TEXTOS & DEBATES Revista de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de No 28

REVISTA VINCULADA AOS PROGRAMAS DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS DO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA (CCH/UFRR)

ISSN 1413-9987 ISSN On-line 2317-1448

Textos e Debates Boa Vista N° 28, p. 1-247 2015 Ficha catalográfica Textos e Debates: Revista de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Roraima n. 1 (1995) - . - Boa Vista: Editora UFRR, 1995- Periodicidade: semestral. ISSN 1413-9987 / ISSN On-line 2317-1448 1. Periódicos. 2.Ciências Sociais. 3.História - Universidade Federal de Roraima. Revista vinculada aos programas de estudos pós-graduados do Centro de Ciências Humanas (CCH/UFRR) CDU:0 (05)

Indexada em Sumários Correntes Brasileiros - ESALQ; Indice Historico Español - Bibliografias de História de España; Centro de Información y Documentación Científica - CINDOC; American History and Life ABC - Clio - 130; Historical Abstract - ABC - Clio - 130; Hispanic American Periodical Index; Bibliographies and Indexes in Latin American and Caribbean Studies; Social Sciences Index; Info-Latinoamerica (ILA); Ulrich’s International Periodicals Directory.

Textos e Debates

Comitê editorial Conselho Executivo Ana Lúcia de Sousa Prof. Dr. Alfredo Ferreira de Souza (UFRR) Maria Luiza Fernandes Profa. Dra. Ana Lúcia de Sousa (UFRR) Rodrigo Pereira Chagas Prof. Dr. Américo Alves de Lyra Jr. (UFRR) Profa. Dra. Carla Monteiro de Souza (UFRR) Conselho Editorial Prof. Dr. Carlos Alberto Marinho Cirino (UFRR) Prof. Dr. Antonio Emílio Morga (UFAM) Profa. Dra. Déborah de B. A. P. Freitas (UFRR) Prof. Dr. Antônio Paulo Rezende (UFPE) Prof. Dr. Edson Rufino Oyama (UFRR) Prof. Dr. Durval Muniz de A. Júnior (UFRN) Prof. Dr. Felipe Kern Moreira (UFRR) Prof. Dr. José Ribamar Bessa Freire (UERJ) Profa. Dra. Francilene dos Santos Rodrigues (UFRR) Profa. Dra. Silvia Regina Ferraz Petersen (UFGRS) Prof. Dra. Gilvete de Lima Gabriel (UFRR) Profa. Dra. Maria Denise Guedes (UNESP) Prof. Dr. Jaci Guilherme Vieira (UFRR) Prof. Dr. Nilson Cortez Crócia de Barros (UFPE) Profa. Dra. Madalena Vange M. C. Borges (UFRR) Prof. Dr. Ramòn Peña Castro (UFScar) Profa. Dra. Maria das Graças S. D. Magalhães (UFRR) Prof. Dr. Stephen Grant Baines (UNB) Profa. Dra. Maria Luiza Fernandes (UFRR) Prof. Dr. Maxim Repetto (UFRR) Tradutores Prof. Dr. Nélvio Paulo Dutra Santos (UFRR) Antônio Lisboa Santos Silva Júnior Prof. Dra. Olendina de carvalho Cavalcante (UFRR) Beatriz Lima Costa Prof. Dr. Reginaldo Gomes de Oliveira (UFRR) Vitor Rafael S. de Araújo Prof. Dr. Roberto Mibielli (UFRR) Prof. Dr. Roberto Ramos Santos (UFRR)

Editora da UFRR Campus Paricarana: Av. Cap. Ene Garcez, Direção nº 2413. Bairro Aeroporto. Cezário Paulino Bezerra de Queiroz CEP: 69304-000 Boa Vista / RR Telefone: (55) (95) 3621-3111 Editoração Eletrônica e Capa E-mail: [email protected] Rodrigo P. Chagas www.ufrr.br Berto Batalha M. Carvalho George Brendom Pereira dos Santos SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO...... 5 Profa. Dra. Ana Lúcia de Sousa Profa. Dra. Maria Luiza Fernandes

PRESENTATION...... 9 Profa. Dra. Ana Lúcia de Sousa Profa. Dra. Maria Luiza Fernandes

ARTIGOS ENTRE A MALOCA E A CIVILIZAÇÃO: OS INDÍGENAS NO PROCESSO DE COLONIZAÇÃO DE RORAIMA NO SÉCULO XX ...... 13 Raimundo N. Gomes dos Santos FROM THE HUT TO CIVILIZATION: THE INDIANS IN THE COLONIZATION PROCESS OF RORAIMA IN THE XX CENTURY. . . . . 25 Raimundo N. Gomes dos Santos A FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL DE BOA VISTA – RORAIMA E OS POVOS MACUXI E WAPICHANA DA CIDADE: PROCESSOS HISTÓRICOS E SENTIDOS DE PERTENCIMENTO ...... 37 Luciana Marinho de Melo THE SOCIOCULTURAL FORMATION OF BOA VISTA – RORAIMA AND THE AND WAPISHANA PEOPLE IN THE CITY: HISTORICAL PROCESS AND SENSE OF BELONGING...... 57 Luciana Marinho de Melo A DINÂMICA SOCIOPOLÍTICA YANOMAMI NO CONTEXTO DE CRIAÇÃO DA HUTUKARA: PATA THËPË E A EMERGÊNCIA DE JOVENS LIDERANÇAS POLÍTICAS ...... 79 Maria Auxiliadora Lima de Carvalho THE YANOMAMI SOCIOPOLITICAL DYNAMICS IN THE CONTEXT OF THE HUTUKARA CREATION: THE PATA THËPË AND THE EMERGENCY OF YOUNG POLITICAL LEADERSHIPS...... 97 Maria Auxiliadora Lima de Carvalho FORTE SÃO JOAQUIM: DE MARCO DA OCUPAÇÃO PORTUGUESA DO VALE DO RIO BRANCO ÀS BATALHAS DA MEMÓRIA – SÉCULO XVIII AO XX...... 117 Jaci Guilherme Vieira Gregorio F. Gomes Filho SAINT JOAQUIM'S FORT: FROM THE MILESTONE OF THE PORTUGUESE OCCUPATION ON THE RIO BRANCO VALLEY TO THE BATTLES OF MEMORY - XVIII TO XX CENTURIES ...... 137 Jaci Guilherme Vieira Gregorio F. Gomes Filho SOCIEDADE, AMBIENTE E FRONTEIRA NA AMAZÔNIA: ALGUNS TÓPICOS HISTÓRICOS E POLÍTICOS...... 157 Nelvio Paulo Dutra Santos SOCIETY, ENVIRONMENT AND FRONTIER IN THE AMAZON: SOME HISTORICAL AND POLITICAL TOPICS...... 171 Nelvio Paulo Dutra Santos CRESCIMENTO DEMOGRÁFICO E EXCLUSÃO SOCIAL NAS CAPITAIS PERIFÉRICAS DA AMAZÔNIA...... 185 Pedro M. Staevie DEMOGRAPHIC GROWTH AND SOCIAL EXCLUSION IN THE “PERIPHERAL CAPITALS” OF THE AMAZON...... 205 Pedro M. Staevie A MEMÓRIA DE BRASILEIROS E GUIANENSES SOBRE A REVOLTA DO RUPUNUNI NA FRONTEIRA BRASIL - GUIANA...... 223 Mariana Cunha Pereira THE MEMORY OF BRAZILIANS AND GUYANESES ABOUT THE RUPUNUNI UPRISING IN THE FRONTIER ...... 235 Mariana Cunha Pereira Apresentação

Eis que a Revista Textos e Debates está fazendo, nesse ano de 2015, vinte anos. Em 1995, fruto da vontade e empenho de um grupo de professores dos cursos de Ciências Sociais e História, à época agrupados no então Centro de Ciências Sociais e Geociências – CCSG -, hoje Centro de Ciências Humanas – CCH -, a Revista vem con- tribuindo para divulgar pesquisas e a produção de conhecimento tanto da UFRR quanto de outras unidades acadêmicas do país e de fora do Brasil. Vemos, assim, que ao longo desses vinte anos a Textos e Debates cresceu, se fortaleceu e tomou uma dimensão para além das fronteiras nacionais. Temos hoje 28 números publicados, com mais de 200 artigos, abordando variadas temáticas na grande área de Ciências Humanas. Com uma nova equipe no Comitê Editorial, a partir da Edição de número sete a Revista passou a ser publicada semestralmente, com um forte empenho no sentido de garantir a regularidade e a periodicidade, além do esforço para dotar a Textos e Debates de um caráter mais nacional e menos regional, sem deixar, contudo, de refletir as tão importantes questões amazônicas. Assim, a ampliação da divulgação da Revista pelo país afora rendeu contribuições valorosas no campo das ciências so- ciais e humanas, além das já mencionadas contribuições de pesquisadores de outros países. Nova mudança aconteceu a partir da publicação da edição de número 18, quan- do a Revista passou a ser eletrônica, com alguns números sendo garantidos também na versão impressa. Acompanhamos, assim, uma tendência que vem se confirman- do e consolidando, que é a publicação de periódicos nessa modalidade eletrônica. Finalmente, a vinculação da Revista com o Programa de Pós-graduação Socie- dade e Fronteiras traz uma perspectiva nova, de ser veículo de publicação de pes- quisas envolvendo as dinâmicas sociais, políticas e culturais que envolvem as regiões fronteiriças, particularmente na tríplice fronteira Brasil, e República da Guiana, cuja compreensão requer diálogo com diversos campos do conhecimento. Assim, a Revista cresce e se fortalece também no campo das pesquisas interdis- ciplinares, refletindo, dessa forma, a complexidade própria da vida em regiões de fronteiras. Podemos dizer que hoje a Revista tem mais qualidade e se constitui num impor- tante espaço de socialização de conhecimento, ferramenta fundamental para ampliar a produção do saber científico e filosófico. Dessa forma, constitui-se, também, numa arma para pensar e construir uma sociedade mais humana e mais justa.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 5-8, jul./dez. 2015 5 Essa edição especial, bilíngue, traz para os leitores alguns artigos publicados na Revista ao longo desses vinte anos, selecionados por retratarem as questões da região Amazônica abrangendo de forma mais ampla as diversas áreas do conheci- mento, isto é, maior amplitude de interesses sobre a questão. Assim, trata-se de uma edição que ao mesmo tempo em que comemora os vinte anos da Revista, brinda a Região amazônica e os pesquisadores de diversas regiões do país e fora dele, que tem se debruçado a estudar e nos ajudar a compreender mais e melhor essa realidade. Assim, foram escolhidos oito artigos, publicados ao longo desses vinte anos, que apresentam uma reflexão sobre diferentes questões relacionadas ao espaço ama- zônico e suas fronteiras. O primeiro artigo, publicado originalmente em 2005, abor- da uma temática de grande importância para a Revista e para a região amazônica, a questão indígena. Nesse artigo, Entre a maloca e a civilização: os indígenas no processo de colonização de Roraima no século XX, Raimundo Nonato Gomes dos Santos apresenta uma abordagem acerca da construção do não-lugar indígena que, para se constituir, precisou contar com a efetiva participação dos povos indígenas. Povos esses que tiveram, ao longo daquele século, participações diferenciadas nesse processo que o autor chama de modernização do espaço roraimense, ou da construção desse não- -lugar que, para se constituir, precisava da “morte” do outro. Embora esses povos tenham sido constantemente “empurrados para as mar- gens”, sua presença no contexto urbano não é “um fenômeno recente”. É o que irá abordar Luciana Marinho de Melo em A formação sociocultural de Boa Vista – Roraima e os povos Macuxi e Wapichana da cidade: processos históricos e sentidos de pertencimento. Para a autora, a presença dos povos Macuxi e Wapichana no espaço hoje configurado pela capital roraimense remonta a tempos longínquos, embora por vezes seja apresentada como “uma ocupação recente”. Após apresentar um panorama histórico sobre esses povos nesse espaço, conclui a autora: “temos, desse modo, uma estrutura político- -administrativa municipal que apresenta dificuldades em contemplar a camada po- pulacional indígena do perímetro urbano”. No entanto, e apesar disso, “os Macuxi e Wapichana de Boa Vista vêm construindo uma narrativa de pertencimento que inter-relaciona os aspectos socioculturais engolidos pela história oficial e, posterior- mente, pela sociedade em posse do poder público”. Ainda sobre a temática indígena, Maria Auxiliadora Lima de Carvalho apresenta em A dinâmica sociopolítica Yanomami no contexto de criação da Hutukara: pata thëpë e a emergência de jovens lideranças políticas, uma discussão sobre a participação de lideranças tradicionais e de jovens lideranças Yanomami na constituição de um espaço político. A partir do contato interétnico e dos cursos de formação, como o de professores

6 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 5-8, jul./dez. 2015 e agentes de saúde, novas possibilidades, inclusive de “representação”, serão dadas a esses jovens indígenas que ao dominarem, por exemplo, a língua portuguesa, se- rão intérpretes necessários junto às lideranças tradicionais, acabando por adquirirem outro status. Sobre a presença dessas jovens lideranças, a autora afirma ainda que “não se trata de uma ruptura, ou crise de gerações entre jovens e velhos, e sim de caminhos distintos de construção de referenciais por meio dos quais constroem a força do seu discurso”. Sobre o processo de colonização do então vale do rio Branco, Jaci Guilherme Vieira e Gregório Ferreira Gomes Filho, apresentam o texto Forte São Joaquim: do marco da ocupação portuguesa do vale do rio Branco às batalhas da memória – século XVIII ao XX. Nesse artigo, os autores dissertam sobre duas questões: a construção do forte como marco da ocupação portuguesa na região e os desdobramentos advindos dessa decisão e, não menos importante, a memória apropriada por setores da sociedade roraimense, para quem o forte é o “marco inicial” da ocupação desse espaço e, consequentemente, da necessidade desta referência para legitimação de seu “lugar social” e as constantes disputas pela terra. Partindo também do processo de colonização, mas ampliando tanto o espaço quanto as temáticas que perpassam esse processo, Nelvio Paulo Dutra Santos, em Sociedade, ambiente e fronteira na Amazônia: alguns tópicos históricos e políticos, disserta sobre a formação do espaço amazônico com ênfase para as questões sociais, políticas e ambientais. Ao historiar sobre essa formação, apresenta as preocupações geopolí- ticas do Estado nação e os consequentes projetos para a Amazônia que excluíram seus “antigos habitantes”, da mesma forma que “o ambiente foi também tido como um empecilho ao desenvolvimento, pois tudo ficou sob a égide da segurança, não a darwiniana, mas a do regime político e do desenvolvimento”. O que leva o autor a concluir que “a Amazônia continua sendo um lugar de atenção e de preocupação”. Essas questões sobre o desenvolvimento, sob outra ótica, são apresentadas por Pedro Staevie, no artigo Crescimento demográfico e exclusão social nas capitais periféricas da Amazônia, no qual disserta sobre o crescimento das cidades dos “estados periféricos da Amazônia”: Amapá, Acre, Rondônia e Roraima. Com base em censos demográfi- cos, dados do PIB e do IDH, são apresentados os indicadores socioeconômicos das capitais desses estados, com ênfase na exclusão social e desigualdade, com o objetivo de relacionar essas questões ao crescimento demográfico dessas cidades. Assim, para o autor há uma correlação direta entre o crescimento demográfico e os índices apre- sentados no artigo, levando a necessidade de “suscitar uma maior observação sobre estes municípios e sobre a relação destes dados com o crescimento demográfico”.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 5-8, jul./dez. 2015 7 Mariana Cunha Pereira, expõe, em seu artigo A memória de brasileiros e guianenses sobre a revolta do Rupununi na fronteira Brasil – Guiana, uma etnografia sobre esse epi- sódio acontecido na fronteira entre esses dois países na década de 1960. Após uma contextualização da Guiana e da região do Rupununi, com aportes históricos reto- mando a sua colonização, chega a autora ao processo de independência daquele país e o momento do “evento político” que foi a Revolta. Com base nos depoimentos orais de “negros guianenses, indígenas Macuxi e Wapixana e brasileiros regionais”, a autora “reelabora essas narrativas” afirmando que “a memória local dos morado- res da fronteira sobre o período do conflito é bastante confusa”. No entanto, tal acontecimento ficou “como um marco da construção desses dois estado-nação, da inter-relação que os envolve e das consequências para os grupos étnicos, moradores da fronteira, e do modo de perceber e narrar os conflitos de conjuntura de cada realidade”. Com essa edição bilíngue explicitamos nosso empenho em consolidar a Textos e Debates como espaço de debates e de divulgação de conhecimentos, ampliando assim as possibilidades de leitores e interessados em colaborar com a Revista.

Profa. Dra. Ana Lúcia de Sousa Profa. Dra. Maria Luiza Fernandes Editoras

8 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 5-8, jul./dez. 2015 Presentation

Behold, Textos e Debates are doing in this year 2015, twenty years. In 1995, thanks to the will and commitment of a group of teachers of the Social Sciences and History courses, grouped then in the Centro de Ciências Sociais e Geociên- cias (Centre of Social Sciences and Geosciences) - CCSG –, today known as Centro de Ciências Humanas (Centre of Human Sciences) - CCH - the magazine has contributed to disseminate research and knowledge production both at Federal University of Roraima and at other academic units of the country and outside Brazil. Thus, we realize that throughout these twenty years the magazine Textos & Debates has grown, strengthened and taken a dimension beyond national borders. Today we have 28 published figures, with more than 200 articles, covering various themes in the area of Human Sciences. With a new team in the Editorial Committee, starting from the Journal number seven, the Edition will be published every six months, with a serious commitment to ensure the regularity and frequency in addition to the effort to provide the Textos e Debates a more national and less regional characteristic, while, however, reflecting the Amazon as an important issue. Thus, the expansion of the dissemination of the magazine all around the country yielded valuable contributions in the field of Humanities and Social Sciences, in addition to the already listed contributions from researchers from other countries. A new change happened after the publication of the edition number eighteen, when the magazine became electronic, with some numbers guaranteed also in a printed version. We follow thus a trend that has been confirmed and consolidated, which is the publication of periodicals in electronic means. Finally, the linking of the magazine with the Post-Graduate Programme on So- ciety and Frontier brings up a new perspective: to work as a vehicle in research in- volving the political, cultural and social dynamics and border regions, particularly in the triple border Brazil, Venezuela and Republic of Guyana, whose understanding requires dialogue with various fields of knowledge. Therefore, the Journal grows and also strengthens the field of interdisciplinary research, reflecting thus the com- plexity of life in border regions. We can say that today the Journal has more quality and constitutes an important area of socialization of knowledge, key tool to expand the production of scientific and philosophical knowledge. Thus, it constitutes also a tool to think and build a more humanistic and fairy society.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 9-12, jul./dez. 2015 9 This special edition, bilingual, brings to readers some articles published in the Journal over these twenty years selected by depicting the issues of the Amazonian region, covering more broadly the various areas of knowledge. Therefore, this is an issue that, as well as celebrating the twentieth anniversary of the magazine, it acclai- ms also the Amazon Region and researchers from various regions of the country and abroad, who have devoted their attention to study and help us understand more and better this reality. Thus, eight articles have been chosen from over these twenty years, which pre- sent a reflection on different issues related to the Amazonian region and its borders. The first article, originally published in 2005, deals with a very important subject for the journal and for the Amazon region, indigenous issues. In this article, From the hut to the civilization: the Indians in the colonization process of Roraima in the XX century, Raimundo Nonato Gomes dos Santos presents an approach about the construction of the indigenous non-place that had to rely on the effective participation of indi- genous peoples. These people who, throughout that century, have different kinds of participation in this process that the author calls the modernization of Roraima’s space, or the construction of this non-place that, to be built, needed the “death” of another. Although these people have been constantly “pushed to the edges”, their pre- sence in the urban context is not “a recent phenomenon.” That’s what Luciana Mari- nho de Melo will address in her article The sociocultural formation of BoaVista – Roraima and the Macushi and Wapichana people in the city: Historic process and sense of belonging. The author says that the presence of the Macushi and Wapishana people in the space that is today set as the capital of Roraima dates back to ancient times, although it is sometimes presented as a “new occupation territory”. After presenting a historical overview of these people in that space, the author concludes that: “We have thus a municipal political-administrative structure that shows difficulties in contemplating the indigenous population layer of the urban area”. However, and despite this, “the Macushi and Boa Vista Wapishana have been making a narrative of belonging that interrelates social and cultural aspects that were swallowed by the official history and, later, by the government.” Still on indigenous issues, Maria Auxiliadora Lima de Carvalho presents in The Yanomami sociopolitical dynamics in the context of the Hutukara creation: The pata thëpë and the emergency of Young political leaderships, a discussion on the participation of tradi- tional leaders and youth leaders in the Yanomami form a political space. From the interethnic contact and training courses, such as teachers and health workers, new possibilities – including “representation” – will be given to these young Indian peo-

10 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 9-12, jul./dez. 2015 ple, who by the time they are able to master, for example, the , will be required as interpreters together with the traditional leaders and eventually acquiring another status in the tribe. About the presence of these young leaders, the author also states that ”it is not about a rupture, or generation gaps between young and old, but of distinct ways for constructing references by means of which they construct the force of their speech.” About the colonization process of the Rio Branco valley, Jaci Guilherme Vieira and Gregório Ferreira Gomes Filho, says in their article called Saint Joaquin’s Forte: From the milestone of the Portuguese occupation on the Rio Branco valley to the battles of memory – XVIII to XX centuries. In this article, the authors work on two issues: the construc- tion of the Fort as a Portuguese landmark occupation in the region and the arising consequences of this decision and, not least, the appropriate memory by the sectors of Roraima society, for whom the Fort is considered as an “milestone” of the oc- cupation of this space and hence the need for this reference for legitimizing their “social location” and the constant disputes to grab some lands. Bearing in mind that the colonization process is expanding both space and the- mes that run through this process, Nélvio Paulo Dutra Santos in Society, environment and frontier in the Amazon: Some historical and political topics, writes about the formation of the Amazon region with emphasis on the social, political and environmental aspects. Presents the geopolitical concerns of the nation state and the resulting pro- jects for the Amazon that were excluded by the “old people” in the same way that “the environment was also seen as an obstacle to development, because everything was under the aegis of security, not the Darwinian one, but that of political regime and development”. This leads the author to conclude that “the Amazon continues to be a place to worry about and to pay attention to.” These questions about the development, from another point of view, are pre- sented by Peter Stevie in his article Demographic growth and social exclusion in the “Pe- ripheral calpitals” of the Amazon, in which he discusses the growth of cities in the “peripheral states of the Amazon”: Amapá, Acre, Rondônia and Roraima. Based on population censuses, GDP and the HDI data, socio-economic indicators of the capitals of these states are presented, with emphasis on social exclusion and inequa- lity, in order to relate these issues to the demographic growth of these cities. So for the author there is a direct correlation between population growth and the indexes presented in the article, leading to the need for “further observation over these mu- nicipalities and on the relationship between these data and the population growth that has been experienced.”

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 9-12, jul./dez. 2015 11 Mariana Cunha Pereira, explains in her article The memory of Brazilian and Guya- nese people about the Rupununi uprising in the frontier Brazil – Guyana, an ethnography about this episode that happened on the frontier between these two countries in the 1960s. After a contextualization of Guyana and the Rupununi region, with historical contributions resuming its colonization, the author comes to that country’s inde- pendence process and the time of “political event” that was the Uprising. Based on speeches of the “black Guyanese , Macushi and Wapishana and regional Brazilian indigenous,” the author “reworks these narratives” stating that “the local memory of the inhabitants of the frontier about the conflict period that enhances visibility on the Guyanese national scene to region Nine and to the city of Lethem is very con- fusing.” However, such an event was “like a milestone of the construction of these two nation-states, of the inter-relation that involves them and of the consequences to the ethnic groups, inhabitants of the frontier, and of the way of perceiving and narrating the conjuncture conflicts of each reality”. With this bilingual edition we underline our commitment to consolidate Textos and Debates as a space to debate and spread knowledge, thus expanding the possibi- lities for readers in collaborating with the Journal.

Professor Dr. Ana Lucia de Sousa Professor Dr. Maria Luiza Fernandes Publishers

12 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 9-12, jul./dez. 2015 Raimundo N. Gomes dos Santos *

ARTIGO ENTRE A MALOCA E A CIVILIZAÇÃO: OS INDÍGENAS NO PROCESSO DE COLONIZAÇÃO DE RORAIMA NO SÉCULO XX

Resumo Abstract Neste trabalho procuramos compreender This work analyzes the Indians participation in a participação dos indígenas no processo the process of construction of a non-indians place de construção do lugar não-indígena in Roraima, in 20th century. We use a diversified em Roraima, no século XX. Na tarefa material - texts already published and Michel de lançamos mão, de um lado, de uma fonte Certeau thoughts inasmuch he defends that the caracterizada por um material diversificado, reports build places. em sua maioria textos já publicados e, de outro, do pensamento de Michel de Keywords: Indians; non-indians; to civilize. Certeau, quando este afirma que os relatos constroem lugares.

Palavras-Chave: Indígenas; não-indígena; civilizar.

* Doutor em História Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo / PUC-SP (2015); Mestre em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2003) e Licenciado em História pela Universidade Estadual do Ceará (1989). É professor vinculado a Coordenação do Curso de História da Universidade Federal de Roraima desde de 1992.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 13-24, jul./dez. 2015 13 Em “índios de Roraima”, trabalho publicado pelo Centro de Informação Dio- cese de Roraima - CIDR em 1989, é observado que a partir de meados do século XIX, houve uma alteração nos documentos oficiais sobre a região do Rio Branco: diminuem as referências aos indígenas, até mesmo aos grupos mais arredios e, em lugar, aparecem notícias abundantes sobre a criação de gado. Para os autores da pu- blicação, isto permite perceber o esquema ideológico que se esconde por trás deste tipo de ocupações que se desenvolveu na região:

Índios e brancos já não se relacionam diretamente, mas através de mediações produzidas e impostas pela invasão pecuarista. O gado passa a ser índice de propriedade da terra. Assim, uma terra sem gado é uma terra livre, não ocupada por ninguém. Uma terra com gado é uma terra que tem dono. Conseqüentemente, as terras ocupadas por indígenas, sem gado, são ocupáveis, porque livres. (Idem, 27).

Isso indica que os povos indígenas do Rio Branco saíram do centro das atenções dos idealizadores do processo de colonização da região, como fora nos povoamen- tos do período colonial. Podemos imaginar que, de acordo com a idéia empregada pelos autores acima, eles são compreendidos, a partir de então, apenas enquanto grupos remanescentes com quem os colonizadores iam ter que conviver. Por sinal, uma presença que vai se tornar inoportuna e incômoda. Um exemplo disto, pode ser observado nos discursos atuais, onde são percebidos como obstáculos ao desenvol- vimento do Estado de Roraima. Compreendemos que este “desencanto” dos colonizadores para com os povos indígenas que se instala com a pecuária funcionando como mecanismo de coloniza- ção, se repete em todas as outras atividades econômicas que posteriormente vieram a se desenvolver na região, seja na sua invasão por garimpeiros, seja nas políticas públicas de incentivos aos assentamentos de colônias agrícolas. Santilli (1994, 36), citando os campos do Paranapanema, sul de MatoGrosso, Maranhão e Piauí, relata que a expansão da pecuária nesses lugares se deu com a expulsão e/ou extinção dos povos indígenas, diferentemente do que ocorreu no Rio Branco, onde os fazendeiros tentaram ocupar as áreas indígenas, buscando de início a anuência desses povos. Apesar da violência ter sido bastante utilizada, principalmente no início do pro- cesso de ocupação da bacia do Rio Branco pelos não-indígenas, quando houve o extermínio de etnias, o que o processo de ocupação da área por fazendeiros aponta é a preferência por um investimento no clientelismo, estabelecendo com os indígenas uma relação de compadrio e aliança: casando-se com mulheres indígenas, levando crianças destes povos para serem criadas nas fazendas. (Idem, 36).

14 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 13-24, jul./dez. 2015 Na forma como se processou a instalação de fazendas de gado no Rio Branco, observarmos que o extermínio ou a expulsão dos indígenas para lugares distantes não era uma preocupação central ou explícita deste mecanismo de colonização. Sur- ge, assim, uma questão: se não pretendiam exterminá-los ou retirálos fisicamente de seu caminho, isto implica que estes povos iriam estar presentes de alguma forma neste projeto, daí a pergunta: que lugar eles deveriam ocupar nesse processo? Como sabemos, não se tratava mais de aldeiá-los. Posicionando-nos no século XX, entendemos que os relatos de pessoas ligadas às duas agências indigenistas, o Serviço de Proteção ao Índio - SPI e a Missão Bene- ditina, que se estabeleceram nas primeiras décadas deste século no Rio Branco, são elucidativas para compreendermos, no campo das representações, como os indíge- nas deveriam ser inseridos nas práticas que a sociedade nãoindígena punha em ação. O Serviço de Proteção ao Índio se instala no Rio Branco em 1915, entre as poucas atividades exercidas diretamente em favor dos povos indígenas da região, estavam as escolas, criadas com a função de alfabetizar as crianças indígenas e de mi- nistrar cursos de seleiro, ferreiro, carpinteiro e marceneiro, sendo a primeira escola fundada em 1919. Esta era considerada, pelos agentes do órgão, como muito impor- tante para adaptar os indígenas aos costumes dos civilizados e, conforme relatório de 1924, tinham por finalidade:

Disseminar a instrução entre as inúmeras tribos semi-civilizadas que povoam o interior para torná-los úteis ao engrandecimento da Pátria e ao bem da família. (CIDR, op. cit., 31).

Em outras palavras, enquadrá-los dentro deste novo modelo de sociedade sig- nificava ensinar-lhes novos meios que os possibilitassem manter a própria sobrevi- vência. Desta forma, enquanto indivíduos, tornavam-se úteis ao desenvolvimento da sociedade local e do Estado Nacional, conforme o pensamento do mundo moderno. Eram assim, compulsoriamente, levados a aceitar um projeto de organização social “alienígena”, como se fosse seu próprio projeto. Quanto à clientela dos cursos, diz o relatório do SPI de 1923:

São freqüentados com grande proveito pelos filhos de índios, que constituem a massa de trabalhadores e de campeiros de gado de toda a região de Alto Rio Branco.(Idem, 29).

Acreditamos que aí se encontra explícito o lugar que os indígenas deveriam ocu- par neste modelo de sociedade. Pois, na configuração de um lugar que tinha como principal atividade a pecuária, a estes estava reservado cuidar do gado, além de outras

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 13-24, jul./dez. 2015 15 atividades subsidiárias, mas necessárias àquele empreendimento. Comenta Luciano Pereira (1917) em seu relatório de visita ao Rio Branco, em 1917:

Quando nas malocas, plantam o milho e a mandioca de que necessitam e o que sobra ven- dem aos civilizados, em troca de armas e panos para roupa. (Idem, 22).

Portanto, fornecer farinha, produtos de horticultura, além de prestar serviços braçais, eram as atividades reservadas aos indígenas. Colocados em ação nesse pro- cesso, os indígenas seriam transformados em “cidadãos” útil à Pátria e à família “civilizada”. Voltando-nos para a segunda agência indigenista, os beneditinos, apesar de não terem experiências com a catequese indígena, criticavam os métodos anteriores em- pregados nesta prática. Para um fomentador da missão beneditina, o Bispo Van Ca- loen, a premissa básica para o sucesso consistia, primeiramente, no distanciamento gradativo do indivíduo de sua cultura de origem. Santilli (Op. cit., 46-47) cita um trecho de seu discurso datado de 1919, ocasião em que o Bispo procurava angariar recursos no Rio de Janeiro para o projeto da missão. Nele, podemos perceber a me- todologia empregada:

Há um segundo systema de aldeamento melhor ainda que o primeiro e mais efficaz porque está baseado em raízes mais profundas: é um systema de educação completa de meninos e de meninas índios, em internato agrícolas, educação coroada pelo matrimonio christão e a fundação de um lar civilizado ( ... )Isto basta para a primeira geração de meninos, apa- nhados nas matas, nus e vadios, e que tem ainda no sangue os instinctos da natureza não refreada por tradição ou por autoridade alguma( ... ).

Na teoria, estas citações evidenciam o quadro que configuraria a participação dos povos indígenas no projeto de ocupação do espaço roraimense. Em essência, podemos dizer que ambas as agências indigenistas visavam a um mesmo objetivo: transformar os indígenas em homens “civilizados”, o que implicava distanciá-los de sua cultura de origem, para que, desta forma, pudessem ser úteis à sociedade que deveriam integrar. Pensando na interação entre os grupos sociais na constituição da sociedade lo- cal, observamos que, quando Koch-Grünberg (1966) afirma que as fazendas nacio- nais estavam sendo espoliadas por particulares que tomavam posse e marcavam o gado com suas próprias marcas, isto implica que estas pessoas eram “contempladas” com a propriedade da terra e, ao mesmo tempo, com o motivo da ocupação, no caso a criação de gado bovino. Portanto, estava a sua disposição o espaço, ou seja, o

16 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 13-24, jul./dez. 2015 local para sua instalação que eram os campos de Roraima e, o próprio objeto para a ocupação deste lugar, o gado. Restava uma atividade a ser posta em prática, que por sua vez, necessitava de alguém para executá-la e representava o terceiro fator indis- pensável à construção de um lugar qualquer: o trabalho. É nesta função que teria utilidade o povo indígena. No período analisado, os autores que se referem aos indígenas de Roraima são unânimes em afirmar a participação desses povos em trabalho nas fazendas e garim- pos. “É raro encontrar um homem macuxi que não tenha passado pelo menos uma temporada como garimpeiro improvisado”. (DINIZ, 1972, 73-74 ). Em suas observações sobre a fazenda São Marcos, afirmava Koch-Grünberg:

Los ‘vaqueiros’ son en su mayoría indios puros de las cercanas tribus Makuschí, Wapischa- na y otras, y sorprende la rapidez con la que esta gente aprende a manejar caballos y lazos, cuando llega dei interior. (1966, 35).

Luciano Pereira é de opinião parecida, quando relata que:

No Rio Branco os serviços dos índios são aproveitados para todos os mistéres, inclusive o de vaqueiro, no que às vezes se tornam exímios. Assim, os da fazenda nacional São Marcos são quase todos índios, a começar pelo capataz, e mais ou menos vão dando, conta do recado.(Op. cit., 22).

Estes relatos confirmam a participação ativa dos povos indígenas de Roraima em atividades econômicas voltadas para a construção de um lugar que era exclusivo da sociedade não-indígena, tanto no que se refere à administração, quanto ao estilo de sociedade que a atividade constituía. Se observarmos, o processo de povoamento do período colonial, apesar de ser um projeto idealizado e administrado por não- -indígenas, era constituído exclusivamente pelos povos indígenas. O caso agora era outro: os indígenas deveriam aceitar como seu, um projeto em que entravam apenas com a prestação de um serviço pouco qualificado, abrindo mão de todo o espaço que lhes era até então reservado, bem como de sua própria organização social, e, enfim, de sua própria cultura. No Jornal Boa Vista, propriedade do Governo do Território Federal de Rorai- ma, semanário praticamente exclusivo da década de 1970, percebemos um silêncio quase total quanto à presença dos povos indígenas nesse período. Este silêncio re- força a nossa crença de que todos os mecanismos de ocupação do Rio Branco, atual Estado de Roraima, exceto o povoamento do período colonial e o projeto levado a efeito, no presente, pelo próprio movimento indígena, não são diferentes quanto a

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 13-24, jul./dez. 2015 17 esta atitude. Se a este grupo de agentes sociais não eram reservadas referências nos discursos, significa que sua presença não era significativa para o desenvolvimento dos planos que se desejava executar, o que reforça a idéia de ajudantes desqualifica- dos como posição que deveriam ocupar nesse processo. Podemos dizer que a configuração sócio-econômica que começou a se desenhar na ocupação efetiva de Roraima era de uma sociedade caracterizada pela grande pro- priedade, voltada quase exclusivamente para a pecuária, tendo como principal grupo social formador os nordestinos e seus descendentes. Pela década de 1970, permanece este enquanto o quadro central, mas abrindo-se para a perspectiva de atrair investidores dos mais diversos ramos e locais do país e, acreditamos, sempre com a certeza de contar com o apoio dos povos indígenas no exercício de tarefas que não requeriam uma mão-de-obra mais especializada. Nesse período, o espaço em construção no Território de Roraima pela sociedade não-indígena era de um lugar que, como outro qualquer, requeria de seus habitantes determinadas características para habitá-lo, ou seja, era preciso estar de acordo com sua ordem, conforme proposta de Certeau (1994). Sendo os indígenas considerados por essa sociedade como incapazes de desenvolverem tarefas que requeiram uma construção lógica mais elaborada, de serem taxados de preguiçosos e primitivos, era certo que seriam considerados sujeitos incapazes ou inadequados para habitarem um mundo que se queria moderno. Para se integrar satisfatoriamente ao projeto social dos grupos regionais, o in- dígena precisava se tornar compatível com suas atividades. Um dos desejos desta sociedade era transformá-lo em colono. Ainda em 1973, uma nota falava do desejo da Fundação Nacional do Índio - FUNAI em instalar agrovilas para grupos tribais que já se encontravam, conforme a nota, integrados à sociedade nacional. De acordo com o projeto, cada família receberia um lote de 50 hectares, chegando a prever o General Oscar Jerônimo Bandeira de Mello, presidente do órgão, que, se houvesse sucesso, a experiência seria estendida a outras partes do país. (JORNAL BOA VIS- TA, 27/10/1973, 8). Um exemplo da materialização deste desejo aconteceu no dia 16 de junho de 1977, quando o indígena Ricardo Aleixo, filho de um cacique wapixana, recebeu das mãos do Ministro do Interior Quant de Oliveira, a pedido do Presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, Lourenço Vieira da Silva, o título de propriedade de terras, tornando-se, conforme a matéria, o seu legítimo dono. Ricardo Aleixo passou à história como primeiro indígena brasileiro a receber título de proprietário de terras, com direito a foto no jornal e repercussão na grande

18 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 13-24, jul./dez. 2015 imprensa nacional. (JORNAL BOA VISTA, 25/06/1977, 3). Este fato, pelo visto, animou o Presidente do INCRA que informou:

O Instituto pretende intensificar o cumprimento efetivo da Lei 6001 do Estatuto do Índio que estabelece em seu artigo 33 a regularização de terras até 50 hectares que forem ocupa- das por índios, durante um período de dez anos consecutivos. (Idem).

Se levarmos em conta a cultura indígena, este modelo de distribuição de terras conduzia a uma outra ordem de lugar. É a propriedade privada se instalando em uma região onde a terra era um bem coletivo. Se até então, estes povos não haviam se preocupado com a posse da terra, a não ser talvez, proteger seus territórios de outros grupos, a nova ordem exigia um papel escrito e assinado por uma autoridade que veio de fora, ocupou seu lugar e ditava as ordens na construção daquilo que considera seu próprio espaço. Acreditamos que, de forma implícita, a elite da sociedade roraimense sonhou com uma integração dos povos nativos sem ruído, quiçá enquanto último ato de uma peça que se iniciara no século XVIII. Para esta sociedade, entre os estágios por ela considerados de “selvagem” e de “civilizado”, no processo de integração, o indígena passava por uma fase intermediária que era de caboclo. Dessa forma, no primeiro momento, era considerado indígena aquele que vivia isolado da sociedade nacional brasileira, andava nu, usava flecha e outros objetos e práticas mais específicas desse povo. Num segundo, o chamado caboclo, vestia roupa e usava outros objetos e prá- ticas da sociedade não-indígena, convivendo ou não diretamente com este. Por últi- mo, era a fase em que o indivíduo perde completamente seu vínculo com seu povo de origem e se torna indistinto de outros indivíduos da sociedade dita civilizada. Compreendemos que Ricardo Aleixo, ao receber do INCRA o título de proprietário de terras, estava dando um grande passo para se tornar um “civi- lizado”, visto que, ao ocupar seu lote e corresponder às expectativas que o referido título trazia consigo, transformar-se-ia em colono. No momento em que recebeu o título, com certeza Ricardo já não ocupava a condição primária de indígena e seria apenas uma questão de tempo para deixar o que podia ainda existir da fase inter- mediária, para ser totalmente considerado um civilizado. Tratava-se apenas de uma adaptação ao novo modo de viver. Com o exposto, acreditamos ser possível fazermos algumas observações. En- tendemos que as estratégias de colonização ressaltadas até aqui tinham como pre- missa básica para o sucesso, eliminar os valores culturais indígenas, em especial, os incompatíveis com o avanço da colonização. Quando falamos de avanço, não esta-

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 13-24, jul./dez. 2015 19 mos nos referindo apenas ao progresso material, mas ao desenvolvimento de todos os valores que requer a organização de um lugar, entre eles, os morais. A fórmula para atingir este objetivo variou, ao menos de três formas distintas: uma, foi a Ideando os indígenas; outra, através de uma educação escolar voltada para civilizá-los; e uma terceira, seria contando com a condescendência dos indígenas, ou mesmo os ignorando e ocupando suas terras com projetos alheios às suas práticas. Conforme as tradições indígenas, o mundo foi construído e lhes legado pelos seus heróis mitológicos. No processo de ocupação da região do Rio Branco, um outro mundo lhes era imposto, desta vez, por seres humanos contemporâneos seus. Estes lhes doavam não apenas um mundo, mas a própria posição que deviam ocupar neste e mais, estavam presentes para impor esta proposta. Podemos perceber que o uso do termo “civilizar”, palavra tão proferida pelos colonizadores, não passou de falácia, visto que se tomarmos o termo nas acepções: fazer sair do estado primitivo; instruir; tornar civil, nenhum esforço sistematizado ocorreu neste sentido. Subentende-se que quem civiliza, civiliza alguma pessoa, ou grupo de pessoas, ou povo. Quando Santilli (1994) cita os campos do Paranapane- ma, sul de Mato-Grosso, Maranhão e Piauí, afirmando que a expansão da pecuária naqueles lugares se deu com a expulsão e extinção dos nativos, isto significa que lá não se processou a ação de civilizar, assim como isso também não houve no Rio Branco com relação àquelas etnias que também foram expulsas ou exterminadas. Como o ato poderia ocorrer se já não existia a quem civilizar? Mesmo nas estratégias de colonização onde esta prática poderia ter ocupado espaço importante, isto não ocorreu. Foi o caso dos povoamentos aldeando os in- dígenas, ou da pecuária em que os seus agentes buscavam a anuência destes povos. O emprego do verbo civilizar também não passou de retórica; na prática, tratava-se apenas de quebrar os valores sócio-culturais indígenas que impediam o estabeleci- mento da nova ordem de lugar. Podemos perceber que nos pontos mais incompatí- veis, quase sempre houve resistência por parte dos indígenas, uma evidência disto é o fracasso dos aldeamentos. Entendemos que tal insucesso pode ser creditado, mais especificamente, à in- compatibilidade dos dois modos de viver em sociedade, o que implica duas maneiras de organizar lugares bastante diferentes. As evidências podem ser traduzidas nos dis- cursos dos agentes coloniais do século XVIII, logo após a rebelião dos indígenas al- deados em 1884, ou mesmo após a rebelião de 1890, quando se falava da necessidade de a Ideá-los distante do seu lugar de origem. Isto significava que as proximidades

20 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 13-24, jul./dez. 2015 com suas práticas culturais os impediam de se integrarem a uma nova organização social. (FARAGE, 1991). Podemos perceber isto também no discurso do Bispo Van Caloen, para quem era suficiente educar as crianças indígenas, “esta geração, passar d ‘um estado quase animal ao de um bom pae de familiá’. Diz Santilli ( 1994, 4 7), parece que ele não alimentava maiores expectativas quanto à conversão dos adultos. O distanciamento gradativo de sua cultura original começava, assim, com as crianças, pessoas que não tinham incorporado ainda os valores culturais dos indígenas e se encontravam numa fase propícia para receber uma nova formação. Ou ainda, nas justificativas para a implantação de escolas para indígenas, que eram quase sempre internatos. Dizia o relatório do SPI de 1924:

Muito necessária se torna a criação de escolas primeiras nas zonas habitadas pelos silvícolas que se vão adaptando nos costumes da civilização. (CIDR, 1989, 31).

O objetivo era sempre afastá-los da sua organização social para aproximálos dos costumes do mundo “civilizado”. Nunca houve a preocupação de instruílos, de torná-los civis ou civilizados. Isto daria ao nativo a condição de igual, o que implica- ria também condição de reivindicar direitos específicos, o que poderia ser a saída dos próprios invasores de seus territórios. Afastá-los ou fazê-los esquecer seus valores e práticas que impediam o desen- volvimento de uma nova forma de ocupar o espaço, era o ponto crucial, o qual os colonizadores procuraram enfrentar e, podemos dizer que, em parte, a sociedade roraimense enfrenta este problema na atualidade, visto que o processo de ocupação desta região pelos não-indígenas ainda não se definiu completamente. Entendemos que os indígenas do Rio Branco, atual Estado de Roraima, nunca se afastaram com- pletamente de seus costumes tradicionais, de sua cultura, do lugar organizado segun- do seus valores. Se no passado, a sociedade não-indígena procurava desqualificar ostraços cul- turais dos povos nativos e impor a sua própria maneira de viver e se organizar, na atualidade, os indígenas trabalham na valorização de suas cultúras e exigem serem respeitados enquanto tais. Talvez tenha contribuído para isto uma colonização tardia, pois na região nor- deste do Estado, território macuxi, a colonização sistemática só chegou nas primei- ras décadas do século XX. As escolas que visavam educar indígenas são também deste período, bem como a presença autônoma da Igreja Católica.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 13-24, jul./dez. 2015 21 Tomando como referencial, mais especificamente, os Macuxi e os Wapixana, a cultura desses dois povos sofreu alterações bastante significativas: houve mudança no formato de suas habitações; incorporou-se o uso de roupas nãoindígenas; a lín- gua materna em grande escala foi esquecida; passou-se a consumir produtos que lhes eram estranhos levando-os a participar, de alguma forma, do mercado local. Apesar disto, muitas de suas práticas específicas permaneceram, e hoje, somam- -se a traços autênticos, entre eles a própria organização que o movimento indígena ganhou. Alguns velhos indígenas nunca deixaram de falar sua língua de origem, e hoje, podemos ver jovens também falando. Determinados tipos de comidas, como a “damorida’: um cozido muito usado, ainda hoje, por eles, ou de bebidas como “ca- xiri’: bastante apreciada por aquele povo. Isto significa que eles nunca se afastaram completamente de suas práticas cotidianas. A maioria vive, hoje, em aldeias chamadas de malocas e mesmo os que moram na cidade, normalmente mantêm relações com os parentes que vivem naquelas. Se pela passagem de meados do século XX, estes povos tendiam a desaparecer enquan- to etnias consumidas pelos avanços da sociedade regional, com a organização do movimento político indígena nas últimas décadas, tendem a se desenvolver movidos pelo processo de construção de uma nova identidade. No período em que se inicia um processo de modernização do lugar nãoindí- gena em Roraima, mais especificamente, a partir da década de 1970, aumentam os esforços no sentido de transformar o mais rápido possível, o indígena em homem comum. Entendemos isto como um gesto que tinha por objetivo evitar reconhecer neste, qualquer traço que exigisse direito diferenciado. Portanto, a preocupação em ocupar e legalizar a posse de territórios indígenas o quanto antes com projetos não- -indígenas, era uma forma de garantir para sociedade não-indígena a maior quanti- dade de terra possível. Para atingir este objetivo, era válida até mesmo a presença de levas de garimpeiros em atividade de exploração mineral, prática que a sociedade local via com desconfiança, pelo fato de implicar na invasão do espaço por uma grande quantidade de imigrantes, que em sua composição era constituída na grande maioria de homens “rudes” e de baixo poder aquisitivo. Nas falas do governador Ramos Pereira, quando se refere aos roraimenses, seja da aldeia ou de uma área de garimpo visitada, não há nenhum tratamento diferen- ciado no que se refere aos indígenas, salvo nas reivindicações, pois estes pediam tecidos, calçados, sal e etc, enquanto que os não-indígenas solicitavam estradas, con- dições de trabalho e escolas entre outras coisas. No mais, eram vistos conforme as manchetes do Jornal Boa Vista, indistintamente.

22 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 13-24, jul./dez. 2015 Entendemos que não poderia ser outra a atitude do governador, se levarmos em conta o modelo de sociedade que ele desejava instituir, pois um modelo social que tinha por principal objetivo desenvolver o seu setor produtivo recorrendo às técnicas de produção do mundo moderno, em si já era revolucionário no sentido de carregar consigo o desejo de inovação. Podia ser traduzido exatamente na negação ao velho, ao considerado arcaico e, esta era a condição que ocupavam os indígenas dentro dessa visão. Dessa forma, as características do ser indígena não encontravam espaço numa sociedade que se desejava moderna. Pois, conforme os sonhos dos que estimulavam o desenvolvimento desse modelo de sociedade, se tratava de dois extremos opostos e inconciliáveis. Apesar de uma manchete de 13 de novembro de 1973, dizer que a “Perimetral Norte marcará o encontro de civilizações: era do computador com a da pedra lascada”, (JORNAL BOA VISTA), era um encontro que não permitia um convívio entre os dois pólos opostos. Um era a morte do outro e, neste caso, os discursos em prol do novo, do moderno tinham como ponto de partida, os próprios valores da cultura indígena, utilizados pelos produtores e instituidores desse novo mundo, para ressaltar a importância e o valor da sua construção. Era da morte do lugar indígena que estes discursos se alimentavam e ganhava forma. (CERTEAU, 2000).

Referências

CERTEALI, Michel de. A invenção do Cotidiano: l.artes de fazer. Petrópolis-RJ: Vo- zes, 1994.

______.A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000.

CIDR. Índios de Roraima: makuxi, taurepang, ingarikó, wapixana. Boa Vista: Diocese de Roraima, 1989.

DINIZ, Edson Soares. Os índios macuxi do Roraima: sua instalação na sociedade nacional. Marília/SP., Ed. Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras de Marília, 1972.

FARAGE, Nádia. As muralhas dos sertões, os povos indígenas no rio Branco e a colonização. São Paulo: Paz e Terra, 1991.

JORNAL BOA VISTA, 27/10/1973.

JORNAL BOA VISTA, 13/11/1973.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 13-24, jul./dez. 2015 23 JORNAL BOA VISTA, 25/06/1977.

KOCH-GRÜNBERG, Theodor. Del Roraima ai Orinoco. Caracas: Ediciones del Banco Central de Venezuela, 1966.

PEREIRA, Luciano. O Rio Branco: observações de viagem: Manaos: Imprensa Publi- ca, 1917.

SANTILLI, Paulo. Fronteiras da República: história e política entre os Macuxi no vale do rio Branco. São Paulo: NHII/USP; FAPESP, 1994.

24 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 13-24, jul./dez. 2015 Raimundo N. Gomes dos Santos *

ARTIGO FROM THE HUT TO CIVILIZATION: THE INDIANS IN THE COLONIZATION PROCESS OF RORAIMA IN THE XX CENTURY

Abstract Resumo This work analyzes the Indian participation Neste trabalho procuramos compreender a in the process of construction of a non- participação dos indígenas no processo de construção indian place in Roraima, in the twentieth do lugar não-indígena em Roraima, no século XX. century. We use a diversified material – Na tarefa lançamos mão, de um lado, de uma texts already published and thoughts of fonte caracterizada por um material diversificado, Michel de Certeau inasmuch as he defends em sua maioria textos já publicados e, de outro, that reports build places. do pensamento de Michel de Certeau, quando este afirma que os relatos constroem lugares Keywords: Indians; non-Indians; civilize. Palavras-Chave: Indígenas; não-indígena; civilizar.

* Doctor in Social History from the Pontifical Catholic University of São Paulo / PUC-SP (2015); Master in Social History from the Federal University of Rio de Janeiro (2003) and a degree in History from the State University of Ceará (1989). He is a professor linked to History Course Coordination of Federal University of Roraima since 1992.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 25-36, jul./dez. 2015 25 In “Índios de Roraima” (Indians from Roraima), a work published by the Ro- raima Diocese Centre of Information (CIDR) in 1989, we can observe that from the mid-nineteenth century, there was a change in the official documents on the Rio Branco region: references to Indians, even the most isolated groups, decrease, rather, abundant news about cattle breeding show up. According to the authors of the publication, this allows us to figure out the ideological scheme that hides behind this type of occupations that were developed in the region.

Índios e broncos já não se relacionam diretamente, mas através de mediações produzidas e impostas pela invasão pecuaristas. O gado passa a ser índice de propriedade da terra. Assim, uma terra sem gado é uma terra livre, não ocupada por ninguém. Uma terra com gado é uma terra que tem dono. Consequentemente, as terras ocupadas por indígenas, sem gado, são ocupáveis, porque livres. (Idem, 27).1

This indicates that the indigenous people from Rio Branco have ceased to be the spotlight of the constructors of the process of colonization on the region, as it can be seen during the settlement in the colonial period. We can imagine that, according to the view mentioned by the authors above, they are understood just as the remai- ning groups with whom the colonists would need to live with. By the way, a presence that will become unwelcome and uncomfortable. An example of this can be seen in nowadays’ speeches, in which they are seen as obstacles to the development of the State of Roraima. We understand that this “disenchantment” of the settlers toward the indigenous people that happens with livestock functioning as settlement mechanism, it is repe- ated in all other economic activities that later came to be developed in the region, either in its invasion by miners, whether in incentive policies to the settlement of agricultural colonies. Santilli (1994, 36), mentioning the fields of Paranapanema, south of Mato Gros- so, Maranhão and Piauí, reports that the expansion of livestock in these places has happened with the expulsion and/or extinction of indigenous peoples, differently of what happened in Rio Branco, where farmers tried to occupy indigenous areas, seeking to start the consent of these peoples.

1 “Indians and whites no longer related directly, but through mediation produced and imposed by the farmer invasion. Cattle become index of land ownership. Thus, a cattle without land is a free land, not territorialized by anyone. A land with cattle is a land that has an owner. Consequently, the lands territorialized by indigenous people without cattle are able to be territorialized, because it was free. (Ibid, 27)”

26 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 25-36, jul./dez. 2015 Despite the violence that has been widely practiced, especially at the beginning of the occupation process of Rio Branco basin by non-indigenous, when there was the extermination of ethnic groups, the process of occupation of the area by far- mers points out the preference for an investment in patronage, establishing the in- digenous one cronyism and covenant relationship: marrying indigenous women and taking the children to be raised on farms (idem, 36). From the way installation of cattle ranches in Rio Branco has taken place, we notice that the extermination or expulsion of indigenous to far places was not a cen- tral or explicit concern of this settlement mechanism. Therefore, a question arose: if they did not intend to kill them or remove them physically from their way, this implies that these people would be present in some form in this project, hence the question: what place should they occupy in this process? As we know, there was more than just putting them into villages. Taking into account we are in the twentieth century, we understand that reports of people connected to the two indigenous agencies, the Indian Protection Service and the Benedictine Mission, which settled in the early decades of that century in Rio Branco, are instructive for understanding in field of representations, such as how indigenous practices should be inserted into the society the non-indigenous have put onto practice. The Indian Protection Service (SPI) is settled in Rio Branco in 1915. Among the few activities carried out directly in favor of the indigenous peoples of the region were the schools, created with the function to provide literacy to indigenous children and teach harness, blacksmith, carpenter and joiner courses; It was the first school founded in 1919. This was considered by the agents as very important to adapt indi- genous to civilized customs and, as the 1924 report says, were designed to:

Disseminar a instrução entre as inúmeras tribos semi-civilizadas que povoam o interior para torná-los úteis ao engrandecimento da Pátria e ao bem da família. (CIDR, op. Cit.,31).2

In other words, to frame them into this new model of society means teaching them new ways that enable maintaining their own survival. Thus, as individuals, they became useful to the development of the local society and the national state as the thought of the modern world. Therefore, they were compulsorily taken to accept an “alien” social organization design as if it were their own design.

2 “Spread education among the many semi-civilized tribes that populate the country side to make them useful to the aggrandizement of the country and to the family as well. (CIDR, op. Cit., 31).”

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 25-36, jul./dez. 2015 27 As for the clients of the courses, the Protection Service to the Indian ‘s Report from 1923 says:

São frequentados com grande proveito pelos filhos de índios, que constituem a massa de trabalhadores e de campeiros de gado de toda a região de Alto Rio Branco. (Idem, 29)3

We believe that the place that the Indians should have taken up on this social model was there. For, in the configuration of a place that had livestock as major activity, the Indians were supposed to take care of the cattle and another subsidiary activities, but necessary to that enterprise. Luciano Pereira (1917) says on his report when he visited the Branco River in 1917:

Quando nas malocas, plantam o milho e a mandioca de que necessitam e o que sobra ven- dem aos civilizados, em troca de armas e panos para roupa. (Idem, 22).4

Therefore, the activities of providing flour, horticultural products and manual services were set as Indians activities. If the Indians were put into this process, they would be transformed into “citizens”, thus, they would be considered useful to the “civilized” family. Turning to the second indigenous agency, the Benedictines, despite not having experience with the indigenous catechism, they criticized the previous methods used in this practice. For a developer of Benedictine mission, Bishop Van Caloen, the basic premise for success firstly lies in the gradual distancing of the individual from their culture of origin. Santilli (Op. Cit., 46-47) mentions an excerpt from his speech dated from 1919, at which the Bishop sought to raise funds from Rio de Janeiro to the project of the mission. In it we can see the methodology used:

Há um Segundo systema [sic] de aldeamento melhor ainda que o primeiro e mais eficaz [sic] porque está baseado em raízes mais profundas: é um systema de educação completa de meninos e de meninas índios, em internato agrícolas, educação de um lar civilizado (...) Isto basta para a primeira geração de meninos, apanhados nas matas, nus e vadios, e que tem ainda no sangue os instinctos [sic] da natureza não refreada por tradição ou por autoridade alguma (...).5 3 “The courses were frequented with great benefit for the children of Indians, who made up the bulk of cattle workers of the whole Alto Rio Branco region. (Ibid, 29)” 4 “When the Indians were in their huts they plant corn and cassava that they needed and the rest they decided to sell in exchange for weapons and rags for clothes. (Ibid, 22).” 5 “There is a second settlement system even better than the first and most efficacious because it is based on deeper roots: it is a complete education system of boys and girls Indians in agricultural boarding school education of a civilized home (...) This is just for the first generation of children, caught up in the woods, naked and stray, and they have in their veins the instincts of the nature unrestrained by tradition or any authority (...).”

28 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 25-36, jul./dez. 2015 In theory, these quotations show the frame that sets the participation of indi- genous peoples in the project that had as objective to occupy Roraima. Essentially, we can say that both indigenous agencies aimed at the same goal: to transform the Indians into “civilized” men, which meant distancing them from their culture of origin, so that in this way they could be useful to society that they ought to integrate. Thinking about the integration among the social groups from the local area, it was observed that, when Koch-Grunger (1966) affirms that the national farms were being despoiled by the particular people that had taken over the cattle and marked them with their own marks, this means that these people were “given” the owner- ship of the land and, at the same time, with the reason of the occupation, in this case, cattle breeding. Therefore, there was the Roraima fields to be housed by them and the cattle. There was still an activity to be put into practice that needed someone to do it and it represented the third factor to build a place: work. This functionality would be useful to Indian peoples. During the observed period, the authors, who refer to Indians from Roraima, are unanimous in affirming the participation of these people on farms and mines. “É raro encontrar um homem macuxi que não tenha passado pelo menos uma temporada como garimpeiro improvisado”6. (DINIZ, 1972, 73-74). KochGrunberg gives some observations about São Marcos farm:

Los ‘vaqueiros’son en su mayoria indios puros de las cercanas tribus Makuschí, Wapischana y otras, y sorprende La rapidez com La que esta gente aprende a manejar caballos y lazos, cuando llega Del interior.7

In Luciano Pereira’s speech we can analyze a similar point of view when he mentions:

No Rio Branco os serviços dos Índios são aproveitados para todos os misteres, inclusive o de vaqueiro, no que às vezes se tornam exímios. Assim, os da fazenda nacional São Marcos são quase todos índios, a começar pelo capataz, e mais ou menos vão dando, conta do recado. (Op. Cit., 22)8

6 “It is difficult to find a macushi man that has never worked as a treasure hunter”. 7 “The ‘cow-minders’ are mostly pure Indians from nearby Macushi, Wapishana and others tribes, and surprised how quickly these people learn to ride horses and bows.” 8 “In Rio Branco the Indians services are availed to all the trades, including the cow-minders, who sometimes become Eximios. Thus, the people from national farm São Marcos are almost all Indians, beginning from the foreman, and will more or less be able to come up with the goods. (Op. Cit., 22)”

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 25-36, jul./dez. 2015 29 These reports confirm the active participation of indigenous peoples from Ro- raima in economic activities for the construction of a place that was exclusive of non-indigenous society, both in terms of administration as well as the society style that the activity had constituted. If we observe the settlement process of the colo- nial period, despite being a project created and run by non-indigenous, it was con- sisted exclusively by indigenous peoples. The case now was another one: the Indians should accept as theirs, a project they entered only with the provision of low-skilled service, giving up all the space that was their hitherto reserved, as well as its own social organization, and finally, their own culture. In Jornal Boa Vista, owned by the government of the federal territory of Ro- raima, it was weekly distributed and almost exclusive in the decade of 1970s, we see an almost total silence about the presence of indigenous peoples in that period. This silence reinforces our belief that all Rio Branco occupation mechanisms, current sta- te of Roraima, except the settlement of the colonial period and the project carried out by the very indigenous movement, are not different to this attitude. If this group of social actors were not reserved the references in the speeches, it means that their presence would not be meaningful for the development of plans that they wanted to run, which reinforces the idea of unskilled people in this process. We can say that the socioeconomic setting that has begun to take shape in the effective occupation of Roraima was a society characterized by a large estate, fo- cused almost exclusively by livestock, having the main social group formed by the northeastern and their descendants. By the 1970s, this group remains as the central framework, but opening up to the prospect of attracting investors from various branches and locations in the country and, we believe that, for sure to have the support of indigenous peoples in the performance of tasks did not require a skilled labor more specialized. During this period, the construction space in the non-indigenous society of the Roraima Territory was a place that, like any other, required of its inhabitants certain characteristics to inhabit it, so it was necessary to comply with its order as Certeau (1994) proposed. As indigenous were considered by the society as unable to develop tasks that require a more elaborate logical construction, for being labeled as lazy and primitive, it was certain that they would be considered unable or unsuitable people to inhabit a world that wanted to be modern. In order to satisfactorily integrate to the social projects of the regional social groups, the indigenous peoples needed to begin to show capacity for doing their activities. One of the wishes of this kind of society was to make them settlers. Still

30 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 25-36, jul./dez. 2015 in 1973, there was a note about the Fundação Nacional do Indio - FUNAI that wanted to hand in rural villages to tribal groups that were already integrated into the natio- nal society. The project said that each family would receive a plot of 50 hectares, according to the president of FUNAI General Oscar Jerônimo Bandeira de Mello, who has also affirmed that if this project were successfully engaged, this experien- ce would spread to others different parts of the country. (JORNAL BOA VISTA, 27/10/1973, 8). An example of this kind of wish that came true happened in the June 16th of 1977, when the Indian Ricardo Aleixo, a Wapishana chieftain’s son, received himself the title of land ownership from the hands of the Minister of Interior the request of the president of the National Institute for Colonization and Land Reform (IN- CRA), Lourenço Vieira da Silva. Ricardo Aleixo was the first Brazilian Indian to get a title of land ownership and it was disclosed on the news. (JORNAL BOA VISTA, 25/06/1977,3). This fact let the president of INCRA full of excitement:

O Instituto pretende intensificar o cumprimento efetivo da Lei 6001 do Estatuto do Índio que estabelece em seu artigo 33 a regularização de terras até 50 hectares que forem ocupa- das por índios, durante um período de dez ano consecutivos. (Idem).9

If we take into account the indigenous culture, this model of distribution of lands was led to another order. It is private property settling in a region where land was collective. Until then, these people had not been concerned with land tenure, except perhaps to protect their territory from other groups, the new order required a written paper and signed by a out comer authority, that took their place and dictated orders about the construction of what he considers his own space. We believe that the elite of the Roraima society has dreamed, implicitly, with an integration of the native people, perhaps as the last act of a play that began in the eighteenth century. For this society, among stages considered as “savage” and “civilized” in the integration process, the indigenous passed through an intermediate phase that was called Caboclo. Therefore, at first, those who lived isolated from the Brazilian national society were considered indigenous, those ones that were naked, used arrow and other objects and specific practices of this people. In a second plan, the cablocos wore clothes and they used other objects and non-indigenous practices, living or not directly with the “savage” and “civilized” ones. Lastly is the stage in

9 “The Institute intends to intensify the effective fulfillment of the Indian Statute that the law 6001 provides in its article 33 about land with 50 hectares occupied by Indians would be regularized, over a period of ten years consecutively. (Idem).”

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 25-36, jul./dez. 2015 31 which the Indian completely loses its bond with its people of origin and becomes indistinguishable from other individuals of the so-called civilized society. When Ricardo Aleixo received the land ownership from INCRA it was realized that he was giving a big step to become “civilized”, since, by settling in his homeland and meeting the expectations that the title carried with it, he would be considered a settler. For sure, when Ricardo received the title he could not be in the primary indigenous condition and it would be a few time to say that he was not in the inter- mediate condition as well to totally be considered “civilized”. It is just an adaptation to the new way of living that he had to face. From what was exposed, we believe we can make some observations. We un- derstand that the colonization strategies highlighted here was the basic premise for success, eliminate the indigenous cultural values, in particular, the incompatible ones with the advancement of colonization. When we talk about progress, we are not just talking about material progress, but also about the development of all the values that require an organization of a place, among them the moral ones. The formula to achieve this goal varied, at least in three different ways: one was holding the indigenous people in aldeias10 or huts; another, through a focused education in order to civilize them; and a third would be counting on the indulgence of indigenous, or even ignoring and occupying their lands with projects unrelated to their practices. According to indigenous traditions, the world was built and given by their mythological heroes. In the Rio Branco area of occupation process, another world was imposed to them this time by contemporary humans. These people donated them not only a world, but the position he should occupy this time and more, they were there to enforce this proposal. We can see that the use of “civilizing” (a word given by the colonizers) was no- thing but fallacy, because if we take the term in the meanings: to leave the primitive state; instruct; make civil, no systematic effort occurred in this direction. It is unders- tood that whoever colonizes, civilizes any person or group of people. When Santilli (1994) mentions the fields of Paranapanema, south of Mato-Grosso, Maranhão and Piauí, saying that the expansion of livestock in those places occurred according to the expulsion and extinction of the native, this means that there did not process the action of civilizing, as it also did not happen in the Rio Branco ethnic groups who were also expelled or exterminated. How could this kind of fact happen if whom to civilize no longer existed?

10 T/n: The name of the place where a community of Indians live. It is how we call their villages.

32 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 25-36, jul./dez. 2015 Even in the colonization strategies where this practice could have played an important space, it did not. This was the case of the people on indigenous lands, or livestock that their agents sought consent from these people. The use of the verb civilize also was nothing but rhetoric; in practice, it was only to break the indigenous socio-cultural values that prevented the premise of the new order places. We can see that in the most incompatible points, there was often resistance from indigenous pe- ople, one evidence of this is the failure of putting the indigenous people in aldeias. We understand that such a failure can be attributed, in particular, to the incom- patibility of the two ways of living in society, which implies two ways of organizing quite different places. The evidence can be translated in the speeches of colonial agents’ eighteenth century, shortly after the rebellion of indigenous villagers in 1884, or even after the 1890 rebellion, when it spoke of the need to put them in aldeias far from their place of origin. This meant that the connection with their cultural practi- ces prevented them becoming part of a new social organization. (FARAGE, 1991). It is also observed In the Bispo Van Caloen’s speech, to whom was able to educate the indigenous kids, “esta geração, passer d’um estado quase animal ao de um bom pae de familia”. Santilli said (1992, 47), it seems he has not created higher expectations regarding the conversion of adults. The gradual distancing from its original culture began with the children, people who had not yet incorporated the cultural values of indigenous and were in a favorable phase to receive a new training. Still, it could be in the justifications for the establishment of schools for Indians, which were often boarding schools. SPI report of 1924 mentions:

Muito necessária se torna a criação de escolas primeiras nas zonas habitadas pelos silvícolas que se vão adaptando nos costumes da civilização. (CIDR, 1989, 31).11

The goal was to keep them away from his social organization to bring them closer to the customs of the “civilized” world. There has never been a concern to instruct them, to make them civil or civilized. This would give the native the status of equality, which would also imply a condition of claiming specific rights, which could be the output of the invaders from the indigenous territories. Keep them away or make them forget their values and practices that prevented the development of a new way to occupy the space, this was the crucial point, which the colonizers faced, in the old days, and, we can say that part of the Roraima society faces this problem nowadays, taking into account that the process of occupation of 11 “Much necessary becomes the creation of primary schools in areas inhabited by forestry that will adapt the customs of civilization. (CIDR, 1989, 31).”

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 25-36, jul./dez. 2015 33 the region by non-Indians are not yet fully defined. We understand that the natives of Rio Branco, the current state of Roraima, have never moved away completely from their traditional customs, their culture and their place organized following their values. If in the past, non-indigenous society sought to disqualify the cultural traits of the native peoples and impose its own way of living and to organize, nowadays, the indigenous work on the appreciation of their culture and they require to be respec- ted as such. A late colonization may have contributed to this, as in the northeast region of the state, Macushi territory, the systematic colonization only arrived in the early decades of the twentieth century. The Schools that aimed at educating Indians are also from this period as well as the autonomous presence of the Catholic Church. Taking as a reference, more specifically, the Macushi and Wapishana, the culture of these two people suffered very significant changes: there was a change in the for- mat of their dwellings; the use of non-indigenous clothing; the mother tongue was forgotten on a large scale; They began to eat different kinds of products that were strange to them, leading them to attend the local market. Nevertheless, many of its specific practices remained, and nowadays, in addition to the authentic features, including the organization itself that the indigenous move- ment gained. Some elderly indigenous never stopped speaking their native language, and today we can see young people also speaking. Certain types of foods, such as “damorida”12, an indigenous common boiled food, or drink as “caxiri”13 show that they never moved away from their daily practices completely. Most Indians live in villages, which are called malocas by the regional people, and those who live in the city, usually maintain relationships with relatives living there. If the passage of the mid-twentieth century, these people tended to disappear as ethnic consumed by advances of the regional society, with the organization of indigenous political development in the recent decades, tend to develop themselves by the construction of a new entity process. In the period that a process of modernization of a non-indigenous place in Roraima begins, more specifically, from the 1970s, increase the efforts to transform, as fast as possible, the indigenous into a common person. We understand this fact as an act that goaled to avoid recognizing the Indian characteristics, any trait that

12 T/n: Damorida is an indigenous food made with fish, pepper and some salt, everything mixed in a kind of sauce. 13 T/n: Caxiri is an indigenous drink made with the leaves and the roots of the cassava trees. When you have it, you usually feel drunk.

34 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 25-36, jul./dez. 2015 require differentiated law. Therefore, the concern to occupy and legalize the ow- nership of indigenous territories as soon as possible with non-indigenous projects was a form of guaranteeing to non-indigenous society the greatest amount of land as possible. To achieve this goal, it was valid even the presence of many miners in mineral exploration activity, a practice that the local society evaluated as a mistrust, because it involved the invasion of space by a large number of immigrants, which in its composition was constituted the vast majority of men considered as “rude” and to have low-purchasing power. In the words of the governor Ramos Pereira, when he refers to Roraima, either the aldeia or a mining area visited, there is no differential treatment with regard to indigenous, except for the demands, because they asked for tissues, shoes, salt and etc, while the non-indigenous were requesting for roads, working conditions, schools and so on. For the rest, they were seen by the Jornal Boa Vista headlines as interchangeable. We understand that it could not be anything different about the governor’s atti- tude, if we take into account the model of society that he wanted to fund, as a social model that had as main objective develop its manufacturing sector making use of the modern world production techniques, in itself was revolutionary in the sense of carrying with it the desire for innovation. It could have accurately been translated in denial to the “old”, to be considered “archaic”, and this was the condition that occupied the Indians within that vision. Therefore, the characteristics of the indigenous do not find space in a society that wanted to be modern. As the dreams of those who stimulated the development of this model of society, there were two problems. Despite a headline of 13 No- vember 1973, saying that “Perimental Norte marcará o encontro de civilizações: era do computador com a da pedra lascada”, (JORNAL BOA VISTA), it was a meeting that did not allow interaction between two opposite poles. One was the death of the other and in this case, they had as starting points the speeches in favor of the “new”, the “modern”, the very values of indigenous culture, used by producers and foun- ders of this new world, to highlight the importance and value of their construction. It was the death of the indigenous place that these speeches have been fed and taken shape. (CERTRAU, 2000).

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 25-36, jul./dez. 2015 35 References

CERTAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1.artes de fazer. Petrópilis – RJ: Vozes, 1994.

______. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Univer- sitária, 2000.

CIDR. Índios de Roraima: makuxi, taurepang, ingarikó, wapixana. Boa Vista: Diocese de Roraima, 1989.

DINIZ, Edson Soares. Os índios macuxi do Roraima: sua instalação na sociedade nacional. Marília/SP.,Ed. Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras de Marília, 1972.

FARAGE, Nádia. As muralhas dos sertões, os povos indígenas no rio Branco e a colonização. São Paulo: Paz e Terra, 1991.

JORNAL BOA VISTA, 27/10/1973.

JORNAL BOA VISTA, 13/11/1973.

JORNAL BOA VISTA, 25/06/1977.

KOCH-GRUNBERG, Theodor. Del Roraima al Orinoco. Caracas: Ediciones Del Banco Central de Venezuela, 1966.

PEREIRA, Luciano. O Rio Branco: observações de viagem: Manaos: Emprensa Pu- blica, 1917.

SANTILLI, Paulo. Fronteiras da República: história e política entre os Macuxi no vale do rio Branco. São Paulo: NHII/USP; FAPESP, 1994.

36 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 25-36, jul./dez. 2015 Luciana Marinho de Melo *

ARTIGO A FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL DE BOA VISTA – RORAIMA E OS POVOS MACUXI E WAPICHANA DA CIDADE: PROCESSOS HISTÓRICOS E SENTIDOS DE PERTENCIMENTO

Resumo Abstract O presente artigo possui como eixo This article has as main theme the presence of temático a presença das populações indigenous people Makushi and Wapichana at indígenas Macuxi e Wapichana na capital the capital of Roraima, Brazil, and it is based de Roraima e está fundamentado na on the critical reading of historiography produced leitura crítica da historiografia produzida from the eighteenth century about the occupation sobre a ocupação do território atualmente of the State. This historiographic return aims to delimitado como Estado e de seu entorno, understand the socio-political relations, conflicts a partir do século XVIII. Este recuo visa and other factors that underlie the absence of such compreender as relações sociopolíticas, indigenous peoples in the formation history of the conflitos e demais aspectos que permeiam city, and the construction of socio-cultural demands a ausência dos referidos povos indígenas of Makushi and Wapichana residing in the urban na história vigente acerca da formação area of Boa Vista. da cidade, assim como na construção de demandas socioculturais dos Macuxi Keywords: Indigenous people; Culture; City. e Wapichana que residem no perímetro urbano de Boa Vista.

Palavras-Chave: Povos indígenas; Cultura; Cidade.

* Possui graduação em Ciências Sociais (bacharelado) pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), com atuação nas áreas de Sociologia e Antropologia. Mestre em Preservação do Patrimônio Cultural pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico nacional, no Rio de Janeiro (IPHAN - RJ). Doutoranda em Antropologia pelo Programa de pós-graduação em Antropologia (PPGA) da Universidade Federal do Pará (UFPA). Docente externa da Universidade Federal do Pará (UFPA) vinculada ao Departamento de Ciências Sociais, atuando no Plano Nacional de Formação de Professores.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 37-56, jul./dez. 2015 37 Introdução

A presença de povos indígenas no setor urbano não se configura como um fe- nômeno recente1. Em Boa Vista, por exemplo, existem a princípio dois parâmetros para o entendimento acerca da presença dos mesmos na cidade: aquela a que somos primeiramente apresentados, ou a versão oficial da ocupação e formação territo- rial da capital roraimense e outra, menos conhecida, ancorada na tradição oral dos Macuxi e Wapichana e que não possui respaldo nas versões canônicas e militares difundidas nos livros e documentos oficiais. Porém, a partir da apropriação inte- lectual, por parte dos referidos grupos indígenas, da produção existente acerca dos processos sociohistóricos que culminaram na invisibilidade social a qual os mesmos estão submetidos na atualidade, balizou a criação de uma organização2 na qual são o público alvo, bem como perfazem a delimitação das pautas reivindicatórias perante o poder público. Nessa perspectiva, propomos um breve percurso reflexivo nas principais fontes historiográficas que se ocupam dos dois povos abordados neste artigo, de modo que possamos visualizar a maneira com a qual os conflitos foram gerados no seio do novo cenário social edificado a partir do século XVIII.

1.1. Os antepassados indígenas da cidade: entre o que foi dito e o que foi escrito

É fundamental compreender o que os Macuxi e Wapichana de Boa Vista reco- nhecem enquanto território. Partindo de seus entendimentos acerca da ocupação territorial, é preponderante o argumento da ancestralidade. Essa compreensão pos- sui respaldo dos relatos transmitidos de uma geração para outra e, mais atualmente, nas pesquisas científicas no âmbito da arqueologia e antropologia. Saliento que esse entendimento ganhou força e foi mais amplamente disseminado a partir das lutas pela terra que teve seu ponto crítico com a homologação da TI . Na região que compreende Boa Vista, o argumento permanece e é reafirmado através das lideranças da ODIC e acadêmicos indígenas da Universidade Federal de Roraima (UFRR).

1 Recorte da dissertação de mestrado “Fluxos Culturais e os Povos da Cidade: entre os Macuxi e Wapichana de Boa Vista”, de minha autoria, apresentada ao Programa de Mestrado Profissional do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em 2012. 2 Organização dos Indígenas da Cidade (ODIC)

38 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 37-56, jul./dez. 2015 Nesse direcionamento, o arqueólogo Pedro Mentz Ribeiro (1986), localizou, por meio de escavações, urnas, líticos, ossos, pontas de flechas, cestarias, sepultamentos em urnas, pintura rupestre e petroglifos. Estima o autor que tais materiais datam de, aproximadamente, 3.000 a 4.000 anos AP3 e, com base na historiografia, sugere a possibilidade quanto aos povos que habitaram nessa área durante o referido período foram os Macuxi, Wapichana e Taulipáng. Esta pesquisa foi realizada em Roraima na década de 1980, abarcando também a região que compreende a capital roraimense. De modo análogo, Oliveira & Souza (2010), por meio das ações da Organização dos Indígenas da Cidade e Projeto Kuwai Kîrî, recorrem à memória oral na tenta- tiva de reconstituir a relação entre o percurso histórico de ocupação da cidade e os indígenas que nela habitaram e habitam. Nessa incursão, Oliveira & Souza (2010) afirmam, com base em depoimentos coletados através de oficinas realizadas com grupos indígenas de Boa Vista, que a cidade foi erigida sobre um conjunto de ma- locas denominado Kuwai Kîrî4, local onde estavam os rezadores mais qualificados e, por esse motivo, atraía indígenas de outras malocas que se deslocavam em busca de cura para alguma enfermidade. Tais relatos, contudo, não possuem respaldo na historiografia oficial, razão pela qual os indígenas organizados de Boa Vista reivindi- cam o reconhecimento da presença e participação Macuxi e Wapichana na formação da atual cidade. Dessa maneira, os pesquisadores apontam para a necessidade de se rediscutir a gênese da capital, que se amparou substancialmente nas malocas que existiam na região, dando espaço à antiga fazenda Boa Vista. Observamos que com a crescente inserção de indígenas no ensino superior e apropriação dos instrumentos de produção de conhecimento acadêmico, os Macuxi e Wapichana que residem no perímetro urbano têm constituído uma releitura acerca da presença indígena na configuração da cidade e, dessa maneira, descortinando a concepção de que se trata de um fluxo recente motivado por finalidades exclusiva- mente econômicas, sendo este um aspecto priorizado nos argumentos acadêmicos que tomam a temática dos indígenas na cidade como abordagem. Assim, partindo do entendimento difundido pela tradição oral dos Macuxi e Wapichana, podemos destacar que antes mesmo dos deslocamentos contemporâneos realizados pelos in- dígenas que buscam na cidade melhores condições de vida, já havia a presença e deslocamentos destes e de outros grupos nativos. Nesse contexto, é igualmente necessário que tomemos conhecimento do que as principais referências historiográficas e antropológicas têm produzido a respeito

3 Antes do Presente. Entendendo-se que o “presente” data de 1950 do século XX. 4 Que na língua Macuxi significa teso de buritizais e igarapés. (OLIVEIRA & SOUZA, 2010)

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 37-56, jul./dez. 2015 39 dos Macuxi e Wapichana, tendo como orientação a situação de contato e principais conflitos sociopolíticos entre as referidas populações e a sociedade envolvente.

1.1.1. Origens e trajetórias Macuxi e Wapichana, breve histórico do contato e relações transfronteiriças

Na década de 70, medidas administrativas que visaram a regularização fundi- ária das terras indígenas culminaram em “uma drástica pulverização do território de ocupação tradicional Macuxi” (SANTILLI, 1997. p. 53), contemplando “uma parcela diminuta do território tradicional Macuxi” (idem). Uma vez deslocados das ocupações tradicionais e vivendo em região de fronteira, os Macuxi habitam o Brasil (em Roraima), a Venezuela e a Guiana. A maior parte das comunidades está em área brasileira, no vale do Rio Branco (SANTILLI, 2001). As tentativas de formular a trajetória percorrida pelos Macuxi até o estabele- cimento na região que compreende Roraima remontam a um processo migratório “(...) da bacia do Orinoco, em etapas progressivas, até se fixarem, definitivamente, nas regiões ao norte do Rio Branco. Alguns teóricos afirmam que são povos originá- rios das ilhas Caribe (IM THURN, 1883 apud CIDR, 1987. p. 46). A origem do povo Macuxi também possui outra versão, mitológica, fortemente vinculada à tradição oral comum a essa etnia, cuja narrativa versa sobre os filhos do Sol, Makunaima e Insikiran, que moldaram o território tradicionalmente habitado por esse e outros povos. De família linguística Karib, os Macuxi em fins do século XIX eram mais de 3.000 indivíduos (COUDREAU, 1887 apud CIDR, 1987). Atualmente, representam a maioria indígena existente em Roraima, somando aproximadamente 20 mil indi- víduos (FUNASA, 2010 apud CAMPOS, 2011)5 indivíduos em solo brasileiro. De modo oposto aos Wapichana, os Macuxi são descritos pelos viajantes do século XVIII como um povo insubordinado, insolente, guerreiro e arredio que não ensina- va sua língua aos brancos (CIDR, 1987):

Os Macuxi vivenciaram forçosamente um aprendizado das relações sociais constituintes da sociedade nacional brasileira, do modo particularizado como se estabeleceram em Ro- raima. Foram compungidos a submeter-se à força às regras impiedosas da propriedade privada, e da acumulação de riquezas às expensas da expropriação de suas terras. Ainda assim, conseguiram preservar sua língua, seus costumes, sua organização social própria e, sobretudo, a liberdade e a autonomia pessoal como valores fundamentais de sua sociedade. (SANTILLI, 1997, p. 63)

5 A população indígena total em Roraima é de 49.637 (IBGE, 2010).

40 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 37-56, jul./dez. 2015 Dessa maneira, é necessário sublinhar que a partir da década de 1950 a língua Macuxi passou a sofrer um intenso ataque por parte da população não-indígena e pelo poder público, onde passou a ser designada por “gíria” (CIDR, 1987), numa tentativa de sobrepor a língua oficial à língua indígena:

“Falar gíria não presta” pode ser considerado o slogan deste ataque que envolveu o gover- no local, através da Secretaria de Educação. (...) Nas malocas do lavrado, de modo particu- lar, a língua Macuxi entrou em crise, enquanto nas da serra, tendo menos contato com os brancos, foi conseguindo manter intacto o seu uso. Hoje, todavia, assistimos um processo de recuperação linguística, fruto das lutas que esse povo está travando para ser reconhecido o próprio direito de existir como tal. (CIDR, 1987, p. 46)

Nesse sentido, apesar do intenso investimento por parte da sociedade envolven- te em desarticular as expressões socioculturais Macuxi, a referida etnia não cedeu às pressões locais e sustentou sua diferença identitária frente às diversas faces que as ações de integração social tiveram ao longo dos anos em Roraima. Ainda que obser- vemos a adoção, por parte dos Macuxi, de costumes alienígenas à cultura indígena, é preponderante a auto identificação enquanto povo, mantendo sua alteridade nos mais diversificados meios e espaços interétnicos, inclusive no perímetro urbano de Boa Vista. Com incidência populacional considerável em Boa Vista, os Wapichana se fa- zem massivamente presentes nos espaços dedicados aos indígenas da cidade, divi- dindo os ambientes com os Macuxi. A convivência entre as duas etnias, contudo, nem sempre foi pacífica e amistosa. Embora os Wapichana sejam representados pela literatura e documentação do século XVIII e XIX6 como indivíduos dóceis, de fácil sociabilidade, os primeiros contatos datam de meados do século XVIII, com registros de conflitos com os grupos Macuxi pelo território (CIDR, 1987), período em que os portugueses também adentravam no extremo norte do Brasil. Para além dos conflitos, ao longo dos anos, os dois grupos étnicos acabaram por estabelecer uma relação amena, sendo possível hoje encontrar diversas comunidades mistas, habitadas pelos dois povos. Uniram-se também em Boa Vista, em torno das deman- das socioculturais que constroem conjuntamente, já que as experiências obtidas na cidade são similares no que tange à interlocução com as instituições públicas. De família linguística Aruak, em 1887 eram contabilizados menos de 1.000 indi- víduos Wapichana ao longo do rio Branco, número que se torna ainda mais impac- tante quando acrescido ao fato de que o Wapichana já fora o povo mais numeroso da região (CIDR, 1989). Felizmente, hoje podemos visualizar um crescimento da 6 COUDREAU, 1887 apud CIDR 1987.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 37-56, jul./dez. 2015 41 referida população, particularmente em Roraima. Atualmente, existem 7.8327 pesso- as que se auto declaram Wapichana no Estado, excluindo-se desse número aqueles que residem no perímetro urbano de Boa Vista, bem como na Guiana e Venezuela, onde também estão presentes. É necessário, contudo, relativizar esse número, que sofre constantes alterações devido ao intenso movimento migratório que os Wapi- chana da República Cooperativista da Guiana realizam em direção a Roraima, dada a localização fronteiriça do estado, e, consequentemente, a Boa Vista:

Ainda dentro da economia Wapixana, é preciso relevar a forte migração de índios da Guia- na para o Brasil. Tratam-se, geralmente, de jovens que são hospedados nas malocas, onde oferecem o próprio trabalho em troca da hospedagem: Acontece que, à vezes, são os únicos que trabalham, criando uma forma de exploração interna. Em todo caso, ficar um ou dois anos numa maloca Wapixana no Brasil é, para a maioria desses jovens, uma etapa intermediária de um processo que se conclui em Boa Vista. Na cidade, conseguem fazer documentos e procuram novo emprego, fugindo não só da Guiana, onde a situação hoje é precária, mas também do próprio povo e da própria identidade étnica. Nos últimos anos este fenômeno está incluindo também as moças. Esta migração é diferente no que se refere a famílias inteiras: chegando da Guiana, procuram inserir-se numa maloca Wapixana, onde fixam estavelmente (CIDR, 1987, p. 73).

Assim, para Orlando e Silva (2007):

Registre-se, ainda, que a migração de índios Wapixána, em escala considerável, da Repú- blica da Guiana para Roraima, introduz, neste contexto, um outro fator importante para a compreensão do sistema. Os índios provenientes da Guiana são originários de diferentes contextos sociais. Há os que vêm de aldeias Wapixána, ou mistas deste índios em convívio com os Makuxí; alguns provêm de casas isoladas, e outros saíram de situações interétnicas em vilas rurais ou em cidades. Aquele país não tem uma política indigenista claramente definida e institucionalizada, mas, na prática, as ações governamentais e da sociedade se orientam em um processo de integração dos índios à sociedade envolvente. (SILVA, 2007, p. 66).

Atinente à presença Wapichana na República Cooperativista da Guiana, obser- vamos a situação delicada em que os indígenas se encontram neste país, uma vez que a política indigenista é recente e não está claramente configurada. Segundo Stephen Baines (2012), somente no final de 1999 alguns dos principais direitos indígenas foram reconhecidos na Constituição da Guiana, tais como a proteção, conservação e disseminação das línguas, do patrimônio cultural e modos de vida, sendo estes direitos aprovados pela Assembleia Nacional com base nas recomendações da Cons- titution Reform Commission (CRC). 7 FUNASA, 2010 apud CAMPOS, 2011.

42 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 37-56, jul./dez. 2015 Em solo brasileiro, os fluxos migratórios e a permanente expulsão dos Wapi- chana de seus territórios tradicionais acabaram por gerar uma demanda em torno da demarcação de Terras Indígenas, ação que se apresenta conflitante na política indi- genista brasileira, colidindo com os interesses endossados pelas esferas municipais e estadual. Sendo assim, apesar do Decreto Estadual nº 779 de 16 de maio de 1906, citado por algumas publicações8, que versa sobre o direcionamento de terras aos Wa- pichana que estavam localizados na região do Rio Branco para a ilha de Maracá (hoje uma Estação Ecológica), observamos que tal ação caracterizava-se muito mais por uma manobra política para afastar os indígenas da região de Boa Vista, que crescia de maneira vultosa no referido período. De modo similar, para a antropóloga Nádia Farage (1997), os estudos produ- zidos principalmente na década de 40 sobre os Wapichana em região brasileira e guianense, respaldados na teoria da aculturação, serviram de base para os processos oficiais de demarcação do território Wapichana, sendo este consideravelmente dimi- nuído, uma vez que tais demarcações estavam pautadas no grau de “perda” cultural. Não seria leviano afirmar, portanto, que tais demarcações foram realizadas de modo a favorecer amplamente o latifundiário, ao passo que o povo indígena ficou restrito a pequenas ilhas espalhadas por Roraima. Tal panorama começou a se modificar quando os povos Yanomami, Macuxi, entre outros, passaram a reivindicar a demar- cação de Terras Indígenas em área contínua, a exemplo das TI´s Raposa Serra do Sol e Yanomami. Assim, os Wapichana, em sua maioria, estão localizados atualmente a nordeste de Roraima, na região da Serra da Lua, localizada entre os rios Branco e Tacutu, bem como em comunidades mistas às margens dos rios Uraricoera, Surumu e Amajari (FARAGE, 1998). Atinente à relação estabelecida entre a cidade de Boa Vista e algumas malocas Wapichana, observamos as atividades de comércio, onde o excedente da produção indígena é enviado para a cidade, de modo que seja vendido. Tal prática é ainda mantida também em comunidades Macuxi, facilitada pela existência de estradas nas proximidades das comunidades. Desse modo, assistimos a constante movimentação de grupos indígenas que, por conta do comércio, permanecem temporariamente em Boa Vista, invariavel- mente hospedados na casa de outros indígenas que fixaram residência na capital. Os desdobramentos extraídos a partir dos impactos socioculturais da relação entre comunidade e cidade podem ser melhor compreendidos a partir dos estudos de Or- lando Silva (2007) em comunidades Wapichana: 8 CIDR. Índios de Roraima. Boa Vista: Editora Gráfica Coronário, 1987. CARNEIRO DA CUNHA, M. História dos índios no Brasil. São Paulo: Cia das Letras, 2006.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 37-56, jul./dez. 2015 43 (...) há grupos locais que, em seu conjunto, não se sentem inseridos em uma situação de fricção interétnica e se consideram em convergência pacífica e respeitosa no que se refere aos seus interesses sociais e aos do “mundo dos brancos”, com o qual procuram se iden- tificar socialmente cada vez mais. Outros, embora buscando esta identificação, têm cons- ciência de que são participantes de situações nas quais há conflitos de interesses entre as duas sociedades. Por fim, outros têm forte consciência da situação de opressão a que estão submetidos e, por isso, buscam reforçar a própria identidade étnica indígena, Wapixána, que é contrastiva em relação ao espectro identitário da sociedade dominante, e assumem esta atitude como uma forma de enfrentar confrontos e os avanços dos dominadores sobre suas sociedades e suas terras (SILVA, 2007, p. 60)

Destarte, consideramos imperativo sublinhar outra dimensão da formação cul- tural dos Wapichana, dessa vez subjetiva, entendendo sua singularidade como prin- cípio fundamental na continuidade deste grupo enquanto povo. Trata-se da compre- ensão da fala articulada como repositório da capacidade reflexiva, ou fator inerente à condição se seres humanos (FARAGE, 1997). Esta compreensão e a estreita relação com a oralidade são aspectos que contornam a participação dos Wapichana nos es- paços de negociação e sociabilidade. Antes, contudo, de tratar especificamente do atual núcleo urbano boavistense, gostaríamos de discorrer brevemente sobre as águas que banham a margem direita da capital roraimense, uma vez que o rio Branco se destaca como o elemento pri- mordial para os desdobramentos que se seguiram após as navegações portuguesas.

1.2. O Forte de São Joaquim

Nos idos do século XVII as regiões às margens do rio Branco foram alvo de investidas militares portuguesas9, porém, foi no século XVIII o período que se tem amplo conhecimento acerca do histórico de grande parte do contato entre brancos e índios no extremo norte, como consequência das expedições realizadas pela coroa portuguesa em território amazônico, caracterizada como estratégia militar para ex- pulsar os holandeses, ingleses e espanhóis que se encontravam nessa mesma região. Segundo Ribeiro de Sampaio (in NOVA DA COSTA, 1949: 186 apud CIDR, 1989), os objetivos das entradas dos portugueses na referida região eram claros: sujeição de índios aos portugueses, comércio de escravos, bem como aquisição de pescarias e as chamadas drogas do sertão. No entanto, podemos observar que os reais obje- tivos vão mais além, a exemplo do impedimento de possíveis invasões à região do extremo-norte da Amazônia (SANTILLI, 2004). É fundamental destacar o papel da ação geopolítica militar nessa fase inicial, uma vez que suas feições demarcam 9 CAMPOS, 2011. 44 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 37-56, jul./dez. 2015 notoriamente a formação social da posterior cidade de Boa Vista, alastrando-se for- temente até os dias atuais, fazendo-se presente nos espaços sociopolíticos dos povos indígenas de Roraima, bem como nos conflitos envolvendo as demarcações de TI´s. Santilli (2004) assevera que os primeiros contatos com o povo Macuxi datam desse mesmo período, século XVIII, durante a supracitada ocupação militar portu- guesa do vale do Rio Branco. Nesse sentido, buscavam aldear os Macuxi em função do Forte São Joaquim10 erguido em 1775, localizado no atual Município de Bonfim, a aproximadamente 30 Km de Boa Vista. De maneira similar, Nádia Farage e Paulo Santilli (2006) afirmam que os Wapi- chana foram submetidos aos aldeamentos portugueses no mesmo fluxo temporal, de modo que foram, igualmente, apresados e submetidos ao trabalho escravo no Forte São Joaquim. Segundo os autores:

Para o vale do rio Branco, pode-se igualmente dizer que, apesar desta primeira fase de escravização e aldeamento no século XVIII, o contato se intensifica com a ocupação fun- diária, que se inicia com a chegada de colonos civis na segunda metade do século XIX. Com efeito, a colonização civil, que consolida a economia pecuária da região, inaugura a espoliação de territórios indígenas. A ocupação de terras nesta região fez-se acompanhar de mecanismos de arregimentação da população indígena para as camadas mais baixas da sociedade regional que então se formava. (FARAGE e SANTILLI, 2006, p. 267).

A presença indígena na referida fortificação se dava, prioritariamente, para a utilização de mão de obra para a construção e manutenção do mesmo. Foi durante essa mesma ocasião que se intensificaram os aldeamentos como parte do processo colonizador, contabilizando-se um número significativo de indígenas em cinco po- voamentos da região, incluindo o povoamento de Nossa Senhora do Carmo (CIDR, 1989), que veio a ser posteriormente a cidade de Boa Vista.

Tal como temos conhecimento de outras regiões nas quais se tem histórico do con- tato entre povos indígenas e frentes colonizadoras, o processo de incursão portu- guesa nas margens do rio Branco se mostrou assaz violento. Por se tratar de uma região fronteiriça, as ações colonizadoras possuíam enfoque estratégico-militar, uma vez que a intenção era a de assegurar o domínio português nas terras amazônicas. Em razão disso, foram erguidos, além do Forte de São Joaquim, internatos e igrejas, espaços que serviram de palco para a supressão das identidades culturais indígenas, numa clara inserção imposta aos indígenas no mercado local e nacional (PEREIRA, 2010).

10 Hoje em ruínas, tombado provisoriamente pelo IPHAN em 2011. TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 37-56, jul./dez. 2015 45 1.3. As missões evangelizadoras

Antes, contudo, que a fortificação fosse erguida, as missões evangelizadoras já se encontravam em plena atividade. Em 1725, frades Carmelitas fundaram várias mis- sões, a exemplo da Missão do Carmo, posteriormente elevada a Freguesia Nossa Se- nhora do Carmo do Rio Branco e, tempos depois, município de Boa Vista11 (CIDR, 2007). As missões evangelizadoras estavam, também, a cargo da ordem beneditina e, posteriormente, da Ordem da Consolata (SANTILLI, 2001 apud BAINES, 2012). Em dados disponibilizadas pelo Centro de Informação Diocese de Roraima (1989), baseado nos anuários dos missionários beneditinos que passaram a atuar na região a partir de 1909, até o século XVIII o Rio Branco era habitado quase em sua totalidade por indígenas. Com as entradas dos portugueses e a consequente uti- lização da paisagem regional para pastagem, grupos indígenas passaram a fornecer trabalho em troca de pequenos artigos, roupas, alimento, ferramenta de trabalho, entre outros.

1.4. O decréscimo demográfico

Outros fatores merecem destaque quanto a substancial diminuição quantitativa de grupos indígenas das margens do Rio Branco. O cronista militar Lobo D´Almada (1787 apud CIDR, 1989), durante sua viagem ao extremo norte, estimulou a criação de gado e recomendava em seus relatórios que os índios fossem “civilizados” pelos portugueses, o que incluía vesti-los e incentivar o casamento com soldados, numa clara tentativa de integrar totalmente o indígena à sociedade que se erguia. Movi- mento semelhante podemos observar no início do século XX, onde a sociedade envolvente buscava transformar indígenas em trabalhadores nacionais (SANTILLI, 2001 apud BAINES, 2012). Segundo Farage e Santilli (1992 apud PEREIRA, 2010), no século XVIII exis- tiam, aproximadamente, 28 etnias ao longo do Rio Branco. Desse número, apenas 8 resistiram ao impacto do contato entre brancos e índios: Macuxi, Wapichana, Tau- repang, Ingarikó, Wai-Wai, Yanomami, Ye´kuana e Waimiri-Atroari, atualmente es- palhados em 32 Terras Indígenas demarcadas pelo Governo Federal, representando 46,3% do território de Roraima, somando-se as Unidades de Conservação (CAM- POS, 2011). Além dos conflitos, outros fatores se apresentaram preponderantes para a dizimação desses povos, como as epidemias e o intenso trabalho escravo. 11 O conjunto de casas existentes da fazenda Boa Vista foi elevada à Município de Boa Vista do Rio Branco pelo Decreto Estadual nº 49 de 9 de julho de 1890 (CIDR, 2007).

46 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 37-56, jul./dez. 2015 Nesse mesmo fluxo do século XVIII, assinala Farage (1997), a colonização foi empreendida na atual cidade de Boa Vista por meio do Rio Branco. Nesse período, já constatava o viajante Henri Coudreau (1887 apud FARAGE, 1997), a população consistia de “Brancos, Mamelucos e de índios, que servem como domésticos para os brancos” (idem, p. 33). Embasado nos relatos de missionários e viajantes, temos o mesmo quadro social nesse período, onde a relação entre a população “branca” e indígena é de evidente submissão por parte do último grupo, onde indígenas, particularmente os Wapichana, desempenhavam o trabalho braçal nas fazendas que cresciam de maneira vultosa (CIDR, 1989). Em fins da década de sessenta, somos tomados pela observação de Ramos (2011 apud BAINES, 2012), acerca da sujeição a qual os Macuxi estavam imersos em Boa Vista:

Eram humildes varredores das ruas de Boa Vista, que mal ousavam levantar os olhos do chão e pareciam querer fazer-se invisíveis para aquele mundo hostil, que os rechaçava ostensivamente. Viviam então o lado mais sombrio da fricção interétnica, relegados à abso- luta marginalidade social, cultural e econômica (RAMOS 2011 apud BAINES, 2012, p. 34).

Desse retrato, pouco se alterou nos dias atuais. Embora haja um restrito grupo indígena que tenha alcançado certa ascensão social em Boa Vista, destaco que a grande maioria sobrevive em condições de extrema vulnerabilidade social, na peri- feria da capital. As mulheres indígenas permanecem trabalhando com serviços do- mésticos e os homens ainda servem de mão-de-obra de baixo custo no ramo da construção civil. Em 1929, o norte americano viajante e explorador de minérios, Hamilton Rice, também aponta para os indígenas do Rio Branco. Relata que os indígenas já podem ser considerados civilizados e camponeses, uma vez que usam roupas e trabalham no campo como pastores, afirmando que tais indígenas estavam em vias de serem totalmente integrados à sociedade nacional (CIDR, 1987). Interessante destacar que tal ponto de vista ainda possui efeitos e propagação, pois é uma bandeira levantada pelos grupos que veem o indígena da cidade destituído de identidade étnica.

1.5. Os fluxos migratórios e a formação de uma cidade multifacetada

Já em fins do séc. XIX, registra-se na região nordeste do Brasil uma grande movimentação migratória como forma de escapar da intensa seca. Nesse quadro, observamos que as correntes migratórias direcionavam para a região sul, mas apon-

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 37-56, jul./dez. 2015 47 tavam especialmente para a Amazônia por conta do extrativismo da borracha, conta- bilizando-se aproximadamente a 300.00012 o número de retirantes nordestinos, cuja presença também foi registrada no Rio Branco (LOUREIRO, 1989 apud FARAGE, 1997), local onde se instalaram e, embora não fossem possuidores de recursos fi- nanceiros, acabaram por configurar uma elite regional dotada de influência política, motivo pelo qual foram capazes de pressionar o governo local no intuito de legalizar o patrimônio econômico e fundiário que passaram a elevar desde então13:

Uma vez decorrido o momento inicial do contato, não tardou a eclosão de conflitos entre os Macuxi e os pecuaristas, garimpeiros e demais colonos brancos. Entre outros motivos, pelo término dos presentes ofertados a princípio pelos forasteiros recém chegados aos índios; pela devastação das roças indígenas progressivamente invadida pelo gado; pelo cerceamento da mobilidade dos índios, da pesca com o timbó, do acesso às fontes perenes de água, pelo escasseamento da caça pelos campos naturais desde então pretensamente convertidos em pastagens exclusivas para o gado; ou ainda, pelas violências cometidas nas relações de trabalho e abusos sexuais contra as mulheres. (SANTILLI, 1997, p. 63)

Segundo o CIDR (1987), no começo do século XX, Boa Vista, que era até então o único município do território, contava com aproximadamente dez mil habitantes, entre os quais contavam-se 3 a 4 mil brancos ou mestiços, sendo sua maioria fazen- deiros ou comerciantes. Já na década de sessenta:

Devido ao tratamento recebido dos brasileiros, os índios tendiam, nesses anos, a emigrar rumo à Guiana. Porém, com a revolução naquele país e a saída dos ingleses (1968), a situação nas áreas indígenas guianenses (região do Essequibo) piorou consideravelmente e, assim, o processo migratório se inverteu. São os índios Macuxi e Wapixana da Guiana, falantes também da língua inglesa, que vêm para o Brasil. (CIDR, 1987, p. 36)

Posteriormente, na década de 1970, Roraima foi o destino de migrantes atraídos pela abertura de estradas e assentamentos, aumentando a população em até cinco vezes mais até 199114. O garimpo também se constituiu como outro fator de atração, particularmente na década de 80, período em que deixa de ser Território Federal e passa a ser Estado15, concentrando suas atividades em TI´s: “A notícia da abundância de ouro e diamantes atraiu aventureiros de várias partes do país. A maior parte do trabalho manual, sobretudo o de carregar mercadorias a partir do centro de Surumu, era feito por índios” (CIDR, 1987. p. 32). 12 TEÓFILO apud FACÓ, 1983 13 FARAGE, 1997. 14 CAMPOS, 2011. 15 Aprovado pela Constituição Federal de 1988.

48 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 37-56, jul./dez. 2015 Apesar da atividade garimpeira fixar sua ação na região de floresta, foi na cidade de Boa Vista que a grande massa de migrantes se instalou, ocasionando um cresci- mento urbano de 43% na década de 70, para 65% no ano de 1991 (CAMPOS, 2011). Dessa parcela migratória, a maior fatia corresponde aos maranhenses que represen- tam atualmente 20% da população local (idem). Em relação às famílias indígenas que atualmente se fazem presentes na cidade, atentamos para o fato de que as mesmas disponibilizam suas casas para aqueles que, por diversas razões, necessitam sair de suas comunidades e se estabelecer tempora- riamente em Boa Vista. A existência das instituições e organizações voltadas para a defesa dos indígenas cuja sede se encontra na capital, também se mostram fator de constante fluxo entre a comunidade e a cidade. Esse movimento, assim como a existência de estradas nas proximidades das comunidades e a constante travessia de automóveis, evidenciou um grave proble- ma que se apresenta diante das famílias. Trata-se do tráfico de meninas e mulheres indígenas para redes de prostituição na cidade, que já se configura como uma reali- dade nefasta para as famílias que se encontra definitivamente ou temporariamente na capital:

Essa (estrada) facilita a transferência, mais ou menos definitiva, dos Wapixana para a cida- de, onde bairros inteiros são formados por gerações sucessivas de índios destribalizados. Este último fato favorece outro fenômeno: a possibilidade dos Wapixana que continuam morando nas malocas, terem uma base de apoio em Boa Vista na casa dos parentes que moram definitivamente na cidade. Podem, assim, ir e voltar com facilidade para a maloca, onde continuam trabalhado. Este processo quase sempre acaba, porém, com a decisão de fixarem-se, definitivamente em Boa Vista. A cidade oferece aos jovens a possibilidade de trabalho que, além de resolver os próprios problemas econômicos, são uma solução para superar desacordos com os pais, não mais resolvidos em termos rituais (ritos de iniciação ou de passagem), como ainda acontece com as moças. O trabalho que os jovens Wapixana encontram na cidade, nas serrarias, na construção civil ou nos comércios, são pouco remu- nerados e os empregadores quase nunca respeitam as leis trabalhistas vigentes. Ainda mais delicada é a situação das moças Wapixana que, cada vez mais empregam-se em lojas ou como empregadas domésticas. É normal encontrar casos de senhoras brancas que pedem as meninas a seus pais para “estudarem na cidade”, ajuda-las nos trabalhos de casa, cuida- rem das crianças, etc. Quando isso acontece, mesmo quando os pais recusam tais propos- tas, as moças em seu estado de insegurança cultural, vêem uma possibilidade de fugir na primeira ocasião, certas de poderem encontrar um emprego. Em sua maioria, porém, estas moças acabam sendo exploradas pelas famílias citadinas, não estudam e não são poucos os casos que terminam na prostituição. (CIDR, 1989, p. 74)

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 37-56, jul./dez. 2015 49 Destarte, a vida na cidade acaba por impulsionar aqueles que estavam habitu- ados a um modo de vida essencialmente rural, a uma lógica de consumo típica dos centros urbanos. A necessidade de locomoção, alimentação, vestuário, moradia, en- tre outras, se apresenta substancialmente diferente na cidade, uma vez que o acesso a tais bens nas comunidades não está necessariamente vinculado ao mercado con- sumidor. Assim:

A sociedade urbanizada não indígena como um todo, em Boa Vista e em outras cidades e vilas – onde famílias e pessoas solteiras ou isoladas indígenas se encontram diluídas em meio às populações -, pressiona as sociedades e indivíduos indígenas, direta e indiretamen- te, de forma a gerar mudanças nos comportamentos, usos e costumes e nos valores, bem como fazendo aflorar necessidades antes não sentidas. (SILVA, 2007, p. 62)

Boa Vista ainda se apresenta como principal núcleo urbano de Roraima, atrain- do não só a população das cidades circunvizinhas, mas também venezuelanos e guianenses, em razão da localização fronteiriça do Estado. É nesse movimento que o fluxo migratório marca profundamente a feição sociocultural da cidade, que pas- sa a se caracterizar como um espaço multicultural. Palco da diferença, a capital se apresenta de maneira heterogênea, comportando em seu espaço pessoas originárias de várias localidades do Brasil: são roraimenses, maranhenses, cearenses, gaúchos, cariocas, paulistas, entre outros, que se espalham e imprimem seus hábitos sociocul- turais nos Centros de Tradições Gaúchas, nas quadrilhas juninas, nos bois-bumbás e em demais festividades. Nessa perspectiva, David Harvey (2006) traz algumas contribuições que podem ser aplicadas a esta observação. Segundo ele, “a aparência de uma cidade e o modo como seus espaços se organizam formam uma base material a partir da qual é possí- vel pensar, avaliar e realizar uma gama de possíveis sensações e práticas sociais (idem, p. 69).” Seguindo essa linha de raciocínio, projeta-se num mesmo espaço sentidos atemporais e encontros dos aspectos multiculturais presentes em cidades. Em Boa Vista, por exemplo, pensando-a a partir de sua organização e configuração social, é possível realizar uma leitura encadeada pela conformação pluricultural da mesma, aspecto este tão característico do local. Sendo a capital roraimense o palco onde se encontram sentidos culturais múltiplos, a presença de povos indígenas, recuados em bairros periféricos e dispostos em sua grande maioria em casas de madeira, sem cer- cas ou muros16, representa uma ampla dimensão na cidade marcada pela diferença.

16 Tal como estão dispostas nas comunidades.

50 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 37-56, jul./dez. 2015 1.6. O quadro geral dos indígenas de Boa Vista: indicadores imprecisos

A história produzida por pesquisadores e viajantes, como vimos anteriormente, nos permite compreender como a relação entre população indígena e não indígena foi construída e reproduzida ao longo das gerações subsequentes ao século XVIII. Em consonância com essa leitura histórica que excluiu a presença indígena, observa- mos na contemporaneidade uma dinâmica política, econômica e social desfavorável aos Macuxi e Wapichana em Boa Vista, um cenário erguido pela sociedade envolven- te que se fixou nos territórios tradicionalmente ocupados pelos indígenas. Nessa perspectiva, observamos como um dos fatores desfavoráveis a essa par- cela da população é a imprecisão quantitativa com a qual os indígenas da cidade são representados. Segundo o CIDR (1987), no começo do século XX, Boa Vista, que era até então o único município do território, contava com aproximadamen- te dez mil habitantes, entre os quais contavam-se 3 a 4 mil brancos ou mestiços, sendo sua maioria fazendeiros ou comerciantes. No último censo demográfico17, foram contabilizados em Boa Vista um total de 284.313 habitantes. Desse montan- te, apenas 6.07218 pessoas se identificaram como indígenas no núcleo urbano boa- -vistense (IBGE, 2010). Segundo informações da Prefeitura Municipal de Boa Vista e a ODIC (2010), existem aproximadamente 31.000 indígenas, ou 4.600 famílias19 de várias etnias que residem na capital roraimense. Temos, dessa forma, uma diver- gência significativa nos dados apresentados pelas instituições, o que impossibilita ter uma real dimensão numérica da presença indígena em Boa Vista. Ao buscar um quantitativo destes grupos em perímetro urbano na estrutura administrativa municipal, mais especificamente na Superintendência de Assuntos Indígenas (SAI) vinculada à Secretaria Municipal de Gestão Ambiental e Assuntos Indígenas (SMGA), são oferecidos apenas indicadores dos indígenas localizados na área rural da cidade, em zonas de TI´s demarcadas. A imprecisão dos dados demográficos também revela a fragilidade e ineficácia em quantificar dados socioculturais de povos indígenas, em razão da inadequação dos instrumentos que são atualmente utilizados. Também se inclui nessa problemáti- ca a contabilização de povos pertencentes à determinadas etnias, como por exemplo, os Macuxi e Wapichana, por conta da incidência de comunidades mistas no território brasileiro. 17 IBGE, 2010. 18 Ao todo, no município de Boa Vista (zona rural e urbana), 8.500 é o total populacional que se identifica enquanto indígena. Quanto ao montante indígena urbano, Boa Vista ocupa a 5ª posição no ranking dos municípios com mais população indígena (IBGE, 2010). 19 CAMPOS, 2011.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 37-56, jul./dez. 2015 51 Comumente, durante a aplicação censitária, os indígenas de Boa Vista possuem dificuldades na auto identificação de “cor” ou “raça”, com base nas categorias utili- zadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Destarte, sendo as questões que envolvem a categoria identidade fatores que se apresentam de maneira bastante complexa nos indicadores sociais, corroboramos com Melatti (2007) na perspectiva de que e faz necessário um preparo diferenciado com recenseadores que lidam diretamente com indígenas, inclusive aplicando um tempo maior na en- trevista, realizando mais claramente os questionamentos que na maioria das vezes são perguntas estranhas aos indígenas, bem como preparar o entrevistador para lidar de forma mais eficiente com as barreiras linguísticas. De outro modo, os indígenas continuarão sendo quantificados de modo ineficaz, onde as especificidades étnicas, que fazem a diferença, permanecerão obscurecidas por indicadores quantitativos ineficientes. Assim, tendo em vista os entraves cotidianos que envolvem a supressão das necessidades básicas diárias, refletimos que a mesma dificuldade se faz presente nas demandas culturais levantadas pelos Macuxi e Wapichana de Boa Vista. Tais deman- das sinalizam que a preservação, apoio e fomento das culturas Macuxi e Wapichana já se consolidaram como pautas reivindicatórias fundamentais entre aqueles que re- sidem no núcleo urbano, apesar da ausência de setores específicos no poder público estadual e municipal para tratar a questão. Tendo em vista os fatores sócio-históricos sob os quais a capital roraimense foi erguida, fatores estes amplamente correlacionados aos povos indígenas e ao univer- so de significações culturais atribuído por estes grupos à cidade, me detenho a pro- blematizar o lugar concedido a este e outros entendimentos de cultura na estrutura administrativa de Boa Vista. No âmbito municipal, a inexistência de uma Secretaria de Cultura faz com que as pautas que seriam a ela direcionadas acabem encaminhadas às estruturas voltadas para educação ou turismo. Dessa maneira, observamos que o entendimento político e administrativo de cultura, bem como de ações voltadas para esta, é exponencial- mente divergente da perspectiva defendida e reivindicada pelos múltiplos grupos sociais presentes em Boa Vista. Temos, assim, um poder público que opera com os incentivos aos megaespec- táculos, ou a tudo aquilo que pode gerar eventos de porte considerável e atração de massas, a esse exemplo, as ações de fomento a cultura são os grandes shows musicais com os artistas nacionais que atraem o grande público. Dessa maneira, são de curto alcance as ações de fomento que sejam capazes de visibilizar a compreensão de cul-

52 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 37-56, jul./dez. 2015 tura inerente aos indígenas de Boa Vista, compreensão esta associada ao sentido de legitimidade quanto ao pertencimento dos mesmos na cidade. Evidentemente, não seria possível reproduzir neste artigo todos os argumentos alusivos às ações do poder público que priorizam determinado entendimento de fomento à cultura em detrimento de outros, contudo, cabe uma breve análise. Concebendo Boa Vista enquanto palco da diferença, no sentido de ser carac- terizada como um lugar onde múltiplas identidades socioculturais se encontram, temos, nessa perspectiva, determinados setores sociais que, amparados ou inseridos no poder público, se utilizam de suas referências culturais como ferramenta de auto afirmação, ao passo que delimitam as fronteiras simbólicas entre as estratégias de pertencimento de outros grupos sociais, entre eles os indígenas, num movimento semelhante ao que Leite (2009) denominou de abstenção social do encontro:

A cidade abriga em sua complexa demarcação espacial urbana as fissuras do sujeito na forma dispersiva dos lugares na vida pública. (...) Entendo por lugares as demarcações físicas e simbólicas do espaço, cujos usos os qualificam e lhes atribuem sentidos de perten- cimento, orientando ações e sendo por estas delimitadas reflexivamente. De modo com- plementar, podemos falar numa espécie de abstenção social do encontro. Abstenções são atitudes deliberadas de recusa ao encontro com o outro (estranho). São recusas racionais que formatam ações defensivas, seja pelo medo, xenofobia ou pelo desejo explícito de se diferenciar e de não se envolver com outros matizes culturais da vida social. Obviamente que essas abstenções se manifestem de modo muito distinto, a depender de classe e grupo social. (LEITE, 2009, p. 198)

Acrescido a tal fato, é necessário sublinhar que os setores populares associados à cultura em Roraima, Estado significativamente constituído por imigrantes20, vem alinhavando uma compreensão acerca do que vem a ser a identidade cultural local. Todavia, existe forte conflito entre grupos sociais dominantes que construíram, des- de seu início, o perfil de Estado “anti-indígena”, com o qual é reconhecido. Tal perfil se configura na medida em que se forjam memórias, obscurecendo ou aniquilando outras. Em Boa Vista, particularmente, tais ações produzem efeitos que repousam na deliberada condição de invisibilidade social com a qual os povos da cidade estão sujeitos. Temos, desse modo, uma estrutura político-administrativa municipal que apre- senta dificuldades em contemplar a camada populacional indígena do perímetro ur- bano. Dissonante a isso, os Macuxi e Wapichana de Boa Vista vêm construindo uma narrativa de pertencimento que inter-relaciona os aspectos socioculturais engolidos

20 54,1% da população do estado é natural de Roraima (SEPLAN, 2012 apud CAMPOS, 2011)

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 37-56, jul./dez. 2015 53 pela história oficial e, posteriormente, pela sociedade em posse do poder público. Tal narrativa possui respaldo na Organização dos Indígenas da Cidade e Universidade Federal de Roraima, por meio de ações de valorização das expressões culturais dos povos que residem na capital roraimense.

Referências

BAINES, Stephen Grant. O Movimento político Indígena em Roraima: Identidades indígenas e nacionais na fronteira Brasil – Guiana. In: Caderno CRH, Salvador, v. 25, nº 64, p. 33-44, jan/abr. 2012.

BRASIL, Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

CAMPOS, Ciro (org). Diversidade socioambiental de Roraima: Subsídios para deba- ter o futuro sustentável da região. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2011.

CARNEIRO DA CUNHA, M. (org.) História dos Índios no Brasil. São Paulo: Cia. Das Letras, 2006.

CIDR. Índios de Roraima: Macuxi, Taurepang, Ingarikó, Wapixana. Coleção históri- co-antropológica Nº 1. Boa Vista: Editora Gráfica Coronário, 1987.

______. Índios e brancos em Roraima. Coleção histórico-antropológica. nº 2. Boa Vista: Editora Gráfica Coronário, 1989.

______. Igreja Matriz Nossa Senhora do Carmo. Boa Vista, 2007.

FACÓ, Rui. Cangaceiros e Fanáticos: Gênese e Lutas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983.

FARAGE, Nádia. As flores da fala: práticas retóricas entre os Wapishana. Tese de dou- torado. São Paulo: Programa de Pós-Graduação em Letras, USP, 1997

______. Os Múltiplos da Alma: um inventário de praticas discursivas Wapisha- na. In: Itinerários. Araraquara, nº 12, 1998.

______; SANTILLI, Paulo. Estado de sítio. Territórios e identidades no vale do rio Branco. In: CARNEIRO DA CUNHA, M. (org.) História dos Índios no Brasil. São Paulo: Cia. Das Letras, 2006

HARVEY, David. A Condição Pós-moderna. São Paulo: Ed. Loyola, 2006

54 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 37-56, jul./dez. 2015 IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico. Dados populacionais do Estado de Roraima, 2010.

LEITE, Rogerio Proença. Espaços públicos na pós-modernidade. In: ______. FORTUNA, Carlos. Plural de Cidade: Novos Léxicos Urbanas. Coimbra: Almedina, 2009.

MELATTI, Julio Cezar. Índios do Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2007.

ODIC. Propostas da Organização dos Indígenas da Cidade – ODIC sobre os problemas sociais da população indígena da cidade de Boa Vista – Roraima. Boa Vista, 2010. 7 p.

OLIVEIRA, Reginaldo Gomes de & SOUZA, Eliandro Pedro de. Organização dos in- dígenas da cidade – ODIC. In: OLIVEIRA, Reginaldo Gomes de (org). Projeto Kuwai kîrî: a experiência dos índios urbanos de Boa Vista - Roraima. Boa Vista: Editora da UFRR, 2010.

PEREIRA, Zineide Sarmento. O movimento indígena em Roraima: a trajetória das or- ganizações. In: FERNANDES, Maria Luzia & GUIMARÃES, Manoel Luiz Lima Salga- do. História e diversidade: política, gênero e etnia em Roraima. Boa Vista: UFRR, p. 107-141, 2012

SILVA, Orlando Sampaio e. Os Wapixána: uma situação de contato interétnico. In: Re- vista do Núcleo histórico socioambiental. Boa Vista, vol 1. nº 1 UFRR, 2007

RIBEIRO, Pedro Mentz. Arqueologia em Roraima: histórico e evidências de um passa- do distante. In: BARBOSA, R. I.; FERREIRA, E.J.G. Castellón, E.G. (orgs). Homem, Ambiente e Ecologia no Estado de Roraima. Manaus, INPA. p. 3-23, 1997

SANTILLI, Paulo. Pemongon Patá: Território Macuxi, rotas de conflito. São Paulo: UNESP, 2001.

______. Ocupação territorial Macuxi: aspectos históricos e políticos. In: BARBO- SA, R. I.; FERREIRA, E.J.G. Castellón, E.G. (orgs). Homem, Ambiente e Ecologia no Estado de Roraima. Manaus, INPA. p. 49-64, 1997

______. Macuxi. In: ISA, Enciclopédia dos Povos Indígenas no Brasil. Dis- ponível em Acessado em 01/10/2012

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 37-56, jul./dez. 2015 55

Luciana Marinho de Melo *

ARTIGO THE SOCIOCULTURAL FORMATION OF BOA VISTA – RORAIMA AND THE MACUSHI AND WAPISHANA PEOPLE IN THE CITY: HISTORICAL PROCESS AND SENSE OF BELONGING Abstract Resumo This article has as main theme the presence O presente artigo possui como eixo temático of the indigenous peoples Macushi and a presença das populações indígenas Macuxi Wapishana at the Capital of Roraima, e Wapichana na capital de Roraima e está Brazil, and it is based on the critical reading fundamentado na leitura crítica da historiografia of historiography produced from the produzida sobre a ocupação do território atualmente eighteenth century about the occupation delimitado como Estado e de seu entorno, a partir of the State. This historiographical return do século XVIII. Este recuo visa compreender as aims to understand the socio-political relações sociopolíticas, conflitos e demais aspectos relations, conflicts and other factors that que permeiam a ausência dos referidos povos underlie the absence of such indigenous indígenas na história vigente acerca da formação peoples in the formation history of the da cidade, assim como na construção de demandas city, and the construction of socio-cultural socioculturais dos Macuxi e Wapichana que demands of Macushi and Wapishana residem no perímetro urbano de Boa Vista. residing in the urban area of Boa Vista. Palavras-Chave: Povos indígenas; Cultura; Keywords: Indigenous people; Culture; Cidade. City.

* Graduated in Social Sciences (BA) from the Federal University of Alagoas (UFAL), working in the areas of Sociology and Anthropology. Master in Conservation of Cultural Heritage by the Historical Heritage and National Artistic Institute in Rio de Janeiro (IPHAN - RJ). PhD candidate in Anthropology at the graduate Program in Anthropology (PPGA) of the Federal University of Pará (UFPA). external lecturer at the Federal University of Pará (UFPA) linked to the Department of Social Sciences, working in the National Teacher Training Plan.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 57-78, jul./dez. 2015 57 Introduction

The presence of indigenous peoples in the urban sector is not configured as a recent phenomenon1. In Boa Vista, for example, there was, at first, two parameters for understanding their presence in the city: the one that we were firstly presented to, or the official version of the territorial occupation of the capital of Roraima and another, less known, rooted in the oral tradition of the Macushi and Wapishana pe- ople and that has not had any support in the canonical and military version in books and official documents. However, from the intellectual approval by the indigenous groups, the existing production concerning the socio-historical processes that culmi- nated to the social invisibility to which they are nowadays exposed, so it was marked out an organization which has as a target the Indians, as well as to define claims to the government. In this perspective, we propose a brief reflective path in the main historiogra- phical sources that this article mentions about, so that we can see the way in which conflicts were generated within the new social scene built from the eighteenth cen- tury.

1.1. Indigenous ancestors in the city: between what was said and what was written

It is essential to understand what and Wapishanas from Boa Vista recognized as territory. Starting from their understandings about territorial occupa- tion, the argument of ancestry is notorious. This understanding is supported by the transmitted reports from one generation to another and, lately, in scientific research within the framework of archeology and anthropology. It is worth noticing that this understanding has gained strength and was more widespread from the land struggles that had their turning point with the approval of the Indigenous Land Raposa Serra do Sol. In the region that comprises Boa Vista, the argument remains and is reaffir- med by the leaders of the Organization of Indigenous from the City (ODIC) and indigenous scholars from the Federal University of Roraima (UFRR). In this direction, the archaeologist Pedro Mentz Ribeiro (1986) has found, through excavations, urns, lithic, bones, arrowheads, baskets, burials in urns, cave paintings and petro glyphs. The author estimates that such materials dating from 1 “Master’s thesis on the crop “Cultural Flows and the Peoples of the city: The Macuxi and Wapishana group of Boa Vista,” of my own, presented to the Professional Master’s Program of the Institute of Historical and Artistic Heritage in 2012.”

58 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 57-78, jul./dez. 2015 approximately 3,000 to 4,000 years BP2 and, based on the historiography, suggests the possibility that the people who inhabited this area during that period were the Macushi, Wapishana and Taulipang peoples. This research was conducted in Rorai- ma in the 1980s, also covering the region comprising the Roraima capital. Similarly, Oliveira & Souza (2010), through the actions of the Organization of Indigenous in the Town, the Organização dos Indígenas da Cidade, and the Project Kuwai Kîrî, utilize oral memory in an attempt to rebuild the relationship between the histo- rical background of occupation of the city and the natives that dwelt and lived there. On the same line of thought, Oliveira & Souza (2010) say, based on documents col- lected through workshops with indigenous groups from Boa Vista, that the city was put up on a named set of huts called Kuwai Kîrî,3 where the most skilled prayers were, and, therefore, it attracted other indigenous communities, who traveled in order to find the cure for some diseases. Such reports, however, have no support in official historiography about the region, which is why the organized indigenous from Boa Vista claim the recognition of the presence and participation of the Macushi and Wapishana people in the formation of the city. In this way, the researchers point to the need to revisit the genesis of the town, which relies substantially on huts that were found in the region, originating the old Boa Vista farm. It is analyzed that with the increase of the indigenous community in Colleges and appropriation of academic knowledge production tools, the Macushi and Wa- pishana people who live in the urban area have constituted a reinterpretation about the indigenous presence in the city’s configuration and thus, revealing the view that it is a recent influx motivated by purely economic purpose, which is a prioritized aspect in academic arguments that take as an approach the theme of indigenous pe- ople in the city. Therefore, based on the understanding widespread by the tradition of Macushis and Wapishanas, we can point out that even before the contemporary movements performed by the Indians in the city seeking better living conditions, there already were the presence and movements of these and other native groups. In this context, it is also necessary that we become aware of what the main historiographical and anthropological references have produced about the Macushi and Wapishana, taking as guidance the contact situation as the major sociopolitical conflicts between those people and the surrounding society.

2 T/n.: Before the Present: it is understood that the “present” dates back to 1950 of the twentieth century. 3 T/n.: What the Macushi language means stiff of buritizais (regional tree) and streams. (OLIVEIRA & SOUZA, 2010).

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 57-78, jul./dez. 2015 59 1.1.1. Macushi and Wapishana origins and trajectories, brief history of contact and cross-border relations

In the decade of 70s, administrative measures aimed at the regularization of in- digenous lands culminated in “uma drástica pulverização do território de ocupação tradicional Macuxi”4 (SANTILLI,1997. P. 53), contemplating “uma parcela dimi- nuta do território tradicional Macuxi”5 (idem). Once displaced from the traditional occupations and living in the border region, the Macushi people inhabit Brazil (in Roraima), Venezuela and Guyana. Most communities are in Brazilian area in the Rio Branco Valley (SANTILLI, 2001). Attempts to make the trajectory that the Macushi did towards the establishment in the region comprising Roraima back to a migration process “(…) da bacia do Ori- noco, em etapas progressivas, até se fixarem, definitivmente, nas regiões ao norte do Rio Branco”6. Some authors affirm these people are from the Caribbean Islands (IM THURN, 1883 apud CIDR, 1987. p. 46). There is another version about the Macushi people origins, the mythological one. This is strongly linked to the tradition of this ethnic group, whose narrative talks about the children of the Sun, Makunaima and Insikiran that have shaped the territory traditionally inhabited by this and another people. From Karib linguistic family, the Macushi, in the late twentieth century were more than 3000 individuals (COUDREAU, 1887 apud CIDR, 1987). Currently, they represent the majority of indigenous in Roraima, totaling approximately 20,000 in- dividuals (FUNASA, 2010 apud CAMPOS, 2011)7. Contrarily to Wapishana, the Macushis are described by the travelers of the eighteenth century as an insubordina- te people, insolent, and aloof warriors who did not teach the language to the white people (CIDR, 1987):

Os Macuxis vivenciaram forçosamente um aprendizado das relações sociais constituin- tes da sociedade nacional brasileira, do modo particularizado como se estabeleceram em Roraima. Foram compungidos a submeter-se à força às regras impiedosas da propriedade privada, e da acumulação de riquezas às expropriação de suas terras. Ainda assim, conse- guiram preservar sua língua, seus costumes, sua organização social própria e, sobretudo, a liberdade e a autonomia pessoal como valores fundamentais de sua sociedade. (SAN- TILLI, 1997, p. 63)8 4 “A drastic spraying of the territory traditionally occupied by Macushi people.” 5 “A small part of the traditional Macushi territory”. 6 “(...) The Orinoco basin, in progressive steps, to settle, definitely in the regions North of Rio Branco.” 7 “The indigenous population of Roraima is 49,637 (IBGE, 2010).” 8 “The Macushis experienced an apprenticeship of the constituent social relations of Brazilian national society,

60 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 57-78, jul./dez. 2015 Thus, it should be stressed that from the 1950s the Macushi language came under intense attack by the non-indigenous population and the government, and then came to be known as “slang” (CIDR, 1987), in an attempt to place the official language over the indigenous language:

“Falar gíria não presta” pode ser considerado o slogan deste ataque que envolveu o gover- no local, através da Secretaria de Educação. [...] Nas malocas do lavrado, de modo particu- lar, a língua Macuxi encontrou crise, enquanto nas da serra, tendo menos contato com os brancos, foi conseguido manter intacto o seu uso. Hoje, todavia, assistimos um processo de recuperação lingüística, fruto das lutas que esse povo está travando para ser reconhecido o próprio direito de existir como tal. (CIDR, 1987, p.46)9.

In this sense, despite the heavy investment by the surrounding society in dis- mantling the social and cultural Macushi expressions, that ethnicity did not give in to the local pressures and maintained their identity differences across the different varieties that social integration actions have had over the years in Roraima. Though we may see the adoption by the Macushi of alien customs to the indigenous culture, their self-identification as people is important, so that they can keep their otherness in the most diverse media and inter-ethnic spaces, including in the urban area of Boa Vista. With a considerable population in Boa Vista, Wapishana became massively pre- sent in spaces dedicated to the indigenous from the city, sharing different environ- ments with the Macushi. The coexistence of both ethnic groups, however, has not always been peaceful and friendly. Although Wapishana are represented in literature and in the eighteenth and nineteenth century10 documentation as docile individuals and easy to deal with, the first contacts date back to the mid-eighteenth century, with registered data of disputes with Macushi over territory (CIDR, 1987), during the period in which the Portuguese also settled in tents in the far north of Brazil. In addition to the conflict, over the years, the two ethnic groups eventually established a pleasant relationship and, nowadays, you can find many mixed communities, inhabi- an individualized way that was settled in Roraima. They were forced to submit to the rules of private property and the accumulation of wealth to the expropriation of their lands. Still, they managed to preserve their language, their customs, their own social organization and, above all, freedom and personal autonomy as fundamental values of their society.” 9 “Speaking slang is not worth it” can be considered the slogan of this attack which involved the local government, through the Department of Education. [...] In the huts issued, in particular, the Macushi language got in crisis, while in the mountains, having less contact with the whites, has managed to keep intact its use (“slang”). Today, however, we have witnessed a process of linguistic recovery as a result of the struggles that people are fighting to be recognized. (CIDR, 1987, p.46)” 10 COUDREAU, 18877 apud CIDR 1987.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 57-78, jul./dez. 2015 61 ted by both peoples. They have also adjoined in Boa Vista, around the sociocultural demands they built as a group, as the experiences obtained in the city are similar with regard to dialogue with the public institutions. From Arawak linguistic family, in 1887 were accounted for less than 1,000 Wa- pishana people along the Branco River, a number that becomes even more impressi- ve when added to the fact that the Wapishana had been the most numerous people in the region (CIDR, 1989). Fortunately, today we can see an increase of that popu- lation, particularly in Roraima. Currently, there are 7,832 people11 who self-declare WapiShana in the state, excluding those ones that live in the urban area of Boa Vista, as well as in Guyana and Venezuela, where these people are also present.

Ainda dentro da economia Wapixana, é preciso revelar a forte migração de índios da Guia- na para o Brasil. Tratam-se, geralmente, de jovens que são hospedados nas malocas, onde oferecem o próprio trabalho em troca da hospedagem: Acontece que, às vezes, são os únicos que trabalham, criando uma forma de exploração interna. Em todo caso, ficar um ou dois anos numa maloca Wapixana no Brasil é, para a maioria desses jovens, uma etapa intermediária de um processo que se conclui em Boa Vista. Na cidade, conseguem fazer documentos e procuram novo emprego, fugindo não só da Guiana, onde a situação hoje é precária, mas também do próprio povo e da própria identidade étnica. Nos últimos anos este fenômeno está incluindo também as moças. Esta migração é diferente no que se refere a famílias inteiras: chegando d Guiana, procuram inserir-se numa maloca Wapixana, onde fixam estavelmente (CIDR, 1987, p.73).12

Therefore, Orlando and Silva (2007) say:

Registre-se, ainda, que a migração de índios Wapixana, em escala considerável, da Repú- blica da Guiana para Roraima, introduz, neste contexto, um outro fator importante para a compreensão sistema. Os índios provenientes da Guiana são originários de diferentes con- textos sociais. Há os que vêm de aldeias Wapixana, ou mistas deste índios em convívio com os Makuxi; alguns provêm de casas isoladas, e outros saíram de situações interétnicas em vilas rurais ou em cidades. Aquele país não tem uma política indigenista claramente defini- da e institucionalizada, mas, na prática, as ações governamentais e da sociedade se orientam em um processo de integração dos índios à sociedade envolvente. (SILVA, 2007, p.66).13 11 FUNASA, 2010 apud CAMPOS, 2011. 12 “Still within the Wapishana economy, we need to reveal the strong migration of Guyanese Indians to Brazil. These are usually young people who are staying in huts, where they offer their own work in exchange for hosting: It turns out that sometimes are the only ones working, creating a form of inner exploration. In any case, staying one or two years in a Wapishana hut in Brazil is, for the most of these young people, an intermediate step in a process that is concluded in Boa Vista. In the city, they manage to make documents and seek for new employment, fleeing not only from Guyana, where the situation is precarious, but also the people themselves and their own ethnic identity. In recent years this phenomenon is also including the girls. This migration is different when it comes to whole families: coming from Guyana, seeking to enter into a Wapishana longhouse where they stay permanently (CIDR, 1987, p.73).” 13 “It is registered also the Wapishana Indians migration to a considerable extent, from the Republic of Guyana 62 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 57-78, jul./dez. 2015 Regarding the Wapishana presence in the Cooperative Republic of Guyana, we observed the delicate situation in which the indigenous people are in this country, since the indigenous policy is recent and is not yet clearly set. According to Stephen Baines (2012), only at the end of 1999 some of the main indigenous rights were recognized in the Constitution of Guyana, such as the protection, conservation and dissemination of languages, cultural heritage and ways of life, which are rights ap- proved by the National Assembly based on the recommendations of the Constitu- tion Reform Commission (CRC). On Brazilian lands, migration and permanent expulsion of Wapishana from their traditional territories have generated a demand around the demarcation of Indigenous lands, an action that has been presented as full of conflicts in Brazil’s indigenous policy, colliding with the interests endorsed by municipal spheres and the state. Thus, despite the State Decree number 779 of May 16, 1906, quoted by some publications14, which deals with the giving of lands to Wapishana that were in the Rio Branco region to the Maracá island (today it is an ecological station), we observed that such action is more characterized by a political maneuver to ward off the natives from the region of Boa Vista, which grew in a bulky way in that period. Similarly, for the anthropologist Nadia Farage (1997), the studies produced mainly in the 40s on the Wapishana in Brazilian and Guyanese region, supported by the theory of acculturation, were the basis for the official process of demarcation of Wapishana territory, which is considerably diminished since such demarcations were guided in the degree of “lost” culture. It would not lightly affirm, therefore, that the demarcations were performed in order to broadly favor the landowner, while the indigenous people was restricted to small islands spread over Roraima. This scenario began to change when the Yanomami, Macushi, among others, began to demand the demarcation of indigenous lands in continuous area, as an example indigenous land is Raposa Serra do Sol and Yanomami. Thus, Wapishana, are mostly located nowadays in the northeast of Roraima, in the Serra da Lua region, located between the Branco and Takutu rivers as well as in mixed communities on the Uraricoera, Surumu and Amajari river banks (FARAGE, 1998). to Roraima, introduces in this context another important factor for an understanding system. Indians from Guyana come from different social contexts. There are those who come from Wapishana villages or mixed this Indians in contact with the Macushi; some come from isolated houses, and others left interethnic situation in rural villages or towns. That country does not have a clearly defined and institutionalized indigenous policy, but in practice, government actions and society are oriented in a process of integration of the Indians into the surrounding society. (SILVA, 2007, p.66).” 14 CIDR. Índios de Roraima. Boa Vista. Graphics Editor Coronário, 1987. CARNEIRO CUNHA, M, História dos Índios no Brasil. São Paulo: Cia das Letras, 2006.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 57-78, jul./dez. 2015 63 Regarding the relationship established between the city of Boa Vista and some Wapishana malocas – their communities – one could observe the commerce acti- vities, where the excess from indigenous production is sent to the city so that it is sold. This practice is still also followed in Macushi communities, facilitated by the existence of roads nearby the communities. For this reason, we see constant movement of indigenous groups who, due to the trade, remain temporarily in Boa Vista, invariably hosted at other Indians’ homes, who have settled their residence in the capital. The results identified in the socio- -cultural impacts of the relationship between the community and the city can be best understood from the studies of Orlando Silva (2007) in the Wapishana Community:

[…] há grupos locais que, em seu conjunto, não se sentem inseridos em uma situação de fricção interétnica e se consideram em convergência pacífica e respeitosa no que se refere aos seus interesses sociais e aos do “mundo dos brancos”, com o qual procuram se identificar socialmente cada vez mais. Outros, embora buscando esta identificação, têm consciência da situação de opressão a que estão submetidos e, por isso, buscam reforçar a própria identidade étnica indígena, Wapixána [sic], que é contrastiva em relação ao espectro identitário da sociedade dominante, e assumem esta atitude como uma forma de enfrentar confrontos e os avanços dos dominadores sobre suas sociedades e suas terras (SILVA, 2007, p.60)15.

Thus, we consider imperative to stress another dimension of cultural form of Wapishana, this time subjective, understanding its uniqueness as a fundamental prin- ciple in the continuity of this group as a community. It is the understanding of ar- ticulate speech as a repository of reflective capacity, or condition of being a human (FARAGE, 1997). This understanding and the close relationship with orality are as- pects that surround the participation of Wapishana in trading and sociability spaces. Before, however, specifically address the current urban core of Boa Vista, we would like to briefly discuss the waters that bathe the right edge of the capital of Roraima, since the Branco River stands out as the key element in the developments that followed the Portuguese navigations.

15 “[...] There are local groups, as a whole, do not feel inserted into an interethnic friction situation and consider themselves in peaceful and respectful convergence with regard to their social interests and those of the “white world”, with which they seek to identify increasingly socially. Others, while seeking this identification, are aware of the situation of oppression they face and therefore seek to strengthen its indigenous ethnic identity, Wapishana, which is contrastive in relation to the identity spectrum of mainstream society, and take this attitude as a way to deal with confrontations and advances of the rulers of their societies and their lands (SILVA, 2007, p.60).”

64 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 57-78, jul./dez. 2015 1.2. The Saint Joaquim’s Fort

The regions of the Branco River banks were the target of Portuguese16 milita- ry advances on the seventeenth century, however, it was in the eighteenth century that the period has extensive knowledge about the history of the contact between whites and Indians, as a result of expeditions undertaken by the Portuguese crown in Amazonian territory, characterized as a military strategy to expel the Dutch, En- glish and Spanish who were in the same region. According to Ribeiro de Sampaio (NOVA DA COSTA apud CIDR, 1989, p. 186), the objectives of the Portuguese roads in that region were clear: subjection of Indians to the Portuguese slave trade, as well as acquisition of fisheries and the drugs of the backlands, thedrogas do sertão17. However, we can see that the real objectives go further, such as the prevention of possible invasions in the far-northern region of the Amazon (SANTILLI, 2004). It is important to highlight the role of the military geopolitical action at this early stage, since its features notoriously demarcate the social formation of the later city of Boa Vista, sprawling heavily to the present day, being present in the socio-political space of indigenous peoples from Roraima and in conflicts involving the demarcation of Indigenous Lands. Santilli (2004) claims that the first contacts with the Macushi people dates from this same period, the eighteenth century, during the aforementioned Portuguese mi- litary occupation of Rio Branco Valley. Accordingly, they sought to settle the Ma- cushi people in reason of the Saint Joaquim’s Fort18, lifted in 1775, located in the current municipality of Bonfim, about 30 km from Boa Vista. Similarly, Nadia Farage and Paul Santilli (2006) claim that Wapishana were sub- mitted to the Portuguese settlements in the same time stream, so they were also taken prisoner and subjected to slave labor in the San Joaquin Fort.

Para o vale do rio Branco, pode-se igualmente dizer que, apesar desta primeira fase de escravização e aldeamento no século XVIII, o contato se intensifica com a ocupação fun- diária, que se inicia com a chegada de colonos civis na segunda metade do século XIX. Com efeito, a colonização civil, que consolida a economia pecuária da região, inaugura a espoliação de territórios indígenas. A ocupação de terras nesta região fez-se acompanhar de mecanismos de arregimentação da população indígena para as camadas mais baixas da sociedade regional que então se formava. (FARAGE e SANTILLI, 2006, P. 267).19 16 CAMPOS, 2011. 17 T/n: Products obtained by extractive activities in the colonial Brazil period (cocoa, cinnamon, nuts, cloves, pepper etc.) 18 Today the Fort is in ruins, listed provisionally by IPHAN in 2011. 19 “For the Branco River valley, one can also say that despite this first phase of slavery in the eighteenth

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 57-78, jul./dez. 2015 65 The indigenous presence in this fortification was primarily due to the use of workforce for the Fort’s own construction and maintenance. It was during this same time that the settlements have been intensified as part of the colonization process. It counted on significant number of Indians in five settlements of the region, inclu- ding the settlement of Nossa Senhora do Carmo (Our Lady of Mount Carmel) (CIDR, 1989), which, later, came to be city of Boa Vista. As we know from other regions’ history of contact between indigenous peoples and colonizers, the process of Portuguese incursion on the banks of the Branco Ri- ver proved to be rather violent. Just because it is a border region, colonizing actions had military-strategic approach, since the intention was to hold the Portuguese in the Amazon area. As a result, they were built in addition to the Saint Joaquim’s Fort, boarding schools and churches, spaces that served as the stage for the suspension of indigenous cultural identities, a clear inclusion imposed to the indigenous in the local and national market (PEREIRA, 2010).

1.3. The evangelizing missions

Before, however, that the fortification was lifted up, the evangelizing missions were already in full swing. In 1725, Carmelite friars founded various missions, such as the Carmo Mission, later elevated to Freguesia Nossa Senhora do Carmo do Rio Branco and, some time later, the city of Boa Vista20 (CIDR, 2007). The evangelizing missions were also in charge of the Benedictine order and later the Consolata Order, the Ordem da Consolata (SANTILLI apud BAINES, 2012). Data provided by the Roraima Diocese Information Centre (CIDR), based on the yearbooks of the Benedictine missionaries who began to work in the region from 1909 until the Rio Branco eighteenth century was inhabited almost entirely by Indians. With the Portuguese groups coming and the consequent use of the regional landscape for grazing, indigenous groups began to provide labor in exchange for small items, clothing, food, tool work, among others.

century, the contact is intensified with the land occupation, which begins with the arrival of civilian settlers in the second half of the nineteenth century. Indeed, the civil settlement, which consolidates the livestock economy of the region, inaugurated the plundering of indigenous territories. The occupation of the land in the region was accompanied regimentation mechanisms of the indigenous population into the lower layers of the regional society which then was being formed.” 20 “The set of homes from Fazenda Boa Vista was elevated to municipality of Boa Vista do Rio Branco by the State Decree number 49 of 9 of July of 1890 9CIDR, 2007).”

66 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 57-78, jul./dez. 2015 1.4. The demographic decline

Other factors should be highlighted as a substantial quantitative reduction of indigenous groups on the riverbanks of the Branco River. The military chronicler Lobo D’Almada, during his trip to northern extremes, stimulated livestock and re- commended in their reports that the Indians were “civilized” by the Portuguese, which included dress them up and encourage marriage among soldiers and indians, a clear attempt to fully integrate the indigenous society. A similar movement can be observed in the early twentieth century, where the surrounding society seeks to transform indigenous in workers (SANTILLI apud BAINES, 2012). According to Farage and Santilli (apud PEREIRA, 2010), in the eighteenth cen- tury there were approximately 28 ethnicities around Branco river. From that number, only 8 survived the impact of contact between white and Indians: Macushi, Wa- pishana, Taurepang, Ingarikó, Wai-Wai, Yanomami, Ye’kuana and Waimiri-Atroari, currently scattered in 32 lands demarcated by the Federal Government, representing 46.3% of the territory of Roraima, adding the protected areas (CAMPOS, 2011). In addition to the conflict, other factors are considered for the wiping out of these people, such as epidemics and intense slavery labor. In that same flow of the eighteenth century, says Farage (1997), colonization was undertaken in the current city of Boa Vista through Branco River. In this pe- riod, the traveler Henri Coudreau (apud FARAGE, 1997) notes that the population consisted of “Brancos, Mamelucos e de índios, que servem como domésticos para os brancos”21 (idem, p.33). Based on the reports of missionaries and travelers we see the same membership during this period, in which the relationship between the populations ‘white’ and indigenous evidently shows submission by the latter group, where indigenous, particularly Wapishana, played the physical labor on farms that grew up in a bulky way (CIDR, 1989). At the end of sixties, we are moved by Ramos’ (apud BAINES, 2012) observa- tions on the subject to which the Macushi were immersed in Boa Vista:

Eram humildes varredores das ruas de Boa Vista, que mal ousavam levantar os olhos do chão e pareciam querer fazer-se invisíveis para aquele mundo hostil, que os rechaçava ostensivamente. Viviam então o lado mais sombrio da fricção interétnica, relegados à ab- soluta marginalidade social, cultural e econômica (ramos 2011 apud BAINES, 2012, p. 34)22. 21 “White, Mamluks and Indians, serving as housewifely to the whites” 22 “They were humble street sweepers of Boa Vista, who dared to put their face up but their eyes were on the ground and seemed to want to make themselves invisible to that hostile world, which ostensibly kicked them out. They lived then the darker side of interethnic friction, relegated to the absolute social, cultural and economic marginalization.” TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 57-78, jul./dez. 2015 67 From this portrait, little things have changed by today. Although there is a small indigenous group that has achieved some social advancement in Boa Vista, I em- phasize that the vast majority survived in conditions of extreme social vulnerability in the outskirts of the capital. Indigenous women remain working with domestic services and men still serve in low-cost physical labor in the construction industry. In 1929, the North American traveler and mineral explorer, Hamilton Rice, also pointed to the natives of Rio Branco. He reports that the Indians can already be considered civilized and peasants, since then they already wear clothes and work in the field as shepherds, stating that these Indians were about to be fully integrated into national society (CIDR, 1987). It is interesting to notice that this view also has effects and propagation, it is a flag raised by groups of people who see the Indian city devoid of ethnic identity.

1.5. Migration and the formation of a multi-faceted city

Already in the late nineteenth century, it is recorded in the northeastern of Brazil a major migratory movement as a way to escape the intense drought. In this context, we note that the migration flows directly to the southern region, but poin- ted especially to the Amazon because of the rubber extraction, accounting for about 300,00023 the number of Northeastern migrants, whose presence was also registered in Rio Branco (LOUREIRO apud FARAGE, 1997), where they have settled and, although they did not have financial resources, they eventually set up a regional elite endowed with political influence, which is why they were able to pressure the local government in order to legalize the economic and land heritage that began to rise since then24:

Uma vez decorrido o momento inicial do contato, não tardou a eclosão de conflitos entre os Macuxi e os pecuaristas, garimpeiros e demais colonos brancos. Entre outros motivos, pelo término dos presentes ofertados a princípio pelos forasteiros recém chegados aos índios; pela devastação das roças indígenas progressivamente invadida pelo gado; pelo cerceamento da modalidade dos índios, da pesca com o timbó, do acesso às fontes perenes de água, pelo escasseamento da caça pelos campos naturais desde então pretensamente convertidos em pastagens exclusivas para o gado; ou ainda, pelas violências cometidas nas relações de trabalho e abusos sexuais contra as mulheres (SANTILLI, 1997, p. 63).25

23 TEÓFILO apud FACÓ, 1983 24 FARAGE, 1997. 25 “Once past the initial moment of contact, did not delay the outbreak of conflicts between Macushi and ranchers, miners and other white settlers. Among other reasons, by the end of the gifts offered at first by outsiders newcomers to the Indians; the devastation of indigenous gardens progressively invaded by cattle; the restriction

68 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 57-78, jul./dez. 2015 According to the CIDR (1987), in the early twentieth century, Boa Vista, which was previously the only town of the territory, there were approximately ten thou- sand inhabitants, among which were counted 3-4 thousand of white and mixed-race people, mostly of them were farmers or traders. Already in the sixties:

Devido ao tratamento recebido dos brasileiros, os índios tendiam, nesses anos, a emigrar rumo à Guiana. Porém, com a revolução naquele país e a saída dos ingleses (1968), a situação nas áreas indígenas guianenses (região do Essequibo) piorou consideravelmente e, assim, o processo migratório se inverteu. São os índios Macuxi e Wapixana da Guiana, falantes também da língua inglesa, que vêm para o Brasil. (CIDR, 1987, p.36).26

Later, in the 1970s, Roraima was the attraction of migrants because of the ope- ning of roads and settlements, increasing the population by up to five times until in 199127. The gold-digging also represented another factor of attraction, particularly in the 80s, period that it changes from Federal Territory and becomes State28, con- centrating the activities in Indigenous Territories: “A notícia da abundância de ouro e diamantes atraiu aventureiros de várias partes do país. A maior parte do trabalho manual, sobretudo o de carregar mercadorias a partir do centro de Surumu, era feito por índios” (CIDR, 1987. p. 32)29. Despite the mining activity to secure their share in the forest region, it was in the city of Boa Vista that the great mass of migrants settled, causing an urban growth of 43% in the 70s to 65% in 1991 (CAMPOS, 2011 ). This migratory portion, the majority quantity of people that came to live in the city are from Maranhão, which currently represents 20% of the local population (idem). In relation to indigenous families that are currently living in the city, we look at the fact that they offer their homes to those who, for various reasons, need to leave their communities and settle temporarily in Boa Vista. There are some institutions and organizations dedicated to the defense of indigenous whose bases are in the of the Indians to move around, fishing with timbó (Common aspect of some or sapindaceae leguminous plants whose roots and / or husks may be used to manufacture the tingui, widely used in fishing), access to the perennial water sources, by hunting scarcity by natural fields since allegedly converted into exclusive pasture for cattle; or by the violence occurred in the labor relations and sexual abuse against women.” 26 “Due to the treatment received from the Brazilians part, the Indians had the intention in those years to emigrate toward Guyana. But with the revolution in that country and the departure of the English (1968), the situation in Guyanese indigenous areas (Essequibo region) worsened considerably and thus the migration process was reversed. They are the Macushi and Wapishana Indians of Guyana, also speakers of English who come to Brazil.” 27 CAMPOS, 2011. 28 Approved by the 1988 Federal Constitution 29 “The news of the abundance of gold and diamonds has attracted adventurers from all over the country. Most of the handwork labor, especially to carry goods from the center of Surumu, was done by Indians.”

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 57-78, jul./dez. 2015 69 capital, also show up as a factor for constant displacement between the community and the city. This displacement, as well as the existence of roads nearby communities and the constant crossing of cars, showed a serious problem that is presented to the families. This is the trafficking of indigenous women and girls for prostitution in the city, which is already configured as an ominous reality for families who have definitely or temporarily settled in the capital:

Essa [estrada] facilita a transferência, mais ou menos definitive, dos Wapixana para a cida- de, onde bairros inteiros são formados por gerações sucessivas de índios destribalizados. Este último fato favorece outro fenômeno: a possibilidade dos Wapixana que continuam morando nas malocas, terem uma base de apoio em Boa Vista na casa dos parentes que moram definitivamente na cidade, Podem, assim, ir e voltar com facilidade para a maloca, onde continuam trabalhado. Este processo quase sempre acaba, porém, com a decisão de fixarem-se, definitivamente em Boa Vista. A cidade oferece aos jovens a possibilidade de trabalho que, além de resolver os próprios problemas econômicos, são uma solução para superar desacordos com os pais, não mais resolvidos em termos rituais (ritos de iniciação ou de passagem), como ainda acontece com as moças. O trabalho que os jovens Wapixana encontram na cidade, nas serrarias, na construção civil ou nos comércios, são pouco renu- merados e os empregadores quase nunca respeitam as leis trabalhistas vigentes. Ainda mais delicada é a situação das moças Wapixana que, cada vez mais empregam-se em lojas ou como empregadas domésticas. É normal encontrar casos de senhoras brancas que pedem as meninas a seus pais para “estudarem na cidade”, ajuda-las nos trabalhos de casa, cuida- rem das crianças, etc. Quando isso acontece, mesmo quando os pais recusam tais propos- tas, as moças em seu estado de insegurança cultural, vêem uma possibilidade de fugir na primeira ocasião, certas de poderem encontrar um emprego. Em sua maioria, porém, estas moças acabam sendo exploradas pelas famílias citadinas, não estudam e não são poucos os casos que terminam na prostituição (CIDR, 1989, p. 74).30 30 “This (road) facilitates the transfer, more or less definitive, Wapishana of the city, where entire neighborhoods are formed by successive generations of detribalized Indians. This last fact favors another phenomenon: the possibility of Wapishana who still live in longhouses, have a support base in Boa Vista in their relatives who live permanently in the city, so they are able to go back and forth to the village, where they continue working. This process usually ends, however, with the decision to settle definitely in Boa Vista. The city offers to young people the opportunity to work and solve their own economic problems. This helps them to find solutions to overcome disagreements with their parents, not solved in rituals terms (rites of initiation or passage), as still happens with the girls. The work that Wapishana young people find in the city, in sawmills, in construction or in trades, are little renumbered and employers rarely respect the existing labor laws. Even more delicate is the situation of girls who Wapishana increasingly employed in shops or as domestic servants. It is normal to find cases of white ladies who ask girls to their parents to “study in the city”, so they help them with homework, take care of the children, etc. When this happens, even when parents refuse such proposals, the girls in his state of cultural insecurity see a chance to escape at the first opportunity and certainly find a job. For the most part, however, these girls end up being exploited by urbanite families, do not study and some of them end up in prostitution.” 32 “The non-indigenous urban society as a whole, in Boa Vista and other cities and towns - where families and single or isolated indigenous people are diluted in the general population - press the societies and indigenous people, directly and indirectly, in the form generate change in behavior, customs and values, as well as emerging needs not felt before.”

70 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 57-78, jul./dez. 2015 Thus, life in the city ends up boosting those who were used to an essentially rural way of life, a typical consumer urban centers logic. The need for travelling, food, clothing, housing, among others, is substantially different in the city, since the access and the property in the communities is not necessarily tied to the consumer market. Thus:

A sociedade urbanizada não indígena como um todo, em Boa Vista e em outras cidades e vilas – onde famílias e pessoas solteiras ou isoladas indígenas se encontram diluídas em meio às populações -, pressiona as sociedades e indivíduos indígenas, direta e indiretamen- te, de forma a gerar mudança nos comportamentos, usos e costumes e nos valores, bem como fazendo aflorar necessidades antes não sentidas. (SILVA, 2007, p. 62).31

Boa Vista also represents the major urban center of Roraima, attracting not only the population of the other cities, but also Venezuelans and Guyanese, because of the border location the state has. It is in this displacement that migration deeply marks the socio-cultural feature of the city, which happens to be characterized as a multicultural space. The capital is presented in a heterogeneous way, comprising in its space people originating from various locations in Brazil: They are Roraimenses, from Roraima, maranhenses, from Maranhão, cearenses, from Ceará, gaúchos, from Rio Grande do Sul, cariocas, from Rio de Janeiro, paulistas, from São Paulo, among others. They have spread their culture around the state and began to express it through some festivals such as: Gaúchos organize their culture in CTG (Centro de Tradições Gaúchas, a place where people from Rio Grande do Sul show their culture), quadri- lhas juninas (festival made by the northeastern people. It usually happens in June), bois-bumbás (a festival organized by the people from the north of Brazil - this fes- tival has a principal character two bulls) and so on. From this perspective, David Harvey (2006) provides a contribution that can be applied to this observation. According to him, “a aparência de uma cidade e o modo como seus espaços se organizam formam uma base material a partir da qual é possível pensar, avaliar e realizar uma gama de possíveis sensações e práticas sociais (idem, p. 69)32” Following this line of thought, it is projected in the same space of ti- meless senses and meetings of the multicultural aspects found in cities. In Boa Vista, for example, considering it from its organization and social setting, it can perform a

31 “The non-indigenous urban society as a whole, in Boa Vista and other cities and towns - where families and single or isolated indigenous people are diluted in the general population - press the societies and indigenous people, directly and indirectly, in the form generate change in behavior, customs and values, as well as emerging needs not felt before.” 32 “The appearance of a city and how its organized the spaces form a material which we can think, evaluate and carry out a range of possible sensations and social practices (ibid, p. 69).”

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 57-78, jul./dez. 2015 71 threaded reading over its multicultural conformation. The capital of Roraima is the stage where multiple cultural meanings, the presence of indigenous peoples, placed in the outskirt area and arranged mostly in wooden houses without fences or walls33, that represents a large scale in the city marked by difference.

1.6. The overall picture of the indigenous people of Boa Vista: imprecise indica- tors

The story produced by researchers and travelers, as we saw earlier, allows us to understand how the relationship between indigenous and non-indigenous po- pulation was built and reproduced throughout the subsequent generations in the eighteenth century. In line with the historical reading that excludes the indigenous presence, observed in contemporary dynamics, economic and social politics are un- favorable to the Macushi and Wapishana in Boa Vista, a scenario raised by the sur- rounding society who settled in the territories traditionally occupied by indigenous. From this perspective, we see as one of the unfavorable factors to this po- pulation is the quantitative inaccuracy with which the indigenous are represented. According to CIDR (1987), in the early twentieth century, Boa Vista, which was previously the only municipality in the territory, had approximately ten thousand inhabitants, among whom were counted 3-4 thousand white and mix race people, being mostly farmers or traders . In the last census34, it was recorded in Boa Vista a total of 284.313 inhabitants. Of this amount, only 6.07235 people identify themsel- ves as indigenous in the urban core of Boa Vista (IBGE, 2010). According to infor- mation from the city hall of Boa Vista and ODIC (2010), there are approximately 31,000 indigenous people, or 4,600 families36 from various ethnic groups living in the Roraima capital. We have thus a significant divergence in the data submitted by institutions, making it impossible to have a real numerical size of indigenous pre- sence in Boa Vista. In seeking a quantitative of those urban areas in urban areas of the municipal administrative structure, specifically the Superintendência de Assuntos Indigenas (SAI) linked to the Secretaria Municipal de Gestão Ambiental e Assuntos Indígenas (SMGA) offer

33 It is exposed in the community. 34 IBGE, 2010. 35 “Altogether, in Boa Vista (rural and urban area), 8,500 is the total population that identifies itself as indigenous. As for the urban indigenous amount, Boa Vista occupies the fifth position in the ranking of cities with more indigenous population (IBGE, 2010)” 36 CAMPOS, 2011

72 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 57-78, jul./dez. 2015 only information about the indigenous people settled in the demarcated indigenous land areas. The inaccuracy of demographic data also reveals the weakness and ineffecti- veness in quantifying socio-cultural data about indigenous peoples, because of the inadequacy of the tools that are currently used. This troubled accounting on people belonging to certain ethnic groups, such as the Macushi and Wapishana, due to the incidence of mixed communities in Brazil is also included in this problematic issue. Commonly, during the census application, Boa Vista indigenous have difficul- ties in self-identification concerning “color” or “race”, based on the categories used by the IBGE. Hence, as issues involving the category “identity” are factors that are presented in a very complex way in social indicators, we corroborate with Melatti (2007) taking into account the perspective of what makes it necessariy to prepare the statistician who deals directly with indigenous, taking a longer time in the in- terview, asking the questions more clearly, which are often strange questions to the indigenous, as well as prepare the interviewer to deal more efficiently with language barriers. Otherwise, the Indians will continue to be ineffectively quantified, where the ethnic specificities that make the difference will remain obscured by inefficient quantitative indicators. Thus, bearing in mind the day-to-day obstacles that involve going over basic ne- cessities, we realize that the same difficulty is present in the cultural demands made by the Macushi and the Wapishana in Boa Vista. These demands point out that the preservation, support and spur to the Macushi and Wapishana cultures are already settled as fundamental claim issues between those that live in the urban area, despite the lack of specific sectors in the State and Municipality public competence to deal with the question. Bearing in mind the socio-historical factors in which the capital of Roraima was built, largely correlated factors to indigenous peoples and the universal cultural meanings assigned by these groups to the city, I come across to question the place given to this and other cultural understandings in the administrative structure of Boa Vista. At the local level, the lack of a Secretaria da Cultura makes the guidelines that would be directed to it end up forwarded to the structures that deal with education or tourism. In this way, we see that the political and administrative understanding of culture as well as actions aimed at this point are exponentially divergent from the perspective defended and claimed by many present social groups in Boa Vista.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 57-78, jul./dez. 2015 73 We have a government that operates in incentives for large spectacles, or anything that can generate large events in the city, in this example, the promotion of cultural actions are the great concerts with national artists that attract a large amount of people. This way, they are in a short range of the development actions that are able to visualize the inherent understanding of indigenous culture in Boa Vista, this understanding is associated to the sense of legitimacy as belonging of their culture in the city. Undoubtedly, it would not be possible to put in this article all the arguments depicting the actions of the government that prioritize certain understanding of promotion of culture over others; however, it is worth a brief analysis. Designing Boa Vista as a stage full of differences, considering that there are multi identities in this place and these identities “talk” to each other, we found cer- tain social sectors that use their cultural references as a self-affirmation tool, whi- le delimiting the symbolic boundaries between belonging strategies of other social groups, including indigenous people, in a movement similar to that one LEITE (2009) called abstenção social do encontro:

A cidade abriga em sua complexa demarcação espacial urbana as fissuras do sujeito na forma dispersiva dos lugares na vida pública. (...) Entendo por lugares as demarcações físicas e simbólicas do espaço, cujos usos os qualificam e lhes atribuem sentidos de perten- cimento, orientando ações e sendo por estas delimitadas reflexivamente. De modo com- plementar, podemos falar numa espécie de abstenção social do encontro. Abstenções são atitudes deliberadas de recusa ao encontro com o outro (estranho). São recusas racionais que formatam ações defensivas, seja pelo medo, xenofobia ou pelo desejo explícito de se diferenciar e de não se envolver com outros matizes culturais da vida social. Obviamente que essas abstenções se manifestem de modo muito distinto, a depender de classe e grupo social. (LEITE, 2009, p.198)37

In addition to this fact, it should be stressed that the popular sectors linked to culture in Roraima state significantly grew up with a lot of immigrants, it has been tacking an understanding of what happens to be the local cultural identity. However, there is a strong conflict between dominant social groups who have built, since its inception, the profile of “anti-Indian”, by which it is still known. This profile is built

37 “The city homes, in its complex urban spatial demarcation, cracks of the subject in a dispersible form of places in public life. (...) I understand the physical and symbolic boundaries of space, whose uses qualify them and assign them as belonging senses, guiding actions and being reflexively bounded. In a complementary way, we can talk in a kind of social encounter abstention. Abstentions are deliberated attitudes of refusal to meet with the other (consider as a strange). There are rational denials that format defensive actions, either by fear, xenophobia or by the explicit desire to make it different and not engaging with other cultural nuances of social life. Obviously these abstentions manifest themselves very differently, depending on the class and social group.”

74 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 57-78, jul./dez. 2015 according to the memories that will be changing day after day, blurring or destroying others. In Boa Vista such actions produce effects that lie in the deliberate condition of social invisibility to which the people of the city are subjected. We have thus a municipal political-administrative structure that shows difficul- ties in contemplating the indigenous population layer of the urban period. Despite all of it, Macushi and Wapishana of Boa Vista have been building a narrative of belonging that interrelates social and cultural aspects that were swallowed by the official history and, later, the company held by the government. Such narrative has backed up on the Organization of Indigenous from the City (ODIC) and Federal University of Roraima, through actions for valuation of cultural expressions of the people that live in the capital of Roraima.

References

BAINES, Stephen Grant. O movimento politico Indígena em Roraima: Identidades indígenas e nacionais na fronteira Brasil – Guiana. In: Caderno CRH, Salvador, v. 25, n. 64, p. 33-44, jan/abr. 2012.

BRASIL, Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

CAMPOS. Ciro (org). Diversidade socioambiental de Roraima: Subsídios para deba- ter o futuro sustentável na região. São Paulo: Insitituto Socioambiental, 2011.

CARNEIRO DA CUNHA, M. (org). Histórias dos índios no Brasil. São Paulo: Cia. Das Letras, 2006.

CIDR. Índios de Roraima: Macuxi, Taurepang, Ingariko, Wapixana. Coleção histórico- -antropológica N° 1. Boa Vista: Editora Gráfica Coronário, 1989.

______. Índios e brancos em Roraima. Coleção histórico-antropológica. N° 2. Boa Vista: Editora Gráfica Coronário, 1989.

______. Igreja Matriz Nossa Senhora do Carmo. Boa Vista, 2007.

FACÓ, Rui. Cangaceiros e Fanáticos: Gênese e Lutas. Rio de Janeiro: Civizilização Brasileira, 1983.

FARAGE, Nádia. As flores da fala: práticas retóricas entre os Wapishana. Tese de dou- torado. São Paulo: Programa de Pós-Graduação em Letras, USP, 1997.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 57-78, jul./dez. 2015 75 ______.Os Múltiplos da Alma: um inventario de práticas discursivas Wapishana. In: Itinerários. Araraquara, n° 12, 1998.

______;SANTILLI, Paullo. Estado de sítio. Territórios e identidades no vale do rio Branco. In: CARNEIRO DA CUNHA, M. (org) História dos Índios no Brasil. São Paulo: Cia. Das Letras, 2006.

HARVEY, David. A condição Pós-moderna. São Paulo: Ed. Loyola, 2006.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico. Dados populacionais do Estado de Roraima, 2010.

LEITE, Rogerio Proença. Espaços públicos na pós-modernidade. In:______. FOR- TUNA, Carlos. Plural de Cidade: Novos Léxicos Urbanas. Coimbra: Almeida, 2009.

MELATTI, Julio Cezar. Índios do Brasil. São Paulo: Editora Universidade de São Pau- lo, 2007.

ODIC. Propostas da Organização dos indígenas da Cidade – ODIC sobre os problemas sociais da população indígena da cidade de Boa Vista – Roraima. Boa Vista, 2010. 7 p.

OLIVEIRA, Reginaldo Gomes de & SOUZA, Eliandro Pedro de. Organização dos in- dígenas da cidade – ODIC. In: OLIVEIRA, Reginaldo Gomes de (org). Projeto Kuwai kîrî: a experiência dos índios urbanos de Boa Vista: Editora da UFRR, 2010.

PEREIRA, Zineide Sarmento. O movimento indígena em Roraima: a trajetória das or- ganizações. In: FERNANDES, Maria Luzia & GUIMARÃES, Manoel Luiz Lima Sal- gado. História e diversidade: Política, gênero e etnia em Roraima. Boa Vista: UFRR, p. 107-141, 2012.

SILVA, Orlando Sampaio e. Os Wapixána: Uma situação de contato interétinico. In. Revista do Núcleo histórico socioambiental. Boa Vista, vol 1. n° 1 UFRR, 2007.

RIBEIRO, Pedro Mentz. Arqueologia em Roraima: Histórico e evidências de um passa- do distante. In: BARBOSA, R. I.; FERREIRA, E. J. G. Castallón, E. G. (orgs). Homem, Ambiente e Ecologia no Estado de Roraima. Manaus, INPA. P. 49-64, 1997.

SANTILLI, Paulo. Pemongon Patá: Território Macuxi, rotas de conflito. São Paulo: UNESP, 2001.

______. Ocupação territorial Macuxi: aspectos históricos e políticos. In: BARBOSA, R. I.; FERREIRA, E. J. G. Castellón, E. G. (orgs). Homem, Ambiente e Ecologia no Estado de Roraima. Manaus, INNPA. P. 46-64, 1997.

76 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 57-78, jul./dez. 2015 ______. Macuxi. In: ISA, Enciclopedia dos Povos Indígenas no Brasil. Dispo- nível em < http://pib.socioambiental.org/pt/povo/makuxi/print> Acessado em 01/10/2012.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 57-78, jul./dez. 2015 77

M. Auxiliadora L. de Carvalho *

ARTIGO A DINÂMICA SOCIOPOLÍTICA YANOMAMI NO CONTEXTO DE CRIAÇÃO DA HUTUKARA: PATA THËPË E A EMERGÊNCIA DE JOVENS LIDERANÇAS POLÍTICAS Resumo Abstract O presente estudo é um esforço de The current study is an effort to understand the aproximação da dinâmica sociopolítica Yanomami sociopolitical dynamic in the context Yanomami a partir do contexto of mobilization and articulation that preceded de mobilizações e articulações que the establishment of Hutukara Yanomami antecederam a criação da Hutukara Association; in that context, new patterns of Associação Yanomami, em que novos dialogs and knowledge were established, fact that padrões de diálogos e construção de has delineated new forms of relationship between conhecimentos foram sendo fertilizados, youth and elder leaders. From reads in ethnology, delineando novas relações entre lideranças history and I my own ethnography work, I try to tradicionais e as jovens lideranças. Por understand the place of the new organization in meio da pesquisa de fontes etnológicas, the sociopolitical dynamic of Yanomami and its historiográficas e de minha própria implication for the local groups and also in the etnografia, buscam-se compreender o relationship between traditional and youth leaders. lugar desta forma de organização na I try to show that speech and knowledge are the dinâmica sociopolítica Yanomami, e as two major principles that connect the youth and implicações nas relações entre os grupos traditional leaders; the choice of youth leaders as locais, as lideranças tradicionais e os major political speaker does not mean the elder’s jovens líderes, e a adoção da representação loss of power; the Yanomami see the presence of política. Procura-se mostrar que a fala e the youth in the meetings as necessary, due to the o conhecimento são dois princípios que necessity of decoding their relationship with non- conectam lideranças tradicionais e os jovens Indians. representantes, e que a escolha dos jovens como representantes não significa perda de Keywords: Yanomami; Etnologia Indígena; poder dos velhos frente aos mais novos, e Política Indígena. que a presença dos jovens em assembléias, reuniões e eventos é vista pelos Yanomami como necessária, por decodificar com mais habilidade, a construção do mundo dos não-índios. Palavras-Chave: Yanomami; Etnologia Indígena; Política Indígena.

* Bacharel em Ciências Sociais habilitação em Antropologia e Mestre em Sociedade e Fronteiras pela Universidade Federal de Roraima.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 79-96, jul./dez. 2015 79 Introdução

O desafio de enveredar pela temática da dinâmica política Yanomami, tomando as lideranças tradicionais e os jovens representantes, no campo da experiência de re- presentação institucionalizada, nasceu da inserção e participação ativa nos processos de mobilização e construção da Hutukara Associação Yanomami, especialmente na região do Toototopi, em função do trabalho de acompanhamento aos Professores do Projeto Yarapiari – Formação de Professores Yanomami em Nível de Magisté- rio Indígena - desenvolvido pelo Programa de Educação Intercultural da Comissão Pró-Yanomami1 no período de abril de 2002 a agosto de 2006, como assessora pe- dagógica de campo. A totalidade da população é fluente nas línguas nativas, e em outros dialetos dos diversos subgrupos Yanomami, por isso, a obtenção de informações, registros de reuniões, assembléias, cursos e discursos das lideranças, foram feitas por meio de traduções das diversas línguas Yanomami. Dentro do quadro de construção de uma rede de apoio aos Yanomami intensifi- cados após homologação de seu território em 1992, estão as Organizações Governa- mentais nacionais e internacionais, as Organizações Não Governamentais, Organi- zações Indígenas locais, regionais e nacionais e Organizações religiosas. Os Projetos de Educação implantados pela CCPY, Diocese de Roraima e Secoya – Serviço e Cooperação com o Povo Yanomami, nas várias regiões da terra Yanomami, criaram as condições para um significativo contingente de crianças e jovens fossem alfabeti- zados, criando as bases para alavancar a formação de microscopistas e professores. Em decorrência ao crescente domínio da língua portuguesa pelos os professores, agentes indígenas de saúde, alguns agentes agro-florestais, e os carregadores , as falas e discursos destes jovens foram obtidos na língua portuguesa. Não constitui objetivo desse estudo, fazer análise histórica do discurso das lide- ranças tradicionais ou do discurso jovem fora do contexto da experiência de organi- zação política, e sim tratar das falas dos pata thëpë2 e dos jovens Yanomami, onde seus atos e escolhas serão o principal objeto de análise para compreensão de processos de apropriação e sustentação dessa forma de organização política.

1 A Comisão Pró-Yanomami, uma Organização Não-Governamental criada em 1978, desenvolveu trabalho de apoio às escolas e formação de Professores por meio do Programa de Educação Intercultural PEI, iniciou o apoio à educação escolar indígena inicialmente nas regiões do Demini, Toototopi e Parawau, sendo posteriormente ampliado para as regiões do Papiu, Kaynau, Catrimani I, Auaris e Homoxi. 2 Pata é o líder local, thë é um aditivo genérico utilizado quando não se identifica o sujeito (o nome do líder, por exemplo), o pë é o pluralizador.

80 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 79-96, jul./dez. 2015 O lugar da Associação na dinâmica política Yanomami, e as implicações entre essa forma de organização política não-indígena, de atuar por meio de representan- tes escolhidos, e as bases sob as quais as lideranças tradicionais (pata thëpë) e os jovens (hiya thëpë), se movimentam dentro dessa dinâmica sociopolítica, tomando como fio condutor os grupos locais, seus pata thëpë e as ligações destes com uma forma de organização política, e a adoção da escolha de jovens lideranças para atuar em novos fóruns de representação, constitui objetivo deste trabalho.

Os pata thëpë e a adoção da representação política

Muitas das características que definem a posição da chefia Yanomami se asse- melham àquelas que definem a chefia em outros grupos indígenas (CLASTRES, 1982; RIVIÉRE, 2000) e colocam em discussão as questões relativas às origens e legitimidade do poder político, a relação líder e corpo social, as questões relativas às qualidades que definem uma chefia indígena. A construção das qualificações da chefia local tem nos processos de sociabili- dade, nas relações sociais existentes dentro do grupo, o lugar privilegiado para seu entendimento. Os Yanomami não possuem classe de idade definida, nesse sentido, as catego- rias nativas oxewi, hiya, wãro e pata, serão tratadas como categoria relacional direcio- nadas ao entendimento da proeminência do pata thë. A categoria oxewi não se restringe exclusivamente a identificação das crianças, e sim, a sabedoria de uma pessoa, que se constrói de forma não progressiva, não linear, sendo os pata thëpë os sintetizadores da amplitude de uma pessoa imbuída de sabedoria. No plano da interação social os oxewi são completamente dependentes de suas mães, que representa a principal fonte de conforto, de alimentos e de segurança dos recém nascidos. Onde quer que vá ou se desloque, são carregados em uma tipóia, e têm a completa liberdade de mamar quando bem quiserem, e recebem por único alimento, o leite materno, e eventualmente, de outras mães, as irmãs da mãe. Ainda nos primeiros meses de vida as crianças recebem um cordão de miçangas, colocados na altura do quadril, para que suas nádegas se desenvolvam sem proble- mas anatômicos, e também servem como escudo para espantar os maus espíritos. À medida que se encontra em condições de acompanhar seus pais nas incursões na floresta, brincam e realizam, quando querem, pequenas tarefas, estando livres para experimentar e descobrir.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 79-96, jul./dez. 2015 81 A construção da autonomia pode ser observada no ato de uma queda, por exemplo. Ao caírem, ou se machucarem, devem levantar-se sozinhos, não sendo permitida nenhuma interferência dos adultos, somente à mãe é consentida, num segundo momento, o ato de ajuda e consolo. No processo de identificação como hyia, os mesmos passam a ser requisitados para determinados aprendizados das tarefas que seu sexo exige. Os meninos rece- bem de seus pais arcos e flechas, que utilizam em passarinhos, borboletas, em tron- cos de bananeiras, e realizam a beira d’água pequenas pescarias. As meninas passam pelo processo de perfuração do nariz (somente as mulheres que manuseiam com habilidade o objeto pontiagudo feito de osso de animais, é quem podem fazer a perfuração), de furos nas laterais próximas às bocas, embaixo do lábio inferior, nos quais serão introduzidas pequenas hastes feitas de uma espécie bem fina de bambu com pontas adornadas com penas de mutum. Ainda nesta fase, passam a usar os ornamentos de miçangas usados na parte frontal, e outros circu- lando o quadril, logo acima do pesimaki (pequena tanga feita de algodão, tingida de vermelho), e na parte superior dos braços, local onde são inseridas flores e folhas perfumadas. É nessa fase que são prometidas aos seus futuros maridos. Meninos e meninas reúnem-se separadamente, formam grupos infantis para tomar banho nos rios; é comum os meninos provocarem choros nas meninas, em conseqüência das brincadeiras muitas vezes agressivas. As brigas envolvem exclusivamente os meninos, e ninguém pode interferir, bri- gam até se cansarem, enquanto aos pais e os demais adultos estimulam-nos a mos- trar sua valentia, nas disputas infantis masculinas, poucas vezes há um vencedor, a luta corporal se encerra quando chegam ao limite do cansaço físico; não há fuga das partes, seria uma desonra. Quase sempre saem chorando, as mães os recebem, tratam de seus ferimentos, consola-os; é o aprendizado da prática dos atributos do ser guerreiro, forte e destemido. O processo de passagem ou de iniciação das meninas para a vida adulta ocorre durante a primeira menstruação. Nesse período, as meninas ficam reclusas, dentro de uma pequena casinha feita de palha dentro da maloca. Não podem comer sal, car- ne de anta, queixada, caititu, macaco guariba, beber água sem pimenta (evita alergia), não pode comer mamão (evita o surgimento de ínguas), não podem andar na flo- resta (senão aparece onça e cobra), tampouco pode andar na roça (senão as plantas secam), não podem ver o céu (senão a chuva cairá sem parar), não podem ver outras pessoas (só a mãe) ou ficar perto dos homens (senão o homem fica medroso, não participa de guerra, sua alma enfraquece), comem bem pouco; não usam tabaco, não

82 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 79-96, jul./dez. 2015 podem tomar banho, ficam com olhar fixo ao chão. Somente após a interrupção do fluxo sanguíneo, é que a mãe poderá dispensar os cuidados com a higiene corporal e o seu embelezamento. A mãe é quem lhe dá banho, e pinta com urucum (para não espantar onça), adorna com flores nos braços, e junto com outras mulheres dirige-se à floresta para caçar carangueijos. Já os meninos, quando entram na fase de transformação da voz, mantêm-se dei- tados em suas redes, aproximadamente seis dias. Nesse tempo, é o pai e a mãe quem os aconselha e lhes oferecem comida. A alimentação se restringe a banana pequena assada e cozida com pimenta, alguns tipos de peixes como a piaba, que devem ser ingeridas, sem sal e com pimenta. Nesse período não podem andar muito, não pode comer nenhum tipo de caça, não podem beber suco de açaí, de bacaba, de patauá, comer macaxeira, beiju, taioba, usar tabaco (para não cair os dentes), beber água sem pimenta, não podem comer banana grande (acarretará futuramente dores de coluna). Quando termina o período de “reclusão”, ao menino é permitido caçar em lugares distantes. Tais processos como atesta Alcida Ramos (1999) simboliza a atribuição de um status condicional que o grupo concede aos membros jovens, e podem redundar na primeira oportunidade séria de passagem para o grupo de adultos. A admissão de jovens desta categoria no grupo de homens tem no henimou (mo- mento em que grupos de homens saem em grupos para realizar caçada para os cerimoniais fúnebres) uma prática simbólica de aceitação para as exigências da vida adulta. O ingresso definitivo aos novos processos e exigências para a vida adulta, co- meça a partir do casamento, que marca de forma simbólica o início de novas vivên- cias, cabe-lhe o dever de proteger os pais da mulher e prestar-lhes obrigatoriamente diversos tipos de serviços. Mais adiante, o atributo de wãro pata “homem adulto”, é dado a partir do momento em que tornar-se avô, sendo a referência pata thë a desig- nação de identificação da pessoa madura, e se constitui na mais importante fase na vida de um homem, é quando obtém status e o reconhecimento do grupo, da sua maturidade. O pata thë é o representante do seu grupo na relação com outros grupos, com parentes, afins próximos, outros grupos locais, com outros povos indígenas e com os não-índios; é a figura que estabelece e desempenha a relação formal com os gru- pos ou pessoas visitantes. Sua projeção como líder é respaldada no conhecimento que demonstra ao longo de seu processo de socialização, percurso que evidencia sua sabedoria e qualidades reconhecidas pelo grupo.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 79-96, jul./dez. 2015 83 O homem que não vai caçar e não consegue carne para repartir, não é apenas preguiçoso, mas é também mesquinho, já que ele recebe carne de caça das outras pessoas, mas ele não retribui na mesma proporção. Os sovinas, egoístas, excessiva- mente bravos, briguentos, que roubam, mentem, são preguiçosos, bravos e valentes, incapazes de ajudar os outros, de repartir com parentes e amigos o que têm, de agradar os companheiros com presentes, não são bem vistos para assumir qualquer tipo de chefia. Em muitos grupos, a figura do xamã coincide com a do chefe, e a ligação entre o xamanismo e a chefia realça o entrelaçamento entre essas duas formas de domínios de conhecimentos. O xamã se relaciona com as elaborações cosmológicas buscando manter ou restituir o equilíbrio do grupo. O chefe é o representante do seu grupo local na relação com outros humanos: parentes próximos, afins distantes, de outras regiões, de outras etnias e também os não-índios. A formação de um xamã ocorre de duas formas: por transferência, isto é, aos filhos dos xamãs são repassados os espíritos auxiliares que compõem a vida de seus pais. Esses espíritos auxiliares acompanham e os protegem os filhos dos xamãs des- de a tenra infância. Outra forma de iniciação xamânica são as motivações pessoais, baseados em critérios espirituais. Ambas as motivações não se excluem, porém, em ambas a sedução dos espíritos são os elementos centrais motivadores, conforme narrativa registrada por Smiljanic (1999, p. 104).

Quando eu era criança, os espíritos me assustavam. Minha rede ficava coberta de penugens brancas, depois eu tinha sono, mas não dormia assustado, eu chorava e pensava: o que está acontecendo comigo? Quando cresci, continuei a ver os espíritos auxiliares. A floresta se transformava e eu via os cupins cobertos de penugem correndo, eu os seguia e eles então voltavam pelo caminho correndo. Eu sentia medo e por isso continuava pelo caminho, o “espírito do caminho” também me assustava. Um sapo também me assustou, ele mordeu meu pé e por isso eu bati nele, então ele me disse: “não, não me bata, sou eu” e desta forma me assustou. Os espíritos das folhas e dos cipós também me assustavam cobrindo-se de penugens brancas.

Quando atinge a fase adulta, novas sinalizações são emitidas pelos espíritos au- xiliares, por meio dos sonhos, obtenção de maior êxito nas caçadas, evidenciando sua condição de potencial xamânico, até que em determinado momento será inicia- do pelos espíritos e dirigidos pelos xamãs mais velhos. Ainda, segundo Smiljanic (1999) não basta que um homem tenha se submetido à iniciação ou tenha sido seduzido pelos espíritos da floresta para se tornar um xamã socialmente reconhecido. Um xamã deve procurar ampliar seus conhecimentos, res- peitar os tabus relativos ao sexo, e seguir as prescrições alimentares.

84 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 79-96, jul./dez. 2015 As habilidades dos xamãs, expressas por meio das leituras espirituais que fazem de todo os processos da vida social, podem ser percebidas nos cuidados com as pessoas do grupo, no fornecimento de informações sobre os perigos que rondam a aldeia, sobre a chegada de doenças, ou ainda, nas situações de pescaria e caça em que orientam para o sucesso das atividades de sobrevivência. A emergência e legitimidade de uma liderança se respaldam no conhecimento que é posto a serviço da coletividade: um bom caçador agricultor ou pescador, um bom orador, um bom xamã, ou um bom administrador são bons por que desenvol- veram técnicas, conhecimentos e sabedoria acima da média, sobre essas diferenças físico-sociais é possível construir diferenças sociopolíticas (RAMOS, 1995, p. 67). Nas falas cotidianas, os Yanomami referem-se aos conhecimentos de uma pes- soa - seja ela criança, adulto ou idoso -, diagnosticado em quatro níveis: o thai waisipi mahiowi (sabe muito pouco), thai waisipiwi (sabe um pouco), thai hathoho (sabe mais ou menos) e thai mahi (sabe muito), uma espécie de diagnóstico que se aplica a várias situações, não se prendendo à faixa etária ou à idéia de etapas fixas, rígidas, o saber muito thai mahiowi, é um qualificador empregado aos pata thëpë. Ao se referir aos pata thëpë, em contextos de definições políticas, perguntar a um jovem Yanomami sobre assuntos decisórios, comumente se ouve: “taimi; pata thëpë xiro thai” “não sei, os homens velhos é quem sabem”. Por outro lado, é comum ouvir advertência por parte dos velhos, relacionados a pouca experiência, ao pouco conhe- cimento dos jovens quando diz respeito a coisas de homens sábios. Sabedoria está vinculada à idéia de homem maduro, não de jovens. Ao líder, possuidor de um indiscutível talento oratório, cabe à tarefa de realizar diariamente, o hereamou - um dos principais mecanismos de educação dos jovens e perpetuação da tradição indígena, pois articula o passado, desde os tempos imemo- riais, ressignificando o presente -, assim, logo nas primeiras horas da madrugada, antes do sol nascer ou no horário de transição tarde-noite, se dirige ao centro da aldeia, por meio de muita gesticulação e fala forte, produz longos discursos. O hereamou diário ocorre dentro de uma rotina em que co-residentes, mantêm sem alterações, suas tarefas corriqueiras, seus afazeres. Deitados em suas redes, ou se alimentando - nos horários de suas principais refeições -, ninguém pára seus afazeres para prestar atenção às falas do pata. Quando há algum tipo de manifestação, quase sempre é das mulheres, que se manifestam em voz baixa, em forma de murmúrio, resmungos para que seja captada somente pelo marido. Este, alimentado pelas infor- mações da esposa, manifesta-se em tom jocoso, sendo suas observações recebidas pelos demais, com risos e gracejos.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 79-96, jul./dez. 2015 85 Para ser um pata respeitado inter e entre as aldeias, é preciso saber falar, falar bem, falar forte, falar bastante. Seu conhecimento sobre a história dos Yanomami é uma qualidade indispensável e definidora da posição de chefia. É por meio da fala, dos longos discursos, que o pata convence as pessoas a atuarem de forma adequada, e de acordo com a situação, a mudarem de atitude, de opinião, etc. Nos discursos matinais ou à boca da noite, por meio de histórias dos antepassados, buscam legitimar seus pontos de vista, chamando atenção para a mudança de pensamento ou enfatizando aspectos que seja necessários às respostas para as questões colocadas. Os velhos esperam que os jovens escutem seus discur- sos, aprendam sua forma e seu conteúdo. A oratória dos pata pë é para ser ouvida e aprendida, não se espera um debate ou qualquer processo de discussão em cima do que está sendo ensinado, desta forma, o atribto de gerar consensos e administrar os dissensos são elementos constitutivos das lideranças tradicionais. Questões mais amplas relativas à saúde, educação, a Associação e outros, são discussões realizadas em conjunto com outras aldeias, os hereamou inter-aldeões, com caráter mais político, ocorrem nos espaços públicos, não há um local exclusivo, fora dos espaços comunais, destinados exclusivamente para realização das grandes reu- niões. A capacidade retórica das lideranças, tanto no conteúdo quanto na forma, cons- tando na designação pata thë ã kohipëwi a fala forte do líder, semelhante aos Wãiapi, de acordo com Gallois (2000, p. 222) “remete à construção de uma retórica como estratégia cultural de produção de uma imagem de si, por outro lado, tematizam vários aspectos da reprodução econômica, social e simbólica desta sociedade, destacando e definindo, para fora, os elementos do seu modo de ser”. A oratória, a fala, é uma qualidade bastante citada nos estudos etnográficos que discutem associadas à posição da chefia nas populações indígenas. As questões levantadas por Marcos Pellegrini (2008: 14) sobre o falar, em que examina o uso da linguagem entre os Yanomami em suas relações com os não-índios, partindo de suas próprias preocupações com a comunicação, e as estratégias utilizadas na ação políti- ca num contexto que extrapola sua própria sociedade, apontam a importância desta qualificação para o exercício do poder da chefia nos grupos Yanomami. Há entre os Yanomami uma expectativa generalizada de que todas as pessoas devam se casar, pois o casamento, além das funções de procriação e de natureza sexual, torna-se necessário, entre outros fatores, por razões econômicas, decorrentes da divisão sexual do trabalho. Previamente combinados se efetivam definitivamen- te, assim que as moças encerram seu período de reclusão, logo após sua primeira menstruação.

86 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 79-96, jul./dez. 2015 A regra de residência indica uma forte tendência a uxorilocalidade, em que, após o casamento, o marido passa a morar na aldeia da família da moça não se aplica aos chefes políginicos. Quando, no ato de tomar em casamento uma segunda mulher, esta é que passa a residir na casa do marido. Com isso, o líder-sogro acumula mais prestígio á medida que se torna líder de muitos parentes por reunir em sua residên- cia, irmãos, filhos e genros. Geralmente os pata thëpë são casados com duas ou mais mulheres. Em conversas com o jovem professor Enio Mayanawa Yanomami da aldeia Piau sobre a poliginia dos chefes, este enfatizou ser uma prática comum aos pata thëpë de sua região.

Na minha região do Toototopi os pata pë têm duas mulheres. O pata do Apiahiki tem sua primeira mulher, com quem tem cinco filhos, e tem a segunda, com quem teve um filho que já morreu. O outro pata do Rasasi, também tem duas mulheres; o pata do Xiroxiropi, também tinha duas mulheres, só que uma já morreu, só ficou a mais nova. Quando o pata pega outra mulher, a primeira fica muito triste, tem ciúme, com o tempo, depois que a outra esposa vem morar junto, ela se acostuma (CARVALHO, fevereiro de 2004).

Como podemos observar a poliginia, como entre outros povos indígenas da Amazônia, constitui entre os Yanomami uma prática social comum. Tomando a jornada de trabalho como base comparativa entre dois chefes poligí- nicos, um da aldeia Apiahiki e outro da aldeia Rasasi, ambas da região do Toototopi, percebe-se jornadas de trabalho distintas entre um e outro. Certo dia, perguntei ao pata do Rasasi porque trabalhava tanto. Disse-me que tinha duas mulheres, sete fi- lhos, dos quais, cinco homens e duas mulheres, por isso, tinham que trabalhar muito na roça para não deixar as mulheres passarem fome. Sem comida, as mulheres ficam zangadas, os filhos pequenos choram. O pata do Apiahiki, que já tinha uma esposa, disse-me que estava pegando uma outra esposa jovem, da aldeia do Koyopi, por isso, tinha que trabalhar em sua roça, e também na roça do novo sogro, entregar-lhe comida, presentes (facões, redes, etc.). Refletindo sobre tais informações, fiquei a pensar: qual a vantagem de ter duas -mu lheres e um número grande de filhos? A resposta reside na compreensão, no sentido em que a poliginia se estabelece. Pierre Clastres (1990, p. 27) estabelece uma relação entre instituição política e a poliginia (prática que garante ao líder exercer um direito sobre um número maior de mulheres) diz tratar-se, na vida política do grupo, de um mecanismo pelo qual se mantém o equilíbrio entre a estrutura social e a instituição política, entre líder e corpo social, circunscrita à relação de troca, isto é, o grupo permite-o tomar mais

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 79-96, jul./dez. 2015 87 de uma mulher, porém, em troca, o grupo, tem o direito de exigir do seu chefe ge- nerosidade de bens e talento oratório, tarefas que suas esposas, em grande medida, ajudam-nos a sustentar. A construção permanente do líder local, não pode ser vista como uma simples troca de perpetuação do poder do líder, mas de doação pura e simples do grupo ao seu líder, doação sem contrapartida, aparentemente destinada a sancionar o estatuto social do detentor de um cargo instituído para não se mexer (CLASTRES, 1982:107). Os pata thëpë são os planejadores das atividades econômicas e cerimoniais do grupo, são os que recebem os visitantes, sejam eles Yanomami ou não-índios, toda- via, os parentes dos co-residentes não são necessariamente recebidos pelos pata thëpë, são geralmente recebidos e acolhidos por seus familiares, mas sempre conversam com os pata pë da aldeia, a quem vão procurar em momentos determinados. O líder não possui qualquer poder decisório; ele nunca está seguro de que as suas orientações serão executadas, não há simetria entre a orientação e a execução, fato que marca a constante fragilidade de um poder sempre contestado, o poder do chefe depende da boa vontade do grupo. A quantidade de pata thëpë por aldeia não encontra nenhuma simetria com o con- tingente populacional, que não se caracteriza por aglomerar grandes concentrações populacionais, como podemos inferir. À figura do pata se agrega a responsabilidade de escolha do lugar para abrir uma nova roça e construir uma nova casa coletiva, e também reunir em torno de si genros e cunhados, além dos filhos e irmãos. Entretanto, nem sempre são processos que procedem sem ausência de longos e duradouros processos de conversas entre os grupos locais.

A adoção da representação

É no contexto histórico de contato interétnico que a noção de representação ganhou estatuto de ação política. O emprego da categoria “representante” é aqui usado, tomando como noção de representação, a idéia de “alguém falando em nome de”, “tomando decisões e agindo em nome de”. Os cursos de formação deram aos jovens professores, agentes de saúde, uma qualificação diferenciada que os capacitaram para o exercício de cargos como secre- tários, tesoureiro, coordenadores da Associação, intérpretes. No contexto de acirra- mento das relações com órgãos estatais, concomitante à intensificação das viagens promovidas por pessoas ligadas aos movimentos indígenas, expandiu o alcance da

88 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 79-96, jul./dez. 2015 experiência social de vários jovens, e, indiretamente, esse processo acabou por res- soar também no contexto aldeão. As solicitações, demandas e expectativas que os napë pë têm sobre os represen- tantes, tem gerado muitas vezes, sobreposições entre a figura do pata e do represen- tante por selecionarem previamente os mediadores privilegiados para o estabeleci- mento da comunicação. Os napë pë em diversas situações frequentemente solicitam aos Yanomami pessoas que os representem, querem saber quem é o chefe da aldeia. Essas contínuas solicitações têm contribuído para a construção de referenciais de líderes locais à revelia da ordenação de pata conforme os critérios Yanomami. No contexto Yanomami, novos padrões de diálogos e construção de conhe- cimentos estão sendo fertilizados, delineando novas relações entre pata thëpë e os jovens. O domínio da língua portuguesa pelos jovens, associados à necessidade de tradução dos discursos dos napë pë pelos jovens para os pata thëpë, impõem novo rit- mo e entendimento desta modalidade de comunicação. Reunião envolvendo lideranças do Apiahiki, Koyopi, Xiroxiropi para discutirem a criação da Hutukara, 06 de setembro de 2005.

O pata da aldeia Apiahiki (aproximadamente 52 anos, cinco filhos e duas mulheres) iniciou falando do pedido do Davi Kopenawa para que discutissem sobre a formação da Associa- ção. Fez uma retomada da história dos antigos, desde quando moravam no Marakanã e en- contraram os garimpeiros. Naquele tempo ele não conhecia os brancos, não sabia qual era o seu pensamento, agora já sabe. Os espíritos hekura pë lhes deram sabedoria para enxergar além do que é visível, pois lêem o pensamento dos “brancos” e vêem o quanto são malé- ficos. Então essa Associação que estão falando, vai, assim como os bons espíritos, clarear suas idéias, seus pensamentos, para defender a floresta, também vai ajudar com rádios para poderem falar com os parentes quando estiverem doentes na Casa do Índio em Boa Vista; e assim encerrou seu discurso naquela noite. Seu filho G. Yanomami, agente indígena de saúde e também o mais jovem representante da comunidade, possui um discurso forte, linguagem articulada, fala português, lê e es- creve em sua língua. Em seu discurso, recheado de palavras em português, colocou os problemas de saúde em sua comunidade, enumerando as crianças que se encontram com diarréia, gripe; explicou a partir das dificuldades vividas, a importância da Associação para fazer documentos para as autoridades. Defendeu a idéia de que a proximidade com os não-índios ser necessário para que fiquem mais esclarecidos e não cometerem os erros do passado. Chamou atenção para a falta de conhecimento dos velhos pata pë com relação aos não-índios, enfatizando sua habilidade com o português, que o qualifica para entender o pensamento dos “brancos”, requisito necessário para fazer uma Associação forte. Retomando a fala, o pata T.Yanomami, após discurso de Gerson foi até a frente e rebateu suas críticas, afirmou sua sabedoria, embora não saiba português, conhece o pensamento dos não-índios, e que somente os homens sábios possuem essa habilidade, as crianças, os jovens, inexperientes e em fase de aprendizado, devem aprender com eles. Ao término

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 79-96, jul./dez. 2015 89 da reunião, por volta do meio-dia, todos foram chamados para o almoço em que foram distribuídos peixes e muito caxiri. Os convidados das outras aldeias retornaram às suas respectivas casas. (CARVALHO, relatório de campo, setembro de 2005).

A dinâmica em que pata thëpë e jovens representantes ancoram seus discursos nas fontes diversas de conhecimentos. O discurso jovem ancora-se no conhecimen- to sobre o mundo napë, e buscam nesse tipo de conhecimento respaldo para sua representatividade. Todavia, para os pata thëpë, de acordo com os critérios Yanomami, estes ain- da estão em processo de formação. As fontes de conhecimento, tanto dos velhos quanto dos jovens, possuem um caráter híbrido, isto é, os jovens empoderados dos conhecimentos específicos dosnapë inserem esses conhecimentos como ferramenta e leitura na defesa dos direitos dos Yanomami. Os conhecimentos dos velhos ancoram-se na totalidade da vida social Yanoma- mi, é sua primeira referência sob as quais produz a leitura do mundo napë. Ambos enfatizam a defesa dos direitos Yanomami, não se trata de uma ruptura, ou crise de gerações entre jovens e velhos, e sim de caminhos distintos de construção de refe- renciais por meio dos quais constroem a força do seu discurso. As atividades constantemente realizadas no âmbito das relações com os não- -índios começaram a ser entendidos pelos jovens como posição de liderança e de representação. Por dominarem a língua portuguesa e compreenderem melhor as concepções de mundo e mediarem às relações Yanomami e não-índígenas em dis- tintos contextos fora das aldeias, e com a ausência dos pata thëpë, os jovens passaram a assumir papéis como representantes dos Yanomami. Dário Vitório Yanomami, V Fórum Pan Amazônico, Mesa Redonda: “Minera- ção as Veias Abertas da Terra”:

Bom dia a todos! Eu sou Dário Yanomami, filho de Davi Yanomami, vou falar o pensamento dos Yano- mami sobre Mineração em nossas terras. A nossa terra indígena está localizada em Roraima e também no Amazonas. Tem Yanomami também na Venezuela. Nossa terra só foi homologada pelo presidente Fer- nando Collor, em 1992. A mineração na nossa terra ficou muito forte por que o Governo brasileiro fez o Projeto RADAMBRASIL e espalhou para os brancos que havia muito minério na terra dos Yanomami. Os garimpeiros invadiram nossa terra, fizeram muitas pistas de avião. Quarenta mil garimpeiros entraram em toda terra Yanomami, trouxeram as doenças dos brancos, e muitos Yanomami morreram de malária, e outras doenças. Nós sofremos muito. Atualmente, nós Yanomami voltamos a crescer, somos dezenove mil Yanomami, por isso, não queremos garimpo, nem mineradora em nossas terras. A Constituição Federal garante os nossos direitos; o artigo 232 da Constituição Federal garante nosso direito de território. Agora, os políticos, o Romero Jucá, querem fazer Lei de mineração nas terras indígenas, se isso acontecer, se os

90 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 79-96, jul./dez. 2015 brancos invadirem nossa terra novamente, os Yanomami vão fazer guerra. Os brancos têm bombas, mas nós não temos medo, vamos fazer guerra usando arcos e flechas para defender nosso território. (CARVA- LHO, relatório novembro de 2010).

É possível constatar que os jovens estão atentos à escolha do que dizer, para quem dizer, e quando dizer. Atentam-se para as expectativas que os não índios pro- jetam e constroem representações sobre o que é ser um Yanomami, nisso inclui-se as projeções dos Yanomami como um povo único e coeso. De posse destas informações do mundo napë, os jovens Yanomami, com mais fluência na língua portuguesa, da Matemática, que sabem ir ao banco, contar dinhei- ro, fazer compras, ler e escrever impulsionou a produção de uma posição diferencia- da dentro da sociedade Yanomami. Sua presença em assembléias, reuniões e eventos é vista pelos Yanomami e pelos não índios como necessária, por decodificar com mais habilidade, a construção do mundo dos não índios. Esses atributos passaram a ser percebidas por estes jovens como adjetivos ex- clusivos que lhes garantem status diferenciado e os colocam em destaque e poder de filtrar, inclusive, a tradução do discurso dos pata thëpë, por supostamente deterem maior conhecimento sobre não índios, além disso, os jovens contribuem por meio de seus salários, com bens industrializados para a rede de relações intra e entre gru- pos locais. Observa-se nos discursos das lideranças mais jovens (conforme citado anterior- mente), uma fala que se adequa de acordo com os interlocutores. Nas assembléias locais, percebemos a estrutura tradicional do discurso forte, ao mesmo tempo, mes- clam-se à fala nativa, expressões recheadas de palavras em português, sinalizando sua importância ao núcleo do discurso. Entretanto, sabem que para adquirirem status de pata terão que aprender e cum- prir todas as exigências para aquisição de uma sabedoria que só virá com o tempo e a maturidade. A escolha dos jovens para assumir a diretoria da Hutukara não significa perda de poder dos velhos frente aos mais novos. Para os pata thëpë os jovens não se tor- nam chefes por ocuparem posto de diretoria, tesouraria da Hutukara, ao contrário, se distancia da vida Yanomami, na medida em que se envolvem cada vez mais com a vida dos napë pë. Os velhos não se sentem ameaçados pelos jovens, pois os professores ainda são jovens para o exercício da chefia. Um jovem que permanece meses e meses na cidade se envolve constantemente com bebida alcoólica, que casa com mulher napë

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 79-96, jul./dez. 2015 91 ou indígena de outro grupo, se distanciam das qualidades que definem um pata, e dificilmente serão reconhecidos pelos Yanomami como um grande chefe.

A comunidade observa quem é de confiança, quem não faz besteira ou se envolve com be- bida alcoólica. Só assim é que podem ser representantes. Os representantes têm que ouvir os pata thëpë e obedecer, senão eles tiram, não vai mais representar os Yanomami. Os pata thëpë cuidam dos jovens representantes quando estão na cidade, mandam os espí- ritos cuidarem de nós para não adoecermos, nos protegem para não pegarmos gripe. Eles aconselham nós jovens para termos juízo; quando viajar para a cidade não fazer filho com as mulheres napë nem com outras mulheres de outras etnias. Eles aconselham a comermos pouco a comida dos napë, para evitar que nossa alma enfraqueça. Se comermos muito a comida dos napë, futuramente, se quisermos ser xamãs, vamos sofrer muito. Os pata thëpë nos aconselham para ficarmos até dois meses na cidade, no máximo três me- ses, depois devemos voltar para a floresta. É assim que os pata thëpë falam pra nós. (Enio Mayanawa Yanomami, professor e diretor da Hutukara, novembro, 2011).

Considerações finais

A questão inicial que instigou e despertou meu interesse, desde o início desta pesquisa, foi compreender o lugar da Associação na dinâmica sociopolítica Yano- mami, a movimentação dos pata thëpë e os jovens líderes Yanomami dentro dessa dinâmica, e as implicações que esta forma de organização política, por operar politi- camente por meio de representantes escolhidos. O contato interétnico com diferentes agentes da sociedade nacional incluindo o estado, as diversas frente de expansão, e especialmente o trabalho das redes de apoio, gerou novos padrões de diálogos e construção de conhecimentos entre pata thëpë e os jovens. Os jovens desenvolveram a fluência na língua portuguesa, aprenderam o conhecimento de Matemática, contar dinheiro, ir ao banco, fazer compras, ler e escrever em suas línguas e na língua portuguesa e conhecimentos de informática. Considerando que os jovens exercem a representatividade e o poder de “falar em nome de”, “decidir em nome de”, “ser a boca que fala pelo outro”, ainda que tais práticas até então, estranhas à dinâmica política Yanomami, para quem a fala não se delega, isto é, não se fala em nome de alguém, ainda assim, os jovens não se intitulam lideranças e sim representantes, e suas escolhas a partir de critérios de conhecimento do mundo napë para assumir a diretoria da Hutukara não significa perda de poder dos velhos frente aos mais novos. Para os pata thëpë os jovens não se tornam chefes por ocuparem posto da diretoria da Hutukara, ao contrário, se distanciam da vida Yanomami, na medida em que se envolvem cada vez mais com a vida dos não índios. Os prolongados meses que permanecem na cidade, e afastamento das aldeias e do

92 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 79-96, jul./dez. 2015 “mundo Yanomami”, constituem em ingredientes que os afastam cada vez mais da possibilidade de tornarem-se pata. Tornar-se-á grandes pata pë quem aprender bem os cantos, as histórias de seus antepassados, constituírem família e fundarem aldeia. Os pata thëpë consideram os jovens em processo de formação, e que, ainda não possuem os ingredientes consti- tutivos do ser uma liderança. Entretanto, aos pata thëpë a presença dos jovens em as- sembléias, reuniões e eventos é vista como necessária, por decodificarem com mais habilidade, a construção do mundo dos não índios, e acolhem os conhecimentos destes jovens. Os domínios, dos velhos e dos jovens estão conectados pelos mesmos princí- pios: a fala e conhecimento, e ambos enfatizam a defesa dos direitos Yanomami, por isso, não se trata de uma ruptura, ou crise de gerações entre jovens e velhos, e sim de caminhos distintos de construção de referenciais por meio dos quais constroem a força do seu discurso.

Referências

ALBERT, Bruce; Gale Goodwin Gomez (Orgs). Saúde Yanomami, um anual. etno- linguístico. Coleção Eduardo Galvão, Museu Goeldi, Belém – Pará, 1997.

______. A fumaça do metal: história e representação do contato entre os Yanomami. Anuário Antropológico/89. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1992. p. 151-189.

______. Introdução: cosmologias do contato no Norte-Amazônico. In: ALBERT, Bruce; RAMOS, Alcida Rita (eds.) Pacificando o branco: cosmologias do contato no Norte-Amazônico. São Paulo: Editora da Unesp, 2000a. p. 9-21.

______. O ouro canibal e a queda do céu: uma crítica xamânica da eco- nomia política da natureza. In: ALBERT, Bruce; RAMOS, Alcida Rita (eds.) Pacificando o branco: cosmologias do contato no Norte-Amazônico. São Paulo: Editora da Unesp, 2000b. p. 239-270.

______. Associações Indígenas e Desenvolvimento Sustentável na Amazônia Brasileira. Povos Indígenas no Brasil 1996/2000, Instituto Socioambiental.

______. Os Yanomami. Povos Indígenas no Brasil, Instituto Socioam- biental.Disponívelem:, acesso em: 20 ago. 2011.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 79-96, jul./dez. 2015 93 ARRUDA, Rinaldo. Representação e participação indígena nos processos de ges- tão do “campo indigenista”:Que democracia? Revista ANTHROPOLÓGICAS, ano 7, volume 14 (1 e 2): 35-45 (2003).

BARTH, Fredrik. Os grupos étnicos e suas fronteiras, 2000, p. 25-27.

BECKER, B.K., M. MIRANDA e L.O. MACHADO. 1990. Fronteira Amazônica. Questões sobre a Gestão do Território. Brasília: Editora da UnB, Rio de Janeiro: UFRJ.

CARVALHO, Maria Auxiliadora. Relatório de campo. CCPY, 2002-2006

CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado, 5ª edição, editora Francisco Alves, 1990.

______. Arqueologia da violência - ensaios de antropologia política, editora brasiliense, 1982.

CCPY – Comissão Pró- Yanomami. Haximu: foi genocídio! Documentos Yanomami, n° 1 – 2001.

______. Boletim Pró-Yanomami, Nº 83, 09 - Novembro – 2006.

______. Fronteira agro-pecuária e Terra Indígena Yanomami, docu- mentos Yanomami, n° 03 – julho 2003.

______. Pesquisa e ética: o caso Yanomami, documentos Yanomami, n° 02 – julho 2002.

______Relatório do Programa Agroflorestal Yanomami, 2005.

DO PÁTEO, Rogério Duarte. Niyayu: relações de antagonismo e aliança entre os Ya- nomam da Serra das Surucucus (RR). Tese (Doutorado em Antropologia) – Universida- de de São Paulo, São Paulo, 2005.

______. Palavras e Performance. Cultura e Pensamento, ensaio publi- cado no site: www.cultura.gov.br/, em: agosto de 2006.

GALLOIS, Dominique Tilkin. “Nossas falas duras”: discurso político e autorepre- sentação Waiãpi. In: ALBERT, Bruce; RAMOS, Alcida Rita (eds.) Pacificando o branco: cosmologias do contato no Norte-Amazônico. São Paulo:Editora da Unesp, 2000. p. 205-237.

HUTUKARA SOBRE MINERAÇÃO EM TERRA INDIGENA. Matéria publica- da no site: http://hutukara.org/, em: agosto de 2011.

94 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 79-96, jul./dez. 2015 KROEMER, Gunter. Kunahãmade O povo do Veneno Sociedade e Cultura do Povo Zuruahá. Edições mensageiros, Conselho Indígena de Roraima, Belém, 1994.

LE TOURNEAU, François Michel. Colonização agrícola e áreas protegidas no Oeste de Roraima. Documentos Yanomami, nº 3 – 2003.

MCCALLUM, Cecilia. O corpo que sabe: da epistemologia kaxinawá para uma an- tropologia médica das terras baixas sul-americanas. In: ALVES, P. C. e RABELO, M. C. (org.) Antropologia da saúde: traçando identidade e explorando fronteiras. Rio de Janeiro: Relume Dumará/Editora FIOCRUZ, 1998. p. 215-245.

______Alteridade e sociabilidade Kaxinawa: perspectivas de uma antropologia da vida diária. Rev. Bras. de Ci. Soc., São Paulo : Anpocs, v. 13, n. 38, out. 1998.

NILSSON, Maurice Seiji Tomioka. Efeitos da mobilidade Yanomami sobre o ecos- sistema florestal de seu território. Dissertação de mestrado, Instituto de Pesquisa da Amazônia, Manaus 2010.

OS ESPIRÍTOS XAPIRIPË. Matéria publicada no site: http://pib.socioambiental. org

PACHECO, Oliveira. Ensaio em Antropologia Histórica. Rio de Janeiro, UFRJ.

SANTILLI, Paulo. Matéria publicada no site: http://socioambiental.org/, em: dezem- bro de 2004.

PELLEGRINI, Marcos Antônio. Discursos Dialógicos: Intertextualidade e Ação Po- lítica na Performance e Autobiografia de um Intérprete Yanomami no Conselho distrital de Saúde. Tese de Doutorado em Antropologia Social, Universidade Federal de Santa Catarina, 2008.

RIVIÈRE, Peter. O indivíduo e a sociedade na Guiana, Edusp, 2001, p. 16.

RAMALHO, Moisés. Os Yanomami e a Morte. Tese de Doutorado, 2006, USP.

RAMIREZ, Henri. A prática Yanomami, CCPY, 1999.

SANTOS, Nelvio Paulo Dutra. Políticas Públicas, Economia e Poder: O Estado de Roraima entre 1970 e 2000, Belém, 2004

SILVA, Ângela Maria Moreira; MOREIRA. Normas para Apresentação dos Tra- balhos Técnico–Científicos da UFRR. Editora UFRR – Universidade Federal de Roraima, Boa Vista – 2007.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 79-96, jul./dez. 2015 95 SMILJANIC, Maria Inês. O corpo Cósmico: O Xamanismo entre os Yanomae do Alto Toototopi. Tese de doutorado, Unb, 1999.

SEEGER, Anthony; DA MATTA, Roberto e VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. A construção da pessoa nas sociedades indígenas brasileiras. Boletim do Museu Na- cional, n. 32, p 2-19, 1979.

VIVEIROS, Eduardo; DE CASTRO. O Nativo Relativo. Mana, abr 2002, V. 8, n°.1 p. 113-148.

______. Amazônia Etnologia e História Indígena, editora USP, 1993.

URIHI, A TERRA FLORESTA. Matéria publicada no site: http://pib.socioambien- tal.org, em: agosto, 2011.

Urihi Saúde Yanomami, boletim 02/2000.

96 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 79-96, jul./dez. 2015 M. Auxiliadora L. de Carvalho *

ARTIGO THE YANOMAMI SOCIOPOLITICAL DYNAMICS IN THE CONTEXT OF THE HUTUKARA CREATION: THE PATA THËPË AND THE EMERGENCY OF YOUNG POLITICAL LEADERSHIPS Abstract Resumo The current study is an effort to understand O presente estudo é um esforço de aproximação the Yanomami sociopolitical dynamic in the da dinâmica sociopolítica Yanomami a partir context of mobilization and articulation that do contexto de mobilizações e articulações que preceded the establishment of Hutukara antecederam a criação da Hutukara Associação Yanomami Association; in that context, Yanomami, em que novos padrões de diálogos new patterns of dialogs and knowledge e construção de conhecimentos foram sendo were established, fact that has delineated fertilizados, delineando novas relações entre new forms of relationship between youth lideranças tradicionais e as jovens lideranças. and elder leaders. From reads in ethnology, Por meio da pesquisa de fontes etnológicas, history and I my own ethnography work, historiográficas e de minha própria etnografia, I try to understand the place of the new buscam-se compreender o lugar desta forma de organization in the sociopolitical dynamic organização na dinâmica sociopolítica Yanomami, of Yanomami and its implication for the e as implicações nas relações entre os grupos locais, local groups and also in the relationship as lideranças tradicionais e os jovens líderes, e between traditional and youth leaders. I a adoção da representação política. Procura- try to show that speech and knowledge are se mostrar que a fala e o conhecimento são dois the two major principles that connect the princípios que conectam lideranças tradicionais e youth and traditional leaders; the choice os jovens representantes, e que a escolha dos jovens of youth leaders as major political speaker como representantes não significa perda de poder does not mean the elder’s loss of power; dos velhos frente aos mais novos, e que a presença the Yanomami see the presence of the dos jovens em assembléias, reuniões e eventos é vista youth in the meetings as necessary, due to pelos Yanomami como necessária, por decodificar the necessity of decoding their relationship com mais habilidade, a construção do mundo dos with non-Indians. não-índios.

Keywords: Yanomami; Etnologia Palavras-Chave: Yanomami; Ethnology; Indígena; Política Indígena. Indigenous Politics.

* Bachelor of Social Science major in Anthropology and a Master of Society and Borders from the Federal University of Roraima.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 97-116, jul./dez. 2015 97 Introduction

The challenge of going down by the thematic of Yanomami political dynamics, taking the traditional leaderships and the young representatives, in the field of the experience of institutionalized representation, was born from the insertion and acti- ve participation in the mobilization processes and construction of the Hutukara Ya- nomami Association. Especially so, in the Toototopi region, in function of the work of accompaniment to the Yarapiari Project teachers - Yanomami Teachers Training at the level of Indigenous Magisterium - developed by the Program of Intercultural Education created by the Pro-Yanomami Commission1 in the period of April 2002 to August 2006, as a field pedagogical counselor. The entire population is fluent in the native languages, and in other dialects that come from the diverse Yanomami sub-groups, therefore, the attainment of informa- tion, meetings registers, assemblies, courses and leadership speeches had been made by means of translations from the several Yanomami languages. Inside the picture of the support network built to the Yanomami people has been reinforced after their territory homologation in 1992, there are the national and international Governmental Organizations, the Non-Governmental Organizations, the local, regional and national Organizations, Indigenous and religious Organiza- tions. The Education Projects implanted by the CCPY, Diocese of Roraima and Secoya - Service and Cooperation with the Yanomami People, in the several regions which constitutes the Yanomami land, had created literate conditions for a signifi- cant contingent of children and young people, creating the grounds to leverage the formation of microscope technicians and teachers. Due to the increasing popularity in speaking of the Portuguese language by teachers, some indigenous agents of he- alth, agro-forest agents, plus two good-carriers2, the sayings and speeches of these young people have been obtained in Portuguese. It does not constitute a study goal to make historical analysis either upon the speech of traditional leaderships or that of the youth, out of the context of the political organization experience, but to deal with the pata thëpë3 and young Yano- 1 “The Pro-Yanomami comission, a Non-Governmental Organization created in 1978, developed a work to support the schools and Teachers formation by means of the Intercultural Education Program IEP. The indigenous school education support initially began in the regions of the Demini, Toototopi and Parawau, being later extended to the Papiu, Kaynau, Catrimani I, Auaris and Homoxi regions”. 2 Goods carriers are young people responsible for loading all belongings, equipment and medicines of the Health and Education professionals as well as services providers in general, in the passages of displacement from the support rank until the villages. 3 Pata is the local leader, thë is a generic additive used when the citizen is not identified (the leader’s name, for example), pë is the plural particle.

98 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 97-116, jul./dez. 2015 mami speeches. Their acts and choices will be the main object of analysis for unders- tanding the appropriation and sustentation processes of this political organization format. The place of the Association in the Yanomami political dynamics, and the im- plications between this form of non-Indian political organization – which consists in acting by means of chosen representatives, and the grounds under the traditional leaderships (pata thëpë) and the young people (hiya thëpë) – move inside this socio- political dynamics. It takes as conducting wire the local groups, their pata thëpë and their links with a form of political organization, and the adoption of the choice of young leaderships to act in new forums of representation, constitutes aims of this article.

The pata thëpë and the adoption of political representation

The majority of the characteristics that define the position of Yanomami com- mand are similar to the ones that define commands in other indigenous groups (CLASTRES,1982; RIVIÉRE, 2000) and brings on discussions the issues related to the origins and legitimacy of the political power, the relation between leader and social body, issues related to the qualities that define an indigenous command. The construction of local command qualifications has the privileged location for its agreement in the sociability processes in the social relations that exist inside the group. The Yanomami does not possess class of defined age, in this sense, the native categories oxewi, hiya, wãro and pata, will be treated as relationary category directed to the knowledge about the proeminence of pata thë. The oxewi category does not exclusively restrict the children identification, but the wisdom of a person, that is built in a linear or non-gradual form, so the pata thëpë are the synthetizers of the amplitude of a person permeated by wisdom. At the plan of the social interaction the oxewi are completely dependents of their mothers, who represents the main source of comfort, foods and security for the newborns. Wherever they go or dislocate, they are loaded in a sling, and have the complete freedom to nurse whenever they want, and they receive as only food, the maternal milk, and eventually, of other mothers, the mother’s sisters. In the first months of life, the children receive a lace of beadings, placed in the height of the hip, so that their buttocks can develop without anatomical problems but it is also used as a shield to frighten away evil spirits. As much as the kids find

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 97-116, jul./dez. 2015 99 themselves in conditions to follow their parents in the incursions to the forest, they play and carry through small tasks when they want, being free to try and discover. The construction of autonomy can be observed in the act of falling, for exam- ple. When falling, or if they hurt themselves, they must arise on their own; no inter- ference coming from the adults is allowed but for that in a second moment, which it is only assented to the mother, the act of helping and consolation. In the process of identification as ahyia , the same ones starts to be requested for determined learnings of the tasks demanded by their sex. The boys receive from their fathers arcs and arrows, which they use to practice in birds, butterflies, trunks of banana trees, and carry through small fishing activities at the water’s edge. The girls pass through the nose perforation process (only women who know how to handle sharp objects made of animal bones are allowed to be in charge of this procedure), as well as punctures in the next laterals to the mouths, under the inferior lip, in which small rods made of a slim bamboo specie with tips decorated with mutum feathers will be introduced. Still in this stage, they start to wear the be- ading ornaments used in the frontal part and others circulating the hip, right above the pesimakii (a small thong made of cotton, dyed in red), and in the superior part of the arms, place where flowers and perfumed leaves are inserted. It is in this phase that the girls are promised to their future husbands. Boys and girls are grouped separately, so they form infantile groups to bathe in the rivers; it is common for the boys to make girls cry, and as a consequence to the aggressive tricks that they repeatedly do. The fights involve exclusively the boys, and nobody can intervene, they fight until they are exhausted. However, while the parents and other adults stimulate them to show their bravery, in the male infantile disputes, few times there is a winner, the corporal fight end when they reach the limit of physical tiredness; none of the fighters tries to escape, because it is considered a dishonor. In almost all cases, they leave crying, the mothers receive them, deal with their wounds and consoles them as well; it is the learning of the practical attributes of the strong and fearless warlike man. The girls’ rite of passage or initiation for the adult life occurs during the me- narche. In this period, the girls are inmates, inside of a small house made of straw, the maloca. They cannot eat salt, tapir meat, jaw, caititu, guariba monkey, drink water without pepper (it prevents allergy), they cannot eat papaya (it prevents the sprou- ting of bubo), cannot walk in the forest (otherwise snakes and jaguars might appear), neither can walk in the slash (because the plants become dry), cannot see the sky

100 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 97-116, jul./dez. 2015 (because the rain will fall without stopping), cannot see other people (only the mo- ther) or to stay closer to men (otherwise the man becomes fearful, and he does not participate of war,because his soul weakens), they don’t eat excessively; they do not use tobacco, they cannot take bath, they only keep staring to the ground. It is only after the sanguine flow interruption, that the mother will be able to excuse the cares with corporal hygiene and her beauty treatment. It is the mother who bathes the girl, and paints with urucum ink (in order to not frighten the jaguar), she decorates the arms with flowers, and along with other women go to the forest and start the crab hunting. In the case of boys, when they enter the phase of voice transformation, they re- main lying in their hammocks during approximately six days. In this time, the parents are the ones who advise them and also offer food. The feeding is limited to small bananas baked and boiled with pepper, some types of fish as piaba, which must be consumed with pepper, but without salt. In this period they cannot walk regularly, as well as eat any type of bush meat, drink açaí, bacaba or patauá juice, to eat cassava, beiju, taioba, to use tobacco (in or- der not to lose their teeth), to drink water without pepper, and they cannot eat big bananas (because they believe it will cause column aches in the future). When the “reclusion” period ends, the boy is allowed to hunt in distant places. Such processes as it certifies Alcida Ramos (1999) symbolize the attribution of a conditional status that the group grants to the young members, and may result in the first serious opportunity to enter in the adult group. The admission of young people from this category in the group of men has in the henimou (moment where groups of men carry through huntings to funeral ceremonies) a symbolic practice of acceptance for the requirements of the adult life. The definitive ingression to the new processes and requirements for the adult life starts from the marriage, which marks in a symbolic way the beginning of new experiences, the duties include to protect the wife’s parents and obligatorily serve them in diverse types of services. Further on, the attribute of wãro pata “adult man” is given in the moment that he becomes a grandfather. The reference pata thë is the assignment of identification of the mature person, and it constitutes itself as the most important phase in a man’s life, because it is when he gets status and recogni- tion from the group, regarding his maturity. The pata thë is the group representative in the relation with other groups, with relatives, acquaintances, other local groups, with other indigenous peoples and with the non-indians; he is the figure that establishes and performs the formal relation

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 97-116, jul./dez. 2015 101 with the groups or visitors. His projection as a leader is endorsed in the knowledge that he demonstrates throughout his socialization process, path that evinces his wis- dom and qualities recognized by the group. The man who does not hunt or obtain meat to distribute is not only considered lazy, but also stingy, since he receives meat from hunting of the other people, but he does not repay in the same proportion. The ones that are stingy, selfish, excessively brave, quarrelsome, who steal, lie, are lazy, angry and brave, incapable of helping the others, or to share with relatives and friends what they have, or to please the friends with gifts, are not seen in a very good light to assume any type of leadership position. In many groups, the figure of shaman coincides with the figure of the head, and the linking between the shamanism and the leadership enhances the interlacing between these two forms of mastering knowledge. The shaman interacts with the cosmological elaborations in order to maintain or to restitute the group balance. The head chief is the representative of his local group in the relation with other hu- man beings: close or distant relatives from different regions or from other ethnical groups as well as the non-Indians. The shaman formation occurs in two ways: by transference, i.e. the shamans transfer the auxiliary spirits that compose their lives to their children. These auxilia- ry spirits follow and protect the shaman children since early infancy. Another type of shaman initiation are the personal motivations, based on spiritual criteria. Both motivations are not abstained, however, in both of them, the spirits’ seduction is the central motivational elements, conforming to a narrative registered by Smiljanic (1999, p. 104).

Quando eu era criança, os espíritos me assustavam. Minha rede ficava coberta de penugens brancas, depois eu tinha sono, mas não dormia assustado, eu chorava e pensava: o que está acontecendo comigo? Quando cresci, continuei a ver os espíritos auxiliares. A floresta se transformava e eu via os cupins cobertos de penugem correndo, eu os seguia e eles então voltavam pelo caminho correndo. Eu sentia medo e por isso continuava pelo caminho, o “espírito do caminho” também me assustava. Um sapo também me assustou, ele mordeu meu pé e por isso eu bati nele, então ele me disse: “não, não me bata, sou eu” e desta forma me assustou. Os espíritos das folhas e dos cipós também me assustavam cobrindo-se de penugens brancas.4

4 “When I was a child, the spirits used to scare me. My hammock remained covered with white fuzzes, later I felt sleepy, but I did not sleep scared, I used to cry and think: what is happening to me? As I grew older, I kept seeing the auxiliary spirits. The forest was transformed and I saw running termites covered by fuzz, I followed them and then they returned running on the way. I was afraid and because of this he continued on the way, the “spirit of the way” also scared me. A frog also scared me, it bit my foot, therefore I beat in it, then it said to me:

102 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 97-116, jul./dez. 2015 When they reach adult phase, the auxiliary spirits emit new signals by means of dreams, attainment of bigger success in hunting, which demonstrates their shamanic potential condition, until a given moment in which they will be initiated by the spirits and managed by the oldest shamans. Still, according to Smiljanic (1999) it is not enough that a man has submitted himself to the initiation rite or has been seduced by the forest spirits to become a socially recognized shaman. A shaman must look for knowledge expansion, respect the taboos concerning sex, and follow the alimentary prescriptions. The shaman abilities, expressed by means of the spirituals reading related to all the processes of social life, may be perceived in the cares towards people from the group; in the provision of information regarding the danger that surround the village; in the treatment of diseases; or yet, in the guiding on fishing and hunting situations in order to successfully accomplish the survival activities; The emergency and legitimacy of a leadership endorses itself in the knowled- ge that is put to service in favor of the community: a good hunter, agriculturist or fisherman, a good orator, a good shaman, or a good administrator are important because they have developed techniques, knowledge and wisdom above average. Upon these socio-physical differences, it is possible to build sociopolitical differen- ces (RAMOS, 1995, p. 67). In the daily speeches, the Yanomami mention the knowledge of a person - ei- ther it is a child, adult or aged -, diagnosed in four levels: thai waisipi mahiowi (one knows very little), thai waisipiwi (one knows a little), thai hathoho (one knows more or less) and thai mahi (one knows a lot), a kind of diagnosis that applies to some situa- tions, not limiting itself to the age-group or to the idea of rigid and fixed stages, the knowledge thai mahiowi, is an employed qualifier to thepata thëpë. Referring to the pata thëpë, in contexts of political definitions, asking to a young Yanomami about decisive topics, it is common to hear: “taimi; pata thëpë xiro thai”, “I do not know, the old men are those who know”. On the other hand, it is common to hear warnings from the old ones, related to the little experience and knowledge of the young ones regarding to the wise men issues. The wisdom is tied to the idea of mature man, not young people. The leader, possessor of an unquestionable oratory talent, is the responsible for carrying through the hereamou - one of the main mechanisms of education of the youth and perpetuation of indigenous tradition, because it articulates the past, since immemorial times, reframing the present -. Thus, in the first hours of the dawn, “no,don’t hit me,it’s me ” and in this way he scared me. The leaves and liana spirits also scared me covering themselves with white fuzzes.”

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 97-116, jul./dez. 2015 103 before the sunrise or in the transition afternoon-night, he goes to the center of the village, and by means of many gestures, he makes long and strong speeches. The daily hereamou occurs inside a routine where co-residents keep doing their habitual tasks without alterations. Lying in their hammocks, feeding themselves – in their main meals schedule –, nobody stops the tasks to give attention to the pata speeches. When there is some type of manifestation, it usually comes from the wo- men, who show up with low voice, grumbling and mumbling to be heard only by the husband. The husband, fed with the wife’s information, manifests himself in a jesting tone and his comments are received by the others with laughs and jokes. To be a respected pata inter and among the villages, it is necessary to know how to speak well, clearly, and speak a lot. His knowledge about the Yanomami history is an essential quality and definer of his command position. It is through long speeches, that the pata convinces the people to act in an ade- quate way, and to change attitude, opinion, according to the situation. In the mor- ning speeches or in the evening, through histories of ancestors, they legitimate their points of view, calling attention for the change of thought or emphasizing aspects that are necessary to the answers for the questions placed. The old ones hope that the young people listen to their speeches, learn their way and content. The oratory of pata pë must be heard and learned, neither a debate or any process of quarrel on what he is being taught is expected, in such a way, to generate agreement and to manage the disagreement are constituent elements of the traditional leaderships. Broader issues related to health, education, the Association and others, are car- ried through in partnership with other villages, the hereamou Inter-villagers, with a more politician characteristic, occurs in public spaces. They do not have an exclusive place, are communal spaces, destined exclusively to hold of great meetings. The rhetorical capacity of the leaderships, both in content and way of doing, contained in the assignment pata thë kohipëwi the strong speech of the leader, similar to the Wãiapi, in accordance with Gallois

remete à construção de uma retórica como estratégia cultural de produção de uma imagem de si, por outro lado, tematizam vários aspectos da reprodução econômica, social e simbó- lica desta sociedade, destacando e definindo, para fora, os elementos do seu modo de ser5 (GALLOIS, 2000, p. 222).

5 “it refers to the construction of a rhetoric as cultural strategy of production of an image of himself, on the other hand, thematize some aspects of the economic, social and symbolic reproduction of this society, detaching and defining the elements in its way of being”.

104 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 97-116, jul./dez. 2015 The oratory, the speech, is a quality sufficiently cited in the ethnographic studies that analyze issues associated to the position of command in the indigenous popula- tions. The issues raised by Marcos Pellegrini (2008: 14) about the speech, in which he examines the use of language among the Yanomami in their relations with the non- -indigenous people, starting from their proper concerns regarding communication, and the strategies used in the political action in a context that surpasses their own society, point out the importance of this qualification to the exercise of the power to command the Yanomami groups. Among the Yanomami there is a generalized expectation that all people must be married, because marriage, beyond the procreation functions, the sexual nature, among others factors becomes necessary, for economic reasons, from a gender divi- sion of work. Previously matched, they are definitely effectively together as soon as the young women lock up their reclusion period, right after their first menstruation. The residence rule indicates a strong tendency to uxorilocalidade, in which, after the marriage, the husband starts to live in the young woman family’s village; howe- ver, it is not applied to the polygynous heads. When, in the act to take in marriage a second woman, she is the one who starts to live in the husband’s house. As it is so, the leader-father-in-law accumulates more prestige in the measure that he becomes leader of many relatives for congregating in his residence, brothers, children and son-in-laws. Usually, the pata thëpë are married with two or more women. In conversations with the young professor Enio Mayanawa Yanomami of the Piau village about the polygyny of the head-chiefs, he emphasized to be a common practice to the pata thëpë of his region.

Na minha região do Toototopi os pata pë têm duas mulheres. O pata do Apiahiki tem sua primeira mulher, com quem tem cinco filhos, e tem a segunda, com quem teve um filho que já morreu. O outro pata do Rasasi, também tem duas mulheres; o pata do Xiroxiropi, também tinha duas mulheres, só que uma já morreu, só ficou a mais nova. Quando o pata pega outra mulher, a primeira fica muito triste, tem ciúme, com o tempo, depois que a outra esposa vem morar junto, ela se acostuma. (CARVALHO, fevereiro de 2004).6

6 “In my region of the Toototopi the pata pë have two women. The pata of Apiahiki has his first woman, with who he procreates and have five children, and the second woman must be a person who has a dead son, so he also procreates with her. The other pata of Rasasi, also has two women; the pata of the Xiroxiropi, also had two women, but one of them had already died, now there is only the youngest one. When the pata chooses another woman to make out with, the first one becomes very sad, she feels jealousy, but with the time, after the other wife starts to live together, she get used to it. (CARVALHO, February of 2004).”

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 97-116, jul./dez. 2015 105 As we can observe the polygyny, as among other Amazonian indigenous peo- ples, it constitutes common social practice among the Yanomami. Taking the working time as a comparative base between two polygynic heads, one from the Apiahiki village and another one from the Rasasi village, both located in the Toototopi region, it is perceived distinct working journeys between one and another. Certain day, I asked to the Rasasi pata the reason why he worked so hard, he told me that he had two women, seven kids - five men and two women - therefore, they had that to work hard in the field in order to not let the women starve. Without food, the women become angry and the small children cry. The pata of Apiahiki, that already had a wife, told me that he was hooking up with another young wife, from the Koyopi village, therefore, he had to work in his field and also in the new father-in-law’s field, give him food, gifts (machetes, ham- mocks, etc.). Reflecting on such information, I wondered: what are the advantages of having two wives and a great number of children? The answer lies in the com- prehension, in the direction where the polygyny is established. Pierre Clastres (1990, p. 27) establishes a relation between political institutions and polygyny (practice that guarantees the leader to have rights over a larger number of women) it refers, in the political life of the group, to a mechanism in which it keeps the balance between the social structure and the political institution, between leader and social body. It is circumscribed to the exchange relationship, that is to say that the group allows the head-chief to take more than one woman, however, in exchange, the group, has the right to demand from their chief generosity concerning goods, and oratory talent, tasks that their wives, in great measure, help them support. The permanent construction of a local leader cannot be seen as a simple ex- change of perpetuation of the leader’s power, but of pure and simple donation from the group to the leader, donation without counterpart, apparently destined to sanction the social statute of the detainer of a position instituted not to be changed (CLASTRES, 1982:107). The pata thëpë are the responsible for planning the economic activities and ce- remonials of the group; they host the visitors, either they are Yanomami or non- -indigenous. Although the co-residents’ relatives are not necessarily hosted by the pata thëpë, they are commonly received by their relatives, but always talk to the pata pë from the village, whom they look for in determined moments. The leader does not possess any decision-making power; he is never safe from the fact that his orientations may not be executed. There is no symmetry between the orientation and the execution, fact that marks the constant fragility of a contes- ted power, the power of the head-chief depends on the group’s willingness.

106 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 97-116, jul./dez. 2015 The amount of pata thëpë per village does not find any symmetry with the popu- lation contingent, which is not characterized by the agglomeration of great popula- tion clusters, as we could infer. To the figure of pata it is aggregated the responsibility of choosing the place to open a new field and to construct a new collective house, and also to congregate around himself son-in-laws, brothers-in-law, besides children and brothers. Howe- ver, nor always they are processes that proceed without the absence of long and lasting dialogues between local groups.

The adoption of the representation

It is in the historical context of interethnic contact that the notion of represen- tation gained political action statute. The use of the “representative” category, here is used, taking as representation notion, the idea of “somebody speaking on behalf of ”, “taking decisions and acting on behalf of ”. The formation courses had given to the young professors, health agents, a di- fferentiated qualification that had enabled them to the exercise of positions as se- cretaries, treasurer, Association coordinators , interpreters. In the context of inten- sification of the relations with state agencies, concomitant to the intensification of the trips promoted by people associated with the indigenous movements, it was expanded the reach of the social experience of several young people, and, indirectly, this process ended up in resounding in the villager context. The requests, demands and expectations that the napë pë have on the represen- tatives, has generated many times, overlappings between the figure of pata and the representative for previously selection of the privileged mediators for the communi- cation establishment. The napë pë in diverse situations frequently requests to the Ya- nomami people to represent them, they want to know who is the head of the village. These continuous requests have contributed for the construction of flocal leaders references in default of the pata ordinance according to the Yanomami criteria. In the Yanomami context, new standards of dialogues and knowledge construc- tion are being fertilized, delineating new relations between pata thëpë and the juveni- les. The domain of the Portuguese languageby the young, associated to the need of translating the napë pë speeches for the young pata thëpë, impose new rhythm and agreement of this modality of communication.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 97-116, jul./dez. 2015 107 Meeting involving leaderships of the Apiahiki, Koyopi, Xiroxiropi to discuss the creation of the Hutukara, September 6th of 2005. Reunião envolvendo lideranças do Apiahiki, Koyopi, Xiroxiropi para discutirem a criação da Hutukara, 06 de setembro de 2005.

O pata da aldeia Apiahiki (aproximadamente 52 anos, cinco filhos e duas mulheres) iniciou falando do pedido do Davi Kopenawa para que discutissem sobre a formação da Asso- ciação. Fez uma retomada da história dos antigos, desde quando moravam no Marakanã e encontraram os garimpeiros. Naquele tempo ele não conhecia os brancos, não sabia qual era o seu pensamento, agora já sabe. Os espíritos hekura pë lhes deram sabedoria para enxergar além do que é visível, pois lêem o pensamento dos “brancos” e vêem o quanto são maléficos. Então essa Associação que estão falando, vai, assim como os bons espíritos, clarear suas idéias [sic], seus pensamentos, para defender a floresta, também vai ajudar com rádios para poderem falar com os parentes quando estiverem doentes na Casa do Índio em Boa Vista; e assim encerrou seu discurso naquela noite. Seu filho G. Yanomami, agente indígena de saúde e também o mais jovem representante da comunidade, possui um discurso forte, linguagem articulada, fala português, lê e es- creve em sua língua. Em seu discurso, recheado de palavras em português, colocou os problemas de saúde em sua comunidade, enumerando as crianças que se encontram com diarréia [sic], gripe; explicou a partir das dificuldades vividas, a importância da Associação para fazer documentos para as autoridades. Defendeu a idéia de que a proximidade com os não-índios ser necessário para que fiquem mais esclarecidos e não cometerem os erros do passado. Chamou atenção para a falta de conhecimento dos velhos pata pë com relação aos não-índios, enfatizando sua habilidade com o português, que o qualifica para enten- der o pensamento dos “brancos”, requisito necessário para fazer uma Associação forte. Retomando a fala, o pata T.Yanomami, após discurso de Gerson foi até a frente e rebateu suas críticas, afirmou sua sabedoria, embora não saiba português, conhece o pensamento dos não-índios, e que somente os homens sábios possuem essa habilidade, as crianças, os jovens, inexperientes e em fase de aprendizado, devem aprender com eles. Ao término da reunião, por volta do meio-dia, todos foram chamados para o almoço em que foram distribuídos peixes e muito caxiri. Os convidados das outras aldeias retornaram às suas respectivas casas. (CARVALHO, relatório de campo, setembro de 2005)7.

7 “The pata of the Apiahik village (approximately 52 years, five children and two women) initiated talking about the Davi Kopenawa’s request so that they could debate about the Association formation. It made a retaken of the ancient people history, since the time when they lived in Marakanã and had found the gold prospectors. At that time he did not know about the existence of the white men, neither their thoughts, but he knows now. The hekura pë spirits had given them wisdom so they can see beyond what is visible, because they read the white men thoughts and see how much they are maleficent. Then this mentioned Association as well as the good spirits will clear his ideas, his thoughts to protect the forest, and they will also help with radios to be able to speak with the relatives when they are sick in the Indigenous House in Boa Vista; and thus locked up his speech in that night. His son G. Yanomami, indigenous health agent and also the youngest community representative, possesses a strong speech, articulated language, speaks Portuguese, reads and writes in his language. In his speech, full of words in Portuguese, he placed the health problems in his community, enumerating the children who suffers with diarrea, flu; he explained from the lived difficulties, the importance of the Association to write documents for the authorities. He defended the idea that the proximity with the non-indians is necessary so they can be

108 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 97-116, jul./dez. 2015 The pata thëpë and representative young people anchor their speeches in the diverse sources of knowledge in this dynamic. The young speech anchors in know- ledge about the world napë, and seeks in this type of knowledge endorsement for its representation. However, for the pata thëpë, in accordance with the Yanomami criteria, they are still in formation process. Both old and young knowledge sources have a hybrid character, that is to say that the young ones empowered by the specific knowledge of napë insert this knowledge as tool and reading in defense of Yanomami rights. The knowledge of the old ones are anchored in the totality of Yanomami social life, are their first reference under which he produces the reading of the nape world. Both emphasize the defense of the Yanomami rights is not about a rupture, or gaps between young and old generations, but of distinct ways for a construction of refe- rences by means of which they build the force of their speeches. The young ones started to understand the activities constantly carried through in the scope of the relations with the non-Indians as representation and leadership position. For they spoke Portuguese fluently and had a better understanding about the conceptions of the world to mediate the Yanomami and non-indian relations in distinct contexts outside the villages, and with the absence of the pata thëpë, the young men have started to assume roles as representative of the Yanomami. Dário Vitório Yanomami, V Pan Amazonian Forum, Debate Table: “Mining the Open Veins of the Land”:

Bom dia a todos! Eu sou Dário Yanomami, filho de Davi Yanomami, vou falar o pen- samento dos Yanomami sobre Mineração em nossas terras. A nossa terra indígena está localizada em Roraima e também no Amazonas. Tem Yanomami também na Venezuela. Nossa terra só foi homologada pelo presidente Fernando Collor, em 1992. A mineração na nossa terra ficou muito forte por que o Governo brasileiro fez o Projeto RADAMBRASIL e espalhou para os brancos que havia muito minério na terra dos Yanomami. Os garim- -peiros invadiram nossa terra, fizeram muitas pistas de avião. Quarenta mil garimpeiros en- -traram em toda terra Yanomami, trouxeram as doenças dos brancos, e muitos Yanomami morreram de malária, e outras doenças. Nós sofremos muito. Atualmente, nós Yanomami voltamos a crescer, somos dezenove mil Yanomami, por isso, não queremos garimpo, nem more clarified and don’t commit the errors of the past. He called attention for the lack of knowledge of the old pata pë regarding to the non-indians, emphasizing his ability with the Portuguese language, who qualifies him to understand the thoughts of the “white men”, necessary requirement to make a strong Association. Retaking the speech, the pata T.Yanomami, after Gerson’s speech he went until the front and countered his critics, affirmed his wisdom, although he does not know Portuguese, he knows the non-indians thoughts , and that the wise men only possess this ability, the children, the young, inexperienced and in learning phase, must learn with them. In the end of the meeting, around the noon, all of them were invited to the lunch time where fish and a lot of caxiri was distributed. The guests of the other villages had returned to their respective houses. (CARVALHO, field report, September of 2005).”

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 97-116, jul./dez. 2015 109 mineradora em nossas terras. A Constituição Federal garante os nossos direitos; o artigo 232 da Constituição Federal garante nosso direito de território. Agora, os políticos, o Ro- -mero Jucá, querem fazer Lei de mineração nas terras indígenas, se isso acontecer, se os brancos invadirem nossa terra novamente, os Yanomami vão fazer guerra. Os brancos têm bombas, mas nós não temos medo, vamos fazer guerra usando arcos e flechas para defen- der nosso território. (CARVALHO, relatório novembro de 2010).8

It is possible to evidence that the young men are aware of the choice of what to say, who to say, and when to say. They are aware against the expectations that the non-indians project and construct representations on what is to be a Yanomami, in this it is include the projections of the Yanomami as a unified and cohesive people. Of ownership of these world information napë , the young Yanomami, with more fluency in the Portuguese language, in Mathematics, that know how togo to the bank, to count money, to make purchases, to read and write stimulated the production of a differentiated position inside the Yanomami society. Their presence in assemblies, meetings and events it is seen by the Yanomami and non-Indians as necessary for decoding with more ability the construction of the non-Indians world. These attributes had passed to be perceived by these young men as exclusive adjectives that guarantees to them differentiated status and place them in prominence and power to filter, also, the translation of the speech of thepata thëpë, for suppose- dly withholding greater knowledge upon the non-indians. Besides, the young people contribute by means of their salaries, with industrialized goods for the network of relations among themselves and among local groups. It is observed in the youngest leaderships’ speeches (as mentioned previously), a way of speaking that adjusted in accordance with the interlocutors. In the local assemblies, we perceive the traditional structure of the strong speech, at the same time, mix with the native way of speaking, expressions stuffed with words in Portu- guese, indicating its importance to the nucleus of the speech.

8 Good moorning to everybody! I am Dário Yanomami, Davi Yanomami’s son, I will talk about the thought of the Yanomami about Mining in our lands. Our indigenous land is located in Roraima and also in Amazon. There are also Yanomami people in Venezuela. Our land was homologated by the president Fernando Collor, only in 1992. The mining in our land became very strong because the Brazilian Government created the RADAMBRASIL project and spread for the whites that there were so much more in the Yanomami land. The gold prospector had invaded our land and builts lots of airplane tracks. Forty thousand prospectors had entered in all Yanomami land, they had brought the illnesses of the white men, and lots of Yanomami died of malaria, and other diseases. We faced too much suffering. Currently, we Yanomami started to grow again, we are nineteen thousand Yanomami, therefore, we do not want gold prospecting nor mining in our lands. The Federal Constitution guarantees our rights; The article 232 of the Federal Constitution guarantees our right of territory. Now, the politicians, like Romeró Jucá, wants to make a mining law in the a indigenous lands, if it happens, if the white men invade our land again, the Yanomami will start a war. The white men have bombs, but we do not have fear, we will make war using arcs and arrows to defend our territory. (CARVALHO, report November of 2010).

110 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 97-116, jul./dez. 2015 However, they know that to acquire status of pata they will have to learn and fulfill all the requirements for acquisition of a wisdom that will only come with time and maturity. The choice of the young ones to assume the direction of Hutukara does not mean loss of power from the old ones to the new ones. For the pata thëpë the young men do not become head-chiefs because of their occupation as direction rank, trea- sure-house of the Hutukara, in contrast, it distances itself from the Yanomami life, as they involve themselves more in the life of the napë pë. The elders do not feel threatened by the young, since the professors are still young for the command. A young that remains months and months in the city involves himself constantly with alcoholic beverage, that marries napë woman or indigenous from another group, moves away from the qualities that define a Pata, and it is difficult for them to be recognized by the Yanomami as a great head-chief.

A comunidade observa quem é de confiança, quem não faz besteira ou se envolve com be- -bida alcoólica. Só assim é que podem ser representantes. Os representantes têm que ouvir os pata thëpë e obedecer, senão eles tiram, não vai mais representar os Yanomami. Os pata thëpë cuidam dos jovens representantes quando estão na cidade, mandam os espí- -ritos cuidarem de nós para não adoecermos, nos protegem para não pegarmos gripe. Eles aconselham nós jovens para termos juízo; quando viajar para a cidade não fazer filho com as mulheres napë nem com outras mulheres de outras etnias. Eles aconselham a comermos pouco a comida dos napë, para evitar que nossa alma enfraqueça. Se comermos muito a comida dos napë, futuramente, se quisermos ser xamãs, vamos sofrer muito. Os pata thëpë nos aconselham para ficarmos até dois meses na cidade, no máximo três meses, depois devemos voltar para a floresta. É assim que os pata thëpë falam pra nós. (Enio Mayanawa Yanomami, professor e diretor da Hutukara, novembro, 2011).9

9 The community observes who is reliable, who does not take silly decisions or involves themselves with alcoholic beverage. It is only following certain rules that the they can be representatives. The representatives have to hear the pata thëpë and to obey, otherwise the Yanomami remove them from the power, and they do not represent the Yanomami anymore. The pata thëpë takes care of the young representatives when they are in the city, they send the spirits to take care of us so we do not get sick, they protect us in so we do not get the flu. They advise us, the young ones, to think wisely; when travelling to the city do not procreate with napë women nor women from other ethnicities. They advise us to do not exagerate eating the napë,food to avoid our soul weakening. If we eat too much the food of napë, in the future, if we want to be shamans, we will suffer a lot. The pata thëpë advises us to stay in the city only for two or three months, nothing more, then we must return to the forest. And this is the way Pata Thëpë talk to us. (Enio Mayanawa Yanomami, professor and director of the Hutukara, November, 2011).

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 97-116, jul./dez. 2015 111 Final considerations

The initial question that instigated and aroused my interest, since the beginning of this research, was to understand the place of the Association in the Yanomami sociopolitical dynamics, the movement of the pata thëpë and the young Yanomami leaders inside of these dynamics, and the implications that this form of political organization, for it operates politically by means of chosen representatives. The interethnic contact with different agents of the national society, including the state, the several expansion fronts, and especially the work of the support ne- tworks, have generated new standards for dialogues and construction of knowledge between the pata thëpë and the youth. The young men have developed their fluency in Portuguese, they have learned the knowledge of Mathematics, how to count mo- ney, how to go to the bank, to go shopping, to read and write in their languages and in Portuguese and have developed notions concerning computers. The young men exert the representation and the power of “speaking on behalf of ”, “to decide on behalf of ”, “to be the mouth that speaks for the other”, even though such practices till then were weird to the Yanomami political dynamics, for those who speech was not allowed – which means they cannot talk on behalf of somebody. Even so, the young men are not considered leaderships, but represen- tatives, and their choices from criteria of knowledge of the napë world to assume the direction of the Hutukara do not mean loss of power from the old face to the new. For the pata thëpë the young men do not become head-chiefs for occupying the Hutukara direction rank; in contrast, they distance themselves from the Yanomami life as they become more involved in the non-Indians life. The extended months that they remain in the city, and the removal of the villages from the “Yanomami world”, constitute ingredients that increasingly move them away from the possibility to become a pata. They will become great pata pë if they learn the hymns, the histories of their an- cestors, constitute family and establish a village. The pata thëpë consider the young men in formation process not to possess the constituent ingredients for being lea- ders. However, to the pata thëpë, the presence of the youth in assemblies, meetings and events is seen as necessary, because they decode with more ability, the construc- tion of the non-Indians world and receive knowledge from them. The domains of the old ones and the young are connected by the same princi- ples: the speech and the knowledge, and both emphasize the defense of the Yano-

112 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 97-116, jul./dez. 2015 mami rights. Therefore, it is not about a rupture, or generation gaps between young and old, but of distinct ways for constructing references by means of which they construct the force of their speech.

References

ALBERT, Bruce; Gale Goodwin Gomez (Orgs). Saúde Yanomami, um anual. etno- linguístico. Coleção Eduardo Galvão, Museu Goeldi, Belém – Pará, 1997.

______. A fumaça do metal: história e representação do contato entre os Yanomami. Anuário Antropológico/89. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1992. p. 151-189.

______. Introdução: cosmologias do contato no Norte-Amazônico. In: ALBERT, Bruce; RAMOS, Alcida Rita (eds.) Pacificando o branco: cosmologias do contato no Norte-Amazônico. São Paulo: Editora da Unesp, 2000a. p. 9-21.

______. O ouro canibal e a queda do céu: uma crítica xamânica da eco- nomia política da natureza. In: ALBERT, Bruce; RAMOS, Alcida Rita (eds.) Pacificando o branco: cosmologias do contato no Norte-Amazônico. São Paulo: Editora da Unesp, 2000b. p. 239-270.

______. Associações Indígenas e Desenvolvimento Sustentável na Amazônia Brasileira. Povos Indígenas no Brasil 1996/2000, Instituto Socioambiental.

______. Os Yanomami. Povos Indígenas no Brasil, Instituto Socioam- biental.Disponívelem:, acesso em: 20 ago. 2011.

ARRUDA, Rinaldo. Representação e participação indígena nos processos de ges- tão do “campo indigenista”:Que democracia? Revista ANTHROPOLÓGICAS, ano 7, volume 14 (1 e 2): 35-45 (2003).

BARTH, Fredrik. Os grupos étnicos e suas fronteiras, 2000, p. 25-27.

BECKER, B.K., M. MIRANDA e L.O. MACHADO. 1990. Fronteira Amazônica. Questões sobre a Gestão do Território. Brasília: Editora da UnB, Rio de Janeiro: UFRJ.

CARVALHO, Maria Auxiliadora. Relatório de campo. CCPY, 2002-2006

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 97-116, jul./dez. 2015 113 CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado, 5ª edição, editora Francisco Alves, 1990.

______. Arqueologia da violência - ensaios de antropologia política, editora brasiliense, 1982.

CCPY – Comissão Pró- Yanomami. Haximu: foi genocídio! Documentos Yanomami, n° 1 – 2001.

______. Boletim Pró-Yanomami, Nº 83, 09 - Novembro – 2006.

______. Fronteira agro-pecuária e Terra Indígena Yanomami, docu- mentos Yanomami, n° 03 – julho 2003.

______. Pesquisa e ética: o caso Yanomami, documentos Yanomami, n° 02 – julho 2002.

______Relatório do Programa Agroflorestal Yanomami, 2005.

DO PÁTEO, Rogério Duarte. Niyayu: relações de antagonismo e aliança entre os Ya- nomam da Serra das Surucucus (RR). Tese (Doutorado em Antropologia) – Universida- de de São Paulo, São Paulo, 2005.

______. Palavras e Performance. Cultura e Pensamento, ensaio publi- cado no site: www.cultura.gov.br/, em: agosto de 2006.

GALLOIS, Dominique Tilkin. “Nossas falas duras”: discurso político e autorepre- sentação Waiãpi. In: ALBERT, Bruce; RAMOS, Alcida Rita (eds.) Pacificando o branco: cosmologias do contato no Norte-Amazônico. São Paulo:Editora da Unesp, 2000. p. 205-237.

HUTUKARA SOBRE MINERAÇÃO EM TERRA INDIGENA. Matéria publica- da no site: http://hutukara.org/, em: agosto de 2011.

KROEMER, Gunter. Kunahãmade O povo do Veneno Sociedade e Cultura do Povo Zuruahá. Edições mensageiros, Conselho Indígena de Roraima, Belém, 1994.

LE TOURNEAU, François Michel. Colonização agrícola e áreas protegidas no Oeste de Roraima. Documentos Yanomami, nº 3 – 2003.

MCCALLUM, Cecilia. O corpo que sabe: da epistemologia kaxinawá para uma an- tropologia médica das terras baixas sul-americanas. In: ALVES, P. C. e RABELO, M. C. (org.) Antropologia da saúde: traçando identidade e explorando fronteiras. Rio de Janeiro: Relume Dumará/Editora FIOCRUZ, 1998. p. 215-245.

114 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 97-116, jul./dez. 2015 ______Alteridade e sociabilidade Kaxinawa: perspectivas de uma antropologia da vida diária. Rev. Bras. de Ci. Soc., São Paulo : Anpocs, v. 13, n. 38, out. 1998.

NILSSON, Maurice Seiji Tomioka. Efeitos da mobilidade Yanomami sobre o ecos- sistema florestal de seu território. Dissertação de mestrado, Instituto de Pesquisa da Amazônia, Manaus 2010.

OS ESPIRÍTOS XAPIRIPË. Matéria publicada no site: http://pib.socioambiental. org

PACHECO, Oliveira. Ensaio em Antropologia Histórica. Rio de Janeiro, UFRJ.

SANTILLI, Paulo. Matéria publicada no site: http://socioambiental.org/, em: dezem- bro de 2004.

PELLEGRINI, Marcos Antônio. Discursos Dialógicos: Intertextualidade e Ação Po- lítica na Performance e Autobiografia de um Intérprete Yanomami no Conselho distrital de Saúde. Tese de Doutorado em Antropologia Social, Universidade Federal de Santa Catarina, 2008.

RIVIÈRE, Peter. O indivíduo e a sociedade na Guiana, Edusp, 2001, p. 16.

RAMALHO, Moisés. Os Yanomami e a Morte. Tese de Doutorado, 2006, USP.

RAMIREZ, Henri. A prática Yanomami, CCPY, 1999.

SANTOS, Nelvio Paulo Dutra. Políticas Públicas, Economia e Poder: O Estado de Roraima entre 1970 e 2000, Belém, 2004

SILVA, Ângela Maria Moreira; MOREIRA. Normas para Apresentação dos Tra- balhos Técnico–Científicos da UFRR. Editora UFRR – Universidade Federal de Roraima, Boa Vista – 2007.

SMILJANIC, Maria Inês. O corpo Cósmico: O Xamanismo entre os Yanomae do Alto Toototopi. Tese de doutorado, Unb, 1999.

SEEGER, Anthony; DA MATTA, Roberto e VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. A construção da pessoa nas sociedades indígenas brasileiras. Boletim do Museu Na- cional, n. 32, p 2-19, 1979.

VIVEIROS, Eduardo; DE CASTRO. O Nativo Relativo. Mana, abr 2002, V. 8, n°.1 p. 113-148.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 97-116, jul./dez. 2015 115 ______. Amazônia Etnologia e História Indígena, editora USP, 1993.

URIHI, A TERRA FLORESTA. Matéria publicada no site: http://pib.socioambien- tal.org, em: agosto, 2011.

Urihi Saúde Yanomami, boletim 02/2000.

116 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 97-116, jul./dez. 2015 Jaci Guilherme Vieira * Gregorio F. Gomes Filho **

ARTIGO FORTE SÃO JOAQUIM: DE MARCO DA OCUPAÇÃO PORTUGUESA DO VALE DO RIO BRANCO ÀS BATALHAS DA MEMÓRIA – SÉCULO XVIII AO XX

Resumo Abstract Este artigo trata do papel do Forte São This article deals with the role of Fort São Joaquim na consolidação da fronteira e da Joaquim in the consolidation of frontier occupation ocupação do vale do rio Branco, localizado in the Valley of Rio Branco, currently state of no atual estado de Roraima. Busca Roraima. The aim is to understand the process compreender o processo de ocupação da of occupation of the region by the end of 18th e região no final do século XVIII e XIX, 19th centuries, and also to describe the portuguese descrever a política colonial portuguesa policies throughout these centuries. Besides, the e imperial brasileira. Discutir questões article addresses questions related to the memory of relacionadas à memória do Forte São the Fort, focusing in the social actors involved in the Joaquim, procurando dar maior ênfase aos process. Such discussion involves several segments sujeitos participantes desse processo. Além of regional society, specially the so called “families da discussão sobre a disputa pela memória pioneers”; some of these families are originally do Forte São Joaquim, questão que related to those persons with established the Fort in envolve diversos segmentos da sociedade the late 18th century. roraimense, memória que foi apropriada pelas chamadas famílias “pioneiras”, em Keywords: Roraima; Fort São Joaquim; que algumas delas têm suas origens ligadas Memory. a ex-integrantes da fortificação, e a utilizam para justificar suas posses e consolidar seu lugar social.

Palavras-Chave: Roraima; Forte São Joaquim; Memória.

* Possui graduação em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (1988), mestrado em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (1994). Doutor em História pela Universidade Federal de Pernambuco (2003). Pós doutor pela Universidade Federal do Pará (2015). Atualmente é professor associado da Universidade Federal de Roraima. ** Possui graduação em Bacharelado em História pela Universidade Federal do Pará (2007), graduação em Licenciatura Plena em História pela Universidade Federal do Pará (2006) e mestrado em História pela Universidade Federal de Santa Maria (2013).

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 117-136, jul./dez. 2015 117 Introdução

Em meados do século XIX, ainda que pouco atrativo para os colonos, o vale do rio Branco já era uma realidade como área de ocupação não-indígena, porém sem a atuação do Estado português, na segunda metade do século XVIII, por meio da construção do Forte São Joaquim e de outras políticas de ocupação, teria sua con- cretização adiada. Nessa região, algumas nações européias travaram conhecimento do espaço geo- gráfico e de seus ocupantes antes dos portugueses, e, portanto, já possuíam estraté- gias com fins geopolíticos, o que levou a alguns conflitos, mesmo que indiretos, pelo controle da influência sobre os indígenas e pela zona de fronteira, entre espanhóis e holandeses1. O vale do rio Branco, assim como toda a Amazônia, ao chegarem os portu- gueses, já era povoada por diversas etnias indígenas, que possuíam estrutura social, política e cultural consolidadas. Assim, ao chegarem ao rio Branco os portugueses vieram para conquistar e ocupar, sendo o termo ocupação aqui compreendido no sentido de que os não-índios negociaram, se apropriaram, e em muitos casos expul- saram os povos autóctones de suas terras, de uma região já povoada por diversas etnias, além da compulsória, e diversas vezes violenta, apropriação de sua força de trabalho. Segundo Bertha Becker2, para a Amazônia colonial, a geopolítica funcionou como o fundamento de ocupação, pois,

(...) por mais que quisesse a Coroa, não tinha recursos econômicos e população para po- voar e ocupar um território de tal extensão. Portugal conseguiu manter a Amazônia e expandi-la para além dos limites previstos no tratado de Tordesilhas, graças a estratégias de controle do território. Embora os interesses econômicos prevalecessem, não foram bem sucedidos, e a geopolítica foi mais importante do que a economia no sentido de garantir a soberania sobre a Amazônia, cuja ocupação se fez, como se sabe, em surtos ligados a demandas externas seguidos de grandes períodos de estagnação e de decadência.

É importante destacar que utilizaremos este conceito de geopolítica como mar- co metodológico deste artigo, sendo que o que devemos utilizar para interpretar os argumentos portugueses para a posse da região é o conceito de Uti Possidetis, segun- 1 FARAGE, Nádia. As muralhas dos sertões: os povos indígenas no Rio Branco e a colonização. Rio de Janeiro: Paz e Terra; ANPOCS, 1991, p. 95. 2 BECKER, Bertha K. Geopolítica da Amazônia. Estudos Avançados, São Paulo, v. 19, n. 53, 2005. Disponível em: . Acesso em: 21 Mar 2007.

118 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 117-136, jul./dez. 2015 do o qual, o direito ao território deveria caber àquele que o povoara, que o conquis- tara aos primeiros habitantes3. Assim, na busca pela consolidação da posse do território pelos portugueses, diversos conflitos vão se desenrolar ao longo da história colonial da Amazônia, con- flitos tanto externos quanto internos, e se o primeiro não foi marcado por grandes confrontos, pelo menos se comparados aos conflitos internos, estes sim, marcados por significativa violência, principalmente a voltada aos antigos habitantes da Amé- rica, que graças ao pensamento etnocentrista e a busca incansável pelo enriqueci- mento do não-índio, são massacrados no avanço da conquista colonial desde os primeiros dias da ocupação pelos europeus.

Amazônia colonial: uma área em constante disputa

Se o litoral do Brasil passou a receber a atenção da coroa portuguesa apenas a partir de meados do século XVI, a Amazônia ainda teria que esperar mais de um século após a chegada dos primeiros europeus à Bahia para ser inserida no mapa da conquista colonial portuguesa. Somente com a ameaça da perda do território Portu- gal volta então sua atenção para a vasta região da bacia do rio das Amazonas. Segundo Cardoso4 (p. 38), no início do século XVII holandeses, irlandeses, in- gleses e franceses conheciam melhor a região amazônica que portugueses e espa- nhóis “donos” do território pelo Tratado de Tordesilhas, mas com o foco voltado para outros problemas nesse período. Um dos principais motivos que atraía a aten- ção dessas nações europeias era a proximidade da Amazônia ao comércio caribenho. O abandono inicial dos portugueses e espanhóis, ofereceu a oportunidade para que piratas e corsários franceses, por exemplo, explorassem o litoral maranhense e paraense, conforme declarava o próprio Daniel de La Touche, senhor de La Rava- rière, que fora comandante da expedição de fundação de São Luís em 1612, quando capitulou frente aos luso-brasileiros no Maranhão em 1615, afirmando que haviam feito inúmeros reconhecimentos da região5. A impossibilidade de defesa da Amazônia a partir do Norte brasileiro e a neces- sidade de ocupá-la, aliados à dificuldade natural de navegação, que tornava mais fácil

3 ANDRADE, Manuel Correia de. Geopolítica do Brasil. São Paulo: Ática, 1989, p. 30. 4 CARDOSO, Alírio Carvalho. Belém na conquista da Amazônia: antecedentes à fundação e os primeiros anos. In: FONTES, Edilza (org.). Coleção Contando a História do Pará: da Conquista à Sociedade da Borracha (séc. XVI – XIX). Belém: Editora E. Motion, 2003, pp. 32 – 58. 5 CARVALHO, João Renôr Ferreira de. Momentos de história da Amazônia. Imperatriz: Ética, 1998, pp. 28 – 29.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 117-136, jul./dez. 2015 119 a viagem de Belém a Lisboa que à Salvador, possibilitou o surgimento de uma outra área colonial portuguesa na América do Sul, diretamente subordinada à metrópole6. Na Amazônia, com a fundação do Forte do Presépio, em 1616, por Francisco Caldeira Castelo Branco, os portugueses marcam sua presença na região, Forte este que daria origem à cidade de Belém, localidade que serviria de base logística tanto para que os portugueses espalhassem feitorias e missões no rio Amazonas, como para a expulsão dos estrangeiros7. Conforme Cardoso8, inicialmente a Coroa portuguesa não tinha claro um pro- jeto de ocupação das terras amazônicas, tinham a necessidade de ocupar devido a presença de outras nações europeias. Além da falta de um projeto, também faltavam recursos financeiros, o que foi inicialmente remediado pelo interesse dos luso-brasi- leiros de Pernambuco em efetivar a conquista. A preocupação portuguesa em ocupar a região com uma população não-índia estava inserida, em um primeiro momento, principalmente no contexto da defesa do território. Para Carvalho9, são “razões de guerra” que motivaram os portugueses a investir empreendimentos na região, pois ainda não se tinham consciência do poten- cial econômico da Amazônia, mas a de que seu principal rio era um excepcional ins- trumento de comunicação, penetração no território e de defesa contra os invasores estrangeiros. Assim, a defesa torna-se a principal força organizadora da estratégia de ocupação da Amazônia. Entretanto, apesar de pensada estrategicamente para defender o território de invasores estrangeiros, a conquista da Amazônia, segundo Reis10, foi impulsionada por motivos econômicos na busca pelas drogas do sertão, e motivada pela cobiça mercantil do homem europeu dos séculos XVII e XVIII. Inicialmente, para tornar a região economicamente produtiva e atrativa, foi ten- tado o sistema de plantation, sendo frustrada essa tentativa, voltaram-se então para a abundante força de trabalho disponível (índios) e para a grande quantidade de produtos naturais comercializáveis oferecidos pela floresta11. Entre os fatores que contribuíram para que a produção de açúcar e tabaco da Amazônia não entrasse no mercado exportador português os principais foram: a 6 CARDOSO, Alírio Carvalho. Op. cit. p. 39. 7 DIAS, Maria das Graças Santos. Fundamentos da ocupação da Amazônia Colonial. Textos & Debates: Revista de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal de Roraima, n. 5, [19--?], pp. 33 – 39. 8 CARDOSO, Alírio Carvalho. Op. cit. p. 42. 9 CARVALHO, João Renôr Ferreira de. Op. cit. pp. 35 – 36. 10 REIS, Arthur César Ferreira. A Amazônia e a Cobiça Internacional. 5. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Manaus: Superintendência da Zona Franca de Manaus, 1982, pp. 17 – 18. 11 SANTOS, Francisco Jorge dos. Além da Conquista: guerras e rebeliões indígenas na Amazônia pombalina. 2. ed. Manaus: Editora da Universidade do Amazonas, 2002, p. 17.

120 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 117-136, jul./dez. 2015 falta de capital, tendo em vista a burguesia mercantil estar mais interessada no lucro seguro da produção de açúcar do Nordeste do Brasil; e ainda os altos preços a que chegavam a mão-de-obra escrava negra, tornando-a inacessível aos produtores da Amazônia12. Segundo Santos13 a extração das drogas do sertão também veio substituir, em parte, as perdas portuguesas no comércio de especiarias com o Oriente, e que sem essa base econômica, teria sido impossível ocupar o vale amazônico. Encontrada a atividade econômica adequada, a utilização da mão-de-obra indígena nessa atividade vai provocar o choque cultural entre europeus e indígenas. Desta forma, os conflitos internos na região foram iniciados e impulsionados pela cobiça por mão-de-obra e drogas do sertão14. A disputa pelo acesso e controle dessa mão-de-obra marcou a história colo- nial da região envolvendo principalmente colonos e missionários15. De fato, afirma Chambouleyron16 (p. 103), na Belém do início do século XVII, todos os moradores, fossem “(...) militares, senhores, estrangeiros, religiosos, oficiais e em alguns casos até os chamados ‘pobres’, tinham índios para seu serviço”. Santos17 destaca que o avanço português na Amazônia, que provocou o con- fronto com os indígenas, foi realizado por vários agentes, que se confrontaram tam- bém entre si, de forma que quase todos esses confrontos giravam em torno de um único objetivo, controlar a mão-de-obra indígena. Dentre as mais importantes legislações do período colonial na Amazônia encon- tra-se o Regimento das Missões, de 1686, que segundo Vieira18, entre os pontos mais significativos trouxe, para o controle das ordens religiosas, a administração temporal e política sobre a mão-de-obra indígena, além do controle espiritual que já possuíam, o que representou uma excepcional vitória dos missionários sobre os colonos com o aval da Coroa portuguesa. A ação dos missionários foi marcada pela ambigüidade, como afirma Cham- bouleyron19, pois, ao mesmo tempo em que denunciavam os excessos dos colonos 12 FARAGE, Nádia. Op. cit. p. 24. 13 SANTOS, Francisco Jorge dos. Op. cit. pp. 18 – 19. 14 DIAS, Maria das Graças Santos. Op. cit. p. 34. 15 Id.Ibid. p. 35. 16 CHAMBOULEYRON, Rafael. Belém e seus moradores no século XVII. In: FONTES, Edilza (org.). Coleção Contando a História do Pará: da Conquista à Sociedade da Borracha (séc. XVI – XIX). Belém: Editora E. Motion, 2003, pp. 84 – 110. 17 SANTOS, Francisco Jorge dos. Op. cit. pp. 33 – 34. 18 VIEIRA, Jaci Guilherme. Missionários, fazendeiros e índios em Roraima: a disputa pela terra – 1777 a 1980. Boa Vista: Editora da UFRR, 2007, p. 11. 19 CHAMBOULEYRON, Rafael. Em torno das Missões Jesuíticas na Amazônia (século XVII). Lusitânia Sacra, Volume 15, Segunda Série, 2003, pp. 19 – 20.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 117-136, jul./dez. 2015 121 entrando em conflito com os mesmos, participavam do mundo comercial, pois para sobreviver precisavam das alianças com autoridades coloniais ou colonos poderosos. Prática que se repetiu por vários séculos na Amazônia, e continua a se repetir em boa parte das igrejas conservadoras seja católicas ou não. Com a administração de Pombal do governo português, a Amazônia passa a ser uma área privilegiada, nomeando para governá-lo seu meio-irmão Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Tal atenção, segundo Dias20, foi proporcionada pela recente assinatura do Tratado de Madrid, em 1750, entre Portugal e Espanha, com o qual Portugal adquiriu a posse de vasta extensão ao Norte de sua área colonial, pensando a administração portuguesa em alternativas econômicas que pudessem promover o desenvolvimento da Amazônia. Para a política de Pombal, a Amazônia representava grandes possibilidades eco- nômicas para Portugal e o constante conflito entre colonos e missionários deveria ser resolvido para que isso se concretizasse, pois a questão influenciava diretamente sobre a produção da colônia, em sua capacidade como fornecedora de especiarias e matérias-primas21. Dentro das medidas adotadas por Pombal, as mais significativas para a Amazô- nia foram: a drástica modificação ocorrida na política relativa à mão-de-obra indí- gena; a instituição de uma companhia de comércio que funcionou durante mais de vinte e dois anos (1755-1778), com as finalidades de introduzir escravos africanos a crédito, dinamizar a agricultura e de incrementar o comércio na região; redistribuição (entre militares e particulares) das propriedades confiscadas dos jesuítas, por doação ou venda; a reformulação e ampliação da máquina administrativa portuguesa local; e a transformação das antigas missões em vilas e comunidades com novas denomi- nações portuguesas22. A Lei intitulada Diretório que se deve observar nas povoações dos índios do Pará e Mara- nhão enquanto Sua Majestade não mandar o contrário, foi assinada pelo rei D. José I em 17 de agosto de 1757, e inicialmente aplicada apenas ao Estado do Grão-Pará e Ma ranhão, sendo no ano seguinte aplicada em toda a conquista americana portuguesa, vigorando até 12 de maio de 1798, quando foi revogada por D. Maria I23. Tratava-se, nos planos de Pombal e Mendonça Furtado, de elevar o indígena a condição de súdito da Coroa, para garantir a “precária posse da colônia”, uma vez

20 DIAS, Maria das Graças Santos. Op. cit. p. 36. 21 CARVALHO, João Renôr Ferreira de. Op. cit. p. 108. 22 SANTOS, Francisco Jorge dos. Op. cit. pp. 46 – 47. 23 BRANDÃO, Sylvana. O Diretório Pombalino e a Historiografia Luso-brasileira. In: BRANDÃO, Sylvana (Org). História das Religiões no Brasil. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2002, pp. 253 – 254.

122 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 117-136, jul./dez. 2015 que assinado o Tratado de Madrid, era necessário “povoar” todo o território com população portuguesa, nesse caso, inserindo os índios na sociedade portuguesa co- lonial e criando vilas e povoados com nomes portugueses24. Brandão25 ressalta que as “(...) orientações e determinações para redefinir e pôr em prática a nova política de integração social para os índios do Brasil (...)” partiram da obstinação de Pombal e de Mendonça Furtado, mas principalmente do segundo, tendo em vista que quando designado como comissário para demarcação de fron- teiras em expedição pela região do Arraial de Maruiá (Barcelos), onde enfrentou as doenças e as intempéries da floresta, sua animosidade contra as ordens religiosas cresceu, em especial a Companhia de Jesus, pelo controle que exerciam sobre a mão- -de-obra indígena, atribuindo-lhes todo o insucesso da tarefa que deveria realizar, da falta de alimentos e remadores ao não comparecimento do comissário espanhol. Acrescente-se ainda o confronto entre colonos e missionários, que era fomen- tado pelas intrigas dos colonos que não conseguiam obter com facilidade a mão- -de-obra escrava indígena para trabalhar na produção das lavouras ou na coleta das especiarias, e ainda não toleravam a superioridade material das ordens religiosas26. O Diretório propunha alterações profundas na política indigenista vigente na Amazônia. Assim, nos aldeamentos o governo temporal seria exercido pelos princi- pais (chefe indígena) sobre os índios, existindo ainda o diretor (administrador civil) para dirigir o aldeamento, e um missionário para a parte espiritual. Obrigava a utiliza- ção do português por todos, bem como de sobrenomes portugueses. E, os diretores, substitutos da administração missionária, ficavam com a sexta parte de tudo o que os índios produzissem, e cuidavam dos salários dos mesmos27. Tratando sobre o Diretório dos Índios, Almeida28 analisa que havia a necessi- dade de fortalecer o Estado, passando a Igreja a ocupar uma posição subalterna na condução da administração. Não querendo submeter-se a autoridade do Estado, a Companhia de Jesus foi expulsa dos domínios portugueses em 3 de setembro de 1759, colocando o Estado fim ao seu confronto com os inacianos, sendo, no entanto, realizada a sua substituição de forma gradual, tanto dos jesuítas como de missionários de outras ordens religiosas29.

24 DIAS, Maria das Graças Santos. Op. cit. p. 38. 25 BRANDÃO, Sylvana. Op. cit. pp. 261 – 262. 26 Id.Ibid. p. 265. 27 SANTOS, Francisco Jorge dos. Op. cit. pp. 49 – 52. 28 ALMEIDA, Rita Heloísa de. O Diretório dos índios: um projeto de “civilização” no Brasil no século XVIII. Brasília: Editora UNB, 1995, p. 115. 29 Id.Ibid. pp. 121 – 123.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 117-136, jul./dez. 2015 123 O Diretório Pombalino não alcançou os resultados imediatos que a adminis- tração portuguesa esperava. Assim, mesmo para as autoridades coloniais, o grande responsável pela ineficácia do Diretório seria o Diretor dos Índios que, segundo Santos30, pelo conceito de Ribeiro de Sampaio, era portador de dois quase inven- cíveis obstáculos: ‘a ignorância, e a ambição’. O resultado é que trinta anos depois, a colônia continuava no ponto de partida, conduzida por diretores com o mesmo perfil traçado por Ribeiro de Sampaio. Para Santos31, aparentemente o responsável direto pelo fracasso do Diretório foram os diretores dos índios, no entanto, uma outra parte do insucesso foi re- presentada pela capacidade de articulação dos principais dentro dos aldeamentos, resultando em obediência simulada, fugas, deserções, rebeliões e guerras indígenas, reflexo do confronto de políticas antagônicas, uma indígena e outra indigenista. Um grande exemplo de resistência indígena à conquista portuguesa foi empre- endida pelos Manao no ano de 1720. Farage32 acredita que o confronto entre os Manao e os portugueses tenha se dado por fatores de ordem econômica, pois além de extinguir intermediários para o comércio de escravos com holandeses, essa guerra serviria também para aumentar as zonas de fornecimento de escravos para a área colonial, e com a derrota desses índios, nos anos 1730, se abriam as rotas dos rios Negro e Branco para o apresamento de indígenas, regiões que teriam suas popula- ções em pouco tempo reduzidas33. Assim, em meados do século XVIII, passa o rio Branco a integrar o sistemático mercado de fornecimento de escravos para Belém e São Luis. Não mais um apresa- mento esporádico, mas um empreendimento financiado pelo Estado para abastecer o Maranhão e o Grão-Pará, sempre necessitados de trabalhadores para suas lavou- ras34. Com a aplicação do Diretório Pombalino, do grande número de indígenas que povoavam o Grão-Pará e Maranhão, poucos foram assimilados como súditos da Coroa, alguns voltaram a se internar na floresta, voltando ao modo de vida anterior ao aldeamento português, e a grande maioria foi dizimada, passando a Amazônia a sofrer “(...) um intenso processo de despovoamento, a partir de 1750”35.

30 SANTOS, Francisco Jorge dos. Op. cit. pp. 57 – 58. 31 Id.Ibid. pp. 61 – 62. 32 FARAGE, Nádia. Op. cit. p. 65. 33 Id.Ibid. p. 67. 34 Id.Ibid. p. 68. 35 BRANDÃO, Sylvana. Op. cit. p. 274.

124 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 117-136, jul./dez. 2015 Para Farage36 nas lutas pela posse do território do rio Branco a partir da década de 1770, os indígenas, seja sendo aldeados pelos portugueses, ou fazendo comércio com os holandeses do Essequibo, participaram ativamente da construção da fron- teira colonial, procurando vantagens, e para os colonizadores a submissão política indígena significava a garantia da posse efetiva do território. O importante é perceber que no avanço dos portugueses sobre a Amazônia, ou mesmo de outras nações sobre outras áreas na América, os indígenas não foram meros expectadores do que ocorria ao seu redor, mas foi um agente ativo, que forjou alianças e encontrou maneiras de satisfazer alguns de seus próprios interesses.

Portugueses no Rio Branco

Os relatos portugueses sobre o rio Branco são extremamente vagos com re- lação a sua descoberta, sendo esta apontada, sem apresentar provas concretas, por Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio e Joaquim Nabuco, o primeiro escrevendo no século XVIII e o segundo no XX, sobre a viagem de Pedro Teixeira de Belém a Quito entre 1637 e 1639, aparecendo nas crônicas do jesuíta Christobal de Acuña que acompanhou Teixeira37. Para Farage38, os documentos acerca do rio Branco são do século XVIII, au- mentando seu volume a partir da década de 1730, uma vez que se iniciava nesse período a expansão oficial para a região, por meio das tropas de resgate, que passam a vasculhar a área em busca de índios. Esse período sem documentação não significa que a região não tenha sido vi- sitada pelos portugueses, mas que as atividades exploratórias desencadeadas, a ex- tração de drogas do sertão e o apresamento de indígenas por particulares, eram geralmente clandestinas. Conforme Farage39, para entender a expansão portuguesa no rio Negro, e de- pois no Branco, é necessário que se compreenda que no final do século XVII, as áreas mais próximas à Belém têm diminuído a capacidade de fornecimento de mão- -de-obra escrava indígena gradativamente, resultando na condenação dos Manao, por serem aliados dos holandeses da Guiana na sua rede de trocas de manufaturados por escravos indígenas. As primeiras tropas de resgate oficial ou não já foram bem descritas no livro de Farage, aqui citado como também de Vieira.

36 FARAGE, Nádia. Op. cit. pp. 18 – 19. 37 VIEIRA, Jaci Guilherme. Op. cit. p. 10. 38 FARAGE, Nádia. Op. cit. p. 56. 39 Id.Ibid. pp. 61 – 62.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 117-136, jul./dez. 2015 125 O que mais surpreendeu os portugueses foi o fato dos espanhóis terem ultra- passado a cordilheira que separa a bacia do rio Orinoco da bacia do rio Branco, que acreditavam ser uma defesa natural. Tal fato colocava em “xeque” todo o sistema de defesa português para a Amazônia, pois de nada adiantariam as fortalezas construí- das em outros pontos da fronteira se o acesso ao rio Negro era livre atravessando o rio Branco. Isto, não se tratava de eventuais encontros, como ocorrera no caso dos holandeses, mas uma iniciativa do Estado espanhol, com a finalidade de anexar a região aos domínios de Castela. A situação apresentava-se mais complicada para Portugal devido ao momento político de suas relações com a Espanha, no ponto que tratava sobre suas fronteiras coloniais, tendo em vista a anulação do Tratado de Madrid de 1750 pelo de El Par- do em 1761, quando as duas nações só voltariam a se entender sobre o assunto em 1777, ou seja, naquele momento, as fronteiras coloniais encontravam-se indefinidas, e para as futuras negociações seriam levadas em consideração as áreas já ocupadas40. A complexa conjuntura que se apresentava no rio Branco fez da questão prio- ridade central para os portugueses41, e para evitar a ameaça de perder o território decidiu-se pela construção de uma fortificação e pelo investimento em aldeamentos indígenas como estratégia para a ocupação efetiva do Branco42. Percebemos na Provisão Régia de 14 de novembro de 1752, que as primeiras razões para a construção do Forte São Joaquim foram as incursões holandesas na reião do vale do rio Branco43, ordem que não foi executada por Mendonça Furtado. Assim, essa ordem só se concretizaria em 1775, devido aos motivos expostos, sendo necessário uma base militar para a região44. Com a chegada de Leclerc à Barcelos, em 1775, no dia 03 de outubro de 1775 partia da capital da capitania em direção ao rio Branco uma expedição comandada pelo capitão Phelippe Sturm, oficial engenheiro alemão, servindo à Coroa lusa, e reforçada com militares enviados de Belém, que chegando à região foram à procura dos espanhóis, sem encontrar grande resistência, e conquistaram São João Batista, na margem do Tacutu. Os fugitivos espanhóis, refugiados no Forte Santa Rosa, no Uraricoera, sabendo da aproximação da tropa de guerra portuguesa fugiram nova- mente45.

40 Id.Ibid. pp. 122 – 123. 41 Id.Ibid. p. 123. 42 VIEIRA, Jaci Guilherme. Op. cit. p. 18. 43 ALMADA, Manuel da Gama Lobo de. Op. cit. pp. 657 – 658. 44 VIEIRA, Jaci Guilherme. Op. cit. p. 18. 45 Índios de Roraima. Boa Vista: Centro de Informação Diocese de Roraima, 1989, pp. 14 – 15.

126 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 117-136, jul./dez. 2015 Entre os anos de 1775 e 1776 foi iniciada a construção do Forte São Joaquim, à margem direita do rio Tacutu, no ponto de encontro com o Uraricoera, formando o rio Branco, posição estratégica, pois barraria a passagem de espanhóis e holandeses para o Branco, impedindo qualquer tentativa de incursões estrangeiras no rio Ne- gro46. A importância do rio Branco para a Coroa portuguesa estava justamente nesse ponto, era a barreira na área limítrofe entre os domínios portugueses e os vizinhos holandeses e espanhóis, essa seria a primeira vantagem que os portugueses poderiam ter da região47 (SAMPAIO, 1850: 266 – 267). O Forte São Joaquim fez parte do arco de fortificações portuguesas que cerca- ram seus domínios amazônicos no século XVIII, fechando os principais acessos à região interior da Amazônia. Eram esses acessos: o rio Branco (Forte São Joaquim), rio Negro (Forte São José de Marabitanas – Cucuí e Forte São Gabriel), rio Solimões (Forte de Tabatinga) e rio Guaporé (Forte Príncipe da Beira). Este arco veio para complementar o que já existia no estuário do rio das Amazonas, além daqueles que aprofundavam as defesas48 (BENTO, 1975:51 – 52). Podemos verificar na imagem abaixo a planta baixa do Forte São Joaquim, de- senhada no século XVIII, por ocasião da passagem de Alexandre Rodrigues Ferreira pelo vale do rio Branco em 1786. O desenho da planta de Rodrigues Ferreira foi o único dessa natureza a que tivemos acesso em nossas pesquisas, resumindo-se outras plantas à cópias da realizada pela equipe da Viagem Filosófica de Ferreira.

46 FARAGE, Nádia. Op. cit. p. 123. 47 SAMPAIO, Francisco Xavier Ribeiro de. Relação Geographica Histórica do Rio Branco da América Portugueza (1777). In: SAMPAIO, Francisco Ribeiro de. Relação Geographica Histórica do rio Branco da américa Portuguesa (1777). In: Revista do Instituto Histórico e Geographico Brasileiro - Tomo XIII. Rio de Janeiro, n° 18, 1850, pp. 200 – 273. 48 BENTO, Cláudio Moreira Maj. Forte São Joaquim do Rio Branco: Sentinela do Brasil no extremo Norte nos séculos XVIII e XIX. Revista do Militar Brasileira, v.106, 1975, pp. 51 – 54.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 117-136, jul./dez. 2015 127 Planta Baixa do Forte São Joaquim49

Durante sua existência, o Forte São Joaquim teve a incumbência de conduzir a administração da região para a Coroa portuguesa e depois para a Imperial brasileira, e sua primeira tarefa nesse sentido foi a constituição de aldeamentos indígenas na região, que, acredita Farage, também foi desencadeado de modo rápido e eficaz, uma vez que na obra e construção do Forte já se utilizava mão-de-obra indígena, descida para essa finalidade, além daquela encontrada junto aos aldeamentos espanhóis do Uraricoera50. A fortificação tornou-se um braço administrativo do Estado português no rio Branco, direcionando e aplicando a geopolítica portuguesa para a região, o que levou a diversos conflitos com a população indígena local desde o primeiro momento, o que significou, na prática, a dificuldade do cumprimento de parte de suas tarefas administrativas. No entorno do Forte surgia o primeiro núcleo habitacional não-índio no rio Branco, e em sua proximidade, já em 1777, foram criados os primeiros aldeamentos indígenas, “(...) Nossa Senhora do Carmo, Santa Isabel, Santo Antônio e Santa Bár- bara no próprio rio Branco; São Felipe, no Tacutu; Nossa Senhora da Conceição no Uraricoera”51.

49 Disponível em: . Acesso em: 10 de março de 2008. 50 FARAGE, Nádia. Op. cit. p. 123. 51 VIEIRA, Jaci Guilherme. Op. cit. p. 22.

128 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 117-136, jul./dez. 2015 O investimento no sistema de aldeamentos indígenas na região, chegou a contar com 1019 indivíduos, tal número de indígenas aldeados, em sua maioria do sexo masculino, demonstra o grande esforço da Coroa portuguesa em garantir a ocupação do território a partir do sistema de aldeamentos52. Entretanto, a primeira tentativa de aldeamentos no rio Branco caiu em 1781 e o sistema foi praticamente destruído pela insurreição dos indígenas contra os soldados portugueses que os administravam53. O estopim da série de revoltas parece ter sido a visita do Frei José de Santo Antonio ao aldeamento de São Felipe em abril de 1780, quando tentou pressionar o índio Roque a separar-se da mulher com que vivia, uma vez que já era casado na povoação de Carvoeiro, no rio Negro. Após essa tentativa de coação, a insatisfação dos indígenas explodiu e os rumores de fuga começaram a se espalhar por São Feli- pe54. Uma série de prisões, fugas e violência se seguiram durante 1780 em todos os aldeamentos, não sendo abandonado apenas o de Nossa Senhora do Carmo55. Evidenciando a importância dos indígenas na ocupação do território para serem utilizados como “muralhas dos sertões”, e a falta de recursos para investir em uma estratégia que contasse com o deslocamento de não-índios para a região, a Coroa inicia uma segunda tentativa de aldeamentos, com a criação de quatro aldeamentos, a partir de 1784, em lugar dos que foram abandonados pelos indígenas, quais são: Nossa Senhora da Conceição, São Felipe, São Martinho e Santa Maria56. Ao contrário do que esperavam os portugueses, essa segunda tentativa de al- deamento sofreu um grande fracasso, uma vez que nunca chegou a ultrapassar em números os primeiros aldeamentos, não conseguindo assim, os portugueses, trans- formá- los em núcleos estáveis de povoamento e, por conseguinte, unidades autô- nomas de produção57. Provando a importância da estratégia de ocupação do vale do rio Branco por meio de aldeamentos, mesmo com as dificuldades e com a improdutividade, os por- tugueses os mantiveram por vários anos, e, acredita Farage58, seria mantido por mui- to mais tempo, não tivesse a política portuguesa de ocupação sofrido outra inflexão com a revolta de 1790. O segundo ciclo de revoltas nos aldeamentos do rio Branco eclode decorrente da crescente deterioração das condições de vida dos mesmos sem qualquer pers- 52 Id.Ibid. p. 24. 53 Id.Ibid. p. 26. 54 FARAGE, Nádia. Op. cit. p. 131. 55 Id.Ibid. pp. 132 – 134. 56 VIEIRA, Jaci Guilherme. Op. cit. p. 26. 57 FARAGE, Nádia. Op. cit. pp. 136 – 137. 58 Id.Ibid. p. 140.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 117-136, jul./dez. 2015 129 pectiva de solução para os problemas, com a fome sendo remediada apenas com a distribuição de farinha que vinha do rio Negro. Em contrapartida as pressões dos portugueses sobre os principais, exigindo destes a manutenção do numero de indí- genas aldeados tornavam as relações ainda mais tensas59. Diante do levante, mesmo Lobo D’Almada, que antes defendia um discurso hu- manista, de tratamento de brandura dispensado aos índios, desta vez, resolve punir os rebeldes, pois, em sua opinião, sem isso seria moralmente impossível manter uma guarnição militar na região, bem como manter o controle sobre a população aldeada que permanecera60. Depreciando os índios, que agora não serviam aos seus interes- ses de “aqueles comedores de farinha”. Apesar dos problemas enfrentados com esse último ciclo de revoltas, os por- tugueses não desistiram de seu projeto de ocupação do vale do Branco com a po- pulação indígena, sendo a partir desse momento recomendado ao comandante do Forte que os aldeados fossem tratados com mais brandura. A única, e bastante sig- nificativa, mudança que ocorria na ocasião era a de que a partir desse período os aldeamentos no Branco seriam administrados por civis, e casados, sendo os militares recolhidos à guarnição militar, deixando claro que o resultado do levante havia dei- xado dúvidas sobre a atuação dos militares no projeto de ocupação portuguesa no rio Branco por meio de aldeamentos61. No final do século XVIII, uma vez que os aldeamentos haviam fracassado no rio Branco, um novo projeto de ocupação será adotado, mostrando a determinação portuguesa em manter a posse do território. Dessa forma, devido a falta de uma atividade mercantil que atraísse o não-índio, efetivou-se a introdução da cultura da pecuária com a criação das “fazendas reais” e a introdução do gado para tentar in- tensificar a presença do Estado português no alto rio Branco62. O próprio comandante do Forte São Joaquim, à época o capitão Nicolau Sá Sarmento, fundou a fazenda São Marcos, na região próxima à fortaleza, enquanto a fazenda São José foi fundada pelo capitão José Antonio Évora, morador e dono de muitas posses no rio Negro, e a fazenda São Bento fundada pelo próprio Lobo D’Almada, já como fazenda “real”, tornando-se essas fazendas os primeiros núcleos de introdução da pecuária no Branco63.

59 Id.Ibid. p. 134. 60 Id.Ibid. pp. 164 – 165. 61 Id.Ibid. p. 167. 62 VIEIRA, Jaci Guilherme. Op. cit. p. 33. 63 Índios de Roraima. Op. cit. p. 20.

130 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 117-136, jul./dez. 2015 Segundo Farage e Santilli64 (p. 272), estas duas fazendas que estiveram em mãos de particulares na virada dos séculos XVIII para XIX, com a morte do capitão Sá Sarmento, sem deixar herdeiros a São Marcos passa à propriedade da Coroa, e após a falência da família Évora no rio Negro, seus bens, incluindo a fazenda São José no rio Branco, são levados a leilão, e sem conseguir arrendá-los, são todos tomados pelo Estado português. É importante perceber, como bem colocam Farage e Santilli, criadas para com- pensar a falta de colonização civil, a área das três fazendas compreendia toda a região do alto rio Branco, que era de propriedade do Estado português, e todas eram admi- nistradas pelo comandante do Forte São Joaquim, seus atos administrativos sendo reportados diretamente ao governador da capitania de São José do Rio Negro e ao Tesouro da Fazenda, ficando este comandante como representante do Estado na região durante longo período. No final do século XVIII, da experiência de colonização portuguesa no vale do rio Branco, restava a atividade pecuária como opção de exploração econômica da região, cujo objetivo com sua implementação, de iniciativa oficial, era integrar a área ao mercado interno da América portuguesa e torná-la atrativa à fixação de colonos não-índios. A pecuária, porém, parecia inicialmente um investimento duvidoso uma vez que o extrativismo de outras áreas da Amazônia era uma atividade muito mais lucrativa e segura, entretanto, alguns não-índios acabaram atraídos pela grande quantidade de pastagens naturais existentes no vale do rio Branco, a mão-de-obra indígena abun- dante e barata, e a possibilidade de que para iniciar sua atividade bastava capturar algumas cabeças de gado e se estabelecer em determinada área65. Devemos considerar o contexto econômico da Amazônia a partir de meados do século XIX, com a atividade principal voltada para o extrativismo vegetal, a pecu- ária praticada no vale do rio Branco tornava-se uma atividade marginal, ainda mais devido às dificuldades de transporte, permanecendo por longo tempo, até o final do século XIX, como uma atividade de subsistência e subsidiária do extrativismo vegetal66. No entanto, a partir dessa iniciativa, as fazendas particulares começaram a se multiplicar, tanto nas áreas antes ocupadas pelas fazendas reais, como em áreas fora

64 FARAGE, Nádia; SANTILLI, Paulo. Estado de sítio: territórios e identidades no vale do Rio Branco. In: CUNHA, Manuela Carneiro da. (Org.). História dos Índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras/ Secretaria Municipal de Cultura/FAPESP, 1992, pp. 267 – 278. 65 VIEIRA, Jaci Guilherme. Op. cit. p. 34. 66 FARAGE, Nádia; SANTILLI, Paulo. Op. cit. p. 273.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 117-136, jul./dez. 2015 131 delas, o que significa que, com exceção da fazenda São Marcos, as fazendas São José e São Bento foram sendo ocupadas por posseiros no início do século XIX ou sendo usurpadas por seus antigos administradores e arrendatários que se tornariam assim grandes proprietários rurais se apropriando indevidamente do patrimônio público67, avançando também sobre as terras indígenas, o que tem gerado uma série de confli- tos fundiários com reflexos até os dias de hoje. Ao contrário do que ocorreu em outras áreas de desenvolvimento da pecuá- ria, como Piauí e Mato Grosso, onde as populações indígenas eram expulsas ou exterminadas, no rio Branco, a apropriação das terras para a criação de gado foi acompanhada da inclusão dos indígenas nas camadas mais baixas da sociedade que se formava, pois no processo de ocupação era necessário encontrar um lugar social para o índio68. A atividade pecuária no vale do rio Branco, idealizada pelo Estado português, foi sendo levada adiante por particulares e gerando uma série de disputas que se refletem inclusive atualmente na sociedade roraimense. O primeiro campo de dis- putas foi entre os primeiros fazendeiros pela mão-de-obra indígena, e depois essa disputa passou a ser pelas terras dos índios que iam sendo expulsos de sua área de ocupação inicial, antes da chegada dos não-índios. O resultado dessa conjuntura foi o surgimento de grandes fazendeiros na região e finalmente uma base de sustentação econômica para o rio Branco entre o final do século XIX e o início do XX69. Dessa forma, com a questão de fronteiras entre o Brasil e a Guiana Inglesa ten- do sido levada para o campo diplomático desde 1842, o Forte São Joaquim já não era um fator decisório na ocupação brasileira do rio Branco por vias militares70, somente sua contribuição quanto à comprovação da presença portuguesa na região, questão essa que foi muito bem utilizada por Joaquim Nabuco. Fato importante, é que por meio da Lei Provincial de 1858 (Lei nº 92, de 9 de novembro de 1958), que designava as fronteiras da Província do Amazonas, a Fre- guesia de Nossa Senhora do Carmo, era estabelecida como sede administrativa da região do rio Branco71. Essa mudança atendia as reformas administrativas do Impé- rio, fazendo do aglomerado populacional que ocupava a área do entorno da Fazenda Boa Vista, fundada em 1830 por Inácio Lopes de Magalhães, freguesia por meio da edificação de uma paróquia72 (OLIVEIRA, 2003, p.94). 67 VIEIRA, Jaci Guilherme. Op. cit. p. 35. 68 FARAGE, Nádia; SANTILLI, Paulo. Op. cit. p. 268. 69 VIEIRA, Jaci Guilherme. Op. cit. p. 36. 70 FARAGE, Nádia; SANTILLI, Paulo. Op. cit. p. 271. 71 Boa Vista, fundada em 1830 por Inácio Lopes de Magalhães, freguesia por meio da edificação de uma paróquia72 (OLIVEIRA, 2003:94). 72 OLIVEIRA, Reginaldo Gomes de. Roraima: um olhar histórico e sócio-político do século XVI ao 132 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 117-136, jul./dez. 2015 Assim, com a fundação do Forte São Joaquim e a criação das “fazendas re- ais”, com a introdução do gado nos campos do alto rio Branco, fixou-se na região um pequeno grupo de cultura européia, que se impôs ao autóctone dando origem no futuro a um setor social e político. Militares foram se casando com as índias e formando famílias, o que era incentivado pelas autoridades coloniais, enquanto os militares mais graduados trouxeram suas famílias, geralmente oriundos do Nordeste. Os descendentes desses militares tornaram-se fazendeiros se apropriando das terras públicas, e com a incorporação de elementos chegados posteriormente, formou-se na região uma sociedade tipicamente patrimonial na passagem do século XIX para o XX73. Com a transformação do rio Branco em município, com sede em Boa Vista, em 1890, após o advento da República no Brasil, o Forte foi desativado por volta de 1900, iniciando-se seu abandono material. Em 1944, de suas antigas muralhas foram retiradas as pedras utilizadas nos alicerces e paredes das instalações do Posto do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), localizado na Fazenda São Marcos, no rio Uraricoera74. O Forte São Joaquim se insere nessa sociedade na segunda metade do século XX como objeto de disputa, uma vez que cada família que se formou e se consoli- dou na região tenta apresentar-se mais tradicional que as outras, utilizando assim o Forte, elemento mais recuado da conquista definitiva pelos portugueses do rio Bran- co, como ponto de partida para contar seu direito a determinadas áreas ou cargos públicos.

Considerações Finais

O Forte São Joaquim representou até a segunda metade do século XIX o centro da atividade política do vale do rio Branco. Serviu como o braço do Estado, primeiro português e depois brasileiro no rio Branco, uma vez que detinha o poder da admi nistração da região, gerenciando a geopolítica de ocupação não-indígena na fronteira extremo Norte do Brasil em seus aspectos políticos e econômicos. Do Forte saíram muitos dos homens que se tornaram proprietários, quase sem- pre se apropriando das terras do Estado, que faziam parte das antigas fazendas re- XIX. In: A herança dos descaminhos na formação do Estado de Roraima. Tese de Doutorado – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003, pp. 17 – 99. 73 SANTOS, Nelvio Paulo Dutra. O Estado Nacional Brasileiro e a Amazônia. Políticas públicas, economia e poder: o estado de Roraima entre 1970 e 2000. 2004. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido) – Universidade Federal do Pará, Belém, 2004, p. 84. 74 BENTO, Cláudio Moreira Maj. Op. cit. p. 53.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 117-136, jul./dez. 2015 133 ais, depois nacionais. Assim, o Forte São Joaquim teve um considerável período de grande importância nesse momento da consolidação da ocupação portuguesa no rio Branco, a partir da sua construção (1775), contribuindo mesmo no campo das deci- sões diplomáticas acerca dos limites fronteiriços com os países vizinhos, pois serviu como argumentação da presença do governo na região do Branco. Sua importância no período fica evidenciada no momento que percebemos que mesmo o núcleo de ocupação não-indígena tendo sido deslocado para Boa Vista (década de 30 do século XIX), seu papel permaneceu inegável, continuando em ati- vidade até o alvorecer do século XX, pois sem sua presença como braço do Estado em todas as esferas apontadas, seria difícil consolidar a ocupação da região. Apesar de perder seu papel central para Boa Vista, onde residiam diversos ex- -integrantes do Forte, sem esse ponto de apoio do Estado, a pecuária, iniciada em fins do século XVIII não teria se desenvolvido, pois no caso da ocupação do vale do rio Branco, o Estado, por meio da fortificação, teve que fazer o papel dos particula- res nos primeiros anos, devido a dificuldade de se montar uma atividade econômica que atraísse grandes investimentos privados e oferecesse suporte para a ocupação. De fato, muito se discute ou se discutiu sobre o Forte São Joaquim em Roraima, e acreditamos fazer uma nova abordagem que possa contribuir efetivamente aos es- tudos históricos sobre o vale do rio Branco no período colonial, ou mesmo imperial. Além disso, em diversas ocasiões grupos e segmentos sociais ligados ao setor gover- namental tem se mobilizado em tentativas de restaurar o sítio onde se localizava o Forte São Joaquim sem, no entanto, esclarecerem para a população roraimense seu real papel na fixação portuguesa no rio Branco, ponto de grande relevância, como também o de querer fazer um verdeiro trabalho arqueológico no local a ideia é ape- nas restaurar o local. Desativado por volta de 1900, de suas muralhas foram retiradas as pedras uti- lizadas nos alicerces e paredes das instalações do Posto do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), localizado na Fazenda São Marcos, no Rio Uraricoera, em 1944. Ao longo dos anos, várias foram as tentativas e projetos de recuperação do valor histó- rico do Forte São Joaquim, sendo iniciadas, de acordo com nossas pesquisas, com o artigo do então major Cláudio Moreira Bento de 197575. Se a memória dos excluídos da sociedade pode ser trazida à tona, como já vem sendo feito, com o objetivo de tornar a História de Roraima uma história mais de- mocrática, onde todos os sujeitos históricos possam ter o espaço que ocuparam de fato na concretização da conquista das terras do alto rio Branco nos séculos XVIII e

75 BENTO, Cláudio Moreira Maj. Op. cit.

134 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 117-136, jul./dez. 2015 XIX, afinal, nem só dos comandantes do Forte e seus familiares foi feita esta socie- dade, existiram muito mais conflitos e confrontos do que a velha bibliografia local é capaz de nos mostrar.

Referências

ALMEIDA, Rita Heloísa de. O Diretório dos índios: um projeto de “civilização” no Brasil no século XVIII. Brasília: Editora UNB, 1995.

ANDRADE, Manuel Correia de. Geopolítica do Brasil. São Paulo: Ática, 1989.

BECKER, Bertha K. Geopolítica da Amazônia. Estudos Avançados, São Paulo, v. 19, n. 53, 2005. Disponível em: . Acesso em: 21 Mar 2007.

BENTO, Cláudio Moreira Maj. Forte São Joaquim do Rio Branco: Sentinela do Brasil no extremo Norte nos séculos XVIII e XIX. Revista do Militar Brasileira, v.106, 1975, pp. 51 – 54.

BRANDÃO, Sylvana. O Diretório Pombalino e a Historiografia Luso-brasileira. In: BRANDÃO, Sylvana (Org). História das Religiões no Brasil. Recife: Ed. Universitá- ria da UFPE, 2002.

CARDOSO, Alírio Carvalho. Belém na conquista da Amazônia: antecedentes à funda- ção e os primeiros anos. In: FONTES, Edilza (org.). Coleção Contando a História do Pará: da Conquista à Sociedade da Borracha (séc. XVI – XIX). Belém: Editora E. Motion, 2003, pp. 32 – 58.

CARVALHO, João Renôr Ferreira de. Momentos de história da Amazônia. Impera- triz: Ética, 1998.

CHAMBOULEYRON, Rafael. Belém e seus moradores no século XVII. In: FONTES, Edilza (org.). Coleção Contando a História do Pará: da Conquista à Sociedade da Borracha (séc. XVI – XIX). Belém: Editora E. Motion, 2003, pp. 84 – 110.

CHAMBOULEYRON, Rafael. Em torno das Missões Jesuíticas na Amazônia (sé- culo XVII). Lusitânia Sacra, Volume 15, Segunda Série, 2003, pp. 19 – 20.

D’ALMADA, M. J. Lobo. Descrição relativa ao Rio Branco e seu território (1787). In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Rio de Janeiro. Tomo XXIV, n.4, Rio de Janeiro. Pág. 617-683.

DIAS, Maria das Graças Santos. Fundamentos da ocupação da Amazônia Colonial. Textos & Debates: Revista de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal de Roraima, n. 5, [19--?], pp. 33 – 39.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 117-136, jul./dez. 2015 135 FARAGE, Nádia. As muralhas dos sertões: os povos indígenas no Rio Branco e a colonização. Rio de Janeiro: Paz e Terra; ANPOCS, 1991.

FARAGE, Nádia; SANTILLI, Paulo. Estado de sítio: territórios e identidades no vale do Rio Branco. In: CUNHA, Manuela Carneiro da. (Org.). História dos Índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras/Secretaria Municipal de Cultura/FAPESP, 1992, pp. 267 – 278.

OLIVEIRA, Reginaldo Gomes de. Roraima: um olhar histórico e sócio-político do sé- culo XVI ao XIX. In: A herança dos descaminhos na formação do Estado de Ro- raima. Tese de Doutorado – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003, pp. 17 – 99.

REIS, Arthur César Ferreira. A Amazônia e a Cobiça Internacional. 5. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Manaus: Superintendência da Zona Franca de Manaus, 1982.

SAMPAIO, Francisco Xavier Ribeiro de. Relação Geographica Histórica do Rio Branco da América Portugueza (1777). In: SAMPAIO, Francisco Ribeiro de. Relação Geo- graphica Histórica do rio Branco da américa Portuguesa (1777). In: Revista do Instituto Histórico e Geographico Brasileiro - Tomo XIII. Rio de Janeiro, n° 18, 1850, pp. 200 – 273.

SANTOS, Francisco Jorge dos. Além da Conquista: guerras e rebeliões indígenas na Amazônia pombalina. 2. ed. Manaus: Editora da Universidade do Amazonas, 2002.

SANTOS, Nelvio Paulo Dutra. O Estado Nacional Brasileiro e a Amazônia. Po- líticas públicas, economia e poder: o estado de Roraima entre 1970 e 2000. 2004. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido) – Universidade Federal do Pará, Belém, 2004.

VIEIRA, Jaci Guilherme. Missionários, fazendeiros e índios em Roraima: a disputa pela terra – 1777 a 1980. Boa Vista: Editora da UFRR, 2007.

136 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 117-136, jul./dez. 2015 Jaci Guilherme Vieira * Gregorio F. Gomes Filho **

ARTIGO SAINT JOAQUIM'S FORT: FROM THE MILESTONE OF THE PORTUGUESE OCCUPATION ON THE RIO BRANCO VALLEY TO THE BATTLES OF MEMORY - XVIII TO XX CENTURIES

Abstract Resumo This article talks about the role of Saint Este artigo trata do papel do Forte São Joaquim na Joaquim’s Fort in the consolidation of the consolidação da fronteira e da ocupação do vale do border and of the occupation of the Rio rio Branco, localizado no atual estado de Roraima. Branco valley, located in the current State Busca compreender o processo de ocupação da of Roraima. It strives to comprehend the região no final do século XVIII e XIX, descrever process of occupation of the region in a política colonial portuguesa e imperial brasileira. the end of the XVIII and XIX centuries, Discutir questões relacionadas à memória do describe the colonial policies of the Forte São Joaquim, procurando dar maior ênfase Portuguese and the Brazilian Empire aos sujeitos participantes desse processo. Além alike, to discuss questions related to the da discussão sobre a disputa pela memória do memory of Saint Joaquim’s Fort, trying to Forte São Joaquim, questão que envolve diversos emphasize the subjects who participated in segmentos da sociedade roraimense, memória que foi this process. Moreover, there is a discussion apropriada pelas chamadas famílias “pioneiras”, about the dispute over Saint Joaquim’s Fort, em que algumas delas têm suas origens ligadas a a question that involves several segments ex-integrantes da fortificação, e a utilizam para of Roraima’s society, a memory that was justificar suas posses e consolidar seu lugar social. appropriated by the so called “pioneer” families because some of them had their Palavras-Chave: Roraima; Forte de São origins bound to ex-participants of the Joaquim; Memória. fortification and utilized them to justify their possessions and to consolidate their social place.

Keywords: Roraima; Saint Joquim’s Fort; Memory.

* Graduated in History from the Federal University of Santa Catarina (1988), Masters in History from the Federal University of Santa Catarina (1994). Doctor in History from the Federal University of Pernambuco (2003). Post doctorate from the Federal University of Pará (2015). He is currently associate professor at the Federal University of Roraima. ** Graduated in Bachelor in History from the Federal University of Pará (2007), graduated in Full Degree in History from the Federal University of Pará (2006) and Masters in History from the Federal University of Santa Maria (2013).

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 137-156, jul./dez. 2015 137 Introduction

In the mid-XIX century, although it was little attractive for the settlers, the Rio Branco valley was already a reality as a non-indigenous occupation area. However, without an action from the Portuguese State, on the second half of the XVIII cen- tury, by means of the construction of Saint Joaquim’s Fort and of other occupation policies, it would have its realization postponed. In this region, some European nations acknowledged the geographical area and of their people before the Portuguese did, therefore they had already planned stra- tegies with geopolitical purposes, what originated some conflicts between Spanish and Dutch, even though they were indirect, for the control of the influence over the indigenous and for the border zone1. The Rio Branco valley, as it was so with all Amazon, was already populated, at the time the Portuguese arrived, by several indigenous ethnicities, which already had strong social, political and cultural structure. Thus, by the time the Portuguese arrived in the Branco River, they came to conquer and occupy it (the term “occupy” means here that the non-Indian people negotiated, appropriated and, in many cases, expelled the autochthonous from their lands, from a region already populated by many ethnicities and, in addition to this, they compulsorily and violently appropria- ted their workforce). According to Betha Becker2, to the colonial Amazon, geopolitics functioned as to justify the occupation, because,

(...) por mais que quisesse a Coroa, não tinha recursos econômicos e população para po- voar e ocupar um território de tal extensão. Portugal conseguiu manter a Amazônia e expandi-la para além dos limites previstos no tratado de Tordesilhas, graças a estratégias de controle do território. Embora os interesses econômicos prevalecessem, não foram bem-- -sucedidos, e a geopolítica foi mais importante do que a economia no sentido de garantir a soberania sobre a Amazônia, cuja ocupação se fez, como se sabe, em surtos ligados a demandas externas seguidos de grandes períodos de estagnação e de decadência3.

1 FARAGE, Nádia. As Muralhas dos Sertoes: os povos indigenas no rio Branco e a Rio de Janeiro:Paz e Terra; ANPOCS, 1991. 2 BECKER, Bertha K. Geopolítica da Amazônia. Estudos Avançados, São Paulo, v. 19, n. 53, 2005. Disponível em: . Acesso em: 21 Mar 2007. 3 “Even though the Crown wanted to, it did not have the economic resources and population to populate and occupy a territory with such extension. Portugal could keep the Amazon and expand it further than the limits predicted in the Treaty of Tordesillas, thanks to the strategies of territory control. Although the economic interests prevailed, they were not very successful, and geopolitics was more important than economy regarding guaranteeing the supremacy upon the Amazon, whose occupation was done, as it is known, by outbreaks related to external demands followed by long periods of stagnation and decadency”.

138 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 137-156, jul./dez. 2015 It is important to highlight that we will utilize the concept of geopolitics as a methodological mark of this article, even though the one we should use to interpret the Portuguese arguments for the possession of the region is the concept of Uti Possidetis, according to which, the rights to the territory should go to who popula- ted it; which was conquered by the first inhabitants4. Thus, in the search for the consolidation of the Portuguese possession, several conflicts would take place during the colonial Amazon’s history, as much internal as external conflicts, and if the first has not been marked by great confrontations (at least if it is compared to the internal conflicts), these sure have. They were marked by a significant violence, especially towards the former inhabitants of America, who, thanks to an ethnocentric thought and an inconsequential search for the enrichment of the non-indians, were slaughtered with the progress of the colonial conquest, since the first days of the occupation by the European.

Colonial Amazon: an area in permanent dispute

If Brazil’s coast started to receive attention from the Portuguese Crown only from the mid-XVI century, Amazon would still have to wait more than one century after the first European’s arrival to Bahia to be inserted in the Portuguese colonial conquest’s map. Only when there was a threat concerning the loss of territory, Por- tugal draws its attention to the vast region of the Amazon River Basin. As stated by Cardoso5 (p.38), at the beginning of the XVII century, Dutch, Irish, English and French knew the region even better than the Portuguese and Spanish, the “owners” of the territory since the Treaty of Tordesillas, but they were focused on other problems at this time. One of the main reasons that attracted attention from these European nations was the proximity from Amazon to the Caribbean market. The fact that Spanish and Portuguese initially abandoned Maranhão’s and Pará’s coasts has offered an opportunity for pirates and French corsairs, for example, to explore them, as did Daniel de La Touche, lord of La Ravardière, who was a com- mander in the expedition of São Luís’ foundation in 1612. He declared, when he articulated with the Luso-Brazilians in Maranhão in 1615, that he had made recog- nitions in the region.

4 ANDRADE, Manuel Correia de. Geopolítica do Brasil. São Paulo: Ática, 1989, p. 30. 5 4 CARDOSO, Alírio Carvalho. Belém na conquista da Amazônia: antecedentes à fundação e os pri-meiros anos. In: FONTES, Edilza (org.). Coleção Contando a História do Pará: da Conquista à Sociedade da Borracha (séc. XVI – XIX). Belém: Editora E. Motion, 2003, pp. 32 – 58.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 137-156, jul./dez. 2015 139 The impossibility of defending Amazon from the North of Brazil and the ne- cessity to occupy it, besides the natural difficulty in navigation, which made it ea- sier to travel from Belém to Lisboa than to Salvador, made it possible for another Portuguese colonial area to show up in South America, directly subordinated to the metropolis6. In the Amazon, with the foundation in 1616 of the Presépio’s Fort by Francisco Caldeira Castelo branco, the Portuguese leave a mark in the region. From this Fort would emerge the city of Belém, a place that would serve as a logistic base both for the Portuguese to spread their actions and missions in the Amazon River and for them to cast out the foreigners7. Conforming to Cardoso8, the Portuguese Crown did not have a clear project of occupation of the Amazon lands at first; they had to occupy it only due to the presence of other European nations. Besides lacking a project, they lacked also fi- nancial resources, problem that was initially fixed by the Luso-Brazilian who lived in Pernambuco and their interest in ensuring the conquest. The Portuguese were worried about occupying the region with a non-indian po- pulation. This concern happened at first mainly at a context of defense of the terri- tory. To Carvalho9 “reasons of war” motivated the Portuguese to settle investments in the region, because they were not aware of Amazon’s economical potential, only that its main River was an exceptional means of communication, of penetration into the enemy’s territory and of defense against foreigners. Thus, defense became the main strategy-organizing power for the occupation of the Amazon. Nevertheless, although it was strategically planned to defend the territory from foreigners, the conquest of the Amazon, according to Reis10, was spurred by eco- nomic reasons when searching by the drugs of the backlands, drogas do sertão, and motivated by the European mercantile greed from XVII and XVII centuries. At first, to make the region economically productive and attractive, the planta- tion system was put to trial. When it ran down, they turned their attention to the great workforce available (the indians) and to the large amount of natural products that could be sold, offered by the forest11. 6 CARDOSO, Alírio Carvalho. Op. cit. p. 39. 7 DIAS, Maria das Graças Santos. Fundamentos da ocupação da Amazônia Colonial. Textos & Deba-tes: Revista de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal de Roraima, n. 5, [19--?], pp. 33 – 39. 8 CARDOSO, Alírio Carvalho. Op. cit. p. 42. 9 CARVALHO, João Renôr Ferreira de. Op. cit. pp. 35 – 36. 10 REIS, Arthur César Ferreira. A Amazônia e a Cobiça Internacional. 5. ed. Rio de Janeiro: Civiliza- ção Brasileira; Manaus: Superintendência da Zona Franca de Manaus, 1982, pp. 17 – 18. 11 SANTOS, Francisco Jorge dos. Além da Conquista: guerras e rebeliões indígenas na Amazônia pombalina. 2. ed. Manaus: Editora da Universidade do Amazonas, 2002, p. 17

140 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 137-156, jul./dez. 2015 The most important among the factors that contributed for sugar and tobacco production in the Amazon not to go into the Portuguese exportation market were: the lack of capital, bearing in mind that the mercantile bourgeoisie was more inte- rested in the assured profit from the sugar production in the Northeast of Brazil, and also the high prices for Negro slave workforce, which was inaccessible to the growers in the Amazon12. According to Santos13, the extraction of the drugs of the backlands also came to substitute, partially, the Portuguese losses within the Eastern market of spices. Without this economic basis, it would be impossible to occupy the Amazon valley. When an adequate economic activity was found, the use of indigenous workforce into this activity provoked a cultural gap between European and indigenous. Hence, the internal conflicts in this region were launched and spurred by greed for workfor- ce and the drugs of the backlands14. The dispute over the access and control about this workforce marked the region’s colonial history involving majorly settlers and missionaries15. Indeed, affir- ms Chambouleyron16 (p.103), in the XVII century’s Belem, every inhabitant, either they were “(...) militares, senhores, estrangeiros, religiosos, oficiais e em alguns casos até os chamados ‘pobres’, tinham índios para seu serviço”17. Santos18 highlights that the Portuguese advancement in the Amazon, which pro- voked the confrontation against the indigenous, was realized by several agents, who quarreled also among themselves, in such a way that almost these confrontations revolved around one objective only: controlling the indigenous workforce. Among the most important laws in the colonial period in the Amazon one can find the Missions Regiment, in 1686, which, according to Vieira19, among its most significant aspects, it brought with it, for the control of the religious orders, the temporal and political administration over the indigenous workforce, along with the spiritual control they already had, what represented an exceptional victory to the missionaries over the settlers with the endorsement of the Portuguese crown.

12 FARAGE, Nádia. Op. cit. p. 24. 13 SANTOS, Francisco Jorge dos. Op. cit. pp. 18 – 19. 14 DIAS, Maria das Graças Santos. Op. cit. p. 34. 15 Id.Ibid. p. 35. 16 CHAMBOULEYRON, Rafael. Belém e seus moradores no século XVII. In: FONTES, Edilza (org.). Coleção Contando a História do Pará: da Conquista à Sociedade da Borracha (séc. XVI – XIX). Belém: Editora E. Motion, 2003, pp. 84 – 110. 17 (...) military, landholders, foreigners, religious people, officers and, in some cases, even the so-called ‘poor’ had gone to their service”. 18 SANTOS, Francisco Jorge dos. Op. cit. pp. 33 – 34. 19 VIEIRA, Jaci Guilherme. Missionários, fazendeiros e índios em Roraima: a disputa pela terra – 1777 a 1980. Boa Vista: Editora da UFRR, 2007, p. 11.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 137-156, jul./dez. 2015 141 The missionaries’ action was marked by ambiguity, as states Chambouleyron20, because, at the same time they denounced the excesses made by the settlers, getting in conflict against them, they participated in the commercial world, for they needed to keep alliances with the colonial authorities or powerful settlers in order to survive. This practice has been repeated throughout centuries in the Amazon, and it keeps happening at a great part of the conservative churches, either they are Catholic or not. Through Pombal’s administration of the Portuguese government, the Amazon starts to be a privileged area when he names his half-brother Francisco Xavier de Mendonça Furtado to rule it. This attention, as says Dias21, was provided by the recent signature of the Treaty of Madrid, in 1750, between Portugal and Spain, through which Portugal acquired the possession of a vast extension in the North of its colonial area, its administration now thinking about economic alternatives that could promote development to the Amazon. Pombal’s policies found that the Amazon represented great economic possibi- lities to Portugal, and that the frequent conflicts between settlers and missionaries should be solved so that it could be realized, because this question influenced di- rectly over the colony’s production and its capacity as a provider of spices and raw material22. The most significant actions taken by Pombal concerning the Amazon were: the drastic modifications that happened in the policies related to indigenous workforce; the implementation of a commerce company that functioned during more than twenty-two years (1755-1778) having as goals to introduce African slaves by credit, to spur agriculture and to develop commerce in the region; to redistribute (among military and individuals) the properties that had been confiscated from the Jesuits, by donating or selling them, to reformulate and broaden the Portuguese local adminis- trative machine; and to transform old missions into villages and communities with new Portuguese names23. The Law called Directory that one must observe within the Indian peoples of Pará and Maranhão while His Majesty did not tell the contrary, was signed by the king D. José I in August 17, 1757, and first applied only to the States of Grão-Pará and Maranhão, being applied in the next year into every Portuguese conquest in

20 CHAMBOULEYRON, Rafael. Em torno das Missões Jesuíticas na Amazônia (século XVII). Lusi-tânia Sacra, Volume 15, Segunda Série, 2003, pp. 19 – 20. 21 DIAS, Maria das Graças Santos. Op. cit. p. 36. 22 CARVALHO, João Renôr Ferreira de. Op. cit. p. 108. 23 SANTOS, Francisco Jorge dos. Op. cit. pp. 46 – 47.

142 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 137-156, jul./dez. 2015 America, and prevailing until May 12, 1798, when it was striked down by D. Maria I24. Pombal and Mendonça have planned to elevate indigenous to the condition of Crown subordinates, to guarantee the “precarious possession of the colony”; since the Treaty of Madrid was signed, it was necessary to populate all the territory with Portuguese people, in that case inserting Indians into the Portuguese colonial society and creating villages and settlements with Portuguese names25. Brandão26 emphasizes that the “(...) orientações e determinações para redefinir e pôr em prática a nova política de integração social para os índios do Brasil (...)27” par- ted from Pombal and Mendonça Furtado’s stubbornness, but mainly the second’s, knowing that when he was named Comissary to the demarcation of borders and was in expedition through the region of the Arraial de Maruá (Barcelos), where he faced the diseases and setbacks of the forest, his eagerness against religious orders increa- sed, especially against the Society of Jesus, because of the control they had over the indigenous workforce, blaming them for all lack of success in the task they should be realizing, for the lack of food and oarsmen and for the Spanish commissary’s absence. Over and above, there was also the conflict between settlers and missionaries, which was promoted by plots from the settlers who could not obtain indigenous sla- ve workforce so easily to work on the ploughing or on the gathering of spices, and, besides, did not tolerate wealth superiority from the religious orders28. The Directory has proposed deep modifications on the indigenous policies the- re were in the Amazon. Thus, in the settlements, the temporal government would be done by the Principals, the main indigenous leaders, over their people. There was also a Director (civil administrator) to lead the processes of settlement and a missio- nary for the spiritual part of it. People were compelled to speak Portuguese, as well as having a Portuguese surname. Moreover, the Directors (who substituted the mis- sionary administration) got a sixth part from everything the indigenous produced, and took care of their salaries29.

24 SANTOS, Francisco Jorge dos. Op. cit. pp. 46 – 47. 25 DIAS, Maria das Graças Santos. Op. cit. p. 38. 26 BRANDÃO, Sylvana. Op. cit. pp. 261 – 262. Id.Ibid. p. 265. 27 “(...) guidelines and instructions to redefine and put in practice the new policy of social integration to the Indians of Brasil (…)”. 28 Id.Ibid. p. 265. 29 SANTOS, Francisco Jorge dos. Op. cit. Pp. 49-52.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 137-156, jul./dez. 2015 143 Speaking of the Indian Directory, Almeida30 shows that there was a necessity to fortify the State; if Church was in an inferior position concerning administration. Because the Society of Jesus did not want to undergo the State’s authority, it was ex- pelled from Portuguese territories on September 3, 1759, ending the State’s conflicts with the Ignatians. The substitution of Jesuits, as well as missionaries form other religious orders, was gradual, though31. Pombal’s Directory did not achieve the immediate results the Portuguese ad- ministration waited for. Thus, even to the colonial authorities, the Director of the Indians was mainly responsible for the Directory to have failed. According to San- tos32, this administrator, in Ribeiro de Sampaio’s concept, was bearer to two almost unbeatable obstacles: “ignorance and greed”. The result is that thirty years later the colony still stood on the starting spot, led by Directors with the same profile Ribeiro de Sampaio has shown in his analysis. It seems to Santos33 that the Director of the Indians was directly responsible for the fail of the Directory. However, another part of this fail was represented by the Principals’ capacity for articulation inside the settlements, what created a false obedience, run-aways, desertions, rebellions and indigenous wars, as a result of the antagonist political conflicts, an Indigenous and an Indigenist. A great example of indigenous resistance to the Portuguese conquest were the Manaos in the year of 1720. Farage34 believes that the confrontation between Ma- naos and Portuguese has happened by virtue of economic factors, because besides extinguishing mediators from the slave market with the Dutch, this war would serve also to expand the slave supplying area onto the colonial area. With the fall of these Indians, in 1730, the routes to Negro and Branco Rivers would be opened to the seizure of indigenous. Those regions would then have their population reduced in a short time35. Thus, in the mid-XVIII century, the Branco River starts to integrate the syste- matic slave supplying market to Belém and São Luis. It was not a seizure from time to time anymore, but a business that was funded by the State to supply Maranhão and Grão-Pará, places that always needed workers for the ploughing36.

30 ALMEIDA, Rita Heloísa de. O Diretório dos índios: um projeto de “civilização” no Brasil no século XVIII. Brasília: Editora UNB, 1995, p. 115. 31 Id.Ibid. pp. 121 – 123. 32 SANTOS, Francisco Jorge dos. Op. cit. pp. 57 – 58. 33 Id.Ibid. pp. 61 – 62. 34 FARAGE, Nádia. Op. cit. p. 65. 35 Id.Ibid. p. 67. 36 Id.Ibid. p. 68.

144 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 137-156, jul./dez. 2015 With the appliance of Pombal’s Directory, from the high number of indigenous that populated Grão-Pará and Maranhão, few were taken as Crown subordinates. Some have gone back to the forest, returning to the lifestyle they had before the Portuguese settlements, but the great part of them was wiped out, so the Amazon started to suffer “(...) um intenso processo de despovoamento, a partir de 175037”.38 To Farage39, in the fights for the Branco River territory, from the decade of 1770, the indigenous - those who were settled by Portuguese or trading with the Dutch in Essequibo - participated actively on the construction of the colonial bor- ders, looking for advantages; for the colonizers, the indigenous political submission meant a warranty for the possession of the territory. It is important to see that with either the Portuguese advancement into the Amazon, or even of other nations in other areas of America, the indigenous were not passive, they have been an active agent that forged alliances and found ways to satisfy some of their own interests.

Portugueses in the Rranco River

The Portuguese reports about the Branco River were extremely vague concer- ning their discovery, which was guessed (without any real proof) by Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio and Joaquim Nabuco - the first wrote in the XVIII century, and the second in the XX, about Pedro Teixeira’s trip from Belém to Quito, between 1673 and 1639. It appeared also in the Jesuit Christobal de Acuña’s crhonicles, who accompanied Teixeira40. To Farage41, the documents about the Branco River date from the XVIII cen- tury, but increase their volume from the decade of 1730, since an official expansion to the region was taking place at this time, by means of the rescue troops that start to search for Indians in this area. The existence of this not-documented period does not mean that the region had not been visited by Portuguese, but that the exploitation activities that had taken place there (the extraction of the drugs of the backlands and the indigenous seizure by individuals) were commonly illegal.

37 “(...) an intense process of depopulation, from 1750”. 38 BRANDÃO, Sylvana. Op. cit. p. 274. 39 FARAGE, Nádia. Op. cit. pp. 18 – 19. 40 VIEIRA, Jaci Guilherme. Op. cit. p. 10. 41 FARAGE, Nádia. Op. cit. p. 56.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 137-156, jul./dez. 2015 145 In accordance with Farage42, to understand the Portuguese expansion on the Negro River and afterwards in the Branco River, it is necessary to comprehend that in the end of the XVII century the areas that were closer to Belém have been gradu- ally decreasing their capacity to supply indigenous slave workforce, culminating with a sentence against the Manaos for being allied to the Dutch that lived in Guyana, hel- ping on their trade network between manufactured products and indigenous slaves. The first rescue troops (official or not) have already been well described in Farage’s book, which is cited here, as well as in Vieira’s. What has surprised the Portuguese most was the fact that Spanish had gone through the mountain range that separated the Orinoco River’s basin from the Bran- co River’s basin, what they believed would be a natural defense. This fact put all the Portuguese defense system in the Amazon at stake, for the fortresses they built at other spots of the frontier would not matter if the access to the Negro River was free when crossing Branco River. That was not about a regular meeting, as happened in the case of the Dutch, but as an initiative from the Spanish State in order to attach the region to the Castela domination. The situation showed up to be more complicated to Portugal due to the political moment of their relations with Spain regarding their colonial borders, bearing in mind the 1750’s Treaty of Madrid had been struck down and gave place to El Pardo in 1761, and that the two nations would only make peace about this subject in 1777. That is to say that, at that moment, the colonial borders were uncertain, and that the areas that had already been occupied would be important for future negotiations43. The complex conjuncture that there was in the Branco River made from that issue a central priority for the Portuguese44, and to avoid threats about losing their territory they decided to build up a fortification and to invest in indigenous settle- ments as a strategy to effectively occupy the Branco River45. We realize by seeing the Royal Provision of November 14 in 1752, that the pri- mal reasons for the construction of Saint Joaquim’s Fort were the Dutch incursions in the region of the Rio Branco valley46, an order that was not executed by Men- donça Furtado. Thus, this order would only be obeyed in 1775, due to the exposed reasons, the necessity of a military base to the region47.

42 Id.Ibid. pp. 61 – 62. 43 Id.Ibid. pp. 122 – 123. 44 Id. Ibid. p. 123. 45 VIEIRA, Jaci Guilherme. Op. cit. p. 18. 46 ALMADA, Manuel da Gama Lobo de. Op. cit. pp. 657 – 658. 47 VIEIRA, Jaci Guilherme. Op. cit. p. 18.

146 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 137-156, jul./dez. 2015 When Leclerc arrived to Barcelos in 1775, on October 3, an expedition com- manded by Captain Phelippe Sturm, who was a German official engineer who ser- ved the Portuguese Crown, parted from the captaincy towards the Branco River – it was enhanced with military sent from Belém. They went after the Spanish without finding any resistance as soon as they got to the region, and conquered São João Ba- tista in the margins of the Tacutu River. The Spanish fugitives who were refugees in the Santa Rosa’s Fort, in Uraricoera, fled again when they heard about the approach of the Portuguese war troops48. Between the years of 1775 and 1776, the building of Saint Joaquim’s Fort was initiated on the right coast of the Tacutu River, at where the River meets the Urari- coera and forms the Branco River. It was a strategic position because it would stop Spanish and Dutch to go further towards Branco River, preventing any foreign in- cursion into the Negro River49. The importance of the Branco River to the Portuguese Crown was in the fact that at this point the barrier was the limiting area between the Portuguese territory and those dominated by Spanish and Dutch. This was the first advantage the Portu- guese could have in this region50 (SAMPAIO, 1850: 266 - 267). Saint Joaquim’s Fort was part of the many Portuguese fortifications that sur- rounded the Amazonian domains in the XVIII century, closing the main accesses to the inner region of the Amazon. These were the accesses: the Branco River (Saint Joaquim’s Fort), Negro River (Saint José de Marabitanas’ Fort - Cucuí and Saint Gabriel’s Fort), Solimões River (Tabatinga’s Fort) and Guaporé River (Príncipe da Beira’s Fort). This arch completed what there already had been in the estuary of the Amazonas’ River, besides those that deepened the defenses51 (BENTO, 1975:51 - 52). We can see in the picture below the ground plan of Saint Joaquim’s Fort, drawn in the XVIII century, as a result of Alexandre Rodrigues Ferreira’s passage through the Rio Branco valley in 1786. Rodrigues Ferreira’s drawing was the only such map we have always had access to in our researches, outlining all the others to the ground plans that were copied from the one team Viagem Filosófica de Ferreira.

48 Índios de Roraima. Boa Vista: Centro de Informação Diocese de Roraima, 1989, pp. 14 – 15. 49 FARAGE, Nádia. Op. cit. p. 123. 50 SAMPAIO, Francisco Xavier Ribeiro de. Relação Geographica Histórica do Rio Branco da América Portugueza (1777). In: SAMPAIO, Francisco Ribeiro de. Relação Geographica Histórica do rio Branco da américa Portuguesa (1777). In: Revista do Instituto Histórico e Geographico Brasileiro - Tomo XIII. Rio de Janeiro, n° 18, 1850, pp. 200 – 273. 51 BENTO, Cláudio Moreira Maj. Op. cit. p. 53. TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 137-156, jul./dez. 2015 147 Ground Plan from Saint Joaquim’s Fort52

During its existence, Saint Joaquim’s Fort was charged with the task to conduct the region’s administration to the Portuguese Crown and then to the Brazilian Im- perial Crown. Its first task within this purpose was the constitution of indigenous settlements in the region, which, believed Farage, was also triggered quickly and effectively, since when the work to build the Fort took place, indigenous workforce was already used, brought for this purpose, besides that kind one could find in the Spanish settlements in the Uraricoera53. The fortification became a State administrative hand in the Branco River, lea- ding and applying the Portuguese geopolitics to the region, what resulted in several conflicts against the local indigenous population since the first moments, what me- ant in effect the difficulty to accomplish part of their administrative tasks. Around the Fort the first non-Indian habitation nucleus in the Branco River and its thereabouts; In 1777, the indigenous settlements, “(...) Nossa Senhora do Carmo, Santa Isabel, Santo Antônio e Santa Bár-bara no próprio rio Branco; São Felipe, no Tacutu; Nossa Senhora da Conceição no Uraricoera”54 have been formed. The investment made in the indigenous settlements system of the region got to the point in which there were 1019 individuals: settled indigenous, most of them 52 Available in . Acesso em: 10 de março de 2008. 53 FARAGE, Nádia. Op. cit. p. 123. 54 VIEIRA, Jaci Guilherme. Op. cit. p. 22

148 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 137-156, jul./dez. 2015 were men, what demonstrates the great efforts of the Portuguese Crown in assuring the occupation of the territory from the settlement system55. However, the first tentative to settle along the Branco River fell in 1781 and the system was almost completely destroyed by the indigenous insurrection against the Portuguese soldiers that used to rule56. The trigger of the series of revolts seems to have been the visit that Friar José de Santo Antonio paid to the settlement of São Felipe in April, 1870, when he tried to pressure Roque, an Indian, to break up with the woman he lived with, since he had been already married in the Carvoeiro people, in the Negro River. After this attempt of coercion, the indigenous’ discontent exploded and the rumors of an es- cape started to spread over São Felipe57. Several prisons, escapes and acts of violence happened again during 1780 in all settlements, even though only Nossa Senhora do Carmo was not abandoned58. As an evidence to the importance of the indigenous in the occupation of the territory, to be utilized as the “outbreak walls”, and the lack of resources to invest in a strategy that could count on the movement of non-Indians to the region, the Crown starts a second attempt to create settlements, by means of the institution of four settlements as of 1784, in place of those that were abandoned by the indige- nous, which were: Nossa Senhora da Conceição, São Felipe, São Martinho and Santa Maria59. On the contrary to what the Portuguese waited for, this second attempt to crea- te settlements suffered a huge failure, since it has never outnumbered the first settle- ments, then the Portuguese could not transform them into stable population nucleus and, consequently, in autonomous units of production60. As to prove the importance of a strategy for the occupation of the Rio Branco valley by means of settling there even though they had to deal with difficulties and unproductivity, the Portuguese have maintained the settlements for many years and, as believes Farage61, they would have maintained them for a longer time if the Portu- guese occupation politics had not suffered another modification with 1970’s revolt. The second cycle of revolts within the settlements of the Branco River is set up due to the rising deterioration of the people’s life conditions, having no perspective 55 Id. Ibid. p. 24. 56 Id. Ibid. p. 26. 57 FARAGE, Nádia. Op. cit. P. 131. 58 VIEIRA, Jaci Guilherme. Op. cit. P. 26. 59 Id. Ibid. pp. 132 - 134. 60 FARAGE, Nádia. Op. cit. pp. 136 - 137. 61 Id. Ibid. p. 140.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 137-156, jul./dez. 2015 149 of solving their problems, as hunger was only mitigated by the distribution of ma- nioc flour that came from the Negro River. On the other hand, there was the burden created by Portuguese over the civil administrators, charging from them the mainte- nance of the number of settled indigenous, what made the relations more tense62. Facing the uprising, even Lobo D’Almada, who used to defend a humanist dis- course that involved a gentle treatment towards Indians, decides to punish the rebels because, in his opinion, without that it would be impossible to keep a garrison in the region, as well as to keep control over the settled population that was still there63. Now, they depreciated the Indians, who did not serve for their purposes anymore, calling them “aqueles comedores de farinha”64. In spite of the problems faced on this last cycle of revolts, the Portuguese did not give up on their project of occupation of the Rio Branco valley with the indigenous population. From this moment on, it was recommended to the Fort’s commander that the settled people should be treated more gently. The only, and very significant, change that happened in this occasion was that rom this period the settlements in the Branco River would be administrated by married civilians, and then the military would go to the military garrisons. It made clear that the results of the uprising had left back some doubts about the military performance on the Portuguese project of occupation in the Branco River by means of settlements65. In the end of the XVIII century, considering that the settlements had failed in the Branco River, a new project of occupation would be adopted, showing the Por- tuguese eagerness about keeping the possession of the territory. Thus, due to a lack of mercantile activity that would please not only the non-Indian, a livestock culture was introduced with the creation of the “royal farms” and the first try of raising cat- tle, in order to intensify the Portuguese State’s presence in the upper Branco River66. The commander of Saint Joaquim’s Fort himself, by this time Captain Nicolau Sá Sarmento, has founded the São Marcos farm, in a region next to the fortress, while the São José farm has been founded by captain José Antonio Évora, who ow- ned and lived in many possessions along the Negro River, and the São Bento farm by Lobo D’Almada, as a “royal” farm. These farms have become the first nuclei for introduction of the livestock in the Branco River67.

62 Id. Ibid. p. 134. 63 Id.Ibid. pp. 164 – 165. 64 “Those manioc flour eaters”. 65 Id.Ibid. p. 167. 66 VIEIRA, Jaci Guilherme. Op. cit. p. 33. 67 Índios de Roraima. Op. cit. p. 20.

150 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 137-156, jul./dez. 2015 According to Farage and Santilli68 (p. 272), these two farms which were in hands of individuals at the turn of the XVIII and XIX centuries, with the death of cap- tain Sá Sarmento, who did not leave heirs, São Marcos starts to be property of the Crown, and after the bankruptcy of Évora family in the Negro River, their assets, including São José farm in the Branco River, were auctioned, and as they have not been leased, they were taken by the Portuguese State. As state Farage and Santilli, it is important to perceive that the three farms have been created to compensate the lack of civil colonization. Their area covered all the region of the upper Branco River, which was property of the Portuguese State, and all of them were administered by the commander of Saint Joaquim’s Fort, whose ad- ministrative actions were reported directly to the governor of the captaincy of São José do Rio Negro and to the Treasury Department. This commander was placed as a State Representative in the region for a long time. In the end of the XVIII century, the experience of Portuguese Colonization in the Rio Branco valley, the only option for economic exploitation in the region was livestock activity. Its goal was to integrate the area to the Portuguese America’s internal market and make it attractive to the establishment of non-Indian settlers. Livestock, though, seemed at first a doubtful investment, since extractivism in other areas of the Amazon was a more profitable and secure activity. However, some non-Indian got attracted by the large amount of natural pasture existing in the Rio Branco valley, the indigenous workforce that abundant and cheap, and by the possibility to easily initiate the activity by just capturing some cattle and establishing onto a specific area69. We should consider the economic landscape of the Amazon from the mid-XIX century, when the main activity had turned to vegetal extractivism; livestock that took place in the Rio Branco valley was then a side activity, even more so because of the difficulties in transportation, so it lingered for a long time, up to the end of the XIX century, as an activity for subsistence and that sponsored vegetal extractivism70. Nevertheless, from this initiative, private farms started to multiply, as much as in the areas that had been occupied by royal farms as in areas outside them, which means that, at the exception of São Marcos, farms like São José and São Bento have been occupied by landholders in the beginning of XIX century or have been usur-

68 FARAGE, Nádia; SANTILLI, Paulo. Estado de sítio: territórios e identidades no vale do Rio Branco. In: CUNHA, Manuela Carneiro da. (Org.). História dos Índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras/ Secretaria Municipal de Cultura/FAPESP, 1992, pp. 267 – 278. 69 VIEIRA, Jaci Guilherme. Op. cit. p. 34. 70 FARAGE, Nádia; SANTILLI, Paulo. Op. cit. p. 273

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 137-156, jul./dez. 2015 151 ped by their former administrators and tenants that would become then great rural owners by appropriating illegally from public patrimony71, advancing also towards the indigenous lands, what has been generating a series of agrarian conflicts reflec- ted until nowadays. On the contrary to what happened in other areas of livestock development, as in Piauí and Mato Grosso, where indigenous populations were either expelled or wiped out, in the Branco River the appropriation of lands to raise cattle was follo- wed by the inclusion of indigenous to the lowest layers of society that was being formed, for in the process of occupation it was necessary to find a social place for the Indian72. Livestock activity in the Rio Branco valley was an idea of the Portuguese State; it was pushed ahead by individuals, and created a series of disputes that still reflect themselves on Roraima’s society. The first field for disputes was between the first farmers over the indigenous workforce. Then this dispute started to be over the lan- ds of the Indians, who were expelled from their own initial occupation area before the non-Indian arrived. The results of this conjuncture was the showing up of great farmers in the region and finally of a basis for economic sustainment to the Branco River, between the end of the XIX century and the beginning of the XX73. Thus, as the border issues between Brazil and the English Guyana were moved to the diplomatic field since 1842, Saint Joaquim’s Fort was not anymore a decisive factor to the Brazilian occupation of the Branco River by military means74. However, there still was its contribution as a proof to Portuguese presence in the region, a point that was explored by Joaquim Nabuco very well. An important fact is that the Freguesia de Nossa Senhora do Carmo was esta- blished as an administrative Head Office of the region of Branco River75 through the Provincial Law of 1858 (Law nº 92, from November 9, 1958), which set the borders of the Province of Amazonas. This change attended to the administrative reformations of the Empire, making a parish from the populational agglomeration that occupied the thereabouts of Fazenda de Boa Vista, founded in 1830 by Inácio Lopes de Magalhães, by means of the edification of a parish church76 (OLIVEIRA, 2003, p. 94). 71 VIEIRA, Jaci Guilherme. Op. cit. p. 35 72 FARAGE, Nádia; SANTILLI, Paulo. Op. cit. p. 268. 73 VIEIRA, Jaci Guilherme. Op. cit. p. 36. 74 FARAGE, Nádia; SANTILLI, Paulo. Op. cit. p. 271. 75 VIEIRA, Jaci Guilherme. Op. cit. p. 37. 76 OLIVEIRA, Reginaldo Gomes de. Roraima: um olhar histórico e sócio-político do século XVI ao XIX. In: A herança dos descaminhos na formação do Estado de Roraima. Tese de Doutorado – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003, pp. 17 – 99.

152 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 137-156, jul./dez. 2015 Thus, with the foundation of Saint Joaquim’s Fort and the creation of the “royal farms”, with the introduction of cattle onto the farmlands of the upper Branco River, a small group of European culture settled in the region and stood against the autochthony, and originated a social and political sector. Military have got married to the Indian women and formed families, what was encouraged by colonial autho- rities, while the highest-levelled militaries have brought their families with them, commonly from Northeast. The descendants of these militaries became farmers by appropriating from public lands and incorporating elements that arrived late. At the turn of XIX century to the XX century a society typically patrimonial was formed, then77. With the transformation of the Branco River into a municipality based in Boa Vista, in 1890, after the advent of the Republic in Brazil, the Fort was deactivated by 1900, when it started to be materially abandoned. In 1944, the stones that had been used on the foundations and walls of the facilities of the Posto do Serviço de Pro- teção aos Índios (SPI), located at the São Marcos farm, along the Uraricoera River, were taken off their former seawall78. Saint Joaquim’s Fort is found into this society on the second half of the XX century as an object for dispute, since each family that has been formed and con- solidated in the region tries to present itself as more traditional than the others, using the Fort, the most expressive element of the definite Portuguese conquest of the Branco River, as a starting point to prove their rights to specific areas or public offices.

Final considerations

Saint Joaquim’s Fort represented, until the second half of the XIX century, the core of the political activity in the Rio Branco valley. It served as a hand, first to the Portuguese State and afterwards to the Branco River, since it had the competence of administering the region, managing geopolitics of non-indigenous occupation on the frontiers of the far North of Brazil, concerning its political and economic aspects. Many men have come out from the Fort to become land owners, almost always appropriating themselves from lands of the State that were part of the old royal

77 ANTOS, Nelvio Paulo Dutra. O Estado Nacional Brasileiro e a Amazônia. Políticas públicas, economia e poder: o estado de Roraima entre 1970 e 2000. 2004. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido) – Universidade Federal do Pará, Belém, 2004, p. 84. 78 BENTO, Cláudio Moreira Maj. Op. cit. p. 53.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 137-156, jul./dez. 2015 153 farms, then national farms. Thus, Saint Joaquim’s Fort had a considerable period of great importance in this moment of Portuguese occupation on the Branco Ri- ver since the time it was first built (in 1775). It has contributed even to the field of diplomatic decisions about the border limits with the neighbor countries, because it served as an alibi to the presence of the government in the Branco River region. Its importance to the period is emphasized at the moment we realize that even though the nucleus of non-indigenous occupation was moved to Boa Vista (decade of 30 in the XIX century), its role is undeniable, for it continues up to the first part of the XX century and without its presence as a hand of the State in all the spheres we pointed out, it would be hard to consolidate the occupation of the region. Notwithstanding the loss of its central role to Boa Vista, where many members of the Fort lived, livestock started in the end of the XVIII century would not have developed without this support from the State, because in the case of the occupa- tion of the Rio Branco valley, the State had to act out the role of the individuals, by means of fortification, in the first years, due to the difficulty of creating an- eco nomic activity that would attract great private investments and offer support to the occupation. In fact, it is (or was) discussed a lot about Saint Joaquim’s Fort in Roraima, and we believe we make a new approach that can effectively contribute to the historical studies about the Rio Branco valley at the colonial period, or even at the Empire period. Moreover, in several occasions, social groups and segments related to the governmental sector have mobilized to try to restore the site where Saint Joaquim’s Fort was located without clearing up to Roraima’s society their real role in the Por- tuguese establishing in the Branco River, a spot of great relevance, as well as doing a real archeological work on the place, restoring it. When it was deactivated by 1900, stones were taken from the walls and founda- tions of the facilities of the Posto do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), located in the São Marcos Farm, in the Uraricoera River, in 1944. Over the years, there were several attempts and projects to restore the historical value of Saint Joaquim’s Fort, initiated, according to our research, with an article made by the military major Cláu- dio Moreira Bento in 197579. If the memory from those who were excluded from society can be pointed out, as it has already been done with the objective of turning Roraima’s history into a more democratic history, to which every historical subject could have the place they indeed occupied in the realization of the conquest of the lands in the upper Branco

79 BENTO, Cláudio Moreira Maj. Op. cit.

154 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 137-156, jul./dez. 2015 River in the XVIII and XIX centuries, after all it was not only the Fort’s comman- ders and their relatives this society was made by, there were many more conflicts and confrontations than the old local bibliography is capable of showing us.

References

ALMEIDA, Rita Heloísa de. O Diretório dos índios: um projeto de “civilização” no Brasil no século XVIII. Brasília: Editora UNB, 1995.

ANDRADE, Manuel Correia de. Geopolítica do Brasil. São Paulo: Ática, 1989.

BECKER, Bertha K. Geopolítica da Amazônia. Estudos Avançados, São Paulo, v. 19, n. 53, 2005. Disponível em: . Acesso em: 21 Mar 2007.

BENTO, Cláudio Moreira Maj. Forte São Joaquim do Rio Branco: Sentinela do Brasil no extremo Norte nos séculos XVIII e XIX. Revista do Militar Brasileira, v.106, 1975, pp. 51 – 54.

BRANDÃO, Sylvana. O Diretório Pombalino e a Historiografia Luso-brasileira. In: BRANDÃO, Sylvana (Org). História das Religiões no Brasil. Recife: Ed. Universitá- ria da UFPE, 2002.

CARDOSO, Alírio Carvalho. Belém na conquista da Amazônia: antecedentes à funda- ção e os primeiros anos. In: FONTES, Edilza (org.). Coleção Contando a História do Pará: da Conquista à Sociedade da Borracha (séc. XVI – XIX). Belém: Editora E. Motion, 2003, pp. 32 – 58.

CARVALHO, João Renôr Ferreira de. Momentos de história da Amazônia. Impera- triz: Ética, 1998.

CHAMBOULEYRON, Rafael. Belém e seus moradores no século XVII. In: FONTES, Edilza (org.). Coleção Contando a História do Pará: da Conquista à Sociedade da Borracha (séc. XVI – XIX). Belém: Editora E. Motion, 2003, pp. 84 – 110.

CHAMBOULEYRON, Rafael. Em torno das Missões Jesuíticas na Amazônia (sé- culo XVII). Lusitânia Sacra, Volume 15, Segunda Série, 2003, pp. 19 – 20.

D’ALMADA, M. J. Lobo. Descrição relativa ao Rio Branco e seu território (1787). In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Rio de Janeiro. Tomo XXIV, n.4, Rio de Janeiro. Pág. 617-683.

DIAS, Maria das Graças Santos. Fundamentos da ocupação da Amazônia Colonial. Textos & Debates: Revista de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal de Roraima, n. 5, [19--?], pp. 33 – 39.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 137-156, jul./dez. 2015 155 FARAGE, Nádia. As muralhas dos sertões: os povos indígenas no Rio Branco e a colonização. Rio de Janeiro: Paz e Terra; ANPOCS, 1991.

FARAGE, Nádia; SANTILLI, Paulo. Estado de sítio: territórios e identidades no vale do Rio Branco. In: CUNHA, Manuela Carneiro da. (Org.). História dos Índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras/Secretaria Municipal de Cultura/FAPESP, 1992, pp. 267 – 278.

OLIVEIRA, Reginaldo Gomes de. Roraima: um olhar histórico e sócio-político do sé- culo XVI ao XIX. In: A herança dos descaminhos na formação do Estado de Ro- raima. Tese de Doutorado – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003, pp. 17 – 99.

REIS, Arthur César Ferreira. A Amazônia e a Cobiça Internacional. 5. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Manaus: Superintendência da Zona Franca de Manaus, 1982.

SAMPAIO, Francisco Xavier Ribeiro de. Relação Geographica Histórica do Rio Branco da América Portugueza (1777). In: SAMPAIO, Francisco Ribeiro de. Relação Geo- graphica Histórica do rio Branco da américa Portuguesa (1777). In: Revista do Instituto Histórico e Geographico Brasileiro - Tomo XIII. Rio de Janeiro, n° 18, 1850, pp. 200 – 273.

SANTOS, Francisco Jorge dos. Além da Conquista: guerras e rebeliões indígenas na Amazônia pombalina. 2. ed. Manaus: Editora da Universidade do Amazonas, 2002.

SANTOS, Nelvio Paulo Dutra. O Estado Nacional Brasileiro e a Amazônia. Po- líticas públicas, economia e poder: o estado de Roraima entre 1970 e 2000. 2004. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido) – Universidade Federal do Pará, Belém, 2004.

VIEIRA, Jaci Guilherme. Missionários, fazendeiros e índios em Roraima: a disputa pela terra – 1777 a 1980. Boa Vista: Editora da UFRR, 2007.

156 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 137-156, jul./dez. 2015 Nelvio Paulo Dutra Santos *

ARTIGO SOCIEDADE, AMBIENTE E FRONTEIRA NA AMAZÔNIA: ALGUNS TÓPICOS HISTÓRICOS E POLÍTICOS

Resumo Abstract O presente trabalho é resultado de This work is the result of thematic discussions temas tratados em discussões temáticas on topics covered during the First International durante o 1º Seminário Internacional Seminar on Society and Frontiers, sponsored by sobre Sociedade e Fronteiras promovido PPGSOF/UFRR, in December 2012 in Boa pelo PPGSOF/UFRR, em dezembro Vista. In it we try to establish some relationships de 2012 em Boa Vista. Nele tratamos between the categories society, environment de estabelecer algumas relações entre as and frontier in the Amazon, especially from categorias sociedade, ambiente e fronteira the perspective of political and administrative na Amazônia, principalmente sob a ótica developments, from colonial times to the latest. da evolução político-administrativa, desde The Amazon frontier is characterized here as a colonial até os tempos mais recentes. A anything more than a historical supplier of natural fronteira amazônica é caracterizada aqui resources as well as more than a space delimited como algo mais do que uma histórica by the National State. Its inhabitants are seen as fornecedora de recursos naturais e traditional builders of your space, and are also também como mais que um espaço incorporated into projects of the National State delimitado pelo Estado Nacional. Seus in meeting existing demands elsewhere, either at the habitantes tradicionais são entendidos beginning of the conquest is once more present. In como construtores do seu espaço, além de short, as the economics and politics overlapped the serem também incorporados em projetos people and the environment and life shaped the area do Estado Nacional no atendimento known today as the Brazilian Amazon. de demandas existentes alhures, seja no início da conquista seja em tempos mais Keywords: Amazon Frontier; Geopolitics; presentes. Em resumo, como a economia History of Brazil. e a política se sobrepuseram a povos e ao ambiente e moldaram a vida no espaço conhecido hoje como Amazônia Brasileira.

Palavras-Chave: Fronteira Amazônica; Geopolítica; História do Brasil.

* Possui graduação em História pelo Centro Universitário da Cidade de União da Vitoria (1972), mestrado em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (1993) e doutorado em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido pela Universidade Federal do Pará (2004). Atualmente é professor associado da Universidade Federal de Roraima.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 157-170, jul./dez. 2015 157 O ambiente e a sociedade: uma interação imperiosa

Sociedade, ambiente e política se entrecruzam em qualquer grupo organizado, onde se estabelecem regras e hierarquias para o uso dos recursos dos quais depende sua existência. Caso emblemático é o da bíblica disputa entre a gente de Abraão e a de Lot (Gêneses, 13). A terra “não era suficiente para todos” e um deles, com autoridade política sobre um dos grupos teve que partir com sua gente a procura de novo espaço. A migração faz parte da vida: vegetais migram, animais migram e a história da humanidade nos mostra que mudanças climáticas, guerras, epidemias, esgotamento de recursos, aumento da população forçam às migrações, sejam per- manentes ou temporárias. Um exemplo: no espaço que hoje constitui o Brasil, dizem antropólogos, historiadores e qualquer mapa lingüístico, há marcas da presença do grande grupo indígena tupi em várias regiões. Por outro lado, há vestígios de que a Amazônia já foi mais de uma vez, em razão das glaciações, uma região gelada e em outros tempos, seca e com “ilhas” de florestas. Herdamos de Darwin a assertiva de que qualquer sociedade necessita de nutri- ção, segurança e condições de reprodução para sobreviver. Na prática, a nutrição tem que ser acessada no ambiente, com trabalho de alguma forma organizado e até hierarquizado. A segurança depende também de organização política, para se defen- der de competidores, além de normas de saúde. As condições de reprodução por sua vez dependem de sentimentos de preservação e de processos e estratégias, pois quem não se reproduz simplesmente se extingue. E a estratégia humana é, como nos diz Marx em O Capital:

[...] Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano com sua própria ação impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza. Defronta-se com a natureza como uma de suas for- ças. Põe em movimento as forças naturais de seu corpo, braços e pernas, cabeça e mãos, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana. Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza. Desenvolve as potencialidades nela adormecidas e submete ao seu domí- nio o jogo das forças naturais. (Karl Marx. O Capital. Vol. 1, Part III, Cap. VII, Seção 1).

Mais adiante, nos diz a mesma fonte:

[...] Animais e plantas que costumamos considerar produtos da natureza são possivelmente não só produtos do trabalho do ano anterior, mas, em sua forma atual, produtos de uma transformação continuada, através de muitas gerações, realizada sob controle do homem e

158 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 157-170, jul./dez. 2015 pelo seu trabalho. No tocante aos meios de trabalho, a observação mais superficial desco- bre, na grande maioria deles, os vestígios do trabalho de épocas passadas.

A agricultura, cujos vestígios nas várzeas amazônicas são inegáveis, se encaixa perfeitamente no afirmado pelo filósofo. E, a literatura de viajantes desde o século XVII e imagens de satélites na atualidade mostram-nos dois fatos fundamentais para a compreensão da interação natureza/homem na Amazônia. Primeiro que a região já abrigou populações variadas e numerosas, principalmente na orla dos rios, grandes fornecedores de proteína animal, diferentemente das florestas, onde a demografia sempre tendeu a ser por essa razão menos densa. Por outro lado, fora da Amazônia, no Nordeste, Sul e Centro-Oeste brasileiros de hoje há, como também escreveram os cronistas, alguns religiosos e bandeirantes, sinais dos antigos caminhos percorri- dos mais de uma vez por grupos como os antigos tupis. Um exemplo é o caminho do Peabiru, que ligava o litoral sul brasileiro ao Peru. No centro-sul é conhecido o fato de que tropeiros dos séculos XVIII e XIX percor- riam caminhos de a muito utilizados. Alguns desses caminhos se confundem hoje com rodovias, já que a geografia ditava seus contornos. Mais que isso, sabe-se que alguns dos caminhos do litoral ao planalto eram milenares trilhas de animais que migravam sazonalmente, sendo depois utilizados pelos humanos. Mas na Amazônia, o grande caminho foi a água, que facilitou não só os movimentos de grupos pré- -cabralinos, como também o dos conquistadores. Estes vão dominar quem já fez o trabalho de adaptar-se ao ambiente. Em resumo, a conquista européia encontrou espaços conhecidos e, ainda o domínio de técnicas de aproveitamento de recursos naturais, sem os quais não teria o homem branco sobrevivido.

A conquista e manutenção do espaço: fronteiras políticas e fronteiras de recur- sos

Com o mercantilismo europeu chega uma nova ordem que mudaria para sempre o cenário cultural, social e político dos povos americanos. Na Amazônia, como em toda a América, a partir daquilo que se chamou extração das drogas do sertão os da terra vão passar a viver não mais para si, pois populações diferenciadas e ambienta- das algures vão ocupar e dominar seus espaços, bem como suas vidas. Doenças di- zimarão a maior parte das populações originárias, serão escravizados e levados para outras terras, outros terão que trabalhar muito para ter o direito de entrar no céu ou não morrer na mão de seus vencedores. Espaços serão também delimitados sob a

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 157-170, jul./dez. 2015 159 autoridade de Estados Nacionais, suplantando quaisquer laços e estruturas políticas anteriores à conquista. Autores como Farage (1991) se referem à existência de uma unidade política formada por várias aldeias indígenas: o cacicado. Este era caracterizado como uma aliança encabeçada por líderes guerreiros, mas que evidentemente não puderam de- ter as forças dos conquistadores, nem se opor eficientemente às novas estruturas coercitivas construídas especificamente para administrar a vida indígena. Esse con- junto de normas coercitivas evoluiu desde os Capitães de Aldeia (1616-1686); o Regi- mento das Missões (1686-1755) e o mais famoso instrumento de dominação política e econômica dos índios no Brasil: o Diretório dos Índios (1755) do ministro português Marquês de Pombal, um instrumento que perdurou até o fim do século XVIII. Na metade daquele século houve uma definição de fronteiras políticas entre Portugal e Espanha, com o Tratado de Madri (1750). A partir daí no geral definiram- -se as fronteiras do futuro Brasil. Como havia desconfianças entre os dois Estados europeus, foram levantadas fortalezas na Amazônia, como tudo o mais, com a ne- cessária participação forçada dos indígenas. Esses, em grande parte já destribalizados vão sendo integrados cada vez mais na vida econômica e social alheia ao seu meio e tradições. A exceção é o uso de uma nova língua indígena derivada da dominação - o Nhengatu, que se tornou majoritária na região até o fim do século XIX. Na primeira metade do século XIX a Amazônia foi palco de dois fatos sangren- tos que a marcariam para sempre: a integração ao Império do Brasil (1823) e a Revol- ta da Cabanagem (1835-1840). Essa última, que dizimou as populações amazônidas, teve grande participação dos indígenas. Mas o século XIX traria mais: a Revolução Industrial, a pleno vapor no ocidente europeu e nos Estados Unidos exigia cada vez mais matérias primas e a exploração da borracha, até então um produto natural co- nhecido há séculos pelos habitantes da Amazônia vai mudar inteiramente seu perfil. Assim, após 1850 o indígena foi mais uma vez utilizado, agora como seringueiro, até que fosse suplantado em número por trabalhadores nordestinos (SANTOS, 1979). As cidades de Belém e Manaus se urbanizam, surgindo um comércio e uma classe social segundo modelos europeus. A fronteira brasileira se expande para a Bolívia, com a conquista do Acre. Nas duas capitais os pobres são expulsos para a periferia e em Manaus procurou-se apagar qualquer identidade indígena (FREIRE, 1993). Na segunda década do século XX a imensa fronteira de recursos deixou de ser fronteira de capital, entrando em crise em razão da concorrência estrangeira. Então já o português era a língua majoritária e o panorama geral da região estava completamente mudado.

160 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 157-170, jul./dez. 2015 O século XIX foi também a época da expansão do imperialismo e o governo de Pedro II foi forçado a abrir em 1853, embora não inteiramente, o rio Amazo- nas à livre navegação internacional. No Brasil republicano, após 1889, as potências européias voltariam a pressionar o governo quanto a novas definições fronteiriças no Norte. O grande defensor dos interesses brasileiros foi o Barão do Rio Branco, que utilizou o guarda-chuva militar norte-americano para enfrentar as potências eu- ropéias. O perigo era real, basta lembrar que a Venezuela em 1897 teve que ceder à Inglaterra uma área em litígio, situada hoje na República da Guiana e desde então reclamada. Além do mais, países europeus, alegando atraso no pagamento de dívidas atacaram a Venezuela em 1903.

Uma fronteira geopolítica

Na primeira década do século XX o Brasil tinha resolvido suas pendências fron- teiriças com todos os vizinhos. No processo, houve apenas uma derrota: a da Ques- tão do Pirara, com a Inglaterra, na divisa com a hoje República da Guiana, resolvida por arbitramento em 1904. Nos anos seguintes, com a economia da borracha em queda, a população da Amazônia refluiu, enquanto muitos se dedicam a atividades como a mineração no vale do rio Branco, hoje Roraima. Ali chegam também, em 1909 os padres beneditinos, que constatam a migração de índios do Brasil, maltra- tados por fazendeiros e balateiros, para a Guiana (EGGERATH, 1924). Noticiam também a construção de uma ferrovia inglesa que ligaria Georgetown à fronteira brasileira. A tal ferrovia jamais existiu, e a preocupação era, ao que parece, com a perda de mão de obra indígena, que continuava essencial em vastas áreas da Ama- zônia. Enquanto isso, o mundo passou pela Primeira Guerra (1914-1918) e pela Gran- de Depressão na década de 1930 e também de radicalizações ideológicas e naciona- listas, no qual a Amazônia seria centro de atenções. Foi nesse período entre guerras que intelectuais, geógrafos e militares brasileiros expuseram idéias geopolíticas em defesa do território nacional e principalmente da rica região amazônica. O espectro de uma nova guerra mundial e de possível avanço de nações poderosas sobre o continente sul-americano, em busca de seus recursos naturais assustava governos e lideranças. Um exemplo: na Venezuela o presidente Lopes Contreras planejou uma ocupação mais efetiva de suas fronteiras ao largo do Orinoco e ao sul, junto à fron- teira brasileira. Através de decreto presidencial foi ordenada uma ampla pesquisa geológica preliminar e alegava que existiam em seu país regiões quase desconhecidas, como a “Gran Sabana”, na divisa com a Amazônia brasileira.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 157-170, jul./dez. 2015 161 Desde 1933, ano em que os Estados Unidos, para vencer a Grande Depressão inauguram o “New Deal” e deixaram de lado a política de intervenções no Caribe e continente sul-americano, conhecido como “corolário Roosevelt”, o Brasil se viu mais livre para ter uma política externa aberta e independente. O governo brasileiro buscava formas de desenvolver o país e apoiava projetos como o já existente desde 1927 de Henry Ford no Tapajós – que constava principalmente de grandes planta- ções de seringueiras. Japoneses promovem a cultura da pimenta e da juta no Pará e Amazonas. Mais ainda: em busca de capital e tecnologia para desenvolver o Brasil, o primeiro governo Vargas (1930-1945) permitiu e prestou ajuda a uma expedição exploratória alemã no Pará, na divisa com a Guiana Francesa. Até então a guerra era uma possibilidade, mas o governo americano ficou atento aos acontecimentos, de olho nos avanços dos competidores por produtos estratégi- cos na América do Sul. Urgia, pois apoiar governos na busca de melhoramentos in- ternos e isso incluía colaborar com capitais e tecnologia. Houve colaboração técnica e recursos materiais para expedições de pesquisa que ampliaram o conhecimento de regiões como a Amazônia. O instrumento para tal política foi o Institute for Inter-Ame- rican Affairs, cujo comando foi entregue a Nelson Rockfeller. Mas se o Departamen- to de Estado dos Estados Unidos financiava expedições de cientistas, conscientes da necessidade de controle, os governos brasileiro e o venezuelano adotaram medidas reguladoras do acesso a seus territórios. Se, era preciso promover mudanças no perfil econômico (MORALES, 2009, p. 20), já que a grande crise não só diminuiu suas ex- portações e também desarticulou o mercado importador, os governos não queriam acima de tudo, perder a soberania. E, quando a guerra chegou ao continente, o que houve foi uma colaboração, principalmente no Brasil.

Segurança da fronteira e o papel da Amazônia em conflitos

Data do início dos anos de 1940 a primeira grande intervenção governamental brasileira na Amazônia e, ficou claro que esta devia ter garantidas suas fronteiras, ao mesmo tempo em que devia participar com seus recursos para o esforço de guerra. Isso não era um fato isolado, pois foram também cedidas bases aéreas e maríti- mas aos norte-americanos. Em troca, o governo federal brasileiro receberia apoio norte-americano para promover o desenvolvimento nacional, bem como apoio para medidas de defesa. Evidentemente, a borracha ocupava um lugar de destaque e o contingente para sua extração foi expandido, com a migração de milhares de “solda- dos da borracha” do Nordeste para a região. De acordo com Bahiana (1991, p. 16-

162 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 157-170, jul./dez. 2015 17) foi criado um Serviço de Saúde Pública, um outro para a Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia e também o Banco de Crédito da Borracha. Mais ainda, foram criados cinco territórios federais, três deles – Rondônia, Roraima e Amapá nas fronteiras amazônicas. Em 1945, ano do fim da Segunda Guerra marca também o final do governo di- tatorial de Vargas, mas a ideologia da necessidade de segurança nas fronteiras ressur- giu após 1964, época em que se inicia no Brasil o período conhecido como regime militar, e o mundo vivia sob o fantasma da Guerra Fria. Região estratégica, a Ama- zônia ocupava há décadas um lugar especial na mentalidade dos militares brasileiros. A antiga idéia de sua integração à economia e à vida nacional vinha sendo defendida também por inúmeros geopolíticos, principalmente após a década de 1920. Assim, mesmo com a atenção voltada para a solução de assuntos prementes, como a orga- nização da nova ordem, houve a implantação de medidas visando a dinamização da vida econômica na região, como a transformação, em 1966, da inoperante SPVEA (Superintendência para a Valorização Econômica da Amazônia) para SUDAM (Su- perintendência para o Desenvolvimento da Amazônia) e a criação da Zona Franca de Manaus (1967). Houve ainda (BECKER, 1998), a delimitação de uma nova área extra-regional – a Amazônia Legal, já existente em lei desde 1953. As medidas tomadas para a região na época faziam parte do que se chamou “Operação Amazônia” (1965-1967), que objetivava colocar em prática as antigas idéias de ocupação, desenvolvimento e integração, formuladas desde o primeiro go- verno de Getúlio Vargas mas aperfeiçoadas nas décadas posteriores, por institutos de pesquisa e de planejamento oficiais, como o Instituto de Pesquisas Econômica e Social (IPES) (MAHAR, 1978). Segundo esse pensamento (BAHIANA, 1991, p. 19; MAHAR, 1978, p. 3-4), de inspiração geopolítica, era necessário fortalecer a presen- ça do Estado numa região de grande extensão territorial tido como quase vazia em termos populacionais. A intervenção na Amazônia pelos governos militares após 1964 tem sido consi- derada como iniciada com a construção da rodovia Transamazônica, em 1970, após visita do presidente Médici ao Nordeste para verificar os efeitos de terrível seca. Ainda na primeira metade desse mesmo ano, segundo Velho (1976, p. 209), foram anunciados vários outros projetos rodoviários como a Cuiabá-Santarém, a pavimen- tação da Belém-Brasília e o apoio à rodovia estadual amazonense que ligava Manaus à Brasília-Acre. Em julho de 1970 foi anunciado o PIN (Programa de Integração Nacional) que, na opinião de Velho (1976), substituiu a abordagem desenvolvimen- tista regional pela inter-regional.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 157-170, jul./dez. 2015 163 Havia a idéia de sempre se subordinar a economia regional brasileira a um plano maior, de natureza geopolítica, como ressalta Santos (1996) e que tinha como men- tor mais conhecido, o general Golbery do Couto e Silva (1911-1987), do grupo de Castelo Branco e da Escola Superior de Guerra - ESG. No entanto, foi um membro desta instituição, o general Carlos de Meira Mattos (1913-2007), o principal idealiza- dor da ação do Estado nacional brasileiro na Amazônia na década de 1970, quando o Estado autoritário brasileiro já estava consolidado e o país apresentava contínuos índices positivos de crescimento. O pensamento de Meira Mattos, exposto em várias de suas obras (MATTOS, 1975; 1977; 1980), estava calcado, como também o de Golbery e outros militares de seu tempo, em premissas geopolíticas já tratadas desde as décadas de 1920 e 1930, principalmente por Everardo Beckheuser, Mário Travassos e Cassiano Ricardo. Para Lewis Tambs (1978, p. 45-46), autor de trabalhos de geopolítica sobre a América Latina, Mário Travassos foi um dos postulantes da presença dos dois grandes pólos estratégicos da América Latina: o maciço boliviano de Charcas e o mar “fechado do Caribe”1. Ambos os conceitos se tornariam verdadeiros paradigmas da geopo- lítica latino-americana, principalmente a partir das obras de Golbery, incorporador e divulgador da primeira dessas proposições. Segundo Shilling (1978), a Bolívia, o Paraguai, Rondônia e Mato Grosso constituíam a união dos setores geopolíticos na América Latina, concepção que passou a ser levada em conta e gerou protestos de inúmeras autoridades e intelectuais de países vizinhos. Vesentini (1987, p. 69) destaca que o pensamento geopolítico nacional herdou idéias da elite intelectual do Império, re-elaborando-as e ultrapassando a preocupa- ção com a segurança do Estado. Assim, numa justificativa da dominação, utiliza-se dos mitos históricos mais arraigados numa sociedade, tidos como alicerces ou mar- cos da história nacional. Mas a geopolítica pensada na ESG olhava, sobretudo, para o futuro (MATTOS, 1978), atribuindo papéis específicos nessa “missão” a setores da sociedade e ao território. Este último, de acordo com Mattos (1975; 1978), citan- do idéias do pensador e historiador inglês Arnold Toynbee (1889-1975), tem que ser dominado, vencido, não devendo oferecer facilidades ao homem sob pena de for- mar-se em seus domínios um povo fraco, uma sociedade que tende a enfraquecer-se e mesmo a desaparecer. Está subjacente nesse pensamento, que o agente condutor da sociedade nessa caminhada de domínio da natureza e de busca de um lugar ao sol, no meio das na-

1 De acordo com Tambs (1978, p. 45), esses dois pólos geopolíticos foram identificados também pelo boliviano Jaime Mendoza.

164 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 157-170, jul./dez. 2015 ções desenvolvidas é o Estado, o Estado-nação dos geopolíticos (SILVA, 1981). Fica subentendida também (MATTOS, 1978; 1980), a necessidade de se ordenar a ação para se vencer obstáculos, a serem necessariamente vencidos: os antagonismos de várias ordens, inclusive políticos. Em suma, defende-se o autoritarismo, o que não se constitui propriamente em novidade na história intelectual brasileira. A linha de pensamento político de Meira Mattos seria marcada por essa com- posição político-econômica e pela necessidade de dominação do ambiente pelo ho- mem. Na obra Brasil, geopolítica e destino (1975, p. 8-12), ele traça a trajetória para trans- formar o país até o ano 2000 em nação desenvolvida, uma das metas do II PND (II Plano Nacional de Desenvolvimento). Na mesma obra (1975, p. 8) afirma que “[...] a façanha humana no planeta é marcada pela luta”. Diferente de Golbery, para quem a região do Rio da Prata teria maior importância para a estratégia geopolítica brasileira, Mattos (1980) defendia um avanço, a “conquista” da Amazônia para consolidar o Estado-nação brasileiro, através de uma estratégia sobretudo terrestre. Nessa perspectiva, a problemática das ligações rodoviárias surge com força no discurso de Mattos (1980, p. 147-148):

Durante 200 anos tentamos a conquista do nosso interior e particularmente da imensa Bacia Amazônica apoiados em estratégia essencialmente fluvial. Fracassamos porque a navegação fluvial é caprichosa; não nos leva onde queremos; a navegação dos rios ama- zônicos sofre a influência das estações de águas altas e águas baixas; há inúmeras quedas e cachoeiras que interrompem a navegação da maioria dos cursos d´água. Mudamos de estratégia nos anos 50 e começamos a implantá-la nos anos 60. A nova tentativa seria a conquista do Planalto Central, onde se encontra o divortium aquarium entre as três maiores bacias brasileiras – do Prata, do Amazonas e do São Francisco; montados nesse divisor (instalação de Brasília), tentamos baixar à planície amazônica pelos grandes espigões que separam as águas dos afluentes da margem sul do ‘grande rio’. E assim o fizemos, des- cemos pelo divisor que separa o Tocantins do Araguaia para alcançar Belém na foz do Amazonas. Baixamos pelo espigão que separa o Xingu do Tapajós, até Santarém, no baixo Amazonas. Baixamos pelo espigão separador das bacias do Madeira e do Tapajós para che- gar a Manaus, no médio Amazonas. Aí está a ossatura da nossa estratégia de conquista da Amazônia. O êxito desse empreendimento animou-nos. Depois veio a grande transversal, cortando espigões de leste a oeste, e ligando entre si as artérias longitudinais que seguiram esses divisores – a Transamazônica”.

Numa referência à outra rodovia de ligação, a Perimetral Norte, BR 210, Mattos (1980, p. 148) argumenta que esta é a continuação da mesma estratégia, buscando o espigão entre os rios Jari e o Trombetas, para chegar a Tiriós, na fronteira com o Suriname e daí a Roraima e às fronteiras da Venezuela e República da Guiana e, possivelmente em futuro próximo, a fronteira Colombiana. Para Mattos, todas essas

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 157-170, jul./dez. 2015 165 rodovias seriam de interesse também dos vizinhos países de língua espanhola, mas para Shilling (1978), esse avanço fazia parte de medidas que representavam o que muitos consideravam como um avanço do “expansionismo brasileiro”. O papel de dominância na América Latina, buscado ou não pelo Brasil foi re- sumido por pesquisadores como Becker, Egler (1994, p. 154-168), os quais afirmam que até 1974 o Brasil fundamentou sua política externa numa aliança bilateral com os EUA, inclusive nas relações com seus vizinhos. Mas houve uma mudança a partir de 1975 e em 1978 o Brasil induziu alguns de seus vizinhos a assinar em 1978 o Pacto Amazônico, mais conhecido como Tratado de Cooperação Amazônica. Em Geopolítica pan-Amazônica (1980), Mattos argumenta que o Pacto traria vantagens econômicas e políticas para o Brasil e seus vizinhos. Todos seriam beneficiários da integração que adviria da assinatura do documento, em julho de 1978, entre Brasil, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Suriname e Guiana. O Pacto representaria:

[...] um esforço no sentido de conscientizar os países condôminos da região sobre a neces- sidade de criarem um organismo de cooperação regional, para juntos moverem as alavan- cas capazes de despertar a Pan-Amazônia de seu sono secular”. E, uma lembrança: “Não será possível, nesse esforço hercúleo, abrir mão do capital e da tecnologia dos países mais adiantados do mundo, dos organismos internacionais de suporte financeiro e tecnológico. O que não desejam os países amazônicos é perder a soberania sobre essa região cobiçada sob o pretexto de sua incapacidade para explorá-la. Para isso terão que atuar juntos – mos- trar inteligência, colocar de lado suas desconfianças recíprocas e revelar uma verdadeira vontade realizadora. (MATTOS, 1980, p. 136).

As “desconfianças recíprocas” eram oriundas dos temores da expansão brasi- leira na região, por parte de governos, de intelectuais ou representantes de setores acadêmicos ou ainda de grupos de interesse, como se observa em Madi (1998), em Martinez (1980), Nazoa (1997) e, Schilling (1978). O perigo de se “perder a sobera- nia” embora reconhecendo a necessidade de recursos externos, financeiros e tecno- lógicos, expressam aqui o momento em que o governo brasileiro já não aceitava o “alinhamento automático” com os EUA, após a metade da década de 1970. Mas não houve recursos para ir mais longe. O fim da década de 1970 foi o tempo de realização máxima do governo bra- sileiro, antecedendo a “crise da dívida” que se abateu sobre o Terceiro Mundo, em 1979, e a uma outra em 1981-1982, que levaria ao início do fim do regime militar. Na década de 1980, projetos como o Calha Norte (1985) seriam tentativas de reeditar a organização do espaço amazônico e proteger as fronteiras. Em 1985 o regime militar brasileiro terminaria, seguindo-se a convocação de uma Assembléia Constituinte,

166 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 157-170, jul./dez. 2015 onde, através da Constituição Federal de 1988, os direitos das populações tradicio- nais, como as indígenas e uma legislação ambiental mais rígida e integrada foram em parte atendidos. Na década de 1990, com a “Nova ordem mundial” e o “Consenso de Washing- ton” (ALTVATER, 1995; HUNTINGTON, 1997), que se impuseram após a Guer- ra Fria, o Brasil, bem como a Amazônia e a própria geopolítica, sofreriam mudanças no rumo de sua vida política. Contudo, afirmam Becker, Egler (1994, p. 273), há uma herança presente, estruturadora, da geopolítica, bem como novos papéis para essa área do conhecimento nos tempos da multipolarização e de politização da natureza.

Considerações finais

O espaço amazônico, em especial o brasileiro, ainda continua sendo construído, mas seus habitantes originais muito pouco participam dessa ação. Há milhares de anos mudanças climáticas promoveram adaptações ao meio e migrações de povos que construíam seu espaço através do trabalho, seja a caça, a pesca ou a agricultura. As duas primeiras proviam – é o que pesquisas recentes apontam – a quantidade de proteína necessária à sua nutrição. E era nas várzeas que se concentrava a maior parte de sua população então numerosa. Esse mundo se transformou com a conquista. Primeiramente por agentes de Estados mercantilistas e depois para atender às necessidades de matérias primas ne- cessárias à grande demanda provocada pela Revolução Industrial. Sem deixar de ser uma fronteira de recursos, e também por causa disso, tornou-se uma imensa região que necessitava, acreditava-se, de proteção e segurança. Isso seria oferecido pelo Estado nacional brasileiro, mas com projetos que excluíam seus antigos habitantes. Foram as fronteiras políticas que ficaram marcadas por essas ações geopolíticas. O ambiente foi também tido como um empecilho ao desenvolvimento, pois tudo ficou sob a égide da segurança, não a darwiniana, mas a do regime político e do desenvolvimento. As populações foram adensadas junto às fronteiras, ligadas por rodovias estratégicas, acelerando a relação tempo/espaço. Multiplicaram-se os cho- ques com as populações indígenas e as novas rodovias facilitaram o desmatamento. Alguns dos grandes projetos formaram enclaves, enquanto as populações urbanas se multiplicaram e algumas cidades amazônicas hoje apresentam os mesmos proble- mas das de outras regiões. Enquanto o homem transforma o ambiente/fronteira de recursos, já se observa a migração intra-regional e problemas nas intensas movimen-

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 157-170, jul./dez. 2015 167 tações humanas nas fronteiras políticas. A Amazônia continua sendo um lugar de atenção e de preocupação.

Referências

ALTVATER, Elmar. O preço da riqueza. São Paulo: UNESP, 1995.

BAHIANA, Luís Cavalcanti. O Norte na organização regional do Brasil. In: Geografia do Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística., v. 3, 1991. p. 15-23.

BECKER, Bertha K. Amazônia. 6. ed. São Paulo: Ática, 1998.

______. A geopolítica na virada do milênio: logística e desenvolvimento sustentável. In: CASTRO, Iná Elias de; GOMES, Paulo César da C.; CORRÊA, Roberto L. (Org.). Geografia: conceitos e temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. p. 271-307.

______; EGLER, Cláudio A. G. Brasil: uma nova potência regional na economia-mun- do. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994. (Coleção Geografia).

EGGERATH, Pedro. O vale e os índios do Rio Branco. Rio de Janeiro: Tipografia Universal, 1924.

FARAGE, Nádia. As Muralhas dos sertões: os povos indígenas no Rio Branco e a colonização. Rio de Janeiro: Paz e Terra; ANPOCS, 1991.

FREIRE, José Ribamar Bessa. Barés, Manáos e Tarumãs. Amazônia em Cadernos, Manaus: Museu Amazônico/Universidade Federal do Amazonas, v. 2, n. 2/3, p. 159- 178, dez. 1993/1994.

HUNTINGTON, Samuel P. O choque de civilizações: e a recomposição da ordem mundial. Tradução de M. H. C. Côrtes, Rio de Janeiro: Objetiva, 1997.

MADI, Issam. Conspiración al sur Del Orinoco. Caracas: Edição do Autor, 1998.

MAHAR, Dennis. Desenvolvimento econômico da Amazônia: uma análise das polí- ticas governamentais. Rio de Janeiro: IPEA, 1978. (Relatório de Pesquisa, 39).

MARTINEZ, Pedro Fernando Castro. Fronteras Abiertas: expansionismo y geopolíti- ca en el Brasil contemporáneo. México: Siglo Veintiuno, 1980.

MARX, Karl. (Karl Marx. O Capital. Vol. 1, Part III, Cap. VII, Seção 1). Disponível em http://www.marxists.org/portugues/marx/1867/ocapital-v1/vol1cap07.htm. Acesso em 27.01.2013.

168 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 157-170, jul./dez. 2015 MATTOS, Carlos de Meira. Brasil, geopolítica e destino. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1975.

______. A geopolítica e as projeções do poder. Rio de Janeiro: José Olimpio, 1977.

______. Uma geopolítica pan-amazônica. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1980.

______. Amazônia: o grande desafio geopolítico. Revista da Escola Superior de Guer- ra. v.1, n.41. p. 313-321, 2002

MORALES, Otoniel. América Latina Y El Caribe em la agenda de la política exte- rior estadunidense entre 1920-2004: diversificación, coincidência y conflito. Caracas: Centro Nacional de História, 2009.

NAZOA, Aida Santana. La questión científica y tecnológica en el Amazonas vene- zolano: evaluación y perspectivas. Caracas: Universidade Central de Venezuela, 1991.

REIS, Arthur Cezar Ferreira. História do Amazonas. 2. ed. Rio de Janeiro: Itatiaia, 1989.

SANTOS, Milton. O espaço do cidadão. 3. ed. São Paulo: Nobel, 1996. (Coleção Espaços).

SANTOS, Roberto. História econômica da Amazônia (1800-1920). Campinas-São Paulo: Editora Biblioteca Básica de Ciências Sociais, 1979

SCHILLING, Paulo R. El expansionismo brasileño. Cidade do México: El Cid, 1978.

SILVA, Golbery do Couto e. Conjuntura política Nacional: o Poder Executivo e geopolítica do Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1981. (Coleção Documentos Brasileiros,190).

TAMBS, Lewis A. Fatores geopolíticos na América Latina. A Defesa Nacional, Rio de Janeiro. Ano 65, n. 679, set./out.1978.

VELHO, Otávio Guilherme. Capitalismo autoritário e campesinato. São Paulo: DI- FEL, 1976.

VESENTINI, José William. A capital da geopolítica. 2. ed. São Paulo: Ática, 1987. (Coleção Ensaios, 124).

WILLIAMSON, John; KUCZYNSKI, Pedro-Pablo. (Org.) Depois do consenso de Washington: retomando o crescimento e a reforma na América Latina. São Paulo: Saraiva, 2004.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 157-170, jul./dez. 2015 169

Nélvio Paulo Dutra Santos *

ARTIGO SOCIETY, ENVIRONMENT AND FRONTIER IN THE AMAZON: SOME HISTORICAL AND POLITICAL TOPICS

Abstract Resumo This work is the result of thematic O presente trabalho é resultado de temas discussions on topics covered during the tratados em discussões temáticas durante o First International Seminar on Society and 1º Seminário Internacional sobre Sociedade e Frontiers, sponsored by PPGSOF/UFRR, Fronteiras promovido pelo PPG-SOF/UFRR, on December 2012 in Boa Vista. Here we em dezembro de 2012 em Boa Vista. Nele try to establish some relationships between tratamos de estabelecer algumas relações entre the categories society, environment and as categorias sociedade, ambiente e fronteira na frontier in the Amazon, especially from the Amazônia, principalmente sob a ótica da evolução perspective of political and administrative político-administrativa, desde a colonial até os developments, from colonial times to tempos mais recentes. A fronteira amazônica recent times. The Amazon frontier is é caracterizada aqui como algo mais do que characterized here as nothing more than a uma histórica fornecedora de recursos naturais e historical supplier of natural resources as também como mais que um espaço delimitado pelo well as more than a space delimited by the Estado Nacional. Seus habitantes tradicionais são National State. Its traditional inhabitants entendidos como construtores do seu espaço, além de are seen as builders of their own space, serem também incorporados em projetos do Estado and are also incorporated into projects of Nacional no atendimento de demandas existentes the National State in order to meet existing alhures, seja no início da conquista seja em tempos demands elsewhere, either at the beginning mais presentes. Em resumo, como a economia e a of the conquest or at present. In short, it is política se sobrepuseram a povos e ao ambiente e how the economics and politics overcome moldaram a vida no espaço conhecido hoje como peoples and environment and shaped life Amazônia Brasileira. in the area known today as the Brazilian Amazon. Palavras-Chave: Fronteira Amazônica; Geopolítica; História do Brasil. Keywords: Amazon Frontier; Geopolitics; History of Brazil.

* Graduated in History from the University Center of União da Vitoria City (1972), Masters in History from the Federal University of Santa Catarina (1993) and doctorate in Sustainable Development of the Humid Tropics at the Federal University of Para (2004). He is currently associate professor at the Federal University of Roraima.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 171-184, jul./dez. 2015 171 Environment and society: an imperative relation

Society, environment and politics criss-cross in any organized group in which rules and hierarchies are established for the use of the resources its existence de- pends on. An emblematic case is the biblical dispute between Abraham’s and Lot’s people (Genesis, 13). The land “could not support them” and one of them, with political authority over one of the groups, had to leave with his people and look for a new place. Migration is a part of life: vegetables migrate, animals migrate, and the history of human beings shows us that climatic changes, wars, epidemics, depletion of resources, increase in population force migrations, either permanent or tempo- rary. An example: in the area that currently constitutes Brazil, as anthropologists, historicists and any linguistic map say, there are traces of the presence of a large indigenous Tupi group in several regions. On the other hand, there are remains that show that Amazon has already been, more than once, a cold region because of the glaciations, and in former times dry and with spread forests. We inherited from Darwin the statement of the fact that every society needs nutrition, security and conditions for reproduction to survive. In practice, besides health norms, nutrition must be accessed from environment by a somehow orga- nized work and even hierarchic. Security depends also on political organization, in order to defend from competitors. The conditions for reproduction, in turn, depend on an awareness about preservation, and processes and strategies, because those who do not reproduce are simply extinguished. The human strategy is, as Marx tells us in Capital:

[...] Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano com sua própria ação impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza. Defronta-se com a natureza como uma de suas for- ças. Põe em movimento as forças naturais de seu corpo, braços e pernas, cabeça e mãos, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana. Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza. Desenvolve as potencialidades nela adormecidas e submete ao seu domí- nio o jogo das forças naturais. (Karl Marx. O Capital. Vol. 1, Part III, Cap. VII, Seção 1)1.

1 “Labour is, in the first place, a process in which both man and Nature participate, and in which man of his own accord starts, regulates, and controls the material re-actions between himself and Nature. He opposes himself to Nature as one of her own forces, setting in motion arms and legs, head and hands, the natural forces of his body, in order to appropriate Nature’s productions in a form adapted to his own wants. By thus acting on the external world and changing it, he at the same time changes his own nature. He develops his slumbering powers and compels them to act in obedience to his sway.” T/n.: This text is not a translation. It is a transcription of Marx’s original book, Capital, available at https://www.marxists.org/archive/marx/works/1867-c1/ch07.htm.

172 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 171-184, jul./dez. 2015 The same source tells us further:

[...] Animais e plantas que costumamos considerar produtos da natureza são possivelmente não só produtos do trabalho do ano anterior, mas, e m sua forma atual, produtos de uma transformação continuada, através de muitas gerações, realizada sob controle do homem e pelo seu trabalho. No tocante aos meios de trabalho, a observação mais superficial desco- bre, na grande maioria deles, os vestígios do trabalho de épocas passadas2.

Agriculture, whose traces in the Amazon are undeniable, fits perfectly in what the philosopher affirms. Moreover, travelers’ literature since XVII century and ima- ges from satellites nowadays show us two elementary facts for the comprehension of interaction between human and nature in the Amazon. The first is that the region has already harbored large and diverse populations, mostly on the edge of the rivers - great suppliers of animal protein, differently from the forests, where demography has always tended to be less dense. On the other hand, outside the Amazon, in the Northeast, South and Center-West of Brazil, there are nowadays, as chronicle wri- ters stated, some religious people and bandeirantes3, signs from the old ways through which groups like the old Tupis have passed. An example is the pathway of Peabiru, which connected the Brazilian southern coast to Peru. In the Center-South, it is known that the troopers from XVIII and XIX centuries have covered pathways that had been used for a long while. Some of these pathways are mistaken nowadays as highways, for geography set their shapes. More than that, it is known that some of those paths that linked the coast to the plateau were millenary trails made by animals that have migrated seasonally that were afterwards used by humans. However, in the Amazon, the most common way was along water, which made easier not only the movement of pre-Cabralian groups, but conquerors also. These then dominated those who had already worked hard on adapting themselves to the environment. In short, the European conquest has found well-known places and the domination of techniques to harness natural resources without which white men would not have lived.

2 “Animals and plants, which we are accustomed to consider as products of Nature, are in their present form, not only products of, say last year’s labour, but the result of a gradual transformation, continued through many generations, under man’s superintendence, and by means of his labour. But in the great majority of cases, instruments of labour show even to the most superficial observer, traces of the labour of past ages.” 3 T/n.: The Bandeirantes were paulistas, raiders of indigenous population and invaders of spanish lands, also called “followers of the banner”, that served the Portuguese Crown during part of the colonial period.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 171-184, jul./dez. 2015 173 The conquest and maintenance of the place: political borders and resource borders

Through European mercantilism, a new order that would change the cultural, social and political landscape of American peoples comes up. In the Amazon, as well as in all America, arising out of what was called the exploitation of the drugs of the backlands, drogas do sertão, the original inhabitants of the land ceased to live for themselves because diverse populations from other regions occupied and domi- nated their places, as well as their lives. Diseases have wiped out most of the former populations; they have been made slaves and brought to different lands; some had to work hard to acquire the right to go to heaven or not to die by the hands of their victors. Furthermore, areas have been delimited under the authority of National States, striking down any kind of ties and political structures former to the conquest. Authors like Farage (1991) refer to the existence of a political unity formed by several indigenous villages: the cacicado4. It was an alliance headed by old chief warriors, but could neither stop the force of the conquerors, nor effectively stand against the new coercive structures that were created specifically to administrate indigenous life. This set of coercive norms have evolved since the Capitães de Aldeia, the Village Captains (1616-1686), the Missions Regiment (1686-1755) and the most famous instrument of political and economic domination over Indians in Brazil: the Indian Directory (1755), made by the Portuguese minister Marquês de Pombal, an instrument that has lingered up to the end of XVIII century. In the half of this century, there was a definition about political borders be- tween Portugal and Spain, with the Treaty of Madrid (1750). From that point on, in general, Brazil’s future borders were defined. Because of the suspicions there were between these two European States, some fortresses were built in the Amazon, along with many other things, with the necessary participation of indigenous people, who have been compelled. Those have already been taken off their tribes and incre- asingly integrated to a social and economic life different from their environment and traditions. The exception is the use of a new indigenous language called , derived from the domination that became majorly used in the region until the end of XIX century. In the first half of XIX century, the Amazon was stage to two bloody facts that would be its milestones forever: the integration of Brazil to the Empire (1823) and the Cabanagem Uprising (1835-1840). This last one, which wiped out the Amazon’s

4 T/n.: A leadership institution from old times, commanded by the Indian old chiefs.

174 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 171-184, jul./dez. 2015 populations, counted on a great participation from the indigenous. Nevertheless, XIX century would bring more with it: the Industrial Revolution, at full swing in the Western Europe and in the United States demanded more and more raw materials and rubber exploitation, so far a natural product well known by the Amazon’s inha- bitants, and changes its portrait entirely. Thus, after 1850, Indians were once more utilized, now as rubber tappers, until the number of Northeastern workers surpas- sed theirs (SANTOS, 1979). The cities of Belém and Manaus become urbanized, and a commerce and a social class that follows European standards showed up. Brazilian borders expand onto Bolivia, by virtue of the conquest of Acre. In these two capitals, the poor were expelled to the suburbs and in Manaus people tried to erase indigenous iden- tity (FREIRE, 1993). In the second decade of XX century, the immense resource border ceased to be a capital border, falling into crisis by virtue of the foreign com- petition. Then, Portuguese had already become the major language and the general overview of the region had been completely changed. The XIX century was also the age of expansion of imperialism and the govern- ment of D. Pedro II was compelled to open up the Amazonas River to international navigation in 1853. In the Republican Brazil, after 1889, European forces would pressure the government concerning new border definitions in the North. A strong advocate in favor of Brazilian interests was the Baron of Rio Branco, who made use of the North-American military umbrella to face the European forces. Danger was real: it is enough to think that Venezuela in 1897 had to give away to England a dis- pute area, located nowadays in the Republic of Guyana and thenceforth reclaimed. Moreover, European countries attacked Venezuela in 1903 stating that debts were overdue.

A political border

In the first decade of XX century, Brazil had gone over its border issues with all neighbor countries. In this process, there was only one loss: the issue of Pirara, with England, in the frontier with the current Republic of Guyana, solved by arbi- tration in 1904. In the years that came by, as rubber economy was running down, the Amazon’s population flowed again, while many people dedicated their lives to activities like mining in the valley of the White River, now Roraima. In 1909, the Benedictine priests arrive there, and realize that the Indians were migrating, due to mistreatments by farmers and balata exploiters, from Brazil to Guyana (EGGERA-

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 171-184, jul./dez. 2015 175 TH, 1924). They also spread the news about the construction of an English railway that would connect Georgetown to the Brazilian frontier. This railway has never existed and the worry was, as it seems, the loss of indigenous workforce, what was still strong in vast areas of the Amazon. Meanwhile, the world had been going through World War I (1914-1918) and the Great Depression in the decade of 1930, and, also, ideological and nationalist extremisms for which Amazon was the spotlight. It was in this period between wars that intellectuals, geographers and Brazilian military exposed ideas about geopolitics in defense of the national territory and mainly of the rich Amazonian region. The possibility of a new World War and an advance from powerful nations upon the South-American continent looking for natural resources frightened governments and leaderships. An example: in Venezuela, president Lopes Contreras planned a more effective occupation of the frontiers alongside the Orinoco, and in the South, on the Brazilian frontier. By means of a presidential decree, a broad geological rese- arch was demanded; it said that there were almost unknown regions in their country, like Gran Sabana, in the frontier with the Brazilian Amazon. Since 1933, the year in which the United States, to go over the Great Depres- sion, inaugurate the New Deal and leave aside the intervention policies in the Cari- bbean and the South-American continent, known as “Roosevelt Corollary”, Brazil has been more free to have open and independent external policies. The Brazilian government was looking for ways to develop the country and supported projects like the one by Henry Ford in the Tapajós that had existed since 1927 - which counted mostly on large plantations of rubber trees. Japanese promoted culture of pepper and jute in Pará and Amazonas. In addition to this, in search for capital and technology to develop Brazil, the first government Vargas (1930-1945) permitted and helped a German exploratory expedition in Pará, on the border with the French Guyana. So far, war was just a possibility, but the American government has kept aware of events, keeping an eye on the competitors’ developments over strategic products in South America. It was urgent, then, to support governments in the search for internal improvements, including collaborating with capital and technology. There were technical collaboration and material resources to research expeditions that bro- adened knowledge about regions like the Amazon. The Institute for Inter-American Affairs, which was commanded by Nelson Rockfeller, was the instrument to this policy. Nevertheless, at the time the U.S. Department of State sponsored scientists’ expeditions, aware of the necessity of control, the Brazilian and Venezuelan gover-

176 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 171-184, jul./dez. 2015 nments took regulation measures concerning the access to their territories. If there was a need to spur changes in the economic portrait (MORALES, 2009, p. 20), as the major crisis has not only decreased exportation, but has also broken up the importation market, the governments did not want, most of all, to lose sovereignty. Thus, when war reached the continent, there was collaboration, chiefly in Brazil.

Security of the frontier and the role of the Amazon in conflicts

It dates back to the beginning of 1940s the first great Brazilian governmental intervention in the Amazon, and it was clear that the Amazonian forests should have their borders secured, at the same time it should participate by supplying with resources the war efforts. This was not an only fact, because Air and Sea bases were given to the North-Americans. In exchange, the Brazilian Federal Govern- ment would be supported by the United States to promote national development, as well as support on protective measures. Evidently, rubber was a spotlight and its exploitation has been expanded with the migration of thousands of “rubber sol- diers” from Northeast to the region. According to Bahiana (1991, p. 16-17) a Public Health Service, a service for Mobilization of Workers to the Amazon and the Bank of Rubber Credit have been created. In addition to this, five Federal territories have been created, including Rondônia, Roraima and Amapá, by the Amazonian borders. The year in which World War II ended, 1945, marks also the end of Vargas’s dic- tatorship, but the ideology of a necessity for security at the frontiers came up again in 1964, a period in which the Military Regime, and the world was under the ghost of the Cold War. The Amazon, a strategic region, has had a special place in the minds of Brazilian military since decades ago. Several geopoliticians were defending the old idea of its integration to economy and to national life also, chiefly after the decade of 1920. Thus, even with attentions turned to the solution for immediate matters like the organization of the new order, a deployment of measures that sought dy- namism for the economic life of the region took place. Examples are the transfor- mation, in 1966, of the inoperative Superintendency for the Economic Valorization of Amazonia (SPVEA) into the Superintendency of Development for the Amazon (SUDAM) and the creation of Manaus’s Free-Trade Zone (1967). There was also (BECKER, 1998), the delimitation of a new extra-regional area - the Legal Amazon, which had existed by the law since 1953. The measures taken in favor of the region were part, at that time, of what was called “Operação Amazônia” or Operation Amazon (1965-1967), which had as goal

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 171-184, jul./dez. 2015 177 to put in practice the old ideas of occupation, development and integration that have been made since Getúlio Vargas’s first government, but improved only in the se- quent decades. This has been done by means of research institutes and official plans like the Institute for Economic and Social Research (IPES) (MAHAR, 1978). Accor- ding to this thought of geopolitical inspiration (BAHIANA, 1991, p.19; MAHAR, 1978, p. 3-4), it was necessary for the State’s presence to become stronger in a region of wide territorial expansion, lands that were almost empty concerning population. Some people consider military intervention in the Amazon after 1964 as to have been started with the construction of the Trans-Amazonian highway, in 1970, after president Médici’s visit to Northeast to check on the effects of the severe drought. In the first half of this same year, according to Velho (1976, p. 209), several other hi- ghway projects were announced, as Cuiabá-Santarém, the paving of Belém-Brasília and the support to the Amazonian state highway that connected Manaus to Brasília- -Acre. There was an idea about always subordinating Brazilian regional economy to a greater plan, of geopolitical nature, as highlights Santos (1996). This plan had as its best-known mentor the General Golbery do Couto e Silva (1911-1987), from Caste- lo Branco’s group and the High School of Way - Escola Superior de Guerra (ESG). However, it was a member from this institution, General Carlos de Meira Mattos (1913-2007), the main idealizer of Brazilian National State’s action in the Amazon in the decade of 1970, whenthe Brazilian authoritarian State had been already establi- shed and the country presented continuous positive rates of development. Meira Mattos’s thought, which was exposed in his works (MATTOS, 1975, 1977, 1980), was based, as well as Golbery’s and other military’s from his time, on geopolitical premises that were being worked on since the decades of 1920s and 1930s, chiefly by Everardo Beckheuser, Mário Travassos and Cassiano Ricard. To Lewis Tambs (1978, pp. 45-46), an author of works in geopolitics about Latin Ame- rica, Mário Travassos was one of the postulants of the presence of two considerable strategic hubs in Latin America: the Bolivian massif of Charcas and the “closed Caribbean sea”5. Both concepts would become real paradigms of Latin-American geopolitics, majorly from Golbery’s works, incorporator and promoter to the first of these propositions. According to Schilling (1978), Bolivia, Paraguai, Rondônia and Mato Grosso constituted the union of geopolitical sectors in Latin America, a conception that started to be taken into account and generated protests from many authorities and intellectuals from neighbor countries. 5 According to Tambs (1978, p. 45), these two geopolitical hubs were identified also by the Bolivian Jaime Mendoza.

178 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 171-184, jul./dez. 2015 Vesentini (1987, p. 69) highlights that the national geopolitical thought inherited ideas from the intellectual elite of the Empire, re-elaborating them and going over the worry about State’s security. Thus, to justify the domination, the most rooted historical myths in a society were used; those were seen as foundations or milestones in national history. But geopolitics, as it was thought at ESG, sought, most of all, the future (MATTOS, 1978), giving specific roles into this “mission” to sectors of the society and to the territory. The territory, conforming with Mattos (1975, 1978), who quote ideas from the English thinker and historian Arnold Toynbee (1889-1975), must be dominated, overcome, and not offer any ease to men, under penalty of a weak people to be formed in its domains, a society that tends to become weaker, and even to disappear. It is implied in this thought that the State, the Nation State of the geopoliticians (SILVA, 1981), is the agent that guides society on this walk towards domination of nature and search for a place in the sun, among developed countries. The necessity to organize actions in order to go over obstacles that needed to be overcome - like the antagonisms between many orders, including politics - is also implicit (MAT- TOS, 1978, 1980). In short, the authoritarianism was being defended, and that was not something new in Brazil’s intellectual history. Meira Mattos’s political line of thought has been marked by a political and eco- nomic composition and by men’s necessity for domination over the environment. In the book Brasil, geopolítica e destino (1975, pp. 8-12)6, he draws a trajectory to change the country until 2000 in a developed nation, a goal of the II National Development Plan (II Plano Nacional de Desenvolvimento, PND). In the same work (1975, p. 8) he affirms that “[...] a façanha humana no planeta é marcada pela luta”7. Differently from Golbery, who thinks that the region of Rio da Prata would be more important to the Brazilian geopolitical strategy, Mattos (1980) stood for progress, the “con- quest” of the Amazon to consolidate the Brazilian Nation State by means of a ground operation, most of all. Under that perspective, the problem of the highway connections notably shows up in Mattos’s discourse (1980, 147-148):

Durante 200 anos tentamos a conquista do nosso interior e particularmente da imensa Bacia Amazônica apoiados em estratégia essencialmente fluvial. Fracassamos porque a navegação fluvial é caprichosa; não nos leva onde queremos; a navegação dos rios ama- zônicos sofre a influência das estações de águas altas e águas baixas; há inúmeras quedas e cachoeiras que interrompem a navegação da maioria dos cursos d´água. Mudamos de 6 T/n.: “Brazil, geopolitics and destiny”. 7 “Human accomplishments on Earth are marked by fight”.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 171-184, jul./dez. 2015 179 estratégia nos anos 50 e começamos a implantá-la nos anos 60. A nova tentativa seria a conquista do Planalto Central, onde se encontra o divortium aquarium entre as três maiores bacias brasileiras – do Prata, do Amazonas e do São Francisco; montados nesse divisor (instalação de Brasília), tentamos baixar à planície amazônica pelos grandes espi- gões que separam as águas dos afluentes da margem sul do ‘grande rio’. E assim o fizemos, descemos pelo divisor que separa o Tocantins do Araguaia para alcançar Belém na foz do Amazonas. Baixamos pelo espigão que separa o Xingu do Tapajós, até Santarém, no baixo Amazonas. Baixamos pelo espigão separador das bacias do Madeira e do Tapajós para che- gar a Manaus, no médio Amazonas. Aí está a ossatura da nossa estratégia de conquista da Amazônia. O êxito desse empreendimento animou-nos. Depois veio a grande transversal, cortando espigões de leste a oeste, e ligando entre si as artérias longitudinais que seguiram esses divisores – a Transamazônica”8.

Referring to another connection highway, the Perimetral Norte (Northern Peri- meter Highway), BR 210, Mattos (1980, p. 148) argues that this is a succession to the same strategy, to look for the ridge between Jari and Trombeta Rivers to arrive at Ti- riós, in the frontier with Suriname and then go to Roraima and to the frontiers with Venezuela and Republic of Guyana and, possibly in a near future, the Colombian frontier. To Mattos, these highways would interest also for the Spanish-speaking neighbor countries, but for Shilling (1978), this progress was part of measures that represented what many people considered as an advance of the “Brazilian expan- sionism”. The role of dominance in Latin-America, either sought or not by Brazil, was summarized by researchers like Becker & Egler (1994, p. 154-168), who affirm that up to 1947 Brazil based its external policy on a bilateral alliance with the USA, in- cluding in what concerns its relations with the neighbors. Everyone would benefit from the integration that would come from the signature of the document on July 1978 between Brazil, Bolivia, Peru, Ecuador, Colombia, Venezuela, Suriname and Guyana. The deal would represent: 8 “During 200 years, we have tried to conquer our countryside and particularly the immense Amazon Basin supported by strategies essentially based on waterways. We have failed because waterway navigation is fickle; it does not bring us where we want to go; navigation in the Amazonian rivers is influenced by seasons of high and low tide; there are innumerous falls, high and low, that impair navigation in most of the water courses. We have changed our strategy in the 50s and started to deploy it in the 60s. The new attempt would then be the conquest of the Central Plateau, where the divortium aquarium is located, between the three largest Brazilian Basins – Prata, Amazonas and São Francisco. When settled in this watershed (in Brasilia), we tried to go to the Amazonian hill through the wide ridges that divide the waters of the rivers along the south margins of the “great river”. We did so; we have gone down the watershed that separates Tocantins from Araguaia to reach Belém in the Amazonas River’s mouth. We went down the ridge that separates Xingu from Tapajós, until Santarém, at the lower Amazonas. We went down the watershed that separates the basins of Madeira and Tapajós to arrive at Manaus, in middle Amazonas. There was the spine of our strategy to conquer the Amazon. The success of this enterprise has brought us joy. Then came the great transversal Trans-Amazonian, passing through ridges from east to west and connecting the longitudinal “arteries” that go along these watersheds.

180 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 171-184, jul./dez. 2015 [...] um esforço no sentido de conscientizar os países condôminos da região sobre a neces- sidade de criarem um organismo de cooperação regional, para juntos moverem as alavan- cas capazes de despertar a Pan-Amazônia de seu sono secular”. E, uma lembrança: “Não será possível, nesse esforço hercúleo, abrir mão do capital e da tecnologia dos países mais adiantados do mundo, dos organismos internacionais de suporte financeiro e tecnológico. O que não desejam os países amazônicos é perder a soberania sobre essa região cobiçada sob o pretexto de sua incapacidade para explorá-la. Para isso terão que atuar juntos – mos- trar inteligência, colocar de lado suas desconfianças recíprocas e revelar uma verdadeira vontade realizadora. (MATTOS, 1980, p. 136)9.

The “reciprocal suspicions” came from worries that the government, intellectu- als, representatives from academic sectors, or even interest groups, had about Brazil’s expansion over the region, as it is observed in Madi (1998), in Martinez (1980), Nazoa (1997) and Schilling (1978). The danger of “losing the sovereignty” and the necessity of external financial and technological resources show us the moment in which the Brazilian government stopped accepting the “automatic alignment” with the USA, after the first half of the decade of 1970. However, there were no resour- ces to go further. The end of the decade of 1970 was the time of a great realization to the Brazi- lian government, coming before the “debt crisis” that came upon the Third World in 1979, and another in 1981-1982, which would begin the end of the military regime. In the decade of 1980, projects like Calha Norte (1985) would be attempts to reedit the organization of the Amazonian area and protect the frontiers. In 1985 the Bra- zilian military regime went to an end, then a convocation to a Constituent Assembly, in which, by means of the Federal Constitution of 1988, the rights of the traditional populations, as well as indigenous’, and a more strict and integrated environmental legislation were, most of them, given attention to. In the decade of 1990, with the “New World Order” and the “Washington Con- sensus” (ALTVATER, 1995, HUNTINGTON, 1997), that were imposed after the Cold War, Brazil, as well as the Amazon and even geopolitics would undergo some changes in the course of its political life. Despite that, as affirm Becker & Egler (1994, p. 273), there is a current structuring heritage from the former geopolitics,

9 “[...] an effort regarding raise awareness on the neighbor countries from the region about the necessity of creating a regional cooperation organism, to move together towards awakening the Pan-Amazon from its secular sleep”. [And a remembrance:] “It will not be possible, with this Herculean effort, to give up on the capital and technology from the most developed countries in the world, from the international organisms for financial and technological support. The Amazonian countries do not wish to lose their sovereignty over this desirable region under the pretense of an inability to explore it. In order to do this, they will have to work together – to demonstrate intelligence, to leave reciprocal suspicions aside and reveal a true will to make things real. (MATTOS, 1980, p. 136)”.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 171-184, jul./dez. 2015 181 along with new roles for this knowledge area in times of multi-polarization and politicization of nature.

Final considerations

The Amazonian area, especially Brazil, is still being built, but its original inha- bitants participate very little in this action. Since thousands of years ago, climatic changes have promoted adaptations to environment and migration of populations that made up their space by means of work, either it was hunting, fishing or agricul- ture. These first two activities provided the amount of proteins that was necessary to their nutrition - recent researches point out. In addition, it was in the floodplains that the greatest part of its population, which was very large at this time, was gathered. This world has changed with the conquest; at first by State mercantilist agents and then to attend to the need of raw material, necessary due to the extensive de- mand caused by Industrial Revolution. Because it has not ceased to be a resource border, the Amazonian area has become an immense region that needed, as it is be- lieved, protection and security. That would be offered by the Brazilian national State, but only by means of projects that excluded its former inhabitants. The political borders have been marked by these geopolitical actions. The en- vironment was also seen as an obstacle to development, because everything was under the aegis of security, not the Darwinian one, but that of political regime and development. The populations were pushed back to clusters along the borders, con- nected by strategic highways, speeding things concerning the relationship between space and time. The conflicts with the indigenous populations have intensified and new highways made the deforestation easier. Some of the major projects have for- med enclaves, while the urban populations have spread and some Amazonian cities nowadays present the same problems of other regions. While man transforms the environment/resource borders, the intra-regional migration is already notable on the intense human movement over the political frontiers. The Amazon continues to be a place to worry about and to pay attention to.

References

ALTVATER, Elmar. O preço da riqueza. São Paulo: UNESP, 1995.

BAHIANA, Luís Cavalcanti. O Norte na organização regional do Brasil. In: Geografia do Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística., v. 3, 1991. p. 15-23. 182 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 171-184, jul./dez. 2015 BECKER, Bertha K. Amazônia. 6. ed. São Paulo: Ática, 1998.

______. A geopolítica na virada do milênio: logística e desenvolvimento sustentável. In: CASTRO, Iná Elias de; GOMES, Paulo César da C.; CORRÊA, Roberto L. (Org.). Geografia: conceitos e temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. p. 271-307.

______; EGLER, Cláudio A. G. Brasil: uma nova potência regional na economia-mun- do. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994. (Coleção Geografia).

EGGERATH, Pedro. O vale e os índios do Rio Branco. Rio de Janeiro: Tipografia Universal, 1924.

FARAGE, Nádia. As Muralhas dos sertões: os povos indígenas no Rio Branco e a colonização. Rio de Janeiro: Paz e Terra; ANPOCS, 1991.

FREIRE, José Ribamar Bessa. Barés, Manáos e Tarumãs. Amazônia em Cadernos, Manaus: Museu Amazônico/Universidade Federal do Amazonas, v. 2, n. 2/3, p. 159- 178, dez. 1993/1994.

HUNTINGTON, Samuel P. O choque de civilizações: e a recomposição da ordem mundial. Tradução de M. H. C. Côrtes, Rio de Janeiro: Objetiva, 1997.

MADI, Issam. Conspiración al sur Del Orinoco. Caracas: Edição do Autor, 1998.

MAHAR, Dennis. Desenvolvimento econômico da Amazônia: uma análise das polí- ticas governamentais. Rio de Janeiro: IPEA, 1978. (Relatório de Pesquisa, 39).

MARTINEZ, Pedro Fernando Castro. Fronteras Abiertas: expansionismo y geopolíti- ca en el Brasil contemporáneo. México: Siglo Veintiuno, 1980.

MARX, Karl. (Karl Marx. O Capital. Vol. 1, Part III, Cap. VII, Seção 1). Disponível em http://www.marxists.org/portugues/marx/1867/ocapital-v1/vol1cap07.htm. Acesso em 27.01.2013.

MATTOS, Carlos de Meira. Brasil, geopolítica e destino. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1975.

______. A geopolítica e as projeções do poder. Rio de Janeiro: José Olimpio, 1977.

______. Uma geopolítica pan-amazônica. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1980.

______. Amazônia: o grande desafio geopolítico. Revista da Escola Superior de Guer- ra. v.1, n.41. p. 313-321, 2002

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 171-184, jul./dez. 2015 183 MORALES, Otoniel. América Latina Y El Caribe em la agenda de la política exte- rior estadunidense entre 1920-2004: diversificación, coincidência y conflito. Caracas: Centro Nacional de História, 2009.

NAZOA, Aida Santana. La questión científica y tecnológica en el Amazonas vene- zolano: evaluación y perspectivas. Caracas: Universidade Central de Venezuela, 1991.

REIS, Arthur Cezar Ferreira. História do Amazonas. 2. ed. Rio de Janeiro: Itatiaia, 1989.

SANTOS, Milton. O espaço do cidadão. 3. ed. São Paulo: Nobel, 1996. (Coleção Espaços).

SANTOS, Roberto. História econômica da Amazônia (1800-1920). Campinas-São Paulo: Editora Biblioteca Básica de Ciências Sociais, 1979

SCHILLING, Paulo R. El expansionismo brasileño. Cidade do México: El Cid, 1978.

SILVA, Golbery do Couto e. Conjuntura política Nacional: o Poder Executivo e geopolítica do Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1981. (Coleção Documentos Brasileiros,190).

TAMBS, Lewis A. Fatores geopolíticos na América Latina. A Defesa Nacional, Rio de Janeiro. Ano 65, n. 679, set./out.1978.

VELHO, Otávio Guilherme. Capitalismo autoritário e campesinato. São Paulo: DI- FEL, 1976.

VESENTINI, José William. A capital da geopolítica. 2. ed. São Paulo: Ática, 1987. (Coleção Ensaios, 124).

WILLIAMSON, John; KUCZYNSKI, Pedro-Pablo. (Org.) Depois do consenso de Washington: retomando o crescimento e a reforma na América Latina. São Paulo: Saraiva, 2004.

184 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 171-184, jul./dez. 2015 Pedro M. Staevie *

ARTIGO CRESCIMENTO DEMOGRÁFICO E EXCLUSÃO SOCIAL NAS CAPITAIS PERIFÉRICAS DA AMAZÔNIA

Resumo Abstract O presente artigo tem como objetivo The present article has as objective generality to geral discutir o processo de crescimento argue the process of demographic growth in the demográfico nas “capitais periféricas” “peripheral capitals” of the Amazonia and its da Amazônia e sua relação com alguns relation with some social pointers. Through the indicadores sociais. Através da apresentação presentation of some pointers of these cities we de alguns indicadores destas cidades intend to demonstrate the partner-economic situation pretendemos demonstrar a situação sócio- of same and the necessity of the governmental econômica das mesmas e a necessidade da intervention in the combat to the problems reflected intervenção governamental no combate in the pointers. Using itself basically of the data aos problemas refletidos nos indicadores. presented for Pochmann and Amorim (2004) one Utilizando-se fundamentalmente dos dados searchs to namely present the social situation of apresentados por Pochmann e Amorim the cities that for the moment we call peripheral (2004) busca-se apresentar a situação social capitals of the Amazônia: Boa Vista, Macapá, dos municípios que por hora chamamos de Rio Branco and Porto Velho. capitais periféricas da Amazônia, a saber: Boa Vista, Macapá, Rio Branco e Porto Keywords: peripheral capitals; social exclusion; Velho. Amazonia.

Palavras-Chave: Capitais periféricas; exclusão social; Amazônia.

* Possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2002) , Mestrado em Economia pela Universidade Federal de Uberlândia (2004) e Doutorado em Desenvolvimento Socioambiental em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido (PDTU/NAEA) na UFPA (2012). Atualmente Professor do Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Desenvolvimento da UNILA.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 185-204, jul./dez. 2015 185 Introdução

Atualmente o debate sobre os problemas da Amazônia tem se concentrado fundamentalmente na problemática florestal, sobretudo nas questões envolvendo o desmatamento, biopirataria e expansão do agronegócio (sobretudo grãos), temas recorrentes na mídia e na produção científica – nacional e internacional. Na Amazônia Legal residem nas zonas urbanas da região, segundo dados do IBGE1, aproximadamente 16 milhões de pessoas. Quando se pensa em cidades da Amazônia, recai-se quase sempre sobre as metrópoles regionais (Belém e Manaus), que, juntando suas respectivas regiões metropolitanas, alcançam uma população de cerca de 3,5 milhões de habitantes. Entretanto, nas últimas décadas, diversas outras cidades amazônicas têm expe- rimentado um contínuo processo de crescimento populacional, resultando numa crescente demanda por serviços públicos, alguns deles até então inexistentes nestas regiões2, o que leva a um novo arranjo institucional e novas formas de organização por parte da sociedade civil organizada3, além de uma reconfiguração do espaço urbano ocupado por estes novos elementos. Entre os diversos municípios amazônicos a sofrerem estas intervenções no seu espaço urbano, delineando novos traçados sócioeconômicos-culturais encontram-se as capitais dos Estados periféricos da Amazônia4. Não obstante não poderem ser chamadas de metrópoles, representam uma parcela significativa dos PIBs de seus respectivos estados e concentram a maior contingente de habitantes dos mesmos. Isto ocorre de forma ainda mais intensa nos dois últimos estados a se configurarem como tal, após suas extinções como Territórios Federais, a saber, Amapá e Roraima.

Periferia amazônica: uma breve aproximação conceitual

A literatura econômica vem utilizando-se de conceitos e tipologias para deter- minar e delimitar relações sócio-econômicas das mais diversas ordens e magnitudes,

1 IBGE, 2007. Não abordaremos aqui o debate existente sobre a natureza destes dados (urbano x rural x rurbano). Para um maior aprofundamento do debate Graziano da Silva e Campanhola. 2 Cabe mencionar que este crescimento se deu principalmente na região de fronteira agrícola, expandida pela pecuária e, mais recentemente, pela sojicultura. 3 Na cidade de Boa Vista – RR podemos citar a organização de migrantes (indígenas e não indígenas) em associações formais de luta pelos direitos civis. 4 Chamamos de Estados periféricos aqueles com a menor participação no PIB regional (e também nacional), além de minoritários também em termos populacionais. São eles: Acre, Amapá, Rondônia, Roraima. Excluímos Tocantins deste conjunto de estados periféricos.

186 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 185-204, jul./dez. 2015 tanto na esfera macro como nas micro relações de poder em dadas comunidades/ sociedades. Uma das abordagens, de caráter substancialmente econômico (entretanto so- ciológico, por sorte) refere-se, ou qualifica, às relações entre as diferentes nações do mundo contemporâneo, de maneira a descrever a forma como aquelas são (e foram) determinadas e os elementos responsáveis pela permanência destas relações, e que acabam por manter o distanciamento sócio-econômico dos países, entre o centro e a periferia. Este esforço metodológico de apreciação das relações internacionais sob este paradigma do centro-perifieria é largamente utilizado (obviamente não de forma exclusiva, tampouco homogênea) pelas ciências econômicas e sociais. Utilizando-se deste paradigma, comumente dizemos que os países ricos inserem-se no centro do sistema, enquanto os demais (periféricos) “flutuam” em torno das economias indus- trializadas desenvolvidas. Assim sendo, o Brasil encontraria-se neste segundo grupo de países5. Cabe ressaltar, porém, que a abordagem centro-periferia utiliza-se do método histórico de apreciação destas dependências, isto é, estas diferenças e depen- dências são resultado de um processo histórico de dominação unilateral. Analogamente, esta abordagem, ao ser pormenorizada pode ajudar a interpretar as relações sócio-econômicas (e por que não políticas e culturais) existentes entre estados de uma federação, onde alguns entes federativos encontram-se no centro do sistema, ao passo que a grande maioria deles situa-se no campo dos periféricos6 os quais possuem, tal como os países periféricos, os piores índices de mortalidade in- fantil, de analfabetismo, de pobreza, etc. Dito de outra forma, os estados periféricos, assim como os análogos países de periferia, possuem piores indicadores sociais. A economia destes estados é industrialmente7 A economia daqueles ainda está forte- mente atrelada ao setor público e suas organizações. Em termos regionais esta análise pormenorizada pode também lançar reflexões importantes sobre a situação periférica de determinados estados num contexto re- gionalizado, como no caso da Amazônia Legal. Esta região (definida por Lei, com o intuito de servir como instrumento de planejamento regional) compreende todos os estados da Região Norte, além de parcela do estado do Mato Grosso e de parcelas dos estados do Maranhão e de Goiás. Segundo dados do Plano Amazônia Sustan- tável - PAS (2006), apenas quatro estados respondem por mais de 80% do PIB

5 Não cabe aqui discutirmos mais acuradamente o paradigma centro-periferia. 6 Por motivos óbvios, excluímos desta análise o Distrito Federal. 7 Nunca é demais lembrar que os 5 estados mais ricos do país (SP, RJ, MG, RS, PR) respondem por cerca de 80% da riqueza gerada no país, i.é, do PIB nacional. Ademais, se concentram espacialmente, segundo as regiões definidas pelo IBGE (Sudeste ou Sul).

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 185-204, jul./dez. 2015 187 regional, são eles: Pará, Mato Grosso, Amazonas e Maranhão (apesar de não ter sua área total contida na Amazônia Legal, a sua incorporação é pertinente pois a mesma é substancial na economia estadual e regional).Já a parcela territorial (e econômica) de Goiás é irrelevante,chegando a não constar como parte da Amazônia Legal na grande maioria dos trabalhos referentes à mesma. A dinâmica econômica destes quatro estados é bastante visível e concentrada. Os estados do Pará e do Maranhão (em menor escala, porém igualmente importante)têm sua economia fortemente liga- da à atividade mineradora, centrada na produção em larga escala levada a cabo por grandes conglomerados do setor (como a Vale, antiga CVRD, p. ex.); a economia amazonense está amplamente sustentada na indústria (de transformação, eletro- eletrônicos, motocicletas, etc.) devido a existência do Pólo Industrial da Amazônia (leiae Zona Franca de Manaus),ao passo que o estado do Mato Grosso tem o seu dinamismo econômico atrelado ao desenvolvimento recente do agronegócio (subs- tancialmente de grãos, sobretudo soja e suas atividades correlatas;e pecuária). Desta feita podemos dizer que o crescimento econômico da Amazônia legal nos últimos anos reside no maior dinamismo dos setores e sub-setores acima apresentados. Os demais estados da Amazônia Legal, talvez à exceção de Rondônia, onde o agronegócio e a atividade madeireira respondam por parcelas significativas da ri- queza estadual, dependem de forma substanciosa da economia do setor público,nas suas diferentes esferas.Entretanto,nem por isso podemos deixar de considerar os mesmos como periféricos, ao usar a análise centro-periferia. Certamente a economia amapaense está amplamente imbricada com a paraense e a roraimense com a ama- zonense. Em outras palavras, estas economias (periféricas) gravitam em torno das economias centrais. Os estados mais dinâmicos economicamente (Amazonas e Pará) são beneficiados por arranjos institucionais que ajudam a explicar a concentração produtiva nestes estados. Ainda que, por exemplo, os incentivos dados pela SU- FRAMA valham para a Amazônia ocidental, o Amazonas concentra cerca de 98% da produção industrial desta porção da Amazônia, em detrimento de estados como Roraima. Aqui cabe delimitar de forma mais precisa os chamados estados periféricos da Amazônia Legal, que são: Acre, Amapá, Rondônia e Roraima. Estes quatro estados respondem por menos de 1,1% do total do PIB nacio- nal. À exceção do estado do Acre – estado desde 1962 - os demais são muito re- centes como estados federados da nação. Rondônia, Roraima e Amapá deixaram a condição de territórios federais na década de 1980 (Rondônia em 1982 e Roraima e Amapá em 1988, com a nova Constituição Federal). Com essas condições estes novos estados membros da federação começaram a experimentar um processo de crescimento demográfico importante, sobretudo em suas respectivas capitais. Boa

188 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 185-204, jul./dez. 2015 Vista, por exemplo, no início dos anos 1970 contava com apenas 30 mil habitantes, atualmente tem uma população aproximada de 250 mil habitantes. Rondônia, por sua vez, observou um significativo incremento populacional ainda nos anos 1970, em função de já à época se apresentar como uma nova fronteira agrícola do país, servindo como receptor de frentes de expansão importantes, tanto na produção agrícola, como, sobretudo, pecuária e na atividade madeireira. Atualmente estes es- tados ainda possuem uma densidade demográfica extremamente baixa, porém em termos absolutos essa população não pode ser desconsiderada. O mais populoso deles é Rondônia (aproximadamente 1,6 milhão de habitantes), ao passo que o me- nos populoso é Roraima, com uma população de 412 mil habitantes. Este último também possui a menor densidade demográfica (1,8 hab/km2), além de concentrar quase 250 mil habitantes na capital. O segundo município mais populoso do estado não conta com mais do que 25 mil habitantes. Os estados do Amapá e de Roraima têm experimentado as maiores taxas de crescimento populacional desde os anos 1980, assim como suas respectivas capi- tais – Macapá e Boa Vista (excetuamos Tocantins e Palmas). Estas duas capitais aparecem encabeçando o ranking da exclusão social no país, segundo os dados de Pochman e Amorim (2004). Este vertiginoso crescimento populacional deveu-se (e deve-se) fundamentalmente ao intenso fluxo imigratório observado nestes estados e municípios.

Como são as capitais periféricas da Amazônia legal? Algumas respostas

As capitais de tais estados – objeto de análise deste artigo – possuemum impor- tante contingente populacional, assim distribuído: Porto Velho – RO, 380 mil habi- tantes; Rio Branco – AC, 315 mil habitantes; Macapá – AP, 370 mil habitantes; Boa Vista – RR, 250 mil habitantes. O quadro 1 mostra com mais precisão estes dados:

Quadro 1: População das capitais periféricas da Amazônia- 2007 Município População Porto Velho-RO 380.974 Macapá-AP 368.367 Rio Branco-AC 314.127 Boa Vista- RR 249.889

Fonte: Almanaque Abril2007. Elaborado pelo autor

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 185-204, jul./dez. 2015 189 A tabela acima nos permite visualizar que as capitais periféricas da Amazônia possuem uma população total de aproximadamente 1,32 milhões de habitantes. To- das estas capitais sofreram um intenso fluxo migratório positivo a partir dos anos 1970, em função das políticas governamentais lançadas pelos governos militares no intuito de “preencher o vazio demográfico” da região, constituindo um processo de expansão de fronteira rumo à Amazônia8 . Os dados apresentados na mesma fonte (Almanaque Abril) também nos for- necem informações importantes, como a participação da população das capitais no total de habitantes dos respectivos estados, demonstrando a concentração popula- cional nestes municípios. Em verdade, uma análise mais acurada do incremento de demandas por serviços públicos nestas capitais deve levar em conta o crescimento de outras cidades (fundamentalmente do interior destes estados), que acabam por demandar serviços (sobretudo de saúde) nas primeiras. Isto é um ponto fundamen- tal em uma análise mais precisa. Entretanto, nossa intenção é mostrar alguns indicadores sócioeconômicos que possam dar a dimensão da situação social encontrada nas chamadas capitais perifé- ricas da Amazônia. Estes indicadores atestam uma situação grave de exclusão social9 nestes municípios. Como já ressaltamos, pretendemos aqui apresentar os dados para suscitar uma maior percepção da realidade destas cidades, pouco conhecida por boa parte da população brasileira. Não obstante a utilização de outras fontes de dados para subsidiarmos nossos argumentos, nossa fonte medular é o “Atlas da Exclusão Social” de Pochmann e Amorim (2004). Como destacado, não pretendemos aqui discutir a categoria “ex- clusão social”, portanto consideramos a obra citada como nossa principal fonte de dados e que também nos serve como referência para nossa análise. Alguns indicado- res não são propriamente trabalhados pelos autores e assim sendo não compõem o cálculo dos sub-índices e tampouco do índice final de exclusão social. Entretanto, fa- zemos referência a eles somente como complementares em nossa análise, por acre- ditarmos que podem ajudar a demonstrar a situação social encontrada nas capitais analisadas neste breve ensaio.

8 Para uma apreciação do movimento de fronteira para a Amazônia, recomendamos a leitura de Otávio Velho (1977). 9 Não pretendemos aqui debater a categoria “exclusão social”. Utilizamos fundamentalmente os dados de Pochmann (2004). Entretanto, temos clara a percepção de que esta discussão é fundamental no trato desta questão.

190 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 185-204, jul./dez. 2015 Algumas considerações sobre indicadores sócio-econômicos

Indicadores são importantes instrumentos na análise sócioeconômica de mu- nicípios (assim como de estados, regiões e países) e servem para refletir uma si- tuação, uma fotografia de determinada região – município, no caso - e têm como principal objetivo dar subsídio à elaboração de políticas públicas voltadas aos pro- blemas apontados pelos mesmos. Através deste instrumento os elaboradores de po- líticas públicas têm subsídios para decidir o que deve ser feito para mitigar/resolver determinado(s) problema(s). Vários são os indicadores utilizados para se caracterizar uma situação econômi- ca e social de uma área geográfica pré-determinada. Durante muito tempo o prin- cipal indicador usado na determinação do bem estar de uma população era o PIB per capita, considerado o indicador chave de qualidade de vida desta população. A lógica residia na crença de que o homem econômico maximiza seu bem estar com a maior aquisição de bens e serviços e, portanto, quanto maior a sua renda, maior seria sua capacidade em adquirir estes produtos, levando a uma maximização do seu bem-estar. Entretanto, este indicador começou a ser questionado já nos anos 1970, sendo amplamente desacreditado a partir dos anos 1990 com a adoção do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e outros indicadores que se revelam mais apro- priados para descrever a situação social em determinadas populações. Um dos gran- des problemas do PIB per capita é a sua incapacidade de demonstrar a concentração de renda existente nas regiões em que fora calculado. O IDH já teve sua ampliação de cálculo, abrangendo outros sub-índices não contemplados na sua composição original10. Ademais, este é apenas um de vários índices existentes. Podemos dizer que se trata de um índice síntese, existem mui- tos outros índices específicos, referentes aos mais diversos temas econômicos e, sobretudo, sociais. Podemos citar alguns deles: leitos por habitante, médicos por habitante, residências servidas por saneamento básico, energia elétrica, coleta de lixo, mortalidade infantil, etc. Estes índices, se não nos demonstram a totalidade dos elementos econômicos e sociais inerentes ao processo de crescimento/desenvolvimento das cidades, servem como diagnóstico da situação em que se encontram as mesmas. Obviamente que os índices são elementos estáticos de análise, entretanto, uma série temporal deles pode apontar a evolução (ou involução) de determinados movimentos, servindo de

10 Originalmente, o IDH compõe-se de um sub-índice de educação, um de renda e outro de expectativa de vida ao nascer.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 185-204, jul./dez. 2015 191 subsídio para a elaboração de instrumentos de intervenção pública, com intuito de reverter ou contribuir ciclicamente para a continuidade dos mesmos. Atualmente, os indicadores sociais são corriqueiramente citados nas mídias e nos debates políticos e passaram a fazer parte da definição das prioridades das polí- ticas sociais e da alocação dos recursos públicos. Essa maior difusão dos indicadores é fundamental para o entendimento da sociedade civil sobre sua situação sócio- -econômica e no acompanhamento dos agentes acerca da alocação dos recursos públicos, isto é, confere uma maior democratização das informações sobre o destino dados às verbas públicas. Não obstante, alguns indicadores são bastante complica- dos de serem entendidos, como, por exemplo, indicadores de pobreza. Várias são as conceituações de pobreza, e isto é um ponto fundamental na definição das políticas públicas voltadas para a erradicação da mesma. Para podermos combatê-la, devemos saber do que se trata. Entretanto, não pretendemos aqui entrar no detalhamento destas divergências conceituais11. Várias são as formas de classificação de indicadores sociais, uma delas é conhe- cida como classificação temática, dividida entre os diferentes temas a serem abor- dados com a pesquisa. Nesta classificação, os indicadores estão relacionados aos seguintes temas: demografia, educação, saúde, mercado de trabalho, qualidade de vida, habitação, infra-estrutura urbana, segurança e justiça, renda e pobreza, meio ambiente. E, dentro destes diferentes temas, existem diversos indicadores respec- tivos, e que podem servir como parâmetro para as mais distintas formas de focar o indicador. Um mesmo indicador pode dizer várias coisas, dependendo do que se quer observar (JANUZZI, p. 20). Outra classificação importante corresponde à divi- são dos indicadores entre objetivos ou subjetivos (ou entre indicadores quantitativos e qualitativos). Existe ainda a distinção entre indicadores descritivos e indicadores normativos. Os descritivos “apenas descrevem características e aspectos da realidade empírica (...), os normativos, ao contrário, refletem explicitamente juízos de valor ou critérios normativos com respeito à dimensão social estudada” (Idem, p. 21). Quanto às propriedades que os indicadores devem possuir, JANUZZI (p. 28) arro- la: relevância social, validade, confiabilidade, cobertura, sensibilidade, especificidade, inteligibilidade de sua construção, comunicabilidade, factibilidade para obtenção, pe- riodicidade na atualização, desagregabilidade e historicidade. Os indicadores devem ser representativos da realidade empírica da análise, para tanto utilizam-se de instru- mental estatístico na determinação do tamanho da amostra a ser estudada/analisada.

11 Para um maior entendimento, consultar o livro de Sônia Rocha, intitulado “Pobreza no Brasil. Afinal, do que se trata?”, lançado em 2006 (3 ed.) pela editora da FGV.

192 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 185-204, jul./dez. 2015 No que concerne o uso de indicadores para a análise e formulação de políticas sociais, januzzi faz uma classificação importante quanto à natureza do ente indicado: se recurso (indicador-insumo), realidade empírica (indicador-produto) ou processo (indicador-processo)12. Essas considerações são importantes para termos em mente a necessidade de maior acuramento no tratamento das informações. Ao manejálas, torna-se funda- mental entender o que querem dizer com maior precisão, e, assim, utilizá-las como instrumento de tomada de decisões.

Indicadores sócio-econômicos nas capitais periféricas

Uma importante fonte de informações condensadas referentes à situação dos indicadores sociais no Brasil é o “Atlas da Exclusão Social no Brasil”, organiza- do por Márcio Pochmann e Ricardo Amorim, demonstrando a situação social dos municípios brasileiros, onde concluem que cerca de 42% do total de municípios, o que equivale a 21% da população brasileira, vive em locais caracterizados como de exclusão social, ao passo que apenas brasileiros residentes em 200 municípios (3,6% do total), representando aproximadamente 26% da população, moram em localida- des com padrão de vida adequado. Outro dado importante é a ampla concentração destes 200 municípios nas regiões Sul e Sudeste do país. Para a construção do índice de exclusão social, que apontamos anteriormente, os pesquisadores utilizaram-se de temas relacionados à (i) um padrão de vida digno; (ii)conhecimento e; (iii) risco juvenil13. Este índice foi calculado para o total dos 5.507 municípios brasileiros em 2000. Cabe destacar que nos estados do Acre, Roraima, Amazonas e todos os da região Nordeste, a quase totalidade dos municípios apresentaram altos índices de exclusão social. Tocantins e Minas Gerais (sobretudo as regiões do Vale do Jequi- tinhonha e Mucuri) também apresentaram uma parcela significativa de municípios com altos índices de exclusão social (segundo a tipologia utilizada pelos autores). Pará e Amapá, em menor proporção que o primeiro grupo, também apresentaram índices elevados de exclusão em boa parte dos seus municípios. Apenas os estados sulistas e os do Sudeste (exceto Espírito Santo), acrescentados de ínfimas parcelas (principalmente nas capitais e cidades mais “dinâmicas economicamente”) no Mato Grosso do Sul, Goiás, Tocantins e o Distrito Federal, foram agraciados com baixos índices de exclusão social. Este é apenas um dos índices apresentados no trabalho. 12 Para maiores detalhamentos, ver Januzzi (op. Cit), p. 23. 13 Para maiores detalhamentos, ver Porchmann & Amorim (2004, p. 18).

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 185-204, jul./dez. 2015 193 Não nos cabe aqui apresentar de forma extensiva e crítica a metodologia de cál- culo e apreciação dos índices. Para nossos objetivos bastanos considerar o seguinte: o índice de escolaridade fica entre 0,0 e 1,0 (quanto maior o índice, melhor a situação social); o índice de alfabetização fica entre 0,0 e 1,0 (quanto maior o índice, melhor a situação social); o índice de pobreza fica entre 0,0 e 1,0 (quanto maior o índice, melhor a situação social); índice de desigualdade social fica entre 0,0 e 1,0 (quanto maior o índice, melhor a situação social); índice de emprego formal fica entre 0,0 e 1,0 (quanto maior o índice, melhor a situação social); índice de concentração de jovens varia entre 0,0 e 1,0 (quanto maior o índice, melhor a situação social) e; índice de violência varia entre 0,0 e 1,0 (quanto maior o índice, melhor a situação social). Feitas as considerações acima podemos agora visualizar a situação social das capitais periféricas da Amazônia. Lembremos novamente que o índice de exclusão social é calculado a partir da determinação dos demais índices mencionados (de es- colaridade, de alfabetização, de pobreza, de desigualdade social, de emprego formal, de concentração de jovens e de violência), dadas suas respectivas ponderações. Inicialmente é importante frisar que nos respectivos estados aos quais as capitais pertencem, em sua maioria, a situação dos demais municípios é pior do que a obser- vada nestas cidades. As capitais são “ilhas de excelência” se comparadas aos demais municípios. Outro ponto fundamental é que o índice é geral para o município, não contempla as diferenças dentro dos mesmos, isto é, não considera as desigualdades existentes entre os bairros mais “ricos” e mais “pobres” da cidade. O município é a unidade geográfica homogênea de referência. A partir do cálculo do indicador de exclusão social os autores mapearam os municípios e os classificaram num ranking onde o de melhor situação social é con- siderado o primeiro nesta classificação (no caso, São Caetano do Sul, no estado de São Paulo). O ranking classifica os 5.507 municípios existentes no Brasil em 2000. A capital roraimense, Boa Vista, ocupa a posição de número 1.452 no ranking, com o índice de 0,505. São 1.451 municípios em melhor situação social, ao passo que cerca de 4. 050 apresentam uma pior situação social que esta capital. Macapá, capital amapaense ocupa a 1.683a posição no ranking, onde se observa um índice de 0,493. Já a capital rondoniense, Porto Velho, situa-se na posição de número 873, com o índice na casa dos 0,536. Na capital acreana, Rio Branco, o índice de exclusão social fica em 0,519, colocando este município na posição de número 1.178. Apenas Porto Velho encontra-se em situação melhor do que outras capitais que não as periféricas da Amazônia. A capital rondoniense posiciona-se melhor do que Maceió (AL), Te-

194 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 185-204, jul./dez. 2015 resina (PI) e Manaus (AM), respectivamente 1.040a, 1.136a e 1.112a posições. Já as outras, excetuando suas intra-relações, posicionam-se abaixo de todas as outras ca- pitais do país. Macapá é, portanto, a capital pior posicionada no ranking da exclusão social. O quadro abaixo apresenta os valores referentes aos índices e a posição destas capitais dentro do ranking da exclusão social.

Quadro 2: Índice de exclusão social e ranking geral- 2000 Município Indica de exclusão Posição no ranking social Boa Vista-RR 0,505 1.452" Macapá-AP 0,493 1.683" Maceió-AL 0,526 1.040" Manaus-AM 0,522 1.112" Palmas-TO 0,608 163" Porto Velho-RO 0,536 873" Rio Branco-AC 0,519 1.178" Teresina-PI 0,521 1.136"

Fonte: Atlas da Exclusão Social (POCHMANN & AMORIM, 2004). Elaborado pelo autor.

O quadro acima demonstra a situação das capitais periféricas da Amazônia e de outras capitais em situação pior do que alguma (no caso Porto Velho) destas capitais periféricas. Como anteriormente colocado, somente Porto Velho encontra-se em melhor situação do que outra capital fora do rol das periféricas da Amazônia. Boa Vista e Rio Branco só estão melhores do que outras situadas dentro do próprio gru- po periférico, e Macapá está colocada na última posição do ranking das capitais14 . Estes dados mostram uma situação de vulnerabilidade social destas capitais, não apenas por suas posições dentro de um ranking só das capitais, mas como tam- bém no total dos municípios do país. Mais uma vez excetuando Porto Velho, todas as demais capitais periféricas encontram-se em posições acima da 1.000a, o que é preocupante socialmente. Teoricamente, por se tratarem de capitais de médio por- te e amplamente dependentes do setor público, poder-se-ia esperar uma situação mais confortável. Entretanto, como vimos, não é isto que ocorre nestes municípios. Mesmo Porto Velho pode ser considerada uma cidade excluída (ou de excluídos), visto que os pesquisadores utilizam o índice igual a 0,6 como limite inferior para os 14 O quadro não mostra todas as capitais, mas Macapá encontra-se na última colocação entre elas. Ver Pochmann & Amorim (2004).

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 185-204, jul./dez. 2015 195 incluídos. Dito de outra forma, o valor mínimo do índice para que uma cidade seja considerada de incluídos é de 0,6, o que não é o caso de Porto Velho (com índice de 0,536). Assim, todas as capitais periféricas da Amazônia são cidades dos “social- mente excluídos”. Ao detalharmos alguns dos índices “parciais” que compõem o índice geral de exclusão social, por exemplo o índice de desigualdade, mais uma vez uma capital periférica da Amazônia ocupa a pior posição no ranking entre as capitais brasileiras. Neste índice a pior situação é a de Rio Branco, com 0,155, seguida por Teresina (0,171) e Manaus (0,178). Boa Vista encontra-se como a 5a pior capital (0,201), Macapá é a sétima pior (0,213) e Porto Velho, a 8a pior (0,219). Portanto, das oito piores capitais – com maior desigualdade social - as quatro periféricas estão incluí- das, encabeçando inclusive este ranking negativo. Este índice demonstra o desequi- líbrio entre os chefes de grupos familiares situados nos extremos da distribuição de renda. Mostra, portanto, a concentração de renda existente nestes municípios. Do total das capitais brasileiras, as melhores colocadas – com menor desigualdade – são Florianópolis (0,748) e Porto Alegre (0,618). No que tange o índice de pobreza a pior colocada entre as periféricas é Rio Branco (0,619), o décimo pior índice entre todas as capitais. A melhor colocada é Boa Vista (0,703), a 11a melhor no ranking. No geral das capitais brasileiras as melhores colocadas são Florianópolis (0,870), Curitiba (0,845) e Porto Alegre (0,829). O índice de pobreza indica a participação de chefes de família com rendimentos abaixo da linha da pobreza. No que tange o índice de emprego formal, os valores encontrados também foram baixos, com a pior situação do país observada em Boa vista, 0,150, ao passo que Porto Velho foi a melhor colocada entre as periféricas, com um valor de 0,299. Este índice mensura a participação dos assalariados em ocupações formais no total da população em idade ativa. O quadro abaixo mostra o índice de desigualdade nas capitais periféricas e outras capitais pesquisadas, além de suas respectivas colocações no ranking dos índices. O ranking mostra a colocação apenas entre as oito piores capitais do país neste item, em ordem decrescente, isto é, este ranking mostra as piores colocadas entre as capitais. A 1a posição equivale à pior colocada, a 2a posição é a segunda pior colocada e assim sucessivamente.

196 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 185-204, jul./dez. 2015 Quadro 3: Índice de desigualdade e ranking das piores capitais - 2000 Município Indica de desigualdade Posição no ranking (piores) Rio Branco - AC 0,155 1" Teresina- Pl 0,171 2' Manaus-AM 0,178 3" São luis-MA 0,183 4' Boa Vista - RR 0,201 5' Maceió-AL 0,205 6" Macapá-AP 0,213 7' Porto Velho - RO 0,219 8"

Fonte: Atlas da Exclusão Social no Brasil (POCHMANN & AMORIM, 2004). Elaborado pelo autor.

O quadro acima demonstra a situação apresentada anteriormente concernente ao índice de desigualdade social. Rio Branco é a pior capital brasileira neste quesito e Boa Vista a quinta pior, o que demonstra que duas periféricas encontram-se entre as cinco piores e ainda que, das oito piores, as quatro periféricas inserem-se neste rol de municípios. Em última análise podese apreciar que as capitais periféricas da Amazônia apresentam uma alta concentração de renda, um forte desequilíbrio entre os chefes de grupos familiares situados nos extremos da distribuição de renda. Como mencionado anteriormente, o índice de emprego formal, que mensura a participação dos trabalhadores assalariados em ocupações formais no total da popu- lação em idade ativa, apresentou-se baixo nas capitais analisadas, conferindo à capital roraimense a pior posição no ranking nacional. O quadro abaixo mostra este índice para as capitais periféricas e suas respectivas posições no ranking nacional. Neste índice, Vitória apresentou o maior valor (0,603), colocando-a no topo do ranquea- mento, com o maior índice de emprego formal do país.

Quadro 4: lndice de emprego formal posição geral no ranking - 2000 Município lndice de emprego formal Posição geral no ranking Porto Velho - RO 0,299 16" Rio Branco - AC 0,278 19" Macapá-AP 0,199 26" Boa Vista - RR 0,150 27"

Fonte: Atlas da Exclusão Social no Brasil (POCHMANN & AMORIM, 2004). Elaborado pelo autor.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 185-204, jul./dez. 2015 197 Portanto, as duas piores capitais classificadas no ranking do emprego formal foram Boa Vista e Macapá, ambas capitais periféricas da Amazônia. Não obstan- te serem cidades com alta participação do funcionalismo público nas economias locais, apresentaram elevados índices de informalidade. Estes valores demonstram baixo dinamismo destas economias. Excetuando-se os servidores públicos, o em- prego formal apresenta baixíssimos índices nestas capitais, representando uma alta informalidade empregatícia. Isto impacta negativamente a arrecadação de tributos por parte do poder público, implicando em uma reduzida capacidade do mesmo em ofertar serviços públicos às sociedades locais. Importante ressaltar a provável ligação existente entre este alto nível de informalidade com o forte fluxo de imigran- tes observado nestas capitais. Como afirmamos anteriormente, Boa Vista e Macapá têm experimentado elevadas taxas de crescimento demográfico desde os anos 1980, decorrentes da imigração intensa de pessoas das diferentes regiões do país, em par- ticular nordestinos. O quadro abaixo apresenta o crescimento demográfico ocorrido nas quatro ca- pitais consideradas, entre os anos de 1991 e 2004. Destacam-se as elevadas taxas de incremento populacional em todas elas, particularmente em Macapá e Boa Vista, que no período 1991-2000 apresentaram taxas bastante expressivas, sobretudo a ca- pital amapaense.

Quadro 5: População residente, taxas médias de crescimento (1991-2004) Munic. Pop.res. Pop.res. Tx.md. Pop.res. Tx.md. 1991 2000 anual cresc. 2004 cresc.anual 00-04 91-2000 8. Vista 134.155 200.568 4,61% 236.319 4,28% Macapá 168.225 283.608 6,02% 326.466 3,69% P. Velho 272.006 334.661 2,35% 380.884 3,36% R.Branco 183.280 253.059 3,68% 284.555 3,04%

Fonte: IBGE. Elaborado pelo autor.

Estas duas capitais também são fortemente caracterizadas por uma intensa imi- gração de populações indígenas que buscam uma melhora de suas condições so- ciais e que acabam se submetendo a sub-empregos em atividades informais, como ambulantes e empregados domésticos não registrados. Na capital roraimense esta população indígena conta com serviços de apoio por parte da prefeitura, de orga- nizações não governamentais e do Conselho Indígena de Roraima. Entretanto, as

198 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 185-204, jul./dez. 2015 ações pontuais não chegam a representar mudanças estruturais nas condições sociais desta população. Ainda em Boa Vista o movimento de mulheres indígenas, assim como outros movimentos, organiza-se em atividades econômicas cooperativas, con- ferindo um caráter solidário a estas atividades produtivas. Desta forma estes agentes buscam uma maior eficiência produtiva que possa resultar em ganhos sociais – na forma de emprego e renda – para os membros de suas respectivas comunidades. Este movimento apresenta-se como uma resistência por parte destas comunidades ao problema do desemprego formal observado nesta camada da população. Grupos de mulheres reunidos em torno de um mesmo objetivo exercem distintas atividades, tais como artesanato, confecção de roupas íntimas, produção de sabão e confecção de bichos de pelúcia. Estes grupos surgiram entre mulheres (indígenas e não indí- genas) residentes na periferia de Boa Vista, nos bairros mais precários do ponto de vista social e de infra-estrutura urbana. Esta capital apresenta uma população de aproximadamente 32.000 indígenas, oriundos do interior do estado e de outros estados amazônicos, sobretudo do Amazonas. Este número representa aproximada- mente 13% da população total do município. Outro dado importante refere-se ao déficit habitacional encontrado para os municípios brasileiros no ano de 2000, calculado pelo IBGE juntamente com o Ministério das Cidades. Em termos absolutos, em função do tamanho das capitais periféricas, estes números são relativamente baixos. Porém, ao dividirmos o valor do déficit pelo número de habitantes, a situação destas capitais se torna mais fragilizada, estando Macapá na pior delas, figurando na 4a pior posição dentre as 27 capitais consideradas (incluindo Brasília, além das capitais estaduais). Ainda neste critério, Porto Velho encontra-se na 9a pior posição, Boa Vista na 12a e Rio Branco na 17a. Rio Branco, portanto, situa-se numa boa posição, ao passo que Boa Vista e Porto Velho encontram-se em posições intermediárias. Entretanto, os valores encontrados entre a 5a e 12a colocadas – Natal e Boa Vista respectivamente – são bastante seme- lhantes, diferenciando-se apenas a partir da 3a casa decimal, o que na prática repre- senta uma igualdade entre as oito cidades ( Natal, João Pessoa, Recife, Maceió, Porto Velho, Brasília, Fortaleza e Boa Vista). Sob este critério, as duas piores situações são as de Belém e São Luis. Por outro lado, Florianópolis e Curitiba apresentam as me- lhores situações, ao se utilizar este critério (déficit habitacional/população residente no município). O quadro abaixo mostra o déficit habitacional nas capitais periféricas da Amazônia no ano 2000.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 185-204, jul./dez. 2015 199 Quadro 6: Déficit habitacional nas capitais periféricas (2000) Municipio Déficit habitacional Boa Vista - RR 6047 Rio Branco - AC 6782 Porto Velho - RO 10378 Macapá -AP 10486

Fonte: IBGE. Elaborado pelo autor.

Ainda no que tange a dados relativos à questão habitacional, a mesma fonte disponibiliza o número de residências desprovidas de sanitário, o que reflete a quali- dade dos domicílios à disposição da população residente nos municípios aqui consi- derados. Os valores encontrados no ano 2000 foram: Boa Vista (1979); Porto Velho (3726); Macapá (3115) e; Rio Branco (5768). No quadro a seguir podemos visualizar melhor essas informações.

Quadro 7: Residências sem sanitário nas capitais periféricas (2000) Município Residências sem sanitário Boa Vista - RR 1979 Macapá-AP 3115 Porto Velho - RO 3726 Rio Branco - AC 5678

Fonte: IBGE. Elaborado pelo autor.

O quadro 7 demonstra claramente a prevalência de Rio Branco sobre as demais no que diz respeito ao déficit de sanitários nas residências no conjunto das capitais periféricas. A capital acreana responde por aproximadamente 39,16% do total de residências sem sanitário no conjunto das 4 capitais. Em segundo lugar aparece a capital rondoniense com 25,7% do total; Macapá totaliza 21,48% e Boa Vista com- parece na última colocação com 13,65%. Outro dado interessante concernente ao mercado de trabalho referese ao nú- mero de desocupados em relação à População em Idade Ativa (PIA), destacando-se mais uma vez a supremacia da capital amapaense. Em Macapá essa relação encontra- -se na casa dos 10,18%. O quadro abaixo mostra esta relação.

200 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 185-204, jul./dez. 2015 Quadro 8: N° de desempregados (A), PIA municipal (B) e relação (A)J(B) 2000 Município N° desempregados (A) PIA(B) (A)/(B) Boa Vista 13.983 150.215 9,3% Rio Branco 15.855 193.088 8,21% Macapá 21.493 210.983 10,18% Porto Velho 24.716 258.174 9,57%

Fonte: IBGE. Elaborado pelo autor.

As capitais roraimense e rondoniense possuem situações semelhantes nesta re- lação, ao passo que, como já destacado, Macapá encontra-se na pior situação entre as capitais periféricas (10,18%). Macapá também ocupa situação preocupante no que tange à informalidade no mercado de trabalho. Esta capital encontra-se na segunda pior colocação no ranking elaborado por Pochmann e Amorim no quesito infor- malidade, como já destacamos anteriormente (a pior neste quesito é Boa Vista). Na totalidade das capitais, Macapá situa-se como a 10a pior na relação desempregados/ PIA.

Considerações finais

No presente artigo buscamos demonstrar de forma sucinta uma breve análise sobre a situação social observada nas chamadas capitais periféricas da Amazônia, que são: Boa Vista, Macapá, Porto Velho e Rio Branco. Utilizando fundamentalmen- te os dados apresentados por Pochman e Amorim no “Atlas da Exclusão Social no Brasil”, procuramos analisá-los e relacioná-los com a expansão demográfica ocorri- da nestes municípios. Buscamos apresentar os dados contidos no Atlas (e outros) com o intuito de “tirarmos um retrato” destes municípios e a partir daí entendermos a situação social observada nos mesmos. Vimos que as piores capitais do país no que diz respeito à exclusão social apontadas no Atlas são Macapá e Boa Vista, ambas consideradas como “capitais periféricas” da Amazônia. Em muitos dos sub-índices que compõem o índice geral, estas capitais também se situaram, na maioria das vezes, entre as úl- timas posições do ranking, como no caso do índice de informalidade, por exemplo. Mostramos também que estas duas capitais experimentaram as maiores taxas de crescimento demográfico entre as capitais periféricas e que, assim como nas demais,

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 185-204, jul./dez. 2015 201 foram responsáveis por tal crescimento o intenso fluxo de imigrantes intra e interes- taduais ali observado. Este fator ajuda e explicar o elevado índice de informalidade observado nestas capitais. Nosso objetivo principal, portanto, foi apresentar os dados destas capitais no intuito de suscitar uma maior observação sobre estes municípios e sobre a relação destes dados com o crescimento demográfico experimentado pelas mesmas. Macapá e Boa Vista, as duas piores colocadas no índice de exclusão social do Atlas de Po- chmann e Amorim, são justamente as capitais que experimentaram as mais elevadas taxas de crescimento populacional, decorrentes de importantes fluxos migratórios ocorridos principalmente a partir dos anos 1980.

Referências

ALMANAQUE ABRIL 2007. São Paulo: Ed. Abril, 2008.

BRASIL. Programa Amazônia Sustentável (PAS). Documento final. Ministério da Integração Nacional. Brasília, 2006.

CARDOSO, A. C. Duarte; LIMA, J. J. Ferreira. Tipologias e padrões de ocupação ur- bana na Amazônia Oriental: para que e para quem? In: Cardoso, A. C. Duarte (org.). O Rural e o Urbano na Amazônia. Belém: Ed. UFPA, 2006.

DINIZ, Alexandre M. A.; Santos, Reinaldo Onofre. Fluxos migratórios e a formação da rede urbana de Roraima. S/d.

FREITAS, Aimberê. Geografia e História de Roraima. Boa Vista: DLM, 2001.

GRAZIANO DA SILVA, J.; Campanhola. C. O novo rural brasileiro. Campinas: Ed. Unicamp/Embrapa, 1998.

IBGE e Ministério das Cidades. Compilação de dados. CD-ROM.

IBGE. Compilação de dados. CD-ROM.

JANUZZI, P. de Martino. Indicadores sociais no Brasil: conceitos, fontes de dados e aplicações. 3a ed. Campinas: Alínea Editora, 2004.

PEREIRA, J. C. Matos. A urbanização da Amazônia e o papel das cidades médias na rede urbana regional. In: Cardoso, A. C. Duarte (org.). O Rural e o Urbano na Amazônia. Belém: Ed. UFPA, 2006.

202 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 185-204, jul./dez. 2015 POCHMANN, Márcio.; AMORIM, Ricardo. (org.). Atlas da Exclusão Social no Bra- sil. São Paulo: Cortez, 2004.

ROCHA, Sônia. Pobreza no Brasil. Afinal, do que se trata? 3a ed. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2006.

SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. 5a ed. São Paulo: Edusp, 2005.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 185-204, jul./dez. 2015 203

Pedro M. Staevie *

ARTIGO DEMOGRAPHIC GROWTH AND SOCIAL EXCLUSION IN THE “PERIPHERAL CAPITALS” OF THE AMAZON

Abstract Resumo The present article has as main objective O presente artigo tem como objetivo geral discutir to argue the process of demographic o processo de crescimento demográfico nas “capitais growth in the “peripheral capitals” of the periféricas” da Amazônia e sua relação com alguns Amazonia and its relation with some social indicadores sociais. Através da apresentação de indicators. Through the presentation of alguns indicadores destas cidades pretendemos some indicators on these cities, we intend demonstrar a situação sócio-econômica das mesmas to demonstrate their socio-economic e a necessidade da intervenção governamental no situation and the necessity of governmental combate aos problemas refletidos nos indicadores. intervention in the combat to the problems Utilizando-se fundamentalmente dos dados reflected in the indicators. Using basically apresentados por Pochmann e Amorim (2004) the data presented for Pochmann and busca-se apresentar a situação social dos municípios Amorim (2004), we search to namely que por hora chamamos de capitais periféricas da present the social situation of the cities that Amazônia, a saber: Boa Vista, Macapá, Rio for the moment we call peripheral capitals Branco e Porto Velho. of the Amazon: Boa Vista, Macapá, Rio Branco and Porto Velho. Palavras-Chave: Capitais periféricas; exclusão social; Amazônia. Keywords: peripheral capitals; social exclusion; Amazon.

* Graduated in Economics from the Federal University of Rio Grande do Sul (2002), Master in Economics from the Federal University of Uberlândia (2004) and Doctorate in Social and Environmental Development in Sustainable Development of the Humid Tropics (PDTU / NAEA) at UFPA (2012). Currently Academic Master Professor in Public Policy and Development UNILA.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 205-222, jul./dez. 2015 205 Introduction

Currently the debate on Amazon issues has concentrated mainly on forestry issues, especially in problems involving deforestation, biopiracy and expansion of agribusiness (especially grains), recurrent themes in the media and in scientific pro- duction – national and international. In the Legal Amazon in urban areas of the region live, according to data from the Brazilian Institute for Geography and Statistics (IBGE)1, about 16 million peo- ple. When you think of cities in the Amazon, it lies almost always on regional metro- polises (Belém and Manaus), which, by joining their respective metropolitan areas, reach a population of about 3.5 million. However, in recent decades, several other Amazonian cities have experienced an ongoing process of population growth, resulting in a growing demand for public services, some of them even did not exist in these regions2, leading to a new insti- tutional arrangement and new forms of organization on the part of organized civil society3 as well as a reconfiguration of urban space occupied by these new elements. Among the various Amazonian municipalities to suffer these interventions in its urban space, outlining new socio-economic and cultural paths are the capitals of the peripheral states of Amazon4. Even though they cannot be called metropolises, they represent a significant share of GDP of their respective states and also concentrate the largest number of inhabitants. This occurs even more intensely in the last two states to be configured as such, after their extinction as Federal Territories, namely, Amapá and Roraima.

Amazonian periphery: a brief conceptual approach

The literature on economy has been using concepts and typologies to determine and define socio-economic relations in many different orders and magnitudes, in both macro and micro power relations spheres in communities/societies. 1 IBGE, 2007. We will not deal with the debate that there is concerning the nature of this data (urban x rural x rural-urban). For a better enhancement in the knowledge about the debate, consult Graziano da Silva and Campanhola. 2 It is Worth mentioning that this development has happened mainly in the agriculture border region, expanded by livestock, and later by soy cultivation. 3 In Boa Vista – RR, we can point out the organization of migrants (indigenous and non-indigenous) into formal associations on fights for civil rights. 4 We call peripheral States those who have the least participation in regional (and also national) GDP, besides being a minority concerning population. They are: Acre, Amapá, Rondônia, Roraima. We have excluded Tocantins from this set of peripheral states.

206 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 205-222, jul./dez. 2015 One approach, which has a substantially economic character (though sociologi- cal, luckily), refers to, or qualifies, the relationship between the different nations of the contemporary world in order to describe the way those are (and were) determi- ned and the elements responsible for a permanence of this relationship, and end up keeping the socio-economic distance in the country, between center and periphery. This methodological effort of assessment on international relations under this para- digm center-periphery is widely used (obviously not exclusively, nor homogeneously either) by economic and social sciences. Utilizing this paradigm, commonly we say that rich countries are part of the central system, while the other (peripheral) “float” around developed industrialized economies. Thus, Brazil is in this second group of countries5. It should be noticed, however, that the approach center-periphery uses the historical method of assessing these dependencies; that is to say that these dependencies and differences are the result of a historical process of unilateral do- mination. Similarly, this approach, when detailed can help interpret the socio-economic relations (and why not political and cultural) existing between states of a federation, where some federal entities are in the center of the system, while the vast majority of them are situated in the peripheral field6, which have, as peripheral countries, the worst rates of infant mortality, illiteracy, poverty, etc. In other words, the peripheral states, as well as countries alike, have the worst social indicators. The economy of these states is industrial7; their economy is strongly attached to a public sector and its organizations. In regional terms, this detailed analysis can also launch important reflections on the peripheral situation on some states in a regionalized context, such as the Legal Amazon. This region (defined by law, in order to serve as a regional planning tool) comprises all the states of the northern region, as well as a share of Mato Grosso and shares of Maranhão and Goiais. According to data from the Sustainable Ama- zon Plan (PAS) in 2006, only four states correspond to more than 80% of the regio- nal GDP. They are Pará, Mato Grosso, Amazonas and Maranhão (although it does not have most of its area in the Legal Amazon, its incorporation is relevant because it plays important role in state and regional economy). On the contrary, the territorial (and economic) portion of Goiás is irrelevant, it is not included as part of the Legal

5 It is not for us to discuss deeply the paradigm center-periphery. 6 For obvious reasons, we have excluded the Federal District from this analysis. 7 It is never enough to remember that the 5 wealthiest states in the country (SP, RJ, MG, RS, PR) comprise 80% of the country’s wealth, i.e. the national GDP. Further, they are close (concerning the regions as defined by IBGE: Southeast and South).

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 205-222, jul./dez. 2015 207 Amazon in most works about it. The dynamic of these four states is quite visible and concentrated. Both Pará and Maranhão (in a smaller scale, but equally impor- tant) have their economy strongly attached to mining activity, focused on large-scale production carried out by large conglomerates industry (e.g. Vale, former CVRD). Amazonian economy is widely sustained by industry (processing, electronics, mo- torcycles, and others) because of the existence of the industrial pole of the Amazon (known as Manaus Free Trade Zone), while the state of Mato Grosso has its eco- nomic dynamism linked to the recent development of agribusiness (basically grains, especially soybeans and their related activities, and livestock). This time we can say that the economic growth of the Legal Amazon in recent years lies on the dynamism of the sectors and sub-sectors aforementioned. The other states of the Legal Amazon, perhaps with the exception of Ron- donia, where agribusiness and logging correspond for significant portions of the state wealth, depend on public sector economy, in its various spheres. However, they are considered to be peripheral, using the center-periphery analysis. Certainly the economy of Amapa is widely attached to Pará’s, and Roraima’s is connected to Amazonas’s. In other words, these (peripherical) economies gravitate towards the central economies. The most economically dynamic states (Amazonas e Pará) are benefited from institutional arrangements, which help us understand the reason why they concentrate great part of productivity. Even though, for example, the incenti- ves given by SUFRAMA apply to the western Amazon, the Amazon accounts for about 98% of industrial production in this part of Amazonia, at the expense of states like Roraima. Here it is important to define more precisely the so-called peri- pheral states of the Legal Amazon, which are: Acre, Amapá, Rondônia and Roraima. These four states account for less than 1.1% of total national GDP. With the exception of the state of Acre – state since 1962 – the others are very recent as federated states of the nation. Rondônia, Roraima and Amapá left the condition of federal territories in the 1980s (Rondônia in 1982, Roraima and Amapá in 1988, with the new Federal Constitution). With these conditions these new member states of the federation started experiencing a significant demographic growth process, espe- cially in their respective capitals. Boa Vista, for example, in the early 1970s, had only 30,000 inhabitants, currently has a population of approximately 250 thousand inha- bitants. Rondônia, in turn, observed a significant population increase in the 1970s, as a result of already being presented as a new agricultural frontier of the country, serving as recipient of major expansion fronts, both in agricultural production, and, above all, livestock and logging. Currently these states still have an extremely low

208 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 205-222, jul./dez. 2015 population density, but in absolute terms this population must not be ignored. The most populous of these is Rondônia (approximately 1.6 million inhabitants) while the least populous is Roraima, with a population of 412,000. The latter also has the lowest population density (1.8 per km2), besides concentrating almost 250,000 inhabitants in the capital. The second most populous city in the state does not have more than 25,000 population. The states of Amapá and Roraima have experienced the greatest population gro- wth rates since the 1980s, as well as their respective capitals - Macapá and Boa Vista (excluding Tocantins and Palmas). These two capitals appear heading the ranking of social exclusion in the country, according to Pochman and Amorim (2004) data. This vertiginous population growth was (and should be) due primarily to the intense migratory flow observed in these states and municipalities.

What are the capitals of peripheral legal amazon like? Some answers

The capitals of these states – analyzed in this article – have an important po- pulation group, distributed as follows: Porto Velho - RO, 380,000 inhabitants; Rio Branco - AC, 315,000 inhabitants; Macapa - AP, 370,000 inhabitants; Boa Vista - RR 250,000 inhabitants. Table 1 below shows more precisely this data:

Table 1: Population of the peripheral capitals of the Amazon – 2007 City Population Porto Velho-RO 380.974 Macapá-AP 368.367 Rio Branco-AC 314.127 Boa Vista- RR 249.889

Source: Almanaque Abril 2007. Made by the author.

The table above allows us to visualize that the peripheral capitals of the Ama- zon have a total population of approximately 1.32 million of citizens. All these capitals experienced a heavy positive migration flow, from the 1970s, in response to governmental policy, which launched by military governments in order to “fill the demographic emptiness” in the region, ending up as an expansion border process into Amazon8.

8 For an appreciation of border movement in the Amazon, we recommend Otávio Velho (1977).

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 205-222, jul./dez. 2015 209 The data reported in the same source (Almanaque Abril) also provides important information, such as the participation from the population of the capital in the to- tality of inhabitants on the respective states, demonstrating the population density in these municipalities. In fact, more detailed analysis on the increasing of demands for public services in these capitals must take into account the growth of other ci- ties (mainly the countryside cities in these states), they end up demanding services (mainly health-related) in the first ones. This is a key point in a more precise analysis. However, our intention is to show some socio-economic indicators that may give some dimension of the social situation found in the so-called peripheral capitals of the Amazon. These indicators attest to one serious situation of social exclusion9 in these municipalities. As it has been already pointed out, here we intend to present the data to generate greater awareness of these cities’ realities, little known by the majority of Brazilian population. Notwithstanding the use of other data sources to support our arguments, our spinal cord source is the “Atlas of Social Exclusion” of Pochmann and Amorim (2004). As noted, we do not discuss here the category “social exclusion”, so consider the cited work as our main source of data and that serves for us as the reference for the analysis. Some indicators are not exactly worked out by the authors and thus do not comprise the calculation of sub-indexes nor the final index of social exclusion. However, we refer to them only as complement to our analysis, because we believe that can help demonstrate the social situation found in the capitals analyzed in this brief test.

Some thoughts on socioeconomic indicators

Indicators are important tools in the socioeconomic analysis of the municipali- ties (as well as states, regions and countries) and serve to reflect a situation, a picture of a region – municipality, in this case – and are mainly used to support the creation of public policy turned to the problems they showed up. Through this instrument, the public policy makers have subsidies to decide what should be done to mitigate/ resolve certain problem(s). There are several indicators used to characterize economic and social develo- pment situation of a predetermined geographical area. For a long time the main indicator used in determining the well-being of a population was GDP per capita,

9 We do not intend to debate the category “social exclusion”. We basically utilized data from Pochmann (2004). However, we have a clear perception that this discussion is to be considered when talking about this issue.

210 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 205-222, jul./dez. 2015 considered to be the key indicator of a population’s life quality. The logic lays in the belief that the economic man maximizes their well-being through purchasing goods and services and therefore, the higher your income, the greater ability to acquire these products, leading to a maximization of their welfare. However, this indicator began to be questioned since the 1970s and is widely discredited from the 1990s with the adoption of Human Development Index (HDI) and other indicators which are more appropriate to describe the social situation in certain populations. A major problem with the GDP per capita is its inability to demonstrate the concentration of existing income in the regions that had been calculated. The HDI has had its calculation expanded, covering other sub-indexes not in- cluded in its original composition10. Moreover, this is just one of several existing indexes. We can say that it is a summary index, there are many other specific indexes, related to different economic themes, and above all, social. We can mention some of them: inhabitants per hospital bed, doctors per capita, residences served by basic sanitation, electricity, garbage collection, child mortality, etc. These indexes, if they do not show all the economic and social elements inhe- rent to the growth/development process of cities, serve as a diagnostic of the situ- ation they are in. Obviously, the indexes are static elements of analysis, however, a time series of them can point the evolution (or devolution) of certain movements, used as subsidies for the development of public intervention instruments in order to reverse or contribute cyclically to their continuity. Currently, the social indicators are routinely mentioned in media and in political debates and became part of the definition of priorities in social policies and the allocation of public resources. This higher dissemination of indicators is vital to the understanding of civil society, about its socioeconomic status and monitoring of agents about the allocation of public resources, that is, gives greater democratization of information about the destination given to public funds. However, some indica- tors are quite complicated to be understood, for example, poverty indicators. There are several concepts of poverty, and this is a key point to define the public policies for the eradication of it. In order to fight it, we must know what it is. Nevertheless, here we do not enter into the details of these conceptual differences11.

10 Originally, the HDI is made of a sub-index for education, one for income and another for life expectancy when born. 11 For a better understanding, consult Sônia Rocha’s book called “Pobreza no Brasil. Afinal, do que se trata?”, published in 2006 (3.ed) by FGV.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 205-222, jul./dez. 2015 211 There are several forms of classifying social indicators, one is known as the- matic classification, divided among the different themes to be addressed through research. In this classification, the indicators are related to the following topics: de- mography, education, health, labor market, quality of life, housing, urban infrastruc- ture, security and justice, income and poverty, environment. Within these different themes, there are several specific indicators, which can serve as a parameter for the most different ways to focus on the indicator. The same indicator can say various things, depending on what you want to observe (JANUZZI, p. 20). Other important classification corresponds to the division of indicators between objective or subjec- tive (or between quantitative and qualitative indicators). There is also the distinction between descriptive indicators and normative indicators. Descriptive “apenas des- crevem características e aspectos da realidade empírica (...), os normativos, ao con- trário, refletem explicitamente juízos de valor ou critérios normativos com respeito à dimensão social estudada” (JANUZZI, p. 21). As to properties that indicators should have, Januzzi (p. 28) lists as: social relevance, validity, reliability, coverage, sensitivity, specificity, intelligibility of its construction, communicability, feasibility to obtain, periodicity in the update, the capacity to disaggregate, and historicity. Indica- tors must be representative of the empirical analysis of reality, for that they are used statistical instruments in determining the size of the sample being studied/analyzed. Regarding the use of indicators for the analysis and formulation of social po- licies, Januzzi makes an important classification concerning the nature of the afo- rementioned: whether a resource (indicator-input), empirical reality (indicator-pro- duct) or a process (indicator-process).12 These are important considerations for us to bear in mind the necessity for gre- ater attention to the treatment of information. When using them, it is fundamental to understand, with a greater precision, what they mean, and, thus use them as a decision-making tool.

Socioeconomic indicators in the peripheral capitals

An important source of information regarding the situation of social indicators in Brazil is the “Atlas of Social Exclusion in Brazil”, organized by Marcio Pochman and Ricardo Amorim, which demonstrates the social situation of the Brazilian mu- nicipalities. From this book it is concluded that about 42% of the municipalities, which is equivalent to 21% of the population live in places that are considered as

12 For deeper details, see Januzzi (op. cit), p. 23.

212 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 205-222, jul./dez. 2015 socially excluded, while only Brazilian residents in 200 municipalities (3.6% of the total), representing approximately 26% of the population, live in locations consi- dered to have a decent standard for living. Another important factor is the large concentration of these 200 municipalities in the South and Southeast. To build the social exclusion index, pointed previously, the researchers used themes related to (i) decent standard of living; (ii) knowledge and; (iii) juvenile risk13. This index was calculated up to the total of 5,507 Brazilian municipalities in 2000. It should be noted that in the states of Acre, Roraima, Amazonas and the entire Northeast, almost all municipalities have shown high levels of social exclusion. To- cantins and Minas Gerais (especially the regions Vale do Jequitinhonha and Mucuri) have also had a significant share of municipalities with high levels of social exclusion (according to the typology used by the authors). Pará and Amapá, in a lesser extent than the first group, have also shown high levels of exclusion in good part of their municipalities. Only the southern states and the Southeast (except Espiríto Santo), including tiny portions (especially in capital and cities’ “economically dynamic”) in Mato Grosso do Sul, Goias, Tocantins and the Distrito Federal, were given lower exclusion social rates. This is just one of the figures presented in the study. It is not for us here to extensive and critically present the calculation methodo- logy and appreciation of the indexes. For our purposes it is enough to consider the following factors: the education index is between 0.0 and 1.0 (the higher the index, the better the social situation); the literacy rate is between 0.0 and 1.0 (the higher the index, the better the social situation); the poverty rate is between 0.0 and 1.0 (the higher the index, the better the social situation); index of social inequality is between 0.0 and 1.0 (the higher the index, the better the social situation); The index of em- ployment is between 0.0 and 1.0 (the higher the index, the better the social situation); Young concentration index ranges between 0.0 and 1.0 (the higher the index, the better the social situation); rate of violence varies between 0.0 and 1.0 (the higher the index, the better the social situation). From the considerations above, we can now see the social situation of the pe- ripheral Amazonian capitals. Let us remember again that the social exclusion index is calculated from the determination of the other mentioned indexes (education, literacy, poverty, social inequality, formal employment, concentration of juveniles and violence), given their respective weightings. Initially it is important to highlight that in these states to which the capitals be- long, for the most part, the situation of other municipalities is worse than those ob-

13 For more details, see Porchmann & Amorim (2004, p.18).

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 205-222, jul./dez. 2015 213 served in these cities. The capitals are “islands of excellence” if compared to other cities. Another key point is that the index covers all the city, it does not address, thus, the differences within them, does not consider the inequalities among the districts “rich” and “poor” in the city. The municipality is a homogeneous geographical unit reference. From the calculation of social exclusion indicators, authors mapped the munici- palities and classified them in a ranking in which the best social situation is conside- red the first in this classification (in this case, São Caetano do Sul, in the state of São Paulo). The ranking classifies 5,507 municipalities that there were in Brazil in 2000. The capital of Roraima, Boa Vista, is in position 1452 in the ranking, with 0,505 index. 1,451 municipalities are better talking about their social situation, while about 4.050 have a worse social situation than Boa Vista. Macapa, capital of Amapá is in 1.683a position in the ranking, revealing an index of 0.493. However, Porto Velho, capital of Rondônia, is located at number 873, with the index at around 0.536. In the capital of Acre, Rio Branco, the social exclusion index is at 0.519, putting this municipality at number 1,178. Only Porto Velho is in a better situation than other capital of the non-peripheral regions of the Amazon. The capital of Rondonia, is positioned better than Maceió (AL), Teresina (PI) and Manaus (AM), respectively 1040th, 1136th and 1.112th positions. On the other hand, the other capitals, except for their intra-links, are worse positioned than all the other capitals of the country. Macapá is therefore positioned in the worst place in the ranking of social exclusion. The table below shows the amounts related to the indexes and the position of these capitals in the ranking of social exclusion.

Table 2: Index of social exclusion and general ranking – 2000 Municipality Index of social Position in ranking exclusion Boa Vista-RR 0,505 1.452" Macapá-AP 0,493 1.683" Maceió-AL 0,526 1.040" Manaus-AM 0,522 1.112" Palmas-TO 0,608 163" Porto Velho-RO 0,536 873" Rio Branco-AC 0,519 1.178" Teresina-PI 0,521 1.136"

Source: Atlas of Social Exclusion (POCHMANN & AMORIN, 2004). Created by the author.

214 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 205-222, jul./dez. 2015 The table above shows the situation of peripheral capitals of the Amazon and some capitals in a worse situation than others (like Porto Velho) from these periphe- ral capitals. As previously stated, only Porto Velho is better positioned than another capital out of the list of peripheral regions of the Amazon. Boa Vista and Rio Bran- co are only better than the others that are located within the same peripheral group, and Macapá is placed at last on the ranking of the capitals14. These data show a situation of social vulnerability of these capitals, not only for their positions in this ranking, but as well as in all municipalities of the country. Again, except for Porto Velho, all other peripheral capitals are in positions above the 1000th, which is socially disturbing. Theoretically, because of they are midsize capi- tals, and largely dependent on the public sector power, it would be expected a more comfortable situation. However, as we have seen, this is not what occurs in these municipalities. Even Porto Velho can be considered an excluded city (or of excluded people), as researchers use index of 0.6 as the lower limit for included. In other way, the minimum value of the index for a city to be considered included is 0.6, which is not the case in Porto Velho (with 0.536 index). Thus, all the peripheral capital cities of the Amazon are “socially excluded”. Looking closer onto some of “partial” indexes in the general social exclusion index, for example the index of inequality, again a peripheral capital of the Amazon occupies the worst position in the ranking among the Brazilian capitals. In this index the worst situation is Rio Branco´s, with 0.155, followed by Teresina (0.171) and Manaus (0.178). Boa Vista is found as the 5th worst capital (0.201), Macapá is the seventh worst (0.213) and Porto Velho, the eighth worst (0.219). Therefore, from the eight worst capitals with the greatest social inequality, the four peripheral capitals are included, also heading this negative ranking. This index shows the imbalance between the leaders of family groups located in the income distribution extremes. It shows therefore concentration of wealth in these municipalities. Of all capitals in Brazil, the best placed - with less inequality – are Florianópolis (0.748) and Porto Alegre (0.618). Regarding the poverty rate to worst placed between the peripheral is Rio Branco (0.619), the tenth worst rate between all capitals. The best placed among them is Boa Vista (0.703), 11th best in the ranking. Over all Brazilian cities, the best placed is Florianópolis (0.870), Curitiba (0.845) and Porto Alegre (0.829). The index of poverty indicates the participation of households with incomes below poverty line. Regarding the formal employment index, values found were also low, with the worst situation observed in the country in Boa Vista, 0.150, whereas Porto Velho is 14 The chart does not show all capitals, but Macapá is on the last place among them. See Pochmann & Amorim (2004).

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 205-222, jul./dez. 2015 215 the best placed between the peripheral, with a value of 0.299. This index measures the share of employed in formal jobs in the total working-age population. The chart below shows the inequality index in the peripheral capitals and other state capitals, as well as their respective placements in the ranking of indexes. The ranking shows the classification only among the eight worst cities in the country in this item, in descending order, which means this ranking shows the worst placed between the capitals. The first position is equivalent to the worst placed in second position it is the second worst placed, and so on.

Table 3: Index of inequality and ranking of the worst capitals – 2000 Municipality Index of inequality Position in ranking (the worst) Rio Branco - AC 0,155 1" Teresina- Pl 0,171 2' Manaus-AM 0,178 3" São luis-MA 0,183 4' Boa Vista - RR 0,201 5' Maceió-AL 0,205 6" Macapá-AP 0,213 7' Porto Velho - RO 0,219 8"

Source: Atlas of Social Exclusion in Brazil (POCHMANN & AMORIN, 2004). Created by the author.

The table above shows the previously presented situation, concerning the social inequality index. Rio Branco is the worst Brazilian capital regarding this criterion, and Boa Vista the fifth worst, which shows that two peripheral are among the five worst and that, from the eight worst, the four peripheral are part of this list of mu- nicipalities. Ultimately, we can appreciate that the Amazon peripheral capitals have a high concentration of wealth, a strong imbalance between the leaders of family groups, located in the extremes when talking about income distribution. As mentioned earlier, the index of employment, which measures the participa- tion of employees in formal occupations, the total population on working age, has been presented as low in the analyzed capitals, giving to the capital of Roraima, the worst position in the national ranking. The table below shows this index for the capi- tal and its peripheral respective positions in the national ranking. This index, Vitória presented the highest value (0.603), placing it on top of the ranking, with the highest rate of formal employment in the country.

216 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 205-222, jul./dez. 2015 Table 4: Index of formal employment and position in general ranking – 2000 Municipality Index of formal Position in general employment ranking Porto Velho - RO 0,299 16" Rio Branco - AC 0,278 19" Macapá-AP 0,199 26" Boa Vista - RR 0,150 27"

Source: Atlas of Social Exclusion in Brazil (POCHMANN & AMORIN, 2004). Created by the author.

Therefore, the two worst capitals classified in the ranking of formal employment were Boa Vista and Macapá, both peripheral capitals of the Amazon. Although they are cities with high participation of the public service in their local economies, they showed high levels of informality. These figures show lower dynamism on these economies. Except for the public servers, formal employment has had a very low in- dex in these capitals, representing a high rate of informal employment. This affects negatively on the collection of taxes by the government, resulting in a reduced abi- lity to offer public services to local societies. Important to address attention to the possible existing connection between this high rate of informality with the strong flow of immigrants observed in these cities. As stated earlier, Boa Vista and Macapá have experienced high population growth rates since the early 1980 resulting from the intense immigration of people from different regions of the country, particularly the Northeast. The table below shows the population growth that happened in the four capitals considered, between 1991 and 2004. Highlights include the high rate of population increase in all of them, particularly Macapá and Boa Vista, which, in the period of 1991-2000, showed a quite expressive rate, especially the capital of Amapá.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 205-222, jul./dez. 2015 217 Table 5: Resident population, media rate of development (1991-2004) Munic. Resident Resident Annual ave- Resident Annual popula- population rage rate of population media rate of tion 1991 2000 development 2004 development 91-2000 00-04 8. Vista 134.155 200.568 4,61% 236.319 4,28% Macapá 168.225 283.608 6,02% 326.466 3,69% P. Velho 272.006 334.661 2,35% 380.884 3,36% R.Branco 183.280 253.059 3,68% 284.555 3,04%

Source: IBGE. Made by the author

These two capitals are also strongly characterized by intense migration of indi- genous peoples seeking an improvement of their social conditions and end up un- dergoing sub-employment informal activities, as street vendors and non-registered domestic workers. At the capital of Roraima this indigenous population has support services from the municipality, non-governmental organizations and of the Indi- genous Council of Roraima. However, specific actions do not represent structural changes in the social conditions of the population. In Boa Vista, the movement of indigenous women, as well as other movements, is organized into cooperative economic activities, giving a character of solidarity to these productive activities. Thus, these agents are seeking a higher production efficiency that could result in social benefits – in the form of employment and income – for members of their respective communities. This one movement presents itself as a resistance from the- se communities to the problem of formal unemployment observed in this layer of the population. Groups of women gathered around a common goal doing different activities, such as crafts, manufacture of underwear, soap production and prepara- tion of stuffed animals. These groups emerged among women (indigenous and non- -indigenous) living on the suburbs of Boa Vista, the most precarious neighborhoods from a social and urban infrastructure point of view. This capital has a population of about 32,000 Indians, coming from the countryside and other Amazonian states, especially from Amazonas. This represents approximately 13% of the total popula- tion of the municipality. Another important aspect refers to the housing deficit found on Brazilian cities in 2000, calculated by IBGE altogether with the Ministry of Cities. In absolute ter- ms, depending on the size of a peripheral capital, these figures are relatively low. Ho- wever, dividing the value of the deficit by the number of inhabitants, the situation

218 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 205-222, jul./dez. 2015 of these capitals become more fragile, being Macapá at worst position, figuring at the 4th worst position among the 27 considered capitals (including Brasilia, beyond state capitals). Keeping this criterion, Porto Velho is in the 9th worst position, Boa Vista in the 12th and Rio Branco in the 17th. Rio Branco, therefore, is located at a good position, while Boa Vista and Porto Velho are in intermediate positions. However, the values found between the 5th and 12th place – Natal and Boa Vista respectively – are quite similar, differing only from the third decimal place, which in practice is an equality among the eight cities (Natal, João Pessoa, Recife, Maceio, Porto Velho, Brasilia, Fortaleza and Boa Vista). Under this criterion, the two worst situations are those of Belém and São Luis. Moreover, Florianópolis and Curiti- ba present the best situations, when using this criterion (housing shortage/resident population in the city). The table below shows the housing deficit in the peripheral capitals of the Amazon in 2000.

Table 6 :Housing shortage in the peripheral capitals (2000) Municipality Housing shortage Boa Vista - RR 6047 Rio Branco - AC 6782 Porto Velho - RO 10378 Macapá -AP 10486

Source: IBGE. Made by the author

When it comes to data on the housing issue, the same source provides the num- ber of households lacking basic sanitation, which reflects the quality of homes avai- lable to the resident population in the municipalities we considered here. The values found in 2000 were: Boa Vista (1979); Porto Velho (3726); Macapa (3115) and; Rio Branco (5768). At the table below, we visualize this information better.

Table 7: Residence without basic sanitation in peripheral capitals (2000) Municipality Residence without sanitation Boa Vista - RR 1979 Macapá-AP 3115 Porto Velho - RO 3726 Rio Branco - AC 5678

Source: IBGE. Made by the author

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 205-222, jul./dez. 2015 219 The table 7 clearly shows the prevalence of Rio Branco over the other capitals, with regard to the sanitary deficit in homes in the set of peripheral capital. The capi- tal of Acre corresponds to approximately 39.16% of all households without sanitary in the group of 4 capitals. Second is the capital of Rondonia with 25.7% of total; Macapá totals 21.48% and Boa Vista appears in last place with 13.65%. Another interesting data concerning the labor market refers the number of unemployed in relation to the population in active age (PIA) highlighting once again the supremacy of Amapá capital, in Macapá, its ratio is at around 10.18%. The table below shows this correlation.

Table 8: N° unemployed ( A) , municipal PIA ( B ) and ratio ( A) J ( B ) 2000 Municipality Nº of unemployed (A) PIA(B) (A)/(B) Boa Vista 13.983 150.215 9,3% Rio Branco 15.855 193.088 8,21% Macapá 21.493 210.983 10,18% Porto Velho 24.716 258.174 9,57%

Source: IBGE. Made by the author

The capitals of Roraima and Rondonia have similar situations in this respect, as we have already highlighted, Macapá is in the worst situation relating to the pe- ripheral capitals (10.18%). Macapá also presents a worrying situation regarding the informal labor market. This capital is the second worst place in the ranking prepared by Pochmann and Amorim in the category ‘informality’, as we highlighted above (the worst in this regard is Boa Vista). Among all the capitals, Macapá stands as the 10th worst in relation to unemployed/PIA.

Final considerations

This paper aims to demonstrate succinctly a brief analysis on the social situation in the so-called peripheral capitals of the Amazon, which are: Boa Vista, Macapá, Porto Velho and Rio Branco. Using fundamentally the data presented by Pochman and Amorim in “Atlas of Social Exclusion in Brazil”, we sought to analyze them and relate them to the demographic expansion in these municipalities. We sought also to present the data contained in the Atlas (and others) with the purpose of “taking a picture” of these municipalities and from it, to understand the social situation in them. We have seen the worst in the country in capitals regarding

220 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 205-222, jul./dez. 2015 to social exclusion identified in the Atlas are Macapá and Boa Vista, both conside- red as “peripheral capital” of the Amazon. In many sub-indexes that make up the overall index, these capitals also stayed, most of the time, between the latest ranking positions, as in the case of informal index, for example. We also show that these two capitals experienced the highest rates of population growth among peripherals capi- tals and that, as in other, accounted for such growth the heavy flow of immigrants intra and interstate observed there. This factor helps to explain the high informality and index observed in these capitals. Our main goal, therefore, was to present the data from these capitals in order to raise a further observation over these municipalities and on the relationship between these data and the population growth that has been experienced. Macapá and Boa Vista, the two worst placed in the social exclusion index of the Atlas by Pochmann and Amorim are precisely the ones that have experienced the highest rates of popu- lation growth, arising from major migration flows that have occurred mainly from the 1980s.

References

ALMANAQUE ABRIL 2007. São Paulo: Ed. Abril, 2008.

BRASIL. Programa Amazônia Sustentável (PAS). Documento final. Ministério da Integração Nacional. Brasília, 2006.

CARDOSO, A. C. Duarte; LIMA, J. J. Ferreira. Tipologias e padrões de ocupação ur- bana na Amazônia Oriental: para que e para quem? In: Cardoso, A. C. Duarte (org.). O Rural e o Urbano na Amazônia. Belém: Ed. UFPA, 2006.

DINIZ, Alexandre M. A.; Santos, Reinaldo Onofre. Fluxos migratórios e a formação da rede urbana de Roraima. S/d.

FREITAS, Aimberê. Geografia e História de Roraima. Boa Vista: DLM, 2001.

GRAZIANO DA SILVA, J.; Campanhola. C. O novo rural brasileiro. Campinas: Ed. Unicamp/Embrapa, 1998.

IBGE e Ministério das Cidades. Compilação de dados. CD-ROM.

IBGE. Compilação de dados. CD-ROM.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 205-222, jul./dez. 2015 221 JANUZZI, P. de Martino. Indicadores sociais no Brasil: conceitos, fontes de dados e aplicações. 3a ed. Campinas: Alínea Editora, 2004.

PEREIRA, J. C. Matos. A urbanização da Amazônia e o papel das cidades médias na rede urbana regional. In: Cardoso, A. C. Duarte (org.). O Rural e o Urbano na Amazônia. Belém: Ed. UFPA, 2006.

POCHMANN, Márcio.; AMORIM, Ricardo. (org.). Atlas da Exclusão Social no Bra- sil. São Paulo: Cortez, 2004.

ROCHA, Sônia. Pobreza no Brasil. Afinal, do que se trata? 3a ed. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2006.

SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. 5a ed. São Paulo: Edusp, 2005.

222 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 205-222, jul./dez. 2015 Mariana Cunha Pereira *

ARTIGO A MEMÓRIA DE BRASILEIROS E GUIANENSES SOBRE A REVOLTA DO RUPUNUNI NA FRONTEIRA BRASIL - GUIANA

Resumo Abstract Neste texto faço uma reelaboração das In this text, I re-elaborate the narratives and oral narrativas e oralidades de alguns dos speech of some of the social subjects (Guyanese sujeitos sociais (Negros guianenses, Negroes, Macushi Indigenous and Wapishana, Indígenas Macuxi e Wapixana, Brasileiros regional Brazilians) about the Rupununi Uprising. regionais) sobre a Revolta do Rupununi. The narratives and oral speech of the interviewees As narrativas e oralidades dos entrevistados on the subject are partially constituted by the nesse assunto se constituem em parte fieldwork that originated the Ethnography built as do trabalho de campo que deu origem a doctorate thesis in the frontier Brazil-Guyana. a etnografia construída como tese de The intention is to contextualize, by means of doutorado sobre etnicidade e nacionalidade these narratives, the realms of memory that make na fronteira Brasil­ Guiana. A intenção é up the political landscape of the 60s in these two contextualizar, por meio dessas narrativas, countries, since the political event called Rupununi os lugares de memória que compõem Uprising, characterized as one of the most polemic o cenário político da década de 60 nesses period in Guyana’s history. In Brazil, milestones dois países, a partir do evento político of this decade were the military dictatorship and denominado Revolta do Rupununi, the leftist movements.In Guyana it is a moment of caracterizado como um dos períodos the process of independence and of secession fights. mais polêmicos da história da Guiana. No Brasil, o que marcou essa década foi Keywords: History; Ethnicity; Nationality. à ditadura militar e os movimentos de esquerda. Na Guiana é o momento do processo de independência e de lutas de secessão.

Palavras-Chave: História; Etnicidade; Nacionalidade.

* Possui graduação em Ciências Sociais na Universidade Federal do Ceará (1985/UFC), Especialização em Metodologia de Pesquisa em Educação (1988/UFC), Especialização em Política, Planejamento e Gestão na Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (1992/UnB), Mestrado em Educação (1995/UnB) e Doutorado em Antropologia - Antropologia da América Latina e Caribe (2005/UnB). Atualmente é professora efetiva na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 223-234, jul./dez. 2015 223 Neste texto faço uma reelaboração das narrativas e oralidades de alguns dos sujeitos sociais (Negros guianenses, Indígenas Macuxi e Wapixana, Brasileiros re- gionais), entrevistados, quando da ocasião do trabalho de campo que deu origem a minha tese de doutorado realizada sobre etnicidade e nacionalidade na fronteira Brasil-Guiana. A intenção aqui é contextualizar, por meio da história oral e da memória dos moradores da fronteira os lugares de memória que compõem o cenário político onde ocorreu a Revolta do Rupununi, na década de 60, um dos períodos mais polê- micos da história do Brasil e da história da Guiana. No Brasil, o que marcou essa década foi à ditadura militar e os movimentos de esquerda. Na Guiana é o momento do processo de independência e de lutas de secessão. Esses acontecimentos, em cada Estado-nação, passam a ter uma significativa contribuição para a historiografia e para os processos identitários das Américas. Uti- lizo o suporte teórico-metodológico da historia a partir do uso da memória e da história oral a fim de construir uma narrativa desde a fala dos sujeitos sociais. No entanto, uma vez que escrevo segundo minha formação acadêmica na área da An- tropologia não posso deixar de registrar que os sujeitos sociais compunham suas narrativas construindo a identidade daqueles de quem falam desenhando, assim, a composição dos grupos étnicos inserido naquele evento político o que nos permite reconhecer o viés da diversidade cultural no registro da memória. A intenção aqui é tecer a história das relações sociais entre os moradores da fronteira de dois estados-nação, tendo como pretexto um período político de con- flito armado.

Contextualizando o lugar de memória

A Guiana possui dez regiões geográficas, aquela que faz fronteira com o Brasil é a região nove, também denominada região do Rupununi. Localiza-se nas terras do sudoeste da Guiana que são banhadas, numa extensão de 6.000 km, pelo rio do mes- mo nome. Nessa extensão estão às fronteiras da Guiana com o Brasil e da Guiana com a Venezuela. Hoje os povos indígenas que habitam essa região às margens do rio Rupununi, e do rio Tacutu e na Savana do Rupununi, relacionam-se continuamente com seus parentes no Brasil, Venezuela e na Guiana. Dentre o espaço que constitui a região do rupununi selecionei para efeito da pesquisa de campo, apenas a fronteira do Brasil

224 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 223-234, jul./dez. 2015 com a Guiana. Ali se convivem continuamente os indígenas das etnias Macuxi e Wa- pixana, os negros guianenses, os descendentes de indianos (ali chamados de coolie) e os brasileiros regionais. Uma vez que a Região do Rupununi é o cenário de um dos fatos políticos mais significativos daquele país é, por conseguinte, a história política desse país o viés que ajuda na interpretação da composição multicultural e das relações sociais construí- das com o Brasil. É difícil pensar a história da Guiana sem se reportar aos séculos em que esta ainda na condição de colônias não unificadas foi colonizada por diferentes países europeus. Segundo Colina (1997) em 1499 os espanhóis tocavam o solo do que hoje se denomina Guiana. Durante os séculos XV e XVI a Guiana Essequibo estava sob domínio espanhol constando inclusive como parte do território venezuelano. De- pois as três colônias: Essequibo, Demerara e Berbice passaram a domínio holandês, de 1648 a 1814 (Séc. XVII e XIX), posteriormente, ainda no século XIX passaram ao domínio inglês. Existem duas leituras quanto à participação indígena durante a colonização ho- landesa. Colina (1997) aponta que os indígenas não se adaptaram a esse sistema de trabalho escravo agrícola e por isso se embrenharam no sentido sul do país, o que explica hoje a grande presença populacional destes naquela região. Farage (1991) apresenta a tese de que havia uma relação de escambo dos holandeses com os ín- dios, mais proveitosa para os interesses comerciais holandeses do que ao propósito de usá-los como mão de obra escrava. Ainda que em meio à rede de comércio que desenvolvia em terras coloniais, era interesse holandês, também, o trafico de escra- vos indígenas. Mas, foi com a mão de obra escrava negra oriunda da África que a colonização holandesa naquelas colônias prosperou através do trabalho escravo agrícola no cul- tivo de café, algodão, cacau, tabaco e cana de açúcar. As colônias inglesas Essequibo, Demerara e Berbice foram unificadas em 1831 com o nome de Guiana Inglesa. Porém, o ritmo de desenvolvimento da Inglaterra, somado aos interesses dos colonos ingleses plantadores, instalados nessas colônias, e os primeiros passos da revolução industrial levaram a Inglaterra a decidir-se pelo trabalho assalariado. Há ainda um outro elemento significativo para o fim da escra- vidão negra na Guiana: as missões que se instalaram em colônias britânicas. A ação dos missionários contribuiu para que os escravos tomassem posturas diante de sua condição escravista. Duas grandes revoltas escravas marcaram a história escravo- crata da Guiana: a revolta de Berbice em 1728, e a revolta de Demerara em 1823.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 223-234, jul./dez. 2015 225 Enfim, a escravidão na Guiana acabou em 1837, após trinta anos do final do tráfico de escravos. (Cf. Vioti, 1998). A substituição da mão de obra escrava levou àquele país uma massa de traba- lhadores contratados, oriundos principalmente do Oeste da Índia1. Isso dinamizou as relações entre os grupos étnicos ali existentes. O cenário interno e externo cola- borou para a relativa autonomia (1928) daquela colônia, e isso culminou, em 1961, com a promulgação da constituição e sua posterior independência em 1966. (Cf. Serbin, 1981). Desde o período colonial nas esferas políticas da Guiana, esboçava-se um mo- vimento nacionalista e anticolonial que se intensificou com a chegada de guianenses que tinham ido cursar seus estudos superiores na Grã-Bretanha e Estados Unidos. Assim, em 1950, oriundo de movimentos dirigidos por esses intelectuais guianenses, surge o People´s Progressive Party (PPP), que se torna a principal voz que se impõe à coroa britânica. Caracterizando-se como um partido muito próximo à linha pró- -sovietica, embora tivesse uma composição classista que contradizia esse viés, foi assim identificado. O quadro político da década de 50 e 60 na Guiana pode ser des- crito como a consolidação de uma cultura partidária que se impunha numa situação de colônia e que, portanto, contribuiu com o processo de independência. Foi um período de posturas ideológicas representativas do que ocorria no mundo do após guerra, daí a preocupação da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos com a tendência marxista-leninista do PPP2.

1 Um estudo comparativo que Richardson Bonham (1975) realizou em 1967/71 entre Guiana e Trindade a respeito do tipo de migração para o trabalho e o estabelecimento de mobilidade entre padrões de plantation no sul do Caribe explica que, após a libertação dos escravos nestes dois países, os homens negros livres estabeleceram assentamentos de plantação na periferia e deram início ao trabalho de meio período. O autor, ao fazer a sua analise sobre os anos 70, explica que a forma como esses homens livres da Guiana e Trindad e (posteriormente) os trabalhadores migrantes trazidos no indetured period se organizaram em vilas de plantações pelas terras do interior, é possível compreender como eles atravessaram o século XIX para se organizarem socioeconomicamente. Explicar também que em tão poucos países existiu vilas de plantações periféricas em que os agricultores eram auto-suficientes e com problemas ecológicos tão semelhantes como osdois lugares (Guiana e Trindad), que faziam seus moradores procurarem fonte de renda fora da vila. A formação da sociedade guianense moderna não resulta em aspectos muitos diferentes dos do Brasil quanto à migração para o trabalho. Os estudos de Richardson esclarecem, também, que esses trabalhadores contratados, no caso da Guiana, chegaram ao espantoso número de 250.000. Trabalharam nas plantações e produção de açúcar e foram contratados para viver de forma muito precária. Assinavam um contrato de cinco anos de trabalho que, se renováveis por mais cinco anos, lhes garantiria a passagem de volta à Índia. 2 Em 1961, quando houve a primeira divisão interna entre os principais membros do PPP - Chedi Jagan e Fores Burnham - surge o People´s National Congress (PCN) liderado por Burnham, que foi logo apoiado pela Grã-Bretanha e os Estados Unidos. No entanto, devido à passagem de Burnham pela União Soviética e sua identidade negra, segundo Serbin (1981), o PCN também vai assumir uma identificação socialista e passar por um processo interno de modificação de seus quadros de cooptação dos sindicatos em torno de bandeiras mais classistas e anticolonialistas. Inclusive, passam a fazer parte de seus quadros intelectuais e integrantes do Black

226 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 223-234, jul./dez. 2015 É, porém, dentro desse quadro político que se desenrola em quatro décadas (1960-1992) do acirramento das relações políticas internas da Guiana que ocorreu a revolta do Rupununi, conflito armado cujo cenário foi à fronteira Guiana - Brasil em 1969. Foco dessa pesquisa, a região do Rupununi traz consigo os aspectos so- ciopolíticos que interessam diretamente ao estudo das relações interétnicas que se constroem naquela área. Ali, mais precisamente em Lethem, cidade fronteiriça com o Brasil, ocorreu o movimento de secessão da história da Guiana de significativa re- percussão na cidade fronteiriça brasileira, a cidade de Bonfim, no estado de Roraima.

Oralidade e memória desse evento

A oralidade sobre esse evento político é, também, o testemunho da história das lutas étnico-raciais que demarcam a história política da Guiana, vejamos o que nos disse D. Elizia:

Eu me lembro, na época da revolução eu tinha dez anos de idade. Mas, ai eu demorei na Guiana, antes de vir para o Brasil. Na época da revolução eu me lembro de alguns detalhes assim: quem começou essa revolução foi uma família que tinha ai na Guiana que ainda tem alguns deles chamada família Melvilles eles se revoltaram porque aquele presidente [Burnham] ele já faleceu. Essa família não queria que ele ganhasse as eleições. Ele e os negros. Aquele presidente era negro. Eles foram contra porque ele se elegeu. Então, essa família se revoltou. Era uma família bem grande, uma família tradicional ai da Guiana e rica, dona de terras e gado. Eles tinham aviões, fazendas (fazendas não era ranchinhos, não). Naquela época eles tinham fazendas. Minha mãe naquela época trabalhava com eles. Então eles se revoltaram ai começaram, eles conseguiram armas com ajuda de pessoas da Venezuela. Não sei como foi que eles conseguiram. E eles conseguiram as armas com essas pessoas da Venezuela e começaram a atirar. Quando a gente viu era 3 tiroteio pra todo lado. (Guianense branca)3.

Para organizar a metanarrativa sobre esse conflito busquei na memória de três gerações tomando como referencia o período da independência da Guiana, ou seja, Power de tendência guevarista e jamaicana, que defendem os direitos negros associados à luta internacional contra o capitalismo. Após a independência, em 1966, o PCN permanece no poder de 1964 até 1980, período em que se acentuou o recorte étnico no jogo das relações de poder dos partidos políticos em função do domínio do aparelho de Estado. O PNC, de composição étnica negra, após vinte e oito anos no poder (1964-1992), perde as eleições em 1992 para uma coalizão entre PPP, partido que inicialmente tinha uma composição multiétnica, mas que, com o rompimento de Burnham, foi se identicando com os indo-guianenses e o Partido Cívico (considerado multirracial). Essa composição elege como presidente Cheddi Jagan, que, ao temer acirramento dos conflitos das relações entre negros e asiáticos a exemplo de 1964, cria um ministério multirracial. 3 Conforme expliquei na introdução os fragmentos de entrevistas aqui utilizados compõem o material de campo da pesquisa por mim realizada para a tese de doutorado sobre Etnicidades e Nacionalidades na Fronteira Brasil- Guiana, citada nas Referências Bibliográficas.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 223-234, jul./dez. 2015 227 a década de 60. A primeira geração: os mais idosos aqueles que viveram na fase adul- ta o evento político; a segunda geração: aqueles que na época eram crianças e/ou adolescentes e também viveram o processo revolucionário (sem entender a dimen- são de tal fato político) e a terceira geração que nasceu de casamentos inter-étnicos da segunda geração e hoje está na adolescência, pois de diferentes formas eles vive- ram e ouviram as historias sobre a revolta do rupununi e as lutas de independência. Segundo esses depoentes a revolta se constituiu em uma iniciativa de ranchei- ros/fazendeiros das savanas do Rupununi, insatisfeitos com o governo da Guiana, estes tentaram criar um Estado independente, com a ajuda da Venezuela. Para isso, formaram o Comitê Provisional Del Gobierno de Rupununi, coordenado por Va- leria Hart. A revolta foi sufocada e os revoltosos tiveram abrigo na Venezuela e no Brasil. Segundo Colina (1997) através de pequenos aviões de particulares venezuela- nos os rebeldes foram retirados para os territórios brasileiros e venezuelanos numa ação que durou três dias. Esse conflito ocasionou, até 1990, difícil relacionamento entre Guiana e Venezuela4. Naquele ano, 1969, a Guiana tinha no poder o Sr. Forbes Burnham, (primeiro ministro), do PNC, o partido que se identificou com os negros, talvez porque ele sendo um dos negros da diáspora guianense trazia consigo mais essa bandeira5. Bur- nham era acusado de se aproximar do bloco soviético e administrar com a perspecti- va de uma “República Negra”. Esses fatos devem ter contribuído para a insatisfação dos rancheiros das Savanas do Rupununi, cuja maior vocação estava no comércio da carne de gado que se concentrava nas mãos de três famílias inglesas identificadas como brancas e mestiças (branco com índio) que habitavam naquela região. Segundo depoimentos, eram as famílias “...Melvilles, Hart, e Bourik, que contavam com apoio dos grupos Amerindians.”

4 Segundo Fenty (2000), ainda nos séculos XVI a XIX, os países europeus travaram disputas entre si pelas colônias da América do Norte, do Centro e do Sul. Muitas dessas contendas tornaram-se conflitos de fronteiras que não se solucionaram, (no caos deste conflito) embora tendo que se submeterem à decisão judicial por ocasião da independência da Guiana. A Venezuela reclamava à Inglaterra o que tinha sido quase todo o território da colônia de Essequibo. Por outro lado a Inglaterra reivindicava as regiões norte e orientais da Venezuela. O laudo arbitral de 1899 do Tribunal Internacional de Arbitragem favoreceu a Venezuela em cinco mil milhas de território. Esta ficou satisfeita, porém, quando a Guiana implodiu em sua luta de independência a Venezuela achou por bem questionar o laudo de 1899 e abrir conflito com a Guiana por mais território. Instituiu-se uma comissão mista (guianenses e venezuelanos) para estudar os limites de fronteira. Essa reclamação que se fez no período da proclamação da independência da Guiana criou entre esses dois países uma situação desconfortável, notadamente quando a Venezuela abrigou os insurgentes da revolta do Rupununi. 5 Entenda-se Diáspora no sentido em que Stuart Hall (2003) discute, para além da situação de deslocamentos forçados aqueles que foram realizados voluntariamente, caracterizando os sujeitos da diáspora em uma ambigüidade de ter um compromisso social e político com seu local e identidade de origem sem abrir mão de uma nova construção cultural de sua identidade. “Na, situação da diáspora, as identidades se tornam múltiplas, junto com os elos que as ligam a uma ilha de origem específica, há outras forças centrípetas:”(p.27)

228 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 223-234, jul./dez. 2015 O fator econômico e o fator sociopolítico de recorte étnico-racial complemen- tavam-se. Segundo Colina (1997), era voz corrente, inclusive constava no programa político da eleição de Burnham, que a Guiana, ao mudar da condição de colônia para República Socialista, teria suas terras confiscadas para o Estado. Assim, quem estava assentado nas terras poderia usá-las com licenças de um ano, mas não as possuía de fato. Poderia o Estado requisitá-las quando achasse conveniente. “Segundo Mora (1969 Apud Colina, 1997, p.7), “…los dueños de lãs haciendas existentes em la regi- ón sabian que Burnham tênia entre sus planos el de eliminar dichas licencias pues lo habia expuesto em su programa político de lãs ultimas elecciones.” Assim, levados pela idéia de que Burnham tinha intenção de confiscar suas licenças e utilizando-se do discurso de exclusão sobre os Amerindian, os rancheiros do Rupununi, que não apoiavam o governo socialista e negro da Guiana, promoveram aquela revolta. A bibliografia sobre a Guiana aponta mais uma causa da revolta do Rupununi, e esta parece confirmar-se nos depoimentos dos moradores da primeira geração. Comenta-se que, em razão da preferência pelos trabalhadores contratados oriundos da Índia Oriental, uma massa de exescravos (homens livres) foi incentivada a ocupar terras e povoar a área rural desse país. Isso teria levado a uma política de incentivo à habitação e à exploração da bauxita, das minas de ouro e do plantio de arroz. Os rancheiros do Rupununi não aceitaram bem essa idéia, porque a exportação ilegal de carne para o Brasil, assim como o comércio legal com o Canadá, os enriquecia e os tornava forte como grupo social, com poder econômico e político nessa região de fronteira. Depoimento como o do sr. Joaquim, venezuelano, morador de Bonfim, parece acenar para essa tese: “Quando aconteceu aquela briga aí em 68/69, os Mel- villes e os Hart não queriam os pretos entrar dentro do Rupununi [...] mas o governo (foi) que abriu a pista ali no Manari, por isso que eles pousaram. Aí entrou preto de bolo”. A memória local dos moradores da fronteira sobre o período do conflito que dá visibilidade à região 09 e à cidade de Lethem para o cenário nacional guianense é bastante confusa. Nos depoimentos dos mais jovens (segunda e terceira gerações pós-revolução de independência da Guiana) e na memória dos mais idosos há certa confusão entre os períodos de 1966 (a independência), 1969 (a revolta do Rupununi) e até mesmo o conflito de fronteira com a Venezuela6 que segundo Colina (1997), “ocorreu oportunamente” ao período da independência. 6 Durante gran parte del Siglo 19, Venezuela y Gran Bretaña se reclamaban territorio mutuamente. Finalmente, Inglaterra ganó las tres colonias de Esequibo, Demerara y Berbice a los holandeses en 1814. Más tarde, estas tres colonias se unificaron como la Colonia de Guayana Británica. Venezuela reclamaba casi todo lo que había sido la colonia original de Esequibo. Por su parte, Inglaterra reclamaba gran parte de lo que ahora son las regiones orientales y norteñas de Venezuela.( Fenty, 2000).

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 223-234, jul./dez. 2015 229 Naquele ano de 1969, o conflito fronteiriço aflora oportunamente, os gover- nantes venezuelano aproveitaram para reacender tal disputa por meio do apoio aos revolucionários. Percebe-se pelos depoimentos que esse fato provoca uma confusão de interpretações por parte das pessoas mais humildes. Seus depoimentos confundem a questão fronteiriça que voltou a ser discutida em 1962 com o processo revolucionário da região de Rupununi ocorrido em 1969. Os mais jovens dizem (terceira geração):

Ah é? Eu não me lembro direito. Mas eu me lembro que papai falava que na guerra nin- guém podia sair para lugar nenhum. Sabe ali onde eles matam gado? Pois, é ali estava cheio de negros mortos, ali dentro. Eles arrastavam os negros pra dentro depois matavam. Eles ligaram daqui pra Georgetown para os soldados descerem pra cá, mas ninguém, nem os aviões, não podiam descer aqui porque estava cheio de camburão ali dentro. Mas, eu não me lembro muita coisa. Sei que cortaram o contato de telefone. (vendedora, Coolie, de uma loja em Lethem).

Os moradores da segunda geração relatam que:

Olha eu me lembro uma vez teve essa revolução, a Venezuela com a Guiana. Agora eu não sei o ano. Nesse tempo eu tinha oito anos e o meu irmão era polícia. Aí nesse dia minha mãe ela disse: minha filha vamos pescar na beira do Tacutu. E aí quando começou essa guerra, a revolução na Guiana. Aí minha mãe dizia assim pra nós: Olha tá tendo guerra, tá matando as pessoas. Naquele tempo eu não sabia muito bem, mas eu me lembro da re- volução. Eu me lembro também que a polícia começou a bater no meu irmão. Sabe nesse tempo eu via meu irmão sofrendo apanhando da polícia. Ele era da polícia, mas mesmo assim ele apanhava (Guianense negra atual moradora de Boa Vista).

De acordo com Colina (1997), o interesse da Venezuela em questionar as terras da “Guyana Essequibo” e o direito a nove milhas do mar territorial foram motivos que animaram os insurgentes a levar à frente a idéia de se criar um Estado Inde- pendente. Decorre daí que, em vez de se pensar que a revolta do Rupununi tenha ocorrido apenas nas datas em que teve lugar o levante, 02 a 05 de janeiro, pode-se afirmar que, desde os acontecimentos em torno da independência, os ânimos dos rancheiros do Rupununi já vinham sendo alimentados pelos questionamentos dos venezuelanos quanto aos direitos territoriais e marítimos de fronteira. Até aqueles dois momentos (Independência e revolta do Rupununi) essa região nunca experimentara a presença de militares. Não havia na Guiana uma política de guarda das fronteiras por meio da presença dos militares. Somente quando houve a revolta do Rupununi é que chegaram ali os destacamentos militares cujo meio de

230 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 223-234, jul./dez. 2015 locomoção foi aéreo primeiro de Georgetown para Lethem; e depois, via Brasil, pelo aeroporto de Boa Vista /RR. Tratou-se de uma milícia armada que provavelmente deu início à formação do exército. Em depoimento sobre o período da independên- cia e da revolta do Rupununi, D. Lindalva, explica, de certa forma com base na sua identificação com a Guiana, como surgiu o exército e ocorreu aquela revolta:

Mas o que me motivou para a Guiana é que houve uma revolução na Guiana e eu tava em Boa Vista. Então, desceu para cá um monte de aviãozinho bimotor, eu trabalhava no aero- porto e já sabia falar alguma coisa de inglês, ai... , aí deparei com outras pessoas indígenas me falaram que aqui (Bonfim) tava recrutando pessoas para ir para o exército da Guiana, ai eu com aquele pensamento na cabeça, aqueles avião, aquelas fardas, tudo achava bonito, embarquei para Georgetown sem o consentimento dos meus pais e fui embora (aos 16 anos). Passei cinco anos no exército da Guiana, daí tive uma larga experiência até pra deixar aqui pro pessoal....(Brasileira regional).

Segundo Caíres (1988), somente depois de 1973 é que a sociedade guianense passa a ser militarizada. Antes o que havia era uma milícia armada que se localizava mais na área costeira - na capital Georgetown e nas cidades de Linden e Nova Ams- terdam. Esse autor afirma que isso se deu, depois das eleições de 1973, que deram a vitória a Burnham: “After 1973, Guyanese society was militarised. There was na expanding army, a national service and a people´s militia. The civil service was cor- roded by the cult of the party card, the police were politicised and the media were government owned and controlled” (1988, p. 191/2). Na memória dos indígenas a revolta do Rupununi era uma questão política entre brancos e negros, assim relata o Tuxaua do povo indígena Macuxi de Sant. Ignatius:

Não eu não me lembro muito coisa sobre isso. A única coisa que eu me lembro, que eles estavam falando na época é que quem dominava aqui era os Melvilles e os Hort. Eram eles que dominava essa região aqui. Então quando o governo estava botando outras coisas pra cá, já tinha policiais e tudo eles não aceitavam [ ]que o governo estava querendo trazer mais gente pra cá [os pretos]. Eles é que ensinavam, eles que falavam que o preto é assim. Eles eram brancos. Eu acho que queriam dominar tudo, queria tudo pra eles. Eles tratavam como se fosse deles porque eles comandavam tudo aqui..mas, depois mudou tudo. (Ho- mem Indígena).

Segundo o entrevistado os Amerindians não tiveram participação nesse conflito até porque a questão se concentrou mais na área urbana e diretamente ligado ao poder daquela região, o qual historicamente se concentrava entre brancos (coloni- zadores) e os negros (ex-escravos, descendentes nascido na Guiana, e os filhos de

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 223-234, jul./dez. 2015 231 casamentos interétnicos entre brancos e negros). Além disso, os Amerincians viviam em suas aldeias a depender da caça e da pesca, até aquele período, estabelecendo tímidas interações com os outros grupos étnicos. A conjuntura internacional em que se vivia a Guerra Fria e a expansão do socia- lismo e do comunismo no mundo nos fazem entender ser compreensível que uma revolta no interior da Guiana, na fronteira com o Brasil, tencionasse as relações com o governo brasileiro, até porque diante do regime político ditatorial em que se vivia no Brasil todo e qualquer contato por meio das fronteiras era extremamente alar- deado pelos militares como uma afronta a “segurança nacional” discurso muito uti- lizado por eles. Além disso, a Guiana conquistara recentemente sua independência e tinha à frente do governo um presidente que se auto-intitulava marxista-leninista. No Brasil, vivíamos em 1968 o auge da repressão e tortura àqueles que ousavam se indispor com o governo militar. No estado de Roraima, na cidade de Bonfim, onde a fronteira com a cidade guianense com Lethem é desenhada pelo rio Tacutu, existe desde o período colonial uma estreita relação social nos aspectos econômicos e culturais. Assim, imediatamente ao ocorrido Bonfim foi tomada por forças mili- tares, segundo depoimentos dos seus moradores mais antigos: “apareceu policia de tudo que é jeito por aqui”, explicou-me o professor mais idoso daquela cidade. É importante registrar que por vários relatos de memória dos entrevistados no Brasil e/ou na Guiana as lembranças e/ou explicações sobre outros assuntos tra- zem os elementos históricos que demonstram as conseqüências ou o modo como a Revolta do Rupununi repercutiu no Brasil. O depoimento do diretor do IBGE de Roraima em 2004, sobre aspectos do crescimento socioeconômico de Roraima, também nos mostra isso quando ele diz:

A partir da independência da Guiana a coisa mudou bastante, inclusive a própria movimen- tação revolucionária na Guiana que abriu de uma certa forma, as perspectivas do governo militar da época em povoar esta região. Em por exemplo, a abertura da estrada 401 [que sai de Boa Vista a Bonfim], a construção da ponte do Makuxi [porque nós estamos numa distância de cento e poucos quilômetros, é bastante perto de fronteira]. E a movimentação toda que estava ocorrendo lá, de certa forma preocupava, a questão de segurança na nossa fronteira. E uma das medidas, entre várias outras, nesta mesma época houve a intensifi- cação de recuperação de estradas, de abertura da estrada pra Manaus. Então, esse período foi um período que intensificou um pouco mais as atividades de investimentos federais em Roraima, em função disso. (Brasileiro regional).

O que demonstra que o governo brasileiro imediatamente tomou atitudes de cercar politicamente o espaço de onde provavelmente se originaria algum foco de

232 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 223-234, jul./dez. 2015 irradiação de uma movimentação política revolucionária. Assim, intensificou a polí- tica de fronteira com a abertura de uma infra-estrutura que permitisse aos militares melhor desenvolver o trabalho de vigilância das chamadas “fronteiras de risco”. A revolta do Rupununi, cujas causas foram eminentemente econômicas e de recorte étnico-racial, passou a ser entendida internacionalmente apenas pelo viés político-ideológico. No Brasil, a repercussão foi à imediata proteção à fronteira nor- te. Vivia-se o período auge dos processos de repressão armada aos movimentos insurgentes no Brasil. Segundo depoimentos de moradores mais antigos, a cidade de Bonfim ficou em estado de alerta, de tensão, e completamente militarizada. Comenta o professor mais idoso que: “mais do que hoje, a cadeia daqui (Bomfim) e de lá (Boa Vista) vivia cheia de preto”. Fica então, evidenciado esse fato histórico como um marco da construção des- ses dois estado-nação, da inter-relação que os envolve e das conseqüências para os grupos étnicos, moradores da fronteira, e do modo de perceber e narrar os conflitos de conjuntura de cada realidade. Situamos, entre outras conseqüências para a política interna de fronteira do Brasil, que esse foi um motivo para o governo brasileiro pos- teriormente, tomar a decisão de instalar o Pelotão de Fronteira naquele município.

Referências

CAIRES, David de. “Guyana After Burnham: a new era? Or is president hoyte tra- pped in the skin of the old PNC?” In: Caribbean Affairs, jan. – mar., V. 1, Ano 1, 1988.

COLINA, Oswaldo Ramirez. “Guyana em 1969: ´La insurreccion de Rupununi”. In: www.monografia.com publicado em 1997. Acesso em 14/07/2005.

CURTAIN, Richard. Labor Migration in Papua New Ginea: Primary School Leavers in the Towns – Present and Future Significance. p. 269 – 309, In: Migration and De- velopment: Implications for Ethnic Identity and Political Conflict. Editors SAFA, Helen e TOIT, Brian M. Du. Paris: Mouton Publishers, 1975.

FARAGE, Nádia. As Muralhas dos Sertoes: os povos indigenas no rio Branco e a colonização. Rio de Janeiro:Paz e Terra; ANPOCS, 1991.

FENTY, Alan A. “Una Introducción a la Posición de Guyana sobre la Controver- sia Guyana/Venezuela.” In: , dez./2000. Acesso em 17/10/2003.

HALL, Stuart. Da Diásporora: identidades e Mediações Cultuais. (Org.) Liv Sovik. Minas Gerais:Editora da UFMG, 2003.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 223-234, jul./dez. 2015 233 MERRILL. Guyana, Country Studies In: Libary of Congress, 1992.

PEREIRA, Mariana Cunha. “A Ponte Imaginária: o trânsito interétnico na fronteira Brasil– Guiana.” (tese) Brasilia; UnB: Brasil, 2004.

RICHARDSON, Bonham. Plantation Infrastructure and Labor Mobility in Guiana and Trinidad. p.205 – 224, In: Migration and Development: Implications for

Ethnic Identity and Political Conflict. Editors SAFA, Helen e TOIT, Brian M. Du. Paris: Mouton Publishers, 1975.

RELATÓRIO Final da Comissão Especial Mista Destinada a Reavivar o Projeto Calha Norte. Senadora Marluce Pinto (Org.), Congresso Nacional: Brasília, 1997.

SANTILLI, Paulo. Pemongon Pata: território Macuxí, rotas de conflito. São Paulo:Editora Unesp, 2001.

SERBIN, Andrés. Nacionalismo, Etnicidad Y Política Em la Republica Coopera- tiva De Guyana. Caracas: BRUGUERA: Autores Latinoamericanos, 1981.

VIOTI, Emilia. Coroas de Glória, lagrimas de sangue: a rebelião dos escravos de demerara em 1823. São Paulo: UNESP, 1998.

234 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 223-234, jul./dez. 2015 Mariana Cunha Pereira *

ARTIGO THE MEMORY OF BRAZILIANS AND GUYANESES ABOUT THE RUPUNUNI UPRISING IN THE FRONTIER BRAZIL – GUYANA

Abstract Resumo In this text, I re-elaborate the narratives and Neste texto faço uma reelaboração das narrativas oral speech of some of the social subjects e oralidades de alguns dos sujeitos sociais (Negros (Guyanese Negroes, Macushi Indigenous guianenses, Indígenas Macuxi e Wapixana, and Wapishana, regional Brazilians) about Brasileiros regionais) sobre a Revolta do Rupununi. the Rupununi Uprising. The narratives As narrativas e oralidades dos entrevistados nesse and oral speech of the interviewees on assunto se constituem em parte do trabalho de the subject are partially constituted by the campo que deu origem a etnografia construída como fieldwork that originated the Ethnography tese de doutorado sobre etnicidade e nacionalidade built as a doctorate thesis in the frontier na fronteira BrasilGuiana. A intenção é Brazil-Guyana. The intention is to contextualizar, por meio dessas narrativas, os contextualize, by means of these narratives, lugares de memória que compõem o cenário político the realms of memory that make up the da década de 60 nesses dois países, a partir do political landscape of the 60s in these two evento político denominado Revolta do Rupununi, countries, since the political event called caracterizado como um dos períodos mais polêmicos Rupununi Uprising, characterized as one da história da Guiana. No Brasil, o que marcou of the most polemic period in Guyana’s essa década foi à ditadura militar e os movimentos history. In Brazil, milestones of this decade de esquerda. Na Guiana é o momento do processo were the military dictatorship and the leftist de independência e de lutas de secessão. movements.In Guyana it is a moment of the process of independence and of Palavras-Chave: História; Etnicidade; secession fights. Nacionalidade.

Keywords: History; Ethnicity; Nationality.

* Graduated in Social Sciences at the Federal University of Ceará (1985 / UFC), Specialization in Research Methodology in Education (1988 / UFC), Specialization in Politics, Planning and Management at the Faculty of Education at the University of Brasilia (1992 / UNB) Master of Education (1995 / UNB) and Doctorate in Anthropology - Anthropology of Latin America and the Caribbean (2005 / UNB). He is currently effective teacher in the Faculty of Education of the Federal University of Goiás.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, v.1., p. 235-247, jul./dez. 2015 235 In this text, I re-elaborate the narratives and oral speech of some of the social subjects (Guyanese Negroes, Macushi Indigenous and Wapishana, regional Brazi- lians) interviewed, in the occasion of the fieldwork that originated my doctorate’s thesis about ethnicity and nationality in the frontier Brasil-Guyana. The intention here is to contextualize, by means of oral history and the memory of the frontier’s inhabitants, the realms of memory that make up the political lands- cape in which the Rupununi Uprising happened, in the 60s, one of the most polemic periods in the history of Brazil and Guyana. In Brazil, a milestone of this decade was the military dictatorship and the leftist movements. In Guyana it is a moment of the process of independence and of se- cession fights. These events, in each nation-state, started to have a significant contribution to historiography and to the identity processes of the Americas. I make use of the the- oretical and methodological support of memory and oral history, in order to build a narrative that comes from the speech of the social subjects. However, since I write accordingly to my educational background in the area of Anthropology, I cannot fail to register that the social subjects used to make up their narratives by building the identity of those whom they talk about. They sketch, thus, the composition of the ethnic groups inserted into this political event, a fact that allows us to acknowledge the niche of cultural diversity in the registry of memory. The intention here is to weave the history of the social relations among the inhabitants of a frontier between two nation-states, having as excuse a political pe- riod of armed conflict.

Contextualizing the realm of memory

Guyana has ten geographic regions; the one that is bordered by Brazil is region Nine, also called Rupununi region. It is located in the Southern lands of Guyana, which are surrounded, in an extension of 6000 km, by a river with the same name. Along this extension are the frontiers between Guyana and Brazil and between Guyana and Venezuela. Nowadays, the indigenous people that inhabit this region alongside the Rupu- nuni and Tacutu rivers and in the Rupununi savannah get in touch often with their parents in Brazil, Venezuela and Guyana. Among the area that constitutes the Ru- pununi region, I have selected, for the sake of the field research, only the frontier between Brazil and Guyana. Indigenous from the ethnicities Macushi and Wapisha-

236 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 235-247, jul./dez. 2015 na, the Guyanese Negroes, the Indian descendants (there around called coolies) and regional Brazilians often live together there. Since the Rupununi region is the scenario of one of the most significant politi- cal facts in that country, the history of this country is, consequently, the niche that helps in the interpretation of its multicultural composition and the social relations created towards Brazil. It is hard to think of Guyana’s history without referring to the centuries in which this land, yet in condition of non-unified colony, was colonized by different European countries. According to Colina (1997), in 1499, the Spanish walked the ground of what is called Guyana nowadays. During the XV and XVI centuries, Guyana Essequibo was under Spanish control, and was seen as part of the Vene- zuelan territory. Afterwards, the three colonies – Essequibo, Demerara and Berbice – have gone under Dutch domination, from 1648 to 1814 (XVII and XIX centuries), thereafter, yet in the XIX century, they have been English domain. There are two readings concerning the indigenous participation during the Du- tch colonization. Colina (1997) points out that the indigenous did not adapt the- mselves to this slave work agricultural system and, because of that, they penetrate towards south of the country, which explains their great population presence in that region. Farage (1991) presents the viewpoint in which there was a barter relation between Dutchmen and the indigenous, which was more rewarding for the Dutch commercial interests than to the purpose of using them as slave labor. Even though they were amidst the commercial network that was being developed in the colony lands, the indigenous slaves traffic was also a Dutch interest. In spite of that, it was by the slave labor of Negroes who came from Africa that the Dutch colonization in those colonies have prospered, through indigenous agricultural slave labor in the cultivation of coffee, cotton, cocoa, tobacco and sugar cane. The English colonies Essequibo, Demerara and Berbice were unified in 1831 with the name of English Guyana. However, England’s rhythm of development, along with the interests of the settlers – English growers – installed into those colo- nies, and the first steps of the Industrial Revolution led England to decide for wage labor. There is another significant element to the end of Negro slavery in Guyana: the missions that got place in the British colonies. The missionaries’ work contri- buted for the slaves to take a stand regarding their slave condition. Two great slave uprisings marked the history of the slave-based economy of Guyana: the Berbice Slave Uprising, in 1728, and the Demerara Rebellion, in 1823. Eventually, slavery in

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, v.1., p. 235-247, jul./dez. 2015 237 Guyana was ended in 1837, thirty years after the end of the slave traffic (Cf. Vioti, 1998). The substitution of slave labor brought to that country a mass of employed workers who came mainly from the West India1. That spurred the relations between the ethnical groups there were. The internal and external scenarios collaborated to the relative autonomy (1928) of that colony, and that ended up, in 1961, with the promulgation of the Constitution and its Independence in 1966 (Cf. Serbin, 1981). Since the colonial period in the public spheres of Guyana, a nationalist and an- ticolonial movement had been outlined. It was intensified with the arrival of Guya- nese people that had gone to Great-Britain and the United States to study in a higher education course. Thus, in 1950, deriving from the movements led by these Guya- nese intellectuals, it springs up the People’s Progressive Party (PPP), which turns to be the main voice against the British crown. Although it had been categorized as a Party that was close to pro-soviet thoughts, it had a classist composition that contra- dicted this train of thought. The political landscape of the 50s and 60s in Guyana could be described as a consolidation of a party-rivalry culture that has risen within a colony situation and that, therefore, contributed to the process of independence. That was a period of representative ideological stands of what occurred in the post- -war world; thence comes Great Britain and the United States’ worries towards the Marxist-Leninist tendency of the PPP2. 1 A comparative study realized by Richard Bonham (1975) in 1967/71 between Guyana and Trinidad concerning the kind of work-related migration and the establishing of movement throughout patterns of plantation in the South Caribbean explains that, after the liberation of the slaves in these two countries, Negro free men established settlements for plantation in the suburbs and kick-started the part-time jobs. The author, by doing his analysis about the 70s, explain that the way these free men from Guyana and Trinidad and (later) the migrant workers brought in the Indentured Period organized themselves in plantation villages along the countryside lands. It is possible to understand, then, how they have gone through the XIX century to get themselves organized socioeconomically. He explains also that in so few countries there were peripheral plantations in which the farmers were auto-sufficient and had ecological problems so similar as had these two places (Guyana and Trinidad), what made their inhabitants look for sources of income outside the village. The formation of the modern Guyanese society does not result in very different aspects than those of Brazil in respect to the work- related migration. The studies of Richardson clear up, also, the fact that these employed workers, in Guyana’s case, got to the astounding number of 250.000. They worked in the plantations and sugar production and were hired to live in a very precarious situation. They used to sign an indenture to five years of work, which, if renewed for five years more, would give them their travel back to India. 2 In 1961, when there happened the first internal division between the main members of PPP - Chedi Jagan and Fores Burnham - the People’s National Congress (PCN) led by Burnham showed up, which was quickly supported by Great-Britain and the United States. However, due to Burnham’s passing through the Soviet Union and his Negro identity, according to Serbin (1981), the PCN would assume a socialist identification and go through an internal process of modification in its framework of co-optation of syndicates around the most classist and anti-colonialist banners. Moreover, they start to be part of the intellectual framework and to integrate the Black Power, Jamaican and Guevarist tendency that defend the Negros’ rights and are associated to the international fight against capitalism. After the independence, in 1966, the PCN stays in charge from 1964 to 1980, period in which the ethnic separation in the power relations of the politicians has intensified as a result 238 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 235-247, jul./dez. 2015 It is, though, within this political landscape, which unfolds itself in four decades (1960-1992) of worsening in Guyana’s internal political relations, that the Rupunu- ni Uprising happened, this armed conflict whose scenario was the Brasil-Guyana frontier in 1969. As a focus for this research, the Rupununi region brings with it the sociopolitical aspects that are interests to the study of the interethnic relations that are created in that area. There, more precisely in Lethem, border city with Brazil, the movement of secession of Guyana’s history happened and had a significant reper- cussion in the Brazilian border city Bonfim, in the state of Roraima.

Oral speech and memory of this event

Oral speech about this political event is, also, the testimony of the history of the ethnic and racial fights that define the boundaries of the political history of Guyana. Let us see what says Mrs. Elizia:

Eu me lembro, na época da revolução eu tinha dez anos de idade. Mas, aí eu demorei na Guiana, antes de vir para o Brasil. Na época da revolução eu me lembro de alguns detalhes assim: quem começou essa revolução foi uma família que tinha ai na Guiana que ainda tem alguns deles chamada família Melvilles eles se revoltaram porque aquele presidente [Burnham] ele já faleceu. Essa família não queria que ele ganhasse as eleições. Ele e os negros. Aquele presidente era negro. Eles foram contra porque ele se elegeu. Então, essa família se revoltou. Era uma família bem grande, uma família tradicional ai da Guiana e rica, dona de terras e gado. Eles tinham aviões, fazendas (fazendas não era ranchinhos, não). Naquela época eles tinham fazendas. Minha mãe naquela época trabalhava com eles. Então eles se revoltaram ai começaram, eles conseguiram armas com ajuda de pessoas da Venezuela. Não sei como foi que eles conseguiram. E eles conseguiram as armas com essas pessoas da Venezuela e começaram a atirar. Quando a gente viu era tiroteio pra todo lado. (Guianense branca)3.4 of the domination of the State apparatus. The PNC, ethnically composed by Negroes, loses the elections, after twenty-eight years in charge (1964-1992), in 1992, to a coalition between PPP, the party that had a multiethnic composition at first, though with Burnham’s fall, got closer to the Indo-Guyanese and the Civic Party (considered multiracial). This composition elects Cheddi Jagan as president, who creates a multiracial ministry, fearing the worsening of the conflicts in the relation between Negroes and Asians as in 1964, for example. 3 “I remember, at the time of the Uprising I was ten years old. But, then, I lived in Guyana before coming to Brazil. From the time of the Uprising I remember some details like who started the revolution was a family that there was in Guyana, and there still are some of them out there, called the Melville family. They rebelled because that present had already passed out. This family did not want him to win the elections. He and the Negroes. That president was a Negro. They were against his election. Then, this family rebelled. It was a very big family, a traditional family from Guyana and rich, owner of lands and cattle. They had planes, farms (and not those little ones). By that time they had farms. My mother worked for them. Then they rebelled and started... they gathered the arms with help from Venezuelan people. I don’t know how they gathered them. They gathered the arms from these people from Venezuela and started to shoot. When we figured it out, there were bullets all over.” (White Guyanese). 4 As I explained in the introduction, the fragments of interviews here utilized compose the field material of the

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, v.1., p. 235-247, jul./dez. 2015 239 To organize the metanarrative about this conflict I looked up into the memory of three generations taking as reference the period of independence of Guyana, which means the decade of the 60s. The first generation: the eldest people, those who lived the conflict as adults; the second generation: those who were children or teenagers by that time and also lived the revolutionary process (without understan- ding the dimensions of this political fact); and the third generation: people who were born from interethnic marriages from the second generation and today are in teena- ge, since by all means they lived and heard the stories about the Rupununi Uprising and the fights for independence. According to the interviewees, the Uprising was constituted into an initiative from ranchers/farmers from the Rupununi savannahs, unsatisfied with Guyana’s go- vernment, they tried to create an independent State, with the help of Venezuela. In this regard, they formed the Provisional Committee of the Rupununi Government (Comitê Provisional Del Gobierno de Rupununi), coordinated by Valeria Hart. The uprising was suffocated and the unsatisfied were sheltered in Venezuela and Brazil. According to Colina (1997), through small particular planes from Venezuela the re- bels were taken to the Brazilian and Venezuelan territories with an action that took three days. This conflict caused, until 1990, a difficult relation between Guyana and Venezuela5. In this year, 1969, Guyana was under the power of Sr. Forbes Burnham, (Prime Minister), from PNC, the party that was closest to the Negroes, maybe because he was one of the Negroes in the Guyanese diaspora and brought this banner with him.6 Burnham was accused of being proximate to the Soviet Bloc and administe- research I made, which was realized for the doctorate’s thesis about Ethnicities and Nationalities in the border Brasil-Guyana, cited on the References section.” 5 As stated by Fenty (2000), during the XVI and XVI centuries, European countries disputed among themselves over the colonies of North, Central and South Americas. Several of these feuds became border conflicts that did not have and end, (as in this case) although they had to undergo the justice’s decision as a result of Guyana’s independence. Venezuela claimed from England what had been almost all the Essequibo colony’s territory. On the other hand, England claimed about the northern and western regions of Venezeula. The arbitral award of 1899 of the International Arbitration Court benefitted Venezuela into five thousand miles of territory. Venezuela was satisfied, however, when Guyana stood up to fight in its fight for independence, Venezuela thought it wise to query the award of 1899 and to start a conflict with Guyana for more territory. A Joint Committee was set up (Guyanese and Venezuelans altogether) to study the border limits. This query, which was made in the period of the declaration of Guyana’s independence, evoked an uncomfortable environment between these two countries, especially when Venezuela harbors the insurgent from the Rupununi Uprising. 6 Let us understand Diaspora as Stuart Hall (2003) discusses it: those that were realized willingly, beyond the forced shifts situation, characterizing the subjects of the diaspora in an ambiguity of having a social and political commitment with their place and identity of origin without giving up on anew cultural construction of their identity. “Na, situação da diáspora, as identidades se tornam múltiplas, junto com os elos que as ligam a uma ilha de origem específica, há outras forças centrípetas:”(p.27).

240 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 235-247, jul./dez. 2015 ring from a perspective of a “Negro Republic”. These facts must have contributed to the dissatisfaction of the ranchers in the Rupununi Savannahs, whose best voca- tion was in the commerce of beef, which was concentrated in the hands of three English families identified as white and mestizos (miscegenation indigenous-white) that inhabited that region. In consonance to testimonies, they were the families “[...] Melvilles, Hart, e Bourik, que contavam com apoio dos grupos Ameríndios”7. The economical factor and the sociopolitical factor of ethnic-racial separation complemented one another. As stated by Colina (1997), it was very common; mo- reover, it was inside Burnham’s political program of election that Guyana would have its lands confiscated by the State when it changed from a colony to a Socialist Republic. Thus, those who were settled in those lands could use them with a license of one year, but would not, in fact, have them. The State could request them anytime it found it convenient. As reported by Mora (apud Colina, 1997, p.7), “…los dueños de lãs haciendas existentes em la región sabian que Burnham tenia entre sus planos el de eliminar dichas licencias pues lo habia expuesto en su programa político de lãs ultimas elecciones.” Thus, moved by the idea that Burnham intended to confiscate their licenses and by making use of a discourse of exclusion towards the Amerin- dian, the Rupununi ranchers who did not support the socialist (and Negro) govern- ment of Guyana promoted that uprising. The bibliography about Guyana points out one more cause to the Rupununi Uprising, and this seems to be reassured in the testimonies of the first generation inhabitants of Guyana. It is said that a mass of ex-slaves (now free men) was en- couraged to occupy lands and to populate the rural area of this country because of a preference for employed workers who came from West India. That would have led to a policy of encouragement to inhabitation and to the exploitation of bauxi- te, gold mines and plantation of rice. The ranchers of the Rupununi did not easily accept this idea, for the illegal beef exportation to Brazil, inasmuch as it was the legal commerce with Canada, has made them rich and made them strong as a social group, with economic and political power in this border area. Testimonies like Mr. Joaquim’s, a Venezuelan who lives in Bonfim, seems to corroborate to this thesis: “Quando aconteceu aquela briga aí em 68/69, os Melvilles e os Hart não queriam os pretos entrar dentro do Rupununi [...] mas o governo (foi) que abriu a pista ali no Manari, por isso que eles pousaram. Aí entrou preto de bolo”. The local memory of the inhabitants of the border about the conflict period that enhances visibility on the Guyanese national scene to region Nine and to the

7 ...Melville, Hart, and Bourik, which counted on the Amerindian group.”

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, v.1., p. 235-247, jul./dez. 2015 241 city of Lethem is very confusing. There is confusion in the testimonies of the youn- gest people (second and third generations that came after Guyana’s independence revolution) and in the memory of the oldest between the years of 1966 (its indepen- dence), 1969 (the Rupununi Uprising) and even the border disputes with Venezuela8, which, as consonant to Colina (1997), “ocorreu oportunamente”9 in favor of the independence period. In the year of 1969, the border dispute started to spring up at a good moment, and then the Venezuelan governors seized the opportunity and restarted the discus- sion by means of supporting the revolutionaries. It could be seen by the testimonies that this fact provokes a clutter of interpretations from the most humble people. They mistake in their testimonies the border dispute that has again been discus- sed in 1962 with the revolutionary process of the Rupununi region that happened in 1969. The youth (third generation) usually say:

Ah é? Eu não me lembro direito. Mas eu me lembro que papai falava que na guerra nin- guém podia sair para lugar nenhum. Sabe ali onde eles matam gado? Pois, é ali estava cheio de negros mortos, ali dentro. Eles arrastavam os negros pra dentro depois matavam. pra Georgetown para os soldados descerem pra cá, mas ninguém, nem os aviões, não podiam descer aqui porque estava cheio de camburão ali dentro. Mas, eu não me lembro muita coi- sa. Sei que cortaram o contato de telefone. (vendedora, Coolie, de uma loja em Lethem).10

The second-generation inhabitants report that:

Olha eu me lembro uma vez teve essa revolução, a Venezuela com a Guiana. Agora eu não sei o ano. Nesse tempo eu tinha oito anos e o meu irmão era polícia. Aí nesse dia minha mãe ela disse: minha filha vamos pescar na beira do Tacutu. E aí quando começou essa guerra, a revolução na Guiana. Aí minha mãe dizia assim pra nós: Olha tá tendo guerra, tá matando as pessoas. Naquele tempo eu não sabia muito bem, mas eu me lembro da re-

8 Durante gran parte del Siglo 19, Venezuela y Gran Bretaña se reclamaban territorio mutuamente. Finalmente, Inglaterra ganó las tres colonias de Esequibo, Demerara y Berbice a los holandeses en 1814. Más tarde, estas tres colonias se unificaron como la Colonia de Guayana Británica. Venezuela reclamaba casi todo lo que había sido la colonia original de Esequibo. Por su parte, Inglaterra reclamaba gran parte de lo que ahora son las regiones orientales y norteñas de Venezuela (Fenty, 2000) 9 “happened on time”. 10 “Oh, is it? I don’t quite remember. But I remember that dad said that from the war no one was allowed to go out. Do you know that place where they slaughter cattle? That’s it, it was full of dead Negroes, inside it. They dragged them inside to kill them. They called from here to Georgetown for the soldiers to come down here, but no one, not even the planes could come here because there were a lot of paddy wagons there. But I don’t remember much. I know they broke the telephone contract (Coolie, a salesperson in a store in Lethem).”

242 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 235-247, jul./dez. 2015 volução. Eu me lembro também que a polícia começou a bater no meu irmão. Sabe nesse tempo eu via meu irmão sofrendo apanhando da polícia. Ele era da polícia, mas mesmo assim ele apanhava (Guianense negra atual moradora de Boa Vista)11.

According to Colina (1997), Venezuela’s interest in questioning the “Guyana Essequibo” lands and the right to nine thousand miles from the territorial sea, were reasons that encouraged insurgents to carry forward the idea of creating an indepen- dent State. Thenceforth, instead of thinking that the Rupununi Uprising has taken place only in the dates there was its the peak, from January 02 to 05, one can affirm that, since the events related to the independence, the ranchers’ willfulness had alre- ady been stimulated by the Venezuelan’s queries over the rights to the territories and maritime boundaries. Up to those two moments (Independence and the Rupununi Uprising), this region had never tried military presence. There was no policy of security of the borders by military presence in Guyana. Only when the Rupununi Uprising took place the Military Detachments, whose only means of transportation was the aerial kind, going first from Georgetown to Lethem, then to Brazil, through the airport of Boa Vista, in Roraima. It is a case of an armed militia that probably kick-started the formation of an army. In a testimony about the period of the independence and of the Rupununi Uprising, Mrs. Lindalva explains how the army showed up and how that uprising happened, somewhat based on her identification with Guyana:

Mas o que me motivou para a Guiana é que houve uma revolução na Guiana e eu tava em Boa Vista. Então, desceu para cá um monte de aviãozinho bimotor, eu trabalhava no aero- porto e já sabia falar alguma coisa de inglês, ai..., aí deparei com outras pessoas indígenas me falaram que aqui [Bonfim] tava recrutando pessoas para ir para o exército da Guyana, ai eu com aquele pensamento na cabeça, aqueles avião, aquelas fardas, tudo achava bonito, embarquei para Georgetown sem o consentimento dos meus pais e fui embora (aos 16 anos). Passei cinco anos no exército da Guiana, daí tive uma larga experiência até pra deixar aqui pro pessoal... (Brasileira regional)12. 11 “Look, I remember once there was this uprising, Venezuela against Guyana. But I don’t remember the year. At that time I was 8 and my brother was a policeman. That day my mother said: my daughter, let’s go fishing at the Tacutu’s margins. And when this war started, this revolution in Guyana. Then my mother said to us: There is a war, they’re killing people. At that time I did not understand things, but I remember the revolution. I remember the policemen started to beat my brother. You know, at that time I used to see my bother being beaten by the police. He was from the police, but he was beaten anyway. (Guyanese negro woman who lives in Boa Vista).” 12 But what motivated me more to go to Guyana is that there was a revolution in Guyana and I was in Boa Vista. Then many a small plane came down here. I worked at the airport and already knew how to say some things in English, then… then I met some indigenous people that said Bonfim was recruiting some people to go to Guyana’s army, and I, having that thought in mind, those planes, those uniforms, I found it all beautiful. I departed to Georgetown without my parents’ allowance when I was 16. I spent five years in Guyana’s army, then I got a large experience to leave here to my pals… (Regional Brazilian).

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, v.1., p. 235-247, jul./dez. 2015 243 As Caires (1988) states, it was only after 1973 that the Guyanese society starts to be militarized. Before that, there was an armed militia located in the coast area of the capital, Georgetown, and in the cities of Linden and New Amsterdam. This author asserts that it took place after the elections of 1973, when Burnham was victorious. “After 1973, Guyanese society was militarised [sic]. There was an expanding army, a national service and a people´s militia. The civil service was corroded by the cult of the party card, the police were politicised [sic] and the media were government owned and controlled” (1988, p. 191/2). In the memory of the indigenous, the Rupununi Uprising was a political ques- tion between white Negro people, as reports the Tuxaua of the indigenous people Macushi de Saint Ignatius:

Não eu não me lembro muito coisa sobre isso. A única coisa que eu me lembro, que eles estavam falando na época é que quem dominava aqui era os Melvilles e os Hort. Eram eles que dominava essa região aqui. Então quando o governo estava botando outras coisas pra cá, já tinha policiais e tudo eles não aceitavam []que o governo estava querendo trazer mais gente pra cá [os pretos]. Eles é que ensinavam, eles que falavam que o preto é assim. Eles eram brancos. Eu acho que queriam dominar tudo, queria tudo pra eles. Eles tratavam como se fosse deles porque eles comandavam tudo aqui..mas, depois mudou tudo. (Ho- mem Indígena).13

As reported but the interviewee, the Amerindians did not participate in this conflict because the quarrel was almost all restricted to the urban area and directly bound to the powerful people in that region, which were historically composed by white men (colonizers) and Negroes (ex-slaves, descendants who were born in Guya- na, and the sons of interethnic marriages between white and black people). Further- more, the Amerindians lived in their villages depending on hunting and fishing, until that period, establishing timid interactions with the other ethnic groups. The international conjuncture in which people lived the Cold War and the ex- pansion of socialism and communism in the world, makes us understand it to be acceptable that a revolt in Guyana’s countryside, on the border with Brazil, would compromise the relations with the Brazilian government. This is so because in the dictatorial political regime under which people lived in Brazil, any contact through

13 “I don’t remember much about this. The only thing I know is that they spoke, at that time, that the Melvilles and the Hort dominated this place. They ruled this very region. So when the government was setting everything here, there already were policemen and they didn’t accepted nothing else[...] from what the government wanted to bring to us [Negroes]. At first they taught us, they said that black people are like this. They were black. I think they wanted to dominate everything; they wanted it all for themselves. They treated us as if we were theirs because they ruled everything around here, but then everything changed. (Indigenous man)”.

244 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 235-247, jul./dez. 2015 frontiers was extremely alarmed by the military as taking a stand against national security, a discourse that was used very often. Moreover, Guyana had conquered recently its independence and was governed by a president who claimed himself to be a Marxist-Leninist. In Brazil, we lived, in 1968, the peak of repression and torture to those who dared to upset the military government. In the State of Roraima, city of Bonfim, where the border with the Guyanese city of Lethem is drawn by the Tacutu River, there is a stretched social relation in respect to economic and cultural aspects since the colonial period. Hence, right after what happened, Bonfim was taken by military forces, as testimonies from its oldest inhabitants confirm: “apareceu policia de tudo que é jeito por aqui”14, explained the oldest teacher in the city. It is important to register that several reports from the interviewees’ memory in Brazil and/or in Guyana the recollections and/or explanations about other subjects bring with them the historical elements that show the consequences or the way the Rupununi Uprising was spread in Brazil. The testimony of the director of the Bra- zilian Institute of Geography and Statistics (IBGE) in Roraima, in 2004, about traits of the socio-economical development of Roraima, also confirms that when he says:

A partir da independência da Guiana a coisa mudou bastante, inclusive a própria movimen- tação revolucionária na Guiana que abriu de uma certa forma, as perspectivas do governo militar da época em povoar esta região. Em por exemplo, a abertura da estrada 401 [que sai de Boa Vista a Bonfim], a construção da ponte do Makuxi [porque nós estamos numa distância de cento e poucos quilômetros, é bastante perto de fronteira]. E a movimentação toda que estava ocorrendo lá, de certa forma preocupava, a questão de segurança na nossa fronteira. E uma das medidas, entre várias outras, nesta mesma época houve a intensifi- cação de recuperação de estradas, de abertura da estrada pra Manaus. Então, esse período foi um período que intensificou um pouco mais as atividades de investimentos federais em Roraima, em função disso. (Brasileiro regional).15

This shows that the Brazilian government immediately took actions to politi- cally surround the area from which there was a chance for a revolutionary political movement. 14 “All kinds of police popped up around here”. 15 “Since Guyana’s Independence things changed a lot, including the very revolutionary movement in Guyana, which broadened, in a certain way, the perspectives of the current military government to populate this region. For example, the opening of Route 401 [through which one goes from Boa Vista to Bonfim], and the construction of the Mucuxi bridge [because we are very close to the border, within a distance of one hundred kilometers]. All the movement that was happening, somehow worried us, a question of our borders’ security. And one of these actions, among many others, at this same time there was an intensification on the rehabilitation of roads, especially that one to Manaus. Therefore, this period was a period of expansion in the activities of Federal investments in Roraima.”

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, v.1., p. 235-247, jul./dez. 2015 245 Consequently, it intensified the border policy by means of an opening of an infrastructure that would allow the military to develop their surveillance work about the so called “frontiers at risk”. The Rupununi Uprising, whose causes were, above all, about economy and eth- nic-racial separation, started to be internationally seen only because of its political and ideological characteristics. In Brazil, the repercussion took place right after the protection to the northern frontier. People lived the peak of the armed repression to the insurgent movements in the country. According to testimonies from the oldest inhabitants, Bonfim was alert, tense, and completely militarized. The oldest teacher says that: “mais do que hoje, a cadeia daqui (Bomfim) e de lá (Boa Vista) vivia cheia de preto”16. This historical fact is then attested as a milestone of the construction of these two nation-states, of the inter-relation that involves them and of the consequences to the ethnic groups, inhabitants of the frontier, and of the way of perceiving and narrating the conjuncture conflicts of each reality. We situate, among other consequences to the Brazilian internal border policy, that this was a reason for the Brazilian government to decide setting the Border Platoon in that municipality.

References

CAIRES, David de. “Guyana After Burnham: a new era? Or is president hoyte tra- pped in the skin of the old PNC?” In: Caribbean Affairs, jan. – mar., V. 1, Ano 1, 1988.

COLINA, Oswaldo Ramirez. “Guyana em 1969: ´La insurreccion de Rupununi”. In: www.monografia.com publicado em 1997. Acesso em 14/07/2005.

CURTAIN, Richard. Labor Migration in Papua New Ginea: Primary School Leavers in the Towns – Present and Future Significance. p. 269 – 309, In: Migration and De- velopment: Implications for Ethnic Identity and Political Conflict. Editors SAFA, Helen e TOIT, Brian M. Du. Paris: Mouton Publishers, 1975.

FARAGE, Nádia. As Muralhas dos Sertoes: os povos indigenas no rio Branco e a colonização. Rio de Janeiro:Paz e Terra; ANPOCS, 1991.

FENTY, Alan A. “Una Introducción a la Posición de Guyana sobre la Controver- sia Guyana/Venezuela.” In: , dez./2000. Acesso em 17/10/2003.

16 “Even more than today, the jails here [Bonfim] and there [Boa Vista] were all full of Negroes.”

246 TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, p. 235-247, jul./dez. 2015 HALL, Stuart. Da Diásporora: identidades e Mediações Cultuais. (Org.) Liv Sovik. Minas Gerais:Editora da UFMG, 2003.

MERRILL. Guyana, Country Studies In: Libary of Congress, 1992.

PEREIRA, Mariana Cunha. “A Ponte Imaginária: o trânsito interétnico na fronteira Brasil– Guiana.” (tese) Brasilia; UnB: Brasil, 2004.

RICHARDSON, Bonham. Plantation Infrastructure and Labor Mobility in Guiana and Trinidad. p.205 – 224, In: Migration and Development: Implications for

Ethnic Identity and Political Conflict. Editors SAFA, Helen e TOIT, Brian M. Du. Paris: Mouton Publishers, 1975.

RELATÓRIO Final da Comissão Especial Mista Destinada a Reavivar o Projeto Calha Norte. Senadora Marluce Pinto (Org.), Congresso Nacional: Brasília, 1997.

SANTILLI, Paulo. Pemongon Pata: território Macuxí, rotas de conflito. São Paulo:Editora Unesp, 2001.

SERBIN, Andrés. Nacionalismo, Etnicidad Y Política Em la Republica Coopera- tiva De Guyana. Caracas: BRUGUERA: Autores Latinoamericanos, 1981.

VIOTI, Emilia. Coroas de Glória, lagrimas de sangue: a rebelião dos escravos de demerara em 1823. São Paulo: UNESP, 1998.

TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.28, v.1., p. 235-247, jul./dez. 2015 247