UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS FACULDADE DE HISTÓRIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

TAMIRIS MAIA GONÇALVES PEREIRA

SABERES E FAZERES JAVAÉ: ESTUDO DAS PRÁTICAS TRADICIONAIS ALIMENTARES INDÍGENAS, DA DÉCADA DE 1990 A 2020

GOIÂNIA 2020

TAMIRIS MAIA GONÇALVES PEREIRA

SABERES E FAZERES JAVAÉ: ESTUDO DAS PRÁTICAS TRADICIONAIS ALIMENTARES INDÍGENAS, DA DÉCADA DE 1990 A 2020

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História, na Faculdade de História, da Universidade Federal de Goiás (UFG), como exigência para obtenção do título de Doutora em História.

Área de concentração: Cultura, Fronteiras e Identidades

Linha de Pesquisa: Fronteiras, Interculturalidades e Ensino de História.

Orientador: Dr. Elias Nazareno

GOIÂNIA 2020

SABERES E FAZERES JAVAÉ: ESTUDO DAS PRÁTICAS TRADICIONAIS ALIMENTARES INDÍGENAS, DA DÉCADA DE 1990 A 2020

TAMIRIS MAIA GONÇALVES PEREIRA

Tese apresentada em 24 de março de 2020, para a Banca Examinadora constituída pelos membros:

______Prof. Dr. José Ramón Flecha García Faculdade de Economia e Empresa – Departamento de Sociologia (FEE) / Universidade de Barcelona (UB)

______Prof.ª Dr.ª Wanessa Asfora Nadler Faculdade de Letras (FL) / Universidade de Coimbra (UC)

______Prof.ª Dr.ª Mônica Veloso Borges Faculdade de Letras (FL) e Núcleo Takinahakỹ de Formação Superior Indígena (NTFSI) / Universidade Federal de Goiás (UFG)

______Prof.ª Dr.ª Sibeli Aparecida Viana Instituto Goiano de Pré-História e Antropologia (IGPA) e Programa de Mestrado em História (PPGHIST) / Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC - Goiás)

______Prof. Dr. Elias Nazareno Faculdade de História (FH) e Núcleo Takinahakỹ de Formação Superior Indígena (NTFSI) / Universidade Federal de Goiás (UFG)

______Prof. Drª. Ordália Cristina Gonçalves Araújo Faculdade de História (FH) / Universidade Estadual de Goiás (UEG) Suplente Externo

______Prof. Dr. Alexandre Ferraz Herbetta Faculdade de Ciências Sociais (FCS) e Núcleo Takinahakỹ de Formação Superior Indígena (NTFSI) / Universidade Federal de Goiás (UFG) Suplente Interno

Para Sibelly e Silvio, meus pais.

AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos aqueles que me auxiliaram nesta jornada de construção acadêmica. Agradeço ao povo Javaé pelo acolhimento, trocas de informação, conversas e tantos aprendizados construídos ao longo desses quatro anos, em especial agradeço aos alunos do Curso de Licenciatura em Educação Intercultural – Núcleo Takinahakỹ, da Universidade Federal de Goiás: Doriovaldo Idiau Javaé, Enivaldo Tahakana Javaé (que infelizmente sofreu um AVC em 2019), Edilson Haburunatu Javaé, Valdemir Filho Teixiby Javaé, Sidney Iroana Javaé, Edmundo Wahuka Javaé, Elizeu Kaxiwera Javaé Filho, Samuel Saburuá Javaé, Samanta Rios Javaé, Júnior Ohori Javaé, Manoel Conceição Mahalani Dias Karajá, Hélio Wele Tekuala Javaé e Rosilene Werian Javaé. Agradeço aos professores e colegas da Faculdade de História desta mesma Universidade, em especial agradeço ao meu orientador Dr. Elias Nazareno, a paciência, a indicação de leituras, as trocas de informação, as correções e todo o aprendizado ao longo desses anos de formação doutoral. Agradeço à professora Drª. Sônia Maria de Magalhães pela participação na Banca de Qualificação, pela atenção, correções e indicações de textos que permeou o processo de aprendizado e as publicações relacionadas à História de Alimentação. À professora Drª. Mônica Veloso Borges agradeço pela participação nas Bancas de Qualificação e de Defesa, sua indicação de leituras e suas valiosas informações relacionadas aos povos indígenas e à Linguística que auxiliaram na contrução deste trabalho e que com todo cuidado corrigiu e orientou as adições. Agradeço à professora Drª. Wanessa Asfora Nadler pela participação nas Bancas de Qualificação e de Defesa, indicando o acréscimo de novas informações, apontando leituras de importantes trabalhos relacionados à História da Alimentação que muito contribuíram para a presente tese. Agradeço ainda a participação do professor Dr. José Ramón Flecha García pela disponibilidade de participação e contribuições na Banca de Defesa da presente tese. Agradeço também à professora Drª. Sibeli Aparecida Viana pela participação na Banca de Defesa e pelas diversas contribuições ao longo de vários anos de pesquisa que sucederam a minha graduação em Arqueologia. Agradeço a participação dos suplentes Dr. Alexandre Ferraz Herbetta e da Drª. Ordália Cristina Gonçalves de Araújo. Agradeço às colegas de curso de doutorado em História e às companheiras de trabalho de campo da UFG: Luciana Leite da Silva, Ordália Cristina Gonçalves Araújo, Karla Alessandra Alves de Souza e Gabriela Camargo Ramos o apoio e as trocas de informação. Agradeço ao Comitê Javaé coordenado pelos professores Dr. Elias Nazareno e Dr. José Pedro Machado Ribeiro, pela oportunidade de participação no mesmo. Agradeço aos familiares pelo apoio incondicional: aos meus pais Silvio Paulo Gonçalves Pereira e Sibelly Maia Pereira Gonçalves, às minhas irmãs Thaisa e Tainara (e ao Floquinho, cão companheiro de todas as horas do dia, nos últimos treze anos), às minhas avós pelo apoio e aconchego que me inspira todos os dias. Agradeço também ao meu companheiro José Eduardo pelo apoio, paciência, carinho e trocas de informação. Por fim, agradeço à CAPES pelo financiamento desta pesquisa.

Cozinha “Cada brasa palpita como um coração...” (Mário Quintana)

RESUMO

PEREIRA, Tamiris Maia Gonçalves. Saberes e fazeres Javaé: estudo das práticas tradicionais alimentares indígenas, da década de 1990 a 2020. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal de Goiás (UFG), Goiânia, 2020.

O objetivo da presente tese é discutir a alimentação como tradição cultural do povo indígena Javaé, habitante da Ilha do Bananal - TO, para compreender seu cotidiano social e suas relações humanas. Pretende analisar e compreender suas práticas alimentares, a partir da década de 1990 até 2020. O recorte temporal escolhido acompanha o momento em que as abordagens teóricas e metodológicas das ciências sociais passaram a perceber as relações de poder e subalternidade por meio das propostas da interculturalidade crítica e da decolonialidade. O recorte temporal também acompanha o momento de maior impulso de produções relacionadas aos Estudos da Alimentação e à História da Alimentação. Para a realização da pesquisa foram utilizados dados bibliográficos, imagéticos e informações orais obtidas por meio de conversas com indígenas Javaé. Investigamos em que circunstâncias a denominação “alimentação tradicional” surge para esse povo e quais as concepções epistemológicas em torno dela. Além disso, buscamos viabilizar e visibilizar discussões abafadas e escamoteadas, no que concerne às lutas sociais pelo reconhecimento e respeito aos seus modos de vida e práticas alimentares, que passaram por processos diversos de subalternização no transcurso da colonização. Neste sentido, a investigação sobre a alimentação permite que conhecimentos e saberes indígenas Javaé sejam legitimados e valorizados frente à cultura nacional brasileira.

Palavras-chave: História da Alimentação; povo Iny Javaé; práticas alimentares indígenas.

ABSTRACT

PEREIRA, Tamiris Maia Gonçalves. Knowledge and Practices: Study of indigenous traditional food practices from the 1990s to 2020s. Thesis (PhD in History) – Universidade Federal de Goiás (UFG), Goiânia, 2020.

The presente thesis objective is to discuss eating practices and habits as cultural tradition for the Javaé indigenous people, inhabitant of Bananal Island, in brazilian state of Tocantins. The main objective is to analyze and understand their eating practices, from the 1990s to 2020. The chosen time frame follows the moment when the theoretical and methodological approaches of the social sciences came to perceive the relations of power and subordination through the proposals of critical interculturality and decoloniality. The time frame also follows the moment of greatest increase of productions related to Studies of Food and History of Food. To carry out the research, bibliographic data, imagery and oral information obtained through conversations with indigenous Javaé were used. We investigated under which circumstances the denomination “traditional food” arises for this people and what were their epistemological conceptions around it. In addition, we seek to discuss the social struggles for the recognition and respect for their lifestyle and eating practices, which went through various processes of subordination during colonization. In this sense, food research allows Javaé indigenous knowledge and practices to be legitimized and valued by Brazilian national culture.

Keyword: History of food; Iny Javaé people; indigenous food practices.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Aygnan, espírito maligno atormenta os selvagens ...... 53 Figura 2 - As cerimônias que os Tupinambás assistem à recepção dos amigos que os vão visitar ...... 54 Figura 3 - Que vivam os tomales! Comida e o modo de fazer da identidade mexicana ...... 94 Figura 4 – Dissertação Alimentação e Regimen nos Paizes Quentes ...... 99 Figura 5 – Como alimentação faz História ...... 118 Figura 6 - O Livro de Mão da História da Alimentação de Oxford ...... 118 Figura 7 - Três cozinhas mundiais: Italiana, Mexicana e Chinesa ...... 118 Figura 8 - Fragmento do livro Comida e Bebida na História Americana: Enciclopédia com “Curso completo” ...... 118 Figura 9 - Fragmento do livro Uma mesa cubana: a celebração da comida, cheiros e História ...... 118 Figura 10 - Jovens caçadores Hadza, Tanzânia, organizam a caçada ...... 138 Figura 11 - Mulher bosquímana, Butsuwana, comendo melão produzido pela comunidade . 144 Figura 12 - Mulher maasai, no Quênia, apresenta a refeição feita de angu de milho branco, carne de cabra e verduras ...... 144 Figura 13 – Livros que tratam sobre a temática da alimentação indígena na África ...... 155 Figura 14 - Pedra de moedura na cozinha tradicional mexicana ...... 157 Figura 15 - Mulher Tarasco, com seus filhos, seleciona tomatillos ...... 170 Figura 16 - Mulher Huichole produz artesanato ...... 170 Figura 17 - Tuna, fruto do cacto nopal ...... 174 Figura 18 – Agave azul utilizada na produção de bebidas destiladas ...... 174 Figura 19 - Cecina com tacacho (em Quéchua “taka chu”, significa “golpeado”), prato de origem Quéchua feito com carne desidratada e bolinhos de banana, banha de porco, torresmo e pimenta charapita ...... 183 Figura 20 – Calendário agrícola incaico produzido por Felipe Guamán Poma de Ayala em Primeira Nova Crônica e Bom Governo (1587 – 1615) ...... 185 Figura 21 – Feira gastronômica e cultural Mistura ...... 193 Figura 22 e 23 – Equipe de pesquisadores do IGPA/UCG em trabalho de campo na Ilha do Bananal, em 1984 ...... 213 Figura 24 – Artefatos líticos da Tradição Itaparica ...... 219

Figura 25, 26 e 27 – Instrumentos plano-convexos denominados “lesmas”; restos faunísticos de vertebrados e restos de moluscos oriundos de Sítios da região de Serranópolis ...... 222 Figura 28 e 29 – Machado semilunar e urna funerária da Tradição Aratu ...... 225 Figura 30 – Peças cerâmicas Tupiguarani (MS) ...... 227 Figura 31- Petroglifo com motivos geométricos, em Serranópolis (GO) ...... 228 Figura 32 - Fragmentos cerâmicos (base e parede de pote) identificados próximos ao cemitério, na Aldeia Canoanã ...... 258 Figura 33 - Hitxèkò ao lado de um prato de alumínio onde foi feito o xiwè, no cemitério de Canoanã ...... 269 Figura 34 - Tohoua (bebê) Javaé com ornamentos de algodão ...... 288 Figuras 35, 36 e 37 - Escarificação realizada com um latxi, instrumento feito com madeira e dente de peixe cachorra ...... 289 Figura 38 - Ijadòma Iny ...... 292 Figuras 39 e 40 - Escola Tainá, Canoanã – TO ...... 296 Figuras 41 e 42 – Cozinha da Escola Tainá, Canoanã – TO ...... 299 Figuras 43 e 44 – Escola Tainá, Canoanã – TO ...... 300 Figuras 45 e 46 - Professor e alunos da Escola Indígena Tainá plantando cana-de-açúcar e mandioca ...... 304 Figuras 47, 48 e 49 – Horta em canoa na Escola Tainá, Aldeia Canoanã - TO ...... 307 Figuras 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56 e 57 – casas da aldeia Canoanã; Escola Indígena Tainá, Posto de Saúde Canoanã; CID e ACIAC; Igreja Congregação Cristã; tacho e prensa de mandioca da antiga casa de farinha de Canoanã ...... 310 Figuras 58, 59, 60, 61, 62 e 63 - Fogão a lenha; fogão de chão; weriri com abobrinha; quebrador de coco; fogão a gás; bacias e pratos empilhados sobre vaso de argila ...... 310 Figura 64 - Roça de mandioca e milho em início de brotação na aldeia Canoanã ...... 312 Figura 65 e 66 – Bananeira e mamoeiro nos quintais da aldeia Canoanã ...... 313 Figura 67 e 68 – Frango e arroz preparados para o almoço, por uma família, em Canoanã .. 318 Figura 69 – Peixe de escamas com banana cozida, sem o uso de sal, é o “almoço” de alguns idosos em Canoanã ...... 319 Figura 70 – Iwèru de arroz sem açúcar ou outros adoçantes naturais. Alimentos consumidos por idosos e também pelo irasò ...... 320 Figuras 71 e 72 - Bèrèti e bòròrò ...... 320

Figuras 73, 74, 75, 76, 77 e 78 – Tartarugas na área de cozinha; quebra do casco da tartaruga com um machado; limpeza e retirada das vísceras; preparo do bèrèti na grelha; bèrèti acompanhado de farinha de mandioca servido à família; bòròrò pronto para ser servido .... 322

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Livros internacionais e livros nacionais sobre História da Alimentação publicados entre os anos de 1990 e 1999 ...... 96 Quadro 2 - Periódicos anteriores ou iniciados na década de 1990 ...... 98 Quadro 3 - Livros nacionais e internacionais sobre História da Alimentação publicados entre os anos 2000 e 2009 ...... 103 Quadro 4 – Periódicos iniciados na década de 2000 ...... 108 Quadro 5 – Dissertações de mestrado distribuídas na tabela por área do conhecimento, ano de defesa e região, defendidas na década de 2000 ...... 111 Quadro 6 – Dissertações de mestrado distribuídas na tabela por região do Brasil e quantidade de defesas realizadas na década de 2000 ...... 112 Quadro 7 – Teses de doutorado distribuídas na tabela por área do conhecimento, ano de defesa e região, na década de 2000 ...... 114 Quadro 8 – Teses de doutorado distribuídas na tabela por região e quantidade de defesas, na década de 2000 ...... 115 Quadro 9 – Livros internacionais e nacionais sobre História da Alimentação, publicados entre os anos 2010 e 2016 ...... 120 Quadro 10 – Periódicos iniciados entre os anos de 2010 a 2016 ...... 123 Quadro 11 – Dissertações de mestrado distribuídas por região, quantidade de defesas, área do conhecimento e ano, entre 2010 e 2016...... 128 Quadro 12 - Dissertações de mestrado distribuídas na tabela por região e quantidade de defesas, entre os anos 2010 e 2016 ...... 128 Quadro 13 - Teses de doutorado distribuídas por região e quantidade de defesas entre os anos de 2010 e 2016 ...... 131 Quadro 14 – População indígena distribuída por povos, no México, senso 2010 ...... 161 Quadro 15 – Povos indígenas e Tradições Arqueológicas ...... 208 Quadro 16 – Alimentos tradicionais Javaé oriundos dos rios e lagos ...... 315 Quadro 17 - Alimentos tradicionais Javaé oriundos das matas ...... 316 Quadro 18 – Alimentos que tiveram seu consumo reduzido na aldeia Canoanã ...... 316 Quadro 19 – Alimentos que tiveram seu consumo reduzido nas aldeias Barreira Branca e São João ...... 317

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Livros internacionais sobre História da Alimentação quantificados no período de 1990 a 1999 ...... 96 Gráfico 2 - Livros nacionais sobre História da Alimentação quantificados dos anos de 1990 a 1999 ...... 97 Gráfico 3 – Livros internacionais sobre História da Alimentação quantificados, no período de 2000 a 2009 ...... 104 Gráfico 4 – Livros nacionais sobre História da Alimentação quantificados, no período de 2000 a 2009 ...... 104 Gráfico 5 – Porcentagem de dissertações distribuídas por região do Brasil, na década de 2000 ...... 112 Gráfico 6 – Porcentagem de teses distribuídas por região do Brasil na década de 2000 ...... 115 Gráfico 7 – Livros internacionais sobre História da Alimentação, quantificados no período de 2010 a 2016 ...... 121 Gráfico 8 - Livros nacionais sobre História da Alimentação, quantificados no período de 2010 e 2016 ...... 121 Gráfico 9 – Porcentagem de dissertações distribuídas por região do Brasil entre os anos de 2010 e 2016 ...... 129 Gráfico 10 - Porcentagem de teses distribuídas por região do Brasil entre os anos de 2010 e 2016 ...... 131

LISTA DE MAPAS

Mapa 1 – Aldeias Javaé e Karajá atuais ...... 34 Mapa 2 - Aldeias Javaé antigas ...... 35 Mapa 3 – Localização das aldeias Javaé antigas ...... 36 Mapa 4 - Localização das principais aldeias Javaé na atualidade ...... 37 Mapa 5 – Os berços agrícolas africanos ...... 145 Mapa 6 – Tradições Arqueológicas do Estado de Goiás e seus respectivos territórios de ocupação e deslocamento: Uru, Tupiguarani e Aratu - Fase Mossâmede ...... 212 Mapa 7 – Carta Arqueológica do Estado de Goiás publicada no ano de 1972, com destaque para a Ilha do Bananal ...... 215 Mapa 8 – Principais rotas de colonização humana entre o final do Pleistoceno e início do Holoceno ...... 218 Mapa 9 – Mapa Etnohistórico do Brasil e Regiões adjacentes (adaptado do mapa de Curt Nimuendajú), 1944 ...... 237 Mapa 10 – Localização das principais línguas das Terras Baixas segundo Mason (1950) .... 239 Mapa 11 - Áreas de distribuição da Tradição Uru - Fase Aruanã ...... 260

LISTA DE APÊNDICES

APÊNDICE A - Quadro de alimentos das roças e matas Javaé da Aldeia Canoanã...... 371

LISTA DE ANEXOS

ANEXO A - Autorização para ingresso em Terra Indígena ...... 376 ANEXO B - Comprovante de envio de Projeto ao Comitê de Ética e Pesquisa ...... 377 ANEXO C - Quadros de Línguas Indígenas Brasileiras (RODRIGUES, 1994) ...... 378

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...... 24 POR QUE ESCOLHER OS JAVAÉ? ...... 24 PESQUISA NAS ALDEIAS E NA UNIVERSIDADE ...... 25 A ORGANIZAÇÃO DA PESQUISA ...... 27 QUEM SÃO OS JAVAÉ? ...... 30 OS CAMINHOS DA PESQUISA ...... 38 ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO DOS CAPÍTULOS ...... 40

CAPÍTULO 1 - ESTADO DO CONHECIMENTO SOBRE ALIMENTAÇÃO ...... 42 1.1 - O INÍCIO DOS REGISTROS ESCRITOS: EUROPA E PENÍNSULA IBÉRICA ...... 42 1.2 - ESCRITOS SOBRE ALIMENTAÇÃO: AMÉRICA E BRASIL ...... 52 1.3 - ESTADO DA ARTE DOS ESTUDOS SOBRE ALIMENTAÇÃO ...... 84 1.3.1 - Produções na área de História da Alimentação dos anos de 1990 a 2016 ...... 89 1.3.1.1 - Década de 1990 ...... 90 1.3.1.2 - Década de 2000 ...... 100 1.3.1.3 - Atualidade (2010-2016) ...... 116 1.3.2 - Grupos de Estudos sobre alimentação ...... 132

CAPÍTULO 2 - ESCRITOS SOBRE HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO INDÍGENA . 135 2.1 HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO INDÍGENA NA ÁFRICA ...... 138 2.1.1 - Povos indígenas na África ...... 138 2.1.2 - Breve História da Alimentação na África ...... 142 2.1.3 - Referências e publicações sobre alimentação indígena africana na atualidade ...... 153 2.2 - HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO INDÍGENA NO MÉXICO ...... 157 2.2.1 - Povos indígenas no México ...... 157 2.2.2 - Breve História da Alimentação no México ...... 163 2.2.2.1 - Povos da Aridoamérica e Mesoamérica ...... 164 2.2.2.2 - Alimentação no período Republicano ...... 175 2.2.3 - Referências e publicações sobre alimentação indígena mexicana na atualidade .... 178 2.3 - HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO INDÍGENA NO PERU ...... 183 2.3.1 - Povos indígenas no Peru ...... 184 2.3.2 - Breve História da Alimentação no Peru ...... 189 2.3.3 - Referências e publicações sobre alimentação indígena peruana na atualidade ...... 193

CAPÍTULO 3 - HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO INDÍGENA PRÉ-COLONIAL NO BRASIL CENTRAL ...... 196 3.1 - HISTÓRIA DA PESQUISA SOBRE A ALIMENTAÇÃO INDÍGENA NO BRASIL NO INÍCIO DO SÉCULO XX ...... 197 3.1.1 - As políticas nacionais de saúde indígena e alimentação ...... 202 3.2 - DADOS ARQUEOLÓGICOS E ETNOGRÁFICOS SOBRE OS POVOS DO BRASIL CENTRAL E A ALIMENTAÇÃO ...... 207 3.2.1 - Breve histórico das pesquisas arqueológicas no Centro-Oeste ...... 208 3.2.2 - Os primeiros grupos humanos do Brasil Central ...... 215 3.2.2.1 - Grupos caçadores-coletores ...... 220 3.2.2.2 - Agricultores e ceramistas ...... 222 3.2.2.3 - Algumas considerações sobre a ocupação pré-colonial no Brasil Central ...... 229 3.2.3 - Dados linguísticos ...... 233 3.2.3.1 - Região Araguaia-Tocantins ...... 236 3.2.4 - A alimentação no período pré-colonial em Goiás ...... 240 3.2.4.1 - Os resíduos alimentares pré-coloniais na arqueologia brasileira ...... 240 3.2.4.2 - Alimentação pré-colonial em Goiás...... 247 3.2.5 Algumas considerações sobre os dados arqueológicos e etnolinguísticos dos povos do Brasil Central ...... 261

CAPÍTULO 4 - OS JAVAÉ E OS OUTROS: ENTRE A TRADIÇÃO/ANTIGO E A MUDANÇA/NOVO ...... 263 4.1 - A MUDANÇA COMO PARTE DA TRADIÇÃO ...... 264 4.2 - ALIMENTAÇÃO NOS CICLOS DA VIDA ...... 286 4.3 - ALIMENTAÇÃO COTIDIANA: “TRADICIONALIZANDO” AS MUDANÇAS . 294 4.3.1 - A escola ...... 294 4.3.2 - As casas ...... 307

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 325

REFERÊNCIAS ...... 333

APÊNDICE A - QUADRO DE ALIMENTOS DAS ROÇAS E MATAS JAVAÉ DA ALDEIA CANOANÃ ...... 371

ANEXO A – AUTORIZAÇÃO PARA INGRESSO EM TERRA INDÍGENA ...... 376

ANEXO B – COMPROVANTE DE ENVIO DE PROJETO AO COMITÊ DE ÉTICA E PESQUISA ...... 377 ANEXO C – QUADROS DE LÍNGUAS INDÍGENAS BRASILEIRAS (RODRIGUES, 1994) ...... 378

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INTRODUÇÃO

POR QUE ESCOLHER OS JAVAÉ?

A temática de estudo da alimentação me interessou como pesquisadora desde a graduação em Arqueologia, realizada na Pontifícia Universidade Católica de Goiás e concluída em 2010. Constituiu um dos focos principais do meu aprendizado a pesquisa com o povo indígena Tapuio do Carretão, a respeito da cultura material e da valorização de receitas tradicionais e fortalecimento destas pela comunidade. O interesse pela temática da alimentação permaneceu durante o mestrado em História, com a construção da dissertação Estudos dos aspectos simbólicos e identitários da cultura material na cozinha tradicional africana Yorubá no Brasil - Templo Ègbé Mògàjí Ifá, GO, defendida na Pontifícia Universidade Católica de Goiás, em 2015. A escolha da temática da tese para o doutorado em História, não diferente das escolhas anteriores, centrou-se na alimentação, mas dessa vez, com o povo Iny Javaé. A experiência de diálogo e aproximação dos povos indígenas proporcionada pela monitoria no Curso de Licenciatura em Educação Intercultural – Núcleo Takinahakỹ, da Universidade Federal de Goiás (UFG), mediada pelo meu orientador, e a minha participação no Comitê Javaé permitiram compreender a necessidade de valorizar e disseminar as vozes indígenas. A alimentação viria como a abertura de possibilidade para conhecer as práticas e os saberes Javaé, em uma investigação que se propusesse a trazer visibilidade para esse povo. Buscaríamos compreender a relação do povo Javaé com o que eles consideram “saberes tradicionais”. O interesse pelo estudo e fortalecimento desses saberes originou-se no próprio povo Javaé, trazido como tema de pesquisa pelos estudantes indígenas do Curso de Licenciatura em Educação Intercultural da UFG. Afirmavam que os industrializados e processados entravam cada vez mais nas aldeias prejudicando não apenas o meio social e ambiental, mas também a saúde da população. Mediante essas questões decidimos colaborar com as investigações, tornando a temática da alimentação tradicional Javaé o eixo central da pesquisa. Minha atuação junto aos Javaé começou em 2016, seguindo o ritmo do Curso de Licenciatura em Educação Intercultural, dentro do qual atuei como monitora das etapas de 25

estudos na UFG em Goiânia, durante os meses de janeiro/fevereiro e julho/agosto, e das etapas em Terras Indígenas, nas aldeias Canoanã, Barreira Branca e São João, na Ilha do Bananal, durante os meses de outubro e novembro. Esse contato docente continuou, sem interrupções, até janeiro de 2020, quando a tese já estava na fase de finalização. Ao total, foram oito etapas de estudos em Goiânia e oito nas aldeias, de modo que pude participar e conhecer uma parte significativa da cultura alimentar Javaé.

PESQUISA NAS ALDEIAS E NA UNIVERSIDADE

O deslocamento para as aldeias promovido pelo Comitê Javaé, constituído pelo meu orientador Dr. Elias Nazareno, pelo professor Dr. José Pedro Machado Ribeiro e pelos seus(as) orientandos(as), permitiu a aproximação com colegas e também com os alunos do Curso de Educação Intercultural, dando confiança para o compartilhamento de informações, reflexões e produções acadêmicas. Entre os colegas, a troca de informação foi constante e muito positiva para divulgação de resultados e visibilização dos Javaé. Um fervilhar de conhecimentos esteve presente nas conversas com os pesquisadores e pesquisadoras Ordália Cristina Gonçalves de Araújo, Luciana Leite da Silva, Karla Alessandra Alves de Souza, Gabriela Camargo Ramos e Vanessa Nascimento Silva, que produziram as respectivas teses e dissertações: Os Javaé e o protestantismo: salvação e resistência (1896-1937), tese defendida em 2019; Aprendizagem histórica intercultural a partir dos saberes transitados nos contextos educacionais indígenas e não-indígenas, tese defendida em 2019; “A queda do céu”: o pensar decolonial na obra de Kopenawa Yanomami (1990-2015), dissertação defendida em 2019; Sistema de numeração e pinturas corporais Javaé: a etnomatemática por uma relação dialógica entre cultura e educação escolar, dissertação defendida em 2016; e Projetos extraescolares do curso de Educação Intercultural e a educação escolar indígena: um olhar etnomatemático sobre os saberes e fazeres Javaé, dissertação defendida em 2018. Entre a saída de Goiânia até o Hotel Jiripoca na cidade de Formoso do Araguaia - TO, local de nossa estadia, em geral de cinco a sete dias, houve alguns percalços incluindo problemas no motor do carro e falta de gasolina, mas não impediram nossa chegada às aldeias. Chegávamos até elas por carro nos meses de seca do rio Javaés, quando o seu leito estava vazio, e por carro e barco (a chamada “voadeira”) nos meses de maio, quando ele estava cheio. Um barqueiro indígena se ocupava de nos transportar de uma margem à outra todos os dias, 26

mediante pagamento da gasolina para a embarcação. Em Canoanã, chegávamos à aldeia e já estávamos na entrada da Escola Indígena Tainá, onde passávamos grande parte do dia, ministrando aulas, orientando trabalhos de estágio e Projetos Extraescolares, equivalentes ao Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Às outras aldeias no interior da ilha chegávamos por carro, por estradas de chão. As trocas de informação com os professores indígenas, estudantes do Curso de Licenciatura em Educação Intercultural e moradores das aldeias Javaé sempre esteve marcada pela boa disposição, mas com um grau típico de desconfiança para com aqueles que são de fora. Totalmente compreensível se pensarmos em tantos séculos de espoliação e violência dos não-indígenas para com os indígenas. Esse foi um de nossos desafios, buscar confiança para que a troca de informação pudesse satisfazer as perguntas da pesquisa e para que pudéssemos realizar uma devolutiva à altura do que necessitavam. Ainda que as etapas de campo da pesquisa guardassem semelhanças com os métodos de trabalho da Antropologia, salientamos que nosso trabalho pertence à área de História. Desenvolvemos nossas análises por meio da perspectiva decolonial, buscando visibilizar o povo Javaé, silenciado da nossa História basileira. Assim como afirmou Walsh (2009, p. 25): [...] No existe un estado nulo de la colonialidad, sino posturas, posicionamientos, horizontes y proyectos de resistir, transgredir, intervenir, in-surgir, crear e incidir. Lo decolonial denota, entonces, un camino de lucha continuo en el cual se puede identificar, visibilizar y alentar “lugares” de exterioridad y construcciones alter-(n)ativas.

Assim como Catarine Walsh (2009; 2013), Enrique Dussel (1992), Walter Mignolo (2000) e Aníbal Quijano (1999; 2005), buscaram mostrar como o colonialismo moderno europeu nas Américas forjou através de elementos ideológicos, “o outro”, um “outro colonial” que era ao mesmo tempo objeto de seus estudos, e contraponto da imagem do seu lócus de enunciação. O projeto colonial europeu foi mais que um exercício econômico e militar, foi um projeto de construção de uma dimensão cognitiva imposto para as populações colonializadas, inviabilizando a multivocalidade histórica dos povos, expropriando territórios, e conhecimentos (CASTRO-GÒMEZ, 2005). Sob essa perspectiva buscamos alicerçar nossos dados em fontes historiográficas da História da Alimentação, sem que essa escolha impedisse a busca de outras informações nas áreas da Arqueologia, Antropologia, Linguística e Geografia. Ou seja, buscamos realizar a presente pesquisa sob o viés da interdisciplinaridade, interculturalidade e decolonialidade.

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A ORGANIZAÇÃO DA PESQUISA

O objetivo da presente tese é discutir a alimentação como tradição cultural do povo indígena Javaé, habitante da Ilha do Bananal, para compreender seu cotidiano social e suas relações humanas. Pretende analisar e compreender suas práticas alimentares tradicionais, a partir da década de 1990 até 2020. O recorte temporal escolhido acompanha o momento em que as abordagens teóricas e metodológicas das ciências sociais passaram a perceber as relações de poder e subalternidade por meio das propostas da interculturalidade crítica e da decolonialidade. É também o período de impulso nos Estudos da Alimentação e na História da Alimentação, mais especificamente. Deste modo, buscamos neste trabalho visibilizar os saberes indígenas de maneira que pudéssemos compartilhá-los, além de tratá-los com o mesmo grau de importância de outros conhecimentos, como é o caso das ciências médicas nutricionais. Procuramos evidenciar os saberes indígenas que por muito tempo foram tratados nas narrativas históricas como de menor relevância. E ainda, buscamos analisar como atuam os saberes indígenas ligados à alimentação, que refletem diretamente na educação escolar e na saúde, nas dimensões da vida das aldeias Canoanã, Barreira Branca e São João. A hipótese da tese relaciona-se à manutenção de práticas culturais alimentares pelos Javaé, apesar das mudanças e dos contatos com outros indígenas e com não-indígenas. Pressupúnhamos a substituição de elementos constituintes das práticas tradicionais de produção e consumo alimentar pelas práticas mais próximas às dos não-indígenas, estando hoje, as práticas tradicionais relacionadas às significações específicas direcionadas à rituais, orientadas pela cosmologia Javaé. Mesmo com as substituições, o conhecimento imbuído no modo de preparação e as significações intrínsecas à alimentação poderiam ser percebidas quando observadas as práticas cotidianas ou ritualísticas. Além disso, as histórias do povo Javaé e as mitologias estariam presentes na oralidade, trazendo significações relacionadas à ancestralidade e às práticas tradicionais alimentares, como aquelas que trazem bem-estar social. Desse modo, a alimentação em seus múltiplos aspectos - códigos, regras, divisões do trabalho, modos de fazer, cosmologia, relação entre o espaço social e os indivíduos - possuiria alto potencial para o fornecimento de informações a respeito das mudanças e permanências de práticas e saberes alimentares. Essa hipótese não se distanciou muito de nossos resultados, porém, obtivemos informações que não coincidiram com os dados iniciais revelando importantes perspectivas e 28

modos de agir e pensar dos Javaé que poderão ser encontrados ao longo da tese, principalmente nos capítulos três e quatro. Para a realização da pesquisa utilizamos dados bibliográficos, imagéticos e informações orais obtidas por meio de conversas nas etapas de campo e em sala de aula, como mencionamos acima. Essas últimas ocorreram durante o acompanhamento dos Temas Contextuais1: “Tempo, Espaço e Interculturalidade”, ofertado em janeiro e em julho de 2016, em janeiro de 2017 e em fevereiro de 20192; “Cosmos: saberes locais e saberes universais”, ofertado em janeiro de 2018; “Educação Bilíngue Intercultural”, ofertado também em janeiro de 2018; “Etnicidade e Diversidade Cultural”, ofertado em agosto de 2018; “Cultura e Trabalho”, ofertado também em agosto de 2018; “Organização e reprodução social”, ofertado em julho de 2019; e “Jogos e brincadeiras e suas funções sociais”, ofertado em janeiro de 2020, no Curso de Educação Intercultural, da UFG. A pesquisa bibliográfica seguiu etapas bem delimitadas. Começamos pela busca e seleção de informações que estivessem relacionadas diretamente à História da Alimentação, Antropologia da Alimentação, Palinologia, Zooarqueologia e informações arqueológicas a respeito da alimentação, tendo como subtema a alimentação indígena e, especificamente, Javaé. Infelizmente não foi obtida nenhuma informação (artigo científico, livro, capítulo de livro, dissertação ou tese) diretamente relacionada à História da Alimentação Javaé, sendo necessária a busca de informações em documentos que, em sua maioria, mencionavam a alimentação como uma temática secundária. Após a seleção de informações foi construído o Estado do Conhecimento a respeito do tema. Em seguida, buscamos dados sobre a alimentação de povos indígenas, além dos Javaé; e as intervenções das políticas públicas nacionais e internacionais

1 De acordo com o Projeto Político-Pedagógico do Curso de Licenciatura em Educação Intercultural da UFG (2019, p. 51): “O tema contextual tem uma configuração epistêmica própria, que visa permitir o exercício do pensamento crítico e conduzir a uma visão política de cidadania, capaz de integrar saberes e valores, propiciando, assim, trazer para sua composição a espessura da diversidade epistêmica do mundo. A concepção de tema contextual transcende a lógica clássica das dicotomias científicas. É entendido como a não disciplinarização dos saberes. O tema contextual busca, sempre, a articulação dos conhecimentos, sejam de bases intraculturais, interculturais, transculturais, ou de outras formas, como as científicas, dissolvendo, assim, as hierarquias epistêmicas. Nessa concepção, não há nem conhecimentos superiores, nem conhecimentos completos; há constelações de conhecimentos. O tema contextual reconhece, em sua composição, diferentes lógicas de organização e produção de saberes, realidade que prestigia a troca de conhecimento em um processo crescente de solidariedade intelectual e de justiça social”. Deste modo, os Temas Contextuais correspondem às matrizes dos conhecimentos que compõem a proposta educacional do curso, que não segue o modelo educacional de divisão dos saberes por Disciplinas. 2 A partir dos diálogos e análises de dados surgidos a partir da participação nesse Tema Contextual, juntamente com colegas e com o orientador Elias Nazareno, foram produzidos os seguintes artigos científicos: Tempo, Lugar e Interculturalidade na perspectiva dos estudantes indígenas do curso de educação intercultural – UFG, publicado na Revista Espaço Ameríndio, em jan./jun. de 2019; e Transdisciplinaridade e interculturalidade: experiências vividas e compartilhadas no curso de educação intercultural indígena – UFG (2018), publicado na Revista Roteiro, em mai./ago. de 2019. 29

em seus modos de vida, espoliações e resistências que estão presentes na atualidade. Ou seja, buscamos identificar a “colonialidade do poder” dissimuladora de um ideal de direitos dos povos indígenas nos dias de hoje. Na sequência, buscamos e selecionamos dados a respeito da alimentação ancestral dos povos indígenas, principalmente aquelas que tratavam sobre a alimentação dos povos Iny. Mais uma vez nos deparamos com a escassez de informação. Os dados que obtivemos sobre a alimentação dos povos ancestrais aos Iny encontravam-se na periferia das pesquisas historiográficas, sobretudo com relação aos povos viventes na Ilha do Bananal. A arqueologia e a Antropologia foram as áreas em que mais identificamos dados, revelando-se áreas que primeiro se preocuparam com a documentação da História da Alimentação dos povos indígenas de modo sistematizado. Selecionamos também dados etnolinguísticos que contribuíram demasiadamente nessa tarefa. Por fim, agregamos as informações obtidas nas pesquisas de campo e bibliográfica a respeito da alimentação do povo Iny Javaé no último capítulo. No entanto, destacamos que desde o início da pesquisa da tese, as conversas, trocas de informação e participação nas cozinhas Javaé ocorriam, de modo que agregamos os dados no último capítulo, mas as diversas informações obtidas permeiam os demais capítulos. Buscamos na presente pesquisa escutar e aprender, reconhecendo os conhecimentos Javaé, suas receitas, seus modos de fazer, servir e consumir sem a pretensão de impor qualquer outro modo de saber ou fazer. Buscamos as memórias orais das cozinhas, respeitando os segredos, os ditos e os não ditos. Procuramos respeitar a epistemologia e ontologia Javaé em todas as nossas conversas. O mesmo método foi utilizado com outros indígenas e também com os não-indígenas. Buscamos entender de que modo a alimentação dos povos indígenas aparece na literatura das ciências sociais, como seus saberes são vistos e tratados. Principalmente, pretendemos compreender de que modo os Javaé veem sua alimentação, diferenciando-a nas dimensões do tradicional e não tradicional. Nossas perguntas-chave, que guiaram o trabalho de campo e as conversas foram: o que é alimentação tradicional para o povo Javaé? Quais seriam as epistemologias construídas e articuladas pelo próprio grupo em torno desta prática? Para uma investigação que pretende contemplar um povo indígena, é importante e necessário primeiramente compreender quem são eles, os Javaé. Esse povo possui uma história de contato interétnico com os não-indígenas desde o início do século XVII. Por estarem na Ilha do Bananal e nas margens do rio Javaés, afluente do rio Araguaia, os contatos neste período 30

eram realizados através dos vizinhos indígenas Karajá de Aruanã, localizados às margens do berohokỹ (o grande rio), rio Araguaia.

QUEM SÃO OS JAVAÉ?

Os Javaé se autodenominam Iny (“gente”) ou Itya mahãdu (“o Povo do meio”). Habitam o Vale do rio Araguaia, na Ilha do Bananal (Tocantins) e arredores, são falantes do dialeto Javaé, da família linguística Karajá3, pertencente ao tronco linguístico Macro-Jê. Os Javaé que habitam a porção leste da Ilha do Bananal comunicam-se com as cidades mais próximas através da rodovia BR 153 com a cidade de Barreira da Cruz – TO, que é a mais próxima das aldeias (LIMA FILHO, 1994). Ao Sul existem aldeias Javaé conhecidas como Barreira Branca, Canoanã, Txuiri, Wariwari e Boto Velho, entre outras (RODRIGUES, 2004). A formação da sociedade Javaé é uma espécie de fusão de influências Macro-Jê (Bororo), Aruak, Tupi e não-indígenas. Suas aldeias são ordenadas de forma linear, perpendiculares ao rio Javaés. Praticam o sedentarismo e a agricultura intensiva de roças fixas, além do uso dos recursos aquáticos (RODRIGUES, 2004). A alimentação do grupo é retirada, em grande parte, da ictiofauna (predominantemente peixes) e mamíferos (capivaras e cutias) presentes no rio Araguaia, rio Javaés e em lagos. Têm como animais preferidos para a retirada das penas para a confecção de ornamentos a arara e o jaburu. Suas roças são feitas em áreas de mata de galeria, geralmente na vazante do rio Javaés. Registros históricos citam o cultivo de milho, mandioca, batata-doce, banana, melancia, cará, amendoim e feijão. Aproveitam também frutos do cerrado como o oiti, o pequi e o mel silvestre (LIMA FILHO, 2006).

3 Dentro dos estudos linguísticos, o Javaé corresponde a um dos dialetos da língua Karajá, do tronco linguístico Macro-Jê. De acordo com Fortune (1973); Fortune & Fortune (1975); Rodrigues (1994); Maia (1986; 1998) há pelo menos três dialetos da língua Karajá: o Karajá, o Javaé e o Xambioá. Tal questão foi discutida posteriormente por Ribeiro (2001/2002) que propõe a divisão da língua em quatro dialetos: Karajá do Sul, Karajá do Norte, Javaé e Xambioá. Apesar de a literatura etnográfica descrever os três povos falantes da língua Karajá (Karajá, Javaé e Xambioá) como “subgrupos Karajá”, o povo Javaé não se autopercebe nesta classificação. O Javaé se considera um povo único e que influenciou os outros povos vizinhos em diversas práticas culturais, inclusive linguisticamente. De acordo com Nazareno et. al. (2016, p. 65): “Existe uma séria disposição de parte dos Javaé em diferenciar-se em termos políticos e linguísticos dos Karajá, isto fica claro na eleição de alguns vocábulos que são centrais para a cosmologia de cada um destes povos, a palavra Irasò (aruanã), por exemplo, se escreve e pronuncia em Karajá como Ijasò. As razões para as distinções são tanto de ordem política, como de ordem histórica e demandam pesquisas mais aprofundadas”. A necessidade de demarcação identitária Javaé pode ser observada, entre outros elementos, na fala. Na presente tese, optamos por usar “língua Iny”, tal e qual os seus falantes, nossos interlocutores, denominavam seu modo de falar, mesmo que na literatura da área da Linguística haja a classificação de “língua Karajá”, “dialeto Javaé”. 31

A organização social Javaé demonstra a prática da endogamia entre aldeias e entre parentes, condenando os casamentos interétnicos e priorizando os casamentos com troca restrita (casamento com primos cruzados bilaterais). Apesar da constituição da sociedade Javaé narrada na mitologia ser também produto do casamento entre estrangeiros, indicando a mistura como constituinte dessa sociedade, os casamentos entre “estrangeiros” (outros indígenas e não- indígenas) são estigmatizados. Possuem elaborados rituais com metades cerimoniais (agrupamento social dividido de modo binário), marcações sociais por idade, Casa dos Homens e espaço feminino (domicílio) (RODRIGUES, 2004). A mitologia e suas narrativas relacionam-se com categorias espaciais, corporais e simbólicas, nas quais os alimentos e a alimentação também estão presentes. Os Javaé relacionam dimensões da vida não visível e visível, pois percebem a si próprios em um contexto de relação como povos que habitam a dimensão cósmica, que antes de qualquer coisa, é humana ou humanizada (animais, árvores, astros, ancestrais mágicos ou monstros). Nessas dimensões, a descrição espacial do mundo corresponde a um “eixo corporal” humano, ou seja, o mundo é visto espacialmente como um grande corpo humano. A cabeça é equivalente ao Leste, ao espaço celeste e rio acima, enquanto os pés são o Oeste, o espaço subaquático e rio abaixo. O espaço que vivem os humanos terrestres é um espaço aberto e intermediário entre estas duas dimensões, sendo as extremidades do mundo as dimensões celeste e subaquática, onde estão localizadas a entrada e saída. O caminho que interliga as duas dimensões é por onde o sol (astro e herói mítico) entra e sai. Assim, o mundo celeste ou o mundo subaquático, associados analogamente ao corpo humano, correspondem ao próprio aparelho digestivo (RODRIGUES, 2004). O que é interessante notar é que o mundo celeste é visto como aquele aspirado por todos para a vida após a morte, é o lado onde vivem os heróis míticos e a perenidade, associado à cabeça, à boca por onde entra o alimento que será transformado; enquanto o mundo subaquático é um mundo em que há pouca luz, sofrimento e associado no corpo humano, às nádegas, pernas e ânus, onde saem as substâncias. Mas há ainda a ideia de que o fim e o começo coincidem, o fim de algo é sempre o começo de outro, não havendo opostos isolados, mas transformações para constituição de um todo (RODRIGUES, 2004). As ideias relacionadas às dimensões espaciais associadas ao corpo humano trazem através da narrativa o conhecimento ancestral, chamado também de tradicional. Sendo o conhecimento ancestral associado a tudo que está abaixo, atrás ou ao fim, corresponde, nesse sentido, a volta às origens, em que o fim é sempre um começo ou o princípio do começo. Além disso, segundo Rodrigues (2007), os Javaé: 32

[...] vivem espacial e temporalmente entre os dois extremos opostos, um masculinizado, associado ao estatismo e aos corpos fechados do nível celeste desejado, e outro feminilizado, associado às transformações e aos corpos abertos da Terra dos Ensanguentados, o pior dos destinos escatológicos, onde seus habitantes perdem sangue incessantemente (RODRIGUES, 2007, p. 39).

Os Javaé possuem origem mítica ligada às águas, como foi dito. Narram que antes do mundo de hoje ser como ele é, já havia muitos povos vivendo abaixo do leito dos rios, lagos, no nível terrestre e também no céu. O sol existia no céu, porém não iluminava nem o plano terrestre, nem abaixo dos rios e lagos. A vida subaquática era um paraíso, pois não havia fome, morte, velhice, brigas, intrigas, doenças ou dor. Tudo que se desejava conseguia, mas havia escuridão, era frio, a lama chegava aos joelhos dificultando a caminhada, a comida tinha gosto quase cru, a água tinha gosto ruim e não havia o prazer do sexo. Então, certo dia, algumas pessoas despertadas pela curiosidade de conhecer o nível terrestre encontraram uma passagem por onde emergiram. Vários povos saíram do mundo subaquático para o mundo terrestre, ou seja, saíram de um mundo fechado e um quase-paraíso para um mundo aberto, rodeado de dores, mortes, perigos, mas também de prazeres. Foi ao redor do Lago do Bananal que muito povos emergiram, inclusive aqueles que dariam origem mais tarde aos atuais Javaé, fundando a primeira aldeia chamada de Marani Hãwa. Locais como Lagoa da Confusão, Imotxi (próximo ao Riozinho) e outros, também foram lugares onde povos emergiram, mais tarde se tornando aldeias Iny Javaé e Karajá (RODRIGUES, 2008). Essa origem mítica nos mostra o território original dos povos Javaé, no interior da Ilha do Bananal, sempre próximos a rios, lagos e principalmente ao rio Javaés. Atualmente na Ilha do Bananal, há cerca de 1.500 Javaé (NAZARENO, 2016) vivendo na Terra Indígena Parque do Araguaia (demarcada e homologada em 1998) e na Terra Indígena Inãwébohona (demarcada em 2002 e homologada em 2006). Ao norte da Ilha do Bananal há o Parque Indígena do Araguaia, área de proteção ambiental homologada desde 1971 (RODRIGUES, 2008). O povo Iny Javaé convive com outros povos, tais como os Karajá, os Avá-Canoeiros, os Tuxá e os Tapirapé nesse território. No caso dos Avá-Canoeiro e Tuxá, houve uma imposição por parte do Estado brasileiro, pelo órgão da FUNAI, para que esses povos fossem agrupados na Ilha do Bananal, a partir da década de 1970. Já os Karajá e Tapirapé, vizinhos de longa data dos Javaé, convivem com eles há séculos. De acordo com a mitologia Javaé, há uma antiga relação de guerras e trocas com os Tapirapé, em que os primeiros contatos se deram de modo pacífico (RODRIGUES, 2008). Na atualidade, há diversos cantos, danças e rituais que se assemelham aos dos Javaés, sinalizando essas trocas e grande proximidade no passado. 33

Abaixo observamos os mapas das aldeias Javaé atuais e antigas, publicadas por Rodrigues (2008) em sua tese “A caminhada de Tanyxiwè: uma teoria Javaé da História”, e a seguir, observamos mapas das aldeias Javaé antigas e atuais, produzidos no ano 2016, por alunos do Curso de Licenciatura em Educação Intercultural da UFG.

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Mapa 1 – Aldeias Javaé e Karajá atuais (RODRIGUES, 2008, p. 41)

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Mapa 2 - Aldeias Javaé antigas (RODRIGUES, 2008, p. 42)

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Mapa 3 – Localização das aldeias Javaé antigas

Nota: Mapa da Ilha do Bananal feito por alunos do Curso de Licenciatura em Educação Intercultural da UFG, com a localização das principais aldeias Javaé antigas (2016). 37

Mapa 4 - Localização das principais aldeias Javaé na atualidade

Nota: Mapa da Ilha do Bananal feito por alunos do Curso de Licenciatura em Educação Intercultural da UFG, com a localização das principais aldeias Javaé na atualidade (2016). 38

OS CAMINHOS DA PESQUISA

O método da “conversação” que utilizamos na pesquisa, diferencia-se do diálogo, pois a conversa exige uma postura de abertura de ambas as pessoas que conversam, havendo a possibilidade de serem transformadas nela. Ou seja, a conversa pode conduzir a mudanças de pensamento e perspectivas de mundo. Baseia-se na compreensão mútua, mesmo quando são construídas diferenças ou na diferença: Con la actitud de reconocimiento de la conversación, permitiendo que la conversación nos interpele (por ello es auténtica) y nos toque (de allí que sea una táctica), podemos aprender la aptitud del aprendizaje. Aprender es conversar, en el sentido en que aprender es hacer versiones de uno en relación con otros. La aptitud de la conversación es, así, una actitud de conversión. Ser- en-la-conversación no es convertirse en el otro, sino convertirse en la relación con el otro, en el flujo de esa conversación. Esta es la apertura que mide la autenticidad de la táctica, una apertura que sólo es visible desde el lugar de la conversación (HABER, 2011, p. 19).

Diversas conversas foram realizadas com indígenas de modo que se sentissem à vontade para trocar informações, demonstrar ações e executá-las. No total, foram realizadas 15 conversas com indígenas Javaé, Karajá (esposa do cacique de Canoanã) e Tuxá (esposo da anciã mais velha de Canoanã); 1 Roda de conversa com 5 estudantes do Curso de Licenciatura em Educação Intercultural da UFG, todos Javaé; 2 conversas com funcionários indígenas (Javaé) e não-indígenas do Polo Base de Saúde Indígena, de Formoso do Araguaia. Em sua grande maioria, as conversas foram gravadas, e algumas apenas documentadas em caderno de campo. Os nossos interlocutores eram, em sua grande maioria, moradores da aldeia Canoanã (Formoso do Araguaia), Barreira Branca e São João (Sandolândia). Além de alunos do Curso de Educação Intercultural - UFG, alguns exerciam atividade de docência como professores efetivos nas escolas das aldeias por já possuírem um curso superior, como o magistério. Em sua maioria homens, entre 27 e 50 anos de idade. Essa presença do gênero masculino ocorre porque o domínio da língua portuguesa é uma atividade desenvolvida culturalmente pelos homens ou por lideranças, nesse último caso englobando também o gênero feminino. Assim como os alunos do Curso de Educação Intercultural, outros moradores das aldeias também participaram de conversas, como crianças e adolescentes, entre 6 e 14 anos; mulheres e homens, entre 40 e 100 anos de idade. A grande maioria dos interlocutores eram Javaé, havendo apenas uma das interlocutoras Karajá, um Tuxá e um não-indígena (coordenador do Polo Base de saúde indígena de Formoso do Araguaia). Com as crianças e adolescentes realizamos atividades em 39

sala de aula, juntamente com os professores indígenas, com o uso de desenho livre a respeito de suas comidas preferidas e tradicionais. Com os adultos e idosos houve conversas nas portas de suas casas, acompanhamento do processo de produção de comidas tradicionais, andanças pelas roças e quintais com a indicação e identificação do que é cultivado. Todas as narrativas apreendidas contituem parte do presente trabalho, presente em nossas análises principalmente no capítulo quatro. Optamos por não realizar ou utilizar entrevistas ou questionários que constrangessem ou pudessem causar dificuldades no acesso as informações. O estranhamento inevitável que acontece durante o contato entre pessoas diferentes pode ser remediado quando as conversas são realizadas primeiramente sem a presença de câmeras, gravadores ou cadernos. Elas permitem fluidez de ideias, informações, sentimentos e sensações. Mediante a importância da documentação para a pesquisa científica, as gravações e fotografias foram realizadas em um segundo momento, após as conversas iniciais terem se estabelecido e as documentações autorizadas por aqueles. De acordo com Haber (2012), nós pesquisadores podemos conhecer por meio de métodos disciplinares que se tornam uma linguagem natural das áreas científicas. Mas, observando de fora essa linguagem disciplinar, entendemos que a nossa relação com o passado, com os documentos, vestígios e pessoas corresponde a uma relação epistemológica e não ontológica. Assim, a pretensão disciplinada é de que os documentos me afetem como um conhecedor e não como um ser. Dentro da linguagem da disciplina há uma separação entre aqueles que conhecem e aqueles que serão conhecidos, ou seja, não poderia haver relação outra que não fosse a de sujeito e objeto. Para que essa linguagem fosse rompida, seria necessário que houvesse uma relação menos assimétrica. É essa relação assimétrica entre conhecedor/colonizador e conhecido/colonizado que Haber (2012) nos convida a romper, para que seja dessolidificada e desnaturalizada como a maneira correta de tratar os vestígios/documentos/indivíduos. Nessa linguagem disciplinar o passado só pode ser conhecido em sua materialidade/objetividade mediadas pelo conhecimento científico, excluindo a imaterialidade/subjetividade. A descendência e a memória são excluídas da disciplina. Haber (2012) afirma que se relacionar com o passado/documento/indivíduo mediante parentesco e memória não pode desprover a capacidade de ser pesquisador. Isso implica que somos também sujeitos carregados de subjetividade e é um mito a ideia de neutralidade em qualquer pesquisa. Por muito tempo o método disciplinar construiu, e ainda constrói, o outro como pré- disciplinar, como possuidor de informações especulativas, iniciais, pioneiras e tudo isso foi 40

“superado” com a chegada do conhecimento “verdadeiro”, objetivo e científico. Esse último foi socializado nas leis, nas escolas, nos tratados internacionais e está presente em diversas culturas. Nas Américas está presente desde a colonização (HABER, 2012). Desconstruir o lugar hegemônico no qual a linguagem disciplinar nos coloca, implica em escutar e aprender com as relações subalternas, mudar o modo de escrita e desenvolver posições indisciplinares, para que não haja, ou pelo menos sejam minimizadas, as exclusões. Por muito tempo, tradições historiográficas baseadas na oralidade, em rituais e dramaturgias foram excluídas do método aceito como correto, que não poderia ser outro senão a auto narração da História do Ocidente (HABER, 2012). Segundo Haber (2012), são os pesquisadores que doam a memória para os povos que a teriam perdido e espera-se que esses povos a recebam e transformem-na em uma memória própria. Essa ação corresponde a uma grande violência epistêmica, com a qual os pesquisadores muito contribuem. Assim, para que indisciplinemos é preciso: “escutar, reconhecer e aprender” (HABER, 2012, p. 25). São habilidades que devem ser desenvolvidas como condição da “conversação” (HABER, 2012, p. 26). Além disso, não pretender objetividade, senão subjetividade ampliada; reconhecer o conhecimento com os quais conversa; não estar orientado a provocar imposições ao outro, se não autotransformações pela conversa (HABER, 2012). Desse modo, orientamos nossas conversas com os Javaé por meio da escuta e do reconhecimento de seus saberes, aprendendo e apreendendo o que têm para falar.

ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO DOS CAPÍTULOS

Acreditamos que conhecer a epistemologia Javaé relacionada à alimentação nos levaria a perceber formas de organização do mundo diferentes daquelas conformadas pelo colonialismo. Quebraria estigmatizações comumente associadas à selvageria ou à comida mal processada de um “povo primitivo”. Assim, abriria portas para diálogos e interações entre sujeitos, contribuindo para convivência de saberes diferentes, podendo reduzir preconceitos e a segregação sociocultural. Auxiliaria também um diálogo mais amplo entre as áreas de conhecimento da História, da Antropologia e de outras ciências humanas, tais como a Sociologia e a Arqueologia, pois tornariam acessíveis informações para se pensar as articulações sociais e políticas do grupo ao longo do tempo. 41

No primeiro capítulo da tese, descrevemos de modo panorâmico o “Estado da arte” ou “Estado do conhecimento” da alimentação, como já citado acima. Enfatizamos os principais trabalhos sobre História da Alimentação no Brasil, principalmente nas décadas de 1930 a 1960, quando as obras hoje consideradas “clássicas” são apresentadas pela academia. Apresentamos também obras mais recentes publicadas a partir da década de 1990, momento em que a alimentação indígena começa a despontar como tema central de vários estudos. No segundo capítulo, discutimos a História da Alimentação na África e na América, especificamente no México e no Peru, buscando identificar, de modo breve, problemáticas do meio político e econômico, e que configuram a “colonialidade do poder”, legitimadora da espoliação epistêmica e dissimuladora de um ideal de identidade dos povos indígenas. No terceiro capítulo, desenvolvemos um panorama histórico das pesquisas arqueológicas e antropológicas sobre a alimentação indígena no Brasil, do início do século XX aos dias atuais. Discorremos também sobre as pesquisas arqueológicas e linguísticas acerca dos povos habitantes do Brasil Central e o seu contexto alimentar, evidenciando a Ilha do Bananal. Desdobramos brevemente a relação entre as tradições cerâmicas arqueológicas Una, Aratu, Uru e Tupiguarani4 com os troncos linguísticos Macro-Jê e Tupi e famílias linguísticas Aruak e Karib. No quarto capítulo, apresentamos informações sobre as vozes indígenas por meio dos dados obtidos nas conversas com os Javaé. Descrevemos e analisamos o ato de reciprocidade, que possui relação direta com as práticas alimentares para o povo Javaé, e a construção da alimentação tradicional como um processo de mistura de elementos novos ou externos com os elementos antigos e internos. Ademais, enfatizamos que o presente trabalho é um compromisso científico e político com a luta dos povos indígenas pela valorização de sua cultura e legitimação de sua identidade frente à cultura nacional brasileira.

4 A tradição arqueológica Tupiguarani não pode ser confundida com a família linguística Tupí-Guaraní. A primeira corresponde a uma denominação utilizada pelos arqueólogos na classificação de vestígios cerâmicos, enquanto a segunda é utilizada para a classificação linguística de povos indígenas do Brasil. 42

CAPÍTULO 1 - ESTADO DO CONHECIMENTO SOBRE ALIMENTAÇÃO

O presente estudo sobre o tema alimentação iniciou-se pela construção do chamado “Estado da Arte” ou “Estado do conhecimento” (FERREIRA, 2002), também denominado de “Pesquisas que estudam pesquisas” (SLONGO, 2004). Em ordem cronológica descrevemos os documentos gráficos (livros, manuais, enciclopédias, artigos, dissertações e teses) que tratam sobre a História da Alimentação, com o intuito de compreender como chegam aos dias atuais os documentos que abordam a alimentação indígena, objeto da presente tese. Iniciamos as descrições a partir de um panorama documental sobre os manuais gastronômicos, livros, tratados e cartas5, anteriores ao século XIX na Europa. Eles são considerados documentos, que registram os alimentos, os modos de fazer e o comportamento social, anteriores às abordagens científicas dadas ao tema. Em seguida, descrevemos os principais trabalhos sobre História da Alimentação, na América e no Brasil, enfatizando as décadas de 1930 a 1960, quando as obras consideradas “clássicas” são apresentadas pela academia. Até a década de 1930, a temática da alimentação era escrita por médicos e contava com estudos esparsos na área sociocultural. E por fim, apresentamos as obras mais recentes publicadas da década de 1990 à atualidade, perfazendo teses e dissertações nas áreas de história, antropologia, sociologia, geografia, letras, nutrição, agronomia e engenharia de alimentos, momento também que a alimentação indígena começa a despontar como tema central de muitos estudos.

1.1 - O INÍCIO DOS REGISTROS ESCRITOS: EUROPA E PENÍNSULA IBÉRICA

Os conhecimentos humanos sobre aquisição alimentar possuem uma trajetória longa, e é provável que existam há mais de 500 mil anos a.C., quando os hominídeos começam a

5 Os documentos descritos ou citados são predominantemente de origem francesa, mediterrânea e ibérica, por serem oriundos de reinos e povos influentes diretamente na constituição da alimentação anterior e durante o período colonial. Foi dada maior ênfase aos documentos ibéricos quando descrevemos o século XVI ao XIX, por mencionarem a construção alimentar brasileira. 43

controlar o fogo para a transformação de seu meio e os seus recursos (WRANGHAM, 2010)6. De acordo com Flandrin (2015) é difícil saber quando carnes, peixes, legumes e bebidas começaram a fazer parte da alimentação humana, mas o que se pode dizer é que os homens sempre foram onívoros, ou mais ou menos inclinados a comer alimentos vegetais ou animais. Entretanto, essa característica não marca a História da Alimentação humana, pois antes do Homo sapiens já havia primatas onívoros. Por milhões de anos, frutas, folhas e grãos forneceram os grupos humanos7 do período pré-histórico8 as calorias de que necessitava. A preponderância desses na alimentação é sugerida pelo desgaste dentário dos exemplares fósseis humanoides. A carne, como alimento, é presente desde 1,5 milhão de anos a.C. aproximadamente, obtida pela caça ativa e eventualmente pelo roubo de presas dos predadores. Houve mudanças na aquisição das carnes somente no paleolítico inferior, quando as estratégias de caça começaram a ser especializadas, permitindo a aquisição deste alimento com maior facilidade, o que continuou a ocorrer nos períodos posteriores. No neolítico, alguns registros apontam para diminuição da proporção de carne em relação aos vegetais, por ter sido um período em que a domesticação de plantas foi mais ativa (FLANDRIN, 2015). De acordo com Maurizio, em Histoire de l’alimentation végétale chez l’Homme (1931), as plantas tiveram um papel de destaque na alimentação humana no período neolítico. Era frequente a presença de brotos, rizomas, raízes, oriundos do forrageio humano, assim como eram presentes tubérculos e grãos na nossa mesa, oriundos da agricultura9. Esta larga presença de vegetais sugere que a variedade era muito maior que a quantidade de alimentos no passado humano, de maneira que, grande parte dos vegetais que são comestíveis hoje é o resultado do cuidado que tivemos com as plantas selvagens no passado. Maurizio tomou evidências

6 Quando nos referimos ao conhecimento alimentar dos hominídeos não estamos excluindo o Homo afarensis (3 milhões de anos); Homo habilis (2.5 milhões de anos); Homo erectus (1.8 milhões de anos) ou seus antecessores, estamos focando na importância do uso do fogo para cozer os alimentos e todas as transformações que se sucederam a partir desse uso, principalmente a partir do Homo heilderbergensis (250 mil anos) até o Homo sapiens (130 mil anos a atualidade). 7 A expressão “grupo humano” aqui diz respeito a padrões de ocupação arqueológica, sem vínculo com identidades étnicas específicas. 8 De acordo com Barreto (2010, p. 25), “o termo ‘pré-história’, apesar de amplamente consagrado, não é o mais adequado para definir a situação das sociedades que não se utilizavam da escrita, pois pode dar a entender que essas sociedades não tinham história, o que seria absurdo, já que a história começa com o aparecimento das primeiras sociedades humanas. Contudo, nunca é demais lembrar que semanticamente o prefixo ‘pré’ apenas denota antecedência ou antecipação e não negação, sendo assim pré-história é a época ou etapa anterior a existência de qualquer tipo de escrita, ou falando mais tecnicamente, de qualquer código expresso com signos gráficos para representar a linguagem falada. O termo deve então ser utilizado com essa devida ressalva”. 9 De acordo com Maurizio (1931), devemos entender por “agricultura” uma atividade de cultivo de vegetais com o uso de “varas de escavação” e outros instrumentos de cavar, realizados nos quintais das casas, como jardins, destinados à subsistência destes humanos do neolítico. 44

arqueológicas10 para compreender a etnobotânica e essa correlação entre as populações humanas e a flora do passado, nos permitindo visibilizar, inclusive o papel dos fermentados como crucial na alimentação e exploração de técnicas de preparo das comidas do neolítico. Nos mostra que a invenção do pão e das bebidas fermentadas é muito anterior às civilizações das áreas desérticas da África e mediterrânicas da Europa. O antropólogo biólogo Wrangham (2010) recua mais no tempo, mencionando que o Homo sapiens, cerca de 200 mil anos atrás teria desenvolvido vários comportamentos em uma crescente sofisticação, inclusive com as técnicas de cozimento. Os fornos de terra com o uso de terra quente ou pedras quentes teria sido uma das inovações tecnológicas mais significativas. Os fornos de terra fornecem calor duradouro para assar ou cozinhar alimentos. O calor constante e o ambiente úmido tornavam os fornos de terra eficientes para gelatinizar amido e outros carboidratos, e permitiam um controle efetivo da maciez da carne. Essa sofisticada técnica de cozimento sem dúvida aumentava a digestibilidade da carne e de alimentos vegetais (WRANGHAM, 2010, p. 99).

Do mesmo modo, o uso de recipientes auxiliou na digestibilidade tornando o cozimento uma importante ferramenta para o melhor funcionamento cerebral e digestivo (WRANGHAM, 2010). Portanto, vegetais e carnes eram assados com o uso de técnicas que não exigiam o contato direto com o fogo, eram expostos a médias e altas temperaturas em uma espécie de forno natural capaz de “quebrar” as moléculas mais duras e permitir a sua dissobilidade com maior eficiência pelo organismo humano. É provável que “pães’ ou “bolos” feitos de cereais tivessem passado por esse processo, antes mesmo da ebulição social da região do Crescente Fértil e áreas adjacentes. Assim como é plausível a possibilidade de a fermentação ter sido propositadamente produzida. Mediante as ferramentas cerâmicas, como vasos, potes, panelas e tigelas que retinham os líquidos, a fermentação de bebidas era um processo natural, que exigia um pouco de habilidade e conhecimentos dos cozinheiros. Infelizmente os fornos de terra ou pedra não dão a possibilidade de preservação de evidências para estudos arqueológicos, ficando a cargo dos vasilhames cerâmicos tal tarefa, indicando que seu uso teria ocorrido há pelo menos 10.000 anos a.C. A presença de registros escritos aparece há quatro milênios para nos narrar que no antigo Egito existe agricultura e pecuária utilizada para alimentar um grande número de

10 Maurizio cita H. Neuweiler (1885), que identificou o conteúdo de muitos potes encontrados em palafitas, nos quais continha sementes de plantas cultivadas ou acumuladas pelos nossos antepassados, destinadas à sua alimentação. 45

pessoas, e que se estendeu posteriormente para as regiões do mediterrâneo11. Egito, Síria e Irã são lugares nos quais se encontram os mais antigos registros escritos do cultivo de cereais, como a cevada, a espelta e o trigo. Mas, as mais antigas receitas de cozinha datam do segundo milênio a.C. na Mesopotâmia. O que não quer dizer que esse povo inventou a cozinha como conhecemos hoje, ou que não existiam preocupações gastronômicas “refinadas” feitas por outros povos. Mas, registrar as receitas oferecia a eles possibilidade de “guardar” este conhecimento. A partir do terceiro milênio a.C. na Suméria, inúmeros textos comprovaram a existência de baquetes com o uso dos ritos voltados aos deuses e príncipes, além de festas. Comer e beber juntos já servia para fortalecer relações de amizade entre senhor e vassalo, ou mesmo selar acordos entre os mercadores. Eram comuns festas regadas a vinho, cervejas de cevada, pães, bolos e biscoitos de trigo (FLANDRIN, 2015). Já no século III a. C., as obras de Ateneu revelam-se uteis quando se busca reconstituir os primeiros escritos sobre alimentação. Esse autor, cuja obra O banquete dos sofistas trata da História da Alimentação grega, nos oferece um grande número de citações de autores cômicos, que registravam a vida cotidiana. Em O Regime, de Hipócrates, considerado o pai da medicina, que viveu no final do século V a.C., há uma minuciosa lista de alimentos utilizados na Grécia. Embora seu objetivo seja determinar as características intrínsecas de cada alimento (quente, frio, seco e úmido), ele descreve detalhes sobre os usos e modos de cocção corretos para se ter uma boa saúde (PANTEL, 2015). A Hedypatheia, escrita por Arquéstrato no século IV a. C., corresponderia a um tipo de literatura narrativa, mais do que gastronômica. Segundo Asfora (2009, p. 31), Hedypatheia “[...] apresentaria os atributos de ingredientes e pratos discutidos de uma maneira genérica, frequentemente intercalando receitas entre um comentário e outro”. Portanto, não se trataria de um livro de receitas, mas sim de um manual gastronômico, como aqueles lidos pelos gourmets (ASFORA, 2009). Outros cronistas e naturalistas como Tito Lívio

11 De acordo com Harari (2015), se os estudiosos um dia acreditaram que a agricultura se espalhou de um único ponto do Oriente Médio, atualmente a maioria concorda que a agricultura surgiu também em outras partes do mundo, não pela ação de agricultores do Oriente Médio, mas pela ação humana nestes locais, havendo a seleção e domesticação de plantas e animais, que levou a diminuição de diversidade de espécies usadas como alimentos, e elevou ao aumento da quantidade de poucas outras espécies. Este processo, que por muito tempo foi uma das principais etapas da chamada “Revolução Agrícola”, levou a diminuição da diversidade de alimentos e suas consequências foram tornar o Homo Sapiens mais vulnerável às doenças, fome, intempéries e guerras. Maurizio (1931, p. 168) argumenta que “esta riqueza em colheita, nós não encontramos nos dias atuais como nos tempos remotos, com a abundância de espécies que variaram a preparação dos alimentos”. Afirma que a comida dos povos coletores era muito mais variada do que a nossa, de tal modo que se a “nossa comida é menos diversificada do que antes, o número de plantas diminui e com ele o número de preparações”. Se por um lado, as evidências arqueológicas, pela cultura material, nos levam a compreender o processo e contexto histórico das origens da alimentação humana, por outro lado o registro escrito da mesma, ainda sim, se leva ao Oriente Médio.

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e Plínio, o Velho, relatam como ocorria o abastecimento de víveres e grãos de bico pelas cidades etruscas e romanas (ENCICLOPÉDIA ROMANA). Segundo Asfora (2009), a coleção de textos culinários conhecida como Apício, atribuída ao romano de nome Apício (século I d. C.) e intitulada De re coquinaria no século XIX, chega até nós por três manuscritos medievais datados do século VIII e IX. Asfora (2009) frisa que Apício é um nome próprio e não o título da obra. A autoria é incerta, mas houve um M. Gavius Apicius que ganhou fama durante o século I d.C., período do Imperador Tibério (42 a.C. – 37 d.C.). Apicius teria sido um gourmet que circulou em casas da elite de seu tempo, e seu talento na cozinha teria sido tão grande que após sua morte seu nome se tornaria sinônimo de sua profissão. O nome e o homem tornaram-se lendários, de modo que houve uma reificação de seu nome. Haveria dois textos apicianos, o primeiro considerado apiciano por exelência com títulos transliterados do grego e o restante do texto em latim; e o segundo, com textos mais curtos, escrito totalmente em latim (ASFORA, 2009). Apício seria, portanto, uma coletânea de textos culinários não atribuída a um só autor ou a um só período. Na Alta Idade Média, os textos de Apício, então, foram incorporados aos textos culinários (ASFORA, 2009). Algumas outras documentações escritas sobre a alimentação serão evidenciadas até o século XIII na Europa, compreendendo tratados médicos como o “De medicina” de Cornélio Celso (do século I d. C.); receitas como as de Catão, Varrão, Columela ou de Plínio, o Naturalista, referentes ao uso e conversação dos alimentos (do século III a. C. ao I a.C.) (CORBIER, 2015); tratados dietéticos como os de Galeno (século II d. C.), Oribase (século IV d. C.) e Antimo (século VI d. C.); e compilações literárias como “De matéria medica” de Dioscórides (século I d.C.) e “Herbarius” de Apuleio (século IV -V d.C.) (MAZZINI, 2015). Montanari (2015) afirma que o “pão”, alimento mais completo e nutritivo para os romanos, passa a ser substituído pela “carne”, alimento mais forte para corpo. Os senhores feudais viam na carne expressão máxima de força, nobreza e virilidade, por ser obtida por meio da caça, atividade por excelência masculina, nobre e que lembra ações de guerra. Já os camponeses retiravam dos cereais e vegetais grande parte de sua dieta base. As carnes, não excluídas do menu camponês, complementavam a sua dieta. Enquanto um médico romano como Cornélio Celso escrevia, na mais pura linha dos clássicos gregos, que o pão é o alimento perfeito e mais adequado para o homem, ‘porque contém mais matéria nutritiva do que qualquer outro alimento’, os médicos da Idade Média – a começar por Atimo, que escreveu, no século VI, um tratado intitulado De observatione ciborum, dedicado ao rei dos francos, Teodorico – acreditavam bem mais no valor nutritivo da carne. Alguns séculos depois, Aldebrandin de Siena sintetizará essa grande 47

transformação cultural, afirmando que, ‘entre todas as coisas que alimentam o homem, a carne é o que alimenta mais, porque o engorda e lhe dá força’ (MONTANARI, 2015, p. 293).

Posteriormente, a invasão árabe e a peste negra transformaram as estruturas demográficas, havendo carestia e fome devido à diminuição significativa das áreas cultivadas (KISLINGER, 2015). O livro Liber de Coquina (Livro de cozinha), datado do final do século XIII e início do século XIV, de autor desconhecido, reúne diversas receitas da nobreza medieval francesa. No mesmo período, precisamente no ano 1390 é escrito o The forme of Cury (Método de cozinhar), que corresponde a uma coleção de pergaminhos ingleses, manuscritos, de receitas da Corte do Rei Ricardo II. No ano de 1486 é publicado o livro de culinária Le Viandier (As iguarias), no qual foram reunidas as principais receitas da nobreza francesa do Rei Philip VI, por Guillaume Tirel conhecido como Taillevant (do francês, “o corta vento”, devido ao tamanho de seu nariz) (MIRANDA, 2013). No momento em que esses livros de receita eram escritos nas atuais regiões da Inglaterra e França, entre os séculos VIII e XV, a Península Ibérica recebe influências culturais múltiplas. Neste período, o Islã imprimiu marcas na alimentação e em vários aspectos da vida dos povos desta região. Momento em que foi construída uma culinária com receitas cristãs, mouras e judias, miscigenadas ao fervilhar das misturas étnicas que compuseram as experiências da expansão e dominação comercial da Península Arábica e África. Tal culinária, baseou-se em diversos ingredientes, como o azeite, mel, vinho e trigo dos cardápios cristãos, e foi associada às comidas mouras, ricas em óleo e açúcar, e às judias, baseadas em peixes e crustáceos. Era muito comum haver nos seminários e conventos eclesiásticos, as chamadas mesas fartas com a presença de peixes frescos, carnes de caça, hortaliças, frutas, açúcar, azeite, farinha de trigo e centeio, queijo, manteiga e ovos, além das comidas em conserva. Com o avanço da política e projeto comercial nas Américas, o colonizador que chega ao “Novo Mundo” carrega em sua bagagem os costumes alimentares de sua terra, que no final do século XVII começa a se expandir por meio de livros de receitas. Nas Missões e casas mais abastadas das vilas e fazendas, padres, freiras e senhoras da aristocracia praticam a culinária europeia em meio ao clima tropical (FREYRE, 2003). A aristocracia da França, por iniciativa de Luiz XIV, começa a valorização da cozinha e dos cozinheiros dos palácios em meados do século XVII. Momento em que são escritos os primeiros manuais de etiqueta à mesa. Norbert Elias, em Processo Civilizatório (1937) descreve como se deu na Europa tal processo detalhando uma lista de manuais e regras de comensalidade destinadas à nobreza. 48

No final do século XVIII, com o início da industrialização e avanços do desenvolvimento do capitalismo começa a haver a construção da ideia de indivíduo e da individualidade. A comida deixa de ser coletiva e passa a ser individual, cada pessoa passa a ter seus garfos e pratos, havendo também mudanças nos comportamentos à mesa como a disposição dos objetos e a valorização dos sentidos relacionados ao alimento. Há predominância maior do olfato em detrimento da visão. Os pratos passam a esbanjar mais sabores do que antes e sua apresentação passa a ser menos luxuosa (SANTOS, 2005). Antes que houvesse a Revolução Francesa (1789-1799), acontece em Paris a invenção dos restaurantes. Este evento foi descrito por Rebecca L. Spang, em sua tese monográfica A invenção do Restaurante (1989) atribuindo à Marthurin Rose de Chantaiseau, o início do serviço de venda de “caldos restauradores” em um estabelecimento nas ruas parisienses. No início do século XIX, a História da Alimentação foi marcada por uma série de publicações que privilegiaram os modos de comer, os alimentos e o gosto. No ano de 1803 nasce o termo Gastronomia, que Montaigne chamava de “ciência da gula” (SANTOS, 2005), cunhado após o lançamento do primeiro periódico sobre alimentos e alimentação na França, o Almanach des Gourmands (Almanaque do Gourmand. O termo gourmand pode ser traduzido por “glutão” ou guloso) de Grimod de la Reynière. No ano de 1825, Brillant-Savarin escreve A fisologia do gosto, no qual realiza reflexões filosóficas, sociológicas e antropológicas sobre a nutrição humana. É uma das primeiras obras sistematizadas sobre gastronomia, tendo em vista que o período foi propício para o desenvolvimento das obras e ideias racionais (FLANDRIN e MONTANARI, 2015). Em 1833, é lançado um dos mais famosos livros de gastronomia da França, o L’art de la Cuisine Française (A arte da cozinha francesa), pelo chefe de cozinha Marie-Antoine Carême, que, além de descrever centenas de receitas, descreve o planejamento de cardápios, organização da cozinha e a História da Alimentação francesa, inventando a prática a Haute Cuisine (Alta Cozinha ou Cozinha Clássica Francesa) com a elaboração refinada de peças feitas de material comestível, com açúcar e massas. Em 1873, é publicado o livro Grande Dicionário de Culinária de Alexandre Dumas, no qual o autor reuniu mais de 400 receitas indicando “todas as maneiras para se comer um pouco melhor nos países onde se come mal e para se comer mais ou menos nos países onde não se come” (DUMAS, 2006, p. VII). Desejoso de ser este um livro consagrado e glorioso postumamente, descreve pratos conhecidos e desconhecidos na Europa, especialmente da Itália e da França, anedotas bem-humoradas sobre a cozinha, além da fisiologia dos animais e plantas comestíveis. 49

No século XX, guias gastronômicos começam a ser produzidos, tais como o Guia Michelin, tendo sua primeira publicação na França em 1900. Além dos guias, livros de receitas e manuais de boas maneiras continuam a ser publicados. Neste mesmo período, estudos e abordagens acadêmicas começam a ser produzidos sobre o tema alimentação. Esse que teria sido relegado ao âmbito do exótico, curioso ou folclórico, não sendo abordado como um estudo científico em períodos anteriores começa a receber maior atenção, devido à mudança da conjuntura e postura política de sociólogos e historiadores. Antes, ligados aos métodos da chamada “História Tradicional ou Positivista”12, buscavam essencialmente a história política, dos grandes feitos e dos grandes homens, representados pelas narrativas sobre líderes políticos, militares ou clérigos. Uma história voltada à narrativa dos acontecimentos, de forma objetiva e baseada nos documentos oficiais (BURKE, 1992). Com o surgimento da Escola dos Annales em 1929 na França, críticas sobre os métodos tradicionais de se fazer produções científicas ligadas às ciências humanas começam a ser modificadas. No artigo “O lugar da alimentação nos estudos históricos da escola dos Annales” (2015), Rafaela Basso realiza uma análise sobre a temática da alimentação na primeira, segunda e terceira geração dos Annales. A autora afirma que Lucien Febvre e Fernand Braudel foram os principais responsáveis pela formação historiográfica da temática da alimentação, principalmente depois da criação do conceito de vida material. Na primeira geração dos Annales, Marc Bloch e Lucien Febvre se tornariam símbolos do movimento da história econômica e social, fundando o periódico em 1929. Tinham preocupações com o âmbito social, de modo que muitos historiadores se dirigiam para a temática da alimentação como possibilidade de abordagem ampla e global, buscando na Economia e na Sociologia instrumentos para a realização de análises. Nesse período, houve pesquisas relacionadas ao uso das gorduras na cozinha na França, à etnografia, à cozinha camponesa, à fome e ao consumo alimentar. Já a segunda geração dos Annales, na década de 1960, preocupa-se com eventos relacionados à curta e longa duração na História da Alimentação. Artigos relacionados ao comércio de sal, ao consumo de carne e à biologia alimentar entram no foco das análises, havendo muitos trabalhos em torno do conceito de cultura material, que incluía a vida cotidiana, a família e o corpo, investigados em suas transformações e permanências (BASSO, 2015). Enquanto a segunda geração dos Annales se preocupa com a cultura material, a terceira geração, nos anos 1980, se preocupará com a cultura. Houve multiplicidade nas tendências de pesquisa, não sendo abandonadas as perspectivas econômicas ou da cultura material, mas com

12 LE GOFF, Jacques. A história nova. In: A História Nova. Traduzido por Eduardo Brandão. São Paulo: Martins fontes, 1998, p. 25-64. 50

foco na história cultural. É nesse momento que o estruturalismo e a semiótica se aproximam da Antropologia e essa por sua vez da História (e vice-versa), de modo que os estudos da alimentação se voltam para o simbólico. A alimentação passa a ser uma categoria cultural, abordando as escolhas, os gostos por determinados alimentos, os modos de preparo e os equipamentos. Nesse momento, há também uma ampliação das fontes históricas, havendo o uso de cardápios, tratados culinários, livros de receitas e livros literários para análises alimentares (BASSO, 2015). Por conseguinte, houve uma busca por uma nova forma de ver e fazer estudos e descrições, a qual tentava ampliar o campo documental, substituindo o uso exclusivo de textos e documentos por documentos de todo tipo: imagens, informações orais, cultura material oriunda de escavações arqueológicas, dados estatísticos, curvas de preço, fotografias, filmes, etc. (LE GOFF, 1998). Começaram a buscar mais análises e interpretações que descrições. O que era imutável se torna uma construção cultural sujeita a variações no tempo e no espaço, aproximando-se a outras ciências humanas tais como a antropologia, a psicologia, a literatura, a linguística e a arqueologia. A história começa a ser vista por outro lado, a ser “vista de baixo”, com as opiniões e experiências das pessoas comuns, dando visibilidade à história da cultura popular (BURKE, 1992). Entre os autores da segunda geração dos Annales merece destaque, Fernand Braudel (Luméville-en-Ornois, 1902 – Cluses, 1985). Pioneiro ao valorizar os aspectos comuns da vida social, discutindo comportamentos biológicos, geográficos, alimentação, enfermidades, história econômica e social. Ele inaugura uma série de debates e indagações em torno destes temas nas ciências humanas, trabalhando como os comportamentos integram os gostos, os gestos, e a inovação de costumes determinados por produtos alimentícios recentemente importados de outros continentes, discutindo em O mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Felipe II (1949) e em Civilização material, economia e capitalismo (1950), tais questões. Esses temas continuam a ser debatidos em períodos mais recentes, nas décadas de 1970 a 1980, as obras de outros autores franceses como Flandrin (1983), Bonnet (1976), Bahlou (1983) e Aron (1976), que seguem trabalhando aspectos culturais da alimentação (MAGALHÃES, 2004). Jean Paul Aron destaca-se quando se preocupa em debater na obra A cozinha: um cardápio do século XIX (1976) novos olhares e perspectivas sobre a sociedade parisiense, dando ênfase à alimentação. Menciona que havia, no período em que escreve, uma “ditadura das antinomias operatórias”, na qual se opunha quantidade e qualidade, o sistema contra o acontecimento e o signo contra o vivido. Portanto, o autor se propõe enfrentar esse obstáculo tratando da cozinha. A cozinha seria um “documento” que diz tudo e nada ao mesmo tempo: 51

nada porque nenhuma narrativa é capaz de expressar o que pensavam os cozinheiros, e tudo porque os cozinheiros redigiam a refeição, a sua composição e seu cerimonial, como um texto que não poderia ser separado de seu objeto. Assim, para Aron, a história culinária não usa vestimenta erudita como os documentos históricos, ela está viva e, portanto, se faz um documento total. Além, disso se faz interdisciplinar, por reunir conhecimentos a respeito da biologia, medicina, sociedade, economia e política. Nos documentos utilizados para realizar suas análises registra as permanências e convergências de mentalidades arcaicas: o pão, alimento dos pobres; o vinho, seu desregramento; a carne, sua quimera que a intermediária bondade burguesa confere aos doentes dos hospitais públicos parisienses. E registra também as mudanças que ocorreram nos cardápios dos estabelecimentos comerciais com a eminência da Primeira Guerra Mundial: analisou os cardápios do Duval-Eiffel, de 1889, o cardápio da cervejaria Tourtel, de 1889, e do restaurante Lion d’Or (cozinha média), em 1889, concluindo que são os usos e as práticas que modulam os sistemas formais alimentares. Outro autor que merece destaque é Joëlle Bahlou, em Nourritures de l'altérité: le double langage des Juifs algériens em France (1983), analisou a alimentação, o comportamento e demais aspectos culturais dos judeus da Argélia instalados na França. Ela produz esse artigo respondendo ao convite de Claude Lévi-Strauss, que sugeriu “descobrir os casos individuais de como a cozinha em uma sociedade é uma linguagem em que, inconscientemente, traduz suas estruturas”, e de Mary Douglas, que analisou a pureza animal nos escritos de Jean Soler sobre a “semiótica” da comida judaica, e de Francis Martens sobre a proibição da mistura de carne com leite. Bahlou utilizando-se da analogia feita por Lévi-Straus entre cozinha e linguagem, demonstra como a tradição alimentar judaico-maghrebiana se junta aos códigos da sociedade francesa, de maneira a implementar ao mesmo tempo distinção e alteridade. Menciona a diferenciação entre os alimentos que são consumidos durante os feriados judaicos e aqueles consumidos nos menus cotidianos. Afirma que são as práticas ordenadas em um código social de distinção, que se fazem o lugar de reafirmação diária das “condições de existência” do grupo, na sociedade majoritária. É por meio do menu e da cozinha que Bahlou traz a análise histórica social. Como mencionado, os estudos sobre o cotidiano despertaram interesse a partir da década de 1970, após o advento da Nova História, abrindo espaço para novas abordagens e objetos de investigação. De acordo com Luz (2015), Lynn Hunt aponta o advento da Nova História Cultural com a 3ª e 4ª gerações dos Annales, e por autores marxistas que defendiam as relações econômicas como fruto da produção cultural (LUZ, 2015). Apesar de dirigirem seus 52

olhares para o “outro”, um “outro” nunca visto, esses historiadores falam por si, dando visibilidade, mas ainda não dão voz aos “marginalizados”. Isso deixa lacunas que mais tarde serão tratadas por outros pesquisadores, como aqueles que tratam sobre as influências da globalização e das relações interculturais na atualidade.

1.2 - ESCRITOS SOBRE ALIMENTAÇÃO: AMÉRICA E BRASIL

Entre os séculos XVI até meados do século XVII, alguns exploradores e missionários registram os alimentos do “Novo Mundo” e os modos de fazer nativos, buscando descrever o estranho, o exótico e o que pode ser explorado, aos reis e cleros do “Velho Mundo”. Pero Vaz de Caminha fez um dos primeiros registros escritos em 1500. Ele era escrivão da frota de Pedro Álvares Cabral e redigiu a Carta ao rei D. Manuel I, mencionando a alimentação indígena tupi pautada em inhames, palmitos, sementes, frutos, peixes, crustáceos, moluscos e carnes de caça. Em meados do século XVI, Padre Manuel da Nóbrega destina as Cartas do Brasil (1549-1560) ao padre mestre Simão Rodrigues, na qual documenta o uso constante da mandioca pelos indígenas. Tarefa também realizada por Padre Anchieta nas Cartas para companhia de Jesus em 1553, sobre essa importante raiz brasílica. Menciona também que numa viagem pelo interior da Bahia precisou comer preás, rãs, serpentes e víboras venenosas, que famintos, as tiveram por “finas iguarias”. Viviam entre a fome e a abundância mediante as incertezas e o desconhecido (HUE, 2008, p. 10). Hans Staden publica em 1557 o livro Duas viagens ao Brasil, no qual descreve a presença de “selvagens, nus e cruéis comedores de seres humanos” e suas observações sobre os costumes e práticas alimentares do povo Tupinambá do litoral da capitania de São Vicente, incluindo a antropofagia. Nesse livro ele descreve, entre outras práticas alimentares, o uso da mandioca, do milho, e a produção do pirão pelos nativos da costa brasileira (STADEN, 1930, p. 13). Pero Magalhães Gandavo, autor de História da Província Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil, editado em 1576 em Lisboa, conta sobre a “exótica” fauna e a flora brasileira. Cita como exemplo o “papa-formigas”, o tatu, algumas aves, insetos e peixes, além da mandioca, a qual foi minuciosamente representada e descrita em suas utilidades descobertas pelos indígenas brasileiros, da costa da capitania de São Vicente. Além de Gandavo, o capuchinho francês André Thévet escreveu Cosmographie universale 53

(Cosmografia universal) em 1575, no qual conta os modos de preparo da mandioca pelos tupinambás (CASCUDO, 2004). Três anos depois de Thévet, o missionário calvinista francês Jean de Léry conta em Viagem à terra do Brasil (1578) a sua trajetória. Menciona que veio como missionário para o Brasil, mas não passado muito tempo foi expulso, acusado de heresia por outros missionários também franceses. Passou mais de dois meses entre os tupinambás na Baía de Guanabara até conseguir retornar à França. Durante este período produziu algumas telas que buscam representar os modos de vida dessa população segundo o seu olhar europeu. É autor de um dos mais famosos desenhos que retrata os demônios no novo mundo, o Aygnan, esprit malin, tourmentant les sauvages (Aygnan, espírito maligno, atormenta os selvagens), de 1578, e Les ceremonies que les Tououpinambaoults observent à la reception de leurs amis que les vont visiter (As cerimônias que os Tupinambás assistem à recepção dos amigos que os vão visitar), também de 1578.

Figura 1 - Obra Aygnan, espírito maligno atormenta os selvagens (1600), de Jean Léry

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Figura 2 - Obra As cerimônias que os Tupinambás assistem à recepção dos amigos que os vão visitar (1600), de Jean Léry

Documentou as vestimentas, o comportamento e a produção alimentar. Fala sobre a produção de beijus e outros alimentos à base de mandioca como o cauim, além de outros gêneros alimentícios como o milho, as ervas - que serviam de temperos - e os animais. Dentre estes últimos cita o veado, o lagarto, a serpente e os peixes, caçados e pescados nas matas e rios. Depois de ter exposto como os nossos selvagens se vestem e se enfeitam, não me parece fora de propósito tratar agora de seus alimentos habituais. Cumpre notar, antes de mais nada, que embora não tenham trigo nem vinhas nas suas terras, tratam-se bem, conforme pude ver e experimentar. Os americanos têm duas espécies de raízes, a que chamam aypi e maniot que crescem dentro da terra em três ou quatro meses, tornando-se tão grossas como a coxa de um homem e longas de pé e meio mais ou menos (LÉRY, 1961, p. 120).

Na viagem de volta enfrentou fome em alto-mar. A população da frota, após cozinhar todos os macacos, papagaios e ratos que seriam vendidos ao chegarem à terra, teve que comer duras rodelas de couro de anta tostada na brasa. O atraso da viagem não era devido somente ao mau tempo e ventos contrários encontrados. Como já disse, o piloto dirigiu mal a derrota a ponto de pensarmos que estávamos perto do cabo Finisterra na costa da Espanha, quando ainda vogávamos à altura das ilhas dos Açores, a mais de trezentas léguas de distância. Esse erro fez com que em fins de abril já estivéssemos inteiramente desfalcados de todos os víveres; já varríamos o paiol, cubículo caiado e gessado onde se guarda a bolacha nos navios, mas encontrávamos mais vermes e excrementos de ratos do que migalhas de pão. Quando havia 55

repartíamos às colheradas esse farelo e com ele fazíamos uma papa preta e amarga como fuligem. Os que ainda tinham bugios e papagaios, a que ensinavam a falar, comeram-nos. E vindo a faltar por completo os víveres, em princípios de maio, dois marinheiros morreram da hidrofobia da fome sendo sepultados no mar como de praxe (LÉRY, 1961, p. 211).

Se por um lado a fome dos viajantes era escrita, por outro lado a fartura oferecida ao clero também era. O padre Fernão Cardim, ao acompanhar a visita ao Brasil do padre Cristóvão de Gouveia de 1583 a 1590, documenta uma sucessão de almoços, jantares e merendas com que os ricos senhores e índios recebiam as autoridades. As refeições eram feitas ao ar livre sob árvores, como cajueiros carregados, à beira de rios e regatos, animadas por músicas e cantigas. As refeições eram servidas nas casas dos senhores de engenho em porcelana das Índias e prataria, com finas toalhas, aves e carnes de caça. E em meio à abundância e à fome, os viajantes e missionários conheciam os alimentos brasileiros. Muitos deles realizavam seus escritos para convencer a vinda de homens europeus para o povoamento da colônia. A suposta abundância e os baquetes serviam de incentivo grandioso para tal. O explorador e colono Gabriel Soares de Sousa em Roteiro Geral (1587) realiza descrições refinadas sobre a alimentação indígena, a fauna e a flora brasileiras, com a intenção de enviar à Majestade Dom João III. Seus escritos foram armazenados em Portugal, conservados, porém nunca foram publicados. Somente em 1879, o historiador Francisco Adolfo de Vanrhagen, tomando conhecimento destes, organiza a obra, Tratado Descritivo do Brasil, composto por duas partes: Roteiro Geral da Costa Brasílica e Memorial e Declaração das Grandezas da Bahia. Nessa obra, Sousa (1879) apresenta a história da colonização da Bahia, suas descrições topográficas, geomorfológicas, áreas habitadas e as águas navegáveis, quantifica o número de igrejas, engenhos e embarcações, descreve as possibilidades e principais problemas relacionados à agricultura, documenta as plantas comestíveis, árvores e ervas medicinais. Descreve a fauna, dividida em aves, insetos, mamíferos, anfíbios, répteis e animais marinhos. Relata também o comportamento e as principais características físicas e estéticas dos tupinambás e outros povos indígenas, como tupinaés, aimorés, amoipiras e ubirajaras. A respeito da alimentação o autor apresenta, entremeadas às descrições outras, a pesca nas áreas de mar e de rio em que habitam os indígenas Potiguases, Goitacases, Aimorés e Carijós. Menciona a predominância da pesca e da caça, e a ausência de agricultura. Apresenta o nomadismo dos vários grupos, associando-o à alimentação, uma vez que seria a busca pelo alimento, através da caça e coleta de frutos, que proporcionaria esse modo de vida. Descreve 56

também a antropofagia, a genérica belicosidade dos povos e a “incipiente” atividade agrícola, em que a mandioca e os legumes se destacavam (SOUSA, 1991). As dificuldades de deslocamento pelos colonos, no vasto território brasileiro, também são narradas. O transporte fluvial, com o uso de canoas, jangadas e pepiris – canoas feitas com troncos inteiros, e o conhecimento ambiental dos animais perigosos e frutas comestíveis das áreas de matas e rios, eram domínio indígena. Esses conheciam os melhores caminhos e formas de navegar os rios, enquanto os colonos eram desprovidos desse conhecimento. Seria esses mesmos conhecimentos, mais tarde aprendidos pelos colonos, utilizados para realizar a exploração aurífera, as guerras de extermínio e a escravidão desses povos indígenas. Sousa também descreve as capitanias mais abastadas em termos alimentares no final do século XVI, que correspondiam a São Vicente e Santo Amaro, locais onde houve as primeiras e mais ricas ocupações jesuíticas: Nestas capitanias de São Vicente e Santo Amaro são os ares frios e temperados, como na Espanha, cuja terra é mui sadia e de frescas e delgadas águas, em as quais se dá o açúcar muito bem, e se dá trigo e cevada, do que se não usa na terra por os mantimentos dela serem muito bons e facilíssimos de granjear, de que os moradores são mui abastados e de muito pescado e marisco, onde se dão tamanhas ostras que têm a casca maior que um palmo, e algumas muito façanhosas. Do trigo usam somente para fazerem hóstias e alguns mimos. Tem esta capitania muita caça de porcos e veados, e outras muitas alimárias e aves, e criam-se aqui tantos porcos de tamanhos, que os esfolam para fazerem botas e couros de cadeiras, o que acham os moradores destas capitanias mais proveitosos e melhor que de couro das vacas, de que nestas capitanias há muita quantidade por se na terra darem melhor quê na Espanha, onde as carnes são muito gordas e gostosas, e fazem vantagem às das outras capitanias, por a terra ser mais fria. Dão-se nesta terra todas as frutas de espinho que tem Espanha, às quais a formiga não faz nojo, nem a outra coisa, por se não criar na terra como nas outras capitanias; dão-se nestas capitanias uvas, figos, romãs, maçãs e marmelos, em muita quantidade, e os moradores da vila de São Paulo têm já muitas vinhas; e há homens nela que colhem já duas pipas de vinho por ano, e por causa das plantas é muito verde, e para se não avinagrar lhe dão uma fervura no fogo; e também há já nesta terra algumas oliveiras, que dão fruto, e muitas rosas, e os marmelos são tantos que os fazem de conserva, e tanta marmelada que a levam a vender por as outras capitanias. E não há dúvida se não que há nestas capitanias outra fruta melhor que é a prata, o que se não acaba de descobrir, por não ir à terra quem a saiba tirar das minas e fundir (SOUSA, 1991, p. 114-115).

Chama a atenção como Souza (1991), apontando para a existência do cultivo de cereais e frutos que não são mais cultivados na atualidade em grande escala no Brasil. Se no período colonial a experimentação e ambientação de trigo, oliva e uva permitiu a produção dessas para o consumo imediato dos pequenos núcleos populacionais que se formavam, em períodos posteriores tal situação mudou. Surgiram dificuldades relacionada ao cultivo, que além de ser 57

exaustivo era custoso. Exigia grande quantidade de água para irrigação, podas para controle constante de pragas e a constância do clima ameno para o desenvolvimento dos frutos e grãos. A produção, então, não atingia a meta para consumo, devido ao crescimento populacional. Assim, a produção desses gêneros alimentícios se restringiu à região sudeste e sul do país até o século XVIII. No início do século XX o Brasil passa a importar da Argentina, Estados Unidos, Uruguai e Paraguai esses mesmos produtos, uma vez que nunca deixou de consumi-los (MORAES; SIDONIO; JÚNIOR, 2011). O trigo, especialmente, originário do Oriente Médio se adaptou bem no Brasil. Apesar dos registros documentais apontarem para o plantio deste no Brasil em 1534, na capitania de São Vicente, como supracitado, foi somente em 1737 que foi instalada a primeira lavoura na região do Rio Grande do Sul, feita por colonos vindos de Açores. É somente no início do século XIX que essa cultura ganha expressividade, chegando a exportar o gênero para os outros estados brasileiros. Neste momento, a produção e o consumo de farinha, pães, massas e biscoitos, se intensifica. A farinha de mandioca é trocada pela farinha de trigo, construindo daí em diante um novo paladar, presente na mesa brasileira hoje (COLLE, 1998). Souza (1991), em seus escritos, relata também os animais domésticos destinados à alimentação dos colonos. Descreve o gado vacum, que chega primeiramente aos portos da Bahia e depois é levado para Pernambuco. Dele é utilizado o leite, para a feitura de queijo e manteiga. Os cavalos, éguas e jumentos para o trabalho de transporte. As ovelhas, cabras, porcos, galinhas, pombas, patos e gansos para o corte. Todos, alimentos bastante apreciados e restritos às mesas mais abastadas das capitanias brasileiras. As plantas vindas da Península Ibérica se adaptaram bem ao clima e solo brasileiros. Dentre essas estão as parreiras, figueiras, romeiras, laranjeiras, limeiras, cidreiras e tamareiras. A cana de açúcar e os coqueiros asiáticos também são trazidos neste período e se adaptam bem ao clima tropical. Há ainda o gengibre, arroz e o inhame, que são também plantados nos solos até então monocultores. Algumas sementes também foram trazidas para o solo brasileiro, tendo uma boa adaptação aquelas como melão, pepino, melancia, abóbora, mostarda, nabo, rabanete, couve, alface, coentro, salsa, hortelã, funcho, cebolinha, alho, berinjela, agrião, manjericão, alfavaca, beldro, chicória, cenoura, acelga e espinafre (SOUZA, 1991). Entre as raízes nativas, Sousa apresenta aquela que mais tipos e cultivos teve no Brasil: a mandioca. Ele descreve também seus usos e tempo destinado para a coleta: Há uma casta de mandioca, que se diz manipocamirim, e outra que chamam manaibuçu, que se quer comesta de ano e meio por diante; e há outras castas, que chamam taiaçu e ma-naibaru, que se querem comestas de um ano por 58

diante, e duram estas raízes debaixo da terra sem apodrecerem três, quatro anos. Há outras castas, que se dizem manaitinga e parati, que se começam a comer de oito meses por diante, e se passa de ano apodrecem muito; esta mandioca manaitinga e parati se quer plantada em terras fracas e de areia (SOUSA, 1991, p. 172-173).

Serviam para alimentar as vacas, éguas, ovelhas, cabras, porcos e caça do mato se comidas cruas, auxiliando na engorda destes animais. Mas, para o ser humano eram nocivas se ingeridas cruas. Era necessário descascar, ralar, espremer e assar, fazendo a chamada tapioca e beiju. A água retirada da mandioca, o tucupi, extremamente tóxica, poderia causar a morte de animais e dos homens (SOUZA, 1991). Entretanto, feita como carimã, servia de contra peçonha e lombrigueiro, e da farinha desse carimã se fazia a farinha-de-guerra, consumida quando os indígenas estavam em guerra, servindo de mantimento. Era também consumida na cidade e nos engenhos pelos escravos indígenas. Os aipins, raízes mais brancas e doces que as mandiocas, eram consumidos cozidos ou assados, tendo por volta de 5 (cinco) meses de plantio. Sousa dá, ainda, ideia para um bom prato acompanhado de mandioca: arroz, inhame e coco. Podendo ser substituídas também por batatas, que eram encontradas em grande variedade na terra (pequenas, compridas, arroxeadas e avermelhadas). O cará, os mangarás ou taiobas, também poderiam substituí-la. Esses últimos poderiam ser comidos cozidos, temperado com sal junto com peixe ou preparado doce como manjar. O milho, trazido de Guiné, adaptou-se bem na Bahia, comido assado ou feito como bebida fermentada. Outros mantimentos naturais da terra também foram descritos por Sousa: a fava ou comenda, feijões e jerimus eram feitos cozidos ou assados (ibidem, 1991). As pimentas serviam para temperar, comidas verdes ou cozidas com pescados, misturadas com farinha. Os cajus eram consumidos crus como frutas ou bebidos como suco para ajudar na digestão, podendo também ser preparado como conservas ou feitos fermentados. Da casca da sua árvore sai uma resina da qual se faz açúcar. As bananas ou pacobas, que possuem grande variedade de tipos (avermelhada, comprida e pequena) eram comidas cruas, cozidas ou com açúcar como um doce. O mamão e os jaracatiás eram comidos crus. Outras frutas e frutos nativos eram também bastante apreciados, como o ingá, o cajá, bacupari, pequi, umbu, sapucaia, pequiá, macugê, jenipapo, guti, ubucaba, mondururu, mandiba, cambuí, curuanha, araçá, araticum, pino, abareju, amaitim, apé, murici, capiúba, maçarandiba, mucuri e cambucá (SOUZA, 1991). As palmeiras que davam cocos e folhas serviam para alimentação e para cobrir as casas. Algumas dessas palmeiras possuíam palmito, que era comido assado. Dentre estes a pindoba, o anajá-mirim, japeraçaba, pati, buri, piçandó, ururucuri e a paioba. Entre as ervas, 59

aquelas que não eram comestíveis, tinham propriedades medicinais, como as folhas do maracujá, usadas para curar feridas e chagas. O canapu, mondururu, majuraíba, carauatá e o nhambi eram utilizados para temperar (SOUZA, 1991). A fauna que é considerada alimento para os indígenas logo se torna também para os portugueses recém-chegados, obtida através das atividades de caça ou de pesca. As aves, como o macucaguá, motum, jacu, picaçu, pairari, juriti, nambu, nhapupé, saracura e uru eram assados ou cozidos. Os ovos da ema e do canindé eram cozidos. A anta ou tapiruçu, jaguaretê, suçurana, veados, tamanduá, porco do mato e do rio, tatu, paca, cutia, preá e cágado, eram comidos assados. Os répteis comestíveis como as jiboias, sucuriú, araboia, tiraboia, jararaca, surucucu, lagarto e rã também eram comidos depois de assados. Pescados e mariscos diversos como lagosta, caranguejo, camarão, ostra e o peixe-boi eram assados (SOUZA, 1991). Sousa descrevendo alguns costumes tupinambás traz importantes informações a respeito do comportamento alimentar desses. Menciona o que costumavam comer e como comiam. Deitados em redes ou de cócoras no chão; à noite, de costas para a fogueira para se aquecer. Costumavam assar ou cozer as caças. Os peixes eram temperados com água salgada do mar, antes de serem assados. Em geral, não costumavam beber enquanto comiam, ou comer enquanto trabalhavam nas roças. Esta prática, de acordo com nossas análises, é hoje uma recomendação médica e de especialistas em alimentação para que os indivíduos tenham uma boa saúde. Tal questão evidencia a prática alimentar associada ao conhecimento do corpo que é presente nos costumes indígenas, que só recentemente se torna alvo de descobertas da medicina ocidental. Entre outros escritos de viajantes, podemos destacar os do inglês Anthony Knivet, que em 1590 documenta os problemas sofridos pela tropa em uma viagem pelo interior de São Vicente. Sendo ele um corso e após ter sido capturado pelos portugueses, conseguiu fugir e esteve durantes alguns meses entre os tupinambás. Nas fugas teve que comer, junto com seus companheiros, escudos de couro cru de búfalo, pois “quem tinha sapo ou cobra para comer poderia considerar-se feliz” (HUE, 2008, p. 10). Frei Vicente do Salvador documenta em História do Brasil (1627) a maneira como os colonos viviam em terras brasileiras. Narra a obtenção de sal, que não se fazia apenas em salinas artificiais, era obtido em salinas naturais como da região do Cabo Frio e do Rio Grande. Fala sobre espécies vegetais, como o tucum, do qual se tirava fibras para fiar. Outros viajantes como George Marcgraf, financiado por Maurício de Nassau, escreveu parte da obra Historia Naturalis Brasiliae (História Natural do Brasil) publicado em 1648. Foi escrito originalmente em latim, e é o primeiro livro médico que trata do Brasil, se referindo principalmente à faixa litorânea 60

do Nordeste, ocupada pela Companhia das Índias Ocidentais. No livro IV são descritos as características e os usos das plantas mais apreciadas, tais como: a mandioca, o mel, a copaíba, cabureíba, acajá, icicariba, ietaíba, aroeira, urucu, umbu, murici e ananás (CARVALHO, 1908). Tudo aquilo que era digno de nota em razão de sua distinção dos modos de vida europeu, de ver, fazer e ser, expressando o “primitivismo” nativo e a necessidade de “civilização”, impulsionava os discursos voltados para a migração ao Novo Mundo. Mesmo envolto em perigos e mortes, era também envolto em novos sabores e cheiros que o ambiente e os povos proporcionavam. Os escritos dos viajantes e missionários eram quase todos destinados aos monarcas, detentores do poder sobre as colônias. É neste momento de inovações que chega aos modos europeus, mudanças à mesa. Acontecem embaladas pelas práticas dos novos modos “civilizados”. Maneiras de distinção hierárquica de poder e de consolidação de “superioridade” sobre os mundos “primitivos” recém-descobertos. Em Casa Grande e Senzala (1933), Gilberto Freyre nos descreve como se deu em Portugal a instalação dos modos e novos produtos na mesa da aristocracia. Em a Arte de cozinha (1680), de Domingos Rodrigues, mestre de cozinha de Dom João VI, estão as receitas mouriscas que prezavam por ingredientes oleosos e açucarados, associados aos alimentos chamados de básicos, como os cereais e vinhos, característicos das mesas ibéricas. Frutos do mar, queijos, castanhas, hortaliças e temperos, também são dispostos em mesa farta, como passaram a ser servidos nas cortes portuguesa e espanhola. Não podemos esquecer que a colonização, neste período, proporcionou o conhecimento das especiarias como o cravo-da- índia, canela e a noz moscada, citados mais tarde nos manuais gastronômicos do século XVII desta mesma nobreza. Cascudo, em História da Alimentação no Brasil (1968), relata alguns dos tratados de cozinha ibérica. Descreve o Trattato di cucina spagnualo (Tratado de cozinha espanhol) escrito entre 1530-1565 por três pessoas diferentes e anônimas. É um “livro” dividido em quatro partes: a primeira é voltada ao preparo e formas de servir carnes; a segunda aos ovos; a terceira ao leite e a última às conservas. Esse foi, por durante trinta anos pelo menos, o códice culinário da Casa Real de Avis. Cascudo (2004) cita também a Arte de Cozina, Pastelaria, Vizcochecia y Conserveria (Arte de Cozinha, Pastelaria, “Biscoitaria” e Conserva) escrito por Francisco Martínez Martiño em 1611, um caderno de receitas da Casa Real espanhola de Felipe II a Felipe IV, em que são expostas as dietas fidalgas com diversos quitutes. Os séculos XVII e XVIII são marcados pela presença e expansão das bandeiras no interior do Brasil. Os relatos documentais irão priorizar o abastecimento das ocupações destinadas à exploração aurífera, as dificuldades de navegação e ataques indígenas aos 61

viajantes. Tais documentais foram vastamente exploradas por Sérgio Buarque de Hollanda (1945), que dará voz a um período marcado pelas guerras de extermínio indígena e domínio territorial para exploração de minérios, pela fome e pelo início da exploração monocultora em áreas do interior do Brasil, como São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso. Período em que o milho, o feijão, toicinho de porco, farinha de mandioca, carnes de caça do mato e pesca suprem, como mantimentos, a exploração. No século XIX, Saint Hilaire foi um dos poucos viajantes a ousar provar de tudo, relatando sistematicamente suas impressões gustativas. Experimentou formigas tanajuras, bicho da taquara, farinha de mandioca, frutas e doces em compotas de frutos brasileiros. Entretanto, repugnou a carne moqueada. Documentou entre 1816 a 1822 suas impressões do Brasil, como naturalista, botânico e viajante. As observações a respeito da alimentação não foram envoltas somente nos ingredientes, materiais ou modos de fazer. Saint-Hilaire documentou os modos de consumo, mencionando a maneira de comer a farinha de mandioca, comida com as mãos, pelos colonos. Prática indígena imitada pelos europeus, mas que substituía a prática de comer o pão europeu, realizada em todo Brasil por todas as classes sociais. O uso de talheres era raro e a maior parte dos utensílios domésticos eram feitos de barro. Conta também que nas casas de alguns senhores de Ouro Preto (Minas Gerais) havia jardins em que se fazia um local de aclimatação de gêneros alimentícios e origem europeia, no qual a duras penas conseguiam plantar maçãs, peras, cerejas e morangos. Com a intensificação das rotas de comércio no século XIX, os produtos importados começam a invadir o Brasil substituindo os produtos locais. Saint-Hilaire escreve, em Viagem pelas Províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais (1817), a importação de “champagne, conhaque, vinho da Espanha, Portugal, França e Itália, cerveja alemã e inglesa, chá da Índia, maçã e toucinho norte-americano, gelo, manteiga irlandesa, pera do Uruguai, queijos portugueses, franceses e holandeses, rum, sal de Angola, cebolas de Portugal, biscoitos ingleses e latas de sardinha”, que chegava às casas mais ricas. Apesar desse comércio, a alimentação cotidiana era baseada pela manhã em chá mate, frutas e pão de ló ou farinha de milho com água, adoçada com mel ou rapadura. Ao meio-dia comia-se feijão, toucinho, farinha de milho. Quando se tinha mais recursos comia-se também arroz, carne de porco, ovos acompanhados de vinho. Tal refeição repetia-se na ceia. Em geral, notou que havia pouca diferença entre os modos e hábitos alimentares de ricos e pobres (ZERON, 2000). Os viajantes Carl Friedrich von Martius (1817-1820), em Turismo no Brasil, e Johann Baptist Emanuel Pohl, em Viagens ao interior do Brasil (1817-1821), também contribuíram com algumas descrições a respeito da alimentação da população brasileira das regiões do Rio 62

de Janeiro, Minas Gerais e Goiás durante o século XIX, documentando a produção agrícola e pecuária. Esse breve histórico sobre os documentos, que relatam a História da Alimentação, abre brechas para pensar as influências europeias e africanas nos modos de vida brasileiros, durante e após o contato com os indígenas no século XVI, período de articulação e construção desses modos. Apesar de reconhecer a grande importância das influências dos negros africanos na alimentação brasileira13, aqui não trataremos diretamente de documentos ou obras que marcaram a mesma, porque dedicamos a presente investigação às análises dos documentos que tratam sobre alimentação indígena prioritariamente. Aqui assinalamos a existência e os problemas enfrentados pelos indígenas africanos, tanto no período colonial quanto na atualidade, no tópico 5.1.1. Nosso foco, agora, se dirige para a documentação dos séculos XX e XXI, momentos em que é possível perceber inovações de ideias científicas em torno da alimentação. Se a História da Alimentação tem início na disciplina de História por meio dos Annales, dentro da disciplina da Antropologia, ela ganha impulso como os trabalhos etnográficos e obras publicadas sobre povos nativos de países não europeus. As primeiras abordagens sobre o tema começam a se consolidar na Europa na década de 1940, ganhando maior impulso com Audrey Richards (1939) sobre uma perspectiva funcionalista. Ao mesmo tempo, nos Estados Unidos, trabalhos sobre alimentação são desenvolvidos por Margaret Mead (1932; 1935), mas sob uma perspectiva culturalista, na qual buscava identificar as necessidades dos grupos sociais, levantando seus hábitos alimentares. No Brasil, entre os anos de 1930 e 1940, algumas concepções relacionadas às posturas metodológicas nas produções científicas começaram a se ligar aos âmbitos socioculturais. Com a entrada das informações e perspectivas de sociólogos e etnógrafos europeus e norte americanas como Lévi-Strauss e Audrey Richards, e seus novos vieses voltados também às pesquisas de campo, colocam em evidência a importância dos estudos da alimentação na construção da civilização brasileira. Os trabalhos sobre História da Alimentação no Brasil começam a despontar neste período e muitos deles são considerados clássicos na atualidade. Apresentam dados que contribuíram e contribuem até os dias de hoje, para a construção e alicerce de ideias sobre as práticas, hábitos e identidades alimentares brasileiras, além de abrir espaço para compreensão

13 Autores como Verger (1997), Matory (1998), Bastide (2001) e Prandi (2001) marcaram a literatura brasileira sobre os africanos no Brasil, enfatizando além de outras questões sociais, econômicas, culturais e religiosas, a temática da alimentação. 63

da importância deste tipo de estudo na ocupação do território brasileiro, trajetória política e econômica nacional. Uma das ideias mais presentes que estes clássicos nos propõem está relacionada à constituição alimentar brasileira, que provém da concepção de que a mistura interétnica providenciou a mistura de conhecimentos alimentares tradicionais de europeus, indígenas e africanos. Mistura esta que teria sido iniciada durante o período colonial, continuada durante o tráfico negreiro e posterior a ele. Momentos em que as comidas, modos de fazer, servir, e os gostos são concebidos nas cozinhas das aldeias, das senzalas, nas casas rurais e nas casas e ambientes urbanos, dando origem às “comidas brasileiras”. A ideia de três matrizes étnicas é recorrente e permanece em muitas publicações atuais. Trazida inicialmente por Capistrano de Abreu, em Capítulos de História Colonial (1907) e disseminada largamente por Gilberto Freyre, em Casa Grande e Senzala (1933), posteriormente em Monções (1945) e Caminhos e Fronteiras (1956) por Sérgio Buarque de Holanda, História Econômica do Brasil por Caio Prado Junior (1945) e em História da Alimentação no Brasil (1968), de Luís da Câmara Cascudo. O indígena e a alimentação aparecem nessas obras normalmente nos primeiros capítulos, destinados a mostrar as origens “primitivas” ou “primeiras” da alimentação. Capistrano de Abreu, em Capítulos de História Colonial (1907), enfatiza a colonização portuguesa sob o viés sociopolítico, a formação do povo e território brasileiro entre os séculos XVI e XIX. Considera o fator domínio e exploração da terra e dos nativos em sua obra como conflitiva, mas sem deixar de trazer importância para a superioridade colonizadora europeia. Associa a presença do negro, vindo da África escravizado, à constituição cultural e social de brancos e mestiços (filhos de indígenas e europeus), já em convivência anterior à sua chegada. Quanto a este encontro entre povos de origens diferentes, Capistrano chega a mencionar que a relação de contato e aproximação das três raças (índios, brancos e negros) era desfavorecida, pois havia preconceito entre elas e no meio delas. A sociedade brasileira então não tinha unidade, porém era múltipla, segundo o autor. A alimentação é tratada na obra de maneira secundária, associada às informações históricas relacionadas à miscigenação. Capistrano de Abreu (1907) baseou-se em relatos escritos por jesuítas, franciscanos, capuchinhos e colonos que se instalaram no Brasil, como padre Manoel da Nóbrega, padre Antônio Vieira, Fernão Cardim e Gabriel Soares de Sousa. Descreve a alimentação indígena, que tinha como base alimentos oriundos de uma agricultura “incipiente”, da caça e da pesca. Entende que essa alimentação era “inferior” à europeia pela ausência da carne de víveres domésticos e por isso pobre em seu teor nutricional. 64

[...] De caça e principalmente de pesca era composta sua alimentação animal. Possuia agricultura incipiente, de mandioca, de milho, de varias fructas. Como eram-lhe desconhecidos os metaes, o fogo, produzido pelo attrito, fazia quasi todos os officios do ferro. A plantação e colheita, a cozinha, a louça, as bebidas fermentadas competiam "ás mulheres; encarregavam-se os homens das derrubadas, das pescarias, das caçadas e da guerra” (ABREU, 1907, p. 10, grifo nosso).

Dentre os produtos cultivados, citados pelo autor, estão a mandioca, o milho e outras frutas, que eram produzidas sob o manejo e conhecimento feminino, que também produzia as bebidas fermentadas e organizava a cozinha. Menciona também que o nomadismo era decorrente da exaustão do solo e do território de ocupação pelo(s) grupo(s). Capistrano consegue inserir a figura do indígena no processo de construção brasileira como aquele que em muito auxiliou na ocupação territorial e sem o qual não seria possível tal acontecimento, mediante rios, matas, animais peçonhentos e diversos outros povos indígenas desconhecidos, que os europeus, incapazes de se desvencilhar dos perigos, sucumbiriam facilmente. Menciona ainda que a destruição de muitas roças dos diferentes povos indígenas inimigos aos aliados dos portugueses se tornou, durante este momento de exploração, uma forma de submissão destes ao poder colonial. Afirma ser esta estratégia de submissão como uma das principais para a subjugação dos povos, pois o fator ambiental e social seria a peça chave para compreender a relação dos indígenas com a terra e submetê-los às outras formas de organização. Outro ponto que chama atenção no texto de Capistrano (1907) está relacionado à escolha jesuítica do local para a instalação das Missões. Essa tinha como alvo, basicamente, locais com abundância alimentar e a presença de aldeias indígenas. A abundância alimentar que o autor nos traz está ligada à presença de rios piscosos e matas com variedade de frutos. Estas escolhas ambientais demonstram que a preferência colonizadora, nada mais era que a própria preferência indígena pelo local de sua ocupação, uma vez que o ambiente já estava domesticado. Os jesuítas e as outras companhias cristãs só estariam usurpando e dominando os recursos e as áreas dos povos viventes e conhecedores da terra. Mais um ponto que não deixamos de notar sobre a alimentação na obra está relacionado à alimentação cotidiana presente principalmente nas casas-grandes e abastadas do século XVII próximas ao litoral. O índio escravizado foi “protagonista” e mantenedor da segurança europeia no Brasil, da alimentação cotidiana assim como do vestuário. Eram eles que forneciam o peixe (água doce ou salgada), mariscos (apanhados no mangue) ou caça. Criavam ovelhas, cabritos, porcos, e ainda, eram encarregados por trocar as pipas de vinho e azeite nas 65

vilas. Neste momento, a alimentação europeia é praticamente toda indígena, o que culminou na incorporação de muitos alimentos à dieta europeia no Brasil. O uso da mandioca na preparação de beijus e tucupi, o consumo de peixes e tartarugas, o uso do milho com a produção de , pipoca, canjica, além de produtos florestais como as castanhas e ervas foram todas oriundas do conhecimento e produção indígena. A casa da gente rica representava uma economia autônoma: o nec est quodputes illum quidquam emere, omnia domi nascuntur, de Petronio, não podia ser praticado ao pé da lettra, mas correspondia até certo ponto á realidade. Para os escravos fiava-se e tecia-se a roupa; a roupa da familia era feita no meio d'ella; da alimentação, fornecida por peixe de água doce ou salgada, mariscos apanhados nos' mangues ou caça, estavam encarregados os escravos; a criação miúda de voláteis, ovelhas, cabritos e porcos evitava as sorpresas de hospedes da ultima hora: não havia açougues ou mercados: as casas dos ricos (ainda que seja á custa alheia, pois muitos devem o que têm) andam providas de todo o necessário, pois têm escravos pescadores e caçadores, que lhes trazem a carne e o peixe, pipas de vinho e azeite que compram por junto, nas villas muitas vezes se não acha isto de venda (ABREU, 1907, p. 69).

A construção de uma alimentação considerada brasileira, tal como concebemos hoje, permite pensar que o colonizador foi tão influenciado quanto influenciou a culinária, pelo gosto, pelas receitas, pelos modos de fazer por meio dos conhecimentos nativos. As terras brasileiras e o ambiente foram modelados e modelaram os homens que aqui pisaram, durante séculos. Capistrano de Abreu (1907) deu o pontapé inicial para o que mais tarde seria usado como fonte para compor a obra, já mencionada, de Gilberto Freyre, Casa Grande e Senzala (1933). Nessa, a óptica da miscigenação étnica permanece, assim como a imagem da construção de uma sociedade hierárquica, associada ao patriarcalismo, escravocrata, em que senhores (europeus), escravos (indígenas e posteriormente africanos) e agregados (filhos da miscigenação) garantiriam a moradia, alimentação, segurança, sistema de crenças cristãs através da língua portuguesa e, portanto, a manutenção de unidade, que não se reproduziu em outros países da América espanhola e inglesa. Como um dos mais fortes elementos unificadores coloniais estaria a língua portuguesa, mediada pelo catecismo jesuíta com a transição da língua tupi para a portuguesa através da Língua Geral14. Outro forte elemento unificador mencionado

14 De acordo com Rodrigues (1994, p. 99), a expressão “língua geral” foi usada por portugueses e espanhóis para designar as línguas indígenas predominantes em determinada área, como por exemplo o Quêchua no Peru e o Guarani no Paraguai. No Brasil, a língua Tupinambá que era falada por quase todo o litoral brasileiro, não foi considerada “língua geral”. Quando o padre Anchieta publicou a gramática “Arte de gramática da língua mais usada na Costa do Brasil” (1595), a “língua do Brasil” ou “língua brasílica”, como ficou conhecida, utilizava o nome Tupinambá como designação da língua. Nas áreas mais afastadas do centro administrativo do Brasil, que era a Bahia, a “língua brasílica” se intensificou entre os os portugueses, descendentes, mestiços, escravos e outros índios que não falavam Tupinambá. “A essa língua popular, geral a índios missionários e aculturados e a não- índios, é que foi mais sistematicamente aplicado o nome de Língua Geral” (RODRIGUES, 1994, p. 101). 66

pelo autor foi a religião cristã católica, instalada também por mãos de jesuítas e franciscanos durante o projeto colonial. A Língua Geral de que nos fala Freyre (1933) e outros autores é uma nomenclatura genérica para designar as línguas faladas na América do Sul quando houve o contato entre europeus e povos indígenas. Aryon Rodrigues (1994) utiliza o termo para designar as línguas que se constituíram e foram utilizadas, do século XVI até o XIX (LAGORIO; FREIRE, 2014). Nos séculos XVI e XVII, o Tupinambá ficou conhecido como a língua dos jesuítas, uma vez que os religiosos dessa ordem produziram dicionários e gramáticas, como a gramática de Anchieta “Arte de gramática da língua mais usada na Costa do Brasil” (1595) e a gramática de Luis Figueira “Arte da Língua Brasílica” (1621) com o intuito de catequização dos indígenas (RODRIGUES, 1994). A sua função, de língua geral, era a de possibilitar a comunicação como os diferentes povos, normatizar uma língua escrita e viabilizar a expansão colonial. O guarani- joapara, por exemplo, foi considerado uma língua híbrida devido ao contato com a língua de outros povos que não eram indígenas, sendo chamada então de língua “crioula”, por reunir o guarani e a gramaticalização do espanhol. Atualmente é uma língua falada na República do Paraguai por grande parte da população, apesar da língua oficial ser o espanhol (ibdem, 2014). Neste período havia duas principais línguas gerais de base indígena no Brasil. Uma delas era chamada de “Língua Geral Paulista” (LGP) e a outra de “Língua Geral Amazônica” (LGA). Ambas viabilizaram a colonização e a catequização dos povos indígenas brasileiros (NAZARENO, 2008). E uma vez catequisados e submetidos ao poder colonial, eram utilizados como força para o avanço do domínio territorial e socioeconômico do colonizador. Entre o século XVIII e XIX a Língua Geral Amazônica, também conhecida como Nheengatu, predominou, estando presente na região do Rio Negro na Amazônia na atualidade. Com o avanço das políticas pombalinas do século XIX houve mudanças que oficializaram a língua portuguesa e proibiram o uso da Língua Geral, principalmente nas escolas. Juntamente com a língua, os costumes e práticas culturais foram modificados, com tentativas cada vez maiores de instituição dos costumes dos colonizadores portugueses (FREIRE, 2003). Além da língua, Gilberto Freyre (1933) traça a maneira pela qual vários costumes perante a miscigenação foram se enlaçando e reduzindo distâncias entre elementos culturais diversos e muitas vezes antagônicos: alimentação, higiene, saberes relacionados à saúde, ao meio-ambiente, além da construção de festividades, construção do medo e crenças no sobrenatural. Para o autor, a formação coesa da sociedade se deu fundamentalmente pelo patriarcado que permitiu a interpenetração das culturas. Descreve a imagem das mulheres indígenas como grandes formadoras das bases culturais brasileiras e dos homens indígenas 67

como guias territoriais, mão de obra escrava que muito influenciou na navegação fluvial e no domínio mercantil no interior do território brasileiro. Descreve também o negro com grande importância na formação da família, valores e crenças. Na economia, como elemento intermediador entre culturas demasiadamente antagônicas (ameríndia e portuguesa). Com a miscigenação étnica tratada como grande instrumento sócio político colonial, Gilberto Freyre (1933) desconstrói a imagem do português herói e grande conquistador. A sua importância se dá no conhecer a dominação através das misturas étnicas como forma de “amolecer” os embates duros e diretos entre culturas distintas. Neste processo, o autor parte do ponto de vista do contato, miscigenação e harmonia na mistura de raças para descrever questões políticas, econômicas e socioculturais, trazendo a alimentação como elemento secundário, porém necessário à sobrevivência e formação do Brasil. Menciona que o contato permitiu o conhecimento de novos elementos relacionados aos recursos ambientais (plantas, sementes, raízes, fauna aquática, fauna marítima e fauna das áreas de mata), forma de produção e organização (preparo e conservação), construindo assim novas maneiras de adaptação. Tanto indígenas como portugueses aprenderam, neste momento possíveis formas de convivência (ser e estar) neste “novo” ambiente. Assim, a alimentação dos portugueses no século XVI, que já estava flexível e adaptável às áreas de exploração na África e na Índia, se adaptou ao comer e beber que os indígenas conheciam. Ela se fazia da “farinha de mandioca, milho, frutas, caça ou peixe, comido cru ou depois de assado em borralho” (FREYRE, 2003, p. 86). Mas essa alimentação que supriu esta primeira leva de portugueses recém-chegados era considerada inferior, por não satisfazer a necessidade alimentar portuguesa baseada em cereais e carne de víveres domésticos. O sistema de monocultura implantado logo após as primeiras entradas vigorou com a implantação da cana de açúcar, mas em contrapartida, outros gêneros alimentícios ficaram em segundo plano e deficitário de forma que Freyre (2003) menciona que a inferioridade física do brasileiro se deve a este regime alimentar restrito e pobre pelo mau aproveitamento dos recursos. A sociedade brasileira no período colonial seria, segundo o autor, mal alimentada. O trigo que era a base alimentar portuguesa foi cultivado somente pelos padres para a produção de hóstias em períodos posteriores. Além do trigo foi sentida falta de ovos e legumes. Com isso, os portugueses aqui instalados tentavam suprir sua alimentação com os produtos chegados da Península Ibérica, em sua maioria em péssimas condições de conservação (FREYRE, 2003, p. 97). A base alimentar portuguesa no século XVI era de frutos, alguns legumes e poucos víveres. Faltavam no Brasil os legumes e o leite frescos como existia na Península Ibérica para consumo cotidiano, de acordo com Freyre (2003). 68

Se por um lado eram poucos os víveres destinados ao consumo, era porque se evitava criar animais nos latifúndios monocultores. O tempo era quase todo dedicado à produção de cana de açúcar, não sobrando para a criação de animais e o cultivo de outros alimentos. Os jantares e as festas eram feitos para impressionar visitantes, não permitindo ter conhecimento sobre a alimentação cotidiana. Muitos banquetes eram intermeados por jejuns. O vinho português era usado para “reforçar” a alimentação. E mesmo os fidalgos e padres, até o século XVII, andavam com pés descalços e comiam com as mãos na vida íntima da Casa Grande e Missões. Até o século XVIII mesmo os mais ricos plantavam, e criavam o que iriam comer. Todos de uma forma ou de outra trabalhavam. De alguns navios portugueses chegavam, já no século XVII e XVIII, vinho, azeite, vinagre, azeitona, queijo e outras conservas. Havia poucas vacas e as que existiam tinham a carne magra. Não havia a produção de queijo ou manteiga. Em São Paulo os alimentos eram mais “ricos”, pois lá a vida era semi-rural e gregária devido às Missões e instalações destinadas às Bandeiras. Não havia monocultura, ao invés disso mais atividades agrícola e pastoril. Onde houve bandeirismo, houve mais equilíbrio no tocante à alimentação, pois havia mais abundância de alimentos com teor de proteína: bois e porcos, cereais como o trigo, o milho e o feijão, além da mandioca. O que contribuiu para que houvesse um índice de patologias mais reduzido que as áreas onde havia monocultura, predominante no nordeste brasileiro. Freyre (2003) afirma que as influências da alimentação indígena na dieta brasileira estão relacionadas à presença da mulher índia na cozinha das casas-grandes. Essas mulheres foram responsáveis pela introdução dos conhecimentos e usos de diversos alimentos, drogas e medicamentos, utensílios, criação das crianças e higiene (banhos), como por exemplo, no uso da rede, óleo de coco, milho, caju, produção de mingaus e domesticação de animais. Foram as indígenas também que “ensinaram” o processo de coivara, o conhecimento sobre o cultivo de raízes e sementes. Na agricultura, ensinaram a plantar mandioca, cará, inhame, milho, jerimum, amendoim e mamão. Elas, “casadas” ou escravizadas pelos portugueses construíram um jeito mestiço de lidar com o ambiente (FREYRE, 2003). Mais uma vez nos escritos sobre alimentação indígena é dado destaque à farinha de mandioca. Foi adotada pelos colonos no lugar do pão de trigo, por ser considerada fresca, sadia e proveitosa, de fácil digestão. Freyre descreve os variados usos da mandioca na culinária indígena: “[...] Da índia a brasileira aprendeu a fazer de mandioca uma série de delicados quitutes: a farinha fina, carimã, para o filho pequeno; o mingau; o mbeiu ou beiju [...]” (FREYRE, 2003, p. 191). 69

O autor argumenta que os conhecimentos dos usos da mandioca foram tão presentes que a existência dessa raiz em períodos posteriores, já nos séculos XIX e XX, era tão comum e cotidiano que se tornou elemento típico da culinária da região norte e nordeste do Brasil: Do beiju cita Araújo Lima uma variedade de modernas especializações amazonenses. Além do beiju simples, conhecido de todo brasileiro por esse nome ou pelo de tapioca – “bolo de massa fresca, ainda úmida, ou de polvilho (tapioca), passada pela urupema, de modo a formar grumos, que pela ação do calor ficam ligados pelo glúten próprio da massa” – o beijuaçu, “redondo, feito da mesma massa que o beiju-ticanga, e cozido no forno”; o beijucica, “feito de massa de macaxeira, em grumos bem finos”; o de tapioca, “feito de tapioca umedecida de maneira a cair da urupema em grumos pequeninos e, quando pronto, enrolado sobre si mesmo depois de se lhe pôr manteiga na face exterior”; o beiju-ticanga, “feito da massa da mandioca mole e seca (ticanga) ao sol”; o caribé – “o beijuaçu posto de molho e reduzido a uma massa, a que se acrescenta mais água, morna ou fria, formando uma espécie de mingau, mais ou menos ralo, conforme o gosto” – mingau que se toma de manhã com água morna, e no nadar do dia com água fria; o curadá, “beiju grande e bastante espesso, feito de tapioca umedecida, de grumos maiores que o enrolado, e levado castanha crua em pequenos fragmentos (FREYRE, 2003, p. 192). Não só o beiju, mas diversas comidas estão impregnadas do jeito caboclo, “têm gosto de mato, folha de palmeira ou de bananeira, leva castanha de caju, prepara-se em cuia ou é polvilhado de puçanga” (erva usada para remédio ou para “feitiço”); e os nomes destes alimentos ou práticas, permanecem com os nomes indígenas. Foi nas cozinhas das casas- grandes que estes “quitutes” “perderam o ranço de origem para se tornarem abrasileirados” (FREYRE, 2003, p. 191-192). Além da mandioca, diversos foram os alimentos utilizados e apropriados pelos colonizadores europeus. Dentre eles a batata-doce, os pinhões, o cacau e o mindubi (amendoim). Mesmo assim, na dieta portuguesa, faltavam os chamados “legumes verdes”, que os europeus conheciam e apreciavam na Europa, como o repolho e a couve. Esses eram substituídos por carurus, serralha e palmito. Dos frutos eram usados o mamão, o araçá e o caju. Esse último de forma medicinal e culinária (fabrico de vinhos de caju) (FREYRE, 2003). Apesar de Casa Grande Senzala ter sido um dos livros de maior destaque produzidos por Freyre, seis anos após publicá-lo, o autor produziu Açúcar: uma sociologia do doce, com receitas de bolos e doces do Nordeste do Brasil (1939). Nesta obra, Freyre descreve e analisa a história do açúcar no Brasil, a importância do doce e sua construção no paladar brasileiro. Envolvido no “Manifesto Regionalista de 1926”15, Freyre se empenhava na valorização da tradição culinária de artes regionais, como a doçaria. Este empenho foi

15 Foi um dos manifestos da primeira fase do Movimento Modernista brasileiro, no qual houve a reunião de declarações de vários intelectuais recifenses sobre a importância da renovação cultural. Freyre foi líder deste movimento, acompanhado de Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Jorge Amado, Érico Veríssimo, Raquel de 70

duramente criticado por sociólogos e historiadores do mesmo período por ser um estudo menor, que estivesse sob o interesse de mulheres, um tema muito feminino que não era digno de uma sociologia. “Não se compreendia que intelectuais varonis cuidassem de matéria tão feminina como guisados e doces, rendas e bordados” (FREYRE, 1997, p. 32). Influenciado por perspectivas do Movimento Modernista e da antropologia e sociologia que neste período buscava novos temas que pudessem trazer novas construções sobre viés cultural, Freyre impressionou os conservadores com a produção do livro Açúcar. Ele reúne diversas receitas de bolos, doces e sorvetes coletados de famílias de Pernambuco e de outros estados no nordeste brasileiro, que são chamados de receitas tradicionais. Freyre menciona a diversidade de frutas produtoras de açúcar, tais como o abacaxi, a laranja, a manga, além destas a batata-doce, algumas palmeiras e a cana-de-açúcar. Mas nenhuma outra foi como a última na nossa economia e no âmbito social. A cana-de-açúcar, nativa do Sul do Pacífico, foi levada para várias regiões: Madagascar, Sudeste da Ásia, Índia e China. Sua introdução no Brasil se deu através dos portugueses que primeiramente importaram- na da Sicília para a Ilha da Madeira, a mando do infante Dom Henrique. Vingando a cana na Ilha da Madeira, o açúcar passou a ser produzido em engenho de água e seu comércio se tornou bem mais livre do que o que existia no Mediterrâneo. Chega às terras brasileiras primeiramente por Pernambuco, em 1526, sendo produzida por Martim Afonso de Sousa, e em 1532 foi introduzida em São Vicente. Freyre afirma que o açúcar do Brasil chega à Europa sendo projetado e expandido pelos portugueses no século XVI. Nasce nos engenhos das casas-grandes brasileiras dando origem aos doces e ao paladar voltado para o doce, exprimindo em sua composição os valores étnicos oriundos da mistura de europeus, ameríndios e africanos: “utilizando-se grandemente, ecologicamente, teluricamente, tais valores” (FREYRE, 1997, p. 14). Os nossos doces, bolos e quindins exprimem estas combinações de sabores, cores e formas. O gosto pelo doce foi introduzido pelos portugueses na culinária brasileira, sendo este por sua vez herdado da culinária árabe e moura, na qual os excessos marcam e diferenciam-na, os doces e bolos são exageradamente doces. Herdamos, assim, não apenas os modos de fazer, herdamos também a forma de construção do gosto, aprendemos os sabores. A rapadura no Brasil se torna mais do que adoçante, se torna alimento de alto teor nutritivo, substituindo a

Queirós, José Américo de Almeida e Marques Rabelo. Expressavam uma necessidade de valorização da cultura regional do nordeste brasileiro, no 1º Congresso Regionalista do Nordeste, ocorrido em fevereiro de 1926, em Recife (FREYRE, 1996). 71

carne e sendo um dos tripés da alimentação do sertanejo nordestino, junto com a farinha e o feijão. Não só nos doces houve a presença do açúcar, mas também nos remédios. Freyre conta que o açúcar entra também na medicina popular, porque “alguns remédios parecem gulodices”. Os chás medicinais (erva cidreira, folha de abacate, folha de laranjeira, por exemplo) eram muito adocicados. Existiam também as balas de cambará, contra tosse e constipação, que eram verdadeiras guloseimas (FREYRE, 1997, p. 82-83). Outro dado importante fornecido pelo autor é o da preferência pelos vasilhames de barro para o preparo de doces. É como se “o teor gustativo se conservasse sem nuances ao paladar com o uso de vasilhames e utensílios de barro, ou com o uso da colher de pau, aquela que traz o verdadeiro gosto ao doce” (FREYRE, 1997, p. 47). No século XVIII, os doces à base de cana-de-açúcar ganharam novos sabores, misturados às frutas dos índios e aos quitutes dos negros. Porém, no início do século XIX, as cozinhas francesa e inglesa entram de forma intensa no Brasil, com os confeiteiros da Corte portuguesa. Os doces franceses ganham destaque, sendo considerados mais elegantes do que aqueles feitos nas cozinhas de casas portuguesas ou por negras quituteiras. Freyre menciona que “no Recife, como no Rio, os pasteleiros e doceiros franceses começam a aparecer nos anúncios dos jornais dos primeiros anos do Império, juntamente com as caixas de passas, as latas de figos, os boiões de ameixas vindos da Europa” (FREYRE, 1997, p. 85). Apesar das influências estrangeiras afetarem o consumo e o gosto brasileiro, como o chá inglês da tarde, Freyre afirma que a nossa mesa farta e ruralista continuou vigorando: “O chá verdadeiramente brasileiro foi o de ceia patriarcal acompanhado de bolo, doce, canjica, angu, cuscuz, tapioca, beiju, cará, fruta-pão com manteiga, mel de engenho com farinha e até peixe frito com farofa” (FREYRE, 1997, p. 63). E quando apareceu o gelo no Brasil, as frutas de que se faziam doces, geleias e conservas tornaram-se também sorvetes. E não eram receitas oriundas dos engenhos e sim das áreas urbanas. Nos anúncios de jornal os sorvetes começam a aparecer “com certo gosto de pecado”, destinados principalmente aos homens, à “rapaziada” (FREYRE, 1997, p. 62). Somente anos mais tarde aparece como símbolo de encontro de namorados, em frente às igrejas e praças públicas. Freyre ainda cita autores como Manuel Querino, Araújo Lima, Leandro Tocantins e Nina Rodrigues para mencionar a importância que tiveram ao descrever receitas de origem indígena e que entraram na culinária nacional, como guisados e assados de lagartos, paca e capivara. Frutas como pitanga, maracujá, groselha, coração-da-índia, carambola, goiaba, 72

guajiru, cajá, araçá, mangaba, imbu, mamão, jabuticaba e sapoti também são citados como símbolo da diversidade, da qual se fazem inúmeros doces com gosto de Brasil. Após percorrer a história nacional do doce, chama a atenção do leitor Freire afirmar que os doces ou bolos são preferidos e escolhidos não por serem nutritivos, mas por serem “hedônicos, lúdicos ou recreativos”. Admite que haja gozo no paladar de maneira desinteressada de fins nutritivos. E que por isso “não são de modo algum desprezíveis, pois a importância psicossocial vai além da fisiologia” (FREYRE, 1997, p. 45). Freyre reafirma a doçaria como aprendizado, prazer e permanência cultural brasileira. O indígena “contribuiu” com a matéria-prima, porém não com os modos de preparo. Freyre reafirma na construção do paladar brasileiro a ideia das três raças, permanecendo a importância das memórias do passado com as influências dos europeus na doçaria. Seis anos mais tarde, Sérgio Buarque de Holanda produz a obra Monções (1945), na qual trabalha as expansões paulistas por vias fluviais, saídas de São Paulo rumo a Cuiabá. Monções é a denominação que o autor dá às levas de povoamento e de abertura de comércio que rumaram em direção oeste e centro do Brasil, do século XVI ao início do XIX. Ele destina maior atenção aos séculos XVII e XVIII, quando eram mais numerosas as bandeiras paulistas que buscavam ouro e outros metais preciosos. Nessa obra, a alimentação também é tratada de forma secundária, uma vez que a prioridade está em documentar os caminhos, obstáculos, empecilhos e articulações “adaptativas” da navegação e ocupação de regiões, antes ocupadas e conhecidas somente por indígenas, além de dar ênfase à miscigenação, como origem da formação do Brasil e dos hábitos alimentares. Mesmo de maneira secundária, a alimentação é colocada como de grande importância para que esta ocupação luso-brasileira acontecesse. Foi por meio das técnicas indígenas de pesca, caça, coleta de frutos e das plantações alocadas nos sítios de paragens para abastecimento que foi possível a ocupação portuguesa em solo brasileiro. Força e mão de obra negra escrava e indígena, que por meio do contato ensinou, aprendeu e construiu as chamadas “ocupações”, que conhecemos nos dias atuais como cidades, exploradas pelo colonizador europeu. A importância do indígena é enfatizada, pelo autor, em todo processo de ocupação das bandeiras, uma vez que, eram eles os conhecedores do fabrico de canoas, da navegação fluvial, dos melhores alimentos da mata, das estratégias de caça, pesca, e ainda da medicina natural baseada nas ervas. Holanda (1945) enfatiza o consumo e o cultivo do milho e feijão durante as bandeiras paulistas por serem produtos de fácil estocagem durante as viagens, fácil conservação e de importante valor nutricional. A mandioca é considerada um alimento secundário por ser 73

necessário um longo período de cultivo e, portanto, de difícil estocagem. A carne de gado, porco ou galinha é praticamente nula nas bandeiras pela dificuldade de manter os víveres em viagens de canoas e de longas distâncias, ficando assim a ingestão de proteína animal voltada para o consumo de pescados fluviais e de caças. As sementes e os palmitos também tiveram sua importância, complementando e muitas vezes substituindo alguns alimentos e refeições quando percalços da viagem exploratória aconteciam, como a perda da tripulação por doenças, guerras com indígenas ou necessidade de descarregamento das tralhas de mantimentos por dificuldade de varar o rio, pelo peso excessivo. Holanda (1945) dá continuidade à construção da figura do brasileiro miscigenado, porém com alguma diferença das obras anteriores. Ele trata a figura indígena como principal conhecedora e negociadora nas relações territoriais, mesmo sob o domínio português. A mistura de negros, índios e brancos na construção da alimentação brasileira se torna, na obra, parte do processo de negociação dos agentes sociais no tempo. Na obra Caminhos e Fronteiras (1956), Sérgio Buarque de Holanda dá continuidade às suas análises neste mesmo sentido, descrevendo e analisando o processo de ocupação das terras no interior do Brasil. Utiliza documentos sobre as bandeiras paulistas e outras incursões feitas por viajantes dos séculos XVII e XVIII, descrevendo a construção do homem e da mulher brasileiros, até chegar à figura do sertanejo, forjado dentro dos encontros étnicos de europeus, indígenas e negros. Holanda dedica a primeira parte do livro para descrever “Índios e Mamelucos”, e a segunda as “Técnicas rurais”. O nosso foco foi voltado para a primeira parte, na qual Holanda busca demonstrar os conhecimentos e técnicas de sobrevivência indígenas na formação dos conhecimentos que hoje são chamados de populares e nacionais. Menciona a importância dos saberes indígenas para a localização de água, identificação de rastros deixados pelas tropas e incursões militares, localização espacial utilizando sol ou as constelações, técnicas de caça, pesca ou rastreamento de abelhas. Dados de viajantes e pesquisadores como: Van den Stein, Theodor Koch-Grunberg, Fritz Krause, Hermann Meyer, Ivo d’Evreux, Orville Derby e Mrcgrave, são reunidos pelo autor para descrever as relações e os saberes desenvolvidos durante o contato, levando sempre em consideração o grau de minucia indígena no campo da percepção espacial e sensorial. Elementos indiciários da presença humana eram muitas vezes desconhecidos dos colonizadores. À medida que há a convivência, o aprendizado deste reconhecimento vai acontecendo, assim como a sua apropriação como, por exemplo, a existência de muitas estradas de ferro na atualidade coincide com os velhos caminhos de índios e bandeirantes, muitas delas encontram-se em áreas de planície, onde o relevo é suave e a circulação é facilitada. 74

A localização de fontes de água potável era realizada pelos nativos utilizando métodos que ainda hoje são empregados por povos do sertão brasileiro. Holanda cita dados coletados por Krause sobre os povos Carajás, que, quando querem saciar a sede, a primeira coisa que fazem é colocar o rosto na direção do vento. Se o vento é fresco, é porque passou por onde existe água. Se é quente, não caminharão mais daquela direção (HOLANDA, 1994, p. 36-37). A água muitas vezes estava sob uma laje ou rochedo, ou sobre um tronco de árvore (buracos cheios de água entre os ramos), onde podiam sanar a sede. Raízes e leguminosas também eram usadas para o mesmo fim, matar a sede. Ademais, o mandacaru, alguns cipós como o taquaruçu, “bromélias” como o caraguatá também serviam para tal, todos esses seriam verdadeiros poços vegetais que matavam a sede dos viajantes (HOLANDA, 1994, p. 41). São chamadas por Holanda de “samaritanas” dos sertões baiano e goiano. Quanto à alimentação, Holanda menciona especialmente no terceiro capítulo a importância da cera e do mel nos sertões brasileiros. Afirma que os moradores da terra sabiam como localizar uma colmeia. Cita relatos de viajantes que vivenciaram as formas de localização de mel pelos indígenas, como o Padre Cardiael. Ele dizia ser impossível ocultar as colmeias dos indígenas, pois seguem a cavalo as abelhas em voo até encontrarem sua colmeia. Além do padre, “Fritz Krause também afirma dos Carajás que, viajando em suas canoas, não deixam de observar atentamente o voo das abelhas e assim, em pouco tempo, atinam, na copa de algumas árvores, com o agulheiro procurado” (HOLANDA, 1994, p. 44). A produção da apicultura pelos indígenas “embora primitiva ou tosca” (HOLANDA, 1994, p. 46), segundo Holanda, ocorria com o transporte de favos com larvas ou troncos com pedaços da colmeia, quando em excursão à floresta. O autor menciona diversas outras técnicas de apicultura produzidas por indígenas do México, América Central, Colômbia e Venezuela, em que a produção de cortiços abrigava as abelhas produtoras de mel. Robert Redfield afirma que os Maias de Iucatã criavam de maneira metódica as meliponídeas, em árvores previamente escolhidas e adaptadas para essa atividade (HOLANDA, 1994, p. 48). Os Parecis, em Rondônia, domesticavam abelhas criando-as em cabaças para facilitar o manejo, sendo a espécie jataí a preferida por fazer favos de forma homogênea. O mel era usado como alimento, mas também como remédio para feridas, e a cera possuía ainda mais usos do que este, principalmente para os europeus. Ela era valorizada pelas capitanias por possuírem alto custo, usada para fins religiosos e fúnebres, destinava-se principalmente à produção de vela e tochas (HOLANDA, 1994, p. 54). Holanda também afirma que os alimentos que pareciam ser repugnantes ao paladar europeu tiveram que ser acolhidos, principalmente durante as andanças pelos sertões, pois a 75

fome foi companheira constante. Assim, bandeirantes aprenderam a se alimentar de “cobras, sapos, ratos, raízes de guaribá e grelos de samambaia” (HOLANDA, 1994, p. 56). A formiga içá torrada venceu as resistências urbanizando-se quase como a mandioca, o feijão, o milho e a pimenta da terra (HOLANDA, 1994, p. 57). O palmito teve largo consumo durante as entradas, os pinhões de araucária deram excelente farinha, substituindo em muitos casos a mandioca, e o consumo das castanhas do Pará e de caju serviu para marcar datas e épocas comemorativas do ano, como o Natal. O autor ainda descreve a importância das armas usadas nas caçadas como o arco e a flecha, que tinham um alcance bem maior que o arcabuz e a escopeta europeia, sendo também mais veloz. A observação do uso deste instrumento que superava em muito os dos europeus, fez com que o arco e a flecha fossem eleitos como melhor arma à distância, inclusive pelos próprios europeus. Outra técnica de obtenção de alimentos constitui no emprego do “pari” (ervas e cipós que adormecem os peixes) que fazia com que os pescadores pescassem um grande número de peixes, conservados somente no moquém ou com farinha de peixe, a piracuí, pois não havia sal. Na caça de animais perigosos, Holanda narra que diversas técnicas foram aprendidas com os indígenas. Alguns bandeirantes utilizavam-se somente de facas e de uma pele de carneiro atada à ponta de um pedaço de pau. Quando o animal se erguia nas patas traseiras, apresentavam-lhes a pele de carneiro e em seguida cravavam-lhe a faca ao peito. Esse processo é semelhante às estratégias de caça utilizadas pelos Carajás, “que usavam lanças enfeitadas de penacho” (HOLANDA, 1994, p. 93). Os Bororos usavam flechas largas e com pontas de faca, quase como se fossem lanças, os Suiás e Trumaís usavam flechas destinadas à caça do jaguar e os Tupis do litoral usavam mundéus e fojos (HOLANDA, 1994, p. 94). Contra os perigos e incômodos de mosquitos, os indígenas recorriam ao jenipapo, urucum e óleos vegetais para besuntar o corpo. Na frase de uma Carajá a Fritz Krause, a propósito dessas tinturas, que a alguns dos primeiros cronistas pareceram simples e ridículos enfeites, mostra- se como sua função protetora não escapava aos nossos índios: ‘A pintura completa do corpo [com o vermelho do urucu ou o preto do jenipapo] é nossa defesa contra os mosquitos’, dizia-lhe ela, ‘assim como as roupas o são para vós’ (HOLANDA, 1994, p. 97).

Além do uso do urucum e do jenipapo, Holanda afirma que nos relatos de Oviedo, Cristobal de Saavedre e Maurício de Heriarte ou Laureano de la Cruz, indicam na região do Alto Amazonas, terra dos Omáguas, o uso de algodão para construir mosquiteiros contra 76

mosquitos e morcegos. Indicam que este não tem a ver com a influência europeia. O uso dos mosquiteiros é anterior ao contato (HOLANDA, 1994, p. 99-100). Ao final dos capítulos, Holanda afirma que se a mistura étnica proporcionou o comportamento muito mais próximo do indígena que do branco, é porque o do indígena correspondia melhor às questões voltadas à sobrevivência. Na luta diuturna contra a floresta, onde todos os inimigos são traiçoeiros, não há lugar para se formarem as imaginações intrépidas e generosas em que o civilizado se distrai da monotonia de um mundo sem constantes e mortais perigos. A ousadia aqui há de ser cautelosa, previdente e acomodada a quaisquer surpresas (HOLANDA, 1994, p. 122).

Esta afirmação indica o quão as práticas de aquisição alimentar, a defesa, a manutenção da integridade corporal e as formas de subsistências, além da maneira de lidar com o meio seriam oriundas da miscigenação entre europeus, indígenas e negros, principalmente entre europeus e indígenas, tendo na figura do mameluco o responsável pela construção dos costumes, gostos e práticas do brasileiro. Holanda vê nos indígenas o grupo étnico que foi capaz de permitir aos europeus a sobrevivência nas terras brasileiras, seus conhecimentos foram indispensáveis aos colonizadores e deixaram marcas permanentes na cultura nacional. Na década de 1960, começam a ser desenvolvidos estudos da alimentação sob uma perspectiva estruturalista baseada na semiologia saussuriana16, no qual Lévi-Strauss (1997) realiza uma analogia direta da comida com a linguagem e os fonemas. Em o ‘Cru e o Cozido’ (1964), Lévi-Strauss aborda a transformação do estado de natureza humana para o de cultura, através da mudança e transformação dos alimentos, proposto pelo seu triângulo culinário17, no qual cada vértice corresponde a um estado diferente dos alimentos: cru, cozido e podre. A

16 Ferdinand de Saussure foi um linguísta e filósofo suíço, nasceu em Genebra em 1857 e morreu em Morges em 1913. Suas obras proporcionaram o desenvolvimento da linguística como uma ciência autônoma. Saussure compreendia a linguística como uma ciência dos signos, de modo a propor a Semiologia. No início do século XX, suas teorias serviram de base para o surgimento do paradigma estruturalista, evidenciado na Antropologia com os estudos de Lèvi-Strauss. 17 Claude Lèvi-Strauss, antropólogo francês, inspirado no modelo da linguística de Saussere, introduz nos estudos antropológicos a identificação de elementos mínimos que formam um sistema, ou seja, busca identificar quais elementos sociais caracterizariam-se como partículas formadoras de um sistema social. Produziu, dentre diversos estudos, uma tabela de permutações possíveis para se deduzir as regras de funcionamento das sociedades, e por conseguinte, em uma análise combinatória, descobriria quais as relações necessárias para formar a base da vida social (LABURTHE-TOLRA; WARNIER, 2010). Essa perspectiva está diretamente relacionada à linguística de Saussere que, por sua vez, toma as teorias Durkeimianas como método. Para Saussere, a língua é um “fato social” (produto de uma coletividade a qual o indivíduo outorga poder). Esse “fato social”, a língua, caracterizaria-se por um “sistema de valores” (estabelecido por meio de um acordo social, que auxilia na condução de interações em uma sociedade). Os sons seriam as partículas mínimas, de modo que as inúmeras combinações dos articulus comporiam a língua (RODRIGUES, 2008b). O “triângulo culinário” de Lèvi-Strauss corresponde a um estudo em que o autor define por partículas mínimas o “cru”, o “cozido” e o “podre”, que comporiam o “sistema de valores” referente a alimentação nas sociedades humanas. 77

dimensão do cozido (assado, fervido e defumado) seria a dimensão da transformação cultural, enquanto o cru e o podre seriam dimensões da transformação natural das coisas. Lévi-Strauss tentou entender a lógica do pensamento humano através dos estudos empíricos, enfatizando o uso e as ações que são realizadas para se alcançar a dimensão simbólica. O autor nos faz refletir sobre o ser humano cultural, abordando também o ser biológico, pois não há como pensar um sem o outro. Sua proposta foi a de buscar entender o limite entre natureza (parte biológica humana) e cultura (constituição de regras, ordem e gosto no grupo). Entretanto, é justamente por buscar estas dimensões, que críticas foram tecidas ao seu trabalho: uma vez que, as categorias de natureza e cultura são construções sociais, podendo variar de uma sociedade para outra. O que é concebido como limite de um estado de natureza para um grupo pode ser concebido de maneira diferente para outro grupo. Apesar das críticas, antigas e atuais, os estudos de Lèvi-Strauss geraram diversas reflexões. Gostaria de destacar uma das mais recentes, que relaciona suas teorias às perspectivas ameríndias. Tempass (2011) desenvolve no artigo A culinária indígena como elo de passagem da “cultura” para a “natureza”: invertendo Lévi – Strauss, uma dessas reflexões fundamentadas em seus estudos antropológicos e etnográficos entre os Mbyá-Guarani. O autor afirma que “a dicotomia entre natureza e cultura não se aplica aos grupos indígenas, pois, para estes, as categorias natureza e cultura constituem um híbrido” (TEMPASS, 2011, p. 69). Além disso, referindo-se especificamente ao Triângulo Culinário de Lèvi-Strauss, afirma que a existência da culinária entre os humanos nem sempre representa a “passagem” da natureza (cru) para cultura (cozido), como teorizou Lèvi-Strauss, pois há em muitos mitos ameríndios a presença de animais/deuses que cozinham e produzem objetos materiais. Assim, o autor afirma que: “[...] a passagem não ocorre da natureza para a cultura, mas sim da cultura para a natureza. [...] Os homens, respeitando as regras, se tornarão deuses, que são os seres que controlam e, de certa forma, compõem os seres da natureza. A natureza é sempre o destino final [...]” (TEMPASS, 2011, p. 96). O autor inverte a passagem da natureza para cultura de Lèvi-Strauss, trazendo outras perspectivas epistemológicas indígenas. Uma outra reflexão gerada pelo triângulo culinário que ganhou importância em sua época, abordando a passagem da natureza para a cultura foi a de Mary Douglas (1972), que observou sob outro ângulo, a base da respectiva teoria. A autora desenvolve a ideia de desordem como proveniente da natureza e de ordem como proveniente da cultura, analisando questões alimentares presentes no cotidiano social. Observa a alimentação como um código cultural, no qual poderíamos interpretar relações de hierarquia, inclusão e exclusão social. 78

Douglas (1997), em Implicit Meanings (Significados implícitos), no capítulo Deciphering a Meal (Decifrando uma refeição), analisa a alimentação através de estruturas e escolhas dos alimentos na(s) sociedade(s). Cria a ideia de sistema operativo (sistema de Saussure)18, o qual funcionaria por meio de contrastes: inclusão e exclusão, sólido e líquido, intimidade e distância. A autora também trata das relações sociais estabelecidas de um grupo para com outro grupo de forma que, para ela, são por meio destas relações (sejam de intimidade ou distância) que podem ser expressas e reveladas identidades sociais. No Brasil, especificamente no ano de 1968, trabalhando sob uma perspectiva da identidade coletiva, Luís da Câmara Cascudo publica História da Alimentação no Brasil. O autor faz uma reunião de documentos, trabalhos antropológicos e sociológicos que trataram o tema da alimentação, alicerçando também a miscigenação das três raças como precursoras das bases sociais e culturais da alimentação brasileira. Divide sua obra em duas partes. A primeira diz respeito à História, subdividida em cardápio Indígena, dieta africana, ementa portuguesa; e a segunda à Cozinha Brasileira, subdividida em sociologia da alimentação, elementos básicos da culinária, técnicas culinárias, ritmo das refeições, trabalho e viagens, superstições, bebidas, comidas de esteira e de mesa, mitos e realidades da cozinha africana no Brasil, folclore da alimentação e apêndices com documentos portugueses como tratados sobre receitas da corte portuguesa. Cascudo (2004) trabalha o capítulo sobre Cardápio indígena por meio de elementos constituintes desta cozinha, trazendo-os como formadores da base alimentar ameríndia brasileira. Inhames, palmitos, mandioca, milho, bananas, ervas, pimentas e outros temperos constituiriam os alimentos básicos de comidas nativas, dos quais seriam produzidos mingaus, pirão e bebidas. Fogo, moquém, trempe e forno seriam maneiras de articulação tecnológica indígena para a produção alimentar que os colonizadores europeus teriam imitado por longos séculos, assim como muitos dos alimentos e comidas teriam sido apreciados e adaptados ao paladar dos recém-chegados no Velho Mundo. Cascudo (2004) constrói a imagem da mulher indígena como a responsável por alimentar a colônia brasileira e mantê-la sadia até pelo menos meados do século XVII, quando houve a entrada dos africanos no Brasil, mantendo uma cozinha mestiça, limpa e com riqueza de diversidade vegetal.

18 O sistema operativo de Saussere apresenta a seguinte dicotomia: a linguagem humana pode ser dividida em “língua” e “fala”. As oposições binárias constitutivas do sistema, ou seja, da língua ou da fala, partiriam do seguinte pressuposto: um elemento/partícula mínima é (definição positiva) tudo aquilo que os demais elementos/partículas mínimas não são (definição negativa) (CORTINA; MARCHEZAN, 2004). 79

Nove anos mais tarde, Cascudo organiza a obra Antologia da alimentação no Brasil (1977), já tendo “aberto caminhos na sistemática, nos debates e conclusões, tendo manejado material limitado” sobre alimentação em História da Alimentação no Brasil. Em Antologia da alimentação no Brasil, o autor busca evocar diversos aspectos da alimentação brasileira sobre vários vieses: histórico, etnográfico, literário e social. Seu principal objetivo é tratar sobre “alimentação, e não nutrição” (CASCUDO, 1977, p. 1). Cascudo afirma que as páginas são “velhas e novas, [...] atualizando as antigas e reavivando as recentes no diagrama do paladar brasileiro” (CASCUDO, 1977, p. 1), ou seja, deixa a ideia de movimento, de mudança das receitas, dos saberes e fazeres populares. Como o próprio título do livro traz, a antologia corresponde a uma coletânea de textos diversificados a respeito da alimentação no Brasil, apresentando desde poemas, músicas, receitas, descrições até análises sobre os alimentos, modos de aquisição e preparo, comportamento social e político, de classes mais abastadas e pobres, nas áreas urbanas “um ambiente urbano antes do automóvel, da luz elétrica e das rodovias” (CASCUDO, 1977, p. 1) e rural. Entre os autores que contribuíram com a obra estão Pereira Barreto, Artur Ramos, Vinícius de Moraes, Santa Rita Durão, Marcgrave, Debret, Sant-Hilare, Euclides da Cunha, Martius, Bariani Ortêncio e Manuel Querino. Aqui Cascudo reafirma a ideia de miscigenação das três raças e coloca, mais uma vez, a hegemonia dos modos de preparo dos alimentos europeus sobre a dos outros povos de maneira aberta. Afirma que “quem faz a comida, tempera ao seu paladar. Paladar corresponde ao Timbre, fisionomia da Percepção” (CASCUDO, 1977, p.1). Nesta frase o autor atesta que foi o sal o tempero europeu que temperou o paladar do brasileiro, e o açúcar que adoçou em substituição ao mel de abelha, de uso indígena e africano. Ao encontro desta afirmação, em análise da História da Alimentação no Brasil, não podemos deixar de mencionar o que Algranti e Asfora (2014) afirmam a respeito desta hegemonia europeia. No artigo Luís da Câmara Cascudo e a ementa portuguesa: a contribuição de Portugal na construção do pensamento sobre a cozinha brasileira, as autoras descrevem as contribuições da herança portuguesa na cozinha brasileira. Indicam que este era um relato inovador para sua época, pois até meados do século XX a alimentação “não fazia parte da agenda principal de historiadores e cientistas sociais” (ALGRANTI; ASFORA, 2014, p. 254). Tratava-se de um tema médico ou da nutrição. Até então, este tema contava apenas com estudos esparsos, entre eles de Gilberto Freyre sobre cozinha do Nordeste brasileiro. De acordo com as autoras, Cascudo (1968) se preocupa com as práticas antigas no presente. Sua noção de tradição compreende um dinamismo, o passado não é cristalizado, ele faz parte do 80

hoje. Cascudo dá ênfase ao passado colonial. É como se a formação do Brasil tivesse ocorrido principalmente entre os séculos XVI e XVIII, antes da chegada da Corte portuguesa no Brasil e antes da entrada de outros estrangeiros e estrangeirismos. Esta noção de tradição alimentar se diferencia entre Cascudo e Freyre, de acordo com Algranti e Asfora (2014): o primeiro a vê como dinâmica, pois dialoga passado com o presente, enquanto o segundo vê a tradição como algo cristalizado cujo propósito era perpetuar as estruturas herdadas. Para Freyre a cozinha era quase um monumento a ser preservado, enquanto para Cascudo a cozinha está viva. Vamos também ao encontro desta análise com relação à perspectiva da cozinha brasileira para os dois autores. Contudo, acrescentamos ainda que em ambos a atenção dada ao nativo é sempre de considerá-lo primordial à colonização, coloca-o como um indígena uno, sem distinção cultural entre grupos e vozes. Os autores não fogem muito das representações construídas anteriormente, inclusive, utiliza-as como fonte para a construção da sua obra, como os relatos de cronistas e viajantes. Não apenas Freyre e Cascudo compartilham deste viés, mas também Holanda, que, apesar de citar diversos povos, constrói a representação do indígena brasileiro ainda como “o índio”. Os “nativos da terra” teriam um único costume alimentar e uma única cozinha compartilhada? A problematização desta imagem é amplamente questionada em períodos posteriores e ganha impulso e força nas décadas de 1980 e 1990 quando novas perspectivas voltadas à história cultural, ao pós-colonialismo e a perspectiva decolonial19 começam a vigorar nas análises. Esses estudos pós-coloniais se consolidam como crítica ao colonialismo, só ganham força a partir da década de 1980, em universidades da Inglaterra e dos Estados Unidos. O seu argumento central corresponde ao rompimento com a história única e linear, que é sustentada pelas narrativas que legitimam o poder colonial de dominação, por meio da racialização e naturalização das hierarquias como diferenças determinantes e classificatórias dos seres. Então, ele surge como um discurso político para a desconstrução das perspectivas colonialistas. Dentre os autores que realizaram tal desconstrução podemos destacar Sahlins (1981), Spivak (1990), Bhabha (1994) e Hall (1996). Eles buscaram mostrar como os processos diaspóricos, os preconceitos raciais e socioeconômicos, as torturas e outras ações brutais são legitimadas pelo poder e pelas perspectivas eurocêntricas. Mostram que a independência dos estados-nação não

19 Perspectiva decolonial surge como uma teorização Latino-Americana que vem sendo realizada por pensadores como Enrique Dussel, Walter Mignolo e Aníbal Quijano, a fim de mostrar como o colonialismo moderno europeu nas Américas forjou, através de elementos ideológicos, “o outro”, um “outro colonial” que era ao mesmo tempo objeto de seus estudos, e contraponto da imagem do seu lócus de enunciação (CASTRO-GÒMEZ, 2005). 81

significou a ruptura com essa forma de construção epistêmica na contemporaneidade. Além dos autores europeus e estadunidenses, podemos destacar Fanon (1968) e Quijano (1999), o primeiro da Martinica e o segundo do Peru. Eles se lançaram para além do colonialismo, falam a partir da perspectiva da “colonialidade do poder”, que corresponde a uma dominação eurocêntrica imposta nas subjetividades e identidades coletivas dos povos do terceiro mundo, que não se restringe, como no colonialismo, ao domínio territorial, político e da força do trabalho (PEZZODIPANE, 2013). O conceito de colonialidade se encarrega de demonstrar quais instrumentos poderão ser utilizados como armas para a reflexão de ação política descolonizadora. Tais questionamentos ganham força na temática alimentar na América Latina com as obras de Goody (1982), que realiza suas análises sobre a alimentação, partindo da dimensão histórica, influenciado pelo materialismo de Marx e Marshall Sahlins. Para ele não é possível haver a dimensão simbólica sem haver a dimensão material e ambas devem ser atreladas a ação social. Discute também, a formação das cozinhas diferenciadas, tais como a africana, a asiática, a europeia e a chinesa, trabalhando o impacto da globalização nas mudanças de habitus20 alimentares e por outro lado dos movimentos de resistência e identidades locais. As suas análises sobre o gosto são baseadas nas obras de Elias (1939), que relacionam a dimensão simbólica com expressão de identidade. De acordo com Goody, essas identidades correspondem a uma estrutura de longa duração, mas que podem mudar pelos novos interesses e maiores acessos às cozinhas “globalizadas”. Análises semelhantes foram desenvolvidas por Sidney Mintz e Stephen Mennell, entre as décadas de 1980 e 1990. Ambos trabalham com a dimensão social e histórica em seus estudos. Mennell (1996) trabalhou comparando as cozinhas inglesa e francesa. Ele buscou interpretar suas origens trabalhando itens como a fome e o apetite, questões econômicas relacionadas à quantidade e qualidade, e controle do corpo pelo Estado. Mintz (1985) analisa também a alimentação como produto social e simbólico, marcado por ressignificações vindas de questões socioeconômicas, resultantes das mudanças políticas ao longo do tempo.

20O conceito de habitus é discutido por Pierre Bourdie, desde a década de 1960, buscando apreender as relações de afinidade entre o comportamento dos agentes e as estruturas e condicionantes sociais. Habitus para o autor pode ser entendido como um conjunto de estruturas sistêmicas que correspondem às estruturas sociais: econômica (renda/salário), social (relações sociais), cultural (saberes/diploma/títulos) e simbólico (prestígio/honra) que compõe as estruturas adquiridas ou incorporadas ao longo das trajetórias sociais. Em 1976, Bourdie publica “Anatomia do gosto” no qual o autor discute a variação do gosto entre os segmentos sociais, associando às práticas sociais, determinadas pelas trajetórias socializadoras dos agentes (SETTON, 2002). 82

No Brasil, contribuições sobre este viés começam a despontar em 1954, quando Antônio Cândido defende a tese Os parceiros do Rio Bonito, publicada em formato de livro no ano de 1964. Nesta obra o autor se propõe investigar como se dá a obtenção dos meios de vida do caipira, no modo de vida do tipo fechado, com base na economia de subsistência. Ele se utiliza das perspectivas materialistas de Marx para realizar suas análises. [...] Marx abriu efetivamente horizontes mais largos para se compreender a solidariedade profunda do mundo físico e da cultura humana, encarados, por ele, à luz do desenvolvimento histórico [...]. Baseado aí pôde determinar uma posição fecunda para compreender a vida social a partir da satisfação das necessidades, mostrando, de um lado, que a obtenção dos meios de subsistência é cumulativa e relativa ao equipamento técnico; de outro, que ela não pode ser considerada apenas do ângulo natural, como operação para satisfazer o organismo, mas deve ser também encarada do ângulo social, como forma organizada de atividade (CÂNDIDO, 2010, p. 28-29).

Cândido se preocupa em trazer análises que não sejam estáticas ou idealizadas, e sim que levem em consideração as mudanças ao longo do tempo. Para realizar suas análises, elege a alimentação e a dieta como principal foco de seu trabalho. Menciona dados documentais e descrições obtidas em trabalho de campo na região de Bofete, São Paulo, associadas às suas análises sobre os modos de subsistência de famílias rurais no período estudado. Cândido trabalha o modo de produção e o consumo dos alimentos plantados (feijão, milho, mandioca e arroz), o consumo de alimentos e outros bens obtidos pelo comércio (sal, cachaça, pólvora, roupas, panelas e talheres, enxada e outros instrumentos agrícolas), a produção do açúcar, da garapa e da rapadura, a criação de animais e a atividade de caça e coleta para a complementação da dieta. Dentre suas análises, chama atenção a maneira como representa o indígena. Ele é aquele que fornece os meios de subsistência, as matérias-primas para o consumo, porém que não são transformadas ao seu modo. Há hegemonia e predominância nos modos de produção europeus com o uso dos ingredientes indígenas. O feijão, o milho e a mandioca, plantas indígenas, constituem, pois, o que se poderia chamar triângulo básico da alimentação caipira, alterado mais tarde com a substituição da última pelo arroz. No entanto, a maioria dos modos de prepara-los não veio do índio: constituem adaptação de técnicas culinárias portuguesas, ou desenvolvimentos próprios do país. Sob este ponto de vista, apenas a mandioca se transmitiu integralmente, tanto a doce, o aipim dos nortistas (Manihot dulcis Pax), ingerida sem maior transformação, quanto a amarga (Maniot utilíssima Pohl), de que se extraía farinha, pelos mesmos processos com que a obtinham os naturais do país, embora com técnicas frequentemente aperfeiçoadas (CÂNDIDO, 2010, p. 64-65). Cândido afirma que o feijão, de origem indígena, foi “lusitanizado” em seu modo de preparo, acrescentando-se ao cozer sal, banha e carne de porco. Do milho indígena 83

“lusitanizado” fez-se uma série de comidas, dentre elas: come-se na espiga de forma assada ou cozida; fazem-se , mingaus, bolos ou curau. Seco, come-se como pipoca, quirera e canjica; moído, como fubá grosso ou fino, usado para a produção de biscoitos, bolinhos, broas; pilado fornece farinha, sem mencionar a sua importância na alimentação dos animais. A mandioca trouxe junto a ela a tecnologia material dos indígenas: ralo e tipiti, dando origem também a um complexo material já com a influência lusa que correspondeu aos primeiros utensílios para uso cotidiano: peneiras, pilões de mão e de pé, monjolos, moinhos d’água, fornos de barro e fôrmas. Além destes importantes alimentos, as abóboras e batatas eram fontes substanciais alimentares: batata-doce, cará e mangarito. O sal foi um dos condimentos que mais levou os indivíduos a estabelecerem uma relação intergrupal, pois, devido a sua necessidade, obrigava a contatos periódicos com as vendas ou centros urbanos. O leite, o trigo e a carne de vaca constituíam alimentos excepcionais na dieta do caipira, sendo indicativo de índice de urbanização ou situação social abastada. Mas o que nunca sumiu da dieta do caipira foi o açúcar, de onde se fazia a garapa e a rapadura, e ainda, a aguardente, mesmo quando este cultivo minguou. No século XIX, juntou-se à cana, o café. Segundo o autor, essa dieta só se faz viável se houver complemento: caça, pesca e coleta. Coleta de frutos do mato (jabuticabas, maracujás, araticuns, goiabas, jaracatiás, pitangas e bananas), do campo (juá-manso, gravatá, caraguatá e mamão) e palmitos. Havia e há discriminação acentuada não apenas entre animais comestíveis ou não, mas entre aqueles, uma hierarquia de gosto. Paca, porco-do-mato, tatuetê, teiú, macuco, nhambu constituem de modo geral as iguarias mais prezadas. Nota-se sem dificuldade que a preferência do paladar se norteia pela afinidade das suas carnes com a dos animais domésticos: porco, leitão, frango, galinha – indicando nitidamente o caráter substitutivo da caça-alimento. As carnes de sabor estranho (asco), são rejeitadas ou menosprezadas [...] (CÂNDIDO, 2010, p. 69).

Cândido permite pensar na ideia de dinâmica cultural, mais do que na cristalização e formação de costumes. O que é de grande importância é a forma como menciona a preferência ou o menosprezo pelo sabor dos alimentos, que varia em tempo e espaço. A satisfação do paladar segue os padrões existentes em uma sociedade em sua época. Quase vinte anos após a publicação de Cândido (1964), é publicado o livro Plantar, colher, comer: um estudo sobre o campesinato goiano, de Carlos Rodrigues Brandão. Inspirado nas análises de Cândido (1964), Brandão (1981) busca compreender as práticas alimentares da região de Mossâmedes, Goiás, principalmente àquelas dos lavradores, peões, boiadeiros e fazendeiro. Em suas análises aponta uma íntima relação entre práticas econômicas e práticas alimentares ligadas ao trabalho agrícola e pecuário para fins de subsistência dos indivíduos, 84

marcando o sistema e a estrutura de produção e cultivo de alimentos, a circulação de comida e mantimento, e o seu consumo pelas famílias camponesas. Apesar de organizar o seu trabalho dentro destes parâmetros da análise, a sua principal contribuição recaiu sobre o “deixar que fale o produtor de subsistência” (BRANDÃO, 1981, p. 11). Brandão apresentou os simbolismos, o desdobramento das ideologias e crenças ligadas à produção, circulação e consumo de alimentos, como forma de explicar as representações e comportamento social. Ligado à antropologia cognitiva, faz uma estreita relação entre o ser humano e o meio em termos de interpretação dos elementos do imaginário que povoam e impulsionam suas ações. Seu trabalho representou um marco para os estudos da agricultura, campesinato e alimentação, relacionado à perspectiva materialista que liga o ser humano ao meio social, econômico e simbólico. Mediante as discussões sobre as influências da globalização na alimentação, a bibliografia contemporânea que trabalha a história, a saúde, as diferenças das alimentações locais, as cozinhas étnicas, os novos movimentos gastronômicos, trazem novas perspectivas sobre o tema. O “estado da arte” sobre essa produção trará um panorama amplo e significativo sobre o mote.

1.3 - ESTADO DA ARTE DOS ESTUDOS SOBRE ALIMENTAÇÃO

O “estado da arte” sobre o tema alimentação já foi desenvolvido por alguns pesquisadores brasileiros, que mapeia a bibliografia produzida nas últimas décadas por autores e pesquisadores no Brasil e fora do país. Tendo em vista a existência destas pesquisas, buscou- se evidenciá-las para auxiliar na exposição do estado do conhecimento sobre o tema proposto. Considerando a perspectiva histórica e etnográfica da presente pesquisa sobre alimentação indígena Javaé, dar-se-á prioridade àquelas desenvolvidas entre os anos de 1990 até 2016, recorte que permitirá visualizar os principais objetivos, métodos e resultados obtidos no “estado do conhecimento” e no desenvolvimento das pesquisas sobre alimentação, deste período. Durante o desenvolvimento do presente estudo, foi observado que as pesquisas do tipo “estado da arte” ou “estado do conhecimento” sobre o tema alimentação estão estruturadas como amplas revisões bibliográficas em sequência cronológica e historiográfica, dentre as quais podemos citar: a pesquisa organizada por Meneses e Carneiro (1997), no artigo A História da Alimentação: balizas historiográficas; Santos (1997; 2005), nos artigos Por uma História da 85

Alimentação e A alimentação e seu lugar na História: os tempos da memória gustativa respectivamente; e Carneiro (2003) em Comida e Sociedade: significados sociais na História da Alimentação. Alguns autores realizaram estas pesquisas como introdução ou capítulos de livros, como realizado por Canesqui e Garcia (2005), em Antropologia e Nutrição: um diálogo possível. Após os anos 2000, mais pesquisas a partir das áreas da História e Antropologia, e até mesmo Nutrição, passaram a ter a preocupação em historicizar e contextualizar os conhecimentos a respeito da alimentação, como uma parte das análises em seus estudos (FREITAS; MINAYO; FONTES, 2011). Para o presente trabalho, pretendeu-se focar nas referências daqueles trabalhos desenvolvidos na área de História e Antropologia/Etnologia, que permitem conhecer de maneira ampla as análises qualitativas e também quantitativas do balanço da produção sobre o tema da alimentação. Serão tomadas duas publicações as quais julgamos importantes, por apresentar no “resumo” a proposta de realização do “estado do conhecimento” da alimentação e; por apresentarem dados quali-quantitativos das áreas de História e Antropologia, mais recentes. O primeiro deles é o artigo de Carlos Roberto Antunes dos Santos (2005), que propõe realizar “o estado do conhecimento” da temática da alimentação em A alimentação e seu lugar na história: os tempos da memória gustativa, publicado na revista História: Questões & Debates, da UFPR (Universidade Federal do Paraná). O autor fez uma classificação cronológica de obras nacionais e internacionais, traduzidas e publicadas no Brasil, relacionadas à História da Alimentação, tendo em vista que as principais publicações abordaram diferentes contextos ao longo dos dois últimos séculos na França, na Itália, nos Estados Unidos e no Brasil. Entre as obras, estão listados 25 (vinte e cinco) títulos: A fisiologia do gosto ou Meditações sobre gastronomia transcendental: uma obra teórica, histórica e contemporânea, dedicada aos gastrônomos de Paris, de um professor e membro de diversas sociedades literárias e eruditas (BRILLAT-SAVARIN, 1825); História da Alimentação vegetal da pré-história aos nossos dias (MAURIZIO, 1931); Faire de l’histoire (LE GOFF; NORA, 1974); Um banquete de palavras (REVEL, traduzido e publicado no Brasil em 1996); Hedonismo e exotismo (CAMPORESI, publicado no Brasil em 1996); De caçador a gourmet: uma história da gastronomia (FRANCO, 1995); A História da Alimentação: balizas historiográficas (MENESES; CARNEIRO, 1997); Por uma História da Alimentação (SANTOS, 1997); O ritual do jantar (VISSER, traduzido e publicado no Brasil em 1998); Comida e sociedade: uma História da Alimentação (CARNEIRO, 2003); Banquete: uma história ilustrada da culinária, dos costumes e da fartura à mesa (STRONG, traduzida no Brasil em 2004); Les Fils de McDo: 86

la Mcdonalisation du Monde (ARIÈS, 2004); País fast-food (SCHLOSSER, 2004); as obras monográficas estrangeiras: A invenção dos restaurantes (SPANG, lançado no Brasil em 2003); Seis mil anos de pão: a civilização humana através do seu principal alimento (JACOB, 1944; lançado no Brasil em 2004); Comida: uma história (FERNÁNDEZ-ARMESTO, 2004); Sal: uma história do mundo (KURLANSKY, publicado no Brasil em 2004); História da Alimentação (FLANDRIN; MONTANARI, 2004); as publicações brasileiras: A História da Alimentação no Brasil (CASCUDO, 1967); Açúcar (FREYRE, 1939); Sobre o simbolismo da comida no Brasil (DA MATTA, 1987); História da Alimentação no Paraná (SANTOS, 1995); Cozinha brasileira: com recheio de história (FILHO; DI GIOVANNI, 2000); Pequena enciclopédia da história das drogas e bebidas (CARNEIRO, 2005) e; A canja do imperador (DIAS LOPES, 2004). Santos (2005) realiza também uma análise historiográfica das produções do grupo de pesquisa História da Alimentação vinculada ao Curso de graduação e pós-graduação da UFPR, entre os anos de 1999 e 2004, listando um total de 05 (cinco) teses e 06 (seis) dissertações, além de 22 (vinte e dois) estudos e projetos desenvolvidos. Destaca o número 33 (trinta e três) da revista Estudos Históricos, da Fundação Getúlio Vargas, publicada em 2004. Afirma, ao final do artigo, que “o campo da História da Alimentação é extremamente rico de possibilidades temáticas que se oferecem ao historiador da cultura e a outros profissionais” (SANTOS, 2005, p. 20), o que favorece o surgimento de diversas outras obras e trabalhos relacionados. A outra pesquisa desenvolvida sobre o “estado do conhecimento” que nos chamou atenção por desenvolver uma análise quali-quantitativa sobre o tema alimentação, foi realizada por Renata Menasche, Maurício Dias Schneider e Luciana Correia Villa Real (2009), e divulgada no artigo A comida na antropologia brasileira: um balanço em construção, da VIII Reunión de Antropología del Mercosur – RAM, em Buenos Aires, no ano de 2009. Neste, os autores se propuseram realizar um balanço da produção acadêmica dos estudos referidos à comida na antropologia brasileira, nas Reuniões Brasileiras de Antropologia (RBAs) entre 1996 e 2008, com o intuito de vislumbrar a emergência e o desaparecimento de assuntos, trajetórias e ênfases que se destacaram. A primeira seleção de dados realizada pelos autores foi referente a titulação, ao vínculo com Instituição de Ensino Superior (IES) e a região do Brasil em que está sediada a IES. Isso permitiu, segundo Menasche et. al. (2009), identificar a trajetória dos interesses temáticos expressos nos trabalhos no período recortado (1996 - 2008). Os resultados demonstraram que é majoritária a presença de pesquisadores com formação em Antropologia, seguidos por aqueles das áreas de Sociologia, História e Nutrição; em sua grande maioria mulheres com a titulação 87

de doutoras, mestras e graduadas. As informações expostas em gráficos indicam que as pesquisas sobre a área de alimentação têm aumentado, passando de 07 (sete) trabalhos apresentados em 1996, para 34 (trinta e quatro) trabalhos apresentados em 2008. No artigo “História e historiografia da alimentação no Brasil (século XVI-XIX)”, publicado em 2010, Leila Mezan Algranti busca compreender a sociedade e a cultura na América portuguesa através da alimentação e das práticas alimentares do século XVI ao XIX. Investiga as mudanças e continuidades da alimentação no Brasil em relação à Portugal, realizando uma análise historiográfica do tipo Estado do conhecimento, pontuando seus contornos brasileiros e europeus. Evidencia a herança “braudeliana” nos estudos alimentares, muito ligados à cultura material, e ao mesmo tempo evidencia a sua herança cultural, em que o sistema alimentar não apenas contém como transporta práticas. Cita diversos autores que estudaram a alimentação do período colonial brasileiro, dentre os quais estão: Capistrano de Abreu (1976), Gilberto Freyre (1973), Caio Prado Junior (1972), Sergio Buarque de Holanda (1976), Ernani Silva Bruno (1984), Mafalda Zemella (1951), Maria Beatriz Nizza de Silva (1978), Evaldo Cabral de Melo (1975), Câmara Cascudo (1968), José Roberto Amaral Lapa (1982), Maria Yedda Linhares (1981), John Monteiro(1994), Glória Kok (2005), Pedro Puntoni (1998), Algranti (2004), Mõnica Chaves Abdala (2006), Sônia Magalhães (2001) e outros. Algranti (2010) enfatiza a importância de pensar a alimentação colonial brasileira como um sistema dinâmico, que teve origem nas convivências e justaposições de regimes alimentares diferentes, nas trocas e nos intercâmbios culturais. Menciona a doçaria como exemplo de interpretação crucial para compreensão da relação colônia e metrópole, indicando a convivência de cozinhas e de práticas alimentares. Outro importante estudo é o de Asfora e Saldarriaga (2015): Recent trends in food history research in Ibero-America: 2014-2016 (Tendências recentes nas pesquisas sobre História da Alimentação na Ibero-América: 2014-2016). Nesse artigo os autores produzem o Estado do conhecimento a respeito das principais tendências de estudos sobre a temática da História da Alimentação. Destacam a alimentação colonial, regional, urbana/industrial, de grupos sociais minoritários (indígenas, negros e imigrantes), turismo gastronômico, espaços e modos de consumo alimentar (produção, consumo e descarte), entre outros. Mencionam publicações realizadas no Brasil, Colômbia, México e Portugal, elencando as mais recentes obras (artigos e livros) que tratam da temática. Os autores afirmam haver aumento significativo de trabalhos acadêmicos voltados às investigações sobre a temática da alimentação que demonstram o crescimento da sua importância dentro da grande área da História, apesar de não 88

haver, ainda, um departamento oficialmente reconhecido nas universidades Ibero-Americanas que trate sobre o campo de estudo. Todos os trabalhos expostos acima sobre o “estado do conhecimento” permitiram obter informações sobre o desenvolvimento das produções bibliográficas e a forma como foram quantificadas. Porém, elas ainda deixam muitas possibilidades para que investiguemos mais sobre as publicações (livros, artigos, teses, dissertações); grupos de estudos e movimentos sociais, que abranjam o período pretendido na atual pesquisa e as subtemáticas envolvidas sob o grande tema da Alimentação. Para tal, estabelecemos critérios de busca e seleção de bancos de dados, de forma a direcionar a pesquisa para a obtenção das informações, como maneira mais adequada de sistematização e organização, tendo em vista a grande abrangência e quantidade de trabalhos desenvolvidos desde o final do século XIX. Gostaríamos de salientar que a busca e seleção de dados para compor a presente pesquisa relacionada às publicações existentes em História da Alimentação, especialmente em História da Alimentação Indígena no Brasil, não foram fáceis. Há poucas publicações, e quando existem não estão agrupadas em um único banco de dados, e ainda, a temática da História da Alimentação Indígena é vista como periférica dentro das pesquisas que envolvem História, Sociologia e até mesmo Antropologia. Buscamos realizar um trabalho cuidadoso, porém cientes que não conseguimos englobar todos os trabalhos já publicados nos bancos de dados. Outra questão que merece atenção refere-se à afiliação de fontes. A História da Alimentação compreende uma área de estudos da História em que cientistas, pesquisadores e acadêmicos buscam analisar e publicar seus textos com o uso de métodos e objetivos reconhecidos pelos seus pares. Normalmente esses estudos publicados em revistas científicas (periódicos indexados) seguem normas e critérios técnicos que prezam pela revisão, periodicidade e acessibilidade dos documentos. Para além desses textos (artigos, livros e capítulos de livros), há também estudos científicos realizados por outros profissionais, como jornalistas, publicitários e gastrônomos, publicados em revistas e livros, mas que não estão necessariamente preocupados com as problemáticas, métodos e perspectivas da área disciplinar da História. Esses últimos são os chamados Food Studies. Não são publicados periodicamente e recebem maior atenção quando notícias ou problemas relacionados ao tema estão em voga em determinado momento (ASFORA; ESCOBAR, 2012, ASFORA; SALDARRIAGA, 2015). Não queremos dizer com isso que os Food Studies sejam menos relevantes que os trabalhos da área de História da Alimentação. Mas priorizamos aqui os textos obtidos nos trabalhos da História da Alimentação, sem desconsiderar aqueles obtidos nos Food Studies, importantes para 89

pensar as diferentes interpretações e perspectivas informacionais sobre a alimentação em diferentes tempos históricos. Selecionamos alguns critérios para a realização da pesquisa. O primeiro deles foi a subdivisão do tema Alimentação em subtemas, que serão apresentados aqui de maneira sequencial cronológica e crescente de interesse, ou seja, o último subtema será aquele que terá maior peso na presente pesquisa, por se aproximar mais do objeto pretendido: História da Alimentação e Alimentação indígena. Pesquisados nos catálogos de publicações de Universidades Federais do Brasil e plataformas do banco de dados dos periódicos Capes com publicações nacionais e internacionais; priorizando nas buscas os títulos, ano, local, área de produção, resumo, objetivos, metodologias e resultados das pesquisas. O subtema Nutrição não foi priorizado, uma vez que as investigações sobre a alimentação Javaé terão como foco as relações socioculturais e as análises de sua trajetória histórica alimentar sob o viés das análises da decolonialidade21, estando a temática da Nutrição, enquanto estudo da composição dos alimentos e dos fenômenos físico-químicos e fisiológicos do organismo humano, fora do foco de estudo.

1.3.1 - Produções na área de História da Alimentação dos anos de 1990 a 2016

A busca por informações nos bancos de dados sobre o tema Alimentação foi o primeiro passo da pesquisa, realizado no Portal de periódico CAPES22. O link de “Busca” por “Base” 23 foi utilizado para mapear o maior número de ocorrências sobre a temática, pelas palavras-

21 Segundo Walsh (2013, p. 24-25, tradução nossa), “dentro da literatura relacionada à colonialidade do poder, se encontram referências — incluindo neste livro — tanto da descolonialidade e do descolonial, como da decolonialidade e do decolonial. Sua referência dentro do projeto de modernidade/colonialidade inicia em 2004, abrindo assim uma nova fase em nossa reflexão e discussão. Suprimir o “s” é opção minha. Não é promover um anglicismo. Pelo contrário, pretende marcar uma distinção com o significado em castelhano do “des”, o que pode ser entendido como um simples desarmar, desfazer ou reverter do colonial.” Ou seja, a supressão do “s” pela autora, quer dizer que não existe um estado nulo de colonialidade do poder (QUIJANO, 2005), mas posicionamentos, posturas e projetos de resistências, intervenções, criações e incisões na atualidade. Sendo esta colonialidade entedida como “as relações de dominação/exploração/conflito entre brancos e não-brancos” (QUIJANO, 2005, p. 121), que ocorreram no passado e ocorrem até o momento presente sob diversas condições. 22 Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Criado no ano de 1995, cinco anos após a iniciativa do Ministério da Educação (MEC) em criar bibliotecas de Instituições de Ensino Superior (IES), com o Programa de Apoio à Aquisição de Periódicos (PAAP). 23 Concentra milhares de referências em bibliotecas virtuais mundiais, bancos de teses, dissertações e revistas. 90

chave24: Food, Feed e Feeding, obtendo um total de 33 bancos de Teses e Dissertações; 31 bibliotecas virtuais; e 40 bancos e repositórios de revistas eletrônicas com a presença de informações relacionadas às Ciências Sociais e Ciências Humanas. Para a obtenção dos dados referentes à História da Alimentação, a busca foi filtrada com o uso da palavra-chave: Food e History25, e pelo recorte temporal de 1990 a 2016, no link de “Busca” por “Assunto”. Como resultado, foi obtido o número de: 67 livros, 07 periódicos, 36 dissertações e 27 teses sobre o tema. Articulamos estes dados de forma que os livros fossem tratados primeiro, seguidos pelos periódicos, dissertações e por fim as teses, compreendendo que desta maneira filtraríamos as informações mais consistentes chegando ao final da presente análise, às informações mais recentes e mais aprofundadas sobre o tema. Iniciando pelos livros que abordam a História da Alimentação, é imprescindível mencionar que, o período abordado (1990 a 2016) é recente e, portanto, não permite observar a totalidade da construção da trajetória sobre o tema, porém permite observar as principais preocupações e objetivos dos trabalhos publicados. Foram inicialmente divididos por livros internacionais e livros nacionais, citados em sequência cronológica, seguidos pela divisão por subtemas, em seguida colocados os dados em gráficos que demonstram a quantidade de publicações por ano.

1.3.1.1 - Década de 1990

De acordo com Santos (2005, p. 14), a História na década de 1970, abordada a partir da história das mentalidades, começa a diversificar os contextos históricos e sociais coletivos,

24 A busca com palavras-chave em inglês amplia a quantidade de resultados, portanto, optou-se pela utilização desta forma de busca para obtenção de maior quantidade de dados, não descartando as mesmas palavras-chave não língua portuguesa. 25 A busca não contemplou a palavra-chave “abastecimento”, apesar de estar intimamente relacionada à pesquisa no âmbito da alimentação. Uma vez que a “História do Abastecimento” surgiu de forma subsidiária à “História Agrária” nas décadas de 1980 e 1990, suas preocupações estavam em torno na estrutura fundiária, sistema de posses de terras e de trabalho, ligada à chamada “História econômica”. Tinha como principal foco de investigação a produção, comercialização de gêneros alimentícios, a circulação de mercadorias e o abastecimento urbano. Reconhece-se que importantes pesquisadores desta área, tais como Maria Yedda Linhares, Francisco Carlos Teixeira da Silva e Ciro Cardoso (CAMPOS, 2007), tenham contribuído magistralmente com diversos estudos, porém o nosso foco se volta às questões socioculturais indígenas, em que as categorias de “abastecimento”, “circulação” e “consumo” podem deter outros significados, diferentes daqueles adotados pelo mundo ocidental. Desta maneira, priorizamos a busca ampla, com palavras-chave como “História da alimentação”, “História e alimentação”. 91

fatiando a História em pequenas porções. O que antes era absoluto e total passa a ser fragmentado. No início do século XIX, Hegel lançou a obra Filosofia da História na qual registrou os princípios de uma teoria da História, que tinha como sustentáculo primordial a razão, e como objetivo final a construção de uma História Universal. Sua obra foi marcante e tomada de tal modo que regeu a forma de produção da História até metade do século XIX. Hegel afirmava que a humanidade seguiria uma marcha racional em direção à consciência de um “espírito universal”, na obra “Fenomenologia do espírito”, publicada pela primeira vez em 1807. Este espírito universal seria encarnado pelo próprio Estado que regeria por meio das leis as vontades subjetivas dos homens para o seu progresso. O Estado seria, então, a representação objetiva da ideia de liberdade e de vontade dos indivíduos. Ao historiador competiria a análise e concatenação das múltiplas histórias individuais para depois extrair uma História Universal, pois assim estaria representado o espírito do povo. Em meados do século XIX, Karl Marx (1850) toma a ideia de Hegel de progresso da História. Busca aplicar o princípio de progresso do espírito à Revolução Industrial e ao modo de produção econômica. Dessa vez, seria a classe trabalhadora o espírito do povo e não mais o Estado. É retirada a carga conservadora sobre o Estado, mas mantém a ideia de História total e de desenvolvimento progressivo. Essa concepção de História só será modificada no início do século XX, quando a Nova História apresenta outras propostas, com novos temas de pesquisa. A Nova História, também conhecida como La nouvelle historie, é a história associada à École des Annales, ou Escola dos Anais, que correspondeu ao movimento de pesquisadores na França que reagem contra o “paradigma tradicional” de história, por meio de publicações na Revista Annales: économies, societés, civilisations, no ano de 1929. Os paradigmas tradicionais, que correspondiam a: história dizer respeito essencialmente à política, não cabendo aí história da religião ou da arte, por exemplo; a história ser uma narrativa de acontecimentos, que não leva em consideração a análise das estruturas econômicas e geo-históricas de longa data; a história ser “vista de cima”, valorizando os grandes homens e grandes feitos, sem olhar para a pessoas comuns e suas experiências cotidianas; a história ser baseada em documentos e registos oficiais somente, sem considerar de importância de vestígios arqueológicos, fotografias, e relatos orais; e a história ser objetiva e o historiador apresentar ao leitor os fatos (BURKE, 1992). Com os Annales, a História escrita por Lucen Febvre, Marc Bloch, Fernand Braudel, Jacques Le Goff, Pierre Nora, Philippe Ariés, Michele Vovelle e outros pesquisadores, passa a enfatizar toda atividade humana, trabalhando a infância, a morte, a loucura, o clima, os odores, 92

o sujo e o limpo, o corpo, o feminino, a fala e os silêncios, desconstruindo o que era considerado tema central e tema periférico. Além disto buscou aprender e colaborar com antropólogos, economistas, psicólogos, sociólogos e com críticos literários. Buscou ser uma História de “heteroglossia”, na qual os homens comuns e as várias vozes passam a ser enfatizadas (BURKE, 1992). E a alimentação passa a ser um dos objetos abordados e analisados a partir de então. [...] a história do cotidiano e das mentalidades vai dar consistência aos estudos da sensibilidade alimentar, do gosto, da gastronomia. A partir do final dos anos 70, multiplicaram-se os estudos que se dedicaram às práticas alimentares dos indivíduos em contextos e períodos históricos diferentes (BURKE, 1992, p. 4).

E essa estrutura permanece até o momento em que a história das cozinhas passa a ser abordada sob o viés da Nova História. É um momento em que as discussões atingem a formação das cozinhas diferenciadas, tais como a africana, a asiática, a americana e a chinesa, trabalhando o impacto da globalização nas mudanças de hábitos alimentares e por outro lado os movimentos de resistência e identidades locais. As discussões sobre a questão do gosto, baseado nas obras de Norbert Elias (1937), em sua dimensão simbólica e como expressão de identidade também entram fortemente nos subtemas abordados, pois correspondem a uma estrutura de longa duração, segundo Jack Goody (1982), mas que pode mudar pelos novos interesses e maiores acessos às cozinhas “globalizadas” mais próximas. É um momento também em que os trabalhos relacionados à dimensão social da gastronomia começam a ganhar força, percebido a partir das trajetórias históricas da construção alimentar mundial. Apesar de maior diversidade nas abordagens sobre a alimentação, incluindo as cozinhas até então não apresentadas, acreditamos que a História da Alimentação ainda não modifica o modo de organização de dados, permanecendo a estrutura de organização eurocêntrica, o que ainda permite uma visão suprimida das Américas, Ásia e África e a evidência e supervalorização das cozinhas europeias. Os livros ainda enfatizam a América como zona de fornecimento de matéria-prima para a exploração comercial, para incrementação gastronômica desenvolvida na Europa e como fonte de matéria-prima para a expansão populacional e urbana na modernidade. Em alguns trabalhos como Sementes para a civilização: a história da comida (1990), o autor Charles Bixler Heiser, traça desde a pré-história, a relação entre os seres humanos com as plantas e animais, em uma relação entre alimentação/saciedade versus fome. A presença de ensaios, definições, linhas de tempo, anedotas e ilustrações compõem um conjunto de dados das diversas obras 93

como A vida secreta da comida: a festa da comida e da bebida, história, folclore e fatos (1991), que busca traçar as origens dos alimentos e bebidas em uma cronologia que chega aos tempos Modernos também satisfazendo uma ideia de história linear e eurocêntrica. Abre-se uma exceção à cronologia presente especialmente no livro Comer e se satisfazer: uma história social da comida Judaica (1993), que é a do tempo bíblico, em que as origens tradicionais alimentares judaicas estão relacionadas a este tempo, no qual as festividades e a “evolução” dos pratos tradicionais são narrados tendo em vista esta trajetória. A partir do ano de 1995, algumas análises começaram a enfatizar dados sobre a importância dos alimentos americanos oriundos do manejo de populações não europeias, com a presença inclusive de sínteses que concluem a existência de semelhanças marcantes nos hábitos alimentares ao longo do tempo e as culturas. Retira o fator exótico do “outro” e o distanciamento criado pela perspectiva eurocêntrica, para construir uma história focada no viés cultural em que há menor ênfase hierárquica em relação à diferença. O livro Imperialismo Ecológico do professor Alfred W. Crosby, da Universidade do Texas, conta em sua segunda edição de 1993, a história da expansão europeia concentrando-se na invasão biológica provocada pelos europeus nas novas terras. Chama de “biota portátil” o conjunto de animais, vegetais e doenças que embarcaram junto com os europeus nas caravelas e acabaram por expulsar ou liquidar a flora, a fauna e os habitantes nativos de várias regiões do mundo. Crosby descreve como os europeus se espalharam pelos mares e continentes e de que maneira a alimentação dos outros povos é usurpada e transformada em “inferior”. Não podemos deixar de mencionar que, antes da publicação de Crosby, Antonello Gerbi (1904-1976) publicou a obra O Novo Mundo: a história de uma polêmica (1750-1900), em 1955. Não trabalha especificamente com o tema da alimentação, mas traz a representação da América nas ciências, na literatura e no senso comum antes e durante o período de colonização. Ao mesmo tempo em que encantava, assustava os viajantes, tornando-se então a projeção dos medos e anseios europeus (COUTO, 1996). A projeção do desejo ou do avesso, o horror, de povos “primitivos e degenerados” transforma o nativo americano em “ser inferior” ao mundo europeu, em todos os seus âmbitos, inclusive na alimentação. Gerbi abre portas para análise de dados que até hoje são fontes importantes para pensar diversos âmbitos ligados à construção do continente americano. A história das dietas alimentares sob um viés cultural também começa a figurar como elementos que trazem o fator da cozinha local para a discussão de sua importância na alimentação mundial-contemporânea. E os livros de culinária passam a ser vistos como mais do que simples manuais de “modos de fazer”. Permitem análises que demonstram a importância 94

e ancestralidade culinária como profissão nos dois últimos séculos, inclusive de forma mais numerosas que as do século XXI. Passam a trazer também dados, como na publicação Que vivam os !: Comida e o modo de fazer da Identidade Mexicana (1998), analisados sob a perspectiva da História Cultural, em que o contexto sociopolítico da cozinha nativa é colocada em evidência, não como parte de uma trajetória histórica linear europeia, mas sim como autêntica e de resistência, tendo o fator ideológico como principal

elemento de permanência e negociação desde o contato até Figura 3 - Que vivam os tomales! Comida e o modo períodos atuais. de fazer da identidade mexicana (1998), de Jeffrey M. Pilcher. A alimentação a partir da “mistura” entre cozinhas locais (mexicana, indiana, chinesa) e europeias entra em um cardápio global e toma forma, principalmente por meio da mídia e de publicações que transmitem para o mundo um tipo de alimentação transcultural, como retratado em Hábitos Alimentares Americanos em Perspectiva Histórica (1995), de Elaine N. McIntosh. Este é um dos aspectos que ficam mais evidentes no final da década de 1990 nas publicações que passam a enfatizar também a relação entre tecnologia, modos de produção locais, globais e saúde.

1.3.1.1.1 - Livros internacionais e nacionais

Um total de 34 (trinta e quatro) títulos e resumos de livros foi obtido durante a pesquisa, publicados nos Estados Unidos, México, Inglaterra, Portugal e Espanha, que abordam os principais subtemas: História das Cozinhas, História dos alimentos, História da Alimentação e Cultura. Dentre os títulos aqui apresentados, apenas um está no limiar dos anos 1990 e que entrou na presente análise. Em sequência cronológica, os principais títulos obtidos foram: Alimentos na História (1989), de Reay Tannahill; Sementes para a civilização: a História da Alimentação (1990), de Charles Bixler Heiser; L’homnivore (1990), de Claude Fischler; A vida secreta da comida: a festa da comida e da bebida, história, folclore e fatos (1991), Martin Elkort; Uma história 95

natural dos sentidos (1992), de D. Ackerman; Comida, cultura e história (1993), Seminário sobre alimentos em Londres; Comer e se satisfazer: uma história social a comida Judaica (1993), de John Cooper; A gastronomia francesa: história e geografia de uma paixão (1993), de J.R. Pitte; A fisiologia do gosto (1995), de Brillat-Savarin; Hábitos Alimentares Americanos em Perspectiva Histórica (1995), de Elaine N. McIntosh; Fome na História: escassez alimentar, pobreza e privação (1995), de Lucile F. Newman; Dietas alimentares: transferências e adaptações nas ilhas de Cabo Verde, 1460-1540 (1995), de Maria Manuel Torrão; Comida e sociedade na Nigéria: uma história dos costumes alimentares, economia alimentar e mudanças culturais (1996), de Eno Blankson Ikpe; Histoire de l’alimentation (1996), de J.L. Flandrin e M. Montanari; A invenção do cotidiano: 2. morar, cozinhar (1996), de M. de Certeau; Chocolat: de la Boisson Elitaire au Baton Populaire (XVI ème XX ème siecle) (1996), de E. Collet; Um banquete de palavras: uma história da sensibilidade gastronômica (1996), J. F. Revel; All Manners of Food: Eating and Taste in England and France from the Middle Age (1996), de Stephen Mennell; Les fils de McDo: La McDonalisation do Monde (1997), de P. Ariès; Para uma História da Alimentação no Alentejo (1997), Alfredo Saramago; Tomates, batatas, milho e feijões: Como a comida dos Americanos mudou o modo de comer do mundo (1997), de Sylvia A. Johnson; Historia da alimentação mediterrânica (1997), de César Aguilera; Los sabores de la patria (1998), de V. E. Ducrot; O ritual do jantar: as origens, a evolução, excentricidades e significados das boas maneiras à mesa (1998), de M. Visser; Que vivam os Tamales!: Comida e o modo de fazer da Identidade Mexicana (1998), de Jeffrey M. Pilcher; Comida e amor, uma História Cultural de Leste a Oeste (1998), de Jack Goody; Nós somos o que comemos: Comida étnica e o modo de fazer dos Americanos (1998), por Donna R. Gabaccia; Alimentos na História mundial (1999), de Raymond Grew; Comida na História (1999), de Brad Hooper; Alimentos: Uma História Culinária (1999), de Mark Knoblauch; Forno e fogão: como no tempo de nossos avós (1999), de L. B. Azambuja; A história do vinho (1999), de H. Johnson; A razão gulosa: filosofia do gosto (1999), de M. Onfray; e Comida e Cultura na História da Rússia (1999), de R. Smith. Entre os livros nacionais que compõem a literatura sobre História da Alimentação no período de 1990 a 1999, abordando o subtema História da Alimentação e Cultura está De Caçador a Gourmet (1995), de Areovaldo Franco; História da Alimentação no Paraná (1995), de Carlos Roberto A. dos Santos; Não é sopa: crônicas e receitas de comida (1995), de N. Horta; A cozinha da máfia (1996), de J. Cipolla; A cozinha da bruxa (1996), de Marcia Frazão; Eu sou o chef (1996), de C. B. Ross; Nunca treze à mesa (1997), de O. del Sole; Contos, receitas e outros afrodisíacos (1998), de Afrodite Allende; Vinho e história (1998), de S. de P. Santos; O 96

clube dos anjos: gula (1998), de L. F. Veríssimo; e Comida e Sociedade: uma História da Alimentação (1998, 1ª edição), de Henrique Carneiro. Nota-se que neste período havia pouco interesse sobre o tema, uma vez que foram publicados em dez anos apenas onze livros.

Quadro 1 - Livros internacionais e livros nacionais sobre História da Alimentação publicados entre os anos de 1990 e 1999

LIVROS INTERNACIONAIS SOBRE LIVROS NACIONAIS SOBRE HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO 1990 a 1999 1990 a 1999 Ano Quantidade Ano Quantidade 1989 1 1989 0 1990 2 1990 0 1991 1 1991 0 1992 1 1992 0 1993 3 1993 0 1994 0 1994 0 1995 4 1995 3 1996 6 1996 3 1997 4 1997 1 1998 5 1998 4 1999 7 1999 0 TOTAL 34 TOTAL 11

Nota: Quadro elaborado pela autora (2016).

Gráfico 1 - Livros internacionais sobre História da Alimentação quantificados no período de 1990 a 1999

8

6

4

2

0 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999

LIVROS INTERNACIONAIS SOBRE HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO 1990 a 1999 Quantidade

Nota: Gráfico elaborado pela autora (2016).

97

Gráfico 2 - Livros nacionais sobre História da Alimentação quantificados dos anos de 1990 a 1999

4,5 4 3,5 3 2,5 2 1,5 1 0,5 0 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999

LIVROS NACIONAIS SOBRE HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO 1990 a 1999 Quantidade

Nota: Gráfico elaborado pela autora (2016).

1.3.1.1.2 - Periódicos

Foram identificados 03 (três) periódicos internacionais em que todas as publicações são exclusivamente relacionadas ao tema Alimentação. O mais antigo é o periódico Culture, Agriculture, food and Environment: The journal of Culture & Agriculture (Cultura, Agricultura, alimentação e meio-ambiente: revista de Cultura e Agricultura), pertencente à Associação de Antropologia Americana (EUA), existente desde 1977. Suas publicações são anuais e interdisciplinares. Além deste, o periódico Anthropology of food (Antropologia da Alimentação) da Universidade de Bordeaux, na França, publicado trimestralmente desde 1999. A História da Alimentação é tema presente em alguns artigos em que discussões e debates são realizados na comunidade científica, normalmente associados às temáticas que variam desde cultura, tecnologia e ecologia. O periódico Food and Foodways, de Londres (registrado na Inglaterra e no País de Gales), é quadrimestral. Sua primeira publicação foi realizada em 1984 e até o presente momento corresponde a um dos mais importantes periódicos vigentes sobre História da Alimentação. Entre os periódicos brasileiros identificamos também 2 (dois) que publicam exclusivamente sobre o tema Alimentação. O primeiro deles é a Revista Alimentos e Nutrição: Brazilian Journal of food and nutricion, da Universidade Estadual de São Paulo (UNESP) de Araraquara, São Paulo. É uma revista trimestral, que publica desde 1989 na área de nutrição. Segundo o escopo apresentado pela revista, ela aborda de maneira multidisciplinar temas 98

relacionados à nutrição, bioquímica e tecnologia alimentar. Apesar da especificidade da área, alguns artigos relacionados à História da Alimentação foram apresentados em algumas de suas publicações, tais como Alimentação é Cultura – aspectos históricos e culturais que envolvem a alimentação e o ato de se alimentar (2009), de Luis Fernando Soares Zuin e Poliana Bruno Zuin, em que os aspectos históricos e culturais são trazidos ao centro das investigações para a compreensão do ato de se alimentar na atualidade. A Revista de Nutrição: Brazilian Journal of Nutricion, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, São Paulo, também publica desde 1989. É um periódico bimestral, da área de nutrição, mas que concentra artigos que trabalham com a História da Alimentação, como apresentado em Alegrias e desventuras do paladar: a alimentação no Brasil holandês (2010), de Claude Guy Papavero, em que trata da problemática de abastecimento alimentar do nordeste brasileiro durante o século XVII e a construção de novos hábitos baseados na fauna e na flora locais pelos viajantes e colonizadores europeus. Além das citadas, algumas outras revistas brasileiras de instituições universitárias também realizaram publicações sobre História da Alimentação. No ano de 1995, a Revista Questões e Debates (Paraná) publica o artigo Por uma História da Alimentação, de Carlos Antunes dos Santos e em 1997, os Anais do Museu Paulistas (São Paulo) publicam o artigo A História da Alimentação: balizas historiográficas, de Ulpiano T. Bezerra de Meneses e Henrique Carneiro, supracitados no item 4.1. Dois anos depois, o periódico História Revista (Universidade Federal de Goiás - Goiânia) publica o artigo Outro olhar sobre Mariana no século XIX (1999), de Sônia Maria Magalhães, que também aborda a temática da alimentação em evidência a partir da documentação historiográfica, e compõe o enredo do desenvolvimento dos estudos e dos subtemas a ele adjacentes como a alimentação nos primeiros anos do período republicano.

Quadro 2 - Periódicos anteriores ou iniciados na década de 1990

PERIÓDICOS SOBRE ALIMENTAÇÃO ANTERIORES OU INICIADOS NA DÉCADA DE 1990

PERIÓDICO ANO LOCAL

Culture, Agriculture, food and 1977-2016 EUA Environment: The journal of Culture & Agriculture

1984-2016 Reino Unido - Londres Food and Foodways 1989-2016 Brasil – Campinas – São Paulo 99

Revista de Nutrição: Brazilian Journal of Nutricion

Revista Alimentos e Nutrição: 1989-2016 Brasil - São Paulo Brazilian Journal of food and nutricion

1999-2016 França Anthropology of food

Nota: Quadro elaborado pela autora (2016).

1.3.1.1.3 – Dissertações e teses

No Banco de Dados do Grupo de Estudos de História da Alimentação: História, Cultura e Sociedade, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), foram identificadas 1 tese e 1 dissertação desenvolvidas nos anos de 1997 e 1998 respectivamente. A primeira delas, sob o título de Gosto, prazer e sociabilidade: bares e restaurantes de Curitiba, 1950-60, foi escrita por Maria do Carmo Marcondes Brandão Rolim, defendida no ano de 1997, no Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Figura 4 – Dissertação Alimentação e Regimen nos Paizes Quentes (1901), de João de Pinho e Cruz Junior, Porto - Portugal.

A segunda delas foi desenvolvida sob o título de Doces lembranças: cadernos de receitas e comensalidade, Curitiba: 1900-50, por Solange Menezes da Silva Demeterco, defendida em 1998, nos mesmos programa e universidade. Além destas, no ano de 1997, a dissertação O continente rústico: abastecimentos alimentar na comarca do Serro Frio (1750- 1810), foi defendida por José Newton Coelho Meneses, na Universidade Federal de Minas 100

Gerais na área de História. O autor viria a publicá-la três anos mais tarde em forma de livro sob o título de O continente rústico: Abastecimentos alimentar nas Minas Gerais Setecentistas.

No ano de 1998, a dissertação de Sônia Maria de Magalhães, A mesa de Mariana: produção e consumo de alimentos em Minas Gerais (1750-1850), foi defendida na Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho (UNESP). Essa mesma dissertação seria publicada seis anos mais tarde em forma de livro (1ª edição) e republicado dezoito anos depois (2ª edição) pela editora da Universidade Federal de Goiás. Foi observado que a temática da alimentação está presente nas áreas de saúde há muito tempo, como demonstrado no pioneirismo das revistas de nutrição e saúde no Brasil. Durante a pesquisa identificamos, ainda, a primeira dissertação de mestrado sobre alimentação que menciona a história do consumo no Brasil, realizada na área de medicina, defendida na cidade de Porto, em Portugal, no ano de 1901. Nela, o autor realiza uma análise sobre os alimentos que poderiam ser consumidos em países quentes sem causar mal à saúde, com ressalvas a alguns alimentos e recomendações.

1.3.1.2 - Década de 2000

Entre 2000 e 2009, as análises sobre nutrição e saúde começam a aparecer com maior frequência. Aparecem também análises decorrentes da “alimentação globalizada”, correspondendo àquela dos fast-foods e restaurantes, comidas enlatadas e industrializadas. Estes subtemas continuam a ser trazidos como preocupações, em forma de debates e discussões nas Políticas Públicas relacionadas ao impacto das novas tecnologias de produção alimentar agrícola e da indústria; preocupações com a distribuição e o consumo de alimentos; e a gastronomia ditada pelos restaurantes; além da relação entre nutrição e infância, mortalidade e obesidade. Os ritos de passagem da contemporaneidade (batismo, nascimento, morte, casamento e parto) passam a ser enfatizados também, uma vez que a presença dos alimentos está diretamente relacionada a eles na atualidade, reconfortando os indivíduos ou proporcionando novas formas de empreendimento, seja com comidas ou bebidas. Em 2006, temas como “Revolução verde”, correspondendo a políticas públicas de incentivo às mudanças socioeconômicas voltadas para a ecologia ambiental permanece entre os debates já despontados desde 1996 (FLANDRIN; MONTANARI, 2015); assim como estudos 101

sobre a “MacDonaldização”; e a profissão de Chef de cozinha da modernidade, sua construção e supervalorização na contemporaneidade. A História dos alimentos permanece nas publicações, menciona os usos e alguns trazem receitas. Interagem com o leitor e permitem a análise empírica dos dados historicizados. No Brasil as obras ressaltam a História da Alimentação nos espaços sociais coletivos, dando destaque para o ato de comer nos distintos grupos econômicos, a mesa como espaço de lazer e trabalho; o papel da miscigenação como processo de formação alimentar nacional e regional, além de trazer a importância dos estudos da cultura material relacionada à alimentação. Um exemplo consiste na publicação do livro Equipamentos, usos e costumes da casa brasileira: Alimentação (2009), de Ernani Silva Bruno, na qual a cultura material é posta em evidência, relacionada às lavouras do século XVI ao XVIII.

1.3.1.2.1 - Livros internacionais e nacionais

Foi encontrado um total de 36 (trinta e seis) títulos e resumos de livros internacionais, publicados no Canadá, China, Austrália, Estados Unidos, México, Inglaterra, Portugal e França, que abordam os subtemas: História das Cozinhas, História dos alimentos, História da Alimentação e Cultura, estando este último mais presente nas abordagens. Entre os livros pesquisados, podemos citar: História mundial da alimentação de Cambridge (2000), vol. 1 e vol. 2, de Kenneth F. Kiple e Kreimhild Coneé Ornelas; Alimentação na História Global (2000), de Raymond Grew; Você é o que você come (2000), de Suzannah Oliver; O homem que comeu de tudo (2000), de J. Steingarten; O não me deixes: suas histórias e sua cozinha (2000), de R. de Queiroz; O que está cozinhando? A História da Alimentação Americana (2001), de Sylvia Whitman; Cozinha confidencial: uma aventura nas entranhas da culinária (2001), de A. Bourdain; Um simples livro de culinária para as classes trabalhadoras (2001), de C. E. Francatelli; País fast food: o lado nocivo da comida americana (2001), de E. Schlosser; Os cadernos de cozinha de Leonardo da Vinci (2002), de Leonardo da Vinci, pela editora Record; Alimentação e os ritos de passagem (2002), de Laura Mason; A fome e a abundância: História da Alimentação na Europa (2003), de Massimo Montanari, pela EDUSC; O poder amargo do açúcar: produtores escravizados, consumidores proletarizados (2003), de Sidney Wilfred Mintz; Cozinha Italiana: Uma História Cultural (2003), de Alberto Capatti e Massimo Montanari; Seis mil anos de pão: a civilização humana através de seu 102

principal alimento (2003), de H. E. Jacob; A invenção do restaurante (2003), de R. L. Spang, pela editora Record; O que Einstein disse ao seu cozinheiro (2003), de R. L. Wolke; Leite: biografia de um gênero alimentar (2003), de P. D. Braga; Do primeiro almoço à ceia: estudos de História da Alimentação (2003), de I. M. R. Drumond Braga; Comida como cultura (2004), de Massimo Montanari; A Enciclopédia Oxford da comida e bebida na América, v.1 (2004), de Andrew F. Smith; Bacalhau: a história do peixe que mudou o mundo (2004), de M. Kurlansky; Sal: uma história do mundo (2004), de M. Kurlansky; Banquete: uma história ilustrada da culinária, dos costumes e da fartura à mesa (2004), de R. C. Strong; Comida: uma História (2004), de F. Fernández-Armesto; Sociologias da alimentação: os comedores e o espaço social alimentar (2004), de Jean-Pierre Poulain; Carême: cozinheiro dos reis (2005), de Ian Kelly; Alimentação no mundo da História (2005), de Jeffrey M. Pilcher; Para alimentar uma nação: uma História da ciência e tecnologia alimentar australiana (2005), de Keith Thomas Henry Farrer; Um feriado: dez milênios de alimentação Globalizada (2007), de Kenneth F. Kiple; Feriado: A História, ciência e conhecimento alimentar (2007), de Gregory McNamee; Alimentação: a História do gosto (2007), Paul H. Freedman; Providenciando a alimentação: uma História do serviço de mesa na França (2007), de Jean-Louis Flandrin; Cozinha e Cultura: uma História da Alimentação e das pessoas (2008), de Linda Civitello; O que é para comer?: Entrada na História da Alimentação Canadense (2009), de Nathalie Cooke; Pegando fogo: porque cozinhar nos tornou humanos (2009), de Richard Wrangham. Os livros nacionais na década 2000 começam a figurar em maior quantidade que a década anterior. De um total de 11 (onze) publicações, passamos para 22 (vinte e uma) publicações, apresentando temas mais diversos, com elementos políticos e econômicos, do espaço social, da gastronomia e da cultura material. Entre as publicações pesquisadas podemos citar: Pequeno dicionário da gula (2000), de Marcia Algranti; Cozinha brasileira com recheio de história (2000), de I. Alves Filho e R. di Giovanni; A panela de Afrodite (2000), de Marcia Frazão; A alimentação através dos tempos (2000), de L. H. Ornellas; Professoras na cozinha (2001), de L. Chaui e M. S. Chaui; Vida material e econômica (2001), de Carlos A. dos Santos; O fandango que acompanha o barreado (2002), de M. G. Correia; Comércio e vida urbana na cidade de São Paulo (2002), de M. M. Deaecto; Curitiba, lares e bares: viagens pelas histórias e estórias nos dias e noites dos bares e afins de Curitiba (2002), de R. G. Urban; Comer como um Frade: divinas receitas para quem sabe por que tem um céu na boca (2003), de Frei Betto; A canja do Imperador (2004), de J. A. Dias Lopes; O melhor da gastronomia e do bem viver (2004), de L. Horta (Org.); A mesa de Mariana: produção e consumo de alimentos em Minas Gerais (1750-1859) (2004), de Sônia M. 103

de Magalhães; Enciclopédia da história das drogas e bebidas (2005), de Henrique Carneiro; Farinha, feijão e carne-seca: um tripé culinário no Brasil colonial (2005), de P. P. Silva; Da alimentação à gastronomia (2005), de Wilma Maria Coelho Araújo; Antropologia e Consumo (2006), de Débora Leitão Krischke, Diana Lima e Rosana Machado Pinheiro; Cultura e alimentação: saberes alimentares e sabores culturais (2007), de Danilo Santos de Miranda e Gabriele Cornelli; Escritas e narrativas sobre alimentação e cultura (2008), de Maria do Carmo Soares de Freitas, Gardênia Abreu Vieira Fontes e Nilce de Oliveira; Delícias do descobrimento: a gastronomia brasileira no século XVI (2009), de Sheila Moura Hue, Angelo Augusto Santos e Ronaldo Menegaz; Equipamentos, usos e costumes da casa brasileira: Alimentação (2009), de Ernani Silva Bruno. O crescimento do número de obras que abordam alimentação no Brasil se deu pela provável ampliação da perspectiva da história cultural e do pós-processualismo da antropologia cultural, que desenvolveram por meio das ideias que circundam nas áreas social e política, a multiculturalismo e a interculturalidade crítica26, problemáticas evidentes nos âmbitos socioculturais na contemporaneidade. O comércio intensificado pela instalação de multinacionais voltadas aos produtos alimentícios, o consumo incentivado pelo turismo e globalização das cozinhas étnicas e a saúde pública com índices negativos elevados pelas mudanças das práticas culturais alimentares, serviram de impulso para a busca por reflexões sobre a alimentação.

Quadro 3 - Livros nacionais e internacionais sobre História da Alimentação publicados entre os anos 2000 e 2009

LIVROS INTERNACIONAIS SOBRE LIVROS NACIONAIS SOBRE HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO 2000 a 2009 2000 a 2009 Ano Quantidade Ano Quantidade 2000 5 2000 4 2001 4 2001 2 2002 2 2002 3 2003 8 2003 1 2004 3 2004 7 2005 3 2005 3 2006 1 2006 0

26 Interculturalidade crítica, de acordo com Catherine Walsh (2009), corresponde a uma perspectiva crítica que se encontra ligada com uma pedagogia e práxis orientadas ao questionamento, transformação, intervenção, ação e criação de condições radicalmente distintas de sociedades, humanidades, conhecimento e vida, que se encaminham para a decolonialidade. 104

2007 4 2007 1 2008 1 2008 1 2009 2 2009 2 TOTAL 36 TOTAL 21

Nota: Quadro elaborado pela autora (2016).

Gráfico 3 – Livros internacionais sobre História da Alimentação quantificados, no período de 2000 a 2009.

9 8 7 6 5 4 3 2 1 0 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 LIVROS INTERNACIONAIS SOBRE HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO 2000 a 2009… Nota: Gráfico elaborado pela autora (2016).

Gráfico 4 – Livros nacionais sobre História da Alimentação quantificados, no período de 2000 a 2009.

4,5 4 3,5 3 2,5 2 1,5 1 0,5 0 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

LIVROS NACIONAIS SOBRE HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO 2000 a 2009 Quantidade

Nota: Gráfico elaborado pela autora (2016).

105

1.3.1.2.2 - Periódicos

Foram identificados 03 (três) periódicos internacionais em que todas as publicações são exclusivamente relacionadas ao tema Alimentação entre 2000 e 2009. O primeiro deles é

Food, Culture e Society: An International Journal of Multidisciplinary Research (Alimento, Cultura e Sociedade: Revista Internacional de pesquisas multidisciplinares), da Association for the Study of Food and Society - ASFS (Associação para Estudos da Alimentação e Sociedade) e Taylor & Francis, com publicações quadrimestrais. Esse jornal teve início no ano de 1996, com nome anterior de Journal of the Association for the Study of Food and Society, mudando o nome em 2004. Suas publicações são multidisciplinares, relacionadas às temáticas da alimentação, cultura e sociedade nas áreas humanas e de ciências sociais. Outro importante periódico é o Gastronomica - The Journal of Critical Food Studies, iniciado no ano de 2001, regido pela Universidade da California, tem publicações quadrimestrais, apresentando variados temas de pesquisa. O periódico CuiZine: the journal of Canadian food culture (Cozinha: revista de alimentação e cultura do Canadá), da Universidade de Sant-Boniface, no Canadá, é um periódico semestral, lançado em 2008. Concentra informações sobre diversas culturas de alimentos do Canadá, inspirando-se na forma como o alimento é construído por meio das línguas e culturas dentro do próprio país, tratando também de discussões mais amplas: definindo modos de fazer os alimentos e distinguindo-os, realizando “traduções” das diversas cozinhas regionais canadenses e nacionais. Neste mesmo período, alguns artigos de revistas acadêmicas internacionais foram dedicados ao tema da Alimentação. O número 23 do ano 2000, da Revista Penélope, Lisboa, apresenta o artigo Cambiantes do paladar: a alimentação dos colonos no Brasil do século XVI, de Felipe Nunes de Carvalho. Neste, o autor trata das trocas e adaptações ao paladar dos colonos e povos locais durante o período colonial. Há também o volume 35, do ano de 2001, dos Anales de Antropología, da Universidade Nacional Autônoma do México que apresenta uma importante discussão sobre marcos teóricos conceituais nos estudos da antropologia da alimentação. Dois anos mais tarde, em 2003, o Recetario de Almeria, da Universidade de Almeria, na Espanha, lança dois artigos relacionados à História da Alimentação: a Historia de la alimentación tradicional de Lubrín (História da Alimentação tradicional de Lubrin), de José Miguel Martínez Lópes, destacando a produção agrícola, o transporte, os costumes e as relações 106

de consumo e troca no século XVI em Lubrin; e Las bases modernas de la alimentación tradicional (As bases modernas da alimentação tradicional), de Joaquim Prats e Carina Rey, que discute a construção das cozinhas espanhola e italiana na Europa, dada a sua constituição entre os séculos XV e XIX. O periódico Food&History, publicação do Instituto Europeu de Histórias e Culturas da Alimentação (IEHCA), também foi iniciado no ano de 2003. Corresponde a um importante período científico publicado por Éditions Brepols, produzido em Tour (França), semestralmente, agregando publicações relacionada à História da Alimentação, com um viés teórico metodológico voltado às ciências sociais. No Brasil, a revista Antropologia em Primeira Mão, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), publica no ano de 2003 o artigo Brasil: primeiros escritos sobre comida e identidade, de Carmen Rial, realizando uma revisão sobre os documentos coloniais que tratam dos primeiros escritos sobre alimentação no momento do contato e as trocas culturais deste período que influenciaram a constituição da identidade brasileira. Em 2004, a revista Estudos Históricos, vinculada à Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro lança o artigo A fome e o paladar: a antropologia nativa de Luis da Câmara Cascudo, de José Reginaldo Santos Gonçalves, no qual discute algumas categorias culinárias no contexto da cultura popular brasileira representada por Luís da Câmara Cascudo, levantando problemas e hipóteses para compreensão do sistema culinário no Brasil. No ano subsequente em 2005, a revista Questões & Debates, da Universidade Federal do Paraná, publica os artigos: Comida e sociedade: significados sociais na História da Alimentação, de Henrique S. Carneiro; e A alimentação e seu lugar na História: os tempos da memória gustativa, de Carlos Roberto Antunes dos Santos. Ambos trazem a trajetória da construção da História da Alimentação sob o enfoque sociocultural. Ainda neste ano de 2005, a revista Nossa História, da Fundação da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, publica o artigo Delícias goianas, de Sônia Maria de Magalhães. E no ano de 2006, a mesma revista, publica o artigo A cozinha da colônia, escrito por Paula Pinto e Silva, no qual a autora traça uma breve história dos alimentos no período colonial no Brasil. Dois anos depois, em 2008, a Revista História Actual Online - HAOL, da Universidade de Cádiz, na Espanha, divulga o artigo História e Alimentação: o advento do Fast Food em Curitiba, de Mitzy Tannia Reichmbach Danski. Neste a autora constrói a trajetória de implantação dos fast-foods na cidade de Curitiba e a consolidação das práticas de consumo e poder associadas a eles. 107

Em 2009, a Revista de Estudios Sociales, de Bogotá, publicou o artigo Por uma História da Alimentação na cidade de São Paulo (décadas de 1920 a 1950), de Jaime Rodrigues, o autor opta pelo recorte temporal de 1920 a 1950 por ser um momento em que há intensa metropolização da cidade de São Paulo, período em que os hábitos e os encontros de diferentes grupos sociais estão sendo construídos. No mesmo ano, o artigo (Trans)Formações de Hábitos Alimentares dos Goianos, escrito por Christiane Ayumi Kuwae, Estelamaris Tronco Monego e Joana Aparecida Fernandes Silva foi publicado na revista Ceres: Nutrição e Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Trata-se de um artigo de revisão bibliográfica nas áreas de Nutrição, História e Antropologia, no qual a formação da culinária goiana é enfatizada, mencionando a história de pratos típicos como pamonha, galinhada, empadão e alfenim, que tiveram origem caipira. As autoras mostram que com a transferência da capital de Goiás para Goiânia, 1933, as práticas alimentares foram alteradas, como consequência da modernização do Estado. Desta maneira, indicam e analisam, ao longo da trajetória histórica da construção da capital, as modificações dos hábitos alimentares goianos desde a década de 1970 até a atualidade. Outro artigo publicado em 2009 foi Uma história palatável: a invenção da identidade goiana por meio da alimentação, escrito por Sônia Maria de Magalhães, publicado nos Fóruns Contemporâneos de Ensino de História no Brasil on-line, da Universidade Estadual de Campinas. Neste a autora realiza uma análise sobre a ampliação de temas e objetos na área de História da Alimentação, e cita temas que ainda estavam ocultos como a formação da identidade e do patrimônio alimentar nacional. Menciona que a temática da identidade alimentar, levada para a sala de aula como proposta de ensino e aprendizagem, é eficaz para tal. Demonstra que o abastecimento alimentar em Goiás era problemático e a penúria e a escassez imperavam em grande parte da província. Tal imagem foi ocultada após a transferência da capital da Cidade de Goiás para Goiânia, com a divulgação midiática que construía uma nova noção de Estado, tendo, inclusive, no Empadão Goiano a representação maior da nova imagem, de abundância. Estes dois últimos artigos indicam que a História da Alimentação regional começa a ganhar espaço e despontar dentre análises e publicações no Centro-Oeste do país, a partir do final da década de 2000, lugar até então ocupado por autores e publicações do sudeste e sul do Brasil. Deste modo, apesar de novos periódicos nacionais não terem sido lançados, este é um momento em que os artigos sobre Alimentação e História da Alimentação têm maior número de publicação em revistas acadêmicas que trabalham temas diversos. Há continuidade no maior destaque das regiões sul e sudeste do Brasil, com maior número de artigos, porém este número começa a mudar. 108

Este aumento do número de publicações pode estar relacionado aos novos grupos de estudos sobre alimentação das Universidades Federais do Paraná, de Pelotas, do Rio Grande do Sul, de São Paulo e do Rio de Janeiro que promovem os cursos de Antropologia, História e Nutrição, buscando tratar problemáticas sociais voltadas ao âmbito alimentar, a partir de vieses em que reflexões sobre as novas relações interculturais, práticas de consumo, identidades híbridas passam a ser alvo de investigações.

Quadro 4 – Periódicos iniciados na década de 2000

PERIÓDICOS SOBRE ALIMENTAÇÃO INICIADOS NA DÉCADA DE 2000 PERIÓDICO ANO LOCAL Food, Culture e Society: An International Journal of 2004-2016 EUA Multidisciplinary Research CuiZine: the journal of Canadian food culture 2008-2016 Canadá

Nota: Quadro elaborado pela autora (2016).

1.3.1.2.3 - Dissertações e teses

As dissertações de mestrado que trabalham o tema Alimentação no Brasil estão presentes na década de 2000, sobretudo, a partir do ano de 2002, defendidas nas áreas de Antropologia, História, Agronegócio e Letras. Em ordem cronológica, podemos destacar as dissertações: O pão nosso de cada dia: a Padaria América e o pão das gerações curitibanas, de Juliana C. Reinhardt, defendida no ano de 2002 no Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Neste mesmo ano, mais duas dissertações foram defendidas no mesmo Programa de Pós-Graduação e Universidade: Do privado ao público: o universo do Restaurante Bologna, defendida por D. R. Saucedo; e a dissertação Do cru ao assado: a Festa do Boi no Rolete de Marechal Cândido Rondon, defendida por C. R. Schneider. No ano de 2003, mais uma dissertação acerca do tema da alimentação foi defendida no mesmo Programa da Universidade Federal do Paraná: Santa Felicidade: na polenta uma história de hospitalidade, defendida por Elsa M. V. de Souza Feder; e em 2004, Culinária típica e identidade regional: a expressão dos processos de construção, reprodução e reinvenção da mineiridade em livros e restaurantes de comida mineira, por L. P. Morais. 109

A dissertação Orerémbiú: a relação das práticas alimentares e seus significados com a identidade étnica e a cosmologia Mbya- Guarani, de Mártin César Tempass, foi defendida no ano 2005 no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Este trabalho foi um dos primeiros a tratar a temática da alimentação indígena e suas relações na contemporaneidade. Nele, o autor analisa as dimensões do comer e do simbólico, tendo a cosmologia um lugar de destaque nas interpretações sobre a alimentação das comunidades Guarani no Rio Grande do Sul. No mesmo ano de 2005, a dissertação Estratégias de sobrevivência e práticas alimentares no meio das ruas: um estudo sobre sociabilidade e alimentação entre mendigos na cidade de Recife/ PE é defendida por Davy Batista Sales, pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com foco no cotidiano dos moradores de rua e suas estratégias de sociabilidade e posicionamentos frente às empresas alimentares, à solidariedade externa e à rede de amizades. A dissertação Das casas de pasto aos restaurantes: os sabores da velha Curitiba (1890-1940), de D. A. Carvalho, também foi defendida pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Paraná. Em 2006, duas dissertações sobre o tema Alimentação foram defendidas em diferentes Programas de Pós-Graduação: Saber beber, Saber viver: estudo antropológico sobre as representações e práticas em torno do consumo de vinho entre degustadores, na cidade de Porto Alegre, por Patrícia de Gomensoro Malheiros, no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; e Regionalismo alimentar: identificação de grupos de consumidores que valorizam o prazer e as tradições alimentares, por Diego Gilberto Ferber Pineyrua, no Programa de Pós-Graduação Multi-institucional em Agronegócios, consórcio entre a Universidade Federal de Goiás, Universidade de Brasília e Universidade Federal de Mato-Grasso. Em 2007, a dissertação A “comida da roça” ontem e hoje: um estudo etnográfico dos saberes e práticas alimentares de agricultores de Maquiné (RS), foi defendida por Mariana Oliveira Ramos, pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em que a autora defende a existência de mudanças no cardápio das famílias agriculturas de Maquiné e as práticas relacionadas, substituindo a alimentação baseada exclusivamente nos produtos agrícolas por industrializados. A autora realiza a pesquisa a partir de análises qualitativas, obtidas em pesquisa de campo: entrevistas, observação participante, entrevistas e registro etnográfico dos últimos 30 anos. Ainda em 2007, a dissertação Uma história cultural da erva-mate: o alimento como linguagem e suas representações, foi defendida por José Humberto Boguszewski no Programa de Pós-Graduação 110

em História da Universidade Federal do Paraná; e a dissertação Nos caminhos da acumulação: negócios de poder no abastecimento de carnes verdes para a cidade do Rio de Janeiro, 1808- 35, foi defendida por Pedro Henrique Pedreira Campos, no Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal Fluminense. No ano seguinte, em 2008, duas dissertações são apresentadas ao mesmo Programa e Universidade: Mandioca, a rainha do Brasil? Ascenção e queda da Manihot sculenta em São Paulo, por Henrique Ataíde Silva, no Programa de Pós-Graduação em História Social, na Universidade de São Paulo, na qual o autor busca identificar quais os fatores que determinaram a queda do uso da mandioca na produção e na alimentação brasileiras, realizando uma análise ampla e contextualizada desde o período colonial até o início do século XX; e a dissertação Dona Benta - Comer Bem: uma fonte para a História da Alimentação (1940-2003), por Renata da Silva Simões, no Programa de Pós-Graduação em História Social, na Universidade de São Paulo, em que analisa o livro de receitas Dona Benta - Comer Bem, bastante difundido no Brasil, e suas implicações na atualidade. Neste mesmo ano mais três dissertações são defendidas: O mundo universal: alimentação e aproximações culturais no Novo Mundo ao longo do século XVI, por Rubens L. Panegassi, no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de São Paulo. Nesta o autor enfatiza o processo de colonização das Américas pelas nações Ibéricas, tendo como principais fontes os registros de caráter etnográfico, cartas e crônicas escritas no século XVI por viajantes que registraram a cultura alimentar dos “nativos”. O autor buscou demonstrar como os alimentos se constituem em instrumentos mediadores de igualdades e diferenças culturais, por um lado, e como estes alimentos permitiram o europeu incorporar intelectualmente sua experiência nas Américas. As outras duas dissertações que destacamos são: Os tempos da memória gustativa: Bar Palácio, patrimônio da sociedade curitibana (1930- 2006), por Mariana Corção, no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Paraná; e a dissertação A sobremesa francesa nos últimos 60 anos, por Giana Cristina Coró, no mesmo Programa de Pós-Graduação e Universidade. Em 2009, houve um aumento no número de dissertações que trabalham com o tema da Alimentação no Brasil, havendo um total de 04 (quatro), das quais 03 (três) foram defendidas na mesma Universidade e Programa de Pós-Graduação: a dissertação Identidade e Cultura nos Campos de Cima da Serra (RS): práticas, saberes e modos de vida de pecuaristas familiares produtores de queijo Serrano, por Evander Eloí Krone, pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Agricultoras e Agricultores à mesa: um estudo sobre campesinato e gênero a partir da antropologia da 111

alimentação, por Josiane Carine Wedig; e Lugar da morada: a constituição do lugar de viver de famílias rurais no contexto de assentamentos e reformas agrárias, por Viviane Santi Martins. Neste mesmo ano de 2009, a dissertação Hábitos Alimentares e Cultura Local: Desvelando Discursos e marcas identitárias em Belo Jardim/PE, por Adalva Cordeiro Galvão Marangon, pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em que analisa o contexto da produção identitárias construída através da alimentação, agenciada pelas mulheres cozinheiras no interior de Pernambuco, por meio das narrativas orais a autora realiza análises sobre o impacto desta construção no cotidiano da cidade de Bom Jardim/PE.

Quadro 5 – Dissertações da década de 2000 (área do conhecimento)

DISSERTAÇÕES DA DÉCADA DE 2000 Área do conhecimento Ano Região Quantidade

História 2002 Sul 3 História 2003 Sul 1 História 2004 Sul 1 História/Antropologia 2005 Sul/Nordeste 3 Antropologia Sul/Centro- 2006 2 /Agronegócio oeste História/ Des. Rural 2007 Sul/Sudeste 3 História 2008 Sul/Sudeste 5 Des. Rural/ Letras 2009 Sul/Nordeste 4 Total 22

Quadro 5 – Dissertações de mestrado distribuídas na tabela por área do conhecimento, ano de defesa e região, defendidas na década de 2000. Nota: Quadro elaborado pela autora (2016).

112

Quadro 6 – Dissertações da década de 2000 (região do Brasil)

DISSERTAÇÕES DA DÉCADA DE 2000

Região Quantidade Sul 15

Sudeste 4

Nordeste 2

Centro-oeste 1

Total 22

Quadro 6 – Dissertações de mestrado distribuídas na tabela por região do Brasil e quantidade de defesas realizadas na década de 2000. Nota: Quadro elaborado pela autora (2016).

Gráfico 5 – Dissertações da década de 2000 (regiões do Brasil)

DISSERTAÇÕES DA DÉCADA DE 2000

5% Sul 9% Sudeste 18% Nordeste 68% Centro-oeste

Gráfico 5 – Porcentagem de dissertações distribuídas por região do Brasil, na década de 2000. Nota: Gráfico elaborado pela autora (2016).

Em relação às teses produzidas no Brasil na década de 2000, que apresentam a temática da alimentação, podemos citar 16 (dezesseis): Produção familiar: possibilidade e restrições para o desenvolvimento sustentável – o exemplo Santa Silvana – Pelotas – RS, defendida por Giancarla Salamoni, pelo Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Campos de Rio Claro da Universidade Estadual Paulista, no ano de 2000; neste mesmo ano a tese Contribuições ao estudo da alimentação coletiva no capitalismo fordista, por Haydeé Serrão Lanzillotti, pelo 113

Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); em 2003, a tese Os grãos da discórdia e o risco à mesa: um estudo antropológico das representação sociais sobre cultivos e alimentos transgênicos no Rio Grande do Sul, por Renata Menasche, pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; e a tese: Sabor e saber: livros de cozinha, arte culinária e hábitos alimentares, defendida por S. Demeterco, pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Paraná; e em 2004, a tese Iri’ Karawa, Iri’ Wari’: um estudo sobre práticas alimentares e nutrição entre os índios Wari’ (Paakanova) do sudoeste amazônico, foi defendida por Maurício Soares Leite, pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública – FIOCRUZ; neste mesmo ano, a tese Alimentação, saúde e doenças em Goiás no século XIX, foi defendida por Sônia Maria de Magalhães, pelo Departamento de História, Direito e Serviço Social da Universidade Estadual Paulista (UNESP – Franca); e a tese A arte de receber: distinção e poder a boa mesa (1900-1970), de Maria Cecília B. A. Pilla, defendida no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Paraná; em 2005, a tese Cativando Maira: a sobrevivência Avá-canoeiro no alto Rio Tocantins, foi defendida por Cristhian Teófilo da Silva, no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade de Brasília (UnB); no mesmo ano, a tese Alimentação infantil e o marketing da indústria de alimentos: Brasil, 1960-1988, foi defendida por Suely Teresinha S. P. de Amorim, pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Paraná. Em 2006, a tese Culinária Regional: o Nordeste e alimentação saudável, foi defendida por Raquel Braz Assunção Botelho, pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Universidade de Brasília; em 2007, a tese Alimentação fora do domicílio: a atitude do consumidor frente à informação nutricional dos alimentos disponibilizada por restaurantes, Campinas - SP, por Michele Sanches, pela Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP); neste mesmo ano, a tese “A gente é como aranha...vive do que tece”: Nutrição, saúde e Alimentação entre os índios Kiriri do sertão da Bahia, é apresentada por Sandra Simone Queiroz de Moraes Pacheco, ao Programa de Pós- Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal da Bahia (UFBA); e também, as teses Ingredientes de uma identidade colonial: os alimentos na Poesia de Gregório de Matos, defendida por Claude Guy Paparevo, ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade de São Paulo; e Dize-me o que comes e te direi quem és: alemães, comida e identidade, defendida por Juliana C. Reinhardt, no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Paraná; e por fim, em 2009, a tese Apício: história da incorporação de 114

um livro de cozinha na alta Idade Média (séculos VIII e IX), defendido por Wanessa Asfora no Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade de São Paulo; e Sabores e memória: cozinha italiana e construção identitária em São Paulo, foi defendida por Janine Helfst Leicht Collaço, igualmente no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade de São Paulo. De todas as dissertações e teses defendidas durantes este período, cabe destacar que todas apresentaram uma pesquisa documental histórica para a contextualização dos temas e objetos propostos, enfatizando a História da Alimentação.

Quadro 7 – Teses da década de 2000 (áreas do conhecimento)

TESES DA DÉCADA DE 2000

Área do conhecimento Ano Região Quantidade Geociências/Saúde 2000 Sudeste 2 Coletiva História/Antropologia 2003 Sul 2

História/Ciências da Saúde 2004 Sudeste/Sul 3

História/Antropologia 2005 Centro-oeste/Sul 2

Ciências da saúde 2006 Centro-oeste 1

História/ Eng. Alimentos/ Ciências Sociais/ 2007 Sul/Sudeste/Nordeste 4 Antropologia

História/Antropologia 2009 Sudeste 2

Total 16

Quadro 7 – Teses de doutorado distribuídas na tabela por área do conhecimento, ano de defesa e região, na década de 2000. Nota: Quadro elaborado pela autora (2016).

115

Quadro 8 – Teses da década de 2000 (regiões do Brasil)

TESES DA DÉCADA DE 2000

Região Quantidade

Sul 5

Sudeste 8

Nordeste 1

Centro-oeste 2 Total 16

Quadro 8 – Teses de doutorado distribuídas na tabela por região e quantidade de defesas, na década de 2000. Nota: Quadro elaborado pela autora (2016).

Gráfico 6 – Teses da década de 2000 (regiões do Brasil)

TESES DA DÉCADA DE 2000

6% 13% 31% Sul

Sudeste

Nordeste 50% Centro-oeste

Gráfico 6 – Porcentagem de teses distribuídas por região do Brasil na década de 2000. Nota: Gráfico elaborado pela autora (2016).

116

1.3.1.3 - Atualidade (2010-2016)

Entre 2010 e 2016, as obras sobre História da Alimentação começam a trazer, mesclada à História das Cozinhas, a História do consumo alimentar, traçando um panorama desde o período monárquico, quando os Impérios europeus estão em conquista e impõem sua influência sobre o mundo e são influenciados por ele. O livro Português Portas Adentro: comer, vestir e habitar na Península Ibérica (XVI-XIX) (2010), de Isabel dos Guimarães Sá, Máximo García Fernández, menciona a construção dos hábitos alimentares do Império português e a sua influência sobre as colônias da Índia e do Brasil, no período quinhentista, e como uma sociedade Real passou a ser uma sociedade de consumo no período moderno, tendo a cultura material e a alimentação como principais elementos desencadeadores. Os livros também trazem a alimentação e seu significado social relacionado à saúde, os modos como os alimentos influenciaram o consumo e o significado que damos a ambos. A história das cozinhas árabe e africana até então deixada a mercê da história colonial escravista passa a ser abordada contextualmente para a compreensão da História da Alimentação global. No livro Escrevendo a História da Alimentação: Uma perspectiva global (2012), de Kyri W. Claflin e Peter Scholliers há três partes dedicadas somente a História da Alimentação no Oriente Médio; Sul e Leste asiáticos e à África. A história da tecnologia, das técnicas e dos utensílios na alimentação é trabalhada como processos e etapas anteriores à era industrial, postos em evidência em algumas publicações como em Três cozinhas mundiais: Italiana, Mexicana e Chinesa (2012), de Ken Albala, assim como o conceito de autenticidade e identidade das cozinhas locais. Estes dois últimos conceitos são tanto construídos em algumas obras (como na obra supracitada Três cozinhas mundiais: Italiana, Mexicana e Chinesa, 2012), quanto questionados em outras. Em Comendo Porto Rico: Uma História da Alimentação, cultura e identidade (2013), de Cruz Miguel Ortíz Cuadra, o autor dedica um capítulo ao questionamento: “Nós ainda somos o que comemos?”, tratando da “invenção de tradições”, incorporações e misturas de gostos que entram em uma sociedade que se faz fluida, global e local ao mesmo tempo (QUADRA, p. 207). Os “alimentos em diáspora” também são incluídos nos subtemas abordados pelas obras. Em Odisseia de sabores da Lusofonia (2015), de Cilene Gomes Ribeiro e Carmen Soares, trata das trocas gastronômicas entre Portugal e o Estado do Paraná no Brasil no século XX; e na obra Festas e jejuns: uma História da Alimentação na Índia (2015), de Colleen Taylor 117

Sem, a alimentação indiana é colocada em diáspora para o mundo, em períodos recentes pela gastronomia mundial globalizada. Os “livros enciclopédias”, com índices alfabéticos de acontecimentos historicizados sobre a História dos alimentos, permanecem entre as várias publicações deste período. Trata das influências modernas sobre o consumo alimentar, por exemplo, como o arroz asiático, a batata americana e a cana-de-açúcar ou o café asiático e africano se tornaram alimentos mundiais presentes nas cozinhas de restaurantes do mundo todo. Apesar de seu método permanecer o mesmo, o modo de apresentação desta História da Alimentação aparece, neste momento, com um índice fragmentado sem linearidade cronológica rígida, trazendo a ideia de acontecimentos concomitantes em diversas partes do mundo em culturas e lugares diferentes, com menor hierarquia eurocêntrica. As publicações sobre História das Cozinhas também continuam entre as publicações mais recentes, mas agora abrangendo mais a relação desta com a economia e a saúde coletiva, trazendo uma construção que permita ao leitor pensar sobre o contexto que levou ao que hoje conhecemos como saudável e bom para o consumo. Além dos títulos, resumos e alguns índices, o que chama bastante atenção são as capas de grande parte dos livros deste período. Elas estão estampadas com imagens coloridas e chamativas de quadros ou fotos de elementos que remetem à história das conquistas europeias quinhentistas, momento no qual os alimentos dos colonizados estavam sendo apresentados para o colonizador, em que a alimentação e as receitas dos “outros”, o fator exótico, estavam sendo apresentados e começavam a fazer parte da cultura do consumo, que chega até a atualidade. Além disto, dentro de alguns livros, índices ilustrados e páginas com receitas são também amostras da chegada destas comidas e alimentos na atualidade, podendo ser até mesmo experimentadas pelo leitor que se compromete em lê-las e fazê-las. Se no cenário internacional o subtema da História da Alimentação e consumo figura entre as principais publicações, no Brasil, não foi muito diferente. A História do consumo alimentar e da globalização é discutida como parte dos debates sobre a cultura do consumo e as preocupações com a saúde na atualidade. Em Fast-food: um estudo sobre a globalização alimentar (2010), de José Ângelo Wenceslau Góes, os capítulos apresentam-se com nove títulos que contemplam tal divisão informativa.

118

Figura 5 – Como alimentação faz Figura 6 - O Livro de Mão da Figura 7 - Três cozinhas História (2011), de B. W. Higman História da Alimentação de mundiais: Italiana, Oxford (2012), de Jeffrey M. Mexicana e Chinesa (2012), Pilcher de Ken Albala

Figura 8 - Fragmento do livro Comida e Bebida na História Americana: Figura 9 - Fragmento do livro Uma mesa cubana: a celebração da Enciclopédia com “Curso completo”, comida, cheiros e História (2014), de Ana Sofia Pelaez, em que a vol. 3 (2013), de Andrew F. Smith, p. História da Alimentação Cubana está associada às receitas locais 34, em que a história do alimento

aparece associada à receita.

Ao lado desta literatura, temos ainda obras que se assemelham aos métodos de apresentação das informações de Gilberto Freyre em Casa Grande e Senzala (1933), como na publicação História da cachaça (2013), de Elson de Souza, na qual as origens e o fator miscigenação são palco para a construção da história social e econômica da cachaça brasileira.

119

1.3.1.3.1 - Livros internacionais e nacionais

Foram identificados 18 (dezoito) títulos e resumos de livros internacionais publicados em Cuba, Porto Rico, Índia, Estados Unidos, Portugal, China, Inglaterra que abordam os subtemas: História das Cozinhas, História dos alimentos, História do consumo alimentar, História da Alimentação e Gastronomia, estando a gastronomia cada vez mais presente nos trabalhos que abordam a história dos alimentos. Entre os livros pesquisados, os que trazem a História da Alimentação como tema em destaque são: Portas Adentro: comer, vestir e habitar na Península Ibérica (XVI-XIX) (2010), de Isabel dos Guimarães Sá e Máximo García Fernández; Alimentação Chinesa (2010), de Liu Junru; Alimento, sacrifício e Sabedoria na China Antiga (2011), por Roel Sterckx; Como a alimentação faz História (2011), de B. W. Higman; O Livro de Bolso da História da Alimentação de Oxford (2012), de Jeffrey M. Pilcher; Escrevendo a História da Alimentação: Uma perspectiva global (2012), de Kyri W. Claflin e Peter Scholliers; Três cozinhas mundiais: Italiana, Mexicana e Chinesa (2012), de Ken Albala; Comida e Bebida na História Americana: Enciclopédia com “Curso completo”, vol. 3 (2013), de Andrew F. Smith; Comendo Porto Rico: Uma História da Alimentação, cultura e identidade (2013), de Cruz Miguel Ortíz Cuadra; 50 Plantas que mudaram o rumo da História (2013), de Bill Laws, pela GMT editora; Prato americano: Uma História da culinária em 100 mordidas (2014), de Libby O Connell; Ensaios sobre patrimônio alimentar Luso-brasileiro (2014), de Carmen Soares, Irene Coutinho de Macedo; Uma mesa cubana: a celebração da comida, cheiros e História (2014), de Ana Sofia Pelaez; Pão e Vinho (2014), de Por Paulo Moreiras; Alimentos que mudaram a História: Como os alimentos formaram civilizações do mundo antigo ao Presente (2015), de Christopher Cumo; Odisseia de sabores da Lusofonia (2015), de Cilene Gomes Ribeiro, Carmen Soares; e Festas e jejuns: uma História da Alimentação na Índia (2015), de Colleen Taylor Sem; Arqueologia da alimentação: uma enciclopédia (2015), de Karen Bescherer Metheny e Mary C. Beaudry. Ao lado desta literatura, temos as obras nacionais Fast-food: um estudo sobre a globalização alimentar (2010), de José Ângelo Wenceslau Góes; A anatomia do acarajé: e outros escritos (2010), de Vivaldo da Costa Lima; A comida de santo numa casa de Queto da Bahia: introdução e notas de Vivaldo da Costa Lima (2010), de Olga Francisca Régis; Coco: comida, cultura e patrimônio (2011), de Raul Lody; Entre Strudel, bolachas e stolen: receitas e memórias (2012), por Juliana Reinhardt; Alimentação, consumo e cultura (2013), de Francisco Romão Ferreira, Ricardo Ferreira Freitas, Shirley Donizete Prado e Maria Cláudia da Veiga 120

Soares Carvalho; História da cachaça (2013), de Elson de Souza, na qual a miscigenação é apresentada como elemento crucial para a construção da história social e econômica da cachaça brasileira. Além destas, a obra Formação da culinária brasileira (2014), de Carlos Alberto Dória, que traz uma análise dos dados históricos sobre a formação da culinária brasileira, indo além do enfoque étnico ou social. Na obra Do que se come: uma história do abastecimento e da alimentação em Belém, 1850-1900 (2014), de Sidiana da Consolação Ferreira de Macêdo, trabalha a história regional alimentar no estado do Pará. Em A virtude da gula (2014), Raul Lody descreve as influências da cozinha afro-brasileira no nosso cardápio nacional na atualidade; neste mesmo ano, Messias S. Cavalcante publica Comida dos Nativos do Novo Mundo, na qual descreve a fauna, a flora, os instrumentos, os modos de preparo e as formas de obtenção de alimentos pelos povos indígenas das Américas. Dois anos depois, são publicadas as obras Construção de Mercados e Agricultura Familiar: Desafios para o Desenvolvimento Rural, organizado por Flávia Charão Marques, Marcelo Antônio Conterato e Sergio Schneider, na qual são discutidas a reconfiguração dos mercados agrícolas e a relação das famílias do campo com estes; e O sabor da origem, organizado por John Wilkinson, Paulo André Niederle e Gilberto Carlos Cerqueira Mascarenhas, discutindo problemáticas relacionadas ao território, às tradições, ao patrimônio alimentar e aos valores ecológicos destes na contemporaneidade.

Quadro 9 – Livros internacionais e nacionais sobre História da Alimentação, publicados entre os anos 2010 e 2016

LIVROS INTERNACIONAIS SOBRE LIVROS NACIONAIS SOBRE HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO

2010 a 2016 2010 a 2016 Ano Quantidade Ano Quantidade 2010 2 2010 3 2011 2 2011 1 2012 3 2012 1 2013 3 2013 2 2014 4 2014 4 2015 4 2015 0 2016 0 2016 2 TOTAL 18

TOTAL 12

Nota: Quadro elaborado pela autora (2016).

121

Gráfico 7 – Livros internacionais sobre História da Alimentação, quantificados no período de 2010 a 2016

5

4

3

2

1

0 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

LIVROS INTERNACIONAIS SOBRE HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO 2010 a 2016 Quantidade

Nota: Gráfico elaborado pela autora (2016).

Gráfico 8 - Livros nacionais sobre História da Alimentação, quantificados no período de 2010 e 2016

4,5 4 3,5 3 2,5 2 1,5 1 0,5 0 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017

LIVROS NACIONAIS SOBRE HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO 2010 A 2016

Nota: Gráfico elaborado pela autora (2020).

1.3.1.3.2 - Periódicos

Foi identificado apenas 01 (um) periódico internacional em que as publicações são exclusivamente relacionadas ao tema Alimentação entre 2010 e 2016. Em Foods - Open Access Food Science Journal (Alimentos – Revista de acesso aberto à ciência alimentar) são publicadas pesquisas acadêmicas e pequenas comunicações sobre alimentação, ciências e tecnologia, 122

toxicologia, saúde, psicologia e meio-ambiente. Foi lançada na suíça, no ano de 2012, certificada pelo MDPI – Comitê de Publicações Éticas. No Brasil, entre 2000 e 2016 foram lançados três periódicos: Contextos da Alimentação: Revista de comportamento, Cultura e Sociedade, da editora SENAC de São Paulo, produzida semestralmente, tendo sua primeira edição em janeiro de 2012; DEMETRA: alimentação, Nutrição e Saúde, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, produzida quadrimestralmente, tendo também sua primeira edição no ano de 2012; e Revista Ingesta, do LEHDA (Laboratório de Estudos Históricos das Drogas e da Alimentação) da Universidade de São Paulo (USP), foi fundada em 2016 e é semestral. A primeira é uma revista em que questões antropológicas, sociológicas e gastronômicas são colocadas em debate tendo como principal foco a divulgação de pesquisas acadêmicas originais. A segunda destina-se à divulgação de trabalhos acadêmicos voltados para a área de nutrição, sem se restringir a eles. A terceira é uma revista que publica artigos e resenhas de livros na àrea de História e disciplinas afins, como Sociologia e Antropologia, que se referem ao tema das drogas e alimentação. O que pode ser observado em todas é a existência de maior multiplicidade e abertura de temas voltados às investigações dentro da área da alimentação, não estando destinado à apenas um público leitor. Neste mesmo período, os artigos de revistas acadêmicas continuam sendo publicados, agora com a diferença de que alguns volumes são destinados exclusivamente às discussões sobre Alimentação. A Revista Habitus, da editora da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC- Goiás), dedicou o volume 11, número 1 e 2, do ano de 2013 para discussões voltadas à Alimentação, concentrando um total de 14 artigos; 01 entrevista; 02 resenhas e 04 resumos de dissertações. Outra revista que dedica um volume à divulgação de pesquisas na área de alimentação é a revista Sociedade e Cultura: Revista de pesquisas e debates em Ciências Sociais, da editora da Universidade Federal de Goiás. O volume 18, número 1, do ano de 2015 concentrou 08 artigos voltados às discussões atuais sobre alimentação, sociedade e consumo. A revista Tessituras, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, dedicou o volume 13 do ano de 2015, às discussões sobre o tema da alimentação, apresentando 13 artigos; 01 resenha; 01 apresentação; 01 resenha de vídeo etnográfico. Publicações de artigos em revistas de várias instituições de pesquisas também foram recorrentes entre 2010 e 2016. Entre àqueles dedicados à História da Alimentação podemos citar: o artigo Eça de Queirós versus Papa Leão XIII: questões alimentares, de Antônio Augusto Nery, publicada no ano de 2012, na revista Horizonte da Pontifícia Universidade 123

Católica de Minas Gerais (PUC-Minas). Neste o autor discute as influências cristãs na construção dos hábitos alimentares na modernidade. Dois anos depois, em 2015, é publicado o artigo Banquetes de damas e cavalheiros: alimentação, cerimonial e etiqueta na mesa na corte dos Habsburgo em Espanha e em Portugal (séculos XVI e XVII), de Ana Paula Torres Megiani, publicada na Mirabilia Journal, Espanha. A autora discute a adoção de etiquetas e hábitos a mesa, influenciados pela monarquia dos séculos XVI e XVII. Em 2016 foram publicados 03 (três) artigos que discutem a História da Alimentação e dos alimentos, no volume 32, da revista Varia História, do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Minas Gerais. O primeiro deles foi a Apresentação – Culturas alimentares, práticas e artefatos, de José Newton Coelho Meneses, em que apresenta a alimentação como “documento da realidade”, integrado e indissociável à construção da História. Em Alimentação e Cultura material no Rio de Janeiro dos vice-reis, Leila Mezan Algranti trabalha as práticas alimentares e a cultura material relacionada à nobreza do século XVIII no Rio de Janeiro. E, por fim, no artigo Comer y ser: la alimentación como política da diferenciación em la América espanõla, siglos XVI e XVII, de Gregorio Saldarriaga, é discutida a alimentação como uma prática de diferenciação social na América espanhola, modelo de hierarquia para distribuição e classificação da sociedade em classes (espanhóis, mestiços, crioulos e indígenas).

Quadro 10 – Periódicos iniciados entre os anos de 2010 a 2016

PERIÓDICOS INICIADOS ENTRE OS ANOS DE 2010 E 2016 SOBRE ALIMENTAÇÃO PERIÓDICO ANO LOCAL Foods - Open Access Food Science Journal 2012-2016 Suíça Alimentação: Revista de comportamento, 2012-2016 Brasil – São Paulo Cultura e Sociedade Brasil – Rio de DEMETRA: alimentação, Nutrição e Saúde 2012-2016 Janeiro INGESTA 2016 Brasil – São Paulo

Nota: Quadro elaborado pela autora (2020).

124

1.3.1.3.3 - Dissertações e teses

As dissertações de mestrado que trabalham o tema Alimentação estão presentes entre os anos de 2010 a 2016, sendo este o período em que houve maior número de defesas por ano, nas áreas de Antropologia, Agronomia, História e Ciências da Saúde, com abordagens diversas. Em ordem cronológica, podemos destacar as dissertações: O consumo de batata-doce de polpa alaranjada entre famílias rurais no nordeste de Moçambique: um estudo sobre percepções de comida e Segurança Alimentar na província de Nampula, defendida por Jone Januário Mirasse, pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural de Universidade Federal do Rio Grande do Sul no ano de 2010; neste mesmo ano, mais duas dissertações foram defendidas na mesma instituição de ensino: Sabores e Saberes: Hábitos e práticas alimentares entre famílias rurais descendentes de imigrantes italianos na região dos Vale do Taquari/ RS, por Cândida Zanetti; e a dissertação Cotidiano em mudança: o rural brasileiro a partir das obras de Carlos Rodrigues Brandão, por André Souza Martinello. Outras 04 (quatro) dissertações foram defendidas no mesmo ano de 2010: Resíduos alimentares, infecções parasitárias e evidências do uso de plantas medicinais em grupos pré-históricos das Américas, por Isabel Teixeira Santos, através do Programa de Pós-Graduação de saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ; A transmissão do conhecimento culinário no Brasil Urbano do Século XX, defendida por Débora Santos de Souza Oliveira, no Programa de Pós- Graduação em História da Universidade de São Paulo; História e Cultura da Alimentação: A Galeteria Peccini e o patrimônio de Caxias do Sul (1950-1970), por Rosana Peccini, no Programa de Pós-Graduação em Turismo na Universidade de Caxias do Sul. E por fim, no ano de 2010, a dissertação “Cozinha Goiana”: Identidade e Tradição Culinária em Bariani Ortencio, foi defendida por Izabel Cristina Alves Signoreli, no Programa de Pós-Graduação em História da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-Goiás). No ano de 2011, 04 (quatro) dissertações que discutem o tema da Alimentação foram defendidas em universidade públicas brasileiras, nas áreas de Antropologia Social e História. A dissertação “Nossa cultura é pequi, frutinha do mato”: um estudo sobre as práticas alimentares do povo Akwe, foi defendida por Rosana Schmidt, pelo Programa de Pós- Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Goiás (UFG), em que discute as regras sociais do comer entre o povo Xerente do estado do Tocantins. Neste mesmo ano e Programa de Pós-Graduação a dissertação Reprodução de Práticas Tradicionais Alimentares de Migrantes Nordestinos no Jardim das Oliveiras – Senador Canedo – GO, foi defendida por 125

André Silva Ferreira, trazendo discussões a respeito das práticas tradicionais alimentares de migrantes nordestinos em Goiás, a apropriação, sociabilidade e reconstrução identitária destes indivíduos. Com o título A formação dos corpos: representações sobre corpo e alimentação, no Brasil, nas décadas de 1970 e 1980, a dissertação de Heloise Paratello foi defendida no Programa de Pós-Graduação em História na Universidade Federal do Paraná; e a dissertação “O fogo não está morto”: engenhos de rapadura do Cariri cearense como uma referência cultural na perspectiva das políticas públicas do último quartel do século XX, defendida por Naudiney de Castro Gonçalves, no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Minas Gerais. Em 2012, 06 (seis) dissertações foram defendidas tendo a temática da alimentação em foco, em instituições universitárias diferentes: A cultura alimentar Paulista: uma civilização do milho? (1650-1750), defendida por Rafaela Basso pelo Programa de Pós-Graduação de História da Universidade Estadual de Campinas; Mulheres negras em movimento: trajetórias militantes, negritude e comida no Sul do Rio Grande do Sul, por Carolina Vergara Rodrigues, pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Pelotas (UFPel); Alimentação indígena em Mato Grosso: Educação ambiental e sustentabilidade entre etnias de estudantes da faculdade indígena intercultural, por Gabrielle Baldo Crespaldi, defendida no Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT); Eça de Queiroz e a cozinha burguesa, literatura e alimentação, por Michelle Cristine Medeiros da Silva, pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN); Das panelas das nossas avós aos restaurantes de alta gastronomia: os processos sociais de valorização de produtos agroalimentares tradicionais, por Tainá Bacellar Zaneti, defendida no Programa de Pós- Graduação em Agronegócios da Universidade de Brasília; e Bodegas e bodegueiros de Irati- PR na primeira metade do século XX, defendida por Neli Maria Teleginski no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Paraná. No ano de 2013 outras 05 (cinco) dissertações foram defendidas: Ativismo Vegano em natal (RN): uma etnografia sobre mobilização política, alimentação ética e identidades, defendida por Diêgo Breni Leal Vilela, pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte; As representações do comer saudável e suas traduções no cotidiano de mulheres que trabalham fora de casa, defendida por Amélia Cristina Stival Duarte, pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Goiás; Dos usos turísticos do patrimônio alimentar: formação cultural e os mercados de comida típica na cidade de Goiás, defendida por Felipe Augusto Couto 126

Barbosa, pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Goiás; Segurança alimentar e etnodesenvolvimento na Terra Indígena Panambizinho, defendida por Ione Santos do Nascimento, pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília; e Alimentos, restrição e Reciprocidades no ritual Xavante do Wapté mnhõno (Terra Indígena Marãiwatsédé, Mato Grosso), defendida por Sayonara Maria Oliveira da Silva, pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília. Nota-se que houve um aumento considerável dos trabalhos relacionados aos povos indígenas durante este período, que pode ser atribuído aos interesses de estudo dos modos de vida e relações que esses povos possuem com o meio ambiente (Inclusive do curso de educação intercultural da UFG, em que os próprios indígenas produzem seus textos de acordo com suas perspectivas). Essas são preocupações que chegam com as novas políticas ambientais, que buscam implementar a sustentabilidade do manejo ambiental, ajudaram a alavancar a busca por essas informações. Tendo as populações indígenas, durante milênios, praticado o “manejo sustentável” do território e consequentemente dos produtos existentes na alimentação, os olhares se voltam para suas práticas, significados e interações com o ambiente, permitindo pensar sobre outra epistemologia. No ano de 2014, 04 (quatro) dissertações foram apresentadas com o tema Alimentação: “Aqui até o arado é diferente”: transformações no fazer agricultura e em hábitos alimentares entre famílias assentadas – um estudo realizado no assentamento União, Rio Grande do Sul, defendida por Carmen Janaina Batista Machado, pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Comida, memória e patrimônio cultural: a construção da pomeridade no extremo sul do Brasil, defendida por Evander Eloí Krone pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal de Pelotas; No supermercado, “o segredo é o carinho”: um estudo sobre consumo a partir do rural, caseiro e natural em embalagens de alimentos, defendida por Danielle Neugebauer Wille, pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Pelotas; e Saber e sabor: corpo, medicina e cozinha na obra de Francisco da Fonseca Henriques, defendida por Luca Palmesi no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Minas Gerais. Em 2015, 08 (oito) dissertações foram defendidas com o tema Alimentação: Antropofagia e seu sabor sagrado: ressignificações e contribuições no processo de construção de uma identidade brasileira, defendida por Tatiane Ribeiro de Lima, pelo Programa de Pós- Graduação em Ciências das Religiões da Universidade Federal da Paraíba; Comer com os 127

olhos: diálogos possíveis entre visão e paladar, tese defendida por Gabriela Silva Domiciano, no Programa de Pós-Graduação de Arte e Cultura Visual da Universidade Federal de Goiás; Frutas, legumes e verduras nas feiras livres de Pelotas e sua contribuição na segurança alimentar e nutricional, defendida por Camila Irigonhé Ramos, pelo Programa de Pós- Graduação em Nutrição e Alimentos da Universidade Federal de Pelotas; Os relatos de viagem entre a norma e o gosto: os viajantes franceses e a alimentação no Brasil no século XIX, defendida por Samuel Mateus Gerencsez Geraldino, pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual de Campinas; Identidades em rede: um estudo etnográficos entre quilombolas e pomeranos na Serra dos Tapes, defendida por Maurício Schneider, pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal de Pelotas; O PAA, Política Social e Povos Indígenas: um estudo de Caso do Programa de Aquisição de Alimentos no município de Ipuaçu – SC, defendida por Cristiane Golembieski, pelo Programa de Pós- Graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade Tecnológica Federal do Paraná; Vamos preparar os quitutes: Discurso sobre a cultura da alimentação no Brasil durante a segunda Guerra Mundial, defendida por Franciane Mochenski Bueno da Luz, no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Paraná; e por fim, Estudos dos aspectos simbólicos e identitários da cultura material na cozinha tradicional africana Yorubá no Brasil - Templo Ègbé Mògàjí Ifá, GO, defendida por Tamiris Maia G. Pereira, no Programa de Pós- Graduação em História da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. No ano de 2016, pelo menos 1 dissertação sobre a temática da alimentação foi defendida dentro do Programa de Pós-Graduação em História da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, com o título Na mesa com Clio: uma trajetória histórica alimentar em Goiás no século XIX a primeira metade do século XX, desenvolvida por Ubiratan de Sousa Lemos.

Quadro 11 – Dissertações produzidas entre os anos 2010 e 2016 (áreas do conhecimento)

DISSERTAÇÕES ENTRE OS ANOS DE 2010 E 2016

Área do conhecimento Ano Região Quantidade História/Turismo/Des. 2010 Sul/Sudeste/Centro- 7 Rural/Saúde Pública oeste História/ Antropologia 2011 Sul/Sudeste/Centro- 4 oeste História/Ciências Sociais/ 2012 Sul/Sudeste/Centro- 6 Ciências ambientais/ oeste/ Nordeste Agronegócios 128

Antropologia/Des. 2013 Centro-oeste/ 5 Sustentável Nordeste História/ Antropologia 2014 Sul/Sudeste 4 /Ciências Sociais/Des. Rural História/Antropologia/ 2015 Sul/Sudeste/Centro- 8 Ciências da oeste/ Nordeste Religião/Artes/Nutrição/Des. Regional História 2016 Centro -oeste 1 Total 35

Quadro 11 – Dissertações de mestrado distribuídas por região, quantidade de defesas, área do conhecimento e ano, entre 2010 e 2016. Nota: Quadro elaborado pela autora (2016).

Quadro 12 – Dissertações produzidas entre os anos 2010 e 2016 (regiões do Brasil)

DISSERTAÇÕES ENTRE OS ANOS DE 2010 E 2016

Região Quantidade Sul 14 Sudeste 6 Nordeste 12 Centro-oeste 3 Total 35

Quadro 12 - Dissertações de mestrado distribuídas na tabela por região e quantidade de defesas, entre os anos 2010 e 2016. Nota: Quadro elaborado pela autora (2016).

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Gráfico 9 – Dissertações produzidas entre os anos 2010 e 2016

DISSERTAÇÕES ENTRE OS ANOS DE 2010 E 2016

34% 40%

Sul

9% Sudeste 17% Centro-oeste Nordeste

Gráfico 9 – Porcentagem de dissertações distribuídas por região do Brasil entre os anos de 2010 e 2016. Nota: Gráfico elaborado pela autora (2016).

Foi defendido um total de 17 (dezessete) teses entre os anos de 2010 e 2016, das quais podemos citar: “Quanto mais doce melhor”: Um estudo antropológico das práticas alimentares da doce sociedade Mbyá-Guarani, defendida no ano de 2010 por Martín César Tempass, pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Descalvados: a carne de charque em projetos de memória e de identificação de um grupo de trabalhadores (Pantanal, MT, 1945-1990), defendida por Gláucia Tahis da Silva Campos Péclat, no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Brasília, no ano de 2011; Globalização e comida: uma análise microssociológica da relação Global/local na alimentação, defendida por Marcelo Jacques Fonseca, pelo Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no ano de 2011; Produtores, consumidores e valorização de produtos tradicionais: um estudo sobre a qualidade de alimentos a partir do caso do queijo Serrano dos campos de cima da Serra – RS, defendida por Fabiana Thomé Cruz, pelo de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 2012; Turismo rural, modos de vida em mudança e percepções do rural: um estudo a partir das práticas alimentares de famílias rurais em contexto de interação com turistas, defendida por Ana Maria Costa Beber, pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no mesmo ano de 2012; Segurança alimentar e nutricional no Estado de Pernambuco: situação e análise de fatores geográficos e socioeconômicos associados, defendido por Fernanda Cristina de Lima Pinto, pelo Programa de Pós-Graduação em Nutrição da Universidade Federal de Pernambuco, em 2012; Receitas do 130

Regime: a dietética entre índios e espanhóis no México e Peru entre os séculos XVI e XVII, defendida por Alexandre Camera Verella, pelo Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade de São Paulo, em 2012; ainda neste mesmo ano a tese A primeira impressão é a que fica: imagens, imaginário e cultura da alimentação no Paraná - 1884-1940, foi defendida por José Humberto Boguszewski, no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Paraná; e a tese Tudo pronto: o comer fora e o prazer reinventado - Curitiba (1970- 2000), defendida por Cilene da Silva Gomes Ribeiro, no mesmo Programa de Pós-Graduação e Universidade. No ano de 2013, a tese Desvendando raízes e retratos no campo da alimentação e nutrição no Brasil: de Francisco Pompêo do Amaral ao Centro Paula Souza, foi defendida por Maria Lucia Mendes de Carvalho, no Programa de Pós-Graduação em Engenharia Agrícola da Universidade Estadual de Campinas; no mesmo ano a tese Cozinhas, eletrodomésticos e modos de vida: Implicações dos eletrodomésticos nas transformações de rotinas domésticas na cozinha, em residências de Florianópolis/SC, foi defendida por Conceição Garcia Martins, pelo Programa de Pós-Graduação em Tecnologia da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR); e a tese O espetáculo do açúcar: banquetes, arte e artefatos (século XVI), também defendida no mesmo ano por Lis Minari Hargreaves, no Programa de Pós-Graduação em Arte do Departamento de Artes Visuais da Universidade de Brasília. No ano de 2014 foram defendidas 05 (cinco) tese, das quais destacamos: Alimentação, corpo e afeto: um estudo de gênero e etnia, por Patrícia Fasolo Romani, no Programa de Pós- Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, no ano de 2014; Dilemas e desafios na valorização de produtos alimentares tradicionais no Brasil: um estudo partir do Queijo do Serro, em Minas Gerais, e do Queijo Serrano, no Rio Grande do Sul, defendida por Jaqueline Sgarbi Santos, no Programa de Pós-Graduação em Sistemas de Produção Agrícola Familiar da Universidade Federal de Pelotas; Comendo bem, que mal tem? Um estudo sobre as Representações sociais dos Riscos Alimentares, defendida por Flávia Luzia da Cunha Galindo, pelo Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em desenvolvimento, agricultura e sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro; Feira krahô de sementes tradicionais: cosmologia, história e ritual no contexto de um projeto de segurança alimentar, defendida por Julio César Borges, no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade de Brasília; e por fim, Slow Food na Itália e no Brasil: História, projetos e processo de valorização dos recursos locais, defendida por Chiara Gentile, pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável da Universidade Brasília.

131

Quadro 13 – Teses produzidas entre os anos 2010 e 2016 (regiões do Brasil)

TESES ENTRE OS ANOS DE 2010 E 2016

Região Quantidade

Sul 9

Sudeste 3

Nordeste 1

Centro-Oeste 4

Total 17

Quadro 13 - Teses de doutorado distribuídas por região e quantidade de defesas entre os anos de 2010 e 2016. Nota: Quadro elaborado pela autora (2016).

Gráfico 10 – Teses produzidas entre os anos 2010 e 2016 (regiões do Brasil)

TESES ENTRE OS ANOS DE 2010 E 2016

23%

6% 53% Sul

18% Sudeste Nordeste Centro-Oeste

Gráfico 10 - Porcentagem de teses distribuídas por região do Brasil entre os anos de 2010 e 2016. Nota: Gráfico elaborado pela autora (2016).

Os dados coletados acima, notavelmente, apresentaram diferenças regionais relacionadas às produções bibliográficas sobre a temática da alimentação. O grande número de produções nas regiões sul e sudeste ocorre, provavelmente, devido à presença de cursos de graduação e pós-graduação nas áreas sociais (sociologia, antropologia e história), nutricional e agronômica, responsáveis pela promoção dos trabalhos científicos sobre a temática da alimentação. Além disto, a promoção de seminários, congressos e grupos de estudos nas 132

universidades dos grandes centros urbanos do sul e sudeste muito contribuem para as produções. O “estado da arte” produzido até o momento possibilitou a escolha sobre as metodologias de investigação e os possíveis procedimentos para alcançá-la. Tendo em vista a grande quantidade de estudos que priorizaram as investigações com observação participante e com o uso de entrevistas para produzir dados qualitativos sobre o objeto pretendido, acreditamos que o uso de ambas poderá auxiliar nos estudos sobre alimentação entre o povo Iny, além de proporcionar a ampliação de dados que poderão ser refutados ou contrapostos ante as referências bibliográficas secundárias.

1.3.2 - Grupos de Estudos e Projetos Coletivos sobre alimentação

Antes de finalizarmos os dados relacionados às produções científicas sobre a alimentação, se faz essencial apresentar os chamados Grupos de Estudos. Esses são oriundos de projetos universitários e centros de pesquisas voltados para alimentação. Entre aqueles mapeados, encontramos 05 (cinco) vigentes e 1 (um) inativo, desde 1990 até atualidade (2016). Desses, 01 (um) é internacional e os outros nacionais. O DIAITA – Patrimônio Alimentar da Lusofonia, resultado do projeto temático (coletivo) do CECH – Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos do Instituto de Investigação Interdisciplinar da Universidade de Coimbra, Portugal está ativo desde 2012. Tem como principais investigadores Carmen Soares, Inês Ornellas e Castro, Carlos Fabião, Leila Mezan Algranti e Betânia Figueiredo. Buscam “um estudo aprofundado e interdisciplinar sobre uma temática fundamental de um patrimônio e identidade culturais comuns a portugueses e brasileiros: a história e a cultura da alimentação”. Até o momento, o projeto DIAITA viabilizou a publicação de 03 (três) livros: Contributos para a História da Alimentação na Antiguidade (2012), por Carmen Soares e Paula B. Dias; As receitas de cozinha de um frade português do séc. XVI (2013), por Anabela Leal Barros; e Ensaios sobre Património Alimentar Luso-Brasileiro (2014), por Carmen Soares e Irene Macedo. Além de 03 (três) artigos: Receitas do mais antigo Guia Gastronómico: Iguarias do Mundo de Arquéstrato (2012), por Carmen Soares (2012); Arte culinária em Xenofonte, Platão e Aristóteles (2012), também por Carmem Soares; e A Gastronomia do Carnaval – A Festa e o Excesso do Presente (2014), por Paula Barata Dias. Houve também a publicação de 133

13 (treze) comunicações no ano de 2012, no 1º Colóquio de História da Alimentação: antiguidades, promovido pelo grupo; 19 (dezenove) comunicações no ano de 2013, no I Colóquio Luso-brasileiro de História da Alimentação: Patrimônio & Cultura, promovido também pelo grupo; 14 (quatorze) comunicações no ano de 2014, no II Colóquio Luso- Brasileiro de História da Alimentação, promovido em conjunto com a Universidade Católica do Paraná; e 01 (uma) comunicação em 2015, pelo Arquivo Municipal de Loulé, Portugal. Há também 18 (dezoito) trabalhos desenvolvidos em seminários por pesquisadores da Universidade de Coimbra em parceria com a Universidade Católica do Paraná, Universidade de São Paulo, Centro Universitário SENAC – São Paulo, e Museu da República do Rio de Janeiro. Dos grupos nacionais, temos 05 (cinco), dos quais 02 (dois) estão localizados na região sul do Brasil, um vigente e outro inoperante. O mais antigo deles é o NEPA (Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação) da Universidade de Campinas (UNICAMP), São Paulo. Foi fundado em 1983, porém foi entre 2003 e 2005 que o grupo publicou seus artigos com maior relevância em periódicos de circulação internacional. Ademais, a revista Caderno de Debates foi reestruturado em 2005 passando a se chamar Revista Segurança Alimentar e Nutricional, passando a ter maior circulação a partir de então. O NEPA atualmente é coordenado por Alpina Begossi e Marcelo Cristianini, tendo em seu quadro de pesquisadores Ana Clara da Fonseca Leitão Duran, Alline Artigiani Lima Tribst, e os pesquisadores colaboradores Sérgio Rangel Fernades Figueira, Regina Priolli, Luciano Bruno de Carvalho Silva e Marina Vieira da Silva. O grupo já publicou 16 artigos completos em periódicos de circulação internacional; 22 trabalhos completos em anais de congresso e 10 livros e capítulos de livros. O segundo grupo mais antigo é o Grupo de Estudos de História da Alimentação: História, Cultura e Sociedade, da Universidade Federal do Paraná, que esteve vigente entre 1993 e 2013. Ele tinha por objetivo promover discussões na área da História sob a perspectiva da história cultural e da micro-história. Divulgou 15 (quinze) artigos produzidos por professores e estudantes do pós-graduação participantes do grupo, 07 (sete) teses, 09 (nove) dissertações e 05 (cinco) TCCs. O grupo era gestado por Carlos Roberto Antunes dos Santos, Maria Henriqueta Sperandio Garcia Gimenes, Mariana Corção, Cilene da Silva Gomes Ribeiro, Luciana Patricia de Morais, Néli Teleginski, Heloise Peratello, Ana Nadalini e José Humberto Boguszewski. O terceiro grupo de estudos mais antigo, entre os nacionais, é o GEPAC - Grupo de Estudos e pesquisas em Alimentação e Cultura, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS) e Universidade Federal de Pelotas (UFPel), vigente desde 2006, idealizado e 134

coordenado pela professora Renata Menasche. Ele parte de “uma perspectiva multidisciplinar, no estudo dos produtos da terra enquanto objetos de desejo do consumo urbano e enquanto marcador de deslocamento de significados”. Traz as problemáticas das questões alimentares existentes no meio rural, problemáticas do consumo, das identidades étnicas e regionais, tendo em vista a contemplação do patrimônio alimentar brasileiro, dos conhecimentos tradicionais e segurança alimentar e nutricional. Entre as produções divulgadas pelo grupo, estão: 78 (setenta e oito) artigos; 06 (seis) livros; 07 (sete) teses; 14 (quatorze) dissertações e 04 (quatro) TCCs, além de 10 vídeos de entrevistas e pesquisas desenvolvidos. O quarto grupo de estudos nacional é o AgostoS – Alimentação, gosto e saberes: grupo de pesquisa em alimentação, cultura e educação, da Universidade Federal do Ceará (UFC), vigente desde 2013, coordenado pelo professor José Arimatéa Barros Bezerra. O grupo promove pesquisas sobre a gênese do saber em alimentação e nutrição no Brasil, divulgando 02 (dois) artigos, 01 (um) livro, 03 (três) projetos de pesquisa concluídos, 01 (uma) tese, 06 (seis) dissertações e 01 (um) TCC. O quinto e último grupo de estudos é o NECTAR (Núcleo de Estudos sobre Cultura e Alimentação), da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Foi inaugurado em 2008 no intuito de “trazer para o campo da Alimentação e Nutrição abordagens oriundas das Ciências Sociais e Humanas, seja nos estudos sobre sentidos e significados relativos à alimentação e saúde, seja nas pesquisas de cunho epistemológico acerca da Alimentação e Nutrição como campo científico no Brasil” (NECTAR, 2017). É coordenado por pesquisadores do Instituto de Nutrição da UERJ e atualmente conta com a publicação da série de livros Sabor Metrópole, que já está em seu terceiro volume. A reunião dos dados sobre os grupos de estudos e os trabalhos supracitados (livros, artigos e periódicos) a respeito da alimentação, nos leva a investigar a seguinte questão: por que aumentaram significativamente os trabalhos relacionados à alimentação com enfoques voltados para a etnicidade e a interculturalidade? Pergunta ampla e que suscita investigações mais aprofundadas sobre a questão, além de incitar buscas sobre a alimentação com enfoque na alimentação indígena.

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CAPÍTULO 2 - ESCRITOS SOBRE HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO INDÍGENA

O aumento significativo de publicações sobre a temática da alimentação, nas mais diversas áreas do conhecimento, indica o quanto ela se fez importante nas últimas décadas. Mesmo com o aumento de publicações, observou-se que a temática da alimentação indígena ainda é baixa. Dentre os trabalhos mais recentes na área de Humanidades observa-se a abertura das lentes de conhecimento e análises que abrangem aspectos sociais, culturais, psíquicos, nutricionais e médicos. As investigações que priorizam o papel da comida na construção ou desconstrução de identidades, os discursos sobre o saudável nutricional, as transformações ocorridas a partir das novas relações entre campo/cidade, o corpo, a estética da saúde e o bem- estar em meio às mudanças alimentares, compreendem campos muito presentes nas investigações. Na grande maioria dos trabalhos, a busca por sentidos e significados orientam- nas (FERREIRA et. al., 2013). Em geral, as abordagens que se detém em análises etnográficas são poucas, mas têm estado presentes nos últimos tempos, como mostrado anteriormente. A perspectiva trazida pelas análises étnicas sob o viés decolonial e intercultural também é pouca, porém tende a aumentar significativamente, uma vez que esta tem sido buscada. Um exemplo disso pode ser percebido nas análises sobre os caminhos teórico- metodológicos desenvolvidos no México. O antropólogo Piña (2001) afirma que os estudos voltados para a alimentação mexicana se construíram primeiramente por meio do paradigma estrutural, no qual as análises se realizavam no âmbito simbólico com o uso de representações dicotômicas, baseadas nas análises feitas por Lévi-Strauss, especificamente na obra As mitológicas – O cru e o cozido (1997). Apesar desta perspectiva permitir uma leitura dos discursos sociais, ela não permitiu adentrar nas camadas mais profundas do fenômeno da alimentação. Desta maneira, as investigações sobre a alimentação foram reconduzidas, havendo uma mudança do uso de paradigma, agora processual e posteriormente interpretativo. Tais mudanças permitiram, por um lado, que as pesquisas trouxessem o nível investigativo- explicativo ampliando significativamente a ótica das análises ocorridas até então, mas, por outro lado, deixou de lado uma série de aspectos, que foram pouco ou nada explorados. E um destes aspectos corresponde à historicização da alimentação, que traria a ampliação da compreensão de elementos básicos, que não se restringissem ao âmbito simbólico ou nutricional. Ademais, o autor afirma que olhar para a alimentação como um fenômeno transhistórico e transcultural 136

permitiria trazer ao campo observacional situações que antes não eram notórias, transformando as diferentes formas de ver as relações entre os indivíduos com o meio e a sociabilidade existente. Chama-nos a atenção como a perspectiva transcultural ganha força nas últimas décadas, abrindo caminhos para uma perspectiva intercultural e decolonial. Castro-Goméz (2005), filósofo colombiano, nos convida a refletir sobre a genealogia da nossa herança colonial na América Latina na pós-modernidade sob a perspectiva decolonial. Ele, assim como outros pesquisadores, dos quais podemos citar Dussel (1992), Mignolo (2000) e Quijano (1999), afirmam de que maneira a modernidade construiu e gerou a alteridade, excluindo a hibridez, a multiplicidade e a vida concreta. Gerou um sistema de poder que funciona dentro de uma lógica binária e, por conseguinte, exclui o que é diferente. No caso da América, a alteridade, o outro, estava diretamente relacionada com o ser indígena. O autor Castro-Goméz (2005) enumera, descreve e reflete sobre uma série de fatores que geraram este contexto. O primeiro e o mais central deles é o Estado, que garantiu a organização racional da vida humana e o controle sobre o mundo natural e social. E um dos fenômenos que constituíram tal organização foi o surgimento das ciências sociais. Ela construiu uma plataforma de observação do mundo social, para garantir um sistema de regras que funcionassem auxiliando na legitimação e regulamentação do Estado. Assim, as ciências sociais ajudaram a criar um perfil de subjetividade coordenado estatalmente por práticas disciplinares e conduzindo para a construção do “outro”. Estas práticas corresponderam às palavras e escritas, que organizaram o que poderia ser incluído e o que deveria ser excluído dentro deste modelo social. Como exemplo disto temos as constituições nacionais, os manuais de boas maneiras e as gramáticas normativas dos idiomas, que buscaram homogeneizar os indivíduos para tornar mais viável a governabilidade sobre eles. Os manuais de boas maneiras transformaram-se nas novas “bíblias” dos indivíduos, regulando os comportamentos e construindo a obediência às normas de civilidade, como afirmou Elias, em O processo civilizatório (1990). O indivíduo ou cidadão deveria saber como falar, como escarrar ou limpar o nariz, como comer usando talheres e como se comportar à mesa. Tudo o que fugia deste manual de boas maneiras e civilidade seria excluído ou tratado como bárbaro. Desta maneira, os Estados modernos engendraram uma maquinaria de alteridade, separando o que é bárbaro e o que é civilizado, quem é bom e quem é mau, quem é racional e quem é irracional, quem é colonizador e quem é colonizado. Construiu também, dentro desta mesma lógica, a noção de “raça”, que opera como uma classificação identitária de opostos, estando o colonizador e civilizado sempre do lado bom, adequado e racional do sistema, devendo trazer civilidade e racionalidade aos colonizados (CASTRO-GOMÉZ, 2005). 137

Esta “colonialidade do poder”27 construiu um referencial de estágios de aperfeiçoamento social baseado em “estágios” de aperfeiçoamento da espécie humana, que deveria sair na “primitividade” até alcançar o conhecimento ideal que estava na sociedade moderna europeia. Deste modo, as sociedades indígenas que estavam no estágio mais “primitivo” de sociedade deveriam ser civilizadas para alcançar o conhecimento das artes, escrita e ciência. Elas eram o outro absoluto das sociedades europeias, a outra raça. Esta e outras engrenagens rodavam (e ainda rodam), das portas para dentro, legitimando a disciplinaridade e exclusão do diferente para que o Estado possa governar os indivíduos homogeneizando-os e controlando-os; e das portas para fora, legitimando a divisão internacional do trabalho (CASTRO-GOMÉZ, 2005). Ou seja, das portas para dentro há uma tentativa de colocar em uma mesma caixinha os diferentes, e, da porta para fora, há uma tentativa de dizer que o diferente por ser diferente deve ser reconhecido, porém colocado em caixinhas do mesmo modo. Esta última é a que ocorre quando organismos internacionais consagram práticas e direitos que se dizem universais, de respeito às diferenças, contudo, por detrás do discurso realiza práticas que vão ao encontro da homogeneidade. A construção do indígena é realizada a partir destas circunstâncias e se legitima na pós-modernidade carregada de exclusão, espoliação e violência nos seus modos de pensar, ser e viver. Os indígenas são destituídos de seus territórios, que são entregues pelos Estados para as transnacionais e multinacionais a favor da produção para o comércio internacional, ao mesmo tempo em que leis e direitos internacionais mencionam a importância de suas identidades e “defendem” o direito de suas práticas e formas de pensar. Para exemplificar e dimensionar estas questões no âmbito da alimentação indígena, selecionamos parte da História da Alimentação na África e na América (México e Peru), buscando identificar, de modo breve, as atuais problemáticas e discussões que ocorrem no meio político, econômico e acadêmico, e que configuram a “colonialidade do poder”, legitimadora da espoliação epistêmica e dissimuladora de um ideal de direitos e identidades. Essa escolha relaciona-se também, no âmbito da alimentação, à importância que tanto a África, quando o México e Peru tiveram como centros de dispersão de várias espécies vegetais (zona abissínia e berços agrícolas); e na maneira com esses vários vegetais chegam ao Brasil, seja no período pré-colonial ou colonial, influenciando a dinâmica das práticas alimentares.

27 QUIJANO, Aníbal. Colonialidade del poder, cultura e conocimento em America Latina. In: CASTRO-GÓMEZ, S.; GUARDIOLA-RIVERA, O. e MILLÁN DE BENAVIDES, C. (eds.). Pensar (en) los interticios. Teoría y práctica de la crítica pós-colonial. Bogotá: CEJA, 1999. 138

2.1 HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO INDÍGENA NA ÁFRICA

Figura 10 - Jovens caçadores Hadza, Tanzânia, organizam a caçada. Fonte: GIBBONS (2014, p. 45).

2.1.1 - Povos indígenas na África

A primeira pergunta que se faz quando se trata de povos indígenas na África é: eles existem? Sim, eles existem. Entretanto, são invisíveis, sofrem discriminação e inúmeros preconceitos cotidianamente, de maneira muito semelhante ao que ocorre no Brasil. Muitos deles não aceitam a denominação “indígena” como auto identificação devido à conotação negativa trazida pela palavra, desde os tempos coloniais (GARCIA-FALCES, 2007). Contudo, foi por meio do termo “indígena” que estas populações se fizeram conhecidas no mundo, pelos problemas, desigualdades e repressões realizadas pelos poderes socioeconômicos dominantes que atuam na esfera nacional e internacional (COMISSÃO ..., 2007). De acordo com a Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (CADHP, 2007), o termo “indígena” é usado para caracterizar a atual situação social, política e econômica 139

dos povos caçadores-coletores, agricultores, criadores e guardadores de gado (pastores ou vaqueiros), que praticam suas diferentes culturas e modos de vida. Alguns povos podem ser citados como exemplos de indígenas na atualidade, que lutam constantemente pelos seus direitos: Os Pigmeus da região dos Grandes Lagos, os San do sul da África, os Hadzabe da Tanzânia, os Ogiek e Sengwer do Quénia também podem ser mencionados como exemplo de comunidades de caçadores-coletores, que a si próprios se identificam como povos indígenas. De igual modo as comunidades de criadores e guardadores de gado como os Pokot do Quénia e Uganda, os Barabaig da Tanzânia, os Maasai do Quénia e Tanzânia, os Samburu, Turkana, Rendille, Endorois e Borana do Quénia, os Karamojong de Uganda, os Himba da Namíbia e os Tuareg, Fulani e Toubou do Mali, Burkina do Faso e Nigéria, todos eles podem ser mencionados como exemplos de criadores e guardadores de gado que se identificam como povos indígenas. Além disso, os Amazigh do Norte de África também são identificados como povos indígenas (COMISSÃO ..., 2007, p. 12).

A característica comum destes povos para que se identifiquem como indígenas corresponde à sobrevivência do seu modo de vida próprio, o qual depende dos seus saberes e fazeres tradicionais e do acesso aos recursos naturais. Normalmente vivem em regiões pouco acessíveis e muitas vezes isoladas, o que agrava a marginalização social, política e econômica. A questão da “aboriginidade”, ou seja, quem chegou primeiro no território africano, não interfere na identificação destes povos como indígenas. A denominação estaria muito mais ligada à uma noção de povos que sofreram repressão colonial e ainda sofrem com as políticas nacionais (COMISSÃO ..., 2007). Algumas organizações como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Comissão Coordenadora dos Povos Indígenas de África (IPACC) possuem definições semelhantes à da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos. De acordo com o IPACC, a definição de “indígena” corresponde a: [...] aqueles que viveram de coleta e de caça; pelo pastoralismo transumano (migração nômade) e aqueles que praticam a horticultura tradicional de terras áridas, incluindo culturas de oásis. Estes diferentes povos representam a espinha dorsal do conhecimento tradicional da África, sobre a natureza e o desenvolvimento sustentável em áreas rurais remotas. A indigeneidade está associada à experiência negativa de discriminação e marginalização da governança, bem como aos aspectos positivos de possuir um conhecimento único que emergiu através da gestão a longo prazo da área árida e dos ecossistemas florestais tropicais (COMISSÃO ..., 2015).

Ainda hoje, a terminologia “indígena” presente nos debates políticos nacionais de grupos dominantes na África, incomoda a muitos. Eles desejam a invisibilização destas populações, para usufruto de seus territórios e riquezas de suas terras. De acordo como CADHP 140

(2007), em alguns debates e discussões há sugestão para que a denominação “indígena” seja substituída por “minorias”. Esta substituição descaracterizaria muito da luta pelos direitos internacionais dos indígenas, uma vez que a classificação “minoria” implica direitos individuais de execução de práticas culturais, sociais, linguísticas e religiosas, enquanto a classificação “indígena” implica direitos coletivos e individuais, abarcando inclusive uso da terra, território e recursos naturais (COMISSÃO ..., 2007). Não apenas na África, mas em vários lugares no mundo em que há povos indígenas, há luta pelos seus direitos coletivos, entretanto esta não corresponde a uma plataforma relevante nas arenas políticas e econômicas das esferas de poder. De acordo com as estatísticas da CADHP (2007), haveria pelo menos 61 povos indígenas na África, dentre estes, caçadores-coletores, lavradores, criadores e guardadores de gado, seminômades e agricultores em pequena escala. Mesmo com número elevado, poucos países africanos reconhecem a existência destes povos. E, ainda, menos são aqueles que possuem na sua constituição direitos voltados estas populações, mesmo com a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (DNUDPI, 2007) mencionando os direitos sobre a terra, território e recursos naturais que pertencem, ocupam ou usam. Com este panorama atual, é possível perceber que os indígenas africanos, além de serem povos que estão constantemente sob os olhos das esferas política e econômica dominante, são povos que foram invisibilizados. Esta invisibilização foi construída e expandida por grande parte da literatura relacionada a eles, a qual os associou a povos primitivos e que manteve seus modos de vida de forma semelhante ao período pré-colonial, não sendo dignos de olhares e valorização pelos poderes políticos. Quando o assunto é alimentação, a literatura foca em questões que, muitas vezes, reforçam essa visão discriminatória e colonialista. Quando tratam das biotecnologias e técnicas relativas à produção alimentar, principalmente agrícola, focam em demonstrar a grande importância da implementação das inovações em pequenas propriedades para o aumento da produção e consequentemente para sanar a fome, ou mesmo, a melhoria de acesso a sementes e insumos como medidas para melhoria do acesso a alimentação pela população. O que não é levado em conta é o quanto essas medidas causam pouco ou nenhum resultado porque não condizem com os modos de vida e os saberes das diversas populações. Quando essas medidas são implementadas uma série de outros problemas são trazidos à tona prejudicando ainda mais estas populações. Deixar de lado os seus conhecimentos, colocá-los como povos do passado e fornecer produtos para que possam fazer parte do “presente” só escamoteia a discriminação cotidiana. Além de sofrerem problemas sérios de discriminação, o processo de dominação que os 141

invisibiliza, ainda os desterritorializa, provocando diásporas compulsórias para longe dos territórios culturais que durante séculos foi seu, como é o caso dos Massai e dos Bosquímanos. Todas estas questões trazem à tona as políticas neoliberais que não reconhecem, usurpam e subalternizam os povos indígenas africanos. Semelhantes a ela, os povos indígenas em outras regiões do mundo, como no Brasil, no México e no Peru, também incluídos nas mesmas políticas internacionais que preveem o direito de uso do território cultural e livre expressão de seus valores socioculturais, ainda sofrem discriminação, desterritorialização e diversas outras formas de violência. Seus conhecimentos sobre técnicas alimentares, frutos e ervas medicinais frequentemente são usurpados pelas indústrias para a produção de bens comerciais; fazendeiros proprietários de grandes extensões monocultoras, vizinhos às terras indígenas, subtraem madeiras de maneira ilegal, poluem rios e recursos fluviais prejudicando a fauna e a flora locais, “empregam” muitos homens e mulheres indígenas em trabalhos domésticos ou rurais pagando salários abaixo dos valores de mercado, explorando sua mão-de-obra, além de subalternizar suas crenças e valores culturais. Ademais, a História da Alimentação indígena na África apresenta pontos fortes para a compreensão de diversos aspectos alimentares no Brasil hoje. Diversas raízes, sementes e frutas foram trocadas por meio do comércio transatlântico durante o período seiscentista, oriundos da diversidade de cultivos dos povos indígenas africanos que se encontravam no continente no período de invasões europeias. Tais alimentos se tornaram, na atualidade, “nativos”, de maneira que nas áreas rurais, nas cidades e áreas indígenas estivessem presentes como fonte alimentar. A principal fonte eleita para desenvolver o presente estudo foi a coleção História Geral da África produzida pela UNESCO, publicada no ano 2010, em português no Brasil. Tal coleção se propõe a apresentar a História do continente africano sob um viés menos positivista e mais relativista de sua História, na busca de uma visão mais internalista (local e regional), realizada por pesquisadores africanos, e que traz a superfície elementos antes não vistos ou falados nas pesquisas acadêmicas. Desta maneira, vislumbrar elementos que contam a História da Alimentação dos povos indígenas africanos, tendendo a uma visão menos eurocentrada, poderá contribuir para destacarmos a importância dos saberes e fazeres destas populações subalternizadas e as problemáticas existentes na atualidade que competem às diversas ordens (social, política, econômica e cultural) que são compartilhadas pelas populações indígenas em outras regiões do mundo. Nosso principal objetivo aqui foi apresentar as principais produções e informações que envolvem a alimentação na África.

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2.1.2 - Breve História da Alimentação na África

Não há como falar de História da Alimentação indígena sem falar de um dos mais importantes lugares da história da humanidade: o continente africano. Foi um dos primeiros lugares de ocupação e posterior dispersão do gênero Homo (LIMA, 2006), ou, como preferem alguns especialistas em bioantropologia, foi um dos primeiros lugares no mundo (além da Ásia e da Europa), em que houve trocas genéticas entre hominídeos arcaicos durantes os últimos dois milhões de anos, antes de se dispersarem pelo restante do globo (LAHR; SOUZA, 2006). Com uma extensão continental, a África abrigou e abriga uma grande quantidade de povos que realizam práticas agrícolas, pecuárias, produção de alimentos fermentados e outros, com técnicas milenares. Entretanto, as informações disponíveis sobre estes povos e sobre a história geral deste continente foi escrita predominantemente por mãos europeias e orientais durante séculos. De acordo com o historiador John Donnelly Fage (2010), que trabalha com História da África desde o fim da década de 1950, foram os historiadores do velho mundo mediterrânico e da civilização islâmica medieval, os primeiros a escreverem sobre a porção norte da África. Principalmente sobre a África ao norte do deserto do Saara, pois constituía parte do passado destas duas civilizações. Esta área continuou sendo uma preocupação nos escritos até a expansão do Império Otomano no século XVI. Somente após a expedição de Napoleão Bonaparte ao Egito, ao final do século XVIII, o norte da África volta a ganhar atenção dos estudiosos, tendo já no final do século XIX, a expansão, a ocupação e a tomada do Egito pelos franceses e britânicos, os quais se encarregaram de escrever e contar sua história ao seu modo. Somente no início do século XX, o movimento modernizador do Islã e os movimentos nacionalistas norte-africanos começaram a produzir sua própria história, em uma tentativa de equilibrar e reescrever o que havia sido disseminado pelos outros historiadores (FAGE, 2010). De acordo com Brito (2016), nos últimos tempos houve uma ruptura na escrita da história da África, feita por historiadores africanos. De acordo com Lopes (1995 apud BRITO, 2016), há pelo menos três momentos em que esta ruptura se evidencia: o primeiro deles é ao final do século XIX, quando começa a existir maior sistematização da história da África, ainda realizada por pesquisadores não africanos; o segundo momento, nos anos 1930, principalmente entre 1940 e 1960, quando são formadas as primeiras gerações de intelectuais africanos formados em academias ocidentais, que incentivam as lutas pela libertação nacional e desenvolvem uma reforma da História africana; e o terceiro momento, ao final da Guerra Fria, quando muitos intelectuais começam a ocupar cargos públicos nos Estados Novos africanos e 143

quando começam haver gerações de intelectuais formados nas universidades locais, nas quais iniciam-se as escolas e movimentos de nacionalismo histórico. Esta reforma historiográfica, iniciada em 1940, tinha por tendência oferecer argumentos para contradizer a “inferioridade africana” disseminada no século XV, que levou a escravizar diversos povos negros. Esta reforma buscou demonstrar a história pré-colonial e a ascendência civilizadora do Egito Antigo como superiores a Grécia Antiga. Teve como um dos principais intelectuais representantes Joseph Ki-Zerbo, um dos editores do primeiro volume do livro História Geral da África, produzido pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) na década de 1980, que priorizou uma História continental e endógena da África (BRITO, 2016). Para além disto, este livro auxiliou na expansão de conhecimentos sobre a história local e regional africana em detrimento do conhecimento eurocêntrico. Desta maneira, os volumes de História Geral da África – UNESCO fornece importantes dados sobre a História da Alimentação indígena na África, vista pela perspectiva interna, holística e menos eurocêntrica. De acordo com Portères e Barrau (2010) foi o Oriente Próximo que ganhou fama de berço agrícola e pastoril, com os estudos do arqueólogo Gordon Childe (1942). Este último foi o maior responsável pela disseminação da chamada Revolução Neolítica, a qual teria dado origem e constituído as bases materiais para a construção da sociedade ocidental e do “Velho Mundo”. Somente após a Segunda Guerra Mundial, as pesquisas que sucederam trouxeram novas informações, ampliando a história da agricultura na África e de outras partes do mundo. Foi dado destaque às produções e invenções agrícolas nas Américas e no sudoeste asiático, até então desconsideradas (PORTÈRES; BARRAU, 2010). Em meados do século XX, os agrônomos e geneticistas Vavilov (1951) e Kuptsov (1955) reconheceram a existências de centros agrícolas, que foram por eles denominados de primários, localizados no continente africano (PORTÈRES; BARRAU, 2010). Por muito tempo algumas áreas da África não foram sequer pesquisadas sob o ponto de vista biológico e cultural, por causa de preconceitos disseminados pelos séculos de dominação colonial: Por muito tempo, todavia, o papel da África no desenvolvimento da agricultura, de suas técnicas e de seus recursos foi minimizado, até mesmo ignorado, devido a preconceitos coloniais e ao desconhecimento da origem de vários cultígenos africanos e, em geral, da pré-história do continente (PORTÈRES e BARRAU, 2010, p. 782).

Nas últimas décadas do século XX, especificamente a partir de 1970, historiadores como J. D. Fage, R. Oliver (1970) e W. G. L. Randles (1974) têm contribuído com informações 144

sobre a História da Alimentação e ecologia da civilização bantu e outros povos africanos (PORTÈRES; BARRAU, 2010). Eles afirmam em suas pesquisas, que o ser humano é atuante no meio ambiente e quando tratamos de alimentação estamos também tratando de domesticação de animais e vegetais. Assim, não podemos deixar de pensar que esta representou liberdade, fazendo com que os humanos não dependessem das condições climáticas e territoriais do ambiente para aquisição dos alimentos. Na África, há vegetação, clima, hidrografia e geomorfologia bem diferentes quando tratamos de toda sua extensão territorial. E é muito provável que as populações que habitavam estes lugares no passado, não tenham apenas percebido, como articulado construções sócio culturais para sua ocupação (PORTÈRES; BARRAU, 2010). Algumas áreas, pelas diferenças ambientais, podem até ter servido de barreiras migratórias, como por exemplo o deserto do Saara, mas, por outro lado, certas áreas poderiam ter favorecido as migrações, como é o caso das savanas do Norte e do Sul do continente. Apesar da existência dessas “barreiras” ambientais, o ser humano não deixou de circular no continente. De acordo com Portères e Barrau (2010), é possível que em épocas pré-agrícolas a coleta de frutos e a caça de animais fosse praticada na selva tropical, assim como na atualidade entre os Pigmeus. A análise sobre a economia deste grupo indica que a abundância dos recursos deste bioma garantia a sua subsistência sem grandes esforços. Além deles, podemos citar os San Kung (também chamado de povo San Khoi) do Calaári, que se especializaram na extração de recursos pluviais de zonas áridas. A existência destas especializações no passado e sua predominância até os dias de hoje foi de grande relevância para a existência de áreas de savana, onde se desenvolveram os núcleos populacionais através da agricultura, como ocorreu com as populações bantu (PORTÈRES; BARRAU, 2010).

Figura 11 - Mulher bosquímana, Butsuwana, comendo melão produzido pela comunidade. Fonte: TYLER, 2006. Figura 12 - Mulher maasai, no Quênia, apresenta a refeição feita de angu de milho branco, carne de cabra e verduras. Fonte: GALIMBERTI, 2013. 145

Voltando as atenções para os estudos agrobotânicos, Vavilov (1950) estabeleceu a existência de oito centros de origem de plantas cultivadas no mundo, sendo que um dos grandes centros é denominado de Abissínio e está situado na África, enquanto um outro, o Mediterrâneo, encobre a região norte do continente africano (África do Norte e Egito). Além destes, haveria também um subcentro afro-ocidental. É importante salientar que a presença de um cultígeno existente em determinada área não permanece e desenvolve somente nesta, em decorrência das interferências humanas, de coleta, seleção e diversificação. Alguns cultígenos desenvolvem-se em áreas que não são suas áreas originais, tendo as correntes migratórias humanas grande importância neste processo (PORTÈRES; BARRAU, 2010). Dos centros de origem de plantas cultivadas, Portères e Barrau (2010) destacam alguns cultígenos característicos de cada uma delas. Iniciam pelo norte do continente africano, conhecido como centro Mediterrâneo, local em que a presença de cereais como trigo, a cevada e outras leguminosas denotam relação com o Oriente Próximo, assim como a oliveira e a alfarrobeira. Citam outras plantas como a Argania, que tem origem marroquina, fornecendo óleo e goma e o bersim, que divide sua origem com o Egito e a Síria. O centro Abissínio, localizado no centro do Oriente Próximo, é onde têm origem o sorgo, o cafeeiro da Arábia, a bananeira abissínia, tefe e as sementes níger. Já o centro oeste africano, corresponde a uma área tropical e subequatorial, de onde se originam os vários tipos de milhetes pinicilares (arroz), tubérculos como o Coleus dazo (batata), oleaginosas como o carité, inhames ou cará, feijão bambara e estimulantes como a Cola nitida (PORTÈRES; BARRAU, 2010).

Mapa 5 – Os berços agrícolas africanos

Fonte: PORTÈRES; BARRAU, 2010, p. 791. 146

Portères e Barrau (2010) chamam atenção para a existência de um contraste entre os centros hortícolas e agrícolas africanos, que estão inteiramente relacionados ao meio ambiente. Os centros hortícolas correspondem a locais de floresta tropical, onde há produção preponderante de cultivos individuais de vegetais, diferente dos cultivos agrícolas, desenvolvidos em áreas de savana e estepe, nos quais predomina a reprodução de plantas por via da semeadura, como os cereais. Há interessantes considerações dos autores quanto à relação entre seres humanos e meio. Eles afirmam que os cultivos agrícolas que predominaram nas áreas de savana e estepe se ampliaram de tal maneira neste meio, que chegaram às áreas de floresta. Entretanto, nestas não foi possível a prática agrícola com o uso das mesmas técnicas aplicadas nas áreas de savana, ocorrendo o abandono do cultivo de vegetais em detrimento da coleta de plantas, como meio de subsistência nas florestas (PORTÈRES; BARRAU, 2010). Este é um exemplo de como o ser humano não “molda” o seu meio como deseja, ele faz parte do meio, de maneira que não apenas observa, como interage de maneira que ser e estar no mesmo permite as trocas e as vivências necessárias. Esta forma de ação e vivência correspondem ao que Steil e Carvalho (2014, p. 1) afirmam sobre a relação do ser humano com o ambiente: “nosso modo de habitar o planeta não está separado do nosso modo de conhecê-lo”. Latour (2009), assim como outros cientistas das ciências humanas, propuseram a superação de dualidades modernas, como corpo e mente, sujeito e objeto, natureza e cultura, de maneira que percebêssemos a “simetria na relação entre humanos e não humanos no ambiente” (STEIL; CARVALHO, 2014, p. 2). Para conhecer é preciso estar engajado no ambiente. Outro dado importante fornecido por Portères e Barrau (2010) está relacionado à presença da rizicultura nas áreas de estepe, que durante séculos acreditou-se ter origem apenas asiática. Assim como o arroz, o sorgo e as várias espécies de milhetes são originárias da África. Outras variedades nativas da floresta tropical demonstram a abundância e a diversidade dos recursos que permitiram a permanência dos humanos nestes ambientes. Se foi assim durante o período pré-colonial na África, quando houve a chegada dos povos europeus, as correntes migratórias indígenas que já existiam, se intensificaram, assim como as trocas agroecológicas e pastoris. Segundo Vansina (2010) 28, a história da África difere

28 Vansina é um historiador e antropólogo que se especializou em mobilidade das populações africanas, tratando da pré-história e história dos povos africanos com uma perspectiva menos eurocentrista e com uma postura de valorização da História Oral africana. Juntamente com Joseph Ki-Zerbo, também historiador e pesquisador da História da África, correspondem a uns dos principais autores da obra História Geral da África, traduzido para mais de quatro línguas e editado pela UNESCO no ano de 2010. Optamos por utilizá-lo na presente pesquisa por priorizar dados relacionados à alimentação e migração dos povos indígenas na África, pouco tratados por outros pesquisadores. 147

da história da Europa e da Ásia, pela mobilidade das diferentes populações, principalmente dos agricultores. Praticavam o cultivo intensivo e renovavam a fertilidade do solo do mesmo pedaço de terra, migrando. As populações, então, tinham menos terras agricultáveis sendo, portanto, mais móveis que em outros lugares do mundo. Do mesmo modo, os povos pastores realizavam a mobilidade pelo território, tendo técnicas de pastoreio semelhantes às praticadas na Ásia central. Assim, as correntes migratórias que já ocorriam com frequência se intensificaram e também tomaram novas características mediante a entrada do comércio realizado pelos não- indígenas. Alguns exemplos de migrações são citados por Vansina (2010), para esclarecer a frequência e a intensidade com que ocorriam as migrações entre 1500 e 1800 na África. Dentre os povos migrantes, destacam Trekboer do Cabo, os Somalis e Oromo do Chifre da África, os Ngbandi de Oubangui, os Jagas da África Central, os Tuaregues do Arco do Níger, os Mane de Serra Leoa, os Fulbes da África Ocidental e os povos de Madagascar. Todos esses povos em suas migrações são descritos de acordo com a visão portuguesa do século XVI, como “massa indistinta de vagabundos” (VANSINA, 2010, p. 56). Representavam a antítese de estabilidade e de vida regrada, sendo massa de bárbaros e incivilizados (VANSINA, 2010). Esta visão predominou por vários séculos, fazendo da história dos povos indígenas africanos, uma história de constante migrações, generalizada e escamoteada por essa concepção mascarada por preconceitos. Na África até o século XVI, as principais estruturas sociais das populações locais eram os Estados e as redes de comércio. É preciso considerar os fatores espaço e tempo para não incorrermos no erro de generalizações quando tratamos de migrações. No caso do espaço, o deslocamento de uma população por dez quilômetros pode não ser considerado migração, assim como o curto período de permanência ou de deslocamento de um grupo pode não ser considerado migração. Desta maneira, para compreender melhor os deslocamentos humanos, Vansina (2010) dividiu-os em movimentos habituais e inabituais. Os primeiros correspondendo àqueles pela busca de subsistência, e os segundos àqueles causados pelas intempéries ou conflitos interétnicos. E todos estão diretamente ligados ao meio ambiente, à sua forma de sustento (caça, coleta, agricultura, pesca, pastoreio) e ao comércio. Os povos caçadores e coletores percorrem um território que permanece estável quando sua população está adaptada a seu modo de vida, vivendo em acampamentos e movendo-se pelo seu espaço territorial, em geral durante duas semanas, como os San Kung em Botswana. Seus deslocamentos estão associados à aquisição de suprimentos suficientes para alimentar toda comunidade ou em função das estações do ano. Por exemplo, na época da colheita do mel, de 148

frutificação de vegetais ou quando os mamíferos estão se aproximando das fontes de água no deserto do Calaári. Apesar de se moverem constantemente, circulam em um mesmo território. Do mesmo modo, os povos criadores de animais também se deslocam por um mesmo território. Eles realizam a transumância em busca de água, sal e pastagem para as suas criações, dentro das mesmas rotas que realizam o ano todo. Alguns grupos possuem percursos que se entrecruzam nos caminhos, como por exemplo, os Tuarengues e Fulbes, que se encontram no Sahel para a troca de produtos oriundos dos seus respectivos cultivos, caça e coleta. E realizavam o mesmo com outros grupos que também entrecruzam o seu caminho. Assim, coexistiam populações que realizavam diferentes modos de produção, de maneira diversa e complementar (VANSINA, 2010). Os povos agricultores também possuíam mobilidade espacial, pois, à medida que seus campos de prática agrícola se esgotavam em fertilidade, moviam-se para locais mais produtivos, levando toda a comunidade. De acordo com Vansina (2010), em épocas mais recentes estes deslocamentos ocorriam a cada dez anos, podendo variar de cinco a vinte anos, dependendo das condições climáticas dentre outros fatores físicos e sociais. Vansina (2010) ainda aventa a possibilidade de que essa mobilidade dos povos agricultores tenha aumentado no século XVII, momento em que também ocorre a introdução da mandioca vinda da América, que se torna um produto básico da alimentação das diversas populações agrícolas do continente africano, posteriormente. Estes grupos agricultores estavam então mais suscetíveis à fome que outras populações, uma vez que a seca prolongada ou chuvas intensas significavam perda de seus cultivos. Para assegurar a alimentação da comunidade, muitos povos realizavam a estocagem de alimentos assim como o controle da densidade populacional. Os povos pescadores eram os mais sedentários de todos os citados. Seus deslocamentos eram sazonais e dependiam da variação pluviométrica, do volume de águas que abasteciam os rios e das variações climáticas que afetavam os regimes de marés. Suas principais formas de deslocamento eram por barcos, que correspondiam a meios baratos e asseguravam o comércio com outros povos (VANSINA, 2010). Apesar das questões econômicas impulsionarem os deslocamentos populacionais, elas não eram as únicas causas para que acontecessem. O crescimento da mortalidade, conflitos e necessidades de defesa também eram causa de mobilidade. Além destes deslocamentos coletivos, o deslocamento de indivíduos também ocorria, como, por exemplo, o deslocamento de mulheres que se casavam com homens de outras comunidades, escravos, reféns, mercadores, feiticeiros e caçadores circulavam muito entre grupos. Mas de longe, o maior deslocamento 149

humano ocorrido na África foi aquele após 1660, quando inúmeros escravos foram enviados para as Américas (VANSINA, 2010). Destes movimentos populacionais humanos supracitados, internos no continente africano ocorridos entre 1500 e 1800, todos eram habituais. Entretanto, havia aqueles que ocorriam de súbito. Eram as migrações por diáspora, descontínuas e que faziam estabelecer partes do grupo em locais distintos. Além da diáspora, havia também as migrações em massa, em bandos ou por elites que possuíam impulsos distintos. Mas, antes de mencionarmos cada uma dessas migrações, é importante afirmar que as populações agricultoras jamais mobilizaram-se normalmente dentro de seu território por fome ou epidemia, ficando este movimento impulsionado pelas migrações. Outra questão que também deve estar clara é a expulsão de povos de seu território por outros povos, como causa de mobilidade. Os conflitos, quando ocorriam, causavam os processos de migração, caso contrário, era frequente a fusão de partes das sociedades que entravam em conflito, ou ainda, o surgimento de outras dentro deste processo (VANSINA, 2010). As migrações por diáspora têm por origem o comércio ou a peregrinação. Muitos povos fundaram feitorias ou grupos de feitorias, sejam nos litorais, rotas por terra e ao longo de pontos estratégicos fluviais destinados ao comércio. Outras diásporas ocorriam por peregrinações religiosas, como aquelas para a Meca, realizadas pelo grupo Takruri. Originários da África Ocidental, estabeleceram povoados em suas antigas rotas de comércio das peregrinações. Se muitas dessas migrações por diáspora começaram antes de 1500, durante o período de colonização europeia elas se intensificaram. Foram atribuídos novos aspectos ao domínio dos territórios para estes povos que migravam, as negociações e principalmente a troca de produtos com os povos invasores tornaram-se causa e muitas vezes necessidade de deslocamento. As migrações em bando também se intensificaram, de maneira que grupos de guerreiros ou caçadores que já praticavam esse tipo de deslocamento, passaram a construir sociedades separadas ou paralelas àquelas que eram originários (VANSINA, 2010). Entre 1500 e 1800, o crescimento demográfico não implicou grandes mudanças da totalidade organizacional das comunidades africanas. Foram as novas técnicas de exploração do solo, as novas redes de comércio e o surgimento de novos Estados e núcleos populacionais, com diferentes formas de organização, e o tráfico de escravos que significaram grandes mudanças sociais e culturais. Estima-se que só para o Brasil foram capturados e enviados 4.029,8 milhões escravos entre os anos de 1551 e 1860 (CURTIN, 1969 apud ALENCASTRO, 2000, p. 69). Se por um lado, foi um período que trouxe consequências violentas e mudanças bruscas nas organizações econômicas, políticas e socioculturais, foi também um período em 150

que muitas comunidades entraram em contato com uma maior variedade de informações, línguas e produtos das culturas europeias, asiáticas e americanas. Os povos africanos conheceram alimentos como figo, abacaxi, goiaba, mamão, laranja, melão, pepino, batata-doce, limão, milho, pimenta, abóbora, tomate, cebola, alho e amendoim. Destes, somente o milho se tornou base alimentar, compondo um tripé sustentado pelo inhame, arroz e cana de açúcar, que já eram originários da terra. Os outros gêneros alimentícios foram introduzidos no continente, tendo uma demanda de produção e consumo europeus. Animais como carneiros, cabras e bovinos forneceram carne, leite e adubo para essa nova dinâmica organizacional socioeconômica (BHILA, 2010). Entre a década de 1880 até o início do século XX, o continente africano foi marcado pela conquista e ocupação de quase todo o seu território pelas potências imperialistas, acirrando o domínio colonial que já ocorria desde o século XVI. De acordo com Boahen (2010, p. 3), “Nessa época, aliás, a África não é assaltada apenas na sua soberania e na sua independência, mas também em seus valores culturais”. Ocorre o fim do tráfico negreiro, mas por outro lado há a intensificação das ideologias colonialistas europeias para a manutenção do poder e militarização das populações indígenas. Entre 1880 e 1914 inicia o processo de Partilha da África pelas nações industrializadas europeias, que em busca da manutenção do domínio econômico imperialista, militarizando a população nativa para a subdivisão de fronteiras que ficariam em posse dessas nações europeias. Mas, como consequência, é dado início às resistências gerais ao domínio colonialista (UZOIGWE, 2010). A partir de 1889, houve diversas rebeliões, greves e protestos contra os governos coloniais, realizados pelos povos indígenas e não indígenas em busca de valorização e autonomia política, havendo nas décadas seguintes o surgimento de movimentos anticoloniais (BOAHEN, 2010). Retomando a História da Alimentação africana, sobre este período de 1880 a 1930, Caldwell (2010) afirma que nas regiões onde houve tráfico negreiro, não houve impactos demográficos importantes após os quinhentos anos de comércio humano. Isso porque os grupos locais souberam se reorganizar mediante a violência e as mudanças bruscas. Uma das possíveis estratégias foi o aumento de casamentos poligâmicos, de mulheres com vários homens de uma mesma família. E a outra estratégia foi a de substituir a agricultura intensiva pela agricultura extensiva, reabitando “áreas vazias”. Um exame atento e recente sobre os regimes alimentares africanos indica a mandioca como o cultivo mais difundido no litoral da Costa do Marfim à Angola. Isto porque as exportações de mandioca contribuíram para alavancar a economia do Brasil e da África. No Rio de Janeiro na virada do século XVI para o XVII, a venda da farinha de mandioca originária 151

do trabalho compulsório dos indígenas brasileiros liberava capitais para a compra de escravos. Além disto, nos tumbeiros, a mandioca constituía um importante alimento para os marinheiros e africanos. A cada escravo eram dados 1,8 litros de mandioca por dia, porção dada aos índios remadores da Amazônia seiscentista, o que provavelmente correspondia a um padrão compulsório alimentar implantado pelos portugueses. Ela era a ração negreira, que contribuiu para assentar o comércio transatlântico, diminuir a mortalidade e para adaptar o africano a alimentação brasileira. Substituiu o biscoito de trigo europeu, o inhame africano e permitiu o reforço da alimentação dos guerreiros que contribuíam com o tráfico, aumentando a área de captura. Até o início do século XIX o Brasil continua exportando mandioca para a África, destinada principalmente para as viagens de volta dos navios negreiros para o Brasil (ALENCASTRO, 2000). Em segundo lugar está a cultura do milho, desde Angola atingindo uma vasta extensão da África Oriental. Em Ruanda e Burundi predominam o feijão, a batata-doce, a mandioca e a batata americana. Apesar de estes produtos terem sido introduzidos após 1830 no Congo, Zande e Quênia, o domínio do processamento e uso só ocorreu ao final do século XX. No caso da mandioca, muitos africanos não sabiam eliminar as suas toxinas, havendo o uso deste tubérculo somente após a chegada dos afro-brasileiros à Guiné no século XIX, que ensinaram a fazer a farinha de mandioca (chamada de gari). Houve também mudanças no consumo de arroz. As variedades asiáticas suplantaram as variedades indígenas, principalmente no decorrer do século XIX e XX (CALDWELL, 2010). Há de se considerar também as culturas comerciais predominantes entre o século XIX e XX. Dentre elas está o algodão do Egito, o cravo-da índia de Zanzibar, o açúcar de Natal (atual cidade de KwaZulu Natal, localizada na região leste da África do Sul) e o amendoim do Senegal. Na Argélia havia colonos brancos que cultivavam e comercializavam trigo e vinho. Os produtos eram explorados e comercializados sem haver nenhuma regulamentação até pelo menos a Primeira Guerra Mundial (CALDWELL, 2010). A História da Alimentação na África ao final do século XIX e início do século XX é marcada também pelas intervenções internacionais, por meio de instituições governamentais que atuaram no continente para reduzir os índices de desnutrição e agir ante a insegurança alimentar. Neste momento, alguns estudos marcam os trabalhos produzidos sobre os hábitos alimentares na África, especialmente aqueles realizados pela antropóloga britânica Audrey Richards, sobre a Rodésia, atual Zimbábue, no início da década de 1930. Cinco anos depois, o governo inglês apresenta a primeira articulação formal entre nutricionistas e antropólogos, com o British International African Institute (Instituto Internacional Britânico na África), criando o 152

projeto Diet Committee (Comitê Dietético), no qual o grupo de pesquisadores atuaria nas colônias da África inglesa. Na época as intervenções foram bem-sucedidas temporariamente, uma vez que previam resoluções relacionadas com o foco apenas nas questões nutricionais, não buscando fatores outros, que seriam os causadores dos índices de desnutrição (LEITE, 2007). Nos anos 1940 é criado nos Estados Unidos o Committee on Food Habits (Comitê dos Hábitos Alimentares) pelo National Research Council (Conselho Nacional de Pesquisa), sendo composto por múltiplos profissionais das áreas da saúde, psicologia, economia, antropologia e sociologia. Realizaram diversas pesquisas regionais abrangendo inclusive as populações indígenas, com o objetivo de identificar as causas dos problemas alimentares e traçar estratégias para a resolução dos principais problemas. Foi o primeiro grande comitê que abrangeu toda a África, não se restringindo a áreas específicas como foi o caso do comitê britânico que elegeu apenas locais da colônia britânica (LEITE, 2007). A presença de organizações internacionais na África desde a década de 1940, que tinham por intuito o combate à fome, nos faz refletir sobre diversas medidas relacionadas às políticas socioeconômicas impostas pelos países desenvolvidos aos vários países africanos, desde o período seiscentista. Estas organizações que foram compostas por pesquisadores e civis estrangeiros, conceituaram o que é pobreza, as medidas intervencionistas para a melhoria da qualidade de vida e para a retirada das populações da insegurança alimentar, sem considerar o fator histórico e cultural que o colonialismo impôs. Ao violentar as organizações socioeconômicas e culturais dos povos indígenas africanos desde o século XV, que mantinham formas de suprir a sua alimentação e conheciam o meio ambiente com suas epistemologias próprias, começaram haver desestruturações que levaram a morte e inanição os vários povos colonizados em décadas mais recentes. Seriam a fome e a pobreza parte do cotidiano dos indígenas antes da colonização? O que indicam historiadores é que, a fome e a pobreza estariam dentro das consequências da instalação da colonização europeia no continente africano. O estabelecimento de hierarquias raciais e sociais, imposição do capitalismo e da religião cristã como orientação para o domínio europeu sobre a África, América e todo sul global, ocasionou o surgimento de diversos problemas, desestruturando e ignorando conhecimentos milenares. Em 1945, este comitê lança o Manual for the Study of food habits: a report of the Committee on Food Habits (Manual de estudos sobre os hábitos alimentares: relatório do Comitê dos Hábitos Alimentares), coordenado pela antropóloga Margaret Mead (Pensilvânia, 1901 – Nova Iorque, 1978). Neste, as questões biológicas saem do primeiro plano das investigações e entra no quadro geral, interagindo com outros aspectos socioculturais. Mas é somente na década de 1980, com a pesquisadora Mary Douglas (Sanremo, 1921 – Londres, 153

2007), que este quadro efetivamente toma forma, havendo subsidio para a realização de pesquisas que tratem de questões sociais relacionadas à alimentação que não envolvam diretamente questões biológicas e nutricionais em seu objetivo maior. Nos anos que se sucederam até meados da década de 1990, não houve muitas mudanças de perspectivas nas pesquisas e trabalhos direcionados à alimentação na África (LEITE, 2007). Muitos povos indígenas do continente africanos, na atualidade, ainda estão envoltos em uma atmosfera de dominação política comercial ocidental. Ainda lutam pela manutenção de seus territórios, seus saberes e seus modos de fazer. Enfrentam situações de desapropriação de seus territórios pelas próprias instituições públicas, calamidades na saúde e baixo acesso à educação (GARCIA-FALCES, 2007). Apesar de todos os movimentos adversos, continuam resistindo.

2.1.3 - Referências e publicações sobre alimentação indígena africana na atualidade

A partir da década de 1990, houve publicações de livros e alguns artigos acerca da alimentação indígena na África que contemplaram principalmente três grandes áreas do conhecimento: agronomia e biotecnologia, nutrição e antropologia. As abordagens sobre o tema também foram várias, de maneira que houve destaque para os estudos voltados à fermentação, produção de grãos, manejamento de plantas e pesca, e no âmbito cultural, estudos sobre tabus, restrições alimentares e insegurança alimentar. Destas publicações, a mais antiga é o livro African Food Systems in Crisis: Microperspectives (Sistemas alimentares africanos em crise: Microperspectivas), editado por Rebecca Huss-Ashmore e por Solomon H. Katz, publicado em 1989, pela editora Gordon and Breach Science Publishers S.A. Neste, há uma coletânea de artigos no qual os autores se propõem a discutir, por meio da perspectiva antropológica, os principais problemas alimentares e sociais enfrentados no continente, como a fome, a vulnerabilidade à seca e a ausência de políticas alimentares voltadas para as populações indígenas. É um livro que se propõe por meio da interdisciplinaridade de conhecimentos levar informações e levantar possíveis soluções às crises alimentares africanas. Além deste, um segundo volume foi lançado pelos mesmos autores no ano de 1990. Em African Food Systems in Crisis: Contending with change (Sistemas alimentares africanos em crise: contendo com mudanças), as discussões anteriores são 154

retomadas tendo em vista a proposta de estratégias para solucionar a situação de insegurança alimentar. Dois anos após esta publicação, é lançado o livro The Indigenous Fermented Foods of the Sudan: A study in african food and nutrition (A Alimentação indígena fermentada do Sudão: um estudo da alimentação africana e nutrição), escrito por Hamid A. Dirar, em 1993, publicado pela editora CAB Internacional. Possui como principal objetivo ajudar as pessoas pobres e as populações indígenas a usar seus conhecimentos próprios sobre alimentos e agricultura, oferecendo uma perspectiva de sustentabilidade a longo prazo sem que haja a necessidade de soluções externas. Por meio de uma compilação sobre os alimentos fermentados na África, com ênfase nas bebidas, o autor associa as informações textuais com informações orais, obtidas com mulheres idosas que vivem nas zonas rurais, uma vez que estas mulheres mantêm viva a tradição alimentar indígena de geração em geração. Este discurso que visa a valorização dos conhecimentos tradicionais por meio de perspectivas descolonizadoras passa a ser presente sobretudo após a Guerra Fria, na década de 1990, quando intelectuais africanos formados nas universidades locais africanas dão início a novas correntes de pensamento de forma a valorizar o nacionalismo histórico africano29. A partir de então, conhecimentos e saberes locais passam a ganhar força perante uma história eurocentrada. Os saberes voltados à alimentação passam a expressar cada vez mais a importância de valorização e de uma práxis dos conhecimentos pautados nas cosmologias indígenas e a fragilidade de instituir sistemas outros que não compreendem as relações ser humano-natureza locais. A produção e subsistência alimentar das populações nativas surge principalmente após medidas e iniciativas coordenadas pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação). Em 1960, a FAO reuniu (e ainda reúne) organizações civis e governamentais financiadoras dos projetos tendo por intuito o combate à fome por meio da implementação de novas biotecnologias e sustentabilidade para vários países da África, Ásia e América. Este projeto recebeu o nome de “Revolução Verde”. Ao contrário do esperado, a instalação deste ao longo de pelo menos duas décadas falhou, aumentando a fome e o subdesenvolvimento, causando danos ambientais (erosões e baixos níveis de água dos lençóis freáticos que eram drenados para as lavouras), aumentando o protecionismo de mercados monocultores, acentuando a divisão social entre agricultores ricos e pobres e prejudicando a fauna e a flora locais com a presença das sementes transgênicas, entre outros danos. Assim,

29 “Escola de Nacionalismo Histórico” corresponde a uma das correntes de pensamento presentes na década de 1990, fundada por intelectuais africanos como uma forma de tomada de poder da historiografia nacional (LOPES, 1995 apud BRITO, 2015, p. 26). 155

iniciativas voltadas para o uso de conhecimentos locais sem a intervenção externa tornam-se temas mais recorrentes na literatura africana, ainda sim, de forma tímida. No ano de 1996, o livro Indigenous Knowledge and its uses in Southern Africa (Conhecimentos indígenas e seus usos no sul da África), editado por Hans Normann, Ina Snyman e Morris Cohen, é publicado pela Human Sciences Research Council (Conselho de Pesquisa das Ciências Humanas). É um livro que reúne diversos artigos relacionados à nutrição e saúde das populações do sul do continente africano, como por exemplo, reúne dados referentes ao conhecimento sobre as plantas e os valores bioculturais da medicina tradicional indígena. A valorização dos conhecimentos nativos é também trabalhada nos anos seguintes, havendo em 2002 a publicação do artigo Value of Consuming Indigenous Foods in Africa (Valor de Consumo da alimentação indígena na África), escrito por Ketiwe Chikowe. Neste, a autora discute o potencial alimentar indígena africano usando os próprios conhecimentos destas populações. Dá destaque e defende a importância desta alimentação como portadora de grandes valores nutricionais e econômicos. Valoriza-o como conhecimento para solucionar a crise alimentar e a insegurança decorrente desta, pelas diversas populações indígenas. Essa perspectiva se torna cada vez mais presente, rejeitando a “inferioridade africana” (LOPES, 1995) e construindo uma “superioridade africana” (Ibdem, 1995), tendo como fim a crítica e a inversão da lógica colonialialista.

Figura 13 – Livros que tratam sobre a temática da alimentação indígena na África. Fonte: Google books.

O reencontro com o tema da alimentação indígena africana ocorre em 2015, com estudos recentes acerca da segurança alimentar. No artigo Indigenous food security revival strategies at the village level: The gender fator implications (Segurança alimentar indígena renascendo de estratégias no nível de aldeia: as implicações dos fatores de gênero), os autores 156

Wilfred Lunga e Charles Musarurwa se propõem apresentar os resultados baseados nas estratégias alimentares adotadas no Zimbabue para a segurança alimentar, baseada em estratégias antigas de distribuição alimentar por um chefe de aldeias. O artigo nos convida a pensar na importância desta estrutura e de que maneira as políticas colonialistas contribuíram para desmoronar esta forma milenar de economia e sustentabilidade, causando calamidades que se estendem à atualidade. Na edição de agosto de 2015, da revista National Geographic, há a publicação do artigo Lake Turkana (Lago Turkana), por Neil Shea e Randy Olson, no qual demonstram com imagens e informações jornalísticas as formas de relação das populações indígenas ao redor do Lago Turkana, com o meio ambiente, de maneira sustentável, em convivência com a fome dos lugares vizinhos, promovida pelo sistema global capitalista. É possível notar a mudança de posicionamento e perspectiva relacionada às abordagens e aos objetivos das obras aos longos das últimas duas décadas. Aquelas produzidas no início dos anos 1990, feitas por pesquisadores americanos e europeus, trabalhavam sob um viés antropológico apresentando soluções externas para os problemas envoltos à fome e à insegurança alimentar das populações indígenas. Nos anos seguintes, escritores africanos iniciaram as suas próprias publicações, buscando uma nova perspectiva para o problema, enfatizando as soluções com medidas internas, por meio da valorização dos saberes indígenas. Tal ênfase em valorização, reconhecimento e autonomia relacionados às formas de fazer e conhecer são colocados frente às políticas públicas ocidentais, que são ineficientes, marcando os problemas trazidos pelo colonialismo. De forma muito semelhante, esta perspectiva também começa a despontar nas literaturas sobre os povos indígenas no México somente nos anos 2000, após o reconhecimento dos saberes e fazeres alimentares indígenas e patrimonialização da sua cozinha tradicional em 2005, pela UNESCO. E, mesmo após este marco, a literatura sobre os diversos povos indígenas mexicanos continua pulverizada de subalternizações e invisibilizações.

157

2.2 - HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO INDÍGENA NO MÉXICO

Figura 14 - Pedra de moedura na cozinha tradicional mexicana. Fonte: UNESCO, 2010.

Se na África os povos indígenas são considerados invisíveis, no México não é muito diferente. Diversas populações tiveram suas culturas subvalorizadas e massacradas pelos poderes coloniais dominantes com a chegada dos europeus. Mesmo assim, resistiram a violências diversas e chegam ao momento atual buscando cada vez mais o seu reconhecimento e valorização de suas culturas. O legado indígena mexicano é amplo e, quando se trata de alimentação, é repleto de diversidade. A seguir, iniciaremos a descrição de um breve panorama das questões indígenas atuais no México, suas problemáticas relacionadas à identidade e a relação das populações com os poderes públicos dominantes, a alimentação pré-hispânica e o seu legado que recentemente transforma-se em patrimônio imaterial do México.

2.2.1 - Povos indígenas no México

De acordo com Linares (2008), quando se trata de povos indígenas no México, frequentemente os próprios mexicanos, em geral, possuem ideias errôneas e simplistas que os impede de conhecer e valorizar sua própria cultura. Estas ideias recebem muitas contribuições das leis e do governo mexicano, que têm definido pejorativamente os indígenas. 158

Apesar das instituições governamentais diversas utilizarem o termo “indígena” como “originário do país”, a denominação “índio” também é utilizada. Esta última é carregada de sentido negativo, pois o termo “índio” está relacionado a uma denominação dada pelos colonizadores espanhóis às populações presentes no território mexicano antes do século XVI, e por isto é carregado de estigmas sociais, significando atraso e pobreza. Além disto, os indígenas no México são considerados “minorias” sociais que se distinguem dos mestiços que constituem a maioria populacional. Tal situação contribui para a discriminação, pois coloca-os em uma posição inferiorizante por serem diferentes dos demais mexicanos (LINARES, 2008). No país existem mais de 62 grupos etnolinguísticos e que possuem grandes diferenças entre si, uma vez que suas tradições particulares conservam características específicas e ancestralidades diferenciadas. De acordo com Rivas e Diez (2014, p.1, tradução nossa), “em 2010 existiam no México 68 povos com 364 variantes de línguas indígenas, [...] o que posiciona o país dentre os que têm um maior número de línguas vivas”. As principais línguas faladas eram o nahuatl, o maya, o mixteco e o tseltal. Apesar disto, visões generalizadas sobre os indígenas mexicanos ainda geram a marginalização econômica e social destas populações, por defini-las como pessoas pobres, que vivem em comunidades rurais isoladas e atrasadas, e que tem migrado para as cidades para fazer serviços domésticos, manuais e para pedir esmolas nas ruas. Assim, os indígenas são conhecidos como grupo que precisa de ajuda e assistência constante da população das cidades, sendo então um problema que cabe aos não indígenas resolver. (LINARES, 2008). Pensar nos indígenas como vítimas significa negar a sua importância e identidade. Contudo, esta concepção ainda está na base de muitas políticas paternalistas que buscam auxiliar os indígenas com iniciativas externas e que muitas vezes não trazem resultados positivos, por não conhecerem as particularidades socioculturais destes povos. Quando não são vistos como vítimas, muitas vezes são vistos como “antepassados”, originários de gloriosas civilizações construtoras das pirâmides e monumentos importantes do país. Esta admiração não se estende aos povos do presente, e além disto congela-os no tempo. Outra visão que acaba por ter consequências negativas é a de que os indígenas são herdeiros legítimos das tradições pré-hispânicas e que devem conservar seus costumes e formas de viver, não podendo “perdê-la”, utilizando tecnologias atuais dos não-indígenas. Esta visão concebe o indígena como um ser passivo, ligado ao passado e que necessita de ajuda para preservar suas tradições. Desta forma, os povos são reduzidos a relíquias, sem chance de mudanças (LINARES, 2008). 159

O que temos na atualidade são populações que passaram pelas mais diversas mudanças, convivendo com outras culturas, levando-as a grandes transformações culturais. Ser indígena se tornou sinônimo de “[...] saber harmonizar a troca com a continuidade, a fidelidade e as tradições, com a capacidade de adaptação.” (LINARES, 2008, p.13, tradução nossa). Desde as últimas décadas, especificamente há 16 anos, o governo mexicano tem buscado definir quem são estes povos e quem são os seus membros. Buscou também estabelecer os seus direitos e quais políticas e instituições devem atendê-los. Já na primeira parte do segundo artigo da Constituição Política dos Estados Unidos Mexicanos de 1917, reformada em 2001, há a determinação de que o país tem uma composição pluricultural sustentada originalmente pelos povos indígenas, que são descendentes diretos das populações que já se encontravam antes da colonização no atual território, e que conservam suas próprias instituições sociais, econômicas, culturais e políticas. Portanto, a consciência da identidade indígena se tornou um critério fundamental para determinar a quem se aplicam as disposições legais. Este texto constitucional foi publicado em 14 de agosto de 2001 e define os indígenas como os descendentes das populações que já viviam em território mexicano antes de 1517. Capítulo I, Artigo 2º - A Nação Mexicana é única e indivisível. A Nação tem uma composição pluricultural sustentada originalmente em seus povos indígenas que são aqueles que descendem de populações que habitavam no território atual do país ao iniciar a colonização e que conservam suas próprias instituições sociais, econômicas, culturais e políticas ou parte delas. A consciência de sua identidade indígena deverá ser critério fundamental para determinar a quem se aplicam as disposições sobre os povos indígenas. São comunidades integrantes de um povo indígena, aquelas que formam uma unidade social, econômica e cultural, assentadas em um território e que reconhecem autoridades próprias de acordo com seus usos e costumes. O direito dos povos indígenas à livre determinação se exercerá em um marco constitucional de autonomia, que assegure a unidade nacional. O reconhecimento dos povos e comunidades indígenas se fará nas constituições e leis das entidades federativas, as que deverão tomar em conta, ademais os princípios gerais estabelecidos nos parágrafos anteriores a este artigo, critérios etnolinguísticos e de assentamento físico (CONSTITUIÇÃO..., 2008, tradução nossa).

A Constituição foi debatida para restringir o uso da terminologia “indígena”, chegando ao consenso de que se aplicaria àqueles que conservam total ou parcialmente as culturas indígenas e que fossem identificados por uma comunidade como pertencentes a ela. Mesmo que na Constituição não fizesse menção sobre outras formas de identificação, os indígenas foram e ainda são identificados e classificados pelo idioma que falam. Durante várias décadas este foi o critério dos censos e estatísticas governamentais para dizer quem são os indígenas. 160

Para além do governo, outras instituições tratam das questões indígenas no México, como o Instituto Nacional Indigenista (INI), estabelecido a partir de 1948, proporcionando a muitas comunidades os serviços de saúde, assistência técnica e educacional. No ano de 2003, o INI se transforma em Comissão Nacional para o Desenvolvimento dos Povos Indígenas (CDI), incorporando em seus objetivos e ações, as particularidades culturais e sociais das comunidades, além de criar um Conselho Consultivo formado por membros indígenas, o que permitiu voltar mais as atenções às demandas e necessidades dos povos. Como a própria instituição afirmou: Esta instituição surgiu como filial do Instituto Indigenista Interamericano e teve personalidade jurídica própria. Seus fundadores foram Alfonso Caso Andrade, Gonzalo Aguirre Beltrán e Julio de la Fuente. Em 5 de julho de 2003 entrou em vigor o decreto que se expediu a Lei da Comissão Nacional para o Desenvolvimento dos Povos Indígenas e se anulou a Lei de criação do Instituto Nacional Indigenista. Com ela se iniciou o processo de construção de uma nova instituição, a partir da personalidade jurídica, patrimônio e pessoal do INI, com atribuições para a coordenação e a avaliação da ação pública que beneficia aos povos e comunidades indígenas (COMISSÃO..., 2012, tradução nossa).

Esta instituição, até meados da década de 1970, tinha por objetivo e intenção a integração dos indígenas à vida nacional, quando na década de 1980, as novas políticas públicas pautadas no fortalecimento da identidade nacional iniciam um novo momento, voltado à valorização da cultura indígena e enfrentamento da desigualdade social. Os próprios indígenas tiveram um importante papel nessa guinada de ações em prol da valorização dos povos. Outra instituição governamental que tem envolvido os povos indígenas na atualidade é a Secretaria de Educação Pública (SEP), que desde o início do século XX tem assistido às populações indígenas unicamente em espanhol. No início do século XXI, graças às propostas dos professores indígenas, o governo iniciou uma educação indígena bilíngue. Isto fez com que a educação voltada para os indígenas tomasse outra denominação, a de ser “intercultural”, incluindo os conteúdos em sala de aula de maneira adequada ao aprendizado, seguindo as necessidades e demandas de cada povo. Além desta instituição, a Secretaria de Desenvolvimento Social e a Secretaria da Saúde têm desenvolvido na atualidade, programas e ações voltadas especialmente para as populações indígenas (LINARES, 2008). Não apenas as leis e o governo mexicano definem quem é e quem não é indígena, os próprios indígenas se definem e se identificam como pertencentes a uma comunidade ou a um povo. É uma identificação individual, porém coletiva, pois se há indígenas é porque existem comunidades indígenas. Em momentos como a festa do santo padroeiro, as cerimonias públicas, as lutas políticas pela defesa da propriedade e para a resolução de outros conflitos com o 161

governo, surge e se constrói a identidade étnica “indígena”, como força identitária formada em coletividade. É importante também mencionar que as identidades indígenas na atualidade passam por um complexo sistema de transformação. Os povos têm passado por mudanças econômicas, políticas e sociais nas últimas décadas buscando novas formas de se reorganizar. E, como parte dessa busca, surgem maior participação política dos indígenas nas lutas e causas sociais, maior produção literária, artística e participação de lideranças, muitas delas graduadas nas universidades mexicanas (LINARES, 2008).

Quadro 14 – População indígena distribuída por povos, no México, senso 2010

Fonte: CDI (Comissão Nacional para o Desenvolvimento dos Povos Indígenas), 2012, p. 38.

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No que se refere à alimentação, na atualidade, não se pode afirmar que a grande maioria dos indígenas se dedica à agricultura, como ocorria no passado. Milhares deles vivem nas cidades e se dedicam a outras atividades como modo de subsistência, apesar da existência de povos que praticam a agricultura tradicional, produzindo cultígenos a partir de seus conhecimentos, com uso de técnicas milenares. Além da produção destinada à subsistência, a alimentação produzida pela agricultura é destinada aos ritos tradicionais voltados aos espíritos, como fazem os povos chichimecas, ao norte, os mayas na Península de Yucatán e os nahua, na área central mexicana. Em grande parte destes ritos o milho ou a agave são oferecidos aos espíritos como agradecimento pela colheita e como pedido para bonanças no ano seguinte. Diversos autores se dedicaram a partir da Antropologia da alimentação, da Arqueologia e da História, para o estudo e documentação destas e de outras manifestações relacionadas à alimentação indígena, desde o início da década de 1990. Um tema que tem sido muito explorado recentemente corresponde à patrimonialização dos alimentos indígenas e mestiços do México. Tal tema virou ponto de discussão desde a declaração realizada pela UNESCO, no ano de 2005, de que a Cozinha tradicional do México e o milho eram, a partir daquele momento, Patrimônio Imaterial Nacional. As políticas públicas voltadas à proteção imaterial destes alimentos, saberes e fazeres entraram em conflito com as políticas voltadas para o turismo e exploração comercial e gastronômica principalmente nas áreas urbanas. Nas áreas rurais a luta é pela manutenção das “milpas30” e áreas de plantio tradicional e contra as empresas monocultoras, que produzem milho e outros cultígenos transgênicos e monopolizam o mercado. Por toda diversidade cultural e étnica, pela maior participação política e pela maior participação intelectual dos indígenas, as diversas manifestações e lutas das populações têm se convertido cada vez mais em uma discussão contemporânea, impactando as adversidades e se instrumentalizando em direitos efetivos. Tendo em vista estas e outras questões que abrangem a alimentação indígena, descreveremos a seguir uma breve história e as principais perspectivas relacionadas a ela.

30 De acordo com Torres (2007), milpa corresponde a um agrossistema, um lugar para o cultivo do milho em associação com diversas plantas (como feijão, abóbora e verduras), dentro de interações e princípios ecológicos que se dão dentro dele mesmo. Como exemplo, podemos citar o processo de polinização e o de proteção contra fungos e larvas, que o sistema de milpa proporciona para cada um destes cultígenos citados. 163

2.2.2 - Breve História da Alimentação no México

Não se sabe ao certo quando a História da Alimentação do México tem sua trajetória iniciada, uma vez que a chegada das populações humanas à América “é um dos temas mais debatidos e polêmicos da arqueologia americana”, segundo Lima (2006, p. 78). Para a maioria dos pesquisadores é admitida a procedência asiática das populações que teriam entrado no continente americano pela região do Estreito de Bering há aproximadamente 12 mil anos antes do presente (±12.000AP). Mas para outros é admitida a via marítima, transpacíficas ou transatlânticas, na qual a imigração humana teria ocorrido bem antes de 12 mil anos atrás, havendo alguns arqueólogos que admitem a presença humana no continente americano há mais de 100 mil anos Antes do Presente (LIMA, 2006) e outros há 40 mil anos Antes do Presente (ROMÁN; AJEDA-GRANADO; PANDURO, 2013). Em meio ao dissenso, diversas pesquisas e datações têm buscado, nas últimas décadas, alcançar informações que possam dissolver a polêmica. No México atual, os vestígios de ocupação humana mais antigos são datados de 11.500 anos AP. Corresponde a sítios de matança e descarnamento de caça de grande porte, onde aparecem ossos de megafauna extinta e sofisticados equipamentos de rocha destinados a captura e processamento da caça. Um dos mais antigos achados corresponde a pontas de projétil denominadas pontas Clóvis31, assim nomeada por terem sido encontradas próximas à localidade de Clóvis, no Novo México, hoje parte do território estadunidense (LIMA, 2006). O que se presume é que estas populações, que chegaram em várias ondas migratórias, praticavam a caça e a coleta como forma de subsistência e, logo que se distribuíram pelos diversos ecossistemas do espaço americano, reconheceram e iniciaram o manejamento ambiental de diversas formas, adaptando-se ao ambiente e fazendo-o adaptar-se às suas técnicas e tecnologias. Diferenças no manejamento ambiental surgiram, assim como diferenças na linguagem e organização social, havendo culturas diferentes emergindo em um largo espaço (LINARES, 2008; ROMÁN; AJEDA-GRANADO; PANDURO, 2013).

31 Gostaríamos de ressaltar que há um conjunto de artigos publicados em periódicos americanos e franceses, sobretudo, a partir de 2014, que vem decididamente construindo um quadro mais antigo de ocupação no Brasil e na América, indicando a data de aproximadamente 40 mil anos AP, para o início da ocupação humana nas Américas. Depois de décadas de debates, dados empíricos obtidos a partir de estudos de vários sítios arqueológicos localizados na Serra da Capivara – PI, Serra das Araras - MT e em outros países como Chile, Argentina e Uruguai, começam a soterrar o modelo Clovis. Apesar desses estudos serem ainda pouco publicados no Brasil, são de amplo conhecimento na área arqueológica. Ver Vialou et al. (2017), Lourdeau (2019) e Clemente-Conte (2020). Na presente pesquisa optamos por descrever o modelo Clóvis sem desconsiderar a existência dos dados das pesquisas mais recentes e os novos modelos de ocupação humana nas Américas. 164

Estas diferenças se fizeram menos marcadas entre 10 mil e 7 mil anos AP, momento em que os povos começaram a domesticar a flora e a fauna local. Começam a cultivar plantas como o milho (produto da transformação genética do teosinto), a abóbora, a pimenta, o abacate e o feijão. Domesticam o peru, o veado, a iguana, insetos diversos além de crustáceos lacustres, principalmente ao sul do território mexicano. Ao Norte, domesticaram a fauna e a flora desérticas, como o nopal, o manguey e a algaroba. Os primeiros povos se estabeleceram em aldeias e sedentarizaram-se, enquanto outros permaneceram nômades. A falta de chuvas para a produção agrícola e as diferentes organizações do espaço, proporcionaram a continuidade das atividades de caça e de coleta. Desta diferença de ocupação territorial, surge a distinção de povos conhecidos como Mesoamericanos e Aridoamericanos, classificação esta realizada por historiadores em períodos recentes. Esta classificação, apesar de auxiliar nos estudos para melhor conhecê-los, por um lado, por outro, ela é resultado da imposição da racionalização ocidental, que tem por fim organizar os conhecimentos e saberes, dividir os povos e classificá- los. Esse processo camufla as identidades, as formas de expressão e particularidades. Apesar desta perspectiva começar a prevalecer entre muitos pesquisadores no período atual, a divisão entre povos Mesoamericanos e Aridoamericanos ainda é largamente usada. E, em se tratando de alimentação, os escritos existentes ainda contemplam esta organização. Desta maneira, a seguir, descreveremos, buscando desvelar um pouco da História da Alimentação pré-hispânica no México, as influências e violências ocorridas durante o processo colonizador, seus resultados e consequências na ocultação e subalternização de saberes.

2.2.2.1 - Povos da Aridoamérica e Mesoamérica

É na região da Aridoamérica que os povos conhecidos como Chichimecas (termo pejorativo asteca para denominar povos incivilizados e bárbaros) se assentaram durante o período pré-colonial. Contudo, grande parte deles foi extinta durante o período de invasão espanhola no século XVI, dos quais podemos citar os Guachichiles, Caxcanes, Zacatecos, Tecuxes e Guamares. Os Chichimecas atuais são aqueles que se aliaram ou resistiram durante todo o período colonial à dominação espanhola e permaneceram em seus territórios. Possuem descendentes que são conhecidos como Coras, Otomis, Chichimecas Jonés, Mayos, Huicholes ou Wixárikas, Panes, Yaques e Tepehuanos. Habitam os atuais estados mexicanos de Coahuila, 165

Guanajuato, Aguascalientes, Hidalgo, San Luis Potosí e Norte de Jalisco (ROMÁN; AJEDA- GRANADO; PANDURO, 2013). Praticavam a caça e a coleta como modo de subsistência no meio árido, entre os desertos de Altar e Coahuila, em Sonora, ou sobreviviam às baixas temperaturas dos bosques de Sierra Madre. Desenvolveram tecnologias que permitiram aproveitar ao máximo as fontes de água e os alimentos, muito escassos em determinadas épocas do ano. A mobilidade pelo território era grande, por isso desenvolveram organizações políticas menos centralizadas, fazendo surgir em certas regiões, formas de organização mais coletivas e igualitárias do que as existentes ao sul (LINARES, 2008). Em áreas do sudoeste dos Estados Unidos e do extremo norte do México viviam povos, há aproximadamente 2 mil anos a.C., que souberam articular a sua sobrevivência com as intermitências pluviais. Perceberam que nesta área era possível praticar a agricultura, podendo inclusive ser plantados o milho e outros cultígenos oriundos de povos mesoamericanos. Desenvolveram inclusive formas de organização semelhantes às cidades do Sul nos aspectos religioso e agrícola. Estas populações também foram denominadas de Oasisamericanas (LINARES, 2008). De acordo com Padilla (2013), muitos povos da região atual de Ocampo aprenderam a aproveitar os recursos que à simples vista não se vê. Especificamente em El Cóporo, arqueólogos identificaram a presença humana a partir da alimentação dos povos que lá habitavam. Foram encontradas evidências de nopal, tuna, flor de yucca (flor oriunda de uma planta suculenta do gênero Yucca elephantipes), lenha para fogueira, vestígios de caça de coelho, veado e de peru silvestre. Todos alimentos procedentes dos antigos Chichimecas. Antes da ocupação espanhola, existiam bosques que se estendiam em planícies, havendo poucas chuvas para favorecer as atividades agrícolas. Nos sítios arqueológicos foram encontradas como evidências botânicas provenientes de coleta humana, as sementes de erva- de-santa-maria (Dysphania ambrosioides), huauzontle (família do Chenopodium), tomates (Physalis), beldroega (Portulaca), amaranto (Amanathus), bisnaga (Mammillaria) e tuna (Opuntia). Além destas, foram encontradas evidências de maguey (uma das espécies de agave), que aparecem inclusive em motivos decorativos de peças cerâmicas. Desta última planta era obtido o quiote (o “palmito” retirado do caule da planta), o aguamiel (seiva que fica armazenada no centro do manguey) e o pulque (bebida fermentada e sagrada utilizada em rituais). Dos cultivos agrícolas, cinco se destacam: o tomatillo, o milho, o feijão, a pimenta e a abóbora. Da fauna se destacam o veado, o javali, o coelho, a lebre, os ratos, os patos, os gansos, as serpentes, as lagartixas e as diversas aves (PADILLA, 2013). 166

As comidas Chichimecas eram feitas, provavelmente, a partir desta flora e fauna locais, sendo produzidas até os dias atuais pelos seus descendentes. Da tuna, fazia-se um “queijo” (mais parecido com uma geleia) e licor; das vargens da alfarroba seca, fazia-se farinha e preparavam-se pães. A caça de patos era realizada usando como isca uma abóbora oca, que flutuava sobre as águas dos lagos; e a pesca de peixes era feita bloqueando o oxigênio das águas quando se espremia uma erva a qual intoxicava e tornava fácil a captura destes. Os veados eram atraídos para as armadilhas com o uso da cabeça de outro veado, sendo logo abatido com o uso do arco e da flecha. Uma vez obtida a caça, eram as mulheres as responsáveis pelo seu preparo, havendo algumas peças que eram consumidas cruas ou semi assadas (PADILLA, 2013). Esta estratégia de caça nos faz lembrar os relatos feitos por Sérgio Buarque de Holanda (1994) a respeito das estratégias utilizadas pelos indígenas brasileiros para a captura de veados em áreas de floresta. Do mesmo modo que os Chichimecas atraiam a sua caça “disfarçando-se” de outro veado, os povos Matapí do noroeste amazônico coloriam seus corpos e imitavam os sons emitidos pelo animal para atrair o restante do bando. Esta estratégia seria a mais eficiente, inclusive após a chegada das armas europeias. As flechas indígenas não tinham menor alcance que um arcabuz ou escopeta e além disto elas não emitiam ruídos, fogo ou fumaça que denunciassem o atirador, fazendo com que os indígenas derrubassem vários animais antes que fugissem. De acordo com Holanda (1994, p. 62), “enquanto o português equilibrava seu grande arcabuz e ajeitava-o para atirar a próxima flecha, o indígena já havia atirado 5 ou 6 no seu alvo”. Toda esta estratégia vai ao encontro da perspectiva da relação ecológica entre os povos e o seu meio, de maneira que: Entre nossos indígenas e sertanejos, os laços que unem o homem ao mundo ou ambiente são bem mais estreitos do que tudo quanto pode alcançar nossa imaginação. A própria arte com que sabem copiar os movimentos, os gestos, as vozes dos animais da selva, não significa, neles, uma simples mímica; é antes o fruto de uma comunhão assídua com a vida íntima da natureza (HOLANDA, 1994, p. 67-68). Interpretar o céu, as árvores, as aves e os animais se faz questão de vida ou morte. Os rastros indicam a acuidade dos sentidos que ultrapassa qualquer linha de raciocínio, os indígenas não precisam segui-lo constantemente para obter uma constatação segura, podem alcançar a presa cortando caminho (HOLANDA, 1994, p. 68 apud WHIFFEN, 1915, p. 107).

E esta relação com o meio que é parte do conhecimento indígena chega ao colonizador europeu de maneira que este último toma para ele a chancela de ser conhecedor e superioridade na caça, se apossando de métodos e técnicas do primeiro. Transforma a compreensão indígena do meio em poder e superioridade próprios, ocultando a fonte real deste conhecimento. 167

Uma outra estratégia indígena, que possui grandes relações com o meio ambiente em que vivem, corresponde às rotas de fuga. Durante o período colonial, os Chichimecas se escondiam entre as plantas de nopal para fugir dos ataques espanhóis. Depois de alguns dias sitiados, com o excesso de calor e falta de água, os espanhóis acreditavam que todos os indígenas estivessem mortos, e iam embora. Contudo, não imaginavam que os Chichimecas estavam bem servidos de alimentos. Com grande variedade de tunas consumiam queijo de tuna, com as alfarrobas faziam farinha e pão, e com os coelhos e ratos consumiam carne e supriam- se da proteína que precisavam por longos períodos. Ainda hoje em El Cóporo muitas dessas comidas são consumidas, principalmente em momentos festivos (PADILLA, 2013). A chegada do colonizador não afetou somente a região norte, mas toda a região central e leste principalmente. Na região central do México, também conhecida como Vale do México ou Mesoamérica, viviam povos como os Nahuatles que deram origem aos Toltecas, Tepanecas, Acolhuas, Tlaxcaltecas, Xachimilcas e Astecas (formado a partir da derrota dos Toltecas e pela associação dos Tepanecas com Acolhuas, na atualidade são conhecidos como Mexicas). Registros da presença destes povos, desde 2.500 anos a.C., permitem afirmar que construíram as primeiras cidades e os primeiros governos centralizados, que cobravam tributos aos camponeses em troca de proteção política, militar e religiosa. Era uma sociedade predominantemente militar, sua propriedade econômica e seu prestígio eram baseados na força de suas armas. É provável que nela, todos os homens eram guerreiros, pois não havia exército permanente, sua hierarquia era baseada nas honras e recompensas militares. O fim último da guerra era a cobrança de tributos aos camponeses (em geral alimentos e artesanatos), a captura de prisioneiros para sacrifícios e honrarias aos deuses e deusas (MELLO, 1961; LINARES, 2008; ROMÁN; AJEDA-GRANADO; PANDURO, 2013). O que nos chama atenção nesta sociedade, além da distribuição das pessoas por grupos sociais e a sua belicosidade, que exercia o controle social, é a forma como organizavam-se em termos alimentares. Os altos funcionários eram os cobradores de impostos e administradores civis das comunidades conquistadas pelo exército Asteca. Obrigavam os camponeses a cultivarem as terras (muitas vezes dadas pelo próprio governo Asteca logo após o casamento), fornecerem grãos e suprimentos alimentares em intervalos fixos de tempo. Caso houvesse intempéries que prejudicassem a produção agrícola, o governo Asteca enviava suprimentos alimentares guardados nos celeiros públicos: “Em caso de escassez de alimentos, com ordem do soberano, excluía a província de pagamentos de impostos e mandava franquear os celeiros públicos para distribuir víveres à população” (MELLO, 1961, p. 292). Em períodos sem 168

escassez, normalmente estes camponeses produziam suprimentos como o milho, o cacau, criavam galinhas e forneciam ovos, colhiam sal e produziam mantas e roupas. Mas a alimentação não ficava somente a cargo dos camponeses, era também parte da vida dos comerciantes. Mello (1961) menciona que o Frei Bernardino de Sahagún, já durante o período Cortesiano, no século XVI, escreveu relatos sobre o funcionamento do comércio das cidades Astecas: Nos mercados, ruas, havia uma multidão de homens e mulheres que se ocupavam do comércio. Camponeses vendiam verduras, milho, aves; outros panos, sandálias, bebidas e peles; pescadores vendiam peixes, rãs, crustáceos do lago; mulheres ofereciam guisados e comida (MELLO, 1961, p. 294, tradução nossa).

Apesar de toda essa efervescência do comércio, estes não eram os verdadeiros comerciantes. Os comerciantes eram aqueles que tinham poderosas organizações e monopólio do comércio exterior, com caravanas que iam do Vale do México até a Costa do Golfo do México ou Províncias do Pacífico. Preferiam viver no anonimato e dissimular poucos lucros para não serem saqueados. Além de todos estes grupos sociais, havia os escravos. Eram homens e mulheres que cometiam crimes ou possuíam vícios. O Frei Sahagún, ao descrever os escravos na sociedade Asteca, equivoca-se ao mencionar que eram os prisioneiros de guerra. Apesar de ambos, escravos e prisioneiros de guerra, serem destinados ao sacrifício aos deuses, não possuíam a mesma condição social. Os escravos eram aqueles que tinham cometido crimes de traição ao governo, homicídio, furto ou contraído altas dívidas, enquanto os prisioneiros de guerra eram “guardados” em jaulas ou mesmo eram obrigados a lavorar terras até o dia do sacrifício (MELLO, 1961). Como se observa, a sociedade Asteca foi bem documentada em sua organização e funcionamento, tanto por relatos de cronistas e padres durante a invasão espanhola no século XVI, quanto por pesquisadores que, ao final do século XIX, iniciam suas pesquisas arqueológicas e históricas para compreendê-los melhor. Mas é somente ao final do século XX que pesquisas mais apuradas sobre sua paleodieta começam a despontar, demonstrando o consumo alimentar e as doenças que predominavam por grupos sociais (BENÍTEZ, 2001). Para além das questões políticas e militares, a alimentação na Mesoamérica estava diretamente ligada à religião, antes da chegada de Fernando Cortes, e permanece até os dias de hoje. Sem sombra de dúvida, um dos alimentos mais importantes para a subsistência dos vários povos mexicanos era o milho. Tanto que foram identificados pelos pesquisadores alguns deuses Astecas e Mayas que simbolizavam o milho e sua fertilidade. Em certa medida, a história de ocupação na área central mexicana, a domesticação do milho e a religião se complementam. 169

De acordo com Torres (2007), foram encontradas claras evidencias de que os habitantes da Mesoamérica, há aproximadamente 3.500 a. C. cultivavam milho e eram sedentários. O processo de domesticação desta planta proporcionou o florescimento de grandes civilizações urbanas, as quais deram lugar a um corpo de crenças. Inclusive, “pode-se dizer que o deus do milho nasceu com a mesma civilização mesoamericana e que é uma das representações mais constantes.” (AUSTIN, 1994, p. 19 apud TORRES, 2007, p. 54). A este deus32 são atribuídos a fertilidade e o nascimento dos seres humanos e das civilizações, sendo progenitor do cosmos e ordenador do tempo e do espaço. Frequentemente é representado com traços antropomorfos e felinos, com olhos amendoados, adornos com sementes de milho e sabugos em várias partes da cabeça, pintado em vasilhames cerâmicos ou em máscaras de jade. O milho é a primeira deidade cujo corpo - formado a partir de uma massa de milho, sangue de anta e de serpente -, se converte em alimento sagrado. Sendo de grande importância para a sobrevivência e manutenção das cidades, quase todos os rituais e cerimônias que tinham como fim o cultivo do milho, eram dirigidos ao deus do milho, à deusa das sementes e ao deus da chuva. Tais manifestações estavam vinculadas ao calendário, que agregava o rito aos deuses e o ciclo agrícola. Eram um total de 18 meses, divididos em 20 dias cada um, sobrando 5 dias ao final de 365 dias, que encerravam o ano. Todos os deuses recebiam cultos especiais, tanto de forma individual quanto coletiva, pelos camponeses em suas casas e pelos governantes em áreas públicas (TORRES, 2007). Em seus altares individuais, ofereciam com frequência à deusa das “sementes”, Chicomecoatl (também chamada de sete serpentes, mãe do deus milho), flores, tortilhas, rãs assadas, caule do milho e grãos de milho. Nos ritos públicos, em frente a uma imagem de pedra de Chicomecoatl, eram deixados sabugos de milho e colocavam uma outra imagem da deusa feita de amaranto moído, para quem se ofertava milho, feijão e pimentas. Havia outros ritos destinados à fertilidade e boa produção agrícola, como os realizados para a deusa Xilomen (milho jovem e novo), no qual uma moça virgem se vestia como a deusa, recebia oferendas como sementes, sabugos, pimentas, abóboras, amaranto, legumes, frutas e flores, em frente ao altar da deusa, sendo adorada como a “imagem viva” desta. Após a adoração da “deusa”, era

32 Em uma das inscrições em Palenque se registrou, por volta de 3.114 a.C., o nascimento de Hun Nal Ye, “a semente de milho”. Ele é associado ao herói mítico Hun Hunahpú do mito Quiché, Popol Vuh. É bem provável que a semente de milho, seu nascimento e crescimento estivessem associados à metáfora fundamental sobre o enterro e renascimento. Quando um governante morria, vestiam-no com máscara de jade e plumas da ave quetzal, que simbolizavam o deus milho, vestido assim o governante poderia atravessar o infra mundo e renascer (TORRES, 2007).

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cortada a cabeça da moça e seu sangue que tocava as oferendas simbolizava a fertilidade e as benesses para o ano (TORRES, 2007). Na atualidade, entre muitos povos indígenas há vários seres sobrenaturais, não sendo cultuados mais como deuses, mas sim como espíritos, tais como o espírito do milho, que possui várias denominações segundo a região: Dhipak, Chicomexochitl, Tepilziltin e Centiopil. Normalmente são caracterizados como meninos, meninas ou mulheres (TORRES, 2007). A Península de Yucatán, área central do México que adentra o oceano Atlântico, também foi local de habitação de vários povos pré-hispânicos. O mais antigo deles é o povo Olmeca, que habitou entre 1500 a.C. a 400 a.C. a península e provavelmente deu origem a outras civilizações, como os Mixtecas e os Mayas, que floresceram e decaíram antes da chegada dos espanhóis. De todos estes povos e locais de ocupação, a Mesoamérica foi a região que mais se destacou em termos de produção agrícola, sendo atribuídas a ela as origens da culinária mexicana atual. Algumas evidências arqueológicas e registros do período pré-colonial indicam a diversidade de frutas, frutos e grãos originários dela. Gaona e Cuevas (2012) afirmam que no mundo pré-hispânico a tortilha, o milho, a pimenta chile, o feijão, o peru, o chocolate, o tomate e outras frutas compuseram a base da dieta indígena por longo período. Algumas evidências que datam de aproximadamente 5 mil anos indicam que a pimenta chile e o amaranto já eram semeadas pelos povos Maya, Tarasco e Huichole. Inclusive, algumas histórias mitológicas corroboram com a antiguidade do plantio destes vegetais. Por exemplo, entre os Mayas existia a crença de que as tunas (“pera” espinhosa) que nascem dos cactos nopal são vermelhas porque são oriundas do sacrifício de Coppel, herói mítico de quem extraíram o coração para jogar na lagoa onde posteriormente nasceria o tunal (GAONA; CUEVAS, 2012).

Figura 15 - Mulher Tarasco, com seus filhos, seleciona tomatillos. Fonte: HERRERO, 2010. Figura 16 - Mulher Huichole produz artesanato. Fonte: ENCICLOPAEDIA BRITANNICA, 2016.

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Outras frutas como a ata não possuem histórias mitológicas, mas teriam dado origem a uma grande variedade de espécies, assim como o mamey e o sapote. A famosa pimenta chile, presente até hoje na alimentação de muitos mexicanos, teria sido cultivada desde pelos menos 2 mil anos atrás entre os Mayas. Dos animais mais consumidos por esse grupo estavam o veado, a tartaruga, o caranguejo e os peixes. Mas a base da alimentação era o milho. Tamanha era a importância deste último que as crenças sobre as origens da criação Maya estavam diretamente relacionadas a ele: De fato, o milho é parte da lenda de criação do mundo material maia e quiché, já que de Pan-Paxil e Pan-Cayalá (que eram senhores das regiões de Paxil e Cayalá) brotaram o milho amarelo e o milho branco, respectivamente, ensinando os homens a darem origem à agricultura (MÉXICO, 1974, p. 208 apud GAONA; CUEVAS, 2012, p. 33, tradução nossa).

Há indícios também, neste mesmo período, de que o povo Huichole, na área centro oeste mexicana, não praticava agricultura. Sua principal forma de subsistência era a caça de veados, coelhos e outros roedores e pássaros, usando o arco e flecha para a captura. Colhiam e consumiam também produtos oriundos do cacto nopal e do manguey. Já entre os Tarascos, a dieta era baseada em pescados e na carne de veado (GAONA; CUEVAS, 2012). A bebida alcoólica ritual largamente conhecida como octli ou pulque é de preparo e uso religioso dos povos Nahuatles (que deram origem aos Astecas e atuais Mexicas), que habitaram o Vale do México entre 1.325 a.C. e 1.521 a.C. De acordo com Mazzetto e Moragas (2015), o octli consistia em uma bebida embriagante por excelência, feita do suco fermentado do agave. O seu consumo era estritamente regrado podendo ser realizado somente em momentos festivos. Alguns pesquisadores como Eduard Seles, Oswaldo Gonçalves Lima, Dominique Fournier, Henry Nicholson e Guilhem Olivier têm buscado compreender os usos do octli durante o período pré-colonial, colonial e atual. Em geral o octli era oferecido aos deuses das montanhas e só era consumido quando havia o encerramento de um tempo festivo. Mazzeto e Moragas (2015) dão destaque para o “octli azul” feito com o uso de uma flor azulada, a Camellina pálida, também chamada de “quesadilla” ou “erva do galo” (por ter propriedades hemostáticas e ser usada para cicatrizar as feridas na pele dos galos). O octli que possuía essa cor era considerado o mais divino, uma vez que o “céu” mítico Asteca era feito de águas, portanto, beber esse octli era como beber um fluido onde estavam os deuses. Ainda hoje algumas comunidades fazem oferendas aos espíritos e o consome em momentos festivos. Na atualidade, além do octli, outras técnicas de preparo de alimentos de origem Asteca são realizadas. Inclusive, muitas delas são supervalorizadas em grandes restaurantes por serem sofisticadas e consideradas iguarias. É o caso da barbacoa, que tem como base a carne de veado 172

assada sobre a folha de manguey, ambas depositadas em uma cavidade no solo, feita para este fim. Há de se notar, novamente, que esta técnica é muito semelhante a que muitos indígenas brasileiros utilizam para assar suas caças. Outro alimento que foi de grande importância para as populações mesoamericanas foi o chocolate, oriundo diretamente da semente do cacau. Possuía valor monetário mais do que nutricional. Na atualidade permaneceu sendo valorizado, tanto monetaria quanto nutricionalmente, e muito comercializado pelas indústrias para fins diversos. No geral a cozinha indígena era livre de gorduras e mesmo as carnes de caça, que tendem a apresentar uma camada mais espessa de gordura, eram assadas, o que leva a redução do tecido adiposo da caça apresentando baixo índice de colesterol para o consumo (GAONA; CUEVAS, 2012). Quando os espanhóis chegaram ao México em 1517, invadiram grande parte das terras mesoamericanas, mudando radicalmente a vida e consequentemente a alimentação dos povos que lá viviam. E, sem dúvida, a adição de carboidratos e açúcares na dieta, além dos modos de preparo dos alimentos foi imposta passando a ser praticada largamente em períodos posteriores, como no final do século XVII. No centro, a invasão foi rápida, pois muitos povos como os Tlaxcaltecas e Xachimilcas se aliaram aos colonizadores europeus para derrotarem os Astecas, que eram povos poderosos e exerciam controle sobre os primeiros. Posteriormente, os mesmos povos que auxiliaram na derrota dos Astecas, auxiliaram na derrota das populações de Michoacán, Oaxaca, Chiapas e Yucatán, além das regiões da Guatemala. Fizeram o mesmo com as regiões da Aridoamérica e Oasisamérica (GAONA; CUEVAS, 2012). A forma como os espanhóis encontraram de manter os indígenas subordinados e inferiorizados foi mantê-los integrados à produção e ao trabalho a favor da Coroa Espanhola. Eram obrigados a trabalhar e pagar tributos, além de verem suas terras saqueadas e suas riquezas mandadas para longe. Eram dominados política e economicamente e viam que ocorria o mesmo com suas religiões, obrigados a se converter ao catolicismo, deixando suas crenças, em favor de proteção e privilégios oferecidos pelos colonizadores (GAONA; CUEVAS, 2012). No âmbito da alimentação, as trocas interculturais foram intensas. Animais como vacas, porcos, ovelhas, cavalos e burros se tornaram fonte de alimento e de deslocamento. Além destes, cultígenos como o trigo e o arroz foram incorporados à dieta indígena (LINARES, 2008). De maneira geral, os relatos feitos pelos espanhóis não mencionavam a culinária dos povos indígenas, seus processos e formas de produção, mas mencionavam a forma de plantio e consumo. Fernando Cortes, Frei Bernardino de Sahagún e Bernal Díaz deixaram em suas cartas, algumas menções sobre a alimentação dos povos que dominaram (GAONA; CUEVAS, 2012). 173

Há relatos que indicam quais eram as comidas cotidianas e quais eram as especiais. Frei Bernardino descreve as comidas especiais Astecas em dias de calor, afirmando que alguns homens subiam o monte Popocatépetl e desciam com neve, que era adoçada com mel e feita uma bebida, servida como refresco aos nobres. Em um outro relato, Fernando Cortes conta a Carlos V acerca da existência de um grande mercado, onde hoje é a cidade do México, indicando a circulação intensa de pessoas, “mais de trinta mil almas”, que comercializavam pão, aves, caça, peixes e legumes. Menciona também os banquetes da realeza Asteca, especificamente o cardápio de Montezuma II, no qual havia diversas aves, tais como peru, faisão, perdiz da terra, codorna, pato, pássaros e pombas; havia também veados, porcos da terra, lebres e coelhos. Comiam também frutas diversas e bebiam chocolate (GAONA; CUEVAS, 2012, p. 36). Frei Bernardino fala sobre as tortilhas feitas de milho, as quais ele considerou o pão Asteca, que a maioria das pessoas comiam acompanhada de galinha assada ou cozida e pimenta chile. De acordo com Román, Ajeda-Granado e Panduro (2013), o arroz, o grão de bico, a vargem, a lentilha, a maçã, a laranja, o melão e a pera foram introduzidos no México pelos europeus, neste mesmo momento de ocupação. Nas rotas de comércio e áreas de circulação de pessoas se tornou comum a instalação de bancas e vendas de comidas, organizadas pelos colonizadores, que, observando o comércio frutífero já existente, aproveitaram para se instalar em terras mexicanas. Em 1678 houve uma proliferação destas vendas de comidas pelos colonos, de maneira que, no centro de Zócalo, onde hoje é a Praça da Constituição na Cidade do México, existiam pequenos restaurantes, onde eram vendidos: frango guisado ou assado, pimentas chile , chalupa (uma espécie de tortilha) frita na manteiga com linguiça, feijões em pequenas caçarolas com chicharrón (que podemos traduzir por pururuca) e pimenta chile, além de carnes com verduras, rabanete, pimentas e vinagre em escabeche, acompanhada de porções de chile, com fatias de abacate, e ainda, tomates peneirados com manteiga (GAONA; CUEVAS, 2012). Em períodos posteriores33, começa a haver a misturas de sabores e temperos, fazendo surgir pratos mestiços, como o mole e o chocolate. Inventados em conventos e mosteiros implantados no século XVIII, onde padres misturavam canela, cravo ao abacate, fazendo um molho para acompanhar outras refeições, o qual recebeu o nome de mole ou em português,

33 É importante lembrar que neste subitem o nosso foco temporal concentrou-se entre o período pré-colonial até o início do século XVII, quando a miscigenação de técnicas alimentares ainda não era larga e quando a alimentação indígena seguia outros critérios de relação com o meio ambiente. O que não quer dizer que a alimentação durante os séculos XVIII a XIX tenha sido menos elementar para pensarmos na História da Alimentação indígena mexicana. Para este último momento histórico nosso foco se deslocou para uma breve análise do processo de ocultação dos saberes indígenas em prol da construção de uma identidade nacional. 174

molho. É atribuída aos sacerdotes a invenção do chocolate como conhecemos hoje, uma mistura das sementes de cacau com leite e açúcar (GAONA; CUEVAS, 2012). Os padres e freiras também produziam nos mosteiros e conventos, manteiga de porco, azeite de oliva e “vinho” destilado do agave, além de introduzir na culinária as ervas asiáticas (ROMÁN; AJEDA- GRANADO; PANDURO, 2013). Não muito longe dos mosteiros e dos núcleos populacionais urbanos que se formavam, estavam as fazendas dos colonos, nas quais os senhores espanhóis e suas famílias realizavam o plantio do milho, do trigo, da tuna e praticavam a pecuária. Tinha seus próprios moinhos e destilarias e quase todos os produtos eram destinados ao comércio se não ao consumo. Foram nestas mesmas fazendas que muitos indígenas, subjugados desde o século XVI pelo poder colonial, eram explorados como peões. Nestes locais sua alimentação tinha como base o feijão, o arroz, o milho e a pimenta, e em algumas fazendas mais abastadas era suprida por leite e carne. Em dias festivos faziam frango ao mole, chocolate, chá, mezcal (destilado do agave), tequila (destilado do agave com processamento duplo) e pulque (destilado do agave manguey). Neste momento, a alimentação tanto de descendente de europeus quanto de descendente de indígenas era miscigenada, apresentando características próprias de um cardápio que, em sua grande parte, foi marcado por alimentos da terra e preparados com uso de conhecimentos nativos. Foram os indígenas que alimentaram os espanhóis em períodos coloniais e continuaram a alimentá-los em períodos posteriores, plantando e cultivando suas lavouras, e pastoreando seu gado.

Figura 17 - Tuna, fruto do cacto nopal. Figura 18 – Agave azul utilizada na produção de bebidas destiladas. Fonte: NANZI, 2011.

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2.2.2.2 - Alimentação no período Republicano

O processo de independência do México, em 1810, trouxe mudanças significativas para a vida da grande maioria dos indígenas. Em termos políticos houve a retirada de todos os indígenas de suas terras, pois perderam o direito sobre elas após o fim do governo colonial. Além disto, o governo mexicano impulsionou a língua espanhola como língua oficial, instituindo que toda educação (livros, oficinas do governo e outros instrumentos) deveria empregá-la exclusivamente. Esta política linguística discriminava mais da metade da população mexicana, excluindo-a e agredindo-a em suas identidades étnicas. Intensificou-se o que o antropólogo Bonfil (1990 apud LINARES, 2008, p. 39) denominou de “desindianização”, que obrigava e convencia milhões de pessoas a abandonarem suas culturas e identidades. Muitos indígenas foram levados para oficinas do governo para aprender um ofício e encorpar a massa de trabalhadores urbanos. Até mesmo nas estatísticas oficiais os indígenas foram obrigados a ocultar suas identidades, tendo que se identificar como mestiços, pois isto beneficiaria a economia do país que receberia mais investimentos das indústrias internacionais, se houvesse menos indígenas “atrasando” a nação (LINARES, 2008). Foi somente em 1917 que houve a reelaboração do texto constitucional mexicano34, incluindo leis que declaravam o direito dos indígenas às terras comunitárias e à restituição das mesmas para aqueles povos que as perderam no início do século XIX. Neste momento, ocorrem mudanças não apenas político-territoriais, como também identitárias. A maioria dos indivíduos e seus descendentes, que tinham se declarado mestiça um século atrás, volta a se declarar indígena. O acesso às terras permitiu que houvesse a melhora na condição social, cultural, identitária e de subsistência das famílias, de maneira que puderam recuperar a sua segurança alimentar. Apesar das mudanças terem sido positivas em diversos aspectos, alguns problemas resultantes das exclusões e explorações ainda permaneceram, assim como novos problemas

34 Em 31 de janeiro de 1917, houve mudanças no texto da Constituição Mexicana. Estas mudanças corresponderam ao reconhecimento das reivindicações e princípios que consolidaram a Revolução Mexicana, iniciada em 1910. Milhões de camponeses e indígenas levantaram-se contra a ditadura do Presidente Porfírio Díaz, que durou de 1876 a 1911, por terem sido despojados de suas terras coletivas conhecidas como ejidos, além da falta de liberdade de direitos de expressão, informação, livre circulação, de criação de associações, de livre manifestação religiosa; escravidão; trabalhos mal remunerados ou com exploração de menores; falta de moradias, saúde pública e outros problemas sociais. Apesar das mudanças constitucionais, as lutas e reivindicações não pararam após a sua promulgação. Esse clima de levante continua até, pelo menos, meados do século XX (PINHEIRO, 2006). Com este breve contexto histórico, não pretendemos aqui abranger todas as dimensões relativas à Revolução Mexicana, mas frisamos a sua crucial importância para mudanças na vida dos indígenas no início do século XX. 176

surgiram mesmo após as famílias retomarem suas terras. A produção agrícola, que antes era independente do governo, passa a ser dependente. As sementes, o adubo e a venda de excedentes dependem das indústrias e do comércio local. Além disso, a produção para a subsistência não supre todas as necessidades alimentares ou outras necessidades básicas, havendo muitos indígenas ainda se empregando nas cidades e nas áreas rurais para complementar a renda familiar. Na década de 1960, ocorreu um grande crescimento da agricultura familiar indígena, principalmente na produção de milho. Essa produção sustentava as famílias e permitia o ganho extra de dinheiro. Contudo, a intensidade deste plantio acabou por exaurir os solos e os insumos. Não tendo apoio do governo para a renovação dos recursos, diferentemente dos demais agricultores que plantavam visando à exportação, os agricultores indígenas sofreram uma lenta e gradativa queda em sua produção e consequentemente nos seus ganhos. Os produtos oriundos do campo acabaram ficando mais caros do que os de origem industrial, obrigando os indígenas mais uma vez a deixarem o campo e viverem nas cidades. Com essa crise, para aqueles que se mantiveram no campo, o governo incentivou o abandono da agricultura de subsistência do milho para a produção das culturas comerciais de café, tomate e frutas. Entretanto, a aceitação às mudanças implicou em danos mais sérios à subsistência, pois se tornaram dependentes do mercado. Somente nos anos noventa, quando o governo realizou mudanças nos preços de mercado para maior abertura comercial com outros países (principalmente com aqueles que vendiam milho mais barato), que os preços dos produtos agrícolas passaram a ser mais fixos. Foi iniciada a importação do milho mexicano a preços mais baratos, estabilizando a vida rural e a vida dos indígenas (LINARES, 2008). Apesar das várias mudanças, a agricultura de subsistência nunca deixou de existir. Muitos indígenas acreditavam que, se nos mercados os preços dos produtos estavam altos e havia pouco trabalho nas cidades, o melhor era plantar o milho e ter sempre o que comer. Muitos preservaram suas sementes nativas e seus conhecimentos sobre plantio e demais usos. Além da questão da subsistência, o milho sempre esteve relacionado à cosmovisão indígena, de maneira que a manutenção das dimensões culturais e sociais das comunidades era (e ainda é) interdependente do seu cultivo. Esta questão só tomou maior importância para o governo federal e para os não indígenas após o processo de patrimonialização das variedades de espécies de milho. No ano de 2005, a UNESCO reconheceu os saberes indígenas valorizando a produção local, comunitária e familiar. O milho e a cozinha tradicional mexicana passaram a ser considerados Patrimônio Imaterial Nacional. As manifestações de religiosidades, as histórias, os modos de fazer e todos 177

os saberes relacionados a este grão foram coletados e protegidos pela UNESCO, tomando como exemplo principal as práticas pré-coloniais vivas nas cozinhas de Michoacán, Oaxaca e Puebla (UNESCO, 2005). Essa ação foi de extrema importância para a valorização e o reconhecimento da culinária e modo de vida milenar indígena, que demonstrou resistência e força, uma vez que, mediante toda subalternização secular, a continuidade dos saberes orais passados de geração para geração foi possível. Especialmente no âmbito da culinária, a indubitável particularidade das origens dos ingredientes e a manutenção do seu preparo originaram um boom gastronômico, inclusive em escala mundial. A comida mexicana se tornou sinônimo de identidade nacional. Sobre esse ponto de vista é importante ressaltar que o processo de patrimonialização é uma via de ‘mão dupla’, pois o patrimônio imaterial alimentar é construído por uma estrutura de poder que determina o que é, e o que não é patrimônio; e, ao mesmo tempo, os indivíduos “remodelam- no” e ressignificam-no diariamente. Mesmo que o registro de informações e a classificação de determinado saber ou fazer não pretenda estagnar as relações do grupo para com as suas práticas, em razão do turismo e de uma sociedade de consumo, o patrimônio imaterial, quase sempre, torna-se sinônimo de espaço/lugar turístico, “petrificando” a imagem do passado ou daquele patrimônio imaterial. E no caso das “comidas típicas”, existe um consumo duplo: físico e ideológico cultural. Desta forma, o patrimônio acaba por tornar-se um elemento de consumo economicamente rentável para o Estado que se beneficia com esta política patrimonial. Para além do turismo, a indústria também se beneficia com esta patrimonialização. Na atualidade, o milho é matéria-prima para produção de inúmeros produtos, como açúcar, mel, dextrose, azeite, amido, colas e etanol. E o México é um dos maiores produtores mundiais destes produtos. É provável que, sem as populações da Mesoamérica, o milho não existiria, assim como não existiriam os diversos produtos derivados dele. As propagandas vinculadas à sua originalidade indígena impulsionam o comércio, mas invisibilizam o nativo na atualidade. Já com modificações genéticas produzidas pelas tecnologias modernas, o milho utilizado em larga escala pela indústria constitui hoje uma ameaça para as variedades nativas, pois mata suas populações. O milho indígena presente em diversas propriedades corre risco de sumir aos poucos. Ultimamente a introdução de milho transgênico no México tem afetado não só a produção da planta em seu lugar de origem, como tem contaminado as variedades originais e causado sua eventual perda e extinção. Tal situação se estende desde a década de 1990, quando os Estados Unidos iniciam a exportação do milho transgênico para o México, e, apesar da venda do grão assim como o seu plantio terem sido proibidos em 1992, os produtos oriundos do seu 178

beneficiamento ainda podem ser comercializados. Assim, o perigo potencial de contaminação genética é grande e, tendo em vista que o milho transgênico não convive com outras espécies nativas, o risco de extinção sobe (TORRES, 2007, p. 47, tradução nossa): Segundo dizem os experts, a agricultura transgênica não é sustentável. É uma receita para consolidar o maior controle das transnacionais sobre o sistema agroalimentar, escondendo várias companhias, minando a segurança alimentar e, por conseguinte, a soberania nacional, elevando a crise ambiental, aumentando a erosão genética de cultivos e engendrando impactos ecossistêmicos imprevisíveis. Os cultivos modificados geneticamente são ferramentas da agricultura industrial, não da agricultura sustentável. Os alimentos transgênicos não são nem mais baratos, nem mais saborosos, muito menos nutritivos ou saudáveis.

Para grande parte dos indígenas, a luta para que as transnacionais não consigam nenhum acordo para a produção de grãos transgênicos em território mexicano é grande. Abel Muñoz (2003, apud TORRES, 2007) afirma que ao produzir o milho, por séculos, o agricultor mesoamericano aplicou de forma prática as etapas fundamentais do que o Ocidente chamou de método científico; a seleção das espigas, das sementes e adaptação destas ao estrato ambiental na qual serão semeadas. Estas espécies nativas constituem patrimônio nacional e não podem ser extintas em prol do comércio internacional. Ademais, estas problemáticas vigentes na atualidade pressionam e movimentam as políticas nacionais, tornando-se, não apenas pontos de discussão voltados para a economia ou para o meio-ambiente, como pontos de discussão de políticas identitárias e transculturais, nas quais os povos indígenas se incluem.

2.2.3 - Referências e publicações sobre alimentação indígena mexicana na atualidade

As referências e publicações sobre alimentação indígena mexicana são tão antigas quanto a própria escrita nas sociedades mesoamericanas. Intensificaram-se com a chegada do colonizador, no século XVI e se tornaram documentos desde então. Fora os interesses econômicos relacionados à agricultura e os interesses do turismo nacional relacionados à exploração da culinária tradicional, alguns pesquisadores se interessaram por desenvolver narrativas sobre as origens da alimentação indígena. Os primeiros trabalhos realizados no México que buscaram desvelar a dieta dos povos pré-hispânicos foram realizados na década de 1970, especificamente no ano de 1977 pelo pesquisador S. A. Kowalewski, sob o título de Prehispanic Settlements Patterns of the Central 179

Part of the Valley of Oaxaca, México (Padrões de Assentamentos Pré-hispânicos da parte Central do Vale de Oaxaca, México), que buscou compreender de que maneira se organizavam os assentamentos indígenas em Oaxaca. Além dele, P. F. Saul realiza pesquisas voltadas para saúde e atividades ocupacionais do Astecas neste mesmo ano, sob o título The paleopathology of anemia em Mexico and Guatemala (A paleopatologia da anemia no México e na Guatemala). No ano seguinte, o pesquisador Francis Ivanhoe publica Diet and demography in Texcoco on the eve of the Spanish Conquest: a semiquantitative reconstruction from selected ethnohistorical texts (Dieta e demografia em Texcoco na véspera da Conquista Espanhola: uma reconstrução semi-quantitativa de textos etnohistóricos selecionados), na qual buscou compreender a dieta e a demografia da população texcocana durante a ocupação espanhola. Na década seguinte, no ano de 1985, Cohen, Armélogos, Martin e Goodman realizaram a pesquisa Skeletal pathologies as indicators of quality and quantity of diet (Patologias esqueléticas como indicadores de qualidade e quantidade de dieta) que buscou compreender o caráter epidemiológico populacional na relação que havia do indivíduo como parte do meio. Dois anos depois, Kent V. Flannery publica Guilá Naquitz, Archaic Foraging and Early Agriculture in Oaxaca, México (Guilá Naquitz, arqueologia forrageira e agricultura antiga em Oaxaca, México), demonstrando os resultados de suas investigações sobre o cotidiano dos povos de Guilá Naquitz, em Oaxaca, há 8.000 anos a.C. Já na década seguinte, em 1991, D. R. Brothwell desenvolveu a pesquisa On zoonoses and their relevance to paleopathology (Sobre as zoonoses e sua relevância para a paleopatologia), buscando compreender o funcionamento da saúde e partir das atividades ocupacionais dos povos mesoamericanos (BENÍTEZ, 2001). Na década que se segue, há um aumento nas publicações e obras que trabalham com o passado indígena, como as dos pesquisadores Nancy M. Farris, que escreve o livro Sociedad Maia bajo el dominio colonial (Sociedade Maia sob o domínio colonial), publicado em 1992; Alfredo López Austin e Leonardo López Luján, que escrevem El passado indígena (O passado indígena), publicado em 1996; James Lockhart escreve Los nahuas después de la conquista: historia social y cultural de los indios del México central, del siglo XVI al XVIII, publicado em 1999. Em meio a estas pesquisas, embaladas pelas tendências mundiais de busca pelas culinárias nacionais, e pelas políticas de saúde nacionais e internacionais, algumas obras se destacam na área de estudos da antropologia da alimentação. Dentre os pesquisadores José Inés Loredo Amando Farga, que escreve o livro Historia de la comida en México: mosaico multicolor del esplendor y grandeza de la gastronomía mexicana (História da comida no México: mosaico multicolorido do esplendor e grandeza da gastronomia mexicana), lançado em 1993; Jesús Flores e Escalante, que produzem o livro Brevísima historia de la comida 180

mexicana: la mesa phehispánica, mestiza y criolla en el entorno de la música (Brevíssima história da comida mexicana: a mesa pré-hispânica, mestiça e criola em torno da música), lançado no ano de 1994; Virginia Rodríguez Rivera, que escreve La comida en el México antiguo y moderno (A comida no México antigo e moderno), publicado em 1996; no ano de 1999, Castillo Aja publica Cocina Indígena y Popular de México (Cozinha Indígena e Popular do México), no qual o autor discute o consumo de insetos, verduras, milho, feijão e pimenta pelos povos mesoamericanos; em 2003, Janet Long coordena a organização do livro Conquista y comida: consecuencias del encuentro de dos mundos (Conquista e comida: consequências do encontro de dois mundos); Miriam Bertran Vilá escreve o livro Cambio alimentario e identidad de los indígenas mexicanos (Trocas alimentares e identidade dos indígenas mexicanos), publicado em 2005; um ano depois, o pesquisador Nieto Tarango publica a coleção Fiestas Populares de México (Festas Populares do México) trazendo conhecimentos sobre a cultura alimentar especifica de cada região do México. Recentemente as obras relacionas à gastronomia ganham maior impulso, trazendo a História da Alimentação como um conhecimento que permeia as próprias práticas. Além dos livros, os artigos científicos começam a alavancar a temática da alimentação indígena na década de 2000, principalmente após a patrimonialização da cozinha indígena mexicana pela UNESCO. Os escritos mais recentes estão relacionados às grandes áreas do conhecimento da agronomia, nutrição, antropologia e gastronomia e em todas elas há investigações que estão, de alguma maneira, relacionadas à segurança alimentar. Talvez pela existência de um legado científico que buscou resolver problemáticas relacionadas a esta questão no território mexicano. No ano de 2005, Molinar Palma desenvolve pesquisas sobre os povos Mazahuas e Otomis do Estado do México, publicadas pelo Conselho Nacional para a Cultura e as Artes do Instituto de Investigações Antropológicas, da Universidade Autônoma do México. Nestas pesquisas são discutidos o papel da mulher na vida doméstica, as festas patronais, a vida cotidiana das comunidades, o uso das plantas medicinais e alimentares, a cosmovisão e religião do Vale de Toluca e Temoaya, sob o título de Mujer otomí: la jornada interminable de una vida alfombradamente áspera (Mulher otomi: a jornada interminável de uma vida carregadamente áspera). Recentemente, no ano 2011, o artigo Impactos del conocimiento tecnológico sobre la disponibilidade alimentaria de campesinos indígenas em el sureste mexicano (Impactos do conhecimento tecnológico sobre a disponibilidade alimentar dos camponeses indígenas no sudeste mexicano), escrito por Orozco Cirilo et. al., propôs-se investigar o impacto das novas 181

tecnologias na produção agrícola das populações indígenas. E surpreendentemente o resultado demonstrou que, por mais que tecnologias sejam importantes, o conhecimento tradicional e a relação dos povos com o meio ambiente influenciam significativamente mais do que os novos processamentos e técnicas. No mesmo ano de 2011, Pérez-Gil, Paz e Romero produzem o artigo Cuerpo, imagen y saberes alimentarios em infantes oaxaqueños, México: un primer acercamiento (Corpo, imagem e saberes alimentares em crianças oaxaquenhas, México: primeira aproximação). Neste artigo, os autores se propõem realizar uma pesquisa no âmbito da antropologia da alimentação, buscando compreender a percepção corporal que as crianças entre oito e doze anos têm de si. E os resultados foram a associação do corpo com a noção de saúde relacionada às pessoas mais magras do que gordas, corroborando com a ideia de saúde divulgada pela mídia na atualidade. No ano de 2012, Osornio e Cisneros produzem La comida y su protocolo: sentido y significado de los modales de mesa entre los otomíes de la comunidade de San Gregorio Macapexco – México (A comida e seus protocolos: sentido e significado dos modos à mesa entre os otomos da comunidade de San Gregório Macapexco – México). Teve como principal objetivo investigar os costumes sobre a alimentação e o estatuto de comensalidade estabelecido a partir da patrimonialização cultural da alimentação indígena. Teve como resultado uma grande pluralidade de práticas, incluindo festividades e horários de trabalho da vida contemporânea. Em 2013, Román, Ojeda-Granado e Panduro escrevem o artigo Genética y evolución de la alimentación de la población em México (Genética e evolução da alimentação da população no México). Neste, os autores investigam o desenvolvimento da genética indígena, que se fez saudável e predominou durante séculos devido aos seus hábitos alimentares e propriedades nutricionais dos alimentos. Com os problemas recentes relacionados à saúde entre os indígenas, os autores decidem propor um retorno aos hábitos alimentares tradicionais como forma de precaução às doenças e melhoras na saúde. Em 2014, Pérez e Estrella produzem o artigo Percepción de la imagen corporal y prácticas alimentarias entre indígenas Maias de Yucatán, México (Percepção da imagem corporal e práticas alimentares entre os indígenas Maias de Yucatán, México). As autoras têm por objetivo buscar a percepção que os indígenas têm sobre o próprio corpo. E os resultados indicaram que tanto homens quanto mulheres se vêem como “gordos”, que corresponde à saúde e à beleza entre os povos Maias. Tal resultado mostrou a necessidade de estudos que englobem as questões sociais e culturais antes de qualquer intervenção nutricional. 182

A pesquisa mais recente foi publicada em 2015 e tem por título Simbolismo y uso litúrgico de algunas variedades de octli entre los antigos nahuas. Um primer acercamiento (Simbolismo e uso litúrgico de algumas variedades de octli entre os antigos nahuas. Primeira abordagem). Neste artigo, as autoras Mazzetto e Moragas buscam alicerçar por meio da antropologia e da história as causas da produção e do consumo do octli pelos povos localizados no Centro do México e sua ligação com a religião desde o período pós-clássico até a atualidade, uma vez que diversas festividades relacionadas ao consumo da bebida permanecem. Percebe-se, portanto, que as discussões que envolvem as festividades, o corpo, a saúde e a patrimonialização da cozinha nacional mexicana e do milho indígena são inúmeras e têm embalado grande parte das pesquisas recentes. Tal fato fez alavancar a área da antropologia cultural tendo como viés principal as pesquisas e preocupações com a política, a economia e as influências do turismo na construção identitária nacional. No âmbito da antropologia da alimentação as preocupações têm recaído sobre o impacto da alimentação industrializada nas comunidades locais e as principais mudanças ocorridas nelas, ligadas à saúde, saneamento e manifestações religiosas. Outra discussão recorrente nas últimas pesquisas corresponde às constantes pressões das transnacionais para a implementação da produção de milho transgênicos em solo mexicano, o que vai de encontro às políticas e soberania nacional, pela preservação do patrimônio genético e cultural populacional. Dentro desse panorama é válido lembrar que o nacionalismo mexicano frequentemente foi visto como um projeto de elite, como afirma Pilcher (2006), baseado nas informações antropológicas e históricas focadas na vida social rural da população camponesa e indígena. Somente nas últimas décadas, os investigadores começaram a identificar a participação popular na tarefa de construir o imaginário de nação e uma cozinha nacional. O autor lembra que essa ação é recente porque, até o século XIX, a preocupação maior das classes populares e dos povos indígenas era a defesa militar e as guerras intervencionistas que buscaram o reconhecimento identitário e o direito às terras. A partir de então, pensar uma culinária nacional passou a ser mais razoável. Foi nas esquinas, cantinas, bares e taquearias que surgiu um novo ambiente social, permitindo o aparecimento da “cozinha nacional”, de origem indígena e popular, mas construído e reforçado pelas elites para exploração comercial. Assim tem sido vendida uma ideia de cozinha nacional, bastante questionada dentro das últimas investigações. Esta mesma preocupação tem emergido nas investigações sobre a área de história e antropologia da alimentação, no Peru. Os questionamentos têm sido a respeito da busca incessante do governo e organizações públicas pelo título de patrimônio imaterial, ligado à 183

alimentação peruana. Teria como fim a valorização dos povos, saberes e fazeres indígenas, porém, por trás destes, estariam interesses econômicos. No subitem que se segue buscaremos demonstrar de que maneira segue essa problemática nas discussões acadêmicas que envolvem a política nacional do Peru voltada às questões da alimentação indígena.

2.3 - HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO INDÍGENA NO PERU

Figura 19 - Cecina com tacacho (em Quéchua “taka chu”, significa “golpeado”), prato de origem Quéchua feito com carne desidratada e bolinhos de banana, banha de porco, torresmo e pimenta charapita. Fonte: APEGA, 2009.

Para falarmos sobre alimentação indígena no Peru será preciso, como no caso dos outros lugares mencionados, conhecermos primeiramente a sua trajetória histórica, mesmo que de forma breve. Principalmente porque tratamos de populações que são originárias de grupos pré-coloniais, portanto, que possuem uma trajetória antiga de relação com o meio ambiente, trocas interculturais e que passaram por adaptações múltiplas em diversos períodos, nos quais ocorreram mudanças sociais, econômicas e políticas. Muitas delas invasivas e violentas. No período pré-colonial, havia diversos grupos indígenas que já possuíam relações de trocas comerciais e algumas relações conflitivas entre si. Estes exemplos demonstram que existiam organizações complexas entre sociedades e que, para a sobrevivência delas, houve inúmeras negociações e adaptações às mais diversas situações, desde intercâmbios entre povos, com era o caso dos povos Incas e dos povos amazônicos, até articulações políticas entre povos andinos. Os seus descendentes continuam a existir e a perpetuar estas relações, mesmo após a usurpação de suas riquezas pelos colonizadores europeus, mesmo após as matanças e as crises de epidemias nos séculos que se sucederam, mesmo após a tomada de seus territórios pelos 184

proprietários de terras no início do século XX e a tentativa de ocultação de suas identidades na atualidade. São povos que mesmo em meio à discriminação e à violência têm resistido e buscado seus direitos. Assim como no caso dos indígenas do México, no Peru a essência da culinária nacional é indígena, especificamente incaica ou quéchua, miscigenada com as culinárias espanhola e africana, em períodos posteriores. Fez-se, assim, nascer uma cozinha peruana que a partir de 2004 recebe grandes incentivos das companhias de comércio, sejam elas agrícolas, industriais ou turísticas. Se por um lado a culinária indígena é fonte de “orgulho nacional”, principalmente pelos discursos das instituições governamentais que ligam comida à identidade, por outro lado, os indígenas que foram transformados em “camponeses” foram invisibilizados. O que permanece é um orgulho pelos indígenas do passado, com suas belas construções e sabores que alimentaram a atual nação. Passaremos por uma breve história dos povos indígenas no Peru para conhecermos um pouco das relações políticas relacionadas a eles na atualidade e suas principais heranças culinárias e técnicas agrícolas, até chegarmos nas principais fontes e referências científicas das pesquisas mais recentes sobre estes povos.

2.3.1 - Povos indígenas no Peru

No ano de 2014, o então presidente do Peru, Ollanta Humala, proferiu um discurso em rede nacional a respeito dos problemas existentes na instalação de uma obra envolvendo os Ministérios do Meio Ambiente, de Minas e Energia e as atuais comunidades indígenas. Anunciou que iria cumprir a Lei de Consulta Prévia, na qual todas as comunidades da área que seriam impactadas deveriam se apresentar para discutir o apoio ou não a esta construção. Mas, no mesmo discurso, o então presidente declarou que não havia mais povos indígenas no Peru, principalmente nas áreas de Sierra e da Costa. Haveria apenas povos “isolados” do Amazonas. E estes, por estarem isolados, dificultavam o estabelecimento de contatos, até para cumprir os atuais requerimentos da Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) de 1989, que preveem a consulta aos povos originários sobre os usos de seu território e sua identidade. Alegou, ainda, que, se todos os cidadãos fossem consultados, quase todo o país seria indígena (REMY, 2014). 185

Após estas declarações, foram abertas discussões a respeito de quem são os indígenas no Peru atualmente. Pesquisadores e especialistas buscaram esclarecer esta visão errônea do presidente, que alastra e aumenta os preconceitos sociais no país. De acordo com Remy (2014), quando se discute hoje as legislações relacionadas aos indígenas, estamos discutindo direitos especiais. E dizer que, por terem suas próprias tradições, seus idiomas e se “isolarem”, não podem ser contatados, só reafirma uma política que marginaliza estes povos. E por isso mesmo eles devem cada vez mais defender seus direitos já reconhecidos pela OIT. Esta luta dos povos indígenas não é de agora, ela é muito antiga. Desde a chegada dos espanhóis na América que há conflitos, há lutas contra os diversos modos de domínio que os colonizadores submeteram às várias populações. Um dos maiores exemplos disto, logo após a invasão espanhola, foi a presença dos escritos de Felipe Guamán Poma de Ayala, a Primeira Nova Crônica e bom governo, escrito entre 1587-1615, destinado ao Rei Felipe III, no qual o autor demonstra a sua visão andina, tecendo críticas sobre o domínio imperial europeu. Descreve as injustiças feitas pelos espanhóis e narra como os povos Inca eram tratados com desrespeito, mesmo sendo um Império que tinha seus próprios deuses e modos de vida.

Figura 20 – Calendário agrícola incaico produzido por Felipe Guamán Poma de Ayala em Primeira Nova Crônica e Bom Governo (1587 – 1615)

Da esquerda para direita, a figura produzida por Felipe Guamán Poma de Ayala mostra o trabalho agrícola realizado pelos indígenas durante a dominação espanhola no Peru. Nesta há a representação do processo de 186

colocação de mudas e sementes no solo, para a produção de milho e batatas, destinadas à alimentação do clero, dos militares e dos indígenas agricultores, sendo este último explorado em seu trabalho; na figura da direita, o autor representa o processo de plantio de batatas pelos indígenas durante o mês de junho, quando há menos chuvas e umidade. Fonte: GUAMÁN POMA DE AYALA (1615, p. 449 e 461).

Na atualidade, segundo Remy (2014), há pelo menos duas grandes linhas de elaboração das identidades indígenas. Uma é a dos “indígenas coloniais” e a outra é a dos “indígenas de fronteira”. A primeira refere-se àqueles que foram integrados durante o regime colonial, e a segunda refere-se àqueles que não foram integrados e têm por território a floresta amazônica. E, a respeito destas duas linhas, é preciso sempre lembrar que o termo “indígena” foi inventado durante o período de colonização, no século XVI (REMY, 2014). Ou seja, corresponde a uma construção artificial utilizada para classificar e subalternizar os diversos povos nativos. Os “indígenas coloniais”, que eram parte do Tawantinsuyo, ou seja, do território que pertencia às várias nações que falavam o idioma quéchua, os Chumpiwilkas, Chankas e Collas, faziam parte do império Inca. Foram submetidos ao poder colonial, sendo cobrados tributos destinados à Coroa Espanhola, e, em troca, tinham o poder sobre suas terras. Assim, ainda eram reconhecidas sua autonomia e a autoridade do cacique. Quando começa a haver a implantação de uma legislação colonial, há continuidade desta forma de submissão dos indígenas. Continuam as cobranças de tributos em troca da manutenção de seus territórios. Em meados do século XVI, para que os padres não tivessem que aprender 17 idiomas diferentes para doutrinar os indígenas, foi imposta uma língua geral: o quéchua. Se “quechuiza” (REMY, 2014, p. 8) praticamente todo o território peruano. Em 1570, há outra mudança importante na vida dos indígenas: o Vice-rei Toledo cria os chamados “povos de redução”. Devido ao grande número de mortes (noventa por cento da população indígena principalmente da área da costa morre) 35, o Vice-rei decide reunir ou reduzir os indígenas dispersos colocando- os em “pueblos”, estabelecendo-os em áreas para que pudessem produzir de forma comunal e aumentar sua população para que pudessem pagar seus tributos. Dessa forma, foi criada uma sociedade indígena com território delimitado, reconhecido e protegido sob o comando do governo.

35 Cabe aqui uma observação importante. Um dos aspectos mais relevantes da colonização espânica e portuguesa foi a imposição da religião judáico cristã aos povos indígenas, sobretudo no século XVI, quando ocorreu a invasão dos territórios destes povos. Foi imposta pela Coroa Espanhola uma política de “extirpação de idolatrias” (VAIFAS, 1992), que tinha como prioridade acabar com as “crenças e costumes pagãos” dos indígenas. Muitos jesuítas e franciscanos utilizaram-se de todo o poder inquisitorial que tinham para catequisar e inquirir os indígenas, de modo que, em 1570 o vice-rei Toledo se encarrega de liquidar a religião popular no Peru. Foi realizada uma grande perseguição aos indígenas, ampliando a violência que já existia e aumentando significativamente o número de mortes. 187

Esta forma de organização permaneceu até o momento em que foi iniciada a República, em 1821. A partir de então, houve algumas trocas significativas nesta forma de organização territorial e das normativas de direitos dos indígenas. O Presidente Bolívar inicia um projeto para estabelecimento de uma cidadania única, na qual não existiriam diferenças: não haveria indígenas com status diferente de brancos, mestiços ou negros. Seriam todos iguais e, portanto, não teria mais a necessidade de cobrança de tributos. Contudo, oitenta por cento da renda do país vinham dos tributos pagos pelos indígenas, fazendo com que imediatamente após Bolívar sair do poder a cobrança de tributos voltasse a ocorrer. Tal situação continuou até 1851, quando o presidente Ramón Castilla decidiu acabar com as cobranças e romper com a continuidade colonial. A partir de então, as terras deixam de estar protegidas e os indígenas começam a ser pressionados para a venda de suas terras comunais, o que deu origem a mais um processo violento de tomada dos territórios dos indígenas (REMY, 2014). Com a expansão de fazendas sobre os antigos territórios dos indígenas, muitos se veem obrigados a trabalhar de maneira quase gratuita para fazendeiros. As cobranças de impostos realizadas pelas autoridades do governo eram excessivas, e quem mais sofria durante este processo eram os povos nativos explorados. As comunidades veem suas terras sendo quase completamente absorvidas pelas fazendas. Mais do que perderem seus territórios, os indígenas perdiam suas comunidades sendo obrigados a vender sua força de trabalho para conseguir pagar tributos. Muitos se tornam trabalhadores subordinados aos fazendeiros sendo considerados, após algum tempo, “camponeses” (REMY, 2014). No ano de 1920, durante o governo do presidente Augusto B. Leguía, em meio ao grande assédio dos fazendeiros aos indígenas, as comunidades realizaram uma série de levantes em defesa de seus direitos e de suas terras. Essa situação se somou à política presidencial que previa reformas modernizadoras no país. Entendia que o atraso da nação se dava devido à exploração da mão-de-obra dos indígenas pelos fazendeiros, que escravizavam milhares de trabalhadores que poderiam estar produzindo para o mercado (indústrias e outras grandes empresas). Possuíam claramente intenções comerciais e não intenções libertárias ou que favorecessem os direitos indígenas. O presidente, então, decide reconhecer legalmente a existência de comunidades indígenas. Contudo, as poucas comunidades que assim se declaravam anteriormente se mantêm, resultado do processo de ocultação das identidades indígenas, o que permite o “nascimento” de muitas outras comunidades não reconhecidas, passando por um processo de registros (REMY, 2014). Em 1920, a Constituição para a República do Peru em seu Título IV sobre as Garantias Sociais, artigo 58, passa a garantir que: 188

Art. 58. O Estado protegerá a raça indígena e ditará leis especiais para seu desenvolvimento e cultura em harmonia com suas necessidades. A Nação reconhece a existência legal das comunidades de indígenas e a lei declarará os direitos que lhes correspondam (BELAUNDE, 2005, tradução nossa).

Nesta Constituição houve, pela primeira vez, o reconhecimento oficial da existência dos povos indígenas no Peru, na qual definiu também que suas terras são inalienáveis, imprescritíveis e inembargáveis. Isto freou o avanço dos latifúndios e abriu um caminho legal para recuperação das terras que haviam sido tomadas, além de proporcionar o reconhecimento das identidades indígenas. A maioria das comunidades que haviam se tornado “camponês”, agora retornavam a se declarar “indígena”. Deste momento em diante as comunidades iniciam suas lutas por mais direitos. Buscam o Estado para renegociar suas terras, para proporcionar mais escolas, assistência em saúde e para aumentar as bases de retomada das dinâmicas culturais próprias. Atualmente, muitas destas comunidades estão localizadas na sierra e na costa, das quais Catacaos, Sechura e Morrope se destacam. Ao Norte da sierra existe a comunidade Cañaris que surpreende pela forma como conserva traços pré-coloniais, e os Yauyos que mantêm a língua jakaru (REMY, 2014). Os “indígenas de fronteira” mantiveram uma relação com os colonizadores de maneira diferente da que ocorreu com as populações andinas. Não construíram nenhuma forma de contato direto com os espanhóis durante a invasão colonial e pouquíssima relação com os povos Incas, mesmo em períodos anteriores. A eles nunca foi cobrado nenhum tributo e pelo seu “isolamento” foram chamados de “selvagens”. Seu território permaneceu de acordo com os limites estabelecidos por eles mesmos, assim como suas línguas foram mantidas, havendo inclusive na atualidade, dezenas de grupos etnolinguísticos. Os mais expressivos são os Asháninka, os Awajún, os Matisguengas, os Piro e os Shipibo. Os Asháninka, por exemplo, possuem uma organização social para subsistência fortemente ligada à floresta, na qual realizam as suas roças de toco, a caça de animais e a coleta de frutos nativos. Se caso intensificarem as atividades agrícolas, a terra perde fertilidade e não se recupera (REMY, 2014). Apesar das afirmações governamentais, estes povos não permaneceram tão isolados assim. Há relatos e histórias orais entre os Matisguengas da existência da troca de produtos destes povos com os Incas, inclusive relatos que depreciam os povos incaicos por se submeterem aos espanhóis. Na década de 1940 tem início o período de extração da borracha, de maneira que os borracheiros “colonizam” as áreas que não estão “ocupadas”. Suas relações com os indígenas 189

se fazem conflituosas. Muitos povos são escravizados e massacrados, enquanto o Estado peruano permanece passivo. É um período em que os povos amazônicos são drasticamente dizimados e aqueles que resistiram migraram e se “isolaram” (REMY, 2014). Na atualidade, o que define se uma população é ou não indígena é a maneira como se auto define. Aquelas comunidades que se mantém coesas em suas línguas e tradições são, sem dúvida, populações indígenas.

2.3.2 - Breve História da Alimentação no Peru

Falar sobre História da Alimentação no Peru, na atualidade, corresponde a falar sobre a uma cozinha, que possui traços inteiramente ligados à culinária indígena andina. Do seu processo de plantio até a mesa, seus ingredientes, modos de fazer e servir constituem um dos pilares identitários peruanos. Toda esta magnitude atribuída à importância da cozinha não seria possível sem que as populações que se instalaram nas diversas áreas do território peruano não tivessem desenvolvido estreitas relações com o meio e desenvolvido seus modos de subsistência. De acordo com Salaverry (2012), a região dos Andes corresponde a um dos oito centros descritos por Vavilov (1951) como “centros originários” de domesticação de plantas e animais no mundo. Esta domesticação teria se iniciado há pelo menos 12 mil anos Antes de Cristo (a.C.) na África e na América há pelo menos 10 mil anos a.C. (FLANDRIN, 2015), segundo alguns especialistas. A existência do centro andino está diretamente relacionada ao desenvolvimento da cultura humana na região e da promoção da sua alimentação. Ele se diferencia dos outros centros do mundo por diversas questões. A principal delas é a geográfica. O centro Andino manteve-se isolado dos outros centros que se concentravam na Eurásia e na África, tendo como área de contato somente o “centro originário” Mesoamericano (SALAVERRY, 2012). Somente no século XVI, com a colonização, o intercâmbio entre os centros originários foi intensificado. Apesar de este processo ter permitido a distribuição e o conhecimento das mais variadas espécies de plantas mundo afora, ele trouxe um processo de homogeneização dos cultígenos e do seu consumo. Estimativas da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) afirmam que havia em torno de 7.000 plantas cultivadas como alimentos, anteriores ao processo colonial. Na atualidade este número foi reduzido para 190

30 plantas, as quais representam mais de noventa por cento das calorias obtidas para a dieta humana, sendo derivadas de apenas três cultígenos: trigo, arroz e milho (SALAVERRY, 2012). A importância maior de plantas milenares cultivadas na área Andina se dá não apenas pelas suas propriedades, mas pela sua diversidade. E esta última não teria sido conseguida se não tivesse havido técnicas e processos fundamentais para a sua produção, obtidos pelas formas de interação ambiental e cosmológica realizadas pelas populações que ocuparam a região (SALAVERRY, 2012). O processo de manejamento ambiental iniciou por volta de 10 mil anos atrás (±10.000 a.C.), quando povos caçadores-coletores começaram a habitar a região. As principais evidências sobre esse período são os grandes ossos de cavalos pleistocênicos acumulados aos pés de montanhas. Muitas manadas eram vítimas das caçadas humanas, encurraladas até caírem em bando das montanhas e montes. Estes animais acabaram se extinguindo, principalmente quando há a entrada do período holocênico, no qual ocorrem mudanças climáticas drásticas, aumentando a temperatura. Alguns camelídeos deste período sobrevivem (a lhama, por exemplo), assim como veados, roedores e aves. Todos estes vão constituir a fauna pré-colonial com que as populações andinas tiveram maior contato (SALAVERRY, 2012). Justamente durante esse período, começa a haver a domesticação das plantas. Algumas populações nômades plantavam sementes em determinada área e se mudavam para outra. Passado certo período, retornavam à área cultivada para saber se havia brotado ou dado frutos, iniciando assim uma agricultura eventual. Dentre estas primeiras plantas domesticadas estão as variedades de quinoa e de amaranto, havendo evidências de seu cultivo há pelo menos 9.000 anos atrás. A domesticação das plantas se sobrepõe à pratica de domesticação dos animais. Esta última, por exemplo, era predominantemente de lhamas, patos e porquinhos-da-índia (SALAVERRY, 2012). As condições ambientais e o manejo do meio-ambiente pelos povos permitiram que houvesse uma diversidade de cultivos agrícolas na área andina, maior do que em outras regiões que eram inclusive mais extensas. Dentre os cultígenos que destaca Salaverry (2012), o milho, a quinoa, a batata, a oca e a arracacha (espécies de tubérculos), além de algumas leguminosas, constituem os principais alimentos indígenas. A cultura do milho andino ficou conhecida mundo afora pela sua variedade de espécies e cores. Sem dúvida foi um dos alimentos centrais da agricultura, havendo até uma disputa sobre a origem da sua domesticação, se no México ou nos Andes. A hipótese predominante é a de que este cultígeno teria se desenvolvido concomitantemente nos dois centros de domesticação alimentar, devido à grande quantidade de espécies que pode ser identificada em 191

ambas. Entre os povos de língua quéchua, o milho era conhecido como sara e o milho colorido como missa sara. Este vocabulário foi substituído com a incorporação do castelhano, sendo, então, o milho denominado de choclo, que vem do quéchua chokllu. A ritualidade existente no cultivo e na colheita do milho é abundante, havendo várias histórias sobre as origens da agricultura e das populações humanas a partir deste grão. Uma delas foi coletada pelo Padre Calancha: Nos tempos primitivos, um casal não conseguia alimento suficiente para sobreviver. O homem estava morrendo de fome e a mulher recolhia raízes para subsistir; em seu desespero, ela levantou os olhos para o sol e pediu ajuda. O sol escutou suas súplicas e com os seus raios a fecundou. Depois de quatro dias, ela deu à luz. Pachacamac [o marido] doente por ter recebido menos cuidados, despedaçou a criança e para que a mulher não se queixasse da falta de alimento, semeou os dentes do menino, dos quais brotaram o milho (SALAVERRY, 2012, p. 410, tradução nossa).

Tal história demonstra a importância do milho e das práticas culturais relacionadas a ele. Além deste, a quinoa também é um dos alimentos indígenas centrais e mais antigos. Uma espécie de amaranto alto andino, consumido há pelo menos 7.000 anos A.P. (Antes do Presente). Entre os tubérculos, Salaverry (2012) destaca as batatas (papa). Elas também eram amplamente consumidas, com a diferença de que eram mais conhecidas, pois o seu cultivo não se restringia apenas às áreas altas. Elas eram usadas por uma grande parcela das populações que inclusive as empregavam na medição do tempo e do espaço. Por exemplo, o tempo era calculado em equivalência a que se tomava para ferver uma panela de batatas, e o espaço em equivalência ao terreno que era usado para plantar e alimentar uma família, denominado de um papacancha (SALAVERRY, 2012). As batatas nos Andes recebiam um tratamento especial para não estragarem e conservarem-se por longas temporadas. Elas eram expostas às temperaturas frias até se congelassem e logo depois eram colocadas na água de um lago por durante trinta dias. Quando estavam saturadas de água, eram retiradas e dispostas no solo onde eram pisadas, extraídas a água e a casca. Depois, eram expostas às frias temperaturas por dez a quinze dias, finalizando a secagem. O produto deste processo é denominado de chuño, que se conserva por durante meses permitindo a estocagem para posterior distribuição e consumo. Tal processo exige conhecimento e relação profunda com o meio ambiente (SALAVERRY, 2012). A oca e a arracacha consistem em outros dois tubérculos de grande importância para alimentação dos povos andinos. Entre as leguminosas os feijões ganham destaque. O feijão ñuña e o tarwi são exemplos de leguminosas exclusivas dos Andes, tendo sido bastante afetadas pelos cultivos de outras plantas introduzidas na região, se restringindo na atualidade ao cultivo 192

e consumo domésticos. Não podemos deixar de citar os ajíes, as pimentas, que abrangem uma grande variedade de espécies e são amplamente consumidas (SALAVERRY, 2012). Todos estes alimentos foram e ainda são a base de pratos diversos consumidos pela população nos dias de hoje. Inclusive, assistimos nos últimos tempos a uma tentativa grande de aproximar cultura e comida para a construção de uma história que responda às políticas nacionais do país. Desde 2004, no intuito de buscar a patrimonialização imaterial da comida e incentivar o crescimento da economia nacional, algumas políticas e discursos sobre a valorização dos produtos locais, com o incentivo à produção “camponesa”, foram alavancadas de maneira a evidenciar a culinária nacional. Tais ações têm se tornado palco da supervalorização de alimentos como o Cebiche, Pollo a la brasa e o Pisco Sour, que receberam datas comemorativas através de resoluções ministeriais: Em 2008, o Ministério da Produção, mediante a Resolução Ministerial nº 708- 2008-Produr, declarou o dia 28 de junho de cada ano “o Dia Nacional do Cebiche”. Em 2010, mediante a Resolução Ministerial n° 0441-2010-AG, o Ministério de Cultura declarou o terceiro domingo de julho de cada ano como “o Dia do Pollo a la Brasa”. Por Resolução Ministerial 161-2004-Produce, com data 22 de abril de 2004, o Ministério da Produção declarou o primeiro sábado do mês de fevereiro de cada ano como “o Dia do Pisco Sour” (MATTA, 2014, p. 17, tradução nossa).

Além destas determinações, surgem entidades governamentais que têm buscado a promoção e o incentivo da culinária nacional. Uma associação entre o Ministério da Agricultura, Ministério da Cultura e as Universidades de Gastronomia e Turismo, deram origem ao APEGA (Sociedade Peruana de Gastronomia). Esta teve origem em 2007 e desde 2008 promove a feira gastronômica Mistura, que tem correspondido a uma das tentavas mais profícuas de reunir cultura e arte culinária.

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Figura 21 – Feira gastronômica e cultural Mistura

Fonte: BALCÁZAR (2012); APEGA (2013). Nota: Imagens da feira gastronômica e cultural Mistura, que ocorre anualmente em Lima, promovida e incentivada pelo APEGA (Sociedade Peruana de Gastronomia).

Mesmo com a visibilidade e grande importância que tem sido produzida e desenvolvida a culinária para a identidade nacional peruana, é preciso não perder de vista os reais impactos desta nova política para as populações indígenas. Primeiramente, ela surge negando as relações conflituosas que existiram durante as trajetórias que cada povo traçou nas lutas pelo reconhecimento de suas identidades e territórios. E, ainda, acrescente-se a este ponto de inflexão, um mascaramento dos problemas atuais que giram em torno das políticas voltadas para os indígenas, que beneficiam os grandes empreendimentos econômicos e mais uma vez usurpam as suas terras. Assim, a tomada de consciência voltada para as problemáticas indígenas é reconduzida para ocultação e apagamento de suas lutas na contemporaneidade.

2.3.3 - Referências e publicações sobre alimentação indígena peruana na atualidade

De acordo com o antropólogo Mintz (2001), se faz digno de nota citar alguns autores que nas últimas décadas do século XX e XXI têm trabalhado a história e a antropologia da alimentação na América. Dentre eles estão os museólogos T. Mason e C. Wissler (1895), que mapearam os povos e as áreas alimentares na América para estudar as culturas nativas e os seus usos do meio. Além deles, Krober, no livro Cultural and natural areas of native North America (Áreas culturais e naturais dos nativos da América do Norte) demonstra essa busca e seus 194

resultados. Redcliffe Salaman escreve em 1970 o livro The history and social influence of the (A história e a influência social da batata), evidenciando a importância da batata para as populações andinas. No ano de 1988, Arturo Warman escreve a monografia La historia de um bastardo (A história de um bastardo), na qual conta a história da disseminação global do milho a partir das Américas. Em 1992, Nelson Foster e Linda Cordell produzem o livro Chilies to chocolate (Das pimentas ao chocolate), no qual analisam a existência e os usos das pimentas no Novo Mundo e a sua difusão após a chegada de Colombo às Américas. Já no ano de 1995, Edmundo Morales, e dois anos mais tarde, Eduardo Archetti, irão produzir livros que mencionam a importância da domesticação dos seres no Novo Mundo. Descrevem o processo de domesticação dos porquinhos-da-índia que eram dignos de importância tanto quanto as plantas (MINTZ, 2001). Outros autores que publicaram livros sobre a História da Alimentação no Peru também devem ser citados. Rhodes et. al. produzem a obra Traditional Potato Storage in Peru: Farmers' Knowledge and Practices (Armazenamento tradicional da batata no Peru: conhecimentos e práticas dos agricultores) em 1988, na qual discorrem sobre as diferentes formas de conservação e armazenamento das batatas pelos indígenas da costa e do interior do Peru, mencionando a importância dos conhecimentos desenvolvidos sobre seus ecossistemas. Fernando Cabieses, na sua obra Cien siglos de pan: 10,000 años de alimentación en el Perú (Cem séculos de pão: 10.000 anos de alimentação no Peru), publicada em 1995, demonstra a origem dos cultivos e a disseminação dos alimentos andinos pelo mundo. No ano de 2004, o pesquisador Hans Horkheimer escreve Alimentación y obtención de alimentos en el Perú prehispánico (Alimentação e obtenção de alimentos no Peru pré- hispânico), analisando as relações que os indígenas tinham com o ambiente e as formas de produção de alimentos antes da chegada dos colonizadores espanhóis. No ano de 2007, a pesquisadora Margaret A. Towle escreve The Ethnobotany of Pre-Columbian Peru (A etnobotânica do Peru Pré-colombiano), demonstrando a diversidade das espécies, suas propriedades e a relação dos povos indígenas com cada uma delas. Em 2010, John E. Staller escreve Maize Cobs and Cultures: History of Zea mays L. (Espigas de milho e culturas: história do Zea mays L.), buscando abranger a história do milho a partir dos grandes centros e áreas de cultivo Mesoamericana e Andina. Em 2016 (1ª edição de 2006), John Staller, Robert Tykot e Bruce Benz organizam juntos o livro Histories of Maize in Mesoamerica: Multidisciplinary Approaches (Histórias do milho na Mesoamérica: Abordagens Multidisciplinares), que reúne uma coletânea de artigos de diversos autores a respeito da relação população humana pré- hispânica, meio ambiente e dieta. 195

Entre os artigos científicos mais recentes publicados, a respeito da alimentação no Peru, temos The Taste of Conquest: Colonialism, Cosmopolitics, and the Dark Side of Peru’s Gastronomic Boom (O gosto da conquista: Colonialismo, Cosmopolíticas e o lado negro da gastronomia peruana) escrito por K. H. García em 2013, em que a autora busca demonstrar de maneira crítica como o boom gastronômico peruano têm auxiliado na invisibilização dos povos indígenas e também tem trazido consequências negativas aos animais, principalmente às alpacas e aos porquinho-da-índia. No ano de 2015, Adriana Paola Paredes Peñafiel produz o texto Relações do alimentar e relações que alimentam: el Tambo e a Mamacocha no norte do Peru, buscando analisar a relação que os camponeses do povoado el Tambo têm com a lagoa Mamacocha. Neste mesmo ano, Alex Sandro Nascimento de Souza e José Aldemir de Oliveira escrevem Retama Kamatatsuri: Campesinos peruanos en Benjamin Constant en el Amazonas – Brasil (Retama Kamatatsuri: Camponeses peruanos em Benjamin Constante no Amazonas – Brasil), um artigo em que os autores buscam evidenciar as relações entre os indígenas peruanos de fronteira com outras comunidades do entorno, tendo como um dos aspectos chave de investigação, a alimentação. Além destes artigos, houve em 2015 uma dissertação desenvolvida na Universidade de Brasília, por Alexandre Malaver Copara a respeito da feira gastronômica Mistura, tendo por título Festival Mistura (Lima/Peru): nova janela de inclusão dos agricultores familiares pelo turismo gastronômico, desenvolvido do Mestrado Profissional em Turismo. O autor teve como objetivo analisar as dimensões socioeconômicas e culturais a partir da feira Mistura e as suas contribuições para com os povos camponeses. Um dos seus principais resultados foi a detecção do aumento do número de turistas nos povoados e cidades fora das rotas turísticas mais comuns, como reflexo da venda de produtos locais oriundos destas comunidades a partir do festival. Os trabalhos desenvolvidos desde o final da década de 1980 têm demonstrado que os estudos sobre as relações entre alimentos, ecologia e técnicas tradicionais de manejo ambiental, relações ritualísticas e cosmológicas indígenas não se esgotam. Na década de 1990 assiste-se um aumento no número de publicações que buscam estas relações e somente após os anos 2000 uma maior variedade de temáticas começa a aparecer no cenário das publicações, havendo focos voltados para a gastronomia e o turismo. Estes dois últimos vieses são peças chave das atuais políticas públicas do Peru, o que abre portas para produção de outras publicações sobre a temática.

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CAPÍTULO 3 - HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO INDÍGENA PRÉ-COLONIAL NO BRASIL CENTRAL36

Nesse capítulo apresentaremos um panorama histórico das pesquisas arqueológicas e antropológicas sobre a alimentação indígena no Brasil, do início do século XX aos dias atuais, perpassando pelas principais teorias e paradigmas que orientaram as investigações nas respectivas áreas. Apresentaremos também um panorama histórico das políticas públicas de saúde indígena, dando ênfase à atuação das instituições governamentais sobre as questões alimentares, expondo as contradições e luta dos povos por uma política de saúde que os contemple de maneira integral. Discorreremos, ainda, sobre as pesquisas arqueológicas e linguísticas acerca dos povos habitantes no Brasil Central e o seu contexto alimentar, evidenciando a Ilha do Bananal. Por que escolher a arqueologia e antropologia ao invés da sociologia ou história? Em primeiro lugar, porque serão essas ciências que se preocuparão primeiramente com a documentação e a narrativa da História da Alimentação indígena de maneira sistematizada. Antes mesmo dessa preocupação recair nas outras áreas, a arqueologia buscava organizar cronológica e contextualmente os dados obtidos em trabalhos de campo e realizar inferências indutivas a respeito da alimentação dos povos pré-coloniais. E em segundo lugar, porque as ciências sociais, tal como a história reservou aos indígenas um lugar sem relevância política e social dentro da historiografia. Segundo Smith (2016, p. 54 a 56, tradução nossa): [...] o imperialismo e o colonialismo trouxeram absoluta desordem aos povos colonizados, desconectando-os de suas histórias, suas paisagens, suas línguas, suas relações sociais e suas formas de pensar, sentir e interagir com o mundo. [...] A escrita se considera a marca de uma civilização superior, e é assim como outras sociedades tem sido julgadas como incapazes de pensar crítica e objetivamente, ou de manter-se distante das ideias e das emoções. A escrita é parte da teoria e a escrita é parte da história. [...] Imersas na academia ocidental que afirmava a teoria como totalmente ocidental, a que tem construídos todas

36 Entende-se por Brasil Central a região dos atuais estados de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Goiás e Tocantins, uma macrorregião caracterizada por um domínio morfoclimático, com maciços planálticos complexos, cerrados nos interflúvios e florestas de galeria (AB’SÁBER, 1978/1979/1980). Esta foi uma denominação utilizada amplamente pela arqueologia e antropologia brasileira para classificação de sítios arqueológicos entre as décadas de 1970 e 1980. Entretanto, neste trabalho enfatizaremos as áreas correspondentes aos estados de Minas Gerais, Goiás e Tocantins sob a denominação de Brasil Central devido à concentração de pesquisas voltadas para a alimentação das populações humanas pré-colonial. 197

as regras pelas quais o mundo indígena tem sido teorizado, as vozes indígenas tem sido esmagadoramente silenciadas.

Além disso, foi somente em 2008, que o estudo da cultura indígena37 se tornou obrigatório nos currículos escolares brasileiros (Lei Federal 11.645), o que demonstra a marginalidade da temática para a área e a demora pelo seu reconhecimento de importância, mesmo assim sob duras críticas que se prolongam até a atualidade (NAZARENO, 2017). Tendo em vista que nossos interesses contextuais estão voltados para os povos indígenas da Ilha do Bananal, especificamente os Javaé e sua História da Alimentação, apresentaremos dados arqueológicos que acreditamos contribuir com essa tarefa, uma vez que os pesquisadores estavam prioritariamente voltados para a compreensão do cotidiano humano do passado. Era tarefa primordial identificar a dieta alimentar, seja por meio dos vestígios líticos e cerâmicos com a indicação das formas de preparo e estocagem, ou por meio de vestígios orgânicos, restos alimentares ou de fogueira. Dados etnolinguísticos foram de crucial importância para que arqueólogos pudessem hipotetizar possíveis origens dos vestígios orgânicos e inorgânicos identificados, deste modo, também apresentaremos um breve panorama sobre esses estudos. Daremos atenção especial aos Javaé no capítulo posterior, com as narrativas a respeito da alimentação desse povo antes e, principalmente, após a chegada dos colonizadores à Ilha do Bananal.

3.1 - HISTÓRIA DA PESQUISA SOBRE A ALIMENTAÇÃO INDÍGENA NO BRASIL NO INÍCIO DO SÉCULO XX

As pesquisas que abordam a alimentação indígena no Brasil começam a despontar como um tema no campo disciplinar da História em meados do século XX. Antes de ser um tema explorado por essa área, arqueólogos e antropólogos se debruçaram sobre ele no início desse mesmo século, produzindo várias investigações. Suas pesquisas, voltadas às crenças e religião de vários povos indígenas, expuseram principalmente seus rituais, modos de subsistência e medicina. Os tabus e hábitos alimentares também eram elementos cruciais nas suas análises.

37 A lei 11.645, de 10 de março de 2008, regulamentou a inclusão no currículo oficial da rede de ensino brasileira a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena". 198

Um aspecto importante que gostaríamos de destacar é que esses pesquisadores se posicionavam contra as teorias evolucionistas e procuravam assentar seus métodos e buscas utilizando menos generalizações pautadas na biologia e mais detalhamentos das estruturas dos costumes da cultura de um povo. Neste momento, as teorias funcionalistas38 e estrutural- funcionalista39, começam a ganhar mais adeptos, apesar de existirem pesquisadores que prezassem pelo particularismo histórico40, indo de encontro com as ideias vigentes. Tanto na América do Norte quanto na Inglaterra, os fundadores da antropologia científica nascente no início do século XX (Franz Boas, Bronislaw Malinowski, Radcliffe- Brown e Marcel Mauss) deixaram um legado que foi difundido pelos seus alunos. Entre as décadas de 1920 e 1930, Kroeber, que foi aluno de Franz Boas, coletou uma grande quantidade de dados sobre os indígenas norte-americanos publicando, em 1925, o Handbook of the Indians of California, e, em 1939, publicou o Cultural and Natural Area of Native North America. Nos anos 1950, as teorias neoevolucionistas41 entram em evidência principalmente pelas obras de Leslie White e Julian Steward, seguindo o legado das teorias de Robert H. Lowie, aluno de Franz Boas (ERIKSEN; NILSEN, 2010). Steward, depois de concluir seu doutorado em Berkeley sobre o “Nativo Americano”, trabalha como arqueólogo. Posteriormente, dirige o Instituto de Antropologia Social, o Smithsonian Institution, edita o Handbook of South American Indians, em sete volumes (1940- 1947). Apesar das influências de seus estudos terem sido mais fortes na arqueologia do que na antropologia, seus impactos foram grandes perdurando até a década de 1960, quando a ecologia cultural seria fonte de diferentes inspirações entre antropólogos. As análises que partiram deste momento investigativo influenciaram demasiadamente a forma de ver os indígenas,

38 A teoria funcionalista tem suas bases fundamentais nas teorias sociais de Durkheim, sendo as sociedades comparadas a organismos vivos. Entretanto, no início do século XX, Malinowski abre uma nova forma de pensar as estruturas sociais durkheimianas: afirma que o objetivo de estudo dos antropólogos não deveria ser o sistema e sim o indivíduo, ou seja, Malinowski acredita que as instituições existiam para as pessoas e não ao contrário. 39 As teorias sociais de Durkheim apropriadas por Radcliffe-Brown geraram uma forma de ver o parentesco que ultrapassava a ideia de que este era um sistema jurídico de normas e regras para distribuição de direitos e deveres. O parentesco passou a ser uma instituição fundamental para as análises sociais. Assim, a política, economia, religião e a adaptação ecológica poderiam ser percebidas e pensadas a partir do parentesco, que funcionava como uma corporação da vida social (ERIKSEN; NILSEN, 2010). 40 O antropólogo Franz Boas foi o grande difusor do particularismo histórico, tendo sempre em vista a necessidade de análises que prezassem pelas características particulares e individuais dos grupos e não esquemas gerais. Acreditava que cada cultura possuía seus valores e sua história única, que em alguns casos poderia ser reconstruída pelos antropólogos (ERIKSEN; NILSEN, 2010). 41 Preocupava-se com a História para compreender as culturas nativas, vendo-as como um todo orgânico, que não pode ser separado em partes e possuía sua dinâmica própria. Para Leslie White, as sociedades eram estreitamente integradas com seu entorno ecológico, sendo a dimensão tecnológica crucial, de maneira que essa determinava os aspectos sociais e ideológicos da vida social (ERIKSEN; NILSEN, 2010). 199

principalmente na América do Sul. Diversos povos brasileiros aparecem nestas publicações, principalmente aqueles habitantes das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Steward realizou estudos ligados à ocupação humana na região amazônica, dando ênfase aos solos agricultáveis (abundância e escassez) e à presença de proteínas nas dietas humanas de povos indígenas amazônicos. Essa perspectiva influenciou várias gerações de antropólogos que deram continuidade às pesquisas com este mesmo viés de investigação (LEITE, 2007). Além de Robert Lowie e Julian Steward, pesquisadores como Alfred Métraux, Herbert Baldus, William Lipkind, Donald Horton, Alden J. Mason, Charles Wagley, Betty J. Meggers, Clifford Evans e Lévi-Strauss também desenvolveram análises arqueológicas e etnográficas sobre os povos indígenas brasileiros e seus ascendentes. Brasileiros como Antônio Serrano, Francisco de Aparício, Eduardo Galvão e o alemão Curt Nimuendajú também se empenharam nestas pesquisas neste mesmo período, inclusive em trabalhos conjuntos com alguns desses pesquisadores. Chamamos atenção para os trabalhos de Claude Lévi-Strauss, Betty Meggers, Clifford Evans e Donald Lathrap. Lévi-Strauss estudou os índios do Norte do Brasil e do Brasil Central. Entre as décadas de 1950 e 1960, produziu as obras Tristes Trópicos (1955) e Mitológicas (1964), em que as ideias importantes sobre natureza e cultura em sociedades indígenas são contrapostas. E nessa literatura a alimentação aparece ligada a cosmologia, corporalidade e parentesco, que influenciou uma geração de antropólogos. Até a década de 1960 a perspectiva funcionalista ainda tinha adeptos, quando a perspectiva estruturalista, disseminada nos estudos antropológicos por Lévi-Strauss, ganha força. Explorava a semântica e as estruturas da linguagem nas sociedades tradicionais, e, influenciado pelas teorias das áreas da psicologia e da linguística, desenvolveu o campo interdisciplinar da antropologia cognitiva. O alimento passa a ser investigado como sistema cultural e como uma linguagem (MENESES; CARNEIRO, 1997). Neste mesmo período, Betty Meggers e Clifford Evans, pesquisadores estadunidenses, realizaram uma expedição à região do Baixo Amazonas a qual deu origem ao livro “Amazônia: a ilusão de um Paraíso” (1977). Adeptos às concepções neoevolucionistas, defendiam que os solos agricultáveis da Amazônia eram escassos, pois eram ácidos e pobres e, portanto, incapazes de suportar grandes populações. Assim, o caráter limitante do solo determinaria as relações culturais estabelecidas na região. Além de Meggers e Evans, Donald Lathrap (1970), na obra The Upper Amazon, estudou a ocupação pré-colonial na Amazônia. Seus estudos se voltam para a baixa disponibilidade de proteínas, atribuindo aos grupos indígenas uma alta mobilidade, 200

muitas guerras e baixa densidade demográfica como determinadas pela natureza do ambiente. As discussões que se seguiam priorizavam as adaptações das populações ao ambiente e os tabus relacionados a esse, distanciando-se cada vez mais dos diálogos com etnologia e do estruturalismo de Lévi-Strauss. Esse distanciamento irá se reduzir somente na década de 1990 com os estudos de etnobotânica de William Balée. Em todas estas pesquisas, o que predominava na escrita e análise era o ponto de vista do colonizador, daquele que vem de fora, não havendo preocupação com a voz, atuação ou interesse do nativo, que também irá emergir somente na década de 1990. Na década de 1970, o estudo das sociedades a partir das estruturas continua, porém, com outro viés. O marxismo foi a grande base teórica para vários programas de pesquisa durante este período. As investigações que abordavam etnicidade continuaram, contudo, sobre novos interesses, voltados para a antropologia econômica. Os estudos sobre alimentação voltaram-se para as classes populares urbanas, suas culturas e ideologias. Houve uma grande diminuição de interesse pelos estudos sobre os sistemas socioculturais, inclusive por estudos entre os povos indígenas, havendo aumento de interesse pelos estudos na área de saúde pela antropologia. Em um movimento contrário, há um aumento de interesse pelos estudos dos povos indígenas pela arqueologia, que irá perdurar até meados da década de 1980. Em resumo, a antropologia vai para a cidade, enquanto a arqueologia vai para as aldeias. De acordo com Canesqui (2005), o tema da desnutrição chama atenção das políticas governamentais levando ao maior financiamento para pesquisas na área, o que resultou em um maior envolvimento dos antropólogos nessas pesquisas. A fome e a desnutrição contrariavam o “milagre econômico” brasileiro durante os “anos de chumbo” (1969-1973). Essas preocupações deram origem aos programas de Diagnóstico Nacional das Despesas Familiares (FIBGE, 1974/1975) e ao Grupo de Ciências Sociais do Estado Nacional de Despesas Familiares (Fineep/INAN/IBGE), vinculados à Universidade de Brasília e ao Museu Nacional. É também neste período que os estudos na área da Antropologia da Saúde ganham impulso no Brasil, principalmente após os mesmos pesquisadores que estavam à frente dos programas de pesquisa produzirem estudos sobre as práticas alimentares dos grupos subalternos (LANGDON; FOLLÉR; MALUF, 2011/2012). Como resultado dessas pesquisas antropológicas realizadas pelas instituições supracitadas, foi constatado que, apesar dos grupos estudados serem distintos (pescadores, trabalhadores rurais e urbanos), a alimentação era parte do universo cognitivo e simbólico deles, de modo que a conceituação e a definição do alimento e do organismo que o consome indicavam a posição social do indivíduo. A classificação das comidas como forte/fraca, leve/forte, 201

pesada/leve, gostosa/sem gosto, rica/pobre, boa/má, comida de pobre/comida de rico, pelos trabalhadores urbanos ganha relevância como referência aos usos, apropriações e consumo de alimentos. As diferenças regionais ou do ser pobre se embutiam nos hábitos alimentares ou nos significados da comida de certos alimentos ou pratos. Além disso, as pesquisas apontaram para a família como mediadora da organização e decisão sobre o consumo de alimentos (CANESQUI, 2005). Na década de 1980, apesar de haver interesse residual pelo alimento, o foco se voltou às representações do corpo, da saúde e da doença. Houve a valorização do discurso médico da “boa alimentação”, cuidados corporais, exercícios físicos, emagrecimentos, estética e saúde. Algumas etnografias foram feitas neste viés, com uso de métodos qualitativos, com a aproximação da antropologia da área da saúde, sendo a alimentação um dos enfoques (CANESQUI, 2005). As identidades étnicas, as cozinhas nacionais e o consumo nos espaços privado e público também ganharam evidência nas pesquisas que se desenvolveram desde este período (MENESES; CARNEIRO, 1997). Na década de 1990, surgem grupos de estudos com temas voltados aos regionalismos culinários, cozinha e religião, hábitos alimentares promovidos pelo marketing e fast food. Os estudos se voltam à alimentação, ao consumo e à globalização. Os fast foods e suas implicações no cotidiano, oposto ao valor da “comida feita em casa”, a limpeza e a higiene, marcando o tempo das refeições, ganham cada vez mais o espaço das investigações acadêmicas (CANESQUI, 2005). Neste período, os estudos sobre a alimentação entre os povos indígenas foram inseridos nas investigações ligadas à saúde, sendo peça chave de programas voltados à nutrição, prevenção às doenças, sustentabilidade alimentar e segurança alimentar nas terras indígenas. As investigações que seguem este enfoque compreendem toda a década de 1990 e 2000, chegando até os nossos dias. Na área da arqueologia as pesquisas que surgem ao final da década de 1960 até a década de 1980 no Brasil compreendem o período “heroico” dessa ciência, pois relaciona-se ao período em que mais se mapeia e são conhecidos sítios arqueológicos no país. O projeto PRONAPA (Programa Nacional de Pesquisa Arqueológica), financiado pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e Smithsonian Institution foi desenvolvido em quatro regiões do Brasil (Norte, Nordeste, Sudeste e Sul), com o objetivo de mapear extensivamente o território nacional em termos de patrimônio arqueológico, inserindo- o em um mapa arqueológico da América. Apesar do Centro-Oeste ficar de fora durante este período, há preocupação por parte de pesquisadores em realizar este mesmo mapeamento, em 202

meados da década de 1970, encabeçados por Pedro Ignacio Schmitz. Detalharemos no item 2.0 a trajetória das pesquisas arqueológicas e seus resultados no âmbito da alimentação. A parte que segue, corresponde às influências dos movimentos indígenas sobre as políticas públicas voltadas para a alimentação. Desde já, ressalvamos que iremos enfatizar com maior profundidade a história destas políticas voltadas para alimentação indígena no Capítulo IV. Por hora, nos deteremos sobre informações a respeito destas políticas nacionais de saúde que abraçaram a alimentação como parte importante de sua atuação entre os povos indígenas. Parte desta preocupação é resultante da atuação destes grupos no cenário social nacional, entre o final da década de 1980 e início de 1990 até meados da década de 2010.

3.1.1 - As políticas nacionais de saúde indígena e alimentação

A Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas teve seu início após a Constituição Federal Brasileira (1988) reconhecer os povos indígenas em suas especificidades étnicas, linguísticas e direitos territoriais. Essa política nacional que atende aos povos indígenas integra a Política Nacional de Saúde, e foi regulamentada pelo Decreto n. 3.156, de 27 de agosto de 1999. Ela dispõe sobre as condições de assistência à saúde dos povos indígenas, explicitando que foi transferida da Fundação Nacional do Índio - FUNAI para a Fundação Nacional de Saúde - FUNASA, pela Lei 9.836/99, de 23 de setembro de 1999, e estabelece o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), composto pelos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) (FUNASA, 2002). Antes mesmo das leis terem sido publicadas, o debate sobre a saúde indígena já ocorria. Em 1986, houve a I Conferência Nacional de Proteção à Saúde do Índio (CNSPI) que recomendou, após se reunir pela primeira vez com vários representantes dos povos indígenas: “que o acesso das nações indígenas às ações e serviços de saúde, bem como sua participação na organização, gestão e controle dos mesmos, respeitadas as especificidades etnoculturais e de localização geográfica, é dever do Estado” (I CNSPI, 1986). A conferência não apenas recomendou haver pessoas das comunidades indígenas atuando na área de saúde, como também propôs o respeito às diferenças específicas de cada povo no que compreende o atendimento e acesso à saúde, e uma maior atuação do governo brasileiro na área. Contudo, a conferência teve sua importância reconhecida somente anos mais tarde, com a implementação de parte das recomendações. 203

Em 1991, após ser publicada a Resolução 11 pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), foi criada a Comissão Intersetorial de Saúde do Índio (CISI), tendo como principal atribuição assessorar o CNS na elaboração de diretrizes de políticas governamentais no campo da saúde indígena. Inicialmente não havia representantes indígenas, porém, com a saída espontânea de alguns membros do CNS, quatro vagas foram ocupadas por representantes de organizações indígenas (FUNASA, 2002). Em outubro de 1993, ocorreu a II Conferência Nacional de Saúde para os Povos Indígenas, na qual reafirmou-se e ampliou-se as recomendações realizadas na I CNSPI, inclusive repudiando os crimes contra indígenas, e reconhecendo a violência como causa de mortalidade e morbidade; condenando a ação de políticos que incentivam a invasão e atividades ilegais em territórios indígenas e de militares que praticam o comércio ilegal de ouro, o assédio sexual e o desrespeito à cultura; solicitando que na “contratação e formação dos quadros profissionais para o atendimento à saúde nas áreas indígenas seja dada preferência às pessoas indígenas, se possível pertencentes às etnias junto às quais irão atuar”; denunciando a “existência de seitas religiosas que pregam contra os costumes indígenas e principalmente contra os pajés”; recomendando o respeito à “medicina tradicional na sua totalidade, na figura do pajé, outros especialistas, e todas as suas práticas”; assegurando aos “povos indígenas o direito intelectual sobre suas práticas e conhecimentos médicos”, entre outras várias questões reivindicadas e repudiadas (II CNSPI, 1993). Assim como a CNSPI anterior, nesta as recomendações foram importantes, porém foram minimamente implementadas pelas políticas públicas nacionais. O acesso ao território como garantia de sobrevivência e a nutrição aparecem como elementos significativos nas solicitações realizadas, de modo que na III CNSI houve interesses mais significativos em relação à saúde e à alimentação dos povos indígenas. No ano de 2001, ocorreu a III Conferência Nacional de Saúde Indígena que deliberou a garantia da segurança alimentar com a implementação de uma política específica de Desenvolvimento Sustentável dos Povos Indígenas (SALGADO, 2007), a partir da recuperação do meio ambiente nas suas reservas. Dentre as propostas redigidas no documento da III CNSI, na seção “As comunidades indígenas e a produção e comercialização de alimentos: as novas necessidades”, estavam: a) garantir as revisões e ampliações das áreas que sejam insuficientes para a sobrevivência dos povos indígenas fazendo cumprir a Constituição Federal, art. 231 e art. 232; b) promover a articulação de instituições responsáveis pela política do meio-ambiente e saúde para despoluição e descontaminação dos rios e outros mananciais existentes nas terras indígenas, proibindo o uso de agrotóxicos nas proximidades; c) promover a recuperação de 204

áreas degradadas nas nascentes dos rios com o reflorestamento; d) realizar pesquisa alimentar e nutricional junto as comunidades indígenas com o objetivo de obter a situação nutricional para que a FUNASA defina como uma política de nutrição em parceria com organizações governamentais e não-governamentais, respeitando os hábitos alimentares de cada povo; e) que o Governo Federal viabilize o financiamento de projetos agrícolas junto às comunidades indígenas; f) “acrescentar aos programas de saúde e educação a conscientização do perigo advindo dos alimentos industrializados e geneticamente modificados, bem como o incentivo à produção e ao uso de alimentos naturais” (III CNSPI, 2001); g) garantia de acesso à água potável nas áreas indígenas. Destacamos que, entre as moções aprovadas na plenária final pelos representantes e lideranças dos vários povos indígenas, estavam os posicionamentos “contrários a quaisquer projetos de construção de hidrelétricas que, possam atingir territórios indígenas de nosso País”. Além de hidrelétricas, estão também estradas e obras de dragagem. Posicionaram-se pela “definição de uma versão do Programa Nacional de Agricultura Familiar que atenda às comunidades indígenas do Brasil”. Tais posicionamentos e buscas acabaram por promover a realização, em novembro de 2002, do Primeiro Seminário Nacional para Articulação de uma Política Pública de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Sustentável para os Povos Indígenas, que em suas deliberações finais aprova uma proposta de realização de oficinas regionais para discussão e aprofundamento do desenvolvimento sustentável, coordenada pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (SALGADO, 2007). Todo este contexto levou à publicação da Portaria do Ministério da Saúde (MS) nº 2.405, de 27 de dezembro de 2002, sobre Alimentação Saudável em Comunidades Indígenas (DOU nº 251, 30 de dezembro de 2002, Seção 1; p.49), que tinha como objetivo a promoção da segurança alimentar e nutricional de forma sustentável com enfoque na promoção de saúde e prevenção de doenças entre as comunidades indígenas. No ano de 2003, foi realizado o Fórum Nacional para Elaboração da Política Nacional de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Sustentável dos Povos Indígenas do Brasil, que previu a realização de 19 oficinas realizadas com 25 lideranças indígenas para expor as dificuldade e necessidades sentidas por cada povo para a busca de propostas e soluções para a segurança alimentar. Em 2006, ocorreu a IV Conferência Nacional de Saúde Indígena, na cidade de Rio Quente (GO), na qual foi debatida a participação dos representantes indígenas nas decisões a respeito da saúde, principalmente dos representantes que atuam diretamente nos DSEIs. Durante os debates foi mencionado que, apesar da precariedade da saúde indígena, foram 205

observadas melhoras. Se na década de 1980 os indígenas necessitavam de representantes para serem ouvidos, nos dias atuais, há abertura maior para fala e possibilidade de atuação. No ano de 2013, a V Conferência Nacional de Saúde Indígena ocorreu em Brasília (DF), e a participação dos povos indígenas dobrou em vistas ao CNSI anterior. Neste, além de debates e propostas sobre as novas diretrizes para a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas, debateu-se sobre a importância da desburocratização da gestão da saúde indígena, norteando a proposta de criação do Instituto Nacional de Saúde Indígena (INSI) como novo modelo de gestão (em tramite pelo Projeto Lei n.3.501/2015, no Congresso Nacional) (OBSERVATÓRIO ..., 2018). No que diz respeito à alimentação, na IV CNSI, entre as “Resoluções Aprovadas” estão recomendações que garantem a alimentação tradicional para indígenas que estão em tratamento de saúde, respeitando a cultura e os hábitos tradicionais de cada povo; a garantia da alimentação para gestantes e crianças de baixo peso para redução da mortalidade materno-infantil e a assistência à gestante, no último mês de gestação, com a participação de parteiras indígenas; a promoção de projetos pelo Governo Federal para a valorização da alimentação tradicional. Na V CNSI, no “Eixo temático: etnodesenvolvimento e segurança alimentar e nutricional”, as diretrizes evidenciavam a importância de investimentos na agricultura de subsistência para combater a desnutrição e a escassez de alimentos, prevendo o desestímulo à entrega de cestas básicas, sendo estas destinadas à entrega somente em situações emergenciais e não assistencialistas. Além disto, evidenciou a necessidade de implantação e implementação de projetos que destinem à formação profissionalizante para a produção e preparo de alimentos tradicionais, para a realização de atividades agroecológicas, e o incentivo à realização de feiras ecológicas de trocas de sementes, mudas, entre outros artigos que estimulem a cultura alimentar e fitoterápica. Observa-se que há uma grande mudança em relação às posturas e diretrizes relacionadas às políticas sanitárias dirigidas aos povos indígenas. Se havia no início da década de 1990 baixa participação de indígenas nas representações e atuações nas políticas de saúde indígena, na atualidade as vozes, representações e atuações dos indígenas são visíveis. O respeito à cultura e à diversidade é a primeira medida para a efetividade das ações propostas. Entretanto, essa ainda é uma realidade que se faz distante. Não há atendimento efetivo das reivindicações e a implementação integral das ações deliberadas. Todas as propostas aprovadas são encaminhadas para o Conselho Nacional de Saúde e desta para outras instâncias que deliberam sobre os apoios e recursos, havendo grande burocratização para efetivação das medidas propostas. Para que haja segurança alimentar 206

efetiva é necessário assegurar, em primeiro lugar, o território e a preservação deste como área de usufruto indígena, livre de invasões, desmatamentos ou poluições, o que, infelizmente, ainda não acontece. Ressaltamos que, além das políticas públicas de saúde indígena (Ministério da Saúde) há também as políticas para o desenvolvimento social (Ministério do Desenvolvimento Social), dentre elas as que combatem a fome no Brasil. Há pelo menos quatro programas de desenvolvimento e combate à fome voltados aos povos indígenas: segurança alimentar, transferência de renda, articulação institucional e parcerias, e assistência social. Os programas de Segurança Alimentar e de Transferência de Renda realizam a entrega do benefício Bolsa Família e de cestas de alimentos para famílias em situação de desnutrição ou de risco de desnutrição, enquanto o Projeto de Parcerias com o Ministério do Meio Ambiente42 e o Programa Carteira Indígena promovem projetos de execução direta pelas comunidades indígenas para a produção sustentável de alimentos e sua comercialização. Além disto, promovem a produção artesanal, agroextrativista e a revitalização de práticas e saberes tradicionais. Na esfera da Assistência Social, destaca-se: o Programa de Atenção Integral à Família – PAIF, o Benefício de Prestação Continuada – BPC, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI, o Projeto Agente Jovem e o Programa Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes (RELATÓRIO GT – POVOS INDÍGENAS, 2007). Destes, os programas de Segurança Alimentar e de Transferência de Renda têm impactos diretos nas práticas alimentares indígenas de modo que ainda são focos de atenção do CNSI e outros órgãos, por terem impactos diretos na saúde e em outros âmbitos da vida das comunidades.

42 Ao assumir a presidência do Brasil em 2019, Jair Bolsonaro anunciou a decisão de fundir o Ministério do Meio Ambiente ao Ministério da Agricltura, que foi criticada pelos grandes prejuízos ambientais que poderiam trazer, sendo deixada de lado. Porém, o governo tomou medidas que trouxeram muitas preocupações, pois envolveram o enxugamento e a transferência de competências da pasta do Ministério do Meio Ambiente para outros ministérios, como o da Agricultura e do Desenvolvimento Regional (STACHEWSKI, 2019). Dentre as principais decisões tomadas pelo Governo Fedral que desmantelam o Ministério do Meio Ambiente estão: menos fiscalização ambiental, devido à demissão em massa de funcionários do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis); congelamento da aplicação de recursos destinados à projetos de recuperação ambiental; retira a participação social do ministério que ocorria por meio do Conselho Nacional do Meio Ambiente; libera o uso de 86 agrotóxicos considerados cancerígenos e causador de mortes de espécies silvestres; revê as regras para o licenciamento ambiental a fim de agilizar a liberação de empreendimentos e prevê ainda, a liberação do plantio de transgênicos e da mineração, inclusive em áreas indígenas, de modo que os povos poderão ser “ouvidos”, entretanto, não terão autonomia para vetar os projetos do Governo Federal (LOUSADA, 2019). É pela presença destas medidas, que ainda não sabemos se todos os Programas que assistem aos povos indígenas continuarão a existir em um futuro próximo. 207

O contexto sociopolítico a que chegamos indica a relevância existente nas Políticas Públicas da área de saúde em relação à alimentação indígena, estando os âmbitos culturais anexos a estas políticas. Esta atuação lateral da cultura foi prejudicial no passado (principalmente na década de 1970), quando imposições e desrespeitos às culturas e epistemologias indígenas, inclusive promovidas pela academia, prejudicaram a vida desses povos, havendo na atualidade a necessidade de atuação basilar de projetos que promovam a ação conjunta. E para tal, conhecer o contexto histórico e as particularidades de cada povo se faz essencial.

3.2 - DADOS ARQUEOLÓGICOS E ETNOGRÁFICOS SOBRE OS POVOS DO BRASIL CENTRAL E A ALIMENTAÇÃO

Neste tópico pretendemos apresentar um histórico das pesquisas arqueológicas realizadas no Brasil Central, seu início e as principais descobertas que deram suporte às interpretações sobre a ocupação humana no interior do país. Em seguida, apresentaremos informações sobre essa ocupação humana ocorrida entre o fim do Pleistoceno43 e início do Holoceno, a alimentação das populações que colonizaram o Centro-Oeste e por fim, informações sobre ocupação humana na região dos rios Tocantins e Araguaia, áreas onde atualmente concentra-se a população indígena Javaé. Optamos por descrever esta trajetória porque acreditamos que conhecer detalhadamente a atuação dos povos viventes na região no passado auxilia na redução de preconceitos, no entendimento de suas reivindicações e lutas. Mesmo que as informações obtidas tenham sido mediadas por uma visão colonizadora, reafirmamos a importância de compreender, a partir de seus vestígios materiais, a história de sua atuação. Abaixo, apresentamos o Quadro 15 (elaborado pela autora) em que os povos indígenas, sua localização atual e língua são associados às prováveis Tradições Arqueológicas44 de agricultores-ceramistas dos Estados de Goiás, Tocantins e Mato Grosso.

43 O Pleistoceno corresponde ao período geológico iniciado há 30.000 anos A. P. e finalizado há aproximadamente 12.000 anos A. P., intervalo em que ocorreram grandes glaciações no planeta Terra; e o Holoceno foi iniciado há aproximadamente 12.000 anos A. P., quando houve a última glaciação denominada de Wisconsin e posteriormente ocorreu o gradual “aquecimento” da Terra, e permanece até o momento em que nós encontramos nos dias atuais. 44 “Grupos de elementos ou técnicas, com persistência temporal (PRONAPA, 1976 apud SOUZA, 1997, p. 124)”. Ou seja, corresponde a uma sequência cultural que forma uma continuidade cronológica. 208

Quadro 15 – Povos indígenas e Tradições Arqueológicas

TRADIÇÃO TRADIÇÃO ARQUEOLÓGICA ARQUEOLÓGICA ASSOCIADA ASSOCIADA POVO LOCALIZAÇÃO TRONCO/FAMÍLIA (ANALOGIA (ANALOGIA INDÍGENA ETNOGRÁFICA) – ETNOGRÁFICA) – CAÇADORES- AGRICULTORES- COLETORES CERAMISTAS Karajá Goiás Tradição: Uru Javaé Tocantins Macro-Jê Fases: Uru, Uruaçu,

Karajá Jaupaçi, Aruanã, Xambioá Tocantins Itapirapuã Macro-Jê Xavante Mato Grosso Jê Macro-Jê Xerente Tocantins Jê Tradição: Aratu

Macro-Jê Fase: Mossâmedes Krahô Tocantins Jê Macro-Jê Bororo Mato Grosso Bororo Kayapó do Macro-Jê Goiás ? ? Sul Jê Tocantins / Tapirapé Tradição: Tupiguarani Mato Grosso Tupi Fases: Iporá, São Goiás / Tupi-Guarani Avá-Canoeiro Domingos Tocantins

* Tradição Una - Fases: Jataí e Palma, não é associada a nenhum povo indígena ascendente na atualidade. E a Fase Pindorama não é associada a nenhuma Tradição arqueológica cerâmica. Fonte: RODRIGUES, 1994; MOURA, 2006; PONTIM, 2011. Nota: Quadro elaborado pela autora (2019).

3.2.1 - Breve histórico das pesquisas arqueológicas no Centro-Oeste45

As pesquisas arqueológicas sistemáticas no Brasil Central iniciam-se na década de 1970, quando pesquisadores da Universidade Católica de Goiás (UCG)46 e Universidade Federal de Goiás (UFG), influenciados pelo método norte-americano de Betty Meggers e Clifford Evans47, desenvolvem projetos de pesquisa para a elaboração de um quadro

45 Aqui a região Centro-Oeste pode ser compreendida como uma delimitação geográfica didática, uma vez que para as culturas arqueológicas não existiam fronteiras político-territoriais como nós as conhecemos atualmente. Ademais, diversas pesquisas arqueológicas sistemáticas já haviam ocorrido até o ano de 1989, período em que ocorre a emancipação do Estado do Tocantins. Portanto, inclui-se aqui o Estado do Tocantins. 46 Hoje Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC - Goiás. 47 De acordo com Barreto (2010), nas primeiras décadas do século XX, a abordagem teórica da antropologia Histórico-Cultural despontará nas pesquisas arqueológicas realizadas na Europa e nos Estados Unidos, a qual se distinguia da abordagem evolucionista por explicar os registros arqueológicos a partir de sequências de ocupação humana no tempo e no espaço, “sendo estas definidas com base em elementos culturais diagnósticos e na seriação tipológica do material escavado” (BARRETO, 2010, p. 14), ou seja, estabelecia-se uma cronologia e uma 209

cronológico e espacial das ocupações pré-históricas na região. Este método quantitativo, da Arqueologia Processual ou Nova Arqueologia, baseou-se no que foi empregado no grande projeto de pesquisa denominado Programa Nacional de Pesquisa Arqueológica (PRONAPA), que ocorreu entre 1965 e 1971, e visava o levantamento de sítios arqueológicos em diversas regiões do Brasil (MELLO; VIANA, 2006). A Universidade Católica de Goiás, entre 1972 e 1985, desenvolveu o Programa Arqueológico de Goiás, subdividido em oito projetos (Projeto Paranaíba, Alto Araguaia, Complementar Centro-Sul, Alto-Tocantins, Serra Geral, Médio Tocantins, Ilha do Bananal e Extremo Norte) (BARBOSA, 2002). Enquanto, neste mesmo período, a Universidade Federal de Goiás desenvolveu os projetos de Levantamento e Cadastramento dos Sítios Arqueológicos do Estado de Goiás; Projeto Anhanguera e o Programa Paranã. Ambas instituições tinham por objetivo a elaboração de quadros cronológico e espacial das culturas pré-históricas utilizando prospecções oportunísticas em áreas onde houve indícios arqueológicos. Buscavam estabelecer padrões de assentamento e abastecimento buscando explicar as mudanças ocorridas ao longo do tempo (MELLO; VIANA, 2006). Normalmente, as coletas sistemáticas de materiais arqueológicos ocorriam em áreas nas quais existia maior densidade de materiais sendo utilizadas coletas aleatórias, cortes estratigráficos (artificiais em níveis de 10 cm), e coleta de carvão para datação. Os resultados, geralmente, eram descritivos e classificatórios com a construção de generalizações para a definição de Fases e Tradições arqueológicas, à semelhança das pesquisas norte-americanas. De modo geral, estas pesquisas resultaram em informações importantes sobre a pré-história regional (MELLO; VIANA, 2006). De acordo com Oliveira e Viana (1999-2000, p. 144), a reconstituição do passado era feita de forma linear, em que “as diferenças eram interpretadas como mecanismos de difusão e migração, sem necessariamente implicar na compreensão dos processos culturais inerentes a

localização espacial para cada grupo de artefatos que formavam uma “cultura arqueológica”. Este enfoque Histórico-Cultural foi influenciado pelas teorias Difusionistas e Funcionalistas da antropologia, seguidas da perspectiva Neo-evolucionista. Neste contexto, nos Estados Unidos dos anos 1930, Lewis Binford constrói a chamada “Nova Arqueologia”, que tinha como propósito “explicar as similaridades e diferenças da atividade cultural humana, mormemente as primeiras, pois acreditava na existência de fortes regularidades no comportamento humano” (BARRETO, 2010, p. 15). No Brasil, quando o casal Meggers e Evans iniciam trabalhos na foz do rio Amazonas, no final da década de 1940, utilizam-se das perspectivas da Nova Arqueologia e do Neo- evolucionismo, de modo que seu método de análise arqueológico foi baseado na construção tipológica (tipos padrão) e quantitativa para a cerâmica arqueológica, tendo como fim a definição de cronologias e localização geográfica de ocupação humana. Este método influenciou grandes projetos arqueológicos no Brasil, no período imediato à sua implementação, nos Projetos PRONAPA (Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas – 1965- 1970) e PRONAPABA (Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas na Bacia Amazônica – 1976-1983) e em período posteriores, até pelo menos o final da década de 1980. 210

eles”. Correspondia à adoção do modelo histórico-culturalistas, que no final da década de 1980 foi suplantado pelos modelos processualista e pós-processualista sob influências do estruturalismo (MELLO; VIANA, 2006). Nesta mesma época, iniciam-se alguns projetos de pesquisa arqueológica no Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e no atual estado do Tocantins, que possuíam os mesmos objetivos dos projetos de levantamento e mapeamento anteriores: descrever, classificar e construir tipologias de dados para compreender o passado humano, no Centro-Oeste. É importante ressaltar que foi ao final da década de 1970 que ocorreu o III Seminário Goiano de Arqueologia, promovido pelo Instituto Goiano de Pré-História e Antropologia - IGPA da Universidade Católica de Goiás (UCG) e pelo Instituto Anchietano de Pesquisas - IAP da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Esse seminário, realizado em caráter nacional, reuniu expressivo número de arqueólogos que atuavam naquele momento. Estimularam debates organizados em cinco temas, que delinearam o panorama da pré-história do Brasil no período (VIANA, 2015). De acordo com Viana (2015, p. 9): Os temas tratados representavam o acúmulo de dados de pesquisas e experiências de arqueólogos, obtidos em cerca de 20 anos de pesquisas realizadas, principalmente, no Brasil. Os textos resultantes foram publicados em íntegra, em números distintos da então revista de UCG/IGPA, intitulada Anuário de Divulgação Científica, referente aos anos 1978/1979/1980.

Entre os temas importantes abordados no Anuário estão: o Paleoíndio48, o Arcaico49 do interior; o Arcaico do Litoral; a Arte Rupestre e os Cultivadores do Planalto e do Litoral. Os conceitos de Fases e Tradições permearam as discussões, de modo que seu uso reflete o momento das pesquisas, em que se buscava organizar e interpretar as informações culturais dos grupos humanos do passado (VIANA, 2015). Estes temas e as produções acadêmicas

48 O termo Paleoíndio no Brasil é utilizado para caracterizar culturas antigas que ocorrem até a primeira mudança climática, ao final do Pleistoceno (SCHMITZ; BARBOSA; RIBEIRO, 2015). Corresponde a um período “[...] representado por uma significativa quantidade de sítios arqueológicos datados e espalhados por todo continente. As populações Paleoíndias eram formadas por bandos de caçadores-coletores que adentraram na América durante o Pleistoceno tardio e começos do Holoceno. [...] especializados no abate dos grandes mamíferos, alguns atualmente extintos (bisões, mamutes, cavalos etc.), sendo seus vestígios constituídos principalmente por sítios de matança e por uma indústria lítica caracterizada pela confecção de pontas de projétil lascadas usadas na caça [...]” (BARRETO, 2010, p. 111). O período Pleistoceno corresponde ao fim da Idade do Gelo, ocorrido entre 12.000/10.000 A. P. – 8.000 A. P. (BARRETO, 2010). Na atualidade há divergências sobre estas datas (fim do Pleistoceno e início do Holoceno), devido a datações radiocarbônicas realizadas em vestígios arqueológicos de alguns sítios arqueológicos no Brasil e em outras partes da América do Sul. Apesar disto, as datas mais aceitas pelas comunidades científicas, para o início da ocupação das populações humanas nas Américas, ainda correspondem ao fim do Pleistoceno e início do Holoceno. 49 O termo Arcaico no Brasil é utilizado como um período compreendido entre o Paleoíndio e o Agricultor e Ceramista (SCHMITZ; BARBOSA; RIBEIRO, 2015). 211

resultantes deixaram raízes profundas na arqueologia brasileira de tal maneira que o uso de classificações para a compreensão do passado pré-histórico ainda ocorre, mesmo que haja o uso de outras perspectivas teóricas. É durante esse período também que a Carta Arqueológica de Goiás é produzida, publicada pela primeira vez no ano de 1972, por pesquisadores da Universidade Federal de Goiás. Ela era um instrumento de normatização para as pesquisas que fossem realizadas no Estado de Goiás, que incluía, naquele momento, o Estado do Tocantins. Constituía-se em mapas em que o Estado de Goiás era dividido em Áreas, Regiões e Zonas arqueológicas, cada qual recebia uma sigla a fim de estabelecer uma nomenclatura padrão para o registro de sítios arqueológicos no banco de dados do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Desde a sua publicação, o IPHAN a reconheceu como mapa orientador oficial para a região, e quando surgiu o Estado do Tocantins, houve a reordenação da Carta Arqueológica, republicada em 2009 (LIMA, 2009). Ainda hoje, a Carta Arqueológica constitui um importante instrumento de pesquisa para a arqueologia do Centro-Oeste.

212

Mapa 6 – Tradições Arqueológicas do Estado de Goiás e seus respectivos territórios de ocupação e deslocamento: Uru, Tupiguarani e Aratu - Fase Mossâmedes. Fonte: BARBOSA; SCHMITZ; MIRANDA, 1976/1977, p. 57. 213

A Ilha do Bananal, região na qual habita o povo Javaé, no ano de 1972, encontrava-se no mapa da Carta Arqueológica de Goiás, recebendo a seguinte denominação: Área Araguaia – sigla A; Região 2ª, 6ª e 7ª, de Formoso do Araguaia, Cristalândia e Pium; Zona de Formoso do Araguaia – sigla FA.- a, b ou c e Zona de Cristalândia – sigla Cr. – a, b ou c. Sua nomenclatura era: GO – Cr.; GO – FA. (Mapa 03) (MELO; BREDA, 1972). Na atualidade a nomenclatura GO (Goiás) foi substituída por TO (Tocantins). Entre 1976 e 1993 foram registrados no IPHAN pelo menos 10 sítios arqueológicos na região da Ilha do Bananal e entorno, em sua grande maioria pré-coloniais.

Figura 22 e 23 – Equipe de pesquisadores do IGPA/UCG em trabalho de campo na Ilha do Bananal, em 1984. Fonte: NUNES; BARBOSA, 2006, p. 259 - 260.

Destes sítios arqueológicos, dez foram registrados durante o Projeto Ilha do Bananal, integrante do Programa Arqueológico de Goiás. Os trabalhos de campo foram realizados no ano de 1984, com o objetivo de compreender os grupos agricultores e ceramistas da região. Por meio de escavações arqueológicas, os pesquisadores coletaram materiais cerâmicos e realizaram analogias etnográficas com grupos indígenas Iny, moradores da região. Dos sítios registrados, um correspondia a sítio aldeia, sete a sítios de acampamento e dois não foram classificados. Os resultados parciais indicaram a presença de cerâmica da Tradição50 Uru,

50 Tradições e Fases arqueológicas compreendem estágios tecnológicos e culturais de determinada região do Brasil (SCHMITZ et. al., 1974). Tradição compreende um “grupo de elementos ou técnicas, com persistência temporal (PRONAPA, 1976). Uma sequência de estilos ou de culturas que se desenvolvem no tempo, partindo uns dos outros, e formam uma continuidade cronológica” (SOUZA, 1997, p. 124); e Fase compreende “qualquer complexo de cerâmica, lítico, padrões de habitação, etc., relacionado no tempo e no espaço, num ou mais sítios” (PRONAPA, 1976 apud SOUZA, 1997, p. 55). Conforme Barreto (2010), “os conceitos de fase e tradição se tornaram as unidades taxionômicas básicas da arqueologia brasileira e foram empregados para caracterizar os vestígios que eram recuperados nas escavações dos sítios. Mas desde o início foi dada maior relevância a um tipo de material: a cerâmica, que se transformou no elemento cultural determinante para se definir as fases e tradições. Através da técnica de seriação os fragmentos cerâmicos eram separados em tipos. Os critérios para se classificar um tipo eram a presença ou ausência de decoração, o padrão decorativo e o tipo de antiplástico. As fases eram definidas pelas características qualitativas dos tipos que possuíam e também pela porcentagem numérica apresentada por cada um 214

entretanto, as pesquisas não foram concluídas e seus resultados parciais foram publicados no ano de 1985, por Altair Barbosa (NUNES; BARBOSA, 2006). Nos Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul poucos dados foram produzidos até a década de 1990, período em que o Pantanal foi inserido nos debates da arqueologia do Centro-Oeste, por meio do Projeto Corumbá (OLIVEIRA; VIANA, 1999-2000). No Estado de Mato Grosso do Sul, segundo Kashimoto e Martins (2009), a pesquisa arqueológica “tem uma curta história”. Seu início foi em 1986 quando uma equipe mista de pesquisadores da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e Universidade Vale do Sinos (UNISINOS) fez prospecções na região nordeste do estado e identificou grafismos rupestres e vestígios de caçadores-coletores. Desde 1988, o Museu de Arqueologia e o Laboratório de Pesquisa Arqueológica da UFMS desenvolvem pesquisas deste cunho, responsáveis pela padronização das nomenclaturas e demais análises e interpretações.

deles. Assim, os tipos definiam as fases e estas, por sua vez compunham as tradições.” (BARRETO, 2010, p. 100). O referido “antiplástico” acima corresponde à matéria que se coloca na argila para permitir melhores condições de secagem e queima dos artefatos, para se obter maior resistência dos vasos, potes, vasilhames, pratos etc. Normalmente estas matérias são: areia, quartzo, conchas e/ou ossos moídos, carvão vegetal, casca de árvore, espongiários, todos moídos ou macerados, adicionados pela ceramista à “massa” cerâmica. 215

Mapa 7 – Carta Arqueológica do Estado de Goiás publicada no ano de 1972, com destaque para a Ilha do Bananal. Fonte: MELO; BREDA, 1972.

3.2.2 - Os primeiros grupos humanos do Brasil Central

Os dados arqueológicos nos trazem importantes informações relacionadas à alimentação dos povos ancestrais aos povos indígenas atuais no Brasil. Alguns sítios 216

arqueológicos apresentam datações absolutas bastante recuadas, mas também apresentam datações muito próximas ao período de colonização europeia, de modo que é possível a realização de associações entre os povos do passado e os atuais habitantes indígenas. Alguns pesquisadores se empenharam nesta tarefa, entretanto, mesmo sendo vista de forma frágil pelos pares em períodos posteriores, permitiu a construção de quadros ocupacionais genéricos dos povos do Centro-Oeste Pleistocênico e Holocênico. Iniciaremos o delineamento destes quadros, a partir das análises dos processos migratórios e ocupacionais do território brasileiro, priorizando a sua área central, e em seguida descreveremos as características mais específicas dos grupos humanos ocupantes desta região, oriundos dos dados das pesquisas já realizadas. Partindo destas considerações, iniciaremos a nossa descrição pelo povoamento da América do Sul, que segundo Bueno e Dias (2015), não foi um processo homogêneo. Diversos sítios que indicam a ocupação humana entre o final do Pleistoceno e início do Holoceno ocorreram em distintos ecótonos51. A presença de vales com grandes rios auxiliou na execução de rotas para ocupação do interior do Brasil, em uma dinâmica denominada de “modelo fluvial”, que constatou a existência de hot spots, ou seja, áreas ocupadas durante milênios, tendo períodos sazonais, conciliando momentos de agregação e de dispersão (BUENO; DIAS, 2015). A ocupação inicial do território brasileiro teria ocorrido entre o Pleistoceno e Holoceno, em três distintos eventos. O primeiro deles teria corrido entre doze mil e onze mil anos A.P. e refere-se à ocupação da Floresta Tropical e Cerrado, em que os sistemas fluviais que ligam o Norte, o Nordeste e o Centro-Oeste do Brasil serviram de meios para a interiorização da ocupação. Nestas áreas, os caçadores-coletores da Tradição Itaparica52 desenvolveram estratégias de ocupação genéricas e demarcaram as regiões por onde passaram com indústrias líticas e arte rupestre (BUENO; DIAS, 2015). O segundo evento teria ocorrido entre onze mil e oito mil anos A.P., quando uma leva populacional teria expandido da Bacia do Prata para a direção norte do Brasil e para a costa Atlântica. A abundância de recursos da Mata Atlântica teria contribuído para a ocupação de caçadores-coletores da Tradição Umbu53, que possuíam estratégias de exploração do ambiente também generalistas. E o terceiro evento teria ocorrido a partir de oito mil anos A.P., com a

51 De acordo com Schmitz (2013), os ecótonos são lugares em que além da abundância de vegetais e animais, há solos férteis e suficiente umidade para o cultivo de plantas em curta e longa duração. 52 Tradição Arqueológica pré-cerâmica, localizada predominantemente na região Centro-Oeste do Brasil, em que são presentes vestígios líticos plano-convexos. 53 Tradição Arqueológica pré-cerâmica, localizada na região Sul e Sudeste do Brasil, em que predominam vestígios líticos de ponta de projétil. 217

ocupação da planície litorânea, estratégias de exploração especializada nos recursos aquáticos e mobilidade restrita (ver Mapa 8) (BUENO; DIAS, 2015). Podemos afirmar que esta rota de ocupação inicial da América do Sul não é muito ortodoxa, uma vez que menciona três momentos ocupacionais, com três fluxos de migração distintos. Um primeiro, na Bacia Amazônica e do São Francisco; um segundo, na Bacia do Prata; e um terceiro no litoral. Tais dados foram revisados recentemente, indo de encontro aos anteriores que previam duas levas ocupacionais: a primeira, no litoral, e a segunda, no interior da América. No início do Holoceno, quase todo o território de Terras Baixas da América do Sul já estaria ocupado ou pelo menos mapeado pelas populações humanas, sendo o período transicional do Pleistoceno para o Holoceno essencial para tornar áreas desconhecidas em território. Havendo, no momento, pelo menos 32 datações radiocarbônicas entre 11.000 e 8.000 anos A.P. que demonstram a ocupação humana da Floresta Tropical (BUENO; DIAS, 2015). Os conjuntos líticos mais antigos do Brasil sugerem que a primeira rota de migração humana teria vindo do Planalto das Guianas, Venezuela e Colômbia adentrando o Brasil pelos afluentes do Amazonas e pelo corredor seco do Baixo Amazonas. Nas regiões Nordeste e Centro-Oeste as análises polínicas de sedimentos dos lagos sugerem intensa aridez, havendo índices de umidade a partir de dez mil anos A.P., o que propiciou um mosaico de formações vegetais que desenvolveram respostas específicas às condições climáticas regionais e microrregionais (BUENOS; DIAS, 2015). O Vale do São Francisco, que conecta a região Nordeste à região Centro-Oeste foi o principal veio de migração para as populações humanas entre doze e nove mil anos A.P. proporcionando água perene e abundância de recursos para a subsistência. As similaridades dos conjuntos líticos e evidências de comportamentos para a obtenção de matéria-prima para a produção de artefatos conhecidos como “lesmas”, permitem pensar na existência de um padrão de assentamento da paisagem conhecido como Tradição Itaparica (Figura 24). Grande parte desses materiais arqueológicos advém de abrigos sob rocha e de sítios a céu aberto no médio curso do rio Tocantins. Apesar das similaridades, há também variações inter-regionais que sugerem interação e mecanismos de transmissão cultural (BUENO; DIAS, 2015).

218

Mapa 8 – Principais rotas de colonização humana entre o final do Pleistoceno e início do Holoceno. Fonte: BUENO; DIAS, 2015, p. 16. 219

Figura 24 – Artefatos líticos da Tradição Itaparica. Fonte: BUENO; DIAS, 2015, p. 9.

Com relação à exploração de recursos para a subsistência das populações humanas da Tradição Itaparica, foi constatado que desenvolveram estratégias generalistas. Os vestígios arqueológicos indicam que havia consumo de caças, tais como: veados, porcos do mato, tatus, macacos, capivaras, lagartos, tartarugas, peixes, aves e gastrópodes. Entre os frutos destacam- se: gueroba, jerivá, acumã, jatobá, babaçu, caju, licuri e pequi (BUENO; DIAS, 2015). De modo geral, os pesquisadores afirmam que no fim do Pleistoceno a ocupação humana selecionava locais “monumentais” da paisagem. Eram lugares de fácil visibilidade, essencial para momentos em que era necessário o mapeamento do território, orientando o reconhecimento e dispersão territorial. Há pesquisas arqueológicas recentes que tem tratado esses locais como “lugares persistentes”, de boa visibilidade e que foram sistematicamente ocupados por milhares de anos. De acordo com Sallum (2018), as pesquisas arqueológicas sob o viés da Arqueologia da Persistência enfatizam que os povos indígenas das Américas possuem uma dinamicidade sociocultural que pode ser percebida muito mais pela continuidade do que pelas mudanças ou “incorporações” de valores dos colonizadores, ou seja, os assentamentos pré-coloniais, coloniais e seu entorno podem ser continuamente ocupados e as práticas culturais nativas associadas podem ser observadas e entendidas como parte desse processo de persistência sociocultural e espacial. Em um segundo momento, no Holoceno inicial, a ocupação humana expandiu-se radialmente, de modo que as populações pudessem ampliar seus territórios, pois as paisagens já eram familiares. É um período em que ocorre a ocupação efetiva do interior do Brasil e a delimitação de fronteiras territoriais (BUENO; DIAS, 2015). 220

Pesquisadores do Programa Arqueológico de Goiás se empenharam nessas pesquisas. Apresentaremos resumidamente alguns de seus resultados.

3.2.2.1 - Grupos caçadores-coletores

Quando se fala de arqueologia pré-histórica ou pré-colonial, a sequência cronológico espacial da ocupação humana, denominada caçador-coletor e agricultor e ceramista, foi e ainda é usada em vários estudos. Ela foi largamente utilizada nas décadas de 1970 e 1980, quando o objetivo das pesquisas arqueológicas era a construção das bases gerais da ocupação pretérita por meio de uma organização e padronização de dados. A continuidade do uso desta forma de denominação nas investigações científicas, da década de 1990 em diante, representou a liberdade de sua adoção. Assim os termos caçador-coletor e agricultor e ceramista serão aqui empregados, pois os dados apresentados compreendem pesquisas em que seu emprego é usual. De acordo com Oliveira e Viana (1999-2000), tanto caçadores-coletores quanto agricultores e ceramistas ocuparam a região Centro-Oeste do Brasil, em áreas de planalto e de planície. Os grupos caçadores-coletores ocuparam, predominantemente, áreas de planalto (700m a 800m), tendo preferência por regiões de vegetação aberta, na qual se inclui o cerrado. Como já foi dito anteriormente, as primeiras ocupações no Brasil são vinculadas à grupos caçadores-coletores entre o final do Pleistoceno e início do Holoceno (12.000 a 10.000 A.P.). Pesquisas realizadas por Schmitz, Barbosa e Wüst de 1975 a 1985, durante o Programa Arqueológico de Goiás, apontaram que alternâncias climáticas ocorreram entre 10.500 e 7.250 A.P. e entre 6.500 e 7.250 anos A.P. Os autores supracitados se basearam em dados de Aziz Ab’Sáber (1978/79/80). Entre 9.000 e 7.000 anos A.P. o clima tornou-se mais quente e úmido permitindo a expansão das áreas do cerrado e de matas. Este contexto ambiental é associado às mudanças culturais (OLIVEIRA; VIANA, 1999-2000). Das camadas arqueológicas dos abrigos estamos deduzindo (SCHMITZ, 1984), que no começo do Holoceno (de 11000 a 8500 anos AP) a região teria sido mais fria e mais seca, sucedendo-se, porém, temporadas mais secas e outras mais úmidas; ao redor de 8500 anos AP percebe-se uma temperatura mais alta, aparentemente sem o correspondente crescimento da umidade, que desembocaria no “ótimo climático” com um máximo de calor e de umidade; ultrapas[s]ando este clímax, outra vez a temperatura se tornaria mais amena e a umidade mais reduzida, parecendo-se às condições climáticas atuais, embora ainda sujeitas a aumentos de umidade como ao redor de 2700 e l700 anos AP (SCHMITZ, 1987, p. 21).

221

A Tradição Itaparica, caracterizada pela presença de instrumentos líticos unifaciais, foi estabelecida para sítios da região do nordeste de Mato Grosso e sudeste de Goiás, localizados em abrigos sob rocha (arenito, quartzito e calcário). Esta mesma Tradição foi dividida em duas Fases de ocupação pelos pesquisadores: Paranaíba e Serranópolis. A Fase Paranaíba é mais antiga, compreendendo em 10.000 e 8.000 anos A.P., em que há presença de instrumentos líticos como raspadores e furadores, alguns denominados de “lesmas” (instrumentos plano- convexos), ossos dos pés de cervídeos também foram utilizados como furadores. Entre os restos alimentares encontraram nos abrigos, vestígios ósseos de aves, mamíferos, répteis e peixes e frutos de palmáceas. As análises estratigráficas demonstraram que a Fase Serranópolis, correspondia a um período menos recuado, a partir de 9.000 anos A.P., em que as populações ocupantes dos abrigos produziam artefatos líticos, porém, mal-acabados, bem diferentes da fase anterior. A indústria óssea é mais escassa havendo além de furadores, espátulas e anzóis. Os restos alimentares mudam de forma abrupta, predominando frutos e outros vegetais do cerrado, baixa quantidade de caça e presença de moluscos terrestres. De acordo com Schmitz, esta transição é atribuída principalmente às adaptações climáticas destes agrupamentos humanos na paisagem, expressa com clareza na estratigrafia dos sítios: Ao menos entre a Fase Serranópolis e a Paranaíba há uma mudança clara e brusca, tanto nos sedimentos, como nos implementos líticos e nos restos de alimentos. Todos os materiais são extremamente abundantes, razão por que a caracterização é bem clara [...] (SCHIMITZ, 1987, p. 26).

Apesar de constatada a transição, suas origens não são claras, pois podem representar a migração de novos grupos para o Centro-Oeste, ocupando a região. Nos últimos níveis estratigráficos destes sítios, foi constatada a presença de vestígios cerâmicos e de restos alimentares oriundos de cultivo, que, segundo Schmitz (1987), vão aparecer associados a grupos agricultores e ceramistas por volta de 1.000 anos A.P. Entre as interpretações possíveis, há aquelas que supõem a permanência dos grupos caçadores-coletores no ambiente das grutas e abrigos tendo desenvolvido em períodos posteriores a atividade de agricultura. Mas, há também hipóteses de que novos grupos agricultores tivessem chegado à região e ocupado estas mesmas áreas, desenvolvendo a produção de indústria cerâmica, que será associada à Tradição Una (OLIVEIRA; VIANA, 1999-2000). Entre esses grupos de caçadores-coletores do Centro-Oeste predominaram enterramentos primários em posição fletida, cobertos por rochas. Havia acompanhamentos 222

funerários com a presença de contas vegetais e de ossos de cervídeo (SCHMITZ, 1987; OLIVEIRA; VIANA, 1999-2000). Além dos sítios da Tradição Itaparica, localizados em áreas de abrigo sob rocha, foram também encontrados vestígios materiais em áreas abertas. Porém, não proporcionaram o mesmo grau de investigação pela baixa conservação de materiais no solo e disposição contextual.

Figura 25, 26 e 27 – Da esquerda para direita: instrumentos plano-convexos denominados “lesmas”; restos faunísticos de vertebrados e restos de moluscos oriundos de Sítios da região de Serranópolis. Fonte: NUNES; BARBOSA, 2006, p. 249-250.

3.2.2.2 - Agricultores e ceramistas

Segundo Oliveira e Viana (1999-2000), a presença de grupos agricultores e ceramistas no Centro-Oeste está representada por seis Tradições arqueológicas: Una, Aratu, Uru, Tupiguarani, Bororo e Inciso Ponteada. A existência dessa quantidade de tradições se deve, segundo os pesquisadores, à sua localização, pois corresponde a uma área central de confluência que permite maior mobilidade espacial. A Tradição arqueológica Tupiguarani é comumente associada aos povos linguisticamente denominados de Tupi-Guarani, originários da Amazônia. Ao migrarem para o Centro-Oeste pressionaram e sofreram pressões territoriais dos grupos já ocupantes da região. A existência de poucos vestígios cerâmicos tipicamente Tupiguarani em áreas de ocupação de outros grupos ou a presença de sítios em topos de morros elevados demonstra estratégias defensivas, fusões ou empréstimos, resultante dessas interações. O Planalto Central, ao que 223

indicam as pesquisas, seria rota de deslocamento dos povos Guarani e Tupinambá no período colonial. Esses seriam possíveis descendentes dos grupos Tupiguarani (OLIVEIRA; VIANA, 1999-2000). Antes da presença Tupiguarani na região Centro-Oeste, os grupos da Tradição Una eram habitantes das margens do Rio Paranã. O rio nasce no Planalto Central e banha os Estados de Goiás e Tocantins. A presença dessa ocupação data em torno de 1.000 anos A.P., segundo as pesquisas realizadas desde a década de 1970. A arqueóloga Robrahn González (1996, p. 100) afirma que esse grupo ocupou áreas em dois períodos diferentes: Embora se conte com poucas datas, a descontinuidade temporal dos assentamentos sugere ao menos dois momentos distintos de ocupação. [...] dados permitem supor que as diferentes formas de contato teriam mantido um caráter independente e isolado, não apenas na origem como provavelmente durante todo o período em que estes grupos continuam presentes na região.

A pesquisadora reuniu dados referentes a pelo menos três sítios arqueológicos, escavados durante o Programa Arqueológico de Goiás, caracterizados como pertencentes à Tradição Una, nos Estados de Goiás e Tocantins. Analisou o conjunto de “sítios cerâmicos mais antigos do centro-oeste” (1996, p. 99), embora possam existir outros com maior profundidade temporal constatados pela datação absoluta na região sudeste de Goiás, segundo afirma a própria pesquisadora. Ela observou que, apesar de o conjunto apresentar características comuns da cerâmica Una, há diversificação de elementos, provavelmente, oriundos de momentos de ocupação distintos e de contatos também distintos. A primeira e mais antiga ocupação teria ocorrido há 2.400 anos A.P. na região do alto Tocantins e a segunda teria acontecido entre 1.200 anos A.P. e 700 anos A.P. na região norte e sudeste de Goiás. No extremo norte (médio Tocantins) tem-se a coleção mais simples e com menor interferência de elementos externos (GO-RS-01). Na porção central (alto Tocantins) ocorrem acréscimos que remetem, em grande parte, à indústria Tupiguarani (GO-NI-06 e 11). Já no extremo sul (vale do Paranaíba), estes acréscimos ocorrem em quantidade maior, remetendo à indústria Uru, resultando na coleção mais diversificada (GO-JA-01) (ROBRAHN GONZÁLEZ, 1996, p. 87-88).

Os sítios mais antigos estariam localizados na porção norte da região Centro-Oeste, corroborando as hipóteses de que as rotas migratórias de interiorização das ocupações tiveram entrada pela região nordeste de Goiás, havendo sítios Una na Bahia e no norte de Minas Gerais. Estabeleceram-se em áreas com relevo acidentado e com a predominância de vegetação de cerrado. Seus vestígios estão concentrados em estratos mais superficiais de grutas e abrigos rochosos. Muitas vezes, eram os mesmos utilizados por caçadores-coletores, o que levou aos 224

pesquisadores suporem que a transição das atividades de caça e coleta para a agricultura tenha sido realizada primeiramente por estes grupos humanos. Apesar da predominância de sítios em áreas de abrigo, há também evidências em locais abertos (OLIVEIRA; VIANA, 1999-2000).

Conforme Robrahn González (1996, p. 99): Uma série de evidências materiais e estratigráficas indica de forma cada vez mais clara uma continuidade entre as ocupações de caçadores-coletores e dos primeiros grupos ceramistas. Assim é que sítios do alto Araguaia, alto Tocantins e vale do São Lourenco não apresentam ruptura estratigráfica entre as ocupações, além de suas indústrias líticas conservarem os mesmos padrões gerais tecnológicos e morfológicos.

No sudeste de Goiás, alguns sítios indicam o cultivo de alguns vegetais, como o milho, abóboras, amendoim, cabaça e algodão (MELO; VIANA, 2006), mas ainda mantendo intensa coleta de vegetais, caça e apanha de moluscos. As cerâmicas desta tradição, normalmente apresentam-se em forma de recipientes pequenos, como pratos, tigelas e pequenas panelas, com contornos simples e raras decorações (OLIVEIRA; VIANA, 1999-2000). O possível desaparecimento ou absorção destes grupos ocorreu frente à expansão das “grandes aldeias”, associadas às Tradições Aratu e Uru. Os grupos portadores da Tradição Aratu conviveram nos períodos iniciais com os grupos portadores da Tradição Una. Ocuparam grande regiões compreendendo os Estados de Pernambuco, Bahia, Espírito Santos, Goiás, Tocantins e Mato Grosso. Ocupantes dos afluentes das Bacias do Tocantins, Paranaíba e Araguaia, desde 1.000 anos A.P. Preferiam áreas abertas, com relevo ondulado suave, vegetação de mata e raramente de cerrado, não havendo evidências de que ocuparam abrigos (OLIVEIRA; VIANA, 1999-2000). Frequentemente os Aratus são associados a povos do tronco linguístico Macro-Jê, especificamente especula-se que seus descendentes seriam povos Kayapó. Conforme Robrahn González (1996, p.102): Dentro de uma discussão mais ampla Brochado (1991, p. 86) defende a hipótese de os grupos relacionados à tradição Aratu serem filiados ao tronco lingüístico Macro-Gê [sic], que constituiria uma segunda e tardia expansão da tradição Pedra do Caboclo. Os grupos portadores da indústria Aratu representariam o deslocamento de grupos Gê [sic] e dos Cariri, saindo da Amazônia em direção ao Centro-Oeste.

As manchas de ocupação no solo dos sítios arqueológicos levaram aos pesquisadores identificarem o formato de suas aldeias, geralmente anulares, circulares ou em forma de ferradura. Algumas apresentavam dois ou três anéis concêntricos, sendo os internos mais antigos que os externos. Dentre os produtos de subsistência identificados, havia presença de milho, feijões e outros tubérculos, não havendo evidências da presença de mandioca amarga. 225

Além da produção destes vegetais, a dieta era complementada com caças e frutos oriundos da coleta (OLIVEIRA; VIANA, 1999-2000; MELO; VIANA, 2006). A indústria cerâmica dos grupos Aratu merece destaque, pois grande parte dos vasilhames era piriformes, esféricos ou elipsóides grandes, que comportava dezenas e centenas de litros ou quilos, apresentando poucas decorações. A presença de rodelas de fuso indica a presença de atividade têxtil. Há também carimbos e cachimbos associados a atividades rituais. A ausência de pratos e assadores corrobora a informação de que o grupo não produzia mandioca. Associado ao material cerâmico, são comuns alguns instrumentos líticos, tais como percutores, quebra cocos, polidores, lâminas de machado polida, martelos, mãos de pilão e tembetás (ornamento labial) (OLIVEIRA; VIANA, 1999-2000). Os portadores da Tradição Uru, possivelmente originários da região do Xingu, ocuparam o vale do Araguaia, o sudeste do Mato Grosso e o alto Tocantins, entre 1.300 e 800 anos A.P. Alguns sítios arqueológicos da Tradição Uru foram associados a ocupações de descendentes dos atuais povos indígenas Iny em Goiás e a povos indígenas Boe (Bororo) no Mato Grosso (WÜST, 1975). Vestígios arqueológicos, tais como fragmentos de vasilhames cerâmicos foram os principais elementos que propiciaram essa associação: pratos para produção de beijus associados à vasilhames para produção de mingaus de milho e/ou armazenamento de grãos; disposição espacial dos vestígios arqueológicos linear ou circular (mancha de ocupação), próximos a rios, podendo indicar unidades habitacionais; concentração cerâmica em área um pouco mais distante das manchas de ocupação, podendo indicar a presença da Casa dos Homens. Seus assentamentos eram realizados também na margem de lagos ou córregos, em ambientes abertos e de relevos pouco acidentado, com vegetação de cerrado e solos de baixa fertilidade (OLIVEIRA; VIANA, 1999-2000).

Figura 28 e 29 – Machado semilunar e urna funerária da Tradição Aratu. Fonte: MELO; VIANA, 2006, p. 35-36. 226

O formato de suas aldeias era linear, podendo haver duas fileiras duplas ou formato circular, podendo haver dois anéis concêntricos. Provavelmente, suas casas eram plurifamiliares. Em alguns sítios há uma mancha na parte central que indica a presença da “casa dos homens”, na qual são presentes artefatos cerâmicos distintos dos encontrados nas casas. Cultivavam a mandioca amarga, que, associada à pesca, permitia o sustento do grupo. As atividades de caça e coleta complementavam a dieta. Produziam vasilhames em forma de pratos, assadores, tigelas rasas de bordas reforçadas e jarros, característicos do trabalho com a mandioca (produção de beijus e bebidas fermentadas), havendo poucas decorações e a presença de antiplástico cariapé (espículas vegetais), típico de vasos utilizados por povos da região amazônica (OLIVEIRA; VIANA, 1999-2000). Acredita-se que os povos proto-Karibe, Aruák e Tupi tenham migrado para a região Centro-Oeste sendo povos que, provavelmente, deram origem a Tradição Uru. A origem externa destes agricultores do leste provavelmente está relacionada à região amazônica (talvez vinculada com a expansão de grupos proto- Caribe), na medida em que parece haver, como vimos nas páginas anteriores, uma continuidade na distribuição de seus assentamentos, além das características gerais da indústria cerâmica estarem presentes em diferentes contextos desta região (ROBRAHN GONZÁLEZ, 1996, p. 107).

Os grupos da Tradição arqueológica Tupiguarani, citados anteriormente, originários da Amazônia, ocuparam os atuais territórios de Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, predominantemente na Bacia do Paraná. Ocuparam as áreas de mata de galeria e cerrado, sempre próximas a grandes rios. Há presença de ocupação deste grupo em áreas de abrigo, assim como nos ambientes abertos, provavelmente buscando proteção contra os ataques de outros grupos ou para o mapeamento territorial. Especula-se que tinham estratégias de deslocamento sazonal, porém retornavam para as áreas de acampamento permanente em grandes aldeias. As investigações apontam, ainda, que há pelo menos 900 anos A.P., esses grupos ocupavam áreas do Xingu e eram ascendentes dos povos linguisticamente denominados Aruák54 (OLIVEIRA; VIANA, 1999-2000). Os Tupiguarani apresentavam uma indústria cerâmica com peculiaridades pela presença de decorações plástica e pintada. Os recipientes característicos são vasos rasos e planos, com emprego de antiplástico cariapé, cauixi (espículas minerais oriundas de espongiários de água doce), areia, concha e cacos de cerâmica, associadas ao processamento de

54 A arqueologia trabalha com hipóteses e probabilidades. A identificação de vestígios arqueológicos não garante a descoberta absoluta de todas as origens socioculturais que permeiam a produção dos mesmos, mas por analogia, utilizando-se de métodos da etnoarqueológia, é possível (em alguns casos) nos aproximarmos da sua origem e, portanto, identificar as filiações étnicas e linguísticas dos vestígios. 227

mandioca. Sua indústria lítica apresenta materiais lascados com técnicas de polimento (OLIVEIRA; VIANA, 1999-2000). Embora, tanto os vestígios cerâmicos Tupiguarani, quanto Bororo e Inciso Ponteada serem intra-componenciais, ou seja, aparecem mesclados aos vestígios Una, Aratu e Uru, são caraterísticos de grupos agricultores da área sudeste de Goiás e nordeste de Mato Grosso. Os sítios arqueológicos da Tradição Bororo, restritos ao estado de Mato Grosso, foram encontrados ao longo de grandes rios, com vegetação de mata ciliar e em solos férteis. Suas aldeias eram circulares ou elípticas e há indícios de que cultivavam predominantemente milho, além de realizarem atividades de caça, pesca e coleta de vegetais. Sua indústria cerâmica é caracterizada por apresentar vasilhames semiesféricos, com gargalo e base arredondada, sendo utilizadas como antiplástico cinzas vegetais. A presença de urnas funerárias atrás dos espaços residenciais indica a importância dos rituais para esse grupo (OLIVEIRA; VIANA, 1999-2000).

Figura 30 – Peças cerâmicas Tupiguarani (MS). Fonte: KASHIMOTO; MARTINS, 2009, p. 304.

Wüst realizou importantes pesquisas entre os Bororo e entre os Karajá de Aruanã nas décadas de 1970 e 1980, de modo que dados relacionados aos enterramentos tinham destaque, pois a etnoarqueologia era um método importante, tendo a analogia papel fundamental. A pesquisadora afirmou que normalmente os cemitérios distam alguns metros das residências. No caso dos Karajá os cemitérios estão a aproximadamente 100 metros de distância das casas e à 700 metros do rio Araguaia (WÜST, 1975). Entre os Bororo era comum o enterramento secundário (após o enterramento primário, ocorre a decomposição dos tecidos moles e logo após há a retirada dos ossos do local do enterramento primário, normalmente em áreas alagadas e depositados em uma urna cerâmica), logo atrás das residências. 228

A Tradição Inciso Ponteada é originária da região do alto Xingu, a qual está relacionada a grandes aldeias, datadas de pelo menos 900 anos A.P. Suas características e indústria são associadas às tradições das “grandes aldeias” Uru e Tupiguarani (OLIVEIRA; VIANA, 1999-2000). Não podemos deixar de mencionar a presença de arte rupestre ou arte pariental como manifestações dos grupos humanos que viveram na região central do Brasil, presentes em Abrigos sob rocha, grutas e penhascos. No Estado de Goiás as pinturas rupestres estão concentradas na região de Serranópolis e Caiapônia, havendo figuras antropomorfas, zoomorfas e geométricas. Além das pinturas rupestres, os petroglifos55 também são bastante presentes como manifestações pré-coloniais. Em Goiás, concentram-se nos municípios de Jussara, Itapirapuã, Serranópolis, Caiapônia Jaraguá e Mara Rosa. Em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul estão concentrados nas áreas dos rios Araguaia, São Lourenço, Xingu, Guaporé, Negro, Itiquira, Teles Pires e Sucuriú (OLIVEIRA; VIANA, 1999-2000; MELO; VIANA, 2006). No Estado de Tocantins, as pinturas rupestres estão concentradas no médio Vale do Rio Tocantins, situados especificamente ao longo do Ribeirão Lajeado, Rio Tocantins, na Serra do Lajeado. As interpretações sobre os significados ou objetivos da produção da arte pariental não são claras, porém auxiliam na compreensão dos horizontes de ocupação caçador-coletor e agricultor e ceramista.

Figura 31- Petroglifo com motivos geométricos, em Serranópolis (GO). Fonte: NUNES; BARBOSA, 2006, p. 251.

55 “Desenho gravado em rocha, podendo ser colorido ou não. Os petroglifos podem ser elaborados por polimento, picoteamento, raspagem ou corte” (SOUZA, 1997, p. 99). 229

3.2.2.3 - Algumas considerações sobre a ocupação pré-colonial no Brasil Central

Segundo a base de dados do IPHAN, Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos (CNSA, 2020), há no Estado de Goiás 1.460 sítios registrados. Em Mato Grosso, 1.345, em Mato Grosso do Sul, 803 e em Tocantins (atual Estado da região norte do Brasil), 1.034 sítios. Estes dados não indicam que o atual Estado de Goiás tenha sido mais ocupado que os outros em períodos pretéritos, mas sim que trabalhos científicos tenham sido desenvolvidos em maior quantidade ao longo dos anos na região. As pesquisas sistemáticas de arqueologia onde hoje é o Estado do Tocantins iniciaram- se durante o período do Programa Arqueológico de Goiás (entre 1970 até o final da década de 1980), tendo áreas escavadas quantitativamente menores que as do sudeste e noroeste do Estado de Goiás, como foi demonstrado anteriormente56. A provável distância da capital Goiânia e os escassos recursos da época permitiram menos prospecções e menores identificações de sítios arqueológicos, ficando a área menos provida de informações até o início da década de 1990. Nos Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul a mesma situação se repete. Sabemos que a base de dados da década de 1970 impôs um modelo generalista, de modo que as histórias locais foram suprimidas. As vozes e valores também. Em busca de um caráter científico dos objetos pretéritos, os homens e mulheres pretéritos também foram objetificados. Contudo, ainda é possível, por meio dessa trajetória de pesquisa e de seus dados perceber que: podemos visualizar a territorialização dos povos indígenas do passado e a ancestralidade dos atuais habitantes do território nacional, e esses que clamam pela (re)territorialização de suas áreas, muitas e muitas vezes. Quando houve a emancipação e a implantação da capital Palmas em Tocantins, projetos arqueológicos de salvamento foram voltados para a região. Era preciso conhecer a área, além de construir uma identidade local pautada na sua história pretérita. Com isto, entre os anos de 1996 e 2002, foi realizado o Diagnóstico Arqueológico para a implantação da Usina Hidroelétrica Lajeado. O objetivo deste projeto era estabelecer um panorama arqueológico

56 A “arqueologia de salvamento” ou “arqueologia de contrato” teve início no Brasil no final da década de 1960 e meados da década de 1970, para cumprir a Lei 3.924/61. Segundo Caldarelli e Santos (1999-2000, p. 56), “[...] alguns anos foram necessários para que a lei surtisse efeitos, no sentido de os responsáveis por projetos de engenharia civil causadores de degradação do ambiente (e, conseqüentemente, dos sítios arqueológicos que dele fazem parte) passarem a financiar as pesquisas de resgate arqueológico”. Portanto, desde a década de 1960, para que um empreendimento (ferroviário, rodoviário, hidroelétrico, minerador, etc.) no Brasil tenha todas as licenças (licença prévia; de instalação e operação) é necessário que haja o cumprimento dessa lei que visa o salvamento de sítios e bens arqueológicos. 230

sobre as formas de ocupação da área para contribuir com o panorama nacional, priorizando os vestígios dos povos caçadores-coletores e, ainda, compreender a ocupação e circulação humana durante o período colonial até a atualidade. De acordo com Morales (2007), com o desenvolvimento das novas pesquisas na região do Vale do Rio Tocantins, novos dados permitiram reavaliar as indústrias e Tradições Arqueológicas. Nas pesquisas da década de 1980, os sítios da Fase Pindorama57 estariam classificados como “aparentemente Aratu”. De fato, esses sítios estariam relacionados à Tradição Una, o que se contrapôs às hipóteses anteriores de que o Vale do Tocantins seria somente área de deslocamento e confluência. Esta seria também área de ocupação humana. Além disto, as pesquisas indicaram que a ocupação cerâmica do médio Tocantins foi mais tardia que em outras regiões do Centro-Oeste (2.000 anos AP. até 500 anos AP.), havendo uma associação mais próxima ao atual contexto ocupacional etnográfico de populações indígenas. Segundo Morales (2007, p. 74): “É possível que essa ocupação recente esteja relacionada a grupos que seriam os antepassados das populações conhecidas etnograficamente para a área: Xerente, Xavante, Krahô, Avá-Canoeiro58 etc. [...]”. A baixa intensidade da indústria cerâmica Uru na região do Médio Tocantins e maior intensidade de indústria cerâmica Aratu na região indica que ela foi intensamente ocupada por populações agricultoras e que tinham suas aldeias em formatos circulares ou elípticos, típica de ancestrais dos povos linguisticamente denominados de Jê. Diferentemente dos arredores do Rio Araguaia, em que a indústria Uru predominou, em associação à indústria Tupiguarani. Essas associações foram realizadas por meio de hipóteses e classificaram determinadas populações. Mesmo que não tenham valorado povos como mais ou menos “evoluídos”, a existência de análises que indicam a hibridação cultural sugere que as ocupações “puras” tivessem maior importância por dar origem à cultura local/regional. Há poucos vestígios arqueológicos obtidos durante pesquisas na Ilha do Bananal ou provenientes desta localidade. Os dados obtidos durante os trabalhos de campo realizados em 1984, pela equipe do IGPA e da UNISINOS, indicaram a presença de ocupações ceramistas Uru. Antes desta, pesquisas realizadas em Aruanã, dez anos antes, no âmbito do Programa

57 De acordo com Schmitz e Barbosa (1985, p. 4 apud PONTIM, 2011, p. 39), “cronologicamente, o primeiro grupo ceramista, e provavelmente cultivador, é o da Fase Pindorama, estudada num abrigo do Centro-Norte de Goiás, que atesta o uso da cerâmica ao menos já no V século a.C.”. 58 De acordo com Morales (2007), 38 sítios arqueológicos foram identificados na bacia do córrego Água Fria, afluente do rio Tocantins, localizados no estado do Tocantins. Dentre os sítios mais densos, com maior quantidade de vestígios arqueológicos, estavam relacionados às ocupações Aratu e Tupiguarani. Por analogia etnográfica, seriam esses grupos, prováveis ancestrais dos atuais povos indígenas viventes na região. Tradição cerâmica arqueológica Aratu – associados ao Xavante, Xerente e Krahô; Tradição cerâmica arqueológica Tupiguarani – associados aos Avá-Canoeiro. 231

Arqueológico de Goiás, Projeto Alto Araguaia, auxiliaram na realização de uma correlação e estabelecimento de padrões da indústria cerâmica da mesma Tradição arqueológica. No ano de 1974, Irmhild Wüst realizou pesquisas etnográficas e arqueológicas na cidade de Aruanã com indígenas Karajá e no sítio GO-JU-41, antiga aldeia Karajá. Na ocasião, os indígenas moravam na parte norte da cidade em um total de 22 pessoas, possuindo parentes moradores da Ilha do Bananal. A pesquisadora realizou uma série de entrevistas para compreensão do cotidiano ligado a subsistência, território, manutenção identitária e produção de cultura material. Nas escavações, coleta de material arqueológico e em entrevistas, identificou que a antiga aldeia Karajá foi abandonada há aproximadamente cinquenta anos antes de 1974, quando uma epidemia de sarampo matou boa parte da população. Os que sobreviveram foram para a cidade de Aruanã e outros para a Ilha do Bananal. Em uma loja de artesanato, localizada na cidade, a pesquisadora identificou peças de cerâmicas Karajá provenientes da Ilha do Bananal. Utilizando métodos comparativos, Wüst identificou antiplástico na cor cinza, apresentando espículas vegetais, provenientes da árvore cega-machado (Physocalymma sacaberrimum Pohl), e argila de dois tipos: avermelhada e branca, provavelmente oriundas de depósitos argilosos diferentes. Com base nos dados, avaliou que: Quanto à correlação do material da Fase Aruanã com o grupo etnográfico Carajá parece não haver dúvidas, uma vez que até hoje este grupo indígena se encontra esparsamente no mesmo território e grande parte da cerâmica arqueológica corresponde aos tipos funcionais ainda conhecidos pelo próprio grupo etnográfico (WÜST, 1975, p. 161-162).

A existência de uma forte correlação entre a indústria cerâmica arqueológica e a cerâmica etnográfica, além do modelo ocupacional estabelecido na Tradição Arqueológica Uru e os povos linguisticamente conhecidos como Macro-Jê da família Karajá (povo Karajá, Javaé e Xambioá), fizeram com que a pesquisadora concluísse que se tratava de um mesmo grupo. Seus ancestrais, ocupantes da região do Alto e Médio Araguaia, deram origem aos atuais habitantes das aldeias localizadas na mesma região. Tais correlações resultantes desta pesquisa são encaradas como de grande importância, com credibilidade de vários pesquisadores. O que as investigações arqueológicas apontaram, porém, não firmaram hipóteses. Foi para a presença de hibridações culturais entre grupos Uru, Aratu e Tupiguarani na região da Ilha do Bananal. Alguns pesquisadores indicaram a presença destas Tradições Arqueológicas, porém não argumentaram sobre uma possível “mistura” de culturas a partir dos grupos “originários”. Os dados levam em consideração contatos culturais, deslocamentos, aproveitamento de vestígios deixados por outros grupos, porém a hipótese de hibridação estaria 232

suprimida. Quando Barbosa (1984) afirmou que na Ilha do Bananal foram encontrados vestígios da Tradição Uru, ele sugeriu que a região era habitada por esse grupo, não excluindo a possibilidade de ter sido ocupada por outros. O que a arqueologia deixou em dúvida, dados etnolinguísticos contribuíram com o recuo temporal para a compreensão da ocupação dos povos indígenas do passado. Sobre a Ilha do Bananal, a hipótese é de que Tradições Arqueológicas diferentes teriam dado origem a uma cultura que séculos mais tarde seria conhecida como Iny. Apesar de os Karajá terem sido privilegiados em relação aos Javaé e Xambioá nas análises das pesquisas etnográficas, linguísticas e arqueológicas, inclusive sendo estendida a compreensão de seu modo de vida aos outros Iny, gostaríamos de salientar que são grupos diferentes. Pertencem ao mesmo tronco e família linguística, porém possuem algumas diferenças socioculturais, exemplificadas na sequência e frequência de execução de alguns rituais, nas histórias de origem do povo, formas de relação com estrangeiros (não indígenas e indígenas de outros povos) etc. A provável origem comum que os dados arqueológicos indicam possui fundamento, apesar de não considerarem que possíveis hibridações e contatos pudessem dar origem a diferenças locais. Até o momento não há pesquisas arqueológicas aprofundadas, realizadas em áreas de ocupação Javaé, existindo esta lacuna para possíveis pesquisas futuras. Por fim, percebe-se que as migrações, possíveis contatos interétnicos e uso do território, permeiam todas as pesquisas arqueológicas realizadas entre as décadas de 1970 a 1990. A presença de vestígios materiais alimentares corrobora a compreensão da atividade basilar para a sobrevivência humana, incontornável quando se trata da territorialização do continente. Apesar de os contextos serem variados e complexos é possível compreender a importância da temática alimentar para a Arqueologia. Mesmo que estes dados materiais tenham sido identificados, classificados, analisados e apropriados pelos pesquisadores, que, utilizando seus métodos científicos falam por si e pelos outros (proprietários destes vestígios), eles carregam uma porção de fala que nunca poderá ser compreendida. E que se torna, muitas vezes, o lócus de busca pela tradução do passado, nunca inteiro, sempre fragmentado. “Dar voz” aos vestígios, neste caso, é uma missão que possui certa dose de decolonialidade, na medida em que os vestígios “falam”, dizendo quem são os primeiros “donos” das terras, quem primeiro as habitou, transformou e resiste aos descasos da atual política nacional. E, se apropriados pelos atuais povos indígenas moradores da região, são elos que permitem o fortalecimento territorial e identitário. De maneira breve, apresentaremos a seguir alguns dados etnolinguísticos que por muito tempo caminharam junto das pesquisas na área de antropologia e arqueologia. De acordo 233

com Meggers (1977 apud BARBOSA, 2002, p. 42) “[...] para a reconstrução do passado, os antropólogos possuem três categorias de dados potencialmente úteis: os dados linguísticos, arqueológicos e etnográficos”.

3.2.3 - Dados linguísticos

De acordo com Urban (1992), os estudos sobre as línguas indígenas pré-coloniais no Brasil estão longe de permitir uma reconstrução permeada de certezas. O que existe até o momento são hipóteses, que permitem recuar até 7.000 anos A.P., possibilitando a compreensão de prováveis centros de origem, dispersão, contato e ocupação humana em termos linguísticos. O método da reconstrução linguística desenvolvido pelos pesquisadores da área foi amplamente utilizado por trazer um relativo grau de certeza sobre a relação entre línguas “mães” e línguas “filhas”. E para se chegar a essa afiliação e parentesco “genético” utiliza-se de comparações, descrições e análise das significações dos fonemas59 das línguas em investigação. Além de saber qual língua derivou da outra, esse método permite identificar quais línguas estão mais próximas entre si ou mais distantes, dentro de um mesmo grupo (URBAN, 1992). No Brasil há pelo menos dois troncos linguísticos indígenas principais: Tupi e Macro- Jê (RODRIGUES, 1972; 1994; 2005), sendo que o primeiro possui dez famílias e o segundo nove famílias, havendo ainda outras vinte famílias que não podem ser agrupadas em nenhum tronco por não possuir nenhum grau de semelhança. De um total de 1.200 línguas existentes há 500 anos atrás, hoje contamos com 180 línguas indígenas no Brasil (RODRIGUES, 2005). Segundo Rodrigues (1994, p. 18): Se as novas comunidades, resultantes da divisão do que foi antes uma só comunidade com uma só língua, distanciam-se no espaço geográfico e perdem de todo o contato entre si, desaparece inteiramente a necessidade de ajuste comunicativo entre elas. [...] É assim que a história das línguas do mundo tem sido uma história de sucessivas multiplicações, e só assim pode ter sido a história ou pré-história das línguas indígenas brasileiras. [...] Na medida em que reconhecem origem comum para um conjunto de línguas, os linguistas constituem uma família linguística.

59 Fonema é a menor unidade sonora distintiva de uma língua (NICOLA; INFANTE, 1997). 234

É provável que as línguas mais aparentadas teriam se diferenciado há aproximadamente 5.000 anos A.P., enquanto as menos aparentadas teriam se diferenciado há pelo menos 8.000 anos A.P. (URBAN, 1992). Existe uma distinção realizada entre as línguas Jê e as chamadas Macro-Jê, e entre as Tupi e Macro-Tupi60. As línguas Jê seriam um ramo recente, oriundo das línguas Macro-Jê, ocorrendo o mesmo com as línguas Tupi e Macro-Tupi. As línguas Jê teriam uma ancestralidade de pelo menos 5.000 anos A.P., enquanto as línguas Macro-Jê seriam mais antigas, remontando há pelo menos 7.000 ou 8.000 anos A.P (URBAN, 1992). A rede de línguas filiadas ao Jê concentra-se na parte oriental e central do planalto central na atualidade. Teria se originado provavelmente, entre as nascentes dos rios São Francisco e Araguaia, nas proximidades da região de ocupação do grupo Jê atualmente extinto Xakriabá. Urban (1992) ainda aponta que a primeira separação entre os Jê teria ocorrido entre os Kaingang e Xokleng, quando iniciaram sua migração para a região sul do Brasil. Um segunda separação teria ocorrido na parte central do planalto central, de modo que um grupo teria se dirigido à bacia amazônica e se expandido à oeste. Os povos de línguas Macro-Jê apresentam o mesmo padrão de adaptação ao meio, preferiram áreas de planalto, porém se concentraram mais ao centro e leste do Brasil, principalmente nas regiões da Bahia até o Rio de Janeiro, provavelmente sua área originária. Dentre as línguas Macro-Jê atuais, Urban destaca a Família Karajá e a Maxacali, pois sua taxa de cognatos é baixíssima em relação às outras, o que sugere uma separação antiga do grupo originário. O que sabemos é que duas das línguas Macro-Jê – o Karajá, localizado próximo do Xavante, Jê Central, e o Maxakali, localizado no Brasil oriental, a leste e ao sul dos Xakriabá, também Jê Central – apresentam taxas de cognatos em relação a outros membros da família Jê que sugere uma separação de mais de 3 mil anos (URBAN, 1992, p. 91).

Os povos Tupi estariam ligados aos Karib, pois alguns possíveis cognatos indicam esta antiga relação. Por exemplo: “[...] Tupinambá momak (mo+pak) ‘fazer acordar’ = Hixkaryâna ompaka (om+haka) ‘fazer acordar’ [...]” (RODRIGUES, 1994, p. 62). E, ao contrário de especulações iniciais, nenhum destes grupos linguísticos parece estar relacionado aos Pano61 e

60 O linguísta Aryon D. Rodrigues não fala em tronco Macro-Tupi em suas obras. Em “Línguas brasileiras: para o conhecimento das línguas indígenas” (1994 – 4ª ed.), escreve sobre dois troncos linguísticos apenas: Tupi e Macro- Jê. A denominação Macro-Tupi é escrita por Urban (1992) e utilizada pela Arqueologia mais do que pela Linguística. 61 Pano é uma família linguística menor, localizada ao sul do rio Amazonas. As línguas que fazem parte dessa família são: Amawáka, Karipúna, Katukina do Acre (Wanináwa), Kaxararí, Kaxináwa (Kaxinawá), Marúbo, Matís (Matsés), Mayá, Mayorúna, Nukuíni, Poyanáwa, Yamináwa e Yawanáwa (RODRIGUES, 1994). 235

Aruák. Portanto, a história de povoamento inicial do Brasil estaria diretamente relacionada aos povos falantes das línguas Macro-Jê, Tupi e Karib (ver quadros das línguas indígenas brasileiras em Anexo D). O principal grupo do tronco Macro-Tupi é o Tupi-Guarani, que teria se separado há aproximadamente 4 mil anos. Os Macro-Tupi estariam concentrados na área centro-oeste do Brasil, entre os rios Madeira e Xingu. Teriam se dispersado, entre 5 mil e 7 mil anos A.P., próximo às cabeceiras dos grandes rios, em um padrão de ocupação análogo aos Macro-Jê, provavelmente concomitante a este grupo. A grande dispersão da língua Tupi estaria associada à língua Tupi-Guarani e não às línguas Macro-Tupi, ocorrida entre 4 e 5 mil anos A.P., em decorrência da primeira cisão do grupo. Se deslocaram da região do rio Madeira e Xingu em direção sul, ao Paraguai e depois à sudeste em direção à Bolívia. Devido à distribuição em ampla área geográfica, assume-se que os povos portadores da língua Tupi-Guarani tenham como traço essencial a mobilidade espacial (URBAN, 1992). As línguas Karib estariam bastante ligadas às línguas Tupi. Seriam todas muito próximas das línguas da família Tupi-Guarani, que teria se diferenciado a aproximadamente 5 mil anos A.P. Alguns empréstimos linguísticos, cognatos62 e a ausência de grupos Macro-Karib indicam esta relação pretérita. Já os grupos de língua Aruák representam os grupos sobre os quais existem menos estudos. Sabe-se que sua provável origem geográfica está relacionada à parte ocidental da América do Sul, ao longo do curso do rio Amazonas, especialmente relacionada à região peruana. Teriam ocupado áreas de terras baixas, periféricas ao curso dos grandes rios por onde teriam se dispersado. Além destes principais troncos linguísticos há as línguas menores e as isoladas que teriam ocupado áreas periféricas às dos cursos dos grandes rios (URBAN, 1992). De acordo com Urban (1992) os Macro-Tupi se pareciam muito com os Macro-Jê durante a fase de dispersão, há aproximadamente 6 mil a 4 mil anos A.P. Estariam relacionados um ao outro à distância. Urban se baseia no artigo de Rodrigues (1985, p. 33-34), que afirma: Preliminarmente, quero refererir-me brevemente às noções de parentesco linguístico genético e de proto-língua. Duas ou mais línguas são consideradas geneticamente aparentadas quando compartilham propriedades estruturais e lexicais tais e tantas, que, em seu conjunto, não se possam explicar nem como consequências independentes de princípios universais da linguagem, nem como resultado de um processo de aquisição pelos falantes de uma língua em eventual interação social com os falantes de outra; a hipótese que se põe então, é a de que as línguas em questão sejam manifestações diferenciadas do que foi no passado uma mesma língua e que as propriedades compartilhadas sejam

62 Palavras que tem origem etimológica comum, e que sugerem a hipótese que tenham a mesma origem, advindas de uma só língua anterior. 236

a herança comum conservada sem diferenciação ou apenas com diferenciações menos profundas.

Quando relaciona-se as famílias Jê, Tupi e Karib observa-se que todas teriam se originado em regiões de cabeceiras de grandes rios e áreas de planalto, e até mesmo as línguas Aruák supõe-se que teriam se originado nas terras altas peruanas e pode ter sido o primeiro dos grupos a se mudar para as áreas de terras baixas. Tais dados sugerem que “o movimento para regiões mais baixas foi muito mais recente” (URBAN, 1992, p. 100), sendo ocupadas a aproximadamente 3.000 anos A.P., período em que a agricultura ganha maior importância em relação à coleta. Assim, “parece suficientemente confirmado que o movimento se deu de zonas de altitudes mais elevadas (200m a 1000m) para zonas de altitudes mais baixas (menos de 200m)” (URBAN, 1992, p. 101). Esta hipótese corrobora os dados arqueológicos que indicam estes padrões de ocupação e migração humana durante o período pré-colonial. Além disto, correlacionam com a hipótese de origem dos grupos ocupantes da região do Araguaia-Tocantins no período pré- colonial. A provável origem dos povos da Tradição arqueológica Uru teria sido a mistura ou contato das Tradições Arqueológicas ceramistas Tupiguarani e Aratu, ou seja, de povos falantes das línguas Macro-Tupi, Macro-Jê e Aruák, há aproximadamente 1.000 anos A.P., ocupando as terras baixas mais férteis dos grandes rios.

3.2.3.1 - Região Araguaia-Tocantins

Não temos a pretensão de aprofundar no assunto relacionado aos dados etnolinguísticos ou etnohistóricos. Porém, algumas informações são de fundamental importância para a compreensão das origens da ocupação humana no Brasil, especialmente na região Araguaia-Tocantins. E, como nos referimos antes, compreender quais foram os grupos linguísticos predominantes na região do Brasil Central, especialmente na Ilha do Bananal, permite compreender suas prováveis rotas migratórias, contatos e suas possíveis regiões de origem. O cruzamento das informações oriundas da arqueologia e linguística permite refletir sobre a trajetória histórica destes povos indígenas no passado e até mesmo no presente. Soma- se a essas informações os dados de localização geográfica, que contribuem significativamente para entender as circunstâncias e os lugares de povoação. 237

No ano de 1903, chega ao Brasil Curt Unckel, alemão nascido em Jena (Jena - Turíngia, Alemanha, 1883 – †Santa Rita – Amazonas, Brasil, 1945), que produziu um dos primeiros mapas etnohistóricos do Brasil no século XX. Após longo convívio com os povos Guarani de São Paulo (1905 a 1907) aprendeu a língua e grande parte da cultura indígena, sendo batizado como Nimuendajú, nome que o faz conhecido até os dias de hoje. Curt Nimuendajú produziu um mapa etnohistórico e linguístico em que fronteiras nacionais, estaduais, rios e a geologia aparecem sobrepostos pelos nomes e localizações dos povos indígenas viventes no Brasil. Suas expedições pelo interior do país seguem até 1913, mas é somente em 1943 que seu mapa é reconhecido e encomendado pelo Museu Goeldi, pelo Smithsonian Institution e em 1944 pelo Museu Nacional. No mapa há um índice de povos indígenas divididos por línguas em cada uma de suas localizações. Entre os rios Araguaia e Tocantins, Nimuendajú identificou e documentou os seguintes povos: “Karayá, Yavaé, Tapirapé, Canoeiros, Akwê-Savante, Serente, Krahô, Apinayé, Akroá e Sakriabá” (Mapa 05). Nimuendajú não foi o primeiro a documentar os povos indígenas do Brasil. Antes dele viajantes, missionários e outros estudiosos mapearam as áreas de povoação no país. O seu trabalho teve grande relevância para diversas pesquisas de antropologia, arqueologia e outras ciências sociais desenvolvidas nas décadas posteriores à produção de seu mapa.

Mapa 9 – Mapa Etnohistórico do Brasil e Regiões adjacentes (adaptado do mapa de Curt Nimuendajú), 1944. Fonte: IBGE, 1987. 238

Os seus dados juntamente com de outros pesquisadores fomentaram inclusive a construção de teorias a respeito da ocupação humana pretérita. No ano de 1977, Betty Meggers propôs um modelo denominado de biogeográfico para compreender as culturas pré-coloniais da Amazônia. Este modelo que abrangia o cruzamento de dados arqueológicos, linguísticos, geográficos e biológicos foi desenvolvido no intuito de entender a ocupação humana, faunística e vegetal entre os períodos Pleistoceno e Holoceno. Meggers (1977, apud BARBOSA, 2002) aponta prováveis distribuições geográficas de povos baseada nos estudos linguísticos de Mason (1950), Laukotka (1967), Greenberg (1960), Rodrigues (1955; 1958) e Noble (1965), associados a dados paleoambientais e arqueológicos. Dentre os dados que destacamos está o mapa de localização das principais línguas das Terras Baixas, de acordo com a classificação de Mason (1950). Neste mapa é possível identificar a dispersão geográfica do tronco Tupi, das famílias linguísticas Aruák e Caribe, da língua Kaingang (família Jê, tronco Macro-Jê) e de outras três famílias menores: Pano, Tukano63 e Makú64 (BARBOSA, 2002). Na região que compreende os rios Araguaia e Tocantins observa-se “bolsões” de ocupação em que as línguas Tupi e Aruák tiveram predominância há pelo menos 2.000 anos A.P. (Mapa 06). Este mapa corrobora os dados apresentados por Urban (1992) e são capazes de indicar também, a provável origem e ocupação dos povos da Ilha do Bananal. Embora tenha sido criticado em períodos posteriores por ser “determinista ambiental”, o mapa e as argumentações com relação ao modelo ocupacional continuam tendo credibilidade em diversos círculos acadêmicos, principalmente naqueles de estudo sobre a pré-história americana. De maneira indireta, podemos fazer uma associação entre esses dados e aqueles sobre as origens, as influências e as prováveis preferências alimentares dos grupos pretéritos. Alguns pesquisadores se debruçaram sobre informações relacionadas aos resíduos alimentares do passado, e indicaram que, para além do manejo de plantas e a domesticação de espécies, conhecer a história evolutiva das plantas que caminharam em conjunto com a história humana, muito se enriquecem, se associadas a dados etnográficos ou históricos. Permite conhecer o quanto das permanências e mudanças podem ser observadas e questionadas para entender a História da Alimentação indígena brasileira.

63 A línguas que compõem a família Tukano são: Barasána (Barasáno, Bará), Desána (Desáno, Winá), Jurití (Yurití-tapúya, Wahyara), Karapanã (Karapanã-tapúya, Mehtã), Kubéwa (Kubéu, Kubewána, Pamiwa), Pirá- tapúya (Waíkana), Suriána (Surirá), Tukáno (Tukána, Dahseyé, Arapáso, Koneá, Mirití, Mirití-tapúya, Neenoá, Tariána), Tuyúka (Dohká-poára), Wanána (Wanáno, Kótiria) e Yebá-masã (Yepa-mahsã, Yepá-matsó) (RODRIGUES, 1994 [1986, 1ª ed.]). 64 A línguas que compõem a família Makú são: Bará (Makú-Bará), Guaríba (Waríwa-tapúya), Húpda, Kamã, Nadêb (Nadëb) e Yahúp (RODRIGUES, 1994 [1986, 1ª ed.]). 239

Mapa 10 – Localização das principais línguas das Terras Baixas segundo Mason (1950). Fonte: Meggers (1977, apud BARBOSA, 2002, p. 52). 240

3.2.4 - A alimentação no período pré-colonial em Goiás

Os vestígios orgânicos identificados em sítios arqueológicos, tais como restos de fogueiras, pedaços de tubérculos, carapaças de moluscos, ossos de mamíferos e répteis, espinhas de peixes, sementes, entre outros, são documentos essenciais às análises sobre a alimentação dos povos do passado. Porém, a escassez dos mesmos nos leva a ter poucos dados sobre a História da Alimentação das populações pretéritas da região central do Brasil. Grande parte dos sítios em que estes tipos de vestígios foram preservados estão em áreas de abrigo sob rocha. A acidez do solo, a alta temperatura, a umidade e outros fatores levam à deterioração rápida, principalmente se estes resíduos alimentares estiverem em áreas à céu aberto, o que ocorreu com frequência na história humana do passado. Apesar das dificuldades de acesso, pretendemos apresentar dados sobre seu contexto e de que modo o imbricamento saber e fazer podem ter caminhado juntos no passado. E ainda realizaremos a descrição dos dados arqueológicos sobre a alimentação indígena, priorizando aqueles relacionados aos Estados de Goiás e Tocantins, principalmente os existentes na Ilha do Bananal, locais em que os ascendentes do povo Javaé provavelmente circularam no passado. Alguns vestígios orgânicos identificados na região de Minas Gerais e Amazônia muito contribuíram para análises detalhadas sobre a agricultura dos humanos do passado. Assim, demonstraremos também dados identificados em abrigos sob rocha e outros sítios que contam a história da agricultura pré- colonial.

3.2.4.1 - Os resíduos alimentares pré-coloniais na arqueologia brasileira

Antes de nos debruçarmos sobre os dados relacionados aos vestígios orgânicos, especialmente os alimentares identificados no Estado de Goiás, nos deteremos sobre aqueles capazes de nos fornecer dados não abordados em outras literaturas. Se por um lado sofremos com a escassez de vestígios materiais preservados, por outro sofremos com a escassez de estudos aprofundados na área. Portanto, os dados a seguir possibilitaram a ampliação das redes de investigação, apesar desta ser reduzida. Os estudos sobre os resíduos alimentares iniciaram-se no século XIX, na França e na Rússia, quando botânicos e outros pesquisadores começam a se especializar no estudo de 241

vestígios orgânicos do passado. As investigações sobre cropólitos (fezes ressecadas naturalmente e conservada no solo) e paleobotânica também são sistematizadas durante esta mesma época. No início do século XX, a palinologia (estudo dos pólens antigos) ganha método e passa a compor o corpo de análises sistematizadas dos vestígios pretéritos. Especificamente, os estudos sobre domesticação de plantas iniciaram-se no final do século XIX, com os trabalhos de Candolle, em 1886, e se ampliaram com a fitogeografia diferencial de Vavilov, em 1926. Na atualidade houve a sua expansão “resultante da junção de diferentes métodos de análise” (HARLAN, 1975 apud FREITAS, 2004, p. 34). Esses métodos envolvem plantas vivas, material arqueológico, etnográfico e histórico. No Brasil, os estudos sobre paleobotânica iniciaram-se no final da década de 1970, quando amostras arqueológicas obtidas em Varzelândia e no Vale do Peruaçu, região de Januária, Minas Gerais foram coletadas. Na época, algumas descobertas de materiais cultivados em sítios arqueológicos permitiram conhecer a agricultura praticada no período pré-colonial. E recentemente outras amostras permitiram ampliar os conhecimentos a respeito deste período. A ocupação humana na região é datada de pelo menos 10.000 anos A. P. O material vegetal do sítio (2 a 10 silos no total) é composto por sabugos e grãos soltos de milho, fragmento de carvão de coquinho guariroba, mandioca, sementes de algodão, amendoim, maracujá, cabaça, urucum e outros. O material estava acondicionado em uma espécie de “silo” subterrâneo, dentro de uma cesta fechada de fibras de palmeira, onde o material foi depositado, coberto por terra e cinza de fogueira para diminuir o ataque de insetos. A pesquisa se concentrou na análise do milho e da mandioca, sendo realizadas datações radiocarbônicas por espectrometria de cintilação. E a idade atribuída ao milho variou entre 1.010 +- 80 anos A. P. até 570 +- 60 A. P. Estas amostras vegetais de milho são uma das mais antigas datadas no Brasil. Por estas amostras é possível concluir que as populações da região plantavam milho a pelo menos 1.000 anos atrás e continuaram a plantar nos 500 anos seguintes. Entretanto, como há evidências de ocupação da região há pelo menos 10.000 anos A. P., supõe-se que o milho era cultivado na região antes de 1.000 anos atrás (BIRD; DIAS JR; CARVALHO, 1991; FREITAS, 2004). Outro dado importante observado durante a análise das espigas de milho é que a diferença de cor entre elas sugere que os habitantes da região possuíam mais de um campo de plantio ou plantavam espécies diferentes em tempos diferentes impedindo o cruzamento entre elas. Com relação aos “silos”, a hipótese é que eram estruturas ritualísticas, pois os objetos armazenados não eram para posterior consumo, porque não há sinais de que tenham sido abertos ou utilizados após armazenamento. Observou-se também que houve uma tendência de aumento 242

do tamanho da espiga permitindo o aumento da quantidade de sementes, porém as sementes não aumentaram de tamanho. Segundo Freitas (2004, p. 38): “[...] a principal pressão de seleção aplicada pelo ambiente e pelo homem foi sobre o aumento da capacidade de agregar um maior número de sementes em uma mesma espiga e não em um aumento do tamanho da semente.” Foram analisadas 16 sementes de milho arqueológico (escavadas por André Prous e equipe de pesquisadores da UFMG entre 1981-1996, na região do Vale do Peruaçu no município de Januária e Itacarambi) e comparadas com 21 amostras do banco de germoplasma. O material arqueológico apresentou uma variabilidade pelo menos 2 vezes maior que as amostras do banco, “[...] confirmando a existência de uma grande diversidade de raças no material arqueológico, principalmente devido a morfologia dos grãos e classe de tamanhos destes.” (FREITAS, 2004, p. 38) Por meio do conhecimento de onde e quando aparecem determinadas raças de milho de diferentes sítios arqueológicos da América do Sul temos ideia por onde determinada cultura andou e se espalhou pelo Brasil e quais raças de plantas foram desenvolvidas. Assim, foi constatado que os sítios de Januária, em Minas Gerais, tem amostras de milho que possuem relação com raças típicas de terras baixas e nenhuma com as terras altas da região andina, o que indica que: “[...] as populações pré-históricas de Januária, em termos alimentares e mais especificamente o milho, tiveram maior influência com culturas humanas relacionadas às regiões norte da América do Sul e América Central do que com as populações habitantes da região da Cordilheira dos Andes.” (FREITAS, 2004, p. 38-39) Esses dados nos mostram o grau de importância da variabilidade de cultivo agrícola praticado pelos grupos viventes na região de Minas Gerais e adjacências. Seus conhecimentos não poderiam ser rasos com relação ao ambiente, uma vez que a presença de sementes de várias cores indica o apuramento de saberes ligados ao meio, comportamento de espécies, usos e formas de consumo. Além disto, este estudo coloca um novo dado até então hipotetizado e não verificado com acurácia, que corresponde à relação direta das sementes de milho com o centro de dispersão mexicano ao invés do centro de dispersão andino, como se priorizava anteriormente. Temos que o milho da população brasileira provavelmente “chega” por meio de levas migratórias advindas da Amazônia e que percorreram distancias até chegarem à região de Minas Gerais. É provável que estas correntes migratórias tenham alcançado e dispersado estes exemplares por diversas regiões, inclusive a centro-oeste do Brasil. Além dos estudos sobre o milho, a mandioca também foi fonte de algumas investigações sobre a agricultura pré-colonial. Um estudo recente e bastante interessante realizado por Almeida (2015) nos indicou que a mandioca tem sido um tubérculo com 243

importância crucial na alimentação dos povos indígenas desde tempo recuados. E o que é importante notar é que uma das principais formas de consumo não está relacionada diretamente com o beiju, a tapioca ou a farinha, como foi relatada por vários viajantes dos séculos XVI ao XIX e sociólogos da década de 1930 a 1960. O seu consumo na forma fermentada foi negligenciado por várias décadas e atualmente coloca em pauta se esta não teria sido a principal forma de obtenção calórica durante séculos. De acordo com Almeida (2015), a temática dos fermentados é recente entre os temas abordados na arqueologia e na alimentação pré-colonial, porque foi “esquecido” pelos pesquisadores que sempre priorizaram dados materiais ligados aos vestígios de sementes, cocos, ossos e outros sólidos. Mas o fato é que, além da sensação prazerosa, o álcool alivia a dor, para uma infecção, sacia a fome e cura doenças. Antes da medicina moderna “o álcool era o principal paliativo dos ser humano” (ALMEIDA, 2015, p. 2). No caso da cerveja, a fermentação aumenta o conteúdo proteico e vitamínico (vitamina B), além de adicionar sabor e aroma à bebida. O uso de água fervida no processo de fermentação ou até mesmo de água não fervida aumenta o grau de segurança da ingestão de líquidos. Mesmo quando a água não é fervida o álcool produzido durante a fermentação auxilia na eliminação de impurezas. As bebidas fermentadas podem ser obtidas a partir de uma série de grãos, tubérculos, frutos e frutas, além de mel, que se armazenado em água transforma-se em hidromel. Especula- se, inclusive, que porções de frutas, frutos ou mel mal armazenados ou em contato com a umidade podem ter fornecido bebida alcóolica de forma fortuita (ALMEIDA, 2015). Presume-se também que os fermentados estavam presentes na “evolução cognitiva” humana nos últimos trinta mil anos durante o Paleolítico Superior europeu e pelos primeiros paleoíndios americanos. O fato de a cevada, o trigo, o arroz, o milho, a mandioca, a batata doce e o sorgo possuíram suas versões alcóolicas e que em sua maioria são mais nutritivas que sua versão sólida, contribuem significativamente para que seja repensado o uso de fermentados durante períodos pretéritos (ALMEIDA, 2015). No caso dos Jívaro (Achuar) na Amazônia equatoriana, a ingestão de cerveja de mandioca ocorria durante todo o dia e noite, substituindo a água e tornando-se base da alimentação complementada com mandioca e carne, segundo relatos de Harner (1972 apud ALMEIDA, 2015). Não possuía alto teor alcoólico e era consumida pelos homens em maior quantidade, pelas mulheres e crianças em menor quantidade. Os vasos cerâmicos mais antigos na fabricação de cerveja encontrados, datam de aproximadamente 5.000 anos A. P., próximo ao litoral equatoriano. Eles apresentam decoração escovada, corrugada, ungulada e as tigelas 244

decoração incisa e engobo vermelho, semelhantes às cerâmicas da Tradição arqueológica Tupiguarani brasileira. Em comunidades Quéchua e Jívaro, todas as mulheres maduras produzem tigelas pintadas para o consumo de chicha. Verificou-se ainda que esses grupos costumavam enterrar seus mortos em grandes vasos, inicialmente usados para consumo de fermentados, análogos aos grupos Tupinambá e Guarani brasileiros. Os estudos mais recentes sugerem que os povos Tupi, antes dos Aruák, teriam iniciado a colonização da Amazônia meridional e em seus interflúvios em pouco antes da era cristã. Porém, a presença constante de cerâmicas com características Aruák e Tupi sugere áreas multiétnicas, tanto ribeirinhas quanto de terra firme (ALMEIDA, 2015), o que faz repensar o uso da mandioca na condição fermentada como mais constante no dia-a-dia das populações indígenas do que se sabia anteriormente. Mediante esta informação, poderíamos pensar também que o calugi (bebida fermentada)65 de mandioca, milho ou coco macaúba, existente entre vários povos indígenas viventes no Centro-Oeste brasileiro, teria o mesmo fim: alimentar as famílias durante grande parte do dia, havendo complementação da dieta com outros alimentos de origem animal e vegetal, durante períodos de intensificação de produção agrícola. As migrações e ocupações Tupi das terras baixas amazônicas para as áreas de interflúvio que originaram possíveis aldeias multiétnicas pelo contato com Aruák e outros povos poderiam ter alcançado a região Centro- Oeste, como especulado por outros autores, permitido trocas culturais em que a significância ritual do consumo de bebidas fermentadas também estivesse presente como traço elementar de suas culturas. E, ainda, poderíamos hipotetizar a possível relação entre o consumo de mandioca fermentada e a não incidência de beribéri entre as populações indígenas, pela ingestão da vitamina B, que permanece na sua composição durante a fermentação da mandioca. Segundo Magalhães (2013; 2014), o beribéri (palavra derivada do cingalês que significa fraqueza) é causado pela deficiência de vitamina B no organismo humano. Esta mazela se manifestou no Brasil no século XIX, havendo registros nos estados da Bahia, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, tendo como resultado diversos óbitos, pois a demora em sua identificação se dava pelo desconhecimento médico. Confundia-se seus sintomas com os da sarna, elefantíase e da lepra, não se fazendo a associação direta da enfermidade com a falta de vitamina B1

65 O calugi ou iwèru para os povos Iny possui grande importância, principalmente nos rituais, em que esta bebida é essencial. É servida às entidades espirituais, os irasò ou aruanã (seres sobrenaturais que vivem no mundo subaquático ou celeste, de acordo com a cosmologia Iny, e que em determinadas épocas do ano, durante alguns rituais, emergem para o plano terrestre a fim de comer, dançar, brincar e aconselhar os humanos). No dia-a-dia ainda é consumida por grande parte dos idosos e por gestantes, que vê na bebida uma forma de manutenção da saúde, por ser livre de conservantes ou quaisquer outros produtos para que possam agravar doenças, além de ser de uso tradicional por fortificar o organismo mais vulnerável às enfermidades. 245

especificamente (tiamina), encontrada na cutícula de cereais e mandioca fresca; e da niacina, encontrada em carne fresca. Quando a dieta de grande parte da população livre e escrava era baseada em arroz descascado (a casaca do arroz possui vitamina B), farinha de mandioca (processo de secagem elimina todas as vitaminas) e carne seca (o processo de dessalga elimina a niacina), a deficiência nutricional causava não apenas esta, mas outras enfermidades como o escorbuto e o bócio. Contudo, é interessante notar que este mal não teria acometido a população indígena. Segundo Magalhães (2014, p. 163): “Não houve nenhum registro de óbito referente à população indígena.” Essa falta de registro, acredita-se que teve várias causas, mas as principais delas seriam a crença de que “[...] os indígenas eram ‘naturalmente sadios’ e ‘suportavam sem prejuízo para a saúde, as intempéries e os inconvenientes da vida nas selvas’ (SOUZA, 2008 apud MAGALHÃES, 2013, p. 24-25); e a outra causa está associada à perspectiva que o indígena era um ser em transição do estado selvagem para o civilizado, portanto, deixava-se a saúde a seus próprios cuidados, não interferindo em sua medicina milenar (MAGALHÃES, 2014). Mesmo sem saber se a omissão dos registros de óbito por beribéri entre a população indígena era de fato a ausência desta enfermidade ou de fato a negligência dos governantes ou médicos, sabe-se que: [...] com relação ao valor nutritivo, a mandioca é uma ótima fonte de energia, visto que cada 100 g de sua parte comestível fornece 149 Kcal. São encontradas vitaminas B1 (Tiamina – fator antineurítico), B2 (Riboflavina – fator de crescimento) e PP (Ácido Nicotínico ou Niacina) nas raízes frescas. Na farinha de mesa comum, torrada em forno aberto, desaparecem as duas primeiras vitaminas, permanecendo grande parte do ácido nicotínico (CHISTÉ; COHEN, 2006).

A vitamina B1 é presente na mandioca fresca, sendo esta utilizada na produção do calugi, assim como é presente no milho a vitamina B3 (niacina), também utilizada para a produção do calugi. Para ter uma comprovação mais acurada de tal hipótese seriam necessárias pesquisas mais acuradas na área físico-química, de modo a comprovar ou refutar tal presença e efeito nutricional dos organismos. Por hora, nós voltaremos aos conhecimentos das populações indígenas sobre o potencial dos alimentos que utilizavam em suas roças, o que nos leva a pensar que, provavelmente, sabiam do potencial dietético que tinham em mãos. A bebida alcóolica não era apenas um aparato ritual, mas também excelente aparato dietético para a manutenção diária das famílias. 246

Adentrando as informações relacionadas às dietas, possíveis carências alimentares e infecções por parasitas no período pré-colonial, os estudos sobre cropólitos podem auxiliar na compreensão das espécies que eram coletadas ou cultivadas, formas de preparo (cozidas, torradas, cruas, fermentadas) e período de consumo (TEIXEIRA-SANTOS, 2010). Como proferido acima, os estudos sobre cropólitos surgiram no século XVII e permitiram importantes informações sobre as paleodietas. Porém, somente no século XIX, as pesquisas na área foram desenvolvidas sistematicamente. Muitos sítios arqueológicos brasileiros foram estudados a partir das décadas de 1970 e 1980, permitindo a coleta de grãos e restos vegetais de fogueiras que indicaram o consumo de diversos alimentos. Pesquisas recentes apontam que habitantes dos sítios arqueológicos localizados em São Raimundo Nonato (PI) e Cubatão (SC) consumiam milho, mandioca, batata doce, pinhão, insetos, roedores e répteis, há pelo menos 9.800 anos A.P. O consumo maior de répteis como lagartos indica escassez alimentar, sugerindo a prevalência desta dieta em períodos de seca. Ademais, as pesquisas apontaram para o uso de plantas medicinais com propriedades anti-helmínticas (vermífugos) para o combate de parasitas (TEIXEIRA-SANTOS, 2010), o que mais uma vez nos leva a refletir sobre os saberes relacionados aos conhecimentos ambientais que eram usados a favor da saúde do corpo incluídos na dieta alimentar. Mediante este amplo panorama, apesar de reduzidas pesquisas no âmbito da alimentação na arqueologia, embrenharmo-nos pelos cerrados goianos no início do Holoceno, sob a ótica de Schmitz (1987), Barbosa (1981-1984; 1985), Wüst (1974; 1975), Moreira (1981- 1984) e outros pesquisadores que primeiro sistematizaram os estudos sobre a alimentação indígena em Goiás. Tendo em vista que a paleobotânica, a palinologia, os cropólitos e outros restos materiais davam subsídio para pensar em um panorama arqueológico goiano e brasileiro, na década de 1970, o SPHAN investiu e endossou recursos para a recuperação de patrimônio cultural, principalmente os materiais, seguindo os protocolos internacionais da UNESCO, apoiando o já mencionado Projeto Arqueológico de Goiás. Queria modernizar o conceito e a prática de preservação de monumentos e também estudar um plano de desenvolvimento econômico que não ferisse as condições internacionais. Chamado hora de “infância da arqueologia”, hora de “tempos heroicos” (SCHMITZ; BARBOSA; RIBEIRO, 2015) por abrir caminhos às pesquisas e ao mesmo tempo utilizar teorias deterministas ambientais, que apesar de refutadas de maneira genérica exerceram e ainda exercem grande influências sobre os dados atuais, a seguir discorreremos sobre algumas de suas hipóteses e conclusões.

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3.2.4.2 - Alimentação pré-colonial em Goiás

Em congressos de arqueologia ocorridos no final da década de 1970, levantou-se a hipótese de existência de um Paleoíndio no Brasil com e sem pontas de projétil, ocupante das áreas de cerrado e caatinga durante o fim do Pleistoceno e início do Holoceno. Essa hipótese ganhou força quando achados arqueológicos goianos, como instrumentos e vestígios alimentares indicaram a presença de grupos de caçadores generalizados, com apoio de coleta e sem ponta de projétil de pedra. Este contexto arqueológico deu suporte para que fossem “desencaixados” os dados brasileiros do esquema geral americano de culturas Paleoíndias com pontas de projétil para caça especializada (SCHMITZ, 1980). Em Serranópolis, por exemplo, foram identificados restos líticos, além de restos alimentares, tais como ossos, sementes e frutos. Nesta e em outras áreas de planalto goiano, o modelo de ocupação com caça generalizada prevalece, havendo mudanças quando em outras áreas, com o modelo de caçadores especializados. Neste momento da arqueologia brasileira, o termo Paleoíndio suscitou várias discussões, pois não se “encaixava” à realidade brasileira, passando a ser uma denominação para povos norte-americanos e apenas um conceito para denominar populações viventes entre o fim do Pleistoceno e início do Holoceno. Os sítios arqueológicos classificados como de cultura do Paleoíndio em Goiás foram divididos em 3 (três) fases de ocupação principais, como mencionado anteriormente: Fase lítica Paranaíba, Tradição Itaparica (10.750 – 9.000 A. P.), na qual especula-se que a alimentação era baseada na caça generalizada e complementada com pesca, coleta de frutos e ovos; Fase lítica Serranópolis, Tradição lítica não definida (9.000- ? A. P.), em que caçadores e coletores viviam em um ambiente mais quente e úmido que no período anterior, havendo a presença de artefatos de anzóis de ossos, concha e pontas de projétil, sendo a alimentação baseada na caça generalizada, complementada pela pesca, coleta de moluscos, frutos e ovos; e por fim, a Fase litocerâmica Jataí, Tradição Una (1.000 – 200 A. P.), em que caçadores e plantadores viviam em um clima, provavelmente, semelhante ao atual, e a sua alimentação era baseada na caça, pesca, coleta de moluscos, frutos, ovos e no cultivo de algumas plantas como milho, amendoim, cucurbitáceas (abóbora, chuchu, pepino, melão e melancia) e outras (SCHMITZ, 1980; 1987; 2015). Perante a baixa representatividade quantitativa de pontas de projétil e outros instrumentos bifaciais e a presença de vestígios de caça, surge a seguinte hipótese nas pesquisas: as “pontas líticas não seriam necessárias para a caça dos animais da região, uma grande parte 248

dos quais, como o tatu, a tartaruga, o lagarto, as emas e os peixes, talvez nem fossem caçados com projéteis.” (SCHMITZ, 2015, p. 25). De fato, na atualidade, quando conversamos com indígenas de algumas etnias presentes em Goiás e arredores, como os Karajá, Javaé, Tapirapé e Xavante, o processo de caça e pesca destes animais em específico se faz prioritariamente por meio de armadilhas e anzóis com iscas em sua ponta. Há relatos de uso de arcos e flechas para realização da pesca, inclusive tratada pelos indígenas como “pesca tradicional”, porém predominam outras formas, com uso do anzol ou armadilha. Durante a Fase Paranaíba, a alimentação provavelmente era baseada na exploração da caça animal e ocorria em vários ambientes justapostos: mamíferos e aves em campos, jacarés, tartarugas e peixes em lagos e rios, e os frutos no cerrado. De acordo com Schmitz (2015, p. 25): “talvez as matas oferecessem a menor quantidade de recursos”. Grande parte dos sítios identificados naquele momento eram classificados como abrigos. E os animais caçados, portanto, eram facilmente levados para abrigos não havendo a necessidade da existência de locais específicos de matança, característico de caçadores especializados do Pleistoceno. Com a mudança climática em torno de 9.000 A. P., durante a Fase Serranópolis, o abastecimento alimentar muda. O clima mais quente e úmido favoreceu o aparecimento de moluscos ao longo dos lagos, lagoas e rios, fornecendo proteínas que contrabalancearam a dieta, podendo até mesmo ter colocado em segundo plano a caça e a pesca em períodos específicos do ano (meses chuvosos). O aumento de frutos também pode ter favorecido o aumento da coleta e consequentemente de seu consumo durante a estação chuvosa, “melhorando o abastecimento de açúcares” da população (SCHMITZ, 2015, p. 29). A maior quantidade de alternância de camadas estratigráficas sugere maior intensidade na ocupação e/ou maior número de indivíduos viventes nestes abrigos em períodos posteriores. Schmitz e outros pesquisadores não desconstruíram apenas o esquema geral de enquadramento do Paleoíndio norte-americano em Goiás, como também construíram um panorama geral que forneceu as bases para outras investigações mais aprofundadas com relação ao material lítico e cerâmico arqueológico. A relação ser humanos/meio ambiente estava à frente de outras hipóteses, o que fez com que muitos pesquisadores em períodos posteriores questionassem este determinismo ambiental como marcador cultural. De acordo com Loiola et. al. (2014), esse determinismo ambiental corresponde a uma percepção de mundo que foi disseminada largamente, ainda no século XVI, quando a ideia de um Novo Mundo ecologicamente dual é construída. Ao mesmo tempo em que a floresta tropical era exuberante, era também impenetrável. Esse olhar europeu sobre as Américas fez-se alicerçado na noção aristotélica de “inadequabilidade tropical ao ser humano” (LOIOLA et. al., 249

2014, p. 49), largamente expressa nos discursos de naturalistas dos séculos XVII ao XIX, em que os trópicos eram desfavoráveis à humanidade e, consequentemente, à civilidade, pois levaria à degeneração moral e cultural do ser humano que seria reduzido a um subproduto do ambiente. Assim, o indígena seria este subproduto. Estas ideias deterministas ambientais continuaram influenciando formas de explicar o mundo em períodos posteriores. No século XX, pesquisadores como, os já citados, Julian Steward e Betty Meggers, expressaram estas ideias ao explicar o subdesenvolvimento da América Latina comparado aos Estados Unidos, devido às condições geográficas de povoamento inicial. Tal modo de pensar influenciou vários estudiosos brasileiros nas áreas de arqueologia e antropologia, que desenvolveram suas pesquisas sob este viés, e dentre eles está Schmitz. Apesar das críticas, Schmitz realizou uma acurada pesquisa na sua época, utilizando- se dos vestígios alimentares encontrados nas áreas de abrigo o que mais tarde não se veria facilmente em outras pesquisas. Por mais que sua perspectiva ambiental estivesse vinculada às problemáticas vigentes na época, os dados, contextos e conteúdos encontrados permitiram e ainda permitem pensar nas dietas alimentares destes homens do passado viventes na região conhecida hoje como sudoeste de Goiás. Percebe-se também que suas hipóteses com relação às atividades de caça não estavam tão equivocadas assim, pois até os dias atuais temos relatos de que a caça era possivelmente feita com armadilhas e anzóis, alguns encontrados nos sítios arqueológicos. É possível que a flecha também fosse utilizada, porém sem ponta lítica. Não queremos com isso construir ou reforçar um possível anacronismo, mas refletir sobre a importância das hipóteses formuladas por estes arqueólogos e de seus resultados para as pesquisas contemporâneas. Barbosa (1981-1984), que também acompanhou Schmitz nas pesquisas do período, afirmou em publicações posteriores que em Goiás o período denominado Arcaico ficou mais conhecido pelos abrigos de Serranópolis. O Arcaico seria um horizonte cultural intermediário entre o período Paleoíndio e o período agricultor e ceramista de ocupação humana. Esse horizonte está ausente em muitas regiões do Brasil e as datas obtidas são restritas, sendo nomeado pelo arqueólogo Astolfo Araujo (et al., 2005) de “gap do arcaico”. Entretanto, não apenas em Serranópolis concentram-se sítios arqueológicos deste período. Abrigos calcários localizado em Formosa, Goiás, também concentram vestígios de ocupação humana datados e classificados como pertencentes a este período. De acordo com os pesquisadores do Museu Antropológico da Universidade Federal de Goiás, os vestígios materiais estavam distribuídos em pelo menos 3 (três) horizontes de ocupação: o 1º com concentração de líticos plano- convexos; o 2º com lascas de quartzo sem instrumentos; e o 3º com fragmentos cerâmicos. Os 250

vestígios do 2º horizonte de ocupação foram datados em 4.560 +- 150 A.P. Tendo em vista a semelhança entre os sítios arqueológicos, Barbosa (1981-1984) elaborou um modelo ocupacional de atuação humana dos vários subsistemas vegetacionais, no qual o abastecimento e deslocamento estavam em primeiro plano desta atuação´(BARBOSA, 1981-1984). Nos campos haveria abundância de várias espécies de aves: ema, siriema, perdiz, codorna buraqueira, jaó, inhambu-xitão, inhambu-xororó, além de cervídeos como o veado do campo e o veado catingueiro. Haveria também a presença de tamanduá bandeira e tamanduá- mirim, tatu-peba, tatu veado, tatu galinha, tatu rabo-mole e termitéiros (cupins). Nos cerrados os solos apresentavam baixa fertilidade e na estação chuvosa haveria frutos tais como: araçá, araticum rasteiro, caju, mangaba, pequi, palmáceas, jatobá do campo, xixá, murici e guariroba, em que a atividade de coleta predominaria. Nas áreas de mata haveria boa fertilidade do solo sendo possível então a atividade agrícola. Nas áreas de vegetação ribeirinha seria frequente a presença de anta, queixada, porco-do-mato cateto, capivara, paca, ratão do banhado, além de abelhas melíferas, peixes de médio e pequeno porte. Os moluscos ocorriam neste último subsistema vegetacional havendo coleta no apogeu máximo da estação chuvosa. Durante o período Arcaico é provável que a temperatura tenha subido em relação ao período Paleoíndio, havendo também forte umidade, seguido de um período relativamente seco, até apresentar-se caracteristicamente como o atual. Estas mudanças climáticas coincidem com o ocorrido em outras regiões do Brasil durante esta mesma época (AB’SABER, 1980 apud BARBOSA, 1981-1984). Entende-se que apesar de no período Arcaico a vegetação ter sido diferente do período atual, não houve mudanças significativas. Provavelmente as áreas de pântano, campo e cerrado tiveram importância vital para os grupos ocupantes dos sítios. Barbosa (1981-1984) afirma ainda que o fim do período Arcaico varia de região para região, não havendo um padrão. Enquanto em algumas áreas não há cerâmica marcando o seu fim, em outras há presença deste material indicativo. Esta perspectiva de horizonte temporal demarcando a ocupação humana no ambiente foi revista ao longo do tempo e pesquisadores começaram a questionar tal modo de estudar o contexto humano do passado. Na atualidade, outros elementos contextuais associados aos vestígios, além de um estudo acurado da geoarqueologia permitem elucidar mais ou outras hipóteses. Porém, neste momento de pesquisa, esta perspectiva predominava e marcava o mapa de ocupação dos homens pré- coloniais goianos no mapa do Brasil. Na mesma publicação em que Barbosa divulga os resultados de sua pesquisa, Moreira (1981-1984) analisa dos restos de alimentos de origem animal do abrigo GO-JA-01, localizado em Serranópolis. Indica a ocorrência de modificação de hábitos alimentares, permitindo inferir 251

a diminuição do número de pessoas viventes no abrigo, que adotariam diferentes formas de moradia, abandonando-o como principal forma de ocupação após os últimos 1.000 anos A. P. Aponta também a diminuição da quantidade e variedade de restos alimentares de origem animal e o aumento a quantidade de restos alimentares de origem vegetal. A exceção ocorre com relação aos moluscos que estão presentes na alimentação durante os 10.000 anos, sem haver interrupção do seu consumo, o que levou os pesquisadores afirmarem que o regime proteico destas populações do abrigo foi estável. As escavações das camadas de ocupação revelaram que durante a Fase Paranaíba a caça de animais de médio porte predominava, perdendo progressivamente a sua importância até se tornar insignificante por volta de 7.500 A. P. Entre os animais de caça, os tatus sempre foram os mais procurados, seguidos por pequenos roedores (preás), veados e carnívoros (onça e lobo guará). A pesca, provavelmente, teve um valor menos significativo na alimentação humana nesses sítios do Brasil Central, a menos que os restos ósseos tenham sido abandonados nas margens dos rios e não tenha havido transporte para os abrigos ou não tenham se preservado devido à acidez do solo. A agricultura só desponta nos últimos 6.000 anos A. P., ocasionando a diminuição da procura de alimentos de origem animal e o aumento da coleta de frutos nas áreas de cerrado (MOREIRA, 1981-1984). A provável mudança climática entre 10.500 e 6.500 anos A. P. ocasionou mudanças nas formas de subsistência e de regime alimentar. Por fim, Moreira (1981-1984, p. 111) afirma que: “Fica-nos, finalmente, a impressão de que a obtenção de alimentos nunca se constituiu em grandes problemas para aquelas comunidades e que o homem pré-histórico da região teria um regime alimentar conveniente”. Moreira (1981-1984) utiliza como métodos de análise a classificação taxinômica, numeração, catalogação em acervo e tratamento estatístico para chegar às conclusões. Esta sistematização de dados forneceu informações importantes com relação à alimentação dos povos pré-coloniais viventes na região sudoeste de Goiás, uma vez que era considerada até então uma região com baixo índice de evidências de ocupação humana. Ela passa a fazer parte do mapa de referências para a pré-história do Brasil, pois os dados sobre a alimentação se destacam sempre nas pesquisas, visto que os vestígios alimentares indicam ocupação duradoura e estável de populações humanas. Ressalta-se como hipótese de várias pesquisas, a associação de remanescentes ocupações pré-coloniais identificadas no sudoeste de Goiás com vestígios de ocupação dos ancestrais dos povos Kayapó do Sul, tendo em vista que, quando houve a chegada dos colonizadores europeus na região este povo ainda a ocupava. 252

Pesquisas mais recentes no âmbito da zooarqueologia e arqueobotânica não foram realizadas até o momento na mesma região, porém há estudos realizados por Sauer (1997) que indicam a composição das roças dos povos viventes no cerrado, como os Kayapó e os Xavante, compreendia um sistema complexo misturando-se espécies nativas com outras aclimatadas na região, realizadas em meio a áreas de mata devido à riqueza orgânica do solo. Enquanto uma área de cultivo era deixada para “pouso” sendo reutilizada após 5 décadas, depois de quatro anos consecutivos de cultivo, outras eram “adubadas”, retirando parte do solo, colocando folhagens e gravetos, retornando o solo e soltando formiga e cupins sobre elas. Isto indica um sistema complexo de conhecimento que até a chegada dos colonizadores na região, era largamente utilizado, sendo em partes mantido na atualidade, pois as áreas de uso agrícola foram grandiosamente reduzidas pela invasão dos agropecuaristas e fazendeiros e o sistema de “pouso” foi também reduzido para metade (FELTRAN-BARBIERI, 2010). Quanto aos povos Iny (Karajá, Javaé e Xambioá), não há evidências relacionadas diretamente à alimentação, há vestígios cerâmicos que indicam suas prováveis práticas pretéritas. Alguns pesquisadores buscaram sistematizar estudos no âmbito alimentar, visto que os utensílios cerâmicos eram também parte do aparato material para a produção alimentar. Como dito anteriormente, Wüst (1975) buscou compreender a ocupação pré-colonial e atual da região de Aruanã utilizando-se do método etnoarqueológico, documentou as atividades de abastecimento alimentar relacionando à possíveis atividades pretéritas. Irmild Wüst documenta a alimentação deste povo no ano de 1974, que já havia sofrido grandes mudanças e contribuído para o aumento de doenças. Neste período a alimentação básica diária era arroz branco, acompanhado de peixe e abóbora. Em certas ocasiões preparavam tartaruga ou lagarto, tendo o urucum como condimento. Pão, banana, verduras e mel complementavam a dieta alimentar. A plantação de pequenas roças e a pesca eram praticadas, apesar da maioria dedicar-se às atividades na cidade, como pedreiros ou guias turísticos. Wüst afirmou que apesar do envolvimento do grupo (13 adultos e 9 crianças) com a população local, os mais velhos conservaram a memória dos costumes. Porém, preocupou-se com a diminuição de suas práticas. Os Carajá por sua vez consideram-se como povo à parte e principalmente os da geração mais velha não querem ser identificados como civilizados. A integração do grupo com a entidade nacional é acelerada particularmente pelo serviço militar prestado pelos membros mais novos. A memória tribal está bastante enfraquecida e somente os mais velhos lembram ainda alguns detalhes sobre antigos costumes, lendas e objetos não mais utilizados (WÜST, 1975, p. 105).

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Quando trata da subsistência e do abastecimento, afirma que durante a estação da chuva (outubro a março66) verifica-se a atividade de pesca generalizada no rio e atividade agrícola de plantio do milho, seguido da mandioca. A colheita do milho ocorre entre janeiro e fevereiro. Apesar das águas ficarem turvas durante esta estação, maior quantidade de peixes é conseguida nos lagos que acompanham o rio. Após o período de chuvas, quando as águas baixam, inicia-se o plantio de roças do outro lado do rio, onde o terreno permanece inundado, deixando o solo fértil. Nestas roças são plantados pimenta, cará, batata, feijão de corda, algodão, fumo, amendoim e cabaças. Cada família possui sua própria plantação, ocupando em média um espaço de 55 m². A família que tem a maior plantação patrocina as festas, sendo uma atividade eminentemente masculina. Durante o período seco os peixes grandes se concentram nos poços mais fundos do leito, o que facilita a pesca com rede. Antes de existirem as redes deslocavam- se para as praias praticando a pesca intensiva. Os peixes mais consumidos pelos Karajá documentados por Wüst (1975, p. 107) foram: “[...] piau, jacu, cachorra, traíra e pirarucu. O peixe elétrico é pescado para tirar óleo que empregam para fins medicinais, sendo que é consumido somente pelos Javahé.” Os ovos de tracajá eram coletados durante os meses de junho e julho e os de jabuti nos meses de setembro e outubro. A caça possuía papel secundário ocorrendo predominantemente nos meses de maio a outubro, destacando-se a caça do porco-do-mato, queixada, anta e veado. Havia ainda a coleta de mel na primavera e de outros frutos e cocos. Apesar de o mel ter sido substituído pela cana de açúcar próximo a este período. Este calendário anual de abastecimento alimentar não sofreu grandes modificações culturais até os dias atuais. Segundo relatos de indígenas Iny Karajá, durantes aulas do curso de Educação Intercultural da Universidade Federal de Goiás67, o que mudou foi o início e o fim do período chuvoso, que alteram o calendário de início e fim do plantio e a coleta de frutos do cerrado devido às mudanças climáticas, além da diminuição e até desaparecimento de algumas espécies de peixes, devido à instalação de barragens e poluição do rio Araguaia causado por agricultores e pecuaristas da região, que despejam inseticidas e outros produtos tóxicos nas margens do rio. Quase dez anos após este trabalho, em 1984, pesquisadores chegam à Ilha do Bananal desenvolvendo trabalhos de caráter etnoarqueológico, no âmbito do Programa Arqueológico de

66 Atualmente a estação da chuva corresponde aos meses de novembro a maio. 67 Curso de Educação Intercultural da Universidade Federal de Goiás – UFG, no qual atuo como professora colaboradora desde o ano de 2015. 254

Goiás - Projeto Ilha do Bananal. Neste período, a Ilha do Bananal pertencia ao Estado de Goiás, em sua porção ocidental. Dentre as caracterizações geológica, física e vegetacional, o que chamou a atenção dos pesquisadores foi a alta acidez do solo, reforçando a dificuldade de conservação de vestígios materiais orgânicos, incluindo restos alimentares. Além da acidez do solo, o clima úmido e a localização dos sítios à céu aberto também dificultam a permanência de estruturas nas camadas arqueológicas. Sendo assim, os vestígios mais facilmente recuperados foram os cerâmicos. O aspecto que fica evidente nesta pesquisa é o etnohistórico e etnoarqueológico, com uma caracterização geral de todos os povos indígenas viventes próximos à Ilha do Bananal no período. Dentre eles os “Carajá-Javaé”, Avá-Canoeiro, “Caiapó do Norte”, Xerente, Xavante e Tapirapé (BARBOSA et.al., 1985). Os arqueólogos não diferenciavam Karajás de Javaés (apesar de o linguista Aryon Dall’igna Rodrigues já mencionar em 1986 que eram 3 dialetos diferentes: Karajá, Javaé e Xambioá). Colocavam-nos sob uma mesma classificação linguística denominada “Carajá”. Mencionam que suas principais aldeias eram: Macaúba, Canoanã, Fontoura e Santa Isabel do Morro (BARBOSA et. al., 1985, p. 14). Afirmavam também que desde o final do século XIX eram conhecidas três aldeias Javaé no interior da Ilha do Bananal nas proximidades de um grande lago no Norte da Ilha (HARTMANN, 1973, p. 23 apud BARBOSA et. al., 1985). Afirmam também que o povo Caiapó do Norte, até meados do século XVII, era conhecido como Coroá no Mato Grosso ou Carajá no Pará (LOWIE, 1963, p. 477-478 apud BARBOSA et. al., 1985). Tal informação se faz muito valiosa se pensarmos que por longo período um grupo poderia ter sido confundido com o outro. Os pesquisadores se detêm também nas descrições do povo Tapirapé, pois possuíam habitações próximas aos Javaé, no norte da Ilha do Bananal desde o século XVIII. Inicialmente mantiveram contatos inamistosos, mas posteriormente houve significativas trocas culturais de valores e práticas. O mesmo ocorreu com os Kaiapó, com os quais os Tapirapé mantêm contatos e realizam trocas culturais (BALDUS, 1970 apud BARBOSA et. al., 1985). De acordo com Lima e Nazareno (2014), no início do século XX, os Tapirapé contavam com uma população em torno de 1.500 indivíduos, porém em meados da década de 1940, houve conflitos interétnicos com os Kayapó e posteriormente com os Iny Karajá, sendo significativamente reduzidos a pouquíssimos indivíduos. Os autores afirmam que os Kayapó atacaram a aldeia Tapi’itãwa, escravizando mulheres e crianças. Os que escaparam fugiram para as áreas de mata. Ainda neste mesmo período, década de 1940, houve a disseminação da doença de “branco”, que dizimou grande parte da população que havia escapado dos ataques 255

Kayapó, sendo reduzidos a um total de 47 pessoas. O Serviço de Proteção ao Índio (SPI) reencontrou e reuniu o grupo em uma área próxima ao rio Araguaia, longe de seu território tradicional que seria na Floresta Amazônica. Neste momento conviveram muito de perto com os Iny/Karajá, sendo muitas vezes ameaçados por eles de expulsão do território e de extinção do grupo. Na década de 1960, com a chegada de latifundiários da região sul e sudeste do Brasil, a região do Médio Araguaia sofreu um rearranjo territorial, incentivados pela Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), um programa do Governo Militar, que oferecia incentivos fiscais a quem adquirisse terras na região. Com essa grande ameaça de apropriação do território indígena, os Tapirapé se mobilizam para lutar pelo seu território tradicional, demarcado em 1993, sob a denominação de Terra Indígena Urubu-Branco. Atualmente há oito aldeias Tapirapé, sendo que sete delas encontram-se na T.I. Urubu-Branco (Tapi’itãwa, Myryxitãwa, Akara’ytãwa, Tapiparanytãwa, Towajaatãwa, Wiriaotãwa e Inataotãwa) e a outra na T.I. Tapirapé-Karajá (Majtyritãwa). Em meio a estes contatos, segundo Lima e Nazareno (2014, p. 251): É importante ressaltar que ocorre entre esses povos um intenso processo de interculturalidade, com casamentos interétnicos e ainda, um não menos intenso processo de interculturalidade epistêmica. Assim, os Tapirapé incorporam parte da cultura dos Kayapó e Karajá, como as músicas, máscaras, adornos, danças, a pesca, e adaptação ao Cerrado um ambiente muito diferente daquele em que seus antepassados haviam habitado.

Essa grande proximidade na atualidade leva a especular se não seriam os ancestrais destes povos aqueles que teriam, por meio das trocas, contribuído para a formação social, econômica e cultural do povo Javaé no passado longínquo, principalmente no que se refere à cerâmica, uma vez que estes artefatos da Tradição Arqueológica Uru apresentam traços que levam a pensar na possível relação com povos da Tradição Arqueológica Tupiguarani. No ano de 1975, Fensterseifer e Schmitz publicaram no Anuário de Divulgação Científica, considerações sobre o contato da Tradição Uru com a Tradição Tupiguarani no sudoeste do Estado de Goiás. Identificaram, na época, a existência de dois sítios arqueológicos (GO-JU-05 e GO-JU-36), em que as cerâmicas Tupiguarani aparecem em meio às cerâmicas Uru, parecendo ser locais em que houve encontro de povos. Por ser uma área na qual predominam sítios de características Uru, com datações mais antigas, os pesquisadores problematizaram a hipótese de os grupos Tupiguarani migraram para a região. Segundo Fensterseifer e Schmitz (1975, p. 61): A impressão que dá é que um pequeno grupo Tupiguarani, uma família talvez, deslocada do seu contexto, se amparou num grupo estranho, instalando-se nas imediações. [...] É possível que na base de todo esse processo esteja a 256

proximidade física, isto é, a ocupação da mesma área por grupos de ambas tradições.

Estes pesquisadores estavam tratando de sítios arqueológicos situados na Bacia do rio Claro, local em que a confluência de povos pode ter ocorrido com frequência no passado, pela disponibilidade de água e outros recursos naturais. Além da Bacia do rio Claro, a Tradição Tupiguarani foi identificada na Bacia do Paranaíba (rio Verde) e no município de Serranópolis, datada por volta de 500 anos A. P. (SCHMITZ; BARBOSA, 1985). No ano de 1996, a arqueóloga Robrahan-González (1996) indicou que nas regiões do Alto Tocantins, Alto e Médio Araguaia teria ocorrido um intenso processo de ocupação Uru entre 800 e 700 anos A. P., e o possível contato com os grupos Tupiguarani teriam ocorrido entre 700 e 500 anos A.P. Conforme Pontim (2011), diversos sítios arqueológicos foram identificados na região norte de Goiás durante o Projeto de Salvamento Arqueológico Pré-Histórico da Usina Hidroelétrica Serra da Mesa e Projeto de Salvamento Arqueológico Pré-Histórico da Usina Hidroelétrica Cana Brava, e dentre estes estavam os que demonstravam o contato entre Tupiguarani e Uru. A grande quantidade de bases planas, e evidências de antiplástico cariapé, parte integrante das coleções estudadas, pode estar relacionado a um processo de adoção de elementos externos, demonstrando a interação cultural entre os grupos filiados a Tradição Tupiguarani e Uru (PONTIM, 2011, p. 146).

Fazendo uma “analogia etnográfica”, Pontim (2011, p. 46) se baseia no trabalho de Pedroso (2006) para afirmar que o grupo indígena Avá-Canoeiro poderia ser um dos grupos ascendentes dos Tupiguarani ocupantes da região em “períodos remotos” (PEDROSO, 1994 apud PONTIM, 2011, p. 47). Portanto, tanto Avá-Canoeiros quanto Tapirapés, povos atuais falantes de línguas Tupi, poderiam ser ascendentes dos povos migrantes das áreas de cabeceiras dos rios amazônicos para os rios Araguaia e Tocantins e, portanto, estariam envolvidos no processo de formação e relação intercultural dos atuais Iny. Pela proximidade da Ilha do Bananal com a região amazônica e, consequentemente, com as áreas de ocupação Tapirapé, seria mais provável a relação deste povo com os ancestrais dos Javaé. Os vestígios cerâmicos identificados na Ilha do Bananal caracterizaram 10 sítios arqueológicos, entre o rio Verde e o rio Javaés, na parte sul do interior da ilha até a cidade de São Miguel do Araguaia. Estes vestígios permitiram agrupar os locais de sua coleta em 2 tipos: sítio aldeia e sítio acampamento (BARBOSA; ABREU, 1985). No caso dos sítios aldeia havia uma grande quantidade de material disperso em uma área próxima aos rios, indicando um possível alinhamento paralelo de possíveis casas, enquanto nos sítios acampamento a 257

quantidade de vestígios era menor e próximas a lagos e alagadiços. Todos os vestígios cerâmicos apresentaram como antiplástico espículas (cariapé A) e cariapé B (cascas de árvores do cerrado trituradas, peneiradas e colocadas na argila, utilizadas para tirar o excesso de plasticidade e água da massa argilosa), e as formas reconstituídas indicaram que os vestígios eram pratos rasos, pratos fundos, tigelas rasa, tigelas fundas, panelas e potes, algumas apresentando decoração incisa, apliques e engobo vermelho (banho de tinta vermelha, normalmente obtida da mistura do urucum macerado com óleo vegetal). Esta análise material concluiu que todos os elementos cerâmicos pertencem à Fase Aruanã definida por Schmitz, Wüst, Barbosa e Basile Becker (1974 apud BARBOSA; ABREU, 1985), como parte da Tradição Uru, apesar de ter havido uma forte tendência de classificá-la como independente em função de suas especificidades. Estes dados nos indicam que os povos ocupantes da Ilha do Bananal compartilhavam das mesmas características culturais gerais dos povos moradores da região do Alto Araguaia e rio Vermelho, provavelmente os ascendentes dos povos Karajá e Javaé, ou seja, do povo Iny. Por associação, os sítios da Tradição Uru estariam datados por volta de 900-500 anos A.P., o que corresponde a um período de ocupação em que os colonizadores europeus se encontravam no litoral brasileiro, no interior do Brasil e tinham informações sobre a existência da Ilha do Bananal. De acordo com Ferreira (2000, p. 15), no início da colonização brasileira, portugueses e espanhóis buscavam ouro e pedras preciosas e, “ouviram dos indígenas, que os rios que desaguavam no mar nasciam no Interior, em uma grande Lagoa muito rica em ouro, prata e pedras preciosas, e em torno das quais geralmente habitavam tribos de índios.” A partir de então começou a busca pela “Lagoa Dourada”, o Eldourado que se encontrava no interior do Brasil e era chamado de “Paraupava”, ou seja, “água grande” ou “lagoa grande” na língua Tupi. Muitos bandeirantes partem em busca da lagoa, a mando da Coroa Portuguesa, sendo ela representada nos mapas do Brasil desde 1527. Mas é somente em 1590 que os bandeirantes Domingos Luís Grou e Antônio de Macedo chegam ao Rio Tocantins encontram o “Sertão da Lagoa Paraupava”, regressando a Vila de São Paulo quatro anos depois, sem ouro ou prata. Em 1622 ou 1623 o jesuíta português Antônio de Araújo teria escrito que a Lagoa Paraupava não existia, era um mito, mas existia sim a nascente do Rio Amazonas. A partir de 1646, o Rio Paraupava passa a ser chamado de Araguaia, nome que permanece até os dias atuais (FERREIRA, 2000). Mesmo durante o período em que os portugueses adentraram o continente em busca da Lagoa Paraupava, ou seja, da Ilha do Bananal, os povos indígenas que habitavam a região não teriam passado pelo contato contínuo e frequente com os europeus como ocorreu em períodos 258

posteriores, havendo a provável troca cultural mais intensa entre os próprios indígenas da região. Os estudos de Pontim (2011) indicaram que os sítios cadastrados na região de Niquelândia apresentam recuadas ocupações ocorridas há pelo menos 1.131 anos A. P., na qual existe “[...] na indústria ceramistas, elementos decorrentes de um possível contato ocorrido entre grupos das Tradições Tupiguarani (caco moído e decoração escovada) e Uru (base plana e base plana com pedestal).” (PONTIM, AFONSO, RUBIN DE RUBIN, 2015).

Figura 32 - Fragmentos cerâmicos (base e parede de pote) identificados próximos ao cemitério, na Aldeia Canoanã. Fonte: Tamiris Maia, out. 2017.

A partir do apresentado no mote, estariam os pesquisadores da década de 1970 e 1980 errados em suas hipóteses e conclusões? A mudança de perspectiva teórica e metodológica induz a pensar que houve equívocos ao priorizar o ponto de vista da análise ambiental, processual, quantitativo e etnoarqueológico. Entretanto, se pensarmos que os pesquisadores desta época, como vários homens de seu tempo, estavam colocando em prática os conhecimentos mais recentes e atualizados em suas pesquisas, contextualizando com outros dados advindos do restante do Brasil e da América Latina, a resposta é não. Não estavam errados, apesar de deixarem lacunas que poderiam ser investigadas, como algumas delas foram, posteriormente. Estes pesquisadores, pioneiros nas pesquisas em Goiás, deixaram informações valiosas documentadas, abrindo um lugar especial para a alimentação. Atribuir a classificação de sítios em Tradições e Fases, associando datações para construção de mapas, constituiu um instrumento basilar para conhecer panoramicamente as ocupações pretéritas. Seus problemas concentraram-se na ordem das generalidades, abandonando as especificidades, o que mais tarde se tornaria uma preocupação, com a 259

arqueologia pós-processual. Apesar das novas perspectivas68 seguimos, ainda, olhando para trás, contestando ou confirmando os dados emitidos pelos estudiosos da idade heroica da arqueologia de Goiás.

68 Novas pesquisas e perspectivas arqueológicas foram trazidas aos estudos sobre as ocupações pretéritas em Goiás, a respeito da Tradição Itaparica há um descredito a respeito da homogeneidade de objetos líticos, havendo comprovações de grande variabilidade deste, ficando a homogeneidade relacionada ao savoir-faire, dito em outras palavras, ao saber fazer os objetos e a adaptação aos ambientes (RODET, DUARTE-TALIM, BARRI, 2011). Novos estudos arqueológicos foram realizados também em Palestina de Goiás, havendo maior complexidade de dados relacionados à produção lítica e implantação dos sítios na paisagem (VIANA, RAMOS, RUBIN DE RUBIN, BARBERI, BOEDA, 2016). A respeito das possíveis transformações na paisagem realizadas pelas populações humanas no período pré-colonial em Goiás e adjacências, estudos recentes apontam sua significância (RUBIN DE RUBIN, SILVA, VAZ, BARRETO, 2015). Sobre a região Araguaia-Tocantins, mais dados envolvendo a metodologia etnoarqueológica foram alcançados (MELO, 2009; PEREIRA, 2010), em que a metodologia da arqueologia colaborativa com ênfase a decolonialidade (SILVA et. al. 2011) é adicionada às investigações a respeito da cultura material arqueológica Uru e em relação a territorialidade Iny (ORTEGA, SILVA, 2014). Além destas, ainda podemos citar trabalhos no âmbito da História, sob a perspectiva decolonial, realizados por Silva (2014), Pin (2014), Nazareno e Freitas (2013) Nazareno e Stival (2013) e Nazareno (2017). 260

Mapa 11 - Áreas de distribuição da Tradição Uru - Fase Aruanã (BARBOSA; ABREU, 1985).

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3.2.5 Algumas considerações sobre os dados arqueológicos e etnolinguísticos dos povos do Brasil Central

Antes de entrarmos nas políticas indígenas no Estado de Goiás, com vistas à Ilha do Bananal e a alimentação no próximo capítulo, desfecharemos aqui algumas questões relacionadas às rotas migratórias e à alimentação do período pré-colonial. Primeiramente, qual seria a rota migratória mais coerente de formação do povo Iny? Se existe uma ou mais rotas ou se elas estão corretas não se sabe, caminhamos ainda no campo das hipóteses apesar das inúmeras sistematizações de informações materiais, bioindicativas ou estratigráficas. O que se sabe é que provavelmente foram traçadas por diferentes povos, como vimos das pesquisas desenvolvidas acima. A confluência cultural se faz uma característica da formação do povo Iny, tendo em vista as cerâmicas que carregam elementos Tupi e Jê; a língua classificada como Macro-Jê, contendo elementos Jê (RODRIGUES, 2004); indicadores biológicos e ambientais também corroboram para pensarmos nesta relação intercultural, como a presença de espécies vegetais cultivadas nas áreas de sua ocupação que tem por característica serem oriundas dos saberes agrícolas de diferentes povos. Em segundo lugar, poderíamos pensar se existiria alguma relação entre a alimentação indígena do período pré-colonial e da atualidade? Não queremos cair em anacronismos ou analisar um período tão longevo da história a ponto de trazer incertezas. O que pretendemos é pensar a partir dos dados coletados na cultura material dos sítios arqueológicos e das análises etnoarqueológicas realizadas na década de 1970 e 1980. As inferências realizadas pelos pesquisadores levam a acreditar que existe sim uma relação entre a alimentação dos ocupantes da região do Alto Araguaia e da Ilha do Bananal do passado e atuais. A presença de pratos rasos arqueológicos aponta para a provável produção de beijus, ou seja, para o consumo da mandioca no seu dia-a-dia. A presença de maceradores, quebra coco, mãos de pilão são indícios indiretos do cultivo de vegetais. Os potes cerâmicos pequenos e grandes com inflexão podem indicar como uso principal a retenção de líquidos, seja para armazenamento ou para preparo de alimentos. Neste caso, a preparação de bebidas como o calugi poderia ser uma delas. O que pretendemos demonstrar com esses dados é a existência de possíveis interculturalidades que podem ter acontecido no passado, tendo em conta que as populações Tupi possivelmente desenvolveram primeiro os alimentos à base da mandioca, enquanto grupos Jê, o milho, sendo os Iny resultantes desta possível interação. Além disto, a presença por longo período de tempo da produção e consumo destes alimentos indica continuidade e resistência às mudanças 262

advindas de contatos posteriores, como a do colonizador, por exemplo. Ao contrário da preocupação de Wüst (1975), os Iny permanecem cozinhando tartarugas, peixes, peixes elétricos e calugi na atualidade, associados ao arroz, feijão acompanhados de refrigerante, o que indica que a resistência ao novo e ao mesmo tempo, a interculturalidade nunca deixaram de ser características culturais. O panorama acadêmico e político que permeou as informações sobre os povos indígenas foi de crucial importância para que tivéssemos atualmente dados sobre a alimentação destes povos no passado, sobre sua atuação no território, na paisagem e nas relações interculturais. Porém, ainda caminhamos sob dados oriundos de uma metodologia colonizadora, em que não há interpretações indígenas sobre ela. Para além do que a antropologia e a arqueologia nos forneceram, há ainda muito o que ser revisto. Pretendemos permitir que falem os indígenas sobre o seu passado e suas práticas. E no que tange o âmbito alimentar, não só nas políticas públicas de saúde como em qualquer meio que seja eficiente sua fala. Pretendemos no próximo capítulo aproximar-nos das falas indígenas, contrapondo-as às informações de viajantes, pesquisadores e outros colonizadores que atuaram no território nacional, principalmente aqueles que chegaram à Ilha do Bananal.

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CAPÍTULO 4 - OS JAVAÉ E OS OUTROS: ENTRE A TRADIÇÃO/ANTIGO E A MUDANÇA/NOVO

Nesse capítulo pretendemos retomar a pergunta-problema da tese. Quando nos perguntamos “o que é alimentação tradicional para o povo Javaé? E quais seriam as epistemologias construídas e articuladas pelo próprio povo em torno desta prática?” Temos o desafio duplo de buscar compreender o que é considerado tradicional pelos Javaé e compreender as epistemologias envoltas nos saberes alimentares. A priori identificamos que o ato de reciprocidade possui relação direta com as práticas alimentares para o povo Javaé, pois são nas relações com os parentes e afins (RODRIGUES, 2007), nas trocas e pagamentos que circulam os alimentos. Identificamos também que a construção da alimentação tradicional se dá no processo de mistura de elementos novos ou externos com os elementos antigos e internos. O processo de construção da tradição é em si um elemento vivo, em ação, ou como diriam Maturana e Varella (apud ESCOBAR, 2013), é uma enación69. Tais relações exploraremos com mais profundidade nas páginas que se seguem. Consideramos importante esclarecer nosso intento de evidenciar o ponto de vista nativo por meio de relatos orais coletados durante conversas com professores indígenas e alunos do Curso de Educação Intercultural Indígena da Universidade Federal de Goiás e por artigos publicados pelos Javaé em Revistas dessa mesma Universidade70. Ainda assim, vale lembrar que o presente texto foi escrito por uma não indígena, sendo a pesquisa proveniente das interpretações e fontes também não indígenas. Buscamos fazer com que as vozes Javaé “falem”, ao mesmo tempo que “falaremos” junto delas, reafirmando o desafio e o compromisso pela busca de decolonizar os saberes.

69 De acordo com Escobar (2013, p. 18), enacción corresponde à “ação corporizada”, compreende que “[...] a condição primária da existência é a presença corporizada, um estar no mundo”, ou seja, o autor afirma que não há seres separados do mundo, a partir do momento em que o tocamos, o sentimos e o comemos, experenciamos o mesmo. Assim, todas as ações que são desenvolvidas contituem o próprio ser em sua extensão com o mundo. 70 A Revista “Articulando e Construindo Saberes” do Núcleo Takinahakỹ da Universidade Federal de Goiás, reúne publicações, em sua maioria, oriundas de trabalhos de pesquisas acadêmicas dos alunos indígenas do Curso de Educação Intercultural Indígena, dos professores e diversos colaboradores desse mesmo curso. Ver em https://www.revistas.ufg.br/racs.

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4.1 - A MUDANÇA COMO PARTE DA TRADIÇÃO

De acordo com a pesquisadora Patrícia de Mendonça Rodrigues (2008a), o povo Javaé tem como base de suas relações sociais as fusões e trocas interétnicas, que compreendem casamentos, guerras, trocas culturais e materiais. Ao mesmo tempo em que há o rechaço à alteridade (estrangeiros, por exemplo), evitando ou negando a mistura, é nesse movimento de misturar o outro, diferente, que se constrói a identidade e tradição Javaé. Há desconfiança em relação às diferenças porque são perigosas. Diferença implica perigo, enquanto a semelhança é segurança. Contudo, as misturas seriam “criativas”, ou seja, dão origem a um terceiro elemento que não é igual aos que o originaram (RODRIGUES, 2008a, p. 106). Isso faz das misturas, apesar de perigosas, indispensáveis para a vida social. Rodrigues (2008a) também nos fala sobre a importância da história de origem o povo Javaé, para compreendermos as relações sociais no presente. Os mitos fundadores e seus atores são exemplos do que ocorreu no passado e do que poderá ocorrer no presente, se as formas de ordenação do mundo social forem desrespeitadas. Assim, o mundo e suas dimensões paralelas seguem uma lógica. A história da “saída do mundo subaquático”, a história de Tanỹxiwè assim como a história do povo Tòlòra e Wèrè71, exemplificam as relações socioculturais ocorridas no passado que deram origem aos atuais Javaé. Rodrigues (2008a) afirma que, para o povo Javaé, sair do “mundo subaquático”, ou seja, sair da dimensão subaquática implicou o rompimento das relações fechadas, seguras e perenes que os homens e mulheres tinham, emergindo para a dimensão terrestre na qual surgem as relações em um mundo aberto, perigoso, volátil e de mudanças. É nesse mundo de mudanças

71 Rodrigues (2008a) faz uma descrição detalhada da cosmologia Javaé que nos permite compreender a presença da mistura como importante origem das relações sociais e culturais. A saída de pessoas do mundo subaquático ocorreu no centro da Ilha do Bananal, onde há vestígios de uma antiga aldeia chamada Marani Hãwa. Foi próximo a esse lugar que existiu um buraco por onde passaram pessoas do nível subaquático para o nível terrestre. Vários povos emergiram inclusive os ancestrais de Tanỹxiwè, um “Deus”, um ser mágico que deu origem a vários comportamentos e regras sociais Javaé. Há um fragmento da história de Tanỹxiwè que demonstra o casamento com Myreikò, compreendendo um importante episódio explicativo de muitas regras de reciprocidade social. Rodrigues (2008a) nos narra que os pais de Myreikò, pertencentes ao povo Kuratanikèhè, queriam que sua filha se casasse com Tanỹxiwè, do povo Ijèwèhè. O casamento foi realizado e Tanỹxiwè foi morar com seus sogros, tendo que trabalhar na roça para sustentá-los, além de sustentar sua esposa e seus cunhados (costume até hoje vigente entre os Javaé). Em meio às reclamações da sogra, busca o sol para iluminar o plano terrestre, e todo o trabalho realizado por ele corresponde ao “pagamento pela vagina” de Myreikò. Após um longo período de trabalho pesado, Tanỹxiwè abandona sua esposa grávida e dá continuidade à sua caminhada pelo plano terrestre até o momento em que sobe para o plano celeste. O pagamento pela esposa com trabalho pesado e a seus afins inaugura a forma de relação matrimonial vigente entre os Javaé. Além do povo de Tanyxiwè e de Myreikò, existiram vários outros povos que também saíram do mundo subaquático e habitaram a Ilha do Bananal, dentre eles os Wèrè, Wou e os Tòlòra, considerados povos ancestrais que se misturaram e deram origem aos atuais Javaé. 265

que há morte, velhice, dor e fome em contraposição ao mundo eterno em que tudo é saciado sem a necessidade do contato entre corpos e coisas, em que as substâncias dos organismos, causadoras de doenças, dores e morte, não são expelidas. Ir para o “mundo celeste” após a morte terrestre implica em segurança novamente, significa ir para um espaço fechado e livre de mudanças. Apesar de o “mundo terrestre” ser permeado de sofrimentos, é nele que o contato entre diferentes permitiu o aparecimento de algo novo, que não é como seu originador ou genitor. É algo ou alguém resultado da mistura entre diferentes. Ainda segundo Rodrigues (2008a), a existência da mistura para a construção de algo novo, que ao mesmo tempo é parte do velho e antigo, faz pensar que esta constitui uma das bases do pensamento social Javaé. A mistura é criativa, ou seja, um filho é o resultado da relação de um homem com uma mulher, e ele não será um clone ou uma cópia de nenhum dos dois, mas sim a mistura de ambos, constituindo-se em um ser diferente. Entre os Javaé é comum o pensamento de que quanto mais se libera substâncias corpóreas (saliva, sangue, suor, leite e outras secreções), mais próximo da morte e das mudanças um ser está. Neste caso, as mulheres perdem muito mais energia vital que os homens, por exemplo, por causa da menstruação e da gestação dos filhos, e, portanto, possuem seus corpos mais abertos, mais voláteis às mudanças do que os homens. Desse modo, a representação social de permanência corresponde ao masculino, em contraposição à mudança, que é feminino. Rodrigues (2008a) afirma que a existência do desejo de purificação, estabilidade e permanência social (predominantemente masculino) indica que a realidade social Javaé é produto das relações intrínsecas transformadas com a alteridade (estrangeiros e mulheres). E que este pensamento é anterior ao contato com o colonizador. De acordo com a autora, os Javaé não buscam apagar ou neutralizar o diferente quando há a mistura. Eles integram a mistura à estrutura social já existente, ou seja, a mistura, o novo, passa a ser parte do velho. A tentativa de criar a ficção de que a ‘tradição’ Javaé é pura, ou pelo menos de purificar a sua condição intrínseca de relações entre diferentes, passou a ser o objetivo maior da coletividade masculina desde os tempos da criação. No que se refere às relações internas, essa tentativa toma forma por meio da Dança dos Aruanãs e da negação da afinidade gerada pelo matrimônio; quanto às relações externas, ocorre principalmente tratando as mudanças culturais, ficticiamente, como se fossem repetição de uma mesma tradição original. As mudanças históricas significativas são incorporadas a isso que se chama de ‘tradição’, intrinsecamente mutável, mas tratada pelo discurso mítico, intencionalmente, como algo que sempre se repetiu, utilizando-se os clássicos ditos que encerram os episódios mitológicos: ‘por isso até hoje é assim, nada mudou’ (RODRIGUES, 2008a, p. 107-108).

266

A autora nos fala do processo de construção do conceito de tradição pelos Javaé, resultante da tentativa de “purificar” o diferente, o outro, tornando-o parte de si. Nós também constatamos esse processo, por exemplo, no uso do arroz para fazer a comida tradicional iwèru também conhecida como calugi. Quando questionamos há quanto tempo é feito o uso do arroz para a produção do iwèru, a resposta se firmou em: “desde muito tempo”. Uma maneira de “tradicionalizar” um elemento externo. Retornaremos a esta questão mais à frente. Rodrigues (2008a) também nos fala sobre a importância da reciprocidade existente entre os Javaé, dentro das relações familiares e sociais de uma aldeia. A circulação de alimentos e a busca pela construção da tradição também podem ser observadas nesse processo. A reciprocidade está presente nas cerimonias de passagem do menino para homem, na festa da Casa Grande (Festa do Aruanã72), no casamento e no luto. Está presente também no nascimento e no resguardo pós-nascimento, mas em escala menor. Quando um homem e uma mulher se casam, o homem é obrigado e prestar os serviços matrimoniais, ou seja, deve fazer o tykòwy, o “pagamento pela vagina” da esposa. Tal qual a história de Tanỹxiwè, os homens devem trabalhar duro para sustentar os sogros, os cunhados e a esposa, pois estão na posição de devedores. Enquanto os credores são os seus afins, ou seja, os parentes da sua esposa. Logo ao se casar o homem muda da casa de seus pais, parentes com os quais possui laços de sangue permanente, para a casa dos afins, pessoas com as quais deve construir uma relação ao longo da vida. Rodrigues (2008a) nos fala que a reciprocidade corresponde a uma relação entre diferentes e a afinidade corresponde à perda ou morte. O homem passa a dever aos seus sogros e entrega seu corpo ao trabalho em troca de uma esposa, construindo uma relação com pessoas diferentes da casa onde nasceu. Além disso, constrói afinidades, “matando” a relação perene com seus familiares e criando a relação fluida com os não parentes (RODRIGUES, 2008a). A preferência matrimonial ocorre entre primos cruzados bilaterais distantes, e são as mulheres mais velhas que arranjam as uniões73. Por se tratar de uma sociedade matrilinear, as

72 Rodrigues (2008a) escreve que o primeiro ritual existente na dimensão terrestre foi o Iweruhukỹ, antes do Hetohokỹ, passado do povo Wèrè para o povo Tòlòra, formadores dos Javaé. Esse ritual já existia na dimensão subaquática, com danças e jogos rituais, e foi trazido para a dimensão terrestre passando a ser praticado no período da seca, durante um mês, no espaço feminino. Alguns xamãs do povo Wèrè quiseram trazer os Aruanãs para permanecerem mais tempo na dimensão terrestre e criaram o Hetohokỹ, o ritual masculino da “Casa Grande”. O ciclo ritual dura praticamente o ano todo, sendo adaptado aos calendários escolares na atualidade, que exigem sua realização em um tempo cada vez menor. De acordo com Toral (1992), o Iweruhukỹ, traduzido por “comida grande”, corresponde a um conjunto de cerimônias em que se entra em contato com os espíritos dos mortos hàri para pedir boa colheita. 73 Rodrigues (2008a) afirma que no passado as uniões matrimoniais ocorriam quando os jovens alcançavam os 20 anos de idade aproximadamente, pois já seria possível a permanência de diálogos com “estranhos” e “diferentes”, além de conhecerem e respeitarem melhor as regras sociais. Deste modo, as regras de reciprocidade seriam 267

mulheres mais velhas possuem proeminência na casa, mais que o sogro e mais que o marido da filha. São elas que “doam” seus nomes para seus netos, criam as gerações de sua prole (filhos, netos e bisnetos), recebem os pagamentos respectivos por ser esposa, sogra e donas dos conhecimentos (histórias, regras sociais, medicamentos e receitas). O espaço doméstico é feminino em contraposição ao espaço masculino, externo, na Casa dos Homens, na roça e nas matas. Rodrigues (2008a) também nos chama a atenção para uma questão relacionada ao casamento que merece atenção. Ao se casarem, tanto o homem quanto a mulher “mudam de nome”, eles chamam um ao outro de “irmã” ou “irmão”. O homem chama seu sogro de “tio”, seus cunhados e cunhadas de “irmãos” e “irmãs”, nora e genros de “sobrinhos”. A pesquisadora mais uma vez afirma que este processo corresponde à transformação da alteridade em identidade, do diferente em você mesmo. Corresponde ao esforço masculino em ordenar e “congelar” artificialmente uma suposta ordem social, construindo tradição. Quando uma criança nasce, ela é um ser “estranho”. Há um esforço em transformar um filho ou filha em um parente. Recebe um nome de uma avó ou avô materno ou paterno (podem ser bisavós ou tataravós vivos ou mortos, desde que prestigiados e respeitados), herda um Aruanã da família, principalmente o primogênito74, os pais fazem o resguardo75 para o fechamento dos corpos, já que liberaram muitas substâncias durante o nascimento de seus filho(a). E quando as crianças chegam à idade de tonarem-se adultas é realizada uma cerimônia. No caso das meninas, isso acontece quando chega a primeira menstruação. Ficam reclusas em casa, aprendendo a produção de objetos (como esteira bàrè, enfeites corporais, pinturas) e regras sociais com sua avó materna e mãe. A partir desse momento elas podem aprender e executar algumas atividades femininas que são realizadas por adultos76, com exceção de cozinhar, atividade feita somente por mulheres casadas (RODRIGUES, 2008a).

respeitadas. Na atualidade os casamentos estão acontecendo mais cedo, por influência dos não-índios e muitas vezes, sem cerimônias, o que faz o casamento ter menor prestígio. Entre as famílias mais abastadas a prática do matrimônio por meio da cerimônia ainda é presente. 74 As crianças passam a ser “donas de Aruanã” mantendo uma relação de identidade ritual com este ser sobrenatural (LOURENÇO, 2008). 75 O resguardo implica no jejum de muitos alimentos, principalmente peixes gordurosos e carne de caça. É interditado ao pai e à mãe da criança comerem estes grupos de alimentos, saírem com frequência de casa, fazerem esforço excessivo; sendo permitido pouca água, iwèru de mandioca ou milho por durante pelo menos uma semana. Antigamente o resguardo poderia durar até quarenta e cinco dias. Ao pai da criança não é permitido participar de pescarias ou caçadas coletivas, a menos que autorizado e “rezado” pelo pajé. A interdição de alimentos também ocorre em outras ocasiões: antes das lutas corporais, quando os guerreiros precisam provocar o vômito, realizar escarificações e passar pimenta-de-macaco (Xylopia aromatica) no ânus, para limpar o corpo; e quando os Aruanãs “brincam” de flechar os espíritos dos animais (aõni), simulando uma cópula (RODRIGUES, 2008a). 76 As crianças não podem executar nenhum tipo de trabalho, pois quanto mais se perde substância, mais o corpo fica aberto e, portanto, perto da velhice, dor e morte. As crianças são livres para brincar, desde que perto das avós maternas e que façam pouco esforço, sendo ideal que fiquem deitadas ou sentadas nas esteiras, ouvindo histórias e aprendendo com a avó e a mãe (RODRIGUES, 2008a). Na atualidade, as crianças convivem com outras da mesma idade na escola indígena, aprendendo também com os professores em aula. 268

No caso dos meninos é realizada a cerimônia Hèrèrawo ou Hetohokỹ. A primeira corresponde a uma cerimônia menor que a segunda, sendo muito comum nas aldeias. Após a realização da mesma, o menino passar a ser jyrè, “um rapaz independente” (HUBURUNATU JAVAÉ, 2019). O pai é o responsável por toda a produção alimentar nas roças, na caça e na pesca que será oferecida ao Aruanã (e também aos Làteni, espíritos protetores dos meninos que estão mudando para fase adulta), enquanto a mãe do menino é a responsável pelo preparo dos alimentos. Nesse momento, os pais do menino serão também os “pais dos Aruanãs”. Os Aruanãs saem do mundo subaquático ou celeste para comer e dançar com os humanos. Nesse caso, especialmente para tornar o menino um jyrè e aconselhá-lo para vida adulta. Os pais oferecem comida e recepcionam os Aruanãs juntamente com o pajé e a comunidade, em troca, o menino tem seu corpo fechado, é reconhecido como filho do casal e ganha respeito social ao se tornar um adulto77. Mais uma vez a troca e a reciprocidade podem ser compreendidas como elementos que permitem a estabilidade, construindo a tradição (RODRIGUES, 2008a). Durante o resguardo, a reclusão feminina, a cerimônia do Hèrèrawo ou Hetohokỹ, casamento ou luto, a reciprocidade está presente. Quando um parente da esposa morre é o marido dela juntamente com outros de seus parentes que carregarão o corpo do morto(a) para o cemitério78. O xiwè, que corresponde a uma oferenda ritual, será realizado pelos parentes do morto. O pajé confecciona dois hitxèkò, em madeira com a pintura da metade cerimonial da pessoa que morreu (Saurá ou Hiretu) para serem colocados no chão, correspondendo à cabeça e aos pés do morto no cemitério. No xiwè é oferecido o iwèru ao morto, para que mate sua fome e sede após a morte. Frequentemente parentes prestam este tipo de homenagem aos seus mortos, principalmente para aqueles que não conseguiram ascender ao mundo celeste e estão presos em uma outra dimensão abaixo ou ao lado do cemitério, por terem cometido delitos ou desrespeitado as regras sociais. Durante a dança dos Aruanãs na Casa Grande ou durante o Hetohokỹ, o xiwè também é realizado pelos pajés, como forma de respeito aos mortos (RODRIGUES, 2008a).

77 O menino ganha também um “padrinho”, que é sempre um irmão, primo ou tio da sua mãe. Assim, a ordem social, mais uma vez, estabelece a troca e reciprocidade entre afins: o pai do menino alimenta o seu filho, o Aruanã, e também seu cunhado na Casa dos Homens, lugar para onde toda a comida é destinada durante a cerimônia de iniciação masculina (RODRIGUES, 2008a). 78 O cemitério da aldeia Canoanã localiza-se próximo às unidades residenciais, paralelo à algumas casas do rio “acima”. 269

Figura 33 - Hitxèkò ao lado de um prato de alumínio onde foi feito o xiwè, no cemitério de Canoanã. Fonte: Foto de Gabriela Camargo Ramos, mai. 2016.

Além da existência das cerimônias, momentos específicos do calendário Javaé, a vida cotidiana também é permeada de rotina ritual. Os Aruanãs ou Irasò emergem do mundo subaquático quando o pajé os chama e permanecem na aldeia, na Casa Grande (Casa dos Homens) por pelos menos sete meses79. São espíritos ancestrais da aldeia, que podem tanto auxiliar no bem-estar social quanto provocar um desastre, caso sejam desrespeitados. Antes de sua chegada, a comunidade elege um “pai e mãe do Aruanã”, pessoas mais abastadas, que possuem roças para oferecer comida a esses espíritos. Normalmente há mais de um “pai e mãe do Aruanã”. Toda vez que o Aruanã brinca ele também come80. Mesmo aqueles que não são “pai ou mãe do Aruanã” podem oferecer comida a ele81, como forma de reciprocidade e de solidariedade de parentesco à família que é “pai e mãe do Aruanã” (RODRIGUES, 2008a). Como nosso propósito neste trabalho é buscar entender as relações da alimentação com a tradição, não pretendemos aprofundar em questões relacionadas aos rituais. Mas ao mesmo

79 Os Aruanã costumam chegar em novembro e ir embora em maio. O Hèrèrawo ou Hetohokỹ é realizado durante a Festa dos Aruanãs, nos meses de mais fartura agrícola: dezembro ou janeiro. Esse calendário não é fixo, podendo haver variações nos períodos de chegada e saída dos Aruanãs. De acordo com Lourenço (2008), a Festa dos Aruanãs pode durar de um a dois anos, ou seja, poderá durar um a dois ciclos rituais. 80 De acordo com Lourenço (2008), as brincadeiras de Aruanã (Tykydisi Irasò) correspondem a cantos e danças que esses seres mágicos (vindos do mundo subaquático ou celeste) realizam no mundo social, na terra (Ahana Òbira), durante um ciclo ritual, que possui a duração de um ano. Segundo a autora: “As ‘brincadeiras’ de Aruanãs são os rituais performativos em que a música e a dança propiciam a reatualização da mito-cosmologia e a circulação das ‘riquezas’ entre os Javaés” (LOURENÇO, 2008, p. 213). A dança e o canto, a performance ritual, correspondem a uma tentativa de mimetizar o alcance da imortalidade (LOURENÇO, 2008), e ainda propiciam a circulação de riquezas compreendidas pelos alimentos e bens que são levados das casas das famílias para a Casa Grande. 81 Em pelo menos duas ocasiões em que estive na aldeia Canoanã, em maio de 2016 e em outubro de 2018, pude conversar com mulheres idosas que preparam o iwèru e o “” – beiju recheado com peixe - para o Aruanã.

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tempo, não podemos deixá-los de lado, porque falar de alimentação Javaé é também falar de alimentação cerimonial e cotidiana. Mencionado anteriormente, o casamento, o pagamento pela esposa, os rituais para vida adulta, o luto e a Festa da “Casa Grande” são momentos cerimoniais específicos do calendário Javaé. Se observarmos esses momentos sob o viés da alimentação, temos importantes elementos para análise. O pagamento pela esposa é uma das principais bases das relações sociais Javaé, além de ser a base de sustentação socioeconômica de diversos outros rituais. O pagamento pela esposa compreende toda produção alimentar e artesanal masculina, esforços físicos ou mentais voltados para sustentar e agradar os afins: esposa, sogros e cunhados (RODRIGUES, 2008a). No que confere à produção alimentar, as roças são as principais formas de pagamento, cabendo ao homem a sua preparação, plantio e dependendo do produto, a coleta na mata. A produção das roças corresponde à principal forma de demonstração do trabalho, fonte de orgulho e respeito masculino. Um homem que possui roça não é preguiçoso, gosta de trabalhar e sustenta a família que formou após o casamento. Apesar de haver essa representação, na atualidade muitos homens deixaram de fazer suas roças, sem deixar de sustentar suas esposas e afins. Quando são assalariados ou funcionários públicos, como professores ou agentes de saúde, fazem compras na cidade para abastecer suas casas. Na roça de uma família há alguns produtos agrícolas que são fontes alimentares para consumo cotidiano e também destinados às cerimônias. São servidos aos Aruanãs, por exemplo82, quando se chega a um momento cerimonial importante é intensificada a roça da família e a produção de gêneros como mandioca, banana, milho, inhame, melancia, abóbora, amendoim e mamão. Planta-se também cana-de-açúcar, feijão e abacaxi. Apesar de esses últimos serem reconhecidos como alimentos trazidos pelos brancos, também são considerados tradicionais pelos Javaé. Além da roça, a atividade de pesca também possui prestígio. Sair para pescar é uma das principais atividades masculinas. O que percebemos é que a produção da roça e a atividade de pesca são práticas cheias de significado. Representam o compromisso masculino com a sua família, força, virilidade, generosidade para com seus sogros e fonte econômica em alguns

82 Aos Aruanãs são servidos alimentos como: água, banana, farinha de mandioca grolada, mandioca cozida, peixe ou carne de caça. Quando pedem, durante as brincadeiras, outros alimentos podem ser servidos aos Aruanãs como mel, “pastel” (beiju recheado com peixe), beiju, inhame com gordura de tartaruga. É desrespeitoso oferecer ao Aruanã frutos silvestres, pois demonstra pouco esforço em trabalhar na roça (RODRIGUES, 2008a; LOURENÇO, 2008). 271

casos, por exemplo, quando se vende o peixe para associação dos pescadores indígenas Javaé83. Além disso, um homem que faz sua roça, pesca84, pega lenha para sua sogra, pode possuir mais prestígio por poder participar e cumprir suas obrigações sociais e rituais, na Festa dos Aruanãs, na realização do Hèrèrawo ou Hetohokỹ ou casamento de seu filho(a). Às mulheres cabe a tarefa de plantar alguns alimentos na roça que normalmente não são plantados pelos seus maridos (algodão, açafrão, urucum), colher a roça da família e preparar a comida para seus filhos85. Quando uma mulher se casa, aprende com sua mãe a produção da comida, as receitas e a forma de servir. Elas são as donas das sementes, as “bibliotecas” dos modos de fazer e se orgulham em poder ensinar à sua geração (RODRIGUES, 2008a). Quanto ao modo de servir especificamente, Rodrigues (2008a) nos fala como ocorre e as justificativas Javaé para isso. Normalmente, a cabeça e a cauda do peixe são servidas aos mais velhos, enquanto aos mais jovens são destinados os pedaços do meio do peixe. As sobras são consideradas causadoras de preguiça entre os mais novos, por isso evita-se dar a uma criança ou jovem adulto as partes que não compõem o meio. Isso ocorre também com outros alimentos, tais como a carne de caça e a tartaruga. Em uma das ocasiões da presente pesquisa em Canoanã, presenciamos a produção do bèrèti e do bòròró. São ambas comidas tradicionais feitas da carne da tartaruga. A primeira é feita assando as carnes mais nobres, segundo os Javaé, da tartaruga, enquanto a segunda é feita das vísceras da tartaruga transformadas numa espécie de caldo no próprio casco do animal. Ao servir a sua família, a mulher entrega primeiro aos seus filhos mais novos as partes mais nobres de carne e a parte mais caldosa do bòròró em um prato, deixando para seus irmãos, marido, pais e para si as outras partes, menos nobres e que estavam no fundo do casco da tartaruga. Essa sequência de importância ao servir é bastante respeitada. E quando perguntamos o porquê, foi dito que era para ajudar no crescimento das crianças.

83 Há outras atividades masculinas importantes, tais como a produção de canoas, remos, pilão, arcos e flechas, cestas para transporte de alimentos, armadilhas para pegar peixe, coletar barro, penas e mel (RODRIGUES, 2008a). 84 Normalmente os homens são acompanhados de seus cunhados na pesca. Eles o auxiliam no momento de jogar e recolher a rede, o anzol, bater o timbó na água (cipó venenoso aos peixes, adormecendo-os instantaneamente) ou outras armadilhas feitas de madeira. 85 Com exceção dos alimentos mais pesados, como a mandioca, as mulheres costumam colher praticamente todos os alimentos plantados. Além disso, cuidam do bem-estar dos filhos, dando banhos, cuidando de seus cabelos com óleo de tucum, fazendo suas pinturas corporais e enfeites de algodão. Lavam roupas no rio e algumas delas tem se dedicado aos estudos no intuito de uma formação superior. Ainda são raras as mulheres que se dedicam a tal tarefa, um desafio ainda por ser enfrentado em uma sociedade em que os homens são os principais interlocutores com os não-indígenas. 272

De acordo com Lourenço (2008, p. 220), alimentar os filhos e alimentar os Aruanãs possui grande importância, pois a conexão entre eles é mediada pelos rituais de nascimento e iniciação: O que faz os adolescentes, meninos ou meninas, crescerem são substâncias mediadas pelos seus pais (caça e peixe) e produtos da roça (mandioca, milho), e preparados pelas mães na forma de comida ritual para alimentar os Aruanãs e o grupo cerimonial (ijoi heto), assim como grande parte da aldeia que partilha destes alimentos. Para os Javaé, os Aruanãs fazem os adolescentes crescerem ‘fortes e rapidamente’.

A sequência ao servir ocorre também quando uma mãe oferece à sua família os alimentos industrializados. Mas quando se trata de servir os Aruanãs, espíritos dos animais aõni e outros espíritos, como o dos mortos (kuni), as comidas industrializadas ou de origem processada têm menor prestígio. Diferente da comida oriunda das roças, pesca ou caça, que significam esforço, dedicação, trabalho duro, e, portanto, implicam reconhecimento social. Comer ou oferecer à sua família uma comida industrializada, processada, não-indígena, corresponde ao cotidiano, tempo comum e banal. Possui menor valor que a comida oriunda das roças. Contudo, é raro uma família que não “mescle” sua produção e consumo alimentar cotidiano: alimentos da roça, dos rios e das matas associados aos alimentos de outra origem, como aqueles dos supermercados. Os alimentos de maior prestígio nunca deixam de ser produzidos, mesmo que em pouca quantidade. Retornaremos a essas questões no item subsequente, quando analisaremos a relação entre a alimentação cotidiana/industrializada e a alimentação ritual/tradicional. Além de Rodrigues (2008a), Sônia Regina Lourenço (2009) em sua tese “Brincadeiras de Aruanã: performances, mito, música e dança entre os Javaé da Ilha do Bananal (TO)”, fala sobre o conceito de tradição Javaé como parte da oralidade presente no cotidiano. A autora chama a atenção para a importância da articulação das abordagens sociais que são elaboradas tanto na discursividade mítica quanto na historicidade dos povos indígenas, ou seja, nos fala sobre a relação entre mito e história. Lourenço (2009) menciona que há uma atuação indígena nas narrativas, que faz relacionar diferentes povos, acontecimentos e memórias sociais em uma única narrativa que conta a origem Javaé. Afirma ainda que o interlocutor das histórias é aquele que possui capacidade de articulação dos acontecimentos. Nesse ponto, citamos Nazareno (2019), que nos mostra a história magistra vitae ou historie, que no passado era usada como base e referência para ações posteriores passa a assumir um caráter de singular coletivo, passa a ser científica e universal, principalmente a partir do século XVII, com o Iluminismo. Nesta perspectiva, os acontecimentos, a memória e a narrativa 273

estão articuladas de tal modo que quando falamos a palavra “História”, há uma postura teórica e filosófica com ares ocidentais preponderantes. Portanto, será que os Javaé se referem a História de acordo com o que nós entendemos como História ou não? Acreditamos que a resposta para tal pergunta seja não, pois a maneira com que os Javaé se referem à História não obedece ou possui pretensão de seguir características ocidentais, não-indígenas. Não pretendemos nos delongar nesse assunto, apenas chamamos atenção para o conceito para não “colonizar” a perspectiva indígena. Lourenço (2009) cita Rodrigues (2008a) quando faz referência às narrativas Javaé, que contêm uma “teoria da práxis”, de tal modo que “no pensamento social Javaé não há distinção ent[r]e mito e história” (LOURENÇO, 2009, p. 76). O que os Javaé definem como História é inseparável de sua organização social, e, portanto, de seus “mitos”. Essa forma de ver a narrativa constitui o próprio ato de ser Javaé. Saber contar as lahy ijyky (história antiga das avós) representa estar em uma sociedade cuja identidade é composta de saber quem é a alteridade, de que modo ela esteve e está presente em suas origens, assim como está presente no seu dia-a-dia. Lourenço (2009) ainda concorda com Rodrigues (2008a) sobre a importância das histórias mitológicas de origem Javaé que possuem estruturas e partes verificáveis historicamente. Afirma que seriam os cantos Javaé, destinados aos Aruanãs e outros seres mágicos, uma maneira de exercitar a memória e arte de narrar, uma prática constante entre as mulheres Javaé mais velhas. Como citado anteriormente, o povo Javaé seria descendente do povo Wèrè, Wou e Tòlòra, que misturados, entre casamentos, conflitos e trocas interculturais, originaram-nos e originaram também a tradição sociocultural do povo Javaé. Segundo Lourenço (2009, p. 200): “[...] foi o povo de Tòlòra, no centro integrador de Marani Hãwa, quem incorporou os bens culturais de muitos povos tanto da tradição Wèrè (Jê), quanto da tradição Wou (Tupi) e os transformou em ‘cultura’ e ‘tradição’”. A história do povo Javaé, narrada por eles, vai ao encontro de muitas teorias que afirmam que a área do Vale do Araguaia é de confluência cultural pré-colonial de diversos povos. E os “rastros” dessa confluência podem ser mapeados a partir da história de origem Javaé e pela historiografia sobre as ocupações antigas (LOURENÇO, 2009). Segundo Lourenço (2009, p. 118): As sociedades Jê que ocuparam o Brasil Central por pelo menos 1.000 anos, caracterizam-se pela estrutura social, cosmologia e organização espacial, recorrentes em toda a região, como um “ar de família” (Carneiro da Cunha, 1993). Nos períodos pré-históricos tardios, os vizinhos dos Jê eram os Tupi, que por sua vez, formaram um conjunto de culturas relativamente ligadas, a uma “macro-tradição” (Heckenberger, 2001). O mesmo autor sugere que entre 274

essas duas “províncias macro culturais”, há uma terceira, a estrutura prototípica Aruak que forma uma cunha entre os Tupi (Amazônia) e os Jê (Brasil Central). Diante desta hipótese, aliada a narrativa indígena Javaé, compartilho com a tese de Rodrigues (2008a) sobre a possibilidade da existência de traços da matriz Aruak entre os Javaé ao lado de aspectos significativos da matriz Jê-Bororo, como a existência das metades cerimoniais, a uxorilocalidade, as classes de idade, a centralidade da casa dos homens, a última, porém, não sendo exclusividade Jê, mas de muitas outras sociedades indígenas Tupi e Aruak (Kamayurá, Wauja, Mehinaku, entre outras). Tanto a matriz Aruak quanto a matriz Jê-Bororo explicariam a concepção Javaé de “Povo do Meio”, como uma espécie de “fusão criativa” de influências Macro-Jê (Bororo em especial), Aruak, Tupi (em menor grau) (Rodrigues, 2008a).

Loureço (2009) e Rodrigues (2008a) nos convidam a olhar os Javaé como o “povo do meio”, mas não apenas do ponto de vista espacial entre outros Iny (Karajá ao sul, ou na nascente e Xambioá ao norte, ou na foz) e outros povos indígenas. Convidam-nos a pensar os Javaé como povos oriundos de “misturas” culturais, que têm sua construção social e cultural a partir dela. Suas narrativas sobre seu surgimento e origem são parte de sua tradição oral, que se faz constante em seu cotidiano. Sendo assim, podemos afirmar que as histórias preservadas, e também modificadas, pela oralidade, “guardadas” principalmente pelas avós, constituem uma das formas de conservação e manutenção social Javaé. O masculino, sinônimo de estabilidade, é também expresso pelas mulheres mais velhas que não menstruam mais, como afirmou Rodrigues (2008a). Sua atuação na sociedade constrói tradição por via da oralidade e corporalidade. O corpo se faz instrumento de atuação no meio, seja ele físico, social ou espiritual. A pesquisadora Lydie Oiara Bonilla Jacobs (2000), em sua dissertação “Reproduzindo-se no mundo dos brancos: estruturas Karajá em Porto Txuiri (Ilha do Bananal – Tocantins)”, buscou definir a concepção de corpo para os Karajá e Javaé, e de como este é construído e a sua importância na constituição do pensamento desses povos. A autora busca informações em Donahue (1982), em Rodrigues (1993) e em Pètech (1993) para afirmar que corpo para os Iny é composto por quatro elementos. O primeiro é o tykytyhy, a “pele verdadeira”, o segundo é a tykytyby, a “pele velha”, o terceiro é o kyty, as substâncias corporais e o quarto é o detyky, a “pele da carne” ou tyky, a pele. O primeiro elemento, o tykytyhy é a alma do indivíduo que apodrece depois da morte e é invisível. Ela desce para aldeia dos mortos, abaixo do cemitério e lá um grupo de mortos (worosy mahãdu) decide seu destino, se fica na aldeia dos mortos ou segue para o mundo subaquático ou celeste. O segundo elemento é uma espécie de segunda alma, traduzida por 275

Bonilla (2000) como “sombra”. Ela pode se desprender do corpo e percorrer outras dimensões cósmicas, não pertencendo ao indivíduo, não apodrecendo ou sumindo após sua morte, sendo também invisível. Ela pode inclusive ser transmitida a outra pessoa, quando uma criança nasce, por exemplo, poderá receber a tykytyby de um avô ou avó, por intermediação do pajé (BONILLA, 2000). Logo após a morte, a tykytyby de uma pessoa se transforma em um kuni, em uma alma de morto. Como ela ainda não está socializada com o grupo de worosy, ela busca os parentes vivos para companhia e até para devorá-los, pois sente muita fome. Por isso a necessidade de os parentes vivos levarem comida ao cemitério para alimentá-los e por isso também da interdição de saírem para tomar banho, para buscar alimentos na roça e andarem na aldeia de maneira constante ou à toa após a morte de um parente. É um período de luto e atenção aos perigos. O enterramento secundário existente em períodos anteriores (pré-coloniais até o início do século XX), tinha como propósito trancar o kuni em uma urna funerária cerâmica, para segurança dos vivos (BONILLA, 2000). O terceiro elemento é o kyty, corresponde as substâncias corporais, ou seja, ao sangue, ao suor, ao sêmen, ao leite e à saliva. São elementos que mantém o corpo vivo. Já o detyky é a pele, o que envolve todos os outros elementos (BONILLA, 2000). Esses dois últimos elementos, apesar de não terem sido alvo de atenção em estudos anteriores tanto quanto os outros elementos, merecem ser considerados aqui, principalmente porque são eles que permitem o estar e interagir com o mundo, seja ele material ou imaterial. Na concepção Javaé, todos os elementos estão interligados e interagem uns com os outros, sendo dissociados apenas após a morte. Mas, enquanto há vida as interações são mediadas por este corpo inteiramente composto. Antes de focarmos no corpo interagindo com o mundo, será importante nos determos na construção do corpo Iny, que Bonilla (2000) também nos descreve. Para que uma criança seja formada é necessário que haja várias relações sexuais, pois o sêmen é o elemento que a formará. Somente após o nascimento, a criança receberá energia vital de sua mãe por meio do leite, na amamentação. Em função de ambos, tanto o sémen quanto o leite, serem elementos do kyty, deve ser feito resguardo, pois os pais perdem muitas substâncias durante o processo de construção do filho. A mãe não pode comer peixe ou carne, sua dieta se limita a frutas, mel, vegetais e iwèru, em reclusão e fazendo poucos movimentos. O pai é proibido de caçar e pescar, deve realizar a escarificação de suas costas, pernas e braços, provocar vômitos e ingerir uma mistura de água com pimenta para a promoção da limpeza de seu corpo (BONILLA, 2000). 276

Logo que nasce, é passado urucum em todo corpo da criança para limpá-la das impurezas do parto. Durante a convivência com a família o corpo vai sendo formado, um avô estica e massageia seu crânio com as mãos para dar forma, sua orelha é perfurada para a entrada de um cordão de algodão que mais tarde dará lugar aos brincos e nas pernas são colocados cordões de algodão para o bom crescimento e fortalecimento. Durante a infância e juventude são transmitidas as regras e etiquetas sociais para a vida adulta. Segundo Bonilla (2000 apud RODRIGUES, 1993, p. 117): Moças e rapazes estão sujeitos a uma série de normas que envolvem a posição correta de dormir, de comer, de andar, de se sentar, de remar e tudo o mais que envolva o uso do corpo. [...] O pirarucu, considerado peixe nobre, só é comido pelos weryrybó e ijadoma, para ‘criar força e ficar sadio e saudável’.

As moças (ijadoma) e os rapazes (weryrybó) representam o ponto máximo do acúmulo de energia vital, de modo que este é o momento em que suas mães mais os enfeitam e os embelezam, antes de começarem a perder a energia vital, que ocorre após o casamento. Progressivamente vai se abandonando os enfeites corporais à medida que ocorre o envelhecimento (BONILLA, 2000). Tal processo nos demonstra a importância da manutenção da ordem social, também chamada de tradição pelos próprios Iny. O seu corpo, o seu estar no mundo é parte do processo do construir-se como Javaé. Poderíamos dizer que o corpo Javaé é construído ao longo da vida, passando por processos físicos, sociais e espirituais. Portanto, poderíamos dizer também que esses processos correspondem à aprendizagem que é passada de geração a geração. Não há como dissociar os quatro elementos que compõem o corpo, tanto os invisíveis (tykytyhy e tykytyby) quanto os visíveis (kyty e detyky ou tyky). Se são indissociáveis poderíamos dizer também que são “horizontais” em termos de existência e importância, independentemente de sua materialidade ou imaterialidade. Dentro da categorização nativa, o que constrói um grupo de elementos está relacionado à perenidade ou apodrecimento. A tykytyhy, a “alma verdadeira”, apodrece juntamente com a kyty, que são as substâncias que possuem cheiro forte (sangue, suor, leite e sêmen) e a detyky, o invólucro, a pele (apesar da detyky apodrecer quase por completo, ainda sobram os ossos, considerados mais perenes). A tykytyby, a “alma velha” ou “sombra”, é aquela que não apodrece, que é perene. Se as categorias nativas se dividem em perecíveis e não perecíveis, assim como afirmou Rodrigues (2008a), pode-se dizer que o volátil, a mudança e a perecividade são categorias que se aproximam do feminino, enquanto a solidez, a tradição e a perenidade se aproximariam do masculino. Ao mesmo tempo em que as mudanças existem e são inevitáveis 277

há a tentativa de contenção e manutenção de uma organização, construção de uma tradição, correspondendo a tentativa masculina de manutenção da ordem sobre as mudanças, femininas (RODRIGUES, 2008a). Contudo, quando observamos essa relação percebe-se que, as tentativas de manutenção da ordem de contenção das perdas de energia vital só existem porque as mudanças e perdas não podem ser evitadas. Elas acontecerão. Portanto, aqui realizamos uma consideração a respeito dessa questão. A tentativa de contenção por meio da tradição, regras e ordem social, pode ser lida muito mais como forma de condução de fluxo vital do que como barreira, contenção. Entendendo que o corpo passa por processos sociais e espirituais, e que as regras e normas surgem como maneiras de conduzir o caminho pelos quais seria aceitável a convivência social. A perspectiva nativa do perecível e não perecível, do visível e do invisível não necessariamente corresponderiam às dicotomias com as quais nós ocidentais classificamos e taxonomizamos o mundo. Essa forma de ver ultrapassa a dualidade. Há o caminho do meio (RODRIGUES, 2008a), pois mesmo que a carne e pele apodreçam, os ossos permanecem no ambiente, havendo perenidade em meio à perecividade. Mesmo que a “alma velha” seja eterna, ela está em fluxo entre os familiares que nascem e morrem. Pensar nas categorias nativas não corresponde a transportá-las para nossa epistemologia ocidental. Porém, seria possível por meio de perspectivas decoloniais a busca pela aproximação e compreensão dessas categorias? Talvez nunca cheguemos a compreender completamente o modo de pensar nativo, mas podemos utilizar perspectivas que permitem uma análise mais próxima. Mesmo sabendo que se trata de uma análise aproximada, poderíamos dizer que as categorias que organizam a forma de pensar Javaé - com perdas de energia vital e ganhos de reconhecimento social; com a concepção de corpo formado por partes visíveis e invisíveis – podem ser vistas à luz da perspectiva de Tim Ingold (2012) a respeito da “ação entrelaçada”. O autor nos convida a pensar o mundo como repleto de “coisas vivas” e não de objetos. Parte do exemplo de uma árvore para dizer que ela não é um objeto, pois é constituída de seiva, insetos em sua casca, pássaros que constroem seus ninhos, musgos e líquens. A árvore é um “agregado de fios vitais”, ela é uma “coisa viva”. O autor faz distinção entre “objeto” e “coisa” para dizer que o mundo pode ser visto para além das categorias ocidentais dicotômicas, sem a primazia de um sujeito que intervém no meio e o nomeia. O mundo das “coisas vivas” existia antes da classificação e taxonomia científica e está em movimento. Não existe um agente que pré-determina o começo ou fim de uma ação, as coisas existem, se entrelaçam e se movimentam por si. Deste modo, se um “objeto” 278

é uma superfície inacessível, um fato consumado, uma entidade limitada e contida, uma “coisa” seria uma “ação entrelaçada”, ou seja, a coisa é capaz de agir não porque possui agencia, mas porque está viva e à medida que se movimenta pode tecer novas linhas como extensão de si. Para Ingold, ao contrário de ocuparmos um mundo com objetos, nós habitamos um ambiente sem objetos, no qual nos juntamos aos processos de formação e dissolução de diferentes entidades, que correspondem às coisas, que assim como nós, também estão vivas, pois elas vazam por e através de suas superfícies por meio do entrelaçamento dos fios que as constituem (MERENCIO, 2013, p. 197).

Ingold acredita que as dicotomias sujeito/objeto, material/imaterial, agente/objeto podem ser desfeitas se considerarmos que não existe a primazia do agente atuando sobre o ambiente, mas que o “sujeito” é mais uma “coisa” a agir no mundo, juntamente com tudo aquilo que há no ambiente, que também age. Dessa forma, pensar que a “alma velha”, a “sombra” do corpo Javaé após a morte poderá sentir confusão, fome, saudade dos vivos é pensar que o ambiente da aldeia é constituído e habitado por seres visíveis e invisíveis. Eles atuam tanto quanto os vivos atuam no ambiente, modificando-o e constituindo-o. No caso Javaé, se as “coisas vivas” abrangem o que é visível e o que é invisível, podemos dizer que na dimensão invisível há uma perenidade, pois não se morre ou já se passou pela fase de morte, é esta perenidade que é entendida com manutenção da organização social, como tradição. Se a dimensão invisível atua na manutenção da ordem, a dimensão visível interage com a dimensão invisível atuando tanto na ordem quanto no movimento, no fluxo da continuidade da perecividade. O corpo é o resultado dessa interação, aquele que existe é, portanto, uma “coisa viva”. A tradição como conduto da energia vital só existe se em interação, se viva em um ser/ “coisa”. Ingold (2010) também nos permite pensar no processo de construção do corpo humano como processo de aprendizagem. Para o autor, o corpo todo está envolvido na execução de uma ação, seja ela apreendida pela primeira vez, copiada, imitada, reproduzida com habilidade ou sem habilidade. O corpo “incorpora ação” (enação) (VARELA, THOMPSON, ROSCH, 1991, p. 173 apud INGOLD, 2010, p. 22). E é nesse processo que ele mantém ou modifica conhecimentos. Acrescentamos que, aqui pode estar o que é chamado de “caminho do meio”, o mecanismo pelo qual o processo de construção da tradição ocorre. Explicaremos melhor. Ingold (2010) questiona o fato de muitos adeptos das teorias da biologia evolucionária neodarwiniana e da psicologia cognitiva clássica aceitarem que o conhecimento é conteúdo mental passado de geração para geração. Ele propõe o conceito de “habilidades humanas” que emergem de sistemas dinâmicos, por meio do qual as gerações alcançam seus conhecimentos. 279

Acredita que os conhecimentos aprendidos por cada geração se dão menos pelo acúmulo de representação do que pela experiência ou “educação da atenção” (INGOLD, 2010, p. 6). O autor quer entender o que causa mudança ou manutenção dos conhecimentos nos grupos humanos. Para isso, toma as afirmações de Gibson (1979 apud INGOLD, 2010), sobre psicologia ecológica, e afirma que as capacidades humanas passadas para as gerações ocorrem quando um organismo como um todo interage com um ambiente. Seria essa interação do corpo com o ambiente, essencial para o desenvolvimento e aprendizagem humana. Sem a interação do corpo com o ambiente, mesmo que esteja totalmente equipado psicologicamente para executar tarefas, não há processo de aprendizagem. Isso soma-se ao processo de sociabilização. Não é só a representação de algo que permite que aprendamos. É fazendo, sentindo, cheirando, ouvindo no e o ambiente que se aprende. Para que esse processo de aprendizagem ocorra, há um mecanismo essencial: a imitação. [...] as capacidades específicas de percepção e ação que constituem a habilidade motora são desenvolvimentalmente incorporadas no modus operandi do organismo humano através de prática e treinamento, sob a orientação de praticantes já experientes, num ambiente caracterizado por suas próprias texturas e topografia, e coalhado de produtos de atividade humana anterior (INGOLD, 2010, p. 16). [...] copiar não é fazer transcrição automática de conteúdo mental de uma cabeça para outra, mas é, em vez disso, uma questão de seguir o que as outras pessoas fazem. O iniciante olha, sente ou ouve os movimentos do especialista e procura, através de tentativas repetidas, igualar seus próprios movimentos corporais àqueles de sua atenção, a fim de alcançar o tipo de ajuste rítmico de percepção e ação que está na essência do desempenho fluente (GATEWOOD, 1985 apud INGOLD, 2010, p. 21).

O que queremos dizer é que o processo de aprendizagem formulado por Ingold (2010) corresponde à construção de conhecimentos que só ocorrem por meio da experiência do corpo no ambiente. Por exemplo, quando alguém apresenta uma música a você, não significa que saberá tocá-la em um instrumento imediatamente. A aprendizagem não depende apenas de uma representação, ou seja, ouvir a música, ler uma partitura para saber tocá-la. Ela exige experiência no sentido de afinar a atenção, ouvir, tentar tocar, praticar até conseguir tocar a música apresentada anteriormente. Exige atenção, ou como disse Ingold (2010, p. 19) “educação da atenção”. Até então a música era uma informação, quando aprendida se torna um conhecimento. O processo de construção de conhecimento não ocorre se o corpo como um todo não estiver envolvido. Não há como separar corpo da mente ou sujeito do objeto. O processo de aprendizagem pede que o corpo “corporifique as ações”, seja imitando alguém mais experiente ou sendo orientado por ele. Uma pessoa aprende havendo sempre brechas para inserção de algo 280

novo. Esse algo novo poderá ser o “caminho do meio”, é o elemento que não é como antes, mesmo conservando muitas características anteriores. Podemos dizer que a tradição corresponderia, nesse sentido, a um processo no qual há um conduto, há construção de um “caminho do meio”, no sentido de inovação das ações anteriores com a passagem de gerações. Essa inovação está inserida nas necessidades de manutenção dos conhecimentos das gerações passadas. O processo de construção do “caminho do meio” exige aprendizagem no sentido de ação incorporada. Aprender a fazer um iwèru exige observação, olfato, tato, saber quando pode servir ou quando não pode, aprender a usar o fogo, as panelas, como se comportar e até como ou quando comer. E mesmo que se repita a receita da avó, o modo de colocar a panela no fogo ou o tempero podem mudar porque existe dinâmica e mudanças na interação corpo/ambiente. O “caminho do meio” pode ser visto não apenas como mecanismo de construção da tradição como estamos sugerindo. O “caminho do meio”, como afirmou Rodrigues (2008a) corresponde a forma epistêmica Javaé de perceber a si no mundo. Se a tradição está relacionada com aquilo que é perene, masculino e corresponde a uma tentativa de contenção dos movimentos e fluxos (RODRIGUES, 2008a), então podemos dizer que é nesta tentativa de “contenção” que acontece a “educação da atenção”, a “ação incorporada” (enação) que resultará em uma “inovação”. Mesmo que essa inovação venha acompanhada de “sempre foi assim”. Não é apenas a contenção atuando, mas a fluidez mediada e conduzida, nos processos de construção da tradição Javaé. Novamente gostaríamos de afirmar que não buscamos transferir as categorias nativas para as categorias ocidentais ou vice-versa. Procuramos interpretá-las de modo a tentar distanciar das dicotomias e das representações, ainda presente em muitos vieses acadêmicos e historiográficos. Para tanto, não podemos deixar de citar Eric Hobsbawm (2012) quando tratamos de “tradições”. Mas desde já afirmamos que o historiador em questão se utiliza de categorias ocidentais para generalizar a construção, ou melhor, a “invenção das tradições”. Ele parte do ponto de vista britânico sobre a construção das tradições com parâmetros relacionados prioritariamente às sociedades pré e pós-industriais. Mas se este autor, Hobsbawm (2012), parte do ponto de vista europeu para definir tradição, então por que decidimos trazê-lo aqui? Porque acreditamos ser importante evidenciar a predominância de uma construção acadêmica bastante utilizada por vários historiadores, e que ao mesmo tempo impõe uma teoria geral para tradição e desconsidera a importância do ponto de vista epistêmico de outras sociedades. Gostaríamos de analisar alguns desses pontos, 281

relacionando as teorias de Hobsbawm com as categorias nativas Javaé, demonstrando o quanto as generalizações deste autor são frágeis e as análises nativas sobre si são insubstituíveis. Para Hobsbawm (2012) as tradições não necessariamente são antigas ou possuem uma origem remota, elas podem ser recentes ou inventadas. Muitas daquelas que acreditamos ser antigas podem ser bastante novas e, portanto, inventadas em um momento recente. O autor caracteriza as “tradições inventadas” como um conjunto de práticas que visam inculcar valores por meio da repetição e estabelecem ligações com um passado histórico apropriado. Esse passado histórico não precisa ser longínquo no qual as tradições estabelecem vínculo, eles podem ser atuais. Além da “tradição inventada”, Hobsbawm (2012) situa outra categoria para explicá-la e correlacioná-la, o “costume”. Para ele a principal característica das “tradições” é a sua invariabilidade, pois possuem um passado vinculado e impõem práticas fixas. Já o “costume” possui dupla função: motor e volante. Não impede as inovações e pode mudar até certo ponto, embora deva parecer compatível com o que o precede. O “costume” não pode ser invariável, “porque a vida não é assim nem mesmo nas sociedades tradicionais” (HOBSBAWM, 2012, p. 9). Quando Hobsbawm (2012) diferencia “tradição inventada” de “costume”, ele estabelece uma única maneira de ver as mudanças e permanências das coisas em um ambiente e grupo social. Coloca a tradição como categoria estanque, sem mudança e o costume como categoria volátil, na qual é permitido mudar. Mas, mesmo nessa última em que a mudança é permitida, existe um limite, pois há sempre que permanecer algo que a precede ou que a origina. Essa forma de ver a tradição é bastante diferente das categorias nativas Javaé. As categorias de tradição de Hobsbawm não servem para pensar as categorias de tradição Javaé. O ponto de vista do historiador britânico não deixa lugar para um “caminho do meio”, para construção de experiência, que não é a repetição simplesmente. Hobsbawm (2012) menciona ainda a diferença entre “tradição” e “rotina”. Para ele, esta última “[...] não possui nenhuma função simbólica nem ritual importante, embora possa adquiri-la eventualmente” (HOBSBAWN, 2012, p. 9). As rotinas, para ele, não são “tradições inventadas” porque sua função é técnica e não ideológica. Deste modo, “as ‘tradições’ ocupam um lugar diametralmente oposto às convenções ou rotinas pragmáticas” (HOBSBAWN, 2012, p. 10). Mais uma vez podemos dizer que o ponto de vista Javaé não pode ser coadunado com o ponto de vista do autor. Vimos anteriormente que a tradição está presente no dia-a-dia Javaé. Os irasòs passam quase o ano todo nas aldeias e muitas refeições, brincadeiras, adornos, roças e outros preparativos são destinados a eles no cotidiano. É na rotina, no dia-a-dia, que a tradição 282

Javaé também é presente. Não só nos dias específicos escolhidos para a realização de rituais. Deste modo, as rotinas são parte das tradições para o povo Javaé e muitas vezes ocupam o mesmo lugar. Seguindo com as afirmações de Hobsbawm (2012), o pesquisador acredita ser difícil descobrir a origem de uma tradição quando ela é em parte inventada, em parte desenvolvida por um grupo fechado, muitas vezes não registrada em um documento. E toma como afirmativa a origem de uma tradição por meio de uma transformação brusca que destrói ou enfraquece padrões sociais. Essa forma de ver a tradição e mapeá-la somente se for escrita ou registrada em algum lugar, demonstra a imposição eurocentrada sobre as populações que não possuem escrita. Se só são passíveis de consideração e estudo facilitado aquelas sociedades em que há registros, então todas aquelas que não possuem, não podem ser estudadas ou mapeadas as origens das suas tradições de modo a fazer sentido ao ponto de vista das categorias pré- estabelecidas por ele. As tradições nem sempre necessitam de uma mudança ou transformação brusca para se fortalecer ou aparecer como uma realidade social. Como vimos, para os Javaé, a construção da tradição compreende a reorganização do ponto de vista do outro, formando algo novo, um terceiro. Caso as transformações bruscas enfraquecessem padrões sociais Javaé, sem que eles, os Javaé, rearranjassem sua forma de ver e pensar suas tradições, os tori teriam causado o enrijecimento das tradições culturais a ponto de poder “quebrá-las” quando em contato. Deste modo, não seriam as transformações bruscas as causadoras do fortalecimento das tradições, seriam as “ações corporificadas” as mantenedoras/modificadoras das tradições por meio dos contatos. Para o autor, as tradições antigas permanecem se forem inseridas nelas novos elementos, ou seja, “conservar velhos costumes em condições novas ou usar velhos modelos para novos fins” corresponde à adaptação das tradições ao tempo (HOBSBAWM, 2012, p. 12). Há a possibilidade também de que novas tradições possam ser enxertadas nas velhas ou inventadas com empréstimos rituais e/ou simbólicos das antigas. Neste ponto Hobsbawm abre a possibilidade de pensar as tradições como menos estanques, porém, permanece a ideia de “conservação” e “enxerto”, ou seja, a estrutura anterior que deu origem à tradição permanece fixa. Não há possibilidade de construção de algo novo, de construção de experiências orientadas. Hobsbawm (2012) nos ajuda a pensar a “tradição” e os “costumes”, contudo, para sociedades ocidentais. Suas categorias não servem para as sociedades outras, que se constituem epistemologicamente diferentes. Quando observamos as ideias de Ebrahim Moosa (2009) a respeito de tradição no Islão na contemporaneidade, pensamos a respeito da importância de 283

outros pontos de vista. Moosa (2009) realiza uma análise crítica a respeito das tradições islâmicas nos dias de hoje, e uma de suas afirmações a respeito da questão é a de que há sempre uma reformulação do conhecimento tradicional por meio das experiências. Moosa (2009, p. 272) inicia suas análises e reflexões questionando se uma prática, quando identificada como tradição, deve “assemelhar-se eternamente à sua origem”. Logo em seguida afirma não ser fácil resolver tal questão, e que a provável resposta advém “[...] do que uma pessoa é e, ainda mais importante, no modo como uma pessoa existe” (MOOSA, 2009, p. 272). Essa afirmação pode ser mais bem entendida quando o autor define tradição como: [...] um estado de espírito e um conjunto de práticas interiorizadas. Como prática, a tradição tem indubitavelmente autoridade e funciona de acordo com certas regras do jogo. A tradição, citando palavras felizes de Pierre Bourdieu, é aquilo que o corpo aprendeu ou o que ‘foi aprendido pelo corpo’; não é algo que se adquire como conhecimento, mas sim aquilo que uma pessoa é (1990, p. 73). Melhor dizendo, poderia afirmar-se que a tradição é a auto- inteligibilidade do passado no presente; uma inteligibilidade ou estado de existência em constante evolução e mudança. Poderia também dizer-se que a tradição tem tudo a ver com a subjetividade de uma pessoa (MOOSA, 2009, p. 272).

Para o autor a tradição está diretamente ligada às práticas, e tem a ver com aprendizado por meio das experiências de cada ser. Não está relacionada à simples reprodução de personalidades ancestrais sem modificações. O organismo modifica o seu desenvolvimento hereditário em meio a um ambiente. Para os mais ortodoxos mulçumanos a tradição estaria imune às influencias ambientais, confundem tradição com passado mítico. E é essa reverência exacerbada ao passado que paralisa e não deixa enxergar o que é a tradição (de verdade para o autor), permeada de mudanças e ações outras do ambiente/tempo/pessoas na contemporaneidade (MOOSA, 2009). Moosa (2009) cita Ghazali (falecido em 1.111 d.C.), para mencionar a importância e valor do espaço intermédio, o dihliz, para a vida e reflexões cotidianas. Segundo Moosa, Ghazali utiliza a metáfora da soleira de uma porta, ou um dihliz (que separa o lar persa de seu exterior), para relacioná-lo a um espaço dialógico, um local onde há produtividade intelectual por meio da interação de culturas. E o resultado do diálogo produz um hibridismo, uma “incoerência complexa que temos a tendência de espalmar”. Mesmo quando assistimos as mudanças acontecerem sem achar que elas não nos muda, passamos por transições, por “viragens no conhecimento e no tempo” (MOOSA, 2009, p. 278). É neste ponto que o autor nos mostra a importância da atenção, para que encontremos o caminho do meio, o dihliz. E que a análise crítica de tradição implique em autoconhecimento e prática. Em suma, o autor afirma que tradição pode ser entendida como diálogo, como auto- 284

inteligibilidade em constante mudança. Tal modo de perceber a tradição por meio do aprendizado dialoga com o que Ingold (2010) afirma a respeito do corpo e do ambiente, no qual o ser se constrói e existe. Dialoga também com a forma Iny dos Javaé de se ver no mundo, como aquele que é e está no caminho do meio. Arturo Escobar (2005) nos traz importantes reflexões a respeito da maneira como nós, pesquisadores, poderemos observar as perspectivas nativas desvinculando-as das categorizações colonizadoras. Não nos fala diretamente sobre tradições, porém nos demonstra como as relações dos seres humanos com o ambiente permitem a sua formação, constituição, construção da forma de pensar e agir, sempre em interação. Ele nos impulsiona a pensar que utilizar as categorias de corpo, ambiente e relações sociais a partir da concepção que os próprios nativos têm sobre si, sejam eles indígenas, negros ou comunidades rurais nos permitem perceber questões que por muito tempo foram negligenciadas ou se quer vieram ao conhecimento dos estudiosos e outras pessoas. Nesse sentido, Escobar (2005) chama atenção para as teorias da antropologia do conhecimento que tendem a ver as relações dos homens com o ambiente de modo menos dicotômico ou hierarquizado. Afirma que o conhecimento constitui uma prática, possui uma história e ao mesmo tempo está em mudança. Segundo Hobart (1993, p. 17-18 apud ESCOBAR, 2005, p. 65-66): Estudos etnográficos dos cenários do Terceiro Mundo descobrem uma quantidade de práticas – significativamente diferentes – de pensar, relacionar- se, construir e experimentar o biológico e o natural. [...] Num artigo clássico sobre o tema, Marilyn Strathern (1980: 174-175) afirma que não podemos interpretar os mapas nativos (não modernos) do social e do biológico nos termos de nossos conceitos da natureza, da cultura e da sociedade. [...]

Parece haver uma certa convergência nas colocações antropológicas mais recentes relacionadas com o conhecimento local ao tratar o conhecimento como “uma atividade prática, situada, constituída por uma história de práticas passadas e em mudança” [...].

Além dos antropólogos, Escobar (2005) cita a perspectiva da biologia fenomenológica de Humberto Maturana e Francisco Varela, pela qual as visões dicotômicas colonialistas podem ser rejeitadas. De acordo com Escobar (2005, p. 67): [...] estes biólogos sugerem que a cognição não é o processo de construir representações de um mundo prefigurado, por uma mente prefigurada, externa a esse mundo, como o apresenta a ciência cognitiva convencional; eles sustentam que a cognição sempre é experiência arraigada que se leva a cabo num pano de fundo histórico e que sempre se deve teorizar do ponto de vista da “ininterrupta coincidência de nossa existência, nosso fazer e nosso saber” (MATURANA e VARELA, 1987, p. 25). No que eles chamam de um enfoque enativo, a cognição se converte na enação de uma relação entre a mente e um mundo baseado na história de sua interação. “As mentes despertam num 285

mundo”, começam afirmando Varela e seus colaboradores (VARELA, THOMPSON e ROSCH, 1991, p. 3) de maneira a sugerir nossa inelutável dupla corporeidade – a do corpo como estrutura experimental vivida e como contexto da cognição, um conceito que tomam emprestado de Merleau-Ponty – e assinalam o fato de que não estamos separados desse mundo; que cada ato do conhecimento de fato, produz um mundo.

Escobar (2005) realiza analises relativas aos “conhecimentos locais”, sobre a importância de visibilizar os pontos de vistas das pessoas em seus ambientes e de não “congelá- las” em seus territórios ou tempo, como realizam as políticas e movimentos neoliberais. Afirma que: As mentes despertam num mundo, mas também em lugares concretos, e o conhecimento local é um modo de consciência baseado no lugar, uma maneira lugar-específica de outorgar sentido ao mundo. [...]

[...] na América Latina a hibridização cultural, é outra tentativa de tornar visível o encontro dinâmico das práticas que se originam em muitas matrizes culturais e temporais, e a medida em que os grupos locais, longe de serem receptores passivos de condições transnacionais, configuram ativamente o processo de construir identidades, relações sociais, e práticas econômicas (ESCOBAR, 2005, p. 139-140).

Se a constituição do ser está diretamente relacionada ao seu ambiente, a seu local, e se suas formas de conhecer e estar no mundo constituem-se à medida que suas experiências ocorrem em um processo dinâmico, então, o ato de nomear e definir o que é tradição também constitui um processo dinâmico. A tradição constitui um “aprendizado” em movimento, enacción, não é repetição, não está congelada, não é representação86, não possui fixidez. Ela, a tradição, possui um pano de fundo histórico, por vezes rasgado e costurado com elementos outros, sejam eles mágicos, vivos, mortos, animais, naturais, rítmicos musicais. No caso Javaé, mesmo quando há a tentativa de fechamento do corpo, de masculinização dos elementos circundantes, a atuação das pessoas no ambiente está permeada de “ação corporificada”. A tradição é a (in)permanência das ações do saber e do fazer Javaé, é a dinâmica da condução do fluxo vital. A seguir, traremos descrições e algumas análises em que a tradição e a alimentação puderam ser evidenciadas no cotidiano Javaé, entendida como parte do “ciclo da vida” pelos próprios Javaé, presente nas casas, nas escolas e nos rituais.

86 Ver críticas à representação cartesiana e ocidental na obra “A mente corpórea”, de Varela; Thompson e Rosch (1992). 286

4.2 - ALIMENTAÇÃO NOS CICLOS DA VIDA

Quando o povo Iny (incluímos aqui os Karajá e Xambioá além dos Javaé) fala em ciclo da vida, querem dizer pelo termo muito mais que etapas que se sucedem. A ideia de ciclo é de renovação no sentido biológico e espiritual. A alma pode vir das dimensões espirituais e “entrar” na barriga de uma mulher grávida. De acordo com IÒLÒ JAVAÉ (2016, p. 160), existe uma continuidade da vida: “[...] continua o ciclo da vida da criança Javaé: cresce, envelhece, se torna criança de novo e morre”. Para cada ciclo há um aprendizado e obrigação, é quando ocorre a construção dos valores e saberes Iny: “[...] responsabilidade, respeito, humildade e generosidade” (LARIWANA KARAJÁ, 2016, p. 99). De acordo com professores e pesquisadores Iny, alunos do curso de Educação Intercultural da UFG, os ciclos da vida correspondem a uma forma de organização social importante. Segundo Lariwana Karajá (2016, p. 99): Toda organização do povo Iny está relacionada com o ciclo da natureza e a crença do mundo espiritual existente no céu, na água, e nas matas. A educação do povo Iny é especial em cada ciclo da vida. Esta forma de educação existe entre nós Karajá, começando desde o nascimento, até a fase adulta, e, no decorrer do tempo, o aprendiz recebe vários tipos de saberes tradicionais de seus familiares e da própria comunidade [...].

Mas essa forma de organização está sendo silenciada em muitas aldeias, pela adoção e implantação de conhecimentos pedagógicos da escola e por outros contatos com os não- indígenas, desconsiderando os saberes tradicionais: “Isso provoca o silêncio dos conhecimentos ancestrais” (WAHUKA KARAJÁ, 2016, p. 103). O trabalho de muitos estudantes e professores indígenas tem sido a valorização desses conhecimentos, pois consideram imprescindíveis para a continuidade de muitas práticas culturais e sociais. Essa forma de perceber e construir a realidade social está permeada de ritos em que estão presentes os “alimentos tradicionais”, pois para cada mudança no ciclo de vida de um indivíduo há um marco ritual. E nesse marcador ritualístico há produção e consumo de alimentos que vêm da roça, das matas e dos rios, considerados alimentos verdadeiros, diferentemente dos industrializados. Explicaremos melhor essa questão à frente, mas por hora nos deteremos nos ciclos da vida para compreendermos parte dessa organização social Iny87.

87 Grande parte das informações foram escritas por professores e pesquisadores Karajá e Javaé em forma de artigos científicos e publicados na Revista Articulando e construindo saberes, da UFG. Verificamos que os escritos sobre os ciclos da vida Karajá correspondem aos mesmos dos Javaé e possivelmente Xambioá. 287

De acordo como o professor indígena Sinvaldo Wahukà Karajá88, o povo Iny não marca o crescimento ou desenvolvimento de um indivíduo por idade ao modo tori, mas por ciclos de vida. Esses ciclos são marcadores do desenvolvimento biológico, cognitivo e espiritual do indivíduo, ao longo de toda a vida, da infância à velhice (PEREIRA; NAZARENO, 2016). Quando uma mulher casada pára de menstruar é sinal que ela pode estar grávida. Segundo Manaijè Karajá (2016, p. 91) “É aí que começa uma vida”. A criança recebe vários nomes de familiares próximos, vivos e mortos, havendo sempre uma preferência por aqueles que estão vivos. A mãe ou o pai não podem nomear seu filho, contudo podem escolher um único nome entre aqueles recebidos. Às pessoas que deram nomes ao seu filho(a) são dados brotyre (Karajá) ou bòròtyrè (Javaé)89, uma recompensa, um agrado que poderá ser uma canoa, um pilão, uma esteira, um vidro de óleo de tucum ou outro objeto. Corresponde ao respeito, a reciprocidade pelo trabalho e atenção das pessoas próximas pela família que se inicia. O pai da criança que é responsável pelo pagamento do bòròtyrè e por trazer os alimentos de desejo da mãe e da criança, pois o desejo é aquilo que a criança pede para comer. Ainda de acordo com Manaijè (2016, p. 92): “Alguns bebês são ityybina. São os bebês que nascem com espírito. Estes por qualquer coisa ficam zangados, adoecem. Só o pajé pode saber se o bebê é ityybina”. E se for um bebê com espírito, até certo tempo fica sob cuidados do pajé, depois de crescida a criança fica sob os cuidados dos pais (IÒLÒ JAVAÉ, 2016). A partir do sexto mês de gestação o casal não pode mais ter relação sexual, para garantir a saúde da mãe e do bebê. Voltando à vida sexual após um mês e quinze dias após o parto, ou seja, após o resguardo. A partir desse momento a mãe é preparada para passar por uma rigorosa dieta alimentar e ainda, “[...] passa a respeitar mais as pessoas, os animais, as aves, as plantas e quaisquer seres vivos da espiritualidade da natureza” (IÒLÒ JAVAÉ, 2016, p. 156). Quando é chegada a hora do nascimento os pais e avós chamam uma parteira que realiza o parto sobre uma esteira. Somente em casos de complicação é chamado o pajé. Na atualidade, quando há complicações a mãe é levada para um hospital para que dê à luz sob os

88 Sinvaldo de Oliveira Wahukà Karajá ministrou em junho de 2016 uma aula sobre os Ciclos de Vida Iny, no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Goiás, na disciplina Interculturalidade, decolonialidade e enfoque ambiental, a convite dos professores responsáveis, Dr. Elias Nazareno e Dr. Alexandre Martins. Sinvaldo Wahukà é professor da Secretária de Estado de Educação, Cultura e Esporte do Estado de Goiás (SEDUCE), formado no curso de Licenciatura Intercultural Indígena da UFG. 89 Bòròtirè está relacionado a um episódio mítico, em que os parentes do urubu rei Rararesa raspam suas penas da cabeça quando Tanỹxiwè rouba de Rararesa suas penas que imitam um cocar. Em solidariedade ao sofrimento de Rararesa os parentes próximos “sofrem” junto a ele. Bòròtirè é um ato de agradecimento aos parentes próximos pela participação e solidariedade em um momento importante. Para conhecer mais sobre as histórias do povo Javaé, ver Rodrigues (2008a). 288

cuidados médicos. O corte do cordão umbilical é feito pela própria parteira ou uma das tias ou avós, logo após é dado um banho no recém-nascido. Este corresponde ao primeiro ritual do recém-nascido. Todos os parentes próximos presentes passam a mão molhada no recém-nascido para limpá-lo das impurezas do parto. À parteira e às pessoas que deram banho no bebê é dado o bòròtyrè. Logo após o banho é passado urucum em todo o corpo da criança para prevenir doenças de pele, ferimentos, micose ou quaisquer outras enfermidades, é também um comunicado de nascimento do corpo físico; o vermelho é o nascimento biológico para vida.

Figura 34 - Tohoua (bebê) Javaé com ornamentos de algodão. Fonte: Iòlò Javaé (2016, p. 159).

Depois do banho e da pintura de urucum é realizado um ritual em que é passado mel na boca da criança. A avó materna chama parentes e pessoas mais velhas ou que sejam honestas e muito respeitas para passarem mel na boca da criança. Esse mel “[...] é para desejar boas- vindas à criança, e para tirar todo tipo de massa da boca da criança e para ela crescer cheia de saúde e paz” (IÒLÒ JAVAÉ, 2016, p. 157). Os presentes também comem o mel. Terminado o ritual, todos que comeram o mel devem ficar de resguardo para que nada de ruim aconteça, caso contrário correm o risco de ficarem gordas, doentes, infiéis ou sofrer de outros males. A partir de então, ao pai e à mãe é proibido de saírem de casa e de comerem diversos alimentos: [...] nesse período a mãe não pode comer carne e nem peixe, somente canjica de milho, mandioca, e arroz. A mãe fica de repouso durante um mês e 15 dias. O pai fica aguardando o umbigo da criança cair. Depois que cai o pai tem que ser pintado com a tinta de urucum no corpo inteiro, e arranhar com dente de peixe cachorra (latxi) (MALURRERERU KARAJÁ et al. 2016, p. 83).

O pai da criança realiza a purificação de seu corpo, limpando as impurezas provocadas pela troca de substâncias com a mãe da criança. Na atualidade, muitos deixaram de cumprir o período de 45 dias de resguardo, realizando-o por 15 dias aproximadamente. Após o nascimento, o pai, a mãe e avós da criança não serão chamados pelos seus antigos nomes, agora 289

são “o pai de fulano”, “a mãe de fulano”, “a avó de fulano” ou “a tia de fulano”. Há alguns casos de adoção nas aldeias Iny, quando a mãe recusa o bebê por ter se separado do marido ou quando a criança é deficiente. O casal que adota o bebê coloca o nome de sua família, indicando o seu novo pertencimento familiar da criança (MANAIJÈ KARAJÁ, 2016).

Figuras 35, 36 e 37 - Escarificação realizada com um latxi, instrumento feito com madeira e dente de peixe cachorra. Fonte: Fotos de Tamiris Maia, out. 2017, aldeia Canoanã – TO.

Nos seis primeiros meses a criança é alimentada somente com leite materno, após esse período são introduzidos novos alimentos. Quando a criança é o filho(a) primogênito(a) do casal, realiza-se uma pequena cerimônia em que adornos são colocados na criança e uma pessoa é convidada para ser “padrinho” ou “madrinha” dela. Normalmente são idosos ou adultos muito respeitados, convidados a passar o dedo nos alimentos e na boca da criança, a fim de introduzir novos sabores e acostumá-la com a variedade de alimentos. Normalmente são: água, banana, inhame, batata-doce, mandioca, peixe de escama, melancia, milho, farinha de puba (farinha de mandioca grolada) e mel (TXIARAWA KARAJÁ, 2016; WARUKÁ KARAJÁ, 2016). Ao comer pela primeira vez esses alimentos, vindos de alguém respeitado pelo grupo, a criança também será. Seus valores estão sendo transmitidos naquele momento, apreendidos e construídos por meio da experiência sensorial, da visão, do cheiro e principalmente do gosto. É esse gosto, transmitido coletivamente, que permite comunicações, identificações e construção de memória ao longo da vida (PEREIRA; NAZARENO, 2016). Em se tratando da nomeação por ciclo de vida, Wahukà (2016) afirma que quando um bebê nasce, ele é chamado de Tohoua, tanto meninos quanto meninas. A denominação serve para indicar que a criança ainda não fala, não come e não senta sozinha, está escutando e observando tudo ao seu redor. Quando a criança começa a sentar, saber seu nome e reconhecer quem são seus pais, ela muda de ciclo, sendo agora Rŷbidu. Neste momento inicia-se a educação 290

com relação à natureza, parte crucial da “religião” indígena. Quando a criança começa a falar e comer alimentos sólidos, os pais passam a diferenciar o seu gênero por meio da forma de falar90 e pelas brincadeiras. Nesse ciclo a criança é chamada de Riroru, quando é um menino, e Hirari quando é uma menina. A alimentação ainda tem importante papel na construção do indivíduo até pelo menos o ciclo seguinte, quando os meninos, Wekyrỹ, e as meninas, Hirarikỹ, aprendem o nome das tias e tios paternos e maternos e a alimentação é separada da dos adultos. A mãe é responsável por preparar peixes de escama e outros alimentos como batata-doce e mandioca. Peixes de couro são considerados alimentos que deixam cheiro, e de acordo com Wahukà: “o que a gente come, a gente fica com o gosto e cheiro no corpo. Peixe de couro dá isso. Os peixes de escama e as aves não deixam com o cheiro forte”. Comer alimentos que não deixam o cheiro forte são importantes, porque fica mais fácil apreender o mundo (PEREIRA; NAZARENO, 2016). Com relação ao aprendizado social, é a família a responsável por apresentar os valores, formas de se comportar e ver o mundo. Há também a aprendizagem que vem por meio da escola e também por meio das mídias sociais, tais como a televisão ou a internet. Conforme Manaijè Karajá (2016, p. 93-94): A criança aprende primeiramente com a sua família através do conselho, diálogo, conversa, ou contando uma história etc. Na casa, a criança geralmente é ensinada como respeitar outra pessoa, independente da idade, do gênero etc., são ensinadas também para não se envolver em coisas ruins, como, por exemplo, brigas, roubo, matar, beber bebida alcoólica, fumar, etc. Porque as coisas ruins nos levam para o caminho errado. A criança aprende de modo indireto, através da leitura do mundo, observando tudo o que está em sua volta, boa ou ruim. A criança aprende como falar a sua língua materna através da convivência com seu povo. Isso pode variar de região para região, conforme o dialeto da comunidade. Hoje o ensinamento da criança é feito também por meio da escola. Outra aprendizagem da criança envolve a televisão [...], a música no Cd ou DVD [...]. Na época, quando não tinha energia elétrica, nossa avó costumava juntar todas as suas netas e netos na esteira, logo que a noite caía, após sua batalha do dia das mulheres, contava história do iny, aconselhava a criançada. Ensinava as leis sociais, assim, as crianças desde cedo aprendiam a conviver no seu meio social [...].

É comum ouvir de muitos Javaé que as suas avós e avôs são os verdadeiros professores e bibliotecas, pois são eles os responsáveis pela educação e transmissão de conhecimentos

90 “A língua Karajá [...] é conhecida pela notável diferença entre a fala masculina e a feminina” (FORTUNE & FORTUNE, 1986; BORGES, 1997 apud RODRIGUES, 2008a, p. 30), o que expressa a forte divisão entre as esferas de atuação de homens e mulheres. A diferença mais marcante ocorre em grande parte dos casos pela presença do fonema “k”, como na palavra “chuva”, que é biu, para os homens, e biku, para as mulheres. Desde a infância, essas diferenças linguísticas marcadas pelos gêneros são ensinadas às crianças. Entre os Javaé essa diferença da fala masculina e feminina existe, apesar de ser mais acentuada nos dialetos Karajá e Xambioá (RODRIGUES, 2008a). 291

socioculturais a seus netos, além dos pais da criança. Ensinam sobre as plantas medicinais e seus usos, sobre os trabalhos na roça e na pescaria, sobre a produção de artesanato e sobre o mundo espiritual. A oralidade é que permite a transmissão do conhecimento, além da imitação. Desde pequeno os meninos fazem suas flechinhas para pescar peixinhos no rio ou passarinhos nas árvores, e as meninas ajudam suas mães a buscar frutos e alimentos das roças, a fazer esteiras e fiar o algodão. A obediência aos mais velhos é fator crucial da educação. Quando há desobediência o castigo dado é falar sobre os perigos dos irasò às crianças desobedientes (WARUKÁ KARAJÁ, 2016; OHORI JAVAÉ, 2016). Com a entrada do que seria o equivalente a adolescência, por volta dos 11 ou 12 anos, é iniciado outro ciclo. Especificidades e restrições serão colocadas, como por exemplo, as restrições alimentares no rito de passagem masculino, o Hetohokỹ ou Hèrèrawo, ou após a primeira menstruação no caso das meninas. No caso dos meninos, ocorre uma intensificação da educação do mundo espiritual, em que após a passagem pelo ritual, o menino se torna um jyrè, uma ariranha, o mensageiro do mundo dos homens. É pintado de jenipapo e seus cabelos são raspados ou cortados baixos, a cor preta do jenipapo representa o nascimento na vida social. Depois que os cabelos crescem, ele se torna um bòdu, pica-pau e logo após, se torna um weryrybò, ou seja, um homem jovem. No caso das meninas, após a menstruação ela se torna uma ijadòma, uma moça, apta a dançar com os irasò e receber orientações de sua avó e mãe sobre o casamento e a sexualidade (LARIWANA KARAJÁ, 2016; WARUKÁ KARAJÁ, 2016). No caso feminino, a moça fica isolada de 8 a 10 dias, em sua casa. Sua alimentação é restrita a iwèru de arroz, de mandioca ou de milho. Após o período de isolamento o pai e os tios da moça saem para pescar e caçar para fazer uma festa. É quando ela pode comer peixes e outras carnes novamente, receber novos adornos corporais de acordo com o novo ciclo da vida, e está preparada para a vida doméstica, principalmente da que virá após o casamento. Deixa de brincar com as outras meninas e passa a comportar-se como uma moça.

292

Figura 38 - Ijadòma Iny. Fonte: Txiarawa Karajá (2016, p. 119). Os Iny destacam também o casamento como um importante ciclo da vida devido a seus rituais e mudanças. Contudo, a etapa que sucede o casamento é vista como tão ou mais importante, principalmente para os homens. Segundo Tekuala Javaé (et. al. 2016, p. 140): “[...] o rapaz quando se casa com uma moça que faz mais a preparação para o trabalho, o avô, o pai ou outra pessoa que prepara recém-casado para permanecer resistente no seu trabalho”. A preparação para o trabalho da vida cotidiana consiste em dores, jejuns e restrições para resistir às obrigações do casamento e ter êxito na caça, pesca ou outras atividades. Após a relação sexual o homem deve permanecer sem comer e deve realizar algumas atividades. Ficar parado pode significar que é preguiçoso. Ao final da tarde, deve provocar vômito com a ingestão de uma bebida amarga feita de ervas e depois permanecer de jejum até o meio dia do próximo dia, quando realiza escarificações em suas pernas e braços e passa pimenta de macaco (Xylopia aromatica) no ânus. Permanece dentro da água do rio uma noite para ao amanhecer estar resistente e forte para qualquer trabalho. Todo esse preparo é realizado para purificar o homem: “[...] para retirar o sangue contaminado que acontece através da mulher [...]” (TEKUALA JAVAÉ et. al. 2016, p. 140). Com a existência de concursos e outros cargos públicos (professor e agente de saúde) que não exigem esforço físico como nas roças, pescarias ou caçadas, esse preparo para o trabalho está cada vez mais raro entre as gerações mais novas. Mas, não deixa de existir, está ligada também ao preparo do guerreiro para as lutas corporais. O ciclo que sucede a vida adulta é a do idoso, lahi labiè. Etapa em que o trabalho não é mais uma obrigação, pois as gerações mais novas a executam. É o momento de educar os netos e participar da vida espiritual de forma ativa. Como dito anteriormente, muitas mulheres idosas quando deixam de menstruar, são “masculinizadas”, sendo então permitida a sua entrada na Casa Grande ou Casa dos Homens. Em termos alimentares, ocorre principalmente a restrição ao açúcar. Reduz-se seu consumo para evitar o cansaço. Neste ciclo é permitido comer a cabeça 293

e a cauda dos peixes, a cabeça e traseira de outros animais, e o “lombo” da tartaruga, vetados aos jovens. O fim do ciclo da vida Iny termina com a velhice. Pelo menos a vida física, pois a vida espiritual possui continuidade em outras dimensões, como falado anteriormente. Apesar de os Iny não evidenciarem a morte ou as oferendas para o morto como um ciclo da vida, adicionamos aqui o sabina, o luto, que segundo Rodrigues (2008, p. 846) “[...] nada mais é que um estado de poluição simbólico, uma espécie de resguardo coletivo [...], em que operam, em uma dimensão mais ampla, as mesmas características do resguardo pós-parto”. Portanto, trata-se de um importante rito que compõe o ciclo da vida. Ainda de acordo com Rodrigues (2008a), “[...] tanto a morte pode ser vista como um nascimento às avessas, no plano invisível, como o nascimento pode ser visto como uma morte às avessas, no plano visível” (RODRIGUES, 2008a, p. 846). Esta frase sintetiza a ideia de mudanças e transformações dentro da epistemologia Iny, assim como contribui para compreensão do que seria o ciclo da vida. A morte é o nascimento para outra dimensão, para outra vida no plano invisível e também a continuidade da existência da alma. No ritual funerário o corpo do morto é carregado pelos afins (genros) ou primos muito distantes da esposa, acompanhado pelo choro das mulheres. Normalmente o corpo é enrolado em uma manta de tecido de algodão, em que as extremidades da manta são amarradas em uma vara e depositadas em uma cova coberta por uma esteira. O corpo é coberto por terra, e onde está a cabeça e os pés são colocados, fincados na terra, os hitxèkò, um em cada extremidade. Depois do enterro a família oferece alimentos para satisfazer a fome do morto. Logo após o enterro, os parentes depositam comida sobre o túmulo, como bananas, peixe ou caldo iweru, para que o kuni esfomeado se alimente durante o luto. Pode-se colocar também algo que ele gostava, como fumo ou aguardente de cana, por exemplo. Nos últimos anos, alguns Javaé de maior poder econômico têm enterrado seus parentes em caixões de madeira fabricados na cidade (RODRIGUES, 2008a, p. 850).

Após o enterro a mãe ou avó do morto cortam seus cabelos bem curtos e permanecem em casa, reclusas, saindo a noite somente para tomar banho. Em meio ao luto, o pajé chama a comunidade para fazer o wabèdè xiwè, “a refeição ritual do cemitério” em que toda a comunidade, não apenas dos parentes do morto, coloca comida sobre os túmulos dos seus parentes mortos (RODRIGUES, 2008a, p. 851). A comida não tem o mesmo capricho daquela oferecida aos irasò e logo que é colocada sobre o túmulo o tempo de permanência no cemitério é curta, pois há sempre o medo de feitiços: “[...] os feitiços de quem morreu enfeitiçado estão todos lá, contaminando os vivos” (RODRIGUES, 2008a, p. 853). Após algum tempo, quando 294

finaliza o luto, a família do morto avisa à Casa Grande que o mesmo está suspenso e que é permitida a volta do calendário espiritual e social. Avisa aos “pais de Aruanã” que podem ser preparadas as bebidas e comidas para os Aruanãs e que as mães já podem pintar seus filhos (RODRIGUES, 2008a). Terminado o luto, os afins, as mulheres, os kuni canibais e a própria morte deixam de protagonizar a cena ritual: os parentes do morto retomam a vida cotidiana [...] o controle da vida pública retorna ao pátio ritual masculino, os kuni deixam de perseguir os vivos, a tristeza do luto dá lugar à alegria dos aruanãs (RODRIGUES, 2008a, p. 862)

A morte sinaliza o início de um novo ciclo que começa no mundo invisível, podendo ter continuidade quando a alma de alguém que morreu “entra na barriga” de uma mulher grávida. Quanto a isso, gostaria de salientar que por mais que queiramos fazer uma analogia com as religiões espíritas ou espiritualistas ocidentais, quanto ao processo de reencarnação, não podemos afirmar que exista alguma semelhança. Primeiramente, se trata de uma perspectiva Javaé de alma, e que não está em processo de “evolução” ou quaisquer estágios que compreendem as doutrinas cristãs. Fazer essa analogia seria colonizar a perspectiva Javaé. Contudo, o que queremos demonstrar é a inseparabilidade da alimentação das práticas rituais em cada um dos ciclos da vida Javaé. Esses ciclos são compreendidos por eles como cruciais para organização sociocultural “tradicional”, ou seja, para manutenção de práticas que não correspondem a uma imposição tori, como é o caso do calendário escolar. Veremos a seguir de que modo a escola muda essas relações e como a alimentação está se constituindo mediante essas negociações entre o tradicional Javaé e o tori. Priorizamos as aldeias Canoanã, Barreira Branca e São João, locais onde vivem nossos interlocutores e onde tivemos a oportunidade de participar das atividades escolares.

4.3 - ALIMENTAÇÃO COTIDIANA: “TRADICIONALIZANDO” AS MUDANÇAS

4.3.1 - A escola

De acordo com Pin (2014), a Escola Indígena Tainá, localizada na aldeia Canoanã, possui uma trajetória histórica relativamente recente. Até a década de 1970 não havia uma política nacional para a instalação de escolas indígenas com a intenção de letramento entre os 295

Javaé. As políticas indigenistas tinham o propósito de transformá-los em mão-de-obra para beneficiar a economia nacional e integrá-los à sociedade nacional. Em 1952 houve a instalação de postos do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) nas aldeias de Barreira Branca e Canoanã, visando práticas de atividades agropastoris (plantação de arroz e criação de gado) e educação técnica seguindo a lógica e as ordens da instituição (RODRIGUES, 2008a; PEREIRA; NAZARENO, 2016). A atual aldeia Canoanã foi fundada no final da década de 1950 por famílias Javaé, vindas de aldeias distintas, passando a abrigar outros povos como os Avá-Canoeiro, Karajá e Tuxá91 em períodos posteriores. No local houve um grande aumento populacional, sendo registradas 170 pessoas no ano de 1965. Mesmo assim, os Javaé continuavam sem educação escolar (PIN, 2014). Em 1973, as diversas famílias indígenas que havia se dirigido à Aldeia Canoanã permanecem no local em busca de remédios fornecidos pelo Posto Indígena instalado desde 1964. Buscavam se proteger contra a epidemia de sarampo que tinha se alastrado e contra os ataques de fazendeiros e posseiros: roubos de cedro e aroeira, tentativa de compra de terras indígenas, estupro de mulheres, prostituição, violências físicas e mortes. Nesse ano, o Posto Indígena Canoanã, sob a nova direção, agora da FUNAI (antes SPI), é parte da área de proteção Parque Indígena do Araguaia. A FUNAI inicia projetos de “desenvolvimento comunitário” com a produção de roças de cebola, arroz e milho, instala também atividades de corte e costura, pesca de pirarucu, marcenaria, criação de gado e outros serviços braçais e domésticos (TORAL, 1992; RODRIGUES, 2008a). Na pesca as vendas eram coletivas, sendo o Posto o grande intermediador entre os pescadores indígenas e os compradores ou “mariscadores”. O valor de 20 % era reservado aos impostos, ou seja, era recolhido para a União e o restante era distribuído entre os indígenas. Transporte, armazenagem e venda era de responsabilidade do representante do Posto Indígena, funcionando assim até a década de 1990. A plantação de cebola fracassou assim como a marcenaria, que nunca chegou a funcionar (TORAL, 1992). A plantação exigia muitos metros de irrigação e um trabalho coletivo de homens. Tal organização, não condizente com a forma

91 Segundo relatos de moradores Tuxá da aldeia Canoanã, mudaram-se da Bahia para Ilha do Bananal na década de 1980, devido a construção da Hidroelétrica de Itaparica pela Companhia Hidroelétrica de São Francisco, que inundou suas terras. Houve demora e indecisão da FUNAI com relação ao deslocamento do Povo Tuxá, fazendo surgir cisões entre as lideranças. Parte do grupo deslocou-se para áreas vizinhas ao seu território original e outra parte se deslocou para a Ilha do Bananal. Ao chegarem em território Javaé, foram incentivados pelos funcionários da FUNAI a produzirem lavouras de cebola, milho e arroz, uma vez que já estavam “acostumados” a esse trabalho na Bahia. Assim, “incentivariam” os Javaé realizarem a agricultura voltada para o mercado. Com o desinteresse dos Javaé, o projeto foi cancelado. Grande parte dos Tuxá casaram-se com Javaé e suas famílias ainda vivem na Ilha do Bananal, do lado do “rio abaixo”, local onde moram estrangeiros, mestiços e predominam as construções tori. 296

tradicional de organização Javaé dividida em trabalhos por famílias (genro, sogro e cunhados) foi o principal motivo do fracasso. Além disso, não havia o interesse de plantar cebola, pois as famílias não a consumiriam, não correspondia a um alimento de costume Javaé ou de outros indígenas, como afirmou Pedro Tuxá, idoso morador de Canoanã do povo Tuxá casado com uma Javaé, durante uma de nossas entrevistas. Foi somente nesse período, década de 1970, que a educação foi pensada pela FUNAI e por representantes da Prelazia de São Félix do Araguaia/MT como necessária aos Javaé. A escola foi então fundada, tendo 118 alunos, uma professora e quatro monitores bilíngues para a realização das atividades escolares (PIN, 2014 apud PEREIRA; NAZARENO, 2016). Nas décadas de 1980 e 1990 a educação escolar indígena se amplia: [...] por um lado, a presença não-indígena nas aldeias gradativamente aumentou e, por outro lado, os Javaé iniciaram um processo de apropriação dos saberes não-indígenas na escola, sendo mais marcante sua presença nas escolas (PIN, 2014, p. 147).

É somente no início da década de 1990 que a Escola Indígena Tainá inicia suas atividades tendo como meta o letramento bilíngue, visando práticas de ensino formal. Na atualidade, com o direito a um ensino diferenciado regido pela Constituição Federal Brasileira de 1988, além da implementação de novas políticas e práticas educacionais transdisciplinares e interculturais, professores indígenas Javaé têm buscado a inclusão de atividades interculturais tradicionais, respeitando o calendário ritual, na escola. Um senso foi realizado na aldeia Canoanã, em fevereiro de 2016, pelos funcionários do Posto de Saúde da aldeia, constatando um total de 430 moradores permanentes e 78 moradores temporários (que passam férias e final de semana na aldeia). Em maio de 2018, um novo senso demonstrou que o número total de moradores em Canoanã caiu para 493 pessoas. Isso se deu pela abertura de uma nova aldeia denominada Marani-Hawã, para a qual mudaram- se 15 antigos moradores de Canoanã.

Figuras 39 e 40 - Escola Tainá, Canoanã – TO. Fonte: Fotos de Tamiris Maia, mai. 2016. 297

A grande maioria dos filhos em idade escolar dos moradores permanentes estuda na aldeia, que oferece turmas do Ensino Fundamental ao Ensino Médio. Segundo o diretor da escola Tainá, há a seguinte divisão de turmas: pela manhã a escola recebe as crianças que cursam do ensino infantil ao 5º ano; a tarde as crianças que cursam do 6º ao 8º ano; e a noite adolescentes e adultos que cursam do 9º ano ao Ensino Médio (1º, 2º e 3º ano). Em 2016, de um total de 105 alunos, a grande maioria era Javaé, havendo também mestiços (filhos de pai ou mãe Javaé com outra etnia) e brancos. Todos que cursavam o ensino médio eram Javaé92. Todas as turmas de todos os turnos recebem merenda escolar no horário de intervalo, seguindo o cardápio fornecido pela Secretaria de Educação93. As refeições são feitas com o uso de produtos comprados nos supermercados da cidade de Formoso do Araguaia – TO, que chegam todo dia 06 de cada mês à aldeia, havendo um funcionário responsável por buscá-la na cidade (PEREIRA; NAZARENO, 2016). Segundo o diretor da escola, Manuel Conceição Mahalani Dias Karajá, egresso do curso de Educação Intercultural da UFG, “as crianças pedem o que querem comer” e a merenda atende à solicitação dos alunos. Essa afirmação trouxe inquietação, pois se a Secretária de Educação envia um cardápio pronto, então de que modo as crianças pedem o que é fornecido na merenda? Entendemos por meio de conversas com os professores, que os alunos verbalizam o que desejam comer, mas a escolha em enviar ou não o valor correspondente à tal alimento é da Secretaria de Educação do Estado do Tocantins. A participação dos alunos seria de “quase escolha”, pois, a instituição do Estado possui todos os veículos de poder impondo um

92 Por meio do PIBID-Diversidade, os alunos (hoje egressos) do Curso de Educação Intercultural da UFG produziram artigos que foram publicados no livro “Apontamentos sobre a situacao sociolinguistica de comunidades indigenas da regiao Araguaia-Tocantins e Xingu: olhares de docentes indígenas”, organizado pelo Prof. André Marques do Nascimento, no ano de 2016. Nesse livro os Javaé descrevem e analisam qualiquantitativamente a situação sociolingística atual das aldeias Canoanã, Barreira Branca e São João. Os instrumentos de pesquisa foram questionários e entrevistas aplicados aos moradores das aldeias. No caso de Canoanã, de um total de 600 pessoas (entre Javaé, Karajá, Tuxá, Avá-Canoeiro e não-indígena), 82,50% fala a língua materna - Iny rybè; 7,80% fala a língua portuguesa; 5,80% fala a língua materna e portuguesa; 3,90% não respondeu. De acordo com os autores, quando perguntaram qual foi a língua aprendida primeiro, obtiveram a seguinte resposta: “A língua indígena é para a maioria da população a primeira língua. As nossas crianças indígenas primeiro aprendem a língua de origem, por isso está 84,50%. Em alguns casos, as criancas primeiro aprendem a língua portuguesa, como mestiço, ou quando o pai ou a mae indígena não quer ensinar a nossa língua de origem [...]” (NAZARENO et. al., 2016, p. 66). Portanto, 84,50% aprendem a língua materna primeiro, em casa, enquanto 12,60% aprendem a língua portuguesa primeiro, também em casa. É na escola que a língua portuguesa oral e escrita é predominantemente ensinada/aprendida, havendo uma preocupação cada vez maior da comunidade por aprender a escrever o Iny rybè, tão bem quanto se fala, para manutenção dos conhecimentos socioculturais e tradicionais. 93 A Escola Tainá, assim como outras escolas Javaé, não possui um Projeto Político Pedagógico (PPP) diferenciado, o que dificulta a execução das políticas de acesso aos alimentos locais, produzidos na própria aldeia. Contudo, o PPP está em desenvolvimento, pensado pelos professores indígenas Dorivaldo Idiaú Javaé e Samuel Saburuá Javaé durante o curso de Especialização no Núcleo Takinahaky, ambos egressos do Curso de Educação Intercultural da UFG e professores na Escola Indígena Tainá. 298

cronograma e cardápio alimentar. Compreendemos que esta instituição do Estado escamoteia um diálogo com a escola indígena, ao mesmo tempo em que afirma atender uma escola diferenciada, não ouve de fato os anseios da comunidade escolar. Nas merendas, se os anseios dos alunos fossem atendidos é provável que houvesse mais alimentos oriundos das roças, ou seja, naturais, do que industrializados. Veremos o cardápio. No ano de 2016, o cardápio da Escola Indígena Tainá estava dividido em 11 tipos de merenda, sendo 09 salgadas e 03 doces, não havendo nenhuma receita ou ingrediente Iny. O cardápio estava afixado em uma das paredes da cozinha, em português, para que as funcionárias da cozinha, em sua maioria Javaé, pudessem fazer as merendas diariamente. Nos chama a atenção o fato de o cardápio não estar escrito em Javaé, uma vez que as funcionárias são Javaé. A presença da língua portuguesa, colocada em um cartaz, mencionando o cardápio diário corresponde a uma imposição e uma ação de colonialidade do poder vinda do Estado para com os indígenas. Dentre as opções oferecidas estavam: 1) Galinhada; 2) Maria Izabel; 3) Macarrão e carne moída; 4) Arroz com linguiça mista; 5) Farofa de carne moída; 6) Farofa de frango; 7) Beiju94 com leite achocolatado; 8) Biscoito doce com leite achocolatado; 9) Baião de três; 10) Canjica; 11) Arroz com salsicha. No ano de 2018, as opções deste cardápio foram um pouco modificadas, sendo oferecidos 19 tipos de merenda com maior quantidade de frutas, legumes e de doces. Na lista estavam: 1) Macarrão com linguiça, maçã; 2) Arroz com carne de porco e mandioca; 3) Beiju com leite achocolatado; 4) Feijão tropeiro e suco; 5) Arroz com picadinho de mandioca e salada; 6) Bolo de chocolate com suco; 7) Bolo de fubá com suco; 8) Pão com carne moída e suco; 9) Canjica com coco; 10) Farofa de linguiça e suco; 11) Galinhada, fruta; 12) Farofa de carne moída e suco; 13) Arroz com linguiça e doce de leite; 14) Biscoito salgado com leite achocolatado e fruta; 15) Macarrão com carne moída; 16) Farofa de carne desfiada e suco; 17) Sopa de carne moída com legumes; 18) Cuscuz temperado com frango desfiado e suco; 19) Farofa de ovo e suco.

94 Trata-se da farinha de tapioca industrializada adquirida nos supermercados de Formoso do Araguaia – TO.

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Figuras 41 e 42 – Cozinha da Escola Tainá, Canoanã – TO. Fonte: Tamiris Maia, mai. 2016.

Comparando os dois cardápios observamos que houve maior número de combinações entre os ingredientes já oferecidos pela Secretaria de Educação. Os acréscimos foram de frutas e legumes oferecidos nas refeições, mas também se observou a maior presença de açúcar nas porções de suco, achocolatado, bolo, pão e doce de leite. Tal mudança é justificada como melhoria do lanche escolar pela Secretaria de Educação, por oferecer mais opções e por ser aquilo que os alunos “querem comer”. Oferecer mais doce e frutose não caracteriza um cardápio balanceado ou ainda, não representa o paladar existente em diversas casas, já que historicamente os Iny ingeriam baixa quantidade de açúcar, advindo de frutas e do mel. Quanto ao número de porções servidas por dia para a comunidade escolar, observamos que no ano de 2016 eram distribuídas um total de 60 refeições pela manhã; 40 a 45 à tarde e à noite. Eram preparadas por três funcionárias na cozinha, cada uma em um turno diferente. Não houve mudanças significativas nesse cronograma até fim do ano de 2019. A merenda é feita ao modo tori, com o uso de fogão a gás, óleo de soja, temperos industrializados e em panelas de metal. É servida aos alunos em porções colocadas em pequenos potes de plástico azul e/ou vermelho, que também são fornecidos pela Secretaria de Educação do Estado de Tocantins. São entregues para os alunos em frente a um balcão, que separa a cozinha das salas de aula e do pátio. Ao lado da cozinha estão a secretaria e biblioteca da escola. Em cima do balcão é disposto aos alunos um pequeno pote de farinha de mandioca95 para quem queira colocá-la em sua porção de merenda. Durante o tempo que observamos os alunos se servirem, percebemos que todos colocavam a farinha e alguns mencionavam que a comida ficava mais gostosa. Neste momento voltamos nossas atenções para a presença da farinha na alimentação escolar e doméstica.

95 Trata-se da farinha de mandioca industrializada. 300

Figuras 43 e 44 – Escola Tainá, Canoanã – TO. Fonte: Tamiris Maia, mai. 2016.

O consumo da farinha de mandioca pelo povo Iny acontece desde o período pré- colonial. Evidências arqueológicas de pratos cerâmicos utilizados no preparo de beijus, datam do século XII. Detectados na década de 1970 pela pesquisadora Irmild Wüst (1975), na região de Mato Grosso, Goiás e em áreas de afluente do rio Araguaia, próximos a Aldeia de Buridina, em Aruanã, Goiás. Além disso, evidências do uso da mandioca aparecem em relatos etnográficos de Julian H. Steward, no Handbook of South American Indians (1948). Menciona o uso da mandioca para o preparo de uma “sopa” fermentada, que hoje sabemos ser o iwèru do povo Javaé. Essa bebida foi o café da manhã desse povo até recentemente, quando novos hábitos alimentares associados a ingestão de pães, bolos, leite e café foram facilitados pelo maior acesso ao dinheiro e pela maior proximidade do local de compra desses produtos (veremos essa questão mais à frente). Ainda há pessoas idosas em Canoanã que não deixaram de tomar seu iwèru de mandioca, milho, macaúba ou arroz pela manhã ou ao final da tarde (PEREIRA; NAZARENO, 2016). O uso da mandioca e o seu sabor estão presentes na alimentação Iny desde períodos pré-coloniais, como dito anteriormente. Ela chega aos dias de hoje consumida de maneira frequente na escola, marcando a construção cultural do paladar. Segundo Montanari (2008), o gosto é um produto cultural, pois a comida não é boa ou ruim por si só, ela é reconhecida pelo “órgão do gosto” que é o cérebro, construído cultural e historicamente. É por meio do gosto que são aprendidos e transmitidos critérios e atribuições de valores sociais. O gosto é uma realidade coletiva, comunicada e construída desde nosso nascimento até a velhice, por meio de nossas experiências que contribuem para identificá-lo (PEREIRA; NAZARENO, 2016). A cozinha atual, dos restaurantes e fast-foods, se caracteriza por distinguir sabores – doce, salgado, amargo, azedo e outros. Essa distinção se torna um arquétipo universal aplicado em todas as cozinhas do mundo. Corresponde a uma forma de colonizar as outras cozinhas, que não são as europeias. A forma de servir também corresponde a uma das formas de colonizar 301

saberes e fazeres, já que comer em um prato individual significa impor o modo “correto” de consumir e valorar o alimento no mundo ocidental (PEREIRA; NAZARENO, 2016). “O prato ideal seria aquele que segrega os indivíduos e os sabores dos alimentos” (PEREIRA; NAZARENO, 2016, p. 9). Quando um sabor é imposto novos valores também o são, havendo uma nova maneira de perceber o mundo, colocada a quem recebe a informação. Portanto, se os povos Iny servem seus alimentos em um único recipiente coletivo, em que o alimento é compartilhado, e em algum momento é imposto o modo de comer em pratos individuais, essa ação está carregada de violência e mudança de valores sociais. Quando as crianças comem suas merendas divididas em salgadas e doces, em potes individuais, implica em comer ao modo do tori. Contudo, quando as crianças modificam e acrescentam ao seu paladar a farinha de mandioca, elas trazem o gosto conhecido, sua identidade e um equilíbrio cultural à comida tori. Elas negociam e reconstroem seu próprio gosto sobre as imposições e valores “brancos” (PEREIRA; NAZARENO, 2016). A divisão temporal diária das refeições é distribuída em café da manhã, almoço, lanche e janta como uma imposição tori aos Javaé. Foi no passado e ainda é até dos dias de hoje. Apesar de quase todos os moradores se adaptarem aos horários tori das refeições, alguns dos mais velhos ainda seguem sua antiga rotina: acordar às 5:00h da manhã e ir à roça, colher o alimento e às 6:00h come-se o desjejum de batata-doce cozida, banana e mamão maduros, bolo de milho ou bolo da massa de mandioca assada na folha de bananeira ou iwèru. Aproximadamente às 10:00h come-se frutas se houver fome. Às 13:00 ou 14:00h come-se peixe com banana verde pilada, farinha grolada, peixe assado em folha de bananeira, macaúba, inhame, cará e milho cozidos, porcão (queixada), caititu, pato do mato e tartarugas assadas. Ao fim da tarde, antes de escurecer, come-se iwèru, frutas ou outros alimentos que tenham sobrado no dia (EDIMALÈ KARAJÁ, 2017). Com netos em idade escolar, filhos funcionários públicos ou em outros trabalhos assalariados, fica difícil manter essa rotina, principalmente porque dependem deles para aquisição dos alimentos, ainda sim tendem a respeitar os horários e a não comer alimentos com muito sal ou açúcar. A escola é uma instituição que impôs horários de atividades e refeições aos professores, funcionários, pais e alunos. Passou a exigir novas regras sociais, consumo de alimentos industrializados, e uma vez que a merenda é definida pela Secretaria de Educação do Estado de Tocantins, as imposições permanecem. As mudanças e exigências nas refeições passaram a fazer parte do cotidiano Javaé, permitindo uma (re) organização e (re) definição dos valores e gostos ao seu paladar. Observamos que as merendas entregues aos alunos no meio da manhã (às 9:00h), e que eram “salgadas” agradavam mais a eles e aos pais do que as merendas 302

“doces”, pois reforçavam a alimentação do almoço ou do período da tarde. No período da tarde e à noite, as merendas salgadas continuavam as preferidas. Diferentemente da educação escolar implantada pelo Estado Brasileiro, a educação indígena Javaé é aquela que prepara o indivíduo para a vida na comunidade e que enxerga a trajetória humana por ciclos de vida, como dissemos antes. Esta educação existe de forma concomitante à educação escolar na atualidade, havendo a construção de novas maneiras de organização do cotidiano, muitas vezes divergentes como é o caso do calendário e da imposição do tempo de trabalho, atividades e refeições. A presença de um minimercado no centro da Aldeia de Canoanã permite o consumo mais frequente de industrializados. Estão à venda picolés, sorvetes, balas, biscoitos, salgadinhos, refrigerantes, além de sal, farinha de trigo, farinha de mandioca, óleo, açúcar e outros. Esses alimentos são consumidos pelos Javaé há pelo menos duas décadas, não sendo um elemento estranho, apesar de externo. A alimentação “tradicional” cedeu espaço para inclusão de práticas alimentares que vêm de fora, para os industrializados, presente na maioria das mesas Javaé hoje96. Entretanto, não substitui a produção de alimentos tradicionais. A aquisição de alimentos tori passa de imposição para desejo de consumo, principalmente das crianças e jovens, mediante as propagandas de televisão e da internet. Esse desejo corresponde, muitas vezes, ao processo de “estar na contemporaneidade”, negada pelas concepções ideológicas do indígena como aquele que está “congelado no tempo”. De acordo com Albuquerque (2010), a representação do indígena como parte das “origens” identitárias nacionais, amplamente divulgada durante o movimento modernista artístico e literário, iniciado no século XIX, “congelou-os no tempo” como figuras folclóricas97. Esse modelo perdurou durante séculos entre as disciplinas das ciências sociais, e principalmente na Antropologia. A tentativa de congelamento e negação da contemporaneidade98, são processos que irrompem

96 A maioria das mesas Javaé de Canoanã é composta por uma alimentação cotidiana que tem como base os industrializados, comprados nos supermercados da cidade de Formoso do Araguaia e no centro da aldeia. Os dados que obtivemos mencionam que há pelo menos um membro de cada família que trabalha fora de casa e efetua compras mensais. Aqueles que não possuem renda consomem os alimentos das roças feitas nos próprios quintais de casa ou oriundos da pesca do rio Javaés. 97 Albuquerque (2010, p. 7) trabalhando com o processo de reconhecimento do povo Pankararu no nordeste brasileiro descreve o processo pelo qual as políticas nacionais republicanas, alicerçadas no ‘poder tutelar’, culminaram na representação do indígena em figura ‘musealizada’, estática, congelada no tempo: “Tal representação, paradigmaticamente, regida pelo modelo do ‘museu’, evoca a ‘primitividade’, a ‘pobreza’, a atemporalidade e o anonimato, como condição de autenticidade das culturas nativas. Instituindo assim, de forma arbitrária, a ‘cultura nativa’ como estática, tanto no tempo histórico quanto no espaço físico (co-extensiva a um território específico), cuja sobrevivência fora do tempo (história) e do espaço (suas fronteiras), conveniência das conveniências, está garantida pelo ‘museu’”. 98 A expressão “negação da contemporaneidade” de Johannes Fabian (1983) busca identificar as estratégias coloniais de subordinação das línguas e das diversas culturas ao processo civilizador europeu. 303

como ferramentas colonialistas, mas que são transformadas pelos povos ao longo do tempo, revertidas em forma de reorganização social e identitária. Entre os Javaé, comer um iwèru de arroz pela manhã corresponde à parte dessa reorganização, que no âmbito alimentar unificou as formas de consumo tradicional aos alimentos industrializados de origem tori, no caso aqui representado pelo arroz processado. Em se tratando das crianças e adolescentes, quando os pais dão dinheiro para que comprem no mercado da aldeia, doces, balas ou sorvetes, estão “cuidando” de seus filhos, pois o que desejam comer deve ser atendido. Mesmo sabendo os malefícios causados, os pais compreendem que somente ao longo do tempo pode haver algum prejuízo significativo à saúde. Assim, seguem alimentando seus filhos com comidas tori, impulsionados pelo pensamento de atenção, cuidado e satisfação de seus desejos, que está entre as regras de cuidado tradicional Javaé, presente na história de Myreikò e Tanỹxiwèrikòrè, esposa e filho de Tanỹxiwè. Um dia, ainda dentro da barriga de Myreikò, Tanỹxiwèrikòrè (“filho de Tanỹxiwè”) pediu à sua mãe que fosse atrás de Tanỹxiwè, pois queria encontrar o pai. Myreikò não queria ir, mas o menino insistiu muito, até que ela pediu aos irmãos para ir atrás de Tanỹxiwè. Então ela começou a descer o rio, sozinha e grávida. Na estrada, o filho fazia muitos pedidos e sua mãe tentava atendê-los. Ele pedia nõirasò, um tipo de flor que ele achava muito bonito, a qual Myreikò ia pegando pelo caminho, até que em suas mãos não cabia mais nada. Ele insistiu, porque queria mais dessas flores, e ela reclamou: “mas como é que você faz assim, meu filho? Você ainda não nasceu ... eu estou pegando, mas a minha mão está cheia. Como é que eu vou pegar? Já estou cansada de levar tantas flores!”. [...] Era Tanỹxiwèrikòrè que estava guiando a mãe em sua busca por Tanỹxiwè, mas ele ficou com raiva da resposta da mãe. Ele sabia intuitivamente onde encontrar o pai e apontava o caminho para a sua mãe. Com raiva dela, parou de falar e não mais ensinou o caminho, apesar dela perguntar por onde seguir. Ela insistiu, mas ele não respondia, até que ela se enraiveceu também e brigou com o filho. Como consequência, Myreikò errou o caminho e pegou a estrada que levava até a casa de Kujã (mucura, espécie de rato selvagem), que naquele tempo ainda era gente. [...] Ao amanhecer, Myreikò seguiu pela estrada, continuou atendendo aos desejos do filho de Tanỹxiwè e encheu suas mãos de flores. Novamente reclamou do filho e errou o caminho. Desta vez, entrou na estrada que levava à casa da Halòkòèlahi (“avó da onça”), uma velha aõni (com poderes mágicos). Os netos de Halòkòèlahi perguntaram: “minha avó, quem é essa ixyju bòtòhoky (estrangeira grávida) que está vindo para cá?”. A avó disse: “vamos matá-la”. Os netos da velha bruxa flecharam Myreikò e a assassinaram [...] (RODRIGUES, 2008a, p. 61-62).

Além disso, há uma outra questão envolvida que é a convivência das crianças em grupo. Se alguma criança tem acesso a um doce porque seus pais deram dinheiro para que fosse adquirido, outras crianças também poderão querer. Para que os filhos possam ter os mesmos alimentos que outras crianças com quem elas convivem, as mães e avós tendem a dar dinheiro 304

para que comprem. Alimentar bem os filhos é sinônimo de riqueza de comida, de parentes e de status social, e nesse caso está diretamente relacionado a atender o desejo do filho. Quando questionamos o porquê do consumo de industrializados cotidianamente, se esses fazem tão mal à saúde, muitos dizem: “porque o gosto é bom”. Trazer a dimensão tori para perto captando aquilo que ela oferece na atualidade não desconstrói o conhecimento Javaé (PEREIRA; NAZARENO, 2016). Pelo contrário, o constrói de modo inventivo. É articulado o caminho do meio, pelo qual se percorre e cria o novo dentro do velho. A alimentação tradicional é considerada a alimentação verdadeira, imbuída de valores relacionados ao trabalho, esforço e generosidade. Esses valores relacionados ao plantio, à caça ou pesca são ensinados pelos professores indígenas em sala de aula. Aulas teóricas e práticas na Escola Tainá são constantemente realizadas por vários professores indígenas, egressos do Curso de Educação Intercultural da UFG, que se preocupam em mostrar quais são os alimentos que podem ser plantados, como se planta, quando se colhe, como se pesca ou caça determinados animais. De setembro a outubro de 2015, o professor Enivaldo Tahakana Javaé realizou uma série de aulas que tinham como objetivo levar o conhecimento do plantio da mandioca, do inhame e da batata-doce aos alunos. Trabalhou a importância destes alimentos para a cultura Iny Javaé, sob consulta dos anciões da aldeia.

Figuras 45 e 46 - Professor e alunos da Escola Indígena Tainá plantando cana-de-açúcar e mandioca. Fonte: Fotos cedidas por Enivaldo Tahakana Javaé, set. 2015.

Ensinar que plantar e colher a mandioca é mais do que colocar uma raiz na terra, torna essa informação em um conhecimento e experiência sensorial e cultural. De acordo com a cosmologia Iny, a colheita das roças de mandioca é uma atividade feminina, porém a plantação pode ser feita por homens e mulheres desde que estejam com as “mãos limpas”. Isso significa que quem planta não pode ter relações sexuais nas noites anteriores ao plantio, além de 305

“respeitar” a lua na qual se planta, caso contrário, o plantio não dará certo99. Aprender também que a partir da mandioca é feito o beiju, a farinha e o calugi ou iwèru, torna o gosto da mandioca mais próximo do dia-a-dia (PEREIRA; NAZARENO, 2016). Mesmo com a substituição da mandioca pelo arroz no cardápio da Escola Indígena Tainá, o gosto e o uso da mandioca ficam presentes no cotidiano, de modo que se tornam uma maneira dos indivíduos resolverem o problema do esvaziamento de significado social alimentar, frente à homogeneização e massificação do que é consumido. Quando as crianças incluem a farinha de mandioca no seu prato de merenda estão acionando a sua memória gustativa e resistência cultural executando essa ação. Ingold (2010) argumenta que a aprendizagem consiste (acrescentamos que também pode ser a aprendizagem do gosto): “[...] em primeiro lugar, em habilidades, e que todo ser humano é um centro de percepção e agência em um campo de prática” (2010, p. 7). Desse modo, os mecanismos sensório-motores, cognitivos e culturais que geram a capacidade dos adultos falarem, comerem, beberem, etc., também são acionados nas crianças. Esses mecanismos emergem no contexto do envolvimento sensorial e em um ambiente altamente estruturado. E esse ambiente fornece condições de desenvolvimento de mecanismos que tomam formas múltiplas, “afinadas” com os padrões de som, sabor, cor e sensações específicas dos contextos culturais locais. Assim, o gosto é continuamente gerado durante o desenvolvimento sensorial da criança, válidos também para outros processos de aprendizagem no ambiente, tais como aprender a caçar, pescar, subir em árvores, dançar com os irasò, etc. Essa aprendizagem é formada dentro do ambiente, não fora dele, e age no momento de sua ocorrência (PEREIRA; NAZARENO, 2016). O que queremos dizer com isto é que o gosto dos alimentos se torna inteligível ao paladar Javaé à medida que há experimentações. Mesmo havendo imposições, o gosto se torna Iny quando há criação pela “mistura”, pela percepção do comer, compartilhar e cozinhar. Essas são dimensões que se reconfiguram constantemente no momento do fazer. Quando uma

99 “De acordo com Rodrigues (2008a) a formação da sociedade Javaé é uma espécie de fusão de influências Macro- Jê (Bororo), Aruak, Tupi e também de brancos. A existência de elementos socioculturais de outros povos na cosmogonia Iny não é estranha, uma vez que há a hipótese do contato com esses outros grupos no período pré- colonial. Magana (1988) afirma que entre os kalinã, a colheita da mandioca está aos cuidados das mulheres, sendo realizada entre o oitavo e o nono mês após o plantio, e para marcá-la é realizada uma cerimônia da primeira colheita, fazendo uma cerveja de mandioca chamada kasili, para expressar reconhecimento ao espírito da mandioca. Os grupos de origem tupi, como os apyãwa ou tapirapé também possuem regras para o plantio da mandioca, que segundo Ramos (2014) corresponde ao calendário agrícola. Estes últimos seguem o calendário lunar de maneira que a mandioca é plantada na lua nova para que sua brotação seja melhor e dê frutos” (PEREIRA; NAZARENO, 2016, p. 11). 306

cozinheira prepara um alimento, responde continuamente ao ambiente, porque sua ação sensorial e corporal é de atenção. A capacidade de resposta, como o cuidado com o fogo, a destreza no mexer os alimentos nas panelas, a experimentação dos sabores, são características que resultam em uma comida preparada com expertise. Que possui os gostos, texturas, aparência e conhecimentos em interação. Outros exemplos de ações corporificadas Javaé, que atuam como conhecimentos, são as atividades de caçar, pescar, plantar, cantar, dançar, etc. Essas ações podem ser denominadas de enaction ou enación, citada anteriormente, para designar a ação guiada pela percepção. Toda estrutura sensório-motora do indivíduo percebe o ambiente, que por sua vez interage com o indivíduo permitindo-o que o conheça. Assim, o cérebro humano está imbricado ao ambiente e, desse modo, dentro dos processos vivos. As ações corporificadas correspondem a percepções, vivências e experiências, em outras palavras, elas constituem o ser Iny cognoscente como aquele que faz e age no ambiente (PEREIRA; NAZARENO, 2016). Tendo em vista que as habilidades humanas são competências adquiridas por meio das experiências no mundo (INGOLD, 2010), na cultura Iny as maneiras de conhecer são desenvolvidas não como simples representações, mas como habilidades. E estas estariam relacionadas aos ciclos da vida Iny. Em cada ciclo há uma habilidade a ser desenvolvida e aprendida. Por meio da experiência se torna um conhecimento, podendo ser transmitido à medida que essa habilidade é demonstrada e experimentada pelas gerações mais novas. O que estamos denominando de “ação corporificada” (INGOLD, 2010) Iny, corresponde à mecanismos presentes na vida Javaé antes da chegada do colonizador e que perdura aos dias de hoje. As formas de ensinar/aprender por ciclos da vida também são anteriores ao contato, distando da educação escolar indígena, que “educou” para o trabalho e ganhos econômicos revertidos somente para o Estado (PEREIRA; NAZARENO, 2016). Ainda se tratando de educação escolar, na Escola Indígena Tainá, tivemos a oportunidade de presenciar a plantação de uma pequena horta. Colocada em duas canoas antigas, de madeira, que estavam sem uso. Foram plantados: pimenta-de-cheiro, cebolinha, coentro e coentro-do-Pará ou nhambí. Todos utilizados na merenda escolar. Essa horta foi realizada por iniciativa da Fundação Bradesco100 juntamente com a Escola Tainá, que aceitou

100 A Fundação Bradesco foi fundada em 1973, sobre o antigo cemitério de Canoanã, onde ficava a antiga aldeia. A construção dessa instituição expulsou os indígenas do seu local histórico e memorial, fazendo com que mudassem para outra margem do rio Javaés. Segundo Pin (2014, p. 142): “O local onde existia a antiga aldeia dos Javaé foi tomado por fazendeiros como apontam Toral (1992) e Rodrigues (2008b) na década de 1950. Atualmente, esse território continua sob a posse de não-indígenas, estando instalada ali a Fundação Bradesco. De acordo com Rodrigues (2008b, p. 164) a partir de 1973 ‘[...] o grupo BRADESCO instalou a sede da Fazenda Canuanã no mesmo sítio onde existira, quase 30 anos antes, a primeira aldeia Canoanã, 307

o projeto. Essa instituição possui uma sede educacional localizada na margem oposta ao rio Javaés e à aldeia Canoanã, em que crianças e adolescentes da área rural estudam. Algumas crianças Javaé frequentam essa instituição por opção dos pais que em sua maioria são casados(as) com não-indígenas.

Figuras 47, 48 e 49 – Horta em canoa na Escola Tainá, Aldeia Canoanã - TO. A cebolinha (à esquerda), o coentro do Pará ou nhambí (ao centro) e a pimenta-de-cheiro (à direita) são utilizados na merenda escolar. Fonte: Tamiris Maia, out. 2018.

A introdução de uma horta na escola beneficia a merenda com temperos que não precisam ser comprados na cidade, porém coloca a seguinte questão em discussão: a horta com temperos não-indígenas poderia ser substituída por uma plantação de alimentos tradicionais, concretizando uma atitude de ensino/aprendizagem decolonial? Essa questão poderia ser facilmente respondida pela atitude dos professores indígenas que lutam para que os conhecimentos Iny sejam ensinados na escola. Com a presença de muitos funcionários não- indígenas ou que ainda não se atentaram para uma atitude reflexiva decolonial, a existência de uma merenda industrializada ou que tem sabores não-indígenas ainda é uma realidade. Mediante essa imposição, a criatividade segue viva por meio das articulações dos gestos e gostos dos Javaé.

4.3.2 - As casas

Grande parte das casas Javaé são construídas em madeira, palha de coqueiro babaçu ou barro e pau a pique. Algumas poucas construções são totalmente em alvenaria101, como a casa do cacique (que também possui casa na cidade de Formoso do Araguaia), além da Escola Indígena Tainá, Posto de Saúde Canoanã, Centro de Inclusão Digital da aldeia Canoanã

cujo cemitério foi destruído pelos tratores da fazenda. Na fazenda surgiu a Fundação BRADESCO, instituição educacional que passou a ter importante impacto na vida dos vizinhos Javaé’”. 101 Há casas na aldeia Canoanã em que as paredes são de tijolos, porém o telhado mantém-se de palha de babaçu. 308

(CID)102, Associação da Comunidade Indígena Canoanã (ACIAC), Igreja Evangélica Congregação Cristã (construída por missionários evangélicos), Salão de eventos (grande galpão destinado a eventos públicos) e a antiga Casa de Farinha103. Na sede da CID e ACIAC, criadas com o objetivo de realizar a promoção de ações políticas e culturais voltadas ao povo Javaé, é onde funciona o minimercado e sorveteria da aldeia. Em todas as casas de Canoanã há energia elétrica, e em muitas delas há antena parabólica, dando acesso à televisão. Alguns têm antenas que dão acesso à internet. Em frente à Escola Indígena Tainá e ao Posto de Saúde há um orelhão (telefone público) que funciona como fonte de contato dos moradores com pessoas externas. Há instalação de cisternas e poços para o armazenamento de água durante o período de seca. Há também um campo de futebol e um cemitério na aldeia. Nas casas costuma haver poucas divisórias internas, mas há um espaço reservado para armazenamento da tralha da cozinha e destinada à produção alimentar, além dos quartos. Há fogão a gás ladeado por uma ou duas prateleiras com panelas e talheres de alumínio104, copos, pratos, bacias, cumbucas de coco, potes de argila para armazenar água ou garrafões para estocar líquido. Costumam manter do lado externo, junto a casa, um fogão a lenha para cozer alimentos que exigem um tempo de preparo maior, como o feijão ou o iwèru. As famílias que não possuem o fogão a lenha, tem um fogão no chão, em que grelhas são apoiadas em tijolos ou pedras, em forma de trempe, onde assam peixes e outros alimentos como batatas ou mandioca. Existe sempre um espaço reservado para guardar as cestarias weriri para colher alimentos no quintal ou roça, peneiras, além do abanador tradicional kòri e pilão para quebrar os grãos de milho e

102 O Centro de Inclusão Digital da Aldeia Canoanã foi inaugurado em 2005 após receber a doação de 10 computadores ligados à internet, da Fundação Bradesco (RODRIGUES, 2008a). 103 A antiga Casa de Farinha de Canoanã foi instalada pela FUNAI em meio aos projetos que visavam o desenvolvimento agrícola da década de 1970. Destinava-se a produção de farinha de mandioca de modo coletivo, voltada principalmente para a venda externa. Além de Canoanã, em São João, Barreira Branca e Wariwari foram também instaladas Casas de Farinha. Quando as peças estragaram pelo uso, não houve interesse da FUNAI em continuar a realização da manutenção das mesmas, além do crescente desinteresse dos indígenas em realizar esse tipo de produção. Como consequência, houve o cancelamento do projeto, permanecendo apenas a estrutura da Casa de Farinha e suas ferramentas nas aldeias, hoje inutilizadas. A exceção se faz ao tacho de metal, que alguns moradores de Canoanã ainda usam para torrar a farinha feita em seus quintais, destinada para o próprio consumo. 104 O povo Iny produzia grande parte dos utensílios domésticos em cerâmica, tais como pratos, potes, vasos, panelas e até brinquedos para criança, as bonecas Ritxòkò. A tradição de produção de peças em cerâmica é milenar, passada de mãe para filha. O povo Karajá produz, na atualidade, peças em cerâmica voltadas para uso pessoal e para o comércio com outros povos indígenas e com não-indígenas, constituindo uma das fontes de renda das famílias. Há relatos entre os Javaé de que sua produção foi grande no passado, porém, em meio às fugas para o isolamento do contato, muitas peças cerâmicas foram deixadas para trás pela impossibilidade de carregá-las. As mulheres portadoras desse saber deixaram de produzir em quantidade, deixando também para trás o conhecimento que seria repassado para suas filhas. Até pouco tempo as urnas funerárias ainda eram produzidas, destinadas ao enterramento secundário (armazenamento dos ossos do morto em um vasilhame cerâmico após a decomposição dos músculos, víceras e outros órgãos, mediante rito). Nos dias de hoje as panelas usadas para produção alimentar são de alumínio, havendo poucas moringas dentro das casas, usadas somente para armazenagem de água. 309

sementes. Muitos possuem uma pequena mão de mó/quebrador de coco para quebrar cocos, como o coco da macaúba. O espaço da cozinha é um local de convivência importante em que se reúnem mães, filhas, netas e netos, para conversar, ensinar, cozinhar e preparar os alimentos que serão servidos à família ou ao(s) irasò. Montanari (2008) afirma que a cozinha corresponde a um lugar em que produtos da natureza são modificados e se tornam elementos “fabricados”, ou seja, é um lugar de mudanças, em que as substâncias se transformam. Corresponde ao lugar, por excelência, da transformação, em que o educar e aprender ganham cor, sabor, textura e permitem que as matriarcas ensinem seus filhos(as) e netos(as) a cultura Javaé. Os saberes e fazeres estão em ebulição na cozinha, de modo que estar nela simboliza estar no “coração” da casa. É um espaço feminino, íntimo, que por vezes se torna público para a convivência da família.

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Figuras 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56 e 57 – De cima para baixo, da esquerda para direita: (50 e 51) casas da aldeia Canoanã; (52) Escola Indígena Tainá, (53) Posto de Saúde Canoanã; (54) CID e ACIAC; (55) Igreja Congregação Cristã; (56) tacho e (57) prensa de mandioca da antiga casa de farinha de Canoanã. Fonte: Gabriela Camargo Ramos e Tamiris Maia, mai. 2016.

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Figuras 58, 59, 60, 61, 62 e 63 – (58) Fogão a lenha; (59) fogão de chão; (60) weriri com abobrinha; (61) quebrador de coco; (62) fogão a gás; (63) bacias e pratos empilhados sobre vaso de argila. Fonte: Tamiris Maia, mai., nov. 2016; out. 2017. 311

Além disso, a cozinha é o lugar onde se partilha comida. Segundo o autor: “A atribuição de um pedaço em vez de outro nunca é casual (a menos que, uma vez mais, não queira exprimir a falta de hierarquias), mas reproduz as relações de poder e de prestígio no grupo” (MONTANARI, 2008, p. 163). No caso Javaé, a hierarquia está relacionada ao nível de perda vital. Crianças e jovens sempre têm preferência ao comer, para preservarem seus corpos para o trabalho e construírem um caminho em que não haverá grandes prejuízos com o início das perdas vitais. Assim, comer primeiro e comer as partes mais nobres, “do meio”, permitem perceber a importância que os jovens têm nessa sociedade. Sem significar com isso que os idosos não possuem prestígio, mas que o comer por último e o comer pouco significam força emocional e paciência, arranjos necessários para longevidade e para a passagem para o mundo espiritual, que ocorrerá com a passagem do ciclo da vida. As mulheres costumam cozinhar aquilo que é obtido nas roças, quintais, rios, lagos e nos mercados. São os maridos os responsáveis por levar os alimentos às suas esposas para que sejam preparados, servidos e consumidos pela família. Com relação às roças e quintais observamos que quase todas as famílias possuíam um local adjacente a casa, reservado para o cultivo. As roças de toco, chamadas de roças tradicionais que pudemos presenciar, são poucas pois exigem um grande cuidado para sua produção. São esperados os tempos certos de chuva e de lua para o preparo do solo e o semear. Existem somente duas estações para o povo Iny: o verão (wyramy) e o inverno (bèòramy)105. O verão inicia no mês de abril e vai até setembro. Corresponde ao período de seca, quando as praias aparecem nas beiras dos rios Araguaia e Javaés e os lagos ficam mais rasos. Os peixes costumam ficar “presos” nos lagos facilitando a pesca. O inverno inicia no mês outubro e vai até março, quando começa a cair as primeiras chuvas. Com as mudanças climáticas, excesso de queimadas e outros fenômenos antrópicos, nem sempre a mudança de estação ocorre no tempo esperado havendo atrasos no plantio, na coleta de alimentos, plantas medicinais ou outros vegetais utilizados na produção de ornamentos, esteiras e cestarias. No mês de setembro começa o preparo do solo para plantação das roças para que em outubro, quando caírem as primeiras chuvas já ocorra a brotação. Normalmente um grupo de homens formado por genro, cunhado(s), e por vezes sogro, desmatam uma área calculada por

105 De acordo com Nazareno (2017, p. 102): “No tema contextual Etnicidade e diversidade cultural, ministrado de 2009 a 2015, bem como nas etapas em terras indígenas, o que encontramos em relação ao tempo foram palavras relacionadas às duas fases do ano: Wyramy, para o verão, e Bèòramy para o inverno. Essa divisão do ano em duas estações é comum entre vários povos que vivem na região Centro-Oeste, como Xerente, Krahô, Apinajé, Xavante e Tapirapé. Entre os Amondawa, as estações do ano são a estação da seca, Kuaripe, e a estação do inverno ou das chuvas, Amana (SINHA et al., 2012, p. 15)”. 312

“tarefa” (1 tarefa = 20 braças = 44 m²). Antigamente faziam as plantações em várias “tarefas”, mas hoje costumam fazer em uma ou duas. Fazem o desmatamento cortando árvores e arbustos pequenos, em um terreno, logo depois colocam fogo para que as cinzas produzidas possam contribuir com a nutrição da semente que brotará. Deixam a área “descansar” para depois semear. Quando chegam as chuvas de setembro ou outubro a brotação acontece. Planta-se milho e mandioca. É nesse momento também que os Javaé costumam caçar, coletar pequi, mel, frutos e cocos nas matas e ovos de tracajás nas praias.

Figura 64 - Roça de mandioca e milho em início de brotação na aldeia Canoanã. Fonte: Tamiris Maia, nov. 2016.

Quando as águas baixam, em abril, começam a plantar cará, batata-doce, feijão, algodão, cabaça, amendoim, pimenta, abóbora, banana (amarela e roxa), melancia, cana-de- açúcar, abacaxi, araruta e quiabo nos quintais. Destacamos aqui que a cana-de-açúcar, o quiabo e a araruta são vegetais que foram trazidos pelo contato, seja com os tori, ou com os povos Tupi. No caso da cana-de-açúcar já a consideram um alimento tradicional Javaé, pois foi trazida nos primeiros contatos e são utilizadas desde então, para adoçar os alimentos, substituindo o mel em muitas ocasiões. O quiabo possui uma trajetória mais recente, sendo plantado nos quintais, mas considerado um elemento externo. E no caso especificamente da araruta (um tubérculo), foi introduzida pelo contato com outros povos indígenas e é amplamente utilizada por famílias que possuem crianças pequenas, pois faz-se com ela papa para bebê, substituindo o mingau do tori. Além dessas plantas, costumam ter nos quintais árvores frutíferas tais como laranjeira, limoeiro, mamoeiro, goiabeira, coqueiro da Bahia, aceroleira, árvore da fruta do conde, urucuzeiro e mangueira. Presenciamos também plantas medicinais, tais como capim cidreira e erva doce. 313

Nas áreas de mata, os Javaé normalmente “mapeiam” mentalmente a localização de árvores que fornecem frutos do cerrado, tais como o pequi, o tarumã, a cachimbeira, jenipapo, oiti, mangaba, macaúba, tucum, mirindiba, murici, mutamba, caju, cutite-taturubá e diversas outras que não possuem tradução na língua portuguesa. Árvores como a landi, babaçu e aroeira também são “mapeadas” e preservadas, pois são utilizadas na produção de canoas e casas. O fruto do tarumã é usado na produção de medicamentos e sua madeira é usada para produção do remo tradicional.

Figura 65 e 66 – Bananeira e mamoeiro nos quintais da aldeia Canoanã. Fonte: Tamiris Maia, mai. 2016.

Com a presença de pelo menos um membro de cada família assalariado, a produção das roças e plantação nos quintais diminuiu significativamente de modo que muitos Javaé afirmam: As roças de toco não existem mais, o que existe é plantar no próprio quintal. Normalmente planta-se frutas e raízes, como a banana e a mandioca. A alimentação é em grande parte industrializada, é comprada em Formoso do Araguaia. Quando alguém caça, principalmente os mais jovens, não querem mais comer a carne de caça. Eles se recusam a comer. A carne que é bastante consumida é a bovina, que é comprada na região com os fazendeiros. Alguns criam galinha para comer (IDIAÚ JAVAÉ, 2016).

Aqueles que não podem fazer suas roças porque são assalariados e estão ausentes de suas casas boa parte do dia, costumam reservar dinheiro e pagam para aqueles que podem plantar uma roça por eles. As esposas de assalariados plantam nos quintais e realizam a manutenção da roça, retirando o capim invasor e controlando pequenas pragas, porém o trabalho da roça é do marido. Primos ou parentes próximos são preferidos nas escolhas de quem fará a roça da família e será pago. Mesmo que haja formas de obter alimentos na cidade, somente por meio do esforço do trabalho que o alimento tem valor, mesmo que este seja obtido por meio da “terceirização” da roça. 314

Nos quintais também há criação de animais como galinhas e patos, utilizados na alimentação do dia-a-dia. O consumo de carne suína é quase nulo se comparada ao peixe, frango ou carne bovina. No dia em que a família recebe o salário ou os idosos recebem a aposentadoria, deslocam-se até a cidade de Formoso do Araguaia para fazer compras. A carne bovina corresponde a um dos itens a serem comprados, contudo em pequena quantidade. O peixe é que supre a necessidade proteica cotidiana, obtida nos rios e lagos do entorno da aldeia durante grande parte do ano. No início do período das chuvas os Javaé costumam caçar. Preferem esse momento pela maior facilidade de encontrar animais circulando nas áreas de mata. O porcão, o caititu, o veado e o camaleão são os alimentos preferidos. As “esperas” (esconder-se em meio ao mato e atirar no animal com espingarda quando ele se aproxima) são feitas para a captura desses animais, que são “limpos” (retira-se as vísceras) pelos homens, transportados até suas casas e entregues às mulheres para que preparem a carne da caça assada. O modo de captura dos animais continua o mesmo. Os Javaé relatam que antigamente faziam a espera, mas como não havia espingarda usavam os arcos e flechas (sem ponta de pedra), lâmina de machado de pedra e as bordunas nas caçadas (ver Quadros 16 e 17). Muitas vezes as carnes eram, e ainda são divididas em partes e distribuídas entre os parentes próximos, principalmente da família da esposa. Podemos dizer que, no geral, as carnes de caça ou de gado estão na lista de complementação da dieta alimentar Javaé, uma vez que essa se pauta principalmente nos produtos oriundos da roça, quintais e da ictiofauna (peixes da região). A pesca consiste em um dos principais meios de subsistência Javaé, correspondendo a uma das representações basilares do trabalho masculino. Muitos homens fazem parte da Associação de Pescadores de Canoanã. Realizam a pesca coletiva e vendem os peixes para a Associação, que por sua vez, vendem os peixes para receptores da região, de forma que o lucro é dividido entre os pescadores. Aqueles que são assalariados e não podem realizar a pesca costumam comprar o peixe dos pescadores da aldeia. Sempre há pesca, mesmo quando os leitos dos rios estão secos. Os lagos, resultantes de um processo geológico em que os rios meandrantes (Javaés e Araguaia) deixam seus cursos e calhas antigos para se desviar por outro caminho, são verdadeiros oásis e refúgios de peixes e outros animais. São as “geladeiras” da antiguidade, como nos afirmou um dos professores indígenas com quem conversamos. Ainda hoje são fonte de sobrevivência alimentar no verão. Nos períodos de inverno, quando os rios estão cheios, as águas costumam ficar turvas, dificultando a visibilidade de animais aquáticos. O uso de redes de pesca (feitas com linha industrial) é frequente para obtenção de peixes. As armadilhas e o timbó também são usados 315

para pescar, principalmente no período de seca, nos lagos. Entre abril e maio, quando as águas baixam, é quando se coleta ovos e pesca tartarugas, assim como pesca-se outros peixes. Segundo relatos de Texibi Javaé (2016), na atualidade come-se tanto peixes de escamas como peixes de couro. Os mais velhos sempre preferem os peixes de escamas, pois afirmam que o peixe de couro é muito rançoso, possui muita gordura, o que faz mal ao corpo. Tal relato corrobora com as informações de Wahuká Karajá (2016). Os mais novos, jovens adultos, já não possuem essa preocupação, com exceção do período de resguardo ou quando se passa por um ritual. Quanto à pesca da tartaruga, Texibi (2016) afirma que antigamente faziam-na usando linha de embira trançada e anzol feito de madeira. Na ponta do anzol colocava-se uma isca, normalmente um fruto doce. Hoje pesca-se tartaruga com linha de pesca industrial (n° 40) bem fina e anzol de metal. Como isca são usados bola de isopor, maçã ou bolo de milho. Quando a tartaruga engole a isca é puxada para dentro da canoa. Outros animais aquáticos também são apreciados pelos Javaé como o peixe elétrico e a arraia, mas comidos com menor frequência. Os peixes são preparados pelas mulheres e normalmente são assados ou cozidos, acompanhados de bananas ou farinha de mandioca grolada, mandioca, batata-doce ou cará. Das tartarugas faz- se o bèrèti e o bòròrò, ambos muito apreciados pelos Javaé.

Quadro 16 – Alimentos tradicionais Javaé oriundos dos rios e lagos

ALIMENTOS ORIUNDOS DOS RIOS E LAGOS ANIMAL NOME EM HABITAT FORMA DE CAPTURA/PESCA INY Pirarucu Bòdòlee Rio Javaé e lagos Flecha ou rede Tucunaré Kinitere Rio Javaé e lagos Anzol e isca Rio Javaé e lagos Pesca com anzol e isca (com fruta); Tartaruga Kotuni flecha Pacu Hariwa Rio Javaé e lagos Anzol e isca Piranha Juata Rio Javaé e lagos Anzol e isca Jaraqui Kanana Rio Javaé e lagos Flecha ou rede Pintado Hãretu Rio Javaé e lagos Anzol, Isca ou flecha Piabanha Myriwe Rio Javaé e lagos Flecha ou rede Cachorra Latè Rio Javaé e lagos Flecha ou rede Aruanã Irasò Rio Javaé e lagos Flecha ou rede; isca e anzol Carapirosca Txyry Rio Javaé e lagos Flecha ou rede; isca e anzol Nota: Quadro elaborado pela autora (2019).

316

Quadro 17 - Alimentos tradicionais Javaé oriundos das matas

ALIMENTOS ORIUNDOS DAS ÁREAS DE MATA ANIMAL NOME EM INY HABITAT FORMA DE CAPTURA/ CAÇA O cachorro auxilia na caça. Depois o dono do Tatu Ohã Matas/buracos cachorro mata o tatu com facão, flecha ou borduna. Quando os animais ficam ilhados, quando o rio Porcão Ixỹ Matas está cheio, os caçadores capturam e matam com borduna Lâmina de machado de pedra, borduna, arpão e Anta106 Õri Matas arco e flecha Veado Bororè Matas Flecha Pato Helỹkỹre Matas Flecha/espingarda Mutum Nawaki Matas Flecha/ espingarda Camaleão Kurè Matas Flecha/laço Nota: Quadro elaborado pela autora (2019).

Com as mudanças econômicas e, consequentemente, mudanças de práticas alimentares passaram a existir muitas comidas que não são mais elaboradas e consumidas pelos Javaé. Para compreender melhor essa questão produzimos um quadro com essas informações, advindas da memória de professores indígenas e egressos do curso de Educação Intercultural da UFG. Observamos que há saudosismo com relação ao consumo desses alimentos, ao mesmo tempo em que há preocupação em mostrá-los para as gerações mais novas referindo-se a eles como comidas tradicionais, que devem ter as receitas e modo de fazer preservados, mesmo que sua produção seja limitada à Festa da Casa Grande.

Quadro 18 – Alimentos que tiveram seu consumo reduzido na aldeia Canoanã

ALDEIA: CANOANÃ

Alimentos que diminuíram o Onde Quando comia? consumo comia?

Camaleão Casa/Praia Verão/junho e julho Veado Casa/Praia Verão/junho e julho Ovo de tartaruga Casa/Praia Verão/junho e julho Peixe Aruanã Casa/Praia Verão/junho e julho Batata-doce Casa/Praia Sempre que dispunha Inhame Casa/Praia Sempre que dispunha Cará Casa/Praia Sempre que dispunha Amendoim Casa/Praia Sempre que dispunha Bèro ynydè (farinha de mandioca Casa Almoço/jantar grolada) Marémaré (grolado com óleo de Casa Almoço/jantar tartaruga)

106 Não é considerada uma comida tradicional Javaé, mas na atualidade há pessoas que comem. 317

Kutura bururu (peixe enterrado Aldeia/praia Almoço/jantar com areia) Tuxiwiri (massa no fundo do Café da manhã/janta/festa Casa iwèru) tradicional Café da manhã/janta/festa Ibò (bolo de milho) Casa tradicional Orotxu (bolo de massa de Café da manhã/janta/festa Casa mandioca – na folha da banana) tradicional Bururu (Peixe assado envolto em Café da manhã/janta/festa folha de bananeira, assado em Casa tradicional um buraco na terra) Otèruti (batata-doce assada ou Café da manhã/janta/festa Casa cozida) tradicional Peixe elétrico cozido ou assado Casa Quando dispunha Casa/Casa Hera utura (peixe cozido) Manhã/tarde/noite do Aruanã Casa/Casa Peixe de couro Manhã/tarde/noite do Aruanã Casa/Casa Porcão (queixada) Manhã/tarde/noite do Aruanã Casa/Casa Pato do mato Manhã/tarde/noite do Aruanã Casa/Casa Caititu Manhã/tarde/noite do Aruanã Casa/Casa Macaúba Manhã/tarde/noite do Aruanã Casa/Casa Milho Manhã/tarde/noite do Aruanã Nota: Quadro elaborado pela autora (2019).

Quadro 19 – Alimentos que tiveram seu consumo reduzido nas aldeias Barreira Branca e São João

ALDEIA: BARREIRA BRANCA E SÃO JOÃO

Alimentos que diminuíram o Onde Quando comia? consumo comia?

Ibó Casa Café da manhã/almoço/janta Tuxiwiri (massa do fundo do Casa Café da manhã/almoço/janta iwèru) Hàtyyna (pamonha) Casa Café da manhã/almoço/janta Bururu (peixe assado na folha da bananeira, enterrado em um Casa Café da manhã/almoço/janta buraco no chão) Ijata ixquè (massa de banana) Casa Café da manhã/almoço/janta Iwenyy ynydè Casa Café da manhã/almoço/janta Bèro ynydè (farinha de Casa Café da manhã/almoço/janta mandioca grolada) Cará Casa Café da manhã/almoço/janta Beiju e pamonha pela manhã Mandioca, batata-doce, milho, Casa (com Batata-doce e mandioca assadas abóbora, beiju, pamonha, a família) ou pamonha a tarde 318

batata-doce assada, mandioca Mandioca com peixe ou com assada tartaruga no almoço ou jantar

Tartaruga Casa/praia Almoço/lanche/jantar Mandioca Casa/praia Almoço/lanche/jantar Macaúba Casa Quando dispunha Mingau de milho Casa Quando dispunha Nota: Quadro elaborado pela autora (2019).

Nas casas que tivemos a oportunidade de entrar, por volta de meio-dia107, observamos a produção de alguns alimentos para o consumo da família. Depois de levarem seus filhos para tomar banho no rio e lavarem roupas, as mulheres fazem o almoço. Costumam cozinhar arroz, feijão e carne (peixe, frango ou de gado). Fazem também farofa (farinha de mandioca industrializada), mandioca, batata-doce ou outros tubérculos.

Figura 67 e 68 – Frango e arroz preparados para o almoço, por uma família, em Canoanã. Fonte: Tamiris Maia, out. 2017.

Os idosos costumam fazer refeições com menor teor de sal e açúcar, peixes de escama e vegetais colhidos dos quintais. Escolhem os alimentos buscando beneficiar mais a saúde do que o paladar. Segundo Waixawala Javaé (2017): “Gosto de comer a comida ‘do índio’ mais do que a comida do branco”. Essa comida, a do “índio”, é considerada por ele mais “fraca” que a comida de branco, mas por isso fornece mais força para o trabalho. Como exemplos cita o peixe, a banana, a mandioca, a batata-doce, o mel e o milho. Relata que a pessoa fica mais disposta, pois “o índio” que come muita comida do branco fica gordo, grande e pesado para o trabalho. O que dá força além da comida é a latxi (escarificação com dente de cachorra), que reforça a vontade de trabalhar. Eu gosto de trabaiá (sic), eu gosto de fazer farinha é que...do meu tempo, a farinha do índio é grolado (sic), é... a massa, a mandioca, fazia...grolado (sic),

107 Intervalo das atividades do Comitê Javaé e das aulas da Educação Intercultural da UFG, nas etapas nas aldeias, entre os anos de 2016 e 2019, nos meses de maio e outubro ou novembro. 319

fazia beiju, grolado a gente comia, é comida do índio mesmo. Depois, foi indo, foi indo... e a gente aprendeu a fazer farinha como o branco fazia [...]. A gente nota que a comida de ... não é como um tempo atrás, mas eu gosto, por isso é que eu falo, falo pro (sic) meu menino que tem que aprender a comer, tem que aprender a fazer comida [...], a gente faz roça, planta pé de bananeira [...]. A gente tem que fazer roça, porque meu pai me criou da, da... levou para roça dele, é... me criou assim vai ter que trabalhar também, e aprendi né? A trabalhar... trabalhar com machado, com fogo, com enxada, tanto é que graças a Deus tô (sic) vivo ainda [...]. Já tô velho ... Eu gosto de fazer roça, plantar...é bom demais. Hoje os mais novo quase num (sic) [...], hoje em dia só se interessa por causa de Coca-cola, compra no supermercado, mas num (sic) é bom não...aí tem terra boa aí oh...tem que plantar pra ajudar (Depoimento de WAIXAWALA JAVAÉ, 2017).

Figura 69 – Peixe de escamas com banana cozida, sem o uso de sal, é o “almoço” de alguns idosos em Canoanã. Fonte: Tamiris Maia, out. 2017.

O desjejum ou refeição noturna de muitos idosos continua sendo o iwèru, preferencialmente. Quando não há ingrediente para a produção desse alimento, costumam comer outros, em grande parte industrializados, tais como a tapioca, biscoito e bolo. Como dito anteriormente, dependem de seus filhos e genros para a aquisição de muitos alimentos. Com suas aposentadorias compram alimentos industrializados na cidade, para consumo próprio e, muitas vezes, atendendo os desejos de suas filhas e netos, que pedem o que querem comer.

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Figura 70 – Iwèru de arroz sem açúcar ou outros adoçantes naturais. Alimentos consumidos por idosos e também pelo irasò. Fonte: Tamiris Maia, mai. 2016.

Nos meses de maio, em que estivemos em Canoanã, houve a oportunidade de presenciar o processo de preparo do bèrèti e do bòròrò por algumas famílias. Assim que os marido e irmãos retornam da pescaria, colocam as tartarugas na área da cozinha de suas esposas e/ou irmã(s), distantes uma das outras e com os cascos voltados para o chão, para que não fujam. Essas tartarugas eram preparadas e comidas por muitos indivíduos da mesma família, pois corresponde a um “prato” capaz de reunir pessoas, por ser muito apreciado e por ser farto. Depois de escolhida a tartaruga, é feito um corte em seu pescoço, e logo depois o seu casco da “barriga” é quebrado com um machado e retirado. O intestino é descartado, os futuros ovos e outras vísceras são separados em uma bacia para posteriormente ser preparado o bòròrò. As patas e músculos da tartaruga são picados e colocados sobre o casco da “barriga” do animal, temperado com sal ou tempero pronto industrializado. Algumas famílias adicionam alho e cebola ao bèrèti, principalmente quando a esposa ou marido são não-indígenas, contudo, observamos que este modo de temperar é uma exceção.

Figuras 71 e 72 - Bèrèti e bòròrò. Fonte: Fotos de Lázaro Tapuio (2011, p. 13).

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Após temperar, o casco que retém a carne é colocado sobre a grelha até que esta esteja completamente assada. O fígado também é assado na grelha. Ao final do processo é adicionada farinha de mandioca sobre a carne. No momento de servir é deixado um pote de farinha de mandioca à disposição para que os familiares a usem durante a refeição. Os ovos da tartaruga são usados para fazer omeletes ou bolos de farinha de trigo que serão comidos no café-da- manhã do dia seguinte. Após a separação das partes que serão utilizadas para fazer o bòròrò, essas são picadas, temperadas e cozidas com água até formarem um caldo. Também é servido junto com farinha. Tanto o bèrèti quanto o bòròrò são alimentos destinados ao consumo coletivo, compartilhado. As crianças e jovens têm prioridade no espaço à mesa, com suas colheres, comem antes e ao lado dos adultos. Em casas onde não há mesa, observamos a mãe servir em pequenos potes a carne da tartaruga aos filhos, priorizando a carne que estava “por cima” do casco. As raspas ficaram com os adultos que consumiram o alimento após as crianças. Essa maneira de servir e consumir é justificada pela preocupação com o crescimento e formação física das crianças e jovens, além da preocupação com a sua disposição para o trabalho futuramente, uma vez que, quem come “raspas” das panelas e potes fica preguiçoso, segundo os Javaé. Observamos que, de modo geral, as famílias não costumam estocar grande quantidade de alimentos. Muitos possuem em suas casas uma geladeira e um espaço reservado para armazenar grãos, sementes e alimentos industrializados, porém a estocagem para longo período de tempo não corresponde a uma grande preocupação. A proximidade do rio Javaés, dos lagos no interior da Ilha do Bananal, além dos alimentos frescos nos quintais, permite que a estocagem da comida não seja uma necessidade, possuindo baixa eficiência pela perecividade que possuem. Além disso, trabalhar nas roças e quintais é fonte de respeito e esforço reconhecido pela comunidade.

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Figuras 73, 74, 75, 76, 77 e 78 – Tartarugas na área de cozinha, de “barriga” para cima para que não fujam (à esquerda e à cima); quebra do casco da tartaruga com um machado (ao centro e à cima); limpeza e retirada das vísceras (à direita e à cima); preparo do bèrèti na grelha (à esquerda e a baixo); bèrèti acompanhado de farinha de mandioca servido à família (ao centro e à baixo); bòròrò pronto para ser servido. Fonte: Tamiris Maia, nov. 2016; mai. 2017; Foto cedida por Samuel Saburuá Javaé, out. 2019 (bòròrò, abaixo e à direita).

Quando uma família planta alimentos no quintal para seu consumo, não significa que possui uma fonte constante e significativa de alimentos para o ano. O que garante a subsistência são as roças, que na atualidade têm sua produção diminuída. Os alimentos comprados na cidade possuem o papel de complementação ou até substituição daqueles que viriam da roça. Além dos fatores já mencionados, há outro que muito preocupou e ainda preocupa os Javaés com relação à produção das roças. Justificam a diminuição crescente da dedicação à essa atividade devido à presença do gado. Segundo Rodrigues (2008a), a criação extensiva de gado na Ilha do Bananal é frequente desde as primeiras décadas do século XX, quando mineradores e pecuaristas vindos do Maranhão, Piauí e Goiás mudaram-se para região. A atividade mineradora declinou em pouco tempo, tendo continuidade a atividade pecuarista e posteriormente, a rizicultura. Há registros desde 1965, que os fazendeiros vizinhos às áreas indígenas soltavam seus rebanhos para pastarem e esses acabavam por comer toda plantação nas terras indígenas. No ano de 1969, a FUNAI recém fundada institui uma taxa de cobrança para pastagem do gado nas Terras Indígenas por meio da Portaria n. 81. Essa taxa de cobrança, também chamada de arrendamento, já era paga pelos fazendeiros e posseiros à Prefeitura de Formoso do Araguaia desde 1963, quando o órgão responsável pelas Terras Indígenas ainda era o SPI. Mesmo com a mudança de órgão, fiscalização e criação do Parque Indígena do Araguaia, quase nada mudou (RODRIGUES, 2008a). 323

A pecuária extensiva, além de causar prejuízos às plantações Iny, trouxe doenças aos animais silvestres, destruição dos cemitérios pelo pisoteio do gado e destruição da vegetação nativa. Entre o final da década de 1970 e início da década de 1990, líderes indígenas passaram a controlar as taxas oriundas dos arrendamentos e moveram uma ação Civil Pública para a retirada de posseiros, e pelo fim dos arrendamentos ilegais. De acordo com Rodrigues (2008, p. 175 apud TORAL, 1999, p. 25): [...] em 1978 os líderes de Canoanã “passaram a controlar a verba dos arrendamentos próximos” da aldeia. Bonilla (1997) registrou a insatisfação crescente dos Javaé com as cercas e porteiras que limitavam o seu trânsito para expedições de pesca dentro da Ilha do Bananal, antes um território livre. Em 1989, um grupo de índios Javaé denunciou a invasão de posseiros junto à Procuradoria Geral da República e o Ministério Público Federal propôs uma Ação Civil Pública, que resultou em uma determinação judicial para que a FUNAI retirasse os invasores, colocasse fim aos contratos de arrendamento irregulares e impedisse a entrada de estranhos ao parque indígena.

Ainda hoje entre os Javaé, há aqueles que aprovam e outros que desaprovam a existência de arrendamentos das áreas de pastagem para o gado. Os valores eram arrecadados por fiscais da FUNAI ou por caciques, que destinavam esses valores para benfeitorias das aldeias. Uma associação denominada CONJABA – Conselho das Organizações Indígenas do Povo Javaé na Ilha do Bananal – criada em 1999, passou a ser responsável por arrecadar os valores oriundos dos arrendamentos e fiscalizar as áreas indígenas onde entram gado. Em uma associação da CONJABA com a FUNASA (Fundação Nacional de Saúde), os valores arrecadados passaram a ser destinados para a contratação de funcionários indígenas, que atuam na área de saúde nas aldeias (RODRIGUES, 2008a). No final da década de 1990, com a saída de muitos posseiros e ocupantes ilegais da Ilha do Bananal, houve a recuperação significativa da fauna e flora locais. Os não-indígenas que permaneceram na ilha, foram aqueles que se utilizaram da força física pelo uso de armamentos ou que possuíam alta renda para se defender de processos judiciais (RODRIGUES, 2008a). Apesar da presença não-indígena, as mudanças foram significativas com o uso da lei e a partir da movimentação indígena em prol da defesa de seu território. Hoje, as roças são poucas, mesmo com a limitação da área de circulação do gado. Nos quintais é possível ter controle maior, pois a proximidade desses às casas permite a sua manutenção constante, espantando o gado e replantando sementes ou raízes. Mesmo em meio às mudanças, incluindo aquelas “tradicionalizadas”, foi possível observar a presença dos discursos que buscam “recuperar” o tradicional, sendo essa uma ação legitimadora da identidade Iny Javaé em meio a alteridade tori. E ainda, em meio a alteridade 324

Karajá, que está nos livros, artigos e artesanatos mundialmente conhecidos. A necessidade de demarcar “quem somos” é presente no discurso Javaé, vestindo palavras, frases e ações sobre o “tradicional”. Para os Javaé a fala determina também ação, portanto, falar de “recuperação e valorização” da comida tradicional compreende o início da execução da ação de “preservação dos costumes”. Mas também compreende apreensão do discurso tori, transformando-o em discurso Javaé. Em muitas das nossas conversas com os Javaé, percebemos que apreenderam o discurso tori da necessidade de valorização social, cultural e ambiental, assim como a importância da intensificação da luta pelos direitos indígenas, de modo que, o que era falado por eles partia, algumas vezes, do que “queríamos ouvir”. Contudo, em meio a esse discurso misturado de intensões, percebemos a forte vontade deles em demarcar sua identidade como povo Javaé (e não Karajá, como foram conhecidos na literatura antropológica por durante muito tempo – desde o século XVI); e o anseio em preservar segredos, histórias, a língua e as práticas (artesanais, alimentares, medicinais e regras sociais), em suma, seus saberes e fazeres. Entendemos que o discurso sobre o tradicional perpassa pelo discurso identitário, mas é, sobretudo, parte da epistemologia Javaé relacionada à sua lógica social de estruturação do (seu) mundo, repleto de mudanças, negociações, repleta de “caminho do meio” que conduz o fluxo vital.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A História da Alimentação Indígena corresponde a uma temática recente dentro dos estudos da História da Alimentação. Começa a despontar na década de 2000, mas somente uma década mais tarde que a presença de novas pesquisas começa a prevalecer no campo de estudo. Apesar desse fortalecimento da temática, ainda são poucos os trabalhos desenvolvidos. Há ainda muito que ser analisado e divulgado, necessitando que haja, para isso, uma maior aproximação dos pesquisadores da área da História, dos povos indígenas, das suas causas e das suas perspectivas para compreensão de sua episteme e modo de ser/agir no meio (social, cultural, ambiental e espiritual). Com a presença de diversos cursos de Educação Intercultural Indígena no Brasil, existentes nas universidades federais do país, a tendência ao aumento das produções acadêmicas de cunho indígena é cada vez maior. Portanto, é necessário que haja incentivos às produções e publicações desses pesquisadores, que por tanto tempo tiveram suas vozes e conhecimentos silenciados e excluídos da História do Ocidente. A imagem e representação dos povos indígenas contemporâneamente ainda é carregada de exclusão e violência contra seus modos de pensar, ser e viver. As práticas ainda perpassam a destituição de seus territórios, usurpados pelo Estado e entregues às industrias multinacionais, à agropecuária extensiva de exploração e ao comércio nacional e internacional. Na contrapartida dessa representação e postura há atuação dos direitos internacionais em prol de suas identidades, modos de pensar e agir. Essas questões contraditórias caminham juntas na atualidade e dão brechas à exploração, manipulação e intervenção nos direitos dos povos indígenas. No âmbito alimentar, seja na África ou na América (México, Peru, Brasil e outros países), os povos indígenas ganham visibilidade pelos organismos internacionais tais como a ONU, que protege e promove seus direitos, mas ao mesmo tempo fornece visibilidade para que haja incentivos ao turismo gastronômico, exploração das cozinhas locais e exploração de espécies vegetais ou animais dentro do comércio internacional. Interferem em seus modos de vida, de maneira que muitos povos permanecem com elementos de suas culturas “adormecidos” pelas ações desses organismos. Incitar a luta pela mudança e pelos direitos sem intervenção excessiva de órgãos internacionais e nacionais tem sido a principal bandeira de muitas nações indígenas, pelo fortalecimento de suas culturas e modos de pensar e viver. 326

Essas contradições presentes nas políticas públicas de muitos países agregam em um mesmo pacote de ações a defesa dos direitos indígenas, a intervenção em seu território e também o incentivo a exploração de suas terras, alimentos e saberes, correspondendo a problemáticos pontos de inflexão. Negam as relações conflituosas que existiram no passado e mascaram os problemas atuais, muitas vezes beneficiando grandes empreendimentos econômicos. Assim, a tomada de consciência voltada para as problemáticas indígenas é uma ação de defesa, fortalecimento e sobrevivência desses povos na contemporaneidade, para que a visibilidade e valorização de suas lutas, saberes e fazeres seja cada vez mais presente. Por mais conhecida que seja a ancestralidade dos povos indígenas no Brasil, ainda há desconhecimento de muitos de seus saberes e fazeres, de seus modos de pensar, de ser e de viver por grande parte da população brasileira. A presença de povoamentos no Brasil desde, pelo menos, 10.000 anos A.P., permite pensar nas histórias de luta pela reexistencia e dinâmica dos costumes, conhecimentos e práticas. O povo Iny (Karajá, Javaé e Xambioá), resiste e reexiste desde pelo menos 1.300 anos A.P., prováveis remanescentes dos povos da tradição arqueológica Uru. A sua alimentação, arqueologicamente mapeada por meio de fragmentos de vasilhames cerâmicos, vestígios de fogueira e enterramentos secundários, indicou a mistura e o contato que esses povos possuíam no passado. Pratos para fazer beiju indicam a produção e consumo de mandioca, assim como os vasilhames para armazenar milho e outros grãos indicam a produção e consumo de mingaus e iwèru/calugi, alimentos tipicamente Tupi e Macro-Jê respectivamente. Essas informações arqueológicas vêm ao encontro daquelas fornecidas pelos atuais Iny sobre a sua ancestralidade. Em sua história de origem há o indicativo da mistura de povos distintos para a sua formação. Os Javaé afirmam que o povo de Tòlòra, Wèrè e Wou formara-os social, cultural e espiritualmente. A perspectiva Javaé de mistura, sem a qual não é possível formar algo novo e único está em vários âmbitos da vida social: nos casamentos, nos conflitos e nas relações com estrangeiros, incluindo os não-indígenas. A tentativa de manutenção de costumes em meio às misturas e mudanças que são inevitáveis, gera a tradição, ou melhor, a tradição corresponderia a um processo no qual há construção de um “caminho do meio” (RODRIGUES, 2008a), de um fluxo intermediário entre indivíduos e culturas. Essa tradição está sempre se inovando, mesmo que venha acompanhada da fala “sempre foi assim”. Existem aqui duas forças atuando: a contenção e a mudança, juntas permitem a existência de uma fluidez mediada e conduzida nos processos de construção da tradição. Desse modo, a tradição Javaé poderia ser entendida como um tecido forte, mas que possui partes rasgadas e costuradas com elementos mágicos, espirituais, vivos, mortos, animais, vegetais, musicais etc. de outros povos e culturas. Apesar 327

das costuras é possível perceber um tecido uniforme e homogêneo à distância e emendado de perto. A tradição Javaé seria então, essa (in)permanência das ações do saber e do fazer, da condução (contenção e mudança) do fluxo vital. No âmbito alimentar a tradição não age de modo diferente, é também dinâmica, mediada por esse fluxo de contenções e mudanças. É esse fluxo da tradição que gera a manutenção da produção das roças e quintais, das atividades de caça e pesca, dos alimentos para os irasò, da comida do dia-a-dia do idoso, da gestante, das crianças e das receitas antigas. Do mesmo modo gera a inclusão de novas receitas, novos alimentos industrializados e processados, novos modos de fazer, substituições de elementos plantados por outros comprados, a introdução de elementos externos em receitas antigas, novas formas de consumir com as reuniões de família nos fins de semana e outras muitas mencionadas na pesquisa. É essa forma de ser e de viver que os Javaé lutam para fortalecer, reconhecer e visibilizar em meio a outros povos e a cultura nacional. Ressaltamos que as hipóteses iniciais a respeito da alimentação tradicional do povo Javaé estariam diretamente relacionadas aos rituais, ou seja, acreditávamos no início da pesquisa que a alimentação tradicional não estaria presente no dia-a-dia Javaé com frequência, e seria possível percebê-la principalmente em momentos rituais. Entretanto, essa hipótese não se confirmou. Observamos que as roças e os quintais são cotidianamente cuidados e em épocas de colheita há o direcionamento desses alimentos para os irasò, mas também são destinados para o consumo das famílias. Os idosos tendem a respeitar a alimentação tradicional de acordo com seu ciclo de vida, comendo menos sal e açúcar, preferindo sempre os alimentos oriundos das roças/quintais e rios, preferindo menos os alimentos vindos da cidade. Observamos que gestantes, pais puerpérios, meninas pós primeira menstruação e guerreiros, que possuem limitações em suas dietas, respeitam o que é determinado pela tradição, comendo somente os alimentos permitidos em sua dieta. Apesar de os Javaé afirmarem que no passado essas regras eram mais respeitas ou executadas por um tempo mais longo, elas ainda são praticadas. Outra hipótese que também não foi confirmada refere-se ao consumo excessivo de industrializados pelo povo Javaé. Após as primeiras visitas às aldeias observamos que há uma constante tentativa de equilíbrio alimentar pelas famílias. Na escola, os professores debatem com seus alunos a importância da escolha dos alimentos e da prática da plantação das roças como conhecimento tradicional. Observamos que o curso de Educação Intercultural da UFG, por meio dos Temas Contextuais, muito influenciou os professores indígenas Javaé em suas aulas, demonstrando aos seus alunos a importância do fortalecimento dos conhecimentos alimentares tradicionais. Nas casas as famílias priorizam os alimentos das roças, quintais e rios, 328

mesclando-os com alimentos comprados na cidade. Apesar da mescla, a categorização é clara: aqueles alimentos que vem da cidade são piores e causam males como doenças, são os alimentos de fora, portanto, produzidos pelos não-indígenas. Há uma estigmatização desses alimentos industrializados e processados. Percebemos essa relação no discurso, que enfatiza a rejeição. Contudo, percebemos que na prática ela é amenizada. Tal relação indica a ênfase no tradicional, que corresponderia a uma das epistemologias envolvidas na forma de agir dos Javaé, sendo a introdução do “estranho” /outro concebida como insegura, porém necessária para as mudanças e sobrevivências. As famílias buscam mesclar o consumo dos alimentos oriundos das roças com os comprados na cidade, mas na escola tal situação não é possível. A merenda escolar é enviada pela Secretaria de Educação do Estado do Tocantins de modo que a escolha do cardápio fica a cargo desse órgão. Muitos pais e professores se mostraram incomodados com essa situação, e buscam mudá-la em breve, com a construção coletiva de um Projeto Político Pedagógico para a escola indígena, que está sendo desenvolvido por estudantes egressos do Curso de Licenciatura em Educação Intercultural da UFG. Uma hipótese que se confirmou parcialmente foi a de que haveria pouquíssimas roças tradicionais entre os Javaé. A roça tradicional, ou roça de toco, seria aquela feita pelos homens, em áreas próximas à vazante do rio Javaés, com aproximadamente 40 m², preparada com a técnica de corte de algumas árvores nativas para alocação da plantação e a coivara antes da semeadura, realizada nos meses de outubro e novembro. Observamos que as roças tradicionais são feitas por várias famílias Javaé, utilizando um pedaço de terreno nem sempre próximo à vazante do rio e menor que 40m², plantando, em sua grande maioria, milho, mandioca, feijão e abóbora. Muitas vezes essa área de plantação está próxima aos quintais, que são área adjacentes às casas, possuindo aproximadamente 10m², onde planta-se frutíferas e ervas medicinais. A maioria das roças são cercadas por arames, mas em quase todos os quintais não há essa proteção contra o gado, responsável por pisotear e comer os brotos das plantações. Em muitos quintais são as mulheres que realizam a sua manutenção. Tal situação nos fez repensar a hipótese inicial de quase inexistência das roças tradicionais. A presença significativa de Javaés com trabalhos remunerados, em grande parte ocupando cargos públicos de professores e agentes de saúde, representa uma grande conquista. Mas, o tempo de dedicação a esses ofícios diminuiria o tempo disponível para produção e manutenção das roças tradicionais, assim como aumentaria a possibilidade de compra de mercadorias na cidade. O mesmo aconteceria com os idosos aposentados, que consumiriam mais produtos industrializados. Porém, observamos que a prática agrícola está presente nos 329

quintais e roças cotidianamente, mesmo que produzidas em menor quantidade em relação há décadas atrás. Consideramos que os saberes tradicionais relacionados à produção das roças estão presentes no dia-a-dia, tendo como fim o consumo das famílias. Muitos idosos, gestantes e pais com bebês recém-nascidos utilizam essa produção. A outra parte produzida é destinada aos rituais: para alimentar os irasò, os parentes mortos, os iniciados, padrinhos e lateni na Casa dos Homens e as moças no período de reclusão após a primeira menstruação. Entendemos que a alimentação tradicional, com produtos oriundos dos quintais e roças, está presente entre os Javaé em menor quantidade que no passado e com menor frequência em algumas casas. Os produtos oriundos da cidade também estão presentes entre os Javaé e aumentam nas prateleiras das cozinhas das famílias. É esse o ponto de preocupação de muitos Javaé, o de que os industrializados tomem o lugar daqueles produzidos nas roças, e ainda, daqueles oferecidos à seres sagrados como os irasò. A solução encontrada por muitas famílias foi a mescla e a tendência ao equilíbrio no consumo de alimentos de fora e de dentro, entre os da cidade e os da roça, preferindo sempre aqueles dos quintais e roças. O que muitos professores indígenas buscam hoje é o fortalecimento dessa ideia de equilíbrio e não necessariamente a rejeição dos produtos industrializados. E ainda, buscam reforçar a relação de identidade Javaé entre as gerações mais novas levando os saberes dos anciões e anciãs para a sala de aula, despertando a curiosidade do conhecer e do fazer, das crianças e dos jovens. No início da pesquisa acreditamos que seria possível acessar várias receitas tradicionais do povo Javaé, porém, no desenvolver do trabalho essa tarefa passou a apresentar suas dificuldades. A primeira e maior delas foi a dificuldade de comunicação com as mulheres indígenas. Normalmente as conhecedoras das receitas são idosas e falam pouco ou quase nada na língua portuguesa. Para que fossem entendidas era quase sempre necessária a presença de um homem (marido, filho ou neto), para que sua fala fosse traduzida. A timidez das mulheres e a existência de segredos (muitos deles não podiam ser revelados para os homens) impediu que conhecêssemos essas receitas. Muitas delas, as receitas, eram destinadas aos irasò e, portanto, sagradas. Respeitamos essa interdição e divulgamos somente o que foi possível conhecer. Percebemos que a intensidade com que as regras e proibições alimentares existem se faz forte entre os Javaé. Muitos de nossos interlocutores afirmaram que elas se afrouxaram e hoje não é mais como na época das avós e avôs. Mas, essas regras sociais estão presentes em diversas situações: na reclusão feminina, no resguardo pós-parto, no jejum do guerreiro, na 330

alimentação de crianças, jovens, idosos e doentes. Respeitam muito o modo de se portar “à mesa” (falar baixo e beber ou comer pouco se está na casa de visitas) e como escolher o que comer. Esses são exemplos importantes da educação social, principalmente dos jovens que entram para a vida adulta e conviverão de modo coletivo com maior frequência, na Casa dos Homens, na casa dos sogros e sogras, nas cidades, nas escolas e universidades e outros lugares. Observamos que entre os Javaé não há fome ou insegurança alimentar, pelo contrário, afirmam que sempre houve comida. O grande e profundo conhecimento que têm da Ilha do Bananal permite que haja fartura alimentar independente da época do ano. Colhem frutos do cerrado e das matas, pescam nos rios e lagos, caçam e plantam suas roças. A produção das roças depende do período das chuvas, que tem atrasado ultimamente, havendo um período de estiagem maior a cada ano. Mas, a convivência com o ambiente e a atenção aos sinais do mesmo (desova da tartaruga ou o florescimento de espécies nativas do cerrado) levam a conhecer quando será o período propício para o plantio, mesmo quando há grande estiagem. Os peixes são uma das principais fontes alimentares para os Javaé. São comida e ao mesmo tempo possuem significado sagrado, havendo muitos irasò que possuem nomes de peixes que são consumidos pelos Javaé. Além de ser fonte alimentar e sagrada, os peixes são o sustento de muitas famílias, em que os homens pescam e recebem pelo trabalho uma remuneração da Associação dos Pescadores Javaé. Os peixes são também alimentos presentes nas festas, nos rituais e nas trocas e pagamentos para os parentes, os bòròtyrès. As dimensões “alimentar” e “sagrada” por vezes se misturam, de modo que essa separação é inexistente. Há, portanto, nas relações sociais imbuídas na pesca e no pescado um significado que transita entre os mundos terreno e aquático, entre humanos e não-humanos, sobrenatural. Relação parecida pode ser percebida com outros animais não-aquáticos que também são irasò, como é o caso da cutia, capivara e camaleão. Permeando a alimentação cotidiana está a produção alimentar para os irasò. Uma família não produz alimentos somente para seu consumo diário, produz também para os seres mágicos e sobrenaturais. A presença deles nas aldeias por quase todos os meses do ano, demanda uma produção constante de alimentos para servi-los, havendo no Hetohokỹ a culminância dessa atividade. O trabalho e a dedicação da família que é escolhida para ser “pai” e “mãe” do Aruanã/Irasò trazem reconhecimento social e espiritual. Assim, a importância da produção e consumo dos alimentos da roça é também de ordem sobrenatural, seja no comer, seja no oferecer, tanto para a família como para os irasò. É possível que muitas receitas milenares tenham alcançado os dias de hoje porque correspondem a saberes e fazeres destinados a alimentar não só as casas, mas também os irasò, 331

são sagradas e, portanto, guardadas como segredos, feitas sob os olhares de anciãs e vigiadas por elas. Nesse caso, a comida serve para fortificar não só o corpo como também as relações entre seres humanos/meio natural/meio sobrenatural. Na presente tese não trabalhamos a relação da alimentação com as doenças diretamente, porque optamos por conhecer as epistemologias que envolvem o comer nas dimensões cultural e social interculturais. Mas tal fato não impede que investigações e pesquisas futuras busquem a dimensão da saúde e da doença, que também estão relacionadas à alimentação, ao mágico e ao espiritual. A respeito das relações interculturais, gostaríamos de ressaltar que em meio a muitas conversas com estudantes indígenas Javaé que tiveram a oportunidade de conviver de perto com não-indígenas em parte de suas vidas escolares, há traumas relacionados à xingamento e preconceitos praticados por colegas de infância. Dentre os traumas encontram-se aqueles que conduzem à resistência em comer alimentos tradicionais, pois foram chamados de “sujos” ou “nojentos” por não-indígenas. Muitos estudantes indígenas afirmaram que deixaram de comer alimentos de seu povo por não conseguirem esquecer o trauma de infância ou adolescência, de modo que o simples fato de estar à frente do caldo de camaleão ou do bòròrò e outras comidas, faz sentirem dores no estômago, na cabeça e ânsia de vômito. Afirmam que as pessoas de sua geração ou das seguintes que não tiveram contato com não-indígenas na escola, ou seja, frequentaram somente a escola da aldeia, esse tipo de trauma não se fez presente. Uma das formas de mudar essa situação, afirmam, é estimular o conhecimento e a conscientização da importância da manutenção e fortalecimento das práticas alimentares tradicionais Javaé, nas aulas e inclusive na merenda escolar. Em Goiânia, nas etapas de aulas do Curso de Licenciatura em Educação Intercultural da UFG, alguns Javaé afirmaram que sentiram dificuldades para comer a comida do Restaurante Universitário. Não saber de onde vem a comida que está no prato causa rejeição à ingestão dos alimentos. No caso de peixes, querem saber qual estão comendo para não infringir regras rituais de resguardo ou outras que requerem cuidado. No caso de aves, temem comer excesso de hormônios e no caso de verduras, agrotóxicos que causam mal ao corpo. Muitos estudantes indígenas, trazem em suas malas sacos de feijão e milho, farinha de mandioca e também outros grãos para cozinhar e realizar suas refeições nas casas alugadas temporariamente ao período de aulas, no bairro próximo à UFG. Frequentemente, quando os estudantes são da mesma aldeia e do mesmo povo, costumam cozinhar diariamente ao invés de comer nos restaurantes. Os estudantes Javaé buscam sempre por peixarias do bairro próximas ao Campus Samambaia da 332

UFG e também preferem comer nas casas alugadas sempre que é possível, pois saber o que se come é o critério para se comer bem. Por fim, esperamos que a presente pesquisa constitua o início de outras pesquisas na área da História da Alimentação e que também possa auxiliar nessa difícil tarefa de conscientização e disseminação de conhecimentos em prol dos saberes indígenas, principalmente dos saberes e fazeres Javaé.

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371

APÊNDICE A - QUADRO DE ALIMENTOS DAS ROÇAS E MATAS JAVAÉ DA ALDEIA CANOANÃ

ALIMENTOS DAS ROÇAS JAVAÉ – ALDEIA CANOANÃ108

Nome em Tradicional Classificação na Imagem Alimentos Nome científico Origem Iny para os Iny tabela botânica

Manihot América Central Irà Raiz/ Mandioca esculenta Sim e América do Hajiurá tubérculo Crantz Sul

Grão/ Milho Zea mays Mai Sim América Central cereal

Ipomoea batatas (L.) Raiz/ América do Sul Batata doce Lam. Koteruti Sim tubérculo Andes Convolvulus batas (Lineu)

Dioscorea Raiz/ Cará Kara Sim Brasil bulbifera tubérculo

Colocasia Não foi possível obter Raiz/ Inhame roxo esculenta var. Ãdāhā Sim África imagem tubérculo aquatilis. Abelmoschus esculentus L. Não foi Planta da Moench: possível Quiabo Não família da África anteriormente, obter malva Hibiscus tradução esculentus L.

Annona Ata Kynasò Sim Fruto América do Sul squamosa

108 Alimentos plantados nas roças Javaé, na aldeia Canoanã, fotografadas em novembro de 2016. As traduções em Iny rubè estão grafadas na fala masculina, pois os interlocutores da pesquisa eram homens. 372

Brasil, México Psidium Árvore ou América Goiabeira Uràòsò Sim guajava L. arbusto Central, Colômbia, Peru

Ikoro Ananas Abacaxi Hanona Sim Planta Brasil comosus (L.)

América: Phaseolus Feijão Omyta Não Semente México Peru e vulgaris Brasil

Brasil, Paraguai, Arachis Amendoim Matyni Sim Semente Bolívia, hypogaea Argentina

Cucurbita Abóbora Tokera Sim Legume América do Sul moschata

Não tem Maranta Raiz/ Araruta nome Não América do Sul arundinacea tubérculo em Iny

Citrullus Melancia Rukuni Sim Fruta hídrica África lanatus

Kaxiwer Pimenta de Xylopia a Sim Planta Brasil macaco aromatica werehe

Cana de Saccharum Sul da Ásia e Biditi Sim Gramínea açúcar officinarum melanésia

373

Sudoeste Cocos Horenih Fruta Asiático, Nova Coco Não nucifera ikỹ oleaginosa Zelândia e América do Sul

Citrus Laranja Rarajỹ Não Fruta cítrica Ásia sinensis

Wajaber Limão Citrus limon Fruta cítrica Ásia o Não

Não foi Malpighia possível Antilhas, Brasil, Acerola Não Fruta cítrica glabra obter México e Peru tradução

América Central Carica Tori Mamão Sim Fruta doce e América do papaya wona Sul

América do Sul, Banana Musa spp. Ijata Sim Fruta doce Ásia e África

Musa América do Sul, Banana roxa acuminata Ijata Sim Fruta Caribe (Red Dacca)

Anacardium Hãbuno Caju Sim Planta Brasil occidentale wete

Mangifera Hãtobur Fruta semi- Manga Não Ásia indica eni ácida

374

PLANTAS NATIVAS DO CERRADO

Não foi Vitex possível Tarumã Sim Árvore Brasil montevidensis obter tradução

Caryocar Pequi Rama Sim Planta Brasil brasiliense

Não foi possível Urucum109 Bixa orellana Sim Planta América do Sul obter a tradução

Acrocomia Macaúba Heryri Sim Planta Brasil aculeata

Não foi Attalea possível Babaçu Sim Planta Brasil speciosa obter tradução

Não foi Cachimbeira Cariniana possível Sim Planta Brasil 110 spp. obter a tradução

Hylocereus Kòbòròr Améri-ca Pitaia Sim Planta megalanthus ò nohèti Central/ México

Améri-cas Não foi possível obter Genipa Jenipapo Bidina Sim Planta (Norte, Central imagem americana e Sul) Não foi possível obter Licania Sim Oiti Samõ Planta Brasil imagem tomentosa

109 Utilizado como pigmento para pinturas corporais. 110 Também chamada de jequitibá, é uma importante planta da mata ciliar que produz frutos os quais alimenta animais; e sua casca possui propriedades medicinais anti-inflamatórias e adstringentes. 375

Não foi possível obter Hancornia Sim Mangaba Urà Planta Brasil imagem speciosa Não foi possível obter Hymenaea Sim Jatobá Ywa Planta Améri-ca do Sul imagem courbaril Não foi possível obter Herysis Sim Tucum Bactris setosa Planta Brasil imagem ò Não foi possível obter Lafoensia Iroduòs Sim Mirindiba Planta Brasil imagem glyptocarpa ò Não foi possível obter Byrsonima Hadoro Sim Murici Planta Brasil imagem crassifolia osõmo Guazuma Améri-ca Não foi possível obter Mutamba ulmifolia Dùù Sim Planta Central e imagem Améri-ca do Sul

376

ANEXO A – AUTORIZAÇÃO PARA INGRESSO EM TERRA INDÍGENA

377

ANEXO B – COMPROVANTE DE ENVIO DE PROJETO AO COMITÊ DE ÉTICA E PESQUISA

378

ANEXO C – QUADROS DE LÍNGUAS INDÍGENAS BRASILEIRAS (RODRIGUES, 1994)

Nota: Quadro produzido por Rodrigues (1994, p. 39). 379

Nota: Quadro produzido por Rodrigues (1994, p. 46).

380

Nota: Quadro produzido por Rodrigues (1994, p. 56). 381

Nota: Quadro produzido por Rodrigues (1994, p. 63).

382

Nota: Quadro produzido por Rodrigues (1994, p. 72).