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“Eis o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos.” Antoine de Saint-Exupéry
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AGRADECIME TOS
Ao João, por sua orientação e amizade. Por estar sempre sereno nos meus momentos de desespero e por suas palavras amigas. Pelas divertidas idas ao campo.
Aos membros da pré banca André Victor Lucci Freitas, Marcelo de Oliveira Gonzaga e
Margarete Valverde de Macedo, por suas correções e preciosas sugestões.
Ao amigo, companheiro de campo e fotógrafo Eduardo Pereira, por toda a ajuda em campo, pela sempre agradável companhia e pelas belas fotos. Sem ele este trabalho não teria sido possível.
Ao amigo Thiago M. Del Corso e ao meu companheiro de todas as horas Vinícius
Frezza, pela companhia em campo.
Ao amigo Paulo Enrique C. Peixoto pelas orientações com as análises estatísticas. E por toda sua paciência, sempre.
Ao Dr. Rogério Rosa da Silva pela identificação das formigas e ao Dr. Adalberto José dos Santos pela identificação da aranha.
À Adriana T. Salomão por nossas conversas sobre os belíssimos Phloeidae durante o desenvolvimento deste trabalho e por toda sua disponibilidade e boa vontade em ajudar.
Ao amigo Rodrigo G. Santiago pela ajuda com os Abstracts.
À Prefeitura de Jundiaí e à Secretaria Municipal de Planejamento e Meio Ambiente por permitir a realização deste trabalho, e pela infra estrutura proporcionada.
Ao Sr. Lauro por todo o carinho e preocupação, e por fazer da Base Ecológica um lugar sempre aconchegante. Ao Ronaldo por sempre me receber bem.
5
À Guarda Municipal de Jundiaí por todo cuidado com a minha tão querida Serra. Em especial aos guardas Carboneri e ao Jorjinho, por toda preocupação e apoio enquanto estive em campo.
Aos secretários da pós graduação por toda a ajuda, sempre. À Célia, secretária do
Programa de Pós graduação em Ecologia, por sua eficiência exemplar e por toda a disponibilidade em ajudar, sempre com simpatia.
À Capes, pela bolsa de mestrado que me proporcionou a realização deste trabalho.
Aos professores e amigos Bakú e Paulinho, pelas conversas hora úteis, hora fúteis, durante os nossos divertidos almoços.
Às amigas Mariana, Thaís, Fernanda, Hellen, Roberta e Raquel por toda a paciência e por compreender minhas ausências.
Ao pessoal do laboratório, aos que ainda estão e aos que já saíram: Adriana, Cláudia,
Flavinha, Godoy, Janaína, Jober, Mateus, Rafael, Janaína. Pela convivência, boas risadas e cafezinhos.
Aos “Paraguayos de Picinguaba”, pelo inesquecível mês que passamos juntos: Allan,
Chris, Fran, João, Léo, Mari, Ricardo, Sil, Tadeu, Márrrcia e prof. Woody.
Às “Lamas Sebosas” do EFA 2007: Alison, Aninha, Bia, Billyonário, Biu, Dedé, Fabi
Duracell, Fabi Mazonha, Fumaça (ou Sheetara, para os íntimos), Lelê, Léo Patife, Maíra,
Manozinha, Murilo PWA, Pedro Capetinha, Raxta Bolinhas, Tora, Toyoyo e Wanessinha. Aos bonitores Dé e Jú. Por todos os mágicos momentos vividos na “nossa” clareira na Amazônia
Central. Aos queridos professores Glauco e Zé Luis, por todos os ensinamentos e pela oportunidade de viver alguns dos melhores dias da minha vida.
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Ao pessoal do “Clube do Jacufé”, por fazer das minhas idas ao campo sempre divertidas:
César, Chris, Claudia, Dú, Eneas, Jana, Jober, Paulo, Vanessa e Rafael.
Aos queridos Chris Corrêa, Chris Caselli, Paulo e Eneas, por terem sempre um cantinho pra mim.
Aos colegas da graduação e da pós, por sempre encontrar um rosto familiar pelos corredores do IB, e por todas as “fugas” para cafezinhos.
A minha pequena Naná, a cachorrinha mais entendida em fleídeos que existe! Por todo o carinho incondicional, e pela companhia em todas as horas. A minha gatinha Juju, por todos os furtos do meu material de campo e passeios sobre o teclado do computador.
Ao Vinicius, por todo o carinho e compreensão durante minhas ausências em campo e, principalmente, durante a elaboração desta dissertação.
As minhas irmãs Dé e Cici, por me obrigarem a aprender entomologia cada vez que um
“bicho estranho” entra em casa e eu sou convocada a tirá lo. Por estarem sempre ao meu lado.
Aos meus pais, que eu amo muito, por tudo o que eu sei e sou. Pelo apoio incondicional e suporte. Por sempre acreditarem em mim.
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SUMÁRIO
RESUMO...... 09 ABSTRACT...... 10 INTRODUÇÃO...... 11 REFERÊNCIAS CITADAS...... 13
CAPÍTULO 1. História natural e biologia de Phloeophana longirostris Spinola 1837 (Hemiptera: Phloeidae) RESUMO...... 17 ABSTRACT...... 18 INTRODUÇÃO...... 19 MATERIAL E MÉTODOS...... 22 RESULTADOS E DISCUSSÃO...... 26 CONCLUSÃO...... 37 REFERÊNCIAS CITADAS...... 39
CAPÍTULO 2. Biologia populacional e estrutura etária de Phloeophana longirostris Spinola 1837 (Hemiptera: Phloeidae) RESUMO...... 46 ABSTRACT...... 47 INTRODUÇÃO...... 48 MATERIAL E MÉTODOS...... 50 RESULTADOS...... 55 DISCUSSÃO...... 61 REFERÊNCIAS CITADAS...... 66
SÍNTESE...... 75
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RESUMO
Phloeophana longirostris é uma espécie de percevejo pertencente aos Phloeidae, uma pequena família de insetos tropicais. São organismos de hábito fitófago, que vivem camuflados sobre o tronco de suas plantas hospedeiras , se assemelhando a líquens. Esse trabalho reúne, com base em dezoito meses de estudo na Serra do Japi, observações naturalísticas da história natural e biologia da espécie. Também foram investigadas a estrutura e a biologia populacional de P. longirostris , e se há correlação dos parâmetros populacionais com os fatores climáticos precipitação e temperatura. Os indivíduos de P. longirostris foram encontrados em áreas de mata, somente sobre árvores de Croton floribundus Spreng (Euphorbiaceae), em locais com ocorrência de líquens. Sua defesa é primariamente baseada em sua camuflagem nas árvores hospedeiras, e formigas Crematogaster spp. foram os principais predadores de P. longirostris ao longo do estudo. A espécie apresenta cuidado maternal, com a proteção dos ovos e das ninfas, que ficam sob o abdômen materno até pouco depois da primeira ecdise. O crescimento das ninfas é lento, e estas apresentam cinco instares até atingirem a fase adulta. Na fase adulta há dimorfismo entre machos e fêmeas, e as fêmeas são maiores que os machos. A estrutura da população de P. longirostris variou ao longo do estudo, e a espécie apresentou um padrão sazonal, com o período reprodutivo ocorrendo na estação quente e chuvosa. A abundância de indivíduos não foi correlacionada à precipitação total mensal e à temperatura média mensal.
Houve somente correlação entre a abundância de indivíduos e o instar de desenvolvimento em todos os meses. A distribuição vertical de ninfas e adultos também não foram relacionados à precipitação total mensal e à temperatura média mensal. Os adultos apresentaram distribuição vertical superior a das ninfas. Esse foi o primeiro estudo sobre a história natural e ecologia de
P. longirostris .
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ABSTRACT Phloeophana longirostris is a true bug species which belongs to the Phloeidae, a small family of tropical insects. It is a lichen like phytophagous species which lives camouflaged on its host plants’ trunk. This study presents information on this species biology, natural history and naturalistic observations gathered during an eighteen month study in Serra do Japi.
P. longirostris population biology was also investigated specially regarding the correlation between population parameters with climatic factors such as temperature and rainfall. The
P. longirostris individuals were found only in forest areas, exclusively on Croton floribundus
Spreng (Euphorbiaceae) trees, in sites where lichens also occurred. This species main defense is the camouflage on its host tree. Crematogaster spp. (Formicidae) were P. longirostris’ main predators during the study. This species presents maternal care with the protection of eggs and nymphs, which remain under the female’s abdomen a bit after the first molt. The nymphs’ growth is slow and presents five instars before the adult stage. In the adult stage there is sexual dimorphism between male and female individuals, and females are bigger than males.
P. longirostris’ population structure was variable throughout the study and presented a seasonal pattern, with the reproductive period in Serra do Japi’s rainy season. The individuals’ abundance was not correlated with the total monthly precipitation and with the average temperature. There was only a correlation between the individuals’ abundance and the development instar in all of the months considered. The vertical distribution of nymphs and adults was not related too with the total monthly precipitation and with the average temperature. The adult individuals presented a superior vertical distribution in relation to the nymphs. This was the first study on P. longirostris ’ ecology and natural history.
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I TRODUÇÃO Interações complexas não podem ser completamente entendidas sem que a história natural do ambiente, das plantas e dos animais da área sejam conhecidos. O entendimento de processos ecológicos como a sazonalidade, migrações, e a dinâmica de teias e cascatas tróficas necessita do conhecimento da história de vida, hábitos e das relações ecológicas dos organismos envolvidos nesses processos (Chase, 1999; Denno et al ., 2002; Hunter & Price,
1992; McDade et al. , 1994; Wolda, 1988, 1992). Informações dessa natureza também são fundamentais para a conservação biológica de áreas, que visam à preservação de inúmeras espécies de plantas e animais (McDade et al. 1994).
Em florestas tropicais, locais com grande diversidade biológica, pouco ainda é conhecido sobre as interações complexas. Informações sobre populações de insetos tropicais e subtropicais são escassas (Wolda, 1988; 1992) e existe até mesmo um grande potencial para a descrição de novas espécies. Os principais trabalhos detalhados existentes para os Heteroptera
(Hemiptera) se restringem a espécies de importância econômica, como vetores de patologias para humanos e animais ou considerados pragas agrícolas (Schuh & Slater, 1995).
Os Phloeidae (Heteroptera: Pentatomoidea) são insetos fitófagos, que vivem camuflados no tronco de suas árvores hospedeiras (Schuh & Slater, 1995). São uma família de insetos tropicais composta por apenas três espécies: Phloeophana longirostris (Spinola, 1837),
Phloea corticata (Drury, 1773) e Phloea subquadrata (Spinola, 1837). Com base na literatura existente sobre a família, sua ocorrência é relativamente rara e restrita ao Brasil (Lent &
Jurberg, 1965; Salomão, 2007).
Entre os Phloeidae , Phloeophana longirostris é uma espécie de percevejo com o corpo altamente modificado, que se assemelha a líquens. Apesar da descrição da espécie ter ocorrido
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há mais de 150 anos, pouco ainda é conhecido sobre sua distribuição geográfica, plantas hospedeiras, biologia e ecologia. Os poucos trabalhos existentes se restringem a aspectos filogenéticos e morfológicos da espécie (Leston, 1953; Lent & Jurberg, 1965, 1966). Devido à escassez de informações sobre a espécie, esse trabalho reúne uma série de informações naturalísticas de uma população de P. longirostris acompanhada ao longo de um ano e meio na
Serra do Japi, Jundiaí, São Paulo.
No primeiro capítulo, “História natural e biologia de Phloeophana longirostris Spinola
1837 (Hemiptera: Phloeidae)”, são abordados aspectos do habitat e plantas hospedeiras, defesa, predação, cuidado maternal e biologia da espécie. O segundo capítulo, “Biologia populacional e estrutura etária de Phloeophana longirostris Spinola 1837 (Hemiptera: Phloeidae)”, aborda as correlações de parâmetros populacionais com os fatores climáticos temperatura e precipitação. Foi registrada a distribuição vertical dos indivíduos na sua planta hospedeira e testado se houve relação entre a altura dos indivíduos e os fatores climáticos. A distribuição diferencial entre ninfas e adultos também foi testada. Com base nas informações desse estudo, os principais aspectos da história natural e da ecologia de P. longirostris são elucidados.
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REFERÊ CIAS CITADAS
CHASE, J.M. 1999. Food web effects of prey size refugia: variable interactions and alternative
stable equilibria. American aturalist 154: 559 570.
DENNO, R.F., GRATTON, C., PETERSON, M.A., LANGELLOTTO, G.A., FINKE, D.L. &
HUBERTY, A.F. 2002. Bottom up forces mediate natural enemy impact in a
phytophagous insect community. Ecology 83: 1443 1458.
HUNTER, M.D. & PRICE, P.W. 1992. Playing chutes and ladders: heterogeneity and the
relative roles of bottom up and top down forces in natural communities. Ecology
73: 724 732.
LENT, H. & JURBERG, J. 1965. Contribuição ao conhecimento dos Phloeidae Dallas, 1851,
com um estudo sobre genitália (Hemiptera, Pentatomoidea). Revista Brasileira de
Biologia 13: 121 140.
LENT, H. & JURBERG, J. 1966. Os estádios larvares de “ Phloeophana longirostris ” (Spinola,
1837) (Hemiptera, Pentatomoidea). Revista Brasileira de Biologia 26: 1 4.
LESTON, D. 1953. “Phloeidae” Dallas: Systematics and Morphology, whith remarks on the
phylogeny of “Pentatomoidea” Leach and upon the position of “Serbana” Distant
(Hemiptera). Revista Brasileira de Biologia 13: 121 140.
MCDADE, L.A.; BAWA, K.S.; HESPENHEIDE, H.A. & HARTSHORN, G.S. 1994. La
Selva – Ecology and natural history of a neotropical rain forest. Chicago: The
University of Chicago Press. 486p.
SALOMÃO, A.T. 2007. Biologia e ecologia de Phloea subquadrata Spinola, 1837
(Heteroptera: Phloeidae): Uso de plantas hospedeiras e dinâmica populacional na
13
Serra do Japi, Jundiaí, SP. Dissertação de mestrado. Campinas: Universidade
Estadual de Campinas. 74p.
SCHUH, R.T. & SLATER, J.A. 1995. True bugs of the world (Hemiptera: Heteroptera):
classification and natural history. Ithaca: Cornell University Press. 336p.
WOLDA, H. 1988. Insect seasonality: why? Annual Review of Ecology and Systematics
19: 1 18.
WOLDA, H. 1992. Trends in abundance of tropical forest insects. Oecologia 89: 47 52.
14
Fêmea adulta de Phloeophana longirostris em seu habitat natural
(Foto: Eduardo Pereira).
15
CAPÍTULO 1
HISTÓRIA ATURAL E BIOLOGIA DE
PHLOEOPHA A LO GIROSTRIS SPI OLA 1837
(HEMIPTERA: PHLOEIDAE)
16
RESUMO
Phloeophana longirostris é uma espécie de percevejo pertencente aos Phloeidae, uma pequena família de insetos tropicais. São organismos de hábito fitófago, que vivem camuflados sobre o tronco de suas plantas hospedeiras , se assemelhando a líquens. Esse trabalho reúne observações naturalísticas de aspectos do habitat e plantas hospedeiras, defesa, predação, cuidado maternal e biologia da espécie, com base em dezoito meses de estudo na Serra do Japi,
Jundiaí, SP. Os indivíduos de P. longirostris na área de estudo foram encontrados em áreas de mata, somente sobre árvores de Croton floribundus Spreng (Euphorbiaceae), em locais com a ocorrência de líquens. Sua defesa é primariamente baseada em sua camuflagem nas árvores hospedeiras, embora possam voar e também apresentem liberação de forte odor quando manipulados. Formigas Crematogaster spp. foram os principais predadores de P. longirostris ao longo do estudo. A espécie apresenta cuidado maternal, com a proteção dos ovos e das ninfas, que ficam sob o abdômen materno até pouco depois da primeira muda. O crescimento das ninfas é lento e estas apresentam cinco instares até atingirem a fase adulta. Na fase adulta há dimorfismo sexual entre os indivíduos, e as fêmeas são maiores que os machos. A razão sexual da população é desviada para as fêmeas no período reprodutivo anual.
PALAVRAS CHAVE: Heteroptera, Phloeidae, Phloeophana longirostris , história natural, plantas hospedeiras, cuidado maternal, biologia, Serra do Japi.
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ABSTRACT
Phloeophana longirostris is a true bug species which belongs to the Phloeidae, a small family of tropical species. It is a camouflaged lichen like phytophagous organism which lives on the trunks of its host plants. This article presents information on this species’ habitat, host plants, defense, predation, maternal care and biology gathered through an eighteen month study carried out in Serra do Japi, Jundiaí, São Paulo. The P. longirostris in the study area were found in forested sites, exclusively on Croton floribundus Spreng (Euphorbiaceae) trees, in places where lichens occurred. Its main defense strategy is the camouflage on the host tree, however it also can fly and releases a strong odor when handled. Crematogaster spp.
(Formicidae) were P. longirostris’ main predators during the study. This species presents maternal care with the protection of eggs and nymphs which remain under the female’s abdomen for a bit longer after the first molt. The nymphs’ growth is slow and happens in five instars until it becomes adult. There is sexual dimorphism between adult individuals and the females are bigger than males. The sex ratio tends to females in the annual reproductive season.
KEY WORDS: Heteroptera, Phloeidae, Phloeophana longirostris , natural history, host plants, maternal care, biology, Serra do Japi.
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I TRODUÇÃO
A Ordem Hemiptera compreende de 50.000 a 80.000 espécies divididas em quatro subordens: Sternorrhyncha, Auchenorrhyncha, Coleorrhyncha e Heteroptera (McGavin, 1999;
Grimaldi & Engel, 2004). Os Heteroptera, conhecidos popularmente como percevejos (true bugs, em inglês), são um grupo monofilético, com aproximadamente 38.000 espécies descritas, que ocupam uma enorme diversidade de ambientes (Schuh & Slater, 1995). Apesar do grande número de espécies, o conhecimento da biologia da maioria dos Heteroptera é incompleto ou inexistente (Schuh & Slater, 1995) e, todos os táxons que não apresentam interesse aplicado são, de maneira geral, pouco conhecidos (Grazia et al. , 1999 ).
Os livros de Amyot & Serville (1843), Costa Lima (1940), Poisson (1951), Carver et al . (1991), Schuh & Slater (1995), Schaefer & Panizzi (2000) e Wheeler (2001) são coletâneas de informações sobre biologia e taxonomia de diversos Heteroptera. E os trabalhos de Davies
& Usinger (1970), Slater (1971, 1973, 1975, 1984), Fuseini & Kumar (1975), Wheeler &
Henry (1978), Spence & Scudder (1980), Derr et al. (1981), Muraji & Nakasuji (1988), Foster
(1989) e Spence & Andersen (1994) podem ser indicados como estudos de biologia e história natural de alguns gêneros. Embora a maioria dessa bibliografia seja incompleta, os dados disponíveis são relevantes para o conhecimento do grupo. Também são importantes para o entendimento de processos ecológicos como a sazonalidade, e a dinâmica de teias e cascatas tróficas. Só com o conhecimento da história natural dos organismos envolvidos nesses processos é possível entender os tipos e a intensidade de suas relações (Chase, 1999; Denno et al ., 2002; Hunter & Price, 1992; Wolda, 1988, 1992).
Dentre os Heteroptera, são importantes os estudos de cuidado parental no grupo, já confirmado para pelo menos 43 gêneros (ver revisões em Tallamy & Wood, 1986; Tallamy &
19
Schaefer, 1997; Moller & Thornhill, 1998; Tallamy & Brown, 1999). Por definição, o comportamento subsocial é a mais primitiva condição pré social e existe quando indivíduos adultos cuidam de seus jovens por algum período de tempo (Michener, 1969). Nos Heteroptera o cuidado é realizado na maioria das vezes pela mãe e vai desde a guarda dos ovos até o cuidado das ninfas. Exceções ocorrem na família Belostomatidae, e em algumas espécies das famílias Coreidae e Reduviidae, nas quais os machos cuidam da prole (Tallamy, 2001).
O hábito fitófago é aparentemente uma condição ancestral entre os Heteroptera, e foi adquirido independentemente ao menos duas vezes, de precursores predadores (Schuh &
Slater, 1995). A superfamília Pentatomoidea, um dos principais grupos de Heteroptera, reúne os chamados percevejos de plantas, sendo algumas espécies conhecidas como importantes pragas de plantas cultivadas (Grazia et al., 1999). Os organismos do grupo podem se alimentar em uma grande variedade de substratos, como raízes, caules, folhas, troncos, sementes maduras, flores e frutos. No entanto, a maioria das espécies se alimenta diretamente do sistema vascular de suas plantas hospedeiras, particularmente dos vasos condutores de floema (Schuh
& Slater, 1997). Além da alimentação, a reprodução dos Pentatomoidea também está relacionada com suas plantas hospedeiras. As fêmeas colocam um pequeno número de ovos, que são depositados nas folhas ou troncos das plantas. Muitas espécies apresentam o comportamento de cuidado maternal, quando a fêmea protege os ovos com seu corpo, permanecendo sobre eles (Monteith, 2006).
Entre os Pentatomoidea, a família de insetos tropicais Phloeidae é composta por apenas três espécies: Phloeophana longirostris (Spinola, 1837), Phloea corticata (Drury, 1773) e
Phloea subquadrata (Spinola, 1837). Na literatura há indicações da distribuição da família restrita ao Brasil (Lent & Jurberg, 1965) e a sua ocorrência é relativamente rara (Salomão,
20
2007). Os Phloeidae possuem as margens da cabeça, tórax e segmentos abdominais expandidos em grandes lobos, e sua forma e coloração têm aspectos protetores quando associados ao tronco de suas árvores hospedeiras, que possivelmente minimizam os riscos de predação por espécies visualmente orientadas (Schuh & Slater, 1995). Além de sua forma e coloração, sua textura também faz com que pareçam indistintos do substrato.
Phloeophana longirostris (Spinola, 1837) são insetos fitófagos, que vivem sobre o tronco ou galhos de árvores, em perfeita homocromia com os líquens que a revestem (Costa
Lima, 1940). Os primeiros naturalistas que descreveram alguns dos hábitos da espécie deram especial ênfase à sua perfeita camuflagem (Magalhães, 1909; Brien, 1930). Apesar da descrição da espécie ter ocorrido há mais de 150 anos, pouco ainda é conhecido sobre sua biologia. Leston (1953) estudou aspectos da sistemática do grupo e da morfologia da família.
Lent & Jurberg (1965) estudaram a morfologia da genitália da família e em seu segundo trabalho (1966) descreveram os instares de P. longirostris . No entanto, poucas observações naturalísticas foram realizadas em campo e pouco se sabe sobre o ciclo de vida e o comportamento dessa espécie.
Em vista da escassez de conhecimentos sobre a espécie como apontado por Leston
(1953) este trabalho reúne uma série de observações sobre uma população de P. longirostris ao longo de um ano e meio na Serra do Japi. Foi testado se a influência da quantidade de líquens nas árvores hospedeiras é um fator condicionante para a ocorrência de P. longirostis . É esperado que, uma vez que a espécie se camufla como um líquen, que ela ocorra em árvores com maior quantidade de líquens. No presente trabalho também foram estudados aspectos naturalísticos de habitat e plantas hospedeiras, comportamentos de defesa, eventos de predação, o cuidado maternal e a biologia da espécie.
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MATERIAL E MÉTODOS
Área de estudo
O estudo foi realizado na Serra do Japi (23 o13’S, 46 o56’O), município de Jundiaí, São
Paulo, na área de uma propriedade particular situada a 1050 m de altitude. O local apresenta mata semidecídua, que constitui a vegetação predominante na Serra (Leitão Filho, 1992), mas já sofreu perturbações antrópicas em diferentes períodos. Na área da coleta de dados existem largas trilhas e um pequeno lago. O clima é sazonal, com verões quentes e úmidos de outubro a março e invernos frios e secos de abril a setembro (Pinto, 1992). Durante o estudo as temperaturas médias mensais variaram entre 22,79 oC (a máxima em março de 2007) e
15,44 oC (a mínima em julho de 2007), e a precipitação total mensal variou entre 0,00 mm (a mínima em agosto de 2007) e 387,60 mm ( a máxima em janeiro de 2007) (CIIAGRO, 2008).
Habitat e plantas hospedeiras
Foram realizadas seis visitas de reconhecimento ao local de estudo, antes do início do trabalho. Durante as visitas diversas árvores de diferentes espécies, da borda e do interior da mata, foram inspecionadas para verificar a ocorrência de P. longirostris na área. Os indivíduos de P. longirostris foram encontrados somente em árvores de Croton floribundus Spreng
(Euphorbiaceae).
Para testar a influência da quantidade de líquens na ocorrência dos indivíduos de
P. longirostris em árvores da borda e do interior da mata, foram escolhidas 15 árvores de
C. floribundus em cada uma das áreas (N = 30). Foram consideradas árvores de borda todas aquelas com uma face voltada diretamente para trilha. As árvores do interior da mata não tinham nenhuma face em contato com a trilha. Para cada uma das árvores foram traçadas duas
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linhas de um metro, da altura do peito para cima. Uma das linhas foi traçada sempre na face voltada para a trilha, com maior insolação (luz). A outra face estava voltada para o interior da mata, onde não havia clareiras, com menor incidência de luz (sombra). Para cada uma das linhas foram quantificados quantos centímetros da linha estavam em contato com líquens.
Foram calculadas a média e o desvio padrão da quantidade de líquens presentes na face de luz e de sombra de todas as árvores, de borda e de interior de mata. Por não apresentarem distribuição normal os dados foram transformados para escala logarítmica e analisados com um teste ANOVA, com interação entre os fatores borda/interior e luz/sombra. Os dados de presença e ausência de indivíduos de P. longirostris em C. floribundus foram coletados em
árvores presentes na borda e no interior da mata, ao longo do estudo. Os resultados foram analisados com um teste qui quadrado 2 x 2.
Defesa, predação, cuidado maternal e biologia
Com base na presença de líquens, foram escolhidas 20 árvores da espécie
C. floribundus , com diâmetros à altura do peito entre 11,46 e 40,13 cm. Nessas árvores foram realizadas coletas de dados mensais com o auxílio de uma escada, até 5 m de altura, de julho de
2006 a fevereiro de 2008 (com exceção de janeiro de 2007). O comportamento da espécie foi observado, e alguns indivíduos foram manipulados para a obtenção de informações sobre defesa e predação. Os indivíduos encontrados mortos e seus predadores, quando presentes, foram coletados para identificação ao mais baixo nível taxonômico possível.
Nos meses de março, abril e maio de 2007 as coletas de dados foram semanais, para o registro de dados sobre a reprodução e cuidado maternal da espécie. Em cinco das árvores inspecionadas mensalmente, foram construídas sete gaiolas de exclusão, de maneira que em
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duas das árvores havia duas gaiolas. As gaiolas foram construídas com arame e revestidas com tule. Essas gaiolas foram presas às árvores, acompanhando toda a sua circunferência, como largos anéis, em alturas de 1,4 a 1,8 m, e permaneceram fechadas para manter presas algumas fêmeas com ninfas de primeiro instar (Figura 1). Dessa maneira os machos não tiveram acesso ao interior das gaiolas, impossibilitando a ocorrência de novas cópulas. As fêmeas isoladas
(N = 16) e suas proles puderam ser acompanhadas semanalmente com maior previsibilidade, uma vez que não foi possível criar indivíduos de P. longirostris em laboratório.
Para as informações da biologia de P. longirostris , durante o período do estudo todos os indivíduos de cada estágio (ninfas e adultos) e instar foram contados. No estágio de ovos, a viabilidade foi calculada como a porcentagem do número de ninfas recém nascidas aderidas ventralmente à mãe em relação ao número de ovos das ninhadas. A correlação entre o número de ovos das ninhadas e o tamanho das fêmeas foi calculada com uma correlação de Spearman, uma vez que os dados não apresentaram distribuição normal. Foram utilizados dados das desovas de dez fêmeas. Para fêmeas que tinham mais de uma desova registrada, foi utilizada a média do número de ovos das desovas. Os cinco instares das ninfas foram identificados segundo Lent & Jurberg (1966), com a utilização de aspectos dorsais da espécie como as expansões do corpo, tecas alares e distribuição cromática. As ninfas também foram medidas com paquímetro, para melhor caracterização dos instares em campo. O sexo das ninfas não foi identificado, uma vez que não há dimorfismo sexual aparente nos imaturos. Os picos populacionais dos diferentes instares foram utilizados para as estimativas de duração de tempo de cada um. Desta maneira, a duração de cada instar foi considerada a diferença de tempo entre as maiores abundâncias de indivíduos em um instar e o instar subseqüente.
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Para os adultos, a cada mês foi registrado o número de machos e fêmeas para se determinar a razão sexual. O sexo dos indivíduos adultos foi identificado segundo Lent &
Jurberg (1965), e o tamanho dos indivíduos também foi medido com um paquímetro. Foi utilizado um teste de Student para comparar o tamanho dos machos e fêmeas. Todos os adultos foram marcados com tinta permanente (Pilot Marcador Permanente – 1.0mm). A marcação foi utilizada para a obtenção de informações sobre a longevidade da espécie. A longevidade de machos e fêmeas foi comparada com um teste Student. A longevidade só foi observada em indivíduos que não foram mantidos nas gaiolas de exclusão.
Figura 1. Duas gaiolas de exclusão em C. floribundus , as árvores hospedeiras de P. longirostris neste estudo. Foram construídas sete gaiolas no total.
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RESULTADOS E DISCUSSÃO
Habitat e plantas hospedeiras
Phloeophana longirostris tem distribuição geográfica nos estados do Espírito Santo,
São Paulo e Rio de Janeiro, ocorrendo em áreas de florestas (Lent & Jurberg, 1965). Neste estudo os indivíduos da espécie ocorreram apenas em capixingui ( Croton floribundus Spreng)
(Euphorbiaceae). No entanto existem registros na literatura de ocorrência em diversas espécies vegetais, como amendoeira ( Terminalia catappa L., Combretaceae), figueiras ( Ficus spp.,
Ficus clusifolia Shopp, Moraceae), embaúba ( Cecropia sp., Moraceae), paricá grande ( Parkia multijuga Benth., Leguminosae), tamboril ( Enterolobium maximum Decke, Leg. Mimosaceae) e cambuí (Myrtaceae ou Leg.) (Lent e Jurberg, 1965).
Croton floribundus é uma planta característica de matas secundárias de floresta semidecídua e ocorre também no interior de mata primária que já sofreu interferências, como exemplo o corte de madeira (Lorenzi, 2002). Na área de estudo, indivíduos de C. floribundus são encontrados tanto no interior quanto na borda da mata. No entanto, foi encontrada maior quantidade de líquens em árvores presentes na borda da mata (MS = 12,79; F 1,56 = 164,34; gl = 1; p < 0,000), e na face mais ensolarada das árvores (MS = 6,61; F 1,56 = 84,88; gl = 1; p < 0,000). A interação entre o local (borda e interior) e insolação (luz e sombra) também é significativa (MS = 2,35; F 1,56 = 30,19; gl = 1; p < 0,000) (Tabela 1) (Figura 2).
Os indivíduos de P. longirostris ocorreram com maior freqüência em árvores na borda da mata ou mesmo expostas no meio da trilha (χ2 = 11,50; p < 0,001) (Tabela 2). Essa ocorrência é explicada pela maior cobertura por líquens nessas árvores (Figura 2). A presença de líquens no tronco das árvores hospedeiras é importante para a sua colonização por
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P. longirostris , uma vez que a espécie e assemelha à líquens e tem sua coloração e forma como defesa contra predadores.
A ocorrência de P. longirostris somente sobre C. floribundus na Serra do Japi pode ter relação com os sítios de ocorrência da árvore hospedeira. Das espécies registradas como plantas hospedeiras na literatura (Lent & Jurberg, 1965), nenhuma delas ocorre na Serra do
Japi (Leitão Filho, 1992). Também, por ser uma espécie fitófaga, a distância dos vasos condutores de seiva e características da madeira de C. floribundus devem ser fatores que influenciam a relação de especificidade dos percevejos com suas árvores hospedeiras na área de estudo. No entanto este trabalho não testou nenhuma das possibilidades.
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Tabela 1. Quantidade de líquens para cada metro amostrado nas faces de luz e sombra de
árvores de C. floribundus Spreng (Euphorbiaceae).
Borda Interior
Árvore Luz (cm) Sombra (cm) Luz (cm) Sombra (cm)
1 41 5 2,5 1
2 59 5,5 6,5 1,5
3 88 9 2 0
4 30 2 2,5 4
5 45,5 12 6 0
6 60 1 0 0
7 90 6,5 1 0
8 40,5 9 1 0
9 53 4 0 0
10 94 3 3 3
11 57,5 6,5 0 0
12 82 3 4 0
13 28,5 3 0 0
14 40 2 12,5 1
15 56 0 0 0
X ± sd 57,67 ± 21,64 4,77 ± 3,35 2,73 ± 3,44 0,70 ± 1,25
28
90
80 Média Média ± SE Média ± SD
70
60
50
40
30
20
Coberturade líquens /m emcm) ( 10
0
-10 Borda com sol Borda com sombra Interior com sol Interior com sombra Localidade
Figura 2. Cobertura de líquens (em cm) por metro, nas faces ensolaradas e com sombra de indivíduos de C. floribundus localizados na borda e no interior da mata, na Serra do Japi,
Jundiaí – SP.
Tabela 2. Freqüência de árvores com (presença) e sem (ausência) de indivíduos de
P. longirostris em árvores da borda e do interior da mata.