UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM GEOGRAFIA

A PRODUÇÃO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO E O TURISMO: TEXTURAS, POLIFONIA E INTERDITOS NA COSTA DO DENDÊ, BAHIA

ANDERSON GOMES DA EPIFANIA

LINHA DE PESQUISA II: DINÂMICA URBANA E REGIONAL

Natal, 2019

ANDERSON GOMES DA EPIFANIA

A PRODUÇÃO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO E O TURISMO: TEXTURAS, POLIFONIA E INTERDITOS NA COSTA DO DENDÊ, BAHIA

LINHA DE PESQUISA II: DINÂMICA URBANA E REGIONAL

Exame de defesa apresentado ao Programa de Pós- graduação e Pesquisa em Geografia, pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor em Geografia.

Orientadora: Prof.ª Dra. Maria Helena Vaz Costa Coorientador: Prof. Dr. Francisco Fransualdo de Azevedo

Natal __/__/____/

Banca examinadora

______Prof.ª Dra. Maria Helena Braga e Vaz da Costa (1º examinador – Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN)

______Prof. Dr. Francisco Fransualdo de Azevedo (2º examinador – Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN)

______Prof. Dr. Celso Donizete Locatel (3º examinador interno – Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN)

______Prof.ª Dra. Maria Aparecida Pontes da Fonseca (4º examinador interno – Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN)

______Prof. Dr. Alexandre Queiroz Pereira (5º examinador externo– Universidade Federal do Ceará– UFC)

______Prof. Dr. Wendel Henrique Baumgartner (6º examinador externo – Universidade Federal da Bahia– UFBA)

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA

Epifania, Anderson Gomes da. A produção do espaço geográfico e o turismo: texturas, polifonia e interditos na Costa do Dendê, Bahia / Anderson Gomes da Epifania. - Natal, 2019. 236f.: il. color.

Tese (doutorado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte 2019. Orientadora: Profa. Dra. Maria Helena Braga e Vaz da Costa. Coorientador: Prof. Dr. Francisco Fransualdo de Azevedo.

1. Produção do Espaço Geográfico - Tese. 2. Turismo - Tese. 3. Costa do Dendê - Tese. I. Costa, Maria Helena Braga e Vaz da. II. Azevedo, Francisco Fransualdo de. III. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 911.3:338.48(813.8)

De tudo ficaram três coisas: a certeza de que estava sempre começando, a certeza de que era preciso continuar e a certeza de que seria interrompido antes de terminar. Fazer da interrupção um caminho novo fazer da queda, um passo de dança, do medo, uma escada, do sonho, uma ponte da procura, um encontro.

Fernando Sabino (2005) AGRADECIMENTOS

À minha família, meu norte, ponto de partida e chegada; acalento para todos os momentos. Em especial às matriarcas das famílias Gomes e Epifania, representadas pela garra de Licinalva e Josélia por nunca terem deixado nada faltar, inclusive a educação dos seus. Obrigado por tudo. Aos meus que se foram, mas que se encontram presentes em nossas vidas. Pai, mesmo nessa correria cotidiana, fiz o possível e segurei a tua mão até o fim, neste processo, três perdas muito próximas me impactaram: minha prima-irmã Cida e meus tios Adalice, Waldemar e Hélio, anjos que zelam por nosso caminhar. Não poderia deixar de trazer meus avós maternos, Alzira e Alfredo, e avó materna, Julia, por ajudarem no possível na criação dos dois filhos quando pequenos da professora Lice. Dedico este trabalho também à minha tia Iêda, minha parceira na adolescência e grande incentivadora para que alçasse voos para longe do nosso ninho, como ela mesma fez em sua adolescência, ajudando a minha avó a criar seus cinco filhos órfãos de pai. Pena que fostes tão cedo, gostaria de compartilhar todas as minhas vitórias com a senhora. Meu eterno amor a ti e a Cissa que deixaste como nosso presente. Aos meus irmãos Jamille, Jéssica e Janderson, amo vocês imensamente e com certeza são um pedaço fora de mim nesse planeta. Aos meus sobrinhos Kamille e ao pequeno Rafa, pela paciência com esse tio ausente no início da infância de ambos por conta das pós-graduações. Saibam que essa ausência também é por vocês e que podem contar comigo no necessário. Que os anjos os cubram de bençãos e os guiem. Amo vocês. Aos meus primos e primas, irmãos de vida; e aqui dedico um espaço especial a Bárbara e seu esposo Gabriel, assim como para a pequena Júlia por toda ajuda e receptividade em Natal-RN. Aos meus afilhados pela paciência em aturar um dindo com tempo tão corrido. A Elias pelo companheirismo, paciência e zelo; por compartilhar não apenas os bons momentos, por aprendermos juntos, obrigado. Aos meus amigos atemporais, dos quais mesmo com a distância, sinto-me tão próximo. A Maria Eduarda pelas noites de descontração ao longo do ano que não apenas atravessei a Baía de Todos os Santos, mas fiz o movimento pendular semanal cortando parte do nordeste por barco, ferryboat, moto, carro, ônibus e avião. A Vlad, Joi, Lazinho, Jhonan e Beto; vocês são meus irmãos de alma. A todos meus professores, em especial a Wendel Henrique; por todo incentivo e me fazer acreditar que meus sonhos nesta ciência dariam certo.

Aos amigos que fiz durante o processo de doutoramento: Ane, Arlindo, Claudia, Cleanto, Geovane, Hyran, Igor, Joabio, Jonisson, Joyce, Maísa, Marcos, Marília, Péricles, Soneide, Tereza, Vanessa, Veruza; por toda ajuda e por tornar os dias longe da minha família e amigos menos dolorosos. A minha eterna gratidão, tenho certeza que, mesmo distante, quero levá-los pra vida. Aqui dedico a ajuda mais que necessária a companheiros que Tereza me apresentou: o Paulo e o Alexandre do grupo Rede Urbana, parabéns pelo trabalho e presteza. A Lorisa e Gileno, mãe e irmão que a Geografia me deu. Amo vocês incomensuravelmente. À minha orientadora Prof.ª Dra. Maria Helena Braga e Vaz da Costa e ao meu coorientador Prof. Dr. Francisco Fransualdo de Azevedo, por todos os ensinamentos, partilha, paciência, desprendimento ao longo desse período; meu sincero agradecimento. Aos professores do programa, em especial aos que tive a oportunidade de participar dos momentos de aprendizagem, professores Ademir Costa e Edna Furtado. Aos professores Celso Locatel e Rita Gomes pelos momentos nas disciplinas e atualmente no processo de qualificação e defesa da tese. Muito obrigado por toda contribuição e palavras de incentivo. À secretaria do PPGE-UFRN, nas pessoas do André e Elaine, que sempre estavam dispostos a ajudar e nunca nos negaram nenhuma informação, mesmo nos momentos mais intensos em relação a outras demandas da Pós-Graduação. Meu sincero agradecimento aos professores Alexandre Queiroz Pereira (UFC) e Wendel Henrique (UFBA) pela participação na banca de doutoramento e por todas as contribuições. Aos companheiros e companheiras do Grupo de pesquisa Linguagens da Cena: Imagem, Cultura e Representação, em especial à minha orientadora e aos professores Alex e Maria de Lourdes, meu agradecimento pela acolhida. No DEART e no Grupo me encontrei como discente e pesquisador; com certeza ali ocorreram grande parte dos melhores sorrisos. Aos agentes sociais que dispuseram parte do seu tempo para a realização das entrevistas, aos Secretários e Secretárias de Turismo dos municípios de Valença, Ituberá, Nilo Peçanha, Igrapiúna, Camamu e Marau, pelo entendimento da importância do debate aqui travado e por toda contribuição. Aos meus companheiros de caminhada do IFBAIANO, muito obrigado pela parceria e palavras de conforto. Estamos juntos na lida, compartilhando sonhos e perspectivas por equidade. A todos os servidores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, inclusive aos terceirizados, por todo zelo por essa casa, mesmo em tempos tão sombrios. Como Candeense e vindo de outro estado do território brasileiro, tenho muito orgulho das “balbúrdias” realizadas nesta instituição. Com certeza a UFRN é uma das melhores universidades do Brasil.

RESUMO

O presente trabalho versa sobre o processo de produção do espaço geográfico e o turismo na Costa do Dendê, Bahia, tendo como elemento basilar o debate sobre texturas, polifonias e interditos presentes neste processo. O caminho trilhado dialoga com a teoria lefebvriana sobre a leitura do processo de produção do espaço e sua tríade concebido/percebido/vivido. Tal discussão refere-se ao espaço enquanto produto da reprodução da vida e sobre a produção capitalista no que tange o desenvolvimento desigual e combinado, temática que envolve as concepções e as ações sobre o espaço geográfico e que confere valores, no que tange a perspectiva marxiana sobre o uso, a troca e o valor. Neste caso, o planejamento turístico tem rebatimentos diretos sobre a forma de reprodução desta atividade em suas materialidades, usos e apropriações, e inclusive apresenta, a partir da leitura do desenvolvimento geográfico desigual, outras realizações possíveis no espaço e em suas materialidades/práticas e usos isotópicos/heterotópicos/utópicos - sendo estas carregadas de intencionalidades, como apresentado no estudo de caso sobre a Costa do Dendê. Partindo desse pressuposto, a região da Costa do Dendê apresenta um campo vasto para a análise das morfologias materiais e sociais presentes no processo de (re)produção do espaço geográfico, do qual faz parte o turismo possibilitando, através das experiências presentes nesse universo de análise, (re)pensar planejamentos e ações que se direcionem à justiça social. O debate traçado tem como ponto de partida o reconhecimento da diversidade que compõe o espaço geográfico (e sua produção) em suas múltiplas escalas, que no estudo de caso da Costa do Dendê perpassa pelo recorte regional, municipal e da trama presente sobre o turismo. Os capítulos da tese referem-se ao movimento triádico para analisar o processo de produção do espaço da Costa do Dendê, perpassando pela análise sobre o processo de valorização do espaço, mediada pela relação troca/uso/valor; culminando na análise sobre as instâncias espaciais (concebido/percebido/vivido), direcionando as análises sobre como vem ocorrendo a (re)produção da Costa do Dendê, assim como a projeção de cenários, contextualizada através das discussões sobre isotopia, heterotopia e utopia. A partir do caminho trilhado, respondeu-se à questão: em quais bases se realiza o turismo no processo de produção do espaço geográfico da Costa do Dendê e quais as possibilidades concernentes às ações que sejam direcionadas ao plano heterotópico, no que se refere ao desenvolvimento geográfico desigual? Através da análise ora apresentada, confirmou- se a tese de que tal atividade, em sua totalidade no processo de produção do espaço geográfico, reproduz coesões nas distintas morfologias e apropriações, configurando isotopias, heterotopias e possibilidades de transformação pela capacidade humana de se projetar outros futuros, expressas nas distintas lógicas do planejamento e do reflexo de tais práticas no plano da vida, dos encontros e desencontros entre turistas e moradores, da ação estatal e empresarial. Tais leituras foram realizadas através da observação de materialidades e práticas isotópicas, heterotópicas e utópicas, que seguem, respectivamente, lógicas unitárias e diversas, ligadas diretamente à ação capitalista e à reprodução social; abordagem aqui contextualizada com o estudo sobre a atividade do turismo na Região da Costa do Dendê, no estado da Bahia. .

Palavras-chave: Produção do Espaço Geográfico, Turismo, Costa do Dendê.

ABSTRACT

This work deals with the process of production of geographic space and tourism in Costa do Dendê, Bahia, , having as the central discussion the debate about textures, polyphonies and interdictions within this process. The theoretical framework in this thesis is based in with Lefebvre’s theory on the reading of the production of space process and its conceived/ perceived/ lived triad. This discussion refers to space as a product of the reproduction of life and of the capitalist production in terms of an uneven and combined development; a theme that involves conceptions and actions about geographical space and which confers values, regarding Marx’s perspective on the use and the exchange of value. In this case, tourism planning has direct consequences on how this activity is reproduced in its materialities, uses and appropriations, and even presents, from the reading of the uneven geographic development, other possible achievements in space and their materiality/practices and isotopic/heterotopic/utopian uses, being loaded with intentionality, as presented in the Costa do Dendê. Based on this assumption, the Costa do Dendê’s region presents a vast field for the analysis of material and social morphologies present in the process of (re)production of the geographical space, of which the tourism is part; enabling through the experiences present in this universe of analysis, (re) think planning and actions that address social justice. The starting point of the debate is the recognition of the diversity that makes up the geographical space (and its production) in its multiple scales, which in the case study of Costa do Dendê permeates the regional and the municipal and it is about the tourism. This thesis’ chapters refer to the triadic movement to analyze the process of producing space in Costa do Dendê, passing through the analysis of the process of valorization of space, mediated by the exchange / use / value relationship; culminating in the analysis of the spatial instances (conceived / perceived / lived), directing the analyzes of how the (re) production of Costa do Dendê has been taking place, as well as the projection of scenarios, contextualized through discussions about isotopy, heterotopia and utopia. From the path taken, the question was answered: on what basis is the tourism performed in the process of production the geographical space of Costa do Dendê? What are the possibilities concerning actions which are directed to the heterotopic plan, regarding uneven geographical development? Through the analysis now presented, the thesis was confirmed that such activity, in its entirety in the process of production of geographic space, reproduces cohesion in different morphologies and appropriations, configuring isotopes, heterotopias and the possibilities of transformation by the human capacity to project others futures, expressed in the different logics of planning and reflection of such practices in the plan of life, of encounters and disagreements between tourists and indigenous people, of state and business action. These readings were performed through the observation of isotopic, heterotopic and utopian materiality’s and practices, which follow, respectively, unitary and diverse logics, directly linked to capitalist action and social reproduction; an approach contextualized here with the study of the tourism in Costa do Dendê’s region.

Keywords: Production of Geographic Space, Tourism, Costa do Dendê.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Bahia, Regiões Turísticas do Estado ...... 30 Figura 2 – Bahia, fluxo turístico por região (2010) ...... 31 Figura 3 – Bahia, incidência da pobreza nos municípios da Costa do Dendê (2010) ...... 33 Figura 4 – Bahia, Região Turística da Costa do Dendê...... 35 Figura 5 – Barreira de recife de corais em Boipeba no arquipélago de Tinharé (Cairu)...... 36 Figura 6 – Via central de Morro de São Paulo no sentido da primeira praia há cerca de 30 anos quando ainda era um Vila de Pescadores ...... 39 Figura 7 – Fotografia tirada sobre a mesma perspectiva no ano de 2009 ...... 39 Figura 8 – Bairro Nossa Senhora da Luz (Morro de São Paulo, Cairu) ...... 40 Figura 9 – Análise teórico-metodológica da produção do espaço geográfico e o turismo ...... 42 Figura 10 – Na trilha da pesquisa ...... 53 Figura 11 – Mosaico das compartimentações morfológicas da Apa Pratigi ...... 58 Figura 12 – APAS e RPPNS da Costa do Dendê, Bahia ...... 60 Figura 13 – Marisqueira adentrando o manguezal na baixa-mar para coletar ...... 63 Figura 14 – População dos municípios da Costa do Dendê ...... 64 Figura 15 – Igreja de São Francisco Xavier, construída em 1644. Vista a partir da foz do Rio Una ...... 69 Figura 16 – Saveiros aportados na margem direita do rio Una, em frente ao atual prédio da Câmara de Vereadores no município de Valença (1958) ...... 73 Figura 17 – Palafitas no Guaibim ...... 80 Figura 18 – Palafitas no Guaibim ...... 80 Figura 19 – Áreas destinadas ao Turismo de Sol e Praia na Costa do Dendê, Bahia ...... 83 Figura 20 – Cachoeira da Pancada Grande em Ituberá ...... 86 Figura 21 – Mosaico representando algumas manifestações culturais do município de Cairu (da esquerda para a direita): 1-2: Zambiabunga; 3: Festa do Reinado; 4: Bumba meu Boi- peba; 5: Grupo de Chegança; 6: Entrega do presente de Iemanjá ...... 87 Figura 22 – Transporte de animais por barco e a figura do produtor rural no mar da Gamboa do Morro em 1986 ...... 92 Figura 23 – Carregamento de carga em burros com caçuás ...... 94 Figura 24 – Resultado de um dia de pesca e a figura do pescador ...... 97 Figura 25 – Primeiras edificações do Guaibim ...... 99 Figura 26 – Casa de pau a pique de uma norte-americana na Mangaba, Morro de São Paulo ...... 102 Figura 27 – Escultura do Adão e da Eva na entrada da cidade de Valença...... 108 Figura 28 – Imagem de divulgação do universo paralelo ...... 109 Figura 29 – Análise de Cluster da Região Turística da Costa do Dendê no Estado da Bahia 111 Figura 30 – Descarga de produtos das embarcações para as carroças, no fim de tarde na Praia da Boca da Barra, em Boipeba ...... 114 Figura 31 – Entrada da fundação Aquerê na Praça das Mangueiras, em Barra Grande ...... 116 Figura 32 – Mapa das comunidades Tradicionais do Litoral da Costa do Dendê ...... 120 Figura 33 – Quilombo Boitaraca: vista a partir do mirante da Igreja de Nª Sª da Conceição 121 Figura 34 – Bares flutuantes, barcos na área de mergulho das piscinas naturais de Moreré . 127 Figura 35 – Mapa da Rede de Transporte da Costa do Dendê, Bahia ...... 138 Figura 36 – Vista parcial da via local na Península de Marau para a BR-030 ...... 141 Figura 37 – Costa do Dendê, demanda doméstica dos municípios ...... 144 Figura 38 – Valença, padrão das Barracas de praia no Taquari ...... 145 Figura 39 – Valença, padrão das Barracas de praia no Taquari ...... 146 Figura 40 – Taquari, vista de um dia de lazer ...... 147 Figura 41 – Rejeitos de construção nas margens da via local para a praia do Taquari ...... 148 Figura 42 – Extração de Areia na confluência da BR-030 entre as localidades de Barra Grande, Taipu de Fora, Taipu de Dentro e Maraú...... 149 Figura 43 – Costa do Dendê, demanda internacional dos municípios ...... 150 Figura 44 – Visão da segunda e terceira praia em 1985 ...... 151 Figura 45 – Perspectiva da primeira, segunda e terceira praia (1990) ...... 152 Figura 46 – Perspectiva da primeira, segunda e terceira praia (2018) ...... 153 Figura 47 – Banho na Lagoa em fevereiro de 1987, Morro de São Paulo ...... 154 Figura 48 – Bahia, área de influência do turismo na Costa do Dendê ...... 157 Figura 49 – Bahia, práticas possíveis para o turismo na Costa do Dendê ...... 161 Figura 50 – Boipeba, praia da Cueira ...... 164 Figura 51 – Descubra Maraú, revista Férias no Brasil ...... 166 Figura 52 – Boipeba, a ilha mais bela da Bahia ...... 167 Figura 53 – Discurso sobre o paraíso em Valença por empreendimento privado ...... 169 Figura 54 – Discurso sobre o paraíso em Cairu por empreendimento privado ...... 170 Figura 55 – Venda de terrenos nos cordões costeiros da Península de Maraú ...... 171 Figura 56 – Construção em área de manguezal em Taipu de Dentro ...... 172 Figura 57 – Publicação da comunidade Valença da Depressão ...... 173 Figura 58 – Jatimane, produtos vendidos com uso da piaçava ...... 181 Figura 59 – Península de Maraú, Lagoa do Cassange ...... 183 Figura 60 – Boipeba, Museu dos Ossos do Cabeludo ...... 185 Figura 61 – Valença, Terreiro Caxuté em Graciosa ...... 186 Figura 62 – Residências construídas pelo empreendimento ...... 191 Figura 63 – Boipeba, planta do projeto Ponta dos Castelhanos ...... 192 Figura 64 – Mobilização dos agentes via web com chamado da empresa para elencar as propostas presentes no projeto ...... 193 Figura 65 – Manifestantes na Audiência Pública (03/07/2014) ...... 194 Figura 66 – I Encontro de Zambiapungas em Nilo Peçanha ...... 196

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Matriz de análise sobre a produção da Costa do Dendê e o turtismo ...... 44 Quadro 2 – Análise da tríade espacial ...... 49 Quadro 3 – Principais atividades econômicas dos povoados do litoral da Costa do Dendê .... 93

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Investimentos concluídos no Polo Litoral Sul (1991-2001) ...... 125

LISTA DE SIGLAS

AMABO Associação dos Moradores de Boipeba

AME Amigos Morro Esperança

AMUBS Associação dos municípios do Baixo Sul

APA Área de Proteção Ambiental

APEMA Associação Amigos da Península de Maraú

APP Área de Proteção Permanente

Bahiatursa Superintendência de Fomento ao Turismo do Estado da Bahia

BTG Brasil Turístico em Grupo

BTI Brasil Turístico Individual

CAR Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional

CRAS Centro de Referência de Assistência Social

CEPLAC Comissão Executiva da Lavoura Cacaueira

Cfaf Casa Familiar Agroflorestal

CFR Casa Familiar Rural

CFR – I Casa Familiar Rural de Igrapiúna

CFR – PTN Casa Familiar Rural de Presidente Tancredo Neves

CIAPRA Consórcio dos Municípios do Baixo Sul

COMBRATUR Comissão Brasileira de Turismo

CONDER Companhia Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia

CNTur Conselho Nacional de Turismo

CTC Centro de Tecnologia Canavieira

DAC Departamento de Aviação Civil

DNIT Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes

EMBASA Empresa Baiana de Água e Saneamento S.A.

EMBRATUR Empresa Brasileira de Turismo FINAM Fundo de Investimento da Amazônia

FINOR Fundo de Investimento do Nordeste

FISET Fundo de Investimento Setorial

FGV Fundação Getúlio Vargas

FIPE Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas

FUNGETUR Fundo Geral de Turismo

IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

IBEU Índice de Bem-estar Urbano

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDES Instituto do Desenvolvimento Sustentável do Baixo Sul da Bahia

IDHM Índice de Desenvolvimento Humano Municipal

IFBA Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia

IFBAIANO Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano

IG Indicação Geográfica

INEMA Instituto do Meio Ambiente e Recursos hídricos

INPE Instituto Nacional da Propriedade Intelectual

Invtur Inventário de Oferta Turística

IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

IVS Índice de Vulnerabilidade Social

MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário

MPA Ministério da Pesca e Aquicultura

MTE Ministério do Trabalho e Emprego

MTur Ministério do Turismo

NEABI Núcleo de Estudos e Pesquisas Afro-Brasileiras e Indígenas

OCT Organização de Conservação da Terra

OLDESA Óleo de Dendê Ltda OMT Organização Mundial do Turismo

OPALMA Óleos de Palma S/A – Agro-industrial

Plantur Plano Nacional do Turismo

PDITS Plano de Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentável

PDM Plano Diretor Municipal

PDU Plano Diretor Urbano

Plantur Plano Nacional do Turismo

PNMT Programa Nacional de Municipalização do Turismo

PRODETUR Programa de Desenvolvimento do Turismo

PRT Programa Regional do Turismo

RAIS Relação Anual de Informações Sociais

RESEC Reserva Ecológica

RPPN Reserva Particular do Patrimônio Natural

SCT Secretaria da Cultura e Turismo

SEBRAE Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas

SEAGRI Secretaria da Agricultura, Pecuária, Irrigação, Reforma Agrária, Pesca e Aquicultura

SENAC Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial

SPU Secretaria do Patrimônio da União

SUINVEST Superintendência de Investimentos Turísticos

TDIC Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação

UNEB Universidade Estadual da Bahia

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...... 14

CAPÍTULO 1: A TOTALIDADE, O PROCESSO DE PRODUÇÃO DO ESPAÇO GEOGRAFICO E O TURISMO ...... 22 1.1 A PRODUÇÃO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO E O TURISMO NA COSTA DO DENDÊ ...... 24 1.2 REPENSANDO O TURISMO A PARTIR DA PRODUÇÃO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO: APORTES TEÓRICO-METODOLÓGICOS ...... 38 1.3 NA TRILHA DA PESQUISA: CATEGORIAS ANALÍTICAS PARA ANÁLISE DA PRODUÇÃO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO E ACERCA DO TURIMO NA COSTA DO DENDÊ ...... 46

CAPÍTULO 2: O PRESENTE E A SUA APARÊNCIA: PRIMEIRAS INCURSÕES PELA COSTA DO DENDÊ ...... 54 2.1 UM PRIMEIRO OLHAR SOBRE O CONTEXTO REGIONAL DA COSTA DO DENDÊ ...... 56 2.2 OUTROS TEMPOS QUE CONFORMAM O PRESENTE ...... 67 2.3 OS MUNICÍPIOS DA COSTA DO DENDÊ E A CONTRADIÇÃO SOCIESPACIAL FACE AO TURISMO ...... 77

CAPÍTULO 3: A COSTA DO DENDÊ E OS SEUS “VALORES” ...... 89 3.1 A VALORIZAÇÃO DO ESPAÇO E O TURISMO NA COSTA DO DENDÊ ...... 91 3.2 O TURISMO COMO POSSIBILIDADE DE RESSIGNIFICAÇÃO DE VALORES NA COSTA DO DENDÊ...... 112

CAPÍTULO 4: A PRODUÇÃO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO: ISOTOPIAS E HETEROTOPIAS NA COSTA DO DENDÊ ...... 123 4.1 REPRESENTAÇÕES DO ESPAÇO GEOGRÁFICO ...... 124 4.2 PRÁTICA DO ESPAÇO GEOGRÁFICO ...... 1371366 4.3 ESPAÇOS DA REPRESENTAÇÃO ...... 159

CAPÍTULO 5: POR QUE TRATAR DE UTOPIAS? ...... 175 5.1 DAS HETEROTOPIAS À UTOPIA: PROPOSTAS PARA A COSTA DO DENDÊ ...... 177 5.2 UTOPIAS PARA A COSTA DO DENDÊ: O TURISMO NO CONTEXTO DA TOTALIDADE DO ESPAÇO ...... 188

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 200 REFERÊNCIAS ...... 206 APÊNDICE A – ROTEIRO DE ENTREVISTAS COM OS MORADORES ...... 221 APÊNDICE B – ROTEIRO DE ENTREVISTAS COM OS COMERCIANTES E EMPRESÁRIOS ...... 223 APÊNDICE C – ROTEIRO DE ENTREVISTAS COM OS TURISTAS ...... 224 APÊNDICE D – ROTEIRO DE ENTREVISTAS COM O SETOR PÚBLICO ...... 225 APÊNDICE E - INSTRUMENTOS POLÍTICOS DO TURISMO BRASILEIRO...... 226

APÊNDICE F – FOTOGRAFIAS ...... 2262283 14

INTRODUÇÃO

Não existe uma estrada real para a ciência, e somente aqueles que não temem a fadiga de galgar suas trilhas escarpadas têm chance de atingir seus cumes luminosos. (Marx, 2013, p. 93)

São vastos os caminhos da ciência; mais do que a mera análise da aparência ou mesmo do que está posto, cabe ao cientista, em especial àqueles que tratam das questões sociais, abrir outros caminhos diante de realidades díspares. A opção teórico-metodológica para entender o presente e projetar o futuro e, no caso da geografia, os processos sobre o espaço geográfico, refletem a visão de mundo e o comprometimento do pesquisador ao se posicionar diante de tais realidades. Desta forma o presente trabalho, que versa sobre a produção do espaço geográfico e o turismo na Região da Costa do Dendê (Bahia1, Brasil), traz como elementos-chave o movimento metodológico dialético sobre a leitura da aparência, sua realidade atual e as possibilidades que se apresentam a partir da análise do turismo e o contexto da totalidade, considerando suas texturas, polifonias e interditos. Aqui busca-se responder a seguinte questão de pesquisa: em quais bases se realiza o turismo no processo de produção do espaço geográfico da Costa do Dendê, considerando a sua sistematização, com os direcionamentos e investimentos do Programa de Desenvolvimento do Turismo, e quais as possibilidades concernentes a ações que sejam direcionadas ao plano heterotópico, no que se refere ao desenvolvimento geográfico desigual? Propõe-se que a atividade do turismo, em suas distintas lógicas: do planejamento e dos reflexos de tais práticas no plano da vida, dos encontros e desencontros entre turistas e moradores, da ação estatal e empresarial, reproduz coesões nas distintas morfologias e apropriações, configurando isotopias, heterotopias e as possibilidades de transformação pela capacidade de se projetar outros futuros estão expressos na totalidade do processo de produção do espaço geográfico. Discute-se que a análise do processo de produção do espaço, tendo por base a tríade: representação do espaço/concebido/projetado, prática espacial/percebido, espaço da representação/vivido (LEFEBVRE, 2000, 2008), que versa sobre o desenvolvimento geográfico desigual, contribuirá para a proposição do planejamento do turismo e o seu

1 Dentre os 417 municípios do estado, 150 integram as 13 regiões turísticas (antes da produção do novo mapa turístico publicado no ano de 2016 pelo Ministério do Turismo, eram 117), sendo esses: Baía de Todos os Santos, Caminhos do Jiquiriça, Caminhos do Oeste, Caminhos do Sertão, Caminhos do Sudoeste, Chapada Diamantina, Costas da Baleia, Costa do Cacau, Costa do Dendê, Costa do Descobrimento, Costa dos Coqueiros, Lagos e Cânions do São Francisco, Vale do São Francisco. 15

entendimento. Isso ocorrerá através da observação de materialidades e práticas isotópicas, heterotópicas e utópicas2, que seguem, respectivamente, lógicas unitárias e diversas, ligadas diretamente à ação capitalista e à reprodução social, abordagem a ser contextualizada com o estudo de caso sobre o turismo na Costa do Dendê, no estado da Bahia, Brasil. A isotopia, sob o viés econômico, tende a homogeneizar e fragmentar os espaços e as suas relações; a heterotopia refere-se a outras esferas de produção, apropriação e uso do espaço, explicada pelo diverso que se reúne nesse; já a utopia, compõe o imaginário, o simbólico e o devir. Temática necessária para desvelar os contrastes e as oposições entre os espaços dominados e os espaços apropriados3, aqui abordados à luz do debate geográfico. Assim sendo, objetiva-se discutir a produção do espaço a partir da atividade turística na Costa do Dendê tendo como referência-chave o processo de produção do espaço geográfico que se dá sob a tríade: prática espacial/representações do espaço/espaço da representação (LEFEBVRE, 2000) através dos topos (isotopia/heterotopia/utopia). Dito de outra forma, no movimento de produção e reprodução do espaço geográfico, pode-se observar os elementos constantes contidos na dialética entre partes e totalidade, assim como as lógicas presentes em suas ordens próximas e distantes no desenvolvimento geograficamente desigual que se combinam espacialmente, passíveis de leituras pela sua reprodução no que se refere as texturas, polifonia e interditos. Tal objetivo desdobra-se em: 1) Compreender como o turismo está inserido na Costa do Dendê-Bahia, assim como as suas conexões nas escalas intra/inter-regional e mesmo internacional. 2) Avaliar o planejamento, direcionamento e execução das políticas para o turismo na Costa do Dendê, tendo por base os direcionamentos apresentados no Programa de Desenvolvimento do Turismo (PRODETUR)4; 3) Investigar as diferentes estratégias dos agentes sociais diante do processo de produção capitalista do espaço na Costa do Dendê no que concerne à atividade do turismo;

2 Sob outra ótica, Foucault (1994, 2013) apresenta como espaço outro aquele em que o uso, a apropriação e função diferem dos lugares que o cercam – lugar. Diferentemente do espaço utópico, o espaço do espelho, “o lugar sem lugar” – projetados, mas que não estão em lugar nenhum. Heterotópicos são contraespaços categorizados como: o espaço topofílico (TUAN, 1988), jardins, espaços sagrados; de produção de outras realidades, teatro, cinema; espaços à margem, destinados aos desviantes e em “crise”, escolas militares, hospitais, presídios, cemitério; que se localizam no tempo heterocrônico, podendo ser eternitárias ou crônicas, a exemplo dos museus e no segundo caso os calendários festivos e os outros usos que se criam, diferente dos casuais. 3 Apesar de estarem em polos muitas vezes opostos, dominação e apropriação coexistem, e ambas as situações podem ser potencializadas através dos direcionamentos governamentais, ou mesmo pela ação dos agentes sociais, ao aceitar ou não e criar outras possibilidades de agir e se apropriar do espaço. Neste caso, tais adjetivações referem-se respectivamente a produção, ações e usos dos/nos espaços ditos isotópicos e heterotópicos, que em projeções futuras se projetam na forma utópica ou distópica. 4 Avaliação apresentada nos Planos de Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentável (PDTIS). 16

4) Avaliar, por meio dos usos, apropriações e representações no espaço, práticas que possibilitem a acessibilidade ao lazer dos usuários e população local na Costa do Dendê- Bahia. Tal debate se faz necessário diante da realidade atual da Costa do Dendê; região turística do estado da Bahia com altos índices de vulnerabilidade social5 (POCHMANN et al., 2004), e que ao mesmo tempo está inserida no processo de produção capitalista do espaço e tem em seu território enclaves6 como ilhas de riqueza destinadas à atividade do turismo. A opção pela discussão do turismo decorre do reconhecimento das potencialidades da Costa do Dendê para além do turismo do “sol e praia”, como os outros caminhos possíveis e acessíveis à população, assim como de tendências que se voltem para as práticas sociais considerando tantos os subespaços dotados de infraestrutura quanto os potenciais7, a partir da totalidade em que se inserem, suas especificidades e (re)produção, além das possíveis conexões com outros arranjos produtivos, em oposição à exclusão social que prepondera no processo de mercantilização do espaço. Desta forma, o enfoque aqui elencado trará como ponto de partida o entendimento da diversidade que compõe o espaço geográfico apresentado na contextualização regional, desde quando a mesma é evocada no planejamento que engloba os limites territoriais dos municípios presentes na Costa do Dendê, na representação de suas potencialidades para posteriormente se discutir a atividade turística e sua inserção no plano municipal e nas áreas já consolidadas. Tal debate é importante para se repensar o desenvolvimento geográfico desigual tanto na escala regional quanto na intra/intermunicipal e mesmo nas áreas onde há incidência do turismo; assim como lançar o olhar para as estratégias dos agentes sociais e para os elementos que se apresentam como potencialidades (da região e dos municípios) e os diversos arranjos produtivos que se conectam ou poderiam estar conectados diretamente à atividade turística.

5 Refere-se aos indicadores de exclusão social; como: 1) padrão de vida; 2) participação no legado técnico cultural; 3) índice de vulnerabilidade juvenil. 6 O termo utilizado está diretamente relacionado à forma como o turismo está sendo gestado na Costa do Dendê, que é uma representação da realidade apresentada em grande parte do território nacional. No sentido, dos investimentos destinados a tais áreas que diferem em muito da realidade do seu entorno, seja no contexto local, ou mesmo no contexto regional, discutido aqui diretamente através do processo de fragmentação que a ação capitalista promove sobre a totalidade do espaço. 7 Fato observado nos desdobramentos dos projetos de pesquisa intitulados “Caminhos para o lazer e turismo no município de Valença – Bahia” e “Análise populacional do Baixo Sul Baiano: Mobilidades e permanência”, culminando nas publicações entre os anos de 2011 e 2015 (EPIFANIA, 2011, 2012, 2013a, 2013b) que elencam as potencialidades presentes no plano municipal e regional, dentre as quais o turismo, neste caso mais especificamente no primeiro projeto, como resultado de pesquisa com os agentes sociais, sendo proposta a criação dos caminhos turísticos: culturais, ecológicos, históricos, do sol; reunindo áreas e atividades que tivessem características de tais caminhos. 17

Dado esse primeiro passo, há que se considerar as estratégias dos agentes sociais em seu processo de reprodução em oposição à produção capitalista do espaço (da isotopia à heterotopia) e os contextos em que a Costa do Dendê está inserida no processo de produção do espaço geográfico em sua totalidade. Para a leitura desse universo, parte-se da análise do processo de produção do espaço geográfico e como o turismo se reproduz através da concepção e ações que foram postas tanto em um plano regional quanto local, no que se refere às áreas escolhidas e que sofreram intervenções, assim como as percepções dos agentes sociais e representações que compõem o espaço em sua tríade: o vivido, o concebido e o percebido, no sentido de reconhecer a realidade presente e de se pensar outras possibilidades no devir, como resultado do confronto dialético entre isotopias e heterotopias, culminando em utopias factíveis. Busca-se aqui suprir outra lacuna no tocante ao fato de a grande parte dos estudos tratarem do contexto regional e as concepções advindas do planejamento como pano de fundo para discussões intraurbanas, focando principalmente nos espaços estandardizados e suas redes de conexão convergindo para análises sobre o turismo de “sol e praia”, não trazendo para o debate outras possibilidades para a realidade vigente. Por outro lado, quando a escala regional é considerada, o compêndio de arranjos produtivos listados é tão amplo que as explanações acabam por não promoverem uma análise profunda sobre a discussão do turismo e as possíveis conexões entre os arranjos produtivos em toda área analisada; assim como na rede formada entre a escala local, regional, nacional e internacional. Análises que muitas vezes partem diretamente das ações estatais sobre os espaços verticalizados, apresentando questões mais generalizantes, como se estes bastassem em si, dissociando-os do processo de (re)produção da vida. No intuito de suprir tais lacunas, no que se refere à perspectiva espacial, optou-se por trazer ao debate a atividade do turismo na Costa do Dendê através da leitura do processo de produção do espaço geográfico em sua totalidade, elencando as instâncias espaciais em que tal processo ocorre, em seu conteúdo absoluto, relativo e relacional, em confronto com a análise da tríade que compõe o processo de produção do espaço, aqui apresentado no primeiro capítulo. O capítulo dois tem como referência a análise dos dados sobre a região analisada e os seus municípios, destacando os elementos que são considerados e marginalizados na realização da atividade turística na Costa do Dendê para se compreender as condicionantes e o seus resultados na atualidade, fato importante para análise posterior das realizações do planejamento (espaço concebido), dos objetos técnicos e sua representatividade como materialidades (espaço percebido) e nas ações dos agentes sociais (espaço vivido), no intuito de se repensar planejamentos e práticas. 18

A leitura da totalidade do espaço em suas primeiras incursões servirá como base para a contextualização posterior dos valores que estão postos sobre o espaço da Costa do Dendê e a sua produção, por meio do debate sobre a valorização do espaço com enfoque na tríade: valor de uso – valor de troca e valor; trazendo a análise da atividade do turismo em seu tempo presente e as possibilidades de sua ressignificação através do valor de uso. Deste debate será aprofundada, com a pesquisa de campo, a leitura da tríade que compõe a produção do espaço geográfico no quarto capítulo; tendo por base: as concepções sobre a Costa do Dendê e o que realmente foi realizado, as suas morfologias materiais e sociais presentes sobre o espaço, assim como a análise do discurso e representações dos agentes sociais. Pretende-se trazer para a discussão outras possibilidades que promovam, para além da utopia, o real direito ao uso e à apropriação da Costa do Dendê em seu valor de uso, ou mesmo em que as relações de troca sejam menos concentradas nas mãos de poucos agentes (hegemônicos). O enfoque sobre o plano do turismo se faz presente pelas possibilidades de interligação de tal atividade com os arranjos produtivos que se apresentam na Costa do Dendê, ampliando a sua abrangência e valor agregado quando articulados, através do aumento da oferta e da demanda com a chegada de agentes de outros espaços, podendo mudar a lógica fragmentária atual8 se sua realização perpassar por um planejamento que agregue os agentes locais em suas diversas atividades. O objeto de estudo segue a escala temporal decorrente do tempo dos planejamentos gestados sobre a regionalização presente de forma diacrônica, com a análise da morfologia material e social vigentes sobre esta área e suas conexões; focando neste caso, nos planejamentos e ações na Costa do Dendê em aproximadamente 25 anos, sob a égide do Prodetur. É de extrema importância a comparação das apropriações, usos e acessibilidade, assim como as transformações da paisagem anterior à promoção da atividade turística, que foram pesquisadas junto aos moradores que vivenciaram esse período. Os caminhos percorridos pela metodologia do trabalho perpassaram por quatro fases que estão diretamente articuladas: o levantamento e revisão bibliográfica; a pesquisa de dados secundários; a pesquisa de campo; a análise e a seleção do material coletado e a redação, a escrita e a sistematização.

8 Refere-se à inserção da atividade do turismo na Costa do Dendê, que, a despeito do que está posto no planejamento no que se refere ao contexto das potencialidades, muito pouco está articulado às áreas onde há maior investimento governamental, havendo na realidade nada mais que aplicações em setores econômicos que não se articulam, pouco contribuindo para o desenvolvimento regional e, sim, setorial. 19

A revisão bibliográfica corresponde a todo aparato teórico-metodológico, assim como os estudos de caso sobre o universo de análise, dos estudos relacionados as apropriações e usos dos agentes sociais na Costa do Dendê; sobre os arranjos produtivos aí presentes, especialmente a atividade do turismo e suas articulações; tendo como norte a comparação dos registros sobre a temática ligada à pesquisa e aos eventos presentes. Procedeu-se à coleta de dados e informações, com uso dos levantamentos sistemáticos e relatórios de pesquisa e estatística através do acesso aos órgãos competentes, entre os quais estão: o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (CONDER) e a Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais do Estado da Bahia (SEI). Na análise documental foram analisados os planos voltados para atividade turística dos municípios constantes na Costa do Dendê, das agências financiadoras do PRODETUR, do ministério e secretarias de turismo, folhetos, jornais e revistas (locais, nacionais e internacionais) e de companhias aéreas, assim como websites que tratam da região em análise. Posteriormente, procedeu-se à apuração, interpretação, processamento e produção de material escrito, iconográfico, gráfico e cartográfico. Sobre a pesquisa de campo, optou-se pela metodologia indicada por Lefebvre (1973), que tem por base: entrevistas (livre expressão) – observação/descrição (com uso da caderneta de campo) – registro ilustrativo (fotografia), tendo como enfoque a análise qualitativa, validadas principalmente pela técnica da sobreposição dos discursos polifônicos, que favorecem o dialogismo e o acesso aos interdiscursos; estes apresentados como prática social (HARVEY, 1996), podendo também anteceder ou mesmo escamotear determinadas práticas. Tal técnica já foi utilizada pelo pesquisador em outros momentos (EPIFANIA, 2008, 2013ª, 2013b, 2017). Neste caso, baseia-se na sobreposição dos múltiplos discursos dos diversos agentes sociais, daí polifônicos9; que são construídos no processo de interação social (dialogismo), e que em algum momento se interpenetram (interdiscurso) servindo desta forma de base para o argumento científico. Não necessariamente aqui se busca a coesão, ou que determinadas vozes anulem as outras. Tais leituras estão baseadas no entendimento do autor supracitado e nos estudos linguísticos Bakhtinianos (BAKHTIN, 2010) sobre a análise do discurso crítico (FAIRCLOUGH, 2001; BRANDÃO, 2004, 2014; MAINGUENEAU, 2006; RESENDE, 2006; FERNANDES, 2007).

9 Canevacci (2004) é outro autor importante para o entendimento de como os estudos sobre a polifonia dos discursos podem ser utilizados metodologicamente.

20

Também à luz da análise do discurso, foram analisados os elementos iconográficos, sobre a Costa do Dendê, em folhetos, websites ou vídeos de promoção do turismo. As fotografias também compõem a base de análise no que se refere à comparação das transformações da paisagem com a ascensão da atividade do turismo na região. O universo de análise dos agentes entrevistados foi composto por representantes do poder público na esfera municipal, estadual e federal10, sociedade civil organizada e não organizada, empresários e turistas; para a identificação das isotopias, heterotopias e utopias presentes na Costa do Dendê, levando em consideração o processo de produção do espaço geográfico e a sua tríade: concebido/percebido/vivido. Os agentes e representantes de instituições categorizados compuseram a população pesquisada, levando-se em consideração a amostragem não probabilística, correlacionando a amostragem por tipicidade e com a sobreposição do discurso à técnica da amostragem por saturação, definidas a partir das partir das técnicas constantes para a pesquisa qualitativa apresentadas por Pessôa et al. (2013). Neste caso, a saturação se dá com o processo de repetição apresentado nos discursos e seus contextos. Utilizou-se em parte dos agentes entrevistados a amostragem por “bola de neve”, modelo assim denominado por Bailey (1994), em referência às indicações por parte dos entrevistados de outros agentes conhecedores sobre a temática pesquisada, ampliando o horizonte de possíveis entrevistados que pudessem discutir tal tema e mesmo a representatividade destes agentes perante a comunidade pesquisada, o que pareceria com o efeito agregador de uma bola de neve, tanto em relação a agregar mais agentes quanto na quantidade e qualidade da informação repassada. Neste sentido, além da análise documental, utilizou-se do diálogo com os agentes sociais dos municípios pertencentes à região supracitada, mediante uso de entrevistas semiestruturadas. Em números ao todo foram cerca de 26 horas de gravação das entrevistas realizadas com os 113 agentes sociais entre os anos de 2016 e 2017, onde foram realizadas 29 entrevistas destinadas aos moradores, 30 envolvendo questões para moradores e comerciantes e 48 com turistas; foram 6 entrevistados dos 8 representantes do poder público ligados a atividade do turismo, sendo que os representantes dos municípios de Taperoá e Cairu, apesar de se disporem a participar das entrevistas, durante um ano nas inúmeras vezes, mesmo agendando antecipadamente, não se fizeram presentes nestes momentos. Tais entrevistas foram realizadas principalmente nas áreas onde há maior fluxo turístico (listadas na imagem 1, p. 78).

10 Estes presentes nos planos sobre o turismo nos quais tais escalas dialogam diretamente. 21

Dentre as dificuldades metodológicas as principais foram o encaminhamento da pesquisa de campo e a sistematização e escolha dos dados. No que se refere a análise do discurso, a transcrição de todo o material gravado demandou um tempo considerável, para que posteriormente os mesmos pudessem ser sobrepostos para a análise. Nesse caso, tal exercício foi necessário para a realização da escolha daqueles que abarcavam os outros discursos pesquisados na forma de interdiscursos, como apresentado nos capítulos posteriores. Sobre a primeira constatação, o universo de análise escolhido em termos de área total foi bastante extenso, e mesmo a acessibilidade das áreas em grande parte demandavam o uso dos modais rodoviário e marítimo. Em campo o pesquisador percorreu as secretarias de turismo, as áreas mais turistificadas dos enclaves turísticos e as ruas e bairros a margem de tais áreas, assim como áreas passíveis de tais processos, como as áreas de comunidades tradicionais apresentadas na tese, muitas destas ligadas por estradas não pavimentadas. Para além das entrevistas em campo, o processo de imersão na pesquisa foi de extrema importância, em especial para trazer a luz as texturas e os interditos relacionados a atividade do turismo na Costa do Dendê, desde quando havia a necessidade de comprovação de parte do que foi apresentado nas múltiplas vozes e em outras formas de representação (polifonia). Fato este que demandou a permanência do pesquisador nos três turnos (matutino/vespertino/noturno) em suas visitas de campo ao longo dos anos de 2016 e 2017. A partir de tal exercício, busca-se o direito ao espaço, correlacionando-o ao ideário apresentado por Lefebvre (2001) em “O direito a cidade”, no que se refere ao direito à apropriação e uso participante (o direito à obra), em alusão ao pensamento marxiano sobre o valor. Neste, o uso deveria preponderar sobre a troca; elementos retomados nas leituras por Harvey (2016, 2018), em especial em suas últimas obras “17 contradições e o fim do capitalismo” e “A loucura da razão econômica: Marx e o capital no século XXI”. Assim como Lefebvre (Ibidem) discutia uma perspectiva cidadã sobre o direito à cidade, requer-se, com a execução do trabalho, o direito ao município, ao território de cidadania, ao estado-nação, ao mundo, enfim, ao ser mundo11, inclusive com possibilidade de se fazer presente na acessibilidade e nas mudanças em seus espaços, de modo que possam corroborar no processo de constituição da cidadania, emancipação humana, autonomia e liberdade.

11 Tão bem lembrado por Santos (2007) no que concerne à cidadania urbana e à cidadania rural no Brasil, fica mais visível o desrespeito aos direitos do homem do campo em decorrência da ausência de serviços essenciais para a sua reprodução. 22

CAPÍTULO 1

A TOTALIDADE, O PROCESSO DE PRODUÇÃO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO E O TURISMO

A humanidade só levanta problemas que ela mesma pode resolver, escreveu Marx. Atualmente, alguns acreditam que os homens só levantam problemas insolúveis. Esses desmentem a razão. Todavia, talvez existam problemas fáceis de serem resolvidos, cuja solução está aí, bem perto, e que as pessoas não levantam. (LEFEBVRE, 2001, p. 141)

A assertiva sobre a resolução dos problemas em voga na sociedade é um tema presente nas perspectivas analíticas críticas, em especial nas abordagens das ciências sociais. Nesse sentido, a teoria da produção do espaço geográfico tem como meta tratar de tais problemáticas voltando-se para a produção social em sua totalidade, como reflexo da dialética entre a produção do espaço geográfico e a reprodução das relações sociais, que culminam diretamente na morfologia material e social. Dessa forma, a opção teórico-metodológica em adaptar o método de pesquisa lefebvriano nesse trabalho é a de entender em que bases o espaço social é produzido, assim como as suas relações de produção e reprodução. Essas envolvem o tempo/espaço social em que as sociedades/agentes vivem, assim como imprimem os seus modos de produção e cultura. Daí considerar que o tempo presente, sobre a égide do modo produção capitalista, envolve diferentes formas de produção do espaço geográfico com ações hegemônicas, não hegemônicas, hegemonizadas e contra-hegemônicas, as quais estão postas sobre a diversidade que compõe as relações sociais, estratégias, usos/práticas, apropriações e os seus rebatimentos sobre as diferentes áreas e processos presentes sobre o espaço geográfico. Como visão de mundo, a teoria da produção do espaço apresenta-se como um contraponto aos saberes espaciais parcelares através da análise dos nexos causais do processo de produção do espaço geográfico (da aparência à sua essência) e sua reprodução, tendo por objetivo, no envolvimento entre teoria e ação (prática social), repensar o devir. Essa perspectiva está presente no engajamento das pesquisas com a ação crítica, partindo da teoria à prática social que é inerente ao campo teórico metodológico de base marxista inicialmente formulado por Lefebvre12; em suas palavras:

12 Em certo momento o autor aponta para os aspectos práticos da agenda de pesquisa presentes na teoria da produção do espaço: “A via aqui indicada se liga, portanto, a uma hipótese estratégica, isto é, a um projeto teórico e prático a longo prazo. Projeto político? Sim e não. Ele envolve uma política do espaço, mas vai mais longe que a política e supõe uma análise crítica de toda política espacial e de toda política geral. Indicando a via para produzir um outro espaço, o de uma vida (social) outra, e de um outro modo de produção, o projeto transpõe o intervalo entre ciência e utopia, entre realidade e idealidade, entre o concebido e o vivido. Ele tende a superar sua oposição explorando a relação dialética: ‘possível-impossível’, objetiva e subjetivamente”. (LEFEBVRE, 2000. p. 96) 23

Se o espaço é um produto, o conhecimento reproduzirá essa produção, ele a exporá. O interesse e o “objeto” se transferem das coisas no espaço para a produção do próprio espaço, fórmula que reclama ainda muitas explicações. De um lado, os produtos parciais localizados no espaço, as coisas, e, do outro, os discursos sobre o espaço servem apenas como indicações e testemunhos sobre esse processo produtivo (que compreende processos significantes sem reduzir-se a eles). Não é mais, portanto, o espaço disto ou daquilo que importa, mas o espaço como totalidade ou globalidade, que deve, desde já, não apenas ser estudado analiticamente (o que ameaça propiciar fragmentações e recortes ao infinito, subordinados à intenção analítica), mas ser engendrado pelo e no conhecimento teórico. (LEFEBVRE, 2000. p. 64-65)

Parte-se da premissa de que, no processo de produção do espaço enquanto totalidade, há que se diferir a produção e seus espirais escalares13 (urbano, regional, nacional, global) dos elementos sociais que estão inseridos neste contexto, dentre os quais o turismo, que, para além da sua concepção e promoção como atividade econômica, conecta-se com outros esferas sociais e tem rebatimentos diferenciados de acordo com os elementos que compõem as relações sociais e o espaço produzido. Trazer esses elementos para o debate é importante de modo que possam ser repensados no que concerne aos investimentos e às prioridades direcionados para as diferentes atividades, áreas e agentes sociais. Utilizando uma terminologia lefebvriana (1973), entende-se a totalidade a partir do contexto em que os processos sociais se dão de forma total, no qual se insere também a atividade do turismo, tanto em grau de abrangência por áreas em um plano global quanto pela disseminação da cultura do ato de viajar para o entretenimento, como apresentado por diversos teóricos da área do turismo; o que não invalida a leitura sobre os seus rebatimentos nas mais diversas áreas, daí a necessidade das análises que se dão de forma dialética e que trazem diversos contextos entre unidade e diversidade que se apresentam na totalidade do espaço geográfico. Esta, em um plano teórico-metodológico dialético, perpassa da mera constatação em sua realização no modo de produção capitalista para a de contestação no processo de se pensar o devir. O turismo, como atividade social, está inserido no contexto total; e, por conseguinte, para a sua análise há que se considerar esses espirais escalares, através de uma relação dialética entre a totalidade e os seus rebatimentos enquanto unidade que se apresenta nesse diverso. No caso em estudo diz respeito ao contexto em que a região turística da Costa do Dendê está envolvida no processo de produção capitalista, que dialoga diretamente com as escalas apresentadas, em especial no que se refere a atividade do turismo e seus rebatimentos sobre as

13 Aqui descritos a partir do movimento dialético em espiral, no qual o processo de ir e vir se dá pela transformação social, lócus do processo contraditório da correlação de forças entre os diversos agentes sociais , rompendo assim com a visão dicotômica e linear da análise científica através da história, para a análise do processo histórico triádico, partindo da análise das contradições, as correlações de força, seus pontos de ruptura e reorganização. 24

áreas e mesmo na região em análise, perpassando por sua realidade no cotidiano, para daí se repensar o vir a ser (devir).

1.1 A PRODUÇÃO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO E O TURISMO NA COSTA DO DENDÊ

Como se considerou durante muito tempo no Brasil, a despeito dos discursos presentes nos planejamentos, a escala regional apenas serviu como pano de fundo para o zoneamento das áreas passíveis de intervenção. Contudo, em sua concretude, as ações direcionavam-se para fragmentos dessas regiões. No planejamento turístico (como está posto nos primeiros planos), diferentemente do que foi apresentado sobre a promoção do desenvolvimento regional, as áreas selecionadas foram inseridas no processo de produção capitalista do espaço14 em decorrência da hipervalorização de um plano escalar exógeno, tendo como principal referência o turismo de “sol e praia” semelhante ao modelo caribenho. Esse processo na textura espacial promoveu a concentração de infraestrutura e serviços em determinadas áreas da linha costeira em detrimento do contexto regional, separando-as como enclaves15. Por isso observa-se que, no processo de produção capitalista do espaço articulada a atividade do turismo, há uma forte cisão entre as áreas destinadas aos turistas e as áreas do cotidiano dos moradores (especialmente daqueles menos capitalizados), diferenciando-se em materialidades, apropriações e usos (compondo interditos tanto físicos quanto culturais). As áreas selecionadas para a promoção da atividade turística sob a ótica capitalista são apropriadas como mercadoria, e como tal direcionam-se à apropriação do lucro na forma de mais-valia. Por conseguinte, o próprio espaço passa a ser o objeto de consumo e apropriação

14 Baseado nas leituras de Marx sobre a expansão e a crise do capitalismo no espaço, David Harvey (2013, 2015, 2016, 2018) avança na teoria marxiana ao destacar o papel da geografia na leitura de como as diferenças espaciais são selecionadas e apropriadas em sua diversidade no processo de produção capitalista do espaço. Por outro lado, o diverso é apresentado também como campo das contradições e contraposições a concentração e/ou dispersão do processo de circulação do capital. Nesse sentido, em suas palavras, o desenvolvimento geográfico desigual envolve ao plano do diverso e a ação capitalista refere-se ao desenvolvimento geográfico desigual capitalista. Essa ação resulta no processo de fragmentação e hierarquização que mercantilizam os espaços e direcionam os seus usos, ampliando as diferenças sociais ao promover os arranjos institucionais vigentes. Essas ideias condizem com o proposto por Smith (1988) sobre a seletividade capitalista no espaço em sua releitura da teoria do desenvolvimento desigual e combinado proposta por Trotsky (2000). 15 O que pode ser caracterizado como a fragmentação do espaço, tendência recorrentes no planejamento para áreas ditas modernas que na atualidade perpassam pelo processo de criação de áreas análogas, setorizadas e hierarquizadas como apresentado por Lefebvre (2000) na sua leitura sobre a produção do espaço, que destoam da realidade heterotópica do seu entorno. 25

mediante o poder de compra, tendo o seu uso segmentado no momento em que este é mediado pela troca através da forma-dinheiro. À medida que tal processo ocorre, há uma mudança profunda na estrutura social dos moradores das áreas selecionadas no que se refere à atração e permanência de imigrantes capitalizados, da população que se instala nos arredores dos enclaves em busca de emprego (novos moradores); dos turistas; assim como dos grupos de migrantes pendulares que moram em outros municípios e que trabalham em tal atividade. Como o direcionamento de tal prática capitalista se dá pela lógica do lucro, o custo de vida se amplia e consequentemente reduz o padrão de vida dos mais pobres (fato observado nas áreas analisadas). Dessa forma, elementos que há um certo tempo tinham em seu valor a preponderância do valor de uso, a exemplo da linha costeira no que diz respeito às faixas de praia, a partir da apropriação privada de grupos hoteleiros e da prática da vilegiatura marítima, têm seu valor direcionado prioritariamente para o valor de troca, como o caso do turismo massivo realizado em pontos da orla atlântica brasileira, favorecendo o processo de especulação imobiliária e pressionando as populações tradicionais a emigrarem interna e externamente. Como objeto de consumo nestas áreas destinadas ao turismo, um segundo processo ocorre no sentido do que Marx (2013) apontou como o segredo presente no fetiche de mercadoria. Nesse caso, estes fragmentos acabam por negar a totalidade do espaço e a reprodução social, sendo as relações sociais aparentemente mediadas pelas (e como) coisas em uma relação indivíduo e objeto, inclusive com o outro agente sendo objetificado, ao escamotear todo o processo de produção do espaço como se os enclaves turísticos bastassem em si mesmo, dissociando o espaço absoluto das relações e do seu conteúdo relacional. Nesta forma de planejamento turístico, o conteúdo espacial perde a sua operacionalidade, no tocante ao desenvolvimento regional, ao considerar a região como algo dado (espaço absoluto), no qual são descritas as suas potencialidades. Contudo, as ações direcionam-se a fragmentos desses espaços mediados por fluxos (espaço relativo) que visam ao lucro, tendo o seu valor diretamente relacionado ao seu valor de troca mais do que com o valor de uso, com relações mediadas como mercadoria (espaço relacional), e não necessariamente sobre o conteúdo relativo e relacional em sua totalidade (em sua diversidade), elementos que compõem o desenvolvimento geográfico desigual contido no processo de produção do espaço geográfico. Isso não quer dizer que outras formas de se fazer turismo não possam coexistir e/ou mesmo predominar umas sobre as outras; mais do que nomeá-las ou classificá-las com adjetivos e que necessariamente na prática o seu conteúdo destoem do que está proposto na nomenclatura, 26

defende-se como proposta de realização do turismo que tenha como norte a promoção do desenvolvimento e da equidade social e não apenas o crescimento econômico dos agentes hegemônicos ligados ao trade. Neste caso, na Costa do Dendê, tais práticas podem ser realizadas tanto em áreas litorâneas como no interior da região, intercalando o chamado turismo de “sol e praia” (que atualmente é prioridade) a outras vertentes, como: o ecoturismo, o turismo de aventura, o turismo rural, o turismo histórico, entre outros. Tais ações dependem, e muito, da vontade política do Estado (em todas as suas esferas federativas) ao direcionar a prática da atividade para a predominância do seu valor de uso sobre o valor de troca, considerando a diversidade que compõe o espaço geográfico ao integrar realmente os agentes sociais em seu planejamento. Santos (2007) apresenta tal debate no tocante ao modelo seguido pelo Estado, que pode tender para a promoção da solidariedade orgânica (da sociedade civil) em contraposição à solidariedade organizacional (das empresas), convocando os agentes para a potencialização de um novo modelo que não o economicista:

Todo nosso esforço deve estar empenhado na codificação desse modelo cívico, não mais subordinado ao modelo econômico, como até agora se deu, mas com um modelo cívico que oriente a ação política e alicerce a solidariedade social, e ao qual o modelo econômico e todos os demais modelos sejam subordinados. (SANTOS, 2007, p. 126)

Esse elemento contraditório é destacado por Becker (1999) ao analisar as políticas do turismo e do planejamento no Brasil. À vista disso, destaca-se o potencial para o desenvolvimento que tal atividade pode promover e, por outro lado, o seu enorme potencial de degradação ambiental e social16, articulando tais resultados à ação do Estado e suas instâncias federativas. A essa contradição são impostas três problemáticas no debate sobre o turismo: 1) A teoria descolada do campo da diversidade posta sobre o espaço com a composição de colagens de projetos exógenos ao plano do cotidiano que privilegiam o crescimento econômico e exacerbam as diferenças (inter/intra) regionais; 2) A busca pela participação popular sem atenção à divulgação de ações e politização dos indivíduos, conferindo muitas vezes tal participação apenas aos agentes ligados ao trade turístico; 3) A falta de uma política integrada que avance do campo setorial para o debate sobre a produção do espaço e o seu uso estratégico.

16 O mesmo observado por Azevedo (2013), em sua análise comparativa sobre como o turismo se apresenta no Brasil e em Moçambique. 27

As problemáticas apresentadas refletem a leitura do turismo apenas como um setor econômico, com planejamentos a serviço de tal atividade, e não necessariamente ao turismo inserido no processo de produção do espaço e às práticas sociais que lhes são inerentes. Os direcionamentos por parte do Estado, se não intencionais, devem ser problematizados a fim de que seus rebatimentos atuais tenham outros direcionamentos futuros. É ponto pacífico entre os diferentes autores que tratam do turístico que, após o processo de redemocratização do Estado brasileiro, as políticas públicas ampliaram-se para essa atividade a partir da década de 1990, a ponto de Cruz (2005) nomear esse período de a “redescoberta” do turismo como atividade econômica, atingindo o seu ápice com a criação do Ministério do Turismo (MTur) no ano de 2003. Esse período teve como característica uma maior abertura do mercado brasileiro sob a égide das políticas neoliberais, inclusive nas ações destinadas ao turismo. Por outro lado, a partir do governo Collor, o turismo passa a ser representado no discurso do planejamento como uma das mais importantes atividades destinadas à redução das desigualdades sociais entre as regiões do país, ampliando a importância das políticas regionais destinadas ao turismo como o Programa de Desenvolvimento do Turismo (PRODETUR) e o Plano Nacional de Turismo 2003-2007 (Plantur), que teve como norte o modelo mexicano de Cancún17 e a continuação da promoção de megaempreendimentos. Rodrigues, na apresentação do livro de Benevides (1998), destaca as condicionantes conjunturais e estruturais que influenciaram na promoção do PRODETUR e a escolha do Nordeste como área prioritária:

A região Nordeste, tropicaliente, com praias paradisíacas, ainda preservadas, emolduradas por dunas de areia brancas, manguezais e palmeiras, com insolação perene, constituía cenário inconteste para sediar potentes intervenções públicas, preparando-se cuidadosamente, o palco para inversões de megaempresas transnacionais. Aliem-se a esses argumentos os seculares problemas estruturais e a recente intensificação das desigualdades intra-regionais dos estados nordestinos, bem como as grandes estiagens, a pobreza e o esgotamento dos solos agricultáveis, os desequilíbrios econômicos que sucedem ao declínio do modelo dos polos industriais, durante o regime ditatorial quando se via na exploração do petróleo uma saída para a redenção da região. (p. 11)

Diferente do que é apontado nos planejamentos voltados para a atividade turística sobre a promoção do desenvolvimento regional, a articulação entre os setores produtivos e sociedade civil, há na realidade uma hipervalorização de um plano escalar exógeno, o qual em grande

17 Segundo Rodrigues, tal modelo tem como principal característica a criação de megaempreendimentos na faixa litorânea brasileira tal como ocorreu em Cancún no México, resultante da inserção do Brasil no processo de globalização (BENEVIDES, 1998). 28

parte das políticas nega a diversidade impressa nas regiões onde se inserem. Daí observar que no processo de produção do espaço, articulada prática social do turismo, mesmo no plano do concebido, há uma forte cisão entre as áreas e materialidades construídas para o turista e às áreas do cotidiano dos autóctones, diferenciando-se em apropriações e usos destes, inclusive com a criação de interditos, através do cerceamento de determinados espaços públicos18, na linha costeira não dando conta do plano inicial – a promoção do desenvolvimento por intermédio da articulação entre diferentes escalas. O fomento ao turismo no Brasil, nas últimas três décadas, concebeu-se apenas sobre a proposição do espaço de destino, inicialmente com a criação de infraestruturas de ligação com as áreas centrais dando continuidade às ações do Estado brasileiro com a intensificação da política de megaprojetos iniciada em 1980, diferenciando-se pelo processo de fragmentação do espaço, regido pelo movimento de concentração-desconcentração sob a faixa litorânea, destacando-se o adensamento maior de regiões turísticas no estado da Bahia no nordeste brasileiro. Assim, a partir da década de 1990, agregam-se à Política de Megaprojetos: o Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste (PRODETUR I e II), o Plano Nacional de Turismo (2003), associados às políticas dos Polos Indutores e dos Destinos Indutores. Destacam-se, na utilização das diferentes fases do PRODETUR, em seu aporte teórico- metodológico, a influência da Teoria dos Polos de Crescimento de Perroux (1967), e posteriormente o envolvimento dos estados indutores e municípios tendo por base o modelo territorialista endógeno (DUDA, 2014) proposto por Friedmann et al. (1981), consorciando o planejamento e ações com os diferentes entes federativos, cabendo aos municípios e aos agentes sociais um maior protagonismo na instância do planejamento. Essas diferenciações durante os últimos 30 anos decorreram dos problemas sociais gerados pela implementação do turismo na faixa litorânea que destoava da realidade regional, além das pressões pela participação popular dos organismos internacionais financiadores e dos levantes populares contra o processo de gentrificação que ocorria em escala internacional. Ressalta-se também uma mudança no perfil das políticas públicas, com maior participação popular após o governo de Luís Inácio Lula da Silva. Períodos que têm como princípio organizador o gerenciamento do processo de liberalização da economia na década de 1990 e a

18 Os interditos podem ser tanto físicos (muros, barreiras, cercas); culturais (a negação de determinados grupos em se apropriar de áreas onde prepondera o valor de troca), e mesmo em termos legais (tornando determinadas áreas acessíveis a um grupo e outros não, a exemplo de áreas militares). 29

agenda do desenvolvimento e políticas sociais a partir da primeira década do século XXI (PIMENTEL, 2014). O fomento ao turismo no Brasil nas últimas três décadas foi direcionado pela prática da concepção sobre os espaços de destino, tendo como pauta principal o Programa para o Desenvolvimento do Turismo no Nordeste (Prodetur I e II) e depois ampliado para o contexto nacional com o Plano Nacional de Turismo com ações direcionadas às políticas dos polos indutores e dos destinos indutores19. Na primeira fase (década de 1990 do século XX), seguindo a política de megaprojetos, privilegiaram-se as ações destinadas ao fortalecimento regional via investimentos em infraestrutura (principalmente viária e hoteleira). No segundo momento ampliou-se a participação dos diferentes entes federativos (estados e municípios), o que favoreceria um maior protagonismo dos municípios e agentes sociais. Na prática, as ações continuaram a ser planejadas em um curto espaço de tempo e com participação seletiva de determinados agentes sociais20, a exemplo de grande parte dos Planos de Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentável (PDITS) organizados nos municípios. É importante ressaltar a dependência dos estados brasileiros no que se refere as empresas de consultorias para elaborar os seus planos de ação, em decorrência da falta de investimento na contratação de um corpo técnico qualificado para execução do planejamento turístico, promovendo assim a terceirização de tais serviços, como apresentado por Macêdo (2018) em sua tese de doutoramento. Em dados numéricos, desde o início das políticas destinadas ao turismo, o estado da Bahia (CRUZ, 2002) foi privilegiado em relação a outros entes federativos, tanto na concentração de regiões turísticas (espacializadas na figura 1), quanto em projetos construídos e em andamento na segunda fase. No plano territorial, os investimentos concentram-se em determinados destinos indutores litorâneos, favorecendo também uma discrepância entre as regiões de atração dos fluxos turísticos.

19 Apesar da delimitação discutida na tese, no que se refere a periodização histórica, os instrumentos de ordenação política do turismo no Brasil datam desde a década de 1930. Para referenciar tais períodos, no apêndice E apresenta-se o quadro produzido por Maranhão (2017) com os direcionamentos e conteúdo de tais políticas. 20 Castro et al. (2011) apresenta essa realidade em sua pesquisa sobre o município de Valença na Costa do Dendê, destacando a falta de participação da população nos planos realizados pela gestão local, assim como a falta de divulgação por parte do poder público e a não compreensão dos indivíduos sobre a importância em participar de tais ações. 30

Figura 1 – Bahia, Regiões Turísticas do Estado

Fonte: SETUR, 2014.

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Não é à toa que dentre as treze regiões presentes no zoneamento turístico do território do Estado Bahia nove são contíguas ao litoral da Bahia, sendo esta zona toda margeada pelas Costas através do turismo de sol e praia; a exceção da Baía de Todos os Santos de direcionamento cultural sobre esse elemento na paisagem e de importância histórico cultural no tocante a formação do estado da Bahia e do território brasileiro. Como apresentado pelos dados da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), no que se refere ao fluxo de turistas por região no território do Estado da Bahia (Figura 2), destaca-se neste caso o fluxo turístico para a capital do estado (a cidade de Salvador), principal área de entrada para o estado e que historicamente concentrou a maior parte dos investimentos para atração de investidores e turistas. Ainda pertencentes à Região Turística Baía de Todos os Santos, outros atrativos são as ilhas e o entorno da baía, e em menor parte o turismo histórico e cultural para a cidade de Cachoeira21.

Figura 2 – Bahia, fluxo turístico por região (2010)

Baía de Todos os Santos Costa do Descobrimento Costa dos Coqueiros Costa do Cacau Costa do Dendê Costa das Baleias Caminhos do Sertão Chapada Diamantina Caminhos do Oeste Lagoas do São Francisco Caminhos do Jequiriçá Vales do São Francisco Caminhos do Sudoeste Outros Municípios 0 5 10 15 20 25 30 35 40 %

Fonte: Fipe (2012).

21 Segundo Celestino (2014), o turismo realizado em Cachoeira ainda se dá de forma sazonal, em especial durante os períodos festivos entre junho e agosto, mais especificamente nas festas juninas com caráter local e regional, já na Festa de Nossa Senhora da Boa Morte, além dos turistas locais e da região, há também a atração de turistas internacionais. 32

No interior do estado, nas Regiões Caminhos do Sertão e Chapada Diamantina, o apelo maior para atrair os turistas é para a integração do meio natural a aspectos históricos; no primeiro, os sítios históricos de Canudos e a memória sobre os grupos de resistência no sertão baiano (o cangaço) e a paisagem semiárida são os principais chamarizes, já na Chapada Diamantina, as cidades históricas e o Parque Nacional da Chapada Diamantina na Serra do Espinhaço são apresentados como os principais atrativos da região. Contudo, mesmo com toda a riqueza do interior do território do estado da Bahia, as principais regiões competidoras estão localizadas na linha costeira do Oceano Atlântico oferecendo basicamente o mesmo atrativo: o turismo de “Sol e Praia”. Tal valorização relaciona-se à produção capitalista do espaço, tendo por aporte a ação estatal, refletindo nos investimentos alocados para tais áreas e com rebatimento em sua textura no adensamento de objetos técnicos destinados ao turismo; que, como apresentado no gráfico, resultam em um maior fluxo de turistas para a zona costeira do que o interior do estado. Nessa mesma lógica, segue-se a concentração dos investimentos em outras áreas litorâneas como em Porto Seguro na Costa do Descobrimento e o Complexo Hoteleiro no Litoral Norte (Costa dos Coqueiros), este último induzido pela ampliação da Estrada do Coco e a criação da Linha Verde na década de 1990, tendo a seu favor a proximidade com o Aeroporto de Salvador; e, em Porto Seguro, a possibilidade de operação de aeronaves de grande porte com a ampliação do aeroporto em 1997. No extremo sul do estado da Bahia, destaca-se o turismo de “Sol e Praia” e o ecoturismo para o Parque Marinho de Abrolhos na Costa das Baleias, tendo como principais acessos a BR- 101 e o Aeroporto de Porto Seguro, que atendem à demanda internacional e nacional, em especial aos grupos do sudeste brasileiro. Seguindo as políticas implementadas sobre os espaços praianos, integrados pela BA- 001 (inaugurada em 1991) ligando a capital baiana ao Litoral Sul, encontram-se a Costa do Cacau e a Costa do Dendê (que juntos seriam o terceiro maior destino de atração no estado). Inclusive, no início do planejamento, as duas regiões estavam integradas no denominado Polo Litoral Sul; localizadas entre aeroportos expressivos como os de Salvador e Ilhéus, os quais atendem às escalas internacional e nacional, além do aeroporto de Valença, que durante muito tempo foi subutilizado servindo apenas para o pouso de voos charters atendendo às demandas do turismo, em especial ao Club Med em Itaparica (na Baía de Todos os Santos).

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No que se refere ao discurso constante no planejamento da região turística da Costa do Dendê, observa-se, como relatado, que os objetivos concernentes ao desenvolvimento, à promoção do bem-estar social, sustentabilidade e à qualidade de vida, quando postos no plano da ação e materialidades presentes, em muitos momentos promovem o revés, a ampliação dos conflitos sociais22. O índice do IBGE sobre a pobreza nos municípios na Costa do Dendê (referenciado na Figura 3), por exemplo, é mais alto no município com o destino turístico mais emblemático da região, o distrito de Morro de São Paulo, em Cairu. No tocante aos indicadores de exclusão social, como: 1) padrão de vida: chefes de famílias pobres, emprego formal, desigualdade de renda; 2) participação no legado técnico-cultural: estudos dos chefes de família, alfabetização acima de 5 anos de idade; 3) índice de vulnerabilidade juvenil: risco da população jovem em envolver-se em ações criminosas; todos os municípios da Costa do Dendê apresentam elevada exclusão (POCHMANN et al., 2004).

Figura 3 – Bahia, Incidência da pobreza nos municípios da Costa do Dendê (2010)

Fonte: IBGE (2010). Elaboração: Epifania (2015).

Diante da problemática apresentada, é necessária uma maior articulação da realidade em um plano transescalar que englobe o local ao nacional e global. O local no sentido do conhecimento da realidade atual e das possibilidades de ações que reduzam os problemas sociais advindos da concentração de renda por poucos, neste caso, o conhecimento dos arranjos produtivos e de como os seus valores podem ser potencializados em benefício da população.

22 Vide as análises de autores como: Andrade (2001), Argolo, et.al. (2011); Azevedo (1998); Castro et al. (2011), Epifania (2011, 2012, 2013); Oliveira (2007); Pires (2010); Thévenin (2009; 2015); Virgens (2010); Oliveira (2013); Honorato et al. (2016). 34

Por outro lado, o conhecimento de estratégias para o enfrentamento dos problemas advindos da potencialização do valor de troca sobre o valor de uso em um plano nacional e global, possibilitariam planejar políticas de enfrentamento nesse sentido. Nesse caso, a opção ocorreu pela análise da Costa do Dendê (vide o mapa na Figura da página posterior) tendo como norte uma agenda de pesquisa sobre a produção do espaço e sua tríade vivido-percebido-concebido e as ordens próxima e distante; visando à compreensão da totalidade e como a prática do turismo se realiza naquele espaço. Vale ressaltar que pensar e agir em um plano escalar se faz necessário, desde quando o turismo realizado na região da Costa do Dendê perpassa por essas escalas, em especial nas áreas analisadas, em maior ou menor grau. Abrangendo 8 municípios litorâneos do Baixo Sul Baiano, a região turística da Costa do Dendê, com 5.152,24 km², compreende a área azonal sob as condições do domínio morfoclimático dos Mares de Morros Florestados, correspondente à compartimentação dos morros mamelonares do nordeste e tabuleiros ondulados do sul da Bahia (NUNES, 1981). Possui clima tropical úmido com chuvas bem distribuídas ao longo do ano e regime perene dos rios que cortam os principais sítios urbanos, onde se encontra um rico conjunto arquitetônico em diferentes graus de preservação entre os municípios.

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Figura 4 – Bahia, Região Turística da Costa do Dendê

Fonte: SETUR, 2014.

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O espaço em análise é coberto por extensos cordões de areia na planície litorânea (faixa de restinga) e manguezais23 imponentes em torno da baía de Camamu, contendo ricos sítios coralígenos, a exemplo dos apresentados na Figura 5, que inclusive apropriado para o mergulho em superfície no arquipélago de Tinharé e na Península de Maraú na atividade do turismo. Na porção continental e nas ilhas, há extensos coqueirais próximo à linha da praia, além do cultivo do dendê em toda a faixa litorânea, compartimentação denominada por Ab’Saber (2003) de mata do dendê, sendo justamente essa área onde há incidência da atividade turística.

Figura 5 – Barreira de recife de corais em Boipeba no arquipélago de Tinharé (Cairu)

Fonte: Arquivo do IDES (2000).

Em meio à Mata Atlântica, diversos caminhos de rios, pequenos córregos e cachoeiras, além da região serrana, poderiam possibilitar o turismo ecológico e de aventura com práticas possíveis das modalidades esportivas da canoagem e parapente, como também a prática do turismo cultural e histórico. Todavia, as ações do PRODETUR potencializaram a fragmentação do espaço ao direcionar os investimentos para a lógica do “sol e praia”, reducionista da totalidade, desconsiderando o contexto regional.

23 Sobre o mapeamento dos manguezais da Costa do Dendê consultar a leitura realizada por Souza (2019), e mais especificamente sobre o município de Cairu as análises de Moreau (2019). 37

Diante dessa realidade a opção pela análise a partir espaço geográfico e sua produção se deu de forma intencional, pois entende-se este como o amálgama de outros conceitos espaciais também importantes para a operacionalização da ciência: a paisagem, o lugar, a região e o território, produtor e produto de diversas lógicas integradas na dialética presente entre a esfera da vida e dos modos de produção. Neste sentido, como afirma Lefebvre (2000, p. 7) em sua teoria sobre a produção do espaço, não há como dissociar produção e produto de suas relações, produção que é resultante e resultado das morfologias material e social, compreendendo as dimensões material/social do espaço geográfico. Em sua lógica dialética, o espaço “é produto e produtor, suporte das relações econômicas e sociais”, sendo reproduzido como campo de tensão das relações que nele ocorrem, o que coaduna com o debate sobre as instâncias espaciais (absoluto relativo e relacional) e o espaço em sua totalidade. Tendo como base tal discussão, destaca-se a importância em trazer para o debate os nexos causais sobre a produção do espaço da Costa do Dendê correlacionando ao turístico a uma leitura a partir do campo social desde quando o espaço é uma instância social, portanto, diverso no que se refere ao desenvolvimento geográfico desigual. Essa lembrança refere-se à necessidade de se pensar as possibilidades que podem advir da ação social em contraponto à herança dualista muito presente no campo científico, inclusive através da descrição dos processos em sua aparência com uma realidade própria, seja para sua afirmação ou para sua negação. Por mais que o turismo seja uma atividade econômica, a sua realização no contexto geográfico ultrapassa a simples discussão mercadológica, tendo seus apontamentos e execução pela realização de usos/troca/valor tendendo para matizes diferentes entre valor de uso e valor de troca. Estes dependem diretamente da ação dos agentes produtores do espaço assim como daqueles que o reproduzem, campo que se apresenta por materialidades, ação, apropriação e usos isotópicos e heterotópicos. Dessa forma, um planejamento que objetive a redução das iniquidades sociais não deve ser proposto setorialmente e de forma uniescalar, no qual as lógicas exógenas e lógicas endógenas buscam dar conta da realidade. A análise geográfica das texturas e discursos espaciais, bem como o desvelamento dos processos em suas ordens próxima e distante, são de extrema importância para que lógicas totalitárias não ganhem força a tal ponto de excluírem, dos seus espaços de morada, a população menos favorecida em termos econômicos. Daí ser necessário o desvelamento do cotidiano para a compreensão da produção do espaço, tendo como norte a tríade: vivido-percebido-concebido. 38

1.2 REPENSANDO O TURISMO A PARTIR DA PRODUÇÃO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO: APORTES TEÓRICO-METODOLÓGICOS

Na produção do espaço geográfico, inúmeros processos envolvem relações econômicas e sociais delimitadas pela práxis dos agentes envolvidos, a exemplo do turismo. É justamente através da prática social no espaço que as ações e materialidades adquirem valor e podem se impor na forma de valor de uso e/ou valor de troca24 (MARX, 2013), lidos sobre elementos que envolvem o uso, a apropriação e a dominação. Nesse sentido, discutir sobre a atividade do turismo a partir do processo de produção do espaço, e não necessariamente tratar às áreas destinadas ao turismo como algo dado, refere-se à compreensão de elementos e sociabilidades que estão no espaço geográfico e não se dão de forma per si, e sim através do seu conteúdo absoluto/relativo/relacional. Fato este consonante com o pensamento lefebvriano (2000), em que o autor critica a tendência do planejamento espacial na modernidade com a setorização realizada em gabinetes que parte da total abstração e não dos processos em sua concretude, culminando em processos de homogeneidade- fragmentação-hierarquização. A crítica do autor refere-se às formas do planejamento e da ação no espaço como meras abstrações, tendo como enfoque o planejamento destoante do plano do vivido e do percebido; abstração que envolve o valor de troca similar a outros planejamentos setoriais em um plano global. Assim sendo, o papel do Estado vincula-se diretamente à ação do capital, favorecendo o desenvolvimento desigual e combinado (SMITH, 1988) ao priorizar investimentos em determinadas áreas em detrimento de outras. Sobre a espacialidade do turismo, em especial a sua forma mais produzida e difundida no turismo de massa, observa-se em seu valor o fortalecimento do valor de troca sobre o valor de uso, criando áreas cambiáveis que, em um plano global, em decorrência da racionalidade capitalista, apresentam características similares em seus fragmentos e se diferenciam no contexto da totalidade do espaço. Em um plano inicial, a partir da análise do processo apresentado na Costa do Dendê no que se refere à morfologia material e à morfologia social (LEFEBVRE, 2000) pode-se observar: • A criação de cenários com o ordenamento das antigas áreas de residência que foram destinadas aos enclaves turísticos (como apresentados na Figura 6 e 7 sob o mesmo ângulo em períodos diferentes), presentes no colorido dos casarios e suas cores calientes, nos detalhes presentes nas fachadas, vitrines e no design de seus interiores

24 Debate a ser retomado no Capítulo 3: A Costa do Dendê e os seus valores. 39

como um convite ao olhar, a despeito do predomínio do ocre das casas sem alvenaria de grande parte dos autóctones que moram nas proximidades dos enclaves em bairros populares dos municípios da Costa do Dendê, a exemplo do bairro Nossa Senhora da Luz (Figura 7);

Figura 6 – Via central de Morro de São Paulo no sentido da primeira praia há cerca de 30 anos quando ainda era um Vila de Pescadores

Fonte: Thevenin (2009).

Figura 7 – Fotografia tirada sobre a mesma perspectiva no ano de 2009

Fonte: Thevenin (2009). 40

Figura 8 – Bairro Nossa Senhora da Luz (Morro de São Paulo, Cairu)25

Fonte: Virgens (2010).

• O direcionamento dos roteiros a serem visitados, neste caso, as faixas próximas da linha de praia que apresentam difícil acesso (especialmente nas ilhas e na Península de Maraú), em detrimento de áreas tão aprazíveis quanto, como os caminhos de rio, cachoeiras, trilhas na Mata Atlântica, cerceando, no poder de compra, o acesso ao lazer; • Uma diferenciação nos discursos nas áreas analisadas, a depender da ótica de observação, entre lógicas próximas e distantes, a exemplo das perspectivas polifônicas sobre o “paraíso” presente na Costa do Dendê e o cotidiano dos agentes sociais26; • O uso e a apropriação de determinadas áreas e equipamentos dispostos por parte dos agentes sociais; o cerceamento de condutas e das acessibilidades, sejam por barreiras físicas ou no campo do interdito (regras, leis, normas). Essa racionalidade imposta resulta na criação de espaços isotópicos, análogos, e, mesmo que sua apropriação e uso indiquem práticas heterotópicas, as barreiras físicas e culturais impostas nestes espaços tendem a cercear o diverso;

25 Denominado anteriormente de Buraco do Cachorro, toponímia proveniente por ser uma antiga área de caça. 26 Discussão traçada (EPIFANIA, 2017) sobre como a paisagem edênica é representada para a promoção do turismo diante de uma realidade totalmente díspar quando se considera os dados sociais dos municípios da Costa do Dendê, hierarquizando o uso e apropriação das áreas de destino em contraposição ao contexto regional. 41

• As hierarquias no tocante ao questionamento: em que, como e onde investir; referentes ao papel do Estado, em especial às prioridades destacadas pela gestão municipal. Nesse caso, a perspectiva setorial amplia as desigualdades ao privilegiar determinadas áreas sem integrar os arranjos produtivos presentes no contexto total. Sob outra perspectiva, movimentos contrários à lógica apresentada podem emergir inclusive como possibilidade para o planejamento do turismo, direcionando os seus valores para o fortalecimento do valor de uso. Esse ideário conflui para a retomada da diversidade que compõe o espaço geográfico, apresentado por Harvey (2015) como o desenvolvimento geográfico desigual, no que concerne ao direito às diferenças ao incorporar o cotidiano, o vivido e o percebido dos agentes envolvidos, em tais planejamentos. Neste sentido, alguns elementos relacionados às tendências heterotópicas devem ser considerados para análise, a saber: • Repensar o turismo para além da perspectiva setorial, tendo como enfoque uma política integrada que se destine a pensar o turismo articulado a outros arranjos produtivos que compõem a totalidade da Costa do Dendê (espaço absoluto), suas redes e fluxos (espaço relativo) e os seus rebatimentos (espaço relacional), com vistas a antever os impactos decorrentes de tais políticas.; • Análise de roteiros alternativos que se destinem à prática do turismo e envolvam um maior diálogo com os grupos sociais que aí residem, ampliando a participação dos agentes sociais dos municípios da Costa do Dendê no que diz respeito ao direito ao entorno (SANTOS, 2007) e ao ir e vir “garantido” ao cidadão por lei, e ao acesso a economia decorrente de tal atividade e às áreas destinadas ao lazer; • As práticas de empoderamento através dos cursos de capacitação e de formação profissional em órgãos públicos como: secretarias municipais, secretarias estaduais, AMUBS, CIAPRA, IFBA, IFBAIANO, UNEB, SENAC, SEBRAE; • As estratégias e articulações dos agentes sociais em torno da realidade presente e suas formas de organização (cooperativas, associações, ONGs); • Parcerias junto ao poder privado que potencializem as práticas heterotópicas e os arranjos produtivos ligados ao turismo. Assim, parte-se de uma realidade heterotópica e, em outra escala, a do devir/utópico, pensando o planejamento conectado às práticas sociais que ao serem executadas não cerceiem o direito dos agentes, mas os façam realmente partícipes para além dos discursos apresentados. Nesse caso, o planejamento deve se dissociar da lógica fragmentária – no turismo reproduzido 42

como um enclave – para pensar sobre outro viés: a produção do espaço em sua totalidade; que em seu valor não apenas o valor de troca, mas as possibilidades de acesso em seu valor de uso sejam alcançadas. Dessa forma, para tal estudo se faz necessário um triplo movimento dialético: a consideração dos valores (valor de uso/valor de troca/valor) e instâncias espaciais da Costa do Dendê em sua totalidade (espaço absoluto), os fluxos (espaço relativo) e o conteúdo relacional dos processos (espaço relacional), no qual se inserem o turismo; a tensão de tais categorias no processo de produção do espaço, tendo como norte o desenvolvimento geográfico desigual e a tríade espacial percebido/concebido/vivido; e o reflexo destes processos sobre as isotopias e heterotopias, com destaque ao devir (utopias) como possibilidades para as ações que possam promover o desenvolvimento em sua totalidade. Como apresentado no esquema a seguir:

Figura 9 – Análise teórico-metodológica da produção do espaço geográfico e o turismo

Fonte: Elaborado por Epifania (2016).

Para uma melhor apreensão dos processos sobre o espaço geográfico em sua totalidade, Harvey (2012) apresenta a necessidade de operacionalizar a tensão dialética presente na tríade espaço absoluto/relativo/relacional correlacionando a leitura lefebvriana sobre o processo de produção do espaço e a tríade espacial vivido/concebido/percebido, e a abordagem marxiana sobre o valor de uso/valor de troca/valor. Destacando a divisão tripartite do espaço geográfico, David Harvey (1973) apresenta como as instâncias do espaço absoluto, relativo e relacional devem ser operacionalizadas, tendo por base as leituras respectivamente de Newton e Descartes; Einstein; Leibniz e Whitehead 43

(HARVEY, 2012). Apesar de diferenciá-los, o autor destaca a necessidade da abordagem dialética apresentando as nuances das três instâncias e diz que perder de vista uma dessas é não atentar para compreensão da totalidade, convergindo a sua leitura para o contexto da produção e reprodução do espaço. Do espaço absoluto, são apresentadas a estrutura em si passível da distinção e o mapeamento da atividade a ser analisada compreendendo as delimitações das entidades territoriais27, aqui referenciado pelo debate apresentado sobre a Costa do Dendê no contexto da totalidade através da análise do processo de produção do espaço geográfico. Sobre o espaço relativo e relacional, o autor destaca a relação entre os objetos presentes no espaço geográfico e a apropriação dos mesmos, diferenciando-os em seu contexto espaço- tempo relativo e relacional, ou seja, espaço/redes-conexões/temporalidades, que compreende as diferentes fricções e não apenas as distâncias entre espaços em seu conteúdo relativo, e nas conexões entre agentes, eventos e processos em seu contexto total, no que tange ao conteúdo relacional. No debate sobre o turismo, há que se considerar as redes que compõem a trama espacial entre espaços contíguos e não contíguos, referente aos fluxos dos agentes, mercadorias, informações e as relações entre os objetos, os agentes sociais e sobre a dominação, uso e apropriação. Com o objetivo de tencionar o campo teórico-metodológico proposto, a matriz de análise apresentada referencia em seus campos o dialogismo entre as instâncias espaciais, a tríade espacial presente na produção do espaço e o debate marxiano sobre a teoria do valor, tendo como base o debate traçado por Marx (2013) e autores como Henri Lefebvre (2000) e David Harvey (2002, 2014, 2016) em torno da teoria marxista, dialogando diretamente com os elementos a serem observados sobre a produção do espaço e o turismo na Costa do Dendê.

27 Harvey destaca que tais entidades estão diretamente relacionadas ao objeto a ser analisado, delimitado em uma base territorial a exemplo das propriedades privadas, a cidade, o estado, regiões, o país. 44

Quadro 1 – Matriz de análise sobre a produção da Costa do Dendê e o turismo

TRÍADE ESPACIAL E VALORES/ ESPAÇO CONCEBIDO/ ESPAÇO PERCEBIDO/PRÁTICA ESPAÇO VIVIDO/ESPAÇOS DA INSTÂNCIAS ESPACIAIS REPRESENTAÇÕES DO ESPAÇO DO ESPAÇO REPRESENTAÇÃO

Mapas administrativos; mapas Região turística da Costa do Dendê; Morfologia social; poesias e cadastrais; localização; descrição da municípios que compõem; morfologia manifestações culturais; localizáveis; paisagem; arranjos e posições; planos material; aspectos naturais; mosaico de sentimento de (in)satisfação; de ESPAÇO/TEMPO (PRODETUR, PDTIS), atas dos desenvolvimentos geográficos (in)segurança; de poder conferido pela ABSOLUTO conselhos e produções sobre a Costa do desiguais; equipamentos turísticos; propriedade; comando e dominação Dendê; Valor de uso. marcadores territoriais; barreiras sobre o espaço; medo, solidariedades físicas; espaços de consumo. sociais e indivíduos isolados.

Cartas temáticas; representação de Redes; circulação, distribuição e fluxo Experiências; tensões e diversão perspectivas e estratégias; política; de agentes sociais, dinheiro, resultantes da compressão espaço- ESPAÇO/TEMPO metáfora de saberes localizados; mercadorias, investimentos; aceleração tempo; redes de estratégias dos grupos RELATIVO planejamento sobre deslocamento e e diminuição/redução e aumento na sociais; Fetiche de mercadoria e do mobilidade; técnicas de compressão fricção das distâncias; fluxos de dinheiro. espaço-tempo; Valor de Troca. informação e agitação.

Relações sociais; campo de tensão; Ciberespaço; metáforas de movimentos políticos; superfícies Imagens; símbolos; desejos; sonhos; incorporação de forças e poderes, econômicas e de renda potencial corporeidade, espaço dos usadores28; ESPAÇO/TEMPO representações do contexto da (concentração da atividade do turismo hegemonia capitalista X consciência RELACIONAL totalidade; discursos; produção de e de outros arranjos produtivos); social; solidariedades; possibilidade de imagens; estratégia de mudança; aprazibilidade; coesões percursos, um outro mundo; utopias; cotidiano; Valores dinheiro. usos, apropriações, performances Valores. espaciais; cotidiano.

Fonte: Elaborado por Epifania (2016).

28 Termo utilizado no sentido que Lefebvre (1977, 1978, 2008) apresenta ao contrapor usador ao usuário, relacionando especificamente tais termos para o uso vs. troca, apropriação (obra) vs. valorização (mercadoria), direito vs. consumo. Nesse caso o autor utiliza “usager” (usador) e usager (usuário) para diferenciar os significados da mesma palavra em francês. 45

A região da Costa do Dendê é uma fração do espaço absoluto em sua concepção como região turística, compondo em seu espaço materialidades (morfologia material) produzidas e apropriadas para uso (e em seu valor de uso) e direcionado a uma diversidade de atividades e processos, entre os quais o turismo. Este, em sua dominação, apropriação e uso, ou seja, em sua morfologia social, tem características passíveis de serem mapeadas e valoradas. Dominação, usos e apropriações dão-se em temporalidades diferenciadas, tendendo a diversas fricções, perspectivas e estratégias, adquirindo valores de troca na relação entre agentes e objetos que podem direcionar-se à acumulação de capital ou não. Estes refletem a conexão em redes, compondo um campo de tensões e solidariedades. Quanto maior o direcionamento para a dominação por parte de poucos agentes sociais, maior a fetichização do espaço como mercadoria, elementos estes a serem referenciados no desenrolar da pesquisa. Em outro movimento metodológico, há as narrativas e imagens que refletem o contexto da totalidade, a exemplo do ideário sobre o “paraíso” presente na Costa do Dendê e as releituras de outras adjetivações sobre tal espaço. Essas estão diretamente ligadas à composição dos valores, resultante da tensão entre valores de uso e valores de troca. Do conteúdo relacional observam-se as coesões, os campos de tensões e a renda potencial no caso do turismo como atividade tendendo para as relações de uso e troca, passíveis de leituras através das diversas formas de representação. A descrição apresentada, apesar de seguir uma ordem, pode ser realizada em diferentes contextos, como se apresenta no espaço geográfico, mescladas e muitas vezes sobrepostas, não tendo como dissociar, por exemplo, a produção do espaço geográfico de sua morfologia material e social, assim como os fixos sobre o espaço dos fluxos, suas apropriações e o contexto social presente. Desta abordagem, busca-se entender a problemática presente na Costa do Dendê, sobre o turismo e as possibilidades advindas através da reflexão do contexto de sua totalidade. Assim, propõe-se o exercício de repensar a concepção de uma fração do espaço para uma atividade, voltando-se para turismo no que concerne ao envolvimento de agentes com interesses diferenciados (Estado/empresas/turistas/ moradores), com vistas a propor um caminho que se volte para a integração e não para a lógica fragmentária como ocorre nos planejamentos sob a ótica do capital. 46

1.3 NA TRILHA DA PESQUISA: CATEGORIAS ANALÍTICAS PARA ANÁLISE DA PRODUÇÃO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO E ACERCA DO TURISMO NA COSTA DO DENDÊ

A atividade do turismo em sua concretude e em sua forma discursiva e imagética constrói-se nas práticas espaciais, materialidades, discursos, imagens e imaginário, intercalando realidades que se acumulam no tempo e no espaço, vinculando-se diretamente a outros processos como reflexo do conteúdo absoluto, relativo e relacional do espaço geográfico. Essas características se apresentam através da seleção e representação de elementos presentes na morfologia material e social contidos no espaço geográfico. Na forma do turismo até então gestado na Costa do Dendê, as práticas, materialidades, discursos, imagens e imaginários estão diretamente relacionadas à faixa costeira, mais especificamente nos limites próximos à linha de praia. Da denominação da região29 aos elementos presentes na planície litorânea, o planejamento turístico na Costa do Dendê representa uma suposta baianidade vinculada à culinária de matriz africana através da referência ao Dendê. Ao mesmo tempo destaca- se no contexto da brasilidade como espaço paradisíaco30, rústico e que se apresenta no saudosismo de um tempo de outrora, mas ao mesmo tempo moderno. Contudo, o contexto apresentado não dá conta das necessidades dos grupos sociais nele presentes, o que não impede a reflexão sobre o contexto em que a atividade do turismo na Costa do Dendê se apresenta e nas possibilidades diante dessa realidade. Na modernidade, na sua principal modalidade em termos econômicos, ou seja, do turismo de massa, relaciona-se diretamente a seleção e o planejamento de áreas destinadas a esta atividade em escala mundial pelo processo de “compressão espaço-tempo” (HARVEY, 2007). Para além do plano econômico, o turismo entendido como prática

29 Outro fato relevante segundo os dados da Secretaria de Agricultura, Pecuária, Irrigação, Reforma Agrária, Pesca e Aquicultura, no Baixo Sul e mais especificamente nos municípios pertencentes a Costa do Dendê, encontra-se a maior produção e distribuição de áreas colhidas do dendê no estado da Bahia (SEAGRI, 2012). 30 Segundo Chauí (2000), a representação edênica do Brasil está presente desde a sua primeira descrição por escrito na Carta por Pero Vaz Caminha, assim como no relato de outros viajantes que reportavam sobre os seus aspectos naturais, e posteriormente para os aspectos comportamentais no contexto da nação, apresentados nos adjetivos de pessoas afáveis, sensuais, alegres, acolhedoras. Visão corroborada por Holanda (2010), que trouxe em sua análise como a visão do paraíso foi construída e que de certa forma permanece desde o processo de colonização à contemporaneidade. No turismo tal discurso se faz presente no ideário voltado para o exotismo, o sexismo e liberalismo, ligado diretamente às belezas naturais (VILELA-ARDENGHI et al., 2013), o que se observa na proposta e muitas vezes se fazem presentes em sua morfologia material e social sobre a Costa do Dendê, fato ao qual retornar-se-á nos capítulos posteriores. 47 espacial ocorre no contato entre os agentes, envolvendo as materialidades presentes, apropriações e usos que vão desde a sua concepção (planejamento), percepção e vivência. Entende-se que, muito mais do que uma Geografia do Turismo – como apresentado por Fuster (1978) –, há uma Geografia na realização do turismo, nos rebatimentos vinculadas a apropriação e uso do espaço geográfico, a não ser que se vincule à discussão apenas a uma perspectiva setorial do turismo enquanto totalidade. Contudo, os contatos que tal atividade se realiza na totalidade, há múltiplas relações presentes nas áreas em que tal prática se insere, e estas não devem ser de forma alguma desvinculadas do processo de produção do espaço e das práticas sociais que lhes são inerentes no sentido de compreender as coesões e conflitos presentes.

Contentar-se em ver um espaço sem o conceber, sem concentrar num ato mental o que se dá de maneira dispersa, não atingir o conjunto da “realidade” a partir dos detalhes, não pensar os contornos apreendendo-os nas suas relações no seio do recipiente formal, eis o erro teórico, cuja denúncia poderia eventualmente levar à descoberta de algumas grandes ilusões ideológicas! (...) Esquece-se também que existe um objeto total, o espaço político absoluto, o espaço estratégico que busca se impor como realidade, ao passo que é apenas uma abstração, embora dotada de poderes enormes porque lugar e meio do Poder. Daí a abstração do “usuário” e do pensamento dito crítico, que se esquecem diante dos grandes Fetiches. (LEFEBVRE, 2000, p. 141-142)

Ao conceber a totalidade do espaço, reconfigura-se a operacionalidade do conceito de produção para além do produtivismo econômico. Em tempo, o espaço é produto e também produtor de coesões, afastamentos e aproximações, com ordens próximas e distantes, que podem ser observadas nos processos engendrados nas práticas sociais (e seus ritmos), nos projetos e imaginários, a exemplo da prática do turismo; assim como na sua materialidade, no que refere ao arranjo dos objetos técnicos, seus usos e apropriações. A análise dessa totalidade concebida nos processos de produção do espaço e da reprodução da vida, apresentada por Lefebvre (2000)31, envolve a triplicidade: prática espacial/representações do espaço/espaços da representação; que metodologicamente são desvelados através dos signos verbais e não verbais contidos nas materialidades do espaço e imaterialidades das ações presentes nos discursos (assim como no não dito), imagens, ritmos, texturas e interditos.

31 Concernente a discussão apresentada por David Harvey (2007) em seu manuscrito “O espaço como palavra-chave”. 48

Dos signos verbais advêm as imagens, o dito, a polifonia e o interdiscurso32; o não dito e o interdito correspondentes aos signos não verbais que se encontram nas textualidades dos objetos sobre o espaço (sua arquitetura); seus usos, apropriações e morfologia, mais como texturas diacrônicas do que como hipertexto. Tais instâncias refletem intencionalidades, não sendo o espaço um receptáculo inerte vinculando-se às práticas espaciais e suas conexões. Os signos verbais relacionados a Costa do Dendê refletem respectivamente os discursos33 presentes nos escritos; na oralidade; nas imagens criadas pelo marketing; nos ícones que representam o turismo e o cotidiano em sua totalidade; elementos presentes no espaço geográfico e em suas representações (fotografias, matérias de revistas, estudos prévios, vídeos, websites...). Sobre o não dito e os interditos relacionados aos enclaves, podemos percebê-los com a análise em campo de áreas visíveis, e as áreas invisibilizadas nas proximidades dos enclaves turísticos e mesmo em um plano regional. Essas, muitas vezes, podem estar vinculadas a uma política pública, como o zoneamento nos planos diretores que direcionam nas regras os seus usos, ou mesmo a aversão de muitos munícipes em relação a essas áreas, como observado na pesquisa de campo, as quais os moradores relacionam a uma realidade “glamourizada” direcionada aos “gringos”, mas que podem ser deslocadas também ao direcionamento para um uso que favoreça a mais-valia, imperando nesse sentido em seu valor, a troca. Desta forma tais categorias vinculam-se à leitura para além da aparência, pois envolvem inclusive intencionalidades que transcendem o simples olhar ou mesmo a leitura direta dos discursos e imagens. Tais reflexões envolvem a leitura sobre o processo de produção do espaço no tocante ao plano do vivido, onde se configuram as experiências dos usadores; o planejamento e a implementação de políticas públicas, assim como as ações cotidianas. Esses processos culminam em um dégradé de possibilidades postas entre as extremidades

32 A perspectiva sobre o discurso ora apresentada dialoga com a abordagem sobre o dialogismo de Bakhtin (2010), no qual, mais que uma mera repetição de diálogos, há um universo que os compõe, sendo desta forma polifônicos. Por outro lado, no seu contexto social, o dialogismo é composto de contatos, juízos de valor que são criados, ideologias que se interpenetram, daí os seus contextos como um interdiscurso. Como tríade, discurso/polifonia/interdiscurso metodologicamente são relevantes para a validação dos dados levantados com as entrevistas com os agentes sociais, sendo necessária a sobreposição de tais discursos para dar conta da relação triádica apresentada. 33 Concorda-se com Santos (1992) em sua reflexão sobre a importância da leitura do discurso para desvendar os códigos espaciais: “Os objetos têm um discurso, um discurso que vem de sua estrutura interna e revela a sua funcionalidade. É o discurso do uso, mas, também, o da sedução. E há um discurso das ações, do qual depende sua legitimação. As ações necessitam de legitimação prévias para ser mais docilmente aceitas e ativas na vida social e assim mais rapidamente repetidas e multiplicadas”. 49 de ordens próximas no tocante à solidariedade que envolve os diferentes grupos sociais e entre eles, e ordens distantes, vinculadas às normas institucionais (leis, dogmas, regras) e coesões vinculadas aos agentes hegemônicos (LEFEBVRE, 2001). São níveis de análise que devem ser intercalados buscando reduzir os “pontos cegos”, resultantes da coisificação dos processos ligados a leituras totalitárias nas quais eles bastam em si. Da tríplice dialética do espaço (apresentada no quadro 2), o concebido/percebido/vivido (LEFEBVRE, 2000), advêm as categorias basilares para a pesquisa da produção do espaço, utilizando-se a descrição, a análise em campo, o dialogismo e os contextos nos quais os processos estão inseridos.

Quadro 2 – Análise da tríade espacial

PROCESSO DE PRODUÇÃO DO ESPAÇO

CONCEBIDO PERCEBIDO VIVIDO

Representações do espaço: Prática espacial: usos, Espaços da representação: planejamento, sistemas de apropriações, percursos, imagens, símbolos, as signos verbais, política, morfologia material, redes, artes, morfologia social, elaboração intelectual, performances espaciais, espaço dos “usadores”, estratégias. cotidiano, coesões. corporeidade.

CATEGORIAS ANALÍTICAS Materialidade/imaterialidade; ordem próxima/distante; uso, apropriação, dominação; discursos, interditos, não dito; textualidades; texturas; ritmos; imagens.

Fonte: Lefebvre (2000, 2001). Adaptação: Epifania (2016).

Harvey (2012) evoca a importância em não se hierarquizar ou selecionar apenas uma das instâncias tripartites presentes na teoria da produção do espaço. Tal preocupação refere-se à necessidade de conservar a “tensão dialética” entre o concebido/percebido/ vivido para a compreensão da totalidade presente no pensamento proposto por Lefebvre (2000, 2001). Na tríade espacial, as diferentes categorias analíticas se interpenetram compondo signos verbais e signos não verbais; apropriação e usos que se dão na materialidade e imaterialidade; discursos polifônicos, interdiscursos; textualidades; leis, normas, regras, dogmas e costumes que se postam como o interdito; texturas presentes na paisagem sobre 50 a morfologia material e social; práticas sociais compondo diferentes fluxos e tramas que se impõem como ritmos34. Essas práticas conferem ao espaço lógicas distintas, observáveis em suas materialidades e apropriações, ou seja, as isotopias, heterotopias e utopias, onde o único, o diverso e o vislumbre de outras possibilidades se impõem sobre as diferentes áreas e práticas sociais presentes não diretamente como uma finitude, mas como uma mescla de possibilidades a serem analisadas sob a ótica do processo de produção do espaço e as realidades existentes. Nesta perspectiva, como dimensão experiencial vinculada à existência humana, o turismo intercala diversos níveis vinculados ao ser e a sociedade: “(...) o desejo, a imaginação, a memória, a razão, que situam os indivíduos no campo espaço-tempo social das linguagens” (SANTOS, 2007, p. 15), materializando-se e promovendo múltiplas apropriações de acordo com as intencionalidades dos agentes sociais em suas ordens próxima e distante, sejam esses planejadores, promotores e/ou moradores. Rodrigues (1999), ao analisar o papel da geografia na compreensão do turismo, apresenta a complexidade e a diversidade das leituras de caráter multidisciplinar nas ciências sociais diante dos aspectos que lhes são inerentes, como: histórico-geográficos, econômicos, políticos, culturais, ecológicos, entre outros, envolvendo ordens próximas (áreas de atração) e distantes (áreas emissoras), suas conexões (redes), usos e apropriações. É no campo da experiência do diverso que as estratégias de sobrevivência estão postas, não necessariamente como algo projetado. Mas, no plano da experiência e da prática, mostram outros caminhos possíveis que não o da projeção isotópica, nos quais inclusive perspectivas revolucionárias contra tal ação podem surgir (HARVEY, 2014). Daí a importância de não se fechar à lógica do planejamento per si, mas se voltar para outras possibilidades, que no caso do turismo, além dos agentes que estão diretamente e indiretamente relacionados, envolvem em um plano escalar ordens distantes e próximas.

34 Refere-se ao espaço/tempo absoluto, relativo e relacional das ações, apropriações e uso, podendo ser mensurado nas observações sobre a repetição: “Nos ritmos, as repetições e redundâncias, as simetrias e assimetrias interagem de maneira irredutível às determinações recortadas e fixadas pelo pensamento analítico” (LEFEBVRE, 2000, p. 285). Por outro lado, tal categoria analítica pode apresentar o imprevisto e diferente do ritmo cíclico e linear através de sua polirritmia, sendo justamente nas repetições a observação material destas diferenças. Sobre tais considerações e à luz do pensamento lefebvriano, o artigo de Moreaux (2013) traz importantes apontamentos sobre a ritmanálise na ciência geográfica.

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Isotopias e heterotopias que são visíveis sobre o espaço. No caso do turismo, quando mercantilizado, lógicas isotópicas fragmentam a paisagem antes heterotópica, preponderando em seu valor o valor de troca sobre o valor de uso. Por outro lado, observa- se a coexistência, mesmo nesses espaços turistificados, do valor de uso, em especial aos diretamente ligados ao lazer, não necessariamente mercantilizados, o que muitos chamariam de contrauso, ou uma apropriação diferente da ordem imposta, contestando, através de práticas heterotópicas, a isotopia presente. Essas lógicas estão postas no movimento de produção do espaço, especificamente em sua tríade: representação do espaço/prática do espaço/espaço da representação. Realidades que não se apresentam em apenas dois polos opostos, e sim tríplice- dialeticamente, envolvendo a conexão entre as partes. A desconsideração ou mesmo preponderância de um desses vértices acarretam a hipertrofia analítica promotora de fetiches e recortes aparentes. Contextualizar a atividade do turismo por meio do processo de produção do espaço requer posicionar como o turismo se gestou ao longo do tempo apresentando-se no plano do concebido/vivido/percebido. Assim como outras atividades ligadas ao contexto da modernidade, o turismo acompanha transformações sociais que têm rebatimentos diferenciados, acompanhando o desenvolvimento geográfico desigual. Intercalam processos próximos e distantes no tocante aos avanços técnico-científicos e informacionais; à dispersão dos desejos e gostos e sua mercantilização; à propagação dos discursos, imagens e materialidades de forma global; ao papel do Estado articulado à ação capitalista ao priorizar investimento em determinadas áreas em detrimento de outras. Do espaço concebido serão analisados os planejamentos destinados ao turismo que envolve a Costa do Dendê, como o Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste (PRODETUR), o Plano de Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentável (PDITS), seus contextos, e os apontamentos dos agentes envolvidos em tais processos. Para tanto, com o uso da análise do discurso e dados sobre os investimentos na Costa do Dendê, serão mensurados os seus principais objetivos postos na abstração do planejamento e o que se realizou, considerando as suas respectivas ordens (próxima e distante). A respeito do espaço percebido, as práticas espaciais e a morfologia material serão tratadas com a composição dos interditos assim como as textualidades e imagens presentes na Costa do Dendê, objetivando analisar as contradições que se dão em tal espaço através do diálogo com os agentes sociais e registros da observação em campo. 52

No plano do vivido, o da morfologia social, aspectos culturais e de ordem próximas ao espaço analisado serão considerados, tendo como norte a apropriação, o uso e os seus ritmos por parte dos agentes sociais, registrando as representações e delimitações do turismo, como estas são projetadas e problematizadas. Da contextualização de tais instâncias espaciais, com destaque das isotopias e para as heterotopias, será retomado o plano do devir. Nesse caso a utopia apresentada não apenas como sonho, mas como uma possibilidade de outra realidade possível que convirja para o debate e a promoção da acessibilidade do plano turístico por parte dos agentes sociais partícipes, e não apenas dos agentes hegemônicos, ou seja, que estes sejam norteados principalmente pelo seu valor de uso. A perspectiva apresentada encontra-se na Figura 10 – Na trilha da pesquisa. Antes de abordar tais temáticas, faz-se necessário uma primeira incursão sobre a Costa do Dendê partindo do seu contexto regional para a leitura dos eventos que culminaram no processo de produção do espaço na atualidade, base para um maior aprofundamento na caracterização de como o turismo se apresenta nos municípios que compõem o seu plano regional.

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Figura 10 – Na trilha da pesquisa

A PRODUÇÃO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO E O TURISMO: Texturas, polifonia e interditos na Costa do Dendê-Bahia

Em quais bases se realiza o turismo no processo de produção do espaço da Costa do Dendê, considerando a sua sistematização, com os direcionamentos e Problema de texturas, polifonia e interditos na Costa do investimenDendê - Bahiatos d o Programa de Desenvolvimento do Turismo, e quais as possibilidades concernentes a ações que sejam direcionadas ao plano heterotópico, no que pesquisa se refere ao desenvolvimento geográfico desigual?

Tese A atividade do turismo, em suas distintas lógicas: do planejamento e dos reflexos de tais práticas no plano da vida, dos encontros e desencontros entre turistas e moradores, da ação estatal e empresarial, reproduz coesões nas distintas morfologias e apropriações, configurando isotopias, heterotopias e as possibilidades de transformação pela capacidade de se projetar outros futuros, estão expressos na totalidade do processo de produção do espaço.

Geral Objetivos Específicos

1) Compreender como o turismo está inserido na Costa do Dendê-Bahia, assim como as suas conexões nas escalas intra e inter- regional; Discutir a produção do espaço a partir da atividade 2) Avaliar o planejamento, direcionamento e execução das políticas para o turismo na Costa do Dendê tendo por base o PRODETUR; turística na Costa do Dendê, tendo como referência-chave 3) Investigar as diferentes estratégias dos agentes sociais diante do processo de produção capitalista do espaço no que concerne à o processo de produção do espaço que se dá sobre a atividade do turismo na Costa do Dendê; tríade prática espacial – representações do espaço – 4) Avaliar, por meio dos usos, apropriações e representações no espaço, práticas que possibilitem a acessibilidade do turismo e ao espaço da representação. lazer dos usuários e população local na Costa do Dendê-Bahia.

Representações do Prática do Espaço/ Espaço da Representação/ Conceitos-chave Isotopia/Heterotopia/Utopia Espaço/Concebido Percebido Vivido

Teoria Produção do espaço Desenvolvimento Desigual e Combinado Desenvolvimento geográfico desigual

Categorias de análise Apropriação, uso, Ordem próxima/ Signos verbais e Texturas, polifonias, interditos dominação (valor Ordem distante não verbais de uso/valor de troca)

A perspectiva do Análise do contexto regional Valorização Utopias como caminhar textualidade Isotopias-heterotopias do espaço

Descrição do Análise das Retorno ao Tríade espacial Repensando visível temporalidades atual o devir existentes

Fonte: Elaboração própria. 54

CAPÍTULO 2

O PRESENTE E A SUA APARÊNCIA: PRIMEIRAS INCURSÕES PELA COSTA DO DENDÊ

A visão de qualquer janela isolada é plana e desprovida de qualquer perspectiva. Quando nos movemos para outra janela podemos enxergar coisas que anteriormente estavam escondidas. Munidos desse conhecimento, podemos reinterpretar e reconstituir nosso entendimento do que vimos através da primeira janela, proporcionando-lhe maior profundidade e perspectiva. Movendo-nos de janela em janela e registrando atentamente o que vemos, podemos nos aproximar cada vez mais do entendimento da sociedade capitalista e de todas as suas contradições. (HARVEY, 2013, p. 44)

O olhar científico sobre o presente, mesmo que no plano da aparência, faz-se sobre uma intencionalidade. No caso em destaque, busca-se a análise inicial no que concerne aos elementos visíveis sobre a Costa do Dendê através da reflexão da produção do espaço e da reprodução social, contidas em suas morfologias sociais e materiais. Apesar de este ser um primeiro olhar, ele não é desinteressado. É um olhar a partir das suas características geográficas e sob o enfoque desta ciência (a Geografia). Neste primeiro olhar, o do presente, apresentam-se temporalidades e espacialidades diferentes, materializadas no contexto do desenvolvimento geográfico desigual que não se dissocia dos elementos naturais, da seletividade, apropriação e transformação que se realizam com o processo de produção do espaço e da reprodução social. Tal debate se faz presente na discussão sobre a produção do espaço35, não de forma dissociada, mas na complementação das conformações espaciais de elementos com diversas temporalidades e que se apresentam na dinâmica atual. Nessa leitura não cabe uma separação entre elementos físicos e humanos, e sim discutir a totalidade que se apresenta no espaço geográfico, a produção do espaço no presente, suas morfologias (material e social) e as intencionalidades. Como a aparência é o que se aproxima mais da visão, a descrição aqui apresentada em um contexto total da Costa do Dendê servirá como base para o aprofundamento da análise das contradições sobre o espaço. Além disso, permitirá o diálogo com as permanências e as transformações de outras temporalidades como marcas no espaço36 e nas “performances espaciais” (LEFEBVRE, 2000), bem como com as possibilidades de transformação dessa

35 Corresponde respectivamente à base material e suas condicionantes naturais nas quais os assentamentos humanos estão presentes, bem como funções e apropriações, que estão diretamente relacionadas às morfologias materiais e sociais. Em outro contexto, observa-se a presença de um espaço que é absoluto, que tem suas especificidades e é composto por relações e seu conteúdo relacional, sendo este valorado. 36 Denominados por Santos (2008a) como rugosidades. 54

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realidade, tendo por referência o fenômeno turístico no contexto da totalidade; temáticas a serem retomadas nos subcapítulos desta seção e capítulos subsequentes. Nesta perspectiva quebra-se com a concepção de um tempo linear, muito utilizado nas discussões sobre “evolução histórica”, como se o tempo tivesse um sentido único para todos, relegando a quem não segue essa direção no contexto capitalista o estigma do atraso, convergindo para uma concepção, assim como apresentado sobre o espaço, de um tempo absoluto que, em sua evolução, avança no sentido de estar em progresso, associados a outras adjetivações, como: revolução, modernização, desenvolvimento, crescimento, globalização, apresentados por Santos (2010) em sua concepção do que denominou como monocultura do tempo linear. O alerta apresentado pelo autor supracitado é de extrema importância no sentido de pensar como os acontecimentos no presente se correlacionam e são correlacionados a outros tempos; nesse sentido, a trama passado/presente/futuro é embaralhada, na perspectiva do amálgama que se dá na relação entre o tempo e temporalidades, sendo este também absoluto/relativo e relacional. Outrossim, observa-se a copresença de temporalidades em diversos contextos, sobre as mobilidades dos agentes sociais no espaço, as formas de sociabilidade e suas condicionantes, relacionando com múltiplas capilaridades no que tange a renda e padrões socioeconômicos e culturais, que fogem a leitura linear sobre o tempo absoluto, mas “sim nas assimetrias dos tempos históricos que nelas convergem” (SANTOS, 2010, p. 103). Assim a indissociabilidade entre o tempo e espaço inscreve-se e circunscreve-se em sua produção, entre elementos sincrônicos e diacrônicos, compondo percursos e ritmos espaço- temporais, conectados por eventos diferenciados, como analisa Lefebvre (2000, p. 163):

Porém, na história do espaço como tal, o histórico, o diacrônico, o passado gerador se inscrevem incessantemente sobre o espacial, como sobre um quadro. Sobre e no espaço, há mais que traços incertos deixados pelos acontecimentos; existe a inscrição da sociedade em ato, o resultado e o produto das atividades sociais. Existe mais que uma escrita do tempo. O espaço gerado pelo tempo é sempre atual, sincrônico e dado como um todo; ligações internas, conexões religam seus elementos, elas também produzidas pelo tempo.

Da mesma forma, Harvey (2012) contextualiza tal mudança de concepção sobre as categorias espaço e tempo, concebendo-as no primeiro momento como espaço e tempo absoluto a partir das leituras sob influência de Descartes, modificado posteriormente por Einstein sobre a indissociabilidade do espaço-tempo ou espaço-temporalidade, passando o tempo a ser medido de acordo com as diferentes fricções que as atividades, agentes e processos contêm. Em seu

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conteúdo relativo, o tempo ainda continuava a ser medido como estrutura fixa; sendo modificado no seu conteúdo relacional na leitura de Leibniz. Neste sentido, Harvey conclui que um evento ou um objeto situado no espaço deve ser compreendido para além do que está situado em seu entorno imediato naquele dado momento, mas convergem para situações em diversas temporalidades e na trama do tempo presente/passado/futuro e entre as redes que conectam espaços diferenciados. Nesta perspectiva, no que diz respeito à indissociabilidade do espaço-tempo, Santos (2008c) elenca a importância de considerar as coexistências e simultaneidades, nas quais o uso do tempo pelos agentes e suas ações não são uniformes, e sim simultâneas e coexistentes em temporalidades diversas no processo de produção do espaço. Condição necessária para a análise da totalidade desde quando: “Não é só o todo que explica o múltiplo, o múltiplo explica o todo” (SANTOS, 2008c, p.157). Conduzir tal debate para a discussão sobre a produção do espaço e o turismo na Costa do Dendê é promover uma reflexão para além das múltiplas espacialidades da (re)produção no que se refere à morfologia material e social. O mesmo pode ser dito sobre o tempo presente e suas múltiplas temporalidades, já que espaço-tempo são categorias indissociáveis e podem ser lidas em seu conteúdo absoluto/relativo/relacional.

2.1 UM PRIMEIRO OLHAR SOBRE O CONTEXTO REGIONAL DA COSTA DO DENDÊ

Trazer à luz a perspectiva regional na qual as nuances do turismo na Costa do Dendê se insere é de extrema importância para se discutir tal temática, tendo como norte a realidade presente e perspectivas futuras. Em especial neste primeiro momento, a apresentação do espaço/tempo absoluto (como apresentado na matriz de análise sobre a produção da Costa do Dendê e o turismo), com convergência para a análise do espaço/tempo relativo e relacional. Em uma primeira incursão, partindo da extremidade norte em direção ao sul, a Costa do Dendê compreende os municípios de Valença, Cairu, Taperoá, Nilo Peçanha, Ituberá, Igrapiúna, Camamu e Maraú (SUDETUR, 2001), localizados entre as coordenadas 13° 22′ 54″ de latitude sul e 38° 54′ 50″ de longitude oeste. Com 24,6 °C de amplitude térmica anual e média pluviométrica de 2.330 mm³, esta porção territorial está inserida na faixa intertropical sob o regime climático tropical úmido, sem estação seca e com chuvas bem distribuídas ao longo do ano. Tais elementos são resultantes da ação das massas de ar equatoriais e tropicais que predominam na região, alimentando o regime

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perene dos seus principais rios que compreendem as bacias hidrográficas do Recôncavo Sul em toda a Costa do Dendê, acrescido do Rio de Contas na porção sul, drenando os municípios de Maraú e Camamu (SEI, 2012, 2013). Os solos da região são pobres em decorrência da sua formação no período terciário e quaternário através do processo de sedimentação, assim como ao processo de lixiviação devido aos altos índices pluviométricos nas áreas onde a camada superficial dos solos são expostos. De drenagem exorreica, os afluentes e os rios principais em sua foz formam um importante complexo estuarino e lagunar com a biodiversidade que lhes são próprias, presentes nas formações pioneiras, classificadas no Projeto RADAMBRASIL (1981) como vegetações de primeira ocupação, que, espraiadas sobre a planície litorânea, apresentam desde florestas de manguezais a herbáceas campestres, com plantas de extratos arbóreos baixos, arbustivos e campestres. Destacam-se no litoral, nas áreas de influência fluviomarinhas37, os imponentes manguezais e espécies halófitas, e, nas de influência marinha, as faixas de restinga com espécies de bromeliáceas e palmáceas. A maior extensão dessa compartimentação está localizada nas porções leste de Valença, no Guaibim; e ao norte de Ituberá, na comunidade de Sirinhaém, apresentando a formação de cordões litorâneos na faixa costeira. Apesar de preponderar essa morfologia no litoral, em alguns locais há o avanço dos tabuleiros costeiros e pré-litorâneos próximos às faixas de praia. O litoral da Costa do Dendê, em seus 115 km, é bastante recortado com a presença de enseadas e a desembocadura de rios formando pequenas ilhas de origem sedimentar. Ao sul, entre as Pontas do Contrato e Mutá, localiza-se a Baía de Camamu, terceira em extensão no país perdendo apenas para a Baía de Todos os Santos, também no estado da Bahia, e a Baía da Guanabara, no Rio de Janeiro. A Baía de Camamu abrange um complexo estuarino-lagunar que se estende por uma área de 12.000 km², dos quais apenas 2.000 km² encontram-se emersos entre a margem continental leste e parte da planície costeira, formada pela confluência dos rios Acaraí, Conduru, Igrapiúna, Maraú, Pinaré e Serinhaém em contato com o Oceano Atlântico (SOUZA- LIMA et al., 2003), localizando-se ao norte em Ituberá e Igrapiúna, na porção central pelo litoral de Camamu e ao sul o município de Maraú.

37 Ambiente de extrema relevância ambiental para a manutenção dos ecossistemas costeiros, sendo espaço de reprodução, abrigo e alimentação para inúmeras espécies marinhas. No estado da Bahia, os maiores bosques de manguezais estão localizados na Costa do Dendê entre os municípios de Valença e Maraú (RAMOS, 2002), apresentando grande importância socioeconômica para as populações tradicionais que vivem no entorno. 57

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Na zona de contato entre a escarpa de falha já dissecada, em áreas com a presença de depósitos recentes e de terraços de origem marinha, encontram-se os núcleos urbanos de Camamu, Ituberá, Nilo Peçanha, Valença e Maraú, diferindo este último em relação a essas áreas por serem historicamente pequenas zonas portuárias, com importante papel de ligação entre a faixa continental e áreas litorâneas e insulares. Os distritos-sede de Taperoá e Ituberá localizam-se espraiados em uma pequena faixa na planície litorânea. Já a sede do município de Cairu está localizada em uma das ilhas do Arquipélago de Tinharé com o mesmo topônimo do município; além de outras 23 pequenas ilhas, o município é formado também pelas ilhas de Boipeba e Tinharé (esta, maior em extensão). Apresentando um relevo com colinas mais suaves, as baixadas litorâneas chegam até o mar nos municípios de Igrapiúna, Ituberá e Nilo Peçanha. Em decorrência do terreno menos acidentado, a BA-001 foi construída justamente nessa faixa entre a planície litorânea e os tabuleiros dissecados, cortando todos os distritos-sede da Costa do Dendê, os quais têm em comum a sua localização na proximidade das redes de drenagem. Adentrando o continente encontram-se os tabuleiros costeiros, com predominância do relevo suave ondulado (CEPLAC, 1988), diferindo bastante do relevo praticamente aplainado da planície litorânea. (vide a Figura 11).

Figura 11 – Mosaico das compartimentações morfológicas da Apa Pratigi

Fonte: oct.org.br38.

38 Disponível em: http://www.oct.org.br/apa-do-pratigi/apresentacao/19. Acesso em: 17 jan. 2016. 58

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Em decorrência do clima, tais formações encontram-se bastante dissecadas, com a presença na porção norte da faixa oriental em Cairu e ao sul em Camamu dos tabuleiros Costeiros; e dos tabuleiros pré-litorâneos em toda faixa leste do continente. Ao norte e ao sul na porção ocidental, respectivamente nos municípios de Valença e Camamu, ocorrem os tabuleiros interioranos. Já no sudeste de Camamu e Maraú, encontram-se as formações das serras e dos maciços pré-litorâneos. Nestas faixas a cobertura original era de floresta ombrófila densa sob denominação de Mata Atlântica. Atualmente essas faixas estão recobertas por mata secundária e resquícios de Mata Atlântica, além dos cultivos consorciados de origem amazônica sob sistema agroflorestal e outros cultivos locais. O grau de preservação dos ambientes costeiros e mesmo nas faixas de sistema agroflorestal foram um dos motins para a criação das áreas de proteção ambiental39 (Figura 12) que recobrem todos os municípios da Costa do Dendê, inclusive com a presença de corredores ecológicos da Mata Atlântica.

39 Além dos dados apresentados pelo IBAMA, acrescentam-se as seguintes áreas elencadas pela Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (2012, 2013 ): em Valença a Área de Proteção Ambiental (APA) de Candengo, a APA municipal Planície Costeira do Guaibim e a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Fazenda Água Branca; em Ituberá a APA Cachoeira da Pancada Grande, a RPPN Tuim e a Reserva Ecológica (RESEC) Juliana; em Igrapiúna a RPPN Ouro Verde; em Maraú a APA Península de Maraú, a RPPN Juerama e a RPPN Sapucaia.

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Figura 12 – APAS e RPPNS da Costa do Dendê, Bahia

Fonte: IBAMA, 2009.

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O complexo formado por áreas de proteção ambiental na Costa do Dendê é composto por diferentes espaços de regeneração de remanescentes florestais, em grande parte ligados à mata cabruca, áreas de sub-bosque para o sombreamento do cacau com espécies arbóreas da Mata Atlântica (FICHER, 2007), além das restingas, brejos (terras úmidas) e manguezais nos ambientes marinhos e fluviomarinhos. Tais espaços são importantes para a preservação das espécies da fauna e flora que compõem a Costa do Dendê; dos recursos hídricos e ambientes de água doce, salobras e salinas que são de extrema importância para as espécies da avifauna migratória; para o combate da ocupação irregular do solo, ao desmatamento da vegetação, da coleta e pesca predatória. Segundo dados do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (INEMA), os principais conflitos ambientais presentes nas APAS da Costa do Dendê decorrem do desmatamento e da substituição da vegetação nativa por atividades monocultoras; da caça e pesca predatória; da ocupação irregular do solo e da retirada de areia para a construção de residências, inclusive em áreas de proteção permanente; do aterramento de manguezais; do uso de agrotóxicos nas lavouras; da ausência de saneamento básico, sobretudo o descarte de lixo doméstico nos recursos hídricos e a drenagem de áreas alagadiças para construção de condomínios residenciais. No processo de produção do espaço da Costa do Dendê, há similaridades sobre o uso e apropriação de grande parte de sua porção territorial, por meio do espraiamento de atividades tradicionais agrícolas e pesqueiras mesmo nas áreas onde os valores se intensificam para a troca sobre valores de uso. Neste caso, na faixa litorânea onde está localizada grande parte rede infraestrutural e equipamentos como: a rede de rodagens, aeroportos, portos e atracadouros, assim como as agroindústrias e indústrias, ainda predominam em suas proximidades as atividades tradicionais. Nestas áreas, nas linhas de praia é onde também se realiza a atividade do turismo e a prática da vilegiatura marítima (temática a ser retomada no 3º subcapítulo). Sobre a estrutura fundiária dos municípios presentes no Recôncavo de Camamu (no centro sul), Azevedo (1998) analisou que, diferentemente de outras regiões do estado, a distribuição de terra é menos concentrada, com poucas propriedades de grandes dimensões, fato recorrente também na porção norte, que se destaca regionalmente no estado da Bahia pela prática da policultura, do sistema agroflorestal e os cultivos de origem amazônica40 em decorrência das condições edafoclimáticas favoráveis.

40 Fato este abordado por Silva (2009) e Guimarães (2019), reportando a importância do manejo do solo e da agricultura no Baixo Sul Baiano (regionalização que abarca também os municípios da Costa do Dendê como 61

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Apesar da realidade apresentada, os cultivos regionais apresentam uma forte variação em sua produtividade nos diferentes períodos históricos de acordo com a demanda e o seu valor agregado, inclusive sob influências local e mesmo internacional, a exemplo da produção da mandioca e do cacau, respectivamente. Este último, apesar de ter uma produção relevante no contexto da Costa do Dendê, declinou a partir da crise da vassoura de bruxa41 na década de 1990, conseguindo se reestabelecer aos poucos atualmente. A partir da introdução do Cacau42 com a atuação direta da Comissão Executiva da Lavoura Cacaueira (CEPLAC)43, outros cultivos foram inseridos na região (açaí, cravo da índia, cupuaçu, guaraná, pimenta-do-reino e pupunha), em especial com relação às atividades de pesquisa e extensão e ao melhoramento de outros cultivos inseridos na Costa do Dendê, oferecendo assistência técnica aos pequenos produtores. Especificamente junto à atividade de cacauicultura, há o consorciamento dos cultivos da banana para consumo local e do mangostão na porção central da região. Ao sul da Costa do Dendê, o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) atua com pesquisa de melhoramento genético de cana-de-açúcar e conta com um importante banco de germoplasma com mais de 4.000 mudas de todo o mundo (AZEVEDO, 1998). Apesar da redução da produção na região, na década de 1990 havia 35 usinas. Atualmente a cooperativa repassa regionalmente as mudas da estação experimental para outros produtores. Em toda a faixa litorânea há ocorrência da produção de palmáceas como o coco-da-baía e dendezeiros; já na porção central na faixa litorânea, há o extrativismo da piaçava, cultura importante para as populações tradicionais44, em especial para as comunidades quilombolas lá instaladas. Concentram-se também as atividades de pesca, e a coleta de molúsculos e crustáceos, assim como o beneficiamento tradicional de tais produtos a exemplo da produção

herança das comunidades tradicionais, do imigrantes japoneses a exemplo do município de Taperoá, e da CEPLAC com os cultivos amazônicos. 41 Doença que acomete o cacaueiro proveniente da ação do fungo Crinipelis perniciosa. 42 Segundo Diniz (1983), há referências da produção do cacau nas áreas pertencentes atualmente aos municípios de Ituberá, Maraú e Valença no censo agrícola do estado da Bahia desde o ano de 1920, que também incluiu toda a região pertencente a Costa do Dendê na região Cacaueira. Os estudos de Santos (1955) e Freitas (1979) são referência nos estudos sobre o cacau na Bahia. Em outra obra importante, escrita por Conesa (2012), intitulada “Du Cacao & des hommes: Voyage dans le monde du chocolate”, há um capítulo inteiro dedicado ao Sul da Bahia. Dentre os escritos relevantes, na literatura amadiana tem-se um importante relato sobre o coronelismo e as condições sociais referentes à época de maior produção do cacau no sul da Bahia (AMADO, 1971, 1981, 1986, 1998, 2000). 43 Agência criada pelo governo federal em 1957 cujo objetivo inicial era a promoção da lavoura cacaueira. 44 Sobre relatos de pesquisa na região das comunidades tradicionais vide as análises de Oliveira (2002), Menezes (2004), Lessa (2007), Gomes (2008), Fernandes (2009), Santos (2009), Brasão (2011), Piovesan (2011), Adan (2012), Walter (2011, 2012), Fernandes (2013), Flores (2013), Silva (2013), Anelo (2015), Ferraz (2015) e Pimentel (2015). 62

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do catado de crustáceos (siri e caranguejo), que na maior parte das vezes é realizado pela população feminina, atividades que são dispendiosas de tempo e com pouco valor agregado.

Figura 13 – Marisqueira adentrando o manguezal na baixa-mar para coletar

Fonte: Rezende (2011).

Tal atividade serve como um complemento para a renda familiar, embora, além das atividades de coleta e posterior venda, as mulheres trabalhem no roçado e nas atividades domésticas (BRASÃO, 2011). Segundo Walter (2012), a atividade, apesar de sua importância, tem sido prejudicada diante de outras realizadas na faixa litorânea da Costa do Dendê (dentre as quais, o turismo e a carcinicultura), com a constante degradação do ambiente costeiro, bem como da atividade predatória resultante do aumento do consumo. Na faixa central, além do cultivo do cacau, há a produção do cultivo do Guaraná, com destaque para o município de Taperoá45, da mandioca (em todos os municípios) e da exploração da seringueira, esta última fomentada pelo Ministério da Agricultura e pela indústria de pneumáticos, predominando nos municípios de Ituberá e Igrapiúna. No oeste, além da atividade policultora, destaca-se a produção de cravo-da-índia e, nos últimos anos, a atividade silvícola, com a produção de madeira lenhosa da Acácia e do Eucalipto. Já na porção norte, há a ocorrência da produção de pimenta-do-reino. Diferentemente de outros espaços litorâneos no estado da Bahia, a Costa do Dendê apresenta população rural considerável, com população total de pouco mais de 220 mil habitantes. Cerca de 100 mil encontram-se em áreas rurais, inclusive em comunidades

45 Concentrando a maior produção do estado, colocando a Bahia como maior produtor no Brasil (TSUNECHIRO, 2013) deste cultivo de origem amazônica. 63

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quilombolas, sendo 46 no total (FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES, 2016), um aldeamento indígena em Camamu pertencente à tribo Pataxó Hãhãhãi (aldeia Caramuru- Paraguaçu) e em torno de 24 projetos de assentamentos rurais (SEI, 2012, 2013). Considerando que os dados do IBGE (apresentados no gráfico seguinte) se referem aos dados administrativos das prefeituras sobre a população urbana, e mesmo considerando os distritos-sede como urbanos, esse número tende a ser ultrapassado, pois muitas dessas áreas, inclusive as sedes municipais, apresentam características rurais, a exemplo dos distritos-sede dos municípios de Igrapiúna e Nilo Peçanha. Destaca-se, nos dados do IBGE, a população considerada de maioria urbana em Valença, Ituberá e Cairu, com populações próximas mas de maioria urbana, e os outros cinco municípios com maiores índices de população rural.

Figura 14 – População dos municípios da Costa do Dendê

Fonte: IBGE (2010).

Diante da realidade agrária, a região conta com inúmeras associações e cooperativas direcionadas à agricultura familiar46 com abrangência tanto no plano municipal quanto no plano regional. As ações de ensino direcionadas também para as atividades de pesquisa e extensão no campo se fazem presentes nas políticas de ensino do governo federal com atuação do Instituto Federal Baiano (em Valença) e pela iniciativa privada sob atuação da Fundação Odebrecht com a Casa Familiar Agroflorestal – Cfaf (em Nilo Peçanha), a Casa Familiar Rural – CFR e, em parceria com o governo do estado, a Casa Jovem II (ambas em Igrapiúna).

46 Entre as análises de tal realidade, há o estudo de caso sobre a cultura da mandioca na região com leituras em torno das ações direcionadas pela economia solidária realizado por Pitanga (2010). Sobre os dados das cooperativas direcionadas a agricultura familiar na região cadastradas na SEAGRI: http://www.seagri.ba.gov.br/sites/default/files/listagem_das_cooperativas_da_Agrifam.pdf

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Em relação aos dados absolutos apresentados sobre a população da Costa do Dendê, o município de Valença tem maior concentração em decorrência da indução populacional via movimento migratório, em especial para a sua área urbana. Segundo dados do IBGE, apesar da diminuição do crescimento natural na última década, os dados populacionais cresceram positivamente para cerca de 10 mil habitantes. Tal concentração é apresentada na diferenciação dos dados sobre a população total, que se encontra aproximadamente entre 10 mil e 90 mil habitantes (IBGE, 2010), com 5 municípios abaixo de 20 mil habitantes, o município de Ituberá abaixo de 30 mil, Camamu na faixa de até 40 mil e Valença com números próximos a 90 mil habitantes. No tocante ao grupo de migrantes, na última década do século XX referia-se principalmente a migrantes intraestaduais, provenientes em sua maior parte do litoral sul com 43,8% (região econômica em que o município se encontra) e da Região Metropolitana de Salvador com 27,1% (PINHO, 2007), totalizando aproximadamente 80% dos imigrantes (do montante de 5.394). Entre os fatores de atração do município, está o desenvolvimento de setor de serviços, sobretudo a atividade turística. As taxas de incidência de pobreza encontram-se entre 40% a 70%, sendo o município de Cairu, que possui o maior PIB per capita (R$ 93.883,97), aquele com a maior incidência de pobreza (66,85%). Igrapiúna, que possui o segundo maior PIB per capita, possui maior incidência de pobreza (respectivamente R$ 12.911,43 e 63,31%). Os municípios de Camamu, Ituberá, Maraú e Taperoá encontram-se no intervalo entre 50% e 56% no índice de pobreza, com PIB per capita variando de 5 mil a 8 mil. Já Valença e Nilo Peçanha têm menor incidência de pobreza (respectivamente 47,70% e 44,09%), e possuem aproximadamente entre 8 mil e 7 mil de PIB per capita (IBGE, 2010). Levando em consideração o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), apenas três municípios apresentam IDHM médio (Cairu, Ituberá e Valença); os demais apresentam índices baixos. Dentre os municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes, Valença ocupa a 25ª posição do índice de homicídios de jovens (WAISELFISZ, 2013), violência que assola principalmente a população negra. Em relação aos Índice de Vulnerabilidade Social (IVS), obtido através das variáveis: 1) infraestrutura urbana; 2) capital humano urbana; 3) renda e trabalho (IPEA, 2015); considerando uma década de análise do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, observa-se uma melhoria nos dados referentes à população em processo de exclusão social, passando do nível muito alto no ano 2000 para médio em Cairu e Valença; sendo que apenas em Igrapiúna

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se apresenta o nível muito alto, e os outros municípios concentram-se no padrão alto de vulnerabilidade social. Credita-se as melhorias dos dados em uma década, mesmo com índices ainda desfavoráveis, à acessibilidade da população aos programas sociais (destinados ao complemento da renda e atividades de ensino) e ao crescimento econômico no país durante o período, onde a região ampliou suas atividades econômicas e empregabilidade, em especial a atividade do turismo. Sobre os dados relacionados ao índice de Bem-Estar Urbano, dos 5.565 municípios brasileiros (IBEU-Municipal) que consideram as variáveis: 1) mobilidade urbana; 2) condições do ambiente urbano; 3) padrão das habitações; 4) infraestrutura e qualidade dos serviços coletivos; Igrapiúna tem o pior índice, na 4.726ª posição, seguido por Ituberá, 4318ª, e Cairu, 4153ª. Acima de 3.500 estão Maraú e Taperoá, e, abaixo da 2.800ª posição, os outros municípios (RIBEIRO, 2016). Vale ressaltar que os piores índices sociais encontram-se em Cairu com valores altos de renda per capita, sendo as principais atividades econômicas ligadas diretamente aos royalties do petróleo e à atividade do turismo. Já os municípios de Igrapiúna e Ituberá têm atuação da Michelin e da Agroindustrial Ituberá, respectivamente (LIMA, 2012), com forte valor agregado relacionado à indústria de pneumáticos. O padrão apresentado segue o modelo nacional historicamente produzido por vetores econômicos localizados, para os quais direcionava-se a maior parte dos investimentos públicos em detrimento da totalidade do espaço, resultando na concentração de renda por poucos, diferenciando ocupações e usos entre os agentes sociais no espaço, como nos apresenta Santos (2007, p. 26):

Trata-se, também, de um modelo político e social (...) O crescimento econômico assim obtido, fundado em certos setores produtivos e baseado em certos lugares, veio a agravar a concentração de riqueza e as injustiças, já grandes, de sua distribuição. Entre as pessoas e os lugares.

Tais variantes confirmam que há uma grande diferença entre crescimento econômico no tocante à ampliação das verbas municipais e o desenvolvimento social, tendo impacto direto sobre a estrutura social e a produção do espaço, visível no padrão desigual de ocupação do solo e tipos de habitações, no acesso a bens e serviços, nas formas de arruamento e mesmo nos índices de violência urbana e rural. Tal processo deve ser repensado para além de sua aparência, tendo por reflexão seus condicionantes históricos, e tendo como norte a análise diacrônica de tais realidades no passado-presente para repensar o devir.

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2.2 OUTROS TEMPOS QUE CONFORMAM O PRESENTE

A morfologia material e social presente na Costa do Dendê é resultado dos processos da natureza e das relações sociais que se moldaram com o tempo. Na atualidade, com a expansão da produção capitalista do espaço, novas frentes de leitura são apresentadas no que se refere às isotopias na medida em que o próprio meio social e as materialidades naturais são postos como recursos fragmentados. Por outro lado, há pontos de resistências em que o diverso se apresenta em heterotopias. A leitura do passado e seus rebatimentos na atualidade, após a análise da aparência no presente, é um recurso metodológico que visa a uma segunda incursão sobre os processos e suas condicionantes. Sobre isso Lefebvre reflete:

O passado deixou seus traços, suas inscrições, escrita do tempo. Mas esse espaço é sempre, hoje como outrora, um espaço presente, dado como um todo atual, com suas ligações e conexões em ato. De modo que a produção e o produto se apresentam como dois lados inseparáveis e não como duas representações separáveis. (LEFEBVRE, 2000 p. 65)

Neste ínterim, retoma-se a discussão sobre as temporalidades que compõem a Costa do Dendê, a fim de entender como os processos sociais e suas materialidades apresentam-se na atualidade e são moldados no que se refere ao campo dos objetos e ações, tendo como resultado a produção do espaço geográfico. Sobre tal leitura, especificamente na proposta de estudo sobre os espaços litorâneos, Moraes (1999) contribui em sua reflexão trazendo dois elementos que são necessários ao entendimento do processo de produção do espaço: o primeiro diz respeito às divisões político- administrativas, tendo o município um importante papel no Brasil no que tange ao planejamento e ação Estatal; e o segundo, ao padrão de ocupação do solo e os seus vetores, no que tange à valorização econômica das áreas. No intuito de entender os múltiplos usos e apropriações aqui referendados pelas permanências e não apenas como o autor aponta no que se refere à qualificação dos lugares pela economia, busca-se compreender as diferentes formas de produção e o seu contexto social, que serão retomadas na discussão sobre a Costa do Dendê no que concerne ao espaço vivido e percebido, e de uma forma global no que tange à valorização do espaço e a atividade do turismo. Nesse caso, ao lado dos vetores prioritários apontados pelo autor supracitado – a urbanização, a industrialização e o turismo –, somam-se, no caso da Costa do Dendê, os vetores ligados à atividade tradicional presente na pesca, agricultura e extrativismo; aos saberes seculares, a exemplo da produção de embarcações nos estaleiros tradicionais, às formas de

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associativismo e cooperativismo presentes no espaço que se impõem para além da lógica capitalista de racionalização do mundo, através do plano do diverso e da reprodução da vida. As terras que atualmente compreendem a Costa do Dendê durante muito tempo foram disputadas, inicialmente entre as tribos do tronco linguístico tupi-guarani, os Tupinambás; e os Aimorés, também denominados de Tapuias ou Botocudos. A disputa pela frente de mar decorria da riqueza de estar nessa zona de contato entre o mar e a terra, na qual os indígenas poderiam se dedicar, além da caça e coleta na floresta, à atividade pesqueira e à mariscagem. Nesse caso, o litoral estava sobre domínio dos tupinambás, que sofriam constantes ataques dos Tapuias, os quais, antes da colonização portuguesa, conquistaram a porção ao norte da Costa do Dendê. Quando os portugueses começaram a se instalar na região – na capitania de São Jorge dos Ilhéus no século XVI –, aliaram-se aos Tupinambás nos confrontos constantes contra a nação Aimoré. Seguindo o padrão descontínuo de povoamento, como um arquipélago demográfico (MORAES, 1999), a ocupação na Costa do Dendê ocorreu nas faixas localizadas entre os municípios de Valença a Camamu47: no litoral imediato, em algumas porções das ilhas pertencentes ao Arquipélago de Tinharé48 (nas ilhas de Tinharé e Boipeba), pertencente a Vila de Nossa Senhora do Rosário do Cairu; na desembocadura do Rio Acaraí, que verte para a Baía de Camamu ao sul de Camamu, com a missão jesuítica denominada de Aldeia de Nossa Senhora da Assunção de Macabu (em 1561), e ao norte, nas terras próximas ao Rio Una (1557); esses povoamentos tinham como principal atividade econômica a produção de açúcar em pequenos engenhos. Tal forma de ocupação segue o padrão denominado por Moraes (1999) de Bacia de Drenagem, na qual o eixo principal de circulação entre o litoral e o interior ocorria pela navegação dos rios, tendo o seu ponto de ligação com outras localidades e escoamento da produção geralmente localizado nas frentes marítimas em baías ou estuários, a exemplo do que ocorreu na Costa do Dendê entre a vertente dos tabuleiros costeiros e a planície litorânea (onde se localiza a maior parte das sedes municipais), pontuada por áreas portuárias e atracadouros para embarcações de pequeno e médio calado, polarizada no período em escala regional pelo Recôncavo Baiano e a cidade de Salvador.

47 Maraú mais ao sul só foi ocupada no século XVIII, em 1705, com a criação do Aldeamento Jesuítico de São Sebastião de Mairahu por meio dos padres capuchinhos de origem italiana em 1718, e depois alçada à Vila de Maraú em 1758 (ESPÍRITO SANTO, 2014). 48 Do Tupi, ty-nhã-ré, nome dado pelos indígenas à falésia presente na Gamboa do Morro, com significado de “o que se adianta na água”, talvez como referência à visibilidade do oceano de tal acidente geográfico, ou mesmo à mudança da cor da água na maré cheia em contato com as partículas de argila em suspensão. 68

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Ao norte da Costa do Dendê, na Bacia de Drenagem do Rio Una, o confronto entre colonos e indígenas era constante. O povoado do Una, que contava com dois engenhos, um na Ponta do Curral junto com uma grande fazenda de gado e outro localizado próximo à primeira Cachoeira do Rio Una, foi desestruturado durante o conflito dos Aimorés com os colonos buscando refúgio nos povoados de Cairu e Boipeba. Tal fato levou à subutilização da porção norte até a segunda metade do século XVII para a extração de madeira e pequenas atividades agrícolas (PAIXÃO, 2006). Neste caso o arquipélago de Tinharé já havia sido utilizado como rota de fuga anteriormente, a exemplo da fuga dos donatários da sede da capitania dos Ilhéus do ataque dos Aimorés para Cairu em 1533. Em decorrência da sua posição estratégica, no século XVII, em Cairu, foi construído o Forte Grande em Morro de São Paulo49, que servia como um atracadouro seguro para as embarcações portuguesas e guarnecia a entrada para o Arquipélago e os canais pertencentes ao Rio Una, estando conectado às igrejas (mirantes) no topo das colinas localizadas nas proximidades dos principais rios, servindo de Proteção aos ataques internos e externos, exemplo da igreja na foz do rio Uma (Figura15).

Figura 15 – Igreja de São Francisco Xavier, construída em 1644. Vista a partir da foz do Rio Una

Fonte: Epifania (2014).

Visando à proteção das terras jesuíticas em Camamu, no canal do Rio Acaraí foi construído um caminho artificial com pedras para dificultar entrada de embarcações estrangeiras e o acesso ao porto. A Companhia de Jesus, sendo a principal proprietária de largas

49 No ano de 2018 a recuperação do conjunto arquitetônico do Forte de Morro de São Paulo foi finalizada com recursos da lei Rouanet (investimento de R$ 14,4 milhões). Com os equipamentos bastante desgastados pela ação das intempéries, inicialmente as obras direcionaram-se a recuperação da estrutura da muralha, posteriormente o Portaló, o corpo da guarda, o caminho da muralha e o forte (tombado pelo IPHAN desde 1938). 69

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extensões de terra na região, alimentava o tráfico de africanos junto com os pequenos proprietários de engenho com o emprego da mão de obra forçada nas atividades agrícolas, em especial na produção canavieira. Não à toa, na região atualmente há a ocorrência de inúmeros remanescentes de quilombo50, a exemplo das comunidades do Jatimane e Boitaraca localizadas no município de Nilo Peçanha. Assim, estavam fincadas na Costa do Dendê as bases do Brasil colonial: as tradições senhoriais ibéricas, o mercantilismo e o trabalho forçado, tendo rebatimentos nos dias atuais em uma sociedade multirracial e bastante estratificada (SCHWARTZ, 2005), e que de certa forma reflete na conformação econômica atual e em seus índices sociais. Segundo Silva (1989), os aldeamentos jesuíticos tiveram um importante papel na posterior localização dos distritos-sede em todo o litoral brasileiro. Neste caso o autor retrata o padrão geopolítico de ocupação de áreas próximas às principais cidades do Brasil colônia por meio da catequese, que, para além da simples questão da fé, visava à construção de um novo sistema “sociocultural e econômico nativo”. Na Costa do Dendê, além de Camamu, os núcleos urbanos de Cairu, Taperoá51, Ituberá52 e Maraú foram instalados com a catequização dos gentios, diferente de Valença, que é resultante dos constantes conflitos em torno da instalação de engenhos canavieiros. Com o tempo, em decorrência dos conflitos entre indígenas e colonos, houve uma redução considerável dessa população no litoral, seja pela fuga de muitos para o litoral ou pela mortalidade devido às sucessivas epidemias, bem como dos conflitos que ocorreram nas terras pertencentes a Una. Segundo Oliveira (2009), entre os anos de 1574 a 1750, esta área foi palco de muitos conflitos entre os tapuias e os portugueses, e levou à destruição de um povoado inteiro localizado às margens do Rio Jiquiriçá, a Aldeia de Santo Antonio dos Prazeres do Jiquiriçá, em 1730. Dada a proximidade da região com a Baía de Todos os Santos e o maior investimento da Coroa Portuguesa na porção em Camamu e no Recôncavo Baiano, com povoamento mais rarefeito na porção ao norte da atual Costa do Dendê, em decorrência dos conflitos com os Tapuias, durante o século XVII a região do Canal do Tinharé (do Rio Una) foi muito utilizada como ponto de apoio para piratas e corsários, inclusive se destacando como porto em 1625

50 Para um maior aprofundamento no contexto das resistências indígenas e negra na região durante o período colonial, há o trabalho de Santos (2004) sobre os conflitos na Vila de Camamu. 51 Do tupi taper-uá, habitante das ruínas ou das taperas, originado da Aldeia de São Miguel de Taperoguá, fundada em 1561. 52 Com significado indígena de “cachoeira brilhante”, em referência à cachoeira Castro Alves presente no Rio dos Cágados que corta o distrito-sede. 70

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pelos 25 navios holandeses que invadiram a capital da Coroa Portuguesa no período (AGUIAR, 1979). Deste período ficaram registrados diversos conjuntos arquitetônicos na orla da região e as toponímias de origem indígena na Costa do Dendê, a exemplo dos nomes dos municípios de Camamu de origem Tupi que denominavam uma ave aquática por ter o “peito preto”, com a presença na região da tribo indígena Macamamu; ou Maraú, do Tupiniquim “a coisa de sorver”, denominação proveniente da tribo indígena que aí vivia, os “Mairaús”. Vestígios do período colonial também podem ser observados na conformação urbana de Camamu. Como Salvador, a cidade é dividida em “dois andares” como em outras cidades de origem lusitana; na cidade baixa encontra-se o antigo porto e a área comercial (assim como a região do comércio de Salvador), na cidade alta estão as casas coloniais e antigas igrejas. O centro histórico no distrito-sede de Cairu tem um marco da arquitetura barroca, o Convento de Santo Antônio, com o início de sua construção datando do ano de 1654. Em suas ruas de pedra se encontram casarios coloniais e as igrejas de Nossa Senhora do Rosário e a Matriz de Nossa Senhora da Luz com altares no estilo barroco e imagens sacras (HENRIQUE, 2015). Com a catequização dos indígenas, em Camamu as atividades econômicas se desenvolveram de forma mais intensa no período colonial. No período, a região começou a se especializar em extração e beneficiamento da madeira para a construção civil e naval, destinadas a todo império português. No século XVIII foi instalada, por parte dos jesuítas, uma serraria hidráulica e logo depois mais outras duas. A extração de madeira era tão importante para a Coroa portuguesa que, para conter o tráfico e o corte indiscriminado, foi expedida uma ordem régia da Rainha D. Maria I limitando o corte de madeira (AZEVEDO, 1998). A atividade náutica de construção de embarcações de forma artesanal, mesmo que em declínio, ainda é uma das especialidades da região, em especial nos municípios de Camamu e Valença nas porções norte e sul da Costa do Dendê. Segundo Silva (1969), no final do século XVIII, as principais áreas produtoras e as maiores concentrações populacionais presentes na área que atualmente pertence a Costa do Dendê estavam localizadas nas proximidades dos vales úmidos dos rios Acaraí, Engenho, Sarapuí, Cajaíba, Maricoabo e Una, e produziam cana-de-açúcar, café, mandioca e outros cultivos alimentares. Entre os vazios populacionais, em largas extensões de terra desocupadas, encontravam-se as áreas de ocupação mais rarefeita, tendo como principal atividade o extrativismo e a pesca artesanal.

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Em 1759, com as reformas pombalinas e a expulsão da Companhia de Jesus do país, as terras de posse dos jesuítas na região foram desmembradas e loteadas em diversas fazendas, iniciando o declínio da atividade açucareira em Camamu. Com a incorporação da Capitania de São Jorge dos Ilhéus à Bahia, em 1761, a região passou a produzir alimentos para as áreas de mineração no interior da Bahia e a região açucareira e fumageira do Recôncavo Baiano. Tal ação foi respaldada pela Coroa portuguesa com a instituição de diversos decretos indicando o que deveria ser ou não produzido, neste caso a produção da mandioca, milho, arroz e outros cultivos.

(...) a condição fronteiriça à capitania da Bahia fez com que, ao longo do período colonial, as vilas da capitania de Ilhéus estivessem de tal modo articuladas nos circuitos de produção e comercialização de açúcar, fumo e mandioca do Recôncavo e da Baía de Todos os Santos que mereceram o epíteto de “vilas de baixo”, uma referência não apenas a condição geográfica, como também à sua condição política em face de Salvador. Nesse sentido, cumpre destacar que os laços se subordinação política e econômica que uniam essa região ao circuito produtivo baiano resultam da dominação colonial e são anteriores mesmo à anexação da capitania de Ilhéus pela Bahia, o que só viria a acontecer em 1763, no contexto das reformas pombalinas. Indicam, assim, a constituição de certa especialização regional da produção na colônia, fortemente influenciada pelas demandas da economia agroexportadora, em que espaços periféricos à produção açucareira são instados a produzir para abastecê- la por meio de restrições impostas pela administração colonial. É importante lembrar que esse processo é muito anterior à anexação política da capitania de Ilhéus à da Bahia e que teria sido muito mais intenso para as vilas do norte da capitania – Boipeba, Cairu e Camamu – do que para a meridional Ilhéus (ADAN, 2012, p. 50).

Diferente de outras áreas do estado como polos monocultores, a região herda desse período sua perspectiva policultural, que posteriormente estaria aliada aos conhecimentos trazidos pelos colonos nipônicos em meados do século XX (JESUS, 2015) e depois com as atividades de pesquisa e extensão de órgãos governamentais, a exemplo da ação da CEPLAC. Com a extinção das capitanias, os aldeamentos indígenas passaram a ser categorizados como vilas, tendo o seu sistema agrícola direcionado para produção, beneficiamento e comercialização de gêneros alimentícios e de madeira, abastecendo as regiões litorâneas do estado, sendo grande parte enviados para o Recôncavo e a capital da coroa portuguesa no Brasil. Embora próximos, grande parte dos espaços atualmente pertencentes à Costa do Dendê se conectavam muito mais com o Recôncavo Baiano na porção norte e a Ilhéus na porção sul via a utilização de transportes marítimos, especialmente os saveiros (figura 16).

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Figura 16 – Saveiros aportados na margem direita do rio Una, em frente ao atual prédio da Câmara de Vereadores do município de Valença (1958)

Fonte: Acervo fotográfico do IBGE 53.

Com a decadência da cana-de-açúcar e indústria “fumageira”, as relações de comércio com o Recôncavo Baiano começaram a se diversificar. A antiga Vila de Nova Valença do Sagrado Coração de Jesus, em 1849, recebeu o foro de cidade em decorrência da ascensão da indústria têxtil, sendo assim denominada de cidade Industrial de Valença. Seu cotidiano foi modificado inicialmente com a instalação da ferrovia Tram Road Nazareth, em Nazaré das Farinhas, e logo depois a sua integração com o modal marítimo da linha Nazaré-Valença- Caravelas pela Companhia de Navegação Baiana por barcos a vapor, transportando mercadorias e passageiros (ARAUJO, 2000). Ao Sul, no final do século XIX e em decorrência da pujança econômica, a Vila de Camamu foi desmembrada da cidade de Ilhéus, sendo elevada a essa categoria. No século XIX, na região, começou a ser produzido o cacau em escala comercial, resultante da expansão da lavoura cacaueira para o norte de Ilhéus, sendo implantado ao longo dos vales dos rios (nas várzeas aluviais onde o solo é mais fértil) e da planície Costeira em toda a região, e na mata cabruca para prover o sombreamento necessário ao cacaueiro, atividade importante até os dias atuais pela extensão das áreas ligadas ao sistema agroflorestal e à proteção da faixa de mata atlântica.

53 Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ba/valenca/historico . Acesso em 15 de jan. de 2015. 73

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Em relação ao processo de industrialização, a diversificação industrial na Costa do Dendê, em especial no município de Valença, como apresentado por Silva (1989), acompanhava o início da industrialização do estado da Bahia, empregando grande parte da população liberada pelos engenhos coloniais que tinham como base o trabalho escravo. Além da indústria têxtil em Valença (a primeira do estado a utilizar a força hidráulica) foi instalada uma serraria no mesmo período para a produção de tábuas e outros subprodutos. O crescimento do distrito-sede nesse período foi retratado por Oliveira (2009) como o auge do seu desenvolvimento. Em suas palavras:

Em 1888, Valença possuía boas praças, ruas calçadas, hotéis, bons sobrados, comércio ativo, iluminação elétrica, duas fábricas de tecidos, uma fundição de ferro e bronze, duas madeireiras movidas a vapor, bondes e troles entre as duas fábricas, uma eclusa chamada de caldeira, a primeira que se construiu no Brasil, quatro olarias, dois estaleiros onde se construíam embarcações de grande calado, quatro chafarizes e encanamento de água potável, com tubos de ferro para a população em muitas casas particulares, 966 propriedades cobertas de telha e 63 sobrados. (OLIVEIRA, 2009, p. 88)

Com a diversificação econômica na cidade, houve um incremento no comércio regional no que se refere ao recebimento de salários por parte dos industriários, à criação de novas atividades comerciais, às atividades de logística e armazenamento de produtos, e mesmo ao constante fluxo de trabalhadores. Nesse período, a atração populacional ampliou-se em relação aos outros municípios, inclusive com a criação de novos bairros, a exemplo da Vila Operária logo no início do século XX. A partir do século XX, a porção ao sul da Costa do Dendê começou a perder o seu dinamismo devido ao seu isolamento em relação aos centros políticos econômicos do litoral do estado da Bahia (Salvador e Ilhéus) e com a ampliação dos investimentos em transporte rodoviário no interior. Por outro lado, o mercado interno era reduzido em relação ao contexto regional, pois ainda predominava nos principais povoamentos o padrão dendrítico com saída para o oceano, havendo pouca comunicação entre os municípios. Na segunda metade do século XX, a construção da BR-101 na porção continental isolou os distritos-sede da atividade comercial de abastecimento do Recôncavo e de Salvador pela via marítima, situação modificada apenas no ano de 1993, com a criação da BA-001, com os trechos que ligavam o município de Nazaré à Camamu, passando por todos os distritos-sede da porção continental da Costa do Dendê, sem incluir o município arquipélago de Maraú, e a BA-650, que liga Camamu à BR-101 em seu distrito denominado de Travessão. É importante ressaltar que tal ligação (com a BR-101) já havia sido realizada no município de Valença desde 1946, mas faltava essa integração do contexto regional da Costa do Dendê e dos municípios litorâneos 74

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próximos, já que, mesmo com a via de rodagens, o transporte fluviomarítimo continuava a ser o mais utilizado no município, com os saveiros. Próximos à faixa litorânea, imperavam os cultivos regionais da piaçava em Cairu, Taperoá e Nilo Peçanha, o dendê e o coco-da-baía54 consorciados com a prática da agricultura familiar dos cultivos de algumas frutíferas, e o café e arroz, coexistindo com a prática da pesca artesanal e da coleta de frutos do mar55. Adentrando o interior, no sentido da BR-101, imperava a Mata Atlântica devido ao fato de a concentração populacional e as atividades produtivas estarem localizadas a partir das vertentes dos tabuleiros costeiros em direção à planície litorânea. Diniz (1981, p. 47) apresentou algumas teses em relação à diferenciação deste tipo de ocupação do litoral sul da Bahia em comparação ao povoamento de outras faixas litorâneas do nordeste brasileiro:

O povoamento do Litoral Sul apresentou-se diferentemente dos das outras áreas, quer em termos de época (...), quer na direção das correntes povoadoras. Embora, de início, ali tivessem aparecido feitorias e vilas, e se desenvolvido o cultivo de cana-de-açúcar, as áreas efetivamente ocupadas não passaram de enclaves próximos ao litoral. É possível que diversos fatores tenham agido conjuntamente para que essa área do sul baiano tenha permanecido despovoada até recentemente: as constantes lutas contra os indígenas, que destruíam sistematicamente povoados e vilas nos primórdios da colonização e que permaneceram arredios e belicosos por muito tempo, a proibição de construção de estradas da Minas para o Litoral, fazendo que todas as vilas e cidades da área tivessem posição marítima e a presença de uma mata de densa e de um relevo movimentado. Tudo isso, somado ao emprego de capital e trabalho nas áreas mais produtivas do Recôncavo, aos desgastes havidos na expansão em direção ao norte e oeste a partir de Salvador, e às ligações mais fáceis com Minas Gerais e Rio de Janeiro que se processavam pelo interior, talvez explique o isolamento e despovoamento dessa área até nosso século.

Mesmo na faixa litorânea, a forma de ocupação resultou na produção de elementos diferenciados de outros espaços do litoral baiano: os distritos-sede com características diretamente relacionadas ao conteúdo rural; nas proximidades dos distrito-sede, a presença de aglomerados rurais especializados na atividade agrícola policultora de cultivos tropicais perenes; manchas de mata atlântica com cultivos associados em Sistemas Agroflorestais; caminhos de rio; e uma diversidade de áreas preservadas nos ambientes de origem marinha e fluviomarinha.

54 Este último ocupando os terraços marinhos da planície costeira e faixas de restinga. 55 Na análise do contexto regional da Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional (1997), discute-se a importância da agricultura familiar como elo entre os 11 municípios do Baixo Sul, acrescido dos municípios de Piraí do Norte, Presidente Tancredo Neves e Teolândia, com esses cultivos representando aproximadamente 87% da área colhida em 1993. Por outro lado, a pesca artesanal é a principal atividade de cerca de 13.000 pescadores e marisqueiras (MPA, 2010), sendo classificado como um dos Territórios de Aquicultura e Pesca pelo Ministério da Pesca e Aquicultura, estando localizados em 94 comunidades e bairros da região (MDA, 2010). 75

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No final da década de 1950, através de incentivos governamentais para atração do capital agroindustrial, foram introduzidas as seringueiras na região e o melhoramento das mudas de dendê. Esses incentivos favoreceram a introdução da indústria de pneumáticos em Igrapiúna como a Firestone e a Michelin, o beneficiamento do Dendê com a Óleos de Palma S/A – Agro-industrial (OPALMA) em Taperoá, a Matarazzo e a Cia em Ituberá, a Óleo de Dendê Ltda. (OLDESA) em Valença, e a exploração da barita em Camamu pela empresa estadunidense Baroid. Na atualidade adensa tais atividades a exploração de gás natural do Campo de Manati na porção litorânea. A partir da década de 1970, na porção ao sul da Costa do Dendê, ampliou-se o processo de estagnação, que segundo Azevedo (1998) perdura até a atualidade, tendo amplo impacto a crise da lavoura cacaueira. Na porção ao norte, o município de Valença reduziu a sua polarização sobre o contexto regional com a ascensão enquanto polo comercial na década de 1980 do município de Santo Antônio de Jesus, no Recôncavo Baiano, às margens da BR-101 e mais próximo do sistema de ferryboat (implantando em 1970) e, consequentemente, da capital do estado. Tal ascensão reduziu em grande parte os investimentos em municípios anteriormente importantes como Nazaré das Farinhas e mesmo Valença, estendendo-se até a década de 1990, quando a atividade turística se fortalece. Diante de tais transformações entre as décadas de 1950 e 1990, no tocante aos limites administrativos, foram criados diversos municípios desmembrados da porção continental dos territórios pertencentes aos municípios da Costa do Dendê ao longo da BR-101, tendo o papel inicial de entrepostos comerciais a beira da rodovia, de norte a sul: Presidente Tancredo Neves (Valença); Teolândia (Taperoá); Wenceslau Guimarães (Nilo Peçanha); Gandu e Piraí do Norte (Ituberá); Ibirapitanga (Camamu); Igrapiúna no litoral foi desmembrado de Camamu em 1985 em decorrência de sua pujança econômica relacionada à atividade industrial com pneumáticos. É importante observar que tais processos históricos analisados acima estão diretamente ligados ao processo de produção do espaço em sua totalidade através da criação de inovações técnicas e mesmo de ações relacionadas a redes de comando, que não necessariamente estão localizadas no espaço regional em análise ou mesmo no país. Outro ponto relevante diz respeito ao que Santos (1998) apresenta sobre a rede urbana do Recôncavo, que, para além da sua unidade fisiográfica, a Baía de Todos os Santos havia se expandido para outras faixas,

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inicialmente pelas Bacias de Drenagem e no século XX pela rede de rodovias que levavam à Bahia56, personificadas pela polarização de Salvador sobre os outros municípios. A rede urbana presente no contexto regional da Costa do Dendê está diretamente ligada à leitura de Santos (2008b, 2008c) sobre as zonas com menor densidade da divisão do trabalho do nordeste brasileiro, nesse caso com o predomínio de atividades relacionadas ao campo na maior parte dos municípios e o acúmulo de funções e especializações ditas urbanas na porção sul em Camamu e mais precisamente na porção norte em Valença. Como referenciado sobre os dados sociais, as constantes transformações referentes ao processo de crescimento econômico, mesmo nos períodos em que houve um maior incremento e uma maior conexão da economia local com os contextos regional, nacional e mundial, não refletiram na situação social dos grupos populacionais. Na realidade, promoveram uma maior desigualdade entre os grupos populacionais, em especial a população de origem africana e ameríndia. Sobre as redes de conexão e informação estabelecidas na Costa do Dendê na segunda metade do século XX, induziram uma nova atividade econômica ao contexto regional e outras formas de apropriação e uso dos elementos constantes no litoral concentrando-se nas áreas habitadas por população de baixa renda com suas atividades relacionadas principalmente à pesca artesanal. Neste cenário o turismo modifica as realidades aí presentes, com o processo de fragmentação no que se refere à produção capitalista do espaço, principalmente com o turismo de massa nas áreas próximas aos enclaves turísticos (forma que vem realizando-se o turismo na atualidade), com a chegada de novos agentes que permaneceram ou que visitam a Costa do Dendê, contexto a ser apresentado na discussão subsequente.

2.3 OS MUNICÍPIOS DA COSTA DO DENDÊ E A CONTRADIÇÃO SOCIOESPACIAL FACE AO TURISMO

Os antecedentes da atividade do turismo na Costa do Dendê remontam aos anos de 1960, inicialmente pela disseminação da prática do veraneio e compra de terrenos para a instalação de segunda residência de famílias provenientes da capital baiana, dos municípios da região e de

56 Como observado em pesquisa anterior (EPIFANIA, 2008), é muito comum entre os baianos, especialmente os mais antigos, referirem-se à Bahia como Salvador, talvez em referência à sua posição geoeconômica, por ser o centro político-econômico do estado, ou por estar localizado na Baía de Todos os Santos. Mesmo em municípios espacializados sobre essa unidade fisiográfica ou no subúrbio ferroviário de Salvador, é comum referir-se à Bahia como a cidade do Salvador, em especial ao seu antigo centro. Fato observado também nas referências artísticas de Pierre Verger, Jorge Amado e Carybé no que tange à representação das cidades alta e baixa, neste caso sobretudo o centro histórico e o bairro do comércio onde está localizado o porto de Salvador. 77

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suas proximidades, em especial para Morro de São Paulo, ampliando-se na década de 1970, mesmo que em menor número, de visitantes provenientes do Centro-Sul do país e exterior. Para parte da população, a busca por tal espaço vinculava-se ao interesse por um estilo de vida alternativo sob a influência cultural do movimento hippie, dos ideários sobre a liberdade, da valorização sobre espaços rústicos e aproximação com a natureza, estes últimos ofertados pelo ambiente costeiro da Costa do Dendê com belas praias, ocupação rarefeita por comunidades tradicionais de pescadores e vegetação exuberante. Neste caso, é possível observar, nos ambientes direcionados à atividade turística, a presença de diversos moradores provenientes de outros lugares do país e mesmo de outros países. Quando vinculadas a um estilo de vida, segundo Huete (2011), as mobilidades decorrentes são classificadas como lifestyle migration. Esses migrantes trazem consigo novas formas de produzir e portar-se no espaço, como foi o caso do movimento hippie em todo o mundo. As facilidades sobre o deslocamento e maior acesso à informação favoreceram a mobilidade em tais espaços, com a instalação do sistema ferryboat e da BR-101, e posteriormente da BA-001. Na década de 1980, ainda sem a atuação direta do poder público em todas as suas esferas, a atividade turística ampliou o grau de abrangência de Morro de São Paulo57 (Cairu) para a praia do Guaibim, em Valença. Segundo Andrade (2001), na segunda metade da década de 1980, a desvalorização da moeda brasileira durante o plano cruzado ampliou o fluxo turístico para região, inclusive de outros países, em sua maioria provenientes da . Nesse caso, enquanto o Morro de São Paulo atraía grupos provenientes do Brasil e de outros países do mundo, o Guaibim atraía principalmente turistas nacionais. Na década de 1990, sob a ação da prefeitura e posteriormente com ação dos governos estadual e federal, a atividade se expandiu para Boipeba58 e posteriormente para outros espaços do Arquipélago de Tinharé, como a Gamboa do Morro e Garapuá. Tais mudanças, como aponta o historiador Antonio Risério (2003), mudaram o perfil econômico do município de Cairu de antiga área produtora de coco-da-baía, artesanato e extração da piaçava, para área turística, inclusive com o principal destino da Costa do Dendê (Morro de São Paulo). Essa realidade se faz presente nos dados da Superintendência de Fomento ao Turismo do Estado da Bahia

57 O topônimo está relacionado à in stalação do forte do Morro sobre esse acidente geográfico e à data de sua fundação, 25 de janeiro, dia dedicado a São Paulo. 58 Do Tupi m’boi pewa, cobra de cabeça chata, como eles denominavam às tartarugas marinhas. 78

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(BAHIATURSA, 2001), de que o município concentrava 5% de todos os meios de hospedagens do estado no início do século XXI. Mais ao sul destaca-se o povoado de Barra Grande e as piscinas naturais presentes em Taipus de Fora, com a possibilidade de mergulho em superfície na maré baixa e observação dos recifes de corais, da fauna e da flora marinha próximo à linha da Costa. Essa área hoje desponta com a prática do turismo de aventura, diferenciando-se dos outros três espaços litorâneos no tocante aos seus atrativos; o Guaibim com apelo regional, Morro de São Paulo mais cosmopolita e Boipeba como espaço rústico. Se há pouco tempo a acessibilidade da Costa do Dendê era difícil, com a atividade do turismo houve um adensamento em relação aos modais de transporte. Por via aérea há voos semanais de Salvador e do sudeste do país para Valença, além dos voos fretados e possibilidade de pouso de aviões de pequeno porte em Morro de São Paulo, Ituberá e Maraú. De Salvador, pelo bairro do comércio, no Centro Náutico da Bahia, há possibilidade de acesso à porção norte da Costa do Dendê por meio de Catamarã com destino ao Morro de São Paulo. Ainda é possível a utilização de pequenos barcos para Mar Grande ou pelo sistema ferryboat por Itaparica para ter acesso à BA-001, que corta os municípios da Costa do Dendê. Ao sul, através do aeroporto de Ilhéus com voos nacionais e internacionais, pode-se fazer conexão para acessar a porção sul da região pela mesma rodovia. Outra possibilidade é o uso de rodovias para acessar a BR-101 e posteriormente chegar ao litoral na porção norte pela BA-542 com destino a Valença, e ao Sul pela BA-650 para Camamu. Essa visibilidade e maior facilidade de acesso, bem como o adensamento de equipamentos turísticos, transformaram a paisagem dessa porção do litoral da Costa do Dendê, de vila de pescadores a espaço de recepção da atividade do turismo. A ocupação do solo, inicialmente, decorreu da atuação de investidores privados com o registro de posse da terra e também de grileiros. Inclusive grandes faixas próximas ao litoral não tiveram uso imediato para promoção da especulação do solo, buscando ampliar o seu valor final como observado na pesquisa de campo realizada em 2015 na localidade de Taipus de Fora, na Península de Maraú, leitura apresentada também por Andrade (2001) em relação ao Guaibim. Tal processo de ocupação pressiona sobremaneira os espaços naturais, mesmo aqueles protegidos por legislação ambiental, fato observado por Oliveira (2007) no Guaibim com o crescimento do valor de troca de tais áreas, ocorrendo a expansão de segundas residências para população mais abastada59 e o avanço para as áreas de restinga e preamar, além da ocupação de

59 Segundo a pesquisadora provenientes principalmente do Sudeste e do Centro-Oeste do país. 79

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população de baixa renda com o processo de favelização das áreas de mangue e estuários via criação de palafitas e aterramento destas áreas (como apresentado pela autora nas Figuras a seguir).

Figura 17 – Palafitas no Guaibim

Fonte: Oliveira (2007).

Figura 18 – Palafitas no Guaibim

Fonte: Oliveira (2007).

Traçando uma linha imaginária na forma em que o turismo se dá como atividade econômica atualmente na Costa do Dendê, pode-se constatar o jogo entre o visível e o invisibilizado, no que se refere aos enclaves turísticos e aos outros espaços, fato observado no Guaibim com a delimitação destes entre a linha da praia e a divisão da porção norte da BA-887 mais valorizada economicamente e a porção ao sul, com ocupação de agentes menos favorecidos economicamente; a própria ocupação das barracas na linha da areia da praia se 80

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conforma desta forma, pejorativamente chamados farofeiros ao sul e turistas na porção norte. Em exemplo anterior (na Figura 08) sobre Morro de São Paulo, o bairro Nossa Senhora da :Luz fica longe dos olhos (dos turistas e, por conseguinte, do poder público) no interior da ilha em uma área de vale. O padrão de ocupação e de investimentos do poder público pode ser mapeado desde as escalas próximas até as distantes de tais áreas, e o mesmo pode ser feito em relação às necessidades que a população passa nessas áreas, afinal, como bem afirmou Santos (2007), há uma relação direta no modo de produção capitalista entre o lugar e o valor do indivíduo, que remete diretamente na geografização da cidadania não apenas enquanto direito universal representado na legislação, mas como direito realmente instituído e conquistado; daí a necessidade em dirimir tais ausências das leituras sobre o turismo. Ao ultrapassar tal fronteira, do confronto entre a leitura dos espaços visíveis e invisibilizados, há que se pensar nas estratégias de ação de cada um deles e de como os problemas até então escamoteados do segundo passem a ser considerados. Entre o visível e invisível ao poder público e ao saber científico, faz-se necessário retomar a discussão promovida por Santos (2010) sobre as ausências e emergências nas análises das ciências sociais. Nesse caso, para além do convite à sociologia, tal ação deve também ser repensada na geografia, leitura importante para expandir a visão sobre os processos analisados. Trazer tal realidade ao debate sobre o turismo direciona-se para além da produção dos enclaves e de suas imediações, mas também para o que foi escondido nesse jogo entre ausência/presença. Referindo-se ao desenvolvimento geográfico desigual no tocante às morfologias material e social, grande parte dos agentes envolvidos nas atividades laborais da atividade turística estão presentes em tais áreas providas de infraestruturas, como mão de obra, e ausentes no tocante à frequência dos usos e apropriações dos espaços capitalizados onde prepondera o valor de troca sobre o valor de uso. No que tange as ausências, outras leituras podem ser realizadas sobre as múltiplas práticas sociais existentes e materialidades que estrategicamente se contrapõem à lógica hegemônica, ambas são analisadas como as heterotopias frente às isotopias, das quais podem advir utopias factíveis. Santos (2010) refere-se às possibilidades como a sociologia das emergências, aqui retomado com o olhar geográfico dos processos que compõem as materialidades, usos e apropriações heterotópicas e utópicas sobre o espaço, com o intuito de repensar o devir, através do diálogo e da análise das práticas sociais que estão envolvidas nas tramas do turismo na Costa do Dendê.

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Segundo o autor supracitado, em contraposição ao pensamento dual/fatalista presente na lógica positivista, surge o inconformismo das ausências e das emergências, assim como a dimensão ética de ambas, respectivamente, a análise das alternativas disponíveis em relação à realidade analisada (campo das experiências) e a análise das alternativas possíveis (campo das expectativas sociais), unindo assim perspectivas sobre o presente e o futuro, ou seja, as heterotopias e as utopias. Retomando a análise sobre os enclaves turísticos, observa-se que as políticas destinadas ao turismo no estado da Bahia para Costa do Dendê acompanharam as tendências de ocupação do litoral para a atividade do lazer apresentadas sobre esse espaço nas últimas décadas do século XX, tendo maior aporte técnico e de verbas públicas direcionadas para os locais já consolidados, em Valença na praia do Guaibim, Cairu em Morro de São Paulo e Boipeba, e em Maraú na sua Península (como apresentado na Figura 19). Sobre estas áreas figura-se o chamado turismo de “sol e praia”60, que se relaciona às características naturais ofertadas, associadas à rede técnica posteriormente instalada com reflexos em sua representação (que será analisada posteriormente) nos discursos e imagens reproduzidos sobre estes espaços. Tal modalidade de turismo, no caso brasileiro, direciona-se principalmente para a linha costeira e, no interior, para os rios e lagos com destino às suas praias em decorrência de sua beleza cênica, muitas vezes desconectada do seu entorno, mesmo em suas cercanias, com a promoção dos enclaves turísticos, fato visível no simples caminhar sobre estas áreas e análise das infraestruturas lá instaladas.

60 Definidos pelo Ministério do Turismo como atividade relacionada ao descanso, entretenimento ou recreação desenvolvida às margens de praias fluviais, lacustres e marítimas, relacionadas aos aspectos climáticos, como a insolação e calor, com a disponibilidade de água para o banho (MTUR, 2006, 2010). 82

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Figura 19 – Áreas destinadas ao Turismo de Sol e Praia na Costa do Dendê, Bahia

Fonte: SETUR, 2014.

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A referência ao turismo de “sol e praia” diz respeito ao fato de a região se localizar em uma faixa intertropical, com pequena variação em sua amplitude térmica e sobre o tempo de insolação ao longo do ano. O tipo climático, aliado às correntes quentes deste lado do atlântico e à presença da Baía de Camamu na região, favorece a presença de águas com temperaturas mornas. Esses elementos, associados a outras características como a presença de enseadas, faixas de restingas e de imponentes manguezais, apresentam-se como principal chamariz para atividade do turismo na região quando associados à comodidade dos equipamentos turísticos próximos à linha de costa. Apesar de reconhecer a importância de tal atividade para a região, faz-se necessário avançar no debate em relação a duas questões: como a prática do turismo atualmente se apresenta na Costa do Dendê, em especial sobre a produção capitalista do espaço e quais as outras formas possíveis de realizar tal prática, considerando a justiça social e a acessibilidade à cidadania; a outra questão refere-se à possibilidade de realização do turismo para além dos enclaves em termos municipais e mesmo regionais, com a possibilidade de reconhecimento de espaços possíveis para tal atividade e sobre a integração dos arranjos produtivos, debatidos em outros momentos por Epifania (2011, 2012). É importante ressaltar que os espaços já foram objetos de pesquisa de parte dos autores que tratam da temática do turismo aqui apresentados, inclusive com propostas pontuais sobre o plano municipal, ou mesmo de um roteiro mais amplo como o que foi realizado pelo governo do estado em diversos relatórios técnicos, sendo um dos mais citados pelos pesquisadores a publicação realizada pela Secretaria de Cultura e Turismo no ano de 2001, intitulada “Roteiros Ecoturísticos da Bahia: Costa do Dendê”. A apresentação sobre tais áreas em um contexto regional é relevante para uma primeira imersão no tocante aos atrativos presentes sobre a Costa do Dendê, que serão adensados na análise do espaço vivido e percebido dos agentes no que tange ao maior reconhecimento de áreas passíveis para o seu uso e mesmo para o turismo em outros moldes, não apenas o processo de produção capitalista do espaço. Refletindo sobre a faixa litorânea na qual é realizada o turismo de “sol e praia”, existe a possibilidade de ampliação dos roteiros que valorizem uma diversidade de experiências do turista, possibilitando um maior tempo de sua presença. Nos manguezais, por exemplo, há a prática do contato direto com a fauna e a flora de tais espaços e mesmo a visitação de pequenas enseadas arenosas nesse ecossistema, o mesmo pode ser realizado nas faixas de restinga e nas áreas de depósitos arenosos com formação de ilhas na maré baixa (denominado pelos moradores

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locais de coroas). Pensando ainda na faixa litorânea, há a possibilidade de realização do turismo histórico e o turismo náutico, tanto na Baía de Camamu como a cabotagem nas ilhas e enseadas da região. São diversas as praias que podem ser visitadas além das apresentadas no mapa: a praia do Taquari e a Ponta do Curral (Valença); Barra dos Carvalhos (Nilo Peçanha); Pratigi, Boca da Lagoa e Barra do Serinhaém (Ituberá); as ilhas da Pedra Furada, Contrato, Âmbar e Ponta do Santo (Igrapiúna); Quiepe e Ilha Grande (Camamu); Ilha de Sapinho e do Goió, Taipus de Dentro (Maraú); entre outras. Em decorrência dos arranjos da altimetria do relevo e dos elementos climáticos, há a possibilidade da realização de esporte radicais a exemplo da utilização de parapente e asa delta em regiões serranas, a exemplo da Serra do Abiá em Valença; da canoagem nas áreas de pequeno desnível das corredeiras do Rio das Almas, em Nilo Peçanha. Nos canais de rios com menor correnteza, pode ser feita a prática da boia cross (prática de descer as corredeiras dos rios em boias). A visitação aos caminhos de rio e suas imponentes cachoeiras (a exemplo da Pancada Grande, Figura 20), localizadas em todos os municípios e balneários muito utilizados pelos munícipes seria uma alternativa que aproximaria os visitantes dos moradores locais. Grande parte desses balneários à beira dos rios ou mesmo em ilhas fluviais já apresentam infraestrutura de comércio e alguns com pequenas pousadas que facilitam a sua acessibilidade, sendo uma área de lazer muito utilizada pelos moradores. Destacam-se o livre acesso para banho nos rios, a beleza cênica, os valores dos serviços prestados (mais acessível que nos enclaves) e a qualidade da culinária regional de valor acessível.

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Figura 20 – Cachoeira da Pancada Grande em Ituberá

Fonte: Epifania (2012).

Outra possibilidade é a prática do turismo em comunidades tradicionais, que pode utilizar desde o conhecimento de práticas de cultivos agrícolas (como o cultivo e beneficiamento da mandioca, do guaraná, do cacau e do dendê) em comunidades rurais, nas áreas remanescentes de quilombo e aldeamento indígena da região, além da prática do ecoturismo, com o reconhecimento de trilhas para visitação de diferentes ambientes e mesmo da fauna regional. De norte a sul, a Costa do Dendê tem importantes equipamentos históricos, inclusive com cidades que parecem ter “parado no tempo”, possibilitando a visita guiada de tais espaços e um maior conhecimento dos elementos históricos presentes. O mesmo pode ser dito sobre as heranças culturais destes lugares e do seu calendário festivo sagrado e profano no que se refere às religiões de matriz afrodescendente e cristã, assim como da releitura e junção de festividades de origem indígena, africana e dos colonizadores, como o Zambiapunga em Nilo Peçanha, formado por um grupo de mascarados que festejam e pedem proteção para a colheita, utilizando utensílios agrícolas e tambores para a percussão e conchas de búzios como instrumento de sopro. Há também a saída do bumba-meu-boi em Ituberá e Igrapiúna, a Festa do Jegue e o

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Terno de Rosa, em Ituberá, e o Terno de Reis e o Lindo Amor, em Igrapiúna61. Partes destes inclusive apresentados por Rezende (2011) no seu livro intitulado “Encantos de Tinharé” (vide parte das Figuras 21).

Figura 21 – Mosaico representando algumas manifestações culturais do município de Cairu (da esquerda para a direita): 1-2: Zambiabunga; 3: Festa do Reinado; 4: Bumba meu Boi-peba; 5: Grupo de Chegança; 6: Entrega do presente de Iemanjá

Fonte: Rezende (2011).

Dos roteiros consolidados, o que mais se aproxima da realização de um turismo que avança sobre a faixa litorânea é o da Península de Maraú, por meio do banho de mar, rios e lagoas, passeios em volta aos povoados e ilhas próximas e a prática de caminhadas, cavalgadas e visitas motorizadas (em quadrículos e jardineira) entre as localidades da Península.

61 Agdá, alardo, amigos do jegue, barquinha, burrinhas, congos, dondoca, esmola de São Benedito, fanfarras e filarmônicas, grupos de ciranda e de capoeira, maculelê, marujada, pau de fita, quadrilhas juninas, queima de palha, samba de roda, taeiras; são outras atividades culturais da região. 87

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Mais do que trazer esses elementos sobre a Costa do Dendê como possibilidades para a prática do turismo, há que se pensar qual ou quais a(s) forma(s) de turismo que poderiam valorizar o empoderamento da população, sem segregá-la. Antes de tudo há um debate importante a se fazer, no que se refere a quais valores se fazem presentes no espaço estudado e como direcioná-los para outras possibilidades de uso que não apenas o econômico.

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CAPÍTULO 3

A COSTA DO DENDÊ E OS SEUS “VALORES”

Se o capital é definido como “valor em movimento”, então devemos dizer algo a respeito da configuração espaçotemporal do mundo em que ocorre esse movimento. O movimento não pode ocorrer no vácuo. Temos de abandonar a visão do valor que se move sem estar ancorado em nenhum lugar para enxerga-lo criando geografia de cidades e redes de transportes, formando paisagens agrícolas para a produção de alimentos e matérias-primas, englobando fluxos de pessoas, bens e informações, determinando configurações territoriais de valores fundiários e habilidades de trabalho, organizando espaços de trabalho, estruturas de governo e administração. Também temos de levar em conta a importância das tradições acumuladas e do know- how da classe trabalhadora em lugares e momentos particulares, das habilidades e relações sociais (e não apenas de classe), tudo isso sem deixar de reconhecer as lutas políticas e sociais de pessoas que viveram em determinados locais nos legaram memórias e esperanças de formas alternativas não alienadas de ser e viver. (HARVEY, 2018, p. 130)

O processo de valorização do espaço ultrapassa a noção que se convencionou, seja no senso comum ou mesmo por tendências economicistas, de vinculá-lo apenas ao valor monetário. Para além disso, o valor e, no caso em análise, o valor do/no espaço decorrem do processo de apropriação e uso que se dão sobre as morfologias material e social, a exemplo dos modos de produção; dentre os quais, o modo de produção capitalista. O debate apresentado por Moraes (1991)62 endossa tal discussão, ao tratar do papel que os agentes sociais têm no processo de valorização do espaço e que estão para além das “causas econômicas” (como objetividade totalitária); resultante do processo subjetivo de valorização destes pelos agentes sociais em sua construção social e individualidades que são culturalmente construídas63 (sendo um processo constante no que se refere à totalidade do espaço). Daí a leitura apresentada por Harvey (2018) sobre como o capital se movimenta, conferindo valores espaço-temporalmente, em um mundo onde o processo cultural não é estático, assim como a produção de materialidades e de desejos também não o são. E no mesmo processo há formas de assimilação e resistências que ocorrem nas mais diferentes escalas de ação dos agentes sociais, assim como de outras experiências para além da questão mercadológica.

62 Em “Geografia Crítica: a valorização do espaço”, Moraes e Costa (1984) se debruçam sobre a perspectiva do valor a partir da ação capitalista sobre o espaço geográfico, sendo esta uma leitura complementar ao apresentado nesta outra obra de Moraes. Como a primeira foi redigida antes e escrita em duas mãos, quando analisadas conjuntamente observa-se um maior aprofundamento teórico sobre os argumentos defendidos em ambas as obras, culminando justamente na perspectiva marxiana sobre o valor em sua totalidade e não apenas como uma visão setorial. 63 A necessidade de reafirmação dos valores para além da questão econômica, seja na leitura do autor supracitado ou mesmo nas discussões promovidas por Lefebvre e Harvey, apresentam-se como uma resposta a releituras economicistas das concepções marxianas sobre o valor, ao reconhecer que outros elementos relacionados a prática social, apropriação e uso também conferem valores e que não se bastam apenas na questão econômica. 89

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Transpondo tal análise para o turismo em uma escala global e comparando-a a como este se realiza na Costa do Dendê (em seu contexto regional ou mesmo em seus enclaves e especificamente nas faixas litorâneas destes), são múltiplas as materialidades, apropriações, usos atuais e possíveis (em seu devir), assim como são múltiplos os seus valores presentes na tríade uso/troca/valor64. A opção pela análise da produção do espaço e o turismo e seus rebatimentos na Costa do Dendê e não apenas da realização da atividade turística foi baseada justamente no entendimento de que, mesmo como atividade econômica, o turismo, aqui realizado na análise dos valores, apropriações e usos de cunho mercantil65, não anulam outras formas de se apropriar, usar e conferir valores além dos econômicos no processo de valorização do espaço; sendo este, como toda prática social um campo de luta, em especial nos seus enclaves turísticos. Corroborando assim com o apresentado por Cruz (2006, p. 338): O turismo se dá na escala e na efervecência da vida dos lugares e mesmo nos lugares cuja vida está profundamente imbricada à atividade do turismo, sua existência sempre vai além das lógicas impostas pela atividade. Contra-movimentos, contra- racionalidades, horizontalidades, como quer que os denominemos, as relações social e historicamente construídas por um dado grupo dão o tom da maior ou menor resistência dos lugares aos vetores alienados e alienígenas trazidos com o turismo.

Desta forma, observa-se que mesmo sob a lógica atual, a da ação direta da produção capitalista sobre as áreas destinadas ao turismo na Costa do Dendê, apropriações diversas, como valores que se relacionam tanto na troca quanto ao uso; com escalas diferenciadas de assimilação de tal processo, e mesmo a negação das formas de fazer o turismo nos enclaves e diferentes apropriações sobre as áreas mais capitalizadas e menos capitalizadas, são o retrato desse movimento de correlação de forças do processo de produção do espaço (através da prática espacial dos agentes sociais) e da reprodução da vida. Trazer à tona o debate sobre a totalidade do espaço e seus contextos regionais, como foi anteriormente realizado (capítulo 2), fez-se necessário para entender o contexto regional, dos municípios e lugares no qual o turismo está inserido e em que há a necessidade de conexão entre os arranjos produtivos, assim como de um maior planejamento que leve em consideração o valor de uso; e no que se refere às trocas que tenham como norte o processo de

64 Empiricamente uma das grandes dificuldades seria como mensurar tais valores; em “A produção do espaço”, Lefebvre (2000) destaca o papel da análise do cotidiano e como este se apresenta na dialética entre morfologia social e morfologia material, na relação entre o vivido e o percebido; e mesmo sobre os direcionamentos que são realizados pela sociedade, agentes públicos e privados que são direcionados pelas concepções sobre o espaço. 65 Neste processo há de se considerar que, ao mesmo tempo que o modo de produção capitalista valoriza determinadas áreas, acaba por desvalorizar outras; fato este observado no estudo de caso apresentado, seja na escala regional ou mesmo local; onde os investimentos estão mais direcionados para os enclaves turísticos e sua rede de conexão com outros pontos do território brasileiro e mesmo na escala global. 90

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desenvolvimento regional e não a concentração destas entre poucos agentes, em sua maioria o capital privado e externo à região. Outra questão que está diretamente relacionada é o reconhecimento sobre a importância dos ambientes presentes sobre a Costa do Dendê, para que os mesmos não venham a ser desvalorizados, o que não está relacionado apenas ao valor econômico; desvalorizados inclusive para a sua apropriação em decorrência dos impactos ambientais causados pelo uso desenfreado de tais áreas e sem a avaliação e o planejamento adequado. A diversificação da atividade através do contexto regional, com outras práticas possíveis para o turismo, poderão destinar tais valores para o seu uso, a exemplo das práticas agrícolas da região, os caminhos de rio e suas ilhas fluviais, acesso às comunidades tradicionais, as práticas marítimas, rotas ecológicas com permanência em ranchos, os esportes radicais...; são possibilidades de novas apropriações e usos que podem diversificar e fazer a atividade do turismo dialogar com outros arranjos produtivos, potencializando o desenvolvimento regional através do acesso por parte dos agentes ao valor de troca. Problematizar o processo de valorização do espaço inserido no processo de produção do espaço e discutir esses valores a partir do turismo na Costa do Dendê caracterizam-se como um importante recurso metodológico, inclusive para pensar o devir; neste caso dialogando diretamente com a concepção, a percepção e a vivência, em seus planos isotópicos, heterotópicos e utópicos realizados através da práxis. Sendo este um recurso necessário para entender o desenvolvimento geográfico desigual, que será basilar no que tange a proposições críveis e possíveis para a Costa do Dendê.

3.1 A VALORIZAÇÃO DO ESPAÇO E O TURISMO NA COSTA DO DENDÊ

Para situar o debate sobre o processo de valorização do espaço da Costa do Dendê através do turismo, faz-se necessário analisar como a área era apropriada antes de tal atividade; inclusive para observar as transformações de uma realidade, na qual preponderava o valor de uso, para uma outra, onde prepondera o valor de troca (valorização monetária) na concepção do seu valor (tríade valor de uso/valor de troca/valor). Por outro lado, há que se considerar como essas áreas são apropriadas em uma escala global e seus rebatimentos através da ação capitalista (produção capitalista do espaço) frente ao processo de desenvolvimento desigual e combinado. Neste caso, as transformações são direcionadas para o avanço não apenas de formas urbanas, como também para transformações

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nas apropriações e usos antes firmados em ruralidades (como apresentado na imagem a seguir, com usos na atualidade desse tipo de transporte para os visitantes da ilha).

Figura 22 – Transporte de animais por barco e a figura do produtor rural no mar da Gamboa do Morro em 1986

Fonte: Taccani (2016)66 67.

Sobre as coexistências, a fala de uma moradora de Valença apresentou o seguinte relato no que tange às características urbanas e rurais na região, mesmo com o passar do tempo:

Essa região eu acho que foi sempre marcada pela atividade rural mesmo, ou pela atividade agrícola. Eu tenho lembranças da cidade aqui com uma movimentação muito singular no final de semana, ainda a gente vê isso no final de semana; mas antes ainda era muito mais com a presença das pessoas da zona rural circulando; eu acho que a grande marca econômica aqui da região era a atividade agrícola.

Esses valores ligados a ruralidade se fazem presentes inclusive nas atividades econômicas realizadas no litoral da Costa do Dendê (vide o próximo quadro de análise), como apontado por Lessa (2007) sobre as localidades dos municípios da região, tendo por base a

66 TACCANI, Marco. 1986. [S.l.], 23 set. 2016. Facebook (grupo): MORRO DE SÃO PAULO-DINOSSÁURICO. Disponível em: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10209451633200184&set=pcb.667387536761727& type=3&theater&ifg=1. 67 Os antigos moradores de Morro de São Paulo e os primeiros ocupantes que estabeleceram residência em Morro a na Gamboa do Morro atualizam as informações do site constantemente e retratam a realidade do período com certo saudosismo, unindo imagens aos discursos sobre o passado e o presente, contando causos, apropriações e usos a serem retratados aqui. 92

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análise dos dados do Plano de Manejo APA Pratigi (2000) e do Relatório de Controle Ambiental (2004).

Quadro 3 – Principais atividades econômicas dos povoados do litoral da Costa do Dendê Principal Município Povoado Atividade secundária atividade Guaibim Turismo Pesca Valença Vila velha do Jequiriça Dendê Cacau Canavieras Pesca Camurugi Turismo/balneários Pesca Galeão Pesca Gamboa Pesca Cairu Garapuá Pesca Moreré Pesca Morro de São Paulo Turismo São Sebastião Pesca Velha Boipeba Pesca e turismo Camuruji Turismo/balneário Pesca Taperoá Graciosa Pesca Barra dos Carvalhos Pesca Piaçava/mandioca Barreira Pesca de canoa Piaçava Barroquinhas Pesca/mariscagem Estaleiro/piaçava/dendê Nilo Boitaraca Piaçava Pesca/mariscagem Peçanha Itiuca Piaçava Mandioca Jatimane Piaçava Mandioca/coco/turismo São Francisco Pesca Piaçava/mandioca/dendê Barra do Serinhaém Pesca Coco/turismo Ituberá Itaboraê Piaçava/lazer Dendê/pesca Rio Campo Piaçava Dendê/pesca Âmbar Pesca Ancural Dendê Contrato Pesca Piaçava/coco Ilha das Flores Dendê Pesca Limeira/França Pesca Igrapiúna Limeira I, II, III Pesca Dendê Pescaria Pesca Ponta Pesca Dendê/coco/cacau Timbuca Pesca Dendê Tubarões Pesca Coco Acaraí Dendê/piaçava Turismo Barcelos do Sul Pesca Cajaíba do Sul Estaleiro Pesca Camamu Ilha Grande Extração mineral/pesca Ponta da Caieira Pesca Barra Grande Turismo Pesca Maraú Campinho Pesca Turismo

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Ilha do Sapinho Pesca Turismo Taipus de Dentro Pesca Fonte: Lessa (2007).

Sobre a análise do quadro, mesmo sendo uma análise pontual, há cerca de 10 anos, observa-se que pouco mudou em relação à realidade apresentada sobre tais atividades ligadas ao conteúdo rural, inclusive nos enclaves turísticos como apresentado na imagem abaixo em Morro de São Paulo, no caminho do bairro Nossa Senhora da luz, a cerca de 2km da praça central de Morro.

Figura 23 – Carregamento de carga em burros com caçuás

Fonte: Epifania (2014).

Na escala regional (como apresentado anteriormente) e mesmo nos limites de proximidade dos enclaves, fazem-se presentes coexistências e permanências (em relação às urbanidades e ruralidades); estas são resultantes dos contatos estabelecidos junto aos novos agentes advindos para realização da prática do turismo e lazer, da vilegiatura marítima e dos passeios de fim de semana; adensando outras atividades ligadas ao turismo e à infraestrutura, assim como a acessibilidade das novas tecnologias informacionais (e não tão novas assim, a exemplo dos canais de TV e rádio).

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Ou seja, tais transformações, que se dão sobre o processo de valorização (e no caso analisado sobre o turismo) e se realizam através do processo de produção do espaço e reprodução da vida, mobilizam transformações tanto na morfologia material quanto na morfologia social, resultante da concepção, apropriação/uso e representações (fato este a ser observado nas discussões promovidas sobre valor/topos). Enquanto áreas habitadas por pescadores, marisqueira e pequenos agricultores, preponderava o valor de uso, e, junto ao valor-dinheiro, havia outras formas de realizar a troca, sendo o valor de troca uma combinação entre o uso do papel-moeda com a venda do excedente nas feiras e para os praticantes do lazer nas praias; além disso havia também o escambo; e o pagamento através do produto cuja produção recebeu ajuda daquele agente na manufatura como nas casas de farinha (na limpeza do pescado ou molusco) ou coleta (a pesca, mariscagem, colheitas). No tocante ao direito à propriedade, há uma diferenciação em torno das ocupações; neste caso, registrou-se desde a ocorrência de comunidades remanescentes de quilombo ou com características de áreas remanescentes, como no Guaibim, mesmo que os moradores mais antigos não se reconheçam desta forma. E, por outro lado, parcerias entre proprietários e pequenos produtores, a exemplo das fazendas na Península de Maraú e no Arquipélago de Tinharé, com a presença de diversas famílias de trabalhadores68, com núcleos familiares muitas vezes ligados por laços de consanguinidade em extensas faixas de terra no litoral. Como apresentado no discurso de um dos moradores mais antigos da Península sobre como era a região em sua infância e juventude (quando entrevistado em 2017 estava com 68 anos) e posteriormente sobre a mudança de sua cunhada (e prima) para trabalhar em outro lote na Península, após o parcelamento da área da fazenda entre os filhos dos proprietários (família Silva):

Rapaz, na minha infância aqui era uma fazenda agrícola que o pessoal tirava coco, dendê e criações: porco, galinha... Muita pesca. E nós sobrevivíamos disso. Não, nós não precisamos porque foi entre família. Barra Grande tinha um dono; e pra onde ela foi era outro dono... Mas tudo era Barra Grande, você me entendeu? Até nisso era uma só. Você descolava a Costa, chamava Costa... Itaipu (Taipu) de Fora, tudo; de lá pra cá era de nosso pessoal. Morava um tanto lá, um tanto pra cá, mais aqui nos Três Coqueiros. Aqui onde é a Dra.

68 Segundo os entrevistados mais antigos, as famílias de trabalhadores eram representadas por quatro grupos: Genê, Pirajá, Melo e Silva. Ao todo na Península eles mensuraram em torno de 300 pessoas no período. 95

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Onis Silva, era do pai dela mais da mãe dela. Então quando ela lhe falou isso é por que era dividido69.

Outra questão relevante a ser observada no discurso dos agentes sobre a questão agrária neste período, é a grande concentração da posse das terras por parte de poucas famílias nessa porção do litoral baiano. Sobre as formas de trabalho, nas entrevistas observou-se desde as formas em parceria e posteriormente dado o tempo de ocupação a posse das terras por esses trabalhadores; neste caso a forma de trabalho predominante é a mão de obra familiar, em vastas extensões de terra como observado na Península de Maraú, até a existência de posseiros como observado nas entrevistas no Guaibim e nos territórios quilombolas e caiçaras. Parte destas áreas, hoje são motivo de luta pela posse da terra na Costa do Dendê em grande parte valorizadas economicamente com a atividade do turismo, a exemplo dos grupos tradicionais que disputam o direito à moradia e uso do território limítrofe e do ambiente fluviomarinho fronteiriço entre os municípios de Valença e Taperoá. A rede de conexão com Salvador era constante no que se refere ao comércio de produtos agrícolas. Da faixa litorânea do território municipal de Maraú e sua Península, eram exportados para a “Bahia”70: tamarindo, coco, manga, azeite, piaçava, ovo, galinha, porco. Segundo o entrevistado, eles esperavam o barco “planear” (o barco ficar no plano sobre a areia da praia) para realizar a embarcação dos produtos. Tal prática ajudava no sustento das famílias no que se refere a uma renda extra, e o uso do dinheiro das vendas ajudava na compra de produtos necessários seja na sede do município de Marau ou mesmo nos municípios vizinhos; destacando-se Camamu71, em decorrência da proximidade e facilidade de acesso à sede deste município naquele tempo, com a utilização de canoas e saveiros72 como melhor meio de transporte.

69 Relato sobre a partilha da grande fazenda que ocupava o território da Península de Marau. Quando das entrevistas, era muito comum os agentes relatarem sobre as relações entre as famílias, sendo na maior parte das vezes primos de diferentes graus. Há relatos que era muito comum o casamento arranjado entre primos para que as famílias não perdessem a posse da terra para desconhecidos. 70 Esta era a forma como as pessoas que não moravam no centro de Salvador denominavam a capital do estado antigamente: ir a Bahia correspondia com a ida a Salvador. 71 Até os dias atuais, a principal via de acesso a Península é o porto de Camamu, dada a proximidade através da navegação marítima e a dificuldade de transporte na via local não pavimentada, em especial no período de chuvas. Para algumas áreas é necessário inclusive o uso de tração nos veículos em decorrência dos solos arenosos dos ambientes de restinga. 72 Dada a proximidade com Ilhéus e Itabuna e os mares calmos da Baía de Todos os Santos, era muito comum a navegação de cabotagem, tanto em porto do litoral da Costa da Baía de Camamu como nos portos fluviais, sendo este o principal meio de transporte de interligação dos municípios da Costa do Dendê, assim como dos povoados. Não à toa as sedes dos municípios estão localizadas próximo aos cursos d’água. Tal leitura, reflete os principais pontos litorâneos de todo estado da Bahia, que eram transpostos na forma de um grande arquipélago. 96

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Nos relatos dos agentes, todos falam sobre a fartura do período, em especial para a pesca, não havendo a necessidade de avançar muito no mar para encontrar o pescado de qualidade e bom tamanho (vide Figura 24). Muitas vezes, inclusive em decorrência da fartura e para não perderem a quantidade de peixes que coletavam, era muito comum a doação para outros moradores.

Figura 24 – Resultado de um dia de pesca e a figura do pescador

Fonte: Viller (2015)73.

Sobre as transformações ligadas ao turismo um antigo veranista (natural e morador de Ilhéus) que frequenta a Península desde pequeno (hoje com 50 anos de idade), levado por sua mãe nascida em Barcelos do Sul de Camamu rememorou:

73 VILLER, Mariano. [S.l.], 18 mai. 2015. Facebook (grupo): MORRO DE SÃO PAULO-DINOSSÁURICO. Disponível em: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1453817294916403&set=g.224185184415300&type =1&theater&ifg=1.. 97

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Geralmente a gente vinha com o pessoal de Ubaitaba, aquela região de Ipiaú, que tinha casa aqui na região e fazenda, e vinha para o lado de cá, mas era só turismo local, depois que expandiu o turismo. Antes era a segunda residência, que o pessoal tinha fazenda e morava na cidade de Ubaitaba, aquela região, Ilhéus e Itabuna, e vinha para cá veranear em Campinhos, Barra Grande. Era tudo casa, depois que virou um polo turístico com pousadas, hotéis, restaurantes. De uns 15 anos para cá que o turismo melhorou sem ser local, um turismo do Brasil todo e do mundo todo. Eu venho de 3 a 4 vezes no ano, quando não fico aqui em pousada eu fico em Barcelos que é perto e venho de barco, porque a gente vem por dentro do rio. A região aqui é boa demais.

Observa-se que o histórico em torno da ocupação de tais áreas se aproxima: de antigas vilas de pescadores e fazendas; ao começo com as segundas residências e aluguéis para veraneio por moradores das proximidades. No caso das áreas em Cairu e Maraú, com o “boca a boca”,74 relatado por grande parte dos entrevistados, outros agentes nacionais (Guaibim) e internacionais (no caso em análise) montam as primeiras estruturas até chegar ao ponto em que tais áreas se encontram. As primeiras edificações no Guaibim retratam um pouco da realidade das construções litorâneas do período com estruturas de pau a pique ou palhoças75. Assim como as outras localidades analisadas, o Guaibim era uma pequena vila de pescadores sem nenhuma infraestrutura, com a casa dos moradores margeando o litoral (como apresentado na imagem).

74 Como representado no relato de um comerciante em Boipeba sobre Morro de São Paulo: “(...) você via mochileiros, os hippies, os malucos. Foram os hippies que começaram. Não existe um planejamento; ninguém chegou, não foi o Ministério do Turismo que pô “esse lugar tem potencial turístico; vamos fazer esgoto, vamos fazer isso”; a Embratur “vamos desenvolver isso na Europa”, não, o lugar foi de boca em boca.” 75 Também conhecida como casa de taipa, é uma técnica de construção antiga, na qual madeiras na posição vertical são fixadas ao solo, com vigas amarradas na horizontal, preenchidas com argila para a produção das paredes da casa. 98

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Figura 25 – Primeiras edificações do Guaibim

Fonte: Pires (2010).

O processo de construção de tais habitações era uma realização para os moradores no que se refere a solidariedade entre comunidade do entorno, como apresentado pelos pesquisados. No caso do Guaibim, uma das moradoras afirmou que era comum ocorrerem catástrofes referentes a incêndios recorrentes, devido ao uso do forno a lenha nas proximidades das residências de palha. E que a mesma solidariedade imperava no controle das chamas, para que não se propagassem e atingissem outras residências. A escolha pela palha decorria do fácil acesso ao material, assim como dos custos baixos para reconstrução das residências. Anterior à valorização de tais espaços pela atividade do turismo, para a potencialização do valor de troca, os moradores do litoral eram constantemente assediados, para vender os seus lotes à beira-mar, principalmente para a construção de casas para o veraneio. Uma das moradoras antigas, que nasceu e foi criada quando criança na rua da praia (no Guaibim), apresentou o seguinte relato sobre o motivo da venda da residência de seus pais e do terreno:

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“Painho trocou por uma canoa, calão76 e uma casa, aí passou para cá, para a rua do Arame. Daí a gente se criou e formou família, tudo na rua do Arame.” Da casa de palha à beira-mar, a senhora continuou a apresentar seu percurso até chegar à sua residência atual:

Depois que eu me casei eu morei na casa de meu sogro, depois me separei do marido e fui morar nas palafitas e daí a gente conseguiu essa casa... Eu peguei família e larguei o marido, aí eu fui e morei nas palafitas mais ou menos uns 5 anos. Aí a Conder veio e a gente começou a se mover, daí me colocaram como a líder e eu comecei a me envolver com a comunidade.

Atualmente ela mora na comunidade de Santa Teresa, após ter sido transferida das antigas palafitas localizadas no ambiente fluviomarinho e as margens do rio Guaibimzinho (ainda próximo da faixa litorânea) para casas populares construídas pela Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (CONDER), com verbas oriundas do Programa de Urbanização e Regularização de Assentamentos Precários do Governo Federal, em parceria com a gestão municipal e estadual. Utilizando o Google Maps para realizar o cálculo do tempo percorrido atualmente sem carro para a rua em que ela morava (a rua da Praia), a caminhada de 1,7 km dura em torno de 20 minutos. Fazendo o mesmo caminho para o Taquari77, atual área de pesca e coleta de crustáceo, por conta da ocupação da faixa de praia de sua antiga rua, ela faz o percurso a pé de cerca de 1 hora de relógio (5,6 km). Retomando a história sobre a situação de seu pai, nas outras áreas observou-se o mesmo, antes mesmo da prática do turismo ser potencializada na década de 1990, grande parte dos terrenos ao longo do litoral já haviam sido loteados para a prática da vilegiatura marítima. Vale a pena ressaltar que o valor da terra foi crescendo à medida que o turismo se fortaleceu, e terrenos que eram trocados por barcos e casas mais interiorizadas atualmente não valem menos que alguns milhões de reais. Quanto àqueles que permaneceram com seus lotes no litoral, com o tempo as áreas foram reduzidas por conta da divisão do terreno com os filhos, mas mesmo assim tiveram boas quantias em dinheiro com venda de parte da terra; fato observado na Península de Maraú por parte de dois agentes, um deles com uma área ampla em frente ao mar no valor de alguns

76 Tipo de rede muito utilizada na pesca tradicional da região, sua utilização consiste no uso da canoa (entre 6 a 10 metros) em águas rasas, realizando o cerco dos peixes por 6 a 8 pescadores. É muito frequente nas primeiras horas da manhã ver tal atividade no litoral da Costa do Dendê. Na retirada do pescado, é comum os moradores ajudarem e ganharem como retorno parte do que foi pescado. 77 Que delimita a porção mais ao norte da praia do Guaibim, com a foz do rio Taquari. 100

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milhões (sendo que o mesmo já havia sido parcelado entre irmãos, e em grande parte já vendido), no qual havia uma pequena hospedaria e área de camping. Já no segundo caso, o proprietário vendeu quase toda a área na orla, e atualmente mora a cerca de 700 metros da praia e a poucos minutos da praça das Mangueiras em Barra Grande (principal área de comércio e serviços na península); e continua com suas atividades laborais, como a pesca, e com os mesmos hábitos de quando necessitava dessa atividade para sobreviver. Quando indagado o porquê de não mudar para outra cidade, ele respondeu, enquanto costurava sua rede de pescar, que não sabia fazer outra coisa, e que o dinheiro serviu para formar os filhos, comprar suas residências fora do município de Maraú e ter realizado o “pé-de-meia” para a sua velhice. Apesar do mesmo não falar sobre valores, quando indagado sobre o primeiro caso (resguardando a confidencialidade sobre a fonte), na qual, segundo o morador recebeu a proposta de U$ 7 milhões para o que lhe restou do terreno margeando a praia, o segundo agente fez a seguinte análise:

Tem pessoas que têm patrimônios mais do que isso e anda simples, não tem um carro, não tem uma moto, não tem nem uma bicicleta, mas tem o patrimônio porque soube guardar e valorizar. A maioria dos moradores aqui tem duas casas e normalmente aluga uma, já tem quartinho, alguns têm pousadas... Enfim, não tem morador aqui hoje – no meu ponto de vista – morador nativo desamparado, pelo menos a maioria está amparado porque foram, digamos assim, inteligentes. Então eu acho que não jogou o pessoal pra fora não, o que vem acontecendo é pessoas que vêm de fora querendo ser donas de uma coisa que é de todos, uma coisa que os nativos sempre respeitaram, compartilhando com todos. Aí chega um de fora, se acha proprietário, se acha dono porque tem dinheiro, porque tem algum poder – até o povo dos políticos, né – e quer mandar em tudo, quer ser dono de tudo, quer ordenar tudo tirando o direito de uma coisa que deveria ser coletiva e passando a ser individual dele e da família dele.

Observa-se em tal fala o choque entre os valores no espaço e os valores do espaço, de como eles se relacionavam anteriormente e sobre as relações da ordem do privado. Ainda sobre essa leitura, além dos antigos moradores os novos capitalizados, há também a classe de trabalhadores que ocupam os bairros periféricos e com outra realidade no que tange ao acesso a renda e espaços de moradia. Ao sair do enclave turístico para observar tal situação é só fazer a trilha em direção ao Porto de Campinho, com ocupações sobre o ambiente fluviomarinho, ou na BR 030 no bairro do Saleiro. Das ocupações há uma diferença no que se refere a proveniências dos agentes que compraram os terrenos nas quatro áreas analisadas, assim como de suas temporalidades. Em Valença, a maior parte dos terrenos e construções de novas residências e comércio com 101

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alvenaria, inclusive em terreno da marinha78, foi realizada por moradores de Valença e dos municípios próximos (em decorrência da facilidade de transporte), assim como as residências para veraneio, em sua maioria goianos, brasilienses e agentes provenientes do sudeste brasileiro (OLIVEIRA, 2007). Em Morro de São Paulo, como apresentado anteriormente, além do processo de vilegiatura e segunda residência na década de 1960, muitos dos novos moradores compartilhavam do estilo de vida hippie forte na época das primeiras ocupações, e não se realizavam apenas na beira do mar, a exemplo da ocupação em áreas mais afastadas, como as primeira ocupações no Campo da Mangaba79. Neste caso, havia um número considerável de estrangeiros. Parte dessa história é contada nos registros fotográficos e legendas da comunidade Morro de São Paulo-Dinossáurico, inclusive com os moradores nomeando quem está na imagem e a procedência(como apresentado na Figura 26), tecendo lembranças sobre os acontecimentos e da paisagem de outrora; com comentários dos moradores nativos, novos moradores (do Brasil e do exterior), visitantes e agentes que migraram para outros lugares.

Figura 26 – Casa de pau a pique de uma norte-americana na Mangaba, Morro de São Paulo

Fonte: Passos (2015)80.

78 Situação recorrente em todos os enclaves. 79 Assim nomeado por conta da quantidade de mangabeiras presentes sobre o cume dessa colina. 80 PASSOS, Carlos Eduardo. Sarkis Kaloustian, Gabriel Buser (no meu ombro)... [S.l.], 29 abr. 2015. Facebook (grupo): MORRO DE SÃO PAULO-DINOSSÁURICO. Disponível em: https://www.facebook.com/photo.php ?fbid=718844101560398&set=g.224185184415300&type=1&theater&ifg=1. 102

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Um fato relevante a ser considerado na observação dessas legendas e nas entrevistas realizadas sobre as primeiras ocupações é a integração da moradores nativos e dos novos moradores. Seja nas atividades laborais dos locais (em especial a pesca), na ajuda por parte dos antigos moradores na construção das residências dos novos moradores e mesmo no lazer das crianças, fato este pouco visto na atualidade, inclusive sendo motivo de reclamação nas postagens atuais. Ao comentar uma das imagens na comunidade (com crianças abraçando-se), há a seguinte reflexão: “Esse sim é o nosso Paraíso. Agora virou o Morro da usura e ganância”. Um fato muito comum nas entrevistas com os turistas era a constatação na valorização da troca sobre o uso; mesmo em Boipeba, onde as relações de copresença e de contato com os moradores são mais fortes do que nos outros enclaves, entre as entrevistas apareceram relatos de supervalorização de serviços quando utilizados por visitantes; como observado em relação a um dos atrativos por uma turista:

A única coisa que foi negativa, é que queríamos ir a Cova da Onça de quadriciclo; e aí soubemos na pousada que os preços para ir é R$30,00 e eles queriam nos cobrar R$ 200,00 a duas ida e volta, tanto que nós não fomos. Eles queriam era nos explorar.

Em relação a criação de imagens no espaço como mercadoria, em uma das fotos da comunidade “Morro de São Paulo Dinossáurico”, com vista para a segunda praia no ano de 1994 em Morro de São Paulo, o seguinte relato foi feito: “Havia uma praia. Hoje parece um shopping com pousadas”. Dado a quantidade de empreendimentos comerciais nessa porção da ilha. Sobre uma simples foto de uma barraca de praia, geraram-se os seguintes comentários:

“Bons tempo!!! A gente era feliz e não sabia... Depois tudo mudou.” “Eu sabia que eu era muitooooooooooo feliz ♥️♥️♥️” “Eu penso que erámos felizes e sabíamos sim, rsrsrs, sempre digo isso.” “Mas tudo mudou, cadê a vila dos pescadores que era Morro de São Paulo?” “Caitá, saudade da porra! ”

Tais reflexões, referendadas com afirmações no mesmo sentido e curtidas, dizem respeito ao momento em que essas regiões passaram a ser apropriadas por investidores que viram a oportunidade de lucrar com as atividades relacionadas ao turismo nessas localidades81. Em relação a imagem analisada, a barraca era frequentada pelos moradores, inclusive com a

81 No que se refere a classificação dos investidores na Costa do Dendê e o tipo de capitalistas, seguindo o proposto por Wright (1985, 1997) a ocorrência em menor número daqueles que possuem capital suficiente para empregar trabalhadores e não trabalhar; e em grande parte; aqueles que possuem capital para empregar e trabalham e aqueles que utilizam-se de mão de obra familiar. 103

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indicação de um dos agentes que frequentava o mesmo ambiente, demonstrando que os laços que os uniam não eram apenas os econômicos. Outra questão relevante é a mudança no perfil da população no que se refere à diferença de renda entre os moradores nativos e os novos moradores. Em decorrência dessas mudanças em Morro de São Paulo, muitos dos moradores mais capitalizados estão migrando para outras áreas do Arquipélago Tinharé (Gamboa, Garapuá ou Boipeba), para a Península de Maraú e mesmo para Itacaré82, mais ao sul do estado. Em resposta para tais motivos, os mesmos se remetem aos valores do passado: a cordialidade, a amizade, o respeito ao ambiente, a vida rural; em contraposição ao que o Morro se tornou: um espaço barulhento, caro, mesmo para os mais capitalizados, urbano e violento. Por outro lado, os menos capitalizados ocuparam as áreas de expansão mais periféricas da ilha ou mesmo as sedes dos municípios (sendo o principal Valença). Especificamente sobre as transformações em Morro de São Paulo, uma comerciante do ramo de transporte e hospedagem apresentou o seguinte relato quando indagada como era Morro de São Paulo no período em que ela chegou e as transformações que a localidade vem passando:

Um local tranquilo, onde as pessoas se conheciam por nome; hoje nós somos anônimos apesar da ilha ser pequena, antes não. Antes todas as pessoas se conheciam, então era um local que tinha uma convivência direta com os moradores. Hoje... já não, você perdeu muito disso o Morro veio perdendo digamos assim a sua identidade local. Isso é até natural por conta das pessoas que vem do mundo inteiro né? O Morro de São Paulo sempre foi um lugar cosmopolita, de um tempo pra cá mais ainda. Mas assim, os estrangeiros que vieram que a gente se sente assim fora do nosso lugar porque eles acabaram tomando conta; mas são pessoas que ajudam nessa parte ambiental, nessa parte da consciência, em que na verdade o povo da terra perdeu mais do que eles que vão chegando, eles vão chegando até vão brigando mais. Então o Morro, a gente tem muita saudade do Morro de antigamente, até mesmo por conta da tranquilidade né? Quando você conhece todo mundo é tudo mais tranquilo né? E por conta de droga e violência, as coisas vão ficando mais restrita, cada um no seu espaço.

Nessa discussão, as transformações dos valores societários estão bem pontuadas. Com saudosismo ela consegue aliar em sua análise como a mentalidade dos moradores foram mudando com o passar do tempo; de uma realidade de relações de vizinhança e de cuidado, para outra, onde muitos dos agentes inclusive moradores sequer se conhecem. No tocante à mentalidade sobre as questões ambientais, ela trouxe um elemento presente em outras falas,

82 Provenientes deste destino, Porto Seguro, no extremo sul da Bahia, e Arembepe, em Camaçari no litoral norte, outros comerciantes relataram a mesma situação em relação a mudança, além das questões referentes ao aumento da violência. 104

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onde o empresariado tenta cuidar mais do ambiente. Nesse sentido há um conflito de interesses em relação às novas áreas de ocupação, inclusive em áreas de preservação que também ocorre entre o empresariado, mas em menor número de agentes, além também da falta de preocupação com as relações que se davam entre moradores e destes com o ambiente. No que se refere a preocupação com as transformações em Morro de São Paulo em relação a questão ambiental, além desta, há também a preocupação com os rumos que o destino vem tomando em torno da ocupação de áreas impróprias, da descaracterização do patrimônio histórico e natural da ilha, assim como, da questão da balneabilidade; além do relatado outra questão frequente nas entrevistas é a ascensão nos últimos anos da criminalidade, situações que afetam diretamente na atratividade de Morro de São Paulo como destino turístico. Em contraposição ao exposto, a comerciante acabou alugando sua residência em Morro de São Paulo e passou a morar em uma casa alugada no povoado vizinho a essa parte da ilha, a Gamboa do Morro; argumentando que:

Em Gamboa também acontece algumas coisas assim relacionadas ao meio ambiente; as pessoas jogam muito lixo nos córregos, vão invadindo um pouco mais para aumentar seu quintal. Mas lá as pessoas são mais assim... como eles são nativos, eles nasceram na Gamboa então eles têm aquele sentimento do local deles. Então isso que me atraiu na Gamboa; as pessoas cuidam umas das outras. Então assim se você tem um filho que está correndo na rua, o vizinho olha ‘cuidado pra você não cair!’ E em Morro de são Paulo isso não existe mais porque as pessoas não se conhecem nesse nível. Em Gamboa ainda tem isso e até nas questões das construções, ‘oh você não pode fazer isso, porque isso...’. Elas cuidam do jardim principal; quem cuida são os moradores, você chega lá tudo bonitinho, os moradores que cuidam cada um da sua frente. Então acaba ficando um lugar mais agradável pra se viver.

O relato apresentado representa muitas análises sobre o processo de turistificação de Morro de São Paulo; os agentes se remetem ao ideário sobre a perda das características do lugar, no qual o valor-dinheiro prepondera sobre as relações sociais; preferindo outras áreas para a realização de atividades recreativas como analisado pela agente, ou mesmo o Guaibim. Neste último caso, na linha de praia, os mesmos questionamentos são feitos em relação às praias do Valenciano, o Guaimbizinho e Taquari; e a dos turistas e pessoas mais capitalizadas do Guaibim. O que separa tais áreas é uma linha imaginária na mesma faixa de praia, medidas pelas barracas e pelas pessoas que se apropriam da frente de mar destas, demonstrando que os interditos não necessariamente são áreas físicas, normas ou leis, sendo que os mesmos podem ser lidos através do processo de valorização dos espaços.

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Observou-se, na atividade de campo, as seguintes texturas sobre as quatro áreas analisadas no processo de produção capitalista do espaço (com bases no valor de troca): nas áreas centrais, próximo à linha costeira, a concentração do espaços mais valorizados, que no caso do Guaibim estão sendo apropriados principalmente por moradores do território brasileiro; em Boipeba o início do processo de valorização foi um pouco mais avançado do que em Garapuá no Arquipélago de Tinharé (com agentes do país, mas também capital estrangeiro no primeiro); em Morro de São Paulo, mesclando as duas realidades, assim como a Península de Maraú. Nesta última, a sua porção atlântica tem maior valorização com suas praias do que a porção que se volta para o interior da Baía de Camamu. A grande diferenciação decorre dos ambientes aí presentes. Na atividade realizada pelos turistas, há maior apropriação das faixas de praia sem interferência do ambiente fluviomarinho. Apesar de observar que, mesmo sem a divulgação dessa faixa, é muito comum os turistas fugirem dos preços dos serviços de Barra Grande e Taipu de Fora (em especial do preço das refeições) para alguns bares de Taipu de Dentro. Em visitações nos últimos dez anos à Península de Maraú, é interessante observar como a ocupação vem crescendo. A primeira visitação realizada pelo pesquisador foi em 2008, e já havia uma forte ocupação de Barra Grande e Ponta do Mutá, enquanto Taipu de Dentro, mesmo como bairro de trabalhadores, apresentava ocupação mais rarefeita. No período também foram observadas, nas proximidades do centro de Barra Grande, várias áreas de camping. Já nos últimos anos, nestes locais outros equipamentos foram criados (casa de material de construção, mercadinhos...), ampliando-se o número de hotéis. O mesmo pode ser dito sobre a especulação imobiliária em Taipu de Fora, com a criação de loteamentos e condomínios fechados. Já em Taipu de Dentro, predomina o ocre das casas dos trabalhadores da Península, assim como os espaços ocupados nas vias de ligação da Península à BA-001. No Guaibim, quanto mais afastado do litoral na faixa da planície litorânea, menor são os valores; já no Morro de São Paulo, o relevo acidentado e a vegetação escondem os bairros considerados menos capitalizados como a Mangaba e Nossa Senhora da Luz. Nestes, há outros valores no comércio local, sendo completamente diferente da morfologia material da área central do Morro e do Zimbo. No que se refere aos valores de troca nos quatro enclaves analisados (Guaibim, Morro de São Paulo, Boipeba e a Península de Maraú) e a frequência que os visita, uma moradora de Taperoá que costuma frequentá-los teceu o seguinte comentário:

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Guaibim demais; é uma praia de maior frequência dos locais. Morro já fui algumas vezes; não sou de frequentar muito não, é muito elitizado. Boipeba é legal, agora a questão é o transporte que é meio precário, é de difícil acesso. Barra Grande e Taipu de Fora é perfeito, ótimo; não é de difícil acesso, agora também é um pouco elitizado. O custo de vida é muito caro e para você que vai passear também.

A resposta apresentada se repetiu na maior parte das entrevistas com os moradores dos municípios da região da Costa do Dendê quando questionados sobre a apropriação e uso das praias mais turistificadas. Observa-se que tais argumentos são reflexos direto das diferenças dos valores de troca sobre os serviços ofertados em tais praias. Neste caso a praia do Guaibim, em especial o Guaimbinzinho é muita mais atrativa em termos econômicos do que as praias da Península de Maraú e do Morro de São Paulo. Sobre a estratégia dos agentes promotores do turismo, o valor simbólico se faz presente, seja na concepção edênica da paisagem litorânea da Costa do Dendê (EPIFANIA, 2017), seja na comparação de tais espaços com outros destinos turísticos em escala global: Morro de São Paulo com Ibiza, em decorrência dos agitos na praia ao longo do dia e as baladas noturnas; as praias do Arquipélago de Tinharé com o Caribe, em decorrência da coloração de suas águas ao longo do ano, e as praias da Península de Maraú, como a “Polinésia Baiana”. Tais comparações inserem estas áreas na guerra entre agentes turísticos nas escalas nacional e global, no sentido de atrair um público para conhecer essas “características” no Brasil e na Bahia; por outro lado, mobilizam também a guerra dos lugares no contexto regional83, no sentido de diferenciar as práticas e apropriações destes. Durante as entrevistas com o poder público e parte dos agentes, Morro de São Paulo sempre era a área a ser copiada em relação a sua capilaridade no território nacional e para o turismo internacional. Ou, como na maior parte das entrevistas, uma realidade a não ser seguida, em decorrência dos impactos negativos do turismo nesta porção da ilha (fato a ser retomado no próximo capítulo). Ainda, há que se considerar os valores que são criados pelo próprio poder público, em especial no processo de valoração sobre tais espaços. Durante esses 10 anos de pesquisa, em diferentes congressos de escala local, estadual, nacional e internacional, o pesquisador observou as diferentes leituras sobre as esculturas que foram fixadas pela prefeitura de Valença na entrada da cidade e principal espaço de acesso para Morro de São Paulo.

83 Os conflitos de interesses locais sobre a questão regional pode ser observada antes de chegar as áreas onde há atividade turística, com a presença de placas de sinalização cobertas ou com indicação de outras praias sobrepostas aos nomes dos destinos, no sentido de esconder tais espaços e direcionar os turistas para outras áreas (como apresentado no apêndice E).

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A figura do Adão e da Eva (Figura 27), com duplo sentido quanto ao acesso ao paraíso; onde uma mulata segura o fruto do pecado e oferece a um Adão de traços supostamente europeu; e, em todos os lugares onde tal imagem foi projetada, o seu impacto visual (de mau gosto) e mesmo o que estava por trás daquela oferta causava um misto de estranheza e comoção à população, pois atrelava a visita a Costa do Dendê como uma visita a prostituição. Na escultura, a mulata seguia os mesmos padrões sexistas e racistas tão propalados no território brasileiro e mesmo internacionalmente por muito tempo.

Figura 27 – Escultura do Adão e da Eva na entrada da cidade de Valença

Fonte: Epifania (2013).

Tal debate será retomado no contexto da percepção dos agentes sociais sobre tal caracterização em paralelo ao contexto do paraíso edênico, em comparação a outros elementos presentes na conjuntura regional, nos capítulos seguintes, especificamente sobre os espaços de representação. Sobre esse momento do processo de valorização do espaço (no que se refere ao valor de troca), em termos de temporalidade, ocorre também a valorização efêmera de algumas áreas do litoral, a exemplo das raves. Na Costa do Dendê, a mais emblemática é o Universo Paralelo84, que ocorre há cerca de 20 anos (a cada biênio) no estado da Bahia, realizada durante uma semana (vide a imagem de divulgação da festa para esse ano). Com a criação de um ambiente completamente psicodélico (Figura 28), como se fosse um verdadeiro parque de diversões à

84 O Universo Paralelo serviu de inspiração para o filme “Paraísos artificiais”, de Marcos Prado (2012). 108

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beira-mar, atraindo turistas dos mais variados países do mundo e de diversas localidades do Brasil.

Figura 28 – Imagem de divulgação do universo paralelo

Fonte: phouse.com.br85.

Inicialmente a festa ocorria nas proximidades da Foz do Jiquiriçá, no município de Jaguaripe (na Baía de Todos os Santos); e, em decorrência dos problemas gerados de cunho social e ambiental86, os organizadores procuraram outra localidade, passando a utilizar a praia do Pratigi, localizada na APA de mesmo nome, com o aval da prefeitura de Ituberá. No período, a faixa costeira logo acima da linha de praia é privatizada durante os 7 dias no período da virada do ano, só tendo acesso à mesma os participantes da rave, com suas pulseiras coloridas identificando cada dia da semana, sendo este o passaporte87 de acesso a um espaço público que tem sua temporalidade de “privatização”. Mesmo sendo bianual, podem-se observar os impactos referentes a tal prática; como nos enclaves, o padrão de ocupação vem sendo modificado. Anteriormente com poucos moradores que se ocupavam com a agricultura, mariscagem e pesca, nessa faixa litorânea da APA do Pratigi estão sendo criados loteamentos e pousadas.

85 Disponível em: https://www.phouse.com.br/anuncio-universo-paralello-20-anos/. 86 Em visitas a Ilha do Conde, no município de Jaguaripe, onde a rave ocorria, os locais alegaram problemas relacionados ao uso de drogas ilícitas e pequenos conflitos nas primeiras edições; no que tange à questão ambiental, em um restaurante da região, foram relatados problemas sobre a redução de pescados durante alguns anos naquela faixa, inclusive com menor ocorrência de avistamento de tartarugas. 87 Os ingressos para o ano de 2020 no mês de agosto estavam no 3º lote nos seguintes valores: inteira por R$ 1600,00, meia-entrada (para professores, estudantes e militares) e ingresso solidário (com a entrega de mais um quilo de alimento) por R$ 800,00. 109

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Destaca-se em tal análise que, após o processo de produção capitalista do espaço diretamente relacionado ao turismo na Costa do Dendê, há padrões diferenciados de ocupação no contexto regional, mesmo quando analisadas apenas as áreas de interesse turístico. No qual apresentam-se enclaves, em diferentes graus (respectivamente), em Morro de São Paulo; Barra Grande e Maraú; Taipu de Fora; áreas de expansão, como no caso do Arquipélago de Tinharé para Boipeba e agora Garapuá, e novas áreas, como a Praia do Pratigi e Barra do Serinhaém, onde a lógica é mais rarefeita em termos de ocupação por população absoluta, mas onde já há um adensamento de segundas residências. Voltando-se para as perspectivas do planejamento regional e o processo de valorização do espaço pelo turismo, em 2015 o Ministério do Turismo (MTur), através do Mapa do Turismo Brasileiro88, elaborou um instrumento para aferir, por grau de importância, os municípios presentes nas regiões turísticas. Para tanto, os seguintes elementos foram medidos: os empregos formais ligados a hospedagem, a quantidade de estabelecimentos formais neste setor e a estimativa do fluxo doméstico e internacional de turistas. Sobre a Costa do Dendê, foram gerados os resultados constantes nas Figuras 29, 37 e 43. Observa-se que os elementos considerados pelo governo federal e que vão referendar as ações e parcerias sobre os contextos regionais direcionam-se à questão econômica, sem nenhum direcionamento ao contexto regional (tema a ser retomado no capítulo subsequente). Nesse sentido na análise de Cluster da Costa do Dendê (Figura 29), o único município na categoria A, com maior fluxo turístico, empregos e estabelecimentos de hospedagem, é Cairu; seguido por Valença e Maraú na categoria B (diferenciando-se respectivamente em maior atração do turismo nacional e internacional); na categoria D, Ituberá, Taperoá e Camamu; Igrapiúna, na categoria E. Já no município de Nilo Peçanha, até o período da compilação dos dados, não havia sido enviado o relatório para a sua inclusão no Mapa do Turismo.

88 Os dados apresentados são de acesso público no site do Ministério do Turismo, mais especificamente no link Mapa do Turismo Brasileiro. Tal debate será retomado no tocante a discussão sobre o planejamento. 110

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Figura 29 – Análise de Cluster da Região Turística da Costa do Dendê no Estado da Bahia

Fonte: MTur, 2015.

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Basear os investimentos apenas na lógica quantitativa e não nas especificidades dos municípios é extremamente complicado, quando não mensuradas quais ações serão realizadas; por outro lado, é importante remeter-se à escala regional sobre a diferenciação da Costa do Dendê, em especial no que se refere ao respeito e cuidados em relação às comunidades tradicionais e seus arranjos produtivos, para que as mesmas não sejam desapropriados. Por outro lado, há que se considerar também o adensamento de infraestrutura nos municípios onde a atividade do turismo está mais presente, em detrimento da rarefação nos outros municípios, inclusive de infraestrutura básica. A análise apenas quantitativa direciona- se ao entendimento do espaço enquanto mercadoria para a reprodução da mais-valia, fato presente nas áreas onde já ocorre a hipervalorização (para a troca) da ocupação, apropriação e uso destas.

3.2 O TURISMO COMO POSSIBILIDADE DE RESSIGNIFICAÇÃO DE VALORES NA COSTA DO DENDÊ

A perspectiva aqui referenciada tem por objetivo repensar e trazer para o debate os valores no sentido do que o planejamento turístico na Costa do Dendê a muito vem prometendo promover: o processo de desenvolvimento regional. Acredita-se que, para tais propostas serem no mínimo críveis, faz-se necessário um corte sobre a lógica economicista que impera nas políticas destinadas ao turismo como atividade econômica, assim como a desconcentração dos investimentos em infraestrutura e estratégias de marketing em poucas áreas do destino regional, e principalmente repensar o processo de valorização do espaço para além do valor de troca. Retomando o debate promovido por Santos (2007) e aplicando suas discussões para a análise do turismo, mais do que pensar nas presenças, tem-se que relacionar, na discussão sobre os valores, as ausências no que tange à aparência que está posta nas paisagens dos enclaves turísticos. E, para além disso, observar as emergências que se fazem presentes sobre o espaço. Tal exercício refere-se à ação de repensar as heterotopias que emergem, sob a lógica isotópica atual, e que por outro lado podem possibilitar a criação de utopias e não de futuros distópicos, no sentido de um turismo que promova o desenvolvimento nas mais variadas escalas, e que, unido a outros arranjos, promova a justiça social e não a segregação. Como apresentado no subcapítulo anterior, muitas das discussões sobre os valores se direcionavam para o início do processo de valorização do espaço pela atividade do turismo na Costa do Dendê. Era corriqueiro falar sobre a cordialidade e a solidariedade presentes entre os moradores, em contraponto às transformações atuais, em especial no que tange à violência.

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Primeiro, é fundamental isso, a segurança; antigamente você podia dormir em sua casa com tudo aberto, tranquilo, sem preocupação nenhuma; dormia até na própria porta da rua e ninguém te fazia nada. As pessoas viviam mais da pesca, alguns da piaçava... geralmente era mais da pesca. As brincadeiras de criança, antigamente as mães ficavam despreocupadas porque os filhos ficavam na porta brincando e hoje infelizmente nas drogas, se misturando com gente que não presta.

O relato de um dos moradores da Gamboa do Morro e que trabalha em Morro de São Paulo refere-se justamente a essa questão. Entre os entrevistados, nas inúmeras vezes em que a temática da violência89 vinha à tona, era sempre relacionadas as transformações advindas com o turismo, sendo que muitas vezes estes contra-argumentavam com um certo saudosismo sobre o período anterior ao que estão vivendo atualmente. Por outro lado, após a resposta deste tema, bem como de outros problemas supostamente relacionados ao turismo, o pesquisador estimulava os entrevistados a pensar em propostas de enfrentamento. Neste caso, as respostas direcionavam-se ao papel das ONGs em relação à educação em seu sentido mais amplo, no que se refere à libertação dos indivíduos de tais problemas. Na ilha de Boipeba, assim como na pesquisa de Alencar (2011), os agentes entrevistados diferenciavam a vida naquela localidade de outras da Costa do Dendê, a exemplo de Valença e Morro, relatando ser uma ilha pacata em decorrências dos valores rurais (e com vários elementos destes a exemplo da Figura a seguir), inclusive com ausência de violência; sendo que, para estes, o aumento do número de casos de violência na Costa do Dendê estaria atrelado diretamente ao modo de vida urbano.

89 Durante a realização das entrevistas, muitos agentes (moradores e comerciantes) relataram que, no caso de Morro de São Paulo principalmente, tais problemas não eram divulgados para não se perder o apelo de área pacata. Em outros momentos, dava para perceber o temor quando alertados sobre não tomar determinadas rotas em meio à Mata Atlântica, por conta dos assaltos recorrentes. Por outro lado, nos últimos anos os casos de violência na Costa do Dendê começaram a ser esporadicamente apresentados na grande mídia. Um dos últimos casos ocorreu no final do mês de julho, com o espancamento de uma velejadora após ser assaltada por piratas em Camamu (G1, 2019), e que foi ameaçada através da frequência de rádio para que fosse embora de Maraú com seu veleiro em decorrência da repercussão negativa para os criminosos (CORREIO, 2019). No tocante a insegurança segundo dados da secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia entre os anos de 2011 a 2013 analisados no PDITS (2015); o município de Valença figura onde a maior parte dos casos mortes violentas, tentativas de homicídio, estupros e furtos de veículos acontecem ( há que considerar também o seu quantitativo populacional em relação aos outros municípios). 113

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Figura 30 – Descarga de produtos das embarcações para as carroças, no fim de tarde na Praia da Boca da Barra, em Boipeba

Fonte: Epifania (2017).

Em Valença, surgiu a reflexão a seguir sobre a educação e o seu papel transformador e o compromisso que os agentes ligados ao turismo deveriam ter com os moradores:

Eu acho que um investimento e um trabalho bem feito aqui na área do turismo, passaria não só pela infraestrutura, mas a educação mesmo das pessoas para valorizar o bem, a cidade. Eu acho um problema aqui na cidade; a questão do lixo na rua, é uma característica feia daqui de Valença, então eu acho que a cidade deve procurar os meios também de ajudar a educar a população, não é? Na recepção do outro, no trato, na limpeza urbana, na própria valorização de sua história, na construção de identidade. Então um trabalho bem feito na questão do turismo, tem a parte econômica, a movimentação da grana, a entrada de recurso, a questão do emprego; mas eu acho que quando bem feito poderia ajudar nesse sentido também, de uma reeducação da 114

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população em um monte de aspectos. Eu vejo por exemplo, a cidade de Cachoeira que para mim é sempre uma referência, com relação à maneira de como boa parte da população enxerga a sua história. É um lugar onde essa coisa da identidade, do auto reconhecimento, me parece ser tão forte. A cidade a gente olha para ela e ela parece ter uma característica simplória, com muitos aspectos histórico, mas que você conversa com as pessoas e parece muito forte essa coisa do seu lugar, do cuidado com seu lugar, do orgulho da sua história; em Valença eu não vejo isso. Então eu acho que um trabalho de turismo que fosse bem feito, passaria pela infraestrutura, pela parte econômica, pela geração de emprego e talvez por isso também, não é? Você começar a construir uma outra mentalidade no valenciano, acerca do lugar, da sua história, do cuidado com o seu lugar, a valorização de sua identidade, a valorização da figura dos tipos humanos que caracterizam a cidade. Eu acho que seria um benefício de longuíssimo prazo assim, que a gente poderia ter.

Ao comparar a realidade das bases do turismo em Valença com o realizado em Cachoeira no Recôncavo Baiano, ela vai traçando algumas necessidades de reformulação dos valores sobre a Costa do Dendê: o do reconhecimento de sua história, a da valorização dos indivíduos aí presentes, de como os agentes devem se portar sobre o ambiente, os quais trariam benefícios não apenas econômicos para a atividade turística, mas para a própria população. Quando a mesma afirma o papel da cidade sobre essa ação, fica intrínseco na análise o dever dos entes federativos. Por outro lado, ela faz a reflexão sobre como o valor econômico prepondera na lógica atual e que parte do valor deveria ser reinvestido para melhorar as condições de vida da população, sendo essa ação de longo prazo, mas de benefícios extremamente positivos. Vale ressaltar que potencializar a atividade do turismo para a ação mercantil serve apenas para os agentes capitalizados tanto no ganho econômico quanto do uso das áreas de destino para o lazer; ou seja, tendência para o valor de troca na forma da concentração de renda, de apropriação e uso dos espaços valorizados por poucos, podendo ser uma escolha dos planejadores e do Estado o seu revés, potencializando o valor de uso, na balança do valor. Entre as experiências positivas no que se refere à atuação das ONGs na Costa do Dendê, podemos citar a Amigos Morro Esperança (AME), em Morro de São Paulo, Cairu90, a Associação Amigos da Península de Maraú (APEMA) e a Associação Aquerê em Barra Grande (Figura 31), Maraú. No caso da AME, as ações unem o poder público (prefeitura) e o privado, atuando no centro de Morro de São Paulo e no Zimbo. O objetivo do projeto91 é construir

90 Em Boipeba há a atuação também da AMABO (Associação dos moradores e amigos de Boipeba), tendo na sua missão promover o ecoturismo na ilha e práticas “sustentáveis”. 91 Além das oficinas o projeto oferece aulas de futebol, boxe, dança, artesanato com material a ser reutilizado, capoeira, dança e surf. 115

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valores por intermédio da arte e do desporto, com vistas a reduzir e/ou erradicar a gravidez precoce, a evasão escolar, a violência (social e doméstica) e o uso de drogas e entorpecentes.

Figura 31 – Entrada da fundação Aquerê na Praça das Mangueiras, em Barra Grande

Fonte: Epifania (2014).

A APEMA92 atua de forma conjunta com o poder público nas áreas de segurança, saúde, educação, preservação e desenvolvimento, inclusive com investimentos suntuosos por parte do empresariado em equipamentos, veículos e ações educacionais. Já na Associação Aquerê, os investimentos em grande parte são do empresariado paulista, atuando nas áreas das artes, cultura, esporte e meio ambiente. Em relação aos investimentos na região e programas por parte do terceiro setor, nem todos são bem vistos por uma parcela considerável da população. Da Península de Maraú, por exemplo, veio o seguinte relato de um morador nascido e criado no município e que atualmente mora em Barra Grande:

Infelizmente nós aqui somos dominados por um grupo de uma associação que é um braço dos industriais de São Paulo, que fazem política e pensam no bem- estar deles. Não pensam no bem-estar da comunidade; eles querem aqui cobrar pedágio93, e ninguém sabe pra onde vai esse dinheiro; não construíram creche para a comunidade, não construíram campo de futebol, não construíram escola e simplesmente chegaram e fizeram cadeias,

92 Dentre os investimentos da APEMA, foram realizadas a compra de veículos, a limpeza das áreas litorâneas, a construções de equipamentos. Pelo montante de feitos e valores agregados, percebe-se a quantidade de investimentos que o empresariado tem realizado na Península ao longo dos últimos anos. 93 Tal situação foi veiculada pelo jornal A Tarde, em março de 2008, sob o título “Abertura de estrada gera polêmica”. 116

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montaram estrutura pra ter delegado e pra ter essas coisas aqui... Ou seja, só se beneficiaram e construíram coisas pra ter segurança. Sabemos que eles gastam uma fortuna em São Paulo e no Rio pra terem segurança lá e eles aqui têm segurança bancada pelo Estado que é uma coisa que fica muito barato pra eles. Eles deveriam estender a mão, usar o poderio que têm pra construir escola, creche, campo de futebol, pra poder dar oportunidade à comunidade e aos filhos dos pobres e isso eles não fazem e não pensam em fazer. Então eu acho que essa realidade aqui deveria ser outra, por exemplo, aqui eles deveriam estar trazendo SENAC, SENAI pra poder profissionalizar as pessoas, SEBRAE... Para que essas pessoas se profissionalizassem pra prestar um bom serviço, mas infelizmente nós não estamos vendo essas coisas a contento.

Ao tecer tal comentário e observando em outros momentos quando comentado sobre o papel das associações amigas, os elogios decorriam do papel social de tais grupos, principalmente no que tange às ações educacionais para tentar reverter ou barrar o processo de intensificação dos conflitos sociais. Fica claro no discurso do agente que, para além de equipamentos e aparelhamento de órgãos de repressão, tais grupos deveriam dar um retorno social, diante do lucro que adquirem como turismo no local e na região. O Instituto Inkiri94 na Península de Maraú, fundado por Angelina Ataíde, propaga outro estilo de vida, baseado na lógica comunitária e em práticas de cunho socioambiental. Atua desde o ensino básico a cursos e retiros (em tempos curtos), programas de imersão (com duração de meses através da participação do cotidiano da comunidade); segundo dados do instituto, ao longo do ano a comunidade recebe cerca de dois mil visitantes das mais variadas partes do mundo. Além das oficinas direcionadas para tais práticas, a comunidade usa apenas energia solar, o abastecimento de água provém dos próprios mananciais, sem uso de substâncias químicas para tratar a água, além de plantarem e produzirem o próprio alimento e os produtos de higiene e limpeza; os resíduos são direcionadas a compostagem ou selecionados para a coleta quando não podem ser reutilizados. No caso dos banheiros, os dejetos são utilizados também na compostagem e, posteriormente, para adubação das áreas florestadas e recuperação de áreas degradadas na região.

94 A aura mística da comunidade segue os seguintes pilares: alimentação, autoconhecimento, artes, criação, crianças, comunidade e natureza. 117

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Para participar das atividades do Instituto Inkiri, há um código de conduta baseado nos seguintes tópicos: a proibição de consumo de drogas lícitas e ilícitas, não consumir produtos de origem animal, o uso de produtos 100% biodegradáveis para não contaminar os mananciais que proveem a comunidade e o respeito a privacidade; neste último caso, a organização lembra que, apesar de ser uma comunidade, é um ambiente privado, havendo a necessidade de solicitação para realização do voluntariado, visitação ou mesmo integrar a comunidade. Aqui cabe uma distinção entre as quatro experiências das ONGs, a interação, em maior ou menor grau, com o poder público, ou ação privada do Instituto Inkiri; a relação direta com o turismo com direcionamentos para mitigar os problemas decorrentes deste, ou uma imersão em outro modo de vida, que, mesmo com um valor de troca bem delimitado, direciona-se para outros usos e apropriações, conformando novas morfologias materiais e sociais. A área de atuação do Instituto do Desenvolvimento Sustentável do Baixo Sul da Bahia abrange os municípios litorâneos do Baixo Sul, que são justamente os pertencentes a Costa do Dendê. Fundado em 1997 por um conjunto de entidades locais e inicialmente direcionado para a questão ambiental, direcionando sua atuação para a questão do desenvolvimento regional a partir do ano de 1999, em 2002 ampliou o seu leque de atuação, através da formação e acompanhamento de cooperativas nos mais diversos arranjos produtivos do Baixo Sul Baiano, tendo como principais parceiros os poderes públicos municipal e estadual e durante muito tempo após a sua fundação (em sua primeira década) a Fundação Odebrecht. Atualmente o IDES concentra suas atenções no que tange à articulação territorial com vistas a promover o “desenvolvimento étnico-cultural sustentável”, em áreas urbanas, mas principalmente nas áreas quilombolas, com destaque para os quilombos localizados na APA Pratigi (a exemplo do Boitaraca e Jatimane). A instituição atua ainda com a educação ambiental, auxílio para as atividades relacionadas ao sistema agroflorestal, etnodesenvolvimento, turismo rural e o agroecoturismo no Baixo Sul. Em relação ao turismo, o IDES, o governo do estado da Bahia e a prefeitura municipal de Cairu vêm planejando sobre a gestão dos monumentos históricos dessa localidade. Neste caso a demanda advém do restauro da Fortaleza de Morro de São Paulo95, visando a autogestão, através das verbas provenientes das visitações a tal equipamento. Nesse sentido busca-se agregar valores históricos e culturais como importantes elementos patrimoniais ao turismo de sol e praia aí realizado.

95 Foram investidos R$ 14 milhões nas obras de recuperação da fortaleza criada no século XVII, com recursos provenientes da Lei Rouanet, pelo Ministério da Cultura (CORREIO*, 2018). 118

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O IDES acompanhou por muito tempo a execução de projetos da Fundação Odebrecht, como a Casa Familiar Agroflorestal Casa Familiar Rural de Igrapiúna (CFR-I) e de Presidente Tancredo Neves (CFR-PTN), que fazem parte da rede de escolas associadas à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), oferecendo curso técnicos na modalidade “integrado” de agroecologia, agropecuária e florestas. Neste caso, o esforço em torno da formação profissional, captação via atividades de extensão, diz respeito à promoção do desenvolvimento regional e dos agentes através da sua profissionalização e do melhor direcionamento de suas atividades laborais, para geração de emprego e renda. No que se refere ao turismo, o IDES e a Fundação Odebrecht atuam de forma propositiva junto às comunidades tradicionais da região. Há um campo vasto para a análise dos valores na região no que tange à relação das comunidades tradicionais da Costa do Dendê com o ambiente em que vivem, assim como suas apropriações e usos, que muitas vezes são sobrepostos com o produto turístico, com graus diferenciados em relação aos impactos gerados por sua prática. Lessa (2007) em seu campo trabalhou diretamente com comunidades pesqueiras e de mariscagem e trouxe o seguinte

desenho com espacialização das áreas de uso destas comunidades (Figura 32):

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Figura 32 – Mapa das comunidades Tradicionais do Litoral da Costa do Dendê

Fonte: Lessa96 (2007).

96 A autora definiu as áreas a partir de diálogos com pescadores e pesquisa direta de campo, apresentando cada área o total de 8 km de raio de abrangência, sendo 3 km de abrangência direta, e que grande parte destes compreendem os ambientes estuarinos. 120

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Entre estas comunidades nas proximidades de Barra dos Carvalhos, está localizada a comunidade quilombola de Boitaraca (certificada pela Fundação Palmares em 2005), no município de Nilo Peçanha e na APA Pratigi (vista parcial na Figura 33). O povoado tem como principais atividades a mariscagem, pesca em alto-mar e a coleta e beneficiamento da piaçava. Em decorrência da distância para as centralidades da Costa do Dendê e de sua visibilidade, esta é uma área ausente que pode servir de exemplo como uma possível área emergente no contexto dos valores aqui apresentados, na qual os valores de copresença, respeito ao ambiente e ao outro são muito mais fortes97.

Figura 33 – Quilombo Boitaraca: vista a partir do mirante da Igreja de Nª Sª da Conceição

Fonte: Fernandes (2013).

A relação com a terra e a água98 são muitos fortes na comunidade; é do ambiente fluviomarinho e da terra que eles tiram o seu sustento. A água, além do sentimento sobre o sagrado presente nas religiões de matriz africana, durante muito tempo foi o principal espaço para locomoção entre as localidades ribeirinhas e litorâneas. Do manguezal, são coletados moluscos e crustáceos, conectando o mar e os rios pelos estuários. Os caminhos de água também eram utilizados pela pesca artesanal.

97 Nas palavras de Fernandes (2013, p.39): “Um território, em que práticas sociais e culturais são vivenciadas todos os dias, na forma de arrumar suas casas, na maneira de se relacionar com os integrantes da comunidade, de plantar e colher a piaçaba, na maneira de ensinar as crianças e aos jovens.” 98 Kuhn (2009) apresenta tal distinção em seus escritos com a reflexão de que a relação entre a terra e a água no seu caso de estudo com pescadores artesanais e que serve também para as comunidades tradicionais, o direito à terra e a localização de tais áreas está muito além da prática agrícola, sendo que o acesso a água acaba por ser mediado pelo acesso à terra. 121

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O respeito com a terra, plantas e ambientes fluviomarinhos reflete a experiência comunitária na qual estão baseadas as relações entre os agentes sociais da área remanescente do quilombo Boitaraca. Sobre o sistema agroflorestal, é da vegetação densa que eles se utilizam para coletar e depois beneficiar a piaçava; dos tupinambás surgiu a herança de trançar as fibras para produzir utensílios e cobrir o teto de residências. Tais saberes continuam sendo passados para a comunidade, através dos percursos realizados, do lazer e das atividades educativas e laborais. O envolvimento da comunidade com a atividade do turismo se dá através das visitações de grupos que queiram participar do seu cotidiano. Nessa perspectiva há o processo de imersão dos turistas desde a contação de histórias, debates relacionados à questão étnica, a atividade laboral e o lazer nas proximidades do quilombo. Mais do que esgotar tal debate sobre a valorização do espaço, valor de usos/valor de troca/valor, tendo como horizonte de análise a Costa do Dendê, a proposta apresentada foi a de observar que há variações no que refere aos valores presentes na Costa do Dendê, onde a mera valorização capitalista do espaço é vista mais como um problema do que como a solução. Os valores se fazem no movimento do processo histórico, são escolhas; as permanências, coexistências e enfrentamento se fazem presentes sobre o contexto regional, no sentido das isotopias, heterotopias e propostas de ação que inclusive se realizam como utopias, seja para a realidade local ou mesmo para a questão regional. Neste sentindo, a seguir, apesar de tratar das instâncias espaciais, será também discutido o processo de valorização do espaço ou de sua desvalorização em alguns momentos no sentido do debate que varia entre tendências do valor mais para o uso ou troca (monetária). Pouco importa aqui a ordem a ser seguida. Inclusive uma das questões com a qual o pesquisador se envolveu foi logo no índice, o porquê da ordem, ambos os capítulos poderiam estar em ordens contrárias; mas mais que isso, todos os capítulos aqui listados transpassam uns pelos outros. Agora um convite à trilha a seguir: as isotopias e heterotopias da Costa do Dendê para posterior discussão sobre as utopias, segue a tríade do espaço.

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CAPÍTULO 4

A PRODUÇÃO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO: ISOTOPIAS E HETEROTOPIAS NA COSTA DO DENDÊ

A triplicidade: percebido-concebido-vivido (espacialmente: prática do espaço – representação do espaço – espaços de representação) perde seu alcance caso se lhe atribua o estatuto de um “modelo” abstrato. Ou ela apreende o concreto (e não o “imediato”), ou ela tem uma importância apenas reduzida, a de mediação ideológica entre muitas outras. (LEFEBVRE, 2000, p. 70)

As considerações apresentadas por Lefebvre em sua obra A Produção do Espaço são uns dos elementos seguidos para leitura sobre a Costa do Dendê. Como região turística, cabe pensar a tríade como espaço planejado, usado, apropriado e vivido, sob lógicas ao mesmo tempo racionais e contrarracionais; verbalizado em seu planejamento; apropriações, usos e representações que se apresentam no contexto total da produção do espaço. Desvelar tais instâncias perpassa pela concretude em que estas se fazem presentes: nos planejamentos e em sua execução (do que está posto ao que realmente foi realizado); as materialidades presentes na morfologia material; até a corporeidade que se realiza através das apropriações, usos e representações (morfologia social). A complexidade atual sobre a compreensão da totalidade amplifica as relações materiais e imateriais presentes no contexto do espaço/tempo e nas conexões dos processos, possibilitando tramas contíguas e/ou reticulares, culminando na necessidade de considerar a multiescalaridade das práticas sociais em grande parte dos processos. A própria compreensão dos elementos constituintes ultrapassa a sua materialidade enquanto visibilidade direta, colocando-se como textualidade e discursividade, carregando marcas históricas, criando realidades próximas ou distantes no processo de reinvenção da realidade, redefinindo novos conteúdos, funcionalidades e materializações no movimento de produção do espaço. Para percorrer tais caminhos, faz-se necessário a todo momento conectá-los no sentido de compreender o quanto se integram e se afastam, articulando-os à ordem única, através da valorização do espaço para o lucro99, como parte da produção capitalista do espaço e realizando- se em isotopias; e/ou articulando-os ao plano do diverso como heterotopias (lócus da reprodução da vida).

99 Ordem na qual se reproduz como exterioridade, promovendo estranhamentos entre os agentes sociais e destes com o resultado do processo de produção; ao direcionar-se a um público seleto e fragmentar determinadas áreas, sem considerar os contextos em que as mesmas estão inseridas. 123

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Em sua projeção a depender dos cenários, culminariam em futuros distópicos ou utópicos. E, a depender das políticas e ações adotadas (como forma de assimilação, resistência, alternativas), aqui debatidas à luz da atividade do turismo na Costa do Dendê, o futuro pode não estar tão distante. Daí a importância de trazer à luz tal discussão, tendo como norte a análise do que está visível e invisibilizado (na relação presença/ausência) no que se refere à concepção do espaço, da percepção e da vivência. Desta forma, pensar os topos em suas três instâncias, no tocante a sua concretude e alternativas, neste primeiro momento através do campo da experiência, como isotopias e heterotopias, servirão como base para repensar as alternativas possíveis através das expectativas sociais (debate a ser apresentado no próximo capítulo, no que se refere às utopias). Nos próximos subcapítulos, o debate versará sobre o turismo na Costa do Dendê através dos seguintes elementos: o campo do planejamento e sua realização (ou não) na região, em seus municípios e nas áreas de destino; no segundo momento serão apresentadas as materialidades e a prática espacial (morfologia material); e as representações.

4.1 REPRESENTAÇÕES DO ESPAÇO GEOGRÁFICO

Na análise da concepção do espaço da Costa do Dendê, consideraram-se as ações presentes na região através do Programa de Desenvolvimento Turístico do Nordeste (PRODETUR), por intermédio das avaliações e propostas contidas nos Planos de Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentável (PDITS)100, por serem estes os documentos oficiais que representam legalmente a atuação das instâncias governamentais, consorciando propostas da sociedade civil, do terceiro setor e dos poderes público e privado. Por outro lado, no plano municipal utilizou-se a pesquisa junto aos agentes sociais, a exemplo dos representantes das pastas ligadas ao turismo em seis dos oitos municípios101. Além destes, participaram também os comerciantes e moradores; neste caso buscou-se saber sobre a participação dos mesmos e o grau de envolvimento no que se refere ao planejamento.

100 Publicados nos anos de 2004 referente ao PRODETUR I e 2015 referente ao PRODETUR II. Consideraram-se também elementos presentes no Mapa do Turismo por parte do governo federal. Os PDITS cumprem uma função estratégica entre as políticas nas mais diversas escalas no tocante às ações do Ministério em uma lógica nacional, o PRODETUR; regional, no que se refere ao Programa Regional do Turismo – Roteiros do Brasil (PRT); e local, o Programa Nacional de Municipalização do Turismo (PNMT). 101 A ausência das entrevistas de dois dos secretários decorreu supostamente da falta de tempo na agenda, sendo que muitas vezes foram marcadas as entrevistas com antecedência (com perdas de turnos inteiros do dia) e os mesmos não compareciam. Em decorrência do apresentado, após quase um ano foi decidido pela não realização entrevistas. O mesmo ocorreu em relação à Câmara Setorial de Turismo em que foi solicitada algumas vezes a presença em reuniões, sem nenhum retorno. 124

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Apesar de reconhecer que as políticas para o turismo no estado da Bahia antecedem o período analisado (com cerca de 30 anos), a exemplo do planejamento voltado para atividades turísticas na década de 1970 do século passado, as leituras eram bastante pontuais em termos da ação sobre o território estadual, vinculando-se principalmente à capital do estado. A escolha da periodização histórica sobre o planejamento, com início nas concepções dos planos a partir de 1990 para análise dos planejamentos da região turística da Costa do Dendê, reflete o momento em que tais políticas começaram a ganhar forma, culminando na criação do Programa de Desenvolvimento Turístico do Estado da Bahia (PRODETUR), que foram atualizados posteriormente para o Programa de Desenvolvimento Turístico do Nordeste I (PRODETUR-NE I), e depois, no ano de 2001, a criação do PRODETUR-NE II. Sobre o primeiro PDTIS Polo de Litoral Sul, foram contemplados 14 municípios, os 8 já citados da Costa do Dendê acrescido de 6 municípios da Costa do Cacau (Itacaré, Uruçuca, Ilhéus, Una, Santa Luzia, Canavieiras). Neste estão discriminados, entre os anos de 1991 e 2000, as ações e recursos do PRODETUR I destinados aos diferentes setores das duas regiões do Polo Litoral Sul (Tabela 1):

Tabela 1 – Investimentos concluídos no Polo Litoral Sul (1991-2001) Setor C. do Cacau C. do Dendê P. Litoral Sul Total % Transporte 33.527 47.690 81.217 47,3 Saneamento 54.560 1.891 56.451 32,9 Energia Elétrica 4.782 11.650 16.432 9,6 Outros 11.923 67 11.990 7 Aeroporto 1.260 4.165 5.425 3,2 Preservação Ambiental 52 91 143 0,1 Recuperação do Patrimônio 0 136 136 0,1 TOTAL (US$ Mil) 106.104 65.690 171.794 100 Fonte: Bahia (2004).

Observa-se, nos números totais entre ambas as regiões no Polo Litoral Sul, que se privilegiaram os investimentos na Costa do Cacau, sendo que a região de certa forma já concentrava tais investimentos (tanto públicos quanto privados), em decorrência da riqueza gerada pela cultura cacaueira (antes do seu declínio). No que se refere aos recursos destinados ao saneamento para a Costa do Dendê, estes ficaram bem abaixo em relação à Costa do Cacau, tendo o seu montante concentrado no que foi priorizado como necessidades do período, a

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exemplo da ligação dos municípios através da BA-001102, da criação do aeroporto, do acesso a água encanada e a energia elétrica. No período de implementação do PRODETUR I, privilegiaram-se os investimentos nas vias de acesso internas e externas ao Polo Litoral Sul, que correspondeu a 88,3% de todo o montante investido; o restante do valor serviu para a urbanização de algumas áreas e para ações destinadas à preservação ambiental. Especificamente na Costa do Dendê, podem-se destacar a construção do Aeroporto de Valença e o acesso viário deste ao Atracadouro de Bom Jardim com 12,7% dos recursos concluído no fim do primeiro semestre do ano 2000. No que se refere aos investimentos na questão ambiental, o município de Maraú concentrou a maior parte do montante. Em relação às verbas destinadas para o patrimônio histórico e saneamento básico, houve uma maior destinação para o município de Cairu, em especial em sua cidade (a exemplo da reforma do Convento de Santo Antônio) e nas imediações do Forte e Farol de Morro de São Paulo, não havendo grandes investimentos no território dos outros sete municípios, inclusive em suas sedes; mesmo sendo visível a riqueza arquitetônica e cultural destes, assim como o descaso no que se refere à manutenção da beleza arquitetônica desses antigos centros. Sobre o público visitante, o PDITS Litoral Sul aponta para a necessidade de atrair para os destinos turistas com maior poder de compra, para que as receitas se ampliem, em vez de apenas um maior número de turistas, assim como a promoção do associativismo entres os envolvidos com a atividade de turismo. Apresenta também a necessidade de descentralização do fluxo de turistas para outras áreas da região, para o estímulo, por parte da sociedade civil, em participar do planejamento, assim como nos setores que atuam diretamente com o turismo103, com vistas ao crescimento dos destinos já consolidados e à integração de outras áreas da região. No que se refere à preocupação com a questão ambiental, o plano apresenta a necessidade da ação sobre a questão dos resíduos sólidos e em relação à maior abrangência das redes de saneamento básico, fato este discutido no último PDITS (2015); em comparação aos dois planos, alguns ambientes mais frágeis já aparecem na contextualização, como as piscinas naturais presentes na região, com apontamentos dos agentes da necessidade de se realizarem estudos de capacidade de suporte, para reduzir os impactos advindos da superexploração de tais áreas (a exemplo das piscinas em Moreré, Cairu – Figura 34).

102 Que também favorecia a Costa do Cacau, no sentindo de interligar toda a faixa litorânea a partir da ilha de Itaparica a Ilhéus. 103 Relacionado a capacitação com vistas a participação da cadeia produtiva, recepção e acolhimento. 126

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Figura 34 – Bares flutuantes, barcos na área de mergulho das piscinas naturais de Moreré

Fonte: Epifania (2013).

No tocante aos principais atrativos específicos, destacaram-se no plano os atrativos naturais presentes nos municípios, quando listados em grau de importância, apesar das diversas características presentes na Costa do Dendê, assim como da importância dos balneários fluviais para o lazer da população. As praias foram listadas como características de primeira instância, sendo que a rede hidrográfica e o patrimônio histórico-cultural da Costa do Dendê aparecem apenas como características potenciais. Com relação à caracterização econômica dos municípios, as principais atividades são apresentadas de forma setorizada, destacando a importância da diversidade ambiental de tais áreas e a ruralidade presentes na região, assim como os seus principais cultivos, a exemplo do dendê, do cacau, do cravo-da-índia e da piaçava. A partir desta leitura, conclui-se no plano que, apesar da densidade de infraestrutura na região da Costa do Dendê e do peso do setor primário na economia local aliado a um desenvolvimento industrial rarefeito, tais atividades não suprem as necessidades regionais no que se refere à ampliação da empregabilidade e da renda dos seus habitantes; projetando, assim, que o turismo poderia contribuir com tal feito, através do aumento do mercado consumidor de produtos regionais, da melhoria das condições de acesso e de distribuição dos produtos e do crescimento de tais atividades, resultantes da disseminação do turismo para outras áreas na Costa do Dendê.

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Apesar da discussão ser iniciada, não há nenhuma proposta que indique como os arranjos produtivos presentes na região poderiam estar sendo integrados ao turismo realizado na Costa do Dendê, e mesmo sobre as diferenciações no contexto de cada arranjo produtivo, a exemplo da agricultura da região, onde predomina o pequeno e o médio produtor. Em relação aos atrativos, os elementos presentes na categoria natural são apresentados como os principais, tendo como destaque os ambientes litorâneos, em especial as suas praias. Neste caso, é referenciado o município de Cairu, que, além dessa categoria (acrescido do município de Marau), destaca-se também nos atrativos histórico-culturais, e sobre as manifestações culturais (junto a Ituberá e Camamu). É interessante observar que o contexto regional nesse quesito não é representado por tal recorte, havendo muitas lacunas no que diz respeito principalmente à questão histórico-cultural e ambiental para além do ambiente litorâneo, fato presente também quando são sinalizados os atrativos potenciais. Sobre o período da avaliação do PRODETUR I, no que se refere aos objetivos traçados para a implementação do PRODETUR II, destacam-se as limitações dos municípios durante o período de realização da primeira fase, no que se refere à organização das prefeituras e suas repartições e à falta de instrumentos de planejamento, gestão e implementação das políticas para o turismo. Um exemplo dessa questão no período foi a observação referente à ausência de Planos Diretores como condição necessária para a participação dos municípios no PRODETUR II, sendo que apenas três municípios no período tinham o Plano Diretor Urbano (PDU) necessitando complementar a abrangência do perímetro do município, neste caso os municípios de Valença, Ituberá e Camamu; e os outros cinco estavam em fase de elaboração do Plano Diretor Municipal (PDM). A forma de planejamento turístico mais utilizada pelos órgãos de pertencentes aos municípios da Costa do Dendê são os Inventários Turísticos (realizados por sete dos oito municípios), seguindo as orientações metodológicas elaboradas pelo Ministério do Turismo na plataforma Inventário de Oferta Turística (Invtur)104. Por outro lado, os Planos de Desenvolvimento Turístico Municipais foram realizados pelos seguintes municípios: Maraú, em 2010, Valença e Cairu, em 2013, e Nilo Peçanha, em 2014. Neste período apenas Nilo Peçanha não tinha ainda realizado o seu Plano Diretor Municipal.

104 O acesso aos dados está suspenso há cerca de três anos pelo MTur. No período, retomar-se-ia o espaço para alimentação com novos dados e mesmo os seus resultados, mas até hoje tal ação não foi realizada. 128

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Buscando atender as demandas do PRODETUR Nacional, um novo PDITS foi criado com análises individuais das regiões turísticas, tendo uma temporalidade menor de ação (cinco anos) em relação à década do primeiro PDITS e suas atualizações. Neste último há uma descrição apurada dos elementos que podem ser utilizados para atividade turística. De forma geral, a metodologia de análise continuou praticamente a mesma, sendo que, entre os dados analisados em virtude de já haver uma temporalidade maior de ocorrência de tal atividade na Costa do Dendê (assim como das leituras dos outros PDITS), já se apresentavam dados comparativos referentes aos resultados dos investimentos no estado da Bahia, nos destinos e mesmo na região. Sobre o incremento do turismo na Costa do Dendê, por exemplo, a região ficou em quinto lugar no estado no ano de 2014105 com a concentração de 5,8% do fluxo de turistas para a Bahia (em 2011 eram apenas 2,2%), o que representou cerca de 775.049 viagens, com estimativas da geração de R$ 836.339.875,00 de receitas para as atividades diretamente ou indiretamente ligadas ao turismo. Por outro lado, ao contrário do informado em tal planejamento sobre a dinamização da economia na região, a concentração e a permanência dos turistas na região ainda estão ligadas aos enclaves aqui discutidos, assim como infraestrutura e trabalhadores ligados a tal atividade. Discorda-se também sobre a atração de tais áreas estarem ligadas a densidade e diversidade de atrativos. Se no caso fossem pontuados apenas os equipamentos criados em tais áreas (casas de show, restaurantes, hotéis etc.), até que a afirmação seria verdadeira; mas, como espaços aprazíveis para o lazer, a exemplo dos balneários, cachoeiras e ilhas fluviais, a informação não confere com a realidade presente na Costa do Dendê, e mesmo com as práticas de lazer relacionadas a seus habitantes, que frequentam outras áreas que estão além da faixa litorânea e seus enclaves turísticos. Sobre a análise do PDITS e suas discussões em relação a Ituberá, a Secretaria de Turismo e Meio Ambiente fez o seguinte apontamento:

Primeiro eu queria fazer uma ressalva em relação ao PDITS, se você avaliar o que está posto lá como ferramenta de desenvolvimento do turismo para Ituberá, você vai ver uma carência enorme, ele é muito superficial, dada a nossa potencialidade e as nossas necessidades; entretanto o primeiro instrumento que me debrucei para conhecer a parte do turismo foi o PDITS. E quando a gente vê, como falei anteriormente, uma região com uma potencialidade agrícola, a gente tem aqui das ordenadas 21 cadeias

105 Neste caso as regiões à frente da Costa do Dendê foram: Baía de Todos os Santos (36,9%), Costa do Descobrimento (14,1%), Costa dos Coqueiros (10,1%) e Costa do Cacau (6,2); e após: Costa das Baleias (5,5%), Caminhos dos Sertão (5,2%), Chapada Diamantina (4,5%), Caminhos do Oeste (4,3%) e outros municípios do território do estado baiano (7,4%). 129

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prioritárias para o desenvolvimento da agropecuária do estado da Bahia que são as câmaras setoriais em Ituberá nós temos aqui seguramente 18 cadeias produtivas acontecendo: Dendê, piaçava, borracha, piscicultura, guaraná... essas cadeias, essas pessoas que estão produzindo no campo precisam ter um fomento e um incremento porque existe essa sazonalidade nas culturas no período de safra e entressafra o que que eles vão fazer, o que é que as donas de casa vão fazer. Então a produção associada ao turismo, mais o turismo de base comunitária, mais o turismo agroecológico, o turismo de aventura é o que a gente tem buscado fazer para se interiorizar. Então talvez essa seja uma das maiores ferramentas que nós vamos usar como atrativo para o município de Ituberá, porque de fato é complicado para a gente que é tão pequenininho competir com destinos tão consolidados como Maraú e Morro de São Paulo, e é um desafio para a gente. A gente precisa trabalhar o turismo com criatividade e acho que a nossa ferramenta maior, o nosso maior patrimônio além de toda essa riqueza natural que nós possuímos, são as pessoas perceberem que é possível sim desenvolver essas ferramentas em sua localidade continuando com as atividades que já exercem. O que a gente quer é desenvolver esse tipo de turismo, que a gente tem potencialidade, que tem condição e que a gente só precisa agora é primeiro capacitar e estruturar essas pessoas para receber esse turista, que é um público seleto não são todos que estão dispostos, então tem um nível de exigência, e um desses níveis de exigência é originalidade. Quando a pessoa se desprende lá do seu universo para vir fazer uma atividade como essa, ele não quer encontrar o que ele vê na cidade, quer encontrar o que ele vê no campo; então as pessoas não precisam descaracterizar o seu ambiente para receber, é preciso justamente manter aquilo ali originalmente como é.

Tal reflexão, para quem conhece a realidade presente nos municípios da Costa do Dendê, é bastante pertinente. O PDITS muitas vezes parece uma receita de bolo, com ingredientes em demasia e outros em falta, com inclusões em alguns momentos dos planos nacional e estadual; ótimas propostas generalizantes, mas carente de percepção sobre uma realidade tão vasta que se dá na prática espacial e no plano do vivido. Assim, perde-se de vista as heterotopias presentes no espaço, culminando em um planejamento e uma ação que tendem a agravar as isotopias; culminando em perspectivas distópicas, no que se refere ao papel do diverso para o pleno exercício do desenvolvimento geográfico desigual. No tocante ao levantamento sobre as condições de vida da população e a possibilidade de o turismo induzir melhorias nas condições de vida, apenas caracterizar o cenário no presente, considerando apenas os índices de emprego, renda, educação e saúde, como informado no plano, não dá conta da realidade, como não deu conta nos outro planos já realizados. Mais do que propostas, restringir a análise baseada apenas nos dados do IBGE, ou envolver os agentes na atividade do turismo sem conectá-lo às experiências aí presentes, às realidades do vivido, apropriações e uso, que se apresentam nas mais diversas realidades e que são completamente diferentes quando saímos da escala regional para a local, é necessário ir além da simples análise de dados e soluções totais; sendo a “realidade” muito mais complexa.

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Concorda-se sobre a importância da diversificação da cadeia produtiva, a exemplo do turismo como mais uma oportunidade de geração de emprego e renda para os agentes sociais aí inseridos; que é necessário profissionalizar cada vez mais os agentes para que possam atuar ativamente em tal processo. Mas, para além disso, há que se pensar nos arranjos produtivos aí inseridos e suas possíveis conexões. Outro ponto relevante não considerado é sobre as ruralidades e urbanidades, que aparecem no plano ligadas à questão das mudanças societárias sobre a redução das relações de copresença e crescimento da marginalização social, da violência etc. Há que se pensar para além da participação dos agentes na atividade de turismo: é preciso também traçar estratégias para que os agentes possam ter outros horizontes que não seja o de migrar para os centros urbanos e mesmo para os enclaves turísticos. Daí a necessidade de diversificar os arranjos produtivos, conectá-los e, no caso das novas áreas destinadas a tal atividade e das já consolidadas, (re)pensar novas experiências que se destinem mais ao seu valor como uso e não apenas para a troca, na forma de acumulação de mais-valia. Ainda em relação à estrutura dos órgãos municipais de turismo, o PDITS (2015) apresenta que, apenas em Valença, Cairu e Maraú, o turismo tem uma pasta própria; já em Camamu e Taperoá, estão agregados ao meio ambiente (e pesca neste último). Ocorre ainda a junção com a pasta da cultura em Ituberá, Nilo Peçanha e Igrapiúna (em ambos os municípios com esporte e lazer)106. Um dos problemas apresentados pelos secretários diz respeito às mudanças constantes na gestão e a não continuidade das políticas já estabelecidas, independendo inclusive de ser ou não do mesmo grupo político. Outra questão diz respeito ao fato de as secretarias serem direcionadas de acordo com a formação dos secretários, portanto com maior ou menor interesse sobre o planejamento do turismo e muitas vezes mudando inclusive as ações implementadas pelo antigo gestor da pasta.

Como eu te disse, era uma pasta que era meio morna. Ela era associada a cultura, mas a todo tempo o meu antecessor entendia... que a formação acadêmica dele foi voltada para cultura e não foi dado um apoio necessário ao desenvolvimento dessa atividade, dessa potencialidade que nós temos.

106 Sobre o pessoal empregado no município de Cairu são apenas quatro empregados na Secretaria de Turismo, sendo três com nível superior e um com nível médio; em Camamu (três com ensino médio e três superior) e Maraú (um fundamental, quatro superior e um com especialização) são seis colaboradores com cargos comissionados; em Igrapiúna um estatutário e quatro comissionados, destes quatro com ensino superior e um com o médio; em Ituberá são dez ao todo, com seis cargos comissionados e quatro estatutários, sendo cinco com ensino médio, três com o superior e dois com especialização; Nilo Peçanha são três com cargo comissionado (dois com o médio e um com superior); em Taperoá são cinco, dois estatutários e três cargos comissionados, com ensino fundamental, superior e três com ensino médio; já em Valença apenas dois estatutários, um com ensino médio e outro com superior. 131

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Então nós não temos nenhum instrumento, confesso a você que esse é o nosso desafio. Nós acabamos de aprovar nosso plano de gestão, ... a gente já tem uma base, precisa fazer poucos ajustes pra poder dar condição do turista, recepcioná-lo bem, e dar condição de acessar o rio e nossas praias e conhecer o nosso estuário. A gente pretende implantar aqui o nosso receptivo, que é importante. Não dá para você pensar no turismo se não tiver um órgão gestor e um sistema de turismo, então pra isso a gente está justamente nesse processo de revisão de nosso Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano que construído lá em 2008 já apontava a potencialidade do turismo mas não tinha um arcabouço legal, então o sistema não foi montado, a gente não tem um conselho de turismo, nós não temos um fundo de turismo, não temos uma legislação voltada para fomentar isso. Então isso algo que já está em nosso jurídico e o nosso desafio no segundo semestre é implementar o nosso sistema. Então, com a legislação voltada para o turismo, com o nosso conselho de turismo e nosso fundo de turismo implantado esse órgão gestor que vai cuidar dessa pasta e assim a gente consegue avançar; entendendo que o conselho ele deve estar com toda representatividade de todos os segmentos... da hotelaria, dos prestadores de serviço, da comunidade que está propensa a receber um fluxo maior de turismo, de modo a garantir que todas a discussões de todos os atores envolvidos sejam colocada como ponto de partida e como pilar para a gente desenvolver esse setor em nosso município.

No caso do município de Ituberá, no momento da entrevista a própria secretária já trouxe alguns elementos de sua formação que podem auxiliar em uma outra forma de se pensar o planejamento do turismo. Além do elementos costeiros (no que se refere ao turismo de sol e praia), apontou para o papel estratégico da cidade, em relação às principais rotas da Costa do Dendê (Morro de São Paulo e a Península de Maraú), e relatou as propostas no tocante à questão cultural, mas principalmente para as atividades ligadas à questão ambiental (que confere a sua formação como bióloga).107 Articulando a escala local ao contexto nacional no que se refere à participação dos municípios do Mapa do Turismo Brasileiro (apresentados na figura 29), é uma incógnita o contexto em que o Programa de Regionalização do Turismo vai ser implementado, especialmente no que se refere às verbas de acordo com a categorização apresentada. Tal questionamento é importante no caso da Costa do Dendê, no sentido de que, mesmo nos municípios onde a atividade é incipiente, há potencialidades para que tal atividade ocorra. Por outro lado, o mapeamento realizado dá conta apenas do conteúdo absoluto e relativo do espaço, havendo a necessidade de uma análise mais aprofundada do seu conteúdo relacional. Para além da análise quantitativa, há que se trazer a questão qualitativa para o contexto regional, para as áreas já consolidadas e aquelas passíveis de tais atividades. É importante ressaltar que

107 Os outros secretários e diretores entrevistados no período do campo tinham a seguinte formação: curso técnico em enfermagem; técnico em turismo e superior incompleto na mesma área; técnico em administração; superior em administração. 132

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na região há ambientes extremamente frágeis para a prática do turismo de massa, sendo necessário em muitas vezes estudos que se antecipem e o controle sobre tal atividade no que se refere à análise da capacidade de suporte. No contexto regional, a maior articulação se dá via ação da Câmara Técnica de Turismo da Costa do Dendê (com participação do setor público, privado e do terceiro setor). Em maio de 2019, o grupo atualmente empossado encaminhou algumas demandas para o governo do estado, como: qualificação profissional para a atividade do turismo, parcerias com empresas aéreas na criação de novos voos para a região, sinalização turística e requalificação das rodovias. Em relação à atuação da Câmara Técnica do Turismo da Costa do Dendê, um dos representantes fez a seguinte reflexão:

É uma crítica que eu faço e vou continuar fazendo enquanto estiver aqui a frente dessa pasta, que acho que a Câmara Técnica de Turismo do Baixo Sul, ela está muito focada nos polos que já estão consolidados; eu sempre provoco que não existe turismo na caixinha. Eles focam muito ainda na questão: Quais são as políticas? Quem pode acessar? Eu que já tenho tantos mil leitos. Eu que tenho tantos leitos. Eu que tenho X estrutura. E os outros municípios? E os outros segmentos que não estão sendo vistos? Nós conversamos a respeito da inserção de produtos da agroecologia, da agricultura familiar nesse mercado; um mercado interno, um mercado do Baixo Sul. E a câmara é muito passiva nessas discussões e até nas participações; temos eventos do próprio território que se discute muito essas realidades do agronegócio e não tem nenhum representante do turismo lá. Até mesmo para dizer: olha, através da CDL, através do próprio SEBRAE, vamos convidar alguns empresários para conhecer essas propriedades, para conhecer projetos produtivos. E de repente o docinho de Dona Maria vai parar na recepção ou no restaurante de um desses polos. Então não acontece. Essa sempre foi a minha crítica, desde 2015 que eu assumi a secretaria, desde quando comecei a frequentar essas discussões e sempre achei que eles deixam muito a desejar. Porque está rebatendo que precisa de fundo, rebatendo que precisa de conselho, que precisa disso; há tem tantas oportunidades para o turista e cadê as oportunidades para o povo que já está aqui? A oportunidade para investidores, mas cadê a sustentabilidade desse negócio para a região? Então a Câmara Técnica ao meu ver falha nesse sentido; está sempre discutindo as oportunidades para os polos já consolidados, mas aqueles municípios que têm os seus projetos produtivos e que podem ser grandes fornecedores e os maiores fornecedores, estão sempre sendo deixados à parte.

Essa fala representa uma preocupação recorrente entre as representações dos municípios onde a atividade do turismo ainda é incipiente, inclusive debatendo alguns elementos que categorizam os municípios no mapa do turismo. Neste caso, sempre são debatidas as concentrações de investimentos e oportunidades de captação por aqueles onde já há uma concentração neste sentido.

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Outro elemento importante diz respeito a pensar o turismo para além da realidade dos enclaves, em especial na diversificação dos serviços direcionados para tal atividade, tendo como norte o perfil da região e seus arranjos produtivos. Trata-se de um debate muito presente entre poder público, ONGs, instituições de ensino, pesquisa e extensão, cooperativas e associações presentes na Costa do Dendê. Para além do turismo, é de fundamental importância, direcionar os investimentos para suprir a população em geral dos serviços básicos de forma ampla e irrestrita. O que está posto neste sentido é que, apesar de a Câmara Técnica do Turismo da Costa do Dendê ser uma entidade supramunicipal, à qual caberia pensar o turismo na região em sua totalidade, acaba muitas vezes realizando o revés ao defender os interesses dos municípios, em especial daqueles onde a atividade do turismo está consolidada, e em especial para os enclaves turísticos. Outro problema que agrava muitas vezes tal situação é a força das entidades privadas sobre o poder público, inclusive em sua representação máxima (secretariado, prefeitos), que podem direcionar tais ações para os interesses privados, e não para a população como apresentado no discurso. No que se refere à participação popular no planejamento, as entrevistas comprovaram o que já havia sido observado in loco, a exemplo das reuniões do último PDITS sobre a participação das reuniões para definir o plano plurianual e outras atividades que envolvessem a temática do turismo. Neste caso, os envolvidos em grande parte são os agentes ligados às atividades econômicas relacionadas ao turismo, com pouca participação dos moradores que serão também impactados. Dessa forma, as vozes silenciadas por não estarem presentes e nem ao menos serem comunicadas em grande parte são aquelas que terão os maiores impactos advindos do turismo de massa, Outra questão é delegar aos agentes econômicos, que muitas vezes estão preocupados muito mais com os números, um papel de protagonismo sobre o planejamento regional, voltando-se assim mais para pensar o crescimento em termos monetários do que o desenvolvimento regional, o que fica bem claro quando observamos o(s) PDTIS(s). Há uma diferenciação em torno das classes por renda: enquanto o empresariado participa diretamente do planejamento, inclusive intervindo com ação das ONGs por esses grupos (como apresentado), para os pequenos comerciantes a participação maior é nos momentos dos cursos destinados aos pequenos produtores e comerciantes, ou, como afirmaram, em reuniões onde não há o que decidir, sendo meros expectadores do que já foi decidido. Sobre essa questão, o próximo discurso resume em grande parte outros relatos das entrevistas:

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Não. Aqui a reunião que tem só é dos marajás, só deles, não vai ninguém e os que vão são aqueles babaquara108 que vão lá mas não têm uma voz, ficam só ouvindo. Por isso que eu deixei, que nós temos uma associação de pescadores e chegou num ponto que eu deixei até de ir nas reuniões porque um dia nós estávamos lá e eu sei que tem a diretoria, e a diretoria fala e pede uma palavra você tem que ouvir aquela pessoa, ela tem alguma coisa a lhe dizer. Mas, se alguma coisa lhe ofender, ela é cortada. Quando foi um dia, eu pedi a palavra e disse: olha, ou você deixa os caras falarem, dizerem o que estão sentindo, ou vocês não chamam ninguém aqui, vocês só querem ouvir vocês da diretoria. Então deixou um bocado sem ir porque não é assim, gente. Aí um rapaz pediu a palavra, foi cortada a palavra do rapaz. Ora, deixa o rapaz dizer o que está sentindo, ele vai falar alguma coisa que tá adequando a associação e se não for adequado a gente explica pra ele que não está adequado. Então nessa associação nossa a gente tinha essas reuniões, mas só a gente mesmo. Nós deixamos de ir por causa disso. Não sei se lhe falaram, tem uma empresa – até tem uma associação deles, é uma empresa só dos marajás, mas é quem tá aguentando Barra Grande, vou te falar a verdade, é quem aguenta posto médico aqui dentro, é quem aguenta a justiça, a polícia, foi quem fez a bulevar, é quem continua a delegacia... Coisas que a prefeitura não...

A fala apresentada (no caso sobre Maraú) foi muito recorrente para os enclaves da região, ao atrelar a não participação por não terem o poder decisório – e inclusive sobre a fala (mesmo quando representantes de associações) – ao poder aquisitivo dos agentes, direcionando inclusive as ações do poder público por parte do empresariado, fato referendado também na análise de Araújo (2017). Em Valença109 (mesmo no Guaibim), os poucos que sabem disseram que têm conhecimento pelo “boca a boca”, sendo em sua maioria os barraqueiros donos de pousada ou hotéis; no caso dos donos de barracas de praia de menor porte, eles ficam sabendo entre eles sem um convite formal. Acerca das reflexões sobre a desmotivação para participar das reuniões (daqueles que são convidados), refere-se à não execução do que foi planejado em outras reuniões, informação que referenda inclusive o que foi analisado por Castro (2011). No município de Cairu há maior participação dos agentes sociais. No que se refere às reuniões para o planejamento turístico, as desmotivações são as mesmas das apresentadas pelos agentes sociais em Valença, diferenciando-se apenas por uma maior participação nas reuniões que envolvem a capacitação profissional dos agentes.

108 Termo utilizado no sentido de puxa-saquismo, parlemas, patetas. 109 Uma turista fez a seguinte leitura sobre as ações do poder público no Guaibim (percepção referendada por outros agentes como moradores e comerciantes), correlacionando com os destinos que visitou em Cairu: “Eu acho que o Guaibim está muito jogado. Guaibim poderia ter mais alguma coisa para o turista, aliás eles não fazem nem para o turista e nem para o pessoal daqui.” 135

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Dessa forma, sobre o espaço concebido da Costa do Dendê, até o presente momento pode-se retirar as seguintes conclusões: mesmo quando relacionadas as especificidades dos municípios no planejamento ou a região em sua totalidade, há uma tendência a se direcionar o planejamento para as áreas já consolidadas e, neste caso, os seus enclaves. Por outro lado, a discussão é bastante setorial: pensa-se a região apenas como uma possibilidade de apresentar os diferentes elementos que compõem os municípios, assim como a leitura dos arranjos produtivos, como se não pudesse haver alguma conexão entre eles; e, quando no discurso isso aparece, fica num plano muito generalista. Sobre as Secretarias de Turismo e os agentes que a compõem, há que se observar uma diversidade de realidades, desde aqueles que atuam no planejamento pensando na realidade dos seus municípios e mesmo com preocupação em torno da questão regional, àqueles que se preocupam mais com outras realidades de suas pastas do que com a questão do turismo e os seus rebatimentos em si, além também daqueles que estão nas pastas apenas por motivações econômicas, ou seja, para garantir esta ou aquela ação para um determinado grupo, em especial do capital privado. Tal situação se reflete na participação dos agentes sobre a questão do planejamento. Grande parte dos moradores, por exemplo, nem sequer sabiam sobre o processo decisório. Já os agentes com atividades relacionadas direta ou indiretamente ao turismo, ou foram convidados – no Guaibim, por exemplo, estava ligado ao poder aquisitivo e ao tamanho do negócio –, ou, no caso dos pequenos comerciantes e trabalhadores, para participar de alguns cursos (a exemplo das ações do SEBRAE). Vale a pena ressaltar a dificuldade em se entender, seja nos planos, nas propostas ou nos discursos de grande parte dos planejadores, que o grande problema de tais planejamentos está na ausência de um espaço tão diverso como a Costa do Dendê com inúmeras apropriações e usos; sendo que muitas respostas podem advir dessas ausências. Nestas estão as bases do que Santos (2010, p. 14) denominou de uma “nova cultura política”, aquela que tem como fim a “transformação social e emancipatória” dos indivíduos.

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4.2 PRÁTICAS ESPACIAIS

Ao trazer para a discussão o espaço percebido, há que se pensar para além da forma, pois não há morfologia material sem a morfologia social. Nesse sentido, tal análise tem que refletir sobre os usos, texturas, as apropriações, os ritmos, as coesões, os percursos, as redes que se formam, as performances espaciais e os interditos presentes no cotidiano da Costa do Dendê. O ponto de partida para análise da percepção do espaço da Costa do Dendê foi justamente a sua morfologia material, no que se refere a sua rede de transporte, que de certa forma vem conformando-se e consolidando-se para atender principalmente suas demandas econômicas e, neste caso, a demanda do turismo, especialmente com relação ao modal mais célere. Tal decisão refere-se às diferentes apropriações e usos, no que decorrem do processo de valorização do espaço na Costa do Dendê, mas ainda com permanências no sentido da utilização dos diferentes modais por parte dos moradores e visitantes (vide Figura 35); com valores prefixados de forma diferenciada; inclusive com criação de taxas para acesso às ilhas e propostas de taxar também o acesso à Península, por barco ou por terra. Diante da conformação atual, há um misto de possibilidades de como chegar às áreas de destino já consolidadas. No que se refere ao transporte aéreo, há desde os voos semanais direto do estado de São Paulo110 para Valença (de Guarulhos e Congonhas), aos táxis-aéreos para as pistas de pouso presentes na região, provenientes dos aeroportos de Salvador e Ilhéus; ou do aeroclube de Itaparica. No caso dos moradores, a opção mais utilizada nesse sentido são os voos comerciais, saindo de Valença ou das outras regiões turísticas Costa do Cacau e Baía de Todos os Santos a partir dos aeroportos internacionais. Um outro modal utilizado para conectar as áreas da Costa do Dendê e de importante relevância histórica é o transporte marítimo e fluvial. Os principais atracadouros da região relacionados diretamente à atividade do turismo são: o atracadouro de Bom Jardim, ao norte, com melhor conexão para o Morro de São Paulo, a apenas 8 km do aeroporto de Valença; o atracadouro de Valença, com destino a Morro de São Paulo e Boipeba; o atracadouro de Camamu, como porta de entrada para a Península de Marau; o atracadouro de Torrinha em Cairu e o atracadouro de Graciosa em Taperoá para o deslocamento a Vila Velha de Boipeba.

110 Não à toa a região tem entre o público principal os agentes provenientes deste estado, como identificado no último PDTIS. Em Morro de São Paulo, que é o principal destino, este grupo representa acima de 50% dos visitantes, tendo grande importância no fluxo para o Guaibim, assim como dos empresariados desta atividade, a exemplo daqueles que têm negócios na Península de Maraú. 137

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Figura 35 – Mapa da Rede de Transporte da Costa do Dendê, Bahia

Fonte: BAHIA, 2015.

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Em um tempo no qual as rodovias eram escassas, a conexão se dava via navegação de cabotagem e através dos atracadouros fluviais; não à toa, até os dias atuais a região concentra em seus principais rios inúmeros atracadouros (atualmente são 42 no total)111, que até hoje são utilizados como meio de transporte entre os povoados, assim como para a atividade do turismo, além de promoverem a conexão das ilhas ao continente. Outro fato relevante é que as sedes municipais estão diretamente ligadas aos rios que cortam os centros urbanos, em sua maioria já com processo de degradação intenso, em virtude de a rede de esgotamento sanitário112 ainda ser ineficiente na região. Conectado à atividade de navegação está a rede rodoviária da Costa do Dendê. Para o turismo (e como via de ligação regional) a mais importante é a BA-001, que margeia todo o litoral e corta os oito municípios. No interior, em paralelo a essa rodovia estadual, está a rodovia federal BR-101. Ambas a rodovias estão interligadas por vias em boas condições em Camamu ao sul (BA-652) e em Valença ao norte (BA-542). A BA-001 é o principal elo de ligação à capital baiana, via Ilha de Itaparica e Mar Grande; através da travessia pelo sistema ferryboat ou por embarcações. Os sistemas de transporte utilizados pelos turistas são os mais variados. Quando proveniente de outros países e de alguns estados do território brasileiro para Cairu, utilizam-se o semiterrestre com chegada ao aeroporto de Salvador e, logo após, o sistema ferryboat ou as lanchinhas para atravessar até a Ilha de Itaparica (nos municípios de Itaparica e Mar Grande, respectivamente). Também são utilizados vans, ônibus, táxi ou carro alugado com destino a Valença; e lancha rápida ou lenta (apelidada pelos moradores de “pópópó” devido ao som do motor) para a travessia até destino final no Arquipélago de Tinharé.

111 Desse total, 12 estão nas ilhas do Arquipélago de Tinharé no município de Cairu, 8 estão nos municípios de Igrapiúna e Marau, 4 em Camamu, 3 em Ituberá e Valença, 2 em Taperoá e 1 Nilo Peçanha. 112 Segundo o último censo do IBGE, Valença é o único município da Costa do Dendê onde a rede de esgotamento sanitário cobre acima de 50% das residências, seguido de Ituberá (37%) e Camamu (30%); os demais municípios apresentam índice abaixo de 25%. Maraú tem o menor índice (cerca de 7%), 41% dos domicílios têm fossa rudimentar, 13% utilizam fossa séptica, cerca de 20% não têm banheiro, 17% lançam dejetos diretamente nos mananciais e em valas. Sobre o lançamento de dejetos em valas, rios e mar, as médias ficam entre 10% e 30%, sendo que 6 dos 8 municípios ficam abaixo de 20%. Apesar de os indicadores não serem os ideais, é importante ressaltar a evolução nos últimos 20 anos, em que o município com maior atendimento do sistema de esgotamento sanitário era Taperoá, com 4,3% das residências atendidas, depois Ituberá, com 1%, e todos os outros abaixo de 1%. 139

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Outra possibilidade é o uso de Catamarã, com saída do Terminal Marítimo de Salvador para Morro de São Paulo. Apesar de a distância reduzir-se para 64 km, o tempo previsto para a chegada é de 2 horas e 30 minutos. Outra situação recorrente em relação ao Catamarã é que, mesmo optando por esse serviço, os turistas têm que utilizar o semiterrestre por conta do mau tempo, como apresentado no relato:

Avião, barco, carro (risos), tudo. Pra chegar a Morro de São Paulo, a gente tinha contratado o Catamarã direto, mas aí foi uma experiência terrível, porque disse que o mar ele não estava aceitável e a gente não tinha visto isso na Capitania dos Portos, aí eu peguei um... não sei se aquilo poderia ser chamado de barco, não é? Foi muito desagradável, porque não era confortável, aí depois pegamos um... como é que o nome daquilo que eu nem sei? Uma van e depois pegamos uma lancha. Foi muito cansativo, foram quatro horas e meia, e não tiveram aquela ideia de... olha, vamos parar aqui, ali tem um banheiro, água, a gente vai esperar uns 5 minutinhos pra que vocês se desloquem. Não. Era descia de um e saía correndo, pegando as malas e já chamando: ‘vamos, vamos, vamos, vamos’. Já que eles tiveram um contratempo que a gente está sujeito mesmo às condições da maré, então que tivesse uma organização maior. Veja bem, 4 horas, e a gente ainda veio de Salvador. A gente estava ali do lado praticamente, estava em Ondina; então a gente gastou 15 minutos para chegar no porto. Chegamos com antecedência, conseguimos ir no banheiro, tomar água para pegar o barco, mas teve gente que veio direto do aeroporto, 4 horas de voo, 3 horas de voo, com mais 4 horas de transporte até aqui, isso é cansativo, não é? E eles não tiveram nenhum momento essa preocupação, e a gente parou em lugar que tinha água, que tinha banheiro. E em nenhum momento falou, vamos parar aqui uns 5 minutinhos gente, ou não querem? Mas em nenhum momento eles tiveram essa preocupação, nem em oferecer.

Para os turistas com espírito aventureiro, a experiência da viagem era vista como positiva; diferentemente do apresentado pela turista paulista e em relação a outros entrevistados. Uma das questões importantes apresentada é a forma que estes são tratados, principalmente na alta estação; a pressa por prestar o serviço decorre da busca desenfreada pelo lucro, pois, quanto mais rápido, maior o número de viagens que os mesmos podem prestar ao longo do dia. Em relação às duas formas de viagem, há muitas reclamações sobre o cansaço; sendo que a maioria apresentou como preferência a semiterrestre; apesar de o tempo gasto ser mais curto em relação à viagem semiterrestre, o desgaste na viagem marítima decorre dos enjoos em decorrência do balanço das embarcações. Apenas uma entrevistada mostrou indecisão em relação ao uso do transporte marítimo e do semiterrestre:

Em outras vezes a gente veio de Catamarã quando a gente não tinha ainda o bebê e dessa vez a gente utilizou o semiterrestre, a gente veio de avião até Salvador, ferryboat, ônibus e lancha. O Catamarã eu achei a vantagem de ser um transporte só, assim peguei e cheguei, e acabou sendo mais rápido. Só que eu tive muito problema de enjoo. Foi melhor por ter sido mais rápido, mas o semiterrestre não teve problema em relação a isso, mas se tornou muito 140

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cansativo, por isso eu falei a você no início do problema do acesso, foi muito difícil sair do aeroporto 10 da manhã e chegar aqui 03 da tarde113. Com criança, calor; daí eu nem sei te dizer qual o meio que eu prefiro, porque com criança...

O semiterrestre descrito em relação a Cairu também é muito utilizado para acessar a Península de Marau, diferenciando-se daqueles que vêm para o atracadouro localizado no município de Camamu através do aeroporto de Ilhéus, ou com automóveis em sua maioria com tração nas quatro rodas pela BR-030, dada a ausência de calçamento na via (como apresentado na Figura 36).

Figura 36 – Vista parcial da via local na Península de Marau para a BR-030

Fonte: Epifania (2016).

Na ilha há possibilidade de os turistas alugarem quadriciclos, o que permite uma maior mobilidade na Península, no que se refere à visitação tanto das praias (Taipu de Fora, Barra Grande, Ponta de Mutá, Algodões) quanto das lagoas (Cassange e Azul) e do ambiente estuarino (Taipu de Dentro). Sobre os transportes utilizados durante a ida para a Península e para as atividades realizadas, uma turista do Mato Grosso do Sul e moradora de Brasília apresentou o seguinte relato: “Avião, barco, buggy 4x4 e até uma canoa que fomos nos meter lá no mangue”.

113 No período de alta estação e feriados, é muito comum a morosidade em relação ao sistema ferryboat (principalmente para quem faz a travessia de carro) e de um tempo menor nas lanchinhas de Mar Grande. A companhia responsável pela travessia Salvador-Itaparica (Companhia Internacional Travessias) disponibiliza a contratação de passagens via hora marcada. 141

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O sistema rodoviário de Maraú é bastante precário, tanto as vias locais como a BR- 030114, neste caso apenas a sede do município tem calçamento. Apesar de parte dos moradores reclamarem de tal situação115, o poder público e empresários preferem não intervir nas estradas para que o turismo local não perca a sua principal tendência: a rusticidade. Assim, há muitas adaptações, desde o uso de animais de carga, motonetas e motocicletas a veículos com tração nas quatro rodas, tanto por moradores como para os diferentes serviços públicos realizados, a exemplo do policiamento. No caso das ambulâncias, o município faz uso de embarcações adaptadas para o transporte de pacientes, direcionando-se ao atracadouro de Camamu no sentido de acessar mais rapidamente o continente e encaminhar os pacientes para os atendimentos de urgência. Além do descrito, há possibilidade de chegar ao destino diretamente por carro e deixá- lo em estacionamentos privados (seja em Camamu ou em Valença). Os valores variam com relação a alta e baixa estação, à proximidade com os atracadouros e, em alguns casos, até a quem está prestando serviço. Em Valença, por exemplo, é comum pessoas a pé e de bicicleta “perseguirem” carros com placas que não são da região de prestadores de serviço para os donos de estacionamento. Em um dos relatos, o turista apresentou a seguinte queixa relacionando as suas duas viagens:

Essa é a segunda vez; a primeira vez quando a gente veio para cá, o estacionamento eles cobraram bem caro, um preço meio abusivo, a gente não conhecia, não é? Agora essa segunda vez a gente veio mais preparado. É porque funciona assim: eu sou de Minas e o meu carro a placa é de Minas116; então sempre quando eu venho aqui, o povo não relaciona; eu moro em Cruz das Almas, na realidade tem só um ano que a gente está aqui; então quando a gente chega aqui, o pessoal já acha que a gente é turista e que não conhece nada. Então quando a gente entra na cidade já vem aqueles motoqueiros com... e a gente acha que está relacionado com isso. Essa vez agora, veio um motoqueiro para conversar com a gente, eu falei não. Tô indo para Itacaré, não é para Morro, não.

114 Sobre o trecho da BR-030 que cobre o município de Maraú até Campinho, o Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte (2013, 2019) aconselha atenção dos viajantes, pois o sistema viário não é pavimentado, em especial por conta dos altos regimes pluviométricos da região. 115 Sempre que é alvitrada a possibilidade de asfaltamento da BR-030 em Maraú, cria-se polêmica e muita discussão no município, como a apresentada na reportagem do jornal A Tarde (2008). Para os defensores o pensamento é justamente ampliar o número de visitantes, já para os opositores o crescimento do turismo na península geraria problemas advindos do turismo de massa, tomando sempre os problemas em Morro de São Paulo como parâmetro, inclusive relato realizado com o representante local entrevistado no período. Na reportagem a gestão a frente da prefeitura na época sinalizava a possibilidade de se criar um pedágio assim que a estrada fosse urbanizada, fato que ainda não ocorreu. 116 Mesmo com placas do estado da Bahia, a exemplo da capital do estado, é muito comum a oferta do serviço de estacionamento por parte dos agenciadores; fato recorrente inclusive pra quem mora e/ou trabalha na cidade e circulam em suas vias com placas de outras localidades. 142

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Em uma rápida passagem para os fins de semana em estacionamentos, seja na cidade de Valença ou no atracadouro do Bom Jardim, dá para observar a quantidade de placas de diferentes cidades do estado da Bahia e de outros estados do Brasil, preponderando placas de municípios próximos, como: Feira de Santana, Salvador, Vitória da Conquista. Já sobre os outros estados, a maior parte é da região sudeste (grande parte de São Paulo e Minas Gerais) e do Centro-Oeste (neste caso Brasília e Goiânia). Para o Guaibim, a maior parte dos turistas utilizam carro próprio, seja para os hotéis ou mesmo para o uso de suas segundas residências na alta estação. Os passeios e excursões para a Costa do Dendê são realizados por ônibus fretados e com viagens organizadas por visitantes (o caso mais provável em Valença) ou por companhias de turismo. É muito comum a ida a Morro de São Paulo, Boipeba e Península de Marau por intermédio de resorts presentes na ilha de Itaparica, Ilhéus e Itacaré. No que concerne às excursões, ao longo das entrevistas houve muitas reclamações de sua expansão para o Morro de São Paulo por parte dos comerciantes, relacionando tal atividade a um grupo com menor poder de compra dos serviços oferecidos; por outro lado, os participantes de excursões, apesar de gostarem da estadia, reclamavam dos valores em Morro de São Paulo, comparando-os com outras viagens em excursões. Ainda assim, era comum os excursionistas relatarem que não era a primeira visita, que indicariam a outras pessoas e retornariam ao destino. A redução do valor dos serviços para o turismo atingiu o setor hoteleiro a ponto de gerar conflitos e retaliações do setor aos sistemas de hospedagem alternativa com os descadastros (BITTENCOURT, 2019) dos principais hotéis e pousadas do Booking.com, sob alegação que o site e o Airbnb têm cadastrado de hospedagens que têm operado na ilegalidade, atuando com preços menores do que os hotéis e pousadas legalizadas. Por outro lado, os donos de hospedarias e residências que são alugadas no veraneio apontam para outro fato sobre as reclamações, que seria por causa da redução do número de turistas no período de baixa estação. Acerca da demanda doméstica (espacializada na figura 37) e da demanda internacional (na figura 43) de turistas para a região da Costa do Dendê, há a confirmação pelas escolhas realizadas sobre os municípios aqui representados para compor o universo de análise da pesquisa no que se refere aos enclaves turísticos, situados em áreas litorâneas dos municípios de Valença, Cairu e Maraú.

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Figura 37 – Costa do Dendê, demanda doméstica dos municípios

Fonte: BAHIA, 2015.

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Os usos e apropriações de porções da praia é bem definido em suas coesões o uso de porções da praia e os seus valores de troca: o Guaibinzinho é mais utilizado por moradores do município e do Baixo Sul, onde os valores são mais atrativos; no sentido sul está a Ponta do Curral (e a foz do rio Una) após o rio Guaibinzinho, como praia semideserta; o Guaibim é onde se concentra as barracas mais badaladas e os turistas. Os interditos aqui são o poder de compra e a insegurança de frequentar a praia mais isolada. Mais ao norte está localizado o Taquari, inicialmente muito utilizado por moradores, que acompanhavam o regime das marés e a mudança do curso do rio em sua foz, o que atraiu barraqueiros no que se refere a prestação de serviços. Em decorrência do aumento dos visitantes, uma barraca localizada na praia do Guaibim abriu uma filial no Taquari no ano de 2016. No mesmo período, as barracas de madeira e cabanas às margens do Taquari foram expropriadas (o padrão de ambas está apresentado nas figuras a seguir).

Figura 38 – Valença, padrão das Barracas de praia no Taquari.

Fonte: Epifania (2015).

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Figura 39 – Valença, padrão das Barracas de praia no Taquari

Fonte: Epifania (2015).

Apesar de a prefeitura de Valença ter sido notificada pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU)117 para a retirada das barracas da orla do Guaibim (são mais de 100 barracas), apenas aquelas com menor estrutura às margens do Taquari (parte da estrutura ligadas as barracas podem ser visualizadas na figura posterior) foram notificadas e sofreram inúmeras intervenções com a retirada das barracas.

117 Em reunião com a comunidade em outubro de 2018, a prefeitura anunciou que, assim como em Morro de São Paulo, solicitou a gestão da praia do Guaibim à SPU, tendo como contrapartida a criação do Projeto Orla de forma participativa (VALENÇA AGORA, 2018). 146

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Figura 40 – Taquari, vista de um dia de lazer

Fonte: Epifania (2015).

Da primeira vez fui notificada e dessa vez não. Eu fiz a minha barraca, e dentro de 15 dias vieram e derrubaram tudo e até hoje não tenho uma explicação. Não sou contra que venha a proteção ambiental, a Secretaria de Turismo e Meio Ambiente fazer o seu trabalho; mas eu espero uma contrapartida. O que é que eles têm para apresentar? De que maneira podemos trabalhar e ser legalizado? Para um ajudar o outro, porque somos pessoas necessitadas desse trabalho e tem pessoas que têm uma carência muito grande, de tirar daqui para sobreviver; e eles vêm e derrubam sem uma notificação. Um acusa o outro, você não sabe de onde vem a culpa e a quem você procurar. Espero da Prefeitura, do Ministério Público uma contrapartida; aí condena porque é meio ambiente e as pessoas que sobrevivem disso precisam cuidar dessa praia. E eles cuidam, varremos tudo, catamos os lixos, jogamos lá em cima para o caminhão pegar. Você chega em um lugar desse e não vê sujeira. Eles simplesmente chegam aqui, derrubam uma barraca que é de madeira, que não vai poluir a areia; eu não tenho material de ferro. Há porque é da marinha, e quem tem outras barracas construídas com esgoto para dentro do rio e não é visto isso; tem material descartado, lixo que fica à toa. As pessoas pobres que estão trabalhando para ganhar seu dia, são agredidos a cada dia. Então ao invés dos fiscais da prefeitura virem aqui para agredir as pessoas peçam para padronizar. Eu sempre me coloco assim, eu tenho outro serviço, trabalho com acarajé em eventos, tenho um carro e trabalho com meu balcão; mas a daqui ela vive disso aqui no inverno e verão, o outro do outro lado o mesmo. E o que os órgãos competentes apresentam como proposta para essas pessoas sobreviverem? Nada, apenas a agressão. A cada dia desses dois anos que vivo aqui no Taquari, eu não vi uma contrapartida.

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O trecho da entrevista representa as discussões ao longo da realização do campo com os comerciantes do Taquari e vídeos que estão na rede. A alegação é que, em menos de 100 metros, localiza-se uma barraca de praia com alvenaria, com esgotamento canalizado para o manguezal e da área aterrada onde está localizado o seu estacionamento; o que não condiz com os impactos das barracas de madeira localizadas na praia. Esse pensamento poderia ser ampliado para toda a faixa de praia do Guaibim e não apenas para as barracas, mas também para as residências no caminho para o Taquari, assim como as ruínas que se localizam em área da União, tomadas como áreas privadas (a exemplo da figura a seguir).

Figura 41 – Rejeitos de construção nas margens da via local para a praia do Taquari

Fonte: Epifania (2015).

Devido às propriedades na beira da praia, os agentes precisam caminhar por um tempo na avenida Taquari para acessar a praia; mesmo aquelas onde não há edificação, são cercadas e com indicação nas placas como propriedade particular e com menção ao regimento do artigo 150 do código penal brasileiro, mesmo tratando-se de terrenos de marinha. O município de Maraú tem importância secundária no que diz respeito a demanda doméstica e internacional, e vem configurando-se como uma alternativa ao turismo internacional realizado em Morro de São Paulo118, como Boipeba de forma mais tímida vai tecendo o mesmo papel, em torno da rusticidade em oposição à badalação. Assim como

118 Segundo dados da FIPE (2012), sobre as preferências do turista internacional após Salvador, Morro de São Paulo e Porto Seguro são os locais preferidos por 10,7%; seguidos por Maraú, com 9,8%. 148

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aconteceu em Morro, a especulação imobiliária vem crescendo de forma exacerbada na Península de Maraú. E, em decorrência da especulação, é muito comum observar, nos ambientes de restinga119, a extração ilegal da areia a ser utilizada nas construções. De um dos cartões postais no Farol da Península e no caminho através de vias locais e da BR-030, é possível observar diversas áreas com extração ilegal como apresentado na Figura 42.

Figura 42 – Extração de Areia na confluência da BR-030 entre as localidades de Barra Grande, Taipu de Fora, Taipu de Dentro e Maraú

Fonte: Epifania (2016).

Como em Valença, a faixa de praia em Barra Grande está tomada por residências, a ponto de, em alguns locais, na maré alta as pessoas serem impedidas de seguir pelas margens da praia em decorrência das cercas das mansões e hotéis avançarem sobre a linha da costa, dificultando o percurso de moradores e turistas pela faixa de praia, para outras localidades da Península. Com a expansão para outras localidades na península, em dezembro de 2018 foi noticiado (CORREIO, 2018) um conflito entre moradores e o dono de uma mansão em Taipus de Fora que construiu uma mureta para barrar a entrada da água do mar em sua propriedade. No caso em análise, a prefeitura autorizou a obra e posteriormente embargou por conta da falta de licenciamento pela SPU.

119 Situação frequentemente vista, a exemplo da extração não apenas de areia, mas também de arenoso na planície litorânea da APA Pratigi e Guaibim. 149

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Figura 43 – Costa do Dendê, demanda internacional dos municípios

Fonte: BAHIA, 2015.

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Cairu, capitaneada por Morro de São Paulo120 (3º destino do estado, atrás apenas de Salvador e Porto Seguro), é com certeza o principal cartão de visitas da Costa do Dendê, como representado nas demandas nacional e internacional. Em decorrência da falta de planejamento com relação ao crescimento do processo de urbanização (como observado nas Figuras 44, 45 e 46), da prática do turismo e no que se refere ao suporte, a área já vem sofrendo com alguns problemas.

Figura 44 – Visão da segunda e terceira praia em 1985

Fonte: Marinho (2016)121.

Silva (2007, 2009) apresenta em seu estudo algumas questões relacionada à ocupação da linha costeira pela atividade do turismo no Arquipélago de Tinharé, especificamente em Boipeba e Morro de São Paulo, constatando que, em ambas as localidades, a urbanização em áreas de mangue e a redução da área recreativa no caso de Morro na terceira praia, apontando como necessidade o controle de áreas de ocupação futura respeitando a linha costeira passível de mudanças em decorrência de eventos ambientais. Analisando uma imagem na comunidade Morro de São Paulo, e comparando com outra atual sobre a perspectiva da área onde está atualmente localizada a tirolesa (fotos 26 e 27), para a primeira e segunda praia um agente faz o seguinte comentário: “digo Ilha da Saudade... e todas as praias com areia na maré alta... o que aconteceu??? ”. Observa-se que, com o

120 Com expansão inicial para Boipeba e agora para Garapuá. 121 MARINHO, Julio Assis. [S.l.], 28 mar. 2016. Facebook (grupo): MORRO DE SÃO PAULO- DINOSSÁURICO. Disponível em: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1045650822168425&set=g.224 185184415300&type=1&theater&ifg=1. 151

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aumento das construções na faixa litorânea, em especial na linha de praia, os processos erosivos também se ampliaram, e, para que a água do mar não seguisse seu curso, foram criadas as contenções às margens do mar, fazendo com que a terceira praia perdesse na maré alta a sua faixa de areia, além dos restos de construções lançados diretamente nessa faixa.

Figura 45 – Perspectiva da primeira, segunda e terceira praia (1990)

Fonte: Marinho (2016)122.

122 MARINHO, Julio Assis. O morro de São Paulo, que guardo nas minhas lembranças. [S.l.], 30 mar. 2016. Facebook (grupo): MORRO DE SÃO PAULO-DINOSSÁURICO. Disponível em: https://www.facebook.com/ photo.php?fbid=1047669598633214&set=g.224185184415300&type=1&theater&ifg=1. 152

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Figura 46 – Perspectiva da primeira, segunda e terceira praia (2018)

Fonte: Epifania (2018).

No trabalho de campo observou-se inclusive a extinção de ambientes antes presentes no litoral, a exemplo da Lagoa, uma das ruas próximas após a rua da Fonte, no sentido bairro Nossa Senhora da Luz, que a população costumava usar para lazer e lavar roupas (Figura 47). Da antiga lagoa restou apenas o topônimo, as memórias e os registros fotográficos dos antigos moradores e visitantes. Em seu lugar hoje preponderam habitações, na área onde havia u, campo de futebol a prefeitura construiu uma pista pra skate, e os moradores barraram água para formar um pequeno lago onde o vale se estreita na região; mas um rápido olhar para as áreas que alimentavam os cursos d’água que confluíam para a lagoa, observa-se uma ampliação do escoamento do superficial que vem se depositar sobre a área da antiga lagoa, da qual conflui um pequeno córrego que antes alimentava a fonte da grande, e que na atualidade encontra-se bastante assoreado.

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Figura 47 – Banho na Lagoa em fevereiro de 1987, Morro de São Paulo

Fonte: Schmidt (2015)123.

As construções presentes na faixa litorânea em Morro de São Paulo sob influência da ação das ondas e marés estão atuando diretamente na aceleração do processo erosivo (SILVA, 2009b), o mesmo vem ocorrendo com a destinação turística das áreas de falésias, em especial na falésia localizada na Gamboa do Morro, intensificada não apenas pelo movimento das marés e ondas, mas também pela retirada de porções do solo ao longo dos anos para o banho de argila.

123 SCHMIDT, Christina. [S.l.], 20 mai. 2015. Facebook (grupo): MORRO DE SÃO PAULO-DINOSSÁURICO. Disponível em: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=477469162406275&set=g.224185184415300& type=1&theater&ifg=1. 154

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Outra questão levantada refere-se à destinação incorreta de resíduos diretamente na praia, fato observado na Boca da Barra, em Boipeba e em Morro de São Paulo. A primeira praia, onde desagua o córrego da Biquinha, no ano de 2019 foi considerada imprópria para banho segundo o Inema124 (as notificações ocorrem desde 2017). Estima-se que atualmente cerca de 60 estabelecimentos e residências lancem seus dejetos no córrego, que deveria apenas captar água da chuva. Sobre a questão da água, o subsolo em Morro de São Paulo é impróprio para captação de águas subterrâneas, em decorrência do descarte impróprio de resíduos líquidos e sólidos na ilha, apesar das investigações e cobranças do Ministério Público da Bahia (desde o ano de 2014), nada foi realizado nesse período. A Empresa Baiana de Água e Saneamento S.A. (Embasa) segundo a reportagem do A Tarde (2019), vem culpando os moradores e empresários por lançarem lixo doméstico sobre o córrego, e que não tem planos de expansão da rede de esgoto em Morro; em nota informou ainda que enviaram o levantamento dos imóveis irregulares nas margens do córrego da Biquinha. Outra questão relevante é o sistema de abastecimento de água na ilha, que, durante a alta estação (tendo sua população triplicada), sofre com falta de água, em especial durante os feriados de fim e início de ano, assim como a falta de luz (por sobrecarga), em especial em Morro de São Paulo, mas já vem ocorrendo também em Boipeba (VILLELA, 2009; NOBRE, 2018; BITTENCOURT, 2019; G1, 2019). Com o título Falta de Energia, no Trip Advisor, em janeiro de 2017, uma turista relatou a seguinte situação:

No dia 04/01/17 faltou energia em metade do hotel, das 23:00h até às 10:00h dá manhã do dia 05/01/17. Novamente, por volta das 19:00h do dia 05/01/17, faltou energia. Com a ausência de energia, a bomba que leva água à caixa d'água não funciona, ou seja, também sem água! Os funcionários do hotel, que são bastante atenciosos, tentam jogar a culpa na concessionária de energia elétrica. Lamentável.

É importante ressaltar que um fato parecido ocorreu com a ilha de Itaparica em seu auge como destino turístico na década de 1990 e, com o passar dos anos, em decorrência da falta de fiscalização sobre as ocupações e intervenções no que tange à questão do saneamento nas praias e sobre a violência, que afligem a população dos dois municípios da Ilha (Mar Grande e Itaparica), perdeu o seu protagonismo para outras áreas no estado, a exemplo da Costa do Dendê e do Litoral Norte do estado. Nesse sentido, observa-se que a hipervalorização do espaço no

124 Para mensurar a balneabilidade, o órgão observa o índice da bactéria Esquerichia coli presente em amostras de água (quando acima de 2000 em 100 ml), que sobrevive no estômago de animais de sangue quente podendo causar infecções intestinal e urinária. 155

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sentido da acumulação da mais-valia, aliada à ausência da ação do setor público no que tange ao planejamento e controle de tal ação, promove com o tempo a desvalorização do mesmo, em seu valor de troca, tendo o seu valor de uso há muito tempo já desvalorizado através de sua transformação pelo fetiche de mercadoria. Ainda sobre a demanda nacional e internacional, observam-se os pontos de passagem (ou portal, como os moradores costumam denominar) ao município de Valença e ao sul de Camamu125 para os principais destinos da Costa do Dendê. No centro encontra-se um caso interessante, que é o município de Ituberá, com a Cachoeira da Pancada Grande localizada na APA Pratigi, na porção continental (ponto de parada para os visitantes). E, no litoral, a Praia do Pratigi, onde é realizada bianualmente o Universo Paralelo e Barra dos Carvalhos. Dessa forma, concorda-se com Lessa (2017), acerca da importância dessas áreas para o turismo atualmente, tendo esse município como uma área de expansão relacionada a atividade do turismo. Na espacialização apresentada pela autora, apresentam-se também as comunidades presentes nessas áreas, às áreas de influência das rotas às áreas de influência do turismo e seus pontos (Figura 48). Em tais áreas é muito comum a mudança de atividades laborais durante a alta estação; a exemplo de pescadores e marisqueiras que atuam em atividades ligadas direta ou indiretamente ao turismo. Na análise da autora, foram apresentados casos de pescadores que durante o verão eram contratados para pilotar as embarcações em Torrinha e Graciosa. No que se refere à proveniência dos trabalhadores, em todas as áreas analisadas é comum observar o uso da mão de obra familiar (principalmente no Guaibim), além dos contratados de municípios vizinhos e da região; neste caso, muitos moradores de Valença atuam não apenas no território municipal, mas também nas outras localidades, em especial em Morro de São Paulo. O mesmo ocorre em relação a Camamu e à Península de Maraú.

125 O município de Camamu tem enorme potencialidade no que se refere a visitação a suas ilhas presentes nos estuários da Baía de Camamu, na beleza arquitetônica presente na conformação de cidade em dois andares (alta e baixa), herança do processo colonizatório, além de inúmeros balneários em suas áreas rurais. Mas, ainda assim, continua servindo apenas como estacionamento e área de passagem com destino para a Península de Maraú. 156

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Figura 48 – Bahia, área de influência do turismo na Costa do Dendê

Fonte: Lessa (2017).

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Os estrangeiros e moradores, que aportuguesam a língua estrangeira, participam de atividades relacionadas a divulgação e vendas de ingressos para as festas que ocorrem em Morro de São Paulo. E é muito comum observar o intercâmbio, com a ida de trabalhadores para trabalhar no verão europeu, por exemplo, ou mesmo na baixa estação a promoção do turismo por parte dos empresários em outras localidades. Sobre o uso dos atrativos, nos enclaves há poucas áreas utilizadas como espaços de convivência entre moradores e turistas (inclusive com poucos equipamentos destinados a isso), sendo recorrente análises sobre tal situação por parte dos turistas. Em Morro de São Paulo, uma turista relatou a ausência de crianças nos locais que frequentava (inclusive nas praias), e que em cinco dias o único momento que viu várias crianças foi no horário de saída da escola. O uso neste caso direciona-se para outras áreas menos capitalizadas. No tocante à apropriação e à ausência de áreas destinadas ao lazer das famílias em Morro de São Paulo, em especial sobre as crianças, um morador apresentou o seguinte relato:

Antigamente o único lazer que a população tinha era a praia, e hoje também. A gente não tem assim um lazer, não tem uma quadra de esportes; não tem uma oficina de teatro; não tem um cinema; não tem uma praça adequada que você sente com sua família e filhos. A gente tem a praça central aqui a noite é usada como feira de artesanato, então se torna um ponto comercial; as crianças não podem brincar porque se um skate bate em uma banca, aí é aquela confusão; aí se uma bola pega em um turista, ele reclama. Então em termos de lazer a gente sofre.

Neste sentido, o espaço público agora capitalizado, torna-se o espaço do comércio, configurando novas apropriações que se destinam à realização do enclave turístico e para a potencialização do lucro, favorecendo a troca sobre o uso na concepção do valor posto pela atividade do turismo. Sobre essa questão, valida-se o que está posto no PDITS (2015) no tocante ao perfil do turista126 que vai para o destino da Costa do Dendê, com mais da metade tendo de 31 a 55 anos.; nos campos, tal fato foi observado. E, no caso de Morro de São Paulo, as entrevistas mostraram que a maioria dos moradores, quando usam a praia, preferem se afastar do enclave turístico (a não ser para praticar esportes como o futevôlei ou vôlei de praia), ou preferem as praias da Gamboa do Morro. Já em Valença, por conta dos passeios de fim de semana e das casas de veraneio, o número de crianças e a ida à praia com a família inteira é muito mais comum.

126 Outra questão relevante comprovada ao longo do campo em relação ao PDTIS (2015) diz respeito ao nível de escolaridade dos turistas, com cerca de 80% entre o ensino médio completo e pós-graduação. 158

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No que se refere aos empregos formais ligados ao turismo, há uma concentração dos serviços em Valença, Cairu e Maraú, correspondendo a 50% do setor de hospedagem. No município de Cairu, os dados apresentados no PDITS (2015), tendo como referência a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), publicados pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) no ano de 2014, não havia tanta dependência em relação a sazonalidade (fato observado pelos agentes entrevistados). Sobre o setor de alimentos, os municípios de Valença e Cairu destacam-se. Neste caso, o setor de hospedagem e alimentação juntos são responsáveis por 81,54% dos empregos formais na Costa do Dendê. Mais do que áreas de passagem, os outros municípios poderiam estar integrados à atividade do turismo no que tange ao fornecimento de produtos regionais e mesmo em relação a outras propostas que focassem na questão étnica, em seus balneários fluviais, nas atividades rurais, na arquitetura e manifestações culturais, tendo como norte, para o planejamento e a execução das propostas, os valores de uso de tais áreas. Nesse sentido, os resultados advindos de tais práticas, onde prepondera o valor de troca no processo de valorização do espaço, servem como exemplo do que não seguir e como direcionar tais ações.

4.3 ESPAÇOS DA REPRESENTAÇÃO

Sobre as representações do espaço da Costa do Dendê e o turismo, faz-se necessário exercitar o olhar para o que está posto sob a lógica do planejamento regional e os seus rebatimentos em relação ao espaço vivido em seus usos. Das representações, inclusive no tocante ao que está posto nas imagens, ao interpretar as apropriações e a corporeidade (como analisado no capítulo anterior), há uma sobreposição direta com o espaço vivido. A escolha desta ou daquela imagem, a legenda e os comentários sobre o que foi postado em grupos na internet perpassam pela realização das vivências muitas das vezes compartilhadas entre tais agentes; e em variados momentos adjetivando (e valorando) as experiências sobre o espaço em tempos pretéritos, no presente, trazendo também perspectivas futuras (no que se refere às utopias e distopias). Diante do exposto, mesmo apresentando a tríade espacial sobre a produção e a valorização do espaço da Costa do Dendê em capítulo diferentes, não há como não os correlacionar, pois tais instâncias coexistem, sendo tênue a linha que as separa. No que se refere aos planos, mesmo quando ausente, a concepção de alguma determinada área em detrimento da presença de outras no planejamento e na gestão, ou um maior investimento em relação ao

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planejado, é uma escolha (a presença/ausência) do poder público, muita das vezes influenciado pelo poder privado. No que refere ao planejamento, e sobre suas representações, há a indicação das práticas possíveis para o turismo na região (figura 49). Apresentadas no PDITS (2015) as indicações foram produzidas de forma consorciada entre os agentes: poder público, poder privado, terceiro setor e sociedade civil. Além da perspectiva do turismo de sol e praia, destinam-se às atividades náuticas, culturais, ao ecoturismo e à aventura. Diferenciando-se, entre os oito municípios, apenas dois com menos práticas, no que se refere à ausência do turismo de aventura em Igrapiúna e Ituberá; e, neste último, em decorrência dos elementos naturais que favorecem, no ambiente estuarino e costeiro, uma maior presença de manguezais do que de praias. Sobre o ecoturismo, é importante elencar que grande parte da região é perpassada por reservas e áreas de proteção (vide figura 12), inclusive a totalidade do território pertencente ao município de Cairu; a APA Baía de Camamu, que envolve porções do território terrestre dos munícipios de Camamu, Maraú e Itacaré na Costa do Cacau, rios, ambientes fluviomarinhos com seus manguezais e áreas de mar com suas ilhas e recifes; com toda a faixa litorânea protegida por lei, inclusive nas áreas dos enclaves; além de corredores de mata atlântica envolvendo áreas contíguas entre os municípios. Dado a importância e a fragilidade ambiental de tais áreas, se faz necessário na gestão das áreas possíveis para a atividade do ecoturismo o ordenamento das atividades aí realizadas, havendo a necessidade da produção e execução do zoneamento ambiental e do plano de manejo (AZEVEDO, 2013127).

127 Em outra análise Azevedo (2017) aponta como alternativa para a atividade do ecoturismo em Unidades de Conservação o turismo comunitário; tendo como norte a interação entre o poder público e a comunidade receptora, com atividades que se voltem para o desenvolvimento social das comunidades, assim como do envolvimento das comunidades no planejamento e gestão das reservas. 160

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Figura 49 – Bahia, Práticas possíveis para o turismo na Costa do Dendê

Fonte: BAHIA, 2015.

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No tocante às práticas culturais, inúmeras manifestações culturais ocorrem nos municípios da Costa do Dendê, além da gastronomia presente na faixa litorânea, na qual se destaca o uso do dendê. As atividades náuticas e de aventura estão diretamente relacionadas às áreas ligadas ao ecoturismo. Aqui cabe um parêntese: em decorrência da fragilidade de tais áreas, há a necessidade de se pensar outras formas de realização do turismo que não a do turismo de massa, assim como promover atividades que considerem a totalidade do espaço e os seus valores de uso, e não no que hoje vem se verificando, uma hipervalorização baseada na troca e na mercantilização dos enclaves turísticos. Esse debate está presente nas representações discutidas sobre valor de uso/valor de troca/valor, no capítulo anterior; tanto sobre os enclaves como nas áreas possíveis de realização de tal atividade, inclusive tomando as experiências das áreas onde o turismo já é pujante como referência do que se deve realizar ou não. As representações sobre a Costa do Dendê, na maior parte das vezes, antecedem o recorte de alguma imagem, na medida em que o conhecimento sobre tais áreas realiza-se geralmente pela oralidade de quem já experenciou em algum momento percorrer os seus caminhos, fato observado nas entrevistas junto aos turistas e referendado pelos dados apresentados no último PDITS (2015). Em tempos de internet, é interessante ouvir cerca de 62% dos turistas entrevistados relatarem o desejo de visitar a Costa do Dendê ao ouvir amigos e familiares indicarem a visitação por suas vivências enquanto turistas. Neste caso 28% conheceram através do uso da internet e, destes, 10% mediante o marketing “boca a boca” ou acompanhando as redes sociais de outros visitantes; e os outros 10%, por serem da região, por terem passado a trabalho antes de visitar como turistas ou no momento costumavam participar de excursões. Outro fato relevante é que, após a primeira visitação, os turistas retornavam para o mesmo destino ou para outros destinos da Costa do Dendê; com 75% conhecendo três ou mais dos destinos aqui analisados (10% conheciam apenas um, mas querendo retornar ou conhecer outras áreas). Ao chegar aos destinos, as representações do espaço estão para além do olhar, conferindo expectativas sobre o cheiro, o paladar, da análise dos elementos artísticos e culturais da Costa do Dendê; como observado no trecho da entrevista com uma turista em Boipeba128:

128 Na análise dos discursos dos turistas em Boipeba, todos relatavam sobre a autenticidade do local, correlacionando o cotidiano deste com os outros enclaves, em especial a Morro de São Paulo. 162

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Boipeba eu achei muito autêntico; o que eu senti falta aqui em Boipeba, quer dizer nos restaurantes eu pude comer comidas típicas já com alguma sofisticação, com requinte de comida internacional, mas eu senti falta por exemplo de sobremesas típicas. Do artesanato eu não vi quase nada, o que passava na praia me parecia já estereotipado, pedras com madeiras que não parecia ser feito pelos locais, eu acho que isso falta; inclusive a canga que nós compramos aqui vem da Indonésia. Enquanto a gente tem arte bem típica da Bahia, não é? Com cores específicas da Bahia. Não achamos um acarajé, por exemplo, onde vende estava tudo fechado. A gente não comeu acarajé; bolo de estudante; banana frita, eu como uma vez e a gente vem ávido para conhecer, que faz lembrar outras experiências na Bahia onde a comida é maravilhosa. Não que a comida daqui não seja boa, é muito boa; mas como falei, ela já tem traços de internacionalização e não guardam aquela forma.

A autenticidade refere-se ao tempo presente nessa porção do arquipélago de Tinharé, como alguns comércios fechados por conta do cochilo no início da tarde, dos dias da semana para fritar o bolinho do acarajé, ou mesmo uma maior relação de copresença do que nas outras localidades; como apresentado em alguns momentos, Boipeba é um lugar para pôr o pé na sandália para não pegar bicho-de-porco e rodar suas trilhas. No argumento apresentado pela turista, pode-se pontuar que a busca pela suposta autenticidade , a mesma tenta padronizar uma ideia de baianidade que está posta na mídia, mas que não condiz com as diversas realidades que compõe o território do estado da Bahia. Por outro lado, há o avanço também de bibelôs presentes em outras localidades diversas sem nenhuma conexão com a região e a demanda por artigos locais, que muitas das vezes são sendo produzidos em outras localidades, a exemplo das biojoias (caso apresentado no próximo capítulo), mas não chegam nas áreas de visibilidade em relação ao turismo na Costa do Dendê, sendo enviados para outros países. Interessante observar que a turista já conhecia parte do litoral nordestino e da Bahia, optando por Boipeba por indicação dos filhos que estiveram 20 anos atrás no local. A mesma informou que descreveu o lugar por telefone e como retorno relatou que, fora alguns avanços técnicos (água encanada, energia), havia pouca diferença inclusive em relação ao crescimento local. Sobre a sua principal motivação em visitar a Costa do Dendê, ela fez a seguinte análise: “Há, um pouco de ver o mar; o mar com a cara de mar, o mar não urbano.”. Uma resposta poética que carrega sentimentos sobre o elemento a ser visto; neste caso não era um mar qualquer, mas um mar carregado de expectativa no que se refere a um maior contato com a natureza, como a praia da Cueira semi deserta com seu vasto coqueiral (Figura 50); uma experiência diferente do vivido em seu cotidiano, do urbano para o rural. A representação de Boipeba como lugar paradisíaco e no mesmo município em que Morro de São Paulo se localiza, apresenta-se como um contraponto no discurso a essa realidade. 163

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A ideia de Morro como um lugar urbano e cosmopolita, em contraposição à rusticidade e às ruralidades presentes em Boipeba; sendo muito comum a ida dos turistas no passeio de volta às ilhas de Morro para Boipeba e seu posterior retorno em outra viagem para se hospedar diretamente na localidade.

Figura 50 – Boipeba, Praia da Cueira

Fonte: @boipeba_emfotos (Instagram)129.

Sobre o primeiro impacto ao ter contato com Boipeba, uma moradora faz comparações da sua experiência em relação a Morro de São Paulo, Boipeba e outros destinos do estado da Bahia e do Brasil como turista e por que decidiu, com seu companheiro, mudar-se do estado de São Paulo para essa porção da ilha:

129 Disponível em: https://www.instagram.com/boipeba_emfotos/. Acesso em: 26 ago. 2019. 164

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A gente já viaja aqui para a Bahia há 15 anos, porque a gente tem um xodó, um dendê, eu não sei explicar, é alguma coisa além; porque a gente já teve oportunidade de viajar o Brasil todo e outros lugares e aqui é muito especial, é onde a gente escolheu de coração, e tínhamos planos de vir para cá, mas em outro momento de vida, quando ele aposentar-se, eu acredito que daqui a 4, 5 anos ele aposente já. (...) Boipeba foi o último lugar que a gente conheceu, nunca nem tinha ouvido falar e olha que a gente já viajou muito aqui. Só Morro de São Paulo a gente já viajou umas 3 vezes ao longo desses 15 anos; só que na época, eu não sei se é uma coisa recente essa coisa de trazer turistas de Morro para aqui, o volta a ilha; que é justamente isso que acontece, não existe uma coisa deles pernoitar, de conhecer o comércio, enfim é aquela coisa de vir o barco e parece que fazem uma parada na barraca da praia, conhece e volta; e na época não lembro de terem oferecido isso para a gente. Em 2014, a gente estava lá em Península de Maraú, em um jantar conhecemos uma estrangeira, e a gente conheceu Boipeba por uma estrangeira (suíça); aí ela contou pra gente que foi a Amazônia, Rio de Janeiro, e na conversa o que pegou o coração dela no Brasil? Ilha de Boipeba. Aí aquilo já plantou uma semente na gente. Onde é Boipeba que não conheço? Aí ela foi falando: tão perto. No ano seguinte a gente se programou para conhecer a ilha. Quando você vai saindo ali do rio do Inferno e faz bem a curva aqui e começa a aparecer a ilha; a gente não se falou eu e meu marido dentro do barco; mas a sensação foi igual; um negócio assim, espiritual, energético e forte para caramba. Nunca bateu em nenhum lugar como bateu em Boipeba; e eu sou sincera ao te falar, eu tenho uma visão muito empresarial da coisa, sabe? Aqui não é pensando só em dinheiro, não é o caso; ou senão estaríamos em outro lugar ou continuaríamos lá em SP; por ser sazonal e por não ser tão divulgado ainda, então o fluxo não é como outros lugares como a gente passeia e visita. Mas aqui é um lugar especial no último grau, assim; tem uma coisa diferente aqui, não sei o que te dizer e é por isso que a gente está aqui. Foi o lugar que prendeu pelo coração, não foi pela razão. Tudo é mais difícil em uma ilha: transporte, logística, fica tudo mais caro; então tem uma série de questão que talvez se fosse pensar: ah não, vou para o continente para outro lugar. Mas aqui é muito especial, estou amando morar aqui e ele também.

No diálogo observa-se a importância inicial da representação sobre o lugar que muitas das vezes não é realizada nas áreas turísticas pelos agentes ligados ao turismo, no sentido de reduzir a competição entre os destinos e fazer com que os mesmos permaneçam apenas naquele local. Neste caso a perspectiva do planejamento regional na ponta não se realiza (fato observado no campo em outros momentos e em todos os destinos). O “boca a boca” neste caso foi realizado entre turistas, inclusive com a indicação de uma estrangeira para uma brasileira que já conhecia em partes a Costa do Dendê. Por outro lado, há a apresentação do impacto causado em relação ao seu primeiro contato com essa porção da ilha, saindo do estuário do rio do Inferno para a sua foz na Boca da Barra, em uma transição entre manguezal e cordão litorâneo, com vastos coqueirais e uma comunidade ainda com pequenas casas e menor turistificação do que em Morro de São Paulo e

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Barra Grande (assim como vem ocorrendo em Taipu de Fora); e, no caso do Guaibim, com a Costa toda tomada por residências e barracas de praia. Outro fator relevante no que se refere à representação do espaço diz respeito aos discursos e imagens construídos correlacionando-os com áreas paradisíacas e muitas das vezes ainda intocadas, paisagens edênicas passíveis de serem descobertas por parte dos aventureiros (vide a Figura 51).

Figura 51 – Descubra Maraú, revista Férias no Brasil

Fonte: Cestari (2015). 166

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No conteúdo da reportagem, com relação ao convite para desbravar a Península de Maraú, correlaciona-se o destino a outros pontos turísticos do estado da Bahia; neste caso a Porto Seguro, Ilhéus, Trancoso, Morro de São Paulo, Boipeba e Itacaré. A reportagem realiza uma segunda convocação após os portugueses “descobrirem o Brasil” por Porto Seguro e os viajantes terem descoberto esses outros destinos, eis que chegou a hora de descobrir mais uma em Maraú:

Rústica e sossegada, a península surpreende o visitante como um dos últimos resquícios de Mata Atlântica do litoral baiano, onde caixas eletrônicos, asfalto, poluição, violência e estresse são coisas do outro mundo. (CESTARI, 2015, p. 32).

Para aqueles mais abastados, há como fugir do purgatório (esse é o termo utilizado na reportagem), em realizar o semiterrestre e “engolir água” ou “comer poeira” na BR-030, acessando a Península por Salvador através do uso de táxi-aéreo e pouso em pista privada de um hotel ou de uma pousada. No “vale-tudo” da disputa por visitantes, aparecem comparações antagônicas entre os destinos, mesmo a nível local; a exemplo da abordagem sobre Boipeba e Morro de São Paulo na reportagem de Azzi (2015), respectivamente as localidades do Arquipélago de Tinharé no município de Cairu são assim representadas: tranquilidade vs. badalação; rústico vs. moderno; MPB vs. Axé; agito vs. sossego. Figura 52 – Boipeba, a ilha mais bela da Bahia

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Em outra reportagem realizada por Segadilha (2017), ambos os destinos compõem o “Arquipélago dos sonhos” e são postos como possíveis escolhas do visitante, se este quer estar “ao sabor das marés” ou na “ilha badalação”; arquipélago que faz parte da Costa do Dendê com uma “geografia privilegiada”. Apesar de a descrição apresentar a diversidade que compõe a região (rios, trilhas, ilhas), o foco desta reportagem, assim como das outras duas, direciona-se ao turismo de sol e praia. Outra questão relevante é que, apesar de os discursos atrelarem a Península de Maraú e Boipeba130 a adjetivos como rústico, sustentável e tranquilo, são sempre apresentados com comodidades da modernidade; a possível chegada por táxi-aéreo, o tour de barco pelas ilhas para fazer mergulho nos ambientes de recife, jardineiras e tratores para realizar o transporte interno, os restaurantes presentes à beira-mar com internet wi-fi. Observa-se aqui, no que se refere a propaganda das áreas turísticas, o sentido em que os discursos são criados aliados a imagem, conferindo o que Lipovetsky e Serroy (2015) denominaram de engenharia dos sonhos, estilos e narrativas; produzindo assim hiper- realidades. Há também o falseamento das relações sociais, a depender do grau de cenarização do espaço e da vida (DEBORD, 1997), mediadas através do fetiche de mercadoria (Marx, 2013). Fica claro, nos discursos de tais publicações, a colagem de representações de tantos outros roteiros, a exemplo da comparação com outras praias do Caribe ou da Oceania; por outro lado, a desconexão de tais áreas do contexto em que estão inseridas. Em relação à tentativa de desconexão com o urbano ou mesmo de pensar tais áreas como se estivessem dissociadas do tempo presente e do espaço do seu entorno, condiz com as afirmações de moradores e comerciantes, como uma área onde a paz reina em detrimento da violência urbana, na qual Valença ao norte e Camamu ao sul eram referenciadas. Analisando as representações sobre o turismo em Valença em outro momento (EPIFANIA, 2012, 2013b), os moradores apresentam sobre a questão do vivido a inação dos agentes públicos na proteção dos moradores para acessar antigas áreas de lazer, e que atrelar o turismo ao Guaibim não seria adequado devido ao abandono do local. No caso deste destino, como atende mais às demandas nacional, regional e local e mesmo em decorrência da sazonalidade, o destino aparece nas reportagens atualmente apenas como local de passagem para Morro de São Paulo ou Boipeba.

130 Essa porção do arquipélago foi eleita em 2013 como a ilha mais bonita do Brasil pela Traveller’s Choice e a segunda posição na América do Sul (ROMA, 2013). 168

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Interessante observar como a percepção muda de acordo com o passar do tempo em relação aos problemas sociais: em 1986 a cidade foi apresentada no jornal A Tarde como cidade poética e tranquila (OLIVEIRA, 1986), e que no período já era uma atração turística; posteriormente em 1989 suas características provincianas eram apresentadas como representação das belezas do Baixo Sul Baiano. Em 2012, como resultado do projeto de pesquisa “Caminhos possíveis para o turismo em Valença – Bahia”, muito do que se falava da percepção e representação sobre o município era o sentimento em relação à violência, como apresentado por uma moradora e comerciante: “Há necessidade de se falar de Valença lá fora, levar Valença pra fora. Infelizmente nosso cartão postal hoje é as drogas”. Tal fato se repetiu durante o campo realizado para acessar os dados primários da pesquisa em análise. Por outro lado, em toda região um discurso muito presente é o da paisagem edênica na Costa do Dendê (vide figura 53 e 54). Esporadicamente, tal questão é referenciada em outdoors para a divulgação de empreendimentos, inclusive com destaque há um certo tempo na forma de escultura no trevo que liga a sede municipal de Valença ao Guaibim; além disso observou-se também que a paisagem edênica131, ou o discurso sobre o paraíso, está diretamente atrelada ao contexto do turismo de sol e praia (EPIFANIA, 2017).

Figura 53 – Discurso sobre o paraíso em Valença por empreendimento privado

Fonte: Epifania (2012).

131 O mesmo ocorrendo com a Península de Maraú, vide: “Barra Grande, um paraíso no Sul da Bahia” (GOMES, 2009); “Um pedaço de céu na terra” (NETO, 2009). 169

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Figura 54 – Discurso sobre o paraíso em Cairu por empreendimento privado

Fonte: Epifania (2015).

In loco, tal discurso cai por terra: As mesmas pessoas que moravam aqui antes continuam. Eles continuam tendo seus mesmos empregos, que são o turismo, as barracas de praia, o comércio, nas casas de gente que vem, as pousadas... O problema são as pessoas que estão vindo, que elas não têm um emprego, daí elas não têm onde morar e onde trabalhar. E isso já é um problema social, já está começando a haver relatos inclusive de roubos em casas de veraneio. Não existia casa de veraneio, todo mundo vinha e ficava nas pousadas, aí o pessoal começou a vender muito terreno e começaram a se fazer casas de veraneio, então está começando a ficar uma... ser lugar de veraneio, né?! Não é mais um lugar de pessoas que vêm de fora, começa a vir o pessoal da Região mesmo e daí fim de semana vem aqui e essas pessoas acabam, na verdade, não deixando muita coisa aqui porque não gastam aqui, trazem tudo de fora... Mas não deixa de ter gente vindo e ficando em pousada, mas tô dizendo que o que está estragando, no meu ver... Aqui aconteceu a mesma coisa, saiu na mídia, há dois, três anos está na mídia isso aqui. Depois que saiu na mídia isso aqui é o paraíso, é a Tailândia brasileira, e isso faz com que muita gente venha pra cá achando que é a Tailândia brasileira. Isso estraga o local. Quem já veio pra cá, comprou terreno e está morando aqui já está começando a descobrir que não é o paraíso que foi vendido pra ele porque já está acontecendo várias coisas que num paraíso não existe.

A fase em que o paraíso se transforma no inverso vem ocorrendo em maior ou menor grau nos destinos. Aqui o agente discute a questão da visibilidade que Maraú (mas serve para os outros roteiros) recebeu da mídia e sobre as transformações que a Península vem sofrendo no que se refere a sua materialidade social. Como representação do paraíso, os agentes acabam por sentirem-se atraídos em fazer parte desse novo Éden e promover o movimento inverso de

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Adão e Eva (que foram expulsos do paraíso). Observa-se um conflito no discurso apresentado, entre antigos moradores, novos moradores e especificamente daqueles menos capitalizados, que culminaria na marginalização destes, por não encontrarem serviços para estarem atuando sem depender da sazonalidade. Outra questão é o processo de especulação imobiliária nos cordões litorâneos da Península (Figura 55), tanto na venda de terrenos como na produção de condomínios fechados, que vem se expandindo de Barra Grande para a Taipu de Fora (situação presente em grande parte da via local que liga as duas localidades), além, no caso dos menos capitalizados, da ocupação de faixas de manguezal, com a produção de aterros neste ambiente, como observado em Taipu de Dentro (Figura 56).

Figura 55 – Venda de terrenos nos cordões costeiros da Península de Maraú

Fonte: Epifania (2016).

A nível de comparação, o mesmo ocorreu nas extremidades das praias em Morro de São Paulo no Zimbo, em Lagoa e em Nossa Senhora da Luz; e no Guaibim, nas ruas localizadas atrás da rua que margeia o litoral, ampliando as diferenças em torno da renda e padrão das residências de acordo com a distância deste. O fato em comum é a atratividade de tais áreas no que se refere a discurso edênico no tocante a aprazibilidade.

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Figura 56 – Construção em área de manguezal em Taipu de Dentro

Fonte: Epifania (2016).

A respeito da representação do paraíso e dos discursos sobre o que está posto atualmente no contexto regional, uma reflexão interessante foi realizada na comunidade do facebook “Valença da Depressão”, ao retratar Morro de São Paulo e sua logomarca, o Adão e a Eva no paraíso, antes presentes no trevo que liga a sede do município à praia de Guaibim, ao aeroporto e ao atracadouro de Bom Jardim; e ao contexto social do município de Valença. Sobre a representação dos signos presentes na publicação, todas as imagens estão ligadas ao verbo “morrer” trazendo conotações diferentes; o primeiro caso, “Morro de São Paulo: morro de saudade”, diz respeito ao slogan do destino, atrelando-o a saudades e ao lazer na praia, e à beleza cênica local132; o segundo, “Guaibim: morro de vergonha”, retrata o sentimento da população no que diz respeito às figuras do Adão e da Eva na entrada da cidade, fato presente nos comentários da publicação e mesmo nos debates acalorados na cidade; a terceira, “Valença: morro de verdade”, está ligada a uma manifestação em frente à prefeitura e à câmara dos vereadores em relação à violência na cidade – fato corriqueiro nos últimos anos (tanto com relação aos casos de violência como as manifestações pacificas a favor da paz no município, ou não tão pacíficas como na Figura 57).

132 Diante dos problemas pelo despejo de esgoto na segunda praia, o Correio da Bahia (2019), noticiou uma reportagem com o seguinte título sobre Morro de São Paulo: “Paraíso impróprio”. 172

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Figura 57 – Publicação da comunidade Valença da Depressão

Fonte: FACEBOOK, Comunidade Valença da Depressão. Acesso em janeiro de 2012.

O geossímbolo sobre o paraíso contextualiza a montagem apresentada, no sentido de se repensar sobre o ideário de paraíso e como a população local está expulsa deste, assim como Adão e Eva da realidade edênica; por outro lado, pode-se refletir também sobre os investimentos realizados no enclaves turísticos e como o restante da região está dissociado, ou seja, o planejamento e a ação se direcionam mais ao nível local, no que se refere ao crescimento quantitativo de pessoas, divisas, adensamento de infraestrutura, do que ao desenvolvimento regional. Mesmo no nível local dos enclaves, há diferença de tratamento no que se refere ao planejamento, que influencia diretamente na apropriação de tais áreas e sobre a carga de preconceitos que cada uma recebe; o Guaibim, por exemplo, a um nível regional tem como adjetivos “a praia do oi”, “a galera da farofa”; nas reflexões sobre uma publicação da mesma comunidade, essa situação aparece bem regionalizada no Guaimbinzinho. Sob o título “Não vá que é barril”, expressão que no dialeto local significa problema, enrascada; correlacionando imagens das praias do Taquari e Guaibinzinho com a legenda “Não trate como Taquary quem te trata como Guaimbinzinho”, nos comentários aparecem desde posições sobre o preconceito social presente na publicação, a indicação de como o poder 173

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público age sobre uma praia com maior incidência de moradores para o lazer e a outra com moradores mais abastados, turistas e veranistas. Em sua totalidade, em tais análises observa-se que nos enclaves turísticos há diversas possibilidades de análise sobre a paisagem e suas representações, sendo apresentadas de diferentes formas e contextos (EPIFANIA, 2017), de acordo com os agentes que as apresentam. No que se refere à égide do processo de produção capitalista e ao desenvolvimento desigual e combinado em tais áreas, os investimentos direcionam-se em grande parte ao turismo de massa, promovendo no campo do diverso fraturas socioespaciais, daí fragmentadas, decorrentes da seleção e de investimentos nestas em detrimento do contexto regional e da totalidade do espaço. Refletindo nos discursos sobre a paisagem e suas materialidades, utilizados como recursos para atração de agentes capitalizados, e diferentemente do discurso dos planos no qual se descreve a importância de tal atividade para a promoção da justiça social; direcionando assim apropriações e usos de acordo com o poder de compra dos agentes sociais. Retomando o ideário da paisagem edênica, a mesma destoa do contexto regional, no que se refere aos seus usos e apropriações, favorecendo quem pode pagar mais por essa mercadoria de luxo (VAINNER, 2002) em que os enclaves mais valorizados em relação a troca se tornaram; retirando muitas das vezes as possibilidades ligadas ao valor de uso, no que se refere a apropriação para o lazer em decorrência de interditos que se impõem pelo valor de troca. Nesse sentido cabe refletir sobre os limites do paraíso e para quem este se põe. Das constatações sobre as isotopias apresentadas, assim como das heterotopias, propõe-se mais um exercício, o de verificar as utopias para a Costa do Dendê. Está feito o convite para trilhar o próximo capítulo.

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CAPÍTULO 5

POR QUE TRATAR DE UTOPIAS?

La comunicación, la participación, el amor, el reposo, el conocimiento, el juego, son siempre imposibles (como totalidad) y posibles (como momentos). La utopia de hoy será mañana racional y lo urgente. Lo imposible se transforma em cada día en posible. El pensamento socialista volvería a ser enteramente racional y dejaría de ser utópico si tuviera en cuenta plenamente la realización de las utopías, puesto que tiene ya el poder de los medios de acción. Dicha racionalidade se daría um programa a largo plazo, es decir, una estrategia. (LEFEBVRE, 1972, p. 46)

A assertiva apontada pelo autor diz respeito a três momentos; o passado, o presente e o devir. Assim, totalidade e situações no tempo são reflexos das lutas que se realizam por intermédio das contrarracionalidades, tão importantes como utopia no que se refere a pensar e agir para um outro devir; e que no presente compõe o diverso que decorre de práticas e ações heterotópicas, fazendo frente a realidades isotópicas que consequentemente tendem a futuros distópicos133. Para além do presente, em seus momentos, decorrente destes processos que agravam os problemas socioespaciais, as heterotopias e seus projetos podem ser ampliadas para a totalidade, na qual outra realidade é possível; mais perene e difusa, direcionadas por experiências já realizadas no contrafluxo da ordem instalada; tendendo para o uso mais que para a troca em seu processo de valoração; que no presente se realiza como heterotopias, e, na perspectiva total, portam-se como utopias. Esse projeto político pode vir a ser, no futuro, resultante da ação (prática) social. Hoy tenemos necesidad de utopía, frente al desastre que nos amenaza. Las utopías han propuesto modelos de organización de la sociedad, han sido una fuerza que permite imaginar sociedades más justas, mejor organizadas. (...) La utopía supone una crítica más o menos explícita a la realidad existente, con todas sus desigualdades e injusticias. Al mismo tiempo, es posible imaginar que algún ideal de la utopía podría aplicarse a la realización de reformas de tipo diverso. Necesitamos utopías bien construidas, pero no dogmáticas, que se propongan con modestia, que no oculten las dudas, que tengan respeto a otras ideas y estén dispuestas confrontarse con ellas. (CAPEL, 2016, p. 18)

No processo de produção capitalista, no que se refere à totalidade do espaço, os problemas sociais são tão graves e urgentes que tendem a uma agenda de mudança radical. Como apresentado por Capel (2016), as utopias nascem da crítica ao momento vivido por parte dos agentes sociais, e são extremamente importantes para se propor alternativas a estes. Daí a necessidade de retornar a tratar de utopias que pressupõem a práxis social e a ação política.

133 Tal constatação é resultante da leitura da produção capitalista do espaço que vem ocorrendo na Costa do Dendê, em especial no que se refere a atividade do turismo (de massa), que vem ampliando a concentração de rendas e a desigualdade social. Resultando em texturas e interditos no contexto regional e mesmo nos enclaves turísticos, realidades observadas tanto no contexto das morfologias material e social. 175

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No caso em análise, se a prática do turismo na Costa do Dendê (diante de outras realidades no território brasileiro e mesmo em escala mundial), tão propalada como promotora de potencialidade de mudança radical sobre a realidade presente, que como proposta realizou- se no passado de cerca de 30 anos, há que se reavaliar a utopia; não apenas sobre as mudanças, mas sobre quais os meios para atingir tal situação. Ao analisar o passado que se projetava para o futuro, os planos se portam como utopia, atrelando o crescimento econômico regional como possibilidade de direcionamentos para o desenvolvimento, tanto na escala do turismo quanto na questão econômica; mas, quando partimos’ para a realidade local e o contexto da região como um todo, observa-se que, muito mais do que sua realização utópica como heterotopia, nos enclaves, em graus diferenciados de ação, projetou-se o seu revés, em um futuro distópico com acirramento de ações isotópicas. Como tal situação decorre do movimento contido na práxis social, o mesmo não é ou pode não ser finalístico, no sentido de estar pronto e acabado diante da sua naturalização. Nesse sentido, além da ação capitalista em sua produção e reprodução que se dá no processo de desenvolvimento desigual e combinado, há que se pensar em seus rebatimentos no que se refere ao desenvolvimento geográfico desigual e a multiplicidade de espaços construídos (no tocante a reprodução da vida), que assimilam e criam estratégias diante destes e/ou se portam como contrarracionalidades no presente e mesmo em suas projeções futuras. Daí a necessidade em se reverter o entendimento e, neste caso, uma situação clara nas abordagens sobre o turismo, em especial sobre a proposta em debate: da análise do turismo em detrimento das atividades pela atividade; essa é uma das instâncias, mas, para além disso, há que se repensar os seus rebatimentos, a coexistência deste com outras realidades que se realizam nas múltiplas escalas e a práxis social; presentes na tríade entre morfologia material/social/(re)produção do espaço. Nesse sentido, concorda-se com Fratucci (2014, p.42), sobre o: “(...) entendimento do turismo não como um sujeito do fenômeno, mas sim como o resultado da ação de diversos grupos de agentes sociais que produzem os diferenciados processos de turistificação do espaço”. Repensando sobre o papel do pensamento utópico, Barbosa (2018) faz uma reflexão muito interessante no que se refere ao momento em que vivemos e da necessidade de reinvenção das utopias; no sentido da crítica ao senso comum no processo de naturalização das contradições e das desigualdades em sua totalidade; da emergência do desejo de mudança, sendo as utopias a “intencionalidade em representações inconformadas (Ibid., p. 96). O autor traz à baila a análise da narrativa utópica no que se refere ao vivido e ao concebido, que se realizam no

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movimento socioespacial, e que são passíveis de cognição do real. “A utopia é um exercício de rebeldia para conclamar outra, radical e plural, existência em sociedade” (Ibid., p. 97). Da primeira constatação, da utopia como um projeto de contraposição à lógica totalitária, segue-se um segundo momento, de como tais ações acontecem; a nível do diverso, na heterotopia já consta a pluralidade das ações. Como a utopia é resultante das práticas heterotópicas ou dos desejos de mudança (através destas) sobre as isotopias, o mais indicado é se discutir utopias no plural, em contraponto à lógica totalitária que se prende na valoração econômica dos lugares e dos indivíduos. Lógica que está clara nos enclaves turísticos, no que se refere ao utilitarismo dos objetos e das coisas. Sobre o contexto das utopias, Harvey (2015), no que se refere ao imaginário social, reflete sobre a necessidade de combate ao utopismo, que com suas narrativas destoam da real necessidade do projeto utópico, transformando os agentes sociais em meros repetidores de um discurso alienado e alienante. A utopia a ser projetada precisa mirar no processo de autonomia dos indivíduos para que estes tornem-se senhores do seu próprio destino. Com esse objetivo, o presente capítulo traz como exercício o diálogo e o ponto de conexão entre as heterotopias como ação e materialidades, para a sua projeção no devir; e enfim retoma o pensamento utópico, que comunga das diversas vozes que se projetaram sobre a Costa do Dendê e sua potencialidade de desenvolver os diversos contextos que se realizam na região. Assim, segue o próximo passo: das heterotopias à utopia.

5.1 DAS HETEROTOPIAS À UTOPIA: PROPOSTAS PARA A COSTA DO DENDÊ

Entre heterotopias e utopias, há que se trazer à tona algumas questões presentes nos discursos dos agentes e nas observações contidas ao longo das pesquisas sobre a Costa do Dendê que antecedem o processo de doutoramento. A primeira diz respeito a trazer ao presente uma realidade de um passado não tão distante assim, no caso das áreas mais turistificadas de um período de cerca de 20 anos. Rememorar esse tempo é refletir sobre questões de seguridade, de copresença, do respeito ao outro; enfim, refere-se ao contexto dos novos valores em contraposição a valores que, rememorados, ainda se fazem presentes, mesmo nas áreas nas quais a troca prevalece sobre o uso. No caso do segundo contexto, tais valores refletem sobre padrões relacionados ao avanço do urbano e sua abertura para outras áreas da região; assim como da presença de novos agentes que adensam o caldo cultural local. É importante esclarecer que, em um plano regional, não há como homogeneizar ou partir de um discurso único. Os rebatimentos e escalas de ação

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refletem as diferenciações em relação ao desenvolvimento geográfico desigual, apesar de apontar coesões. Dentre as coesões relacionadas às mudanças na Costa do Dendê, observa-se que, em um plano municipal, as características relacionadas às ruralidades em termos de sociabilidades, apropriação e uso são mais presentes que as características urbanas; daí esse perfil preponderar nas respostas e, mesmo em grande parte das experiências heterotópicas observadas partirem dessa realização. É importante ressaltar que aqui não há uma imposição de vilania sobre padrões estabelecidos entre urbanidades e ruralidades, mas que, no caso da atividade do turismo, faz-se necessário repensar de que forma os equipamentos destinados ao turismo são impostos e a quais usos e apropriações se destinam. Outra questão relevante, já que há projetos por parte dos municípios de integrar novas áreas a atividade do turismo, é reaprender com as experiências já realizadas; em especial sobre os impactos advindos de uma atividade exógena, sem refletir sobre os problemas causados pela euforia para obter o crescimento econômico em detrimento do desenvolvimento regional, ou mesmo planejar em gabinetes uma ação que iria impactar diretamente o plano do cotidiano e a vivência dos agentes aí instalados, assim como dos futuros moradores. No plano heterotópico, observa-se que as principais experiências da Costa do Dendê se voltam justamente para essas relações de copresença, do associativismo, do empreendedorismo e das políticas públicas mais eficazes estarem ligadas às ações do extinto Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA (no ano de 2016). Por outro lado, constata-se a falta de diálogo do órgão mais importante na gestão do turismo a nível local, que é a Câmara Técnica do Turismo, com outras instâncias; como tão bem observado no capítulo anterior, no discurso de uma agente do poder público no que se refere à concepção do espaço. Culminando, então, na realidade presente, que é própria da reprodução do sistema capitalista, com agravamento das crises sociais e tendências a fragmentar as relações societárias. E o espaço, com seus usos e apropriações decorrentes do processo de valorização (do espaço e das relações) como mercadoria, tendendo as crises em meio a sua reprodução, como vem ocorrendo na região em análise. O projeto utópico nasce, como observado, das reflexões quanto a possíveis crises e sobre como enfrentá-las. No caso da atividade do turismo (e mais precisamente na Costa do Dendê), independe do agente pensar sobre, isto é, não necessariamente o mesmo precisa morar na localidade; tais preocupações podem advir dos visitantes com maior visão crítica. Neste caso,

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em um dos diálogos com uma turista em Boipeba, ela apresentou a seguinte preocupação em relação aos caminhos que tal atividade poderia tomar no local:

Gostaria de voltar para cá até com um espírito de comparação; eu ouvi uma conversa de que há a possibilidade de um grande empreendimento por aqui. Isso me deixou um pouco ansiosa com relação a como seria abordado. O que se está fazendo na medida em que outros lugares já se deterioraram por ausência de um empreendimento que seja razoável. Até conversei com a Luciana que a Ilha de Madagascar tem coisas muito típicas e especiais e que o povo conseguiu arrumar um projeto de desenvolvimento compatível com a sustentabilidade da ilha. Eu tinha muita vontade de ver se aqui fariam a mesma coisa, porque a gente sabe que é possível por algumas experiências do mundo. Agora dá um certo medo você ouvir do nativo: ah eles estão comprando tudo e vão fazer um mega resort’. Eu digo, por quanto tempo vai ter essa coisa, a ilha não é suja, é uma coisa encantadora, você anda e não vê sujeira na ilha. Você vê que as pessoas que vêm para cá, são turistas comuns de qualquer lugar do mundo, mas não jogam nada. A ilha é muito pequenininha, isso aqui se presta a serviços, aqui não tem atividade econômica industrial que seja viável, embora haja uma criação de pequenos animais, criação de gado aqui perto; claro que não é viável economicamente, se produzir isso, apesar de que o mar faculta muito o porto, se conseguissem fazer por exemplo, um aviário de belíssima qualidade, usando mão de obra nativa e carregando por mar direto pro porto para exportação... Eu não voltaria em nenhum lugar que eu conheço: praia do Conde, os Resorts mais pra cima, pra Arraial; já vejo com alguma restrição. Para quem chega e perceber, que está em um lugar diferente, que os costumes são diferentes, e que há uma necessidade de respeito e integração com o nativo, que está recebendo alguém completamente diferente.

Observa-se, na reflexão da turista, uma comparação com diversas localidades que passaram pelo mesmo processo de turistificação. Além disso, a entrevistada projeta outra atividade possível para minorar os efeitos relacionados aos impactos que tal atividade poderia causar. Importante ressaltar que, ao unir a discussão apresentada a outros discursos (interdiscursos), essa é uma reflexão necessária para análise do contexto regional, pois, no caso de Morro de São Paulo, por exemplo, esse futuro distópico já é o presente. Por outro lado, como apresentado anteriormente, a “autenticidade” à qual a agente refere-se sobre Boipeba, com recorrência nos discursos dos outros agentes entrevistados (aqui ou em outros locais), dialoga com a ruralidade, apresentando melhorias que não tornem o local como um shopping a céu aberto. Enfim, estas preocupações fazem com que os agentes projetem cenários futuros (distópicos/utópicos) em comparação com outras realidades locais ou em outras escalas no Brasil e no mundo.

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Uma experiência que teve realização a partir de um plano utópico para uma heterotopia factível, e ainda se projeta como utopia, é o caso do quilombo do Jatimane no município de Nilo Peçanha134. Destoando das ações do turismo de sol e praia, as atividades realizadas no quilombo voltam-se para o turismo étnico de base comunitária. A atividade é iniciada com relatos griôs135 (de tradição oral africana relacionado ao ato de contação de histórias) sobre as origens do assentamento, que datam do final do século XIX, apresentando comparações no tempo de como suas atividades laborais se iniciaram; a relação que a comunidade tem com a terra, os caminhos de rio e o mar; os seus saberes, a cultura local e atividades de manufatura. Atrelada a essa apresentação, são pontuadas a culinária local, áreas de lazer (trilha ecológica, banhos de rio e cachoeira) e a cultura local. No seu cartão de visita, o quilombo é assim apresentado:

Jatimane tem suas raízes fincadas na terra, e os saberes, frutos de uma herança ancestral, foram preservados e ensinados através do tempo. Entre as práticas culturais está a da piaçava, com suas sucessivas etapas de beneficiamento, até chegar ao belíssimo artesanato – Joias do Quilombo, Mandalas e Cestaria. O conhecimento sobre as tábuas da maré, a identificação de determinadas ervas, a atividade pesqueira, dentre outras riquezas, faz parte do nosso dia a dia.” (Folder destinado a descrever as propostas locais sobre o turismo)

Na zona central do quilombo, margeando o rio Jatimane, encontra-se a área mais densamente povoada do quilombo, onde ficam expostas parte de suas atividades, como a seleção das fibras de piaçava136 para a realização da sua venda de acordo com o padrão e o beneficiamento com a produção manufatureira. Nesta área está localizada uma casa de taipa, onde o início da atividade do turismo é realizado. Em seus cômodos na parte interna, o visitante pode ter acesso aos produtos provenientes da piaçava (Figura 58). Inclusive, segundo relato da moradora (guia), parte da produção de biojoias já está sendo exportada para fora do estado da Bahia.

134 O protagonismo da ação implementada no quilombo Jatimane é exercido pela própria comunidade, mas inicialmente para tal realização contaram com a ajuda do Governo do Estado da Bahia e do Instituto de Desenvolvimento Sustentável do Baixo Sul da Bahia (IDES). Este último direcionou suas atividades na região através da linha de pesquisa e extensão “Identidade étnica, cultura e turismo”; na qual ocorre atividades relacionadas a qualificação da comunidade para realização do turismo receptivo. Além desse projeto, o IDES atua nas comunidades tradicionais com o agroecoturismo, a arte nos quilombos e a inclusão digital da população feminina quilombola. 135 Do francês griot, sinônimo de jale ou jele; refere-se aos indivíduos e saberes repassados pela oralidade, muito comum na África e nas áreas relacionadas à diáspora do povo africano; como a contação de histórias e mitos, cânticos e a transmissão de conhecimentos. 136 Sobre a importância de tal cultivo no estado, consultar Guimarães et al. (2012), no qual se apresenta que a cadeia produtiva envolve 105 cooperados na Cooperativa das Produtoras e Produtores Rurais da Área de Proteção Ambiental – COOPRAP (APA Pratigi, no município de Nilo Peçanha). Entre as ações da cooperativa, fortaleceram-se outras atividades na cultura piaçaveira, como a utilização do coco, da palha e da fibra e a criação da fábrica de vassouras “Industria Cidadã”. 180

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Figura 58 – Jatimane, produtos vendidos com uso da piaçava

Fonte: Epifania (2018).

Os roteiros produzidos pela comunidade são os seguintes: 1) A tradição do quilombo; 2) Roteiro ecológico; e 3) Águas do quilombo. No primeiro roteiro, além do banho de rio e da apresentação cultural, os turistas observam o extrativismo e beneficiamento da piaçava. No roteiro ecológico, os agentes têm contato com um jardim sensorial, utilizando-se do tato, do olfato e do paladar para reconhecer os produtos que os quilombolas consomem, e de uma trilha em meio à Mata Atlântica com visualização da fauna e da flora das cercanias do quilombo. No roteiro ligado às águas, os turistas entram em contato com as práticas das marisqueiras e pescadores no seu ambiente laboral, além do passeio de canoa pelos manguezais, e, a depender da tábua de maré, a visitação da praia do Pratigi. Sobre a proposta e formas de realização, uma moradora indicou as seguintes questões:

A visitação aqui é esporádica, porque quando a gente começou a fazer a discussão do turismo aqui, uma das maiores preocupações nossa não era o turismo de massa ou um turismo só de sol e praia. A gente queria explorar essa questão do patrimônio cultural, ambiental e histórico do lugar; ou seja, colocar a comunidade como protagonista do processo. O turista que vem para aqui, ele tem que vivenciar a realidade de um povo que mora em um quilombo.

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Ou seja, como é catar piaçava; como é ir para o mangue; como é o dia a dia. Então é a experiencia de vivência mesmo.

O posicionamento da comunidade é bem claro no sentido da realização do turismo em torno do espaço vivido. Por outro lado, a questão colocada sobre o turismo de sol e praia tem como elemento-chave a contraposição em relação ao turismo de massa realizado em Morro de São Paulo. Em relação ao quantitativo de turistas e visitantes, o mais próximo da realidade de Morro indicado no quilombo é o evento Universo Paralelo na praia do Pratigi; sendo que os mesmos reconhecem a importância de tal projeto para o acesso aos serviços por parte da população que é empregada nos cinco dias, assim como da possibilidade de divulgar o destino do Jatimane; mas, por outro lado, são questionadas a vinda de agentes que muitas vezes se utilizam de psicotrópicos ao longo da festa e o temor sobre a acessibilidade por parte dos jovens do quilombo às drogas. Adensando as atividades do IDES, em parceria com o quilombo, estudantes do curso integrado em Agroecologia, orientados pela professora Dislene Brito, realizaram a atividade extensionista “Cenas de Jatimane”137, da qual foi elaborada uma revista apresentando a história local, suas atividades laborais (extrativismo, manufatura da piaçava e o ecoturismo) e o registro oral na forma de teatro com as comédias do Jatimane, além do registro fotográfico. Como culminância do projeto, através do uso das tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC), foram criados o blog “Quilombos’s Life” e uma fanpage no facebook, nos quais transcreveram os resultados em forma de reportagens divulgando o destino com conteúdo em inglês e português (BRITO, 2018). Outra experiência relevante no que se refere a formação e participação dos moradores na atividade do turismo em uma área já turistificada, com picos na alta temporada do turismo de massa, diz respeito ao projeto de artesanato na Península de Maraú com o uso de recursos da própria região, como o coco e palha seca; o projeto, batizado de Maraú Social, recebeu o selo da ONU de 100% sustentável no ano de 2013. Desde 2008 são realizadas oficinas através da promoção de atividade socioambientais ligadas a educação (BESNOSIK, 2014).

137 Tal ação está ligada às atividades do Núcleo de Estudos e Pesquisas Afro-Brasileiras e Indígenas (NEABI) do IFBAIANO – Campus Valença. 182

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Da Península de Maraú veio a primeira experiência regional de crowdfunding (vaquinha virtual) pela Garupa destinada ao que estão denominando de turismo sustentável, mais especificamente em junho e julho de 2014, mediante a qual foram arrecadados R$ 52.481,00 para a construção do centro comunitário na Vila do Saleiro138. Nesse caso a ideia da Organização Garupa é promover destinos que se voltem ao acesso de áreas preservadas e da promoção da educação ambiental, atuando em 33 rotas no Brasil, sendo uma delas a Península de Maraú. Na indicação sobre o roteiro, é apresentada a proposta de imersão na cultura da comunidade; o acesso a vida selvagem em relação à área preservada e à lagoa do Cassange (Figura 59); e a indicação da Pousada do Cassange, no que se refere a suas práticas, como o uso de energia alternativa, o reuso da água da chuva, a compostagem do lixo orgânico e o emprego de mão de obra da comunidade que envolve a fazenda onde a pousada está instalada.

Figura 59 – Península de Maraú, Lagoa do Cassange

Fonte: Epifania (2012).

A proposta no ano de 2012 recebeu a premiação de Gestão Sustentável com 1º lugar no Brasil na categoria sociocultural do prêmio Braztoa Sustentabilidade139 (ligado à Organização Mundial do Turismo – OMT); a certificação da norma 15401 pela ABNT NBR relacionada

138 Para maiores informações, segue o link com explanações sobre o projeto executado na Vila do Saleiro em Maraú: http://garupa.org.br/crowdfunding/peninsula-marau-bahia/ (acesso em 05 de jan. de 2019). 139 Descrição dos premiados, dos elementos avaliados e resultados: http://braztoa.com.br/wp- content/uploads/2014/04/guia_de_cases.pdf, (acesso em 05 de jan. de 2019). 183

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aos meios de hospedagem e ao sistema de gestão da sustentabilidade (SEBRAE, 2012); e a medalha de prata da Companhia Travel for Life. A proposta consta no mapa do Ministério do Turismo sobre iniciativas premiadas do turismo sustentável no Brasil140. Na recepção da pousada, são vendidos artigos artesanais produzidos pela comunidade. Também são realizados acompanhamentos médico e de prevenção; investimentos na formação inicial de crianças, através da parceria com o Instituto Promar, que coordena as atividades da Escola das Bromélias; a formação dos moradores no ensino fundamental e médio (Projeto Aprender para Preservar 2004-2009); o programa de inclusão digital, com cursos e acesso à internet de forma gratuita no telecentro; a profissionalização dos moradores; visitas de estudantes de escolas públicas para ter acesso às práticas realizadas na pousada e na comunidade. Em parceria com a ONG Aquerê, são realizadas atividades de educação ambiental, com a formação dos agentes sociais, e promovidas ações de coleta e separação do material a ser reciclado retirado das praias da península. Com os turistas, promovem-se ações voltadas para a educação com atividades sustentáveis no turismo, com trocas de experiências dos turistas hospedados com as práticas ambientais promovidas pela comunidade da Vila do Saleiro. Quanto às iniciativas individuais, como as utopias de agentes isolados que se tornaram uma heterotopia factível para os seus locais de representação, na Costa do Dendê há dois espaços de visitação que foram criados por essa relação: o Museu dos Ossos (Figura 60) e o Museu da Costa do Dendê. O Museu dos Ossos foi criado há cerca de 50 anos, por um morador em Velha Boipeba, no município de Cairu e, segundo ele, com material que vinha coletando e armazenando desde os 10 anos de idade, quando o mesmo tinha como principal atividade laboral a pesca (hoje ele é aposentado). Em seu acervo encontram-se esqueletos de animais marinhos como: baleias, golfinhos, cascos de tartaruga e conchas.

140 Acesso pelo link: http://iniciativassustentaveis.turismo.gov.br/mapa.html. O município de Cairu foi premiado em 2015 por conta da organização das atividades náuticas, através da capacitação dos prestadores, do controle da capacidade de carga das piscinas naturais no Arquipélago, do cadastro dos transportes e dos serviços acessados nos passeios. 184

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Na entrevista, segundo o seu curador141, o principal valor do museu não é apenas econômico, mas tem, em sua primeira ordem, o valor cultural. Neste caso, apesar de ser um espaço privado (em sua residência) e apresentar bastantes visitantes, o turista não é obrigado a pagar para acessar o acervo. Contudo, no campo foi observado que todos que entravam sempre se dispunham a contribuir após as explanações do seu criador.

Figura 60 – Boipeba, Museu dos Ossos do Cabeludo

Fonte: boipebatur.com.br142.

No ano de 2014, o museu (e a casa) foi reformado, diante das diversas avarias da residência e da falta de divisão dos cômodos da casa com a atividade de visitação. A reforma foi realizada através da campanha dos moradores e visitantes “Todos juntos pela reforma do Museu dos Ossos”, reconhecendo-se a importância que o museu e a figura do Sr. Cabeludo têm para a cultura da ilha de Boipeba.

141 Conhecido também como Museu dos Ossos do Tavinho ou Cabeludo, é interessante observar a capilaridade do Museu criado por Sr. Tavinho. Sempre que Boipeba é apresentada em reportagens, é recorrente a abordagem sobre o Museu dos Ossos; inclusive com visitantes muito conhecidos nacionalmente e internacionalmente; mesmo assim o agente não participa das ações de planejamento local, apresentando a mesma resposta que grande parte dos moradores relataram, que quem tem voz e vez são aqueles agentes capitalizados e por isso preferem não participar destes momentos. 142 Disponível em: boipebatur.com.br. Acesso em: 04 jan. 2019. 185

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O Museu da Costa do Dendê de Cultura Afro-Indígena143 é recente em relação ao museu dos Ossos, e foi inaugurado no ano de 2017, no povoado de Cajaiba, área rural do município de Valença, com recursos próprios e por iniciativa da sacerdotisa Bantu Mam’etu Kafurengá e da comunidade terreiro de Caxuté (Figura 61) de origem bantu-ameríndia.

Figura 61 – Valença, Terreiro Caxuté em Graciosa

Fonte: museudacostadodende.com144.

De fácil localização, nas proximidades da BA-001, o museu localiza-se entre plantações de cacau e dendê nas proximidades da comunidade quilombola de Graciosa e do rio homônimo dessa comunidade, com ambientes fluviomarinhos em suas proximidades e a presença de manguezais e mata secundária com resquícios de mata atlântica. A proposta do Museu é refletir sobre a influências Bantu indígena para a cultura regional, em especial sobre a cultura de comunidades tradicionais de matriz africana. Compõe o acervo do Museu da Costa do Dendê a exposição permanente do fotógrafo Almir Bindilatti; apresentando a diversidade ambiental e cultural; a arquitetura; leituras sobre as comunidades quilombolas e irmandades negras, assim como as manifestações culturais da Costa do Dendê: burrinha, capoeira, marujada e samba de roda.

143 As visitações ocorrem ao longo da semana, com horários prefixados, necessitando de pré-agendamento e pagamento do ingresso de acesso (inteira ou meia). Para maiores informações há o site: http://museudacostadodende.com/. Acesso em: 04 jan. 2019. 144 Disponível em: museudacostadodende.com/. Acesso em: 03 jun. 2019. 186

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Além das atividades ligadas ao museu, o terreiro, através da Escola Caxuté, propaga o conhecimento da cultura Bantu indígena, tendo reconhecimento em 2014 pela Fundação Palmares, através do prêmio de Cultura Afro-brasileira na categoria “Iniciativa cultural de povos e comunidades tradicionais de matriz africana”, e pelo IPHAN em 2015, com o prêmio “Boas práticas de Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial”, sendo a primeira escola do Baixo Sul sobre religião e cultura de matriz africana. Em relação ao planejamento regional, desde 2003, com ação em diversas esferas do poder público (federal, estadual, municipal) e da sociedade civil, ocorreu a atuação direta do MDA na região articulada ao colegiado com representantes locais, direcionando suas ações para o Território Baixo Sul Baiano. Em 2010145 o Plano de Desenvolvimento Territorial foi renovado a partir das ações traçadas no Plano de Desenvolvimento Rural Sustentável (2007), indicando ações realizadas e perspectivas futuras. Tal plano contempla 10 eixos146, entre os quais o turismo. A problematização do turismo neste plano perpassa pela discussão sobre a geração de riquezas por essa atividade e pela observação sobre o perfil regional e suas potencialidades. Por outro lado, apresenta o problema no que se refere a distribuição de renda a partir da atividade do turismo, que promove atualmente mais crescimento econômico do que desenvolvimento social. Nesse sentido o colegiado apresentou como possível solução o planejamento do turismo e acesso voltado para as áreas rurais, perpassando pelas atividades relacionadas nas comunidades agrícolas e os balneários e cachoeiras presentes na região da Costa do Dendê; correlacionando com a organização social e produtiva dessas comunidades. Aqui falta indicar de que forma e quais as experiências factíveis, para que a utopia que se faz presente na proposta não seja apenas uma distopia fantasiada desta. Desde quando as experiências traçadas relacionam-se diretamente a realização do turismo de massa, tendo como norte as áreas já turistificadas, sem um maior aprofundamento de como realiza-los nas comunidades tradicionais. Apresentando em seu discurso o ideário sobre o possível crescimento econômico advindo. Nesse ínterim, a utilização do conceito da sustentabilidade é esvaziada de sentindo, tornando-se insustentável ao ter como modelo as experiências do turismo (massivo) realizado na atualidade na Costa do Dendê.

145 No período participavam do colegiado o total de 116 entidades articulando o poder público e a sociedade civil; além do núcleo executivo com 18 entidades de forma paritária (MDA, 2010); inclusive com uma diversidade de áreas de atuação. 146 Sendo os seguintes: Organização sustentável na produção; Mulher; Juventude; Pesca e aquicultura; Quilombola; Cultura, esporte e lazer; Turismo; Educação; Infraestrutura; Saúde. 187

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5.2 UTOPIAS PARA A COSTA DO DENDÊ: O TURISMO NO CONTEXTO DA TOTALIDADE DO ESPAÇO

A partir do caminho trilhado, chegou-se ao ponto de repensar o devir, exercício que é resultante das múltiplas vozes presentes na Costa do Dendê, da observação em campo sobre a trama socioespacial e do entrelaçamento das morfologias materiais e sociais lidas através da tríade espacial, que estão postas em seu contexto total. Neste ínterim, o que será apresentado é um misto de ações já previstas, baseadas em uma realidade futura (por isso fugidia), todavia ainda assim factível; e por isso está para além do sonho proposto na ideia de um espaço inatingível fisicamente, de um espaço não existente enquanto materialidade, como apresentado anteriormente na discussão foucaultiana. Apesar de entender que as utopias também abarcam esses espaços míticos e imateriais, quando aqui apresentados a materialidade também se fez presente, vide as discussões sobre a comunidade Inkiri Piracanga e o museu da Costa do Dendê do Terreiro Caxuté, nos quais as práticas são realizadas como espaços de vivência e representação. E, quando projetados utopicamente, apesar de localizados materialmente, seu vínculo com o lugar direciona-se para valores também imateriais. Outra questão no pensamento utópico da Costa do Dendê diz respeito a uma tendência a repensar o processo de valorização do espaço posta nessa equação da valoração entre uso e troca, muitas vezes resultantes de crises ligadas diretamente ou indiretamente a atividade do turismo. Aqui distopia e utopia caminham juntas, assim como a sua materialidade e ações como isotopias e heterotopias. A projeção da utopia no planejamento sobre Morro de São Paulo enquanto isotopia, por exemplo, é reflexo direto dos seus pontos de crise. Hoje, como observado, um dos principais problemas para a existência e permanência da prática do turismo em Morro de São Paulo diz respeito à questão ambiental, neste caso sobre a capacidade de suporte em relação à população visitante ao longo do ano e da ampliação de moradias e construções direcionadas aos serviços vinculados em grande parte ao turismo. Nas entrevistas, muito do que foi sinalizado estava vinculado ao plano isotópico da busca desenfreada pelo lucro e da promoção do fetiche de mercadoria em sua morfologia social e material. Ainda no plano isotópico, as ações que se projetaram pelo poder público e estão sendo projetadas acompanhando a utopia, ou na distinção de Harvey (2015), o utopismo; ainda dependem da hipervalorização do valor de troca, ao contrário do apontado pelos agentes sociais na pesquisa fruto das preocupações atuais sobre outras formas de se fazer o turismo que não

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apenas sob os moldes do turismo de massa, assim como de tentar minorar os seus impactos, já tão propagados pela mídia sobre a ilha. Tomando o caso de Morro de São Paulo como exemplo, o município de Cairu, ao pensar na expansão da atividade para outras áreas, começa a projetar uma diversidade de cenários em comparação com o que vem ocorrendo em Morro de São Paulo. Antevendo assim as ações em relação à questão ambiental, no que se refere a propostas que se voltem para um futuro utópico mesmo que ainda relacionados a isotopia. O primeiro caso diz respeito ao problema da destinação dos resíduos sólidos na ilha, que em grande parte eram destinados a lixões internos e retirados por balsas para outras localidades da parcela desse lixo. A ação é que, em novembro de 2019, o município comece gradativamente, em todo arquipélago, a gerir o lixo gerado em suas 26 ilhas (VASCONCELOS, 2019). Compõem o projeto: a coleta seletiva; o tratamento dos resíduos orgânicos; coletas de materiais eletrônicos e medicamentos vencidos; a criação de ecopontos com utilização de caixas estacionárias e big bags em troca das bombonas147; e a criação do sistema de transporte do material reciclável e da estação de transbordo, resultando futuramente na extinção dos lixões nos moldes atuais. O projeto busca a autogestão através do lucro advindo da comercialização dos rejeitos que possam ser reaproveitados e dos adubos resultantes da compostagem; sendo que a proposta tem como meta cobrir todo o território do arquipélago de Tinharé até 2021. O plano piloto ocorrerá na sede do município de Cairu. Na reportagem do jornal A Tarde, os representantes do poder público relatam que o planejamento se direciona a redução de custos, em relação ao transporte dos materiais para outros lixões no continente e da ausência do plano regional no que tange ao consorciamento da gestão dos resíduos. Mas para além disso está posto o debate sobre discurso da sustentabilidade ambiental em contraposição ao da insustentabilidade da forma de se fazer o turismo no momento presente, que tem impacto direto no crescimento dos resíduos sólidos em um plano municipal e ainda mais nessas áreas148. Por outro lado, as críticas à gestão municipal são constantes quanto a taxa ambiental e o seu uso, tributo pago para visitar a porção da ilha onde se localiza Morro de São Paulo (fruto de muitas indagações entre turistas, moradores e comerciantes sobre a real destinação do dinheiro).

147 As big bags são mais flexíveis do que os botijões no armazenamento dos materiais, neste caso destinados ao armazenamento do lixo. 148 Situações que vêm sendo sinalizadas constantemente pela comunidade a exemplo do apontado pelo portal R7 (2014). 189

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Focando também na gestão do turismo e não necessariamente no encaminhamento da proposta do turismo de massa na atualidade, a prefeitura projetou o voucher único eletrônico, que em 2014 ganhou o prêmio Braztoa. Além do cadastro dos envolvidos na visitação das ilhas e os seus arrecifes, destoa das visitações anteriores apenas a preocupação no que tange à capacidade de suporte que tais áreas poderiam ter nas visitações, para que os recifes não sofram com a degradação decorrente das visitações. Tais preocupações diferem das utopias que têm como norte a heterotopia, também resultantes deste ponto de crise, aqui endereçadas pelas propostas de ampliação do turismo de massa e da especulação imobiliária no arquipélago de Tinharé (promovendo futuros distópicos), mas que também podem ser endereçadas a outras localidades da Costa do Dendê, a exemplo da Península de Maraú; com graus variados onde o turismo se realiza ou se realizou mais próximo do contexto das comunidades aí presentes. Como tais propostas voltam-se ainda para a hipervalorização das áreas para a obtenção do lucro como mercadorias, o que está posto são os utopismos (HARVEY, 2015), com o uso recorrente do discurso ambiental para escamotear a real situação, tendendo, como observado no próximo estudo de caso, para uma lógica totalitária de ampliação da fragmentação do espaço, com seus novos enclaves e de seus interditos. Uma dessas realidades, acompanhada pelo projeto “Mapa de conflitos envolvendo injustiça ambiental e saúde no Brasil”149 pela Fundação Oswaldo Cruz, é o ambiente de disputa que vem ocorrendo em Boipeba em torno das comunidades tradicionais de marisqueiras, pescadores e quilombolas da Velha Boipeba e o projeto imobiliário e turístico da Fazenda Ponta de Castelhanos em parceria com agentes do governo (fato apresentado como preocupação pela turista no capítulo anterior). No projeto, 20% da ilha seria ocupada por esse empreendimento (ZANCHETTA, 2014), tendo como resultado, segundo a leitura da FIOCRUZ, um acréscimo na produção de resíduos sólidos de 260%, e no que se refere à população total da ilha um total de 265%; além dos problemas que já estão acontecendo, como apresentado na comunidade do facebook Movimento Boipeba Viva150.

149 Vale a pena acessar as discussões sobre a morosidade sobre a titulação do quilombo Batateira próximo a Morro de São Paulo, que vem sofrendo pressões sobre o uso e ocupação do solo por parte de representantes políticos e agentes privados, em especial ligados ao turismo no que se refere aos empreendimentos hoteleiros. Também há a discussão sobre o direito ao território tradicional pela comunidade de Graciosa (entre Valença e Taperoá), em decorrência da especulação imobiliária para implantação de infraestrutura para atividade do turismo na localidade e redução de áreas de pesca por ocupação de empreendimentos privados na criação de camarões e ostras. 150 O movimento Boipeba Viva foi criado em meados do ano de 2013 no sentido de sensibilizar a população no que se refere à questão ambiental e fazer frente às ações do grupo Mangaba Cultivo de Coco Ltda. Responsável 190

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Em um dos registros (Figura 62) publicado pela comunidade e identificado como de autoria de um servidor público municipal, em 19 dias teve 3.300 visualizações, e segundo a publicação o servidor estava sofrendo pressão do poder público para retirar a publicação das redes sociais. As construções das casas apresentadas na imagem estão sobre área de proteção permanente, como local de desova de tartarugas.

Figura 62 – Residências construídas pelo empreendimento

Fonte: Comunidade Movimento Boipeba Viva (2015)151.

A distopia para a comunidade está apresentada no projeto da Unaarquitertos152, com o discurso do suposto desenvolvimento que o progresso poderia trazer com relação à ocupação rarefeita da ilha, da manutenção da área preservada (por estar em uma Área de Proteção Ambiental) e associando as mudanças “positivas” advindas do processo de urbanização.

pelo projeto. A comunidade vem acompanhando a ação dos agentes privados na ilha, com constantes queimadas nas áreas destinadas ao empreendimento e denunciando ao ministério público. Dá para observar também a repercussão das postagens com comentários na maior parte das vezes favoráveis às ações do movimento e da comunidade. Para maiores informações, acessar: https://www.facebook.com/Movimento-boipeba-viva- 521375231283907/. Acesso em: 12 de junho de 2019. 151 MOVIMENTO BOIPEBA VIVA. SOS CASTELHANOS!!!galera, pense bem... [S.l.], 3 jan. 2015. Facebook (página): MOVIMENTO BOIPEBA VIVA. Disponível em: https://www.facebook.com/521375231283907/phot o s/a.573837359371027/773016116119816/?type=3&theater. Acesso em: 12 de junho de 2019. 152 http://www.unaarquitetos.com.br/site/projetos/detalhes/32/plano_ponta_dos_castelhanos Acesso em: 12 de junho de 2019. 191

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Compõem o projeto as seguintes ações (apresentadas na planta abaixo): um loteamento (69 lotes) com áreas de 2 a 8 ha para construção de residências fixas e para veraneio; em 38.400 ha, um condomínio com 32 domicílios; 2 pousadas e mais 25 casas em uma área de 0,35 ha; um campo de golfe com 18 buracos (370 ha); um píer para atracação de 20 barcos por dia; garagem para 152 embarcações; parque de lazer; caminhos e estradas; sistema de rede elétrica e de água; área para armazenamento e processamento dos resíduos; criação de uma área de 346,54 ha de floresta legal; proteção de uma área destinada a desova de tartaruga; e um novo aeródromo. Para construir tais instalações, o grupo espera arrecadar os valores com a pré-venda dos lotes (estimada em 12 milhões de reais).

Figura 63 – Boipeba, planta do projeto Ponta dos Castelhanos

Fonte: Site da Una Arquitetos.

Segundo Paixão (2016), outro agravante relacionado ao empreendimento é que não condiz com a legislação municipal (Lei de nº 241/2008) no que se refere ao uso da ilha de Boipeba com destinação a conservação ambiental, em decorrência do estado de preservação da ilha, assim como, das comunidades tradicionais que dependem da pesca artesanal para sobreviver. Dentre os problemas já apresentados no projeto, a população vem se mobilizando e destacando a incompatibilidade do que está projetado para o cotidiano das comunidades tradicionais aí presentes, no sentido de mudança da dinâmica ambiental e da paisagem da Ponta

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dos Castelhanos, como a retirada de solo, ocupação de áreas de influência do manguezal, redução dos córregos temporários, assim como da fauna e da flora e necessidade de água para manter o gramado dos campos de golfe. Tais modificações ocupam 80% de tudo que está proposto no empreendimento, pois apenas 20% seriam destinados como reserva florestal. Diante de tal distopia, a população vem se mobilizando via associações e através do uso das mídias sociais (como apresentado na Figura 64); denunciando os crimes de cunho ambiental nas faixas de manguezais e restinga da APA Tinharé-Boipeba na área do empreendimento, pois o mesmo ainda não foi licenciado, o uso de herbicidas na vegetação e a construção de casas. Além das ações já promovidas na área da APA destinada como Área de Proteção Permanente em local de desova de tartaruga marinha. Há ainda relatos de ameaças sofridas pelos moradores para que se afastem da área destinada ao empreendimento.

Figura 64 – Mobilização dos agentes via web com chamado da empresa para elencar as propostas presentes no projeto

Fonte: Comunidade Movimento Boipeba Viva (2015)153.

153 MOVIMENTO BOIPEBA VIVA. Atendendo à pedidos! Estamos aguardando o convite... [S.l.], 23 jan. 2015. Facebook (página): MOVIMENTO BOIPEBA VIVA. Disponível em: https://www.facebook.com/5213752312 83907/photos/a.573837359371027/784903601597734/?type=3&theater. Acesso em: 22 de junho de 2019. 193

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Em resposta, os moradores solicitam que o projeto seja adequado à realidade local, ou mesmo o fim de tal ação pela empresa, demandando judicialmente o direito de participar do processo de licenciamento, desde quando o mesmo não está sendo garantido pelas entidades governamentais; e de decidirem também sobre o estilo que querem seguir em suas vidas assim como, sobre o seu espaço de vivência. Tais fatos foram expostos na primeira audiência pública, realizada em 3 de julho de 2014154, com participação do INEMA, dos representantes da empresa Mangaba Cultivo de Coco Ltda, do poder público local, do Ministério Público155, de associações e ONGs de Boipeba, dos municípios de Cairu e Nilo Peçanha e aproximadamente 500 moradores destas mesmas localidades. Segundo dados do site ilhaboipeba.org, as discussões duraram 8 horas ininterruptas, com forte mobilização com cartazes e falas acaloradas (Figura 65).

Figura 65 – Manifestantes na Audiência Pública (03/07/2014)

Fonte: Amabo (S/D).

Diante do debatido e do teor das ações previstas no projeto; a ONG Mama Terra, após a descrição dos fatos em uma reportagem no seu site, endereçou-se o seguinte clamor à empresa demandante e ao Estado, sob o título “Boipeba pede socorro! Cova da Onça Um diamante que não precisa ser lapidado”:

154 Para maiores informações, consultar o relatório da AMABO, disponível em: https://www. ilhaboipeba.org.br/emdestaque.html 155 Em Valença também há um projeto parecido para a área da Ponta do Curral em plena APA Guaibim, com a proposta de um Resort e marina, que também foi denunciado ao Ministério Público. 194

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Aos meus anjos, guias e protetores, eu peço que ajude na conscientização do empreendedor para que, ao contrário de travar com estas comunidades e com a natureza uma luta desproporcional e prejudicial a todos, reescreva o projeto e redirecione o seu público alvo consumidor buscando pessoas que possam pagar um preço de um bem valorizado pela preservação da humanidade, cultura e da natureza exuberante que há ali. Se assim não for, Estado APAREÇA! (BONFIM, 2014)

Na audiência a comunidade solicitou, entre outras coisas, que, na área de impacto do empreendimento, fossem incluídos os outros povoados da ilha, e que fosse respeitada a legislação vigente para Áreas de Proteção Ambiental e Áreas de Proteção Permanente, com críticas aos gestores ambientais do município envolvidos no processo de licenciamento. Criticaram também a incompatibilidade entre o tamanho do projeto e o tamanho da ilha e o risco de outros projetos serem aprovados pela prefeitura no mesmo sentido; reivindicaram que fosse cobrada da União a regulamentação fundiária da ilha e das comunidades tradicionais por usucapião; denunciaram as ações de proibição da pesca em áreas tradicionais e da circulação de vendedores na faixa de praia ligadas ao empreendimento; assim como a interdição de caminhos tradicionais de ligação de áreas da ilha; e dos locais de coleta de fruta e mariscagem com cercas, porteiras e cadeados. Além disso, houve a entrega de diversos abaixo-assinados, por parte das comunidades da ilha, aos representantes do Ministério Público. Em meados de agosto de 2014, o Ministério Público realizou a segunda audiência156, discutindo a reunião anterior e sobre análise do EIA/RIMA ligado ao processo de licenciamento encaminhado pela empresa em 2011, colocando a necessidade de adequações e um maior diálogo da comunidade com o empreendimento, para analisar a viabilidade de implantação do projeto. A utopia aqui é vencer o futuro distópico que se relaciona diretamente com apoio dos representantes na atualidade. A utopia neste caso é o presente; é a necessidade que os moradores têm de serem respeitados no seu direito de ir e vir sobre o território pertencente à ilha e à União; que agora, capitalizado por agentes hegemônicos (segundo informações, do grupo de Daniel Dantas) em parceria com seus representantes no poder público, tentam impor outras coesões que não as decididas pelos grupos que historicamente produzem a ilha em seu cotidiano e que entendem que é essa realidade que a contrapõe e a diferencia de outros espaços turistificados da Costa do Dendê. Por isso o grito de socorro em busca de visibilidade ecoando nas redes

156 Nessa audiência foram propostas algumas mudanças no projeto por parte da empresa; e houve uma maior articulação com participação de órgãos públicos ligados à defesa das comunidades tradicionais. Outro fato relevante relatado foi o debate de parte dos moradores da área impactada em defesa do projeto, no que se refere às melhorias de infraestruturas e o acesso ao mercado de trabalho; além do debate acalorado por essa minoria de que as outras comunidades estariam com inveja de não terem sido escolhidas para receber o empreendimento. 195

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sociais, pela busca do direito à utopia. Aqui distopia e utopia são uma linha tênue entre o presente e o futuro. Tal fato coloca em xeque, na realidade local um fato já debatido aqui, o papel da descentralização administrativa norteada pelos agentes públicos na qual os cidadãos passam a ser meros expectadores. O componente utópico no que se refere a justiça social e do direito ao ambiente relaciona-se na realidade ao campo político como ação coletiva e espaço de luta por direitos, em especial das populações mais fragilizadas. Diante das falas contrapondo as isotopias do presente e perspectivas distópicas dos agentes entrevistados, o que se segue é o exercício de pensar utopicamente sobre a questão regional e o turismo na Costa do Dendê, assim como Harvey (2015) no seu capítulo: Edília, ou “faça disso o que quiser”, da obra “Espaços de Esperança”. Eis que segue um sonho coletivo, diante das distopias projetadas pelas experiências apresentadas da modalidade do turismo de sol e praia. Ao som da zambiapunga (Patrimônio Cultural e Imaterial da Bahia) proveniente de instrumentos como as conchas do mar, tambores e utensílios de trabalho (pás, enxadas, facões), eis que uma nova Costa do Dendê nasce, baseada no respeito aos seus antigos e novos moradores, assim como aos seus visitantes, e confluindo ideias e ideais para a realização de atividades que se baseiem na copresença e que promovam o desenvolvimento regional. Aqui a valoração se apresenta para a apropriação e uso, mesmo em seu valor de troca.

Figura 66 – I Encontro de Zambiapungas em Nilo Peçanha

Fonte: Portal Pratigi (2019)157.

157 Disponível em: https://portalpratigi.com/encontro-celebra-o-zambiapunga-como-patrimonio-cultural- imaterial-da-bahia/. 196

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Os utensílios que poderiam ser utilizados para o enfretamento em tempos passados hoje executam a festa, sua sonoridade se amplia com a presença de tantas outras manifestações e folguedos de herança ameríndia e africana, como o som das fanfarras e dos atabaques dos terreiros, dos tambores e pandeiro das rodas de samba, das congadas junto das cantigas do Agdá. Um encontro colorido que representa bastante a cultura local com o reisado, as quadrilhas e as cheganças. No sonho coletivo, além desse dia de encontro especificamente, os visitantes são convidados a conhecer as comunidades e suas manifestações culturais ao longo do ano. Com um vasto calendário ao logo do ano, pode-se escolher entre diferentes atividades tradicionais: das burrinhas ao jegue elétrico, das cirandas às rodas de fita, da capoeira ao maculelê, escolher entre tantos Bois, dentre os quais o Bumba meu Boi-peba, ou mesmo entregar presentes pra Iemanjá neste vasto litoral, presentear Oxum em seus rios e lagos ou Nanã nos manguezais. Acender uma vela para Santo André, São Benedito, São Sebastião, Senhor do Bonfim e Nossa Senhora em seus vários títulos do Amparo, da Assunção, da Conceição, das Dores. Isso sem nomear outros santos e orixás presentes no calendário festivo das localidades, para onde todos podem afluir. A utopia de que o planejamento não dê as Costas para o interior da região; que outros museus surjam nos municípios da Costa do Dendê; que em Nilo Peçanha floresça a representação de toda a sua cultura e que as comunidades quilombolas, de pescadores tradicionais e marisqueiras se fortaleçam e possam se afirmar perante o contexto regional, seguindo os passos da comunidade de Boitaraca e Jatimane. Ao passar pelas sedes do município percorrendo a BA-001 e a BR-030, de Valença a Maraú, a arquitetura dos casarios se apresentavam como rugosidade de outros tempos, antes escondidos sobre a poluição de tantas placas que tornava difícil a compreensão de informações sobre os mais diversos serviços dessas cidades. As visitações a ruínas de tempos pretéritos também chamam a atenção daqueles interessados em compreender a história dessas pequenas cidades, assim como de perceber as nuances entre ruralidades e urbanidades. Nesse sentido, o turismo rural vem também se fortalecendo, em especial na região serrana com o seu microclima característico, como a Serra do Abiá. A diversificação da atividade para ambientes fluviomarinhos, os balneários até então com maior frequência dos moradores locais, as trilhas em meio à Mata Atlântica e a visitação de ilhas fluviais – com direito a banhos de rio e de cachoeira e esportes em suas corredeiras –, além de promoverem uma diversificação da atividade turística, contribuíram para maior acesso

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a renda dos pequenos povoados próximos a essas localidades, ampliando a cadeia produtiva regional, como a produção de artesanato com materiais ligados aos seus cultivos e derivados (coco, piaçava, dendê) e a venda de geleias e compotas (mel de cacau, doces de uma diversidade de frutas), de produtos como o azeite e óleo de dendê, da pupunha, de derivados de guaraná e das biojoias. Inclusive intensificando a produção, por parte dos pequenos produtores em roldões158 coletivos (no caso do dendê), das casas de farinha, para os pequenos e médios produtores que compõem grande parte dos produtores locais; de derivados do cacau, após a fábrica do produtor rural em Nilo Peçanha voltar a funcionar; e do beneficiamento da piaçava, com a criação de outras Indústrias Cidadãs, seguindo o exemplo das associações e cooperativas localizadas em Nilo Peçanha. Nesse caso, o planejamento do turismo está casado com a realidade presente nos municípios e articula os arranjos produtivos em rede, inclusive com parte da produção sendo encaminhada para outros estados e pra fora do país, fruto dessa interação e do conhecimento dos agentes que tiveram conhecimento inicial na região, pelo “boca a boca”, assim como a atividade se projetou pra outros espaços; a ponto de hoje os produtos terem sidos mapeados com a indicação geográfica (ID)159 e o selo do dendê, com todas as fases da produção acompanhadas com seguridade; além da ação direta das cooperativas ampliando o valor agregado dos produtos, antes reduzidos por conta da ação dos atravessadores. Estudos de capacidade de suporte foram realizados para a visitação das áreas de recife que vêm direcionando as visitações nos arrecifes. Em Boipeba e outras comunidades tradicionais do município de Cairu, fruto da luta dos agentes sociais, também há um controle sobre as visitações e as comunidades presentes na ilha. Esses grupos foram reconhecidos como comunidades tradicionais e, por meio do usucapião, tiveram consolidados os seus direitos pelo uso da terra, dos ambientes de transição e de água, consolidando a força presente das comunidades tradicionais da APA Tinharé-Boipeba através da autogestão.

158 Como são denominados regionalmente os locais de beneficiamento e produção do azeite de dendê (OLIVEIRA, 2011). 159 O processo de Indicação Geográfica diz respeito à indicação da origem do produto ou serviço criado. No Brasil compete ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) realizar os registros de acordo com a lei de propriedade industrial (nº9.279), garantindo a procedência do produto que o diferencia no mercado. Atualmente, na Costa do Dendê, a UFBA, em parceria com o IFBAIANO e a sociedade civil, vem produzindo o ID do Dendê no Baixo Sul. 198

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A atuação do poder público, antes direcionada a atender em grande parte as demandas do capital na produção da infraestrutura direcionada ao valor de troca, agora tem como premissa básica o atendimento das necessidades da população que tem um papel ativo no que se refere à autogestão e ao direcionamento das ações a serem executadas. Mesmo os ambientes dos quais os visitantes e turistas se utilizam, estão baseados na copresença e convivência entre a população local e visitantes, potencializando o lazer e o acesso à cultura por parte dos agentes sociais. Os ambientes mais frágeis do ponto de vista socioambiental foram também mapeados, com regras claras direcionando as visitações e usos; inicialmente através de projetos de educação ambiental e agora sob autogestão da própria população da Costa do Dendê. No que tange aos resíduos sólidos, as experiências anteriormente apresentadas em pequenas comunidades e em Cairu foram utilizadas como um plano piloto por parte das pequenas comunidades e da área urbana no sentido de reuso do material compostado como fertilizante, vendidos a baixo custo para os mais variados usos, entre os quais as atividades agrícolas. O montante recebido inicialmente serviu para a instalação de equipamentos voltados para o saneamento básico nos mesmos moldes em pequenas comunidades, e atualmente destina-se à manutenção destas atividades na região. Hoje a Costa do Dendê atende em todos os aspectos a formação dos estudantes nos seus mais variados níveis de ensino, com adaptações para as comunidades mais afastadas dos grandes centros, a exemplo da pedagogia da alternância. No caso do turismo, muitos dos moradores já fazem parte da cadeia produtiva direta ou indiretamente, inclusive com iniciativas inovadoras, contribuindo para o fortalecimento do desenvolvimento regional. A junção de todos esses elementos promoveu um revés nessa tensão entre valor de troca e valor de uso no processo de valorização do espaço, promovendo uma maior distribuição de renda, da acessibilidade à formação e, por consequência, de ações factíveis relacionadas a justiça social. Essa é a Costa do Dendê dos sonhos, para onde afluem diversos visitantes querendo conhecer mais que propostas, e sim ações que deram certo, que exporta experiências de uma outra realidade possível no contexto total; que tem a utopia como realidade fugidia, e nesse sentindo os agentes sociais não perdem a capacidade de sonhar. E, a cada realização de um sonho no plano heterotópico, reavalia-se todo o processo em busca de melhores meios para atingir as próximas metas.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os caminhos aqui trilhados sobre a Costa do Dendê tiveram como norte a análise e a discussão sobre a produção do espaço geográfico e o turismo em um movimento complexo e triádico com vistas ao entendimento das particularidades e o contexto total da Costa do Dendê. Desta forma o exercício metodológico apresentado na tese foi o de correlacionar a empiria, a tensão dialética presentes entre os conteúdos espaciais, absoluto, relativo e relacional; ao processo de valorização e valoração do espaço articulados nos valores de uso, valor de troca e valor; nas instâncias espaciais, o concebido, o percebido e o vivido; tendo como amálgama compreender as isotopias e heterotopias, pertinente para se projetar o devir. Ao tratar da totalidade do espaço geográfico relacionado a atividade do turismo, correlações podem ser feitas entre múltiplas escalas: internacional, nacional, regional, local; entre ordens próximas e distantes, que não necessariamente precisam ser contíguas, ordens resultantes do processo de produção e reprodução do espaço, conferindo coesões sobre o espaço geográfico; passíveis de leitura quando relacionadas à produção capitalista e à reprodução da vida (em seu cotidiano). No ir e vir sobre a Costa do Dendê, observaram-se as texturas e os interditos, e o contato com as múltiplas vozes balizou a análise das morfologias material e social, consorciando a tríade espacial (concebido/percebido/vivido) e as instâncias espaciais (absoluto/relativo/relacional), caracterizando o mesmo processo que se realiza através do desenvolvimento desigual e combinado, mas com rebatimentos diferentes ampliando o processo relacionado ao desenvolvimento geográfico desigual. Dessa forma, outras localidades se imporam sobre as áreas inicialmente escolhidas; dessas vozes apareceram possíveis estudos de caso que compõem o acervo dessa pesquisa, e de pesquisas alhures, já que importa, mais do que nunca, não apenas projetar cenários, mas pensá- los para conter a ação fragmentária e promotora de exclusão como a ação do capital vem realizando-se nos enclaves da Costa do Dendê. Antecipar-se é pensar além, sendo também repensar as estratégias e se antecipar aos processos. Aqui a assimilação, a tendência ou a criação de nova realidades são escolha dos agentes sociais, assim como são escolhas as representações políticas que tendem para ações que se direcionem à hipervalorização desta ou daquela área em detrimento de outras. Isso ficou muito claro nos discursos dos representantes públicos, em alguns casos ávidos para vender sua mercadoria, que, mesmo com o agravamento dos problemas sociais, continuavam a enxergar o turismo apenas como uma atividade, com o utopismo de que iria mudar-se toda essa realidade

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através do acesso às divisas, a despeito daqueles que dependiam de outras atividades para sobreviver, que agiam de forma a contestar ou caíam no discurso de “ouro de tolo”. As áreas mais turistificadas passaram e ainda passam por esse processo. Por outro lado, apesar de serem em menor número, existiam aqueles representantes que enxergavam a realidade que o turismo estava trazendo e buscavam propor alternativas. Fruto desse embate, moradores e comerciantes tendiam para a mesma proporção, apesar do segundo grupo em grande parte partir da lógica empresarial, o que ficava claro quando em alguns momentos dos seus discursos, aparecia o descrédito sobre grande parte do que é planejado para o contexto regional. Dessas análises um ponto pacífico ao analisar os discursos polifônicos e como estes se interpenetravam (interdiscursos), diz respeito a descaracterização dos locais de visitação com o crescimento dos empreendimentos comerciais e das ocupações informais nas proximidades dos enclaves turísticos, desvalorizando os mesmos, além falta de planejamento no que tange ao processo de urbanização de tais áreas. Sobre tal processo, um fato novo para a região será objeto da agenda de pesquisas futuras, tendo por referência os rebatimentos na atividade do turismo e na urbanização da Costa do Dendê após a construção da Ponte Salvador – Itaparica. A atuação do poder público nas áreas mais vulneráveis a ocupação do solo deve ser fortalecida: a exemplo do desmatamento e das construções que estão sendo realizadas nas encostas sem o devido controle (a exemplo de Morro de São Paulo) que tem influência direta na ampliação dos processos erosivos, e da ocupação em áreas de proteção permanente (APP) que são protegidas pela legislação federal (os ambientes fluviomarinhos, as margens de rios e lagos). Uma questão de extrema relevância que compõe a agenda de pesquisa no que se refere a questão ambiental na Costa do Dendê na atualidade são os impactos do petróleo que atingiu as praias do nordeste brasileiro e os ambientes estuarinos, causando sérios problemas sociais para as comunidades tradicionais, de pescadores e marisqueiras; contribuindo inclusive para a insegurança alimentar destas comunidades. No que tocante aos planos e políticas públicas de forma integrada, se faz necessário aos municípios atuarem de forma conjunta no gerenciamento dos resíduos, tanto os sólidos que são destinados nos enclaves no interior da Península de Maraú e da ilha de Morro de São Paulo, com impacto direto na contaminação do lençol freático; quanto dos líquidos que afetam diretamente na balneabilidade das praias, a exemplo do que vem ocorrendo nas proximidades do rio Guaimbizinho e na primeira praia de Morro de São Paulo. Nas ilhas onde há o acesso via

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taxa ambiental, tais ações tem que se fazer valer, inclusive com investimentos no processo de reciclagem dos resíduos. A lógica isotópica é refém da racionalidade única, que isola os agentes; como supostamente não há outro caminho a seguir, ou nega-se essas áreas como áreas dos turistas, ou assume-se seu papel como agente do processo, o que não impede de trazer para a discussão cenários que projetem todos os sonhos e/ou pesadelos sobre a realidade imposta. Projetar o futuro através de cenários utópicos/distópicos se faz mister na realização do planejamento; e no caso estudado, sobre o planejamento turístico. Para os turistas mais críticos, a realidade das Costas, fruto das visitações, fica bem clara, apesar do desconhecimento das novas experiências promovidas na Costa do Dendê que atenderiam e muito uma demanda adormecida. Demanda que se faz presente na necessidade de conhecer outras áreas tão imponentes quanto, ou de estar mais próximo dos agentes locais, de ter acesso ao que estes consomem, e não apenas de sentar-se na cadeira e pedir a sua bebida predileta e torrar no sol. Tanto que, ao ter esse contato de proximidade (com os moradores), grande parte dos turistas entrevistados relacionava-as com as experiências mais mercadológicas. O valor de troca na realidade se impõe sobre o uso, mas há uma tendência, em grande parte dos visitantes no processo de valorização do espaço, de buscar relações que se dão através do valor de uso. Como consequência da prática do turismo que tenha como referência a participação do cotidiano dos agentes que vivem a Costa do Dendê, há a possibilidade de expansão de tal prática para outras atividades que não apenas ao ambiente praiano, dentre os quais: a visitação aos caminhos de rios, lagos e cachoeiras; ao turismo de aventura; o ecoturismo diante do domínio morfoclimático de mares de morro florestados; das transformações na paisagem e atividades econômicas aí realizadas; o turismo histórico-cultural, o turismo étnico, além do turismo comunitário. Assim a heterotopia se faz mais que necessária: ela é urgente. Tanto no sentido de ser uma cobrança de diferenciação dos espaços, como também de afirmação e sobrevivência dos grupos aí instalados e de ter os seus direitos garantidos; hoje estas (heterotopias) se impõem como ação de grupos individuais especialmente ligados ao terceiro setor, mas podem ser mais amplas no sentido das representações aí presentes. Essa é a linha tênue que em diversos momentos a pesquisa atingiu, entre isotopias/heterotopias/utopias/ distopias. Linha que separa o coletivo e o privado, que, no processo de produção do espaço, fica bem claro que não é um processo natural, ao contrário, é fruto dos percursos que cada política

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tomou com o tempo, inicialmente não de forma direcionada, mas depois com direcionamento inclusive de grupos que estão fora do estado, e que, mesmo em grande parte do ano não estando nessas localidades, têm, em algumas associações e na ação do poder público, os seus tentáculos bem direcionados. Por esse motivo, identificar as heterotopias foi muito mais difícil do que identificar as isotopias. Além de na Costa do Dendê estas comporem um número maior, o medo de cooptação dos agentes sociais que realizam suas ações em perspectivas revolucionárias, que, muitas das vezes para se proteger, preferem o mínimo do contato com outros agentes, inclusive com pesquisas para não serem enganados. Daí nas entrevistas, às vezes, o gravador ter que ser desligado, essa ou aquela pergunta permanecer sem resposta, ou mesmo antes da entrevista terminar a mesma ter de ser finalizada. Neste caso, o não dito, o não chamar atenção é uma estratégia também de luta. Mas, em alguns casos mais graves, nos quais os agentes estão sendo podados da sua ação política e futuros distópicos estão sendo impostos, quando comparam com outras realidades da Costa do Dendê, a visibilidade se faz importante. E, com o processo de compressão espaço-tempo, em especial pelo uso das redes de informação, esses grupos se mobilizam e buscam diretamente a visibilidade antes adormecida. Tratar desses percursos, apesar de muitas vezes não os nomear, era justamente observar os sistemas de signos verbais e não verbais, tentar ler, no cotidiano dos locais visitados, as mais diversas apropriações e usos, contextualizar ausências e permanências e buscar coesões e dissociações das performances espaciais, seus ritmos e da corporeidade dos “usadores”. Esse exercício, em um plano municipal, já é complexo, e, quando se amplia para oito municípios, é muito mais complexo. Apesar de ter um elo que é o turismo, mesmo sendo diversos os rebatimentos, há uma finitude, daí a tentativa de trazer o máximo de descrição, análise e contextos conectados através da tríade da representação do espaço, da prática espacial e dos espaços de representação. Foi de extrema importância pontuar tal discussão desde o início dessa pesquisa no que se refere ao entendimento do turismo de forma plural, pois, apesar de haver uma tendência para as isotopias, e cientificamente observar-se que há uma propensão para naturalização do processo para ação capitalista sobre o espaço, a análise mais próxima trouxe diversos contextos, desde relações direcionadas ao uso muito próximas aos enclaves ou mesmo de áreas mais isoladas, tensionadas através da análise do desenvolvimento desigual e combinado e do desenvolvimento geográfico desigual.

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Por outro lado, voltando a responder sobre o planejamento, as ações ainda tendem, em um contexto total, para o utopismo desenvolvimentista, na realidade mais ligado à busca pelo crescimento de divisas nas diversas escalas do que ao desenvolvimento regional; mas é importante ressaltar que não inviabiliza a utopia de construção de uma sociedade mais justa socialmente, na qual já há laboratórios diversos na Costa do Dendê como heterotopias, mesmo que em menor número que as isotopias. Validam-se assim a hipótese e os objetivos traçados no início da pesquisa. Mais do que buscar respostas para os problemas locais em experiências de outras localidades, urge a necessidade de uma maior aproximação com os agentes sociais que vivenciam em seu cotidiano a realidade presente com enfoque no planejamento e na sua execução. Na realidade há um afastamento das políticas destas, e quando nomeadas servem apenas para afirmações jogadas ao vento, revisitadas nas reformulações dos planos. Outra questão relevante e recorrente no debate é a de pensar o turismo aliado ao contexto regional e não apenas através dos enclaves ou de novas áreas que venham surgir. As tramas compostas sobre as áreas consolidadas deveriam nortear novas ações no sentido de observar os acertos e erros presentes sobre as (in)ações dentro do processo de produção e (re)produção e não como exemplos a serem seguidos de forma acrítica. Daí a necessidade de maior participação da Câmara Técnica do Turismo da Costa do Dendê nos debates do território Baixo Sul, inclusive na perspectiva de integrar o turismo a outros arranjos produtivos dos municípios litorâneos ligados pela BA-001 e daqueles ligados pela BR-101, sendo uma alternativa para potencializar as atividades presentes nesses municípios. Nesse caso, urge um planejamento integrado, que não foque a atividade turística de forma isolada. Faz-se necessário também ampliar o leque de possibilidades de visitações, neste caso como apresentado nas perspectivas futuras de parte dos agentes sociais, as visitações as novas áreas favoreceriam o acesso à renda proveniente de tal atividade, mas que deveriam perpassar por relações de copresença no que tange o lazer dos munícipes, assim como pelo respeito às comunidades aí instaladas. Todo o percurso culminou na necessidade em se pensar nas utopias como realidades ainda não existentes, mas baseadas na forma de como a trama socioespacial vem ocorrendo, antevendo a realidade que se deseja, baseadas em relações que se direcionem ao valor de usos sobre o valor de troca. Desta forma, as esferas públicas devem potencializar uma outra forma de se praticar o turismo na Costa do Dendê, que tenha por base o compartilhamento dos ganhos entre os agentes sociais aí instalados, potencializando a economia solidária; tendo o patrimônio (material e

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imaterial) como elemento basilares para a organização da atividade do turismo; com uma organização colaborativa e em rede, que una o contexto regional e que se baseiem em práticas solidárias e complementares entre os municípios; que possibilitem a autogestão por parte dos agentes sociais, favorecendo a emancipação humana dos agentes sociais envolvidos. Findando esse processo, o desejo maior é de que essas utopias tornem-se realidade, que a Costa do Dendê, através da potencialização do desenvolvimento regional, torne-se uma região melhor para se viver, com mais igualdade, com respeito a sua diversidade, e que a justiça social e ambiental não seja apenas um sonho, mas que venha a se realizar através do protagonismo dos seus agentes sociais. Ademais, espera-se que os percalços apresentados no caminho não façam com que esses mesmos agentes sociais percam a capacidade de sonhar e de buscar essa realidade fugidia; que cada passo alcançado permita reduzir os problemas e possibilitem a busca por novos objetivos, favorecendo caminhadas em trilhas menos perigosas para avançar em novos horizontes. Como processo de pesquisa, esse horizonte é frutífero, no sentido de acompanhar as mudanças e antever os horizontes, através da análise do topos, como proposto; possibilitando análises comparativas nas mais diversas escalas, assumindo assim um compromisso com essa agenda e com os agentes sociais que foram copartícipes da análise aqui traçada; que essas vozes ecoem, que sejam ouvidas nos mais variados fóruns de debate e ambientes decisórios, compromisso este necessário para se projetar um mundo melhor.

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REFERÊNCIAS

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APÊNDICE A – Roteiro de entrevistas com a população local

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM GEOGRAFIA

Nome/idade – Naturalidade/Nacionalidade – Formação – Profissão - Mora em qual localidade e a quanto tempo? 1 – Pensando na realidade em que você vive aqui na Costa do Dendê para cada palavra que for citada diga o que vem em seu pensamento: Turismo – População local (nativos) – Turistas – 2 – Poderia descrever como era a Costa do Dendê antes da atividade do turismo? O que a população fazia para sobreviver? Quais as atividades de lazer? E em termos sociais e ambientais qual a sua lembrança? 3 – E atualmente, o que mudou com a prática do turismo? 4 – Quais os locais na região que você utiliza para o lazer? 5 - E as áreas onde há incidência da atividade turística, você as frequenta? Qual a sua impressão destes locais? 6 – O turismo é importante para a região? Justifique sua resposta: 7 – Em relação aos serviços oferecidos na região, o que você acha das ofertas e oportunidades? (Em um segundo momento) Você poderia correlacionar a sua resposta pensando esse mesmo contexto nos espaços turísticos? 8 – Como tal atividade poderia melhorar as condições de vida da população da Costa do Dendê? 9 – Há outros atrativos que poderiam ser utilizados para o lazer e mesmo para o turismo na região? 10 – Já foi convidado para participar ou teve conhecimento de alguma atividade relacionada ao planejamento turístico na região? 11 – Trabalhou ou trabalha em alguma atividade relacionada ao turismo? Se sim, conte um pouco de sua experiência e sobre o regime de trabalho.

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12 - O que você acha das seguintes localidades: Guaibim, Morro de São Paulo, Boipeba, Barra Grande? 14 – Você frequenta essas localidades? Com qual frequência? Quais os serviços que acessa e quais atrativos o motiva a visitá-los? 15 – Qual a sua impressão sobre a atuação dos poderes públicos em relação a atividade do turismo no local?

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APÊNDICE B – Roteiro de entrevistas com os comerciantes e empresários

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM GEOGRAFIA

Nome/idade – Naturalidade/Nacionalidade Formação – Profissão – Tipo de comércio - Mora em qual localidade e a quanto tempo? 1 – Pensando na realidade em que você vive aqui na Costa do Dendê para cada palavra que for citada diga o que vem em seu pensamento: Turismo – População local (nativos) – Turistas – 2 – O turismo é importante para a região, justifique sua resposta? 3 – E as áreas onde há incidência da atividade turística, você a frequenta? Qual a sua impressão destes locais? 4 – Qual a inserção dos moradores na atividade do turismo? 5 – Já participou de algum planejamento relacionado ao turismo na região? 6 – Como tal atividade poderia melhorar as condições de vida da população da Costa do Dendê? 7 – Onde costuma comprar os produtos oferecidos em seu estabelecimento? 8 – Qual a principal proveniência dos usuários do seu estabelecimento? 9 – Há quanto tempo atua oferecendo esse serviço, anteriormente exerceu outra atividade relacionada ao turismo? 10 – Seu imóvel é próprio, alugado ou arrendado? Quando passou a utilizá-lo e qual uso anterior do mesmo? 11 – Tem alguma notícia de onde está o antigo dono e em que ele trabalha? 12 – Quais as competências para trabalhar em sua empresa? 13 – Qual a proveniência das pessoas que trabalham em sua empresa? 14 - Qual os principais usuários do serviço que oferta? 15 – Você poderia indicar o período do ano e da semana que há maior incidência de turistas na região? E a procedência?

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APÊNDICE C – Roteiro de entrevistas com os turistas

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM GEOGRAFIA

Nome/idade – Naturalidade/Nacionalidade – Formação – Profissão – Mora em qual localidade ? 1 – Pensando na sua experiência na Costa do Dendê ou no município para cada palavra que for citada diga o que vem em seu pensamento: Turismo – População local (nativos) – Turistas – 2 – É a primeira vez que visita à região? Qual a sua impressão? Se veio outras vezes, poderia informar quantas e onde se hospedou? 3 – Através de qual meio de informação conheceu a Costa do Dendê? 4 – O que o motivou a visitar a Costa do Dendê? 5 – Pretende visitar e visitou quais espaços? 6 - Quais os meios de transporte utilizou para se deslocar até aqui? O que achou dessa experiência? 7 – Como você avalia os serviços e equipamentos ofertados? 8 – Qual a sua impressão da população local? 9 – Você poderia mensurar o seu gasto médio diário?

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APÊNDICE D – Roteiro de entrevistas com o setor público

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM GEOGRAFIA

Nome – Naturalidade – Formação – Profissão/cargo – 1 – O município realiza algum plano municipal para o turismo? 2 – Qual a atuação do município na câmara de turismo da Costa do Dendê? 3 – Aponte os principais elementos previstos no planejamento turístico do município em curto, médio e longo prazo? 4 – Quais as políticas de inserção dos moradores em tal atividade? 5 – Como o turismo é realizado no município e qual a sua importância para o município? 6 – Como foram escolhidas as áreas para o trade e se há algum projeto de inserção de novas áreas? 7 – Há alguma proposta de integrar as atividades produtivas ao turismo no município em um plano regional? 8 – Há algum projeto de valorização da cultura local e do lazer destinadas aos moradores? 9 – Qual o acompanhamento que o município faz em relação aos impactos ambientais provenientes de tal prática? Desde quando grande parte das áreas de visitação estão localizadas em áreas de preservação por lei municipal, estadual ou mesmo federal? 10 – Há verbas direcionadas à atividade turística no município provenientes do governo do estado e federal? Como foram/são aplicadas?

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APENDICE E – Instrumentos políticos do turismo brasileiro

Instrumentos de Ordenação Política Conteúdo e ou Direcionamentos Constituição da Divisão de Turismo Primeiro organismo público de turismo, vinculado ao (1930) Departamento de Imprensa e Propaganda, fiscalizava as atividades das agências de viagem. Decreto-lei nº 406 (04/05/1938) Previa no artigo 59, a venda de passagens aéreas, marítimas e terrestres. Decreto-lei nº 1,915 (27/09/1939) Buscava ampliar o significado do turismo para a administração pública federal. Primeiro diploma que versou sobre a organização de viagens coletivas de excursão, realizadas pelas agências Decreto-lei nº 2.440 (23/07/1940) de viagem e turismo e similares. Impôs um registro prévio junto aos órgãos de governo como condição para o funcionamento. Cria-se a Comissão Brasileira de Turismo Decreto-lei nº 44,863 (21/11/1958) (COMBRATUR) com funções de coordenação (atividades e estudos), supervisão, promoção e estímulo ao turismo. Decreto-lei nº 48.126 (14/04/1960) Aprova a regulamentação da COMBRATUR e apresenta as metas da companhia: coordenar, planejar e supervisionar à execução da política nacional de turismo Lei nº 4.048 (20/12/1961) Reorganiza o Ministério da Indústria e Comércio e insere a Divisão do Turismo, Decreto-lei nº 572 (02/02/1962) Extingue a COMBRATUR. Decreto-lei nº 55 (18/11/1966) Cria o Conselho Nacional de Turismo (CNTur) e a Empresa Brasileira de Turismo (EMBRATUR), visando estabelecer diretrizes para a primeira Política Nacional de Turismo. Resolução nº 71 (10/04/1969) Apresenta indicações para elaboração do Plano Nacional de Turismo (Plantur). Decreto lei nº 1.191 (1971) Cria o primeiro Fundo de Fomento do Turismo no Brasil, o Fundo Geral de Turismo (FUNGETUR), a partir do decreto-lei nº 55/66. Decreto lei nº 71.791 (1973) Dispõe sobre zonas prioritárias para o desenvolvimento do turismo. Resolução nº 64 do CNTur Define a prestação de serviços turísticos das agências transportadoras Cria os fundos de investimentos: Fundo de Investimento Decreto lei nº 1.376 (1974) do Nordeste (FINOR), Fundo de Investimento da Amazônia (FINAM) e o Fundo de Investimentos Setoriais (FISET) Portaria nº 3 (1976) O Departamento de Aviação Civil (DAC) autoriza voos de turismo doméstico, solicitados pela EMBRATUR. Decreto lei 1.485 (25/10/1976) Trata de estímulos ficais ao turismo estrangeiro no Brasil Lei nº 6.573 (1977) Dispõe sobre áreas especiais (áreas naturais) e locais de interesse turístico. Deliberação normativa nº 18 (1977) Regulamenta excursões. Megaprojetos Turísticos (1970/1980) Institui um sistema de objetos que buscou facilitar a fluidez de pessoas e mercadorias. Ano de 1983 Criam-se os planos Brasil Turístico Individual (BTI) e Brasil Turístico em Grupo (BTG).

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Constituição Federal do Brasil (1988) Consta no I capítulo (Princípios gerais de ordem econômica), no título III (da ordem econômica a financeira), a menção do turismo pela primeira vez na história das instituições brasileiras, como fator de desenvolvimento social e econômico. Lei 8.181 (28/03/1981) Revoga o Decreto-lei nº 55/66, extingue o CNTur e reestrutura a EMBRATUR. Programa de Desenvolvimento do Buscou sanar os enclaves de infraestrutura, iniciando pelo Turismo (PRODETUR/1991) nordeste do país. Decreto nº 448 (14/02/1992) Trata da regulamentação da Lei nº 8.181/91, que institui a finalidade da Política Nacional de Turismo. PROECOTUR, final da década de 1990 Construção de infraestrutura básica e financiamento de empreendimentos com foco na Amazônia. Criação do Ministério do Turismo, visando: promover e Medida provisória nº 103 (01/01/2003) divulgar o turismo nacional, planejar, coordenar, supervisionar e avaliar planos e programas de incentivo ao turismo. Programa de Regionalização do Turismo Focando na região, se constitui como uma das principais (2004) políticas para o desenvolvimento do turismo brasileiro. Plano Nacional de Turismo: diretrizes, Novas diretrizes para consolidar o Brasil como um dos metas e programas (2003/2007) principais destinos do turísticos mundiais. Plano Nacional de Turismo: uma viagem Apresentou uma série de estratégias e medidas que de inclusão (2007/2010) buscavam estimular o mercado interno. 65 Destinos indutores do turismo Objetiva dotar 65 destinos turísticos, de padrão brasileiro internacional Plano Nacional de Turismo (2010-2016) Apresenta a regionalização como uma abordagem territorial e institucional para o planejamento. Fonte: Maranhão, 2017.

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APÊNDICE F – Fotografias

Discursos sobre o paraíso na Costa do Dendê Guaibim, o paraíso é aqui

Fonte: Epifania (2019).

Discurso sobre o paraíso em empreendimento em Barra do Serinhaém, Ituberá

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Vandalismo em placas de sinalização dos destinos da Costa do Dendê na BA-001

Fonte: Epifania (2019).

Vandalismo em placas de sinalização dos destinos da Costa do Dendê na BA-001

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Mosaico Quilombo Jatimane

Fonte: Folder de divulgação do Jatimane (s/d).

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Biojoias do Jatimane Quilombo Jatimane

Fonte: Epifania (2017).

Artesãs na praia do Guaibim

Fonte: Epifania (2017). 231

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Avanço das áreas privadas sobre a faixa de praia em Barra Grande

Fonte: Epifania (2018).

Avanço das áreas privadas sobre a faixa de praia em Barra Grande

Fonte: Epifania (2018).

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Lixão a céu aberto na Península de Maraú

Fonte: Epifania (2017).

Extração de areia na Península de Maraú

Fonte: Epifania (2017). Resíduos sólidos descartados na APA Guaibim

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Fonte: Epifania (2018).

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