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Descentralização de Políticas Públicas e Atuação dos Municípios na Promoção do Desenvolvimento Rural 1

Ritielle Cristina Aparecido Bolsista do CNPq – Membro doGrupo de Estudos Dinâmica Regional e Agropecuária(GEDRA) -UNESP - Campus de Presidente Prudente [email protected]

Antonio Nivaldo Hespanhol Docente do Departamento de Geografia da FCT-UNESP [email protected]

1Trabalho elaborado o com apoio do CNPq, sob orientação de Antonio Nivaldo Hespanhol, seguindo o tema: “Descentralização de Políticas Públicas e Atuação dos Municípios na Promoção do Desenvolvimento Rural”.

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INTRODUÇÃO

A pesquisa tem como objetivo analisar a gestão descentralizada de políticas públicas de apoio ao desenvolvimento rural, tomando como referência empírica a atuação dos municípios da Região de – SP na implementação do Programa Estadual de Desenvolvimento Rural Sustentável – Microbacias II – acesso ao mercado. O recorte empírico circunscreveu a oito municípios integrantes do Escritório de Desenvolvimento Rural de Dracena, quais sejam: Dracena, Monte Castelo, Ouro Verde, Panorama, Paulicéia, , São João do Pau D'Alho e Tupi Paulista.

Durante oito anos (2000 a 2008), o Programa Estadual de Microbacias Hidrográficas (PEMH), propiciou a execução da extensão rural, fortaleceu a organização de produtores rurais e incentivou a adoção de práticas conservacionistas. O Projeto Microbacias II tem seu foco voltado para o acesso ao mercado. Apesar das diferenças, os dois são complementares, pois para conquistar novos nichos de mercado, garantindo renda e emprego no campo, é preciso ter bases sólidas na produção, para oferecer produtos de qualidade para consumidores cada vez mais exigentes (, 2012).

O Projeto Microbacias II representa uma oportunidade para que muitas associações e cooperativas de produtores rurais possam implantar ou ampliar seus negócios.

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Foram realizadas entrevistas com as seguintes pessoas chave: Presidente da Associação de Produtores Rurais de Dracena; Presidente da Associação dos Produtores Rurais, Industriais e moradores de São João do Pau D`Alho (APRIMOR) e com o Engenheiro Agrônomo da Casa da Agricultura, ambos do município de São João do Pau D’Alho; e, com o Presidente da Cooperativa Agrária de Cafeicultores da Região de Tupi Paulista (CACRETUPI), no município de Tupi Paulista. Foram feitas investigações empíricas nos municípios de São João do Pau D’Alho, Tupi Paulista e Dracena, sendo este último, o que recebeu a maior quantidade de recursos do Programa de Microbacias II.

DESCENTRALIZAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

A Constituição de 1988 se constituiu num marco em relação as políticas públicas, destacando-se pela concessão de autonomia político-administrativa aos municípios, estando a descentralização, num contexto de redemocratização.

Em relação a Constituição, salienta-se:

I. Definiu e consolidou os direitos civis, entre outros; II. Trouxe grandes desafios em relação as políticas públicas, no auge da desigualdade social; III. A Constituição cidadã de 1988 teve o grande mérito de propor direitos sociais como direitos universais e inalienáveis do cidadão, rompendo com a lógica da cidadania regulada.

POLÍTICAS PÚBLICAS E DESENVOLVIMENTO RURAL

Secchi (2010) destaca que política pública é multiforme e se materializa por meio de instrumentos variados.

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As políticas públicas podem fazer uso de diversos instrumentos para que as orientações e diretrizes sejam transformadas em ação. Políticas públicas tomam forma de programas públicos, projetos, leis, campanhas publicitárias, esclarecimentos públicos, inovações tecnológicas e organizacionais, subsídios governamentais, rotinas administrativas, decisões judiciais, coordenação de ações de uma rede de atores, gasto público direto, contratos formais e informais com stakeholders 2, dentre outros (SECCHI, 2010, p. 8). Diante disso, o autor destaca outra expressão. “Políticas públicas tratam do conteúdo concreto e do conteúdo simbólico de decisões políticas, e do processo de construção e atuação dessas decisões” (SECCHI, 2010, p. 1).

Neves Neto (2013) salienta que no Brasil, as políticas públicas tiveram seu marco no governo Vargas. Segundo o mesmo autor

(...) o fortalecimento do Estado e a elaboração de políticas públicas pensadas para todo o território nacional tornaram-se mais efetivos a partir do governo de Juscelino Kubitschek, entre 1956-1961 (Plano de Metas) e, sobretudo, durante os governos militares (1964-1985), com o lançamento dos Planos Nacionais de Desenvolvimento (NEVES NETO, 2013, p. 61)

Neves Neto (2013) ressalta algumas políticas públicas com características bottom –up, tais como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), o Programa Territórios da Cidadania, o Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Territórios Rurais (PRONAT), o Programa Ligações Entre Ações de Desenvolvimento da Economia Rural (LEADER), na União Europeia, e o Programa de Desenvolvimento Rural (PRODER), em Portugal, discutindo também o Programa de Microbacias Hidrográficas em São Paulo.

Navarro (2001) enfatiza que o desenvolvimento rural (...) apenas recentemente parece se impor, torna-se relevante, ainda que sucintamente (e superficialmente), apresentar algumas diferenças conceituais.

2Todos os portadores de interesses nas atividades de uma organização, ou nos impactos de uma política pública.

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Sua oportunidade é reforçada, por exemplo, por verificar-se a não existência, no Brasil, de uma consolidada tradição de análise das políticas públicas para o mundo rural, que investigasse amplamente as iniciativas dedicadas ao desenvolvimento rural em nossa história agrária recente, não apenas com relação aos seus impactos, mas igualmente quanto à sua racionalidade e estratégia operacional (no estilo dos policy studies ). O resultado é que há um conjunto de expressões sendo atualmente utilizadas de forma intercambiável, malgrado seus distintos significados (NAVARRO, 2001. p. 3).

O mesmo autor considera que desenvolvimento rural não se restringe ao "rural estritamente falando" nem exclusivamente ao plano das interações sociais, também principalmente rurais, mas necessariamente abarcam mudanças em diversas esferas da vida social.

O PROJETO DE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL - MICROBACIAS II - ACESSO AO MERCADO

O Governo do Estado de São Paulo estabeleceu uma agenda política que especificamente visa aumentar a competitividade e a melhoria do bem-estar dos agricultores familiares. Reconhece que a agricultura familiar é fundamental para o Estado, em termos de geração de emprego e receitas fiscais, e está empreendendo esforços para que as atividades agrícolas sejam potencialmente mais rentáveis e garantam maiores e mais consistentes fluxos de renda para os pequenos produtores rurais (SÃO PAULO, 2012).

O objetivo do Projeto Microbacias II – Acesso ao Mercado - é aumentar a competitividade da agricultura familiar no Estado de São Paulo, melhorando simultaneamente a sua sustentabilidade ambiental (SÃO PAULO, 2012). Em si, o Microbacias II visa, através de sua abordagem, ampliar a competitividade da agricultura familiar. Busca também promover o desenvolvimento rural sustentável, pensando desde

6 a ampliação de oportunidades de emprego e renda, à inclusão social, preservação dos recursos naturais e o bem estar da comunidade.

O Microbacias II tem como desafio enfrentar questões essenciais da agricultura paulista, entre elas: a importância de trabalhar em grupo, o envelhecimento da população rural, o intenso processo de diversificação da produção, os aspectos multifuncionais da agricultura, a produção em escala e com qualidade, o escoamento e a comercialização da produção, a busca por novos nichos de mercado e o atendimento às diversas políticas públicas.

O Projeto tem como meta beneficiar diretamente 22.000 famílias de agricultores familiares integrantes de 300 organizações de produtores rurais (SÃO PAULO, 2012).

A seguir, será especificado como os agricultores são divididos em categorias:

I. Agricultores familiares: definidos como aqueles que possuem e/ou exploram área agrícola que somam até quatro módulos fiscais do município, obtêm renda familiar proveniente predominantemente da exploração agropecuária e não agropecuária da área explorada, utilizando predominantemente trabalho de suas próprias famílias para a sua produção agrícola e transformação; II. Médios agricultores: definidos como aqueles que: (i) possuem e/ou exploram área de quatro até 15 módulos fiscais do município e (ii) obtêm renda familiar proveniente predominantemente da exploração agropecuária e não agropecuária da área explorada; ou que (i) possuam e/ou explorem área total até quatro módulos fiscais e que não atendam os demais quesitos para enquadramento como pequeno agricultor familiar. Não serão beneficiários dos incentivos

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individuais do Projeto, mas poderão participar dos empreendimentos coletivos; III. Grandes agricultores: que não se enquadram nos critérios citados anteriormente. Não serão beneficiários dos incentivos individuais do Projeto, mas poderão participar dos empreendimentos coletivos (SÃO PAULO, 2012, p. 2).

O Microbacias II é gerido pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo (SEAB), por meio da Coordenadoria de Assistência Técnica e Integral (CATI), que é responsável por 81,2% de todo o recurso disponível para o projeto, e a Secretaria do Meio Ambiente, através da Coordenadoria de Biodiversidade e Recursos Naturais (CBRN).

As metas do projeto são:

- atender 22.000 famílias de agricultores familiares e 350 famílias de tribos indígenas e 250 comunidades quilombolas; - 30 mil famílias inseridas nas organizações de produtores receberão assistência técnica e capacitação do programa; - 1.200 associações/cooperativas de produtores serão identificadas e estimuladas a apresentarem propostas de negócios; - envolver 550 municípios do Estado de São Paulo, que tenham estabelecido convênio com a SAA/CATI e possuam os Planos Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável elaborados, acompanhados e monitorados; - Capacitar 550 Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural para que possam elaborar e acompanhar a execução dos Planos Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável; - Readequar 18.000 km de estradas rurais em 120 municípios, para permitir a trafegabilidade o ano inteiro; - Apoiar 40 subprojetos ambientais; e - Implantar dois programas de serviços ambientais (SÃO PAULO, 2010).

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Os resultados do Projeto de Microbacias II nos municípios de Dracena, Tupi Paulista e São João do Pau D’Alho

Foram identificados e analisados os planos de negócios aprovados junto ao Projeto de Microbacias II nos oito municípios, sendo eles: Dracena, Monte Castelo, Ouro Verde, Panorama, Paulicéia, Santa Mercedes, São João do Pau D'Alho e Tupi Paulista, selecionados no EDR de Dracena como pode ser verificado no mapa 1. Contudo até a última chamada pública realizada, os municípios que tiveram os planos aprovados após a análise da CATI foram Dracena com Processamento de hortaliças – Associação (JMARQUES) e processamento de leite - Associação de Produtores Rurais de Dracena (APRD); Tupi Paulista, com derivados do leite – Cooperativa Agrária e de Cafeicultores da Região de Tupi Paulista (CACRETUPI) e São João do Pau d’Alho com processamento de Urucum - Associação dos Produtores Rurais de São João do Pau d’Alho).

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Mapa 1: Localização dos municípios que integram o EDR de Dracena

Em entrevista realizada com o Diretor do EDR de Dracena, verificamos que foram aprovados cinco planos de negócio na primeira chamada no Microbacias II, uma na segunda chamada, três na terceira chamada e duas na quarta chamada, totalizando, até o momento, nove planos aprovados, sendo que dois se encontram em análise, conforme se verifica no Quadro 1. Quadro 1- Planos de negócios aprovados e em análise no Programa de Microbacias II, nos municípios do EDR de Dracena Chamada Município Proponente Atividade 1ª APLEMAR Processamento de Leite Dracena APRD Processamento de Leite Junqueirópolis COPAJ Processamento de Acerola APRUP Torrefação de Café 2ª Adamantina APPRAR Produção de Hortaliças Minimamente Processadas 3ª Dracena J Marques Produção de Hortaliças Minimamente Processadas Pacaembu APRAP Produção de Hortaliças

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Minimamente Processadas São João do APRIMOR Mecanização do Urucum Pau d'Alho 4ª (Em AAFRICA Projeto Leite análise) Panorama AGROMONTEIRO Projeto Leite Fonte: Escritório de Desenvolvimento Rural de Dracena Org: Ritielle Cristina Com a promulgação da Constituição de 1988, “a afirmação dos princípios democráticos e de descentralização no texto constitucional marcou o fim da lógica de Estado centralizador e a inauguração de um estado mediador” (BONNAL, KATO, 2011, p. 61).

O movimento descentralizador das políticas públicas no Brasil se fez acompanhar do processo liberalizante da economia, especialmente de países subdesenvolvidos, sob imposição de organismos internacionais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Ao longo da pesquisa, foram efetuadas análises referentes à descentralização de políticas públicas e a atuação dos municípios na promoção do desenvolvimento rural. Dentre os oito municípios selecionados para a realização da pesquisa empírica, somente Dracena, Tupi Paulista e São João do Pau D'Alho tiveram suas propostas de planos de negócios aprovadas.

Foi apurado que os planos de negócios em sua maioria se referem à cadeia produtiva do leite, visto que a região, de forma geral, desenvolve essa atividade, com exceção de São João do Pau D'Alho que apresentou proposta de negócio para a cadeia produtiva do urucum.

Através dos dados e informações obtidos por meio das entrevistas foram efetuadas análises qualitativas referentes à atuação dos municípios na implementação de políticas públicas descentralizadas, principalmente do Programa de Microbacias II no fomento ao desenvolvimento rural na Região de Dracena.

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Através de entrevistas realizadas constatamos que o Programa Microbacias II tem beneficiado muitos produtores, principalmente os que “sabem se organizar”. Outros acham que o benefício é mais para a cooperativa, do que para o produtor em si, e por isso não vêem o programa como algo para impulsionar o pequeno e médio produtor.

REFERÊNCIAS

BONNAL, P. e KATO, K. Análise comparativa de políticas públicas de desenvolvimento territorial. In: Carlos Miranda; Breno Tiburcio. (Orgs .). Políticas Públicas, Atores Sociais e Desenvolvimento Territorial no Brasil . Brasília:

290. Interamericano de Cooperação para a Agricultura - IICA, 2011.(Série desenvolvimento rural sustentável; v.14), p. 61-88.

DRACENA (MUNICÍPIO). Plano Municipal de Desenvolvimento Rural de Dracena . Disponível em: . Acesso em 22 de junho de 2014a.

NAVARRO, Zander. Desenvolvimento Rural no Brasil: os limites do passado e os caminhos do futuro. In: Estudos Avançados , 2001, p. 83-100.

NEVES NETO, C. C. O Programa Estadual de Microbacias Hidrográficas em São Paulo : o caso do município de – SP. 2009. 196 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 2009.

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NEVES NETO, C. C. Políticas Públicas & Desenvolvimento Rural: O Programa de Microbacias I e II no Estado de São Paulo . 2013. 312 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 2013.

SÃO JOÃO DO PAU D'ALHO (MUNICÍPIO). História do município. Disponível em: . Acesso em: 24 de junho de 2014

SÃO JOÃO DO PAU D'ALHO (MUNICÍPIO). Plano Municipal de Desenvolvimento Rural de São João do Pau D'Alho . Disponível em: < http://www.cati.sp.gov.br/new/planodesenvolvimentorural.php>. Acesso em 22 de junho de 2014b.

TUPI PAULISTA (MUNICÍPIO). Plano Municipal de Desenvolvimento Rural de Tupi Paulista . Disponível em: < http://www.cati.sp.gov.br/new/planodesenvolvimentorural.php>. Acesso em 22 de junho de 2014c.

SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Agricultura e Abastecimento e Secretaria de Meio Ambiente. Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI). Projeto de Desenvolvimento Rural Sustentável - MICROBACIAS II - Acesso ao Mercado. Manual Operacional. 2012.

SECCHI, L . Políticas Públicas : conceitos, esquemas de análise, casos práticos. São Paulo: Cengange Learning, 2010