Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 1 6 1 1 9.9888. 6 1

AAJournal Law 27 JL/ 2017

Universidade Estadual do Norte do Paraná Campus de Jacarezinho Centro de Ciências Sociais Aplicadas Avenida Manoel Ribas, 711 | Centro Caixa postal 103 Jacarezinho | PR | CEP 86400-000 - BRASIL Tel.: +55 (43) 3525-0862 e + 55 (43) 3525-8953 http: www.uenp.edu.br/index.php/argumenta [email protected] 2 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

ARGUMENTA JOURNAL LAW Universidade Estadual do Norte do Paraná Campus de Jacarezinho Centro de Ciências Sociais Aplicadas Avenida Manoel Ribas, 711 – Centro Jacarezinho – PR – CEP 86400-000 – BRASIL Tel.: +55 (43) 3525-0862 e + 55 (43) 3525-8953 Site: http://seer.uenp.edu.br/index.php/argumenta [email protected]

EDITORES Vladimir Brega Filho Universidade Estadual do Norte do Paraná Jacarezinho – Brasil

Fernando de Brito Alves Universidade Estadual do Norte do Paraná Jacarezinho – Brasil

ASSESSORIA TÉCNICA Maria Natalina Costa Célia Regina Capellini Petreche Edina Pereira Crunfli Liliane Mantovani Lopes Mirielly Ferraça Tania Regina Montanha Toledo Scoparo Rita de Cássia Lamino de Araújo Rodrigues Ricardo Gessner Luiz Antonio Xavier Dias

FICHA CATALOGRÁFICA

Argumenta Journal Law (Revista do Programa de Pós-Graduação em Ciência Jurídica, da Universidade Estadual do Norte do Paraná – UENP). n. 27 – julho / dezembro 2017 – Jacarezinho. Periodicidade: semestral E-ISSN 2317-3882 1. Direito – Periódicos. 1. Universidade Estadual do Norte do Paraná – UENP

CDU 34(05) CDDir 340

As idéias emitidas nos artigos são de inteira responsabilidade de seus autores. É permitida a reprodução dos artigos desde que seja citada a fonte. Pede-se permuta. Exchange is solicited. Piedese canje. Si prega l’ ntercambio. PUBLICADA EM FEVEREIRO DE 2018. Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 3

COORDENAÇÃO DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA JURÍDICA CCSA-CJ-UENP Fernando de Brito Alves Universidade Estadual do Norte do Paraná Jacarezinho – Brasil LINHA EDITORIAL Estado e Responsabilidade: questões críticas Função Política do Direito

CONSELHO EDITORIAL Celso Ludwig Zulmar Fachin Universidade Federal do Paraná Universidade Estadual de Londrina Curitiba – Paraná – Brasil Londrina – Paraná - Brasil Gilberto Giacoia Paulo Nogueira da Costa Universidade Estadual do Norte do Paraná Universidade de Lisboa - Portugal Jacarezinho –Paraná – Brasil Mario Frota Gregório Assagra de Almeida Universidade do Porto Universidade de Itaúna Porto - Portugal Itaúna – Minas Gerais – Brasil Oswaldo Giacoia Júnior Jean Carlos Dias Universidade Estadual de Campinas Centro Universitário do Estado do Pará Campinas – São Paulo – Brasil Belém – Pará – Brasil Vladimir Brega Filho Gabriel Luis Bonora Vidrih Ferreira Universidade Estadual do Norte do Paraná Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul Jacarezinho – Paraná - Brasil Paranaíba – MS – Brasil Josefa Muñoz Ruiz Cassius Guimarães Chai Universidade de Murcia Universidade Federal do Maranhão Murcia – Espanha São Luis – MA - Brasil Àngel Cobacho López Eduardo Augusto Salomão Cambi Universidade de Murcia Universidade Estadual do Norte do Paraná Murcia – Espanha Jacarezinho – Brasil Mario Alberto Pedrosa dos Reis Marques Samuel Rodríguez Ferrández Universidade de Coimbra - Portugal Universidade de Murcia Murcia - Espanha 4 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

CONSELHO TÉCNICO-CIENTÍFICO

Alexandre de Castro Coura Carla Bertoncini Faculdade de Direito de Vitória Faculdades Integradas de Ourinhos Vitória – ES - Brasil Ourinhos – SP – Brasil Antonio Sergio Cordeiro Piedade Gelson Amaro de Souza Universidade Federal do Mato Grosso Universidade Estadual do Norte do Paraná Cuiabá – Brasil Jacarezinho – PR - Brasil Bruno Amaral Machado Ricardo Pinha Alonso Centro Universitário de Brasília Faculdades Integradas de Ourinhos Brasília – DF - Brasil Ourinhos – SP – Brasil Cláudia Karina Ladeira Batista Renato Bernardi Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul Universidade Estadual do Norte do Paraná Paranaíba – MS – Brasil Jacarezinho – PR - Brasil Humberto Dalla Bernardina de Pinho Sergio Tibiriça Amaral Universidade Estácio de Sá Fac. Integradas Antônio Eufrásio de Toledo Rio de Janeiro – RJ - Brasil Presidente Prudente - SP - Brasil Lucas Gonçalves da Silva Cláudia M. do S. C. F. Chelala Universidade Federal de Sergipe Universidade Federal do Amapá São Cristóvão – SE - Brasil Macapá – AM – Brasil Luciana A. Machado Gonçalves da Silva José Eduardo Lourenço dos Santos Universidade Federal de Sergipe Centro Universitário Eurípedes de Marília São Cristóvão – SE - Brasil Marília –SP – Brasil Mario Lucio Garcez Calil Leonel Pires Ohlweiler Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul Universidade Luterana do Brasil Paranaíba – MS - Brasil Canoas – RS – Brasil Mauro Viveiros Nicolau Eládio Bassalo Crispino Ministério Público do Estado de Mato Grosso Universidade Federal do Amapá Cuiaba - MT – Brasil Macapá – AM - Brasil

Paulo Tarso Brandão Maria Cristina Zainaghi Universidade Federal de Santa Catarina Centro Universitário Nove de Julho Florianópolis – SC - Brasil São Paulo – SP – Brasil Daniel Gustavo Falcão Pimentel dos Reis Marcelo Alves Pereira Eufrasio Inst. Brasiliense de Direito Público Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas Brasilia – DF – Brasil Campina Grande – PB – Brasil Carlos Henrique Medeiros de Souza Lorena Madruga Monteiro Universidade Est. do Norte Fluminense Centro Universitário Tiradentes Darcy Ribeiro Maceió - AL - Brasil Campos dos Goytacazes- RJ - Brasil Sérgio Henriques Zandona Freitas Diego Freitas Rodrigues Tribunal de Justiça de Minas Gerais Centro Universitário Tiradentes Belo Horizonte-MG - Brasil Maceió - AL - Brasil Rogério Filippetto de Oliveira Leonardo Martins Pontifícia Univ. Católica de Minas Gerais Univ. Federal do Rio Grande do Norte Belo Horizonte – MG - Brasil Natal - RN – Brasil Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 5

Angela Issa Haonat Veronica Teixeira Marques Fundação Univ. Federal do Tocantins Centro Universitário Tiradentes (UNIT) Palmas – TO – Brasil Maceió – AL – Brasil Carlos Alberto de Moraes Ramos Filho Maria Lírida Calou de Araújo e Mendonça Universidade Federal do Amazonas Universidade de Forteleza - UNIFOR Manaus – AM- Brasil Fortaleza – CE - Brasil Carlos Henrique Vieira Santana Daniel Oitaven Pamponet Miguel Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade de Direito da UFBA Rio de Janeiro – RJ – Brasil Salvador - BA – Brasil Rafael Zelesco Barretto Rogério Montai de Lima Universidade Presbiteriana Mackenzie Universidade Federal de Rondônia São Paulo – SP -Brasil Rolim de Moura - RO - Brasil Simone Cristine Araújo Lopes Luiz Carlos Montans Braga Universidade Federal de Juiz de Fora Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Juiz de Fora - MG - Brasil São Paulo – SP -Brasil Isabele Bandeira de Morais D’Angelo Regina Vera Villas Bôas Universidade Federal de Pernambuco Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Recife - PE - Brasil São Paulo - SP - Brasil Jairo Neia Lima Luana Renostro Heinen Universidade de São Paulo (FD/USP) Fundação Universidade Regional de Blumenau São Paulo – SP - Brasil (FURB) - Blumenau - SC –Brasil João Andrade Neto Elisaide Trevisam Universidade de Hamburgo, Alemanha Universidade Nove de Julho São Paulo - SP Natalina Stamile Universidade Federal do Paraná - UFPR José Guilherme Wady Santos Curitiba - PR - Brasil Estácio Fcat – Faculdade de Castanhal Castanhal - PA – Brasil Lauro Ericksen Cavalcanti de Oliveira Tribunal Regional do Trabalho Rodrigo Garcia Schwarz Macau - RN – Brasil Universidade do Oeste de Santa Catarina Joaçaba – SC – Brasil Clóvis Marinho de Barros Universidade Federal de Sergipe Alvaro de Oliveira Azevedo Neto São Cristóvão – SE - Brasil Faculdade Boa Viagem Recife - PE – Brasil Regina Celli Marchesini Berardi Universidade Salamanca Marlene Helena de Oliveira Franca Salamanca – Espanha Universidade Federal da Paraíba João Pessoa - PB - Brasil Sirlene de Fátima Melo Universidade Planalto Catarinense Douglas Zaidan Lages – SC - Brasil Universidade Católica de Salvador BA - Brasil Flavia Danielle Santiago Lima Universidade Católica De Pernambuco Jorge Ernesto Roa Recife – PE – Brasil Universidade Externado de Colômbia Colômbia Ana Claudia Corrêa Zuin Mattos do Amaral Universidade Estadual de Londrina Londrina - PR - Brasil 6 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

SUMÁRIO

O CIBERESPAÇO A FAVOR DA EFETIVAÇÃO DE UMA DEMOCRACIA DELIBERATIVA Fernando de Brito ALVES Edinilson Donisete MACHADO Luna STIPP 15 O PAPEL DA MORAL NO SISTEMA JURÍDICO DE JOHN MITCHELL FINNIS Heloisa Sami DAOU Jean Carlos DIAS 31 SOCIEDADE GLOBAL, DIREITO E POLÍTICA: UMA ANÁLISE DO PANORAMA ATUAL DA GOVERNANÇA José Alberto Antunes de MIRANDA Wanda Maria de Lemos CAPELLER 65 DIREITO PROCESSUAL CONSTITUCIONAL E CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE NA PERSPECTIVA DA INTERNACIONALIZAÇÃO DO DIREITO Fernando HOFFMAM Jose Luis Bolzan de MORAIS 95 DIREITOS HUMANOS UNIVERSAIS? UM ESTUDO SOBRE O DIREITO À LIBERDADE DE PENSAMENTO A PARTIR DO CASO KIMIGAYO Iuri BOLESINA Tássia GERVASONI 127 PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA NO CPC/2015: UMA PERSPECTIVA DE VALORIZAÇÃO DO PRINCIPIO DA IGUALDADE JURÍDICA Ricardo Pinha ALONSO Ana Flavia de Andrade Nogueira CASTILHO 167 DOSSIÊ AS “DESVENTURAS” DOS DIREITOS SOCIAIS: ENTRE DIFICULDADES TEÓRICAS E CRISE ECONÔMICA Leonardo MELLACE Andrea ROMEO 192 A CONSTITUIÇÃO MEXICANA EM SEU CENTENÁRIO. ESTADO SOCIAL DE DIREITO? Carlos Manuel Villabella ARMENGOL 225 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 7

O NOVO MODELO DE NEGOCIAÇÃO COLETIVA IMPLEMENTADA PELA REFORMA TRABALHISTA: UM RETROCESSO AO CONSTITUCIONALISMO SOCIAL? Felipe da Costa Lima MOURA Fábio Túlio BARROSO 249 ENTRE A MÃO E A CONTRAMÃO DO DIREITO À SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL: A EMENDA CONSTITUCIONAL 86 E A PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL Cândice Lisbôa ALVES 271 O ESTADO COMO PROBLEMA NO CONSTITUCIONALISMO LATINO-AMERICANO E A CONSTITUIÇÃO DE QUERÉTARO DE 1917 Ruben Martinez DALMAU 309 O DESAFIO DA CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITO SOCIAIS DO TRABALHADOR: UMA ANÁLISE DA POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DOS ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE E O RETROCESSO DO TST Nathalia Brunnelly Rocha de OLIVEIRA Rosa Maria Freitas NASCIMENTO Rogéria Gladys Sales GUERRA 337

UMA PONTE ENTRE DOIS MUNDOS: COMO O CONSTITUCIONALISMO SOCIAL CONECTOU O DIREITO E A CIÊNCIA POLÍTICA NO BRASIL PÓS-88 Karina Denari MATTOS José Ribas VIEIRA 377 PROTEÇÃO AO TRABALHO NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA NO SÉCULO XXI: DESAFIOS E PERSPECTIVAS A PARTIR DA CONSTITUIÇÃO MEXICANA DE 1917 Oton de Albuquerque VASCONCELOS FILHO Moacir Barbosa MORAIS Maria Catarina Barreto de Almeida VASCONCELOS 403

PRODUÇÃO CIENTÍFICA: DISSERTAÇÕES 2017 (Julho/Dezembro) 447

AUTORES QUE PUBLICARAM NESTE NÚMERO 449 NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DE ORIGINAIS 455 8 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

CONTENTS THE CYBERSPACE IN FAVOR OF A DELIBERATIVE DEMOCRACY Fernando de Brito ALVES Edinilson Donisete MACHADO Luna STIPP 15 THE ROLE OF MORAL IN THE LEGAL SYSTEM OF JOHN MITCHELL FINNIS Heloisa Sami DAOU Jean Carlos DIAS 31 GLOBAL SOCIETY, RIGHT AND POLITICS: AN ANALYSIS OF THE CURRENT OVERVIEW OF GOVERNANCE José Alberto Antunes de MIRANDA Wanda Maria de Lemos CAPELLER 65 CONSTITUTIONAL AND PROCEDURAL LAW AND CONTROL OF CONVENTIONALITY IN THE PERSPECTIVE OF INTERNATIONALIZATION OF LAW Fernando HOFFMAM Jose Luis Bolzan de MORAIS 95 UNIVERSAL HUMAN RIGHTS? A STUDY ON THE RIGHT TO FREEDOM OF THOUGHT FROM THE KIMIGAYO CASE Iuri BOLESINA Tássia GERVASONI 127 PRINCIPLE OF LEGAL SECURITY IN CPC / 2015: A PROSPECTIVE FOR THE VALORIZATION OF THE PRINCIPLE OF LEGAL EQUALITY Ricardo Pinha ALONSO Ana Flavia de Andrade Nogueira CASTILHO 167 DOSSIÊ THE “MISFORTUNE” OF SOCIAL RIGHTS: BETWEEN THEORETICAL DIFFICULTIES AND ECONOMIC CRISIS Leonardo MELLACE Andrea ROMEO 192 THE MEXICAN CONSTITUTION IN ITS CENTENARY. RIGHT OF SOCIAL STATUS? Carlos Manuel Villabella ARMENGOL 225 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 9

THE NOVEL MODEL OF COLLECTIVE BARGAINING IMPLEMENTED BY THE LABOR REFORM: IS IT A REGRESSION TO SOCIAL CONSTITUCIONALISM? Felipe da Costa Lima MOURA Fábio Túlio BARROSO 249

BETWEEN THE ONE WAY AND THE WRONG WAY OF THE PUBLIC HEALTH RIGHT IN : THE CONSTITUTIONAL AMENDMENT Nº 86 AND THE PROHIBITION OF SOCIAL REGRESSION Cândice Lisbôa ALVES 271 STATE AS A PROBLEM IN LATIN AMERICAN CONSTITUTIONALISM AND THE CONSTITUTION OF QUERETARO OF 1917 Ruben Martinez DALMAU 309

THE CHALLENGE TO SOCIAL LABOR LAW EFFECTIVENESS: AN ANALYSIS ON THE POSSIBILITY OF ACCUMULATING PAYMENTS FOR INSALUBRIOUS AND DANGEROUS CONDITIONS AND THE REGRESSION OF THE TST Nathalia Brunnelly Rocha de OLIVEIRA Rosa Maria Freitas NASCIMENTO Rogéria Gladys Sales GUERRA 337

A BRIDGE BETWEEN TWO WORLDS: HOW SOCIAL CONSTITUTIONALISM CONNECTED THE LAW AND THE POLITICAL SCIENCE IN BRAZIL AFTER 1988 Karina Denari MATTOS José Ribas VIEIRA 377 LABOR PROTECTION IN BRAZIL AND LATIN AMERICA IN THE 21ST CENTURY: CHALLENGES AND PERSPECTIVES FROM THE MEXICAN CONSTITUTION OF 1917 Oton de Albuquerque VASCONCELOS FILHO Moacir Barbosa MORAIS Maria Catarina Barreto de Almeida VASCONCELOS 403

SCIENTIFIC PRODUCTION: DISSERTATIONS 2017 (July/December) 447

AUTHORS WHO PUBLISHED THIS ISSU 449 GUIDELINES FOR SUBMISSION 455 10 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

RESUMEN EL CIVERESPACIO A FAVOR DE LA EFECTIVIDAD DE UNA DEMOCRACIA DELIBERATIVA Fernando de Brito ALVES Edinilson Donisete MACHADO Luna STIPP 15 EL PAPEL DE LA MORAL EN EL SISTEMA JURÍDICO DE JOHN MITCHELL FINNIS Heloisa Sami DAOU Jean Carlos DIAS 31 SOCIEDAD GLOBAL, DERECHO Y POLÍTICA: UN ANÁLISIS DEL PANORAMA ACTUAL DE GOBIERNO José Alberto Antunes de MIRANDA Wanda Maria de Lemos CAPELLER 65 DERECHO PROCESUAL CONSTITUCIONAL Y CONTROL DE CONVENCIONALIDAD EN LA PERSPECTIVA DE LA INTERNACIONALIZACIÓN DEL DERECHO Fernando HOFFMAM 95 Jose Luis Bolzan de MORAIS DERECHOS HUMANOS UNIVERSALES? UN ESTUDIO SOBRE EL DERECHO A LA LIBERTAD DE PENSAMIENTO A PARTIR DEL CASO KIMIGAYO Iuri BOLESINA 127 Tássia GERVASONI PRINCIPIO DE LA SEGURIDAD JURÍDICA EN EL CPC / 2015: UNA PERSPECTIVA DE VALORACIÓN DEL PRINCIPIO DE LA IGUALDAD JURÍDICA Ricardo Pinha ALONSO Ana Flavia de Andrade Nogueira CASTILHO 167 DOSSIÊ LE “DISAVVENTURE” DEI DIRITTI SOCIALI: TRA DIFFICOLTÀ TEORICHE E CRISI ECONOMICA Leonardo MELLACE Andrea ROMEO 192 LA CONSTITUCIÓN MEXICANA EN SU CENTENARIO. ¿ESTADO SOCIAL DE DERECHO? Carlos Manuel Villabella ARMENGOL 225 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 11

EL NUEVO MODELO DE NEGOCIACIÓN COLECTIVA IMPLEMENTADA POR LA REFORMA TRABAJADOR: UN RETROCESO AL CONSTITUCIONALISMO SOCIAL? Felipe da Costa Lima MOURA Fábio Túlio BARROSO 249 ENTRE LA MANO Y CONTRAMANO DEL DERECHO A LA SALUD PÚBLICA EN BRASIL: LA EMENDA CONSTITUCIONAL 86 Y LA PROHIBICIÓN DEL RETROCESO SOCIAL Cândice Lisbôa ALVES 271 EL ESTADO COMO PROBLEMA EN EL CONSTITUCIONALISMO LATINOAMERICANO Y LA CONSTITUCIÓN DE QUERÉTARO DE 1917 Ruben Martinez DALMAU 309 EL DESAFÍO DE LA CONCRETIZACIÓN DE LOS DERECHOS SOCIALES DEL TRABAJADOR: UN ANÁLISIS DE LA POSIBILIDAD DE CUMULACIÓN DE LOS ADICIONALES DE INSALUBRIDAD Y PERICULOSIDAD Y EL RETROCESO DEL TST Nathalia Brunnelly Rocha de OLIVEIRA Rosa Maria Freitas NASCIMENTO Rogéria Gladys Sales GUERRA 337 “UN PUENTE ENTRE DOS MUNDOS: EL CONSTITUCIONALISMO SOCIAL ENTRE EL DERECHO Y LA CIENCIA POLÍTICA DESDE LA CONSTITUCIÓN DE 1988” Karina Denari MATTOS José Ribas VIEIRA 377 PROTECCIÓN AL TRABAJO EN BRASIL Y EN AMÉRICA LATINA EN EL SIGLO XXI: DESAFÍOS Y PERSPECTIVAS A PARTIR DE LA CONSTITUCIÓN MEXICANA DE 1917 Oton de Albuquerque VASCONCELOS FILHO Moacir Barbosa MORAIS Maria Catarina Barreto de Almeida VASCONCELOS 403 PRODUÇÃO CIENTÍFICA TRABAJOS DE FIN DE MAESTRÍA: DISERTACIÓNES 2017 ((Julho/Dezembro 2017) 447 LOS AUTORES QUE PUBLICAN EN ESTE NÚMERO 449 REGLAS PARA ENVÍO DE TEXTOS 455 12 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

EDITORIAL

IDEIAS, ATITUDES E FELICIDADE

Carlos Heitor Cony, falecido no início de 2018 aos 91 (noventa e um) anos, escreveu: “Vivo como posso, e posso muito porque tenho ideias”. A finalidade de um periódico é despertar novas ideias, para nos manter vivos, empolgados com a ciência e a arte de juntar pensamentos. A melhor contribuição da academia para a sociedade deve ser buscar au- xiliar as pessoas a compreenderem seu papel na história e a sua condição de agentes de transformação da realidade em felicidade. A Revista Argumenta Journal Law chega ao seu 27º volume empe- nhada em propagar a reflexão crítica e interdisciplinar voltada à redução das desigualdades sociais e à promoção da justiça. Traz à lume a contri- buição de acadêmicos de diferenças partes do Brasil e também do exterior sobre questões jurídicas variadas, todas atuais, capazes de informar, mas também de provocar nos curiosos o desejo de seguir apreendendo, inves- tigando, pesquisando, escrevendo... vivendo. Nesse contexto, agradecemos os artigos: “O Ciberespaço a favor da efetivação de uma democracia deliberativa”, escrito por Fernando de Brito Alves, Edinilson Donisete Machado e Luna Stipp, da Universidade Esta- dual do Norte do Paraná - UENP e do Centro Universitário Eurípedes de Marília/SP; “O papel da moral no sistema jurídico de John Mitchell Finnis”, de Heloisa Sami Daou e Jean Carlos Dias, do Centro Universitário do Estado do Pará - CESUPA; “Sociedade Global, Direito e Política: uma análise atual da governança”, de José Alberto Antunes de Miranda e Wan- da Maria de Lemos Capeller, da Universidade LaSalle, Canoas; “Direito processual constitucional e controle de convencionalidade na perspecti- va de internacionalização do direito”, de Fernando Hoffmam e Jose Luis Bolzan de Morais, da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI/Câmpus Santiago) e da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS); “Direitos humanos universais? Um estudo so- bre o direito à liberdade de pensamento a partir do caso Kimigayo”, de Iuri Bolesina e Tássia Gervasoni, da Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC e da Escola de Direito da IMED; “Princípio da segurança jurídica Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 13 no CPC/2015: uma perspectiva de valorização do princípio da igualdade jurídica”, de Ricardo Pinha Alonso e Ana Flavia de Andrade Nogueira Castilho, do Centro Universitário Eurípedes de Marília/SP; “As ‘desven- turas´ dos direitos sociais: entre dificuldades teóricas e crise econômica”, de Leonardo Mellace e Andrea Romeo, da Università degli Studi Magna Graecia di Catanzaro, Itália; “La Constitución mexicana en su centena- rio. Estado social de derecho?”, de Carlos Manuel Villabella Armengol, do Instituto de Ciencias Jurídicas, Puebla, México; “O Novo modelo de nego- ciação coletiva implementada pela reforma trabalhista: um retrocesso ao constitucionalismo social”, de Felipe da Costa Lima Moura e Fábio Túlio Barroso, da Faculdade Escritor Osman da Costa Lins e da Faculdade de Direito do Recife, Universidade Católica de Pernambuco; “Entre a mão e a contramão do direito à saúde pública no Brasil: a Emenda Constitucional 86 e a proibição de retrocesso social”, de Cândice Lisbôa Alves, da Univer- sidade Federal de Uberlândia; “El Estado como problema en el constitu- cionalismo latinoamericano y la Constitución de Querétaro de 1917”, de Ruben Martinez Dalmau, da Universitat de València. Espanha; “O desafio da concretização dos direitos sociais do trabalhador: uma análise da pos- sibilidade de cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade e o retrocesso do TST, de Rosa Maria Freitas Nascimento e Rogéria Gla- dys Sales Guerra, da Universidade Católica de Pernambuco; “Uma ponte entre dois mundos: como o constitucionalismo social conectou o direito e a ciência política no Brasil pós-88”, de Karina Denari Mattos e José Ribas Vieira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - PPGD/UFRJ; “Prote- ção ao trabalho no Brasil e na América Latina no século XXI: desafios e perspectivas a partir da Constituição Mexicana de 1917, de Oton de Al- buquerque Vasconcelos Filho, Moacir Barbosa Morais e Maria Catarina Barreto de Almeida Vasconcelos, da Universidade de Pernambuco - UPE e do Centro Universitário Tabosa de Almeida -ASCES -UNITA. Que essas ideias possam ser a centelha para, retirando o leitor da sua zona de conforto, proporcionar novos entendimentos e facilitar outras criações intelectuais, a permitir que a produção acadêmica motive ações concretas e atitudes positivas na melhoria da condição humana, fatores indispensáveis ao desenvolvimento pessoal e social. Logo, é possível fazer da utopia um incentivo constante para não dei- xarmos de caminhar em direção a superação de nossos horizontes. E, para 14 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 depois de conseguirmos o objetivo pretendido, continuarmos a caminha- da sem fim rumo ao infinito, fazendo valer o conselho de Carlos Drum- mond de Andrade: “Necessitamos sempre de ambicionar alguma coisa que, alcançada, não nos torna sem ambição”. Assim, a felicidade deve ser conquistada e, por ser um estado emocional passageiro, ser, depois, bus- cada novamente, para se tornar um exercício permanente que nos ambi- cione a atribuir sentidos à nossa existência.

Boa leitura!

Eduardo Cambi Professor do programa de mestrado e doutorado da UENP 1 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez Argumenta 2017 Fernando de Brito ALVES Journal Law15 Edinilson Donisete MACHADO2 n. 27 p. 15-30 Luna STIPP3 jul/dez 2017

Como citar este artigo: O CIBERESPAÇO A ALVES, Fernando B., MACHADO, FAVOR DA EFETIVAÇÃO Edinilson, STIPP, Luna. O ciberespaço a favor da efetivação DE UMA DEMOCRACIA de uma democracia deliberativa. DELIBERATIVA Argumenta Journal THE CYBERSPACE IN FAVOR OF A DELIBERATIVE Law, Jacarezinho – PR, Brasil, n. 27. p. 15-30. DEMOCRACY EL CIVERESPACIO A FAVOR DE LA EFECTIVIDAD DE Data da submissão: 13/12/2017 UNA DEMOCRACIA DELIBERATIVA Data da aprovação: 25/12/2017 SUMÁRIO: Introdução; 1. Democracia deliberativa; 2. Par- ticipação no Brasil; 3. Conclusão; Referências.

RESUMO: O presente artigo procurou analisar a participa- ção popular brasileira na construção de uma demo- cracia deliberativa para isso, observou-se as caracte- rísticas e objetivos desta forma de governo e como ela alcançou maior efetividade com o auxílio da tecnolo- gia. Verificou-se a trajetória da participação popular no Brasil até chegar aos dias atuais que utiliza o cibe- respaço como ferramenta de auxílio na concretização da Constituição cidadã.

ABSTRACT: The present article sought to analyze the Bra- zilian popular participation in the construction of a deliberative democracy for this was observed the cha- 1. Universidade racteristics and objectives of this form of government Estadual do Norte do and how it achieved greater effectiveness with the aid Paraná – Brasil 2. Centro Universitário of technology. The trajectory of the popular partici- Eurípides de Marília- pation in Brazil was verified until the present day that UNIVEM- Brasil 3. Universidade uses the cyberspace as a tool of aid in the concretiza- Estadual do Norte do tion of a citizens’ Constitution. Paraná - Brasil 16 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

RESUMEN: El presente artículo buscó analizar la participación popular bra- sileña en la construcción de una democracia deliberativa para eso se observó las características y objetivos de esta forma de gobier- no y cómo alcanzó mayor efectividad con el auxilio de la tecnolo- gía. Se verificó la trayectoria de la participación popular en Bra- sil hasta llegar a los días actuales que utiliza el ciberespacio como herramienta de auxilio en la concreción de la Constitución ciudadana.

PALAVRAS-CHAVE: Democracia deliberativa; ciberespaço; participação popular.

KEYWORDS: Deliberative Democracy; Cyberspace; popular participation.

PALABRAS CLAVE: Democracia deliberativa; ciberespacio; participación popular.

INTRODUÇÃO O ciberespaço foi uma verdadeira conquista para a expansão e con- solidação da participação popular dentro do conceito de uma democracia deliberativa, além de conceber importantes avanços na efetivação de di- reitos fundamentais já existentes no Estado Democrático brasileiro. Neste contexto, a proposta do presente trabalho é verificar, por meio do método de revisão bibliográfica, as características da democracia de- liberativa conjugadas com a história e desenvolvimento da participação popular no Brasil inserindo os meios tecnológicos como mecanismos apresentados no desenvolvimento e concretização de uma democracia deliberativa. A participação popular se tornou mais efetiva através do espaço ci- bernético à medida que por meio das redes tecnológicas de informação e comunicação os mais diversos atores tiveram fertilizadas as possibilidades de entrar em contato com os variados argumentos, além de poderem par- ticipar ativamente na construção dos pensamentos e normas. Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 17

No Brasil o TIC Domicílios 2015, que mede a posse, o uso, o acesso e os hábitos dos brasileiros em relação às tecnologias da informação, uso de internet e comunicação, retratou que 58% da população brasileira faz uso da internet em 2015. O texto traz como exemplos de espaço de fomento e participação ci- dadã a recentemente lançada “Escola Virtual de cidadania” definida como um espaço aberto a todos os cidadãos que reúnem produtos e objetos edu- cacionais sobre educação política e educação para a democracia (online) nela há diversos tópicos informativos e vídeos educativos que esclarecem temas ligados à participação o que retrata o ideal de desenvolvimento e formação de cidadãos ativos O acesso à internet permitiu o intercâmbio de informações e co- nhecimento, bem como contribuiu para o desenvolvimento social, isso porque possibilitou a inclusão de algumas minorias marginalizadas nos mais distintos temas e espaços, portanto dando ênfase ao procedimento dialético como meio de preservar a socialização que é dado pelo respeito às diferentes opiniões e através da fundamentação das proposições um dos fundamentos da democracia deliberativa. Assim, primeiramente analisam-se os objetivos e anseios que a de- mocracia deliberativa pretende alcançar para posteriormente verificar sua aplicação dentro do âmbito de uma sociedade plural e tecnológica que cada vez mais utiliza o ciberespaço como meio de fomento e prática deste instituto político.

1. DEMOCRACIA DELIBERATIVA A complexidade é uma das características mais evidentes das socie- dades modernas, assim em decorrência desta peculiaridade somados a sua pluralidade estabelece-se um desafio calcado na dificuldade em in- terpretar os fenômenos que podem nela serem observados, como con- sequência desta diversidade tem-se uma árdua tarefa ao estabelecer qual modelo político mais adequado e que deverá ditar as suas regras de forma que seja aceita e respeitada dentro da sociedade disposta a exercê-lo. De maneira geral, após a Segunda Grande Guerra o capitalismo ocidental através de uma escolha jurídico-política adotou a democracia como modelo político. Todavia, não há um padrão ideal a ser seguido o que torna necessário que se debruce sobre a matéria de modo a alcançar 18 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 a efetivação das garantias e sanar os anseios sociais de determinada socie- dade, já que o próprio conceito de democracia, de definição muito densa, como poder que emana do povo, se apresenta como um método de cons- trução de vínculos sociais, sobretudo, de consensos sociais. (MENDES, 2013, p.145) Não se deve perder de vista que este instituto é algo plástico, passível de ajuste para cada contexto histórico-nacional, de modo que cada povo deve encontrar uma democracia possível (ALVES, 2013, p.32) e para isso é pressuposto de uma das vertentes de estudo que para a construção e se- dimentação do Estado Democrático seja promovida dentre outros meios através do debate que é dado pela participação popular requisito este ne- cessário para efetivação de uma das formas de se analisar a democracia, mais precisamente a chamada democracia deliberativa. Neste passo é que o filósofo Alemão Jürgen Habermas desenvolve seus estudos e concepção de democracia, ou seja, através da racionalida- de comunicativa, desatrelado, portanto de um essencialismo (existe uma lógica a ser desvendada pela análise) ou norma, concentra-se na tentativa de fazer uma perspectiva que leve a compreensão social. Deste modo, a sua teoria democrática não está embasada em uma noção substantiva de justiça, isso porque ela enfatiza o procedimento dialético como meio de preservar a socialização que é dado pelo respeito às diferentes opiniões e através da fundamentação das proposições. Jürgen Habermas é considerado o responsável pelo retorno do ideal deliberativo aos nossos tempos e defende a ideia de que a fonte funda- mental de legitimidade é o julgamento coletivo das pessoas. Isso não deve ser encontrado em uma vontade popular instintiva, mas em um conjunto disciplinado de práticas definidas pelo ideal deliberativo. (GUTMANN, A. Thompson, D.2007. p.25) A complexidade observada no mundo da vida aumenta as possibili- dades e construção das novas práticas comunicacionais que acabam por diferenciar os próprios integrantes da sociedade. A aglutinação de dis- cussões e suas conclusões acerca de assuntos específicos podem ser com- preendidas como um movimento espontâneo, que surge historicamente e se desenvolve com a base material da sociedade.(LEITE, 2016, p.38) Todavia, a diversidade na forma de comunicação não pressupõe que seja o mesmo caminho percorrido quando se analisa o interesse, ou Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 19 seja, é possível verificar uma vontade comum bastando apenas que haja a institucionalização de “condições de comunicação e procedimento” para produzir o direito legítimo.(LEITE, 2016, p.53) Deste modo, respeitando esse pressuposto é possível a concretização do modelo denominado de- mocracia deliberativa. Amy Gutmann e Dennis Thompson no texto intitulado: O que significa democracia deliberativa? Esclarecem: Podemos definir democracia deliberativa como cidadãos li- vres e iguais (e seus representantes) justificam suas decisões, em um processo no qual apresentam uns aos outros motivos que são mutuamente aceitos e geralmente acessíveis, com o objetivo de atingir conclusões que vinculem no presente to- dos os cidadãos, mas que possibilitem uma discussão futura. (GUTMANN, A. Thompson, D.2007. p.23) Nele também é possível aduzir suas características sendo a pri- meira delas a necessidade de justificação, através desta peculiaridade ci- dadãos e representantes devem explicar as leis e decisões que forem im- postas de forma que ambos atores devem responder aos impulsos gerados pelo retorno dos atos. Deste modo, o sujeito não é tratado apenas como objetos a serem governados, mas sim como atores ativos que estão incor- porados no governo através de seus representantes. Portanto, quando os participes respondem ou apresentam os mo- tivos de suas posturas ou dúvidas pretendem-se com isso mostrar os va- lores que estão embutidos e que representam o respeito mútuo. Assim, os motivos que a democracia deliberativa pede que os cidadãos e seus representantes dêem deveriam recorrer aos princípios que os indivíduos que estão tentando encontrar termos justos de cooperação não podem rejeitar, sensatamente. (GUTMANN, A. Thompson, D.2007. p.19) Já a segunda característica está relacionada à acessibilidade que se vincula a uma questão de compreensão dos motivos exposto, isso pressu- põe, uma publicidade do discurso alçando a coerência quando do alcance e possibilidade de questionamento dos motivos, assim acessíveis e com- preensíveis quando o seu conteúdo essencial pode ser arguido e racional- mente justificado. Quanto à terceira característica tem-se a necessidade de produ- ção de decisões que possam ser vinculativas por certo tempo, isso porque 20 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 a intenção é que possam influenciar e justificar os posicionamentos -es colhidos para serem adotados, devendo ser alteradas se as circunstancias assim também o forem e essa dinâmica é a quarta característica deste ins- tituto. Ela mantém aberta a possibilidade de um diálogo continuado, no qual os cidadãos possam criticar decisões prévias e seguir em frente nas bases dessa crítica. (GUTMANN, A. Thompson, D.2007. p.22) assim os temas ficam suspensos até que haja um novo questionamento que os tra- gam a baila. Através desse modelo que pressupõe a utilização de mecanismos ra- cionais é possível estabelecer condições de comunicação deliberativa por todo processo político de modo a se alcançar um conceito procedimental da política deliberativa. Assim, ao se estabelecer as regras para tomadas de decisões públicas pretende-se garantir a justiça política, já que não há a interferência de conteúdos axiológicos que deverão ser discutidos apenas nos ambientes apropriados. A democracia em seu modelo deliberativo possibilita a ligação do direito com a força legitimadora soberana do povo, uma vez que os proce- dimentos nela contidos são a institucionalização da lógica discursiva e de suas condições (LEITE, 2016, p.54) de modo que a deliberação passa a ser considerada uma das fontes da democracia. Importante esclarecer, contudo que na atualidade este instituto não se preocupa apenas (ou não deveria) com o elemento puramente procedi- mental dos processos de deliberação, mas com o quão inclusivo eles po- dem ser, isso para evitar que ocorra uma espécie de exclusão informal (à forma que ocorreu na modernidade) (ALVES, 2013 p.102) o que é possível de ser superada através do processo de complementação do entendimento incompleto que ocorre através da correção realizada de forma crítica. Isso demonstra o quão inclusivo esse processo pretende ser e isso é capaz de ser alcançado ao se depositar no julgamento coletivo das pes- soas o fundamento da legitimidade das decisões. Portanto, a existência de um conjunto disciplinado de práticas definidas pelo ideal deliberativo (GUTMANN, A. Thompson, D.2007. p.25) vem apenas ratificar e garantir a efetivação da inclusão.

O que faz a democracia deliberativa democrática é uma de- Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 21

finição expansiva de quem está incluído no processo de de- liberação- uma resposta inclusiva à pergunta de quem tem o direito (e a efetiva oportunidade) de deliberar ou de escolher os deliberadores, a quem os mesmos devem suas justificati- vas. (GUTMANN, A. Thompson, D.2007. p.26) A que se advertir que esse instituto pode-se demonstrar exclusivo em diversas formas, excluindo algumas pessoas não por restrições legais ou formais, como fizeram anteriormente os políticos deliberativos, mas por regras informais definindo o que conta como propício para deliberação. (GUTMANN, A. Thompson, D.2007. p.19) Estabelecidas as características do instituto a que se esclarecer, ainda, quais são seus objetivos, para tanto parte-se do pressuposto que o objetivo geral da democracia deliberativa é lidar com a discordância moral na polí- tica sendo assim, ela acaba por se relacionar e estar vinculada a realização de outros objetivos. Através do primeiro objetivo que versa sobre a legitimidade das deci- sões coletivas é possível que se busque respostas para questões de escassez de recursos, com isso frente à escassez, a deliberação pode ajudar aqueles que não conseguem o que querem, ou mesmo o que precisam, a acei- tar a legitimidade de uma decisão coletiva. (GUTMANN, A. Thompson, D.2007. p.26), de forma a afastar a barganha e se apoiar no verdadeiro mérito da norma ou decisão. Já ao se pensar na limitação em relação à generosidade que se pro- paga no meio público tem-se o segundo objetivo que se pretende alcançar com a democracia deliberativa que é o encorajamento das perspectivas públicas nos assuntos públicos, estimulando o altruísmo dos participan- tes, isso porque os cidadãos tendem a ter um panorama mais amplo das questões em um processo nos quais os motivos morais são apresentados do que em um processo no qual o poder político é a única moeda corren- te. (GUTMANN, A. Thompson, D.2007. p.27), O terceiro objetivo visa promover processos reciprocamente respon- sáveis na tomada de uma decisão de forma que esta esteja vinculada ao mérito moral que deve estar presente quando se decide tomar uma de- cisão, o que, de fato, não pressupõe o seu êxito, ou seja, é possível que mesmo coletivamente observando os objetivos pré-estabelecidos, proceda de forma incorreta. 22 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

Assim, para que este equivoco que pode ser decorrente de um en- tendimento incorreto das discussões dos atores possa ser sanado é que o quarto objetivo surge. Propondo superar o mal entendido na comunica- ção entre os participantes através de um local em que possam discutir o que não foi compreendido, reconhecer os erros e desenvolver novos pon- tos de vista, sendo a utilização de um fórum deliberativo bem constituído o responsável por essa promoção e que será com profundidade estudado mais a diante no processo de desenvolvimento do marco civil. Quando os cidadãos barganham e negociam, eles podem aprender como conseguir melhor o que querem. Mas quan- do estes deliberam, eles podem expandir seu conhecimento, incluindo tanto seu autoconhecimento quanto o seu enten- dimento coletivo acerca do que servirá melhor a seus conci- dadãos. (GUTMANN, A. Thompson, D.2007. p.27), Importante nesse passo que se respeite a dinâmica das discussões, reconhecendo que mesmo diante de situações que se mostram evidentes por si é possível que haja novos questionamentos que tragam à baila novas perspectivas sobre as questões, decorrência essa natural do próprio pro- cesso evolutivo que a sociedade está submetida. Diante deste modelo de democracia é possível aliar as novas tecno- logias como ferramenta para sua efetivação e nesse passo é que irá ser ve- rificado como se deu a implementação deste instituto no âmbito da nossa Constituição cidadã.

2. PARTICIPAÇÃO NO BRASIL Expoente da teoria participativa foi um dos primeiros a fornecer os postulados básicos da democracia participativa, Rosseau fixou na partici- pação individual as bases para construção de seus estudos e não vislum- brava a participação como um mecanismo de proteção de arranjos insti- tucionais, mas, como um meio de assegurar uma inter-relação contínua entre o funcionamento das instituições e as qualidades e atitudes psicoló- gicas dos indivíduos que interagem dentro delas.(PATEMAN, 1992, p.35) O sistema ideal participativo para ele devia abarcar algumas carac- terísticas sendo a igualdade e independência econômica uma delas, isso porque para ele a condição econômica do sujeito não poderia ser fator de sua escolha ou condução a um determinado posicionamento político. Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 23

Além disso, deveria haver a interdependência dos participantes de forma que cada cidadão seria impotente para realizar qualquer coisa sem a coo- peração de todos os outros, ou da maioria. (PATEMAN, 1992, p.36) Nesse passo, inserido em um contexto de uma cidade- Estado de proprietários camponeses, consolida sua teoria política sob os argumen- tos de que há uma inter-relação entre as estruturas de autoridade das ins- tituições e a(s) qualidades(s) de atitudes psicológicas dos indivíduos; e do argumento relacionado a este, de que a principal função da participação tem caráter educativo (PATEMAN, 1992, p.42). Disso decorre que a principal função da participação na democra- cia participativa proposta por Rosseau é seu caráter educacional tanto no que pertine ao desenvolvimento subjetivo do ator que passa a enxergar sua importância dentro da sociedade, quanto dos procedimentos internos com que se relacionam as instituições que aperfeiçoam suas políticas, tor- nando-as mais eficazes, sendo que a prática corriqueira da participação é responsável pelo seu próprio aperfeiçoamento. Nesse passo, a questão da participação traz à tona o complexo pro- blema relacionado à formação discursiva da vontade, que diz respeito, também, a uma cultura política favorável ao desenvolvimento do poten- cial discursivo (MAIA, 2000, p.06) que é construído pela comunicação dada na interação que os sujeitos exercitam entre si e da interpretação que fazem do meio que estão inseridos de forma que a opinião é algo estrutu- rado em argumentações sólidas que possam ser justificadas. A própria deliberação pública pode ser reconstruída em ra- zão dos procedimentos democráticos e da diferenciação in- terna de seus discursos, ou de acordo com os deslocamentos temáticos e participativos colocados em circulação no pro- cesso de formação da opinião e da vontade. Isso porque as tomadas de decisão política pretensamente legítimas geral- mente são precedidas pelos fluxos comunicativos gerados em esferas públicas informais, e estas, por seu turno, podem qualificar e influenciar o conjunto de justificação das -cor porações parlamentares, do Judiciário etc. (cf. Costa et al., 2011). MELO, p.30,2015) Ocorre que esse processo de elaboração do discurso reconhecido como a própria participação realça o exercício da intersubjetividade dos sujeitos fato este que é favorável na construção e enriquecimento de seus 24 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 argumentos e estabelecimento de posição além de ser benéfica em todas as outras faces apontadas em momento oportuno. Pateman, ao estudar as teorias participacionistas da democracia, aborda os estudos de John Stuart Mill que em relação a este assunto argu- menta que de nada servem o sufrágio universal e a participação no gover- no nacional, se o indivíduo não foi preparado para essa participação a um nível local; é neste nível que ele aprende a se autogovernar. (PATEMAN, 1992, p.46) Portanto, depreende-se que os atores, ao tempo em que interagem entre si, trabalham para o desenvolvimento da esfera pública e política comum sendo que esta refletirá diretamente nas suas esferas individuais, assim quanto maior o exercício da cooperação que tem como instrumen- to o diálogo, maior deve ser a satisfação de seus interessados em relação ao meio que ocupam. Isso coaduna com o sistema ideal de Rosseau que é concebido para desenvolver uma ação responsável, individual, social e política como resultado de um processo participativo. (PATEMAN, 1992, p.38) Todavia, mesmo diante da interferência direta em suas vidas ainda assim o movimento que se observa é de afastamento dos interessados na colaboração e envolvimento através dos meios públicos diretos disponí- veis, a esperança que traz os novos meios tecnológicos é no sentido de reverter esse processo. “é necessário salientar que a devoção a um determinado país, que outrora encontrou seu ápice na história das civilizações ocidentais, atualmente encontra-se em declínio em todas as classes sociais, em todas as faixas etárias, mas especialmente entre os mais jovens, a única qualidade cívica mais ou menos ainda assente é a participação eleitoral” (ALVES, 2013, p.63). Isso porque, apesar do aparente distanciamento dos sujeitos, a in- ternet é capaz de interconectá-los sem que saiam de suas residências ou exponham suas figuras em público, além disso, o maior acesso a docu- mentos e informações estimula o aumento e interesse na participação pú- blica, já que proporciona o sentimento de segurança tanto física quanto intelectual ao se posicionarem em relação a suas escolhas. Ocorre que os sujeitos tendem a se agruparem com os que comparti- lham dos mesmos ideais e, muitas vezes, se fecham em blocos e tornam-se Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 25 insensíveis aos acontecimentos que não são de seus interesses, isso impe- de tanto o ingresso dos leigos quanto a contribuição em outras temáticas, contribuindo para exclusão da diversidade. Nesse passo, para que essa situação seja invertida, é necessário tanto a alteração da linguagem de forma que se propague aquela que possa ser reconhecida por todos independente do grupo que esteja inserido, por- tanto necessário uma revisão de estratégia a fim de aumentar a inclusão de atores distintos, gerando um efetivo debate de ideia, apresentando o leque de argumentos em jogo, a fim de formar, em primeiro lugar, cidadãos ca- pazes de analisar criticamente essas posições em jogo.(SORJ,p.36, 2006) Ainda como propõe Rosseau caso seja impossível evitar tais agru- pamentos que então sejam tão numerosos e de poder político tão igual quanto possível. Ou seja, a situação participativa dos indivíduos se re- produziria com os grupos, e ninguém poderia vencer a custa dos outros. (PATEMAN, 1992, p.38) A ideia da participação também defendida por Paterman, que assim como os democratas deliberativos entendem que a democracia não se li- mita à seleção de lideres políticos ou uma mera competição entre elites, mas supõe, igualmente, a participação dos cidadãos nas decisões coletivas no cotidiano da vida social. (GRIGOLI, 2014, p.121) Somente se o individuo tiver a oportunidade de participar de modo direto no processo de decisão e na escolha de repre- sentantes nas áreas alternativas é que nas modernas circuns- tâncias, ele pode esperar ter qualquer controle real sobre o curso de sua vida ou sobre o desenvolvimento do ambiente em que ele vive. (PATEMAN, 1992, p.38) A ampliação e estímulo da participação é que instiga e capacita o in- divíduo para que saiba como contribuir com efetividade no espaço públi- co e privado bem como para construção e aprimoramento das instituições públicas representativas. No contexto nacional, o grande destaque e reconhecimento da im- portância da participação pode ser observado na constituinte brasileira exercida por meio de parlamentares eleitos que debateram e aprovaram os direitos e princípios fundamentais da Carta Constitucional de 1988, as- segurando às presentes e futuras gerações os ideais de uma sociedade fra- terna e justa sendo que para tanto fizeram previsão e procuraram garantir 26 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 mecanismos de participação popular em processos decisórios de âmbitos federais e regionais tanto quanto para contribuição direta no desenvolvi- mento de mecanismos e instrumentos de consolidação dos direitos. Assim consolidaram-se o plebiscito, o referendo e a iniciativa parti- cular (art.14, I, II e III, da Constituição Federal e Lei 9709/1988) além das enquetes parlamentares como mecanismos que estão à disposição dos in- teressados e que podem por eles ser utilizados para alcançar diretamente o órgão público. Convém ainda ressaltar que, com a introdução das novas tecnolo- gias, os fóruns e sítios eletrônicos surgem como um reavivamento dos espaços e meios tradicionais que ainda existem. Nos dias atuais, a fim, então, de alcançar e acompanhar a socieda- de “online” foi lançada a chamada “Escola Virtual de cidadania”3 no dia 08.11.2016, definida como um espaço aberto a todos os cidadãos que reú- nem produtos e objetos educacionais sobre educação política e educação para a democracia (online) nela há diversos tópicos informativos e vídeos educativos que esclarecem temas ligados à participação o que retrata o ideal de desenvolvimento e formação de cidadãos ativos. Nesse ciberespaço, contêm instrumentos educacionais como a “Car- tilha de Canais para Participação Popular na Câmara dos Deputados” na qual estão dispostas propostas de Emenda a Constituição, visando incre- mentar a participação popular no processo governamental. entre as iniciativas promovidas pela Câmara dos Deputados para fortalecer uma concepção participativa de democra- cia no âmago do Poder Legislativo brasileiro, destacam-se a criação da Comissão de Legislação Participativa, da Ouvi- doria Parlamentar, do Portal do e-democracia e do Disque- Câmara.(online) Através da Comissão de Legislação participativa, as entidades da so- ciedade civil brasileira, incluindo entre elas associações de bairro até as mais conhecidas confederações classistas, possuirão foro especial e pode- rão propor diretamente projetos que refletem os anseios sociais e neces- sidades locais. Além de documentos educativos nesse canal ainda podem ser en- contradas chamadas como a “Missão Pedagógica no Parlamento” que é um curso que pretende capacitar professores e orientadores de ensino Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 27 fundamental e médio para disseminação de práticas educativas e fortale- cimento da democracia. Ressalta-se que, no Brasil, o acesso a esse meio está relacionado à distribuição de renda, ou seja, à desigualdade regional que pode ser uti- lizada como parâmetro de medida da inclusão digital. Porém, o estudo divulgado pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), pelo centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informa- ção (Cetic.br) e pelo Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), apontou que as classes menos abastadas foram as que mais tive- ram crescimento no número de acesso. Nessa mesma linha de pesquisa, é a que fora realizada pelo TIC Do- micílios 2015, que mede a posse, o uso, o acesso e os hábitos dos brasilei- ros em relação às tecnologias da informação, uso de internet e comunica- ção, retratou que 58% da população brasileira faz uso da internet em 2015. (BOCCHINI, 2016, online) A internet ao tratar o acesso à rede como exercício essencial a cida- dania reconheceu o homem como ser social e pretendeu garantir a conso- lidação do regime democrático, que como bem estuda Fernando de Brito Alves e Luis Otávio Vincenzi de Agostinho em Breves Notas sobre a Ci- dadania no Brasil contemporâneo (ALVES; AGOSTINHO, 2015, p.250); A cidadania é uma condição complexa, deve ser considerada como um antecedente lógico da democracia. É a aptidão-di- reito do homem a ter direitos, que deriva da própria con- dição humana, a qual lhe é ínsita. O fato de não se poder separar cidadania de condição humana, não lhe imprime um caráter de naturalidade. Ela é um construto histórico. Não obstante, chega-se, hoje, a uma aporia, sem resposta apa- rente: negar a condição de cidadania a alguém é negar-lhe a própria humanidade. Há como uma retomada da concepção aristotélica de homem: ele é um animal político, incapaz de viver sem conexões com a cidade, entenda-se que o homem só adquire humanidade quando lhe é reconhecido um direi- to fundamental de existência, o direito a ter direitos. Sendo assim, salutar a participação do povo para traçar diretrizes e estabelecer normas como forma de efetivar o direito constitucional de exercício da cidadania que para Hannah Arendt é o “direito a ter direitos” como efetivamente ocorreu na elaboração da Lei 12.965 28 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

Desse modo, pode-se concluir que cada vez mais os governantes es- tão preocupados em continuar depositando nas mãos do povo o poder político de forma que acredita que é na participação efetiva dos cidadãos dada pela interação com seus representantes que poderá resultar em um aperfeiçoamento institucional democrático.

3. CONCLUSÃO As inovações tecnológicas surgem como uma nova forma de inclu- são social, aumentando a possibilidade de efetivação da participação do povo e divulgação das informações públicas, além de viabilizar a interação entre governantes e governados. Essa proximidade entre os cidadãos proporcionadas pelo espaço ci- bernético permite a maior efetividade dos direitos à medida que trabalha com atores que vivenciam as dificuldades e podem fomentar os debates com questionamentos construtivos, concretiza, portanto os objetivos tra- çados na efetivação de uma democracia deliberativa. Deste modo, através da discussão argumentativa observada, por exemplo, na comissão de legislação participativa pode-se chegar ao consenso nor- mativo que nada mais é que um estado da discussão e não o seu fim, mas que vincula os atores por certo período, suficientes para justificar deter- minadas posturas e acompanhar o desenvolvimento da sociedade. Assim, salutar a consideração de todos os argumentos envolvidos no procedi- mento para que as normas fossem capazes de refletir as vontades dos par- ticipantes. Destarte, o acesso à internet reflete um exercício da cidadania e da democracia deliberativa retratando a consequência de uma construção histórica e social plural que se inicia e é resultante das transformações tecnológicas e sociais que proporcionaram o desenvolvimento de proces- sos de afirmação de direitos por diversos atores sociais através de novos espaços que tendem a aumentar a efetividade desses direitos.

REFERÊNCIAS ALVES, Fernando de Brito; AGOSTINHO, Luis Otávio Vincenzi de. Breves notas sobre a cidadania no brasil contemporâneo. Revista Argumenta, Jac- arezinho - PR, n. 5, p. 250-265, Fev. 2013. ISSN 2317-3882. Disponível em: . Acessado em: 10 Jun. 2015. Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 29

ALVES, Fernando de Brito. Constituição e Participação Popular - A Con- strução Histórico-Discursiva do Conteúdo Jurídico-Político da Democracia como Direito Fundamental. Juruá. 2013. BOCCHINI, Bruno. Pesquisa mostra que 58% da população usam in- ternet. EBC Agência Brasil. 13 de setembro de 2016. http://agen- ciabrasil.ebc.com.br/pesquisa-e-inovacao/noticia/2016-09/pesqui- sa-mostra-que-58-da-populacao-brasileira-usam-internet. acessado em 21.02.2017. GUTMANN, Amy, THOMPSON, Dennis. Porque democracia deliberati- va? Revista Brasileira de Estudos Constitucionais. Belo Horizonte: Editora Forum, jan./mar.2007, v.1. GRIGOLI, Juliana de J. Quatro modelos normativos de democracia repre- sentativa: as versões elitista, liberal, pluralista, participativa e deliberativa. Pensamento Plural. Pelotas, v.14. , p.113-126; janeiro-junho 2014. LEITE, André Luiz de Aguiar Paulino. Regulação da mídia: efetivação do direito à comunicação e aperfeiçoamento democrático no Brasil.Universi- dade Estadual do Norte do Paraná. Jacarezinho/PR. 2016 MAIA, Rousiley C.M. Democracia e a internet como esfera pública virtual: aproximando as condições do discurso e da deliberação. UFMG MELO, Rurion. Repensando a esfera pública: esboço de uma teoria crítica de democracia. Lua Nova. São Paulo Paulo, 94: 11-39.2015 MENDES, Geisla Aparecida Van Haandel; MENDES, Ubirajara Carlos. Configuração Democrática Participativa. Argumenta Journal Law, Jacarez- inho- PR, n.17. Disponível em . Acesso em: 03 out. 2016 PATEMAN, Carole. Participação e teoria democrática. Tradução de Luiz Paulo Rouanet. - Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. SORJ, Bernardo. Internet, espaço público e marketing político: entre a pro- moção da comunicação e o solipsismo moralista. Novosestud. - CEBRAP, São Paulo , n. 76, p. 123-136, Nov. 2006 . Available from .access on 24 Nov. 2016. http://dx.doi.org/10.1590/ S0101-33002006000300006. Notas 3 http://escolavirtualdecidadania.camara.leg.br/site/- Acessado em 22.12.2016 30 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez Argumenta 2017 Journal Law31 Heloisa Sami DAOU1 n. 27 p. 31-64 Jean Carlos DIAS2 jul/dez 2017

Como citar este artigo: O PAPEL DA MORAL NO DAOU, Heloisa, DIAS Jean Carlos. O SISTEMA JURÍDICO DE JOHN papel da moral no sistema jurídico de John Mitchell Finnis. MITCHELL FINNIS Argumenta Journal THE ROLE OF MORAL IN THE LEGAL SYSTEM OF Law, Jacarezinho – PR, JOHN MITCHELL FINNIS Brasil, n. 27. p. 31-64. EL PAPEL DE LA MORAL EN EL SISTEMA JURÍDICO DE Data da submissão: JOHN MITCHELL FINNIS 03/10/2017 Data da aprovação: 13/10/2017 SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Um contraponto ao positivis- mo: da moral periférica à moral substancial. 3. Os bens básicos e a razoabilidade prática: o substrato e o método para produção da moralidade. 4. A obrigação moral de obedecer ao direito. 5. Conclusão; Referên- cias.

RESUMO: Análise acerca do papel da moral na teoria do direito jusnaturalista de Finnis, tal como ele a enten- de na obra Lei natural e direitos naturais. Destacar- -se-á a crítica feita por Finnis a Hart e Raz, pois em Finnis a moral assume papel central e nessas teorias positivistas do direito papel periférico. Depois, estu- dar-se-ão os bens básicos, elementos valorativos ne- cessários para o aspecto mais amplo do florescimento humano e a razoabilidade prática, bem básico e mé- todo apresentado pelo autor para atingir a moralida- de. Com base nesse critério de validação moral da lei, finalmente, analisar-se-á a obrigação moral de obede- cer ao direito.

1. Centro Universitário ABSTRACT: do Estado do Pará - In this paper, we present an Analysis of moral CESUPA - Brasil 2. Centro Universitário role in Finnis’ theory of natural law, as he unders- do Estado do Pará - tands it in Natural law and natural rights. It will be CESUPA - Brasil 32 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 emphasized the criticism made by Finnis to Hart and Raz, because in Fin- nis the moral assumes central part and, in those law positive theories, it takes a more role. Then we will study the basic goods, value elements necessary for the broader aspect of human flourishing, and the practical reasonabling, basic good and method presented by the author to attain morality. Based on this criterion of moral validation of the law, finally, the moral obligation to obey the law will be analyzed.

RESUMEN: Análisis acerca del papel de la moral en la teoría del derecho jusna- turalista de Finnis, tal como él la entiende en la obra Ley natural y dere- chos naturales. Se destacará la crítica hecha por Finnis a Hart y Raz, pues en Finnis la moral asume papel central y en esas teorías positivistas del derecho papel periférico. Después, se estudiarán los bienes básicos, ele- mentos valorativos necesarios para el aspecto más amplio del florecimien- to humano y la razonabilidad práctica, bien básica y método presentado por el autor para alcanzar la moralidad. Sobre la base de este criterio de validación moral de la ley, finalmente, se analizará la obligación moral de obedecer el derecho.

PALAVRAS-CHAVE: Moral; bens básicos; razoabilidade prática.

KEYWORDS: Moral; basic goods; practical reasonableness.

PALABLAS CLAVE: Moral; bienes básicos; razonabilidad práctica.

1. INTRODUÇÃO A filosofia contemporânea do direito encontra-se em um contexto de várias direções de investigação: para um lado, estão as teorias interpre- tativistas do direito, com destaque para autores como Ronald Dworkin1, defendendo, em resumo, que o direito é uma atividade de interpretação do julgador e dos aplicadores com base em todo o arcabouço normativo e Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 33 principiológico que possui nos casos particulares. Em outra direção, estão os defensores do positivismo jurídico, que se revitalizou das críticas sofridas, especialmente aquelas advindas do in- terpretativismo, com autores como Herbert L.A. Hart, estruturando nova vertente ao trazer para dentro do universo jurídico a própria moral, ainda que de forma periférica, e também a linha positivista encabeçada por Jo- seph Raz, responsável em retomar a dissociação entre a moral e o direito2. Em meio a estes caminhos, surge outro, em direção à teoria do di- reito natural ou nova escola jusnaturalista. Essa, ainda que inspirada em autores como Platão, Aristóteles, Cícero e Tomás de Aquino, diferencia-se ao contextualizar as críticas vindas do positivismo jurídico e reinterpretar o pensamento desses clássicos jusnaturalistas para promover uma revita- lização do direito natural. Nesse contexto, desponta John Mitchell Finnis, um dos autores da atualidade mais importantes da New School of Natural Law. É filósofo, professor em Oxford e Notre Dame, nasceu na Austrália e teve como orientador de doutorado Hart, que lhe solicitou a elaboração de obra so- bre o direito natural, já sugerindo o título. A publicação de Natural law and natural rights se deu em 1980 e representa um marco contemporâneo revigorante na teoria do direito natural, por isso, todas as reflexões apre- sentadas no presente artigo serão com base nessa obra de Finnis. Portanto, a ligação entre Finnis e Hart foi fundamental para a con- cepção de Finnis sobre o direito natural. Em sua obra, o autor acompanha o pensamento positivista, mas aponta os erros, como, por exemplo, a má interpretação dos positivistas em relação à natureza do direito natural e a relação entre o direito e a moral. Assim, Finnis “atualiza” o pensamento do direito natural e, para tanto, baseia-se em fundamentos racionais atre- lados à moral e distanciados da metafísica. Esse aspecto é atraente na teoria de Finnis, uma vez que sua inovado- ra forma de compreender o direito natural interligado ao direito positivo, não sendo um ordenamento externo, independente, fonte de validade do sistema, é responsável por desfazer a caricatura histórica feita aos jusna- turalistas pelos positivistas. Finnis parte da assertiva de que existem bens humanos que somente o direito, enquanto instituição jurídica pode asse- gurar, assim como o autor identifica o método da razoabilidade prática como critério de validação moral das normas jurídicas com base nesses 34 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 bens (FINNIS, 2007, p. 17). O presente ensaio será dividido em três partes e tem como objetivo problematizar acerca do papel da moral no sistema jurídico tal como Fin- nis o entende. Far-se-á, inicialmente, um breve apanhado de como a mo- ral é usada na teoria finnisiana para criticar o positivismo jurídico, a partir da teoria de dois dos grandes expoentes da vertente positiva do direito: Hart (2011), na obra O conceito de direito e Raz, especialmente nas obras O conceito de sistema jurídico (2012) e Razão Prática e Norma (2010). Depois, estudar-se-ão os bens básicos e a razoabilidade prática. Os primeiros, na teoria de Finnis, não são em si morais, são insumos para o mais amplo aspecto do florescimento humano. Já a razoabilidade prática é o método apresentado pelo autor para se atingir a moralidade, é um ins- trumento de decisão para se alcançar, com base nos bens básicos, o status de moralidade. Por fim, e com base nesse critério de validação moral da lei, analisar- -se-á a obrigação moral de obedecer ao direito, tratando-se, assim, sobre a proposição da moralidade no sistema jurídico de Finnis. Desse modo, o presente artigo é um trabalho de hermenêutica, a metodologia empregada compreende a análise da obra de John Finnis, Lei natural e direitos naturais, bem como se buscará o suporte necessário em outros autores da Filosofia do Direito, de doutrina nacional e interna- cional, a fim de que se realize uma exegese completa acerca do problema proposto. Faz-se necessário iniciar as reflexões aqui propostas com a crítica feita por Finnis ao positivismo, de modo a delimitar, desde logo, o lugar que a moral ocupa na teoria jusnaturalista finnisiana.

2. UM CONTRAPONTO AO POSITIVISMO: DA MORAL PERI- FÉRICA À MORAL SUBSTANCIAL Positivismo e jusnaturalismo sempre divergiram em relação à posi- ção da moral na teoria do direito, o que está diretamente relacionado ao problema que envolve a natureza do próprio direito. De um modo geral, para os positivistas, dentre eles Hart e Raz, a moral sempre ocupa um papel periférico, incapaz de conceder qualquer conteúdo de validade a norma jurídica, ao passo que no jusnaturalismo, especialmente a corrente da teoria natural revigorada encabeçada por Finnis, a moral tem uma po- Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 35 sição central, ou menor, substancial. O presente tópico objetiva destacar o papel que ocupa a moral no sistema jurídico de Finnis em contraponto ao sistema jurídico positivista. Para tanto, escolhem-se dois dos grandes nomes do positivismo jurídi- co, Hart (2011) na obra O conceito de direito e Raz, especialmente em O conceito de sistema jurídico (2012) e Razão Prática e Norma (2010). Esta escolha não requer tantas explicações, pois é bastante unânime a opi- nião entre os teóricos do Direito de que o positivismo de Hart representou uma versão sofisticada da teoria, a ponto de revelar a sensação de que as questões persistentes sobre os fundamentos de tal concepção parecem realmente ter sido superadas em sua obra O conceito de Direito. O posi- tivismo de Raz, por sua vez, tanto quanto a tentativa de representar uma evolução à teoria de Hart procurou oferecer soluções para as lacunas iden- tificadas e também pretendeu blindar o positivismo jurídico das críticas de Dworkin. Nesse contexto, é correto afirmar que o positivismo se reformulou ao longo do tempo, mas nunca perdeu sua essência. Em Raz percebe-se a defesa de uma moral que nunca interfere nas relações do direito. Ou seja, o aspecto da moralidade não é levado em conta para qualquer definição de validade de uma norma ou mesmo para sua interpretação. Assim, o sistema normativo é fruto de fatos sociais e de decisões humanas, a auto- ridade é vista como a única fonte do direito. Nesse sentido, os indivíduos obedecem às imposições normativas ou porque confiam na autoridade ou porque se sentem coagidos por ela. No ato de obedecer não há nenhuma valoração moral ou discordância do juízo de valor constante das normas. Ou seja, “Independentemente da interpretação que se adote, fica claro que as regras são razões para a ação” (RAZ, 2010, p. 45). Por outro lado, encontra-se em Hart a defesa de que os valores mo- rais não são sempre fatores determinantes para definir e aplicar o direito, mas admite o autor que as sociedades podem adotar convenções que pre- vejam um lugar para a moral na determinação da validade e interpretação do direito. Assim, o fundamento de validade de um ordenamento jurídico para Hart se encontra em uma norma última de reconhecimento, que espe- cificaria os critérios segundo os quais a validade das leis é determinada. 36 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

A existência da regra de reconhecimento está em uma prática complexa, “mas normalmente concordante, dos tribunais, dos funcionários e dos particulares, ao identificarem o direito por referência a certos critérios. A sua existência [da norma de reconhecimento] é uma questão de fato” (HART, 2011, p. 121). Por sua vez, para Raz, o sistema jurídico é formado por normas que implicam em razões excludentes sobre outras e que contam com insti- tuições primárias capazes de aplicar essas normas e ao mesmo tempo de reconhecê-las por meio do emprego da regra do reconhecimento. “O que efetivamente confere normatividade ao direito é a existência e o funciona- mento das instituições primárias de aplicação” (DIAS, 2015, p. 267). Finnis é enfático ao criticar esses desenhos de sistemas jurídicos de Hart e Raz, especialmente por analisarem o direito sob um ponto de vista e método supostamente descritivo, livre de qualquer interferência de va- lores, fazendo referência aos dois positivistas, afirma: “Todas essas expo- sições do direito (...) pretendem ser descritivas. Elas procuram ´identificar o direito com base apenas em características não avaliativas´” (FINNIS, 2007, p. 22). O autor jusnaturalista não concebe que alguém possa produzir uma descrição sem participar do processo, desconsiderando o que ele mesmo entende como bom para os indivíduos e sem considerar a razoabilidade prática. Por isso, Finnis destaca a necessidade de assumir um “ponto de vista interno” (assim como Hart), pois para ele “uma adequada descrição requer a adoção do participante porque apenas ele terá condições para de- tectar qual é o 'caso central' da realidade descrita.” (SGARBI, 2007, p. 664). Hart, no capítulo IX da sua obra O conceito de Direito disserta so- bre a relação entre o direito e a moral de forma mais aperfeiçoada que nos anos anteriores de suas obras. Mas, mesmo mantendo a tese de que a moral e o direito podem se relacionar, deixa claro que esta relação é contingente e não subordinada. Nesse sentido, afirma Silva (2015, p. 139): Os critérios de validade de um sistema jurídico não dependem da ligação que ele possa vir a ter com a Moral. Hart não nega, como dito acima, a importância da relação e influência recíproca entre os dois domínios normativos. O que ele está negando é a estrita vinculação assimétrica entre os dois domínios. A Moral não deter- mina os critérios de validade do direito. Direito não deixa de existir só porque não está em conformidade com as regras morais. Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 37

Para Hart, manter a separação entre direito e moral é fundamental, especialmente contra regimes opressivos, pois permite que os indivíduos, nas sociedades, avaliem melhor as instituições e o direito. Assim, esta dis- tinção para ele, corresponde “às intuições básicas dos cidadãos” (SILVA, 2015, p. 141). Em Hart, as regras jurídicas e as regras morais podem até ter seme- lhanças, mas nunca terão o mesmo conteúdo. Ou seja, sempre há conteú- dos que direito e moral não partilham. Segundo o autor: (...) enquanto as regras jurídicas exigem apenas um compor- tamento 'exterior' e são indiferentes aos motivos, intenções ou outros acessórios 'interiores' da conduta, a moral, pelo contrário, não exige quaisquer acções externas específicas mas apenas a boa vontade ou as intenções adequadas ou o motivo apropriado. Isso equivale, na verdade, à afirmação surpreendente de que as regras jurídicas e as morais correc- tamente compreendidas não poderiam ter nunca o mesmo conteúdo; e, ainda que tal contenha uma sugestão de ver- dade, é, tal como está formulada, profundamente equívoca (HART, 2011, p. 187). Ademais, a pressão que a moral exerce é diferente da pressão exer- cida pela norma jurídica, isso porque a forma típica da pressão jurídica consiste em uma ordem de ameaças, ao passo que a moral exerce pressão em “apelos ao respeito pelas regras como realidades importantes em si mesmas, o que se presume ser partilhado pelos respectivos destinatários” (HART, 2011, p. 195). Hart tem como base o direito natural conforme seus clássicos ex- poentes, o que o leva a interpretar de forma errada o que diz Finnis. A grande objeção de Hart ao direito natural se foca na ideia de fim ou bem humano, porque segundo ele esta é uma ideia discutível. Mas Finnis res- ponde ratificando a visão de Hart, de forma inesperada. O desejo de Finnis não é falar sobre as teorias do direito natural, mas explicar o conceito desse direito natural, esta realidade indiscutível e que é responsável pela possibilidade de fundamentação racional para julgamentos morais. Nesse sentido, afirma Oliveira (2002, p. 46): Uma teoria do direito natural seria, pois, uma teoria que fun- damenta racionalmente o julgamento moral. E aqui há outro 38 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

obstáculo que FINNIS se propõe a ultrapassar: a visão equi- vocada, fruto do erro da visão positivista, sobre as teorias do direito natural. A razão do erro da visão positivista está, essencialmente, em não conseguir interpretar os textos dos teóricos jusnaturalistas, segundo os princípios metodológi- cos que eles estabelecem (significado focal e caso central). Muitos poderiam objetar a razão de erro, acima referida, escudados no argumento de que o positivista entende por correto um método diverso do jusnaturalismo. Quem pensa isso não entendeu o que FINNIS disse. Do ponto de vista interno, Finnis indica que Hart deveria perceber que as razões para obedecer ao direito são morais, mas não há uma iden- tidade necessária entre direito e moral. Ou seja: Isso quer dizer que para John Finnis, Hart está correto de entender o direito enquanto uma razão para ação, e que esta obrigação é eminentemente jurídica. Mas Finnis busca de- monstrar, por sua vez, que, em último grau, toda obrigação é também moral e que no caso em tela trata-se de uma obri- gação moral criada pelo direito. Em resumo, é moralmente importante que se obedeça ao o direito (NETO; SANTOS, 2015, p. 354). Raz é mais radical ao separar o direito da moral, tanto em suas obras acima referenciadas, quando em outras produções; pensa que a normati- vidade ao direito é conferida pela existência e o funcionamento das insti- tuições primárias de aplicação. Nesse sentido, Dias (2015, p. 273) afirma: A manutenção da tese central positivista da separação entre o direito e a moral ganha contornos mais precisos e desloca o problema da avaliação substancial para um método argu- mentativo e lógico conectado a razão prática. O autor considera que o direito é o mais importante dos sistemas institucionalizados, por isso os questionamentos entre a relação dele com a moral são frequentes e compreensíveis. Ele questiona o que conside- ra como questão fundamental: “há, necessariamente, uma relação entre direito e moralidade? É uma verdade necessária que o direito – todo di- reito – tem valor moral?” (RAZ, 2010, p. 160). Segundo Raz, os teóricos do direito natural responderiam afirmativamente a esta questão e ele se interessa por essas teorias apenas “porque fornecem uma solução para a questão da normatividade do direito” (RAZ, 2010, p. 160). Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 39

Raz questiona se é possível haver um sistema jurídico em vigor que não contenha sanções ou que não autorize o cumprimento delas por meio da força, e a resposta lhe parece ser humanamente impossível, mas logica- mente possível. É humanamente impossível, pois sendo os seres humanos como são, a existência de sanções a serem cumpridas por meio da força, se preciso, é necessária para assegurar um grau razoável de obediência à lei. Mas, é possível supor que, em sociedades em que as pessoas têm razões para obedecer às leis independentemente de sanções, o legislador poderia se dar ao trabalho de não aplicar sanções (RAZ, 2010, p. 156-157). Segundo Raz, para explicar normas jurídicas como moralmente vá- lidas, não basta demonstrar que há nelas algum mérito moral. O argu- mento de Raz é no sentido de que uma teoria explicativa do uso da lin- guagem normativa em contextos jurídicos deva ser aceita por todos. Isso, obviamente, não é verdadeiro. Para ele, as teorias do direito natural devem provar não apenas que toda lei é moralmente válida, mas também que isso é amplamente reconhecido e que, portanto, é relevante para a aplicação da linguagem normativa ao direito. Já que isso não ocorre, o direito natural não é capaz de explicar a normatividade do direito. Raz rejeita a pretensão da moral de fornecer conteúdo para a norma jurídica (RAZ, 2010, p. 168). Joseph Raz até admite que o dever de obedecer à lei prima facie te- nha alguma ligação com o seu conteúdo moral, mas, nega veementemente que a autoridade do direito dependa inteiramente do seu conteúdo. Ele acredita que leis devem gozar de autoridade, mas esta não está vinculada a nenhum fim moral, para ele: All we can say is that the law can be a valuable constituent component of valuable social groups, and if it is it has moral merit in being a worthy object of indentification and respect. But we cannot say that it must be such a constituent com- ponent, or that it fails if it does not. On the other hand all law must enjoy legitimate authority, or it fails in meeting its inherent claim to authority (RAZ, 2003, p. 17).3 O conceito de direito de Finnis, em alguns aspectos, é semelhante ao de Hart, um deles, à guisa de exemplificação, é a questão da autoridade criadora de regras jurídicas e também criada por elas. Porém, para Finnis, diferentemente, o direito pode ser um objeto construído culturalmente, pode ser uma técnica utilizada para um propósito moral, ou seja, para tra- 40 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 zer consenso nas decisões sociais com o objetivo do mais amplo floresci- mento humano a partir dos bens básicos. Há, então, poucas semelhanças e muitas divergências entre essas teorias, como deve estar claro até aqui. Desse modo, resta evidente que na teoria de Finnis a moral ocupa um papel central, diferentemente dos sistemas jurídicos dos positivistas elencados acima, nas quais seu papel é sempre periférico. E, agora, já de- lineado o lugar que a moral ocupa nas teorias positivistas destacadas e na teoria do direito natural finnisiana, passa-se, no próximo tópico, a com- preender como Finnis alcança a moralidade pretendida.

3. OS BENS BÁSICOS E A RAZOABILIDADE PRÁTICA: O SUBSTRATO E O MÉTODO PARA PRODUÇÃO DA MORALIDADE John Finnis destaca-se como responsável por fazer uma releitura do direito natural capaz de revigorá-lo. “Se na Antiguidade o Direito Natural era legitimado por Deus, pelo cosmos, pelos animais, no jusnaturalismo moderno, que se observa a partir do século XVII, há uma superação des- ses antigos dogmas” (PEREIRA, 2010, p. 15). Assim, Finnis desloca o foco do direito natural para o homem, atri- buindo a este uma natureza racional, a qual não poderia ser desconsidera- da pelos sistemas legais e deveria servir de baliza em relação aos preceitos de moral e justiça refletidos na natureza do homem. Para Finnis “Existem bens humanos que só podem ser garantidos por meio das instituições do direito humano e requisitos de razoabilidade prática a que apenas essas instituições podem satisfazer” (FINNIS, 2007, p. 17). Nesse sentido, Finnis destaca a imagem do direito natural nutrida por juristas como Hart e Raz para desconstituí-la, pois para Finnis o direi- to natural foi incompreendido por estes autores positivistas, responsáveis por perpetuar uma caricatura criada de modo que pudesse ser facilmente atacada. Sobre esta imagem caricatural, Raz, por exemplo, define os teóricos do direito natural como “aqueles filósofos que pensam que é um critério de adequação para as teorias do direito que elas mostrem... que é uma verdade necessária que todo direito tenha valor moral” (FINNIS, 2007, p. 38). Finnis não conhece qualquer filósofo que se encaixe nessa definição. Finnis descontrói esse espantalho criado pelos positivistas, afasta-se da metafisica e nos apresenta um método que, na prática pode construir a Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 41 moralidade, ele aproxima o direito da moral, mas em nenhum momento desfaz as ideias dos positivistas, ao contrário do que eles pensam. Segundo Pereira (2010, p. 17), Finnis insere elementos novos ao debate positivismo x jusnaturalismo como, por exemplo, “a defesa de que o positivismo e o jusnaturalismo não são incompatíveis, mas na verdade se complementam, onde caberá ao Direito natural o papel de avaliar a aptidão moral do orde- namento jurídico por um crivo de razoabilidade”. Nesse sentido, sobre o que pensa do direito natural, o próprio Finnis (2007, p.30), diz que: Uma sólida teoria do direito natural é uma teoria que explici- tamente, (...) realiza uma crítica dos pontos de vista práticos, a fim de distinguir o que não é razoável na prática do que é razoável na prática e, assim, diferenciar o que realmente é importante daquilo que não é importante ou é importante apenas por sua oposição ao que é realmente importante, ou por sua manipulação desarrazoada do que é realmente im- portante. Por isso, o objetivo do autor na obra Lei natural e direitos naturais é identificar os bens básicos a todas as pessoas e os requisitos da razoabili- dade prática que devem ser cumpridos pelo direito. Assim, complementa Rohling (2012, p. 161): (...) por direito natural Finnis entende que existe um con- junto de princípios práticos que indica as formas básicas de florescimento humano como bens a serem perseguidos e realizados e que existe, igualmente, um conjunto de requi- sitos metodológicos básicos de razoabilidade prática que fornecem os critérios para distinguir entre os atos que são razoáveis e atos que são desarrazoados, por meio do que é possível formular um conjunto de padrões morais gerais. Desse modo, a empreitada de Finnis esforça-se em construir um mé- todo que seja capaz de legitimar o direito natural através de um critério de razoabilidade. A sua teoria constrói, através desses bens básicos, a noção de que a moral de uma lei está vinculada a justiça e somente através da compreensão de tais bens autoevidentes que se pode averiguar a obriga- toriedade de leis injustas e, consequentemente, explicar a normatividade do direito. Há vários aspectos da realização humana e, por isso, há também vá- 42 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 rios bens a sustentar essa realização. Assim, os bens básicos são todos im- prescindíveis e não são, por si mesmos, morais. Porém, quando atrelados ao método da razoabilidade prática produzem a moralidade nas decisões. Logo, a moral poderia ser explicada de forma objetiva. Finnis concentra seu olhar no agir humano, e, nesse ponto, está in- vestigando a forma de construção dos juízos morais a partir dos subs- tratos avaliativos, que, na teoria de Finnis, são os bens básicos, aqueles insumos que estão presentes em qualquer consideração de boas razões para ação e em qualquer descrição completa da conduta humana. Por- tanto, o autor não se utiliza de qualquer artifício moral para legitimá-los, pelo contrário, evidencia que os bens apresentados constituem-se como atributos necessários e indispensáveis para que se possa avaliar e ponderar acerca de juízos morais. Nesse sentido Oliveira (2002, p. 61) observa: Portanto quando se fala de um valor “básico”, diz-se que este valor não é meio para se chegar a outro valor ou que não é derivado de outro valor. Mais precisamente, o valor é básico porque é e enquanto é “intrínseco à realização das pessoas” [intrinsic to the fulfilment of persons], desejável por si mes- mo. (...). Só aqueles que são propósitos básicos (fundamen- tais) da ação humana podem ser chamados de valores bási- cos. “O autor [Finnis] sugere que esses bens representam os princípios que devem ser utilizados para valorar um juízo moral” (DIAS, 2013, p. 142) e mais, “Os bens básicos, assim, servem de fundamento para a valo- ração dos juízos morais” (DIAS, 2013, p. 143). Portanto, eles são a dimen- são substancial da teoria de Finnis e, nas palavras de Sgarbi (2007, p. 667) “(...) eles possuem caráter 'pré-moral', 'pré-político' e 'pré-jurídico'". As características dos bens básicos também são definidas na teoria de Finnis, e são elas: a objetividade, a autoevidência e a incomensurabi- lidade. Por objetividade entende-se o fato de não serem subjetivos, não se considera algo como valor básico enquanto condicionado pelo desejo, mas porque ele mesmo condiciona o desejo. São autoevidentes porque não precisam ser demonstrados e também não há razões para duvidar que são bens em si mesmos. Há, na sociedade, um consenso de que eles são bem para todos. Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 43

E, são, por fim, incomensuráveis porque nenhum bem humano bá- sico pode ser considerado melhor que outro. Sobre esta característica, acrescenta ainda Oliveira (2002, p. 64): Também a impossibilidade em mensurá-los está em que inexiste uma subordinação a outros valores ou a um valor supremo, anterior – são valores primários. Daí a impossibili- dade de uma escala: se um é mais básico do que outro, então um é básico e o outro não é. É preciso considerar, ainda, a universalidade e também saber que a descoberta desses bens pode ter efeito diferente nas pessoas. Essa diver- sidade resulta não apenas do fato de que a verdade não é o único valor básico, mas também do fato de que os seres humanos diferem em sua determinação, entusiasmo, sobriedade, sagacidade, sensibilidade, e todas as outras modalidades de resposta a qualquer valor. Os sete bens básicos da teoria de Finnis estão todos relacionados ao aspecto mais amplo do florescimento humano e são eles: a vida, o conhe- cimento, o jogo, a experiência estética, a amizade ou sociabilidade, a ra- zoabilidade prática e a religião. Sobre estes bens, complementa Mccarthy (2015, p.1) 4: The central object of Finnis’s theory is a set of seven funda- mental ‘goods’ for humankind. (…). The basic goods serve as an explanation of why we do things. Any worthwhile activity is worth doing because it participates in one or more basic goods. Other positive qualities, like freedom or humility, are merely methods by which we can achieve one or more of the basic goods. Other motivations for action, such as the pur- suit of pleasure or material gain, are misguided and motiva- ted by human inclination rather than practical reason. Finnis argumenta que sua lista não é inalterável, mas sugere que ao buscar-se outros objetivos ou formas de bem acabar-se-á por descobrir que esses outros “ao serem analisados, são modos ou combinações de mo- dos de buscar (...) e realizar (...) uma das sete formas básicas de bem, ou alguma combinação delas” (FINNIS, 2007, p. 95). Além disso, os bens básicos são todos essenciais e autoevidentes por critérios advindos da própria racionalidade, ou seja, pela própria caracte- rística de cada bem, todos concordam que são importantes em qualquer momento e em qualquer sociedade, ainda que, a depender do momento 44 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 da vida de cada pessoa, a importância imediata de um possa se sobressair em detrimento da importância imediata do outro e mais, não são deriva- dos de nenhum outro, sendo cada um deles um fim em si mesmo, pois nenhum tem valor instrumental para o outro. Retomando a lista dos sete bens básicos, cumpre destacar, ainda que brevemente, que a vida, enquanto valor básico, corresponde à autopreser- vação e engloba a saúde corporal e cerebral, ausência de dor que signifi- que algum mau funcionamento do organismo bem como a transmissão da vida pela procriação. Já o conhecimento, é tratado por Finnis em dois momentos da sua obra, inicialmente na parte dois, como uma forma básica de bem e depois na parte três, quando o autor elenca os demais bens básicos. A importân- cia dada ao conhecimento por Finnis designa a tendência do ser humano em buscar a verdade. Portanto, é um valor desejado por si mesmo e deno- ta “(...) o puro desejo em saber, em evitar a ignorância ou o erro enquanto tais” (OLIVEIRA, 2002, p. 68). O jogo é instigador, pois o próprio autor afirma: “Um certo tipo de moralista, ao analisar os bens humanos, pode não dar importância a esse valor básico, mas o antropólogo não deixará de observar esse grande e irredutível elemento da cultura humana” (FINNIS, 2007, p. 92). É que o jogo está relacionado ao engajamento do homem nas atividades da so- ciedade, que pode ser de forma solidária ou social, intelectual ou física, estruturada ou até mesmo informal. Por sua vez, por experiência estética entende-se “(...) como a própria da natureza ou decorrente da ação humana que é tanto experimentada pelo criador quanto pelo expectador” (SGARBI, 2007, p. 669). É, desse modo, qualquer experiência com o belo e agradável. Já a sociabilidade, “(...) em sua forma mais fraca é realizada por um mínimo de paz e harmo- nia entre os homens, passa por todas as formas de comunidade humana e vai até sua forma mais forte, no desabrochar da amizade plena” (FINNIS, 2007, p. 93). A religião é assumida por Finnis em um contexto de abstração, refe- rindo-se a relação que existe entre as pessoas e a divindade, qualquer que seja. É dizer, não há uma escolha ou determinação de uma religião apenas, mas a ordem de relação entre o homem e suas crenças. Desse modo, é algo determinado pela própria pessoa e sua forma de se relacionar com Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 45 o místico. Por fim, e merecendo destaque, está o bem da razoabilidade prática, que, na teoria de Finnis, além de bem básico é um método. A razoabili- dade prática permite que o homem faça suas escolhas com base em sua inteligência e valores, por isso é razoabilidade ao decidir, ao assumir com- promissos e executa projetos, ou seja, a razoabilidade está voltada sempre a ação. Nesse sentido, esclarece: Here Finnis has in mind the exercise of reason in decision- -making about actions, including action directed at shaping one´s life or character as a whole. It involves an inner aspect, consisting in an attempt to bring harmony to one´s emotions and dispositions to action. (…). I take it that Finnis is assuming that practical reasonableness must be at least in good part shaped by recognition of the other basic values themselves (CRISP, 2003, p. 32).5

Importante ressaltar que os valores não podem se afastar do “bem comum”, pois este desvirtuamento afetará o critério de razoabilidade no agir, o que dará origem as chamadas “leis injustas”. Mas, Finnis deixa bem claro que a teoria do direito natural não precisa se preocupar com a afir- mação de que “leis injustas não são leis”, pois Finnis não nega o caráter positivado das leis e, como dito, não é contrário a tudo que o positivismo já estabeleceu. Finnis atua no sentido de complementar o entendimento positivista e se preocupa com os requisitos da razoabilidade prática em relação ao bem do indivíduo, uma vez que os seres humanos, por viverem em comu- nidade, “são confrontados com problemas de justiça e de direitos, de auto- ridade, lei e obrigação” (FINNIS, 2007, p. 337) e, depois, sobre a principal preocupação da teoria do direito natural, acrescenta que: (...) é, portanto, identificar os princípios e os limites do Es- tado de Direito (X. 4), e descobrir como leis boas, em toda a sua positividade e mutabilidade, devem ser derivadas (e não, em geral, deduzidas: X.7) de princípios imutáveis – princí- pios que tiram sua força de sua razoabilidade, e não de quais- quer atos ou circunstancias que lhes tenham dado origem (FINNIS, 2007, p. 337). A adoção da razoabilidade prática significa, em suma, que Finnis 46 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 adota o “significado focal” e afasta-se do “ponto de vista externo” em sua análise. Segundo Finnis, o teórico se vê diante da necessidade de ultrapas- sar a simples listagem das ações humanas, não pode se limitar, na descri- ção, a relatar os fatos sociais de modo neutro e avalorativo. Nisso Finnis acompanha as críticas de Hart e Raz6 feitas a Kelsen e Autin. Para tanto, faz-se necessário sempre observar esta finalidade práti- ca dos elementos que compõem a descrição. É, nesse sentido, que Fin- nis adota um instrumento filosófico aristotélico chamado de “significado focal”7, responsável por permitir ao teórico valer-se de critérios que lhe permitam uma descrição efetivamente precisa, com possibilidade de dis- tinção entre o direito e as demais práticas sociais. A partir desta analise, importante conclusão se pode extrair. É o que afirma Oliveira (2002, p. 37): Disso extrai que, sendo o ponto de vista interno do direito a atitude de quem trata o direito como um aspecto da razoabi- lidade prática a partir de um ponto de vista prático, haveria um caso central deste ponto de vista, que seria o ponto de vista de quem não só apela à razoabilidade prática mas que também é razoável praticamente. Finnis introduz o método da razoabilidade prática por meio de nove requisitos8: um plano de vida coerente, sem preferências arbitrárias por valores, sem preferências arbitrárias por pessoas, desprendimento e com- promisso, eficiência dentro dos limites do bom senso, respeito a cada va- lor básico, o bem comum, os ditames da própria consciência e a justiça geral. E, para o autor, não viver de acordo com esses requisitos é “irracio- nal” (FINNIS, 2007, p. 107). Sobre essas exigências básicas da razoabilidade prática e o resultado da sua concreta e habitual utilização, afirma-se: (...) a razoabilidade prática, se vivida plenamente, implica a moralidade, já que a participação na razoabilidade prática acontece modelando a nossa própria participação nos de- mais bens básicos, orientando nossos compromissos, a seleção de nossos projetos e o que nos faz levá-los a cabo. Daí porque o conteúdo das exigências da razoabilidade prática é composto por referências a formas adequadas de agir, tendo em conta cada um e todos os bens humanos básicos – o que, em última análise nos leva à realização humana integral (OLIVEIRA, 2002, p. 87). Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 47

O primeiro requisito da razoabilidade prática é um plano coerente de vida, e corresponde a dizer que a pessoa humana deve ter um conjun- to harmonioso de propósitos e orientações, direcionando seus projetos a uma vida comprometida, onde a eleição de propósitos não seja fruto de decisões arbitrárias, mas ao contrário, seja decisões vinculadas a realida- de. Isso porque, para Finnis não é razoável viver apenas de momento a momento, “atendendo a anseios imediatistas ou apenas deixando o barco correr (...) tudo requer tanto direcionamento quanto controle de impul- sos, bem como compromisso com projetos específicos” (FINNIS, 2007, p. 108). A adoção do plano coerente de vida resulta na adoção de dois outros requisitos, muito próximos entre si: o segundo, sem preferências arbitrá- rias por valores e, o terceiro, sem preferências arbitrárias por pessoas. Ou seja, “deve haver uma imparcialidade fundamental [fundamental impar- tiality] no momento de estabelecer uma hierarquia de valores e na hora de me relacionar com as pessoas” (OLIVEIRA, 2002, p. 90). Assim, não será razoável a desvalorização de qualquer das formas básicas de excelência humana, tampouco será razoável a supervalorização de bens meramente derivados e coadjuvantes ou instrumentais, “como a riqueza ou “oportunidades”, ou de bens meramente secundários ou con- dicionalmente valiosos, como a reputação ou o prazer (em um sentido do diferente de secundário)” (FINNIS, 2007, p. 110). E ainda, o terceiro requisito quer dizer que não é indicado nutrir um tratamento preferencial ou arbitrário entre as pessoas. “A 'regra de ouro' para vencer a hipocrisia, a indiferença e o egoísmo é submeter nossos atos ao teste universal dos juízos morais ao enunciado 'Faças aos outros, o que gostarias que fizessem a ti'” (SGARBI, 2007, p. 673). O quarto requisito é o desprendimento e compromisso, e, por meio dele, o indivíduo deve saber que a riqueza de objetivos e planos de vida e o insucesso de um ou alguns destes objetivos não implica a perda do sig- nificado da própria vida. Assim: Deve-se ter um certo distanciamento de todos os projetos específicos e limitados em que a pessoa está envolvida. Não há uma boa razão para a pessoa adotar uma atitude para com qualquer dos objetivos particulares a tal ponto que, se um projeto fracassa o objetivo não é alcançado, ela considera que sua vida ficou sem sentido (FINNIS, 2007, p. 114). 48 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

Por sua vez, para uma vida boa, há que se dar fundamental impor- tância ao equilíbrio nos compromissos do cotidiano. Por isso, Finnis esta- belece este, como o quinto requisito, afirmando que na vida é necessário equilibrar-se entre “o fanatismo e o desligar-se, a apatia, o fracasso irracio- nal ou a recusa a 'se envolver' com qualquer coisa” (FINNIS, 2007, p. 114). A sexta exigência determina que se deve agir de forma eficiente den- tro do razoável, Finnis nomeia como sendo a relevância (limitada) das consequências: eficiência dentro dos limites do bom senso. “A sexta exi- gência cobra ações idôneas à realização dos propósitos” (SGARBI, 2007, p. 674). Ou seja, trata-se do emprego de métodos eficientes para se alcançar os objetivos pretendidos, mas esses meios não podem ser incompatíveis com os demais requisitos, impedindo, assim, distorções. Portanto, o sexto requisito é uma exigência de bem comum, busca que a pessoa realize o bem no mundo, tanto em sua própria vida, como na vida dos outros. É o que Finnis (2007, p. 121) afirma: O sexto requisito – o de eficiência na busca de objetivos de- finidos que adotamos para nós mesmos e de evitar os danos definidos que escolhemos considerar inaceitáveis – é um real requisito, com inúmeras aplicações no pensamento “moral” (e, portanto, no pensamento legal). O sétimo requisito postula pelo respeito por cada valor básico em cada ato, ou seja, a pessoa não deve praticar qualquer ato que impeça ou danifique a realização ou a participação em qualquer outra forma de bem básico. Sobre esse requisito, Dias (2013, p. 148) faz uma ressalva impor- tante: Há, nesse particular, alguns pontos a esclarecer. Finnis sus- tenta que a caracterização do ato e seus efeitos não se as- semelham ao “avaliar” que um raciocínio de matriz conse- quencialista exigiria, mas, em sentido diverso, depende de uma adequada capacidade de julgamento, que não se funda- menta numa ideia geral de maximizar qualquer ganho. O oitavo requisito é um imperativo de moral e de favorecimento do bem da comunidade, enunciado por Finnis como os requisitos do bem comum, Finnis (2007, p. 127) afirma que “Muitas, talvez a maioria, de nossas responsabilidades, obrigações e deveres morais concretos têm seu fundamento no oitavo requisito. Podemos rotulá-lo de o requisito de fa- Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 49 vorecer e promover o bem comum da comunidade”. Por fim, a nono exigência da razoabilidade prática elencada na obra de Finnis Lei natural e direitos naturais é a de seguir os ditames da própria consciência. Nesse sentido, o indivíduo deve ser fiel ao que julga, pensa ou sente. Ou seja, deve agir conforme os ditames da sua consciência. Essa exigência: (...) expressa a “dignidade da consciência” [dignity of cons- cience], mesmo da consciência equivocada, decorrente de que a razoabilidade prática ser mais que um mecanismo para produção de juízos corretos, “é um aspecto da plenitude do ser pessoal, que deve ser respeitado (como todos os outros aspec- tos) tanto em cada ato individual como “em geral” – quaisquer que sejam as consequências” (OLIVEIRA, 2002, p. 95). Nesse contexto, o resultado, ou, nas palavras de Finnis, o “produ- to”, de uma vida com base nos requisitos da razoabilidade prática, que, ressalte-se, estão ancorados nos bens básicos, é a própria moralidade. Na prática, é a produção de juízos morais de razoabilidade. Portanto, em Fin- nis a moral deixa de ser periférica e passa a assumir um papel substancial, central, servindo como baliza para uma vida razoável. Ou seja, cada um desses requisitos assume uma importância e força em função da moral e do correto.

4. A OBRIGAÇÃO MORAL DE OBEDECER AO DIREITO Nos tópicos anteriores, foi traçado, inicialmente, um paralelo entre a teoria de Finnis e o positivismo de Hart e Raz, com base no papel que a moral assume nessas teorias. Posteriormente, foi analisado o substrato valorativo da teoria finnisiana que são os bens básicos, assim como o mé- todo de produção da moralidade a partir desses bens que é a razoabilidade prática, esta, em duplo aspecto, enquanto bem básico e também método capaz de guiar o agir humano racionalmente. A partir do que foi visto, resta o questionamento: como Finnis expli- ca a obrigação jurídica? As leis injustas são obrigatórias? Qual a relação entre a obrigação jurídica e a obrigação moral? Para Finnis, a resposta a estas questões está diretamente relacionada ao que foi visto no tópico segundo do presente artigo. Para ele, toda e qualquer obrigação deve ser considerada a partir da razoabilidade prática, 50 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 ou seja, algo somente é obrigatório se apresentar ao homem uma boa ra- zão para a ação de modo preceituado e não de forma diferente. Em Finnis o vínculo entre a obrigação jurídica e a realização desta obrigação está na moral e o vinculo entre a moral e o direito está na razoabilidade prática. Mas, como já foi citado no presente ensaio, para Finnis há bens hu- manos e direitos que só as instituições podem assegurar, por isso, a nor- ma jurídica tem fundamental relevância na sua teoria, pois é nela que os deveres e não deveres são insculpidos. Porém, esse arcabouço normativo positivado deve sempre ser analisado com base na razoabilidade prática, isso porque “O Direito não é para nosso Autor apenas exercício de poder, mas exercício de racionalidade” (SGARBI, 2007, p. 680). Ao estudar o sistema jurídico, Finnis destaca que existem, de um lado, preceitos legais que são moralmente obrigatórios, como, por exem- plo, o respeito aos mais velhos, e de outro, existem normas que não são moralmente obrigatórias, mas foram previstas pelo legislador, como, por exemplo, as normas de parar em sinal vermelho. Nesse sentido, ele ques- tiona por qual razão as pessoas cumprem normas que não são obrigató- rias, não foram estatuídas pelo legislador como tais. E a resposta de Finnis é com base na razoabilidade prática, pois, para ele, essas normas derivam dos princípios da razão prática e elas têm por base o bem-comum, ao qual todos devem dar a sua contribuição. Para ele a Justiça merece uma explicação que está relacionada ao bem comum, posto que “o bem comum, que é objeto de toda justiça e que toda vida razoável em comunidade deve respeitar e favorecer, (...)” (FIN- NIS, 2007, p. 167). Assim, bem comum “é fundamentalmente o bem dos indivíduos (um aspecto do qual é a amizade na comunidade)” (FINNIS, 2007, p. 167), ou seja, em sua teoria a noção de bem comum está relacio- nada a todos os bens básicos assim como, a partir deles, a garantia de um conjunto de condições para o florescimento humano em comunidade. Nesse contexto, a Justiça seria o instrumento necessário para o bem de todos, logo, está assentada na razoabilidade prática, sendo considerada justa a pessoa que o fomentar, e a autoridade da lei depende dessa justiça ou dessa capacidade de garantir o bem comum. Importante ressaltar, ainda, a afirmação de Finnis, de que, em sua obra, “Direito Natural” é sinônimo de “Direitos Humanos”: Quase tudo neste livro diz respeito a direitos humanos (“di- Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 51

reitos humanos” sendo uma expressão contemporânea que se refere aos “direitos naturais”: uso esses termos como si- nônimo). Pois que, como veremos, a moderna gramática dos direitos proporciona um modo de expressar virtualmente todos os requisitos da razoabilidade prática (FINNIS, 2007, p. 195). É errado dizer que os direitos humanos, ou o exercício deles, de- pendam do bem comum, quando, na verdade, a garantia dos direitos humanos é que se perfaz em um componente essencial do bem comum (FINNIS, 2007, p. 213). Em suma, “as exigências de justiça se expressam atualmente na linguagem dos direitos humanos” (SGARBI, 2007, p. 684). Sendo assim, os direitos humanos são uma forma de expressão de todas as exigências da razoabilidade prática e a moral é uma implicação da existência de bens humanos básicos. Assim, todo o agir humano que se dá nos limites da razoabilidade, portanto, da moralidade, tem por base os direitos humanos. Logo: Fundamentar los derechos humanos implica realizar um ejercicio racional de oferecer buenas razones, sin adoptar uma comprensión exclusivamente intuitiva o emotiva sobre el asunto. (...). La configuración de códigos Morales que gobiernen la conducta es uma constante em el hombre. Pero los mismos pueden ser replanteados desde cuestionamientos éticos, con- siderando sus possibilidades cognoscitivas. El discurso de los derechos humanos no escapa a esa reflexión, y que realiza um ser que se encuentra constante y profundamente insatis- fecho (RAMÍREZ, 2010, p. 118-119). 9 É exatamente aqui que se encontra o ponto central de compreensão de toda teoria de Finnis em relação às leis injustas, pois, se o fundamento de obediência das normas está na razoabilidade prática, ou seja, em sua capacidade de produzir moralidade a partir da ideia de bens básicos, ou direitos humanos, então, a norma que não cumprir esta exigência, não possui autoridade necessária para o seu cumprimento, podendo ser des- cumprida. Isso porque, “(...) não é o direito positivo que serve de funda- mento para os direitos humanos, mas os direitos humanos é que funda- mentam o direito positivo” (BARZOTTO, 2004, p. 85-86). Nesse sentido, resume Dias (2013, p. 150): A teoria, portanto, pretende ao mesmo tempo postular que 52 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

os juízos morais são o fundamento do ordenamento positivo, inspiram o seu método de decisão e se revelam institucio- nalmente pelo aparelho operacional em que as decisões se operam. Logo, a razoabilidade prática oferecerá o método de valida- ção moral das normas jurídicas que, sem dúvida estão no cerne da discussão teórica de Finnis. Isso não quer dizer, porém, que ele negue a autonomia e o fechamento teórico ao direito positivo; ele o admite, mas sustenta que há uma relação de complementariedade entre os dois universos. Isso reflete que as leis que não possam ser validadas sob o signo da razoabilidade prática simplesmente não desenca- deiam a obrigação moral de cumprimento, isto é, podem ser desobedecidas. Mais uma vez demonstra-se o papel central que a moral assume no sistema jurídico de Finnis, como critério de validade das ações, pois a vir- tude das instituições e do próprio Direito está na produção da moralidade nas ações por meio da razoabilidade. Em outras palavras, os bens básicos direcionam a ação e são os responsáveis por esta passagem da prática à moral10. Nesse sentido: First, as Finnis rightly insists, the only actions that exhibit the virtue of their agents are justified actions or (synonymously) reasonable actions. Contrary to the exotic teachings of some ‘virtue ethicists’, however, actions are not reasonable because they are virtuous. On the contrary: actions are virtuous be- cause they are reasonable (GARDNER, 2012, p. 2).11 Logo, considerando que somente as ações razoáveis são virtuosas e essa característica tem por base os direitos humanos, quando esse raciocí- nio volta-se para a lei “A questão não é a de indicar a norma que sustenta a existência dos direitos humanos, mas de determinar em que medida a norma se justifica ou não face aos direitos humanos” (BARZOTTO, 2004, p. 86). É assim que Finnis aponta quatro razões para se considerar uma lei injusta, ou quatro tipos de injustiças ou defeitos na lei. Primeiramente, o defeito de intenção, que se dá quando, ao invés de favorecer o bem co- mum, a autoridade busca seus próprios interesses. O defeito de autoridade se dá quando há abuso de autoridade dos funcionários da ordem jurídica, Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 53 em qualquer nível de hierarquia que esteja, ou seja, “(...) um funcionário público pode deliberadamente ou não se aproveitar sua oportunidade de afetar a conduta das pessoas e fazer estipulações que vão além de sua au- toridade” (FINNIS, 2007, p. 338). Por sua vez, sobre o defeito de forma, Finnis (2007, p. 339) afirma: o exercício da autoridade legal de outra forma que não de acordo com os justos requisitos de maneira e forma é um abuso e uma injustiça, a menos que aqueles envolvidos con- cordem, ou deveriam concordar, com um procedimento rá- pido para eliminar a “burocracia” que, nas circunstancias, iriam prejudicar a justiça substancial (cf. VII.7). Por fim, além dos três defeitos acima especificados, o que é estipula- do pode “não sofrer nenhum desses defeitos de intenção, autoria e forma e mesmo assim ser substancialmente injusto” (FINNIS, 2007, p. 339). Por isso chega-se conclusão de que Finnis, em sua obra, não está a negar que uma lei injusta seja lei, ao contrário, a injustiça substancial não a descaracteriza formalmente como lei, o que resta descaracterizada é a sua obrigação moral de cumprimento. Ou seja, no caso de uma lei injusta, embora continue sendo lei pode haver a desobediência. Em resumo: Para Finnis, os princípios do Direito Natural consistem em dados bastantes para não apenas explicar a força obrigató- ria das leis, mas também para desobedecer-lhe. Isso signi- fica que a obrigatoriedade moral de agir incluirá as normas jurídicas na medida em que elas sejam necessárias para a consecução do bem-comum. Nesse sentido, o governante não desfruta do “direito de ser obedecido”, mas possui a con- dição coordenadora para orientar e produzir leis que sejam moralmente obrigatórias, isto é, “autoridade” ou está dota- do de “autoridade” na medida em que estabelece diretivas para promover e para proteger o bem-comum, de modo que quando assim agir produzirá, por consequência, a obrigação moral de obediência; em sentido oposto, não produzirá tal efeito (SGARBI, 2007, p. 682). Como foi dito, a autoridade da lei depende de sua justiça. Mas Fin- nis concorda que há a necessidade de que quase todos os membros da sociedade aprendam quais são de fato as exigências – o caminho em co- 54 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 mum para se buscar o bem comum – da lei. Nesse sentido, as sanções fazem parte do empreendimento de ordenar legalmente a sociedade, um empreendimento que só é racionalmente requerido por aquele bem com- plexo de indivíduos que chamamos de bem comum. Assim, a lei deve ser coercitiva. E esse padrão formal evitaria o que ele chama de recalcitrância. Nesse sentido, Finnis especifica as condições formais da ordem ju- rídica a partir de cinco características. Em primeiro lugar, segundo ele: a lei insere “definição, especificidade, clareza e, portanto, previsibilidade nas interações humanas por meio de um sis- tema de regras e instituições tão inter-relacionadas que as regras definem, constituem e regulamentam as instituições” (FINNIS, 2007, p. 262) Ou seja, o campo de abrangência da lei é tão grande que, além de ela definir as regras aplicadas às relações intersubjetivas, ela também regula- menta a atuação das instituições que criam e administram suas próprias regras, “a lei regulamenta a sua própria criação” (FINNIS, 2007, p. 262). A segunda característica é um postulado de validade e, segundo Fin- nis (2007, p. 262) “qualquer regra ou instituição jurídica (...) que tenha sito validamente criada continua válida, em vigor ou existindo, juridica- mente, até que ela expire de acordo com seus próprios termos ou com algum ato ou regra válida de revogação”. Em terceiro lugar, Finnis assevera que regras jurídicas regulam não apenas a criação, a administração e a aplicação de regras, mas também as condições sob as quais um indivíduo pode modificar a incidência ou a aplicação das regras (FINNIS, 2007, p. 262). Esta característica é desdo- bramento da segunda, pois trata da condição própria da lei para produzir efeitos que se protraem no tempo. Por sua vez, em quarto lugar, a lei acres- centa toda a precisão e previsibilidade que pode as interações humanas por meio de uma “técnica especial: tratar atos passados (geralmente data- dos) (...) como dando, agora, razão suficiente e excludente para agir de um modo estabelecido no passado” (FINNIS, 2007, p. 263). A última característica potencializa a técnica especial utilizada na quarta característica para determinar que “todos os problemas de coorde- nação devem ser previamente previstos, por medidas que estipulem pre- cisamente que pessoa ou instituição deve utilizar seu discernimento para resolver determinada questão (...)” (PEREIRA, 2010, p. 67). Esse postula- Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 55 do, para Finnis é “fictício e, se aceito literalmente, é descritivamente en- ganador e iria restringir desnecessariamente o desenvolvimento da lei por meios não legislativos” (FINNIS, 2007, p. 263). Logo, ele é significativo como reforço das outras características da lei. Outro elemento fundamental na teoria de Finnis é o Estado de Direi- to, pois a lei não pode se contentar apenas com a estrita vinculação a crité- rios formais, mas, além disso, todo o sistema jurídico deve ser um exemplo dessa ordem de coisas que assegura o bem comum por meio de critérios de justiça. Assim, um sistema jurídico exemplifica o Estado de Direito na medida em que “um sistema legal está em bom estado” (FINNIS, 2007, p. 264), e esta virtude dos sistemas jurídicos se manifesta quando: Um sistema jurídico exemplifica o Estado de Direito na me- dida (...) em que (I) suas regras são prospectivas, não retroati- vas, e (II) não é impossível obedecer a elas; e (III) suas regras foram promulgadas, (IV), são claras e (V) coerentes entre si; (VI) suas regras são estáveis o bastante para permitir que as pessoas possam se guiar pelo conhecimento que têm do con- teúdo delas; (VII) a feitura de decretos e mandados judiciais aplicáveis a situações relativamente limitadas é guiada por regras que foram promulgadas, são claras, estáveis e relati- vamente gerais; (VIII) aquelas pessoas que têm a autoridade de fazer, administrar e aplicar as regras em caráter oficial (a) são passiveis de serem responsabilizadas pelo cumprimento de regras aplicáveis ao seu desempenho e (b) realmente ad- ministram a lei com consistência e de acordo com seu teor (FINNIS, 2007, p. 264). Em resumo, nas palavras de Finnis (2007, p. 266) “quanto mais os 8 desiderata já listados são satisfeitos, mais as cinco características formais da lei (X.3) são satisfeitas em casos concretos”. Fundamentalmente, por- tanto, é a necessidade de garantir àqueles que estão sujeitos à autorida- de a dignidade da autonomia e liberdade de todas as formas de controle. Logo, “O Estado de Direito está, portanto, dentre os requisitos de justiça ou equidade” (FINNIS, 2007, p. 266).

5. CONCLUSÃO O debate acerca do lugar que a moral ou moralidade deve ocupar nos sistemas jurídicos não é novo. Ao contrário, é comum que os teóricos do direito questionem qual o fundamento de validade dos sistemas jurídi- 56 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 cos e este questionamento assemelha-se a própria pergunta que ainda faz eco nos dias de hoje: o que é o direito? A melhor resposta pode ser a que menos se espera: depende. Isso porque não será possível uma resposta taxativa e nem mesmo qualquer resposta sem o conhecimento das diversas teorias do Direito. Nesse sentido, no presente artigo, buscou-se demonstrar que na teo- ria do direito jusnaturalista de Finnis a moral ocupa papel central, sendo fundamento de validade da ordem jurídica. Os argumentos expostos por Finnis, nesse sentido, foram muito bem elaborados, bem como o alcance que tiveram as ideias do autor acabaram por impor que as teses positivis- tas sejam repensadas, especialmente no que diz respeito à sustentação de uma relação periférica entre o direito e a moral. Para fortalecer a compreensão exposta foi preciso fazer um contra- ponto com o positivismo jurídico, corrente do direito a qual Finnis faz constante referência. Para tanto, partiu-se das ideias de dois expoentes da teoria do positivismo jurídico: Hart e Raz. Hart objetivava criar uma Teoria do Direito que fosse geral e, por- tanto, que tivesse aplicabilidade em qualquer sociedade, independente de aspectos específicos, como os culturais. O próprio autor admite que não há uma resposta precisa na definição do que é o Direito, e, no prefácio da 6ª edição da sua obra, desde logo afirma que pretende “aprofundar a compreensão do direito, da coerção e da moral como fenômenos sociais diferentes mas relacionados” (HART, 2011, prefácio). Destaca-se que, para Hart, o Direito deve ser analisado sempre em um contexto social e não isoladamente, pois ele é um fenômeno social. Somado a isso, Hart sustenta que o Direito é composto de normas que proíbem certos comportamentos ou normas que requerem uma repara- ção para aqueles que sofreram um dano. Hart dispõe de três características marcantes do direito: a primeira é que o direito é o fato de que os comportamentos humanos são obrigató- rios. Acontece que, ordens baseadas em ameaça, como a de um assaltante, também podem obrigar as pessoas a agirem de determinada maneira. En- tretanto, segundo Hart, a diferença entre uma norma jurídica e a ordem de um assaltante é que na primeira as ordens se dirigem de modo geral a um grupo. E ainda, o Direito se aplica também àqueles que editam as normas e não apenas a terceiros, como ocorre com as ordens baseadas em Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 57 ameaças. A segunda característica consiste na diferença entre normas jurídi- cas e normas morais, distinção que muito interessa para o presente ensaio, uma vez que normas morais também são obrigações. Assim, o Direito e a moral compartilham um mesmo vocabulário, de modo que há obriga- ções, deveres e direitos tanto jurídicos quanto morais. Quando uma nor- ma pertence ao mesmo tempo ao campo do direito e da moral há uma ideia de justiça. Acontece que, apesar das semelhanças entre os institutos, vislumbram-se diferenças significativas, pois uma norma jurídica pode ser tanto moral, quando imoral, o Direito para ser Direito não precisa ser moral. A terceira característica do Direito é que ele é regulado por um con- junto de normas, e estas são válidas quando a maioria dos indivíduos se comporta de acordo com o que é ditado ou imposto por elas. Por sua vez, para Raz, a forma de identificação de um sistema institu- cionalizado não está na investigação sobre os órgãos que criam as normas, mas naqueles que as aplicam, pois é a partir deles que há o indicativo de quais normas estão efetivamente em vigor. O sistema jurídico da Raz é formado por normas que implicam em razões excludentes sobre outras e que contam com instituições primárias capazes de aplicar essas normas e também, concomitantemente, de reconhecê-las por meio do emprego recorrente das regras de reconhecimento. Este sistema jurídico de Raz é inclusivo, reivindica supremacia e é aberto. Importante salientar, por um lado, que a validade do sistema jurídico desenhado por Raz não está na busca de uma última norma que confere a todas as dela logicamente derivadas sentido de validade. E, por outro lado, a noção de autoridade nasce quando reivindicada, ou seja, apenas na medida em que exercendo a autoridade uma pessoa ou instituição pode impor as normas aos destinatários. Desse modo, percebe-se, claramente, que a manutenção da tese cen- tral positivista da separação entre o direito e a moral “ganha contornos mais precisos e desloca o problema da avaliação substancial para um mé- todo argumentativo e lógico conectado a razão prática” (DIAS, 2015, p. 273). Ou seja, em nenhum momento há, nos sistemas jurídicos positivis- tas, lugar para a moral como elemento necessário de validação. Portanto, nesse contexto, grande legado de Finnis foi criar um ar- 58 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 gumento sólido capaz de aproximar o direito e a moral. Ele não ignorou a importância das leis, tampouco questiona a forma que os positivistas a colocam, mas buscou construir um juízo moral que funciona como parâ- metro para a análise de uma lei. Ao apresentar os bens básicos e o método da razoabilidade prática, Finnis afasta a ideia de metafisísica que sempre esteve ligada aos doutrinadores do direito natural. Em Lei natural e direitos naturais, Finnis oferece um juízo moral universal. Ele oferece a moralidade a partir do método da razoabilidade prática. Finnis ajudou a construir um paradigma moral que nenhum teó- rico anterior havia apresentado, ou seja, o autor foi capaz de construir um juízo moral que funciona como parâmetro para a análise de uma lei. No estudo do agir humano, investiga-se como se forma o juízo mo- ral, o processo decisório que leva à conduta. A razoabilidade prática é a justificação das boas razões de determinado ato. Essas boas razões são os bens básicos a que elas, invariavelmente, se voltam. Esses bens são autoe- videntes, por isso não precisam de demonstração, são objetivos, e univer- sais, irredutíveis e não hierarquizáveis entre si. Nesse sentido, afasta-se todo tipo de relativismo axiológico, à reve- lia da aparente irredutibilidade e diversidade dos valores morais. Os bens humanos básicos são critérios de avaliação da ação moral, são princípios práticos evidentes e indemonstráveis, que informam a razão prática, que constantemente se pergunta pelos bons motivos para agir. São esses mo- tivos que tornam a ação inteligível, compreensível, razoável. É dizer que os bens básicos são o núcleo da razão prática, eles servem para dar inteli- gência à ação, isto é, para torná-la compreensível e razoável à comunidade humana em geral. Servem para motivar as ações, como verdadeiros guias para o raciocínio moral. Desse modo, o fundamento do direito passa a ser tanto racional quanto moral e o papel principal do legislador e aplicador do direito será o de perceber que a exigência de moralidade é imperativa na elaboração e aplicação da lei, o que restringe, portanto, a sua liberdade de escolha. Em Finnis (2007, p. 195), “os direitos humanos ou naturais são os direitos morais fundamentais e gerais (...)”. E, havendo uma legislação que não respeite a razoabilidade prática, com base nos bens básicos, ou, em pa- lavra sinônima, nos direitos humanos, surgirá o conflito motivador do descumprimento da lei. Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 59

A racionalidade do homem o leva a agir moralmente, direcionando essa conduta ao bem comum e a não lesão aos direitos dos outros. Por isso, a decisão razoável será sempre a que leva em conta os requisitos da razoabilidade prática e terá seu fundamento na moral, gerando uma ati- vidade de reflexão constante. Portanto, pode-se afirmar que em Finnis a moral ocupa um papel de própria substância do Direito e dos Sistemas Jurídicos. A tradição da teorização da lei natural não está, assim, interessada em diminuir o alcance e a exatidão da lei positivada como forma de reso- lução de problemas sociais. Ao contrário, o jusnaturalismo tem tentado, - tradicionalmente, e, com destaque para Finnis -, mostrar que o ato de elaborar uma lei ou um regramento é um ato que pode e deve ser baliza- do por regras morais, uma vez que estas regras são uma questão de ra- zoabilidade objetiva. É, nesse sentido, que Finnis conclui sua explanação esclarecendo que, em verdade, o que caracteriza essa tradição é que ela não se contenta apenas em observar o fato histórico ou sociológico de que moralidade afeta a lei. Mas, em contrapartida, objetiva determinar os requisitos da razoabilidade prática que possibilitem uma racionalidade para a atividade dos legisladores, juízes e cidadãos (FINNIS, 2007, p. 282).

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Notas 1 Sobre o direito como atividade interpretativa sugere-se a leitura de DWORKIN em Levando os direitos à sério, O império do Direito, Uma Questão de Princípios e Justiça para Ouriços, principalmente. 2 Embora tenha muitas variantes, de um modo geral, a tese positivista é aquela sus- tentada por Austin, de que o conteúdo da lei depende de fatos sociais e não de seus mé- ritos. É na doutrina moderna que se encontram suas raízes mais importantes: a filosofia política de Hobbes e Hume oferecem elementos importantes e a completa elaboração se dá com Bentham, cuja perspectiva Austin, embora modifique e popularize, a adota. O Positivismo, com Kelsen, Hart e Raz, retoma sua força na metade do século XX. Para aprofundamento, ler: HART em The concepto of Law e RAZ em The Authority of Law e The Concepto of the Legal System, principalmente. 3 “Tudo o que podemos dizer é que a lei pode ser um componente constituinte va- 62 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

lioso de grupos sociais, e, se for, ela [a lei], tem o mérito moral em ser um objeto digno de identificação e respeito. Mas nós não podemos dizer que ela deve ser um componen- te tão constituinte, ou que ela é falha se não for. Por outro lado toda lei deve usufruir da autoridade legítima, caso contrário ela falha em atender sua inerente autoridade.” (RAZ, 2003, p. 17, tradução livre). 4 “O objeto central da teoria de Finnis é um conjunto de sete “bens” fundamentais para a humanidade. (...). Os produtos básicos servem como uma explicação de por que fazemos as coisas. Qualquer atividade que vale a pena vale a pena fazer porque participa em um ou mais bens básicos. Outras qualidades positivas, como a liberdade ou a humildade, são apenas métodos pelos quais podemos alcançar um ou mais dos produtos básicos. Outras motivações para a ação, como a busca do prazer ou ganho material, são equivocadas e motivado por inclinação humana em vez de razão prática.” (MCCARTHY, 2015, p. 1, tradução livre). 5 “Aqui Finnis tem em mente o exercício da razão na tomada de decisões sobre ações, incluindo a tomada de decisão direcionada a moldar uma vida ou características dela como um todo (ou de um modo geral). Trata-se de um aspecto interior, que con- siste em uma tentativa de trazer harmonia para suas emoções e motivações para a ação. (...). Presumo que Finnis está assumindo que razoabilidade prática deve ser, pelo me- nos em boa parte moldada pelo reconhecimento dos outros próprios valores básicos” (CRISP, 2003, p. 32, tradução livre). 6 Hart também adota o ponto de vista interno em seu livro HART, Herbert L.A. O conceito de Direito. Trad. A. Ribeiro Mendes. 6 ed. Lisboa: Fundação Caloustre Gul- benkian, 2011. Essa adoção também está presente na obra de RAZ, Joseph. O conceito de Sistema Jurídico uma introdução à teoria dos sistemas jurídicos. Trad. Maria Cecília Almeida. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012. Ou seja, tanto Hart quanto Raz ado- tam o mesmo ponto de vista de Finnis e os três tecem críticas à Kelsen e Austin em razão disso. Em meio às discordâncias, este é um aspecto de concordância entre Finnis e os positivistas Hart e Raz. 7 Esta é uma ferramenta do raciocínio analógico, que permite distinguir casos peri- féricos de casos imperfeitos. Para aprofundamento ler a parte 1 (um) da obra de Finnis Lei natural e direitos naturais que serve de base para o presente artigo. 8 Na obra Lei natural e direitos naturais Finnis elenca nove requisitos ou exigências da razoabilidade prática, mas em obra posterior o autor acrescenta o décimo requisito a sua lista. Sobre isso Oliveira (2002, p. 96) adverte: “Finalmente, a décima e última exigência básica da razoabilidade prática dita: não escolher bens aparentes, mesmo que eles tragam satisfações reais. Esta exigência não estava presente no rol apresentado em Natural Law and Natural Rights e aparece pela primeira vez em Fundamentals os Ethics. Segundo FINNIS, ele já estava implícito naquele livro e a sua elaboração foi fruto da reflexão sobre o exemplo da “máquina da experiência” [experience machine], que, segundo ele, pegou de ROBERT NOZICK. Essencialmente, esta exigência trata da relação entre sentimentos [feelings] e prosperidade humana [human flourishing]”. Para aprofundamento, deve-se ler FINNIS em: FINNIS, John. Fundamentals of Ethics. Washington: Georgetown University Press, 1983. 9 “Fundamentar os direitos humanos implica realizar um exercício racional de ofe- recer boas razões, sem adotar uma compreensão exclusivamente intuitiva ou emotiva sobre o assunto. (...). A configuração de códigos morais que governam a conduta é uma constante no homem. Porém os mesmos podem ser repensados a partir de questio- namentos éticos, considerando suas possibilidades cognitivas. O discurso dos direitos humanos não escapa a essa reflexão que realiza um ser que se encontra constante e profundamente insatisfeito.” (RAMÍREZ, 2010, p. 118-119, tradução livre). 10 Em outras obras Finnis aprofunda a ideia de “Princípio Supremo da Moral”. Portanto, sugere-se leitura das seguinte produções do autor: 1) FINNIS, John. Fun- damentals of Ethics. Washington: Georgetown University Press, 1983, já sugerida na nota explicativa n. 9 e 2) FINNIS, John; GRISEZ, Germain; BOYLE, Joseph. Nuclear Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 63

Deterrence, Morality and Realism. Reimpressão da 1. ed., 1987. Oxford: Clarendon, 1989. 11 “Primeiro, como Finnis insiste corretamente, as únicas ações que apresentam a virtude de seus agentes são ações justificadas ou (como sinônimo) ações razoáveis. Ao contrário dos ensinamentos exóticas exóticos de alguns “éticos virtuosos”, porém, as ações não são razoáveis porque elas são virtuosas. Pelo contrário: ações são virtuosas porque elas são razoáveis”. (GARDNER, 2012, p. 2, tradução livre). 64 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez Argumenta 2017 Journal Law65 José Alberto Antunes de MIRANDA1 n. 27 p. 65-94 Wanda Maria de Lemos CAPELLER2 jul/dez 2017

Como citar este artigo: SOCIEDADE GLOBAL, MIRANDA, José Alberto Antunes, DIREITO E POLÍTICA: UMA CAPELLER, Wanda M. de Lemos. Sociedade global, ANÁLISE DO PANORAMA direito e política: uma análise do panorama ATUAL DA GOVERNANÇA atual da governança. GLOBAL SOCIETY, RIGHT AND POLITICS: AN Argumenta Journal ANALYSIS OF THE CURRENT OVERVIEW OF Law, Jacarezinho – PR, GOVERNANCE Brasil, n. 27. p. 65-94. SOCIEDAD GLOBAL, DERECHO Y POLÍTICA: UN Data da submissão: 11/08/2017 ANÁLISIS DEL PANORAMA ACTUAL DE GOBIERNO Data da aprovação: 21/11/2017 SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Globalização e a sociedade in- ternacional; 3. O direito e a política na governança global; 4. Conclusão; Referências.

RESUMO: O objetivo deste artigo é analisar a partir das mudanças que ocorreram na sociedade, no direito e na política no cenário internacional no início deste século os padrões de governança global e como eles estão se comportando na atual conjuntura de extre- mismos, de protecionismos e de fragmentações. Rea- lizou-se um estudo com base no método qualitativo com pesquisa bibliográfica e documental a partir da analisa dos padrões de governança global. Conclui- -se que as mudanças que se observam na sociedade, no direito e na política no cenário internacional atual não chegam nesse momento a alterar os padrões de governança global até então instituídos.

ABSTRACT: The purpose of this article is to analyze from the 1. Universidade LaSalle - Brasil changes that have occurred in society, law and politics 2. Universidade in the international scenario at the beginning of this LaSalle - Brasil 66 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 century the patterns of global governance and how they are behaving in the current conjuncture of extremism, protectionism and fragmentation. A study was carried out based on qualitative method with bibliographical and documentary research from the analysis of global governance stand- arts. We conclude that the changes that are observed in society, in law and in politics in the current international scenario do not come at this time to change the standards of global governance hitherto instituted.

RESUMEN: El objetivo de este artículo y analizar a partir de los cambios que ocurrieron en la sociedad, en el derecho y en la política en el escenario internacional a principios de este siglo, los patrones de gobernanza global y cómo se comportan en la actual coyuntura de extremismos, proteccio- nismo y fragmentación. Se realizó un estudio basado en el método cuali- tativo con investigación bibliográfica y documental a partir de la analisis de los patrones de gobernanza global. Se concluye que los cambios que se observan en la sociedad, el derecho y la política en el escenario internacio- nal actual no llegan en ese momento a alterar los patrones de gobernanza global hasta entonces instituidos.

PALAVRAS-CHAVE: Direito, Política, Governança Global.

KEYWORDS: Law, Politics, Global Governance.

PALABRAS CLAVE: Derecho, Política, Gobernanza Global.

1. INTRODUÇÃO Segundo as últimas análises sobre a política mundial, o direito e a sociedade global, vivemos em um momento de extremismos, de protecio- nismos e de fragmentações, em que a política, o direito e a sociedade con- vivem com variáveis complexas. A globalização com suas características específicas estaria perdendo forca e da mesma forma tudo aquilo que se protagonizou com a governança global. Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 67

A governança global e sua concepção teórica como a expressa por James Rosenau que utiliza o termo governança global no sentido de en- fatizar as implicações de uma orientação, reorientação generalizada das habilidades e dos horizontes políticos das pessoas. Os padrões de mudan- ça da ordem global estão relacionados com as mudanças na vida global. Rosenau descreveu a implicação de novas aptidões e horizontes políticos como tendendo a um mundo bifurcado, composto de reinos centrais e multicêntricos. O autor sugeriu que esse fenômeno implica uma prolife- ração em muitas direções simultâneas: a subnacional, a transnacional e global (ROSENAU, 2000) Durante os anos 90, muitos estudiosos da política mundial começa- ram a utilizar o conceito de governança global. Ao mesmo tempo as fontes e implicações das mudanças globais foram estudadas pelo Direito e pelas Relações Internacionais. Na época a questão sobre a queda do bloco lide- rado pela então União Soviética, as implicações da globalização econômi- ca e também a participação da sociedade civil global em um mundo em constante mutação, trouxeram muitos questionamentos e dúvidas sobre o papel do Estado nação na sua concepção original. O objetivo deste artigo é analisar, a partir das mudanças que ocor- reram na sociedade, no direito e na política no cenário internacional no início desse século, os padrões de governança global e como eles estão se comportando na atual conjuntura de extremismos, de protecionismos e de fragmentações. Vivemos um momento onde proliferam argumentos de que o mun- do estaria menos propenso a globalização e mais voltado para os interes- ses dos Estados. O multilateralismo daria lugar a ações de cunho mais bilateral, principalmente com o avanço de governos mais conservadores e populistas de direita. A análise a ser realizada parte do método qualitativo via análise bi- bliográfica e documental mediante a coleta de dados e da literatura que abarcam a temática. A abordagem qualitativa de um problema justifica-se por ser uma forma adequada para entender a natureza de um fenômeno social.1 As práticas da governança global foram verificadas a fim de reconhe- cer e entender o modelo adotado e a assimilação pela sociedade interna- cional. Entende-se que a metodologia adotada é a que melhor se adapta 68 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 ao fim pretendido, pois se necessita identificar primeiramente o que há de mecanismos de governança global previstos e o seu real impacto na sociedade internacional e local.

2. GLOBALIZAÇÃO E A SOCIEDADE INTERNACIONAL A sociedade internacional tem os Estados concebidos como organi- zações humanas - uma sociedade de Estados, conforme Martin Wight já apresentava. Segundo o mesmo, muitos críticos afirmam a não existência de uma sociedade internacional, pois não haveria os requisitos do que normalmente chamamos de sociedade (WIGHT, 2002). Compartilhamos do pensamento de Wight quando argumenta que dificilmente pode ser negada a existência de um sistema de Estados, ad- mitir que tal sistema existe é admitir em parte a existência de uma socie- dade, pois uma sociedade corresponde a um certo número de indivíduos ligados por um sistema de relacionamentos com certos objetivos comuns. Não há um governo mundial acima dos Estados soberanos. No en- tanto há interesses, regras, instituições e organizações comuns criados pelos Estados para ajudar a constituir a interação entre eles. Hedley Bull cunhou a expressão sociedade anárquica: há uma ordem social mundial composta por Estados independentes (BULL, 2002) O papel do Estado não seria mais aquele ligado à atuação das desi- gualdades do mercado ou atinente à garantia da liberdade e de igualdade de oportunidades dos indivíduos com garantia de condições dignas de bem-estar social que possibilitassem a participação dos cidadãos nos des- tinos da sociedade. O novo papel do Estado seria garantir e proteger a orem espontânea instituída pelo livre mercado. O fenômeno da globaliza- ção desenvolve um processo no qual o espaço público deixa de ser legiti- mado pela política, passando a legitimar-se pela economia (LIMA, 2001) A Globalização levou os Estados avançados a cooperar entre si pelo benefício mútuo. As democracias industrializadas obtiveram avanços consideráveis relacionadas ao bem-estar, independente do também claro efeito excludente. O Estado moderno é em geral apresentado pela teoria como fundamental por fornecer ou buscar fornecer segurança, liberdade, ordem, justiça e bem-estar para a população. É importante termos em mente que os Estados são instituições his- tóricas, isto é, estão suscetíveis a mudanças. A cooperação supranacional, Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 69 por exemplo, começou a surgir em outros contextos a partir da configura- ção das primeiras organizações internacionais. André-Jean Arnaud coloca muito bem em sua obra Globalização e Direito que a Globalização surgiu a partir da tomada de consciência do fato de que a sociedade contemporânea se tornou uma sociedade do risco, em que ocorre a existência de interesses comuns pelo globo e a necessária gestão por outros caminhos que não as regulações tradicionais. A glo- balização parece questionar a ordem mundial que mantém o equilíbrio entre estados-nações soberanos com base no direito internacional. Deixa de haver uma linha de demarcação nítida, havendo imbricações, interre- lações e interpretações que confundem ao ponto de paralisar a aplicação das regras de uma ou outra ordem jurídica (ARNAUD, 2005, p. 2). Neste contexto, o Estado pode ainda manter o poder tradicional e as funções que exercia daquele que “diz-o-direito”? Na realidade, sua ver- dadeira função tornou-se a de definir as regras do jogo e harmonizar os comportamentos dos atores econômicos e justamente neste contexto que vai intervir a governança que, ao nível estatal, se exercerá como uma das estratégias destinadas a preservar a identidade de uma comunidade na- cional contra as agressões exteriores (ARNAUD, 2014:18-19). Assim, em escala nacional, a governança será mobilizada de maneira idêntica ao con- ceito de “regulação”, ou seja, como “guia da ação”, como “pilotagem”, nos quadros de um sistema organizado, que sob o impacto do meio ambiente, orienta os processos de adaptação. Mas a noção de governança vai se des- locar do local para o global, e ser reconceitualizada como uma ferramenta eficaz para a concepção de políticas globais. Ao longo dos últimos trinta anos a governança se intensificou e se afastou do contexto restrito dos governos nacionais e passou a ser uma governança de múltiplos níveis. Os participantes não são simplesmente governos e organizações internacionais tradicionais, mas também orga- nizações não governamentais e outros atores não-estatais. Uma parte da governança de múltiplos níveis reflete uma cooperação convencional mais intensa entre Estados independentes e parte dela representa uma transfor- mação mais profunda em direção ao que se preconizava governança su- pranacional. A condição moderna do Estado seria transformada de modo significativo (GONCALVES & COSTA, 2011). O estudo das tendências político ideológicas sobre governança glo- 70 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 bal foi abordado por Stephen Gill (1994), que refere esses elementos di- retivos da governança global como “elites globalizantes”, não sendo es- ses um bloco homogêneo e, ao invés, com o seu coração fixado no G-7. Essa network de instituições tem operado como um Fórum de formação de consenso entre eles o Fundo Monetário Internacional, a Organização Mundial do Comercio, o próprio G-7 e outros organismos internacionais de importância (GILL, 1994). Ainda segundo esse autor, as elites globais baseiam-se no renasci- mento do poder do capital financeiro na economia política global, princi- palmente a partir do final do século XXI. A aproximação feita com relação a política centra-se na criação de uma civilização do mercado através do ajustamento das normas e práticas da vida quotidiana. Este aspecto da go- vernança global surge em grande parte das mudanças globais associadas com as tecnologias da ordem mundial de conhecimento emergente (Gill, 1994). A chamada revolução tecnológica é resultado de avanços na ciência e na técnica que, muitas vezes, podem não ser tão recentes, mas também de inovações como o surgimento do ciberespaço - a era da informação. O surgimento das redes de comunicação de alta tecnologia contribui para o surgimento de uma economia digital, com consequências econômicas no nível da produção quanto sobre os custos de transação mundiais. O surgimento do ciberespaço, que é o local onde ocorrem as transações co- merciais e troca de informações por meio eletrônico, afeta o modelo do Estado soberano. Mesmo que jurisdições diferentes tentem regulara in- ternet, a forma como cada uma delas procura fazê-lo pode ser diferente, e ausência de fronteiras na rede causa necessariamente conflito entre as partes do mundo que são fisicamente distantes, mas eletronicamente pró- ximas (MATIAS, 2014). Kenichi Ohmae salienta que com a subsistência assegurada, dinheiro disponível e informação acessível sobre o resto do mundo, as pessoas ine- vitavelmente começam a olhar em sua volta e questionar por que elas não podem ter o que os outros tem. A rápida expansão da informação levaria a um crescimento da demanda por produtos estrangeiros sem equivalen- tes nacionais, favorecendo a globalização (OHMAE, 1995). Ainda que se possa dizer a partir de uma visão marxista de que a governança global responde a lógica da expansão do capitalismo e que o Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 71 capital precisa manter constantemente a exploração de novos mercados dominado em muito pelo capital financeiro, é importante considerar as mudanças estruturais reais na escala da organização social moderna. Conforme aponta Held & Mcgrew, as mudanças estruturais se evi- denciam pelo crescimento das empresas multinacionais, pelos mercados financeiros mundiais, pela difusão da cultura popular, pela degradação ambiental e pela modernização tecnológica que promove consensus que não podem mais ser exclusivos. A globalização não pode ser reduzida apenas a uma lógica econômica ou mesmo tecnológica. Existe uma com- plexidade de forças muito maior que molda a sociedade moderna e a or- dem global (HELD & MACGREW, 2001). De acordo com Habermas, a Globalização não se trata de um desen- volvimento que atingiu seu estágio de estabilização. Essa intensificação das relações de troca, de comunicação e de trânsito e as demais interações sociais para além das fronteiras nacionais, também expressadas como a expansão massificada das telecomunicações, turismo, cultura, com re- flexos no ecossistema e nas relações das organizações governamentais, e não governamentais correspondem ao conceito de globalização como um processo e não como algo acabado. (HABERMAS, 2001). A globalização refere-se a um conjunto multidimensional de pro- cessos sociais que criam, multiplicam, esticam e intensificam as interde- pendências sociais mundiais e as trocas, ao mesmo tempo que promovem nas pessoas uma crescente consciência de aprofundamento das conexões entre o local e o distante. Essa definição de Steger é complexa e multi- facetada, é útil explorar algumas de suas partes componentes em maior profundidade. A primeira parte importante da definição de Stegers é que a globali- zação não é um evento, um processo singular, ou uma entidade monolíti- ca, em vez disso, a globalização consiste em múltiplas operações contínuas e interdependentes. Também é importante notar que esses processos são sociais (eles se relacionam com a sociedade humana, seus membros e rela- ções organizacionais). Além disso, esses processos sociais são generativos, o que significa que eles criam e expandem as redes de conexões. Steger ressalta que essas redes ultrapassam cada vez mais as fronteiras políticas, econômicas, culturais e geográficas tradicionais (STEGER, 2003). As discussões sobre globalização política frequentemente focam em 72 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 organizações supranacionais e formas de regulamentação. Essas estrutu- ras incluem governos locais dentro das nações, grupos regionais de Es- tados, organizações internacionais e organizações não governamentais. Cidades globais como Tóquio, Nova York, Londres e Kuala Lumpur, muitas vezes, possuem interesses políticos mais em comum com ou- tras cidades no mundo do que com seus países. Conforme aponta Zygmunt Bauman, as tendências neotribais e fundamentalistas, que refletem e formulam a experiência das pessoas na ponta receptora da globalização, são fruto tão legítimo da globali- zação quanto a hibridização amplamente aclamada da alta cultura, a alta cultura globalizada. Uma causa específica de preocupação é a pro- gressiva ruptura de comunicação entre as elites extraterritoriais cada vez mais globais e o restante da população, cada vez mais localizada (BAUMAN, 1999). As variedades de respostas ao processo de globalização sugerem com toda a clareza que existe pouca perspectiva de uma cultura glo- bal unificada; pelo contrário. Existem muitas culturas no plural. Não obstante isso, como destacaram diversos contribuintes, a intensidade e a rapidez dos fluxos da atual cultura global contribuíram no sentido de que o mundo seja um lugar único que proporciona a proliferação de novas formas de cultura para os encontros internacionais. Embora essa rede cada vez mais intensa de encontros e de interdependências cosmopolitas locais possam dar origem a terceiras culturas e a uma to- lerância cada vez maior, ela pode também produzir reações negativas e intolerância (FEATHERSTONE, 1990). No âmbito da governança, a sociedade civil global reflete o con- junto de atores transnacionais que tentam monitorar questões que es- tão fora do controle de cada nação. Esses atores buscam redefinir o papel das agências internacionais e suas relações com as instituições nacionais, organizações da sociedade civil, de forma a adotar regras e princípios democráticos. Segundo Teixeira observa-se a existência de uma sociedade civil global em processo de constituição, um conjunto heterogêneo de or- ganizações sociais, movimentos, grupos de cidadãos, ONGs que se arti- culam em redes sociais e eletrônicas, criando espaços públicos autônomos ou utilizando-se de esferas públicas institucionais para o debate crítico e Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 73 propositivo de questões gerais que afetam a sociedade (TEIXEIRA, 2002). Segundo Ali Kazancigil, As características da governança explorada de uma forma crítica indicam que a mesma é envolvida no processo de fa- zer política, das autoridades estatais e locais, bem como o se- tor de negócios, o sindicato de trabalhadores e os agentes da sociedade civil, tais como ONGs e os movimentos populares. Todos esses investidores participam neste tipo de negocia- ção. É um processo de tomada de decisão relativamente ho- rizontal, em oposição ao estilo mais hierárquico do governo tradicional. Segundo o mesmo, essa participação estaria bem longe de ser igual, uma vez que certos investidores influen- ciam os resultados muito mais do que outros (KAZANCI- GIL, 2002, p. 53 – 54). O autor ainda indica que o modelo de governança se adapta muito bem às condições da cena multinacional, na qual não há nenhuma auto- ridade central e na qual os investidores, isto é, os Estados soberanos, as corporações multinacionais, as organizações internacionais e mais recen- temente as ONGs, geram políticas sobre questões específicas e regimes regulatórios, através de negociações. A governança até o momento teria se baseado nos princípios de efetividade e eficiência. Seria participativo, mas por envolver apenas esses investidores interessados na questão em consi- deração, não substitui as instituições democráticas, as quais representam a totalidade dos cidadãos e tratam de interesses multisetoriais comuns da sociedade como um todo (MILANI, ARTURI, SOLINÍS, 2002). Na teoria das relações internacionais há posições bastante divergen- tes a respeito do efetivo funcionamento das instituições internacionais, mesmo as juridicamente organizadas, como instrumento estabilizador de comportamentos. As visões realistas tendem a reduzir a importância des- sas instituições, pois as razões de Estado podem levar, a qualquer momen- to, à ruptura com os laços institucionais e à adoção de comportamentos divergentes (GONCALVES & COSTA, 2011) Esse continua a ser um argumento presente ante a fragilidade ou, muitas vezes, a não efetividade das ações de governança global presentes no globo. A posição das elites globais estaria baseada no renascimento do poder do capital financeiro e na economia política global do final de século XXI. A aproximação feita com relação a política centra-se na cria- 74 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

ção de uma civilização do mercado através do ajustamento das normas e práticas da vida quotidiana. Este aspecto da governança global surge em grande parte das mudanças globais associadas com as tecnologias da or- dem mundial de conhecimento emergente. Goncalves e Costa (2011) indicam que o relatório Governança Glo- bal 2025 trabalha com o conceito amplo de governança, envolvendo todos os aspectos e características: nele, o termo inclui todas as instituições, re- gimes, processos, parcerias e redes que contribuem para a ação coletiva e a solução de problemas no nível internacional. A conclusão apresentada pelo documento é que a governança global, ou seja, a administração cole- tiva dos problemas comuns no nível internacional, estaria num momento crítico. Quadro 1 – Cenários potenciais de acordo com o documento Global Governance 2025: At a Critical Juncture,

Fonte: Autoria própria com base nos dados disponíveis no documento Global Go- vernance 2025: At a Critical Juncture, disponível no endereço: http://www.iss.europa.eu/ uploads/media/Global__Governance_2025.pdf. Acesso em: 25/04/2017 O quadro acima resume a apresentação de cenários apresentados no documento Governança Global 2015 de forma a identificar os pos- síveis caminhos que o sistema internacional pode seguir. O avanço do processo de Governança Global e relativo sucesso nas últimas décadas, o crescente número de temas na agenda inter- nacional, bem como sua complexidade, está superando a habilidade das organizações internacionais para enfrentá-los. Além disso, as mu- danças no balanço de poder internacional também contribuem para complicar a governança global. Riscos são grandes sem estruturas adequadas para trazer organização ao sistema internacional em curso. Não havendo um conjunto de regimes que tenham forca a instabilida- de pode crescer (GONCALVES & COSTA, 2011). Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 75

O alerta feito por Goncalves e Costa é relevante, mas não estaria já as ações de governança global enraizadas o suficiente para suportar essa onda de extremismos, do protecionismo, fragmentações e mudan- ças de balanço do poder? O processo de governança não é algo novo, atualmente já se presencia outros atores envolvidos nesse processo em que demandas de uma sociedade internacional se evidenciam. A in- terdependência internacional aumentou muito, praticamente impossi- bilitando o isolacionismo. Os Estados individualmente não têm como lidar com problemas da interdependência de forma isolada. Nye e Keohane já destacavam que a interdependência não pode ser pensada somente pelo viés liberal, pois apenas pensa em termos de ganho conjunto, ou seja, em situações de resultado positivo nos quais todos se beneficiam e todos melhoram. Seria ingênuo pensar dessa forma e não prestar atenção na desigualdade dos benefícios e nos con- flitos que surgem com relação a distribuição dos ganhos relativos pois deixa-se de considerar os aspectos políticos da interdependência. Os custos da interdependência podem envolver uma sensibilidade a cur- to prazo ou uma vulnerabilidade a longo prazo (NYE & KEOHANE, 1989). A cooperação multilateral é vital ao multilateralismo, os limites da concepção do estado centrismo na atual conjuntura do mundo con- temporâneo e as transformações no formato institucional do multi- lateralismo provavelmente dificultariam em muito a volta ao mundo protecionista e fragmentado.

3. O DIREITO E A POLÍTICA NA GOVERNANÇA GLOBAL Para o direito a governança global, como um empreendimento normativo para o reforço da democracia, pode ser compreendida a partir de quando a democracia e a justiça assumem um papel retórico mais importante num contexto global. Ao mesmo tempo, a globaliza- ção atenua o domínio das comunidades democráticas dentro dos limi- tes do Estado territorial. Na verdade, à medida que o papel do Estado- -nação, como veículo para o engajamento democrático torna-se mais problemático, o clamor pelo engajamento democrático no nível global torna-se mais forte. Mas estes não são processos estáveis. A compreen- são e a atenção à importância das questões normativas da governança 76 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 e da prática estatal como exercícios de responsabilização e aperfeiçoa- mento democrático devem acompanhar nossa compreensão da gover- nança como exercícios de eficácia e eficiência. O debate é ampla- mente dividido entre teóricos e praticantes (HIGGOTT, 2006). De acordo com a teoria do Estado em transição, a comunida- de internacional também parece passar por uma transformação em que dois grandes desenvolvimentos seguem direções distintas. Uma tendência busca uma identidade física comum para a ordem políti- ca ocidental, tendo como essência a democracia política, os direitos individuais e uma economia com base no mercado e na proprieda- de privada (DEUDNEY e IKENBERRY, 1999). A outra tendência leva a fragmentação segundo linhas étnicas, nacionais e religiosas, expondo uma concepção mais limitada e exclusiva de comunidade. (CASTELLS, 1998). Os acadêmicos ligados ao conceito de sociedade internacional enfatizam a presença simultânea na política global, de ambos os ele- mentos realista e liberal. Há conflito e cooperação, Estados e indiví- duos. Tais aspectos divergentes não podem ser simplificados nem resumidos em uma única teoria com uma única explicação variável - o poder - uma vez que esta seria uma visão muito limitada da po- lítica mundial e distorcida da realidade. Os teóricos da sociedade internacional enfatizam que uma abordagem humanista reconhece a presença simultânea de todos esses elementos e a necessidade de se realizar um estudo holístico dos problemas e dilemas dessa com- plexa situação (JACKSON e SORENSEN, 2003). Política e Direito são termos utilizados para designar diversas realidades. A definição de política apresentada por Bobbio (2010, p. 954) é expressa como a forma de atividade a partir de um conjunto de meios que permitem alcançar os efeitos desejados. O poder se exerce em diferentes níveis na sociedade, na administração, na reprodução material e nos grupos organizados. No primeiro nível se apresenta o poder político no âmbito do executivo, legislativo e judiciário. No se- gundo nível temos o poder econômico, dividido em financeiro, em- presarial e comercial e no terceiro nível se apresenta os grupos sociais organizados em torno de uma referência que gera identidades e fide- lidades. Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 77

O direito surge como instrumento que possibilita o poder po- lítico administrar a sociedade mediante a promulgação, execução e julgamento de atos normativos. A norma jurídica deverá prestar-se igualmente a fornecer aos atores desses outros poderes meios não so- mente de canalizar suas demandas para o poder político, como também conquistá-lo legalmente. Na esfera internacional o di- reito apresenta-se como um conjunto normativo sobre o qual poucas generalizações podem ser feitas, pois nele encontramos uma diversidade considerável de regras, com variados graus de coerção e exigibilidade. Há uma permanente tensão entre as duas concepções opos- tas de organização das relações internacionais que se expressam em dois padrões argumentativos: um argumento que se mani- festa na ordem e a obrigação de justiça, interesse comum, no progresso, na comunidade mundial. O outro argumento se esta- belece na ordem e na obrigação no comportamento, na vontade e no interesse de fato do Estado (KOSKENNIEMI, 2005, p.17). Essencial para essa diferenciação é a existência de institui- ções independentes, concebidas para solucionar controvérsias entre os Estados, quando os meios pacíficos, e a natureza políti- ca fracassam. Nas relações internacionais, visualiza-se diversas entidades com essa função, mas nem todas têm as mesmas com- petências e os mesmos poderes. Entre a jurisdição voluntária e a obrigatória, há uma série de variáveis em jogo. O exercício interpretativo da lei, por implicar uma escolha a ser seguida, dentre várias interpretações, é um exercício de política: as normas têm diversos graus de imprecisão tanto no plano interno quanto no internacional. O adensamento jurídico das relações inter- nacionais nada mais é do que a política em linguagem jurídica no in- terior de instituições (MINIUCI, 2014, p. 11-12) Atualmente se vive um processo no qual os discursos se radicali- zam em extremos, gerando a sensação de volta ao status quo anterior, no qual o Estado volta a assumir a sua razão de ser, desprestigiando o processo de governança global que é uma evolução das normas de con- vívio no mundo. O processo de governança global, ainda que se apre- sente de uma forma deficitária em seu aspecto democrático, contribui 78 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 para a formação de um pensamento de justiça, interesse comum e progresso da humanidade. É importante ter em mente que o direito não é o único curso de ação das relações internacionais, mas também não podemos negligenciar o direito internacional. Muitas vezes as abordagens realistas contribuem para a marginalização do direito nos estudos políticos internacionais. O argumento apresentado é que o direito não tem forca coercitiva, o que não permite a sua eficácia. Morgenthau argumentava que a natureza decentralizadora do direito internacional é o resultado inevitável da estrutura decen- tralizada da sociedade internacional. O direito doméstico pode ser imposto pelo grupo que detém o monopólio da força organizativa, ou seja, os oficiais do Estado. Seria uma característica da sociedade internacional, composta por Estados soberanos, que por definição são as autoridades legais supremas junto aos seus respectivos ter- ritórios em que não poderia existir um direito centralizado e coer- citivo. O direito internacional basearia a sua existência e operação em dois fatores, ambos decentralizados em seu caráter: identitário ou complementário aos interesses dos Estados individualmente e a distribuição de poder entre eles (MORGENTHAU, 1993). A argumentação baseada no direito interno de Morgenthau não é suficiente, o direito interno ainda está longe de ser o ideal de justiça. Da mesma forma, o caráter de execução apresentado pelo direito internacional evoluiu muito nos últimos anos com a criação de organizações internacionais específicas e tribunais internacio- nais, ainda que apresentem deficiências em termos de representati- vidade dos Estados. Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 79

Quadro 2 -Cortes Internacionais que contribuem para manutenção da governança global 80 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 81

O quadro acima indica a importância das cortes internacionais exis- tentes para a governança global. Se observa que as cortes abrangem um número expressivo de temas que são hoje fundamentais para a estabilida- de do sistema. O quadro também identifica que a última década do século XX e primeira do século XXI foram fundamentais para a consolidação do processo de governança. Também o direito internacional está cada vez mais aplicável aos agentes não estatais (organizações internacionais, indivíduos) e é nego- ciado e controlado com a participação de atores não governamentais que reivindicam a defesa de interesses gerais e coletivos (DEVIN, 2009). A atividade normativa internacional obteve um considerável avanço desde o século XIX. Houve o aumento de sua diversificação, comoquadro acima indica a importância das cortes internacionais existentes para a go- vernança global. Se observa que as cortes abrangem um número expressi- vo de temas que são hoje fundamentais para a estabilidade do sistema. O quadro também identifica que a última década do século XX e primeira do século XXI foram fundamentais para a consolidação do processo de 82 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 governança. Também o direito internacional está cada vez mais aplicável aos agentes não estatais (organizações internacionais, indivíduos) e é nego- ciado e controlado com a participação de atores não governamentais que reivindicam a defesa de interesses gerais e coletivos (DEVIN, 2009). A atividade normativa internacional obteve um considerável avan- ço desde o século XIX. Houve o aumento de sua diversificação, como o desenvolvimento de atos negociados não convencionais e do direito que atende as organizações internacionais, a aumento das áreas de aplicação, como o direito material até a expansão dos atores de sua elaboração. O di- reito internacional oferece um quadro formal a este arranjo de interesses. Nesse sentido, ele é organizador, definindo campos de negociação, fixan- do os compromissos subscritos e designando, embora sem poder sancio- ná-los sempre, os comportamentos de desvio. Essa tarefa é habitualmente considerada como reguladora, o que pode gerar confusão, na medida em que a regulação em questão define mais uma ordem e busca menos equi- líbrio (DEVIN, 2009, p. 149-159). É sempre importante termos em mente que o direito internacional é ordenador e é também produtor no sentido que as regras são constitutivas de referências, expectativas e condutas - um aspecto importante defendido pela perspectiva construtivista (RUGGIE, 1998). A noção de regime internacional em um contexto de governança global experimentou um entusiasmo acadêmico forte ante o desenvolvimento de arranjos internacionais mais ou menos institucionalizados. De certa forma, cobriu um número crescente de setores (dos armamentos aos direitos humanos, passando pelo comércio, relações de trabalho, meio ambiente, esporte, dentre outros). A noção de regime internacional questiona as condições e os modos de cooperação internacional esvaziando a especificidade do direito em benefício de um conjunto muito pouco claramente diferenciado de princípios, normas, regras e procedimentos decisórios. Guillaume Devin salienta que a normatividade do direito internacio- nal, especificamente sua força obrigatória, frequentemente causou proble- mas em razão de suas lacunas e do primado geralmente a soberania dos Estados. O aumento da produção normativa, resultante principalmente do aumento das atividades das organizações internacionais e dos regimes Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 83 internacionais, poderia ser um maior sinal de uma maior segurança das relações internacionais se não fosse acompanhada de um conteúdo nor- mativo muito variável (DEVIN, 2009, p. 152). A produção normativa deve satisfazer a busca pelo consenso. Nas negociações multilaterais, como exemplo as que defendem os considera- dos bens públicos globais como o meio ambiente, saúde, paz, cuja a lista às vezes é imprecisa quanto ao próprio conceito, pois os atores e interesses são muitos, o exercício é particularmente complexo. Pode parecer ingênuo pensar que o consenso seria alcançado de uma forma fácil em um contexto atual de interesses diversos dos Estados e do aumento dos discursos excludentes e extremos. Mas as práticas de gover- nança já possuem um impacto muito forte no âmbito do sistema e da so- ciedade internacional até para os mais excluídos desse sistema. Decisões no âmbito daquilo que se chama de bens públicos globais são na prática contemporânea do direito e da política já parte do sistema de governança, ainda que em muitos momentos ainda sejam frágeis. A impotência do direito em exercer as suas funções tradicionais de coordenação e segurança abre o caminho para arranjos particularistas e relativistas, cujos conceitos e aplicações se prestam a desvios e a políticas de potência mal disfarçadas. Essa incerteza normativa ilustra igualmente a fraturas de uma sociedade internacional reduzida apenas aos ajustes in- terestatais. Reflete as mudanças ante a superação dos interesses nacionais e assinala a emergência de novas comunidades de responsabilidade (BA- DIE; SMOUTS, 1999). Atualmente essas comunidades de responsabilidade estão mais for- tes. A tecnologia não permite mais que as atividades e arranjos particula- ristas dos Estados passem desapercebidas. A sociedade internacional, ou pelo menos parte dela, conseguem ter presente essas novas comunidades de responsabilidade. Novamente nos utilizamos da reflexão de Guillaume Devin quando afirma que os atores mais poderosos não possuem o monopólio do direito internacional, nem de seu conteúdo, nem de seus usos. O direito, mais pontualmente, o hard law, pode igualmente garantir proteção aos mais fracos. O direito internacional não é uma expressão de um equilíbrio e forças congelado. Seus benefícios dependerão em parte das capacidades de empenho jurídico dos atores interessados, de seus conhecimentos e 84 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 de sua mobilização. Em um contexto em que o direito de origem externa penetra cada vez mais efetivamente o direito interno, ela se tornou crucial. Os governos são convidados a coordenar melhor no plano nacional e se apoiar em redes de experts para desenvolver uma estratégia de influência jurídica eficiente. O advento da justiça internacional tende a minar a con- cepção de um direito coexistência entre entidades soberanas em torno do qual os Estados tradicionalmente buscaram assegurar as suas relações. A instrumentalização do direito e sua eventual politização são forças signifi- cativas da transformação internacional (DEVIN, 2009, p. 160). A instituição moderna do direito internacional caracteriza-se por uma linguagem peculiar e prática de justificação. Se considerarmos o pa- pel que o direito internacional desempenha na vida global, vemos que ele opera como mais do que um conjunto de regras prescritas calmamente e logicamente aplicado a situações claras por intérpretes jurídicos autoritá- rios. A lei internacional se faz presente nos debates políticos centrais da sociedade internacional. Estrutura argumentos sobre o certo e o errado, sobre os limites da ação legítima, sobre autoridade e associação, e sobre toda a gama de questões internacionais, desde a gestão da pesca até o uso da força (REUS-SMIT, 2008). A agenda de pesquisa sobre governança global é bastante complexa. Ela ajuda a identificar dois entendimentos: a da governança global como tentativa de efetividade e eficiência na entrega do bem público. No que diz respeito à noção de governança global orientada para a busca da efetivi- dade e da eficiência, valores essenciais devem ser mobilizados. Isso per- mitiria garantir as boas relações ao nível internacional e a “Paz mundial”. No entanto, a concepção contemporânea da soberania e a falta de consen- sualismo impedem a eficácia das relações multilaterais e a realização de uma “vizinhança global” satisfatória. Segundo André-Jean Arnaud, esta é a razão pela qual as instâncias internacionais encontraram na gover- nança um modo de ação eficaz (ARNAUD, 2014: 74-75). A “segurança global” somente pode ser construída sob a base da “governança global”, pois os princípios asseguradores da segurança no mundo devem ser re- pensados, dado que também se tornaram inadequados. Com efeito, desde o fim da Segunda Guerra Mundial a paz mundial, se baseou no princípio do “equilíbrio”, mas a queda do muro de Berlim, em novembro de 1989, e mais tarde o atentado terrorista de setembro 2001, significaram o fim Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 85 deste equilíbrio (Idem: 75). Desta forma, as questões ligadas à “segurança global”, que implicam relações de força entre as potências mundiais ao nível geo-estratégico, não correspondem mais ao modelo tradicional de segurança nacional. O que ocorre em escala nacional em termos de justi- ça social, e em escala global em termos das relações econômicas deve ser redefinido teoricamente. Os teóricos ainda estão buscando uma definição universalmente aceitável de justiça social e econômica no âmbito global. Mas, dada a forte percepção de que a globalização na sua forma não adulterada resulta em tratamento desigual para alguns Estados e, mais importante, exacerba a pobreza para os membros mais fracos da sociedade internacional, então a globalização parece negar a justiça. No debate atual, o alívio da pobreza parece ter uma reivindicação mais forte do que a igualdade nas definições prevalecentes de justiça. Assim, a importante questão normativa é qual é a comunidade ou sociedade relevante a que pertence a justiça social e em que domínios deve ser tratada a questão da justiça? Essa questão tem sido tradicionalmente compreendida nos contex- tos dos valores que os atores atribuem ao seu comportamento dentro das estruturas de mercado. Mas os mercados não são os únicos locais de ação. A questão do domínio está no cerne da questão da governança global. E, como é agora amplamente entendido na literatura de relações internacio- nais, os governos não são mais os únicos atores. Os movimentos sociais globais, as redes, as comunidades epistêmicas e as organizações interna- cionais desempenham papéis significativos na agenda global de gover- nança. Ainda que, tanto na teoria como na prática, o processo político traia invariavelmente as tendências integradas e globalizadoras da eco- nomia mundial. Como consequência, a ordem anárquica prevalecente do sistema estadual é inadequada para a tarefa de administrar a maior parte da agenda da globalização. (REUS-SMIT, 2008, p. 432). Neste contexto, as organizações internacionais mantêm o domínio do sistema estadual ao exercerem um poder de controle sobre os Estados através da atribuição do conceito de “boa governança “ e “má governança”. Atualmente, a compreensão da governança global pode variar ao longo de um processo contínuo, informal, para uma maior transparên- cia na coordenação das políticas interestaduais, até as visões um pouco maiores, ainda que essencialmente liberais, de um sistema rejuvenescido 86 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 exibido na comissão sobre governanças globais. Uma vez aceitando o argumento de que a transnacionalização das forças de mercado está exacerbando a desigualdade, então a via para miti- gar essa lacuna reside em uma agenda reformista para as regras e normas globais que subscrevem a arquitetura de instituição internacional atual. Atualmente predominam agendas do norte, são os Estados mais desfavo- recidos pela globalização que são tomadores de regras. Como resultado, tais regras não têm legitimidade, mesmo quando os Estados realmente possuem a eficácia governamental necessária para impô-los, se assim o desejarem. De qualquer forma, este processo tem implicações negativas para a evolução consensual das normas governamentais globais. A formação da pluralidade de Estados e sociedades numa socieda- de internacional (no sentido mais limitado de Wight e Bull), de alcan- ce global, deve ser vista como requisito para o surgimento das práticas, instituições e até mesmo discurso da governança global. A globalização da sociedade internacional traz consigo um universalismo profundo, ba- seando na reprodução da forma de sociedade de Estados em todo o globo e a formação de normas e práticas padronizadas que orientam as relações transfronteiriças, as interações e os fluxos. O sonho de permitir que essa reprodução e formação inaugurasse uma ordem mundial pacífica foi reiterado através da modernidade oci- dental na esperança de planos de paz, considerações ou sociedade mun- dial viáveis. Embora os governos não tenham articulado os elos, a go- vernança global também depende do universalismo inerente à sociedade internacional para seu funcionamento. No mínimo, os Estados abriram o caminho para o global e universal, funcionando como um freio à frag- mentação integrando comunidades díspares, resistindo a reivindicações minoritárias ou cooperando em instituições supranacionais. É esse freio que permite o discurso de fragmentação e integração simultâneas que permeia a literatura governista (LATHAM, 1999). Na sociologia, a perspectiva do sistema mundial associada a Imma- nuel Wallerstein apresenta um conjunto bastante similar de conjunturas. Nesse aspecto, o mundo é considerado como um conjunto de Estados ou nações desenvolvidas ou subdesenvolvidas, cuja interação, através dos processos de permutas desiguais, produz uma divisão periférica global de trabalho. O comércio e as trocas constituem o mecanismo social principal Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 87 para a integração desse sistema global. A governança mundial, que não é exatamente global, posto que muitas das organizações internacionais podem até ser universais pelo seu membership, mas está longe de garantir a universalidade do processo de- cisório - apresenta tanto elementos de continuidade, quanto fatores de inovação, nas últimas seis décadas de atuação dos órgãos das Nações Uni- das e assemelhados. Mesmo com a permanência e continuidade dessas organizações, as mudanças ocorrem, elas são determinadas pelas altera- ções no perfil econômico e político dos Estados membros, aumentado o peso de alguns, diminuindo o de outros, ainda que essas alterações não se reflitam imediatamente no processo decisório. A governança enquanto tal, ou seja, instituições e mecanismos dota- dos de mandatos originais para administração dos interesses comuns dos Estados membros em determinadas área de interface recíproca, emerge gradualmente no plano setorial desde a constituição das primeiras reu- niões intergovernamentais para o tratamento de assuntos técnicos. (AL- MEIDA, 2009). O processo de governança global precisa demonstrar preocupação e disposição de gerir os problemas comuns da humanidade como os prati- cados pelo controle da segurança e a estabilidade política. Isso implicaria no controle dos Estados belicosos, aqueles sujeitos ao expansionismo, os movimentos terroristas e fenômenos pontuais; os problemas do desenvol- vimento equilibrado dos países mais pobres - posto que os Estado falidos podem começar a exportar a sua miséria para os países ricos; os proble- mas de preservação do meio ambiente, já que os desequilíbrios provoca- dos pela ação humana, industrial e agrícola podem acarretar em desastres ambientais que impactarão profundamente as atividades de futuras gera- ções humanas; e também as crises provocadas pela má gestão de assuntos econômicos pelas autoridades nacionais. Ainda que tenhamos passado por duas grandes Guerras Mundiais a ênfase no Direito para regular a cooperação e dirimir diferenças só po- deria ser bem-vinda ao certificar o compromisso dos Estados com a paz, em detrimento do uso da forçaa. Direitos e obrigações dos Estados foram progressivamente consolidados em documentos oficiais de conteúdo e duração conhecidos, conferindo maior certeza e segurança jurídicas às relações interestatais. 88 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

A prova do compromisso dos Estados com o Direito Internacional e com o processo de governança global é o fato de que, embora casos de violações notórias existam e sejam mais amplamente divulgados do que o cumprimento cotidiano da norma internacional, quase todos os países observam os princípios do Direito Internacional face o sistema interna- cional. Quadro 3 - Número de Tratados Multilaterais Depositados nas Na- ções Unidas de 1981 a 2009 em que perpassam os principais temas de governança global.

A fragmentação do Direito Internacional resultou da legiferacão descoordenada, sem a necessária visão de conjunto das normas já existen- Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 89 tes. O ordenamento jurídico internacional, diferentemente dos Direitos Nacionais, é criado e implementado em um sistema horizontal e descen- tralizado: os Estados, iguais e soberanos (pelo menos do ponto de vista formal), negociam acordos e criam novas instituições internacionais que são da mesma forma, soberanos e autônomos entre si. Esses acordos com- põem redes caracterizadas por relações heterárquicas, não hierárquicas. Não há um único poder legislativo ou instituição internacional central, de jurisdição compulsória, responsável pela resolução de conflitos entre esses acordos. Nesse sentido, pensar a governança global como algo com os dias contados é algo improvável, uma vez que o multilateralismo, ainda que pareça estar enfraquecido em uma conjuntura de discursos extremistas, dificilmente perderá espaço em um mundo onde muitas das decisões per- passam escolhas comuns. A coexistência de diferentes atores e instituições formais de governança não significa que os estados-nações e as institui- ções intergovernamentais necessariamente tenham perdido importância. O Estado nação é uma constituição histórica, mas mutável e o monopólio, o exercício da autoridade não pode ser a ele exclusivo em um mundo de características como a conhecemos.

4. CONCLUSÃO Convivemos em um momento no qual a política mundial, o direito e a sociedade global passam por um momento de extremismos, de pro- tecionismos e de fragmentações, em que esses convivem com variáveis complexas. A globalização estaria perdendo força e da mesma forma tudo aquilo que se protagonizou com o processo de governança global. As mudanças que se observam na sociedade, no direito e na política no cenário internacional atual não chegam nesse momento a alterar os padrões de governança global até então instituídos. As atuais dinâmicas da política mundial, do direito no processo de governança global, perma- necem a solicitar as instituições multilaterais e a expandir as fronteiras institucionais para gerenciar as relações entre os principais atores globais. As estruturas institucionais de governança global conforme os dados em- píricos apresentados, aumentaram nos últimos anos, levando o Estado nação a compartilhar com essas estruturas as práticas de gerenciamento da sociedade global. 90 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

Constata-se que a governança até o momento se baseia nos princí- pios de efetividade e eficiência. Ainda que esse processo tenha a intenção de ser participativo, por envolver apenas os atores interessados no pro- cesso de governança, ainda não substitui as instituições democráticas, as quais representam a totalidade dos cidadãos e tratam de interesses multi- setoriais comuns da sociedade como um todo. Ainda assim, a cooperação multilateral continua a ser vital para o multilateralismo, os limites da concepção do estado centrismo e para as melhores práticas da política e do direito internacional. Na atual conjun- tura do mundo contemporâneo, as transformações no formato institucio- nal do multilateralismo provavelmente dificultariam em muito a volta a um mundo protecionista e fragmentado. Os discursos mais radicais da parte de Chefes de Estado geram a sensação de volta ao status quo anterior, onde o Estado volta a assumir a sua razão de ser, desprestigiando o processo de governança global, que é uma evolução das normas de convívio no mundo. Apesar disso, não se evidencia a perda dos espaços conquistados pelas estruturas de governan- ça existentes. A governança política nas sociedades modernas não pode mais ser concebidas em termos de um controle governamental externo da sociedade, mas emergem de uma pluralidade de atores. A tecnologia não permite mais que as atividades e arranjos particu- laristas dos Estados passem desapercebidas. A sociedade internacional, ou pelo menos parte dela, consegue ter presente essas novas comunidades de responsabilidade sobre as grandes causas do mundo contemporâneo. O processo de governança global ainda que se apresente de uma forma deficitária em aspectos democráticos contribui para a formação de um pensamento de justiça, interesse comum ante as causas globais. O futuro indica a necessidade de haver mais instituições que rece- bem o poder resultante da limitação da liberdade dos Estados e que sejam legítimas e atendam de fato aos interesses gerais da população mundial, procurando, assim, defender o bem comum. Quando se tiver a certeza de que as instituições globais puderem assegurar a paz e a segurança, pro- mover justiça, o desenvolvimento econômico e a justiça social por todo o planeta, de forma mais ágil do que os Estados hoje atuam, talvez se poderá acreditar que o poder Estatal esteja, em definitivo, dando espaço para uma nova governança. Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 91

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Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dezArgumenta 2017 Journal Law95 Fernando HOFFMAM1 n. 27 p. 95-126 Jose Luis Bolzan de MORAIS2 jul/dez 2017

Como citar este DIREITO PROCESSUAL artigo: HOFFMAM, Fernando, MORAIS, CONSTITUCIONAL Jose Luis B. Direito processual constitucional E CONTROLE DE e controle de convencionalidade CONVENCIONALIDADE na perspectiva da internacionalização NA PERSPECTIVA DA do direito. Argumenta Journal Law, INTERNACIONALIZAÇÃO Jacarezinho – PR, Brasil, n. 27. p. 95-126.

DO DIREITO Data da submissão: CONSTITUTIONAL AND PROCEDURAL LAW 18/06/2016 Data da aprovação: AND CONTROL OF CONVENTIONALITY IN THE 17/10/2017 PERSPECTIVE OF INTERNATIONALIZATION OF LAW DERECHO PROCESUAL CONSTITUCIONAL Y CONTROL DE CONVENCIONALIDAD EN LA PERSPECTIVA DE LA INTERNACIONALIZACIÓN DEL DERECHO

SUMÁRIO: Introdução; 1. O direito processual constitucio- nal na lógica da internacionalização do Direito; 2. A internacionalização do Direito a partir do diálogo de jurisdições; 3. O controle de convencionalidade como mecanismo potencializador do processo de interna- cionalização do Direito (a partir do processo e dos direitos humanos); Considerações finais; Referências.

RESUMO: O presente artigo tem como escopo tratar da intensificação do processo de internacionalização do direito a partir dos direitos humanos e, nessa ló- gica das modificações impostas ao direito processual 1. Universidade Regional Integrada constitucional como concebido classicamente. Nesse do Alto Uruguai e das caminho, o diálogo entre jurisdições também se in- Missões (URI/Campus tensifica numa realidade que passa a englobar contro- Santiago) - Brasil 2. Universidade do le de constitucionalidade e de convencionalidade em Vale do Rio dos Sinos uma mesma prática processual. Sendo assim, o que se (UNISINOS) - Brasil 96 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 nota é que o controle de convencionalidade se coloca como instituto po- tencializador do processo de internacionalização do direito e do diálogo de jurisdições, tendo como fio condutor a proteção e concretização dos direitos humanos-fundamentais em toda a sua amplitude e profundidade.

ABSTRACT: This article has the scope to deal with the intensification of the pro- cess of internationalization of law from the standpoint of human rights, and in this logic of the changes imposed on the constitutional and proce- dural law as classically conceived. In this sense, the dialogue among juris- dictions also intensifies in a reality that now includes control of constitu- tionality and conventionality in the same procedural practice. Therefore, it is noted that the control of conventionality arises as a potential of the process of internationalization of law and the dialogue of jurisdictions, taking as a guide the protection and realization of human fundamental rights in all its extent and depth.

RESUMEN: El presente artículo tiene como objetivo tratar de la intensificación del proceso de internacionalización del derecho a partir de los derechos humanos, y en esa lógica de las modificaciones impuestas al derecho pro- cesual constitucional como concebido clásicamente. En ese camino, el diálogo entre jurisdicciones también se intensifica en una realidad que pasa a abarcar control de constitucionalidad y de convencionalidad en una misma práctica procesual. Siendo así, lo que se nota es que el control de convencionalidad se coloca como instituto potencializado del proceso de internacionalización del derecho y del diálogo de jurisdicciones, te- niendo como hilo conductor la protección y concretización de los dere- chos humanos fundamentales en toda su amplitud y profundidad.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Processual Constitucional. Diálogo de Jurisdições. Interna- cionalização do Direito. Controle de Convencionalidade.

KEYWORDS: Constitutional Procedural Law. Dialogue of jurisdictions. Interna- Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 97 tionalization of law. Conventionality control.

PALABLAS CLAVE: Derecho Procesual Constitucional. Diálogo de Jurisdicciones. Inter- nacionalización del Derecho. Control de Convencionalidad.

INTRODUÇÃO O direito processual, com o passar do tempo, passou por modifi- cações no sentido de ampliação de seus conteúdos, função e estrutura, sendo redimensionado nos caminhos apontados pelo novo constitucio- nalismo surgido no pós-guerra e na linha da efetiva garantia e concreti- zação dos direitos fundamentais. Nesse caminho, toma forma uma nova disciplina jurídica autônoma que passa a ser denominada de direito pro- cessual constitucional. No entanto, tal disciplina também se vê desafiada em sua conteudística, função e estrutura, ao adentrar-se o signo da inter- nacionalização do direito, sobremodo, a partir dos direitos humanos o que, faz com que as intenções do direito processual, enquanto ambiente de garantia e concretização, extrapole o nacional-constitucional rumo ao internacional-convencional (Parte 1). Nesse passo, os processos de contato cultural intensificam a troca de experiências e essas instâncias de troca, tanto de práticas, quanto de conhecimentos atingem o ambiente jurídico e, sobremodo, o ambiente jurisdicional. Nesse sentido, remete-se a uma nova cultura processo-juris- dicional, bem como, a um compartilhamento de práticas, decisões e con- textos sociais mundiais, – universais –, o que possibilita um espaço-tempo processo-jurisdicional de diálogo de jurisdições e tribunais a partir tanto da constitucionalidades quanto da convencionalidades, estando o con- trole de convencionalidade em destaque nessa perspectiva de diálogo de jurisdições (Parte 2). Nesse ambiente de intensas modificações, as ordens jurídico-consti- tucionais internas passam a dialogar e conformar-se em direção ao cons- titucionalismo do pós-guerra, o que implica a garantia e concretização dos direitos humanos fundamentais. Tais disposições tornam-se amplia- das com o movimento de internacionalização do direito pelos direitos humanos e, no caso latino-americano, torna-se necessária a adequação 98 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 das normas nacionais/constitucionais à Convenção Americana de Direi- tos Humanos (CADH) e às decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Esse movimento em torno à máxima proteção e con- cretização dos direitos humanos fundamentais, no bojo do processo de internacionalização do direito a partir dos direitos humanos tem como mecanismo potencialziador o controle de convencionalidade (Parte 3).

1. O DIREITO PROCESSUAL CONSTITUCIONAL NA LÓ- GICA DA INTERNACIONALIZAÇÃO DO DIREITO O direito processual que nasceu na modernidade trazia consigo as características de um regime que, para além de novo paradigma políti- co, tratava-se de um novo paradigma econômico e social. Tal paradigma, atendendo pelo nome de liberalismo, lançou seus braços por toda uma gama de instituições e percepções jurídicas e sobre o direito. O processua- lismo moderno traz marcas muito particulares que o colocam no mundo como um ambiente propicio à garantia desse novo modelo político-eco- nômico. No entanto, com o avançar da história se passa a necessitar de um paradigma jurídico e de um novo modelo de processo que, se coadunem com o avançar dos modelos políticos e sociais de garantia do homem e de seu bem viver em sociedade. Nesse passo, avançando-se rumo ao Estado Constitucional de Direito, avança-se também ao encontro de um proces- sualismo banhado nas águas do constitucionalismo que se promove. Por tal motivo, toma forma, sobremodo, contemporaneamente um proces- sualismo constitucionalizado, ou, o que se chama de Direito Processual Constitucional, assumindo um papel de destaque na prática jurídico-po- lítico-social na atualidade. Nesse caminho, Ferrer Mac-Gregor (2008) aponta que o direito pro- cessual constitucional compreende duas dimensões distintas, - mas que se comunicam -, em que a primeira é a dimensão histórico-social e a segun- da a cientificização desse como um ramo do Direito. Para o mesmo autor, a primeira dimensão refere-se aos instrumentos jurídico-processuais de proteção dos direitos humanos, sendo que, a cientificização da matéria, se dá de 1928 a 1956.1 Embora seja importante esses delineamentos a respeito do assunto, para os fins desse trabalho, procurar-se-á adentrar mais diretamente no Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 99 que concerne ao direito processual constitucional propriamente dito. Tal ramo do Direito, não pode restar dúvidas, se preocupa com a garantia da ordem constitucional a partir de uma série de institutos processuais, indi- viduais e coletivos albergados pela constituição que compõe o direito pro- cessual constitucional e, sendo assim, pode ser olhado numa dupla pers- pectiva, pois, ao mesmo tempo em que se amolda por esses instrumentos de garantia é a “ciência” que garante a manutenção da ordem constitucio- nal-material (NOGUEIRA ALCALÁ, 2009). De todo modo, embora se interliguem, direito processual consti- tucional não se confunde com direito constitucional e nem com direito processual. É uma disciplina híbrida2 que engloba a garantia processo- -procedimental, - a partir de instrumentos insculpidos na Constituição e fora dela , da Constituição e dos direitos nela albergados. Desse modo, a disciplina do direito processual constitucional forja-se a partir da Carta Constitucional e para garanti-la, bem como, a partir de uma nova mirada sobre o direito processual que eclode na construção desse novo ramo do Direito. Dessa forma, acredita-se que é desnecessário discutir se a nomencla- tura correta deve ser direito processual constitucional ou direito constitu- cional processual, haja vista que ambas nominatas agregam os conteúdos que conformam esse novo saber jurídico, dando ordem de uma disciplina não só constitucional, como também, constitucionalizada. Nessa pers- pectiva, o direito processual constitucional tem em seu cerne aplicar a ordem constitucional a partir de normas procedimentais que emergem da própria ordem constitucional – habeas data, habeas corpus, ação civil pública, mandado de segurança, formas de controle de constitucionalida- de e etc., mas, também, tem o condão de dar ao direito processual uma roupagem constitucional, um agir em processo conforme a constituição, o que, ainda assim, não faz o direito processual constitucional ser um ramo do direito constitucional (NOGUEIRA-ALCALÁ, 2009). Com isso, se quer deixar claro que não há que se confundir direito processual constitucional com justiça constitucional, jurisdição consti- tucional, ou tribunais constitucionais, embora, na experiência europeia possam ser usados como sinônimos, ou, pelo menos, no mesmo sentido do termo mais utilizado na América Latina – direito processual constitu- cional (BAZÁN, 2007). Tais instituições e conceitos fazem parte de uma 100 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 ordem processual constitucional compondo-a, mas não, tendo o mesmo significado, ou seja, o direito processual constitucional engloba a juris- dição constitucional e conforma uma justiça constitucional, – num pri- meiro momento internamente –, que dá cara à Constituição como uma norma que efetivamente constitui. Conforme Bazán (2007), essa nova disciplina sistematiza-se a par- tir de um arcabouço principiológico-normativo-valorativo que pretende salvaguardar os ditames constitucionais, bem como, para além da pró- pria Constituição, resguardar os direitos humanos em toda a sua exten- são e profundidade. Constrói-se uma disciplina distinta que tem por base confirmar a ordem constitucional interna, – dentro dos limites da esta- talidade –, mas, para além desse primeiro passo, emoldurar uma ordem jurídico-normativo-processual de garantia e concretização dos direitos humanos transcendente da institucionalidade estatal, como direitos do cidadão (SAGÜES, 2013). Dentro desse cenário, desponta uma forma jurídico-processual que consubstancia uma série de garantias processuais-constitucionais que dão corpo a um conjunto de direitos e garantias processuais do cidadão. Essa nova conjuntura, vem marcada em diversos textos constitucionais por uma carga principiológica protetora do indivíduo e da sociedade em processo, solidificando um processualismo que extrapola os limites da processualística clássico-moderna e permite o alvorecer de um direito processual renovado pelas experiências democrático-constitucionais con- temporâneas (SALDANHA, 2010). Com efeito, pode considerar-se: que el derecho procesal constitucional es uma rama del dere- cho público que estudia el conjunto de principios y normas constitucionales y legales que definen y configuran el siste- ma de defensa de la Constitución y de protección de los de- rechos fundamentales y su respectiva interpretación, como asimismo el sistema de control de constitucionalidad, la or- ganización y funcionamento de los órganos que ejercen di- cha función jurisdiccional, la configuración de los processos y procedimientos constitucionales, las resoluciones emitidas por las magistraturas constitucionales y los tipos y efectos de las respectivas sentencias, como asimismo las reglas y pos- tulados de interpretación constitucional utilizados por tales jurisdicciones (NOGUEIRA ALCALÁ, 2009, p. 26). Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 101

Assim, ganha corpo um direito processual oxigenado pelos proces- sos de democratização, – em especial no caso latino-americano –, que se funde conteudísticamente em extensão e profundidade a um novo consti- tucionalismo e propicia uma atividade jurisdicional concreta para a ação cidadã dos sujeitos jurídico-sociais. Os ditames constitucionais não estão mais adstritos somente às ações do(s) Estado(s), como também, ligados umbilicalmente às vontades e possibilidades dos cidadãos enquanto seres humanos e sujeitos de direito (BAZÁN, 2007). Nesse passo, as ações estatais internas em processo, – constitucional –, abarcadas pela jurisdição constitucional, – possibilidades de controle de constitucionalidade –, ganham um âmbito que transpassa as respon- sabilidades estatais e do agir do Estado e deflagram um agir do cidadão em processo rearranjado em meio ao direito processual constitucional. A jurisdicionalidade processual constitucional extrapola os limites do controle de constitucionalidade por não estar aferrada exclusivamente à vertente da jurisdição constitucional, – classicamente vista como controle difuso e concentrado de constitucionalidade –, passando a manter relação extremamente próxima com práticas de garantia dos direitos humano- -fundamentais (SAGÜES, 2013). A nova jurisdição atinente a um verdadeiro direito processual cons- titucional entremeia-se ao constitucionalismo contemporâneo e coloca- -se como condição de possibilidade para garantir e concretizar o Estado Democrático de Direito e seus conteúdos. Fica nítido que tal jurisdição nova e inovadora perscruta os elementos de direitos fundamentais, dando chão a uma ordem protetora do cidadão e de seus direitos que, se realiza, também, no âmago dessa nova vertente do Direito (ESPÍNDOLA, 2010). O projeto processual constitucional alinha-se aos novos projetos consti- tucionais e repercute de maneira ampla na(s) ordem(ns) jurídico-político estatais, causando uma intercomunicação constitucional no que tange aos materiais elementares do direito processual constitucional. Funda-se uma constitucionalidade processual comum no concernente às garantias, pro- cedimentos, princípios, que consubstanciam um processualismo consti- tucional (SALDANHA, 2010). O direito processual constitucional, advindo dessas novas experiên- cias constitucionais que desembocam na constitucionalização dos mais variados ramos do direito, consiste em um parâmetro interno, pelo menos 102 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 num primeiro momento, de consolidação da Constituição como docu- mento basilar de toda a normatividade jurídica, apontando os caminhos procedimentais de garantia da própria ordem constitucionais e dos direi- tos humano-fundamentais, vistos de uma perspectiva além-Constituição. Para além de garantir a normatividade constitucional e os direitos funda- mentais ali albergados, bem como, de trazer à disciplina processual uma nova gama de instrumentos processuais de garantia, o direito processual constitucional que toma forma, deve garantir direitos e concretizar garan- tias de cidadania e possibilidade de participação do “homem comum” na arena político-jurídica a fim de garantir-lhe a condição de cidadão, sujeito de direitos e, sobretudo, ser-humano. Nesse passo, constitui-se uma “forma processo-jurisdicional” que imbrica conteudísticamente a força constitucional, os conteúdos refe- rentes a direitos humanos fundamentais e um aparato processual apto a ressalvar e resguardar, tanto a Constituição, quanto os direitos humano- -fundamentais, sob um viés de proteção e garantia ampla e irrestrita desse novo ambiente político-jurídico-social e suas elementares (ESPÍNDOLA, 2010). O direito processual constitucional é substancia de um Direito de garantias que pretende dar forma a uma nova compreensão humana do Direito e dos direitos, assumindo uma perspectiva de imposição dos direi- tos humanos, das garantias fundamentais e dos princípios processuais de proteção, como fomentadores de uma ordem jurídica justa em extensão e profundidade (SALDANHA, 2010). Mas, nesse caminho, por meio da ação dos direitos humanos como conteúdos independentes de qualquer ordem constitucional estatal, bem como, de qualquer dever de proteção e garantia restrita a determinada espacialidade, coloca-se a disciplina do direito processual constitucional em face de um novo desafio. Torna-se necessário compatibilizar o direito processual constitucional enquanto elemento jurídico interno, com uma ordenação externa que também reflete as preocupações dos novos mo- vimentos constitucionais com a garantia e a concretização dos direitos humanos fundamentais. No entanto, essa ordenação externa, – internacional –, rompe os li- mites colocados pelo Estado e pela constitucionalidade própria desse na contemporaneidade, não a desconsiderando, mas sim, transcendendo o que está necessariamente garantido constitucionalmente. Conforma-se Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 103 um ambiente de garantia e concretização que excede a ordem constitu- cional interna e passa a operar a partir de uma racionalidade englobante e não limitadora da(s) capacidade(s) protetivas, como estando intrinseca- mente ligadas a um aparato constitucional único e estatalizado. Esse movimento de alargamento das esferas jurídico-protetivas que se dá a partir da necessidade de garantir e concretizar os direitos humanos não mais, somente no plano nacional, como também, no plano interna- cional, costuma ser chamado de internacionalização do direito3. Esse pro- cesso de recomposição do jurídico-político se dá a partir do que se pode denominar de direito internacional dos direitos humanos, que excede os limites da estatalidade e do constitucionalismo que a ela se vincula e as- sume para si a função de consolidar um ambiente protetivo de direitos universal(izável) e mundial(izado). Como bem afirma Saldanha (2012), embora as constantes movi- mentações de nacionalismo que procuram afirmar a condição estatal, – de pertencimento a um Estado/a uma Nação –, muitas vezes, a partir de sua constitucionalidade própria, não se pode negar a proliferação e o convívio de normas nacionais, regionais e internacionais, bem como, não se pode refutar o aflorar de novas jurisdicionalidades a partir desse pro- cesso intercomunicacional. Nesse sentido, nota-se com clareza uma mo- vimentação intercruzada do direito constitucional em direção ao direito internacional, – internacionalização do direito constitucional e do direito internacional em direção ao direito constitucional, constitucionalização do direito internacional –, que perfaz um novo constitucionalismo que dá conta da emergência dos direitos humanos como ponto supremo de fundamentação das ações jurídico-políticas (PIOVESAN, 2012). Esse é o cenário de expansão do direito internacional através da ju- ridificação das relações internacionais e do “contato promiscuo” entre di- reito internacional e direito constitucional acima referido. Percebe-se um alargamento das ordens constitucionais estatais em direção aos conteúdos de direito internacional, sobretudo no que tange aos direitos humanos, corroborando uma passagem da dualidade entre ambiente interno e ex- terno, a um ambiente comum de asseguramento das ordens constitucio- nais, da ordem internacional e, principalmente, dos direitos humanos (RAMOS, 2012). Nessa maré, o Direito passa a operar por meio dos direitos humanos 104 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 a partir de um sistema múltiplo de fontes consubstanciado na garantia e proteção universal dos direitos humanos numa lógica de inter-relação sistêmico-normativa que formata um aparato processo-jurisdicional decomposto das órbitas estatais-constitucionais clássicas (DELMAS- -MARTY, 2004). Desponta nesse cenário, a primazia dos direitos humanos como um conteúdo transcendente às ordens jurídico-político internas desaguando numa nova formação jurídica de deveres e garantias para além do cons- titucional, deveres e garantias do e para o humano, – o ser-humano –, alçado à condição de centralidade no plano das disputas de poder, seja econômico, político ou jurídico (PIOVESAN, 2012). Como bem assinala Piovesan (2011), consolida-se um verdadeiro ius commune latino-ame- ricano em matéria de direitos humanos e sua proteção, dando base ao desenvolvimento de práticas e metodologias que sustentem o arcabouço jurídico-político que se forma ao redor dessa reorganização jurídico-nor- mativa. Desse modo, toma forma um constitucionalismo regional, – latino- -americano –, que se capacita a partir de uma ideia comum a respeito dos direitos humanos, das garantias fundamentais e das instrumentações processo-procedimentais4 que passam a ser comuns em diversos textos constitucionais da latino-américa. Esse constitucionalismo transcendente em forma através da ótica dos direitos humanos como direitos para além da condição estatal (PIOVESAN, 2011). Sob essa perspectiva, necessário se torna pensar uma jurisdicionalidade processual capaz de dar conta des- sas modificações do ambiente constitucional, estatal e internacional, que implicam uma retomada do direito processual constitucional como im- portante fonte de garantia e concretização dos direitos humanos. O direito processual constitucional, nesse sentido, tem suas funções e conteúdos ampliados em relação ao que se tinha pensado incialmente para essa nova disciplina. A garantia da ordem constitucional, bem como, a delimitação de instrumentos processuais que a garantam, afiançando os direitos e garantias fundamentais albergados constitucionalmente, ficam com contornos limitados face às contingências do mundo contemporâneo e das violações constantes aos direitos humanos que, em muitas ocasiões, transbordam os limites da fundamentalidade constitucional. Nas trilhas do que preleciona Zúñiga (2013), é necessário que se consolide um sis- Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 105 tema de garantias que transcenda o nacional e o (direito) constitucional, em direção ao internacional e ao(s) (direitos) humano(s), numa simbiose construtiva de uma nova sistematicidade processual constitucional como nível “superior” e irrestrito de proteção dos direitos humanos fundamen- tais. Nesse caminhar, amplia-se o conteúdo/a disciplina do direito pro- cessual constitucional a partir da formação de um sistema compartilhado de proteção dos direitos humanos que transcende os limites do Estado e, assim, da ordem constitucional pátria, rumo a um direito processual constitucional internacionalizado e desvencilhado das lógicas estatais clássicas (BOLZAN DE MORAIS, 2011). Os tribunais superiores na uti- lização desse arcabouço teórico propiciado por esse novo ramo do direito passam a agir para além da defesa da Constituição, na defesa dos direitos humanos como elementos mundiais-universais e, não somente, restritos à fundamentalidade jurídico-constitucional (CAVALLO, 2012). Com isso, consolida-se o direito processual constitucional em nível interno e passa- -se a exigir do mesmo uma adequação de alcance conteudístico, - tanto em profundidade, quanto em extensão –, em nível externo. Nesse viés, o direito processual constitucional não pode seguir restri- to ao ambiente interno/nacional, preocupado “apenas” com a garantia do texto constitucional, não avançando rumo à materialização de direitos de caráter humanitário que excedem á normatividade estatal. Passa a ser im- prescindível que se construa uma ordem processual ampliada e múltipla na análise de conteúdos e nas possibilidades decisórias, dando um cará- ter internacional à processualidade constitucional constituída (RAMOS, 2012). Essa redefinição das atribuições e conteúdos atinentes ao direito processual constitucional tem como importante base, – em se tratando de América Latina –, a formação de um bloco de constitucionalidade não só em matéria de direitos humanos, como também, de direito processual que, na conformação do diálogo entre si, consolidam uma trajetória de alargamento tanto do direito constitucional, quanto do direito processual (SALDANHA, 2010). Dessa forma, a partir do florescer de uma Constituição convencio- nalizada5 pelos aportes do direito internacional dos direitos humanos (SAGÜES, 2013), deve-se articular a (re)construção de um direito proces- sual constitucional internacionalizado pelos mecanismos internacionais 106 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 de proteção e garantia dos direitos humanos seja em âmbito nacional ou internacional. Se faz mister um novo entendimento a cerca do sentido e das atribuições do direito processual constitucional em direção à sua am- pliação enquanto disciplina jurídica autônoma, não sendo admissível um refreamento de suas elementares protetivas. Nessa lógica, o direito processual constitucional passa, ou, deveria passar a garantir internamente uma ordem internacional e mundializa- da de direitos e garantias da humanidade, bem como, a consolidar inter- nacionalmente uma ordem constitucional e nacional de compatibilidade com a defesa e garantia dos direitos humanos e com os tratados e con- venções internacionais. Amplia-se a conteudística e a procedimentalidade processual constitucional no caminho de um sistema de justiça que trate interno e externo como um só, mesmo que, ressalvadas suas peculiarida- des. Nos dizeres de Piovesan (2011), há uma necessidade de se garantir a incorporação dos tratados internacionais de direitos humanos na ordem jurídica doméstica de maneira efetiva, o que, passa decisivamente pela ampliação das matérias e formas de trabalho em relação ao direito pro- cessual constitucional, não mais, como “apenas” uma disciplina jurídica parte do corpo normativo interno, mas também, parte e garantidora de uma ordem jurídica mundial(izada). No entanto, não se compreende como parte da disciplina do direi- to processual constitucional propriamente dito, o estudo conteudístico e procedimental das jurisdições internacionais ou supranacionais no que tange a direitos humanos, ficando alijado da ação processual constitucio- nal toda a gama de direitos referentes a tratados e convenções interna- cionais sobre direitos humanos (NOGUEIRA ALCALÁ, 2009). Tal de- limitação disciplinar, embora compreensível, não se coaduna com o que se espera do agir estatal no que concerne aos direitos humanos postos com caráter protetivo universal de sua conteudística. Isso posto, fica claro que o direito processual constitucional, assim, como qualquer ramo do direito, ou de uma ciência qualquer, tem suas limitações de conteúdo e de ação, cabendo assim, a sua (re)compreensão em direção á ampliação dessa matéria, o que se dá num primeiro momento pela possibilidade de diálogo entre jurisdições aberta pelo processo de internacionalização do direito. É o que se passa a tratar. Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 107

2. A INTERNACIONALIZAÇÃO DO DIREITO A PARTIR DO DIÁLOGO DE JURISDIÇÕES Dessa forma, desenha-se uma nova arquitetura para os sistemas jurí- dicos nacionais face aos processos universalizantes impingidos pelo neo- liberalismo. Globalização, mundialização e universalização6 das práticas jurídico-político-econômico-sociais desestruturam a ordem posta mun- dialmente pela modernidade. Faz-se necessário a construção de novos locus processo-jurisdicionais, dinamizados por esses novos processos de construção de subjetividades. As constatações empreendidas clareiam a importância das instancias jurídicas processo-jurisdicionais no cenário de desordenação imposto ao sistema político-jurídico mundial pela força do mercado e no bojo da construção paradigmática neoliberal. Ora, se os limites dos Estados são desfeitos pelas práticas hegemônicas de produção de sentidos, o processo- -jurisdicional, antes ligado territorialmente à soberania estatal, coloca-se a procura de um novo sentido para a produção de respostas agora em escala global/mundial. No cenário estatal desvelado pelo constitucionalismo contemporâ- neo, as jurisdições constitucionais ganham lugar de destaque na esfera de concretização e proteção dos direitos humanos. Logo, com a sobreposição do mercado sobre o Estado-nação e a ordem constitucional pátria, uma problemática nova surge entorno da capacidade substantiva da jurisdição constitucional na implementação dos direitos previstos e garantidos cons- titucionalmente (BOLZAN DE MORAIS; RIBAS NASCIMENTO, 2010). Pairam novas incertezas sobre a prestação jurisdicional, a comple- xificação das relações sociais na pós-modernidade aumenta de maneira contundente o chamado à justiça e os deveres da mesma no espectro de resolução de conflitos. Por outro lado, com os movimentos de globaliza- ção econômica, bem como, das mundializações institucionais e dos mo- delos de justiça e, ainda, com a universalização dos direitos humanos, o campo de ação do ambiente processo-jurisdicional transborda os limites da constitucionalidade estatal (SALDANHA, 2007). A globalização econômica, nesse momento, aparece como a possi- bilidade, – para não dizer realidade –, latente de desnaturação da jurisdi- cionalidade constitucional no seu comprometimento com a Constituição, com o Estado Democrático de Direito e com o acontecer dos direitos hu- 108 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 manos. No cenário de desestruturação vivido pelo Estado, o Direito está em constante risco de soçobrar face à força mercadológica (BOLZAN DE MORAIS; RIBAS NASCIMENTO, 2010). Passa a ser necessário o advento de uma jurisdição que, para além do constitucional, seja uma “jurisdição das constituições”, que se cons- trói e fortifica através de uma ordem jurisdicional universal, a partir do diálogo entre jurisdições e entre juízes, buscando a construção de um di- reito comum, interligado pela materialidade e fundamento ético-moral dos direitos humanos (DELMAS-MARTY, 2004). Ocorre o que Garapon e Allard denominam de “comércio entre juízes” na busca, não por consen- so homogeinizante, mas, sim, por perspectivas inovadoras no âmbito de jurisdições diversas que possam consolidar um posicionamento na trilha de uma universalidade prático-jurídica no que toca a assuntos importan- tes como os direitos humanos (GARAPON; ALLARD, 2006). Nesse ritmo de complementação recíproca entre espaços processo- -jurisdicionais diversos, o caminho é entrecruzado, é de mão dupla, tanto da jurisdicionalidade estatal se internacionalizando e sofrendo os influxos de jurisdições supraestatais/transnacionais, quanto, em relação às juris- dições internacionais e regionais que são chamadas a resolver conflitos de ordem(ns) constitucional(is) diversas, corroborando com o apareci- mento de uma “jurisdicionalidade universal das constituições” (SALDA- NHA, 2007). Na experiência latino-americana forma-se um verdadeiro ius commune regional acerca de direitos humanos e de sua proteção, ex- trapolando as ordens constitucionais (nacionais). Este movimento se dá sobremaneira pela prática do controle de convencionalidade, adequando interpretações e normas internas aos ditames da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) e da Corte Interamericana de Direitos Hu- manos (CIDH). Dessa maneira, se corporifica uma esfera de diálogo entre os âmbitos jurisdicionais nacionais e internacionais de busca pela mais ampla proteção dos direitos humanos (NOGUEIRA-ALCALÁ, 2012). Constitui-se um direito de caráter dialogado entre convencionalida- de, constitucionalidade, tribunais nacionais e supranacionais, que tem por base a mais ampla possível extensão conteudística e protetiva dos direi- tos humanos. O diálogo entre a CIDH e os tribunais nacionais e entre a CADH e as normas estatais nacionais é presente na ordem jurídica con- temporânea e galga espaços de diálogo ilimitados desde que pro homine, Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 109 tento por efetivo vetor o controle de convencionalidade (HITTERS, 2008). A partir do pensamento de Delmas-Marty, pode-se afirmar que há uma internacionalização do espaço-tempo processo-jurisdicional en- quanto ambiente de resolução de conflitos que extrapola os limites subs- critos pela estatalidade. Novas fontes dialogam; novos atores dialogam, novos direitos dialogam e novas perspectivas de construção da juridici- dade dialogam compartilhadamente e compartilhando um caminho uni- versal, – e não único –, para a construção de racionalidade decisória de proteção dos direitos humano-fundamentais (DELMAS-MARTY, 2004). Nesse trilhar, o contato jurisdicional e o diálogo entre juízes ocorre tendo por linha guia a mais perfeita materialização do verdadeiro senti- do dos direitos humanos num espaço compartilhado de fundamentação ético-moral da decisão jurídica. O “comércio entre juízes” toma por base um diálogo entre nacional e internacional, bem como, entre constitucio- nal e convencional (GARAPON; ALLARD, 2006). As constituições jun- tam-se assim à multiplicidade de fontes jurídicas emanadas dos diversos centros de produção de sentidos jurídicos num emaranhado dialógico de construção de respostas que embora não necessariamente vinculadas a determinado ordenamento ou Constituição específica, se pautará numa compreensão universal sobre os direitos humanos (HOFFMAM, 2014). É necessário que se perfectibilize e agudize um diálogo jurisdicional e jurisprudencial entre os parâmetros decisórios nacionais e internacio- nais. Há que se conformar uma zona de convergência em torno aos direi- tos humanos baseada na troca jurisprudencial, através do diálogo juris- dicional (BAZÁN, 2012). Nesse passo, um dos caminhos traçados para esse diálogo é, indubitavelmente, o controle de convencionalidade no seu duplo sentido do internacional ao nacional, bem como, do nacional ao internacional. “En el fondo, y como se adelantaba, la cooperación entre los tribunales internos y los tribunales internacionais no apunta a generar la relación de jerarquización formalizada entre estos y aquellos, sino a trazar una vinculación de cooperación em la interpretación pro persona de los derechos humanos” (BAZÁN, 2012, p. 48). É imprescindível na atuação convencional levar-se em conta não só o aludido pela CADH e pela CIDH, como também o corpus juris em ma- téria de direitos humanos como um todo protetivo. O que se quer dizer com isso, é que tanto tribunais e juízes nacionais, quanto a CIDH em suas 110 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 decisões podem e devem levar em conta todo o material compreendido pelo direito internacional dos direitos humanos, convenções internacio- nais, tratados internacionais, decisões de outros tribunais nacionais, cons- titucionais ou não, decisões de outros tribunais internacionais, regionais, supranacionais, determinações constitucionais de outros Estados, etc7 – alargando sua área interpretativa de proteção (BAZÁN, 2012). Busca-se estabelecer uma jurisdicionalidade plural-humanitária como caminho e fonte de um diálogo construtivo de uma racionali- dade prático-decisória intersubjetivamente possível, nas pegadas de uma visão comum-universal atrelada a positividade transcendente dos direitos humanos como locus de sustentação dos sistemas jurídicos mundiais-planetários num horizonte de garantia da constitucionalida- de e da convencionalidade8 do direito e, para além delas (HOFFMAM, 2014). A partir do pensamento de Delmas-Marty, estes movimentos se dão em uma lógica de emancipação, descentralização e privatização das fontes jurídicas. Há uma movimentação emancipatória dos direi- tos em relação ao Direito, – positivado –, um estado de descentrali- zação das fontes jurídicas em favor das comunidades territoriais, das formações humano-comunitárias e de sua juridicidade periférica, bem como, um perigoso caminho de privatização do Direito e suas fon- tes que transitam do público para o privado na produção de sentidos de normatividade em detrimento de um contexto de (neo)liberalis- mo econômico e mantença da livre concorrência (DELMAS-MARTY, 2004). Isto, quer dizer que a construção de uma “jurisdição comum-uni- versal dos direitos (humanos)” para além de uma jurisdição constitu- cionalizada interestatalmente é condição de possibilidade para o agir democrático-plural do cidadão nessa nova esfera mundial/universal de participação e proteção dos direitos. O processualismo comum-u- niversal dos direitos humanos garante um efetivo agir em jurisdição através das fronteiras, – agora borradas –, na consecução de um direito comum-pluralista dos direitos humanos (BOLZAN DE MORAIS; RI- BAS DO NASCIMENTO, 2010). Passa-se a operar uma única jurisdicionalidade que deflagra, ao mesmo tempo e em um mesmo ambiente, os processos de controle in- Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 111 terno e externo da normatividade jurídico-político-decisória. Em um só ambiente, se perfaz a prática do controle de constitucionalidade e de convencionalidade como se fossem uma coisa só, bem como, veri- fica-se o alinhamento amplo e irrestrito das variadas normatividades ao direito internacional dos direitos humanos em sua totalidade nor- mativa (PIOVESAN, 2012). Por tal motivo, o diálogo entre jurisdições e normatividades se dá num âmbito comum de ação processual que permite a ancoragem junto ao aparato “processual nacional” das deli- mitações internacionais em sede de direitos humanos, definindo uma lógica compartilhada do/no agir em processo. O diálogo entre juízes, legislações, constituições, tratados, convenções e as diversas jurisdi- ções que os atendem, passa a acontecer num ambiente único e amplia- do, proporcionando uma convergência reciproca em torno aos direitos humanos (BURGORGUE-LARSEN, 2010). Essa convivência das jurisdições nacional e internacional; consti- tucional e convencional é de vital importância para a garantia e concre- tização dos direitos humanos, seja no âmbito do(s) Estado(s) Nacio- nal(ais), seja na esfera do direito internacional dos direitos humanos. Isto posto, é a prática convencional que institui a zona de diálogo e consubstancia o aparato de proteção dos direitos humano-fundamen- tais na América-Latina (BAZÁN, 2012). “Desde este ángulo, el control de convencionalidad es un dispositivo que, en principio y siempre que sea adecuadamente empleado, puede contribuir a la aplicación armó- nica, ordenada y coerente del derecho vigente en el Estado, abarcando a sus fuentes internas e internacionales” BAZÁN, 2012, p. 25). Nesse cenário, o controle de convencionalidade aparece como importante instrumento para a consolidação desse ambiente de sobre- posição dos conteúdos de direitos humanos às questões relativas ao uso do direito nacional ou supranacional. O que importa aqui é a garantia da humanidade e a realização dos direitos humanos em toda a sua extensão e profundidade. É a opção pela realização do direito em grau máximo, não havendo incompatibilidade entre direito interno e externo, entre tribunais nacionais e supranacionais, entre convencionalidade e constitucionalidade, desde que mirem a concretização, garantia e defesa dos direitos humanos. Nesse contexto, torna-se cada vez mais importante o papel do controle de convencionalidade nesse processo de diálogo e internacionalização do direito. 112 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

3. O CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE COMO MECA- NISMO POTENCIALIZADOR DO PROCESSO DE INTERNACIO- NALIZAÇÃO DO DIREITO (A PARTIR DO PROCESSO E DOS DI- REITOS HUMANOS) Nesse caminho, se faz necessário a formação de um arcabouço pro- cessual ampliado, que atenda aos desígnios da nova ordem internacional, sobremodo, no que tange aos direitos humanos. A ascensão do direito internacional dos direitos humanos a lugar de destaque na ordem interna- cional contemporânea exige a construção de um sistema processual com- patível com essa nova “institucionalidade” que permeia as estatalidades e suas relações jurídico-políticas. O processo de internacionalização do direito pelos direitos huma- nos, tanto no âmbito da concretização quanto da proteção, significa um novo trilhar ético do direito rumo a uma condição de legitimidade e fun- damento face às ações estatais, seja em âmbito interno, como externo, que desconsiderem os direitos humanos enquanto padrão ético-universal (BOLZAN DE MORAIS; SALDANHA; VIEIRA, 2011). Pode-se referir a um novo paradigma de direitos humanos, tratados como direitos da hu- manidade, o eclodir de um verdadeiro jus gentiun comum-mundial, um direito de “todas as gentes” que agrega pessoas e conteúdos em torno á uma comunidade humana mundial que exige e necessita de proteção (es- tatal) para além das fronteiras (TRINDADE, 2007). Nesse passo, diante dessa nova multiplicidade de atores, de fon- tes, e de ambientes jurídicos, o Direito passa a ter para si novos desa- fios que emergem dos espaços estatais, mas, os extrapolam no sentido de uma necessidade comunitária mundial de solidificar determinados direitos e construir um aparato jurídico-politico apto a dar concretude a esse novo Direito. Conforme Ramos (2012), a internacionalização dos direitos humanos não está restrita à esfera da estatalidade como classica- mente concebida, mas, sim, transborda este ambiente jurídico-político, ainda importante, na direção de uma ambientalidade comum que agrega os conteúdos de fundamentalidade constitucional, – âmbito interno –, e conteúdos humanitários que irradiam “valores” compartilhados por toda a humanidade, – âmbito internacional -, mas não restritivamente. Dessa forma, cria-se a necessidade impar de consubstanciar-se uma nova processualidade que agregue, em um mesmo ambiente, processo-ju- Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 113 risdicional, procedimentos e conteúdos comuns à garantia e concretização dos direitos e garantias fundamentais, – direito processual constitucional na esfera interna –, e à garantia e concretização dos direitos humanos numa perspectiva internacional de proteção que excede a normatividade constitucional, – direito processual internacional dos direitos humanos (ZÚÑIGA, 2013). Em meio a esse processo de modificações, passam a subsistir uma gama variada de cortes supremas que superam a vinculatividade para com os Estados e suas institucionalidades internas. Para além da coexistên- cia de ordens normativas múltiplas, há uma coexistência de sistemas de justiça, que passam a dividir competência, conteúdos, procedimentos e caminham para um mesmo lugar-comum que é o da proteção ampla e irrestrita dos direitos humanos (DELMAS-MARTY, 2004). Diante da per- da da centralidade do Estado face aos processos de globalização e mun- dialização, que geram a desterritorilização estatal e a transfronteirização de direitos e conflitos, emerge uma espacialidade jurídico-humanitária centrada na proteção e garantia dos direitos humanos, tanto pelos meca- nismos processo-jurisdicionais internos, quanto por mecanismos novos e inovadores dessa lógica de proteção ampla e irrestrita (BOLZAN DE MORAIS, 2011). No caso latino-americano, a lógica da internacionalização do direito pelos direitos humanos desaguou na conformação de um verdadeiro ius commune regional que está alicerçado nos ditames da CAHD enquan- to “documento normativo” máximo, bem como, na interpretação e di- retrizes jurídico-decisórias da CIDH que viabilizam o alvorecer de um novo direito processual constitucional/convencional (NOGUEIRA-AL- CALÁ, 2012). Nessa perspectiva, passa a fazer parte das cortes supremas internas, cortes constitucionais, submeterem-se, – não em sentido hie- rárquico , à necessidade de interpretar não só de acordo com a Consti- tuição, bem como, no caso latino-americano, de acordo com a CADH e com o direito internacional dos direitos humanos com um todo, ex- cedendo do direito constitucional, para um direito mundial-humani- tário (BAZÁN, 2011b), o que gera uma obrigação interpretativo-com- preensivo-decisória que transborda os limites da constitucionalidade em direção á convencionalidade e exige um novo referencial processual: En mi opinión, los criterios establecidos por la Corte Intera- 114 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

mericana al interpretar la CADH – y otros instrumentos con respecto a los cuales dispone de competencia material – son vinculantes para los Estados partes en la Convención Ame- ricana, y com mayor razón para quienes son, además, suje- tos de la jurisdición contenciosa de la Corte. Sin embargo, esta sujeción no es indispensable para la eficacia vinculante de tales criterios con respecto a dichos Estados[...].[...] Así, no es posible sostener que las interpretaciones establecidas por la CorteIDH constituyan un punto de vista atendible o desatendible, y no un acto de necesaria observancia. Fijan – como se disse en Europa, no así en América – la “cosa inter- pretada”; implican, como prefiero decir, una interpretación vinculante de textos normativos asimismo vinculantes para los Estados, que deben ser entendidos y aplicados interior- mente en los términos de la interpretación formal y final dis- puesta por la Convención y ejercida por la Corte (GARCÍA RAMÍREZ, 2011, p. 138). Nesse momento, via controle de convencionalidade, quando tratar- -se de direitos humanos, em havendo descompasso deficitário entre inter- pretações e normas constitucionais e convencionais, a convencionalidade deve “prevalecer” aplicando-se o princípio “pro homine” num movimen- to de ampliação conteudística e protetiva dos direitos humanos. Hierar- quicamente, não há distinção entre normas convencionais e constitucio- nais, apenas, ambas, deverão complementar-se no que tange à proteção e concretização dos direitos humano-fundamentais a partir dessa zona de diálogo entre tribunais, cortes, jurisdições e etc. (NOGUEIRA-ALCALÁ, 2012). “El control de convencionalidad es una expreción o vertiente de la recepción nacional, sistemática y organizada del orden jurídico con- vencional internacional o supranacional” (GARCÍA RAMÍREZ, 2011, p. 127). García Ramírez (2011) divide a prática do controle de convenciona- lidade em duas possibilidades. O controle de convencionalidade próprio (original ou externo) que é o exercido pelas cortes supranacionais, no caso específico pela CIDH, quando há descompasso entre normas nacionais e convencionais, e/ou, entre interpretações de tribunais nacionais e inter- pretações da CIDH e, o controle interno de convencionalidade, exercido por órgãos jurisdicionais, – tribunais ou não –, internos/nacionais no in- tento de compatibilização de normas internas –, sejam constitucionais ou Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 115 infraconstitucionais e internacionais – convencionais. Nessa maré, se consubstancia(ria) um direito processual consti- tucional/convencional que quando em ação obrigaria o magistrado em processo a levar em conta a normatividade da CADH, os posicionamen- tos da CIDH, bem como, os ditames de direito internacional dos direitos humanos que excedessem esses dois âmbitos normativo-interpretativos latino-americanos, desde que, imbuídos de uma ampliação do dever de garantia e proteção dos direitos humanos (NOGUEIRA-ALCALÁ, 2012). Para García Ramírez (2011), a ideia e a prática do controle inter- no de convencionalidade repousam na intenção de conferir efetividade aos conteúdos de direito internacional dos direitos humanos, pois, é a sua motivação conferir reconhecimento interno a tais conteúdos. Nesse con- texto, para o autor, há uma verdadeira “ponte jurisdicional” via controle de convencionalidade, que liga, dialogadamente, os tribunais nacionais e a CIDH, através da aceitação da sua jurisprudência, sendo que, movi- mento contrário, – o uso de jurisprudências nacionais pela CIDH –, tam- bém pode ser notado9. “En el escenario descripto, el diálogo jurisdiccional puede visualizarse como ruta de interacción entre las diversas instancias de protección de los derechos humanos (internas e internacionales), para que permeen influencias y condicionamientos mutuos[...]” (BAZÁN, 2011b, p. 78). O controle de convencionalidade institui, – ou deve(ria) instituir –, um ambiente amplo de diálogo entre jurisdição nacional e supranacional. Não se pode mais trabalhar na lógica de que o juiz nacional faz o contro- le de constitucionalidade e o controle de convencionalidade fica a cargo da CIDH. Em verdade, os dois ocorrem conjuntamente em momentos distintos, seja internamente quando a jurisdição nacional vai analisar a legalidade, constitucionalidade, e a convencionalidade em relação ao caso concreto, bem como, externamente, quando a CIDH, em havendo algu- ma violação aos direitos humanos, ou, a incompleta implementação da CDAH e o incompleto atendimento aos direitos humanos, reanalisará o caso concreto aferindo a convencionalidade da decisão e, no mínimo in- diretamente, a constitucionalidade da decisão (HITTERS, 2009). Desse modo, evidencia-se a intercomunicação entre ordem interna- cional, – convencional –, e ordem nacional, – constitucional –, por meio de uma jurisdicionalidade que não se origina do direito processual cons- 116 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 titucional, mas, sim, do ambiente de internacionalização do direito, pela aplicação de novos mecanismos processo-procedimentais, entre os quais se destaca o controle de convencionalidade, bem como, o reenvio preju- dicial10 que corroboram para a afeição do que se pode chamar de direito processual transnacional (BAZÁN, 2011a). Nesse ponto, pode-se falar de uma “mentalidade processual alarga- da” que desaponta a clássica forma de ação e estrutura do Estado num âm- bito de jurisdicionalidade, apenas interna e constitucional, possibilitando o alvorecer de uma jurisdicionalidade internacional e convencional, ins- tituindo interno e externo em um mesmo e “único” ambiente de prote- ção e garantia dos direitos humano-fundamentais (SALDANHA, 2007). Conforme Bazán (2011a), a prática do controle de convencionalidade se desenvolve em dois planos. Um deles se observa em sede nacional/interna na prática dos magistrados locais, – sejam juízes de primeira instância ou de tribunais superiores –, sendo a obrigação que os mesmos têm em verificar a adequação das normas nacionais, – sejam constitucionais ou infraconstitucionais, bem como, de suas decisões ao texto da CADH e aos parâmetros interpretativos estabelecidos pela CIDH naquela matéria. O outro plano se desenvolve no âmbito internacional e, consiste na atividade desenvolvida pela CIDH de analisar num caso concreto levado a sua juris- dição a compatibilidade de um ato ou norma de direito interno/nacional com o disposto pela CADH, havendo uma comunicação entre esses dois planos e não uma hierarquização ou sobreposição, tampouco tendo que haver opção por um ou outro. Não se conforma somente uma mesma prática no que concerne à proteção, concretização e conteúdo dos direitos humanos ou das normas de direitos humanos, mas, sim, se conforma tanto quanto, uma mesma prática processual no caminho de atendimento ao controle de convencio- nalidade por parte dos Estados parte do Pacto de San José da Costa Rica. Consiste o texto de tal tratado e os pronunciamentos de CIDH em vetores de interpretação pelos tribunais internos e de prática legislativa pelos po- deres competentes. Nesse plano, esse direito processual constitucional potencializado pela prática do controle de convencionalidade é o que permite a trans- versalidade processo-jurisdicional de caráter procedimental-interpretati- vo-decisório, para além do arranjo inicial de contato dialogado, que se dá Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 117 pela via da horizontalidade e da verticalidade, o que propicia um aprofun- damento das funções e conteúdos atingidos por essa jurisdicionalidade mundial-compartilhada (SALDANHA, 2012). Essa nova processualidade assume as complexidades de movimento e fala, expandindo esse processo interrelacional, de forma a conciliar o constitucional e o convencional em um mesmo ambiente jurídico-decisório. Conforme Bazán (2011b), a CIDH promove a fixação de parâmetros interpretativos a partir do texto da CADH e, estes devem ser aplicados pelos tribunais nacionais nos casos de versarem sobre tal matéria em todo o seu potencial pro homine. Tal perspectiva deixa claro que o controle de convencionalidade, – seja o interno, seja o externo –, é importante vetor do diálogo jurisdicional, potencializando o processo de internacionaliza- ção do direito pelos direitos humanos, de maneira a constituir um ius commune em matéria processual e de direitos humanos. O controle de convencionalidade não deve estar exclusivamente li- gado à prática da CIDH, mas, sim, deve ser assumido por todo e qualquer tribunal ou órgão jurisdicional, – como não jurisdicional – nacional, como função de compatibilização de suas interpretações e normas com a CADH e, para além disso, como função de garantia, defesa e concretização dos direitos humanos-fundamentais. Configura-se uma processualidade con- vencional/constitucional e dos direitos humanos, que necessariamente pauta o exercício da jurisdição interna e externamente. Com efeito: Vale la pena reiterar, entonces, que el control de convencio- nalidad tiene que hacerse a través de una “comparación” – que deben cumplir los judicantes del país – entre las reglas internas de esencia legislativa, administrativa o de cualquier otro caráter, por un lado; y los Tratados aludidos, la jurispru- dencia de la Corte IDH y el ius cogens, por el outro (HIT- TERS, 2009, p. 120). Forja-se um novo ambiente de ação para o Direito e para os direi- tos, que assume a reciprocidade processo-decisória e relaciona nacional e internacional, convencional e constitucional, alinhando-os com a jus- ticialidade internacional dos direitos humanos numa zona de diálogo in- termitente e, não ocasional. Ocorre uma harmonização espacial, – direito processual das constituições –, e conteudística, – direito internacional dos direitos humanos –, que impõe uma prática jurisdicional voltada para o múltiplo e, ao mesmo tempo, para o compartilhado, num caminho con- 118 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 vergência humanitária (NOGUEIRA ALCALÁ, 2012). A jurisdição internacional se sustenta sobre um espectro convencio- nal, ou seja, ela se perfaz através do controle de convencionalidade, com- patibilizando o direito interno (constitucional) e o direito internacional (convencional), fazendo-os dialogar no caminho da proteção ampla e ir- restrita dos direitos humanos fundamentais (BAZÁN, 2012). No caso bra- sileiro, se é que esse processo ocorre, ocorre de maneira bastante tímida, a experiência brasileira não assimilou devidamente a prática do controle de convencionalidade, ficando isso bem claro na postura do Supremo Tribu- nal Federal face ao caso Gomes Lund. Ao contrario, na prática argentina, o controle de convencionalidade invariavelmente permeia as decisões das Cortes internas/nacionais, como por exemplo, no caso Julio Lilo Mazzeo e outros, tratando-se de um recur- so de cassação e inconstitucionalidade de 13 de julho de 2007, em que a Corte Suprema de Justiça argentina consolidou a inconstitucionalidade da atribuição ao presidente da possibilidade de conceder indulto à acusados de crimes contra a humanidade. Tal pronunciamento da Corte baseou-se entre outros parâmetros na decisão da CIDH no caso Almonacid Arellano y otros contra o Chile, concluindo pela incompatibilidade para além de constitucional, convencional da referida norma interna (BAZÁN, 2012). Cavallo (2012) também faz importante análise da prática judicativa da Suprema Corte chilena no caso Rudy Cárcamo Ruiz11, em que o pre- sente tribunal claramente adota uma perspectiva convencional no mais amplo sentido de compatibilização de sua decisão em relação ao direito internacional dos direitos humanos, para além da adequação à CADH e à jurisprudência da CIDH, porquanto, trazendo claramente o posiciona- mento interpretativo da CIDH em sua decisão. O autor aponta o caminho seguido pela Suprema Corte na direção de um “direito comum dos di- reitos humanos” frente à prescritibilidade de um crime contra a huma- nidade, suplantando o direito positivo chileno na direção de um direito convencional/constitucional dos direitos humanos. Nesse viés, essa processualidade, surgida do diálogo entre jurisdi- ções potencializado pelo controle de convencionalidade, aparece como a materialização mais pura e sólida de uma consciência jurídica universal num plano de ação que prima pela garantia e concretização dos direitos humanos enquanto direitos comuns da humanidade. Coadunando plano Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 119 de ação interno e externo em um espaço-tempo único, reduz-se o perigo de desvios na feitura e aplicação de normas, bem como, potencializa-se o dever de interpretação adstrita à gramática mundializada dos direitos humanos (CAVALLO, 2012). No que segue: [...] os diálogos transversais entre cortes nacionais e não na- cionais e vice-versa representam que o olhar recíproco aos standards internacionais, praticado pelas jurisdições na- cionais e, aos standards constitucionais, desenvolvido pelas jurisdições não nacionais, muito mais do que vínculos me- ramente normativos, denotam uma reserva de interpretação em favor de uma base intersubjetiva e intercultural para a conformação de uma comunidade mundial de valores, em que estejam á base os direitos humanos (SALDANHA, 2012, p. 155-156). Desse modo, o direito processual clássico, claramente ganha uma nova roupagem que, primeiro, lhe atribui o status de constitucional e, logo em seguida, lhe garante a participação efetiva em esferas jurídicas que o desnaturam de sua nacionalidade territorial e cidadã, passando-o para uma lógica transfronteiriça e humanizada que lhe outorga um de- ver de proteção máximo do ser-humano, cidadão ou não (HITTERS, 2006). Nesse plano, a jurisprudência da CIDH evolutivamente chega ao ponto em que, para além do controle feito pela própria CIDH, quando provocada e obedecendo às regras procedimentais para tal, afirma que os tribunais locais, – constitucionais ou não –, devem pautar suas decisões nas leis, na constitucionalidade e na convencionalidade. Nesse sentido, a CIDH confere ao termo lei em suas decisões, um sentido amplo que deve abarcar a Constituição, as Convenções Internacionais, as leis infracons- titucionais e etc. Nesse contexto, na prática defendida pela CIDH, para além do dever por expresso pedido das partes de averiguar a compatibi- lidade. no caso concreto do material normativo interno com a CADH e a CIDH, os tribunais e magistrados nacionais têm a obrigação de verificar a convencionalidade e até mesmo ex oficio (BAZÁN, 2012). Todos esses processos, vivenciados contemporaneamente, demar- cam a realização de um movimento que integra o Direito e os direitos em um nível único de máxima concretização e proteção da(s) humanidade(s), planificando um ideal comum de humanização do direito e de substancia- lização do processo. A ação dos direitos humanos, no âmbito do direito 120 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 interno e na própria esfera do direito internacional, torna possível a eluci- dação de novas juridicidades e jurisdicionalidades encaminhadas por um direito renovado humanitariamente (BOLZAN DE MORAIS, 2011). O que fica claro, é que os arranjos e rearranjos na ceara jurídico-política, do- tam o direito na atualidade de uma condição de permeabilidade em rela- ção aos sistemas jurídicos diversos e a “condições humanas” diversificadas e plurais, o que vem a gerar uma intensa interatividade de práticas, pos- turas e conteúdos a respeito dos direitos humanos (SALDANHA, 2012). Não se conforma somente uma mesma prática no que concerne à proteção, concretização e conteúdo dos direitos humanos, – ou das nor- mas de direitos humanos –, mas, sim, se conforma tanto quanto, uma mesma prática processual no caminho de atendimento ao controle de convencionalidade por parte dos Estados parte do Pacto de San José da Costa Rica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Assim, fica evidente que o direito processual constitucional, para além de preocupar-se com a constitucionalidade das normas e decisões, passa a ter que se preocupar com a garantia do mais amplo possível espec- tro de proteção e concretização dos direitos humano-fundamentais, para além da tal prática tradicional atrelada ao Estado-Nação. Esse movimento se dá pela intensificação do processo de internacionalização do direito a partir dos direitos humanos que passa a englobar, também, as esferas processo-jurisdicionais na conformação de um novo ambiente (Parte 1). Esse ambiente se consolidando, firmado no diálogo entre jutisdições, que, passa a ser um verdadeiro diálogo entre tribunais, juízes, práticas e conteúdos jurídicos. Constrói-se um ambiente de diálogo entre nacional e internacional; entre constitucional e convencional que na América Latina ganha substancialidade a partir do texto da Convenção Americana de Di- reitos Humanos (CADH) e pela prática decisória da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) (Parte 2). Esses dois processos descritos, de internacionalização do direito pro- cessual constitucional e de diálogo jurisdicional amplo, têm como figura potencializadora o controle de convencionalidade. Tal instrumento acaba por consolidar esse ambiente de trocas e diálogos no rumo da mais ampla e irrestrita esfera de proteção dos direitos humanos fundamentais, fazen- Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 121 do dialogar nas mais variadas jurisdições e tribunais a constitucionalidade e a convencionalidade constituindo um ius commune latino-americano processual e de direitos humanos (Parta 3).

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Notes 1 Quanto ao desenvolvimento científico e a consequente organização sistemática do direito processual constitucional enquanto disciplina jurídica autônoma, Eduardo Ferrer Mac-Gregor salienta que esse processo se deu em quatro etapas: a) a primeira originada dos trabalhos de Kelsen a respeito das garantias jurisdicionais da Consti- tuição e seus desdobramentos a partir do debate com Schmitt; b) após, a partir das teorizações de Niceto Alcalá-Zamora y Castilho sobre uma nova disciplina processual, origina-se a segunda fase, culminando com a firmação do autor de compreender-se o instituto do amparo inserido no direito processual constitucional; c) a terceira etapa, compreende a absorção por parte da doutrina processual da época dos desdobramen- tos feitos no direito processual pelo aparecimento desse novo ramo do Direito, está, dá- -se, sobremodo, a partir dos estudos de Couture, Calamandrei e Cappelletti; d) a quarta etapa consiste na definição conceitual e sistemática da nova disciplina jurídico-pro- cessual, tendo como referência os estudos de Fix-Zamudio a respeito dos contornos jurídico-dogmáticos que revestem a nova disciplina em sua natureza, conceitualização, conteúdo e diferenças no que tange ao direito constitucional (MAC-GREGOR, 2008). 2 A utilização do termo híbrido nesse ponto não significa que o direito processual constitucional possa ser visto como uma matéria dúbia ou de dupla identidade. O que se quer dizer, é que esse novo ramo do Direito engloba conteúdos processuais e consti- tucionais, bem como, banha-se em toda a conteudística constitucional contemporânea e, ao mesmo tempo, garante essa constitucionalidade. Desse modo, o direito processual constitucional é uma “terceira coisa” que sim, guarda relação com o direito constitucio- nal e processual, mas não os repete. 3 Saldanha (2012) identifica pontualmente sete dimensões desse fenômeno cha- mado de internacionalização do direito: a) tratar-se de um movimento que se estende para além das fronteiras nacionais e que envolve uma multiplicidade de caracteres; b) a ausência de uma efetiva ordem jurídica internacional, o que aparece – ou pode aparecer – como um problema; c) constituir-se em uma superposição de regras jurídicas; d) a superabundância de instituições; e) a complexificação do cenário, decorrente da ausên- cia de sistemas interativos e instáveis; f) o eixo de tensão entre os direitos do comércio e os direitos humanos; g) a necessidade de conceber-se possível o universal, dando forma a uma nova gramática que possibilite a existência de um patrimônio comum da Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 125

humanidade. 4 Sobre o tema, no que concerne ao aparato processual comum em relação à Amé- rica Latina, ver SALDANHA, 2010. 5 O termo Constituição convencionalizada guarda ligação direta com o procedi- mento do controle de convencionalidade das normas e decisões nacionais com os di- tames da Convenção Americana de Direitos Humanos – CADH – e a interpretação da mesma, dada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos – CIDH. 6 Para explicar o significado destas terminologias Delmas-Marty se utiliza das con- ceituações, fazendo o seguinte constructo. Para a autora, “a mundialização remete à difusão espacial de um produto, de uma técnica ou de uma ideia” enquanto que a uni- versalidade, – universalização traz consigo a intenção de um compartilhar de sentidos. Desta forma, ao tratar-se da globalização econômica, trata-se de uma difusão espacial em escala global que, por não se dar de forma plural-comunitária, corre o risco de se tornar uma mundialização hegemônica, compactuada com os ideários do mercado neoliberal. De outra banda, os Direitos Humanos carregam em si um sentido de uni- versalidade, o que os faz tratar sob a ótica da universalização, compartilhando uma linguagem comum, e uma vocação universal (DELMAS-MARTY, 2003, p. 8-9). 7 Nesse passo, vislumbra-se a partir da relação indestrutível entre direito proces- sual constitucional, direito internacional dos direitos humanos e controle de conven- cionalidade, a necessidade de se constituir um verdadeiro “direito processual das cons- tituições” que abarque na sua operacionalidade jurisdicional as mais variadas fontes de direito, desde que, na intenção de alargamento da esfera de proteção dos direitos humanos fundamentais (ver: HOFFMAM, 2014). 8 Sobre bloco de constitucionalidade e de convencionalidade, consultar SALDA- NHA, 2010. 9 Como se sabe, em princípio é conditio sine quo non o esgotamento prévio da(s) jurisdição(ões) interna(s) em havendo uma violação aos direitos humanos, ou, a não reparação integral, para o acesso inicial ao sistema interamericano, o que, possivelmen- te, irá acabar sob a jurisdição da CIDH. No entanto, a partir do controle de convencio- nalidade, de modo geral, e do controle interno de convencionalidade, especificamen- te, deve ocorrer um natural diálogo entre tais jurisdições, – nacional e supranacional –, não havendo necessidade de anterior violação ao texto da CADH e às decisões da CIDH, mas, sim, ocorrendo uma verdadeira “tutela preventiva” por meio dos tribu- nais internos no uso do controle de convencionalidade. É evidente que deve haver um diálogo entre jurisdições, para além da necessidade de processamento de determinado Estado parte junto à CIDH. (BAZÁN, 2011a). 10 Sobre o tema consultar SALDANHA, 2001. 11 Tal caso trata-se do sequestro qualificado praticado por agentes da ditadura chi- lena em 27 de setembro de 1974, na cidade de Talcahuano, contra Rudy Cárcamo Ruiz membro do GAP (Grupo de Amigos Pessoais) de Salvador Allende e militante do MIR (Movimiento de Izquierda Revolucionaria). Em tal julgamento, a Corte Suprema do Chile manteve por unanimidade as condenações nas instancias inferiores, pronuncian- do-se definitivamente sobre o caso condenando à prisão os cinco agentes do Estado responsáveis pelo sequestro, considerado na decisão crime contra a humanidade e, por tal motivo imprescritível. A notícia pode ser vista nestes dois links:

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Como citar este DIREITOS HUMANOS artigo: BOLESINA, Iuri, GERVASONI, UNIVERSAIS? UM ESTUDO Tássia. Direitos Humanos Universais? Um estudo sobre o SOBRE O DIREITO direito à liberdade de pensamento a partir À LIBERDADE DE do caso Kimigayo. Argumenta Journal PENSAMENTO A PARTIR DO Law, Jacarezinho – PR, Brasil, n. 27. p. CASO KIMIGAYO 127-166. UNIVERSAL HUMAN RIGHTS? Data da submissão: A STUDY ON THE RIGHT TO FREEDOM OF 05/05/2016 THOUGHT FROM THE KIMIGAYO CASE Data da aprovação: 21/11/2016 DERECHOS HUMANOS UNIVERSALES? UN ESTUDIO SOBRE EL DERECHO A LA LIBERTAD DE PENSAMIENTO A PARTIR DEL CASO KIMIGAYO

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. O caso “Kimigayo”: uma pers- pectiva para começar; 2.1 Os fatos; 2.2 O contexto do julgamento: Kimigayo e Hinomaru; 2.3 A decisão da Suprema Corte do Japão (os argumentos desenvolvidos) e seus efeitos; 3. Sobre o direito fundamental/humano à liberdade de pensamento contemporaneamente; 3.1 A ligação entre liberdade de pensamento e identidade pessoal; 3.2 Direito à liberdade de pensamento no caso do servidor público: a tensão entre o direito à liberdade de pensamento e a condição de servidor público; 4. Em que sentido são os direitos humanos universais?; 5. Con- siderações finais... sobre sentidos possíveis para direitos humanos universais; Referências.

RESUMO: Este trabalho, a partir do estudo do caso Kimi- 1. Universidade de Santa Cruz do Sul gayo, em controvérsia envolvendo a liberdade de pen- UNISC – Brasil samento de um servidor público no Japão, investigará 2. Faculdade Meridional os sentidos postos e possíveis para a universalidade IMED - Brasil 128 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 dos direitos humanos. Para tanto, (I) é preciso reconstruir o caso Kimiga- yo, desde os fatos que motivaram o conflito até o julgamento e seus efeitos; (II) examinar o direito à liberdade de pensamento contemporaneamente, focando, em especial, nas suas implicações à identidade pessoal e suas peculiaridades no que diz respeito ao servidor público; para, finalmente, responder ao problema proposto (III): em que sentido(s) pode-se falar em direitos humanos universais?

ABSTRACT: This paper, on the Kimigayo case study, a controversy involving free- dom of thought of a public servant in Japan, will investigate the current and possible interpretations for the universality of human rights. There- fore, (I) it’s necessary to rebuild the Kimigayo case from the facts that motivated the dispute to the context and the effects of the judgment; (II) to examine the right to freedom of thought, focusing in particular on its implications to personal identity and its peculiarities with regard to the public servant; to respond, finally, to the problem (III): in which sense(s) can one speak of universal human rights?

RESUMEN: En este trabajo, a partir del estudio de caso en Kimigayo, controver- sia que involucra la libertad de pensamiento de un servidor público en Japón, serán investigados los sentidos puestos y posibles para la universa- lidad de los derechos humanos. Por lo tanto, (I) es necesario reconstruir el caso Kimigayo desde los hechos que dieron lugar al conflicto hasta la sen- tencia y sus efectos; (II) examinar el derecho a la libertad de pensamiento, centrándose en particular en sus implicaciones para la identidad personal y sus particularidades con respecto al servidor público; para responder por fin al problema propuesto (III): en qué dirección (s) se puede hablar de los derechos humanos universales?

PALAVRAS-CHAVE: Direitos humanos; Kimigayo; liberdade de pensamento; universalidade.

KEYWORDS: Human rights; Kimigayo; freedom of thought; universality. Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 129

PALABRAS CLAVE: Derechos humanos; Kimigayo; libertad de pensamiento; universalidad.

1. INTRODUÇÃO O sol orbitando em volta da Terra, que “já foi” plana, em um uni- verso que já se supôs eterno: tudo isso em algum momento da história foi aceito como verdade – e não como “qualquer verdade”, como dogma. Isso indica o fato de que as convicções aparentemente mais seguras e certas podem (e serão) questionadas e contestadas em determinado momento, seja pela evidência de sua inexatidão ou incompletude, seja pelas transfor- mações paradigmáticas que movem a ciência. Com relação aos direitos humanos, a característica da universalidade foi sendo assentada mais ou menos dessa forma, indiscutível e indissociá- vel, sobretudo ao fazer-se presente desde o título da própria “Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948”. Um alento de esperança aos horrores da segunda guerra que, no entanto, fez sombra a uma infinidade de povos e culturas. Pelo menos desde 1948, passou praticamente incólume a discussão acerca do que significa e o que (ou quem) representa essa universalidade, enquanto a diversidade que lhe é adversa foi sendo esquecida e soterrada por tratados, convenções e toda sorte de prescrições de direitos univer- sais que, no final das contas, eram bastante singulares em suas previsões e destinações. Ora, se direitos humanos são universais, o que justifica as disparida- des em suas garantias e efetivação conforme o ponto geográfico da Terra em que se vive? No caso que se toma de base para a presente investigação, Kimigayo, a controvérsia envolvendo a liberdade de pensamento de um servidor público no Japão recebeu uma resposta que não se pode, mini- mamente, pressupor que se repetiria no Brasil, nos Estados Unidos, no Uruguai, na Índia... Os direitos humanos são universais, contudo, a inter- pretação que se faz acerca da liberdade de pensamento pode ser variável? Não se trata, antecipa-se a ressalva, de uma defesa de padronização ou uniformização de conflitos e respostas. Entretanto, essa condição re- vela que é chegado o tempo de questionar, ainda que para melhor com- preender, a tão alardeada ideia de universalidade dos direitos humanos, sobretudo dos direitos humanos recebidos a partir de uma “fórmula pron- 130 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 ta”, impondo-se suas previsões aos países como entrega-se uma caixa de presente muito bem adornada, com laços e fitas e cores, mas que, no fun- do, serve de distração e disfarce com relação ao presente. Com efeito, este trabalho propõe-se, a partir do estudo do caso Ki- migayo, conforme referido, que discutiu, no Japão, os limites da liberdade de pensamento de servidor público, questionar e investigar os sentidos postos e possíveis para a universalidade dos direitos humanos. Para tanto, o estudo será divido em três momentos: inicialmente, é preciso reconstruir o caso Kimigayo, desde os fatos que motivaram a dis- puta judicial até o contexto do julgamento e os efeitos decorrentes da de- cisão final; num segundo momento, pretende-se examinar os contornos e perspectivas do direito à liberdade de pensamento contemporaneamente, focando, em especial, nas suas implicações à identidade pessoal e suas pe- culiaridades no que diz respeito ao servidor público; e, ao final, todos es- ses dados comporão a base para que se responda ao problema firmado de início: em que sentido(s) pode-se falar em direitos humanos universais? Metodologicamente, o presente trabalho fará um estudo de caso, adotando uma abordagem fenomenológico-hermenêutica – priorizando, portanto, quanto aos objetos da investigação, o seu modo, o seu como, em oposição a construções soltas no ar ou descobertas acidentais que se apegam à quididade real dos objetos (HEIDEGGER, 2009, p. 66) –, um método de procedimento monográfico (indicando a especificidade da -in vestigação) e técnicas de pesquisa por documentação indireta.

2. O CASO “KIMIGAYO”: UMA PERSPECTIVA PARA COMEÇAR 2.1 Os fatos O caso “Kimigayo” trata de uma situação com relevância jurídica ocorrida no Japão, na cidade de Hino, especificamente na Hino“ City Ele- mentary School”, no ano de 1999, judicializado em 2004 através do caso “2004 (Goy-Tsu) N. 328” e julgado em última instância em fevereiro de 2007, pela Suprema Corte (Constitucional) do Japão, o qual serviu de paradigma para outros casos com objetos assemelhados.1 O processo ju- dicial tem como parte autora um professor de música e como parte ré o Conselho Metropolitano de Educação. Trata, em máximo resumo, de um pedido de declaração de inconstitucionalidade de uma admoestação disciplinar recebida pela parte autora e aplicada pela parte ré, sob a alega- Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 131

ção da violação ao artigo 19 da Constituição do Japão, que diz respeito ao direito fundamental de liberdade de pensamento e de consciência.2 Conforme consta no acordão, a parte autora do processo é servidor público, professor de música da Escola de Ensino Fundamental da Ci- dade de Hino (escola pública) desde 1º de abril de 1999. Tal escola fun- dou como praxe (desde o ano de 1995) entoar a canção “Kimigayo” (que desde agosto de 1999, ao lado da sua melodia, trata-se do hino nacional oficial do Japão) com o acompanhamento instrumental de um piano nas suas cerimônias de iniciação e formatura. Nesse mesmo sentido se daria a cerimônia de iniciação, que seria realizada no dia 06 de abril de 1999 (note-se: a primeira cerimônia em que o professor de música iria partici- par, naquela escola, pelo menos, pois decorridos apenas cinco dias de sua chegada à escola) (JAPÃO, SCJ, 2007, p. 3). A fim de organizar a cerimônia de iniciação, foi realizada a “reunião dos professores/colegiado” no dia 05 de abril de 1999. Nesse encontro, um dos assuntos foi a execução do Kimigayo, o qual ficaria ao encargo do professor de música. Todavia, ao saber dessa incumbência, o professor de música negou-se a executar a canção no piano, sustentando que o hino violava as suas perspectivas pessoais de pensamento e crença – sendo reprovado pelo diretor (JAPÃO, SCJ, 2007, p. 3). No dia da cerimônia, porém, horas antes do seu início, o professor de música foi convocado ao escritório do diretor, oportunidade na qual, novamente, lhe foi determinado que efetuasse a execução do hino na- cional no piano; novamente o professor negou-se pelo mesmo motivo: a canção ia de encontro aos seus pensamentos e crenças. No horário da cerimônia, no momento da execução do Kimigayo, conforme protocolo, o mestre de cerimônias determinou que o professor de música tocasse o hino nacional, o qual, por seu turno, permaneceu sentado e imóvel em frente ao piano. Depois de cerca de cinco minutos, observando que o pro- fessor de música não iria desenvolver a melodia, o mestre de cerimônias instruiu que fosse tocada uma versão gravada da melodia do Kimigayo, que havia sido preparada com antecedência, no antever da situação. Va- lendo-se do som gravado, o hino nacional foi cantado na cerimônia de iniciação (JAPÃO, SCJ, 2007, p. 3-4). Diante disso, no dia 11 de abril de 1999, o Conselho Metropolitano de Educação aplicou uma admoestação ao professor de música, funda- 132 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 da na “desobediência de ordens oficiais”, conforme o previsto no Ato dos Serviços Públicos Locais (JAPÃO, SCJ, 2007, p. 4). O professor de música, sentindo-se violado em seu direito fundamental de liberdade de pensamento e de crença intentou ação judicial visando a declaração de in- constitucionalidade da admoestação e, consequentemente, a sua retirada do seu histórico funcional.

2.2 O contexto do julgamento: Kimigayo e Hinomaru O Kimigayo é envolto em uma discussão ideológica e política, isso porque originariamente se refere a um poema do século X (905 d.c.) cha- mado Waka, que servia como forma de homenagear pessoas importantes e/ou idosos, a partir da Era Meiji (1867-1902) – marcada pela lógica im- perial e pela presença da figura do Imperador como “ser-superior-descen- dente-dos-deuses” – a letra do poema foi impositivamente alterada a fim de render venerações ao Imperador3 e, consequentemente, rebaixar aos demais cidadãos. Diante disso e a partir das mudanças culturais, jurídicas e políticas ocorridas no Japão com o final da segunda guerra mundial, houve pressão para se alterar a letra do Kimigayo e evitar que, na forma em que estava, se tornasse o hino oficial japonês, uma vez que simboliza- va uma visão não/anti-democrática e marcava um período em que o Japão realizou diversas agressões a outros países da Ásia. Em oposição a esse movimento, contudo, estavam aqueles que interpretavam o Kimigayo como algo cultural e histórico, desprovido de qualquer emblema negativo (THE NEW YORK TIMES, 1999). Essa discussão, aliás, chegou à Dieta Nacional japonesa4, onde se instaurou um debate acerca de uma legislação sobre tornar o Kimigayo e a Hinomaru, respectivamente, o hino nacional e a bandeira japonesa oficiais. O cenário montou-se em razão de um conflito instaurado em fevereiro de 1999 entre o diretor da Sera High School (escola pública) e o Conselho de Educação de Hiroshima. O Conselho determinava que todas as escolas sob sua jurisdição entoassem o Kimigayo e hasteassem a bandeira Hinomaru – The Rising Sun Flag – na próxima cerimônia de graduação das escolas. Todavia, pelos motivos acima descritos, o diretor Toshihiro Ishikawa negou-se – sendo repreendido – e buscou apoio dos professores de sua escola, sem sucesso. Como medida última, visando blindar as suas crenças contra um ato oposto (e imposto) a elas, o diretor Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 133 se suicidou e deflagrou o debate sobre a hino e a bandeira japonesa (DE- SERET NEWS, 1999, p. 10). Nos dias que antecederam a votação da legislação na Dieta, o jornal The Japan Times (1999) realizou uma enquete em Tokio, Osaka e Hi- roshima, questionando se os entrevistados reconheciam e concordavam com a bandeira Hinomaru e o hino Kimigayo como símbolos nacionais. Quanto à bandeira, 90% dos entrevistados a reconheciam e concordavam; já quanto ao hino, cerca de 60% concordavam e reconheciam.5 Na Dieta, a discussão política acabou com a aprovação da Lei (Act on National Flag and ) em agosto de 1999: na Casa dos Representantes por 403 vo- tos a favor e 86 contra e na Casa dos Conselheiros por 166 votos a favor e 71 contra, ao total representando aproximadamente 78% de apoio à Lei.

2.3 A decisão da Suprema Corte do Japão (os argumentos desen- volvidos) e seus efeitos Inicialmente, note-se que o caso ora tratado ocorreu em abril de 1999, ou seja, dois meses depois do suicídio do diretor da Sera High School e quatro meses antes da publicação da Lei sobre o hino e a bandeira oficial japonesa. Como já deve estar aclarado, o professor de música, filiando-se à perspectiva de que o Kimigayo é uma mácula na história e na cultura do Japão, asseverou que, de acordo com sua liberdade fundamental de pensamento e de crença, não poderia somar-se ao enaltecimento de algo desvirtuado de toda lógica cultural, política e jurídica contemporânea que fora forjado em período de agressões perpetradas pelo Japão. Nesse sentido, argumentou que também violava a sua liberdade fun- damental de pensamento e de crença tomar parte, deliberadamente, de um ato que infringe os direitos humanos, na medida em que obriga às crianças da escola a cantar o Kimigayo sem a exata noção e educação so- bre os fatos que engendraram a canção e sobre as circunstâncias em que ela era cantada no passado. Destarte, advogou que mais razoável seria pri- meiro lecionar os alunos sobre o Kimigayo e seu contexto, dando-lhes o entendimento mínimo necessário para que pudessem concordar ou não em cantar o hino (JAPÃO, SCJ, 2007, p. 4). Ademais, ponderou-se que o ato de tocar uma canção no piano não ocorre exclusivamente pelo movimento autômato das mãos do músico, pois depende majoritariamente de um exercício mental. O instrumento, 134 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 assim, é apenas o meio pelo qual o músico manifesta algo. No seu caso, ser forçado a tocar o Kimigayo representaria a imposição para que rea- lizasse sinapses a fim de executar a canção, as quais lhe remeteriam aos sentimentos negativos que nutre em relação à canção e ao fato de estar sendo obrigado àquilo mesmo diante do seu direito fundamental à liber- dade de pensamento e de crença, causando-lhe uma contradição psico- lógica e emocional. Isso representaria, ao fim das contas, uma segunda violação (JAPÃO, SCJ, 2007, p. 7). Defendeu-se que o seu cargo de funcionário público, especificamen- te como professor de música, lhe atrai como deveres fundamentais às aulas de música, ou seja, o ensinamento das questões relativas à área mu- sical do conhecimento e não a realização de atos estranhos a isso. O servir de músico nas cerimônias de iniciação e graduação da escola é, quando muito, uma obrigação acessória. E sendo um acessório, é de se ponderar seriamente se tal adicional deve ser superior ao direito fundamental de liberdade de pensamento e de crença (JAPÃO, SCJ, 2007, p. 14). Tampouco é razoável o atendimento de ordens em exclusiva obe- diência aos comandos do diretor em vista de obrigações que este supõe presumidas ou genericamente de responsabilidade dos professores de música das escolas públicas (JAPÃO, SCJ, 2007, p. 14). Ao lado disso, asseverou-se que o objetivo da escola, naquela ocasião, era realizar uma cerimônia da iniciação que atendesse ao importante interesse (geral e abs- trato) da educação infantil, o que não carece, como condição de possibi- lidade, de um professor executando o acompanhamento musical ao vivo (tanto que a gravação atendeu ao desiderato) (JAPÃO, SCJ, 2007, p. 13). Por fim, sustentou-se em favor do professor que o centro- dadis cussão jurídica não deveria ser o questionamento se a ordem do diretor impõe, proíbe ou nega um pensamento ou uma crença do professor, mas, sim, se era constitucional ou não obrigá-lo a tocar o acompanhamento musical (antes de verificar se isso impunha, negava ou proibia uma visão sobre o Kimigayo) (JAPÃO, SCJ, 2007, p. 12). Em outras palavras, se era proporcional ou não fazer crer que obrigar uma pessoa (um funcionário público no caso) a executar algo que vai contra seus princípios (causan- do sentimentos de estranhamento ou ultraje) poderia ser visto como algo neutro, pelo simples fato de não partir da própria pessoa, mas sim de uma ordem do Estado (JAPÃO, SCJ, 2007, p. 14). Nessa linha, percebeu-se Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 135 que o professor se opunha ao fato dele ser obrigado a entoar o hino e não que outras pessoas cantassem o hino, se assim o desejassem. Em outro sentido, a favor do Conselho Metropolitano de Educação, defendeu-se objetivamente que o professor de música em questão é um funcionário público do Estado do Japão e que, por força constitucional (artigo 15, §2)6, é tido com um servo da comunidade. Essa qualidade, em tese, o coloca em posição de ter de tolerar certas limitações em seus direitos fundamentais em nome do bem geral: tende, nos casos que envolvem servidores públicos, o interesse público a ser superior ao interesse privado (JAPÃO, SCJ, 2007, p. 12/14). Outrossim, salien- tou-se que os diretores das escolas públicas são munidos com poderes de fazer suas ordens soarem como ordens oficiais do Estado, notada- mente quando almejarem resultados albergados pela Constituição e necessários para a realização adequada do evento a que se destinam (JAPÃO, SCJ, 2007, p. 8-9). Também afirmou-se que, apesar de não com força obrigatória à época, é habitualmente determinado pelo Conselho que o Kimigayo seja tocado nas escolas públicas de ensino fundamental e médio; uma prática ordinariamente realizada nas cerimônias de iniciação e gra- duação, sendo que a entoação e/ou execução é uma espécie de “dever acessório” – tido como natural – dos professores de música. Em assim sendo, o desenvolver do Kimigayo não pode ser visto como uma ex- pressão do pensamento do professor que o executa, especialmente em vista de tratar-se de corriqueira e usual determinação que, em geral, advém de um órgão superior e estatal. Não existiria uma conexão di- reta e inseparável entre tocar a música e os pensamentos e crenças do professor, assim como não haveria uma conexão direta entre usar uma camiseta com a imagem de Jesus Cristo e ser cristão (JAPÃO, SCJ, 2007, p. 4-5/11). Ademais, argumentou-se que a recusa do professor com base na opinião de que a história e o contexto do Kimigayo deveriam ser ensi- nados anteriormente às crianças não poderia prevalecer, considerando que, naquele caso, a cerimônia tratava-se de um evento de iniciação, de “boas vindas” aos alunos, os quais receberiam as aulas sobre a canção no decorrer de seus estudos, em momentos posteriores e com a diligência necessária para o aprendizado. Nessa mesma linha, advogou-se no sen- 136 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 tido de que o plano de educação e as matérias a serem ensinadas foram decididos pelo Estado, não estando à disposição da discricionariedade e liberdade de cátedra dos professores, sob pena de balbúrdia, consideran- do que cada professor poderia deixar de lecionar aquilo que não julgasse ser pertinente (JAPÃO, SCJ, 2007, p. 8). Em resumo, ao final, a decisão afirmou que as ordens que determi- nam que os funcionário públicos das escolas estatais cantem/toquem o hino diante da bandeira, mesmo contra o entendimento destes, (a) não ne- gam ou proíbem a perspectiva político-histórica-ideológica dos afetados e (b) não impõem que os afetados confessem ou tenham um visão políti- co-histórica-ideológica específica, (c) por não haver uma conexão direta e inseparável entre a liberdade de pensamento e de crença dos afetados e o conteúdo da determinação estatal. Em assim sen- do, não haveria, portanto, uma violação ao direito fundamental de liberdade de pensamento e de crença, previstos no artigo 19 da Constituição Japonesa (JAPÃO, SCJ, 2007, p. 11). Resultado final: o professor de música não teve o seu pleito pela declaração da inconstitucionalidade da reprimenda funcional deferido. Como efeitos decorrentes da decisão da Suprema Corte do Ja- pão, é imprescindível sublinhar que serviu como paradigma para jul- gamento de outras demandas judiciais intentadas por professores que questionavam a constitucionalidade das determinações oficiais que lhes obrigavam a cantar/tocar o hino Kimigayo diante da bandeira Hi- nomaru nas celebrações das escolas públicas, bem como as punições a eles aplicadas pelo Conselho de Educação de Tokyo. Todas essas demandas convergiram para um julgamento desfavorável àqueles que questionavam o Kimigayo e a Hinomaru (THE JAPAN TIMES, 2010). Ao lado disso, intensificou-se a rigidez nas punições administra- tivas aos professores visando o atendimento da legislação sobre o hino e a bandeira. Estima-se que de 2004 a 2011 cerca de 400 profes- sores foram punidos pelo Conselho de Educação de Tokyo, que instruía aos diretores das escolas públicas que, nos casos de enfrentamento da mencionada Lei, advertissem, como primeira medida, aquele que se ne- gasse a cantar o Kimigayo ou a encarar a Hinomaru e, em se mantendo a negativa, que avançassem para cortes de salário, suspensão e até mesmo demissão (FUJITA, 2011). Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 137

3. SOBRE O DIREITO FUNDAMENTAL/HUMANO À LIBER- DADE DE PENSAMENTO CONTEMPORANEAMENTE Como preâmbulo é válida a advertência que a leitura contextualiza- da do direito à liberdade de pensamento conjugado com o direito à liber- dade de expressão é a melhor opção para o entendimento deste direito. Cogita-se que partem da mesma raiz, porém, em sentidos diferentes: um sentido interno, consistindo no direito ao pensamento, e outro externo, significando o direito à expressão (LEWIS, 2009, p. 183). Afinal, de pou- ca ajuda seria o direito de livre pensar sem o direito de livre manifestar esse pensamento. Nesse espectro, portanto, também ganham iluminação direitos como a liberdade de consciência e de crença, assim como todas as demais liberdades de comunicação ou comunicativas (artística, intelec- tual, de imprensa, dentre outras) (SILVA, 2006, p. 243; DIAS, 2011), já que tendem a partir do pensamento em direção à manifestação. Tomar o direito à liberdade de pensamento de um modo isolado im- plica em entendê-lo como a mera liberalidade de psiquicamente se pensar de qualquer modo. Seria, nesse sentido raso, despropositado falar em “di- reito”, já que pouco provável que houvesse uma forma de “ler e contro- lar” os pensamentos que ocorrem na mente de uma pessoa. Seria o caso, contudo, nas distopias, como as já aventadas na literatura (Orwell, Dick, Urobuchi, dentre outros), em que uma entidade/instituição (física ou mís- tica) tem a onipresença e a onisciência para vigiar/controlar o pensamento de quem lhe está assujeitado. Todavia, em um sentido mais inter-relacionado, o direito à liberda- de de pensamento conecta-se à ideia de forum internum (MURDOCH, 2007), equivalendo ao direito de pensar livremente (inclusive mudar de posição) e poder fruir deste pensamento. Assim, quanto ao “pensar livre- mente”, tem-se como sendo perversas as formas de “lavagem cerebral” ou “doutrinação” que podem ser operadas dissimuladamente por Estados ou instituições (UBILLOS, 2010, p. 798). Por seu turno, o “poder fruir” conecta-se à possibilidade de expressar o pensado, habitualmente por meio da fala, da escrita, da simbologia, mas também por qualquer outra forma de manifestação, das mais singelas às mais inusitadas. Sublinhe-se que tal direito igualmente liga-se a uma dimensão negativa, ou seja, de não ser obrigado a pensar (de uma forma) ou expressar o pensamento (SILVA, 2006, p. 144), afinal, o direito à liberdade de pensamento não 138 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 pode converter-se em dever. Tradicionalmente, o direito à liberdade de pensamento aliado à liber- dade de expressão é considerado um elemento essencial da democracia (MATSUI, 1991, p. 13). Um Estado que não efetive verdadeiramente essa ligação não pode adjetivar-se de democrático. É uma união que permi- te, ao mesmo tempo, que uma pessoa possa exercer sua individualidade, autoexpressão e autodeterminação (pensamentos, críticas, crenças, con- vicções, ideários, etc.) e que a coletividade possa dialogar livremente, re- velando a pluralidade de ideias, racionalidades e sentidos que permeiam uma comunidade. Trata-se, assim, de um direito de todos, ao menos no plano jurídico-formal, não cabendo exclusivamente a certos sujeitos ou a eventuais posições sociais, culturais ou funcionais. Portanto, a concreti- zação desses direitos demanda ações de respeito e defesa (não ser discri- minado negativamente em razão de seus pensamentos e manifestações), bem como de promoção (gozar da possibilidade de acesso a mecanismo de e para a fruição do pensamento e da manifestação). A “censura” – enquanto policiamento ideológico – é a pior das ini- migas das liberdades de pensamento e expressão, sendo, nos Estados Democráticos, rechaçada. Muito próxima, mas não equivalente, está a “licença”, que é um instrumento pelo qual o Estado tem poder de, pre- viamente, vedar e autorizar certas manifestações (AGRA, 2010, p. 190). Destarte, isso significa que as liberdades de pensamento e manifestação podem sofrer restrições quando outros interesses tutelados, em direitos de igual hierarquia ou decorrentes desses, mostrarem-se mais pertinen- tes. É o caso das publicidades que incitam ódio, discriminação ou com- portamentos inadequados para crianças e adolescentes. Porém, nem toda restrição é mansa, algumas trazem consigo grandes polêmicas, especial- mente aquelas justificadas em elementos vagos como “bons costumes”, “interesse público”, “bem-estar social”, “moral”, “paz social” e a pró- pria liberdade de pensamento e de expressão (MARMELSTEIN, 2013, p. 122-127). Ainda nesse contexto é válido reiterar que o pensamento e sua mani- festação podem ser restringidos tanto em relação ao conteúdo (obscenida- de, difamação, discriminação, apologias à ilegalidade) quanto em virtude da forma (barulho excessivo, pôsteres que atrapalham o tráfego, mani- festações que causem obstruções desmedidas das vias públicas, fogos Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 139 de artifício que expõem terceiros ao perigo) (MATSUI, 1991, p. 21-37). Deve-se atentar, porém, para restrições que eventualmente possam ser consideradas levianas ou discriminatórias, pois fruto de posições culturais hegemônicas, como, por exemplo, a questão dos códigos de vestimenta e das tatuagens (MURDOCH, 2007). Por outro lado, em alguns países é expressamente vedado o anoni- mato na manifestação do pensamento. Isso significa, em síntese, que toda expressão deve ter um(a) autor(a) que seja identificável. As razões para tal vedação são em prestígio ao direito de resposta de terceiros, eventual dever de reparação perante terceiros violados pela manifestação, bem como eventual sanção pelos excessos cometidos na expressão Na esfera jurídico-formal, o direito à liberdade de pensamento está previsto em inúmeras prescrições normativas. No espaço internacional, o direito humano à liberdade de pensamento está previsto no art. 18 da De- claração Universal dos Direitos Humanos7 e também no art. 18, item 1, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos8, além de aparecer em outros documentos que tutelem as liberdades civis e políticas.9 Ao lado disso, nos espaços nacionais, na condição de “direito fundamental”, tal direito aparece expressamente em pelo menos 80 Constituições (CONS- TITUTE, 2016).

3.1 A ligação entre liberdade de pensamento e identidade pessoal Acima afirmou-se que o direito à liberdade de pensamento equiva- le ao direito de pensar livremente e poder fruir deste pensamento, po- dendo representar a manifestação da individualidade, da autoexpressão e da autodeterminação. É ilustrativo dessa situação como, não à toa, co- gita-se nos estudos dos direitos morais do autor, a obra como uma ex- tensão de sua personalidade (MARINO, 2013; SOUZA, 2013). Nesse sentido, alguns pensamentos são mais que meros achismos, informações ou opiniões ordinárias sobre o tempo, os esportes, os gostos ou os fatos da vida. Alguns pensamentos são efetivas convicções, ideias fortes e resilientes sobre as coisas e sobre si mesmo.10 E são essas ideias, essas convicções que formam a identidade de uma pessoa. Logo, a livre fruição do pensamento por meio da sua manifestação é uma forma de ratificação da identidade pessoal, isso é, de demarcar fron- teiras e habilitar conexões entre a identidade e a diferença. Por assim pen- 140 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 sar, a liberdade de pensamento e de manifestação acabam sendo meios para o exercício de outros direitos que conformam a identidade humana (questões sexuais, de gênero, políticas, de crença, de ideário, filosóficas, de lazer, etc.), uma vez que tais direitos revelam-se quando performativi- zados (BUTLER, 2015, p. 56/235). Por tal razão, essa demarcação e essa habilitação entre identidade e diferença são predispostas aos mais diversos níveis e formas de acon- tecer. Poderá uma pessoa preferir ser mais reservada e introspectiva em suas posições, ao tempo que outra poderá ser mais extrovertida e efusiva. Por outro lado, cogite-se alguém que se identifica como cristão, heteros- sexual e humanista, justamente por ter pensamentos que se coadunam com essas perspectivas. Necessitará essa pessoa tanto de uma esfera de- fensiva (não ser discriminada negativamente) dos direitos de liberdade de crença, sexual e consciência, respectivamente, como também de uma esfera promocional destes direitos. Fato é que não se tem identidade, mas se é identidade (SCHREIBER, 2014, p. 220). E, quanto maior a diversidade de cenários que coabita uma pessoa, maior será o número de elementos identitários que terá (LUCAS, 2014, p. 11); mais complexa será enquanto pessoa. Logo, a identidade não é uma coisa, um objeto que se possa remover a qualquer tempo; ela é um conjunto de convicções pessoais, ainda que eventualmente efêmeras, contraditórias e flexíveis, que ilustram uma pessoa (HALL, 2014, p. 103). Daí porque diga-se que uma identidade é sempre vocacionada a mos- trar-se e reafirmar-se ao público, bem como a ofender-se profundamente quando mal interpretada ou negada (LEWIS, 2009, p. 184). Isso em razão de que essa identidade (essa pessoa) é formada por inúmeras identifica- ções e refutações identitárias: quando aquela pessoa disse ser cristã, ao mesmo tempo ela tacitamente não se viu como budista; quando afirmou ser heterossexual, também asseverou silenciosamente não ser homosse- xual; e, quando definiu-se humanista, implicitamente quis dizer que não era ecocentrista, por exemplo. Enfim, a diferença é ooutro constitutivo da identidade (HALL, 2014, p. 110). Logo, uma identidade precisa afastar outras identificações, as quais não considera constitutivas de si e, ao fazer isso, acaba afirmando-se (“sou x” e não sou “Y”) (ROSA, 2014, p. 81). Essas afirmações e negações podem ocorrer de inúmeras formas (fala, escrita, gestos, etc.). Então, quando alguém nega-se a orar ou a can- Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 141 tar o hino em uma solenidade, nada mais é do que uma negação daqueles preceitos (nos quais não há identificação identitária) e uma afirmação da sua identidade pessoal. Como quer Foucault (2004, p. 262): “devemos não somente nos defender, mas também nos afirmar, e nos afirmar não so- mente enquanto identidades, mas enquanto força criativa”. E, se observar- -se com atenção perceber-se-á que muitas das tensões sociais, culturais, políticas e jurídicas (para ficar apenas nestas) são tensões identitárias, ou melhor, de afirmação e/ou negação da identidade. O plano de fundo, vale destacar, são tramas entre posições emergentes e posições estabelecidas; entre opressão e emancipação.

3.2 Direito à liberdade de pensamento no caso do servidor pú- blico: a tensão entre o direito à liberdade de pensamento e a condição de servidor público Na história pós-Segunda Guerra Mundial, inúmeros casos seme- lhantes ao “caso Kimigayo” foram julgados de modo distinto ao redor do globo. Casos, portanto, envolvendo a liberdade de pensamento e expres- são de um servidor público. A distinção nos desfechos evidencia como os aspectos socioculturais são determinantes na forma de interpretação do direito à liberdade de pensamento. Significa que, não obstante tal direito, geralmente, venha enunciado de modo amplo, como “todos têm direito à liberdade de expressão”, um brasileiro pode ter problemas no Japão ou um americano na Europa. Infelizmente, no espaço e pretensões desse texto, não há qualquer possibilidade de uma varredura completa dos ca- sos mais recentes acerca da liberdade de pensamento e de expressão do servidor público. De qualquer sorte, indica-se em rodapé leituras11 que se propuseram a isso e casos12 ilustrativos que trataram da temática. Vale sintetizar, contudo, dois pontos centrais. Primeiro, a tendência, no oriente, de uma preocupação maior com o coletivo e, assim, maiores restrições à liberdade individual de pensamento e expressão; já no oci- dente, o inverso ocorre, prestigiando-se a liberdade individual. Se estipu- lada uma régua onde um extremo é o Japão e outro é o Brasil, de lá para cá, tem-se claro abrandamento nas restrições às liberdades de pensamento e manifestação (ainda que permaneçam, eventualmente, pressões ou san- ções simbólicas). Segundo, que o debate sobre a liberdade de pensamento e expressão 142 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 do servidor público tende a desaguar na discussão sobre a “condição de servidor público” não equiparar-se – positiva e negativamente – a uma “pessoa comum”. Nesse sentido, é comum a defesa de que o servidor público possui deveres e obrigações que demandam restrições àqueles direitos, assim como que essas restrições são voluntárias, isto é, anuídas pelo sujeito no momento em que aceita a função pública. Em tal contexto, costuma-se afirmar que a liberdade de pensamento e expressão do fun- cionário público cede mais facilmente a questões vagas e dependentes de contextualização como “bem comum”, “paz social”, “interesse público”, “segurança nacional”, “proteção da moral”, etc. Para exemplificar, veja-se que na Europa há clara tendência da Corte Europeia de Direitos Humanos de restringir a liberdade de pensamento e expressão dos servidores públicos com base na teoria dos “deveres e responsabilidades” prevista no art. 10, item 2, da Convenção Europeia sobre Direitos humanos (COUTINHO, 2012, p. 153). De acordo com tal lógica, os servidores públicos são pessoas “diferenciadas” que atraem para si certos deveres e responsabilidades que não competem às pessoas comuns, tudo em nome de elementos vagos como ordem pública, segu- rança nacional, proteção da honra e da moral, dentre outros.13 Além disso, outras restrições podem aparecer em documento nacionais de hierarquia infraconstitucional. Já nas américas, as Constituições dos países democráticos costu- mam conter cláusulas mais amplas acerca da liberdade de pensamento e de expressão, não contando expressamente com a teoria dos “deveres e responsabilidades” do servidor público. É o caso, por exemplo, da pri- meira emenda da Constituição norte-americana e do art. 5, IV e VI, da Constituição Brasileira. As anotações restritivas costumam aparecer em documentos infraconstitucionais, devendo alinhamento à Constituição sob pena de serem afastadas. Logo, aqui as restrições são nascidas da intepretação caso a caso, uma vez que são, na verdade, adequações, si- tuações proporcionais, entre o texto legal, seus objetivos e a lógica cons- titucional. Observe-se, em face do até então exposto, que as restrições ou são escoradas em elementos vagos ou são nascidas de um processo validação constitucional, significando dizer que o princípio da (estrita) legalidade que envolve todo o serviço público é sempre desafiado/ameaçado diante Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 143 da interpretação caso a caso. Ora, o que se entende por “paz social”, por exemplo? Seria o silêncio de funcionário públicos que insubordinam-se contra ordens que julgam ser desproporcionais ou violadoras da sua dig- nidade? E o mais comum é que há uma tendência global de editar leis, estatutos e assemelhados que limitam, senão cerceiam a liberdade de pen- samento e expressão dos funcionários públicos. A par de toda teoria contemporânea sobre as restrições aos direi- tos fundamentais (FREITAS, 2007) e sobre a interpretação pro homine dos direitos humanos (SGARBOSSA, 2009), pondere-se o que segue. A organização burocrática de cariz weberiana no serviço público é uma no- ção amplamente praticada em diversos países e está geralmente aliada ou condicionada pelo direito à legalidade. É uma organização que aposta em alguns princípios, tais como a impessoalidade, a formalidade-rígida, a racionalidade, a previsibilidade, a hierarquia, para ficar nestes. O ser- vidor público, nesse sentido, é mais uma peça que compõe uma ampla máquina que possui mecanismos de autoimunização contra a “falta de peças” (WEBER, 2012, p. 9-12). De certo modo, tal organização aposta na pureza e na neutralidade das relações entabulada com e a partir do servidor público, como se ele fosse um fiel executor das determinações que lhe atingem, independentemente das questões que lhe agitam interna e externamente. Mais peremptória torna-se a situação quando percebe-se que as or- ganizações burocráticas assemelham-se (e podem até mesmo fundar-se) a ordens com raízes calcadas em posições austeras, intransigentes e/ou fundamentalistas, como aquelas nascidas ou herdadas do militarismo, da supremacia incondicional da maioria (travestida, não raro, de “bem co- mum” ou “ordem pública”) e/ou de alguns dogmas religiosos, respectiva- mente (JUSTEN FILHO, 2005, p. 565). E isso é bem demonstrado pela perspectiva do serviço público que costuma posicionar seu funcionário em uma situação diferenciada em relação a outra pessoa não servidora pública (lida como “comum”). Ao servidor público, nessa matriz, não é facultado ter a mesma “liberdade”; a ele cabe uma liberdade reduzida, sob o argumento de que o servidor público não é uma pessoa comum (COUTINHO, 2012, p. 149). Tal lógica irradia-se por todos os setores do “serviço público” em maior ou menor medida e de modo mais ou menos rígido. 144 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

A perversidade do argumento dilata-se quando invoca-se a ideia de “renúncia voluntária” por parte do servidor público, no exato momento em que ele aceita a nomeação para o seu cargo. Ocorre uma inversão ideológica (ALFARO, 2010), segundo a qual não é o Estado que está cerceando certas liberdades, mas sim o servidor que está espontanea- mente relativizando-as. No mesmo sentido vão as justificações rationae personae (em razão da pessoa) que reificam a pessoa humana, ou seja, colocando-a como objeto/servo do Estado ou da Comunidade, a fim de lhe cercear determinados direitos. De servidor público a pessoa torna-se servidor do público. Nesse caso, o sujeito deixa de ser parcialmente pes- soa humana para transformar-se em servidor público, como se este não fosse àquela14 (COUTINHO, 2012, p. 165). Daí porque seja contumaz a crítica que revela a brutalidade do ato de controlar/censurar (por meio do físico ou do simbólico) a liberdade de pensamento e de manifestação de um servidor público com base nas razões acima indicadas – ou mesmo em razões que não tratem de uma violação legal em si (ideia de legalidade substancial). Ora, as convicções que formatam certos pensamentos, especialmente os afetos à consciência e à crença, igualmente formatam a identidade pessoal. Assim sendo, ne- gar à liberdade de pensamento do servidor público nada mais é que negar a sua identidade pessoal: e nada mais brutal psiquicamente do que negar o que uma pessoa é. E, note-se, foi exatamente o que a Suprema Corte Constitucional Japonesa fez, escudada em supostos argumentos jurídico-constitucionais. Inicialmente, observe-se que a negativa do professor era por entender que contrariava suas convicções e o colocava em uma situação de hipocrisia. Em síntese: que violava sua identidade. Ademais, sublinhe-se que o re- sultado final poderia ter sido obtido com ou sem o professor, por meio de uma gravação. Apesar disso, a Corte julgou que o comando hierárquico do diretor determinando que o professor de música tocasse o hino (a) não negava ou proibia sua perspectiva político-histórica-ideológica, (b) não impunha confissão ou uma visão político-histórica-ideológica específica e (c) não conectava direta e inseparavelmente à liberdade de pensamento do professor com o conteúdo do hino. Aparentemente, algo de lógica muito semelhante ocorreu no regime nazista, cujo relato é pontualmente retratado por Arendt (1999) ao apre- Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 145 ciar o julgamento de Eichmann: ‘não é você que está matando os judeus, você apenas despacha o trem para os campos de concentração (onde os judeus são assassinados); você é apenas um burocrata; não há ligação entre o que você faz e o que nós (Estado) pensamentos’. Eis a banalidade do mal: fazer crer que certos fatos são apenas fatos em si, neutros, puros, externos, burocráticos; fazer crer que a pessoa, na condição de funcioná- rio público, é uma “folha em branco”, despersonificado da sua identidade e do seu contexto e, portanto, imune e indiferente às ordens que recebe. É esse tipo de argumento que vinga, por exemplo, em espaços não-demo- cráticos, como os militarizados, em que a hierarquia e a subordinação são justificadas em nome de um bem maior que, não raro, redunda em obje- tificação humana e atos de violência. Ademais, o servidor público não é um ator que interpreta um personagem em uma obra ficcional cujo roteiro foi escrito por um terceiro e que os observadores claramente perceberão a “fantasia” da encenação. Ao revés, trata-se da sua realidade, da sua vida, uma vida: sem roteiro, sem legendas e sem notas explicativas. A importância é reiterada quando percebe-se o número de funcio- nários públicos existentes no mundo. Ilustrando: em 2012, o Brasil pos- suía cerca de 3 milhões e duzentos mil (1,6% de toda população) (IBGE, 2012); os Estados Unidos possuía cerca de 22 milhões de funcionários públicos (aproximadamente 7% da população) (USCB, 2013); a Espanha possuía 2 milhões e setecentos mil servidores públicos (cerca de 5,9% da população (EL PAIS, 2015); e o Japão possuía aproximadamente 3 milhões e quinhentos funcionários públicos (cerca de 2,7% da sua popu- lação (OECD, 2012). Ora, são milhões de vidas, de identidades à mercê de comandos abstrato-formais que lhes cerceiam parte de seus direitos.15 Em face disso, nota-se claramente que a análise da Corte japonesa foi em relação a terceiros, isso é, nenhum terceiro iria achar que o profes- sor alinhava seu pensamento com o conteúdo do hino; nenhum terceiro irá pensar que o servidor público é uma pessoa comum. Porém, mais sen- sível seria, nesse caso, que a análise fosse perante o indivíduo afetado, já que é ele quem deverá conviver com o fato de ter sido obrigado a fazer e ser punido por não-fazer algo que ia diretamente contra sua identida- de. Aliás, costuma-se dizer que a ideia de dignidade da pessoa humana conecta-se a não ser tratado como objeto e não ser colocado em situação desumana16 (SARLET, 2004, p. 59-60). Se isso pode ser considerado cor- 146 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 reto, então, o argumento de que o servidor público não é uma “pessoa comum” nada mais faz do que violar sua dignidade humana, no exato momento em que lhe coloca subordinado a ordens que não atenderia se pessoa comum fosse. Isso não significa dizer, todavia, que o direito à liberdade de pensa- mento e expressão são absolutos. Obviamente existem situações que me- recem ser consideradas como justos elementos de limitação. Porém, sig- nifica, na verdade, que há uma forte tendência global de que as razões e formas que limitam tais direitos, no caso do servidor público, não seguem lógicas efetivamente deferentes à dignidade humana e emancipadoras do sujeito em um Estado Democrático de Direito. Ao revés, a tendência é de limitar-se antes do ocorrido; de oferecer respostas antes das perguntas em matéria de direitos humanos/fundamentais que são sempre carecedores de interpretação caso a caso. Essa colocação diferenciada da pessoa humana no título “servidor público” nada mais é que outra forma de uma redução da complexidade da realidade, obrada pelas lógicas da modernidade, que serve para opera- cionalizar certas questões em favor da ideologia e das forças hegemôni- cas em cada sociedade.

4. EM QUE SENTIDO SÃO OS DIREITOS HUMANOS UNIVERSAIS? Viu-se dos casos analisados neste estudo (Kimigayo e demais casos) que, não obstante o direito à liberdade de pensamento (e, consequente- mente, de expressão) seja previsto como “direito humano”, sua concreti- zação pode não se realizar ou, no mínimo, apresentar diversos matizes de significado no momento de sua interpretação. E isso ocorre confluindo os cenários internos (várias interpretações do mesmo direito em uma jurisdi- ção) com os cenários externos (várias interpretações de o mesmo direito em jurisdições diferentes). A título de efeitos concretos, muito embora o direito à liberdade de pensamento seja considerado um direito humano universal, sua concretização acaba sendo particularizada no contexto em que é analisado, podendo, não raro, ser subjugado pelas posições hege- mônicas e/ou ideológicas, perdendo a sua condição de direito basilar à pessoa humana. Logo, os problemas de interpretação são mais que sim- ples contextualizações: são tensões de poder (de opressão e emancipa- Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 147

ção), as quais são bem visualizadas quando se pensa que uma pessoa, em um país/cultura específica, preferiria a interpretação de outro país/cultura sobre o mesmo direito, porque esta atende melhor à sua dignidade. Em face disso, cabe questionar: em que sentido são os direitos hu- manos universais (e quais as implicações daí decorrentes)? Para elaborar uma resposta para ambos os questionamentos sugere-se perpassar por três abstrações que envolvem os direitos humanos: a abstração do fundamen- to da “essência humana”; a abstração “juridicista (formalismo jurídico)”; e, a abstração do “universalismo”. Essas três situações têm causado rele- vantes prejuízos à concretização dos direitos humanos, notadamente por alargarem o “paradoxo fundamental dos direitos humanos”17 (PRONER, 2002, p. 18) ou, em outros termos, alimentarem a absurda fissura entre o que se diz e o que se faz sobre direitos humanos (GALLARDO, 2014, p. 17). Argumenta-se, e não sem razão, que “talvez o caráter ‘pós-histórico’ dos direitos humanos deva ser buscado no paradoxo do triunfo do seu espírito que tem estado afogado na descrença universal a respeito de sua prática”, o que pode ser atribuído à manipulação dos direitos humanos enquanto discurso, nascido como expressão de rebeldia e divergência e transformado em um discurso de legitimidade do Estado. Em sua origem, “[...] os direitos humanos eram um fundamento transcendente da crítica contra o que é opressivo e do senso-comum”, contudo, hoje se encon- tram abafados “por diplomatas, políticos e juristas internacionais que se reuniram em Viena, Pequim e em outras festanças dos direitos humanos a fim de reaver o discurso das ruas para os tratados, as convenções e os especialistas.” (DOUZINAS, 2009, p.23-25). Quanto à abstração do fundamento da essência humana, o proble- ma reside numa dupla crença: primeiro que exista uma essência huma- na de cariz universal e atemporal e, segundo, que tal essência possa ser reconhecida. Essa leitura é tradicionalmente entabulada pelas perspecti- vas positivistas ou jursnaturalistas. Sob a perspectiva jusnaturalista, os direitos humanos apareceriam como entidades metafísicas, praticamente como valores, de certo modo, portanto, também conectadas à “essência humana”, que repousariam na “Asgard dos direitos humanos”, aguardado à iluminação terrena que os positivasse em algum documento jurídico para maior garantia. Nessa via, os direitos humanos são todos previamen- 148 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 te existentes, muito embora não todos “ainda” reconhecidos pela humani- dade, isso é, vão historicamente revelando-se ou sendo revelados e, então, positivados legalmente ou reconhecidos juridicamente. Já na perspectiva positivista dos direitos humanos, parte-se da noção de que os direitos humanos estão previstos legalmente em documentos jurídico-políticos (habitualmente de nível internacional), estendendo-se a todos os seres humanos indistintamente, pelo mero fato de terem nas- cido. É o que se lê, por exemplo, do artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos.18 Sob essa lógica, os direitos humanos possuem seu fundamento na “essência humana”, a qual é, em razão disso, univer- sal e atemporal (GRUBBA, 2015, p. 270).19 Não obstante o fundamento resida nessa suposta “essência humana” universal e atemporal, os direitos humanos tendem a aparecer historicamente situados, como respostas institucionais jurídicas a determinadas situações. São, assim, represen- tados pelas chamadas “gerações” ou “dimensões” de direitos humanos. Por seu turno, sua legitimidade é estritamente vinculada às questões ins- titucionais que preveem a edição normativa desses direitos, como é o caso dos procedimentos para o aceite de tratados internacionais e asse- melhados. Por tal via, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, por exemplo, equivale ao desdobrar da “essência humana”, com a conseguin- te explicitação dos direitos humanos que são inatos e universais. Com efeito, todos os serem humano têm direitos, independentemente de suas realidades. Cogita-se, desde aí, que o problema dos direitos humanos é mais concretizá-los e menos fundamentá-los (BOBBIO, 2004, p. 23). O grave problema da abstração da essência humana é a reificação que ela elabora. Ao afirmar que existe uma essência humana universal e atemporal, se está a dizer que os seres humanos possuem uma “for- ma correta/normal/natural” de ser e mesmo um “objetivo correto/normal/ natural” a perseguir. Ao naturalizar-se tal questão, ela acaba sendo ab- sorvida pela ideologia e, a partir daí, todas as demais formas de pensar são “incorretas/anormais/não-naturais”. Todavia, Sartre (2010, p. 18) foi pontual ao afastar esse tipo de fundamentação ao sustentar que, no caso dos seres humanos, a existência precede a essência. Ora, os seres huma- nos não são coisas; não são objetos que podem ser iguais e servirem para a mesma coisa em qualquer rincão do mundo. Uma caneta pode possuir “essência”20; ela sim possui um conceito prévio que lhe dá razão de ser, já Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 149 que não se imagina que alguém pudesse fabricar uma caneta sem cogitar previamente para que serviria. No caso dos seres humanos, porém, isso não ocorre. Não há um artífice soberano que imponha que os seres huma- nos seriam de um jeito e para tal fim. Assim, primeiro o ser humano nasce para só depois, dependendo de uma série de variáveis, ser alguma coisa. Além disso, essa visão essencialista acaba menosprezando, senão barrando, o valor das condutas sócio-históricas encampadas por deter- minadas pessoas, removendo o valor político de suas ações. Como bem posiciona Gallardo (2014, p. 21), a eficácia jurídica dos direitos humanos é inseparável da discussão do seu fundamento enquanto tais, perpassan- do, portanto, obrigatoriamente, pelas tramas sociais, ou seja, por questões culturais, políticas, econômicas e sociais de um determinado contexto. Assim sendo, o fundamento dos direitos humanos é vinculado à conflitua- lidade social: as tensões entre grupos emergentes e grupos estabelecidos; entre privilegiados e oprimidos; entre iguais e desiguais. É um fundamen- to material e não metafísico ou jurídico-formal. Por sua vez, a abstração juridicista (formalismo jurídico) condi- ciona os direitos humanos à exclusividade do “mundo jurídico”. Direito humanos passam a ser tão somente determinadas previsões legais, cuja interpretação é elaborada apenas por um grupo de especialistas acadê- micos ou institucionais. Deixa-se de valorar que os direitos humanos conjugam elementos da luta social, da reflexão teórica, da sensibilidade sociocultural e do seu reconhecimento e concretização jurídico-positivo- -institucional (RUBIO, 2010, p. 13), simplificando-os, abstraindo-os ao elemento jurídico. Em oposição a isso é que Herrera Flores (2010, p. 98) assevera que direitos humanos são: “el conjunto de procesos sociales, económi- cos, normativos, políticos y culturales que abren y consolidan – desde el ‘reconocimiento’, la ‘transferencia de poder’ y la ‘mediación jurídica’ – espacios de lucha por la particular concepción de la dignidad huma- na”. Portanto, vão além das regras jurídicas (positivismo) e ficam aquém dos idealismos morais (FLORES, 2010, p. 78). Por serem o conjunto de processos em prol da dignidade humana, são veiculados por “meios”, os quais podem ser jurídicos (direitos, deveres, ações, sentenças, etc.), mas também podem ser políticos, sociais e culturais (eleições, protestos, pro- jetos sociais e culturais, resistências individuais, caridade, etc.), dentre 150 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 outros. Ao abstrair os direitos humanos nas legislações, retira-se uma de suas principais características que é o caráter revolucionário e dissidente de suas ações de resistência e emancipação (DOUZINAS, 2009, p. 384). Os direitos humanos acabam domados pelo Estado e, quando isso ocorre, quando o Estado detém os direitos humanos em um sentido unilateral, as pessoas os perdem21 (HINKELAMMERT, 2002, p. 284). De forma muito próxima está a abstração do universalismo, se- gundo a qual todos os seres humanos nascem livres e iguais em digni- dade e direitos. Essa questão é uma decorrência direta da abstração do fundamento da essência humana e da abstração do juridicismo: se todos são seres humanos, todos merecem ter os mesmos direitos, os quais estão positivados em certo documento. É a posição plasmada na perspectiva do “universalismo dos direitos humanos”. Os problemas passam a surgir da inobservância da realidade, ou melhor, quando a realidade contesta as abstrações e demonstra como os direitos humanos precisam ser conquistados e ratificados diariamente. A realidade sempre questiona: se o Estado que promete saúde tem recursos suficientes para atender; se a educação acolhe as necessidades específicas dos alunos ou está descontextualizada; se a cultura não está operando uma inversão ideológica22 em nome dos direitos humanos, como no caso da mutilação genital feminina; se o sistema prisional está adequado à dig- nidade humana que o Estado compromete-se a promover; se a intepreta- ção de igualdade é apenas tolerância à desigualdade ou efetivo respeito às diferenças, etc. Essa abstração faz com que os direitos humanos sejam o lugar comum do qual se parte e não no qual se chega ou se encontra a pluralidade. Nesse sentido, é como se um punhado de previsões normativas fossem lançadas sobre os Estados e, partir disso, que fosse feito o melhor possí- vel, cada qual a sua forma (particular), mas sem efetivas garantias (sem universalidades). As pessoas passam a ter muitos direitos e poucas pos- sibilidades ou interesse de gozá-los (FLORES, 2009, p. 60). Não deixa de ser, ademais, uma forma de particularismo, já que hegemoniza a visão ocidental sobre direitos humanos ao restante do planeta (um localismo ocidental globalizado) (SANTOS, 2006, p. 438). Vide, para ilustrar, o simbólico caso da mutilação genital feminina na Somália, onde cerca de 98% das mulheres sofreram essa prática e se- Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 151

guem a sofrer23, não obstante a sua Constituição de 2012 proíba expres- samente no art. 15 e diga fundar-se na proteção dos direitos humanos e no Estado de Direito – art. 3, (4) (BARTHET, 2016; SOMÁLIA, 2016). O que esse exemplo revela? Basicamente que as abstrações (essência hu- mana, juridicismo e universalismo) que estimulam os direitos humanos não possibilitam efetivas emancipações, tampouco universais. Na forma posta, os avanços são pulverizados e beneficiam apenas certos grupos. A forma tradicional estabelecida é um pacto de mediocridade: de um lado se-faz-de-conta que se asseguram direitos humanos e, de outro lado, se- -faz-de-conta que se tem direitos humanos. E esse movimento é conser- vador na exata medida que propicia que as realidades permaneçam como estão (“conservem-se” com suas violações), já que impõem um teto raso às possibilidades emancipatórias dos direitos humanos e, assim, da digni- dade da pessoa humana. Porém, a aposta em um “multiculturalismo”, em perspectivas parti- cularistas, também não parece fugir dessa abstração, além de gerar outros obstáculos aos direitos humanos. O particularismo, no cenário em que se impõe, acaba tornando-se um universalismo, já que absolutiza sua posi- ção naquela comunidade, tendendo a barrar manifestações dissidentes do modelo tradicional. Em outros termos, não é estranho a certos particula- rismos – notadamente os de cariz fundamentalista ou radicais – que haja uma espécie de “aprisionamento cultural” tendente à violação de direitos individuais afetos, notadamente, à personalidade (PIOVESAN, 2008, p. 149). Afinal, não se deve olvidar que sempre haverá uma minoria dentro de uma minoria. Em qualquer dos casos (“universalismo de partida” ou “localismo”) há uma “universalização abstrata” que tende a criar um modelo com forte vocação à naturalização. Uma vez naturalizado, torna-se o tradicional (e, assim, o normal). Tal abstração, portanto, tende a desconsiderar ou/e obs- taculizar formas não-tradicionais de ver e expressar a dignidade humana e seus prolongamentos, forçando a aceitação do padrão. Gera-se, até mes- mo, uma cultura anestesiada sobre direitos humanos (RUBIO, 2007), de aclarada postura delegativa e resignada para com o abismo entre o que se diz e o que se faz sobre direitos humanos.24 Nesse cenário, surge como alternativa a noção de interculturalida- de ou universalismo de confluência/chegada (FLORES, 2008, p. 151; 152 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

RUBIO, 2014, p. 55). Na interculturalidade aposta-se no universalismo, mas não em um universalismo de partida (onde todos têm os mesmos direitos no início, independentemente das suas realidades, pelo fato de terem nascido) e, sim, em um universalismo de chegada, onde o conjunto de direitos universais aparece ao final, ciente das realidades envolvidas. Aposta-se na possibilidade de arquitetar um rol mínimo de direitos hu- manos – um mínimo ético irredutível e universal (PIOVESAN, 2006, p. 9) – que seja, efetivamente, o extrato do diálogo entre as mais diferentes culturas e posições sobre a dignidade humana. Tal aposta, ademais, escu- da-se no reconhecimento de que todas as culturas são, ao mesmo tempo, relativas, incompletas e problemáticas, demandando incessante diálogo intercultural para uma (re)significação da ideia de dignidade humana25 (SANTOS, 2006, p. 445-447). Ao fim e ao cabo, a conclusão será um uni- versalismo, porém, um que é dinâmico (sendo sempre aberto ao diálogo) e (re)nascido das tramas sociais que tencionam opressão e emancipação – afastando-se, portanto, da concepção tradicional-ocidental de direitos humanos. Pode-se dizer que o interculturalismo redunda em um univer- salismo que nasce da confluência de localismos – mas que, todavia, não se trata de um multiculturalismo26 (LOPES, 2008, p. 32), tampouco nega pontos estratégicos que devem ser universais. Por oportuno e pertinente, sublinhe-se que o interculturalismo, em sendo um “universalismo de chegada”, reconhece a importância que os limites contramajoritários possuem – temática bem desenvolvida pelos estudos mais sofisticados sobre constitucionalismo contemporâneo e Es- tado Democrático de Direito. Há uma série de assuntos e formas de abor- dá-los que devem ficar no “círculo do indecidível”, ou seja, não podem sucumbir às paixões e hegemonias do cenário político-cultural. Somente assim, as diferenças, as minorias e as pessoas em situação de opressão possuem alguma chance de efetiva resistência e manifestação institucio- nal.27 De certo modo, o diálogo que propõe o interculturalismo planteia esse mínimo universal de direitos e de interpretações, ciente de que nem tudo vale o mesmo, não podendo ser equiparadas posições que sejam discriminatórias com outras emancipatórias, por exemplo. A diversidade de pensamento, de culturas e de comportamentos depende diretamente da garantia desse mínimo universal (FERRAJOLI, 2006, p. 13-14). Diante do exposto, volta-se a questão exordial: em que sentido são Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 153 universais os direitos humanos? Atualmente e seguindo-se a trilha deixa- da pela teoria tradicional (“universalismo de partida” adotado pela ONU) que os operacionaliza no seio das instituições estatais, o que os direitos humanos têm de universal são: a) o seu não-cumprimento e a sua violação (FLORES, 2008, p. 105); b) o fato de que sua universalidade o é somente no plano abstrato- -formal das legislações; c) a noção de que todos têm direitos humanos desde seu nascimen- to, pelo fato de possuírem a “essência humana”, independentemente das suas necessidades pessoais e dos contextos sócio-histórico-culturais em que estão inseridos. Como extrato tem-se o direito a ter direitos, mas não necessariamente os direitos em si;28 d) a vocação gestacional de uma cultura anestesiada sobre direitos humanos, na qual a concretização desses direitos é majoritariamente de- legada ao Estado e exclusivamente embasada nos documentos jurídicos – removendo a importância de outros aspectos vinculados à sociedade, à cultura, à política e à individualidade (RUBIO, 2007, p. 12); e) a possibilidade do uso reiterado da inversão ideológica formatada em discursos ditos “pró-direitos humanos”, mas que, no fundo, escon- dem “ismos” (fundamentalismo, moralismo, dogmatismo, humanismo, radicalismo, etc.) e acabam violando direitos humanos. Prática, aliás, não raro alimentada por “instituições acima de qualquer suspeita” (como a família, o Estado, o Mercado, a sexualidade, enfim, instâncias simbólicas supostamente neutras e essencialmente “boas”) (GALLARDO, 2014, p. 77); f) a ampla margem para a interpretação dos direitos humanos a partir da ideologia e dos padrões hegemônicos (no seio de cada cultura e cada Estado) obstaculizando a manifestação contramajoritária e/ou de resis- tência de outras perspectivas acerca deles, em razão de não considerar/ assegurar seriamente a “esfera do indecidível”.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS... SOBRE SENTIDOS POSSÍVEIS PARA DIREITOS HUMANOS UNIVERSAIS Nas últimas décadas do século XX, fala-se e sente-se com todo o vi- gor em globalização, cujo conceito e efeitos, hoje, soam quase como truís- mo. A despeito do que poderia insinuar o termo, contudo, prenunciando 154 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

“o surgimento de uma sociedade mundial harmoniosa, ou de um processo universal de interação global em que haja uma convergência crescente de culturas e civilizações”, por afetar de maneira desigual a população mun- dial, a globalização firma-se como um processo excludente e desagrega- dor, dando origem a novas animosidades e conflitos (HELD; McGREW, 2001, p. 13). Em um mundo marcado pela diferença, pelo relativismo e pela plu- ralidade, então, o que se pode dizer que resta de universal? Talvez seja esse justamente o desafio: desapegar-se do que foi legado pela modernidade em séculos passados e construir um ponto de convergência inicial para a consolidação de uma realidade baseada no diálogo e na cooperação. Nesse sentido, o próprio caráter de universalidade dos direitos hu- manos, especialmente nos termos propostos e consagrados pelos docu- mentos internacionais, que têm como grande marco a Declaração Univer- sal dos Direitos Humanos de 1948, considerando a sua evolução histórica ocidentalizada e o fato de ter sido (pelo menos inicialmente) assumida pelos vencedores da guerra, tende a contribuir para a identificação de um discurso hegemônico, tipicamente moderno. Vistos dessa maneira, os direitos humanos tendem a ser sempre um instrumento de “choque de civilizações”, mais precisamente, do ocidente contra o “resto do mundo”. A universalidade (que não acontece na prática) reponde a uma aspiração de completude cultural em torno de determina- dos valores fundamentais, mas acaba por negar a universalidade do que questiona (SANTOS, 2010, p. 442-443). Ora, trata-se de uma universalidade meramente simbólica, além de irreal e desagregadora, pois pretende impor-se de maneira uniforme a toda variedade que o mundo pós-moderno escancara. Cumpre a referência, todavia, de que o usual argumento contra a universalidade dos direitos humanos elaborado pelas correntes relativis- tas vale-se de uma leitura redutora do multiculturalismo encontrado na sociedade humana. Baseada na constatação antropológica quanto à exis- tência de diferentes valores, hábitos e práticas sociais que se expressam por variadas formas culturais, a concepção relativista não acredita na pos- sibilidade de satisfação igual e equânime das exigências de bem-estar de todos os seres humanos, por pressupor que não há qualquer semelhança entre as pessoas que comporte generalizações. No entanto, a própria ob- Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 155 servação antropológica demonstra que algumas necessidades humanas são universais por seu caráter e essência, e não meramente locais, poden- do, por essa razão, ser classificadas como comuns a todos os grupos so- ciais ou, simplesmente, como humanas (BARRETTO, 2010, p. 239-240). Sublinha-se, ademais, que o caráter universal dos direitos huma- nos não se deve ao fato de serem (supostamente) compartilhados univer- salmente, mas sim ao fato de que são destinados a todos, indistintamente. São normas jurídicas heterônomas cuja validade dispensa um respaldo consensual, aliás, precisam ser formalmente estabelecidas justamente porque um consenso não pode ser deduzido, em qualquer cultura que seja. Não se trata, pois, de negar a cultura, trata-se apenas de não permitir que ela prevaleça sobre os direitos das pessoas (FERRAJOLI, 2008, p. 149- 150). Nesse sentido, a universalidade que aqui se postula aos direitos humanos não pretende negar a importância da cultura, da comunidade ou da historicidade, apenas sustenta uma presença moral não condiciona- da por fatores histórico-sociais ou quaisquer outros que não a condição de humano. Assim, “os direitos humanos representam um progresso moral da humanidade como um todo, pois estabelecem um conjunto de direitos que se devem os homens reciprocamente para proteger a sua condição humana universal” (LUCAS, 2010, p. 268). Considerando as transformações em curso, a satisfatória garan- tia desses direitos reclama, além da adequada proteção das Constituições nacionais, o respaldo por regimes, leis e instituições de alcance global (HELD; McGREW, 2001, p. 89), cuja fundamentação e legitimidade de atuação poderão ser buscadas justamente no elemento de universalidade dos direitos humanos. Mesmo Boaventura, por exemplo, que se recusa a aceitar esse caráter por identificar aí uma prática hegemônica, admite alternativas e possibilidades de uma transformação cosmopolita dos direito humanos, para o que propõe um procedimento hermenêutico denominado herme- nêutica diatópica (SANTOS, 2010, p. 441-470). A partir da superação de uma série de contradições, é reconhecido o potencial contra-hegemônico dos direitos humanos, desde que reconstruídos interculturalmente. Ao encontro dessa perspectiva, Bolzan de Morais admite que a lógica humanitária permite a projeção de “um pensamento universal de- 156 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 mocrático que não vise à difusão de um modelo único, desde um ‘lugar’ único, mas a emergência em diversos lugares de uma vontade (um desejo) de reconhecer direitos comuns a todos os seres humanos [...]”, de modo a harmonizar e não unificar posições (BOLZAN DE MORAIS, 2011, p. 129-130). A universalidade, portanto, é uma condição necessária e impres- cindível dos direitos humanos, possibilitando que a cada pessoa indivi- dualmente considerada, isso é, independentemente de suas características particulares, seja reconhecido o mesmo valor inalienável. Desse modo, a vigência de tais direitos “é incontestável e não pode ver-se diminuída por problemas jurídicos concernentes a sua realização prática” (JULIOS- -CAMPUZANO, 2008, p. 115), já aproveitando para rebater outra verten- te de críticas que costuma ser direcionada à universalidade. Em suma, para que no Japão, no Brasil ou em qualquer outra parte do globo as pessoas possam ter garantidos e respeitados os seus direitos, não se pode prescindir de um mínimo ético comum quando se fala em direitos humanos, pois liberdade é liberdade e não deve ser condicionada e dosada conforme a localização geográfica de quem a reclama. Esse mínimo ético comum, no entanto, de modo algum pode ser im- posto; ao contrário, precisa abraçar toda a variedade do mundo e a partir daí alcançar, por meio da consideração e do respeito às diferenças huma- nas e culturais, um sentido possível para a universalidade dos direitos.

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7 “Artigo 18 - Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; esse direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto em público ou em particular.” 8 “Artigo 18, 1 - Toda pessoa terá direito a liberdade de pensamento, de consciên- cia e de religião. Esse direito implicará a liberdade de ter ou adotar uma religião ou uma crença de sua escolha e a liberdade de professar sua religião ou crença, individual ou coletivamente, tanto pública como privadamente, por meio do culto, da celebração de ritos, de práticas e do ensino. 9 Como a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e a Declaração de Princí- pios sobre a Liberdade de Expressão na África. 10 Por oportuno, vale a menção de parte do script do filme “Inception”, do diretor Christopher Nolan, o qual aclara devidamente o sentido que se propõe: “Qual é o parasita mais resiliente? Uma bactéria? Um vírus? Um verme intestinal? Uma ideia. Resiliente, altamente contagiosa. Uma vez que uma ideia assenta-se no cérebro é quase impossível de erradicá-la. Uma pessoa pode encobri-la, ignorá-la, mas ela permanece lá. [...] Mas, certamente pode esquecê-la...? [...} Informação, sim. Mas uma ideia? Totalmente formada, entendeu? Ela gruda... lá, em algum lugar. [...] Uma ideia é como um vírus. Resiliente, altamente contagioso. E uma ideia pode crescer. A menor semen- te de uma ideia pode crescer para definir ou destruir você. As menores ideias como... ‘Seu mundo não é real’. Um simples pensamento que muda tudo.” (NOLAN, 2010). 11 Como uma obra bastante abrangente sobre o tema liberdade de pensamento e expressão do empregado o livro “Freedom of Speech and Employment” (VICKERS, 2002). Especificamente, na América Latina, o informe anual sobre direitos humanos vinculado à liberdade de expressão, de 2015, bem como o relatório de padrões inter- nacionais sobre liberdade de expressão, de 2014, ambos da OEA, são elucidativos. Na América do Norte, o texto “Balancing Act: Public Employees and Free Speech” (HUDON JR, 2002) atende ao que se propõe. Na Asia, o livro “Human Rights in Asia: A Comparative Legal Study of Twelve Asian jurisdictions, France and USA” (PEERE- BOOM; PETERSEN; CHEN, 2006) deixa pistas valiosas. 12 Para o acesso aos casos mais documentados indica-se o site: , mantido pela Universidade de Columbia, o qual possui um valioso banco de dados sobre a temática liberdade de pensamento e expressão, em casos judicializados. Apenas para ilustrar: Ríos e outros v. Venezue- la (Venezuela), ADPF 173 (Brasil), Engel e outros v. Holanda (Holanda), Fernández Martines v. Espanha (Espanha), Vogt v. Alemanha (Alemanha), Garrison v. Loisiana, Pickering v. Board of Education e Garcetti v Ceballos (Estados Unidos), Okanagan School v. Renaud (Canada), Atwoli v. Kambi (Quênia), e casos Bin Itoh e Sarufutsu (Japão). 13 “Artigo 10° - Liberdade de expressão: [...] 2. O exercício desta liberdade, por- quanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalida- des, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a proteção da saúde ou da moral, a proteção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparciali- dade do poder judicial.” 14 “Se vivemos num regime democrático, pluralista, que admite e até instituciona- liza a oposição, mas admitirmos que o servidor público não tem a mesma liberdade de manifestação de pensamento que os demais cidadãos, cairemos numa suposição absur- da: na de que o servidor público tem o dever de ofício de ser “de situação” e nunca “de oposição”; que não tem direito de manter, nem de expor suas próprias convicções; que sua liberdade de consciência é violável. [...] os servidores públicos são tão livres para manifestar seu pensamento quanto qualquer do povo, pois ao povo pertencem; restri- 164 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

ções a essa liberdade só podem, em tese, ser previstas em lei ordinária, que tipifique a hipótese com precisão, e desde que pontuais e indispensáveis ao eficiente desempenho do cargo, emprego e função. Devem, ainda, ser adequadas ao fim visado, e não haver outro meio menos gravoso de atingi-lo. Tais restrições não podem ser vagas, abrangen- tes e baseadas numa concepção ultrapassada de Estado [...].” (COUTINHO, 2012, p. 164/165-166). 15 Por essa linha asseverou Hudson Jr. (2002, p. 37): “The sheer number of public employees shows the importance of ensuring that First Amendment rights are a living reality rather than abstract theory for government workers. The Supreme Court long ago dismissed the notion that employees forfeit their constitutional protections when they enter the public workplace.” 16 “O conteúdo do princípio da dignidade humana pode desdobrar-se em duas má- ximas: não tratar a pessoa humana como simples meio e assegurar as necessidades vitais da pessoa humana. Ambas as máximas deitam suas raízes na teoria moral de Kant e podem servir como bases para justificar a natureza jurídica da dignidade huma- na” (BARRETTO, 2010, p. 70). 17 Paradoxo fundamental: “ao mesmo tempo em que aumentas os textos internacio- nais, acordos e declarações eu tratam de direitos humanos, também aumentos os casos de desigualdade e injustiças sociais em todo o mundo.” (PRONER, 2002, p. 18). 18 “Artigo 1°: Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.” 19 O raciocínio é: “a) os direitos humanos são inerentes aos seres humanos; b) os direitos humanos são inerentes porque decorrem do valor do ser humano e da sua dignidade inerente; c) os direitos humanos são universais; d) parece que são universais porque inerentes; e) os direitos humanos são inerentes a todos os seres humanos e uni- versais, e parecem decorrer de uma suposta essência humana; f) existe uma essência do ser humano; g) se há uma formulação dos direitos humanos inatos, ela só é possível porque se pode conhecer a essência humana; h) além da crença na existência da es- sência humana, parece existir a confiança na possibilidade de se conhecer a essência.” (GRUBBA, 2015, p. 270). 20 Essência não no sentido metafísico, mas como uma fórmula ou projeto que ante- cede a existência, como a planta que antecede a construção de um prédio. 21 “Cuando las instituciones tienen derechos humanos, los seres humanos los pier- den. Los seres humanos mismos son sustituidos por instituciones absolutizadas. Las instituciones llegan a ser los únicos portadores de derechos humanos, y los seres hu- manos tienen estos derechos en el grado en el cual se identifican con estas institucio- nes. Con eso los derechos humanos se disuelven.” (HINKELAMMERT, 2002, p. 284). 22 Inversão ideológica é a “criação de justificativas e mecanismos aparentemente voltados à satisfação dos direitos humanos, mas que, em sua ação concreta, deflagram violações dos próprios direitos humanos” (CARVALHO, 2013, p. 112). 23 Pertinente contestar o argumento de que algumas mulheres, na Somália, desejam/ optam pela mutilação genital. Supostamente, as jovens buscam essa intervenção a fim de estarem inseridas em sua comunidade, serem vistas como “morais” e consegui- rem casamentos (já que, em tese, alguns homens imporiam isso como uma condição) (PIACENTINI, 2007, p. 121). A contestação vai no sentido de que não se trata de uma “opção” (não se trata realmente de uma escolha, tampouco uma livre e consciente), uma vez que a decisão está sitiada por elementos sócio-culturais e que, neste caso, ar- quitetam uma violência simbólica (naturalizada, invisibilizada, na simbologia), articu- lada por lógicas discriminatórias de cariz machista, patriarcal e moralista. Logo, ou as jovens estão compelidas culturalmente ou estão alienadas culturalmente. De qualquer forma, acaba que não se trata de uma “opção” livre e consciente. Um bom exercício para medir a liberdade e consciência de escolha seria questioná-las: “se possível ter Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 165

o que você deseja (casamento, integração/aceitação social, não-discriminação, etc.) sem que fosse necessária a mutilação de sua genitália, mesmo assim você optaria pela prática?” Ou, “se você pudesse escolher não passar pela mutilação, você escolheria?”. 24 De forma lúdica, ilustra Rubio (2011, p. 10-11): “[…] un hombre necesi- taba que le hicieran un traje para una boda y acudió a un sastre. Le preguntó si podía hacerle el traje más hermoso y el sastre le contestó que en dos semanas lo tendría preparado. El hombre se fue muy contento y algo sorprendido de la seguridad y contundencia transmitida por el sastre. Pasadas las dos semanas regresó a la sastrería para comprobar si ya estaba preparado su traje. Efecti- vamente ya estaba presto y dispuesto. El sastre lo sacó y el hombre se extrañó porque vio que la obra textil era muy grande y algo amorfa. Tímidamente expresó su contrariedad porque esperaba algo mejor. El sastre le contestó que no se preocupara, que se lo probara porque ahí iba a comprobar lo bien que le iba a sentar el traje. El hombre metió una mano, luego otra y al final se encajó el traje como pudo. Salió de la tienda con la ropa nueva puesta. Al rato de ir caminando de manera rara y atípica con la vestimenta recién comprada, dos hombres lo vieron y uno de ellos le dijo a su compañero: ‘¡uy! Mira ese pobre hombre tan deforme y con esos problemas físicos que tiene. Apenas puede andar bien’. El amigo le contestó: ‘sí es cierto, pero que bueno es el sastre que le hizo el traje, ¿verdad?’” 25 “[...] para que os direitos humanos possam verdadeiramente ser ressignificados hoje, numa perspectiva que não nega as suas raízes, não nega a sua história, mas quer trazê-los para a problemática de hoje, eles terão que passar por um processo de recon- ceitualização. Essa passagem supõe algumas premissas que ele enumera da seguinte maneira: 1. A superação do debate entre o universalismo e o relativismo cultural. O que se quer dizer com isso? Afirmar que todas as culturas ou grupos culturais têm valores e ideias, elementos fundamentais que aspiram a comunicar a outros e universa- lizar, mas o universalismo é incorreto, enquanto uma única cultura predomine e queira se impor a todos. No outro polo está o relativismo cultural, que afirma que todas as culturas são relativas, nenhuma é absoluta, nenhuma é completa, mas é necessário propor diálogos interculturais sobre preocupações convergentes, ainda que expressas a partir de diversos universos culturais. Somente assim seremos capazes de construir algo juntos, um projeto comum. É necessário negar tanto o universalismo quanto o relativismo absolutos. 2. Todas as culturas possuem concepções da dignidade humana. Nem todos os grupos culturais conhecem ou usam a expressão direitos humanos, mas isso não quer dizer que não tenham uma ideia de dignidade humana, de vida digna, de querer uma vida melhor para os seus habitantes ou para seus integrantes. Temos de ter sensibilidade para descobrir em cada universo sociocultural essa ideia de dignidade humana que traduzimos como direitos humanos. 3. Todas as culturas são incomple- tas e problemáticas nas suas concepções de dignidade humana. Afirmar que nenhuma cultura é completa, que nenhuma dá conta de toda a riqueza do humano, leva-nos a, muito mais do que trabalhar com a ideia de uma cultura verdadeira e única, que tem de ser universalizada, desenvolver a sensibilidade para com a ideia da incompletude de todas as culturas e, portanto, da necessidade da interação entre elas. Nenhuma cul- tura dá conta do humano. “Aumentar a consciência de incompletude cultural é uma das tarefas prévias à construção de uma concepção emancipadora e multicultural dos direitos humanos”. 4. Nenhuma cultura é monolítica. Todas as culturas comportam versões diferentes da dignidade humana, algumas mais amplas do que outras, algumas mais abertas a outras culturas do que outras. Os grupos culturais não são homogêneos e padronizados. Algumas versões dessa cultura podem ser rígidas, estreitas e fecha- das. É necessário identificar e potencializar aquelas versões mais abertas, amplas e que apresentam um círculo de reciprocidade mais amplo, que favoreçam o diálogo com outras culturas. 5. Todas as culturas tendem a distribuir as pessoas e os grupos sociais entre dois princípios competitivos de pertença hierárquica: princípio da igual- dade e princípio da diferença. Esta última premissa situa-nos no âmago da questão da 166 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

ressignificação dos direitos humanos hoje. Todas essas premissas estão voltadas para essa grande questão da articulação entre igualdade e diferença, isto é, da passagem da afirmação da igualdade ou da diferença para a da igualdade na diferença.” (CANDAU, 2008, p. 48-49). 26 “[...] enquanto o multiculturalismo propugna a convivência num mesmo espaço social de culturas diferentes sob o princípio da tolerância e do respeito à diferença, a interculturalidade, ao pressupor como inevitável a interação entre essas culturas, pro- põe um projeto político que permita estabelecer um diálogo entre elas, como forma de garantir uma real convivência pacífica.” (LOPES, 2008, p. 32). 27 “[…] las constituciones son pactos de convivencia tanto más necesarios y justi- ficados cuanto más heterogéneas y conflictuales son las subjetividades políticas, cul- turales y sociales que están llamadas a garantizar. Al mismo tiempo debemos aban- donar, cuando pensamos en entidades supranacionales como ésa, el viejo paradigma de la democracia dirigido a la primacía o peor aún a la omnipotencia de la mayoría. Cuanto más extendida está la unidad política y mayores son sus diferenciaciones in- ternas de orden histórico y cultural, tanto más secundaria es la representatividad de los órganos de gobierno, y tanto más importante deviene la garantía de la paz y de los derechos fundamentales a través de la estipulación de límites negativos y de vínculos positivos impuestos a la esfera de la política; tanto más restringida, en otras palabras, debe ser la que he llamado “esfera de lo decidible” propia de la política y tanto más amplia debe ser la de lo que es “indecidible (que sí o que no)”, es decir, los vínculos de la paz y del conjunto de los derechos, de libertad y sociales, que deben ser garanti- zados para todos los hombres y mujeres del mundo.” (FERRAJOLI, 2006, p. 13-14). 28 Nessa linha, vale lembrar a crítica de Capella: “Los derechos iguales. Parecen entes claros, sólidos, geométricos. La gente ha luchado y ha sufrido por conseguirlos y sufre aún por defenderlos. O, mejor, ha luchado y ha sufrido por lo que en el relato político del capitalismo se transforma en derechos: en realidad ha luchado por la de- mocratización política, contra la opresión y la desigualdad, para poder expresarse sin ser perseguida, para poner sus fuerzas en común con otros; y para tener el pan asegu- rado, para no estar al arbitrio de los poderosos (los, al mismo tiempo, exquisitos)… Y ha conseguido derechos. Que no son exactamente aquello por lo que luchaban: no es lo mismo tener derecho al trabajo que tener un puesto de trabajo… Lo primero no supone lo segundo” (1993, p. 140). Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dezArgumenta 2017 Journal167 Law Ricardo Pinha ALONSO1 n. 27 p. 167-187 Ana Flavia de Andrade Nogueira CASTILHO2 jul/dez 2017

Como citar este artigo: PRINCÍPIO DA SEGURANÇA ALONSO, Ricardo, CASTILHO, Ana JURÍDICA NO CPC/2015: Flavia. Princípio da segurança jurídica no CPC/2015: UMA PERSPECTIVA uma perspectiva de valorização DE VALORIZAÇÃO DO do principio da igualdade jurídica. PRINCIPIO DA IGUALDADE Argumenta Journal Law, Jacarezinho – PR, JURÍDICA Brasil, n. 27. p. 167-187. PRINCIPLE OF LEGAL SECURITY IN CPC / 2015: A Data da submissão: PROSPECTIVE FOR THE VALORIZATION OF THE 18/12/2017 Data da aprovação: PRINCIPLE OF LEGAL EQUALITY 26/12/2017 PRINCIPIO DE LA SEGURIDAD JURÍDICA EN EL CPC / 2015: UNA PERSPECTIVA DE VALORACIÓN DEL PRINCIPIO DE LA IGUALDAD JURÍDICA SUMÁRIO: Introdução; 1. Civil law e commom law; 2. Juris- prudência e precedentes; 3. A busca pela segurança jurídica e igualdade no novo CPC; 4. Nem civil law nem commom law; 5.Considerações Finais; Referên- cias.

RESUMO: Busca-se dissertar sobre as principais caracterís- ticas dos sistemas jurídicos civil law e common law, articulando reflexões sobre o ordenamento jurídico brasileiro, essencialmente, na busca pela segurança jurídica e igualdade no novo CPC. Trata-se do princí- pio constitucional da segurança jurídica inserido nos textos do novo CPC e da consequente valorização do princípio da igualdade. Questiona-se a aderência do commom law tradicional pelo Brasil ou seu uso como 1. Centro Universitário Eurípedes de Marília- um paradigma. Houve uma tentativa de instaurar os UNIVEM – Brasil precedentes com o novo CPC ou uma perspectiva de 2. Centro Universitário Eurípedes de Marília- unificação das jurisprudências com finalidade de res- UNIVEM - Brasil 168 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 saltar o princípio constitucional da segurança jurídica?

ABSTRACT: It seeks to discuss the main characteristics of the civil law and com- mon law legal systems, articulating reflections on the Brazilian legal sys- tem, essentially, in the search for legal certainty and equality in the new CPC. This is the constitutional principle of legal certainty embodied in the texts of the new CPC and the resulting appreciation of the principle of equality. It is questioned the adherence of traditional commom law by Brazil or its use as a paradigm. Has there been an attempt to establish the precedents with the new CPC or a perspective of unification of juris- prudence with a view to highlighting the constitutional principle of legal certainty?

RESUMEN: Se busca disertar sobre las principales características de los sistemas jurídicos civil law y common law, articulando reflexiones sobre el ordena- miento jurídico brasileño, esencialmente, en la búsqueda de la seguridad jurídica e igualdad en el nuevo CPC. Se trata del principio constitucional de la seguridad jurídica introducido en los textos del nuevo CPC y de la consiguiente valorización del principio de igualdad. Se cuestiona la adhe- rencia del commom law tradicional por Brasil o su uso como un paradig- ma. ¿Hubo un intento de instaurar los precedentes con el nuevo CPC o una perspectiva de unificación de las jurisprudencias con el fin de resaltar el principio constitucional de la seguridad jurídica?

PALAVRAS-CHAVE: Novo CPC. Civil Law. Common Law. Segurança jurídica. Igualdade.

KEYWORDS: New CPC. Civil Law. Common Law. Legal certainty. Equality.

PALABRAS CLAVE: Nuevo CPC. Derecho civil. Derecho civil. Igualdad. Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 169

INTRODUÇÃO Com o propósito de discutir alguns questionamentos quanto ao sis- tema jurídico da justiça brasileira sob a ótica do Novo Código de Processo Civil, essencialmente, abrangendo as características de um Direito que ne- cessita buscar pela segurança jurídica, pela igualdade e pela coerência nas decisões dos tribunais, o trabalho se ampara nas divergências de opiniões ao que se referem às tendências do novo Código de Processo Civil com as peculiaridades da common law. Diante da hipótese da justiça brasileira se posicionar em uma ten- tativa de adoção dos precedentes com o advento do CPC/2015, e sob a suposição de mover-se com o sistema jurídico da civil law, questiona-se: qual o sistema jurídico que vigora no Brasil? Existe uma adoção ao sistema civil law ou o utilizamos como paradigma? O novo Código objetiva formar precedentes ou apenas unificar a jurisprudência em prol da igualdade nas decisões, garantido maior segurança jurídica? Ademais, abordou-se as principais particularidades dos dois principais sistemas jurídicos existentes, com breve histórico e co- nexão com o direito brasileiro. Realizou-se a diferenciação da ju- risprudência brasileira com os precedentes do direito inglês com o propósito de demonstrar as “distâncias” entre os dois sistemas jurídicos. Em um segundo momento, analisou-se o instituto dos princí- pios da segurança jurídica e da igualdade e a importância dada a eles com o advento do Código de Processo Civil 2015. Esse estudo teve o condão de acentuar uma das principais inovações do novo CPC, que consiste na tentativa de uniformizar a jurisprudência e não dispensar súmulas e jurisprudência apontadas pelas partes sem fundamentar a contrariedade, conquistando, conseqüentemente, isonomia nas decisões. Neste contexto, o trabalho teve por objeto de estudo as principais características dos sistemas jurídicos civil law e commom law, para fun- dar uma reflexão das concepções do sistema judiciário brasileiro e suas distorções que leva a insegurança jurídica aos cidadãos quando das desi- gualdades nas decisões de casos semelhantes. A pesquisa se realizou pela abordagem de revisão bibliográfica, pelo método hipotético-dedutivo, com objetivos exploratórios textuais. 170 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

1. CIVIL LAW E COMMON LAW O civil law consiste em um sistema que priva pelas interpretações das leis para fundamentar suas decisões e prover a tutela jurisdicional alçada pelas partes. Com origem no Direito Romano, a expressão em lín- gua inglesa se traduz como “direito civil” e tem como base um corpo de normas preestabelecidas. O tradicional sistema civil law, foi consagrado após a revolução Francesa a fim de limitar o poder do judiciário de decidir conforme sua interpretação, garantindo a igualdade entre todos (GALIO, 2012, p.5), já que a lei era aplicada a todos sem discriminação. Neste sentido, lecio- na Teresa Arruda Alvim, que havia “forte conexão entre a lei escrita e a igualdade, pois passou a entender-se que quando a lei impera a igualdade é garantida. Ao contrário, quando o que impera é a vontade do homem, a arbitrariedade é favorecida. Com o passar do tempo, essas condições passaram a sofrer alterações”. (WAMBIER, 2009, p. 56). O processo de codificação das leis fez com que expandisse- odi reito romano-germânico por toda Europa e fora dela, contribuindo para a adoção do civil law pela maioria dos países (DAVID, 2002, p.65). Os juízes tornaram-se apenas expectadores do direito, exercendo apenas a função de aplicar a lei, pois estavam limitados a afirmar o que já foi dito pelo legislativo, sem qualquer possibilidade de interpretação ou criação (GALIO, 2012, p.10). Sintetizando, o direito era como uma ciência de raciocínio lógico. Segundo Marinoni (2013, p. 217-219) no civil law (complementa-se – moderna) analisa-se, se os fatos trazidos pelo autor se adéqua a norma jurídica alegada; com um raciocínio, voltado à formação da convicção, aliado a outro, destinado a enquadrar os fatos e os fundamentos jurídicos, o conteúdo da defesa e as provas requeridas e produzidas. Nestas circunstâncias, o julgador deverá expor as razões pelas quais entende que as alegações de fato foram, ou não, demonstradas de forma clara e se gerarão ou não os efeitos jurídicos pretendidos pelo autor e, ao final, na linha da fundamentação da decisão, concluirá pela procedência ou a improcedência do pedido, considerando a tutela de direito e a espécie de sentenças solicitadas (MARINONI, 2013, p. 217-219). A terminologia common law significa “direito comum”, assim cha- mada, pois o direito era “comum”, haja vista, por vir dos Tribunais de Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 171

Westminster1, cujas decisões vinculavam toda a Inglaterra, em oposição aos direitos particulares de cada região (RAMIRES, 2010, p. 63). No sistema de julgamentos por meio do commom law importante se torna a definição de razões de decidir ou deratio decidendi, pois parte da necessidade de se evidenciar a porção do precedente que tem efeito vinculante, uma vez que obriga os juízes a respeitá-la nos julgamentos posteriores. A razão de decidir, numa primeira definição, é a tese jurídica utili- zada na decisão. Ou seja, a razão de decidir certamente não se confunde com a fundamentação. Contudo, a fundamentação não só pode conter várias teses jurídicas, como também considerá-las de modo diferenciado. Além disso, a decisão não possui em seu conteúdo apenas teses jurídi- cas, mas igualmente abordagens periféricas, irrelevantes enquanto vistas como necessárias à decisão da lide (MARINONI, 2013, p. 220). É preciso destacar que a ratio decidendi não está presente no pro- cesso civil adotado no Brasil, pois não se confunde com a fundamentação e com o dispositivo. A ratio decidendi, no common law, é extraída ou elaborada a partir dos elementos da decisão, isto é, da fundamentação, do dispositivo e do relatório. Quando comparada aos chamados requisitos imprescindíveis da sentença, ela certamente é “algo mais”. E isso sim- plesmente porque, na decisão do common law, não se leva em conta so- mente a segurança jurídica dos conflitantes e, assim, não importa apenas a coisa julgada material, mas também a segurança dos jurisdicionados, em sua globalidade (MARINONI, 2013, p. 220) Se o dispositivo é acobertado pela coisa julgada, que dá seguran- ça à parte é a ratio decidendi que, com o sistema do stare decisis2, tem obrigatoriedade vinculando os magistrados e dessa maneira conferindo segurança aos jurisdicionados (MARINONI, 2013, p.220). Não é difícil notar a razão pela qual o common law sempre distin- guiu a ratio decidendi da obter dictum3. Tal distinção se deve à valoriza- ção dos fundamentos da decisão, peculiar ao commom law. Como neste sistema importa verificar a essência do julgado que tem efeito vinculante, há motivo para se investigar, com cuidado, a fundamentação, separan- do-se o que realmente dá significado à decisão daquilo que não lhe diz respeito ou não lhe é essencial (MARINONI, 2013, p. 231). No civil law, é totalmente ao contrário, cabe aos tribunais apenas aplicar a lei, pouca 172 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 importância se teria de dar à fundamentação. Neste viés, Marinoni trabalhando os dois grandes sistemas jurídicos a postos, deixa claro as acepções sobre o civil law quando estuda sua evolução e destaca sua posição na constitucionalização do direito. Essen- cialmente o controle judicial da constitucionalidade da lei, “a submissão da interpretação da lei à Constituição e o conceito de norma legislativa incompleta - ou de norma que deve ser completada de acordo com as cir- cunstâncias concretas, permitindo a infiltração dos direitos fundamentais na resolução do caso” (MARIONI, 2010, p. 2). Para Marinoni (2010, p.2), a evolução do civil law “inverteu os pa- péis desejados pela sua tradição, dando ao juiz o poder de interpretar, completar e negar a o direito produzido pelo legislativo, e até mesmo de criá-lo, no caso de omissão do legislador na tutela de um direito funda- mental”. Neste sentido, Marinoni (2010, p.2) ressalta: “o sistema brasilei- ro - que adota o controle difuso de constitucionalidade, não se deu conta de que esta forma de poder judicial coloca em risco a coerência da ordem jurídica, a segurança e a igualdade, valores fundamentais em qualquer Estado de Direito”. Sem ensaios e convicto de sua posição favorável ao sistema de precedentes, Marinoni assegura que apenas o sistema que privilegia os precedentes pode garantir a coerência do direito, a previsibilidade e a igualdade. Ademais, advirta-se que o stare decisis não nasceu junto com o common law e com ele não se confunde. “Como a tradição de common law jamais negou – ou precisou negar - o poder criativo dos juízes, o res- peito aos precedentes surgiu naturalmente, no curso do desenvolvimento do common law, para garantir a igualdade e a segurança jurídica” (MA- RINONI, 2010, p.03). Nesta seara, não se ignora a estabilização das decisões dentro do sistema de precedentes, assegurando a isonomia e, por consequência cer- tificando a segurança jurídica e a igualdade nas decisões de processos semelhantes. Não há dúvidas, quando se trata da existência de igualdade, que o sistema do cammon law se destaca por se fundamentar em prece- dentes judiciais. Por outro lado, cada país se adequou com o sistema que lhe foi viá- vel de acordo com seu contexto histórico. Acredita-se que a justiça bra- sileira se aplica pelo sistema do civil law, que se funda na aplicação das Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 173 leis, porém, tem uma expectativa de isonomia nas decisões com o adven- to do Novo Código de Processo Civil, fato que aborda uma semelhança com o common law, sem pretensão de adotá-lo, ou seja, na atualidade, pode-se ter origens de distintos sistema jurídicos, mas cada um adaptado à sua sociedade, evoluído para a contemporaneidade.

2. JURISPRUDÊNCIA E PRECEDENTES Existe uma diferenciação nos conceitos de precedentes e jurispru- dência, segundo o ilustre professor Michele Taruffo que leciona a exis- tência de uma distinção de caráter de modo quantitativo, pois ao se falar em um precedente nota-se uma decisão que tem relação com um caso particular, já na jurisprudência se faz referência as decisões de vários ca- sos concretos. Taruffo adverte que quando o precedente se faz referência a uma decisão relativa a um caso particular, enquanto que quando se fala da ju- risprudência se faz normalmente referência a uma pluralidade de decisões relativas a vários e diversos casos concretos, de modo que a diferença não é apenas do tipo semântico4. O autor sustenta que “o fato é que nos sis- temas que se fundam tradicionalmente e tipicamente sobre o precedente, em regra da decisão que se assume como precedente é uma só; ademais, poucas decisões sucessivas vêm citadas em apoio do precedente. Deste modo, é fácil identificar qual decisão de verdade “faz precedente” (TA- RUFFO, 2011, p.2). Importante se faz esclarecer como se estabelece um precedente. Ta- ruffo (2011, p. 2) leciona que o precedente provê uma regra que pode ser aplicada como critério de decisão no caso consecutivo em função da identidade ou como acontece em regra da semelhança entre os fatos do primeiro caso e do segundo caso. Assim, a analogia é “afirmada ou ex- cluída pelo juiz do caso sucessivo conforme este considere prevalentes os elementos de identidade ou os elementos de diferença entre os fatos dos dois casos” (TARUFFO, 2011, p.2). É, portanto, o juiz do caso sucessivo que estabelece se existe ou não existe o precedente e desta forma por as- sim dizer “cria” o precedente (TARUFFO, 2011, p.3) Quanto ao uso da jurisprudência as características e as regras serão diferenciadas, pois, a jurisprudência é formada por várias decisões ema- nadas das Cortes sobre a mesma matéria e, além disso, não se faz a com- 174 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 paração dos fatos, ou seja, elas são elaboradas pelos Tribunais que produ- zem formulações verbais que expressam regras jurídicas. Destaca-se que os precedentes são constituídos pelo inteiro teor da sentença (TARUFFO, 2011, p.03).

3. A BUSCA PELA SEGURANÇA JURÍDICA E IGUALDADE NO NCPC A palavra segurança na concepção de Carlos Aurélio Mota de Souza “é fato, é direito como factum visível, concreto, que se vê, como uma pis- ta de uma rodovia em que se transita que dá firmeza ao caminhante, para que não se perca nem saia dos limites” (LIMA, 2011, p.1). José Afonso da Silva (2005, p.15) leciona que o princípio da segu- rança jurídica é um dos valores que sustenta o direito positivo e que a positividade do direito é uma necessidade dos valores da ordem, da segu- rança e das certezas jurídicas. Para Lima (2011), “a segurança jurídica consiste em um princípio que objetiva garantir a estabilidade das relações jurídicas e advém das leis promulgadas pelo Estado visando o bem dos cidadãos e o controle da conduta social”. Vencidas as conceituações necessárias, insta ressaltar que, a segu- rança jurídica como direito fundamental surgiu pela primeira vez, de for- ma implícita, na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão na França (CAMPOS, 2015, p.5), em 1789, no artigo 2º, que dispõe que a base de toda associação política é a conservação de todos os direitos naturais e imprescritíveis do homem, sendo esses direitos a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão5. Posteriormente, na Constituição Francesa de 1793 envolveu a con- ceituação do termo no seu artigo 8: “a segurança consiste na proteção conferida pela sociedade a cada um de seus membros para conservação de sua pessoa, de seus direitos e de suas propriedades”6 Luis Roberto Barroso (2001, p.56) destaca que a definição de se- gurança formulada pelos franceses na Constituição de 1793 aproxima-se da cláusula do processo legal do direito anglo-saxão, incorporada quase literalmente a Constituição brasileira no art. 5º, inciso LIV7. Neste contexto, para Barroso (2001, p.56) a expressão segurança jurídica passou a designar um conjunto abrangente de idéias e conteúdos, Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 175 que incluem: a) a existência de instituições estatais dotadas de poder e garantias, assim como sujeitas ao principio da legalidade; b) a confiança nos atos do Poder Publico, que deverão reger-se pela boa-fé e pela razoabilidade; c) a estabilidade das relações jurídicas, manifestada na durabilidade das normas, na anterioridade das leis em relação aos fatos sobre os quais incidem e na conservação de direitos em face da lei nova; d) a previsibilidade dos comportamentos, tanto os que devem ser seguidos como os que devem ser suportados; e) a igualdade na lei e perante a lei, inclusive com soluções isonômi- cas para situações idênticas ou próximas. Já no texto constitucional de 1988, a segurança jurídica não está explícita. Sua colocação implícita está no artigo 5º, caput, quando equi- para o direito à segurança, ao direito à vida, à liberdade, à igualdade e à propriedade, e muito embora não se verifique a existência da expressão “direito a segurança jurídica”, é fácil concluir que ele foi contemplado pelo legislador em uma série de dispositivos, como no princípio da lega- lidade, da proteção ao direito adquirido, da coisa julgada, e do ato jurí- dico perfeito, bem como no princípio da anterioridade em matéria penal (SILVA, 2005, p.6). Na concepção de José Afonso da Silva (2005, p.17) existem quatro tipos de segurança jurídica na Constituição Brasileira de 1988: a seguran- ça como garantia; a segurança como proteção dos direitos subjetivos; a segurança como direito social e a segurança por meio do Direito. Ademais, a legislação infraconstitucional reconhece a existência do direito à segurança jurídica, quando, na Lei de Introdução ao Código Ci- vil, artigo 6º, disciplina sobre a proteção do ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. “Já o Código de Processo Civil descreve a coisa julgada e proíbe o julgador que decida novamente questões já apre- ciadas, enumera um rol taxativo de possibilidades de cabimento de ação rescisória e prevê o duplo grau de jurisdição para causas que envolvem o Poder Público” (SILVA, 2005, p.17). Campos interpreta que a segurança jurídica propicia previsibilida- de, estabilidade, certeza, nas relações entre particulares, e também nas relações destes com o Estado; e que a “certeza nas relações jurídicas, e a 176 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 previsibilidade de que suas ações encontrarão respaldo no Estado, permi- te que o cidadão programe com base razoáveis as implicações futuras de suas ações” (SILVA, 2005, p. 8). Oportuno lembrar que a segurança jurídica constitui em um princí- pio fundamental. O princípio da segurança jurídica, segundo Daniela de Lima (2001, p.8), é essencialmente, o princípio do Estado de Direito, jus- tamente porque “nesta ordem jurídica a jurisdição e administração estão subordinadas as normas estabelecidas por um poder central e tais normas conferem à sociedade previsibilidade quanto à conduta que deve ser se- guida pelos indivíduos”. O princípio da segurança jurídica trata-se de um princípio fundamental no direito, que vem se aprimorando e ganhando seu devido valor no ordenamento jurídico brasileiro. Com a edição do Novo Código de Processo Civil, pode-se dizer que houve uma evolução em busca da igualdade, quando se estabeleceu um dispositivo que ditasse a uniformi- zação jurisprudencial8. Com o desenvolvimento da sociedade, o Direito teve a necessidade de evoluir-se e além das leis criadas, foram surgindo os princípios como uma forma de adequação dos julgamentos para as partes, pois onde a lei era omissa utilizava-se dos princípios. Essas decisões necessitavam de uma segurança para as partes e tudo que fosse decidido deveria ser cumprido, daí surgiu a ideia de uma segurança para os julgados e o Brasil passou a incorporar este princípio nas Constituições Federais. As Constituições brasileiras implicitamente procuraram assegurar aos cidadãos tanto a proteção da legalidade como das decisões judiciais (a única constituição que deixou de abordar a ideia da segurança jurídica foi a Constituição outorgada em 1937, fruto do Estado Novo de Getúlio Vargas; certamente por conta da influência do contexto externo a que o governo da época era ligado) (CAMARGO; BALARINI, sd, p.1). A Constituição Federal de 1988 assentou a segurança jurídica como um direito fundamental, pois garantiu aos cidadãos que a ordem jurídica efetivasse seus direitos por meio da realização dos direitos por eles bus- cados. Importante destacar que as mudanças sociais acontecem diariamente e cabe ao direito apressar-se para seguir e acompanhar essa evolução e com o constante aperfeiçoamento. O princípio constitucional da seguran- Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 177

ça jurídica é baseado na estabilidade, seja relacionada à legalidade, seja às expectativas criadas. As constantes mudanças jurídicas podem deses- tabilizar a ideia de segurança e ordem que todo ordenamento jurídico pressupõe e necessita manter (CAMARGO; BALARINI, sd, p.2). Vale ressaltar que a segurança jurídica é de extrema importância para a evolução do Estado Democrático de Direito e uma vez constitucio- nalizada ela atinge um status de direito fundamental fazendo assim com que sua aplicabilidade se torne mais efetiva. Neste diapasão, começou-se a defender a utilização dos precedentes judiciais como uma forma de orientação dos magistrados em casos idên- ticos para as suas decisões. Contudo, só se tem um precedente quando a decisão judicial adota certas características que servirão de base para a orientação dos magistrados, ou seja, nesse passo se torna necessário conceituar o precedente. Para Marinoni, o precedente constitui decisão acerca da matéria de direito e não de matéria de fato, sendo que na maioria das decisões as matérias dizem respeito a questões de fato. Quando a matéria de direito é discutida as decisões são limitadas a lei, não construindo propriamente uma solução judicial em relação à questão de direito. De qualquer forma a decisão que interpreta a lei, mais segue julgada que a consolidou, apenas por isso não constitui precedente (MARINONI, 2013, p.213). Para constituir um precedente, não basta que a decisão seja a pri- meira a interpretar a norma, mas se faz necessário que a mesma enfrente todos os principais argumentos relacionados à questão de direito, trazida pela lide, haja vista, um precedente pode surgir a partir da análise de várias lides, mediante uma construção da solução judicial da questão de direito que passa por diversos casos (MARINONI, 2013, p.213). Portanto, uma decisão pode não ter os requisitos necessários para a formação de um precedente, por não tratar de questão de direito ou se limitar a afirmar a letra da lei, como pode estar apenas reafirmando o precedente. Nota-se que um precedente necessita a análise dos princi- pais argumentos pertinentes à questão de direito, além de poder necessitar de inúmeras decisões para ser definitivamente delineado (MARINONI, 2013, p. 213-214). Pode se interpretar que o precedente é algo mais elaborado, mais estudado do que uma simples decisão, ele elabora uma tese jurídica que 178 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 adentrará ao mundo do direito servindo de base para diversos julgados. Apesar de o judiciário brasileiro ser vinculado ao princípio fundamental da segurança jurídica, encaramos uma realidade destoante das teorias constitucionais e infraconstitucionais. Isto porque, nosso sistema jurídico não garante uma uniformização jurisprudencial nas suas decisões, sendo originário do civil law, onde não se priva pela formação de precedentes, mas pela valorização da letra da lei, fazendo com que haja interpretações divergentes das mesmas. Os precedentes não são legitimados no judiciário brasileiro, embora se adote o termo para nos referirmos às determinadas decisões dos tri- bunais. De acordo com Marinoni (2013, 213-215), precedente significa decisões vinculantes de Cortes Superiores da mesma jurisdição, sendo necessariamente matéria de direito, onde estão presentes as partes que deram origem à formação da tese jurídica. O direito brasileiro sustenta como um instrumento para garantir à segurança jurídica as súmulas, as súmulas vinculantes, a coisa julgada, o direito adquirido e ato jurídico perfeito. As súmulas não têm o condão de um precedente, pois se trata de um enunciado que não traz a razão de decidir e as partes do processo (MARINONI, 2013, p.214-215) Quanto à coisa julgada, Marinoni interpreta como um equivoco a sua comparação aos precedentes obrigatórios típico do cammon law. O autor assevera que limitar a coisa julgada material à parte dispositiva constitui uma opção técnica no âmbito do civil law e que nesse sistema, “o valor da fundamentação nada tem haver com a coisa julgada material ou com a tese de estender a coisa julgada aos fundamentos”, de modo que, “no sistema do common law os fundamentos não têm a sua impor- tância condicionada à coisa julgada. Aliás, querer explicar os precedentes obrigatórios relacionando os fundamentos com a coisa julgada constitui grosseiro equívoco” (MARINONI, 2013, p.218-219). Interpreta-se a partir do raciocínio de Marinoni, no civil law brasi- leira não é possível caracterizar de precedentes qualquer instituto deste sistema em razão das peculiaridades para formação dos mesmos – não importa a parte dispositiva da decisão e sim sua razão de decidir conjunta com as partes do processo. Neste contexto, intentamos para observar as mudanças inseridas no ordenamento jurídico brasileiro quanto à segurança jurídica com a im- Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 179 plantação do Novo Código de Processo Civil. É de grande relevância a contrariedade de pronunciamentos sobre um mesmo tema em questão pelo judiciário. Franzé (2015, p.61) ressal- ta os paradoxos gerados por essas contrariedades dos pronunciamentos, e enumera três principais problemas da inexistência de precedentes no Brasil: Viola o tratamento isonômico das partes, já que uma ganha e a outra perde diante de situações parecidas. Gera insegurança jurídica. Sobrecarrega desnecessariamente o judiciário. Haja vista, se hou- vesse uniformização de jurisprudência, pessoas que se encontram na mes- ma situação de caso semelhante já julgado improcedente, seriam persua- didas a não ingressarem no judiciário. Possivelmente, por estas razões, o Novo Código de Processo Civil de 2015, se pronunciou a respeito da uniformização da jurisprudência e seus conseqüentes efeitos (segurança jurídica, igualdade e coerência) (FRANZÉ, 2015, p.61): Art. 926 - Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, integra e coerente. Destaca Franzé (2015, p.61) que em busca de maior uniformização, para promover a segurança jurídica e a igualdade, o Novo Código de Processo Civil se manifestou sobre quatro frentes principais: pronuncia- mento judicial, uniformização da jurisprudência, vinculação e a restrição da mudança de freqüente da jurisprudência. Sobre o pronunciamento judicial, destaca-se uma tentativa de apri- moramento por meio da obrigatoriedade de fundamentação da decisão, conforme destaca o artigo 489,§§ 1º e 2º, do CPC/20159. O novo CPC exige que se faça a exposição dos fundamentos determinantes na invo- cação de precedentes ou enunciados de súmula, requerendo que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos (COELHO, sd, p. 1). “No mesmo sentido, o inciso VI do mesmo artigo requer a observância das sú- mulas, jurisprudência ou precedentes invocados pela parte e a justificação nos casos de sua não aplicação” (COELHO, sd, p.1) A segunda frente busca pela uniformização da jurisprudência, como já fora citado com a transcrição do artigo 926 do CPC/2015. Sobre a te- mática, observa Coelho (sd, p.1), que “o novo CPC inovou com a exigên- cia de estabilidade, integridade e coerência na formação da jurisprudência 180 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 brasileira (art. 926), prevendo a enunciação de súmulas pelos tribunais, correspondentes à sua jurisprudência dominante”. A terceira frente discutida por Franzé (2015, p.63) trata-se da obe- diência à jurisprudência e se firma pelo artigo 927 do Novo Código e seus incisos, sendo sua aplicabilidade vertical ou horizontal (CPC/2015, art. 927, incisos I a IV). A forma vertical é aquela que “obriga o tribunal inferior a seguir as súmulas do STJ e STF; acórdãos do STF proferidos em sede de controle concentrado de constitucionalidade; orientações proferidas em recursos repetitivos” (FRANZÉ, 2015, p.63). A forma horizontal de uniformização da jurisprudência se materializa pela obrigação do tribunal em seguir as orientações por seu órgão especial (CPC/2015, art. 927, inciso V) 10. A quarta frente “se refere à estabilização da jurisprudência, mas ad- mitindo – excepcionalmente -, pela superação do precedente (CPC/2015, art. 927, §§ 2º ao 4º). Este procedimento guarda certa semelhança com o “overruling” do common law”(FRANZÉ, 2015, p.63). Ademais, outros mecanismos foram estipulados em busca da cele- ridade e mais segurança de receber o direito tutelado. Ao tratar da ordem dos processos nos tribunais, o novo código alterou vários atos e regras a fim de agilizar as decisões e assegurar a isonomia nas decisões. A começar pelo artigo 932 que amplia os poderes do relator, po- dendo este realizar, entre outros atos, apreciação dos pedidos de tutela provisória nos recursos e nos processos originários no tribunal; depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a: a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal; b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Supe- rior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; Ademais, também poderá o relator, nos moldes do mesmo artigo: a) decidir o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, quando este for instaurado originariamente perante o tribunal; b) determinar a intimação do Ministério Público, quando for o caso; c) exercer outras atribuições estabelecidas no regimento interno do Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 181 tribunal. O artigo 942 estabelece uma nova técnica para suprir os embargos infringentes que fora eliminado no NCPC. Quando o resultado da ape- lação não for unânime, prosseguirá o julgamento em outra sessão e com outros julgadores; assegurada as partes a possibilidade de sustentação oral. Essa técnica pode ser considerada uma tentativa de afastar a dúvida e resguardar o direito requerido, haja vista, não se permitir a decisão não unânime, além da possibilidade de sustentar oralmente a defesa. Neste contexto, conforme o estudado neste tópico, verifica-se que o Novo Código de Processo Civil avançou significativamente a procura de fundar no direito brasileiro a segurança jurídica de forma materializada, subtraindo sua forma abstrata para promoção da segurança jurídica efeti- va. Isto se fez pela insistente busca pela uniformização da jurisprudência e seu uso de forma vertical e horizontal implementado pelo Novo Código de Processo Civil.

4. NEM CIVIL LAW NEM COMMON LAW Embora haja a emblemática ideia de ser o direito brasileiro adepto ao sistema do civil law, o direito brasileiro se desenvolveu de maneira customizada, inspirando-se em diversos outros direitos. Fredie Didier Jr (2015, p.58-61) destaca que o sistema jurídico brasileiro tem uma ca- racterística muito peculiar e curiosa11, uma vez que se tem um direito constitucional de inspiração estadunidense, um direito infraconstitucional inspirado na família romano-germânica (França, Alemanha e Itália, basi- camente) e, ainda, há controle de constitucionalidade difuso (inspirado no judicial review estadunidense) e concentrado (modelo austríaco), além de “inúmeras codificações legislativas (civil law) e, ao mesmo tempo, constrói-se um sistema de valorização dos precedentes judiciais extre- mamente complexo (súmula vinculante, recursos repetitivos)” (DIDIER, 2015, p. 58). Como se observa nas colocações de Didier, não dá para rotular o ordenamento brasileiro com um sistema ou outro. Um paradigma é o civil law pela forte característica de aplicação das leis, porém há uma mistura de institutos, importados de vários outros países, independente do sistema jurídico adotado. Neste contexto, verificar-se que o novo Código de Processo Civil, va- 182 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 lorizou certos pontos que aproxima do common law e nem por isso hou- ve uma adoção desse sistema, e muito menos a pretensão de instaurar a tradição dos precedentes. O novo Código se preocupou em instaurar atos obrigatórios aos agentes do direito que reforçam o assento da segurança jurídica com a igualdade nas decisões processuais estabilizando a juris- prudência nos tribunais. Assim se sustenta principalmente pela inserção dos artigos 489 e 926 ao Código de Processo Civil, que resumidamente, aduz que os tribunais deverão seguir súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte e que devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. Para Galio (2012, p. 6-7), assim como para Marinoni (2010, p.2) a peculiaridade do sistema brasileiro está no controle de constitucionali- dade difuso, que pode ser realizado por qualquer juiz ou tribunal e não somente por um tribunal constitucional. “Confere-se à magistratura ordi- nária, inclusive ao juiz de primeiro grau o poder de negar a aplicação de uma lei, quando o magistrado se depara com caso concreto, no qual a lei está em desacordo com a Constituição Federal” (GALIO, 2012, p.6). Deste modo o direito brasileiro se aproxima do sistema americano, com a diferença que o “juiz americano está vinculado aos precedentes e a decisão de sua Suprema Corte, pois caso contrário, põe em ris- co a unificação da interpretação das leis infraconstitucionais, bem como todo significado atribuído a sua Constituição Federal (GALIO, 2012, p.7). Neste contexto, observa-se, que seguimos a estrutura do ci- vil law acoplado aos direitos de diferentes países e sistemas, como mencionou Fredie Didier. Além disso, quando se permite o contro- le de constitucionalidade difuso e a interpretação das leis de modo extensivo por qualquer juiz, desconfigura a estrutura do tradicional civil law. E como sugeriu Didier, o sistema jurídico no Brasil não é nem civil law e nem commow law, melhor chamá-lo, Brazilian law.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS A pesquisa alcançou seu objetivo principal, além de estudar e realizar breves considerações sobre o histórico do sistema jurídico brasileiro. Fez-se uma reflexão sobre os questionamentos iniciais, Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 183 não com presunção de respostas acertadas, mas com intuito de apontamentos e considerações sobre a temática abordada de modo reflexivo. Verificou-se que o Brasil, assim como muitos outros países, segue uma estrutura do sistema jurídico do civil law, porém sem convicção do sistema tradicional, ou seja, adequado à necessidade da sociedade contemporânea. É um sistema desenvolvido a partir do civil law, com suas características de codificação e aplicação das leis, absorvendo traços do common law e de outros direitos, inde- pendente do sistema. Quanto às inovações do Código de Processo Civil de 2015, a respeito da semelhança que se tenta desenvolver com o common law, observou-se que não há pretensão do legislador de formar pre- cedentes como no direito inglês, mas assegurar a uniformização das jurisprudências nos tribunais, com o propósito de aumentar a segu- rança jurídica, a igualdade e coerência nas decisões, consolidando os princípios constitucionais da segurança jurídica e da igualdade. Devido à miscigenação de sistemas e Direitos que conduz o direito brasileiro, há certa dúvida do integral respeito à igualdade e uma tendência a insegurança jurídica. Assim se expõe, pois com muita frequência, há decisões diferentes para casos semelhantes, ou seja, aplica-se a lei, mas com interpretações diferentes. Isso é civil law? Nosso genérico do precedente seria as súmulas, os recursos repetiti- vos, as jurisprudências. Porém, se assiste o seguinte cenário: as súmulas e as jurisprudências nem sempre são seguidas. Os recursos repetitivos tal- vez se aproximem mais do precedente apenas pela igualdade na decisão, porém está longe de seus caracteres. Portanto, para finalizar, não se faz aqui nenhuma conclusão, faz-se considerações com os propósitos alcançados com a pesquisa: tem-se um sistema jurídico próprio, customizado pelos diferentes Direitos existentes; busca-se uniformização jurisprudencial e não formação de precedentes; o novo Código de Processo Civil tem a perspectiva de igualdade nas decisões, de concre- tizar o princípio da segurança jurídica e estabelecer a celeridade processual. 184 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

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Notas 1 Também chamado de tribunais de justiça reais, localizado em Londres. Os Tribu- nais de Justiça reais abrigam um grupo administrativo que é dividido em um número de divisões cada um dos quais tem seus próprios tribunais. O edifício real do Tribunal de Justiça acomoda tanto o Tribunal de Recurso e o Tribunal Superior. No original: “The Royal Courts of Justice houses an administrative group which is divided into 186 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

a number of divisions each of which has its own courts. The Royal Court of Justice building accommodates both the Court of Appeal and the High Court”. 2 Expressão em latim que se traduz como “respeitar as coisas decididas e não mexer no que está estabelecido” 3 Refere-se à parte da sentença que pode ser dispensada. 4 Na integra. “Quando se fala do precedente se faz normalmente referência a uma decisão relativa a um caso particular, enquanto que quando se fala da jurisprudência se faz normalmente referência a uma pluralidade, frequentemente bastante ampla, de decisões relativas a vários e diversos casos concretos. A diferença não é apenas do tipo semântico. O fato é que nos sistemas que se fundam tradicionalmente e tipicamente sobre o precedente, em regra da decisão que se assume como precedente é uma só; ademais, poucas decisões sucessivas vêm citadas em apoio do precedente. Deste modo, é fácil identificar qual decisão de verdade “faz precedente”. (TARUFFO, 2011, p.2). 5 Declaração dos direitos do homem e do cidadão de 1789. 6 Article 8. - La sûreté consiste dans la protection accordée par la société à chacun de sesmem brespour la conservation de sapersonne, de sesdroits et deses propriétés. 7 Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. 8 Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. 9 Art. 489. São elementos essenciais da sentença: [...] § 1o Não se considera funda- mentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indetermi- nados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV - não enfrentar todos os argu- mentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. § 2o No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão. 10 CPC/2015, art. 927: “os juízes e os tribunais observarão: [...] V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados”. 11 Na integra. “[...] temos um direito constitucional de inspiração estadunidense (daí a consagração de uma série de garantias processuais, inclusive, expressamente, do de- vido processo legal), um direito infraconstitucional (principalmente o direito privado) inspirado na família romano-germânica (França, Alemanha e Itália, basicamente) ”. Há controle de constitucionalidade difuso (inspirado no judicial review estadunidense) e concentrado (modelo austríaco). Há inúmeras codificações legislativas (civil law) e, ao mesmo tempo, constrói-se um sistema de valorização dos precedentes judiciais extre- mamente complexo (súmula vinculante, recursos repetitivos). (DIDIER, 2015, p. 58). Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 187 188 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

DOSSIÊ Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 189

DOSSIÊ: 100 ANOS DE CONSTITUCIONALISMO SOCIAL (CONSTITUIÇÃO MEXICANA 1917-2017)

Organizadores: FLÁVIA DANIELLE SANTIAGO LIMA JAIRO NÉIA LIMA

Em 2017, teve-se o marco do centenário do constitucionalismo so- cial, com a comemoração dos 100 anos da promulgação da Constitución Politica de los Estados Unidos Mexicanos, pioneira na garantia dos deno- minados direitos sociais, culturais e econômicos. A gênese da constitucionalização dos direitos sociais está relaciona- da à incongruência da ordem social, em que a liberdade era usufruída em proporção ao poderio econômico, resultado de uma lógica indicativa de “quanto mais riqueza se acumula, mais miséria se multiplica”. Dessa maneira, os direitos sociais carregam consigo uma nota transformadora porque objetivam o reajuste da riqueza produzida em prol da proteção da condição humana. Nesta perspectiva, tem-se a pretensão de conjugar um projeto de emancipação social com postulados de um Estado de Direito clássico. Este modelo legitima-se ideologicamente por constituições que exprimem valores de solidariedade, que intentam despolitizar a questão social, ao desdramatizar os problemas sociais. A Carta Social de 1917 é produto da Revolução Mexicana, cujos fa- tos desembocaram na instalação do Congresso Constituinte na cidade de Querétaro, em 1º de dezembro de 1916. Os debates que se seguiram foram acalorados, sobretudo no que se refere aos direitos trabalhistas e à questão agrária. Ao final de um processo revolucionário, a Constituição mexicana de 1917 foi a primeira a assegurar direitos trabalhistas (direito de asso- ciação em sindicatos, direito à greve, garantia de salário mínimo, entre outros) e fixar constitucionalmente a reforma agrária. Os constituintes de Querétaro puseram em marcha um novo mo- delo, o Estado Social, que repercutiu juridicamente na formatação de um constitucionalismo social. A fórmula foi adotada na Constituição de Wei- mar (1919) e, no Brasil, na Constituição de 1934. Após a II Guerra Mun- dial, a noção de que compete às cartas constitucionais o estabelecimento 190 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 de ordens conformadoras não apenas das relações políticas, mas sociais e econômicas foi incorporada nos mais diversos ordenamentos, com espe- cial relevância na América Latina, em contextos de profunda desigualda- de econômica. No entanto, desde a transição para o século XXI, vive-se um mo- mento de questionamento desse modelo constitucional, principalmente diante dos desafios apresentados pelo fenômeno globalizante e pelas cri- ses recorrentes (econômica, política e social), que põem em xeque sua sobrevivência. A ideia de um dossiê temático surgiu precisamente na cidade do Mé- xico, em junho de 2017, ocasião em que nós coordenadores percebemos a possibilidade de proposição de um debate acerca do centenário do cons- titucionalismo social, prestigiando o pioneirismo da iniciativa mexicana, contemplativo dos novos desafios apresentados às democracias da Amé- rica Latina. A proposta encontrou rápida acolhida na Argumenta Law Journal, do Programa de Pós-Graduação em Direito (Mestrado e Doutorado) da Universidade Estadual do Norte do Paraná. Nesse ponto, agradecemos ao Dr. Fernando de Brito Alves pela parceria nesse empreendimento acadê- mico. Além dele, esse projeto não teria sido concretizado sem a contribui- ção e receptividade da comunidade acadêmica brasileira e internacional para o debate do tema. Agradecemos, portanto, a todos os autores que participaram dessa chamada, seus textos desafiam, questionam e ilumi- nam as diversas questões que o constitucionalismo social no século XXI tem enfrentado. Ademais, os avaliadores que participaram desse projeto foram indispensáveis para selar a qualidade dos trabalhos enviados. Nossa gratidão por terem compartilhado a tarefa desse Dossiê. Esse Dossiê apresenta os seguintes trabalhos: 1) Leonardo Mellace e Andrea Romeo, ambos da Universidade Magna Graecia de Catanzaro, na Itália, fazem um percurso teórico dos direitos sociais relacionado com o contexto geopolítico supranacional da Europa; 2) Já Carlos Armengol, do Instituto de Ciencias Jurídica de Puebla, México, busca indagar em que medida a Constituição mexicana logrou atingir seus objetivos socia- lizantes; 3) Felipe Moura e Fábio Barroso analisam a recente alteração na CLT no tocante às negociações coletivas; 4) Cândice Alves elabora uma Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 191 investigação em torno do direito à saúde e o impacto da diminuição dos investimentos públicos em cotejo com a proibição do retrocesso social; 5) Ruben Dalmau, professor da Universidade de Valência, na Espanha, escreve sobre o impacto que o constitucionalismo social teve na formata- ção das funções democráticas do Estado; 6) Nathalia Oliveira, Rosa Nas- cimento e Rogéria Guerra, atentas à proteção internacional dos direitos dos trabalhadores, abordam a jurisprudência do TST sobre os adicionais de insalubridade e periculosidade; 7) Karina Mattos e José Ribas Vieira buscam conectar o direito e a ciência política para explicar o constitu- cionalismo social brasileiro pós-88; por fim, 8) Otton Vasconcelos Filho, Moacir Morais e Maria Catarina Vasconcelos analisaram os impactos da Constituição mexicana sobre o constitucionalismo brasileiro e apontam os desafios para a proteção trabalhista na América Latina contemporânea. A Constituição Mexicana de 1917 destaca-se como das mais longe- vas cartas ainda vigentes, a despeito de suas centenas de reformas. Seu centenário permite a revisitação do momento histórico em que foi pro- duzida e se mostra uma oportunidade de discussão do legado e os obstá- culos à efetivação das constituições transformadoras das relações sociais e econômicas. Esperamos que os leitores encontrem nesse Dossiê uma rica fonte de pesquisa para a compreensão do contexto atual de emergência de políticas de austeridade, espalhadas por todo o globo.

Boa leitura! Os Organizadores. 192 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez Argumenta 2017 Journal193 Law Leonardo MELLACE1 n. 27 p. 192-224 Andrea ROMEO2 jul/dez 2017

Como citar este artigo: AS “DESVENTURAS” DOS MELLACE, Leonardo, ROMEO, DIREITOS SOCIAIS: Andrea. As "desventuras" dos direitos sociais: entre ENTRE DIFICULDADES dificuldades teóricas e crise econômica. TEÓRICAS E CRISE Argumenta Journal Law, Jacarezinho – PR, ECONÔMICA Brasil, n. 27. p. 192-224.

LE “DISAVVENTURE” DEI DIRITTI SOCIALI: Data da submissão: TRA DIFFICOLTÀ TEORICHE E CRISI ECONOMICA 18/10/2017 Data da aprovação: THE “MISFORTUNE” OF SOCIAL RIGHTS: BETWEEN 13/12/2017 THEORETICAL DIFFICULTIES AND ECONOMIC CRISIS

SUMÁRIO: 1. Uma categoria controvertida: o tortuoso per- curso dos direitos sociais; 2. Os desafios dos direitos sociais: questões conceituais e de método; 3. Direitos sociais vs. Direitos de liberdade: um choque aparen- te?; 4. Direitos sociais ponderáveis e/ou fundamen- tais?; 5. O problema dos custos dos direitos: quem tem medo dos direitos sociais?; 6. Os direitos sociais no contexto geopolítico supranacional. Reflexões conclusivas; Referências.

RESUMO: Tempos difíceis para os direitos sociais. O ob- jetivo do presente trabalho é o de enfrentar a sua complexidade teórica e prática. A análise não ignora 1. Università degli Studi Magna Graecia o amplo debate contemporâneo relativo à justiciabi- di Catanzar – Itália lidade e exigibilidade de tais direitos, principalmente 2. Università degli em relação aos direitos da primeira e segunda gera- Studi Magna Graecia ção, não esquecendo de considerar a pressuposta di- di Catanzar – Itália ferença entre direitos positivos e direitos negativos. É Tradução italiano/ necessário, claramente, indagar as razões de um pon- português de Jairo Néia Lima, Doutorando em to de vista teórico – e a ampla doutrina pode ajudar –, Direito do Estado – conscientes, todavia, que foi a recente crise econômi- USP - Brasil 194 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 ca a ter colocado dramaticamente em discussão tais “certezas”**.

SOMMARIO: Tempi difficili per i diritti sociali. Obiettivo del presente lavoro è quello di affrontarne la complessità teorica e pratica. L’analisi non ignora l’ampio dibattito contemporaneo relativo alla giustiziabilità ed esigibilità di tali diritti, specie in relazione ai diritti di prima e seconda generazio- ne, non dimenticando di considerare la presupposta differenza tra diritti positivi e diritti negativi. Occorre certamente indagarne le ragioni da un punto di vista teorico – e l’ampia dottrina può aiutare –, coscienti tuttavia che è la recente crisi economica ad aver messo drammaticamente in dis- cussione tali “certezze”.

ABSTRACT: Hard times to social rights. This paper aims to present the theore- tical and pratical complexities of them. This analysis does not disregard the contemporary debate on justiciability of social rights and it considers the difference bewteen positive and negative rights. From a theoretical perspective, it argues for the fact that econommic crisis has challenged the discussion of such “certainties”.

PALAVRAS-CHAVE: Direitos Sociais; Direitos Fundamentais; Estado Social; Crise Econômica.

PAROLE CHIAVE: Diritti Sociali; Diritti Fondamentali; Stato Sociale; Crisi Economica.

KEYWORDS: Social rights; fundamental rights; Social state; Economic crisis.

1. UMA CATEGORIA CONTROVERTIDA: O TORTUOSO PER- CURSO DOS DIREITOS SOCIAIS Atualmente, ouvimos falar sobre direitos sempre com mais frequên- cia, tanto que o discurso sobre valores e princípios assume geralmente a forma de um discurso “sobre direitos”.1 A expansão do direito fez com Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 195 que este assumisse novas tarefas e funções, entre as quais atuar como pro- grama instrumental, emprestando uma linguagem luhmanniana, – e não somente condicional, portanto – para a realização de determinados obje- tivos. Desta forma, a esplêndida invenção do estado social, suplantando aquele modelo liberal do “guardião noturno” humboldtiano, incapaz de aceitar a consciência renovada do pós-guerra, concebe o direito como um instrumento justamente social, voltado a realizar e materializar os an- seios dos cidadãos, concebidos cada vez mais com relação a um “direito” qualquer.2 A reconsideração contínua e renovada do direito gera, então, novas teorias sobre os direitos – estimuladas também pela transformação do Estado liberal tradicional no modelo democrático pós-constitucional, expressão da contemporaneidade– assim como novas formas destes, ou melhor, para dar maior destaque ao momento diacrônico, novas “gera- ções” de direitos.3 Se os direitos civis e as liberdades políticas da gra- mática jurídica liberal são uma “primeira geração” de situações jurídicas subjetivas, a segunda vê o surgimento, inexorável, da categoria dos di- reitos sociais, que aparecem nos textos constitucionais pós-bélicos (com alguma exceção, como testemunham os direitos sociais de Weimar ou os pródromos jacobinos), reivindicando equidade e justiça social, e não mais somente a liberdade individual e particularista. Enfim, a última geração; uma terceira, que desejaria transformar interesses coletivos em direitos com titularidade difusa (por exemplo, o direito de ter um ambiente salu- bre), e enfim há também quem veja sinais de uma quarta, relacionada aos novos espaços da ação humana, da genética à informática (apesar de ha- ver quem divida as gerações de maneira diferente, designando a segunda aos direitos políticos, a terceira àqueles assim chamados sociais, e assim por diante). Se efetivamente existem diferentes gerações de direitos, que se su- cedem no tempo, talvez seria bom refletir sobre o percurso seguido e sobre as vicissitudes dos mesmos, que acompanham a influência do ho- mem na história; por isso repercutem, graves e respeitáveis, as palavras de Norberto Bobbio, quando declara “sempre defendi e continuo defen- dendo, confortado por novos argumentos, que os direitos do homem, por fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja nascidos em de- terminadas circunstâncias, caracterizados por lutas para a defesa de novas liberdades contra os antigos poderes, gradualmente, não todos de uma só 196 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

vez e não só de uma vez por todas”.4 Apesar de tudo, não conseguimos sequer abençoar as novas gera- ções, cheias de promessas de progresso jurídico e social, que as antigas parecem já cair em dificuldades, e não somente pela dimensão material da efetividade (que somente um ingênuo panglossiano poderia pensar em não enfrentar), mas também e principalmente por efeito daquele contínuo refletir e repensar as categorias da normatividade. E se a expansão da liberdade e dos direitos subjetivos, “ávidos” e “insaciáveis”, hoje é visto por alguém com uma renovada suspeita, tanto é que são apontadas vozes que desejam o retorno a um austinismo autoritário e a uma apologia dos deveres (que evocam, apesar de tudo, mais a figura do súdito que a do cidadão), o estado dos direitos sociais – aqueles da segunda (ou terceira?) geração e filhos do constitucionalismo personalista, para nos entender – talvez seja ainda mais preocupante e suas desventuras atravessam mais planos e níveis, que vão da questão ontológica (são direitos ou políticas), àquela puramente conceitual (o que se entende por direito social), do pon- to de vista, sempre precursor de problemas, da concreta efetividade até al- cançar o problema de seu “custo”, que introduz no discurso sobre direitos noções de oportunidade e cálculos prudenciais que, com o “direito”, prin- cipalmente aquele “forte”, que se proclama fundamental, teriam pouco a compartilhar (no mínimo conforme determinada concepção igualmente forte do direito). Mas que, atualmente, para os direitos sociais são “tem- pos difíceis” é coisa conhecida5, e uma das razões, além das conjecturas teóricas, é que estes atribuiriam ao Estado de direito outras competências em relação àquelas de um normal “guardião noturno”,6 aparecendo como fonte de desperdício para estados já em crise.7 Perante essas questões, então, são encontradas inúmeras problemá- ticas e a aflição do teórico do direito que se prepara para elucidar os nós teóricos colocados pela temática dos direitos sociais expressa o tama- nhoda complexidade da tarefa conceitual. Todavia, é oportuno tentar en- frentar, mesmo que brevemente, algumas das principais questões teóricas com o objetivo, se não de querer oferecer uma resposta capaz de desatar de vez o nó górdio, pelo menos realizar uma reconstrução crítica e pro- blematizada que permita enfrentar o tema da “crise” atual dos direitos sociais com uma maior consciência, talvez fixando alguns pontos centrais suficientemente estáveis para a elaboração de um mapa conceitual útil, Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 197 com advertência prévia de não poder ser conclusivo. Para tal fim, pode ser útil lembrar brevemente o percurso evolutivo que levou a afirmação qua- se global de tais direitos no cenário contemporâneo, e mantê-lo sempre presente ao longo da reflexão. Percurso, na verdade, diferente do caminho percorrido pelas tradicionais liberdades e pelos direitos de participação política. Do ponto de vista histórico, efetivamente, é sabido que a afirma- ção dos direitos sociais foi muito posterior àquela dos direitos de liberda- de,8 estes, como é sabido, direcionados a garantir ao indivíduo proteção de qualquer tipo de interferência do poder público, garantindo-lhe, assim, uma esfera dentro da qual atua livremente e cuida dos próprios interesses (notoriamente fala-se de liberdade do Estado). Sempre a partir de uma perspectiva de reconstrução histórica, ge- ralmente há a tendência de reconduzir a noção dos direitos sociais ao período entre o final do século XIX (principalmente no que diz respei- to aos direitos econômico-sociais e o arquétipo do direito do trabalho) e a chegada das primeiras Constituições “sociais” do século XX. Não obstante, não faltam contribuições teóricas que captam os pródromos no século anterior.9 Casadei, em um estudo recente sobre o tema, propõe uma possível gênese dos direitos sociais na época das revoluções do final do século XVIII, onde estariam situadas, igualmente, sua primeira enuncia- ção constitucional com a célebre Declaração dos Direitos introduzida à Constituição “jacobina” de 24 de junho de 1793, art. 21, que notoriamen- te citava, preconizando a contemporaneidade “a sociedade deve a sub- sistência aos cidadãos desfavorecidos, seja procurando o trabalho deles, ou garantindo os meios de subsistência àqueles que estão além da idade de trabalho”.10 De qualquer forma, independentemente da correta identi- ficação de uma data de nascimento exata, seu desenvolvimento marcou, conforme veremos adiante, os acontecimentos (ou as desventuras?) do que foi definido “Estado social”, da sua afirmação até o atual momento de crise. Antes, porém, é necessário abordar algumas questões conceituais.

2. OS DESAFIOS DOS DIREITOS SOCIAIS: QUESTÕES CON- CEITUAIS E DE MÉTODO O primeiro problema que o tema dos direitos sociais coloca diante de quem está prestes a enfrentar o estudo é a questão de sua estrutura deôntica e o consequente nó conceitual, ou seja, definir o campo semân- 198 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 tico da expressão direitos sociais, estabelecendo quais são as situações jurídicas indicadas. Apesar do léxico dos direitos sociais pertencer ao instrumentário conceitual do jurista contemporâneo, a categoria dos di- reitos sociais sofre ainda um número notável – em determinados sen- tidos surpreendente – de indeterminação semântica. No debate jurídico e filosófico não faltam posições discordantes, devidas, muitas vezes, às diferenças de abordagem na análise ou a uma dimensão contextual de pesquisa diferente. Se é verdade que é registrável em doutrina, com uma certa frequência, a opinião conforme a qual os direitos sociais atribuiriam aos cidadãos o direito de obter prestações do poder público,11 seguindo um novo paradigma que atribui ao direito uma função “promocional” do ser humano,12 não faltam, todavia, leituras diferentes, que reconduzem os direitos sociais a classe das situações jurídicas que permitem a partici- pação funcional do indivíduo na atividade pública,13 ou ainda no setdas situações jurídicas subjetivas que nos textos constitucionais ocidentais estão inseridas nos títulos especificamente dedicados às relações ético- -sociais ou econômicas.14 Outros autores superam o impasse definitório e o caráter heterogêneo dos direitos sociais assumindo como elemento comum o dado genealógi- co, ou seja, o fato que sejam todos pertencentes a uma geração específica (a segunda ou a terceira), inspirados em uma vaga ideia de sociabilida- de.15 Não é por acaso, então, considerando tal variedade, que nos textos de direito positivo seja bastante raro o uso da expressão direitos sociais, muitas vezes substituída por formas mais ou menos sinonímicas.16 De- corre que a definição de “direitos sociais” é fortemente influenciada pelas seguintes abordagens: pelo conteúdo, por classificação textual ou “reco- nhecimento”, por tipologia dos legitimados, por fundamento axiológico, por estrutura normativa, por tipologia de interesse protegido, somente para citar algumas – portanto, parece totalmente verossímil a circuns- tância que a um direito específico o predicado “social” seja negado por qualquer estudioso, enquanto pareça inegável para outros.17 Para Bobbio, por exemplo, a categoria dogmática dos direitos sociais define pretensões ou exigências das quais derivam legítimas expectativas, que os cidadãos têm, não como um só indivíduo mas como indivíduos sociais, que vivem, e não podem não viver, com os outros indivíduos.18 Costantino Mortati, ao contrário, preferia utilizar a expressão “direitos cívicos” no lugar do mais Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 199 conhecido, e celebrado, “direitos sociais”, para indicar aquelas pretensões que os cidadãos reivindicam em relação ao poder público em geral (dis- tinguindo-os, de tal forma, dos direitos de liberdade, já que direcionados a obter o cumprimento das obrigações jurídicas de fazer). Portanto, estamos perante a uma classe conceitual de limites bas- tante vagos e indecisos – do “estatuto difícil”, poderíamos dizer19 – cujo núcleo fundamental poderia ser dado de qualquer forma da pretensão a prestações positivas dos poderes públicos (mas não somente) atribuídos em função do efetivo gozo de determinados bens essenciais, propedêu- ticos para o desenvolvimento da pessoa humana. Dito de outra forma, os direitos sociais se consubstanciariam em normas e instituições que determinam a intervenção do poder (geralmente público) com o fim de reequilibrar e moderar as disparidades materiais sociais existentes na co- munidade, consentindo aos cidadãos participar, de maneira efetiva, dos benefícios da vida coletiva gozando dos direitos a determinadas presta- ções, que possam ser diretas ou também indiretas.20 Estes direitos, então, permitiriam o desenvolvimento de uma ideia diferente de democracia, ca- racterizada também pelo predicado “social”, construída ao redor de uma trama de relações solidárias, tanto verticais quanto, também, horizontais.21 Estes, afirma Bauman, se referem “às necessidades fundamentais, preten- sões morais universalmente reconhecidas, dignas de serem codificadas juridicamente e aplicadas […] e poderiam ser definidos como direitos que contribuem a tornar dinâmico e menos abstrato o conteúdo dos direitos humanos”.22 De resto, seguindo, aqui, o pensamento de Ferrajoli, “se os direitos de liberdade e de autonomia, sobre os quais se baseia a democra- cia liberal impõem à esfera pública um passo atrás – um não-decidir, uma não intromissão, uma não-lesão das autoridades públicas – a garantia da imunidade das esferas individuais da autodeterminação. Os direitos so- ciais, sobre os quais se baseia a democracia social, impõem ao contrário um passo adiante na esfera pública – uma obrigação de intervir, com pres- tações positivas – a garantia da sobrevivência das pessoas na sociedade como as atuais, nas quais sobreviver não é mais um fato natural, mas um fato social, dependente da integração social”.23 Portanto, mesmo na consciência de agir no fundo de um determinado número de ambiguidade semântica, da qual não é possível sair completa- mente,24 considera-se como boa a concepção que declina o direito social- 200 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 nos termos de um direito a uma prestação positiva de um poder público (ou também privado, conforme determinadas reconstruções), reconduzin- do, assim, o aspecto prevalentemente prestacional à aspiração igualitária do constitucionalismo personalista.25 Partindo, então, desta definição e aceitando o risco de assumir um postulado incerto, é possível deslocar a lente da análise a outras questões, não menos complicadas e não menos importantes. Porém não antes de ter feito um rápido aceno sobre proble- ma do fundamento axiológico de tais direitos. Se assumirmos o dado do prevalente caráter prestacionais de tais direitos, a primeira referência fun- dacional a ser chamada em causa é, obviamente, o princípio da igualdade substancial. De qualquer forma, se aceitássemos esta teoria como válida, deveríamos estar prontos a ampliar, talvez além do possível, a categoria dos direitos sociais, compreendendo novamente qualquer posição jurídi- ca subjetiva que de qualquer forma encontra sua razão justificativa neste valor. “Dito de outra forma: somente a referência à igualdade substancial não parece suficiente como fundamento dos direitos sociais. O mesmo discurso pode ser feito para a solidariedade, que atua em inúmeros con- textos (por exemplo o voluntariado) que não parece apropriado descre- ver em termos de direitos sociais”.26 Uma solução diferente assume como fundamento de tais direitos o meta-princípio dado pela igualdade e pela solidariedade, para fornecer cobertura teleológica e justificativa deôntica. Outros ainda invocam o princípio personalista e a dignidade humana. Na realidade, atendida a dificuldade de identificar um mínimo denominador comum, e a extrema heterogeneidade das figuras compreendidas (assim como, dissemos, a mutabilidade das “listas” propostas), o fundamento de- veria ser reencontrado em relação às figuras individuais, analisadas caso por caso, no pano de fundo de uma evidente tensão igualitária.

3. DIREITOS SOCIAIS VS. DIREITOS DE LIBERDADE: UM CHOQUE APARENTE? Outro dos principais aspectos que normalmente coloca em aflição o teórico dos direitos sociais, principalmente quem celebra sua apologia, é a relação entre estes e os direitos tradicionais de liberdade, ou liberdades negativas. Já se observou como os direitos sociais asseveram uma história mais recente do que os direitos civis, sendo definitivamente afirmados, mesmo nas notáveis nuances dos que contradizem, com a chegada de Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 201

um novo modelo estatal e uma diferente concepção do poder político.27 Exatamente por esta razão, por esta relativa “juventude” da categoria, frequentemente nos interrogamos a respeito de questões relativas ao seu valor normativo, à sua ordem jurídica; reflexões muitas vezes estimuladas inclusive pela maliciosa observação sobre a sua mais recente afirmação corresponder a uma uma força normativa menor. Até mesmo, conforme indicado na doutrina, a afirmação dos direitos sociais teria sido advertida como uma autêntica ameaça aos direitos liberais, principalmente em rela- ção aquele direito “terrível” que é notoriamente o jus utendi ac abutendi, ou seja, a propriedade privada.28 A legislação social, de fato, é concretizada desde o início como limite aos direitos do proprietário, a partir exatamente da obrigação contributiva e a redistribuição dos benefícios sociais.29 Carl Schmitt os chamava, justamente, “direitos socialistas”, não escondendo o tom polêmico.30 Não é por acaso, então, que a categoria dogmática dos direitos sociais – mesmo na variedade das situações jurídicas que pode- riam ser incluídas, entre as quais, e a título de simples exemplo, o direito à saúde, o direito ao trabalho, os direitos sindicais, os direitos da família, e, para alguns, até mesmo os direitos associados ao ambiente – tenha sido frequentemente analisada através da técnica da aproximação dicotômica com as liberdades do mais antigo cunho (cíveis e políticas), muitas vezes com a intenção de mostrar os defeitos e as imperfeições. Por exemplo, afirma-se com uma certa frequência que os direitos de liberdade sejam liberdade de, ou seja, liberdades negativas, que determinam o apareci- mento de uma situação jurídica correlata à obrigação de abstenção, prin- cipalmente pelo poder do estado (comumente se diz que realizam uma esfera de proteção das interferências do poder externo). Inversamente, a classe de direitos sociais muitas vezes é denominada nos termos dos direitos positivos, portanto gerariam a situação correspondente a uma obrigação de prestação, un facere, equiparável à estrutura das relações de crédito. Portanto, os direitos sociais tornariam livres da (da necessidade, da pobreza material e assim por diante), na conhecida distinção entre li- berdades positivas e liberdades negativas.31 Uma subsequente diferença que emerge do confronto diz respei- to ao conteúdo normativo. Frequentemente, de fato, os estudiosos que sublinham a distinção de categoria entre a classe dos direitos afirmam que os direitos de liberdade estão caracterizados pelo fato de possuir um 202 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 conteúdo prático definido, enquanto que os direitos sociais, muitas vezes atribuídos por normas programáticas, sofrem uma certa indeterminação do objeto, principalmente no plano subjetivo, não concretizando nada de diferente das políticas ou simples objetivos sociais. Ditas observações poderiam conduzir a considerar somente os direitos de liberdade como autênticos direitos, conferindo a estes uma certa aura de “naturalidade”, e isto porque seriam abstratamente teorizáveis na ausência do Estado e ca- beria aos indivíduos independentemente dele. Os direitos sociais – como afirma, talvez ingenuamente, a vulgata que nega a estes seu status de di- reito verdadeiro e próprio – não se refeririam ao estado das coisas que em um determinado modo preexistem em natura, como as liberdades e as leis de mercado, mas seriam criações “artificiais” que não podem transcender de alguma forma a existência do poder público e determinam políticas redistributivas que se põem em contraste com mecanismos para deter- minados meios naturais do mercado.32 A este ponto, o movimento teórico dos detratores do status jurídico dos direitos sociais é bastante previsível, e na mesa de jogo é jogado o conhecido trump argumentativodapreten- dida universalidade dos direitos civis, contrapondo à particularidade dos direitos sociais.33 Em todo o caso, a decisividade do assunto é atualmente colocada em discussão. Alguns autores, por exemplo, mostram como é possível conceber direitos sociais atribuídos a todos, inclusive no que diz respei- to à possibilidade executar a prestação objeto, como no caso do direito aos cuidados médicos; enquanto existem liberdades que, inversamente, delimitam o campo dos titulares, como por exemplo, no ordenamento italiano, o direito ao voto ou à liberdade de circulação e manifestação do pensamento para os menores de idade e para determinadas categorias de presos.34 Além disso, a ideia de que os direitos sociais cabem somente aos cidadãos, sendo fundamentados em uma solidariedade que não poderia ser gerada entre “estranhos”, já não é tão persuasiva, é suficiente pensar, além de cada direito que as constituições ocidentais tendem a estender também aos não cidadãos, no recente trend da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia a respeito de direitos sociais.35 Também no que se refere à questão da “particularidade” da prestação, frequentemente referida aos direitos sociais, o argumento não convence completamente. Se for verdade, de fato, que a concretização da prestação objeto de um Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 203 direito social, devido à sua estrutura notavelmente aberta, se comporte de forma diferente de acordo com a demanda, também é inegável que os di- reitos de liberdade sejam suscetíveis a uma certa modulação da prestação: como nota Pino, a respeito, “é inegável que a liberdade de circulação se apresente diversamente para quem tem respectivamente um carro, uma bicicleta, um jatinho particular, para quem não possui nenhuma destas coisas, e para um deficiente na cadeiras de rodas”.36 Existe ainda uma outra possível contraposição que, frequentemente utilizada no debate para desqualificar normativamente os direitos sociais, diz respeito ao plano dos efeitos jurídicos.37 O primeiro nível a ser levado em consideração é relativo ao plano do gozo e da exigibilidade. Em re- lação ao primeiro perfil, os direitos civis seriam self-executive, tendo por objeto uma conduta do titular, no modelo de um direito real, por exemplo. Inversamente, os direitos sociais, sendo prestacionais e dependendo do comportamento do obrigado (poder público ou, conforme alguns, inclu- sive a conduta de um particular) não são imediatamente executáveis e desfrutáveis pelo titular. Além disso, devido à formulação programática ou “aberta” de tais direitos, o conteúdo seria tão indeterminado que sem a intervenção do legislador ordinário não poderíamos falar de verdadeiros e próprios direitos. Efetivamente, enquanto posso imediatamente gozar da minha liberdade pessoal ou domiciliar (considerando o claro conteúdo do meu direito subjetivo), ao mesmo tempo não posso igualmente exigir o respeito do meu direito ao trabalho ou à saúde (pelo menos até quando tais direitos não sejam especificados em direitos subjetivos imediatamen- te exigíveis). Apesar disto, o assunto pode ser em parte superado consi- derando, por um lado, a existência dos direitos sociais não condicionados – ou seja, imediatamente exigíveis, principalmente se concebermos os direitos sociais também em relação aos beneficiários sobre os quais recai um ônus particular (ex. obrigação de remuneração proporcional sobre o empregador) –, seja a existência de instrumentos cunhados pela jurispru- dência constitucional de muitos sistemas europeus (pensemos na Itália ou em Portugal, por exemplo) para garantir os direitos sociais previstos no texto constitucional; é o caso das sentenças aditivas de prestação ou de princípio (apesar de que o uso de tais instrumentos, atualmente, seja se- riamente obstaculizado pelas contingências econômicas e pelas questões orçamentárias, como poderemos observar mais adiante). O discurso vale 204 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 também para o plano da justiciabilidade, ou seja, de tutela jurisdicional, certamente conectada à natureza dos direitos de liberdade, mas bem mais problemática no momento em que se passa a medir o tipo de tutela jurí- dica preparada para os direitos sociais.38 Neste aspecto, são registrados os ataques mais frequentes à juridicidade dos social right.39 O problema da justiciabilidade, na realidade, ressente da mais geral concepção do direito subjetivo. Se aderirmos, de fato, à tese da correlati- vidade ontológica entre direito e dever, cara a Kelsen, para o qual um di- reito subjetivo só pode ser uma pretensão ao comportamento de qualquer outro, portanto, o “direito de um existe somente pressupondo o dever do outro”, os direitos sociais pareceriam relegados a normas programáticas, policies ou meras exortações de caráter moral para o legislador, na ausên- cia de um dever específico sancionado. No momento em que o correla- tivo ao direito sujeito-pretensão é somente o dever, como na conhecida classificação proposta por Hohfeld, a ausência de um dever de conteúdo específico e a possibilidade de obter o crivo de um juiz na ausência de uma especificação legislativa se reverteria contra a pretensão jurídica dos direitos sociais. A tese da correlatividade poderia ser declinada não em termos ônticos, mas deônticos, como na conhecida proposta de Ferrajoli, de acordo com o qual, como é sabido, a existência do direito deve ser separada da exigibilidade e da justiciabilidade. Se é mesmo verdade que, na opinião do autor e aderindo à correlatividade: “[s]e de alguma coisa existe a expectativa da comissão, então também existe uma modalidade correspondente sob a qual não é permitida a omissão, e vice-versa […]”,40 em todo o caso o filósofo esclarece que a falta de uma lei que especifi- que o conteúdo do dever ou a sanção não afeta ontologicamente caso falte a garantia primária da exigibilidade, à qual depois são acrescenta- das as garantias secundárias de justiciabilidade, ou seja, as “obrigações de reparar judicialmente as lesões dos direitos, ou as violações das suas garantias primárias”.41 Em síntese, as garantias podem de fato faltar exa- tamente porque o ordenamento tem estrutura nomodinâmica.42 Ainda que não seja esta a sede oportuna para aprofundar um tema tão vasto como a estrutura do direito subjetivo; vale a pena lembrar aqui como a tese da correlatividade, seja ôntica forte ou deôntica fraca, não esgotam o debate sobre a estrutura dos direitos, e consequentemente dos direitos sociais. Alguns estudiosos, por exemplo, reconstruíram a estrutura das situações Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 205 jurídicas subjetivas seguindo um esquema “molecular”, movendo de uma determinada leitura da concepção de Hohfeld, por isso, os direitos seriam complexos e variáveis grupamentos de posições subjetivas, em relação às quais a possibilidade de recorrer em juízo seria um elemento atinente ao mero perímetro protetivo do direito (ao centro haveria, justamente, o direito pretensão), portanto seria uma das posições subjetivas funcionais para a proteção do interesse subjacente ao próprio direito. Assim, a não justiciabilidade não tornaria inexistente ou não jurídico um interesse pro- tegido pelo direito.43 A conclusões similares chegou-se também por ou- tras vias, por exemplo casando uma concepção neo-institucionalística do direito, â la MacCormick, assumindo uma prioridade lógica dos direitos sobre deveres.44 Superando, então, o problema estrutural, a justiciabilidade poderia ser trabalhada em termos diferentes, concebendo-a, por exemplo, nos ter- mos de produção de efeitos jurídicos. Nesse sentido, poderíamos susten- tar que os direitos sociais sancionados na constituição têm de qualquer forma um efeito negativo ou até mesmo caducante, ou seja impedem que o legislador adote leis que podem prejudicar posições existentes ou impor vínculos em contraste com a situação protegida.45 Enfim, existe também quem reconstrua a relação em termos não de mera contraposição, mas de complementariedade pragmática e normati- va: os direitos sociais de fato tornariam muito mais efetivos os direitos de liberdade, minimizando as diferenças materiais, sociais e naturais. “Na ausência de direitos sociais para todos” –sobre o ponto Bauman nota – “um número aparente e provavelmente crescente de pessoas perceberá que seus direitos políticos têm uma escassa utilidade e não merecem sua atenção. Se os direitos políticos são necessários para a designação dos direitos sociais, os direitos sociais são indispensáveis para tornar os di- reitos políticos ‘efetivos’, e mantê-los em vigor. Os dois tipos de direitos precisam um do outro para sobreviver: sua sobrevivência só pode ser o resultado de seus esforços conjuntos”.46

4. DIREITOS SOCIAIS PONDERÁVEIS E/OU FUNDAMENTAIS? O tema da justiciabilidade conduz a um outro topos do debate sobre direitos sociais, isto é, seu inevitável custo material, sobre o qual retor- naremos na parte conclusiva da pesquisa. Sendo concebidos como di- 206 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 reitos prestacionais, efetivamente, ditas situações subjetivas não podem mais ser self-executive e requerem prestações que implicam um plano de gasto público. Isto faz com que, por exemplo, as ações constitucionais sobre direitos sociais se choquem com o balanceamento das razões de gasto público, âmbito da discrição política.A aproximação com os direi- tos de liberdade faz parecer os direitos sociais como situações subjetivas “em desequilíbrio”,47 ou até mesmo “limitados a uma situação de me- nor importância”,48 o que negaria o caráter fundamental. O problema da justiciabilidade dos direitos sociais em relação à sua possível inserção no catálogo dos direitos fundamentais é objeto da reflexão de Alexy. O Professor alemão desloca a sua análise observando preliminarmente que o problema da justiciabilidade não é uma questão que diz respeito somen- te à categoria dos direitos sociais (portanto, deveríamos eventualmente refletir a respeito do grau de tutela) nem coloca qualquer questão onto- lógica, já que “a existência de um direito não pode descender exclusiva- mente da justiciabilidade, qualquer que seja a definição; em vez de, se um direito existe, este é também justiciável”.49 Na perspectiva de Alexy, os direitos fundamentais, como é sabido, são denominados tanto como di- reitos a ações negativas quanto como ações positivas por parte do Estado. Ter direito a uma ação positiva significa ter um direito de prestação em relação ao poder institucional (o autor especifica, porém, que os direitos de prestação identificam ações que poderiam ser realizadas também por outros cidadãos). Não obstante, o papel ativo e exclusivo do Estado assu- me uma posição central do momento em que o direito de prestação pode ser equivalente a uma prestação normativa.50 Assumindo como dado de partida as formas heterogêneas de realização dos direitos de prestação, Alexy distingue entre direitos de prestação em sentido estrito e direitos de prestação em sentido lato. Nesta última categoria pertenceriam os direi- tos de proteção, direitos de organização e procedimento, e precisamente os direitos de prestação em sentido estrito. Estes últimos são os direitos que cabem ao indivíduo eque o Estado lhes garante alguma coisa que poderia ser realizada também pelos próprios particulares, no momento em que tivessem materialmente os meios financeiros suficientes. Ao ana- lisar os diferentes direitos sociais, Alexy considera três critérios: (i) o caráter subjetivo do direito ou o caráter objetivo das obrigações que o Estado tem em relação ao titular, (ii) a força vinculante ou não vinculante Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 207 das normas dos direitos fundamentais sociais, a qualidade dos direitos e deveres definitivos ou prima facie que corresponde àquela entre regras (disposições definitivas) e princípios (preceitos de otimização, portanto, posições prima facie). Além de qualquer aspecto definitório, para Alexy tais prestações não podem não fazer parte dos direitos fundamentais in- clusive porque “a liberdade jurídica, portanto a autorização jurídica, de fazer ou abster-se de alguma coisa, sem liberdade factual (real), portanto sem a possibilidade factual de escolher entre coisas permitidas, seria inú- til”.51 A conclusão proposta é que os direitos de prestação são direitos subjetivos e, como tais, “são relações de três lugares entre o titular do direito fundamental, o Estado e a ação positiva do Estado. Se o titular de um direito fundamental A tem um direito em relação ao Estado (S) a que este cumpra a ação positiva H, então o Estado tem em relação a A a obrigação de cumprir H. Se houver uma relação constitucional entre o titular do direito fundamental e o Estado, o titular do direito fundamental tem a competência de afirmar judicialmente o direito”.52 Desta forma, o professor alemão supera também o conhecido problema da democrati- cidade dos direitos sociais, que para alguns deveria sempre passar pelo crivo do legislador, aguardada a incidência sobre o gasto público, e, con- sequentemente, sobre os bolsos dos cidadãos. Uma espécie de derivação do célebre princípio no taxation without rapresentation. O argumento é superável considerando a categoria de determinados direitos sociais, do momento em que estes últimos estão expressamente previstos na cons- tituição e, portanto, subtraídos das competências do legislador comum, a quem é demandado somente a tarefa de dar plena execução. Para Ale- xy, enfim, “os direitos fundamentais da Lei Fundamental (portanto, en- tre os quais também os direitos sociais) são posições que, do ponto de vista do direito constitucional, são tão importantes que a sua concessão ou não concessão não pode ser confiada a uma simples maioria parlamen- tar”.53 Não obstante, no complexo sistema alexiano não são reconhecidas posições de direitos fundamentais tão fortes ao ponto de privar de sig- nificado efetivo e operacional o valor do princípio democrático. O que conta, definitivamente, é a medida da importância da otimização de um princípio de direito fundamental tal que seja possível admitir ou não uma decisão sobre isto pela maioria parlamentar. No quadro teórico delineado, 208 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 em caso de princípios colidentes, a limitação de um dos dois pode ser realizada somente com base na prevalência das razões constitucionais de tutela do princípio julgado prevalente. Não obstante, em relação à tutela efetiva, esta última deve depender do resultado prático da operação de balanceamento, que representa o princípio arquimediano da complexa construção alexiana. Uma tutela prima facie, condicionada pelo balanceamento, poderia, porém, induzir a acreditar que se trata sempre de uma forma de tutela mediata ou condi- cionada, de forma a reforçar a tese que julga os direitos sociais gradual- mente sucessivos às liberdades fundamentais. Não obstante, Alexy tenta superar a crítica observando como a necessidade de limitar materialmente a realização do direito social, ou seja, com base em quanto o indivíduo pode razoavelmente pedir à sociedade, não determina a ausência do con- teúdo do direito (ou uma sua dramática indeterminação), mas somente a necessidade de um seu equilíbrio com os outros princípios que, na situa- ção concreta, podem concorrer conflituosamente.54 Em outras palavras, o indivíduo tem um direito definitivo à prestação pelo Estado se o princípio de liberdade factual tiver um peso maior do que os princípios formais e materiais concorrentes em conjunto. Isto ocorre nos direitos mínimos. “Poderíamos presumir tais direitos mínimos definitivos se os direitos de prestação públicos subjetivos acionáveis em juízo fossem contrapostos a um contínuo objetivo excedente. De fronte a direitos definitivos, que são o resultado de um balanceamento, os direitos prima facie corresponden- tes aos princípios […] sempre têm alguma coisa de excedente. O conceito de excesso não está, portanto, relacionado à dicotomia subjetivo/objeti- vo. O passo do modelo ao plano objetivo é possível porque aos direitos prima facie correspondem a obrigações prima facie. Estes deveres são obrigações prima facie do Estado a serem ativados porque às liberdades jurídicas dos titulares dos direitos fundamentais correspondem liberdades factuais”.55 Substancialmente, a intenção teórica de Alexy é demonstrar que o fato dos direitos sociais não serem definitivos – dependendo de uma operação de balançeamento - não significa que não sejam vinculantes, de fato “para o não cumprimento de um dever-prima facie devem existir, do ponto de vista do direito, razões admissíveis para o não cumprimento de um dever juridicamente não vinculante, ao contrário, não devem ser Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 209 dadas razões. Uma obrigação-prima facie pode conduzir a uma obrigação definitiva se não houverem razões admissíveis para o não cumprimento, uma obrigação não vinculante nunca pode fazer isto”.56 Não obstante, enfrentar o tema dos direitos sociais assumindo-os como preceitos de oti- mização coloca novamente o problema de um diferente tipo de balancea- mento, do tipo exclusivamente econômico, que traz de volta novamente no auge a questão do custo dos direitos (em especial dos direitos sociais) e da atual situação de crise econômica.

5. O PROBLEMA DOS CUSTOS DOS DIREITOS: QUEM TEM MEDO DOS DIREITOS SOCIAIS? Uma ulterior reflexão para entender melhor a estrutura dos direitos sociais deve ser feita em relação ao “custo” de tais direitos. Seriam distin- guidos desta forma os direitos sociais, custosos, dos direitos de liberdade, econômicos (não custosos). Conforme Roberto Bin sustentou, tal axio- ma, o custo dos direitos sociais e o não-custo dos direitos de liberdade, teria então dois corolários. O primeiro teria como objeto o valor erga omnes das liberdades negativas (a pretensão de abstenção de qualquer forma de intromissão vale evidentemente para todos e não é direcionado a alguém em particular). Ao contrário, o segundo, balanceamento.57 Em palavras simples de Bin, se as exigências de equilíbrio podem ser opostas aos direito sociais, tais limites “[…] nunca poderiam ser oponíveis às liberdades ‘negativas’, das quais, como frequentemente dito, é admitido o balanceamento somente com interesses de igual nível constitucional. Por conseguinte, eis que a ordem toma finalmente forma: se as liberdades ‘negativas’ prevalecem sobre exigências econômicas e funcionais, e se estas prevalecem sobre direitos de prestação, deve-se concluir que, para a propriedade transitiva, as liberdades ‘negativas’ prevalecem sobre os direitos ‘positivos’”.58 Por mais que tais distinções sejam difundidas na doutrina, não pare- cem ser totalmente conclusivas.59 É aconselhável parar um instante e por ordem. Poderíamos também admitir que existem direitos mais caros que outros, mas falar de direitos econômicos (não custosos) parece um risco.60 Seria necessário, de fato, iniciar o nosso raciocínio partindo da considera- ção que os direitos, na sua totalidade, para não permanecerem meras de- clarações morais, necessitam ser ativados e esta sua ativação requer ine- 210 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

vitavelmente custos.61 A contraposição, portanto, entre direitos custosos e direitos econômicos parece uma operação meramente ideológica. Não podendo ser considerado nenhum direito autoexecutivo, devemos neces- sariamente concluir que todos os direitos são custosos.62 É exatamente em relação a isto que Luigi Ferrajoli define a democracia constitucional como uma ‘democracia custosa”.63 Qualquer direito para ser acionado, garantido e, portanto, tornado efetivo necessita recursos. Se a famosa distinção entre direitos de presta- ção e direitos de abstenção nos induziu no erro de deduzir que os direitos sociais são os únicos a ter um custo, temos que imediatamente dar marcha ré. “Inclusive os direitos de liberdade requerem um aparato público e custoso, ao final de sua tutela (tribunais, polícia) e de seu gozo (obras de urbanização, infraestruturas físicas e jurídicas). E também, o exercício de alguns direitos de liberdade, ou de primeira geração, requer muito mais que a simples abstenção do Estado: pense no caso do direito de voto ou do direito de defesa em juízo. Além disso, sustentar que os direitos de liber- dade não custam enquanto que os direitos sociais custam significa adotar a perspectiva do mercado e da propriedade privada como uma espécie de posição de default: porque é verdade que do ponto de vista do proprie- tário a retirada fiscal (funcional para preparar os recursos para garantir também os direitos sociais) é um custo; mas também é verdade que, do ponto de vista do doente indigente a ausência de hospitais públicos é um custo – um custo que recai nele e não nos proprietários. A violação ou a não atuação de um direito também é um custo, quanto menos do ponto de vista do titular do direito”.64 Por conseguinte, queremos sublinhar que seja a liberdade, com seu aspecto negativo, ou os direitos sociais, com seu aspecto positivo, preveem um custo de atuação. A este respeito, como jus- tamente observado por Bin, “[…] o ‘direito’ a saúde, como pretensão de receber do poder público prestações sanitárias adequadas, tem uma ime- diata consequência ‘negativa’ na ‘liberdade’ dos tratamentos sanitários obrigatórios; enquanto que a liberdade, classicamente negativa, de poder expressar o próprio pensamento tem um reflexo ‘positivo’ no pedido ao Estado de garantir o mais amplo acesso aos meios de comunicação”.65 Por outro lado, como Veca colocou em evidência, “nenhum direito, como nenhuma refeição, é gratuita”.66 Os direitos sociais têm sim um custo, mas este não é somente uma característica peculiar, possuindo todos os Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 211 direitos um custo específico. Stephen Holmes e Cass Sunstein desmontaram a distinção entre direitos custosos e não custosos partindo do pressuposto que todos são direitos positivo.67 A problemática do custo dos direitos, central no seu estudo, os leva a olhar mais de perto a usual distinção entre direitos ne- gativos, os quais são realizados sem a intervenção estadual, e direitos positivos, os quais ao contrário tem como pressuposto de base o ativismo do estado. Tal distinção, conforme suas perspectivas, parece falsa já que não encontra correspondência na realidade, tendo todos os direitos um custo e pressupondo todos uma intervenção pública. “[T]odos os direitos são positivos, já que todos, de uma maneira ou de outra, exigem respostas afirmativas e não meramente negativas do governo”.68 Não é verdade, em outras palavras, de acordo com suas perspectivas de análise, que somente os direitos sociais requeiram esforços financeiros da comunidade, ao contrário dos direitos negativos desfrutáveis por si próprios, sem nenhum encargo para a sociedade. É necessário, por conseguinte, não somente reverter o local comum em relação ao custo dos direitos sociais, mas também considerar, como explica Ferrajoli, que a não atuação de tais direitos iria comprometer e atrasar o desenvolvimento econômico do Estado. De acordo com o teó- rico italiano, efetivamente, as suas violações iriam determinar uma di- minuição das condições de vida dos indivíduos, uma redução da produ- tividade individual e consequentemente da produtividade geral.69 Dito aspecto teórico encontraria a mais plena evidência na história europeia, em especial dos dois estados que mais do que os outros sofreram as con- sequências negativas da Segunda Guerra Mundial, Itália e Alemanha. “Foram nestas ruinas” — sustenta Ferrajoli — “que a Itália e a Alemanha construíram o crescimento mais impetuoso de sua economia, tornando- -se Países entre os mais ricos do mundo graças à simultânea construção da democracia e do estado social”.70 A introdução dos direitos sociais ao interno das cartas constitucionais permitiu de fato aos países europeus de crescer em ritmos nunca vistos antes. Atualmente, acontece exatamente o contrário: cortes na saúde, na educação e no inteiro leque dos direitos sociais, sempre mais monetizados, em evidente contraste com sua preten- dida universalidade. A este respeito, “[…] podemos dizer, revertendo o prejuízo da contraposição entre garantias dos direitos e desenvolvimento 212 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 econômico, que a melhor política econômica, assim como a melhor polí- tica a respeito da segurança e de combate à criminalidade, é uma política social direcionada a garantir os diretos vitais de todos; e que portanto as despesas sociais […] não devem ser concebidas como um passivo caro nos orçamentos públicos, mas como a forma de investimento público cer- tamente mais produtivo”.71 Estamos em um momento em que é difícil falar de direitos, a crise econômica imperante parece ter “esvaziado” as democracias europeias. A crise, além da austerity e reformas estruturais, têm imposto uma reflexão sobre direitos, sobre direitos dos mais fracos, muitas vezes não efetivos. Mas, quais direitos estão em crise? Todos, na sua totalidade considerados, ou somente alguns? Parece certo que nem todos os direitos sofrem na mesma medida. Enquanto os direitos civis e políticos parecem não estar comprometidospela crise econômica, o mesmo não pode ser dito para os direitos sociais. As constituições do século XX, que surgiram após os hor- rores da Segunda Guerra Mundial, as quais foram as primeiras a colocar a exigência de garantir e respeitar os direitos sociais, parecem hoje ter as armas enfraquecidas. Enquanto que a economia e o mercado antes eram submetidos ao direito, agora esta subalternidade parece estar invertida de forma que não seriam mais as constituições a escolher o que garantir de forma prioritária, mas o mercado e a finança internacional.72

6. OS DIREITOS SOCIAIS NO CONTEXTO GEOPOLÍTICO SUPRANACIONAL. REFLEXÕES CONCLUSIVAS Após ter descrito as problemáticas teóricas subtendidas aos direitos sociais, é imprescindível uma sua análise no plano supranacional. A saída do Reino Unido da União Europeia, em um contexto geopo- lítico profundamente transformado, parece ter reforçado a desagregação da União, já colocada a dura prova pela crise econômica e financeira.73 Conforme observado por Claus Offe, de fato, estaríamos perante uma si- tuação na qual parece irrealizável, no plano democrático, “o que é abso- lutamente necessário fazer”.74 A mutualização das dívidas, mesmo que possa parecer a única saída de uma crise de tal tamanho, e mesmo que seja o único instrumento útil para recolocar em circulação um sentimento de solidariedade há muito tempo adormecido, parece irrealizável graças à oposição dos corpos eleitorais dos países economicamente mais fortes, Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 213 os quais estão relutantes em renunciar ao próprio bem-estar em favor dos outros.75 Paralelamente, até o presente pareceu mais justo impor medidas de austeridade e reformas estruturais aos países em crise, não considerando que tais medidas acabaram por agravar o mal que pretendiam curar. Não obstante elas tenham imposto grandes sacrifícios no plano social, a crise econômica parece espalhar-se sempre com mais força e eis que então é difundido o euroceticismo sobre o inteiro projeto europeu de ever closer union. Para dar evidência empírica ao que está sendo defendido, considere- -se o ocorrido com a crise grega de 2015, na qual a Alemanha e a Grécia representaram os polos opostos no interior da desequilibrada constelação europeia.76 Um conjunto de estados não mais unidos com base no princí- pio da solidariedade, mas divididos por créditos e débitos recíprocos, nos quais quem ganha é a fria lógica do mercado.77 Uma crise, a da União, que “reconfigurou radicalmente a relação entre Estado social e integração europeia”.78 Para enfrentar adequadamente o assunto objeto deste parágrafo é oportuno dar algumas coordenadas bem específicas. Partindo de um dado já pacífico em doutrina: a União econômica e monetária europeia - con- forme predisposta por Maastricht – não pareceu capaz de enfrentar os efeitos da crise econômica e financeira gerada a partir de 2008. Hybris? Provavelmente sim. A arrogância com a qual teria sido excluída a possibi- lidade de uma crise assim devastadora, de fato, parece totalmente injusti- ficada. Conforme o andamento dos eventos mostrou, a crise propagou-se rapidamente dos Estados Unidos da América ao Velho Continente e o otimismo de Maastricht logo terminou. Assim, desde o início de 2010 se começou a reagir à crise das dívidas soberanas com a legislação de emergência. “[O] socorro dos países com risco de falência aconteceu com técnicas reguladoras e administrativas totalmente inéditas e sempre mais audaciosas, que se tornaram cada vez mais necessárias e urgentes— ou pelo menos assim justificadas — pelo risco concreto de uma iminente piora da crise e do colapso da zona do euro”.79 Ao mesmo tempo, em especial se verificadas no seu complexo, estas regras estreitaram sempre mais a discrição política e econômica de cada Estado, colocando os sistemas de welfare state nacionais sob a lógica per- 214 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 manente da competição entre cada um dos modelos nacionais, em uma si- tuação na qual os Estados Membros da zona do Euro não podem curar os próprios desequilíbrios se não limitando as prestações sociais. Portanto, é assim que a crise europeia determinou a crise dos direitos, e mais espe- cificamente aquela dos direitos sociais.80 “De um lado, assistiu-se a uma crescente despolitização das decisões relativas a esferas essenciais de po- lítica social, que — remetidas originariamente a plena soberania dos go- vernos e dos parlamentares nacionais — são hoje imersas em uma densa trama de vínculos (procedurais e substanciais) e de regras ‘técnicas’ cuja aplicação é garantida pela supremacia do direito euro-unitário (e não) e de um aparelho supranacional de supervisão e controle sancionatório […]”.81 Um sistema no qual não são mais somente pessoas públicas, filhos da tradição do constitucionalismo, mas um conjunto de comissões e insti- tuições, desprovidos de qualquer legitimidade democrática-popular. “As categorias ao redor das quais o poder público foi construído, a partir da época da modernidade em diante, e de modo especial das constituições li- berais, antes, e daquelas democrático-sociais, depois – ou seja soberania, democracia, direitos, representação política (que chama em causa o papel essencial dos partidos) – parecem ter se tornado obsoletas. O seu declínio arrasta consigo a linguagem dos direitos e aquele, igualmente essencial para cada comunidade política verdadeira, dos deveres ‘inderrogáveis’ de solidariedade, mencionados […] entre os princípios fundamentais”.82 Uma crise, portanto, não somente econômica. Estamos perante a Europa da tecnocracia, na qual mercados e finanças representam os fundamentos mais sólidos. Uma tecnocracia que está levando embora qualquer ligação social, política e democrática.83 As orientações neoliberais parecem ter revirado o paradigma políti- co-econômico, na medida em que é a economia que hoje legitima a inter- venção dos poderes públicos. A linguagem ora predominante não é aque- la dos direitos e das constituições, mas aquela dos mercados e finanças (spread, austerity e reformas estruturais).84 Consequência direta é a perda da efetividade, no plano nacional, das constituições e dos direitos nestes contidos. Welfare state, partidos e parlamentos aparecem desestruturados em âmbito nacional de uma nova governance que, em nível supranacio- nal, leva em conta somente os números e percentuais, que não tem nada a ver com um sistema jurídico fundado na legitimidade democrático-po- Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 215 pular. Desestruturado o espaço público e colocadas em quarentena cada uma das constituições nacionais, afirmam-se princípios impostos pelas autoridades técnicas, totalmente independentes do poder público.85“A cri- se que estamos vivendo na Europa é, portanto, a consequência de uma mais profunda crise da política e do constitucionalismo”.86 A política, no sentido mais pleno e puro do termo parece neutraliza- da e o direito assume cada vez mais o formato de um conjunto de regras unicamente úteis a tornar o mais eficiente possível o mercado concorren- cial.87 É nesta fase que o estado passa de servidor para devedor. Um esta- do estreito pela necessidade de um lado de conseguir recursos para finan- ciar a própria dívida pública, detida pelos bancos, ou mais em geral pela finança internacional, do outro, pela exigência de garantir as prestações sociais aos cidadãos. Está em andamento uma desestruturação do espaço público e uma troca de prioridade nas agendas dos governos, tanto que as perspectivas dos cidadãos aparecem pendentes na tensão entre garantia dos direitos constitucionais e cortes nos gastos públicos.88 Para dizer como Polanyi, seria necessário um contramovimento democrático.89 A necessidade de tal contramovimento, todavia, não se acompanha a sua imediata realização, visto que não se entreveem “forças sociais e políticas que possam ser portadoras”.90 Ao contrário, são sempre mais crescentes as forças partidárias xenofóbicas e nacionalistas, como foi recentemente observado nas eleições da França, Áustria e Holanda. Eis que então tal corrente populista assusta, e não pouco. Estamos perante um movimento contrário que assumiu traços antidemocráticos e autoritá- rios e determina a crise dos direitos e, mais globalmente, do processo de integração europeia. “A batalha para os direitos sociais merece ser combatida, em espe- cial no interior da União Europeia, onde os direitos e liberdade supra- nacionais ameaçam medidas de proteção tradicionais do Estado social. Trata-se, porém, talvez de uma […] luta para fazer da civitas (europeia) um espaço dotado não somente de medidas resistentes, mas também e principalmente orientado aos princípios materiais de justiça”.91 216 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

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t. III Teoria generale e miscellanea, Giuffrè, Milano, pp. 1773-1796, spec. 1780 e ss. 15 Cf. M. Barberis, L’Europa del diritto, il Mulino, Bologna, 2008, p. 203. 16 Cf. M. Cossutta, Una declinazione del sintagma /diritto sociale/: appunti per una ridiscussione della categoria della positività del diritto, in Id. (a cura di) diritti fondamentali e diritti sociali, Trieste 2012, pp. 33-66. 17 E. Diciotti, Stato di diritto e diritti sociali, in Diritto & Questioni Pubbliche, 4, 2004, pp. 49-79, spec. p. 51. 18 N. Bobbio, Sui diritti sociali, in AA.VV., Cinquant’anni di Repubblica ita- liana, a cura di G. Neppi Modona, Torino, 1996. 19 G. Bongiovanni, Diritti dallo «statuto» difficile. Aspetti del dibattito italiano sui diritti sociali nel secondo dopoguerra, in Scienza & Politica, n. 13/2001, pp. 75-99. 20 Cf. N.L. MacCormick, Rights in Legislation, in P.M.S Haker e J. Raz (eds.) Law. Morality and Society, Clarendon Press, Oxford, 1977, pp. 189-209. 21 S. Zullo, La dimensione normativa dei diritti sociali. Aspetti filosofico-giuri- dici, Giappichelli, Torino, 2013. 22 Z. Bauman, Danni collaterali. Diseguaglianze sociali nell’età globale, trad. it M. Porta, Laterza, Roma-Bari, 2013. 23 Cf. L. Ferrajoli, Diritti fondamentali e democrazia. Due obiezioni a Robert Alexy, in Rivista di filosofia del diritto, 1/15, pp. 37-52, spec. 37-38. 24 Cf. M. Cossutta, Una declinazione del sintagma /diritto sociale/, cit., pp. 36 ss. 25 G. Pino, Diritti sociali. Per una critica di alcuni luoghi comuni, in Ragion pratica, 2/2016, pp. 495-518. 26 Ivi, p. 498. 27 T. Casadei, I diritti sociali, un percorso filosofico-giuridico, cit., p. 27. 28 A. Schiavello, I. Trujillo Pérez (a cura di), Diritti sociali vs. diritti di libertà? sezione monografica di Ragione pratica, vol. 14. 29 E. Diciotti, Stato di diritto e diritti sociali, cit., p. 73. 30 Cf. A. Baldassarre, Diritti sociali, in Enciclopedia Giuridica, Istituto Enci- clopedia italiana, Roma 1989, vol. XI, pp. 1-34, spec. p. 4. 31 I. Berlin, Two Concepts of Liberty, in Four Essays om Liberty, Oxford, UK, Oxford University Press. Berlin, 1958. 32 G. Pino, Diritti sociali. Per una critica di alcuni luoghi comuni, cit., p. 506. 33 G. Peces-Barba Martínez, Diritti sociali: origine e concetto, in Socio- logia del diritto, 1/2000, pp. 33-50, spec. p. 47-49; P. Biscaretti di Ruffia, I diritti sociali., cit., p. 621. 34 G. Pino, Diritti sociali. Per una critica di alcuni luoghi comuni, cit., p. 507. 35 A. Lollo, Eguaglianza e cittadinanza. La vocazione inclusiva dei diritti fondamentali, Giuffrè, Milano, 2016. 36 G. Pino, Diritti sociali. Per una critica di alcuni luoghi comuni, cit. 37 Cf. P. Chiarella, Solidarietà e diritti sociali. Aspetti di filosofia del diritto e prassi normative, Cedam, Padova, 2017. 38 R. Guastini, Diritti, in Analisi e diritto, 1994, pp. 163-174. 39 D. Zolo, Libertà, Proprietà ed uguaglianza nella teoria dei “diritti fon- 222 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

damentali”, in L. Ferrajoli, Diritti Fondamentali. Un dibattito teorico, Later- za, Roma-Bari, 2001, p.65. 40 L. Ferrajoli, Principia iuris. Teoria del diritto e della democrazia, Vol. I, Laterza, Roma-Bari, 2007, pp. 153-54, postulato P3. 41 L. Ferrajoli, Diritti fondamentali. Un dibattito teorico, cit., p. 17. 42 L. Baccelli, Diritti sociali e obblighi giuridici, in M. Cossutta (a cura di), Diritti fondamentali e diritti sociali, Trieste, EUT Edizioni Università di Trieste, 2012, pp. 13-32, spec. p. 21. 43 Sobre essa posição, G. Pino, Diritti sociali. Per una critica di alcuni luoghi comuni, cit., pp. 510 ss. 44 L. Baccelli, Diritti sociali e obblighi giuridici, cit., p. 27. Cfr. N. MacCormi- ck, Rights in Legislation, cit., pp. 199-204. 45 G. Palombella, Diritti fondamentali. Per una teoria funzionale, in Sociologia del diritto, n. 1/2000, p. 63. 46 Z. Bauman, Danni collaterali, cit., p. 8. 47 T. Casadei, I diritti sociali. Un percorso filosofico-giuridico, cit. 48 M. Luciani, Sui diritti sociali, in Democrazia e diritto, pp. 545-576. 49 R. Alexy, Teoria dei diritti fondamentali, il Mulino, Bologna 2012, trad. it. L. Di Carlo (a cura di), p. 545. 50 Ivi, p. 472. 51 Ivi, p. 534 (destaque do autor). 52 Ivi, p. 475. 53 Ivi, p. 476 (destaque do autor). 54 Ivi, p. 547. 55 Ibidem. 56 Ivi, p. 549. 57 R. Bin, Diritti e fraintendimenti: il nodo della rappresentanza, in AA. VV., Studi in onore di Giorgio Berti, Jovene, Napoli, vol. I, pp. 345-374. 58 Disponível em: http://www.robertobin.it/ARTICOLI/DirfraII.htm. 59 T. Casadei, op. cit., p. 47; F.J. Ansuategui Roig, Rivendicando i diritti sociali, ―L’Europa del diritto , ESI, Napoli, 2014; G. Pino, Diritti sociali. Analisi teorica di alcuni luoghi comuni, cit.; G. Silvestri, Dal potere ai principi. Libertà ed uguaglianza nel costituzionalismo contemporaneo‖ , Laterza, Roma-Bari, 2009; R. Bin-G. Pitruz- zella, Diritto pubblico, vol. 46, Giappichelli, Torino, pp. 430 e ss.; R. Bin, Diritti e fraintendimenti, cit. 60 R. Bin, Diritti e fraintendimenti, cit. 61 Cf. G. Pino, Diritti sociali. Analisi teorica di alcuni luoghi comuni, cit.; L. Pen- nacchi, L’eguaglianza e le tasse. Fisco, mercato, governo e libertà, Donzelli, Roma, 2004, p. 109. 62 G. Pino, Crisi dell’età dei diritti?, cit., p. 109; T. Casadei, op. cit., p. 47. Como sugerido por Casadei, sobre esse ponto: R. Plant, Social Rights and the Reconstruction of Welfare, in G. Andrews (ed.), Citizenship, Lawrence and Wishart, London, 1991; R. Bin, Diritti e fraintendimenti, cit.; B. Celano, I diritti nella jurisprudence anglosassone e contemporanea. Da Hart a Raz, in P. Comanducci, R. Guastini (a cura di), Analisi e diritto. Ricerche di giurisprudenza analitica, Giappichelli, Torino, 2002, pp. 50-55. 63 L. Ferrajoli, Principia iuris, cit., Vol. II, p. 67. 64 G. Pino, Diritti sociali. Analisi teorica di alcuni luoghi comuni, cit., p. 21. Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 223

65 Disponível em: http://www.robertobin.it/ARTICOLI/DirfraII.htm. 66 S. Veca, Cittadinanza. Riflessioni filosofiche sull’idea di emancipazione, Feltrinelli, Milano, 1990, p. 42. 67 S. Holmes – C.R. Sunstein, Il costo dei diritti. Perché la libertà dipende dalle tasse, il Mulino, Bologna, 2000, trad. it di E. Caglieri da The Cost of Rights: Why Liberty Depends on Taxes, New York, W. W. Norton & Co., 1999. 68 F.J. Ansuategui Roig, op. cit., p. 25. 69 L. Ferrajoli, Costituzionalismo oltre lo stato, Collana ―Piccole Conferenze , Muc- chi, Modena, 2017, pp. 31-32. 70 Ibidem. ‖ 71 Ivi, pp. 33-34. 72 W. Streeck, op. cit.; L. Ferrajoli, La democrazia attraverso i diritti. Il costituzionalismo garantista come modello teorico e come progetto politico, Laterza, Roma-Bari, 2013; L. Ferrajoli, Costituzionalismo oltre lo stato, cit., pp. 15-22. 73 É. Balibar, Crisi e fine dell’Europa?, Bollati Boringhieri, Torino, 2016. 74 C. Offe, Europe Entrapped. Does the EU have the capacity to overcome its current crisis?, in European Law Journal, 2013, p. 595. 75 J. Habermas, Nella spirale tecnocratica. Un’arringa per la solidarietà europea, trad. it L. Ceppa, Laterza, Roma-Bari, 2014. 76 Cf.. V. Giacché, Titanic Europa. La crisi che non ci hanno raccontato, Imprimatur, Reggio Emilia, 2015; M. Braun, Mutti. Angela Merkel spiegata agli italiani, Laterza, Ro- ma-Bari, 2015; J. Zielonka, Disintegrazione. Come salvare l’Europa dall’Unione Euro- pea, Laterza, Roma-Bari, 2015; T. Piketty, Si può salvare l’Europa? Cronache 2004-2015, Giunti, Milano, 2015; S. Romano, Guerre, debiti e democrazia. Breve storia da Bismark a oggi, Laterza, Roma-Bari, 2017. 77 S. Romano, op. cit. 78 S. Giubboni, Stato sociale e integrazione europea: una rivisitazione teorica, in Qua- derni Fiorentini. Per la storia del pensiero giuridico moderno, 46/2017, p. 559. 79 Ivi, p. 566. 80 L. Baccelli, op. cit., p. 14; I. Possenti, Individui o cittadini? Flexicurity e diritti sociali nel contesto comunitario, in M. Cossutta (a cura di), Diritti fondamentali e diritti sociali, cit., p. 136. 81 S. Giubboni, op. cit., p. 571. 82 C. Iannello, Il «non governo» europeo dell’economia e la crisi dello Stato sociale, in Diritto Pubblico Europeo Rassegna online, n. 2/2015, p. 2. 83 L. Ferrajoli, Costituzionalismo oltre lo stato, cit., pp. 22-23. 84 Ivi, p. 22. 85 C. Iannello, op. cit., p. 3. 86 Ivi, p. 4. 87 Sobre o tema: K. Polanyi, La grande trasformazione. Le origini economiche e politiche della nostra epoca, trad. it. R. Vigevani, Einaudi, Torino, 2010. 88 C. Iannello, op. cit., p. 8. 89 K. Polanyi, op. cit. 90 S. Giubboni, La Costituzione sociale nel diritto della crisi, in Cultura giuridica del diritto vivente, Special Issue, 2015, p. 159. 91 M. La Torre, Cittadinanza e ordine politico. Diritti, crisi della sovranità e sfera pubblica: una prospettiva europea, Giappichelli, Torino, 2004, p. 238. 224 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez Argumenta 2017 Journal225 Law n. 27 p. 225-248 Carlos Manuel Villabella ARMENGOL1 jul/dez 2017

Como citar este artigo: LA CONSTITUCIÓN ARMENGOL, Carlos Manuel. MEXICANA EN SU La constitución mexicana en su centenario. ¿Estado CENTENARIO. ¿ESTADO social de derecho?. Argumenta Journal SOCIAL DE DERECHO? Law, Jacarezinho – PR, THE MEXICAN CONSTITUTION IN ITS CENTENARY. Brasil, n. 27. p. 225-248. RIGHT OF SOCIAL STATUS? Data da submissão: A CONSTITUIÇÃO MEXICANA EM SEU CENTENÁRIO. 19/10/2017 Data da aprovação: ESTADO SOCIAL DE DIREITO? 05/12/2017 SUMÁRIO: 1. El centenario de la constitución mexicana. Notas e interrogantes; 2. Sinopsis del derecho cons- titucional. Del Estado de derecho al Estado Constitu- cional; 3. Concepciones de la constitución; 4. Epílogo; 5. Fuentes citadas.

RESUMEN: El presente artículo expone el iter del derecho constitucional y sintetiza las transformaciones que se han producido en su sistema de instituciones y ca- tegorías, destacando también la dinámica que a ese tenor se ha efectuado en la concepción y roles de la constitución. En esa tesitura, analiza el Centenario de la Constitución de 1917 e indaga en qué punto se co- loca el constitucionalismo mexicano actual en la línea del tiempo del Derecho Constitucional. Reflexiona si puede considerarse que en México perdura un Estado social.

ABSTRACT : The article demonstrate the process of constitu- tional law and synthesizes the transformations that have been produced in its institutions and categories, 1.Instituto de Ciencias Jurídicas – Puebla - it also highlights changings in the conception of the México 226 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

Constitution. In this context, it argues for the Centenary of the Consti- tution of 1971 and inquires about the position of the current Mexican constitutionalism in the time line of the Constitutional Law. It reflects if Mexico remains a social State.

RESUMO: O presente artigo expõe o iter do direito constitucional e sintetiza as transformações que se tem produzido no sistema de instituições e cate- gorias, destacando também a dinâmica da concepção das regras da cons- tituição. Nesse contexto, analisa o Centenário da Constituição de 1917 e indaga em que ponto se coloca o constitucionalismo mexicano atual na linha do tempo do direito constitucional. Reflete se se pode considerar que no México perdura um Estado social.

PALABRAS CLAVE: Centenario Constitución mexicana, Constitución de México y dere- cho constitucional, Constitución México y constitucionalismo social.

KEYWORDS: Centenary of the Mexican Constitution, Constitution of Mexico and Constitutional Law, Constitution of Mexico and social constitutionalism.

PALAVRAS-CHAVE: Centenário da Constituição Mexicana, Constituição do México e Di- reito Constitucional, Constituição do México e constitucionalismo social.

1. EL CENTENARIO DE LA CONSTITUCIÓN MEXICANA. NOTAS E INTERROGANTES El 5 de febrero de 1917 se promulgó la Constitución política de los Estados Unidos Mexicanos que entró en vigor el 1ro de mayo. El cen- tenario de este texto ha sido un acontecimiento especial porque es de las pocas constituciones que arriban a esta edad,1 cuestión que resalta sobre- manera en el entorno del frágil constitucionalismo Latinoamericano. La Constitución de Querétaro es además un documento épico por haber in- troducido los derechos sociales e innovar la institución del amparo como Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 227 mecanismo de garantía a los derechos. Es también un texto sui generis por las 703 reformas,2 cuestión que la convierte en las constitución más reformada del mundo. No se han modificado veintidós artículos que constituyen aproxi- madamente el 5% del texto primigenio.3 Por el contrario, doce artículos se han enmendado en más de diez ocasiones. Resaltan el artículo 27 (pro- piedad de la nación y recursos naturales, propiedad agraria, expropiación, etc.) con veinte reformas; el artículo 123 (derecho al trabajo y otros dere- chos vinculados) con veintiséis enmiendas; y el artículo 73 (facultades del Congreso) con setenta y seis cambios.4 Cronológicamente, el expediente de la reforma constitucional ha sido cada vez más empleado por los presidentes. En el sexenio de José López Portillo (1976-1982) se enmendaron 32 artículos; con Miguel de la Madrid Hurtado (1982-1988) 66 artículos; con Carlos Salinas de Gortari (1988-1994) 55 artículos; con Ernesto Zedillo Ponce de León (1994-2000) 77 artículos; con Felipe de Jesús Calderón Hinojosa (2006-2012) 111 ar- tículos; y en lo que va hasta le fecha del periodo presidencial de Enrique Peña Nieto, se han reformado 151 artículos. La técnica de cambiar la constitución de manera parcial y fragmen- tada sistemáticamente, ha provocado artículos extensos en los que se yuxtaponen contenidos de manera inorgánica. Verbigratia, el precepto cuarto refrenda diversos derechos colectivos y difusos junto al derecho individual a la libertad de procreación, el principio de igualdad de sexo, y el principio de interés superior de los niños y las niñas, que por demás se presenta como continuación del derecho de la familia a disfrutar de vi- vienda. En la misma tesitura, el artículo 27 regula los bienes propiedad de la nación, la propiedad agraria, de las asociaciones religiosas, las socieda- des mercantiles, las instituciones de beneficencia, los bancos, los órganos públicos y las representaciones diplomáticas extranjeras, el dominio pú- blico de los hidrocarburos, la producción de la energía eléctrica y nuclear, el procedimiento de expropiación, la estructura de la justicia agraria y sus principios, y el deber del Estado en la planeación integral y sustentable rural con el fin de producir alimentos. Ese híper-reformismo denota el fetichismo normativista que subya- ce en la sociología jurídica mexicana, en el sentido de que se considera que la panacea de cualquier problema sociojurídico es la reforma de la 228 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 constitución; sucediendo en la práctica que la reforma en la constitución formal no siempre ha marchado a la par de la transformación la constitu- ción material. Exempli gratia: el derecho a la educación reglado en el artí- culo tercero contaba en el documento original con diez líneas que desar- rollaban la libertad de enseñanza, el carácter laico de ésta, la prohibición de que las corporaciones religiosas establecieran escuelas, y la gratuidad y supervisión de la enseñanza primaria. En la actualidad, luego de diez reformas y la expansión del artículo a 27 párrafos que añadieron diversos aspectos (los objetivos de la educación pública, los criterios educativos, las características de los planes y programas, los fines del Instituto Nacional para la Evaluación Educativa, etc.), la enseñanza de calidad sigue siendo una tarea pendiente. Los datos comentados evocan a priori una interrogante: ¿por qué no ha progresado la idea de redactar un nuevo texto constitucional que armonice los cambios efectuados y exprese la renovación del pacto cons- tituyente? La respuesta mayoritaria que emite la clase política y que secunda un amplio sector de la academia se reduce por lo general a que no es necesa- rio o no existe el consenso para ello: Su carga histórica es tan grande que en la (…) el texto de nuestra Constitución promulgada el 5 de febrero de 1917, es un texto vivo, actuante, viviente, que gracias a su constante actualización mantiene su eficacia como instrumento de go- bierno y como eje rector de las políticas públicas que derivan del ordenamiento jurídico nacional (…) hoy nuestra Cons- titución representa no solo el mejor sino el único camino, el basamento para un gran acuerdo social y político.5 Ambos argumentos me parecen cuestionables porque el consenso no es posible aquilatarlo si no se abre el debate, y la necesidad queda en entredicho ante los cientos de reformas efectuadas. El asunto a mi juicio, puede ser explicado desde una razón cultural y de oportunismo político que connota el peso monumental que tiene la Constitución de 1917 en la sociología jurídica y el imaginario nacional, y devela, por otra parte, el recelo ante un proceso constituyente originario. Las siguientes palabras de dos autores imprescindibles de la academia constitucional mexicana contemporánea denotan lo que señalo: Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 229

Su carga histórica es tan grande que en la Constitución los mexicanos recrean la herencia ideológica de nuestros sa- cudimientos sociales, los avances que logró el movimiento revolucionario de este siglo y los principios que rigen a la sociedad civil del presente. A diferencia de otros países, en el nuestro la Constitución ha sido símbolo de estabilidad po- lítica y de unidad nacional, en torno a la cual partidos, gru- pos políticos, y los propios ciudadanos, han desenvuelto las actividades que les son propias. Sentimiento constitucional tan acendrado es difícil de cultivar en los pueblos, por eso hay que mantenerlo y acrecentarlo, tanto porque enraíza en la historia viva, como por su influencia determinante para nuestro destino común (…) una nueva constitución rompe- ría con una historia y tradiciones constitucionales singulares, valores políticos que es difícil encontrar en muchos pueblos del orbe (…) la(s) reforma(s) han logrado conservar en lo general las decisiones políticas fundamentales, logrando introducir principios e instituciones nuevas (…) la expedi- ción de otra Constitución no representa el sentir general de la sociedad mexicana (..) un nuevo constituyente conllevará nuevos riesgos y sacrificios (…) hay claras razones de opor- tunidad política para juzgar inconveniente en el momento actual la expedición de una nueva carta magna (…) en un tiempo de crisis como el que se vive (…).6 Otra arista del tema es la que plantea la siguiente pregunta ¿la Cons- titución mexicana de 1917 actualizada por vía de las (multi)reformas par- ciales, expresa la voluntad del titular de la soberanía? En mi opinión no, ya que el pueblo, el constituyente genuino, ha per- manecido ajeno a los cientos de reformas efectuadas. El artículo 135 que prevé la cláusula de reforma no considera la participación ciudadana en ninguna fase del proceso reformatorio y lo encarga a los representantes federales y estaduales, de modo que no es una exageración plantear que la Constitución mexicana ha estado durante cien años secuestrada por la clase política. Hay que señalar además que la Constitución en su texto prístino no incorporó vías de democracia directa, el pueblo, titular de la soberanía según el artículo 39, solo legitimaba el poder político, pero no tenía meca- nismo para ejercer un control efectivo de éste ni participar en su ejercicio. Esta concepción de democracia constitucional restrictiva y excluyente, es 230 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 la que corresponde al derecho liberal decimonónico que se extiende has- ta la primera mitad del siglo XX. Lo sintomático es que al cabo de una centuria el esquema de democracia de la Constitución de Querétaro siga siendo básicamente el mismo. Las reformas introducidas en este sentido se introdujeron en agosto del 2012: el derecho de un ciudadano de can- didatearse a un cargo público de manera independiente (fue resultado de una Sentencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos del 2008 derivada del caso Castañeda Gutman vs Estados Unidos Mexicanos), la iniciativa legislativa ciudadana, y la consulta popular. Finalmente, luego de las casi 700 reformas constitucionales efectua- das ¿dónde se coloca el constitucionalismo mexicano actual en la línea del tiempo del derecho constitucional? En dos trabajos publicados recientemente7 abordé el tema tangen- cialmente al contextualizar a la Constitución mexicana en el constitu- cionalismo latinoamericano, concluyendo que ésta no había seguido las tendencias de la región, constatando en particular la distancia con las constituciones promulgadas a partir de los años noventa y que configura- ron un nuevo constitucionalismo latinoamericano.8 En los siguientes epígrafes expondré el iter teórico y conceptual del derecho constitucional y al cierre del trabajo razonaré mi postura al res- pecto.

2. SINOPSIS DEL DERECHO CONSTITUCIONAL. DEL ESTA- DO DE DERECHO AL ESTADO CONSTITUCIONAL Existe consenso doctrinal en reconocer cuatro etapas en el derecho constitucional, diferenciadas por las transformaciones en su tejido con- ceptual e institucional (en algunos casos verdaderas mutaciones) y los cambios en la narrativa de la constitución. Esos lapsos son: el constitu- cionalismo liberal de finales del siglo XVIII que se globaliza durante la siguiente centuria; el constitucionalismo de la primera mitad del XX; el constitucionalismo de la segunda mitad de ese siglo; y el constitucionalis- mo que ha evolucionado en las últimas décadas. El primer momento constitucional devino del proceso revoluciona- rio burgués causado, más allá de sucesos circunstanciales que aparente- mente produjeron los estallidos sociales en cada país, por la contradic- ción entre las fuerzas productivas capitalistas surgidas de la revolución Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 231 industrial y las relaciones de producción agrícola feudales. Estos eventos, además de la confrontación física que implicaron, constituyeron una sub- versión intelectual porque combatieron el orden medieval con renovadas ideas humanistas, racionalistas, ilustradas y anticlericales.9 Este primigenio constitucionalismo aportó el ADN conceptual so- bre el que se estructuró el derecho constitucional contemporáneo: princi- pio de supremacía constitucional; instituto de defensa de la constitución a partir de capacidad de revisión judicial de la Suprema Corte; idea de los derechos individuales como realidades pre-jurídicas; garantía de los derechos a través del Habeas Corpus, la legalidad de los delitos y las pe- nas, el debido proceso y el instituto de presunción de inocencia; principio de división de poderes, matizado con los checks and balances; forma de gobierno parlamentaria, presidencial y convencional; forma de estado fe- deral y unitaria; estructuración de parlamento bicameral y monocameral; principio de soberanía nacional y popular; institución del plebiscito. En el siglo XIX se universalizó la constitución como documento que sintetizaba los principios sobre los que se construiría el nuevo orden. Ello fue correlato del proceso de centralización económica y política que se produjo con el capitalismo, y la sublimación de la ley como instrumento de regulación social que despersonaliza el poder político. En ese entor- no, quedó condensada una imagen de constitución como código político fundante de un país, como la forma ideal de organización de la nación moderna:10 se produce una especie de unificación de la imagen jurídica del mundo (...) a la expansión cuantitativa se une la creencia de que tal sistema representaba la fórmula definitiva de la convivencia política, de que era una de las grandes y defi- nitivas invenciones de la humanidad, efectiva y radicalmen- te vinculada al progreso y la prosperidad de los pueblos, de manera que para todo Estado que pretendiera entrar en la esfera de la civilización, era inexcusable la implantación del régimen constitucional.11 Esta percepción embonó con la teoría del Estado de derecho (Recht- sstaat),12 fórmula del poder político que significa: a) sometimiento del po- der político público al derecho; b) la ley como expresión de la voluntad general construida en el parlamento; c) creación del derecho mediante un procedimiento previamente establecido; d) el derecho como portador de 232 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 valores jurídico-políticos, entre ellos la libertad y la igualdad; e) solo la ley puede establecer límites a la libertad del hombre; f) división y desconcen- tración del poder político en órganos diferentes como vía para evitar su ejercicio despótico: Lo que distingue al Estado en el Estado de Derecho de los demás poderes (políticos, económicos o sociales) es que se trata de un poder jurídico. Este poder jurídico estatal se defi- ne por tres dimensiones principales. Primera, los individuos que ejercen el poder –los llamados órganos del Estado- están sometidos a normas previas. Segundo, estos órganos se hal- lan separados entre sí y son las normas jurídicas las que le señalan el valor y el ámbito exacto de su poder. Tercero, el ejercicio de este poder consiste, únicamente, el producir y aplicar normas jurídicas.13 En este contexto, quedó conformado el constitucionalismo liberal caracterizado por los siguientes rasgos básicos: 1. La constitución como documento escrito que tiene una connotación esencialmente política, ya que su papel es orga- nizar y racionalizar el poder político. 2. La constitución como texto que lista (no de manera exhaustiva porque los derechos pre-jurídicos) los derechos naturales y pauta el proceso de creación de la ley. 3. Los derechos tutelan bienes individuales que protegen la autonomía del ser humano y aseguran la interrelación de éste con sus semejantes y con el poder político. Son derechos civiles y políticos que se erigen frente al poder público y se exponen con un fundamento iusnaturalista, como elementos connaturales al ser humano. Destacan los derechos de igual- dad ante la ley, libertad, seguridad y propiedad. 4. El parlamento es la pieza central del andamiaje estatal, en tanto se convierte en el depositario de la soberanía a partir de la transalatio que se efectúa desde su titular originario (la nación según el planteamiento de Locke o el pueblo en la va- riante de Rousseau). De esta forma, el órgano asume también facultad constituyente. 5. Principio de supremacía de la constitución sobre el orde- namiento jurídico. El segundo ítem señalado, el derecho constitucional de la primera Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 233 mitad del siglo XX o constitucionalismo entre guerras como lo identifi- ca la literatura europea,14 fue un periodo en el que no se experimentaron transformaciones sustanciales pero que denota la crisis del concepto de Estado y derecho liberal. Los cambios que se aprecian respondieron a la necesidad de relegitimación política ante la crisis económica, el auge del proletariado, la politización de la lucha de clases y la inestabilidad política. En este lapso se distinguen los siguientes aspectos distintivos: desar- rollo de los derechos políticos al eliminarse las restricciones censitarias y de género en el derecho al sufragio; incorporación primigenia de dere- chos sociales en los textos de México de 1917 y de la República de Wei- mar de1919; configuración de la teoría del control de constitucionalidad a partir del desarrollo del esquema difuso norteamericano y concentrado europeo. El tercer momento que hemos identificado en la evolución del dere- cho constitucional tuvo como contexto la eclosión de la crisis económica y política que ya se acusaba desde inicios de siglo, y que tuvo su expresión culminante en la Gran Depresión de 1929. Se desmitificó el axioma de autosuficiencia del mercado (laissez-faire), la idea de un Estado gendarme que se abstiene de intervenir en la economía y la sociedad, y la concep- ción de un derecho minimalista y aséptico. Se enarbolaron los postulados del economista británico John Maynard Keynes que argüían la necesaria orientación de la sociedad por el Estado. Así, se edificó teóricamente un arquetipo de Estado envés del que ha- bía instaurado la burguesía un siglo antes: el Estado de bienestar o Estado social. Su eje fue la acción interventora del poder público para corregir la menesterosidad y procurar la satisfacción de las necesidades vitales, lo- grando estándares mínimos de justicia social: “el Estado social emerge como necesidad histórica a fin de contrarrestar las disfuncionalidades del capitalismo generador de un nuevo feudalismo económico (…) del que es encubridor el Estado formal de Derecho (…) y disminuir la intensidad de la lucha de clases”.15 Las variables de este tipo de Estado fueron las siguientes: a) injeren- cia del Estado en la economía mediante el manejo de índices macroeco- nómicos, el fomento de empleo y la administración directa de medios de producción y recursos estratégicos; b) el desarrollo de políticas públicas y acciones asistenciales dirigidas a los grupos vulnerables; c) promoción 234 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 del bienestar general a través del acceso a los bienes y servicios; d) com- plementación material del principio de igualdad formal con el asegura- miento de derechos económicos y sociales. La originalidad de la propues- ta radicaba “en la pretensión de redefinir las relaciones entre economía y política, entre poder y mercado, y como consecuencia de ellas, introducir mecanismos correctores a nivel jurídico-constitucional acordes con las nuevas orientaciones”.16 Sobre esos supuestos se configuró el constitucionalismo social. Los exponentes primigenios de esta tendencia fueron como se mencionó, las constituciones de México de 1917 y de la República de Weimar de 1919.17 La primera reguló el derecho al trabajo, la jornada máxima de ocho horas, la protección al trabajo femenino y juvenil, el derecho al descanso, la pro- tección a la maternidad, el salario mínimo e igual, la protección en caso de accidente de trabajo o enfermedad profesional, el derecho a la huelga, y la indemnización en caso de despido. La segunda proclamó el principio de justicia social que asegurara la existencia digna del hombre y medios ne- cesarios para su subsistencia; refrendó la protección del Estado a la fami- lia, a la educación, el derecho al trabajo; y organizó un sistema de seguros. En esta nueva época constitucional fueron precursores los textos de Italia de 1947 y Alemania de 1948. Los rasgos de este derecho constitucio- nal fueron los siguientes: 1. Inclusión de cláusulas económicas que regulan la estruc- tura y funcionamiento del sistema económico, sus bienes, fuerzas y procesos. 2. Incorporación de normas que regulan aspectos de las re- laciones sociales y establecen definiciones para la sociedad civil. 3. Recepción de principios y normas teleológicas. 4. Refrendo de derechos económicos y sociales que procuran la inserción social de todos los individuos y la igualdad ma- terial. Se plantean también mandatos al Estado y lineamien- tos para la ejecución de políticas públicas que desplieguen estos derechos. 5. Legitimación de mecanismos mixtos de control consti- tucional que refuerzan las vías procesales de defensa de la normativa. Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 235

6. Conexión de la constitución con el Derecho Internacional de los Derechos Humanos. 7. Invocación de la eficacia directa de la normativa constitu- cional, admitiéndose que todo precepto constitucional tiene un contenido esencial que es aplicable de manera inmediata y que obliga a los poderes públicos a su desarrollo. El último intervalo que identificamos en el derecho constitucional progresó sobre los rasgos anteriores, aunque no fue hasta los años setenta que la academia europea18 reflexionó sobre ello, denotando la configura- ción de un neo-constitucionalismo. A partir de aquí, la doctrina acogió el termino y debatió sobre su significado y alcance, señalando que se di- bujaba un nuevo momento constitucional producto de la sistematización de tendencias que evolucionaban desde el constitucionalismo social y que mutaban conceptos, destronaban el enfoque positivista prevaleciente has- ta entonces, y renovaban aristas de la teoría, ideología y metodología del constitucionalismo.19 El vocablo se ha empleado para englobar una multiplicidad de fenó- menos en el ámbito de la teoría del derecho, el derecho constitucional y la práctica jurisprudencial. Algunas de las variables de este paradigma son los siguientes: 1 .Ampliación del rango legitimador de la constitución. Ade- más de institucionalizar el poder político, la carta magna plantea mandatos a la administración pública, norma los partidos políticos, establece principios y valores para el ejer- cicio del poder político y la convivencia de la comunidad, regula el régimen económico y hacendario, refrenda una am- plia gama de derechos, protegen a las culturas originarias y minorías, ordena el sistema de fuentes formales del derecho, dicta pautas para la exegesis jurídica, refrenda instituciones de democracia directa, norma diversos mecanismos y vías de justicia constitucional, legitima principios y políticas de integración regional e internacional. 2. La constitución refrenda un plexo de valores humanos, deberes cívicos, principios, fines, y mandatos al Estado, que delinean su pre-comprensión y permean su interpretación y aplicación. 3. Validez deontológica de la legalidad. El test de constitucio- 236 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

nalidad de las normas jurídicas supone que éstas hayan sido creadas de acuerdo al procedimiento establecido y que no contradigan los contenidos constitucionales, pero también, que sean coherente con los principios y valores que postula la carta magna. 4. Regulación profusa en la constitución de los derechos hu- manos, resultado de la multiplicación, especificación e inter- nacionalización que se ha efectuado en éstos, y del desarrollo progresivo de la dignidad humana. Además de los derechos civiles, políticos y sociales, se refrendan derechos difusos, se protegen a las minorías y grupos en desventajas, y se re- interpreta a la igualdad (igualdad proporcional) de manera que da cabida a acciones afirmativas y políticas de discrimi- nación inversa. Los derechos se convierten en el parámetro iustum del ius constitutionale. 5. Reforzamiento de los mecanismos de justicia constitu- cional, a partir de la diversificación de las vías procesales e instrumentos protectores de los derechos humanos, y la le- gitimación de instancias supranacionales de justicia consti- tucional. 6. Hermenéutica constitucional de nuevo tipo, condicionada por la semántica de la constitución que compulsa al operador constitucional a emplear métodos y técnicas de optimiza- ción, ponderación y proporcionalidad. Se tiene que discernir el contenido esencial de todos los preceptos constitucionales, manipular principios de textura abierta, potenciar la aplica- ción de los derechos humanos a tenor de principios como el de pro-persona y no discriminación, y optimizar argumen- tos en función de la justicia. Esto condiciona la configura- ción de un “juez Hércules” que se desenvuelve con activismo, al corregir al legislador (legislador negativo) y completar su obra (legislador positivo). 7. Incidencia directa de la normativa constitucional sobre el poder político, la acción del legislador, los intérpretes juris- diccionales, y los ciudadanos en general. 8. Internacionalización de la constitución al acoger cláusulas de apertura que reconocen el rango constitucional de los tra- tados internacionales sobre derechos humanos y la legitimi- dad de instancias jurisdiccionales supranacionales. Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 237

El corolario de este canon es la transformación del Estado social de derecho en Estado constitucional, fórmula que supone que la constitu- ción: a) es un texto no solo para el poder político, sino también para toda la sociedad, un documento que pauta las relaciones socioeconómicas y diagrama el horizonte que una nación acuerda para su existencia; b) tiene aplicabilidad directa y garantías efectivas; c) invade todos los espacios de la vida pública y privada porque guía la acción de los actores políticos, condiciona la actividad legislativa y jurisdiccional, y orienta las relaciones sociales; d) regula una relación Estado-ciudadano diferente, ya que este último deja de ser súbdito del poder y se convierte en sujeto activo de la creación y aplicación de la constitución; e) se convierte en instrumento efectivo de transformar la sociedad a partir de su supremacía material, se vive en constitución: En el Estado constitucional es la constitución la norma je- rárquicamente más elevada, no solo formalmente, sino tam- bién desde un punto de vista sustancial [esta] impondría al legislador no solamente el respeto lógico-formal sobre sus decisiones, sino también el desarrollo (…) y sobre todo su aplicación. Las constituciones estarían dotadas de una fuerza invasiva general, derivada justamente de haber constitucio- nalizado toda una serie de valores que [la] convertirían en un objeto completamente diferente (…) sería un valor en sí (…). De este modo, la constitución evidenciaría su especifi- cidad (…) respecto al resto del ordenamiento no solo y no tanto por su posición jerárquica, sino sobre todo por su valor moral.20

3. CONCEPCIONES DE LA CONSTITUCIÓN La perspectiva evolutiva del derecho constitucional que se ha ex- puesto ut supra, no significa exclusivamente delimitar una cronología de etapas, implica también apreciar que en su decurso el derecho constitu- cional se ha transformado y que la constitución ha replanteado sus dimen- siones y roles desde el Estado de derecho al Estado constitucional. En ese sentido, el contenido, las funciones, y el concepto que en consecuencia se enuncie de la constitución, es correlato de la concepción que se sostenga de carta magna: el modelo constitucional determina el diseño estructural y el sentido que se plasma en cada constitución (…) el desar- 238 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

rollo, la interpretación y la aplicación de las normas consti- tucionales (…) de la noción de constitución que adoptemos se desprenderá el contenido constitucional que auspiciamos (…) esto prefigura diferentes concepciones de constitución y de mecanismos de garantía (y) se delinea diferentes modelos de sociedad (…).21 Algunos autores advierten22 que la pluralidad de formulaciones de constitución se relaciona prima facie, con los diferentes significados que se le otorgan al término: estructura de poder de un Estado, ordenamiento político de tipo liberal, conjunto de normas fundamentales del ordena- miento jurídico, código supremo de una nación, ley le leyes dotada de formalidades y solemnidad, ley especial creada por el poder constituyente que prescribe el procedimiento de creación normativa. El modelo de constitución liberal que se consolidó en el siglo XIX la postuló como documento que legitima, organiza y racionaliza el poder político público, a la par que reconoce los derechos naturales que fungían, asimismo, como límites del poder. No obstante, hay que mencionar que los derechos no se regularon en algunas de las primeras cartas magnas. Verbigratia, el texto de Estados Unidos no incorporó derechos hasta las diez enmiendas que se promulgaron en 1791, y no consagró el derecho de igualdad hasta 1865 mediante la Enmienda Decimotercera. Las constitu- ciones francesas emergidas de la revolución, no incluyeron partes dogmá- ticas, sino que suscribieron a la Declaración de Derechos del Hombre y el Ciudadano de 1789. En ese marco, se estructuró una concepción de constitución como estatuto del poder y la libertad, con una función político-jurídica. Se es- tableció una definición racional-normativa que la plantea como norma formalmente suprema, con contenidos acotados, y con el cometido toral de institucionalizar y limitar el poder político público. La constitución se entendió como un complejo normativo que de manera total, exhaustiva y sistemática regulaba al Estado.23 Esta compresión fue parte de la teoría normativista que concibió al derecho como un orden gradado de normas cuya validez dependía, formalmente, de que hubiesen sido creadas acorde a los procedimientos establecidos y, materialmente, de que sus contenidos no contradijeran a la norma superior. Así, el ordenamiento jurídico se representó como un Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 239 andamiaje en cuyo vértice se encontraba la constitución, que impregnaba unidad y coherencia.24 La constitución es la razón por la cual las leyes son normas válidas. En este sentido, la constitución es una norma de ma- yor jerarquía que las normas representadas por las demás leyes. Las leyes escritas y consuetudinarias se basan en la constitución en el mismo sentido en que las decisiones de los tribunales, es decir, las normas individuales que los tribuna- les establecen se basan sobre leyes. Que una norma jurídica se basa en otra significa que la última es la razón por lo que otra es válida.25 La anterior perspectiva dominó la doctrina y prevalece aún en am- plios sectores académicos. Se inició con Paul Laband y George Jellinek, y tuvo su exponente más connotado en Hans Kelsen. Frente a las premisas positivista del enfoque racional-normativo de constitución, se elaboraron en las postrimerías del siglo XIX e inicios del XX diferentes conceptos que pretendieron definirla desde otras aristas. Se destacan los conceptos histórico, sociológico y voluntarista. La crisis del liberalismo económico y político que se produjo en los años treinta, a lo que continúo la Segunda Guerra Mundial, condicionó la teorización del Estado de bienestar. En ese prototipo de Estado y de derecho, se edificó el modelo de constitución social que redefinió su roll al contemplar que no solo estableciera asépticamente las reglas del jue- go político, sino además previera como controlarlo, definiera estándares mínimos (éticos y de eficiencia) de su ejercicio, y desempeñara un papel activo en la ordenación de la sociedad y la economía. Se configuró en consecuencia, una concepción abierta y material de constitución que la proyectó como documento ordenador de la sociedad en su conjunto; con función jurídico-política, social y económica. Del constitucionalismo social emergió el paradigma neoconstitucio- nal que contorna un canon de constitución omnisciente que tutela diver- sos objetos, delinea un decálogo, maximiza los derechos humanos, y se in- cardina con el derecho internacional estableciendo una mutua interacción a favor de la dignidad humana En esas coordenadas toma cuerpo un canon de constitución cultu- ral que enarbola a la Carta Magna como documento expresivo del pacto constituyente que sintetiza los aspectos importantes que una sociedad re- 240 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 quiere para su ordenación y transformación: Las constituciones son claramente hoy una pieza cultural (…) no es solo texto jurídico o sistema normativo de regula- ción, sino expresión de un estado de desarrollo cultural (…), reflejo del patrimonio cultural de un pueblo y fundamento de sus esperanzas (…) son hoy, como quizás nunca anterior- mente, su tiempo expresado en ideas, el foro de la sociedad abierta, en el que discuten y se deciden cuestiones contem- poráneas. (…) Una Constitución que no solo estructura al Es- tado en sentido estricto, sino también al espacio público (…).26 De esa tesitura, emerge una concepción axiológica de constitución que refrenda como normas de aplicación directa una malla de principios, valores y fines que le diagraman un techo ideológico: (…) esas constituciones se caracterizan por su pretensión de establecer no solo el modo de ser jurídico del Estado, sino de toda la sociedad, por dotar de una determinada orientación el ordenamiento en su conjunto, tanto en lo que se refiere al derecho público como al derecho privado, con la consecuen- cia de que por ellas pasan “todos los hilos del derecho”. (Esa) pretensión de “orientar” de una determinada manera el de- recho en su conjunto, hace que las normas de la constitución contengan no solo reglas, sino también principios y valores, mandatos al legislador, imposición de fines (...).27 La constitución se proyecta entonces con una función invasiva, he- gemónica, instrumental, que permea el ámbito público y privado a partir del arco de reglas y principios que refrenda, ejerciendo una supremacía formal y sustancial que garantiza a través de vías procesales nacionales e internacionales de justicia constitucional: supone que no hay un problema medianamente serio que no encuentre respuesta o, cuando menos, orien- tación de sentido en la constitución.28 Como se infiere del análisis realizado, hay un núcleo vital invariable en la misión de la constitución, pero no existe una concepción unívoca. La definición que se establezca de una constitución se relaciona con la comprensión que se tenga de ésta, con el entendimiento de qué es y cuáles son sus roles.

4. EPÍLOGO A tenor del análisis anterior, respondo la interrogante que deje plan- Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 241 teada al cierre del epígrafe primero: ¿dónde se coloca el constitucionalis- mo mexicano actual en la línea del tiempo del derecho constitucional? Considero que el constitucionalismo mexicano quedó varado, for- malmente, en el modelo de constitución social. Señalo formalmente, por- que un constitucionalismo social material evitaría la existencia de 55.3 millones de pobres (el 46.2% de la población) que la Comisión Nacional de Evaluación de la Política de Desarrollo Social (CONEVAL) reportó que existían en México en el 2015 (última cifra oficial que brinda este organis- mo), dato que significa que México fue uno de los tres países de América Latina cuyos índices de pobreza aumentaron en lo últimos años, según la Comisión Económica para América Latina y el Caribe (Cepal).29 Este modelo constitucional del cual fue precursor México como se mencionó, puja con una concepción liberal y racional normativa. Lo evi- dencia la manera en que se enuncia a la constitución por un sector predo- minante de la academia: la Constitución (…) se refiere a la manera en que están arre- glados u organizados los principios y los órganos públicos de un Estado (…) es la ley fundamental de dicho Estado, piedra de toque del orden jurídico e instrumento que define el ser político de un país (…) el orden jurídico tiene en la Consti- tución su grado supremo y a su vez su principio de unidad (…) para el orden estatal es también imprescindible la Cons- titución puesto que el Estado es una unidad de poder que actúa mediante el despliegue de tal poder (…).30 Esa “alma bipolar” liberal-social, estuvo desde un inicio en la Cons- titución de Querétaro.31 La veta liberal, excluyó al pueblo del ejercicio del poder político, enajeno la soberanía en los representantes, diseño una for- ma de gobierno hiperpresidencial ajena a controles efectivos, y propugnó una práctica del poder contramayoritaría. La arista social, refrendó de- rechos sociales, impulso al control de los recursos estratégicos del país, y desarrolló políticas públicas asistenciales. Cien años después, la constitu- ción continúa expresando ese rostro de Jano, pero en la práctica existe un ejercicio elitista del poder político con niveles desvergonzados de corrup- ción, el Estado social se ha desmontado mediante políticas liberales, y la desigualdad económica es la más grande América Latina, ya que el 10% de las familias posee las 2/3 partes de los activos físicos y financieros del país y obtiene el 50% del ingreso nacional, el 1% ostena el 33% de la riqueza.32 242 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

Discrepo de la tesis eufórica de algunos autores que sostienen que la Constitución de 1917 ha acogido los postulados del neoconstituciona- lismo,33 aunque admito que existen varios aspectos de esta estirpe que se han introducido en los últimos años, modernizando significativamente al texto. Ellos son: 1) proyección de la Suprema Corte de Justicia de la nación como órgano de control de constitucionalidad, mediante la reforma de di- ciembre de 1994; 2) fortalecimiento de la justicia constitucional con la in- troducción del control de convencionalidad en el 2010, a tenor del cual los jueces de instancia se obligaron a efectuar el contraste del ordenamiento jurídico nacional con los postulados en derechos humanos de la Constitu- ción, la Convención Americana de Derechos Humanos, y la interpretación que a su tenor ha realizado la Corte Interamericana de Derechos Humano en sus sentencias y opiniones consultivas; 3) diversificación de los instru- mentos procesales de garantía de la constitución: i) mediante la reforma aducida de 1994, se amplió el rango de las controversias constitucionales y se creó la acción de constitucionalidad, ii) con la promulgación de la Ley de Amparo en abril del 2013, se incrementó el ámbito de protección al incluir a todos los derechos humanos contenidos en la Constitución y los tratados internacionales, se ensanchó la procedencia del juicio al con- templar que la acción lesiva puede provenir de normas, actos y omisiones que vulneren derechos subjetivos o afecten el interés legítimo, y se refren- dó el amparo colectivo; 4) cambio de paradigma en los derechos con la reforma de junio del 2011, que implicó: i) renombre del título primero de la constitución adoptándose la categoría de derechos humanos, ii) rango constitucional de los tratados internacionales de derechos humanos, iii) prohibición de restricción o suspensión de los derechos, a la vez que se mandata su interpretación acorde a los principios de universalidad, in- terdependencia, indivisibilidad y progresividad; 5) apertura internacional de la constitución al contemplar la conexión con el derecho internacional de los derechos humanos; 6) fundamentación axiológica de los derechos humanos al proscribir toda discriminación atentatoria a la dignidad hu- mana; 7) indicación a los jueces para una interpretación de los derechos acorde a las pautas mencionadas. Coincido con lo planteado por autores críticos de que la clave defini- tiva de un Estado constitucional no estriba, únicamente, en que se intro- duzcan cambios en la letra de la constitución, sino que ésta se convierta Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 243 efectivamente en canon de la actuación política y jurisdiccional, en pará- metro de la vida social.34 La Constitución de Querétaro arribo a sus cien años y eso es motivo de jolgorio, empero, la conmemoración advino en un momento de crisis estructural del sistema político, determinado por la incapacidad del Esta- do para cumplir algunas de sus funciones básicas, la desconfianza social hacia el gobierno, y la percepción de deslegitimación moral de la clase política. Por ello, parejo a la celebración y lo cantos gloriosos, debió efec- tuarse, una reflexión crítica sobre el futuro de la nación mexicana, el valor de la Constitución como documento de todos los ciudadanos, y su papel transformador de la sociedad.

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Notes 1 En Europa se destacan las siguientes constituciones longevas: San Marino (1600), Bélgi- ca (1831), Luxemburgo (1868), Holanda (1814), Noruega (1814), Austria (1920), Liechtenstein (1921). En América Latina, descontando al texto mexicano, la constitución más antigua es la de Costa Rica de 1949. 2 Centenario 1917 – 2017, Constitución Política de los Estados Unidos Mexicanos, Gobier- no de la República, Cámara de Diputados, Senado de la República, Suprema Corte, (consultado el 22 de febrero de 2016), disponible en: http://constitucion1917.gob.mx/#newcomment Estados Unidos Mexicanos, Evolución de la Constitución Política de los Estados Unidos 3 Son los artículos: 8 (derecho de petición), 9 (derecho de asociación), 12 (prohibición de títulos nobiliarios), 13 (prohibición de leyes privativas de libertad y tribunales especiales), 23 (prohibición de juzgar dos veces por la misma causa), 38 (causales de la suspensión de dere- chos), 39 (soberanía popular), 47 (extensión del estado de Nayarit), 50 (integración del poder legislativo), 57 (elección de suplente por senador), 64 (suspensión de dieta a los legisladores por inasistencia a sesiones de la cámara), 68 (residencia de las cámaras), 80 (integración del poder ejecutivo), 81 (elección del presidente), 86 (renuncia del presidente), 91 (requisitos para ser se- cretario de estado), 118 (prohibiciones de las entidades federativas), 126 (principio de legalidad Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 247

presupuestaria), 128 (protesta de los funcionarios públicos), 129 (límites de la autoridad militar en tiempos de paz), 132 (propiedad de los poderes federales) y 136 (inviolabilidad de la constitu- ción). 4 Otros preceptos constitucionales que han tenido más de diez reformas son los siguientes artículos: el 116 (poderes estaduales) y el 122 (Distrito Federal) con trece cambios; el 4to (igual- dad entre hombre y mujer, derecho a la alimentación, salud, medio ambiente, agua, vivienda, cultura, deporte, e interés superior del menor) con catorce reformas; los artículos 76 (facultades del Senado), 79 (fiscalización superior de la Federación), y 115 (municipios, gobierno local, ser- vicios municipales) con quince enmiendas; el 107 (juicio de amparo) con dieciséis cambios; el 74 (facultades de la Cámara de Diputados) con diecisiete mutaciones; y el artículo 89 (facultades del Presiente) con dieciocho transformaciones. 5 Burgos García, Enrique, (Senador de la República, Presidente de la Comisión de Puntos Constitucionales durante las Legislaturas LXII y LXIII del Congreso de la Unión), La evolución constitucional en el México del siglo XX, (consultad 15 de febrero de 2017) disponible en https:// archivos.juridicas.unam.mx/www/bjv/libros/9/4321/7.pdf. El tono de estos comentarios se ob- serva en la mayoría de los artículos escritos durante los últimos meses sobre el Centenario, y fue el acento dominante de las intervenciones efectuadas en el XIII Congreso Iberoamericano de Derecho Constitucional celebrado entre el 1ro y el 3 de febrero del 2017, en conmemoración a la Constitución de Querétaro, organizado por el Instituto Iberoamericano de Derecho Constitucional y el Instituto de Investigaciones Jurídicas de la UNAM. 6 Fix Zamudio, Héctor y Valencia Carmona, Salvador, Derecho Constitucional Mexicano y Comparado, pp. 110-116. 7 “La Centenaria constitución mexicana en el entorno del constitucionalismo Latinoamericano” pp. 293-319. “La Carta Magna mexicana en su centenario y el constitucionalismo Latinoamericano. Notas de un estudio comparado”, pp. 143-170 8 Sobre las características del nuevo constitucionalismo latinoamericano ver Viciano Pastor, Roberto y Martínez Dalmau, Rubén, “El nuevo constitucionalismo latinoamericano: fundamentos para una construcción doctrinal”, pp. 1-24. Viciano Pastor, Roberto y Martínez Dalmau, Rubén, “Los procesos constituyentes latinoamericanos y el nuevo paradigma constitucional”, pp. 7-11. Villabella Armengol, Carlos Manuel, Nuevo constitucionalismo Latinoamericano ¿Un nuevo paradigma?. 9 La Ilustración iniciada en el siglo XVII fue un movimiento cosmopolita y heterogéneo de tendencias renovadoras en los diferentes saberes, que combatió al oscurantismo escolástico. Se sus- tentó en los descubrimientos científicos de la época, el renacimiento del humanismo y el empleo del método racionalista. De su entorno emergieron novedosas ideas políticas que proporcionaron savia ideológica a la revolución burguesa. Las teorías de los derechos naturales, el contrato social, la sobera- nía nacional y la tripartición de poderes, enarboladas por Hobbes, Locke, Montesquieu y Rousseau, explicaron desde nuevas perspectivas el surgimiento del Estado, la legitimidad del poder político, y la existencia de derechos. 10 Esta visión se constata en la Constitución norteamericana que de manera grandilocuente plan- tea en su preámbulo: NOSOTROS, el Pueblo de los Estados Unidos, a fin de formar una Unión más perfecta, establecer justicia, afirmar la tranquilidad interior, proveer la defensa común, promover el bienestar general y asegurar para nosotros mismos y para nuestros descendientes los benefi- cios de la libertad, estatuimos y sancionamos esta Constitución. Constitución de los Estados Unidos de América, (consultado 12 de febrero de 2008), disponible en: http://constitucion. rediris.es/Princip.html 11 García Pelayo, Manuel., Derecho Constitucional Comparado, p. 29. 12 La denominación fue empleada en 1813 por Carl Th. Welker, aunque su difusión se alcanzó en 1829 por la obra de Rober von Mohl Das Staatsrecht des Königreiches Württem- berg. 13 De Carreras, Francesc, El Estado de Derecho como sistema, p. 21. 14 Javier Corvera, Francisco, “El constitucionalismo de entreguerras: la racionalización del poder y sus límites”, pp. 55-79. Mirkine-Guetzevitch, Boris, Modernas tendencias del 248 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

Derecho Constitucional. 15 García Pelayo, Manuel, Las transformaciones del Estado contemporáneo, pp. 17 y 19. 16 García Herrera, Miguel Ángel, “El fin del estado social”, p. 134. 17 El primer antecedente de regulación constitucional de principios y derechos sociales se encuentra en la Constitución francesa de 1791 que proclamó un sistema general de be- neficencia pública y de educación pública gratuita. Este pronunciamiento se retomó en el texto de 1793 que proclamó los derechos de los ciudadanos a las prestaciones en materia de trabajo, asistencia e instrucción. Posteriormente, la constitución francesa de 1848 reconoció en el Preámbulo a la familia y el trabajo como fundamento de la sociedad e hizo referencia al trabajo, la asistencia y la educación. 18 Pozzolo, Susanna, “Neoconstitucionalismo y especificidad de la interpretación consti- tucional”, pp. 339 y ss. 19 Ferrajoli, Luigi, “Sobre los derechos fundamentales”, p. 71. Atienza, Manuel, El senti- do del Derecho, p. 309. Comanducci, Paolo, “Formas de (neo)constitucionalismo: un reco- nocimiento metateórico”, pp. 85 y ss. 20 Pozzolo, Susanna, “Un constitucionalismo ambiguo”, pp. 192, 199. 21 Barrera, Paulina (Coord.), Temas y tendencias del constitucionalismo contemporá- neo, pp. 2 y ss. 22 Guastini, Ricardo, “Sobre el concepto de Constitución”, pp. 162 y ss. 23 García Pelayo, Manuel, Derecho Constitucional Comparado, p. 34. 24 Los puntos basilares de esta concepción eran los siguientes: la norma jurídica es una creación del poder soberano constituido, nota suficiente para definirlo (tesis conceptual); su validez está condicionada porque en el proceso de creación se sigan las pautas procesales pactadas (tesis procedimental); su legitimidad no depende del valor moral o del sentido de justicia de sus contenidos sino de su vigencia como norma jurídica (tesis de validez); el derecho es un fenómeno histórico, por lo que no tiene sentido procurar una fundamenta- ción universal, solo es contrastable lo que la norma plantea, buscar una esencia más allá de la semántica jurídica es especulativo (tesis epistemológica); las instituciones jurídicas solo tienen sentido a partir de su definición y codificación (tesis descriptiva). 25 Kelsen, Hans, “Los juicios de valor en la Ciencia”, p. 244. 26 Häberle, Peter, Retos del Estado constitucional, pp. 137 y 157. 27 Aragón Reyes, Manuel, “Dos problemas falsos y uno verdadero: »neoconstitucionalis- mo», »garantismo y aplicación judicial de la constitución”, pp. 21-22. 28 Prieto Sanchís, Luis, “Neoconstitucionalismo y ponderación judicial”, p. 216. 29 Comisión Nacional de Evaluación de la Política de Desarrollo Social, (consultado 14 de marzo de 2017), disponible en: http://www.coneval.org.mx/Medicion/Paginas/Po- brezaInicio.aspx. Comisión Económica para América Latina, (consultado 14 de marzo de 2017) disponible en: http://www.cepal.org/es 30 Fix-Zamudio, Héctor y Valencia Carmona, Salvador, Derecho Constitucional Mexica- no y Comprado, pp. 51-53. 31 Rabasa, Emilio, “Historia de las constituciones mexicanas”, pp. 371 y ss. 32 Informe Panorama social del América Latina 2016, Comisión Económica para Amé- rica Latina y el Caribe, consultado 15 de julio de 2017, disponible en: http://www.cepal.org/ es/publicaciones/41598-panorama-social-america-latina-2016-documento-informativo 33 Ver Salcedo Flores, Antonio, “El neoconstitucionalismo en México”, pp. 507-530. Du- rán Pérez, Ángel y Ramos Vázquez, Eréndira, “La reforma constitucional de derechos hu- manos como fruto del neoconstitucionalismo y como paradigma del fortalecimiento de la democracia”, pp.171-196. 34 Cárdenas Gracia, Jaime, “Un cambio en la cultura jurídica nacional”, pp. 295-334. Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez Argumenta 2017 Journal249 Law Felipe da Costa Lima MOURA1 n. 27 p. 249-270 Fábio Túlio BARROSO2 jul/dez 2017

Como citar este artigo: O NOVO MODELO DE MOURA, Felipe, BARROSO, Fábio. NEGOCIAÇÃO COLETIVA O novo modelo de negociação coletiva implementada pela IMPLEMENTADA PELA reforma trabalhista: um retrocesso ao REFORMA TRABALHISTA: constitucionalismo social?. Argumenta UM RETROCESSO AO Journal Law, Jacarezinho – PR, CONSTITUCIONALISMO Brasil, n. 27. p. 245-266. Data da submissão: SOCIAL? 29/09/2017 THE NOVEL MODEL OF COLLECTIVE BARGAINING Data da aprovação: IMPLEMENTED BY THE LABOR REFORM: IS IT A 05/12/2017 REGRESSION TO SOCIAL CONSTITUCIONALISM? EL NUEVO MODELO DE NEGOCIACIÓN COLECTIVA IMPLEMENTADA POR LA REFORMA TRABAJADOR: UN RETROCESO AL CONSTITUCIONALISMO SOCIAL?

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Da constitucionalização dos Direitos Trabalhistas no Brasil; 3. A função das Nego- ciações Coletivas sob a interpretação constitucional; 4. As Negociações Coletivas sob à égide da Reforma Trabalhista; 5. Conclusão; Referências.

RESUMO: A par da crise política e econômica enfrenta- da atualmente pelo Brasil, verificamos reformas que visam permear os direitos trabalhistas na sua indis- ponibilidade, principalmente após a aprovação da Lei nº 13.467 de 2017, de 13 de julho de 2017, que implementou uma alteração substancial à Consolida- 1. Faculdade Escritor ção das Leis do Trabalho - CLT, notadamente no que Osman da Costa Lins - Brasil se refere às negociações coletivas e a possibilidade de 2. Universidade disponibilidade de direitos por meio de convenção e Católica de Pernambuco – acordo coletivo do trabalho. Tem-se a possibilidade UNICAP - Brasil 250 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 de flexibilização de direitos, como o percentual de insalubridade, redu- ção do intervalo intrajornada, adesão ao programa Seguro-Desemprego, dentre outros previstos no art. 611-A da CLT. Esta reforma por certo é paradigmática sobre esta possibilidade de flexibilização das condições de trabalho, que até então pela interpretação constitucional, estava adstrita às hipóteses de redução salarial temporária, alteração de número de horas em trabalho em turnos ininterruptos de revezamento e da compensação de jornada. Deste modo, busca-se realizar uma pesquisa bibliográfica, comparativa no tocante ao texto anterior à reforma e o da lei nº 13.467/17, ambos tendo como base o diploma constitucional e as normas interna- cionais com vigência no país, pelo método dedutivo, para verificar se as modificações implementadas com a sobredita reforma, no que se refere as negociações coletivas, significam um retrocesso ao constitucionalismo social, que no Brasil teve seu marco na primeira metade do século XX.

ABSTRACT: In addition to the political and economic crisis currently faced by Brazil, we have seen reforms that seek to permeate labor rights in their unavailability, especially after the approval of Law 13467 of July 13, 2017, which implemented a substantial change to the Consolidation of Labor Law - CLT, notably with regard to collective bargaining and the possibility of availability of rights through collective bargaining and labor agreement. There is the possibility of flexibilization of rights, such as the percentage of unhealthiness, reduction of the intrajornada interval, adherence to the Unemployment Insurance program, among others provided in art. 611- A from CLT. This reform is certainly paradigmatic of this possibility of flexibilization of working conditions, which until then by the constitu- tional interpretation, was attached to the hypotheses of temporary wage reduction, change in the number of working hours in uninterrupted shifts of shift and day compensation. Thus, a bibliographical research is carried out, comparing the text before the reform and that of Law 13467/17, both based on the constitutional diploma and the international norms valid in the country, by the deductive method, to verify if the modifications imple- mented with the aforementioned reform, with regard to collective bargai- ning, mean a retrocession to social constitutionalism, which in Brazil had its mark in the first half of the twentieth century. Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 251

RESUMEN: A la par de la crisis política y económica enfrentada actualmente por Brasil, verificamos reformas que visan impregnar los derechos laborales en su indisponibilidad, principalmente después de la aprobación de la Ley nº 13.467 de 2017, de 13 de julio de 2017, que implementó una alteración sustancial a la Consolidación de las normas Leyes del Trabajo - CLT, es- pecialmente en lo que se refiere a las negociaciones colectivas y la posibi- lidad de disponibilidad de derechos por medio de convención y acuerdo colectivo del trabajo. Se tiene la posibilidad de flexibilización de derechos, como el porcentaje de insalubridad, reducción del intervalo intrajorna- do, adhesión al programa Seguro-Desempleo, entre otros previstos en el art. 611-A de la CLT. Esta reforma por cierto es paradigmática sobre esta posibilidad de flexibilización de las condiciones de trabajo, que hasta en- tonces por la interpretación constitucional, estaba adscrita a las hipótesis de reducción salarial temporal, alteración del número de horas en trabajo en turnos ininterrumpidos de relevo y de la compensación de jornada. De este modo, se busca realizar una investigación bibliográfica, comparativa en lo referente al texto anterior a la reforma y el de la ley nº 13.467 / 17, ambos teniendo como base el diploma constitucional y las normas inter- nacionales con vigencia en el país, por el método deductivo, para verificar si las modificaciones implementadas con la sobredita reforma, en lo que se refiere a las negociaciones colectivas, significan un retroceso al consti- tucionalismo social, que en Brasil tuvo su marco en la primera mitad del siglo XX.

PALAVRAS-CHAVE: Reforma trabalhista. Negociado x legislado. Privatização do Direito do Trabalho. Retrocesso social.

KEYWORDS: Labor reform. Negotiated x legislated. Privatization of Labor Law. Social regression.

PALABRAS CLAVE: Reforma laboral. Negociado x legislado. Privatización del Derecho del Trabajo. Retroceso social. 252 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

1. INTRODUÇÃO O movimento de Constitucionalização dos Direitos Trabalhistas no Brasil, que teve início com a Constituição de 1934 e que foi consolidada com a Constituição de 1988, trouxe ao arcabouço constitucional a eleva- ção dos direitos trabalhistas ao nível de direito fundamental, e, portanto, de direito indisponível. A constituição de 1988 além de ter reconhecido as negociações cole- tivas como instrumento que vise garantir melhores condições ao trabalha- dor, previu algumas exceções em que estariam autorizadas a possibilidade de, por meio destas, disponibilizar direitos, restringindo-se as hipóteses de redução salarial temporária, alteração de número de horas em trabalho em turno ininterrupto e da compensação de jornada. No suposto desidrato de reduzir o índice de desemprego e ampliar as possibilidades para a empregabilidade, tomou-se como urgência a apro- vação de uma reforma trabalhista no país. Não a toa que do projeto de lei decorrente do Poder Executivo, aparentemente tímido que chegou à Câmara dos Deputados, recebeu dezenas de emendas, ampliando para mais de cem dispositivos alterados na Consolidação das Leis do Trabalho, tramitando em regime de urgência nesta casa e na sua revisora, no Sena- do da República, sancionada sem vetos a nº Lei 13.467 de 2017, em 13 de julho de 2017, que implementou uma reforma substancial à estrutura das normas trabalhistas no pais, notadamente no que se refere às Negociações Coletivas e a possibilidade de disponibilidade de direitos até então repre- sentados por meio de convenção e acordo coletivo do trabalho. Com a vigência da Reforma Trabalhista, as negociações coletivas passarão a prevalecer sobre o conteúdo normativo trabalhista ordinário, quando dispuser sobre jornada de trabalho, banco de horas, insalubrida- de, entre outros direitos elencados nos incisos do art. 611-A. Em que pese tenha Reforma Trabalhista limitado os direitos que possam ser objetos de negociação coletiva, verifica-se, na prática, o início de um retrocesso ao constitucionalismo social, que teve início no século XX com a Constitui- ção do México de 1917. A diminuição de direitos constitucionalmente garantidos, por meio de acordo e convenção coletiva, poderão acarretar uma reforma paradig- mática sobre a possibilidade de flexibilização das condições de trabalho. Neste sentir, a implementação do modelo de prevalência da autonomia Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 253 coletiva sobre o legislado, pela Reforma Trabalhista, merece uma reflexão à luz do constitucionalismo social, sobretudo, coma a análise do movi- mento de constitucionalização dos direitos trabalhistas no Brasil, o re- gime trabalhista anterior e posterior a Reforma Trabalhista, de modo a verifica se o novo modelo implementado implica no retrocesso ao consti- tucionalismo social. As normas autônomas coletivas poderão a partir de novembro de 2017 ampliar o conteúdo normativo negocial, desde a forma do controle de jornada até a definição do percentual da insalubridade, passando pela possibilidade da redução do descanso intrajornada, dentre outras possibi- lidades presentes no art. 611-A criado pela referida lei reformista. Tais modificações não são limitadoras da atividade sindical, apenas transbordam o conteúdo mínimo de representatividade designado às en- tidades sindicais de base nas suas funções representativas negociais pre- sentes na carta maior. Deste modo, busca-se realizar uma pesquisa bibliográfica, pelo mé- todo dedutivo, para verificar se as modificações implementadas com a -so bredita reforma, no que se refere as negociações coletivas, significam um retrocesso ao constitucionalismo social, que no Brasil teve seu marco na constituição de 1934.

2. DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS TRABA- LHISTAS NO BRASIL De início, necessário se faz demonstrar alguns relatos históricos que levaram a passagem do Estado Liberal ao Estado Social no que tange à legislação do trabalho, de modo a demonstrar a importância das conquis- tas sociais dos trabalhadores, que ao longo da constitucionalização dos direitos trabalhistas serviram como alicerce à garantia da dignidade da pessoa humana. A agora centenária constituição Mexicana de 1917, à época, cuidou em dar tratamento normativo constitucional à matéria social, sendo con- siderada a grande percussora do constitucionalismo social. Naquela épo- ca, verificava-se que o modelo de Estado liberal estava defasado, trazendo à baila as discursões sobre a atuação positiva do Estado na promoção da igualdade social. É exatamente nesse cenário que são promulgadas duas constituições eminentemente sociais, sendo a primeira a Constituição 254 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

Mexicana de 1917, e, a segunda a constituição de Weimar de 1919, a qual, diga-se de passagem, teve como precedente à primeira. No Brasil, a Constituição de 1934 inaugurou o teor social dos novos direitos, revelando-se totalmente sensível às comoções ideológicas que tanto abalavam os povos Ocidentais. O domínio das garantias individuais, consagrados por esta Constituição, produziu uma inovação extraordiná- ria, especialmente com o acolhimento do mandado de segurança. Este instituto consagraria, no texto constitucional, a elevação de novas ideias que iriam impor a restruturação do Estado e imposição da reforma social (BONAVIDES, 1991, p. 322 e 323). A constituição de 16 de julho de 1934 funda juridicamente no País uma reforma de Estado social que a Alemanha esta- belecera com Bismarck há mais de um século, aperfeiçoara com Preuss (Weimar) e finalmente iria proclamar com sole- nidade textual em dois artigos da Lei Fundamental de Bonn, de 1949, cunhando a célebre fórmula do chamado Estado social de direito, matéria de tanta controvérsia nas regiões da doutrina, da jurisprudência e da aplicação hermenêutica (BONAVIDES, 1991, p.325) Além disso, segundo o mesmo autor, a Constituição de 1934 elevou ao status constitucional alguns direitos trabalhistas: jornada de oito horas, repouso semana, salário mínimo, pluralidade sindical, indenização por dispensa imotivada, as férias anuais remuneradas, assistência médica e sa- nitária ao operário, regulamentação de todas as profissões e à gestante e o reconhecimento das convenções coletivas de trabalho. Todos os referidos direitos encontravam-se insculpidos no art. 121 da citada constituição, os quais eram tidos como preceitos fundamentais para a criação de outros direitos trabalhistas. Não obstante tenha a Constituição de 1934 sido muito relevante, sob o aspecto social, esta não seria apta a conferir a origem do Direito Cons- titucional no Brasil, isso muito pela falta de complexidade e extensão de matérias e de métodos próprios de estruturação (DELGADO, 2014, p. 62). Com o golpe de 1937, houve a imposição de uma constituição ou- torgada, que, por sua vez, passou a considerar que os sindicatos exerciam funções delegadas do poder público, acarretando uma afronta a liberdade sindical disposta na constituição antecedente. Neste panorama os sindica- tos assumiam funções meramente assistencialistas. Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 255

A constituição de 1946 reconhece largas conquistas sociais, seja quando reconhece o direito a greve, seja quando assegura o salário míni- mo, a participação direta e obrigatória nos lucros da empresa ou o repou- so semanal remunerado. “Com efeito, era aquela Carta digna de aplausos e simpatias, deveras entranhados por haver sido a Constituição que o gol- pe de Estado fulminaria, a Constituição sacrificada, pela outorga de 1937 (BONAVIDES, 1991, p. 421)”. A constituição de 1967 trouxe quase nenhuma inovação. A novidade ficou a cargo da redução (de 14 para 12 anos) de idade mínima para in- gresso do adolescente no mercado de trabalho. A Constituição de 1988 cuidou em promover os direitos sociais, so- bretudo os direitos trabalhistas, à categoria de mínimo essencial, como uma forma de reconhecer as conquistas antecedentes do constituciona- lismo social. A elevação dos direitos trabalhistas à direitos fundamentais, funcionou como uma pretensão de definir o país como República De- mocrática, fundada no trabalho como valor e fixar normas de conduta que visassem amoldar como o poder público deveria atuar em relação as forças produtivas (GEMINGNANI, 2014, p. 31). Com o surgimento da constituição de 1988 é que pode-se falar, cien- tificamente, no surgimento do Direito Constitucional do Trabalho no país. Sobre esse prisma, Maurício Godinho Delgado (2014, p. 62) enume- ra alguns aspectos que conduzem à essa conclusão. Entre os aspectos prelecionados por Godinho (2014, p.62/63), cabe destacar alguns que, para o objeto deste estudo, revelam-se importantes. De Início, argumenta que a Constituição da República de 1988 edificou uma “arquitetura conceitual matriz” sobre o Estado Democrático de Direi- to, no qual o Direito do Trabalho possui um papel importante na confor- mação dos seus principais fundamentos: a dignidade da pessoa humana, inclusão social e política. Ainda sobre o tema, destaca que a Constituição da República possui diversos princípios gerais que seriam incompreen- síveis se interpretados sem a referência ao Direito do Trabalho, à exem- plo do princípio da valorização do trabalho e emprego, da vedação do retrocesso social, da não discriminação, da dignidade da pessoa humana, entre outros. Ademais, a Lei Magna insculpiu em seu texto os principais princípios próprios do Direito Individual e Coletivo do Trabalho, como por exemplo, o da proteção; o da norma mais favorável ao trabalhador, 256 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 o da imperatividade das normas trabalhistas; o da indisponibilidade dos direitos trabalhistas; irredutibilidade salarial; primazia da realidade; o da continuidade das relações de emprego; o da liberdade associativa, o da autonomia sindical, o da adequação setorial negociada; o da transparência e lealdade na negociação coletiva, entre outros. Igualmente, coube a Constituição da República de 1988 incorporar mais de 3 dezenas de direitos individuais, coletivos e sociais trabalhistas, como também promover novo status as regras internacionais, pela incor- poração de importantes princípios regras internacionais de várias con- venções da OIT e regular a estruturação da Justiça do Trabalho. Por esses argumentos, tem-se que o Direito Constitucional do Trabalho tem seu marco na Constituição de 05 de outubro de 1988, isso do ponto de vista histórico e científico (DELGADO, 2014, p. 64) Como se vê, a constitucionalização do direito do trabalho, que não obstante tenha dado seus primeiros passos na Constituição de 1934, esta apenas se estruturou em nível constitucional em 1988 com a Carta Cida- dã (CR/88). A partir desse momento pudemos verificar a edificação de direitos trabalhistas como direitos fundamentais, inaugurando o Direito Constitucional do Trabalho, o qual se revelou como o fruto das lutas ope- rárias.

3. A FUNÇÃO DAS NEGOCIAÇÕES COLETIVAS SOB A IN- TERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL A negociação coletiva revela-se uma das principais formas de solu- ção de conflitos reconhecida pelo texto constitucional brasileiro, sendo reconhecida como um instrumento de Autocomposição. Por meio deste instrumento cabe às partes (sindicato patronal e profissional) negociarem autonomamente e respectivamente as condições de trabalho, com vistas à melhoria das condições sociais dispostas na carta constitucional, sempre se levando em conta a adaptação das condições de trabalho à realidade local da execução do trabalho. A negociação tem como objetivo a tomada de decisões que solucio- nem problemas ou estabeleçam condições de trabalho, que sejam comple- mentares a legislação e em algumas situações possam servir como parâ- metro para futuras legislações (RUPRECHT, 1995, p. 263). Há de se destacar que a negociação coletiva não pode ser confundida Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 257 com o seu resultado, que é a formalização dos chamados contratos cole- tivos de trabalho. Para Alfredo Ruprecht (1995, p.270), o simples diálogo entre as partes com a troca de informações já caracteriza a Negociação Coletiva. O resultado da atividade negocial desempenhada pelas classes, operárias e empresariais, é materializado, na forma escrita, por meio de instrumentos coletivos, firmados entre sindicatos ou entre empresas e sindicatos, que recebem o nome de Convenção ou Acordo Coletivo de Trabalho. Este processo de solução de conflitos, como dissemos, recebe o nome de autocomposição. A autocomposição é caracterizada pela forma liberal que as partes envolvidas em um conflito de interesse possuem para solucioná-lo. Nesta forma de solução de conflito, inexiste a participação de um terceiro, seja ele público ou privado, de modo a indicar uma solução consensual, ou, até mesmo, informar os direitos aos litigantes (BARROSO, 2010a, p. 35) É uma forma autocompositiva estritamente democrática, no qual visa gerir os interesses econômicos e profissionais de extrema relevância social, não se confundindo com a renúncia nem com a submissão, pelo que esta modalidade de solução de conflito revela-se como uma concessão recíproca efetuada pelas partes por meio da transação (DELGADO, 2017, p. 189)1. Assim como o Direito Individual do trabalho é um dos mais clássicos e eficazes instrumentos de distribuição de rique- za, no plano da sociedade, criados no sistema capitalista, o Direito Coletivo do Trabalho é um dos mais significativos instrumentos de democratização social gerados na história desse mesmo sistema socioeconômico – e, no campo jusco- letivo a negociação cumpre papel exponencial (DELGADO, 2017, p. 192). Nos ensinamentos de Alfredo Ruprecht (1995, p. 284), a real origem dos contratos coletivos nasce das pressões que os trabalhadores devem exercer para superar os abusos cometidos pela classe empresária. A falta de paridade entre as partes negociantes também se revela como um fator impeditivo para puder considerar a via negociada como sendo a principal fonte de direito do trabalho. O exercício da negociação coletiva de trabalho leva a criação dos chamados contratos coletivos de trabalho, instrumento pelo qual as partes 258 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 fixam autonomamente normas que regulam suas próprias relações jurídi- cas. No sistema jus trabalhista brasileiro, os contratos coletivos de traba- lho são as convenções e os acordos coletivos de trabalho, conforme dispõe o art. 7º, inciso XXVI da Constituição da República de 1988 (GARCIA, 2015, p. 795). A CLT disciplina que a Convenção Coletiva é um acordo, de caráter normativo, no qual os sindicatos representativos de categorias econômi- cas e profissionais estabelecem, por meio de um instrumento particular (denominado Convenção Coletiva do Trabalho) que não carece de ho- mologação do Poder Público, condições de trabalho de direito individual aplicáveis no âmbito de suas respectivas representações2. Nos Acordos Coletivos do trabalho verifica-se um acordo entre os Sindicatos Profissio- nais e uma ou mais empresas. Trata-se de verdadeira fonte formal do Direito do Trabalho, por estabelecer normas genéricas e abstratas, a serem aplica- das no âmbito das relações individuais de trabalho abrangi- das pelos sindicatos representantes das respectivas categorias (GARCIA, 2015, 795). As negociações coletivas, no Brasil, apenas podem ser exercidas pe- los sindicatos, conforme inteligência do art. 8º, VI da Constituição da Re- pública, com exceção apenas da hipótese de negociação interna referentes a assuntos internos da empresa, caso em que os interessados poderão ne- gociar diretamente. A principal diferença conceitual entre os referidos instrumentos co- letivos reside na verificação das partes que irão participar da negociação coletiva, sendo a primeira (Convenção) o acordo entre os sindicatos (pro- fissional e patronal) e o segundo (Acordo) entre o sindicato e uma ou mais empresas. Outra diferença importante é quanto aos efeitos, “os do acordo coletivo são inter partes e os da convenção coletiva, erga omnes (BARRO- SO, 2010a, p. 218)”. A eficácia dos acordos coletivos possuem eficácia normativa apenas para as empresas que participaram da negociação coletiva e, consequen- temente, pactuou as condições coletivas previstas no instrumento. Assim, Fábio Túlio Barroso (2010b, p. 218) conclui que o que for estabelecido apenas terá eficácia para os contratos de trabalho existentes no âmbito empresarial, nas empresas que participaram das negociações e aceitaram Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 259 as condições estipuladas. Nos ensinamentos de Ruprecht (1995, p. 302-303) as convenções coletivas de trabalho3 se caracterizam por ser um acordo bilateral entre associações ou grupo coletivos com o objetivo de fixar condições de traba- lho que obriga a todos para os quais foi celebrada e terceiros não interve- nientes. Ainda, para o autor, a convenção coletiva não substitui o contrato individual do trabalho, faz nascer, apenas, normas gerais elaboradas para serem aplicadas a uma determinada categoria profissional. A convenção coletiva pressupõe da vontade de ambas as partes (ope- rária e empresarial) com o objetivo de defender a sociedade e a produção. A defesa da sociedade, para Ruprecht (1995, p.303), nasce da promoção e preservação da dignidade da pessoa humana, com vistas a evitar o abuso de poder do capital. A defesa da produção seria o processo de impedir os imensos prejuízos que possam decorrer dos distúrbios que possam incidir na produção. Os instrumentos internacionais expedidos pela Organização Inter- nacional do Trabalho, recomendam a utilização da negociação coletiva para a solução de conflitos dessa natureza. A convenção nº 163 da OIT, por exemplo, reconhece que a negociação coletiva deverá ser assegurada em qualquer nível sindical. Já a convenção nº 154 da OIT, ratificada pelo Brasil em 10 de julho de 1992 por meio do Decreto nº 1.256, declara que a negociação coletiva deverá ser pratica em todos os ramos da atividade econômica, inclusive no poder público, desde que observada a legislação de cada país. A Convenção de nº 98 da OIT, ratificada pelo Brasil em 27 de agosto de 1952 por meio do Decreto nº 49, incentiva aos países signa- tários estimularem a criação de novas condições de trabalho por meio das convenções coletivas (CASSAR, 2017, p. 1257). Como se verifica, a Organização Internacional do Trabalho enten- de que a Negociação Coletiva é a melhor forma de solução de conflito, recomendando a sua utilização para o fim de criar novas condições de trabalho a classe trabalhadora. Neste sentido, cabe interpretar que a prin- cipal função da negociação coletiva é a de gerar melhores condições de trabalho, de modo a reduzir desigualdades sociais e erradicar a pobreza. Com a promoção desta modalidade de contrato, verifica-se um des- locamento do contrato individual do trabalho como núcleo do Direito Trabalhista, passando o interesse da coletividade ser mais importante do 260 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 que o interesse individual. (RUPRECHT, 1995, p. 283). É justamente esse deslocamento, indivíduo – grupo, o responsável para que os trabalhadores possam impor pautas reivindicativas sobre melhores condições de traba- lho. O Instrumento coletivo negociado deveria servir como ferramenta de implementação de aportes de adequação e de lacunas substancialmen- te não estabelecidas na legislação laboral. Em que pese possamos nos filiar ao entendimento de que o os contratos coletivos devessem ser considera- dos como principal instrumento normativo, na realidade capitalista veri- fica-se apenas a prevalência da vontade empresária. Nos ensinamentos de Alfredo Ruprecht (1995, p. 284), a real origem dos contratos coletivos nasce das pressões que os trabalhadores devem exercer para superar os abusos cometidos pela classe empresária. A falta de paridade entre as partes negociantes também se revela como um fator impeditivo para puder considerar a via negociada como sendo a principal fonte de direito do trabalho. A igualdade absoluta das partes nas negociações coletivas torna-se utópica, na medida em que a força operária sempre será inferiorizada pelo poder do capital que detém a classe empresarial. Não obstante as negocia- ções coletivas devam servir como instrumentos de aproximação entre as classes (operária e empresária), na realidade social o que se verifica é uma imposição de condições econômicas que atendam aos interesses empresa- rias em detrimento a classe operária. A falta de paridade entre partes leva a fragilização da contratação individual, pelo fato de não exprimir o real interesse entre as partes, sendo substituída pela tendência sindical de propor a contratação por meio de instrumentos coletivos (RUPRECHT, 1995, p. 290). Entre as principais funções da negociação coletiva estão as de natu- reza normativa, obrigacional e compositiva. Por meio da negociação cole- tiva é possível estabelecer normas jurídicas aplicáveis aos contratos de tra- balhos que obrigam a todos que integram os grupos representados pelos sindicatos, como também, instituir regras que visam solucionar conflitos futuros. Da mesma forma, as negociações coletivas possuem função polí- tica, quando incentiva o diálogo na sociedade; econômica, quando estabe- lece a distribuição de riquezas; função social, pelo que indica a obtenção de harmonia no ambiente de trabalho, promovendo o progresso e a justiça Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 261 social (GARCIA, 2015, p. 794). Como dito, por meio da Negociação Coletiva é possível criar me- lhores condições aos trabalhadores, desde que mantenham incólumes os direitos mínimos civilizatórios previstos na Constituição da República, mais especificamente em seu art. 7º. Deve-se observar sempre a prática e a defesa dos direitos sociais, principalmente, a sua inviolável contextura formal, premissa esta que hoje é o pressuposto mais importante para dar eficácia a dignidade da pessoa humana, na ordem de uma República de- mocrática (BONAVIDES, 2004, p. 642). Sem a concretização dos direitos sociais não se poderá alcan- çar jamais “a Sociedade livre, justa e solidária”, contemplada constitucionalmente como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 3º). O mesmo tem pertinência com respeito à redução das desigualdades so- ciais, que é, ao mesmo passo, um princípio de ordem econô- mica e um dos objetivos fundamentais de nosso ordenamen- to republicano, qual consta respectivamente do art. 170, VII, e do sobredito art. 3º (BONAVIDES, 2004, p. 642). Entre os fundamentos (Art. 1º) da República Federativa do Brasil, estão a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, constituindo como objetivos fundamentais (art. 3) a construção da sociedade livre, justa e solidária, a garantia ao desenvol- vimento social, a erradicação a pobreza a marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais, e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Paulo Bonavides (2005, p, 642/643) de forma brilhante considera inexistir distinção de grau e de valor entre os direitos sociais e os direitos individuais. No que se refere a liberdade, na lição do renomado e citado autor, as garantias sociais correspondem a garantias individuais, na medi- da em que garantem ao individuo uma projeção moral. O sentido de pessoa humana encontra-se no centro humanístico so- cial da Constituição da República, sendo totalmente aplicável às negocia- ções coletivas. Neste sentido, é possível extrair conclusão de que não obs- tante tenha a negociação coletiva ostentado amplos poderes para negociar alguns direitos previstos na própria constituição, esta não estaria apta a, desconsiderando o caráter humanístico e sociais da própria constituição, 262 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 rebaixar o patamar mínimo de direitos individuais e sociais fundamentais dos direitos trabalhistas que estejam fixados, de forma imperativa, na or- dem jurídica brasileira (DELGADO, 2017, p. 208). Ao consideramos os direitos fundamentais trabalhistas dispostos no art. 7º da Constituição da República como integrante do rol dos direitos e garantia individuais, temos pela conclusão lógica e hermenêutica de que estes direitos “estão resguardados com cláusulas de imutabilidade e abso- lutamente inaptos a qualquer reforma (ALVARENGA, 2015, p. 54)”. Como dito, a negociação coletiva trabalhista consiste em importante ferramenta de democratização do poder e da riqueza, sendo um instru- mento importante para se buscar uma maior democratização e inclusão das pessoas na sociedade civil. Ao contrário disso, se a negociação coletiva for utilizada como fonte de diminuição dos direitos constitucionalmente garantidos, ela se encontrará desvirtuada ao seu próprio fim, e totalmente distante a função do direito coletivo do trabalho (DELGADO, 2017, p. 208)

4. AS NEGOCIAÇÕES COLETIVAS SOB À ÉGIDE DA REFOR- MA TRABALHISTA A Reforma Trabalhista modificou substancialmente o art. 611 da CLT implementando que a convenção coletiva e o acordo coletivo do tra- balho têm prevalência sobre a lei, notadamente quando dispuser sobre: I - pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais; II - banco de horas anual; III - intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas; IV - adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE), de que tra- ta a Lei no 13.189, de 19 de novembro de 2015; V - plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança; VI - regulamento empresarial; VII - representante dos trabalhadores no local de trabalho; VIII - teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho inter- Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 263

mitente; IX - remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual; X - modalidade de registro de jornada de trabalho; XI - troca do dia de feriado; XII - enquadramento do grau de insalubridade; XIII - prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho; XIV - prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventual- mente concedidos em programas de incentivo; XV - participação nos lucros ou resultados da empresa (BRASIL, 2017). Ainda, sobre o tema previu a Reforma que no exame da conven- ção ou do acordo coletivo do trabalho, a Justiça do Trabalho ficará adstri- ta, tão somente, ao aspecto formal do instrumento jurídico, não podendo se imiscuir sobre o conteúdo normativo4. O texto reformista previu, tam- bém, que o fato de inexistir, no instrumento coletivo, contrapartidas em favor do empregado não ensejará a sua nulidade, por não se caracterizar vício do negócio jurídico. Em que pese tenha o texto reformista consagrado que o poder judiciário só poderá verificar os aspectos formais das negociações coleti- vas, verifica-se um verdadeiro descompasso com os princípios gerais de Direito do Trabalho, notadamente o da Proteção, como também a regra disciplinada no art. 8º da CLT. Por meio deste dispositivo, a Justiça do Trabalho decidirá sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público, elevando a justiça do tra- balho ao seu principal papel de instrumento de efetividade de direitos trabalhistas. A reforma Trabalhista apenas preservou a imutabilidade, pela via negociada, dos seguintes direitos: I - normas de identificação profissional, inclusive as anota- ções na Carteira de Trabalho e Previdência Social; II - seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário; 264 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

III - valor dos depósitos mensais e da indenização rescisória do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS); IV - salário mínimo; V - valor nominal do décimo terceiro salário; VI - remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; VII - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa; VIII - salário-família; IX - repouso semanal remunerado; X - remuneração do serviço extraordinário superior, no mí- nimo, em 50% (cinquenta por cento) à do normal; XI - número de dias de férias devidas ao empregado; XII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal; XIII - licença-maternidade com a duração mínima de cento e vinte dias; XIV - licença-paternidade nos termos fixados em lei; XV - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei; XVI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei; XVII - normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Minis- tério do Trabalho; XVIII - adicional de remuneração para as atividades peno- sas, insalubres ou perigosas; XIX - aposentadoria; XX - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empre- gador; XXI - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os tra- balhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho; Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 265

XXII - proibição de qualquer discriminação no tocante a sa- lário e critérios de admissão do trabalhador com deficiência; XXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; XXIV - medidas de proteção legal de crianças e adolescentes; XXV - igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso; XXVI - liberdade de associação profissional ou sindical do trabalhador, inclusive o direito de não sofrer, sem sua expres- sa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho; XXVII - direito de greve, competindo aos trabalhadores de- cidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender; XXVIII - definição legal sobre os serviços ou atividades es- senciais e disposições legais sobre o atendimento das neces- sidades inadiáveis da comunidade em caso de greve; XXIX - tributos e outros créditos de terceiros; XXX - as disposições previstas nos arts. 373-A, 390, 392, 392-A, 394, 394-A, 395, 396 e 400 desta Consolidação (BRA- SIL, 2017). Verifica-se, também, da interpretação do texto reformista, que o rol de direitos que podem ser negociados por instrumento coletivo (e que prevalecerão sobre o legislado) foram apresentados de forma exemplifica- tiva, cabendo interpretação sobre a possibilidade de outros direitos pude- rem ser negociados e sobre a lei prevalecerão. De fato, em que pese tenha a lei disciplinado alguns exemplos de direitos que poderão ser modifica- dos, o que se exprime de maior relevância é o alcance interpretativo que o caput do art. 611-A pode chegar. Apenas para exemplificar, e tornar o presente texto mais elucidati- vo, peguemos como exemplo o enquadramento do grau de insalubridade, que antes encontrava no Ministério do Trabalho seu marco regulatório, a partir da vigência da lei nº 13.467 poderá ser negociado entre os sindi- 266 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 catos, que, por sua vez, poderão negociar sobre o percentual e o enqua- dramento das atividades que serão consideradas insalubres para efeito de recebimento dos respectivos adicionais. Na prática forense é possível verificar que em boa parte das relações de trabalho o direito ao adicional de insalubridade apenas é reconhecido pela via judicial, que após a produção de prova pericial (e constatada a ex- posição do trabalhador à agentes químicos, físicos ou biológicos), confere ao Reclamante o direito ao percebimento do adicional devido e previa- mente estabelecido o seu percentual por norma imperativa estatal, como instrumento de proteção à saúde e dignidade do trabalhador. Com a Reforma Trabalhista, este enquadramento sairá do controle do Ministério do Trabalho e passará a ser pauta de negociações coletivas entre os sindicatos patronais e profissionais, havendo uma desestrutura- ção de toda norma constitucional em seu sentido protetivo. Não é forçoso lembrar que o adicional de insalubridade tem previsão constitucional (art. 7º, XXIII), sendo o seu principal objetivo o de impedir a promoção de trabalhos nocivos que atentem a saúde e a dignidade do trabalhador. Outro exemplo que pode ser abordado é o intervalo de intrajornada, que após a Reforma, poderá ser objeto de negociação, desde que sejam respeitados o intervalo mínimo de 30 minutos para as jornadas que ex- cedam 6 (seis) horas. Como se vê, o intervalo intrajornada que deveria, conforme o art. 71 da CLT, ser de no mínimo 1 (uma) hora, poderá ser flexibilizado e, portanto, reduzido pela metade, por meio de negociação coletiva. Utilizando-se dos dois exemplos abordados, é possível verificar que a negociação coletiva, à égide da Reforma Trabalhista, tem por objetivo possibilitar a diminuição dos direitos trabalhistas constitucionalmente previstos. A prevalência do Negociado sobre o Legislado, na concepção abor- dada aqui neste trabalho, leva a uma modificação estrutural do funcio- nalismo sindical, sobretudo pelo fato dos sindicatos modificarem o seu papel como ente representativo para figurar apenas como ente composi- tivo. A esta mudança paradigmática, Fábio Túlio Barroso (2010b, p.212), classifica como Neocorporativismo. Como característica deste novo funcionalismo sindical, o citado Au- tor, indica o fato de que a negociação coletiva não se concretiza de forma Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 267 reivindicativa pelas entidades sindicais, mas sim, de forma compositiva com o estabelecimento de modelo de negociação tripartite, onde o Estado aparece como interlocutor propondo pautas de interesse estatal. Esta for- ma de negociação coletiva recebeu o reconhecimento legal com a vigência da lei 11.648 de 31 de março de 2008 que reconhece as centrais sindicais. Com aprovação açodada da Reforma Trabalhista, e o reconhecimen- to da superioridade das negociações sobre o conteúdo normativo, pode-se verificar uma desestruturação da disciplina jurídica laboral coletiva, so- bretudo no que se refere a função dos sindicatos, que, com a nova realida- de legal, passará a poder dispor sobre direitos trabalhistas. As negociações coletivas pressupõem a criação de um ambiente de aproximação das partes interessadas pelo compartilhamento de infor- mações, de modo a aproximar os trabalhadores na gestão e no poder de decisão das empresas, levando a manutenção de um bem-comum com a pacificação do bindômio capital-trabalho (RUPRECHT, 1995, p. 263). Como se não bastasse, a Reforma acrescentou uma nova alínea (alí- nea “f”) ao art. 652 da CLT, a qual com a sua vigência as varas do traba- lho passarão a decidir quanto à homologação de acordo extrajudicial em matéria de competência da Justiça do Trabalho, estabelecendo agora uma nova função a esta justiça especializada: a de órgão homologador. Como dito alhures, as modificações implementadas pelo texto refor- mador, além de ter empregado função dispositiva às negociações coleti- vas, esta acaba por desmantelar o real significado de existência da Justiça Especializada, que é de instrumento de efetividade do direito trabalhista.

5. CONCLUSÃO O Direito do Trabalho possui como objetivo principal o desenvolvi- mento social, a erradicação da pobreza e a promoção de paz social, não se revelando crível que estes princípios norteadores sejam disponibilizados por meio de convenção ou acordo coletivo. Os direitos trabalhistas, como todo direito fundamental, são irrenunciáveis. Com a vigência das modificações impostas pela Reforma Trabalhista poderemos verificar, na prática, o nascimento de uma nova função sindi- cal, além da representação de interesses albergada constitucionalmente, pois os sindicatos passam a ter a disponibilidade dos direitos que repre- sentam, em possível questionamento de constitucionalidade. 268 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

No processo de negociação coletiva não se verifica o funcionamento de sindicatos de forma autônoma (sem a imposição de pautas pelo Esta- do), e com estrutura técnico-jurídica que possa garantir paridade em uma mesa de negociações, especialmente quando o objeto desta for a disposi- ção de direitos trabalhistas. Fica claro que a perspectiva é de prevalência da autonomia da von- tade coletiva sobre o interesse público presente na legislação ordinária, pré-reforma, em corolário ao modelo neoliberal de relações laborais. Esta reforma por certo é paradigmática sobre esta possibilidade de flexibilização das condições de trabalho, que até então pela interpretação constitucional, estava adstrita às hipóteses de redução salarial temporária, alteração de número de horas em trabalho em turnos ininterruptos de revezamento e da compensação de jornada. Neste sentido, percebe-se um desvirtuamento das negociações co- letivas em seu principal objetivo, que é a de implementação de melhores condições aos trabalhadores, pelo que com a vigência da Reforma este instrumento autocompositivo passará a ser utilizado com o propósito de promover modificações in pejus ao trabalhador, nascendo um movimento de retrocesso ao constitucionalismo social. Esse movimento reformista parece querer constituir uma nova fun- ção às negociações coletivas, a de distribuição de despesas, movimento contrário ao constitucionalismo social que promovia a distribuição de riquezas e erradicação da pobreza. Como se verifica, em épocas de cri- ses econômicas a classe empresária terá em suas mãos um instrumento jurídico (que prevalece sobre a lei) que lhe possibilite diminuir os gastos com seu pessoal como forma de restabelecer, ou até mesmo aumentar, seus lucros. A disponibilização de direitos trabalhistas pela via negociada, ao contrário do discurso político que pairava a proposta reformista, levará a elaboração e manutenção de contratos atípicos e, portanto, precários, gerando, por via de consequência, a redução de poder de compra dos tra- balhadores. O discurso de que a Reforma Trabalhista acarretará o aumento de postos de trabalhos e o aquecimento da economia, parece querer ficar apenas no cenário político, pelo que no campo jurídico laboral a imple- mentação do modelo negocial de prevalência da autonomia coletiva sobre Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 269 o legislado parece apenas dar força a contratação de mão de obra barata. À vista de tudo o que foi pesquisado no presente trabalho, podemos firmar entendimento no sentido de que a Reforma Trabalhista, notada- mente no que se refere ao conteúdo ora pesquisado e estudo, desmonta um ao retrocesso ao constitucionalismo social trabalhista, levando a de- sestruturação da proteção dos direitos que foram adquiridos, frutos de mais de 100 anos de lutas.

REFERÊNCIAS ALVARENGA, Rúbia Zanotteli. Direito Constitucional do Trabalho. São Paulo: LTR, 2015. BARROSO, Fábio Túlio. Extrajudicialização dos conflitos de trabalho. São Paulo: LTR, 2010a. BARROSO, Fábio Túlio. Manual de Direito Coletivo do Trabalho. São Pau- lo: LTR, 2010b. BONAVIDES, Paulo. História Constitucional do Brasil. 3ª Ed. Rio de Janei- ro: Paz e Terra, 1991. BONAVIDES, Paulo. Constitucionalismo Social e Democarcia Participat- ica. Acessado em 08.08.2017. BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 6ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2005. BRASIL. Lei nº 13.467, de 13 de Julho de 2017. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, e as Leis nos 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legis- lação às novas relações de trabalho. Disponível em: < http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13467.htm>. Acessado em: 29 de setembro de 2017. CASSAR, Vólia Bomfim.Direito do Trabalho. 9. ed. São Paulo: Editora Método, 2017. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTR, 2014. DELGADO, Maurício Godinho. Direito Coletivo do Trabalho. São Paulo: 270 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

LTR, 2017. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Manual de Direito do Trabalho. 7 ed. São Paulo: Editora Método, 2015. GEMIGNANI, Tereza Aparecida Asta. Direito Constitucional do Trabalho: DA ANÁLISE dogmática à concretização de questões polêmicas. São Paulo: LTR,2014. RUPRECHT, Alfredo J. Relações Coletivas de Trabalho. São Paulo: LTR, 1995.

Notes 1 A negociação coletiva é um dos instrumentos mais importantes nas sociedades democráticas, desde que seja estruturada de modo democrático (DELGADO, 2017, p. 192). 2 CLT - Art. 611 - Convenção Coletiva de Trabalho é o acôrdo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos representativos de categorias econômicas e profissio- nais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representa- ções, às relações individuais de trabalho. 3 Não obstante o referido autor tenha apresentado outras denominações em sua obra, o mesmo entende que a melhor definição é a de convenção coletiva do trabalho, por considerar mais ampla e apropriada. 4 Art. 611-A,§1º da CLT Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez Argumenta 2017 Journal271 Law n. 27 p. 271-308 Cândice Lisbôa ALVES1 jul/dez 2017

Como citar este artigo: ENTRE A MÃO E A ALVES, Cândice L. Entre a mão e a contra CONTRAMÃO DO DIREITO mão do direito à saúde pública no Brasil: a emenda constitucional À SAÚDE PÚBLICA NO 86 e a proibição do retrocesso social. BRASIL: A EMENDA Argumenta Journal Law, Jacarezinho – PR, CONSTITUCIONAL 86 Brasil, n. 27. p. 271-308. E A PROIBIÇÃO DO Data da submissão: 29/09/2017 Data da aprovação: RETROCESSO SOCIAL 08/12/2017 BETWEEN THE ONE WAY AND THE WRONG WAY OF THE PUBLIC HEALTH RIGHT IN BRAZIL: THE CONSTITUTIONAL AMENDMENT Nº 86 AND THE PROHIBITION OF SOCIAL REGRESSION

ENTRE LA MANO Y CONTRAMANO DEL DERECHO A LA SALUD PÚBLICA EN BRASIL: LA EMENDA CONSTITUCIONAL 86 Y LA PROHIBICIÓN DEL RETROCESO SOCIAL

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Estado Social, constituciona- lismo social e constitucionalismo latino americano: pequeno escorço; 3. Os direitos sociais e as objeções relativas ao seu modo de concretização; 4. O direito à saúde pública no Brasil: o reconhecimento e vin- culação exigidos pelas normas de direitos humanos e a constitucionalização da saúde pública no Brasil; 5. O Direito fundamental subjetivo à saúde pública: significado e proibição do retrocesso social; 6. A con- tramão da história: as reformas estruturais liberais no Brasil propostas pela EC 86 e a ADI 5595; 7. Con- clusões preliminares: entre a mão e a contramão para a concretização do direito à saúde pública no Brasil; 1. Universidade Federal de Uberlândia Referências. Brasil 272 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

RESUMO: O presente artigo aborda a saúde pública como direito social presta- cional e subjetivo. O direito à saúde insere-se dentro da ótica do constitu- cionalismo social e do constitucionalismo latino americano. Este artigo se propôs a analisar o direito fundamental à saúde pública e a possibilidade de retrocesso social relacionado à diminuição de investimentos obrigató- rios, definidos no art. 198 da Constituição, por determinação da Emenda Constitucional (EC) 86, de 2015. A hipótese de trabalho foi pela inconsti- tucionalidade da EC 86, em função da aplicação do princípio da proibição do retrocesso social. A pesquisa foi exploratória e bibliográfica. O método de trabalho foi o indutivo.

ABSTRACT: This article deals with public health as a social and subjective social right. The right to health comes within social constitutionalism and Latin American constitutionalism. This article aimed to analyze the fundamen- tal right to public health and the possibility of social regression related to the reduction of obligatory investments, defined in art. 198 of the Consti- tution, by determination of Constitutional Amendment 86, of 2015. The working hypothesis was due to the unconstitutionality of EC 86, due to the application of the principle of prohibition of social retrogression. The research was exploratory and bibliographical. The method of work was the inductive.

RESUMEN: El presente artículo aborda la salud pública como derecho social y subjetivo. El derecho a la salud se inserta dentro de la óptica del constitu- cionalismo social y del constitucionalismo latinoamericano. Este artículo se propuso analizar el derecho fundamental a la salud pública y la posi- bilidad de retroceso social relacionado con la disminución de inversiones obligatorias, definidas en el art. 198 de la Constitución, por determinación de la Enmienda Constitucional (EC) 86, de 2015. La hipótesis de trabajo fue por la inconstitucionalidad de la EC 86, en función de la aplicación del principio de la prohibición del retroceso social. La investigación fue exploratoria y bibliográfica. El método de trabajo fue el inductivo. Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 273

PALAVRAS-CHAVE: Saúde pública; proibição do retrocesso social; inconstitucionali- dade.

KEYWORDS: Public health; prohibition of social regression; unconstitutiona- lity.

PALABLAS CLAVE: Salud pública; prohibición del retroceso social; inconstitucionali- dad.

1. INTRODUÇÃO O direito à saúde é autêntico direito social e como tal possui um per- curso titubeante no caminho para sua concretização no Brasil. De forma mais precisa, quando se menciona o direito à saúde neste artigo não se al- meja a abranger a saúde de maneira ampla (o que abarcaria o setor públi- co e o privado), mas tão somente a saúde pública. Ela apenas foi inserida no Brasil como direito fundamental público e gratuito por intermédio da promulgação da Constituição da República de 1988. Neste instrumento, no art. 196, veio a definição de que seu acesso seria “universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. A qualifi- cação mencionada traz consigo várias dificuldades ao seu adimplemento e convida à uma análise sobre o assunto. O direito à saúde pública é peça ímpar na luta pelo direito à dig- nidade humana, fundamento da República. Uma pessoa sem saúde não consegue usufruir de nenhum outro bem da vida – nesse sentido pode ser considerada um direito meio em relação aos demais direitos fundamen- tais, tendo um caráter principiológico de direito fundamental. Por outro lado, a saúde é, em si mesma, direito fim, já que prevista taxativamente na norma constitucional. Em ambos os casos requer uma série de atitudes públicas para poder ser promovida pelo Estado e vivenciada pela socie- dade, na medida em que a Constituição insere em seu espectro de prote- ção atitudes amplas: promoção, proteção e recuperação, poder-se-ia ainda acrescentar atitudes de manutenção. A luta pela saúde não se esvai em si mesma, nem tampouco repre- 274 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 senta apenas produtos e serviços médicos ou a ele relacionados ou equi- parados. A luta pela saúde pode ser lida como busca pela responsabilida- de do Estado para com as pessoas vulnerabilizadas, que necessitam dessa proteção a ser executada pelo Estado, pois por si mesmas não tem condi- ções de arcar com os custos correlatos. Assim, o direito à saúde encaixa-se perfeitamente no conceito de direito social inserido no paradigma de Es- tado Social, podendo, neste ínterim, ser utilizado como objeto de reflexão para as transformações do Estado de Direito. Exatamente pelo fato de a saúde pública ter sido constitucionalizada como direito fundamental social, e exigir para sua concretização atuações positivas do Estado – especialmente em uma perspectiva econômica – há ainda muitos percalços à sua concretização. Em tempos em que questões fiscais ressoam como balizas e metas de governo, a saúde sofreu um gol- pe contundente com a promulgação da Emenda Constitucional 86, de 17 de março de 2015, que reduziu a possibilidade de investimento da União estabelecida pela Emenda Constitucional 29, de 13 de setembro de 2000. Diante deste evento surge este artigo que tem como problema de pesquisa analisar a natureza do direito à saúde pública e a possibilidade de retrocesso social relacionado aos investimentos obrigatórios definidos no art. 198 da Constituição por intermédio das estipulações oriundas da EC 86. Lança-se a hipótese de trabalho de que a EC 86, por estabelecer pa- râmetros de investimento em saúde aquém dos valores anteriormente es- tabelecidos na Constituição, deve ser declarada inconstitucional por ser vetor de retrocesso social sanitário. O objetivo geral do artigo é analisar o conceito de direito à saúde como direito subjetivo público blindado pela obrigatoriedade de progres- sividade quanto ao seu adimplemento pelo Estado. Como objetivos espe- cíficos serão trabalhados: o constitucionalismo social; as normas interna- cionais de direitos humanos referentes à saúde; a saúde pública no Brasil do ponto de vista do seu histórico e constitucionalização; as característi- cas dos direitos sociais e as objeções a eles apresentadas; e, por fim, a EC 86 e suas implicações tomando como premissa o princípio da proibição do retrocesso social. O assunto é atual e controverso, tanto que houve o ajuizamento da ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 5595, em 2015, pelo Procu- Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 275 rador Geral da República questionando a constitucionalidade do conteú- do da EC 86. A pesquisa desenvolvida foi bibliográfica e exploratória. O método empregado foi o indutivo.

2. ESTADO SOCIAL, CONSTITUCIONALISMO SOCIAL E CONS- TITUCIONALISMO LATINO AMERICANO: PEQUENO ESCORÇO O Estado Moderno, fruto das revoluções burguesas, nasce liberal “assente na ideia de liberdade e, em nome dela, empenhado em limiar o poder político tanto internamente, pela sua divisão, como externamente, pela redução ao mínimo das suas funções perante a sociedade” (MIRAN- DA, 2011, p.33). O Estado liberal foi marcado pela premissa da liberdade e da auto regulação do mercado, o que gerou, a reboque, uma série de contradições acentuando a contradição entre capital (mais valia) e traba- lho (proletariado). Essas diferenciações provocaram um distanciamento significativo entre as pessoas, acentuando, ainda, a diferenciação entre o fruto do tra- balho e quem tinha possibilidade de gozar dos benefícios desenvolvidos. Esse modelo, marcado pelo laissez-faire, entra em crise após as convulsões políticas e econômicas vivenciadas no início do século XX. Diante dessas pressões surgem reivindicações sociais de natureza política, trabalhista, de previdência, educação e também econômicos, o que gera, como conse- quência, a arquitetura de uma nova feição estatal, conhecida como Estado Social1 imbuído da função de ser “mitigador de conflitos sociais e pacifica- dor necessário entre o trabalho e o capital” (BONAVIDES, 2009, p. 185). Ao se estudar o Estado Social neste item cuida-se daquele respalda- do pelo constitucionalismo democrático, sem qualquer menção à regime totalitários. Ao contrário, o objetivo do Estado Social é promover a “coor- denação e colaboração, amortecer a luta de classes e promover, entre os homens, a justiça social, a paz econômica” (BONAVIDES, 2009, p. 187). A transição do Estado Liberal para o Estado Social se deu no século XX, todavia, antes de ela acontecer os reclames por inserção dos grupos menos favorecidos já ocorriam no Medievo, especialmente diante das violências vivenciadas pelas classes que não detinham poder ou relevante status social. A contrariedade das classes dominadas perante as ações do senhor feudal ou do rei eclodiram nas revoluções burguesas, dentre elas ganhando destaque a Revolução Francesa, de 1789. 276 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

O Estado Social tem como destinatário o século XX, porém, como afirma Pietro Costa (2010), ele já se fazia sentir desde o Medievo, em di- mensões e proporções diferenciadas. Neste sentido afirma: [...]o cruzamento entre as necessidades vitais dos sujeitos e a intervenção do poder político é tão antiga quanto difusa – uma espécie de constante histórica – mas são muito diferen- tes, conforme cada contexto, as formas que este cruzamento produz, os argumentos e os valores invocados para legitimá- -los (COSTA, 2010, s.p.). Exatamente em função desse cruzamento temporal com as deman- das sociais, bem como com a modificação da estrutura do Estado, é que, tecnicamente, o século XX é apontado como sendo a referência histórica da transição do Estado Liberal ao Social. De acordo com Jorge Miranda (2011) o Estado Social é a segunda fase do Estado constitucional e tem como missão a articulação entre direitos, liberdades e garantias por meio dos direitos sociais. Em suas palavras: [...]articular igualdade jurídica (à partida) com igualdade so- cial (à chegada) e segurança jurídica com segurança social; e de ainda estabelecer a recíproca implicação entre liberalismo político (e não já, ou não já necessariamente, económico) e democracia, retirando-se do princípio da soberania nacional todos os seus corolários (MIRANDA, 2011, p. 40, grifos do autor) Da passagem acima vale destacar, o conceito de igualdade formal como partida e igualdade social como chegada, o que demonstra a neces- sidade de transposição do conceito da igualdade formal à material. Dizer que todos são iguais perante a lei, ou que todos são potencialmente iguais é quase uma desfaçatez: as pessoas não são iguais, nem em um aspecto físico que dirá em termos de possibilidade de gozar de direitos mínimos de existência. Em verdade, a história da humanidade é toda marcada pelas grandes oposições entre dominantes e dominados sendo que os dominan- tes têm ao longo dos tempos, ao seu lado, condições materiais adequadas, ao passo que os dominados, quase sempre, visitam um lugar de escassez. Ao lado da escassez material vem a escassez de acesso à justiça, e para além dela, a impossibilidade de gozarem de direitos fundamentais. Essa necessidade de reconhecimento de direito e possibilidade de acesso a eles foi contemplada pelo conteúdo da constituição social. Vale ressaltar que Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 277 os marcos iniciais dessa segunda versão do constitucionalismo foram a Constituição mexicana, de 1917, seguida da Constituição de Weimar, de 1919. Nessa mesma linha de raciocínio, analisando a funcionalidade dos direitos sociais incorporados em Constituições sociais, pode-se entendê- -los como ponte entre a desigualdade e a inclusão social, portanto como instrumentos de justiça social. Nesse sentido “os direitos fundamentais [sociais], enquanto pautas que norteiam a atividade social, estão atrelados à justiça social, de um lado, vedando e inibindo a exclusão social e, de ou- tro lado, estimulando e contribuindo para a inclusão social” (REMÉDIO, 2016, p. 262). Ideologicamente são uma maneira de contenção dos menos favorecidos, na medida em que o Estado lhes auxilia, ou supre (teorica- mente) suas necessidades básicas, e com tais atitudes visa a controlá-los e evitar um rompimento político significativo, como uma possível revolu- ção. Assim, o reconhecimento dos direitos sociais representa uma tensão estabelecida entre os donos do capital e o governo e a tentativa de conten- ção desse conflito. Essa tensão é iniciada no final do século XVIII, porém é estabelecida realmente no século XX. De acordo com Costa: [...] no final do século XIX, com a reivindicação dos direi- tos sociais, um fenômeno que havia acompanhado todo o discurso dos direitos a partir do século XVIII: a luta pelos direitos parece dificilmente separável da luta por uma ordem alternativa. A luta pelos direitos, inclusive pelos direitos so- ciais, implica uma projeção na direção do futuro, uma tensão projetual (COSTA, 2010, S.P.). Essa tensão projetual mencionada por Pietro Costa (2010) pode ser sentida pela tentativa de superação da vulnerabilidade/exploração nas quais as classes menos favorecidas se viam imersas. O Estado Social foi um projeto de manutenção da ordem constitucional com a modificação das funções estatais, que sairiam de uma ótica absenteísta para uma proa- tiva, rumo à salvaguarda de direitos mínimos das pessoas. Esse projeto teve início com a discussão e normatização de questões relativas ao direito do trabalho e, após, incorporou outras pretensões, como saúde, educação, moradia, entre outros. Correlato ao Estado social veio a classificação do constitucionalismo social. A ideia de constitucionalismo social convida a um mergulho em conceitos preliminares do constitucionalismo como igualdade e liberda- 278 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 de, e, a seguir, dilacera sua ideologia quando contraposto com a realidade das contradições sociais, colocando em xeque de maneira direta o concei- to de igualdade formal. Alguns autores ao analisarem o constitucionalismo social remetem ao constitucionalismo latino americano, muito embora não se possa afir- mar haver consenso ou homogeneidade entre as características de ambos (ACKERMAN, 2005), todavia alguns traços em comum na história dos países latino americanos permitem essa aproximação. O Brasil, por estar inserido na América Latina e ter muitas afinidades com tal classificação, impulsiona e convida à aproximação mencionada. Ackerman (2005) elenca alguns aspectos em comum relativos ao constitucionalismo latino americano: o fator geográfico, as raízes jurídicas em comum, a evolução histórica semelhante e a precariedade dos sistemas democráticos. Ainda assim em cada um dos países latino americanos o constitucionalismo se construiu de maneira própria, com pontos em co- muns e outros de afastamento. Em uma tentativa conceitual de associar o constitucionalismo so- cial com a divisão das sociedades (em desenvolvidas e não desenvolvi- das), Arango (2010), propõe uma visão do constitucionalismo social que tem como vetor a ordenação social, no sentido de que as condições de possibilidade e mesmo as epistemológicas quanto à positivação dos direi- tos fundamentais - além do seu reconhecimento - estariam entrelaçadas ao desenvolvimento. Segundo ele as ditas sociedades ordenadas (inter- pretadas como sociedades desenvolvidas) são identificadas como as so- ciedades liberais, por isso comportam-se como minimalistas em termos de reconhecimento de direitos sociais nas constituições. Alinhado a este minimalismo, a jurisdição tende a resguardar apenas as prestações esta- belecidas pela lei. Por outro lado, as sociedades não ordenadas (ou não desenvolvidas) seriam marcadas por uma hipertrofia dos direitos sociais constitucionalizados aliados a uma jurisdição ativista, o que pode ser im- pulsionado, no caso brasileiro, pelo modelo de controle de constituciona- lidade híbrido que abarca tanto o controle difuso quanto o concentrado (ARANGO, 2010, p. 5-7). Essa ideia de sociedades ordenadas e não ordenadas ressoa em cien- tistas políticos pelo recorte que fazem entre os países do norte e do sul, as- sim como pela ideia da um desenvolvimento tardio e ainda não acabado. Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 279

Streck (2009) defende que as promessas do Estado Social não chegaram a se concretizar. É interessante observar que na América Latina o constitucionalismo social é um mecanismo de resgate e tentativa de reformulação de uma sociedade desigual que passaria por meio da aplicação desse modelo constitucional a ser uma sociedade livre e igualitária (ARANGO, 2010, p.6). Estas desigualdades geralmente vem expressas no modelo de Estado adotado, portanto estão dentro da ótica da transformação do Estado Libe- ral ao Estado Social, este, por sua vez, deveria ser guiado por um projeto político voltado para a inclusão social. A afirmação do Estado Social por intermédio do constitucionalismo social latino americano teria especifi- camente essa missão: transformar o Estado de Direito em Estado social e constitucional de Direito (ARANGO, 2010, p. 4), e, ainda, teria a função de modificar a característica de uma democracia liberal para a de demo- cracia social e constitucional. Ainda que não se possa negar a tensão entre democracia e constitu- cionalismo (já que o respeito à essência dos dois conduz ao conflito maio- ria X direitos fundamentais de grupos vulnerabilizados) já há um con- senso de que é sob o viés democrático que o constitucionalismo se firma e convalida (DIAS, 2012), sem que essa afirmação possa excluir os vários conflitos existentes, especialmente em Estados como o Brasil. Ou seja, ao lado do constitucionalismo social, e, decorrência das contradições sociais dos países latino americanos, vem a controvérsia sobre a problemática re- lacionada à regra da maioria versus atuações contramajoritárias levadas a efeito pelo Judiciário. 2 Não se pode perder de vista que o pano de fundo do Estado Social no contexto apresentado até aqui é o princípio da solidariedade que está pre- sente na Constituição tanto no preâmbulo quanto no art. 3º, I. O princípio da solidariedade como “valor ético e moral, constitui um referencial valo- rativo concreto para a realização dos direitos fundamentais sociais, assim como possui função otimizadora em relação aos direitos sociais, em face das limitações estatais visando à sua plena efetivação” (REMÉDIO, 2016, p. 260). O autor na passagem mais uma vez demonstra a tensão vivencia- da pelos direitos sociais. Eles, como mecanismos concretos para mudança social, externam o princípio da solidariedade (art. 3º, I, da Constituição), todavia, em função de requerem na maior parte das vezes atividade pres- 280 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 tacional do Estado encontram obstáculos para sua implementação, como a alegação da reserva do possível. Remédio (2016) estabelece a diferenciação entre a solidariedade (que inspira e promove as relações sociais) e o princípio da solidariedade (este inscrito na Constituição como norma positiva, ultrapassando uma característica meramente moral quanto ao seu conteúdo), todavia, para além dessa classificação, certo é que a solidariedade é a inspiração para o nascimento e valorização dos direitos sociais (VAZ, 2015, p.91). Maria João Vaz (2015) faz interessante resgate sobre o conceito de solidariedade desde a época helênica até os dias atuais. Dentro do estudo da autora ela pontua a diferença do conceito de solidariedade cristã típico da Idade Média, que tem como marcos Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, para o conceito Kantiano, que afirma que o homem é o reino dos fins, ou seja o homem é um fim em si mesmo, portanto todos dotados de igual dignidade e merecedores de atenção. O primeiro conceito de solidariedade é alicerçado na ideia de cari- dade de viés deontológico, marcado, nesse sentido, por uma possível re- tribuição e afastamento da perspectiva da igualdade, já que a pessoa que concede a caridade está em um plano superior ao que é agraciado por ela. Afirma a autora: “como um imperativo de “dever-ser” ético-religioso que, muitas vezes, descura o outro como igual para o ver como seme- lhante: uma caridade em que se encontra um sentimento de superiorida- de moral no caminho para a perfectividade” (VAZ, 2015, p.92). Já após as revoluções burguesas a solidariedade está relacionada ao princípio da igualdade, da liberdade e da fraternidade, o que implica no fato de a soli- dariedade poder ser expressa pelo “estar com o outro”, aprender a conviver e mutuamente ajudar-se, em um desdobramento da fraternidade. Nessa convivência não há a concepção de hierarquia ou superioridade uma vez que faticamente e/ou virtualmente todos necessitam uns dos outros, e isso traz uma igualação que ultrapassa uma ordem filosófica de diferenciação (VAZ, 2015, p.92). Agamben (2010) também trabalha a mesma concep- ção quanto estabelece que todos são virtualmente homens sacros e é essa indeterminação que justifica a importância das normas relacionadas aos direitos sociais, especialmente a saúde, uma vez que o fim de todos os homens é a morte e a maneira de chegar até ela quase sempre é a doença. Sobre as doenças, no caso do Brasil, a rede que oferta mais tratamentos Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 281 ainda é o Sistema Único de Saúde (SUS) e, assim, não há quem possa dele abrir mão, pois pode se ver dependente de seu atendimento3, mesmo os mais aquinhoados. Muito embora faticamente todos sejam potencialmente dependentes de atuações do Estado, muitas searas jurídicas e econômicas repudiam ou apresentam objeções à concretização dos direitos sociais, tema que se passa a tratar a seguir.

3. OS DIREITOS SOCIAIS E AS OBJEÇÕES RELATIVAS AO SEU MODO DE CONCRETIZAÇÃO Os direitos sociais (prestacionais) são definidos por Sarlet como tendo por “objeto precípuo conduta do Estado (ou de particulares des- tinatários da norma), consistente em uma prestação de natureza fática” (SARLET, 2011, p. 282). Embora classicamente se afirme que todos os direitos sociais são prestacionais e que os direitos de defesa exigem uma atuação negativa por parte do Estado, nem sempre esta afirmação se sustenta. Nem todos os direitos sociais são em sua essência prestacionais ativos (que exigem uma atuação do Estado específica), da mesma forma não se pode dizer que to- dos os direitos de defesa sejam negativos. O exemplo que ressoa na doutri- na sobre isto é o relativo ao direito de segurança pública, que embora es- teja entre os direitos de defesa, exige prestação por parte do Estado. Neste trabalho o foco são os direitos sociais prestacionais e por isso serão tecidas objeções opostas à sua concretização forçada por meio da judicialização. Ackerman (2005, p.5) analisando as dificuldades de concretização dos direitos sociais elenca duas situações em que se elas se fariam sentir em função da dissociação entre o mundo normativo e a realidade relati- va aos direitos sociais prestacionais: a primeira relacionada ao mito da norma, já a segunda referente à insinceridade do texto constitucional. O autor analisa essas situações pela ótica do direito do trabalho, por ser pro- fessor catedrático da disciplina em Buenos Aires, todavia as colocações são cabíveis em relação aos direitos sociais, de maneira geral, no Brasil. A primeira objeção, a do mito normativo, é associada a algumas cir- cunstâncias: a prevalência da heteronomia sobre a autonomia; a tendência ao garantismo constitucional e a função anestésica das normas constitu- cionais, algumas vezes funcionando como uma carta de boas intenções e 282 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 em outros momentos como apenas uma concessão formal (ACKERMAN, 2005, p. 6). Sem embargo as considerações do autor são sobremaneira re- levantes, especialmente a última, que pode ser comparada ao efeito sim- bólico das normas constitucionais explicitado por Marcelo Neves (2007) na obra Constitucionalização Simbólica. De acordo com Neves a legisla- ção simbólica pode adotar a feição de legislação álibi – em que a norma é mecanismo de dissimulação de proteção aos anseios sociais. Por esse viés, o legislador dissimula atender à população para estancar a insatisfação popular, porém, a legislação não vem realmente com o intuito de satisfa- zer a este fim. Uma outra maneira de a legislação simbólica se fazer sentir é através da assunção de compromissos dilatórios onde a norma confec- cionada projeta para o futuro a solução de um problema atual, por vezes utilizando-se da necessidade de construção de normas regulamentadoras, ou de políticas públicas, como costuma acontecer com os direitos sociais. Ambas as modalidades de legislação simbólica tratadas por Neves (2007) resultam no mesmo efeito anestésico mencionado por Ackerman (2005) e trazem consigo a impossibilidade de concretização efetiva dos direitos sociais, vez que não estão dispostas a isso. Seria o direito sendo utilizado para impedir o próprio direito. A segunda objeção desenhada por Ackerman (2005) é a insinceri- dade do texto constitucional, e dialoga com a anterior quanto ao efeito anestésico das normas constitucionais e também com a teoria da constitu- cionalização simbólica de Marcelo Neves (2007). Para Ackerman (2005) é marcante a falta de operatividade mínima das normas constitucionais re- lativas ao direito ao trabalho, isto em função, em alguns casos, da própria normativa constitucional, que traz impossibilidades de seu cumprimento tanto no plano teórico (o conteúdo normativo em si traz situações irreali- záveis) quanto da perspectiva prático. A consideração feita pelo professor argentino é comum no Brasil, quando, por exemplo, estabelece-se o valor do salário mínimo aquém das funções a ele atribuídas, ou mesmo quando vem expressas na Constituição obrigações constitucionais de legislar que não são levadas a sério pelo Legislativo, redundando, às vezes, em man- dados de injunção. Para além dessas duas grandes objeções, Ackerman observa que existe uma relação de ordem invertida entre o número de direitos sociais expostos nos textos constitucionais e sua concretização na prática. Ou Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 283 seja, o grande número e a extensão da enumeração dos direitos geralmen- te redunda em um baixo grau de sua concretização (ACKERMAN, 2005, p.6), nesse sentido Arango também se posiciona (2010). No Brasil isso é evidente quando se analisa, por exemplo, o rol contido no art. 6º que estabelece como direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o tra- balho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados. Afora estes direitos outros vem ao longo do texto, como o direito ao tra- balho. A observação de Ackerman aplicada às promessas constitucionais brasileiras causa desencantamento ao se pensar, por exemplo, no número crescente de moradores de rua da atualidade. Outro argumento que reiteradamente se levanta atine aos custos dos direitos. Por esta análise surge a alegação de uma dicotomia entre direitos civis e direitos sociais. A argumentação seria no sentido de que os primei- ros não apresentariam custos, portanto seriam de curso forçado, ao passo que, o fato de os direitos sociais implicarem em atuações do Estado levaria a sua dependência quanto ao orçamento público ou às políticas públicas (caráter programático). Os custos dos direitos sociais são denominados por alguns como sua face oculta (NABAIS, 2002). A diferenciação entre o modo de concretização de direitos civis e sociais fiado em custos hoje já não prospera, uma vez que se reconhece que todos os direitos – sem exceção – representam custos para o Estado, sejam diretos ou indiretos. Sarlet (2011, p. 285) relembra que a própria manutenção do Estado para a garantia dos direitos de defesa já gera custos, e que devem ser considera- dos, ainda, os custos “financeiros públicos de todos os direitos” (SARLET, 2011, p. 285) referindo-se à estrutura mínima que o Estado deve manter para a concretização ou possibilidade de realização dos direitos de manei- ra ampla. Afora tais objeções, na maioria dos países que enfrentam problemas com a judicialização da política a doutrina se debate com diversas ob- jeções à justiciabilidade dos direitos sociais. Sintetizando os argumentos mais repetidos na doutrina, Canotilho (2008) assim os agrupa: (i) os direitos sociais não são verdadeiros direitos, porque não possuem dignidade de direitos subjetivos; (ii) as normas constitucionais consagradoras destes direitos são normas programáticas que, em rigor, não deveriam estar no texto 284 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

constitucional, pois as suas concretizações dependem das políticas públicas dos órgãos políticos legitimados para de- senvolvê-las; e (iii) os bens protegidos por essas normas são, em primeira linha, bens privados, cuja proteção só excepcio- nalmente deve ser confiada às entidades públicas(CANOTI- LHO, 2008, p. 260). A característica da subjetividade dos direitos sociais – especialmente do direito à saúde pública que é o objeto de análise deste artigo – será discutido em item adiante, a qual se remete o leitor. Então, o estudo deste item será quanto à alegação da programaticidade das normas jurídicas e a necessidade ou não de interposição legislativa para que direitos sociais possam ser adimplidos. A alegação quanto a programaticidade dos direitos sociais está inse- rida nos argumentos de legitimidade (ALVES, 2013), ou na controvérsia relativa à possibilidade de o Judiciário se imiscuir em assuntos de política. Singelamente a alegação da programaticidade dos direitos sociais asseve- ra a necessidade de eles serem realizados por meio de políticas públicas que ficam a cargo dos poderes democráticos, ou seja, do Executivo ou do Legislativo. Complementando o entendimento da programaticidade, Sarlet afir- ma que se trata, por outro lado, de se indagar sobre a densidade da norma instituidora do direito social, o que pode ser traduzido na análise se o di- reito analisado possui “[..] uma normatividade insuficiente para alcança- rem plena eficácia, portanto se tratam de normas que estabelecem progra- mas, finalidades e tarefas a serem implantadas pelo Estado, ou que contém determinadas imposições de maior ou menor concretude destinadas ao legislador” (SARLET, 2011, p. 292). Importante, neste ponto, trazer a dis- cussão novamente para o caráter diretivo que a Constituição impõe ao le- gislador, que recebe como fundamento para o desempenho de seu mister a função de tornar concreta a Constituição, de possibilitar que os direitos fundamentais nela expressos ou reconhecidos de seu texto possam verda- deiramente ser concretizados. Ou seja, ainda que se alegue uma suposta discricionariedade legislativa, para além dela há o dever objetivo4 quanto ao cumprimento das promessas constitucionais desenhadas pelo consti- tuinte e sobre as quais o legislativo não pode se refutar ou afastar. Essa vinculação relativiza ou permite a superação da interpositio legislatoris5 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 285 quando a mesma é usada para brecar a fruição do texto constitucional. Uma das formas de enfrentar a alegação da programaticidade das normas é pensar se as normas de direitos sociais são de aplicabilidade ime- diata ou sujeitas a complementação. Na doutrina nacional, Krell (2002, p. 37-38) defende que os direitos sociais são normas preceptivas de aplicação imediata, tomando como referência o disposto no art. 5º, §1º da Consti- tuição da República. Assim afirma que “[...] podem ser imediatamente invocados, ainda que haja falta ou insuficiência da lei” (KRELL, 2002, p. 38). De acordo com Krell (2002) a regulamentação legislativa dos direitos sociais não é imprescindível, devendo ser entendida como mecanismo de delimitação da relação desses direitos com os demais – questão da limi- tação recíproca entre direitos fundamentais. De toda sorte, em caso de ausência ou indefinição normativa, haverá determinação pela aplicação imediata deles em razão da Constituição que “[...] impõe aos órgãos esta- tais a tarefa de ‘maximizar a eficácia’ dos Direitos Fundamentais Sociais e criar as condições materiais para sua realização” (KRELL, 2002, p. 38). No mesmo sentido Novais (2006, p. 190) posiciona-se pela possibilidade de aplicação imediata dos direitos sociais sob pena de deixarem de ser fundamentais. Para dar continuidade ao artigo se passará à análise do direito fun- damental social que inspira todas as questões do texto: o direito à saúde pública no Brasil.

4. O DIREITO À SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL: O RECONHE- CIMENTO E VINCULAÇÃO EXIGIDOS PELAS NORMAS DE DI- REITOS HUMANOS E A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL Antes de adentrar no direito à saúde pública normatizado no Brasil é importante tecer duas considerações: a primeira diz respeito ao fato de que ele é um representante dos direitos sociais, embora diferenciado no Ordenamento Jurídico nacional por já ter sido consagrado como direito subjetivo, o que será explicado melhor no item seguinte; a segunda re- fere-se ao fato de que a construção conceitual do direito à saúde guarda relação com normas de direitos humanos e, por isso, antes de adentrar nas normas do Ordenamento Nacional serão mencionados os instrumentos normativos internacionais que guiam a aplicação do direito à saúde no 286 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

Brasil. Diante da proposta estabelecida inicialmente é importante diferen- ciar o que são direitos humanos do que são direitos fundamentais: [...] ‘direitos humanos’ são uma expressão mais ampla, re- ferindo-se aos direitos fundamentais atinentes ao plano do direito internacional, marcados por um viés axiológico sig- nificativo que, de forma geral, busca atender aos ditames de dignidade, igualdade e liberdade. Já a expressão ‘direitos fun- damentais’ restringe-se aos direitos ‘humanos’ de uma socie- dade estatal delimitada, ou seja, ao plano interno de determi- nado Estado, ou aqueles direitos considerados fundamentais em determinado ordenamento jurídico constitucional (AL- VES, 2013, p. 26). Diante da diferenciação trabalhada, pensar em direito à saúde parte, inicialmente, das normas de direitos humanos, e nesse vetor a saúde teve proteção a partir do século XX se fazendo por meio de quatro instru- mentos legais: a Constituição da Organização Mundial de Saúde (OMS) criada em 1946, a Declaração dos Direitos do Homem, de 1948, o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) de 1966, e a Observação Geral 14do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1990. Seguindo a ordem cronológica acima mencionada, foi a Organiza- ção Mundial de Saúde a primeira a normatizar o direito à saúde e o fez por meio de Constituição que entrou em vigor no dia 07 de abril de 1948. O objetivo da OMS veio disposto no art.1º da Constituição como “aquisi- ção, por todos os povos, do nível de saúde mais elevado que for possível” (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE, 1948). O preâmbulo consti- tucional trouxe o conceito de saúde, bem como o compromisso dos países signatários de o respeitarem e promoverem no seguinte sentido: [...] a saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência da doença ou de enfermidade. gozar do melhor estado de saúde que é possível atingir constitui um dos direitos fundamentais de todo o ser humano, sem distinção de raça, de religião, de credo político, de condição econômica ou social. (organização mundial de saúde, 1948) Como se viu, o conceito de saúde estabelecido pela OMS é bastante Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 287 largo, abarcando, para além do conceito de doenças, a noção de bem-estar físico, mental e social. Esta abordagem pode ser considerada uma cláusula geral que comporta múltiplas interpretações sendo este um dos motivos de ter sido criticada pela doutrina (DALLARI, 2010, p. 50). Posteriormente, porém no mesmo ano, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, mencionou brevemente o direito à saúde sem defini-lo. Descreve o art. 25.1: 1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive ali- mentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os servi- ços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros ca- sos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle. 2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assis- tência especiais. Todas as crianças nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social. (ORGANI- ZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948). Pela norma acima transcrita percebe-se que a saúde é uma das fa- cetas necessárias à vida digna. Analisando a saúde pela perspectiva dos direitos fundamentais, ela seria direito meio no intuito de preservação da vida, esta considerada direito fim. Deve-se mencionar que à época da promulgação da Declaração ainda não era função específica do Estado a promoção do direito à saúde. Em 1966 surgiu a principal norma relacionada ao direito à saúde no plano internacional, qual seja, o art. 12 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), que foi incorporado ao Di- reito brasileiro por meio do Decreto 591 de 1992, de 06 de julho de 1992, cujo texto transcreve-se: 1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e mental. 2. As medidas que os Estados Partes do presente Pacto de- verão adotar com o fim de assegurar o pleno exercício desse direito incluirão as medidas que se façam necessárias para assegurar: a) A diminuição da mortinatalidade e da mortalidade infan- til, bem como o desenvolvimento é das crianças; 288 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

b) A melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente; c) A prevenção e o tratamento das doenças epidêmicas, en- dêmicas, profissionais e outras, bem como a luta contra essas doenças; d) A criação de condições que assegurem a todos assistência médica e serviços médicos em caso de enfermidade (BRA- SIL, 1992). Também nesse instrumento normativo não foi especificado com precisão o conteúdo do direito à saúde, estabelecendo-se, entretanto, al- guns locais e atividades que deveriam estar abarcados pela atuação sanitá- ria. De acordo com o texto normativo pode-se notar: i) o reconhecimento da função do Estado-parte na prestação de serviços de saúde; ii) que a saúde será guiada por serviços preventivos e também de recuperação de enfermidades já em curso no ser humano; iii). que questões ambientais e de higiene de trabalho fazem parte da concepção de saúde. Ainda acerca das disposições do PIDESC, de 1966, destaca-se que inspirado na Declaração dos Direitos do Homem, foi reafirmado “o ideal do ser humano livre, liberto do temor e da miséria [...] não pode ser rea- lizado a menos que se criem condições que permitam a cada um gozar de seus direitos econômicos, sociais e culturais, assim como de seus direitos civis e políticos” (BRASIL, 1992). Essa colocação inicial no Pacto deixa clara a necessidade de que os meios materiais necessários à vida do indi- víduo estejam supridos para que ele possa alcançar sua dignidade, e, assim desenvolver com maestria suas aptidões de homem livre e liberto. Reforçando a importância da atuação dos Estados signatários quan- to ao compromisso de implantação e concretização dos direitos funda- mentais, no art. 2º do PIDESC veio estabelecida a obrigatoriedade de pro- gressividade na concretização dos mencionados direitos. In litteris: Cada Estado Parte do presente Pacto compromete-se a ado- tar medidas, tanto por esforço próprio como pela assistência e cooperação internacionais, principalmente nos planos eco- nômico e técnico, até o máximo de seus recursos disponíveis, que visem a assegurar, progressivamente, por todos os meios apropriados, o pleno exercício dos direitos reconhecidos no presente Pacto, incluindo, em particular, a adoção de medi- das legislativas (BRASIL, 1992). Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 289

O obrigação de progressividade referida almeja a tornar possível que os direitos sociais reconhecidos no Pacto possam ser efetivamente gozados pela população. O dispositivo gera para o Estado um dever de comprometimento com os meios necessários à concretização dos direitos sociais, seja por um viés econômico, técnico ou mesmo legislativo. Por outra vertente, a obrigação de progressividade ressoa na determinação da proibição do retrocesso social quanto a tais direitos, o que se abordará no item seguinte. Afora os instrumentos internacionais de direitos humanos mencio- nados, a conceituação do direito à saúde pública no plano interno relacio- na-se com um histórico de conquistas, avanços e retrocessos, que passa-se a narrar. Tomando por referência a história da saúde pública desde o ano de 19666, pode-se afirmar que no Brasil a história da saúde pública se deu por intermédio de uma série de leis esparsas que veiculavam sua prestação ao Instituto de Previdência Social (INPS), criado em 1966. Até esse período, assim como no marco compreendido até a Constituição de 1988, a saúde pública era praticamente inexistente, e quando realizada estava vinculada à contraprestação a um sistema de previdência social. Ou seja, a saúde era atrelada ao direito ao trabalho, portanto as pessoas que não estavam inseridas nessa seara valiam-se dos sistemas de filantropia representadas em muitas cidades pelas Associação São Vicente de Paula. Em 1967 a Constituição da República não modificou a situação quanto à saúde pública, ao contrário, o governo dedicou-se à incentivar atividades privadas colocando-se na posição de atividade suplementar à saúde privada (BERTOLLI FILHO, 1998, p. 54). A constitucionalização do direito à saúde pública apenas se deu em 1988, quando da promulgação da Constituição que permanece em vigor. Nela, por meio do art. 196 estabeleceu-se que: “Art. 196. A saúde é di- reito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (BRASIL, 1988). O mencionado reconhecimento constitucional adveio de lutas e manifestos políticos da classe médica, du- rante os anos 70 e 80, levantados pelo movimento sanitarista. O objetivo desse movimento foi realizar uma denúncia quanto às péssimas condições 290 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 de saúde padecidas pela população brasileira – especialmente a pobre – assim como a tentativa de alteração desse contexto por meio da assunção dos critérios de universalidade e gratuidade à saúde. É importante des- tacar que a maioria da população até a Constituição de 1988 não tinha acesso à saúde, salvo às políticas de vacinação implementadas pelo Estado (BERTOLLI FILHO, 1998, p.63). O principal documento resultante desse movimento foi o documento “Pelo Direito Universal à Saúde” que pugna- va pelo acesso universal e gratuito à saúde pública. A maneira encontrada de viabilizar a implantação do projeto de saú- de pública mencionada pela Constituição foi por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), também previsto na Constituição de 1988, no art. 198 que assim disciplina: “As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único [...]” (BRASIL, 1988). Embora previsto na Constituição em 1988, o SUS apenas foi delineado pela Lei 8.080, de 19 de setembro de 1990. De acordo com a disposição constitucional estabelecida no já citado art. 196, o direito à saúde pública foi incorporado ao texto com as caracte- rísticas de ser universal e igualitário, abrangendo tanto ações de promoção e proteção quanto ações de recuperações das moléstias padecidas. Essas disposições vieram reforçadas na lei de regência do SUS. Todavia, nesse mesmo artigo, em sua parte inicial, veio a disposição na qual o direito à saúde seria prestado mediante políticas públicas. Esta colocação inspirou parte da doutrina constitucional, e grande segmento dos administrativis- tas, a defenderem que sem política pública específica o Estado não seria responsabilizado ou se veria obrigado a garantir a saúde pública ou os pleitos de saúde de maneira individual. Seria a adoção da classificação do art. 196 como norma programática.

5. O DIREITO FUNDAMENTAL SUBJETIVO À SAÚDE PÚBLI- CA: SIGNIFICADO E PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL Dizer que o direito à saúde é um direito fundamental infelizmente não significa muita coisa, pois não tem o condão de trazer consigo ele- mentos aptos a garantir a procedência dos pleitos por requerimentos sani- tários, nem tampouco de descartá-los. Em verdade o adjetivo ‘fundamen- tal’ conduz a mais dúvidas que certezas, especialmente quando há colisão entre direitos fundamentais. Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 291

Assim, a nota que difere os rumos dados aos requerimentos de saúde é exatamente o modo como dito direito é percebido pelo Ordenamen- to Jurídico, como direito fundamental subjetivo ou apenas como direito fundamental. O que se quer dizer é que há uma abertura conceitual na expressão ‘direito fundamental à saúde’ que deve ser preenchida herme- neuticamente para que deste delineado possam advir as consequências jurídicas correlatas. Nas palavras de Alves: A busca hermenêutica perpassa necessariamente pela con- catenação da saúde com seu fundamento axiológico, e, para tanto, entrelaça-se saúde e vida, essa última umbilicalmente vinculada à dignidade, que, considera-se, seja o fundamento de validade da existência humana. Assim, falar em saúde requer um alargamento de horizontes e não seu fechamento. É uma opção pela amplitude, porque pensar de forma diversa significa mutilar a coletividade, e, de forma (in)direta roubar possibilidades dos virtuais bene- ficiários da saúde (ALVES, 2013b, p.216). O delineamento conceitual sobre o direito à saúde veio sendo reali- zado desde a promulgação da Constituição de 1988 pelo Supremo Tribu- nal Federal, de maneira gradativa, passando por continuidade e descon- tinuidades. Na década de 1990 as grandes demandas de saúde que chegaram ao STF por meio de Recurso Extraordinário tratavam, na maioria das vezes, de requerimentos que buscavam tratamento para a AIDS. Junto com o diagnóstico da doença vinha uma sentença de morte gradual e o infectado buscava no serviço público a medicação necessária que, todavia, não esta- va disponível à população. Iniciava-se, assim, a judicialização da saúde no Brasil na década de 1990. O termo judicialização aqui adotado é o mesmo mencionado por Barroso (2009) no sentido de referir-se ao deslocamento de questões de natureza política para o Judiciário. Não se perde de vista que o adimplemento do direito à saúde é função típica do Executivo e deveria ser tratado com exclusividade por ele, estando dentro de um ma- croconceito de política. Todavia, diante de um contingente cada vez maior de demandas não solucionadas na seara administrativa, ações judiciais cresceram e crescem vertiginosamente. Diante dos requerimentos apresentados pelo infectados pelo vírus do HIV tornou-se paradigmática a decisão proferida pelo Ministro Celso 292 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 de Mello no Agravo Regimental em Recurso Extraordinário RE 271.286 (BRASIL, 2000). Nele se firmou a posição de ser o direito à saúde um direito público e subjetivo, mantido até os dias atuais. Decorrência dessa classificação é o fato de o Estado não ter como se furtar à sua responsa- bilidade de atuação sob o manto da classificação da norma constitucional programática7: PACIENTE COM HIV/AIDS - PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À SAÚ- DE - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMEN- TOS - DEVER CONSTITUCIONAL DO PODER PÚBLICO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E 196) - PRECEDENTES (STF) - RE- CURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚ- DE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. - O direito públi- co subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indis- ponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve ve- lar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incum- be formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitu- cional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qual- quer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave compor- tamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NOR- MA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ- LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜEN- TE. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes po- líticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimen- to de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 293

infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS A PESSOAS CARENTES. - O reconhe- cimento judicial da validade jurídica de programas de distri- buição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusi- ve àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada pos- suem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF (STF. RE 271.286AgR, 2000, grifos nossos). O julgado acima colacionado é marco para o conceito de direito à saúde. Tendo por premissa sua interpretação podem-se notar três posi- cionamentos relevantes para o direito sanitário: i) foi reconhecido como fundamental subjetivo; ii) mencionou o dever do Estado no cumprimento de sua integridade; iii) superou a omissão estatal na não criação/implanta- ção de políticas públicas para sua concretização (foi além da classificação das normas constitucionais em programáticas). Considerar o direito à saúde como direito subjetivo implica em reco- nhecer que, independente de uma política pública específica sobre saúde, a pessoa que se vir acometida de uma doença – e tiver negado pelo Estado no âmbito administrativo8 o tratamento – poderá acioná-lo por meio judi- cial pleiteando o benefício necessário. Não é apenas o reconhecimento do direito de ação, que tem sede constitucional. É um reforço de significado. Implica no reconhecimento pelo Supremo de uma espécie de presunção que privilegia a pessoa ao Estado, que para se desincumbir deverá fazer provas robustas9. O segundo item interessante desse julgado e pouco explorado na doutrina nacional é assunção da teoria dos deveres fundamentais e o re- conhecimento de que ela incide sobre o direito à saúde. Os deveres fun- damentais são autônomos em relação aos direitos fundamentais, ambos tem em comum o fundamento teórico, qual seja, o princípio da dignida- de humana (NABAIS, 2002, p. 15). A diferença significativa entre eles é que aos direitos fundamentais basta o reconhecimento ao passo que os deveres fundamentais devem ser instituídos (NABAIS, 202, p.16) e espe- 294 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 cificados. Como em relação ao direito à saúde, o dever veio estipulado pela norma constitucional, não há, assim, que se afastar a obrigatoriedade estatal pelo seu adimplemento com base na teoria da reserva do possível. Outro instrumento normativo que especifica este dever fundamental é a Lei do SUS, com todas as implicações e coberturas da saúde pública (Lei 8.080/90). O outro item relevante a qual se dedicou a decisão foi o diálogo entre a classificação do direito à saúde como norma programática e a determina- ção da sua superação diante das omissões estatais quanto ao seu cumpri- mento. Estas omissões, inclusive, seriam causa de inconstitucionalidade, como também mencionado no julgado. De forma interessante o Ministro falou de promessa constitucional inconsequente, expressão que dialoga com a classificação de Ackerman sobre a insinceridade constitucional (ACKERMAN, 2005) e de Marcelo Neves quanto à constitucionalização simbólica (NEVES, 2007). Ou seja, por diferentes ângulos se reforça que a determinação constitucional quanto ao direito à saúde não pode ser mero aconselhamento, ao contrário, deve gerar efeito na vida real, proporcio- nando os cuidados devidos à população que requer benefícios sanitários. O direito à saúde pública, na esteira da teoria da força normativa da Constituição, não pode se colocar em uma posição de sujeição às vicissi- tudes fáticas ou aos desencontros políticos tão comuns na administração pública atual. Aqui deve prevalecer o princípio da continuidade do servi- ço público. Exatamente por isso o reconhecimento como direito subjetivo deve ser interpretado como um plus em sua dimensão de fundamentali- dade e, ao mesmo tempo, apregoar ao Estado seu dever de implementa- ção, continuidade e concretização, correlatamente a uma cláusula de blo- queio ao seu esvaziamento ou esfacelamento conhecida como proibição do retrocesso social quanto ao seu conteúdo. O princípio da proibição do retrocesso social adentrou em nosso Or- denamento por meio do PIDESC, quando entabulou a progressividade de implementação dos direitos sociais. Correlato, então, ao dever de progres- sividade é a proibição do retrocesso social quanto aos direitos sociais. A doutrina entende este princípio como implícito na Constituição da Repú- blica de 1988 (SARLET, 2010, p. 95; DERBLI, 2007, p.135), já que não há qualquer norma que remeta a ele expressamente. De acordo com Derbli (2007, p. 222-223) o princípio da proibição Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 295 do retrocesso social pode ser extraído da leitura dos arts. 5º, §2º e art. 7º, caput, da Constituição. Destaca-se o texto do art. 5º, §2º, in litteris: “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros de- correntes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados em que a República Federativa do Brasil seja parte” (BRASIL, 1988). Ou seja, o PIDESC, pela leitura constitucional, é reconhecido como fonte de direi- tos fundamentais levando à obrigatoriedade da proibição do retrocesso social. Esta mesma conclusão pode ser alcançada ou por se considerar que tratados de diretos humanos estão inseridos no bloco de constitucio- nalidade e tem natureza de normas materialmente constitucionais. Em ambas as hipóteses urge o reconhecimento do princípio da proibição do retrocesso social como uma cláusula de bloqueio quanto à densidade nor- mativa e aplicabilidade (concretização) dos direitos sociais fundamentais. O objetivo do princípio da proibição do retrocesso social é evitar que “[...] o legislador, comissiva e arbitrariamente, [possa] retornar a um estado correlato a uma primeira omissão inconstitucional ou reduzir o grau de concretização de uma norma definidora de direito social” (DER- BLI, 2007, p. 240, grifos nossos). A partir desta colocação pode-se inferir a utilidade do princípio para: 1) abraçar os direitos sociais e proteger as conquistas legislativas e fáticas já alcançadas em relação a eles; 2) impedir que modificação legislativa ou norma infraconstitucional diminua a inci- dência de direito social anteriormente protegido ou garantido. Corriqueiramente a doutrina analisa a proibição do retrocesso social com o Poder Legislativo como se fosse destinado exclusivamente a ele. Esta postura, todavia, não se adequa à realidade uma vez que todos os poderes em suas funções típicas podem, de alguma maneira, causar retro- cesso social. Assim, dentro das peculiaridades de cada um deles pode ser constatada a possibilidade de retrocesso, o que significa que todos os po- deres são destinatários do conteúdo normativo oriundo do princípio da proibição do retrocesso social (ALVES, 2013, p.203-204). Sem sombra de dúvidas, condutas governamentais podem conduzir ao retrocesso social, quando, por exemplo, reduzem o nível de investimento em determinado direito social. Exatamente neste sentido Alves conceituou o princípio da proibição do retrocesso social como: [...] princípio constitucional implícito, que tem a função de salvaguarda do âmbito de proteção já alcançado pelos direitos 296 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

fundamentais em ações perpetradas por órgãos de todos os poderes. Enquanto princípio instrumental destina-se a pau- tar a conduta de todos os poderes públicos no sentido de que devem agir em conformidade com os direitos fundamentais, advertindo que o desrespeito a eles gerará consequências: se a afronta for decorrente do Poder Legislativo na construção de norma jurídica que diminua o âmbito de proteção já es- tabelecido normativamente a direito fundamental, tal norma deverá ser declarada inconstitucional. Se a afronta partir do Poder Executivo em relação a ato administrativo, sendo ele comissivo, deverá ser declarada sua nulidade (pela Adminis- tração ou pelo Poder Judiciário); se por outro turno o ato for omissivo, o Judiciário poderá obrigá-lo a dar cumprimento à sua função legal. Já o Judiciário está adstrito ao princípio da proibição do retrocesso social na medida em que funcional- mente está vinculado à proteção da Constituição, de forma que independentemente de requerimento expresso por qual- quer parte deve-se analisar se os direitos fundamentais estão protegidos no caso sob análise ou, por outro lado, se esses direitos tiveram sua concretização ou proteção diminuídas por força de norma jurídica ou ato administrativo, caso em que deverá ser garantida a efetividade e concretização dos direitos fundamentais já existentes anteriormente (ALVES, 2013, p. 211). O conceito trazido deixa clara a amplitude das funções públicas e ex- terioriza as várias possibilidades de o retrocesso social acontecer em todas as facetas do Estado. Assim, é necessário analisar a fundamentalidade do direito debatido e seu grau de proteção normativa e fática para, posterior- mente, comparar sua concretização e, sendo o caso, utilizar o princípio da proibição do retrocesso social como cláusula de barreira ao escavamento do direito fundamental.

6. A CONTRAMÃO DA HISTÓRIA: AS REFORMAS ESTRUTURAIS LIBERAIS NO BRASIL PROPOSTAS PELA EC 86 E A ADI 5595 Em 2015, em um esforço para o ajuste das contas públicas, o Con- gresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional (EC) 86, promulgada em 17 de março de 2015, que em seu art. 2º e 3º estabeleceu regras de contenção ao gasto em saúde custeado pela União nos seguintes termos: Art. 2º O disposto no inciso I do § 2 o do art. 198 da Consti- Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 297

tuição Federal será cumprido progressivamente, garantidos, no mínimo: I – 13,2% ([...]) da receita corrente líquida no primeiro exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional; II – 13,7% ([...]) da receita corrente líquida no segundo exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional; III – 14,1% ([...]) da receita corrente líquida no terceiro exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional; IV – 14,5% ([...]) da receita corrente líquida no quarto exercí- cio financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional; V – 15% ([...]) da receita corrente líquida no quinto exercí- cio financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional. Art.3º As despesas com ações e serviços públicos de saúde custeados com a parcela da União oriunda da participação no resultado ou da compensação financeira pela exploração de petróleo e gás natural, de que trata o § 1 o do art. 20 da Constituição Federal, serão computadas para fins de cumpri- mento do disposto no inciso I do § 2 o do art. 198 da Consti- tuição Federal (BRASIL, EC 86, 2015). As disposições estabelecidas na EC 86 vieram no sentido de restrin- gir o investimento da União em saúde estabelecendo o ajuste fiscal consi- derado necessário para a adequação das contas públicas. Todavia, o texto da Emenda colide frontalmente com Emenda Constitucional 29 de 13 de setembro de 2000, regulamentada pela Lei Complementar 141, de 13 de janeiro de 2012, que assim estabelece a obrigatoriedade de investimentos em saúde: Art. 5º A União aplicará, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde, o montante correspondente ao valor em- penhado no exercício financeiro anterior, apurado nos ter- mos desta Lei Complementar, acrescido de, no mínimo, o percentual correspondente à variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB) ocorrida no ano anterior ao da lei orça- 298 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

mentária anual […]. § 2 o Em caso de variação negativa do PIB, o valor de que trata o caput não poderá ser reduzido, em termos nominais, de um exercício financeiro para o outro (BRASIL, 2012). Tanto a EC 29 quanto a Lei Complementar 141 vieram em um sen- tido de garantir a continuidade e progressividade dos investimentos em saúde, blindando-os de diferenças políticas advindas das sucessões dos governos, isto porque direitos fundamentais não devem se submeter a tais idiossincrasias, especialmente os que direta ou indiretamente acarretem risco de morte à população. Refletindo sobre os direitos sociais de maneira geral é possível perce- ber pelo texto constitucional que saúde e educação tiveram tratamento di- ferenciado. Esta posição foi também chancelada pelo STF, na medida em que ambos possuem duas características singulares: i) são considerados direitos sociais subjetivos (o que lhes garante a possibilidade de judicia- bilidade independente de uma política pública específica); ii) acerca dos dois há no texto constitucional a obrigatoriedade de investimento míni- mo, visando a proteção do seu conteúdo e sua concretização. Ainda que haja no texto constitucional estas proteções de maneira expressa, tal fato não impediu a tentativa de diminuição do conteúdo e da concretização da saúde pública no Brasil trazida pela EC 86. Assim, diante da modificação legislativa de caráter restritiva estabelecida pela EC 86, o Procurador Geral da República (PGR) ingressou junto ao Supremo Tri- bunal Federal (STF) com a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5595, distribuída em 23 de setembro de 2016, cujo relator é o senhor Mi- nistro Lewandowski. A ação visa à declaração de inconstitucionalidade dos arts 2º e 3º da EC 86, tendo sido feito pedido cautelar de suspensão da eficácia de destes dispositivos. Na conclusão da inicial é ressaltado que “a EC 86/2015 exacerba o quadro crônico de subfinanciamento da saúde pública no País, apontado ao longo desta petição, que causa número for- midável de mortes e agravos evitáveis à saúde dos cidadãos brasileiros, com enorme sofrimento individual e impactos na economia e no desen- volvimento” (STF. Petição inicial, 2016, p.32). O quadro demonstrado é estarrecedor, pois trata-se de mortes ou agravos a quadros clínicos, ou, na melhor das hipóteses, na piora da qualidade de vida de pessoas que necessitam do Sistema Único de Saúde. Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 299

Do ponto de vista dos direitos afrontados pela EC 86, o PGR elencou: direito à vida, à saúde, proibição do retrocesso social e devido processo le- gal substantivo. Todos os direitos apontados são fundamentais e estariam, portanto, abrangidos pelas cláusulas pétreas mencionadas no art. 60, §4º, IV, da Constituição da República de 1988. Diante da EC 86 e da ADI 5595 muitas perguntas ressoam, e um certo desapontamento com a atividade legislativa, na medida em que o direito à saúde pública nunca pôde ser considerado como concretizado, e desde o ano de 2015 sofreu contundente golpe. Outro fato que deve ser relembrado é que há consenso sobre o subfinanciamento da saúde públi- ca, não de agora, mas desde a promulgação da Constituição (PINTO et al, 2016; STF, 2016, petição inicial, p.8). De acordo com Pinto et al (2016) não se trata apenas da diminui- ção do valor do percentual de investimento estabelecido pelo art. 198 da Constituição, mas também de restrição aos “recursos oriundos da explo- ração do petróleo e gás natural sejam contabilizados como gasto mínimo da União, ao invés de operarem como acréscimos ao mesmo” (PINTO at al, 2016). Esta situação agrava ainda mais o retrocesso social derivado da medida, esquecendo-se da característica marcante do direito a saúde pública que é seu caráter subjetivo. Diante do quadro apontado o Ministro relator, ao decidir a medida cautelar, logo de início, assinalou: A Constituição Federal prevê, ao lado do direito subjetivo público à saúde, o dever estatal da sua consecução, cuja ga- rantia pressupõe “políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promo- ção, proteção e recuperação” (art. 196) (STF, Medida Caute- lar ADI 5595, 2017, p. 8). Ao considerar o direito à saúde direito público e subjetivo o Ministro relator já delineava previamente o conteúdo de sua decisão. Ser direito subjetivo, como já mencionado, significa ter aplicabilidade imediata e es- tar subordinado tanto à teoria subjetiva quanto à objetiva relacionadas dos direitos fundamentais. Não por outro motivo o senhor Ministro nova- mente identificou as disposições constitucionais que impõem ao Estado o dever à consecução e promoção do direito à saúde. Neste sentido retomou 300 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

a característica de objetividade10 dos direitos fundamentais, assim como a decorrência do caráter subjetivo traduzido pela proteção mediante orga- nização e procedimento, dialogando com a doutrina de Sarlet (STF. Deci- são cautelar, 2017, p.9). Ainda por ser considerado direito social subjetivo, o direito à saú- de pública não pode sofrer diminuição do seu conteúdo em função da proibição do retrocesso social. Esta disposição veio elencada na inicial da ADI 5595, e, para demonstrar a diminuição de investimentos em saúde oriunda da EC 86, o PGR juntou parecer da Procuradora do Tribunal de Contas de São Paulo, senhora Élida Graziane Pinto, bem como elencou a manifestação do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS). Em ambos os documentos ficou evidenciado que em função das disposi- ções da EC 86 haveria uma diminuição significativa dos valores investidos em saúde pública por parte da União. Assim restou consignado na inicial: [...] o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) realizou projeção do decréscimo de financiamento do SUS causado pela EC 86/2015, com base em dois diferentes cená- rios (em função da variação do produto interno bruto e da RCL da União) e considerando a execução de emendas par- lamentares individuais e as diferenças de aplicação mínima da União determinadas pela emenda. Com base nisso, nos exercícios de 2015 a 2017, as perdas máximas poderiam ser de R$ 3,18 bilhões em 2015, R$ 12,53 bilhões em 2016 e R$ 4,29 bilhões em 2017, totalizando cerca de R$ 20 bilhões a menos para financiar o sistema, que, como dito, já padece de subfinanciamento crônico (STF, ADI 5595, petição inicial, p. 18-19). Esses dados foram decisivos para a manifestação do Ministro relator, fazendo parte inclusive de sua decisão a fls. 3. Com a demonstração da redução numérica de investimentos em saúde decorrentes do texto da EC 86 restou comprovado que se tratava de um retrocesso social, especial- mente considerando que já era consenso entre os Ministros da Saúde an- teriores, e mesmo do senso comum, que os investimentos em saúde nunca foram suficientes para atender toda a população de maneira adequada, dentro das premissas de igualdade e universalidade apregoadas no texto constitucional em seu art. 196. Afora o fato de o financiamento à saúde ser insuficiente, vale desta- Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 301 car que, em função da dimensão objetiva dos direitos fundamentais, não se considera admissível a descontinuidade dos serviços públicos em fun- ção de omissão estatal por meio da não aplicação de orçamento público ou sua diminuição (STF, 2017, p. 10). Relembrando: o direito à saúde é direito elementar para a vida humana e fruto de conquistas históricas que não podem ser apagadas como se não representassem uma conquista so- cial. Neste sentido reconheceu o Min. Relator: Especificamente no caso em exame, a síntese parcial que cumpre firmar é a de que a proteção constitucional do direito à saúde e, por conseguinte, do direito à vida, exige que sejam assegurados concomitantemente a higidez do SUS e o seu financiamento adequado, seja pelo viés das fontes próprias e solidárias de receitas da seguridade social, seja pelo viés do dever de gasto mínimo no setor. Este é o estágio já conquista- do de realização do direito à saúde, cujo retrocesso viola seu núcleo essencial (STF, 2017, p.22). Pois bem, de tudo que foi dito até agora talvez já seja evidente o po- sicionamento desta autora, mas não custa lembrar que o direito à saúde é direito fim e direito meio. Negá-lo ou diminui-lo não significa apenas esfacelá-lo, mas também gerar consequências danosas em uma série de outros direitos de uma generalidade de pessoas. Seria este o objetivo so- cial da Constituição da República? Será que o Estado Social foi mesmo substituído pelo retorno do Estado Neoliberal?

7. CONCLUSÕES PRELIMINARES: ENTRE A MÃO E A CON- TRAMÃO PARA A CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL Abordar a saúde pública significa tratar de assunto de suma rele- vância, na medida em que sem saúde não há vida, e que, havendo saúde precária não se há que falar em dignidade humana. A história da saúde pública gratuita com acesso universal e igualitá- rio no Brasil é recente, tendo sido este direito constitucionalizado no for- mato apresentado apenas na Constituição de 1988. Mesmo com 29 (vinte e nove) anos de existência não se pode dizer que a saúde pública seja uma promessa adimplida, ao contrário, é ainda algo que requer ações e inves- timentos públicos. Do ponto de vista dos direitos fundamentais, a saúde é direito social 302 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 e subjetivo. Por ser direito social, e em função da ratificação do PIDESC e sua incorporação por via de decreto, sobre os direito à saúde é recoberto pelo princípio da progressividade quanto a sua implantação e concretiza- ção, o que redunda no reconhecimento da proibição do retrocesso social em relação a ele. Na mesma toada, desde a promulgação da Constituição de 1988 re- conhece-se a aplicabilidade imediata do direito à saúde do ponto de vista teórico. Na prática, entretanto, por ter caráter prestacional, fica submeti- da a orçamento público, debatendo-se a doutrina sobre a necessidade de programas de governo para sua aplicabilidade. Mesmo que o Supremo Tribunal Federal tenha reconhecido a saúde como direito subjetivo, o que afasta a necessidade de interposição legislativa para sua concretização, na prática o direito à saúde ainda não é realizado como deveria. Para complicar ainda mais a situação, diante da grave política e eco- nômica enfrentada pelo Brasil, em 2015, no dia 17 de março, foi promul- gada a EC 86 que restringiu os valores tidos por obrigatórios para investi- mento da União em saúde pública sob a justificativa de ajuste fiscal. Após o fato o PGR intentou a ADI 5595 questionando a constitucionalidade da EC 86 na medida em que ela violaria o direito à saúde, à vida, o princípio da proibição do retrocesso social, além do devido processo substancial. A ação embora ainda pendente de julgamento quanto ao mérito, já sinalizou a inconstitucionalidade da EC 86, adotando, especialmente, o princípio da proibição do retrocesso social na decisão da medida cautelar que de fato suspendeu os arts 2º e 3º da EC 86. Tendo em vista todas as conquistas históricas do constitucionalismo, especialmente do constitucionalismo social, é no mínimo esdrúxula uma atitude legislativa que diminui o investimento em saúde pública. Não se trata de mera inconstitucionalidade, mas de uma arma perversa de mo- lestar ainda mais a população pobre que abarrota os postos de saúde e demais locais onde este direito é prestado.

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Notes 1 O Estado Social não significa estado socialista. De acordo com Bonavides (2009, p. 186), o Estado Social comportou vários regimes de governo e vários aspectos prá- ticos também distintos, como socialização (em países em que o Estado estendeu seu domínio pela área econômica), o que, todavia, não é sua marca principal. 2 BRANDÃO, Rodrigo. Supremacia Judicial versus Diálogos Constitucionais: a quem cabe a última palavra sobre o sentido da Constituição? Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012 3 Tratamentos como a tuberculose, por exemplo, apenas são prestados pelo SUS, não estando disponíveis na rede privada de saúde. 4 Embora não se discuta diretamente neste artigo a dimensão objetiva dos direitos fundamentais é ela que possibilidade e fundamenta a afirmação feita acerca da vin- culação do legislador ao cumprimento da constituição o que implica também o dever de legislar. Essa teoria é tratada por Canotilho (2003), Sarlet (2011), Alves (2013), leituras as quais se direciona o leitor. 5 Não vamos nos ater nesta discussão, pois foge ao objetivo e ao espaço deste artigo. Todavia, acaso o leitor tenha intenção de aprofundar deve se reportar a ALVES (2013), SARLTET (2009), KRELL (2002) entre outros. 6 Optou-se por este marco temporal porque anteriormente a ele a saúde pública era basicamente inexistente, ficando a cargo de políticas esparsas do governo. Para maiores informações consultar Bertolli Filho, 2008. 7 O Estado pode ilidir sua responsabilidade baseado em provas processuais e não apenas na classificação do direito à saúde como programático. 8 Uso o requerimento administrativo como premissa na medida em que se houver deferimento administrativo não há sentido para a judicialização. E, por outro lado, a Administração não tem como anuir ou prestar serviço sem uma atitude do administra- do. Deixo claro, todavia, que esse não é um requisito legal para propositura de qual- quer espécie de ação sanitária. Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 307

9 Nesse sentido segue consolidada a posição de que para a aceitação da reserva do possível o Estado deve apresentar o orçamento público e demonstrar a impossibilidade de custear as despesas em serviços sanitários eventualmente pleiteados. 10 A teoria objetiva dos direitos fundamentais implica que todos os poderes estão vinculados ao cumprimento das normas constitucionais. Esta vinculação implica na necessidade de concretização dos direitos fundamentais. Ver Canotilho (2003). 308 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez Argumenta 2017 Journal309 Law n. 27 p. 309-336 Ruben Martinez DALMAU1 jul/dez 2017

Como citar este artigo: EL ESTADO COMO DALMAU, Ruben. El Estado como PROBLEMA EN EL problema en el constitucionalismo lationamericano y CONSTITUCIONALISMO la constitución de Querétaro de 1917. LATINOAMERICANO Y Argumenta Journal Law, Jacarezinho – PR, LA CONSTITUCIÓN DE Brasil, n. 27. p. 309-336. QUERÉTARO DE 1917 Data da submissão: 29/09/2017 STATE AS A PROBLEM IN LATIN AMERICAN Data da aprovação: CONSTITUTIONALISM AND THE CONSTITUTION 22/11/2017 OF QUERETARO OF 1917 O ESTADO COMO PROBLEMA NO CONSTITUCIONALISMO LATINO-AMERICANO E A CONSTITUIÇÃO DE QUERÉTARO DE 1917

SUMÁRIO: Introducción; 1. América Latina y el Estado como problema: del constitucionalismo fundacional al constitucionalismo democrático; 2. Querétaro y la recuperación del Estado como problema; 3. Tentati- vas de Estado del bienestar y adaptaciones del cons- titucionalismo social; 4. Entre las expectativas y los desencantos: el Estado como problema en el nuevo constitucionalismo; 5. Conclusión; Bibliografía.

RESUMEN: El constitucionalismo latinoamericano nace con un objetivo histórico determinado: construir un mo- delo liberal de derechos en el marco de un modelo liberal de Estado. Fue capaz de emancipar a sus pue- blos del yugo colonizador y fundar nuevas repúbli- cas. Pero con el constitucionalismo criollo, la Cons- titución fue usada como instrumento de dominación en un marco político escasamente democrático. La reaparición del constitucionalismo democrático con 1. Universitat de València – Espanha 310 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

Querétaro regresó a la cuestión de los derechos. Querétaro fue la primera Constitución latinoamericana del siglo XX en asumir de nuevo el proble- ma del Estado y entenderlo directamente relacionado con la democracia y el avance en derechos.

ABSTRACT: Latin American constitutionalism was born with a specific historical objective: to build a liberal model of rights within the framework of a li- beral model of state. It was able to emancipate his people from the metro- polis and to found new republics. But in the following constitutionalism the Constitution was used as an instrument of domination without demo- cracy. The reappearance of democratic constitutionalism with Querétaro returned to the question of rights. Querétaro was the first Latin American Constitution of the twentieth century to take up again the problem of the State and to understand it directly related with democracy and advance- ment in rights.

RESUMO: O constitucionalismo latino-americano nasce com um objetivo his- tórico determinado: construir um modelo liberal de direitos no marco de um modelo liberal de Estado. Foi capaz de emancipar aos seus povos do jugo colonizador e fundar novas repúblicas. Mas com o constituciona- lismo criollo, a Constituição foi usada como instrumento de dominação no marco político escassamente democrático. A reaparição do constitu- cionalismo democrático com Querétaro regressou a questão dos direitos. Querétaro foi a primeira Constituição latino-americana do século XX que assumiu de novo o problema do Estado compreendendo-o de forma dire- tamente relacionada com a democracia e o avanço nos direitos.

PALABRAS CLAVE: Nuevo constitucionalismo latinoamericano, Querétaro, Estado, de- rechos sociales, Constitucionalismo conservador.

KEYWORDS: New Latin American constitutionalism, Querétaro, State, social rights, Conservative constitutionalism. Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 311

PALAVRAS-CHAVE: Novo constitucionalismo latinoamericano, Querétaro, Estado, direi- tos sociais, constitucionalismo conservador.

INTRODUCCIÓN El constitucionalismo nace históricamente para determinar dere- chos y organizar el poder. La relación no es casual, sino sustantiva: no pueden garantizarse derechos sin adecuar las estructuras de poder, funda- mentalmente político, a la cautela de los derechos; pero, al mismo tiempo, un Estado que concentre el poder podría negar la viabilidad de los dere- chos. Por esa razón, el constitucionalismo nació dentro de los márgenes de la perspectiva liberal: el problema de los derechos y el problema del Estado forman intersecciones y requieren soluciones conexas. En térmi- nos de Dippel, “los principios del constitucionalismo moderno tuvieron origen en la pregunta de cómo la libertad individual podría asegurarse permanentemente contra las intervenciones del gobierno, considerando las debilidades de la naturaleza humana. ¿Cómo podrían edificarse cons- tituciones tomando en cuenta la experiencia histórica y política, así como la teoría política, el derecho y la filosofía?” (DIPPEL, 2005:183) Hoy ya no hablamos solo de libertades individuales; la evolución del constitucionalismo, especialmente en el denominado constitucionalismo social de después de la segunda guerra mundial, ha avanzado enorme- mente sobre esta visión limitada de la libertad y, en la actualidad, solemos referimos ampliamente a derechos sociales, derechos colectivos, derechos de los pueblos indígenas, derechos de la naturaleza... Por otro lado, tam- bién han evolucionado las formas de gobierno y la legitimidad de los poderes públicos. Pero, desde luego, en una relación mucho menor en comparación con el avance en derechos. Este desequilibrio entre derechos y Estado se ha mostrado particu- larmente patente en la evolución del constitucionalismo latinoamericano. Desde el constitucionalismo fundacional hasta el nuevo constitucionalis- mo, en contadas ocasiones -entre ellas el proceso revolucionario mexica- no que engendró a la Constitución de Querétaro- ha habido avances sus- tantivos en la reforma del Estado hacia una institucionalidad más certera en la protección de derechos y la creación de elementos emancipadores. 312 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

Tampoco los procesos constituyentes que originaron el nuevo constitu- cionalismo parecen haber resuelto el problema del Estado, y han centrado sus esfuerzos fundamentalmente en las partes dogmáticas de las Consti- tuciones. El presente trabajo quiere analizar a grandes rasgos el problema del Estado en el constitucionalismo latinoamericano. Para ello, se inicia- rá haciendo referencia al problema del Estado en el constitucionalismo fundacional latinoamericano con especial referencia a la relación con la Constitución de Cádiz de 1812; en segundo lugar, se tratarán los avances modernizadores en la institucionalidad pública que supuso la Constitu- ción de Querétaro de 1917; en tercer lugar, se describirán las limitacio- nes de las reformas constitucionales en el marco de los fallidos intentos de construcción del Estado social; a continuación, se hará referencia a la relación entre derechos y Estado en el nuevo constitucionalismo latinoa- mericano; para finalizar con unas breves conclusiones sobre los (pocos) avances y (varios) retrocesos del Estado como problema en la evolución constitucional latinoamericana.

1. AMÉRICA LATINA Y EL ESTADO COMO PROBLEMA: DEL CONSTITUCIONALISMO FUNDACIONAL AL CONSTITUCIONA- LISMO DEMOCRÁTICO Si en alguna ocasión se asumió verdaderamente el problema del Estado por parte del constitucionalismo latinoamericano, ésta fue en el marco de los procesos de independencia durante la primera mitad del si- glo XIX, cuando se redactaron las Constituciones fundacionales. Ello por cuanto, como no podía ser de otra manera, el constitucionalismo funda- cional latinoamericano consideraba la reforma política en los nuevos ter- ritorios que avanzaban insoslayablemente hacia la independencia como el centro del problema que debían afrontar los textos organizativos, aquello que Carrera Damas (2003) denominó las sociedades implantadas. En ese sentido, el constitucionalismo fundacional latinoamericano bebió de la misma fuente, argumentos y objetivos generales -la transformación del Estado- que las Constituciones liberales revolucionarias de finales del si- glo XVIII y principios del XIX; en particular, la contemporánea Constitu- ción de Cádiz de 1812. Aunque, como afirma Botero (2014:317) respecto a la Nueva Granada pero bien podría extrapolarse al resto del constitucio- Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 313 nalismo latinoamericano, la influencias no obstaculizaron la generación de textos propios de calado diferencial al español por cuando el constitu- cionalismo de la primera república (esto es, el constitucionalismo rebelde o independentista) surgió como una reacción política a las Cortes, que ya se erigían como la máxima autoridad en los territorios peninsulares libres de franceses, por lo cual el rechazo a la Constitución gaditana fue, prácticamente, un símbolo de emancipación por parte de las Juntas Pro- vinciales y de los Colegios Electorales revolucionarios neogranadinos1. Se optó, además, por el republicanismo como reacción a una monarquía que se entendía vetusta y con raíces premodernas. Cádiz fue cercana y lejana a la vez en la construcción del primer constitucionalismo latinoamericano. Las primeras constituciones latinoamericanas se ocuparon fun- damentalmente del problema del Estado. Cabe insistir en la semejanza apuntada anteriormente: tanto Cádiz como las constituciones funda- cionales latinoamericanas acometieron el problema del Estado como su principal actuación. De hecho, es esta transformación del Estado hacia los ideales del liberalismo -en el sentido de emancipación de las colonias y construcción de nuevos Estados en el caso americano, o de desman- telamiento del absolutismo y construcción del Estado liberal, en el caso europeo- el que definen al constitucionalismo liberal revolucionario, esto es, las primeras experiencias de constitucionalismo democrático. Por esa razón estas experiencias ubicaron como centro de su actuación constitu- yente la construcción de un Estado de nuevo cuño bien con la generación de nuevos elementos políticos, o bien con la construcción sobre elementos del pasado transformados de acuerdo con la doctrina liberal. En el caso latinoamericano, ese objetivo central de entender la cons- trucción de los nuevos Estados como verdadero centro de desempeño de las constituciones no impidió que por vía de los cauces de recepción de la modernidad -en especial a través de las élites ilustradas latinoamericanas- se incorporaran con fuerza instituciones propias de diferentes realidades, como la francesa o la norteamericana. Como se ha afirmado en otra sede, el constitucionalismo fundacional latinoamericano inaugurará una carac- terística que ya no abandonará hasta la aparición del nuevo constitucio- nalismo: su carácter de constitucionalismo de adaptación, donde la incor- poración de instituciones foráneas, de forma justificada o no, superó con creces lo que podría considerarse como una amplia influencia de estos 314 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 textos sobre las constituciones. Diversos aspectos fueron tomados de tex- tos constitucionales como el de Massachussets-Bay de 2 de marzo de 1780 y, desde luego, de la Constitución de los Estados Unidos de América de 17 de septiembre de 1787. De la primera, tanto la declaración de derechos como el republicanismo fueron adaptados, e incluso copiados, en consti- tuciones latinoamericanas; de la segunda, el presidencialismo y el federa- lismo fueron elementos definitorios en muchas de estas Constituciones, aunque en un sentido contrapuesto en la esencia de las dos características, pues el carácter federal fue entendido por el constitucionalismo liberal revolucionario como una forma de construcción del necesario equilibrio constitucional territorial disperso, así como de limitación del poder del Ejecutivo. Federal fue, de hecho, la primera Constitución latinoamerica- na, la venezolana de 1811 (MARTÍNEZ DALMAU, 2011:833); y todas las repúblicas recién nacidas asumieron como propio el sistema presiden- cialista norteamericano. En definitiva, el constitucionalismo fundacional latinoamericano, por su propia naturaleza, se ocupó principalmente del problema del Estado y su construcción. Ahora bien; la evolución del constitucionalismo latinoamericano en- tró en una dinámica sustantivamente diferente durante el siglo XIX y bue- na parte del XX, durante el cual el problema del Estado desapareció de los textos constitucionales y estos se volcaron en el mantenimiento del status quo conseguido por las clases dirigentes después del proceso emancipador y una vez desaparecidos los primeros bríos populares que habían susten- tado las ideas independentistas y republicanas. Este modelo latinoameri- cano de constitucionalismo conservador, el constitucionalismo criollo, se caracterizó por el uso débil de los textos constitucionales y el hecho de que estuvieran sometidos servilmente al orden político y económico impuesto por las élites dirigentes, ahora conformadas en torno a facciones o parti- dos. Como se ha afirmado en otra sede, en América Latina, incluso los tí- midos progresos del constitucionalismo del Estado liberal revolucionario fueron pronto cuestionados por la misma burguesía que había apoyado intelectualmente y con las armas la independencia de las colonias. Este cuestionamiento se produjo especialmente cuando se avanzaba hacia la nueva situación jurídica de independencia, y cuando quedaba cada vez más lejana la capacidad de la metrópoli de llevar adelante con éxito em- presas recolonizadoras. Las clases populares, muchas de las cuales apo- Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 315 yaban, siquiera pasivamente, la fundación republicana, y que en buena medida servían para la integración o apoyo de los ejércitos, se hacían cada vez menos necesarias siquiera como fuerzas de prevención. Las condicio- nes para los cambios en las preferencias de las burguesías criollas estaban, por lo tanto, dadas, así como la alianza entre los conservadores liberales y los liberales conservadores, que ejercería una influencia decisiva hasta el siglo XX (MARTÍNEZ DALMAU, 2011:841); . Esta subordinación de la Constitución a la política de facciones determinará el carácter nominal y programático de las constituciones, posiblemente el vicio más importante que arrastrará históricamente el constitucionalismo latinoamericano. En el constitucionalismo decimonónico postfundacional latinoame- ricano, esencialmente no democrático y, por lo tanto, conservador, se tra- dujeron jurídicamente los conflictos entre grupos sociales que bajo el pa- raguas de la lucha ideológica escondían intereses oligárquicos en tensión. Las constituciones decimonónicas fueron, en palabras de Valencia Villa (2010) en referencia al constitucionalismo colombiano pero en general ex- tensible al latinoamericano, cartas de batalla; lugares donde se imponían pensamientos victoriosos en diferentes conflictos. Estas constituciones criollas, así como el proceso codificador que las más modernas propugna- ban, estaban realizadas por y para las élites gobernantes; se alejaban, por lo tanto, de la realidad material de las sociedades donde deberían ser apli- cadas. Como afirmó rotundamente Gros Espiell (2002:168), “en muchos Estados latinoamericanos, con predominante, mayoritaria o muy impor- tante población indígena, el nuevo Derecho republicano posterior a la in- dependencia -que resultaba de las noveles Constituciones, como el que era la consecuencia de la legislación- se aplicó sólo a la población blanca y mestiza. Para el resto de la población, asentada en extensos territorios, el nuevo Derecho, nacido del proceso constitucional inicial y de la codifi- cación, fue Derecho formalmente válido, pero totalmente inaplicado. No formaba parte de la realidad jurídica viva. Sus normas, tanto en cuanto al fondo, como orgánica y procesalmente —en especial en lo que se refería a las relaciones civiles, comerciales y penales, a los órganos de ejecución y al procedimiento— no eran disposiciones aplicadas. Formaban una su- perestructura normativa escrita que no descendía a la realidad social y humana. No tenían ámbitos espaciales y personales de vigencia real, ni de acatamiento, resultante del paralelismo de las concepciones morales y 316 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 políticas de la población y los principios del Derecho Positivo escrito de los nuevos Estados”. Se iniciaba de esta manera, como se ha afirmado, el largo camino del nominalismo constitucional latinoamericano; textos formalistas, pla- gados de retórica, de muy escasa vigencia en el campo de la materialidad especialmente en la parte dogmática de las Constituciones.

2. QUERÉTARO Y LA RECUPERACIÓN DEL ESTADO COMO PROBLEMA El siglo XX se caracterizó por el continuismo de los fundamentos del constitucionalismo criollo. América Latina experimentó pocos cam- bios constitucionales, y se mantuvo la relegación del problema del Esta- do. Determinadas reformas constitucionales latinoamericanas de princi- pios del siglo XX incorporaron algunos elementos de lo que Gargarella denominó presidencialismo atenuado. Los perfiles que asumieron estos experimentos de presidencialismo atenuado fueron variados: formas de censura legislativa sobre los ministros del gobierno; la existencia de un primer ministro y un Consejo de Gobierno que podían perder la confian- za parlamentaria y verse en la obligación de dimitir, formas de censura parlamentaria combinadas con la capacidad del Ejecutivo para disolver las Cámaras... Guatemala, Costa Rica, o Cuba formaron parte del elenco de países que durante la primera mitad del siglo XX asumieron reformas de este tipo. Pero en ningún caso cuestionaron los fundamentos del presidencialismo que, cabe insistir, habían enraizado en la región des- de el origen del constitucionalismo (GARGARELLA, 2014:209-210), ni supusieron soluciones al problema del Estado de manera integral. Por otro lado, muchas de estas reformas siguieron la estela del primer texto del constitucionalismo latinoamericano del Estado democrático de Derecho: la Constitución de Querétaro de 1917. En Querétaro se regresó por primera vez desde el constitucionalismo fundacional a entender el Estado como problema y enfrentar sus soluciones. El proceso constitu- yente que se inició con el Decreto de 14 de septiembre de 1916 clarificó el problema: los cambios que era necesario impulsar llegaban a tal nivel de profundidad que, si se realizaran a través de la ley y de la reforma de la Constitución de 1857 podrían ser tachados de ilegítimos por las fuerzas más conservadoras. Por esa razón se utilizó la activación democrática del Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 317 poder constituyente: “Que planteado así el problema, desde luego se ve que el único medio de alcanzar los fines, es un Congreso Constituyente por cuyo conducto la nación entera exprese de manera indubitable su so- berana voluntad, pues de este modo, a la vez que se discutirán y resolverán en la forma y vía más adecuadas todas las cuestiones que hace tiempo están reclamando solución que satisfaga ampliamente las necesidades pú- blicas, se obtendrá que el régimen legal se implante sobre bases sólidas en tiempo relativamente breve y en términos de tal manera legítimos que nadie se atreverá a impugnarlos”2. La Constitución mexicana de 1917, fruto de una revolución integral (económica, social y política), quiso modificar las bases liberal-conserva- doras de la Constitución de 1857 manteniendo aquello que los constitu- yentes creyeron conveniente preservar pero introduciendo modificacio- nes propias de un avance democrático. Se trata, como hemos dicho, de una Constitución del Estado democrático de Derecho, emparentada por ello con textos constitucionales de su momento histórico pero adelantán- dose, en buena medida, a lo que después de la II Guerra Mundial será conocido como el constitucionalismo social. Su parte dogmática crecerá, por ello, exponencialmente, aumentando de manera notable la determi- nación de los derechos y sus garantías, e incorporándose no sólo en la vanguardia del constitucionalismo latinoamericano, sino mundial. Los mexicanos de 1917, después de las experiencias partidocráticas y autoritarias decimonónicas, en particular el porfiriato, que supusieron un enorme coste social en los sectores más desfavorecidos del país3 y que finalmente se tradujeron en un triunfo de las clases medias (CÓRDOVA, 1973:262), entendieron la necesidad de reconstituir el Estado y de repen- sarlo como un marco eficaz de garantía de los derechos. Esa es la razón por la que Carpizo afirmaba que la Constitución de 1917 fue consecuencia de las necesidades y aspiraciones de los mexicanos, que protagonizaron la primera revolución social del siglo XX (CARPIZO, 1979). El problema del Estado era tratado en el texto constitucional fundamentalmente por una cuestión económica: sin el fortalecimiento adecuado del Estado, éste no podría servir de garante y valedor de los derechos; pero, al mismo tiempo, debían incorporarse mecanismos de control democrático sobre las perso- nas que ejercían el poder público para evitar los excesos experimentados en el pasado. Se trata, como avanzamos en la introducción, de la cuestión 318 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 sobre el permanente y difícil equilibrio entre Estado interventor y Estado controlado, una de las más graves preocupaciones del constitucionalismo democrático. Como demuestra Revueltas, el Estado mexicano adquiere su carácter abiertamente interventor, y por ende “benefactor”, después de la Revolu- ción de 1910, cuando en la nueva Constitución de 1917 se estatuyen los preceptos que legitiman su papel interventor: atribución de importantes funciones al Ejecutivo (artículo 89); convalidación de su papel rector en el proceso productivo (artículos 25, 26 y 28); regulación de la propiedad y distribución de la tierra, dominio directo de recursos naturales; y, con el propósito de proteger al trabajador, intervención como arbitro de las relaciones entre patrón y obrero, y establecimiento de políticas sociales y de bienestar (artículo 123) (REVUELTAS, 1993:219). Una reforma esencial en la institucionalidad mexicana, y segura- mente la más conocida en la transición entre los textos de 1857 y 1917, fue la regulación del Poder Ejecutivo, en particular su legitimidad. El artículo 76 de la Constitución de 1857 determinaba que la elección del Presidente de la República era indirecta “en primer grado y en escrutinio secreto”, y las leyes electorales de 1857 y 1901 precisaron que existía un elector por cada quinientos habitantes; estos electores, a su vez, votaban por el presidente (CARPIZO 2004:49). Por su parte, el artículo 81 de la Cons- titución de 1917 fortaleció enormemente la legitimidad del Presidente a través de su elección directa. El artículo 83 prohibió cualquier posibilidad de reelección presidencial, como las que habían tenido lugar en el mar- co de las reformas de la Constitución de 1857: “El Presidente entrará a ejercer su encargo el 1o. de diciembre, durará en él cuatro años, y nunca podrá ser reelecto. El ciudadano que sustituyere al Presidente constitu- cional, en caso de falta absoluta de éste, no podrá ser electo Presidente para el período inmediato. Tampoco podrá ser reelecto Presidente para el período inmediato el ciudadano que fuere nombrado Presidente interino en las faltas temporales del Presidente constitucional”. Se quería por ello poner fin a la “enfermedad”, en metáfora de Pérez Barbadillo (2009:456), de la eternización en la Presidencia de la República que afectó a prácti- camente todos los presidentes mexicanos hasta entrado el siglo XX; una presidencia que en los textos anteriores a la Constitución de 1917 había estado copiada de la Constitución de Estados Unidos, pero sin dotarla de Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 319 las garantías y los límites que allá se desarrollaron. De hecho, después del intento de resurrección caudillista con Álvaro Obregón con la reforma de 1927 que reinstauraba la reelección, la nueva redacción del artículo 83 fue aún más taxativa4. Pero la profundidad de la reforma del Estado y el rescate de lo pú- blico que implicó la Constitución de 1917 no terminó, en ese punto, y profundizó en cuestiones poco o nunca vistas anteriormente en los tex- tos constitucionales. La Constitución estableció la propiedad de la nación sobre las aguas, los recursos naturales de la plataforma continental, y los zócalos submarinos de las islas; creó un Estado intervencionista en el marco de una economía mixta, en la que pudieran producirse los recursos necesarios para sufragar los derechos sociales (FAYA, 1987); determinó la laicidad del Estado en contra de potentes intereses de los poderes fácticos en el momento (RODRÍGUEZ, 2011:11-26); subvirtió el orden político rompiendo los mecanismos de control y subordinación de los órdenes lo- cales y estatales, buscando organizar la vida institucional del país a partir del desarrollo de las fuerzas políticas locales... (AZUELA, 1987:12-22). No hay duda del carácter revolucionario que impregnó el texto cons- titucional mexicano de 1917. Cuestión diferente ha sido el calado de las reformas a la Constitución que se produjeron posteriormente, en el paso del Estado protector al Estado neoliberal. Sobre esa cuestión regresaremos más adelante.

3. TENTATIVAS DE ESTADO DEL BIENESTAR Y ADAPTA- CIONES DEL CONSTITUCIONALISMO SOCIAL Solemos denominar constitucionalismo social -constitucionalis- mo del Estado Social y Democrático de Derecho- a los textos constitucio- nales que aparecieron en Europa después de la II Guerra Mundial -con el ya mencionado antecedente de Querétaro-, y que procuraban crear con- diciones materiales de igualdad basadas en la redistribución de la rique- za, el intervencionismo estatal en la economía, y la determinación de los derechos sociales. El objetivo del constitucionalismo social es crear un Estado del bienestar que asegure las condiciones de vida digna a todas las personas (SOTELO, 2010). En cuanto a América Latina, a pesar de los avances que supu- so la Constitución de Querétaro, la historia de la evolución democrática 320 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 del constitucionalismo no fue, como es conocido, particularmente po- sitiva durante el siglo XX. De hecho, el constitucionalismo democrático en América latina -con algunas excepciones, como el caso uruguayo de 1952 que estableció un Ejecutivo colegiado, suprimido quince años des- pués (GROS ESPIELL, 2002:99 y ss)-, tuvo alcances limitados, por cuanto triunfó el impacto de las oligarquías y las dictaduras frente a las posibles salidas democráticas. Se mantuvieron, por lo tanto, firmes los cimien- tos conservadores del constitucionalismo criollo. Como afirma Arango (2010:12 y ss), el constitucionalismo social en América Latina no se de- sarrollará doctrinal y jurisprudencialmente hasta prácticamente los años noventa del siglo XX. Como se ha afirmado en otra sede (MARTÍNEZ DALMAU 2012:85), la presencia de un constitucionalismo conservador no debe negar el he- cho de que en el constitucionalismo del siglo XX latinoamericano ha ha- bido intentos de desarrollo constitucional significativos, orientados en la mayor parte de los casos a plantear una modernización del Estado hacia la construcción del Estado Social siempre difícil y habitualmente poster- gada, y para la cual la Constitución era un elemento más dentro de la complejidad político-jurídica intrínseca al esfuerzo. De hecho, la orienta- ción de la evolución del constitucionalismo latinoamericano, como afir- ma Valadés (2003:30), se ha realizado en una doble dirección: ampliar los derechos fundamentales, con los correspondientes medios de garantía, y consolidar la democracia. Pero no cabe obviar que el constitucionalismo social latinoamericano, último estadio en la evolución del constituciona- lismo criollo, combinó, muchas veces a través de complejos malabarismos de ingeniería constitucional, la racionalización del poder y la mejora téc- nica formal, fruto del componente técnico que participó en su redacción, con la preponderancia presidencial y la inestabilidad constitucional, pro- ducto de las preferencias políticas coyunturales y del mantenimiento del poder de reforma en manos del poder constituido. Permanecieron de esta manera muchos de los vicios del constitucionalismo liberal conservador, particularmente la falta de legitimidad constituyente de los cambios cons- titucionales y la inaplicabilidad material de la Constitución. Los procesos de transición desde las dictaduras hacia las democra- cias representativas, en ocasiones durante breves periodos de tiempo, se realizó la mayor parte de las veces en el marco de reformas constituciona- Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 321 les que no introducían transformaciones de calado en el Estado. Las con- diciones históricas en los momentos de transición apenas eran capaces de incorporar cambios en el marco de la representatividad, muchas veces in- tentando recuperar procedimientos institucionales representativos perdi- dos durante los intervalos autoritarios. Por otro lado, la concentración de poder en las juntas militares se producían con una rompimiento material de la continuidad democrática, por lo que formalmente las dictaduras po- dían convivir con normas constitucionales previas que no contaban con ninguna vigencia práctica. Cabe tener en cuenta que los autoritarismos conservadores convivieron contemporáneamente con cierto auge de las alternativas rupturistas guerrilleras, especialmente a partir de la victoria de los rebeldes en Cuba. Salvo casos excepcionales -como el peruano de 1978, cuya asamblea constituyente se convocó después de una década de gobierno militar, y redactó la Constitución de 1979, que fenecería en 1992 durante la dictadura fujimorista (GARCÍA BELAÚNDE, 1991)- el consti- tucionalismo democrático no se desarrolló de manera viable. Por lo tanto, tampoco de produjo un repensamiento del Estado des- pués de las dictaduras, sino que se entendió como acuciante el reajuste institucional para regresar a unas elecciones libres. Las reformas consti- tucionales se centraron, de nuevo, en la realización de la transición con- trolada a la democracia representativa, sin cuestionarse en profundidad la estructura del poder público. En palabras de Cortés (2012:96), “el mito del desdibujamiento del Estado durante el neoliberalismo tuvo un cor- relato teórico notable: la reflexión crítica y general sobre el Estado se vio sumamente desplazada de los temas centrales de las ciencias sociales y humanas en América Latina. Se impusieron más bien preguntas en torno de los procesos de reforma y de los dilemas de la gobernabilidad, con es- pecial énfasis en una preocupación por la estabilidad del sistema político. En parte, esto se apoya en la herencia de las teorías de la transición a la democracia que dominaron el panorama intelectual de la región duran- te la década del ochenta. Allí, la problemática predominante se sostuvo más en una preocupación por el régimen político democrático que en las transformaciones que los Estados latinoamericanos venían sufriendo como producto de las dictaduras que predominaron en la región en los años setenta”. De nuevo parecía postergarse el problema del Estado. De hecho, en- 322 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 tre las pocas novedades que contaron estas reformas constitucionales po- demos destacar la tímida incorporación de herramientas parlamentarias en los sistemas presidencialistas, por un lado, y la creación de cortes cons- titucionales, por otro. Hagamos referencia, siquiera brevemente, a estas dos cuestiones. El eje presidencialismo-parlamentarismo constituyó un debate que se enmarcó durante este periodo de reformas a partir, principalmente, de finales de la década de los ochenta y principios de los noventa -aun con raíces anteriores, como el caso uruguayo aludido-, y que contó con elementos exógenos de cierto interés. El debate trató sobre la posibilidad de incorporación de elementos parlamentarios en los sistemas latinoa- mericanos, que habían nacido sustantivamente presidencialistas y no sólo no habían mitigado el poder de los ejecutivos, sino que éste se había re- forzado notablemente. A medida que la región transitaba de nuevo a la democracia aparecieron importantes análisis sobre las causas que habían conducido a los regímenes autoritarios y la ingeniería constitucional que podía emplearse para evitar la vuelta atrás. Fueron en particular los traba- jos de Linz sobre el presidencialismo los que influyeron relevantemente en el marco de las propuestas de diseño constitucional para América Latina que tuvieron lugar durante los años noventa. Desde una perspectiva histó- rica y desde una postura de firme posición contraria a la relación entre el presidencialismo y la democracia, Linz (1994) entendía que el futuro de- mocrático solo podría situarse en los consensos propiciados en el marco de un activo parlamentarismo. Explicaría que los avances democráticos europeos y su pervivencia en el tiempo se deberían, por lo tanto, en bue- na medida al parlamentarismo porque, sin contar con la excepción nor- teamericana, las democracias más estables han sido las parlamentarias. La argumentación fue contradicha por Nohlen en el extremo contrario del debate. A principios de los noventa este autor prevenía sobre la tenta- ción parlamentarista que, al querer descartar al presidencialismo, podría “encerrar riesgos mayores que los que intenta dejar atrás”. Para Nohlen (1991:44-46), la estabilidad política y el éxito socioeconómico de los paí- ses europeos en la posguerra tenían explicaciones más integrales que la sola vigencia de una forma de gobierno; los tipos ideales como tales no existen en forma pura ni son «buenos» ni «malos» por su correspondiente conformación; y se estaría comparando entre modelos no comparables. Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 323

La incorporación de Nohlen al debate preparó el terreno para que una parte de la doctrina europea participara en el que ya entonces comenzaba a apreciarse como decisivo debate entre presidencialismo y parlamenta- rismo en América Latina5. En segundo lugar, es posible que el mayor avance en la relación entre Estado y Constitución fuera la creación de tribunales constitucionales, con clara voluntad de combatir el nominalismo y apostar por el normativismo constitucional. Con antecedentes en Guatemala y Chile, fueron Perú y, especialmente Colombia, los que impulsaron la presencia de elementos concentrados en un sistema de control de la constitucionalidad6 que había sido poco efectivo y que, en todo caso, había seguido el modelo difuso norteamericano. Los sistemas donde la transición al sistema de control concentrado no ha sido completa porque se mantiene la posibilidad, fun- damento del control difuso, de que el juez ordinario deje de aplicar la ley por entender que es contraria a la Constitución, fueron conocidos como sistemas mixtos de control de la constitucionalidad7. En definitiva, se trataba de incorporar herramientas para paliar una de las deformidades históricas del constitucionalismo latinoamericano: su falta de aplicación (nominalismo). A partir de la Constitución colombiana de 1991 se expan- dió la ola de reformas para la introducción de tribunales constitucionales, en algunos casos por vía de la reforma constitucional (Bolivia, 1994), y en otros a través de las nuevas Constituciones democráticas en las que tam- bién la Constitución colombiana de 1991 sirvió como faro. Pero la incorporación de las reformas finalmente no fueron de ca- lado, hasta el punto de que el problema del Estado se entendió principal- mente como una cuestión de acción política y no un tema de diseño cons- titucional más allá de los ajustes mencionados. El problema del Estado se entendía como una mera cuestión de estabilidad y de gobernabilidad, acuciante tras las experiencias autoritarias pero insuficiente en una estra- tegia transformadora de la cual, desde luego, carecían estas reformas. La Constitución, en definitiva, se centraba en aspectos superficiales que des- de las teorías institucionalistas se consideraban enormemente relevantes y, con ello, seguía siendo útil para las élites dirigentes; por ello cualquier revisión del texto que supusiera una sublevación democrática a lo cons- truido en el pasado era ajeno a la voluntad institucional. A lo que hay que añadir el problema permanente de la legitimidad; o, más concretamente, 324 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 de la falta de legitimidad. El hecho de que el texto constitucional en la ma- yor parte de los Estados latinoamericanos estuviera en manos del poder constituyente constituido, esto es, de los representantes en el parlamento -cuando no, más grave aún, en manos de facciones autoritarias- facilitaba las reformas cosméticas de la Constitución, realizadas puntualmente y de acuerdo con las valoraciones y los intereses de los representados. Los re- ferendos sobre las reformas, que hubieran introducido debates relevantes en la sociedad y legitimado democráticamente las novedades constitucio- nales, brillaron por su ausencia. Volvamos, como ejemplo de lo expresado, a la Constitución de Que- rétaro de 1917. La gravedad y el calado de las reformas en el caso mexi- cano durante el periodo neoliberal fue de enorme trascendencia, hasta el punto de desfigurar el avance revolucionario que había supuesto el texto de 1917. Carrillo Nieto (2010:107-132) ha demostrado cómo han variado los fundamentos revolucionarios de Querétaro a través de las reformas desde el poder constituido, hasta afirmar que el cambio en las relaciones entre iglesia y Estado y las reformas indígena, educativa y económica con- figuran un proyecto de país distinto, con una relación interclasista dife- rente a la que produjo la revolución mexicana. Afirmaba Valadés (2013:23) respecto a la Constitución de Querétaro que “la Constitución de hoy y no es la de 1917. De los 136 artículos que la componen, sólo 22 no han sido modificados. Ahora bien, si lo medimos de otra manera y mensuramos qué porcentaje del texto actual es el que fue aprobado en Querétaro, veremos que esos 22 artículos corresponden apenas al 3% de la extensión del texto vigente. Eso es lo que nos queda de 1917”. A lo que hay que añadir que el problema fundamental no es tanto que la Constitución de 1917 no perviva materialmente en la mayor parte de su contenido, y que solo lo haga formalmente. El problema de fondo estriba en que las reformas no han sido democráticas, lo que ha desgastado el texto constitucional y ha introducido a una Constitución revolucionaria en un proceso permanente de retrocesos conservadores. En términos también de Valadés (2013:21-22), “Nuestra norma suprema ha sido ejemplar en más de un sentido. En su fase inicial cimentó la reno- vación del poder político; transformó las relaciones sociales; propició el optimismo colectivo e incorporó la idea de constitucionalidad a la cultura cívica del país. En esa etapa tuvimos una Constitución revolucionaria. En Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 325 un segundo ciclo las funciones de la Constitución derivaron hacia otros derroteros. Los objetivos de cambio cedieron su espacio a los de estabili- dad; la norma se orientó hacia la permanencia de un orden hegemónico y se privilegiaron la armonización de intereses, la temperación de las expec- tativas colectivas y la consolidación del poder presidencial. La tarea adap- tativa de la Constitución se vinculó al ejercicio concentrado del poder, de suerte que las reformas siguieron un ritmo que se situaba entre lo más que los gobernantes estaban dispuestos a ceder y lo menos que los gobernados estaban dispuestos a aceptar. Tuvimos entonces una Constitución conser- vadora”. Y, por lo tanto, un Estado que repetía los modelos anteriores, tan útiles para las oligarquías dominantes.

4. ENTRE LAS EXPECTATIVAS Y LOS DESENCANTOS: EL ESTA- DO COMO PROBLEMA EN EL NUEVO CONSTITUCIONALISMO La doctrina suele denominar nuevo constitucionalismo latinoameri- cano a la serie de Constituciones que surgieron de procesos constituyentes democráticos en América Latina a partir de la Constitución colombiana de 1991, y que conformaron una nueva etapa en la evolución del consti- tucionalismo latinoamericano, reincorporado en esta ocasión al constitu- cionalismo democrático8. Se trata, en términos de Alterio (2014:227-306), de una corriente del constitucionalismo contemporáneo. Una de las características que a primera vista pueden sorprender del nuevo constitucionalismo es que sea en América Latina, en el marco de las denominadas nuevas Constituciones, donde se inicia y desarrollan textos constitucionales transformadores. Este hecho, como se ha afirma- do en otra sede (VICIANO y MARTÍNEZ DALMAU, 2015:1237 y ss), puede llamar la atención porque en América Latina la vigencia del Estado periférico, forma política del capitalismo periférico, ha obstaculizado la construcción del Estado Social. Lo que no significa que no haya habido organización estatal, Estado, con todas las dificultades tanto definitorias como materiales del concepto. El constitucionalismo nace en el marco del Estado, y sin Estado no es posible pensar en una penetración democráti- ca de una organización política inexistente. Por esa razón es importante entender que es América Latina, y no otros espacios geográficos como África o determinados países asiáticos, donde se ha dado el contexto para la aparición del denominado nuevo constitucionalismo. 326 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

Sin ninguna duda, el gran aporte del nuevo constitucionalismo está en la determinación de los derechos. Nuevos derechos, y nuevos sujetos de derechos, aparecieron por primera vez en el constitucionalismo lati- noamericano, incluso mundial. Las condiciones de necesidad constitu- yente que las hicieron viables así lo justifican (VICIANO y MARTÍNEZ DALMAU, 2011). Como afirma Noguera (2010:15), en la Constitución colombiana de 1991 aparecen, aún de forma imperfecta pero claramen- te reconocible, algunos rasgos novedosos y diferenciados con respecto al constitucionalismo clásico, que más tarde impregnarán los procesos cons- tituyentes ecuatoriano de 1998, venezolano de 1999, boliviano de 2006- 2009 y, de nuevo, en 2007-2008; y que, sin duda, nos permiten hablar de un nuevo constitucionalismo latinoamericano. Un elemento de- terminante de esta nueva visión de los derechos es el pluralismo: se trata de Constituciones que, a decir de Uprimny (2011:112), “amparan sobre todo a grupos tradicionalmente discriminados, como los indígenas y las comunidades negras, a los cuales en ciertos países incluso se les recono- cen derechos especiales y diferenciados de ciudadanía; en la medida en que se establecen circunscripciones especiales de representación política para estas comunidades, se incorporan sus lenguas como lenguas oficiales y se les reconoce un poder judicial propio y autonomía en sus territorios para la decisión de ciertos conflictos, de acuerdo con sus cosmovisiones”. Y que abrazan nuevos elementos axiológicos relacionados con la naturale- za; particularmente, destaca Aparicio (2011:1-24), en el caso ecuatoriano y boliviano se da una importante vinculación entre derechos ambientales y derechos indígenas; se reconocen los derechos de la naturaleza en la Constitución ecuatoriana, y se entienden los derechos como herramien- tas para una transición hacia un modelo de convivencia: el Buen Vivir (sumak kawsay) o Vivir Bien (suma kamaña), según se recoge respectiva- mente en la Constitución ecuatoriana y en la boliviana. Mucho se ha escrito sobre los avances en derechos del nuevo consti- tucionalismo. Pero poco se ha escrito sobre la transformación del Estado en el nuevo constitucionalismo. Seguramente porque no hay mucho que escribir. Gargarella (2014:332) podía decirlo más alto, pero no más claro; en referencia a estos últimos procesos constituyentes, este autor demues- tra “lo limitada que ha sido la tarea de quienes trabajaron en los recientes procesos de reforma constitucional: ellos no han podido o no han querido Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 327 llegar tan lejos como era quizás necesario para asegurarle a tales refor- mas la potencia transformadora que se pretendía que tuvieran. Es claro que en muchos de los procesos constituyentes referidos se evidenció un esfuerzo especial por atender de modo prioritario las necesidades de los grupos más vulnerables de la sociedad (...). Uno de los problemas más significativos sufridos por tales reformas apareció, justamente, por haber concentrado las energías del cambio en la sección de los derechos de las mismas, sin reconocer la influencia que tiende a ejercerse sobre ellos des- de la sección constitucional dedicada a la organización del poder”. En efecto; las condiciones materiales de los procesos constituyentes requerían una acción urgente en materia de derechos, y el problema del Estado quedó de nuevo más ausente que presente. En los procesos cons- tituyentes latía la necesidad de repensar el Estado, pero las urgencias de los procesos políticos, los temores a la pérdida de legitimidad, o la falta de condiciones materiales para el cambio impidieron un desbordamiento de la transformación en el campo del Estado como sí había tenido lu- gar en materia de derechos. Muchos artículos de las partes orgánicas de las nuevas Constituciones fueron calcados o adaptados desde los textos constitucionales anteriores, sin apenas cambios. De nuevo contamos con la misma estructura institucional, un Presidente de la República elegido a una o dos vueltas, un parlamento apenas renovado -salvo cambios de transcendencia limitada, como el número de integrantes de cada cámara o la transición a la unicameralidad-, la distribución territorial del poder unitaria, autonómica o federal... Por supuesto que las nuevas Constituciones no replicaron sin más toda la sistemática institucional anterior, sino que incorporaron modifica- ciones en la institucionalidad pública de profundidad variable. Pensemos por ejemplo en el surgimiento de la Función de Transparencia y Control Social en la Constitución ecuatoriana de 20099, o en la eliminación de una cámara parlamentaria en la Constitución venezolana de 1999. Otros cambios institucionales de calado han sido la incorporación de formas de participación democrática activa -democracia participativa- y, segura- mente el más importante, la marginación del poder constituyente consti- tuido en buena parte de las Constituciones latinoamericanas, por lo que los textos constitucionales han dejado de estar a disposición de los gober- nantes y la decisión última corresponde al pueblo. En términos de Villa- 328 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 bella (2010:72), los mecanismos de democracia participativa contorna- rían “una democracia multifacética, políticamente interactiva, en libertad real, con dignidad plena, basada en valores republicanos y erigida en la Constitución como soporte cívico del proyecto de deber ser de una socie- dad”. Ahora bien; estas novedades no afectaron en profundidad al modelo liberal de Estado, arrastrado prácticamente desde el constitucionalismo fundacional, y no se circunscribieron a un diseño integral que respondie- se a las nuevas necesidades de transformación institucional. Los procesos constituyentes, en general, no repensaron el Estado y mantuvieron una estructura muy cercana, con algunos matices, a la que se había construido durante el constitucionalismo criollo. Dicho esto, no sería justo quitarle valor a los intentos de descoloniza- ción que plantean particularmente dos de las Constituciones a las que se ha hecho referencia: la ecuatoriana de 2008 y la boliviana de 2009. En am- bos casos estamos ante la sustitución de varios fundamentos clásicos por, como afirma Medici (2010:5-6), una “opción decolonial, entendida como la perspectiva crítica que pretende llamar la atención sobre las continui- dades históricas entre tiempos coloniales y postcoloniales”. Lo cual guarda directa relación con el reconocimiento de la plurinacionalidad y los de- rechos de los pueblos indígenas ya referido, seguramente el mayor avan- ce existente en comparación con la sistematicidad institucional anterior (MARTÍNEZ DALMAU, 2013). Veamos, por ejemplo, cómo describe De Sousa Santos (2010:84-86) la nueva institucionalidad respecto al caso par- ticular boliviano, sin duda el que más se ha acercado a un repensamiento del Estado: “La plurinacionalidad implica el fin de la homogeneidad ins- titucional del Estado. La heterogeneidad puede ser interna o externa. Es interna siempre que en el seno de la misma institución estén presentes diferentes modos de pertenencia institucional en función de los derechos colectivos. Es externa, siempre que la dualidad institucional paralela y/o asimétrica sea la vía para garantizar el reconocimiento de las diferencias. Hay así dos tipos de diferencias derivadas del reconocimiento de la pluri- nacionalidad: las que pueden ser plasmadas en el seno de las mismas ins- tituciones (compartidas) y las que exigen instituciones distintas (duales)”. A continuación, el autor cita tres ejemplos de institución compartida: la Asamblea Legislativa Plurinacional, el Tribunal Constitucional Plurina- cional y el Órgano Electoral Plurinacional. Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 329

Pero estas introducciones descolonizadoras deben convivir con ins- tituciones que prácticamente provienen de la construcción postcolonial decimonónica; con parlamentos pensados para las condiciones del Esta- do liberal decimonónico, procesos legislativos con muy pocos o ningún cambio, presidentes y gobernadores, órganos judiciales intocados, rela- ciones entre el Ejecutivo y el Legislativo que guardan incluso las formas que tenían doscientos años atrás... Lo que genera conflictos, desencantos y desconfianzas respecto a las potencialidades de las nuevas Constituciones. En definitiva, no puede negarse que el nuevo constitucionalismo ha introducido cambios, algunos de importancia, en el marco de la institu- cionalidad. Pero el efecto transformador de los mismos no ha sido el espe- rado, porque el alcance de las reformas no modificó el embrión del Estado criollo. Los esfuerzos se vertieron principalmente en la determinación de derechos, y se agotaron a medio camino de la transformación del Estado. Es necesario reconocer los avances en la descolonización y de creación de pluralidad; el mismo hecho de plantear el problema significa cualitativa- mente una conquista de enorme relevancia. Pero en buena medida el pro- blema del Estado sigue pendiente, incluso en el nuevo constitucionalismo.

5. CONCLUSIÓN Desde el plano teórico, el constitucionalismo democrático es un constitucionalismo en transición permanente. Si las decisiones son de- mocráticas, se adaptan a la voluntad del pueblo, que es coyuntural. Por esa razón, sólo se puede temer los cambios democráticos desde una pers- pectiva no democrática; esto es, conservadora. Asimismo, el hecho de que se trate de un constitucionalismo en transición determina su naturaleza abierta, potencialmente mutable, que puede huir de los corsés y adaptarse a las necesidades del momento. Pero hay que tener en cuenta la materialidad de las Constituciones como factores históricos de determinación política. Las Constituciones responden a su época y, por ello, van de la mano de las necesidades, lími- tes y capacidades históricas presentes en el momento. Toda Constitución es necesariamente una Constitución histórica, y no puede escapar de los factores determinantes que envuelven el momento en que se produce.

Por esa razón, el constitucionalismo latinoamericano nace con un 330 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 objetivo histórico determinado: construir un modelo liberal de derechos en el marco de un modelo liberal de Estado. No podía ser de otra manera en la época histórica en que se manifestó este constitucionalismo y, de he- cho, cumplió ampliamente con sus expectativas: fue capaz de emancipar a los pueblos latinoamericanos del yugo colonizador, de fundar nuevas repúblicas, y de establecer los cauces para la construcción de sociedades libres. La consagración de derechos y la ocupación sobre el problema del Estado fueron, por lo tanto, de la mano en el constitucionalismo funda- cional latinoamericano. Cuestión diferente fue la involución conservadora, en la que se aplazaron ambos objetivos. En la época del constitucionalismo criollo, la Constitución era servil a las oligarquías dirigentes, y fue usada como instrumento de dominación en un marco político escasamente abierto y democrático donde predominaba la lucha entre partidos -que, más que conflictos ideológicos, encubría contiendas entre grupos rivales- o los pe- riodos autoritarios. La reaparición del constitucionalismo democrático en América Lati- na, con Querétaro, regresó a la cuestión de los derechos. Y lo hizo también desde el problema del Estado. De hecho, Querétaro fue la primera Cons- titución latinoamericana del siglo XX en asumir de nuevo el problema y entenderlo como una cuestión directamente relacionada con la revolu- ción democrática y el avance en derechos. Se incardina así a las Consti- tuciones revolucionarias democráticas europeas de finales del siglo XIX y de principios del siglo XX, como la Constitución de Weimar de 1919 o la Constitución del a II República Española de 1931. La segunda mitad del siglo XX fue protagonista de la oleada de re- formas constitucionales que, en el mejor de los casos, querían ser intentos de adaptar el constitucionalismo latinoamericano a los nuevos regímenes democráticos y al modelo social de Constitución; en otros, simplemente introducir los postulados económicos del neoliberalismo. Los primeros fueron en buena parte intentos fallidos, porque las condiciones de desi- gualdad económica y social auguraban dificultades difícilmente supera- bles en la construcción del Estado social. Fueron, por otro lado, reformas que solo tangencialmente repercutían en el Estado; en particular, con la incorporación de algunos elementos parlamentarios en los sistemas pre- sidencialistas, y en algunos casos con la presencia de tribunales constitu- Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 331 cionales en el afán de conseguir la tan anhelada normatividad de la Cons- titución. En el peor de los casos, estas reformas fueron avasalladas por los regímenes autoritarios, que desconocieron la Constitución en todas sus dimensiones. La aparición, a partir de la década de los noventa del siglo XX, del nuevo constitucionalismo latinoamericano regresó al problema de los de- rechos. Las condiciones de desigualdad social y violaciones a la dignidad de las personas y las comunidades fueron el detonante de los procesos constituyentes que, a partir del colombiano de 1991, establecieron como prioridad la determinación y protección de los derechos clásicos y la crea- ción de nuevos derechos y nuevos sujetos de derechos: las mujeres, los ancianos, los pueblos indígenas, grupos vulnerables... vieron, en algunos casos por primera vez, determinados sus derechos en los textos consti- tucionales. El avance del nuevo constitucionalismo, en este sentido, fue decisivo. Pero no ocurrió lo mismo respecto al problema del Estado. Salvo algunas reformas tímidas, la mayor parte de ellas relacionadas con la in- corporación de una mayor participación y limitadas a cuestiones institu- cionales, el nuevo constitucionalismo no asumió la necesidad o la posi- bilidad de una verdadera transformación del Estado, especialmente de la destrucción de elementos coloniales que todavía perviven. Algunos avan- ces excepcionales fueron determinados intentos de descolonización, in- troducción de conceptos como la plurinacionalidad y el pluralismo jurídi- co, y el subrayado en la importancia de sustituir el modelo de democracia representativa por el de democracia participativa. Pero no fue suficiente. Esta relegación del problema del Estado pudo ocurrir tanto por el temor a lo que podría conllevar la pérdida de instituciones centenarias y la construcción de una nueva institucionalidad descolonizada como al hecho de que el fundamento de los cambios constituyentes habían sido los derechos, y se dotaba de prioridad su garantía aun cuando se reconociera que el problema del Estado quedaría relegado a un segundo plano por el propio agotamiento de las fuerzas transformadoras; hubo un desconoci- miento, expreso o tácito, de la relación entre Estado y derechos. De hecho, esta constatación es utilizada por la doctrina formalista para criticar al nuevo constitucionalismo. El problema del Estado en América Latina, doscientos años des- 332 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 pués de las Constituciones fundacionales, sigue más vigente que nunca; más necesario que nunca. El constitucionalismo transformador implica replantearse las instituciones que no funcionan y penetrar democrática- mente en las estructuras del poder público; buscar nuevos mecanismos de gobierno, más democráticas y transparentes, con mayor capacidad emancipadora. Solo con un Estado fuerte y adaptado a las necesidades de la época histórica en la que vivimos podremos garantizar los derechos y construir sociedades emancipadas. Hacia esos caminos deberían dirigirse los próximos pasos del nuevo constitucionalismo latinoamericano.

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Notes 1 Afirma el autor que “la Constitución de Cádiz y su constitucionalismo, no fue- ron ajenos a la Nueva Granada. Pero tampoco podría creerse que el constitucionalis- mo neogranadino fue una consecuencia directa del primero ni mucho menos podría afirmarse categóricamente que rigieron plenamente en el virreinato (¿acaso rigió así, plenamente, en algún territorio neogranadino bajo control español?). La respuesta, pues, es un contradictorio sí y no. Entonces, sólo con una visión global de la revolución atlántica, del panorama hemisférico, podría entenderse esta lejanía y, a la vez, cercanía de constituciones y constitucionalismos” (pág. 386). 2 Séptimo considerando del Decreto de 14 de septiembre de 1916. 3 De entre la ingente bibliografía sobre la revolución mexicana podemos destacar por su claridad expositiva el trabajo de Knight (2010). 4 Se trata de la reforma de 1933: “El ciudadano que haya desempeñado el cargo de Presidente de la República, electo popularmente o con el carácter de interino, provi- sional o sustituto, en ningún caso y por ningún motivo podrá volver a desempeñar ese puesto”. Como señala Carpizo (2004:58), “Ahora se tiene una prohibición absoluta, con la que estamos de acuerdo, porque ella nos ha sido enseñada por la historia”. 5 Respecto al debate institucionalista sobre presidencialismo o parlamentarismo en América Latina, cfr. Martínez Dalmau, 2015:35-54. 6 En general, cfr. García Belaúnde, 2006. 7 Para una clasificación de la multiplicidad de formas del sistema mixto en América Latina, cfr. Nogueira, 2003:61 y ss. La propia existencia de los sistemas mixtos, con ras- gos difusos y concentrados, descubre la falta de sistematicidad en la ordenación de los mecanismos de control de la constitucionalidad, y crea permanentes conflictos entre interpretación de la ley y de la Constitución. 8 En general, cfr. Viciano y Martínez Dalmau, 2011:1-24; y Salazar, 2013:345 y ss. 9 La innovación de la Función de Transparencia y Control Social despertó enormes expectativas, y formaba parte de un vector de cambios que respondían al resurgimien- to de la democracia participativa en el marco de la toma de decisiones públicas. Cfr. Martínez Dalmau, 2016:158-174. Con el tiempo, no obstante, estas expectativas se han diluido enormemente. V. gr., cfr. Vera , 2016:145-175. 1 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez Argumenta 2017 Nathalia Brunnelly Rocha de OLIVEIRA Journal337 Law Rosa Maria Freitas NASCIMENTO2 n. 27 p. 337-376 Rogéria Gladys Sales GUERRA3 jul/dez 2017

Como citar este artigo: O DESAFIO DA OLIVEIRA, Nathalia B., NASCIMENTO, CONCRETIZAÇÃO DOS Rosa Maria, GUERRA, Rogéria G. O desafio da DIREITO SOCIAIS DO concretização dos direitos sociais do TRABALHADOR: UMA trabalhador: uma análise da possibilidade ANÁLISE DA POSSIBILIDADE de cumulação dos adicionais de DE CUMULAÇÃO insalubridade e periculosidade e o retrocesso do TST. DOS ADICIONAIS DE Argumenta Journal Law, Jacarezinho – PR, INSALUBRIDADE E Brasil, n. 27. p. 337-376.

PERICULOSIDADE E O Data da submissão: 29/09/2017 RETROCESSO DO TST Data da aprovação: 12/12/2017 THE CHALLENGE TO SOCIAL LABOR LAW EFFECTIVENESS: AN ANALYSIS ON THE POSSIBILITY OF ACCUMULATING PAYMENTS FOR INSALUBRIOUS AND DANGEROUS CONDITIONS AND THE REGRESSION OF THE TST EL DESAFÍO DE LA CONCRETIZACIÓN DE LOS DERECHOS SOCIALES DEL TRABAJADOR: UN ANÁLISIS DE LA POSIBILIDAD DE CUMULACIÓN DE LOS ADICIONALES DE INSALUBRIDAD Y PERICULOSIDAD Y EL RETROCESO DEL TST

SUMÁRIO: 1.Introdução; 2. Dos direitos sociais e a dinâmi- ca protecionista da Constituição Federal de 1988; 3. Proteção do meio ambiente do trabalho, direito à saú- de e a “dignificação” do trabalhador no âmbito labo- 1. Universidade Católica de ral; 4. A monetização dos riscos no ambiente de tra- Pernambuco – Brasil balho; 4.1. Adicional de insalubridade; 4.2. Adicional 2. Universidade Católica de de Periculosidade; 5. O controle de convencionalida- Pernambuco – Brasil de dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos 3. Universidade Católica de e o Transconstitucionalismo: solução promissora à Pernambuco – Brasil 338 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 concretização dos Direitos Humanos do trabalhador; 6. Impossibilidade de cumulação do adicional de insalubridade e periculosidade: Posiciona- mento do TST mediante uma interpretação restritiva; 7. Considerações finais: quando as cortes negam direitos; Referências.

RESUMO: Este artigo tem como objetivo abordar a possibilidade de cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade, quando o trabalhador está submetido a duplo risco. Diante de uma visão moderna, ao emprega- do deve se garantir os direitos fundamentais sociais como consagração do princípio da dignidade da pessoa humana. Apresentando o aplicador do direito função de relevância na concretização destes direitos por meio de interpretações que adequem os direitos sociais dos trabalhadores a reali- dade social.

ABSTRACT: This article aims to address the accumulation of payments for in- salubrious and dangerous activities when the employee is submitted to double risk. Before a modern view, the fundamental social rights must be guaranteed to workers as the respect of the human dignity principle. Thus, lawyers have an important function in the effectiveness of these rights by means of interpretations that are compatibles with the social reality.

RESUMEN: Este artículo tiene como objetivo abordar la posibilidad de acumula- ción de los adicionales de insalubridad y peligrosidad, cuando el trabaja- dor está sometido a doble riesgo. Ante una visión moderna, al empleado debe garantizarse los derechos fundamentales sociales como consagra- ción del principio de la dignidad de la persona humana. Presentando el aplicador del derecho función de relevancia en la concreción de estos de- rechos por medio de interpretaciones que adecuen los derechos sociales de los trabajadores a la realidad social.

PALAVRAS-CHAVE: Direitos sociais; periculosidade; insalubridade

Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 339

KEYWORDS: Social rights; Dangerousness; Insalubrity.

PALABRAS-CLAVE: Derechos sociales; Periculosidade; Insalubridade

1. INTRODUÇÃO A Constituição Federal de 1988, também batizada de constituição ci- dadã, foi caracterizada por sua proeminente proteção à pessoa humana ao instituir no seu bojo relevantes direitos e garantias ao indivíduo, sendo a vontade do constituinte prover a todos os brasileiros condições de melhor exercer sua cidadania. E, para tanto, não apenas instituiu direitos sociais, mas também mecanismos para torná-los eficazes, impondo aos operado- res do direito sua concretização. No plano dos direitos fundamentais sociais, o constituinte ainda, im- plementou relevante gama de proteção aos direitos do trabalhador urbano e rural, sendo certa a importância atribuída ao trabalho. O objetivo pre- sente na Constituição Federal de 1988 é ampliar a tutela do trabalhador, promovendo políticas voltadas a sua concretização, sendo a matriz her- menêutica de sua interpretação e proteção. Ao homem que labora, a Constituição Federal de 1988 garante ple- na proteção à sua saúde e vida, exigindo um meio ambiente de trabalho compatível com estas tutelas. E ainda prevê pagamento de adicionais de insalubridade, aos trabalhadores submetidos a ambientes de labor onde se observa as normas básicas de higiene, afetando diretamente a sua saúde; e o adicional de periculosidade que como a denominação já supõe, são devidos a obreiros expostos a situações perigosas, podendo gerar violação do seu bem maior: a vida. A grande celeuma jurídica que circunda o tema ocorre quanto à pos- sibilidade de cumulação entre ambos os adicionais, haja vista ser possível um único obreiro submetido ao mesmo tempo a ambientes insalubres e perigosos, devendo fazer jus a ambos adicionais. Desarrazoada seria a de- cisão de impossibilidade de tal cumulação. No entanto, não é deste modo que o Tribunal Superior do Trabalho vem se posicionando a respeito do assunto. O referido tribunal adota a tese da impossibilidade da cumu- 340 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 lação de adicionais de periculosidade e insalubridade, e desta maneira, “fecha os olhos” para toda uma sistemática axiológica e principiológica presente na Constituição Federal, onde vigora como estrutura basilar o princípio da dignidade da pessoa humana. Ao fazer uso de métodos de interpretação restritiva o Poder Judiciário não é capaz de assegurar os di- reitos fundamentais sociais do trabalhador. Diante deste contexto, o presente artigo defende a possibilidade de cumulação dos adicionais de periculosidade e insalubridade, quando o obreiro está sujeito a ambos fatos geradores. Para tanto, e como forma de ambientação do leitor, aborda-se, primeiramente, toda uma sistemática protetiva da Constituição de 1988, no que tange o progresso dos direitos sociais. Posteriormente, traça-se disposições constitucionais e interna- cionais a respeito da positivação do direito a saúde do trabalhador, bem como à necessidade de um meio ambiente de labor equilibrado, garantin- do desta forma o trabalho digno e decente. E ainda analisa-se de forma sistemática os adicionais de periculosidade e insalubridade, para demons- trar seus aspectos gerais, também será estudado e comentado o acordão do TST que impossibilitou a cumulação dos referidos adicionais. Por fim, será atribuído à concretização dos direitos sociais do trabalhador ao papel do poder judiciário em proferir interpretações capazes de tornar os direi- tos realidade, baseada em todos os valores e princípios constitucionais. Este artigo constitui se de revisão bibliográfica, feita de forma sis- temática em livros, artigos e revistas, além de pesquisas nas dissertações online e em jurisprudência. Comprovando que o trabalhador deve ser en- xergado como sendo sujeito de direito, titular de direitos fundamentais, os quais devem ser protegidos.

2. DOS DIREITOS SOCIAIS E A DINÂMICA PROTECIONISTA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 constituiu um divisor de águas, encerrando uma longa era de autoritarismo viven- ciada pela implementação da ditadura militar no Estado Brasileiro, pro- movendo a democratização, implementação e fortalecimento da proteção dos direitos e garantias fundamentais, tolhidos durante este período his- tórico (PIOVESAN, 2013, p 56). A queda deste sistema ditatorial no Brasil possibilitou uma maior Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 341 abrangência e observância pelo direito interno às questões relacionadas ao direito internacional, principalmente no que se diz respeito à proteção dos direitos humano. Tal postura não poderia ser contrária, haja vista as semelhanças histórico-fáticas de ambas as ordens jurídicas, a ordem in- terna vivenciava uma trajetória já atravessada pela ordem internacional, quando do encerramento das duas grandes guerras mundiais, qual seja: a reconstrução de um sistema voltado à proteção da pessoa humana, após um cenário de profundas violações. O processo de internacionalização dos Direitos Humanos e a siste- mática tutela do indivíduo, que se desenvolveu no pós-segunda guerra, refletiu e fundamentou diversas constituições ao redor do mundo. A pes- soa humana passou a ser o centro das preocupações e a soberania estatal cedeu espaço à tutela do homem, a partir do surgimento do Direito In- ternacional dos Direitos Humanos. Os Estados assumiram uma postura cooperativa “abrindo” suas Constituições à propagação dos Direitos Hu- manos no âmbito internacional, bem como expandindo o rol dos direitos fundamentais na ordem interna. Assim, em virtude de tal raciocínio a tendência é que cada vez mais as Constituições dos países estejam abertas à incorporação dos Direitos Humanos, ampliando desta maneira o rol dos seus direitos fundamentais, e proporcionando um maior diálogo entre or- dem interna e internacional. O período pós-segunda guerra também foi marcado pela transição do modelo positivista, aproximando a ética do direito, na medida em que se valorizou o arcabouço principiológico, bem como se reconheceu a sua normatividade (PIOVESAN, 2013, p 59). Ade- mais, necessário se faz destacar que os Direitos Humanos em sua acepção contemporânea, devem ser enxergados na sua integralidade, não se pode ignorar o fato de que constituem como característica precípua, além da universalidade, a indivisibilidade. Tal lógica se construiu ao longo do tem- po, tendo seu marco inicial com a Declaração Universal dos Direitos do Homem que conjugou direitos civis e políticos com direitos sociais, eco- nômicos e culturais, constituindo um ponto de encontro entre o discurso do estado liberal com a emersão do Estado social (PIOVESAN, 2013, p. 129). A noção da universalidade e da indivisibilidade dos Direitos Hu- manos também passaram a influenciar o constitucionalismo de cada país. Sob a vigência de um Estado social não era mais exigido do Estado uma 342 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 postura de abstenção, mas de prestação na tentativa de amenizar as de- sigualdades social e proporcionar justiça social (FERNANDES, 2010, p. 333). Neste sentido, afirma Piovesan (2013, p. 129): “O Estado passa a ser visto como agente de processos transformadores, e o direito à abstenção do Estado, nesse sentido, converte-se em direito à atuação estatal, com a emergência dos direitos à prestação social”. Diante deste cenário histórico, a Constituição da República Fede- rativa do Brasil de 1988 não tomou contornos diferentes do contexto mundial, apresentando em seu bojo importante proteção aos direitos e garantias fundamentais, e estabelecendo como princípio basilar do orde- namento jurídico o da dignidade da pessoa humana, sendo a proteção do indivíduo um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, segundo as disposições do art1º, inciso III deste diploma. Desta forma, ao mesmo momento que se garante liberdades e igualdades ao indivíduo, vi- sa-se também à promoção do bem-estar social. Neste sentido e conforme a dinâmica vigente na ordem internacional, a Carta Magna estabeleceu o título II onde dispôs os direitos e garantias fundamentais, e também ado- tou postura inédita ao alocar os Direitos Sociais em capítulo isolado neste mesmo título. Assim, diante de uma exegese constitucional, entende-se o grau de importância que o poder constituinte atribui a estes direitos, elevando-os ao nível da fundamentalidade. Em que pese ser clara a vontade do constituinte em considerar os direitos sociais como espécie da qual é gênero os direitos fundamentais, tal entendimento encontra certos confrontos doutrinários, existe na dou- trina quem questione o caráter fundamental dos direitos sociais (SAR- LET, MARINONI, MITIDIERO, 2015, p. 621). No entanto, no presente estudo advoga-se pela fundamentalidade destes direitos, acredita-se que os mesmos são essenciais para a garantia dos demais direitos individuais, além de guardarem estritos laços com o princípio da dignidade da pes- soa humana. Diante deste raciocínio, questiona-se: Não seria a educação, saúde, trabalho, lazer essenciais à existência codigna do indivíduo? Não há como dissociar os direitos sociais dos direitos e garantias individuais, isto porque aqueles constituem meio a concretização destes, sendo que, o inverso também constituiria verdade. Garantir o caráter fundamental aos direitos e garantias individuais e negar tal caracterização aos direi- tos sociais constituiria um dissenso, pois ambos são faces de uma mesma Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 343 moeda. Apresentando os direitos sociais fundamentalidade, relevante é a discussão doutrinária quando se trata do regime jurídico a eles aplicáveis. Há quem entenda que a eles, se aplicaria integralmente o mesmo regime dos direitos fundamentais, outros admitem que este regime deve ser insti- tuídos de forma mais restrita a depender da natureza dos direitos sociais (SARLET, 2016a, p. 1). Como se pode perceber o entendimento a respeito do tema não é uníssono, haja vista trata-se de direitos extremamente com- plexos, a saber que não basta para sua efetivação e devida eficácia a eleição de determinado regime jurídico, não se pode negar que tal passo constitui avanço importante, mas a sua concretização não depende somente dele, ela também está condicionada a abertura de atuação do poder legislati- vo e, sobretudo a do judiciário, no que diz respeito às interpretações dos casos concreto; e ainda o contexto econômico do país (SARLET, 2016a, p.6 ). Neste sentido, pode-se entender as problemáticas que circundam os direitos sociais, seja pela eleição de regime jurídico aplicável, ou pela sua efetivação e eficácia, o que justifica sua complexidade. Não obstante patentes controvérsias, entende-se que por se tratar de direitos fundamentais e essenciais a existência do indivíduo com dignida- de, garantindo justiça social mediante sua aplicação. Identifica-se como direitos sociais de conteúdo materialmente constitucional, para além do formal, pois os direitos fundamentais sociais não são somente aqueles ex- pressamente nomeados da Constituição. O rol existente não é taxativo, devendo-se incluir outros através de tratados que o Brasil seja signatário, bem como pela própria dinâmica normativa do texto. Não são somente os formalmente previstos, mas outros, vedando o retrocesso de direito, este sim, princípio constitucional implícito. Diante deste raciocínio, aplica-se aos direitos sociais o artigo 5º, §2º da CRFB\88, tal dispositivo é chamado de cláusulas abertas materiais de direitos fundamentais, significando di- zer que “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja par- te”. Neste sentido, os direitos sociais não são somente aquele expressos no Capítulo 2º, do título II da CRFB|88, podendo ser encontrados também implícitos nos regimes e nos princípios, como é o caso da consideração do mínimo existencial, e advindos de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil (PIOVESAN, 2006, p 31). Assim, aque- 344 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 les direitos sociais previstos dos artigos 6º ao 11º da CRFB 88 podem ter seu rol ampliado, inclusive por tratados internacionais que a República Federativa seja parte. Tal hipótese representa grande elasticidade, prin- cipalmente quando se diz respeito aos direitos sociais dos trabalhadores que podem, dentro desta sistemática ter seu rol de proteção ampliados por Convenções Internacionais da Organização Internacional do Trabalho. Além da cláusula aberta de Direitos Fundamentais, aplica-se aos di- reitos sociais o artigo 5º,§1º, da CRFB/88, o qual estabelece aplicabilidade imediata às normas definidoras de direitos fundamentais. Sendo assim, tal dispositivo se traduz na formalização do princípio da máxima efetivação das normas constitucionais, principalmente aquelas que instituem direi- tos fundamentais, reiterando a força jurídica potencializada das normas definidoras de direitos fundamentais (MACEDO; BARRETO E SILVA, 2010, p.12). Na doutrina existem posições que defendem a interpretação res- tritiva do artigo 5º, §1º da CRFB/88, apenas o aplicando aos direitos in- dividuais. No entanto, não é esta a sistemática que deve ser adotada, ao referido dispositivo deve-se recair uma interpretação extensiva de modo a abarcar todas as espécies de direitos fundamentais, inclusive os sociais (SARLET, 2016 b, p.2). Aliás, o fato de algumas normas de direitos sociais serem dispostas em caráter meramente programático que significa segun- do Sarlet (2016 b, p.4) “preceitos que assumem a feição de normas que estabelecem fins e tarefas para os órgãos estatais, bem como ordens diri- gidas ao legislador” , ainda assim não afastariam a clausula da aplicabili- dade imediata. O artigo 5º, §1º da CRFB/88 impõe aos órgãos do poder judiciário máxima efetivação dos direitos fundamentais, ampliando sua eficácia e vinculando tanto o estado quanto os particulares. Diante deste raciocínio, ao poder judiciário cabe à aplicação direta e imediata da nor- ma definidora de direitos fundamentais, garantindo plena eficácia (SAR- LET, MARINONI, MITIDIERO, 2015, p.637). Não se deve esquecer que assim como todos os direitos fundamentais, os direitos sociais não detêm natureza absoluta, encontrando como restrição o princípio da reserva do possível. Cabe ressaltar ainda que a ausência de norma regulamentadora não impede a aplicação de direito sociais previsto em sede constitucional, devendo o poder judiciário garantir a eficácia deste direito. Note que o artigo 5º, §1º, da CRFB/88 é instrumento importante à concretização dos Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 345 direitos sociais. Ainda a respeito do regime jurídico aplicado aos direitos sociais pode-se afirmar que impõem limite ao poder constituinte refor- mador, significando dizer que não podem ser objeto de emenda constitu- cional tendente a aboli-los, conforme o artigo 60, §4º da CRFB/88. Diante de uma breve análise dos dispositivos constitucionais diri- gidos a aplicação, efetivação e tutela dos direitos sociais, importante se faz destacar a relevância que o poder constituinte adicionou ao trabalho como uma das garantias de bem-estar social do indivíduo, nesta esteira positivou vários direitos fundamentais do trabalhador no bojo dos di- reitos sociais. É o que se depreende do artigo 7º da CRFB/88. Além de estabelecer os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais de forma indi- vidual, o constituinte expõe também tutelas dos trabalhadores sob uma vertente coletiva, previstos dos artigos 8º ao 11º, como por exemplo o di- reito à greve e a sindicalização, considerados direitos sociais de defesa, verdadeiramente se destacando por sua natureza não prestacional (SAR- LET, MARINONI, MITIDIERO, 2015, p.672). Diante deste raciocínio, se compreende que podemos encontrar duas modalidades de direitos sociais: os positivos (prestacionais) e os negativos (os direitos sociais de defesa). Não obstante mencionar que a reunião de todos estes dispositivos supracitados, constituem o regime constitucional do “direito fundamental ao trabalho” (SARLET, MARINONI, MITIDIERO, 2015, p.672). A proteção do direito ao trabalho encontra-se positivada não so- mente no bojo da Constituição Federal de 1988, toma seus contornos também no âmbito internacional na Declaração Universal dos Direitos Humanos; na Declaração Americana dos direitos e deveres do homem; no Pacto Internacional dos direitos econômicos, sociais e culturais. Mas são nas Convenções Internacionais da Organização Internacional do Tra- balho onde encontram maior abrangência. A Organização Internacional do Trabalho por meio de suas convenções tem como finalidade precípua promover o trabalho decente, zelando desta maneira pela noção de dig- nidade do trabalhador. Essas convenções quando ratificadas pelo Brasil tem o condão de ampliar os direitos fundamentais dos trabalhadores, ga- rantindo um sistema integrado de tutela. Neste sentido, compreende-se o relevante arcabouço de proteção do trabalhador que ao ser efetivado promove a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana no âmbito laboral. 346 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

3. PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO, DIREI- TO À SAÚDE E A “DIGNIFICAÇÃO” DO TRABALHADOR NO ÂM- BITO LABORAL Não é raro se escutar a afirmação de que o trabalho dignifica o ho- mem. Tal afirmativa é aceita como verdade no ocidente de moralidade judaico cristã. Contudo, faz se necessária à proteção do trabalhador, parte hipossuficiente da relação trabalhista, diante de certas situações vexató- rias impostas pelo empregador, detentor do poder e renda. Por esta razão, o poder constituinte originário estabeleceu na Cons- tituição Federal de 1988 uma gama de direitos fundamentais objetivando tal proteção. O artigo 1º, incisos III e IV da Carta Magna estabelece como seus fundamentos a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e livre iniciativa, prova da sua preocupação com a condição hu- mana, condigna do trabalhador . O princípio da dignidade da pessoa hu- mana é corolário do ordenamento jurídico pátrio, devendo nesta esteira ser observado. O artigo 1 º, inciso III o qual estabelece o referido princípio é “norma jurídico-positiva, dotada, em sua plenitude, de status constitu- cional formal e material e, como tal, inequivocamente carregada de eficá- cia, alcançando, portanto, [...] a condição de valor jurídico fundamental da comunidade” (SARLET, 2011, p.72). Neste sentido, a proteção ao indivíduo acontece mediante um sis- tema jurídico positivo formado pelos direitos fundamentais e pelos da personalidade, objetivando evitar, por óbvio, qualquer tipo de ofensa de direitos a ele inerentes. Diante deste raciocínio, e sobre o ponto de vista do homem como trabalhador, deve se garantir máxima proteção a sua dignidade, uma vez que ela é valor supremo de onde decorrem todos os demais direitos fundamentais, dos mais simplórios, como o direito à vida, aos mais complexos. Assim, no contexto da necessidade de promoção e efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana no âmbito do direito do traba- lho é que se fundamenta a tutela do direito à saúde do trabalhador, isto porque apresentam relação entre si, sendo impossível se falar em condição digna de exercício do labor sem que se observe salubridade e segurança do ambiente de trabalho. Diante deste raciocínio, questiona-se: A manu- tenção do direito à saúde no meio ambiente de trabalho não seria primor- dial à concretização do princípio da dignidade do trabalhador? Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 347

Sobre tal questionamento pode-se afirmar que a observância do di- reito à saúde no meio ambiente de trabalho é razão primeira à promoção da dignidade ao exercício do labor. Sem mencionar que quando se pro- move um meio ambiente de trabalho saudável, para além da dignidade do trabalhador, se estar preservando também direitos outro, como por exemplo: a integridade física e psíquica do obreiro, bem como o próprio direito à vida (NASCIMENTO, 2011, p.311). O direito à saúde é tido como direito fundamental tutelado tanto no âmbito interno como internacional. Internamente, pode-se encontrar sua proteção na Constituição Federal e também em normas infracons- titucionais esparças. Tal bem jurídico está alocado no título II da Carta cidadã, nomeado dos direitos e garantias fundamentais (NASCIMENTO, 2011, p.309). Não obstante mencionar que a intenção do legislador quan- do tutela um direito como fundamental é dizer que ele tem caráter essen- cial, determinante e indispensável ao indivíduo. Neste sentido, todos os direitos presentes no referido título funcionam como alicerce à promoção da dignidade do homem, a partir desta análise entende-se a grande im- portância auferida ao direito à saúde tratada pelo legislador no art 6º da CRFB/88, in verbis: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimenta- ção, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desampara- dos, na forma desta Constituição”. O referido dispositivo define a saúde e o trabalho com direitos sociais, por este motivo apresentam a função de proporcionar ao indivíduo o usufruto dos demais direitos fundamentais com as mesmas condições de igualdade, promovendo dignidade ao viver. A proteção constitucional à saúde não se encerra por este dispositi- vo sendo implicitamente garantido pelo art 5º da CRFB/88 ao indivíduo a tutela da sua integridade física e psíquica, bem como o direito à vida (ARAÚJO, 2010, p. 6). Aliás, o conceito do direito à vida, com o trans- correr do tempo ganhou novos paradigmas, hoje fala se em direito à vida digna que compreende a ideia de uma existência digna ao indivíduo, ten- do assegurado os seus direitos individuais e também os sociais, sendo um deles o direito à saúde, incluindo-se também o trabalho. Como garantia ao direito à vida digna há a decorrência de vários outro que contribuem para a proteção integral do indivíduo, sendo também aplicáveis ao traba- lhador. Deve-se mencionar que quando se promove uma vida digna, está 348 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 se incluindo também o direito ao trabalho, sendo garantido ao indivíduo que labora um ambiente de trabalho saudável e seguro, conforme os art 170 e 220 ambos da CRFB/88. Eis que a concretização do direito à vida digna acaba por exigir a promoção do direito à saúde. Além do mais, no que concerne os direitos sociais, o art 7º da CRFB/88, trata do direito à saúde mais precisamente em alguns incisos. O inciso XXII do referido dispositivo estabelece a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”. Já o inciso XXVIII prevê a possibilidade do trabalhador perceber seguro em razão de acidente de trabalho. E ainda estabelece que o recebimento de tal seguro previdenciário não exclui a possibilidade de indenização de- corrente do referido acidente, possuindo nosso ordenamento jurídico um “duplo” sistema. A respeito da tutela do direito à saúde do trabalhador, Araújo muito bem estabelece que: No que tange aos direitos sociais, mais especificamente sobre os direitos dos trabalhadores, o art. 7º dispõe sobre a saúde do trabalhador em dois momentos. No inciso XXII, decla- ra que ao trabalhador se estende a proteção contra os riscos inerentes ao trabalho e no inciso XXVIII dá aos trabalhado- res o direito ao seguro social (benefício previdenciário), sem prejuízo da indenização pelo empregador por dolo e culpa, em caso de acidente do trabalho. Inserir a saúde do traba- lhador como direito fundamental é fruto de uma longa luta e ampliação de consciência, que pode ser vista na evolução normativa. O certo é que esse direito está dentro do catálogo de direito e liberdades positivadas que compõem o conjunto de direitos fundamentais na Constituição Brasileira, tanto no que diz respeito ao seu individualista – o direito à vida e à integridade física – quanto ao seu aspecto social: direito à saúde e ao meio ambiente de trabalho sadio. Além disso, a tí- tulo de reparação, o sistema constitucional brasileiro oferece um sistema duplo, constituído de benefícios previdenciários (aposentadoria, pensões e auxílio acidente) e indenizações civis (responsabilidade civil do empregador) (ARAÚJO, 2010, p.5). Por último, o art 7º, XXII, da CRFB/88 admite ao trabalhador que é submetido a ambientes de trabalho onde há inobservância do direito à saúde e normas de higiene, bem como falta de segurança no trabalho, a Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 349 garantia de recebimento do adicional de periculosidade, insalubridade, e ainda de penosidade. No âmbito Internacional, também é possível encontrar normas pro- tetivas à saúde do trabalhador, são as Convenções 148 e 155 da OIT. A convenção 148 da OIT foi ratificada no Brasil pelo decreto 93.413/1986 e prevê a proteção dos trabalhadores contra os riscos profissionais devidos à contaminação do ar, ao ruído e às vibrações no local de trabalho. Tal acor- do internacional é relevante, pois estabelece uma conjunção de esforços entre empregado e empregador no sentido de elaboração e aplicação de medidas técnicas que se destinem a prevenir ou minimizar os riscos dos profissionais submetidos a condições prejudiciais, e ainda atribui ao em- pregador à responsabilidade de observância das referidas medidas (OLI- VEIRA, 2010, p.87). A Convenção 155 da OIT foi promulgada pelo Decreto nº 1.254/94 e estabelece normas referentes à segurança e saúde do trabalhador. É im- portante mencionar que este tratado internacional de Direitos Humanos foi além, ao sugerir que o conceito de saúde não se limita a ausência de doenças, exigindo também para sua concretização um ambiente de traba- lho saudável com a observância de medidas de segurança e higiene, não devendo essas medidas constituir ônus para o trabalhador (OLIVEIRA, 2010, p.89). Por fim, temos a convenção161 da OIT, promulgada pelo de- creto nº 127/91 tutelando a segurança e saúde do trabalhador no que diz respeito à busca e promoção de medida preventivas de manutenção de um meio ambiente de trabalho saudável (OLIVEIRA, 2012, p.93). Diante de todo o esbouço normativo, percebe-se a relevante evolu- ção da tutela do bem- jurídico saúde tanto no ordenamento jurídico como também no sistema internacional, inclusive em nosso direito pátrio as normas que tratam de segurança e saúde do trabalhador são consideradas de ordem pública, significando dizer que são inafastáveis pela vontade das partes, devendo o magistrado aplicá-las de ofício, prova da relevância auferida pelo legislador a este bem-jurídico. Assim, é neste contexto que se percebe o desenvolvimento em passo largos no conceito de saúde. Se antes era entendida a partir de uma definição negativa, quer se dizer ausência de doença, hoje tal definição foi ampliada passando a ser vista mediante concepção positiva conforme estabelece Oliveira (2010, p,73), “um estado completo de bem-estar físico, mental e social, e não somente 350 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 a ausência de doença e enfermidade”. Tal conceito necessita ser aplicado ao meio ambiente do trabalho, devendo ser garantido a pessoa que labora o referido bem-estar físico, mental e social como via de promoção a sua dignidade. Fato incontestável é que o direito é uma ciência dinâmica, deven- do se adequar as mudanças da sociedade para não se tornar obsoleto. É também abstrata, muitas vezes o que se é estabelecido no campo do dever ser não ocorre no campo do ser, em alguma situações práticas o que esta disposto na norma não acontece. É o que ocorre com a tutela do direito à saúde no meio ambiente de trabalho, apesar da ampla proteção a qual se faz tanto na ordem nacional quanto internacional, na realidade cotidiana do âmbito do direito do trabalho tal bem-jurídico por vezes é violado pe- los empregadores.

4. A MONETIZAÇÃO DOS RISCOS NO AMBIENTE DE TRABALHO Diante da importância do direito à saúde e segurança do trabalho para à condição condigna do trabalhador, necessária foi sua tutela cons- titucional, infraconstitucional e internacional. O grande problema é que existem situações onde é impossível a total proteção do empregado, em virtude da própria natureza da tarefa por ele exercida, por exemplo: traba- lhadores expostos ao transporte de explosivo ou até mesmo sujeito a sua detonação; aqueles empregados responsáveis pelo transporte de inflamá- veis líquidos e gasosos liquefeitos em caminhão-tanque; ou ainda aqueles trabalhadores expostos a frio e calor acima do tolerável. Note que em tais hipóteses o próprio ambiente de trabalho e a tare- fa exercida expõem o trabalhador a riscos, a agentes mais aparentes que afetam a sua integridade física, podendo gerar acidentes de trabalho. Ou até mesmo a exposição do trabalhador a condições ardilosas de forma constante e paulatina, gerando dano a sua saúde e como consequência aquisição de doenças laborais (OLIVEIRA, 2010, p.124). Nestas condições especiais de trabalho, onde os riscos não podem ser evitados, tão somente minimizados, o legislador atribuiu a estes em- pregados tratamento diferenciado, uma vez que estão submetidos a condi- ções prejudiciais, instituindo nestes casos a obrigatoriedade de pagamen- to de adicionais de insalubridade e periculosidade. Doutrinariamente, discute-se três soluções possíveis para minimizar os prejuízos causados Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 351 por um ambiente de trabalho composto de agentes agressivos à saúde e vida humana: a primeira é o aumento da remuneração dos trabalhadores expostos a condições de riscos, a tal postura se atribui a denominação de monetização dos riscos; a segunda solução trazida pela doutrina é a proibição destes tipos de trabalho; e por fim, se estabelece a redução das horas de trabalho dos empregados submetido a agentes prejudiciais a sua saúde (OLIVEIRA, 2010, p.126). Quanto ao tema da monetização dos ris- cos a doutrina não apresenta entendimento uníssono. Os autores que são contra a monetização se fundamentam em ideias propostas pelo direito internacional, defendendo que nesta seara o que se prega é uma política de prevenção com a respectiva redução ou eliminação dos riscos, afirman- do ser impossível se alcançar tal objetivo com o pagamento de adicional. Dentre os argumentos contra a monetização dos riscos, temos que: A tendência da evolução das políticas em saúde e segurança no trabalho hoje, que se confirma internacionalmente, é no sentido da prevenção com a respectiva redução ou elimina- ção dos riscos. A monetização por meio do estabelecimen- to em lei de adicionais estimula comportamentos opostos a essa premissa, reforçados tanto mais quanto maior for o valor dos adicionais. Isso porque a monetização, de um lado, não reconhece e não estimula devidamente investimentos em prevenção, visto que basta remunerar com adicionais as condições de risco; e, de outro lado, preserva a alta procura por atividades perigosas ou insalubres em prol de benefícios econômicos como um salário maior (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDUSTRIA, 2016, p.7). Neste sentido, as alternativas propostas pelos que advogam contra a monetização é a proibição de trabalhos insalubres e perigosos pelo Es- tado ou a redução das horas de trabalho do empregado exposto a estas condições prejudiciais. Para Oliveira (2010, p.127), “a opção de proibir o trabalho insalubre e perigoso beira o radicalismo e a utopia”. O referido autor acredita que a melhor forma de proteção do trabalhador ao meio ambiente de trabalho insalubre e perigoso seria a diminuição do tempo de exposição deste empregado a agentes prejudiciais, reduzindo a sua jor- nada de trabalho. Apesar de se encontrar críticas na doutrina a respeito da monetiza- ção, não foi desta maneira que se posicionou o legislador constituinte ao 352 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 instituir a possibilidade de pagamento de adicional da periculosidade e insalubridade, conforme o art. 7º, XXIII, da CRFB/88.

4.1. Adicional de insalubridade Etimologicamente a palavra “insalubre” advém do latim e significa aquilo que origina doença, sendo o termo insalubridade considerado sua qualidade (CORRÊA; SALIBA, 2015, p.11). No ordenamento jurídico brasileiro é devido adicional de insalubridade a todo trabalhador exposto a agentes nocivos à saúde, quando esta nocividade ultrapassa os limites de tolerância humana. Além de embasamento constitucional, conforme art 7º, XXIII, CRFB/88, encontra também suas disposições na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), dos artigos 189 a 192. A definição legal de insalubridade está disposta no art 189 da CLT, nos seguintes termos: Serão consideradas atividades ou operações insalubres aque- las que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos. Conforme dispõe o referido dispositivo, para que o trabalhador faça jus ao adicional de insalubridade, ele deve estar submetido a agentes no- civos a sua saúde, e essa nocividade precisa estar acima dos limites má- ximos de tolerância fixado. Ademais, também leva-se em consideração a atividade exercida pelo trabalhador, bem como o tempo que ele encon- tra-se exposto a estes agentes prejudiciais, observa-se na mesma medida a intensidade de sua exibição. Note que tais requisitos devem figurar de forma cumulativa à fixação do referido adicional. Os agentes nocivos capazes de gerar doenças profissionais aos trabalhadores podem ser fí- sicos, químicos e biológicos, como por exemplo: ruído, calor, radiações, frio, vibrações, poeira, gases e vapores, névoas, micro-organismos, vírus, bactérias, dentre outros. A ciência responsável pelo estudo do reconheci- mento, avaliação e estabelecimento destes agentes prejudiciais à saúde do trabalhador é denominada higiene do trabalho, constituindo ramos da saúde ocupacional (CORRÊA; SALIBA, 2015, p.14 ). Importante mencionar que a fixação dos limites máximos de tole- rância exigidos à aplicação do adicional de insalubridade, assim como a identificação das substâncias e condições insalubre é de competência do Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 353

Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), conforme disposição do art 190 da CLT e súmula 194 do STF. Neste sentido, o MTE editou a norma regulamentadora 15 (NR-15) da Portaria nº 3.214/78 que dispõe sobre as atividades tidas como insalubre, assim como os seus limites máximos de tolerância (NOGUEIRA; QUEIROZ, 2015, p.319). Para além dos requisitos estabelecidos no art 189 da CLT, o qual prevê necessidade de pagamento de adicional de insalubridade mediante exposição de empregado a agentes agressivos que superam os limites de tolerância, o Ministério do Trabalho e Emprego determinou outros crité- rios para a caracterização deste adicional, quais sejam: as avaliações qua- litativas, quantitativas e dos riscos inerentes à atividade. E ainda se estabe- lece na Consolidação das Leis Trabalhistas, a necessidade de perícia para caracterização do referido adicional, a qual poderá ser realizada tanto por médico quanto por engenheiro do trabalho, sem distinções, conforme o art 195 da CLT. Neste sentido, a avaliação quantitativa exigida pelo MTE para carac- terização da insalubridade é exercida por meio de perito, responsável por medir a intensidade ou concentração do agente agressivo e comparar os referidos resultados com os limites de tolerância previsto. A insalubridade apenas se caracterizará a partir da superação de tais limites (CORRÊA; SALIBA, 2015, p.13). A avaliação qualitativa também é realizada por pe- rito. Porém, nesta análise se terá como objeto a inspeção do local de tra- balho do empregado, o perito analisará o posto de trabalho, a função e a atividade do trabalhador, mediante normas técnicas compatíveis com a higiene ocupacional. Ademais, o perito tem a obrigação de avaliar neste momento o tempo de exposição, a forma e a intensidade do contato com agentes agressivos. Deve observar também os meios de proteção do tra- balhador, avaliando seus equipamentos de proteção. Durante a avaliação qualitativa o perito deve se orientar pela Portaria nº 3311 do MTE (COR- RÊA; SALIBA, 2015, p.13). A avaliação qualitativa de riscos inerentes à atividade ocorrerá quando em certas situações for impossível eliminar ou neutralizar a insalubridade, em virtude da natureza da atividade exercida. Como exemplo deste tipo de atividade Corrêa e Saliba (2015, p.15) citam “o trabalho em contato com pacientes em hospitais (anexo 14 — agentes biológicos), o risco de contágio não pode ser totalmente eliminado com medidas no ambiente ou com o uso de EPI (Equipamento de Proteção 354 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

Individual)”. Em que pese à previsão da possibilidade de percepção de adicio- nal de insalubridade a trabalhadores que estão submetidos à exposição de agentes agressivo a sua saúde, deve se esclarecer que a CLT estabele- ce no art 191, a possibilidade de eliminação ou até mesmo neutralização dos agentes prejudiciais a saúde do trabalhador. Diante das hipóteses de eliminação ou minimização dos riscos, não há como se constatar o fato que gera a obrigatoriedade de percepção do referido adicional, por esta razão não se perfaz seu pagamento. É importante notar que o adicional de insalubridade somente será devido quando presentes todos os requisitos previsto em lei, sendo um deles o ambiente de trabalho insalubre. Se o meio ambiente de trabalho encontra-se salubre, não há razão de existir o pagamento da referido adicional. Neste sentido, a superação dos riscos da insalubridade poderá ser feito de forma coletiva, quando o empregador observa a importância e necessidade de um ambiente de trabalho saudável, respeitando os limi- tes de tolerância estabelecidos pelo MTE em cada atividade considerada potencialmente prejudicial (ARAÚJO, 2010, p.6). A neutralização ou eli- minação dos riscos também podem ser efetuadas de forma individual, a partir do fornecimento por parte do empregador de equipamentos de proteção individual (EPI) eficazes (ARAÚJO, 2010, p.10). Atente que o simples fornecimento de EPI quando não se minimiza ou se elimina a no- cividade do agente, não exime o empregador do pagamento do adicional de insalubridade, tal entendimento foi superado pela súmula 289 do TST. Isto posto, faz-se necessário estabelecer como se desenvolve o per- centual e pagamento do referido adicional. Será fixado a partir do grau de exposição do trabalhador a agente nocivo, sendo classificado em grau máximo, médio e mínimo, percebendo o adicional de 40%, 20% e 10%, respectivamente. Tal cálculo deverá ser elaborado a partir do salário mí- nimo da região, conforme o art 192 da CLT. Por fim, é importante esclarecer que para a percepção do adicional de insalubridade, não basta que o empregado esteja submetido a um meio ambiente de trabalho prejudicial a sua saúde, faz-se necessário que a ativi- dade insalubre por ele exercida esteja prevista em lista de atividade insalu- bre elaborada pelo MTE, conforme os ditames da Súmula 448, item I, do TST. Neste sentido, a jurisprudência vem sendo consolidada1. Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 355

4.2. Adicional de Periculosidade O adicional de periculosidade será devido a todos os trabalhadores que exercem atividade de risco acentuado a vida ou que venha causar le- são grave a sua integridade física. Enquanto, a atividade insalubre causa danos de maneira paulatina, à atividade periculosa pode apresentar pre- juízos instantâneos e de efeitos imediatos (OLIVEIRA, 2010, p.159). Sua definição legal está disposta no art 193 da CLT, compreendendo “aquela que, por sua natureza ou método de trabalho, implique risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador”. Diante deste ra- ciocínio, a consolidação das leis trabalhistas coloca três requisitos para a percepção do adicional: o primeiro é a exposição do empregado a ativida- des tidas como perigosas por lei, esta exposição deve ocorrer em caráter permanente, nos termos da Súmula 364 do TST, e as condições de risco devem ser acentuados (CORRÊA; SALIBA, 2015, p.16). O referido dispositivo ainda enumera as atividades consideradas pe- rigosas como sendo toda ela que exponha o empregado em contato com inflamáveis, combustíveis ou energia elétrica, a roubos ou outras espécies de violência, atividades de segurança. Da mesma maneira, são conside- rada atividades perigosas as que põem em exposição os trabalhadores a radiação ionizantes e substâncias radioativas, conforme a orientação ju- risprudencial (OJ) 345 da SDI-1 do TST. Incluem se nesse bojo também as atividades exercidas em motocicletas, segundo ditames do art. 193, §4º da CLT. Logo, satisfeitos todos os requisitos, o trabalhador fará jus a adicio- nal de 30% do salário mínimo. Importante mencionar que tal adicional não tem natureza indenizatória, mas salarial. Deve-se destacar que assim como ocorre no adicional de insalubridade, a caracterização da periculo- sidade deve ocorrer por meio de perícia técnica efetuada tanto por médi- co como por engenheiro do trabalho. Essa pericia poderá ser judicial ou extrajudicial (CORRÊA; SALIBA, 2015, p.22). Ainda a respeito da perícia, deve-se mencionar que esta não será necessária se houver o pagamento espontâneo do adicional de periculosidade pela empresa, uma vez que nesta hipótese torna-se incontroverso a existência de trabalho em condi- ções perigosas, mediante os ditames da súmula 453 do TST. Diferentemente do que ocorre com o ambiente insalubre onde é pos- 356 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 sível a neutralização ou eliminação dos agentes nocivos por meio do uso de equipamento de proteção individual pelo empregado, no que tange o ambiente perigoso tal equipamento se torna ineficaz. Não há como “neu- tralizar” o perigo porque este advém da natureza e da atividade exerci- da pelo empregado. Neste sentido, somente é possível a interrupção do pagamento do adicional de periculosidade pela eliminação dos riscos da atividade que deve ser comprovada por nova perícia (CORRÊA; SALIBA, 2015, p.21). Ainda sobre o adicional de periculosidade deve-se destacar que é entendimento sumulado Tribunal Superior do Trabalho obrigatoriedade de incidência desse adicional, quando pagos de forma habitual, no cálculo da indenização, das férias, aviso prévio, 13º salário e FGTS. Inclusive, no que tange este último, o reflexo ocorre independente de habitualidade, conforme ditames da súmula 63 do TST. Refletem também no cálculo das horas extras e noturnas. No entanto, não incidem nas horas sobreaviso, já que nestes momentos o empregado está em sua residência aguardando chamada ao serviço. Não se encontra, pois, em exercício de atividade pe- rigosa, estando fora da área de risco (BARROS, 2016, p.520). Nesta esteira, é oportuno notar que a intenção do legislador ao insti- tuir o adicional de periculosidade foi o de proteger a parte hipossuficiente do contrato de trabalho de riscos advindos da natureza ou método de seu próprio trabalho. Tal postura visa à proteção da vida e integridade física do trabalhador. Não obstante mencionar que a tutela destes bens jurídicos contribui para preservação da dignidade do trabalhador, bem como de- senvolve condições de trabalho decente.

5. O CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE DOS TRATA- DOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS E O TRANS- CONSTITUCIONALISMO: SOLUÇÃO PROMISSORA À CONCRE- TIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DO TRABALHADOR Uma parcela considerável da doutrina entende que as cláusulas abertas de direitos fundamentais positivadas pelo art 5º, §2º da CRFB/88, tem força de atribui aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos (TIDH), convalidados status de norma constitucional. Tratam-se, os re- feridos acordos, de conteúdo iminentemente protetivo à dignidade do indivíduo, podem eles, quando constitucionalizados, ampliar o rol dos di- Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 357 reitos fundamentais do ordenamento jurídico. Neste sentido, adiciona-se aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos a força normativa cons- titucional material. Acrescendo a este entendimento, tornou-se possível também, com o acréscimo do paragrafo 3º ao artigo 5º da CRFB/88, que os Tratados Internacionais de Direitos Humanos fossem constitucionali- zados formalmente por meio do mesmo procedimento estabelecido para elaboração das Emendas Constitucionais, equiparando-os a esta espécie normativa. Neste caso, os acordos internacionais humanísticos assumi- riam status de norma constitucional material e formal. Acredita-se que o posicionamento que atribui aos Tratados Inter- nacionais de Direitos Humanos força normativa constitucional, indepen- dente de formalidade ou materialidade, é compatível com a preservação do Direito Internacional dos Direitos Humanos, o entendimento não po- deria ser outro quando se fala em Estado cooperativo, senão o de com- prometimento máximo com o sistema de proteção aos direitos humanos. Contudo, não foi esta a tese adotada pelo STF que atribui aos Tratados de Direitos Humanos o status de supralegalidade. Ao localizar os Tratados Internacional de Direitos Humanos ratifi- cados pelo país ao lado da Constituição Federal, modifica-se toda a siste- mática hierárquica do ordenamento jurídico, uma vez que estes se trans- formam junto com a Constituição Federal em fundamento de validade das demais normas jurídicas, propiciando o aparecimento de um novo tipo de controle, diferente do de constitucionalidade, ao ordenamento ju- rídico pátrio, o chamado controle de convencionalidade. (MAZZUOLI, 2011, p.73). Diante deste contexto, o surgimento do controle de convencionali- dade está diretamente ligado à inauguração da ideia segundo a qual con- sidera os Tratados de Direitos Humanos internalizados no país relevante importância e superior hierarquização no ordenamento jurídico. A partir do momento que se considera a superioridade hierárquica do Direito In- ternacional dos Direitos Humanos, por meio de uma interpretação siste- mática do art. 5º, §2º e 3º da CRFB/88, justifica-se a necessidade de um controle que torne possível a compatibilização das normas ordinárias aos TIDH ratificados, uma vez que estes ao se alocarem em posição superior àquelas passam a constituir seu fundamento de validade e parâmetro para convencionalidade (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2012, p.2049). 358 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

Assim, as normas infraconstitucionais devem ser compatíveis não só com a Constituição Federal, mas também com os Tratados Internacionais constitucionalizados, permitindo a aplicação da teoria da dupla compati- bilidade vertical/material desenvolvida por Valério Mazzuoli (MAZZUO- LI, 2011, p.116). Para o autor, além da observância aos limites formais/ procedimentais, as normas infraconstitucionais devem obedecer aos limi- tes verticais materiais. Segundo o entendimento, as normas infraconstitucionais para serem válidas no ordenamento jurídico precisam se submeter a dois níveis de compatibilidade: a Constituição e os Tratados Internacionais de Direitos Humanos ratificados pelo país, sendo este o primeiro nível, e os Tratados Internacionais comuns, que não apresentam conteúdo de Direitos Huma- nos, classificados como segundo nível (MAZZUOLI, 2009). No primeiro nível encontraremos a manifestação do controle de convencionalidade e no segundo o controle de supralegalidade. Isto ocorre porque Mazzuo- li atribui ao Tratados Internacionais comuns a hierarquia de norma su- pralegal, enquanto que aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos ratificados o status de norma constitucional (PIOVESAN, 2011, p 114). Aliás, no contexto do controle de convencionalidade, para uma nor- ma infraconstitucional ser válida, ela precisa ser compatível com a Cons- tituição Federal e com os Tratados Internacionais de Direitos Humanos ratificados no Brasil. Se por ventura uma norma está em acordo com a Constituição, mas em desacordo com Tratados Internacionais de Direitos Humanos, ela será considerada vigente, porém inválida. Nesta medida, vigência e validade não podem ser entendidos como conceitos únicos. (MAZZUOLI, 2009, p 115). Inclusive, Ferrajoli ao retratar um Estado garantista, defende que nele é patente a existência de leis em sentido formal, mas também há nor- mas substanciais, assim traduzidas como sendo os direitos fundamentais e princípios, a exemplo da igualdade e dignidade da pessoa humana. Sen- do necessário a integração entre ambos. Essa aproximação entre lei for- mal e substancial, promove a dissociação entre os conceitos de vigência e validade, até então enxergados como sendo faces da mesma moeda em um sistema “Paleopositivista” defendido por Kelsen, Bobbio e Hart. (FER- RAJOLI, 2004, p. 21). Diante deste raciocínio, em um Estado constitucional humanístico, Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 359 em razão da teoria da dupla compatibilidade vertical, é possível se encon- trar uma norma vigente e inválida. O conceito de vigência está relaciona- do com o processo de elaboração da norma previsto na Constituição de cada estado, enquanto que validade está ligado a noção de compatibili- dade desta norma com o ordenamento jurídico, harmonizando-se desta maneira com a Constituição e Tratados Internacionais ratificados (MA- ZZUOLI, 2009, p.117). Neste sentido afirma Mazzuoli: lei formalmente vigente é aquela elaborada pelo Parlamento, de acordo com as regras do processo legislativo estabelecidas pela Constituição, que já tem condições de estar em vigor; lei válida é a lei vigente compatível com o texto constitucional e com os tratados (de direitos humanos ou não) ratificados pelo governo (MAZZUOLI, 2009, p 119). Deste modo, é de suma importância que as normas domésticas apre- sentem compatibilidade com a Constituição Federal, e também com os Tratados Internacionais de Direitos Humanos e comuns ratificados pelo Brasil, para assegurarem sua vigência e validade. O mecanismo do contro- le de convencionalidade e junto com ele a teoria da compatibilidade verti- cal das normas geram mudanças na sistemática do ordenamento jurídico e impõe, inclusive, novas denominações aos conceitos básicos de vigência, validade e eficácia, demonstrando um novo “olhar” ao ordenamento jurí- dico, ao qual preza pela concretização do Direito internacional no âmbito do direito pátrio. A incompatibilidade de norma infraconstitucional com Tratados Internacionais ratificados gera a sua invalidade, por estar em desacordo com a teoria da dupla compatibilidade material. Tal incompatibilidade ir- radia consequências no plano da eficácia da norma. Assim, diante de um conflito, o magistrado deverá deixar de aplicar ou não dar eficácia a essa norma infraconstitucional por padecer de inconvencionalidade (FEIJÓ, 2015, p.16). O controle jurisdicional de convencionalidade pode ocorrer na sua modalidade difusa ou concentrada, a exemplo do controle de constitucio- nalidade. Em se tratando do controle de convencionalidade concentra- do, entende-se que apresenta como parâmetro os Tratados Internacionais aprovados segundo o crivo do art. 5º, § 3º da CRFB/88, ou seja, aque- les equiparados a emenda constitucional. Neste sentido, faz-se necessá- 360 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 rio para aplicação do referido controle que os Tratados Internacionais de Direitos Humanos sejam formalmente constitucionalizados. Note-se que além do controle de convencionalidade concentrado, estes acordos inter- nacionais poderão ser parâmetro para o controle difuso. Na dinâmica do controle concentrado as questões convencionais irão ser analisadas por um único Tribunal Superior, sendo este o Supremo Tribunal Federal, segundo o art. 102, I, a da CRFB/88. Tal modelo de har- monização ocorre à semelhança do controle de constitucionalidade. Neste sentido, a sua concretização se faz por meio das mesmas ações previstas para a guarda da compatibilidade constitucional (ADIN, ADC e ADPF), possuindo inclusive os mesmos legitimados previstos no art 103 da CRFB/88. De forma bastante esclarecedora, Mazzuoli explica a dinâmica destas ações no âmbito do controle de convencionalidade concentrado: é plenamente defensável a utilização das ações do contro- le concentrado, como a ADIn (que invalidaria erga omnes a norma infraconstitucional por inconvencionalidade), a ADECON (que garantiria à norma infraconstitucional a compatibilidade vertical com um tratado de direitos huma- nos formalmente constitucional), e até mesmo a ADPF (que possibilitaria o cumprimento de um “preceito fundamental” encontrado em tratado de direitos humanos formalmente constitucional), não mais baseadas exclusivamente no texto constitucional, senão também nos tratados de direitos hu- manos aprovados pela sistemática do art. 5.º, § 3.º, da Cons- tituição e em vigor no país (MAZZUOLI, 2011, p,79). Diante deste raciocínio, com o advento da emenda constitucional nº45/04 que acrescentou ao art. 5 º da CRFB/88 o paragrafo 3º, permi- tindo a equiparação dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos à emendas constitucionais, se observado o referido procedimento, as ações do controle concentrado passaram não só a garantir e guardar a consti- tuição, mas também promover e zelar pela eficácia destes Tratados Inter- nacionais de Direitos Humanos formalmente constitucionalizados. Inclu- sive, tais mecanismos processuais trazem a possibilidade de invalidação erga omnes de uma norma infraconstitucional incompatível com TIDH (MAZZUOLI, 2011, p.147). Importante destacar que no Brasil existe ape- nas um Tratado Internacional de Direitos Humanos equiparado à emenda constitucional, qual seja: a Convenção sobre os Direitos da pessoa com Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 361 deficiência. Assim, atualmente, no Estado brasileiro, apenas este acordo internacional pode ser parâmetro para o controle de convencionalidade concentrado (FEIJÓ, 2015, p.25 ) . Já os Tratados Internacionais de Direitos Humanos que não pos- suem quórum qualificado, aqueles os quais não são equiparados a emen- das constitucionais, são parâmetro para o controle de convencionalidade difuso. O referido mecanismo é realizado pelo órgão do poder judiciário, juiz ou tribunal, o qual apresenta o dever de aplicação da norma ao caso concreto. Ocorre que estas normas precisam guardar compatibilidade vertical material, para além da formal, significando dizer que precisam observar as disposições materiais da Constituição Federal e dos TIDH, e os procedimentos formais necessários a sua existência. Se uma norma infraconstitucional é incompatível com as disposi- ções de um TIDH é dever do magistrado controlar a sua convencionalida- de por via de exceção, deixando de aplicar a norma eivada de invalidade. Essa modalidade de controle pode afasta a validade e eficácia da norma infraconstitucional de determinado caso concreto, porém esta norma continuará vigente no ordenamento jurídico. A observância da teoria da dupla compatibilidade vertical material é a base para a concretização do controle de convencionalidade, não obs- tante mencionar que o referido sistema de compatibilização normativo deve ser aplicada a todos os ramos do direito, inclusive no trabalhista. Diante deste raciocínio, as normas infraconstitucionais trabalhista devem guardar compatibilidade tanto com a Constituição Federal como com as Convenções da Organização Internacional do Trabalho. Em caso de incompatibilidade das normas infraconstitucionais trabalhista com Con- venção da OIT, o juiz ou tribunal tem a obrigação de deixar de aplicar a norma infraconstitucional, uma vez que a mesma encontra-se eivada de invalidade por inobservância da teoria da dupla compatibilidade vertical material. Desta forma, o magistrado por meio do controle de convencio- nalidade difuso estará zelando pelos Direitos Humanos do trabalhador protegidos internacionalmente. Neste sentido, vale dizer que o controle de convencionalidade pro- move a interação do direito doméstico com o direito internacional. Assim, torna-se possível dois movimentos de integração, quais sejam: a consti- tucionalização do Direito Internacional e internacionalização do Direito 362 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

Constitucional. O primeiro se manifesta com a própria possibilidade de incorporação dos Tratados Internacionais dos Direitos Humanos no or- denamento jurídico e o segundo constitui-se pela “abertura” constitucio- nal a estes tratados ampliando o rol de direitos fundamentais por meio de direito convencional , note-se que são movimentos complementares (PINCOWSKA,2016, p. 5). Tal sistemática traduz com precisão a ideia do transconstitucionalismo, segundo o qual defende existir problemas constitucionais que transcendem os limites dos Estados, não sendo for- çoso afirmar que a proteção dos Direitos Humanos constitui um destes problemas, encontrando solução no entrelaçamento entre ordem interna e internacional; no intercâmbio entre o direito doméstico e o internacio- nal na tentativa de proporcionar máxima promoção à dignidade huma- na. Neste sentido, institui-se a tese do transconstitucionalismo, conforme aponta Marcelo Neves: Um mesmo problema de direitos fundamentais pode apre- sentar-se perante uma ordem estatal, local, internacional, supranacional e transnacional (no sentido estrito) ou, com frequência, perante mais de uma dessas ordens, o que impli- ca cooperações e conflitos, exigindo aprendizado recíproco (NEVES, 2012, p 121 ). Neste sentido, compreende-se que o transcontitucionalismo busca uma pacificação de interesses comuns, a ideia não é posicionar uma or- dem sobre a outra, mas fazê-las “dialogar” na tentativa de se adquirir res- postas racionais e aprendizagens recíprocas de forma constante a respeito da tutela dos direitos fundamentais (NEVES, 2014, 194). É saber que em se tratando da proteção dos direitos humanos é mais válido à sua promo- ção mediante um modelo integrativo, onde se possa entrelaçar a ordem interna e internacional, obtendo como ponto de encontro à proteção dos direitos fundamentais na sistemática da ordem doméstica e dos Direitos Humanos no âmbito internacional. Devendo-se admitir que no ordena- mento jurídico pátrio todo este processo de integração e comunicação se torna possível por meio de um controle de convencionalidade efetivo.

6. IMPOSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE: POSICIONAMENTO DO TST MEDIANTE UMA INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 363

Dúvidas não existem a respeito da importância da proteção do bem- -jurídico saúde para ao trabalhador. Diante deste fato, o legislador dispõe tutela constitucional, internacional e infraconstitucional. Neste sentido, aos trabalhadores submetidos a meio ambiente de trabalho insalubre e perigoso, se preveem os adicionais de insalubridade e periculosidade. Tal percepção se justifica pela exposição do obreiro a um ambiente de trabalho perverso, incompatível com a noção de dignidade que deve ser associada ao trabalhador. Ocorre que é possível a existência de um ambiente de trabalho danoso à saúde e a vida do empregado de forma simultânea. Nestes casos, seria possível a cumulação dos adicionais de in- salubridade e periculosidade? Mediante interpretação restritiva do art. 193, §2º, da CLT a resposta é negativa. Tal dispositivo impossibilita a cumulação dos referidos adicio- nais, estabelecendo que o empregado deve optar por um deles. Entende- -se que a previsão em comento é desarrazoada e totalmente incompatível com o sistema de proteção de direitos fundamentais. Não se deve aceitar com parcimônia a hipótese de um trabalhador ser submetido ao mesmo tempo a agente insalubre e perigoso, e ainda ter que escolher qual adicio- nal deve perceber. Isto porque estamos diante de fatos geradores distintos. O adicional de insalubridade tem como fundamento a violação da saúde do trabalhador, enquanto que o adicional de periculosidade en- contra seus contornos em hipóteses onde o risco da atividade pode gerar violações ao direito à vida e integridade física do empregado. Diante da associação lógica, o raciocínio é simples: Fatos geradores distintos geram causas de pedir diferentes, não havendo que se falar em bis in idem. Prova de que não há óbice para cumulação dos referidos adicionais. Não se en- contra em todo o ordenamento jurídico brasileiro um outro fundamento legal a que possa se apoiar o art. 193, §2º, da CLT. Inclusive, o referido dis- positivo além de ferir disposições da Constituição Federal, viola também tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil. A Carta Magna prevê no seu art7º, XXIII, a possibilidade de paga- mento de adicional de insalubridade e periculosidade, no bojo dessa pre- visão não há obstáculo ou até mesmo vedação à cumulação. Neste sentido, chega-se a conclusão que a Constituição Federal de 1988 não recepcionou o art. 193, §2º, da CLT. Não obstante mencionar que a consolidação das leis trabalhistas é anterior a constituição Federal de 1988, sendo o dis- 364 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 positivo daquela incompatível com a norma maior (GOMES, 2015, p.2). Por este motivo, fala-se em não recepção. Ademais, a impossibilidade de cumulação dos adicionais a que trata o art. 193, §2º, é conflitante com as convenções 148 e 155 da OIT ratificadas pelo Brasil, a primeira estabelece a necessidade de atualização legislativa constante em se tratando de con- dições nocivas de trabalho, e a segunda dispõe sobre os riscos decorrentes da exposição simultânea do trabalhador a diversas substâncias e agentes. Tal incompatibilidade se perfaz de forma direta ao art. 11, b da Convenção 155, conforme disposição: Art. 11 — Com a finalidade de tornar efetiva a política re- ferida no artigo 4 da presente Convenção, a autoridade ou as autoridades competentes deverá garantir a realização pro- gressiva das seguintes tarefas: b) a determinação das opera- ções e processos que serão proibidos, limitados ou sujeitos à autorização ou ao controle da autoridade ou autoridades competentes, assim como a determinação das substâncias e agentes aos quais estará proibida a exposição no trabalho, ou bem limitada ou sujeita à autorização ou ao controle da auto- ridade ou autoridades competentes; deverão ser levados em consideração os riscos para a saúde decorrentes da exposição simultânea a diversas substâncias ou agentes. Como se pode perceber a convenção 155 da OIT prevê a observância de todos os agentes de risco a que se possa expor simultaneamente o em- pregado. Diante da interpretação deste dispositivo entende-se que quando o indivíduo é submetido ao mesmo tempo a agente perigoso e insalubre no seu ambiente de trabalho, tais exposições devem ser consideradas de forma isolada, pois constituem duplo risco ao obreiro, motivo pelo qual o empregado faz jus aos respectivos adicionais de forma cumulativa. Não se deveria ter outro raciocínio, senão este demonstrado. Porém não é esta interpretação que se retira do art. 193§2º da CLT, o qual impossibilita a cumulação dos adicionais de periculosidade e insalubridade, sendo o em- pregado, inclusive, compelido a optar por um dos adicionais. Que tais dis- positivos caminham em sentidos opostos pode-se notar. Diante da incompatibilidade do art. 193, §2º da CLT com as dispo- sições da Constituição Federal e de Tratados Internacionais de Direitos Humanos ratificados pelo Brasil, o posicionamento majoritário do Tri- bunal Superior do Trabalho se põe no sentido de vedação da cumulação Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 365 dos adicionais de insalubridade e periculosidade, corroborando com as disposições da norma infraconstitucional. Tal posicionamento foi sedi- mentado a partir do julgamento dos embargos ao Recurso de Revista -RR 18718720135120022 – que teve como ministro relator Cláudio Mascare- nhas Brandão e previa a possibilidade de cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade, conforme se constata na ementa do acor- dão: RECURSO DE REVISTA. CUMULAÇÃO DOS ADI- CIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDA- DE. POSSIBILIDADE. PREVALÊNCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS E SUPRALEGAIS SOBRE A CLT. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA DO STF QUANTO AO EFEITO PARALISANTE DAS NORMAS INTERNAS EM DESCOMPASSO COM OS TRATADOS INTERNA- CIONAIS DE DIREITOS HUMANOS. INCOMPATIBILI- DADE MATERIAL. CONVENÇÕES NOS 148 E 155 DA OIT. NORMAS DE DIREITO SOCIAL. CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE. NOVA FORMA DE VERIFI- CAÇÃO DE COMPATIBILIDADE DAS NORMAS INTE- GRANTES DO ORDENAMENTO JURÍDICO. A previsão contida no artigo 193, § 2º, da CLT não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, que, em seu artigo 7º, XXIII, garantiu de forma plena o direito ao recebimento dos adi- cionais de penosidade, insalubridade e periculosidade, sem qualquer ressalva no que tange à cumulação, ainda que tenha remetido sua regulação à lei ordinária. A possibilidade da aludida cumulação se justifica em virtude de os fatos gera- dores dos direitos serem diversos. Não se há de falar em bis in idem. No caso da insalubridade, o bem tutelado é a saúde do obreiro, haja vista as condições nocivas presentes no meio ambiente de trabalho; já a periculosidade traduz situação de perigo iminente que, uma vez ocorrida, pode ceifar a vida do trabalhador, sendo este o bem a que se visa proteger. A regulamentação complementar prevista no citado preceito da Lei Maior deve se pautar pelos princípios e valores ins- culpidos no texto constitucional, como forma de alcançar, efetivamente, a finalidade da norma. Outro fator que susten- ta a inaplicabilidade do preceito celetista é a introdução no sistema jurídico interno das Convenções Internacionais nos 148 e 155, com status de norma materialmente constitucio- nal ou, pelo menos, supralegal, como decidido pelo STF. A 366 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

primeira consagra a necessidade de atualização constante da legislação sobre as condições nocivas de trabalho e a segun- da determina que sejam levados em conta os “riscos para a saúde decorrentes da exposição simultânea a diversas subs- tâncias ou agentes”. Nesse contexto, não há mais espaço para a aplicação do artigo 193, § 2º, da CLT. Recurso de revista de que se conhece e a que se nega provimento. (TST – RR: 1072- 72.2011.5.02.0384, Relator: Cláudio Mascarenhas Brandão. Data do Julgamento: 24/10/2014, 7a Turma, Data de Publi- cação: DEJT 03/10/2014) Apesar de Cláudio Brandão ter entendimento acertado abarcando a possibilidade da cumulação de adicionais de insalubridade e periculosi- dade, optando pela promoção das Convenções 148 e 155 da OIT, as quais apresentam no nosso ordenamento jurídico status de norma constitucio- nal, tal entendimento não foi preservado pela Subseção I de Dissídios In- dividuais (SDI-1) que ao julgar o embargo interposto ao referido Recurso de Revista, entendeu-se por maioria dos votos pela impossibilidade de cumulação dos adicionais. Sendo mantido este posicionamento a respeito do tema, segundo pode-se constatar: ADICIONAL DE INSALUBRIDADE E DE PERICULOSI- DADE. CUMULAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PREVALÊN- CIA DO ART. 193, § 2º, DA CLT ANTE AS CONVENÇÕES Nº 148 E 155 DA OIT. É vedada a percepção cumulativa dos adicionais de insalubridade e de periculosidade ante a ex- pressa dicção do art. 193, § 2º, da CLT. Ademais, não obstante as Convenções nº 148 e 155 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) tenham sido incorporadas ao ordenamento jurídico brasileiro, elas não se sobrepõem à norma interna que consagra entendimento diametralmente oposto, aplican- do-se tão somente às situações ainda não reguladas por lei. Sob esse fundamento, a SBDI-I, por unanimidade, conheceu do recurso de embargos, por divergência jurisprudencial, e no mérito, por maioria, negou-lhe provimento. Vencidos os Ministros Cláudio Mascarenhas Brandão, relator, Augusto César de Carvalho, Hugo Carlos Scheuermann e Alexandre Agra Belmonte. (TST – E – ARR – 1081 - 60.2012.5.03.0064, SBDI-I, rel. Min. Cláudio Mascarenhas Brandão, red. p/ acórdão Min. João Oreste Dalazen, 28.4.2016). Desde logo, cabe explicitar que tal entendimento afronta diretamente Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 367 o princípio da primazia da norma constitucional, bem como a sistemática de hierarquia das normas. Sabe-se que em um Estado constitucional hu- manístico, o Brasil deve-se focar no cumprimento e eficácia dos tratados internacionais de direitos humanos os quais faz parte, não sendo forçoso afirmar que o atual posicionamento do TST sobre cumulação de adicio- nais desrespeita disposições propostas pela Organização Internacional do Trabalho, as quais a República Federativa do Brasil se obrigou a preservar, quando ratificou as Convenções 148 e 155 da OIT. Diante de um Direito pós-moderno, as normas infraconstitucionais devem guardar dupla compatibilidade material vertical, ou seja, para se- rem consideradas vigentes e, sobretudo válidas, precisam observar além das disposições da Constituição Federal, as previsões dos tratados inter- nacionais de direitos humanos que a República Federativa do Brasil seja parte (GOMES; MAZZUOLI, 2010, p.15). Isto porque tanto a constitui- ção como os TIDH constituem norma hierarquicamente superior, por- tanto são fundamento de validade das demais normas do ordenamento jurídico. Se num caso concreto, norma infraconstitucional é incompatível com tratados internacionais de direitos humanos, será considerada invá- lida cabendo ao magistrado não aplicá-la, desta forma fazendo o controle de convencionalidade. Como bem afirma Gomes (2015, p. 12), “as normas infraconstitucionais estão sujeitas a um duplo controle: o de constitucio- nalidade e o de convencionalidade”. Neste sentido, entende-se a incompatibilidade do atual posiciona- mento do Tribunal Superior do Trabalho que ao adotar a impossibilidade de cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade fecha os olhos a toda sistemática do controle jurisdicional de convencionalidade, inobservando desta maneira as disposições dos princípios da dignidade da pessoa humana e prevalência dos direitos humanos. Entende-se que o art. 193, § 2º da CLT é norma inválida, pois por ter caráter infraconstitucional deveria guardar harmonização tanto com a Constituição Federal quanto com a Convenção 155 da OIT, o que não ocorre. Neste sentido, é dever do referido Tribunal Superior controlar sua convencionalidade, paralisando sua eficácia em cada caso concreto. No entanto, tal postura não foi observada pelo TST, apoiando se em um po- sicionamento patente de desconformidade com os ideais de um Estado cooperativo, onde se emerge a necessidade de proteção e efetivação dos 368 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

Direitos Humanos. O atual posicionamento do TST ainda demonstra total dissintonia com a teoria do diálogo das fontes. Diante de um Estado Constitucional de Direito de caráter tridimensional há uma abertura do direito interno para o direito internacional dos direitos humanos (GOMES; MAZZUO- LI, 2011, p.21). Em virtude de tal movimento, o ordenamento jurídico acaba se compondo não apenas de normas infraconstitucionais e cons- titucionais, mas também por tratados internacionais de direitos huma- nos, ficando marcado por uma pluralidade de fontes. Ocorre que muitas vezes, diante de um mesmo caso concreto ao juiz é cabível a aplicação de várias fontes, incumbindo ao mesmo analisar cada uma delas e aplicar aquela que seja mais favorável ao indivíduo, como forma de promoção aos princípios da dignidade da pessoa humana e pro homine (BURGOR- GUE-LARSEN, 2010, p. 17). Diante deste raciocínio, os aplicadores do direito mediante um caso concreto, necessitam assumir uma postura de integração, no con- flito entre fontes não devem se restringir a aplicação da norma domés- tica a todo e qualquer custo, isto porque na pós-modernidade as fontes internas dialogam com as fontes internacionais, não havendo que se falar em exclusão de uma norma à outra, mas sim completude. Não devem impor uma norma à outra, mas aplicar aquela que seja mais benéfica ao indivíduo. Como bem afirma Mazzuoli (2011, p.144), é saber que a solução dos conflitos que envolvem Direitos Humanos não pode constituir “via de mão única, mas rota de várias vias possíveis”. Assim, compreende-se a tendência do direito pós-moderno em aplicar a teoria do diálogo das fontes e princípio pro homine como meios para solução de antinomias no âmbito de proteção dos direitos humanos, sendo insuficiente a utilização pura e simples dos critérios tradicionais de solução de conflito, quais sejam: hierarquia, especialidade e cronologia; uma vez que incompatíveis, se empregados de forma isolada, com um sis- tema inclusivo (MAZZUOLI, 2011, p. 30). Neste sentido, faz-se necessário mudança de posicionamento do TST de modo a aceitar a cumulatividade do adicional de periculosidade e insalubridade, como forma de promoção ao princípio da prevalência dos direitos humanos, isto porque não é razoável que o corporativismo jurí- dico se sobreponha ao princípio da dignidade da pessoa humana. Diante Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 369 deste raciocínio, a revisão do atual entendimento do Tribunal Superior se faz indispensável, uma vez que ele viola toda uma sistemática de interpre- tação do direito internacional dos direitos humanos, além de inobservar o princípio base do Direito do Trabalho, qual seja: o da aplicação da norma mais favorável ao trabalhador, parte hipossuficiente da relação trabalhista.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS: QUANDO AS CORTES NEGAM DIREITOS Diante de uma visão transcontitucional, pode-se encontrar como relevantes problemáticas de um Estado constitucional Humanístico a proteção dos direitos do Homem como trabalhador, bem como a necessi- dade de propagação de um meio ambiente de trabalho descente, livre de agentes nocivos à saúde e vida do obreiro. Todas estas questões envolvem direitos fundamentais que, por vezes, são objeto de violação e conflito na ordem interna. A violação de direitos fundamentais garantidos como ponte a concretização da dignidade da pessoa humana são problemas constitucionais que transcendem as barreiras do Estado, sendo objeto de tutela tanto na ordem interna, como no âmbito internacional. Ante este tipo de questões qual seria a melhor solução para a garantia e concretiza- ção dos direitos fundamentais dos trabalhadores: A imposição de normas infraconstitucionais vigentes no ordenamento jurídico ou o diálogo entre as disposições presentes na ordem interna e internacional? É diante deste questionamento que se defende a possibilidade de cumulação dos adicio- nais de insalubridade com periculosidade. Acredita-se que se um traba- lhador está exposto ao mesmo tempo a ambientes insalubres e perigosos, se sofrem duplo risco, não haveria nada mais justo, senão a percepção cumulada de adicionais, tudo isto em virtude do princípio da dignida- de da pessoa humana, mediante a observância do arcabouço normativo e axiológico constitucional e das Convenções 155, 148 e 161 da OIT. A contrário sensu entende o Tribunal Superior do Trabalho, que adota como tese vencedora a impossibilidade de cumulação dos referidos adicionais. Neste sentido, um trabalhador submetido a um duplo risco, segundo o tribunal deve optar por um dos adicionais, isto porque, nestes casos, o TST aplica as disposições artigo 193 §2º da Consolidação das Leis Trabalhistas, não observando os ditames constitucionais previsto no art. 7º, XXIII da CRFB/88 acerca do tema, para não mencionar a total vio- 370 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 lação da Convenção 155 da OIT. Ao interpretar o caso, o TST utilizou a subsunção simples e pura do fato à norma, como se o caso ora abordado fosse de “fácil” resolu- ção. O que não ocorre, pois estamos diante de questão que envolve di- reitos fundamentais sociais e individuais do trabalhador, quais sejam: direito à saúde, vida, integridade física, garantia de um meio ambiente de trabalho salubre e seguro. A utilização de uma interpretação restri- tiva em nada contribui para a concretização dos direitos sociais dos trabalhadores, em verdade o Poder Judiciário tem um papel de gran- de relevância na concretização destes direitos. Quando os interpretam devem fazer de forma sistemática, observando sempre as disposições, valores e princípios constitucionais, devendo se mencionar que a inter- pretação de normas infraconstitucionais precisa ser realizada conforme a Constituição. Desta forma, o magistrado conseguirá compatibilizar a norma constitucional com a realidade, concretizando direitos. Ademais, o TST não observou toda uma sistemática de interpretação de Direitos In- ternacionais de Direitos humanos, vez que o art. 193§2º da CLT, por ele aplicado está em desconformidade com a convenção 155 da OIT e com disposições da Constituição Federal de 1988, motivo pelo qual deveria ter sofrido controle de convencionalidade. Por todos os motivos expostos, entende-se que a possibilidade de cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade, nas hipóteses em que o trabalhador está exposto a duplo risco, é a po- sição que deve ser adotada por constituir uma interpretação mais coerente com o sistema de proteção do trabalhador, sendo ela ca- paz de concretizar vários direitos sociais estabelecidos constitu- cionalmente, além de ser mais favorável ao indivíduo que labora, e, sobretudo compatível com os ditames do princípio da dignidade da pessoa humana. O que se impõe é a mudança de posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho para que se possa caminhar em dire- ção ao progresso, efetivando direitos fundamentais do trabalhador.

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Notes 1 TRT-12º Região – RO- 00017884620145120019 SC 0001788-46.2014.5.12.0019-De- sembargador Relator Edson Mendes de Oliveira. Data de Publicação: 07/12/2016; TST – 2ª Turma. RR - 40400-96.2010.5.16.0014 – Ministro– Ministro Relator José Roberto Freire Pimenta. Data de publicação: 15/02/2013. 376 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez Argumenta 2017 Journal377 Law Karina Denari MATTOS1 n. 27 p. 377-402 José Ribas VIEIRA2 jul/dez 2017

Como citar este artigo: UMA PONTE ENTRE MATTOS, Karina D., VIEIRA, José R. DOIS MUNDOS: COMO O Uma ponte entre dois mundos: como o constitucionalismo CONSTITUCIONALISMO social conectou o direito e a ciência SOCIAL CONECTOU O política no Brasil pós- 88. Argumenta Journal DIREITO E A CIÊNCIA Law, Jacarezinho – PR, POLÍTICA NO BRASIL PÓS-88 Brasil, n. 27. p. 377-402. Data da submissão: A BRIDGE BETWEEN TWO WORLDS: HOW SOCIAL 28/09/2017 CONSTITUTIONALISM CONNECTED THE LAW AND Data da aprovação: THE POLITICAL SCIENCE IN BRAZIL AFTER 1988 05/12/2017 UN PUENTE ENTRE DOS MUNDOS: CÓMO EL CONSTITUCIONALISMO SOCIAL CONECTÓ LA LEY Y LA CIENCIA POLÍTICA EN BRASIL DESPUÉS DE 1988

SUMÁRIO: Introdução; 1. A Construção do Constitucio- nalismo Norte-Americano: dos Federalistas aos Neoinstitucionalistas; 2. A Construção do Constitu- cionalismo Brasileiro: Judicialização da Política e a aproximação gradual entre o Direito e a Ciência Polí- tica Pós-88; 3. Conclusões Parciais; Referências.

RESUMO: O trabalho fará um resgate histórico das aproxi- mações acadêmicas entre o direito e a ciência política nos Estados Unidos e no Brasil. Enquanto nos Esta- dos Unidos o constitucionalismo nasce conectado à ciência política em 1787, no Brasil essa aproximação se dará apenas no movimento constitucional pós-88. Defendemos que a agenda do constitucionalismo so- 1. Universidade cial desenvolvida a partir da década de 90, especial- Federal do Rio de Janeiro - UFRJ – Brasil mente focada na “Judicialização da Política”, é a ponte 2. Universidade entre as áreas. Essa agenda colaborativa sai fortaleci- Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Brasil 378 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 da também pela crescente utilização dos métodos e técnicas da pesquisa empírica no direito, que auxiliam na compreensão do fenômeno consti- tucional moderno.

ABSTRACT: The paper will provide a historical overview of the academic approa- ches between law and political science in the United States and Brazil. While in the United States constitutionalism was born connected to po- litical science in 1787, in Brazil this approximation will occur only in the post-88 constitutional movement. We argue that the agenda of social constitutionalism developed since the 1990s, especially focused on the “Judicialization of Politics”, is the bridge between the areas. This collabo- rative agenda is also strengthened by the increasing use of empirical re- search methods and techniques in the Law, which help in understanding the modern constitutional phenomenon.

RESUMEN: El trabajo hará un rescate histórico de los acercamientos académicos entre el derecho y la ciencia política en Estados Unidos y Brasil. Mientras en los Estados Unidos el constitucionalismo nace conectado a la ciencia política en 1787, en Brasil esa aproximación se dará sólo en el movimiento constitucional post-88. Defendemos que la agenda del constitucionalismo social desarrollada a partir de la década de los 90, especialmente enfoca- da en la “Judicialización de la política”, es el puente entre las áreas. Esta agenda colaborativa se ve fortalecida también por la creciente utilización de los métodos y técnicas de la investigación empírica en el derecho, que auxilian en la comprensión del fenómeno constitucional moderno.

PALAVRAS-CHAVE: Direito. Ciência Política. Constitucionalismo Social. Judicialização da Política. Pesquisa Empírica em Direito.

KEYWORDS: Law. Political science. Social Constitutionalism. Judicialization of Politics. Empirical Legal Studies. Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 379

PALABRAS CLAVE: Derecho. Ciencia Política. Constitucionalismo Social. Judicializa- ción de la Política. Investigación empírica en Derecho.

INTRODUÇÃO Com o término do ano, os veículos de mídia promovem suas tradi- cionais “retrospectivas”, onde rememoram fatos marcantes e muitas vezes já acenam às tendências que podem influenciar o panorama do ano se- guinte. Na mesma linha, já há alguns anos, o constitucionalista, que hoje ocupa o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, faz suas retrospectivas sobre os casos e tendências do Tribunal. Em sua última análise, sob o título “O Supremo Tribunal Federal em 2016: O Ano que Custou a Acabar”, o pesquisador lança suas opiniões não só sobre as decisões daquele ano, mas também sobre economia, política e sociedade (BARROSO, 2016, p. 3), perfila críticas morais - “desonesti- dade generalizada, degeneração difusa das práticas e costumes, no varejo e atacado” (BARROSO, 2016, p. 14) e aponta os erros e acertos daquela corte (BARROSO, 2016, p. 4). O Supremo, coloca o ministro, “tem sido um agente do progresso civilizatório brasileiro”, mas que “nem sempre se consegue avançar no ritmo desejado” (BARROSO, 2016, p. 15). O ministro afirma que fatores, que ele denomina “conjunturais”, li- gados ao Poder Legislativo, e outros fatores denominados de “arranjo ins- titucional adotado no país” (o que poderiam ser os fatores institucionais) levam a uma superexposição do Tribunal: “Como é comum nesses casos, os que ficam felizes com a decisão elogiam a boa interpretação constitu- cional. Os que ficam infelizes criticam o ‘ativismo judicial’. Assim é porque sempre foi, aqui e alhures, dos Estados Unidos à África do Sul” (BARRO- SO, 2016, p. 4). Nesta retrospectiva, principalmente em se tratando do controverso ano do impeachment e da crise institucional brasileira, o ministro Barroso tece diversas opiniões, inclusive profere sua visão de como deveria ser a postura da Corte diante de tantos e tão controversos temas, políticos e jurídicos. Esta fala do ministro, não necessariamente institucional, nos mostra uma tendência incontroversa: o mundo do direito não mais está restrito ao universo normativo, mas à realidade que o cerca. 380 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

De forma muito acertada, a análise segue a esteira de estudos na área da teoria constitucional brasileira, identificando acertos e desacertos no comportamento institucional e individual dos atores do sistema de justi- ça, além de sopesar eventos da realidade externa e seus impactos no mun- do do direito. No Brasil pós-Constituição de 1988, com o fortalecimento do cons- titucionalismo social brasileiro, a articulação entre direito e realidade so- cial, cultural e política segue cada vez mais necessária. Ainda que a década de 30 seja considerada o marco histórico formador de um movimento de Estado Social brasileiro, com importantes delimitações dessa ordem na Constituição de 1934, a Constituição de 1988 aperfeiçoa as principais diretrizes relacionadas à prestação de direitos de ordem social pelo Estado e avança na garantia e consolidação destes dispositivos. Essas novas demandas despertadas por um novo tratamento do di- reito, não apenas voltado à lógica individual (oponibilidade de deman- das), mas pela lógica da satisfação coletiva, acaba gerando na linguagem e nas racionalidades internas do constitucionalismo uma renovação me- todológica. Essa percepção de satisfação dos direitos, muito voltada à rea- lidade e ao contexto político, econômico, social e cultural nacionais, às possibilidades estruturais e orçamentárias de satisfação destes direitos e à ponderação entre possibilidades satisfativas colocou o constitucionalismo em um novo patamar. Além da mencionada reforma sobre o conteúdo do direito, a Consti- tuição de 1988 alçou o Poder Judiciário a nobre mediador dessas disputas, tanto na órbita pública e na relação de poderes, quanto no campo privado. Poderíamos classificá-la como uma reforma sobre a autoridade do direito. A atribuição de uma carga decisional ao órgão sobre questões que, antes eram somente políticas, mas agora foram judicializadas, carrega consigo a exigência ao órgão de uma compreensão de argumentos e justi- ficativas que antes não eram trabalhadas. O Judiciário aprendeu a traba- lhar com direitos sociais, e por aprender muito bem nas últimas décadas, passou a ser o locus central de discussão destas questões. O Judiciário decide questões políticas, mas com a linguagem do direito. Portanto, o Direito passou a ser, em muitos casos, a própria linguagem da Política. Diante dessa nova realidade nos estudos constitucionais brasileiros, do aperfeiçoamento da conexão entre os campos, pretendemos, promover Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 381 também um resgate da experiência norte-americana e brasileira, e elabo- rar uma análise descritiva de como se deu essa contribuição e esse diálogo entre a ciência política e o direito, nos Estados Unidos e no Brasil. Nossa intenção é relatar uma visão do debate norte-americano que originou sua Constituição, por volta de 1788 pelos artigos divulgados em jornal de Nova Iorque: a de que o constitucionalismo norte-americano sempre se pautou pelo método da ciência política. Como provocadores dessa teoria, John Ferejohn e Roderick Hills Jr. (2016) defendem uma vi- rada interpretativa com relação ao papel d’O Federalista na história cons- titucional norte-americana e são rigorosos na análise metodológica dos papers defendendo seu conteúdo de ciência política. Para atualizarmos o debate norte-americano, vamos discorrer sobre as recentes teorias neoinstitucionalista e de análise comportamental da Suprema Corte como peças do tabuleiro atual da teoria constitucional norte-americana para a compreensão do direito dinâmico, atento às rea- lidades sociais. Neste sentido, Stephen Griffin (1996) e Lawrence Solum (2016) serão autores que evidenciam a reflexão sobre a contribuição da ciência política para a teoria constitucional moderna, própria do dilema constitucional do século XXI. Na análise brasileira, procuramos reconstruir o histórico da constru- ção da ciência política desde a década de 60, e a importância da Consti- tuição de 1988 no processo de conexão entre o direito e a ciência política na década de 90. Principalmente com base no trabalho de Forjaz (1997) reconstrui- remos o que se chama de relação entre autoritarismo no Brasil e a insti- tucionalização da ciência política. A tese que traremos é a de que ainda que a ciência política tenha se institucionalizado nos anos 60 e 70, com a consolidação dos programas de pós-graduação pioneiros no país e com forte influência norte-americana, o despertar do diálogo entre os campos da ciência política e da teoria constitucional se dará apenas na democracia pós-1988, nos estudos a partir da década de 90 sobre judicialização da política. Neste momento de novas demandas jurídicas, a influência de técni- cas e métodos que já vinham sido experimentados em outros campos de estudo, principalmente os provenientes da sociologia, antropologia, his- tória, mas principalmente da ciência política, passaram a fazer parte do 382 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 acervo epistêmico dos juristas, com ênfase nos chamados métodos em- píricos (ressalvadas as discussões sobre o termo e sua abrangência). Tam- bém traremos essa inovação metodológica do direito como fator adicional para a necessária articulação entre os dois campos.

1. A CONSTRUÇÃO DO CONSTITUCIONALISMO NORTE- -AMERICANO: DOS FEDERALISTAS AOS NEOINSTITUCIONA- LISTAS Iniciados os debates para o grande projeto de uma Constituição nor- te-americana nos idos de 1788, Alexander Hamilton, James Madison e John Jay, por meio de 85 artigos divulgados em jornal de Nova Iorque elaboraram diversas considerações a respeito dos fundamentos morais, políticos e jurídicos que seriam as diretrizes para a renovação do modelo norte-americano de estados confederados para um redesenho federalista. A diversidade dos argumentos trazidos nestes diversos artigos e a ri- queza das teses que se desenvolveram ainda aquecem o debate constitucional norte-americano e internacional, como demonstram recentes publicações que interpretam estes textos na ótica moderna (GARGARELLA, 2006; LE- VINSON, 2015; BARNETT, 2016). Porém, ainda que seja objeto de discus- são, os fundamentos sobre a natureza humana, a separação de poderes e da república como forma de governo em combate às facções nos dias de hoje, há outra contribuição de ordem metodológica e argumentativa dos escritos. Em recente artigo, John Ferejohn e Roderick Hills Jr. (2016) elabo- ram uma virada interpretativa da obra O Federalista. Sempre visto como estudo de caráter histórico ou constitucional no sentido de uma funda- mentação normativa para a Constituição de 1787, a obra coletiva de Pu- blius tradicionalmente é parte da leitura obrigatória daqueles que querem explorar as raízes dos modelos constitucionais modernos1. Tratando de temas essenciais às democracias, principalmente os re- lacionados à separação de poderes, como as competências e desvios, a estruturação de um modelo de judicial review e o estabelecimento de li- mites institucionais, o “experimentalismo” (FEREJOHN, HILLS JR., 2016, p. 2) ali trazido teve efeito não apenas em território norte-americano, mas navegou muito além mares, chegando inclusive à época aos estudos do Federalismo no Brasil2. Ainda que as noções voltadas às temáticas centrais do direito consti- Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 383 tucional sejam alvo de releituras, ainda pouco explorada é a contribuição metodológica que Publius exerce na doutrina constitucional moderna. A retórica “do mundo real” e sua estrutura argumentativa permitiram um debate constitucional muito alinhado às perspectivas políticas e insti- tucionais advindas do modelo proposto. Essa forma de reflexão, muito colada às experiências estrangeiras e passadas e com uma preocupação consequencialista, foram vanguardista é vista como um dos fatores deter- minantes para o sucesso da Constituição norte-americana e sua longevi- dade. Para Ferejohn e Hills Jr. (2016, p.1) duas balizas permitem analisar o conteúdo de ciência política da análise atenta d’O Federalista. A primeira baliza diz respeito à percepção que Publius levanta prin- cípios substantivos ou generalizações, de forma indutiva ou dedutiva, que são úteis na construção e crítica de escolhas políticas3. Conteúdos estes, necessariamente condicionados à história e ao contexto de garantia das liberdades e autogoverno. Tais princípios estão estampados nos artigos mais relevantes da construção teórica estabelecida, os artigos 10, 49, 51 e 63 de Madison e os artigos 70 e 78 de Hamilton (FEREJOHN, HILLS JR., 2016, p. 6-7). Cada um desses artigos, ao articular normas práticas de desenho constitucional republicano repousa sobre proposições de ciência política - exemplos de governos populares clássicos e modernos usados para justificar alguns as- pectos do novo modelo ou criticar outros. Pode-se usar como exemplo a ideia republicana de multiplicidade de visões políticas, de forma a dificultar a captura das instituições políticas por facções (FEREJOHN, HILLS JR., 2016, p. 7), reforçada no artigo 10 (2011, p. 123):

O Federalista n. 10 - A Utilidade da União como Salvaguarda contra a Facção e Insurreições Domésticas (continuação) [...] Desta maneira de ver o assunto pode ser concluído que uma Democracia pura, termo com que pretendo referir-me a uma sociedade consistindo num pequeno número de cida- dãos, que se reúnem e administram o governo em pessoa, não pode admitir um remédio para as acções prejudiciais das 384 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

facções. Em quase todos os casos uma maioria do todo senti- rá uma paixão ou terá um interesse comum; a comunicação e a concertação resultam da própria forma do Governo; e não existe nada para manter em respeito os incitamentos a sacri- ficar o partido mais fraco ou um indivíduo odioso. Em segundo lugar, podemos perceber o uso de métodos empíricos por Publius na elaboração de seu argumento, como a melhor forma de ga- nhar e rever as generalizações como colocadas. A análise da experiência, acima de qualquer construção teórica, é explorada a cada nova hipótese construída. Utilizando-se também do artigo 10, vê-se a comparação entre os mo- delos democráticos anteriores em contraponto à criação do novo modelo republicano (2011, p. 118). O Federalista n. 10 - A Utilidade da União como Salvaguarda contra a Facção e Insurreições Domésticas (continuação) [...] Os valiosos aperfeiçoamentos introduzidos pelas Constitui- ções americanas nos modelos mais populares, tanto antigos como modernos, certamente que não podem ser admirados em demasia, mas seria uma injustificável parcialidade argu- mentar que têm evitado o perigo vindo deste lado tão eficaz- mente como era desejado e esperado. Para os autores, portanto, o segundo aspecto que reforça a análi- se metodológica de ciência política presente nos artigos d’O Federalista consiste na noção de experimentalismo e pragmatismo nas assunções ali colocadas. Como experimentalistas, os autores se colocam na posição de observadores da realidade que o cercam e suas crenças são submetidas à comprovação ou refutação em longo prazo diante dos fatos que sucede- ram à implementação do modelo criado4. Sendo assim, a reflexão de Publius qualificada pela apresentação de soluções de problemas de ação coletiva, ou seja, de coordenação entre agentes e interesses diversos, caracteriza abordagem eminentemente das ciências políticas5. A análise de comportamento institucional trazida nos argumentos de Publius também reforça a análise política presente na ar- gumentação dos autores. Neste sentido, para Ferejohn e Hills Jr., o fenômeno constitucional Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 385 trazido n’O Federalista por meio da ciência política é dinâmico (como qualquer ciência): o seu conteúdo substantivo é alterado, ampliado e res- tringido com a experiência. Há uma contribuição de ordem governamen- tal e de institucionalismo própria das ciências políticas que está dissociada da contribuição quanto ao plano normativo de comprometimento políti- co6. Ainda que não se saiba ao certo se essa “inovação metodológica” de- corre de seu papel eminentemente panfletário, destinado meramente ao convencimento da população sobre a importância da nova Constituição, ou da mente vanguardista de seus criadores, assume-se neste trabalho que a reflexão política está presente na própria concepção do constitucionalis- mo norte-americano. Para além da natureza política de seus escritos, a elaboração de uma Constituição também evoca um movimento diferenciado e inovador rela- cionado aos demais documentos constitucionais da época. Além de redu- zir a ‘lei fundamental’ da nação a um corpo único de leis (diferentemente dos textos constitucionais da época), a questão crucial do constituciona- lismo norte-americano foi o desenvolvimento de uma teoria que justifica o status supremo de uma constituição sobre as demais leis. A ideia de condução do governo abaixo da lei constitucional é o centro da teoria constitucional desenvolvida nos Estados Unidos (GRIFFIN, 1996, p. 12). Pela inter-relação entre organização do governo e desenvolvimento da de- mocracia com uma sólida teoria constitucional vemos que foi desenvolvi- do nos Estados Unidos, de forma inédita, um campo de estudos voltado à ciência política. Em recente trabalho sobre a crise política brasileira, o cientista polí- tico Fabiano Santos (2016, p. 7) afirma que o que se identifica por ciência política teve origens mais remotas na Grécia aristotélica, como a ciência do bom governo. Seria no liberalismo clássico e na passagem do século XIX para XX, que a ciência se complexifica com os desafios institucionais e com os desastres sociais de um mercado supostamente auto-regulável. Sendo assim, apesar de seu nascimento remeter ao início da civi- lização ocidental, pode-se dizer que foi apenas nos Estados Unidos que a ciência política se consolidou como área autônoma de conhecimento científico. A concretização de uma “ciência política” como disciplina se deu 386 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 somente sete décadas após os debates sobre a Constituição, sendo o pri- meiro posto de cátedra em “História e Ciência Política” criado em 1857 pela Universidade de Columbia e, logo após, em 1880 a criação do depar- tamento (FERES JR., 2000, p. 98). O ano de 1903 é o marco da sedimentação institucional da ciência política nos Estados Unidos, com a criação da American Political Science Association - APSA, a maior associação acadêmica sobre ciência política dos Estados Unidos. Sua força era tão grande que em 1906 já tinha quase 400 membros e o seu periódico principal foi fundado neste mesmo ano. Hoje, a associação conta com 13 mil membros em mais de 80 países7. Com sua institucionalização no início do século XX, alçou-se nos Estados Unidos a ciência política a área de estudos, correspondendo à criação de empregos, cursos, departamentos, programas, centros de pes- quisa, revistas especializadas, associações e linhas de financiamento de pesquisa sob esse rótulo ao longo da história (FERES JR., 2000, p. 97). Isso levou a uma estrutura muito especializada, modelo e polo exportador de tendências teóricas e temáticas, ainda sem parâmetros em nível interna- cional. Ainda que muitos dos primeiros cientistas políticos defendessem a área como uma atividade destinada à educação política dos cidadãos (FARR, 1988 apud FERES JR., 2000, p. 98), cada vez mais a sua vocação democrática foi sendo suplantada para sua função de ciência do Estado, destinada a produzir estudos e dados sobre as dinâmicas e práticas do exercício da função pública e governo. Sua condução foi gradualmente sendo afastada das ruas e ambientes de debate informal, e a criação e am- pliação do uso de métodos sofisticados de averiguação dos seus dados levou a ciência política norte-americana a um alto grau de especialidade e profissionalização. A exemplo, já na década de 80, David Ricci, na obra “The tragedy of Political Science. Politics, scholarship and democracy” (1984), trabalha o fato de que o rigor científico somado à alta demanda por factualismo e rejeição de julgamentos de valor levou os cientistas políticos a abando- nar questões normativas importantes para a saúde democrática, tais como virtude política e patriotismo (FERES JR, 2000, p. 99). Outro estudo que trabalha a dissociação entre rigor científico da Ciência Política e alienação das questões do debate político nacional foi Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 387 também trazida por Raymond Seidelman e Edward Harpham (1985) em obra sobre as contribuições individuais dos maiores cientistas políticos norte-americanos e seu engajamento nas questões. Percebeu-se que da- das as rejeições às suas propostas de reforma, a estratégia utilizada pelos pesquisadores foi aumentar o rigor científico, que trouxe um afastamento da sociedade civil e isolamento dentro da comunidade acadêmica (FERES JR., 2000, p. 99). Atualmente, ainda que a ciência política tenha desenvolvido como uma área de estudos dissociada do direito e em particular do constitucio- nalismo, suas teses e métodos em muito influenciaram as outras linhas de estudo nas ciências sociais. Voltemos ao nascer da Constituição e da teoria constitucional norte-americanas para rememorar o tom muito expressivo, hoje, nos estudos internacionalmente reconhecidos sobre teoria institu- cional e no reconhecimento da autonomia da teoria constitucional como campo autônomo, separado da filosofia política e da filosofia do direito8. Um dos autores que defendem a autonomia da teoria constitucional é Stephen Griffin, principalmente em sua obra American Constitutiona- lism (1996) que visa servir de manual introdutório (porém, crítico) ao campo da teoria constitucional. Relata o autor que embora o termo ‘teoria constitucional’ não seja novo, o que ele chama como empreendimento (‘enterprise’) de teoria aca- dêmica nesta área é um fenômeno recente, posterior a decisões como Bro- wn v. Board of Education ou Roe v. Wade9, visto que vinculado às reações diante das controversas decisões da Suprema Corte em relação ao direito constitucional (GRIFFIN, 1996, p.3), mas também a questões como sobe- rania, democracia, crises e reformas constitucionais. Sendo assim, o objeto de estudo dessa nova ‘teoria constitucional’ se refere a uma análise interdisciplinar, com forte influência da ciência política, aplicada às dinâmicas que envolvem o processo político e his- tórico de interpretação e aplicação das normas constitucionais, num sis- tema constitucional complexo. Nas suas palavras, a teoria constitucional é um campo relacionado às questões ‘de segunda ordem’, que questiona essencialmente a validade das assunções de ‘primeira ordem’ do direito constitucional, estudando mais proximamente o ‘constitucionalismo nor- te-americano’1011. (1996, p. x, 3-4) Reforça o autor: “A chave para a compreensão do constitucionalis- 388 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

mo americano é apreciá-lo como uma prática política pouco plausível12” (GRIFFIN, 1996, p. 5). Por si só, o estudo de uma suposta teoria constitu- cional autônoma pode ser lido como uma aproximação entre direito cons- titucional e ciência política para a compreensão dos fenômenos constitu- cionais mais pungentes, e seus métodos e técnicas de reconhecimento de padrões de comportamento seriam o grande recurso para a consecução destes fins. Além da influência da ciência política nos estudos interdisciplinares sobre o fenômeno constitucional, há um campo mais específico dos es- tudos do constitucionalismo que merece uma atenção pormenorizada: o campo da atuação e comportamento das Cortes Constitucionais. Griffin trabalha tais conceitos na obra American Constitucionalism (1996) no Capítulo 4, a respeito de adjudicação constitucional e como a Suprema Corte age como uma instituição. Se de um lado os juízes (jus- tices) são membros de uma corte colegiada para interpretação constitu- cional e devem decidir como tal, há pressões externas e internas que não devem ser dispensadas na condução de uma função pública que de tão relevante, tende a ser política. Tais tensões, afirma Griffin, criam um cenário único de adjudicação constitucional, uma forma de julgamento que resiste à assimilação de ou- tras formas de julgamento, assim como a Constituição resiste à assimila- ção de outras formas de direito. Sendo assim, a única natureza da decisão constitucional também é aparente quando examinamos a Corte Suprema, numa perspectiva institucional13. (1996, p. 128) O que seria, portanto, a ‘perspectiva institucional’ mencionada por Griffin? Em recente postagem no blog Legal Theory Blog, o constitucionalis- ta norte-americano Lawrence Solum esboça alguns pressupostos do deba- te institucional e da influência da ciência política na análise do fenômeno jurídico. Coloca o autor, assim como Griffin, que a academia jurídica não é o único locus de estudo sério sobre o direito. Dentre as áreas que fazem interface o autor cita desde a filosofia e sociologia, história e antropolo- gia como domínios do conhecimento associado ao estudo do direito, mas salienta que: “a ciência política (‘politics’ or ‘government’) é a disciplina acadêmica mais fortemente associada ao estudo do direito fora das escolas de direito” (2016).14 Para o autor, na perspectiva da ciência política, duas são as contri- Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 389

buições mais importantes15 ao estudo do direito: o modelo atitudinal e a noção de neoinstitucionalismo ou teoria institucional. De uma forma bem didática, Solum (2016) exemplifica: suponhamos que seja um cien- tista político e queira prever o comportamento de uma Corte Constitucio- nal. Quais variáveis utilizariam? Uma possibilidade é prever usando con- ceitos legais, como o texto constitucional, e isso seria um ‘modelo legal’. Mas vamos supor que você consiga alocar os juízes dentro de uma posição a partir de sua ideologia política, e a partir disso prever suas posições e a posição final da Corte nos julgamentos colegiados. Isso seria um ‘modelo atitudinal’. A partir de uma reconstrução do histórico de decisões da Corte e da complexidade interpretativa dos textos que são base dos julgamentos, Solum afirma que ainda que em tribunais inferiores o modelo legal con- siga prever os julgamentos de forma mais adequada, nas Cortes Consti- tucionais ele não é suficiente. E tampouco a mera aplicação do modelo atitudinal. Para Solum, para se ter uma verdadeira percepção de previsão de decisões, a interação e o comportamento externo, das diversas instituições que compõem o sistema de justiça e político do país, são relevantes, além das questões internas, relacionadas às capacidades institucionais (a ques- tão das certezas e limitações e vieses cognitivos das instituições16). Essa é a perspectiva institucional a qual Griffin sugere. Isso nos leva ao que atualmente convencionou-se chamar de Neoins- titucionalismo, um movimento eclético que busca integrar a teoria legal e as distintas características das instituições do sistema de justiça vistas por uma perspectiva da ciência política no estudo do direito. Eclética, pois não há uma única forma de metodologia ou teoria que encaixe perfeita- mente no ‘guarda-chuva’ do neoinstitucionalismo (SOLUM, 2016). No texto “Political Science and the three New Institutionalisms” de 1996 (com tradução em português publicada em 2003), Peter Hall e Ro- semary Taylor resgatam alguns dos conceitos trabalhados nos Estados Unidos na sua fase de expansão entre 80 e 90. Segundo os autores, há três escolas de pensamento neoinstitucionalista: a escola histórica, da escolha racional e sociológica. Também seria possível falar no neoinstitucionalis- mo econômico, mas muito próximo da escola da escolha racional (2003, p. 193). 390 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

Esses três métodos se insurgiram contra a escola behaviorista, in- fluente nas décadas de 60 e 70, visando elucidar o papel desempenhado pelas instituições na determinação de resultados sociais e políticos (2003, p. 194). As diferenças entre as escolas são principalmente relacionadas a dois pontos centrais: (i) definição das relações entre as instituições e comportamento, ou como as instituições afetam o comportamento e; (ii) explicação da origem e das modificações das instituições (2003, p. 212-ss). Ainda que haja divergências centrais quanto à forma de condução dos estudos, as diferentes escolas neoinstitucionalistas contribuíram mui- to para a revelação de aspectos importantes do comportamento humano e do impacto que as instituições podem ter nele: Nenhuma dessas escolas parece ir em má direção, ou ter em sua base postulados profundamente errôneos. No mais das vezes, cada uma parece suprir uma explicação parcial das forças ativas numa situação dada, ou exprimir dimensões diferentes do comportamento humano e do impacto das instituições. É nesses termos que o comportamento de um ator pode ser influenciado ao mesmo tempo pelas estratégias prováveis de outros atores e pela referência a um conjunto familiar de modelos morais e cognitivos, cada fator estando ligado configuração das instituições existentes (HALL, TAY- LOR, 2003, p. 220). Não se nega que a influência do neoinstitucionalismo no campo do direito, principalmente na área de teoria constitucional, é um campo em crescimento. Ainda que na ciência política e na teoria constitucional norte-ameri- cana tenha tido espaço um aprofundamento teórico e uma pluralidade de estudos sobre o tema, vemos que no Brasil a incorporação da metodologia e da perspectiva da ciência política teve outra relação ao longo de seu de- senvolvimento. Resgatadas as premissas e o histórico norte-americanos, passemos à realidade brasileira.

2. A CONSTRUÇÃO DO CONSTITUCIONALISMO BRASILEI- RO: JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E A APROXIMAÇÃO GRA- DUAL ENTRE O DIREITO E A CIÊNCIA POLÍTICA PÓS-88 Se a ciência política nos Estados Unidos se institucionalizou em 1903 com a criação da American Political Science Association - APSA, Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 391 no Brasil sua institucionalização se deu permanentemente após a metade do século, por volta dos anos 60 e 70, com o início e consolidação dos primeiros programas de Pós no país - Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Ho- rizonte e Rio Grande do Sul17. Como paralelo, a Associação Brasileira de Ciência Política - ABCP foi criada em 1986, mas organizada efetivamente em 199618 com, portanto, quase um século de diferença da correspondente norte-americana19. No artigo “A Emergência da Ciência Política no Brasil: aspectos ins- titucionais”, Maria Cecília Spina Forjaz (1997) reconstrói a formação da ciência política no Brasil, muito voltada principalmente a elementos re- gionais. Se é possível dizer que em Minas Gerais e Pernambuco a ciência política se separou do direito e da economia, foi em São Paulo, a partir da Escola Sociológica Paulista - de influência francesa - assim como no Rio de Janeiro, a partir dos estudos no Instituto Superior de Estudos Brasilei- ros - ISEB, criado em 1955 - que a ciência política começou a desenvolver suas bases20. Na mesma linha, Andrei Koerner (2016) resgata de suas memórias pessoais o caminhar das análises sócio jurídicas e políticas sobre o direito e o Judiciário no Brasil. Pela ótica dos estudos na área do direito, já na Primeira República (1889-1930), parte do discurso jurídico era permeado por argumentos “sociológicos” e foi neste momento que os cursos de di- reito incorporaram nos seus currículos a sociologia e história do direito. Se na década de 1930, Sérgio Buarque, Caio Prado Júnior e Gilber- to Freyre fizeram a ponte entre sociologia e direito, do lado da doutrina jurídica já havia preocupação sociológica na análise do direito civil bra- sileiro por parte de Orlando Gomes, Oliveira Vianna e Miguel Reale. A partir daí, nos anos 60 e 70, Themístocles Cavalcanti, Oswaldo Trigueiro, Aliomar Baleeiro, e tantos outros evocam uma concepção instrumental e realista ao campo jurídico (2016). Da parte da ciência política, nesta mesma época, houve a decolagem dos estudos especializados mesmo no período de regime militar, que in- clusive, estruturou a rede de instituições ligadas à Ciência e Tecnologia nas quais os grupos de cientistas sociais se destacaram: Se o regime militar, por um lado, golpeou e reprimiu setores da comunidade científica e acadêmica mais ativamente opo- sicionistas, por outro lado, possibilitou a ampliação de uma 392 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

rede de instituições ligadas à Ciência e Tecnologia nas quais diversos grupos de cientistas sociais conseguiram se insinuar. [...] Foi nesses espaços institucionais abertos pelo regime que a crescente comunidade de cientistas sociais (enormemente ampliada com o desenvolvimento da pós-graduação a partir de 1968) inseriu-se e conquistou posições (FORJAZ, 1989, p. 82). Ainda que censuradas as peças teatrais, filmes e livros, em alguma medida o Estado repressor incentivou determinadas agendas de interesse liberal e desenvolvimentista para o país. Segundo a pesquisadora, o regi- me de 64 não constitui um bloco “monolítico” e que ao longo do período enquanto a “linha dura” inicialmente reprimiu, foi a partir do governo Geisel que tivemos a incorporação de uma filosofia sorbonista, mais -in telectualizada e com posturas favoráveis ao desenvolvimento científico (FORJAZ, 1989, p. 82). Dentre essas medidas, a criação e ampliação da Pós-graduação e a permissão de investimentos estrangeiros nas pesquisas nacionais, assim como a massiva utilização dos recursos da Fundação Ford nessa época (FORJAZ, 1997): A atuação da Fundação Ford foi fator fundamental na im- plantação de uma Ciência Política de orientação norte-a- mericana. Propiciando bolsas de estudo para os centros de excelência em Ciência Política nos Estados Unidos ou pro- movendo a vinda de professores americanos ao Brasil, a Fun- dação influenciou enormemente a formação de novas elites intelectuais permeáveis aos padrões da produção acadêmica norte-americana. Formar elites e influenciar o policy-ma- king no Brasil fez parte da estratégia política da Ford e de outras organizações americanas concatenadas com o proje- to mais amplo de hegemonia na América Latina (FORJAZ, 1997). Assim, o modelo norte-americano de ciência política foi decisivo para o início da academia brasileira, assim como influenciou os estudos políticos e econômicos da época. Até hoje o financiamento dado pela Fun- dação Ford tem espaço na escolha das agendas de pesquisa estabelecidas nas Faculdades e nos centros de ciência e tecnologia brasileiros, princi- palmente se formos analisar os principais temas e linhas de pensamento estudados por estes grupos. Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 393

A própria ausência de cadeiras voltadas ao estudo da América Latina e do que se diz de desenvolvimento e políticas regionais do Eixo Sul pode ser vista como decorrência dessa onda de financiamentos originária da academia política brasileira. Além da influência do regime militar nos rumos tomados pelos in- vestimentos estatais, a própria existência de regimes autoritários na Amé- rica Latina e no Brasil fomentou o estudo da política como campo de co- nhecimento, “a busca de novos modelos explicativos que permitissem a compreensão das especificidades de um novo tempo histórico em que a política assumia tal relevância (FORJAZ, 1997)21. Por certo tempo ocupada com as dinâmicas do poder e das insti- tuições politicamente ativas, com foco em linhas de estudos focadas no Presidencialismo de Coalizão ou em outros modelos teóricos explicativos da força e centralidade Poder Executivo - com menor ênfase nos estudos do Poder Legislativo - o interesse da ciência política pelo direito retorna apenas no final dos anos 80 e início dos 90. Esse foco será dado às questões eminentemente relacionadas à Cons- tituição de 1988 e sua plataforma “cidadã”: consolidação da democracia, dinâmica institucional e efetividade dos direitos (KOERNER, 2016). Nos anos 80 há a construção do grupo de trabalho “Direito e Sociedade” na ANPOCS, reunindo diversos pesquisadores do direito e das ciências sociais. Nesses trabalhos, o proble- ma do autoritarismo era central e o conhecimento do Brasil não era estudo de caso, mas algo imposto pela experiência, e a reflexão se fazia de modo a ter implicações para as escolhas e a ação (KOERNER, 2016). Se com os investimentos e as escolhas do regime militar no Brasil ti- vemos um incremento de uma ciência política rigorosa e qualitativa, 1988 traz uma nova virada, que favorece a teoria constitucional em comple- mento à teoria política pura, focada no Poder Executivo. Segundo Koerner (2016), ao longo das últimas décadas a percepção da relevância das próprias instituições judiciais para a democracia mu- dou, o que é também consequência do fortalecimento institucional (in- dependência) e profissionalização do judiciário. Tanto para acadêmicos da área jurídica quanto os acadêmicos formados pelas ciências sociais e políticas, existe atualmente uma agenda de pesquisa na área: 394 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

Do ponto de vista da pesquisa, a situação também mudou, pois formaram-se grupos de pesquisa especializados, há pu- blicações numerosas e encontros regulares nas principais associações internacionais. Desse modo, se as instituições judiciais e o papel social do direito se tornaram problema público nas últimas décadas, pesquisadores de diversas áreas das ciências sociais, história e direito têm trabalhado para conhecê-lo e discuti-­lo (KOERNER, 2016). A aproximação do campo constitucional jurídico com a ciência polí- tica, portanto, foi viabilizada pela agenda de pesquisa voltada à compreen- são do direito constitucional enquanto fenômeno político, e a partir de sua repercussão junto aos atores do sistema político. As diretrizes colocadas pela Constituição de 1988 foram determi- nantes na aproximação dos dois campos, especialmente no que diz respei- to aos direitos econômicos e sociais, que demandaram uma argumenta- ção distinta àquela tradicionalmente ocupada pelo direito. É importante salientar aqui que a própria dinâmica instaurada pelo texto constitucional de 1988 foi possível a aproximação, visto que a mera divisão de tarefas dentro do Estado não era mais simetricamente relacionada à divisão de poderes. Como já dissemos, também a consolidação de um Poder Judiciário detentor da tomada de decisão em diversas temáticas inseridas na pró- pria Constituição de 1988, e seu fortalecimento institucional por emendas constitucionais e outras reformas legislativas, robusteceram a lógica de in- ternalização da política pelo Poder Judiciário. Essas demandas intensifica- ram uma agenda de pesquisa na área e uma cooperação entre os pesquisa- dores para a delimitação de teses e novas soluções nos campos de estudo. Essa intensificação de estudos na área pode ser exemplificada por uma pesquisa simples no Banco de Teses e Dissertações fornecido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Pesquisando com o termo de busca “judicialização da política”, vemos que o número de trabalhos indicados pelo banco multiplicou por vinte desde 1987, passando de 4.125 trabalhos para 79.562 no ano de 2016: Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 395

Fonte: BRASIL, CAPES, 2017. Apesar de suas limitações, esta consulta ao banco da CAPES indica o crescimento exponencial de trabalhos, em diversas áreas, sobre a temática ou sobre assuntos relacionados a ela. Não só de forma quantitativa, outro indicador pode ser fonte e tam- bém consequência dessa nova agenda de pesquisa colaborativa que se apresenta, na fronteira entre o direito e a ciência política: o crescimen- to do uso de métodos de pesquisa empírica no campo do direito. Essa percepção é reforçada por Ivar A. Hartmann (2017) em sua “Carta a um jovem pesquisador do Direito”, para o pesquisador na área jurídica. Fazendo um diagnóstico de como se deu a carreira de professor e pesquisador no direito, Hartmann (2017) afirma que hoje vivemos um tempo de rupturas e desafios decisivos na academia, principalmente com a incorporação do método científico empírico em detrimento da mera utilização de experiências pessoais. Além disso, as inovações viabilizadas pela tecnologia da informação dão um caráter ainda mais dinâmico à pes- quisa em direito: Os jovens pesquisadores, especialmente trabalhando com métodos quantitativos, podem explorar novos rumos da atuação acadêmica que envolvem o desenvolvimento de ferramentas para a pesquisa de terceiros. O baixo custo da inovação em TI permite a criação de modalidades originais de obtenção, armazenamento, organização e interação com os dados. O cientista de dados jurídicos é um profissional 396 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

cobiçado e com espaço de atuação não apenas em universi- dades, mas também em empresas como Jusbrasil, RavelLaw e Netlex (HARTMANN, 2017). Associações da área e novas revistas estão sendo criadas nos últimos anos com esse enfoque, e a comunidade científica do Brasil vem dando mais abertura a métodos que fogem do tradicionalismo na produção de trabalhos da área jurídica. Essa aproximação de métodos tradicionalmen- te explorados na ciência política é mais uma aproximação, de ordem for- mal, entre pesquisadores, e traz externalidades positivas para ambas as áreas do conhecimento. Os problemas de pesquisa gerados por uma ordem constitucional que prevê disputas complexas, que envolvem não apenas a disputa de in- teresses pessoais: porém disputas coletivas, com impactos que também extrapolam a mera limitação de direitos individuais - impactos de ordem econômica, social, cultural - criou a necessidade de se buscar novas fontes e limites na racionalidade interna destes sistemas. Tanto ao pesquisador da área do direito, como ao pesquisador da área da ciência política, tanto ao juiz, como ao legislador ou governante, cabem novas racionalidades a serem exploradas, ambientes que não mais correspondem a uma única ló- gica de argumentação e fundamentação. A cooperação entre as ferramen- tas dispostas por ambos os campos do conhecimento serão capazes de solucionar estes novos desafios na medida em que, conjugadas, consigam compreender o contexto sócio-político e prospectar soluções possíveis no âmbito normativo.

CONCLUSÕES PARCIAIS Em artigo divulgado no jornal Folha de São Paulo, Oscar Vilhena Vieira, ao tratar do debate sobre desvinculação de receitas orçamentárias, recorda a reflexão do filósofo Hume sobre a “tendência humana a maxi- mizar os interesses imediatos em detrimento dos mais importantes e mais distantes” (VIEIRA, 2016). Argumenta o jurista que “as constituições, por estabelecerem pro- cedimentos mais difíceis para sua alteração, servem como importante mecanismo para superar essa inconsistência decorrente de nossa miopia. Ao conferirmos status constitucional às regras do jogo democrático e aos direitos fundamentais, estamos buscando preservá-los de nossas irracio- Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 397 nalidades, paixões e arroubos imediatos” (VIEIRA, 2016). As Constituições modernas possuem essa característica: estabilizam disputas cotidianas em torno de ideias centrais, e direciona a atuação do Estado, indivíduos e instituições, em torno de diretrizes e programas, via- bilizando assim uma convivência harmônica e minimamente planejada. Porém, ao unificar mundos tão distantes, a realidade da política e a normatividade do direito, a disputa social na lógica dos movimentos e a disputa individual na lógica dos direitos, A Constituição acaba por apro- ximar campos de conhecimento cientificamente considerados. Vimos que no caso norte-americano, o constitucionalismo e a ciên- cia política desenvolveram-se juntos, a partir dos primeiros debates de uma ordem constitucional, e hoje possuem ramificações muito sofistica- das, como os estudos sobre neoinstitucionalismo que despontaram nas últimas décadas. No caso brasileiro, a importação de um modelo de ciência política de matriz norte-americana por um certo tempo fixou uma agenda de pes- quisa afastada do direito, que após a Constituição de 1988 acabou por ser reaproximada. Essa tendência tende a se fortificar com os anos, e a agenda de pes- quisa empírica no direito acaba fortalecendo os laços (metodológicos) entre as áreas. Problemas de pesquisa são comuns aos pesquisadores, e o desenvolvimento de teses e hipóteses que atendam à complexa realidade de Estados Sociais é mandatória àqueles que desejam se aventurar pelo campo.

REFERÊNCIAS ARGUELHES, Diego Werneck. LEAL, Fernando. O argumento das “ca- pacidades institucionais” entre a banalidade, a redundância e o absurdo. Revista Direito, Estado e Sociedade, n.38 p. 6 a 50 jan/jun 2011. Dispo- nível em: . Acesso em: 15 jan. 2016. BARROSO, Luís Roberto. O Supremo Tribunal Federal em 2016: o ano que custou a acabar. Consultor Jurídico, 4 jan 2017. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2017-jan-04/barroso-acusa-desonestidade-ge- neralizada-degeneracao-costumes>. Acesso em: 27 set. 2017. 398 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

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SUPREME COURT Brown v. Board of Education, 347 U.S. 483 (1954); Roe v. Wade, 410 U.S. 113 (1973). VIEIRA, Oscar Vilhena. Constituição para míopes. Folha de São Pau- lo - SP, 30 abr. 2016. Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/ colunas/oscarvilhenavieira/2016/04/1766428-constituicao-para-miopes. shtml>. Acesso em: 27 set. 2017. Notes 1 A adoção da Constituição de 1787 pela Convenção Federal e sua posterior ratifi- cação por convenções nos treze estados originais exemplificaram este novo método de constituição. É importante ressaltar que a Constituição de 1787 não tinha precedentes modernos. (Tradução livre, GRIFFIN, 1996, p. 12) 2 Vide: “Os Artigos Federalistas A contribuição de James Madison, Alexander Ha- milton e John Jay para o surgimento do Federalismo no Brasil.” (LIMA, 2011) 3 A ciência política tem dois aspectos. Primeiro, afirma possuir alguns princípios ou generalizações substantivas, induzidas ou derivadas, que são úteis para fazer e cri- ticar escolhas políticas. O conteúdo dessas proposições é necessariamente condicional à história e ao contexto. Em segundo lugar, insta o uso de métodos empíricos como a melhor maneira de obter e rever tais generalizações. Nesse sentido, a ciência política (como qualquer ciência) é dinâmica: seu conteúdo substantivo pode mudar com a ex- periência (Tradução livre, FEREJOHN, HILLS JR., 2016, p. 1). 4 Como “experimentalistas”, nem Hamilton nem Madison poderiam levar todas as suas crenças como igualmente abertas à revisão à luz de novas evidências. Como qual- quer cientista experimental, cada um manteria certas crenças como hipóteses fixas ou “mantidas” enquanto revisava outras (Tradução livre, FEREJOHN, HILLS JR., 2016, p. 4). 5 De acordo com Publius, é difícil para as pessoas coordenar suas ações para buscar bens públicos e, portanto, esses bens tendem a ser insuficientes (Tradução livre, FERE- JOHN, HILLS JR., 2016, p. 9). 6 O objetivo deste ensaio era separar as contribuições de Publius para o governo e a ciência política de seus compromissos políticos normativos (Tradução livre, FERE- JOHN, HILLS JR., 2016, p. 42). 7 Essa inegável influência e liderança externa será melhor estudada quando tra- tarmos da ciência política brasileira, principalmente relacionada ao protagonismo da Fundação Ford na manutenção de financiamentos em pesquisas e promoção de acadê- micos ligados ao behavioral revolution. 8 Por outro lado, entendi a teoria constitucional como um inquérito no intervalo médio entre a tomada de decisão político-legal real e o território mais abstrato ocupado pela filosofia política e jurídica (Tradução livre, GRIFFIN, 1996, p. 5). 9 Brown v. Board of Education, 347 U.S. 483 (1954); Roe v. Wade, 410 U.S. 113 (1973). 10 O constitucionalismo deve ser apreciado como um processo político e histórico dinâmico e não como um corpo de pensamento estático estabelecido no século XVIII (Tradução livre, GRIFFIN, 1996, p. 5). 11 A teoria constitucional é uma indagação do alcance médio e é, antes de tudo, o constitucionalismo, uma prática política distinta que merece um estudo mais próximo do que recebeu até agora (Tradução livre, GRIFFIN, 1996, p. X).; Para os fins deste livro, entendo a teoria constitucional americana como entendendo qualquer questão teórica levantada pela prática distintiva do constitucionalismo americano. O consti- tucionalismo americano é o principal objetivo do estudo aqui, não o direito consti- Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 401

tucional (Tradução livre, GRIFFIN, 1996, p. 4). 12 A chave para a compreensão do constitucionalismo americano é apreciá-la como uma prática política pouco plausível (Tradução livre, GRIFFIN, 1996, p. 5). 13 Essas tensões criam o terreno único da adjudicação constitucional, uma forma de julgar que resiste a assimilação a outras formas de julgamento, assim como a Constitu- ição resiste a assimilação a outras formas de lei. A natureza única da sentença consti- tucional também é aparente quando examinamos a Suprema Corte de uma perspectiva institucional (Tradução livre, GRIFFIN, 1996, p. 128). 14 Lawrence Solum (2005) parte de dois modelos de análise comportamental, e rep- uta como terceira opção e a mais tradicional, o modelo legal. Cumpre ressaltar que Richard Posner (2008) vai mais além dessa classificação e menciona nove tipos de aná- lises comportamentais, seis além das três identificadas por Solum. São elas: atitudinal, estratégica e legalista (já mencionadas), e ainda: organizacional, econômica, psicológi- ca, sociológica, pragmática, fenomenológica (2008, p. 7). 15 A ciência política inclui muitas abordagens diferentes, incluindo abordagens de escolha racional e teoria dos jogos que têm muito em comum com o que é chamado de “direito e economia” (Law and Economics) na academia jurídica: essas abordagens, que frequentemente são chamadas de “teoria política positiva”, serão objeto de uma publicação separada (Tradução livre, SOLUM, 2016). 16 Um texto que visa clarear a aplicação do argumento das capacidades instituciona- is com base no texto de Cass Sustein e Adrian Vermeule é de Diego Werneck Arguelhes e Fernando Leal, “O argumento das “capacidades institucionais” entre a banalidade, a redundância e o absurdo” (2011). 17 A decolagem do processo de institucionalização da Ciência Política no país nos anos 60 está vinculada à constituição de um sistema de pós-graduação na Universidade brasileira, por um lado, e à montagem de agências de fomento vinculadas a um siste- ma nacional de desenvolvimento científico e tecnológico, crescentemente vinculado às políticas de planejamento e desenvolvimento econômico, por outro (FORJAZ, 1997). 18 Cabe aqui ressaltar que entre a criação da associação norte-americana e a brasilei- ra, a International Political Science Association – IPSA - foi criada em Paris no contex- to do pós-guerra no ano de 1949, representando uma corrente um pouco diferente da APSA mais concentrada em questões históricas, filosóficas e normativas, com apoio da UNESCO e das Nações Unidas. 19 Porém, esse atraso relativo da constituição da política como disciplina científica não é específico do caso brasileiro, mas, ao contrário, marca a trajetória desse ramo do conhecimento nos principais centros produtores [europeus] (FORJAZ, 1997). 20 As instituições que Forjaz considera pioneiras nesse processo de constituição da Ciência Política como disciplina autônoma são o Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) e o Departamento de Ciência Política da Universidade Fed- eral de Minas Gerais (DCP-UFMG) (FORJAZ, 1997). 21 O segundo fator que nos parece ter privilegiado a emergência de uma abordagem específica da política diz respeito à extrema politização do movimento estudantil no Brasil e na América Latina ao longo dos anos 60, período formativo de uma nova ger- ação de cientistas sociais, concretamente afetados em suas biografias pela ascensão dos militares ao poder (FORJAZ, 1997). 402 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 Argumenta1 Journal Law n. 27 - jul / dez Argumenta 2017 Oton de Albuquerque VASCONCELOS FILHO Journal403 Law Moacir Barbosa MORAIS2 n. 27 p. 403-446 Maria Catarina Barreto de Almeida VASCONCELOS3 jul/dez 2017

Como citar este artigo: PROTEÇÃO AO TRABALHO VASCONCELOS FILHO, Oton, NO BRASIL E NA AMÉRICA MORAIS, Moacir, VASCONCELOS, Maria Catarina. LATINA NO SÉCULO XXI: Proteção ao trabalho no Braisl e na América DESAFIOS E PERSPECTIVAS A Latina no século XXI: desafios e perspectivas PARTIR DA CONSTITUIÇÃO a partir da constituição mexicana de 1917. MEXICANA DE 1917 Argumenta Journal Law, Jacarezinho – PR, LABOR PROTECTION IN BRAZIL AND LATIN Brasil, n. 27. p. 403-446. AMERICA IN THE 21ST CENTURY: CHALLENGES AND PERSPECTIVES FROM THE MEXICAN Data da submissão: 27/09/2017 CONSTITUTION OF 1917 Data da aprovação: 11/12/2017 PROTECCIÓN AL TRABAJO EN BRASIL Y EN AMÉRICA LATINA EN EL SIGLO XXI: DESAFÍOS Y PERSPECTIVAS A PARTIR DE LA CONSTITUCIÓN MEXICANA DE 1917

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. A Constituição mexicana de 1917, seu contexto político e os impactos no Brasil e na América Latina; 3. Políticas neoliberais, desenvolvi- mento tecnológico e o desmonte dos direitos trabalhis- tas no Brasil e demais países da América Latina; 4. O mundo do trabalho, no Brasil e na América Latina, 100 anos após a promulgação da Constituição Mexicana; 5. Culturalismo e subjetividade no mundo do trabalho contemporâneo; 6. O regaste do viés político-revolucio- nário da Constituição Mexicana aplicável como medida de proteção aos trabalhadores do século XXI: Desafios e Perspectivas; 7. Conclusão; Referências. 1. Universidade de Pernambuco UPE – Brasil RESUMO: 2. Centro Universitário Tabosa de Almeida Este artigo discute a multiplicidade de relações UNITA - Brasil de trabalho e sua proteção no século XXI. O estudo se 3. Associação de Ensino Superior de desenvolveu pela via da revisão de literatura, a partir Olinda - Brasil 404 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 de títulos contidos nas bases de dados Scielo, Capes e Bibliotecas Virtuais, predominantemente. Através do método hipotético-dedutivo foi identi- ficado que no Brasil e na América Latina, uma nova cultura do trabalho surgiu. Para sua proteção se faz necessário o resgate do viés político-re- volucionário contido na Constituição Mexicana de 1917 conectado com a ação dos movimentos sociais contemporâneos, de forma a promover medidas protetivas a todos.

ABSTRACT: This article discusses the multiplicity of labor relationships and their protection in the 21st century. The study was developed by means of lite- rature review, based on texts of Scielo, Capes and Virtual Libraries databa- ses. Based on hypothetical and deductive methods it was identified that in Brazil and Latin America a new labor culture emerged. For its protection it is necessary to rescue the political and the revolutionary character of the Mexican Constitution of 1917, connected with the action of contem- porary social movements, in order to promote protective measures for all.

RESUMEN: Este artículo discute una multiplicidad de relaciones de trabajo y su protección en siglo XXI. El estudo se desarrolló en la revisión de la lite- ratura, a partir de títulos en las bases de datos Scielo, Capes e Bibliotecas Virtuales, predominantemente. Através del método hipotético-deductivo se ha identificado que en Brasil y en América Latina, una nueva cultura del trabajo ha surgido. Para su protección, es importante hacer un resgate de su direcionamiento político-revolucionario contenido en la Constitución Mexicana de 1917 conectado con una acción de los movimientos sociales contemporáneos, como forma de promover medidas protectoras a todos.

PALAVRAS-CHAVE: Cultura; Flexibilização; Movimentos Sociais; Trabalho; Subjetivismo.

KEYWORDS: Culture; Flexibility; Social Movements; Labor; Subjectivism. Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 405

PALABLAS CLAVE: Cultura; Flexibilización; Movimientos Sociales; Trabajo; Subjetivismo.

1. INTRODUÇÃO Advinda de um período de revoluções e conflitos militares, a Consti- tuição Mexicana de 1917, foi um marco no constitucionalismo do Século XX por ser pioneira na proclamação pela via constitucional dos direitos fundamentais sociais. Suas disposições, que são reflexos de ações políti- co-revolucionárias de movimentos sociais, demonstram uma tentativa do Estado implantar normas de caráter intervencionista que ficaram conhe- cidas como políticas de implantação do Estado de Bem-Estar Social. Este contexto deixou um legado de inovação e que 100 anos após a sua implan- tação devem ser objeto de reflexão para proteger os que vivem a partir do trabalho no século XXI. Esse pioneirismo constitucional trouxe reflexos nos contextos polí- ticos de outros países da América Latina e do mundo que, em períodos posteriores, também seguiram essa linha intervencionista nos seus textos constitucionais, a exemplo do Brasil em 1934, do Uruguai em 1942 e da Argentina em 1949, entre outros. Contudo, com o fim da implantação do Estado de Bem-Estar Social, pelas grandes potências, a partir da década de 70 do século XX, o aumento de cargas tributárias em níveis alarmantes para a lucratividade e o desempenho do setor privado somado às crises do petróleo, novas políticas chamadas de neoliberais, começaram a ser im- plantadas no mundo. A predominância da livre-iniciativa e a valorização das organizações econômicas começou a ser priorizada novamente, junto a isso vieram a abertura de vários mercados com consequente privatiza- ção de empresas na busca pelo aumento da competitividade internacio- nal, sendo essas, algumas metas das políticas neoliberais implantadas por grandes potências do mundo como Estados Unidos e Inglaterra. Os países da América Latina também seguiram essa tendencia políti- ca de forma mais intensa na década de 90, do século XX, através de novos enunciados normativos, e o grande marco influenciador de tais mudanças foi o evento chamado de “Consenso de Whashington”, ocorrido na década de 80, no qual participaram diversas nações do mundo com a finalidade de estabelecer medidas a serem tomadas pelos governos que refletiam a 406 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 implantação de políticas neoliberais da época. Essa onda de mudanças, que crescia com o desenvolvimento tecno- lógico deu margem a uma nova divisão internacional do trabalho com a flexibilização dos processos produtivos. O fenômeno da globalização se intensificou e fez acentuar a tendência de submissão social ao sistema ca- pitalista por parte da maioria das nações do planeta. Na América Latina por exemplo, no decorrer das décadas de 1970, 1980 e 1990 ocorreu um processo de implantação de “mini-reformas” trabalhistas, na tentativa dos governantes em se adequar às novas necessidades da economia. A evolução tecnológica, a pretérita implantação de políticas neoli- berais e os novos moldes dados às relações de trabalho, propiciaram no século XXI uma nova formação do mercado de trabalho com diferen- tes modalidades de trabalho, subordinados ou não. O fato das legislações serem mais flexíveis se tornou um atrativo para a iniciativa privada, de modo a levar as diversas nações a adaptarem suas normas trabalhistas a essa lógica. Com a multiplicidade de relações de trabalho vivida por grande par- te dos países na América Latina, alguns fenômenos que começaram a se intensificar no século XXI, justificam uma análise crítica do referido con- texto diante da precarização dessas relações e violação dos valores sociais do trabalho. Outra questão que merece uma análise é a da terceirização do tra- balho cada vez mais frequente e que tem se modificado no que concerne aos limites de contratação. Tal temática vem sendo discutida amplamente na América Latina, com mudanças normativas como a ocorrida no Bra- sil através da Lei nº 13.429 (BRASIL, 2017), que amplia a possibilidade de oferta dos serviços da empresa contratada tanto para atividades-meio, quanto para atividades-fim. Também deve ser levado em conta o fato de que, na busca pela adap- tação ao novo modelo de mercado de trabalho, os países da América Latina tem tentado adaptar suas legislações trabalhistas no intuito de fa- vorecer o acordo livre e individual entre empregado e empregador. As re- formas trabalhistas propostas recentemente por diversos países, marcam um período de tentativas de adaptação ao novo mundo das relações de trabalho. Exemplos de tais práticas, como a reforma trabalhista no Brasil efetivada pela Lei 13.467 (BRASIL, 2017), a da Colômbia em 2002 (Lei Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 407

789/2002) e a da Argentina (Lei nº 24.367 de 1995). Ainda que se consi- dere que tais reformas possam ser consideradas como não excludentes de direitos já conquistados, existe uma gama de trabalhadores que se encon- tram a margem e sem proteção social. Ganha força no contexto atual o problema da flexibilização das re- lações de trabalho e questões como, atualização tecnológica, substituição do homem pela máquina, capacidade cognitiva do trabalhador e a possi- bilidade de executar muitas funções, são cada vez mais levados em conta para que este possa integrar o mercado de trabalho. Todas essas caracte- rísticas que estão intrínsecas ao trabalhador pós-moderno se agregam ao fator hipossuficiência dos trabalhadores em relação aos seus patrões, que no contexto dos contratos de trabalho limita a autonomia da vontade do trabalhador, já que o fator necessidade de manutenção pessoal e de sua família é predominante sobre a vontade, sujeitando o trabalhador a con- dições às vezes não adequadas de trabalho. Com a soma desses fatores surge o questionamento sobre como criar novas tutelas protetivas aos que figuram a relação de trabalho, de modo que, para a busca de tal meta, é possível usar como ponto de partida o legado deixado pelo momento político no México, vivido antes e depois da promulgação da Constituição de 1917, marcado por intensas mani- festações militares e políticas que foram e são hoje fontes formadoras do Direito do Trabalho, para proporcionar mudanças no modo de tutelar a nova dinâmica das relações de trabalho. Diante desse contexto será levado em conta nesta pesquisa, o fato de que existe atualmente uma grande quantidade de órgãos que defendem as diversas categorias de trabalhadores e que a luta sindical teve grande destaque na construção do Direito do Trabalho e que de fato, o fator ati- vidade sindical atualmente é determinante na construção de um contexto de novas normas que efetivamente regulem todas as relações de trabalho. Com esse entendimento está pautada a proposta de construção de um novo sindicalismo que considere a presente realidade social de evolução tecnológica dos meios de comunicação, e que tenha como meta ampliar o âmbito e as esferas de representação sindical, para alcançar as novas opções de trabalho e rendas, bem como aproximar-se e articular-se com todos os movimentos sociais libertários. O direito de greve, como direito social, deve ganhar destaque no sé- 408 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 culo XXI, no aspecto político-revolucionário e para o exercício da cidada- nia dos trabalhadores, já que está evidenciada a necessidade de aplicação desse movimento de caráter político para outros sujeitos que não estejam sob a relação jurídica subordinada de emprego, sobretudo porque essa ação constitui um fato social. Nessa linha, novos meios de lutas coletivas por direitos sociais começam a ganhar evidência à luz da doutrina social crítica e dentre elas está o ciberespaço, já que, na sociedade conectada à realidade virtual, deverá ser estabelecida uma nova cultura horizontaliza- da proposta pelos próprios afetados. Este trabalho se desenvolveu pela via da revisão de literatura, a partir de títulos contidos predominantemente nas bases de dados Scielo, Capes e Bibliotecas Virtuais, e tem por objetivos demonstrar através do método hipotético-dedutivo que, o momento político e revolucionário do México que culminou na Constituição de 1917 poderá servir de legado para o mundo pós-moderno mesmo após 100 anos da promulgação desta Cons- tituição, além de demonstrar novas alternativas de ruptura do modo de analisar e tutelar a multiplicidade de relações de trabalho no século XXI.

2. A CONSTITUIÇÃO MEXICANA DE 1917, SEU CONTEXTO POLÍTICO E OS IMPACTOS NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA Promulgada em fevereiro de 1917, a Constitución Política de los Es- tados Mexicanos1 (MEXICO, 1917) é um marco na história do Direito Constitucional por representar, dentre tantas mudanças, a positivação de direitos basilares dos trabalhadores. Questões como direitos à jornada de trabalho limitada a oito horas, indenização por tempo de serviço para empregados dispensados e a proibição do trabalho infantil, marcaram o início de um novo contexto normativo e social já que, é a partir deste mo- mento que começa a ser buscado em alguns países o que futuramente virá a ser entendido como Estado de Bem-Estar Social, que tem suas primeiras aparições no contexto de crise do Estado de Direito liberal-burguês, asso- ciado à própria evolução do modo de produção capitalista. Nas palavras de Carlos Ari Sundfeld: “O Estado torna-se um Estado Social, positiva- mente atuante para ensejar o desenvolvimento (não o mero crescimento, mas a elevação do nível cultural e a mudança social) e a realização da justiça social (é dizer, a extinção das injustiças na divisão do produto eco- nômico).” (SUNDFELD, 2009, p.55). Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 409

Advinda de um período revolucionário iniciado em 1910, a Cons- tituição Mexicana de 1917 foi reflexo de uma série de conflitos que re- fletiram diversos anseios da sociedade e, apesar de ter como pendência marcante os conflitos pela posse de terras durante séculos, ainda haviam diversos direitos usurpados que precisavam ser legitimados por um texto normativo constitucional. O México passava por um período de transição política e em 1914 Victoriano Huerta, então chefe de Estado mexicano, que entrou no poder devido a um golpe militar, renunciou o governo após a ocupação do Porto de Vera Cruz por forças dos EUA que não reconhe- ciam o seu governo como legítimo. No lugar de Huerta assume o governa- dor nortista Venustiano Carranza. (BURGOA, 1984 p. 541-549). Sobre tal período de revoluções, é válido mencionar que, o momento político e os grupos revolucionários propiciaram uma verdadeira mudan- ça nas normas trabalhistas, atendendo aos apelos da população da época, como destaca Jesús Silva Herzorg, que o período entre agosto e setembro de 1914, quando uma série de Estados, foi conquistada pelos constitucio- nalistas, foram expedidos decretos pelos comandantes militares de cada local, visando, por exemplo, a acabar com a escravidão por dívidas dos trabalhadores do campo e garantir-lhes direitos básicos, tais como jorna- da máxima de trabalho e salário mínimo. (SILVA HERZOG, 1972, p.147- 148) É no período de governo presidencial de Venustiano Carranza que é promulgada a nova Constituição de 1917 e posteriormente, virá a ser este o primeiro presidente eleito nos termos da Carta Mexicana. Através desse texto constitucional a igreja católica é separada do Estado Mexica- no, foram nacionalizadas as terras de solo e subsolo, além é claro, do rol de novos direitos sociais difundidos, principalmente no âmbito do Direi- to do Trabalho, já que foram dispostas limitações para a jornada de oito horas no máximo, direito de associação em sindicatos, direito de greve e limitações ao do trabalho feminino e infantil. Márlio Aguilar entende que “As reformas trazidas pela nova consti- tuinte deveriam respeitar o espírito liberal e a forma de governo republi- cana, esforçando-se em dissipar as deficiências que engessavam a prática concreta dos direitos individuais previstos constitucionalmente”. (AGUI- LAR, 2015, p. 120). Entendimento este que coaduna com o de Carranza que, à época da elaboração da Constituição, já entendia por ser a consti- 410 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 tuição anterior de 1857 um conjunto de “[...] fórmulas abstractas en que se han condensado conclusiones científicas de gran valor especulativo, pero de las que no ha podido derivarse sino poca o ninguna utilidad positiva [...]”.2 (DIARIO, Tomo I, Núm. 12, p. 260) Mesmo diante do grande avanço simbólico decorrente do pioneiris- mo constitucional no México, houveram também pendências não resolvi- das em tal texto constitucional como observa Mário del La Cueva: […] el proyecto de Constitución produjo una profunda de- cepción en la Asamblea, pues ninguna de las grandes refor- mas sociales quedó debidamente asegurada: el artículo 27 re- mitía la reforma agraria a la legislación ordinaria y la fracción X del artículo 73 se limitaba a autorizar al Poder Legislativo para regular la materia del trabajo. En el artículo quinto, los redactores del Proyecto agregaron un párrafo correlativo a la vieja Constitución, limitando a un año la obligatoriedad del contrato de trabajo3 (CUEVA, 2005, p. 47). Apesar de haver algumas frustrações por parte dos constituintes, foi a partir deste marco histórico-normativo que os textos constitucionais de boa parte dos países da América Latina começaram direcionar suas bases para a defesa dos direitos e garantias sociais, direitos que exigiam uma prestação positiva do Estado, direitos prestacionais, fundamentais e como bem elucida Fábio Konder Comparato: A Carta Política mexicana de 1917 foi a primeira a atribuir aos direitos trabalhistas a qualidade de direitos fundamen- tais, juntamente com as liberdades individuais e os direitos políticos. A importância desse precedente histórico deve ser salientada, pois na Europa a consciência de que os direitos humanos têm também uma dimensão social só veio a se afir- mar após a grande guerra de 1914-1918[...] (COMPARATO, 2008, p. 178). Este modelo constitucional de defesa de direitos sociais, em que a classe trabalhadora foi decisivo ator político e econômico, foi acompa- nhado em constituições de alguns países do mundo como afirma Roberto Gargarela, na Alemanha em 1919, Polônia e Iugoslávia em 1921, e na da América Latina de forma mais tardia começou-se a incluir os direitos so- ciais nas constituições, no Brasil com a Constituição de 1934, na Bolívia em 1938, em Cuba em 1940, no Uruguai em 1942, no Equador e Gua- Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 411 temala em 1945, e na Argentina e Costa Rica em 1949 (GARGARELA, 2013, p. 105-145). Esse novo modelo de política de intervencionismo na economia, in- fluenciado por um novo modelo de gestão que surgia para a economia capitalista, veio através de novos instrumentos normativos na América Latina e como exemplo de tal mudança, Rafael Sánchez Vázquez informa que: [...] el derecho de propiedad ha sido colocado en toda La- tinoamérica bajo la advocación de la función social o del interés general colectivo: Bolivia, Brasil, Colombia, Chile, República Dominicana, El Salvador, Haití México, Uruguay, Ecuador, Honduras, Panamá, , Perú, dispone que la ley puede, por razones de interés nacional, establecer restric- ciones y prohibiciones especiales sobre determinados bienes [...]4 (VÁZQUEZ , 2012, p. 280). No Direito do Trabalho essas mudanças também começaram a aparecer de forma evidente na primeira metade do século XX em alguns países, como menciona Juliane Caravieri Martins Gamba e Julio Manuel Pires: [...] os governos dos países latino-americanos, embora com atuações diferentes em cada país, criaram normas para a re- gulamentação do trabalho assalariado urbano, inclusive de cunho populista como, por exemplo, foi o caso das leis cria- das nos governos de Getúlio Vargas no Brasil e de Juan Do- mingo Perón na Argentina (GAMBA E PIRES, 2016, p. 19). O Brasil, que por sinal iniciou uma nova fase de busca pela pro- teção e efetivação dos direitos sociais com a Constituição de 1934, teve diversas questões enfatizadas no texto constitucional, que eram reflexos diretos da nova era de defesa constitucional dos direitos sociais que se iniciou no México em 1917. Paulo Braga Galvão destaca alguns direitos tutelados pela Constituição de 1934: [...] salário mínimo, jornada de oito horas, proteção ao tra- balho a menores de 14 anos, férias anuais remuneradas, in- denização ao trabalhador despedido e assistência médica e sanitária ao trabalhador. Outros pontos importantes foram a criação da representação profissional na Câmara dos De- putados (...), a afirmação do princípio da pluralidade e auto- nomia sindical (...) e a criação da Justiça do Trabalho, à qual, 412 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

entretanto, não se aplicariam as disposições pertinentes ao Poder Judiciário (GALVÃO, 1982, p. 68-69). A primeira metade do século XX se viu marcada também, por di- versas legislações e pactos internacionais defensores dos direitos sociais, principalmente pelos pactos intermediados pela Organização Internacio- nal do Trabalho (OIT), originada com o Tratado de Versalhes (1919), no pós-primeira guerra mundial, que teve influência direta da Constituição de 1917 do México, conforme afirma Alberto Trueba Urbina, os disposi- tivos da parte XIII do Tratado de Versalhes “[...]en su mayor parte pro- vienen del articulo 123 de la Constitución Mexicana de 1917, primera declaracion de derechos sociales del mundo[...]”5 (URBINA, 1979, p. 301).

3. POLÍTICAS NEOLIBERAIS, DESENVOLVIMENTO TECNO- LÓGICO E O DESMONTE DOS DIREITOS TRABALHISTAS NO BRASIL E DEMAIS PAÍSES DA AMÉRICA LATINA A grande contribuição operada pelo Estado de Bem-Estar Social foi a proclamação pela via constitucional dos direitos fundamentais sociais. O regimento do Estado de Bem-Estar Social amadureceu o conceito e am- plitude dos direitos fundamentais, trouxeram consigo uma ideia de dever prestacional por parte do Estado. É assim que entende Reinhold Zippelius: [...] os direitos fundamentais convertem-se, no Estado so- cial, também em fundamentos de direitos e prestações face ao Estado, ou pelo menos em fundamentos de tarefas do Es- tado: as garantias de liberdades aqui entendidas não só como permissão do laissez faire, mas também como garantias de condição de desenvolvimento e liberdade. O princípio da igualdade de tratamento converte-se em veículo para alcan- çar além de uma garantia jurídica meramente formal, um ni- velamento social e principalmente econômico” (ZIPPELIUS, 1997, p. 396). De fato, houve um período de máxima do Estado de Bem-Estar So- cial, como concorda Maximiliano Martin Vicente: [...] o estabelecimento do Estado de Bem-Estar Social, entre as décadas de 1940 e 1960, ficou conhecido como “era doura- da do capitalismo” por ser um momento de desenvolvimento econômico, com garantias sociais e oferecimento, pratica- mente, de emprego pleno para a maioria da população nos Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 413

países mais desenvolvidos (VICENTE, 2009, p. 124). Esse cenário de intervencionismo estatal na economia propiciou o crescimento econômico industrial e a implementação das políticas sociais com uma aliança entre os diferentes setores da sociedade: os empresários, a classe média e os trabalhadores. Contudo, tal momento de prosperidade não foi duradouro como es- perado, diversos fatores propiciaram tal quebra do Estado de Bem-Estar Social. Leonardo Valles Bento aponta um desses fatores relatando que [...] o Estado Providência, ou Estado social conservador, nem logra superar a crise do capitalismo, nem dar sustentabilida- de às instituições democráticas, nem evitar a emergência de regimes totalitários, que se aproveitaram justamente de sua fragilidade para desmontá-las, mas, pelo contrário, acarre- tou a perda da juridicidade das Constituições, tornadas, pela natureza programática de suas disposições, mais um docu- mento político, uma carta de intenções, do que um diploma jurídico (BENTO, 2003, p. 5). Nesse momento de prosperidade que chegou a ser visto como uma nova Revolução Industrial, por conta do aumento das relações de consu- mo, da produtividade industrial e do desenvolvimento tecnológico, veio a ter como marco de alteração de seu quadro promissor as crises do petróleo de 1973 e 1979, ocorridas devido ao acirramento de relações entre árabes e israelenses, que interfeririam de maneira decisiva no desencadeamento do fim do Estado de Bem-Estar Social, já que o petróleo era tido como matéria prima fundamental de desenvolvimento da economia como um todo. Confirma Maximiliano Martin Vicente que: “No ambiente da guer- ra fria, essas crises, além de quadruplicar o valor do petróleo e do gás natural da URSS, representaram uma das jogadas do bloco soviético para estrangular o abastecimento de combustíveis da potência norte-america- na” (VICENTE, 2009, p. 124). A expansão do Estado de Bem-Estar Social começou a ser ameaça- da a partir do momento que as exigências de maiores cargas tributárias atingiram níveis alarmantes para a lucratividade e o desempenho do setor privado, fator este que também cooperou para intensificar, junto com a crise do petróleo, o fim da implantação de políticas públicas visando o fomento do Estado de Bem-Estar Social. Dentre as muitas teorias discutidas naquele momento de crise, hou- 414 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 ve uma que ganhou força, a denominada ideologia neoliberal. Em con- trapartida ao intervencionismo estatal do Estado de Bem-Estar Social, o neoliberalismo pregava, nas palavras de Maximiliano Martin Vicente: [...] a implantação de um capitalismo livre de regras e de qualquer outro entrave que freasse seu desenvolvimento [...]. A solução, então, seria uma contenção dos gastos com bem- -estar e a criação de “um exército de reserva” para imobilizar os sindicatos. O “exército de reserva” caracterizava as massas desempregadas que se intensificaram desde a instauração do Estado neoliberal (VICENTE, 2009, p. 126). Começaram as grandes nações movimentadoras da economia global a defender cada vez mais a livre-iniciativa e a valorização das organizações econômicas, uma vez que elas detinham as condições para dinamizar a economia diante do fracasso do Estado de Bem-Estar Social. Na avaliação de Hobsbawm: “Encerrou-se um extenso período de governo centrista e moderadamente social-democrata [...]. Governos da direita ideológi- ca, laissez-faire, chegaram ao poder em vários países por volta de 1980” (HOBSBAWM, 1995, p. 245). Com a eleição de Margareth Thatcher como primeira-ministra da Inglaterra e de Ronald Reagan como presidente dos Estados Unidos, ini- ciou-se um surto da ideologia neoliberal nessas potências capitalistas com a desregulamentação e abertura de vários mercados e a privatização de certas empresas na busca pelo aumento da competitividade internacional. Para essas nações as metas de desenvolvimento das tecnologias moder- nas e dos sistemas financeiros com a ruptura do capital produtivo para o capital especulativo, foram fatores que influenciaram diretamente na eco- nomia global. Os países de economia de menor porte, diretamente afetados pelo fe- nômeno da globalização e pela “transnacionalização” – expansões das em- presas transnacionais, foram diretamente influenciados por tal ideologia e pelas ações das grandes potências capitalistas e, em momentos posteriores se dispuseram a implementar ações típicas do neoliberalismo. Surge, nas palavras de Jaime Osorio Urbina, para esses países periféricos: “[...] un nuevo patrón de reproducción del capital, que en sus líneas generales pue- de caracterizarse como un nuevo modelo exportador”6 (OSÓRIO, 2004, p. 101). Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 415

Dessa maneira, políticas neoliberais começaram a ser implantadas, de forma pioneira, no Chile, sob a ditadura de Pinochet, conforme rela- ta Perry Anderson, o governo “[...] começou seus programas de maneira dura: desregulação, desemprego massivo, repressão sindical, redistribui- ção de renda em favor dos ricos, privatização de bens públicos” (ANDER- SON, 2000, p.10). À experiência do Chile sucederam-se a Bolívia, com o governante Jeffrey Sachs, em 1985; o México, com Salinas, em 1988; a Ar- gentina com Raul Alfonsín, um liberal que cria uma nova moeda (o Aus- tral), com a finalidade de congelar preços e salários e depois com Carlos Menem que implanta um plano de privatização de empresas; a Venezuela, com Andrés Perez, em 1989; o Peru, com Fujimori, em 1990; e, o Brasil, iniciando com Collor, em 1990 (PETRY, 2008, p. 18) Toda uma onda de mudanças teve como marco o ano de 1989, a partir do evento que foi nomeado por John Willianson como o “Consenso de Washington”, onde diversos países da América Latina participaram na disposição de um conjunto de dez medidas a serem tomadas pelos gover- nos, a fim de superar os problemas estruturais e econômicos e reduzir as dívidas externa e interna. Dentre essas medidas estavam a desregulamen- tação, com o afrouxamento das leis de controle do processo econômico e das relações trabalhistas e a privatização de empresas estatais (WILLIAN- SON, 1990, p. 8-17). Nessa nova realidade relatada, o neoliberalismo, então ganha força no modelo capitalista e a nova economia de mercado se afirma. No neoli- beralismo “[...] as empresas, corporações e conglomerados transnacionais adquiriram preeminência sobre as economias nacionais” (IANNI, 1995, p. 46). Dando sustentação ao processo, uma nova divisão internacional do trabalho e a flexibilização dos processos produtivos surgiram, entre outras manifestações do capitalismo, sempre em escala mundial. Diante da concorrência de mercado e do fenômeno da globalização cada vez mais intenso, nesse mundo de comércio quase livre de barreiras físicas ou legais, pretendeu-se a circulação livre de todo o tipo de bens (matérias-primas, semi-produtos e produtos acabados da indústria e da agricultura), serviços (incluindo os chamados “produtos financeiros”), capitais e tecnologia, fator em si que facilitou o desenvolvimento tecnoló- gico para fins de evolução e crescimento econômico. Segundo Rosenau, a tecnologia: 416 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

[...] eliminou distancias geográficas e sociais com auxilio de aviões supersônicos, computadores, satélites e todas as ou- tras inovações que permitem hoje, mais do que nunca, que pessoas, ideias e produtos atravessem tempo e espaço da for- ma mais segura e mais rápida. Foi a tecnologia, em resumo, que reformou a interdependência entre comunidades locais, nacionais e internacionais, numa medida que não foi experi- mentada por nenhum outro período da história (ROSENAU, 1990, p. 17). Essas políticas de abertura comercial e financeira visando o cresci- mento econômico e saída da crise econômica, inauguradas no período provocaram uma ampliação nos níveis de uma crescente superexploração da força de trabalho, traduzida em arrocho salarial e ampliação da jornada de trabalho, para que a acumulação interna de capital pudesse ser garan- tida em níveis razoáveis de lucratividade. É o que entende Jaime Osorio ao esclarecer que: [...] la construcción del nuevo patrón de reproducción del ca- pital tiene como uno de sus pilares el traspaso de fondos del consumo de los trabajadores al fondo de acumulación. Así, la pobreza há tendido a rebasar el ámbito del desempleo para adentrarse al territorio de los trabajadores com empleo”7 (OSÓRIO, 2004, p. 114). De fato, as mudanças no modo de movimentar a economia e nas políticas estatais influenciaram diretamente nas relações de trabalho fle- xibilizado ou mesmo desregulamentando estas. Nas palavras de Oscar Er- mida Uriarte: [...] a desregulamentação imposta tem sido frequente e cada vez maior na América Latina, uma vez que responde à pro- posta teórica neoliberal, com a eliminação ou redução da intervenção do Estado protetor do trabalhador individual e restrição da autonomia coletiva, ambas no limite do politica- mente possível (URIARTE, 2002, p. 28). No Brasil, esse desmonte dos direitos trabalhistas tem início cedo, a Lei n. 5.107 (BRASIL, 1966), que possibilitou de forma optativa a subs- tituição da estabilidade decenal pelo Fundo de Garantia por Tempo de Serviço foi uma das primeiras a apresentar esse viés desregulamentador, contudo, houveram outras normas que marcaram tais mudanças de flexi- Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 417 bilização das normas trabalhistas. Outros exemplos são a Lei 9.601 (BRA- SIL, 1998), que alterou o artigo 59 da Consolidação das Leis do Trabalho ao prever o critério anual para compensação de horas, sendo que a reda- ção original previa um prazo máximo de 120 dias, e a Medida Provisória 2.164-41(BRASIL, 2001) que inseriu no artigo 58-A da CLT uma nova modalidade de trabalho, chamada de “regime de tempo parcial”, sendo aquele trabalho cuja duração não exceda a vinte e cinco horas semanais, com o salário proporcional à sua jornada em relação aos empregados que trabalhassem, nas mesmas funções. Em vários países da América Latina ocorreram “mini-reformas” tra- balhistas, na tentativa de adaptar o Direito do Trabalho às novas políticas neoliberais. Simone Diniz roteiriza o caso da Argentina comentando as reformas trabalhistas do referido país na década de 1990: A primeira iniciativa veio através da emissão do Decreto 2.184, em outubro de 1990, o qual fixava procedimentos para evitar ou gerenciar os conflitos de trabalho e eliminava o di- reito de greve nos serviços essenciais. Em seguida, o Decreto 1.334, de agosto de 1.991, que vinculou aumentos salariais aos índices de produtividade (DINIZ, 2006, p. 166). No Chile, o Decreto 93/1977, conhecido como Código do Trabalho estabeleceu um adicional de 50%, para a hora extra e a hora extra noturna é devida com adicional de 75%, (art. 168) e o trabalho em domingo ou feriado devendo ser remunerado com adicional de 100% (art. 179). Na República Dominicana, Rafael Albuquerque elucida o limite da jornada devendo ser de 44 horas semanais, a hora extra tendo adicional de 30%, quando não se ultrapasse o limite de 68 horas semanais (ALBUQUER- QUE, 1986, p. 71). Na Colômbia, a lei de reforma do trabalho, inspirada na Lei Paname- nha de 1986, autorizou o funcionamento das empresas de trabalho tem- porário, a contratação precária, ou por prazo determinado. Assim como também facilitou a dispensa do trabalhador, extirpando a estabilidade de- cenal. Quanto a jornada de trabalho ela foi ampliada (MARTINS, 2009, p. 19-22). Diante do contexto do neoliberalismo e das medidas aplicadas pe- las nações da América Latina, ficou claro que as medidas de privatização e de modificações nas relações econômicas visaram a intensificação do 418 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 trabalho, não se importando com a questão da estabilidade, mas sim da produtividade do trabalhador. Conforme entende Ricardo Antunes o ca- pital necessita cada vez menos do trabalho estável e cada vez mais das mais diversificadas formas de trabalho parcial ou part-time, terceirizado, que são, em escala crescente, parte constitutiva do processo de produção capitalista (ANTUNES, 2009, p. 28).

4. O MUNDO DO TRABALHO, NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA, 100 ANOS APÓS A PROMULGAÇÃO DA CONSTITUI- ÇÃO MEXICANA O século XXI está testemunhando as consequências da globaliza- ção e das políticas neoliberais através de privatizações, surgimentos das multinacionais e da flexibilização das relações de trabalho. O mercado de trabalho não ficou fora dessas modificações, sendo um dos mais afetados por esse quadro de transformações do capitalismo liberal. Nesse sentido, Amanda Madeira Reis aponta como sendo um dos fatores dessas mudan- ças a evolução tecnológica: A revolução tecnológica e o aprofundamento da interdepen- dência global, apesar de estimularem um maior incremento das indústrias e a ampliação na produtividade das empresas, trazem como decorrência a permuta do homem pela máqui- na, com a consequente diminuição da participação do ser humano, especialmente aqueles menos qualificados (REIS, 2017, p. 55). O fator legislação trabalhista também é outro ponto determinante, já que atualmente os países com uma legislação trabalhista muito rígida são lugares entendidos pelos empresários como ruins para investir, pois devido ao alto protecionismo das leis trabalhistas, as grandes empresas di- ficilmente aventuram-se em abrir vagas de trabalho em lugares assim, pois haverá uma drástica redução na possibilidade de lucros (REIS, 2017, p. 67). Nesse raciocínio é plenamente possível entender a tendência interna- cional por parte dos governantes no intuito de incentivar a flexibilização das normas trabalhistas e consequentemente das relações de trabalho. So- bre a questão essa temática, Felipe Oswaldo Guerreiro Moreira conceitua o termo do seguinte modo: [...] é a flexibilização: a submissão do Estado (e de suas nor- Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 419

mas trabalhistas) às supostas exigências econômicas globali- zantes de competitividade e ao pensamento neoliberal como um todo. É a possibilidade de os particulares convenciona- rem em sentido diverso do que dispõe o teor da legislação, ainda que isso conduza para a diminuição do espectro de direitos trabalhistas e exponha o trabalhador a riscos à sua própria saúde e, em casos mais graves, à sua vida (como nas hipóteses de redução de intervalo e excesso de horas extras, que sabidamente levam a uma maior possibilidade de aci- dentes de trabalho) (MOREIRA, 2017 p. 25). É nesse raciocínio que Fernando Augusto Mansor de Mattos disserta que a proposta da flexibilização é criar facilidades e redução destes custos. [...] a flexibilização dos mercados de trabalho é obtida através de medidas que criam maiores facilidades para o ajustamen- to dos preços (salários, no caso) e quantidades (emprego, no caso) às flutuações do ciclo macroeconômico. De modo bastante resumido, pode-se afirmar que, para os neoclássi- cos a redução dos custos do trabalho (quer seja dos salários diretos e dos custos indiretos relacionados às leis e as regras que regem o contrato de trabalho) tende a promover a ex- pansão da produção e, portanto, a do emprego. Dessa forma através de uma mudança das relações de trabalho, podem ser criadas condições para estimular a atividade econômica (MATTOS, 2009, p. 99). Segundo dados apresentados pelo Banco Mundial (2015), os sete países que possuem uma legislação trabalhista menos protetiva são: Es- tados Unidos, Canadá, Austrália, Cingapura, Hong Kong (China), Maldi- vas, Ilhas Marshall. Segundo a pesquisa, é justamente nesses países, onde vivem trabalhadores que estão no rol daqueles que possuem melhor quali- dade de vida no mundo. Em relação a tal contexto de nações, foi observa- da uma intensa flexibilização das relações de trabalho nos referidos países na atualidade. Ao analisar a questão pelo viés da falta de oportunidade, é melhor para o trabalhador obter fonte de renda advinda de labor informal do que permanecer desempregado, tendo que sustentar a si e a sua família. É por esse motivo que os excluídos do mercado formal, estando desprotegidos pelos ordenamentos jurídicos, passam a trabalhar na clandestinidade. Amanda Madeira Reis justifica por esse motivo a necessidade de adequa- 420 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

ção das normas trabalhistas com cada realidade específica defendendo que: O Direito do Trabalho é meio, instrumento para idealização de garantias e melhorias, e não um fim em si mesmo. O jus- laboralismo tem que se adequar à realidade social e não o contrário. Ao deter-se em uma desarrazoada proteção social que abafa o desenvolvimento econômico, a legislação traba- lhista termina por prejudicar aquele no qual devia amparar: o trabalhador (REIS, 2017, p. 72). O Brasil tem passado por essa necessidade de flexibilização, já que a rigidez das leis trabalhistas com altos encargos sociais e tributos des- medidos são fatores responsáveis pelo aumento de trabalhos informais e autônomos. O legislador brasileiro enfrenta uma forte pressão da classe empresarial que pretende que o governo leve o Direito do Trabalho a um novo patamar. Sobre essa questão Miguel Reale defende que: Quanto ao impacto da globalização da economia sobre o Di- reito do Trabalho, o tema abre à reflexão do estudioso um leque de questões, todas de grande relevância, quer no cam- po do Direito Individual, quer no do Direito Coletivo. Cabe examinar, apenas, dois aspectos: a crise do chamado “prin- cípio protetor” e os efeitos da exigência de competitividade das empresas sobre a tradicional regulação heterônoma das condições de trabalho [...] (REALE, 2012, p. 645). Na década de 1960, o Brasil já começava a se iniciar no contexto de flexibilização com a Lei 4.923 (BRASIL, 1965), que instituiu a redução da jornada e dos salários como forma de evitar o desemprego em massa, de- monstrando que no Direito do Trabalho havia grande preocupação com as finanças da empresa e não só com o trabalhador. O regime do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), instituído em 1966, que deu fim a velha estabilidade celetista, inicialmente como optativo, é outro exemplo de que o legislador brasileiro já se preocupava com a tal questão. A Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), é um amplo exem- plo dessa tentativa de flexibilização das normas trabalhistas, no artigo 7º, incisos VI, XIII e XIV, admitiu em algumas matérias a flexibilização, como foi o caso do contrato por tempo determinado, da possibilidade do banco de horas, permitiu acordos e convenções coletivas de trabalho, redução de salários, redução e compensação de jornada de trabalho e também a Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 421 prorrogação da jornada máxima de 6 horas, Dentre as mudanças no mundo do trabalho ocorridas no século XXI, está o fenômeno da “pejotização”, que se refere à contratação de ser- viços pessoais, exercidos por pessoas físicas, de modo subordinado, não eventual e oneroso, realizados por meio de pessoa jurídica constituída es- pecialmente para esse fim, na tentativa de disfarçar eventuais relações de emprego que evidentemente seriam existentes. O procedimento se dá com a determinação do empregador ao empregado para que este registre uma pessoa jurídica em seu nome – em geral, na forma de microempreendedor individual (MEI) – e firme um contrato de prestação de serviços ao invés de anotar a Carteira de Trabalho e Previdência Social da pessoa contra- tada. Com essa dinâmica, os obreiros “pejotizados” não estão protegidos por normas sobre limitação da jornada de trabalho, salário mínimo, perío- dos de férias e repouso, garantias contra dispensas imotivadas, segurança e medicina do trabalho. Felipe Oswaldo Guerreiro Moreira ao dissertar sobre o tema também entende que a base principiológica é diretamente afetada, esclarecendo que: “[...] o fenômeno acaba atingindo inúmeros princípios juslaborais consagrados: primazia da realidade; irrenunciabili- dade de direitos trabalhistas; e imperatividade da norma trabalhista, den- tre outros” (MOREIRA, 2017, p. 68). No Brasil, embora as primeiras ocorrências da “pejotização” terem ocorrido na década de 1980 (DUARTE, 2015, p. 8), este fenômeno ganha força com o advento da Lei nº 11.196 (BRASIL, 2005), dispondo em seu artigo 129 que a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natu- reza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, se sujeita apenas à legislação aplicável às pessoas jurídicas. A partir de então muitas empresas tem entendido que possuem aval legal para a contratação de diversos empregados por intermédio de pessoas jurídicas. O fenômeno da “pejotização não é comum apenas no Brasil, pois o fato de haver diversos encargos tributários ao empregado e ao emprega- dor ocorre em boa parte dos países da América Latina e funciona como incentivo à ocorrência de tal flexibilização das relações de trabalho. A pes- quisa realizada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (2015) demonstra que a título de exemplo, o imposto de renda no Brasil de 21% no ano de 2015 era comparado ao da Argentina com 422 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 uma proporção de 20,9%. Na Venezuela, o percentual sobre renda na ar- recadação total é de 22,5%, No Chile, em alguns casos chega a 36,4%. A média dos 35 países que fazem parte da OCDE é de 34,3%. Tendo como base a Lógica do Sistema Toyota de Produção da me- tade do Século XX, a terceirização é um modo de produção que também vem afetando até os tempos atuais as relações de trabalho, já que através dela os trabalhadores não mais são necessariamente vinculados à empresa para a qual efetivamente trabalham, pois existe a necessidade de descen- tralizar a fim de aperfeiçoar a produção contratando empresas periféricas que tem a possibilidade de contratar uma terceira pessoa para a realização de atividades que não constituem objeto principal da empresa tomadora de serviços (ROBORTELLA, 1994, p. 236-243). Ocorre que, atualmente já é possível analisar um novo fenômeno nessa questão da subcontratação, que é a terceirização sem qualquer espé- cie de limites, uma modalidade na qual a empresa tomadora de serviços contrata empresas periféricas para realizar atividades que constituem ou não o objeto principal da empresa tomadora de serviços consubstancian- do a possibilidade de transferência dos encargos trabalhistas para uma possível empresa contratada. Numa escola por exemplo, os professores poderão ser contratados de forma terceirizada; em um hospital, médicos e enfermeiros. No Brasil esse caso específico sem limites veio com a Lei nº 13.429 (BRASIL, 2017), que é um marco regulador da terceirização admissível. A lei amplia a possibilidade de oferta desses serviços tanto para ativida- des-meio, quanto para atividades-fim, sendo que nesse último caso an- teriormente, era possível apenas em casos excepcionais, como ocorre na maioria dos países da América Latina. Tal norma abre a possibilidade ir- restrita para a contratação de terceirizados, contudo, sem alterar direitos da CLT. Através dessa nova dinâmica, será favorecida a possibilidade de atuação de novas empresas especializadas no ramo de locação de serviços de mão de obra, já que a empresa contratante (tomadora dos serviços) terá responsabilidade subsidiária, caso a empresa de locação de mão de obra falhe no pagamento das verbas salariais e consectários legais. Sendo assim nas palavras de Enoque Ribeiro dos Santos: “[...] o trabalhador somente poderá acessar a Justiça do Trabalho, após o esgotamento das tentativas de cobrança da empresa terceirizada” (SANTOS, 2017, p. 2). Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 423

No que tange à pendencias para com essa nova dinâmica advinda da expansão da terceirização, Enoque Ribeiro dos Santos também entende que como prejuízo aos trabalhadores: [...] deverá ocorrer uma maior volatilidade do contrato de trabalho do terceirizado, na medida em que ele geralmente permanece na mesma empresa tomadora por vários anos, sem evolução salarial, ligado a diferentes empregadores. Neste tópico, deverá ocorrer uma maior precarização no tra- balho, pois não é praxe ocorrer evolução na carreira, pro- gressão salarial, ascensão profissional qualitativa e mesmo gozo de férias por parte do terceirizado (SANTOS, 2017, p. 6). Na Argentina a terceirização também se regula por lei específica e traz pontos específicos no que tange responsabilidade das empresas con- tratantes. Nas palavras de Magda Biavaschi: En Argentina, la subcontratación se regula en la actualidad mediante el artículo 30 de la Ley de Contrato de Trabajo n° 20.744 (LCT). Originalmente, estaba regulada mediante el artículo 32 de esta misma ley, promulgada en 1974, que lue- go en 1976 se convirtió en artículo 30 con la Ley n° 21.297, sin alteraciones significativas en el contenido. Sin embargo, los impactos de la dictadura y, posteriormente, del neolibe- ralismo también tuvieron efectos regresivos sobre esta regu- lación específica. Con la Ley n° 25.013, del 2 de septiembre de 1998, se logró disminuir la responsabilidad de la empresa contratante y algunas limitaciones contenidas en la legisla- ción anterior en torno a la subcontratación, con consecuen- cias perjudiciales para los trabajadores. Específicamente, se incluyó en el artículo 30 un párrafo que exime a la empresa contratante de la responsabilidad de vigilar la contratista, distorsionando así al instituto de la solidaridad e inauguran- do un movimiento de desconstrucción de derechos que ha repercutido negativamente en la jurisprudencia8 (BIAVAS- CHI, 2016, p. 13). O Uruguai também aderiu às políticas neoliberais já no final do Sé- culo XX, também regulamentando a subcontratação através de 3 leis espe- cíficas: as Leis n°18.089 (URUGUAI, 2007), n°18.099 (URUGUAI, 2007) e n°18.251 (URUGUAI, 2008). Essas leis, no entanto, como no caso da legislação argentina, reconhecem a solidariedade, não colocam limites na 424 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 subcontratação. A Lei n.º18.099/2007, reconhece a responsabilidade soli- dária do contratante em relação às obrigações trabalhistas dos subcontra- tados, também nas pendências com a previdência social, acidentes de tra- balho e doenças ocupacionais. A Lei nº 18.251/2008 define e classifica as atividades realizadas por subcontratados, prevendo a possibilidade de que a responsabilidade solidária possa se tornar subsidiária se o contratante exigir o cumprimento das obrigações trabalhistas dos subcontratados e supervisioná-las (BIAVASCHI, 2016, p. 16). Na busca pela adaptação ao novo modelo de mercado de trabalho, os países da América Latina têm tentado adaptar suas legislações trabalhistas no intuito de favorecer o acordo livre e individual entre empregado (ou seus representantes) e empregador. Amanda Madeira Reis ao analisar essa necessidade de reformas trabalhistas defende que: O surgimento dessas transnacionais e a necessidade de in- serir-se na economia internacional exigem uma mudança na postura de cada nação que pretende atrair investimentos estrangeiros para si. Essa mudança passa por uma reforma na legislação trabalhista, de modo a torná-la menos pater- nalista, uma vez que essa rigidez encarece a mão de obra e gera consequência no preço final do produto aqui fabricado, tornando-o menos competitivo no mercado mundial (REIS, 2017, p. 90). No Brasil, a Lei 13.467 (BRASIL, 2017), que foi intitulada pelos go- vernantes de “Reforma Trabalhista Brasileira”, é um claro exemplo de ten- tativa por parte do governo brasileiro de se adequar às novas mudanças do mercado de trabalho, através da flexibilização de diversos dispositivos normativos da CLT. A referida norma prevê, dentre tantas mudanças, que negociações entre sindicatos de categorias profissionais e empresas e entre empresas e empregados prevaleçam sobre o que é estabelecido na CLT (art. 611-A), uma jornada de trabalho que poderá ser diferente das 8 ho- ras diárias e 44 horas semanais havendo um limite de no máximo 12 horas diárias e, se forem trabalhadas mais do que 44 horas semanais será preciso pagar hora extra (art. 59-A), e também a possibilidade de negociação do intervalo intrajornada (art. 611-A, III). A reforma trabalhista brasileira abrange apenas os empregados pro- tegidos pela CLT, que segundo dados do IBGE (2017), corresponderam a aproximadamente 33,3 milhões de pessoas no período de maio até junho Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 425 de 2017, sendo por esta mesma pesquisa registrado um quantitativo de 90,7 milhões de pessoas que no mesmo período estavam em alguma rela- ção de trabalho, portanto, no Brasil ainda existem modificações a serem feitas na legislação para abranger todas as relações de trabalho. Existem pendências a serem resolvidas, ainda restam questões como os contratos temporários nas cooperativas de trabalho, os contrato por prazo determinado no contrato a tempo parcial e a suspensão do contrato de trabalho no contrato de aprendizagem, nos estágios, no home office ou trabalho a domicílio. Existem relações de trabalho totalmente desregula- mentadas surgindo a cada dia e um dos emblemáticos casos de tal reali- dade é o do “professor UBER” em um projeto da prefeitura de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, para pagar por aulas avulsas a docentes, sem ligação com o município, sempre que faltarem profissionais na rede municipal de ensino, sendo todos conectados através de um aplicativo, mensagens de celular ou redes sociais (MOREIRA, 2017). Na América Latina, outro exemplo de reforma flexibilizadora de di- reitos trabalhistas é a da Colômbia, que com a lei de reforma do trabalho de 2002 - Lei 789, inspirada na Lei Panamenha de 1986, autorizou o fun- cionamento das empresas de trabalho temporário, a contratação precária, ou por prazo determinado. Tal norma também facilitou a dispensa do tra- balhador, extirpando a estabilidade decenal e também ampliou jornada de trabalho (MARTINS, 2009, p. 19-22). O exemplo da Argentina é um caso comprovador que somente a fle- xibilização das normas não foi suficiente. O autor Antônio Fabrício de Matos Gonçalves (2004, p.121) cita a situação da Argentina como um exemplo de fracasso nesta teoria, tendo em consideração que durante o governo de Carlos Menem, a Argentina flexibilizou as normas trabalhis- tas e priorizando o desenvolvimento econômico, esperando realmente um grande avanço em sua economia. O referido autor exemplifica a Lei n. 24.367 de 1995, dentre outras coisas: […] criou o período de experiência de cento e oitenta dias, prorrogável por acordo ou convenção coletiva; 13º salário, que era pago em duas parcelas, passou a ser pago em doze vezes, ou seja, no percentual de 8,33% ao mês, sem encargos sociais; em caso de dispensa, a indenização, antes fixada em um salário por ano de serviço, passou a ser de ½ salário; a jornada de trabalho, até então fixada em oito horas diárias 426 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

e quarenta e oito semanais, foi flexibilizada para admitir o trabalho por até doze horas diárias, desde que mantida a média semanal de oito horas diárias; os prêmios relativos à assiduidade e à produtividade dos empregados passaram a ser concedidos conforme os critérios da empresa; e, por fim, entrando a empresa em processo de reestruturação, a lei em comento permite a suspensão ou renegociação dos acordos e convenções coletivas celebrados (GONÇALVES, 2004, p. 121). De fato, o mundo das relações de trabalho e do Direito do Trabalho em si, que brotou das lutas operárias, tem mudado sua dinâmica cons- tantemente já que reformas são analisadas constantemente pelas grandes nações capitalistas, na tentativa de se adaptar aos novos costumes do sé- culo XXI. Conclui Everaldo Gaspar Lopes de Andrade que: “Essas expe- riências, historicamente acumuladas pela sociedade do trabalho, ao longo dos dois últimos séculos, são determinantes para a elaboração de outras práticas laborais e para a criação de uma nova teoria jurídico trabalhista” (ANDRADE, 2005, p. 163).

5. CULTURALISMO E SUBJETIVIDADE NO MUNDO DO TRABALHO CONTEMPORÂNEO As relações de trabalho no Século XXI, estão em intensa mutação no que concerne ao caráter regulatório das normas trabalhistas e tal questão, reflete um problema para a maioria das nações do mundo. Everaldo Gas- par Lopes de Andrade e Isabele Bandeira de Moraes D’Angelo evidenciam tal pendência: Se o Direito do Trabalho veio para proteger a maioria da população economicamente ativa, o que havia ocorrido no auge do Estado do Bem-Estar e do Pleno Emprego, agora não consegue proteger sequer a metade daquele universo. Os demais se encontram no trabalho clandestino ou alcança- do pelo desemprego estrutural (ANDRADE E D’ANGELO, 2016, p. 92). É também demasiadamente notável a influência de um sistema eco- nômico baseado na exploração humana, o capitalismo, na análise das rela- ções de trabalho. Sobre tal ponto, enfatiza Fábio Konder Comparato que: Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 427

O capitalismo não é mero sistema econômico, mas uma for- ma global de vida em sociedade; ou, se se quiser, dando ao termo um sentido neutro, uma civilização. Como tal, define- -se ele por um espírito (no sentido em que Montesquieu em- pregou o termo), um conjunto de instituições sociopolíticas e uma prática. O espírito do capitalismo é o egoísmo com- petitivo, excludente e dominador. Daí por que toda espécie de colaboração entre empresários é naturalmente tida por suspeita; assim como suspeita e nociva à boa economia sem- pre pareceu, desde as origens, aos olhos dos empresários, a sindicalização dos trabalhadores e a organização reivindica- tiva dos despossuídos. Nesse tipo de civilização, toda a vida social, e não apenas as relações econômicas, fundam-se na supremacia absoluta da razão de mercado (COMPARATO, 2008, p. 536-537). Tal entendimento é confirmado por Marcela Oliveira de Alexandria Rique: A dinamicidade da estrutura capitalista interfere diretamen- te nas práticas sociais, requerendo que todos os setores da sociedade permitam a perpetuação do sistema liberalista global. Entretanto, os ditames do individualismo e da con- corrência criam estruturas sociais instáveis e não pacíficas (RIQUE, 2016, p. 336). A socióloga do trabalho, francesa Danièle Linhart, entende que nes- sa nova realidade, o desprestígio à experiência profissional de cada tra- balhador, é acentuado pela flexibilização da produção e pela permanente atualização do maquinário. Em boa parte das vezes os aspectos mais im- portantes para os empregadores não são os diplomas, as especializações e as qualificações, mas a personalidade, as capacidades cognitivas e emocio- nais dos trabalhadores. Nas palavras da referida autora: [...]la déprofessionnalisation viserait à mobiliser les aspects humains qui seraient plus faciles à contrôler, à coloniser. L’important, du point de vue managérial, n’est pas de dépen- dre des employés, qui doivent être contrôlés; ils parient sur le fait qu’ils sont plus faciles à subriver en les gérant plus en tant qu’êtres humains que professionnels. L’objectif est donc de réduire la capacité de protestation et d’opposition, mais aussi l’incertitude et l’imprévisibilité de chaque individu9 (LI- NHART, 2015 p. 143). 428 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

Pela interpretação da obra “Os sentidos do trabalho” do professor Ricardo Antunes é plenamente possível entender que a racionalização do processo produtivo, o forte disciplinamento da força de trabalho, a im- plantação de novos mecanismos de capital e de trabalho intensivo, e o envolvimento mais ativo do intelecto no trabalho tornaram-se práticas recorrentes nas relações de trabalho, um processo no qual as substâncias vivas são eliminadas, onde o trabalho vivo é substituído pelo trabalho morto, pelo maquinário tecno-informacional-digital que hoje tipifica o processo de “enxugamento” das empresas e favorece a subjetividade das relações de trabalho com a participação cada vez mais frequente do em- pregado no aspecto intelectual. Conclui o referido autor que: Ainda que fenomenicamente minimizado pela redução da separação entre a elaboração e a execução, pela redução dos níveis hierárquicos no interior das empresas, a subjetividade que emerge na fábrica ou nas esferas produtivas contempo- râneas é expressão de uma existência inautêntica e estranha- da. Contando com maior “participação” nos projetos que nascem das discussões dos círculos de controle de qualidade, com maior “envolvimento” dos trabalhadores, a subjetivida- de que então se manifesta encontra-se estranhada em relação ao que se produz e para quem se produz” (ANTUNES, 2009, p.130). Outro ponto destacado por Ricardo Antunes é a mudança das rela- ções de trabalho no ambiente interno das grandes empresas, com funcio- nários portadores de características peculiares. Segundo o referido autor, na realidade contemporânea: Preserva-se um número mais reduzido de trabalhadores dentro das empresas matrizes, mais qualificados, multifun- cionais e envolvidos com o seu ideário dos “colaboradores”, amplia-se o universo dos terceirizados e temporários no in- terior (e fora) das empresas, ampliando-se o fosso entre a classe trabalhadora. De um lado, em escala minoritária, o trabalhador “polivalente e multifuncional” da era informa- cional-digital, capaz de exercitar com mais intensidade sua dimensão mais intelectual. De outro lado, uma massa de tra- balhadores precarizados, terceirizados, flexibilizados, infor- malizados, cada vez mais próximos do desemprego estrutu- ral (ANTUNES, 2011, p.127). Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 429

De fato, a partir de tal reflexão é possível visualizar que essas novas formas de lidar e de sujeitar o trabalhador a novas condições, são deriva- das das flexibilizações das relações de trabalho, que advém da tentativa de aferir novos ganhos por lucratividade e produtividade em que o envolvi- mento intelectual do trabalhador é cada vez mais presente, haja vista que este tem maior consciência de que sua produtividade intelectual e que o seu futuro financeiro estão diretamente atrelados ao destino da empresa. Segundo a interpretação analítica dada por Marshall Berman, no contexto da moderna sociedade do trabalho: [...] o fator crucial para pertencer a essa classe não é trabalhar numa fábrica nem trabalhar com as mãos, tampouco ser po- bre. Tudo isso pode mudar junto com as flutuações dos esto- ques, das demandas, da tecnologia e da política. A condição crucial é a necessidade de vender o seu trabalho para o capi- tal poder sobreviver, a necessidade de mudar sua personali- dade para pô-la à venda – de se olhar no espelho e perguntar ‘O que eu tenho que posso vender’? E a permanente tensão e pavor de que, mesmo estando bem de vida hoje, você possa não encontrar ninguém que queira comprar o que você tem ou o que você é amanhã, de que o mercado mutável possa declará-lo (como já declarou a muita gente) imprestável, de que venha a se perceber física e metafisicamente sem teto e à mercê do frio (BERMAN, 2001, p. 287-288). O contrato de trabalho, ao ser regulamentado por leis, limita a liber- dade das partes. É bem claro que no contexto do Direito do Trabalho, as leis protecionistas surgiram para garantir uma igualdade jurídica, tendo em vista que uma das partes no contrato de trabalho – o empregado – é hipossuficiente em relação ao outro – o empregador. O que justifica a intervenção estatal na relação (TEXEIRA; SÜSSENKIND, 2003, p. 239). Ocorre que no mundo, salvo raras exceções, não é a vontade, mas sim a necessidade que faz com que surja essa relação laboral. Boaventura de Sousa Santos evidencia essa questão dando ênfase à tendência do traba- lho deixar de servir de suporte à cidadania com a precariedade de suas relações: [...]o trabalho fica reduzido a dor da existência, quer quando o há – sob a forma de trabalho desgastante – quer quando o não há – sob a forma de desemprego, e não menos desgas- 430 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

tante. É por isso que o trabalho, apesar de dominar cada vez mais a vida das pessoas, está a desaparecer das referências éticas que dão suporte à autonomia e a auto-estima dos su- jeitos (SANTOS, 2017, p. 41). É diante de todo esse contexto jurídico e político do século XXI, que se faz uma nova forma de ver quanto ao objeto do próprio subsistema trabalhista. É o que confirma Amanda Madeira Reis: Na atual sociedade dinâmica do século XXI, em devotada evolução, anverso às novas tecnologias e convergências do mundo contemporâneo, faz-se cogente uma reavaliação sobre a forma de pensar a relação trabalhista e o desenvol- vimento socioeconômico e político da sociedade, de jeito a manter e estimular o apropriado desempenho da ordem econômica, ajustado ao Bem-Estar social e à compleição da dignidade da pessoa humana (REIS, 2017, p. 78). A partir dessa linha de argumentação se faz necessária uma nova forma de pensar ações para proteger a todos, trabalhadores vinculados por um elo de subordinação jurídica, desempregáveis10, desempregados, trabalhadores livres, entre outros.

6. O REGASTE DO VIÉS POLÍTICO-REVOLUCIONÁRIO DA CONSTITUIÇÃO MEXICANA APLICÁVEL COMO MEDIDA DE PROTEÇÃO AOS TRABALHADORES DO SÉCULO XXI: DESAFIOS E PERSPECTIVAS Advinda de um projeto enviado por Venustiano Carranza ao con- gresso constituínte, a Constitución del los Estados Unidos Mexicanos, pioneira na tratativa de forma extensiva sobre Direitos Sociais, conforme Edmar Victor Rodrigues Santos, buscava reformar a antiga Constituição liberal de 1857, mas sobretudo, representar um período consolidado de vitórias militares sobre a ditadura comandada por Victoriano Huerta (SANTOS, 2012a, p. 213-216). A Constituição Mexicana de 1917 é fruto de um período de profun- das mudanças no México em uma época de revoluções, com renúncia de presidente em 1914, grandes expectativas sobre a possibilidade da refor- ma agrária e necessidade de uma nova legislação protetiva para a classe trabalhadora, de modo que, diante de um contexto social advindo de lutas revolucionárias que envolveram todo o país, estava evidenciada a neces- Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 431 sidade da extensão da democracia, do âmbito político para o econômico. Tais manifestações político-revolucionárias da sociedade são fontes formadoras do Direito do Trabalho, são objeto de criação normativa re- flexo de uma realidade social, e, nas palavras de Paulo Dourado Gusmão, tais fatores vêm a ser qualificados como fontes materiais na formação do Direito que: [...] são as constituídas por fenômenos sociais e por dados extraídos da realidade social, das tradições e dos ideais do- minantes, com as quais o legislador, resolvendo questões que dele exigem solução, dá conteúdo ou matéria às regras jurídi- cas, isto é, às fontes formais do direito (lei, regulamento, etc.) (GUSMÃO, 1999. p. 41). Essa nova realidade, com expansões de categorias de trabalhadores com ou sem vínculo de subordinação, levou Maria Clara Bernardes Perei- ra a evidenciar a dificuldade de reconhecimento destes trabalhadores, que não são protegidos totalmente pelo ordenamento, como categoria inte- grante da nova morfologia do trabalho e das lutas emancipatórias. A refe- rida autora esclarece que o paradigma teórico prevalecente, que disciplina a livre circulação de trabalhadores, tem seus fundamentos em descompas- so com a nova sociedade do trabalho. Tal fato se deve formato das normas jurídicas que levam seu escudo protetivo somente aqueles trabalhadores vinculados a uma relação jurídica de emprego, excluindo a maioria, ou seja, os clandestinos (PEREIRA, 2011, p. 109). Na sociedade pós-moderna é notória a necessidade da soma dos movimentos sociais às demais coletividades, fortalecendo-os e criando instituições que visem tutelar os trabalhadores como um todo e conside- rando as maiorias que hoje encontram-se no trabalho precarizado. Nesse sentido, no que tange à temática das fontes que dão origem ao Direito do Trabalho, as regras de convivência elaboradas pelos agentes sociais no plano supra-estatal, respeitados os valores mínimos esculpidos nos or- denamentos jurídicos, é que permitirão a convivência social harmônica (ANDRADE, 2005, p. 366). O artigo 123 da Constituição Mexicana de 1917 foi um reflexo dessa introdução normativa derivada de manifestações sociais, na época, ma- terializada pelo predomínio do trabalho subordinado. O ordenamento jurídico mexicano, que se viu diretamente influenciado pela Constituição 432 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 de 1917, teve no artigo 123 do texto original da referida constituição, um marco de faculdades legislativas para o Congresso da União e para as as- sembleias legislativas dos entes federados, dando margem legislativa am- pla para os governantes a fim de adequar as normas à cada realidade espe- cífica, de forma acertada, conforme entendimento de Mario De La Cueva: [...]en tanto todas las legislaturas de los estados expidieron en los años posteriores a 1918 las leyes correspondientes, el Congreso de la Unión no pudo legislar para el Distrito Fede- ral y no porque hubieran faltado intentos ni proyectos, sino más bien, porque siempre intervinieron consideraciones de orden político. Por otra parte, en aquellos años se carecía de experiencia y se ignoraban las verdaderas condiciones de la República. Era pues, más sencillo y práctico encomendar a los Estados la expedición de las leyes, ya que era más fácil conocer las necesidades reales de cada región que las de todo el país11 (CUEVA, 1966, p. 129). Porfirio Marquet Guerrero enfatiza que no período pós-constitucio- nal mexicano houve de fato uma intensa atividade legislativa por parte das entidades federativa: Entre 1918 y 1929, veinticinco entidades federativas expi- dieron leyes reglamentarias del artículo 123 constitucional, algunas en varias ocasiones o sobre diversos temas especí- ficos. Además de Campeche y Veracruz, ya mencionados, expidieron leyes laborales en este periodo: el Estado de Mé- xico en 1918; Sonora en 1918 tres veces y una más en 1919; Nayarit en 1918 en dos ocasiones y una en 1929; Yucatán en 1918 y en 1926; Sinaloa dos veces en 1920; Coahuila en 1920 y 1926; Guanajuato en 1921, 1922, dos en 1923 y dos en 1924; Michoacán en 1921; Puebla en 1921; San Luis Potosí en 1922, 1923, 1925 y 1926; Chihuahua, Durango y Querétaro en 1922; Jalisco en 1923; Nuevo León en dos ocasiones en 1924; Hidalgo dos leyes en 1925 y una en 1928; Tamaulipas en 1925; Oaxaca y Tabasco en 1926; Chiapas y Zacatecas en 1927, así como Aguascalientes en 192812 (GUERRERO, 2014, p. 263).

Diante dessa tentativa de implantação do Estado de Bem-Estar no México, do constitucionalismo social, e da necessidade de adaptação nor- mativa conforme cada realidade social, a efetividade das políticas de in- Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 433 tervencionismo estatal direto nos diversos setores da sociedade é questão de notória relevância já que houve repercussão de tais práticas em outras nações do mundo, principalmente no âmbito do Direito do Trabalho com reformas trabalhistas e constituições sociais. Ocorre que tal momento político vivido no México a partir de 1910, que foi formador de uma nova tendência normativa e governamental, pode ser analisado nos moldes da realidade do trabalho do século XXI, na sociedade pós-industrial. No que concerne à questão principiológica o princípio da proteção, basilar para o Direito do Trabalho, ganha destaque nessa análise já que, nas palavras de Oton de Albuquerque Vasconcelos Filho e Bruno Manoel Viana de Araújo: [...] ganha uma configuração a partir das forças coletivas, para que a proteção seja conferida a todos que desejam viver a partir do trabalho, independentemente da sua natureza, diante da desconfiguração do trabalho subordinado como centro de referência da vida humana, combatendo as vulne- rabilidades do atual mundo do trabalho e garantindo a sus- tentabilidade do sistema jurídico trabalhista e do valor social do trabalho através dos tempos [...] (ARAUJO; VASCONS- CELOS FILHO, 2015, p. 205-206). Considerando o fato de que tal princípio que encontra-se implícito ao contexto de tentativas de proteger a classe trabalhadora durante o pe- ríodo de revoluções no México que culminou na promulgação da Consti- tuição de 1917, resta evidente a necessidade de adequação desse contexto de incentivo às tutelas protecionistas aos trabalhadores visto no México à realidade do mundo do trabalho atualmente. Everaldo Gaspar Lopes de Andrade trata da questão principiológica do Direito do Trabalho enfatizando que os princípios estão sedimentados como fundamentos de validade do direito do trabalho, que estão centra- dos, sobretudo, na reconstrução do tecido social e na emancipação social, no contexto de uma sociedade multifacelada, com infinitas maneiras de escolhas. Procura-se abarcar por meio das bases principiológicas, todas as atividades humanas, em sua plenitude, especialmente, dos excluídos e a questão do renascimento do sindicalismo, a partir do caráter de universa- lidade (ANDRADE, 2008, p. 171-174). No mundo de relações de trabalho amplamente diversificadas na atualidade, o legado desse viés político de revoluções e tentativas de efe- 434 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 tivação de tutelas estatais no Direito do Trabalho mexicano no início do século XX, pode trazer um novo olhar para a análise dos direitos protecio- nistas dos trabalhadores. Levando em conta que a quantidade de órgãos protetivos às diversas categorias de trabalhadores e do fato de que a luta sindical, teve grande destaque na construção do Direito do Trabalho, o fator atividade sindical atualmente é determinante na construção de um contexto de novas tutelas protetivas das relações de trabalho. Ocorre que, devido à importância do sindicalismo para a tutela dos direitos trabalhistas e ao aspecto de reivindicações por direitos que per- meia toda a história das lutas sindicais, a possibilidade da implantação de um novo sindicalismo inspirado no momento revolucionário vivido no México a partir de 1917, é um fator a se considerar, tendo em vista que os trabalhadores vinculados por um elo de subordinação encontram-se cada vez em menor escala, o que nas palavras de Oton de Albuquerque Vas- concelos Filho, tal problema desencadeia crises no sindicalismo, a saber: “[...] da desfiliação, da supremacia do setor serviços, da inclusão das no- vas alternativas de trabalho e renda, da não inclusão no sindicalismo dos novos movimentos sociais, além da crise decorrente descompasso entre o obreirismo industrial e as novas alternativas comunicacionais e discursi- vas” (VASCONCELOS FILHO, 2008, p. 35). Diante desse contexto de crises do sindicalismo, do caráter emanci- patório e reivindicatório das entidades sindicais, o já referido autor apon- ta como solução, a composição de um novo sindicalismo: O sindicalismo e o sindicato necessitam aliar-se com os novos movimentos sociais que vêm se desencadeando no mundo inteiro e que transcendem a velha centralidade do moderno mundo do trabalho, posto que suas estruturas se encontram em desarmonia com as reais necessidades de um mundo que transpassou seus conflitos da noção de territó- rio geográfico, para se mover globalmente de forma a rejeitar uma concepção estrutural de caráter vertical e burocrático (VASCONCELOS FILHO, 2014, p. 204). Também concorda com esse entendimento Everaldo Gaspar Lopes de Andrade opinando que para um maior progresso nas relações de trabalho: A única solução viável é ampliar o âmbito e as esferas de representação sindical, para alcançar as novas opções de emprego, trabalho e rendas bem como aproximar-se e arti- Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 435

cular-se com todos os movimentos sociais libertários. Com isso, quebra-se a verticalidade estrutural e discursiva do sindicalismo, favorecendo a multiplicidade de alternativas e práticas negociais, como: a busca de contratação coletiva entre categorias econômicas e profissionais de diversos se- tores da atividade produtiva – mudando a perspectiva dos sujeitos – a introdução de novos valores, mais além dos inte- resses diretos dos trabalhadores – meio ambiente, desenvol- vimento sustentável, políticas e panejamentos econômicos; o reconhecimento da inversão de perspectivas – supremacia dos pactos e ajustes sociais, dos convênios supraestatais, das negociações tripartites e transnacionais; e, finalmente, a al- teração tradicional da tendência de sua função instrumental (ANDRADE, 2008, p. 171-174). De fato, assim como ocorreu no México com a articulação de diver- sos setores da sociedade em lutas políticas, o sindicalismo contemporâneo envolvendo lutas coletivas, deveria se encontrar em uma luta emancipa- tória considerando um novo internacionalismo operário que “[...] só terá eficácia à medida em que houver uma ação do movimento sindical articu- lada com outros movimentos sociais, entidades e instituições, para com- bater a hegemonia do capitalismo global e excludente”(VASCONCELOS FILHO, 2014, p. 204). No que tange às lutas coletivas, o direito de greve ganha destaque no mundo do trabalho, contudo, com a minimização do trabalho subordina- do de certo modo não existe sentido falar em greve, enquanto elemento catalisador dos movimentos sociais dirigidos para a ruptura do modelo capitalista já que, a classe que vive do trabalho formal está em minoria e se apresenta a dúvida sobre entes coletivos não obreiros que poderiam in- tegrar esse novo grupo de insurgentes a partir da greve tendo um ideal em comum. Fernanda Barreto Lira enfatiza a necessidade de aplicação desse movimento de caráter político para outros sujeitos que não estejam sob a relação jurídica subordinada de emprego, sobretudo, porque constituem as minorias (LIRA, 2008, p. 151-155). Invocando essa nova realidade, defende Fernanda Barreto Lira a possibilidade de um novo plano de formação para a greve apontando que seus efeitos deverão provocar a “[...] retomada da organização coletiva dos trabalhadores – em todas as suas dimensões e diversidades -, para conso- 436 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 lidar uma luta contemporânea – interna e externa – contra a globalização excludente (LIRA, 2008, p. 155). Esses entendimentos levarão à formação de instrumentos normativos em busca do consenso, prestigiando a cida- dania e se sobrepondo aos modos tradicionais de elaboração das normas jurídicas. Um modelo seguido de forma ainda tímida pela coletividade, na efetivação dessa ruptura com os antigos moldes das lutas coletivas, é a utilização do ciberespaço já que, vivemos em uma sociedade moldada pela tecnologia e evolução dos meios de comunicação digitais. Maria Cla- ra Bernardes Pereira explica que as formas de resistência devem se dar a partir do ciberespaço e não do espaço físico, quebrando, deste modo, o comando e o controle da autoridade eletrônica, aliada a necessidade de conscientizar os que estão fora das atividades tecnológicas ou do ciberes- paço (PEREIRA, 2011, p. 113). Diante do exposto, em um contexto de mudanças sociais no âmbito das relações de trabalho, o resgate adaptado do viés político revolucio- nário vivido no México, vem a ser conveniente para a análise da ruptura do modo de gerir e adequar os ordenamentos jurídicos à nova estrutura tutelar das relações de trabalho. Com esses pressupostos, seria efetiva a tentativa de eliminar a subor- dinação da força do trabalho ao capital dando novos moldes às relações de trabalho, que nas palavras de Oton de Albuquerque Vasconcelos Filho, tal realidade se efetivaria: [...] através das diversas lutas sociais emancipatórias que pri- vilegiam, neste âmbito, a consolidação de um novo objeto: o trabalho livre, que esteja sincronizado com a sua dimensão e constituição ontológicas, que se destina a apreender o ser da própria existência humana com um todo, ou seja, a sua es- sência, algo que o trabalho contraditoriamente livre/subor- dinado não alcança (VASCONSCELOS FILHO, 2014, p. 23). É com esses fundamentos que será possível a construção de uma nova dinâmica tutelar das relações de trabalho, adaptada ao mundo globa- lizado que preza pelo avanço das tecnologias e a flexibilização das normas. Nas palavras de Boaventura de Sousa Santos, tais expectativas significam um reinventar do Direito, “[...] por forma a adequar-se às reivindicações normativas dos grupos sociais subalternos e dos seus movimentos, bem Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 437 como das organizações que lutam por alternativas à globalização neolibe- ral” (SANTOS, 2017, p. 31).

7. CONCLUSÃO Diante do contexto de mudanças sociais na América Latina no início do século XX, que foi marcado pela implementação de políticas inter- vencionistas do Estado de Bem-Estar Social, o pioneirismo constitucional mexicano ficou evidenciado com seu caráter inovador de proteção aos direitos sociais, com destaque para as tutelas protetivas aos trabalhadores. Tal inovação refletiu durante um grande período no contexto normativo de toda uma gama de países no mundo que decidiram seguir esse ideário a partir de seus textos normativos. Contudo, com a crise do Estado de Bem-Estar Social e o início da implantação de políticas neoliberais no mundo, a flexibilização normativa do Direito do Trabalho começou a ganhar força e impactou diretamente nas relações de trabalho, que passaram a ter um caráter de multiplicidade e instabilidade que perdura até os dias de hoje. O complexo contexto de relações de trabalho vivenciado no mun- do pós-moderno impõe aos países lantino-americanos uma dificuldade de adequação normativa específica para cada tipo de trabalho já que não está sendo possível proteger todas as novas categorias de trabalho. Desse modo são necessárias mudanças para estabelecer uma nova cultura. Em um modelo de mercado que preza pela exploração da força de trabalho, o contexto social de expansão de categorias de trabalho, ganhou importância para a análise das tutelas protetivas estatais e supra-estatais e dos meios da classe trabalhadora ostentar a qualidade de sujeito de direito. Uma nova fonte formadora do Direito do Trabalho deve ganhar for- ça com tal realidade de flexibilização das relações de trabalho, as manifes- tações sociais, através de novos meios de organização, que levem em conta o progresso tecnológico e a facilitação dos meios de comunicação social em um mundo que tem consolidado o fenômeno da globalização. A for- mação de um novo sindicalismo, que abarque não só os trabalhadores for- mais, mas também as maiorias que ainda não são tuteladas pelas normas trabalhistas, somado a novos meios de protesto e greves primariamente de caráter emancipatória que possam abranger maiores grupos sociais, são caminhos para mudanças nos modos de tutelar as relações de trabalho. 438 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

O legado das mudanças ocorridas no México que resultaram na promulgação da Constituição de 1917, deve servir de exemplo para uma possível ruptura no modo de analisar e tutelar as relações de trabalho por meio das lutas coletivas, com viés político-revolucionário. Uma nova forma de proteger que emerge como contra-poder ao mundo capitalista globalizado pode ser encontrada, na medida que, ao deslocar o contexto de modificações vivido no México para a presente realidade possa ser pos- sível que o ser humano encontre por meio de qualquer forma de trabalho, a sua realização plena.

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itações contidas na legislação anterior em matéria de subcontratação, com consequên- cias prejudiciais para os trabalhadores. Especificamente, foi incluído no artigo 30 um parágrafo que exime à empresa contratante da responsabilidade de vigiar la contratada, distorcendo assim o instituto da solidariedade e inaugurando um movimento de des- construção de direitos que repercutiram negativamente na jurisprudência. (Tradução livre dos autores) 9 [...] a desprofissionalização visaria a mobilizar os aspectos humanos que seriam mais fáceis de controlar, de colonizar. O importante seria, do ponto de vista gerencial, de não depender dos assalariados, que devem ser controlados; aposta-se no fato de que eles são mais fáceis de se sujeitarem, ao geri-los mais como humanos que profissionais. O objetivo é, portanto, reduzir a capacidade de protesto e de oposição, mas também a incerteza e a imprevisibilidade que carrega cada indivíduo. (Tradução livre dos autores) 10 São aqueles trabalhadores que não se encontram em plenitude com o mundo di- gital, ou seja, os “imigrantes digitais” e que as empresas não desejam investir nenhuma capacitação, tendo em vista o grande exército de reserva de trabalhadores oriundos das gerações y, z e α. 11 [...] enquanto todas as legislaturas dos estados expediram nos anos posteriores a 1918 as leis correspondentes, o Congresso da União não pôde legislar para el Distrito Federal e não por falta de tentativas nem projetos, mas sim, porque sempre interviram considerações de ordem política. Por outro lado, naqueles anos havia carêcia de ex- periencia e se ignoravan as verdadeiras condições da República. Era pois, mais fácil e prático encomendar aos Estados a expedição das leis, já que era mais fácil conhecer as necessidades reais de cada região que as de todo o país. (Tradução livre dos autores) 12 Entre 1918 e 1929, vinte e cinco entidades federativas expediram leis regulamen- tares do artigo 123 da Constituição, algumas em várias ocasiões ou sobre diversos te- mas específicos. Além de Campeche e Veracruz, já mencionados, expediram leis traba- lhistas neste período: o Estado do México em 1918; Sonora em 1918 três vezes e mais uma em 1919; Nayarit em 1918 em duas ocasiões e uma em 1929; Yucatán em 1918 e em 1926; Sinaloa duas vezes em 1920; Coahuila em 1920 e 1926; Guanajuato em 1921, 1922, duas em 1923 e duas em 1924; Michoacán em 1921; Puebla em 1921; San Luis Potosí em 1922, 1923, 1925 e 1926; Chihuahua, Durango e Querétaro em 1922; Jalisco em 1923; Nuevo León em duas ocasiões em 1924; Hidalgo duas leis em 1925 e uma em 1928; Tamaulipas em 1925; Oaxaca e Tabasco em 1926; Chiapas e Zacatecas em 1927, assim como Aguascalientes em 1928. (Tradução livre dos autores) Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 447

DISSERTAÇÕES DEFENDIDAS 2017 (julho/dezembro)

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO TEORIAS DA JUSTIÇA: JUSTIÇA E EXCLUSÃO

LINHAS DE PESQUISA FUNÇÃO POLÍTICA DO DIREITO ESTADO E RESPONSABILIDADE: QUESTÕES CRITICAS

Empoderamento social e a busca pela efetiva participação popular no processo legislativo Mestrando: Laerty Morelin Bernardini Data: 27/07/2017 Banca: Dr. Eduardo Augusto Salomão Cambi - Orientador Dr. Fernando de Brito Alves Dr. Marcelo Miguel Conrado

Participação popular no processo de licenciamento ambiental: um estudo comparativo dos procedimentos aplicados nos Estados da região sul do País Mestranda: Juliane Aparecida Kerkhoff Data: 18/08/2017 Banca: Dr. Vladimir Brega Filho - Orientador Dr. Renato Bernardi Dr. Ricardo Pinha Alonso

Persistência do paradigma punitivo e alternativas de superação Mestrando: Matheus Gomes Camacho Data: 18/08/2017 Banca: Dr. Eliezer Gomes da Silva - Orientador Dr. Luiz Fernando Kazmierczak Dr. Celso Luiz Ludwig 448 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

Desigualdade digital no Brasil: desafios jurídico-políticos para uma sociedade informacional inclusiva Mestrando: João Eder Furlan Ferreira de Souza Data: 22/08/2017 Banca: Dr. Fernando de Brito Alves - Orientador Dr. Edinilson Donisete Machado Dr. João Victor Rozatti Longhi

Políticas Públicas de acesso ao ensino superior: efetividade do direito fundamental e judicialização Mestrando: Rodrigo Orlandini Volpato Data: 29/08/2017 Banca: Dr. Jorge Sobral da Silva Maia - Orientador Dr. Mauricio Gonçalves Saliba Dr. Mauri da Silva

A sistematização do precedente de acordo com o novo código de processo civilização Mestrando: Emmanuel Gustavo Haddad Data: 15/09/2017 Banca: Dr. Jaime Domingues Brito - Orientador Dr. Jorge Sobral da Silva Maia Dra. Vivianne Rigoldi

O protagonismo da atenção primária enquanto mecanismo de inclusão social e de efetividade do sistema único de saúde Mestrando: João Luccas Thabet Venturine Data: 16/09/2017 Banca: Dr. Paulo Henrique de Souza Freitas - Orientador Dr. Edinilson Donisete Machado Dr. Fábio Alexandre Coelho Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 449

AUTORES QUE PUBLICARAM NESTE NÚMERO

FERNANDO DE BRITO ALVES Advogado. Doutor em Direito pela Instituição Toledo de Ensino - ITE / Bau- ru-SP. Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade Estadual do Norte do Pa- raná - UENP. Graduado em Filosofia pela Universidade do Sagrado Coração e graduação em Direito pela Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro da Universidade Estadual do Norte do Paraná. Atualmente é Assessor Jurídico da UENP, professor adjunto da UENP, onde coordena o Programa de Pós-gra- duação (Mestrado e Doutorado) em Ciência Jurídica e professor das Faculdades Integradas de Ourinhos. Realizou estágio de pós-doutorado no Ius Gentium Co- nimbrigae da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (2013-2014). Tem experiência na área de Filosofia Política e Direito. Contato: fernandobrito@ uenp.edu.br

EDINILSON DONISETE MACHADO É graduado em Direito pela Fundação de Ensino Eurípides Soares da Rocha, Mestre em Direito pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho e Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atual- mente é professor titular do Centro Universitário Eurípides de Marília-UNIVEM e da Universidade Estadual Norte do Paraná, na graduação e na pós- graduação. No UNIVEM é Coordenador do curso de graduação em Direito e Coordenador dos Programas Lato Sensu em Direito. Tem experiência na gestão acadêmica e na docência superior na área de Direito, com ênfase em Direito Constitucional, atuando, principalmente, nos seguintes temas: Direitos Fundamentais, Jurisdi- ção, Hermenêutica Constitucional e em Direito Administrativo. Contato: edinil- [email protected]

LUNA STIPP Advogada. Conciliadora na Justiça Estadual. Mestra em Ciência Jurídica pela Universidade Estadual do Norte do Paraná - UENP , especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Uniderp, graduada em Direito pela Pontifícia Univer- sidade Católica de Campinas. Contato: [email protected]

HELOISA SAMI DAOU Mestranda em Direito, Políticas Públicas e Direitos Humanos no Centro Univer- sitário do Estado do Pará – CESUPA. Contato: [email protected]

JEAN CARLOS DIAS Doutor em Direitos Fundamentais e Relações Sociais e Mestre em Instituições Jurídico-Políticas pela Universidade Federal do Pará – UFPA. Professor (Gra- duação e Pós-Graduação) do Centro Universitário do Pará – CESUPA, onde tam- bém coordena o Programa de Pós-Graduação em Direito. Professor convidado da Escola Superior da Magistratura do Estado do Pará, do Centro de Formação Profissional do Ministério Público do Estado do Pará e da Escola Superior da Advocacia do Estado do Pará. Professor convidado da Escola Superior da Ad- vocacia do Estado do Amazonas, da Escola Judiciária do Estado do Amapá e da 450 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

Escola Judiciária do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª. Região. Professor con- vidado em cursos de Pós-Graduação em diversos Estados brasileiros. Membro do Instituto dos Advogados do Pará, do Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática, da Fundação Brasileira de Direito Econômico e da Associação Norte-Nordeste de Professores de Processo. Advogado. Contato: helocaju@hot- mail.com

JOSÉ ALBERTO ANTUNES DE MIRANDA Doutor em Estudos Estratégicos Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Mestre em Relações Internacionais pela Univer- sidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS-); Especialista em Integração e Mercosul pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Bacharel em Direito pela Universidade Vale do Rio dos Sinos (1996) e Professor do Mes- trado em Direito e Sociedade no Centro Universitário La Salle – UNILASALLE Canoas/RS Brasil. Contato: [email protected]

WANDA MARIA DE LEMOS CAPELLER Doutor em Direito em Ciência Política pela Université de Picardie - Amiens. Professora da PUC-Rio. Atualmente é Professor Catedrática em Sociologia e So- ciologia do Direito - IEP - Université des Sciences Sociales de Toulouse. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Penal e Criminologia, em Sociologia do Direito. Contato: [email protected]

FERNANDO HOFFMAM Mestre e Doutorando em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS); Bolsista PROEX/CAPES; Membro do Grupo de Pesquisa Estado e Constituição e da Rede Interinstitucional de Pesquisa Estado e Cons- tituição, vinculado à UNISINOS e ao CNPQ; Professor Titular do Curso de Di- reito da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI/ Câmpus Santiago); Membro do Grupo de Pesquisa Direito, Justiça e Cidadania, vinculado à URI e ao CNPQ; Especialista em Direito: Temas Emergentes em No- vas Tecnologias da Informação e Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Contato: [email protected]

JOSE LUIS BOLZAN DE MORAIS Pós-Doutor em Direito Constitucional pela Universidade de Coimbra; Doutor em Direito do Estado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e pela Université de Montpellier I; Mestre em Ciências Jurídicas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ); Professor do Programa de Pós-Graduação – Mestrado e Doutorado – da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS); Procurador do Estado do Rio Grande do Sul. Contato: bol- [email protected]

IURI BOLESINA Doutor e Mestre em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC. Especialista em Direito Civil pela Faculdade Meridional - IMED. Graduado em Direito pela Universidade de Passo Fundo - UPF. Advogado. Coordenador e Pro- fessor do Curso de Direito na Faculdade Meridional - IMED. Contato: iuribole- [email protected] Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 451

TÁSSIA GERVASONI Doutora em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, com período sanduíche na Universidad de Sevilla (Espanha). Mestre e Graduada em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul. Coordenadora da Pós-Graduação lato sensu em Direito da IMED. Professora de Direito Constitucional e Teoria do Es- tado. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Estado e Constituição, vinculado ao CNPq. Advogada. Contato: [email protected]

RICARDO PINHA ALONSO Doutor em Direito do Estado - área de concentração Direito Constitucional, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2012). Possui mestrado em Direi- to pela Universidade de Marília (2002) e graduação em Direito pela Fundação de Ensino Superior Eurípedes Soares da Rocha (1988). Atualmente é professor titu- lar - Faculdades Integradas de Ourinhos e do Centro Universitário Eurípides de Marília. Coordenador da graduação e pós-graduação das Faculdades Integradas de Ourinhos. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Ad- ministrativo, Tributário e Direito Constitucional. Contato: [email protected]

ANA FLAVIA DE ANDRADE NOGUEIRA CASTILHO Mestranda em Direito pelo Centro Universitário Eurípedes de Marília UNIVEM – Marília SP. Pós-Graduanda em Direito Tributário – FALEG-UCAM - São Paulo SP. Graduada em Direito pelo Centro Universitário Eurípedes de Marília - UNI- VEM. Graduada em Tecnologia de Alimentos pela Faculdade Pública de Tecno- logia de Marília. Desenvolve projeto de pesquisa na temática Tributação Susten- tável. Bolsista CAPES/PROSUP – UNIVEM - Marília SP. Conciliadora voluntária na Vara Única da Comarca de Pompeia-SP. Contato: [email protected]

LEONARDO MELLACE Doutorando em Teoria do Direito pela Università degli Studi Magna Graecia di Catanzaro. Contato: [email protected]

ANDREA ROMEO Doutor em Teoria do Direito e Pesquisador na Università degli Studi Magna Graecia di Catanzaro. Afiliado à Università degli Studi Magna Graecia di Catan- zaro. Itália. Contato: [email protected]

CARLOS MANUEL VILLABELLA ARMENGOL Director del Programa de Doctorado. Director de la Revista IUS (México). Ins- tituto de Ciencias Jurídicas, Puebla, México. Contato: [email protected]

FELIPE DA COSTA LIMA MOURA Graduado em Direito pela Faculdade Escritor Osman da Costa Lins - FACOL, com Especialização em Direito Público e Privado pela Escola Superior da Advocacia (ESA) e em Gestão de Pessoas pela Faculdade Osman Lins FACOL. Mestrando em Di- reito na Universidade Católica de Pernambuco. Professor Titular de Direito do Consu- midor e do Trabalho, Coordenador adjunto do Curso de Direito e do Núcleo da Prática Jurídica na Faculdade Osman Lins – FACOL. Advogado. [email protected] 452 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

FÁBIO TÚLIO BARROSO Pós-Doutor em Direito pela Universidad de Granada, Espanha. Doutor em Di- reito pela Universidad de Deusto, Bilbao, Espanha. Especialista em Direito do Trabalho pela Universidade Católica de Pernambuco-UNICAP. Presidente Ho- norário da Academia Pernambucana de Direito do Trabalho - APDT. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros - IAB. Membro do Instituto de Advo- gados de Pernambuco – IAP (Presidente da Comissão de Direito do Trabalho). Membro da Asociación Española de Salud y Seguridad Social. Professor da Uni- versidade Católica de Pernambuco–UNICAP (Graduação e PPGD). Professor da Faculdade de Direito de Recife - FDR, da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Professor das Faculdade Integrada de Pernambuco - FACIPE. Advogado. Contato: [email protected]

CÂNDICE LISBÔA ALVES Graduada em Direito pela Universidade Federal de Viçosa. Mestre em Exten- são Rural pela Universidade Federal de Viçosa. Doutora em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. É Professora de Direito Costi- tucional no curso de graduação e mestrado em Direito da Universidade Federal de Uberlândia. Pesquisadora da área de Direitos Fundamentais e vulnerabilida- des sociais. Contato: [email protected]

RUBEN MARTINEZ DALMAU Profesor titular de Derecho Constitucional en la Universitat de València. Univer- sitat de València. Espanha. Contato: [email protected]

NATHALIA BRUNNELLY ROCHA DE OLIVEIRA Advogada, especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Uni- versidade Católica de Pernambuco. Contato: [email protected]

ROSA MARIA FREITAS NASCIMENTO Doutora em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (2014), Mestra em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (2007). Atualmente é professora da Universidade Católica de Pernambuco. Já atuou como professora substituta da Universidade Federal de Pernambuco (2013-2014). É pesquisadora na área de Direito Internacional e Orientadora no Programa de Bolsa de Ini- ciação Científica (PIBIC) da Universidade Católica de Pernambuco. Autora de capítulo de livros e diversos artigos jurídicos em revistas especializadas. Asses- sora Jurídica concursada da Prefeitura do Cabo de Santo Agostinho e Advogada. Contato: [email protected]

ROGÉRIA GLADYS SALES GUERRA Possui mestrado em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco e dou- torado em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Professora titular da Universidade Católica de Pernambuco. Professora da UPE/FCAP. Tem expe- riência na área de Direito, com ênfase em Direito do Trabalho, atuando princi- palmente nos seguintes temas: terceirização, responsabilidade civil, acidente do trabalho, direitos humanos, danos morais, assédio moral e gênero. Coordenado- ra do Curso de Pós-Graduação em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho da Unicap. Advogada. Contato: [email protected] Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 453

KARINA DENARI MATTOS Doutoranda em Direito pela Faculdade Nacional de Direito - PPGD - Universi- dade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Mestre em Direito do Estado pela Facul- dade de Direito da Universidade de São Paulo - FDUSP. Gestora Acadêmica do Programa de Pós-Graduação Lato Sensu da FGV DIREITO SP (GVlaw). Editora Assistente da Revista Teoria Jurídica Contemporânea - Programa de Pós-Gra- duação em Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Contato: karina- [email protected]

JOSÉ RIBAS VIEIRA Pós-doutorado em Direito na Université Montpellier I - CERTE, com bolsa CA- PES (1985-86), Doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1982). Professor Visitante na Univesity of Illinois at Urbana-Champaign (1989), Professor Visitante na University of Florida e Professor Titular aposentado de Direito Constitucional. Atualmente é Professor Associado da Pontifícia Univer- sidade Católica do Rio de Janeiro, Professor Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Consultor ad hoc da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo e Presidente da Comissão Permanente de Direito Constitucional do Instituto dos Advogados Brasileiro - IAB. Pesquisador-coordenador do Grupo de Pesquisa CNPq Observatório da Justiça Brasileira - OJB-UFRJ. Ex-Coordena- dor do PPGD-UFRJ (2015-2017). Contato: [email protected]

OTON DE ALBUQUERQUE VASCONCELOS FILHO Doutor e Mestre em Direito pelo Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal de Pernambuco. Professor Adjunto II da Universidade de Pernambuco e do Centro Universitário Tabosa de Almeida, ASCES-UNITA. Presidente da Academia Luso-Brasileira de Ciências Jurídicas. Membro da Aca- demia Pernambucana de Direito do Trabalho. Contato: otonvasconcelosfilho@ gmail.com

MOACIR BARBOSA MORAIS Graduando do 8º período do Curso de Direito do Centro Universitário Tabosa de Almeida, ASCES-UNITA. Contato: [email protected]

MARIA CATARINA BARRETO DE ALMEIDA VASCONCELOS Bacharela em Direito pela Associação de Ensino Superior de Olinda - AESO. Advogada. Membro Benemérito da Academia lLuso-Brasileira de Ciências Jurí- dicas. Membro da Comissão da Mulher Advogada - Seccional Pernambuco. Con- tato: [email protected] 454 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

NORMAS PARA A APRESENTAÇÃO DE ORIGINAIS 1) Informações gerais: A revista Argumenta Journal Law, de periodicidade semestral, destina-se à pu- blicação de textos originais de Ciência Jurídica, Ciências Sociais Aplicadas, e Ciências Humanas, que estejam dentro de suas linhas editoriais, com o propósito de difundir, em nível nacional e internacional, as reflexões dos pesquisadores de temas relacionados com a Justiça e a Exclusão Social.

O Conselho Editorial recomenda que os trabalhos que lhe forem encaminha- dos sejam inéditos ou apresentados em eventos científicos, como seminários, congressos, encontros, simpósios. Preferencialmente serão publicados artigos, resenhas de obras recentes (publicadas nos dois últimos anos), e resumos de dissertações e teses.

Os autores cedem os direitos autorais dos artigos publicados para o Programa de Pós-Graduação em Ciência Jurídica da Universidade Estadual do Norte do Paraná.

Os dados e conceitos emitidos, bem como a exatidão das referências são de intei- ra responsabilidade dos autores.

As colaborações deverão seguir rigorosamente as normas abaixo.

São publicados textos em Português, Inglês, Espanhol, Italiano e Francês.

As submissões devem ser feitas exclusivamente por via eletrônica, pelo endereço eletrônico: seer.uenp.edu.br/index.php/argumenta.

2) Preparação dos originais: Os trabalhos, que não devem exceder a 30 laudas, redigidos em papel formato A4 (21 cm por 29,7 cm), redigido preferencialmente em MS-Word 7.0 (95), MS- -Word 97 ou versão superior para Windows (PC), com fonte Times New Roman, tamanho 12, espaçamento simples, alinhamento justificado, e margens de 1,5 cm (superior e inferior) e de 2,0 cm (esquerda e direita). O cabeçalho deverá ter 1,5 cm e o rodapé 1,0 cm, os parágrafos devem ser de 1,25 cm, bem como as citações com recuo especial.

Os trabalhos devem obedecer à seguinte seqüência: título (caixa alta, em negri- to, centralizado); autor (em itálico, alinhado à direita, apenas o sobrenome em maiúscula, seguido da primeira nota que se referirá à qualificação acadêmica e profissional do autor, colocada em nota de rodapé; resumo seguido de abs- tract e resumen(em fonte 10, com no máximo 100 palavras, versão em inglês e espanhol); palavras-chave seguidas de keywords e palabras clave (em fonte 10, com até 5 palavras, versão em inglês e espanhol, os títulos dos tópicos devem ser em negrito); texto (subtítulos sem adentramento, distinguidos por números arábicos, em negrito, apenas a primeira letra maiúscula); Referências bibliográfi- cas (sem adentramento, em negrito). Evitar o uso de negrito no corpo do texto, Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 455

utilizando-o apenas nos tópicos indicados.

Evitar também excesso de notas de rodapé, priorizando a identificação parenté- tica das fontes no próprio texto (Ex.: PASOLD, 1999, p. 23).

Observar as normas da ABNT (NBR-6023).

3) Normas específicas: Citação no texto: de preferência, parentética (entre parênteses, citar sobrenome do autor, ano de publicação e número da página transcrita); se tiver mais de três linhas, redigi-la com o mesmo recuo dos parágrafos;

Referências bibliográficas: apresentar em ordem alfabética, iniciando pelo sobre- nome do autor, com destaque gráfico (em caixa alta), Nome do autor. O título principal em itálico. Número da edição. Cidade: Editora, ano de publicação. As linhas seguintes à primeira não devem ser redigidas com deslocamento. Obede- cer normas da ABNT para todo tipo de fonte bibliográfica.

4) Processo de Seleção dos Artigos: Todo artigo será submetido a dois pareceristas por meio do sistema duble blind per revew, sendo um Conselheiro Editorial, e outro Conselheiro Técnico- Cien- tífico. Os pareceristas não conhecerão a autoria dos artigos submetidos. Caso o texto obtenha dois pareceres favoráveis será encaminhado para o banco de arti- gos aprovados e publicado nas edições subseqüentes da revista.

Caso haja pareceres divergentes, ou sugestões de modificação do texto, caberá recurso ao Conselho Editorial, sendo que o Editor Chefe designará relator, que fará parecer definitivo sobre o mérito acadêmico científico do artigo.

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE DO PARANÁ – UENP CAMPUS DE JACAREZINHO CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS Programa de Pós-Graduação em Ciência Jurídica

Avenida Manoel Ribas, 711 – Centro – Caixa postal 103 Jacarezinho – PR – CEP 86400-000 – BRASIL Tel.: +55 (43) 3525-0862 e + 55 (43) 3525-8953 Site: http: www.uenp.edu.br http://www.uenp.edu.br/index.php/pos-direito – e-mail: [email protected] Argumenta Journal Law - [email protected] 456 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

RULES FOR SUBMISSION 1) General Information: The Journal Argumenta is intended to publish the original texts of Juridical Science, Applied Social Sciences and Humanities, which are within their edito- rial lines, with the purpose to disseminate, at national and international reflec- tions by researchers of issues related to Justice and Social Exclusion.

The Editorial Board recommends that the texts that have been sent be unpu- blished or presented at scientific meetings, seminars, congresses, conferences, symposia. Preferably publish articles, reviews of recent works (published in the last two years), and abstracts of dissertations and theses.

The authors transferring copyright of published articles for the Masters Program in Juridical Science at the State University of Northern Paraná.

The data and concepts presented, as well as the accuracy of the references are the sole responsibility of the authors.

The collaborations should strictly follow the rules below.

Texts are submitted in portuguese, french, english and spanish.

Manuscripts may be submitted electronically or via regular mail, though electro- nic submissions are strongly encouraged and greatly appreciated. Manuscripts submitted via e-mail should take the form of attachments formatted in Microsoft Word and should be e-mailed to Journal Argumenta, at seer.uenp.edu.br/index. php/argumenta .

2) Preparation of documents: The work, which should not exceed 30 pages, written on paper format A4, pre- ferably written in MS-Word 7.0 (95), MS-Word 97 or later for Windows (PC) in Times New Roman, size 12, single spaced, justified, and 1.5 cm margins (top and bottom) and 2.0 cm (left and right). The header should be 1.5 cm and 1.0 cm bottom, paragraphs should be 1.25 cm, and quotes with special retreat.

Entries must have the following sequence: title (all caps, bold, centered), author (in italics, left aligned, just a last name in capital letters, followed by the first note will refer to the academic and professional qualifications of the author, placed in a footnote, summary followed by abstract (in font 10, with a maximum of 100 words in English or Spanish version) keywords followed by keywords (in font 10, with up to five words, in English or Spanish version, the Titles should be in bold) text (captions without getting through, distinguished by Arabic numerals, bold, only first letter capitalized) References (without getting through, in bold). Avoid the use of bold in the text, using it only in the subjects shown.

Also avoid excessive footnotes, parenthetical prioritizing the identification of the sources in the text (eg PASOLD, 1999, p. 23). Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 457

Observe the ABNT (NBR- 6023).

3) Specific rules: Citation in text: preferably parenthetical (in parentheses, cite the author’s surna- me, year of publication and page number of transcript), if more than three lines, I wrote it with the same indentation of paragraphs.

References: in alphabetical order, starting with the author’s name, especially gra- phic (in capitals), author’s name. The main title in italics. Issue number. City: Publisher, year of publication. The following lines should not be the first written with displacement.

Obey ABNT for all types of source.

4) Selection Process for Articles : Every article will have two referees through the system per revew duble blind, and an Editorial Board, and other Scientific-Technical Advisor. The referees did not know the authorship of articles submitted. If the text gets two favorable opi- nions will be forwarded to the bank of articles adopted and published in subse- quent editions of the magazine.

If there are divergent opinions or suggestions for modification of the text may be appealed to the Editorial Board, and appoint the Chief Editor rapporteur, who will make final opinion on the academic merit of the scientific article.

STATE UNIVERSITY OF NORTHERN PARANA - UENP Campus Jacarezinho CENTRE OF APPLIED SOCIAL SCIENCES Master and PhD Program - Juridical Science

Avenida Manoel Ribas, 711 – Centro – Caixa postal 103 Jacarezinho – PR – CEP 86400-000 – BRASIL Tel.: +55 (43) 3525-0862 e + 55 (43) 3525-8953 Site: http: www.uenp.edu.br http://www.uenp.edu.br/index.php/pos-direito – e-mail: [email protected] Argumenta Journal Law - [email protected] 458 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017

NORMAS PARA PRESENTACIÓN DE TEXTOS

1) Información general: La revista ARGUMENTA Journal Law en seis meses, tiene por objeto publicar textos originales de Ciencias Jurídicas, Ciencias Sociales y Humanidades, que son dentro de sus líneas editoriales para el fin de difundir, tanto a nivel nacional como internacional, las reflexiones de los investigadores de las cuestiones rela- cionadas con la Justicia y la Exclusión Social.

El Comité Editorial recomienda que los trabajos que se envía sean originales.

Los autores ceden los derechos de autor de los textos publicados para el Pro- grama de Maestría en Ciencias Jurídicas de la Universidad Estatal del Norte de Paraná.

Los datos emitidos y conceptos, así como la exactitud de las referencias, son de exclusiva responsabilidad de sus autores.

Las contribuciones deben seguir estrictamente las reglas a continuación.

Textos se publican en portugués, francés, Inglés y español.

Las presentaciones deben hacerse en su totalidad por vía electrónica, por correo electrónico: seer.uenp.edu.br/index.php/argumenta.

2) Preparación de los documentos: El trabajo, que no debe exceder de 30 páginas, escrito en papel de tamaño A4 (21 cm x 29,7 cm), escrito preferentemente en MS-Word 7.0 (95), MS-Word 97 o superior para Windows (PC) Times New Roman, tamaño 12, interlineado sen- cillo, justificado, y márgenes de 1,5 cm (superior e inferior) y 2,0 cm (izquierdo y derecho). La cabecera debe tener 1,5 cm y 1,0 cm de pie de página, párrafos debería ser de 1,25 cm y citas con retiro especial.

Las entradas deben cumplir con el siguiente orden: título (mayúsculas, negrita, centrado); Autor (en cursiva, alineado a la derecha, sólo el apellido en mayús- culas, seguido de la primera nota se referirá a las cualificaciones académicas y profesionales del autor, situado en una nota al pie, resumen seguido de abstracto y resumen (en tamaño de fuente 10, con un máximo 100 palabras, la versión en Inglés y Español); palabras clave seguidas de las palabras clave y key words (en tamaño de fuente 10, con un máximo de 5 palabras, la versión en Inglés y Español, los títulos de los temas deben ser negrita), texto (títulos sin sangría , dis- tinguido por números arábigos, en negrita, sólo la primera letra en mayúscula) ;. Referencias (sin sangrado, en negrita) Evite el uso de negrita en el texto, su uso sólo en los temas indicados.

También evite las notas excesivas, entre paréntesis priorizar la identificación de las fuentes en el propio texto (Ej:. Pasold, 1999, p. 23). Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 459

Observe la ABNT (NBR-6023).

3) Normas específicas: Citación Texto: preferentemente entre paréntesis (soportes, citar el apellido, año de publicación y número de página de la transcripción del autor); si usted tiene más de tres líneas, que escribió con la misma sangría de los párrafos; Referen- cias: visualización en orden alfabético, comenzando por el apellido del autor, con resaltado gráfico (en mayúsculas), nombre del autor. El título principal en cursiva. Número de la edición. Ciudad: Editorial, año de publicación. Las si- guientes líneas a la primera no se deben escribir con el desplazamiento.

Obedecer las normas de la ABNT para todo tipo de fuente bibliográfica.

4) Los artículos Proceso de Selección : Todos los artículos son sometidos a dos árbitros a través del sistema ciego dub por revew, un miembro del Consejo de Redacción, y otra Técnico y Asesor Cien- tífico. Los árbitros no conocen la autoría de los artículos presentados. Si el texto de obtener dos opiniones favorables serán remitidos al Banco de artículos apro- bados y publicados en las ediciones posteriores de la revista.

Si existen opiniones divergentes, o sugerencias de modificación de texto pueden ser apeladas ante el Consejo de Redacción, y el Editor Jefe nombran ponente, que hará que la opinión científica definitiva sobre el mérito académico del artículo.

UNIVERSIDAD ESTATAL DE NORTE DE PARANÁ Campus de Jacarezinho ESCUELA DE CIENCIAS SOCIALES APLICADAS Programa de Maestria e Doctorado em Derecho

Avenida Manoel Ribas, 711 – Centro – Caixa postal 103 Jacarezinho – PR – CEP 86400-000 – BRASIL Tel.: +55 (43) 3525-0862 e + 55 (43) 3525-8953 Site: http: www.uenp.edu.br http://www.uenp.edu.br/index.php/pos-direito – e-mail: [email protected] Argumenta Journal Law - [email protected] 460 Argumenta Journal Law n. 27 - jul / dez 2017 6 1 1 9.9888. 6 1

AAJournal Law 27 JL/ 2017

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