Câmara dos Deputados

Sr. presidente, senhoras e senhores deputados, hoje quero utilizar esta tribuna para homenagear um capital cultural do país, que há muito deixou de ser apenas um ritmo ou um estilo musical para se tornar no símbolo da resistência cutlural dos brasileiros. Dois de dezembro foi o dia em que Ari Barroso, autor do “Na Baixa do Sapateiro”, pisou pela 1ª vez em Salvador. A arte tem dessas coisas. O grande mestre escreveu a letra sem antes nunca ter ido àquela cidade. É muito importante destacar esse dia, pois o samba constitui elemento basilar de nossa identidade cultural. São muitos a serem homenageados, compositores e intérpretes. Aqui cito apenas alguns para reverenciar a todos, , , Zé Kéti, , Luis Carlos da Vila, , , , João Nogueira, Moacyr Luz, Monarco, Mauro Diniz . Em particular quero fazer duas homenagens. A , escritor, compositor e intérprete. Suas obras são valiosas contribuições para a preservação da memória de nossa cultura, inclusive de nossas raízes africanas. Desse modo, ajuda a constituição de nossa nação e do povo brasileiro. A outra homnagem é para Bernard Von Der Weid, por seu trabalho na Associação Compositores e Músicos da Baixada Fluminense (AMC) e em S.João do Meriti que há 8 anos ensina música para jovens, hoje para 150 alunos, dentro de um projeto pedagógico que se aprende Arte Musical, Cidadania e profundo conhecimento da criação da música popular brasileira. Com muita honra passo a integrar ao meu pronunciamento o texto de autoria de Nei Lopes. “Comecemos por Tempos Idos, obra na qual o genial compositor Cartola orgulhava-se de o samba ter saído do morro e chegado aos salões, indo exibir-se “pra Duquesa de Kent no Itamarati”, como de fato aconteceu nos anos 50. Essa trajetória simbolizaria a ascensão social do gênero e da cultura que o gerou, ascensão essa coroada em 2001 com a outorga da Ordem do Mérito Cultural a quatro das principais e mais tradicionais escolas de samba cariocas pelo Ministério da Cultura em solenidade palaciana de Brasília. Esses fatos nos remetem, agora, a uma outra letra, de Guilherme Godoy, excelente e quase anônimo compositor, recente e prematuramente falecido, segundo o qual “desde que a Ciata minha tia / deu início à fidalguia / o samba sabe o que quer”. E os versos nos levam à pergunta: será que o Ministério da Cultura sabe o que o samba quer e do que precisa? Entendemos que é muito difícil, para o não iniciado, perceber a enorme diferença que hoje existe entre samba e escola de samba e o grande fosso que se cavou entre essas duas instituições. As escolas nasceram bem depois do samba, com a intenção de desestigmatizá-lo e legitimar sua aceitação pela sociedade dominante. De alguns anos para cá, as escolas propiciam trabalho informal remunerado a alguns componentes especializados, como mestres-salas, porta-bandeiras, diretores de bateria, cantores etc. Da mesma forma que direta ou indiretamente garantem remuneração a jornalistas, radialistas e outras categorias de profissionais envolvidos no espetáculo que protagonizam. Mas no nosso entender, modesto mas baseado em uma vivência de mais de 40 anos, o samba, como dizia

Guilherme Godoy, sabe o que quer e não se contenta só com isso. 2 Matriz principal da música popular brasileira, o gênero se diversifica a cada passo, 0 70

dando provas de uma vitalidade extraordinária, desde a gravação do Pelo Telefone em 1917. Ao A mesmo tempo em que vê surgir de seu seio subprodutos discutíveis mas de grande sucesso 6 comercial, ele – como jazz, seu primo-irmão americano – estimula rodas de discussão na Internet e nas universidades, motiva a elaboração de teses acadêmicas (inclusive no exterior), revigora E2C tradicionais redutos como a velha Lapa, e se consagra com um belo e merecido Prêmio Shell, na 1 figura admirável do sambista Elton Medeiros. *1E2C6A7002* Para nós, em termos de capacitação profissional, o samba precisa é de técnicos e engenheiros de som que saibam gravar, mixar e reproduzir com fidelidade as freqüências e sonoridades peculiares de seus instrumentos, que diferem fundamentalmente daqueles usados na música internacional. Precisa de bailarinos e coreógrafos capazes de levar aos grandes e prestigiosos palcos, recriadas em linguagem teatral, a riqueza e a diversidade dos seus passos, bastante diferentes do pastiche hoje vendido como a dança do samba. Precisa também de músicos, arranjadores, regentes, acompanhantes e intérpretes, capacitados a levar para a pauta, para os espetáculos e para as gravações, partindo da tradição para a modernidade, todo o amplo espectro de seu repertório. E de produtores descolonizados e progressistas que enxerguem o samba através de uma perspectiva nacional, desvinculada da massacrante globalização pop. Finalmente, o samba precisa é de uma política governamental que o reconheça como patrimônio inalienável do povo brasileiro e merecedor de todas as proteções possíveis, inclusive no campo minado do Direito Autoral. Quanto aos sambistas, é preciso termos em conta que, para vencer o preconceito e disputar espaço no mercado cultural, o samba precisa limpar sua imagem, desvinculando-a de tudo o quanto é ilegal, mostrando-se como um produto do morro, sim, mas que se impôs no asfalto. É preciso mostrar a multiplicidade desta arte, que inclui dos estilos mais populares à bossa-nova mais sofisticada, e caracterizá-la como um importante fato cultural, que transcende raça, classe social e faixa etária. É claro que o samba precisa de medalhas também. Afinal, elas fazem parte de nossa pompa e circunstância. E quanto mais medalhas no peito, melhor. Porque o chumbo que tem vindo lá de fora é grosso”. Muito obrigada.

Deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ)

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