Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e UNIVERSIDADECiências Sociais – Ano 13 FEDERAL Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809FLUMINENSE-3264 Página 1 de 152 FACULDADE DE EDUCAÇÃO

REVISTA QUERUBIM Letras – Ciências Humanas – Ciências Sociais Ano 13 Número 32 Volume 1 ISSN – 1809-3264

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REVISTA QUERUBIM NITERÓI – RIO DE JANEIRO 2017

N I T E R Ó I RJ Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 2 de 152

Revista Querubim 2017 – Ano 13 nº32 – vol. 1 - – 152 p. (junho – 2017) Rio de Janeiro: Querubim, 2017 – 1. Linguagem 2. Ciências Humanas 3. Ciências Sociais Periódicos. I - Titulo: Revista Querubim Digital

Conselho Científico Alessio Surian (Universidade de Padova - Italia) Darcilia Simoes (UERJ – Brasil) Evarina Deulofeu (Universidade de Havana – Cuba) Madalena Mendes (Universidade de Lisboa - Portugal) Vicente Manzano (Universidade de Sevilla – Espanha) Virginia Fontes (UFF – Brasil)

Conselho Editorial Presidente e Editor Aroldo Magno de Oliveira

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Sumário 01 Adielson Correia Botelho – A expansão sojícola em territórios camponeses na microrregião 04 de Chapadinha – Maranhão 02 Adilson Ribeiro de Oliveira e Saymon Menezes de Souza – A acentuação na escrita de 11 alunos do ensino médio: das constatações às proposições didáticas. 03 Alcinéia de Souza Silva – Um debate crítico sobre o programa Mais Educação: análise a partir 16 da realidade educacional no Município de Formosa-Goiás. 04 Alcinéia de Souza Silva – Reflexões acerca das assimetrias entre a prática pedagógica e as 24 proposições das políticas voltadas ao Programa Nacional do Livro Didático e à formação de professores 05 Aluizio Lendl, Maria Carolina Pereira da Costa e Ellem Ellyzabeth Barbosa Quirino – 34 Imagem e subjetividade nas redes sociais. 06 Ana Beatriz Camargo Tuma – Cibernética: trajetória histórica e influência para a criação 40 dos ciborgues. 07 Ana Izabel dos Anjos Silva, Eliane Pereira Cavalcante, Francis Jadson Lima das 46 Neves, Marcos Apolinário Barros e Max Silva da Rocha Cordel “Reforma Agrária”: um olhar à luz da estilística semântica 08 Andréa Maria Favilla Lobo e Luciana Nascimento – Deslocamentos e diálogos entre 53 teatro e cultura na capital federal de Artur Azevedo 09 Antônia Maria Siqueira Anjos e Kettrin Farias Bem Maracajá – Análise do sistema de 62 franchising da Eva Bag & Shoes: percepções da relação entre o franqueador e os franqueados 10 Aparecida Regina Gonçalves da Fonte, Rodney Haulien Oliveira Viana, Carolina 72 Machado Rocha Busch Pereira, Solange de Fátima Lolis e Marcos Felipe Gonçalves Maia – O livro didático de biologia e sua abordagem quanto ao tema alimentação no Colégio Criança Esperança, Palmas – Tocantins. 11 Ayrton Alves Braúna, Reijane Pinheiro da Silva e Maicon dos Santos Ramos – O 79 projeto Matopiba: desenvolvimento, grupos econômicos e interesses em questão 12 Benedita dos Santos Azevedo Frazão, Clenia de Jesus Pereira dos Santos e João 85 Batista Bottentuit Junior – As relações etnico-raciais no ensino de história pós lei nº. 10.639/2003: uma revisão sistemática da literatura 13 Bruna Fernanda Barros de Morais e Marlene Almeida de Ataíde – A visão da equipe 98 multiprofissional de um hospital geral em relação à atuação do assistente social 14 Bruno Gomes Pereira e Viviane Ferreira Dourado – Psicopedagogia e neurolinguistica: 107 suas relações 15 Bruno Gomes Pereira – A Temporalidade do mito na memória afetiva: representações do 112 sujeito em textos jornalísticos sobre a repercussão do show Xuchá 16 Cássia dos Santos Andrade e Marlene Almeida Ataíde – Serviço Social e residência 120 multiprofissional em saúde: desafios da prática interdisciplinar no contexto hospitalar 17 Charlyan de Sousa Lima – Atuação da gestão escolar: relação entre família e escola 128 18 Claudia FumacoVitali - O uso de tecnologias móveis no processo de sensibilização da 132 Língua Espanhola com crianças e adolescentes em tratamento oncológico 19 Claudia Scareli-Santos e Fernanda Silva de Oliveira – Movimento ciência, tecnologia e 139 sociedade: a relevância do projeto jovem cientista para os alunos do ensino médio 20 Claudia Scareli-Santos e Letícia Zenóbia de Oliveira Campos – Utilização de recursos 146 didáticos pelos professores de biologia em Jataí, GO Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 4 de 152

A EXPANSÃO SOJÍCOLA EM TERRITÓRIOS CAMPONESES NA MICRORREGIÃO DE CHAPADINHA – MARANHÃO

Adielson Correia Botelho1

Resumo O trabalho tem o objetivo de compreender a dinâmica do agronegócio sojícola na microrregião de Chapadinha, bem como pensar as transformações socioculturais que ocorrem nos tradicionais territórios camponeses. Para a elaboração do trabalho foi realizada uma revisão bibliográfica e trabalhos de campo, a fim de analisar, juntos aos camponeses, as transformações causadas pela expansão da soja. Consideramos também os modos de vida e as suas variações a partir das distintas características no campo nos aproximamos das comunidades rurais, das suas formas e conteúdos socioculturais e também analisamos as territorialidades e seus desdobramentos na (re) organização dos lugares. Palavras-chave: Agronegócio sojícola. Territórialidades. Campesinato. Microrregião de Chapadinha-MA.

Abstract The objective of this work is to understand the dynamics of soybean agribusiness in the Chapadinha microregion, as well as to think about the sociocultural transformations that occur in the traditional peasant territories. For the elaboration of the work, a bibliographical review and field work were carried out to analyze, together with the peasants, the transformations caused by the soybean expansion. We also consider the ways of life and their variations from the different characteristics in the field we approach the rural communities, their forms and socio-cultural contents and also analyze the territorialities and their unfolding in the (re) organization of places. Keywords: Agribusiness sojícola. Territories. Peasantry. Chapadinha of microregion - MA.

Introdução

A soja (Glycine max (L.) Merrill) tem origens do continente asiático, mais especificamente, é uma leguminosa herbácea anual que possui alto teor protéico em seus grãos. É plantada em ciclo, geralmente (90 a 160 dias), possui porte ereto, crescimento determinado ou indeterminado e alta variedade, pode chega a 120 centímetros dependendo do modo de cultivar e da época de semeadura. (MIRANDA et al., 1998). Teve sua produção em grande escala iniciada nos Estados Unidos no início do século XX, associada à mecanização e ao uso de corretivos de solo, dando forma à exploração agrícola em bases empresariais, modelo este que depois foi exportado para o mundo na chamada modernização da agricultura.

Esta expansão vem ocorrendo principalmente em uma área quase contínua da América do Sul, abrangendo os países do Mercosul – Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai - e a Bolívia. Em todos eles cresce igualmente a presença de grandes empresas multinacionais nos segmentos de comercialização e industrialização, que se estende também às áreas de produção de sementes e financiamento da produção do grão. No caso brasileiro, quatro grandes multinacionais movimentam a maior parte da produção: Bunge, Cargill, ADM e Dreyfus. (SCHLESINGER, 2006). A modernização da agricultura teve como justificativa a produção de alimentos para “acabar” com a fome que assolava grandes parcelas de populações pobres do Planeta e, no Brasil, o

1 Graduação em Geografia – UFMA; Mestrando do Programa de Pós Graduação em Geografia da Universidade Federal do Ceará. Membro do Grupo de Estudos Rurais e Urbanos da UFMA. Desenvolve pesquisa na área de Geografia Agrária, com ênfase em território e camponeses. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 5 de 152

Cerrado se transformaria no “celeiro” do mundo. Mas, o cerrado está sendo exportado na forma de commodities e a fome das populações pobres só não é pior graças aos programas assistencialistas dos governos. Junta com a exportação de soja e carnes exporta-se também a natureza (solos, árvores, água, biodiversidade) e se compromete culturas e saberes secular. (MESQUITA, p.23, 2009). Este artigo faz parte dos resultados obtidos na pesquisa intitulada “Campesinato e Crise ecológica – impactos sociais da sojicultura para segmentos camponeses do Leste Maranhense,” desenvolvida pelo Grupo de Estudos Rurais e Urbanos, vinculado ao Programa de Pós Graduação de Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão, Tomando, ainda como ponto de partida pesquisas anteriores, este estudo tem o objetivo de analisar as implicações causadas pela chegada avanço da produção sojícola sobre territórios de populações tradicionais da agricultura familiar na microrregião de Chapadinha no estado do Maranhão.

Caracterização geográfica da área de estudo

A microrregião de Chapadinha, estar localizada na porção oriental do estado do Maranhão, inserida na mesorregião Leste Maranhense (conforme ilustração 01). A Microrregião de Chapadinha é forma pelo município de Chapadinha, Brejo, Buriti, Magalhães de Almeida, Belágua, Urbano Santos, São Benedito do Rio Preto, Mata Roma e Anapurus. Sua área é de 10.039,893 km2, sua população, de acordo com o IBGE (2015) é de 253. 178 pessoas.

Mapa 01: Localização dos municípios que abrangem a Microrregião de Chapadinha. Fonte: Acervo da pesquisa, mapa elaborado por Adielson Correia Botelho a partir de base cartográfica do IBGE 2015.

Em síntese, a história de povoamento da atual microrregião dá conta de que a interpretação corrente sobre o povoamento pretérito da atual microrregião de Chapadinha indica a formação de áreas periféricas às grandes plantações de algodão da região vizinha do Itapecuru, na segunda metade do século XVIII (PAULA ANDRADE, 1995). Entretanto, o levantamento de certas fontes indicou a constituição dos primeiros núcleos de povoamento e de atividades econômicas autônomas na região, opostos à idéia de ocupação periférica da região do Itapecuru (MARQUES, 1970 apud GASPAR, 2010).

O clima da região de acordo com a classificação de Thornthwaite (1948) caracteriza-se como súb-úmido, com totais pluviométricos anuais, que variam de 1.600 a 2.000 mm, porém as chuvas são mal distribuídas ao longo do ano e muito irregulares. Ainda conforme classificação de Pinheiro et al., (2005) a cobertura vegetal caracteriza-se pelo contato de diversas fitofisionomias, destacandose: a floresta estacional semi-decídua e a vegetação de cerrado.

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A chegada e a expansão da soja no Brasil e Maranhão

A soja chegou ao Brasil no final do século XIX, para ser estudada como planta forrageira. Em 1882, foi trazida dos Estados Unidos para a realização de pesquisas na Escola de Agronomia da Bahia. Em 1891, foram realizados experimentos com cultivares no Instituto Agronômico de Campinas, em São Paulo.

De acordo com Carneiro (2008) os anos 1970 foram marcados por um grande avanço da soja sobre o território brasileiro. Esta expansão se deu ainda, predominantemente, na região Sul, onde substituiu outros cultivos alimentares, destacando-se a redução das áreas plantadas com feijão, mandioca e milho.

A Soja no maranhão só ganha relevância em meados da década de 1990. Anteriormente, a dinâmica era dada pelo o arroz e a mandioca. Em função dos incentivos governamentais e da conjuntura favorável no mercado externo a soja se destaca. (ARRAIS NETO; SANTOS, 2009). Essa expansão direcionada para o mercado externo não é novidade na economia maranhense, visto que a "submissão" econômica do Maranhão ao setor agro-exportador se faz presente desde o período colonial, sendo atualmente diferente apenas nas relações de trabalho e a commodity agrícola exportada. A soja começou a ser exportada no Maranhão a partir de 1992, neste ano a sua participação no total de exportações do estado ainda era ínfima. Conforme Arrais Neto e Santos (2009) o Maranhão só precisou de dez anos para chegar ao patamar de 150 milhões de dólares o que se traduz em 15% do valor das exportações do estado, ficando abaixo apenas do Minério de ferro (VALE) e alumínio (ALUMAR). Esse crescimento significativo da soja só foi possível em função da infra-estrutura intermodal de transporte (Estrada/ferrovia e porto).

Os principais agentes envolvidos na aquisição de terras voltadas para a produção da soja no Maranhão são os autores vindos da região sul do país, Gaspar (2010) os agricultores que se deslocaram de outras regiões do país e se fixaram ou vêm se estabelecendo em municípios da microrregião de Chapadinha, são identificados, localmente, como gaúchos e, também, se autodefinem acionando essa categoria.

Não se pode negar a importância da sojicultura na dinâmica da economia maranhense, porém as benesses deste empreendimento agroindustrial não alcançam as populações mais carentes, pois a agricultura mecanizada não gera quantidade significativa de empregos no Maranhão e o modelo agroexportador não contempla a necessidade da economia maranhense.

O avanço dos campos de soja e a produção sojícola na região de Chapadinha

A partir da década de 1980, instalaram-se em diversas localidades da chamada Microrregião de Chapadinha empresas nacionais voltadas ao cultivo de eucalipto com vistas à produção de celulose e à extração de madeira nativa para a produção de carvão vegetal. Essas atividades se inserem na chamada área de influência de grandes projetos do Programa Grande Carajás, apesar daquela região não fazer parte oficialmente deste programa (PAULA ANDRADE, 1995). A expansão da sojicultura, enquanto cultivo de larga escala no Maranhão, é um processo de período recente. Remonta a 1978 o primeiro indicador de produção de soja a constar nas estatísticas da Produção Agrícola Municipal do IBGE. Nesses anos foram produzidas 55 toneladas, para uma área colhida de 32 hectares (CARNEIRO, 2008, p. 80).

No caso da expansão da soja no Leste Maranhense o fator mais importante destacado pelo Presidente da APACEL foi à construção, pela CVRD, de uma estrutura para armazenamento e exportação de soja pelo porto de Itaqui10, uma vez que a região possui uma localização privilegiada, distando apenas 250 quilômetros do local de escoamento e contando com uma rodovia recentemente recuperada (BR-222) para o transporte da produção de grãos. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 7 de 152

Na microrregião de Chapadinha, o plantio da soja tem início em meados de janeiro e, dependendo da cultivar, se ciclo longo ou curto, termina em meados de maio/junho (EMBRAPA, 2005). Segundo Presoti (2008) O plantio nesta época (janeiro) dá-se em função do regime pluviométrico da região. Faces as necessidades de água que a planta tem; dês forma, pela pluviosidade, não se utilizam sistemas de irrigação.

Vale destacar que as famílias camponesas enfrentam, ainda, problemas com relação ao uso de insumos agrícolas, caso dos pesticidas dispersados por aviões, ainda segundo os camponeses, o “veneno” causa a morte de plantas e animais domésticos (cachorros, galinhas, porcos, dentre outros); trás, ainda, implicações para a vida das pessoas, doenças respiratórias e dermatologias2. Sobre esse assunto, Porto-Gonçalves (2004) salienta para o fato que a expansão exponencial do uso de adubos e fertilizantes, herbicidas, pesticidas, e fungicidas vem sendo há décadas objeto de intensas críticas de ambientalistas de órgãos ligadas à saúde e de sindicatos de trabalhadores, sobretudo rurais.

O território e apropriação dos recursos naturais

Em se tratando de território, Haesbaert (2004) concebe que são as formas de relações de dominação e/ou de apropriação sociedade-espaço, “desdobra-se ao longo de um continuum que vai da dominação político-econômica mais ‘concreta’ e ‘funcional’ à apropriação mais subjetiva e/ou ‘cultural-simbólica’. O uso reaparece em acentuado conflito com a troca no espaço, pois ele implica “apropriação” e não “propriedade”. Ora, a própria apropriação implica tempo e tempos, um ritmo ou ritmos, símbolos e uma prática. Tanto mais o espaço é funcionalizado, tanto mais ele é dominado pelos “agentes” que o manipulam tornando-o unifuncional, menos ele se presta à apropriação. Por quê? Porque ele se coloca fora do tempo vivido, aquele dos usuários, tempo diverso e complexo. (LEFEBVRE, 1986).

As famílias desenvolvem atividades que estão fortemente acentuadas pela presença da produção agroextrativista e de uma agricultura camponesa instalada há séculos na região (ASSUNÇÃO, 1988; 2000). Essa agricultura familiar caracteriza-se pela combinação de atividades agrícolas, do extrativismo vegetal (babaçu, carnaúba, bacuri, pequi, etc.) O extrativismo do coco babaçu foi, durante várias décadas, uma das atividades mais importantes da economia regional. Os dados mais recentes referentes à produção extrativa regional mostram três produtos principais: a coleta da amêndoa do babaçu e extração de lenha, mais presentes na Microrregião de Chapadinha, e a extração da cera ou pó da carnaúba. (CARNEIRO, 2008).

Caracteriza pela apropriação e manejo de diferentes recursos naturais, sobretudo de dois distintos ambientes – as áreas chamadas regionalmente de baixo conforme, Paula Andrade (2008) as áreas de baixo são áreas apontadas como sendo bastante úmidas próximas a rios e riachos e aquelas de chapadas, classificadas por Paula Andrade como áreas constituídas de terrenos planos, com presença de árvores de porte baixo, esparsas e de uma espécie de capim denominado agreste. Estes terrenos são apropriados para a caça, coleta de fruto e plantas medicinais, assim como para a criação de animais. Nos trabalhos de campo, pudemos perceber a apropriação e o manejo desses dois tipos de ambiente, as famílias desenvolvem diferentes atividades econômicas importantes para a manutenção de seu grupo familiar, atividades como: a agricultura (mandioca, arroz, milho, melancia e etc.), voltada tanto para o consumo da sua família, como para a comercialização.

A economia camponesa regional de Chapadinha e a presença da soja

2 Trecho da entrevista concedida ao pesquisador em trabalho de campo realizado no município de Duque Bacelar, no âmbito da pesquisa “Campesinato e crise ecológica: impactos sociais para segmentos camponeses no Leste Maranhense”. Agosto de 2013. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 8 de 152

A economia camponesa baseada na produção de alimentos como arroz, feijão, milho e, sobretudo, a mandioca (Manihot esculenta Crantz), conforme Carneiro (2008) merece destaque por sua importância em termos absolutos, pois trata-se do produto agrícola mais colhido, assim como por sua importância para a estabilidade da economia camponesa regional. A mandioca é a matéria prima de produtos essenciais na cultura alimentar da região, caso da farinha de mandioca e da tiquira.3

Outro fator importante ao camponês4, de acordo com Botelho (2011) no que se refere ao extrativismo vegetal (cocos, madeiras, frutas, palha e outros recursos); a caça, a extração do mel, pequena criação de animais são que praticados, sobretudo, em áreas de chapada, mas algumas espécies também são encontradas nos chamados baixos como o babaçu (Orbignya phalerata) e o buriti (Mauritia flexuosa). Dentre as principais espécies de frutos destacam-se como alimentícias: para consumo das famílias – pequi (Caryocar brasiliense), babaçu (Orbignya phalerata), juçara (Euterpe oleracea) e buriti (Mauritia flexuosa); para consumo interno e comercialização – o bacuri (Scheelea phalerata).

Do mesmo modo, se extraem da chapada remédios, isto é, plantas medicinais como: amora (Maclura tinctoria), ameixa (Prunus domestica), aroeira (Astronium fraxinifolium), hortelã (Mentha spicata), o angico (Anadenthera falcata), mangaba brava (Hancornia speciosa), aroeira (Schinus terebinthifolius), açoita cavalo (Luehea divaricata) e a janaguba (Himatanthus drasticus), que tem importante e tem valor comercial. Esse conhecimento é classificado por Porto-Gonçalves (2006) como conhecimento patrimonial, coletivo e comunitário característicos das tradições camponesas, indígenas, afrodescendentes e outras originárias de matrizes de racionalidade distintas racionalidades, diferente do conhecimento produzido em laboratórios de grandes empresas em associação mais estreita com o Estado, a propriedade intelectual individual (patentes) atomístico-individualista ocidental.

A mecanização da agricultura em larga escola, somado ao fortalecimento das agroindústrias, são distintos da agricultura familiar praticada secularmente por camponeses de acordo com Porto- Gonçalves, devidos:

A separação entre agricultura, pecuária e extrativismo é, histórica e ecologicamente, um passo decidido na quebra de um elo fundamental da cadeia trófica à qual a espécie humana está condicionada, na medida em separa a vida vegetal (agricultura, coleta de frutos e de ervas) da vida animal (pecuária, caça e pesca). [...] O alimento é, rigorosamente, a energia que move todo ser vivo, inclusive a espécie humana. (PORTO-GONÇALVES. p.214).

Os plantios homogêneos ficam próximos aos locais de moradias e áreas agricultáveis dos povoados, conforme apontamento de (GASPAR, 2010, p. 66-67, grifo do autor) os chamados campos de soja estão:

Distribuídos pelos caminhos de circulação dos agricultores entre um povoado e outro ou destes com as sedes dos municípios. Assim, os campos de plantio estão dispostos geograficamente ao redor dos povoados. As famílias locais percebem essa disposição utilizando expressões como viver circulado [pelos campos de soja], estar em círculo, habitar no círculo, opondo essa forma de apropriação das chapadas ao regime agrícola de uso comum que predominava entre elas, historicamente, na região.

Ressalte-se que a presença de grandes empreendimentos agroindustriais pode causar implicações à reprodução camponesa em seu lugar de tradição, para medida que as plantações de

3 A tiquira é muito apreciada por suas diversas propriedades sensoriais, além do sabor único, a bebida chama atenção por sua cor azulada – obtida originalmente a partir da folha da tangerina - que lhe confere um agradável efeito visual. 4 Camponês é aquele que tem acesso a uma parcela da terra para produzir e cuja produção se faz fundamentalmente a partir da força de trabalho familiar e, sendo familiar, a unidade camponesa é uma unidade de produção e consumo. Wolf (1976). Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 9 de 152 eucalipto avançam as áreas de nas quais as famílias camponesas utilizam para sua reprodução diminuem, Kautsky (1968) com o agronegócio este o tende a desaparecer em virtude do desenvolvimento capitalista.

Considerações finais

O resultado que pode ser observado acerca da implantação e expansão desses agentes empreendedores do agronegócio, diz respeito é a dispersão e a perca do lugar de tradição dos grupos sociais que habitam secularmente a região e junto com estes, um complexo sistema de conhecimentos e culturas baseados nas diversas formas de manejo e apropriação do território, a desarticulação de sua economia, o agravamento da concentração fundiária por parte desses novos agentes.

O resultado que se pode esperar da expansão da agricultura moderna da soja no Leste Maranhense, em médio prazo, é a possível dispersão dos grupos camponeses que habitam a região, a desarticulação de sua economia, o agravamento da concentração fundiária e também a insegurança alimentar. Tal situação posteriormente poderá acarretar no desaparecimento destes grupos que secularmente habitam essas áreas, e junto com estes, um complexo sistema de conhecimentos baseados nas diversas formas de manejo e apropriação dos espaços.

Em linhas gerais, gostaria de agradecer a Fundação Cearense de Apoio do Desenvolvimento Científico e tecnológico (FUNCAP) pela bolsa de mestrado, possibilitando, desta forma, a realização desta pesquisa.

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Enviado em 30/04/2017 Avaliado em 15/06/2017

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A ACENTUAÇÃO NA ESCRITA DE ALUNOS DO ENSINO MÉDIO: DAS CONSTATAÇÕES ÀS PROPOSIÇÕES DIDÁTICAS.

Adilson Ribeiro de Oliveira5 Saymon Menezes de Souza6

Resumo O presente artigo apresenta os resultados de uma pesquisa em relação à escrita de alunos do Ensino Médio e EJA. A metodologia que foi utilizada para registro e análise dos dados dos textos é predominantemente quantitativa, mas há incursões descritivistas e interpretativistas. Foram identificadas as ocorrências de acentuação em produções escritas, apontando correções e incorreções para propor possíveis soluções. Percebe-se que muitos alunos ainda têm dúvidas quanto à acentuação de palavras. A pesquisa apresentou resultados relevantes, pois pode contribuir para a melhoria do trabalho em sala de aula de Língua Portuguesa, especificamente no que diz respeito à acentuação. Palavras-chave: Acentuação; Ensino Médio e EJA; Melhoria da Escrita.

Abstract This present article concerns to the writing skills of Secondary Education students. The methodology used to register and analyze the datum of the texts is mainly quantitative, but there are some descriptivist and interpretativist incursions. After identifying the main accent problems of the students, the research intends to contribute, through didactic propositions, to the improvement of classroom work during Portuguese Language courses. Keywords: Written accents; Secondary Education; Writing Didactics.

Introdução

O presente artigo apresenta resultados de um projeto de pesquisa que é uma continuidade do trabalho executado pelo GEALI (Grupo de Estudos sobre Ensino e Aprendizagem de Língua Portuguesa), cadastrado no CNPq. Este trabalho visa a otimização do ensino oferecido pelos professores sobre a acentuação no Ensino Médio.

Sabe-se que é papel da escola o ensino do português padrão, uma vez que “todo indivíduo pode precisar, um dia, se comunicar em linguagem formal - escrita ou falada” (ROCHA, 2002, p. 40) e, em relação ao “aspecto ideológico da questão, uma vez que o domínio do dialeto padrão pode facilitar a ascensão do indivíduo na escala social” (ROCHA, 2002, p. 40). Sírio Possenti (p.17, 1997) também defende essa ideia em:

Talvez deva repetir que adoto, sem qualquer dúvida o princípio (quase evidente) de que o objetivo da escola é ensinar o português padrão ou talvez mais exatamente, o de criar condições para que ele seja aprendido. Qualquer outra hipótese é equívoco político e pedagógico.

Pode-se afirmar que o ensino do português padrão é imprescindível na trajetória escolar dos alunos e, consequentemente, tem-se a acentuação como um tópico desse ensino.

A pesquisa aqui descrita busca explicitar em que aspectos as ocorrências de acentuação são mais incidentes e em que medida a falta de habilidade verificada pontualmente em cada aluno

5Orientador e Docente do Instituto Federal de Minas Gerais - Campus Ouro Preto. [email protected] 6Pesquisador e Bolsista de Iniciação Científica PIBIC Júnior. [email protected] Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 12 de 152 sujeito da pesquisa interfere nos resultados quantitativos globais. Espera-se que, com esses dados, seja possível identificar como e quando os problemas verificados no 1º ano devem ser “corrigidos” para que o índice de erros diminua no 3º ano.

A partir de uma fundamentação teórica foi possível classificar as ocorrências de acentuação em diferentes tipos. As classificações foram tabeladas e apresentadas em gráficos para facilitar a visualização dos dados da pesquisa. De forma geral, esses dados permitem verificar problemas recorrentes, que devem ser focados pelos professores para elaborar trabalhos em sala de aula visando a melhoria no desempenho dos alunos até o final de sua escolarização em nível médio.

Fundamentação Teórica

A língua é um patrimônio que a sociedade construiu na História da humanidade. Ela funciona como um alicerce para a comunicação e interação das pessoas, além de possibilitar a construção de conhecimento. A escrita é uma transposição de planos, uma das maiores invenções do homem. As línguas são sistemas de sons que são articulados e que traduzem as vivências do falante. (MELO, 1981).

Porém, quando há choque cultural, a língua se torna confusa. Até no mesmo país isso acontece, como no Brasil (por exemplo: a pronúncia de algumas palavras é diferente em certas regiões). As regras ortográficas funcionam para manter um padrão da língua.

A ideia de tentar unificar a Língua Portuguesa já é antiga. Em 1990, os países de língua portuguesa tentaram unificar a grafia da língua, segundo a proposta apresentada pela Academia de Ciências de Lisboa e pela Academia Brasileira de Letras. De acordo com o Decreto Legislativo nº 54, o acordo foi aprovado em 1995, mas só entrou em vigor após a retificação de Portugal, em 2008. O novo acordo pretende uniformizar 98% do vocabulário geral da língua.

A acentuação tônica implica na intensidade com que são pronunciadas as sílabas das palavras. Aquela que se dá de forma mais acentuada, conceitua-se como sílaba tônica. Baseiam-se na constatação de que, em nossa língua, as palavras mais numerosas são as paroxítonas, seguidas pelas oxítonas. De forma geral, a maioria das paroxítonas termina em -a, -e, -o, -em, podendo ou não ser seguidas de "s". Essas paroxítonas, por serem maioria, não são sempre acentuadas graficamente. Já as proparoxítonas, por serem pouco numerosas, são sempre acentuadas.

Metodologia

O problema descrito nesse artigo - análise do uso da acentuação na escrita de alunos de Ensino Médio e EJA - insere-se num universo dinâmico e complexo dentro da escola, constituído por um emaranhado de relações e significados que compreendem não apenas o processo de ensino da escrita como também as implicações que essa temática pode exercer sobre a escolarização desses alunos.

A metodologia que foi utilizada para registro e análise dos dados dos textos dos alunos é predominantemente quantitativa, mas há incursões descritivistas e interpretativistas, ou seja, esboça uma abordagem qualitativa. Segundo Bogdan e Birklen (1994), essa abordagem é mais apropriada para a investigação de temas e questões sobre as quais se sabe ainda muito pouco e quando se está mais “interessado naquilo que está ocorrendo e no como está ocorrendo do que nos seus resultados.” (ANDRÉ, 1995, p. 52).

Para ampliar o conhecimento sobre o tema, alguns livros foram lidos como “O professor pesquisador”, de Stella Maris Bortoni-Ricardo, que auxilia o pesquisador a construir suas teorias e métodos de pesquisa. De acordo com a autora, Frederick Erickson (1990) explica que a tarefa da pesquisa interpretativa consiste em descobrir como padrões de organização social e cultura, locais e não-locais, relacionam-se às atividades das pessoas. “A pesquisa interpretativista não procura Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 13 de 152 descobrir as leis universais por meio de generalizações estatísticas, mas sim em estudar cada caso, com muitos detalhes para compará-la a outras situações.” Nesse quadro, os dados revelam a necessidade de que o professor detenha sua atenção em especificidades nas quais os alunos apresentam maiores dificuldades, conforme será demonstrado mais adiante.

Além disso, adotou-se, como referência de investigação, o padrão da norma culta de língua portuguesa verificado em gramáticas tradicionais (CUNHA e CINTRA, 2008; INFANTE e NETO, 2010, por exemplo), bem como o manual da nova ortografia da língua portuguesa, de Tufano (2008).

Inicialmente, os alunos escreveram textos com a proposta de, a partir de um poema de Manuel Bandeira, “O bicho”, recontar o poema como se o sujeito fosse o personagem da história e esses textos foram redigidos para uso único das pesquisas do GEALI.

O procedimento de coleta de dados foi o seguinte: cada texto foi analisado e as palavras com ocorrência de acentuação foram destacadas e classificadas em categorias: palavras acentuadas corretamente - AC; palavras acentuadas incorretamente - AI; palavras que deveriam ter sido acentuadas - SA; casos especiais - CE. Feito isso, as ocorrências de acentuação foram quantificadas e divididas. E estas foram inseridas em tabelas e gráficos para facilitar a visualização dos dados da pesquisa.

Resultados e Discussões

A pesquisa foi essencial para uma análise detalhada das dificuldades dos alunos sobre acentuação e os principais casos estão descritos a seguir. Além disso, algumas soluções são sugeridas para que os alunos tenham domínio da Língua Portuguesa e saibam lidar com possíveis confusões com a língua.

Os alunos foram categorizados pela idade, sexo e escolaridade, afim de levantar um perfil dos envolvidos. Em suma, levando em conta que um estudante leva pelo menos 8 anos para cursar o ensino básico, esperávamos que esses sujeitos investigados não cometessem tantos erros de acentuação.

A pesquisa foi dividida em duas etapas: análise dos textos do 1º ano e do 3º ano. Na primeira etapa foram analisados 374 textos dos alunos do 1º ano. Nesses textos, foram encontradas 4308 ocorrências de acentuação. Na segunda etapa foram analisados 135 textos dos alunos do 3º ano, representando 1935 ocorrências, possibilitando uma comparação onde os erros persistiram e com isso propor métodos de ensino que priorizem os aspectos que se mostraram mais salientes.

Foi possível observar que vários alunos escrevem uma palavra corretamente, mas logo após, na mesma frase, cometem algum erro na mesma palavra. Outra observação diz respeito ao fato de muitos não saberem a ortografia da palavra, o que provoca dúvidas quanto aos tipos de regras, levando o estudante ao erro, como a palavra imundície. Outro caso de “erro” que merece atenção foi com a palavra ideia: é provável que esse vocábulo tenha sido acentuado pelos alunos porque faz parte da última Mudança Ortográfica, em que a partir disso, palavras paroxítonas com ditongos abertos EI ou OI, como ideia, heroico, assembleia, deixam de levar acento agudo.

Uma opção para evitar esses erros seria trocar as palavras que geram dúvidas por outras. Como nos exemplos acima: as palavras poderiam ter sido substituídas por sujeira e proposta, respectivamente. Vale a pena destacar, ainda, que cada aluno opta por seu método, essa é apenas uma sugestão para usar no caso de não saber acentuar ou ter dúvidas quanto à acentuação.

Conforme já se assinalou anteriormente, as ocorrências obtidas, para efeito de quantificação e análise, foram agrupadas de acordo com as seguintes categorias: palavras acentuadas corretamente (AC); palavras acentuadas incorretamente (AI); palavras que deveriam ter sido Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 14 de 152 acentuadas (SA); casos especiais (CE) que não teve ênfase na pesquisa por se tratar de poucos casos. Também não foram analisados os casos de crase, pelo fato de não se tratar de acentuação efetivamente, mas sim de regência.

Tabela 1. Ocorrências de acentuação 1º ano Classes AC AI SA Total Proparoxítonas 307 10 135 452 (10%) Paroxítonas 973 54 333 1360 (32%) Oxítonas 913 55 233 1201 (28%) Monossílabas 1102 35 158 1295 (30%)

Total 3295 154 859 4308 Fonte: Dados da pesquisa. (2013)

Para as ocorrências do 1º ano, o maior índice de erros (AI + SA) centra-se em palavras que deveriam ter sido acentuadas (SA) e não foram. Algumas hipóteses foram levantadas e acredita-se que na dúvida sobre acentuar ou não a palavra, o sujeito opta pela segunda alternativa, talvez com o objetivo de evitar o erro. Além disso, foi observado que os principais problemas (AI + SA) estão nas palavras paroxítonas, por se tratar de uma categoria com mais regras (vale ressaltar que os erros mais comuns nesses tipos de palavras ocorrem com as paroxítonas terminadas por DITONGO ou L, como: pátio e difícil). Como já era de se esperar, as proparoxítonas representam a minoria das ocorrências, provavelmente devido à simplicidade das regras desta categoria. Tabela 2. Ocorrências de acentuação 3º ano Classes AC AI SA Total Proparoxítonas 238 5 84 327 (17%) Paroxítonas 524 22 101 647 (33%) Oxítonas 434 17 49 500 (26%) Monossílabas 439 5 17 461 (24%) Total 1635 49 251 1935 Fonte: Dados da pesquisa. (2013)

Pode-se perceber que houve um grande avanço entre as turmas do 1º ano e do 3º ano, mas ainda assim os erros ocorrem, em grande maioria, com as palavras paroxítonas, devido à complexidade das regras. Aos alunos do 3º ano, foi observado que o principal motivo das ocorrências se deve ao desconhecimento das regras de acentuação e não por errar a ortografia da palavra, como foi visto nos textos do 1º ano.

Conclusão

Diante dos fatos expostos, pode-se considerar que um problema intrigante é com as palavras proparoxítonas, pois se trata de uma regra simples (se é proparoxítona, usa-se acento). Outro problema a ser apontado é quanto aos erros das palavras paroxítonas. Por se tratar de uma categoria com mais regras, os erros foram recorrentes. Os principais motivos levantados para as ocorrências é a ausência de domínio da língua, provocando erros de ortografia, e o não conhecimento da mudança ortográfica.

Os dados levantados indicam a possibilidade de desenvolvimento de ferramentas didáticas para otimizar o processo de aprendizado dos alunos. Portanto, espera-se que outras instituições Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 15 de 152 possam se valer dos resultados obtidos (mesmo que sucintos) e que as sugestões para solucionar os problemas levantados sejam aplicadas dentro das salas de aula, assim como priorizam estudos de pesquisadores comprometidos com a formação do professor da Língua Portuguesa.

Referência Bibliográfica ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso de. Etnografia da prática escolar. Campinas: Papirus, 1995. BOGDAN, Robert; BIKLEN, Sari Knopp. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto Ed., 1994. CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova gramática do português contemporâneo. Rio de Janeiro, 2008. INFANTE, Ulisses. Curso de gramática aplicada aos textos. São Paulo: Scipione, 1997. MARIS, Stella; BORTONI, Ricardo. O professor pesquisador, introdução à pesquisa qualitativa. São Paulo, 2010. POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas: ALB/Mercado de Letras, 1997. ROCHA, Luiz Carlos de Assis. Gramática: nunca mais - o ensino da língua padrão sem o estudo da gramática. Belo Horizonte: UFMG, 2002. TUFANO, Douglas. Guia prático da nova ortografia. São Paulo: Melhoramentos, 2008.

Enviado em 30/04/2017 Avaliado em 15/06/2017 Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 16 de 152

UM DEBATE CRÍTICO SOBRE O PROGRAMA MAIS EDUCAÇÃO: ANÁLISE A PARTIR DA REALIDADE EDUCACIONAL NO MUNICÍPIO DE FORMOSA-GOIÁS

Alcinéia de Souza Silva7

Resumo O presente trabalho visa tecer algumas considerações sobre a oferta do Programa Mais Educação no município de Formosa-Goiás, apontando as bases organizacionais, estruturais e de funcionamento dessa política educacional. A pesquisa pautou no levantamento de diretrizes e atos normativos em torno da implementação da Educação Integral no país, seguida da apresentação das reais condições em que se assenta o Programa Mais Educação nas escolas públicas da Rede Municipal de Ensino na área referenciada. Por meio de quadro comparativo das perspectivas emanadas pela proposta de governo e as precariedades verificadas no município em foco, revela que há enorme distanciamento entre o que é ideal e o que é possível na consolidação da Educação Integral. É notório que a falta de condições físicas, estruturais, materiais e imateriais é a grande barreira para a ampliação da jornada diária do educando nas instituições de ensino. Assim, a par do panorama apresentado neste trabalho, a respeito das perspectivas do Programa Mais Educação, é possível abrir o leque para reflexões em torno da implementação da Educação Integral e as condições objetivas para tal processo nas escolas brasileiras. Palavras-chave: Formosa. Precariedades. Programa Mais Educação.

Abstract This paper aims to make a few observations on the offer of the More Education Program in the city of Formosa, Goias, pointing organizational bases, structural and operation of this educational policy. Research guided the survey guidelines and normative acts around the implementation of the Comprehensive Education in the country, followed by the presentation of the actual circumstances in which sits the More Education Program in the public schools of the Municipal School in the referenced area. Through comparative table of perspectives emanating from the proposed government and precariousness verified in the municipality in focus, it reveals that there is huge gap between what ideal and what is possible in the consolidation of Integral Education. It is clear that the lack of physical, structural, material and immaterial is the major barrier to the expansion of the daily journey of the student in educational institutions. Thus, along with the overview presented in this paper about the prospects of the More Education Program, it can open range for reflections on the implementation of Integral Education and the actual conditions for such a process in Brazilian schools. Key-words: Integral Education, Precariousness, More Education Program.

Introdução

Os debates em torno da Educação Integral, primada como condição para a cidadania e condutora para o desenvolvimento, ocupa cada vez mais espaço na sociedade. Por vez, a busca pela sua implementação, ocorrida de forma gradativa nas escolas públicas do país, tem sido o grande ensejo do governo federal e, paralelamente a isso, alvo das constantes avaliações por parte dos agentes educacionais e civis em geral, quanto aos resultados de tal política educacional.

Entretanto, o modo como a Educação Integral tem se fixado nas instituições de ensino, merece reflexões e análises significativas, a fim de verificar se a ampliação da jornada diária e a

7 Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Geografia na Universidade de Brasília. Docente da Educação Básica. Contato: [email protected] Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 17 de 152 permanência do educando na escola, tem de fato contribuído para as melhorias dos índices sociais, e até mesmo da própria escolarização.

Partindo da apresentação das bases legais que fundamentam a Educação Integral, mais especificamente, o Programa Mais Educação, que se estende desde os seus atos de regulamentação, até as diretrizes para o seu desenvolvimento pela instituição de ensino, objetiva-se conhecer o ordenamento normativo e jurídico, na qual se funda esta política educacional, bem como os seus correlatos.

O Programa Mais Educação, pensado numa perspectiva de Educação Integral, visa, entre outros vetores, a formação integral do educando, com vistas à valorização de suas múltiplas potencialidades, sendo variáveis condicionantes ao seu desenvolvimento. Nestas linhas, a ampliação do tempo escolar e a organização dos espaços e do currículo, sob a coordenação da escola, figura principal (e não singular) dessa estratégia de governo, é de suma importância para a consolidação das premissas emanadas pelo Programa.

Para tanto, o planejamento voltado para o acesso e permanência do educando, parcerias com a comunidade escolar e demais instituições, além da qualidade de ensino devem se constituir como elementos bases para o sucesso da Educação Integral. Assim, os esteios financeiros, devem prover meios para tal, de forma que os recursos e os espaços sejam adequados para o alcance das metas estabelecidas nas propostas pedagógicas da escola.

No presente trabalho, as considerações dar-se-ão nestas perspectivas, onde procurou-se delinear a implementação do Programa Mais Educação nas escolas públicas da rede urbana do município de Formosa e suas implicações na qualidade da educação local. Pautada em observações e entrevistas diretas realizadas com os atores envolvidos no Programa, tornou-se possível perceber que as ações e os projetos pedagógicos desenvolvidos em espaços e tempos inadequados, centrados numa política incoerente, além de organização irregular se distanciam consideravelmente das proposições legais que regulamentam a Educação Integral.

Por fim, as considerações apontadas neste artigo objetiva suscitar reflexões sobre a implementação do Programa Mais Educação em diversas realidades presentes nas escolas brasileiras. Evidencia, portanto que as perspectivas legais são aprazíveis, porém o caminho a ser percorrido até a sua cristalização, é longo e requer a colaboração coletiva de todos em prol de uma educação de qualidade, além de fortes investimentos nas estruturas materiais e imateriais das instituições de ensino.

Do Programa Mais Educação: Bases legais

O Programa Mais Educação, nasce de anseios conferidos e compartilhados pelo Ministério de Estado da Educação, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Ministério do Esporte e Ministério de Estado da Cultura. A instituição do Programa se dá por meio da Portaria Interministerial N.º 17, que dentre outros princípios, “visa fomentar a educação integral de crianças, adolescentes e jovens, por meio do apoio a atividades socioeducativas no contra turno escolar” (BRASIL, 2007, p.01a).

O documento, considerando as mais elucidadas fundamentações legais no âmbito educacional, traz à tona as diretrizes para a implantação do Programa Mais Educação nas escolas públicas brasileiras. Pautado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação n.º 9.394/1996, art. 34 que dispõe sobre a jornada escolar, o Programa estabelece a progressiva ampliação do período de permanência do aluno na instituição de ensino.

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É oportuno destacar que a referida Portaria ainda se fundamenta na Lei n° 8.069/1990, onde é garantida às crianças e aos adolescentes a proteção integral e todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, assegurando-lhes oportunidades a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade (BRASIL, 2007, p.01b).

Desta forma, as atividades a serem desenvolvidas na escola por meio do Programa Mais Educação, além de outros vieses, busca a consolidação de Políticas de Desenvolvimento Social, voltadas para as crianças, adolescentes, jovens e a própria família, em prevenção ou combate às mais variadas situações de “vulnerabilidade, risco ou exclusão social, pobreza, discriminação étnico- racial, baixa escolaridade, fragilização de vínculos, trabalho infantil, exploração sexual e outras formas de violação de direitos” na qual se submetem.

Nesta perspectiva, a ampliação da jornada escolar, segundo esses parâmetros visa atender o educando e a sociedade nas mais diversas peculiaridades inerentes à pessoa humana e seus correlatos. A promoção de espaços de oportunidades, solidariedade, desenvolvimento e a consequente melhoria nos processos educativos e sociais são formas expressivas enfatizadas no documento.

Ainda como fundamentação legal que dispõe sobre o Programa Mais Educação, o Decreto n° 7.083/2010 especifica no art. 1º,

§2o A jornada escolar diária será ampliada com o desenvolvimento das atividades de acompanhamento pedagógico, experimentação e investigação científica, cultura e artes, esporte e lazer, cultura digital, educação econômica, comunicação e uso de mídias, meio ambiente, direitos humanos, práticas de prevenção aos agravos à saúde, promoção da saúde e da alimentação saudável, entre outras atividades (BRASIL, 2010, p. 01).

No que tange o Decreto a priori, é estabelecida que considera-se educação em tempo integral a jornada escolar com duração igual ou superior a sete horas diárias, durante todo o período letivo, compreendendo o tempo total em que o aluno permanece na escola ou em atividades escolares em outros espaços educacionais. Para tanto, a escola desenvolverá em espaços próprios, ou em equipamentos públicos, como centros comunitários, bibliotecas públicas, praças, parques, museus e cinemas, atividades, que outrora se convertam para uma organização curricular, contemplando

acompanhamento pedagógico, experimentação e investigação científica, cultura e artes, esporte e lazer, cultura digital, educação econômica, comunicação e uso de mídias, meio ambiente, direitos humanos, práticas de prevenção aos agravos à saúde, promoção da saúde e da alimentação saudável, entre outras atividades (BRASIL, 2010, p. 01).

A Educação Integral, além dos embasamentos legais já referenciados, encontra as suas bases, ainda na Constituição Federal, Lei n.º 10.179/2001 – Plano Nacional de Educação, Lei n.º 11.494/2007 - Fundo Nacional de manutenção e Desenvolvimento do Ensino Básico – FUNDEB e de Valorização do Magistério e o Plano de Desenvolvimento da Educação - PDE. Essa tamanha importância concedida à Educação em tempo integral, permite a comunicação dos diversos agentes educativos, sejam eles escolares ou sociais, estabelecendo um regime de colaboração em prol de uma educação básica com significativos índices de qualidade.

Segundo o Manual de Educação Integral para obtenção de apoio financeiro através do Programa Dinheiro Direto na Escola - PDDE/Integral, no exercício de 2010,

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a Educação Integral também compõe as ações previstas no Plano de Desenvolvimento da Educação, o qual prevê que a formação do estudante seja feita, além da escola, com a participação da família e da comunidade. Esta é uma estratégia do Ministério da Educação para induzir a ampliação da jornada escolar e a organização curricular, na perspectiva da Educação Integral. É elemento de articulação, no bairro, do arranjo educativo local em conexão com a comunidade que organiza em torno da escola pública, mediante ampliação da jornada escolar, ações na área da cultura, do esporte, dos direitos humanos e do desenvolvimento social. O Programa Mais Educação visa fomentar, por meio de sensibilização, incentivo e apoio, projetos ou ações de articulação de políticas sociais e implementação de ações sócio-educativas oferecidas gratuitamente a crianças, adolescentes e jovens. Por meio da Educação Integral, se reconhece as múltiplas dimensões do ser humano e a peculiaridade do desenvolvimento do educando (BRASIL, 2010, p. 02).

Pode se observar nessa breve tela de apresentação das fundamentações legais para a implantação do Programa Mais Educação, que o seu escopo basilar se centra numa articulação estatal direcionada à construção de medidas coletivas, onde impulsiona tanto a promoção da igualdade, quanto o respeito e a tolerância à diversidade sociocultural do país.

Das diretrizes para a implantação do programa na escola

O Programa Mais Educação, tem no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE o esteio para a operacionalização de suas atividades. Assim, o desenvolvimento das tarefas correlatas ao programa, segue as diretrizes emanadas pelo Ministério da Educação - MEC e seus colaboradores, com vistas a atingir os objetivos previamente estabelecidos via legislações específicas.

No quadro de normativas quanto a organização e funcionamento da Educação Integral voltadas para o Programa Mais Educação,

as atividades fomentadas foram organizadas nos respectivos macrocampos: Acompanhamento Pedagógico; Educação Ambiental e Desenvolvimento Sustentável; Esporte e Lazer; Educação em Direitos Humanos; Cultura, Artes e Educação Patrimonial; Cultura Digital; Prevenção e Promoção da Saúde; Comunicação e uso de Mídias; Investigação no Campo das Ciências da Natureza e Educação Econômica/Economia Criativa. (BRASIL, 2012, p. 05).

Assim, a escola na definição das oficinas a serem ofertadas, elencadas no Projeto Político- Pedagógico, devem contemplar as temáticas supracitadas, respeitando os seus espaços e tempos intra e extra escolares, as oportunidades educativas, além dos contextos da realidade local na qual se insere a comunidade escolar. O objetivo desta definição de “Macrocampos”, se justifica pelos quesitos básicos e/ou mínimos para se alcançar as proposições objetivadas pelo Programa: valorização da diversidade cultural do país, diminuição das desigualdades que se emergem no interior da escola e nos seus arredores, melhoria no padrão de qualidade da educação básica, melhoria no processo de ensino-aprendizagem, desenvolvimento social, dentre outros já apresentados neste trabalho.

Vale ressaltar que mesmo se tratando de política das áreas educacional e social de abrangência em esfera federal, existem alguns critérios para a adesão ao Programa, onde podemos pontuar as principais, conforme o objetivo dessa pesquisa:

escolas contempladas com PDDE/Integral; escolas estaduais, municipais e/ou distritais que foram contempladas com o PDE/Escola e que possuam o IDEB abaixo ou igual a 4,2 nas séries iniciais e/ou 3,8 nas séries finais; escolas localizadas nos territórios prioritários do Plano Brasil Sem Miséria; escolas com índices igual ou superior a 50% de estudantes participantes do Programa Bolsa Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 20 de 152

Família; escolas que participam do Programa Escola Aberta; e escolas do campo (BRASIL, 2012, p. 07).

A par dessas informações, observa-se que o Programa se configura como uma ferramenta capaz de superar as realidades educacionais e sociais, que se instalam como vulneráveis ao plano de desenvolvimento. A ideia do Programa Mais Educação, nesse quadro, se traduz em ações que propicie a consolidação de uma educação de qualidade, onde as crianças, jovens, adultos e a família se reconheçam como agentes sociais, rompendo dicotomias e superando as diferenças, num palco onde todos possam construir e reconstruir as realidades marginalizadas, elevando-os ao espaço de desenvolvimento.

Outro critério que vem de encontro ao atendimento das premissas supracitadas no parágrafo anterior, se volta para a seleção dos participantes do Programa, cabendo a escola selecionar, preferencialmente:

estudantes que apresentam defasagem idade/ano; estudantes das séries finais da 1ª fase do ensino fundamental (4º e/ou 5º anos), onde existe maior saída espontânea de estudantes na transição para a 2ª fase; estudantes das séries finais da 2ª fase do ensino fundamental (8º e/ou 9º anos), onde existe um alto índice de abandono após a conclusão; estudantes de anos/séries onde são detectados índices de evasão e/ou repetência; estudantes beneficiários do Programa Bolsa Família (BRASIL, 2012, p. 09).

De acordo com o Manual Operacional de Educação Integral (2012) “cada turma deve ter 30 estudantes, que poderão ser de idades e séries variadas, conforme as características de cada atividade”. Para o desenvolvimento das atividades no Programa Mais Educação, é estabelecido, preferencialmente por estudantes universitários, da Educação de Jovens e Adultos e de Ensino Médio, ou até mesmo, por pessoas da comunidade em geral, que tenham o conhecimento específico e necessário para a área de atuação.

Cabe efetuar uma breve pausa para pontuar que não se intenciona neste artigo, tornar um campo exaustivo com leituras enfadonhas sobre o quadro normativo e de funcionamento do Programa Mais Educação. Porém, como foco da pesquisa, pautada em apresentar em que bases se assenta essa política educacional no município de Formosa-Goiás, torna-se necessária explorar as diretrizes operacionais do mesmo, para que ao longo da demonstração dos resultados da pesquisa, seja possível fazer um paralelo entre o ideal, definido nas legislações próprias que regulamentam a oferta do Programa, e o real, ou seja, o funcionamento da Educação Integral nas escolas público do município em tela.

Outro ponto que vai polarizar as conclusões deste trabalho se refere à articulação financeira do Programa. Por intermédio do Programa Dinheiro Direto na Escola - PDDE peculiar à Educação Integral, a Instituição se vê com possibilidades de efetuar planejamentos para investimentos direcionados

ao desenvolvimento de atividades de acompanhamento pedagógico, atividades culturais, artísticas, esportivas, de lazer, de direitos humanos, de educação ambiental, de cultura digital, de saúde, de comunicação e uso de mídias, educação patrimonial e outras previstas no regulamento (BRASIL, 2012, p. 11).

Atesta-se neste contexto, que essa premissa, talvez seja a grande matriz de incentivo para as escolas aderirem ao Programa Mais Educação. Vale frisar que não se pretende nesta afirmação, generalizar as intenções reais das instituições que se vinculam a esse Programa Federal. Porém, na amostragem dos resultados desta pesquisa, onde há a participação dos diversos atores que o movimenta, se pode perceber que muitas lacunas e diversos vazios educacionais legados pelo Poder Público, encontram nos repasses do PDDE/Educação Integral, uma luz para a consolidação do Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 21 de 152 espaço de igualdade, justiça e desenvolvimento, pautado na garantia dos padrões mínimos de qualidade, estabelecidos em lei.

Das escolas públicas da Rede Municipal de Formosa-Goiás

O Programa Mais Educação foi implantado no município de Formosa em 2010, com uma gradativa ampliação da adesão, por parte das demais Unidades ao longo desse período. Atualmente, o Município possui 24 (vinte e quatro) Unidades Escolares localizadas na Zona Urbana, sendo que deste quantitativo, 23 (vinte e três) têm a jornada e a organização curricular ampliadas, na perspectiva da Educação Integral, intermediadas pelo Programa.

É oportuno salientar que no contexto atual, o município de Formosa enfrenta graves deficiências em torno da educação, devidamente comprovados pelos agentes locais responsáveis pelo acompanhamento, fiscalização e monitoramento das ações e planejamentos educacionais.

Dentre as mazelas educacionais presentes no município, pode-se citar as precárias condições físicas e estruturais das Instituições de Ensino, sendo possível constatar, em grande parte destas, situações que fragilizam a oferta da educação básica local. Destaca-se nessa premissa, a indisponibilidade de espaços educativos próprios para a ação educativa, seja em relação à quantidade quanto à qualidade dos mesmos.

No desenvolvimento da pesquisa em tela, constatou-se que as condições atuais de infraestrutura das escolas, além de outras vertentes que influenciam diretamente no alcance dos objetivos previstos pelo Programa Mais Educação não são adequadas para a sua consolidação. Pois, para que haja “a ampliação da jornada e da utilização dos espaços escolares para o mínimo de sete horas diárias, visando à implementação da Educação Integral na rede pública de ensino” (BRASIL, Resolução N.º 21/2012, p. 02a), é necessário que as Instituições tenham estruturas próprias e adequadas para tal. Aqui, deixa-se uma crítica quanto às orientações do governo, onde afirma que “O espaço físico da escola não é determinante para a oferta de Educação Integral.” Como não, se a premissa de firmar parcerias com a comunidade escolar, para a utilização de outros espaços, não se concretizou em Formosa? Como não, se o município não dispõe de recursos essenciais, como o transporte escolar, para deslocar o educando da escola até outro espaço local, no caso de parcerias? Assim, a escola tem como palco principal o seu próprio espaço, que diga-se a priori, caótico.

Quando se denota à estruturas e espaços próprios, há a referência de salas ambiente, quadra de esportes, refeitórios, biblioteca, recintos lúdicos, áreas pedagógicas específicas, disponibilidade de materiais suficientes, além de equipamentos necessários às ações voltadas para a

educação ambiental e desenvolvimento sustentável; esporte e lazer; educação em direitos humanos; cultura, artes e educação patrimonial; cultura digital; prevenção de doenças e promoção da saúde; comunicação e uso de mídias; investigação no campo das ciências da natureza; educação econômica/economia criativa; agroecologia; iniciação científica e memória e história das comunidades tradicionais (BRASIL, Resolução N.º 21/2012, p. 02b). conforme preconiza as legislações vigentes, e que na qual as escolas públicas municipais de Formosa-Goiás não dispõem. Afinal, a escola e o Poder local, ao firmar a ampliação da jornada escolar, devem prover meios materiais e imateriais, seja por meios próprios ou por “redes de aprendizagem”, num processo de colaboração, coletividade e solidariedade, para a implementação da Educação Integral. Caso contrário, a escola não passará de um espaço onde se reproduz as desigualdades e os conflitos sociais existentes no país. Afinal, a educação que este Programa quer evidenciar é uma educação que busque superar o processo de escolarização tão centrado na figura da escola. A escola, de fato, é o lugar de aprendizagem legítimo dos saberes curriculares e oficiais na sociedade, mas não devemos tomá-la como única instância educativa. Deste modo, integrar diferentes saberes, espaços educativos, pessoas da comunidade, conhecimentos [...]é tentar Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 22 de 152 construir uma educação que, pressupõe uma relação da aprendizagem para a vida, uma aprendizagem significativa e cidadã.

É relevante pontuar que a metodologia utilizada para a verificação destes resultados, se pautou em observações e entrevistas diretas in loco, envolvendo os diversos atores que atuam no Programa Mais Educação. Assim, tornou-se possível, avaliar o funcionamento real do Programa, que além das condições físicas e estruturais já mencionadas, constatou-se também algumas precariedades na seleção e atuação dos monitores responsáveis pelos Macrocampos, em especial na área de acompanhamento pedagógico.

Verificou-se que aproximadamente 50% (cinquenta por cento) dos monitores responsáveis pelo desenvolvimento da oficina que requer habilidades específicas, não possuem o conhecimento necessário ao trabalho educativo, de caráter pedagógico. Essa ausência de metodologias e práticas eficientes, reflete no surgimento de “conflitos” e/ou barreiras ligadas ao processo de ensino aprendizagem que, outrora resulta no distanciamento do alcance dos objetivos priorizados pelo Programa.

Nesta conjuntura em que se assenta o Programa Mais Educação em Formosa, ainda é pertinente apresentar que, conforme preconiza o regulamento voltado para a implementação dessa estratégia de governo, “a secretaria designará, dentre os docentes nela lotados, um professor com preferencialmente 40 horas semanais para exercer a função de professor comunitário, e esse coordenará a oferta e a execução das atividades de Educação Integral”. Entretanto, o que se observa é que o acompanhamento e a coordenação deste programa, no interior da escola, tem perdido o foco. Constatou-se que em algumas Unidades Escolares, esse profissional tem deixado de exercer a sua função direcionada à organização do Programa, para se dedicar à docência, por falta de professor nas salas de aula. Nesse momento, verificou-se que as atividades, sem o devido acompanhamento, ficam à margem da ineficácia e da baixa qualidade.

A fim de complementar o quadro e as bases em que se fixa essa política educacional no município, registra-se ainda a não funcionalidade do Programa em escolas que atendem tanto a jornada parcial quanto a integral devido aos tempos e espaços inadequados para o desenvolvimento das atividades peculiares a cada uma. Há, assim, a instalação de condições adversas ao ambiente favorável à aprendizagem, tais como excesso de barulho, intensa movimentação nos arredores das salas de aula, dentre outros. Soma-se a estes, a utilização de locais impróprios para as refeições, a constante rotatividade dos monitores, que abandonam as suas funções, impulsionados pelo baixo subsídio financeiro e outras dificuldades inerentes ao processo de ensino-aprendizagem com os educandos.

Considerações finais

Diante do panorama apresentado neste trabalho a respeito das perspectivas do Programa Mais Educação e as bases em que se assenta nas escolas públicas do município de Formosa-GO, é possível abrir leque para reflexões em torno da implementação da Educação Integral e as reais condições para tal processo.

A proposta de governo, por meio deste Programa, busca, dentre outros vetores, transformar a visão tradicionalista que vê na escola, a figura central do processo educativo. Desta forma, a inserção da comunidade, da família e de instituições sociais, numa rede de colaboração em prol da tão almejada educação de qualidade, é a grande jogada do momento. Porém, como já retratado, deve ser avaliado em que alicerce está sendo implementado a proposta da Educação Integral, pois caso contrário, o resultado final poderá ser o caos, oposto a melhoria da qualidade da educação.

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Concorda-se que a ampliação de tempos e espaços na escola, numa perspectiva de criação de oportunidade para a superação da desigualdade, “que traduz a compreensão do direito de aprender como inerente ao direito à vida, à saúde, à liberdade, ao respeito, à dignidade e à convivência familiar e comunitária e como condição para o próprio desenvolvimento de uma sociedade republicana e democrática” (BRASIL, 2011, p.04). Consente-se também que a ampliação do tempo de permanência do aluno na escola, envolvido com atividades na área da cultura, do esporte, dos direitos humanos, além do próprio desenvolvimento social, lhes permita se alongar das mais variadas situações de vulnerabilidade na qual são submetidos.

Não obstante, é necessário em primeira instância, dispor as Unidades Escolares, tanto de informações como de recursos e espaços para que tais perspectivas se materializem. Quando se alude a “informações”, pauta-se em dialogar com os diversos atores envolvidos na Educação Integral, com vistas a descortinar o funcionamento adequado do Programa. Por vez, ao se remeter a espaços, reforça a necessidade de locais, ambientes e recintos educativos, dotados de estruturas capazes de favorecer o alcance da autonomia do educando, o resgate dos seus direitos e seu pleno desenvolvimento. Por consequência, se tornará possível o desenvolvimento de uma educação básica de com significativos índices de qualidade.

A par das considerações supracitadas, e tendo em vista a realidade constatada na pesquisa em pauta, conclui-se que há um distanciamento entre as premissas evidenciadas nas normativas do Programa Mais Educação e a sua oferta pelas escolas públicas no município de Formosa-Goiás. Verifica-se que a mera ampliação da jornada diária, não propicia à criança, adolescente e ao jovem, o seu pleno desenvolvimento, tampouco a superação das situações de vulnerabilidades e as progressivas melhorias educacionais. É inescusável que a escola pública disponha de meios vitais para a realização de ações sócios-educativas sensíveis à formação integral da pessoa e o reconhecimento das múltiplas dimensões do ser humano.

Referências Bibliográficas BRASIL. Decreto nº 7.083, de 27 de janeiro de 2010. Dispõe sobre o Programa Mais Educação. Brasília, DF, 2010. ______. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 1996. ______. Manual Operacional de Educação Integral. Brasília, DF, 2012. ______. MEC. Plano de Desenvolvimento da Educação: Razões, Princípios e Programas. Brasília, DF, 2007. ______. MEC. Programa Mais Educação. Passo a Passo. Brasília, DF. 2010. ______. Portaria Normativa Interministerial n° 17, de 24 de abril de 2007. Institui o Programa Mais Educação que visa fomentar a educação integral de crianças, adolescentes e jovens, por meio do apoio a atividades socioeducativas no contraturno escolar. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 abr. 2007. ______. Resolução nº 21, de 22 de junho de 2012. Destina recursos financeiros, nos moldes e sob a égide da Resolução nº 7, de 12 de abril de 2012, a escolas públicas municipais, estaduais e do Distrito Federal, para assegurar que essas realizem atividades de educação integral e funcionem nos finais de semana, em conformidade com os Programas Mais Educação e Escola Aberta. Brasília, DF, 2012. CAVALIERI. Ana Maria V. Educação integral: Uma nova identidade para a escola brasileira? Educação e Sociedade, Campinas, v.23, dec. 2002.

Enviado em 30/04/2017 Avaliado em 15/06/2017 Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 24 de 152

REFLEXÕES ACERCA DAS ASSIMETRIAS ENTRE A PRÁTICA PEDAGÓGICA E AS PROPOSIÇÕES DAS POLÍTICAS VOLTADAS AO PROGRAMA NACIONAL DO LIVRO DIDÁTICO E À FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Alcinéia de Souza Silva8

Resumo O presente trabalho visa apontar algumas considerações sobre os pressupostos emanados pelas políticas públicas do Programa Nacional do Livro Didático – PNLD, a formação do professor e suas relações com a prática pedagógica docente, quando da utilização deste instrumento como o currículo central na Educação Básica. Considerar-se-á, portanto, por meio de revisão literária e discussões coerentes às temáticas, os fundamentos que envolvem a carreira docente, como a formação/qualificação inicial e continuada, o papel das licenciaturas, as concepções curriculares e o trabalho pedagógico, de forma a estabelecer uma conectividade entre tais políticas educacionais e as mazelas inerentes ao ensino público. Para tanto, o artigo busca tecer reflexões acerca da utilização do livro didático como a espinha dorsal e a única referência do professor no planejamento e nas práticas escolares, explorando ainda as implicações para o processo educativo. Nesses termos, afirma-se que o livro didático pode ser considerado um currículo, por “definir as práticas escolares e os seus correlatos”, mas não deve ser tomado unicamente como tal. Ele deve se apresentar como o suporte e a referência para o professor, já que é o material mais imediato dele e do aluno, mas não como o currículo central do processo educativo. Assim, a apropriação do currículo múltiplo, diversificado e interativo, é o que defendemos, pois contribuirá com a eficácia do processo educativo em sua totalidade e na eliminação das contradições existentes no contexto social do país. Palavras-chave: currículo; livro didático; políticas públicas; precariedades.

Abstract This paper aims to point out some considerations about the assumptions emanating from the public policy of the National Textbook Program - PNLD, teacher training and its relations with the teaching pedagogical practice, when using this instrument as the core curriculum in basic education. Consider it will therefore through literature review and coherent thematic discussions, the fundamentals involving teaching career, such as training/ initial and continuing qualification, the role of undergraduate education, curriculum conceptions and pedagogical work, order to establish connectivity between such educational policies and the evils inherent in public education. Thus, the article seeks to weave ideas about the use of the textbook as the backbone and the only teacher reference in planning and school practices, still exploring the implications for the educational process. In these terms, it is stated that the textbook can be considered a resume, by "set school practices and their related", but should not be taken only as such. It should be presented as support and reference for the teacher, since it is the most immediate stuff him and the student, but not as the core curriculum of the educational process. Thus, ownership of multiple curriculum, diverse and interactive, is what we stand for, because it will contribute to the effectiveness of the educational process in its entirety and the elimination of the contradictions in the social context of the country. Key-words: curriculum; textbook; public policy; precariousness.

Introdução

O artigo tem como objetivo apontar fundamentos e premissas acerca das políticas públicas educacionais voltadas para a implementação do Programa Nacional do Livro Didático – PNLD, a formação de professores, as proposições curriculares e da prática pedagógica do professor, de

8 Mestranda no Programa de Pós-Graduação da Universidade de Brasília. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 25 de 152 forma a estabelecer uma relação desta com aquelas, bem como destacar os reflexos desta dinâmica na Educação Básica.

Na oportunidade, serão evidenciados os avanços e as repercussões oriundas da implementação do PNLD no sistema educacional brasileiro, principalmente no tocante a criação de condições adequadas para a renovação nas práticas escolares, ao mesmo tempo que destacaremos as contradições embutidas desde a elaboração dos livros didáticos até os fundamentos filosóficos, as concepções ideológicas e teórico-metodológicas, além da utilização pedagógica deste material no espaço escolar.

Dentro desse escopo, a pesquisa emana do pressuposto de que as políticas educacionais, no tocante a formação do professor não o qualifica adequadamente para que atue com eficácia no ensino básico. Para tanto, apresentar-se-á considerações gerais acerca do papel das licenciaturas e a notória conexão com as mazelas que abarcam o processo educativo nesta etapa. Como fator real à tal definição, abordar-se-á a prática docente e as suas concepções teóricas acerca do currículo e os seus desdobramentos, quando da apropriação do livro didático - ainda tido como a centralidade pedagógica - como o guia/currículo único no processo de ensinagem (ensino/aprendizagem).

O artigo que ora emerge sobre as questões aqui mencionadas, procura ainda contribuir com o avanço científico no campo de raciocínios às políticas educacionais e as repercussões práticas nas escolas, além de pretender provocar debates e reflexões necessárias a estas e à novas questões voltadas para as premissas curriculares (o que é, quem produz e quais os seus resultados), às deficiências na formação do professorado, às tecnologias de ensino utilizadas em sala de aula e ao produto final desta tríade.

Breve histórico sobre as políticas públicas voltadas para o livro didático

Uma das vertentes que evidenciam a relevância do livro didático no Sistema Educacional Brasileiro se apoia no PNLD, configurado como o programa estatal de maior referência na aquisição e distribuição de obras didáticas do país.

Primeiramente, é necessário tecer algumas linhas gerais sobre o histórico das políticas públicas do livro didático no Brasil. Em 1929, o governo institui um órgão legítimo para definir políticas do livro didático, conhecido como Instituto Nacional do Livro - INL, na qual contribuiu para conceder maior legitimidade e fomentar o aumento de sua produção. Essa ação foi o pontapé inicial para a efetivação de uma relação mais direta entre o governo e os manuais didáticos. Em meados da década de 30 (1938), mergulhado num cenário em que o país vivencia um período caracterizado pela busca de políticas desenvolvimentistas, por meio de uma educação progressista, é instituída a Comissão Nacional do Livro Didático – CNLD, responsável por legislar e controlar a produção e circulação deste material no Brasil.

Um dos objetivos dessa comissão foi de avaliar, segundo os currículos oficiais, e deliberar sobre a autorização ou não do uso do livro nas escolas. Cabe destacar que a instituição da Comissão Nacional do Livro Didático se deu no período em que o país tem como doutrina político-ideológica centrada no autoritarismo – o Estado Novo, onde se buscava garantir a identidade nacional brasileira. Assim, os materiais didáticos tinham como objetivo proporcionar o desenvolvimento do espírito nacionalista nos educandos, tendo como propostas mais relevantes os aspectos políticos, morais e cívicos do que os didáticos-pedagógicos. Na época, as críticas foram demasiadas em torno dessa Comissão, uma vez que a parte pedagógica, a ser contemplada nos livros, tornou-se secundária frente à exaltação político-ideológico de seus idealizadores.

Por muito tempo, as políticas voltadas para a produção, distribuição e utilização do livro didático, que vai desde a participação americana no “controle de instituições escolares brasileiras”, por meio do manejo de conteúdos (COLTED/USAID – 1967/Regime Militar), até a sua Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 26 de 152 especulação comercial no mercado, além de outras infinitas mazelas, têm sido pauta de discussão na educação brasileira.

Os anos 60 se apresentam com nova roupagem no contexto educacional: a ampliação do número de matrículas, o distanciamento do saber científico e a formação precária, são evidentes, e novas formas de fazer e pensar a educação, principalmente no tocante aos conteúdos dos livros, principal recurso didático da época, se fazem necessárias. Porém, a limitação à ação dos educadores e à políticas deficientes, ainda conduziam a atuação destes profissionais.

Pode-se destacar que na década de 70, houve uma série de redefinições nas políticas do livro didático, como a criação do Programa do Livro Didático para o Ensino Fundamental (PLIDEF), extinção do INL, consolidação da Fundação Nacional do Material Escolar (FENAME), atribuições à Fundação de Assistência ao Estudante (FAE), cujos objetivos foram de aperfeiçoar as ações voltadas para o livro didático na educação brasileira. Porém, mesmo frente aos notórios avanços, ainda havia uma lacuna na eficácia do recurso, tendo como vetores primordiais a ação centralizadora na definição de suas políticas, a falta de conhecimento real das necessidades educacionais por parte do grupo responsável (profissionais de outras áreas), e a ausência da participação dos docentes na escolha do material a ser utilizado em sala aula.

Desta forma, em 1985, por meio de ato legal, é criado o Programa Nacional do Livro Didático – PNLD, e junto a isto, há uma série de inovações tais como:

Indicação do livro didático pelos professores; reutilização do livro, implicando a abolição do livro descartável e o aperfeiçoamento das especificações técnicas para sua produção, visando maior durabilidade e possibilitando a implantação de bancos de livros didáticos; extensão da oferta aos alunos de 1ª e 2ª série das escolas públicas e comunitárias; fim da participação financeira dos estados, passando o controle do processo decisório para a FAE e garantindo o critério de escolha do livro pelos professores. (BRASIL, FNDE, 2014, n. p.)

A criação do PNLD se caracteriza como um avanço na educação brasileira, pois a aquisição e a distribuição do livro didático, passa a se configurar em escala nacional e de forma gratuita, atendendo a um vasto quantitativo de alunos da rede pública do país. Por consequência, a década de 90 é marcada por uma participação efetiva dos professores na escolha das obras didáticas e o governo brasileiro amplia a discussão sobre a qualidade dos livros distribuídos nas instituições de ensino, tendo como fundamento o Plano Decenal de Educação para Todos, que dentre as suas diretrizes, estavam a necessidade de melhoria qualitativa do livro didático, a capacitação adequada do professor para a seleção e avaliação do material e a implementação de novas políticas para este material didático no Brasil.

Portanto, elencar estratégias e ações foram passos tomados pelo governo para concretização das medidas supracitadas. Diante disto, investimentos na qualidade física do material, bem como na formação de comissões especiais para análise e avaliação dos livros foram realizadas e diversas falhas foram detectadas nas obras utilizadas por discentes e docentes. A partir daí, sistemáticas e periódicas avaliações se fizeram necessárias e presentes, contribuindo para a melhoria das políticas públicas voltadas para o livro didático.

À luz da avaliação do livro didático, problemas como informações desatualizadas, visões estereotipadas, com abordagem de cunho preconceituoso e posição ideológica marcante, além de deficiência teórico-metodológica e erros grosseiros já foram (e ainda são) objetos de apontamentos por diversos profissionais da educação.

Devido a essas problemáticas que envolvem o material didático, o estabelecimento de critérios avaliativos emergem mais intensivamente na década de 90, com o surgimento do Guia do Livro Didático, e até hoje utilizado, onde os aspectos pedagógicos são analisados nas obras inscritas no PNLD, sendo que os materiais que apresentam erros conceituais, desatualização, preconceito ou Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 27 de 152 discriminação de qualquer tipo, são excluídos do programa. Cabe aqui destacar que mesmo diante desse regime criterioso, ainda existem falhas, que passam despercebidas pelas visões dos seus avaliadores.

Para Campos (2007, p.11), com esse procedimento, “o professor tem diferentes opções em termos de abordagens teóricas-metodológicas, de forma a poder escolher entre uma diversidade significativa de obras disponíveis, aquelas mais adequadas à sua realidade e à de seus alunos, bem como ao projeto pedagógico da escola”.

Nessa breve trajetória histórica sobre as políticas públicas voltadas para o livro didático, verifica-se que o avanço é nítido na Educação Básica. Atualmente os critérios definidos pelo Ministério da Educação e Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE, em conjunto com as instituições educacionais são cada vez mais satisfatórios no alcance da qualidade deste recurso didático. Como exemplo pode-se citar o PNLD voltado para o ano letivo de 2015, onde

as editoras puderam apresentar obras multimídia, reunindo livro impresso e livro digital. A versão digital traz o mesmo conteúdo do material impresso mais os objetos educacionais digitais, como vídeos, animações, simuladores, imagens, jogos, textos, entre outros itens para auxiliar na aprendizagem. (BRASIL, FNDE, 2014, n. p.)

Porém, mesmo frente a tais positividades, verifica-se que determinados propósitos apresentados pelo programa acerca da busca pela qualidade, função e característica do livro didático nas escolas públicas, não se concretizaram em sua totalidade ou, significativamente contribuíram para que grande fração dos professores se apoiasse nesse instrumento, definindo-o como a espinha dorsal, ou melhor, o currículo central e o principal mecanismo de definição das ações e práticas a serem desenvolvidas em sala de aula, de forma a afetar qualitativamente o ensino na Educação Básica, ao desconsiderar outras possibilidades de ensinagem (ensino/aprendizagem) conforme as características e necessidades cognitivas e sociais dos educandos. É relevante pontuar que esta prática, comum na grande maioria das escolas, é um reflexo da má formação - inicial e continuada destinada aos docentes, como discutiremos a seguir.

Considerações gerais sobre a formação do professor e as implicações no ensino da Educação Básica

O papel das licenciaturas na formação inicial do professor tem sido ponto de discussões e reflexões no âmbito educacional, pois como pontua Leão (2013, p. 18) “os problemas relativos à formação dos docentes refletem na qualidade do ensino nas escolas básicas”. Além disso, o autor ainda destaca que diversos pesquisadores da área educacional têm se dedicado a tais investigações, ratificando que

os cursos de formação, ao desenvolverem um currículo formal com conteúdos e atividade de estágios distanciados da realidade das escolas, numa perspectiva burocrática e cartorial que não dá conta de captar as contradições presentes na prática social de educar, pouco têm contribuído para gestar uma nova identidade do profissional docente (LEÃO, 2013, p.18).

O que se verifica atualmente é que o trabalho desenvolvido pelos cursos de licenciaturas na formação do professor se encontra revestido de muitos problemas, como o distanciamento entre as universidades e os sistemas de ensino da Educação Básica, a abordagem inadequada dos conteúdos (dissociando teoria e prática), a superficialidade do trabalho voltado para a dimensão pedagógica e/ou ausência dos componentes didático-pedagógicos nas matrizes curriculares dos cursos, além da falta de identidade do acadêmico com a carreira docente (profissão esta, que tem se tornando cada vez menos atraente, com relações causais que se estendem desde aspectos salariais e prestígio social até inúmeras mazelas nas instituições de ensino). Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 28 de 152

Nesse quadro, refletir a respeito da dimensão pedagógica na formação do professor remete a que pensem dois aspectos: o perfil desse profissional e o curso de graduação que o habilita. Assim, o docente, além do conhecimento técnico que ele necessita adquirir, necessita também conhecer e compreender a sua função/compromisso social, enquanto formador de cidadãos críticos e atuantes na conjuntura social, além de dominar as técnicas e metodologias a serem empregadas no desenvolvimento do seu trabalho.

Neste contexto, não caberia apenas acrescentar disciplinas didático-pedagógicas no currículo das licenciaturas, necessárias à habilitação do professor, mas levá-lo a desenvolver a capacidade de se perceber e se reconhecer como educador, no interior de um processo de trabalho em que estão envolvidos sujeitos sociais e que, em última análise, são a eles, isto é, à sociedade que se destina o produto final do trabalho.

Em outras palavras, pode-se dizer que o ensino deve ser um movimento constante de construção e reconstrução de saberes, voltadas para a formação plena, onde os sujeitos, ao produzir e reproduzirem a sua história, se vejam inseridos numa dialética social, com vistas à compreensão e percepção espacial, além da apreensão e acompanhamento das mudanças rápidas e intensas no mundo global, com suas múltiplas escalas e reflexos no lugar em que vivem. Afinal, é preciso decifrar o que o professor pretende formar e para qual contexto se deve ensinar. Para tanto, a apropriação de ferramentas adequadas a tais concepções se tornam cruciais ao longo do processo educativo, e que em muitos casos, são práticas desprezadas pelas licenciaturas.

É importante salientar que a formação do professor é processual, contínua e inacabada. O ingresso do acadêmico na licenciatura, é apenas o primeiro passo de seu percurso profissional. É obvio que não se pode atribuir as precariedades do ensino somente à graduação do professor. Porém, parte delas é resultado de deficiências nesta etapa. Desta forma, “novos desafios são postos nos cursos de formação do professor: desenvolvimento teórico-metodológico da didática; conhecimento do conteúdo e conhecimento didático e escolar do conteúdo” (KHAOULE e SOUZA, 2013, p. 90); resgate da multidimensionalidade, capaz de relacionar os saberes da disciplina com os saberes escolares; aprimoramento do estágio supervisionado, favorecendo a constituição de uma rede de valores e de conhecimentos sobre a realidade educacional, além de políticas voltadas para a formação continuada e para a valorização da formação deste profissional.

Por fim, investir na formação dos professores, possibilita segundo Khaoule e Souza (2013, p. 89, 102) “mais que a transformação do ensino, implica também, na diminuição e no enfraquecimento da desigualdade social que há muito tempo se enfrenta no Brasil”. A formação dos docentes implica mais que isso, é um instrumento de crescimento e desenvolvimento social, pois reflete na melhoria dos sistemas educativos em sua plenitude. Para tanto, a utilização de ferramentas pedagógicas congruentes durante o desenvolvimento do trabalho pedagógico do professor, como ilustração de possíveis melhorias se resume no eixo central ao alcance dessas proposições educacionais.

Apontamentos sobre o currículo, o livro didático e a prática docente

A princípio, é importante salientar que o currículo sempre se manteve como o ponto de discussões e polêmicas no campo educacional, já que se constitui como

um campo de disputas, de valorização e legitimação de determinados conhecimentos e práticas em detrimento de outros, e que abrange ainda as práticas e os conhecimentos realmente ensinados e apreendidos, os quais não correspondem necessariamente e de forma integral àqueles prescritos oficialmente como os que devem ser ensinados (MIRANDA, 2012, p. 88).

Para muitos educadores o currículo ainda “se resume a um elenco de conteúdos e métodos elaborados fora da sala de aula para guiar obrigatoriamente as suas práticas escolares” Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 29 de 152

(ALBUQUERQUE, 2014, p. 166). Nesses termos, o que se observa são as tensões e os conflitos no cerne do ambiente escolar, norteadas pelas concepções de currículo, sendo muitas vezes equivocadas e distorcidas das caracterizações reais.

Na verdade o que melhor define o currículo não são “as prescrições oficiais/estatais”, nem puramente os saberes e as práticas escolares direcionados pelo contexto local, na qual situa a escola. Mas, o currículo corresponde a algo mais amplo e complexo, que segundo Lopes e Macedo (2011, p. 41), “é uma prática discursiva. Isso significa que ele é uma prática de poder, mas também uma prática de significação, de atribuição de sentidos”.

Neste contexto, cabe se reportar à análise e à imagem que o professor faz desse discurso. O currículo, na verdade não é produzido único e exclusivamente pelo Estado, mas a escola e, notadamente o professor também produz o currículo à luz das suas peculiaridades. A ideia de que as proposições curriculares são definidas unicamente pelas secretarias e gabinetes merecem ser repensadas. Afinal, as próprias legislações educacionais transferem à escola (mesmo que na prática, isso não se efetive), e especificamente ao professor (pois é na sala de aula que o currículo se materializa) a autonomia para a adequação dos saberes necessários às pluri realidades existentes no espaço escolar.

Cabe trazer para o debate, oportunamente a questão de que, ao longo da definição das políticas públicas no Brasil, o currículo tem se constituído mais como um discurso de governo, do que de Estado. Nas mais variadas “diretrizes e parâmetros curriculares nacionais”, percebe-se que o que tem se fixado são proposições definidas por grupos “do governo” e não por profissionais da Educação. Assim, o que deveria se constituir como parâmetros, de fato, são consolidados como o próprio currículo, tendo como vetores os seguintes fatores: primeiro o raso debate público e os escassos espaços democráticos concedidos à sociedade em geral proporcionado pelo Estado e a sua cúpula; segundo, pelas más formação e qualificação dos docentes, em não ser “aptos” a (re)criar o currículo próprio da escola, de forma a efetuar uma leitura das propostas oficiais para além das proposições hegemônicas do Estado.

Cabe destacar sobre a lógica dessa abordagem que a formação do professor implica muito nesse produto final. A ausência de espaços na academia que se voltem para a análise e as reflexões destas questões políticas e metodológicas da profissão, contribui de forma significativa para a precarização do ensino e para a tênue acentuação da reprodução das tendências hegemônicas no ambiente escolar.

Como pontua Saviani (1995),

o trabalho educativo é o ato de produzir direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens. Assim, o objeto da educação diz respeito, de um lado, à identificação dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que eles se tornem humanos e, de outro lado e concomitantemente, à descoberta das formas mais adequadas para atingir esse objetivo (SAVIANI, 1995, p. 17).

A par dessa concepção é possível destacar que “a finalidade do ato educativo é alcançada quando o indivíduo se apropria dos elementos culturais necessários para sua humanização” (MIRANDA, 2012, p. 90). Assim, a definição dos saberes essenciais a essa formação é o ponto central na elaboração do currículo escolar. Para tanto, o envolvimento do professor com os objetivos e a seleção de conteúdos/saberes voltados para esse fim ou outros que se fizerem necessários às experiências vividas, são os pontos de relevância desta temática. E isso, é produção e/ou recriação de currículo, consideradas na tríade Estado – Escola – Professor.

Sobre essa premissa, Contreras (2002) enfatiza que o currículo deve ser concretizado por cada escola e professor respeitando as necessidades e especificidades locais, cujas instituições têm Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 30 de 152 autonomia para decisões sobre o mesmo, mas dentro das normas e limites estabelecidos pela administração central que procura despolitizar a questão curricular apresentando sobre suas decisões como meramente técnicas e fundamentadas cientificamente.

Considerando essa citação, destacamos a ambivalência presente nas questões inerentes ao currículo: de um lado democrático, no tocante à produção; do outro lado, um elemento de burocratização, de empecilho ao processo educativo e de controle por parte do Estado. Em muitos casos, pela dissociação e desarticulação dos temas e conteúdos propostos com a realidade vivida pela escola, ou mesmo por equívocos epistemológicos, erros conceituais e ambiguidades, alguns documentos oficiais são engavetados e desprezados pelos professores, tornando-o inútil e inutilizável. Por vez, há ainda as incalculáveis situações em que, mesmo com tantos pontos de tensão, os saberes são reproduzidos na íntegra pelo professor, causando uma espécie de vício no processo educativo, conduzindo à precarização da ensinagem.

Nesta breve reflexão sobre o currículo, a formação e o trabalho docente, é pertinente ainda apontar o livro didático como intrínseco a tais elementos. Sabe-se que este instrumento, concebido por Castellar (2010) como

um dos suportes mais importantes no cotidiano escolar e é, sem dúvida, o mais utilizado e solicitado” em sala de aula (...) É ainda um instrumento de ação constante e que ainda encontramos muitos professores que o transformam em um mero compêndio de informações, ou seja, utilizam-no com um fim, e não como um meio, no processo de aprendizagem (CASTELLAR, 2010, p. 137).

Nessa perspectiva, entendemos que bem mais que a função simplista adquirida na escola, o livro didático é um instrumento que permite uma ação educativa mais elaborada e significativa, quando da sua apropriação como um meio e não como o fim, conforme pontuado pela autora supracitada. Tal ferramenta, quando utilizada como um suporte ao professor, possibilita a exploração dos saberes de forma mais profícua e propícia a ampliação dos conhecimentos cotidianos dos educandos.

A questão conflituosa é que grande parcela do professorado, apresenta a inaptidão de utilizar o livro didático como os designamos anteriormente, tornando como já arraigado culturalmente, num manual de ensino e/ou até mesmo como o currículo a ser seguido ao longo do ano letivo. Nesse processo, é desconsiderada a compreensão da interação que existe entre os fundamentos metodológicos e as práticas docentes; além de não garantir a aprendizagem nem atingir os objetivos definidos pelo professor para determinada realidade escolar, os espaços de vivências e os seus significados se tornam desprezíveis frente a contextualização geral do livro.

Mesmo com o controle, a avaliação e a seleção, dentre outros procedimentos cabíveis estabelecidos pelo PNLD, ainda são apontados problemas diversos no livro didático, como já elencamos. Portanto, na utilização desse material, o olhar crítico e reflexivo do professor, é essencial a fim de que os conteúdos se tornem mais significativos, além de que a apropriação da proposta pedagógica presente no livro esteja de acordo com os objetivos estabelecidos e até mesmo, que as ações docentes se tornem mais desafiadoras frente às colocadas pelo livro didático, conforme ao nível e realidade dos discentes.

Frente ao caráter mercadológico presente no programa do livro didático - que aqui não pode ser negligenciado - em que na maioria das vezes dissocia o contexto impresso ao real, considera-se a qualificação do professor, por meio dos conhecimentos teórico-metodológicos da área em que atua, essencial ao uso desse instrumento de ensino. Os recortes temáticos, a contextualização ao mundo vivido do aluno, a atualização de dados, a adequação da linguagem, a significação do conteúdo se configuram como algumas das tarefas em que o docente deve se ater, quando da utilização desse material pedagógico. Caso isso não aconteça, o caráter conteudista, reprodutivista e descritiva na prática do professor marcará o processo educativo, acarretando a péssima qualidade no ensino, por meio da falta do valor pedagógico e significativo ao aluno. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 31 de 152

E, quando da falta de preparo do professor nesse processo, este

se vê na obrigação de conjugar teorias sobre o como ensinar com os conteúdos do livro. E, nessa perspectiva, acaba por legitimar uma relação de aprendizagem pautada pela leitura dos capítulos, seguido de explicações rasas, onde não há trocas, tampouco reconhecimento de que os assuntos tratados se referem à realidade vivida (LEITE, 2015, p. 93).

Essas considerações se fazem necessárias para ilustrar a realidade na qual o livro didático é centralidade no cerne do processo educativo, já que é o recurso de maior e de mais fácil acesso das escolas, e que, em algumas situações, é tido como o único material existente. Daí a importância da aptidão/qualificação e da criatividade do professor. Apropriar-se do livro didático como o currículo definidor das ações pedagógicas, pode ser um perigo, quando da precariedade do próprio livro e das didatizações docentes. O currículo não se restringe a apenas um elencado de conteúdos e temas, como presentes nos livros, mas abarca uma série de intencionalidades com sentidos e significações de forma a conduzir a emancipação do sujeito (teoricamente falando). Pois, se considerarmos o currículo hegemônico, produzido pelo Estado, esta premissa pode se enfraquecer, frente ao processo de elaboração e às proposições ideológicas embutidas nos documentos oficiais; assim como a má qualificação do professor e sua inaptidão em contextualizar os temas e conteúdos, influenciarão nas deficiências evidenciadas no ensino público e que se reportam, dentre outros vetores, à formação inicial e continuada deste profissional.

O debate minucioso acerca do livro didático e a sua utilização como o currículo nos conduz a analisar o seu movimento até os dias atuais, o que foge ao objetivo deste trabalho. No desenrolar dessa história, é oportuno destacar que o livro já teve – e ainda tem uma estreita relação com o currículo, quando analisado em sua objetivação de elencar temas e conteúdos (conhecimentos) a serem desenvolvidos em sala de aula, segundo as perspectivas coerentes a cada série/ano e suas complexidades.

No entanto, partindo da premissa que “os livros didáticos trazem, em si, um método e que abordam os conteúdos com base em determinadas posições teóricas” (ALBUQUERQUE, 2014, p. 170), onde carregam as realidades e os preceitos daqueles que os produzem, o cuidado do professor quando da sua utilização deve ser maior, pois o processo de reprodução dessas concepções pode se acentuar e a tendência à descontextualização ao mundo do aluno, a se estabelecer.

Não se pode atribuir que os livros didáticos, sejam de todo modo, unicamente imbuídos de visões dicotomizadas e com fundamentos filosóficos que podem não corresponder às realidades plurais de cada canto do país. Até mesmo, porque com o PNLD, vários desses problemas que circundaram esse material, foram eliminados, aproximando-os das expectativas de aprendizagem inerentes à Educação Básica. Mas, mesmo com os avanços trazidos por tal política educacional, ainda cabe ao professorado refletir sobre as informações, as teorias metodológicas e as concepções embutidas em cada livro, a fim de que possa alcançar a emancipação do sujeito, enquanto cidadão. Concorda-se com Albuquerque (2014, p. 172) quando diz que “assim como a elaboração, os aportes teóricos desses documentos também podem se tornar muito díspares tendo em vista a realidade de cada grupo envolvido no processo e as condições disponíveis”.

Na atualidade, o que se observa é a acentuada transformação espacial e as relações políticas norteando a elaboração dos livros didáticos, e consequentemente a definição do currículo. Cabe destacar que temos em vigência os Parâmetros Curriculares Nacionais (Política de governo implantada verticalmente na década de 90), orientadores das práticas escolares para a Educação Básica, que iluminam a elaboração dos livros didáticos a serem utilizados nas escolas básicas. Porém, tendo em vista o histórico de elaboração desses parâmetros, em muitos casos, não passam de documentos que ocupam espaços nas prateleiras das escolas, sem utilidade no processo de ensinagem. Cabe destacar aqui, que é um fato lastimável, levando em consideração a riqueza de contribuições contidas no material. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 32 de 152

Para finalizar, acredita-se que o livro didático pode ser considerado um currículo, por “definir as práticas escolares e os seus correlatos”, mas não deve ser tomado unicamente como tal. Ele deve se apresentar como o suporte e a referência para o professor, já que é o material mais imediato dele e do aluno, mas não como o currículo central do processo educativo. Assim, a apropriação do currículo múltiplo, diversificado e interativo, é o que defendemos, pois contribuirá com a eficácia do processo educativo em sua totalidade e na eliminação das contradições existentes no contexto social do país.

Considerações finais

As questões apresentadas neste trabalho objetivaram evidenciar o descompasso entre as proposições existentes nas políticas educacionais, notadamente ao PNLD e à formação e prática pedagógica do professor. Os fatores vinculados a tais fragilizações são elencados em premissas que se estendem desde a formação/qualificação do professor até a caótica atuação profissional em sala de aula. É importante ressaltar os notórios avanços e as repercussões oriundas da implementação do PNLD na educação do país, principalmente no tocante a criação de condições adequadas para a renovação nas práticas do ensino, porém ainda há muito o que se aprimorar.

Nesse contexto, torna-se conveniente evidenciar que o trabalho do professor, principal agente mediador da prática educativa, não é ainda, ideal o suficiente para que sejam consolidadas as premissas e pressupostos das políticas referenciadas: práticas que levem o aluno a exercitar a sua capacidade de reflexão e criticidade, que provoquem os seus sentidos, que contribuam significativamente para a sua formação enquanto cidadão crítico e participativo, capazes de pensar e reelaborar, de transitar com desenvoltura e independência entre as diferentes esferas, enfim, indivíduo/sujeito inserido nas relações sociais.

É preciso que as licenciaturas repensem os seus papéis e funções enquanto formadoras de professores; a dimensão pedagógica não pode ocupar posição secundária nas matrizes curriculares dos cursos, nem nos conteúdos das diversas disciplinas. Além disso, é preciso levar o acadêmico a ter um contato mais intensivo com as instituições de educação básica, para que vivenciem a realidade escolar que envolve a profissão. É preciso ainda que para o professor, na formação inicial ou continuada, sejam disponibilizados espaços de reflexão e ressignificação das suas práticas.

As deficiências apresentadas e discutidas nas linhas anteriores são materializações do distanciamento e das assimetrias que há entre as teorizações das políticas públicas e o efetivo trabalho docente. Como o fio condutor do debate, apresentamos o livro didático como sinônimo de currículo, mas certamente poderíamos elencar outros fenômenos curriculares produzidos no espaço escolar.

Por fim, trabalhos como esse, contribuem para que reflexões como: o processo educativo só ganhará relevância social a partir do ponto em que o docente reconhecer a sua função social e colocá-la adequadamente em prática. Assim, ainda nessa conjuntura, pode-se destacar que o PNLD já deu passos significativos para a melhoria da educação brasileira, (mesmo apresentando ainda muitas falhas), ao apontar critérios e definir propostas renovadoras, porém, o professor, por meio de espaços próprios na sua formação, necessita apoiar-se neste e em outros instrumentos facilitadores no processo de ensino/aprendizagem, utilizando-os como meios e não como fins - a mola propulsora/espinha dorsal (aqui denominada de currículo) da ação educativa contextualizada em teia global.

Referências bibliográficas ALBUQUERQUE, Maria Adailza Martins de. Livros didáticos e currículos de Geografia: uma história a ser contada. In: O ensino de Geografia e suas composições curriculares/ Antônio Carlos Castrogiovanni ... [et. al.]; organizadores: Ivaine Maria Tonini. [et. al.]. _ Porto Alegre: Meditação, 2014. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 33 de 152

CASTELLAR, Sônia Maria; MORAES, Jerusa Vilhena. Ensino de Geografia. 1ª Edição. São Paulo: Cengage Learning, 2010. CAMPOS, Casemiro de Medeiros. Saberes docentes e autonomia dos professores. Petrópolis: Vozes, 2007. CONTRERAS, José. Autonomia de professores. Tradução de Sandra T. Valenzuela. São Paulo: Cortez, 2002. BRASIL. FNDE. Apresentação. Disponível em: . Acesso em: 15 maio 2015a. ______. Histórico. Disponível em: . Acesso em: 15 maio 2015c. GOODSON, I. F. Currículo, Teoria e História. 4. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995. KHAOULE, Ana Maria Kovacs; SOUZA, Vanilton Camilo. Desafios Atuais em relação à formação do professor de Geografia. In SILVA, Eunice Isaías da; PIRES, Lucineide Mendes (Orgs). Desafios da didática de Geografia. Goiânia: Ed da PUC de Goiás, 2013, p.87-105. LEÃO, Vicente de Paula. Os cursos de Geografia e as diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores da educação básica, In: ALBUQUERQUE, Maria Adailza Martins de; FERREIRA, Joseane Abílio de Sousa (Orgs). Formação, pesquisas e práticas docentes: reformas curriculares em questão. João Pessoa, Ed. Mídia, 2013, p.15-45. LEITE, Cristina Maria Costa Leite. Considerações sobre o processo de formação dos professores que ensinarão Geografia nos anos iniciais de escolarização. In: Currículo, políticas públicas e ensino de Geografia/ Organizadoras, Kamila Santos de Paula Rabelo, Miriam Aparecida Bueno. – Goiânia: Ed da PUC Goiás, 2015. LOPES, Alice Casimiro; MACEDO, Elizabeth. Teorias do Currículo. São Paulo, Cortez, 2011. MIRANDA, Sérgio Luiz. O ensino de Geografia e os professores dos anos iniciais da escola fundamental: currículo, teoria e prática na formação e no trabalho docente. In: Formação de professores: pesquisas e práticas pedagógicas em geografia/ Izabella Peracini Bento e Karla Annyelly Teixeira de Oliveira (organizadoras). – Goiânia: Ed. Da PUC Goiás, 2012. SAVIANI, Demerval. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 5.a ed. São Paulo: Autores Associados, 1995. Enviado em 30/04/2017 Avaliado em 15/06/2017

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IMAGEM E SUBJETIVIDADE NAS REDES SOCIAIS9

Aluizio Lendl10 Maria Carolina Pereira da Costa11 Ellem Ellyzabeth Barbosa Quirino12

Resumo Através do crescimento progressivo de usuários nas redes sociais, pode-se perceber o aparecimento de uma nova estrutura relacional. Assim, são nessas redes que os atores estabelecem relações com outros através de seus posts, quando discutem, comentam ou compartilham algo de seu interesse, sejam elas, fotos ou mesmo textos que expressem suas opiniões acerca de algum assunto, construindo novas possibilidades de se explorar as imagens. Nesse segmento, em face deste constante crescimento, o ethos passa a ser construído e revelado a partir da imagem que o sujeito social deixa transparecer em seus fotos ou textos, que podemos considerar como voluntário ou não voluntário, de maneira incomum, através de novos meios e a partir de princípios e valores que lhe são atribuídos, com novas maneiras que são transmitidas para esses atores por meio do seu convívio social. Pensando nisso e visando entender como o sujeito se comporta ao fazer esses posts nas suas redes de relacionamento, o presente trabalho tem como objetivo fazer uma análise dos valores que são agregados nos sites de relacionamento social. Por isso, decidimos visitar uma rede relacional Instagram, que agrega fotos e/ou fotos e textos em suas postagens, para entender o aparecimento do ethos como imagem de si. Para tanto, deu-se ao olhar teórico de Charaudeaus (2005) de Eggs (2005) e Recuero (2009) que nortearam um novo método de construção do ethos e das redes sociais. Finalmente, foi possível compreender que cada post pode demonstrar seu valor individual, dentro de uma série de gostos variados, hábitos diferentes e estilos, que intervêm continuamente nos processos de relacionamentos que se constroem na rede. Palavras-chave: Ethos; Redes Sociais; Imagem.

Abstract Through the progressive growth of users in social networks, one can perceive the emergence of a new relational structure. Thus, it is in these networks that the actors establish relationships with others through their posts, when they discuss, comment or share something of their interest, be they, photos or even texts that express their opinions about some subject, building new possibilities to explore the images. In this segment, in the face of this constant growth, ethos begins to be constructed and revealed from the image that the social subject shows in his photos or texts, which we can consider as voluntary or not voluntary, in an unusual way, through new means And from principles and values attributed to it, with new ways that are transmitted to these actors through their social life. Thinking about this and aiming to understand how the subject behaves when making these posts in their relationship networks, the present work aims to make an analysis of the values that are aggregated in social networking sites. Therefore, we decided to visit an Instagram relational network, which aggregates photos and / or photos and texts in their posts, to understand the emergence of ethos as an image of itself. To that end, it was the theoretical view of Charaudeaus (2005) by Eggs (2005) and Recuero (2009) that guided a new method of building ethos and social networks. Finally, it was possible to understand that each post can demonstrate its

9 Agradecemos ao Fundo Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP) pelo financiamento do Projeto PIBIC/URCA O DITO E O NÃO-DITO NO DISCURSO. 10 Mestre em Letras pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, professor da área de Linguística da Universidade Regional do Cariri, Campus Missão Velha, onde coordena o Projeto PIBIC/URCA/FUNCAP O DITO E O NÃO-DITO NO DISCURSO. 11 Graduanda em Letras Língua Portuguesa pela Universidade Regional do Cariri, Campus Missão Velha, dedica-se integralmente ao Projeto PIBIC/URCA/FUNCAP O DITO E O NÃO-DITO NO DISCURSO. 12 Graduanda em Letras Língua Portuguesa pela Universidade Regional do Cariri, Campus Missão Velha, dedica-se integralmente ao Projeto PIBIC/URCA/FUNCAP O DITO E O NÃO-DITO NO DISCURSO.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 35 de 152 individual value, within a series of varied tastes, different habits and styles, that intervene continuously in the relationships processes that are built in the network. Key words: Ethos; Social networks; Image.

A imagem inicial

Na contemporaneidade, percebe-se o elevado crescimento de usuários das redes sociais digitais. Pode-se dizer que é nesse espaço de interação que os atores sociais expressam-se em formato on-line, ou seja, se expressam por meio das redes sociais via internet. Essas redes de relacionamento possibilitam que os usuários criem sua imagem (perfis) e inter-relacionam-se com outros usuários, transmitindo suas crenças, seus valores e seu posicionamento frente aos acontecimentos na sociedade, desenvolvendo um espaço de construção de sujeitos sociais ativos. É, pois, nessa esfera de comunicação que os sujeitos interagem por meio das postagens, onde é possível perceber que nessas publicações a criação de uma imagem que, em alguns casos, pode diferir da que é construída a partir do discurso e ações do sujeito na sua vida fora do ambiente social virtual.

Essa imagem construída nas redes sociais digitais pode ser compreendida a partir do conceito de ethos. Esse conceito refere-se ao caráter moral que o sujeito transparece para os seus interlocutores, sendo que esse caráter pode ser real ou inventado. Com isso, entende-se que este caráter está diretamente ligado à imagem transmitida, assim como afirma Dayoub (2004, p. 15, citado por SILVEIRA, 2015, p.1362):

Durante a apresentação de seus argumentos, o orador pode, perfeitamente, atuar como um ator teatral, imprimindo ao contexto de suas palavras um caráter diferente daquele que ele próprio imprime como indivíduo. Além dos argumentos, o orador convencerá pela imagem, ou melhor, pela sua atuação no momento do discurso.

Nesse sentido, podemos dizer que o sujeito pode assumir uma imagem que, não necessariamente, seja real tentando convencer o leitor, através dos seus argumentos (posts), a acreditar na imagem que está sendo transmitida.

Nesse seguimento, Donath (2000) declarou que a maior parte do processo de sociabilidade baseia-se nas marcas que os sujeitos compreendem e constroem ao estabelecer sua interação. Geralmente a maneira como a imagem é construída na rede social pode gerar situações desagradáveis na vida real do sujeito social, distantes das redes de relacionamento.

É interessante ressaltar, ainda, que a quantidade de posts publicados nas redes sociais digitais está evoluindo, onde os atores sociais, por meio das suas fotos, abordam qualquer assunto e é a através dessas publicações que eles criam sua imagem diante dos seus seguidores, fazendo com que conforme sua vida se torna visível, outros sujeitos formem uma imagem que associe com estes usuários. Nesse sentido, afirma-se que a ideia de ethos, nesse ambiente, proporciona novas concepções de criação.

A partir dos conceitos estudados este trabalho tem como propósito apresentar inicialmente, um ensaio sobre o estudo do ethos revelado pelos usuários da redes sociais digitais, de modo que seja possível compreender o que o ator quer transmitir para os seus seguidores por meio de seus posts. Posteriormente será abordado o contexto teórico do ethos a luz de Charaudeaus (2005) e Amossy (2008) e sobre redes sociais a partir de Recuero (2009). Por fim, abordaremos a relação do ethos dentro e fora do ambiente virtual, e a criação da imagem do ser social dentro do mundo virtual.

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O Ethos

O termo “ethos” é de origem grega e significa, conforme o dicionário Aurélio, “temperamento, modo de ser ou disposição interior, de natureza moral ou emocional”. Ele é a construção da imagem que o orador deixa transparecer em seu discurso quanto suas ações. E esta imagem só pode ser estabelecida de acordo com o repertório do receptor do discurso. “O sujeito aparece, portanto, ao olhar do outro, com uma identidade psicológica e social que lhe é atribuída, e, ao mesmo tempo, mostra-se mediante a identidade discursiva que ele constrói para si” (CHARAUDEAUS, 2005. p.115).

Segundo Maingueneau citado por Eggs (2008, p.31):

O que o orador pretende ser, ele o dá a entender e mostra: não diz que é simples ou honesto, mostra-o por sua maneira de se imprimir. O ethos está dessa maneira, vinculado ao exercício da palavra, ao papel que corresponde a seu discurso, e não ao indivíduo “real”, (apreendido) independente de seu desempenho oratório: é, portanto o sujeito da enunciação uma vez que enuncia que está em jogo aqui.

Portanto, é interessante destacar que a revelação do ethos nos discursos nas redes sociais não é elemento de uma ação completamente consciente por parte do orador, entende-se que ele não o pronuncia, mas mostra-o por meio das marcas expostas no discurso. Podemos entender que essa noção pode ser entendida de modo intuitivo e que se designa como uma dificuldade de compreensão, já que não é um conceito prático, que mostrar-se explicitamente no discurso, entretanto exige que seja interpretada. Assim, pode-se reforçar que, o ethos não é dito, ele se mostra através das marcas que orador deixa transparecer.

Nesse sentido, é importante destacar que, segundo Charaudeaus (2005), é necessário considerar o fato de que o ethos muitas vezes não é mostrado de forma totalmente voluntária. Em algumas ocasiões o sujeito mostra uma determinada imagem ou conduta, mas é interpretada de maneira diferente. É preciso atentar-se ainda ao fato de que um ser social não é identificado apenas por características específicas, mas sim pelo grupo ao qual está inserido. Os grupos hippies, por exemplo, têm um comportamento diferente dos demais grupos sociais, se vestem com roupas claras, floridas e gostam muito da calmaria. Diferem em certos pontos do grupo do rock, que adoram roupas mais escuras e gostam muito de músicas mais altas e agitadas, em alguns casos.

Nessa mesma perspectiva, Charaudeaus (2005) destaca, ainda, um ethos coletivo que corresponde a uma visão global, a diferença deste ethos, para o ethos individual, é que ele (o ethos coletivo) é construído pela atribuição apriorística de uma identidade que decorre de uma opinião coletiva, em relação a outro grupo.

Segundo Aristóteles citado por Eggs (2008, p.31), “Persuadimos pelo ethos, se o discurso é tal que torna o orador digno de crédito, pois as pessoas honestas (epieíkés) nos convencem mais e mais rapidamente sobre todas as questões em geral [...].” Isso mostra que o ator social deve adaptar- se aos seus seguidores, convencê-los e persuadi-los através do seu discurso, isso deve ocorrer de forma que o interlocutor se sinta tão confortável com aquela afirmação, a ponto de acreditar que o que está sendo transmitido seja sem dúvidas, honesto e verdadeiro. Assim o ator tem mais chances de ser aceito dentro do mundo social virtual, pois o sujeito social é honestidade há mais chances de passar credibilidade para o interlocutor, portanto, tornando o seu discurso mais convincente.

Para Aristóteles (apud EGGS, 2008, p.31) “Os oradores inspiram confiança, (a) se seus argumentos e conselhos são sábios, razoáveis e conscientes, (b) se são sinceros, honestos e equânimes e (c) se mostram solidariedade, obsequiedade e amabilidade para com seus ouvintes.” Assim pode-se afirmar Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 37 de 152 ainda, que quanto mais credibilidade o autor passa para seus interlocutores, melhor será a visão que eles terão sobre a imagem criada e transmitida pelo mesmo no meio ao qual ele quer estar inserido.

As redes sociais

Com o aumento do uso da internet, tornou-se mais fácil a conexão entre pessoas ou grupos de indivíduos, e para que essa conexão ocorresse de forma mais rápida e mais eficiente, parece evidente que houve a necessidade de criação de sites na Web13 que tornasse essa interação mais objetiva, e foi a partir dessa necessidade que surgiram os primeiros sites de relacionamentos, mais conhecidos como redes sociais digitais.

A rede social é uma estrutura social que tem por finalidade a criação de relacionamentos interpessoais. Pode-se dizer que as pessoas que fazem parte desse meio social, podem conectar-se entre si e construir vínculos. Essas redes são páginas que inter-relacionam os indivíduos, de acordo com a sua preferência, fazendo com que haja uma comunicação e uma exposição de uma forma rápida e instantânea, com a maior troca de informações e de vivências entre os diferentes tipos de usuários. Nessas redes existe a possibilidade de criar perfis e construção da identidade através da publicação de imagens dentro desse espaço. E é neste contato estabelecido com o outro, que conseguimos agregar valores, construindo imagens dos outros, de nós mesmos e da realidade em que somos inseridos.

Atualmente existem diversos tipos de rede social, dentre as mais famosas estão, Instagram, Facebook e Twitter. O Instagram surgiu em 2010, criada por Kevin Systrom e pelo brasileiro Mike Krieger, com o objetivo de postar fotos ou vídeos que o usuário ache que tenha relevância ou não, em suas vidas. O Facebook foi criado em 2004, por Mark Zuckerberg, e tem como objetivo conectar pessoas do mundo inteiro através de meios tecnológicos. O Twitter surgiu em 2006, criado por Jack Dorsey, Biz Stone e Evan Williams, com o intuito de fazer com que haja comunicação rápida e utilizando poucos caracteres.

A finalidade dessas redes sociais é de fazer com que os atores consigam construir relações, e de que dentro destas sejam construídos, vínculos entre os usuários. Elas ainda promovem encontros entre pessoas de lugares, países e de mundos totalmente diferentes ou iguais aos seus.

Dentro desse universo das redes sociais, o Instagram é a rede social e um dos aplicativos mais popular e simples de se utilizar atualmente. Ele possui ferramentas bem simples e fáceis de manusear. No início, ele somente era disponibilizado para celulares com sistema operacional iOs14, depois foi disponibilizado para aparelhos que utilizam sistema Android15. Através dessa rede, pode- se registrar e compartilhar momentos em forma de texto verbal ou visual – fotos ou vídeos. Com a utilização deste aplicativo, é possível também aplicar filtros em suas mídias e publicá-las em seu perfil na web, marcar pessoas ou galerias que queira chamar atenção para a divulgação do seu trabalho, e adicionar legendas que complementam o sentido e humanizam o sentimento expresso em suas publicações, com o intuito de conquistar os seus seguidores fazendo com que seus amigos, apreciadores ou até mesmo seus haters16 curtam, comentem e compartilhem em outras redes sociais com outras pessoas, esses posts.

Uma relação: ethos e redes sociais

13 Web: A Web é a rede mundial de computadores e também é uma expressão utilizada, por muitos, para denominar o termo internet. 14 Sistema operacional iOs: Sistema operacional utilizado em celulares da marca Apple. 15 Sistema Android: Sistema operacional utilizado em outras marcas de celulares e aparelhos de informática (Como, Motorola, Asus e Samsung). 16 Haters: É uma palavra de origem inglesa e que significa “os que odeiam” ou “odiadores” na tradução literal para a Língua Portuguesa. O termo hater é bastante utilizado para classificar pessoas que praticam “Bullying Virtual” ou “Cyber Bullying”. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 38 de 152

A sociabilidade de determinado grupo, é definida com base em valores que estão diretamente relacionados aos atores em suas redes de relacionamentos. Relação esta, que pode ser comparada ao ethos estudado por Charaudeaus (2005), uma vez que os valores que são impostos aos integrantes de uma rede social, são estruturados com base na imagem difundida por eles mesmos. Segundo Recuero (2009), os valores que os atores devem apossar-se nesses sites de relacionamento, são a popularidade, a visibilidade, a reputação e a autoridade que possuem nesses lugares.

É notório que quanto maior for o número de conexões presentes numa rede social, maior será a presença do ator nessa. Logo, este se torna cada vez mais visível e popular. No Instagram, a popularidade e a visibilidade, assim como em algumas outras redes sociais, estão diretamente ligadas entre si. Porém, a visibilidade está associada ao número de seguidores, curtidas e comentários presentes em seus posts, como salienta Recuero (2009, p. 108) quando disse que “a visibilidade está relacionada com a manutenção da rede social: um site de rede social pode ser utilizado para auxiliar a manter laços sociais com quem está fisicamente distante”. Já a Popularidade está relacionada ao perfil criado por cada ator no ambiente virtual. Ele se torna mais ou menos popular, se o número de seguidores for bastante significativo ou se o seu feed for de alguma celebridade famosa na internet, cinema, televisão e etc. Assim para ser popular, não será importante o que os atores pensam uns sobre os outros, mas sim pela quantidade de conexões estabelecidas por ele.

A reputação e a autoridade, assim como a popularidade e a visibilidade, são bem parecidas. Porém a reputação está associada diretamente às ações de um indivíduo e ao entendimento do outro sobre essas ações expostas em seus discursos, ou seja, aos conteúdos que expomos em nossas redes sociais, assim como afirmou Recuero (2009, p. 109):

A reputação, portanto, é aqui compreendida como a percepção construída de alguém pelos demais atores e, portanto, implica três elementos: o “eu” e o “outro” e a relação entre ambos. O conceito de reputação implica diretamente no fato de que há informações sobre quem somos e o que pensamos, que auxiliam outros a construir, por sua vez, suas impressões sobre nós.

Assim, é a partir da impressão que o outro tem sobre as publicações nas redes sociais, que o auxilia a criar um conceito sobre quem somos. Portanto, dependemos desses três elementos (o eu, o outro e a relação entre ambos), para que haja uma interação e a construção de uma imagem.

Quanto à autoridade, Recuero (2009, p. 109) salienta que:

A autoridade refere-se ao poder de influência de um nó na rede social. Não é a simples posição do nó na rede, ou mesmo, a avaliação de sua centralidade ou visibilidade. É uma medida da efetiva influência de um ator com relação à sua rede, juntamente com a percepção dos demais atores da reputação dele. Autoridade, portanto, compreende também reputação, mas não se resume a ela. Autoridade é uma medida de influência, da qual se depreende a reputação.

Dessa forma entende-se que a autoridade está relacionada ao poder de influência que um ator exerce sobre os outros atores em uma mesma rede. Para que isso aconteça, é necessário que o seu discurso transmita credibilidade e relevância para os seus interlocutores. Assim podendo conseguir uma grande quantidade de seguidores.

As relações formadas nos sites de relacionamento deveriam ser superiores no ambiente virtual, porém não possuem a mesma essência, pois os contatos estabelecidos nesse ambiente não são físicos, eles se baseiam em uma imagem criada. Os vínculos estabelecidos fora desse ambiente apoiam-se em relações interpessoais presenciais, ao mesmo tempo em que as formadas por meio dessas redes são mantidas por esse sistema. Nesse sentido, Recuero (2009, p. 28) afirmou que “a percepção do Outro é essencial para a interação humana. Ela mostra que, no ciberespaço, pela ausência de informações que geralmente permeiam a comunicação face a face, as pessoas são julgadas e percebidas por suas palavras.”. Este fato é pertinente, pois considerando que a mediação Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 39 de 152 dos participantes nas redes sociais, em sua grande maioria, é intermediada através de sites na web. Os atores são diferenciados pela imagem crida por eles e exposta no meio social virtual. Assim, pode-se dizer que ele adquire, no seu dia a dia, alguns valores e à troca destes, no mundo virtual, talvez não fosse muito provável, conforme Recuero (2009, p. 36):

Finalmente, a interação mediada pelo computador é também geradora e mantenedora de relações complexas e de tipos de valores que constroem e mantêm as redes sociais na Internet. Mas mais do que isso, a interação mediada pelo computador é geradora de relações sociais que, por sua vez, vão gerar laços sociais.

Assim é possível perceber que as relações criadas nesse ambiente, podem ser mantidas através da imagem, dos laços e das experiências adquiridas e construídos pelo ator social dentro do ciberespaço. Deste modo, pode-se afirmar que o ethos não irá agir em primeiro plano, mas sim de maneira lateral, pois implicará em uma experiência sensível do discurso, que mobiliza a afetividade do destinatário.

A imagem construída

Com o aumento gradativo da participação do ser social, dentro do mundo virtual, pode-se perceber o uso e a influência que os meios tecnológicos e as redes sociais exercem na vida social virtual e real destes. A construção de perfis no Instagram evoluiu bastante em todo o país ao longo dos últimos tempos. Começaram a ser divulgadas informações, até mesmo dados pessoais, em uma velocidade jamais vista antes. Sujeitos com pensamentos semelhantes, mas que não necessariamente precisariam estar localizados em uma mesma cidade ou país, para que pudessem fazer trocas de valores e ideias que poderiam ser mantidas nessas redes.

É preciso ter consciência que o Ethos mostrado por muitos usuários dessas redes sociais, pode não ser totalmente real. Na verdade o real e o fictício, no ambiente virtual, são inconstantes, eles se inter-relacionam e não é possível detectar qual é qual. Somos levados a acreditar que o ator social utiliza-se de artifícios que o ajudam na aquisição do capital social para que possa construir um Ethos que o ajudará a obter uma imagem com credibilidade, não só no ciberespaço, mas também no mundo real.

A partir do discurso revelado na rede social, procurou-se caracterizar o ethos de identificação referente às postagens feitas pelos usuários, com base em algumas teorias apresentadas por Charaudeau (2005), Eggs (2008) e Recuero (2009). Assim, podemos dizer que para proporcionar uma melhor aceitação dos seguidores, o ator social se transveste de uma imagem que pode ser verdadeira ou não, mas que convença o seu público, levando-o a curtir, comentar ou compartilhar com outros seguidores.

Referências CHARAUDEAUS, P. Discurso político. São Paulo: Contexto, 2005. DAYOUB, K. M. A ordem das ideias: palavra, imagem, persuasão: a retórica. Barueri, SP: Manole, 2004. In: SILVEIRA, A. A construção do ethos como estratégia argumentativa no artigo de opinião jornalístico. Disponível em:< https://revistas.gel.org.br/estudos-linguisticos/article/view/1062>. Acesso em: 18 Abril 2017 DONATH, J. Os Elementos das Redes Sociais na Internet. p. 29. In: RECUERO, R. Redes sociais na internet. Porto Alegre: Sulinas, 2009. DONATH, J. Os Elementos das Redes Sociais na Internet. p. 27. In: RECUERO, R. Redes sociais na internet. Porto Alegre: Sulinas, 2009. EGGS, E. Ethos aristotélico, convicção e pragmática moderna. In: AMOSSY, R.(Org.) Imagens de si no discurso: a construção do ethos. São Paulo: Contexto, 2005. RECUERO, R. Redes sociais na internet. Porto Alegre: Sulinas, 2009. SIGNIFICADOS. Significado de Haters. Disponível em:. Acesso em: 16 Agosto 2016. Enviado em 30/04/201 Avaliado em 15/06/2017 Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 40 de 152

CIBERNÉTICA: TRAJETÓRIA HISTÓRICA E INFLUÊNCIA PARA A CRIAÇÃO DOS CIBORGUES

Ana Beatriz Camargo Tuma17

Resumo Este artigo apresenta, a partir de revisão teórica, um apanhado sintético da incomum história da cibernética, descrevendo-se desde sua elaboração e circunscrição como novo campo do saber até seu atual desconhecimento. Também de maneira breve são descritos o que são os ciborgues, os quais se baseiam na cibernética, e, por sua vez, inspiram o surgimento de outros conceitos. Com isso, evidencia-se que a influência intelectual da cibernética não cessou, apesar de seu esquecimento. Palavras-chave: Cibernética. Ciborgues. Norbert Wiener.

Abstract This paper presents, from theoretical review, a synthetic overview of the unusual history of cybernetics, describing since its preparation and circumscription as a new field of knowledge to its present unfamiliarity. Also it describes briefly what the cyborgs are, which are based on cybernetics, and in turn, foster the emergence of other concepts. Thus, it is clear that the intellectual influence of cybernetics has not ceased, despite being in forgetfulness. Keywords: Cybernetics. Cyborgs. Norbert Wiener.

Apresentação

Um novo campo do conhecimento, interdisciplinar, quase inteiramente dedicado à comunicação, despontou nos anos de 1940 paralelamente à onda de invenções e aperfeiçoamentos das técnicas de comunicação, que caracterizou tal período: a cibernética, ciência circunscrita pelo matemático Norbert Wiener (BRETON, 2006) e elaborada por um grupo de cientistas norte- americanos das áreas de humanas, biológicas e exatas durante tal década e a primeira metade da década seguinte (MASARO, 2010).

A cibernética de Norbert Wiener pode ser definida como um método de compreensão dos fenômenos artificiais e naturais que se apoiava, fundamentalmente, no estudo dos processos de comunicação e controle entre as máquinas e os seres vivos como também nos processos sociais. A comunicação era o “modo de ser” dos fenômenos considerados e o controle representava o privilegiado meio da comunicação (BRETON, 1991).

Desde seu nascimento e depois de renovada, a proeminência da cibernética pode ser entendida como resposta a dois momentos marcantes em um grande processo de transformação: o choque da humanidade com os horrores provocados pelas duas grandes guerras mundiais, com o permanente medo da volta de algo pior com a ameaça nuclear; e a falta de opções ao capitalismo e à crise de consciência com o comunismo de modelo soviético, o qual carregou um sentimento de desilusão desde 1968 e cujo colapso tornou-se nítido em 1989 (EVANGELISTA; KANASHIRO, 2013).

17 Mestra em Divulgação Científica e Cultural pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Universidade Estadual de Campinas – Labjor/Unicamp. Jornalista formada pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU. E-mail: [email protected].

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O destino desta nova ciência foi pouco comum. Em um primeiro momento, as grandes noções dela foram recebidas com entusiasmo pela comunidade científica e sua popularidade obteve círculos cada vez maiores, incluindo o grande público em determinados trabalhos. Depois, vítima em parte de seus próprios excessos, devido ao fato de que a área estava cheia de aventureiros intelectuais de todos os tipos, de seu sucesso e das grandes expectativas que despertara, ela viu sua estrela declinar nos anos de 1960, principalmente após a morte de Norbert Wiener, em 1964. Contudo, a sua capacidade de influência intelectual não parou, somente tomou uma forma mais subterrânea sem perder a força (BRETON, 2006).

Exemplo disso é que a cibernética tanto penetrou a linguagem mundial com termos como ciborgue (cyborg – cybernetic organism), e continua a orientar a forma de novos vocábulos, como adentrou no imaginário das sociedades capitalistas. Dessa maneira, o cinema e a literatura vivenciaram uma explosão, por exemplo, de cyber-criaturas, como os próprios ciborgues (MASARO, 2010).

A partir de revisão teórica, faz-se, no presente artigo, um apanhado sintético da trajetória histórica da cibernética. Ademais, se aborda, brevemente, o influxo da cibernética na construção dos ciborgues, os quais também inspiram o nascimento de novos conceitos.

Breve história da cibernética

Encontros regulares que reuniam cerca de 20 especialistas das três grandes áreas do conhecimento (humanas, exatas e biológicas) e alguns convidados em Nova Iorque/EUA foram verdadeiros laboratórios da cibernética, inclusive quando esta ainda não tinha sido circunscrita e obtido este nome. Nas Conferências Macy (1946-1953), objetivava-se propiciar a comunicação entre cientistas e disciplinas separados pela especialização por meio da integração e síntese de conteúdos em um todo coerente, cuja arquitetura foi construída sobre os pilares conceituais deste campo nascente (MASARO, 2010).

Foi com o êxito desses encontros, que se cogitou nomear tal campo de cibernética em 1947 (MASARO, 2010). Norbert Wiener o circunscreveu após cinco anos de maturação da elaboração de seu método de estudo comportamental da realidade18 (BRETON, 2006) cunhando a palavra “cibernética” a partir da derivação do vocábulo grego kubernetes, ou “piloto”, o mesmo termo que, eventualmente, deriva-se “governador” (WIENER, 1968).

A necessidade desta criação deveu-se à observação do matemático de que a terminologia existente na época sobre tudo o que dizia respeito às máquinas era marcada de maneira excessivamente exclusiva pelo vocabulário dos engenheiros ou, no que se referia ao homem, pelo das ciências dos seres vivos. Não existia, portanto, uma terminologia comum para estas duas áreas. A palavra criada foi a primeira tentativa neste sentido (BRETON, 2006). No entanto, Wiener (1968) posteriormente descobriu que este termo não era original: ele já havia sido utilizado por A. M. Ampère na ciência política e sido inserido em outro contexto por um cientista polonês, sendo ambos os usos datados do início do século XIX.

Desde seu nascimento, a cibernética foi um sucesso midiático. Ela foi amplamente divulgada, noticiada e celebrada pelos meios de comunicação dos Estados Unidos da América, seu país de origem, e de outras nações, os quais engendravam uma avalanche de previsões de

18 No referido método, o matemático havia proposto uma classificação do comportamento de todos os seres que se poderiam achar na natureza de acordo com o tipo de relação que eles mantinham com seu ambiente: seres que recebem uma informação e reagem de maneira mecânica (estão na parte inferior da escala); em seguida, seres mais complexos dotados de um objetivo a ser atingido, mesmo que simples; aqueles que se auto-organizam em relação a um objetivo a ser alcançado; e, por último, os que desenvolvem sua ação em função de uma análise das consequências de seu comportamento. Este método conduziria Norbert Wiener a rapidamente privilegiar a noção de comunicação, a qual estaria a partir de 1947, no centro de sua obra (BRETON, 2006). Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 42 de 152 transformações tecnológicas e sociais, instantâneas ou futuras, estimulando a imaginação de toda uma época (MASARO, 2010). Pode-se afirmar que, em específico, as revistas de divulgação contribuíram para a grande popularização deste campo por meio da possibilidade de o público entrar em contato com a obra “Cybernetics: Or Control and Communication in the Animal and the Machine”, lançada em 1948 por Wiener (BRETON, 2006). A originalidade deste trabalho estava em reunir noções produzidas em áreas esparsas e propor a elaboração de um novo domínio ao redor das noções agregadoras de comunicação e controle (BRETON, 1991).

As principais questões debatidas pela rede dos primeiros ciberneticistas, segundo Breton (2006), baseavam-se na analogia que parecia existir entre determinados dispositivos automáticos que engenheiros e matemáticos tinham acabado de aprimorar para aplicações militares e os explicativos modelos de certos comportamentos humanos que médicos e neurofisiologistas haviam começado a extrair de suas observações.

Dessa maneira, a busca de sistemáticas analogias entre a máquina e o ser vivo, especialmente o homem, conduziu os primeiros ciberneticistas a começarem uma comparação técnica dos respectivos desempenhos dos dois “sistemas”. Foram várias tentativas, sendo que se pode citar, por exemplo, a primeira delas, a qual levou a não mais conceber o ser humano como unidade indissociável. Os diversos comportamentos a que o homem era suscetível poderiam, no que se refere ao informacional, ser analisados separadamente (BRETON, 2006).

As concepções em relação às possibilidades advindas da referida analogia originaram-se no modo pelo qual Norbert Wiener a imaginou. A ideia dele dizia respeito à máquina e o homem serem colocados em um mesmo plano ontológico, isto é, dotados de um status existencial comparável. Apesar de o século XVIII já ter pensado esta comparação, havia o argumento novo de afirmar que a especificidade de uma máquina ou de um homem não resultava da natureza de seu suporte, metal ou proteína, mas da complexidade das trocas de informação que formavam, em última instância, os seus modelos. Assim, a máquina ou homem poderiam desaparecer como substrato mecânico ou biológico a partir do momento em que o que constituísse sua individualidade verdadeira permanecesse totalmente na forma de informações adequadas. Com isso, uma corrente da cibernética, tentada pela aventura das “máquinas pensantes” virem a substituir o homem, deu livre curso à ideia de que este era um “erro provisório” da natureza (BRETON, 2006).

Um dos primeiros intelectuais a apresentar a questão de saber se as máquinas poderiam pensar, no sentido humano desta noção, foi o matemático Alan Turing. Ele respondeu positivamente, propondo uma demonstração experimental da capacidade “pensante” das máquinas. Um observador que pudesse se comunicar com um homem e com uma máquina, os quais estariam em locais diferentes daquele em que ele se encontrava, e que não conseguisse distinguir quando se dirigiu a um ou a outro após um jogo regular de perguntas e respostas, poderia provar que a máquina se comportava como se pensasse. A capacidade da máquina de se comportar como um homem, de se comunicar como este, foi considerada o equivalente exato do pensamento humano. Portanto, a máquina seria humana (BRETON, 2006).

Assim, pesquisadores depositaram confiança em máquinas como o computador, cujo princípio fora projetado pelo matemático John Von Neumann a partir da tentação de criar um “cérebro eletrônico” que substituísse exatamente o “cérebro vivo”. Outros cientistas a depositaram em máquinas mais simples, como uma tartaruga artificial, que reproduzia certos comportamentos do animal. No geral, para os ciberneticistas da década de 1950, tratava-se de construir uma verdadeira linha de máquinas autônomas, as quais escapariam progressivamente à dominação humana (BRETON, 2006).

Também no correr dos anos de 1950, cursos universitários de cibernética começaram a surgir em vários países, especialmente na Europa, o que deu início a um processo de institucionalização nos marcos da tradicional organização da ciência. Além disso, até o início de 1970, surgiram diversos manuais de cibernética ao redor do mundo com o intuito de apresentar os Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 43 de 152 fundamentos de uma ciência específica e sintetizar o atual estágio de seus conhecimentos, o que era tudo o que um cientista necessitava para começar a trabalhar neste campo (MASARO, 2010).

No entanto, em 1970, a cibernética foi esquecida. Talvez devido ao fato de que, em 1960/70, todos estavam muito apreensivos com as lutas sociais ou, simplesmente, que ela havia sido superada. Seu nome continuou associado a diversos domínios, mas cada vez menos ao da ciência. Passou-se a falar gradativamente menos dela, que se tornou antiquada ao mesmo tempo em que ascendia um acelerado movimento de difusão de seus conceitos por meio das mais diferentes especialidades e ciências e de seus maravilhosos inventos e máquinas espalhados por toda a civilização material capitalista (MASARO, 2010).

Em 1990, a cibernética foi “redescoberta”. Neste momento, ela pôde ser avaliada com mais distanciamento histórico e devido cuidado historiográfico como em publicações como o livro “Cybernetics Group”, lançado em 1991 por Steve Heims (MASARO, 2010).

Já nos dias atuais, de acordo com Masaro (2010), tanto no mundo da “alta cultura” e da academia quanto no técnico das ciências aplicadas e das profissões, a cibernética é uma importante ilustre figura desconhecida, já superada. Apesar disto, as máquinas cibernéticas (conceituais e materiais) continuam funcionando cada vez mais em todos os setores da sociedade e da ciência capitalista mundial.

Os ciborgues e a cibernética

Segundo Kim (2004), provavelmente o primeiro produto cultural da “nova ordem do real19” baseada na cibernética é o ciborgue20, o qual une as perspectivas anunciadas por esta com as promessas da biônica. O termo cyborg originou-se da contração de cybernetics organism e foi apresentado pela primeira vez em 1960 por Manfred Clynes e Nathan Kline em um simpósio sobre os aspectos psico-fisiológicos do voo espacial. A partir da inspiração gerada por uma experiência feita na década de 1950 em um rato, no qual foi acoplada uma bomba osmótica que injetava controladas doses de substâncias químicas, eles mostraram a ideia de se ligar ao ser humano um sistema de monitoramento e regulagem das funções físico-químicas com o objetivo de deixá-lo dedicado somente às atividades relacionadas com a exploração espacial.

Em 1972, a ficção científica recebe o conceito de ciborgue, quando a obra “Cyborg” foi lançada por Martin Caidin. Em suas páginas, há a história de Steve Austin, um piloto de testes da Força Aérea americana, que, após um grave acidente, é reconstruído com partes biônicas pelo laboratório cibernético do Dr. Killian. Desde então, esta figura cujo corpo natural é melhorado com o acoplamento de máquinas é reproduzida à exaustão (KIM, 2004). Esta história foi veiculada na série de televisão “O homem de seis bilhões de dólares”, na década de 1970, o que a tornou famosa.

Pode-se afirmar, de acordo com Kim (2004), que o ciborgue é também uma maneira de retomar o sonho de Victor Frankenstein disfarçando aquilo que despertava horror na sua criatura morta-viva produzida com retalhos de cadáveres de animais e pessoas esquartejadas. O horror que tal criatura causa e que o ciborgue tenta superar é a manifestação do horror ao caos. Sente-se medo dos mortos-vivos não porque se teme pela integridade física pessoal, mas devido ao fato de que, desde que resultam da justaposição de termos oriundos de imiscíveis domínios, eles são uma ameaça à ordem classificatória do cosmos.

O ciborgue é posicionado como conceito no mundo acadêmico nos anos de 1980. Isso ocorre quando Donna Haraway o transforma em um conceito político alinhando-o, principalmente,

19 Projeta o sistema antigo de interpretação da realidade sob formas novas, limitadas pelas dadas possibilidades culturais e históricas de significação (KIM, 2004). 20 Donna Haraway (2009) define ciborgue como um organismo cibernético, um híbrido de organismo e máquina, uma criatura de realidade social e de ficção. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 44 de 152 com os problemas feministas do final desta década em seu “Manifesto ciborgue: Ciência, tecnologia e feminismo-socialista no final do século XX” (GARCIA, 2014). De acordo com Haraway (2009, p. 37-38, grifo no original):

“Este ensaio é um argumento em favor do prazer da confusão de fronteiras, bem como em favor da responsabilidade em sua construção. É também um esforço de contribuição para a teoria e para a cultura socialista-feminista, de uma forma pós-modernista, não naturalista, na tradição utópica de se imaginar um mundo sem gênero, que será talvez um mundo sem gênese, mas, talvez, também, um mundo sem fim”.

Sendo uma criatura de um mundo pós-gênero, o ciborgue não tem nenhum compromisso com a bissexualidade, com o trabalho não alienado e com a simbiose pré-edípica. Dessa maneira, ele é uma matéria de ficção como também de experiência vivida, que muda aquilo que conta como experiência feminina no final do século XX. Trata-se de uma luta de vida e morte, porém, a fronteira entre a realidade social e a ficção científica é uma ilusão de ótica (HARAWAY, 2009).

Entre o nascer homem e o criar a máquina está o ciborgue de Haraway, porque não se nasce ou se cria um ciborgue: ele surge de duas entidades separadas que existiam previamente. O fato de surgir híbrido não afasta o ciborgue da natureza e o aproxima da cultura, como previam os ciberneticistas de 1960, mas confundem ambas. Ademais, não existe uma narrativa de sua origem religiosa, iluminista ou de uma biologia determinista. A impossibilidade de se recorrer às narrativas de origem é o eixo central para se construir outro feminismo porque não se pode resgatar a ideia essencial de uma “verdadeira mulher” das sociedades pré-patriarcais (GARCIA, 2014). “Não existe nada no fato de ser ‘mulher’ que naturalmente una as mulheres. Não existe nem mesmo uma tal situação – ‘ser’ mulher” (HARAWAY, 2009, p. 47).

Em seu Manifesto, pode-se afirmar que Haraway (2009) argumenta em defesa de uma política enraizada nas demandas não só por mudanças fundamentais nas relações de gênero como também de raça e classe, porque há a transformação de uma sociedade industrial, orgânica, para um sistema informacional, polimorfo. Dessa maneira, a imagem do ciborgue significa, para ela, uma herética e poderosa heteroglossia e refere-se tanto a destruir quanto a construir identidades, máquinas, relações, categorias, narrativas espaciais.

Já para Kim (2004), o ciborgue, produto do pensamento utilitarista aplicado sem limites ao aço e à carne, anuncia a imagem de um homem “melhorado”, com a acoplagem da tecnologia, e, cada vez mais, além das limitações de desempenho (conceito cibernético) impostas pela natureza.

Considerações finais

Diante da breve revisão teórica feita neste artigo sobre a história da cibernética, constata-se que, hoje, apesar de ser desconhecida pela maioria das pessoas, ela tem uma trajetória incomum bastante interessante. Pode-se citar como exemplo sua enorme popularidade em círculos, que incluíam até o grande público em certos trabalhos, durante cerca de duas décadas e, depois, o rápido declínio e esquecimento dela.

Como abordado também de forma sintética neste trabalho, a cibernética deu base à criação dos ciborgues, os quais, reproduzidos à exaustão na ficção científica desde o final do século passado, revelam a imagem de um ser humano melhorado, sendo também um conceito acadêmico utilizado por autores como Donna Haraway em seu “Manifesto ciborgue: Ciência, tecnologia e feminismo-socialista no final do século XX”.

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Considera-se importante estudar a história da cibernética e o que são os ciborgues para mostrar como aquela, nitidamente, influenciou no surgimento destes que, por sua vez, inspiram o nascimento de outros conceitos. Assim, evidencia-se que, apesar de esquecida por muitos, sua influência intelectual não cessou.

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Enviado em 30/04/2017 Avaliado em 15/06/2017 Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 46 de 152

CORDEL “REFORMA AGRÁRIA”: UM OLHAR À LUZ DA ESTILÍSTICA SEMÂNTICA

Ana Izabel dos Anjos Silva21 Eliane Pereira Cavalcante22 Francis Jadson Lima das Neves23 Marcos Apolinário Barros24 Max Silva da Rocha25

Resumo Este trabalho objetiva fazer uma breve discussão sobre a disciplina estilística, dando ênfase aos aspectos semântico-lexicais. Para tanto, recorreu-se ao cordel reforma agrária, de Patativa do Assaré. Neste, identificamos elementos que caracterizam o caráter do enunciador nordestino. Em nosso estudo, o estilo de Assaré possibilitou inferir que o enfoque são os desassistidos pelo governo, isto é, os menos favorecidos. Também foi possível identificar a incessante defesa do próprio autor, visto que a sua origem também vem da classe oprimida. Por meio de recursos estéticos, semânticos, lexicais, foi possível compreender a mensagem e o estilo único de Assaré. Palavras-chave: Cordel. Estilística. Patativa do Assaré.

Abstract This work aims to make a brief discussion about the stylistic discipline, emphasizing the semantic- lexical aspects. To do so, we resorted to agrarian reform, from Patativa do Assaré. In this, we identify elements that characterize the character of the northeastern enunciator. In our study, the style of Assaré made it possible to infer that the focus is the ones neglected by the government, that is, the less favored. It was also possible to identify the incessant defense of the author himself, since its origin also comes from the oppressed class. Through aesthetic, semantic and lexical resources, it was possible to understand the message and the unique style of Assaré. Keywords: Cordel. Stylistic. Patativa do Assaré.

Introdução

Este breve artigo faz uma análise do cordel Reforma Agrária, de autoria de Patativa do Assaré, um cearense analfabeto, que traz em versos a vida do nordestino. Neste trabalho apresentaremos aspectos semântico-lexicais no que concerne ao texto em cordel, visando analisar o estilo característico do autor nordestino.

21 Graduanda do 8º período do curso de Letras – Português, pela Universidade Estadual de Alagoas – UNEAL– Campus III, em Palmeira dos Índios, AL. Membro do grupo de estudo da variação linguística de Alagoas – GEVAL. E-mail: [email protected] 22 Graduanda do 8º período do curso de Letras – Português, pela Universidade Estadual de Alagoas – UNEAL– Campus III, em Palmeira dos Índios, AL. Membro do grupo de estudo da variação linguística de Alagoas – GEVAL. 23 Graduando do 8º período do curso de Letras – Português, pela Universidade Estadual de Alagoas – UNEAL– Campus III, em Palmeira dos Índios, AL. Membro do grupo de estudo da variação linguística de Alagoas – GEVAL. 24 Graduando do 8º período do curso de Letras – Português, pela Universidade Estadual de Alagoas – UNEAL– Campus III, em Palmeira dos Índios, AL. 25 Graduando do 8º período do curso de Letras – Português, pela Universidade Estadual de Alagoas – UNEAL - – Campus III, em Palmeira dos Índios, AL. Bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID/CAPES/UNEAL. É Pós-graduando em Linguística Aplicada na Educação pela Universidade Candido Mendes - UCAM e Instituto Prominas. Membro do grupo de pesquisa Linguagem e Retórica (CNPq), liderado pela Profa. Dra. Maria Francisca Oliveira Santos (UFAL/UNEAL). E-mail: [email protected] Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 47 de 152

Para tanto, recorremos a semântica, pois a partir dela podemos entender o funcionamento de alguns termos lexicais dentro do cordel. Como esta disciplina é movediça, não demos um sentido único, fechado, acabado, mas sim possíveis sentidos no cordel ora analisado.

Além da semântica recorremos a estilística, sendo essa responsável por estudar as alternativas possibilidades de uso da língua, incorporando o emprego estético da linguagem de acordo com os diferenciados contextos e situações. Foi nesse sentido que nos debruçamos no estudo supracitado, procurando entender como o cordel foi elaborado e quais estilos marcam a criação literária de Patativa.

Com o intuito de analisar um gênero textual, o qual já foi mencionado, foi necessário realizar algumas leituras a respeito dessas duas áreas da linguagem (semântica e estilística) para com isso compreender a função do cordel, a intenção do produtor desse gênero textual ao produzi-lo, as contribuições dessa produção e quais os recursos e artifícios utilizados para elaboração desse gênero típico da região Nordeste.

Patativa do Assaré: um ícone de nossa cultura

Patativa do Assaré (Antônio Gonçalves da Silva) (1909-2002), nasceu no município de Assaré, interior do Ceará, a 623 km da capital Fortaleza. Filho dos agricultores Pedro Gonçalves da Silva e Maria Pereira da Silva, ainda pequeno ficou cego do olho direito. Órfão de pai aos oito anos de idade começou a trabalhar no cultivo da terra.

Com pouco acesso à educação, frequentou durante quatro meses sua primeira e única escola onde aprendeu a ler e escrever e se tornou apaixonado pela poesia. Logo começou a fazer repentes e se apresentar em festas locais. Antônio Gonçalves da Silva recebeu o apelido de Patativa, pois sua poesia era comparada à beleza do canto dessa ave. Foi casado com Belinha, com quem teve nove filhos. Com vinte anos começou a viajar por várias cidades nordestinas e diversas vezes se apresentou na Rádio Araripe.

Com uma linguagem simples, porém poética, retratava em suas poesias o árido universo da caatinga nordestina e de seu povo sofrido e valente do sertão. Viajou para o Pará em companhia de um parente José Alexandre Montoril, que lá morava, onde passou cinco meses fazendo grande sucesso como cantador. De volta ao Ceará continuou na mesma vida de pobre agricultor e cantador. Sua projeção em todo o Brasil se iniciou a partir da gravação de "Triste Partida" em 1964, toada de retirante de sua autoria gravada por Luiz Gonzaga, o Rei do Baião.

Teve inúmeros folhetos de cordel e poemas publicados em revistas e jornais e publicou "Inspiração Nordestina" (1956), "Cantos de Patativa" (1966). Figueiredo Filho publicou seus poemas comentados em Patativa do Assaré (1970). Gravou seu primeiro LP "Poemas e Canções" (1979) uma produção do cantor e compositor cearense Fagner. Apresentou-se com o cantor Fagner no Festival de Verão do Guarujá (1981), período em que gravou seu segundo LP, "A Terra é Naturá", lançado também pela CBS.

A política também foi tema da obra e de sua vida. Durante o regime militar, ele criticava os militares e chegou a ser perseguido. Participou da campanha das Diretas já, em 1984 e publicou o poema "Inleição Direta 84".

Ao completar 85 anos foi homenageado com o LP "Patativa do Assaré - 85 Anos de Poesia" (1994), com participação das duplas de repentistas Ivanildo Vila Nova e Geraldo Amâncio e Otacílio Batista e Oliveira de Panelas. Tido como fenômeno da poesia popular nordestina, com sua versificação límpida sobre temas como o homem sertanejo e a luta pela vida, seus livros foram traduzidos em diversos idiomas e tornaram-se temas de estudo na Sorbonne, na cadeira da Literatura Popular Universal, sob a regência do Professor Raymond Cantel. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 48 de 152

Antônio Gonçalves da Silva, sem audição e cego desde o final dos anos 90, morre em consequência de falência múltipla dos órgãos, no dia 8 de julho de 2002, em sua casa, em Assaré, Ceará, aos 93 anos26.

Considerações acerca do gênero textual/discursivo cordel

Mesmo estando em vários países do mundo, sabe-se que foi no Brasil que a literatura de cordel teve um maior destaque. “No Brasil cordel é sinônimo de poesia popular em verso. As histórias de batalhas, amores, sofrimentos, crimes, fatos políticos e sociais do país e do mundo, as famosas disputas entre cantadores, fazem parte de diversos tipos de texto em verso denominados literatura de cordel” (PINHEIRO e MARINHO, 2012, p.17).

Não se sabe, precisamente, onde nasceu a literatura de cordel. Não foi no Nordeste, muitos afirmam que pode ter vindo de Portugal, mas não se tem ainda uma definição concreta de onde essa cultura popular veio. De acordo com Pinheiro e Marinho (2012, p.18):

A expressão “literatura de cordel” foi inicialmente empregada pelos estudiosos da nossa cultura para designar os folhetos vendidos nas feiras, sobretudo em pequenas cidades do interior do Nordeste, em uma aproximação com o que acontecia em terras portuguesas. Em Portugal, eram chamados cordéis os livros impressos em papel barato, vendidos a baixos preços, pendurados em barbantes.

O cordel expressa, em versos, a cultura popular de uma determinada época e de um povo. Há anos temos o cordel escrito, porém não foi sempre assim. A prática era totalmente oral e era passada de pai para filho. Com o advento das novas tecnologias, tem-se a impressão dos folhetos e das xilogravuras e uma adaptação foi necessária para a expansão da literatura de cordel.

Esta cultura é alegre, humilde, do povão, como ressalta Pinheiro e Lúcio (2005, p.7):

Quem já teve a oportunidade de presenciar uma festa popular numa comunidade de campo ou da cidade, terá visto crianças, adultos e velhos, homens e mulheres envolvidos na dança, no canto, no dedilhar de violas e rabecos, no toque de pandeiros, nas caixas e outros instrumentos. As manifestações artísticas da cultura popular têm uma alegria especial espontânea, contagiante [...].

Trazendo esta visão para nossa realidade, identificamos que o cordel, num contexto escolar, pode viabilizar relevantes contribuições para a transformação social dos discentes. Os alunos podem aprender a produzir textos coerentes e coesos a partir da própria cultura que os cercam. Neste trabalho, mostramos como uma análise semântica tomando como base a estilística, pode proporcionar uma análise consistente em um gênero popular.

O trabalho com o gênero cordel pode ser adaptado visando os lados sociais e culturais dos discentes, fazendo com que eles enxerguem a realidade em que estão inseridos e possam, assim, intervir nela. Perceber as marcas semânticas, ou seja, os efeitos de sentidos que as palavras empregadas provocam é uma possibilidade de intervenção em sala de aula, para que o aluno entenda o funcionamento dos recursos utilizados pelo produtor do texto.

Durante as intervenções, os alunos podem retratar nos folhetos o ideário de mundo que eles almejam para a sociedade utilizando marcas estilísticas próprias e, desse modo, participarem ativamente no que diz respeito ao espaço social. Esses fatores são trabalhados por meio da linguagem que os alunos estão acostumados, qual seja, a popular como é o gênero ora estudado.

26 Fonte: Ebiografia, disponível em: https://www.ebiografia.com/patativa_assare/ Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 49 de 152

A nosso ver, os educadores precisam, urgente, levar esta cultura para a sala de aula e instigar os alunos a gostarem e trabalharem com esse tipo específico de gênero textual/discursivo explorando as riquezas linguísticas, estilísticas, históricas, sociais, culturais que este gênero carrega sobre si.

Mesmo com tantas novidades tecnológicas, o cordel conseguiu se fixar plenamente, apesar das investidas das TICs, principalmente, as interativas. Para Evaristo (2002),

O desenvolvimento industrial alterou as relações entre os homens. As experiências não são mais comunicáveis, as trocas humanas caminham para a extinção. Com isso, a narração de histórias tende ao mesmo fim. Com o isolamento do indivíduo, o contador de histórias, que retira o que conta de sua própria experiência ou da dos outros, perde seu lugar. As relações educativas e comunitárias vão aos poucos perdendo seu valor, até chegar à atual sociedade de consumo, na qual a exacerbação do individual chega ao seu ápice (p.120).

Ainda assim, este gênero persiste e está longe de ser extinto, mesmo com o advento dessas poderosas armas tecnológicas, visto que “a literatura de cordel continua acompanhando as mudanças e inovações ao longo do tempo, incorporando alguns elementos novos e mantendo outros” (EVARISTO, 2002, p.121).

Desde a década de 1960, o cordel vem tendo o destaque que merece, o qual outrora não era tão expressivo. “A literatura de cordel, ao longo de sua história, tem sido instrumento de lazer, de informação, de reivindicações de cunho social, realizadas, muitas vezes, sem uma intencionalidade clara” (PINHEIRO e MARINHO, 2012, p.88). Esses aspectos provocaram um interesse a mais sobre a temática.

O cordel como crônica poética e história popular, é a narração em verso do “poeta do povo”, no seu meio, o “jornal do povo”. Trata-se de crônica popular que expressa a cosmovisão das massas de origem nordestina e as raízes do Nordeste na linguagem do povo. É história popular porque relata os eventos que fizeram a história a partir de uma perspectiva popular. Seus poetas são do povo e o representam nos seus versos (CURRAN, 2001, p.20).

O cordel possui essa relação com o povo, sociedade, história e, principalmente, cultura. Por meio dos folhetos, “os poetas retransmitem as notícias da experiência e visão de mundo dos leitores” (PINHEIRO e MARINHO, 2012, p.106). Por meio do cordel, podemos entender a realidade sertaneja com tantas dificuldades que maltratam a região Nordeste do Brasil e, dessa maneira, identificar os recursos lexicais, semânticos etc. que os autores utilizam.

Os temas são abordados de uma forma humorística, mas visam transparecer a realidade que está posta na sociedade, qual seja, a de desigualdade social. “Em termos atuais, pode-se dizer que o cordel mantém, enquanto narrativa, algumas características de origem, como a função social educativa, de ensinamento, aconselhamento, e não apenas entretenimento ou fruição individual” (EVARISTO, 2002, p.120).

Com isso, “os métodos de ensino têm que considerar em seus determinantes não só a realidade vital da escola (representada principalmente pelas figuras do educador e do educando) mas também a realidade sociocultural em que está inserida” (RAYS, 1996 apud PINHEIRO e MARINHO 2012, p.126).

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Considerações acerca da estilística

Remontagem da tradicional retórica, a estilística é uma ciência recente, que estuda recursos expressivos existentes no texto. O estilo é utilizado também, para fins estéticos, e por isso muito presente na linguagem literária, que faz com que os textos literários possuam um diferencial característico. Porém, diferentemente da retórica tem um caráter mais descritivo, sem levar em consideração as normas.

Martins (1989), define estilo por meio dos mais diversos estudiosos, e diante das inúmeras definições, deixa a critério do leitor, decidir a que melhor se encaixa em suas classificações. Dentre as definições citadas pela autora está a de (Guiraud) que define estilo como um “aspecto do enunciado que resulta de uma escolha dos meios de expressão, determinada pela natureza e pelas intenções do indivíduo que fala ou escreve” (1989 apud MARTINS, 1989, p.2).

Nesse sentido, compete ao autor se utilizar de recursos, sejam eles sonoros, semânticos sintáticos ou morfológicos, para criar seu próprio estilo, com fins estéticos ou não, de forma que convença o leitor ou até mesmo o faça chegar ao encantamento. Dessa forma, a mensagem é passada com mais expressividade e precisão, isso faz com que cada um tenha seu estilo, diferenciando-o dos demais.

A estilística, disciplina ligada a linguística, passou a ser designada assim a partir do século XX, com Charles Bally, doutrinador da estilística da língua, voltava-se para os aspectos afetivos da língua falada, a serviço da vida humana, a língua viva, e para ele essa era a função da estilística, a de ser descrever essa língua “espontânea, mas gramaticalizada, lexicalizada, e possuidora de um sistema expressivo” (MARTINS, 1989, p.3).

Por outro lado, Leo Spitzer, exponencial da estilística literária, cria uma corrente idealista, psicológica e genética, no intuito de estabelecer uma ponte entre a Filosofia e a Literatura. Isso se daria a partir “da reflexão, de cunho psicologista, sobre os desvios da linguagem em relação ao uso comum” (MARTINS, 1989, p.7)

Parente (2008) apud Câmara Junior (1997), dá a estilística três dimensões: estilística fônica que está voltada para a expressividade na fônica dos vocábulos; estilística léxico-semântica, voltada para a seleção vocabular ocasionando a coesão semântica obtida a partir da seleção vocabular, os fenômenos de denotação e conotação, entre outros; e a estilística sintática que objetiva analisar a ordem sintática e os fenômenos a ela inerentes. Além desses há outros estudos específicos de estilos, como exemplo os textos jornalísticos.

Além disso, Parente (2008) também aborda as diversas vertentes da estilística: a estilística retórica, a descritiva, a idealista, a estrutural, a gerativa, a poética, a semiótica, a estatística e a discursiva.

Diante do exposto, partimos da estilística literária e também da léxico-semântica para fazer uma breve análise sobre o estilo utilizado no cordel/soneto Reforma Agrária, autoria de Patativa do Assaré.

Leitura da amostra

A partir de agora adentramos no corpus de nosso estudo, objetivando entender quais os recursos estilístico-lexicais-semânticos estão embutidos no presente cordel. Leiamos o texto abaixo:

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REFORMA AGRÁRIA Pobre agregado, força de gigante, Po/bre a/gre/ga/do/, for/ça/de/ gi/gan/te, Escuta amigo o que te digo agora, Es/cu/ta a/mi/go/ o que/ te/ di/go a/go/ra, Depois da treva vem a linda aurora De/pois/ da/ tre/va/ vem/ a/ lin/da au/ro/ra E a tua estrela surgirá brilhante. E a /tu/a es/tre/la /sur/gi/rá/ bri/lhan/te.

Pensando em ti eu vivo a todo instante, Pen/san/do em/ ti/ eu/ vi/vo a/ to/do ins/tan/te, Minha alma triste desolada chora Min/ha al/ma/ tris/te/ de/so/la/ da/ cho/ra Quando te vejo pelo mundo afora Quan/do/ te vê/jo/ pe/lo/ mun/do a/fo/ra Vagando incerto qual judeu errante. Va/gan/do in/cer/to/ qual/ ju/deu/ er/ran/te.

Para saíres da fatal fadiga, Pa/ra /sa/ires/ da/ fa/tal /fa/di/ga, Do terrível jugo que cruel te obriga Do/ te/rrí/vel ju/go /que/ cru/el/ te o/bri/ga A padecer situação precária A/ pa/de/cer/ si/tu/ação/ pré/cá/ria

Lutai altivo, corajoso e esperto Lu/tai al/ti/vo/, co/ra/jo/so e/ es/per/to Pois só verás o teu país liberto Pois /só /vê/rãs/ o /teu/ pa/ís /li/ber/to Se conseguires a reforma agrária. Se/ com/se/gui/res a/ re/for/ma a/grá/ria.

Fonte: Patativa do Assaré, Antologia poética.

Análise estilística e interpretação dos dados

Podemos perceber que o cordel segue a métrica do soneto, constituído por quatro estrofes: dois quartetos e dois tercetos, com versos decassílabos (dez silabas poéticas). Seu esquema rimático é do tipo ABBA CDDC EEF GGF. As rimas B, D, E e G são emparelhadas; A, C e F são interpoladas. Elas são classificadas também como rimas externas, que ocorre quando se repetem sons semelhantes no final de diferentes versos: rimas consoantes, que apresentam semelhança de consoantes e vogais.

Um soneto perfeito composto por um homem que tentava retratar a vida simples do homem do campo. Com pouco estudo, Patativa, segue a métrica da mais refinada literatura, trazendo para seus conterrâneos palavras que não só são apenas um retrato, mas também uma forma de motivação. Ele se envolve de termos corriqueiros, presentes no dia-a-dia do trabalhador.

Os aspectos semântico-lexicais no corpus

O cordel fala sobre a reforma agrária. Esta, por sua vez, prega a distribuição mais justa das terras, uma vez que o campo é um local contraditório e confuso, pois lá tem muitas terras, no entanto, nas mãos de grandes latifundiários.

Sabendo de tudo isso, o autor do cordel, Patativa do Assaré, busca recursos para expor sua opinião sobre o tema em questão.

Durante o cordel, o trovador nordestino faz uso das seguintes expressões:

 pobre agregado, referindo-se a situação do homem do campo, pois este não, muitas vezes, uma moradia ou pelo menos condições mínimas de sobrevivência.  treva, retrata algo ruim, seria a situação de miserável que os trabalhadores rurais são obrigados a ter no campo.  judeu errante, a nosso ver, esta expressão é utilizada como interdiscurso com a religião pela incerteza, não crença. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 52 de 152

 situação precária, esta expressão é utilizada para retratar como se encontra a situação no campo, isto é, difícil.  lutai, este é o conselho do autor. Para que seja alcançada possíveis melhorias devemos ir à luta.  país liberto, nesta expressão o autor coloca todo o seu desejo: a liberdade, o fim das injustiças e das mazelas sociais.  reforma agrária, aqui é possível inferir qual é o objetivo do cordel: promover e incentivar a reforma agrária, seria uma espécie de socialismo, igualdade entre os indivíduos no que tange à terra.

Entendemos que estas sequências semântico-lexicais conseguiram dá ao cordel uma expressão convencedora e um estilo próprio. A nosso ver, o autor seleciona as palavras com o intuito de persuadir o leitor. São recursos estilísticos cuja função é tornar o texto numa prática discursiva dotada de efeitos de sentido.

Considerações finais

Considerando os argumentos apresentados sobre o gênero textual cordel e os vários estilos existentes, foi possível observar que o gênero estudado é estruturado com recursos expressivos, visando fins estéticos e semântico-lexicais.

Diante disso, pretendemos mostrar como o gênero estudado pode ser utilizado para representar a vida do ser humano e chamar a atenção do público leitor indicando-lhes desde soluções até elogios sobre suas práticas diárias, retratando-as em versos singelos.

A linguagem do autor valoriza o trabalhador, o impulsiona e incentiva. Traz também para o seu público leitor, seja quem já conhece o que está escrito, seja quem desconhece e passa a ver com outros olhos as pessoas que são de alguma forma deixadas de lado.

Nosso intuito também foi o de descrever a importância da estilística, pois ela nos ajuda a entender como o autor se utiliza de vários aspectos para construir o enunciado, persuadir o interlocutor, etc. Por fim, entendemos que a estilística nos proporciona reconstruir um possível caráter do enunciador, por meio de marcas e/ou pistas que ele deixa no todo semântico.

Referências CURRAN, Mark J. História do Brasil em Cordel. São Paulo: EDUSP, 2001. EVARISTO, Marcela Cristina. O cordel na sala de aula. In: BRANDÃO, Helena Nagamine. Gêneros do discurso na escola: mito, conto, cordel, discurso político, divulgação científica. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2002. MARTINS, Nilce Sant’ Anna. Introdução à Estilística. São Paulo: EDUSP, T, A. Queiroz (Ed), 1989. Capítulo 1. PARENTE, Maria Cláudia Martins. O domínio da estilística: num convite a pesquisas e criações autônomas. Caderno Discente do Instituto Superior de Educação – Ano 2, n. 2 – Aparecida de Goiânia – 2008 PINHEIRO, Hélder; MARINHO, Ana Cristina. O cordel no cotidiano escolar. São Paulo: Cortez, 2012. ______; LÚCIO, Ana Cristina Marinho. Cordel na sala de aula. São Paulo: Livraria duas cidades, 2005. Enviado em 30/04/2017 Avaliado em 15/06/2017 Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 53 de 152

DESLOCAMENTOS E DIÁLOGOS ENTRE TEATRO E CULTURA NA CAPITAL FEDERAL DE ARTUR AZEVEDO

Andréa Maria Favilla Lobo 27 Luciana Nascimento28

Resumo Neste trabalho discute-se as características das subjetividades que se deslocam no cenário da cidade do Rio de Janeiro no fim do século XIX e os diálogos construídos por essas subjetividades oriundas de espaços geográficos diferentes, entre práticas culturais diversas. As análises estão pautadas nas características e ações dos personagens de Arthur Azevedo descritos na obra teatral: A Capital Federal, Comédia- opereta de costumes brasileiros, em três atos e doze quadros. Destaca-se os seguintes aspectos: a cidade como espaço de práticas sociais, os deslocamentos como um entre lugar na cultura, e o discurso teatral como poiesis. Palavras-Chave: teatro; cidade; subjetividade; cultura

Resumen En este trabajo se discute las características de las subjetividades que se desplazan en el escenario de la ciudad de Río de Janeiro a finales del siglo XIX y los diálogos construidos por esas subjetividades oriundas de espacios geográficos diferentes, entre prácticas culturales diversas. Los análisis se basan en las características y acciones de los personajes de Arthur Azevedo descritos en la obra teatral: La Capital Federal, Comedia- opereta de costumbres brasileñas, en tres actos y doce cuadros. Se destacan los siguientes aspectos: la ciudad como espacio de prácticas sociales, los desplazamientos como uno entre lugar en la cultura, y el discurso teatral como poiesis. Palabras clave: teatro; ciudad; subjetividad; cultura

O objetivo deste trabalho é discutir a representação da cidade do Rio de Janeiro do fim do século XIX como espaço de práticas sociais para além da perspectiva cronológica de reconstrução do passado. Nessa perspectiva, o olhar das pesquisadoras se torna produtivo considerando as características, ações e costumes das personagens presentes na obra de teatro: A Capital Federal, comédia- opereta de costumes brasileiros, em três atos e doze quadros. A peça também funcionou como dispositivo de reflexão sobre espaços, tempos e práticas urbanas deste século. Para tanto, o percurso metodológico desenvolveu-se a partir da descrição da fonte principal de análise, o texto de Azevedo, todavia não se encerra nele. Em outras palavras, o teatro /literatura dramática se configura como campo de saber engendrando reflexões acerca de nossas próprias práticas e relações cotidianas nos centros urbanos. Não há, nesse sentido, um esforço teórico em estabelecer dicotomias na relação entre sujeito e objeto do conhecimento num esforço de diferenciar a dimensão ficcional do que se considera “a verdade” sobre as relações urbanas no Rio de Janeiro de fim de século. O movimento é justamente romper com a perspectiva da cognição como reconhecimento e representação e permitir estímulos favorecidos por meio dos espaços ficcionais, isto é, considerando a ficção como produtora e transformadora de subjetividades e, portanto, produtora de saber.

27 Doutora em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Professora do Curso de Artes Cênicas do Centro de Educação, Letras e Artes da Universidade Federal do Acre. Atualmente, realiza o Estágio Pós-Doutoral junto ao Programa Interdisciplinar de Linguística Aplicada da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob a supervisão da Profa. Dra. Luciana Marino do Nascimento. 28 Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq- PQ2. Doutora em Teoria e História Literária pela UNICAMP. Docente do Programa Interdisciplinar de Linguística Aplicada da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Docente do Departamento de Ciência da Literatura da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 54 de 152

Assim, neste trabalho, não se considera a memória como retorno ao passado em busca da reconstituição de uma realidade perdida acessada por meio da literatura dramática. Trata-se justamente da possibilidade de se revelar a instabilidade e o desequilíbrio das percepções sobre o tempo e os espaços, permitindo assim a invenção de realidades diversas pois, como nos descreve Kastrup: Tomo como exemplo a experiência, bastante comum, embora não banal, de alguém que retorna, anos mais tarde, à casa onde morou durante a infância. Não raro, tem lugar então uma experiência cognitiva que não é de mero reconhecimento. O reconhecimento mistura-se a um estranhamento acerca das dimensões da casa. O imenso quintal lhe parece agora um pequeno pátio, a antiga escada não passa de alguns degraus, o portão, embora o mesmo, revela-se outro. A perplexidade experimentada suscita, e mesmo impõe, a invenção de uma outra cognição da casa. (KASTRUP, 2007, p.69)

Este texto organiza-se da seguinte forma, a saber: num primeiro momento apresenta-se um rápido perfil do autor, Artur Azevedo e sua importância para o teatro brasileiro; a seguir descreve-se a estrutura do texto teatral utilizado como fonte de análise para este trabalho e por fim apresenta-se algumas reflexões a respeito dos aspectos presentes na vida urbana da cidade do Rio de Janeiro de fim de século, assim como algumas práticas dos personagens presentes na peça analisada em diálogo com o olhar das próprias pesquisadoras diante da cidade no século XXI.

Artur Azevedo um Homem de Teatro

O autor da peça que utilizamos como fonte de análise para este trabalho sem dúvida foi um homem de teatro. Antes de tudo, Artur Azevedo foi um grande defensor dos artistas e de um teatro nacional que pudesse comportar com respeito e seriedade o trabalho árduo e discriminado dos atores e atrizes nos fins do século XIX no Rio de Janeiro.

Seus diálogos deslizam nas falas de atrizes e de atores que, atualmente, se debruçam sobre sua obra teatral, até mesmo quando se trata de um simples exercício de leitura dramatizada. Escreve de forma honesta e corajosa, principalmente, no que tange à sua função como dramaturgo de comédias.

O autor responde a inúmeras críticas que recebe em relação ao seu trabalho, defendendo- se a respeito da paródia de sua autoria e que obteve sucesso de público-, A Filha de Maria Angu. No que se refere à paródia da peça de Charles Lecocq, La fille de Madame Angot. Entretanto, esse fato não pode ser considerado como negativo, se tomarmos o conceito de intertextualidade. Conforme bem afirmou Silviano Santiago, em seu famoso ensaio Eça, autor de Madame Bovary, a obra que dialoga com a sua precursora suplementa – com a crítica à modernidade- as obras canônicas já consagradas. (SANTIAGO, 1978, p. 65). O autor Arthur Azevedo narra o seu processo de criação de A Filha de Maria Angu:

Escrevi A Filha de Maria Angu por desfastio, sem intenção de exibi-la em nenhum teatro. Depois de pronta, mostrei-a a Visconde Coaracy, e este pediu- me que lha confiasse, e por sua alta recreação leu-a a dois empresários que disputaram ambos o manuscrito. Venceu Jacinto Heller, que a pôs em cena. O público não foi da opinião do Sr. Cardoso da Mota, isto é, não a achou desgraciosa: aplaudiu-a cem vezes seguidas, e eu que não tinha nenhuma veleidade de autor dramático embolsei alguns contos de réis, que nenhum mal fizeram a mim, nem à arte. Pobre, paupérrimo, e com encargos de família, tinha o meu destino naturalmente traçado pelo êxito da peça; entretanto, procurei fugir-lhe. Escrevi uma comédia literária, A Almanjarra, em que não havia monólogos, nem apartes, e essa comédia esperou quatorze anos para ser representada;(...)Em resumo: todas as vezes que tentei fazer teatro sério, em paga só recebi apodos, injustiças e tudo isso a seco; ao passo que, enveredando pela bambochata, não me faltaram elogios, festas, aplausos e proventos.(...)Eu, por mim, francamente o confesso, prefiro uma paródia bem feita e engraçada a Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 55 de 152

todos os dramalhões pantafaçudos e mal escritos, em que se castiga o vício e premia a virtude.( grifos nossos) (AZEVEDO apud RUIZ,1988, p.64-65).

Artur Azevedo, mesmo obtendo o reconhecimento do público da época, como escritor de revistas e comédias, ainda se ressentia pelo fato de não ter alcançado o sucesso com o que ele mesmo denominava de “teatro sério”. Embora o autor não fosse carioca, chega ao Rio de Janeiro proveniente do estado do Maranhão ainda jovem e trabalha como jornalista, mas sem dúvida é por meio do teatro que Artur Azevedo contribui de forma vigorosa com o cenário cultural carioca do fim do século XIX. Revela-se em muitas de suas obras teatrais valorosas características do cotidiano da belle époque carioca, como afirma Antônio Martins Araújo:

O seu teatro, todavia, nos mostrará principalmente, com riqueza de pormenores e muita verve, como vivia a geração da “belle époque” fluminense, suas fraquezas e heroísmos, suas preferências e ojerizas, suas diversões e medos, enfim, todo um painel humano, cuja vida nos ensinará a melhor compreender e amar esta bela cidade tal como ela foi até princípios do século que está prestes a apagar-se. (AZEVEDO, 1983, p. /sn)

Nesse sentido, selecionamos como fonte de análise e reflexão a obra A Capital Federal, tal propósito nos estimula a refletir sobre as relações cotidianas dos personagens da cidade do Rio de Janeiro, então capital federal, expressas no texto teatral do autor maranhense, no que tange principalmente aos aspectos do que denominamos aqui de deslocamentos culturais intangíveis. Tais relações são recortadas em fragmentos do texto que categorizam as temáticas apresentadas aqui para discussão. Compreende-se a limitação de tal empreitada e os desafios apresentados tendo em vista que a perspectiva de análise não se coaduna com aspectos “arqueológicos” no sentido de reconstrução de um passado perdido a partir de aspectos revelados no texto teatral. Trata-se de um olhar/ intervenção instalado no presente e apontado para um fim de século marcado por profundas transformações urbanas, científicas e culturais como foi o século XIX no Brasil e no Mundo.

Uma Mirada na Capital Federal

Considerada por Orna Messer Levin como uma “revista modelo”, a Capital Federal de Artur Azevedo, “fixou em definitivo o gênero musicado no Brasil”, (AZEVEDO, 2009, p.15). Todavia a peça está longe de se identificar plenamente com as características de uma revista de ano, cujo aspecto marcante é justamente a apresentação de cunho crítico de acontecimentos cotidianos da política e da sociedade apresentados no ano seguinte em que ocorrem os fatos, encenados com humor e música. Se não podemos considerar a Capital Federal como uma revista stricto sensu, há que se observar que Artur Azevedo a intitulou como “comédia opereta de costumes brasileiros”, mas é possível encontrar na coluna Theatros do jornal A Notícia assinada por Arthur Azevedo a caracterização da obra em tela como uma “burleta de costumes”, o que segundo Décio de Almeida Prado se caracteriza por ser “a um só tempo da comédia de costumes, da opereta, da revista, e até, com relação a certos efeitos cenográficos, da mágica” (p. 148).

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Figura 1 Jornal A Notícia, 11/02/1897-p.3. Fonte: Acervo da FBN

Figura 2 Jornal A Notícia 14/02/1897, p. 4. Fonte: Acervo da FBN

Na Capital Federal, estão presentes as críticas tanto sobre as condições de habitação como de transporte urbano da cidade do Rio de janeiro da última metade do século XIX, além da descrição de características específicas de tipos brasileiros. Tais aspectos são tratados com musicalidade e humor durante toda a peça, no entanto, a obra é caracterizada como Comedia Opereta de Costumes e não como revista. O texto, escrito em três atos e doze quadros, foi representado pela primeira vez no teatro recreio dramático no Rio de Janeiro em 9 de fevereiro de 1873.

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O texto teatral aqui discutido é proveniente da coleção Clássicos do Teatro Brasileiro tomo IV, Teatro de Artur Azevedo publicado pela INACEN/ MINC edição de 1987. São cerca de 30 personagens interpretados por 24 atores em ações que se iniciam no vestíbulo do “Grande Hotel da Capital Federal” situado no Rio de Janeiro no fim do século XIX e se deslocam em diversos espaços exteriores e interiores além desse Hotel. Destacam-se no texto os seguintes espaços: entre a zona portuária da cidade e a região mais central, a saber: Largo da Carioca; Bonde Elétrico de Santa Tereza; Largo de São Francisco, Rua do Ouvidor, etc., e espaços interiores como saleta, corredor, agencia de alugar casas. Na cena I que se passa no vestíbulo do Hotel, o espaço é apresentado por meio de um coro e em versos fazendo referência ao modelo francês de hotéis na cidade de Paris. Da cena I a cena VIII o autor apresenta tipos específicos: por meio dos personagens, o carioca, o jogador, a cocote/ estrangeira espanhola, o fazendeiro, a moça de família, a criança, a mulata, a mãe de família, etc. Os personagens não se caracterizam estritamente como “máscaras” ou “alegorias”, no entanto tangenciam uma tipologia característica e recorrente no cenário de outras peças de Azevedo.

O primeiro ato é composto por quatro quadros que correspondem a mudança dos cenários, o ambiente onde se passa a ação; respectivamente o vestíbulo do hotel no primeiro quadro, o corredor de uma agência de alugar casas no segundo quadro, o Largo da Carioca no terceiro quadro e a passagem do Bonde Elétrico de Santa Tereza sobre os Arcos da Lapa no quarto e último quadro. Vale ressaltar que o hotel personifica a expressão da modernidade, conforme o discurso do seu Gerente:

O Gerente (Só) - Não há mãos a medir! Pudera! Se nunca houve no Rio de Janeiro um Hotel assim! Serviço elétrico de primeira ordem! Cozinha esplêndida, música de câmara durante as refeições da mesa-redonda! Um relógio pneumático em cada aposento! Banhos frios e quentes, duchas, sala de natação, ginástica e massagem! Grande salão com um plafond pintado pelos nossomeiros artistas! Enfim, uma verdadeira novidade! - Antes de nos estabelecermos aqui, era uma vergonha! Havia hotéis em S. Paulo superiores aos melhores do Rio de Janeiro! Mas em boa hora foi organizada a Companhia do Grande Hotel da Capital Federal, que dotou essa cidade com um melhoramento tão reclamado! E o caso é que a empresa está dando ótimos dividendos e as ações andam por empenhos!

Cada quadro é composto por cenas que determinam os acontecimentos por meio de diálogos em prosa e em versos, individuais e em coro, recheados por canções. O primeiro quadro se organiza em dez cenas em que são apresentados os principais personagens assim como as principais tramas que se desenvolverão no decorrer da peça. No quadro dois, compostos por seis cenas apresenta-se a temática da moradia e de práticas cotidianas para lidar com as características urbanas do Rio de Janeiro do século XIX, então Capital Federal.

Anuncia-se também as relações sociais de gênero e raça presentes na sociedade da época, ou seja, as distinções nas relações entre a família tradicional e as relações extraconjugais entre mulatas, profissionais do sexo, homens casados e agenciadores. No quadro três, que se passa no Largo da Carioca, apresenta-se ainda certa crítica urbana em relação ao principal meio de transporte o Bonde Elétrico. Nesse quadro, composto por cinco cenas, os principais conflitos se materializam e os quiproquós se apresentam ao espectador. O último quadro é composto apenas por uma pequena cena em que o personagem Eusébio diz: “Oh! a Capitá Federá! a Capitá Federá!...” (AZEVEDO,1983, p.349). O fazendeiro do interior exclama sua admiração acerca das belezas do Rio de Janeiro de então, ao mesmo tempo em que se surpreende com os atropelos que encontra em sua conjuntura urbana. Essa frase simples, dita por um forasteiro encerra o primeiro ato da peça, convidando o espectador ao desenrolar das confusões e enganos nos próximos dois atos.

No segundo ato observamos a composição de três quadros que se caracterizam por dois ambientes específicos. O primeiro quadro que abre o ato se passa no Largo do São Francisco e os dois últimos quadros se apresentam no interior da moradia da personagem denominada Lola, sendo o primeiro quadro caracterizado por um ambiente mais reservado e outro por um grande salão de Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 58 de 152 festas. As primeiras sete cenas do quadro que abre o ato apresentam as mudanças sofridas pela personagem Benvinda (caracterizada como mulata pelo autor) após seu envolvimento com Figueiredo seu mantenedor. Nos dois últimos quadros desenvolvidos em treze cenas desenrola-se as artimanhas da personagem Lola para conquistar o fazendeiro vindo do interior, Eusébio, utilizando-se como pano de fundo sua festa de aniversário em que comparecem outros personagens da peça que reforçam a hipocrisia e o cinismo da sociedade carioca do período

O terceiro ato se constitui pelo desfecho das tramas que são armadas nos dois atos anteriores e se estrutura em cinco quadros: dois interiores, a Rua do Ouvidor e o as pistas de corrida de bicicleta. Basicamente neste ato o autor finaliza os desvios morais dos personagens com uma apologia à vida no interior, apresentando a perspectiva da influência do meio ambiente social na conduta humana, ao mesmo tempo em que idealiza a virtude feminina por meio das ações da mãe de família, que perdoa as aventuras do marido desviado pelas tentações urbanas.

A peça apresenta estrutura que tangencia aspectos morais se caracterizando pela exposição de costumes de época com personagens característicos de uma determinada sociedade no caso a vida urbana carioca dos fins do século XIX. Assim como a crítica social está presente em vários pontos do texto também um cunho moral se revela em várias cenas produzindo comparações entre a vida urbana e a vida rural por meio das ações e valores dos personagens.

Deslocamentos e Táticas na Cidade

O problema de moradia na cidade do rio de janeiro é descrito na peça de Artur Azevedo localizando-se as principais ações em torno da região central e da zona portuária do Rio de Janeiro, espaços físicos como o Largo da Carioca, o Largo de São Francisco, Praia Formosa, e a famosa rua do Ouvidor são citados pelo autor maranhense como cenários típicos do cotidiano de personagens que se deslocam na então capital federal. Atesta-se em diálogos os custos do que seria morar na capital, assim como as condições insalubres da cidade e seus “mosquitos de ocasião”:

O proprietário – Um sobrado com três janelas de peitoril. Os baixos estão ocupados por um açougue. Mota e Figueiredo – Xi! A senhora – Deve haver muito mosquito! O proprietário – Mosquitos há em toda a parte. Sala, três quartos, sala de jantar, despensa, cozinha, latrina na cozinha, água, gás, quintal, tanque de lavar e galinheiro. A senhora – Não tem banheiro? O proprietário – Terá, se o inquilino o fizer. A casa foi pintada e forrada há dez anos; está muito suja. Aluguel, duzentos e cinquenta mil réis por mês. Carta de fiança passada por negociante matriculado, trezentos mil réis de posse e contrato por três anos. O imposto predial e de pena d’água é pago pelo inquilino. (AZEVEDO, 1987, p.335).

Num artigo sobre o mercado de trabalho e ocupações no Rio de Janeiro de 1870 a 1888, Lucimar Felisberto do Santos citando Eulália lobo e Eduardo Stotz afirma que, de acordo com os autores, nesse período as condições de moradia da população carioca se dividiam entre “cortiços, estalagens, casas de cômodo, pensões e hospedarias nas freguesias centrais”. (LOBO & STOTZ apud SANTOS, 2009, p. 239-269). A autora desenvolve sua pesquisa a partir de anúncios de classificados do Jornal do Comércio discutindo a estrutura das relações de trabalho e as questões econômicas em relação as condições de vida e trabalho na cidade. Observa-se como as possibilidades de existência diante de uma sociedade em transformação, principalmente pelo processo gradativo de abolição da escravatura, geram práticas cotidianas e invenções de acomodação nos períodos de transição. Tal aspecto, mesmo sendo tratado pelo autor do texto da Capital Federal de uma forma descompromissada, mostra a personagem Benvinda uma mulata descrita como objeto de consumo sexual numa sociedade ainda pouco afeita a liberdade dos negros. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 59 de 152

Benvinda não se vitimiza em relação a obtenção de sua liberdade, porém, em contrapartida assume o papel de objeto de consumo, alimentando o imaginário da mulata como objeto de fantasias e desejos sexuais dos trópicos. Mesmo assim, inventa táticas de existência para obter sua liberdade quando chega à cidade:

Benvinda (Aproximando-se com uma pequena trouxa na mão.) — Aqui estou. Figueiredo (Disfarçando a olhar para o céu.) — Disfarça, meu bem. (Pausa.) — Estás pronta a acompanhar-me? Benvinda (Disfarçando e olhando também para o céu.) — Sim, sinhô, mas eu quero sabê se é verdade o que o sinhô disse na sua carta... Figueiredo (Disfarçando por ver um conhecido que passa e o cumprimenta.) — Como passam todos lá por casa? As senhoras estão boas? Benvinda (Compreendendo.) — Boas, muito obrigado... Sinhá Miloca é que tem andado com enxaqueca. Figueiredo (À parte.) — Fala mal, mas é inteligente. Benvinda — O sinhô me dá memo casa pra mim morá? Figueiredo — Uma casa muito chique, muito bem mobiliada, e uns vestidos muito bonitos. (Passa outro conhecido. O mesmo jogo de cena.) — Mas por que esta demora com a minha roupa lavada? Benvinda — É porque choveu munto... não se pôde corá... (Outro tom.) Não me fartará nada? Figueiredo — Nada! Não te faltará nada! Mas aqui não podemos ficar. Passa muita gente conhecida, e eu não quero que me vejam contigo enquanto não tiveres outra encadernação. Acompanha-me e toma o mesmo bonde que eu. (Vai se afastando pela direita e Benvinda também.) Espera um pouco, para não darmos na vista. (Passa um conhecido.) Adeus, hein? Lembranças à Baronesa. Benvinda — Sim, sinhô, farei presente. (Figueiredo afasta-se, disfarçando, e desaparece pela direita. Durante a fala que se segue, Rodrigues pouco a pouco se aproxima de Benvinda.) Ora! Isto sempre deve sê mió que aquela vida enjoada lá da roça! Ah! seu Borge! seu Borge! Você abusou porque era feitô lá da fazenda; fez o que fez e me prometeu casamento.... Mas casará ou não? Sinhá e nhanhã ondem ficá danada.... Pois que fique! Quero a minha liberdade! (AZEVEDO, 1987, p.355).

Constata-se por outro lado, como no cotidiano inventam-se formas de lidar com os processos instituídos socialmente, pois: "O cotidiano se inventa com mil maneiras de caça não autorizada. ” (DE CERTEAU, 2003, p.42). Nesse sentido, a personagem Benvinda vislumbra o convite de figueiredo como uma possibilidade de alternância entre uma situação de subjugação, vivida com a família interiorana, para a subjugação sexual que viveria com Figueiredo, para a ela, a liberdade seria exercida a partir de um jogo em que, trocas de favores funcionaria como tática de escape à condição de mulher negra no contexto do século XIX.

Assim, o contexto em que se apresenta Benvinda revela claramente as dualidades apresentadas pelo autor no texto. Trata-se de acreditar numa sociedade urbana que se consome em corrupção e decadência e apenas a vida no campo apresentaria uma pureza e salvação para o país, tendo em vista que a capital jaz corrompida. A modernidade caracterizada na peça pela urbanização da cidade também revela dualidades, ou seja, o bem e o mal; o certo e o errado; o corrupto e o honesto, o moral e o imoral, trazendo à tona a angústia dos “fins e começos”.

Estados de destruição e permanência que atingem as subjetividades em trânsito. Em outras palavras, o que estará além? Se o que reconhecemos hoje se desconstrói e o passado com suas Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 60 de 152

“permanências” não nos cabe mais. O presente é dinâmico e já faz parte do passado, produz transformações desconcertantes e lugares transitórios nas Instituições Sociais.

O texto de teatro ocupa um lugar entre o passado e o presente, entre a ficção e a realidade entre fins e começos, nos provocando a compartilhar as incertezas de todas as épocas que transitam nas pontas. Tais aspectos nos remetem a própria condição desse início de século XXI e nossa relação com a cidade do Rio de Janeiro, com a vida urbana. O desmonte das dualidades e identidades fixas, a desconstrução de uma determinada sociedade com suas instituições anteriormente pautadas entre ou isto ou aquilo, fazem parte de nosso cotidiano e da relação que estabelecemos com a vida que vivemos nos espaços, conosco e com os outros. A emergência de forças conservadoras anteriormente adormecidas nos confundem, como se fosse possível um retorno, uma falsa sensação da volta, do retrocesso. A necessidade de definições fixas e do reconhecimento do já vivido se apresenta para muitos como uma tábua de salvação, ou melhor, o retorno para uma “vida legítima”, isto é, a volta para o campo em busca da honestidade e da pureza perdida.

Eusébio — Quem não sabe é como quem não vê. (Alto.) A vida da capitá não se fez para nós... E quem tem isso?... É na roça, é no campo, é no sertão, é na lavoura que está a vida e o progresso da nossa querida Pátria! (Mutação.) (AZEVEDO, 1987, p. 400).

Assim, na cena final se dá a apoteose, ou seja, a invocação utilizada no teatro de revista e nas burletas, com a finalidade de exaltar um assunto específico no término de cada ato, porém, nesse caso, o dramaturgo a utilizou no quadro final de A Capital Federal, para celebrar as benesses da vida rural, onde não há “ o micróbio da pândega.”

Algumas Considerações

Os momentos de trânsito nos remetem as ineficácias das localizações fixas e previsíveis. Como se fosse possível prever o que se processa no campo das subjetividades e das relações na vida cotidiana. O olhar para a cidade num outro fim de século não se processa como um binóculo nostálgico mirando um tempo bom que já passou, ou mesmo sentir saudades de uma certa cidade que era boa e já morreu. Trata-se de encontrar uma forma produtiva de dialogar com o tempo.

O olhar lançado pelas pesquisadoras para o cotidiano no Rio de janeiro do século XIX, por meio da ficção de uma obra de teatro, nos instiga a pensar a vida que se vive como uma ficção. Em outras palavras, consideramos as positividades, as produções oriundas dessa experiência. Trata-se, antes de tudo, de um ato de aprendizagem, despertando em nós a capacidade inventiva, produtiva de lidar com a realidade que se processa enquanto vivemos nela. Compreender o mundo, a cidade e os homens em relação é como uma dança dinâmica e improvisada, pois possibilita que os movimentos em construção que povoam as dimensões intangíveis possam ser potencializados nos diversos campos das práticas sociais, não só da pesquisa na perspectiva mais estrita, mas também do saber da arte, um saber com mais sabor como nos diz Barthes, significa tocar a vida em toda a sua potência não aprisionando objetos de análise como coisas mortas ou trancadas nas tumbas do passado.

O “além” não é nem um novo horizonte, nem um abandono do passado...Inícios e fins podem ser os mitos de sustentação dos anos no meio do século, mas, neste fin de siècle, encontramo-nos no momento de trânsito em que espaço e tempo se cruzam para produzir figuras complexas de diferença e identidade, passado e presente, interior e exterior, inclusão e exclusão. Isso porque há uma sensação de desorientação, um distúrbio de direção, no “além”: um movimento exploratório incessante, que o termo francês au-delà capta tão bem – aqui e lá, de todos os lados, fort/da, para lá e para cá, para frente e para trás. (BHABHA, 2005, p.19)

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ANÁLISE DO SISTEMA DE FRANCHISING DA EVA BAG & SHOES: PERCEPÇÕES DA RELAÇÃO ENTRE O FRANQUEADOR E OS FRANQUEADOS

Antônia Maria Siqueira Anjos Kettrin Farias Bem Maracajá29

Resumo

O sistema de franchising é uma forma de expansão muito utilizada pelas empresas, nas quais o empreendedorismo é adotado como uma ferramenta, contribuindo nas melhorias e no desempenho dos negócios. Dependendo da postura (empreendedora, empresário e empregado), torna-se relativo o grau de envolvimento e de ações possíveis para se mensurar o seu desempenho na franquia. Desse modo, os elementos norteadores para esse estudo, partiu das características adotadas pelos franqueados e da relação com o franqueador para se obter o objetivo da pesquisa que é: analisar a influência da postura comportamental dos franqueados em relação ao franqueador para o sucesso do sistema de franchising da rede de franquias do ramo calçadista Eva Bag & Shoes. A parte empírica do estudo foi realizada através de uma entrevista semiestruturada com a Sócia Diretora Administrativa, através de um roteiro elaborado pelo pesquisador Rodrigues (1998), como também foi realizado a aplicação de questionários aos franqueados da franquia em estudo. Concluiu-se através da análise aplicada desses roteiros que o bom relacionamento entre franqueador e franqueado é o que mais impacta no desempenho da franquia, até mesmo do que a postura comportamental do franqueado. Palavras-chave: Sistema franchising. Empreendedorismo. Relação Franqueador e Franqueado. Postura Comportamental.

Abstract The franchise system is a way of expanding widely used by companies in which entrepreneurship is adopted as a tool, contributing in the improvement and business performance. Depending on the position (entrepreneur, manager and employee), it is concerning the degree of involvement and possible actions to measure its performance in the franchise. Thus, the guiding elements for this study, set out the characteristics adopted by franchisees and the relationship with the franchisor to obtain the objective of the research is: to analyze the influence of behavioral stance of franchisees against the franchisor for the success of the system franchise chain of franchising in the footwear industry Eva Bag & Shoes. The empirical part of the study was carried out through a semi- structured interview with the Partner Managing Director, through a script prepared by the researcher Rodrigues (1998), as was done applying questionnaires to franchisees of the franchise under study. It was concluded through analysis applied these scripts that the good relationship between franchisor and franchisee is what most impacts the performance of the franchise, even than the behavioral attitude of the franchise. Keywords: Franchising system, Entrepreneurship, Franchisor and Franchisee relationship, Behavioral posture.

Introdução

O tema empreendedorismo e o franchising tem sido palco de discussões ao longo dos últimos anos e, atualmente, é uma questão obrigatória quando se fala em expansão e desenvolvimento em qualquer cenário. A preocupação em criar algo se torna cada vez maior, uma

29 Profª Drª do curso de Administração, UFCG

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 63 de 152 vez que se torna cada vez mais difícil a consolidação de novos assuntos, objetos, processos, métodos, conhecimentos, tecnologia, etc., serem idealizados. É neste contexto, que a franchising tem sido amplamente estudada em função de suas contribuições ao processo de desenvolvimento em tendências mercadológicas. Há muito o conceito de empreender é conhecido, mas desde o início do século XX, quando Joseph Alois Schumpeter estabeleceu uma relação entre empreendedorismo e desenvolvimento econômico, que o tema tem sido objeto de estudo e parte de uma teoria de desenvolvimento econômico.

É na implantação de novos conceitos em empreender, que as organizações têm buscado diferentes formas de administrar a gestão organizacional mediante as novas exigências emergentes do mercado, buscando enfrentar as adversidades políticas, econômicas e sociais. A maior conquista e tendência dos negócios tem sido a busca por parcerias, abrangendo diversos seguimentos, com componentes e interesses em comum, confirmando cada vez mais a competição e cooperação das empresas, originando novos sistemas empresariais em rede, que é a franchising.

O aprofundamento do entendimento, do que é o sistema de franchising, e como são estabelecidas e vivenciadas as relações e parcerias encontradas neste, é desenvolvido através da formação dos negócios, e que vem adquirindo força na economia e nas relações envolvidas. A formação das características e posturas comportamentais é a base inicial da pesquisa, e foi desenvolvida, através do questionário adaptado de Rodrigues (1998), utilizado para descrever e ainda, como analisar os procedimentos da relação entre franqueador e franqueado, em um sistema de franchising, estabelecida no segmento de industrialização em calçados bolsas e acessórios femininos, tendo atualmente seis franqueados, que se identificam pela mesma meta em expansão, gerando emprego, renda e garantindo a sua existência no mercado.

De acordo com Schumpeter, (1982), o que faz com que uma empresa esteja no mercado é sua constante capacidade de modificação de destruição das velhas ideias, incorporando novidades que ocupem o espaço das anteriores, por meio da chamada destruição criativa.

Os sistemas de franchising precisam se enquadrar num cenário que é bastante exigente para se manterem competitivas ao ponto de estarem inseridas e serem cotadas pelo mercado. Outrossim, a justificativa na realização desse estudo e de seus fatores-chave, é em função das variáveis, e bem como, no envolvimento destes que é relação entre franqueador e franqueado que são os agentes importantes no processo. Devendo ainda ser considerado no sistema de franchising, o comum acordo em colaboração com contrato, fundador de muitas premissas geradoras dos conflitos no sistema e que são elementos intrínsecos ao modelo (MAURO, 1999; COHEN E SILVA, 2000; RODRIGUES, 1998).

Para o franqueado obter a receptividade positiva comportamental, o franqueador deve buscar um posicionamento positivo em um exemplo modelo de vendas, e colaborar com a gestão da franquia de maneira que possa aprimorar e evoluir na gestão empresarial, pois essas são algumas das obrigações para se manter uma gestão de sucesso para a franquia.

Deste modo, as exigências em busca de um bom desempenho, tanto financeiro como comportamental, dentro do sistema de franquias, para as duas partes, evidencia-se os como principais elementos que são: relacionamento franqueador e franqueado, postura comportamental e desempenho, e os resultados obtidos nessa relação, são considerados como os principais fatores no desempenho da franquia. A partir destas variáveis, surge a questão norteadora para este estudo:

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Diante da estrutura do sistema de franchising qual é a postura comportamental adotada pelos franqueados na relação com o franqueador?

Referencial teórico

O entendimento existente sobre o sistema de franchising e seus efeitos sobre o desenvolvimento e desempenho das empresas são ainda limitados. É através da busca por uma maior compreensão de atuação desse sistema que levanta as possibilidades de estudos mais aprofundados nos dias atuais. A realização deste trabalho se baseia na contribuição tanto na literatura nacional como internacional, buscando-se, dessa forma, contribuir para a melhor compreensão do tema, e levar os gestores das organizações em geral a refletir sobre a franchising e sua influência, e qual a importância das características para a competitividade e desempenho da rede.

Desta forma, o tema sistemas de franchising na empresa EVA BAG & SHOES tornam-se relevantes na medida em que o ambiente das empresas está sendo remodelado pela exigência da inserção de novos processos ou produtos, ocasionando em mudanças e a necessidade de se identificar a capacidade obtidas através das relações entre os integrantes que compõem a franquia têm de inovarem. É notório a complexidade que abrange quanto a esses temas, e, portanto, torna-se necessário utilizar um método ou modelos que analisem essa capacidade, a fim de identificar se a relação e as ações entre os agentes envolvidos podem contribuir para o crescimento e estabilidade na franquia pesquisada. Sendo assim, a condução do presente trabalho é justificada por utilizar um modelo de pesquisa capaz de verificar qual é a postura adotada pelo franqueado e franqueador que irá encaminhar definição de qual é a postura ideal entre (empreendedor, empresário e empregado) identificar, a que melhor contribui desempenho da franquia estudada.

A escolha do sistema de franchising se deu ao fato da persistência do franqueador em construir seu crescimento baseado nessa edificação e conhecimento das relações dos integrantes em que a perspectiva de crescimento é diferenciada para cada um franqueado. O tema da pesquisa torna-se relevantes na medida em que o ambiente das empresas está sendo remodelado pela exigência da inserção de novos processos ou produtos, ocasionando mudanças e a necessidade de se identificar a capacidade que as empresas tem de empreender e cooperar em uma rede específica.

Assim sendo, a franquia da EVA BAG & SHOES tem abrangido espaço nos negócios através da capacidade empreendedora e dos seus colaboradores que integram de forma fortalecedora o seu mercado. Determinado os fatores fundamentais para o conhecimento do sistema empresarial utilizado pela franquia da EVA BAG & SHOES e de suas estratégias empreendedoras. Para tanto, a pretensão deste trabalho é verificar a relação existente nas variáveis que são: postura comportamental, relacionamento e desempenho. Esses são essenciais para mensurar o desempenho tanto do franqueador, como do franqueado na franquia estudada.

Métodos e procedimentos de pesquisas

Quanto à abordagem esta pesquisa é classificada como descritiva e qualitativa. É provável a contribuição no seu entendimento e contribuir estimulando os entrevistados para responderem livremente sobre a postura comportamental adotada pelos franqueados e o relacionamento que estes mantêm com o seu franqueador, demonstrando o tipo de variável utilizada para pesquisa (empreendedor, empresário e funcionário) à qual estes indivíduos se identificam e incorporam e que merecem total analises, e mais com o intuito maior na compreensão e explicação da dinâmica em franchising.

Dessa forma, a etapa qualitativa tem o objetivo de identificar teoricamente as características entre as posturas comportamentais adotadas pelos franqueados e o franqueador, onde verifica-se qual a postura predominante na relação entre os participantes e ainda podendo analisar a influência da postura comportamental no desempenho atual da franquia. A pesquisa pode ainda ser Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 65 de 152 classificada como um estudo de caso, pois faz um levantamento das práticas empreendedoras para o mercado atual de acordo com o modelo de Rodrigues (1998). Para um estudo de caso, segundo Silveira (2009), é preciso conhecer com profundidade como e o porquê de uma determinada situação que se supõe ser única em muitos aspectos, procurando ainda descobrir o que há de mais importante e característico na situação aplicada para o caso.

A parte empírica do estudo foi realizada através de uma entrevista semiestruturada, realizada através de um roteiro elaborado pelo pesquisador e com base na revisão de literatura, aplicada na primeira etapa, com o Diretor Administrativo da empresa em nome de Juliana Gonçalves Ribeiro, em observação não-participante ou seja sem interferências do pesquisador, e para aprofundamento de conhecimento da empresa, foi feita uma análise documental como forma de obter maior embasamento para a pesquisa com objetivo de entendimento macro da forma de trabalho da rede e dos elementos adotados para a abordagem aos franqueados, com base em um questionário formulado pelo autor Rodrigues (1998).

Na segunda etapa adotou como técnica central as entrevistas com os principais participantes da rede, os franqueados que estão em diferentes localidades, permitindo a constatação de variados ambientes e estratégias usadas com uma visão ampla do macro negócio. As entrevistas foram realizadas com um roteiro, elaborado com base na revisão de literatura, e ao final desta fase, as análises mais consistentes poderão ser realizadas e discutidas antes da apresentação das conclusões deste trabalho.

Através dessa metodologia foi possível responder à pergunta formulada como problema para esse artigo: Diante da estrutura dessa rede de franquia, como é a relação entre a postura comportamental adotada pelos franqueadores e o relacionamento existente com o franqueador. Com a junção dos três tipos de opções em comportamento sugeridas através do conceito do autor citado anteriormente, obtivemos com os relatos as seguintes hipóteses para a pesquisa.

Hipótese 1: Para o melhor desempenho da franquia, o franqueador que possui uma postura comportamental deve ser a empreendedora. Onde as características de um empreendedor é a viabilidade de incorporar e sugerir inovações e por possibilitar um trabalho de incentivo com mecanismos de melhoramentos para a franquia.

Hipótese 2: Franqueados que exibem uma postura comportamental empresário são os que mais favorecem no relacionamento com seus franqueadores. Com uma relação mais rígida, que sugere padrões a serem seguidos e conceitos financeiros definidos para o objetivo principal.

Hipótese 3: Franqueados com postura comportamental de empregado são os que adquirem melhor condições de relação com o franqueador. Na visão do franqueado e do empregado, o controle total é do franqueador pois a maioria das decisões partem do superior, tem visão extremamente limitada para emitir sua opinião, tem fortes indícios de submissão, tornando a relação de sempre servi ao outro.

A franquia escolhida possui seis unidades de franquias em funcionamento nas seguintes localidades: na cidade de Recife-PE (entrevistado 1), Assú-RN (entrevistado 2), Caicó-RN (entrevistado 3), João Pessoa-PB (entrevistado 4), Sousa-PB (entrevistado 5) e Esperança –PB (entrevistado 6). Outro critério levado em consideração foi o fato da consolidação da marca e por que é atuante no mercado de fabricação e vendas a vinte e três anos, ou seja, desde o ano de 1992, existente na cidade de Campina Grande, com os produtos da marca são produzidos em fábrica própria.

Análise e discussão dos dados

Para o franqueador esse formato é muito favorável, pois oferece mais liberdade para os franqueados, seja na escolha dos produtos que desejam vender, pois por estarem diferentes Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 66 de 152 localidades há uma variação de pedidos e de sugestão dos clientes e isso torna a relação entre franqueados e franqueador mais dinâmica, ou seja o franqueador atende a todos os franqueados com um diferencial do ponto de vista de localização e de demanda em vendas.

Há uma questão de total relevância na franquia e na relação, é de estar em constante atualização e renovação. A comunicação na gestão da rede é de extrema funcionalidade para que os negócios tenham continuidade, e cumprir os deveres demonstrando igualmente para todos os participantes quais são as estruturas fundamentais do negócio.

O franqueador é receptivo ao captar novas ideias, pois trabalha no desenvolvimento de campanhas e coleções, e é sempre bom poder ouvir as sugestões, isso é um ótimo feedback, contanto que, não fujam da concepção inicial da fábrica, do orçamento e do segmento do negócio. Nessa interação é o franqueador quem contribui e permite a participação de todos, cabendo a ele tomada da decisão final. É evidente que há alguns franqueados que demonstram mais interesse e opinam e valorizam o trabalho desenvolvido e se esses destacam diante dos outros, são mais receptivos a novas ideias, em contrapartida há franqueados que não emitem opinião, acatando as ideias e iniciativa dos outros na rede, é o que relata o entrevistado.

No momento de ingresso na franquia, o franqueador opta pela entrevista presencial, para que ele possa identificar e destacar o perfil e o histórico do selecionado. Indicando assim quais os pontos que devem ser relevantes para o desenvolvimento da franquia e destacando para o contrato que contém com as normas a serem seguidas e ainda dá dicas de como é o relacionamento com os outros participantes. Pois normalmente há dúvidas que precisam ser sanadas de imediato para não haver críticas futuras que é isso um dos indicadores geradores de conflito.

Na opinião do franqueador, mesmo havendo uma prévia identificação na seleção dos candidatos a franquia, existem aqueles que se desenvolvem e se identificam mais rápido. Porém é com um determinado tempo de atuação que o franqueado permite essa identificação com a rede, e por essa razão acredita que em sua rede existe sim os três perfis de franqueados: o empreendedor, o empresário e o empregado; isso mesmo obedecendo os critérios da seleção onde ela procura por profissionais com competências de gestão.

Independente do perfil, acredita-se que, quando o franqueado este está insatisfeito no relacionamento com franqueador, há possibilidades para que ele procure por outra atividade paralela a qual está desenvolvendo ou mesmo muda de foco, e diminuindo sua atenção. É esse tipo de mudança, que paralisa o desenvolvimento da rede. Para o franqueador é um tratamento e trabalho a mais para resgatar o franqueado que está afastado, e ainda ter de conter para que este não prejudique aqueles que estão empenhados em receber e dá o suporte necessário.

No desempenho da Rede o franqueador entrevistado relata que ainda não está totalmente satisfeito com o desempenho geral da rede “Pois precisa uma expansão maior na produção, na estrutura da fábrica para atender com mais precisão as demandas ocorridas de imediato” é um problema interno que acaba não favorecendo o desenvolvimento da forma desejada.

É um fator de bastante relevância para a rede, que busca lidar com dificuldades de estoques insuficientes para crescimento de pedidos e ainda ter de atender de forma igualitária para não ocorrer desabastecimento para algum franqueados. Esse controle depende de fatores externo como fornecedores e parcerias, então todas as lojas devem ter seus pedidos de produtos sincronizados com a fábrica.

O franqueador prioriza o tempo, que para produzir com rapidez e atender com a qualidade exigida é reconhecida como uma vantagem sobre a concorrência que não possui a fábrica próxima de seus distribuidores.

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Análise comportamental dos franqueados

Nesta etapa do trabalho foi desenvolvido por meio de um questionário elaborado por Rodrigues (1998). Com a intenção de aprofundar o entendimento sobre as diferentes posturas na relação entre o franqueador e franqueados e descrever a postura adotada e classificada pelas variáveis de empreendedor, empresário e empregado, e como é possível a colaboração destes para o desenvolvimento da franquia.

Fica nítido nos discursos qual é postura adotada pelos participantes na rede. No primeiro discurso o respondente quando diz que empreendedorismo tem sentido quando: “que um retorno de capital rápido, é um sonho realizado como se fosse uma meta cumprida com sucesso”.

Esse pensamento de retorno capital, meta é predominantemente empresarial, onde o que é competente é aquele que te dá um reembolso por algo e não por uma conquista pessoal bem- sucedida com o foco voltado para a oportunidade de buscar crescer e de inovar que é a direção no caso do discurso do perfil franqueador empreendedor quando diz que é possível transformar uma ideia em um negócio, foca em dedicação no que lhe faz bem, com uma visão de negócio, mas que se preocupa com o bem-estar ao redor. No discurso do empregado seguir regras, dever obediência é uma postura de quem segue por algo ou alguém, e está sempre à espera do que os outros impõe.

Por tanto percebe-se que todos os discursos são caracterizados com base na classificação de posturas comportamentais definidas por Rodrigues (1998). O empresário sendo aquele que sabe o que está fazendo e tem como objetivo em muitos casos o retorno financeiro, mas sem sair as regras de condução do negócio. O empregado visto como aquele que está sempre a servir e cumprir com as regras, metas que lhe são impostas.

O empreendedor que procura prosperar de forma concisa com a realidade, que busca por oportunidades e estar sempre inovando, mesmo com metas impostas se esforça para atingir tanto pela ordem pessoal como financeiro. Percebendo a necessidade de estar em constante atualização observamos o discurso do Franqueador Empresário.

Fica destacado que na postura empresarial que as garantias são prioridades para este franqueado, é pelo retorno em investir financeiramente em algo que retribua da mesma forma a qual se dedica, ou seja, deve manter-se sempre rentável, sendo controlado de forma objetiva, mas com satisfação pessoal em manter a qualidade de vida e de profissional. É categoricamente proposto por todos que participam de uma rede de franquia que é preciso obter formas de garantias e exigências para o negócio dar certo. Todos devem ter metas a serem compridas, todos adquirem experiência de alguma forma, todos enxergam uma forma de crescer. É o propósito de depositar confiança na relação entre franqueador e franqueado que torna a franquia eficaz, outro fator da decisão que é importantíssimo para o negócio.

Em destaque temos a seguinte ordem de premissas para cada uma das posturas citadas que são: “garantias e segurança”, “gasto em investimento”, “oportunidade de mais uma conquista”. Todas fazem melhor sentido quando unimos e observamos que uma premissa pode completar a outra. Consiste na integração de fatores obtidos para dar sustentação para o negócio prosperar. O primeiro fator é imprescindível pois trabalhar garantias e segurança é responsabilidade do franqueador desde o início para estabilidade e da procura por uma franquia. O vínculo de confiança nunca deve ser quebrado.

Considerando que na franquia da pesquisa é de cunho familiar que fazem parte desta rede e a relação deve ser mais profissional possível. Quando questionados os franqueados sobre o modo em que é conduzido o desenvolvimento da rede observamos a unanimidade de respostas declarando que sim, existe uma satisfação quanto a colaboração, assistência e sobre tudo a confiança e a garantia em que é prestado o serviço oferecido. Revelam que o franqueador conduz igualitariamente os negócios, desenvolvendo com sinceridade o crescimento da rede. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 68 de 152

Na maioria das respostas quanto ao assunto inovação, as respostas são mais diretas e precisas, isso garante um certo poder de diferenciar seus produtos da concorrência. Nesse modelo de franquia é oferecido uma grande quantidade de produtos elaborados com materiais de qualidade que seguem rígidos padrões de qualidade e por ter o dever de seguir as tendências mais atuais para esse segmento. O franqueador procura por satisfazer seus franqueados a cada coleção lançada, pois em cada localidade há diferentes públicos para atender e priorizam alguns produtos específicos que nunca saem de moda tentando inovar o que já foi inédito antes como por exemplo tem sandálias rasteiras que todos fazem pedido e nunca saem do catálogo, então para inovar o franqueador procura por utilizar novos materiais e acessórios para aquele modelo em especifico. É mais vantagem para ambas as partes pois certeza de lucratividade e um diferencial da concorrência.

A inovação dos produtos oferecidos torna a franquia competitiva para o franqueado empresário, enquanto para o empreendedor é a satisfação quanto ao produto inovador e para o de postura empregado o franqueador desempenha com autoridade e elogia a inovação adotada pela franquia. Diante das respostas podemos verificar que em nenhuma situação há discordância da assistência e da boa relação entre os envolvidos e é comprovado a adoção quanto cada nas suas posturas constatadas por Rodrigues (1998).

Alguns são mais discretos, é o caso do franqueado empresário, e em contrapartida há uma participação maior da postura empreendedora e isso comprova que não há diferenciação da proposta do autor do questionário. Para o da postura Empregado é evidente que ele cria barreiras imagináveis o que dificulta só para ele a participação, porém ele aproveita de certa forma o que os outros desenvolvem e o que repassado para ele através do franqueador.

Destaca-se a disponibilidade que o franqueador assume para todos de modo igual, ninguém usa do discurso de que não foi atendido em nenhum momento e isso é ponto positivo para o desenvolvimento na relação. Na entrevista com o franqueado de postura empregado destaca-se a característica predominante pela obediência ao superior.

Dificuldades todos possuem em algum momento, mesmo para aqueles de postura empreendedor que costuma estar sempre apto a novas ideias. Mas confere neste que há uma certa resistência nas decisões tomadas envolvendo a todos e que deve ser acatada por todos, e neste momento em que ele se sente prejudicado de alguma forma. Porem consegue reconhecer seus os erros com uma atitude transparente e que procura aprender até com o erro próprio, mostrando que é aberto para concertar qualquer desavença existente.

A possibilidade de entendimento da satisfação existente na relação é constatada com o trabalho elaborado em destacar questionamentos precisos com as duas partes envolvidas. E surge a partir do questionamento sobre o suporte oferecida pelo franqueador que é um dos indicadores de desempenho para a franquia, vejamos o que eles indicaram como resposta:

É uma adaptação que requer tempo e paciência para os envolvidos. Pois a experiência só é alcança com o tempo. E nenhum dos franqueados se sentem oprimidos em buscar auxilio, pelo contrário estão em busca de adquirir experiência contesta o franqueado empreendedor. Tentar obter satisfação no suporte e passar informações corretas para os clientes demonstra para os franqueados empresários e empregado o quanto o cliente é importante e isso só vem a somar no negócio. Na satisfação com seu próprio desempenho não é diferente nota-se a satisfação também.

Considerando o discurso destes é comprovado as diferenças que cada um tem quanto a avaliação deles próprios. A visão do empreendedor em programar para si suas melhorias a cada ano demonstra uma postura mais determinada e participativa. Para os outros participar é ter desempenho já determinado por simplesmente fazer o que está disposto sem um objetivo aparente ou mesmo uma meta a cumprir.

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Com as entrevistas conseguimos esclarecer de um modo geral, o quanto à postura comportamental adotada por cada integrante é executada, permitindo entender a razão pela qual escolheu esse tipo de franquia, qual é tipo de suporte, de colaboração, de responsabilidade, de desempenho existente, como é recebida e como é feita a troca as ideias, em todos esses fatores impactam no desempenho e na relação da franquia.

Destacamos como é identificado a postura do empregado, quando questionado ele respondia sempre com o conceito de obediência e seguindo todos os mandamentos do franqueador sem nunca contestar por nada. Enquanto aquele de postura empresário que está sempre demonstrando sua autoridade, de quem sabe o que faz, pois tem seus próprios padrões a seguir mesmo se mostrando comprometido com a franquia e tendo suas próprias cobranças.

Para aquele de postura empreendedora é notável que os objetivos são diferentes dos demais. Sempre mostrando interesse em adquirir novas ideias, se aproximando dos clientes, procurando crescer sempre através de metas impostas por ele e relacionando a marca como uma referência para atingir o desempenho mais adequado possível.

Na realidade o fator determinante para existir o empreendedor na franchising é pelo fato que todo indivíduo considera a franquia como um meio de empreender. Pois houve situações em que o franqueado de perfil empreendedor coincide com o perfil empresário, e em situações de negociação em este adquire mudanças de interesses, divergindo da sua postura inicial.

Portanto todas as comparações nas análises das respostas obtidas são totalmente relevantes para este capítulo da pesquisa.

Menciona-se ainda quanto ao posicionamento de cada entrevistado destacando -se a região atuante e a postura adotada da seguinte maneira a partir da teoria baseada em Rodrigues (1998): Entrevistado 1- Perfil Empresário Atuante na cidade Recife-PE; Entrevistado 2- Perfil Empreendedor Atuante na cidade Assú-RN; Entrevistado 3- Perfil Empreendedor Atuante na cidade Caicó-RN; Entrevistado 4- Perfil Empresário Atuante na cidade João Pessoa-PB; Entrevistado 5- Perfil Empreendedor Atuante na cidade Souza-PB; Entrevistado 6- Perfil Empregado Atuante na cidade Esperança-PB. Os resultados obtêm-se através dos fatores determinantes dispostos por: a realização profissional, a satisfação do desempenho profissional em absorver responsabilidades, a produção só para o próprio desenvolvimento, a colaboração a para o crescimento da franquia, a receptividade as mudanças, a concordância com as ideias do franqueador e a satisfação quanto a relação e o suporte oferecido pelo franqueador.

Considerações finais

A partir do desenvolvimento e da capacidade das discursões sobre o que é impactante na relação entre o franqueador e seus franqueados, é, entretanto, o objetivo proposto para o sucesso que essa relação venha a contribuir para o sistema em franquia, é visto como ponto de partida para mensurar os perfis adotados pelos franqueados. (Empreendedor, Empresário, Empregado) na rede estudada, através da performance do modelo estruturado por RODRIGUES (1998).

Com a entrevista semiestruturada possibilitou a verificação das características pertinentes em cada perfil. Notou-se que os franqueados de postura comportamental empreendedora são norteadores e impulsionados a empreender de qualquer maneira, o que leva a ter iniciativas que nem sempre é cativada por todos da rede, e resultando em desgaste e até mesmo em frustação.

No perfil empresário verifica-se com nitidez uma certa resistência a novas adaptações e tanto esse, como o de perfil empregado não tão absorve o que as novas demandas lhe trazem de benefícios. É possível que se estes integrantes fossem analisados e atuassem em outro tipo de Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 70 de 152 segmento eles tivessem mais êxito, onde não fosse determinante a inovação e comprometimento para expansão da rede.

Demonstram predominância nas críticas e se sentem prejudicados por não tomarem a atitude necessária, em ações simples mas que não demonstram como: divulgar nas redes sociais as novas campanhas, modificar o tipo de atendimento a determinados clientes personalizando e fidelizando, necessidade de reformar a loja para atender mais clientes, são exemplos comuns que para esses dois perfis (empresário e empregado) é extremamente mais complexo e exige do franqueador uma demanda de colaboração para ser realizado.

O perfil empregado é ainda mais passível, com esse tipo de atribuições, pois demonstra que o seu comprometimento é com o franqueado e esquece muitas vezes que faz parte de um sistema em rede, e deve trabalhar em conjunto e participando e não só obedecendo as regras, essas ações é para o franqueador mais uma peculiaridade de cada integrante. Isto ressalta que uma das funções de franqueador é fazer a comunicação transparente para melhor entendimento e benefício de todos. Foi observado que, com os diferentes perfis e comportamentos na relação, prevalece assim o fato do comprometimento e conseguindo seguir o padrão estabelecido pela franquia é inevitável para o sucesso.

Parte do comprometimento na gestão é exercida pelo franqueador que foi avaliado pela forma em que administra, recebe e compartilha. Este demonstrou que administra as críticas e conflitos da melhor forma para harmonização de todos os envolvidos. Procura ouvir e então decide juntamente com todos os integrantes. Conclui-se então que: o bom relacionamento entre franqueador e franqueado é o que mais impacta no desempenho da franquia, até mesmo do que a postura comportamental do franqueado. Esse dado foi igualmente relatado por todos os franqueados entrevistado que com relacionamento positivo prevalece na franquia, pois o franqueador busca esclarecer integralmente as ações e obtém com o sucesso como resultado.

Concluindo, Rodrigues (1998, p. 73), ressalta que o franqueador que tiver o privilégio de ter no seu grupo de franqueados, um pequeno subgrupo composto por empreendedores genuínos, devendo criar mecanismos que garantam a permanência do grupo no sistema, utilizando de todas as oportunidades por ele geradas, canalizando essas ideias para o crescimento e fortalecimento da rede e de todo o sistema. Então aquele que resiste as mudanças é provável que não estabeleça vínculos produtivos e comunicativos para o franqueador, ou seja não colabora com a produção do sistema e no crescimento do mesmo.

A franquia escolhida para esta pesquisa utiliza uma política de muita proximidade com o franqueado, é desta forma que estimula o envolvimento de crescimento da rede, e contribui ainda com esse método como o principal responsável pela alta satisfação dos franqueados. Onde o segmento em calçados, é determinado por vários fatores e um deles que é primordial é estar sempre atualizado e seguir os conceitos da moda no atual momento, que determinam através dos fatores em comunicação, econômicos e sociais. Para este trabalho são fatores limitadores pois foi utilizado uma franquia local e em apenas um segmento. E por ser limitado quanto a amostra, esse trabalho pode sugerir também um embasamento diferente e obter resultados diferentes em um outro tipo de segmento. Isso se utilizarmos uma amostra com elementos superiores ao deste trabalho. Ou poderia utilizar uma outra franquia do mesmo segmento para fazer as comparações e obter as conclusões adequadas ao tamanho da amostra.

Deste modo, além da contribuição nesse estudo sobre postura comportamental, da relação desta postura com o bom relacionamento e desempenho da franquia para melhor aprofundamento dessa questão que posteriormente possa ser feito um estudo de caso, utilizando os fatores produtivos, comunicativos e econômicos que determinam a relação que mais prevalece em uma franquia além é claro da postura comportamental.

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Portanto o estudo comprova que a utilização de medidas de manutenção, interação e apoio, dado aos franqueados é um meio pelo qual se obtém um bom relacionamento entre os participantes. Seja o indivíduo de postura comportamental empreendedor, empresário ou empregado, utilizando suas características predominantes e particularidades, que se diversificam, demonstrando o quanto uma influência de forma positiva no sistema de franquia. Então, respondendo à questão do trabalho elaborado e confirmando que é possível sim, obter uma relação entre postura comportamental adotada pelos franqueados com o franqueador, contribuindo no desempenho da franquia.

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O LIVRO DIDÁTICO DE BIOLOGIA E SUA ABORDAGEM QUANTO AO TEMA ALIMENTAÇÃO NO COLÉGIO CRIANÇA ESPERANÇA, PALMAS – TOCANTINS.

Aparecida Regina Gonçalves da Fonte30 Rodney Haulien Oliveira Viana31 Carolina Machado Rocha Busch Pereira32 Solange de Fátima Lolis33 Marcos Felipe Gonçalves Maia34

Resumo Trata do tema da alimentação nos livros didáticos. Objetiva compreender a abordagem da alimentação no livro didático de biologia utilizado pelo Colégio Criança Esperança de Palmas, Tocantins. Pauta-se por uma metodologia de pesquisa bibliográfica e documental. Destaca-se a importância da utilização adequada do livro didático em sala de aula, de forma a ser usado como uma ferramenta de ensino, e não para a simples reprodução; como também verificar a importância do cuidado ao escolher um livro, este que será o instrumento de suporte de conhecimento e métodos para o ensino para o professor. Palavras-chave: Ensino. Prática Docente. Nutrição.

Abstract Deals with the topic of food in textbooks. It aims to understand the feeding approach in the biology textbook used by the Colégio Criança Esperança, Palmas, Tocantins. It is guided by a bibliographical and documentary research. As results it is emphasized the importance of using the textbook appropriately in the classroom, so that it can be used as a teaching tool, not for simple reproduction, but also to verify the importance of choosing a book carefully. Keywords: Teaching. Teaching practice. Nutrition.

Introdução

A história da alimentação e da nutrição está intrinsecamente ligada ao próprio desenvolvimento da humanidade. Desde a pré-história, o homem sempre procurou localizar-se onde havia disponibilidade de alimentos e água. Através dos séculos, o instinto foi agregado às descobertas empíricas na escolha de alimentos, tornando o comportamento alimentar cada vez mais complexo, sendo determinado por uma gama de fatores nutricionais, demográficos, sociais, culturais, ambientais e psicológicos (TORAL SLATER, 2007).

A alimentação é uma parte integrante da vida cotidiana do ser humano e o ato de alimentar-se, embora possa parecer comum, envolve uma multiplicidade de aspectos que

30 Licenciada em Ciências Biológicas – Universidade Federal do Tocantins – UFT, Campus de Porto Nacional – TO. 31 2Doutor em Botânica – Universidade Federal de Viçosa – UFV. Docente do Curso de Ciências Biológicas– Universidade Federal do Tocantins – UFT. 32 3Doutora em Geografia Humana – Universidade de São Paulo – USP. Docente do Curso de Geografia e Programa de Pós-graduação em Geografia – Universidade Federal do Tocantins – UFT. 33 4Doutora em Ecologia de Ambientes Aquáticos Continentais – Ciências Ambientais – Universidade Estadual de Maringá – UEM. Docente do Curso de Ciências Biológicas e Programa de Pós-graduação em Biodiversidade, Ecologia e Conservação – Universidade Federal do Tocantins – UFT. 34 5Bacharel em Biblioteconomia pela Universidade de Brasília – UNB. Mestre em Educação pela Universidade Federal do Tocantins. Bibliotecário na Universidade Federal do Tocantins – UFT.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 73 de 152 influenciam a qualidade de vida do indivíduo, portanto o conhecimento sobre nutrição deve ser importante para promover hábitos alimentares saudáveis (ZANCUL, 2008).

É principalmente na infância que os hábitos alimentares são formados. Esses hábitos, que tendem a se manter ao longo da vida, são determinados principalmente por fatores fisiológicos, sócio-culturais e psicológicos (PESSA, 2008). A consideração de tais fatores é bastante relevante uma vez que a aquisição dos hábitos ocorre à medida que a criança cresce e vai até o momento em que ela própria escolhe os alimentos que farão parte da sua alimentação. Quando pequena, seu universo geralmente se restringe aos pais e a eles cabe determinar que alimentos devem ser ofertados à criança. À medida que passa a freqüentar a escola e a conviver com outras crianças, a criança conhecerá outros alimentos, outras preparações e outros hábitos. A preocupação com hábitos alimentares pouco saudáveis na infância e na adolescência não se restringe aos problemas causados nesta fase, mas também irá influenciar em sua manutenção na vida adulta (CTENAS; VITOLO, 1999). Os fatores externos interagem com as necessidades e características psicológicas, com a imagem corporal, com os valores e experiências pessoais e com as preferências alimentares (MELLO; LUFT; MEYER,2004).

No Guia Alimentar para População Brasileira, 2014, as recomendações gerais sobre a escolha de alimentos visam compor uma alimentação balanceada, saborosa, culturalmente apropriada e promotora de sistemas alimentares socialmente e ambientalmente sustentáveis.

Assim, instrumentos e estratégias de educação alimentar e nutricional devem apoiar pessoas, famílias e comunidades para que adotem práticas alimentares promotoras da saúde e para que compreendam os fatores determinantes dessas práticas, contribuindo para o fortalecimento dos sujeitos na busca de habilidades para tomar decisões e transformar a realidade, assim como para exigir o cumprimento do direito humano à alimentação adequada e saudável. É fundamental que ações de educação alimentar e nutricional sejam desenvolvidas por diversos setores, incluindo saúde, educação, desenvolvimento social, desenvolvimento agrário e habitação (BRASIL, 2014).

Considerando o tempo que o jovem passa na escola é maior, muitas vezes, do que aquele que ele passa em casa, a instituição de ensino tem uma influência cada vez mais abrangente na alimentação de seus alunos, seja por influência de professores, colegas ou outros meios de informação. Sendo assim, os professores podem desenvolver estratégias diferenciadas que despertem a atenção dos alunos para a importância da escolha alimentar. A escola, enquanto espaço de formação, constitui-se num ambiente integrador, promotor de meios que facilitem a inserção dos alunos na sociedade e o desenvolvimento desta, respeitando a cultura e a singularidade dos indivíduos (PIPITONE et al, 2003).

Nascimento e Martins (2009) afirmam que os Livros Didáticos (LDs) são os componentes que exercem papel determinante no trabalho dos professores. Segundo as autoras, os LDs são os elementos que norteiam o planejamento, a atualização do professor, a seleção dos conteúdos a se trabalhar junto aos estudantes e os modelos de avaliação reproduzidos em sala de aula. Lopes (2007) afirma que o LD é formulado muitas vezes como um guia curricular, servindo não apenas ao estudante, mas também para auxiliar o professor na preparação e condução das suas aulas.

Luchesi (2004) refere-se ao livro didático como um meio no qual os conteúdos estão ordenados, cabendo ao professor, assumir uma posição crítica frente ao que ali está exposto. Sendo assim o livro será um instrumento de auxílio do professor no processo de ensino e o auxiliar do aluno no processo de aprendizagem.

Diante do exposto, o objetivo deste estudo foi, a partir de uma revisão da literatura, compreender a abordagem da alimentação no livro didático de biologia utilizado pelo Colégio Criança Esperança de Palmas, Tocantins e apresentar sugestões de estratégias para aplicação do conteúdo de forma mais completa para maior aproveitamento ao público alvo, ou seja, aos adolescentes. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 74 de 152

Metodologia

Buscando aprofundar as questões suscitadas no Trabalho de Conclusão de Curso de Licenciatura em Biologia da Universidade Federal de Tocantins, o estudo trata-se de uma revisão do conteúdo sobre alimentação/nutrição do livro didático Biologia Hoje, de autoria de Sérgio Linhares e Fernando Gewandsznajder, adotado no Colégio Criança Esperança, Palmas- TO para o 1º ano do Ensino Médio, onde os dados foram analisados, utilizando uma abordagem qualitativa, que busca analisar e verificar do LD os conteúdos relevantes.

Para tanto, utilizaram-se dados que foram registrados nos formulários de avaliação, baseados no estudo de Vasconcelos e Souto (2003), sendo propostos os seguintes tópicos: conteúdo teórico, recursos visuais e informações complementares. Depois de realizadas as análises, passaram-se à escrita dos resultados e discussões apresentado no trabalho.

Para complementação dos dados empregou-se o roteiro adaptado previamente de um estudo realizado por Teixeira, Sigulen e Correa (2011), onde foram avaliados os conteúdos relacionados à nutrição contidos nos livros didáticos de biologia do ensino médio. Na análise desse estudo foi selecionado o conteúdo no qual abrange 16 variáveis consideradas de fundamental importância na promoção de hábitos alimentares saudáveis, considerando sua ausência ou presença. Sendo essas variáveis classificadas em 2 grupos:

Grupo 1: Variáveis consideradas essenciais para compreensão e aquisição de hábitos alimentares saudáveis: Carboidratos, proteínas, glicídios e lipídios, vitaminas, minerais, água, fibras, pirâmide alimentar e aleitamento materno.

Grupo 2: Variáveis que podem motivar as pessoas a mudar seus hábitos alimentares (doenças cardiovasculares, diabetes, obesidade, deficiência de vitamina A, deficiência de ácido fólico, anemia por deficiência de ferro e deficiência de iodo).

Resultado e discussão

Inicialmente, foi realizada a identificação do livro verificando os autores, a série do ensino médio a qual se destina o ano de publicação, a edição e se fez parte do Plano Nacional do Livro Didático (PNLD)35. O livro escolhido é de autoria de Sérgio Linhares e Fernando Gewandsznajder, se destina ao 1º ano do Ensino Médio, foi publicado em 2013, sendo analisada a 2ª edição a qual fazia parte do PNLD é o livro adotado pela escola há dois anos.

A partir disso, foi analisado o livro no conteúdo alimentação/nutrição, em relação a sua linearidade de conteúdos, fator que facilita sua utilização para a elaboração de aulas e planejamento de demais atividades escolares que serão desenvolvidas pelos educadores. Essa característica contribui fortemente para que as coleções didáticas sejam ferramentas para os docentes construírem suas aulas, pois facilita a organização do conteúdo a ser ministrado. É importante que os livros não sejam considerados como agentes determinantes de currículos, pois eles devem propiciar uma rica contextualização de conteúdos, assim como a aplicação de novas abordagens conceituais e metodológicas no ensino (VASCONCELOS; SOUTO, 2003). De acordo com essa questão, os LDs exercem papel fundamental para o processo educacional de modo geral, contribuindo para a melhoria da prática docente e para a aprendizagem dos alunos. Nesse sentido, os LDs são tidos como veículos capazes de transmitir ideias comportamentos e valores que devem ser ensinados em sala de aula. Sua importância é que, além de mediador de conceitos, ele é capaz de formar cidadãos

35 Essa política toma seu atual contorno a partir da década de 1990, mas sua origem pode ser identificada com a criação do Instituto Nacional do Livro em 1929 e seu efetivo funcionamento no Governo Vargas em 1934 com caráter de incentivo à leitura (DI GIORGI, 2014). Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 75 de 152 críticos-reflexivos e com maior desenvoltura para participar de discussões e problemas históricos, culturais e sociais (CORRÊA, 2000).

Ao realizar a análise em relação aos conteúdos teóricos, esses são trabalhados de forma igualitária quando comparados uns com os outros, alguns com uma introdução diferenciada, outros considerando a parte histórica e outros abordando atividades cotidianas. Os conteúdos são divididos em capítulos, onde cada um é trabalhado conforme o volume de conceitos envolvidos. Foi possível verificar que a classificação dos conteúdos está adequada à disposição de conteúdos tradicionalmente trabalhados no primeiro ano de ensino médio, porém não indicam articulação entre um e outro, estando separados em blocos para trabalho individual, aparentemente sem ligação.

Os recursos visuais são importantes para a assimilação do novo conhecimento ao que já está presente na estrutura cognitiva do indivíduo. Além disso, elas apresentam um forte apelo visual que desperta o interesse dos discentes, contribuindo para que o seu aprendizado seja mais rico em significados (SILVA, et. al, 2006). O Livro em questão aborda assuntos interessantes e demonstra uma apresentação adequada, porém há temas de difícil visibilidade e abstração, como a ação de vitaminas, proteínas, sais minerais no organismo humano, que contempla com imagens relacionadas ao tema como gráficos e fotos; como a função das ilustrações é tornar as informações mais claras e estimular a compreensão e a interação entre leitores e o texto científico é fundamental que os professores sejam capazes de selecionar os LDs que apresentam essas imagens e figuras de modo adequado, visando colaborar com o processo de formação de novos conceitos pelo aluno.

São definidos como recursos complementares ou adicionais os artifícios para facilitar e direcionar a interação entre o livro, os professores e alunos. Glossários, atlas ilustrativos, cadernos de exercícios, guias de atividades experimentais, complementam as necessidades do aluno, oferecendo novas oportunidades de exercitar o conhecimento em construção e proporcionando melhor compreensão das informações trabalhadas ao longo da obra (VASCONCELOS; SOUTO, 2003) Textos complementares podem garantir uma abordagem mais atualizada, uma vez que, em sua maioria, tratam de questões presentes de forma mais direta na realidade do aluno e que necessariamente não são contempladas pelos programas oficiais. Em Alimentação/Nutrição, tais conteúdos destacam-se por gerar a discussão em torno de problemas e/ou causados por excesso ou falta de calorias, de minerais presentes no organismo, diferentes tipos de proteínas, contribuição do estudo das moléculas da vida em outras áreas do conhecimento, entre outros enfoques tais como agricultura familiar e orgânica, alimentos produzidos em laboratórios, alimentação de outros países e culturas capazes de aguçar a curiosidade e gerar discussões entre os estudantes.

Os exercícios nos capítulos são apresentados de maneiras variadas. Há a preocupação em desenvolver a habilidade de argumentação e de tomada de decisões através de uma lista com exercícios que pedem respostas dissertativas, exercícios de múltipla escolha e sugestão de trabalho em equipe em todos os capítulos e quando se fala sobre glicídios, lipídios e de proteínas sugestão de atividade prática.

Na sequência, foram analisados identificando os conteúdos de Biologia trabalhados no livro. Em relação aos conteúdos, as variáveis essenciais e motivacionais são trabalhadas em capítulos colocados na seguinte forma: 1- A água e os sais minerais; 2- Lipídios e glicídios; 3- Proteínas e 4- Vitaminas.

Nas variáveis essenciais os itens sobre água, minerais, lipídios e glicídios (carboidratos), proteínas e vitaminas são trabalhados a dar informações de forma mais teórica que prática, ou seja, a pirâmide alimentar não foi mencionada no livro, mas, poderia ser usada como referência para seleção adequada de alimentos e fornecer dados aos adolescentes que se entendida corretamente pode ser utilizado para orientar e informar, promovendo escolhas alimentares saudáveis (PHILIPPI, et al 1999). Bem como também não foi mencionado à importância do aleitamento materno. Pois segundo o Ministério da Saúde a amamentação deve ser a primeira prática nutricional Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 76 de 152 para a promoção da saúde, a formação de hábitos alimentares saudáveis e a prevenção de muitas doenças (BRASIL, 2014).

Outro assunto de extrema importância– a água e os sais minerais – onde é colocada em tópicos, a água como solvente, como reguladora da temperatura, mas não explicita no consumo diário para saúde humana para o desempenho na regulação do corpo e também do aparelho digestório, respiratório, cardiovascular e processos renais. É recomendado que os adultos consumam 1ml de água para cada kcal de energia gasta e para crianças, a recomendação é de 1,5ml/kcal de energia gasta por dia (BRASIL, 2014). Em relação aos minerais, pode-se verificar que são listados os principais elementos dos sais minerais, suas funções e os principais alimentos onde são encontrados. Não mencionando doenças relacionadas à sua deficiência. Considerando, por exemplo, que a anemia por deficiência de ferro é a doença mais comum no mundo, que afeta 35% da população humana (SPINELLI et al, 2003), é importante que se reforce a vida cotidiana dos estudantes ao conhecimento que adquirem na escola.

Em relação aos lipídios e glicídios, valem ser destacados os textos complementares sobre a obesidade, importância das fibras, colesterol e gordura trans, ômega 3 e esteróides anabolizantes, todos importantes para uma maior compreensão no que diz respeito a uma alimentação saudável, no entanto, percebe-se ausência de ligação entre os assuntos destacados e que não motivam escolhas alimentares conscientes. No texto sobre a importância das fibras onde são mencionadas somente as conseqüências em nível de funcionamento do organismo e não em nível de conseqüências para a saúde como a importância da viscosidade da fibra solúvel que retarda o esvaziamento gástrico, promovendo a redução do consumo de alimentos e, em consequência, a prevenção da obesidade (ANDERSON; SMITH; GUSTAFSON, 1994), também importante para redução de absorção de glicose para o controle da diabetes. Lembrando que a fibra reduz a absorção intestinal de colesterol que por sua vez tem um substancial efeito sobre as doenças cardíacas.

O capítulo das “Proteínas” é um tópico extenso e encontram-se dividido nas funções, características com explicações de suas formações nos diferentes aminoácidos e enzimas, sendo este um capítulo que dá ênfase nas explicações voltadas para a Química. Os alimentos que possuem proteínas completas são apresentados como texto complementar da mesma forma que sua falta ou deficiência citando a doença kwashiorkor, termo que significa em um dialeto africano “mal do primeiro filho, quando nasce o segundo”, porque a doença atinge principalmente crianças que foram desmamadas após o nascimento do irmão seguinte.

O texto sobre “Vitaminas” se encontra dividido em tópicos com a introdução do histórico sobre a deficiência da vitamina B1 sendo dadas como exemplo características gerais das vitaminas, vitaminas lipossolúveis e vitaminas hidrossolúveis. Os tópicos contêm a definição e explicações com sua falta e sua divisão, com as respectivas doenças que são provocadas pela ausência na alimentação tanto vitaminas das lipossolúveis como das hidrossolúveis.

A aplicação do LD e seus conteúdos nas aulas de Biologia do 1º ano do Colégio Criança Esperança, conforme a professora regente relata, são lançados no diário de classe de acordo com o planejamento escolar, visto que o LD adotado serve como suporte básico para a realização das aulas. A professora salienta que suas aulas são apresentadas com uma introdução geral, utilizando-se de slides, e então divide a turma em grupos para apresentação de seminários a serem apresentados por temas, exemplo: água e seus minerais; lipídios e glicídios, proteínas e carboidratos, para que todo conteúdo seja visto pelos alunos e ao final faz uma revisão geral.

Deste modo, percebe-se a importância que se deve ter para a utilização adequada do LD em sala de aula, de forma a ser usado como uma ferramenta de ensino, e não para a simples reprodução. Por meio da análise, foi possível verificar que um livro apenas não contempla a necessidade de aprendizagem dos alunos, pois para que os processos de ensino e aprendizagem ocorram de maneira eficaz, é relevante a reunião de diversas fontes de pesquisa, as quais devem Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 77 de 152 trabalhar com diferentes abordagens a fim de facilitar a aprendizagem dos alunos, além de considerar as diferentes realidades e formas de aprendizagem.

Considerações finais

A partir da análise do Livro Didático, foi possível verificar a importância do cuidado ao escolher um livro, uma vez que é por meio dele que o professor tem o suporte de conhecimentos e de métodos para o ensino, além de servir como orientação para as atividades de produção e reprodução de conhecimento. Demonstrando, assim, a seriedade que se deve ter na avaliação de um livro antes de utilizá-lo, pois se pode perceber qual a intenção da aplicação de referidos exercícios, ou verificar se o objetivo a alcançar na explicação de determinado conceito vai ser efetivado, não fugindo do objetivo que o professor traçou no início do plano de atividades. Além disso, é necessário verificar se a linguagem utilizada no livro é clara, e está coerente com a faixa etária a que se destina o trabalho em sala de aula, para então como ponto de partida desenvolver uma atividade com bom aproveitamento, e assim auxiliar na aprendizagem da turma, facilitando o processo de ensino.

Entretanto, a rotina que fica submetida ao professor, às vezes estabelecida e determinada pela sequência do livro didático faz com que ele tome conhecimento das mudanças curriculares, altere algumas de suas metodologias de ensino, mas não fuja da tradição posta pelo livro didático. É grande a influência desse material e o professor precisa ampliar seu campo de conhecimento para atender aos princípios atuais para o ensino de Biologia, que poderá ser estimulada com investimentos em formação continuada.

Por ser a alimentação um tema muito importante para vida humana é necessário que as escolas trabalhem de forma mais sistemática a educação alimentar e que possibilitem um entendimento mais complexo e interdisciplinar das noções implicadas no ensino-aprendizagem em relação ao conceito de alimentação/nutrição. Ademais, os trabalhos apontam para a importância de que o tratamento desta temática se desenvolva de forma que promova maior interação com o cotidiano dos alunos, permitindo que eles expressem suas idéias de formas variadas como: Discussões, filmes, Seminários, Feira de Ciências, Semana da Alimentação, Cozinha Experimental, Aulas interdicisciplinares com a disciplina de Química, Materiais didáticos diversificados e confiáveis em termos conceituais.

Devendo alertar ainda para a relevância de se problematizar com os estudantes a necessidade de uma alimentação equilibrada e consequentemente uma vida saudável em longo prazo com menores possibilidades de se adquirir doenças crônicas como: pressão alta, diabetes, obesidade, problemas cardíacos e cardiovasculares, câncer, e no lado oposto os padrões de beleza, como magreza e juventude, disseminados pela mídia e pelo marketing, muitas vezes, como valores absolutos.

Deste modo, sabe-se que a Biologia, e seus temas relacionados à Alimentação e Nutrição, é vital para o pleno desenvolvimento físico e mental de crianças e adolescentes. Com isso é fundamental que o aluno saiba da necessidade de conhecer a importância de hábitos alimentares saudáveis para ter qualidade de vida.

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O PROJETO MATOPIBA: DESENVOLVIMENTO, GRUPOS ECONÔMICOS E INTERESSES EM QUESTÃO

Ayrton Alves Braúna36 Reijane Pinheiro da Silva37 Maicon dos Santos Ramos38

Resumo O objetivo desta pesquisa foi analisar alguns aspectos do modelo de desenvolvimento que fundamenta o projeto Matopiba, considerando os interesses dos grupos econômicos envolvidos no projeto e as populações tradicionais e indígenas que ocupam a região. Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa. Como técnica de pesquisa utilizou-se a pesquisa bibliográfica. Como resultado, identificou-se que a implementação do projeto opõe interesses e desconsidera a diversidade étnica e cultural das populações que ocupam a região, amplia as possibilidades de conflitos sociais e desrespeita as formas de produção em pequena escala, além de impor um modelo de desenvolvimento que, apesar de se apresentar como sustentável, já apresenta um grande impacto social e ambiental na região. Palavras-chave: Matopiba, Grupos tradicionais, interesses econômicos.

Abstract The objective of this research was to analyze some aspects of the development model that underlies the Matopiba project, considering the interests of the economic groups involved in the project and the traditional and indigenous populations that occupy the region. This is a qualitative research. As a research technique, the bibliographic research was used. As a result, it has been identified that the implementation of the project opposes interests and disregards the ethnic and cultural diversity of the populations occupying the region, widens the possibilities of social conflicts and disrespects small-scale forms of production, and imposes a model of development Which, although presenting itself as sustainable, already has a great social and environmental impact in the region. Keywords: Matopiba, Traditional groups, economic interests.

Introdução

Uma política pública emblemática atual é o apoio do governo federal ao projeto denominado MATOPIBA, que abrange parte dos estados do Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia, com a justificativa de impulsionar o desenvolvimento agropecuário desta região.

O projeto explicita que objetiva a melhoria da qualidade de vida da população, mas em seguida delimita esta população, afirmando que se trata da classe média de empresários rurais. Outro fator que deve ser observado são os visíveis danos ambientas ao cerrado já causado com o

36 Mestre em Desenvolvimento regional (UFT), Especialista em Economia solidária (UFT), graduado em Gestão de cooperativas (UFT), graduando em Administração pública (UFT). Atualmente é professor do curso de Administração na Faculdade FAIARA. 37 Doutora em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2012). Mestre em Sociologia pela Universidade Federal de Goiás (2001). Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Goiás (1995) . Atualmente é professora da Universidade Federal do Tocantins . 38 Mestrando em Desenvolvimento Regional pela Universidade Federal do Tocantins - UFT (2016). Bacharel em Administração pela Universidade Federal do Tocantins - UFT (2015). Atualmente é empregado público federal no Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado do Tocantins, na função de Coordenador Financeiro.

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 80 de 152 avanço das monoculturas, assim como uma situação fundiária caótica, porém desconsiderado pelos atores envolvidos no processo de implementação desta política pública de apoio ao agronegócio. O presente estudo é de natureza qualitativa e utiliza-se da pesquisa bibliográfica como técnica de coleta de dados. O método qualitativo é o que melhor se adequa aos anseios desta pesquisa, visto que ocupa lugar de destaque na pesquisa onde envolve seres humanos e as suas relações sociais, pois permite extrair os significados, por vezes, imperceptíveis sem uma atenção sensível (GODOY, 1995; CHIZZOTTI, 2003; TEIXEIRA, 2003).

Matopiba: grupos, interesses e conflitos

Por sua grande extensão territorial e por vocação agrária, o Brasil tem estimulado ao longo da sua história a ocupação de novas áreas agrícolas, avançando principalmente na direção do interior do país. Nesse processo, em meados da década de 1980, surgiu uma nova fronteira agrícola no Brasil, ocupando parte dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia (SALVADOR, 2014).

Para Rufo (2013), como advento da migração sulista para outras áreas do país, observa-se grande ocupação de porções territoriais dos estados do Brasil Central, que abrange todos os estados da região Centro-Oeste, além de porções territoriais dos estados do Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia.

Ainda segundo o autor, a ocupação dos quatro estados citados foi mais tardia em relação aos estados da região Centro-Oeste. A região formada pelos recortes territoriais do sul do Maranhão, do sudoeste piauiense, centro-norte de Tocantins e oeste baiano é marcada pela expansão do agronegócio e verifica-se certa continuidade nos projetos de agricultura moderna nas áreas de fronteira entre os estados.

A região conhecida como MATOPIBA está se consolidando como uma nova fronteira agrícola na produção da soja no Brasil e inserindo o Norte e Nordeste no cenário do agronegócio no país. A região com características do Cerrado compreende áreas do Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia vêm se destacando no mercado nacional de grãos. Verifica-se então uma nova visão do Nordeste e Norte brasileiro, pois as áreas dos quatro estados que englobam a região Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia eram áreas condenadas à estagnação econômica e que surgem com enorme potencialidade no cenário nacional (CLEMENTE, 2015; RUFO, 2013).

No Brasil, nos últimos quinze anos, ocorreram algumas alterações significativas que refletiram na alteração do padrão de produção, esmagamento e comércio. A produção brasileira de soja cresceu num ritmo maior que o esmagamento, implicando no declínio da participação dos produtos processados nas exportações e no incremento das exportações do produto em grãos. O crescimento da produção foi possível pelo substancial aumento da produtividade das lavouras e pelo avanço da exploração em novas fronteiras agrícolas, com avanço da produção inicialmente na Região Sul do país, em seguida no Centro-Oeste e ultimamente na região conhecida como MATOPIBA (ZEMOLIN, 2013).

De acordo com os estudos realizados por Miranda, Magalhães e Carvalho (2014) a expressão MATOPIBA resulta de acrônimo criado com as iniciais dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, sendo que essa expressão designa uma realidade geográfica que recobre parcialmente os quatros estados mencionados, caracterizada pela expansão agrícola baseada em tecnologias de alta produtividade.

Neste contexto, com a criação do MATOPIBA, através do Decreto Nº 8.447, de 6 de maio de 2015, que dispõe sobre o Plano de Desenvolvimento Agropecuário do MATOPIBA, PDA- MATOPIBA e a criação de seu comitê gestor, constata-se que uma nova região de desenvolvimento econômica está sendo formalizada. O decreto tem por finalidade promover e coordenar políticas públicas voltadas ao desenvolvimento econômico, baseado nas atividades agrícolas e pecuárias que resultem em melhorias na qualidade de vida da população dos municípios Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 81 de 152 abrangidos. Este PDA visa à orientação de programas projetos e ações federais relativos a atividades agrícolas e pecuárias a serem implementados na sua área de abrangência e promoverá a harmonização daqueles já existentes (BRASIL, 2015).

Ainda segundo o Decreto no seu art. 2º,

Art. 2º Fica criado, no âmbito do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o Comitê Gestor do PDA-Matopiba, com as seguintes atribuições: I - monitorar a implementação, a execução e a efetividade do PDA- Matopiba; II - promover a articulação entre os órgãos e entidades públicos e entre estes e as organizações da sociedade civil, com a finalidade de implementar programas, projetos e ações do PDA-Matopiba de forma eficiente, eficaz e ágil; III - promover avaliações periódicas sobre a execução do PDA- Matopiba; IV - revisar e propor atualizações ao PDA-Matopiba, sempre que considerar necessário; V - elaborar relatório anual sobre a execução e a efetividade do PDA- Matopiba; VI - instituir grupos técnicos para implementação do PDA-Matopiba e promoção de debates sobre políticas setoriais; e VII - elaborar seu regimento interno.

Segundo Lopes (2016), a criação formal da área proporcionará maior visibilidade, e consequentemente será um instrumento de desenvolvimento socioeconômico, proporcionando a efetivação da construção da infraestrutura física e social, indispensável para o fortalecimento das atividades agroindustriais, pecuária (potencialidade da região) e, por conseguinte, a demanda de novos serviços. A área supracitada possui baixa densidade demográfica e boa produtividade do solo (cerrado). Entre 2010 e 2011, havia cerca de 6,4 milhões de hectares plantados, com uma produção em torno de 13,3 milhões de toneladas de grãos. Já para 2021, espera-se uma produção em torno de 16,6 milhões de toneladas, em 7,5 milhões de hectares.

O Cerrado abrange cerca de 200 milhões hectares do Planalto Central do Brasil (24% da área total do país), sendo o segundo maior bioma brasileiro e da América do Sul, conforme dados do IBGE (2010). Esta região abriga as nascentes de três grandes bacias da América do Sul: Tocantins-Araguaia, Paraná - Prata e São Francisco e sua posição central determina transições com outros biomas brasileiros, como a Mata Atlântica, Floresta Amazônica, Caatinga, Pantanal (MMA, 2012).

Coexistindo na região Matopiba estão os produtores ligados ao agronegócio e os que denominamos aqui de populações tradicionais, quais sejam as quebradeiras de coco, quilombolas, pequenos produtores rurais e povos indígenas. Estas populações ocupam a região há milhares de anos, produzem e estabelecem relações produtivas estruturadas em princípios distintos dos adotados pelos agentes do agronegócio, se relacionam como o meio ambiente de maneiras variadas, mas em alguns pontos comuns, como a produção em pequena escala e de baixo impacto ambiental.

É possível perceber que já se torna evidente o antagonismo entre estes grupos. Enquanto o grupo tradicional está mais propenso em ter uma relação com a natureza diversa das relações estritamente mercantis, os empresários entendem que a terra é apenas para negócio e a produção é para o mercado. Partindo desta assertiva, torna-se relevante apresentar o que Silva compreende por identidade:

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O que se entende por identidade é uma forma de ser/estar no espaço: supõem um agir, um identificar (mas não só isto), costumes, hábitos, culturas, e o modo como se manifestam estas formas de realização do viver, um reconhecer, um projetar, um apropriar-se, um criar, um inventar, um relacionar-se. Todos esses aconteceres estão em movimento e não é possível separar este elemento da compreensão do conceito (SILVA, 2003, p. 104).

As identidades envolvem as relações no espaço e no território, “neste sentido, tudo que interfere na produção do espaço e do território como a formação econômico-social vigente”. (SILVA, 2003, p.106). Nesta acepção Castilho; Arenhardt; Le Bourlegat (2009, p.165) entendem que a identidade dos grupos sociais é “compreendida a partir do seu território, isto é, de acordo com as relações que os mesmos estabelecem com a natureza, com o meio físico, com o patrimônio que, por meio dessas relações vai criando e estabelecendo a sua identidade sociocultural”.

Variadas perspectivas entram em conflito quanto se propõe um projeto como o Matopiba. Se para as populações tradicionais as formas de lidar com a terra envolvem estratégias de baixo impacto ambiental, assim como para a maioria dos povos indígenas. Os agentes do agronegócio usam grandes áreas do cerrado para produção de grãos em larga escala, adotando mecanismos de desgaste e desertificação do solo (OLIVEN, 2002, SANTOS, GERMANI, 2005, ROSA, NASCIMENTO, MENDONÇA, 2012).

Em se tratando, especificamente, das sociedades indígenas, “nas quais os mitos e a magia são elementos centrais, há outras formas de se pensar o mundo que não seja só o da racionalidade técnica” (OLIVEN, 2002, p.36).

Relativo ao agronegócio “O exemplo mais expressivo, nos dias de hoje [...] é o das grandes plantações de soja nas [...] regiões de fronteira agrícola do País. Na monótona e monocolorida paisagem da planície, máquinas possantes vencem o tempo e o espaço e diluem da imagem qualquer presença humana” (WANDERLEI, 2015, p.26).

Como exemplo, destaca-se o “Projeto Agrícola Campos Lindos”; implantado no ano de 1997, em um município do estado do Tocantins de nome igual ao do projeto (Campos Lindos-TO). Cabe dizer que o Tocantins é uma das regiões de amplitude do Plano de Desenvolvimento Agropecuário MATOPIBA (PDA-MATOPIBA) lançado em 2015.

A economia desta região se concentra no agronegócio, principalmente na produção de soja, cuja finalidade é a exportação para o mercado norte-americano e europeu. Nesse contexto há também a atividade agropecuária camponesa, que se aproxima dos princípios agroecológicos, praticada há centenas de anos com grande importância para o autoconsumo e economia local, além do extrativismo utilizado para o enriquecimento da dieta e complemento da renda familiar.

Com a chegada dos grandes fazendeiros se iniciam os conflitos agrários, que se intensificam com a implantação do Projeto Agrícola Campos Lindos no governo de Siqueira Campos (CASTILHO; CASTRO, 2006). Esse Projeto foi implementado com a finalidade de expandir a produção de soja pelo estado do Tocantins, para que o mesmo pudesse vir a se tornar um polo agroexportador.

Desde então os camponeses começaram a serem expropriados de suas terras. Os que ainda resistiam foram obrigados a se adaptarem para sobreviverem. Anteriormente, o gado era criado à solta, sem divisas entre eles, agora são obrigados, por pressão dos sojicultores a cercarem suas áreas. Depois da implantação do projeto surgiram inúmeras pragas nas lavouras dos camponeses. Deste modo dificultou, sobremaneira, o laboro dos camponeses.

Segundo Motoki (2008) em um trabalho de formação realizado pela ONG repórter Brasil com lideranças camponesas, em Campos Lindos, constatou-se que a chegada do “desenvolvimento” (Projeto Campos Lindos) trouxe muitas mazelas sociais. A despeito de não Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 83 de 152 existir transporte e meios de comunicação os camponeses tinham qualidade de vida; eles faziam mutirões, trabalhavam de maneira coletiva, definindo papéis a cada pessoa; a água, as frutas e caças eram abundantes no cerrado.

Além disso, antes desse projeto os camponeses diversificavam sua produção, pois plantavam milho, mandioca, arroz, feijão, fava e abóbora, além da criação de animais para garantir a segurança alimentar da família. Todos eram autônomos e havia uma mínima dependência da moeda, pois usavam o dinheiro apenas para comprar querosene e sal, o que eles não produziam na terra (MOTOKI, 2008).

Considerações finais

A produção de gêneros alimentícios em pequena escala tem diminuído gradativamente na região do MATOPIBA em função da contaminação do solo e da água, e pela concentração das pragas expulsas das lavouras de soja. A criação de gado, também diminuiu, visto que morrem pela contaminação e pelo fato das famílias serem espremidas em lotes pequenos e não poderem mais criá-los solto,

Torna-se evidente, portanto, que as práticas do agronegócio são opostas as das populações tradicionais, que na direção do que propõe Wanderley (2014, p.26): correspondem a uma forma de viver e de trabalhar no campo, a uma cultura, para além da intenção produtiva.

Em resumo, o antagonismo destas identidades no MATOPIBA ocasionam grandes prejuízos aos grupos tradicionais, pois na medida em que avança a fronteira agrícola muitos grupos são desarticulados social, econômica e culturalmente. São também desterritorializados, muitos migram para a zona urbana e, geralmente, não estão preparados para o mercado, assim se deparam com uma situação de miséria; os que resistem são coagidos de forma direta ou indiretamente a se desfazerem de suas terras. Desta forma estes grupos étnicos do campo se distanciam, consecutivamente, de seu modo de vida tradicional.

O Agronegócio tem gerado conflitos agrários, danos ambientais, desterritorialização e desarticulação das populações tradicionais, provocando assim pobreza e miséria. Esta situação se intensifica com o projeto de desenvolvimento que está sendo implantado para a classe média rural (PDA-MATOPIBA), uma perspectiva universalista de desenvolvimento, métodos autocráticos e inescrupulosos, assim desvalorizando a identidade cultural do povo local.

Destaca-se que quilombolas, indígenas e camponeses tradicionais possuem práticas diferentes entre si, mas é comum entre eles a percepção da terra e do mundo que os cerca a partir de perspectivas não mercantis, sustentadas em modelos que se aproximam do que se entende por sustentabilidade.

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AS RELAÇÕES ETNICO-RACIAIS NO ENSINO DE HISTÓRIA PÓS LEI Nº. 10.639/2003: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA DA LITERATURA

Benedita dos Santos Azevedo Frazão39 Clenia de Jesus Pereira dos Santos40 João Batista Bottentuit Junior41

Resumo Com fundamentos teóricos da revisão sistemática da literatura, fez-se um estudo investigativo sobre as produções disponíveis em algumas bases de dados sobre a as relações étnico-raciais na educação a fim de identificar as frequências de publicações desse tema com enfoque no ensino de História, tendo como parâmetro os últimos quatorze anos pós implantação da Lei nº 10.639/2003 no âmbito da escola básica. Desse modo, foram analisados 15 artigos encontrados online e que contemplavam estudos empíricos e teóricos sobre o desenvolvimento da temática no ensino e aprendizagem. Como resultado da pesquisa, constatou-se que apesar da obrigatoriedade, ainda há poucos estudos sobre o tema com foco no ensino de História, mesmo essa, sendo uma disciplina preponderante para a propagação dessa discussão no âmbito escolar. Palavras-chave: Lei nº 10.639/2003. Relações Étnico-Raciais, Ensino de História.

Abstract With theoretical foundations of the systematic review of the literature, an investigative study was made on the productions available in some databases on the ethnic-racial relations in education in order to identify the frequencies of publications of this theme with focus in the teaching of History, Taking as a parameter the last fourteen years after the implementation of Law 10,639 / 2003 within the basic school. Thus, we analyzed 15 articles found online and that included empirical and theoretical studies on the development of the theme in teaching and learning. As a result of the research, it was verified that despite the obligatoriness, there are still few studies on the subject with focus in the teaching of History, even this one, being a preponderant discipline for the propagation of this discussion in the school scope. Keywords: Law nº 10.639 / 2003. Ethnic-Racial Relations, History Teaching.

Introdução

Na educação, sobretudo nas escolas, o debate sobre a promoção da igualdade das relações étnico-raciais ganhou intensidade a partir de janeiro de 2003, quando foi sancionada a Lei nº 10.639/2003 como Política Pública de Educação. A referida Lei surge em resposta às reivindicações dos Movimentos Negros Organizados, que há muito tempo têm se empenhado em prol de ações concretas contra o racismo, o preconceito e as discriminações raciais na sociedade de forma geral e na educação de modo específico (SOUZA; CROSO, 2007).

A Lei em tela alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDBEN nº 9.394/1996 nos artigos 26 e 79, que passou a vigorar acrescida dos artigos: 26A e 79B. O Artigo 26A torna obrigatório o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na Escola e o 79B

39Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Gestão de Ensino da Educação Básica – PPGEEB da Universidade Federal do Maranhão. Contato: [email protected] 40Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Gestão de Ensino da Educação Básica – PPGEEB da Universidade Federal do Maranhão. Contato: [email protected] 41 Professor da Universidade Federal do Maranhão. Doutor em Ciências da Educação com área de especialização em Tecnologia Educativa pela Universidade do Minho. Professor Permanente do Mestrado em Gestão de Ensino da Educação Básica – PPGEEB. E-mail: [email protected]

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 86 de 152 inclui no calendário escolar, o Dia 20 de novembro como Dia Nacional da Consciência Negra, data em que o Movimento Negro celebra aniversário de Morte de Zumbi dos Palmares (BRASIL, 2003).

A Resolução nº 1 de 17 de Junho de 2004 instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Este Documento regulamenta a Lei nº. 10.639/03. O Artigo 2º, parágrafo 2º da referida Resolução faz referência a valorização da identidade, história e cultura, na perspectiva do reconhecimento e valorização das raízes africanas na nação brasileira (BRASIL, 2004).

Silva (2008), à luz do citado Artigo, destaca que a inclusão da História e Cultura Afro- brasileira e Africana e das relações étnico-raciais no Currículo, é de fundamental importância para os/as professoras/es e estudantes desconstruírem a história de inferiorização que perpassa no âmbito escolar por meio de reconhecimento da história e memória dos povos africanos, contribuindo para a autoestima e a identidade dos estudantes negras/os e valorização de suas raízes.

Gomes (2002) destaca que as relações étnico-raciais discutidas no âmbito da escola, são fundamentais para agregar elementos com vista a desconstrução da historia perversa instituída neste espaço e que os respectivos conteúdos, são essenciais para favorecer a auto identificação das crianças, adolescentes e jovens como negras e negros. Alerta ainda que nenhuma identidade negra, se constrói no isolamento, pelo contrário, é construída durante a vida toda por meio do diálogo parcialmente interior e parcialmente exterior com os outros, ou seja, nas relações entre as pessoas, e é por esse processo que também passa a construção da identidade negra.

Para Souza e Croso (2007, p. 18) “Com a Lei nº 10.639/2003, a escola aparece como locus privilegiado para agenciar alterações nessa realidade, e é dela a responsabilidade de acolher, conhecer, e valorizar outros vínculos históricos e culturais (...)”. Para os autores, a escola é um espaço privilegiado para essas discussões, porém o que se “assiste hoje, é uma forte inadequação da escola para fazer face às demandas da sociedade diante das rápidas convulsões sociais, a escola precisa abandonar os seus modelos mais ou menos estáticos e posicionar-se dinamicamente” (ALARCÃO, 2001, p. 15). No Brasil, o racismo, o preconceito racial e a discriminação racial são elementos estruturantes da sociedade e ainda balizam as relações raciais e institucionais, hierarquizando as diferenças e inferiorizando um grupo – o negro – em detrimento de outro – o branco (SOUZA; CROSO, 2007).

Nessa perspectiva consideramos importante discutir as relaçõesétnico-raciais no contexto das aulas de disciplina de História, já que essa disciplina segue atualmente a proposta da Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 9.394/96 (LDB) e das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental (BRASIL, 1998), que no artigo IV, define que “[...] em todas as escolas deverá ser garantida a igualdade de acesso a uma Base Comum, para atender e legitimar a unidade na ação pedagógica nacional [...]”, descrevendo-se no inciso 4º do Art. 24, que a disciplina de História é responsável por conteúdos importantes para a formação da sociedade, devendo tratar as diferentes culturas do Brasil e dos povos que fizeram parte da construção histórica do país, do estudo da história local e do cotidiano, dos modos de vida diferentes de outros tempos e dos atuais grupos sociais étnicos, estabelecendo-se assim a articulação entre a localidade e a nacionalidade na história geral, entre as diferenças e as semelhanças em distintas temporalidades, se inserindo as ações das pessoas comuns no ensino de História (BITTENCOURT, 2011).

Entretanto, “infelizmente, ainda encontramos contextos escolares sem a adequação necessária para trabalhar as questões relativas a História e cultura afrobrasileira e africana” (AGUIAR; AGUIAR, 2010, p. 94), pois apesar do papel importante que atualmente cumpre a disciplina de História, ainda é preciso que deixe de ser apenas um objeto manipulado pelo Estado ou um meio de pesquisas acadêmicas sem um fim educativo prático e efetivo, pois consideramos que os interesses sociais deveriam ser melhor discutidos nesta área disciplinar para assim, amenizar o distanciamento entre o saber acadêmico e o saber da prática escolar. O Estado, por outro lado, ao traçar suas estratégias de adequação do currículo, necessita incluir a participação dos professores, Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 87 de 152 pois ainda se percebe como suas práticas e realidades sociais são ignoradas, para além das exigências legais e do desenho curricular.

Nesse sentido, os materiais didáticos, os livros, os manuais de orientação e os próprios parâmetros dificultam a articulação da pluralidade e a aplicabilidade da disciplina de História com base na Lei nº. 10.639/03 na sala de aula. Sendo assim, concordamos que as mudanças curriculares necessitam acontecer, porém, é necessário verificar como estas estão sendo pensadas e aplicadas na sala de aula. Assim, surgiu a proposta desse estudo, pois nele, tivemos a oportunidade de verificar com qual frequência as relações ético-raciais estão sendo desenvolvidas no Ensino de História na Educação Básica e com qual finalidade.

Com referência a importância das discussões das relações étnico-raciais na educação e, sobretudo na escola mesmo após a implantação e implementação da Lei nº 10.639/2003 que já completa 14 anos, optou-se em fazer um estudo sistemático das produções sobre o assunto com vista a observar como este tema tem transversalizado o ensino em especial o Ensino de História. Desse modo, temos como questão norteadora e que direcionou este estudo: Com qual freqüência as relações étnico-raciais têm sido desenvolvidas na educação com ênfase no Ensino de História na Educação Básica após a implantação/implementação da Lei nº 10.639/03? Outras questões que integram este estudo relacionam-se a identificar: Com qual finalidade essa temática vem sendo abordada desde a implantação da Lei nº10.639/03? Quais resultados podem ser identificados acerca das relações étnico-raciais nos estudos mapeados?

A origem de interesse pelo estudo justifica-se pelo fato de que hoje mesmo diante das Políticas de Igualdade Racial, frente a todas as conquistas em termo de legislação que os movimentos têm impulsionado, diante dos estudos que tem crescido nesse campo, ainda presenciamos denúncias de racismo em todos os âmbitos da sociedade e, sobretudo na escola. Outra constatação, é que os/as negros/asem virtude do processo histórico de escravização não assumem sua orientação identitária. Outro ponto crucial, é o fato de compreender que a educação e especialmente a escola, é o espaço privilegiado para promover a inclusão desta temática considerando que é neste espaço que se concretiza a educação formal e intencional. Acrescemos ainda,a nossa atuação política e epistemológica no campo das relações étnico-raciais, especificamente sobre a negritude e a nossa orientação identitária enquanto mulheres negras, nossa atuação profissional como professoras da Educação Básica que nos permitiu observar as relações de conflitos que se estabelecem entre o contingente de estudantes negros/as e não negros/as na escola.

As relações étnico- raciais na educação

No Brasil, historicamente as perspectivas e atitudes sobre os diversos segmentos étnico- raciais da população têm se traduzido em arranjos e políticas sociais que limitam oportunidades, isto ocorre com frequência com a população negra que obtém formas de tratamento e expectativas de vida diferenciada que a conduz a condições de vida desiguais quando comparado à população branca.Essa realidade se concretiza no âmbito escolar quando levamos em consideração algumas situações corriqueiras no campo escolar, tais como: evasão; baixo rendimento; baixa auto estima; discriminação dentre outros.

Gomes e Silva (2002) ponderam e chamam à atenção que para educar sem discriminar tem sido uma tarefa árdua, pois muitos preconceitos e estereótipos ainda estão enraizados nos indivíduos, em decorrência de alienantes modelos culturais que lhes são impostos. Esta proposição reitera e nos remete à complexidade de construção de identidade e pertencimento étnico, pois ao longo da historiografia brasileira, a escola manteve-se inócua quanto à discussão e a divulgação da referida temática, uma vez que são saberes de suma importância para o enfrentamento e a tomada de consciência dos educandos quanto a sua condição racial ou pertencimento étnico que obrigatoriamente deve ser mediado de forma positiva.

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As autoras fazem alusão de investir na formação profissional do corpo docente e na reorientação de posturas e atitudes direcionadas para uma educação inclusiva, alicerçada nas relações etnico-raciais. Dias (2005), alerta que a inclusão da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nas escolas seria um vetor preponderante no enfrentamento ao racismo. Historicamente, a implantação da Lei nº. 10.639/2003 foi movida pelas lutas dos Movimentos Negros, mas alguns movimentos foram impulsionadores, como: o Centenário da Abolição em 1988, e os 300 anos de Morte de Zumbi dos Palmares, em 1995. A manifestação daquele anolevou cerca de 10 mil negras e negros à Brasília com um documento reivindicatório entregue ao Presidente Fernando Henrique Cardoso.Conforme o Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, outro impacto de caráter internacional, foi a realização da III Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e outras Formas de intolerância, no ano de 2001, em Durban, na África do Sul, com o intuito de rever a luta heroica do povo africano por igualdade, justiça, respeito e inclusão (BRASIL, 2013).

Do exposto, nos primeiros anos de governo, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 9 de janeiro de 2003 sanciona a Lei nº 10.639. Lei que modifica a LDB nos artigos 26 e 79. O texto da Lei foi incisivo e claro quanto às mudanças tornando obrigatório o Ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana no Currículo Escolar. O texto da LDB era difuso e abrangia outras etnias. Todavia, houve uma mudança significativa, na perspectiva que o conteúdo explicita os grupos humanos negros. Dessa forma, os parágrafos explicitam de forma inequívoca questões relacionadas as/os negras/os (DIAS, 2005).

A Lei nº. 10.639/03 não se limita apenas aos dois artigos mencionados. No ano de 2004, para a implementação da referida Lei, foi sancionada a Resolução nº 1 de 17 de junho 2004, que, institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, a qual estabelece no Artigo 2º e § 2º que

O Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana tem por objetivo o reconhecimento e valorização da identidade, história e cultura dos afro- brasileiros, bem como a garantia de reconhecimento e igualdade de valorização das raízes africanas da nação brasileira, ao lado das indígenas, europeias, asiáticas (BRASIL, 2004, p. 2).

A Resolução mencionada apresenta o objetivo da Lei, define as competências dos órgãos governamentais e orienta as instituições de ensino para implementação da Lei nº 10.639/03 (BRASIL, 2004).Outro documento que atende aos propósitos expressos na Lei nº 10.639/03 é o Parecer nº 003/2004. No que concerne aos estabelecimentos de ensino para implementação da Lei, o Parecer estabelece que,

Destina-se, o parecer, aos administradores dos sistemas de ensino, de mantenedoras de estabelecimentos de ensino, aos estabelecimentos de ensino, seus professores e a todos implicados na elaboração, execução, avaliação de programas de interesse educacional, de planos institucionais, pedagógicos e de ensino. Destina-se, também, às famílias dos estudantes, a eles próprios e a todos os cidadãos comprometidos com a educação dos brasileiros, para nele buscarem orientações, quando pretenderem dialogar com os sistemas de ensino, escolas e educadores, no que diz respeito às relações étnico-raciais, ao reconhecimento e valorização da história e cultura dos afro-brasileiros, à diversidade da nação brasileira, ao igual direito à educação de qualidade, isto é, não apenas direito ao estudo, mas também formação para a cidadania responsável pela construção de uma sociedade justa e democrática (BRASIL, 2004, p. 2).

Segundo o Parecer nº 003/2004, a luta pela superação do racismo e da discriminação racial é tarefa de todo e qualquer educador, independentemente do seu pertencimento étnico-racial, crença religiosa ou posição política. Aponta que o racismo, segundo o Artigo 5º da Constituição Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 89 de 152

Brasileira de 1988, é crime inafiançável e isso se aplica a todos os cidadãos e instituições, inclusive, à escola (BRASIL, 2004).

Outro documento importante, é o Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, que colabora para a implementação da Lei e para que os sistemas de ensino cumpram as determinações legais, com vistas a enfrentar as diferentes formas de preconceito racial no âmbito da escola (BRASIL, 2013).

Conforme o documento supracitado, as Coordenações Pedagógicas no âmbito das instituições, são as que maior interface possui com o corpo docente por meio do Planejamento. No que concerne às atribuições da Coordenação Pedagógica, prever a inclusão dos conteúdos no planejamento, exige a promoção de formação dos docentes, estimula a interdisciplinaridade da temática em âmbito geral e alusivo ao Dia 20 de novembro e orienta para as denúncias de casos de racismo às autoridades competentes (BRASIL, 2013).

Implementação da Lei nº. 10.639/03 no Ensino de História

A escola, na maioria das vezes, é vista como um espaço democrático em que todos podem aprender e se desenvolver igualmente, além de ser responsável por preparar os indivíduos a exercer cidadania. Freire (2001) infere que a escola é um lugar de pessoas e de relações, é também um lugar de representações sociais que têm contribuído tanto para manutenção quanto para a transformação social. Além disso, Alarcão (2001) alega que escola é uma organização pensante,flexível, aberta à comunidade em que se insere levando-se em consideração, o processo de ensino-aprendizagem da/o estudante, sua cultura e sua história acumulada.

Contudo, embora as práticas racistas não se iniciem na escola, na opinião de Cavalleiro (2001), encontram nela uma forte aliada para seu reforço nessas relações. Desse modo, estudos revelam que a baixa auto estima, os estereótipos estão diretamente ligados ao rendimento escolar, pois, os sujeitos que sofrem algum tipo de racismo ou discriminação no espaço da escola têm baixo rendimento escolar. “A existência de preconceito e discriminação étnicos, dentro da escola, confere à criança negra a incerteza de ser aceita por parte dos professores” (CAVALLEIRO, 1999, p.98).

Silva (2008), alerta que tanto o preconceito explícito quanto o velado existente na escola, deixam marcas irreparáveis em estudantes negras/os; visto que, nos espaços da escola e na própria sala de aula, muitos aspectos presentes excluem e discriminam os/as estudantes negras/os –como a ausência de cartazes, fotos, livros com histórias e imagens depreciativas que retratam a existência das/os negras/os nos mais variados ambientes da vida social, exercendo as inúmeras profissões que existem e frequentando todos os âmbitos da sociedade – pois, pesquisas revelam que a ausência dessas representações das/os negras/os em diversas situações do cotidiano, leva as/os estudantes negras/os a sentirem vergonha e negarem sua raça/etnia. Desse modo,

No espaço escolar, há toda uma linguagem não-verbal expressa por meio de comportamentos sociais e disposições –formas de tratamento, atitudes, gestos, tons de voz e outros -, que transmite valores marcadamente preconceituosos e discriminatórios, comprometendo, assim, o conhecimento a respeito do grupo negro.Como ao negro estão reservados, na sociedade, papel e lugar inferiores, pode-se afirmar que essa linguagem o condiciona ao fracasso, à submissão e ao medo, visto que parte das experiências vividas na escola é marcada por humilhações. Isso leva os alunos negros a experimentarem o desejo, impossível, de tornarem-se brancos e eliminarem, assim, a cor indesejável [...] (CAVALLEIRO, 1999, p. 98).

É preciso sim, cumprir o que pressupõe o marco legal ensinando a História e Cultura Afro- brasileira e Africana na escola com vistas à importância do estudante se auto identificar com a cultura e história ancestral dos povos africanos e notadamente para construção da identidade Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 90 de 152 negra.Nessa caracterização, percebemos o papel relevante da disciplina de História que desde a década de 80 vem passando por adequações em seu currículo com base na História Crítica, ajustando-se e incluindo conteúdos anteriormente não ensinados ou ensinados apenas com foco na visão eurocêntrica. Entre as mudanças tem-se, a implantação do ensino da História da cultura afro- brasileira e africana assegurada pela Lei nº. 10.639/03 e os estudos referentes aos povos indígenas legitimados pela Lei nº 11.645/08. Essas alterações surgem a fim de consolidar a luta pelos direitos iguais já manifestados pelos Movimentos Negros, agora devendo ser reafirmados e praticados no âmbito escolar.

Essa disciplina necessariamente ganha como mais uma de suas funções, propagar e tornar acessível essas discussões e reflexões nas escolas da Educação Infantil ao Ensino Médio, incentivando novas reflexões sobre a escravidão; o escravo; as consequências da escravidão; a história da África e de seus países que sofreram o impacto do tráfico de escravos; sobre o/a negro/a na sociedade brasileira; a formação do povo brasileiro; identidade; respeito; aspectos culturais dos povos indígenas, africanos e afro-brasileiros; discriminação; consciência, dentre outros aspectos que são necessários para que possam ser esclarecidos os erros históricos, diminuir o preconceito, pois com essa nova perspectiva os alunos compreenderão os fatos e situações sociais com outro enfoque e poderão formar novos posicionamentos sobre o/a negro/a na sociedade brasileira. Além disso, estaremos dando mais um passo para formação social e respeito as individualidades e diversidades, pois, é no ambiente escolar, com professores preparados e conscientes de seu papel que esses aspectos sociais devem ser discutidos e compreendidos.

Nesse sentido, em meio a tantas discussões sobre essa temática, surgem novos questionamentos que pretendemos discutir, no decorrer da apresentação dos resultados deste estudo: De que forma a escola pode estruturar o ensino de História que contemple a diversidade de formação/atuação dos professores e alunos? Como os professores de História colocam em prática a proposta da Lei 10.639/03? Quais tipos de estudos estão sendo realizados acerca dessa temática nos ambientes acadêmicos? Pois pensamos que a proposta dessa Lei é um grande avanço social, no entanto, uma de nossas inquietações nos remete especialmente em saber se na prática a lei acontece tanto em estudos (pesquisa), quanto na Educação Básica, em especial na disciplina de História que por si só, já deveria abrir espaço para a formação consciente dos docentes e discentes já que em seus objetivos está a preocupação com a formação cidadã.

Metodologia

Para realização do mapeamento deste estudo, utilizou-se como metodologia a revisão sistemática da literatura. A revisão sistemática é um recurso importante da prática baseada em evidências, que consiste em uma forma de síntese dos resultados de pesquisas relacionados com um problema específico (MINAYO, 2006). A vantagem de usar esse procedimento estaria no desafio de conhecer o já constituído e produzido para depois buscar o que ainda não foi feito, mas também de divulgar o saber que se avoluma cada vez mais e rapidamente nas universidades, banco de dados. Outra vantagem da revisão sistemática consiste em possibilitar a efetivação de um balanço da produção acadêmica de uma determinada área, neste caso, as relações étnico-raciais na educação e no Ensino de História.

Minayo (2006) destaca que o mapeamento sobre determinado tema é imprescindível para a apreensão do processo evolutivo da produção acadêmica, com vista a uma ordenação periódica e sistematizada do conjunto de informações e resultados já obtidos, o que propicia a identificação de tendências, convergências, divergências e/ou contradições, e a revelação de lacunas ou recuos. Bottentuit Junior; Albuquerque; Coutinho(2016) aponta que a revisão sistemática, diferencia-se da revisão da literatura, considerando que a revisão da literatura, se concentra apenas nos conceitos e característica a respeito de determinadas áreas, ao passo que a revisão sistemática, inclui tanto os conceitos e características quanto os resultados e dificuldades e ainda contribui para focar em novos aspectos e aprofundar o assunto.

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Gonçalves, Nascimento e Nascimento (2015, p.194, apud BOTTENTUIT JUNIOR, ALBUQUERQUE; COUTINHO, 2016), com base em estudo sob rerevisão sistemática de apontam que:

a) Problema de Pesquisa (questões a ser investigada); b) Protocolo de Pesquisa (descrição criteriosa do estudo) c) Bases de dados (localização dos estudos, que podem ser captado de variadas fontes, tendo como ferramenta a base de dados eletrônicos); d) Critérios de inclusão e exclusão (características e especificidades dos estudos); e) Análise Crítica e Avaliação (validade dos estudos selecionados) f) Elaboração do Resumo (Síntese dos conteúdos abordados); g) Identificação das evidências (estudos agrupados conforme semelhança); h) Conclusões(alcance das evidências identificadas)

Neste sentido, e em conformidade com os critérios supra mencionados, seguimos passo a passo as recomendações e captamos ao máximo as produções sobre as relações étnico-raciais no Ensino de História.Para coleta dos dados, realizou-se um panorama sobre o assunto em questão e a síntese e análise dos resultados que servirão de fonte para emitir as possíveis conclusões.Os parâmetros de inclusão e exclusão adotados para selecionar a amostra de trabalhos coletados em site, periódicos, revistas eletrônicas, Sielo e Google acadêmico, seguem abaixo:

Tabela 1: Fatores de inclusão e exclusão FATORES DE INCLUSÃO FATORES DE EXCLUSÃO . Gênero textual: artigos . Artigos em língua estrangeira . Artigos escritos em Português . Artigos em outras bases de dados que . Artigos Disponíveis no Google, Google não sejam: Google, Google Acadêmico Acadêmico Periódicos Capes e Scielo Periódicos Capes e Scielo . Estudo sobre as Relações-Étnico- . Estudo sobre assunto que não seja as Raciais em Educação e no ensino de relações étnico-raciais na educação História . Artigos sobre as relações étnico-raciais . Artigos Teóricos e Empíricos que foram publicados antes . Artigos publicados sobre as relações implantação da Lei Nº 10639/2003 étnico-raciais apósa publicação da Lei Nº 10639/2003

Fonte: Produzido pelas autoras

Para levantamento dos artigos que focalizaram no tema das relações étnico-raciais no Ensino de Históriarecorreu-se as bases de dados do Google, Google Acadêmico Periódicos da Capes e ao Sielo que abrangem uma coleção selecionada de periódicos científicos. Optou-se pela via dos dados eletrônicos pela possibilidade de acesso a dados recentes considerando que o estudo delimita-se em trabalhos publicados após a publicação da Lei nº 10.639/2003. Nas bases de dados além de identificação dos artigos permitiu o acesso ao texto completo, dados do autor, dessa forma, foi possível a leitura de todos os textos.

Para realização da busca, utilizou-se como recorte temporal o período de 2003 a 2016 pesquisando nas bases os seguintes descritores: racismo na educação, relações étnico-racial e educação, preconceito racial e discriminação raciale a prática dessas questões no ensino de História. Ao todo, foram encontrados 250 artigos. Para focalizar na revisão sistemática se fez necessário um refinamento e composição de uma mostra final dos artigos. Neste sentido utilizamos os fatores de inclusão e exclusão já que o nosso interesse era relações étnico-raciais na educação com ênfase no ensino de História, excluiu-se artigos que não focavam exclusivamente sobre esta categoria além de Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 92 de 152 excluir os trabalhos em língua estrangeira e ainda obedecendo aos critérios elencados no quadro sobre fatores.

A amostra final foi composta de 13 artigos que tratam das relações Étnico-raciais na educação e 2 envolvendo essa temática no Ensino de História. Ressaltamos que todos os artigos foram lidos na integra registrados e classificados considerando as seguintes informações: título do artigo; periódico; identificação das principais áreas de publicação; temas de investigação, ano de publicação; finalidade.

Resultados

Os resultados estão organizados considerando; a) frequência de publicações da temática: Relações étnico-raciais no âmbito educacional; b) frequência da temática no âmbito específico, nesse caso, no Ensino de História; c) finalidade das publicações por áreas da Educação; e, d) finalidade das publicações apenas no Ensino de História. Dessa forma, considerando os fatores de inclusão e exclusão, encontramos 15 artigos que tratavam da Educação das Relações Étnico-Raciais como demonstra o quadro abaixo:

Tabela 2: Frequência de publicação por ano Ano Frequência % 2005 3 20,0% 2007 1 6,7% 2010 1 6,7% 2011 2 13,3% 2012 1 6,7% 2013 4 26,7% 2014 2 13,7% 2015 1 6,7% Total 15 100% Fonte: produzido pelas autoras

O ano de 2013 foi o ano com maior número de publicações, totalizando 4 (quatro) artigos que corresponde a 26,7% , seguido de 2005 com 20,0% equivalendo a 3 (três) publicações; posteriormente 2011 e 2014, nos quais foram publicados13,3% dosartigos; e, os anos que obtiveram o menor número de publicação foram: 2007; 2010; 2012 e 2015. Nesses houve apenas 1 (uma) , correspondendo a 6,7% publicação.

Tabela 3: Frequência de publicações: Educação das relações Étnico-raciais no Ensino de História

Ano Frequência Percentual 2005 1 6,7% 2014 1 6,7% Total 2 13,4% Fonte: produzido pelas autoras

Dos 15 artigos publicados posteriores a implementação da Lei nº. 10.639/03, apenas 13,4% de trabalhos foram publicados relacionando a Educação das relações étnico-raciais ao ensino de Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 93 de 152

História. Em 2005, dois anos após a lei, foi publicado 1 (um) trabalho sobre a temática, correspondendo a 6,7% dos trabalhos e em 2014, com intervalo de 11 anos da lei, houve uma nova publicação, que corresponde ao outro 6,7%.

Em relação às finalidades das publicações, consideramos os fatores de inclusão e exclusão, e, os objetivos desta pesquisa. Organizamos de acordo com a organização educacional brasileira, assim, dividimos por: a) áreas da educação; b) finalidade; e, c) autores. Mediante aos objetivos de cada artigo buscamos identificar: 1) a quem se direciona; e, 2) o que pretenderam com o estudo. Os resultados encontrados estão apresentados a seguir.

Tabela 4: Educações Étnico-raciais na Educação Áreas da Finalidade/ Categoria % Autores Educação a) Márcio Mucedula a) Discutir situações de discriminação racial na Aguiar; Débora educação infantil; Cristina Piotto; Bianca b) Discutir a maneira como as relações infantis Cristina Correa. são percebidas na escola e como interferem na b) Heryka de Moura EDUCAÇÃO formação da personalidade e da autoestima das Costa, Antônia Regina 13% INFANTIL crianças afrodescendentes dos Santos Abreu Alves; Lucas Leal Lima de Sousa, Tarciana dos Santos Pinheiro, Fernanda Oliveira de Sousa. a) Refletir acerca das configurações de a) Elaine Santos de abordagem da História do Negro nos livros Oliveira; Maria Alaine didáticos de História que o professor faz uso em da Silva Santos; Andréa sua prática pedagógica. Giordanna Araújo da b) Discutir as tensões e os processos de Silva. ENSINO descolonização dos currículos na escola brasileira; b) Nilma Lino Gomes. FUNDAMEN c) Articular cidadania, a educação das relações c) Douglas Verrangia; TAL étnico-raciais e o ensino de Ciências. 26% Petronilha Beatriz d) Representações e atitudes em sala de aula Gonçalves e Silva quando as questões Étnicos-Raciais; d) Jussara Cristina B. Tortella; Eliete Aparecida de Godoy; Arthur José R. Vitorino; Rosana Paes Santana. a) Identificar as percepções dos professores do a) Denise Maria Soares ENSINO Ensino Médio do Distrito Federal de como Lima 6,7% MÉDIO ocorre às relações éticos-raciais no espaço escolar Carlos Ângelo de ; Meneses Sousa FORMAÇÃO a) Analisar a oferta de disciplinas e conteúdos a) Joana Célia dos DE que possibilitem discussões e estudos sobre as passos 6,7% PROFESSORE relações étnico-raciais em cursos de licenciaturas S de Santa Catarina – SC. a) Discutir os desafios das politicas públicas e a) Nilma Lino Gomes; suas práticas realizadas pelo MEC, pelo sistema de b) Wilma de Nazaré ensino e escolas. Baía Coelho; Mauro b) Apresentar resultados de uma pesquisa feita no Cezar Coelho; ENFOQUE Brasil sobre a introdução de temas relacionados a c) Petronilha Beatriz GERAL DA cultura afro-brasileira, História da África, História 46% Silva; EDUCAÇÃO dos povos indígenas conforme determina a LDB d) Ana Lucia Valente c) Tratar do processo de ensinar e aprender em e) José de Ribamar meio as relações étnicos-raciais no Brasil: desafios Órea Fernandes; d) Discutir o combate ao racismo na Educação f) Crislane Barbosa Básica, com ações positivas nas escolas de Minas Azevedo Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 94 de 152

Gerais e Mato Grosso do Sul. g) Nilma Lino Gomes e) Discutir os desafios da Lei 10.639/2003 no Rodrigo; Enilson de Ensino de História Jesus f) Discutir as Políticas Públicas para a Educação Básica com ênfase no Ensino de História e Educação para as relações étnico-raciais apresentando possibilidades de ações didáticas que possibilitem a formação da identidade dos alunos na Educação Básica. g) Discutir os procedimentos metodológicos para as práticas pedagógicas de trabalho com as relações Ético-Raciais na escola com base na lei 10.639/03. Total 15 100% Fonte: Produzido pelas autoras

Como representado acima, as discussões sobre a Educação das relações Étnico-raciais no campo da educação estão distribuídas entre diversas áreas e seguindo linhasde estudo e investigação diferentes. Na Educação Infantil, os estudos equivalem a 13% e relacionam-se a formação da identidade da criança negra e conscientização sobre a importância de trabalhar temas relacionados à discriminação racial na escola e com a criança da Educação Infantil. Nestes, não encontramos uma disciplina específica tratando da temática.

Em relação ao Ensino Fundamental, foram encontrados 4 (quatro trabalhos), que correspondem a 26,7% do total.Neste, houve maior diversidade de temas. O primeiro discute as propostas dos livros didáticos de História, levantando reflexões sobre como os livros incluem ou pensam a educação das Relações étnico-raciais.No segundo, apresenta a preocupação dos autores quanto a descolonização do currículo, haja vista que segundo os mesmos, um dos problemas da inserção da lei é justamente conseguir tornar o currículo pluriétnico, já que desde a implantação do mesmo na educação brasileira, esse vem apresentando traços da visão européia em sua estrutura. O terceiro trata das relações étnico-raciais no Ensino de Ciências, essa é uma abordagem que despertou interesse, uma vez que a proposta da autoria é poder promover a educação das relações étnico-raciais, entendida enquanto direito humano fundamental, ou seja, deve ser pensada em qualquer área da educação, por fim, o último artigo que propõe discutir as representações tanto dos professores quanto dos alunos que frequentam o Ensino Fundamental sobre relações étnico-raciais.

Já sobre ou no Ensino Médio, encontramos apenas 1 (um) trabalho, que corresponde a 6,7%. Esse pretendia verificar a percepção dos professores sobre a educação das relações étnico- raciais nessa modalidade de ensino, já que nesse, esse tema é discutido, porém, sem muitas evidencia em função da própria proposta do currículo escolar para o mesmo.

Na formação dos professores, identificamos também 1 (um) trabalho que trata de uma importante discussão lembrada anteriormente, que é justamente tratar das relações raciais na formação de professores, pois, apesar desse tema ter se tornando conteúdo escolar, sabe-se que uma das dificuldades é exatamente em como colocá-lo em prática, uma vez que, muitos professores ainda a desconhecem, ou, o conhecem, mas sem segurança efetiva de como tratar na sala de aula.

Nosso último tópico que corresponde ao maior percentual 46,7%, o qual demostra as relações étnico-raciais em outros campos da educação, foi identificado que há discussões pertinentes, porém, os maiores enfoques são nos desafios a serem encontrados com a implantação da Lei 10.639/03 na escola, pois os temas mais comuns são: desafios; introdução da lei; ensinar e aprender em meio às relações étnico-raciais no Brasil (desafios). Apenas 1 (um) com a proposta de se trabalhar ações positivas que favoreçam a efetivação na formação social dos alunos.

Tabela 5: Educação das relações Étnico-Raciais no Ensino de História Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 95 de 152

Áreas da Finalidade/ Categoria % Autores Educação Discutir os desafios da Lei 10.639/03 no Ensino de História José Ricardo Órea 6,7% na Educação Básica Fernandes Elaine Santos de Ensino de Oliveira; História Suscitar reflexões acerca das configurações de abordagem da Maria Alaine da Silva 6,7% História do Negro nos livros didáticos de História. Santos; Andréa Giordanna Araújo da Silva Total 2 13,4% Fonte: Produzido pelas autoras

Este quadro representa o percentual de trabalhos aqui discutidos, no total, apenas 13,4% representam os estudos que integram Ensino de Histórias às Relações Étnico-Raciais. Sendo o foco do primeiro é discutir os desafios da implantação da Lei 10.639/03 no Ensino de História e o segundo; apresenta reflexões sobre a história do negro nos livros didático e sua adequação de acordo com a lei.Outras reflexões encontradas nos mesmos é discutir como o professor faz uso do livro em sua prática pedagógica, tendo como instrumentos teóricos os estudos que tratam da necessidade da discussão da diversidade étnico-racial como fenômeno estrutural da sociedade brasileira e como conteúdo de ensino no universo escolar.

Considerações finais

No decorrer deste estudo, tivemos a oportunidade de perceber o quantoàs relações etnico- raciais tem sido objeto de estudo na àrea de educação em todos os níveis de ensino e em variados campos. Encontramos além de desafios, proposições de como tralhalhara tematica no ensino em conformidade com a legislação.

Retomando as questões de partida deste estudo, apontadas na introdução deste artigo, observa-se que a frequência com que as publicações são feitas na area do Ensino de História, em relação a outros campos, são minimas. Conforme a determinação da Lei Nº 10.639/03, essa deve ser uma das disciplinas prioritaria para o ensino da Historia e Cultura Afrobrasileira e Africana.

No que se refere à finalidade do desenvolvimento da temática, observamos que as intenções estão centradas em: a formação da identidade da criança negra, aspecto que parece contribuir para a auto aceitação da etnia por parte dessas crianças; como os livros didáticos incluem ou pensam a educação das relações étnico-raciais, entendemos que,por ser este um dos principais instrumentos disponível para o professor é preciso que seja feito uma leitura crítica de seus conteúdos para que não sejam utilizados como vetor de disseminação dos estereótipos; destaca-se também a preocupação com a descolonização do currículo, considerando que currículo está além do trabalho com os componentes curriculares, mas significa incluir no processo de aprendizagem e todos os artefatos culturais que os estudantes trazem para escola por meio das suas experiências. Portanto, importa pensar um currículo pluriétnico; outra finalidade, diz respeito a formação de professores, é um dos pontos cruciais, considerando que estes profissionais precisam ser instrumentalizados para atender o espaço diverso que é a escola; por fim, nos deparamos ainda com a proposta de trabalhar ações positivas que favoreçam a efetivação na formação social dos alunos.

No que diz respeito aos resultados encontrados e que podem ser identificados acerca das relações étnico-raciais nos estudos mapeados, percebe-se que o número de publicação e crescimento de interesse nesse campo se ampliou bastante após a implantação da Lei nº. 10.639/03, embora essa amplitude não garanta necessariamente implementação e mudança efetiva na educação e no Ensino de História.

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Neste sentido, é indispensável destacar a formação continuada por parte das instituições as quais os profissionais estejam vinculados. Fazemos referências ás Secretaria de Educação do estado e dos municípios no sentido de desenvolver projetos para assegurar a promoção de educação antirracista neste espaço; incentivo para os educadores se atualizarem, pesquisarem e estudarem sobre a temática, bem como, o acesso a material pedagógico atualizado.

Diante disso, percebemos que o ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana precisa, obrigatoriamente ser trabalhado nas instituições brasileiras de ensino, para que a história, a cultura e a memória africana possam ser reconhecidas e respeitadas e para que os/as estudantes negras/os e possam auto- definir negras/os de fato.

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Enviado em 30/04/2017 Avaliado em 15/06/2017

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A VISÃO DA EQUIPE MULTIPROFISSIONAL DE UM HOSPITAL GERAL EM RELAÇÃO À ATUAÇÃO DO ASSISTENTE SOCIAL

Bruna Fernanda Barros de Morais42 Marlene Almeida de Ataíde43

Resumo O artigo procura avaliar o olhar que a equipe multiprofissional detém sobre a atuação dos assistentes sociais e como definem a atuação destes junto à equipe do hospital. É um estudo qualitativo, que utilizou a metodologia da história oral com profissionais da Residência Multiprofissional, que foram eleitos para este estudo, tais como: Fisioterapia, Enfermagem e Farmácia, além dos preceptores destas áreas do saber que atuam num Hospital Geral da Zona Sul de São Paulo. A equipe multidisciplinar apontou a importância de formações para compreender as atribuições do Assistente Social, bem como a melhoria do trabalho interdisciplinar e foi possível identificar que é necessária uma luta da categoria do Serviço Social para a defesa na atuação das suas competências e atribuições. Palavras-chave: Residência Multiprofissional, Assistente Social, Serviço Social, Pesquisa qualitativa.

Abstract The article tries to evaluate the multiprofessional team 's gaze on the social workers' performance and how they define their performance with the hospital staff. It is a qualitative study that used the oral history methodology with professionals from the Multiprofessional Residency, who were chosen for this study, such as: Physiotherapy, Nursing and Pharmacy, besides the preceptors of these areas of knowledge who work in a General Hospital of the South Zone of Sao Paulo. The multidisciplinary team pointed out the importance of training to understand the duties of the Social Worker, as well as the improvement of interdisciplinary work and it was possible to identify that a struggle of the category of Social Work for the defense in the performance of its competences and attributions is necessary. Keywords: Multiprofessional Residence, Social Worker, Social Work, Qualitative Research.

Introdução

O presente estudo trata da visão que a equipe multiprofissional de um Hospital Geral localizado na zona sul da Capital-SP, detém em relação à atuação do assistente social. O Referido Hospital atende um território extenso que abrange principalmente 2 (duas) Subprefeituras, sendo elas: Capela do Socorro e Parelheiros, os quais se enquadram em altos índices de Vulnerabilidade Social44.

42 Graduada em Serviço Social pela Universidade de Santo Amaro (UNISA). Pós-Graduada no Curso de Residência Multiprofissional na modalidade Emergências Clínicas e Trauma, realizada no Hospital Geral do Grajaú - SP, em parceria UNISA. Especializando no Curso de Dependência Química na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) em parceria com a Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (UNIAD) e o Centro de Referência em Álcool, Tabaco e Outras Drogas (CRATOD). 43 Doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP. Orientadora do Trabalho de Conclusão do Curso. 44Vulnerabilidade social apresenta-se como uma baixa capacidade material, simbólica e comportamental de famílias e pessoas para enfrentar e superar os desafios com os quais se defrontam, dificultando o acesso à estrutura de oportunidades sociais, econômicas e culturais que provêm do Estado, do mercado e da Sociedade. Refere-se a uma diversidade de “situações de risco" determinadas por fatores de ordem física, pelo ciclo de vida, pela etnia, por opção pessoal etc, que favorecem a exclusão e/ou que inabilita e invalida, de maneira imediata ou no futuro, os grupos afetados (indivíduos, famílias), na satisfação de seu bem-estar – tanto de subsistência quanto de qualidade de vida. A pobreza, por Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 99 de 152

Importante ressaltar que os profissionais em questão pertencem à Residência Multiprofissional. Trata-se de uma especialização na área da saúde à qual agrega algumas profissões como: Fisioterapia, Enfermagem, Farmácia e Serviço Social, que contemplam o campo de teoria e prática do programa de um Hospital Geral, voltado para o atendimento de emergências clínicas e traumas. Nessa perspectiva, ocorre a troca de setores do referido Hospital sendo eles: pronto socorro, ortopedia, unidade de terapia intensiva, (UTI), unidade de terapia semi-intensiva, clínica médica e clínica cirúrgica, e toda a prática ocorre através dos grupos que são separados por profissão, onde cada área tem um preceptor que é funcionário da instituição. As vivências nesse programa possibilitam aperfeiçoar os conhecimentos adquiridos na academia com a prática através das experiências do cotidiano.

Delimitou-se como objetivo geral identificar como a equipe da Residência Multiprofissional de um hospital localizado no extremo da zona sul de São Paulo visualiza o papel do assistente social residente nesse contexto e, como específicos avaliar o olhar que a equipe multiprofissional detém sobre a atuação dos assistentes sociais residentes e como definem a atuação desses junto à referida equipe, na perspectiva ainda de conhecer se a equipe multiprofissional avalia importante o trabalho do assistente social residente e também dos preceptores dessa área. E por fim, averiguar se a equipe multiprofissional possui clareza em relação às demandas que são afetas a área do assistente social, e os elementos que lhes faltam para compreender o papel dessa área que tem uma determinada especificidade.

Do ponto de vista do problema levantou-se que os profissionais do Serviço Social se sentem sobrecarregados com demandas administrativas ou de outras áreas devido aos demais profissionais da equipe multiprofissional não terem a dimensão sobre a atuação desses profissionais. Conseguinte surgiu uma indagação, ou seja: Qual é a visão que os profissionais da equipe multiprofissional detêm sobre o Serviço Social enquanto participes dessa equipe?

Enquanto hipótese tinha-se que o Serviço Social do Hospital de Emergência e Urgência atende demandas diversas voltadas às questões de cunho administrativo e, informações gerais que são inclusive específicas de outras áreas. São demandas encaminhadas pela equipe multiprofissional, cujos sujeitos demandantes não conhecem as especificidades dos profissionais do Serviço Social, supondo-se, ainda, que não receberam informações no sentido da distinção de papeis que demandam a área em que os assistentes sociais atuam.

O presente artigo é parte da Monografia do Trabalho de Conclusão da Residência Multiprofissional em Emergências Clínicas e Trauma, cujo método adotado para a coleta de dados foi o da História Oral enquanto uma relação de diálogo entre o pesquisador e o entrevistado. A pesquisa encontra-se devidamente autorizada pelo Comitê de Ética da Universidade Santo Amaro e recebeu o número do CAAE 53473116.8.0000.0081.

Política de saúde

A Política de Saúde é definida como a ação ou omissão do Estado, enquanto resposta social diante dos problemas de saúde e seus determinantes, bem como da produção, distribuição e regulação de bens, serviços e ambientes que afetam a saúde dos indivíduos e da coletividade. (AGUIAR, 2011).

Essa definição reflete a saúde também como política social, pois ela é uma condição de cidadania que objetiva a melhoria das condições sanitárias da população, no entanto, contradiz com a prática no que tange ao acesso da população que se encontra no território e envolve a divisão de

exemplo, é uma vulnerabilidade efetiva, mas a condição de vulnerabilidade, embora a inclua, não se esgota na pobreza. (DICIONÁRIO DE TERMOS TÉCNICOS DA ASSISTÊNCIA SOCIAL, 2006, p. 43)

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 100 de 152 classes sociais, pois a história da saúde perpassa desigualdades sociais, lutas populares e conquistas alcançadas.

A evolução da política de saúde está atrelada juntamente com o desenvolvimento da política econômica e social da população no Brasil, pois se encontra influenciada pelo capitalismo nacional que teve como modelo o capitalismo internacional, tendo em vista que os episódios de epidemias ou endemias45 eram uma ameaça para o capitalismo e a saúde só era prioridade quando atingia esse sistema adotado.

A Reforma Sanitária foi um projeto que buscava a mudança na saúde através de um Sistema Único de Saúde (SUS), além da defesa de espaços de participação popular, pois a saúde deve ser reconhecida como direito social garantido pelo Estado com equidade, integralidade e a universalização. (AGUIAR, 2011).

A Política de Saúde está fincada nos Artigos 196 a 200 da Seção II da Constituição Federal de 1988, apresentada como um direito de todos e dever do Estado, e faz parte do conhecido tripé da Seguridade Social acompanhada pela Assistência Social e Previdência Social. A Lei nº 8.080 de 19 de Setembro de 1990, Lei Orgânica de Saúde (LOS) dispõe sobre SUS, pois,

[...] foram debatidos inúmeros temas inovadores, sobretudo sobre a instituição de um sistema único de saúde (inspirado no modelo inglês), e a relação entre a saúde pública e a sociedade, com a participação de entidades representativas da sociedade civil. O sistema único, desvinculado da Previdência Social, deveria centralizar as políticas governamentais para o setor e, ao mesmo tempo, regionalizar o gerenciamento da prestação de serviços, priorizando o setor público e universalizando o atendimento. (SIMÕES, 2012, p. 130).

O SUS está inserido na Política de Saúde após um grande processo de evolução que perpassa o contexto político, econômico e cultural da história da saúde no Brasil, considerado como uma grande conquista popular, pois é uma garantia de saúde como direito social, fincado nas Leis 8080/90 e 8.142/90 e no decreto nº 7.508/2011, e tem como princípios a universalidade, igualdade e integralidade aplicadas nacionalmente na atenção à saúde e algumas diretrizes importantes desse sistema que são descentralização, regionalização, hierarquização e participação social que fazem parte da legislação orgânica da saúde. Diante disso a saúde é direito de cidadania e um dever do Estado, sendo abarcada nos níveis das esferas dos governos Federal, Estadual e Municipal.

O processo saúde-doença46 é de suma importância para o sistema de saúde, pois para uma boa atuação profissional e gestão deve ter a dimensão de que essa faz parte das dimensões biológicas, psicológicas, socioculturais, econômicas, ambientais e políticas, e claro respeitando a atualidade social. Assim, o SUS é visto como um grande avanço nas políticas públicas, mas diante da conjuntura sociopolítica e econômica é preciso uma luta bastante acirrada que possa contar com os esforços da população e dos seus trabalhadores para sua afirmação e garantia.

Percebemos, assim, que o SUS faz parte de uma história de democratização através de lutas que foram realizadas cujos conteúdos e instrumentos de gestão foram pensados e implantados para garantir o enfrentamento dos desafios presentes na realidade brasileira. A citação acima remete a uma reflexão na medida em que se pensa na história da Política de Saúde e as suas raízes ao perceber que a luta pelo fim do modelo médico-assistencial é possível através da efetiva função do sistema que temos e da busca pelo trabalho interdisciplinar voltado para outras profissões com a

45 Endemia: ocorrência coletiva de uma determinada doença transmissível em uma determinada área geográfica acometendo a população de forma permanente e contínua. Epidemia: ocorrência súbita de uma determinada doença transmissível em uma determinada área geográfica, acometendo em curto espaço de tempo grande número de pessoas. (AGUIAR, 2011). 46 Na Lei Orgânica da Saúde (LOS) nº. 8.080, de 19 de setembro de 1990, em seu artigo terceiro, ao definir o conceito de saúde-doença explicita os fatores determinantes e condicionantes do processo saúde-doença. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 101 de 152 inclusão da participação popular.

Serviço Social e saúde

Por volta da década de 1930, surge o Serviço Social no Brasil, contudo, suas atividades se voltavam para a caridade e o assistencialismo e apresentava uma vertente conservadora ligada a Doutrina Social da Igreja Católica, ou seja, filantropia e ajuda.

Nas décadas de 40 a 50 o Serviço Social no Brasil recebe influência norte-americana, quando passa a beber na fonte da psicanálise, na sociologia de base positivista e funcionalista sistêmica. Ocorre o início das práticas de comunidade, abordagens individuais e de grupos, desenvolvendo-se através do chamado Serviço Social de Caso, de Grupo e de Comunidade.

Em 1960, o Serviço Social inicia um movimento de luta, com o objetivo de mudanças na profissão e desligamento das raízes e influências da Igreja Católica, através de um movimento da renovação na profissão, em termos de reatualização do tradicionalismo e em busca de ruptura com o conservadorismo.

Esse período foi marcado pelo Movimento de Reconceituação, também chamado de “Intenção de Ruptura”, e uma aproximação com a vertente marxista. Netto, (1996) apud Matos (2013, p. 59) analisa a renovação do Serviço Social no Brasil pós-1964, apresentando três tendências, sendo a hegemônica nos anos 1960 e 1970, que foi denominada “perspectiva modernizadora”, depois o autor traz a identificada “reatualização do conservadorismo” pautada na fenomenologia e por último a “intenção de ruptura” que realizava um recurso à tradição marxista, sendo essa a base para um grande debate desde então fundamental na teoria do atual projeto profissional.

Durante sua construção na história, o Serviço Social rompe com seu passado conservador, e se desliga da caridade, se tornando assim, uma profissão inserida na divisão social e técnica do trabalho, na qual atua com demandas das expressões da questão social, dentro das políticas públicas, entre elas a de saúde. Portanto, o Serviço Social é uma profissão da Política de Saúde reconhecida pela Resolução nº 218, de 06 de março de 1997 do Conselho de Saúde, e pela Resolução nº 383 de 29 de março de 1999 do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS).

É importante ressaltar que o objeto de trabalho do Assistente Social, ou seja, as expressões da questão social são apontadas na Lei nº 8.080 / 1990, a qual específica os fatores determinantes e condicionantes da saúde. Esse aspecto é muito importante no que tange ao processo saúde-doença e o Serviço Social tem uma grade curricular atribuída e um olhar focalizado para atuar com essas especificidades.

Pinheiro (1985) apud Matos (2013, p. 57) contextualiza que o Serviço Social surge nos hospitais com a demanda de construir um elo entre a instituição e a família, enquanto usuários, visando garantir seu tratamento após a alta, bem como para realizar um trabalho com a família para que não sofra materialmente com a ausência do chefe. Bravo (1996) discorre que a intervenção do assistente social era baseada no atendimento, que tinha como recurso a metodologia do Serviço Social de Casos, e que, devido a sua referência ao funcionalismo, compreendia que os problemas vividos pelos “clientes” eram frutos de seu próprio comportamento e, portanto, mudando os seus hábitos, alterar-se-ia a sua situação.

Residência Multiprofissional e o Serviço Social

No ano de 2005, é criada a Residência Multiprofissional em Saúde, com a Lei 11.129, através de uma perspectiva integral idealizada pelo SUS, objetivando a importância de todos os profissionais no atendimento ao usuário.

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A Residência Multidisciplinar é apontada como positiva na atuação dos profissionais inseridos no contexto da Política de Saúde, contudo sabemos que existem contradições na atual conjuntura, diante do sucateamento e privatização dos serviços públicos de saúde, o papel que se espera da residência não tem garantia de cumprimento. (MENDES, 2013).

Nessa direção, o Serviço Social é uma profissão que após um processo de luta está inserido pelo Conselho Nacional de Saúde como profissão que compõe uma equipe de saúde. É importante ressaltar que essa profissão vai além da assistência direta ao usuário da instituição de saúde, busca, outrossim, estratégias de intervenções no contexto abrangente, visualizando todo o processo do indivíduo, olhando os determinantes sociais de saúde e atuando na historicidade e realidade dos sujeitos.

Em um Hospital Geral as demandas de atendimento do assistente social são diversificadas, ou seja, realiza entrevistas para levantar dados socioeconômicos orienta quanto aos direitos sociais, intervém em casos de violências, encaminha para os recursos da rede de serviços, entre outras. Neste processo surgem ainda as demandas que não são ou estão afetas diretamente aos profissionais do Serviço Social no que aborda as competências e atribuições. Desta forma os profissionais devem estar atentos e embasados no Código de Ética Profissional, no Projeto Ético Político Profissional e nos Parâmetros para atuação na saúde, e esses devem apontar e esclarecer seu papel, para que dessa forma as instituições não lhes atribuam uma identidade profissional decidindo a sua prática, ou de acordo com Martinelli (1999, p. 67), “[...] expressando uma síntese das práticas sociais pré-capitalistas – repressoras e controlistas - e dos mecanismos e estratégias produzidas pela classe dominante para garantir a marcha expansionista e a definitiva consolidação do sistema capitalista”.

Vidal e Oliver (2007) relatam que os gestores de hospitais públicos de emergência consideram que a admissão de usuários sem suporte da família ou de moradia é um dos maiores problemas no hospital, sendo casos exclusivos e entregues ao Serviço Social, o que causa conflitos interprofissionais a depender das ações realizadas. A Residência Multiprofissional está como uma oportunidade para esclarecer papéis, agregar o trabalho multidisciplinar no contexto hospitalar, uma oportunidade de mudança em equipes engessadas, na construção de saúde de acordo com os princípios do SUS.

Análise dos resultados da coleta de dados e a discussão das categorias

No que diz respeito à atuação de assistentes sociais em um Hospital Geral, as narrativas dos sujeitos da pesquisa trazem em seus discursos situações que se convergem, mas que também divergem.

[...]. Então a gente tem muitos casos que a gente depende muito do serviço social tá acompanhando a visita multidisciplinar, porque ele norteia pra gente o caminho a gente seguir, porque às vezes o paciente tá confuso, o paciente necessita do familiar, ou se não a gente falta informação caixa diagnóstico, então acho que é fundamental tá participando da visita multidisciplinar, todos os dias. (Preceptora Fisioterapeuta)

Eu tenho uma impressão muito boa que vocês solucionam a maior parte das coisas, pelo menos fazem o máximo para solucionar, mesmo que às vezes não estejam ao alcance de vocês. (Residente Fisioterapeuta)

Nas narrativas da Preceptora Fisioterapeuta, bem como da residente desta área, colocam sobre a importância do Serviço Social, no contexto hospitalar, quando a referida preceptora traz a importância do Serviço Social no acompanhamento da visita multidisciplinar, na perspectiva de identificar algum paciente, ou buscar os familiares para entender o contexto anterior de problemas Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 103 de 152 de saúde, para trazer informações para a equipe, referente aos determinantes importantes na análise social.

Referente às questões burocráticas, citadas em algumas falas, é possível analisar que os profissionais que atuam na assistência direta ao usuário, ou em um ambiente institucional, podem estar inseridos no contexto de produtividade que emerge nas relações profissionais, ou seja, existem exigências burocráticas, da exiguidade de recursos, das normas para reduzir custos, do corte de verbas do neoliberalismo (FALEIROS, 2014). O assistente social por muitas vezes está mediando situações de alta hospitalar, orientações de agendamento de consultas, solicitações de processos administrativos na rede como oxigênio domiciliar ou remoção, o que remete a equipe olhar o profissional no âmbito da resolutividade burocrática. Neste contexto (VASCONCELOS, 2012), discute que existem três demandas que são dirigidas ao Serviço Social em instituições hospitalares, que causam grandes controvérsias na categoria profissional, são elas: alta, remoção e óbito. Devido ao aspecto burocrático inserido historicamente na profissão, existem documentos normativos através do Conselho da profissão que foi elaborado para que as ações sejam realizadas no âmbito das competências.

No geral existe uma contradição na forma de pensar a importância do assistente social no programa de Residência Multiprofissional pelos profissionais entrevistados, pois o pensamento que apresentam supõe a necessidade de suprir demandas, ao mesmo tempo em que trazem o aspecto da melhoria do atendimento no que tange as condições de vida, mediação de situações e resolução de problemas.

A ênfase nas narrativas que enaltecem o Serviço Social como “super importante”, “é extremante importante”, “é muito importante”, coloca os profissionais como insubstituíveis, no entanto, não avaliam quais são as suas atribuições enquanto um profissional que deve ser resolutivo nas ações na busca por garantia de direitos dos usuários.

O Serviço Social enquanto parte da equipe multidisciplinar, é exemplificado em uma narrativa, ou seja, “[...] o Serviço Social sim, dentro da equipe multi, é isso que eu brigo muito aqui no Hospital Geral do Grajaú, pelo menos na parte ortopédica”.

Na visão do Preceptor Enfermeiro, o Serviço Social enquanto parte da equipe multidisciplinar, é comparado a um corpo humano que deve funcionar como todos os membros. Esta comparação nos remete ao mesmo que estar se reportando à integralidade do atendimento ao usuário e o da importância do trabalho interdisciplinar.

Por outro lado, visualizamos em comum nas narrativas uma demanda ao narrar que a atribuição do Serviço Social é “buscar por familiares”. O Preceptor de Farmácia aponta que nenhuma outra profissão faria isso, cujas narrativas são comuns nesse aspecto, em que a profissão é a ponte. Todavia indaga-se: será que a ação/intervenção está pautada tão somente na busca pelos familiares? Não. Pois, além disso, o Serviço Social deve ter a dimensão do contexto familiar, para identificar demandas no âmbito das relações e atuar conforme os Parâmetros de Atuação na Saúde apresentados neste trabalho.

Ele é extremamente importante, o Assistente Social porque, ele é a porta de comunicação do paciente e do acompanhante e com os outros profissionais, porque se não tivesse Assistente Social e não sei como seria, porque ninguém correria atrás de parente, de paciente que venho de alguma outra forma e ninguém sabe, é trâmites que precisa fazer, para fazer outros procedimentos é coisas de legislação que o paciente, paciente, tanto profissional de saúde precisa fazer pra encaminhar paciente para outro serviço, se não fosse o Assistente Social não teria essa ponte e não tem como, não dá , eu não vejo o Serviço Hospitalar sem o Assistente Social. (Preceptor Farmacêutico)

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Nesta categoria de análise a narrativa ficou voltada para a atuação do profissional diante da grande demanda de usuários no hospital e nos aspectos de suprir necessidades da equipe e do hospital na sua integralidade. Enquanto Residência Multiprofissional, o Serviço Social se insere no contexto do processo de ensino aprendizado, cujas narrativas se encontram na contramão desse processo ao percebê-los na forma de mão de obra.

No que diz respeito à intervenção de assistentes sociais residentes e assistentes sociais permanentes da instituição, ao analisar esta categoria observa-se que as narrativas no geral, tiveram discursos voltados para a atuação do residente e do profissional em Serviço Social, não pautada por comparações, mas voltado para as ações e experiências vivenciadas pelos profissionais residentes e os contratados.

Algumas demandas foram pontuadas pelos entrevistados quando se acionou o Serviço Social, no que diz respeito às pessoas em “situação de rua”, “busca por familiares” e “altas empacadas”, levantando que o Serviço Social já foi acionado, mas não informando sobre a demanda. O Serviço Social, ainda segundo as narrativas, também já foi acionado devido o paciente não saber a medicação que usava antes da internação, essa demanda foi pontuada tanto pelo Preceptor de Farmácia, quanto pelo Residente. O diferencial na fala de ambos é quando o Preceptor cita o processo de acionar, mas que é importante um acompanhamento conjunto da equipe até o final do processo, tanto para o paciente que visualiza esse acompanhamento, quanto para o profissional que aprende com o outro profissional.

Outras demandas que os sujeitos da pesquisa apontam que já acionaram é a busca pela rede, e devido “problemas sociais”. O preceptor de enfermagem por outro lado, abre outra discussão ao se referir a problemas sociais, ou seja, ele discorre algumas demandas como exemplo: paciente em situação de rua, situação de dependência química e pessoas idosas que não têm retaguarda familiar. Menciona como as demandas que mais têm trabalhado ao reforçar a importância de construírem junto as intervenções, pois têm atuado mais com profissionais da residência, mas esclarece que é no âmbito ensino aprendizagem e afirma que a qualidade da assistência é diferenciada, devido um conjunto de fatores entre eles a distribuição de tarefas.

Já solicitei muitas vezes o Serviço Social principalmente os da residência, principalmente com questões familiares, é sempre quando eu tenho um problema social, alguma família que tem alta e não tem condições de ir pra casa, tudo eu sempre chamo o Serviço Social e ele sempre me acolhe. (Residente Enfermeiro)

(VASCONCELOS, 2012, p. 96), traz a frase de uma assistente social ao enfatizar que “O Serviço Social não soube ser indispensável”, e posteriormente a autora frisa que para os usuários geralmente a profissão é fundamental, mas para a equipe nem sempre, pois “Ele é indispensável para a unidade de saúde, que precisa de tranquilidade no seu cotidiano de mesmice, o que exige abafar os conflitos [...], “É indispensável para a unidade de saúde que necessita dar uma aparência de calma e normalidade ao andamento de suas rotinas [...]. São inúmeros os argumentos usados pela autora, e o fechamento desta análise é um contexto que o Serviço Social lida diariamente, “é junto ao assistente social que o usuário se depara com a falta de medicamento, da alimentação especial e/ou necessária e das informações indispensáveis, então o Serviço Social ele é “muito importante, mas pode ser dispensado em algumas demandas.”

Ao narrar sobre o papel exercido pelo assistente social na instituição, nesta categoria de análise os sujeitos de pesquisa se assemelham quando discorrem em suas narrativas a necessidade de esclarecimentos dos papéis e da atuação do Assistente Social. Pode-se observar que diante desses apontamentos, há uma interrogação sobre as atribuições da profissão no âmbito hospitalar, e que existe a necessidade de melhorar o diálogo institucional, para uma educação profissional e encaminhamentos pertinentes. Podemos compreender que o caminho está na atuação interdisciplinar, pois:

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[...] a construção da prática interdisciplinar tem o potencial de contribuir para a superação de uma visão / ação compartimentada, fragmentária e individual em saúde. Essa construção pressupõe que cada uma das categorias ofereça sua contribuição, preservando a integralidade de seus métodos e conceitos (SILVA; MENDES 2013, p. 59).

A Residência Multiprofissional nesta categoria é ressaltada como elo para compreender o papel do Serviço Social, quando então a residente de enfermagem afirma que “[...] se não estive inserida no processo de residência, não saberia o que faz um Assistente Social”. Justifica que as trocas são possíveis através dos espaços teóricos, mas não traz aspectos palpáveis sobre a categoria analisada. Contradizendo a residente, o enfermeiro preceptor, inserido no cenário da prática discorre aspectos importantes da categoria, ou seja, verbaliza que o “assistente social lida com questões sociais”. A sua narrativa se justifica, pois o objeto de trabalho do profissional do Serviço Social são as expressões da questão social. Dando prosseguimento a sua narrativa ressalta ainda que “as profissões Medicina e Enfermagem estão voltadas para a patologia” tendo em vista que:

[...] o Serviço Social tem na questão social a base de sua fundação como especialização do trabalho. Questão Social apreendida como conjunto das expressões das desigualdades sociais da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade. (IAMAMOTO, 2011, p. 27).

A Preceptora da Fisioterapia narra que “tem que irem UBS, o programa de vocês não é só o paciente aqui enquanto internado, mas vocês acompanham um pouquinho ele lá fora”. Esse entendimento é importante, pois de toda a equipe multiprofissional o Serviço Social tem este papel, tem possibilidades de atuação no território, tem técnicas de trabalho que possibilitam a atuação além dos muros da instituição onde presta serviços.

(MATOS, 2013, p. 119), complementa que:

[...] na saúde está posto ao profissional de Serviço Social o desafio de identificar os aspectos sociais, econômicos, culturais e políticos que atravessam o processo saúde-doença vivenciado pelos usuários, e seus familiares e amigos, mobilizando estratégias para o enfrentamento dessas questões.

No geral os sujeitos abordam que o papel do assistente social foi compreendido através da convivência com o profissional, seja ele na residência ou na prática institucional.

Considerações finais

A Residência Multiprofissional proporciona uma interação de profissões dentro de uma instituição de saúde, na qual estão inseridos os profissionais contratados e os residentes que estão no processo de ensino e aprendizado.

O trabalho interdisciplinar ocorre quando acontece a troca de saberes, cada um com sua ciência e conhecimento, dialogando para uma intervenção qualificada e articulada, na perspectiva de totalidade dos sujeitos.

O Serviço Social perpassou um processo histórico de lutas e avanços, mas percebe-se que sua base ligada à caridade e a filantropia, apesar do contexto de ruptura e bases legais que sustentam a profissão na contemporaneidade, ainda se observa a existência de resquícios da sua gênese, permeado por práticas que estão indo na contramão do Projeto Ético Político Profissional uma vez que os profissionais, se encontram vulneráveis nas instituições não se empoderando dos seus saberes e práticas, muitas vezes permitindo que lhes atribuam identidade profissional, e nessa Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 106 de 152 direção não buscam se desvencilharem das amarras institucionais, como também não se mobilizarem na defesa dos parâmetros que ancoram a profissão.

O problema desta pesquisa aponta que devido os profissionais da equipe multiprofissional não terem a dimensão sobre o papel do Serviço Social, os impactos causavam um fardo com questões administrativas encaminhadas a esses profissionais. Foi possível verificar que os sujeitos estão inseridos em uma rotina que falta a melhoria do trabalho interdisciplinar. Neste aspecto, as profissões realizam seus papéis enquanto protocolos, a troca é possível, mas depende da iniciativa do profissional. Desta forma a hipótese se confirma, pois, o Serviço Social enquanto percepção da equipe está para resolver questões burocráticas, ou as demandas apresentadas são entendidas como “problema social” e não um paciente de um território que pode retornar ao serviço hospitalar e ser atendido por uma equipe multidisciplinar / interprofissional.

Em geral esta pesquisa propiciou conhecimento ao verificar que existe uma diferença na visão que os profissionais têm do Assistente Social. É necessário que haja espaço e iniciativas de trocas tanto na residência como na unidade prática de saúde e que o propósito seja compreender as especificidades de cada profissão, para um resultado produtivo para equipe e os usuários.

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Enviado em 30/04/2017 Avaliado em 15/06/2017 Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 107 de 152

PSICOPEDAGOGIA E NEUROLINGUISTICA: SUAS RELAÇÕES

Bruno Gomes Pereira47 Viviane Ferreira Dourado48

Resumo Este artigo ressalta importância da atuação do psicopedagogo nos casos comprovados com a neurolinguística que é a ciência que estudo o funcionamento do cérebro e as suas relações com a linguagem. Uma vez que esse profissional vem como um auxílio aos educadores frente ao ato de ensinar, para que eles possam encontrar assim as melhores alternativas de trabalho para as crianças, especialmente as que necessitam de um cuidado e atenção diferenciada, com o intuito de solucionar ou mesmo precaver problemas futuros relacionados à linguagem, diante de problemas neurológicos apontar a como o psicopedagogo pode está auxiliando na elucidação desses problemas e como a psicopedagogia pode colaborar na mediação entre os professores e a comunidade escolar, fazendo com que através de estratégias e métodos eficientes as dificuldades sejam sanadas e a criança tenha acesso a aprendizagem independente da sua patologia. Palavras-Chave: Psicopedagogia. Neurolinguistica. Crianças.

Resumen En este trabajo se hace hincapié en la importancia del trabajo del psicólogo educativo en casos demostrado neurolingüística que es la ciencia que estudia el funcionamiento del cerebro y su relación con el lenguaje. Una vez que el profesional se presenta como una ayuda a los educadores a través del acto de enseñar, por lo que sólo puede encontrar las mejores alternativas de trabajo para los niños, especialmente aquellos que requieren una atención cuidadosa y especial con el fin de resolver o incluso evitar futuros problemas relacionados con la lengua, antes que los problemas neurológicos apuntan como el psicopedagogo puede ayuda a esclarecer estos problemas y cómo la psicología de la educación puede ayudar a mediar entre los maestros y la comunidad escolar, de manera que a través de estrategias y dificultades métodos eficientes se resuelven y el niño tiene acceso al aprendizaje independiente de su condición. Palabras clave: Psicología. Neuro. Los niños.

Introdução

A ciência começa então apontar diferentes problemas que podem ser ocasionados, estudos que levam a descobrir e a apontar a necessidades da boa atuação de outros profissionais, como no caso do psicopedagogo.

A atuação do psicopedagogo parte da compreensão que vem se construindo a respeito da infância como uma fase da vida, importante para a constituição da identidade humana, tem levado os educadores a se dedicar para ampliar a compreensão desta fase e estabelecer, propostas educativas que atendam às necessidades da criança e orientar a organização de espaços educacionais propícios a tal finalidade.

Vive-se numa sociedade cada vez mais preocupada em acumular bens materiais. Essa busca se transforma em sacrifício do tempo que poderia ser destinado às relações humanas.

47 Doutor em Ensino de Língua e Literatura (UFT) e professor de Língua Portuguesa do Centro Universitário ITPAC/Araguaína. E-mail: [email protected]. 48 Acadêmica do Curso de Mestrado pelo ISEL. E-mail: [email protected]. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 108 de 152

Introdução à Psicopedagogia

O surgimento da Psicopedagogia aconteceu a partir da extrema necessidade de solucionar problemas ligados à aprendizagem. Assim Mansini (2006), afirma que:

A Psicopedagogia, como área de estudos, nasceu da necessidade "de atendimento e orientação a crianças que apresentavam dificuldades ligadas a sua educação, mais especificamente, a sua aprendizagem, quer cognitiva, quer de comportamento social". Ela pode cooperar com o trabalho realizado na Educação Infantil, principalmente na prevenção de futuros problemas de aprendizagem, oferecendo meios para que seja trabalhado o desenvolvimento infantil. Apontar direções para o planejamento de atividades a serem realizadas com as crianças, podem apresentar, contribuindo para a constituição do processo da organização psíquica. (MANSINI, 2006, p. 249)

Psicopedagogia é compreendida como uma ação que é fornecida juntamente ao plano pedagógico escolar com o intuito de ajudar o processo educacional, principalmente nas questões de voltadas para a aprendizagem das crianças. Educação moral está relacionada ao trabalho desempenhado pela psicopedagogia por consideramos que as crianças desde cedo precisam ter a formação ética, social e cultural sendo que isto deve ser trabalhado em todas as etapas do seu desenvolvimento.

Conforme os estudos de Bossa (2000, p. 89), a Psicopedagogia preventiva abrange, "todo o sujeito e a instituição, em suas relações e particularidades". A partir dessa reflexão, podemos afirma que a escola tem sua composição física e outra prática relacionada a aprendizagem oferecida, sendo assim um ambiente ideal para a atuação de um psicopedagogo . Por isto os procedimentos didáticos devem ser analisados uma vez que esses interferem grandemente na aprendizagem, assim devem ser abordado e discutido. De acordo Fagali e Vale (2003) a Psicopedagogia pode trazer várias contribuições, assim ele afirma que:

A partir da das relações entre o sujeito e o meio familiar e social em que vive. A psicopedagogia pode trazer importantes contribuições para a Educação Infantil, trabalhar as questões pertinentes às relações vinculares professor-aluno e redefinir os procedimentos pedagógicos, integrando o afetivo e cognitivo, através da aprendizagem dos conceitos, nas diferentes áreas do conhecimento (FAGALI; VALE 2003, p.10).

As contribuições da psicopedagogia são diversas na Educação Infantil, desse modo Campos (1997), afirma que a psicopedagogia tem contribuído significativamente para a ação pedagógica, especialmente na educação infantil, fazendo com que os profissionais possam refletir sobre suas ações e com isso contribuir para o desenvolvimento do grupo e aprimorar o bom andamento do processo de ensino aprendizagem.

De acordo com Fagali e Vale (2003), “a Psicopedagogia, na atualidade, vai além das pesquisas relacionadas somente aos problemas de aprendizagem. Os estudos caminham na direção de duas vertentes para a Psicopedagogia: a curativa ou terapêutica e a preventiva”. Sendo nas instituições escolares geralmente trabalha-se a preventiva com intuito de não permite que problemas impeçam de alguma forma o aprendizado.

A atuação do psicopedagogo é bastante primordial na educação infantil, assim Souza (2011) ressalta que o psicopedagogo possui grande importância dentro do âmbito escolar, fazendo uma boa relação entre professor, aluno e a família. Possuindo um papel não somente de acompanhamento de casos, mas apoiando e orientando as ações desenvolvidas no contexto escolar.

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Sabe-se que o psicopedagogo desenvolve vários papéis dentro da escola,assim o autor diz que:

O psicopedagogo, na escola, exerce um papel fundamental tanto na relação entre professores, alunos, funcionários e família, muitas vezes, sendo necessário desmistificar a manifestação de sentimento primitivo como a inveja, a competição, que impedem a prática educativa ou professores aspectos que são destrutivos para as relações interpessoais, diagnosticando e intervindo nos sintomas ou discursos que são mantidos vivos e se repetem, não colaborando para o crescimento do grupo, analisar onde a pulsação de morte ativa de forma apenas destrutiva e sem possibilidade do novo, do recriar e do recomeçar (SOUZA, 2011).

O psicopedagogo estabelece vínculos, realiza estudos encima de estratégias que colaborem para que a criança desenvolva-se e alcance a aprendizagem. O diálogo é relevante dentro do âmbito escolar, favorecendo para o desenvolvimento das atividades e contribuindo para o acesso da criança ao âmbito social, visto que a escola representa o primeiro ciclo social ao qual a criança está inserida, no qual possui contato com crianças de sua mesma idade e observa regras nas quais não são comuns no âmbito familiar. Com isso o psicopedagogo nos ajuda a compreender a ação do aluno, visto que existem uma variedade de conhecimentos de mundo que são expostos em um mesmo espaço e uma exposição de personalidade que podem interferir no desenvolvimento do processo de ensino aprendizagem, podendo influenciar tanto positiva como negativamente (SOUZA, 2011).

O acompanhamento Psicopedagógico tem como intuito acompanhar processo da aprendizagem, envolvendo todo o desenvolvimento integral da criança que envolve o aprender; nos aspectos cognitivos, emocionais e sociais. Quando nas escolas são identificadas dificuldades durante o processo de aprendizagem, a Psicopedagogia busca as suas origens, os possíveis distúrbios; as habilidades e as limitações do ser que aprende.

A literatura tem-nos determinado que o trabalho psicopedagógico desenvolvido em instituições educativas de educação infantil tem sido realizado no aspecto preventivo. O psicopedagogo tem a capacidade direcionar o seu trabalho para a formação continuada dos professores envolvidos na didática das aulas, com um púnico objetivo gerar aprendizagem, e, consequentemente, a aprendizagem de seus alunos. A partir dessa reflexão, concorda-se com as seguintes palavras:

Desta forma, a busca de alternativas para a formação dos educadores de creches/pré-escolas e uma das tarefas mais importantes do psicopedagogo preocupado com o caráter preventivo de sua prática nessas instituições. Investigar, analisar e pôr em prática novas propostas para uma formação de educadores que os habilite a estabelecer relações mais maduras e conscientes com as crianças e com a equipe escolar apresenta-se então, como um dos mais fortes desafios ao psicopedagogo comprometido com a educação infantil em instituições (CAVICCHIA, 1996, p. 210).

O psicopedagogo tem uma função primordial, pois através de suas medidas preventivas é capaz de melhorar a qualidade de ensino e de derrubar qualquer obstáculo que impeça o aprendizado.

Introdução à Neurolinguística

A neurolinguistica consiste de ciência que estuda o funcionamento do cérebro em relação linguagem, analisando os mecanismos do cérebro que são responsáveis pela compreensão, produção e conhecimento abstrato da língua tanto a falada ou escrita, verificando os distúrbios clínicos que possam oferecer algum tipo de alteração.

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A neurolinguistica surgiu no século XIX pelo francês Paul Broca e a alemão Karl Wernicke, a partir de diversos estudos sobre a característica da afasia (distúrbio da linguagem devido a lesão cerebral, sofrida por trauma por acidente vascular), parte dos exames, analise e observação eram feitos post-mortem, onde eram verificado as áreas do cérebro que estavam danificadas, considerando o aspecto normal e as patologias apresentadas no campo da linguística, neuropsicologia, psicolinguística e da psicologia cognitiva, relação desses estudos que apontam para a neurolinguistica estudando a patologia da língua.

Relação entre Psicopedagogia e Neurolinguistica

Dentro do campo educacional, pode-se observar diversos problemas no campo da aprendizagem, onde o aluno, seja por patologia ou problemas emocionais, sociais ou psicológicos, apresentam dificuldades ou limitações de aprendizagem e desenvolvimento.

No caso das crianças que apresentam problemas patológicos, comprovados pela neurologia, onde a neurociência da linguagem torna-se um novo campo de estudo da neurolinguística, fazendo uma relação entre a biologia e a teoria linguística, estabelecendo a diferença entre a linguagem sadia e o funcionamento do cérebro.

Na neurolinguistísca analisa sobre as dificuldades no funcionamento da linguagem como sistema cognitivo, segundo Poeppel & Embick (2005) esses apontam dois problemas básicos que os neurocientistas da linguagem enfrentam: (1) Problema da Incomensurabilidade Ontológica, em que os processos da linguagem não podem ser reduzidos aos estudados a nível dos neurônios e; (2) Problema da Incompatibilidade Granular, que argumenta que as unidades mínimas relacionadas à Linguística, como sintagmas e fonemas, apresentam sua natureza completamente diferente da natureza do que é estudado pela neurociência.

Ser acompanhado por um profissional habilitado é direito do aluno que apresenta deficiência na aprendizagem. Contudo, a realidade é bem diferente quando se trata de fazer valer esse direito. Isso se dá pela falta de encaminhamento e apoio de especialistas, a falta de conhecimento e participação da família bem como a realidade financeira da maioria das escolas e famílias (SPINELLO, 2014).

O psicopedagogo é o profissional indicado para assessorar no que se refere ao ensino e aprendizagem. Na escola, ele servirá como ponte comunicadora entre as partes que interferem no ambiente escolar. Bem mais do que interventor, será o ele o responsável por previnir o possível desenvolvimento de dificuldades pelos alunos (OLIVEIRA, 2009).

Porém, o mais comum é que as dificuldades sejam observadas inicialmente pelos professores pela proximidade com o aluno . A partir do momento em que este aluno possui todas as ferramentas para aprender e não o faz, o caso se torna mais preocupante e portanto deverá ser encaminhado para o psicopedagogo (OLIVEIRA, 2015).

Neste caso, a avaliação diagnóstica através da escrita da criança é uma importante ferramenta para assinalar o nível de dificuldade dessa criança. Esse método permite a descoberta se a criança possui realmente dificuldade de aprendizagem, qual é essa dificuldade e como superá-la (OLIVEIRA, 2015). Desse modo, superar as dificuldades de aprendizagem é possível por atividades que visem normalizar essas diferenças dos demais alunos, de forma a individualizar o aprendizado (ALMEIDA, 2010).

Nessa perspectiva, o olhar do psicopedagogo deve estar além dos conceitos teóricos. É preciso que, sobretudo, este profissional alie à teoria, sua vivência. Dessa forma, o profissional da psicopedagogia deve instrumentalizar os professores para as particularidades de cada aluno a fim de dar suporte às necessidades destes em prol do êxito educacional (ALMEIDA, 2010).

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Consoante a isso, o psicopedagogo possui relevante participação na orientação dos pais de alunos que possuem dificuldades na aprendizagem. Dentre essas informações, cita-se o estabelecimento de horários de estudo, o auxílio nas tarefas para casa, o interesse no que o filho ta realizando, bem como a disposição de querer aprender juntamente com a criança. (KAUARK e SILVA, 2008).

É crucial ressaltar que a presença do psicopedagogo não vai resolver todos os problemas da escola. Contudo, é possível superar muitas das dificuldades da instituição através do trabalho em equipe, pelo simples fato que este profissional vê o ambiente como um todo. (PONTES , 2010)

Considerações Finais

A partir desse artigo podemos considerar a importância do trabalho dos psicopedagogos voltados auxiliar nos problemas surgidos provenientes a problemas de patologias no cérebro. Com seu trabalho também pode-se notar o quanto o psicopedagogo faz uma diferença no aprendizado das crianças que possuem alguma limitação proveniente a problemas neurológicos, por meio de metodologias, estratégias, inovadoras e munidas de um embasamento teórico e prático traz a escola a possibilidade de uma nova forma de aprendizagem.

Onde o aluno é trabalhado integralmente e suas dificuldades são sanadas através de ações que possibilite ele aprender a lidar com as dificuldades e superá-las. Assim o psicopedagogo vai muito além apenas da elaboração de atividades, ele analisa o ambiente, as condições e o contexto no qual o aluno está inserido.

Referências BARBOSA, Maria Carmen Silveira. Currículo em Movimento: Perspectivas Atuais. Belo Horizonte, novembro de 2010. CAVICCHIA, D.C. Psicopedagogia na Instituição educativa: a creche e a pré-escola. In: SISTO (Org.). A atuação psicopedagógica escolar. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996. P. 196-212. FAGALI, Eloísa Quadros; VALE, Zélia Del Rio do. Psicopedagogia Institucional Aplicada: a aprendizagem escolar dinâmica e construção na sala de aula. Petrópolis, RJ:Vozes, 2009. FALK, Judit (Org.). Educar os três primeiros anos: a experiência de Lóczy. 2. ed. Araraquara: Junqueira&Marin, 2011. FREIRE, J. B. Educação de Corpo Inteiro: teoria e prática da Educação Física. 2 ed. São Paulo: Editora Scipione, 1992. GOLDSCHMIED, Elinor; JACKSON, Sonia. Educação de 0 a 3 anos: o atendimento em creche. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006. HOFFMANN, Jussara; SILVA, Maria Beatriz G. da (Coord.). Ação educativa na creche. 5. ed. Porto Alegre: Mediação, 1999. MANSINI, E.F.S. Formação profissional em psicopedagogia: embates e desafios. Psicopedagogia. São Paulo, v. 10, n. 72, p. 248-259, 2006. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria da Educação Fundamental. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Brasília: MEC/SEF, 1998 MIRANDA, M.I. Problema de aprendizagem e intervenção escolar. São Paulo: Cortez, 2008. OSTETTO, Esmeralda Luciana. Encontros e encantamentos na educação infantil: partilhando experiências de estágio. Campinas, Papirus, 2012.

Enviado em 30/04/2017 Avaliado em 15/06/2017 Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 112 de 152

ATEMPORALIDADE DO MITO NA MEMÓRIA AFETIVA: REPRESENTAÇÕES DO SUJEITO XUXA EM TEXTOS JORNALÍSTICOS SOBRE A REPERCUSSÃO DO SHOW XUCHÁ

Bruno Gomes Pereira49

Resumo Analisamos representações a respeito da figura midiática de Xuxa Meneghel em reportagens jornalísticas veiculadas em todo o Brasil sobre a performance da artista no seu último show, intitulado XuChá. Mobilizamos os pressupostos da Linguística Aplicada (LA), pois consideramos uma área fértil dos estudos da linguagem que extrapola a fronteira puramente linguística, e a Linguística Sistêmico-Funcional (LSF), como principal mecanismo para microanálise dos dados. A metodologia é do tipo documental, uma vez que analisamos reportagens publicadas nos principais sites do país, nas quais a figura de Xuxa é um elemento recorrente. Já a abordagem é qualitativa, pois nos baseamos nos princípios da interpretabilidade do corpus. Palavras-Chave: Xuxa; Memória Afetiva; Textos Jornalísticos.

Abstract Analyze representations about the media figure of Xuxa Meneghel in journalistic reports broadcast all over about the performance of the artist in his last show, entitled XuChá. We mobilized the assumptions of Applied Linguistics (LA), as we consider a fertile area of language studies that extrapolates the purely linguistic frontier, and the Systemic-Functional Linguistics (SFL), as the main mechanism for microanalysis of the data. The methodology is documentary, since we analyze reports published in the main sites of the country, in which the figure of Xuxa is a recurrent element. The approach is qualitative, since we are based on the principles of the interpretability of the corpus. Keywords: Xuxa; Affective Memory; Journalistic texts.

Em 1986, Xuxa estreava na TV Globo e mudava para sempre o significado da palavra baixinho. O fenômeno Xuxa ultrapassou fronteiras, influenciou gerações, arrebatou multidões. Mudou até a forma de se cantar o parabéns. Nos programas de Xuxa, as crianças encontraram a sua praia e lá elas eram ouvidas e respeitadas. Graças a Xuxa, talentos foram descobertos, artistas lançados e uma galera especial pôde mostrar que ser diferente também era legal. Durante esses anos, muita gente cresceu com a Xuxa, e ela também cresceu graças a essa gente. E é por isso que estamos aqui hoje, pra relembrar um pouco dessa história, a história de uma loira que marcou com um X a sua vida e a nossa também (Klara Castanho, 2011, na comemoração de 25 anos de Xuxa na Globo).

Introdução

Muitos trabalhos na esfera acadêmica se debruçam sobre o surgimento e a persuasão de figuras públicas que se tomam uma dimensão mitológica em razão da mídia. Estas pesquisas, por sua vez, se preocupam em analisar os motivos que constroem essa redoma, de maneira a propiciar um gostar por parte da massa.

Por esse viés, tomo muitas de minhas pesquisas como ponto de partida ao adotar como objeto de análise a construção mitológica da apresentadora Xuxa Meneghel, figura de caráter popular

49 Doutor em Ensino de Língua e Literatura (Estudos Linguísticos), pela Universidade Federal do Tocantins (UFT), campus de Araguaína. Professor de Língua Portuguesa do Instituto Tocantinense Presidente Antônio Carlos (ITPAC/Araguaína). Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 113 de 152 retumbante, o que lhe rendeu o epíteto de Rainha dos Baixinhos. Em meus escritos, analiso a dimensão mercadológica, discursivo-ideológica e pedagógica em que a referida artista influencia (cf. 2015a; 2015b; BESSA, PEREIRA, 2015).

Entretanto, no artigo ora delineado meu objetivo não é especificamente o mesmo dos meus outros trabalhos que versam sobre a popularidade de Meneghel. Objetivo, nesta abordagem, analisar como a memória afetiva de pessoas, que cresceram influenciadas pelo poder de fogo da loira nas décadas de 1980 e 1990, é representada nos principais textos jornalísticos de entretenimento que versavam sobre o show XuChá, espetáculo retrô protagonizado por Xuxa, em São Paulo e Rio de Janeiro. O retorno da apresentadora aos palcos foi marcado pela movimentação excessiva nas redes socais e por um estrondoso sucesso de crítica e de público que, segundo a própria artista, foi algo surpreendente.

Pessoas chorando, gritando, de diversas partes do Brasil e do mundo, se acotovelam para ver a rainha mais de perto e reviver uma infância de 30 anos passados. Ao som do clássico Amiguinha Xuxa, a nave cor de rosa aterrissava no palco e, com as famosas chucas que usava nos anos 1980, ao abrir a porta, eis que ressurge o mito que marcou a infância de inúmeras pessoas no mundo.

A memória afetiva do público que estava no local foi algo tão surreal que, antes mesmo que terminar de cantar a primeira música, a voz da apresentadora já estava quase que suplantada pelos famosos gritos de Xuxa, eu te amo. Assim como a epígrafe deste artigo, foi possível perceber que um público muito grande cresceu com Xuxa e a acompanhou durante mais de três décadas, como uma espécie de seguidores, ou “perseguidores”, nos termos da própria Xuxa.

Outros trabalhos também discutem um pouco sobre a influência de Xuxa na rememoração afetiva da grande massa, tais como Campos (2006), Jesus e Zolin-Vesz (2013), Júnior (2000) e Zolin-Vesz (2011). Tais pesquisas pontuam alguns aspectos sociais, psicológicos, mercadológicos e linguísticos que, de alguma maneira, explicam a construção da figura mitológica de Xuxa. Este distanciamento causa uma espécie de comoção do público que, ao ter a oportunidade de estar perto de Xuxa, é tomado por uma histeria poucas vezes causada por um artista brasileiro.

Entretanto, a pesquisa desenvolvida sobre Xuxa foi o polêmico livro de Simpson (1994), pesquisadora estadunidense que analisou a figura mitológica da apresentadora que, até então, estava construindo carreira nos Estados Unidos da América.

Linguística Sistêmico-Funcional: Algumas Contribuições

A LSF é uma teoria que possibilita a investigação de aspectos sistêmicos e funcionais da linguagem. Nesse sentido, entendo a língua como instrumento sociossemiótico materializado por escolhas léxico-gramaticais carregadas de ideologias do contexto interativo em que se realiza. Pensar a língua nessa perspectiva é adotar a noção de gramática como mecanismo instável ao contexto em que está vinculada.

Disso, decorrem as contribuições da LSF para o ensino de línguas, uma vez que entende a materialidade linguística como escolha motivada por contextos socioculturais, tal como mostra Vian Júnior (2013) ao tentar articular LSF e LA. Em seu trabalho, o autor problematiza os diálogos estabelecidos entre LSF, LA e Linguística Educacional no contexto brasileiro. O ensino seja o ponto de intersecção entre estas vertentes de estudos, uma vez que todas elas, de alguma maneira, apresentam pesquisas relevantes sobre a relação entre ensino e aprendizagem em contextos de formação.

Os estudos sistêmico-funcionais são de caráter sociossemiótico, em razão da mobilização de estruturas léxico-gramaticais a partir de fenômenos sociais concretos. O sentido que confiro à expressão “sociossemiótica” é condizente com o significado dado por Halliday e Hasan (1989), ao Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 114 de 152 designar os efeitos de sentidos causados pelas escolhas léxico-gramaticais no momento de materialização do registro.

Há muitos estudos desenvolvidos na América Latina50 que problematizam a língua como instrumento sociossemiótico. Percebo um encaminhamento para o contexto educacional, retomando a gênese australiana dos estudos de Halliday. Dessa forma, a sociossemiótica a que me refiro ressignifica questões de ensino, o que se mostra interessante para esta investigação, tendo em vista que o corpus analisado foi gerado em um curso de licenciatura, o que me ajuda a propor encaminhamentos para a formação de professores, como a criação de objetos de ensino, por exemplo.

Em síntese, a noção de língua como instrumento sociossemiótico oferece subsídios para compreensão dos dados analisados, uma vez que contextualiza questões relativas às diferentes práticas de letramento.

Aspectos Metodológicos

A pesquisa que ora se delineia é do tipo documental e de abordagem qualitativa. Trato as reportagens analisadas como documentos, pois semiotizam situações inter e transdiscursivas específicas de uma realidade concreta de uso da linguagem. Logo, tomo a noção de documento como materialização de comportamentos sociais marcados pelo tempo e pelo espaço em que os fatos aconteceram. Essa postura coaduna com Sá-Silva (2009), quando afirma que a pesquisa documental é de extrema importância para a investigação científica de natureza social e cultural no âmbito dos estudos humanos aplicados, alojando, com isso, as investigações sobre linguagem.

A abordagem qualitativa também é importante para o tratamento dos dados. Conforme Bortoni-Ricardo (2009), trata-se de uma abordagem basilar para a construção de percepções mais autônomas por parte do analista do corpus, uma vez que a subjetividade é uma de suas marcas. Logo, a interpretabilidade dos dados se torna algo livre, ao mesmo tempo em que se deve obedecer a um esquema lógico-semântico estabelecido não pelo pesquisador, mas pelas próprias condições de geração dos dados.

O corpus deste artigo é constituído por 3 reportagens publicadas entre as datas 20 de outubro a 10 de novembro de 2016, nos principais veículos eletrônicos especializados em celebridades no Brasil.

A seleção das reportagens obedeceu a critérios de natureza semântica, gramatical e lexical capazes de viabilizar a representação dessas memórias afetivas. Logo, as construções oracionais e lexicogramaticais me parecem pistas ideológicas que captam discursos rememorados, conforme iremos discorrer na próxima seção.

Análise E Discussão Dos Dados

Nesta seção, apresento algumas análises sobre a representação dessas memórias afetivas a partir de escolhas lexicais e gramaticais que revelam ocorrências oracionais capazes de semiotizar as leituras que afiro. Nesse sentido, faço uso da metafunção ideacional, amplamente difundida nos estudos sistêmico-funcionais nas pesquisas pós-modernas.

A referida metafunção é, na verdade, um conjunto de relações semânticas, sintáticas e lexicais que, ao construírem padrões gramaticais, concebem a oração como representação do

50 Um panorama sobre as discussões em LSF, no âmbito acadêmico da América Latina, ajuda a entender o percurso de análise que desenvolvo. Contribui para a troca de experiências entre pesquisadores de várias partes do mundo as atividades acadêmicas promovidas pela Associação de Linguística Sistêmico-Funcional da América Latina (ALSFAL). Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 115 de 152 mundo, o que engloba coisas, pessoas e, mesmo, sentimentos. Não é minha intenção fazer uma explanação exaustiva sobre a definição da metafunção ora referida. Para maiores informações, consultar os trabalhos de Halliday e Mathiessen (2014) Eggins (2004), Thompson (2014) e Pereira (2014; 2015; 2016a; 2016b).

Lembro ainda que os elementos oracionais que servem como aporte para a análise linguística do corpus têm seus significados reforçados por alguma ilustração do evento público o que me refiro e que ajuda a compor a estética do site no qual consta a presença do texto verbal.

Em outras palavras, as análises lexicogramaticais que desenvolvo são, na verdade, uma proposta de construção de sentidos atrelados ao perfil semiótico dos enunciados, tendo em vista que a recombinação de linguagens multimodais facilita o acesso ao nível ideológico e discursivo da oração, o que proporciona interpretações mais verossímeis. Abaixo, há a primeira imagem a ser analisada em conformidade com o também primeiro fragmento. Figura 1: Xuxa se emociona durante show

Fonte: Divulgação

A Figura 1 retrata um dos momentos em que Xuxa se emocionou durante o show. Por inúmeras vezes, a dita Rainha dos Baixinhos levou a mão à boca para esconder o choro que a tomava por completo. Entretanto, há de se afirmar que a emoção da artista foi motivada pela catarse que proporcionou no momento em que desceu da nave ao som de Amiguinha Xuxa.

Vestida em uma rouba exuberante, coberta por pedras coloridas e lantejoulas, apliques longos que lembravam o cabelo que usava na época do infantil e com um acessório na cabeça que remete à ideia de realiza, Xuxa levou um multidão de gente às lágrimas sem nem ao menos precisar dizer o famoso Oi Gente!. Apenas pela roupa e acessórios, Xuxa conseguiu provocar uma histeria poucas vezes vista no cenário nacional. Com isso, o slogan A Rainha Voltou viralizou nas redes sociais em questão de segundos.

FRAGMENTO 1 “Um lacre! O especial de Natal do Programa da Xuxa, que trouxe para a TV o show especial que a rainha preparou para os fãs, Xuxa se emocionou e fez a plateia chorar ao relembrar clássicos de sua carreira. A rainha desceu da nave, cantou , Ilariê e deu depoimento emocionado” (R1).

O fragmento acima verbaliza a catarse provocada pela apresentadora e ilustrada na Imagem 1. O grupo nominal Um lacre! já sintetiza a apoteose representada pelo evento. Há de se considerar que as escolhas lexicais ora referidas são mundialmente utilizadas no contexto das mídias sociais para designar algo fantástico, perfeito, que dispensa comentários.

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Os processos trouxe, emocionou, desceu e cantou ajuda a construir sintagmas e padrões oracionais que retomam à memória afetiva de uma época em que os programas infantis comandavam as atrações na televisão aberta no Brasil.

O processo trouxe tem grupos semanticamente articulados para a TV o show especial que a rainha preparou para os fãs. Logo, temos a seguinte estrutura oracional: processo material + circunstancializador + meta. Nesse sentido, a ideia do trazer semiotiza uma espécie de aproximação de Xuxa ao público. Isso parece ser uma informação importante, na medida em que é lembrado que essa aproximação só foi possível, porque a imagem da apresentadora ainda é bastante presente na memória.

O processo emocionou talvez seja o mais importante no fragmento ora referido. Acompanhado dos grupos oracionais e fez a plateia chorar ao relembrar clássicos de sua carreira, o processo ora referido faz referência à emoção de Xuxa, bem ilustrada na Imagem 1. A catarse a que venho me referindo reside justamente nesse poder de troca entre artista e público, como uma via de mão dupla. A oração hipotática fez a plateia chorar ao relembrar clássicos de sua carreira semiotiza esse movimento de troca e a ideia de relembrança é o que move o comportamento emotivo tanto da apresentadora quanto das pessoas que lá estavam. Abaixo, segue a Figura 2.

Figura 2: Xuxa Relembra o Auge do Planeta Xuxa

Fonte: Divulgação

A Imagem 2 ilustra o momento em que Xuxa revive uma das aberturas do extinto Planeta Xuxa, programa que comandou entre os anos 1997 e 2002, consagrando-a entre ídolo jovem. Ao som da música Giro no Planeta, a Rainha relembrou uma época em que abusava da sensualidade e dos apliques e cortes de cabelo. Foi, definitivamente, a fase mais exuberante da apresentadora na televisão.

Na figura, Xuxa aparece trajando uma espécie de vestido preto esvoaçante totalmente transparente. A transparência, por sua vez, deixa em evidência uma silhueta perfeita, seios turbinados e uma boa forma que não se pode contestar. Com a coxa direita totalmente à mostra, a Rainha faz caras e bocas, o que relembrou a época em que movimentava o mercado com a imagem de mulher fatal.

Isso se mostra basilar para a compreensão da memória afetiva a que venho dizendo. A ideia de não envelhecimento que o grande público tem em relação à imagem midiática de Xuxa é muito grande. Talvez por sempre ter sido considerada símbolo de beleza e sensualidade, criou-se uma expectativa muito grande de que os súditos jamais teriam sua rainha envelhecida com o tempo. Abaixo, o segundo fragmento que verbaliza a leitura da imagem. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 117 de 152

FRAGMENTO 2 “MUITO RAINHA, né? No show, Xuxa revive grandes sucessos de sua carreira como “Ilariê”, “Brincar de Índio”, “Libera Geral” e “Lua de Cristal”. Ela também relembra momentos clássicos de sua trajetória, como os programas “Xou da Xuxa” e “Planeta Xuxa”, a era “Só Para Baixinhos” e muito mais. Ou seja, é um momento único e imperdível!” (R2).

O grupo nominal na posição temática MUITO RAINHA, escrito em letras garrafais, agrega em si muitos valores ideológicos. Entre eles a ideia de que o tempo parece não ter passado para Xuxa, uma vez que mantém o mesmo manequim e uma beleza avassaladora. Essa perpetuação de beleza atemporal confere à Xuxa a ideia de imortalidade na cabeça da grade massa. Algo que realça, diretamente, a posição de ser uma figura inatingível.

O circunstancializador de lugar no show marca o local em que a catarse aconteceu, servindo como uma espécie de localizador para o público. O termo Xuxa, na condição de ator do processo revive, assume lugar de protagonista das forças ideológicas que perpassam a reportagem. A própria extensão da meta grandes sucessos de sua carreira como “Ilariê”, “Brincar de Índio”, “Libera Geral” e “Lua de Cristal” evidencia uma espécie de altar em que a imagem de Xuxa é colocada, o que é reforçada pela enumeração de músicas clássicas da artista, as quais remetem as pessoas à uma infância com a apresentadora.

Entretanto, é por meio do uso do processo relacional é, e do grupo nominal a que se refere, que a memória afetiva é cristalizada no discurso, em conformidade também com o qualificador imperdível.

Abaixo, apresento a terceira imagem com a qual proponho uma relação intertextual com o também terceiro excerto.

Figura 3: A Emblemática Descida da Nave

Fonte: Divulgação

A Figura 3, posta acima, talvez seja a mais emblemática da carreira da apresentadora. A descida da famosa nave rosa marcou a infância de incontáveis crianças no mundo inteiro. No Brasil, de modo especial, a nave de Xuxa tornou-se tão icônica quanto suas botas longas, seu cabelo loiro e seus olhos azuis.

A imagem acima ilustra justamente o momento de maior delírio dos fãs presentes no show. Ao entoar o famoso verso Bom dia amiguinhos, já estou aqui, Xuxa viu a casa de espetáculos tremer com estridentes gritos e choros que beiravam desespero. Era tudo outra vez, como antes, como há Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 118 de 152

30 anos. A Rainha dos Baixinhos descia de sua nave para trazer alegria, diversão e mensagens de amor. Esse foi o momento de maior nostalgia do público.

Abaixo, segue a materialização dos discursos imagéticos que dissemos acima.

FRAGMENTO 3 “A nostalgia era unânime entre as centenas de fãs da Rainha dos (não tão mais) baixinhos durante o XuChá, na madrugada deste sábado. O nome (inspirado no chá de Alice no País das Maravilhas com o Chapeleiro Maluco), esconde uma super produção, que trouxe de volta aos anos 1990 um Citibank Hall lotado de adultos fantasiados de paquitas, em busca da glória da infância tardia. Entre chuvas de serpentinas, balões coloridos e papel picado, Xuxa passeou por sucessos que embalaram a infância de uma geração, como Ilariê, Vamos Brincar de Índio e Eu Tô Feliz. Meia hora antes do previsto, a artista saiu de sua nave espacial com um “X” na porta, e não cansou de repetir durante toda a apresentação o quão feliz estava” (R3)

O grupo nominal A nostalgia, seguido do processo relacional era e do qualificador unânime resume bem a ideologia presente no fragmento, bem como justifica com exatidão a intertextualidade que proponho junto à Figura 3. A concepção de nostalgia carrega, em si só, a ideia de algo bom vivido em tempos atrás. A figura de Xuxa tem o poder de despertar na massa essa sensação, mesmo que a pessoa não seja necessariamente fã da apresentadora.

O grupo nominal, de potencial semântico circunstancializador de tempo, meia hora antes do previsto tem dupla função no texto: i) sinalizar ao leitor da reportagem que o show foi antecipado meia hora; e ii) indicar que a alegria e a emblemática descida da nave foi antecipada para a alegria de milhares de fãs que lotavam o ginásio. O ator a artista faz referência à figura de Xuxa que desempenha a ação mais aguardada da noite: descer da nave espacial, ação esta indicada pelo uso do processo saiu.

Considerações Finais

Até então, não há surpresas, partindo do princípio de que o alvo da conversa é uma das mais populares artistas da América Latina, ao lado da Colombiana Shakira e da Mexicana Thalia. Logo, causar comoção já é algo banal. O que move a curiosidade de continuar analisando, e com isso buscar novas respostas, é o fato de que Xuxa está na mídia há mais de três décadas ostentando um título de realeza sem nenhum perigo de perdê-lo para outra mulher igualmente bonita. Isso porque, no caso de Xuxa, não se trata apenas de beleza, e sim de toda uma trajetória que a tornou especial e inatingível para milhões de pessoas que, mesmo trinta anos depois, ainda sonham em tocá-la.

O que se viu no XuChá foi algo muito além de uma celebridade que canta, uma vez que a própria Xuxa não se considera cantora, mesmo sendo a maior vendedora de discos da história no país. O que foi visto no evento em questão foi uma espécie diferenciada de catarse coletiva, capaz de promover o encontro entre passado e presente de uma maneira quase que mágica. Espero que este trabalho sirva de incentivo para outras pesquisas da mesma natureza, uma vez que é importante sempre atentarmos para certos mecanismos de interação pela linguagem que, por serem cotidianos, engendram uma espécie de afetividade e amor entre os interlocutores.

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Enviado em 30/04/2017 Avaliado em 15/06/2017 Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 120 de 152

SERVIÇO SOCIAL E RESIDÊNCIA MULTIPROFISSIONAL EM SAÚDE: DESAFIOS DA PRÁTICA INTERDISCIPLINAR NO CONTEXTO HOSPITALAR

Cássia dos Santos Andrade51 Marlene Almeida Ataíde52

Resumo O presente trabalho tem por finalidade compreender, através de uma análise crítica, alguns desafios postos para efetivação da prática interdisciplinar na Residência Multiprofissional em Saúde dentro do contexto hospitalar. Busca compreender o envolvimento do assistente social nesse processo, partindo de análises da compreensão das demais categorias profissionais de saúde sobre o trabalho deste profissional, bem como os desafios apresentados na articulação desses profissionais para realização de um trabalho interdisciplinar dentro de equipes multiprofissionais e ainda sobre as contribuições da Residência Multiprofissional em Saúde, no âmbito hospitalar. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, por meio de entrevistas com os profissionais de saúde que atuam na Unidade de Terapia Intensiva e do Pronto Socorro de um Hospital Público Municipal, de grande porte situado na Zona Sul da cidade de São Paulo. Palavras chaves: Serviço Social, Residência Multiprofissional, Interdisciplinaridade, Saúde.

Abstract The present work aims to understand, through a critical analysis, some challenges put into effectiveness of the interdisciplinary practice in the Multiprofessional Health Residency within the hospital context. It seeks to understand the involvement of the social worker in this process, starting from analyzes of the understanding of the other health workers categories about this professional, as well as the challenges presented in the articulation of these professionals to carry out an interdisciplinary work within multiprofessional teams and also on the Contributions from the Multiprofessional Residency in Health, at the hospital. This is a qualitative research, through interviews with health professionals who work in the Intensive Care Unit and the Emergency Room of a large Municipal Public Hospital located in the South Zone of the city of São Paulo. Keywords: Social Work, Multiprofessional Residence, Interdisciplinarity, Health.

Introdução

A Residência Multiprofissional em Saúde (RMS) tem como uma de suas principais intencionalidades a contribuição para a efetivação dos princípios e diretrizes do SUS, conforme Art. 2 da Resolução CNRMS n°02/201253, inserida na perspectiva da luta pela efetivação do ideário da

51 Assistente Social graduada pela Universidade Nove de Julho, especialista em Residência Multiprofissional em Saúde com ênfase na atenção a terapia intensiva pela Secretária Municipal de Saúde – SP e Universidade de Santo Amaro 52 Orientadora do Trabalho de Conclusão do Curso. Graduada em Serviço Social pela Universidade Franciscana – SP. Mestre e Doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Docente dos Cursos de Graduação de Serviço Social e da Residência Multiprofissional da Universidade Santo Amaro – Unisa/São Paulo. Líder de grupo de pesquisa credenciada pelo CNPQ. Linha de Pesquisa centrada na área das Ciências Sociais Aplicadas do curso de Serviço Social. E-mail: [email protected] 53 Resolução da Comissão Nacional de Residências Multiprofissional em Saúde Nº 2 de 2012, no seu artº 2 estabelece que “Os programas de Residência Multiprofissional e em Área Profissional da Saúde, serão orientados pelo princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde – SUS, a partir das necessidades e realidades locais e regionais identificadas, de forma a contemplar os eixos norteadores mencionados na Portaria Interminiesterial nº 1.077, de 12 de novembro de 2009.

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Reforma Sanitária, com base na normativa do Sistema Único de Saúde – SUS, entendida como uma forma de atuação estratégia para contribuição no enfretamento e superação dos desafios históricos do SUS e no processo de desconstrução do modelo médico hegemônico, verticalizado, instituído historicamente na saúde e que ainda é muito presente principalmente no contexto hospitalar.

Partindo desse pressuposto, a RMS compreendida como processo de formação e atuação em ensino-serviço-comunidade, composta por equipes multiprofissionais, tem como possibilidade proporcionar transformações e reflexões dentro das realidades verticalizadas e fragmentárias das instituições da saúde. Tendo por objetivo formar trabalhadores para o SUS, direcionados por atuações que vão de encontro com o projeto da Reforma Sanitária, portanto, cabe analisar como ocorre essa articulação entre os profissionais, dentro do conceito da interdisciplinaridade no trabalho em saúde.

Nesse contexto, a atuação do Serviço Social junto às demais equipes de profissionais da saúde é muito importante, considerando que este profissional é qualificado para atuar nas diversas expressões da questão social, ao direcionar a sua prática pautada em uma visão horizontalizada e de análise crítica da realidade social.

Diante do exposto, este trabalho é parte da monografia apresentada no curso de Residência Multiprofissional em Saúde pela Universidade Santo Amaro – UNISA-SP, e teve como objetivo compreender os desafios postos ao profissional de Serviço Social inserido na RMS, no que se refere à atuação interdisciplinar no contexto hospitalar, e ainda, contextualizar sobre a perspectiva desse trabalho interdisciplinar dentro da RMS, para identificar as contribuições que as demais categorias profissionais têm visto com a inserção da RMS no hospital e compreender o entendimento dos profissionais que compõe a equipe multidisciplinar sobre o trabalho exercido pelo Serviço Social, especificamente dentro das Unidades de Terapia Intensiva e Pronto Socorro.

A metodologia utilizada foi baseada na pesquisa qualitativa, com coleta de dados obtida por meio de entrevistas áudio gravadas com alguns profissionais de saúde que atuam dentro da unidade de terapia intensiva e do pronto socorro de um hospital público municipal de grande porte situado na zona sul da cidade de São Paulo.

Residência multiprofissional em saúde: uma análise crítica

Conforme a abordagem realizada por Foucault (1979) referente as relações hierárquicas no ambiente hospitalar, onde o médico é tido como figura central e indissolúvel, estando no topo dessas relações. Essa concepção ainda é muito predominante até os dias de hoje, onde o médico permanece na maioria das vezes como profissional central, sendo as demais categorias profissionais menos significativas, reproduzindo a concepção de que somente o médico é a referência para o cuidado e assistência à saúde.

Partindo desse contexto, como uma das formas de estratégias de reorientação e formação de Recursos Humanos no âmbito do SUS, vai surgir a implantação das Residências Multiprofissionais em Saúde, considerada como ensino de pós-graduação lato sensu, com duração de dois anos, carga horária de 60 horas semanais, sob a forma de curso de especialização caracterizado por ensino em serviço com ênfase na saúde, buscando formar trabalhadores para o SUS, dentro de uma perspectiva interdisciplinar e de cunho direcionado para gestão democrática, com junções de diversas categorias profissionais da saúde54, nas quais se encontra o assistente social.

54 As categorias que compõe a residência multiprofissional são: Nutrição, Fisioterapia, Biologia, Enfermagem, Terapia Ocupacional, Farmácia, Educação Física, Psicologia e Serviço Social, Medicina Veterinária, conforme consta na resolução nº 02/2012 da RMS.

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O objetivo geral da RMS é a formação de trabalhadores das diversas profissões para atuação em equipe multidisciplinar com capacidade de intervenção interdisciplinar nos planos técnicos, administrativo e político. São desenvolvidas em parceria entre gestores e instituições formadoras, de acordo com as realidades locais e orientadas pelos princípios e pelas diretrizes do SUS. (GUARESCHI; OLIVEIRA, 2010, p. 95)

Na questão de reorientação de recursos humanos no SUS, também está presente a discussão sobre saúde e educação, onde a RMS também vai ou pelos menos pretende está alinhada em sua base pedagógica e metodológica do modelo da Educação Permanente em Saúde - EPS, instituída através da Política de Educação Permanente em Saúde, criada em 2004, que visa ser mais uma estratégia de consolidação do SUS e do ideário da Reforma Sanitária.

Considerando o alinhamento com os Recursos Humanos no SUS, conectada a EPS e também a participação comunitária, política e social, formação voltada não somente para os residentes, mas para outros os atores envolvidos na RMS, entre eles estão coordenadores, tutores e preceptores dos programas, tido como peças fundamentais para essa construção de formação multiprofissional com perspectiva interdisciplinar.

Um ponto também importante a ser citado sobre a RMS está em seu papel de formação também política e principalmente crítica, considerando a necessidade de seu envolvimento em movimentos populares e de controle social, tendo em vista que sendo um programa de especialização e de formação para o SUS, o mesmo tende a estar atrelado aos princípios e ideários da Reforma Sanitária, na necessidade de participação democrática, movimentos de discussão e debates sobre o cotidiano.

Porém cabe esclarecer, que conforme Mendes (2013) não compete somente a RMS esse dever de desconstrução desse modelo histórico, médico, biomédico, verticalizado, sendo esse um desafio do SUS e não somente da RMS, considerando principalmente a conjuntura em que as RMS estão inseridas na atualidade, conjuntura essa de desmonte das políticas públicas e sociais, bem como da realidade das privatizações, terceirizações e sucateamento dos serviços e principalmente, a precarização do trabalho.

Um dos primeiros elementos a se considerar é que os programas vêm sendo implantados numa conjuntura extremamente desfavorável para aqueles que partilham do ideário do projeto da reforma sanitária. Os últimos anos tem sido marcado pelo sucateamento, precarização e privatização dos serviços públicos de saúde. (MENDES, 2013, p.192).

O Projeto Ético Político do Serviço Social, considerado também como um projeto hegemônico da profissão, partilha em suas articulações com os fundamentos e princípios do Projeto da Reforma Sanitária, do SUS e também dos demais projetos societários como da Reforma Psiquiátrica, pois compartilham de princípios e compromissos de lutas em comum, como a universalidade de acesso aos bens e serviços, qualidade desses serviços e compromisso com a liberdade, princípio ético central do Serviço Social, balizando a atuação na garantia da emancipação, autonomia e expansão dos indivíduos sociais.

O assistente social na sua prática profissional, na relação que estabelece com os usuários do Serviço Social, com outros profissionais e com qualquer pessoa, deve pautar sua conduta no reconhecimento da liberdade e de suas possibilidades, eis que esse é valor ético central. (BARROCO; TERRA, 2012, p.121).

Neste contexto de articulações, também está inserida a RMS, onde o Serviço Social faz parte do quadro das equipes multiprofissionais inseridas nos programas, como no processo de saúde como todo, tem-se a necessidade de refletir sobre o compromisso ético político da profissão Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 123 de 152 na saúde, reafirmando seus princípios com os movimentos populares em defesa da saúde, bem como seu compromisso com a efetivação dos direitos sociais já garantidos da população.

Com isso tem-se a importância de pensar e discutir sobre o Serviço Social inserido na RMS, nos âmbitos da educação e saúde, considerando que esse modelo de formação, cada vez mais tem agregado profissionais da categoria, principalmente recém formados. É necessário ampliar o debate sobre os programas, como se efetivam, como ocorrem as relações entre os residentes e demais atores da RMS, como essas ações estão em consonância com o Projeto Ético Político da Profissão, seus fundamentos teóricos metodológicos, éticos políticos e técnicos operativos.

Residência multiprofissional em saúde: uma formação interdisciplinar?

Também cabe refletir sobre o papel designado a coordenação e gestão dos programas de efetivar em seus PPPs, o que preconiza a legislação da RMS em relação a seus objetivos de formação, de que estes sejam conduzidos por uma vertente de formação interdisciplinar, para além da simples junção de equipes multiprofissionais, que não se articulam, reproduzindo o modelo hospitalocentrico, mas que propicie atividades voltadas para o ensino-serviço e comunidade, considerando a potencialidade da RMS na formação e qualificação da assistência e cuidado em saúde dentro do processo saúde-doença, conforme reflete Closs:

[...] sua potencialidade reside em estar orientada para a apreensão e o atendimento ampliado às necessidades de saúde da população, para a qualificação do cuidado em saúde frente ao processo saúde-doença em suas dimensões individuais e coletivas. Para tal, esta formação ocorre através da integração dos eixos ensino-serviço-comunidade, do trabalho em equipe interdisciplinar e da permanente interlocução entre os núcleos de saberes e práticas das profissões envolvidas na formação. (CLOSS, 2013, p. 58).

Segundo Ivani Fazenda (2008), interdisciplinaridade está voltada para o sentido da ação, das atitudes individuais e coletivas, que se relacionam com os diferentes conhecimentos e saberes, visando ampliação do olhar de totalidade, na compreensão da visão de mundo, na construção do conhecimento conjunto, da comunicação e dialogo com distintos níveis do saber, na formação profissional e pesquisa interdisciplinar, na qualificação da formação geral, estando relacionada ao constante movimento do pensar e realizar, na ousadia da prática interdisciplinar, entendendo que “perceber-se interdisciplinar é o primeiro movimento em direção a um fazer interdisciplinar e a um pensar interdisciplinar.” (FAZENDA, 1994. p. 89).

Porém, Minayo (1991) irá abordar algumas reflexões sobre interdisciplinaridade, partindo da construção do conhecimento e sua materialização, na área da saúde coletiva, entendendo a que o trabalho nas equipes necessita ser direcionado pela interdisciplinaridade, como sendo um envolvimento de discussão, conhecimento e ação, frente ao processo saúde e doença, no âmbito dos determinantes sociais, envolvendo as relações sociais, razões sócio-históricas, culturais individuais e coletivas. Propõe a interdisciplinaridade como desafio possível, principalmente para área da saúde, considerando seus amplos cenários de vivencias, peculiaridades e possibilidades no processo saúde e doença.

Conforme Liporoni e Silveira (2007) equipe multidisciplinar é considerada a junção de diferentes profissionais para complemento de determinado grupo, porém não é efetivado uma troca de conhecimentos e saberes. Já o trabalho realizado por uma equipe interdisciplinar tem como objetivo atuação de diferentes profissionais, respeitando as atribuições privativas de cada profissão, com articulação mais integrada, proporcionando troca de conhecimentos e saberes, que geram novos conhecimentos e saberes.

Com base na reflexão da literatura sobre interdisciplinaridade, pode se entender que ela é tida como um desafio, todavia amplia- se a reflexão sobre as dificuldades e limites postos para efetivação de equipes multiprofissionais na saúde que dialoguem entre si, com junções de Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 124 de 152 conhecimentos, saberes, de forma recíproca como prevê a interdisciplinaridade, considerando o contexto e histórico de relações de forças entre os desafios postos no SUS, entre o projeto da Reforma Sanitária e o Projeto Privatista pautado na perspectiva neoliberal.

Portanto para efetivar os princípios e diretrizes do SUS, entre os quais se encontra a integralidade e no qual a RMS também está baseada, esta precisa ser direcionada para ações que vão além da simples junção de diferentes categorias profissionais em um grupo, para dizer que este é integrado e para efetivar a integralidade e/ou interdisciplinaridade no contexto da saúde “[...] Não basta inserirmos profissionais das diferentes áreas num programa de residência para asseguramos que este será interdisciplinar.” (MENDES, 2013, p. 196).

Dentro deste contexto o assistente social inserido na Residência Multiprofissional em saúde, encontra possibilidade de obter uma articulação mais presente com outros profissionais, através principalmente da prática interdisciplinar, com ações que vão além da prática multidisciplinar, onde não se efetiva a troca de conhecimento e saberes.

O trabalho em equipe merece ser refletido e as atribuições do profissional de Serviço Social precisam ficar especificadas e divulgadas para os demais profissionais, resguardando-se, assim, a interdisciplinaridade como perspectiva de trabalho a ser defendida na saúde. (CFESS, 2010, p. 46)

Através da integração em conjunto com os demais profissionais, poderá possibilitar estratégias para enfretamento de um dos desafios da profissão na saúde, que é de se fazer conhecida e reconhecida as atribuições e competências do Assistente Social, inseridos nesses espaços, ressalta-se a importância do assistente social apropria-se de suas bases normativas, tendo também constante compromisso com seu aprimoramento intelectual, para propor estratégias de atuação frente às demandas institucionais impostas, bem como as contradições presentes no cotidiano da profissão.

Isso também deve ser refletido na RMS, entre a relação de residentes com a preceptoria, tutoria e coordenação, voltadas a uma relação horizontal, de troca e integração, fortalecendo a efetivação da prática política dentro dos cenários de prática dos programas, considerando que essas práticas também fazem parte da formação para o SUS. “É nesse sentido que deve se dar sua contribuição para a residência multiprofissional: realizando as mediações capazes de desvelar as expressões da questão social na saúde, por meio da articulação com o contexto histórico e político mais amplo...” (MENDES, 2013, p. 197).

Metodologia

Este trabalho foi baseado pela pesquisa de natureza qualitativa, tendo como sujeitos, profissionais que compõe a equipe multiprofissional em saúde e atuam nas Unidades de Terapia Intensiva e Pronto Socorro de um hospital público municipal de grande porte situado na zona sul da cidade de São Paulo – SP. Para a processualidade da pesquisa adotou-se como método a história oral, cujas narrativas foram gravadas em áudio, mediante a autorização dos sujeitos visando que contassem as suas experiências e vivências conforme delimitadas nos objetivos propostos.

Vale acrescentar que foram entrevistados 5 (cinco) profissionais que pertencem as seguintes categorias: Médica, Enfermagem, Psicologia, Fisioterapia e Serviço Social, as narrativas dos entrevistados foram sinalizadas na análise dos dados por letras em ordem alfabética. Referida pesquisa encontra-se devidamente autorizada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Santo Amaro, tendo recebido o CAAE nº 55455616.5.0000.0081.

Diante dos resultados da pesquisa, definiu-se por eleger categorias para análise, ou seja: A categoria que tratou da compreensão e avaliação dos profissionais entrevistados, sobre a RMS, seu modelo de formação e sua contribuição dentro do âmbito hospitalar, os sujeitos da pesquisa apresentaram as seguintes narrativas; Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 125 de 152

[...]eu vejo como uma forma de integração das categorias, de fazer com que as equipes se aproximem mais e consigam desenvolver um trabalho em conjunto, não um trabalho individualizado como modelo médico que a gente carrega até hoje, o objetivo da residência multi é trabalhar de forma integrada [...].(A)

[...] Porque vocês acabam, acho, com toda a deficiência de recursos humanos, que um hospital acaba tendo é claro que os residentes eles não tem esse papel de assumir a pratica ou serviço do profissional que é concursado ou contratado, mas é uma mão né, é um auxilio que a gente recebe[...] (B)

[...] a contribuição é que vocês trazem muitas questões da teoria, para a gente refletir sobre a nossa ação, em compensação a gente passa pra vocês o que nos estamos aprendendo na prática, é muito bom porque a gente pode debater sobre vários assuntos(C)

[...] Eu acredito que a RMS é uma oportunidade para quem acabou de se formar precisa adquirir experiência [...] eu acredito mesmo que acrescenta na mão de obra principalmente do hospital.. (D)

[...] toda vez que você tem um hospital com ensino, ele tende a melhorar a qualidade até dos profissionais que estão atuando, porque eles se vêem instigados a ter que estudar [...] (E)

Os sujeitos da pesquisa trazem que RMS é um modelo de formação que proporciona integração entre as categorias profissionais, ao enfatizarem sobre a necessidade de inserção e articulação com outros profissionais, não somente com os médicos, é possível observar em seus depoimentos questões que se referem ao aprimoramento intelectual conforme mencionado nas narrativas do(a) E e C.

É possível observar ainda que não houve convergências em relação à importância da RMS no hospital, no entanto ao analisar algumas opiniões, cabe questionar como a RMS é entendida no âmbito de recursos humanos, formação e trabalho e a contradição presente entre residente X mão de obra, conforme fala dos(as) entrevistado (B) e (D), quando referem que o residente vem auxiliar como mão de obra diante da falta de funcionários.

Já a categoria que tratou a compreensão dos sujeitos sobre equipe multidisciplinar e interdisciplinar; a opinião sobre a equipe que estão inseridos, se pertence a um caráter de equipe multidisciplinar ou interdisciplinar; e avaliação dos sujeitos sobre a contribuição da RMS para o trabalho interdisciplinar no hospital, apresentou-se as seguintes falas:

“[...] Equipe interdisciplinar? Eu acho que não difere muito né, equipe multi e interdisciplinar [...] Prefiro não arriscar no momento,, na verdade eu vejo como equipe interdisciplinar [...] (A)

[...] eu não sei diferenciar a multi da inter, não sei, mas acredito que seja multidisciplinar. [...] (B)

[...]A equipe interdisciplinar eu vejo que são equipes de vários profissionais, de várias especificidades, de vários tipos de formação, só que o conhecimento ele atravessa, não só meu conhecimento, o conhecimento é compartilhado[...] (C)

Eu não sei de verdade, qual que é diferença. [...] eu acho que a equipe que já está no hospital tem que ter o caráter já interdisciplinar para conseguir contribuir com o residente. (D)

Interdisciplinar é a relação entre as equipes, então, é extremamente importante cada um saber o seu papel dentro da multidisciplinariedade, então existir a integração entre médico, entre fisioterapia, entre serviço social, tudo isso.[...] (E)

Observa-se nas narrativas a inexistência de conhecimento sobre o que é interdisciplinaridade e a relevância de sua prática, onde boa parte dos profissionais não soube delinear ou optaram por arriscar uma opinião sem conhecimento, quando indagados em relação à RMS e sua contribuição para o trabalho interdisciplinar no hospital, cada entrevistado compreende Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 126 de 152 a sua maneira o que significa trabalhar interdisciplinarmente, no entanto, confundem a interdisciplinaridade com a multidisciplinaridade.

É possível observar na narrativa do(a) entrevistado D que “[...] para a RMS adquirir um caráter interdisciplinar é necessário que essa atuação seja efetiva na instituição”, ou seja, é necessário que a equipe multidisciplinar já tenha essa característica interdisciplinar em seu cotidiano, para contribuir com a formação do residente.

A última categoria de análise avaliou a importância da equipe de Serviço Social no âmbito hospitalar; compreensão da atuação e pratica do assistente social nas unidades de pronto socorro e terapia intensiva; e compreensão sobre a influência da RMS para um melhor entendimento da profissão através do contatos com residentes dessa categoria.

[...] o SS precisa de uma forma talvez mais clara mostrar para outras categorias o seu papel, pois ainda existe uma confusão de papeis[...] A residência contribuiu bastante para mudar um pouco esse olhar, trazendo, um pouco mais do papel do Serviço Social, por causa da presença do residente. (A)

[...] atuação do SS é fundamental, são os Assistentes Sociais que nos proveem alternativas de encaminhamentos do paciente, de contato com familiares [...] (B)

Na unidade de pronto socorro é indispensável ter assistente social, tudo começa pelo pronto socorro.[...] (C)

[...] vocês fazem um trabalho que tem muito a ver com essa questão interdisciplinar, vocês trazem a comunicação do paciente, das dificuldades para equipe médica, equipe multidisciplinar [...] o residente passa um período para vivenciar a experiência em UTI, isso acaba proporcionando um contato maior com a profissão de vocês [...] (D)

Extremamente importante, não é só a demanda médica, nossa população, principalmente do nosso hospital, está inserida dentro de contexto social importante [...] eu era totalmente leigo em relação ao SS , então toda vez que você tem residência, você acaba se vendo na obrigação de se apropriar sobre a profissão do outro. (E)

É possível observar nas narrativas à importância da atuação do profissional assistente social no âmbito hospitalar e também de esse profissional necessita se posicionar, mostrar a que veio, deixar claro suas competências e atribuições, para que outros profissionais não venham delegar as suas funções ou dizer qual é o seu papel.

Outro ponto importante, notável em uma das narrativas, se refere a consideração do papel do assistente social como interdisciplinar, por articular e propor discussões com a equipe multiprofissional sobre as demandas sociais dos pacientes e suas famílias.

Em relação a influência da RMS no auxílio para compreensão dos profissionais sobre atuação do assistente social, é possível observar na narrativa dos entrevistados, que antes da inserção da RMS no hospital, o contato com os assistentes sociais era considerado um pouco distante.

Conforme a narrativa do(a) entrevistado(a) E[...]antes da RMS era totalmente leigo(a) em relação ao trabalho do assistente social”, ao frisar que [...] quando um hospital tem ações voltadas para o ensino, como a RMS os profissionais se vêem na necessidade de se apropriar sobre o profissão do outro”.

Considerações finais

Considerando a dinâmica do trabalho em hospital, onde pacientes encontram-se em situação de reabilitação e tratamento intensos, onde se lida com a doença em seus estágios mais elevados, não tendo conscientização de que para além da doença, existem indivíduos dotados de uma história, tem-se a necessidade de obter uma visão de totalidade para o paciente, sua família, além de levantar os determinantes sociais que influenciaram para tal condição de adoecimento e Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 127 de 152 quais as estratégias de intervenção e conduta da equipe multidisciplinar diante das especificidades de cada caso, seja biológico ou social.

Nesse contexto, é necessário questionar como tem se dado a inserção dos programas de RMS nos serviços de saúde frente à atual conjuntura política e econômica do país e se estão sendo inseridos de fato com o objetivo de formar trabalhadores para o SUS ou como estratégia de sanar a defasagem de funcionários nas instituições.

Para que ação interdisciplinar se efetive e necessário ultrapassar os limites profissionais, permitindo abrir para novos saberes e fazeres, ações que vão além do multidisciplinar, onde os profissionais só sabem direcionar as demandas que não são suas, partindo de suas subjetividades sobre o papel do outro, pois proporciona um conhecimento mutuo e claro sobre as competências e atribuições privativas de cada profissão.

Neste ponto, compreendeu-se também por intermédio desse trabalho a importância da atuação do profissional assistente social no hospital, considerando que esse profissional tem capacidade para atuar com olhar de totalidade através de intervenções que o distinguem das demais categorias profissionais, pois lida diretamente com as diversas manifestações da questão social que influenciam no processo saúde-doença.

A interdisciplinaridade ainda é um desafio a ser alcançado no trabalho em saúde, principalmente no âmbito hospitalar, onde além da dinâmica hospitalar, tem-se a realidade mais evidenciada da precarização do trabalho e privatização dos serviços, onde o interesse privado sobressai sobre o interesse público, mas ela é uma atuação possível e necessária dentro das equipes multiprofissionais em saúde.

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ATUAÇÃO DA GESTÃO ESCOLAR: RELAÇÃO ENTRE FAMÍLIA E ESCOLA

Charlyan de Sousa Lima55

Resumo A relação da gestão escolar com a escola e a família dos educandos é um assunto bastante relevante, que propicia reflexão para atuação eficiente dos gestores escolares. Pois a educação pode ser entendida como um processo humano, que envolve relacionamento interpessoal, organização e comprometimento, para que aconteça uma educação eficiente e de qualidade. Objetivou-se refletir a atuação da gestão escolar com foco em sua relação entre família e escola. Verifica-se que a gestão escolar que promove a integração entre família e escola estimula a aprendizagem, e favorece aos educandos a construção de sua própria identidade. Palavras-chave: comunidade, democracia, participação.

Abstract The relationship of school management with the school and the family of the students is a very relevant subject, which allows reflection for efficient performance of the school managers. For education can be understood as a human process, involving interpersonal relationships, organization and commitment, so that an efficient and quality education can happen. The objective was to reflect the performance of school management with a focus on their relationship between family and school. It is verified that the school management that promotes the integration between family and school stimulates the learning, and favors to the students the construction of its own identity. Keywords: community, democracy, participation.

Introdução

A relação da gestão escolar com a escola e a família dos educandos é um assunto bastante relevante, que propicia reflexão para atuação eficiente dos gestores escolares. No entanto, quando se fala dessa relação não se pode esquecer a palavra “democracia”, considerando que a mesma envolve a liberdade de expressão e igualdade. A partir desse princípio, começa-se a pensar em uma gestão de liderança igualitária, onde o gestor é aquele que não é visto como um chefe, mas como um líder, que está a serviço da escola, que por meio de sua atuação, contribui para construção de ideias em prol de uma escola de todos.

Lück (2009, p. 69), esclarece que a escola democrática é aquela em que os seus participantes estão coletivamente organizados e compromissados com a promoção de uma educação de qualidade para todos. Desse modo, a comunicação entre escola e família é de suma importância para alcançar a qualidade educacional, e oportunizar a interação entre todos os seus membros, tornando o ambiente escolar agradável para aprendizagem. Assim, a educação pode ser entendida como um processo humano, que envolve relacionamento interpessoal, organização e comprometimento, para que aconteça uma educação eficiente e de qualidade. No entanto, esse relacionamento envolve família e escola, articulando vínculos e reciprocidade.

Deve-se pensar em uma escola que atenda às necessidades educacionais das diferentes populações de maneira que os todos os seus membros possam participar ativamente das atividades

55 Professor do Curso de Linguagens e Códigos, Universidade Federal do Maranhão. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 129 de 152 propostas pela instituição, de modo a colaborar para o pleno desenvolvimento do educando, favorecendo um melhor aprendizado. Partindo desses pressupostos, buscou-se através deste trabalho fazer uma análise e compreender algumas práticas, que fazem parte do tema em estudo, com o objetivo de refletir a atuação da gestão escolar com foco em sua relação entre família e escola.

Revisão de literatura

Segundo Lück (2009, p. 81) o diretor facilita as trocas de opiniões, ideias e interpretações sobre o processo socioeducacional em desenvolvimento na escola, mediante a metodologia do diálogo, atuando como moderador em situações de divergências e de conflito. Somente em parceria, a escola conseguirá refletir sobre as suas dificuldades e pensar em como fazer para conseguir superá-las.

Quando falamos em gestor escolar, entendemos que é aquele que realiza a gestão na escola e deve organizar o trabalho de forma coletiva, centrado no aluno, e incentivando o diálogo entre a comunidade escolar. Então é importante ter em mente como realmente funciona uma gestão, e as atividades que as envolvem, considerando que as decisões tomadas pela escola, sempre envolvem a comunidade.

O Projeto Político Pedagógico – PPP, elaborado por meio de uma gestão democrática com a participação de toda a comunidade escolar, é fundamental para estabelecer metas e ações que serão desenvolvidas na escola com a colaboração de todos os seus integrantes, assim esse projeto, é de extrema importância, para o processo de ensino e aprendizagem na escola, de modo que Falsarella (2013, p. 21), destaca:

“O PPP possibilita ao conjunto da comunidade escolar posicionar-se quanto ao processo educativo, identificar problemas, e demandas e potencialidades, pensar possíveis soluções e redirecionar ações que não estejam a contento” (FALSARELLA, 2013, p. 21).

Assim, a função social da escola é definida pelo projeto político pedagógico, para que desta maneira os gestores possam planejar juntamente com a comunidade escolar suas ações que visam o desenvolvimento das competências e habilidades dos educandos.

Assim de acordo com Campos, (2010, p. 5).

“O projeto político-pedagógico é uma carta de intenções em que se define a função social da escola. É preciso que os gestores articulem o planejamento do sistema com o da escola, para que o professor, compreendendo o significado do que se quer obter, assim o compromisso de garantir o processo de aprendizagem e a aquisição dos saberes necessários requisitados pela sociedade diante das velozes mudanças que ocorrem no mundo contemporâneo, sem perder de vista o desenvolvimento de competências, habilidades e atitudes como exigência para a vida em tempo de globalização”.

A prática escolar precisa ser reflexiva, pois lida com pessoas diferentes, no que diz respeito à forma de pensar e agir, além de outros aspectos. Por isso, é necessário que o ambiente escolar esteja sempre aberto para diálogo e participação, proporcionando assim, uma gestão democrática, pois a escola deve considerar toda a realidade que a influencia o processo de aprendizagem.

Em um contexto social, onde a sociedade passa por muitas mudanças, a escola não pode manter-se afastada da família, e deve estar atenta as transformações sociais para melhor desenvolver o seu trabalho, com o objetivo de formar pessoas que possam contribuir na sociedade de forma positiva.

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Outro fator relevante é que a família tem sua importância na participação no processo educativo, pois o mesmo não é um dever somente da escola, mas de toda a sociedade, por isso deve conter com auxílio maior da família para alcançar pontualmente seus objetivos. Este senso de responsabilidade é argumentado por Tiba (2012, p.82) “pessoas que sentem a felicidade comunitária fazem questão de ajudar os outros integrantes de sua comunidade para torná-los mais felizes”. Assim, percebe-se assumir tal responsabilidade no processo educacional gera um bem maior na vida de pessoas, que neste caso, são os educandos.

Observa-se que, quando há diálogo e participação no espaço escolar, sem que exista individualismo, o gestor abre espaço para a interação e os pais se preocupam com o aprendizado dos filhos, deste modo, a educação passa a adquirir mais êxito. Por isso, é importante que a gestão funcione pautada em uma organização igualitária, rompendo com a organização autoritária. Na gestão democrática, a participação de cada sujeito é fundamental, e o conhecimento de suas ideias, e sua contribuição deve ser independente do nível de cargo que ocupa.

Silva (1995, p. 44), destaca que “a escola implica formação voltada para a cidadania, para a formação de valores-valorização da vida humana em todas as dimensões”. Portanto, a educação traz consigo responsabilidade na contribuição de formar o sujeito que aprende, a construir o seu saber, que o qualificará a nortear seu projeto de vida, embasado em valores, para que suas ações sejam éticas e igualitárias.

Em uma gestão democrática e participativa, onde todos atuam direta ou indiretamente nas ações da escola, Romão (1997, p. 67), esclarece que:

“Os caminhos para a implantação de uma gestão democrática e participativa necessita, não só dos convites aos participantes do processo, mas, sim da geração de condições para que os mesmos se insiram no processo” (ROMÃO, 1997, p. 67).

Assim, a gestão escolar pautada em um novo modelo de gestão, onde todos os membros da escola e a família são convidados a participar de assuntos relevantes, pois ambos devem colaborar com processo de construção de uma gestão participativa, que visa estimula a aprendizagem dos alunos.

As parcerias dessa nova forma de gestão escolar podem contribuir para aproximação entre escola e família, centrando na figura do educando. No entanto, depende primeiramente da aproximação do gestor com a família, e assim, a escola possa desenvolver projetos que despertem a participação significativa de todos, tanto no ambiente escolar como em seu entorno, a contribuir para uma sociedade igualitária, onde todos podem compartilhar e contribuir com a aprendizagem nesse novo processo, formando evidentemente, cidadãos para o seu pleno desenvolvimento intelectual, ético e moral, etc.

É preciso que as escolas busquem e reelaborem a sua proposta pedagógica, diante de suas realidades vivenciadas, entre família e escola, para que o acompanhamento desse novo processo de ensino estimule sempre novas aprendizagens,

Conclusão

Na sociedade atual precisamos pensar em práticas que possam contribuir para uma melhor qualidade de ensino. Envolver a família nas atividades e nos direcionamentos da escola, pode colaborar bastante para uma educação de qualidade.

Portanto, uma gestão democrática está estritamente relacionada com os membros da escola e da família dos educandos, assim todos os projetos coordenados pela gestão escolar, devem em suas fases de elaboração e execução, contar com a participação da família e da escola para a sua Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 131 de 152 efetivação. Pois a prática escolar sem participação, não pode ser considerada como democrática, então a gestão deve buscar cada vez mais, uma maior interação entre escola e família.

Assim, verifica-se que, a gestão escolar que promove a integração entre família e escola estimula a aprendizagem, e favorece aos educandos a construção de sua própria identidade.

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Enviado em 30/06/2017 Avaliado em 15/06/2017 Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 132 de 152

O USO DE TECNOLOGIAS MÓVEIS NO PROCESSO DE SENSIBILIZAÇÃO DA LÍNGUA ESPANHOLA COM CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM TRATAMENTO ONCOLÓGICO

Claudia FumacoVitali56

Resumo A pesquisa teve como objetivo analisar as contribuições do uso de dispositivos móveis Tablets no processo de sensibilização da língua espanhola, com crianças e adolescentes em tratamento oncológico, analisando-o como recurso facilitador de novas práticas no processo de ensinar e aprender. Dentro dessa perspectiva, como instrumento de coleta de dados, foram desenvolvidas oficinas, no contexto hospitalar, com inserção e iniciação a segunda língua. Percebeu-se que esta ferramenta pode proporcionar contribuições significativas, não só no processo de aprendizagem, como também, para inovações das metodologias de ensino. Como contribuição, foi elaborada uma revista digital disponibilizada em rede. Palavras-chave:Dispositivos Móveis. Educação Hospitalar. Sensibilização do Espanhol. Tecnologias na Educação.

Resumen La investigación tuvo como objetivo analizar las contribuciones del uso de dispositivos móviles en las Tablas de la proceso de sensibilización en español con los niños y adolescentes en tratamiento contra el cáncer, analizándolo como una característica facilitador de nuevas prácticas en el proceso de enseñanza y aprendizaje. Dentro de esta perspectiva, como un instrumento de recolección de datos, se desarrollaron talleres en el hospital, con la inserción y empezar la segunda lengua. Se observó que esta herramienta puede aportar contribuciones significativas no sólo en el proceso de aprendizaje, sino también a las innovaciones en las metodologías de enseñanza. Como una contribución creó una revista digital disponible en la red. Palabras clave: Dispositivos Móviles. Tablet. Sensibilización del Español. Tecnologías en Educación.

Introdução

Vivemos em uma sociedade pautada pelo uso das tecnologias. Seria algo ameaçador, na atualidade, imaginarmos nossas vidas sem elas, já que fazem parte do nosso cotidiano. Não raro, nem percebemos o uso constante que fazemos delas. Recentemente estamos vendo essas tecnologias invadirem as salas de aula, surgindo, assim, as tecnologias educacionais. Hoje, a maioria das crianças e jovens tem em sua casa computadores, notebooks, tablets, smartphones, etc. Apesar de sempre o primeiro movimento ser de dúvida e rejeição quando da entrada dessas ferramentas no ambiente escolar, aos poucos elas vão ganhando espaço e as escolas acabam por incorporá-las no dia a dia das salas de aula. Leffa (2006) comenta, com relação ao uso de ferramentas, que toda aprendizagem é mediada por um instrumento, seja ele um artefato cultural, como o livro ou um fenômeno psicológico como a língua. Nessa linha, de acordo com Paiva (2008, p. 1), “o sistema educacional sempre se viu pressionado pela tecnologia, do livro ao computador, e faz parte de sua história um movimento recorrente de rejeição, inserção e normalização”.

56 Mestre em Tecnologias Educacionais em Rede – UFSM – Universidade Federal de Santa Maria – RS, doutoranda em Educação pela mesma insitituição. Especialista em TIC’S pela UFSM. Professora externa do curso de graduação em Espanhol, a distância, também pela UFSM, desde 2009. Professora substituta do Inst. Federal Farroupilha, de 07/15 a 12/16.

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Em Paiva (2008) encontramos uma linha de tecnologias utilizadas na educação. Essa linha começa com a tecnologia da escrita, quando os textos ainda eram registrados no volumen (um rolo de folhas de papiro), após passando pelo formato em códex. Logo após, veio a invenção da imprensa por Gutemberg em 1442, que foi considerada a primeira grande revolução tecnológica na cultura humana. Os livros didáticos também sofreram censura, assim como hoje os computadores e os dispositivos móveis sofrem.

Quanto a televisão, como os canais que passavam em língua estrangeira eram os canais pagos, o acesso a eles eram difíceis pelo fato de na época serem muito caros. Com o passar dos anos, surge então os computadores, e mais recentemente os dispositivos móveis. Embora as ferramentas “tradicionais”, como livros, gramáticas, áudio e vídeo, sejam ainda muito utilizadas no processo de ensino de uma língua estrangeira, os dispositivos móveis vêm ganhando notório espaço neste processo. O crescimento tecnológico, estimulado por diversas ferramentas e aplicativos, torna a interação mediada pela tecnologia cada vez mais rápida, ágil e viável. Isso nos leva a pensar que o acesso a esses dispositivos fica cada vez mais “intuitivo”, não necessitando de tantos conhecimentos técnicos por parte dos usuários. Pensando neste contexto, podemos de certa forma, nos atrever a discorrer que a educação iniciou uma nova era, onde as tecnologias móveis emergidas ao longo do tempo se unem ao objetivo principal do processo educativo, que é a troca constante de conhecimentos entre os envolvidos.

Perante estas reflexões, vislumbrou-se em uma investigação que avaliasse as contribuições do uso dos Tablets, no processo de ensino aprendizagem do espanhol, dentro do contexto hospitalar, com crianças e adolescentes que passam por tratamento de saúde. A coleta de dados foi realizada no Centro de Tratamento da Criança e do Adolescente com Câncer e também na Turma do Ique, que fazem parte da estrutura hospitalar do HUSM – Hospital Universitário de Santa Maria RS, sob a chancela do Setor Educacional/HUSM, coordenado pela professora Dra Leodi Conceição Meireles Ortiz. As crianças e adolescentes abrangidos por essa proposta de pesquisa, algumas vezes se afastam da escola para poderem realizar o tratamento, pois alguns fatores relacionados à situação que se encontram, dificultam a sua permanência física no espaço escolar. Crianças que se encontram no primeiro ano de tratamento, ou quando a saúde necessita cuidados, recebem apoio baseado na Resolução 230, que dá direito ao auxilio escolar domiciliar, ou seja, uma forma de estudo a distância.

Diante deste contexto, pensou-se que usar o Tablet como tecnologia móvel, para contribuir com o processo de ensino aprendizagem, desse grupo, como uma ferramenta de fácil mobilidade e manuseio, com conexão de rede sem fio, para dar suporte às possíveis mudanças de conduta desse um grupo específico. Partindo desta hipótese, pensou-se em trabalhar com aplicativos que poderiam auxiliar na sensibilização do espanhol, a fim de contribuir para o desenvolvimento cognitivo destes pacientes. Desta forma e contexto, propomos uma pesquisa qualitativa, com o procedimento focado na pesquisa-ação, estruturada metodologicamente através de oficinas para abordar a sensibilização da língua espanhola, através do uso desta tecnologia móvel. Utilizando-se dos aplicativos adequados, acredita-se que os pacientes irão interagir com o mundo virtual e entrar em contato com uma segunda língua, através de atividades que estimulem a motivação, o raciocínio e a aprendizagem de noções básicas, contribuindo assim, para aproximação do espanhol.

Por fim, este estudo desenvolveu-se durante 2014/15, em que desenvolvemos uma proposta para integrar as TIC’s na sensibilização de uma língua em contexto hospitalar. Como forma de registro das observações, análises e reflexões, elaboramos como produto desta ação uma revista online, disponibilizada dentro de um repositório em rede.

Tics e o ensino de línguas

Com o surgimento da internet, a aprendizagem de línguas estrangeiras sofreu uma grande revolução. Através do uso de ferramentas tecnológicas é possível trabalhar com as quatro Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 134 de 152 habilidades dos alunos. Eles podem entrar em contato com nativos dessa língua, conversar, tirar dúvidas, e ter acesso a informações, tanto para professores quanto para alunos. Possibilitando a troca de materiais, experiências, saberes, através de qualquer lugar do mundo. Alunos começaram a produzir e a ser autor na língua desejada, criando vídeos, blogs, escrevendo e-mails etc. na língua “aprendida”. Sobre a aprendizagem de línguas estrangeiras, Leffa (2006) comenta que

As quatro habilidades básicas da língua (ouvir, falar, ler e escrever) podem ser integradas numa única atividade; o aluno pode, por exemplo, ouvir um diálogo, gravar sua pronúncia, ler o feedback fornecido pelo sistema e escrever um comentário. A Internet, por outro lado, permite que o aluno use a língua alvo para se integrar numa comunidade autêntica de usuários, trocando experiências com pessoas de qualquer parte do mundo em que a língua que estuda seja usada (LEFFA, 2006 p. 14).

Pensando neste contexto de aprendizagem, mediada por computador, conforme menciona Leffa (2006), salientamos que essa mediação, máquina/homem, deve facilitar um novo caminho para o aprender de crianças e jovens que estão hospitalizados. Segundo Barbosa (2004), ao utilizarmos as TICs devemos saber como aplicar em todo o sistema educacional, especialmente no planejamento pedagógico e no processo de ensino aprendizagem, que muitas vezes configuram-se como específicos. Se olharmos atentamente é fácil perceber que as duas se relacionam, diretamente, há muito tempo (CORTEZE e MUSSOI, 2013).

As TIC abarcam as mais diferentes formas e em diferentes lugares. Inseridas praticamente em todas as áreas do conhecimento humano, elas provocam mudanças radicais na sociedade, revolucionando o mundo com inovações e criatividade. Quando inseridas no cenário Educacional, não é diferente, pelo poder de qualificar o ensino, quando bem utilizadas pelos professores e alunos. Corteze e Mussoi (2013, p. 156)

Com as transformações no modo de ensinar e aprender, o advento da tecnologia vem apresentando novas maneiras de interação e, consequentemente, outro olhar sobre a educ (ação). Assim, a interação não pode, de forma alguma, ficar fora do processo educativo, pois esse letramento digital se apresenta como um novo estágio de transformação do homem, dentro do contexto da apropriação de novos artefatos da leitura e da escrita.

Estamos cônscios de que a inserção das novas tecnologias na sala de aula não garante a resolução de problemas, mas saber o quê, para que e para quem se escreve são antigas questões que são retomadas, principalmente quando se vislumbra a intensa interação vivenciada pelos discentes na internet (SOUZA, 2007, p. 202).

Dispositivos móveis: tablet no processo de ensino de língua estrangeira

Conforme o documento da UNESCO (2014), as tecnologias móveis podem ampliar e enriquecer oportunidades educacionais para estudantes em diversos ambientes, na medida em que propiciam, de modo geral e em especial ao aluno e ao professor, o acesso a informações, contribuindo com interações nos mais variados ambientes. Esses aparatos móveis vêm se desenvolvendo cada vez mais e cooperam para que as suas possibilidades e facilidades cresçam de forma surpreendente. O manual da Unesco, (2014), explica que as tecnologias móveis estão em constante evolução perceptíveis na diversidade de aparelhos disponíveis no mercado atual, incluindo, telefones celulares, tablets, leitores de livros digitais (e-readers), aparelhos portáteis de áudio e consoles manuais de videogames. Segundo Lemos, (2004) as tecnologias móveis e sem fio estão mudando o relacionamento das pessoas, os espaços públicos de convivência, as redes de conversação e, especialmente, os processos educacionais. A flexibilidade caracterizada no uso dos dispositivos móveis, em um ambiente não formal de educação, torna-se cada vez mais necessária e instigante, pois constitui um contexto que propicia interações, cooperação, colaboração e, consequentemente, compartilhamento de informação. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 135 de 152

A chegada das tecnologias móveis à sala de aula traz tensões, novas possibilidades e grandes desafios. As próprias palavras “tecnologias móveis” mostram a contradição de utilizá-las em um espaço fixo como a sala: elas são feitas para movimentar-se, para levá-las para qualquer lugar, utilizá-las a qualquer hora e de muitas formas (MORAN, 2014, p.2).

O documento da Unesco (2014), vem ao encontro das palavras de Moran (2014) ao abordar que atualmente um volume crescente de evidências sugere que os aparelhos móveis, presentes em todos os lugares – especialmente telefones celulares e, mais recentemente, tablets– são utilizados por alunos e educadores em todo o mundo para acessar informações, racionalizar e simplificar a administração, além de facilitar a aprendizagem de maneiras novas e inovadoras.

Quando falamos em aprendizagem através de dispositivos móveis devemos pensar em recursos que possibilitem a interação e a interatividade57, dentro do ambiente virtual, a qualquer hora e em qualquer lugar. Seu uso é cada vez mais aceito, pois oferece a flexibilidade ao acesso a informação e a conexão com a internet, de qualquer espaço geográfico. Sua tela sensível ao toque permite uma navegação muito mais intuitiva e fácil do que com o mouse, por exemplo. Pensando neste escopo, em que a aprendizagem móvel abrange metas educacionais amplas, melhora a comunicação entres escolas e famílias, é bem aceito pelos nativos digitais58, fica justificada a sua usabilidade e acessibilidade dentro de um contexto especial de ensino. Acredita-se na inserção deste dispositivo como meio facilitador no processo de aprendizagem, principalmente em um ambiente não formal possível de sensibilizar o ensino de uma língua estrangeira.

Metodologia da pesquisa

Este trabalho, classificado como uma pesquisa qualitativa como método de abordagem, utilizou como procedimento, a pesquisa-ação. Conforme nos fala, Thiollent (1988, p. 14) “a pesquisa ação é um tipo de investigação social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo”.

O pesquisador nesta ação passa a fazer parte do objeto investigado, ele “abandona” seu papel de pesquisador, e começa a ter uma relação de sujeito a sujeito, tendo então, uma atitude participativa no processo. Quando ele inicia a fazer parte, ele traz elementos, informações e conhecimentos que serão utilizados para a reflexão dos dados. Deste modo, o pesquisador foi um agente importante nesta investigação, pois é ele que interagiu com o grupo, planejou as oficinas, implementou o planejamento, despertando, juntamente com os recursos tecnológicos, o interesse e a curiosidade dos alunos/participantes. A vertente utilizada para a avaliação da construção da proposta deste caso foi orientada pela: Avaliação Diagnóstica, Avaliação Formativa, Avaliação Somativa. De acordo com os estudos de Bloom (1983, p. 16) “a avaliação de um processo de ensino-aprendizagem, pode apresentar esses três tipos de avaliação, que permitiu adaptar-se a diferentes situações e contextos”. Para abrangermos as diferentes situações de um contexto específico, optamos por organizar a metodologia em etapas, que embora sigam uma linearidade, interagem e retroalimentam-se em espiral, permitindo a oxigenação de todas as ações e reações de um caminho percorrido. Sendo assim, a Etapa1 corresponde ao diagnóstico; Etapa 2 - planejamento; Etapa 3 e 4 – implementação e análise dos dados; Etapa 5 - elaboração do produto final;

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Etapa 1 – Diagnóstico: a metodologia de ação do trabalho englobou primeiramente, o reconhecimento do espaço e do público alvo. Para isso, foram feitas visitas semanais, onde realizamos conversas informais com a coordenação, voluntários que realizam diversos trabalhos no local, como também com os acompanhantes e pacientes. Foi também observado o espaço físico, a disponibilidade da infraestrutura para a realização do projeto, como internet sem fio, sala de informática e local para reunir os participantes durante as oficinas propostas.

Etapa 2 – Planejamento: para que pudéssemos iniciar o planejamento das oficinas, analisamos uma lista com o nome e idade das crianças que frequentavam o espaço, ficou pré- estabelecido um perfil das crianças que poderiam fazer partes das oficinas. Conforme uma reflexão inicial, o foco seria crianças e adolescentes de 8 a 12 anos, de ambos os sexos. Pensou-se neste perfil porque se imagina que nesta faixa etária todos já estão alfabetizados e acompanhariam muito bem as oficinas. Foram então, pré-definidas cinco crianças, no espaço Ique e cinco no CTcriac, pois nos foi cedido, através do setor de Acessibilidade da UFSM, quatro tablets e mais um, de meu uso pessoal.

Etapa 3 e 4 – Implementação e Análise de Dados: foi feito um convite informal com cada um dos participantes explicando, tanto para ele como para o acompanhante, como seria o projeto e como ele se desenvolveria. A decisão em participar ficava por conta da criança, pois como se tratava de um projeto que visava à sensibilização em conhecer uma segunda língua, um primeiro contato, bem inicial e sensível com a língua estrangeira em questão, elas escolheriam participar ou não. As oficinas planejadas para a terceira e quarta etapa foram ministradas semanalmente, com uma hora de duração. Propomos, inicialmente doze oficinas, a serem desenvolvidas na Turma do Ique e no CTCriac no turno da manhã. O conteúdo dos encontros foi flexível, e dependeu do bom andamento e motivação dos alunos que muitas vezes necessitavam mudanças dos nossos planejamentos. Na etapa um, o paciente fez uso do aplicativo com a orientação do pesquisador, explorando-o, conhecendo-o, fazendo descobertas e entrando em contato com a língua espanhola, buscando contemplar os objetivos dos assuntos abordados. Cabe ressaltar que ao final de cada oficina, o pesquisador realizava uma conversa com todas as crianças sobre o que eles tinham aprendido de novo, em relação a língua. Este processo vem ao encontro do Diagnóstico, pois através das conversas para a identificação do que os alunos assimilaram foram e sensibilizados, era possível perceber as dificuldades individuais, bem como seus aprendizados.

Conforme o planejamento proposto previamente, as oficinas aplicadas às crianças tiveram início no dia 26/11/14, das 10h às 11h, todas as quartas-feiras. A decisão de aplicar essas oficinas neste dia e horário foi tomada em conjunto com a coordenação da Turma do Ique, pois na quarta- feira o fluxo de crianças é maior e por podermos utilizar o espaço do auditório do Ique, que neste dia da semana está ocioso. O projeto contemplou, não só as crianças da Turma do Ique, mas também as do CTcriac, com oficinas aplicadas dentro deste espaço, no HUSM. Os encontros tiveram início no dia 29/11/14, das 09h às 10h, no sábado, e assim seguiram nos próximos.

A análise dos dados coletados teve como forma de avaliação a avaliação Somativa, que consiste em analisar e comparar todo o trabalho realizado pelos alunos/pacientes durantes às oficinas, os dados coletados na primeira e demais etapas do projeto. Essa avaliação permitiu que fosse observada a evolução das crianças em relação à percepção e conhecimentos adquiridos ao longo do processo, servindo como subsídios de comparação entre o início, meio e fim do processo de ensino aprendizagem. Desta forma, a avaliação Somativa contribuiu com informações que se destinaram ao registro e a reflexão e análise do que foi assimilado pelos alunos/pacientes, ou seja, seus resultados serviram para verificar, classificar, situar, informar e certificar. Ainda e como forma de coleta de dados, a pesquisadora fez uso de um diário de campo/de aula, ou seja, um diário onde foram registradas todas as informações e particularidades de cada oficina, suas impressões, as ações e percepções dos alunos em relação a proposta. Por se tratar de um trabalho que envolveu participantes que estão inseridos em um contexto diferenciado, que exigiu atenção e cuidados que vão além dos pedagógicos, toda e qualquer informação é extremamente importante.

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Etapa 5 - Elaboração Produto Final: pensando em uma maneira de registrar e disponibilizar as contribuições da pesquisa, tanto para os envolvidos na proposta como para o meio científico, elaborou-se uma Revista Online denominada o Uso de Tecnologias Móveis Tablets no Processo de Sensibilização da LÍngua espanhola, constituindo-se como o produto de uma ação que perpassa pela tecnologia, educação e, especialmente, pela emoção. É um material totalmente online, que pode ser acessado e lido pelo computador, tablet, smartphone. O leitor precisa estar conectado a uma rede de internet para poder ter acesso ao conteúdo.

Para a criação da revista, após pesquisas sobre algumas plataformas que possibilitam a criação deste tipo de publicação, optou-se por trabalhar com ferramenta da web Youblisher, que é um serviço da web que transforma os documentos em revistas digitais, permitindo que qualquer usuário acesse o conteúdo que está sendo disponibilizado. Optou-se por essa plataforma por ser um formato de fácil manuseio, de livre acesso. Desta forma, ao elaborar a Revista Online pensou-se em publicar os momentos mais marcantes do trabalho desenvolvido. Os objetivos que nortearam a pesquisa, o desenvolvimento das oficinas, os apps utilizados nos encontros estão contidos na edição. Para ter acesso a esse material, basta acessar o link: . Por ter essa versão em PDF, pode ter um alcance ainda maior do que somente digital e online. Essa versão PDF pode ser disponibilizada de forma impressa, para aqueles que não têm acesso a rede, por exemplo.

Conclusão

Pensar nas tecnologias como meio de ensino e aprendizagem é algo que já está inserido dentro do contexto escolar, seja na esfera pública ou privada. Inserir essas ferramentas dentro de outros contextos, no caso não formais, pode potencializar o processo de aprendizagem. Levar os tablets, a tecnologia, para um ambiente hospitalar, com crianças que estão em tratamento oncológico foi uma maneira de analisar se os dispositivos móveis podem contribuir para o processo educacional, bem como se a mobilidade pode auxiliar e aproximar essas crianças às atividades próprias da etapa de desenvolvimento que se encontram e que muitas vezes foram “afastadas”. Vislumbra-se, para esse grupo específico, que o Tablet pode tornar-se um artefato tecnológico de importância significativa, pois está modificando a maneira como as pessoas têm acesso às informações. Desenvolver este projeto dentro deste espaço tão diferente e delicado, se comparados a espaços formais de educação, nos fez refletir e repensar certas formas de ensinar, aprender, agir e enxergar a educação. Trabalhar com a assimilação de uma segunda língua, com pacientes que se encontram em tratamento de saúde, nos fez acreditar na efetivação do papel do professor dentro da sociedade.

Dessa forma, o estudo “uso do tablet como ferramenta de sensibilização da língua espanhola” nos leva a “concluir” que o tablet pode proporcionar contribuição, no processo de aprendizado, na sensibilização dos participantes em relação à língua espanhola, aquisição de vocabulário e assimilação da pronúncia quanto a segunda línga. Ao passar dos tempos os educadores tem cada vez mais se apropriado de novas ferramentas, a fim de possibilitar uma melhor dinâmica no modo de ensinar, porém a emoção que envolve o processo ensinar-aprender é um ato configurado pela intenção de ação. O uso da ferramenta tablet foi de grande importância e funcionalidade, em especial para o público alvo desta pesquisa, pois aproximou os pacientes, em tratamento oncológico, do processo de ensino de uma segunda língua, mesmo dentro de um contexto não formal de educação.

Dentro deste contexto do Tablet como uma ferramenta prática, móvel e com potencial para uso dentro do contexto educacional, decidir desenvolver a Revista Online foi de grande colaboração para efetivar e compartilhar o bom andamento da proposta de pesquisa. O usuário poderá fazer a leitura tanto do seu computador quanto do seu smartphone ou tablet. Essa forma de publicação vem ao encontro de todo o contexto e escopo de pesquisa: mobilidade e compartilhamento de saberes. Poder propiciar a este público uma nova forma de aprender, faz com Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 138 de 152 que se reafirmem ainda mais o importante papel que o professor tem dentro da sociedade. Transformar um ato de educar em um ato social é o grande legado que o professor deve desenvolver dentro da sua profissão.

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MOVIMENTO CIÊNCIA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE: A RELEVÂNCIA DO PROJETO JOVEM CIENTISTA PARA OS ALUNOS DO ENSINO MÉDIO

Claudia Scareli-Santos59 Fernanda Silva de Oliveira60

Resumo Objetivou avaliar o projeto “Prêmio Jovem Cientista - Energia e Meio Ambiente: soluções para o futuro”, desenvolvido por alunos e professores de Biologia, Física, Química e Português, do Instituto Federal de Goiás (Jataí, GO). Os alunos apresentaram dificuldades na escrita e no entendimento do tema e melhora na produção textual. Os professores atribuíram nota máxima ao projeto, justificaram que o mesmo possibilita reflexão ambiental de forma transversal e interdisciplinar. Nas redações foram avaliadas o domínio do conteúdo e clareza; dentre as dificuldades os professores mencionaram o pouco tempo e a interdisciplinaridade. O projeto proporcionou elementos para discussão crítica das questões ambientais. Palavras-chave: Ensino Médio, Goiás, Produção Textual.

Abstract It was aimed to evaluate the project "Young Scientist Award - Energy and Environment: solutions for the future", developed by students and teachers of Biology, Physics, Chemistry and Portuguese, from the Federal Institute of Goiás (Jataí, GO). The students presented difficulties in writing and understanding the theme and also in improving their textual production. The teachers attributed maximum grade for the project, justifying that it allows environmental awareness in a transversal and interdisciplinary way. Mastery of the subject and clarity were evaluated in the essays; among the difficulties teachers mentioned the short time and interdisciplinary. The project provided elements for a critical discussion on environmental issues. Keywords: High School, Goiás, Textual Production.

Introdução

Na década de 60 do século XX, diferentes localidades da Europa, Estados Unidos, Austrália e Canadá iniciaram um movimento na educação visando atingir os diferentes seguimentos da sociedade utilizando os avanços da ciência e da tecnologia no contexto social, denominado movimento Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS). Uma década depois, o movimento CTS chegou ao Brasil e tem buscado programar os novos currículos de ensino de ciências, demonstrando uma nova forma de ensinar aos alunos a construírem seu próprio conhecimento (VAZ et al., 2009).

O movimento CTS surgiu devido ao crescimento dos países capitalistas centrais com o desenvolvimento científico, tecnológico e econômico do bem-estar social que não estava, até meados do século XX, conduzindo linearmente ao bom desenvolvimento da sociedade, a princípio foi observado um entusiasmo com a divulgação do movimento CTS, a qual posteriormente foi amenizada com a necessidade de avaliar de forma mais crítica o quanto os avanços científicos e tecnológicos, relacionados aos movimentos de guerra no mundo, afetaram as sociedades (AULER & BAZZO, 2001).

Cabe ainda ressaltar que um dos objetivos principais do movimento CTS consiste em tomar decisões com relação a Ciência e tecnologia (C & T) em um plano com resoluções mais democráticas, mesmo porque em vários países, como exemplos EUA, Inglaterra, Países Baixos,

59 Docente do curso de Biologia da Universidade Federal do Tocantins, Campus Araguaína, TO. 60 Licenciada em Biologia pela Universidade Federal de Goiás, Campus Jataí, GO. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 140 de 152 entre outros, a mudança cultural se estabeleceu em curso, onde a “politização” da C & T produziu desdobramentos curriculares no ensino superior e secundário (AULER & BAZZO, 2001). No Brasil ainda são poucas as contribuições com relação ao enfoque CTS.

Segundo Auler & Delizoicov (2006, p. 02):

“Desde a década de 60, do século passado, em países do hemisfério norte, no campo educacional, o denominado movimento CTS tem buscado contemplar a participação do estudante em discussões de temas que envolvem CT. Na América Latina, no campo educacional, tal encaminhamento está apenas iniciando, havendo poucas ações institucionalizadas.”

Nas instituições de ensino no Brasil, poucos são os docentes preparados para atuarem de forma contextualizada no ensino de ciências, mesmo porque grande parte das escolas não possui matérias curriculares obrigatórias com o enfoque CTS. Na Espanha, alunos entre 14 e 16 anos, do ensino secundário recebem informações como complemento transversal. Estes professores são motivados a buscarem aperfeiçoamento para o enriquecimento de suas aulas (PINHEIRO, 2007).

“[...] o professor é o grande articulador para garantir a mobilização dos saberes, o desenvolvimento do processo e a realização de projetos, nos quais os alunos estabelecem conexões entre o conhecimento adquirido e o pretendido com a finalidade de resolver situações-problema, em consonância com suas condições intelectuais, emocionais e contextuais” Pinheiro et al. (2007, p. 07).

Embora não seja adotado em todas as áreas de educação, o movimento CTS prioriza a participação ativa de estudantes e professores visando o aprimoramento do ensino, de forma que os alunos possam lidar com situações problemas diante da sociedade, capazes de tomar decisões informadas e desenvolver ações responsáveis. Santos (2007, p. 05) afirma:

Não se procura uma ligação artificial entre conhecimento científico e cotidiano, restringindo-se a exemplos apresentados como ilustração ao final de algum conteúdo; ao contrário, o que se propõe é partir de situações problemáticas reais e buscar o conhecimento necessário para entendê-las e procurar solucioná-las.

O ensino de ciências apresentado pelos educadores tem sido atrelado aos livros didáticos onde os exemplos citados são descontextualizados, fugindo da realidade dos alunos. Ainda segundo Santos (2007, p. 04):

O ensino de ciências, na maioria de nossas escolas, vem sendo trabalhado de forma descontextualizada da sociedade e de forma dogmática. Os alunos não conseguem identificar a relação entre o que estudam em ciência e o seu cotidiano e, por isso, entendem que o estudo de ciências se resume a memorização de nomes complexos, classificações de fenômenos e resolução de problemas por meio de algoritmos. Por outro lado, há uma compreensão restrita do que vem a ser o ensino do cotidiano na escola. Muitos professores consideram o princípio da contextualização como sinônimo de abordagem de situações do cotidiano, no sentido de descrever, nominalmente, o fenômeno com a linguagem científica.

De acordo com Pinheiro et al. (2007), a ciência e a tecnologia têm proporcionado transformações na sociedade contemporânea, refletindo nas mudanças dos níveis econômicos, político e social, sendo notória a preocupação dos órgãos relacionados à educação, que visem buscar a valorização de projetos que incentivem os alunos a conhecer melhor os avanços científicos e tecnológicos, proporcionando a estes uma ampla reflexão sobre o tema e a procura de resoluções para as questões do cotidiano.

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Uma alternativa para melhorar a aprendizagem no ensino de Ciências surgiu com a iniciativa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), juntamente com o grupo Gerdau e a Fundação Roberto Marinho (FRM), em implementar em 1981 a sua primeira edição. Este projeto tem o objetivo principal de incentivar a pesquisa, proporcionando a revelação de talentos e a formação de estudantes e de profissionais na busca de alternativas para os problemas brasileiros, desafiando estudantes e pesquisadores a reduzirem os impactos ambientais causados pelo uso exagerado de fontes de energia, além de proporcionar um estudo mais aprofundado dos temas sugeridos de forma que cada participante elabore redações que poderiam favorecer na resolução de problemas advindos da falta de conhecimento das relações ambientais e sociais que cercam o mundo globalizado e suas tecnologias.

Objetivos

Este trabalho objetivou analisar o grau de interesse dos alunos e as dificuldades apresentadas pelos alunos e professores do Ensino Médio no desenvolvimento do projeto “Prêmio Jovem Cientista”, com o tema: Energia e Meio Ambiente: soluções para o futuro; determinar como os professores do Ensino Médio, atuaram na realização do projeto e quais as contribuições e estímulos ofertados para a formação dos alunos; analisar a contribuição do projeto “Prêmio Jovem Cientista” na melhoria da qualidade das redações produzidas pelos alunos.

Material e Métodos

O presente trabalho foi desenvolvido no Instituto Federal de Goiás (IFG), unidade Jataí, localizada no sudoeste goiano. Foram realizadas entrevistas com 65 alunos das séries 1ª, 2ª e 3ª série do ensino médio e com cinco professores do IFG, todos participantes do projeto “Prêmio Jovem Cientista”.

Foram realizadas cinco perguntas sobre o grau de importância, dificuldades e as mudanças ocorridas pelos alunos no desenvolvimento do projeto, são elas: 1. Represente uma nota em uma escala de 1 a 10 o para o projeto “Prêmio Jovem cientista” que tem por tema: Energia e Meio Ambiente: soluções para o futuro. 2. Que mudanças você apresentou depois do início do projeto? 3. Quais as dificuldades que você tem a respeito do projeto? 4. Qual a importância do projeto na sua vida? Por que? 5. Qual outro tema você indicaria para as redações? Indique uma nota para as redações e indique um tema para as redações.

Aos professores foram realizadas as seguintes perguntas: 1. De 1 a 10 indique o grau de importância do projeto e o por quê? 2. Qual a importância do projeto na sua vida? Por quê? 3. Liste as medidas que devem ser tomadas, ou que estão sendo adotadas para diminuir as dificuldades dos alunos? 4. Quais os critérios que você profissional utiliza na avaliação das redações? 5. Quais as suas dificuldades e as dos alunos para a realização do projeto?

Resultados e Discussão

No projeto atuaram sete professores responsáveis pelas disciplinas de Biologia, Física, Química e Português, sendo que a coordenadora local do projeto é professora da disciplina Biologia para os alunos da 1ª série. Estes profissionais ministraram palestras, sobre o tema “Energia e meio ambiente: soluções para o futuro”, sob os enfoques de suas áreas, promovendo debates, discussões e incentivando a leitura de artigos e livros, os alunos elaboram redações, sendo quatro distribuídas ao longo do ano, as quais foram monitoradas e avaliadas pelos professores participantes do projeto.

Para avaliar o grau de interesse dos alunos quanto a participação no Projeto Jovem Cientista, foram coletados dados sobre a quantidade de alunos matriculados, de forma regular, no Ensino Médio, o total de alunos que participam do projeto e a relação dos alunos que se dispuseram a entrevista. A porcentagem de estudantes por sala entrevistada que responderam ter Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 142 de 152 interesse na realização das redações foi de 100% para a 1ª série, 27% da 2ª série e apenas 12% da 3ª série.

Quando questionados sobre as mudanças apresentadas depois do início do projeto, obtiveram os seguintes resultados para os alunos que cursam a 1ª série do ensino médio, a maior parte (72%) afirmou que com as atividades do projeto foram adquiridos maior conhecimento dos temas abordados e em segundo lugar que corresponde a 12% dos alunos, foi mencionado à melhoria durante o processo de criação da redação, o menor percentual observado (4%) foi atribuído ao fato de os alunos terem aprendido a redigir uma redação e a melhoria do vocabulário. Para os alunos da 2ª série mostraram que, 90% dos alunos somente aprenderam mais sobre os temas relacionados ao projeto, entretanto 10% responderam que apresentaram mudança, como aprender fazer redações, obteve melhor compreensão dos temas abordados e melhoria no vocabulário. Já os alunos da 3ª série mostraram que 80% aprenderam mais sobre os temas abordados e 20% argumentam ter apresentado melhora no seu vocabulário. As abordagens de diversos temas atuais despertaram maior atenção dos alunos e, na medida em que os assuntos são explorados, estes enriqueceram seus vocabulários, favorecendo a produção de redações mais elaboradas.

Os resultados obtidos evidenciaram que os alunos possuem um conhecimento superficial dos assuntos que os cercam, sendo importante o aprofundamento destes em um âmbito social e as redações é uma maneira de proporcionar e incentivar os alunos à leitura e as produções textuais, reforçando a reflexão e criando argumentos próprios na percepção de assuntos sociais. Além de aprender mais com os temas relacionados com o projeto, os alunos fornecem mais argumentos para discussão dos temas. Segundo Teixeira (2003), existem propostas educacionais democráticas que se engaja em defender projetos com propostas que visem construir um ensino de ciências com saber sistematizado onde os alunos demonstram dificuldades e buscam compreender os assuntos de sua realidade e se direcionam a enfrentar os problemas da sociedade.

Com relação às dificuldades apresentadas obtivemos para os alunos da 1ª série os seguintes resultados: 39% apresentam muita dificuldade na escrita da redação, seguida de 31% que afirmaram não as apresentaram, 22% afirmaram que o tema é de difícil compreensão e somente 8% afirmam que não gostam do tema. Os alunos da 2ª série, 50% apresentaram muita dificuldade em desenvolver uma boa redação; 40% dos entrevistados afirmam que não tiveram dificuldade e somente 10% mencionaram que o tema é de difícil compreensão. Para a 3ª série do ensino médio os resultados foram preocupantes, onde 40% se deparam com muita dificuldade no desenvolvimento de uma boa redação e 40% não apresentam dificuldades e 20% afirmaram que o tema é difícil.

Foi observado que o grau de dificuldades dos alunos da 2ª série é superior aos apresentados nas demais séries, sendo que os alunos da 1ª série são os que menos possuem objeções no desenvolvimento das redações sendo, portanto, devido ao fato de que a professora que ministra aulas de Biologia ser a coordenadora do projeto Jovem Cientista na escola.

Quando perguntados sobre qual a importância do projeto em sua vida, 48% dos alunos da 1ª. Série, afirmaram que tiveram aprofundamento dos conhecimentos, 42% mencionaram que este proporciona um olhar mais crítico de questões relacionadas ao Meio Ambiente, para 6% dos entrevistados o projeto não tem importância alguma em suas vidas e 4% argumentam que além de proporcionar um olhar mais crítico ainda aprofunda seus conhecimentos nos temas abordados.

Para os alunos da 2ª série, 40% afirmaram que a importância do projeto está em proporcionar um olhar mais crítico sobre as questões ambientais, outros 40% mencionaram que o projeto aprofunda mais seus conhecimentos e para 20% dos alunos afirmaram adquirir um olhar crítico e aprofundamento dos conhecimentos. Já para os alunos matriculados na 3ª série verificamos que 60% argumentam que o projeto é muito importante em suas vidas favorecendo o Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 143 de 152 aprofundamento de seus conhecimentos e para 40% dos alunos este proporciona um olhar mais crítico sobre as questões ambientais.

Os alunos afirmaram que o estudo mais amplo foi importante, pois proporcionou olhar crítico sendo, portanto, de suma importância para a obtenção de argumentos mais convincentes. De acordo com Pinheiro et al. (2007) os alunos do Ensino Médio têm que possuir condições para compreender a natureza do contexto científico-tecnológico e seu papel na sociedade, adquirindo conhecimentos básicos para estar a par das potencialidades e limitações do conhecimento científico, pois só com conhecimento e evidências fundamentadas que o cidadão estará apto a tomar suas decisões.

Para que o aluno adquira os conhecimentos de forma adequada é necessário que ele seja guiado pelo professor, sendo necessário que este planeje suas atividades de uma forma que garanta a obtenção do controle de aprendizado dos alunos, modificando, eliminando ou introduzindo comportamentos (KRASILCHIK, 1996).

Para os alunos da 1ª série os temas citados, em ordem decrescente são meio ambiente (26%), reciclagem (18%), educação na sociedade (16%), aquecimento global (10%), corpo humano (12%), temas sociais (10%) e por último foi citado o tema tecnologia com 8%. Os alunos da 2ª série listaram os seguintes temas em ordem decrescente: meio ambiente (40%), tecnologia e política (20% cada) e reciclagem e violência (10% cada). Quando perguntados sobre quais temas que gostariam para as redações, os dois temas preferidos para os alunos da 3ª. Série do ensino médio foram ecologia e geopolítica, com 40% dos votos cada. O tema fontes renováveis foi mencionado por 20% dos alunos.

Dentre os temas sugeridos pelos alunos o mais citado foi meio ambiente, segundo os entrevistados porque abrange diversas áreas e também pelo interesse dos alunos por questões atuais, visando conhecer os benefícios ou malefícios à sociedade a qual fazem parte, despertando a atenção para os problemas ambientais na busca de soluções viáveis. Para Pinheiro (2007), o ensino favorável é aquele que propõe condições para o desenvolvimento do saber propondo estratégias de ensino bem elaboradas, levando em conta o conhecimento prévio dos alunos e isso pode ser feito mediante uma contextualização dos temas abordados, sendo importante uma redefinição dos temas sociais em um contexto adaptado às problemáticas presentes na vida dos alunos. A última questão refere-se ao valor (nota) que os alunos do Ensino Médio atribuiriam ao projeto, onde a média proposta pelos alunos da 1ª série foi 7,8 e para a 2ª série e 3ª série a média atribuída foi 8,4.

Os alunos da 1ª série possuem uma visão mais crítica dos assuntos que os cercam e dessa forma atribuíram uma nota menor ao projeto, pois observam que pode haver um progresso em alguns quesitos, como muitos alunos mencionaram que o tema é de difícil compreensão e outros argumentaram que tiveram dificuldades nas redações, mas isso se deve ao fato de que estes alunos até então não possuíam o hábito de leitura. De forma geral o projeto foi de suma importância para os alunos, proporcionando o adicionamento de práticas que não eram adotadas, destacando o hábito de leitura, o qual favorece o aprimoramento do vocabulário, do senso crítico e das argumentações, como afirmado por Kleiman & Moraes (1999). Segundo estes autores a leitura é uma atividade que favorece a integração dos conhecimentos.

Nas entrevistas com os professores foram questionados sobre os graus de importância, os quatro entrevistados atribuíram a nota máxima, e as justificativas são citadas abaixo:

“Aborda conceitos importantes de obtenção de energia elétrica, formas de uso e problemas causados pelos impactos ambientais presentes nas etapas da geração de energia.” (P1). “Propõe aos alunos a busca de conhecimentos, oportunidade de assistirem palestras sobre o ambiente, proporcionando uma reflexão por parte dos alunos” (P2). “Desperta um olhar mais crítico por parte dos alunos” (P3). Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 144 de 152

“Proporciona incentivo na geração de conhecimento dos alunos, reflexão sobre os problemas relacionados ao meio ambiente e à geração de energia” (P4).

Muitos professores estão empenhados no desenvolvimento do projeto proporcionando aos alunos um conhecimento amplo, onde é necessário que os mesmos tenham domínio dos conceitos proporcionando atividades diferenciadas de ensino, induzindo o aluno a realizar questionamentos e encontrar resoluções de problemas de maneira fundamentada. Cabe ao professor propor situações problemas aos alunos instigando e orientando-os na busca de alternativas viáveis; o professor deve investigar os problemas enfrentados pelos alunos nas diferentes situações do dia a dia orientá-los a ser o mais independente possível (MIZUKAMI, 1986).

Quando indagados sobre a importância do projeto em suas vidas, os professores afirmaram que se preocupam em conhecer melhor sobre os temas que os cercam e proporcionar aos alunos conhecimentos cabíveis de forma transversal e interdisciplinar, envolvendo as áreas da educação, Biologia, Física, Português e Química. Segundo Kleiman & Moraes (1999) a transversalidade e interdisciplinaridade são conceitos inseparáveis, devido ao trabalho coletivo proposto por ambas para na realização do conhecimento, os quais não devem estar na forma fragmentada e individual.

“Entender como a energia elétrica é produzida, as diferentes fontes geradoras, a geração de energia através de fontes renováveis, conhecer mais sobre os impactos ambientais causados pela implantação de usinas e adotar medidas responsáveis em relação ao uso da energia” (P1).

“Conhecer outra área de saberes científicos, buscando uma meditação prática e critica sobre o Meio Ambiente que passou a ter uma significância maior, servindo de objeto de estudo e reflexão sobre o uso de energia” (P2).

“Proporcionou um aprofundamento de conhecimentos que serviram para uma organização de ideias, associando realidade e conteúdos escolares” (P3).

“Uma experiência importante para a formação profissional e pessoal” (P4).

Quando indagados sobre quais os critérios o profissional utilizados na avaliação das redações, em ordem decrescente de importância foram citados os aspectos domínio do tema (30%), clareza (25%), objetividade (20%), originalidade, criatividade (10% cada) e observação quanto os aspectos formais do textual (5%).

Os professores buscaram nas redações originalidade e os padrões da metodologia científica, estabelecendo avaliações contínuas durante o processo de criação dos textos, sendo de importância ímpar no projeto e na determinação de cumprir o objetivo de realizar trabalhos de qualidade, onde o bom desenvolvimento da redação está associado com o domínio dos conceitos, corroborando as ideias de Moysés, (1994) e de Kleiman & Moraes (1999).

Quando questionados sobre quais as dificuldades, os professores mencionaram a falta de tempo (50%), pouco conhecimento sobre o tema (25%) e a interdisciplinaridade (25%); entre as justificativas estão o fato de estarem sobrecarregados com elaborações e correções de provas, com o planejamento das aulas e demais atividades. Segundo os professores, as maiores problemas que acercam os alunos são a inexperiência quanto à produção textual, assimilação de conceitos e a falta de argumentos para construir uma redação; muitos copiavam quase que totalmente os textos apresentados pela fonte de pesquisa.

“Os alunos tem dificuldades na assimilação de conceitos, escrevem textos sem copiar quase que totalmente da fonte” (P1). “Os alunos são inexperientes quanto a produção textual” (P2).

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Quando questionados sobre quais são as medidas que estão sendo tomadas para diminuir as dificuldades dos alunos, os professores mencionaram que elaboraram palestras, promoveram debates, realizaram atendimentos extraclasses e monitorias, além de indicações de leitura de referências bibliográficas.

Considerações finais

Após o término da realização deste trabalho cumprimos os objetivos propostos, mas surgiram questionamentos quanto à atuação do movimento CTS na educação e as práticas de ensino. É enriquecedor conhecer mais e estudar sobre temas que tem por meta ampliar as áreas de conhecimentos dos alunos quanto ao ensino de ciências.

Foi observado pouco envolvimento de alguns professores do ensino médio e o desinteresse de alunos que participam do projeto “Jovem Cientista: Energia e Meio Ambiente: soluções Para o Futuro”, provavelmente atribuído desmotivação dos professores que deveriam abraçar a causa propondo mudanças de atitudes dos principais interessados e, também, os alunos os quais deveriam se envolver mais no decorrer do desenvolvimento do projeto, em prol de mudanças positivas na sociedade a qual vivem sobre forte mudança nas áreas tecnológica e cientifica.

Concluímos que o projeto contribuiu para o entendimento das questões ambientais, porém é necessário maior empenho dos professores e, principalmente dos alunos para obtenção de êxito. Acredita-se que a questão fundamental no contexto educacional está na implantação de práticas de ensino mais elaboradas, melhor organização das atividades e participação ativa dos professores, proporcionando ensino de qualidade aos alunos, valorizando a busca da reflexão dos conhecimentos das diversas áreas do saber.

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Enviado em 30/04/2017 Avaliado em 15/06/2017 Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 146 de 152

UTILIZAÇÃO DE RECURSOS DIDÁTICOS PELOS PROFESSORES DE BIOLOGIA EM JATAÍ, GO

Claudia Scareli-Santos61 Letícia Zenóbia de Oliveira Campos62

Resumo Foram avaliados os recursos didáticos utilizados pelos professores de Biologia da rede estadual de Jataí, GO. Oito professores, de cinco escolas do ensino médio da rede estadual, foram submetidos a uma entrevista estruturada sobre quais e quantos são os recursos didáticos mais utilizados em suas aulas; sobre o grau de motivação dos professores e dos alunos e desempenho destes últimos nas aulas. A utilização do livro didático, filmes sobre os cursos de capacitação para os professores na área biológica também foram avaliadas. Os resultados ressaltam a importância e a necessidade dos cursos de atualização para os professores e propõem alternativas para a melhor utilização dos recursos nas escolas. Palavras-chave: Ensino médio, Livro didático, Recursos Didáticos.

Abstract The didactic resources used by Biology teachers that work for the State and labor in Jataí, GO were analyzed on this research. Eight high school teachers from five State schools were submitted to a structured interview. The questions were related to the didactic resources and their utilization in the classroom. They were also related to the teachers’ motivations and the students’ performance on class. The utilization of school books, movies and the participation in qualification courses on the biological area were analyzed too. The results demonstrate the importance and the necessity of the recycling courses for the teachers. They also indicate alternatives for a better utilization of the didactic resources in the schools. Keywords: High School, Texbook, Didactic Resources.

Introdução

Na década de 90, com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB nº 9394/96) e a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1999), dentre outros documentos, do ponto de vista da educação científica, apresentam-se novas perspectivas para a atuação e, consequentemente, para a formação de professores do Ensino Fundamental e Médio. Tais perspectivas centram-se na necessidade de melhor preparar esses profissionais para incorporarem as inovações científicas e tecnológicas recentes ao trabalho que desenvolvem em sala de aula e para redimensionarem sua atuação, tendo em vista a configuração atual da sociedade, particularmente em relação ao que concerne aos avanços da tecnologia.

Sabe-se da grande importância do fornecimento de cursos de capacitação de professores, de acordo com BRZEZINSKI (2003), a história da educação brasileira nos mostra que desde o início do século XX havia uma preocupação com a formação de professores em níveis mais elevados de ensino, foram propostos então cursos de aperfeiçoamento para professores que proporcionavam a criação dos cursos superiores para profissionais da educação implantados pelo Estatuto da Universidade Brasileira e da Reforma Francisco Campos, os quais elevaram ao nível superior a formação do professor secundário.

61 Docente do curso de Biologia da Universidade Federal do Tocantins, Campus Araguaína, TO. 62 Licenciada em Biologia pela Universidade Federal de Goiás, Campus Jataí, GO. Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 147 de 152

Na área da Biologia, pode-se observar uma dificuldade de preencher lacunas existentes quando se refere à formação de professores, a necessidade de uma melhor formação pode ser explicada pelo fato de os alunos possuam conhecimento principalmente por causa da influência da imprensa escrita e falada, onde temas voltados para essa ciência têm ocupado espaço regular. Para Bossolan et al. (2005):

Os professores possuem necessidade premente de atualização e aperfeiçoamento nesses assuntos. Nesse contexto, o papel da universidade como geradora, difusora e disseminadora de conhecimento é, o de, através de parcerias com as escolas públicas, diminuir o espaço temporal que existe entre os avanços alcançados nessa área e a “sala de aula".

A Universidade pode colaborar no aumento do nível de entendimento público da Ciência, que deve ser vista como uma necessidade de sobrevivência do homem, o que se justifica pelo fato de que atualmente se convive intensamente com a ciência, a tecnologia e seus produtos (LORENZETTI & DELIZOICOV, 2001), sendo relevante preparar cidadãos que reflitam e discutam na comunidade onde vivem questões diretamente relacionadas com o seu dia-a-dia e também possibilitar a análise global dos avanços tecnológicos da ciência.

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs, 1999), os materiais que são utilizados como recursos didáticos expressam valores e concepções a respeito de seu objeto. A análise crítica desse material pode apresentar uma oportunidade para o desenvolvimento dos valores e atitudes com os quais se pretende trabalhar os conteúdos em sala de aula. O professor, como educador, tem a função de facilitar o aprendizado do aluno despertando o interesse do mesmo para as aulas ministradas.

Entre os maiores desafios para a atualização pretendida no aprendizado de ciência e tecnologia, nos ensinos fundamental e médio, está a formação adequada de professores e a elaboração de materiais instrucionais apropriados Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (BRASIL, 2000). A falta de recursos nas escolas, inexistência de laboratórios e/ou equipamentos e ainda a falta de tempo têm sido algumas das dificuldades mencionadas pelos professores.

Quando se refere à pesquisa voltada ao ensino, tem-se que pensar que esta precisa gerar um novo ensino, identificando assim situações em que seja possível introduzir conceitos da ciência para que os alunos aprendam.

“As situações podem ser da vivência dos alunos ou podem ser criadas no contexto - um experimento, um fenômeno provocado sob orientação do professor, um fato do cotidiano, um texto. A problemática sobre essas situações e a reflexão coletiva em torno delas permitem introduzir os conceitos de Ciências desde o início, acontecendo, então, a negociação e a constituição dos primeiros significados na direção dos conceitos na mente dos alunos. Esses passarão a se constituir na forma do pensamento científico exatamente porque começam a dominar novos instrumentos de pensamento sobre o meio, permitindo novas relações antes impossíveis” (MALDAMER, 1999).

Ainda segundo este autor, é esperado que os professores e alunos se organizem em grupos, onde ocorra interação mútua, proporcionando a melhor compreensão dos temas apresentados em sala de aula. Uma vez estabelecido este cenário ocorrerá uma eliminação da ausência de simetria, também chamada de dissimetria, que ocorre na fase inicial do aprendizado. Após algum tempo é esperado a eliminação desta barreira proporcionando ao grupo em questão melhor compreensão dos temas abordados.

É perceptível nas escolas as dificuldades encontradas pelos alunos em assimilar os conteúdos ministrados na disciplina de Biologia, principalmente quanto se diz respeito à quantidade de nomes classificados pelos alunos como “estranhos”. Esta dificuldade pode ser, muitas vezes, Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 148 de 152 fruto de conteúdos vistos apenas de forma expositiva limitando o aluno ao recurso oferecido pelas escolas que na maioria das vezes corresponde somente ao livro didático. Quando esses conteúdos são ministrados de forma inovadora, permite que desperte não somente o saber científico do aluno, mas também a importância da matéria para o desempenho do seu papel na sociedade, refletindo na maior aceitação e entendimento dos conteúdos abordados na escola. Cabe ao professor ser criativo, assumindo um papel diferente do que se encontra hoje escola.

O objetivo do presente trabalho foi realizar um censo sobre os recursos didáticos, como são utilizados e o retorno que eles proporcionam nas aulas de Biologia ministradas no ensino médio da rede estadual do município de Jataí, GO.

Material e métodos

Para a realização do censo sobre os recursos didáticos, oito professores de Biologia, de cinco escolas da rede estadual, foram submetidos a uma entrevista estruturada com questões objetivas e subjetivas. Para a identificação das respostas dos professores foram atribuídos a letra P seguida de numeração. Foram realizadas as seguintes questões: 1. Quais os recursos didáticos mais utilizados no decorrer das aulas de Biologia? 2. Em todas as aulas utiliza-se o livro didático? De que forma? São trabalhados os textos complementares e experiências propostas pelo livro? 3. Você utiliza filmes como recurso didático complementar? Se sim, quais as atividades propostas aos alunos após o término deste? 4. Sua escola possui: ( ) laboratório ( ) data show ( ) DVD ( ) retroprojetor ( ) laboratório de informática. Se sim, como você usa estes recursos para complementar as aulas ministradas? 5. Existem cursos de capacitação disponíveis aos professores oferecidos pela Secretaria Estadual de Educação? 6. Qual a reação dos alunos quando se propõe uma aula diferente? Qual a percepção do aluno frente a esta aula? Atividade de lazer ou como um método de facilitar a assimilação do conteúdo ministrado? 7. Você como educador encontra diferenças no aprendizado dos alunos quando se realiza aulas práticas e quando o recurso didático não é apenas o livro? 8. Os livros de biologia utilizados por sua escola abrangem de forma simples os assuntos? 9. Para você, o livro didático é o único meio de ensino completo que deve ser utilizado na sala de aula? 10. Qual a sua proposta para a inserção de novos métodos de ensino na sua escola nas aulas de Biologia? 11. Para você, é importante investir na formação dos professores para inovar os recursos didáticos utilizados nas escolas? Por quê?

Resultados e Discussões

Os professores entrevistados afirmaram que os recursos didáticos mais utilizados em suas aulas, em ordem descrescente, foram 32% o quadro-giz, 28% o livro didático e 17% o retroprojetor, 11% o data-show, seguidos de 6% a busca na internet e 6% o uso de filmes sobre temas educativos. Em relação ao quadro-giz, é imprescindível salientar que a utilização do mesmo auxilia o professor na exposição do conteúdo onde o professor limita-se em gesticular mais enquanto fala o que gera uma atenção aos gestos do professor e não ao conteúdo em si. A partir do momento que se usa o quadro-giz, boa parte dos gestos ficam direcionados ao próprio quadro com a utilização de esboços feitos no mesmo que prendem muito mais a atenção do que somente a fala.

Quando se refere ao uso do livro didático, este é feito regularmente pelos professores e também pelos alunos, uma vez que a escola oferece a estes vários exemplares, os quais não podem ser levados para casa, com exceção dos fins de semana e períodos de provas. A respeito do uso do retroprojetor pode-se atribuir ao fato de ser um recurso de fácil manipulação, praticidade e a questão do custo que é menor quando comparado com outros recursos áudio-visuais, pois quando se prepara o plano de aula logo se pensa na maneira mais simples de ministrar a aula, somando a estes fatos tem-se que as transparências podem ser reutilizadas.

A segunda questão do questionário procurou saber se em todas as aulas se utiliza o livro didático e de que forma. Todos os professores afirmaram que utilizam o livro didático para a resolução de exercícios e para a leitura de textos complementares, corroborando com Neto e Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 149 de 152

Fracalanza (2003). Segundo esses autores, o livro didático precisa ser usado como apoio às atividades de ensino-aprendizagem, seja na sala de aula seja em atividades extraescolares.

Quando questionados sobre a utilização de filmes como recurso didático e como estes são trabalhados, 100% dos professores entrevistados afirmam que a apresentação causa a dispersão dos alunos. Entretanto Krasilchick (2004), apresenta uma opinião contrária, para a autora os filmes representam um recurso valioso e insubstituível para determinadas situações de aprendizagem:

Os filmes representam um recurso valioso e insubstituível para determinadas situações de aprendizagem: experimentos que exigem equipamento muito sofisticado, processos muito lentos ou rápidos demais, paisagens exóticas, comportamentos de animais e plantas. Técnicas difíceis de descrever podem ser vistas e aprendidas rapidamente quando os alunos observam os detalhes do processo e repetem essa observação tantas vezes quanto for necessário” (KRASILCHIK, 2004, p 23).

Nesta mesma questão segue-se o questionamento de quais atividades propostas aos alunos após o término do filme, apenas um entrevistado (P1) respondeu afirmando que elabora as atividades antes da apresentação do filme, além de propor um roteiro explicativo com os pontos mais importantes a serem observados, os demais responderam que pedem aos alunos que elaborem um relatório do filme após o término. Utilizar um vídeo como recurso didático complementar, não é tão simples como muitas vezes é imposto na sala de aula, para a sua utilização, segundo Pereira et al. (2007), o professor necessita atentar para os seguintes aspectos: 1. Assegurar-se que o vídeo esteja adequado com seu projeto de ensino e com o conteúdo que está trabalhando. Para isto antes de utilizá-lo deverá avaliar os aspectos funcionais, didáticos e técnicos do programa; 2. Verificar se a linguagem é clara e expressa de modo conveniente para os conceitos de Biologia tratados; e 3. Analisar se o vídeo didático apresenta orientações pedagógicas pertinentes e uma boa articulação com as tendências curriculares;

Os recursos áudio-visuais envolvem os alunos de maneira que os mesmo tornam-se mais atraídos com a exposição do conteúdo, resultados que corroboram com Kress & Leeuwen (2001), sobre a capacidade do audiovisual no desenvolvimento de narrativas e sua capacidade de envolver emocionalmente o espectador. As apresentações de filmes constituem uma alternativa excelente no processo de cativar o público e trabalhar conhecimentos, valores éticos além de estimular o desenvolvimento cognitivo.

“A capacidade do audiovisual para o desenrolar de narrativas e sua capacidade de envolver emocionalmente o espectador tornam esta alternativa uma excelente forma de cativar o público e trabalhar conhecimentos, valores éticos e estimular o desenvolvimento cognitivo” (Kress & Leeuven, 2001, p.9).

Os professores também foram interrogados a respeito de quais recursos didáticos que a escola, na qual eles lecionam apresentam, além do livro didático, e como estes são utilizados por eles. Todas as escolas envolvidas na pesquisa possuem data-show, laboratório de ciências, DVD e retroprojetor. Mas os professores raramente utilizam o DVD e o laboratório de ciências de suas escolas. Os recursos oferecidos pelas escolas mais utilizados pelos professores são o retroprojetor para apresentar esquemas e o data-show para mostrar ilustrações. O interessante é que um dos professores mencionou a dificuldade da utilização deste equipamento, alegando que escola possuir o aparelho, mas não apresenta uma sala adequada para sua utilização.

Quanto ao laboratório de informática, os professores que mencionaram o seu uso se referiram na sua utilização para pesquisas na internet no site www.google.com. Mas sabe-se que, um laboratório de informática pode ser explorado pelo professor, auxiliando a ação docente no processo de ensino-aprendizagem e auxiliar o professor ao conhecimento de novos recursos didáticos e informacionais. Ressaltando que, um software não funciona automaticamente como estímulo à aprendizagem, o seu sucesso em promover a aprendizagem depende da integração do Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 13 Nº32 vol. 01 – 2017 ISSN 1809-3264 Página 150 de 152 mesmo no currículo e nas atividades de sala de aula Carraher (1997). De acordo com Perrenoud (1995), não é necessário o professor ser um especialista em informática para utilizar adequadamente essa ferramenta, basta apresentar familiaridade no manejo dos softwares e criatividade nas situações de ensino exploradoras de todas as potencialidades oferecidas.

Quando interrogados sobre os cursos de capacitação oferecidos pela Subsecretaria Regional de Educação (SREE), os professores afirmaram que os mesmos não são oferecidos para as áreas específicas, como aqui no caso referente à Biologia, mas eles oferecem apoio tanto na elaboração do planejamento bem como estão à disposição dos professores no que for necessário:

“Não são todas as vezes que são oferecidos estes cursos que eles têm disponibilidade de tempo, porque em sua maioria são oferecidos aos sábados durante todo o dia” (P2; P3).

Quando questionados sobre a reação dos alunos quando se propõe uma aula diferente, foram obtidas respostas distintas entre os professores questionados, sugerindo que o incremento no rendimento da turma está atrelado ao conteúdo ministrado e do interesse do aluno:

“Muitas vezes os alunos acham inovador não participando assim dos conteúdos ali ministrados” (P1).

“Quando se leva algo inovador, os alunos ficam interessados e como prende a atenção do aluno, facilita sua compreensão a respeito do conteúdo ministrado” (P5). “O responsável por dinamizar as aulas é o professor mediante a postura que possuem perante os alunos” (P3). “Os alunos não levam a sério quando a aula vai além da sala de aula e do quadro–giz” (P4)

Quando indagados a respeito de aulas práticas, foram obtidas respostas evidenciando diferenças no aprendizado dos alunos quando eles utilizam este recurso, os professores foram unânimes afirmando que sim. A inserção de aulas práticas é um recurso que atrai alunos e proporciona a análise dos resultados e na sua aplicabilidade no campo das ciências. A associação entre aulas teóricas com práticas possibilitam maior compreensão sobre o tema explorado.

Foi questionado quanto à forma de apresentação dos temas presente nos livros de Biologia utilizado. Foram obtidas divergência de opiniões entre professores da mesma escola que utilizam o mesmo livro didático. Um entrevistado afirmou que o livro é simples por ser bem ilustrado, o outro mencionou que o livro didático não é simples pelo fato de ser bastante aprofundado. Um livro didático é avaliado como adequado para o uso pelo Ministério de Educação e Cultura (BRASIL, 1996), quando segue os quatro parâmetros e classificados os livros segundo em aspectos eliminatórios e classificatórios: Os parâmetros são os seguintes: 1. Descreve estruturas, envolvendo características físicas e gráficas dos livros e aspectos pedagógico-metodológicos, tais como, adequação e articulação dos conteúdos, presença de erros conceituais, inserção de preconceitos; 2. Descreve as concepções de natureza, de matéria/espaço/tempo e processos de transformação, de seres vivos, de corpo humano, de saúde, de ciência e tecnologia, de cotidiano; 3. Descreve as atividades, como práticas propostas no livro, diversidade de atividades, habilidades e capacidades intelectuais, entre outros aspectos e 4. Descreve o livro do professor, envolvendo aprofundamentos teóricos, discussão de objetivos, sugestão de bibliografia, dentre outros (BRASIL, 2000).

Todos também afirmaram que o livro didático não pode ser o único recurso utilizado na sala de aula, corroborando com Machado (2000). Segundo este autor o livro didático é um recurso mínimo para alunos do ensino médio; as novas tecnologias podem ser classificadas como elementos de mediação na prática educativa e facilitador na aprendizagem em biologia. Segundo Demo (2005), a finalidade específica de todo material didático é despertar a criatividade, mostrar pistas em termos de argumentação e raciocínio, instigar ao questionamento e à reconstrução.

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Sobre a proposta dos professores para novos métodos de ensino nas aulas de Biologia nas escolas em que eles trabalham, 50% afirmaram que o aumento do número de aulas, seguido de 25% de inserção de aulas práticas no laboratório e os 25% restantes mencioram a realização de aulas de campo. Diferentes autores já comprovaram que o uso de atividades práticas, como complemento das aulas teóricas, possibilitam melhorias no aprendizado e despertam o interesse pela Biologia (MARQUES, 2007; SCARELI-SANTOS & LUCENA, 2014; SCARELI-SANTOS et al., 2015)

Na pergunta sobre o aumento o número de aulas, todos os entrevistados justificaram que esta atitude levaria a aprofundar os conteúdos explicados. As contribuições das aulas de campo nas disciplinas de Ciências e Biologia em um ambiente natural podem ser positivas na aprendizagem dos conceitos à medida que é um estímulo para os professores, que veem uma possibilidade de inovação para seus trabalhos, dedicando mais tempo na orientação dos alunos (SANTOS et al., 2002). Alunos e professores afirmaram que a sala de aula é um ambiente entediante, sem muitos atrativos, observação também relatada por diversos autores, entre eles Carvalho (1989); Chapani & Cavassan (1997); Benetti & Carvalho (2002).

Neste sentido, as aulas de Biologia desenvolvidas em ambientes naturais têm sido apontadas como uma metodologia eficaz tanto por envolverem e motivarem crianças e jovens nas atividades educativas, quanto por constituírem um instrumento de superação da fragmentação do conhecimento. A inserção de aulas práticas pode ser mencionada como um facilitador do conhecimento, pois segundo Borges (1997), o ensino poderia ser melhor assimilado com a introdução de atividades práticas, na qual o aluno participaria do mundo da ciência relacionando-a com as suas experiências de vida.

Para finalizar a entrevista estruturada, foi questionado sobre o incentivo em inovar os recursos didáticos utilizados pelos professores na escola:

“Depende, pois muitas vezes o estado não valoriza a real capacitação do Mestrado e Doutorado” (P3).

Mas será que se pode atribuir a um título de mestre e/ou doutor somente àquelas pessoas que são inovadoras em suas aulas? O excelente educador é o profissional que faz uso inovador dos recursos didáticos disponíveis, apresentando uma postura ética e motivadora na formação dos seus educandos. Não necessariamente é exigido participar de programas de pós-graduação na área de educação, o que é relevante é a formação continuada dos temas apresentados na escola. Sendo assim fica uma questão a respeito deste fato, o professor inovador precisa obrigatoriamente ter títulos, mesmo que seja apenas o de graduação? Ou a sua construção dá-se quando procura de certa forma atualizar seus conhecimentos, mesmo que seja usando outros cursos de capacitação, estudando sobre os assuntos que eles lecionam, buscando em si mesmo formas alternativas para ensinar?

A partir dos dados levantados neste trabalho, pode-se concluir que, a utilização de recursos didáticos pelos professores de Biologia não depende apenas de uma iniciativa dos professores. Precisa haver além de uma formação adequada para a utilização dos mesmos, uma colaboração mútua entre alunos, direção e professores. É necessário ressaltar que os professores não podem ser apenas usuários de materiais didáticos oferecidos no âmbito escolar, é necessário conhecer e criar novas metodologias de ensino também quando se observa as dificuldades, muitas vezes particular, de seus alunos.

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