PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE Departamento de Educação

AS RELAÇÕES DE PODER ENTRE PROFESSOR/ALUNO NA “ESCOLA DEMOCRÁTICA” NA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE - MG

Jeovani Casagrande

Belo Horizonte

2008 JEOVANI CASAGRANDE

AS RELAÇÕES DE PODER ENTRE PROFESSOR / ALUNO NA “ESCOLA DEMOCRÁTICA” NA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE BETIM - MG

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação.

Área de concentração: Sociologia e História da Profissão Docente e da Educação Escolar.

Orientador: Prof. Dr. Carlos Roberto Jamil Cury

Belo Horizonte 2008

FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Casagrande, Jeovani C334r As relações de poder entre professor / aluno na “escola democrática” na rede municipal de ensino de Betim - MG / Jeovani Casagrande. Belo Horizonte, 2008. 233f. : Il.

Orientador: Carlos Roberto Jamil Cury Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Educação

1. Poder. 2. Professores e alunos. 3. Escola pública – Betim (MG). 4. Educação. 5. Cultura. 6. Conscientização. I. Cury, Carlos Roberto Jamil. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa e Pós-Graduação em Educação. III. Título.

CDU: 37.064

AGRADECIMENTOS

Uma conquista não pode ser solitária, as angústias, dúvidas, alegrias, surpresas e realizações são sempre fruto de muita partilha. Assim, agradeço a Deus, fonte de nossa vida, de nossas utopias, nossas indagações e medos...

À Nossa Senhora de Guadalupe e Nossa Senhora Aparecida, mãe e padroeira do povo latino-americano e brasileiro, povo excluído e marginalizado historicamente que encontram na devoção uma esperança de um mundo melhor.

À memória de minha mãe, Sebastiana Oliveira Casagrande que me deu vida, amor, dignidade e coragem para enfrentar as batalhas da vida.

À direção, funcionários, professores e alunos da Escola Municipal Capela Nova de Betim, objeto dessa pesquisa, que me receberam sem reservas e preconceitos e sempre prontos a contribuir.

Aos meus familiares e amigos que sempre acompanharam minhas batalhas e conquistas, pois, do nosso lado permanecem apenas os que nos amam verdadeiramente.

AGRADECIMENTO ESPECIAL

Ao professor Carlos Roberto Jamil Cury, pela paciência e sabedoria com que me orientou nesta pesquisa. Se um aluno só aprende quando quer, por prazer, eu aprendi muito, e sentindo prazer e encantamento com suas aulas e orientações.

A evolução da humanidade depende da existência de seres verdadeiramente preocupados com o humano. Quando esses passam por nossas vidas, sentimo-nos fortalecidos para continuar acreditando em um mundo melhor. Dedico este trabalho à existência de duas pessoas especiais em minha vida: Neide Moreira Machado e Carlos Henrique Soares da Silva. RESUMO

Esta pesquisa constitui-se em um estudo de caso que tem como objetivo analisar as relações de poder entre professores e alunos do último ano do ensino fundamental de uma escola pública da periferia do município de Betim – MG, dentro da denominada “Escola Democrática”, estruturada no modelo de ciclos de formação humana. A pesquisa trabalha à luz do pensamento de Paulo Freire, e ficou estruturada da seguinte forma: em primeiro lugar, procurei fazer uma breve contextualização histórica da educação e da legislação educacional. Procurei, também, em breves e resumidas palavras, contextualizar o município de Betim e sua história educacional, e, por fim, localizar a escola pesquisada e a realidade social dos alunos por ela atendidos. Num segundo momento, busquei conceituar os termos: poder, educação, cultura, e relacioná-los com as práticas curriculares, com o intuito de direcioná-los para o tema desta pesquisa. Depois, num terceiro momento, procurei evidenciar as contradições existentes entre os modelos de organização dos tempos escolares: seriação e ciclo de formação humana. Percebendo que são maneiras diferentes de estruturar a escola, aponta-se a organização pedagógica em ciclos, contendo maiores possibilidades de propiciar uma emancipação educacional junto aos alunos das escolas, especialmente os provindos das classes trabalhadoras. Num quarto momento, registrei um pouco da trajetória de Paulo Freire, sua vida, sua experiência educacional, seu método de ensino, as contradições entre a educação bancária e a educação como prática da liberdade. O quinto e último momento refere-se à pesquisa realizada na Escola Municipal Capela Nova de Betim, onde, através de observações e entrevistas, analisei a prática cotidiana de professores e alunos, procurando compreender como se dão as relações de poder existentes no interior da escola. Percebi que os conteúdos ainda são passados de forma mecânica, e que os professores têm dificuldades para substituir os métodos tradicionais, seriados, pelos métodos novos, do ciclo de formação humana, ficando o poder ainda hoje condicionado a nota e a ameaça de reprovação.

Palavras chave: Poder, cultura, educação, seriação, ciclo, emancipação, educação bancária e educação como prática da liberdade. ABSTRACT

That search is a study of a case and has as an objective to analyze the relationship of power between teachers and students of the last year of elementary grade of the public school in the poor neighbor in the city of Betim – MG. Inside the denomination of “Democratic School”, structure in the model of cycles for human formation. The search work in the light of thinking of Paulo Freire and was based as follow: in first place, I will look for make a brief history education conceptualization and its legislations. I will look for, in brief and resume words, conceptualization of the city of Betim and its education history, too, and finally put the search school and the reality of their students. In a second moment I was try to concept the terms, power, education, culture and make the relationship with the practice curriculum with the purpose to direct them to the theme of this search. After that, in a third moment, I was try to evidence the problems between the models of organization in the school time, grades and cycles of formation. When I find out that they are different forms of structure the school, I point the school cycles as the best possibility the proper a freedom education its methodology of teaching for the students in the school, specially those that come from work classes. In a forth moment, I register a little trajectory of Paulo Freire, his life, his educational experience, and his methodology of teaching, The contractions between bank education and education practice with freedom. And in the last and fiftieth moment refer to a search made in the Municipal School “Capela Nova“ in Betim, where, through the observations and interviews among the teachers and students try to understand in the day by day living, how works the relationship of powers inside the school. I find out that the curriculums are passed in the traditional forms, mechanically, in series, with new methodology for cycle of human formation, leave the power in our days conditioned to a grade and the fear of reprobation.

Key words: Power, Culture, Education, Sequence, Cycle, Liberty, Bank Education and Freedom in The Education.

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

APG – Atendimento a Pequenos Grupos BR 381, BR 262, BR 040 – Rodovias Federais CETAP – Centro de Treinamento de Professores de Artes Práticas (nome de origem) CETAP – Centro Educacional Técnico e Artes Profissionais (hoje) DF – Distrito Federal FHEMIG – Fundação Hospitalar de Minas Gerais IBGE – Instituto Brasileiro de Pesquisas e Estatisticas INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MCP – Movimento de Cultura Popular MEC – Ministério da Educação e Cultura MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização MOVA-SP – Movimento de Alfabetização da Cidade de São Paulo MG- Minas Gerais MG 060, MG 050 – Rodovias Estaduais de Minas Gerais PAN – Projeto que a escola desenvolveu tendo como referência os jogos PAN AMERICANOS. PCCV – Plano de Cargos, Carreira e Vencimentos PT – Partido dos trabalhadores PTB – Bairro de Betim, próximo à FIAT-Automóveis PUC – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerias RJ – Rio de Janeiro RN – Rio Grande do Norte SAFFRAN – Empresa de Cerâmica localizada em Betim, MG desde 1954 SEED – Sigla adotada pela Secretaria Municipal de Educação de Betim em 1998. SEMED – Secretaria Municipal de Educação – Betim, MG SESI – Serviço Social da Indústria Sind-Ute – Sindicato Único dos Trabalhadores Em Educação (subsede Betim) UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas UninCor – Universidade Vale do Rio Verde de Três Corações UNIPAC – Universidade Presidente Antônio Carlos LISTA DE TABELAS

TABELA 1 – Números de matrículas, aprovação, reprovação, transferência e abandono de alunos do ensino fundamental por série, segundo a região geográfica e unidade da Federação em 1991...... 84

TABELA 2 – Os mesmos dados da tabela 1, em porcentagem...... 84

TABELA 3 – Números de matrículas, aprovação e reprovação dos alunos do ensino fundamental, por localização e dependência administrativa, segundo a região geográfica e unidade da Federação em 1991...... 84

TABELA 4 – Os mesmos dados da tabela 3, em porcentagem ...... 85

TABELA 5 – Números de matrículas, aprovação, reprovação de alunos do ensino fundamental por série, segundo a região geográfica e unidade da Federação em 2005 ...... 85

TABELA 6 – Os mesmos dados da tabela 5, em porcentagem ...... 85

TABELA 7 – Números de matrículas, aprovação e reprovação dos alunos do ensino fundamental, por localização e dependência administrativa, segundo a região geográfica e unidade da Federação em 2005...... 86

TABELA 8 – Os mesmos dados da tabela 7, em porcentagem ...... 86

TABELA 9 – Números de matrículas, aprovação, reprovação, transferência e abandono de alunos do ensino fundamental por série, no estado de Minas Gerais em 1991 ...... 88

TABELA 10 – Os mesmos dados da tabela 9, em porcentagem ...... 89 TABELA 11 – Números de matrículas, aprovação e reprovação dos alunos do ensino fundamental, por localização e dependência administrativa no estado de Minas Gerais em 1991...... 89

TABELA 12 – Os mesmos dados da tabela 11, em porcentagem ...... 89

TABELA 13 – Números de matrículas, aprovação, reprovação de alunos do ensino fundamental por série no estado de Minas Gerais em 2005 ...... 90

TABELA 14 – Os mesmos dados da tabela 13, em porcentagem ...... 90

TABELA 15 – Números de matrículas, aprovação e reprovação dos alunos do ensino fundamental, por localização e dependência administrativa no estado de Minas Gerais 2005...... 90

TABELA 16 – Os mesmos dados da tabela 15, em porcentagem ...... 91

TABELA 17 – Conceito dos alunos da turma “08A” no primeiro trimestre de 2007 130

TABELA 18 – Conceito em porcentagem da turma 08A – 29 alunos...... 131

TABELA 19 – Conceito dos alunos da turma “08B” no primeiro trimestre de 2007 131

TABELA 20 – Conceito em porcentagem da turma 08B – 29 alunos...... 132

TABELA 21 – Conceito dos alunos da turma 08C no primeiro trimestre de 2007.. 132

TABELA 22 – Conceito em porcentagem da turma 08C – 28 alunos...... 133

TABELA 23 – Conceito em porcentagem das três turmas no primeiro trimestre de 2007 ...... 133

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...... 13 1.1 Focalizando o objeto de pesquisa ...... 17 1.2 Metodologia ...... 23

2 APROXIMAÇÕES HISTÓRICAS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR...... 27 2.1 Breve histórico da educação...... 28 2.2 Breve histórico da educação brasileira...... 33 2.3 Breve histórico de Betim – MG ...... 41 2.4 Breve histórico da educação de Betim...... 46 2.5 Breve histórico da Escola Municipal Capela Nova de Betim...... 52

3 PODER, CULTURA E PRÁTICAS CURRICULARES ...... 56 3.1 O poder...... 57 3.2 A cultura...... 65 3.3 Poder, cultura e currículo escolar ...... 70

4. CONTRADIÇÕES ENTRE SERIAÇÃO E CICLO DE FORMAÇÃO HUMANA. 76

5. PAULO FREIRE E A PEDAGOGIA DIALÓGICA...... 100 5.1 A pedagogia dialógica ...... 107 5.1.1 Etapas de formação ...... 109 5.1.2 As fases de aplicação da pedagogia dialógica...... 110 5.1.3 Educação bancária...... 111 5.1.4 A concepção problematizadora e libertadora da educação ...... 113

6 AS RELAÇÕES DE PODER ENTRE PROFESSOR/ALUNO NA ESCOLA MUNICIPAL “CAPELA NOVA” DE BETIM...... 118 6.1 A avaliação das três turmas na visão dos professores...... 135 6.2 As práticas educacionais: ciclo e seriação, na visão dos professores..... 141 6.3 As três turmas do último ano do ensino fundamental...... 157 6.3.1 A turma 08A ...... 162 6.3.2 A turma 08B ...... 168 6.3.3 A turma 08C ...... 173 6.4 Uma alternativa possível ...... 180

CONCLUSÃO ...... 186

REFERÊNCIAS...... 202

ANEXOS ...... 206

Anexo 01 - Mapa do Município de Betim com a identificação de todas as Escolas Municipais e Estaduais...... 207

Anexo 02 - Escolas Municipais de Betim, MG...... 208

Anexo 03 - Escolas Estaduais localizadas no Município de Betim, MG...... 209

Anexo 04 - Questionário aplicado aos alunos da Escola Municipal Capela Nova de Betim ...... 210

Anexo 05 - Resultado do Questionário aplicado a 72 dos 86 alunos das três turmas do ultimo ano do ensino fundamental da Escola Municipal Capela Nova de Betim ...... 212

Anexo 06 – Empréstimos de livros para a turma 08A ...... 214

Anexo 07 – Empréstimos de livros para a turma 08B ...... 215

Anexo 08 – Empréstimos de livros para a turma 08C ...... 216

Anexo 09 – Quadro de horários das aulas das três turmas do ultimo ano do ensino fundamental...... 217

Anexo 10 - Boletim de desempenho escolar aplicado a todos os alunos da Rede Municipal de Ensino de Betim ...... 218

Anexo 11 – Fotos da Escola Municipal Capela Nova de Betim...... 220 11. 1 – Foto da entrada da Escola Municipal Capela Nova de Betim...... 220 11. 2 – Foto do pátio onde os alunos merendam e ficam durante o e intervalo das aulas...... 220 11. 3 – Foto do pátio onde os alunos merendam, próximo ao barzinho onde compram merenda ...... 221 11. 4 – Foto da biblioteca da Escola Municipal Capela Nova de Betim...... 221 11. 5 – Foto do acesso a quadra poli esportiva onde os alunos fazem as aulas de Educação Física...... 222 11. 6 – Foto da quadra onde professores e alunos desenvolveram o projeto Pan- Americano ...... 222

Anexo 12 – Dados do INEP para o ensino fundamental, matrículas, aprovação, reprovação e abandono no ano de 1991...... 223

Anexo 13 – Dados do INEP para o ensino fundamental, matrículas, aprovação, reprovação e abandono no ano de 2005...... 228

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1 INTRODUÇÃO

Os modelos educacionais aplicados nas escolas brasileiras vêm sendo motivo de debates e constantes reflexões por parte de educadores. Todos os que se preocupam com os caminhos da educação das nossas crianças, adolescentes e jovens por todo o Brasil, principalmente as crianças oriundas das camadas populares que estudam nas escolas públicas, vêm tomando ciência e consciência dos fatores externos e internos que coexistem nos estabelecimentos escolares. A tradição no Brasil, quanto à organização pedagógica das escolas, vincula-se ao modelo seriado. O modelo seriado, aplicado pela maioria das redes de ensino público no Brasil vem sendo objeto de muitos questionamentos, pois não se pode ignorar a quantidade de alunos excluídos durante todo o processo de aprendizado, seja por abandono, seja por reprovação. Muitas crianças ficaram e ainda ficam no meio do caminho escolar como que devendo assumir, sozinhas, a responsabilidade pelo fracasso escolar. Muitos são os dados estatísticos sobre o assunto (INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). Estudos e pesquisas que demonstram a ainda baixa taxa de permanência e de escasso desempenho dos alunos e alunas. Dados, pesquisas e estudos como esses exigem uma resposta gestionária, que impliquem administradores e docentes comprometidos com a educação e novas propostas com a finalidade de reverter essa situação excludente em que nossas crianças estavam e ainda estão submetidas. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e com a Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei 9.394/96, outros modelos educacionais ganham destaque e passam a ser implementados pelas redes estaduais e municipais de educação. Os ciclos de formação humana, com uma nova metodologia e uma nova maneira de organizar os tempos e saberes escolares, surgem como uma esperança de resgatar da exclusão uma grande parte dos alunos oriundos, principalmente das escolas públicas onde o sistema seriado mais reprova. Sua implantação e efetivação encontram resistências de todos os lados, por parte de pais e alunos, de gestores, governos e professores que não acreditam que uma escola que não reprova possa ensinar alguma coisa. O desafio de tornar esse modelo parte da cultura educacional brasileira depende 14

de muito esforço por parte de seus defensores em pesquisar, escrever, discutir e convencer os que ainda defendem um modelo fracassado de educação. Estudei em escolas estaduais de Minas Gerais até o ensino médio na minha cidade natal, – MG, e tenho poucas recordações de prazer que tive dentro da sala de aula. Dentre elas, na quinta série, um professor de ciências levou uma piranha para embalsamar na sala de aula, ou, quando, nas vésperas do dia das mães, um professor de educação física pediu a cada aluno que, no caminho de casa, apanhasse uma flor para presentear nossas mães, ou ainda, quando uma professora de biologia no primeiro ano do ensino médio fez os testes em que descobri que o meu tipo sangüíneo é “O” positivo. Na grande maioria dos momentos de que me recordo, estudei forçadamente para tirar nota e passar de ano. Nunca tive muita facilidade em matemática, e tive uma experiência traumática no último ano do ensino médio, um ano em que minha mãe sofreu com câncer, e veio a falecer no final de outubro e eu fui reprovado em matemática por fórmulas e contas, de cuja importância não duvido, mas que, até os dias de hoje, não tive a oportunidade de aplicá-las em minha vida cotidiana. Após minha formação em ensino superior, comecei a lecionar filosofia para alunos do ensino médio em 1996 em uma escola estadual em Betim, MG. Na verdade quando ainda cursava filosofia na PUC – Minas e sempre procurei conquistar os alunos para o prazer de conhecer, o encantamento do saber, sem valorizar tanto esse processo mecânico de reproduzir conhecimentos, avaliar e aprovar ou reprovar. Em agosto de 1997 comecei a dar aulas em uma escola da rede municipal de Betim que, no ano seguinte, começava a implantar os ciclos de formação humana, substituindo, gradativamente, o modelo seriado. Em 1999, fui lecionar história em uma outra escola da rede municipal. No ano seguinte, fui eleito vice-diretor para o mandato de dois anos. Posteriormente, fui eleito diretor por duas vezes, de 2002 a 2005. Todas as experiências seja como aluno, professor ou como gestor escolar provocavam-me indagações a respeito dos processos educacionais. Certa vez, conversando com um aluno de sete anos, ouvi dele a seguinte afirmação : “você gosta da escola porque é professor se fosse aluno não ia gostar não”. Esse aluno não sabe o quanto sua afirmação incomoda-me até hoje. 15

A vida é um processo dinâmico e transformador, as experiências vividas, as pesquisas realizadas e as relações construídas ao longo de 18 anos de vida escolar e acadêmica e ainda de 11 anos como professor de ensino fundamental, médio e universitário, enfim, todos os espaços de socialização experimentados por mim até então, na sala de aula, muito contribuíram para o surgimento desta pesquisa. Profundamente incomodado, comecei a utilizar minhas aulas para provocar nos alunos o interesse pelas questões políticas, sociais e econômicas do nosso país. Como tornar possível a emancipação do aluno enquanto cidadão; como um educador em condições precárias pode se sentir valorizado e dar um real valor ao seu trabalho; nessas condições a relação ensino- aprendizado é uma relação libertadora ou uma relação opressora? Partindo das experiências vividas, nas escolas estaduais e municipais de Betim, da minha formação filosófica, de um profundo incômodo diante de uma estrutura educacional em que o aluno pobre não vê na escola uma ponte para sua realização profissional, econômica e política, surge este projeto, com a finalidade de aprofundar a discussão sobre o papel da escola nos meios populares. Refletir sobre as relações de poder entre professores e alunos, compreender até que ponto essas relações contribuem para emancipar ou para alienar esses alunos, avaliar se as condições estruturais dos professores são instrumentos de libertação ou de opressão, e como se posicionam diante dessa relação. Minhas experiências ocorreram em escolas do então denominado segundo grau, hoje ensino médio no estado, com o regime seriado, onde a transmissão de conteúdos dá-se de forma compacta e cumulativa, visando à seleção e à progressão em série. Os alunos preocupam-se em acumular conhecimentos para o vestibular, para passar em concursos e para o mercado de trabalho. Atuei, também, em escolas municipais de ensino fundamental, em que a implantação dos ciclos de formação humana ocorrera de forma gradativa, visando a uma formação mais completa do aluno, onde o saber organizado é parte do processo, e não o fim. Portanto, a formação em ciclos é um instrumento mais justo, e é através dele que as relações de poder são reconstruídas numa perspectiva democrática, pelo menos deveriam ser. 16

Como educador, sempre me incomodou a relação mecânica entre aluno, ensino, avaliação, chamada, nota, aprovação/reprovação. Algumas vezes, ao chegar na escola para dar aulas, eu ouvia um aluno perguntar: “o que o senhor veio fazer aqui hoje, professor, por que não ficou em casa descansando?” . Em todas as atividades vinha a pergunta, “isso vai valer ponto?” A motivação para a realização de tarefas era a nota. Adquirir conhecimento por prazer não era uma prática constante, que se via com freqüência, porque o professor acostumou-se a orientar-se pela reprodução mecânica do conteúdo e porque o aluno se acostumou a se orientar pela nota, pois precisa dela para passar de ano. Como gestor escolar por seis anos (dois como vice-diretor e quatro como diretor), pude experimentar uma outra face do poder, aquela que fica entre o poder do professor e o poder da administração pública do Município, sem me esquecer de que, entre eles, existiam os alunos que careciam de poder, o poder do conhecimento. Assim, como gestor, não podia me limitar a fazer as ocorrências dos alunos “problema”, registrar as faltas dos funcionários, ser um fiscal da Secretaria de Educação dentro da escola, administrar os recursos financeiros, ouvir reclamações dos pais, enfim cuidar das questões burocráticas que muitas vezes anulam a função pedagógica da educação. Não sabia o que era pior, ser aluno, professor ou gestor escolar. Certa vez, ganhei de uma amiga um livro que, ao ler, levar-me-ia a uma profunda reflexão sobre minha prática como educador. O livro vinha com o título de Pedagogia da autonomia , de Paulo Freire. O que é pedagogia, o que vem a ser autonomia, qual seria, de fato, o meu papel como educador de uma escola pública de periferia, quem são os meus alunos, quais as suas reais necessidades de aprendizado, como deve ser uma relação entre professor/ aluno que verdadeiramente contribua para a autonomia desse aluno? Pretendo, dentro do meu objeto de investigação, fundamentar-me na concepção educacional do pensamento de Paulo Freire, em cuja pedagogia se põe a proposta de libertar o ser humano da dominação excludente de uma educação autoritária, educação essa que sempre privilegiou a formação das elites do nosso País. Hoje o acesso à escola do ensino fundamental já atingiu quase 100% das crianças brasileiras de 7 a 14 anos, mas ela não garantiu nem a permanência adequada e nem a desejada qualidade de ensino, principalmente para as camadas mais pobres da população. Do sucesso da e na educação 17

básica dependerá o acesso à própria universidade, a um emprego digno e, finalmente, à sua emancipação. A concepção educacional de Paulo Freire revela situações, aponta alternativas, mostra caminhos, contribui para que, pelo menos os professores, pela via de uma pedagogia dialógica e antiautoritária, possam ser construtores de uma sociedade melhor e mais justa. O aluno carente precisa de uma educação de qualidade, portanto, a escola oferecida a ele não pode ser uma escola carente de quase tudo, desde as condições físicas e pedagógicas necessárias para sua formação até a plenificação de um direito deste e um dever do poder público.

Como Professor não me é possível ajudar o educando a superar sua ignorância se não supero permanentemente a minha. Não posso ensinar o que não sei. Mas, este, repito, não é saber de que apenas devo falar e falar com palavras que o vento leva. É saber pelo contrário, que devo viver concretamente com os educandos. O melhor discurso sobre ele é o exercício de sua prática. É concretamente respeitando o direito do aluno de indagar, de duvidar, de criticar que “falo” desses direitos. A minha pura fala sobre esses direitos a que não corresponda a sua concretização não tem sentido. (FREIRE, 1996, p. 95)

Comecei, então, a ler mais livros de Paulo Freire e outros autores que tratavam da educação como prática da liberdade, como um exercício emancipatório e não reprodutivista. Percebi em mim a necessidade de aprofundar esse tema tão complexo: a educação como exercício de poder. Como me sinto, quando me vejo submetido a esse poder, e como me comporto exercendo esse poder, como educador devo usar meu poder com a finalidade de formar meus alunos, não só no aspecto cognitivo, mas na construção crítica de sua cidadania?

1.1 – Focalizando o objeto de pesquisa

Esta pesquisa tem por objetivo o estudo das relações de poder entre professor/aluno, que permeiam o cotidiano escolar, buscando compreendê-las, interpretá-las em sua dinâmica em face das perspectivas de autonomia que emergem na escola. O modelo educacional seriado predomina, ainda hoje, na 18

maioria das escolas públicas brasileiras, e mesmo naquelas em que a organização dos tempos escolares é ciclada, existe resistência por parte dos educadores que acreditam ter perdido o poder de domínio em sala de aula com a nova organização escolar. Muitos educadores, preocupados com as relações entre professores e alunos, têm pesquisado esse tema. A professora Magali de Castro, em sua tese de doutorado, tratou das relações de poder na escola pública do ensino fundamental, sob a luz de Pierre Bourdieu e Max Weber, em um enfoque sociológico. Segundo ela:

Portanto, para compreender as relações de poder, na instituição escolar, é necessário olhar para além dela; é preciso analisar como o poder se manifesta, identificando os elementos que interna e externamente determinam estas relações. (CASTRO, 1994, p. 3)

O professor Paulo Roberto Vidal de Negreiros, em sua dissertação de mestrado, de 2004, trata da seriação como organização dos tempos escolares da rede privada de ensino no município de Belo Horizonte. Para ele, as relações de poder são manifestas através do controle, da disciplina, a avaliação com caráter classificatória, acumulativa e discriminatória, os alunos são divididos entre os que aprendem e passam para a série seguinte, e os que não aprendem e são condenados a permanecer na mesma série por mais um ano. Para ele,

Em uma sociedade que se proclama democrática não podemos perder de vista que a máxima igualdade é aquela que permite o exercício das diferenças. Inversamente a esta situação, o tempo pode adquirir uma dimensão cidadã. Voltado para a formação dos sujeitos, respeitando as diferenças e dando a todos as mesmas oportunidades. O tempo pode ter uma dimensão de historicidade, onde as múltiplas possibilidades de vivências dão aos sujeitos a consciência de sua existência histórica, do seu sentido de viver. O tempo pode ter uma dimensão de morte e de vida. Quando atropelado pelo ritmo do relógio, em decorrência de uma vida que prioriza apenas a produção, o fazer, o ter, o tempo sufoca, provoca doenças, escraviza, mata. Quando vivenciado na perspectiva da qualidade de vida, fortalece as relações, cria espaços de oportunidade para todos, liberta, traz prazer, ressignifica o sentido da vida. (NEGREIROS, 2004, p. 104)

Outra pesquisa que me ajudou foi a dissertação de mestrado de Roberto Márcio Gomes de Rezende, em 1993, com o tema disciplina na escola. Ele demonstra que o poder disciplinador da escola e do professor provoca a passividade e a conformação dos alunos com uma realidade dada. Ele diz:

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O poder disciplinar manifesta-se, sobretudo, pelo controle e manipulação do corpo. A coerção sobre o corpo, de forma a aumentar a produtividade, é uma das formas mais sutis de violência, cuja relação com a docilidade é difícil de ser negada. (REZENDE, 1993, p.123)

Também busquei inspiração nas pesquisas realizadas por Vitor Henrique Paro, que trabalha as relações existentes no interior da escola, demonstra que a faculdade que o professor tem de reprovar um aluno é um instrumento de poder injusto, pois a causa do fracasso fica apenas no aluno e o restante dos agentes do processo de ensino, tais como o poder público, os gestores escolares, os professores com seus métodos de ensino, as condições físicas da escola e os recursos didáticos, as condições históricas, sociais e econômicas dos alunos, tudo isso fica eximido de avaliação. Para ele, o aluno se apropria da cultura quando seu desejo pelo saber é trabalhado pelo professor. Portanto, a mera transmissão de conteúdos remete-me à educação bancária explicitada por Paulo Freire, que é o modelo de educação autoritária, onde a relação de poder aparece como dominação “daquele que sabe” sobre “aquele que não sabe”. Todos os autores que pesquisei reforçam a necessidade de um modelo educacional dialógico, problematizador, capaz de formar cidadãos críticos e emancipados, e, para isso, é necessária a universalização de uma educação pública de qualidade para todos. Segundo PARO (2008),

a concepção de educação do senso comum que costuma orientar a prática pedagógica em nossas escolas desconhece ou resiste fortemente à idéia do educando como detentor de poder. Para o ensino tradicional, existe uma espécie de estrada de mão única que vai do professor, que ensina, para o aluno, que aprende passivamente o que lhe é ensinado. Ignora-se, assim, o complexo processo pelo qual os componentes da cultura se incorporam na personalidade viva de cada ser humano e o necessário envolvimento do educando como sujeito nesse processo. (PARO, 2008, p. 46-47)

A nova LDB formaliza a universalização da educação, ou seja, para todos e de qualidade. Todas as crianças devem freqüentar o ensino fundamental, é dever do Estado, da escola, da família e direito subjetivo da criança. Junto a isso, constata-se a existência de múltiplos projetos político-pedagógicos que visam a acolher os educandos, especialmente aqueles que antes “fracassavam”, agora se definindo não só pela sua inclusão, como para a sua formação de 20

maneira mais ampla, visando à sua cidadania. Tudo isso demandam mudanças nas políticas educacionais e na prática docente. Dentro dessa universalização de acesso e de formação qualitativa, situa- se a proposta da “Escola Democrática” no Sistema Municipal de Betim. É nela que pretendo centrar esta pesquisa e focalizar as relações de poder nela existentes. Pensar como se dão as relações de poder entre professores e alunos do ensino fundamental de uma escola pública de periferia é o eixo central dessa proposta de pesquisa. Para tanto, será necessário refletir sobre: qual é a proposta da Escola Democrática, como se dá o processo ensino- aprendizado e as relações de poder dentro desse contexto? A rede municipal de Betim vem, desde 1998, implantando os ciclos de formação humana visando a universalizar o acesso e melhorar a qualidade do ensino no município. Aqui, pretendo focar a pesquisa observando a prática desse projeto educacional. A escolha de uma escola que atenda alunos das classes trabalhadoras é parte importante desse processo de observação das relações de poder entre professor/aluno. O movimento de universalização da educação escolar na etapa do ensino fundamental é uma demanda histórica no Brasil, e que ganhou subsídios jurídicos importantes, com a Constituição Federal de 1988 e com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB de 1996. Eles dão importância à formação para cidadania, o que permite pensar e, quiçá, empreender novas dimensões para a escola pública em nossa sociedade. No sentido dessa universalização e no desejo de ampliar o conceito de educar, a LDB permite e até induz a flexibilização do sistema de ensino e da construção curricular, por meio das diretrizes curriculares nacionais e dos projetos pedagógicos, em função do atendimento das demandas locais de um país de dimensões continentais, plural e diversificado, econômica e culturalmente. Isso vem levando a que a escola, em redes municipais e estaduais, elabore projetos político-pedagógicos para o ensino fundamental, visando a oferecer um ensino de qualidade. Em Betim, nesse processo, o que mais tem sido constatado como uma nova situação para a escola é a presença de alunos muito diferenciados entre si nas condições de vida e de escolarização. Esse contexto de diferenciação define uma nova relação entre sociedade- escola-educação, colocando para a comunidade escolar a necessidade de 21

discutir-se a re-significação do espaço, do tempo e dos saberes escolares. Para tanto, devem-se partir de saberes culturalmente constituídos pelos agentes sociais e com os quais a escola deverá interagir até para poder cumprir as funções próprias da escola como a constituição de saberes pelo ensino/aprendizagem e a socialização para a cidadania. Para tanto, o educador precisa conhecer a realidade social da escola onde trabalha. Dentro desse conjunto de urgências e redefinições, encontram-se as relações entre professor/aluno, que são relações de poder, podendo ser democráticas ou autoritárias. As relações de poder podem estar ligadas a jogos de interesses que não acontecem sem conflitos. As decisões resultantes desse jogo podem favorecer alguns e prejudicar outros. Construir um currículo considerando essas novas demandas é um desafio para os educadores do município, que se propuseram, partindo dos debates que ocorreram nos congressos e conferências educacionais, a construir um modelo mais democrático de educação. Vale a pena ressaltar que as pessoas e também as categorias envolvidas no cenário educacional têm paradigmas diferentes para verem a realidade, seus valores, crenças, metas e níveis de moralidade, o que interfere na construção do currículo escolar. Outra mudança importante é a retomada de outra função já tradicional da escola. Essa função, a de ser o lugar de transmissão do conhecimento científico, quanto a de ser um lugar de socialização, em que se pode fazer a discussão de temas como: desemprego; sexualidade; violência; os direitos e deveres; arte; cultura; drogas; enfim, vários temas relacionados à vivência da comunidade escolar. Tais temas não permitem à escola manter uma posição de neutralidade em face das questões relativas às profundas desigualdades sociais e econômicas e também das diferenças culturais. A tentativa de construir uma nova postura da/na escola tem colocado para os professores a necessidade de repensar as relações no interior da mesma, deixando claro que a democracia consagra os direitos individuais iguais para todos e sua constante atualização. Numa ordem democrática, fundada no direito à igualdade e à diferença no debate público e livre a respeito das concepções que orientam os fatos sociais, prioriza-se, dentro da concepção freireana, a razão dialógica, e enfatiza-se o entendimento intersubjetivo. 22

Esse entendimento, contudo, necessita de uma gestão democrática que não é ausência de regras, mas, antes, possibilidade de construção interativa de uma disciplina que se configure, tanto como uma aceitação das “regras do jogo”, como as condições de possibilidade para o exercício consciente dessas regras. Assim, a vida democrática inclui rituais democráticos, a busca de uma formação cultural de personalidades abertas ao diálogo. Pensar o processo educacional numa escola pública de periferia, e como nela se dão as relações de poder, e, principalmente, como essas relações podem contribuir para a formação de um cidadão crítico, contribuir também na construção de uma sociedade melhor e mais justa, com mais oportunidades de trabalho, mais distribuição de renda, onde o educando acredite que o processo educacional vai conduzi-lo à emancipação política e social. Paulo Freire, em sua concepção educacional, afirma que sempre acreditou nas relações democráticas entre professor/aluno, e que essa é a principal via para uma formação emancipadora. Para ele não são os alunos e nem os professores que produzem essas desigualdades: eles são vítimas de um sistema alienante. Para ele,

os que inauguram o terror não são os débeis, que a eles são submetidos, mas os violentos que, com seu poder, criam a situação concreta em que se geram os “demitidos da vida”, os esfarrapados do mundo. Quem inaugura a tirania não são os tiranizados, mas os tiranos. (FREIRE, 2005, p. 47)

Como estabelecer uma relação de poder democrática que visa à emancipação dos alunos, no interior de uma escola pública de periferia, como essa escola pode abrir caminhos para a construção da cidadania plena de todos os agentes do processo ensino/aprendizado. Essas são algumas das indagações que me motivaram a realizar essa pesquisa. Com o foco central nas relações de poder entre professores e alunos do último ano do ensino fundamental de uma escola pública da periferia do município de Betim – MG, à luz de Paulo Freire, esta pesquisa ficou estruturada da seguinte forma: em primeiro lugar, procurei fazer uma breve contextualização histórica da educação e da legislação educacional; procurei, também, em breves e resumidas palavras, contextualizar o município de Betim e sua história educacional, e por fim, localizar a escola pesquisada e a realidade social dos 23

alunos por ela atendidos. Num segundo momento, procurei conceituar os termos poder, educação, cultura e relacioná-los com as práticas curriculares com o intuito de direcioná-los para o tema da desta pesquisa. Depois, no terceiro momento busquei evidenciar as contradições existentes entre os modelos de organização dos tempos escolares: seriação e ciclo de formação humana. Percebendo que são maneiras antagônicas de estruturar a escola, posicionei- me a favor do ciclo, por acreditar que este possibilita a emancipação das classes trabalhadoras. No quarto momento, registrei um pouco da trajetória de Paulo Freire, ele que me inspirou nessa pesquisa, sua vida, sua experiência educacional, seu método de ensino, seu legado que me provoca a fazer da educação uma prática libertadora de todos os cidadãos. O quinto e último momento refere-se à pesquisa realizada na Escola Municipal Capela Nova de Betim, onde a prática cotidiana de professores e alunos expressam como se dão as relações de poder existentes no interior da escola.

1.2 Metodologia

O objeto de estudo desta pesquisa pretende focar, dentro de uma escola pública de periferia da rede municipal de Betim, as relações de poder existentes entre professores e alunos após a implantação dos ciclos de formação humana, a partir de 1988. Estando presente nessa escola, com a devida vênia dos gestores e professores, pude observar os docentes e alunos de três turmas do último ano do ensino fundamental. Estes sujeitos foram o foco principal da pesquisa, embora todo o cotidiano escolar contribua para o desenvolvimento dessas relações. Esta pesquisa, portanto, insere-se no quadro das pesquisas qualitativas. Segundo BOGDAN (1994),

O objetivo dos investigadores qualitativos é o de melhor compreender o comportamento e experiência humanos. Tentam compreender o processo mediante o qual as pessoas constroem significados e descrever em que consistem estes mesmos significados. Recorrem à observação empírica por considerarem que é em função de instâncias concretas do comportamento humano que se pode reflectir com maior 24

clareza e profundidade sobre a condição humana. (BOGDAN, 1994, p. 70)

A intenção foi estabelecer uma relação direta entre o pesquisador e o objeto pesquisado, e também realizar a coleta de dados por meio de observações do cotidiano escolar, nas quais se procurou apreender a forma como ocorrem as relações de poder entre professor/aluno, captando as situações conflituosas. Nesse sentido, freqüentei uma escola da rede municipal de Betim por quatro meses, de março a junho de 2007, no turno da manhã, onde estão inseridas as três turmas do último ano do ensino fundamental e os oito professores por mim pesquisados. Ao freqüentar a escola, conversei em vários momentos com o diretor, com a vice diretora, com as duas pedagogas do turno, com as auxiliares da secretaria, que me forneceram informações sobre os alunos. Freqüentei a biblioteca estando em contato com as duas bibliotecárias que forneceram dados das leituras dos alunos, com as auxiliares de serviço, com os professores em sala de aula e na sala de professores, enfim, com todos os funcionários e com os alunos em sala de aula e no pátio no horário do recreio. Outro instrumento de coleta de dados utilizado foram as entrevistas semi- estruturadas, com professores e alunos, buscando levantar os problemas e as dificuldades enfrentadas por esses atores sociais no cotidiano escolar, bem como verificar se há espaços de explicitação, discussão e propostas de solução ou encaminhamento. Também foram aplicados questionários para os alunos das três turmas de alunos em questão. Assim, tendo em vista que a pesquisa atua num ambiente natural, o contato entre pesquisador e pesquisado é direto, por meio de observações, questionários e entrevistas semi-estruturadas, pois se trata de um grupo específico, localizado dentro da realidade de uma unidade escolar. Posso afirmar, então, que, dentro dessa metodologia qualitativa, a abordagem indicada é o estudo de caso. Portanto, essa pesquisa se dá dentro de uma escola pública de periferia de Betim, esse projeto de “Escola Democrática”, apresentado pela Lei Orgânica do Município, no art. 150. Pretende-se, aqui, aprofundar, nas relações de poder entre professor/aluno, o estudo das características democráticas a que ela se propõe, e que, necessariamente, deve, como conseqüência da democracia, 25

formar os alunos para a cidadania, o que coopera significativamente para a sua emancipação. Meu foco são as relações de poder dentro de uma experiência vivida já há dez anos, na rede municipal de Betim, com a implantação dos ciclos de formação humana. Aqui, pretendo observar se as relações democráticas consolidam-se na prática, uma vez que, teoricamente, a dinâmica de ensino aprendizado já mudou. Minha proposta fundamenta-se na metodologia de Paulo Freire, que trata diretamente da construção da emancipação do aluno. Assim, de dentro de uma realidade teoricamente em ciclos, partindo de observações de experiências vividas por professores e alunos é que pretendo construir essa pesquisa.

Paulo Freire propõe uma mudança de paradigma, considerando todos os seres humanos como seres pedagógicos, incompletos e inacabados. Os seres humanos se completam, convivendo com os outros e trabalham o seu inacabamento pela educação permanente, ao longo de toda a vida. E porque somos seres “acabando-se”, “completando-se” e conscientes desse inacabamento e incompletude, somos seres esperançosos, precisamos de sonho e da utopia para viver plenamente. (ROMÃO, 2002, p. 14)

A relação dialógica, proposta por Freire em toda a sua obra, é, na verdade, o referencial desta pesquisa. Verificar como se dão as relações de poder entre professor/aluno, numa perspectiva democrática, emancipadora, será meu foco principal. Entender a educação como um processo de busca, de formação, de construção do conhecimento, um confronto constante com a realidade, numa reflexão crítica sobre a mesma, provocando uma práxis transformadora da realidade. O próprio FREIRE (2005) aponta o caminho desta pesquisa:

Não posso investigar o pensar dos outros referido ao mundo se não penso. Simplesmente não posso pensar pelos outros nem para os outros, nem sem os outros. A investigação do pensar do povo não pode ser feita sem o povo, mas com ele, como sujeito de seu pensar. (FREIRE, 2005, p. 117)

Uma educação verdadeiramente democrática luta, constantemente, contra a desigualdade das diferenças, tomando cuidado para não homogeneizar as pessoas, respeitando as diferenças, devolvendo aos alunos das classes 26

trabalhadoras a capacidade de aprender, partindo de suas próprias necessidades. Paulo Freire foi um crente convicto na capacidade do ser humano de transformar a realidade. Acreditava que a educação podia ser uma forte aliada nesse processo: a prática pedagógica deveria ser dialógica, e não alienadora. O papel do educador dialógico deveria comprometer-se com a práxis libertadora, partindo da realidade social em que se encontram seus alunos. Sua opção abre caminhos, alternativas, forma cidadãos conscientes de sua condição de explorados. Segundo Gadotti (2005), “o objetivo da educação é ajudar a tornar as pessoas mais livres, menos dependentes do poder econômico, político e social. A profissão de ensinar tem essa obrigação intrínseca” (GADOTTI, 2005, p. 28). Portanto, lancei um olhar investigativo para a experiência de ciclos de formação humana na rede municipal de ensino de Betim, na proposta da “Escola Democrática”, dentro da realidade de uma comunidade escolar, marcada por dificuldades econômicas e sociais, onde a implantação de uma escola verdadeiramente democrática pode gerar a formação de cidadão críticos, preparados para o mundo, conscientes de seu papel transformador na história. Assim, acreditando na proposta dos ciclos, na proposta da “Escola Democrática”, essa pesquisa pretende observar, à luz do pensamento de Paulo Freire, a realidade local de uma unidade escolar. Observar as relações de poder no cotidiano escolar, não como conflito, mas como prática libertadora revolucionária, tornando o processo ensino-aprendizagem uma âncora para a construção de uma sociedade melhor para aqueles que se situam à margem do processo político e econômico do nosso País.

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2 APROXIMAÇÕES HISTÓRICAS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR

A história foi sempre ambígua, apesar das aparências, já que deu sempre respostas diversas conforme quem a interrogava e as circunstâncias em que o fazia. (BOBBIO, 2004, p. 141)

Ao escolher realizar uma pesquisa qualitativa, um estudo de caso, mais especificamente, fez-se necessário contextualizar o objeto pesquisado. Aqui, coube-nos a tarefa de observar, coletar dados, interagir com os agentes pesquisados. Fez-se necessário, também, participar da realidade de um município, de uma comunidade, de uma escola, e, principalmente de alunos e professores. E é assim que começo a narrar o contexto em que se insere esta pesquisa. Aqui, pretendo mostrar um pouco da história das assimetrias existentes no interior de uma escola pública, tendo como foco a relação de poder entre professores e alunos. Esse recorte investigativo mostrou que tal relação revestida de autoritarismo reforça a já restrita igualdade de oportunidades para os alunos advindos das classes trabalhadoras. Uma ponte entre esse histórico de exclusão e os dados coletados nessa escola far-se-á dentro de um contexto situando minha proposta de trabalho. Pretendo apenas fazer uma breve abordagem histórica para situar meu objeto de pesquisa, as relações de poder entre professor e aluno, numa perspectiva do ciclo de formação humana, como se deram os processos de construção e universalização da educação. Farei uma breve abordagem global para apresentar alguns elementos importantes do processo histórico da educação no Brasil, Minas Gerais, chegando a Betim, onde se concretiza esta pesquisa. Aqui, também, será possível mostrar a importância da construção de uma relação assimétrica e não autoritária entre professor e aluno, pois, somente nessa perspectiva é que se torna possível a construção da emancipação do aluno, ou seja, a formação de cidadãos críticos capazes de problematizar a história e contribuir para uma crescente diminuição das desigualdades sociais, econômicas e culturais existentes no País. 28

Segundo Paulo Freire, “quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender” (FREIRE, 1996, p. 23). É nesse processo que se inicia a relação dialógica entre professor e aluno. Não existe aqui um que sabe tudo e outro que não sabe nada; um que só manda e outro que só obedece; um ser ativo e outro passivo no processo ensino/aprendizagem; ao contrário, existe o respeito pelo ser que aprende e que ensina, ao mesmo tempo. Assim, faz-se necessária uma compreensão dos processos históricos das desigualdades educacionais, na tentativa de construir uma relação de poder que seja emancipatória de ambos os agentes do processo.

2.1 Breve histórico da educação

A educação como um direito do cidadão e um dever do Estado, foi se construindo ao longo da história, e foi principalmente na Era Moderna que vimos nascer esse direito como um direito positivo. A escola primária, enquanto forma de socialização privilegiada e lugar de passagem obrigatória para todas as crianças, é uma instituição recente, cujas bases administrativas e legislativas contam com pouco mais do que um século de existência. De fato, a escola pública, gratuita e obrigatória foi instituída no final do século XIX e início do século XX, apesar de ter origens mais remotas. Ela converteu os professores em funcionários do Estado e adotando medidas concretas para tornar efetiva a aplicação da regulamentação que proibia o trabalho infantil antes dos dez anos.

Para Thomas Marshall, a educação das crianças está diretamente relacionada com a cidadania, e, quando o Estado garante que todas as crianças serão educadas, estes tem em mente, sem sombra de dúvidas, as exigências e a natureza da cidadania. Está tentando estimular o desenvolvimento de cidadãos em formação. O direito à educação é um direito social de cidadania genuíno porque o objetivo da educação durante a infância é moldar o adulto em perspectiva. Basicamente, deveria ser considerado não como o direito da criança freqüentar a escola, mas como o direito do cidadão adulto ter sido educado. E, nesse ponto, não há nenhum conflito com os direitos civis do modo pelo qual são interpretados numa época de individualismos. Pois os direitos civis se destinam a ser utilizados por pessoas inteligentes e de bom senso que aprenderam a ler e escrever. A educação é um pré-requisito necessário da liberdade civil. (MARSHALL, 1967, p. 73) 29

Ainda segundo o mesmo autor, as lutas pelos direitos sociais foram muito mais prolongadas do que pelos direitos civis e políticos, e que a educação é um pré-requisito para a cidadania. O indivíduo que não tem acesso à educação não alcança uma série de requisitos significativos para avançar em sua cidadania. A construção da cidadania é um caminho para a igualdade entre os homens, e ainda não chegou a todos os indivíduos de todos os povos e em igual medida, ou melhor, em igualdade de condições, pois os direitos sociais ainda são desconhecidos por grande parte da população mundial seja pela sua não efetivação, seja por não constarem de códigos jurídicos nacionais. No caso da educação escolar em quase todos os países do mundo, existem leis com garantias de sua oferta para todas as crianças em idade escolar. Sabemos também que as condições econômicas e culturais de muitos países são variáveis de acordo com a realidade local. Por isso, enquanto alguns países garantem na prática uma educação de qualidade para suas crianças, em muitos outros até mesmo o acesso ainda se faz restrito. Assim, o direito à educação não garante uma diminuição das desigualdades sociais entre classes dentro de um mesmo país e mesmo entre nações ricas e nações pobres. Não posso falar de cidadania, sem uma profunda preocupação em diminuir as desigualdades sociais, nem mesmo sem mencionar as constantes lutas pelos direitos humanos como a Revolução Francesa em 1789 e a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, e outras que marcaram nossa história de lutas pela igualdade entre os homens e pelos direitos dos cidadãos. Não posso falar de cidadania, sem me comprometer com a garantia a todos os cidadãos do mundo as condições mínimas de sobrevivência, como o direito à vida, à saúde, à moradia, à segurança, ao trabalho digno e a uma educação de qualidade. Segundo MARSHALL (1967),

A cidadania exige um elo de natureza diferente, um sentimento direto de participação que é um patrimônio comum. Compreende a lealdade de homens livres, imbuídos de direitos e protegidos por uma lei comum. Seu desenvolvimento é estimulado tanto pela luta para adquirir tais direitos quanto pelo gozo dos mesmos, uma vez adquiridos. (MARSHALL, 1967, p. 84)

O direito à educação é discussão antiga que a humanidade travou ao longo da sua história, e que vem se consolidando na Era Moderna. Após os 30

crimes provocados pela Segunda Guerra Mundial, uma grande preocupação era a de garantir os direitos dos cidadãos. E foi a partir dessa realidade que as Nações Unidas, reunidas em 1948, deram voz à Declaração Universal dos Direitos Humanos. O art. 26 trata do direito que todos os cidadãos, em todas as nações do mundo, têm a educação:

1. Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional deve ser generalizado; o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos, em plena igualdade, em função do seu mérito. 2. A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos do homem e das liberdades fundamentais, e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das actividades das Nações Unidas para a manutenção da paz. 3. Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o género de educação a dar aos filhos.

Com essa declaração, houve um reconhecimento pelas nações signatárias de que a educação tornou-se um direito universal de todos os cidadãos. A grande dificuldade é perceber esse direito efetivamente garantido, é ver todas as crianças dentro de instituições de ensino que lhes garantam uma educação de qualidade. Segundo BOBBIO (2004),

Partimos do pressuposto de que os direitos humanos são coisas desejáveis, isto é, fins que merecem ser perseguidos, e de que, apesar de sua desejabilidade, não foram ainda todos eles (por toda a parte e em igual medida) reconhecidos. (BOBBIO, 2004, p. 35-36)

A escola nem sempre existiu; daí a necessidade de determinar suas condições históricas de existência no interior de minha formação social. Aqui se pretende fazer uma rápida abordagem histórica para refletir o passado a partir de uma perspectiva que me ajude a decifrar o presente, tornando possível minha compreensão da realidade, das causas da construção das diferenças 31

educacionais ao longo da sua história, enfim, para tornar possível a compreensão das nossas condições atuais de existência. A partir do século XVII, começa a chamada escolarização, as crianças deixam de aprender entre os adultos e passam a ser formadas nas escolas. As crianças passam a ser separadas por grupos de idades e a terem aprendizados diferenciados. De qualquer modo, o adestramento para os ofícios, a moralização e a fabricação de súditos virtuosos são os pilares sobre os quais se assenta a política de recolhimento dos pobres. Segundo Adam SMITH (1996),

o Estado pode facilitar, encorajar e até mesmo impor a quase toda a população a necessidade de aprender os pontos mais essenciais da educação. (SMITH, 1996, p. 246)

Parece ser de interesse dos governantes a universalização da educação primária, talvez até mesmo como elemento de mediação para as trocas no mercado econômico.

Segundo CURY (2002a),

tanto a Inglaterra, como a França, a Alemanha e outros países europeus, no século XIX, fizeram reformas educacionais nas quais se cruzam as idéias do pensamento liberal como a ação intervencionista do Estado e com o controle inicial do trabalho infantil. Acreditava-se que a instrução primária seria uma vacina contra o despotismo já vivido por muitos países tanto quanto uma forma de questionar a dominância do trabalho manual, entre os adultos, e a presença de crianças no regime fabril. Na verdade, para as classes dirigentes européias, colocar o Estado como provedor de determinados bens próprios da cidadania, como a educação primária e a assistência social, representava a necessidade da passagem progressiva da autoproteção contra calamidades e incertezas para a solução coletiva de problemas sociais. Para contar com as classes populares no sentido da solução de muitos problemas, não era mais possível nem deixar de satisfazer algumas de suas exigências e nem ser um privilégio, o que, a rigor, era direito de todos e não só de uma minoria. (CURY, 2002a, p. 6)

Os interesses de classes, antagônicos entre si, dentro dos contextos sociais, tornaram a educação um pilar da sociedade, pilar contraditório. De um lado, os donos dos meios de produção desejavam formar mão-de-obra, seres passivos e domesticados, desejavam direcionar a educação das classes operárias para a subserviência, enquanto os trabalhadores viam na educação 32

uma ferramenta de emancipação, o caminho para a razão de sua condição, e, a partir daí, construir uma sociedade mais justa e menos desigual. Instituir as escolas obrigatórias com a finalidade de controlar as classes populares era fundamental para uma ordem social pacífica, e assim se controlar o operário para torná-lo honrado produtor e neutralizar e impedir que a luta social transborde, pondo em perigo a estabilidade política. A educação, por outro lado, passa a ser um caminho institucional para tirar as classes populares da ignorância, uma condição para a construção da cidadania, e, enfim, um caminho para a emancipação das classes mais desprovidas de cultura, e de todos os meios para uma subsistência mais digna. A cidadania caminha nessa contradição e é condição para que todos tenham no conhecimento um dos mecanismos de luta, a diminuição das desigualdades sociais, culturais e econômicas. Cury diz que

a importância do ensino primário tornado um direito imprescindível do cidadão e um dever do Estado impôs a gratuidade como modo de torná-lo acessível a todos. Por isso, o direito à educação escolar primária inscreve-se dentro de uma perspectiva mais ampla dos direitos civis dos cidadãos. (CURY, 2002a, p. 3)

A história da educação escolar mostra a busca pela construção de direitos ligados à cidadania, o que me permite afirmar que esses processos não se deram de forma linear e nem com a mesma intensidade em todos os países. O direito à educação nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, de uma forma especial na América Latina, estão ligados à evolução dos processos políticos, econômicos, sociais, e ficaram comprometidos por regimes autoritários e pelos interesses particulares das elites. Cury avalia que

a realidade demonstra que o caminho europeu, no sentido das conquistas de direitos consagrados em lei, nem sempre foi o mesmo dos países que conheceram a dura realidade da colonização. E, mesmo no meio dos países colonizados, ainda resta avaliar o impacto sociocultural da colonização quando acompanhada de escravatura. A conquista do direito à educação, nestes países, além de mais lenta, conviveu e convive ainda com imensas desigualdades sociais. Neles, à desigualdade se soma a herança de preconceitos e de discriminações étnicas e de gênero incompatíveis com os direitos civis. Em muitos destes países, a formalização de conquistas sociais 33

em lei e em direito não chega a se efetivar por causa desses constrangimentos herdados do passado e ainda presentes nas sociedades. (CURY, 2002a, p. 9)

2.2 Breve histórico da educação brasileira

A história da educação no Brasil teve seu início com a Coroa Portuguesa, comandada pela Igreja, mais precisamente pelos jesuítas. Ela tinha um caráter catequético, seus princípios eram os valores religiosos. Apenas os filhos homens dos grandes proprietários de terras tinham acesso à cultura. Não havia, portanto, uma preocupação com a educação escolar, e muito menos uma política educacional no período colonial brasileiro. No período imperial, a educação primária aparece pela primeira vez como responsabilidade do Estado, mas apenas alguns cidadãos tinham acesso a essa educação, escravos e mulheres eram excluídos. Foi a partir da Constituição de 1824 que os Direitos Civis e Políticos dos brasileiros começaram a ser construídos. Nesse período, a educação escolar aparece como um direito dos cidadãos, mas cabe aqui apontar quem era considerado um cidadão, pois os negros, considerados propriedade de outrem, não podiam ter acesso aos bancos escolares. As mulheres, devido aos hábitos hierárquicos do mandonismo, tinham acesso muito limitado ao conhecimento, e, quando esse se dava, dava-se no âmbito doméstico. Os não católicos, os padres enclausurados e as mulheres não tinham direito ao voto, portanto, não eram considerados cidadãos. Apenas os homens brancos e de posses podiam votar e exercer funções próprias da cidadania. As províncias eram responsáveis pelo ensino primário, e, a corte, responsável pela educação das elites. Nesse período, era muito forte a formação dentro de casa. As famílias cuidavam da formação livre dos seus filhos, a formação católica também se destacava na educação dos índios e nos colégios. A Igreja Católica permanece, em todo esse período, como a grande responsável pela educação. Nessa época, o ensino era ministrado em escolas isoladas, igrejas, e até mesmo nas casas dos mestres, onde os alunos que podiam pagar recebiam os ensinamentos. 34

O processo histórico do Brasil mostra que o acesso à educação permaneceu por séculos um privilégio das classes mais ricas, enquanto as classes mais pobres eram apenas catequizadas, transformadas em seres obedientes aos mandos dos que estavam no poder, poder que, no seu início, pertenceu aos colonizadores e que, mais tarde, seriam substituídos pelas elites da República. Com o Estado Republicano e a promulgação da Constituição de 1891, um conjunto de mudanças políticas, econômicas sociais e culturais torna possível a busca de um modelo educacional mais aberto no Brasil. Com a abolição da escravatura, a instituição de um Estado Laico tornando leigo o ensino público, permitindo a continuidade da oferta de uma educação privada no País, haveria maiores oportunidades de acesso. O ensino primário tornou-se responsabilidade dos Estados, e o ensino secundário e superior competências compartilhadas entre Estados e a União. Surgem as escolas públicas, agora mantidas pelos Estados, que lentamente vão se espalhando por todo o território nacional. Com elas, intenta- se o novo modelo educacional republicano de universalização da educação popular. Surge a escola graduada, ou seja, a escola que chamamos de seriada, que segmentou os tempos escolares, instituiu as disciplinas, criou a sistemática de provas e exames como instrumento de avaliação para efeito de promoção ou exclusão, e, por fim, os alunos são divididos em grupos homogêneos. Após a Revolução de Trinta, o poder do Estado Nacional fortalece-se, e ele vai se tornando intervencionista em vários campos da atividade social. Nesse sentido, aparece pela primeira vez, no art. 5º, inciso XIV, a competência privativa da União em “traçar as diretrizes da educação nacional”. A educação torna-se direito de todos e obrigação dos poderes públicos, inclusive com financiamento obrigatório até para assegurar a gratuidade na obrigatoriedade. Com o golpe que implanta no Brasil a ditadura do Estado Novo em 1937, a educação sofre censura política, a educação passa a reforçar dimensões próprias de um adestramento, inculcando patriotismo, a disciplina moral, e oferecendo um ensino destinado à formação técnica profissional aos filhos das classes populares. Mas o Estado Novo também deu continuidade a algumas garantias institucionais como a obrigatoriedade do ensino primário e certa autonomia dos Estados na organização dos sistemas de ensino. 35

Em 1961, sob a égide da nova Constituição Federal, promulgada em 1946, foram aprovadas as Diretrizes de Bases da Educação Nacional, Lei n. 4.024/61. A primeira LDB estatui avanços importantes na educação, tais como: dá mais autonomia aos órgãos estaduais, diminuindo a centralização do poder no MEC; regulamenta a existência dos Conselhos Estaduais de Educação e do Conselho Federal de Educação; garante então o empenho de 12% do orçamento da União e 20% dos municípios com a educação; obrigatoriedade de matrícula nos quatro anos do ensino primário; formação de professores para o ensino primário no ensino normal de grau ginasial ou colegial, e de nível superior para o ensino médio, e ano letivo de 180 dias. Em 1964, as instituições democráticas, mais uma vez, são golpeadas no Brasil. Dessa vez, os militares tomam diretamente o poder e fazem profundas mudanças na legislação, o que afeta, diretamente, a educação em que muitas garantias constitucionais são suspensas. A educação é afetada, principalmente, com a extinção da vinculação constitucional de recursos para a área a partir dos impostos. O Regime Militar estabeleceu, em 1971, a Lei n. 5.692 que tratava das novas diretrizes e bases da educação nacional. A nova Lei tinha as seguintes características: manter um núcleo comum obrigatório em âmbito nacional para o currículo de 1º e 2º graus, e uma parte diversificada das necessidades e possibilidades concretas, às peculiaridades locais, aos planos dos estabelecimentos e às diferenças individuais dos alunos; inclusão da educação moral e cívica, educação física, educação artística e programas de saúde como matérias obrigatórias do currículo, além do ensino religioso facultativo; ano letivo de 180 dias; ensino de 1º grau obrigatório dos 7 aos 14 anos, cabendo aos municípios a fiscalização direta; formação preferencial do professor para o ensino de 1º grau, da 1ª à 4ª séries, em habilitação específica no 2º grau e de nível superior de graduação para professor para o ensino de 1º e 2º graus; os recursos públicos, destinados à educação, seriam aplicados, preferencialmente, na manutenção e desenvolvimento do ensino oficial; os municípios deviam gastar 20% de seu orçamento com educação, não previa dotação orçamentária para a União ou os Estados. Foram muitos os decretos que, ao longo da história do Brasil, modificaram os caminhos da educação, e, ainda no Regime Militar, podemos citar a Lei n. 7.044 de 18 de outubro de 1982. Essa Lei altera 36

dispositivos da Lei n. 5.692, de 11 de agosto de 1971, referentes à profissionalização do ensino de 2º grau, de modo a que a profissionalização no ensino de 2º grau deixasse de ser compulsória. Com o fim da ditadura militar em 1984, o país começou o processo de redemocratização das suas instituições. A Constituição de 1988 teve uma significativa participação de educadores, o que garantiu avanços importantes na garantias de direitos fundamentais, como a universalização e a melhoria da qualdiade da educação nacional. A Constituição Federal estabelece garantias fundamentais para a educação:

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, art. 205)

Os direitos à educação, reconhecidos em lei, vão ganhando força no Brasil, a partir da década de 80. Segundo CURY (2005), “será, pois, no reconhecimento da educação como direito que a cidadania como capacidade de alargar o horizonte da participação de todos nos destinos nacionais ganha espaço na cena social” (CURY, 2005, p. 21). Em 1996, sob a égide da Constituição Federal de 1988, foi sancionada a atual LDB (Lei 9394/96) pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso e pelo então ministro da educação Paulo Renato de Souza, em 20 de dezembro de 1996, tendo como fundamentos os seguintes principios e fins: A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (LDB, art. 2º). O ensino será ministrado com base nos seguintes princípíos:

I. igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II. liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III. pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas; 37

IV. respeito à liberdade e apreço à tolerância; V. coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; VI. gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; VII. valorização do profissional da educação escolar; VIII. gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino; IX. garantia de padrão de qualidade; X. valorização da experiência extra-escolar; XI. vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.

Além dos princípios mencionados acima, a LDB de 1996 trouxe outras mudanças em relação às leis anteriores, tais como: a autonomia pedagógica e administrativa das unidades escolares; ensino fundamental obrigatório e gratuito para as pessoas de 07 a 14 anos; ampliação da carga horária mínima para 800 horas distribuídas em 200 dias na educação básica; previa um núcleo comum para o currículo do ensino fundamental e médio e uma parte diversificada em função das peculiaridades locais; formação de docentes para atuarem na educação básica em curso de nível superior, sendo aceito para a educação infantil e as quatro primeiras séries do ensino fundamental, formação em curso Normal do ensino médio; formação dos especialistas da educação em curso superior de pedagogia ou pós-graduação. A União deveria gastar, no mínimo, 18%, e os estados e municípios, no mínimo, 25% de seus respectivos impostos na manutenção e no desenvolvimento do ensino público; dinheiro público pode financiar escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas; prevê a criação do Plano Nacional de Educação. A atual legislação educacional brasileira não ignora os problemas que sempre provocaram as desigualdades entre classes, e a exclusão da maioria da população ao acesso à informação. Pode-se afirmar que o país tem uma Lei que garante igualdade de oportunidades entre os estudantes, uma Lei que propugna o acesso à qualidade e a valorização profissional do docente. Mas, quando volto meu olhar para a prática, a realidade das escolas públicas por todas as partes 38

do país, vejo, com freqüência, o resultado de séculos de descaso do poder público com a educação. As escolas públicas sofrem, em todos os estados do País, com a falta de investimentos de infra-estrutura, recursos materiais e didáticos, qualificação dos profissionais da educação e de salários mais justos. Além disso, a história da educação no Brasil é marcada pelas desigualdades existentes no processo de formação das crianças das classes ricas e das classes trabalhadoras, essas últimas sempre ansiando por uma estrutura e uma oferta de qualidade. Um modelo histórico, seletivo e elitista que ignora a realidade concreta dos grupos sociais majoritários. Esse modelo reproduz interesses concretos das elites e aumenta o abismo social entre os grupos sociais. A reflexão que faço, aqui, é: a quem interessa esse modelo educacional que forma uns em detrimento de muitos? Por que o fracasso escolar é muito maior entre as classes populares do que nas classes mais favorecidas da sociedade? Por que esse fracasso acontece em maior proporção em escolas públicas de periferia e, justamente, onde carece de um maior investimento e atenção por parte do poder público e dos professores? A história da educação no Brasil mostra que o fracasso escolar, nas camadas mais pobres da população, justamente onde o poder público deveria intervir com mais recursos, é exatamente onde carece desses recursos. As escolas, localizadas nas periferias das grandes cidades, carecem não só de recursos financeiros, mas também de recursos humanos e de infra-estrutura adequada ao bom aprendizado desses alunos. Demonstra, também, que os professores procuram as “melhores” escolas para se efetivarem, e que, finalmente, o resultado final, que é a promoção dos alunos, demonstra um índice maior nas escolas médias, deixando, portanto, a retenção maior por conta das escolas periféricas. A LDB de 1996, em seu art. 23, estabelece que as escolas tenham autonomia para organizarem seus tempos e processos de aprendizagem. Os educadores, incomodados com o fracasso do modelo seriado nas escolas públicas, onde havia grande evasão e repetência, caracterizando a exclusão, apresentaram alternativas, entre elas o projeto de ciclos de formação humana que não visa apenas ao acúmulo de conhecimentos. O sistema em ciclos de formação humana procurava organizar os tempos e espaços, saberes, as 39

experiências de socialização, enfim, a escola passava a ser pensada como um espaço de encontro, do fazer educativo. Uma proposta de construção de uma educação verdadeiramente dialógica, capaz de transformar as relações entre professores e alunos em sujeitos no processo de aprendizado, sem os equívocos da relação autoritária ou assistencialista que invadiu o sistema seriado de ensino, ganha cada vez mais espaço na educação brasileira, e Paulo Freire foi um dos grandes responsáveis por esse processo. Segundo ele, “estudar não é um ato de consumir idéias, mas de criá-las e recriá-las” (FREIRE, 2006a, p. 13). E o autor continua mais adiante:

aprender a ler e escrever se faz assim uma oportunidade para que mulheres e homens percebam e que realmente significa dizer a palavra: um comportamento humano que envolve ação e reflexão. Dizer a palavra, em um sentido verdadeiro, é o direito de expressar-se e expressar o mundo, de criar e recriar, de decidir, de optar. Como tal, não é o privilégio de uns poucos com que silenciam as maiorias. É exatamente por isso que, numa sociedade de classes, seja fundamental à classe dominante estimular o que vimos chamando de cultura do silêncio, em que as classes dominadas se acham semimudas ou mudas, proibidas de expressar-se autenticamente, proibidas de ser. (FREIRE, 2006a, p. 59)

Assim, pretendi evidenciar que as relações de poder existentes entre professor e aluno, ao longo da história da educação nacional, tiveram uma forte expressão de autoritarismo, pois uma educação assimétrica é uma educação em que prevalece o comando sobre o diálogo, o autoritarismo sobre uma relação dialógica. É um grande desafio para uma educação que sempre legitimou as desigualdades sociais e econômicas, construir um processo de construção do conhecimento que seja mais justo com os alunos das camadas populares, estabelecer uma relação dialógica é um desafio num país marcado pela legitimação constante das desigualdades. No Estado de Minas Gerais, os direitos fundamentais relacionados à educação estão previstos na Constituição Estadual promulgada em 1989. Ela assegura conquistas importantes que merecem aqui um destaque especial explicitados nos arts. 195 e 196 onde citarei apenas alguns dos XI princípios estabelecidos: “Art. 195 - A educação, direito de todos, dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, com vistas ao 40

pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Art. 196 - O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e freqüência à escola e permanência nela; II - liberdade de aprender, ensinar e pesquisar, e de divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de idéias e de concepções filosóficas, políticas, estéticas, religiosas e pedagógicas, que conduza o educando à formação de uma postura ética e social próprias; IV - preservação dos valores educacionais regionais e locais; V - gratuidade do ensino público; VI - valorização dos profissionais do ensino, com a garantia, na forma da lei, de plano de carreira para o magistério público, com piso de vencimento profissional e com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, realizado periodicamente, sob o regime jurídico único adotado pelo Estado para seus servidores; VII - gestão democrática do ensino público, na forma da lei; X - garantia do padrão de qualidade, mediante: a) avaliação cooperativa periódica por órgão próprio do sistema educacional, pelo corpo docente e pelos responsáveis pelos alunos; b) condições para reciclagem periódica pelos profissionais de ensino; Parágrafo único - A gratuidade do ensino a cargo do Estado inclui a de todo o material escolar e a da alimentação do educando, quando na escola”.

Conhecer e reconhecer o processo histórico da educação no Brasil é um compromisso que deve ser assumido por todos os agentes envolvidos com ela, ou seja, alunos, pais, a comunidade e, principalmente, os educadores que não podem se acomodar com as conquistas já alcançadas e, menos ainda, se conformar com as coisas como estão. São muitos os desafios, como: a melhoria na qualidade da educação no processo ensino aprendizado, investimentos no patrimônio físico das escolas públicas, valorização dos profissionais da educação, investimentos sociais para diminuir as desigualdades dando 41

dignidade as famílias para garantir os filhos na escola. Portanto, o processo de emancipação da educação brasileira já alcançou muito no que diz respeito à Lei, mas a efetivação da Lei na vida prática das escolas públicas educacionais ainda deixa a desejar. Há um longo caminho para a emancipação de todas as crianças brasileiras na construção de sua cidadania. Procurei assinalar alguns elementos ligados ao processo histórico do ponto de vista do direito à educação, pois esse é o meu foco principal: tratar das relações de poder, e este, quando configurado em Lei, torna-se direito, torna-se dever, é legítimo. A Lei garante poderes aos professores para ensinar e aos alunos para aprender; ela imprime poderes específicos a cada um dos agentes que participam da construção dos saberes necessários à cidadania. Uma vez garantidos em Lei, o direito e o dever de ensinar, de construir cidadania, resta- nos saber se esse direito é respeitado e vivido nas inúmeras escolas públicas de periferia espalhadas pelo território brasileiro. De acordo com CURY (2005),

se considerarmos que a educação é constituinte da dignidade da pessoa humana e elemento fundante da democratização das sociedades, se considerarmos o quanto educadores e educadoras se emprenharam em prol da educação como direito, se considerarmos a importância da Constituição como pacto fundante da coexistência social, certamente o capítulo da educação na nossa atual Constituição é avançado e contém bases e horizontes pra uma vertente processual de alargamento da cidadania e dos direitos humanos (CURY, 2005, p. 28).

2.3 Breve histórico de Betim - MG

Esta pesquisa foi realizada dentro do município de Betim, cidade localizada na zona metalúrgica, Região Metropolitana de Belo Horizonte, a 26 km da capital. A história do município começa a ser escrita a partir de 1711, quando Joseph Rodrigues Betim escreveu à coroa portuguesa, fazendo uma petição de doação de carta de sesmaria situada na bacia do Ribeirão Betim. Em 1889, com as reformas do regime republicano, surgiu o Estado de Minas Gerais, antes Província, com 11 grandes municípios. Um deles era o município de Santa Quitéria, atual Esmeraldas, formado pelos terrenos de 42

Capela Nova de Betim, e Várzea Pantana. Capela Nova de Betim se tornaria, em 1801, um distrito do município de Santa Quitéria. E, por fim, em 1938, ocorre uma nova reforma político-administrativa no Estado de Minas Gerais, onde são criados 71 municípios, através do decreto do governador Benedito Valladares Ribeiro. Nessa reforma, Betim passa à condição de município. Na década de 1930, foi criada no município de Betim, quando ainda era distrito de Santa Quitéria (Esmeraldas), a Colônia Santa Isabel, destinada ao tratamento da hanseníase. Sua administração ficou aos cuidados da Fundação Hospitalar de Minas Gerais – FHEMIG. O local afastado da vida urbana tinha o propósito de isolar os doentes do convívio social, evitando o contágio da doença. Na década de 1980, a Colônia foi aberta para a formação de moradia de funcionários, familiares dos doentes, transformando mesma em um bairro, embora o preconceito e a discriminação dos doentes e até mesmo com relação aos moradores do bairro sempre ficou muito evidente. A Colônia Santa Isabel atende hoje 420 hansenianos e já conta com melhorias na sua infra-estrutura, como escolas, posto de saúde, comércio local, etc. Em 1947, foi instalada, no município, a Câmara de Vereadores, com nove parlamentares. Seu primeiro presidente foi Luiz da Cunha. Logo no ano seguinte, em 1948, os vereadores deram posse ao primeiro prefeito eleito, Sylvio Lobo, pois, até então, os prefeitos eram nomeados pelo governador do estado. A Câmara de Vereadores de Betim encontra-se hoje na 15ª legislatura e é composta por 16 vereadores. No início do século XX, o município é cortado pela construção da ferrovia que ligava Belo Horizonte a Divinópolis. Isso iria contribuir para o crescimento do comércio e da indústria na região. A economia do município era principalmente agropecuária, até a década de 1940, data da instalação das primeiras indústrias. Com a valorização da Região Metropolitana e com o início da construção do distrito industrial de Contagem, e, posteriormente, de Betim, o município é beneficiado, na década de 1950, pela implantação de uma rede de rodovias federais como a Fernão Dias, BR 381, que liga três regiões importantes do País. Ela inicia no município de São Mateus no Estado do Espírito Santo, corta o Estado de Minas Gerais, passando por Belo Horizonte e Betim, terminando na 43

cidade de São Paulo. A BR 262, que começa em Vitória, no Espírito Santo, passa por cidades importantes de Minas Gerais, como Belo Horizonte, Betim, e termina no estado do Mato Grosso do Sul, a BR 040 seu ponto inicial fica na cidade de Brasília (DF), e o final, no Rio de Janeiro (RJ). Passa pelos estados de Goiás, Minas Gerais (, Belo Horizonte, Betim, , etc.) e Rio de Janeiro, também servem ao município as rodovias MG 060 e MG 050. Segundo a professora e pesquisadora Teresinha Assis, a cidade de Betim, até meados da década de 1960, foi uma cidadezinha do interior com características próprias de um lugarejo onde todas as pessoas se conheciam; os pontos de encontro das famílias eram a igreja católica, os campos de futebol e a praça Tiradentes e a antiga matriz de Nossa Senhora do Carmo, que estava edificada na praça Milton Campos. Lá era o lugar de grandes festas religiosas: a semana santa, a festa do Divino, a festa da padroeira, Nossa Senhora do Carmo, além das missas dominicais que reuniam todas as famílias da cidade. Os campos de futebol dos clubes: Vera Cruz, onde hoje está construída a escola Clóvis Salgado, e Industrial, que ficava na margem esquerda do rio Betim, próximo da ponte da ferrovia, no fundo da Cerâmica Saffran. Os times dividiam as pessoas em dois grupos ou duas torcidas rivais e apaixonadas. A do Industrial era considerada mais popular e a do Vera Cruz que era considerada de elite. A praça Tiradentes era o local onde funcionava o cinema, a sede social do Clube Industrial e ponto de encontro da juventude, principalmente nos finais de semana. Depois da missa as pessoas se dirigiam para a praça, alguns iam ao cinema e outros iam para as tradicionais horas dançantes dos clubes. A vida na cidade era pacata e tranqüila. As crianças brincavam pelas ruas durante o dia e ficavam até o anoitecer. Havia poucos carros circulando pelas ruas; a prioridade do espaço público era para o pedestre. A partir de meados da mesma década, alguns fatos começaram a mudar os rumos da pequena cidade. Um planejamento estatal que ocorreu na União e no Estado de Minas Gerais procurou atrair indústrias para se instalarem no Estado. Foi neste contexto que veio para Betim a Refinaria Gabriel Passos que começou a ser construída em meados da década de 1960, e foi inaugurada em 1968. Durante a década de 1970, a cidade consolidou sua vocação industrial com um novo planejamento do Estado para instalar distritos industriais na 44

Região Metropolitana. Em Betim, foi instalado o principal Distrito Industrial, o “Paulo Camilo Pena”, que fica na região do PTB. A partir de meados dessa década, a cidade passou a sofrer profundas transformações em seu tecido urbano. O afluxo de migrantes era constante, a expansão urbana transformava várias fazendas em bairros populares, muitos terrenos eram invadidos, dando origem às vilas e favelas. A cidade cresceu, principalmente, no eixo leste, próximo da área que estavam se instalando as indústrias. A região do Teresópolis foi a primeira que se transformou rapidamente, devido à invasão dos terrenos próximos da rodovia. Ali surgiam barracos da noite para o dia, criando vilas e favelas com alta densidade demográfica. Muitos terrenos que estavam aprovados como loteamentos, sem nenhuma infra-estrutura, foram rapidamente vendidos para imigrantes que estavam vindo na esperança de uma nova terra prometida. A partir da segunda metade da década de 1970, algumas grandes indústrias multinacionais começaram a se instalar em Betim. Nesse período, a principal empresa instalada que colocou seu produto no mercado brasileiro foi à montadora Fiat Automóveis. Nos anos que se seguiram, a cidade passou por uma verdadeira explosão demográfica e urbana. Betim deixou de ser uma cidadezinha do interior e passou a integrar, efetivamente, a Região Metropolitana de Belo Horizonte. Essa mudança trouxe também os grandes problemas sociais e urbanos. Com uma localização privilegiada, o município tem uma história marcada pela crescente instalação de indústrias, a partir da década de 1940, as indústrias de Cerâmicas e posteriormente de sabão, curtume, móveis, biscoitos, confecções, asfalto. E hoje, o município de Betim é considerado um dos principais pólos de concentração industrial do Estado de Minas Gerais, com destaque para a implantação da Refinaria Gabriel Passos, da Petrobrás, em 1968, e a Fiat Automóveis S/A em 1976. O Salão do Encontro, que foi criado em 1971 por Frei Estanislau e Noemi Gontijo, uma indústria artesanal de tecelagem, carpintaria, cerâmica e móveis rústicos que oferece educação e trabalho para a comunidade, uma importante obra de assistência social do município onde crianças aprendem o cognitivo, a arte e a socialização e os adultos criam a arte nas peças produzidas. Betim faz fronteira com os municípios de Contagem, Ibirité, , Mário Campos, Sarzedo, Igarapé, São Joaquim de e Esmeraldas. Sua 45

extensão territorial é de 346,8 km 2. Sua população aproxima-se de 412.000 habitantes (IBGE, 2006), e tem hoje uma média anual de crescimento populacional de 7,78%. Esse crescimento atrai muitos olhares e pessoas em busca de emprego. O grande crescimento populacional é inferior à oferta de empregos que vem acompanhado dos problemas e desafios das grandes cidades. Crescem as periferias, as desigualdades sociais, as favelas, tornando Betim um dos municípios com maior índice de violência de Minas Gerais. A história de Betim é marcada pela fé de seu povo, desde as suas origens. Em 1753, moradores ergueram uma capela nas margens do Rio Betim e a chamaram de Capela Nova de Betim. A capela pertencia à paróquia do Curral d’El-Rei. Em 1773, os moradores da região ganham licença para construir uma nova capela que seria inaugurada em 1735, e receberia o nome de Santa Quitéria. Em 1754, iniciam a nova construção da nova Capela Nova de Betim, que esperaria mais de 50 anos para ser inaugurada. A primeira paróquia é instituída em 1851, e seu primeiro vigário foi o padre Manoel Roberto da Silva Diniz. O município faz parte da Arquidiocese de Belo Horizonte, e está dividido em 17 paróquias, com destaque para os mais antigos centros católicos, como as igrejas: Nossa Senhora do Carmo, São Francisco e a Igrejinha do Rosário, construída para atender a religiosidade negra no município. Somente em meados do século XX é que outras denominações religiosas ganham espaço em Betim: a Igreja Metodista em 1962, a Igreja Batista em 1966, a Igreja Presbiteriana em 1967, a Igreja Adventista do 7º dia em 1976, a Igreja do Evangelho Quadrangular em 1973, e muitas outras que vieram posteriormente. O seu comércio é muito influente na Região Metropolitana, principalmente com os pequenos municípios vizinhos. Betim conta com uma rede de comércio atacadista e varejista que chega a 2000 estabelecimentos comerciais. Destaco o Mercado Municipal de Betim e o Betim Shopping, que atendem a comunidade local. O município também se destaca na cultura e lazer. A barragem Várzea das Flores que possui um grande espelho d’água e uma bela natureza, que é freqüentada pela comunidade local; a fazenda Vale Verde que, além de ser uma importante indústria de aguardente, possui um parque ecológico preocupado com a preservação de espécies ameaçadas de extinção; a Casa de Cultura 46

destaca-se pela construção colonial e principalmente porque é um importante centro de apoio às manifestações artísticas e culturais de Betim, o Parque de Exposições David Gonçalves Lara que realiza, entre outros dois grandes eventos culturais, que são o Betim Rural e a Feira da Paz e o Centro Poliesportivo Divino Braga, que recebe grandes eventos esportivos nacionais e internacionais.

2.4 Breve histórico da educação de Betim

O primeiro grupo escolar criado em Betim é datado de 1910, quando Betim ainda era um distrito de Santa Quitéria, e recebeu o nome de grupo escolar Conselheiro Afonso Pena. O prédio era uma construção modesta, composta por apenas quatro salas, um gabinete, dois alpendres e banheiros. Nos primeiros meses de funcionamento, o grupo escolar recebeu 216 alunos que cursavam as primeiras séries do ensino fundamental. Com a construção do novo prédio, a Escola Estadual Conselheiro Afonso Pena funciona em outro prédio. Em 1963, o prédio torna-se sede do Colégio Comercial Betinense. Hoje o prédio foi restaurado e deu lugar ao Museu Municipal Paulo Araújo Moreira Gontijo. As escolas que atendiam as crianças na área urbana eram de 1ª à 4ª séries, e se restringiam a poucos estabelecimentos, dentre eles o Grupo Escolar “Clóvis Salgado”, O Grupo Escolar “Dr. Silvio Lobo”, O Grupo Escolar “Conselheiro Afonso Pena”. Todos da rede estadual de ensino. Na área rural, existiam algumas escolas espalhadas por pequenos lugarejos, que eram da rede municipal. Naquela época, a área rural era muito maior, porque a área urbana restringia-se ao que hoje é o centro comercial, com alguns bairros no seu entorno. As crianças tinham muitas dificuldades em continuar seus estudos, após a 4ª série, porque não havia escola pública além deste nível de ensino. Quem conseguiu estudar foi no antigo Ginásio Nossa Senhora do Carmo, que começou a funcionar no início da década de 1960, e era particular. Algumas poucas pessoas iam para Belo Horizonte ou Ibirité, que tinha uma escola normal 47

onde as alunas ficavam em internato. Até aquele momento, os professores que ensinavam na cidade, estudavam fora de Betim, porque o ensino ali restringia- se ao curso primário. Através das pesquisas realizadas pela professora Teresinha Assis, pude perceber que a cidade de Betim tem uma história curta de ensino de 5ª à 8ª séries e 2º grau. O primeiro curso ginasial da cidade foi implantado pelo professor Vicente de Almeida Barbosa e sua esposa Amélia Santana Barbosa. O primeiro ano de funcionamento foi 1958, de forma itinerante Os primeiros alunos a se formarem, num curso ginasial em Betim, foram os desse curso do professor Vicente. O antigo Ginásio Nossa Senhora do Carmo, que funcionou no prédio do CETAP (Centro de Treinamento de Professores de Artes Práticas), a partir do ano de 1960, deu continuidade a esse nível de ensino. Os primeiros jovens que tiveram a oportunidade de estudar, além da 4ª série, na cidade, foram matriculados no referido curso, e, segundo relatos, muito felizes de serem os primeiros a terem oportunidade de continuarem seus estudos, mesmo sendo em cursos pagos e escola particular, o que excluía muita gente dos estudos. O prédio do CETAP, local onde atualmente funciona uma escola municipal, uma oficina escola que produz carteiras para toda a rede municipal de ensino, a biblioteca pública, e vários outros órgãos ligados à Prefeitura Municipal de Betim. Ele foi construído no final da década de 1950, num terreno doado pela prefeitura através da lei número 250, de 28 de novembro de 1957, na gestão do prefeito Raul Saraiva Ribeiro. A beneficiária da doação foi uma entidade religiosa sediada na cidade de Lagoa Santa, cujo nome era Legião dos Oblatos de Cristo Sacerdote e Nossa Senhora das Vitórias. O reitor da entidade era o padre Januário Baleeiro de Jesus e Silva. Um ano depois, 28/11/1958, foi firmado um convênio entre a entidade e o MEC (Ministério da Educação e Cultura), na gestão do ministro Clóvis Salgado, para a construção de uma escola industrial que deveria ser concluída em 24 meses. O convênio assegurava o repasse de recursos financeiros, do órgão federal, para a entidade construir o prédio, comprar o maquinário e móveis, equipar e colocar em funcionamento uma escola avançada voltada para o setor secundário da economia. Um suntuoso prédio foi erguido na região do Angola, próximo à praça do Óleo, local simbólico da cidade onde havia uma imensa árvore, cuja copa 48

redonda formava um telhado verde sobre a praça. A área construída do prédio era de 5.254,70 metros quadrados, distribuídos em seis pavilhões. A construção foi edificada numa vertente de um morro arredondado de declividade suave. A topografia do local contribuiu para destacar ainda mais o prédio que, à sua volta, só tinha casas baixas. A inauguração foi no dia 28 de janeiro de 1960. Nessa época, deveria iniciar o funcionamento de uma escola destinada à formação de professores de artes práticas. Foi daí o nome de CETAP. Logo após a inauguração, o curso que começou a funcionar foi o ginasial, atual 5ª à 8ª séries ou 3º ciclo, que funcionou até o ano de 1964. Em 1965, foi inaugurado oficialmente o CETAP, com a finalidade de formar professores em licenciatura em 1º grau. No período de funcionamento, o CETAP preparou professores para todo o País. Hoje o CETAP é o Centro Educacional Técnico e Artes Profissionais e atende alunos de todo o ensino básico (ensinos fundamental e médio). No mesmo prédio, funciona a Biblioteca Pública Municipal e a Oficina Escola Rosalino Felipe que atende alunos das Escolas Municipais e Estaduais na faixa etária de 13 a 17 anos para receber orientações pedagógicas, esportivas e aprenderem um ofício de serralheria e carpintaria, onde é reformada grande parte do mobiliário das próprias escolas do município. No dia 6 de maio de 1965, o novo colégio, hoje denominado de Escola Estadual Amélia Santana Barbosa, iniciou suas atividades com alunos do antigo curso ginasial, atualmente 5ª à 8ª séries ou 3º ciclo; curso Normal, destinado a formar professoras para trabalhar com alunos de 1ª à 4ª séries. E, por fim, foi criado o curso Científico. Esse, equivalente ao 2º grau ou ensino médio atuais. Ele se destinava a preparar os alunos para ingressar na universidade. O Governo do Estado iniciou uma política de municipalização do ensino, na década de 1990, a proposta, na época, foi de passar para a responsabilidade dos municípios o ensino de 1ª à 8ª séries. Nesse período, a Secretária Municipal de Educação discutiu com o governo estadual a ampliação de vagas para esse nível de ensino, mas, em contrapartida, o Estado ampliaria as vagas para o ensino médio. Esse acordo garantiria que as escolas do estado não ficassem ociosas e atendessem a uma grande demanda de vagas que existia na cidade. Várias escolas estaduais implantaram o ensino médio e mandaram seus alunos do ensino fundamental para as escolas municipais. Muitos bairros 49

distantes passaram a ter escolas com ensino médio. Anteriormente, elas estavam mais concentradas nos bairros mais próximos do centro da cidade. Betim, ainda hoje, sofre com o forte crescimento populacional que exige da Secretaria Municipal de Educação uma constante ampliação de sua rede de escolas, que hoje conta com 67 unidades de ensino fundamental, sendo que quatro delas também oferecem ensino médio e profissional. Em 2006 foram matriculados, somente na Rede Municipal de Ensino, 51.269, a média salarial dos professores PII que atendem as turmas do último ano do ensino fundamental é de 20,24 h/a, o que pode ser variável dependendo da progressão do PCCV (Plano de Cargos, Carreira e Vencimentos) (Fonte: SEMED – Secretaria Municipal de Educação). A rede estadual de educação, com 30 escolas estaduais, atendem, principalmente, o ensino médio. O município conta, também, com um conjunto de escolas particulares e uma grande estrutura de ensino superior, sendo destaque para a Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas), a Universidade Vale de Rio Verde de Três Corações (UninCor) e A Universidade Presidente Antônio Carlos (UNIPAC). A Lei Orgânica do Município de Betim, promulgada em 21 de março de 1990, no seu Capítulo Sobre a Educação, no art. 150, estabelece alguns princípios para gerir a educação. Entre eles podemos destacar:

- Gestão democrática do ensino público. - Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola. - Liberdade de aprender, ensinar e pesquisar, e de divulgar o pensamento, a arte e o saber. - Pluralismo de idéias e de concepções filosóficas, políticas, estéticas, religiosas e pedagógicas, que conduza o educando à formação de uma postura ética e social próprias.

A rede municipal de educação de Betim tem um único regimento para todas as escolas do município. Esse regimento tem como finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Com relação ao ensino fundamental, ele tem os seguintes objetivos:

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- desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; - a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade; - desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores; - fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social.

Em Betim, os ciclos de formação humana vêm sendo implantados gradativamente. Em 1993, o município passa a ser administrado pelo PT (Partido dos Trabalhadores). A prefeita Maria do Carmo Lara Perpétuo procurou construir uma nova política pedagógica no município. Nesse período, importantes educadores foram convidados para conferências e palestras, dentre eles: Paulo Freire, Miguel Arroyo, Ester Grossi e Cipriano Luckesi. O objetivo era construir, junto aos educadores, uma nova proposta de educação para o município. Em 1997, toma posse o prefeito Jésus Mário de Almeida Lima também do PT, dando continuidade ao processo de mudanças na Rede Municipal de Educação de Betim. No dia 02 de fevereiro de 1998 é assinada a Resolução SEED (Sigla adotada pela Secretaria Municipal de Educação de Betim em 1998) n. 01/98, pelo então secretário de educação, convertendo a seriação em ciclos de ensino/aprendizagem em regime de progressão continuada, com implantação gradativa. Esse projeto tem como meta assegurar condições para o desenvolvimento integral da pessoa, em suas múltiplas dimensões, visando ao pleno exercício da cidadania, com garantia de acesso, permanência e qualidade escolar e educacional para todos, dever do Estado e da família, em co- responsabilidade com a sociedade. (Betim, 2007, p. 84-85)

Este salto político pedagógico exprime, em última análise toda uma dinâmica histórica de ruptura/continuidade que, ultrapassando o racionalismo e o empirismo subjacentes aos modelos tradicionais de pedagogia, conduz ao reordenamento dos processos de ensino/aprendizagem, à luz de novos paradigmas ético-científicos, de natureza construtiva, e democrática. (BETIM, 1998a, p. 2)

Nesse contexto, são desenvolvidas jornadas pedagógicas de atualização profissional dos trabalhadores em educação. São também reformulados os preceitos jurídicos relativos à estrutura e ao 51

funcionamento da educação municipal, e aos cargos, carreiras, vencimentos e valorização dos profissionais da educação. Algumas ações decorrentes foram: implantação de processos de eleições diretas de diretores, vice-diretores e colegiados; reorientação da metodologia de trabalho em sala de aula, “a luz dos princípios da democracia, da teoria construtivista e de suas matrizes”; elaboração de propostas curriculares por disciplina; instauração gradual da avaliação qualitativa processual do ensino e da aprendizagem; construção de formas de atualização teórica e prática, como grupos de estudo, frentes de trabalho e cursos. (BETIM, 1998a, p. 7)

Em 2001, a Prefeitura muda de mãos. É eleito Carlaile Jesus Pedrosa, do PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira), que é reeleito em 2004. Contudo, a proposta pedagógica dos ciclos teve continuidade no município, e o processo de substituição do modelo seriado para os ciclos continua, com o apoio da maioria dos educadores. Sendo assim, o processo de mudança para ciclos foi gradativo, iniciando, em 1998, para alunos de 6, 7 e 8 anos. Em 1999, para os alunos com 9 anos, e em 2000, para alunos de 10 anos. Em 2001, completou-se a implantação total do segundo ciclo em todas escolas e deu-se a implantação do terceiro ciclo em 26 escolas. Em 2002, ocorreu a implantação facultativa do terceiro ciclo, condicionada à disponibilidade dos profissionais para o cumprimento da carga horária semanal de 24 horas/aula. Em 2003 ainda havia escolas com estrutura seriada em Betim, com alunos de 12, 13, e 14 anos. Somente no final de 2004, através do Decreto n. 20.316, de 16 de dezembro de 2004, extinguiu-se o sistema de seriação anual nas escolas municipais, mesmo naquelas em que se havia optado pela manutenção do sistema seriado, e depois se estendendo a todas as turmas do ensino fundamental. Uma das conquistas dos professores foi o coeficiente de 1,3 professores por turma de alunos, contribuem para uma formação e planejamento maior por parte dos educadores. (Betim, 2007, p. 90- 91) Hoje, o ensino fundamental que é de nove anos, no município de Betim está totalmente estruturado em ciclos de formação humana, que se dividem em quatro etapas de ciclos, a saber:

a. 1º ciclo – 6, 7 e 8 anos. b. 2º ciclo – 9 e 10 anos. c. 3º ciclo – 11 e 12 anos. 52

d. 4º ciclo – 13 e 14 anos.

Organizar a Educação Básica Fundamental por ciclos, em sua fundamentação significa romper com a fragmentação do saber e alargar os tempos de aprendizagem, possibilitando a convivência com a diversidade e até mesmo com a singularidade de cada aluno. Hoje, depois de dez anos em que o ciclo de formação humana foi implantado no município, volto meu olhar para as relações entre professor/aluno, numa tentativa de observar o quanto esse processo de formação contribuiu para a democratização dessas relações. A escola pública de periferia, que abriga os alunos oriundos das camadas mais pobres da sociedade, precisa ser repensada, a fim de oferecer uma formação humana que promova a emancipação desse aluno. A lógica perversa e excludente do sistema escolar precisa ser reestruturada. É preciso entender que a qualidade de um projeto de educação é definida por um conjunto de fatores: condições de trabalho, estrutura física, salários, material pedagógico, formação continuada dos profissionais, investimentos por parte do poder público, acompanhamento dos pais, motivação por parte dos alunos que vislumbram da escola seu futuro acadêmico e profissional.

2.5 - Breve histórico da Escola Municipal Capela Nova de Betim

Esta pesquisa foi realizada em uma Escola Municipal, localizada no bairro Taquaril, um bairro de periferia próximo do centro, zona urbana de Betim – MG. Os moradores, na sua maioria oriunda das classes trabalhadoras, são funcionários das indústrias, funcionários públicos, construção civil, empregadas domésticas, trabalhadores autônomos, trabalhadores do comércio e outros existentes nas redondezas. O bairro possui boa infra-estrutura, grande parte das ruas é asfaltada, possui energia elétrica, água e esgoto, e várias linhas de ônibus que levam ao centro de Betim e à estação do metrô, no Eldorado, em Contagem. Em uma consulta, autorizada pelo diretor da escola, observei os históricos escolares dos alunos pesquisados. Ali, pude observar o baixo grau de 53

escolaridade dos pais. Apenas um pai entre 168 consultados possui curso superior, 11 possuem o ensino médio completo e dois incompletos, 28 possuem o ensino fundamental completo e 36 incompletos, 31 pais estudaram até a 4ª série do ensino fundamental e 14 deixaram de estudar antes de completarem a 4ª série. Esses pais foram vítimas de uma educação excludente que marcou a história da educação no Brasil, e motivos não faltaram para justificar a ausência de escolaridade: falta de oportunidades, falta de condições financeiras, falta de vagas nas escolas, freqüentes reprovações, necessidade de trabalhar para ajudar a família, abandono por sucessivas notas baixas e intolerância de professores. Uma história que certamente esses pais desejam que permaneçam no passado e não se repitam com seus filhos e filhas. Para preservar a identidade da escola e de meus entrevistados, criei um nome fantasia para a escola, homenageando a cidade, pois esse foi o primeiro nome dado a essas terras e confirmado na sua elevação a Distrito “Capela Nova de Betim”. A construção da escola foi uma conquista da comunidade através do “Orçamento Participativo”, e as obras começaram em 1994. A escola foi instituída pelo Decreto Municipal n. 11.587/95, de 14/03/1995, para atender a demanda escolar do bairro e adjacências. O prédio, de construção moderna, conta com uma excelente estrutura composta por 14 salas de aula, laboratório, biblioteca, área administrativa, quadra poliesportiva coberta, refeitório e demais dependências. A escola recebeu, em 2007, uma média mensal de 6.300,00 da Secretaria Municipal de Educação para a manutenção de gastos, como: luz, água, telefone, material de limpeza e material pedagógico. A Escola Municipal Capela Nova atende hoje toda a demanda de alunos dos nove anos do ensino fundamental, e, ainda, o ensino noturno para jovens e adultos do bairro e de toda a região próxima à sua localização. Em 2007, a escola contavas com um efetivo de 91 funcionários sendo 35 somente no primeiro turno, nos três turnos foram matriculados 945 alunos sendo 356 apenas no primeiro turno. O diretor e as duas vices-diretoras foram eleitos pelo voto universal de funcionários, alunos acima de 11 anos, e pais, para um mandato de dois anos, podendo se reeleger por mais um mandato. Eles, a secretária e a tesoureira cumprem uma carga horária semanal de 40 horas; as agentes de serviços gerais (cantineiras) cumprem uma carga horária semanal de 30 horas, as auxiliares de biblioteca e secretária cumprem uma carga horária de 20 horas 54

semanais, e os professores cumprem uma carga horária semanal de 24 horas/ aula, distribuídas em sala de aula, momentos de estudo e atendimentos a pequenos grupos. Esta pesquisa é realizada com oito professores que atendem seis turmas, dentre elas as três turmas do último ano do ensino fundamental que também são objetos de desta pesquisa. A pesquisa foi realizada com três turmas do último ano do ensino fundamental do primeiro turno da Escola Municipal Capela Nova, e posso constatar que a grande maioria dos 86 alunos pesquisados não são naturais de Betim. Trinta e dois alunos são naturais de Contagem, 22 de Belo Horizonte, oito de Esmeraldas, 12 de outras cidades do Estado de Minas Gerais, dois de outros Estados do Brasil e apenas sete alunos são naturais de Betim. Portanto, os alunos pesquisados são oriundos de famílias que vieram de outras cidades e regiões para Betim, provavelmente em busca de trabalho e condições melhores de vida. Pessoas que vieram, atraídas pelo grande pólo industrial que representa o município trazendo na bagagem os sonhos da grande maioria dos brasileiros, condições dignas de sobrevivência. O que pretendo, com toda essa contextualização histórica, é participar das experiências de um grupo de pessoas inserido no processo educacional público brasileiro. Meu olhar atento volta-se para a prática concreta de educadores no processo de ensino aprendizado. Será que os direitos garantidos pela Constituição Federal e pela LDB, em 1996, estão presentes de forma concreta nas experiências aqui pesquisadas? Nossos professores têm condições de trabalho, eles ganham um salário justo? As condições gerais da escola contribuem para uma formação digna desses alunos, os processos pedagógicos são verdadeiramente democráticos e as relações entre professores e alunos são realmente emancipadoras? Esta pesquisa não tem a pretensão de dar respostas prontas; ela tem o desejo de refletir a educação brasileira a partir de uma experiência concreta, inserida dentro da realidade da educação pública do país. Pode ser vista como mais um contributo para que a gestão da educação pública em Betim a considere em vista de uma maior democratização da escola pública. Meu olhar volta-se para a garantia de direitos que, segundo BOBBIO (2004),

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A existência de um direito, seja em sentido forte ou fraco, implica sempre a existência de um sistema normativo, onde por “existência” deve entender-se tanto o mero fator exterior de um direito histórico ou vigente quanto o reconhecimento de um conjunto de normas como guia da própria ação. A figura do direito tem como correlato a figura da obrigação. (BOBBIO, 2004, p. 94)

Conforme já citado, a atual legislação educacional brasileira trouxe, depois de toda uma história marcada pela exclusão, garantias fundamentais para a formação das classes populares. O desafio é perceber se, na prática do Município de Betim, nessa escola, tem havido, por parte dos gestores educacionais e dos educadores, ações emancipatórias capazes de formar cidadãos críticos tendo também como inerente a essa realidade uma herança de uma educação seletiva, classista e preconceituosa.

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3 PODER, CULTURA E PRÁTICAS CURRICULARES

Este trabalho tem como tema central as relações de poder entre professores e alunos no interior da escola. Essas relações estão inseridas em um contexto social específico, com seus avanços e contradições, seus valores, a diversidade cultural, a pluralidade de expressões políticas, sociais, religiosas, de gênero, de orientação sexual, tornando plural também o currículo escolar. Não trato, aqui, dessas relações de um modo geral, mas situadas, contextualizadas, localizadas na realidade brasileira, mais especificamente em uma escola pública de periferia da cidade de Betim - MG. O poder e a cultura também estão inseridos em uma sociedade específica e em um processo cultural que caracteriza os grupos sociais próprios dessa sociedade. Assim, a cultura dominante que vem se mantendo hegemônica, utiliza o currículo escolar como ferramenta ideológica para a perpetuação de seus valores. Pretendo aqui, sem generalizações, tratar desses dois temas, poder e cultura, para melhor compreender as práticas educacionais, e, principalmente, as propostas curriculares que estão a serviço da dominação e as que se comprometem com a transformação social. Poder e cultura são conceitos que, na formação crítica de um cidadão ou de uma sociedade emancipada, estão sempre em sintonia. Busquei conceituar poder e cultura com a intenção de melhor compreendê-los no contexto histórico da educação brasileira. Diversos pensadores trataram desses temas ao longo da história. Poder e cultura eram privilégios de alguns ao longo da história, e ainda hoje em países como o Brasil o acesso à cultura como instrumento de poder ainda está longe de se ver universalizado. Pensadores que se preocuparam em apontar alguns caminhos nessa relação poderão me auxiliar na tentativa de conceituar e compreender o poder no interior das relações sociais. Junta-se ao poder a importância de trabalhar o conceito de cultura, pois a ela também é atribuída uma grande quantidade de significados e interpretações. Precisamos considerar esses termos na prática da sociedade e, principalmente, dentro das escolas públicas brasileiras, tentando compreender como os processos de ensino aprendizado legitimam o poder e a autoridade. Perguntamo-nos que poderes são esses. Sendo a educação, de fato, um 57

momento da apreensão da cultura pelos sujeitos do seu processo – continuo a me interrogar – até que ponto nós, educadores, legitimamos um poder autoritário e conservador? Até que ponto o currículo por mim utilizado, nas escolas, está a serviço da reprodução social vigente, e não a serviço de um compromisso crítico com as classes menos favorecidas, com as culturas minoritárias e desprezadas pelos interesses dominantes. Tratarei, a seguir, de conceituar o poder, a cultura, e, por fim, suas implicações nos currículos das escolas brasileiras.

3.1 O poder

Segundo STOPPINO (1999),

poder em seu significado mais geral designa a capacidade ou a possibilidade de agir, de produzir efeitos. Tanto pode ser referida a indivíduos e a grupos humanos como a objetos ou a fenômenos naturais (como na expressão Poder calorífico, Poder de absorção). (STOPPINO, 2007b, p. 933)

O poder é a potência, a capacidade de dar uma ordem que será cumprida por outros, ou até mesmo a influência exercida por alguns indivíduos sobre coisas ou pessoas. O poder, portanto, é uma relação não necessariamente coercitiva, mas também consentida por aqueles que obedecem. Ter poder é dispor da capacidade de agir, da capacidade de conduzir, de influenciar nas ações de outros.

Se o entendermos em sentido especificamente social, ou seja, na sua relação com a vida do homem em sociedade, o poder torna-se mais preciso e seu espaço conceptual pode ir desde a capacidade geral de agir, até a capacidade do homem em determinar o comportamento de outrem: poder do homem sobre o homem. Desse modo, os homens em suas relações não são apenas sujeitos, mas também objetos do poder social. É poder social, por exemplo, a capacidade que um pai ou uma mãe tem para dar ordens a seus filhos ou a capacidade de um Governo de dar ordens aos cidadãos. (STOPPINO, 2007b, p. 933)

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No contexto social, podemos entender o poder como a capacidade que um homem tem de agir sobre os outros, de determinar o comportamento dos outros, de transformar outros homens, segundo seus interesses, e até mesmo de terceiros. Na relação entre professor e aluno, o poder que o primeiro tem sobre o segundo manifesta-se no processo de construção do conhecimento, ou na transmissão de um determinado conhecimento. O professor tem poder de ensinar, de transmitir conhecimentos, de contribuir para que o aluno se aproprie de cultura; tem poder para avaliar, para aprovar ou reprovar, para permitir que o aluno caminhe ou permaneça no mesmo lugar. Segundo Stoppino (2007), não existe poder, se não existe, ao lado do indivíduo ou grupo que o exerce, outro indivíduo ou grupo que é induzido a comportar-se tal como aquele deseja. O poder social não é uma coisa ou uma posse: é uma relação entre pessoas. Stoppino (1999) distingue o poder de duas formas: o poder atual e o poder potencial. O poder em ato é uma relação existente entre comportamentos, e consiste no exercício efetivo do poder. Já o poder potencial é a possibilidade desse exercício, a capacidade que um indivíduo tem de exercer o poder sobre outro. O exercício do poder implica, necessariamente, ter a possibilidade de exercê-lo, isto é, da passagem do potencial para o em ato. O poder potencial leva-me ao conceito de poder estabilizado e institucionalizado .

O poder estabilizado ocorre quando há uma alta probabilidade de que B realize com continuidade os comportamentos desejados por A, ou por outro lado, corresponde a uma alta probabilidade de que A execute ações contínuas com o fim de exercer poder sobre B. O poder institucionalizado se dá quando a relação de poder estabilizado se articula numa pluralidade de funções claramente definidas e estavelmente coordenadas entre si. (STOPPINO, 2007b, p. 937)

O poder estabilizado e institucionalizado pode permitir a inovação permanente das regras, mas podem também conservar e legitimar um poder opressor no interior da escola. Se as relações de poder conservadoras estão estabilizadas, ou seja, se as mesmas práticas pedagógicas permanecem por muito tempo, se não há uma constante avaliação dos processos de ensino aprendizado, temos aí um sistema que não se permite renovar, portanto, estabilizado. Se as mesmas práticas estão articuladas, definidas através dos regimentos internos que estabelecem os direitos e deveres dos alunos e os 59

critérios para avaliação, aprovação e reprovação, então o aluno aparece apenas como objeto passivo desse processo, vemos aqui um poder conservador institucionalizado. Consideremos também os modos do poder ser exercido. Os homens podem fazer uso do poder por meio da coerção, ou seja, pela força, pela imposição, sem depender da vontade do que obedece, exercido por meio repressivo. Nesse caso, os interesses são conflitantes. Sendo o poder exercido pela força, ela pode ser definida como um alto grau de constrangimento, ameaça de privações ou por meio da violência. A relação de poder entre professores e alunos pode ser exercida de maneira coercitiva, ou seja, o professor pode usar da ameaça de punição para manter a disciplina na sala de aula. O poder pode ser exercido por meio da manipulação, ou seja, A provoca um comportamento em B, sem que o mesmo seja manifestado claramente, o mesmo pode ser forjado, o homem pode ser levado a agir de uma maneira sem conhecer as reais intenções de suas ações, A provoca o comportamento de B, mas suas intenções permanecem camufladas. O conflito é apenas potencial, já que B não está consciente de suas ações. Manipular é o mesmo que manejar e somente os objetos são suscetíveis de manejo de coisas que “estão à mão”. Posso manipular um tecido para minhas finalidades, fazer uma calça, uma bermuda, uma camisa. Posso fazer isso porque se trata de um objeto. Como professor, não posso manipular o aluno, pois, ao fazer isso, estou tratando-o como se fosse objeto, a fim de dominá-lo facilmente. Essa forma de tratamento significa um rebaixamento do outro como interlocutor. E outro modo de o poder ser exercido é pela persuasão. Nesse modo não existe conflito na relação de poder: A exerce poder sobre B por meio do convencimento, sem que o mesmo sofra constrangimentos. Aqui, B foi induzido a agir em conformidade com o desejo de A. A persuasão não admite a coação e nem a manipulação. Nos tempos atuais, tanto na vida pessoal quanto na vida profissional, a capacidade de transmitir suas idéias e sutilmente dar sugestões, a fim de convencer pessoas, através de argumentos sólidos e baseados em fatos concretos, fizeram com que a persuasão ganhasse importância cada vez maior no cenário político, profissional e social. 60

O poder compreende força, força vinda de alguém investido de autoridade sobre outras pessoas.

Um primeiro modo de entender a autoridade como uma espécie de poder seria o de defini-la como uma relação de poder estabilizado e institucionalizado em que os súditos prestam uma obediência incondicional. Praticamente todas as relações de poder mais duráveis e importantes são, em maior ou menor grau, relações de Autoridade: o poder dos pais sobre os filhos na família, o do mestre sobre os alunos na escola, o poder do chefe de uma igreja sobre os fiéis, o poder de um empresário sobre os trabalhadores, o de um chefe militar sobre os soldados, o poder do Governo sobre os cidadãos de um Estado. (STOPPINO, 2007a, p. 88-89)

Algo similar se dá com o pensamento de Thomas Hobbes. No pensamento desse filósofo da política, para se promover um Estado forte, justo e pacifico, é necessário que todos os cidadãos renunciem ao poder em favor do soberano. A ele são atribuídos todos os direitos, sem que precise necessariamente se submeter às mesmas leis, ele é a fonte legisladora e criadora de toda lei. Até mesmo a autoridade religiosa deve ser entregue ao soberano para que nenhum conflito o impeça de promover a justiça e a paz. Em Hobbes, a força está toda concentrada na pessoa do soberano, a relação de poder é compensada com a proteção oferecida aos súditos. Compreendendo que o poder pode ser exercido de formas diferentes, e que, ao exercer tal poder, provocamos reações diferentes naqueles que sofrem esse poder, que o professor tem poder para transmitir conhecimentos ao aluno e que esse, por sua vez, ao se apropriar do conhecimento, adquire poder. Vemos, portanto, que a relação entre professor e aluno é uma relação de poder, e o exercício do poder se dá nas relações. Mas esse poder, para se tornar legítimo, necessita do consentimento, da participação voluntária e livre daqueles que obedecem. O poder se manifesta nas relações entre os homens desde que esses vivem em sociedade. Aristóteles definia cidadania como apropriação do poder: “Cidadão, segundo a nossa definição, é o homem investido de um certo poder. Ora, do momento que ele tenha um poder na mão, passa a ser cidadão, como dissemos” (A Política, Livro III, cap. 1, § 10). Podemos perceber que poder e cultura caminham juntos desde a Grécia antiga, eram vias essenciais para se alcançar a cidadania. Para ele, o poder era justo quando exercido por todos os 61

iguais (cidadãos, servos, mulheres, trabalhadores livres). O tirano busca coagir os homens livres, privando-os da liberdade. Para ele, são três coisas que a tirania se propõe: primeiro, o aviltamento dos súditos: aquele que possui um espírito baixo e pusilânime jamais será tentado a conspirar; depois, a desconfiança que nutrem os cidadãos entre si, porque a tirania só pode ser derrubada quando os homens tiverem entre si uma confiança recíproca; e a terceira é a impossibilidade de agir, porque ninguém empreende o impossível; por conseguinte, não se toma a tarefa de abolir a tirania, quando não se possui o poder de fazê-lo. Assim, se constitui um poder tirânico, aquele que é personalizado no indivíduo que não deseja ser destituído do poder. Para que o professor exerça um poder sobre seus alunos, é necessário que ele tenha a possibilidade para exercê-lo; antes de agir, ele tem a possibilidade de agir; antes de dar uma aula, ele tem a possibilidade de dar uma aula; antes de ensinar, ele tem a possibilidade de ensinar; antes de avaliar, ele tem a possibilidade de avaliar; antes de aprovar ou reprovar, ele tem a possibilidade de aprovar ou reprovar. 1 Assim, ele pode fazer escolhas, rever posições e métodos didáticos, construir saberes ou transmitir conceitos, e essas escolhas estão condicionadas ao seu próprio processo de formação, ao lugar de sua inserção profissional, ao ordenamento legal, cujo conjunto irá interferir diretamente no destino escolar do aluno. O aluno também deve ser considerado um sujeito dotado de poderes, principalmente do poder potencial, e é nas relações que ele experimenta o poder, o poder dos pais, o poder econômico, o poder do Estado e o poder da escola. É através das experiências vividas que o poder potencial se transforma em poder de fato. Ao desejar conhecer, o aluno vai ganhar conhecimento, e, para isso, ele depende do poder persuasivo do professor. É na escola, na relação entre ambos, que o poder potencial do conhecimento, que o exercício das potencialidades se torna poder de fato. Numa segunda definição de autoridade, Stoppino (2007) afirma que nem todo poder estabilizado é autoridade, mas somente aquele em que a disposição

1 No Brasil, essa capacidade é dada por meio de um docente com diploma de licenciado, cuja entrada no sistema de ensino se dá na área pública pelos concursos, e, no âmbito do ensino privado, por contrato. É claro que se deve respeitar o conjunto do ordenamento legal a esse respeito. 62

de obedecer de forma incondicional baseia-se na crença da legitimidade do poder. Como poder legítimo, a autoridade pressupõe um juízo de valor positivo em sua relação com o poder. Para tanto, o autor destaca duas características do mesmo: o poder deve ser considerado legítimo por parte de indivíduos ou grupos que participam da mesma relação de poder. Em segundo lugar, devem se considerar os aspectos do próprio poder: conteúdo das ordens, o modo ou processo como as ordens são transmitidas ou a própria fonte de onde provêm as ordens. A legitimidade do poder, em uma democracia, sugere a aceitação, por parte dos governados, da autoridade do governante, e pressupõe a rotatividade dos indivíduos no poder.

Abbagnano divide a autoridade em três doutrinas fundamentais, a primeira se fundamenta na natureza dos homens de Aristóteles. Segundo essa teoria, a autoridade deve pertencer aos melhores e é a natureza quem se incumbe de apontar quem são os melhores. Platão divide os homens em duas classes: os que são capazes de se tornarem filósofos e os que não o são. Os primeiros são movidos naturalmente por uma tendência irresistível à verdade (os filósofos), os segundos são naturezas vis e iliberais que nada têm em comum com a filosofia. A segunda teoria fundamental é a de que a autoridade se baseia na divindade, todo poder vem de Deus, o soberano é o representante de Deus na Terra. Tal doutrina teve larga vigência durante a Idade Média até mesmo em certas monarquias na Modernidade. E a terceira teoria a autoridade não consiste na posse de uma força, mas no direito de exercê-la; tal direito deriva do consenso daqueles sobre quem ela é exercida. Seu pressuposto fundamental é a negação da desigualdade entre os homens. Todos os homens receberam da natureza razão, isto é, a verdadeira lei que comanda e proíbe retamente; por isso, todos são livres e iguais por natureza. (ABBAGNANO, 2000, p. 98-99)

Um grande defensor da autoridade soberana do povo foi Jean-Jacques Rousseau, quando afirmou que a liberdade é um direito inalienável e natural de todos os homens. Para ele, o poder vem da vontade soberana de todos os cidadãos. O ser humano é o sujeito de todo o direito e a fonte de toda a lei. Para ele, os objetivos da educação são, basicamente, o desenvolvimento das potencialidades naturais da criança e seu afastamento dos males sociais, combatendo o individualismo competitivo e defendendo uma formação com princípios coletivos e morais. Para Rousseau, o principio da desigualdade entre os homens nasce com a propriedade privada, e é legitimado por uma educação que promove o individualismo, as disputas e a corrupção entre os homens. A escola passa a 63

ser reprodutora de uma cultura corrompida e egoísta, que contribui para o aumento da desigualdade social e a decadência física e moral da humanidade. Para pôr fim a esse processo, faz-se necessária uma educação que estimule a colaboração coletiva, democrática e fraterna entre os indivíduos. Assim, todos colaboram com os valores éticos e buscam o bem comum. Aqui se fundamenta o poder da autoridade legítima, na vontade livre e soberana de todos os cidadãos, a autoridade se funda no consentimento daqueles que o seguem, pois, quando o poder não é legítimo, surge o direito à resistência. Resistir é um direito daqueles que se vêem oprimidos pelo poder autoritário de um indivíduo ou grupo dominante, mas, para resistir, é preciso ter razão, e é aqui que aparece o poder da educação, poder para formar cidadãos passivos e conformados com os poderes estabelecidos, ou cidadãos conscientes no seu potencial transformador da realidade. Michel Foucault no seu livro Vigiar e punir , fala das relações de poder com a finalidade de compreender os métodos e meios coercitivos e punitivos adotados pelo poder público na repressão da delinqüência, principalmente nos séculos XVII e XVIII. Ele explica o uso do suplício como punição aos crimes cometidos. A aplicação da pena era lenta e pública, de maneira que os cidadãos acompanhassem a condenação e a tomassem como exemplo. O suplício segundo ele, é um fenômeno inexplicável; a extensão da imaginação dos homens para a barbárie e a crueldade é um ritual aplicado para marcar as vítimas e demonstrar o poder que pune. No antigo sistema, o corpo dos condenados se tornava coisa do rei, sobre o qual o soberano imprimia sua marca e deixava cair os efeitos de seu poder. Agora, ele será antes um bem social, objeto de uma apropriação coletiva e útil.

A disciplina fabrica, assim, corpos submissos e exercitados, corpos dóceis. A disciplina aumenta as forças do corpo, tornando-os mais úteis e diminui essas mesmas forças tornando-os mais obedientes. Em uma palavra: ela dissocia o poder do corpo; faz dele, por um lado, uma aptidão, uma capacidade que ela procura aumentar; e inverte, por outro lado, a energia, a potência que poderia resultar disso, e faz dela uma relação de sujeição estrita. Se a exploração econômica separa a força e o produto do trabalho, digamos que a coerção disciplinar 64

estabelece no corpo o elo coercitivo entre uma aptidão aumentada e uma dominação acentuada. (FOUCAULT, 2007, p. 119)

A disciplina vai moldando os indivíduos, para torná-los submissos; ela é a técnica específica de um poder que toma os indivíduos seres dóceis e obedientes. Não é um poder triunfante que, a partir de seu próprio excesso, pode-se fiar em seu superpoderio; é um poder modesto, desconfiado, que funciona a modo de uma economia calculada, mas permanente. A escola deve ser um aparelho de adestramento, próprio pra vigiar. O exame supõe um mecanismo que liga um certo tipo de formação de saber a uma certa forma de exercício do poder. “O indivíduo é sem dúvida o átomo fictício de uma representação ideológica da sociedade; mas é também uma realidade fabricada por essa tecnologia específica de poder que se chama disciplina” (FOUCAULT, 2007, p. 161)

O poder moderno não é mais, essencialmente, uma instância repressiva e transcendente (o rei não mais se encontra acima dos seus súditos e o Estado não é superior à lei), mas uma instância de controle, que envolve o indivíduo mais do que o domina abertamente. Podem diminuir as proibições, abole-se a pena de morte, abranda-se o regime das prisões, etc..., porém o sistema disciplinar, a que nos vemos submetidos até em nossa vida privada, cresce, discreta, mas continuamente. O Estado moderno tende a ser menos abertamente dominador, e mais manipulador; preocupa-se menos em reprimir a desobediência do que em preveni-la. É feito menos para punir do que para disciplinar. (LEBRUN, 2007, p. 85)

As manifestações do poder modificam-se, ao longo da história. Sempre houve aqueles que desejaram e lutaram contra o poder estabelecido, sempre houve aqueles que desejavam a continuidade do poder estabelecido. Se o poder é uma relação onde um ou mais indivíduos exercem influência sobre outros, é bem verdade que este é cobiçado e motivo de disputas desde que os homens vivem em sociedade. Conhecer os processos onde se desenvolvem essas relações é fundamental para compreender o poder, suas características e o lugar de cada indivíduo na escola de poder social onde vive. A escola é um lugar privilegiado onde as relações de poder se manifestam e se constituem como reprodução ou transformação da cultura, o professor ensina não somente através do conhecimento que tem, mas também das experiências herdadas por ele culturalmente, onde o poder se aprendeu nas relações vividas. 65

Nossa sociedade está marcada pela diversidade do exercício do poder; assistimos o uso do poder pelos meios de comunicação de massa que manipula a opinião pública, o poder das religiões para submeter seus seguidores a uma submissão total aos seus interesses, o poder das elites proprietárias dos meios de produção para coagir os trabalhadores a produzirem sempre mais, ganhando cada vez menos. Assim, aqueles que detêm o poder tornam-se cada vez mais fortes, enquanto os que são submetidos a esse poder ficam cada vez mais desprovidos de poderes mínimos e necessários. As relações de poder modificam-se através dos tempos e lugares, mas permanecem nas mãos das elites poderosas de cada nação.

3.2 A cultura

As mais diversas manifestações culturais que os homens produziram na vida em sociedade são também a própria história dos indivíduos e tudo aquilo que caracteriza sua existência. A cultura é o resultado das relações sociais entre os indivíduos no interior do seu grupo social e se relacionando e convivendo com outros grupos sociais. Para compreender a cultura, é necessário compreender os contextos em que essas manifestações culturais são produzidas. A riqueza de formas culturais produzidas por cada grupo social faz-nos compreender que a cultura é dinâmica, não é estática; ela se manifesta, ensina e transforma, de tempos em tempos. Importante também é relacionar essas manifestações com as diferentes classes sociais que a constituem. A cultura, portanto, reflete as experiências vividas pelos grupos humanos nas artes, religião, esporte, costumes, alimentação, família, política, e, principalmente, na transmissão de todo esse conhecimento, através da educação, para as futuras gerações.

Cultura é palavra de origem latina e em significado original está ligada às atividades agrícolas, donde procede agricultura. Vem do verbo latino coleo, colere, que quer dizer cultivar. Pensadores romanos antigos ampliaram esse significado e a usaram para se referir ao refinamento pessoal, e isso está presente na expressão cultura da alma. Como sinônimo de refinamento, sofisticação pessoal, educação 66

elaborada de uma pessoa, cultura foi usada constantemente desde então e o é até hoje quando dizemos tal pessoa é culta. (SANTOS, J. 2007, p. 27)

Cultura segundo Abbagnano tem dois significados básicos. No primeiro e mais antigo, significa a formação do homem, sua melhoria e seu refinamento. No segundo significado, indica o produto dessa formação, ou seja, o conjunto dos modos de viver e de pensar cultivados, civilizados, polidos, que também costumam ser indicados pelo nome de civilização. A cultura designa um ideal de formação humana completa, a realização do homem em sua forma autêntica ou em sua natureza humana. Competências específicas, habilidades particulares, destreza e precisão no uso dos instrumentos, materiais ou conceituais, são coisas úteis, aliás, indispensáveis, à vida do homem em sociedade e da sociedade no seu conjunto, mas não podem, nem de longe, substituir a cultura entendida como formação equilibrada e harmônica do homem como tal. (ABBAGNANO, 2000, p. 225)

Essa noção de cultura é bastante específica de Werner Jaegger, em seu clássico Paidéia .

De qualquer forma, o problema fundamental da cultura contemporânea é sempre o mesmo: conciliar as exigências da especialização (inseparáveis do desenvolvimento maduro das atividades culturais) com a exigência de formação humana, total ou, pelo menos, suficientemente equilibrada. O homem culto é, em primeiro lugar, o homem de espírito aberto e livre, que sabe entender as idéias e as crenças alheias ainda que não possa aceitá-las ou reconhecer sua validade. Em segundo lugar uma cultura viva e formativa deve estar aberta para o futuro embora ancorada no passado. Nesse sentido, o homem culto é aquele que não se desarvora diante do novo nem foge dele, mas sabe considerá-lo em seu justo valor, vinculando-o ao passado e elucidando suas semelhanças e disparidades. (ABBAGNANO, 2000, p. 227-228)

Vemos, portanto, que a cultura como refinamento é a formação dos indivíduos dentro do seu grupo social, é a soma das habilidades cultivadas por homens e mulheres para que possam conhecer e contribuir para o desenvolvimento dos costumes do seu povo. Mas a cultura diz respeito a todo o grupo; ela é parte da história de um povo, e foi a apropriação da cultura por parte de alguns com fins próprios, nos quais oprimiam a maioria é que a cultura se tornou ferramenta de dominação, de poder para explorar, e assim não poderia ser dominada por todos. Podemos dizer que a cultura diz sobre toda a conjuntura social de um povo, sobre a arte, a religião, sobre a educação, mas sobre a política e a forma de conduzir os destinos da economia de um País.

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Cultura é uma dimensão do processo social, da vida de uma sociedade. Não diz respeito apenas a um conjunto de práticas e concepções como, por exemplo, se poderia dizer da arte. Não é apenas uma parte da vida social como por exemplo se poderia falar da religião. Não se pode dizer que cultura seja algo independente da vida social, algo que nada tenha a ver com a realidade onde existe. Entendida dessa forma, cultura diz respeito a todos os aspectos da vida social, e não se pode dizer que ela exista em alguns contextos e não em outros. Cultura é uma construção histórica, seja como concepção, seja como dimensão do processo social. Ou seja, a cultura não é algo natural, não é uma decorrência de leis físicas ou biológicas. Ao contrário, a cultura é um produto coletivo da vida humana. Isso se aplica não apenas à percepção da cultura, mas também à sua relevância, à importância que passa ter. Aplica-se ao conteúdo da cada cultura particular, produto da história da cada sociedade. Cultura é um território bem atual das lutas sociais por um destino melhor. É uma realidade e uma concepção que precisam ser apropriadas em favor do progresso social e da liberdade, em favor da luta contra a exploração da uma parte da sociedade pro outra, em favor da superação da opressão e da desigualdade. (SANTOS, J. 2007, p. 44- 45)

Unindo a cultura em seu conceito primitivo e em seu conceito moderno, podemos dizer que a cultura é o cultivo, o afloramento, o aprendizado que o indivíduo adquire de toda a riqueza das produções sociais que seu grupo humano fez, ao longo da história. Ele se apropria da cultura, compreende os processos em que ela se forma, sabe que é parte dinâmica dela. A educação dá ao indivíduo o poder de contribuir na construção da cultura na qual está inserido; ele pode adaptá-la às novas necessidades de seu tempo para que todos vivam de maneira melhor. Podemos, ainda, dividir a cultura entre as classes sociais. A primeira é a cultura erudita, apropriada pelas elites: social, econômica, política e cultural, e seu conhecimento é originário de um pensamento elaborado cientificamente através dos livros, das pesquisas universitárias ou do estudo sistemático. Em geral, erudito significa aquele que tem instrução vasta e variada adquirida, sobretudo, pela leitura de clássicos e por um conhecimento variado, inclusive nas artes. A segunda é a cultura popular relacionada ao povo, às classes mais pobres. Muitas elaborações eruditas partiram de conteúdos ou situações advindas da cultura popular. A cultura popular é uma forma de expressão que, por não estar diretamente ligada ao conhecimento científico, pode se manifestar como conhecimento vulgar ou espontâneo, ao senso comum. Isto não quer dizer que sempre o senso comum seja equivocado. Rigorosamente, o senso comum é 68

um conhecimento que se adquire sem se necessitar do esforço e da disciplina que o conhecimento científico exige pelo seu método. A educação escolar, ao menos formalmente, pretende, não só transmitir sistematicamente conhecimentos válidos, como também fazer do acesso ao conhecimento científico e elaborado um modo de presença de cada indivíduo na cultura em que ele está inserido. Entendo educação como esse processo de desenvolvimento que, desde a tenra idade, os seres humanos são orientados para o desenvolvimento de suas potencialidades, para a apreensão de conhecimentos e valores para que todos e cada um possam conhecer e se apropriar criticamente da cultura. Para ABBAGNANO (2000),

Educação em geral, designa a transmissão e o aprendizado das técnicas culturais, que são as técnicas de uso, produção e comportamento, mediante as quais um grupo de homens é capaz de satisfazer suas necessidades, proteger-se contra a hostilidade do ambiente físico e biológico e trabalhar em conjunto, de modo mais ou menos ordenado e pacífico. Como o conjunto dessas técnicas se chama cultura, uma sociedade humana não pode sobreviver se sua cultura não é transmitida de geração para geração; as modalidades ou formas de realizar ou garantir essa transmissão chamam-se educação. (ABBAGNANO, 2000, p. 305)

Segundo PARO (2007),

Na linguagem comum, educação é normalmente associada a ensino, quer para servir-lhe de sinônimo, quer para dele diferenciar-se. O uso diferenciado se dá, em geral, no senso comum, quando se associa a educação ao campo dos valores e das condutas, aquela por meio da qual se propicia ao educando formação moral e disposição à prática dos bons costumes e associa o ensino à passagem de conhecimentos e informações, contidos nas disciplinas teóricas ou nas ciências de um modo geral e que são úteis para a vida em geral ou para o exercício de uma ocupação. (PARO, 2007, p. 1)

A educação e a cultura são dois processos indispensáveis na formação do ser humano, na construção da sua identidade cidadã. Quando a cultura se torna propriedade de uma classe como instrumento de dominação de outras classes, o que vemos é uma educação passiva, autoritária, antidialógica, que não permite a emancipação das classes trabalhadoras, pois não existe ali a apropriação de uma cultura, e sim, a assimilação de técnicas de produção, onde os indivíduos se preparam para atender as necessidades do mercado. 69

A educação como apropriação da cultura é dialógica, é transformadora da realidade. A relação de poder entre professor e aluno se faz através do dialogo que, problematizado, produz conhecimento. Para Freire, “o diálogo é o encontro amoroso dos homens que, mediatizados pelo mundo, o ‘pronunciam’, isto é, o transformam, e, transformando-o, o humanizam para a humanidade de todos” (FREIRE, 1977, p. 43). Uma educação humanizadora não se faz com professores autoritários. É preciso, antes de tudo, humanizar a educação, os espaços físicos, os gestores, e, principalmente, os professores que se formaram e reproduzem uma educação autoritária. Uma práxis educacional verdadeiramente democrática nasce das relações democráticas praticadas no cotidiano escolar. A história da educação pública brasileira está marcada pela tradição elitista e reprodutivista de conteúdos determinados que não interagem com o contexto e a vida cotidiana dos educandos. Apropriar-se dessa história para transformá-la é um desafio para o educador do século XXI, que precisa compreender a cultura para torná-la melhor, principalmente nas escolas freqüentadas pelos alunos mais carentes.

O homem faz história, portanto, ao produzir cultura. E ele o produz como sujeito, ou seja, como detentor de vontade, como autor. A necessidade da educação se coloca precisamente porque, embora autor da história pela produção da cultura, o homem ao nascer encontra-se inteiramente desprovido de qualquer traço cultural. Nascido natureza pura, para fazer-se homem à altura de sua história, ele precisa apropriar-se da cultura historicamente produzida. A educação como apropriação da cultura apresenta-se, pois, como atualização histórico-cultural. Atualização aqui significa a progressiva diminuição da defasagem que existe em termos culturais entre seu estado no momento em que nasce e o desenvolvimento histórico no meio social em que se dá seu nascimento e seu crescimento. Significa que ele vai-se tornando mais humano (histórico) à medida que desenvolve suas potencialidades, que à sua natureza vai acrescentando cultura, pela apropriação de conhecimentos, informações, valores, crenças, habilidades artísticas etc., etc. É pela apropriação dos elementos culturais, que passam a constituir sua personalidade viva, que o homem se faz humano-histórico. (PARO, 2007, p. 4)

Entender a educação como apropriação da cultura é permitir que o aluno seja dono da própria história, descubra-se como parte de uma sociedade em construção, que a realidade não é acabada, pronta, estática. A luta contra a homogeneização cultural, a exclusão social e a ignorância política passa pela construção de currículos que propõem um diálogo constante entre o professor e 70

o aluno, entre o conteúdo e a realidade vivida por seus agentes, como afirma Moreira (2001), a escola através do currículo precisa mostrar aos alunos que as coisas não são inevitáveis, que a desigualdade social pode ser modificada e que cada professor, em cada sala de aula, pode ser um agente dessa transformação. Trataremos, a seguir, de sintetizar a relação entre poder, cultura e o currículo escolar, principalmente na atualidade da escola pública brasileira.

3.3 Poder, cultura e currículo escolar

Retomamos, portanto, a idéia de educação como apropriação da cultura, do aluno como sujeito do processo de ensino aprendizado, um sujeito histórico que se apropria da cultura como constituinte da sua existência. Pensemos, também, na importância de um currículo crítico, capaz de promover a dignidade cultural e social do educando. Quando o aluno é pensado e considerado como sujeito no processo de ensino aprendizado, o poder não é centralizado no professor; ele é compartilhado e torna-se propriedade de ninguém, pois o seu lugar numa educação progressista é o da relação dialógica entre professor e aluno. Para Freire, “a educação é comunicação, é diálogo, na medida em que não é a transferência de saber, mas um encontro de sujeitos interlocutores que buscam a significação dos significados” (FREIRE, 1977, p. 69). E quando o aluno apropria-se da cultura, ele aprende de fato, ele se torna capaz de problematizar o mundo à sua volta, ele se apropria por meio da razão das ferramentas que o levam a sua emancipação, da sua dignidade. A avaliação é constante, e o aluno é sujeito do processo avaliativo junto do professor e da instituição; ele não aparece apenas como um ser passivo, sujeito a aprovação ou reprovação. Aprender torna-se objeto de desejo do aluno e, dessa forma, ele se apropria do conhecimento e constrói a base da sua cidadania. Uma cidadania crítica depende de uma educação igualmente crítica.

Na produção histórica de sua existência, os homens produzem conhecimentos, instrumentos, técnicas, valores, crenças, comportamentos, tudo enfim que se configura na cultura humana. A 71

apropriação dessa cultura pelos indivíduos é que constitui a educação. Esta é entendida, assim, como atualização histórico-cultural do homem, por que é pela apropriação da cultura (produção histórica) que o indivíduo se faz homem (no sentido histórico, não meramente biológico), diferenciando-se da natureza (que é o nível no qual ele se encontra no momento do nascimento) e transcendendo-a. Ou seja, a cultura se transmite não por hereditariedade biológica, mas historicamente. Em qualquer época e em qualquer sociedade, os indivíduos nascem igualmente desprovidos de qualquer atributo cultural. É pela educação que cada indivíduo integra-se ao estágio de desenvolvimento histórico do meio sociocultural onde nasce e cresce. (PARO, 2001, p. 35)

Mencionamos, anteriormente, que a apropriação da cultura é um poderoso instrumento de poder. As classes dominantes utilizam-se das manifestações culturais para aumentar ainda mais o seu controle sobre as classes populares. Os meios de comunicação de massa, as religiões, o trabalho são ferramentas poderosas que têm a finalidade de conduzir uma cultura, seja para os interesses das elites quanto para os interesses dos trabalhadores. Criar uma sociedade homogênea, diminuir os conflitos existentes, criar hábitos de comportamento em conformidade com os interesses dos poderosos é o papel da cultura em uma sociedade de classes. Para SANTOS (2007),

hoje em dia os centros de poder da sociedade se preocupam com a cultura, procuram defini-la, entende-la, controla-la, agir sobre seu desenvolvimento. Há instituições públicas encarregadas disso; da mesma forma, a cultura é uma esfera de atuação econômica, com empresas diretamente voltadas para ela. Assim, as preocupações com a cultura são institucionalizadas, fazem parte da própria organização social. Expressam seus conflitos e interesses, e nelas os interesses dominantes da sociedade manifestam sua força. (SANTOS, J. 2007, p. 82)

Na sociedade atual, o poder tem nome. As elites, os donos dos meios de produção, os poderosos dos países ricos, esses são detentores de uma cultura que se diz “hegemônica” e “verdadeira”; as demais são culturas periféricas. Essa ideologia é transmitida aos estudantes freqüentadores das escolas que atendem as massas populares por meio de vários elementos, dentre eles o currículo escolar. Segundo MOREIRA (1997),

O currículo constitui significativo instrumento utilizado por diferentes sociedades tanto para desenvolver os processos de conservação, transformação e renovação dos conhecimentos historicamente 72

acumulados como para socializar as crianças e os jovens segundo valores tidos como desejáveis. (MOREIRA, 1997, p. 11)

O currículo escolar é a ferramenta que reflete todas as experiências, em termos de cultura, que são proporcionados aos alunos durante a vida escolar. Assim, ele precisa ser encarado como um elemento fundamental do processo educacional. Assistimos, ainda hoje, em muitas escolas públicas do País, o distanciamento entre o conteúdo presente no currículo e a realidade vivida pelos alunos. A utilização do currículo como reprodução de uma realidade dada, não problematizada, formando pessoas obedientes às regras estabelecidas, leva os alunos à conformação, com condição de exploração de uns poucos sobre a grande maioria das pessoas. O currículo não pode ser apenas um instrumento ideológico capaz de reproduzir o status quo . SANTOS (2005) diz que:

Não basta criar um novo conhecimento, é preciso que alguém se reconheça nele. De nada valerá inventar alternativas de realização pessoal e coletiva, se elas não são aprováveis por aqueles a quem se destinam. Se o novo paradigma aspira a um conhecimento complexo, permeável a outros conhecimentos, loca e articulável em rede com outros conhecimentos locais, a subjetividade que lhe faz jus deve ter características similares ou compatíveis. (SANTOS, B., 2005, p. 333)

Entendendo que o currículo escolar pode ser um instrumento de dominação e de exclusão ainda maior dos já excluídos da política, da economia, do trabalho, e, portanto, do poder cultural. Ao compreender essa realidade, precisamos verificar como se dá a aplicação do currículo nas escolas brasileiras. Segundo Moreira (1999), nas décadas de 70 e 80, a influência norte- americana nos modelos curriculares brasileiros foi grande. Esse processo, conhecido como transferência educacional, foi perdendo força na década de 90. Nesse processo as escolas são vistas como instrumentos de reprodução da ideologia dominante, a política neoliberal transforma o currículo em uma ferramenta do mercado, centrada na produtividade e na manutenção do domínio imperialista dos países centrais sobre os países periféricos. Moreira (1997) apresenta como alternativa ao reprodutivismo neoliberal da chamada pós-modernidade uma utopia possível e necessária, capaz de confrontar o estabelecido com o possível, e criar novas perspectivas para um mundo social mais justo. Para isso, é preciso que o teórico denuncie o caráter reprodutor da escola e apresente alternativas de renovação. É preciso, também, 73

a promoção de um ambiente favorável ao desenvolvimento de novas concepções de conhecimento, e, por fim, merece a atenção o planejamento e o desenvolvimento do currículo voltado para os excluídos; Moreira (1997) parece concordar com SANTOS (2005) nessa questão:

A utopia é a exploração de novas possibilidades e vontades humanas, por via da oposição da imaginação à necessidade do que existe, só porque existe, em nome de algo radicalmente melhor que a humanidade tem direito de desejar e por que merece a pena lutar. A utopia é uma chamada de atenção para o que não existe como (contra)parte integrante, mas silenciada, do que existe. Pertence à época pelo modo como se aparta dela. Por outro lado, a utopia é sempre desigualmente utópica, na medida em que a imaginação do novo é composta em partes por novas combinações e novas escalas do que existe. Uma compreensão profunda da realidade é assim essencial ao exercício da utopia, condição para que a radicalidade da imaginação não colida com o seu realismo. (SANTOS, B. 2005, p. 323)

Educadores críticos acreditam nessa utopia, sabem que podem contribuir para a construção de uma sociedade mais justa. Sabem que não podem ignorar a realidade vivida por seus alunos. O educador é parte de uma comunidade escolar que, unida, problematiza o real, e luta para transformá-lo. As desigualdades sociais são refletidas na cultura de um povo, a exploração de uma minoria sobre a maioria da população, como é o caso do Brasil, geram conflitos, porque, nem a cultura e nem a sociedade são estáticas, inertes, elas são dinâmica, sente os resultados dessas desigualdades e luta contra elas. A sociedade brasileira luta contra a violência, contra o desemprego, a favor de uma saúde pública de qualidade, a sociedade sabe da importância da apropriação da cultura, e, por isso, luta por uma educação pública de qualidade capaz de formar cidadãos críticos, participantes da dinâmica que conhece, compreende, interage e transforma a cultura. Concordo com MOREIRA (2001), quando ele diz:

A meu ver, a escola brasileira, neste final de século, também marcada por nossa situação de marginalidade cultural e pela indiferença com que muitas de nossas autoridades têm tratado a educação, precisa procurar, por meio de suas atividades curriculares, mostrar ao aluno que as coisas não são inevitáveis. Deve, prioritariamente, ajudá-lo a perceber que a realidade social que o cerca é resultado de ações sociais cujo poder não é absoluto: “o dado é condição de uma ação futura, não seu limite” (BEATRIZ SARLO, 1999, p. 10). Os questionamentos, nesse enfoque, devem visar a perturbar, a provocar tensões, a esgarçar as justificativas, celebratórias ou cínicas, do 74

existente. Podem não mudar o mundo, mas deixam uma porta entreaberta. (MOREIRA, 2001, p. 6)

Na escola, o poder está presente em todas as relações; o poder do Estado sobre o currículo escolar, o poder econômico sobre o Estado, e, conseqüentemente, sobre as metas curriculares, e esse poder se manifesta visivelmente entre professores e alunos. O professor tem o poder de ensinar, o aluno tem o poder de aprender. Essas relações estão inseridas na realidade onde o processo de ensino aprendizado se dá. As condições históricas determinam o tipo de poder que aí se apresentam. Nossas experiências de democracia, liberdade, autoritarismo, disciplina e medo são condicionantes das relações de poder entre professor e aluno. Sobre o desafio da desarticulação e rearticulação do currículo e suas conseqüências na vida da sociedade, MOREIRA (2001) diz:

Sustento, em outras palavras, o ponto de vista de que na escola tudo pode e deve ser posto em questão, tudo pode e deve ser desconstruído. Ao mesmo tempo, muito pode e deve ser inventado, no desafio e no processo de forjarmos uma realidade social com menos desigualdades, privilégios e injustiças, na qual seja possível viver e conviver condignamente, na qual se avolume a esperança preservada por Bourdieu, na qual sejam possíveis a utopia, a democracia, a solidariedade, indispensáveis tanto ao questionamento do existente como ao anúncio d que Buarque (1999) chama de modernidade ética. (MOREIRA, 2001, p. 6)

A elaboração de propostas curriculares que atendam não somente as demandas do mercado, mas, principalmente, as necessidades dos estudantes, é o desafio que se coloca para os educadores na pós-modernidade. O currículo presente nas escolas não pode ser apenas um instrumento reprodutor da ideologia dominante a serviço do mercado. O conteúdo explicitado pelos professores, nas salas de aula, em todas as escolas públicas brasileiras, podem conter valores implícitos que atendam apenas a cultura dominante, mas o poder de resistência está presente nesses agentes do processo de ensino aprendizado (professores e alunos). Confrontar os antagonismos ideológicos presentes na educação é uma forma de resistir e buscar alternativas mais justas e que atendam as classes trabalhadoras. Assim, as escolas podem ser instrumentos ideológicos a serviço da reprodução de uma realidade dada, conformista e conservadora, mas ela pode ser um espaço de confronto, de 75

resistência, de luta pela emancipação de todas as culturas. APPLE (1989) descreve essa relação:

Entretanto, não devemos nos engajar apenas na ação relativa ao longo e lento processo de possibilitar que os professores e professoras compreendam sua situação. Há também uma grande necessidade de ação curricular. Neste ponto não direi muito mais do que já foi dito por outras pessoas que tiveram que lutar muito e duramente para introduzir materiais honestos, controvertidos e, racial, sexual e economicamente progressistas nas escolas. Se podemos encontrar resistências, se mesmo apenas num nível informal podemos encontrar homens e mulheres em nossas empresas, fábricas e em outros locais lutando para manter seus conhecimentos, humanidade e dignidade, então a ação curricular pode ser mais importante do que imaginamos. Pois os estudantes necessitam ver a história e a legitimidade dessas lutas. O ensino da história séria do trabalho, organizado em torno das normas de oposição produzidas por homens e mulheres que resistiram a cumprir o currículo oculto, pode constituir uma estratégia efetiva para a ação educacional neste caso. Como Raymond Williams nos faz lembrar, a superação do que ele chamou de “a tradição seletiva” é essencial para a prática emancipatória hoje. (APPLE, 1989, p. 102)

O educador progressista deve ser humanista, contribuir para a humanização racional dos homens em sociedade, deve, antes de tudo, despertar nos alunos o desejo pelo saber. O aluno dever refletir sobre sua condição histórica, deve estar inserido e comprometido com a realidade concreta em que vive. A educação deve ser a problematização do mundo real, deve estar comprometida com a liberdade e com a dignidade dos seres humanos. Tanto o currículo formal, o currículo em ação e o currículo oculto são uma interação a serviço da dignidade de todos os cidadãos. Conhecer a cultura brasileira através da educação, compreender como se construíram as relações de poder ao longo da história do País, ter o poder de transformá-la é um direito previsto em lei no Brasil (art. 205. Constituição Federal). Preparar os indivíduos para a cidadania é um dever da escola, e isso se faz com uma práxis emancipadora, onde o aluno tem o poder de participar do processo educativo durante toda a sua formação, o espaço da sala de aula é democrático, dialógico onde professor e aluno são sujeitos do aprendizado, co- responsáveis pela garantia dos direitos subjetivos de cada aluno, em cada escola pública brasileira.

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4 CONTRADIÇÕES ENTRE SERIAÇÃO E CICLO DE FORMAÇÃO HUMANA

O exercício do poder por parte do professor vem do seu histórico escolar em sua formação inicial, não apenas aqueles registrados nos históricos escolares, mas dos processos pelos quais ele passou durante sua formação, das experiências vividas por ele no interior da escola, vem do poder que ele conheceu vindo dos professores que teve. Mas esse professor não é apenas fruto da sua história escolar. Ele como sujeito, pode intervir no processo, fazer e refazer a história dos processos escolares, os meios que ele vai utilizar para, não só transmitir conhecimentos, mas cultura, manter a disciplina na sala de aula, avaliar seus alunos, vê-los crescer. Essas escolhas vão dizer que tipo de cidadão ele pretende formar, acomodado e passivo ou consciente e crítico. Esse é o seu poder potencial, que se transforma em poder de fato na prática cotidiana escolar. Por outro lado, essa formação fica condicionada, de modo geral, ao domínio ideológico de quem se mantinha no poder, seja o Estado, a Igreja ou as elites de cada sociedade e, de modo específico, ao projeto pedagógico de sua instituição formadora. De um lado, organizar o sistema educacional sempre foi um jogo de poder, poder político. Decidir que tipo de educação se pretende oferecer significa dar uma direção para o perfil social pretendido. De outro lado, do ponto de vista da organização pedagógica da escola ou mesmo de um sistema de ensino – participantes do sistema educacional brasileiro – podem-se confrontar dois modelos básicos, o seriado e o ciclado. O modelo de organização pedagógica seriado é caracterizado por períodos bem determinados. Anualmente, possui um caráter seletivo, pela transmissão de conteúdos distribuídos de forma fragmentada, disciplina rígida, pela reprovação daqueles que não acumularam os conteúdos, e pela aprovação para o próximo ano como recompensa. Nesse modelo, o aluno aparece apenas como objeto do trabalho do professor. O professor Paulo Roberto Vital de Negreiros conceitua o sistema seriado da seguinte forma:

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Nesta concepção de tempo escolar, a função da escola é de transmitir o saber acumulado pela humanidade de forma sistemática. Para tanto, a lógica de organização estrutura-se num modelo seqüencial que estabelece pré-requisitos para o processo de aprendizagem. Valoriza- se a capacidade do aluno em reter ensinamentos e a figura do professor como transmissor. Os conteúdos se dividem em disciplinas, distribuídas em uma grade curricular e operacionalizada no horário das aulas. A avaliação caracteriza-se por uma lógica classificatória, acumulativa e discriminatória. As provas identificam os melhores, os médios e os fracos. Mecanismo de controle de sucesso, fracasso e disciplina. Aprova e reprova. O tempo escolar está organizado em séries anuais que permite o ajustamento ou a classificação dos alunos. Aqueles que aprendem, mudam de série, os reprovados repetem. (NEGREIROS, 2004, p. 19)

Já a organização pedagógica por ciclos remete-nos às fases da vida humana: infância, adolescência, juventude e fase adulta. Os tempos escolares respeitam as fases da vida do aluno. As etapas do processo ensino/aprendizado são mais flexíveis partindo das experiências da vida do aluno. Esses períodos acompanham os ciclos do desenvolvimento humano. No ciclo, os processos de desenvolvimento coletivo não anulam o processo individual de cada um, este é considerado e tratado de forma específica com a intenção de construir o objetivo comum que é o desenvolvimento de todos. O ciclo surge como uma alternativa de se organizarem os tempos escolares, compreendendo as mais variadas etapas do processo formativo de cada educando. Os ciclos compreendem os seres humanos, não apenas no que já são ou que possam produzir, mas, principalmente, no que podem vir a ser. Nesse processo, os conteúdos abrem espaços para os problemas da vida dos indivíduos, como: dignidade, trabalho, ética, desigualdade, distribuição de renda, violência, fome, etc., são questões problematizadas e que devem conduzir a uma práxis verdadeiramente transformadora do real. Ainda segundo Negreiros, nos ciclos de formação humana:

Os conhecimentos não se desenvolvem desconectados do desenvolvimento integral dos indivíduos. O tempo de viver é sempre tempo de possibilidades de aprendizado. Infância ou vida adulta são igualmente tempos de formação e de vivência de direitos plenos. (NEGREIROS, 2004, p. 28)

O modelo de escola seriada no Brasil tornou-se um exemplo de poder estabilizado e institucionalizado. Sua linguagem está muito presente na cultura do nosso povo, suas regras são aceitas quase como naturais pela maioria da 78

população. Se perguntarem a um aluno em que série ele estuda, e ele responder 5ª série, todos saberiam identificar, mas se perguntarem em que ano do ciclo ele está, e ele responder no 1º ano do segundo ciclo, teria dificuldades em entender o período escolar desse aluno. Se a professora de uma turma de 30 alunos da 5ª série reprovou dez alunos no final do ano e questionada pelos motivos das reprovações, ela responderia: porque não sabem nada e foram muito mal nas provas, isso também seria aceito com naturalidade pela sociedade. Poderia dar vários exemplos para justificar a estabilidade do poder do modelo seriado na prática escolar em nosso País. “Se meu filho não sabe nada, não aprendeu, é melhor tomar bomba e fazer tudo de novo; no ano que vem, quem sabe ele aprende”, parece comum ouvir isso de uma mãe de aluno. “Seu filho brincou o ano inteiro, não fez os exercícios, chegava todo dia atrasado, fazia perguntas fora de hora, tirou nota baixa nas provas e por isso deve ficar mais um ano na 5ª série”, diz a professora. O modelo educacional seriado tem suas raízes no capitalismo industrial do século XIX, quando a produção em série exigia uma mão de obra qualificada para o mercado. O modelo taylorista propunha uma organização dos trabalhadores nas fábricas de maneira que pudessem dividir melhor as etapas do processo produtivo, este absorvido pelo fordismo, que organizou os trabalhadores para diminuir o tempo de produção, com o menor custo de matéria-prima, aumentando a capacidade de produção. Mas, nos séculos anteriores, já havia a preocupação em controlar as ações dos indivíduos, de educá-los para uma prática conforme os interesses do Estado e das elites, como demonstra FOUCAULT (2007) a respeito do sistema educacional no século XVIII, em seu livro Vigiar e punir :

Filas de alunos na sala, nos corredores nos pátios; colocação atribuída a cada um em relação a cada tarefa e cada prova; colocação que obtém de semana em semana, de mês em mês, de ano em ano; alinhamento das classes de idade uma depois da outra; sucessão dos assuntos ensinados, das questões tratadas segundo uma ordem de dificuldade crescente. E nesse conjunto de alinhamentos obrigatórios, cada aluno segundo sua idade, seus desempenhos, seu comportamento, ocupa ora uma fila, ora outra; ele se desloca o tempo todo numa série de casas; umas ideais, que marcam uma hierarquia do saber ou das capacidades, outras devendo traduzir materialmente no espaço da classe ou do colégio essa repartição de valores ou dos méritos. Movimento perpétuo onde os indivíduos submetem uns aos 79

outros, num espaço escondido por intervalos alinhados. (FOUCAULT, 2007, p. 126)

A sociedade era vigiada pelo Estado. Precisava ser controlada, domesticada, manipulada e a educação era um meio para esse fim. Ensinar, desde a tenra idade, as crianças e os jovens para serem obedientes, submissos aos interesses daqueles que estão no poder. Os modelos educacionais implantados pelo Estado brasileiro ao longo de sua história acompanharam essa tendência. Os trabalhadores, os mais pobres quando não excluídos dos sistemas de ensino, deveriam ser treinados para a obediência e a submissão aos interesses das elites, ou seja, uma educação fraca para os pobres e uma educação de qualidade para os ricos. Para Saviani (2007), com a implantação dos sistemas nacionais de educação no século XIX, o Brasil adotou o modelo tradicional de educação focada nos conhecimentos dos professores e na transmissão de conteúdos. A escola tradicional no Brasil organizou a educação para ser transmissora de conteúdos prontos, elaborados cientificamente por especialistas, e passados aos alunos por professores tecnicamente preparados, que, por sua vez, foram educados por outros professores tradicionais, que aprenderam que educação se faz na sala de aula, com disciplina rigorosa, assimilação de conteúdos, preparação de alunos para concursos e para o vestibular, avaliação do conteúdo, aprovação como mérito e reprovação como punição. O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932 institui, no País, um modelo “revolucionário” de educação, por considerar o modelo tradicional ineficiente e excludente. Esse propõe uma escola mais focada no aluno e menos nos conteúdos do professor. Para a Escola Nova, o aluno marginalizado não é o ignorante, mas o rejeitado. “O professor agiria como um estimulador e orientador da aprendizagem cuja iniciativa principal caberia aos próprios alunos” (SAVIANI, 2007, p. 9).

O que distingue da escola tradicional a escola nova, não é, de fato, a predominância dos trabalhos de base manual e corporal, mas a presença, em todas as suas atividades, do fator psicobiológico do interesse, que é a primeira condição de uma atividade espontânea e o estímulo constante ao educando (criança, adolescente ou jovem) a buscar todos os recursos ao seu alcance, "graças à força de atração das necessidades profundamente sentidas. (MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA DE 1932, p. 9) 80

Mas a Escola Nova, apesar de sua metodologia ativa centrada no aluno, acabou por contribuir para a exclusão dos já considerados “marginalizados”, pois sua aplicação privilegiou os meios burgueses. Dentre outros modelos, destaco também o tecnicista, focado no modelo fabril, entende a educação como preparação técnica do aluno para o mercado de trabalho. Em todos esses modelos, o poder da educação de desenvolver competências e habilidades nos alunos para o exercício da razão reduz-se a um complexo grupo de conteúdos divididos em disciplinas por área de conhecimento em que o aluno se vê obrigado a decorar fórmulas e conceitos, com o simples propósito de tirar boas notas e passar de ano. Não se vê a preocupação da educação de tornar o aluno um sujeito participativo do processo ensino aprendizado. Ao contrário, a escola contribui para a formação passiva e conformista do aluno diante da realidade. Embora a Escola Nova tenha caminhado nessa direção, ela não chegou às camadas populares, nas escolas púbicas freqüentadas pelos mais pobres. Na verdade, todos esses modelos reproduziram uma educação autoritária, antidialógica.

O característico da organização das escolas para finalidades seletivas é o menosprezo às diferenças individuais, ou a utilização das diferenças individuais, apenas para eliminar os reputados incapazes. A escola fixa os seus graus ou séries de ensino, os padrões a que devem atingir os alunos capazes de seguir o curso. Os que não se revelarem capazes são reprovados ou repetentes excluídos. Nessa organização cabe ao aluno adaptar-se ao ensino e não o ensino ao aluno. Nada mais legítimo se a escola visa realmente a selecionar alguns alunos para determinados estudos. E nada mais ilegítimo se a escola se propõe a dar a todos uma habilitação mínima para a vida, a promover a formação possível de todos os alunos de acordo com suas aptidões. (TEIXEIRA, 1999, p. 100)

O modelo educacional brasileiro conduzido pelas elites, na forma como se deu a seriação, foi implacável com o aluno provindo das classes populares que tem dificuldades de aprendizado, de assimilação de conteúdos. Sua lógica seletiva e homogeneizadora exclui aqueles que não conseguem acompanhar seus métodos de ensino, daí o grande número de alunos evadidos, reprovados, excluídos das escolas brasileiras. E a culpa do fracasso acaba recaindo sobre o aluno que não consegue se concentrar na aula, não presta atenção, não estuda em casa, portanto precisa repetir de ano para aprender melhor. 81

Na década de 60, no afã de pôr um fim no analfabetismo no Brasil e, ao mesmo tempo, tornar o ato pedagógico um momento de conscientização, surge o modelo de educação popular de Paulo Freire. Esse modelo compreende um método humanista de alfabetização de adultos, no qual a relação dialógica entre professores e alunos parte de temas geradores tirados da vida dos alunos e provocando uma práxis transformadora. A esse respeito dedico o próximo capítulo, pois trata do meu referencial teórico. O método Paulo Freire acabou se constituindo num contraponto ao caráter classista, seletivo e excludente que marcou minha história da educação. A essa seletividade se junta o caráter punitivo e reprovador que aparecem com mais força. Em certa medida, esse método cooperou para trazer à tona o questionamento ao modelo seriado que, associado à reprovação, se impusera à educação brasileira. Daí nascem alternativas como, por exemplo, os ciclos de formação humana e de aprendizagem, os quais prevêem uma formação diferenciada do modelo seriado, incluindo, além da apropriação de conteúdos, a valorização de habilidades, atitudes e o respeito aos valores culturais e artísticos.

A partir da década de 70, a problematização da repetência e evasão escolar ganhou um novo impulso com as teorias da reprodução. A organização do sistema escolar, imbricada da exclusão começou a ser repensada a partir da função social da escola. O centro da polêmica era saber até que ponto a escola ajudava na transformação ou reprodução da sociedade. Nesta perspectiva, o regime seriado começou a ser duramente questionado. Foi acusado de ser um dos principais elementos responsáveis pelos autos índices de fracasso escolar – a reprovação. E neste aspecto era fator de manutenção de um modelo de sociedade elitista, conservadora e injusta. (NEGREIROS, 2004, p. 22)

Educar é um gesto radical de transformar, de permitir que o outro se aproprie da cultura. A educação está associada a ensinar, a transferir conhecimentos. Quando se diz que a escola do seu bairro é ruim, quer dizer que o ensino não é bom, mas, quando se diz que tal escola é boa, a associação ao ensino de qualidade é imediata. A escola boa é aquela democrática, em que o aluno deseja o saber, e, por isso, apropria-se dele. A escola ruim é aquela autoritária, em que o aluno decora um determinado saber, e, por isso, não se apropria dele. Mas a tradição escolar brasileira mostra o contrário. 82

Os ciclos de formação humana são uma nova proposta de fundo para a organização escolar. Seu horizonte está voltado para a educação em todas as suas dimensões, não somente no conteúdo, no cognitivo, mas numa compreensão do mundo, da realidade concreta. Os ciclos buscam o desenvolvimento cultural dos alunos, o desenvolvimento de habilidades artísticas e filosóficas, compreende uma maior flexibilidade na organização dos tempos escolares. A avaliação compreende o aprendizado do aluno, mas também tudo à sua volta, ou seja, tudo o que contribuiu para o aprendizado ou que prejudicou o aprendizado, e as propostas de melhorias do processo devem ser uma constante. Nessa proposta, ficam excluídas: a avaliação punitiva, a coação, a exclusão, o medo, e a reprovação.

Uma educação que possibilite ao homem a discussão corajosa de sua problemática. De sua inserção nesta problemática. Que o advertisse dos perigos de seu tempo, para que consciente deles ganhasse a força e a coragem de lutar, ao invés de ser levado e arrastado à perdição de seu próprio “eu”, submetido às prescrições alheias. Educação que o colocasse em diálogo constante com o outro. Que o predispusesse a constantes revisões. À análise crítica de seus “achados”. À uma certa rebeldia, no sentido mais humano da expressão. Que o identificasse com métodos e processos científicos. (FREIRE, 2006c, p. 97-98)

O problema é que o modelo seriado, associado à reprovação, está na base da cultura tradicional da escola e dos professores, e a passagem para um novo modelo demanda tempo e paciência por parte de seus idealizadores e de educadores progressistas. Em uma consulta aos dados do INEP, comparei informações obtidas em dois períodos diferentes: em 1991, portanto cinco anos antes da nova LDB de 1996, e em 2005 nove anos após a implantação da nova lei que permite uma nova forma de organização dos espaços e tempos escolares. Em uma outra consulta aos dados do INEP, realizada em 2003 pelo professor Paulo Roberto Vidal de Negreiros, verificou-se que a grande maioria das escolas brasileira adota o modelo seriado de educação, sendo 81,1% seriadas, e apenas 11% do total das escolas brasileiras adotam o modelo de ciclos, e 7,9 adotam mais de um modelo de organização escolar. Nas redes municipais de ensino brasileiras, 84,9% das escolas são seriadas, 8,3% ciclos, e 6,7% adotam mais de um modelo. Nas redes municipais do estado de Minas 83

Gerais, 67,3% adotam o modelo seriado, 28,9% ciclos, e 3,8% mais de um modelo. Dentre os municípios que adotam o modelo de ciclos de formação humana está Betim, onde realizei esta pesquisa. As tabelas abaixo têm o objetivo de mostrar o ensino fundamental brasileiro, em números. Nelas, encontramos os números de matrículas, índice de aprovação, reprovação, transferências e abandono de alunos em dois períodos diferentes, em 1991, e treze anos depois, em 2005. Essas tabelas me permitem um olhar sobre a educação. Elas são o reflexo das políticas educacionais e das práticas dos professores nas escolas brasileiras. Para PERRENOUD (2004),

o fracasso escolar nasce, em larga medida, do que Bourdieu (1966) chamou de “indiferença às diferenças”. A escola trata todos os alunos como iguais em direitos e em deveres, ao passo que eles estão muito desigualmente dispostos e preparados a tirar partido de uma formação padrão. Alguns já sabem ler quando chegam à escola, outros estão bem longe disso. Isso não impede o sistema educacional de fixar para eles os mesmos objetivos, dentro dos mesmos prazos. O mínimo seria, então, diferenciar o atendimento dessas crianças. A reprovação é uma diferenciação rudimentar, que degrada a auto-imagem e se mostra globalmente pouco eficaz. (PERRENOUD, 2004, p. 19)

Os demonstrativos do censo escolar realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), em 1991, comparados com os mesmos dados em 2005, tornam possíveis uma avaliação das desigualdades escolares no Brasil. Esses dados mostram, principalmente, que o caráter excludente da reprovação continua sendo um elemento marcante da escola pública em nosso País. Esta pesquisa mostra os números de matrículas, aprovação e reprovação de alunos em todo o Brasil nas séries de 5ª à 8ª do ensino fundamental, como mostra a tabela 1, e os mesmos números por unidade da federação, considerando os alunos matriculados em todas as séries do ensino fundamental.

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TABELA 1 Números de matrículas, aprovação, reprovação, transferência e abandono de alunos do ensino fundamental por série, segundo a região geográfica e unidade da Federação em 1991

Alunos 5ª Série 6ª Série 7ª Série 8ª Série Matrículas 3.696.099 2.616.660 1.985.609 1.521.635 Aprovados 2.055.669 1.636.356 1.327.162 1.123.283 Reprovados 841.209 490.194 303.671 156.592 Transferência e/ou 799.221 490.110 354.776 241.760 abandono

TABELA 2 Os mesmos dados da tabela 1, em porcentagem

Alunos 5ª Série 6ª Série 7ª Série 8ª Série Matrículas 100% 100% 100% 100% Aprovados 55.6% 62.5% 66.8% 73.8% Reprovados 22.8% 18.8% 15.3% 10.3% Transferência e/ou 21.6% 18.7% 17.9% 15.9% abandono

TABELA 3 Números de matrículas, aprovação e reprovação dos alunos do ensino fundamental, por localização e dependência administrativa, segundo a região geográfica e unidade da federação em 1991

Alunos Federal Estadual Municipal Privado

Matrículas 95.536 16.716.816 8.773.360 3.618.012 Aprovados 23.481 10.136.665 5.234.329 2.971.640 Reprovados, transferências 72.055 6.580.151 3.539.031 646.372 ou abandonos 85

TABELA 4 Os mesmos dados da tabela 3, em porcentagem

Alunos Federal Estadual Municipal Privado Matrículas 100% 100% 100% 100% Aprovados 24.6% 60.6% 59.7% 82% Reprovados, transferências 75.4% 39.4% 40.3% 18% ou abandonos

TABELA 5 Números de matrículas, aprovação, reprovação de alunos do ensino fundamental por série, segundo a região geográfica e unidade da Federação em 2005

Alunos 5ª Série 6ª Série 7ª Série 8ª Série

Matrículas 4.520.875 3.891.386 3.476.179 3.180.616 Aprovados 3.244.392 2.962.114 2.706.038 2.520.553 Reprovados 732.447 524.000 386.222 343.108 Transferência e/ou 544.036 405.272 383.919 316.955 abandono

TABELA 6 Os mesmos dados da tabela 5, em porcentagem

Alunos 5ª Série 6ª Série 7ª Série 8ª Série

Matrículas 100% 100% 100% 100% Aprovados 71.8% 76.1% 77.9% 79.2% Reprovados 16.2% 13.5% 11.1% 10.8% Transferência e/ou 12% 10.4% 11% 10% abandono

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TABELA 7 Números de matrículas, aprovação e reprovação dos alunos do ensino fundamental, por localização e dependência administrativa, segundo a região geográfica e unidade da Federação em 2005

Alunos Federal Estadual Municipal Privado

Matrículas 25.728 12.145.494 17.986.570 3.376.769 Aprovados 21.936 9.476.729 13.687.978 3.130.328 Reprovados 2.113 1.554.723 2.633.387 110.839 Transferência e/ou 1.679 1.114.042 1.665.205 135.602 abandono

TABELA 8 Os mesmos dados da tabela 7, em porcentagem

Alunos Federal Estadual Municipal Privado

Matrículas 100% 100% 100% 100% Aprovados 85.2% 78% 76.1% 92.7% Reprovados 8.2% 12.8% 14.6% 3.3% Transferência e/ou 6.6% 9.2% 9.3% 4% abandono

Em 1991, dos 3.696.099 alunos matriculados na 5ª série, apenas 2.055.669, ou seja, 55.6% dos alunos matriculados na 5ª série em todo o Brasil foram aprovados. Em 2005, foram matriculados 4.520.875 alunos na 5ª série, e, destes, 3.244.392 foram aprovados, perfazendo um total de 71.8% de alunos aprovados, isto é, um aumento de 16.2% em comparação com 1991. Em 1991, 24.6% dos alunos matriculados em escolas federais foram aprovados. Em 2005, o índice subiu para 85.2%, ou seja, todas as tabelas mostram que aumentou o índice de aprovados em todas as séries do ensino fundamental. As escolas particulares têm os maiores índices de aprovação, e, conseqüentemente, os índices mais baixos de reprovação, transferência e evasão. As redes de 87

educação pública diminuíram os índices de reprovação, evasão e transferências na comparação entre 1991 e 2005. A preocupação de educadores e governos com a exclusão escolar tem provocado mudanças de postura com relação à mesma. As novas formas de organização dos tempos escolares, a formação permanente de educadores, a melhoria nas políticas salariais, os investimentos na educação básica, as políticas orientadas para a diminuição das desigualdades sociais, são apontados como caminhos a serem percorridos para a melhoria da qualidade da educação no Brasil. Mas encontrei, com freqüência, professores que defendem a reprovação como instrumento de avaliação da qualidade dos alunos. As tabelas não deixam dúvidas que o modelo seriado, reprovador e excludente é o preferido por nossos professores. Nossas escolas continuam reprovando, excluindo milhões de alunos. Em 2005, foram 4.301.062 alunos reprovados no ensino fundamental, em todas as escolas brasileiras, de um total de 33.534.561 alunos matriculados, ou seja, 12.82% dos nossos alunos tiveram que repetir a série. Não consideramos, aqui, os alunos que abandonaram a escola durante o ano letivo, o que aumentaria esse percentual de alunos excluídos do processo de ensino aprendizado. O índice de reprovação nas escolas brasileiras vem caindo através dos anos. Transferências e evasão nas escolas públicas brasileiras evidenciam que a escola construída para os pobres é uma escola pobre. O que promove o sucesso escolar dos alunos oriundos das classes média e alta é, conseqüentemente, o que gera o fracasso dos alunos oriundos das classes populares. Portanto, a escola não é uma instituição neutra, ela reproduz as desigualdades, o sucesso ou o fracasso não pode ser entendido apenas como algo natural, ou como mérito apenas do aluno, mas as condições sociais, culturais e econômicas contribuem para esse processo. Assim, podemos argumentar que o sucesso escolar, no Brasil, está ligado a um recorte de classe social. Os alunos de classe média e alta que freqüentam as escolas privadas e as escolas públicas de melhores condições passam de nível escolar com uma maior regularidade do que os alunos das camadas populares que freqüentam as escolas públicas de periferia, ou mesmo as escolas privadas que, porventura, aí estejam. O fracasso escolar dos alunos das escolas públicas é demonstrado pela falta de regularidade dos alunos, pela 88

reprovação e abandono que acontecem numa proporção maior do que nas escolas privadas. Tal fracasso expressa-se nos produtos das avaliações de rendimento escolar.

Para Vitor Paro, a eliminação da reprovação como recurso didático apresenta-se assim, como exigência de um ensino de qualidade. Para Lauro de Oliveira Lima, “se a escola é séria e os processos didáticos eficientes, a promoção automática é menos um sistema de promoção que a conseqüência lógica da eficiência. Porque, queiramos ou não, a reprovação é sempre sinal de ineficiência do sistema escolar e de incapacidade do magistério, salvo se estivermos nos limites da anormalidade”. (PARO, 2001, p. 51 apud LIMA, 1962, p. 361)

A reprovação utilizada historicamente nas escolas brasileiras como recurso didático para a classificação de alunos em bons e maus, ainda se vê muito utilizada e defendida por educadores que parecem não se incomodar em responsabilizar somente alunos pelo seu fracasso. Entender que o fracasso do aluno é também o fracasso do Estado, da escola e do professor é fundamental para uma avaliação dos processos de avaliação e abrir novas possibilidades, como a proposta dos ciclos de formação humana. Vejamos agora as mesmas tabelas com dados do estado de Minas Gerais. Esse olhar pode ajudar-nos a problematizar a educação em nosso estado, verificando o que os números falam-nos da evolução dos processos educacionais num estado considerado tradicional dentro Federação.

TABELA 9 Números de matrículas, aprovação, reprovação, transferência e abandono de alunos do ensino fundamental por série, no estado de Minas Gerais em 1991

Alunos 5ª Série 6ª Série 7ª Série 8ª Série Matrículas 417.934 280.386 207.646 155.521 Aprovados 206.440 158.064 128.495 110.298 Reprovados 118.434 70.238 43.215 22.603 Transferência e/ou 93.060 52.084 35.936 22.620 abandono

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TABELA 10 Os mesmos dados da tabela 9, em porcentagem

Alunos 5ª Série 6ª Série 7ª Série 8ª Série

Matrículas 100% 100% 100% 100% Aprovados 49.4% 56.4% 61.9% 70.9% Reprovados 28.3% 25% 20.8% 14.5% Transferência e/ou 22.3% 18.6% 17.3% 14.6% abandono

TABELA 11 Números de matrículas, aprovação e reprovação dos alunos do ensino fundamental, por localização e dependência administrativa no estado de Minas Gerais em 1991

Alunos Federal Estadual Municipal Privado Matrículas 2.352 2.322.427 621.212 221.854 Aprovados 1.601 910.036 391.394 187.272 Reprovados, transferências 751 1.412.391 229.818 34.582 ou abandonos

TABELA 12 Os mesmos dados da tabela 11, em porcentagem

Alunos Federal Estadual Municipal Privado

Matrículas 100% 100% 100% 100% Aprovados 68% 39.2% 63% 84.4% Reprovados, transferências 32% 60.8% 37% 15.6% ou abandonos

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TABELA 13 Números de matrículas, aprovação, reprovação de alunos do ensino fundamental por série no estado de Minas Gerais em 2005

Alunos 5ª Série 6ª Série 7ª Série 8ª Série

Matrículas 431.555 407.670 387.158 379.940 Aprovados 325.898 312.518 303.174 278.104 Reprovados 71.573 57.795 46.525 55.431 Transferência e/ou 34.084 37.357 37.459 46.405 abandono

TABELA 14 Os mesmos dados da tabela 13, em porcentagem.

Alunos 5ª Série 6ª Série 7ª Série 8ª Série

Matrículas 100% 100% 100% 100% Aprovados 75.5% 76.6% 78.3% 73.2% Reprovados 16.6% 14.2% 12% 14.6% Transferência e/ou 7.9% 9.2% 9.7% 12.2% abandono

TABELA 15 Números de matrículas, aprovação e reprovação dos alunos do ensino fundamental, por localização e dependência administrativa no estado de Minas Gerais em 2005

Alunos Federal Estadual Municipal Privado

Matrículas 2.771 1.695.968 1.470.839 238.405 Aprovados 2.518 1.355.865 1.226.759 227.254 Reprovados 162 203.912 166.931 7.771 Transferência e/ou 91 136.191 77.149 3.380 abandono

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TABELA 16 Os mesmos dados da tabela 15, em porcentagem

Alunos Federal Estadual Municipal Privado Matrículas 100% 100% 100% 100% Aprovados 90.9% 80% 83.4% 95.3% Reprovados 5.8% 12% 11.3% 3.3% Transferência e/ou 3.3% 8% 5.3% 1.4% abandono

Minas Gerais, de uma forma geral, acompanha as estatísticas nacionais. Em 1991, as tabelas mostram que o estado aprovou um pouco menos e reprovou mais do que a média nacional. Usando a 5ª série também como referência para comparações, vemos que, de um total de 417.934 alunos matriculados, 206.440 foram aprovados, uma média de 49.9%, enquanto a média nacional ficou em 55.6%. Comparando somente as redes estaduais de ensino, enquanto estas como um todo aprovaram 60.6% dos seus alunos, a rede estadual de Minas Gerais aprovou apenas 39.2%, muito abaixo da média nacional. Em 2005, o estado melhorou o seu índice de aprovação acima da média nacional. Vejamos os índices: 431.555 alunos foram matriculados na 5ª série, e, destes, 325.898 foram aprovados, perfazendo uma média de 75.51%, enquanto a média nacional ficou em 71.8%. Enquanto as escolas das redes estaduais como um todo aprovaram 78% dos seus alunos, a rede estadual de Minas Gerais aprovou 80%, estando acima da média nacional. Em Minas Gerais, como em todo o País, as tabelas mostram que o modelo seriado, reprovador e excludente é o preferido por nossos professores. Nossas escolas continuam reprovando, excluindo milhões de alunos. Em 2005, foram 378.776 alunos reprovados em todas as séries do ensino fundamental, nas escolas de Minas Gerais, de um total de 3.407.983 alunos matriculados, ou seja, 11.11% dos nossos alunos tiveram que repetir a série. Enfim, as tabelas mostram que a escola seriada vem perdendo força, tanto em âmbito nacional quanto no Estado de Minas Gerais. Num intervalo de 92

13 anos, o Brasil ganhou uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que possibilitou outras formas de organizar os tempos escolares, os modelos de avaliação, e os métodos didáticos. O Brasil hoje tem 97% de nossas crianças freqüentando a escola, diminuiu o analfabetismo. O desafio continua sendo repensar a qualidade, o aluno sair da escola porque aprendeu, adquiriu conhecimento, apropriou-se da cultura.

Por isso é que se pode dizer que ensino e aprendizado são duas faces de uma mesma . Não pode existir uma, se não existe a outra. Não há ensino, se não se deu o aprendizado. Daí o absurdo em se afirmar que determinada aula (processo de ensino) é boa ou que o ensino de determinada escola é de qualidade, mas os alunos não aprendem. (PARO, 2001, p. 37)

Muitos dos professores, hoje autoritários e conservadores, passaram pela experiência dessa escola incentivadora da passividade e da obediência, sem contestação. Reproduzi a educação que tive, uma educação que avalia os alunos só pelo resultado das provas bimestrais, semestrais ou anuais. O mérito do aluno é a nota, o boletim azul é o prêmio no final do ano. Aos que não alcançaram médias, tiveram um boletim todo vermelho, resta esperar o próximo ano para tentar decorar tudo de novo. A culpa do fracasso escolar é jogada toda em cima do aluno: ele não prestou atenção, faltou às aulas, não fez o dever, fez bagunça, não estudou para a prova e, portanto, foi reprovado. 2 O modelo de avaliação seriada é apenas um diagnóstico da assimilação, por parte do aluno, dos conteúdos transmitidos pelo professor durante um determinado período. Elas são testes que classificam os alunos em bons e maus, os que estudaram e os que não estudaram durante aquele período. A avaliação não pode se reduzir a classificar, avaliando apenas o conhecimento adquirido ou não pelo aluno, para sua promoção ou não para a próxima série. A avaliação deve ser contínua e compreender todos os aspectos que interferem diretamente no processo ensino aprendizado. Segundo PARO (2001),

2 Desde a minha infância, ouvia dizer que tal professor era muito bom porque era bravo, sua matéria era difícil, que muitos alunos eram reprovados com ele. O bom professor era o que dava medo nos alunos, uma espécie de terrorista da educação. A escola era avaliada da mesma forma: uma escola boa era aquela onde seus professores eram bravos, as matérias difíceis de aprender, a disciplina era rigorosa, somente bons alunos eram aprovados, os maus, se não desistissem no meio do caminho, tinham como certa a reprovação. 93

a razão de ser da avaliação educativa não é a classificação ou a retenção de alunos, mas a identificação do estágio de compreensão e assimilação do saber pelo educando, junto com as dificuldades que este encontra, bem como os fatores que determinam tais dificuldades, com vistas à adoção de medidas corretivas da ação. (PARO, 2001, p. 39-40)

A avaliação não pode ser apenas uma verificação de resultados para se decidir se o aluno está ou não apto para prosseguir nos estudos. A avaliação deve ser permanente e constante do aprendizado do aluno, mas também de todos os processos que contribuem para esse fim. A avaliação compreende também a auto-avaliação da instituição, dos meios pedagógicos, das práticas dos professores, das políticas educacionais. Não podemos esperar o fracasso do aluno para jogar nele toda a responsabilidade e puni-lo com a reprovação. PARO (2001) diz

que os problemas da avaliação a posteriori apresentam-se de forma ainda mais séria quando se considera que, em nossa realidade, o período que, a rigor, efetivamente conta para efeito de avaliação acaba sendo anual, pois, com a seriação adotada na imensa maioria de nossos sistemas de ensino, apenas de ano em ano é que se procura verificar o aprendizado, com vistas a decidir sobre o destino do educando. Em qualquer processo produtivo do sistema econômico seria considerado um total absurdo esperar-se um período tão longo para proceder-se à verificação dos resultados e tomar decisões quanto aos êxitos, perdas e correções de rumo. Para piorar a situação, a verificação escolar, geralmente, sequer tem o propósito de corrigir rumos da escola, mas apenas separar os que podem e os que não podem continuar na próxima série. Os que são reprovados devem repetir o mesmo processo no ano seguinte, em geral, com o mesmo professor (ou professores) e com a utilização dos mesmos recursos e métodos do ano anterior. Para os reprovados, o absurdo da situação não é apenas que se espera todo um ano para se verificar que o processo não deu certo (o que já não é pouca gravidade); o absurdo consiste também em que nada se faz para identificar e corrigir o que andou errado. Não se trata propriamente de uma avaliação, mas de uma condenação do aluno, como se só ele fosse o culpado pelo fracasso. Como se do processo não fizessem parte o aluno, o professor (ou professores) e todas as condições em que se dá o ensino na escola. (PARO, 2001, p. 41-42)

O exercício da auto-avaliação é o permanente diálogo reflexivo, ou seja, consigo mesmo (a escola, os professores e os alunos), a prática dessa auto- avaliação prepara os alunos para o exercício da liberdade, para o exercício da democracia tão distante da vida cotidiana dos brasileiros, constantemente interrompida por grupos autoritários que conquistavam o poder. Avaliar é problematizar todo o processo de ensino aprendizado, o que de fato é positivo e 94

o que precisa ser melhorado no processo, e, acima de tudo, ter a coragem de tomar decisões, mudar o rumo do que não contribui para uma cidadania plena. Para FREIRE (2006c e 1977),

A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa. (FREIRE, 2006c, p. 104)

Esta é a razão pela qual, para nós a “educação como prática da liberdade” não é a transferência ou a transmissão do saber nem da cultura; não é a extensão de conhecimentos técnicos; não é o ato de depositar informes ou fatos no educandos; não é a “perpetuação dos valores de uma cultura dada”; não é o “esforço de adaptação do educando a seu meio”. Para nós, a “educação como prática da liberdade” é, sobretudo e antes de tudo, uma situação verdadeiramente gnosiológica. Aquela em que o ato cognoscente não termina no objeto cognoscível, visto que se comunica a outros sujeitos, igualmente cognoscentes. (FREIRE, 1977, p. 78)

A educação, como prática da liberdade, compreende, entre professores e alunos, uma relação de poder dialógica, portanto, livre e comprometida com a verdade. A educação, como prática da liberdade, não se utiliza da avaliação para punir os alunos; ela não precisa da ameaça da reprovação para forçar o aluno à disciplina e ao estudo. As práticas educacionais não democráticas legitimam o poder de uma classe sobre a outra, são ferramentas para a perpetuação de uma ideologia que privilegia uns em detrimento da maioria. Para GADOTTI (2005),

Nesse sentido, podemos chamar de “ideologia” todo pensamento, todo discurso que, interpretando o mundo, o representa de maneira falsa, distorcida, cujos componentes essenciais ocultam suas raízes, suas origens econômicas, políticas, sociais. (GADOTTI, 2005, p. 32)

O ato de educar é um ato político, e pode estar a serviço da dominação, da perpetuação das desigualdades ou pode estar a serviço de transformação de uma realidade dada. Assim, uma educação que transmite uma visão distorcida da realidade é aquela que imobiliza a razão dos seus alunos, não permite uma visão crítica da realidade. Essa educação ideológica não permite uma ação transformadora, não dá espaço para uma educação verdadeiramente emancipadora. Essa é uma educação a serviço das classes dominantes, onde 95

os alunos das classes trabalhadoras são transformados em ferramentas do processo produtivo.

Estou cada vez mais convencido de que os educadores falharam muitas vezes porque “confundiram” educação com obediência. São obedientes e tentam formar gente obediente, submissa. Educar é fazer ato de sujeito, é problematizar o mundo em que vivemos para superar suas contradições, comprometer-se com esse mundo, para recriá-lo constantemente. Não é consumir idéias, nem obedecer. (GADOTTI, 2005, p. 90)

Uma educação democrática, dialógica, reflexiva e problematizadora tem o poder de recriar a sociedade, de transformar uma realidade dada, conservadora, a serviço das elites, em uma sociedade mais humana, menos desigual, onde o educando das classes populares tem a oportunidade de aprender a cultura e interferir nos rumos da política, da economia, nos preços dos produtos, no valor do seu trabalho, enfim, ele pode ser sujeito de sua história, e não apenas um ser manipulado pelas forças dominantes.

Para Gadotti, ao novo educador compete refazer a educação, reinventá-la, criar as condições objetivas para que uma educação democrática seja possível, criar uma alternativa pedagógica que favoreça o aparecimento de um novo tipo de pessoas, solidárias, preocupadas em superar o individualismo criado pela exploração capitalista do trabalho, preocupadas com um novo projeto social e política que construa uma sociedade mais justa, mais igualitária. (GADOTTI, 2005, p. 82)

O conhecimento a serviço da ideologia dominante não deixa de ser uma violência praticada por professores aos alunos das classes trabalhadoras. É uma educação assistencialista e conservadora. O aluno agredido por suas condições sociais, não encontra na escola a esperança de que precisa para buscar alternativas, para se tornar sujeito de sua história. Pelo contrário, por não sentir prazer e sentido no que lhe é ensinado, ele não aprende, não se interessa pela escola, ela representa apenas mais um espaço de opressão e não de libertação na sua vida. O conhecimento a serviço da verdadeira humanização é dialógico, o professor é parceiro do aluno no processo de formação, ele não mascara a realidade, seu conteúdo está a serviço da cidadania. O aluno sente prazer em aprender, pois é despertado para isso, o conhecimento parte de uma realidade 96

concreta em que ele está inserido, realidade que, uma vez problematizada, pode ser transformada e estar a serviço de todos e não apenas de uma minoria opressora. Aqui o assistencialismo dá lugar à razão crítica. Para FREIRE (2006c):

O grande perigo do assistencialismo está na violência do seu antidiálogo, que, impondo ao homem mutismo e passividade, não lhe oferece condições especiais para o desenvolvimento ou a “abertura” de sua consciência que, nas democracias autênticas, há de ser cada vez mais críticas. (FREIRE, 2006c, p. 65)

Então, o que dizer da reprovação? Reprovar é recusar, rejeitar, censurar severamente, criticar, condenar, julgar inabilitado. Ser reprovado é uma demonstração de fracasso, alguém que não atingiu as metas exigidas para alcançar a aprovação. O que dizer dos 4.301.062 alunos reprovados no ensino fundamental em 2005? Eles tiveram 200 dias letivos para aprender, e não aprenderam; tiveram 800 horas para aprender, e não aprenderam; foram considerados incompetentes e, por isso, foram excluídos. Seu processo foi interrompido, tiveram que passar mais 200 dias e/ou 800 horas na mesma escola, nas mesmas salas de aula, vendo tudo de novo quase que imputando a si o fracasso, como se a mudança tivesse que vir deles. Se servir de consolo, alguém deve ter dito a eles: “não se preocupe você vai recuperar o tempo perdido, vai aprender melhor, isso se estudar mais, e se comportar direitinho. No próximo ano vamos comprar uma mochila nova, um caderno novo, vamos renovar tudo e até comprar uma camisa de uniforme nova”. Assim, parece até que o trauma da reprovação pode ser amenizado. Um número tão grande de alunos reprovados é um sinal do poder da escola, dos professores, do modelo excludente da escola seriada. Essa escola insiste em transmitir apenas conhecimentos, em treinar seus alunos para o vestibular, para concursos, para o mercado de trabalho, para reproduzir uma cultura dominante a serviço das elites. Não percebem que o fracasso é de todos, dos alunos, mas também do Estado, das políticas educacionais, da escola e dos professores. Para PARO (2007),

o poder-fazer da escola que temos, já em termos potenciais, é muito menor do que ela oficialmente declara ter. As causas desse fracasso são muito variadas e, em sua maioria, têm sido denunciadas das mais 97

diversas formas quer pela academia quer pelos grupos sociais interessados em sua solução. Mas uma importante causa muito pouco discutida e que parece estar na base de todo o problema do baixo desempenho do ensino é precisamente essa timidez de sua ambição no provimento de cultura. Ao pretender passar apenas conhecimentos e ao se ater aos estreitos limites da comunicação verbalista, deixa de lado os componentes da cultura que, articulados com o conhecimento, dariam razão de ser a este e tornariam mais efetiva sua apreensão pelos educandos. Nossa escola e seus responsáveis parecem não ter percebido ainda que uma das maneiras mais certeiras de dificultar a transmissão às crianças e jovens dos conhecimentos de que necessitam para a vida é precisamente pretender passar só conhecimento. (PARO, 2007, p. 16)

Esse poder autoritário da escola faz os alunos estudarem por medo; medo de tirar notas baixas nas provas, medo de ser reprovado. Eles devem obedecer, ficarem calados, prestarem atenção, serem submissos. A esses alunos, não é dado o poder para pensarem, refletirem, participarem, perguntarem, duvidarem, conhecerem, e, principalmente, apropriarem-se da cultura. A reprovação é um instrumento repressivo que em nada contribui para a formação de cidadão críticos e emancipados. As relações de poder em uma escola verdadeiramente democrática são dialógicas, participativas. Aqui, o professor provoca no aluno o desejo pelo saber. O mecanismo utilizado é a persuasão e não a coação. Na escola democrática, o professor procura conhecer a realidade concreta de seus alunos, percebe suas necessidades e ajuda a superá-las. Constrói uma relação de afeto, amizade, respeito e de troca com os alunos, não uma relação paternalista, mas consciente e crítica. Paro (2007) diz que o professor só exerce seu poder, só se faz efetivamente educador, só se faz competente em sua profissão, isto é, só cumpre sua função social de construir personalidades humano-históricas, quando, por uma relação de risco, isto é, pela persuasão, logra construir em seu aluno um valor que permeia todo o seu aprendizado: o desejo de aprender. Sobre a implantação dos ciclos de formação humana no Brasil, PERRENOUD (2004) diz :

propugnava-se, em contraposição, uma outra lógica de organização curricular, centrada no aluno enquanto ser social em formação, atenta ao princípio de desenvolvimento pleno do educando. À dimensão cognitiva se agregaram a social, a afetiva e a atitudinal, permitindo-se que a história de vida e os percursos particulares de cada aluno fossem levados em conta no trato pedagógico. A lógica dos conteúdos 98

cedeu lugar a uma lógica de formação do aluno a partir de experiências educativas em que se articulavam conhecimentos já adquiridos por vivências pessoais, conhecimentos provenientes dos diferentes campos do saber e temas de relevância social, em um processo de contextualização e integração que visava ao desenvolvimento de individualidades capazes de pensamento crítico e autonomia intelectual. (PERRENOUD, 2004, p. 206)

A avaliação não pode ser uma ferramenta de ameaça de que o professor se utiliza para manter a disciplina na sala de aula. As provas bimestrais não podem ser a única forma de avaliação do processo ensino aprendizado para dizer se o aluno deve seguir para o ano seguinte. Nem mesmo a progressão contínua exclui a avaliação desse processo, ela não pode ser a responsável pelo fracasso escolar porque a avaliação se dá de forma contínua durante o processo de formação, e inclui todos os agentes do processo ensino/ aprendizado.

Para Perrenoud, os ciclos não eliminam de forma definitiva a necessidade de avaliar regularmente as progressões, mas dispensam o professor de prestar contas sobre elas ao final de cada ano letivo, apenas para provar que fez seu trabalho e para não ser recriminado pelos pais, pela administração ou pelos colegas que vão acolher seus alunos no ano seguinte. (PERRENOUD, 2004, p. 16)

Na escola democrática, o aluno deseja participar do processo de ensino aprendizado, não sente medo e nem é coagido pela escola e pelo professor. Ele vê no conhecimento um caminho para a sua emancipação. Na escola democrática, os alunos são sujeitos de sua própria história, o medo da reprovação é abolido e a avaliação ocorre durante todo o ano letivo e compreende todos os agentes do processo de ensino aprendizado. Na escola democrática, não resta alternativa ao Estado, à escola e ao professor do que oferecer uma educação de qualidade. Mas é preciso lembrar que a escola verdadeiramente democrática é um projeto em construção que, lentamente, vai sendo construído na prática educacional onde os agentes do processo acreditam em uma educação dialógica e emancipadora. PERRENOUD (2004) alerta para os desafios da construção desse modelo educacional dentro da realidade brasileira:

O grande desafio é exatamente o de fazer emergir o novo em meio a um aparato escolar que tem grande poder de regulação e que funciona 99

a partir de princípios contraditórios. Tudo indica, pois, que os ciclos demandarão muito tempo ainda para serem consolidados, já que o tempo de mudar no papel é muito diferente do tempo de transformar corações e mentes, e daquele requerido para moldar a nova face da escola. (PERRENOUD, 2004, p. 226)

Com base na historia da educação brasileira, nos números que demonstram o fracasso escolar dentro do modelo seriado, onde os alunos, principalmente os oriundos das classes trabalhadoras, não aprendem, são freqüentemente reprovados, onde a evasão sempre foi muito grande, onde a relação entre professores e alunos é uma demonstração de força do primeiro sobre o segundo, onde seu poder é usado para reprovar e excluir aqueles que mais carecem de uma educação de qualidade. Esses fatos me provocam a buscar alternativas para a melhoria da educação nacional. Os ciclos de formação humana aparecem como uma alternativa de inverter esse processo, de estabelecer uma outra forma de relação entre professores e alunos, através do diálogo, de conteúdos inseridos na realidade concreta dos educandos, de avaliações contínuas envolvendo o processo de ensino aprendizado. Precisamos romper as barreiras de resistência, os equívocos que se construíram acerca da progressão continuada, dos reagrupamentos, da perda de poder do professor, da falta de conteúdo nos currículos. Precisamos ensinar com qualidade e aprender com as diferenças, respeitando os tempos de cada aluno, e aceitando o desafio de construir um modelo mais justo de educação para todos.

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5 PAULO FREIRE E A PEDAGOGIA DIALÓGICA

“Uma teoria do conhecimento e/ou uma Filosofia da Educação”

Esta pesquisa tem como referencial teórico o educador Paulo Freire, sua metodologia de ensino, sua teoria emancipatória e sua práxis revolucionária. Ambas articuladas à sua experiência política e à sua problematização das relações sociais, através de uma educação dialógica. Esse pernambucano, profundamente marcado por suas raízes nordestinas e por uma profunda fé cristã, encontra na educação uma nova forma de pronunciar o mundo. Democracia, justiça, liberdade, emancipação, revolução não são apenas palavras, são instrumentos de transformação de uma realidade dada. Partindo de uma educação autoritária, conformista que produz uma massa de explorados e marginalizados, Freire (2005) cria sua teoria dialógica que se realiza na práxis libertadora de todos os homens. Alfabetizar conscientizando, ensinar a ler e a escrever, e também a interpretar o mundo, põem a educação como ferramenta indispensável para a prática da liberdade. Para Paulo Freire, não basta ensinar alguém a escrever a palavra tijolo, é preciso que o educando compreenda a importância de um tijolo para construir sua casa, o importante é problematizar a palavra ensinada dentro do contexto histórico em que o aluno está inserido. A palavra geradora “tijolo” torna-se não apenas um objeto de alfabetização, mas uma ferramenta de luta contra a exclusão social. Educar é um gesto de amor, não de caridade e nem de paternalismo, mas de respeito pelo aprendizado do aluno. Esta pesquisa observa a relação de poder entre professores e alunos de uma escola pública da periferia de Betim, à luz do método desenvolvido por Paulo Freire. A contradição entre a educação bancária e a educação dialógica é o eixo central da pesquisa. Sua teoria educacional pretende tornar o educando sujeito do processo de ensino aprendizado juntamente com o educador como pessoas emancipadas para uma presença diferenciada no mundo capitalista. A relação pedagógica não é autoritária; ela permite ao educando apropriar-se da cultura para poder transformá-la. Para Freire (2006c), a relação dialógica faz da 101

educação uma prática libertadora. O aluno não aprende apenas a ler e a escrever textos, mas a ler e a interpretar a realidade na qual está inserido; ele se torna capaz de fazer uma leitura do mundo para transformá-lo em vista de novos padrões nas relações sociais. Contrapondo uma educação autoritária que impunha aos alunos uma cultura dominante, não permitindo uma interação entre ele o conteúdo ensinado, Paulo Freire propõe uma educação como prática da liberdade, unindo alfabetização e conscientização da realidade vivida pelos educandos. As palavras geradoras têm vida, pois dizem respeito às experiências vividas por eles. Essa prática provoca uma ruptura com o conformismo de uma educação bancária levando os indivíduos a compreenderem a liberdade como um princípio existencial, uma ferramenta de luta contra a exclusão social. O importante, nos círculos de cultura, é que os educandos se apropriem da cultura, denunciem seu caráter elitista e excludente, assumam a responsabilidade de transformá-la em beneficio de todos.

O ponto de partida para uma análise, tanto quanto possível sistemática, da conscientização, deve ser uma compreensão crítica dos seres humanos como existentes no mundo e com o mundo. Na medida em que a condição básica para a conscientização é que seu agente seja um sujeito, isto é, um ser consciente, a conscientização, como a educação, é um processo específica e exclusivamente humano. É como seres conscientes que mulheres e homens estão não apenas no mundo, mas com o mundo. Somente homens e mulheres, como seres “abertos”, são capazes de realizar a complexa operação de, simultaneamente, transformando o mundo através de sua ação, captar a realidade e expressá-la por meio de sua linguagem criadora. E é enquanto são capazes de tal operação, que implica em “tomar distância” do mundo, objetivando-o, que homens e mulheres se fazem seres com o mundo. Sem esta objetivação, mediante a qual igualmente se objetivam, estariam reduzidos a um puro estar no mundo, sem conhecimento de si mesmos nem do mundo. (FREIRE, 2006a, p. 77)

Paulo Reglus Neves Freire nasceu na cidade de Recife, em Pernambuco, no dia 19 de setembro de 1921. Vindo de uma família de classe média, seu pai, Joaquim Temístocles Freire, potiguar, era sargento do Exército; sua mãe, Edeltrudes Neves Freire, pernambucana, era dona de casa e bordadeira. Freire foi alfabetizado na sua própria casa com as experiências do cotidiano. Suas primeiras palavras vinham da vivência da infância, o que, certamente, influenciou seu trabalho como educador. Ele teve que enfrentar as dificuldades 102

da vida pobre durante a depressão de 1929. Com 13 anos perdeu seu pai, aumentando as dificuldades financeiras da família e as condições de estudo, entrou no ginásio (5ª série) com 16 anos. Era um aluno que tinha dificuldades para assimilar os conteúdos formais, as experiências da adolescência marcariam sua vida e torná-lo-iam mais sensilvel com a causa dos mais pobres.

Queria muito estudar, mas não podia porque nossa condição econômica não o permitia. Tentava ler ou prestar atenção na sala de aula, mas não entendia nada, porque a fome era grande. Não é que eu fosse burro. Não era falta de interesse. Minha condição social não permitia que eu tivesse uma educação. A experiência me ensinou, mais uma vez, a relação entre classe social e conhecimento. Então, devido aos meus problemas, meu irmão mais velho começou a trabalhar e nos ajudar, e eu começei a comer mais. Naquela época, estudava no segundo ou terceiro ano do colegial, sempre com dificuldades. À medida que comia melhor, comecei a compreender melhor o que lia. Foi aí, precisamente, que comecei a estudar gramática, porque adorava os problemas da linguagem. Eu estuava filosofia da linguagem por conta própria, preparndo-me, aos 18 ou 19 anos, para entender o estruturalismo e a linguagem. Comecei, então, a ensinar gramática portuguesa, com amor pela linguagem e pela filisosfia, e com a intuição de que deveria compreender as expectativas dos estudantes e fazê-los participar do diálogo. Em algum momento, entre os 15 e os 23 anos, descobri o ensino como minha paixão. (FREIRE apud GADOTTI, 2004, p. 23-24)

Paulo Freire começou a dar aulas muito cedo, quando ainda cursava o segundo grau. Entrou para a Universidade do Recife em 1943, para cursar Direito, mas também se dedicou aos estudos de Filosofia da Linguagem. Apesar disso, nunca exerceu a profissão; desistiu logo na primeira causa e preferiu trabalhar como professor numa escola de segundo grau, ensinando a língua portuguesa. Em 1944, casou com a professora primária Elza Maia Costa de Oliveira. Paulo Freire tinha 23 anos e dava aulas; eles tiveram cinco filhos. Elza foi companheira, amiga e namoarda em todos os 42 anos em que viveram juntos, contribuindo para o pensamento pedagógico de Freire; ela veio a falecer em 1986. Freire casou-se novamente em 1988 com a ex-aluna e também professora Ana Maria Araújo Hasche, com quem viveu e partilhou seus projetos pedagógicos até seus últimos dias. Em 1946, Freire foi trabalhar no SESI – Serviço Social da Indústria, onde se tornou diretor do setor de educação; ali permanceu por 8 anos. Nesse período, Freire aprendeu a dialogar com a classe trabalhadora, a compreender sua forma de apreender o mundo, através da sua linguagem. Foi aí, aprendendo 103

na prática, que se tornou um educador. (Gadotti, 1991) Uma das experiências que marcaram sua vida foi o MCP – Movimento de Cultura Popular do Recife, onde surgiram os círculos de cultura e os estudos sobre linguagem popular e erudita que fez enquanto professor de língua portuguesa. Freire foi fundador e diretor do Serviço de Extensão Cultural da Universidade do Recife, onde elaborou um novo método de afabetização de adultos. Em 1959, escreveu a tese que concorreria à cadeira de História e Filosofia da Educação, na Escola de Belas-Artes do Recife. O título da tese era: “Educação e atualidade brasileira”. Com ela, obteve o grau equivalente ao de doutor.

O círculo de cultura é uma unidade de ensino que substitui a escola tradicional. É formado por um grupo de pessoas que se reúne para discutir seu trabalho, a realidade local e nacional, sua vida familiar etc. Nele, não há lugar para o professor tradicional “bancário”, que tudo sabe, nem para o aluno que nada sabe. Assim, ao mesmo tempo que aprende a ler e a escrever, o educando aprende a “ler”, isto é, a analisar sua prática e a atuar sobre ela. (GADOTTI, 2004, p. 147)

Freire teve sua educação influenciada pelo catolicismo. Seu engajamento com movimentos progressistas da Igreja deu-se desde a mais tenra idade, com a Ação Católica, Comunidades Eclesiais de Base e a “Teologia da Libertação”, que é uma

concepção progressista da teologia e do papel social e político da Igreja, desnvolvida sobretudo na América Latina, que defende o engajamento dos cristãos na luta pela libertação. Opõe-se à teologia dogmática, que estabelece um rígido código de conduta para os cristãos, baseado na defesa da tradição, da família e da propriedade privada. A Teologia da Libertação adota o método dialético para a análise da realidade. (GADOTTI, 2004, p.158)

Segundo Gadotti (2004), o método freireano deve ser entendido dentro do contexto histórico em que nasceu, o nordeste brasileiro, onde, na década de 1960, metade dos seus 30 milhões de habitantes vivia na cultura do silêncio, isto é, eram analfabetos. Era preciso “dar-lhes a palavra” para que “transitassem” para a participação na costrução de um Brasil, dono de seu próprio destino, que superasse o colonialismo. Seu trabalho ganhava destaque mesmo, em 1962, quando ele aplicou publicamente seu método na cidade de Angicos (RN), onde, em 45 dias, alfabetizaram-se 300 trabalhadores rurais. João Goulart, presidente na época, chamou Paulo Freire para organizar uma 104

Campanha Nacional de Alfabetização. Essa campanha tinha como objetivo alfabetizar 2 milhões de pessoas, em 20.000 círculos de cultura. (Gadotti, 2004, p. 32) O Brasil vivia uma disputa de poder entre as elites conservadoras (os militares, industriais e proprietários de terras) e os políticos populistas que manipulavam as massas. Mas o primeiro grupo foi mais forte e tomou o poder pela força, com o Golpe de 1964. Nesse momento, todo tipo de mobilização social foi reprimida, e o projeto educacional de Paulo Freire foi abandonado. Em seu lugar, surgiu o MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização), uma iniciativa para a alfabetização, porém, visceralmente distinta dos ideais freirianos.

Nestes últimos anos, o fantasma do comunismo, que as classes dominantes agitam contra qualquer governo democrático da América Latina, teria alcançado feições reais aos olhos dos reacionários na presença política das classes populares. O movimento de educação popular, solidário à ascenção democrática das massas, não poderia deixar de ser atingido. Desde antes do golpe de Estado seu trabalho se constituía num dos alvos preferidos dos grupos de direita. Todos sabiam da formação católica de seu inspirador e de seu objetivo básico: efetivar uma aspiração nacional apregoada, desde 1920, por todos os grupos políticos, a alfabetização de povo brasileiro e a ampliação democrática da participação popular. Não obstante, os reacionários não podiam compreender que um educador católico se fizesse expressão dos oprimidos e menos ainda podiam compreender que a cultura levada ao povo pudesse conduzir à dúvida sobre a legitimidade de seus privilégios. Preferiram acusar Paulo Freire por idéias que não professa a atacar esse movimento de democrátização cultural pois percebiam nele o gérmem da revolta. (WEFFORT apud FREIRE, 2006c, p. 19)

Paulo Freire foi preso por 70 dias, acusado de subversivo e traidor de Cristo e do povo brasileiro. Em seguida, passou por um breve exílio na Bolívia, onde teve dificuldades com a altitude. Esse país também sofreu um Golpe de Estado, forçando Freire a transferir-se para o Chile, onde permaneceu por quatro anos e meio. Nesse país, ele trabalhou para o Movimento de Reforma Agrária da Democracia Cristã, deu aulas na Universidade Católica de Santiago, e também trabalhou para a Organização de Agricultura e Alimentos da Organização das Nações Unidas. Ali, dedicou-se, principalmente, à formação de adultos camponeses. Em 1967, Freire publicou seu primeiro livro, Educação como prática da liberdade . O livro é a apresentação da pedagogia dialógica, a 105

liberdade como um modo de ser do homem, portanto, uma educação libertadora.

Conscientizar não significa, de nenhum modo, ideologizar ou propor palavras de ordem. Se a conscientização abre caminho à expressão das insatisfações sociais é porque estas são componentes reais de uma situação de opressão; se muitos dos trabalhadores recém- alfabetizados aderiram ao movimento de organização dos sindicatos é porque eles próprios perceberam um caminho ligítimo para a defesa de seus interesses e de seus companheiros de trabalho; finalmente, se a conscientização das classes populares significa radicalização política é simplesmente porque as classes populares são radicais, ainda mesmo quando não o saibam. O saber democrático jamais se incorpora autoritariamente, pois só tem sentido como conquista comum do trabalho do educador e do educando. Não é possivel, diz Paulo Freire, “dar aulas de democracia e, ao mesmo tempo, considerarmos como ‘absurda e imoral’ a participação do povo no poder”. A democracia é, como o saber, uma conquista de todos. Toda a separação entre os que sabem e os que não sabem, do mesmo modo que a separação entre as elites e o povo, é apenas fruto de circunstâncias históricas que podem e devem ser transformadas. (WEFFORT apud FREIRE, 2006c, p. 20)

A alfabetização das massas incomodou as elites brasileiras que se sentiram ameçadas. As organizações populares, os movimentos sindicais e religiosos, os círculos de cultura não eram bem vindos e precisavam ser eliminados, combatidos, mesmo que para isso fosse usada a força. Era preciso manter a ordem nacional, eliminar a ameaça comunista, manter os privilégios dos poucos afortunados do País. Mesmo os políticos populistas não tinham interesse em conscientizar, mas em manipular as massas, multiplicando o número de eleitores. Seus equívocos levaram-nos ao fracasso e à perda do poder para os violentos poderosos e armados membros das elites brasileiras. A emancipação popular foi adiada, seus líderes foram presos ou expulsos do País, dentre eles o criador do método que apontava a educação como prática da liberdade. Paulo Freire perdeu a liberdade de ensinar e de viver no Brasil. Freire ja era conhecido nos quatro cantos do planteta. Seu método de ensino fazia escola. Foi convidado para ser professor visitante da Universidade de Harvard, em 1969, onde permaneceu por menos de um ano, transferindo-se para Genebra, na Suíça. No ano anterior, ele escrevera seu mais famoso livro, Pedagogia do oprimido , que foi publicado em várias línguas, como o espanhol, o inglês (em 1970), e até o hebraico (em 1981). Por causa da situação política do País, ele não foi publicado no Brasil até 1974, quando o general Geisel tomou o 106

controle do Brasil e iniciou um processo de liberalização cultural. Em Genebra, Freire trabalhou como consultor educacional para o Conselho Mundial de Igrejas. Durante esse tempo, atuou como um consultor em reforma educacional em colônias portuguesas na África, particularmente em Guiné Bissau e em Moçambique. Depois de 15 anos de exílio, Paulo Freire retornou ao Brasil, em março de 1980. Lecionou na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). À sua maneira, foi reaprendendo o Brasil, engajando-se sempre mais nos debates educaionais, participando de palestras, cursos e conferências. Filiou-se ao Partido dos Trabalhadores na cidade de São Paulo, e atuou como supervisor para o programa do Partido para alfabetização de adultos, de 1980 até 1986. Em 1987, foi reintegrado como professor da Universidade Federal de Pernambuco, por um ato do governo da Nova República, pois havia sido destituído pelo Regime Militar em 1964. Quando a candidata do PT à prefeitura de São Paulo, Luiza Erundina, foi eleita, ela convidou Freire para a Secretaria Municipal de Educação, onde ele ficou de 1989 à 1991. Como Secretário de Educação do Município de São Paulo, Freire valorizou a formação permanente dos professores, criou junto com os movimentos populares o projeto chamado MOVA-SP (Movimento de Alfabetização da Cidade de São Paulo), esse projeto era um programa de alfabetização de jovens e adultos, voltado para o resgate da cidadania, com o objetivo de formar multiplicadores de uma ação social libertadora. Por último, podemos destacar a prática interdisciplinar como um elemento fundamental na construção de uma escola participativa e decisiva na formação do sujeito social. Em 1991, o Instituto Paulo Freire foi fundado em São Paulo para estender e elaborar suas teorias sobre educação popular. O instituto mantém os arquivos de Paulo Freire. Freire foi internado com fortes dores no peito na manhã do dia 1º de maio de 1997, no Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Morreu após o segundo ataque cardíaco, na manhã do dia 2 de maio de 1997, com 75 anos de idade. Freire escreveu mais de 40 livros, traduzidos em 28 idiomas. Cidadão honorário de nove cidades brasileiras. Condecorado diversas vezes com medalhas, comendas e prêmios de vários países. Doutor honoris causa , em 28 107

Universidades. Convidado oficial de mais de 50 países dos cinco continentes. Homenageado com uma estátua em Estocolmo, capital da Suécia, Paulo Freire foi o educador brasileiro mais conhecido e respeitado em todo o mundo. Entre as suas principais obras podemos destacar: Educação como prática da liberdade (1967), Extensão ou comunicação (1971), Pedagogia do oprimido (1974), Ação cultural para a liberdade o outros escritos (1976), Cartas à Guiné- Bissau (1977), A importância do ato de ler (1982), Pedagogia da esperança (1992), Professora sim, tia não (1993), Essa escola chamada vida (1994) e Pedagogia da autonomia (1996).

5.1 A pedagogia dialógica

Paulo Freire deixou um legado pedagógico importante para todo educador que deseja uma educação libertadora, crítica e revolucionária. Seu gosto pela liberade denuncia o autoritarismo da educação tradicional brasileira que despeja conceitos e fórmulas sobre os alunos sem nenhuma problematização. A educação através da conscientização é uma alternativa educacional capaz de formar a consciência crítica dos alunos, e, assim, possibilitar uma transformação social. A pedagogia dialógica é uma ferramenta de trabalho de que o educador humanista se utiliza para emancipar seus alunos, dar a eles a palavra capaz de interpretar a realidade por eles vivida. Essa relação dialógica entre professor/ aluno se constrói na práxis que une a teoria e a prática, ou seja, o conteúdo e a vida concreta dos alunos. Portanto, uma prática educacional autoritária impede a emancipação dos alunos, tornando-os seres dóceis e passivos diante de sua própria condição social. Nossa educação não tem sido, de modo geral, um processo que possibilita, a boa parte de nossas crianças, o direito de se apropriar da cultura e muito menos de transformá-la. A leitura de Paulo Freire, nesse início do século XXI, leva-me a refletir sobre a minha própria prática em sala de aula. Seu método de ensino continua provocando governantes, gestores escolares e educadores para uma prática educacional que desperte em nossas crianças o desejo pelo saber, que elas não somente freqüentem uma sala de 108

aula, mas que se apropriem veradeiramente do conhecimento, tornando-se sujeitos desse processo. A pedagogia de Paulo Freire surge das experiências vividas por ele, do contexto político, econômico e social em que o Brasil se encontrava na década de 1960. Nesse momento, surgem os círculos de cultura que consistem na alfabetização pela conscientização. É uma proposta para a alfabetização de adultos. Eles eram uma alternativa ao sistema tradicional que utilizava a cartilha como ferramenta central da didática para o ensino da leitura e da escrita. As cartilhas ensinavam pelo método da repetição de palavras soltas ou de frases criadas de forma forçosa, que comumente se denomina como linguagem de cartilha. Por exemplo: Eva viu a uva, o boi baba, a ave voa, dentre outros. Não existe nesse método uma contextualização, as frases não dizem nada a respeito da realidade dos alunos. Os círculos de cultura partiam do saber social dos educandos para alfabetizá-los. Freire é um educador profundamente humanista, um homem do diálogo e do conflito. Para ele, uma educação verdadeiramente libertadora une a teoria com a ação transformadora da realidade. É por isso que seu método de ensino pode ser conhecido, também, como uma teoria do conhecimento ou uma filosofia da educação.

A visão da liberdade tem nesta pedagogia uma posição de relevo. É a matriz que atribui sentido a uma prática educativa que só pode alcançar efetividade e eficácia na medida da participação livre e crítica dos educandos. É um dos princípios essenciais para a estruturação do círculo de cultura, unidade de ensino que substitui a “escola”, autoritária por estrutura e tradição. Busca-se no círculo de cultura, peça fundamental no movimento de educação popular, reunir um coordenador a algumas dezenas de homens do povo no trabalho comum pela conquista da linguagem. O coordenador, quase sempre um jovem, sabe que não exerce as funções de “professor” e que o diálogo é condição essencial de sua tarefa “a de coordenar, jamais influir ou impor”. (WEFFORT apud FREIRE, 2006c, p. 13)

A riqueza de suas obras ensinam-nos muito mais que uma teoria, um método de ensino. Elas nos ensinam que uma educação emancipadora se constrói na prática educativa cotidiana, na relação dialógica entre professores e alunos. Um processo onde as contradições são evidenciadas para serem superadas numa perspectiva humanista. Uma verdadeira relação de poder compartilhada entre os agentes do processo ensino aprendizado. Um 109

conhecimento que não é compartilhado, que é apenas transmitido, não pode ser problematizado, não é uma práxis verdadeiramente cidadã.

5.1.1 Etapas de formação

A investigação: nessa etapa, são levantadas as palavras e os temas mais significativos e com uma maior riqueza silábica da vida concreta dos alunos, dentro de seu universo vocabular e da comunidade onde eles vivem.

A tematização: essa é a etapa de tomada de consciência do mundo, através da análise dos significados sociais dos temas e palavras.

A problematização: nessa etapa, evidencia-se a necessidade de uma ação concreta sobre o real; o professor desafia e inspira o aluno a superar a visão mágica e acrítica do mundo, para uma postura conscientizada.

As palavras geradoras: o processo de alfabetização inicia-se pelo levantamento do universo vocabular dos alunos. Através de conversas informais, o educador observa os vocábulos mais usados pelos alunos, e, assim, seleciona as palavras que servirão de base para as lições. Depois de composto o universo das palavras geradoras, elas se apresentam em cartazes com imagens. Então, nos círculos de cultura, inicia-se uma discussão onde os alunos são incentivados a expressar-se para significá-las na realidade daquela turma.

A silabação: uma vez identificadas, cada palavra geradora passa a ser estudada, através da divisão silábica, semelhantemente ao método tradicional. Cada sílaba desdobra-se em sua respectiva família silábica, com a mudança da vogal. Exemplo: la, le, li, lo, lu.

As palavras novas: o passo seguinte é a formação de palavras novas. Usando as famílias silábicas agora conhecidas, o grupo forma palavras novas. 110

A conscientização: esse é o processo de formação da consiência crítica, onde se busca uma relação entre a teoria e a prática, entre o conteúdo e a vida concreta dos alunos. Aqui se faz a discussão sobre os diversos temas surgidos a partir das palavras geradoras. Para Paulo Freire, alfabetizar não pode se restringir aos processos de codificação e decodificação. Dessa forma, o objetivo da alfabetização de adultos é promover a conscientização acerca dos problemas cotidianos, a compreensão do mundo e o conhecimento da realidade social.

5.1.2 As fases de aplicação da pedagogia dialógica

1ª fase: Levantamento do universo vocabular dos grupos com quem se trabalhará. Nessa fase, ocorrem as interações de aproximação e conhecimento mútuo, através de encontros informais, bem como a anotação das palavras da linguagem dos membros do grupo, respeitando as expressões típicas de cada povo.

2ª fase: Escolha das palavras selecionadas do universo vocabular pesquisado, seguindo os critérios de riqueza fonêmica, dificuldades fonéticas – numa seqüência gradativa das mais simples para as mais complexas, do comprometimento pragmático da palavra na realidade social, cultural, política do grupo.

3ª fase: Criação de situações existenciais características do grupo. São situações-problemas inseridas na realidade local, que devem ser discutidas com o intuito de abrir perspectivas para a análise crítica consciente de problemas locais, regionais e nacionais.

4ª fase: Elaboração das fichas-roteiro que funcionam como roteiro para os debates, as quais deverão servir como subsídios, nunca como uma prescrição rígida a ser seguida.

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5ª fase: Criação de fichas de palavras para a decomposição das famílias fonéticas correspondentes às palavras geradoras.

Essa trajetória da pedagogia dialógica continha, ao mesmo tempo, uma crítica radical ao que ele chamaria de educação bancária e uma proposta de educação emancipatória como prática de liberdade em vista de maior igualdade sócio-cultural.

5.1.3 Educação bancária

Paulo Freire não acreditava na educação tradicional. Para ele, ela era responsável pelo fracasso de tantos alunos nas escolas brasileiras. Para alfabetizar, principalmente jovens e adultos, era preciso uma metodologia que partisse da realidade concreta em que o educando se encontrava. O educador não pode ser aquele que apenas se ocupa em transmitir um conhecimento pronto, definido por um currículo fechado, era preciso pensar a realidade, partindo dos problemas vividos pelos educandos. Para Freire, a pedagogia, o currículo e a vida social e política precisam passar por uma revolução, aquela capaz de emancipar o educando e torná-lo sujeito de sua história. A educação bancária é aquela exercida como prática de dominação, apenas o educador é sujeito, aquele que sabe, o aluno objeto, aquele que não sabe, são vasilhas a serem enchidas, o educador deposita comunicados que estes recebem, memorizam e repetem. Não existe ali uma relação dialógica, mas uma imposição de saberes determinados, a prática educacional é totalmente verbalista, dirigida para a transmissão e avaliação de conhecimentos abstratos, numa relação vertical, o saber é dado, fornecido de cima para baixo, uma relação autoritária, pois, na educação bancária, manda quem sabe. Nesse processo, o educando é um ser passivo, um objeto que recebe a doação do saber do educador, sujeito único de todo o processo. Esse tipo de educação pressupõe um mundo harmonioso, no qual não há contradições, daí a conservação da ingenuidade do oprimido, que, como tal, se acostuma e acomoda no mundo conhecido, o mundo da opressão. 112

A narração, de que o educador é o sujeito, conduz os educandos à memorização mecânica do conteúdo narrado. Mais ainda, a narração os transforma em “vasilhas”, em recipientes a serem “enchidos” pelo educador. Quanto mais vá “enchendo” os recipientes com seus “depósitos” tanto melhor educador será. Quanto mais se deixem docilmente “encher”, tanto melhores educados serão. Desta maneira, a educação se torna um ato de depositar, em que os educandos são os depositários e o educador o depositante.

Em lugar de comunicar-se, o educador faz “comunicados” e depósitos que os educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem. Eis aí a concepção “bancária” da educação, em que a única margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los. Margem para serem colecionadores ou fichadores das coisas que arquivam. No fundo, porém, os grandes arquivados são os homens, nesta (na melhor das hipóteses) equivocada concepção “bancária” da educação. Arquivados, porque, fora da busca, fora da práxis, os homens não podem ser. Educador e educandos se arquivam na medida em que, nesta distorcida visão da educação, não há criatividade, não há criatividade, não há transformação, não há saber. Só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros. Busca esperançosa também. (FREIRE, 2005, p. 66-67)

Na concepção “bancária” que estou criticando, para a qual a educação é o ato de depositar, de transferir, de transmitir valores e conhecimentos, não se verifica, nem pode verificar-se, essa superação. Pelo contrário, refletindo a sociedade opressora, sendo dimensão da “cultura do silêncio”, a “educação” “bancária” mantém e estimula a contradição. Daí, então que nela: a) o educador é o que educa; os educandos, os que são educados; b) o educador é o que sabe; os educandos, os que não sabem; c) o educador é o que pensa; os educandos os pensados; d) o educador é o que diz a palavra; os educandos, os que a escutam docilmente; e) o educador é o que disciplina; os educandos, os disciplinados; f) o educador é o que opta e prescreve sua opção; os educandos, os que seguem a prescrição; g) o educador é o que atua; os educandos, os que têm a ilusão de que atuam, na atuação do educador; h) o educador escolhe o conteúdo programático; os educandos, jamais ouvidos nessa escolha, acomodam-se a ele; 113

i) o educador identifica a autoridade do saber com sua autoridade funcional, o que opõe antagonicamente à liberdade dos educandos; estes devem adaptar-se às determinações daquele; j) o educador, finalmente, é o sujeito do processo; os educandos, meros objetos.

Se o educador é o que sabe, se os educandos são os que nada sabem, cabe àquele dar, entregar, levar, transmitir o seu saber aos segundos. Saber que deixa de ser de “experiência feito” para ser de experiência narrada ou transmitida. Na verdade, o que pretende os opressores “é transformar a mentalidade dos oprimidos e não a situação que os oprime”, e isto para que, melhor adaptando-os a situação, melhor os dominem. A questão está em que pensar autenticamente é perigoso. O estranho humanismo desta concepção “bancária” se reduz à tentativa de fazer dos homens o seu contrário – o autômato, que é a negação de sua ontológica vocação de ser mais. (FREIRE, 2005, p. 68-70)

A educação bancária é a educação em que o professor é quem dá a última palavra, devendo os alunos aceitar passivamente o que ele diz. Dessa forma, o único que pensa é o professor, cabendo aos alunos apenas receber os depósitos que o professor faz dos conhecimentos que possui (como sucede num banco quando se deposita dinheiro). A educação bancária é domesticadora porque busca controlar a vida e a ação dos alunos, proibindo-os de exercer seu poder criativo e transformador. (GADOTTI, 2004, p. 151)

5.1.4 A concepção problematizadora e libertadora da educação

Para Freire, a educação não é neutra, mas sim uma ação cultural que resultaria numa relação de dominação ou de liberdade entre os seres humanos. Certo de que o Brasil era dividido em classes com interesses vitais antagônicos, ele identificava, aqui, a existência de uma educação voltada para a dominação. Nela, a seu ver, o processo educativo seria rígido, autoritário e avesso ao diálogo com os educandos. Formava educadores empenhados na formação da docilidade e passividade dos educandos, uma educação formal e distante da realidade social da maioria dos jovens brasileiros. A educação bancária era de interesse das elites brasileiras, mas, do outro lado estavam as classes trabalhadoras que careciam de uma pedagogia libertadora que poderia dar conhecimentos e suscitar reflexões que lhes possibilitassem tomar consciência de serem explorados e de que poderiam mudar tal situação. Necessariamente, 114

essa pedagogia teria de ser flexível, participativa e incentivar ao máximo o diálogo entre educadores e educandos.

Um educador humanista, revolucionário, não há de esperar esta possibilidade. Sua ação, identificando-se, desde logo, com a dos educandos, deve orientar-se no sentido da humanização de ambos. Do pensar autêntico e não no sentido da doação, da entrega do saber. Sua ação deve estar infundida da profunda crença nos homens. Crença no seu poder criador. Isto tudo exige dele que seja um companheiro dos educandos, em suas relações com estes. É que, se os homens são estes seres da busca e se sua vocação ontológica é humanizar-se, podem, cedo ou tarde, perceber a contradição em que a “educação bancária” pretende mantê-los e engajar-se na luta por sua libertação. (FREIRE, 2005, p. 71)

Uma educação como prática da liberdade toma como referência a própria história dos educandos, problematiza as relações de exploração existentes na sociedade, conscientiza a todos que a realidade não é algo dado, imutável, mas dinâmico e capaz de transformar-se. Uma educação libertadora enfrenta as contradições sociais, posiciona-se diante dela, propõe uma práxis libertadora. Alfabetizar é conscientizar e não manipular seres dóceis e passivos, ela se torna expressão da luta dos homens por uma cidadania plena: política, social, religiosa, econômica e cultural.

A educação “bancária”, em cuja prática se dá a inconciliação educador-educandos, rechaça este companheirismo. E é lógico que seja assim. No momento em que o educador “bancário” vivesse a superação da contradição já não seria “bancário”. Já não faria depósitos. Já não tentaria domesticar. Já não prescreveria. Saber com os educandos, enquanto estes soubessem com ele, seria sua tarefa. Já não estaria a serviço da desumanização. A serviço da opressão, mas a serviço da libertação. (FREIRE, 2005, p. 71)

Uma pedagogia dialógica exige que o educador assuma uma postura de respeito pelo educando, pela sua história. Ela parte da realidade vivida para uma realidade transformada. Segundo Freire, para passar da consciência ingênua à consciência crítica, é necessário um longo percurso, no qual o educando rejeita a hospedagem do opressor dentro de si, que faz com que ele se considere ignorante e incapaz. É o caminho de sua auto-afirmação enquanto sujeito. A educação problematizadora exige um constante diálogo entre o educador e o educando, uma relação dialética, transformadora e revolucionária. Esse diálogo permite ultrapassar o imediato vivido, permite uma visão das 115

contradições, ambos, educador/educando, buscam a transformação através da consciência crítica. ”Uma educação problematizadora baseia-se na criatividade e possibilita uma reflexão e uma ação crítica sobre a realidade, comprometidas com a transformação social” (GADOTTI, 2004, p. 151). Na década de 1990, Freire dedicou-se, em seus livros, aos problemas da sociedade pós-moderna, preocupado com a diversidade cultural, e com o respeito pelo diferente, com a intolerância que provocava a violência na sociedade contemporânea, ele propunha uma educação para a diversidade, uma ética da diversidade e uma cultura da diversidade. Para ele, uma sociedade multicultural deve educar o ser humano multicultural, capaz de ouvir, de prestar atenção ao diferente, respeitá-lo. Nesse novo cenário da educação, será preciso reconstruir o saber da escola e a formação do educador. Não haverá um papel cristalizado, tanto para a escola quanto para o educador. Em vez da arrogância de quem se julga dono do saber, o professor deverá ser mais criativo e aprender com o aluno e com o mundo. Numa época de violência, de agressividade, o professor deverá promover o entendimento com os diferentes, e a escola deverá ser um espaço de convivência, onde os conflitos são trabalhados, não camuflados. A educação verdadeiramente humana compreende o cidadão na sua totalidade, não apenas no cognitivo escolar tradicional. O olhar da escola está sempre voltado para o educando em toda a sua humanidade, em todas as suas necessidades. Ela conduz o aluno ao conhecimento da sua realidade, do saber que transforma, que o permite se apropriar da cultura. A relação dialógica entre educador/educando é o único caminho para derrubar o autoritarismo da educação tradicional “bancária”. Uma educação libertadora respeita a diversidade cultural, o pluralismo de idéias, ela é reflexiva e crítica, portanto, revolucionária. Enquanto em nossas escolas encontrarmos alunos passivos, dóceis, conformados com as relações de dominação, é porque nessas escolas encontramos educadores autoritários, que, mesmo sem saber, prestam serviço para as elites que não desejam mudanças. Paulo Freire foi um porta-voz da esperança. Ele acreditava na educação como uma ferramenta política a serviço da transformação social. Em seu livro Pedagogia da autonomia , ele proclama a verdadeira vocação do educador progressista: 116

Sou professor a favor da decência contra o despudor, a favor da liberdade contra o autoritarismo, da autoridade contra a licenciosidade, da democracia contra a ditadura de direita ou de esquerda. Sou professor a favor da luta constante contra qualquer forma de discriminação, contra a dominação econômica dos indivíduos ou das classes sociais. Sou professor contra a ordem capitalista vigente que inventou esta aberração: a miséria na fartura. Sou professor a favor da esperança que me anima apesar de tudo. Sou professor contra o desengano que me consome e imobiliza. Sou professor a favor da boniteza de minha própria prática, boniteza que dela some se não cuido do saber que devo ensinar, se não brigo por este saber, se não luto pelas condições materiais necessárias sem as quais meu corpo, descuidado, corre o risco de se amofinar e de já não ser o testemunho que deve ser de lutador pertinaz, que cansa más não desiste. Boniteza que se esvai de minha prática se, cheio de mim mesmo, arrogante e desdenhoso dos alunos, não canso de me admirar. (FREIRE, 1996, p. 102-103)

Ao escolher Paulo Freire como referência para esta pesquisa, assumi o desafio de investigar o nível de presença de uma pedagogia na qual uma educação autoritária que “tudo sabe” em detrimento do aluno que “nada sabe”. Assumi, com a perspectiva freireana, uma postura político-pedagógica em prol de uma escola pública e de qualidade que faça do educando um sujeito do processo ensino/aprendizado. Sabe-se do quanto a pedagogia da repetência joga sobre o aluno a responsabilidade do fracasso escolar. Sabe-se, por outro lado, o quanto a educação escolar pode propiciar aos membros das classes populares uma via para a sua emancipação, pela mudança radical de um sistema econômico que deixa milhões de cidadãos na miséria, enquanto uns poucos gozam de todo conforto e privilégios. Tomar esse referencial é insistir na dinâmica em que a educação escolar, ao emancipar as pessoas, coloca-as em posição de combater as desigualdades sociais e suas conseqüências. No dia 19 de setembro de 1983, Paulo Freire recebeu uma carta de uma turma de alunos da primeira série de ensino fundamental, nela, as crianças foram incisivas: “estamos escrevendo-lhe para pedir-lhe que continue sempre amando as crianças”. Em sua resposta ele reafirma seu compromisso de querer bem aos meninos e as meninas, e conclui: “eu amo muito a vida”. Em seus escritos, sempre afirmou que educar é um gesto de amor, um amor comprometido com aqueles que aprendem, compromisso que se renova a cada cidadão alfabetizado, capaz de fazer uma leitura do mundo. Uma educação onde o professor é o sujeito e o aluno objeto do processo de ensino/aprendizado forma cidadãos passivos, não permite aos alunos exercer seu poder criativo e 117

transformador da realidade por eles vivida. Ensinar a ler e a escrever é importante, na medida que acompanha uma reflexão crítica sobre o que se lê e o que se escreve. Um conteúdo contextualizado e problematizado produz um processo verdadeiro de conhecimento, e um educador dialógico contribui para a formação de educandos emancipados. Parece ecoar, nos ouvidos de todos os educadores e educadoras do Brasil: continuem sempre amando as crianças.

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6 AS RELAÇÕES DE PODER ENTRE PROFESSOR/ALUNO NA ESCOLA MUNICIPAL “CAPELA NOVA” DE BETIM

As relações sociais dão-se dentro de uma realidade vivida por sujeitos concretos nela inseridos. A divisão da sociedade em classes interessa àqueles que lucram apropriando-se dos meios de produção. Nessas relações, existe uma grande maioria de pessoas que são orientadas, ao longo da sua formação, para se tornarem mão-de-obra. São aqueles que vendem sua capacidade de trabalho em troca dos bens de que necessita para a sua sobrevivência. Apenas uns poucos são formados para sustentar a ordem vigente. São os donos dos meios de produção. A educação não é, e não pode ser neutra nessas relações. Ou ela reproduz a ordem vigente ou ela busca transformá-la. Uma educação voltada para os interesses das classes dominantes legitima e contribui para se perpetuar a situação de dominação de uma classe sobre a outra. Mas, uma educação dialógica, problematizadora e conscientizadora, tem o poder de preparar a classe dominada para a transformação da sua realidade. Paulo Freire acredita que a vocação verdadeira da educação é a de humanizar os homens para transformar o mundo, ou seja, ao despertar a curiosidade no educando para a compreensão da realidade, ele se torna capaz de reiventar o mundo à sua volta, e, portanto, provocar uma reordenação social. O aprendizado só ocorre quando o aluno se apropria do conhecimento, da cultura à sua volta, e, a partir disso, compreender sua existência concreta para provocar mudanças de ordem política, cultural, social, religiosa e econômica. Uma educação bancária, não problematizadora, transforma os educandos em objetos passivos nas mãos do mercado, das elites dominantes. Ela não provoca uma reflexão verdadeira capaz de incomodar uma situação dada, pois ela interessa à manutenção do poder dominante que não deseja mudanças estruturais em uma sociedade desigual como a nossa.

O conhecimento, pelo contrário, exige uma presença curiosa do sujeito em face do mundo. Requer sua ação transformadora sobre a realidade. Demanda uma busca constante. Implica em invenção e em reinvenção. Reclama a reflexão crítica de cada um sobre o ato mesmo de conhecer, pelo qual se reconhece conhecendo e, ao reconhecer-se assim, percebe o “como” de seu conhecer e os condicionamentos a que está submetido seu ato. (FREIRE, 1977, p. 27) 119

A realidade encontrada nas relações entre os professores e os alunos aqui pesquisados está inserida num contexto histórico que pode me ajudar a compreender as dificuldades que os professores têm, até os nossos dias, de estabelecer uma relação dialógica de dominação quanto da história da evolução da educação escolar no Brasil submetida às várias formas de poder autoritário, desde os jesuítas até as formas mais recentes da ideologia neo-liberal. Embora os professores tenham tido uma formação em escolas que destilaram esse ethos de dominação, a educação também sofreu contornos próprios de uma concepção democrática e emancipatória.

Conhecer é tarefa de sujeitos, não de objetos. E é como sujeito e somente enquanto sujeito, que o homem pode realmente conhecer. Por isto mesmo é que, no processo de aprendizagem, só aprende verdadeiramente aquele que se apropria do aprendido, transformando- o em apreendido, com o que pode, por isto mesmo, reinventa-lo; aquele que é capaz de aplicar o aprendido-apreendido a situações existenciais concretas. (FREIRE, 1977, p. 27-28)

Procurei, aqui, explicitar o olhar que tive diante de um grupo de professores e alunos. Esse olhar vem das observações, dos questionários e entrevistas que fiz. Procurei compreender as relações entre esses agentes, buscando perceber se ambos são sujeitos do aprendizado, e se o conhecimento é capaz de contribuir para a formação de sujeitos emancipados ou se é apenas reprodutora de conteúdos prontos; se o currículo vindo de um modelo progressista, como o ciclo de formação humana implantado há 10 anos nessa instituição, produziu efeitos na vida escolar e cotidiana dos alunos. As observações, os conceitos obtidos pelos alunos no primeiro trimestre do ano letivo, os questionários aplicados aos alunos, e, principalmente, as entrevistas, expressão da realidade vivida por professores e alunos dentro da escola pesquisada. Esta pesquisa, que tem como um de seus objetivos verificar o conflito entre esse ethos e uma outra concepção, foi realizada com três turmas do último ano do ensino fundamental na rede municipal da cidade de Betim. O trabalho de campo utilizou-se de métodos qualitativos para analisar as relações de poder existentes no interior da escola, mais especificamente um estudo de caso. A pesquisa consistiu de observações do cotidiano da escola: sala de aula, recreio e merenda, sala de professores, reuniões pedagógicas, pesquisas 120

realizadas pelos alunos e professores na biblioteca, realizei também um questionário que foi aplicado nas três turmas, e, por fim, realizei entrevistas do tipo semi-estruturadas com sete professores e seis alunos, sendo um casal de cada turma. A rede municipal de Betim adotou, a partir de 1998, o ciclo de formação humana como seu modelo de educação, gradativamente todas as escolas da rede vão conhecendo e modificando seu currículo para atender às novas necessidades. O novo modelo recebe o nome de “Escola Democrática”. Baseado na teoria construtivista, ele surge com o projeto de acabar com o modelo reprodutivista e excludente da seriação, diminuir a evasão, acabar com a reprovação, melhorar a qualidade do ensino oferecido à comunidade de Betim. Nesse modelo o educador crítico é o articulador do processo ensino/ aprendizado, dentre suas funções podemos destacar:

I. O professor (“pedagogo”), neste processo, é guia e orientador da atividade construtiva do aluno, garante que este se aproxime de forma progressiva do conteúdo escolar. O professor atua como o mediador entre a atividade construtiva do aluno e o conhecimento escolar. II. O educador é o agente responsável pela coordenação da dinâmica de ensino / aprendizagem e pela organização e ampliação da produção cultural no espaço escolar. III. O conhecimento e o saber social, em geral, são conteúdos culturais coletivamente construídos e historicamente acumulados, portanto, aluno e professor são sujeitos ativos, inteligentes e autônomos que se relacionam dialogicamente no processo de ensino / aprendizagem. IV. As ações pedagógicas, além de propiciarem a potencialização de competências e habilidades cognitivas, devem promover: o fortalecimento da motivação, a elevação da auto-estima, o prazer de estudar, a formação de atitudes morais, o estímulo à criatividade, a intesificação de atividades lúdicas, o exercício pleno e consciente da cidadania e do trabalho produtivo. (BETIM, 1998a, p 39-41)

Hoje, as escolas municipais de Betim estão integradas, e têm em comum, além do sistema de ciclo, um único regimento. A rede é dividida em três Regionais Pedagógicas, que, dentre outras coisas, promovem encontros entre diretores, pedagogas, professores para aprofundar a reflexão sobre o currículo, a avaliação, evasão, reprovação, formação continuada, etc. A escola Capela Nova faz parte desse sistema, e, nela, todos os profissionais parecem estar conscientes da importância do ciclo na formação dos seus alunos. Mas o processo de passagem do sistema seriado para o sistema de ciclo, que vem se concretizando há 10 anos na rede, não se dá da 121

noite para o dia, nem de um ano para outro. Uma mudança como essa parece levar tempo para ser assimilada por todos os agentes envolvidos no processo. As frases usadas com mais freqüência no cotidiano escolar lembram-me o sistema seriado. Dentre elas, posso destacar: “em qual série você está? O exercício vale ponto professora? Quem não estudar vai tomar bomba no final do ano. .. ”. A prática cotidiana de meus professores remete-nos, com mais freqüência, a um modelo tradicional, seriado, e, em nossa cultura escolar, bem marcado por reprovações e punições. No ciclo de formação humana, a avaliação dos processos é contínua e não compreendem apenas o conhecimento cognitivo dos alunos, mas todos os agentes e processos do ensino aprendizado. O sistema de avaliação não se utiliza de notas, mas de conceitos que classificam os alunos em O (Ótimo), B (Bom) e AD (A Desejar). Existe um boletim de desempenho escolar que a Secretaria Municipal de Educação manda para todas as escolas utilizarem para avaliação dos alunos (ver Anexo). Ele segue com as seguintes orientações: o ensino fundamental da rede municipal de Betim está organizado em Ciclos de Formação Humana, de acordo com a seguinte distribuição: 1º ciclo: 6, 7 e 8 anos; 2º ciclo: 9 e 10 anos; 3º ciclo: 11 e 12 anos; 4º ciclo: 13 e 14 anos.

A partir das idéias construtivistas incorporadas pela pedagogia, a avaliação escolar passa a ser considerada componente pedagógico processual, abrangendo toda a experiência escolar: planejamento, desenvolvimento e verificação do ensino e da aprendizagem; ou seja, a avaliação precisaria levar em conta todas as dimensões da formação humana, tendo em vista o acompanhamento, a análise e a interpretação cotidianas das ações individuais e coletivas dos educandos, face às suas características e demandas socioculturais e aos objetivos didáticos da escola. Seria um processo avaliativo formativo e diagnóstico, tributário dos seguintes critérios metodológicos principais: contextualização sócio-temporal e sociocultural dos educandos; elaboração de memoriais ou registros históricos de vida; registro sistemático de pareceres/relatórios descritivos, individuais e coletivos; constituição de conselho pedagógico para debate e deliberação coletiva a respeito da avaliação final de cada aluno/turma/ciclo, pelo menos bimestralmente; reunião, por etapa, dos membros da comunidade escolar para avaliação do processo de ensino/aprendizagem. (BETIM, 1998a, 45-46. In: BETIM, 2007, p. 88)

O boletim orienta as escolas para uma avaliação constante, qualitativa, visando a apontar os avanços e as novas necessidades dos alunos. Considerando a avaliação, a escola deverá oferecer sempre novas e diversas 122

oportunidades de aprendizagem aos alunos, a fim de atender às necessidades apontadas. A escola poderá apresentar à família outros critérios de avaliação, de acordo com as propostas do coletivo. São 26 itens a serem avaliados nos três trimestres do ano letivo, e os conceitos utilizados por toda a rede são os já mencionados acima: O (Ótimo), B (Bom), AD (A Desejar). Dentre os aspectos avaliados, podemos destacar: a freqüência e a pontualidade dos alunos, a participação nas aulas, o cumprimento de tarefas, a cooperação, o respeito, a compreensão de textos, o conhecimento de operações matemáticas, a participação em atividades interdisciplinares e o reconhecimento dos valores culturais e sociais das instituições de que participa. A escola municipal Capela Nova valoriza a organização, através da disciplina dos alunos nas mais diversas características: o uso adequado do uniforme, o cumprimento de horários de chegada e de intervalos de aulas, o cumprimento de tarefas, o respeito aos professores e demais funcionários, a fila de merenda. Não é permitido o uso de boné dentro das salas de aula. Nas aulas, os alunos são organizados em filas indianas. As pedagogas convocam reuniões periódicas com os pais dos alunos, entre outras dimensões. Todas as sextas-feiras, no início da aula, os alunos e professores são convidados pelo diretor para cantarem juntos, no pátio, o Hino de Betim e o Hino Nacional Brasileiro. Esse espaço é também utilizado para dar orientações para as turmas e passar informações sobre eventos e lembrar os alunos das normas da escola. Os alunos com problemas de disciplina são advertidos pelos professores. Alguns escrevem bilhetes nos cadernos dos alunos e pedem para rever o mesmo assinado pelos pais no outro dia. Os alunos são encaminhados para a direção onde são aconselhados e advertidos. Faz-se um registro da ocorrência, a direção convida os pais para participar do ocorrido, e, nos casos mais graves, os alunos sofrem penalidades como a suspensão de aulas por tempo determinado. Os alunos com dificuldades de aprendizado têm sua situação avaliada nas reuniões pedagógicas, nelas participam as duas pedagogas e os professores. Das duas reuniões acompanhadas por nós, o professor de educação física não participou. Não participaram, também, representantes da direção nem dos alunos ou pais. Nas reuniões, são avaliadas, turma por turma, aluno por aluno, os principais problemas apresentados pelos professores são relacionados com a disciplina e com a dificuldade de aprendizado (falta de 123

atenção nas aulas, falta de interesse com a matéria, não fazem as atividades em casa, tiram notas baixas nas avaliações). Esta pesquisa teve como foco principal 86 alunos do último ano do ensino fundamental (8ª série). Eles foram divididos em três turmas que estudam no período da manhã na escola que chamamos de Capela Nova de Betim. Cada turma recebe um título simbólico. Para cada ano do ciclo, existe um número e para cada turma do mesmo ano uma letra do alfabeto (Ex: três turmas da quinta série, 89J, 89K, 89L). Para a minha identificação, classificarei as três turmas em 08A, 08B, 08C. As aulas no turno da manhã começam as 7:00 horas e terminam as 11:25 horas. São quatro aulas por dia: de primeira aula, de 7:00 às 8:05; segunda aula, de 8:05 às 9:10; intervalo (recreio e merenda), de 9:10 às 9:25; terceira aula, de 9:25 às 10:25; quarta e última aula, de 10:25 às 11:25. São 20 aulas semanais, divididas em oito disciplinas, ministradas por oito professores (ver quadro em anexo). Nesta pesquisa, entrevistei sete professores e seis alunos (um casal de cada uma das três turmas). Todos tiveram seus nomes alterados, bem como os demais alunos das três turmas. O ano letivo é dividido em três períodos avaliativos, ou seja, três trimestres (1º trimestre: fevereiro, março e abril, 2º trimestre: maio, junho e agosto, 3º trimestre: setembro, outubro e novembro). No final de cada período, o conselho de classe, formado pelos oito professores e duas pedagogas, reúne-se e avalia o rendimento dos alunos. Os oito professores formam um coletivo na escola que atendem seis turmas, todos eles atendem as três turmas do último ano do ensino fundamental aqui pesquisadas. Eles cumprem uma carga horária de trabalho semanal de 24 h/a semanais. Essa carga horária é distribuída em aulas, planejamento, estudos, atendimento a pequenos grupos de alunos e reuniões. Durante a pesquisa, consegui acompanhar a rotina de todos os oito professores em sala de aula, onde procurei observar como se dá a relação de poder aí existente. Foram feitas entrevistas com sete dos oito professores; apenas com o professor de Educação Física não foi possível, pois, nos dias marcados para a entrevista, não consegui encontrá-lo. Esses professores estão na rede municipal de Betim, num período médio de 11 anos, e há 5 anos, também num período médio, na escola pesquisada. Todos os professores têm um histórico com a educação em Betim. Tem-se uma 124

professora que está na rede há 23 anos, e os mais novos há 6 anos. Temos professores que estão lotados na Escola há 11 anos e até um recém chegado no ano de 2007. Essa diversidade forma o coletivo de professores que atendem às turmas do último ano do ensino fundamental por nós pesquisadas. Ao observar a prática dentro da sala de aula, percebi que ela é focada no conteúdo, no cognitivo. Os professores parecem acompanhar um programa de atividades, mas essas atividades dizem respeito apenas ao conteúdo programático. Para o professor, o aluno não aprende porque não presta a atenção na aula, não faz o dever de casa, os pais não acompanham, e já vêm com defasagem anterior. Os professores usam, com freqüência, o quadro que é de pincel, para exposição do conteúdo. As avaliações têm notas. As notas das avaliações são a principal referência do professor para classificar o aluno. Os professores transformam as notas em conceito, e levam para a reunião pedagógica onde os alunos serão avaliados e classificados como bons ou maus alunos. Isso significa que a prática cotidiana dentro da sala de aula reflete, em muito, o modelo seriado. Durante a pesquisa, observei, com freqüência, a falta de interesse de grande parte dos alunos das três turmas com as aulas, nas mais diversas disciplinas. Alunos que não faziam o dever de casa, não levavam material adequado para a aula, não acompanhavam o raciocínio do professor, em algumas aulas os professores interromperam o raciocínio várias vezes para pedir silêncio, “prestem atenção isso vai cair na prova” , dizia o professor, mas sem muito sucesso. Alunos pareciam não compreender a relação entre o conteúdo das disciplinas e sua vida cotidiana. Os conteúdos pareciam muito distantes dos desejos dos alunos, e o resultado disso apareceu nas notas, no resultado dos alunos no primeiro trimestre de 2007. Durante a explicação do conteúdo, a professora de inglês Flávia pergunta: “por que aprender esse ‘saco’ de verbo To Be”? Ela procura usar fatos do cotidiano dos alunos para explicar a importância do verbo to be , mas, ainda assim, muitos alunos ficam dispersos. Em uma aula com a turma 08C, a professora organiza a turma em filas indianas. O tema dessa aula era “simple present tense” . Flávia procura manter a disciplina, e, no decorrer da aula, até encaminha dois alunos para a direção por causa da conversa. Depois disso, os alunos amedrontados ficam em silêncio o resto da aula. No fim da aula, a 125

professora passa o resultado das provas para os alunos; diz que a prova vale 20 pontos dos 30 pontos do trimestre, e diz, ainda, que os alunos devem atingir 60% da nota para ficar na média. Em aulas de inglês com as outras turmas, 08A e 08B, a professora procura acompanhar os alunos, dando visto nos cadernos daqueles que fazem as atividades. Explica o conteúdo, pedindo a participação dos alunos, usando fatos do cotidiano para atrair a atenção de todos na aula. Ela pede a todos que refaçam a prova no caderno. Orienta os alunos para fazer as questões que acertaram a caneta, e, as que erraram, fazer a lápis para serem corrigidas em aula. Cada professor, a seu modo, com sua metodologia, em sua disciplina isolada, tenta transmitir conteúdos para os alunos, mas todos reclamam da falta de compromisso dos mesmos. Marlene, professora de ciências, ao comentar o resultado das provas com a turma 08B diz: “os alunos estão perdidos por falta de compromisso, mas Deus existe, há salvação”. Os resultados são desanimadores, a grande maioria dos alunos não teve notas boas; 68% dos alunos das três turmas ficaram com o conceito mais baixo AD (A Desejar), 31% dos alunos tiveram o conceito B (Bom), e apenas um aluno das três turmas teve o conceito O (Ótimo). O assunto do dia é sobre átomos, e esse parece não prender a atenção dos alunos que conversam muito, não param quietos em seus lugares. Em outra aula, com a mesma turma, a professora percorre as carteiras dando visto nos cadernos. Alguns alunos não fizeram os exercícios, e vão levar bilhete para os pais assinarem. Em uma aula de ciências com a turma 08C, Marlene passa de carteira em carteira, conferindo a prova colada no caderno e assinada pelos pais, prova que reflete o resultado da turma no primeiro trimestre, em que 82% dos alunos tiraram o conceito AD, esse foi o resultado mais negativo de uma turma em uma disciplina no período avaliado; 18% tiraram B e nenhum aluno tirou o conceito O no primeiro trimestre de 2007. Aqui, comecei a justificar porque classifiquei as turmas em 08A, 08B e 08C, se é que o resultado do período pode classificar alguma das três turmas em A. Ciências foi a disciplina em que os alunos das três turmas mais foram classificados com o conceito AD (A Desejar), 57 dos 86 alunos. 126

Mirian, professora de geografia, procura usar de recursos didáticos mais atrativos em suas aulas. Ela buscou, nos temas atuais, um documentário sobre o aquecimento global chamado “Uma verdade inconveniente”, que retrata os problemas conseqüentes do aquecimento global. Após o vídeo, organiza os alunos em forma de U para um debate que parece que desperta a preocupação dos alunos com o clima do Planeta. Ela pede aos alunos para responderem algumas questões no caderno, a respeito do documentário sobre o aquecimento global, um aluno pergunta: “valendo quantos pontos professora?” Os alunos brincam e conversam muito, e a professora encaminha um aluno para continuar suas atividades na biblioteca. Em uma conversa informal, Mirian afirmou que a turma 08C tem uma defasagem de aprendizado e dificuldades de disciplina, e que, não fosse o ciclo, a não retenção, esses alunos já teriam abandonado a escola, a seriação os teria excluído. Em uma reunião pedagógica, foi proposto deixar a turma permanentemente no formato de U para facilitar o aprendizado e o contato direto dos professores com os alunos, proposta essa que não deu certo. Na observação em uma aula de história do professor Júlio com a turma 08C, o professor passa no quadro um trabalho para os alunos fazerem extraclasse. Os alunos conversam muito enquanto copiam do quadro as orientações para o trabalho. O tema do trabalho era “A unificação da Itália e Alemanha”. O trabalho deveria ser todo manuscrito e teria o valor de 10 pontos. A turma permanece muito agitada, conversa e brinca muito, e, de certa forma, até faltando o respeito uns com os outros. Em uma aula com a turma 08A, Júlio pede aos alunos para produzirem uma redação com base nas informações nos textos trabalhados em sala de aula, onde os alunos imaginam como seriam suas vidas no Brasil do século XIX. O texto deveria ser produzido em sala, ter no mínimo de 20 linhas e teria o valor de 10 pontos. Os alunos permanecem agitados, conversam muito, alguns não muito interessados em fazer a atividade proposta. O professor adverte os alunos, informando o valor da atividade e que iria recolher a redação naquela aula. Júlio também desenvolve um projeto de jogos de xadrez na escola, onde é escolhido, a cada período, um grupo de quatro alunos de cada turma em que o mesmo trabalha para aprender e desenvolver a concentração, o raciocínio lógico e a disciplina que o jogo exige. Os alunos selecionados são 127

principalmente aqueles com dificuldades de aprendizado e problemas com a disciplina, e que têm o desejo de melhorar o seu desempenho e a sua capacidade de concentração. Segundo o professor, são 28 alunos envolvidos no projeto, divididos em quatro horas/aula por semana, período de atendimento dos mesmos. Em cada aula, os processos se repetem. Alguns professores conseguem prender mais a atenção dos alunos, seja pelo conteúdo, pela empatia com a turma, seja pela autoridade, seja pelo diálogo. Roberta, professora de artes, parece ser bem próxima dos alunos. Nas aulas observadas, foi possível perceber um afeto entre a professora e os alunos das três turmas. Essa boa relação afetiva refletiu nos resultados, e o conceito dos alunos das três turmas em artes foi melhor do que em outras disciplinas. Quase a metade dos alunos ficou com o conceito O. Roberta também procura participar e promover projetos junto aos alunos. Ela organizou, junto com a professora de português, uma excursão com as turmas para ir ao cinema ver o filme do Homem Aranha. Em uma aula com a turma 08A, ela passa um texto sobre o expressionismo com algumas questões para os alunos responderem. Afirma que esse faz parte de um projeto que culmina com a pintura em tela, que será feita por alunos das três turmas. Na maioria das aulas, existe uma distância entre o conteúdo e o desejo dos alunos em aprender. Os professores até percebem essa distância e justificam-na com a falta de compromisso dos alunos com os estudos. Nas reuniões pedagógicas que acompanhei, as discussões eram sempre em torno da falta de compromisso dos alunos. A todo o momento, os professores pediam às pedagogas que chamassem os pais de alunos para cobrar mais compromisso dos filhos com relação aos estudos. Em nenhuma reunião, em nenhum momento, foi feita uma auto-avaliação, ou seja, avaliaram-se os processos de ensino aprendizado, o modelo que mais se aproxima da seriação que do ciclo, em nenhum momento os conteúdos foram avaliados, os métodos de cada professor foram avaliados. Nas aulas de matemática com o professor Renato, os alunos fazem muitos exercícios para aprender o conteúdo. Em uma aula com a turma 08A, passa 10 questões no quadro de equações do segundo grau, permite que os alunos respondam em duplas e circula pela sala dando orientações. Renato, em 128

uma aula com a turma 08C, passa seis questões e começa a resolver uma no quadro, na tentativa de os alunos acompanharem seu raciocínio. Ele fala aos alunos: “quem não trouxer a prova assinada pelos pais na próxima aula vai para a direção”. O professor circula pela sala dando orientações para a turma que conversa muito e parece ter dificuldades em responder as questões. A professora de português Marta é considerada “muito brava” pelos alunos. Ela tem 23 anos de rede e há seis anos leciona na escola. Em todas as aulas observadas, a professora mantém a disciplina rigorosa dentro de sala e envolve os alunos o tempo todo com atividades. Em uma aula com a turma 08C, diante do desinteresse da turma que, em sua maioria, não fez as atividades, afirma: “porque não fizeram as atividades, não trazem os livros, porque não valorizam, é porque é de graça, se tivesse que pagar talvez vocês valorizassem mais”. Ela divide um texto em cinco partes, e seleciona alunos para lerem em voz alta, todos os alunos acompanham a leitura em silêncio. Marta mantêm um controle constante da disciplina na sala. Ao ouvir uma conversa, ela interrompe a leitura e manda calar a boca. “Não consigo dar aula com barulho” , diz ela. Em sua aula com a turma 08B, a professora distribui as provas que valeram 20 pontos, esses transformados em conceito ficam da seguinte forma: de 0 a 7 pontos = MC (muito crítico) conceito não muito usado; de 8 a 11 pontos = AD; de 12 a 15 pontos = B; e de 16 a 20 pontos = O. Numa turma de 29 alunos, apenas um tirou nota correspondente ao conceito O. Na Escola Capela Nova de Betim, tem duas quadras poliesportivas, uma coberta e outra não coberta. O professor Luiz começa as aulas reunindo os alunos para dar orientações. Ele adverte os alunos a respeito do uso adequado do uniforme de educação física, depois pede a todos que façam alongamentos, correm em volta da quadra, e, por fim, são liberados para os jogos. Os meninos jogam futsal em uma das quadras e as meninas jogam vôlei na outra quadra. Luiz divide seu tempo entre ambos e até joga uma partida de futsal com os meninos e outra de vôlei com as meninas. Nessa disciplina, 72% dos alunos tiveram o conceito O. Essa é uma aula em que o desejo de participar está sempre presente, e os alunos parecem envolvidos pela aula e reclamam quando chega a hora de parar, de sair da quadra. Nas aulas de educação física não tem matéria para a prova, não tem a prova, não tem nota, e os alunos gostam de participar. 129

Acompanhei duas reuniões pedagógicas no período de pesquisa. Em ambas as reuniões, sete, dos oito professores, participaram; apenas o professor Luiz, de educação física, não participou de nenhuma das duas. O objetivo das reuniões era o de avaliar o desempenho dos alunos durante o período letivo, todos os professores fazem suas avaliações e as pedagogas anotam para possíveis encaminhamentos: conversar com alunos indisciplinados, resolver problemas de alunos com dificuldades de aprendizado, chamar os pais para uma reunião. Os professores escolhem, no final de cada etapa, um aluno de cada turma como “destaque”, aquele que se comportou melhor em sala, fez as atividades, cumpriu horário, tirou notas boas nas provas, enfim, o destaque é aquele aluno que teve um melhor desempenho em todas as disciplinas. Na segunda reunião pedagógica observada, que se realizou no dia 16 de maio, os professores e as duas pedagogas analisam a situação dos alunos das três turmas no primeiro trimestre de 2007. A avaliação é feita turma por turma e aluno por aluno. A reunião se ocupa em avaliar o desempenho dos alunos. Entre os bons alunos de cada turma, escolhe-se um “destaque da turma”. Entre os alunos com resultados ruins, as mais diversas avaliações: conversa muito em sala e não presta a atenção, falta muito, chega sempre atrasado na sala, não faz atividades extraclasse, falta de compromisso com os estudos, aluno fraco e com dificuldades de aprendizado, aluno indisciplinado (mal educado, agressivo, problemático), aluno que não faz nada em sala e deve ser retido no final do ano, a turma 08C é homogênea negativa, não tem referência positiva na turma, comenta uma professora. No final da reunião, o resultado: uma lista de nomes de alunos com problemas para as pedagogas convocarem os pais para uma reunião. Os pais devem cobrar dos filhos um maior compromisso com os estudos. O fraco desempenho dos alunos parece ser esperado, e é tratado com naturalidade por todos, ninguém faz qualquer reflexão a respeito do grande número de alunos que teve um desempenho ruim no período. O fracasso, segundo os docentes, é todo dos alunos, pois foram eles que não se comportaram bem, brincaram, não estudaram como deveriam. Em nenhum momento, a reunião direciona a sua reflexão sobre os métodos de ensino, sobre os fins do ciclo de formação humana, sobre outras possíveis causas do fracasso dos alunos no primeiro trimestre desse ano. Para ser aprovado, ele precisa 130

saber o mínimo de conteúdo, se ele não sabe ler bem, não sabe interpretar, e não saber fazer operações lógicas, ele precisa ser retido. O problema é que não há uma reflexão dos motivos dessa deficiência, não se fazem encaminhamentos no sentido de sanar essas deficiências. O desinteresse dos alunos pelos conteúdos é tratado com rigor, pois, se não melhorarem, serão retidos no final do ano.

Quando se fala no perigo de o aluno “passar de ano sem ter aprendido” em virtude da inovação introduzida (passar de ano), parece que o problema é muito mais, ou exclusivamente, que ele passe de ano e não que ele não aprenda. Isto aparece claramente na argumentação (altamente recorrente entre os contrários à promoção) de que, com a progressão continuada, o aluno tem chegado (ou pode chegar) à oitava série sem nada saber. Até aqui, parece não considerarem, essas pessoas, que o grave de um aluno chegar à oitava série sem aprender seja o fato de ele não ter aprendido, não o fato de ele chegar à oitava série; e que isto é uma questão pedagógica, não mera questão de passar ou não de ano. (PARO, 2001, p. 113)

Nas três tabelas abaixo temos o resultado do primeiro trimestre desse ano dos alunos das três turmas do último ano do ensino fundamental pesquisadas por nós. Os nomes de todos os alunos foram alterados, e os alunos em itálico são alunos que foram entrevistados nesta pesquisa.

TABELA 17 Conceito dos alunos da turma “08A” no primeiro trimestre de 2007

ALUNO (A) PORT. INGL. ARTES ED. GEOG. HIST. MAT. CIÊNC 08ª FÍS. 01 – Adalberto B O O O AD AD B B 02 – Bruno AD AD B O AD AD B AD 03 – Luiz B B B O B AD B AD 04 – Fabrício AD B AD B AD- B AD AD 05 – Leandro AD B AD O AD B AD AD 06 – César B AD AD O AD AD AD AD 07 – Fábio O B O O AD B B AD 08 – Marcos ? AD AD B AD- AD AD AD 09 – Julio B B B O B B B AD 10 – Paulo B B O O B B B AD 11 – Ricardo AD AD AD O AD AD AD AD 12 – Henrique B O O O B B O O 13 – Vitor AD AD AD B AD- AD AD AD- 14 – Maria B O O O B B AD B 15 – Raquel B O B O B B B B 16 – Rubia B O O B B B B B 17 – Carolina O O O O O B O B 18 – Juliana O O O O B B B AD 131

ALUNO (A) PORT. INGL. ARTES ED. GEOG. HIST. MAT. CIÊNC 08ª FÍS. 19 – Carina B O O O B B B B 20 – Ludmila O O O O O B O B 21 – Silvana B O O B O B B B 22 – Luciana B B O O B B O B 23 – Alice B B B O B B B B 24 – Heliana B O O O B B B B 25 – Fernanda B O B O O B B B 26 – Paula O O O O O O O B 27 – Marta B O O O B B B B 28 – Luana B O O O O B B B 29 – Carolina B O O O B AD B B

TABELA 18 Conceito em porcentagem da turma “08A” – 29 alunos

DISCIPLINA Conceito O Conceito B Conceito AD Português 05a – 18% 18ª – 64% 05a – 18% Inglês 16a – 55% 08ª – 28% 05a – 17% Artes 17a – 58% 06ª – 21% 06a – 21% Ed. Física 24a – 83% 05ª – 17% 00a – 00% Geografia 06a – 21% 14ª – 48% 09a – 31% História 01a – 03% 20ª – 69% 08a – 28% Matemática 05a – 17% 17ª – 59% 07a – 24% Ciências 01a – 03% 16ª – 55% 12a – 41%

TABELA 19 Conceito dos alunos da turma “08B” no primeiro trimestre de 2007

ALUNO (A) PORT. INGL. ARTES ED. GEOG. HIST. MAT. CIÊNC. 08B FÍS. 01 – Gláucio B O O AD B B O B 02 – Gustavo AD AD AD O B B B AD 03 – Carlos B O O O O O O B 04 – Leonardo B AD B O B AD B AD 05 – Felipe AD AD AD O AD AD AD AD 06 – Henrique B B O O B B O B 07 – Ricardo B AD O O AD AD B AD 08 – Paulo AD - AD O AD AD - - 09 – Milton B AD B B B B B AD 10 – Julio AD AD AD O AD B AD AD 11 – Gilberto AD AD B O AD AD AD AD 12 – Marcos AD AD B O B B AD AD 13 – Sandro AD AD AD AD AD AD AD AD 14 – Fernanda AD AD B B AD B B AD 15 – Camila B AD B O AD- AD AD AD 16 – Alice AD AD B O AD AD B AD 17 – Luciana B B O O B B B AD 18 – Leandra B B O O B B B B 19 – Vanda B B O O AD AD AD AD 132

ALUNO (A) PORT. INGL. ARTES ED. GEOG. HIST. MAT. CIÊNC. 08B FÍS. 20 – Neide AD AD AD O AD B AD AD 21 – Maria B O O O AD B B AD 22 – Bruna B AD B O AD B B AD 23 – Vanessa B B O O B B B AD 24 – Bruna AD - - - - AD - - 25 – Michele B O O B B B B AD 26 – Otávia AD B O O AD AD AD AD 27 – Laura AD AD B B AD- AD AD AD 28 – Silvia AD ? B O AD B AD AD 29 – Kenia B O O B B B O B

TABELA 20 Conceito em porcentagem da turma “08B” – 29 alunos

DISCIPLINA Conceito O Conceito B Conceito AD Português 00a – 00% 15a – 52% 14a – 48% Inglês 05a – 19% 06a – 23% 15a – 58% Artes 12a – 43% 10a – 36% 06a – 21% Ed. Física 21a – 75% 05a – 18% 02a – 07% Geografia 01a – 04% 11a – 39% 16a – 57% História 01a – 03% 16a – 56% 12a – 41% Matemática 04a – 15% 12a – 44% 11a – 41% Ciências 00a – 00% 05a – 19% 22a – 81%

TABELA 21 Conceito dos alunos da turma “08C” no primeiro trimestre de 2007

ALUNO (A) PORT. INGL. ARTES ED. GEOG HIST. MAT. CIÊNC 08C FÍS. 01 - Augusto B AD O O O B O B 02 – Luiz AD AD AD AD AD- AD AD- AD 03 – Gabriel AD B B O AD AD AD- AD 04 – Carlos AD AD AD AD AD- AD ? AD 05 – Sandro B B B O ? - B AD 06 – Walisson B O O O B AD B AD 07 – Gustavo AD AD B O AD B AD AD 08 – Paulo AD B O O AD B B B 09 – Leonardo B O O O AD B B B 10 – Vinícius AD B B AD AD AD B AD 11 – Deivisson AD B B B AD AD AD- AD 12 – César AD B B O B AD B B 13 – Rafael AD B B O B AD O AD 14 – Jairo AD B B O AD AD AD B 15 – João AD AD AD AD AD- AD AD- AD- 16 – Carolina B B O O B B B AD 17 – Maria AD AD AD AD AD AD- AD 18 – Aparecida AD O AD AD AD B AD 19 – Rafaela AD B AD AD AD AD AD 20 – Juliana B O O AD AD AD AD 133

ALUNO (A) PORT. INGL. ARTES ED. GEOG HIST. MAT. CIÊNC 08C FÍS. 21 – Gisele AD AD O AD AD AD AD 22 – Patrícia AD O AD AD AD B AD 23 – Cristina O O B B B AD AD 24 – Laura B B O AD B O AD 25 – Roberta B O O B B O AD 26 – Paula B O B B AD B AD 27 – Cássia B B B AD B AD AD 28 – Marilene AD B O AD AD AD- AD

TABELA 22 Conceito em porcentagem da turma 08C – 28 alunos

DISCIPLINA Conceito O Conceito B Conceito AD Português 01a – 04% 10a – 36% 17a – 60% Inglês 02a – 12% 09a – 56% 05a – 32% Artes 11a – 39% 12a – 43% 05a – 18% Ed. Física 16a – 57% 04a – 14% 08a – 29% Geografia 01a – 04% 06a – 23% 19a – 73% História 00a – 00% 09a – 33% 18a – 67% Matemática 04a – 15% 10a – 37% 13a – 48% Ciências 00a – 00% 05a – 18% 23a – 82%

TABELA 23 Conceito em porcentagem das três turmas no primeiro trimestre de 2007 – 86 alunos

DISCIPLINA Conceito O Conceito B Conceito AD Português 06a – 07% 43a – 51% 36a – 42% Inglês 23a – 32% 23a – 32% 25a – 36% Artes 40a – 47% 28a – 33% 17a – 20% Ed. Física 61a – 72% 14a – 16% 10a – 12% Geografia 08a – 10% 31a – 37% 44a – 53% História 02a – 02% 45a – 53% 38a – 45% Matemática 13a – 16% 39a – 47% 31a – 37% Ciências 01a – 01% 26a – 31% 57a – 68%

As tabelas mostram que os resultados dos alunos no primeiro trimestre de 2007 não foram bons. Nas três turmas, houve um grande número de alunos que não teve bons resultados. As disciplinas em que os alunos mais tiveram dificuldades e ficaram com o conceito AD foram ciências e geografia, com mais 134

de 50% dos alunos A Desejar. O conceito Ótimo não foi alcançado por mais de 10% dos alunos em quatro disciplinas: ciências, história, português e geografia. Isso revela um alto grau de dificuldade que os alunos tiveram em aprender os conteúdos de cada disciplina, durante os meses de fevereiro, março e abril de 2007. Comparando as três turmas, podemos perceber que a turma 08A teve os melhores resultados ou os resultados menos ruins. A turma teve o maior índice de O e o menor índice de AD, e, ainda assim, em história e ciências, apenas um aluno alcançou o conceito O; em português e matemática, 5; e em geografia, 6 dos 29 alunos da turma alcançaram o conceito O. Em todas as disciplinas, essa foi a turma que teve o menor índice de AD. Mesmo assim, 12 alunos ficaram com esse conceito em ciências, pouco se comparado com as duas outras turmas. Em todas as minhas conversas com os professores, nas entrevistas e reuniões pedagógicas, essa era a turma mais elogiada, ou seja, os alunos melhor conceituados das três turmas do último ano do ensino fundamental. A turma 08B, considerada intermediária, boa de aprendizado, mas que conversa muito, a maioria dos alunos é desinteressada, não faz atividades e não tem compromisso com os estudos. Eles também não tiveram bons resultados no período avaliado. Em português e ciências, nenhum aluno alcançou o conceito O, e, em geografia e história, apenas um aluno alcançou o conceito O, e em educação física um grande número de alunos alcançou o conceito O; 21 alunos, e, em artes, 12 alunos. Já o conceito AD atingiu um grande número de alunos, na maioria das disciplinas. Vinte e três dos 29 alunos, ficaram com AD em ciências, ou seja, 81% da turma, 58% em inglês e 57% em geografia. A turma 08C é considerada a mais fraca das três turmas do último ano do ensino fundamental, os alunos são os de mais baixo nível econômico, são os que têm maior dificuldades de aprendizado, carregam um histórico escolar cheio de problemas, alguns alunos são agressivos e indisciplinados. Os resultados foram os piores no período avaliado. Conceito O parece ser uma raridade entre os alunos, dos 28 alunos, 16 em educação física e 11 em artes; em inglês, a maior parte da turma teve o conceito intermediário B. Nas outras cinco disciplinas o que prevaleceu mesmo foi o conceito AD: 23 alunos em ciências, 19 alunos em geografia, 18 alunos em história, 17 em português e 13 em 135

matemática. Como uma professora comentou em reunião, essa é uma turma homogênea negativa. Veremos, a seguir, como os professores demonstram as contradições existentes entre as três turmas.

6.1 A avaliação das três turmas na visão dos professores

A professora Flávia, de inglês, numa avaliação das turmas diz: “a turma 08A indiscutivelmente é a melhor, extremamente agitada, fala demais, eu acho que eles desperdiçam muito esse potencial que eles tem por causa dessa conversa, de algumas picuinhas, por brigas entre si, o relacionamento entre eles as vezes é muito agressivo, então as vezes você tem que intervir, mais eles tem um potencial enorme, muito grande mesmo. A turma 08B é uma turma que eu chamo de preguiçosa, ‘eu só vou pensar se me apertar’, mas que eles dão conta, eles dão conta ainda, inclusive é a turma que teve o pior rendimento apesar de ser melhor do que a 08C, eles relaxaram um pouco e eu chamei a atenção deles. A turma 08C esse ano tá me surpreendendo porque sempre foi uma turma com dificuldades, faz três anos que eu trabalho com eles. Como o inglês são dois professores, a minha proposta de trabalho é a seguinte: ir com eles até o final, se eu comecei com eles na quinta e eles passam para a sexta eu também vou dar aulas na sexta, quando eles passarem para a sétima eu vou para a sétima, isso quer dizer que eu vou ter um trabalho único, um processo de quatro anos, quinta, sexta, sétima e oitava, ou seja, terceiro e quarto ciclos, tá vendo a gente nem consegue falar ciclo ainda, a gente só fala seriação mesmo, então tem alunos que eu conheço há três anos, quando a gente senta para fazer um conselho de classe algum professor fala, aquele aluno é isso e isso, eu falo que é porque você não o conheceu há três anos, há três anos ele era muito diferente e talvez no seu conceito muito pior, ele evoluiu sim, evoluiu como pessoa, ficou mais maduro. Eu tô achando a 08C muito mais madura, brinca menos, fala de coisas mais sérias, a 08B ainda não tem essa maturidade, mas eles estão preocupados com a oitava série que é o último ano, tem retenção, então eles estão suando a camisa para recuperar esse tempo, essa dificuldade, eles são alunos que têm dificuldade. A turma 08A não se preocupa com isso, 136

eles sabem que vão passar, às vezes o grande problema da turma 08A é esse, eles sabem que eles podem, eles sabem que eles conseguem, e às vezes o relacionamento deles com as outras turmas não é um relacionamento bom por causa disso, eles se acham os melhores, eles são bons, eles são os melhores, mas não precisa ser uma coisa para humilhar o colega, para subjugar o colega não, mas eles estão aprendendo”. Na avaliação feita pela professora Flávia, vemos a distinção entre as três turmas. A turma A tem um rendimento melhor; a turma 08B, um rendimento fraco; e a turma 08C teve um rendimento ruim. Com essa opinião parecem concordar todos os professores. A avaliação da professora Marta, de português, é: “dos cinco anos que eu estou aqui, essas são as turmas mais fracas que eu já tive, são as turmas com mais dificuldades cognitivas, dificuldades em interpretação, leitura, escrita, eles tem preguiça de ler, não gostam de ler, são apáticos, de todos esses anos eu achei que essas turmas são as mais fracas. Agora eu tive também um problema de tempo com redução de módulo, projetos, feriados, eu sinceramente eu fui olhar no meu caderno o que eu dei até agora nesse primeiro trimestre é exatamente a metade do que eu dei no ano passado, eu fiquei muito chateada com isso, eu falei não é possível, então tem vários fatores, eu não falto, eu estou aqui todos os dias, mas eu não consigo, por mais que a gente tente os meninos são mais lentos, e talvez até a gente também, não vamos falar que são só eles, não sei o que está acontecendo, mas o desempenho deles não foi bom, foi bem fraco mesmo, achei terrível. Antes, quando a gente ia fazer um conselho da turma 08A, a gente pegava só uns três alunos com B por isso apenas, que era no ano passado a gente tinha uma turma que a gente chamava de turma 08A, esse ano a gente não tem mais, tem que ir aluno por aluno e tem alguns conceitos A naquela turma o restante foi tudo B, então é uma coisa de se estranhar, eu acho que eu poderia ter rendido muito mais, eu como professora, eu tentei variar nas atividades, tirei vários xerox, fiz vários debates, sentei em rodinhas, na hora da gramática eu fiz tudo contextualizado, peguei muita atividade do diagnóstico que eles fizeram da regional, erraram, apliquei de novo e mesmo assim o rendimento foi muito baixo, eu vou ter que me reavaliar no segundo semestre e ver como eu vou conduzir essas aulas porque foi muito fraco, foi terrível”. 137

A constatação dos maus resultados dos alunos, de uma maneira geral, na etapa avaliada, aparece nas entrevistas de todos os professores. A professora de geografia, Mirian, faz uma reflexão sobre a dificuldade de os alunos aprenderem na sala de aula: “Essa é uma questão muito grande do desinteresse do aluno, eu acho que a competição tá muito grande com os meios de comunicação, os alunos tem acesso a televisão, computador, internet, essa mídia toda aí que realmente passa as informações de uma maneira muito mais prazerosa do que o professor. Então, a escola deixou de dar prazer para o aluno, até é um caso para se pensar de novas estratégias de aula para ver se há um interesse do aluno, mas há um desinteresse muito grande. Vários colegas falam que tem que voltar como era antigamente e dar nota, tirar vermelho o aluno que não pegou média. Eu até acho que não, acho que é retroceder, a gente tem que estar evoluindo, a gente tem que de alguma forma tá chamando a atenção desse aluno, tá fazendo ele se interessar, na maioria das vezes é porque ele não sabe, se ele não sabe ele não vai ter interesse, como que ele vai fazer uma avaliação de matemática se ele não aprendeu, não entendeu e não sabe, vai haver um desinteresse realmente, eu acho que tem que arrumar outras estratégias, eu acho que o grande numero de AD foi isso, mais a falta de interesse do aluno”. Para o professor Renato, de matemática, o diagnóstico não é diferente. Ele aponta características das três turmas: “A turma 08A é uma turma com muita energia né, a maioria porque tem alguns que não, mas a maioria esforça, tem energia e transmite essa energia para o conteúdo, alem de transmitir essa energia para outras coisas, como um pouco de indisciplina, bagunça, também a relação de um aluno com o outro que é um pouco agressiva, então é uma turma mais agitada, por eu ter dado aula nas oitavas nos anos passados essa não é uma turma das melhores, mais é uma turma que investe. Agora a 08B é uma turma mais apática, você vê que os alunos têm potencial, alguns tem potencial mais não tem aquela energia, não tem aquele interesse de querer avançar, de querer saber mais, prefere ficar mais quieto, então é muito apática, né. E a 08C também é diferente, ela já tem dificuldade mesmo de disciplina e dificuldade de aprendizagem, considerada apática eu acho que não, mas ela tem muita dificuldade, então se torna mais difícil né, querem aprender, mas tem muita dificuldade, eu falo isso de um modo geral da turma, não 100%”. 138

A professora Roberta, de artes, traça um pouco do perfil de cada uma das turmas: com a turma 08A no início do ano, eu tive muitos problemas, eles são imaturos, mas a gente sentou muito, conversou muito, discutiu. Tinha dia que eu não dava aula porque eu tirava aquele horário para sentar com eles, olha não está bom, não é assim, não esta rendendo. Eles são capazes, é uma turma muito capaz, mas muito imatura e agora eu vejo que no final do semestre eles amadureceram, melhoraram demais, as minhas aulas melhoraram muito, o nosso relacionamento melhorou muito, é a turma que eu mais gosto de levar. Agora a turma 08B, eles caíram muito de produção, é uma turma que conversa muito, que não leva muito a sério, que não era assim para quem acompanha desde o ano passado. Essa turma tem perfil de projeto, então às vezes eu penso que ela não rende porque muitos professores, dois ou três, é o mínimo, não são a favor de projeto, e eu como gosto de projeto, como o perfil da turma é de projeto, lá naquela sala eu tenho uma turma, um grupo, né, que a gente fez um grupo de percussão e de coral, então no tempo que eu trabalhei com eles no ano passado eles renderam muito. Esse ano, como a gente não trabalhou muito essa questão de grupo, eles apresentaram duas vezes só e a gente não conseguiu ensaiar mais músicas, não conseguiu criar por falta de tempo na escola, eu acho que eles caíram. Agora a 08C é uma turma que tem muitos problemas, eles não acreditam em si, auto-estima muito baixa, você tem que estar o tempo todo incentivando, eles precisam de incentivo o tempo todo para estudar, e eu sou madrinha de turma lá, então tudo o que acontece, eles dizem, o professora me ajuda, eu estou sempre à disposição deles, mas é muito difícil lidar, quando o aluno chega ao ponto de achar que a nossa turma é a pior, a nossa turma não consegue, nós somos fracos, lá o lema deles é esse, nós não conseguimos, nós não vamos conseguir. No início do ano, o coletivo dos professores fez um combinado de estar trabalhando mais individual e agora no finalzinho do semestre eles deram uma melhorada muito boa, que a gente conseguiu levantar a auto-estima com recadinhos, atividades, com excursões que nós fizemos com eles, com atividades diferentes que eu fiz em sala, atividade prática, trabalhei muito a questão da criatividade, da habilidade, que eles fizeram e viram que são capazes, que eles conseguem, então eles melhoraram muito. O meu relacionamento com as três turmas é muito bom”. 139

As opiniões sobre cada uma das turmas são bem semelhantes entre os professores. Para o professor Júlio, de história, fazer uma avaliação é difícil quando os alunos não querem contribuir. Ele diz o seguinte: “Difícil, a turma 08A é uma turma com maior facilidade de aprendizagem, conversam ao extremo, mas ultimamente tem ocorrido uma melhora de maneira que eu consiga até dar aulas. A 08B apresentou uma melhora, mas lá alem da questão da conversa tem a questão do desinteresse, então os meninos precisariam ter um pouco mais de interesse. E na 08C, acho muito complicado porque os meninos simplesmente não entendem, não conseguem acompanhar a matéria e aí ficam desinteressados mesmo, conversam, você esta explicando e eles estão conversando, estão trocando ofensas, a questão da higiene pessoal de repente o menino entra com um mau cheiro danado de CC e aí todo mundo começa a encher a paciência do menino então é muito complicado”. A professora de ciências, Marlene, fez, após o diagnostico ruim das provas, uma auto-avaliação com as três turmas: “Na 08A, o resultado não foi novidade porque lá tem alunos com um potencial melhor, eles têm uma capacidade no nível da idade deles né, foi bom, muito bom, quando eu falei com eles, eu tava blefando, minha aula até o fim do ano vai ser assim, porque é assim que tem que ser e é assim que vai ser, eu blefei usei o poder de professora, mas foi assim que eu consegui, no dia que eu vejo que o pessoal tá assim eu vou e releio pra eles o que eles propuseram, nessa sala foi assim que resolveu, eu levei a sério como eles também levaram muito a sério essa auto- avaliação, porque foi uma avaliação que eu pedi para eles justificar o porque do resultado ruim da prova e se eles estavam pondo a culpa em alguém, na turma, no colega que eles justificassem também isso, na professora, então tá, porque que a culpa é da professora, o que a professora tá deixando a desejar, então eles foram muito francos, falaram mesmo, teve aluno que falou da professora e eu não levei para caso particular, não convoquei nenhum pai para vir a escola e vieram cinco pais por espontânea vontade dessa turma, então funcionou eu acho que foi um ponto muito positivo no meu trabalho. Na 08B, eu fiz a mesma coisa, só que na 08B já é, não veio nenhum pai para reclamar do resultado da prova e os resultados foram muito parecidos com a turma 08C. Lendo a avaliação, eu percebi que eles não levam muito a sério, eles justificam assim, o ruim sou eu, eu vou melhorar, eu prometo melhorar, aquela coisa vaga sem 140

comprometimento mesmo, o que você vai melhorar, o que você vai fazer para melhorar, a turma 08A fez assim, a 08B deixou a desejar. A turma 08C aí que, Nossa Senhora, o negócio assim, não adiantou absolutamente nada, porque eu pedi, eles me entregaram em pedaços de papel rasgado, eu pedi para eles escrever de próprio punho não precisava ser digitado, numa folha de caderno, que eu ia grampear na prova cujo resultado foi ruim, o que desencadeou todo esse processo de auto-avaliação. Aí, na turma 08C, a mesma orientação que eu dei nas três turmas né, me entregaram papel rasgado, essa turma tem que ser feito um trabalho diferente, uma linha só, nossa é ruim mesmo, não teve nem como tabular, aí eu desisti, voltei lá na sala e justifiquei, gente não tem como tá lendo isso aí, o que alguns fizeram, aquele papel rasgado eles simplesmente pegaram a mesma frase escreveram numa folha limpinha do caderno e me entregaram, não era só a estética, da formalidade da entrega, eu queria que eles melhorassem, enriquecesse aquilo, mas eu não consegui, não foi possível naquela sala”. Os depoimentos dos professores são unânimes em afirmar que os alunos são os grandes responsáveis pelo fracasso que tiveram no primeiro trimestre de 2007. A falta de interesse e de dedicação dos alunos aos estudos são as grandes causas apontadas pelos professores, e a solução parece simples: estudar mais, prestar a atenção nas aulas, cumprir todas as tarefas, fazer silêncio quando o professor estiver explicando a matéria. Apenas a professora Mirian, de geografia, faz uma reflexão sobre os métodos de ensino. Ela acredita que é preciso despertar no aluno do desejo pelo saber. Para ela, o uso da nota, a volta à seriação seria um retrocesso que prejudicaria os alunos. PARO (2006), ao tratar dos conselhos de classe, diz:

por isso, a preocupação com o provimento de um ensino de qualidade para a população deve priorizar formas eficazes de se proceder à avaliação do processo escolar. Os conselhos de classe, por exemplo não podem continuar sendo instâncias meramente burocráticas, onde se procura apenas justificar o baixo rendimento do aluno, colocando a culpa em fatores externos à escola. É preciso prever instrumentos institucionais que avaliem não apenas o rendimento do aluno, mas o próprio processo escolar como um todo, com a presença de alunos e de pais, pois eles são os usuários da escola e a eles compete apontar problemas e dar sugestões de acordo com seus interesses. (PARO, 2006, p. 80-81)

141

Nos conselhos, as avaliações voltavam-se sempre para as dificuldades dos alunos; eles eram os responsáveis pelos maus resultados que tiveram no primeiro trimestre. Os professores afirmavam que se os alunos não melhorassem, muitos seriam retidos no final do ano. Não houve, nas duas reuniões observadas, uma avaliação dos processos de ensino/aprendizado. Pais e alunos que não participaram das reuniões deveriam ser chamados posteriormente para serem informados sobre o resultado das reuniões.

6.2 As práticas educacionais: ciclo e seriação, na visão dos professores

Voltamos, então, aos princípios do ciclo de formação humana, reforçados no boletim de desempenho escolar que orienta que a avaliação é constante, qualitativa, e visa a apontar os avanços e as novas necessidades dos alunos. Considerando a avaliação, a escola deverá oferecer, sempre, novas e diversas oportunidades de aprendizagem aos alunos, a fim de atender as necessidades apontadas. Nossos professores encontram dificuldades para concretizarem a passagem da seriação para o ciclo. Em vários momentos, misturam os dois modelos educacionais, parecem ter criado uma terceira via adaptando ciclo e seriação, não perceberam que não existe aprendizado sem prazer; sem o desejo dos alunos de aprender, essa seria uma batalha sem vencedores. Sem rever os métodos e sem pensar nas necessidades de cada uma das três turmas, os objetivos certamente não seriam alcançados. O que fazer com esse diagnóstico, como melhorar o conceito dos alunos, como despertar o desejo pelo saber, como diminuir e/ou eliminar as diferenças de aprendizado entre as três turmas, uma vez que a formação da maioria deles vem da mesma escola, com os mesmos professores? As respostas vêm dos depoimentos dos professores entrevistados. No depoimento da professora de Flávia, ela mostra sua iniciativa isolada com relação aos resultados dos alunos: “depois da prova, eu não espero o fim do trimestre, a prova foi um fracasso, então vamos ver tudo de novo, porque então talvez eu não soube passar, ou explicar de uma forma que eles conseguissem compreender, então vamos tentar de novo de outra forma, eu não 142

espero chegar até o final do trimestre, eu espero ver o resultado, o resultado não foi bom, agora eu sempre olho pela quantidade, se tem uma turma que tem 30 alunos, 28 foram bem e dois não foram, esses dois alunos, eu tento trabalhar com eles separadamente mas eu não posso excluir o meu aluno que tá caminhando, porque é dois tipos de exclusão, a exclusão por saber e por não saber, então por exemplo eu tenho duas aulas de APG na sexta feira, são alunos com dificuldades, às vezes eu combino, olha me procura nesse horário, pede licença ao seu professor para me procurar aí eu ensino algumas táticas, algumas estratégias para ele estudar. Uma aluna fez um caderno de verbo, por exemplo, porque ela não sabia os verbos em inglês, o outro me procurou, só que isso também tá deixando a desejar, infelizmente nós temos um grande problema de falta aqui, eu também faltei um tempo porque eu tive um problema de saúde, falta de professores, eu fiquei 9 ou 11 dias de licença médica então alguém me cobriu, se alguém falta eu cubro também, então nós fazemos 24 horas e 4 horas são de estudo, mas essas 4 horas são pagas para que, se faltar um professor, o aluno não fique sem aula. Então o que vai prevalecer, o APG ou é a aula, é a aula, eu tive dois momentos de APG nesse primeiro semestre, sexta feira é geralmente o dia que mais falta professor. Na semana passada, faltaram 4. Isso prejudica, são questões pessoais, questão de saúde, mas não é da minha alçada julgar, mas tá previsto que a minha obrigação é tá em sala. A professora Marta faz uma avaliação dos processos formativos, como é a prática da escola com relação ao diagnóstico dos alunos: “Olha, a prática da escola é assim, no conselho pedagógico a gente faz assim, pega os alunos que nós mesmos vamos conversar, porque às vezes uma simples conversa com o menino, uma dica de estudo já resolve, alguns mais críticos a gente anotou para chamar os pais colocando para eles, talvez tirar do aluno o que ele mais gosta e dar para ele um horário de estudo. A gente propõe também para que ele faça amizade com alguém que dê conta dos conteúdos para ele interagir com o colega, a gente incentiva assim, mas eu dos meninos que falei que ia conversar, eu conversei só com dois, eu falei que ia conversar com cinco e conversei só com dois e os dois mudaram muito, eu fiquei muito feliz, foi a Maíra da 08C ela faltava demais e depois que eu conversei com ela, ela vem todos os dias e melhorou muito e conversei com outro que não é das turmas 08 não, mas os outros eu não conversei ainda, os pais a gente liga, eles não podem, eles não 143

vêm, eles vão vir no final do ano porque os meninos vão ser retidos, aí eles vêm e choram, mais a maioria dos pais que a gente anotou não vem. Agora na sala de aula eu, não é um trabalho coletivo, é um trabalho individual, eu chego perto do menino, converso com ele, eu chego até a arrancar as folhas do caderno dele que eu não gostei, arranco e agora vai começar de novo, eu tento assim dessa forma e sempre no início do ano eu passo algumas regras básicas para eles, se você pegar o caderno da turma 08A lá do início do ano, aí você vai ver na primeira folha tá lá, como você deve estudar, que horas você vai fazer o dever, que você tem que ler, eu chamo assim, 10 dicas para começar o ano 10, esse ano eu dei esse titulo para esse incentivo, aí há uns 10 dias atrás, eu voltei na página 1 do meu caderno, falei pra eles vamos voltar na página 1 no primeiro dia de aula, dia 27 de janeiro, volta aí para ver o que a gente tem que fazer, lá também tem a relação com o professor, sou eu, o que a gente tem que melhorar, o que tem que fazer para vocês melhorar, estudar em casa, ‘ah Marta eu tenho uma preguiça, eu chego lá em casa e quero só dormir, ah eu tenho que trabalhar, ah eu não gosto de estudar, eu detesto estudar eu vou mexer com cavalo, para que eu vou estudar se eu vou mexer com cavalo’, são essas respostas que a gente ouve, mas eu sinto que o incentivo para melhorar é muito individual, é cada professor defendendo a sua área, não é aquele interesse de incentivar os alunos, então você tem que estudar história e geografia, a gente fala isso mais muito superficialmente porque cada um se preocupa com a sua área, a gente não preocupa com os colegas não, muito triste”. As propostas parecem vir das reuniões de conselho de classe, onde os professores apontam as dificuldades, mas não existe um trabalho coletivo de recuperação dos alunos, é cada professor que decide individualmente os caminhos a percorrer no sentido de melhorar o desempenho dos alunos, isso aparece na fala da professora Mirian: ”é feito um conselho de classe, muitos professores mudam o conceito lá na hora, não realmente foi só na minha matéria que ele foi assim eu vou dar uma chance, alguns até mudam, mas depois disso aí, então a turma tal a gente vai tomar essas atitudes, a 08C, por exemplo, vamos trabalhar em forma de ‘U’ para eles ficarem mais juntos, mais próximos, a gente tenta tomar algumas atitudes, mas depois não é feito um gráfico, um levantamento disso para ver qual disciplina o aluno está melhor, porque, será que as aulas são mais interessantes, o aluno gosta mais, não é 144

feito um levantamento em cima disso não. E aqui a gente faz até um simulado, o provão, eu não sou a favor porque eu tenho escutado dos alunos, ‘eu vou estudar muito professora porque eu vou tirar um conceito muito bom no provão’, então gera aquela expectativa do aluno estudar para a prova, eu acho que não é assim, mas em cima do provão é feito um gráfico, eles fazem um levantamento que vê em quais disciplinas o aluno se saiu melhor”. Pergunto à professora Mirian se existe um processo de recuperação contínua dos alunos em dificuldades. Segundo ela, não existe. “Às vezes nós professores fazemos o seguinte, o aluno não foi bem, vamos dar uma chance, vamos repetir a avaliação, vamos repetir a matéria, eu faço muito isso, quando eu vejo que a dificuldade não foi sanada eu não passo para a frente, até atrapalha um pouquinho os alunos que avançam mais rápido, eu falo que é um mal necessário porque as turmas não são homogêneas, são bem heterogêneas”. Todos os professores apresentam o APG (Atendimento a Pequenos Grupos) como o caminho para diminuir as dificuldades dos alunos em relação ao aprendizado, porém, todos eles afirmam que os APGs não estão funcionando, não acontecem regularmente. Nesse período letivo, os professores apontam as seguintes dificuldades para a realização dos APGs: falta constante de professores, as paralisações reivindicatórias, o projeto PAN (Projeto que a escola desenvolveu tendo como referência os jogos Pan-Americanos), que ocupou muito tempo, enfim, os APGs não aconteceram nos quatro meses de pesquisa, não consegui acompanhar nenhum professor fazendo atendimento a pequenos grupos. Todos os professores trabalham 24 h/a por semana, como são oito professores para atenderem seis turmas, teríamos sempre dois professores estudando, fazendo reuniões ou trabalhando com pequenos grupos de alunos, mas isso não ocorre, segundo os próprios professores, também por causa do grande número de falta dos colegas. A enturmação dos alunos segue o modelo seriado, os melhores na turma 08A, os intermediários na turma 08B e os alunos mais fracos na turma 08C, isso tudo com o consentimento e até mesmo defendido por professores como Renato, de matemática, que, em sua entrevista, diz: “Eu acredito no seguinte, você tem que ter turma homogênea, talvez não, por exemplo, uma turma só de alunos bons e outra só de alunos ruins, eu não acredito nisso, mas eu acho que 145

a gente não pode ficar no extremo, você tem na turma 08A um aluno que é excelente e na 08C um aluno que mal sabe ler, se você colocar um aluno desse com o outro numa sala só, você vai ter uma dificuldade extrema de dar aula, realmente tem que ter uma separação, não totalmente homogênea, mas você acaba que dificulta um aluno com o outro. Quando o aluno é ruim de mais, não porque ele quer, mas porque ele tem dificuldades, a gente vê isso aqui, não porque ele quer, mas porque ele tem dificuldades mesmo, ele é ruim por natureza de tantas dificuldades que ele tem, e outro aluno que é bom com facilidade, então você tem que estar trabalhando a mesma aula com os dois juntos, você esta atrapalhando um dos dois, ou você esta trabalhando uma aula mais devagar, uma aula mais lenta pra ajudar aquele aluno que tem dificuldades, ou você está atrapalhando o aluno que é bom que podia estar evoluindo muito mais. Se você tá dando uma aula que você pode evoluir, uma aula mais avançada o aluno que tem dificuldades não vai conseguir fazer, então eu acho que tem que fazer essa separação sim não totalmente homogênea, tem muitos professores que falam que o aluno bom ajuda o aluno que tem dificuldade, ajuda mais só que esse aluno bom não vai avançar, vai avançar em que, vai ficar só ajudando o outro, isso é nossa função e não desse aluno que é bom. Eu como pai eu digo que eu não queria meu filho ou minha filha apenas ajudando o seu colega evoluir na aula”. O professor Júlio, de história, defende um projeto para a turma mais fraca, ele é contra a enturmação da maneira como foi feita. Vejamos o que ele diz: “Bom, nós temos aqui na escola o atendimento a pequenos grupos, eu trabalho com quatro alunos no xadrez eu pequei alunos com mais dificuldades de aprendizado e conseguiram aprender, de maneira que até comigo a relação melhorou bastante, agora no segundo semestre eu vou pegar quatro novos alunos e farei questão de pegar aqueles que têm dificuldades de aprendizagem ou disciplinar, então o APG nesse sentido ajuda, no meu caso especifico, inclusive tem outros atendimentos e outros alunos são retirados da turma, agora com a quantidade de paralisações, campeonato, etc., eu acho que o trabalho de uma maneira geral ficou prejudicado, e é um trabalho muito individualizado em pequenos grupos mesmo, dois, três e no máximo quatro por vez de cada sala. Eu acho que deveria acontecer um projeto um pouco mais diferenciado com essa turma, mas não há não. Por exemplo, você pegar realmente a questão de 146

produção de texto, de correção ortográfica, cada professor tirar uma aula da sua matéria, por exemplo e trabalhar com essa questão de produção de texto, com a interpretação de texto na sala, ajudaria bastante. Isso para a história é fácil né, trabalhar a interpretação de texto e leitura, só que a gente teve poucas aulas de flexibilização em função desses questões ditas, paralisações, campeonatos e tudo mais, as minhas aulas são justamente nas quintas e sextas-feiras depois do recreio aí complicou, não teve um projeto para a turma e deveria ter tido. Uma coisa que eu acho que, eu não sei porque eu não peguei a formação da turma, eu particularmente não sou muito favorável a enturmação que existe, esses alunos da 08C. Eles deveriam estar divididos, não deveria ser uma turma tão ruim como é a 08C em termos de aprendizagem não”. Para a professora Roberta, não existe um projeto específico para diminuir as dificuldades de aprendizado dos alunos, mas um combinado onde os professores fazem atendimentos individuais com os alunos em dificuldades: “um projeto especifico não, existe um combinado, existe um olhar diferente para aquela turma com relação ao coletivo existe sim, mais especifico não. Esse combinado tem contribuído para diminuir a diferença entre essa turma e as outras? Tem melhorado muito, eu acredito que comigo tem, eu acredito que sim, que eles estão mais atentos, antes quem não fazia, agora faz, a gente tem experiência de dois alunos, que eram alunos que davam muito trabalho no ano passado para a gente, eles renderam muito, eles não deixam de fazer uma atividade minha, isso pra mim é um questão de que eles melhoraram muito, então esses alunos no ano passado eles criaram um Repp para esse grupo que eu tenho de projeto os dois fazem parte e alguns alunos da B fazem parte, a partir desse Repp que eles fizeram, eles ficaram mais valorizados, a escola valorizou muito porque a gente apresentou em dois congressos, apresentaram em outras escolas, esse ano eu não pude levar eles na escola que eu estou trabalhando, mas nós combinamos que no segundo semestre eles iriam lá porque a gente vai tá valorizando o aluno, a gente vai tá valorizando o que eles sabem fazer, e a partir do que eles sabem fazer você vai estar investindo neles e aí você vê o aproveitamento em sala”. A professora Marlene, de ciências, reconhece que os processos utilizados por eles não são de ciclo, e seguem um modelo seriado. Ela diz: “eu faço várias avaliações, a primeira delas é que eu trabalho com química e infelizmente por 147

que não é ciclo, é uma série né, a gente ainda trabalha com conteúdos bem fixos para aquelas turmas, então a química chega de repente no final do quarto ciclo e chega com um vocabulário todo particular, muito peculiar, muito diferente e eles levam um susto, outra coisa é eu preciso de uma base de matemática, eles tiveram uma base de matemática difícil, não é legal a divisão com número decimal então a base deles chega no final ruim, eles levam esse susto porque a matéria para eles é novidade e realmente fica sendo um pouco mais difícil e a falta de compromisso deles mesmo sabe, chega no início do ano a 08A isso ficou muito claro é início de ano, eles estavam querendo saber de auê, era camisa, era formar, eles estavam muito nesse clima de auê, são os últimos da escola, isso infelizmente todo ano se repete com as turmas que chegam no final, aí o compromisso, tão querendo paquerar, namorar, são os donos da escola, são os mais poderosos, os melhores da escola e o compromisso com os estudos fica muito a desejar e uma coisa que eu avaliei por ser química e chegar num ano diferente avaliar a mim, o que eu enquanto professora posso tá fazendo diferente, então eu comecei a pensar num trabalho diferenciado com química principalmente para a turma 08C, mas passo a passo para facilitar o entendimento deles, isso eu fiz durante um tempo, aí eu parei, trabalhando na frente de novo do mesmo jeito, porque foi uma avaliação que nós fizemos no conselho nessa turma tem que trabalhar diferente, nem que você fique para trabalhar diferente lá, então eu comecei a trabalhar diferente, mas que desestimula tanto a gente que nada que você faz você vê retorno e isso cansa, aí voltei a trabalhar do mesmo jeito”. Vi, até aqui, que as ferramentas utilizadas pelos professores para transmitir conhecimentos para os seus alunos seguem o modelo seriado, e isso não é inconsciente, todos os professores reconhecem e alguns defendem o modelo por eles seguido, outros vêem com pesar o resultado da sua prática educativa. O acúmulo de matéria, a pressão para fazer as atividades, a ocupação exclusiva com o cognitivo, a avaliação apenas dos conteúdos, a ameaça de que as atividades valem ponto e que na oitava série tem reprovação, a convocação constante de pais para forçar os alunos a estudarem mais. Não existe uma relação entre conteúdo e desejo de aprendizado, a escola é um ambiente ruim para o aluno, ele é obrigado a fazer tudo isso sob a ameaça de ser retido no final do ano. 148

As grandes dificuldades dos alunos é um incômodo para todos os professores. Todos lamentam o resultado negativo no primeiro trimestre desse ano. As causas dessas dificuldades inúmeras vezes foram apontadas nas entrevistas: o fracasso do APG, que não aconteceu como deveria, a constante falta de professores, as paralisações reivindicatórias, a interrupção das aulas para o projeto PAN, a falta de interesse dos alunos, a falta de dedicação dos alunos para com os estudos, alunos que não sabem ler, interpretar, que não têm um raciocínio lógico, o pedagógico que não funciona como deveria, etc. As relações entre professores e alunos das três turmas do último ano do ensino fundamental, da Escola Municipal Capela Nova de Betim, aparecem acima muito bem descritas. A relação de poder continua sendo a mesma a que fomos submetidos há 10, 20, 30 ou há 50 anos atrás. O poder do professor sobre o aluno continua na avaliação (prova trimestral, provão), na nota, na ameaça de chamar os pais, no poder de reprovação, o fracasso continua sendo apenas do aluno. A Escola Democrática encontra dificuldades para democratizar as relações entre professores e alunos no cotidiano escolar. Essa prática torna o currículo tão autoritário quanto na escola tradicional, que é opressora e excludente, porque o aluno chega no último ano do ensino fundamental sem saber, vai ser retido, e vai concluir o ensino fundamental sem ter o direito de saber. No olhar pessimista a Escola Democrática (ciclo) aprova o aluno sem o saber cognitivo necessário, isso porque não tem reprovação; isso porque sem a ameaça da reprovação, o professor não consegue ensinar e o aluno não consegue aprender. Uma escola autoritária não promove a formação de uma personalidade livre, consciente e cidadã, uma escola que reprova põe a culpa de todo o fracasso escolar apenas nos alunos. Uma escola autoritária ensina uma relação de poder injusta, onde o mais forte sempre vence o mais fraco. Aqui, o poder é dominação, e essa dominação significa poder mandar o aluno calar a boca, “manda quem pode obedece quem tem juízo”, dar uma prova em que poucos alunos alcançam a média, significa reprovar muitos alunos no final do ano em nome da qualidade do ensino. PARO (2001) faz uma reflexão sobre essa situação:

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No ensino brasileiro, a manifestação desse componente cultural da competitividade mostra-se com toda sua força na valorização do “credencialismo” acima dos próprios objetivos educativos da escola. É muito marcante, na população de modo geral, a importância conferida às notas escolares, aos diplomas e às promoções de série ou de grau. Do diálogo-padrão de um pai ou mãe com seus filhos estudantes a respeito de seu desempenho escolar, pode-se facilmente depreender que as crianças e jovens vão à escola não para aprender, mas para passar de ano, já que a preocupação do adulto é quase sempre com a nota e com a promoção e não com o aprendizado e com a formação da personalidade por meio da educação. A nota boa e a promoção funcionam, assim, de modo bastante significativo, como o reconhecimento do mérito do estudante, produto de seu esforço, na competição pela vida. Mas a ideologia do mérito e da competição está presente na própria escola. Contra ela Lauro de Oliveira Lima já disse que “o sistema de verificação que consiste em comparar os alunos entre si não só é profundamente injusto (dadas as diferenças individuais), como provoca hostilidade e desavenças, quebrando a desejável solidariedade que deve ser cultivada na juventude.” (lima, 1962, p. 330-331) Disse também que “os alunos devem ser educados para a solidariedade e o trabalho em equipe característico das novas tendências da civilização, e não para a desenfreada competição característica de um liberalismo obsoleto e injusto”. (PARO, 2001, p. 78-79 apud LIMA, 1962, p. 331-332)

Vejamos, por fim, o pensamento dos nossos professores entrevistados a respeito do ciclo de formação humana. A professora Flávia pensa da seguinte maneira: “olha, a proposta do ciclo é muito boa, eu acho que ela é mal interpretada, eu acredito que eu sou fruto da escola tradicional, estudei em escolas públicas tradicionais e eu acho que tinha coisas que davam certo e não é simplesmente tirar totalmente um sistema e implementar outro. Eu acho que a gente tem que pegar o que deu certo em um e vir com outro, fazer uma coisa híbrida mesmo, pegar o que deu certo no tradicional e trazer para o ciclo e renovar mesmo, e eu vejo, por exemplo, o ciclo hoje é a bola da vez, todo mundo diz que o ciclo é lindo e maravilhoso, o projeto do ciclo é muito bonito, mas existe pouco investimento no ciclo, por exemplo escola de tempo integral não tem em Betim, então se o aluno tem um tempo maior para aprender e se a gente tá levando em consideração as individualidades, o aluno enquanto indivíduo que tem seu tempo diferente do outro, então cadê esse outro tempo que ele precisa para se desenvolver que não tem. Então me remete a outra coisa, se o aluno não tem um tempo a mais na escola para suprir esse tempo maior que ele precisa, então ele precisa ficar na escola mais um ano, mais dois anos, então o ciclo dá várias interpretações nesse sentido. Eu acho que falta investimento no ciclo para dar certo”. 150

Na verdade, a idéia de mesclar o ciclo com a seriação parece não ser de apenas um professor. A defesa quase sempre é a mesma, “tem muita coisa boa na formação que eu tive, e isso não pode acabar assim, de uma hora para outra”. Vejamos a opinião do professor Júlio: “eu acho que essa discussão não pode ser colocada nesse ponto de vista, não, porque dentro do ciclo você tem que fazer algumas práticas seriadas, um feijão com arroz mesmo, por exemplo, essa questão do provão hoje, tem determinadas concepções que não aceitam provão, semana de provas, eu acho que uma semana de provas e um provão é estimulante para que o aluno estude, para que o aluno reveja a matéria dada, acho que isso é fundamental. Da mesma forma que, por exemplo, uma aula passar matéria no quadro, eu faço isso, acho que é importante fazer isso, porque você passa matéria no quadro verifica se o aluno esta copiando, verifica se o aluno tem um caderno organizado, verifica se o aluno tá pulando linhas entre parágrafos, se ele abre parágrafos, se não abre, então são táticas ditas tradicionais relativas à questão do seriado, mas são práticas que devem ser feitas, acho que o que se deve colocar é, qual prática que vai permitir que o aluno aprenda, é um quadro negro com matéria, então é um quadro negro com matéria, isso ajuda na aprendizagem do aluno, então vamos fazer, é uma sala de informática ligada à internet com banda larga. Então vamos ter uma sala de informática com banda larga, agora se a prática é ciclo ou se a prática é seriado eu acho que sinceramente isso não vem ao caso, por exemplo, se o menino aprende matemática decorando tabuada ou se aprende a matemática de outra maneira, aprendeu então beleza, uns vão aprender de uma maneira e outros vão aprender de outra, o que a gente tem que ter é justamente esses recursos para ter variedade de maneiras de trabalhar porque aí você pega todos os alunos, o que vai aprender com a tabuada o que vai aprender com aquele material dourado que eles falam se tem o material beleza”. O professor Renato também comunga com essa opinião; o ciclo é bom, mas existem distorções. Vejamos seu pensamento: “eu acredito no ciclo, mas tem certas partes que são muito distorcidas, então eu não acredito muito na aprovação automática, eu acho que o aluno tem que saber pelo menos o mínimo pra passar, então acontece que tem muitos alunos que estão passando sem saber nem esse mínimo. Uma avaliação por exemplo um término do ciclo que é a antiga oitava série é estipulado um percentual para reprovação, você 151

pode reprovar 10% dos alunos, então se eles não cobram nota, não querem que a gente dá nota pra aluno, tem que ser conceito, eles mesmos estipulam valores, números como reprovar 10%, se você tem 30% que não sabem nem o mínimo, você tem que deixar 20% passar sem saber”. Perguntei a todos os professores entrevistados como viam o ciclo de formação humana, qual era a sua avaliação sobre ele. A professora Mirian diz: “eu acho que para alguns alunos é muito bom, é fundamental, mas falta uma preparação dos educadores, quando eu entrei já havia implantado tudo, eu peguei o bonde andando, mas acho que falta preparação, tem resistência de alguns profissionais, eu trabalho com alguns que tem resistência ao ciclo, não aceitam. Acho que a maioria das escolas trabalha em regime de seriação, mas com nome de ciclo, ainda não perdeu o caráter de seriação e alguns entraves que tem no ciclo, eu mesmo nas escolas que eu trabalhei, nenhuma o ciclo é totalmente assumido, que trabalha ciclo realmente, o ciclo de formação humana como deveria ser, deixa a desejar sim na rede como um todo. Então você acha que as dificuldades vêm da estrutura da rede, da preparação profissional? Deixa eu te dar um exemplo, eu trabalho em uma escola que não tem a estrutura adequada ao ciclo, eu vou trabalhar com APG eu levo os alunos para o refeitório, eu não tenho espaço para ficar com esses alunos de APG então falta até isso, a estrutura e a escola é muito grande e com uma demanda muito grande de alunos e eu trabalho com alunos portadores de necessidades especiais, eu não tenho preparação para isso e meus alunos não tem um monitor, não tem um estagiário acompanhando, dificulta muito o trabalho”. Mas alguns professores defendem a proposta do ciclo de formação humana, como a professora Roberta, que considera a proposta positiva. Vejamos: ”positiva e com algumas falhas ainda. Positiva em relação professor/ aluno, algumas falhas porque tem professores que ainda não praticam o ciclo, porque o ciclo é uma prática, enquanto não houver uma prática não existe resultado. Aqui nessa escola o ciclo funciona melhor porque existe uma colaboração maior entre o coletivo, entre os alunos também em relação aos projetos que são desenvolvidos na escola, então eu acho que aqui funciona melhor, tem outra escola da rede municipal que eu trabalho à tarde, então eu acho que o funcionamento aqui é melhor, parece que o andamento, a colaboração, existe tudo isso. Eu sou a favor do ciclo, eu prefiro o ciclo, eu acho 152

que é diferente, porque a proximidade com os alunos é diferente, porque eu acredito que o aluno tem que ter oportunidade, e na seriação eu não vejo isso, eu acho que a seriação causa trauma, traz problemas, eu acho que o ciclo é melhor mesmo com o que dizem por aí né, não acreditando, falando que não existe reprovação, que o aluno tem que ser reprovado, eu acho que todo mundo tem que ter uma segunda chance, e o tempo do aluno, tem que entender isso, todo mundo tem um tempo, então às vezes ele não está naquele tempo, e as vezes você tem que respeitar o tempo dele”. As divergências de opiniões continuam, na medida que nossos entrevistados dão sua opinião. A professora Marta diz: “eu acho que a proposta do ciclo super interessante, ela proporciona a todos os alunos um grau ‘igual’ de aprendizagem, forma o menino tanto na parte humana quanto na parte cognitiva, então a proposta do ciclo para mim é muito boa, eu gosto muito da proposta do ciclo. A parte teórica do ciclo eu acho que nós já vencemos muito, acho que nós já passamos por essa etapa da teoria, tem que estudar muito ainda, mas essa parte teórica eu acho que a gente já avançou bastante, mas a parte prática do ciclo na rede municipal não tá muito boa, eu acho que o processo de aprendizagem, o processo de avaliação, essa condução do ciclo ainda não tá boa, a infra-estrutura da escola, você não pode atender o menino em turmas flexíveis porque não tem quem fica no seu lugar, você não pode fazer o APG porque tem que substituir professor, então essa estrutura física da escola não tá muito boa não. Eu gosto muito do ciclo, acho que avançou muito, os alunos passaram a raciocinar mais, todos tem a mesma oportunidade, então eu gosto muito da proposta do ciclo, eu acho que a gente poderia estar mais avançado, mas estamos no caminho certo, eu defendo o ciclo de formação humana”. “E aqui na escola, Marta, nesses seis anos que você está aqui, como você avalia o processo de implantação do ciclo de formação humana?” “Lentíssima, cada professor com o seu conteúdo, a gente tenta se integrar com os outros e tem dificuldades, todas essas que eu já te falei mais a má vontade mesmo, da gente, dos professores, você não divide com o colega o que esta fazendo eu percebo isso aqui, os projetos que a gente faz para interagir todas as áreas, uns professores puxam mais, outros puxam menos, uns participam, outros não participam, então essa parte do ciclo na escola está muito a desejar, 153

eu não gosto, não gosto acho que tem que melhorar muito, a integração dos professores tá muito aquém do que poderia ser”. A professora Marlene diz: “eu acho que a implantação foi positiva, inclusive quando aqui na escola começou em 2000 tinha essa possibilidade de escolher, implantar o ciclo ou continuar seriado e ir implantando aos poucos, aí nós optamos por implantar de uma vez a questão dos ciclos porque a gente se prepararia no dia-a-dia, a gente não acredita que, por exemplo, ia estudar para fazer o ciclo no ano que vem, não a gente ia no dia-dia tentando implantar o ciclo, na verdade desde então há mais ou menos seis anos aqui na escola, aqui na escola eu estou há 11 anos”. “Como você, Marlene vê a atuação do administrativo e do pedagógico aqui na escola?” “Acho que foram os dois os responsáveis, o administrativo e o pedagógico, o administrativo é o professor, quando a gente falou vamos fazer o ciclo todo mundo tava muito interessado em fazer sim, que ele acontecesse na prática, o pessoal tava se dedicando, os professores estavam interessados, tinha assim, o pessoal tava mais quente com o ciclo, depois não teve muito curso, hoje o pessoal tá participando de curso pra ganhar PCCV, não é para mudar a sua prática na escola, e aí deu uma esfriada, eu acho que a direção e o pedagógico, principalmente o pedagógico aqui na escola ele deixa a desejar, ele não consegue amarrar, ele não consegue atuar, ele não consegue puxar o carro, ele tá fora de sala pra isso também, ele não consegue aqui na escola não. Então isso deu uma esfriada, eu nunca vi como esse ano a escola tão alheia a tudo, eu estava conversando com a Marta (professora de português) colega de turma, como os colegas estão alheios, esse ano não está tendo nada, entendeu, tem o projeto do PAN mais muito solto, isso quando eles ficam na quadra, não é isso que justifica o ciclo, então o pessoal esse ano tá muito alheio”. Na sua opinião, Marlene, a Secretaria Municipal de Educação investe na formação do professor? Eu acho que a rede, você fala Secretaria, eu mesmo tive um curso no mês passado, feito pela rede, eu acho que a Prefeitura está investindo muito lentamente, ela poderia investir mais, ela melhorou alguma coisa, eu acho que em termos de ciclo para efetivar, para concretizar o ciclo na escola mesmo eu acho que ela melhorou, tem mais curso, pessoal mais embasado, mas ainda fica muito a desejar, mas ela melhorou, esse curso sobre 154

ciclo que eu fiz foi muito bom, eu fiz com uma equipe que é muito boa, essa equipe que acredita no ciclo e isso da uma injeção na gente de ânimo, mas a Secretaria em si poderia fazer mais, ela poderia investir mais na formação do professor. O que você pensa sobre o ciclo de formação humana? “Sou plenamente a favor do ciclo, eu estava assim balançada, eu fiz esse curso, foram 60 horas né, eu achei muito legal, como eu te falei, o grupo que está na frente ele conseguiu mostrar, justificar pra gente que a questão do ciclo está na postura, não é eu tendo um módulo de aula diferente, ter projeto, não é isso que justifica o ciclo é a postura da gente em sala, com nossos colegas, nesse sentido, então é isso que eu acho que fica difícil aqui na escola, porque a gente não tem esse momento, por exemplo, atendimento a pequenos grupos eu nunca vi uma coisa tão falha aqui na escola, tanto aluno precisando e ela não acontece, não existe, realmente não está ajudando o menino, porque não tem um acompanhamento pedagógico, não tem assim, vamos avaliar, vamos fazer uma reflexão a cada mês, a cada três encontros gente vamos ver, como é que está, tá atendendo, se o aluno falta então você não atende ninguém, não tem essa cobrança e aí vai indo vai ficando assim”. O ciclo, aqui na escola, ele está fazendo diferença no processo de ensino aprendizado do aluno? “Não, nenhuma, é seriado do mesmo jeito, inclusive eu enquanto professora de ciências trabalhando química é o mesmo trabalho como se fosse seriado é o mesmo, aqui está o nome de ciclo, mas é como se fosse seriado então não faz diferença nenhuma, então não contribui e nem diminui entende, ficou do mesmo jeito, a gente não esta vivendo o ciclo porque tem esse momento de estudo, eu acho às vezes até que piorou porque eu tinha mais aula em sala, porque não tinha os APGs, distribuía mais aula para os professores, então por exemplo matemática tinha mais aula em sala, a gente tava mais ou menos equilibrado três, três, três né, então eu acho que houve nesse sentido uma perda, porque os APGs não consegue atender, esse momento desse ao professor para que ele atenda APG pequenos grupos, então se ele não esta atendendo pequenos grupos eu acho que está sendo pior”. Vi, nas entrevistas, que os professores acreditam no modelo de ciclo de formação humana. Vi, também, que a prática de sala de aula é uma mistura entre os modelos ciclo e seriado, prevalecendo o seriado. Percebi, em cada 155

professor, o desejo de acertar, de encontrar a melhor maneira de ensinar seus alunos. Todos eles se mostram preocupados com os maus resultados dos alunos na primeira etapa do ano letivo de 2007. Seria possível reunir aspectos do ciclo com a seriação, esse seria mesmo o melhor caminho para a formação dos alunos da Escola Capela Nova de Betim. Parece-nos impossível qualquer alternativa dar certo enquanto os alunos não participarem da escolha, enquanto eles forem apensas objetos passivos do processo, enquanto eles forem considerados apenas recipientes vazios a serem enchidos de conteúdos de cada disciplina isoladamente. Enquanto os pais forem lembrados apenas nos conselhos de classe relacionados aos alunos “problemas”, escolhidos apenas para ouvir reclamações sobre seus filhos, eles precisam participar do processo, fazer escolhas, contribuir para a qualidade da escola, precisam ser ouvidos. Pais e alunos precisam avaliar, e, não somente, serem avaliados pelo esforço que fazem ou deixam de fazer. Professores, direção e pedagogas precisam ouvir, ser avaliados pelos alunos e pelos pais, numa relação dialógica onde todos contribuem para uma escola de qualidade. Vitor Henrique Paro fala da falta desse diálogo democrático necessário na escola pública brasileira:

Mas sem dúvida nenhuma, hoje a principal falha da escola com relação a sua dimensão social parece ser sua omissão na função de educar para a democracia. Sabendo da gravidade dos problemas e contradições sociais presentes na sociedade brasileira – injustiça social, violência, criminalidade, corrupção, desemprego, falta de consciência ecológica, violação de direitos, deterioração de serviços públicos, dilapidação do patrimônio social, privatização dos bens públicos e do Estado etc. -, que só se fazem agravar com o decorrer do tempo, e considerando que uma sociedade democrática só se desenvolve e se fortalece politicamente de modo a solucionar seus problemas se contar com a ação consciente e conjunta de seus cidadãos, não deixa de ser paradoxal que a escola pública, lugar supostamente privilegiado do diálogo e do desenvolvimento crítico das consciências, ainda resista tão fortemente a propiciar, no ensino fundamental, uma formação democrática que, ao proporcionar valores e conhecimentos, capacite e encoraje seus alunos a exercer de maneira ativa sua cidadania na construção de uma sociedade melhor. (PARO, 2007, p. 18, 19)

Conceber a educação apenas como transmissora de conteúdos, sem considerar a formação política, filosófica e humana de cada aluno, é reproduzir as contradições sociais que se perpetuam no interior do Estado brasileiro. O professor que trabalha para uma práxis libertadora está atento para as necessidades que cada grupo social tem de aprender a realidade social e 156

cultural do meio onde vive, enquanto uma prática conservadora ignora aspectos importantes da realidade vivida pelos alunos, a prática libertadora conscientiza e liberta. Para FREIRE (2005),

A existência, porque humana, não pode ser muda, silenciosa, nem tampouco pode nutrir-se de falsas palavras, mas de palavras verdadeiras, com que os homens transformam o mundo. Existir, humanamente, é pronunciar o mundo, é modifica-lo. O mundo pronunciado, por sua vez, se volta problematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar. (FREIRE, 2005, p. 90)

Para Moacir Gadotti (2004b),

o educador é aquele que não fica indiferente, neutro, diante da realidade. Procura intervir e aprender com a realidade em processo. O conflito, por isso, está na base de toda a pedagogia. Mais adiante ele afirma que, a pedagogia da práxis pretende ser uma pedagogia para a educação transformadora. Ela radica numa antropologia que considera o homem um ser criador, sujeito da história, que se transforma na medida em que transforma o mundo. (GADOTTI, 2004b, p. 29-30)

Parece urgente um processo contínuo de dialetização da educação em todos os níveis e em todas as instituições de ensino, principalmente nas escolas públicas onde o poder continua centrado na figura do professor, que tudo sabe sobre o aluno que nada sabe, este que permanece sendo um recipiente vazio engolindo conteúdos predeterminados que nem sempre contribuem de fato para a sua emancipação. Para GADOTTI (2004a), “a educação que copia modelos, que deseja reproduzir modelos, não deixa de ser práxis, só que se limita a uma práxis reiterativa, imitativa, burocratizada. Ao contrário desta, a práxis transformadora é essencialmente criadora, ousada, crítica e reflexiva” (GADOTTI, 2004a, p. 31). Nossos professores, na Escola Capela Nova, continuam reproduzindo uma escola conservadora, antidialógica, burocratizada, e, com isso, produzindo alunos desestimulados, passivos, acríticos, que não desenvolveram a capacidade criadora capaz de transformar a realidade vivida por eles. Nessas relações de poder, fica evidente que, uma coisa é ver professores acreditando na educação como meio para os alunos serem alguém na vida, e outra é ver professores fazendo da educação uma ferramenta de luta contra as relações de exploração impostas pelas elites dominantes do país. A 157

pedagogia da práxis está na ação transformadora, difícil, mas importante para mudar a realidade social brasileira.

6.3 As três turmas do último ano do ensino fundamental

As três turmas de alunos por nós pesquisadas são formadas por 86 alunos oriundos das classes trabalhadoras: operários, empregadas domésticas, funcionários públicos, pequenos comerciantes, etc. Mas embora o nível social e econômico entre os alunos serem bem próximos, no interior da escola as divergências entre as três turmas são grandes. A organização das turmas parece seguir o modelo seriado. A turma 08A, com 29 alunos, é uma turma homogênea dos melhores alunos. A turma 08B, com 29 alunos, é uma turma homogênea dos alunos intermediários. E a turma 08C, com 28 alunos, é uma turma homogênea dos alunos mais fracos. Embora o número total de alunos matriculados seja de 86, em vários momentos da pesquisa esse número aparece variável em função da ausência de alunos em aula. Nas consultas às fichas de matrículas dos alunos, autorizadas pela secretaria da escola, fiz algumas observações interessantes. A maioria dos alunos não é natural de Betim; 32 são alunos naturais de Contagem, 22 de Belo Horizonte, oito de Esmeraldas, 12 de outros municípios de Minas Gerais, três não constavam a naturalidade e apenas sete alunos nasceram em Betim. A grande maioria dos pais não concluiu o ensino fundamental, 11 pais concluíram o ensino médio, e apenas um tem curso superior. Outro dado muito importante para esta pesquisa é o tempo que nossos pesquisados estudam na Escola Capela Nova. Dos 86 alunos pesquisados, 48 estudam na escola há oito anos, ou seja, desde o primeiro ano do ensino fundamental, e apenas um aluno matriculou-se nesse ano de 2007. Se começarmos a contar a partir da quinta série, teremos 81% dos alunos há quatro anos estudando na escola. Isso tudo significa que a maioria dos alunos pesquisados construíram seu histórico escolar na escola pesquisada. Como citei anteriormente, as condições físicas da escola são boas; o prédio é novo, as salas são bem distribuídas, o refeitório é bom, a merenda é de 158

boa qualidade, a quadra é coberta, as condições financeiras são boas para atender as necessidades da escola, o número de alunos por turma de 29, no caso das três turmas pesquisadas, não é muito grande. No primeiro turno o atendimento em setores como a biblioteca, que é bem equipada e espaçosa, conta com duas atendentes para atender a demanda, três auxiliares de secretaria somente no turno da manhã, duas pedagogas para conduzir o pedagógico com as 14 turmas, oito professores trabalhando 24 h\a por semana para atender seis turmas, ou seja, dois professores a mais para atendimento a pequenos grupos, pesquisas e reuniões. A média salarial dos profissionais da educação em Betim pode ser considerada boa para as redes públicas nacionais. Enfim, as condições físicas e pedagógicas da escola parecem-nos em condições de realizar um bom trabalho de ensino/aprendizado com os alunos. É bem verdade que as condições da educação em Betim se são boas, isso se deve também à organização da categoria através do sindicato que os representa (Sind-Ute), também é verdade que todas essas condições podem melhorar, principalmente no tocante à autonomia pedagógica e administrativa das escolas uma vez que me parecem muito centralizadas, pois o regimento é único em toda a rede e os destinos da educação são centralizados na SEMED, não havendo uma constante participação dos agentes envolvidos no processo, profissionais da educação, pais e alunos. É fato também que as conquistas feitas pela educação em Betim dariam condições aos educadores de oferecer uma educação de qualidade para os alunos. Se o sistema adotado pela rede é o ciclo de formação humana, este deveria ser abraçado livremente por todos os agentes envolvidos, o que não acontece, segundo aponta esta pesquisa: os professores da Escola Municipal Capela Nova acreditam no ciclo, alguns lamentam as dificuldades para praticá- lo, mas a prática em sala de aula ainda é muito tradicional, conteudista, utilizam métodos reprodutivistas, como a ameaça da reprovação, usam notas nas provas para depois transformar em conceito, as avaliações consideram apenas o conhecimento cognitivo. Os alunos estudam para tirar nota e passar de ano. As entrevistas realizadas com professores e alunos mostram que, na sua maioria, as relações de poder são autoritárias. Percebemos a dificuldade em estabelecer uma relação dialógica, própria de uma educação democrática, onde o aprendizado adquire-se pelo prazer de se apropriar da cultura. 159

Apliquei um questionário para as três turmas do último ano do ensino fundamental. Nesse dia, participaram do questionário 72 alunos; os outros 14 alunos haviam faltado à aula. O questionário tinha 13 questões a respeito da vida escolar dos nossos alunos. Perguntamos o motivo de estudarem nessa escola; 76% dos alunos responderam que era porque a escola fica perto de casa. Isso me mostra que a maioria dos alunos que estudam na escola são da própria comunidade onde a escola está localizada, pois essa informação foi confirmada em uma consulta que fiz na ficha de matrícula dos alunos, consulta autorizada pela direção da escola. Nela, percebi que os 86 alunos pesquisados nessa consulta estão divididos em sete bairros próximos da escola, 25% mora no bairro onde a escola está localizada e 52% mora em outro bairro que faz divisa com o anterior, ou seja, 78% dos alunos moram em apenas dois bairros, os mais próximos da escola. Perguntei aos alunos sua opinião a respeito da qualidade do ensino da escola em que estudam; 86% dos alunos dividiram-se entre bom e muito bom. Nossos alunos demonstram que acreditam na qualidade do ensino da escola em que estudam. Perguntei o que os professores fazem para manter a disciplina na sala de aula, e 69% dos alunos afirmaram que os professores conversam com a turma, 17% afirmam que os professores mandam o aluno para a direção da escola. Os professores procuram conversar, convencer os alunos que devem respeitar as normas da escola, que não existe aprendizado com bagunça, com muita conversa. Perguntei a eles se os alunos participam da escolha de temas para as aulas; 57% dos alunos responderam que participam poucas vezes, 22% responderam que participam muitas vezes ou sempre, e 21% afirmam que nunca participam da escolha dos temas das aulas. No ciclo de formação humana, o conteúdo é flexível e a participação dos alunos é um fator determinante no processo de ensino/aprendizado. Já no sistema seriado, o conteúdo é algo pronto, determinado pelo currículo programático, e cabe ao professor seguir esse conteúdo. Apesar dos resultados ruins que os alunos tiraram no primeiro trimestre desse ano, eles acreditam que a escola é boa, que as ações dos professores é para seu bem, e se responsabilizam pelos maus resultados, afirmando que não estudaram direito, fizeram bagunça na sala, não fizeram o dever de casa, acreditam que o resultado é justo. O olhar desses alunos sobre a realidade 160

escolar em que estão inseridos é conformista e passiva. Eles não conseguem fazer uma reflexão crítica da sua própria realidade escolar. Assim, não conseguem se libertar dos conteúdos autoritários que foram depositados em suas consciências ao longo dos anos escolares. Por não se sentirem emancipados nesse processo, não sentem prazer em participar dele, daí a falta de interesse pelos estudos, o que acarreta abandono da escola, reprovação, consecutivas aprovações sem a devida apropriação do conhecimento, ou seja, um processo onde o aluno é penalizado e excluído do direito à cidadania. A Escola Municipal Capela Nova de Betim, para estimular seus alunos a estudar, faz, a cada etapa, a escolha do destaque da turma, o aluno que melhor desenvolveu as habilidades educacionais. Perguntei, então, aos alunos, como é feita a escolha do destaque da sala, e 45% responderam que é o aluno mais disciplinado e com maior nota; 26% responderam que é o aluno que melhor desenvolveu as habilidades educativas. No final do semestre letivo, a escola faz um provão, uma prova simulada com questões de todas as disciplinas para testar os conhecimentos dos alunos. Perguntei a eles qual é a importância da prova simulada: 57% responderam que era para preparar o aluno para o vestibular e para concursos; 24% responderam que era para dar uma melhor compreensão dos conteúdos. Perguntei, por fim, o que mais motivava os alunos a participarem das aulas: 43% responderam que era o valor em pontos de cada atividade, e 25% responderam que eram os temas da realidade e do cotidiano. Esse questionário ajudou-me a conhecer um pouco mais da percepção que nossos alunos pesquisados têm da escola em que estudam. Recapitulando as informações, vemos que: apenas sete dos 86 alunos pesquisados são naturais de Betim, que 66% dos pais não concluíram o ensino fundamental, e apenas um tem curso superior. Verifiquei, também, que 77% dos alunos moram nos dois bairros mais próximos da escola, e que os outros 23% moram em bairro próximos; 86% dos alunos consideram bom o ensino na escola apesar dos maus resultados no primeiro trimestre de 2007. Nenhum dos nossos 86 alunos estudou em escolas tradicionais seriadas. Todos tiveram toda a sua vida escolar já no ciclo de formação humana, e, ainda assim, parece achar normal não participar da escolha dos temas das aulas, que os conteúdos devem ser esses programados. Nossos alunos do ciclo conhecem nota, conhecem o valor de uma prova, sabem quanto vale um trabalho em 161

grupo, consideram importante um provão simulado para estudarem melhor os conteúdos de cada disciplina, eles sabem muito bem que, se não estudarem mais, podem ser retidos no final do ano, ou seja, podem ser reprovados no final do ciclo. Nas observações em sala de aula, verifiquei que os alunos das três turmas do último ano do ensino fundamental têm algumas características em comum: eles moram nos mesmos bairros próximos da escola. Não existe uma variação de turma para turma entre a escolaridade dos pais, não existe diferenças grandes na situação econômica e social entre as turmas, ou seja, todos os alunos das três turmas são oriundos das classes trabalhadoras. As principais diferenças acontecem no interior da escola, onde os alunos foram divididos em três turmas, e essa enturmação não é aleatória, ela divide os alunos em bons, médios e ruins consecutivamente nas turmas 08A, 08B e 08C. A escola, ao classificar os alunos em bons, médios e ruins, dividindo-os em turmas homogêneas 08A, 08B e 08C, reproduz o sistema ideológico capitalista da divisão da sociedade em classes. Essa divisão, defendida por alguns professores que afirmam que não desejariam ver seus filhos em turmas como a 08C, é incoerente com a prática do ciclo de formação humana adotado pela escola, e que, na verdade, distante da prática em sala de aula. Os alunos aceitam passivamente as regras impostas pela escola, as relações de poder são autoritárias, pois além de não contarem com a participação livre dos alunos, não produzem os efeitos esperados. Como justificar que alunos de três turmas estudam na mesma escola por um período médio de oito anos, chegam ao último ano do ensino fundamental com grandes dificuldades de aprendizado, ou melhor, de reprodução de conteúdos. Essa prática reprodutivista, contribui para legitimar a divisão da sociedade em classes, e a conformidade dos menos favorecidos que se vêm excluídos dos benefícios de uma educação dialógica. Para Moacir GADOTTI (2005),

a pedagogia reacionária, pedagogia do colonizador, é uma pedagogia que forma gente submissa, obediente, incapaz de participar. Esse pedagogo esconde-se, hoje, atrás de uma pseudo-não-diretividade. É uma pedagogia da omissão que faz o jogo da ideologia dominante, cujo objetivo fundamental é a não-participação, a docilidade, a subserviência. Nesse ponto a pedagogia conservadora tem cumprido com êxito a sua tarefa de cimentar a ideologia da classe dominante. A escola tem servido, pelos seus programas, pela sua política, pela sua 162

prática, para legitimar o poder totalitário, constituindo-se, portanto, num empecilho para o avanço em direção a uma sociedade democrática, simplesmente democrática (sem adjetivos). (GADOTTI, 2005, p. 62)

GADOTTI (2005) também aponta para a necessidade de uma educação que tenha como função social a conscientização dos alunos:

No plano social, é ato pedagógico desvelar as contradições existentes, evidenciá-las com visas à sua superação. O educador, nesse sentido, não é o que cria as contradições e os conflitos. Ele apenas os revela, isto é, tira os homens da inconsciência. Educar passa a ser essencialmente conscientizar. Conscientizar sobre o nada. Não. Sobre a realidade social e individual do educando. Formar a consciência crítica de si e da sociedade. (GADOTTI, 2005, p. 70)

6.3.1 A turma 08A

A turma 08A tem 29 alunos matriculados, a freqüência média nas aulas observadas era de 27 alunos, esses são considerados pelos professores, pela direção e pedagogas e até por eles mesmos, os melhores alunos do último ano do ensino fundamental. Eles até aparentam ter um nível social melhor do que a turma 08C, mas, até onde eu pesquisei, nenhuma informação confirma isso. As diferenças econômicas e sociais são pequenas se comparadas com as diferenças que existem entre eles no interior da escola. A turma 08B é intermediária, ou seja, alunos com o perfil da turma 08A e alunos com o perfil da turma 08C. Isso na classificação feita na escola, classificação que fica evidente na própria fala dos alunos que, na turma A têm uma auto-estima elevada se comparados com as outras duas turmas. Nas entrevistas com os professores, todos parecem concordar que a turma 08A é mesmo a melhor das três. São alunos que têm mais facilidade de aprendizado, capacidade de concentração, são considerados alunos críticos, participam das aulas, fazem perguntas, fazem as atividades extra-classe, são mais estudiosos e preocupados com as notas, os pais freqüentam a escola a fim de acompanhar os estudos dos filhos. Na reunião pedagógica, os professores avaliaram que a turma é boa, mas conversa muito, brincam, não prestam atenção nas aulas, que alguns alunos não tinham compromisso com os estudos, 163

outros com dificuldades de aprendizado e precisavam melhorar, a escola deveria chamar os pais para conversar com as pedagogas. Aliás, sempre que se apontava um problema com algum aluno, a solução mais apontada era sempre a de chamar os pais, os pais deveriam se responsabilizar junto aos alunos pelo mau comportamento ou mau rendimento escolar dos alunos. O professor Renato, considerado um professor que explica bem a matéria, querido pelos alunos, avalia a turma 08A da seguinte forma: “essa é uma turma com muita energia né, a maioria, porque tem alguns que não, mas a maioria esforça, tem energia e transmite essa energia para o conteúdo, além de transmitir essa energia para outras coisas, como um pouco de indisciplina, bagunça, também a relação de um aluno com o outro, que é um pouco agressiva, então é uma turma mais agitada, por eu ter dado aula nas oitavas nos anos passados essa não é uma turma das melhores, mas é uma turma que investe”. A professora Flávia também muito querida pelos alunos diz: “a turma 08A, indiscutivelmente é a melhor, extremamente agitada, fala de mais, eu acho que eles desperdiçam muito esse potencial que eles tem por causa dessa conversa, de algumas picuinhas, por brigas entre si, o relacionamento entre eles às vezes é muito agressivo, então às vezes você tem que interceder, mas eles tem um potencial enorme, muito grande mesmo”. Com a professora Roberta, a turma 08A teve alguns problemas no início, que já foram superados. Segundo a mesma, “com a 08A no início do ano eu tive muito problema, eles são imaturos, mas a gente sentou muito, conversou muito, discutiu, tinha dia que eu não dava aula porque eu tirava o dia, aquele horário para sentar com eles olha não está bom, não é assim, não esta rendendo, eles são capazes, é uma turma muito capaz mais muito imatura e agora eu vejo que no final do semestre eles amadureceram, melhorou demais, as minhas aulas melhoraram muito, o nosso relacionamento melhorou muito, é a turma que eu mais gosto de levar. Para o professor Júlio essa é uma turma boa mas que conversam muito em sala: “difícil, a 08A é uma turma com maior facilidade de aprendizagem, conversam ao extremo, mas ultimamente tem ocorrido uma melhora de maneira que eu consiga até dar aulas”. As relações que foram se construindo entre os professores e as turmas do último ano do ensino fundamental dão-se de maneiras diferentes. Com a turma 08A, a disposição para ensinar parte da disposição observada pelos 164

professores que a turma tem para aprender, o que não ocorre com as outras duas turmas. Eles acreditam que essa turma tem um potencial maior para aprender, isso interfere na prática em sala de aula, pois os professores acreditam que podem exigir mais da turma 08A que os resultados por parte dos alunos, no período das avaliações serão melhores que as outras duas turmas. Isso de fato acontece, mas de uma forma muito tímida. Na demonstração dos conceitos, a turma 08A realmente foi melhor do que as turma 08B e 08C, mas o grande número de AD aparece em todas as turmas. A professora Marlene é uma professora exigente. Podemos considerar sua prática bem tradicional, ela faz uma avaliação da turma 08A, e, ao mesmo tempo, das outras turma 08B e 08C. Vejamos o que ela diz: “olha eu tive problema com a turma A que é assim com todo mundo, o que eu consegui com a 08A foi através dessa auto-avaliação eu mostrei para eles o resultado, tive uma conversa muito séria, eu chamei a atenção sério mesmo, eles nunca me viram daquele jeito, eles falam dessa forma, aí eu mostrei para eles, ó, esse é o resultado que vocês tiraram, é o que vocês vão colher no final do ano, aí eu falei mesmo, vocês são sérios candidatos a reprovar, vocês estão no final do ciclo, realmente é uma ameaça, eu faço uma ameaça sim, por exemplo eu sempre tô mostrando para eles a questão do resultado por eles estarem no final, é um feed-back, gente esse é o resultado, eu chamo a atenção, eu evito gritar, esse tipo de coisa, se eu estou numa sala depois do recreio, eu não deixo aluno entrar depois de mim, e tem outra coisa que eu faço, funciona mais nas 08A e 08B, na 08C não está funcionando não, por exemplo eu passo atividade de casa, e o aluno não fez dever eu dou bilhete para o pai ou a mãe ter conhecimento que ele não fez trazer assinado para mim e ele sai de sala e vai lá para a biblioteca fazer o exercício sozinho, eu fico na sala discutindo o exercício com os que fizeram, aí eu justifico para eles, não faz sentido você ficar aqui porque eu vou te pedir exercício que o pessoal tentou, que o pessoal tem dúvidas, tem dificuldades, você que não fez nada não faz sentido ficar na sala copiando, aí ele fica na biblioteca e tem que voltar, então isso na 08A e na 08B surtiu um efeito legal, porque a quantidade de alunos que deixaram de fazer diminuiu drasticamente, agora na 08C não adiantou nada, já parei de mandar bilhete na 08C porque ficava a aula inteira escrevendo vinte e sete bilhetes (total de alunos da turma) é assim”. 165

Embora sejam considerados bons alunos, os resultados do primeiro trimestre de 2007 como já vimos no capítulo anterior não foram bons, nem mesmo para a turma 08A, para a maioria dos alunos, o conceito que prevaleceu em seus boletins foi mesmo o B, que foi o campeão em cinco disciplinas, seguido pelo conceito O em três disciplinas, embora o conceito AD tenha superado o conceito O em quatro disciplinas, lembrando que em ciências e história, apenas um aluno alcançou o conceito O. Esses resultados mostram que, embora a turma 08A seja considerada a melhor das três turmas, as dificuldades de aprendizado ficaram evidentes no final da etapa, pois, de uma maneira geral, os conceitos não foram muito bons. Em todos os depoimentos dos professores, vi que o foco da avaliação é a nota, o aprendizado do conteúdo, da matéria trabalhada no período, todos os aspectos avaliados pelos professores dizem respeito muito mais a uma escola tradicional do que o ciclo de formação humana. Os alunos que fazem bagunça, não prestam atenção na aula, conversam durante as explicações, não conseguem uma boa nota nas provas, e, com isso, podem ser retidos no final do ano. O aprendizado aqui é entendido apenas como assimilação de conteúdos. Ao avaliar apenas o cognitivo, os professores deixam de considerar outros aspectos importantes da avaliação que estão inclusos no boletim de desempenho escolar, como: a socialização, a solidariedade, o lúdico, a democracia, etc. Nessa primeira turma, foram entrevistados dois alunos, que aqui chamarei de Adalberto e Carina. Nessas conversas, procurei ouvi-los acerca das experiências da vida escolar de cada um deles. Adalberto nasceu em 1993, é natural de Contagem – MG, mora no bairro Taquaril, onde a escola está localizada, ele estuda na Escola Capela Nova, desde 2005, ele afirma que gosta de ler, mas no período de março de 2006 até junho de 2007, Adalberto pegou sete livros na biblioteca da escola. Seu pai é metalúrgico e cursou até a 8ª série, e sua mãe é dona de casa e cursou até a 7ª série. Carina nasceu em 1992, é natural de Belo Horizonte – MG, mora no mesmo bairro que Adalberto. Ela estuda na Escola Capela Nova desde 2000, e parece mesmo gostar de ler, pois, de março de 2006 até junho de 2007, Carina pegou 23 livros na biblioteca da escola. Seu pai é abastecedor de produção e cursou até a 8ª série, e sua mãe é cabeleireira e cursou até a 6ª série. 166

Conversei primeiro com Adalberto, que se sentiu muito à vontade para se manifestar. Perguntei a ele como avalia o ensino na escola, e ele diz: “acho que a escola é boa, que não é tão bom por causa das paralisações, semana de jogos igual tá tendo, acho que isso atrapalha mais o ensino, sempre a aula de inglês, toda quinta-feira ou quarta-feira tá tendo jogos e aí a gente perdeu bastante aula de inglês, aula de inglês a gente não tá tendo, a gente tem uma ou duas vezes por mês por causa dos jogos, agora que acabou que a gente vai pegar tudo o que a gente perdeu no trimestre passado aí. Acho bastante importante mesmo a gente estudar para formar e ser alguém na vida, até para essas pessoas gari aí que fica trabalhando no caminhão de lixo tá precisando de estudo, todo mundo tá pedindo segundo grau, aí se não estudar não terá um bom salário, fica aí na rua vagabundando e pedindo esmola, eu falo assim, é uma ajuda pra sua vida”. Adalberto comenta a importância do provão (simulado) aplicado pela escola: “quando passar para outra escola já tá sabendo mais, igual vai ter o simulado aí agora, isso aí já tá fazendo a gente saber como é que vai ser as provas do vestibular como vai ser os negócios todos, isso aí está ajudando bastante no aprendizado. São quatro a cinco questões por matéria, são marcado no gabarito, o gabarito é entregue e você fica com a prova, no final da aula eles pregam o gabarito com as respostas já pronta de cada turma na parede a gente vai marcando o que a gente acertou e a que errou e a nota que foi dada no simulado vai para o boletim”. O aluno parece concordar com a relação de poder estabelecida na escola. Para ele, os alunos precisam estudar mais para serem alguém na vida, ele gosta mais do sistema de notas do que do de conceitos. Quando perguntei a ele porque foi mal em algumas disciplinas, ele se culpou dizendo que foi por que brincou muito e não estudou como deveria. Perguntei também o que os professores fazem para manter a disciplina na sala de aula, e ele respondeu: “uai, sempre conversam, conversam com a gente, quando a sala mesmo extrapola do normal aí que ela apela para a direção, manda chamar os pais pra ver se dá um jeito, outras coisas assim não atrapalha tanto assim não”. Na entrevista com a aluna Carina, perguntei se ela gosta da escola que estuda: “é bom, mas tem vezes que é meio fraco, porque eu conheço várias pessoas que estudam em outras escolas da mesma idade que eu, aí eu vejo, a 167

gente olha o caderno o que está estudando e aqui está bem atrás de outras escolas, mais pouca coisa”. O que Carina parece avaliar é o conteúdo, o que ela comparou o seu caderno com suas colegas que estudam em outras escolas. “Você gosta do sistema de ciclos que tem na escola?” “Gosto, mas eu preferia quando era série. Por quê? Por que confunde muito esse trem de ciclo, eu tô no quarto ano do quarto ciclo entendeu. Então você prefere nota a conceito? Prefiro. Por quê? Porque o conceito tem que fazer porcentagem, então no meu caso quando eu tiro nota é boa, só que em números, quando vai fazer a porcentagem é menos entendeu, dá menos então eu prefiro números”. “Como funciona o conceito aqui na escola?” “O conceito aqui é o seguinte: eles corrigem e aí dá um valor pra cada atividade né, na prova de inglês, vamos supor, tem 5 questões, aí a primeira vale 2, a segunda vale 3, entendeu, mais ou menos assim. Uma prova de 10 pontos, como que se divide? Aqui na escola é o seguinte, eles fazem, depende da atividade, pra eles dar um número maior de pontos, aí depois eles pegam uma prova de 10 eu levei 8 eles fazem a porcentagem de 100%, só que eu não sei o que acontece que não fica a mesma coisa, entendeu. Eu acho melhor nota”. O sistema de ciclo de formação humana, adotado por toda a rede municipal de Betim, na Escola Capela Nova parece confundir os alunos, fazendo que eles não estejam entendendo como funciona, não conhecendo seus objetivos, também não gostem do sistema. Tanto Carina quanto Adalberto preferem o sistema de notas a conceitos, eles acreditam que saem perdendo quando suas notas são transformadas em conceitos. Na prática, os alunos são avaliados o tempo todo com notas, apenas no final do trimestre elas são transformadas em conceitos, pois, na Escola Capela Nova, as avaliações valem nota, os trabalhos valem nota, os vistos no caderno valem nota, os alunos são avaliados de forma quantitativa o tempo todo, esses números são transformados em conceitos (O, B, AD) para o boletim de desempenho escolar no final de cada trimestre letivo. Na turma 08A também houve muitos alunos que ficaram com o conceito AD. “Como você, Carina avalia isso?” “Muito, por que a minha sala é uma sala muito agitada, ela é considerada uma turma boa por que esses dois últimos anos nós ficamos praticamente todo mundo junto, teve um desempenho maior que as outras turmas, só que a nossa sala é uma sala que não tem, sabe, 168

ninguém pra escutar as atividades, muito difícil todo mundo entender, todo mundo ficar calado pra entender, a sala é muito agitada. A culpa não é dos professores é nossa mesmo, entendeu. O que os professores fazem para manter a disciplina? Primeiro eles conversam com a gente né, conversam várias vezes, e depois, se não resolver, eles mandam chamar os pais, comunicam a direção, a direção chama o aluno, o aluno conversa com a pedagoga, depois em último caso eles chamam os pais, se não resolver. E quando uma turma vai mal a uma avaliação o que é feito para melhorar? Quando é a turma toda, igual a professora Marlene no início do ano, a prova dela foi péssima, todo mundo, ela fez o seguinte, ela mandou um bilhete para os pais, todos os pais assinaram a prova e assinaram o bilhete, ela corrigiu questão por questão com a gente e fez a gente fazer outra prova, outra atividade avaliativa bem dizer baseada nas mesmas questões que a primeira, aí todo mundo foi melhor nessa”. Carina é uma aluna preocupada com o seu futuro. Ela pretende estudar para ser alguém na vida: “olha eu espero estudar muito, até agora que tá dificultando mais né, eu acho assim, de vez em quando eu fico com preguiça eu acho meio chato, mas eu gosto de estudar, eu pretendo fazer um segundo grau numa escola boa, e depois fazer uma faculdade né, de medicina, alguma coisa parecida, uma educação física, mas não pra ser professora não”. “Não gosta não?” ”Não, quero fazer educação física só se for pra ter uma academia, pra ser professora de uma escola não”. “Você não gostaria de ser professora?” ”Não, eu acho que, eu fico olhando para os meus professores, eles sofrem querendo falar e ninguém deixa, eu não tenho paciência pra isso, eu não, nosso Deus, tenho paciência nenhuma”.

6.3.2 A turma 08B

A turma 08B tem 29 alunos matriculados. A freqüência média nas aulas observadas era de 25 alunos. Essa é uma turma considerada intermediária, alunos desinteressados, não fazem as atividades, alunos fracos. O professor Renato define a turma da seguinte forma: “Agora a 08B é uma turma mais apática, você vê que os alunos têm potencial, alguns têm potencial, mas não 169

têm aquela energia, não têm aquele interesse de querer avançar, de querer saber mais, prefere ficar mais quieto, então é muito apática né” . A professora Flávia, que é a madrinha da turma, comenta: “a turma 08B é uma turma que eu chamo de preguiçosa, ‘eu só vou pensar se me apertar’, mas que eles dão conta, eles dão conta ainda, inclusive é a turma que teve o pior rendimento apesar de ser melhor do que a 08C, eles relaxaram um pouco e eu chamei a atenção deles porque eu fui madrinha deles nas olimpíadas, nos PAN Americanos, eu acho que eles confundiram, ‘ela é nossa madrinha e vai nos dar nota boa’, e não foi o que aconteceu eu fui madrinha e a nota ficou ruim, então eu acho que eles não entenderam muito, a gente teve que sentar e conversar, o fato de eu ser madrinha, de gostar de vocês, de participar dos momentos na quadra não quer dizer que eu vá protegê-los”. Nessa turma, foram entrevistados dois alunos, que aqui chamarei de Ricardo e Luciana. Nessas conversas, procurei ouvi-los acerca das experiências da vida escolar de cada um deles. Ricardo nasceu em 1993, é natural de Belo Horizonte – MG, mora no bairro Bom Retiro, próximo da escola, ele estuda na Escola Capela Nova desde 2000. Ele demonstra não gostar muito de ler; de março de 2006 até junho de 2007, Ricardo pegou três livros na biblioteca da escola. Seu pai é funcionário público e cursou até a 8ª série, e sua mãe é professora, ele é considerado um aluno “problema” pelos professores, não faz dever e conversa muito em sala. Luciana nasceu em 1993, é natural de Contagem – MG, mora no mesmo bairro que Ricardo, ela estuda na Escola Capela Nova desde 2000. É considerada uma boa aluna; de março de 2006 até junho de 2007, Luciana pegou oito livros na biblioteca da escola. Seu pai é encanador industrial e cursou até o segundo grau; sua mãe é doméstica e cursou até a 4ª série. O aluno Ricardo interessou-se por esta pesquisa desde a primeira observação que fiz com sua turma em sala. Durante os quatro meses da minha presença na escola, ele buscava informação sobre o andamento da pesquisa com a sua turma. Na entrevista, manteve-se muito à vontade e respondeu as nossas perguntas prontamente e com muita espontaneidade. Ele começa falando do que acha da escola que estuda: “a escola é boa, o problema é os professores, eles enchem o saco pra caramba, fica no pé do aluno mesmo, eles não tem dó não, é perigoso, dá medo, a escola é boa, o ensino é bom, só que 170

se o professor marca você, não tem jeito mais não, fica marcado”. Ricardo parece um aluno que tem problemas com alguns professores, pergunto a ele como é o seu comportamento em sala, ele responde: “eu fiquei brincando muito, eu fiz muita bagunça na sala, assim quando passavam atividade na sala eu fazia, só que o dever eu não fazia não, eu esquecia mesmo. Pergunto se as atividades avaliativas tem notas, e como ele se saiu: as provas tem, quer vê teve uma prova, de três que eu fiz eu peguei média em uma, eu acho que a de português, de história e de inglês e a de ciências eu não fiz, nem na aula eu não vim. Você gosta do sistema de ciclo na escola? Gosto, eu só não gosto daquele negócio tipo assim, de sexta a oitava não da bomba, da bomba só na oitava, o aluno fica muito manso, fica muito manso mesmo aí quando chega à oitava ele quer estudar, eu acho que isso é errado”. Pergunto ao aluno como que funciona o processo de recuperação das aulas, dos conteúdos? “Eles ensinam né, só que falta interesse dos alunos também, de todos os alunos, não tem nenhum que, eu mesmo já precisei de ajuda, mas os alunos não gostam de estudar não, ninguém gosta de estudar e isso vacaia muito né, o professor quer ensinar só que na hora todo mundo começa a brincar e se um começar todo mundo brinca né, aí falta interesse de estudar, e aí por isso que a gente fica com dúvida nas coisas e acaba ficando com vergonha de perguntar ao professor, aí depois quando você vê que tá mal mesmo se pede ao professor aí eles vão lá e ajudam, tanto que tem vez que o professor fica chato demais, tanto que tem uns que pedir ajuda pra eles é osso, igual aquele Júlio mesmo eu não gosto daquele cara não. Por quê? A não, o cara é chato demais, ele virou para nós outro dia e disse assim, o negócio é o seguinte eu vim aqui pra dar aula não quero ser amigo de ninguém não, falou desse jeito na sala, vacaia a gente né, falou pra turma toda, todo mundo, aí a gente fica chateado né. Aí a gente nem faz pergunta para o professor, depois os professores dão essas tiradas boba na gente”. “Isso prejudica então o relacionamento entre professor e aluno?” “Prejudica”. ”Como que ficou a relação da turma com o professor depois disso?” “A foi tipo assim né, uns faz atividade dele porque tá precisando de nota mesmo né, só que tem gente que não faz nada na aula dele, porque o cara é muito chato, ele zoa todo mundo, ele coloca apelido nos outros né, aí vai colocar apelido nele, ele acha ruim, aí a gente toma 171

antipatia dele, aí não faz nada depois não, nem melhorar com ele não melhora, aí fica ruim na matéria dele”. Ricardo é um aluno que gosta de dar suas opiniões, pergunto a ele como os professores fazem para manter a disciplina em sala e ele responde: “Quem mais consegue é a Marta, a mulher é brava demais nossa, ela briga demais, a gente fica com medo só, ela gosta de botar medo na gente mesmo porque ela faz uma cara de mau véio, ela transforma na hora, ela muda a cara toda, numa hora ela tá boazinha e acontece alguma coisinha a mulher dá um surto nela que ela vira outra pessoa, aí a gente fica com medo dela assim e fica quieto. Quer ver quem mais, o Renato não, ele conversa na maior moral e os meninos ficam calados né, porque ele é o seguinte, quanto mais o professor xinga mais os alunos faz bagunça, o Renato fala ‘vocês querem fazer bagunça então faz mais depois não reclama que não passou de ano não’, aí os meninos ficam quietos na aula dele, ele é o único também que consegue, o Júlio também não consegue, a Flávia consegue mais ou menos, porque ela conversa com a gente, a Marlene mais ou menos, ele é o seguinte, ela explica direitinho, mas se ela cismar com você assim, nossa você tem que andar na rédea curta com ela”. Ricardo também comenta os motivos dos resultados ruins da sua turma no primeiro trimestre de 2007 em uma das disciplinas: “o que mais conta é o dever, ela tá mandando até bilhete agora para os pais, o bilhete vem com a parte em branco para escrever o que o aluno fez, se tiver desrespeitado ela, se não tiver feito o dever, não levou o caderno, fez bagunça e o pai tinha que assinar e trazer para a escola, e depois de três deveres que não tiver assinado, aí os pais tinham que vir na escola, aí se não melhorasse tomava suspensão porque não tinha feito o dever e não trouxe o caderno”. Ricardo é um aluno muito crítico com relação à escola, os professores, mas também soube avaliar seu próprio desempenho nas disciplinas. Seus comentários reforçam a idéia que os professores mais próximos dos alunos, que criam uma relação de afeto, aqueles que conquistam os alunos também despertam neles um interesse maior por sua disciplina, isso me pareceu bem claro nas respostas de Ricardo. Já o professor mais distante dos alunos, aquele que não estabelece um diálogo, cria também uma distância entre o seu conteúdo e o interesse dos alunos. A empatia ou a antipatia que os alunos criam com relação aos professores estão relacionadas ao tipo de relação que o 172

professor estabelece em sala com os alunos. Ao estabelecer uma relação de diálogo com os alunos, o professor conquista o mesmo para aprender sua disciplina. Luciana, aluna da mesma turma que Ricardo, é mais contida nas palavras. Ela diz que gosta da escola, de estudar, mas ela gosta das disciplinas em que os professores são amigos dos alunos: “Tem sim, a professora Flávia e a professora Roberta, por que elas conversam com a gente, alem de dar a aula, de falar com a gente o que é certo e o que é errado eles ainda conversam com a gente, brincam com a gente, tem um relacionamento como se fossem amigos da gente mesmo”. Pergunto se tem algum professor que a turma tem mais dificuldades, e ela diz: ”Acho que sim, o professor Júlio, acho que os meninos não se interessam pelas aulas dele, acho que é isso. Por que você acha que tem mais dificuldades nessa disciplina? Por que nas aulas o professor xinga muito na sala sabe, fala que vocês não estudam, e muita gente tirou nota baixa na disciplina dele, nas provas muita gente tirou nota baixa”. Pergunto o que os seus professores fazem para manter a disciplina em sala, ela diz: “ah, eles conversam com a gente, olha isso vai valer ponto, aí quem não tem muito interesse passa a fazer as coisas por que os professores falam que vai valer ponto. A gente vamos fazer isso por que vai dar isso pra vocês, um dia vocês podem precisar disso que eu estou passando. Como vocês são avaliados pelos professores? Tem alguns professores que dão ponto de 0 a 10 e outros de 0 a 20 e outros dão o O, B, AD, cada um faz de um jeito, mas quando chega lá na hora eles todos põe o O, B, AD . Você prefere a nota ou o conceito? Acho que eu prefiro o conceito. Por quê? Por que na nota você fica, acho que tirei tanto, dá muita preocupação, já no conceito não, no conceito é mais tranqüilo. Você acha que aprende melhor no sistema de conceito? Por que eu acho que a nota pressiona muito as pessoas, nossa eu preciso tirar nota, nota, nota, e aí vai ficando muito nervosa na hora da prova e acaba tirando nota baixa de tanto ficar pensando, preciso de tanto... e agora no conceito não, você tirou tanto fica por isso”.

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6.3.3 A turma 08C

A terceira turma pesquisada foi a 08C. Nela, estão matriculados 28 alunos. A freqüência média nas aulas observadas era de 22 alunos. Essa é uma turma considerada fraca, nas palavras de uma professora, em uma das reuniões, essa é uma turma homogênea negativa. Em abril, ouvi professores afirmando que nessa turma tinha alunos sem condições de serem aprovados, e deveriam ser retidos. Como já constatei, não percebi um nível social e econômico diferente entre os alunos das três turmas, mas aparentemente essa é uma turma bem diferente das duas turmas anteriores. Os sete professores entrevistados são unânimes em apontar as dificuldades de aprendizado da turma 08C. A professora Marta fala da defasagem de aprendizado da turma: “a turma 08C tem uma defasagem antiga, como eu trabalhei com eles a partir desse ano, tem só teoricamente quatro meses eu percebi que a defasagem deles é lá de trás, eles têm uma defasagem muito antiga de ler, interpretar e fazer as quatro operações, eles não dão conta. Agora o porquê eu acho que um ponto é isso, eles foram turma de ciclo, então devia ter aproveitado essa época deles lá atrás e fazer turma de flexibilização, não fazer uma turma do jeito que tá, todo mundo é fraco, aí um incentiva o outro, mas não tem incentivo, todo mundo é fraco mesmo então nós vamos só até aqui, aqueles meninos só rendem isso, aí você não passa disso com eles, eles tem uma defasagem de aprendizado muito grande, o Lucas por exemplo foi meu aluno no ano passado, ele já tem mais capacidade, ele desenvolveu muito do ano passado para cá, ele precisava dessa paradinha, no ano passado ele parou, ele foi retido, e esse não ele tá aqui de novo, esse ano o Lucas é outro, ele já fala mais, ele já argumenta mais, ele já consegue fazer uma redação, então eu vejo que aquela turma tem uma defasagem muito grande de aprendizagem, eles não conseguem, são muito espertos também, eles não fazem bagunça, eu não tenho problema de disciplina naquela turma, muito pelo contrário, o problema ali é que eles são apáticos de mais, eles tem dificuldades demais, todas as respostas são incoerentes”. Perguntei, então, à professora Marta, se é feita alguma coisa para diminuir essa defasagem de aprendizado da turma 08C: “Não é feito nada, olha 174

só nós tivemos uma reunião com o diretor tem aproximadamente dois meses, depois do conselho, hoje eu falei com o professor Júlio, o que nós vamos fazer com a turma 08C, nós fizemos as seguintes sugestões, reuniões de pais, colocar os alunos em formato de ‘U’ na sala de aula para ver se diminuía um pouco porque aí um ajudava o outro, pegar os alunos que realmente têm dificuldades para fazer APG, então nós anotamos tudo, tá tudo anotado, se você quiser copiar, você pode copiar, mas sabe o que a gente fez disso tudo, nada. Eu particularmente tenho um APG que é hoje, na segunda-feira, todas as segundas-feiras eu subi para substituir alguém que tinha faltado, então eu não fiz o APG, não fiz, eu Marta não fiz nada com eles, nós tentamos colocá-los em forma de ‘U’, no segundo dia já tinha voltado tudo ao normal, não deu certo porque eles acharam que não eram crianças mais, que daquele jeito a sala não ia dar certo, tava bagunçado, que eles não estavam acostumados, houve uma resistência tão grande que quando eu cheguei para dar a minha aula já estavam em fila indiana, eu perguntei por que, eles falaram que aquilo é bobeira, eles não deram conta e nós também não demos conta disso, eu só dei uma aula em U, quando eu cheguei à segunda que já tava em fila indiana, quer dizer a pessoa que chegou antes de mim, como eu, também não deu conta de conduzir aquele trabalho em U que seria um trabalho diferente, a Marlene até falou assim, nós poderíamos fazer uma entrevista com eles, ver o que eles desejam mais, nós não fizemos nada disso Jeovani, nada foi feito até agora, e hoje na hora do recreio eu falei, o Júlio nós tínhamos combinado tanta coisa e ele respondeu, é a gente tinha combinado mais a gente não realizou, eu fico tão triste com essas coisas, mas a gente não realizou nada, aí fica assim, cada um dá a sua aula, acaba o horário você sai, o outro não sabe o que você fez”. Não estou falando, aqui, de alunos que apareceram do nada, cheios de dificuldades de aprendizado, os alunos da turma 08C, na sua grande maioria, estudam na Escola Capela Nova desde o primeiro ano do ensino fundamental. Dos 28 alunos matriculados, 15 estudam na escola há oito anos, e 23 estão na escola desde a 5ª série. Isso me mostra que todo o histórico de dificuldades desses alunos foi vivenciado na mesma escola. Para Mirian, nada foi feito para diminuir as dificuldades da turma. Ela diz: “não, só no conselho de classe que nós decidimos trabalhar com eles em forma de ‘U’, até foi uma tentativa mais não deu certo, os professores não trabalharam, as intervenções que foram feitas 175

são os atendimento a pequenos grupos APG, alguns professores nos seus horários pegam um ou dois alunos e trabalham com eles, e aí tá a grande dificuldade porque com o coletivo nosso faltando, porque está um grande numero de faltas, aí nesse horário, acaba indo para a sala cobrir o colega, então todo o material que eu preparei para trabalhar com o aluno naquele dia vai por água abaixo, eu não posso trabalhar, aí eu espero na outra semana, aí na outra semana acontece a mesma cosia, aí eu não consigo, até acho que deve rever essa questão do APG porque não está funcionando, eu já cobrei muito isso do pedagógico, sempre eu falo, sempre eu coloco essa questão, mas nunca que dá tempo, sempre tem outros assunto, esse assunto não é discutido”. A professora Flávia trabalha com essa turma há três anos, e comenta: a turma 08C esse ano tá me surpreendendo porque sempre foi uma turma com dificuldade, faz três anos que eu trabalho com eles, como o inglês são dois professores, a minha proposta de trabalho é a seguinte, ir com eles até o final, se eu comecei com eles na quinta e eles passam para a sexta eu também vou dar aulas na sexta, quando eles passarem para a sétima eu vou para a sétima, isso quer dizer que eu vou ter um trabalho único, um processo de quatro anos, quinta, sexta, sétima e oitava, ou seja, terceiro e quarto ciclos, tá vendo a gente nem consegue falar ciclo ainda, a gente só fala seriação mesmo, então tem alunos que eu conheço há três anos, quando a gente senta para fazer um conselho de classe algum professor fala, aquele aluno é isso e isso, eu falo que é porque você não conheceu ele há três anos atrás, há três anos atrás ele era muito diferente e talvez no seu conceito muito pior, ele evoluiu sim, evoluiu como pessoa, ficou mais maduro, eu tô achando a turma 08C muito mais madura, brinca menos, fala de coisas mais sérias, a turma ainda não tem essa maturidade, mas eles estão preocupados com a oitava série que é o último ano, tem retenção então eles estão suando a camisa para recuperar esse tempo, essa dificuldade, eles são alunos que têm dificuldade”. A professora Roberta é a madrinha da turma 08C, e avalia a turma da seguinte forma: “a turma 08C é uma turma que tem muito problema, eles não acreditam em si, auto-estima muito baixa, você tem que estar o tempo todo junto, você tem que estar o tempo todo incentivando, eles precisam de incentivo o tempo todo para estudar, e eu sou madrinha de turma lá, então tudo o que acontece, eles dizem, ô professora, me ajuda, eu estou sempre à disposição 176

deles, mais é muito difícil lidar, quando o aluno chega ao ponto de achar que a nossa turma é a pior, a nossa turma não consegue, nós somos fracos, lá o lema deles é esse, nós não conseguimos, nós não vamos conseguir. No início do ano o coletivo dos professores fez um combinado de estar trabalhando mais individual e agora no finalzinho do semestre eles deram uma melhorada muito boa, que a gente conseguiu levantar a auto-estima com recadinhos, atividades, com excursões que nós fizemos com eles, com atividades diferentes que eu fiz em sala, atividade prática, trabalhei muito a questão da criatividade, da habilidade, que eles fizeram e viram que são capazes, que eles conseguem, então eles melhoraram muito”. A professora Marlene comenta sobre a reunião e os encaminhamentos acerca dos problemas da turma 08C: “teve um conselho de classe dessa turma entre os professores, aí eu propus fazer um trabalho diferenciado, os meninos sentarem diferente, ter um olhar diferenciado para essa turma, mas aí eu não sei se coincidiu, vou falar a verdade com você, coincidiu a campanha do sindicato, aquela redução de módulo, paralisação, aí ficou aquele poço entre a proposta que se tirou naquele dia, foi o diretor que anotou tudo o que a gente propôs para fazer com essa turma especificamente, aí teve esse momento e depois morreu, eu por exemplo propus que a turma sentasse em U para todos ficar se vendo porque é uma turma que tem menos alunos, aí algumas vezes eles sentaram, mas só eu cobrei, os outros não cobraram então não funcionou, aí tá vendo já caiu no esquecimento, então não tem sido feito nada, eu tenho APG lá, tenho três alunos lá de APG , mas como é uma vez por semana, não tem toda semana, ou tem jogos, excursão ou tem feriado nem isso de eu acompanhar não está funcionando, então não tem trabalho nenhum sendo feito com a 08C, não tem horário diferenciado com a turma, olha só tem provão, tem prova mensal, eles fazem as mesmas provas que as outras turmas sinal que não tem trabalho diferenciado”. Perguntei também ao professor Júlio, o que se faz para diminuir as dificuldades de aprendizado da turma 08C: “Bom, nós temos aqui na escola o atendimento a pequenos grupos, eu trabalho com quatro alunos no xadrez eu peguei alunos com mais dificuldades menos a Gessei e a Lucília e o Gabriel tem muitas dificuldades conseguiram aprender, de maneira que até comigo a relação melhorou bastante, agora no segundo semestre eu vou pegar quatro novos 177

alunos e farei questão de pegar aqueles que tem dificuldades de aprendizagem ou disciplinar, então o APG nesse sentido ajuda, no meu caso específico, inclusive tem outros atendimentos e outros alunos são retirados da turma, agora com a quantidade de paralisações, campeonato, etc. eu acho que o trabalho de uma maneira geral ficou prejudicado, e é um trabalho muito individualizado em pequenos grupos mesmo, dois, três e no máximo quatro por vez de cada sala. Eu acho que deveria acontecer um projeto um pouco mais diferenciado com essa turma, mas não há não, por exemplo você pegar realmente a questão de produção de texto, de correção ortográfica, cada professor tirar uma aula da sua matéria, por exemplo, e trabalhar com essa questão de produção de texto, com a interpretação de texto na sala, ajudaria bastante. Isso para a história é fácil né, trabalhar a interpretação de texto e leitura, só que a gente teve poucas aulas de flexibilização em função desses questões ditas, paralisações, campeonatos e tudo mais, as minhas aulas são justamente nas quintas e sextas-feiras depois do recreio aí complicou, não teve um projeto para a turma e deveria ter tido. Uma coisa que eu acho que, eu não sei por que eu não pequei a formação da turma, eu particularmente não sou muito favorável à enturmação que existe, esses alunos da 08C eles deveriam estar divididos, não deveria ser uma turma tão ruim como é a 08C em termos de aprendizagem não”. O professor Renato, que, em sua entrevista, defendeu a divisão das turmas por níveis de conhecimento (turmas homogêneas), comenta o que é feito com a turma 08C: “a gente tem aqui é a flexibilização, os APG, regência compartilhada ou atendimento a pequenos grupos, então alguns professores que têm esse atendimento trabalham com alunos particular, só que lá são muitos né, eu acho que não satisfaz, além da falta de muitos professores, então o APG fica muito comprometido por falta de professores na escola, eu te falo que não esta sendo muito bem aproveitado”. O que existe de comum na fala de todos os professores, e que fica evidenciado aqui, é que a turma 08C tem dificuldades de aprendizado, e nenhum projeto que possa diminuir suas dificuldades deu certo. Durante esta pesquisa na escola, não vi nenhum atendimento de professor com alunos dessa turma (APG), realmente as paralisações, o projeto PAN, a falta de professores são algumas das causas que não permitiram os atendimentos a pequenos grupos. Quais seriam os motivos que não permitiram que uma turma de 28 178

alunos que, na sua maioria, estudam na escola desde o primeiro ano do ensino fundamental, chegasse ao 8º ano sem os conhecimentos básicos para sua idade escolar? O pior disso tudo é que os alunos são os únicos penalizados, os fracassados, os excluídos, os reprovados. Nessa turma, foram entrevistados dois alunos, que aqui chamarei de Rafael e Laura. Nessas conversas, procurei ouvi-los acerca das experiências da vida escolar de cada um deles. Rafael nasceu em 1993, é natural de Contagem – MG, mora no bairro Bom Retiro, próximo da escola. Ele estuda na Escola Capela Nova desde o 2000. Demonstra ter uma resistência com a leitura, pois de março de 2006 até junho de 2007 Rafael não pegou nenhum livro na biblioteca da escola. Seu pai é pedreiro, e sua mãe é dona de casa. Ela cursou apenas a primeira série do ensino fundamental. Rafael é considerado pelos professores um aluno que apresenta muitas dificuldade de aprendizado. Laura nasceu em 1992, é natural de Esmeraldas – MG, mora no mesmo bairro que Rafael. Ela estuda na Escola Capela Nova desde 2005. Ela também parece não gostar de ler, pois, de março de 2006 até junho de 2007, Laura pegou três livros na biblioteca da escola. Seu pai é assessor de vereador, e cursou até a 8ª série, sua mãe é dona de casa e cursou até a 8ª série. Laura é considerada uma aluna rebelde e agressiva pelos professores. Conversei com o aluno Rafael, e perguntei a ele se gosta da escola, das aulas e dos professores: “A escola é boa, sempre gostei de estudar aqui, só que às vezes tem alguns problemas, mais isso não é motivo pra deixar de gostar da escola, a escola não é ruim, é boa”. Que tipo de problema você tem aqui na escola?” “Ah, os professores, assim, eles gostam que a gente respeita eles, só que às vezes vem tirando a gente, não respeitam a gente direito, não é todos, alguns professores que vem com ignorância, só que depois pedem desculpa, aí fica tudo bem. O motivo também é que na sala de aula eu não agüento ficar quieto assim não, eu gosto de brincar com todo mundo, aí quando eu brinco, o professor vem falando alguma coisa comigo, aí eu não gosto e começa a discussão, mas isso não é motivo pra não gostar da escola não”. “Você foi bem nas atividades do primeiro trimestre?” “Só três resultados que não foram muito bons. Em português no caderno eu faço tudo, mas as atividades eu não vou bem, na prova eu não estudo e não dei conta de fazer a prova, esse foi um dos motivos porque eu tirei nota ruim. Quando eles dão as coisas, na hora eu já 179

faço, às vezes tiro nota boa, às vezes não tiro nota muito boa. Por isso eu não estudo. História eu não gosto muito, e ciências eu não consigo entender nada, ela explica mas eu entendo mais ou menos, aí eu peço pra explicar de novo, só que na terceira vez eu tenho vergonha de pedir de novo, eu não sei se eu pedir eles vão xingar. Como os professores fazem para manter a disciplina em sala? Alguns mandam pra diretoria, eles avisam primeiro, se continuar do mesmo jeito, aí levam pra diretoria. Tem professor que chama lá fora e conversa com calma, não vem xingando, na ignorância, tem professor que grita em sala de aula, bate em cima da mesa. Aconteceu na aula do professor Júlio, tinha uma colega lendo e dois alunos conversando aí ele deu um tapa na mesa, aí todo mundo assustou na hora, tava todo mundo distraído com o texto. Aí ele gritou depois pediu desculpas. Esse foi um caso que aconteceu ontem. O professor Renato, todo horário dele, a gente o chama na carteira, ele explica a matéria pra gente sem reclamar, sem falar nada. É o professor, o que mais ajuda é ele, também tem a professora Marta que explica muito”. A aluna Laura, que também estuda na turma 08C, diz que gosta da escola, dos colegas de sala e dos professores, mas nem todos; tem alguns que ela não gosta porque eles brigam com a turma, vejamos o que ela diz: “meu relacionamento com a Marlene, porque ela veio falar um monte de coisas comigo e eu sou muito topetuda e aí eu não aceito, aí ela vem falar um monte de coisas e eu não aceito e a gente acaba brigando, toda aula dela a gente briga, aí eu não gosto dela não, dos outros professores eu gosto, com a turma também, ela é muito ignorante, a gente pergunta ela a explicação e ela não dá”. “Quais atividades você mais gosta de fazer?” “Eu gosto de português, porque a aula dela é diferente sabe e ela é muito boa pra dar aula, explica bastante aí é por isso que eu gosto mais de português, eu gosto também da professora, matemática também, o professor é meu primo, aí eu já gosto dele, mais ele explica muito bem a matéria. Só ciências e história que eu não gosto também não, é que as vezes ele estressa porque nós conversamos demais, mas ciência eu não gosto mesmo. “O que os professores fazem para manter a disciplina em sala?” ”Eles conversam bastante com a gente, pedem silencio, e se não resolver aí eles gritam, e se não resolver mandam para a diretoria, mas na maioria das vezes os professores são amigos eles chegam e conversam e a gente pega e ouve. Quando vocês vão mal em alguma atividade o que é feito para melhorar? 180

Eles mandam a gente corrigir a avaliação o que a gente errou a prova toda e aí o que a gente tiver mais dificuldade eles pede pra gente estudar e da outra avaliação e sempre na segunda a gente melhora, aí a gente já passou pela primeira, já corrigiu, já estudou de novo e acaba dando certo”. “Como vocês são avaliados nas disciplinas?” “Os trabalhos que eles dão vale 10 pontos, aí se você tirar menos de 5 aí você tira AD, aí se tirar mais tira B e aí se tirar quase o valor de 10 tira O, aí eles estimulam a quantia da nota, o ano, o semestre, aí o semestre vale 30 pontos, aí eles vão dando atividades, trabalhos, aí você tem que conseguir 30 pontos para ficar bem no semestre”. A turma 08C é considerada a mais fraca das três turmas, e isso é sentido pelos alunos. Eles se sentem inferiores, são tratados de forma diferenciada, o que dá a eles um tratamento inferior. Fica presente, tanto no depoimento de professores quanto no de alunos, que esses são ainda mais excluídos do processo de ensino/aprendizado do que os alunos das outras duas turmas. E essa exclusão aparece também na resistência deles com o conteúdo, com a escola e com os professores. São adolescentes que cursam o último ano do ensino fundamental, e parece que sempre ficaram à margem do conhecimento, da cultura, e, se nada for feito, ficarão também à margem da sociedade, de direitos fundamentais como a dignidade e a qualidade de vida, expressa por um bom emprego, um bom salário, bons conhecimentos. São pessoas que, além de excluídas serão exploradas pelo sistema capitalista. O que podem esperar esses alunos do futuro, que sonhos eles têm, que esperanças estão sendo construídas, que possibilidades a escola está oferecendo para eles? Torna-se urgente a problematização das relações entre os professores e os alunos, das três turmas, mas principalmente da turma 08C.

6.4 Uma alternativa possível

É bem visível que o aluno só aprende se quiser, se houver desejo para aprender, se o professor despertar no aluno esse desejo pelo saber. Mas é igualmente evidente que o professor só ensina se quiser, e, mais ainda, o que quiser e como quiser. O ciclo de formação humana é um modo de ensinar que 181

modifica a relação entre o professor e o aluno, a relação de poder é, antes de tudo, democrática, participativa, a sua implantação depende do poder público, mas a sua efetivação no interior da escola depende da vontade livre de gestores e professores e da aceitação por parte de pais e alunos. Não é possível gostar daquilo que não se conhece, daquilo que não se experimentou. Enquanto aluno, fui educado no sistema seriado, e o reproduzi como se fosse a única forma de levar os alunos a prestar a atenção na aula, a fazer as atividades, a estudar, como se fosse a única forma possível de levar o aluno a adquirir conhecimento. É igualmente importante lembrar que o querer ensinar do professor e o querer aprender do aluno dependem de fatores, como: ambiente geral da escola e condições apropriadas de trabalho. Os professores da Escola Municipal Capela Nova de Betim encontram dificuldades na implantação total do ciclo, talvez por medo de perder o controle sobre os alunos, por falta de compreensão do ciclo ou por falta de apoio administrativo. Por isso, concordam em parte com o ciclo. Esses problemas dificultam a construção de uma relação de poder dialógica, não autoritária, o conhecimento não chega até ao aluno através do desejo de aprender, ele continua vindo através da ameaça da reprovação. A função do aluno aqui é apenas de memorizar e repetir o que foi transmitido, os conteúdos não são problematizados, e, nesse sentido, o aluno não se apropria do conhecimento. Segundo FREIRE (2005),

O educador, que aliena a ignorância, se mantém em posições fixas, invariáveis. Será sempre o que sabe, enquanto os educandos serão sempre os que não sabem. A rigidez destas posições nega a educação e o conhecimento como processo de busca. (FREIRE, 2005, p. 67)

Podemos chamar de educação bancária toda aquela que se preocupa apenas em transmitir o conhecimento cognitivo aos seus alunos. Esse é importante como parte de um todo muito maior, sozinho, sem considerar outros aspectos do conhecimento a serem adquiridos, que transforma os alunos em vasilhas em que os professores enchem de conteúdos. A educação dialógica, ao contrário, vem do afeto, do respeito, da preocupação do educador com todas as dimensões do aprendizado dos alunos. Ela acontece quando os alunos se apropriam da cultura, através do conhecimento filosófico, político, social, religioso, da experiência democrática vivida na sala de aula com os colegas e 182

com o professor. Uma formação voltada para a cidadania compreende uma visão crítica da realidade por parte de todos os agentes envolvidos no processo ensino/aprendizado. Para Freire (2006b), uma educação bancária é contraditória, não liberta, oprime e aliena os cidadãos. Ao contrário, uma educação dialógica é libertadora, ela está a serviço de uma verdadeira democracia. Diz ele:

Pensávamos numa alfabetização direta e realmente ligada à democratização da cultura, que fosse uma introdução a esta democratização. Numa alfabetização que, por isso mesmo, tivesse no homem, não esse paciente do processo, cuja virtude única é ter mesmo paciência para suportar o abismo entre sua experiência existencial e o conteúdo que lhe oferecem para sua aprendizagem, mas o seu sujeito. Na verdade, somente com muita paciência é possível tolerar, após as durezas de um dia de trabalho ou de um dia sem “trabalho”, lições que falam de asa – “Pedro viu a Asa” – “A Asa é da Ave”. Lições que falam de Evas e de uvas a homens que às vezes conhecem poucas Evas e nunca comeram uvas. “Eva viu a uva”. Pensávamos numa alfabetização que fosse em si um ato de criação, capaz de desencadear outros atos criadores. Numa alfabetização em que o homem, porque não fosse seu paciente, seu objeto, desenvolvesse a impaciência, a vivacidade, característica dos estados de procura, de invenção e reivindicação. (FREIRE, 2006c, p. 112)

Assumir uma concepção de educação emancipadora deve considerar a relação dialógica entre os agentes envolvidos no processo ensino/aprendizado. Somente uma educação problematizadora e dialética é capaz de enfrentar as contradições e buscar alternativas para um modelo que deseja conservar a ideologia dominante. Assim, o aluno é capaz de se apropriar dos saberes necessários para se tornar um cidadão crítico capaz de transformar a realidade opressora na qual se vê inserido. Mas o descaso por uma educação pública e de qualidade parece tomar conta dos governantes brasileiros, nas três instâncias (federal, estadual e municipal), até os dias de hoje, a falta de infra- estrutura, de investimentos, de salários justos, de capacitação profissional, das condições adequadas para que o aluno se torne sujeito do seu próprio saber fazem parte da lista de impedimentos desde o Brasil Império até os dias de hoje. Como já demonstrei anteriormente, os alunos entrevistados estudam em uma rede de educação que adotou o modelo de ciclos de formação humana, mas a prática existente no interior da escola parece reproduzir um modelo seriado, onde os conteúdos são depositados nos alunos sem uma problematização da realidade vivida por eles. Os professores dizem que unem o 183

que existe de bom de cada modelo, seriação e ciclo, e adotam em suas metodologias de trabalho. Se existem mesmo elementos bons em ambos os modelos que devem se unir, os resultados não apareceram nos alunos pesquisados. O aproveitamento refletido nos conceitos dos alunos parece demonstrar o fracasso dessa suposta união. O grande número de alunos com o conceito AD (A Desejar) revela um fracasso que esses se vêem obrigados a assumir a responsabilidade sozinhos. Ao longo de toda a pesquisa, percebi a preocupação de alguns professores com os métodos utilizados no processo ensino/aprendizado, porém são convencidos por aqueles que não querem mudanças, que acreditam que o problema está na falta de interesse dos alunos. O controle ideológico sofrido pela educação, ao longo dos anos, vem formando, nas escolas públicas, cidadãos sem cultura própria, preparados apenas para se tornarem mão-de-obra barata para os donos dos meios de produção. A educação vê-se distante do seu papel, que é o de formar cidadãos emancipados, principalmente no meio das classes trabalhadoras onde é oferecida uma educação de qualidade inferior àquela oferecida às classes médias e altas, impedindo que os mais pobres possam concorrer em iguais condições no mercado de trabalho, na vida política, na distribuição da renda, no processo de decisão dos destinos do país. A educação pública e de qualidade, que visa a uma formação integral do educando (profissional, técnica, cognitiva, lúdica, ética, política, filosófica e emancipadora) é um desafio para educadores e educadoras que vêem na educação uma via para uma sociedade melhor e mais justa.

Se amanhã uma educação revolucionária for possível é apenas porque, hoje, no interior de uma educação conservadora e reacionária, os elementos de uma nova educação, de uma outra educação, libertadora, se formaram dentro de uma educação conservadora e reacionária. Essa mudança de espaço dominado para o espaço dominante não se fará nem espontaneamente, nem de um momento para outro; por isso, é necessária uma verdadeira pedagogia do conflito que evidencie as contradições em vez de camuflá-las, com paciência revolucionária, consciente do que historicamente é possível fazer, mas sem se omitir. O progresso não é o massacre das teorias e práticas precedentes, mas o resultado de um esforço comum. A educação sempre foi necessária. Viver é sempre tomar lugar num certo espaço. A educação é uma linguagem pela qual eu tomo assento neste lugar, ascendo a uma certa comunidade, a uma sociedade, onde não estou sozinho. Mas essa educação não pode caminhar, libertar-se do seu passado reacionário, a não ser na medida em que os educadores a ponham fundamentalmente em questão. Assim, o que 184

eu chamo de “a educação contra a educação” é essa tensão, esse conflito que deve ser mantido para que ela não se transforme, em nenhum sistema social, num mecanismo de opressão de classe. (GADOTTI, 2005, p. 64)

Meu desejo inicial era observar como se dão as relações de poder em uma escola de periferia que adota o sistema de ciclo de formação humana como prática pedagógica, mas, ao acompanhar a rotina da escola, percebi que a prática pedagógica dos professores em sala ainda está inserida em um modelo seriado e tradicional. As características do ciclo de formação humana aparecem apenas nas questões burocráticas; criticada pelos professores, como transformar notas em conceitos, não pode reprovar aluno. Isso aparece, inclusive, na avaliação dos professores entrevistados que afirmam que o ciclo, no seu início, era mais forte do que hoje, que existem falhas de ordem administrativa vindas da Secretaria Municipal de Educação, dos diretores e do pedagógico no acompanhamento do cotidiano escolar. Os educadores desejam oferecer uma educação de qualidade, planejam estratégias de recuperação dos alunos, mas as dificuldades, ao longo do ano letivo, vão impedindo esses projetos de se concretizarem, como eles mesmos demonstraram, as paralisações, as faltas dos colegas, a falta de motivação por parte de alguns, tudo isso impediu os professores de dar uma atenção maior para as dificuldades dos alunos, e, assim, eles não fizeram os atendimentos a pequenos grupos e essas, dentre outras dificuldades, resultaram no fracasso quase total dos alunos no primeiro trimestre de 2007. Durante toda a pesquisa realizada na Escola Capela Nova de Betim, encontrei sinais de uma educação bancária na prática cotidiana de professores e alunos. Os professores trabalham com conteúdos programados, sem considerar a realidade vivida pelos alunos, as atividades valem ponto, dando uma idéia de mérito para quem fizer bem feito, exigem uma disciplina que inibe a iniciativa e a participação dos alunos nas aulas, ameaçam os alunos constantemente de reprovação, e, por fim, culpam os alunos pelo próprio fracasso. Os alunos, por sua vez, embora sua trajetória escolar seja toda ciclada, são passivos e conformistas dentro do processo ensino aprendizado, acreditam mesmo que, se o professor não der nota, não der prova, o aluno não 185

estuda e não aprende, ele se considera responsável pelo fracasso nas disciplinas em que não foi bem. É preciso dar uma atenção especial para os resultados dos alunos no primeiro trimestre de 2007. Em disciplinas como ciências, apenas um aluno dos 86 alcançou o conceito “O”; em história, dois alunos; e, em português, seis alunos; enquanto na outra ponta da tabela os números são muito grandes, em ciências, 57 alunos ficaram com “AD”; em geografia, 44; e, em português, 36 alunos. Esses números devem me dizer alguma coisa, causar ao menos um incômodo, diante da dificuldade encontrada pelos alunos de apreender o conteúdo das disciplinas. Precisamos ao menos buscar as causas desse fracasso. Isso não pode ser encarado como uma fatalidade da realidade em que os alunos estão inseridos, pois seríamos preconceituosos em considerá-los menos capazes, por serem oriundos das classes populares. É preciso que educadores assumam o compromisso de emancipar esses alunos, de fazer com que eles aprendam o conteúdo, mas, além disso, oferecer uma educação que dê a eles a esperança necessária para melhorar sua condição de vida, de levá- los a uma consciência crítica diante do real, conduzindo a uma vida mais digna. Sem compreender o antagonismo presente nesse modelo educacional, sem a devida problematização, os conteúdos são apenas depósitos e os alunos recipiente vazios, desumanizados. Muitos desses alunos chegaram ao último ano do ensino fundamental sem compreender que, acima de preparar o aluno para o vestibular e para o mercado do trabalho, a principal função da escola era dar-lhe condições de se apropriar da cultura, de se tornar um cidadão crítico capaz de problematizar a realidade vivida. É preciso que ele tenha um acesso digno ao ensino superior e ao mercado de trabalho, é preciso que ele reconheça o seu lugar na sociedade na qual está inserido, e, assim, contribuir para a construção de uma sociedade menos desigual.

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7 CONCLUSÃO

A história das lutas pelos direitos sociais é mais recente do que a luta pelos direitos civis e políticos, e sua efetivação nasce da consciência livre dos indivíduos em se organizarem e lutarem por seus direitos. Nos últimos 100 anos, muito se discutiu sobre os direitos sociais e humanos, direitos imprescindíveis para a construção da cidadania. A essa luta, junta-se a busca pela institucionalização de uma educação pública e de qualidade. Na pauta dos debates, a preocupação em garantir esse direito subjetivo a todos os indivíduos, pois a educação é um pré-requisito para a construção da cidadania, e, conseqüentemente, de uma sociedade menos desigual. A história da educação no Brasil é marcada pela forte presença da Igreja que, desde o início da colonização, se fez presente para educar os índios e os africanos, segundo a cartilha dos europeus. Com o surgimento da indústria, era preciso treinar os trabalhadores, que antes produziam de forma artesanal, e agora precisavam aprender a produzir em série. Tornou-se necessário o surgimento de uma educação que atendesse essa demanda. O trabalhador precisava aprender as técnicas da produção em série. O acesso a uma educação de qualidade por séculos foi um privilégio das classes dominantes. A educação das classes trabalhadoras era vista pelas elites apenas como o treinamento de mão-de-obra para suas fábricas, comércio e grandes propriedades de terras. Não era necessária – nem desejável – uma conscientização das massas populares; essas precisavam ser obedientes e dedicadas às tarefas que lhes eram impostas. Hoje, em quase todos os países do mundo, existem leis garantindo escolarização a todas as crianças em idade escolar. Mas o reconhecimento desse direito e sua prática dá-se de maneira adversa em cada parte do mundo. Nos países mais pobres, a educação de qualidade ainda é um privilégio de poucos, contribuindo ainda mais para as desigualdades entre as classes sociais existentes nessas regiões. Parece-nos evidente que a existência de leis deve vir acompanhada pelo seu reconhecimento e com os meios para sua aplicação no seio da sociedade. A Constituição Federal de 1988 deu um grande passo para a universalização da educação no Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação 187

(LDB) de 1996 caminha na direção da garantia de uma escola pública e de qualidade para todas as crianças em idade escolar, gestão democrática das escolas e a valorização dos profissionais da educação. Mas a garantia desses direitos ainda esta distante das escolas públicas brasileiras, que refletem ainda o impacto secular da desigualdade e o desinteresse das classes dominantes em assegurá-los. A oferta de uma educação de qualidade acaba sendo destinada para as classes mais ricas, enquanto uma educação precária e de qualidade duvidosa fica voltada para as classes trabalhadoras. A herança da colonização, das ditaduras e de vários governos autoritários e subservientes às elites nacionais e internacionais, parece, ainda hoje, ecoar em nossas escolas. Assim, não podemos falar em cidadania, sem uma preocupação constante em diminuir as desigualdades sociais e aumentar o potencial cultural das classes trabalhadoras. O modelo educacional tradicional e seriado. É, ainda hoje, a prática mais comum nas escolas públicas brasileiras. Um modelo caracterizado pela reprodução dos conteúdos, pela classificação dos alunos em aqueles que sabem e aqueles que não sabem, uma escola que reprova o aluno e exclui os outros agentes do processo de avaliação. Em Minas Gerais, a Constituição Estadual de 1989 caminha na direção da União, dando mais espaço e abertura para a flexibilização dos modelos pedagógicos e possibilitando novas experiências. Em Betim – MG, um município industrial de apenas 70 anos de emancipação, mas com uma educação com características tradicionais, vem buscando novas alternativas metodológicas, desde 1993, quando um governo popular de esquerda assumiu a Prefeitura. Em 1998, após muitos debates com os educadores, são implantados os ciclos de formação humana no município. O novo modelo recebe o nome de “Escola Democrática”. Sua implantação foi ocorrendo gradativamente até 2004, data de sua instituição definitiva para todo o ensino fundamental em todas as escolas da rede municipal de ensino. A Escola Municipal Capela Nova de Betim, localizada na periferia do município, atende os alunos oriundos das classes trabalhadoras desde 1995, e adotou o modelo de ciclos logo na sua implantação, pela rede municipal em 1998. Essa possui um prédio novo e em boas condições para atender a comunidade. Ali realizei um estudo de caso com as três turmas do último ano do 188

ensino fundamental, juntamente com seus oito professores no turno da manhã. Meu objetivo era observar as relações de poder existentes entre professores e alunos na prática escolar cotidiana a partir do novo modelo educacional implantado pela rede municipal e pela própria escola. Entendendo o poder como a capacidade que um ser humano tem de agir sobre outros seres, de determinar a ação de outros seres, o poder é, portanto, uma relação entre aquele que decide e o outro que executa. O professor tem o poder sobre seus alunos; ele determina, faz escolhas que podem contribuir para a formação dos seus alunos. Ele pode exercer seu poder por meio da coerção, impondo suas escolhas aos alunos sem que estes participem do processo, sendo apenas agentes passivos na reprodução dos conhecimentos. O professor pode exercer seu poder por meio da manipulação dos seus alunos, impondo, de maneira camuflada, sem que eles percebam suas reais intenções. E o professor pode, ainda, exercer seu poder por meio da persuasão, conquistando os alunos para que esses desejem e sintam prazer em se relacionar com o conteúdo lecionado. Sem despertar nos alunos o desejo pelo saber, o professor consegue apenas que estes decorem os conteúdos para tirar boas notas nas provas, sem que haja uma relação dialógica entre professores e alunos, conteúdo e aprendizado. Uma escola autoritária, seriada, que se preocupa apenas com o cognitivo, que exerce seu poder a fim de disciplinar os alunos a regras pouco emancipatórias, não cumpre sua função principal que é a transmissão da cultura através dos conhecimentos acumulados históricamente. Um professor tradicional e autoritário disciplina seus alunos para reproduzirem idéias prontas, educa-os para a submissão e para o conformismo. As classes dominantes utilizam-se do poder econômico para propagar uma cultura que serve aos seus interesses, a cultura do silêncio, da exploração, da disciplina, a cultura de trabalhadores submissos e conformados com a realidade, ela não permite manifestações culturais que possam ameaçar seus interesses. Dizem que é necessária sua cultura hegemônica para a pacificação da sociedade. O currículo presente nas escolas públicas brasileiras, muitas vezes, reproduzem essa cultura do silêncio que cala o desejo de emancipação dos alunos. Esses que estudam sem prazer tornam-se, mais tarde, mão-de-obra 189

barata nas mãos dos meios de produção, e trabalham a vida inteira apenas para sobreviver. Outro caso, também possível, dá-se quando o professor usa seu poder para persuadir seus alunos a fim de conscientizá-los, de torná-los cidadãos críticos diante da realidade social em que estão inseridos. Os homens fazem história produzindo cultura, apropriando-se dela e transformando-a quando necessário. A cultura é o resultado das relações dos indivíduos em sociedade. A educação, como apropriação da cultura, é condição fundamental para a construção da cidadania. O reconhecimento de que todos temos o direito de participar da construção da história, através da manifestação cultural, é condição importante para que a cultura não se torne propriedade de alguns em detrimento da maioria dos indivíduos. Quando isso ocorre, o resultado é sempre a dominação, a exploração de uns sobre os outros. Uma educação humanizadora reconhece os alunos como portadores de cultura, considera sua história e parte dela para a problematização do mundo real. Um professor humanizador parte da práxis libertadora capaz de contribuir para a formação crítica de seus alunos. O currículo escolar aplicado nas escolas, no interior da sala de aula precisa se aproximar da realidade dos alunos, em cada bairro, em cada município, em cada estado do Brasil. Se essa aproximação não ocorre, se os professores não consideram em seus currículos a história vivida pela comunidade onde estão inseridos, ele deixa de cumprir seu dever de educador, e seus alunos não se apropriam da cultura. Uma educação comprometida com a emancipação de seus alunos não é autoritária, não faz da escola um funil para o mercado de trabalho, sem considerar suas necessidades individuais e sociais. Ela é comprometida com uma práxis capaz de conscientizar seus alunos, e, fazendo isso, ela não só educa, mas dá poderes aos alunos, poderes de busca de transformação da realidade, de apropriação da cultura. Essa escola constrói seu currículo partindo da realidade social em que está inserida, considera os problemas vividos pelos alunos. Aqui, ele não está a serviço de uma realidade dada, hegemônica e excludente; ele está a serviço da formação de cidadãos conscientes de seu papel social e político. 190

A realidade das escolas públicas brasileiras mostra que, historicamente, o currículo vem cumprindo uma função de controle social, de dominação por parte das elites sobre a grande massa de trabalhadores. O acesso de todas as crianças à escola é uma conquista recente em nosso país, mas isso não garante que essas crianças tenham uma educação de qualidade, entendida como apropriação da cultura, e não reprodutora de conceitos e fórmulas. O modelo seriado é caracterizado pela fragmentação dos conteúdos, pela disciplina, pela seletividade, pela recompensa. O aluno não é sujeito do processo de ensino/ aprendizado. Esse modelo tende a preparar o aluno para a produção em série, para o vestibular, para o mercado de trabalho, não considerando sua dimensão humana, social e cultural. A escola, ao preparar seu currículo baseado em um modelo educacional reprodutivista, não forma cidadãos, forma peças para o mercado. Uma educação humanista prepara os alunos para a vida, para o exercício da cidadania, para a conscientização da realidade vivida. É isso que, historicamente, a educação brasileira não ofereceu a nossos alunos. Assim, era mais fácil manter o poder de uma cultura hegemônica e dominar as classes trabalhadoras. Mas muitos segmentos de nossa sociedade não ficaram indiferentes a essa situação e ao modelo excludente de educação praticado em nossas escolas. Muitos foram os educadores e críticos da educação que escreveram e lutaram para que a escola enxergasse no aluno não apenas um agente passivo, mas um sujeito ativo do processo de ensino/aprendizado. Como demonstrei acima, a Constituição Federal de 1988 e a LDB de 1996 muito contribuíram para a flexibilização dos modelos educacionais, com a renovação dos currículos, com a autonomia pedagógica das redes de ensino e das escolas. O modelo de ciclos de formação humana surge como uma esperança revolucionária capaz de possibilitar ao aluno que seja sujeito e não mais objeto passivo do processo de ensino aprendizado. Esse modelo é caracterizado pela flexibilização dos tempos escolares, respeitando as fases da vida do educando, considera as experiências vividas pelos alunos e parte delas para construir seu currículo. Ele acompanha os ciclos do desenvolvimento humano, o desenvolvimento coletivo não anula o individual, mas contribui para o desenvolvimento de todos. 191

Para o ciclo de formação humana, o indivíduo é compreendido na sua totalidade, em todas as dimensões do seu desenvolvimento, não apenas no cognitivo, no que possam produzir, mas principalmente no que possam vir a ser, no cidadão que possa ser formado. Os conteúdos abrem espaços para o cotidiano dos alunos. O debate democrático envolve a dignidade, a solidariedade, a cidadania, a política, a violência, o desemprego, as causas da pobreza, e todos os aspectos que envolvem o cotidiano escolar. Embora o modelo de ciclos seja uma opção, hoje, melhor e mais justa para os alunos das escolas públicas brasileiras, ele vem encontrando resistências para sua implantação e efetivação na prática em sala de aula. A grande justificativa, segundo vários autores pesquisadores e educadores é que, sem nota, o aluno não estuda. Se a atividade não vale ponto, o aluno pouco faz, sem a ameaça da reprovação o professor não consegue mais manter a disciplina e a atenção do aluno em suas aulas. Ou seja, o que prende o aluno em sala de aula não é o prazer pelo conhecimento, e, sim, acumular pontos suficientes e ir para a série seguinte. Nossos professores, educados num protótipo de modelo seriado enraizado no autoritarismo, encontram dificuldade para renovar. O modelo seriado está ancorado na cultura do nosso País, e mudar a cultura não é algo muito fácil, principalmente quando ela interessa àqueles que detêm o poder econômico. Estamos acostumados com um modelo reprodutivista, nosso planejamento de aulas segue as regras que me foram passadas. Desde os tempos de escola, fomos acostumados a preparar a aula, passar o conteúdo no quadro, ditar os exercícios, passar o dever de casa, dar visto no caderno, punir o aluno que conversa e atrapalha a aula, tirar pontos de quem não cumpre as tarefas, dar provas, avaliar os alunos, aprovar os bons e reprovar os ruins, essa vem sendo a lógica da educação brasileira há muitos anos, e mudar isso não parece uma tarefa fácil. O fracasso escolar não está apenas na quantidade de alunos reprovados a cada ano, na quantidade de alunos que saem das escolas, sem adquirir os conhecimentos necessários. O fracasso escolar está presente no grande número de professores que consideram esse fracasso apenas dos alunos, sem avaliar seus próprios métodos de ensino, sem aproximar o conteúdo da realidade desses alunos, sem despertar neles o desejo pelo saber. O fracasso 192

escolar está presente na falta de significado e de razão de ser de um modelo educacional que condena o aluno ao fracasso escolar, humano e profissional. A educação como prática da liberdade é, antes de tudo, dialógica. Nela, a avaliação é contínua e compreende todos os elementos e agentes do processo de ensino/aprendizado. Não existe um único culpado pelo fracasso e nem um único responsável pelo sucesso. O ato de educar é um ato político, e suas escolhas podem contribuir para a transformação da realidade ou para a manutenção da dominação de uns poucos sobre a maioria da população. Nossa prática em sala de aula não é neutra, ela pode caminhar na direção da conscientização de nossos alunos para a cidadania ou contribuir para a manutenção das desigualdades existentes entre as classes sociais. Podemos recriar a sociedade ou conservar a exploração econômica, pois, a formação da dignidade de cada aluno também passa pelas escolhas curriculares do estado, da escola e de cada professor. Esta pesquisa observou as relações de poder entre professores e alunos de uma escola pública de periferia, que adota como modelo educacional os ciclos de formação humana, considerando que, nesse modelo, o poder deve ser assumido de forma compartilhada entre ambos. Nesse sentido, orientei-me pelo método de Paulo Freire, sua pedagogia dialógica humanista. Oriundo de uma vida simples no nordeste brasileiro, encontrou dificuldades para realizar seus estudos, começou cedo a carreira de professor, sua história e experiências. Sua convivência com alunos em dificuldades de aprendizado ajudaram a construir seu método de ensino, era necessário falar a linguagem dos educandos, mas ainda era urgente dar-lhes a palavra, não apenas fazer comunicados, mas pronunciar a palavra viva da história social em que ambos vivem. A experiência de Angicos (RN), em 1962, onde, em 45 dias, 300 trabalhadores rurais foram alfabetizados, caracteriza o início de um novo conceito de alfabetização de jovens e adultos no Brasil. Seu método só não se espalhou por todo o Brasil porque, em 1964, os militares derrubaram a democracia e instalaram no País um regime autoritário. Paulo Freire foi expulso do País, acusado de subversão, no exterior ganha respeito e notoriedade, seu método de alfabetização é copiado em vários países dos quatro continentes. Paulo Freire é convidado para conferências, palestras, e até para lecionar por várias universidades espalhadas pelo mundo. Ficou 15 anos no exílio, e retornou ao Brasil no início da década de 193

80. Foi convidado a lecionar em universidades, foi Secretário de Educação do município de São Paulo, no governo da prefeita Luiza Erundina, publicou vários livros em diversos Países onde foi premiado e homenageado. O método Paulo Freire de alfabetização de jovens e adultos, enfim, ganhou espaço no seu País de origem. Ensinar partindo da realidade em que os educandos estão inseridos usando as experiências do cotidiano para conscientizar, e, assim, emancipar os alunos era o objetivo principal do seu método. Para ele a escola deve educar para a liberdade, para a problematização do real, os conteúdos não são escolhidos e transmitidos de forma mecânica, mas contextualizados, provocando uma mudança de comportamento em direção à transformação da realidade. A pedagogia dialógica torna-se uma ferramenta de conscientização, e, conseqüentemente, de emancipação das classes trabalhadoras. Ela substitui o método tradicional, caracterizado pela transmissão de conteúdos prontos que provoca a passividade nos alunos. Uma educação tradicional, que reproduz uma realidade desigual, é denominada por Paulo Freire de Educação Bancária, aquela na qual o professor transmite os conteúdos de forma mecânica, onde os alunos são considerados recipientes vazios onde os conteúdos e as fórmulas são depositados. Nesse processo, somente o professor é sujeito, aquele que tudo sabe, e o aluno é objeto, aquele que nada sabe. O professor deposita nos alunos as informações consideradas necessárias para sua memorização. A relação é autoritária, pois há ali uma imposição dos saberes determinados, fornecidos de cima para baixo, sem que o aluno compreenda sua razão de ser, sua relação com o mundo que o cerca. Nesse processo, não há explicitação das contradições; há uma espécie de conformismo diante da realidade. O aluno permanece na ingenuidade, sem ação, diante da condição social em que está inserido, ele permanece oprimido sem que a educação o conduza a uma práxis transformadora do real. O professor reduz sua atividade ao aspecto cognitivo apenas, sem inseri-lo ao universo do aluno. A educação torna-se apenas um ato de depositar, de transferir conteúdos, onde o professor é o depositante e os alunos os recipientes vazios a serem enchidos. Para Paulo Freire, a educação não é neutra, ou ela deposita conteúdos programados, tornando os alunos submissos e dóceis, sem consciência crítica, 194

ou ela é uma prática libertadora, uma ação cultural humanista e revolucionária, capaz de confrontar-se com as contradições presentes na sociedade, contribuindo para a sua transformação. Uma educação libertadora parte da história dos educandos, explicita seus antagonismos e constroem propostas para a emancipação dos explorados. Ela não está neutra, e, menos ainda, comprometida com a manutenção das desigualdades sociais, não está atrelada aos interesses do mercado, não manipula os alunos para torná-los uma massa trabalhadora e explorada pelos donos dos meios de produção. Uma educação dialógica exige um educador crítico, comprometido com a libertação de seus alunos; ele parte de uma realidade vivida em direção a uma realidade transformada, que exige um diálogo permanente entre educador e educando, na construção permanente de um currículo comprometido com a cidadania, com a dignidade de todos os indivíduos. Uma educação humanizadora está atenta às necessidades da comunidade na qual está inserida. As relações de poder entre professores e alunos precisam refletir uma educação como prática da liberdade, reconhecer os direitos dos alunos de se apropriarem da cultura. Ela precisa assumir uma postura político-pedagógica que está comprometida com a construção de uma sociedade mais justa e humana. Em uma sociedade desigual como a nossa, precisamos reconhecer o direito à educação, o direito de emancipação de todos os cidadãos, o direitos de os alunos se encantarem pelo saber, tornando o processo de ensino aprendizado ser uma coisa prazerosa. As reflexões propostas por Paulo Freire aos educadores convoca-me para o grande desafio de me comprometer com uma educação dialógica e libertadora. Para ele, educar é um gesto de amor, de compromisso com a emancipação de todos os seres humanos. A realidade brasileira mostra-nos que a sociedade está dividida em classes antagônicas, com interesses diferentes e que também se divergem, mas as elites sempre determinaram os rumos da economia, das relações de trabalho, da divisão da renda, dos métodos de ensino existentes em nossas escolas. Mesmo após a implantação da nova LDB que abriu caminho para novas perspectivas e métodos de ensino, como o ciclo de formação humana, o modelo tradicional, reprodutivista e precário continua predominando nas práticas escolares, continua sendo uma opção de nossos professores que não 195

reconheceram ainda no ciclo uma alternativa mais justa, principalmente com alunos das escolas públicas constantemente punidos pelo modelo seriado. A Escola Municipal Capela Nova de Betim vem implantando o modelo de ciclos há dez anos, e seus professores encontram muitas dificuldades para compreender e praticar esse novo modelo. Esta pesquisa permaneceu por quatro meses na escola, fazendo observações, freqüentando as aulas das três turmas do último ano do ensino fundamental, alternando entre as oito disciplinas. Conversei com a direção, funcionários, professores e alunos, apliquei um questionário para os alunos, entrevistei seis alunos, sendo dois de cada turma e sete dos oito professores que trabalham nas três turmas. Esta pesquisa é o olhar que tive, partindo dos dados que recolhi, das relações de poder existentes entre os professores e alunos que observei. A implantação dos ciclos pela rede municipal de Betim deu-se com as seguintes características: avaliação qualitativa, contínua dos processos, abrangendo toda a experiência escolar; rompimento com a fragmentação do saber; reconhecimento do aluno como sujeito do processo de ensino aprendizado. As ações pedagógicas devem considerar não apenas o cognitivo, mas também promover a auto-estima, o comportamento ético, as manifestações artísticas e o exercício pleno da cidadania. A rede municipal tem um boletim de desempenho escolar aplicado em todas as escolas. Os conceitos aplicados são: O (Ótimo), B (Bom) e AD (A Desejar). São avaliados aspectos como a freqüência, a pontualidade, a participação nas atividades, respeito às normas e compreensão dos conteúdos. A rede municipal também mantém um regimento único para todas as escolas do município. Nas observações que fiz das aulas, percebi que os professores valorizam mais o cognitivo, passam a matéria no quadro, ditam os exercícios, olham os cadernos, dão nota para as atividades, valorizam as avaliações bimestrais, classificam os alunos em bons e ruins e ameaçam os alunos de reprovação no final do ano. No primeiro trimestre de 2007, os resultados, as avaliações bimestrais dos alunos das três turmas foram muito ruins, no conselho de classe os professores limitaram-se a responsabilizar os alunos pelo fracasso, falaram de cada aluno apontando seus problemas, e não foram poucos os selecionados para uma conversa das pedagogas com os pais. 196

Analisamos os conceitos das três turmas do último ano do ensino fundamental no primeiro trimestre de 2007, o fracasso dos alunos aumenta a cada turma analisada. A turma 08A, considerada a melhor das três, com alunos aparentemente mais dedicados aos estudos, alcançou os melhores conceitos, e mesmo assim, em história e ciências, apenas um aluno alcançou o conceito O. Em ciências, 12 alunos tiveram o conceito AD, demonstrando as dificuldades de assimilação dos conteúdos por parte dos alunos. A turma 08B, considerada uma turma intermediária, as dificuldades de assimilação dos conteúdos foram maiores do que na turma 08A. Em geografia e história, apenas um aluno alcançou o conceito O, e em português e ciências, nenhum aluno alcançou esse conceito. Do outro lado da tabela, vemos o aumento do conceito AD, 14 em português, 15 em inglês, 16 em geografia, e 22 em ciências. Esse seria motivo suficiente para uma reavaliação do processo de ensino aprendizado, se os resultados da turma 08C não fossem ainda piores. A turma 08C é considerada o “patinho feio” das três turmas do último ano do ensino fundamental. Parece que foram colocados juntos os alunos com maior índice de dificuldades na mesma turma, pois os resultados foram muito ruins, e, segundo o conselho dos professores, eles são os responsáveis pelo fracasso. Nessa turma, dos 28 alunos, apenas em duas disciplinas vemos um número razoável de alunos com o conceito O: 16 em educação física e 11 em artes. Nas outras seis disciplinas, a média ficou entre 4 e 0 alunos com O. Já o conceito AD atingiu uma média de 17 a 23 alunos em cinco das oito disciplinas. Segundo os professores, essa turma tem um histórico de dificuldades de aprendizado que vem de anos anteriores, lembrando que a grande maioria dos alunos estuda na escola desde os seis anos, ou seja, o problema está na escola desde o seu início. Segundo uma das professoras, se não fosse a implantação do ciclo, o histórico escolar desses alunos estaria marcado pela reprovação; muitos não estariam no final do ciclo. Pedi aos professores que avaliassem a implantação dos ciclos na rede municipal e na Escola Capela Nova. Pedi, também, que se posicionassem sobre o mesmo. As respostas dos sete entrevistados apresentam muitas semelhanças. Todos acreditam que a implantação do ciclo na rede municipal e na escola trouxe benefícios para a educação, tais como o coeficiente de 1,3 professores por turma de aluno, os momentos de estudo, a flexibilização, os 197

projetos, os atendimentos a pequenos grupos, mas afirmam que falta preparo dos professores para trabalhar com o ciclo. Os atendimentos a pequenos grupos não funcionam por causa do grande número de faltas dos colegas, em função das paralisações e dos projetos. Faltam investimentos para oferecer uma estrutura adequada e condições físicas e materiais da escola e da rede municipal para a prática ciclada. Alguns professores discordam da metodologia dos ciclos, tais como: o modelo de avaliação, a substituição das notas por conceitos, a promoção automática alegando que os alunos ficam muito soltos e sem compromisso com os estudos. Na prática em sala de aula, todos os professores utilizam elementos do ciclo e da seriação, e justificam essa postura, alegando que é preciso pegar os elementos da seriação que sempre deram certo, e unir com os aspectos positivos do ciclo. Nas entrevistas, todos afirmam a importância do cognitivo, das avaliações, da nota e da retenção de alunos que não conseguem assimilar o conteúdo, mas consideram os projetos interdisciplinares, como o Pan-Americano, importantes para desenvolver outras habilidades nos alunos como a socialização, a solidariedade e a divisão de tarefas. Há aqueles que afirmam que o ciclo não acrescentou nada e que a prática na escola é seriada mesmo. Diante dos resultados ruins dos alunos, no primeiro trimestre de 2007, perguntei aos professores o que era feito para melhorar o aprendizado dos alunos e recuperar o conceito ruim. Todos responderam que suas iniciativas para solucionar o problema são isoladas, cada um age de uma maneira, faz revisão do conteúdo, dá mais exercícios, manda chamar os pais, exige uma maior responsabilidade dos alunos. Houve até uma tentativa de organizar a turma 08C em forma de U, que não deu certo. Não é feito um processo de recuperação contínua, os atendimentos não funcionam, os colegas faltam com freqüência, são feitas paralisações em prol das lutas da categoria, e nada disso apareceu nas avaliações do conselho de classe, e a justificativa para penalizar os alunos é a falta de compromisso com os estudos. E os alunos, o que dizem? Eles concordam que não gostam muito de estudar, que a matéria é chata, que os professores são muito exigentes, mas consideram importante estudar para ser alguém na vida, ter um bom trabalho e uma vida melhor. Eles parecem concordar com as relações de poder estabelecidas no interior da escola, ou 198

seja, estão conformados com a condição de objetos passivos do processo de ensino aprendizado. Os alunos da turma 08A preferem o modelo seriado por causa da nota. Acham que saem perdendo quando essa é transformada em conceito. Os alunos da turma 08B reclamam muito da falta de diálogo dos professores, afirmam que eles brigam e ameaçam tirar ponto, mandar o aluno para a direção para tomar ocorrência, más preferem o ciclo porque acham que os alunos aprendem com mais calma, sem a pressão da nota. Na turma 08C, os alunos demonstram ter conflitos com alguns professores, sentem-se inferiorizados e reagem discutindo com os professores. Eles também se sentem menos pressionados com o ciclo. Tanto nas observações, conversas e entrevistas, pude perceber que as relações de poder entre professores e alunos das três turmas do último ano do ensino fundamental da Escola Municipal Capela Nova de Betim, são relações coercitivas e não persuasivas, os professores impõem os conteúdos que são transmitidos de forma mecânica, sem uma adesão do aluno, ameaçam tirar ponto, mandar o aluno indisciplinado para conversar com a direção, vigiam os cadernos dos alunos, dividem os alunos em bons e ruins, e ameaçam de reprovação aqueles que não melhorarem o comportamento e as notas nas provas. Eram comuns, nas aulas, a dispersão dos alunos, conversas, brincadeiras, e a falta de interesse parecia dominar o ambiente escolar, mesmo porque poucas vezes vimos o professor relacionar o conteúdo e a vida cotidiana dos alunos. Tudo parecia distante, o professor sujeito, o aprendizado, e o aluno objeto passivo. E todos os problemas se agravavam quando os alunos eram da turma 08C, pois eram considerados alunos com um grande grau de dificuldade de aprendizado, indisciplinados, desinteressados, ou seja, um caso perdido. Vemos, portanto, que as relações aqui estudadas não são dialógicas. Os professores não exercem seu poder para conquistar os alunos, para despertar neles o desejo pelo saber. Os conteúdos são distribuídos e passados aos alunos de forma mecânica, e não provocam os alunos para conhecerem e muito menos se apropriarem da cultura. A maioria dos alunos está na escola desde o início do ensino fundamental, e as perspectivas de emancipação parecem se distanciar cada vez mais, principalmente dos alunos da turma 08C com as maiores dificuldades de aprendizado. 199

A implantação do ciclo, na escola, pouco mudou nas relações entre professores e alunos que continuam exercendo papéis bem definidos no processo de ensino aprendizado. Um continua sendo aquele que tudo sabe e precisa ensinar; o outro continua sendo aquele que nada sabe e precisa aprender. A reflexão do modelo de ciclo na perspectiva freireana, como prática da liberdade, precisa ser retomado, a compreensão do aluno como sujeito do processo de ensino aprendizado não pode ficar fora das reuniões de professores. A história da educação é caracterizada pelo exercício do poder político, econômico e cultural de uns sobre a maioria da população. As conquistas das classes trabalhadoras vêm da conscientização e de constantes lutas pelos direitos sociais. Em uma sociedade onde o direito à educação de qualidade é negado, a construção da cidadania fica comprometida, os indivíduos não se apropriam da cultura, não podem exercer o poder, pois de fato não o têm. A ideologia das classes dominantes proporciona uma educação reprodutivista, pouco conscientizadora das classes trabalhadoras. O modelo seriado atende as necessidades do mercado, pois prepara uma mão-de-obra barata e conformada com a condição dada. Somente um modelo educacional que atenda as necessidades das classes trabalhadoras, que olhe para sua realidade de forma crítica, pode libertar os trabalhadores da condição de explorados. Uma educação dialógica e emancipadora é capaz de provocar uma práxis revolucionária e diminuir as desigualdades educacionais e sociais presentes na realidade brasileira. Esta pesquisa limitou-se a buscar compreender as relações de poder entre professores e alunos, no interior de uma escola pública da periferia de Betim – MG. Certamente, ela pode ser confrontada com a experiência de outros municípios. Mas muitos dos resultados dessa investigação lá focada parecem ser homólogos aos de muitos outros lugares. Sabemos que o poder tem várias faces, tais como: o poder econômico, o poder da administração pública, o poder dos gestores escolares, o poder da comunidade local, o poder dos pais sobre a escola, o poder do currículo, dos livros didáticos. Ou seja, as dimensões de pesquisas acerca do poder são muitas, variadas e não menos importantes do que esta a que me proponho. A educação como apropriação da cultura também abre caminhos diversos para novas pesquisas, como as contradições entre a 200

cultura erudita e popular na educação brasileira, e, por fim, os modelos educacionais como prática escolar, os antagonismos entre seriação e ciclo possibilitam muitas reflexões que merecem ser abordadas. O que não podemos é esgotar a discussão e a pesquisa, e, menos ainda, deixar de buscar alternativas para os conflitos que impedem a formação plena de nossos alunos, principalmente os oriundos das escolas públicas. Os ciclos de formação humana são, ainda, uma novidade nas escolas brasileiras. Na rede municipal de Betim, vêm sendo implantado há dez anos, e seu sucesso depende do conhecimento e do reconhecimento, por parte do poder público, dos gestores, educadores, pais e alunos, e de recursos financeiros e pedagógicos. Ao lado de uma melhor redistribuição da renda, é preciso provocar mais debates, cursos e encontros com os agentes do processo de ensino/aprendizado com a perspectiva de conquistá-los para a adesão livre ao ciclo. É preciso mais investimento por parte do poder público na estrutura física das escolas, material didático e pedagógico, e oferecer acesso à informática aos alunos, embora seja preciso reconhecer que a rede municipal já caminha nessa direção. As lutas dos trabalhadores em educação por melhorias de condições de trabalho contam com um sindicato ativo no município. Essas lutas precisam considerar uma oferta de uma qualidade de ensino melhor, por parte do poder público municipal, da Secretária Municipal de Educação, das Regionais Pedagógicas, dos gestores escolares, mas, principalmente, dos educadores que não podem se omitir diante do fracasso escolar dos alunos, transferindo a responsabilidade para o aluno ou para os professores de anos anteriores que não ensinaram direito. Nossos alunos do ensino fundamental da rede municipal de Betim têm direito a uma educação de qualidade, e ela pode ser garantida pelo poder público e pelos professores, desde que haja condições para isso com as conseqüentes exigências para tal. Os professores afirmam ser favoráveis ao ciclo de formação humana, mas, no fundo, são contra, pois sua prática em sala de aula é autoritária e excludente. Um município com características industriais, como é o caso de Betim, com indústrias tão ricas e uma massa de trabalhadores tão pobres, precisa estar em constante diálogo com os educadores, e estes precisam conhecer sempre mais a respeito da realidade social dos seus alunos, aproximar seus 201

conteúdos da história local, despertar nos alunos o desejo pelo saber, fazer com que nossas crianças e jovens vejam na educação uma perspectiva real de emancipação. Nesses dez anos de implantação dos ciclos no município, apesar de todas as dificuldades enunciadas, muitas lutas foram travadas, muitas conquistas foram feitas pelos educadores, conquistas que precisam continuar caminhando na direção de uma educação como prática da liberdade. Os educadores precisam assumir o desafio de fazer da educação uma verdadeira soma de constantes gestos de amor.

202

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A N E X O S 207

BETIM, MG

Anexo 01 - Mapa do Município de Betim com a identificação de todas as Escolas Municipais e Estaduais. 208

Anexo 02 - Escolas Municipais de Betim, MG 209

Anexo 03 - Escolas Estaduais localizadas no Município de Betim, MG. 210

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Pró-Reitoria de Pesquisa e de Pós-Graduação Comitê de Ética em Pesquisa

ESCOLA MUNICIPAL CAPELA NOVA DE BETIM QUESTIONÁRIO PARA ALUNOS DAS TRÊS TURMAS DO ÚLTIMO ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL

01- Há quantos anos você estuda nessa Escola: ( ) 1 a 2 anos. ( ) 5 a 6 anos. ( ) 3 a 4 anos. ( ) 7 a 9 anos.

02- Por que você estuda nessa escola? ( ) Perto de casa. ( ) Meus amigos estudam aqui. ( ) Qualidade do ensino. ( ) Não consegui vaga em outra escola.

03- Como é a qualidade do ensino na sua escola? ( ) Bom. ( ) Muito bom. ( ) Fraco. ( ) Ótimo.

04- Seus professores: ( ) São amigos e ensinam bem. ( ) São rigorosos na execução das tarefas. ( ) Explicam o conteúdo e avaliam as atividades. ( ) Se preocupam com o aprendizado dos alunos.

05- Seus pais são chamados na escola para: ( ) Participar da vida escolar. ( ) Informar-se de problemas de notas. ( ) Saber de problemas de disciplina. ( ) Receber elogios a seu respeito.

06- Como você se saiu nas provas: ( ) Ótimo. ( ) bem. ( ) Muito bem. ( ) Mau.

07- O que o professor(a) faz para manter a disciplina: ( ) Procura envolver os alunos nas atividades. ( ) Manda o aluno para a direção. ( ) Ameaça tirar pontos. ( ) Conversa com a turma.

08- Os alunos participam da escolha dos temas das aulas: ( ) Sempre. ( ) Poucas vezes. ( ) Muitas vezes. ( ) Nunca.

211

09- Os conteúdos estão relacionados com o dia-dia dos alunos: ( ) Sempre. ( ) Poucas vezes. ( ) Muitas vezes. ( ) Nunca.

10- Quem é escolhido o destaque da turma: ( ) O aluno mais freqüente e pontual. ( ) Mais disciplinado e com maior nota. ( ) O que desenvolveu melhor as habilidades educativas. ( ) O que mais participa das atividades propostas.

11- Qual é a importância da prova simulada: ( ) Preparar o aluno para concursos e para o vestibular. ( ) Para uma melhor compreensão dos conteúdos. ( ) Para desenvolver habilidades e resolver situações-problemas. ( ) Para valorizar a integração entre as disciplinas.

12- Em que aspectos você é mais avaliados nas disciplinas: ( ) Na presença e pontualidade. ( ) Na sua participação nas atividades educativas. ( ) No conteúdo programático de cada disciplina. ( ) No desenvolvimento de habilidades significativas.

13- O que mais te motiva a participar das aulas: ( ) Os trabalhos em grupo. ( ) Os temas da realidade e do cotidiano. ( ) O valor em pontos de cada atividade. ( ) O conteúdo de cada disciplina.

Anexo 04 - Questionário aplicado aos alunos da Escola Municipal Capela Nova de Betim. 212

RESPOSTAS DOS QUESTIONÁRIOS APLICADOS À 72 ALUNOS DAS TRÊS TURMAS DO ÚLTIMO ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL

01- Há quantos anos você estuda nessa Escola: 1 a 2 anos: 6 3 a 4 anos: 17 5 a 6 anos: 8 7 a 9 anos: 41

02- Por que você estuda nessa escola? Perto de casa: 54 Qualidade do ensino: 7 Meus amigos estudam aqui: 8 Não consegui vaga em outra escola: 3

03- Como é a qualidade do ensino na sua escola? Bom: 40 Muito bom: 22 Ótimo: 5 Fraco: 5

04- Seus professores: São amigos e ensinam bem: 13 Explicam o conteúdo e avaliam as atividades: 20 São rigorosos na execução das tarefas: 3 Se preocupam com o aprendizado dos alunos: 36

05- Seus pais são chamados na escola para: Participar da vida escolar: 40 Saber de problemas de disciplina: 12 Informar-se de problemas de notas: 9 Receber elogios a seu respeito: 11

06- Como você se saiu nas provas: Ótimo: 2 Bem: 40 Mau: 14 Muito bem: 16

07- O que o professor (a) faz para manter a disciplina: Procura envolver os alunos nas atividades: 7 Manda o aluno para a direção: 12 Ameaça tirar pontos: 3 Conversa com a turma: 50 08- Os alunos participam da escolha dos temas das aulas: Sempre: 6 Poucas vezes: 41 Muitas vezes: 10 213

Nunca: 15

09- Os conteúdos estão relacionados com o dia-dia dos alunos: Sempre: 22 Poucas vezes: 30 Muitas vezes: 17 Nunca: 3

10- Quem é escolhido o destaque da turma: O aluno mais freqüente e pontual: 9 Mais disciplinado e com maior nota: 32 O que desenvolveu melhor as habilidades educativas: 19 O que mais participa das atividades propostas: 12

11- Qual é a importância da prova simulada: Preparar o aluno para concursos e para o vestibular: 41 Para uma melhor compreensão dos conteúdos: 17 Para desenvolver habilidades e resolver situações-problemas: 6 Para valorizar a integração entre as disciplinas: 8

12- Em que aspectos você é mais avaliados nas disciplinas: Na presença e pontualidade: 18 Na sua participação nas atividades educativas: 22 No conteúdo programático de cada disciplina: 27 No desenvolvimento de habilidades significativas: 5

13- O que mais te motiva a participar das aulas: Os trabalhos em grupo: 8 Os temas da realidade e do cotidiano: 18 O valor em pontos de cada atividade: 31 O conteúdo de cada disciplina: 15

Anexo 05 - Resultado do Questionário aplicado a 72 dos 86 alunos das três turmas do último ano do ensino fundamental da Escola Municipal Capela Nova de Betim. 214

BIBLIOTECA DA ESCOLA MUNICIPAL CAPELA NOVA DE BETIM. EMPRÉSTIMO DE LIVROS PARA OS ALUNOS DAS TRÊS TURMAS DO ÚLTIMO ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL.

TURMA 08A

ALUNO (A) 08ª DATA INICIAL Nº LVROS 01 – Adalberto 01/11/2006 07 02 – Bruno 27/03/2007 01 03 – Luiz 31/03/2006 07 04 – Fabrício 05/04/2006 58 05 – Leandro 25/10/2006 06 06 – César 01/11/2006 04 07 – Fábio 25/10/2006 11 08 – Marcos 27/03/2007 02 09 – Julio 18/09/2006 09 10 – Paulo 31/03/2006 09 11 – Ricardo 03/04/2006 08 12 – Henrique 03/04/2006 28 13 – Vitor 03/04/2006 07 14 – Maria 25/10/2006 05 15 – Raquel 25/10/2006 06 16 – Rubia 25/10/2006 05 17 – Carolina 31/04/2006 14 18 – Juliana 31/03/2006 52 19 – Carina 31/03/2006 23 20 – Ludimila 31/03/2006 03 21 – Silvana 31/03/2006 25 22 – Luciana 22/08/2006 19 23 – Alice 21/08/2006 16 24 – Heliana 25/10/2006 04 25 – Fernanda 01/11/2006 04 26 – Paula 03/05/2006 07 27 – Marta 31/03/2006 07 28 – Luana 21/08/2006 07 29 – Carolina 03/05/2006 03

Média da turma de março de 2006 à junho de 2007, 12,31 livros por aluno.

Anexo 06 – Empréstimos de livros para a turma 08A. 215

TURMA 08B

ALUNO (A) 08B DATA INICIAL Nº LVROS 01 – Gláucio 11/04/2006 09 02 – Gustavo 26/03/2006 01 03 – Carlos 03/04/2006 03 04 – Leonardo 26/10/2006 03 05 – Felipe 26/10/2006 05 06 – Henrique 31/03/2006 06 07 – Ricardo 13/10/2006 03 08 – Paulo não leu 00 09 – Milton 12/04/2006 13 10 – Julio 26/10/2006 02 11 – Gilberto 26/10/2006 03 12 – Marcos 14/08/2006 08 13 – Sandro 26/10/2006 03 14 – Fernanda 29/05/2006 13 15 – Camila 12/04/2006 29 16 – Alice 05/04/2006 07 17 – Luciana 29/03/2006 27 18 – Leandra 26/10/2006 08 19 – Vanda 26/10/2006 05 20 – Neide 26/10/2006 05 21 – Maria 08/05/2006 16 22 – Bruna 29/05/2006 13 23 – Vanessa 29/05/2006 13 24 – Bruna Saiu --- 25 – Michelle 11/04/2006 08 26 – Otávia 11/04/2006 10 27 – Laura 05/04/2006 05 28 – Silvia 24/05/2006 05 29 – Kenia 29/05/2006 12

Média da turma de março de 2006 à junho de 2007, 8,39 livros por aluno.

Anexo 07 – Empréstimos de livros para a turma 08B. 216

TURMA 08C

ALUNO (A) 08C DATA INICIAL Nº LVROS 01 – Augusto Não leu 00 02 – Luiz 30/03/2007 01 03 – Gabriel 30/03/2007 02 04 – Carlos Não leu 00 05 – Sandro ------06 – Walisson 30/03/2006 01 07 – Gustavo Não leu 00 08 – Paulo 05/04/2006 01 09 – Leonardo 05/04/2006 02 10 – Vinícius 22/08/2006 08 11 – Deivisson 27/04/2007 02 12 – César Não leu 00 13 – Rafael Não leu 00 14 – Jairo 18/05/2007 01 15 – João 27/04/2007 01 16 – Carolina 11/09/2009 06 17 – Maria 31/03/2006 07 18 – Aparecida 20/04/2006 25 19 – Rafaela 11/09/2006 11 20 – Juliana 06/04/2006 19 21 – Gisele 30/03/2007 01 22 – Patrícia 03/05/2006 29 23 – Cristina Não leu 00 24 – Laura 30/03/2007 03 25 – Roberta 20/04/2006 06 26 – Paula 29/05/2006 08 27 – Cássia 31/03/2006 04 28 – Marilene 12/04/2006 12

Média da turma de março de 2006 à junho de 2007, 5,55 livros por aluno.

OBS: A média de leitura das três turmas de março de 2006 à junho de 2007 foi de 8,75 livros por aluno. Os nomes dos alunos foram alterados, foram mantidos o número de alunos por turma e o sexo de cada um deles.

Anexo 08 – Empréstimos de livros para a turma 08C. 217

ESCOLA MUNICIPAL CAPELA NOVA DE BETIM

QUADRO DE HORÁRIO DOS ALUNOS

DIA HORÁRIO 08A 08B 08C SEG 1º Ciências Matemática Artes SEG 2º Matemática Arte Português SEG 3º História Geografia Inglês SEG 4º Geografia Inglês Ciências TER 1º Matemática Ed. Física Geografia TER 2º Ed. Física Geografia Matemática TER 3º Português Ciências Inglês TER 4º Ciências Inglês Português QUAR 1º Inglês Português Ciências QUAR 2º Ed. Física Ciências Português QUAR 3º Artes Matemática Ed. Física QUAR 4º Matemática Ed. Física Artes QUIN 1º Português Artes Matemática QUIN 2º Inglês Matemática Geografia QUIN 3º Geografia História Ed. Física QUIN 4º Artes Português História SEX 1º Português Geografia Matemática SEX 2º História Português Ciências SEX 3º Geografia Ciências História SEX 4º Ciências História Geografia

HORÁRIO DE AULAS:

Início da primeira aula: 7:00 horas. Início da segunda aula: 8:05 horas. Início do recreio: 9:10 horas. Início da terceira aula: 9:25 horas. Início da quarta aula: 10:25 horas. Final da aula: 11:25 horas.

Anexo 09 – Quadro de horários das aulas das três turmas do último ano do ensino fundamental. 218

Anexo 10 - Boletim de desempenho escolar aplicado a todos os alunos da Rede Municipal de Ensino de Betim.

219

220

Anexo 11 – Fotos da Escola Municipal Capela Nova de Betim.

11.1. Foto da entrada da Escola Municipal Capela Nova de Betim,

11.2. Foto do pátio onde os alunos merendam e ficam durante o recreio e intervalo das aulas.

221

11.3. Foto do pátio onde os alunos merendam, próximo ao barzinho onde compram merenda.

11.4. Foto da biblioteca da Escola Municipal Capela Nova de Betim.

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11.5. Foto do acesso à quadra poliesportiva onde os alunos fazem as aulas de Educação Física.

11.6. Foto da quadra onde professores e alunos desenvolveram o projeto Pan- Americano.

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Anexo 12 – Dados do INEP para o ensino fundamental, matrículas, aprovação, reprovação e abandono no ano de 1991.

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Anexo 13 – Dados do INEP para o ensino fundamental, matrículas, aprovação, reprovação e abandono no ano de 2005.

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