A Forja Identitária De Lutadores Veteranos: Além Do Último “Round”
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A forja identitária de lutadores veteranos A forja identitária de lutadores veteranos: além do último “round” CDD. 20.ed. 796.81 Samuel Thomazini OLIVEIRA*/** *Faculdade Salesiana *** Vitória, Vitória, ES, http://dx.doi.org/10.1590/1807-55092016000200397 Felipe Quintão ALMEIDA Brasil. Ivan Marcelo GOMES*** **Faculdade Multivix, Vitória, ES, Brasil. ***Centro de Educação Física e Desportos, Universidade Federal do Espírito Santo, Vi- Resumo tória, ES, Brasil. Discute aspectos relacionados com a forja (bio)identitária de praticantes veteranos de esportes de combate na região metropolitana de Vitória, Espírito Santo/ES. A pesquisa se desenvolveu por meio de trabalho empírico, realizando entrevistas semiestruturadas com cinco lutadores com idades entre 38 e 74 anos. Problematiza aspectos recorrentes nos estudos que se dedicaram a mapear os referenciais que participam da construção (bio)identitária de lutadores, assim como aquelas pesquisas que se dedicaram às análises sobre o término da carreira esportiva. Conclui que os lutadores desenvolvem maneiras (alternativas) de manutenção (bio)identitária diante a diminuição do rendimento esportivo. PALAVRAS-CHAVE: Esportes de combate; Identidades; Corpo; Aposentadoria. Introdução Nos últimos anos, vários foram os estudos com de cuidados corporais, médicos, higiênicos e foco nos esportes de combate, em especial os mo- estéticos na construção das identidades pesso- dos pelos quais se constitui a forja (bio)identitária ais, das bioidentidades. Trata-se da formação dos lutadores 1-9. Nestes estudos, prevalece o argu- de um sujeito que se autocontrola, autovigia e mento de que há preponderância de referenciais autogoverna. Uma característica fundamental corporais na constituição das identidades guerreiras, dessa atividade é a autoperitagem. O eu que se vinculando-se com o que O 10-11 denominou pericia tem no corpo e no ato de se periciar a como bioidentidades. Nessa interpretação, o corpo fonte básica de sua identidade.10 (p.64). constitui-se o principal vetor identitário, tornando- As práticas bioascéticas fundem corpo e mente -se alvo das investidas do eu na tentativa de garantir na formação da bioidentidade somática, produzindo para si uma identidade que seja atraente, potente, um eu que é indissociável do trabalho sobre o corpo. saudável, bonita, longeva, jovial, etc. Sendo assim, é no exercício de si sobre si mesmo que As bioidentidades são formadas a partir de investi- o sujeito se reconhece e pretende ser reconhecido. mentos corporais e se relacionam com os procedimen- Nessa relação vivida no âmbito do privado (de si tos que tem como objetivo “aperfeiçoar” o que nos é para consigo mesmo), o sujeito é quem assume a de citário por natureza (o corpo). Nessa relação, o responsabilidade das suas escolhas. sujeito lutador se reconhece por meio dos referenciais No entanto, O 10 ressalta que, na construção que lhe conferem as características necessárias para bioidentitária contemporânea, o processo de envelheci- aquisição da bioidentidade escolhida. Segundo O- mento é percebido como uma de ciência, ou seja, um 10-11 , os procedimentos realizados pelo indivíduo declínio da fase adulta. Contudo, esse declínio encontra rumo a identidade idealizada (práticas bioascéticas), nas técnicas corporais formas de mascarar essa condição. constituem-se como elementos fundamentais na cons- Daí advém uma questão: como lidam indivíduos em trução das identidades “guerreiras”. As práticas ascéticas processo de envelhecimento com as exigências bioiden- [...] implicam em processos de subjetivação. titárias em contextos de performance corporal? As modernas asceses corporais, as bioasceses, Seguindo esse movimento, desenvolvemos um reproduzem no foco subjetivo as regras da bios- estudo com o objetivo de compreender o processo de sociabilidade, enfatizando-se os procedimentos construção/manutenção (bio)identitária de veteranos Rev Bras Educ Fís Esporte, (São Paulo) 2016 Abr-Jun; 30(2):397-406 • 397 Oliveira ST, et al. praticantes de esportes de combate na região metro- não podem mais continuar atuando como atletas pro- politana de Vitória/ES a. Assim, realçamos o caráter ssionais, tem obtido bastante destaque, pois demonstra bioidentitário das práticas analisadas e discutimos um momento da vida em que identidades construídas a outras possibilidades com elas relacionadas. Operamos partir dos referenciais performáticos tendem a uma des- com a tese de que os referenciais presentes na forja valorização contínua devido as exigências inerentes ao (bio)identitária dos lutadores analisados atuam tanto desempenho esportivo no âmbito pro ssional. Atentos para a desconstrução do lutador quanto para lhe dar à importância dessa temática, pesquisadores têm dado garantias para sua permanência na identidade escolhi- uma atenção especial a essas questões, e, em um trabalho da, na medida em que a decrepitude física avança. A de revisão sobre causas e consequências da transição da primeira noção está ligada à incidência de referenciais carreira esportiva, foi apontado que “[...] a idade, novos bioidentitários relacionados com a boa forma física, interesses emergentes, fadiga psicológica, di culdades a potência, a virilidade, a juventude. Por isso, identi- com a equipe técnica, resultados esportivos em declínio, dades baseadas unicamente nesses parâmetros, mais problemas de contusão e saúde, a não seleção para os cedo ou mais tarde, estão condenadas ao “ m”. A jogos, dentre outros” 18 (p.50), são fatores que o atleta segunda noção está associada à conduta do guerreiro considera quando chega o momento de decidir sobre (sua história de bravura, sua experiência na luta) bem seu afastamento das competições. como aos benefícios identitários decorrentes dos sen- Nesse contexto, em que é eminente a despedida tidos atribuídos à sua prática. Assim o lutador, mesmo do atleta dos grandes eventos e da pro ssão, ainda se envelhecido e desgastado, ainda tem chances de seguir soma à noção de que, “[...] na sociedade brasileira[,] o sua vida ainda ligada à trajetória de lutador. Por meio indivíduo é valorizado por manter-se ativo, pelo cargo da incorporação de um “êthos” esportivo baseado no que exerce e pela posição social que ocupa. Desta controle de si e nas prerrogativas para manutenção forma, a palavra aposentar [...] poderia ser percebida do corpo lutador, dar-se-á a luta permanente para a como sinônimo de exclusão social, perda de poder e manutenção da identidade escolhida. de status” 19 (p.30). Isso também justi caria o esforço O tema da aposentadoria esportiva tem sido objeto de muitos lutadores manterem-se em atividade 19 . de diferentes disciplinas no contexto acadêmico 12-17 . É Nos próximos tópicos, apresentaremos o caminho possível identi car abordagens distintas, assim como e as estratégias para alcançar os objetivos do estudo aspectos comuns à ideia de aposentadoria como uma e, em seguida, analisamos e discutimos os dados co- difícil etapa da vida, uma transição, um momento de letados a partir de dois eixos temáticos denominados inde nições e incertezas. Esse diagnóstico acerca do dra- “Bioidentidades e o declínio corporal de lutadores” e ma vivido por vários esportistas, no momento em que “Manutenção bioidentitária dos lutadores”. Método Trata-se de uma pesquisa de cunho qualitativo Lutador 4 - 40 anos de idade, 34 anos praticando a partir de relatos e entrevistas com cinco sujeitos artes marciais. É lutador de eventos de MMA; é praticantes de esportes de combate. Nesse estudo, faixa preta em cinco lutas (“kung fu”, “kickboxing”, esses indivíduos estão identi cados como: “muay thai”, “rapkidô”, “jiu-jítsu”; ministra aulas Lutador 1 - 38 anos, lutador de Mixed Martial das modalidades e trabalha como segurança. Arts (MMA) e jiu-jítsu, com experiência em com- Lutador 5 - 74 anos de idade c. Possui experiên- petições internacionais. Participou, por alguns anos, cia em vale tudo, jiu jítsu, judô, “telecatch” (lutas do maior evento de artes marciais mistas do mundo encenadas) e ainda exerce o ofício na “nobre arte” (Ultimate Fighting Championship). Ministra aulas de boxear. e cursos das modalidades que pratica. Os critérios para seleção dos sujeitos foram Lutador 2 - 45 anos, policial militar, professor e estabelecidos a partir das demandas resultantes lutador de boxe com experiência em capoeira. Foi do processo de construção do trabalho rumo aos presidente de uma das federações espírito-santensesb. objetivos estabelecidos. Nesse sentido, os primeiros Lutador 3 - 39 anos, foi vice-campeão mundial critérios para seleção dos sujeitos do estudo foram: de jiu-jítsu e é professor de Educação Física. ser praticante (Veterano) ou ter praticado mais de Atualmente está fora dos circuitos de competição. uma modalidade de luta e ter experiência com lutas 398 • Rev Bras Educ Fís Esporte, (São Paulo) 2016 Abr-Jun; 30(2):397-406 A forja identitária de lutadores veteranos representativas no cenário espetacular/performático o objeto de estudo, realizamos uma primeira en- (Boxe, MMA). A caracterização dos participantes trevista d para conhecermos a história de vida do como lutadores veteranos se deu a partir da ideia lutador; a importância da luta; do corpo do lutador de exercer o “ofício” de lutador por muitos anos e e do ser lutador. A partir das informações coletadas, ter reconhecimento de outros lutadores da região. elaboramos, dois meses depois, uma segunda etapa Nessa perspectiva, o estabelecimento da idade em da entrevista que, em linha gerais, versou sobre a que con gurar-se-á o afastamento das competições aposentadoria do lutador; o momento