes: Linha Tubuna [14 de maio, quinta-feira], Linha São Valentim [17 de maio, domingo] e Linha Quarta Tomé [20 de maio, quarta-feira]. Tratava-se de Filós comunitários, pois o local estava aberto para quem desejasse participar, no salão das capelas. A localização demonstra que a relação com a religião está presente na festa, assim como no cotidiano das comunidades do interior. Fazem parte da capela: o salão com espaço para a prática de jogos; o cemitério; e, em alguns casos, o campo de futebol e a escola. Mas, o cerne é a igreja. A capela representa o lugar onde nasceram e foram criados e, por isso, é um local da convivência, de relações sociais, de trocas. Através de espaços como o da capela, os indivíduos criam uma memória coletiva que é essencial para a construção e reafirmação de sua identidade.

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A partir disso, ao exercer-se a sociabilidade, os indivíduos reafirmam laços de solidariedade e, consequentemente, de amizade. A festa, então, é fundamental para a compreensão da estruturação dessa sociedade. Albuquerque Júnior (2011) discorre que, através desses momentos, “se pode ver, observar, enxergar, o universo da cultura popular, a vida das camadas populares, seus rituais e ritmos de vida, suas práticas e os significados que elas teriam para eles” (p. 143). Morigi et al. (2013) explicam que grupos étnicos quando se apropriam de velhas tradições culturais do passado reelaboram novas comemorações grupais: “a reedição de antigos rituais festivos e as comemorações realizadas na terra nativa, inclusive a construção de novos festejos, são fundadas nas representações sobre o ‘pioneirismo’ da imigração no Brasil. Elas são responsáveis pela solidificação e unicidade em torno do coletivo” (s.p). As famílias responsáveis pela organização e manutenção da capela [5] são as mesmas que estavam encarregadas de organizar o salão para o Filó. Dessa maneira, visualizaram-se mesas dispostas de forma a que as comidas e bebidas ficassem no centro do salão, acessíveis a todos os presentes e facilitando a integração social. Nos Filós, as comidas e bebidas eram levadas pelos participantes. Durante as observações, percebeu- se que quando grupos adentravam nos salões, geralmente eram as mulheres que carregavam com uma mão os potes e bandejas com comidas associadas a gastronomia imigrante italiana, como biscoitos , cucas, pães, queijos, salames, chimias [6] , Grostolis [7] e bolos em geral. Na outra mão e auxiliadas por crianças ou homens, as cuias e térmicas para o Chimarrão. A cargo dos homens, as bacias pesadas com frutos (laranjas ou bergamotas) e o vinho. Nesses momentos, as relações de gênero ficavam visíveis. As bebidas alcoólicas não são consumidas, necessariamente, apenas pelos homens, mas eles eram os responsáveis por inseri-la naquele espaço. À mulher coube o compromisso de portar as comidas ‘delicadas’, feitas, por vezes, através de suas mãos. Carregar um pote com uma cuca de aparência agradável demonstra como ela é uma ‘dona de casa de mão boa’ para fazer comida. Comer e beber eram a etapa final no ritual dos Filós. Vinham após a fala das autoridades, o momento de oração e as apresentações artísticas. Essa era uma regra não escrita nem falada, mas cumprida por todos os participantes. Regra essa que não incluía o Chimarrão. A fala das autoridades presentes [no primeiro Filó, na Linha Tubuna houve sessão solene da Câmara de Vereadores para abertura da Semana Italiana] ressaltavam a importância da ‘cultura italiana’ e, em geral quando descendentes da mesma, destacavam a história de sua família, de seus antepassados. Na abertura do evento, no Filó da Linha Tubuna, a representante da Secretaria de Educação do município, em seu pronunciamento, explicou o porquê do nome Filó: “Filó vem de fio, vem de filar, que quer dizer, fazer as correntes, então justamente é isso que nós temos aqui hoje fazendo essa ligação entre todas as famílias, entre todas as idades para dizer que nós temos um fio condutor que nos une e que faz com que a gente construa as comunidades”. Essa fala condiz com o exposto por Macedo (1986) ao abordar que através das festas, neste caso, o Filó, está presente “o esforço de construção de uma imagem que é a representação da visão ideal do grupo” (p.184). Na sequência aconteciam momentos de reza, que se iniciavam com a entrada de moradores da comunidade levando a capelinha [8] e outros símbolos religiosos. Durante a entrada no salão, os moradores rezavam ou cantavam e o público presente acompanhava entoando o texto ou a música. Ao chegarem a um ponto de destaque do salão, os moradores colocavam a capelinha e os outros símbolos sobre uma mesa e davam sequência no momento de oração. A reza do terço foi feita antes das apresentações artísticas e da degustação das comidas e bebidas, demonstrando, primeiramente, o respeito pela religião católica. Ao rezar, as pessoas mantinham a cabeça baixa em sinal de estima, mas também de submissão ao que estava sendo expresso. Quem não conhecesse a reza ou a música, ficava em silêncio, em sinal de apreço pelo momento. O fato de cumprir com o dever religioso antes da diversão, indica que o valor moral expresso pela religião é a base para a vida em sociedade, sendo herdado através de geração em geração. Dessa maneira, a religião católica atesta, por vezes, a origem italiana de um indivíduo bom e que cumpre com suas obrigações, sendo, assim, uma delimitadora de pertencimento.

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Os Filós da Linha São Valentim e da Linha Quarta Tomé incluíam pequena exposição com objetos, utensílios e pertences vinculados à história da comunidade. Nessas exposições destacavam-se as ferramentas utilizadas no trabalho, como carroça, serrote, cestos, enxada, dentre outros. Por estarem sendo exibidas, essas ferramentas demonstram como o trabalho é importante na vida do descendente de imigrantes itálicos. O trabalho se manifesta principalmente enquanto valor. Trabalhar, ter a própria renda, é importante para os arvorezinhenses. Incutidos nesse valor estão a honestidade e a moralidade, pois a pessoa que trabalha, cumpre com suas obrigações e garante o próprio sustento de forma legal, é bem vista pela sociedade e essas características são repassadas de pais para filhos através das gerações e, portanto, do tempo. A rememoração do trabalho na roça é frequente e também justifica a importância dada a esse aspecto, pois ser agricultor não é apenas uma profissão e, sim, um modo de viver. E foi com essa leitura que a organização dos Filós preocupou- se em expor as ferramentas que, mesmo que não sejam mais utilizadas no trabalho na roça, fazem parte de uma história vivida por toda uma comunidade e compartilhada entre os seus indivíduos. Outros objetos de destaque nessas exposições foram as bolsas, cestas e chapéus feitos a partir das tranças da palha seca de trigo ou de milho. Em um contexto histórico, esses objetos começaram as ser confeccionados pelos imigrantes italianos nos períodos de inverno em que fazia muito frio e era impossível praticar a agricultura. Inclusive nos Filós, as mulheres muitas vezes se reuniam para conversar e trocar ideias e modos de fazer esses objetos. A religião também esteve presente nas exposições através de esculturas de santos, quadros, terços e cruzes. A religião fez parte da vida em comunidade desde o momento em que os primeiros imigrantes chegaram ao Rio Grande do Sul. Zanini (2008) afirma que sem essa coesão promovida pela religião, talvez os imigrantes não conseguissem sobreviver em meio às adversidades do estranho. Gomes e Laroque (2010) também discorrem sobre o assunto e abordam que “foi através da religião que os primeiros imigrantes se encontraram consigo mesmos e com os outros, estabelecendo a sua própria identidade cultural” (p. 36). A religião possui lugar de destaque na vida dos descendentes de imigrantes italianos e, mais que uma característica dessa sociedade, é o modo como ela se expressa. Mais que fé, religião é a moral da comunidade arvorezinhense. Durante a Semana Italiana, mesmo sendo organizada pela Associazione Italiani di Cuore e Prefeitura Municipal, a religião católica esteve no centro do evento. A missa que acontece todos os domingos às 9 horas na Igreja Matriz foi realizada, no dia 17 de maio, em dialeto Talian [9] em celebração à Semana Italiana. Nos Filós, apresentaram-se o grupo de danças folclóricas Os Imigrantes de Arvorezinha [Linha Tubuna e Linha Quarta Tomé], o Renascer [Linha Tubuna e Linha São Valentim] e o Sabadin [Linha São Valentim], que são grupos de corais. Apresentou-se, ainda, no Filó da Linha Quarta Tomé, o grupo de danças da Escola Municipal Orestes de Britto Scheffer. Para finalizar as apresentações artísticas, no Filó da Linha Quarta Tomé, Vanti in Drio [10] , um grupo teatral humorístico da cidade de , RS, que, falando em dialeto Talian, interagiu com a plateia e fez os presentes darem gargalhadas. Além disso, cantou músicas no dialeto. No Sarau Literário, que foi realizado no dia 15 de maio, destacou-se o gaúcho, figura criada no estado do Rio Grande do Sul e países Argentina e Uruguai. Cinco escritores locais, Albino Rabaioli, Nero Borges de Góes, Orivaldo Canton, Osmar Canton e Olvir Canton foram homenageados. Na noite, as escolas localizadas no município se organizaram, juntamente com seus alunos, para contar histórias ou declamar poesias escritas por esses autores. Tanto os escritores quando a maioria dos alunos que prestaram a homenagem trajaram-se a caráter, as mulheres com vestido de prenda e os homens com bota, bombacha, camisa e lenço. Durante as apresentações, alguns alunos tocaram gaita e violão, outros carregavam cuias arrumadas para o chimarrão e até mudas de erva- mate. Uma das estrofes apresentadas dizia: “Erva-mate, nasce de uma sementinha, em seguida uma plantinha, vai se tornando forte, com dois anos dá-se um corte, ela brota ligeiro, a nós todos dá dinheiro, nos trazendo muita sorte”. Herança herdada através dos índios, mas presente por todo o Rio Grande do Sul, o Chimarrão tem grande importância para Arvorezinha. A plantação de erva-mate é importante economia do município, bem como as indústrias que a beneficiam para consumo. Sendo assim, o Chimarrão é motivo de orgulho

PDF gerado a partir de XML Redalyc JATS4R Sem fins lucrativos acadêmica projeto, desenvolvido no âmbito da iniciativa acesso aberto 486 SAMARA CAMILOTTO, et al. Arvorezinha em Festa: A Semana Italiana local, pois representa o trabalho da comunidade, um esforço econômico que envolve agricultura, indústria e comércio. Mais que isso, o Chimarrão envolve uma linguagem e identidade cultural ‘gaúcha’, independente de etnia, bem como associa-se à hospitalidade, ao passar de mão em mão no grupo, ao ser consumido. Mesmo sendo uma festa étnica, a Semana Italiana mostrou a hibridização dos povos do Rio Grande do Sul, através, principalmente, das apresentações artísticas e da gastronomia apresentada. Um aspecto que aponta nessa perspectiva é a música do jantar-baile realizado no sábado [17 de maio], tocada e cantada pela Banda Demadri. No Rio Grande do Sul, popularmente conhecido como bandinhas, esses grupos apresentam um estilo que mistura música regional ‘gaúcha’, sertaneja e germânica. Nesse sentido, contata-se que o evento de Arvorezinha é uma festa étnica popular, sendo um produto cultural híbrido, resultando no conceito ‘hibridismo cultural’, proposto por Burke (2003), ou seja, “encontros culturais produzem formas novas e híbridas [de cultura]” (p. 55). Portanto, descendentes de colonizadores, que cultuam elementos dos seus antepassados, transitam naturalmente pelo tradicionalismo em Arvorezinha. Ao relacionar alguns elementos da cultura dos descendentes de colonizadores italianos e da tradição gaúcha (como o Chimarrão, indumentária, etc.), percebe-se que muitos destes elementos transitam por ambos os lados de uma fronteira cultural. Percebe-se que durante a festa não há distinção entre a cultura gaúcha e a cultura dos descendentes de italianos a qual vivenciam. Com exceção do jantar-baile, no dia 16 de maio, onde o ingresso custava R $25,00, o restante das atividades teve acesso gratuito para moradores e visitantes. A Semana Italiana de 2015 foi importante ponto de encontro entre a comunidade. Pela maioria das atividades serem realizadas no turno da noite, as pessoas cumpriam as obrigações do cotidiano, como jornada de trabalho na cidade ou trabalho no campo, e à noite encontravam os conhecidos, vizinhos e amigos para conversar e confraternizar. Sendo para a comunidade um momento pós-trabalho, o evento demonstra a quebra com a rotina, a ruptura com o cotidiano, sendo, inclusive, o seu oposto, ou seja, momento de diversão, lazer ou até de desvio (Albuquerque Júnior, 2011). Enquanto ocorriam as falas das autoridades e as apresentações artísticas a cuia ia passando pela mão de amigos, vizinhos e familiares reforçando os laços de amizade. Oferecer ‘uma cuia’, mais do que uma bebida, era demonstrar estima pelo próximo. Quando havia a liberação para o comer e beber, após as apresentações artísticas, os participantes circulavam as mesas na busca do que fosse de seu agrado. Escolhiam a comida, serviam-se e juntavam-se ao seu grupo para conversar, confraternizar e dar seu parecer sobre a comida escolhida. A Polenta, principal comida da gastronomia itálica local (Camilotto, 2015) esteve presente em dois Filós, na Linha São Valentim e na Linha Quarta Tomé, e no jantar-baile. Nos Filós, o preparo foi feito pela diretoria de ambas as comunidades, mas essa era tarefa das mulheres. No Filó, foi consumida de forma brustolada [11] . Já no jantar-baile, consumiu-se recém-cozida [12] . Nesta festa, os organizadores serviram, ainda, massa, batata caramelada, fortaia [13] , aipim e uma variedade de saladas, estando entre elas o radicci. Entre as carnes servidas estavam a costelinha de porco frita; lombo e pernil de porco assados; e coxa e sobrecoxa de galinha assada. Zanetti (2010) explica:

Antigamente a carne era um alimento escasso nas refeições, principalmente nas famílias menos abastadas. As carnes mais consumidas, outrora, eram de galinha e de porco, além da carne em forma de embutidos, como salame e copa. A carne de gado [...] essa sim era rara, geralmente era consumida em festas comunitárias ou em casamentos. As principais causas [...] apontados: a difícil conservação desse alimento e o direcionamento desses animais aos trabalhos rurais, a vaca possibilitava o leite e consequentemente derivados, assim também como esses animais eram de suma importância no cultivo, arando a terra, ajudando no plantio, além do transporte, em suma o boi era um animal de trabalho (Zanetti, 2010, p. 67). Durante a Semana Italiana, a comida comprovou a importância de compartilhar as refeições. Nos Filós, ao levarem produtos feitos em casa, os arvorezinhenses demonstraram a valorização da produção do próprio alimento. Dessa maneira, a alimentação farta, sempre em grande quantidade, comprovava a abundância dos produtos cultivados, tendo papel importante na construção do sentimento de pertencimento entre os ítalo- descendentes.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observou-se como a Semana Italiana alimenta laços de sociabilidade entre os membros de uma própria comunidade e desses com os de outras comunidades próximas, a quem são oferecidos convites de participação, abundância de comidas, danças e alegrias. Ao falar da Semana Italiana, constata-se que esta se associa à cultura, pois o momento e contexto de sua realização se configuram como expressão simbólica no e para o grupo social envolvido. O município de Arvorezinha e a festa Semana Italiana são elementos importantes para a comunidade local, porque nelas a comunidade se encontra e alcança os mais altos níveis de cooperação, criação, solidariedade e sociabilidade. O que se pode identificar é que a festa Semana Italiana está associada à ideia de alegria, ao extravasamento individual e social e, principalmente, à expressão da cultura local. Enquanto uma festa planejada, mesmo que não se coloque propriamente como um produto de mercado, pode ser pensada enquanto um produto turístico de Arvorezinha. Do ponto de vista do turismo, as festas tornaram-se importantes como atrativos que induzem a mobilização de turistas e visitantes, além de poder contribuir para qualificação da imagem das localidades que as realizam. Morigi et al. (2013) abordam que “as festas étnicas se amparam nos saberes comunicados pelas tradições culturais e os costumes associados às práticas alimentares, à língua, à indumentária, às músicas, às danças folclóricas, às crenças, aos valores religiosos e ao artesanato”. Esses são os elos que “que fortalecem a memória social e auxiliam na construção do sentimento de pertença dos sujeitos e no patrimônio cultural dos grupos sociais” (s.p). Abordando elementos da cultura ‘italiana’, a Semana Italiana tem se tornado um importante instrumento de reafirmação da identidade da comunidade arvorezinhense. Uma identidade criada pelos italianos quando tiveram que abandonar seus lares e emigrar para o Brasil. Uma identidade criada pelos italianos quando se depararam com as terras brasileiras, tão diferentes do seu país de origem. Foi através da adaptação que os ítalos-descendentes constituíram a identidade que a Semana Italiana em Arvorezinha procura evidenciar. Na Semana Italiana pode-se identificar que esta representa muito mais do que um reconhecimento da importante influência cultural dos imigrantes, pois se trata de um momento em que a comunidade se identifica. O evento atualiza a história da imigração da Península Itálica para o sul do Brasil, o que possibilita preservar a identidade cultural dessa comunidade, pois muitas famílias se reúnem para partilhar o espaço, a música, a decoração, a comida. Semana Italiana representa todo conjunto de costumes cotidianos das famílias que participam da concepção e realização deste evento. Ao abordar a ‘cultura italiana’ representada nas festas, revelados na gastronomia, nas danças, na presença do dialeto italiano, nos momentos de oração, enfatiza-se que todas as atividades realizadas possuem uma significação que as tornam singulares, definidoras de uma identidade que vem constituir pertencimento, e por que não dizer identidades, uma vez que expressões culturais diversas convivem em um mesmo espaço e dialogam entre si. Tais práticas exercidas no cotidiano da comunidade vêm consolidar referência a um grupo ou a uma comunidade em uma região. Assim, quando se fala na Semana Italiana, surgem saberes peculiares que atravessaram muitas existências das comunidades nas suas práticas simbolizadas nas comidas, no artesanato, na música, na dança e demais manifestações culturais. Importa ressaltar que essa festa é um traço da cultura e da história da comunidade de Arvorezinha. Nesse sentido é de interesse turístico conhecer, valorizar e utilizar-se dessas práticas culturais como atrativo de um destino turístico.

Referências

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PDF gerado a partir de XML Redalyc JATS4R Sem fins lucrativos acadêmica projeto, desenvolvido no âmbito da iniciativa acesso aberto 488 SAMARA CAMILOTTO, et al. Arvorezinha em Festa: A Semana Italiana

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Notas

[1] Samara Camilotto - Mestranda em Turismo e Hospitalidade, Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, RS, Brasil. Currículo http://lattes.cnpq.br/0398906421549611. E-mail: [email protected].

[2] Dalila Rosa Hallal – Doutora. Professora da Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, Rs, Brasil. Currículo http:// lattes.cnpq.br/4606760006124679. E-mail: [email protected].

[3]‘Cultura Italiana’ está representada entre aspas, pois compreende-se que a mesma, no Brasil, é uma cultura que se desencadeou a partir do contato entre os imigrantes itálicos e outras vertentes culturais também presentes na região; na atualidade, configura-se como uma cultura de raízes italianas e, dessa maneira, uma cultura brasileira diferente (Pozenato, 2000, apud Monteiro et al., 2007).

[4]Associazione Italiani di Cuore: Associação Italiana do Coração, em tradução literal. É uma associação de descentes de imigrantes italianos localizada em Arvorezinha e que possui, como principal atividade, a organização e realização da Semana Italiana.

[5] Essas famílias constituem a ‘diretoria’ da comunidade.

[6]Chimia: Espécie de geleia mais grossa, um doce de forma pastosa, produzido a partir de cascas, frutos ou outras combinações (Zanetti, 2010, p. 54).

[7]Grostoli: Também conhecido como Cueca Virada.

[8] Capelinha: Altar de madeira, com a Nossa Senhora de Fátima ao centro. Possui duas portinhas, sendo que são fechadas para serem transportada de uma casa à outra. No lado esquerdo do interior da porta há orações coladas. Já no lado direito está uma lista com o nome dos moradores que ela ‘visitará’. Abaixo da Nossa Senhora, há uma espécie de cofre, onde podem ser depositados donativos para a igreja. Existem várias capelinhas no município. Cada uma pode ‘visitar’ até trinta famílias no mês, cada dia em uma casa, sendo que um vizinho deve levá-la no outro e assim conseguinte.

[9]Talian: Dialeto criado pelos imigrantes italianos no Rio Grande do Sul.

[10]Vanti in Drio: Pra Frente, Pra Trás [Tradução Literal].

[11]Polenta brustolada: Polenta, geralmente feita no dia anterior, cortada em fatias e assada na chapa do fogão à lenha (Zanetti, 2010, p. 54).

[12]Polenta recém-cozida: Polenta feita na hora, cozida somente com farinha de milho, água e sal.

[13]Fortaia: Omelete feita com bastante queijo e salame (Santos & Zanini, 2008, p. 278).

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