UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE CENTRO DE HUMANIDADES UNIDADE ACADÊMICA DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGEM E ENSINO

Roseana Palmeira dos Santos

COM O CORDEL NA MÃO: UMA EXPERIÊNCIA DE LEITURA COM A VIUVINHA DE JOSÉ DE ALENCAR

CAMPINA GRANDE – PB 2018

Roseana Palmeira dos Santos

COM O CORDEL NA MÃO: UMA EXPERIÊNCIA DE LEITURA COM A VIUVINHA DE JOSÉ DE ALENCAR

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino, da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), em cumprimento às exigências para obtenção do título de mestre.

Orientadora: Prof. Dª. Naelza de Araújo Wanderley

Campina Grande – PB 2018

COM O CORDEL NA MÃO: UMA EXPERIÊNCIA DE LEITURA COM A VIUVINHA DE JOSÉ DE ALENCAR

Roseana Palmeira dos Santos

DISSERTAÇÃO APRESENTADA EM: 19 DE JUNHO DE 2018

PROF. DR. JOSÉ HÉLDER PINHEIRO ALVES - UFCG EXAMINADOR

PROF. LÍLIAN DE OLIVEIRA RODRIGUES – UERN EXAMINADORA

PROF. Dª NAELZA DE ARAÚJO WANDERLEY – UFCG ORIENTADORA

CAMPINA GRANDE – PB 2018

DEDICATÓRIA

Aos meus pais, irmãs, irmãos e à querida Naelza Araújo Wanderley.

AGRADECIMENTOS

Ao meu Criador, refúgio e amparo. Deus, sem Tua Luz e permissão eu não teria conseguido. À minha família, por compreender minhas ausências e pelas tantas demonstrações de orgulho por eu ter alcançado um degrau acadêmico/profissional tão alto. Esta conquista não é só minha, é nossa. À Naelza Wanderley, mais que orientadora, se tornou minha inspiração pelo amor, compromisso e dedicação ao ensino e à literatura popular, sobretudo, pelo compartilhamento da grande bagagem de saberes que aduz. Aos Professores Hélder Pinheiro, referência em toda a minha trajetória acadêmica de pessoa humana e altruísta, e Lílian de Oliveira Rodrigues, da UERN, pelas valiosas contribuições na qualificação e pela disponibilidade em colaborar na conclusão deste trabalho. À querida Sandra Rangel, amiga e companheira de turma… dividimos tantas angústias, mas nos ajudamos em todo este percurso, demonstrando garra e acreditando que chegaríamos à conclusão do curso. Aos demais colegas de turma, Daniel, Joelma, Sandrelle, Marina, Airla, Verônica, sempre disponíveis e solidários a ouvir e contribuir. À Professora Sinara de Oliveira Branco, quando Coordenadora do Programa de Pós- Graduação em Linguagem e Ensino, dedicou muita atenção e carinho à função e aos alunos, procurando ajudar sempre. À Professora Denise Lino, que imprime dedicação e tem sido bastante atenta a cada detalhe da caminhada do Programa. Aos poetas Maria da Soledade, Chico D’Assis e Claudson Faustino, pelas contribuições fervorosas e sábias que enriqueceram este trabalho. À Professora Bruna, que entregou sua turma sem nenhum revés, para a execução da presente proposta. Aos alunos que colaboraram e se disponibilizaram em participar desta pesquisa.

A Vanlex, Ms. em Ciências e Modelagem Matemática Computacional, que sempre me impulsionou a conquistar mais um grau acadêmico, julgando que eu conseguiria. Às queridas Suely e Mª Elaine, que sempre me apoiaram com suas palavras de entusiasmo, demonstrando admiração e companheirismo, no sentido verdadeiro da palavra, nos momentos de angústia durante essa trajetória.

Poesia é uma coisa Que ninguém saber explicar Ou você nasce sabendo Ou não tem onde estudar Só Deus sabe onde começa E onde vai terminar.

Pra falar do autor da criação Não preciso de tempo nem estudo Não consigo num verso dizer tudo Porque ele supera explicação É de Cristo que vem a inspiração Pra fazer os poemas que eu faço Cada risco ou rabisco que eu traço É guiada por Deus a minha mão Porque sem o autor da criação Não haveria poeta nem espaço. (CHICO D’ASSIS)

PALMEIRA. Roseana dos Santos. Com o cordel na mão: uma experiência de leitura com A Viuvinha, de José de Alencar. 2018. 122p. Dissertação (Mestrado em Linguagem e Ensino). Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande, 2018.

RESUMO

A presente pesquisa está voltada ao fomento da leitura dos clássicos da literatura na escola, através da adaptação em cordel. A proposta executada teve como objetivo verificar a recepção do romance A Viuvinha, de José de Alencar, e dos folhetos de cordel Os martírios de Jorge e Carolina, do poeta Manoel Pereira Sobrinho, e Jorge e Carolina, de Rouxinol do Rinaré, em uma turma de 9º ano de uma escola de Alagoa Grande PB. Foi possível caracterizar a relação texto leitor a partir dos estudos sobre a estética da recepção, seguindo os parâmetros de uma pesquisa exploratória, que possibilitou condições de investigar, de maneira reflexiva, os dados coletados através de instrumentos como gravações audiovisuais, para percepção e discussão em torno da recepção e expressões dos alunos no ato da leitura das obras. Assim, nossa atuação apresentou característica etnográfica, que requer a participação efetiva do pesquisador interagindo diretamente com os envolvidos na pesquisa, evidenciando mais o processo educacional e não somente o resultado final da pesquisa (OLIVEIRA, 2007). Para tanto, aplicamos uma experiência de leitura seguindo a sequência básica proposta por Cosson (2012), em um período de 10 aulas. Os resultados foram sistematizados em quadros comparativos e analisados sob a ótica das abordagens qualitativas, uma vez que nos concentramos em compreender alguns aspectos sobre os textos comumente trabalhados e a recepção de leitura do gênero literário ora utilizado (o cordel), associados à dinâmica da proposta de sequência básica para acentuar a formação leitora na escola. Essa experiência deixou claro o envolvimento dos alunos na prática da leitura, demonstrado pela recepção e interação com os textos, sobretudo, com os folhetos, que possibilitaram maior compreensão da história contada e identificação de si, uma vez que a linguagem propiciou maior aproximação entre leitor e texto. Percebemos, ainda, que a utilização de algumas práticas metodológicas e estratégias se tornaram instrumentos de compreensão do texto, pois foram repensadas e propostas de maneira mais dinâmica e lúdica, com vistas a deixar que o aluno imprimisse ali seu posicionamento acerca do lido. Nesse sentido, o prazer da leitura se fez notório no semblante e nas palavras de cada colaborador através das discussões e das atividades escritas sugeridas. Para nortear e fundamentar nossas ponderações, contamos com as contribuições reflexivas dentre outros autores, Marinho e Pinheiro (2012), que fazem abordagens em torno do cordel na sala de aula; Maria Ignez Novais Ayala (2003), Márcia Abreu (2004), que discorrem sobre a cultura popular e a literatura de cordel; Caldin (2002), Cosson (2012), Lajolo (1985), Candido (1995), que aludem sobre leitura e leitura literária; Robert Stam (2006) que disserta sobre o processo de adaptação; Adorno (2003) e Cohen (1974) sobre a construção poética e sobre a estética da recepção, nos apoiamos em Jauss (1994) e Iser (1999).

PALAVRAS-CHAVE: Leitura. Literatura. Cordel.

PALMEIRA. Roseana dos Santos. With the string on the hand: a reading experience with A Viuvinha by José de Alencar. 2018. 122p. Dissertation (Master in Language and Teaching). Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande, 2018.

ABSTRACT

This research is focused on promotion of reading the classics of literature on school through the adaptation in string. The proposal carried out was verifying the reception of the novel “A Viuvinha”, by José de Alencar and of the leaflets “ Os Martírios de Jorge e Carolina, by the poet Manoel Pereira Sobrinho, and “Jorge and Carolina”, by Rouxinol do Rinaré in a 9th classroom of a school from the municipality of Alagoa Grande PB. We could characterize the text reader relationship from the studies on the aesthetics of the reception following the parameters of an exploratory research which enabled the conditions to investigate in a reflexive way the data collected through instruments such as audiovisual recordings, for the perception and discussion around the reception and expressions of the students during the act of reading. Thus, our performance presented an ethnographic characteristic which requires the effective participation of the researcher interacting directly with those involved in the research highlighting more the educational process and not only the final result of the research (OLIVEIRA, 2007). To do so, we applied a reading experience following the basic sequence proposed by Cosson (2012) in a period of 10 classes. The results were systematically analyzed in frames and analyzed in the perspective of qualitative approach, once, we concentrated on understanding some aspects of the texts commonly worked and the reception of reading, the literary genre used (the string) associated with the dynamics of the basic sequence proposal to accentuate the reader training in the school. This experience showed clearly the students involvement in the practice of reading demonstrated by the reception and interaction with the texts, especially with the leaflets, which enabled a greater understanding of the story and identification of themselves since the language provided greater approximation between reader and text. We also realized that the use of some methodological practices and strategies became instruments of understanding the text because they were rethought and proposed in a more dynamic and playful way waiting the student could express their point of views positioning about the written text. In this sense, the pleasure of reading became notorious in the countenance and the words of each student through the discussions and the suggested written activities. To guide and substantiate our weightings, we counted on the contributions of some authors such as Marine and Pinheiro (2012), which make approaches around the string in the classroom; Maria Ignez Novais Ayala (2003), Marcia Abreu (2004), who talk about popular culture and the literature of string; Caldin (2002), Cosson (2012), Lajolo (1985), Candido (1995), which allude to reading and reading literary; Robert Stam (2006) who discerns on the adaptation process; Adornment (2003) and Cohen (1974) on the poetic construction and on the aesthetics of the reception, we supported in Jauss (1994) and Iser (1999).

Key words: Reading. Literature. String.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...... 13

2 CAPÍTULO 1 – A ESCOLA E A FORMAÇÃO DO LEITOR: A (IN)EFICÁCIA DAS ATUAIS ESTRATÉGIAS DE LEITURA ...... 17

2.1 A adaptação ou reconto de obras para estimular a leitura na sala de aula ...... 21

2.2 A Estética da Recepção: a teoria e a história da literatura sob outra ótica ...... 27

2.3 – O uso da literatura de cordel nas aulas de leitura ...... 31

3 CAPÍTULO 2 - A VIUVINHA: CONTAR EM PROSA E ENCANTAR EM VERSOS …………………………………………………………………………………………………..36

3.1 – Na anatomia dos Cordéis ……………..…...…………………………..……..……...44

4 CAPÍTULO 3 – COM O CORDEL NA MÃO: A VIVÊNCIA DA LEITURA NA SALA DE AULA ...... 63

4.1 – Caracterização da Pesquisa ...... 64

4.2 – Caracterização da escola ...... 64

4.3 – O perfil da turma e a coleta dos dados ...... 66

4.4 – Categorização e discussão dos dados ...... 67

4.5 – Não é o fim, mas o início do cordel em sala de aula: detalhes da intervenção ...74

4.6 – A relação texto-leitor: o cânone e o popular e a recepção dos alunos...... 99

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 104

REFERÊNCIAS ...... 108

APÊNDICES ...... 113

APÊNDICE A Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) ...... 114 APÊNDICE B Questionário Exploratório ...... 116 APÊNDICE C A Proposta de Intervenção de Leitura ...... 117 APÊNDICE D Construção da Colcha de Retalhos… ...... 120 APÊNDICE E Quadro Síntese ...... 121

ANEXOS ...... 122 ANEXO 1 Folheto Os martírios de Jorge Carolina (Manuel Pereira Sobrinho) …………………………………………………………………………………………………123 ANEXO 2 Folheto Jorge e Carolina (Rouxinol do Rinaré) ...... 132 ANEXO 3 Poema Os animais têm razão (Antonio Francisco) ...... 141 ANEXO 4 Poema Pedaço de mau caminho ( Claudson Faustino) ...... 144 ANEXO 5 Folheto Trem de saudade (Chico D’Assis)...... 146

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1 INTRODUÇÃO

Dificuldades que envolvem alunos que passam pelo Ensino Fundamental sem dominar as competências necessárias para ler fluentemente, sobretudo quando nos referimos à prática de leitura do texto literário, nesse nível de escolarização, sob a perspectiva do letramento, têm gerado discussões entre professores não só de Língua Portuguesa, mas de todo corpo docente de algumas escolas. É nesta fase escolar que se espera dos alunos, segundo os PCN, a aquisição, domínio e habilidades para a leitura, de modo que estes se tornem capazes de se posicionarem criticamente em torno do lido. Contudo, o distanciamento entre as teorias relacionadas ao ensino de leitura e a prática adotada por algumas unidades escolares é cada vez mais notório, pois percebemos os reflexos de um sistema que ainda privilegia um modelo de ensino que já não corresponde aos anseios da contemporaneidade. Acreditamos que este cenário pode ser transformado, quando a escola e seus agentes oferecerem mecanismos didático-pedagógicos capazes de desenvolver no aluno a compreensão sobre o próprio ato de ler, elucidado nas várias estratégias utilizadas nesta tarefa. Entendemos que a leitura possibilita liberdade para indivíduo atuar com mais autonomia na sociedade, pois é por ela que o sujeito pode se tornar capaz de questionar o que lhe é exigido enquanto ser social e fazer valer a sua cidadania. É nesse momento, que destacamos a importância de evidenciar a inserção do texto literário nas salas de aulas do Ensino Fundamental, a fim de despertar maior interesse na prática de leitura. Nesse contexto, a literatura popular é portadora de elementos capazes de aproximar texto/leitor proporcionando prazer e conhecimento ao mesmo tempo. Assim, conduzindo o sujeito aprendiz a um mundo em que ele se encontre, ou se identifique, seja através da linguagem ou através de temas que lhe chamem a atenção, estaremos contribuindo tanto na aprendizagem, quanto no reconhecimento e valorização da cultura em que o indivíduo esteja inserido. Além disso, estaremos favorecendo uma oportunidade para que o sujeito se torne um leitor maduro, que de

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acordo com Lajolo (1985) tal qualidade só será adquirida mediante o contato e a leitura de textos diversos, que o tornará capaz de (re)significar o lido. Sendo assim, a literatura de cordel é uma oportunidade para se construir a maturidade leitora, uma vez que abarca diversos temas, provocando reflexões críticas de fatos do cotidiano e prazer nas estórias de amor e aventura, pois sua leitura não acontece de maneira isolada, solitária, mas através da interação com o lido e da relação com o conhecimento de mundo. Nesse sentido, o intento maior nesse trabalho foi verificar a recepção do romance A viuvinha, de José de Alencar e dos folhetos de cordel Os martírios de Jorge e Carolina do poeta Manoel Pereira Sobrinho e Jorge e Carolina, de Rouxinol do Rinaré, em uma turma de 9º ano de uma escola de Alagoa Grande PB. Inicialmente, observamos o planejamento e a mediação das aulas de Língua Portuguesa da referida turma, a fim de traçarmos um planejamento para execução de uma experiência de leitura utilizando o clássico e dois folhetos de cordel do romance supracitado e, por fim, caracterizar a relação texto leitor a partir dos estudos sobre a estética da recepção. Para tanto, partimos de uma pesquisa exploratória, cujas motivações surgiram da pesquisa-ação, a fim de buscar informações gerais em torno dos instrumentos mais utilizados no processo de formação leitora. Esses dados foram coletados a partir de um questionário escrito para a professora da turma e outro para os alunos, os quais ficaram livres para responder e expor suas impressões particulares em torno das aulas de Língua Portuguesa e sua mediação. Utilizamos também gravações audiovisuais, para que pudéssemos perceber a recepção dos alunos no ato da leitura das obras, como também durante as discussões no decorrer das aulas. Nesse sentido, nossa atuação teve característica etnográfica, a qual, segundo Oliveira (2007), requer a participação efetiva do pesquisador interagindo diretamente com os envolvidos na pesquisa, evidenciando mais o processo educacional e não somente o resultado final da pesquisa. Aplicamos, pois, uma proposta didática de leitura seguindo a sequência básica proposta por Cosson (2012), a qual se estrutura com a motivação, introdução, leitura e interpretação, desenvolvida em um período de 10 aulas de cinquenta minutos.

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Para fins de organização didática, dividimos esse período em: 01 aula de observação do planejamento e da mediação das aulas de Língua Portuguesa, 07 aulas de intervenção para vivenciar a experiência de leitura, do romance A viuvinha de José de Alencar e dos folhetos de cordel Os martírios de Jorge e Carolina adaptado pelo poeta Manoel Pereira Sobrinho e Jorge e Carolina, adaptado por Rouxinol do Rinaré e 02 aulas para compartilhar e socializar a experiência e receber a visita de poetas locais, a fim de evidenciar como o gênero que ora trabalhamos é criado por estes poetas, demonstrando um produto que merece ser valorizado, enquanto cultura e arte. Dessa maneira, pensamos em oferecer aos alunos a possibilidade de mudança no que diz respeito a sua interação com o texto, dando-lhe novos significados sob a perspectiva da humanização, como sugere Antonio Candido (1995). Os resultados da pesquisa foram sistematizados em quadros comparativos e discutidos sob a ótica das abordagens qualitativas, uma vez que nos concentramos em compreender alguns aspectos sobre os textos comumente trabalhados e a recepção de leitura do gênero literário ora utilizado (o cordel), associados à dinâmica da proposta de sequência básica para acentuar a formação leitora na escola. Nesse sentido, contamos com as contribuições reflexivas de autores que trazem abordagens relacionadas à temática aqui pontuada, como Marinho e Pinheiro (2012), que abordam o uso da literatura de cordel no âmbito da sala de aula; Maria Ignez Novais Ayala (2003) e Márcia Abreu (2004), que trazem reflexões acerca da cultura popular; Rildo Cosson (2012), que apresenta meios e reflexões de se trabalhar o texto literário sob a perspectiva do letramento; Rouxel (2007), que revela em sua abordagem uma realidade do ensino de literatura que resulta em consequências que comprometem a aprendizagem pretendida; Jauss (1994) e Iser (1999), que defendem o leitor com agente ativo na significação e efeitos do texto no ato de ler. Esses, dentre outros autores/pesquisadores, foram de grande valia para nortear e fundamentar nossas ponderações. Assim, para efeito de organização estrutural, construímos o presente trabalho em três partes, a saber:

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No Capítulo 1, consideramos pertinente trazer algumas reflexões sobre abordagens teóricas relacionadas ao ensino de leitura e os aportes de obras reescritas em outro gênero nesse processo, neste caso, adaptação/reescrita do clássico para o cordel; em breves palavras, também evidenciaremos as contribuições da Estética da Recepção na relação texto-leitor e os efeitos que cada obra provoca no sujeito. Ainda neste capítulo, refletimos brevemente sobre o uso de outros gêneros literários na sala de aula, como possibilidade de ampliação do repertório de leituras do indivíduo, ou como tentativa de chamar a atenção para a relevância de aproximar o leitor dos contextos de produção de escrita, como a literatura popular representada, neste caso, pela literatura de cordel, a fim de proporcionar diálogos e interação com o texto. No Capítulo 2, discorremos sobre as obras instrumentos de nossa intervenção, com ênfase na leitura dos cordéis. Para tanto, se tornou necessário passear um pouco pela obra clássica A Viuvinha, apresentando alguns aspectos que caracterizavam o estilo de escrita e seu contexto histórico e cultural. Em seguida, realizamos uma leitura reflexiva em torno dos folhetos dos poetas Manoel Pereira Sobrinho e Rouxinol do Rinaré, seguindo os mesmos parâmetros norteadores da obra primeira, ou seja, observando algumas particularidades da reescrita do romance versada em cordel. Já no Capítulo 3, apresentamos as características da pesquisa, a caracterização da escola e o perfil da turma, alvo dessa experiência. Além desses aspectos, constam nesse capítulo a categorização e discussão dos dados obtidos no decorrer da intervenção didática, na qual traçamos algumas considerações em torno da vivência de leitura, detalhando uma experiências tão significativa e cheia de emoção, esta que consideramos não ser o fim, mas o começo de um novo modo de de agir diante do texto literário. E, por fim, apresentamos nossas considerações acerca da presente pesquisa, reafirmando a importância da leitura como caminho de crescimento integral do sujeito, de modo a torná-lo capaz de agir na sociedade sem medos e inseguranças, mas de maneira convicta em suas opiniões. Posteriormente, apresentamos as referências que nos deram suporte teórico, os apêndices e anexos, que concentram as propostas de atividade e outros instrumentos utilizados no decorrer da pesquisa.

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CAPÍTULO 1

2 A ESCOLA E A FORMAÇÃO DO LEITOR: A (IN)EFICÁCIA DAS ATUAIS ESTRATÉGIAS DE LEITURA ADOTADAS.

São constantes as discussões em torno da importância da leitura para a vida do sujeito, tanto dentro dos espaços escolares, quanto fora deles, uma vez que se trata de uma tarefa que favorece e possibilita a construção crítica e autônoma do sujeito na sociedade. Da mesma forma, são perceptíveis insatisfações e reclamações de professores em torno da situação de alunos que concluem o Ensino Fundamental com grandes problemas de leitura, ou seja, sem terem adquirido as competências leitoras sob a perspectiva do letramento1. Tal realidade pode ser resultado de uma proposta de ensino que ainda predomina na escola: a leitura decodificada. Esse fato é facilmente observado quando os alunos não conseguem alcançar o significado de simples comandos de atividades corriqueiras de leitura na sala de aula, o que tem refletido também em outras tarefas como as produções de respostas a questões analítico-discursivas e produção textual, nas quais o ato de escrever está sendo reduzido apenas às atividades de cópia, inclusive nos trabalhos de pesquisa e questionários dirigidos. Nesse momento, lembramos que a responsabilidade de formar leitores vai além da ação docente, ou seja, esse é um processo de parcerias que deverá ser complementado pela escola. Essa realidade de insatisfação e pouco resultado em torno da aquisição da leitura precisa ser transformada, urgentemente, em favor de uma educação de qualidade que leve realmente o estudante a perceber que nem todas as informações que recebe são verdades absolutas e que ele pode construir conhecimentos críticos

1 Utilizamos as abordagens de Magda Soares (2003) sobre letramento, na obra Letramento: um tema em três gêneros, que evidenciam uma prática de leitura materializada através da postura do sujeito em diferentes situações e espaços sociais, bem como sua compreensão sobre o que leu, assimilando diferentes tipos de textos e estabelecendo relações entre eles. O conceito de letramento proposto pela autora refere-se a uma multiplicidade de habilidades de leitura e de escrita, que devem ser aplicadas a uma ampla variedade de materiais de leitura e de escrita e compreende diferentes práticas que dependem da natureza, estrutura e aspirações de determinada sociedade.

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sobre fatos que lhe são apresentados cotidianamente. Para tanto, é possível que, ao inserir gêneros textuais diversos na sala de aula, evidenciando a importância da leitura na vida do sujeito social e relacionando esses textos à realidade, o aluno se sinta mais motivado a se apropriar da leitura como fonte de prazer, de descoberta de outros universos e de desenvolvimento intelectual, tornando-se capaz de atuar na sociedade como verdadeiros cidadãos. Nesse sentido, alguns paradigmas e estratégias2 de ensino de leitura precisam ser revistos, sobretudo, a reflexão sobre como os textos estão sendo abordados durante as aulas e como acontece a inserção e o uso dos textos literários na sala de aula, uma vez que o que comumente percebemos é a utilização destes textos apenas para fins de estudo de sua estrutura linguística, e não como instrumento para uma efetiva prática da leitura que ultrapasse os limites da decodificação. Ora, mas se queremos um aluno leitor efetivamente pautado nas bases do letramento, este precisa de um referencial para se apropriar do texto literário para além da realização de atividades de análise linguística, alguém em quem possa se espelhar e se sentir motivado para dar os primeiros passos no despertar pelo gosto da leitura. E esse alguém, na escola, poderá ser o professor, que, acima de tudo, deve ser ele próprio um leitor, um interlocutor e um mediador no processo da formação leitora dos seus alunos. Para isso, é necessário um pouco de “ousadia” do docente, para evidenciar o texto literário como possibilidade de conhecimento e deleite ao mesmo tempo e romper com as velhas práticas pedagógicas, nas quais a leitura tem sido realizada como atividade com fins meramente avaliativos e pontuados. A respeito disso, Caldin (2002, p. 20 – 23) afirma que de maneira geral as atividades de leitura na escola são limitadas, não empolgam e nem despertam prazer nos alunos, pois,

[…] a leitura escolarizada é sempre determinada e orientada por um professor e vem seguida de avaliação francamente explícita ou velada. Assim, não se lê por prazer, mas por dever. O estudo de textos literários incide, na maior parte, sobre fragmentos enxertados nos livros didáticos e contemplam o gênero

2 Giroto e Souza (2010), consideram as estratégias de leitura como uma metodologia alternativa e a perspectiva histórico-cultural, objetivando a formação de crianças leitoras em sua educação literária. Para as autoras, o uso das estratégias de leitura é um dos principais fatores relacionados à formação do leitor competente.

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narrativo e poemas. Ausentes quase sempre estão o teatro, a biografia, o diário, as memórias e as epístolas.

Desse modo, ainda há muito que ser feito em torno do ensino de leitura como meio de ampliar os horizontes dos alunos, de modo que estes se tornem leitores capazes de atuar na sociedade com autonomia e criticidade. Em outras palavras, é preciso que haja parcerias nesse processo, ou seja, escola, sociedade e família precisam estar comprometidas e unidas pela mesma causa, a fim de que o sujeito se desenvolva a cada leitura realizada, pois um texto possibilita múltiplos olhares, além do mais é salutar que as diferentes condições de produção também sejam respeitadas. Sabemos que o que é oferecido ao aluno como proposta de leitura deve despertar curiosidade, então que esta oferta ocorra naturalmente, sem imposições e cobranças. Que ela aconteça de modo que provoque a inquietação, a vontade e o desejo de ler espontaneamente. Sendo assim, o resultado será a formação de um leitor livre que possa escolher suas próprias leituras ao longo da vida. Caldin (2002, p.5) afirma que “a função social da leitura é facilitar ao homem compreender – e, assim, emancipar-se – os dogmas que a sociedade lhe impõe. Isso é possível pela reflexão crítica e pelos questionamentos proporcionados pela leitura”. Fica, então, compreendido que a leitura tem uma relação direta com a formação do sujeito, uma vez que na ação de ler são acionados outros mecanismos que permitem desenvolver o cognitivo do indivíduo. A respeito disso, Gonçalves (2011, p15-16) destaca que, nesse processo,

estão ligados às inúmeras relações que se estabelecem no íntimo do leitor, não apenas como um ato mecânico de decodificação de símbolos, mas sistematizando uma série de sensações, emoções e percepções durante a leitura, como manifestação de sentidos.

O resultado disso tudo corresponde ao que classifica Lajolo (1985, p.53) de um leitor maduro, qualidade esta “[…] construída ao longo da intimidade com muitos e muitos textos. Leitor maduro é aquele para quem cada nova leitura desloca e altera o significado de tudo o que ele já leu, tornando profunda a sua compreensão dos livros,

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das gentes e da vida”. Diante disso, entendemos que, dentro das próprias unidades escolares, a oportunidade de se construir a maturidade leitora pode ser encontrada, devendo estar acessível a todos e que o prazer de ler e o gosto pela leitura não aconteça de maneira isolada, solitária, mas através da interação estabelecida entre ambos (texto e leitor). Nesse processo, segundo Kleiman (1992, p. 65) “O leitor constrói, e não apenas recebe um significado global para o texto; ele procura pistas, formula e reformula hipóteses, aceita ou rejeita conclusões”. E assim se cria uma relação amistosa de diálogo com o texto encontrando mais significado e sentido diante do lido. Contudo, na realidade de muitas escolas ainda persistem práticas mecânicas de leitura, realizadas pelo professor através do livro didático, no qual grande parte dos textos são fragmentos da obra, sendo o seu estudo limitado, muitas vezes, em atividades de perguntas e respostas que, apesar de serem respondidas, deixam grandes lacunas, pois os alunos não conseguem avançar do nível explícito e superficial de processamento de sentido do texto. Constatamos, assim, que tais atividades se distanciam cada vez mais da realidade e pouco contribuem na formação de leitores autônomos, o que resulta em um grande desafio para os sujeitos encararem as exigências da sociedade. Fica evidente, então, a necessidade de se rever algumas estratégias de ensino de leitura adotadas pela escola no processo de formação leitora dos alunos, pois estas já não surtem mais efeito diante das exigências da sociedade contemporânea, a qual espera um sujeito leitor com visão e posicionamento para além da decodificação das palavras, ou seja, com capacidade crítica em relação ao que leem e dos desafios que possa encontrar.

2.1 A adaptação de obras como mecanismo para estimular a leitura na sala de aula

Consideramos pertinente, antes de adentrarmos nas discussões em torno de alguns aspectos relevantes que podem contribuir para estimular a leitura em sala de

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aula, esclarecermos sob qual ponto de vista trataremos o termo adaptação no decorrer deste trabalho, dada a amplitude do seu sentido. Interessamo-nos pela abordagem de Robert Stam (2006, p. 27), através da obra Teoria e prática da adaptação da fidelidade a intertextualidade, que discute a adaptação do ponto de vista de uma leitura da fonte do romance, da qual podem surgir outras leituras ou adaptações. Ou seja, o autor considera necessário perceber a adaptação como uma leitura derivadora de novas construções, novos sentidos, divulgada por outros meios comunicativos. Embora Stam discuta o processo de adaptação literária voltado para o cinema, evidenciando a relação entre adaptação e a intertextualidade3, esclarecendo com bastante propriedade os seus desdobramentos, sua concepção se encaixa em nossas discussões, uma vez que opera-se uma leitura de um texto primeiro, no nosso caso, uma leitura da obra A viuvinha, de José de Alencar e duas versões em cordel da mesma narrativa. Após esse enfoque, interessa-nos discutir que questões relacionadas à aquisição e prática de leitura estão cada vez mais presentes em abordagens de diferentes áreas de conhecimento no âmbito educacional, suscitando pesquisas com aspectos diferenciados que vêm alterando antigos conceitos e concepções em torno da leitura, de acordo com o ponto de vista de cada pesquisador desta área, na perspectiva de ampliar saberes já adquiridos. Tudo isso com intuito de transformar a realidade de “fracasso” relacionado ao ensino de leitura e formação de leitores. No cenário atual da educação brasileira, afirmar que o brasileiro não lê, configura para nós um julgamento um pouco exagerado, se considerarmos os avanços sociais e o crescimento populacional de uma nação. Ao nosso ver, há que se pensar no tipo de leitor que está sendo julgado ou no tipo de leitor que se espera, pois avanços são perceptíveis em relação ao número de leitores, principalmente quando observamos o crescimento editorial nas grandes cidades e a difusão de outras artes como a

3 Conceitos relacionados à intertextualidade foram desenvolvidos inicialmente por Bakhtin (2003) a partir da noção de polifonia, em que o enunciado é composto por relações dialógicas. Segundo Fiorin (2006, p.51), esse estudo foi ampliado por Julia kristeva, que intitula de texto o que Bakhtin denominou de enunciado. Em virtude disso, o termo dialogismo foi substituído por intertextualidade nos escritos de Kristeva. Dessa maneira, toda relação dialógica ficou compreendida como relação intertextual.

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fotografia, que possibilitou um maior poder de imaginação ao leitor, a implantação de novas escolas e a luta pela democratização do ensino (SALES, 2011, p. 129). Além disso, se comparamos as estatísticas que envolvem este assunto, esse crescimento fica constatado. O Instituto Pró-Livro4, por exemplo, aponta que o índice de leitura em 2015 chegou a 56% da população brasileira com 5 anos ou mais considerada leitora, isso em relação ao critério de ter lido ao menos um livro por ano. A pesquisa mostra, ainda, que os sujeitos que estão fora da escola estão lendo mais em relação aos anos anteriores. Isso só confirma o que o Professor e pesquisador Hélder Pinheiro, em entrevista concedida à TV Itararé5, no programa Ideia Livre, em 2016, afirma que os problemas relacionados às dificuldades de acesso à leitura tem caráter histórico, mas “nós temos muitos leitores, talvez muito mais do que a agente imagina. O modelo de pesquisa que se faz sobre leitura, deixa de lado muita coisa, é um modelo muito quantitativo” e isso deixa de lado informações que podem apontar para a frequência de leitura que sujeito realiza efetivamente. No ponto de vista do Professor Hélder, “o que precisa é um grande trabalho pedagógico, de incentivo e atividade constante, pois há leitores e bons leitores”. Essas informações terminam por gerar conflitos entre os defensores do leitor ideal, pois contrariam os resultados esperados nas avaliações nacionais como Prova Brasil, elaborada pelo SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica) e ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), cujos dados tem revelado a deficiência leitora dos alunos da educação básica. A isso são atribuídos vários fatores metodológicos e pedagógicos para justificar os maus resultados, ou a ineficácia do ensino que desmotiva a prática da leitura no âmbito escolar e fora dele. Citamos como exemplo disso, julgamentos do tipo: “os alunos de hoje são preguiçosos e não querem nada, a escola não oferece recursos materiais necessários para desenvolver um bom trabalho, o tempo de uma hora-aula é pouco”.

4 Trata-se de uma associação privada, cujo intuito está voltado para o fomento à leitura e à difusão do livro. www.prolivro.or.br. Acesso em out. 2017.

5 PINHEIRO, Hélder. Leitura e formação de leitor. [12 de set. de 2016]. Campina Grande: Programa Ideia Livre. Entrevista concedida à TV Itararé.

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Enfim, talvez o que esteja faltando também seja mais empenho na compreensão em torno do significado da leitura para quem ensina e, consequentemente, para quem estuda, ou seja, é preciso que a leitura seja ensinada e percebida como possibilidade de reflexão e compreensão da realidade com múltiplos olhares, pois vivemos em uma sociedade marcada pelas diferenças, sendo necessário tratar o ato de ler como uma dimensão política, e esta nunca será uma ação neutra. Apesar de o sistema educacional apresentar grandes lacunas, alguns profissionais se dedicam a elaborar estratégias para melhorar o cenário leitor que se pretende ter na sociedade letrada. É o que também pretendemos com a presente pesquisa. Contribuir com o ensino de leitura através do uso de textos reescritos em outro gênero, como meio para motivar os alunos na prática da leitura para além da decodificação das palavras. Como afirmam Wanderley e Cavalcante (2015, p.115),

Através desse processo de transformação de um texto em outro(s), nova(s) possibilidade(s) de leitura se ergue(m), assim como um novo público de leitores, todas as vezes em que histórias são reapresentadas, pois essa postura funciona, muitas vezes, como uma espécie de mola propulsora da atividade literária.

Vendo por esta vertente, os textos reescritos podem se tornar grandes aliados na construção/formação de leitores aptos a serem “consumidores” de livros. A partir de dados de algumas pesquisas sobre o assunto que ora abordamos, constatamos que esse mecanismo não é uma atividade recente. Segundo Formiga (2011, p.32), os grandes clássicos da literatura da Roma Antiga eram adaptados pelos retóricos para ensinar aos seus discípulos, constituindo um artefato de prática de leitura histórica (FORMIGA, 2011, p. 32). Outras adaptações ao longo da nossa história possibilitaram leituras significativas de sentidos, conhecimento, informação para outro público de leitores, sobretudo os que viviam às margens da sociedade letrada, mostrando como outras formas textuais de contar fatos sociais (reais ou fictícios) podem contribuir na compreensão da leitura em distintas conjunturas de recepção. Nesse sentido, de acordo com a recepção do leitor, o texto literário passa a ter outros significados e o seu uso fugiria às velhas formas que apontam para a

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didatização, o que costumeiramente observamos em algumas práticas de ensino que “se repetem, sempre enfatizando a apreensão de conteúdos, de informações ou de teorias.” (ALVES, 2009, p.132). Além disso, o leitor passa a ser visto como elemento fundamental no ato de ler, em detrimento dos que defendiam as correntes formalistas/estruturalistas que sagraram o texto como absoluto no processo de leitura. Sobre isso, as considerações de Jauss (1994) são pertinentes, uma vez que ele traz à tona o papel limitado e superficial que era dado à recepção do leitor em torno do texto, ou seja, as correntes supracitadas “privam a literatura de uma dimensão que é componente imprescindível tanto de seu caráter estético quanto de sua função social: a dimensão de recepção de seu efeito”. (JAUSS, 1994 p.22). O autor defende um olhar dialético do uso da literatura pautada na tríade autor-obra-público, em que a obra se legitima através do leitor, das sucessivas leituras realizadas de diferentes maneiras e tempos, pois no dizer de Jauss (1994, p.23)

a obra literária não é um objeto que exista por si só, oferecendo a cada observador em cada época um mesmo aspecto. Não se trata de um monumento a revelar monologicamente seu Ser atemporal. Ela é, antes, como uma partitura voltada para a ressonância sempre renovada da leitura, libertando o texto da matéria das palavras e conferindo-lhe existência atual.

Dessa maneira, a reescrita de obras em outro gênero tem se tornando um meio de alcance de prazer e reflexão proporcionada pela literatura como um todo. Ao se deparar com as grandes obras, antes distantes, o leitor recebe uma herança que jamais poderá ser furtada, mas valorizada e revivida em diferentes épocas, tornando-se presente em cada geração, porque a leitura possibilita ao sujeito outras visões de mundo e do mundo. Leyla Perrone-Moisés (1998, p.32), ao tratar da História Literária e Julgamento de Valor, destaca que “É o leitor quem vai decidir sobre o valor do passado, um valor que não é documental, filológico, retrospectivo, reverencial, mas um valor atual do passado: Literatura é novidade que permanece NOVA”. Assim, nessa interação construída entre texto-leitor é possível perceber as diversas possibilidades de diálogos permitindo ao leitor preencher os espaços vazios , a fim de que a obra se torne mais significante (ISER, 1999).

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Carpeaux (1978), ao escrever sobre a História da Literatura Ocidental, pautado nas ideias dos pensadores românticos, em relação ao tempo, destaca que “ nada do que o tempo criou perde jamais o valor; continua em nós, de modo que o fio cronológico dos fatos e, ao mesmo tempo, a árvore genealógica das obras do Espírito” (CAPEAUX, 1978 p. 19-20). Sobre isso lembramos também do dizer de Zilberman (1989, p.37) ao afirmar que “Uma obra não perde seu poder de ação ao transpor o período em que apareceu; muitas vezes, sua importância cresce ou diminui no tempo determinando a revisão de épocas passadas em relação à percepção suscitada por ela no presente”. Nesse sentido, as obras adaptadas atualizam e oportunizam o conhecimento cultural e literário entre as gerações, valorizando e aproximando passado e presente através de uma construção dinâmica que pode ser bem recepcionada pelos alunos em processo de formação leitora, de modo que estes deixem transparecer sensações ou emoções inerentes ao ser humano na atividade estética a que se refere Jauss (1979, p.51-52), ou seja, a poiesis, a katharsis e aisthesis6 – reações diversas ante o objeto lido. Além disso, compreendemos que através do mecanismo da adaptação o aluno desperte para o conhecimento da obra original e assim materializar o caráter dialético da arte literária defendido por Jauss (1994), reconstruindo e determinando os horizontes de suas expectativas enquanto leitor, uma vez que nesse processo dialógico surgem grandes possibilidades de melhor compreender o mundo, podendo, dessa compreensão, resultar em outras posturas e comportamentos na sociedade. Mais que isso, compreendemos a relevância em contribuir com a formação leitora do sujeito sob a ótica da cidadania e, particularmente, contribuir com a educação, propondo um meio para alcançar mais êxito no que se refere às aulas de leitura, nas quais os alunos se tornem construtores de sentido do texto através de diversos movimentos dialógicos com uma obra lida e, sobretudo, se apaixonem por este ato

6 Segundo Jauss (1979, p.51-52), no texto “O prazer estético e as experiências fundamentais da poiesis, aisthesis e karthasis”, essa tríade se refere a uma nova postura em torno da experiência da arte, que afirma a autonomia da ação humana em detrimento ao pensamento marxista, que prioriza uma estética classista.

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interativo de descobertas e prazer que é a leitura. Ao trabalhar com versões adaptadas do texto literário em sala de aula, o professor precisa considerar as particularidades nelas contidas, de modo que as mesmas não venham a desprezar ou substituir a primeira, mas torná-la acessível ao leitor a fim de contribuir na qualidade deste, permitindo-lhe, inclusive, tecer juízos de valor em torno das obras canônicas, ou não, que tiver contato e das diversas situações que se deparar na sociedade. Como postula Virginia Woolf (2015, p.38), no ensaio intitulado A paixão da leitura, “(...) se somos bons leitores julgamos, assim, não apenas os clássicos e as obras- primas dos mortos, mas prestamos aos escritores vivos o cumprimento de compará-los como devem ser comparados: com o padrão dos grandes livros do passado”. Portanto, quanto mais o sujeito esteja em contato com obras diversificadas, pertencentes ou não ao cânone, mais chance ele terá de selecionar aquelas de sua preferência e aprimorar sua percepção em torno da qualidade das mesmas. Diante dessa postura, o papel do leitor frente à leitura de uma obra literária torna- se muito mais significativo e a prática da leitura passa a ser compreendida como uma ação espontânea em sua vida. Para tanto, sobretudo na escola, as estratégias de leitura devem ser pensadas e adequadas, de modo a chamar a atenção dos alunos, para que estes possam adquirir naturalmente o gosto pelos livros e participarem ativamente desse grande diálogo que é o ato de ler. Nessa perspectiva, o sujeito surge como elemento de grande importância, rompendo com paradigmas e visões tradicionais que valorizavam apenas o texto, conforme enfoque dado pela teoria da Estética da Recepção introduzida por Hans Robert Jauss, na década de 60, sobre a qual trataremos, em breves palavras, no próximo tópico deste estudo.

2.2 A Estética da Recepção: a teoria e a história da literatura sob outra ótica

De origem alemã, a Teoria da Estética da Recepção tem como pressuposto básico a leitura enquanto um ato comunicativo, no qual o leitor passa a ser visto como agente ativo na construção dos sentidos de um texto. Foi introduzida por Hans Robert Jauss a partir da palestra que abria o semestre letivo na Universidade de Constança,

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Alemanha, cujo título, O que é e com que fim se estuda história da literatura?, trazia um tom provocativo de reflexão em torno do ensino de Literatura. A história da literatura como provocação à teoria literária, em que Jauss (1994) afirma que “a história da literatura, em sua forma tradicional, vive tão-somente uma existência nada mais miserável, tendo se preservado apenas na qualidade de uma exigência caduca do regulamento dos exames oficiais”. (JAUSS, 1994, p. 05). Para ilustrar esse ponto de vista, o autor explica que,

A história da literatura, em sua forma mais habitual, costuma esquivar-se do perigo de uma enumeração meramente cronológica dos fatos ordenando seu material segundo tendências gerais, gêneros e “outras categorias”, para então, sob tais rubricas, abordar as obras individualmente, em sequência cronológica. (JAUSS, 1994, p. 06)

Na perspectiva de Jauss, a obra literária depende da relação dialógica entre literatura e leitor, uma vez que este é o responsável pelos significados de uma obra a cada leitura realizada. No dizer comparativo do referido autor, a obra literária funciona, como já mencionado, “como uma partitura para a ressonância sempre renovada da leitura, libertando o texto da matéria das palavras e conferindo-lhe existência atual” (JAUSS, 1994, p. 25). Por esta ótica, constatamos que o texto não é autônomo e seu sentido não é fixo, mas diverge dependendo do público, da sociedade, como também da época em que for lido. Isso significa dizer que uma obra está sempre em renovação e é capaz de sobreviver com suas implicações tanto estéticas quanto históricas, enquanto existir a relação entre ela (a obra) e o leitor. Nessa dinâmica,

a história da literatura é um processo de recepção e produção estética que se realiza na atualização dos textos literário por parte do leitor que os recebe, do escritor, que se faz novamente produtor, e do crítico, que sobre eles reflete (JAUSS, 1994, p. 25)

Para um a melhor compreensão dessa abordagem, Jauss explica seu ponto de vista a partir de sete teses com vistas a vencer o abismo entre a valorização histórica (desconsiderando a forma) e a contemplação estética (desconsiderando a história) da

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literatura. A primeira tese evidencia que “Uma renovação da história da literatura demanda que se ponham abaixo os preconceitos do objetivismo histórico, e que se fundamentem as estéticas tradicionais da produção e da representação, numa estética da recepção e do efeito, e que se paute no experienciar dinâmico da obra literária por parte de seus leitores”. (JAUSS, 1994, p. 24). Então, a atualização de uma obra é resultante da leitura realizada pelo leitor que, com suas experiências de leitura e de mundo associadas ao texto escrito, torna-se capaz de dar à obra uma feição não apenas dinâmica e viva, mas também um aspecto responsável, por seu caráter de transformação. Sendo assim, Jauss observa o leitor como subjetivo e variável, em que sua experiência literária dependerá do conhecimento prévio do gênero, da forma e da temática de obras já conhecidas, bem como da oposição entre a linguagem poética e a linguagem prática. (JAUSS, 1994, p. 27). Considerando,então, os conhecimentos prévios do leitor, a obra nova já não se faz tão estranha, pois ele reconhece as pistas oferecidas que despertam lembranças de outras experiências, proporcionando ao leitor acolhimento, construção de expectativas e antecipação de compreensões gerais da obra lida. Isto é melhor explicitado na tese três, que no dizer de Jauss “O horizonte de expectativa de uma obra (...) torna possível determinar seu caráter artístico a partir do modo e do grau segundo o qual ela produz seu efeito sobre um suposto público” (JAUSS, 1994, p. 31). Compreendemos, então, que o valor da obra se efetiva a partir da percepção do leitor, uma vez que a distância entre o seu horizonte de expectativas e uma obra nova determina o seu caráter artístico. Zilberman (1989) ao analisar esse projeto formulado por Jauss, postula que a obra evoca um “horizonte de expectativas e regras do jogo familiares ao leitor que são imediatamente alteradas, corrigidas, transformadas ou também apenas reproduzidas”.(ZILBERMAN, 1989, p. 34). Nisto consiste a quarta tese, na reconstrução do horizonte de expectativa sob o qual uma obra foi criada e recebida no passado possibilita que a compreendamos como o leitor de outrora teria encarado e compreendido a obra, ou seja, a compreensão da obra é constituída pela relação tempo(época) e criação.

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A quinta tese evidencia que não há como “apreender sentido e forma de uma obra literária apenas por seu desdobramento histórico, já que ela passa por atualizações, tornando-se nova, a cada leitura realizada e transforma-se na recepção ativa” do leitor, o qual nem sempre perceberá o valor e o caráter artístico da obra logo no primeiro olhar. Essa ideia é melhor entendida na sexta tese, quado Jauss destaca a necessidade de se observar a a história da literatura sob a perspectiva sincrônica, pois do ponto de vista diacrônico a as obras surgem como marcos históricos de uma época. Sendo assim, toda obra nova tende a se tornar velha. Dessa maneira, o conhecimento do cânone e de toda produção de uma época se faz relevante, para melhor compreendermos a história da literatura. Na última tese, a sétima, Jauss enfatiza que a função social se efetiva pautada na experiência do leitor ao adentrar o horizonte de expectativa de sua vida prática, antecipando a sua concepção de mundo retroagindo sobre sua postura na sociedade. Nesse sentido, compreendemos que a literatura está intimamente ligada à vida social do leitor, repercutindo em suas ações e transformando sua percepção diante de diferentes fenômenos. Hoje, a abordagem de Jauss tem incentivado cada vez mais pessoas na busca de como se atribui sentido a uma obra, como a identificação de si mesmo em alguns textos literários, ou seja, em uma leitura o sujeito pode se encontrar no lugar de determinado personagem, pensar que em algum momento de sua vida, viveu algo semelhante à situação descrita em uma obra. É aqui que citamos as relevantes contribuições do teórico Wolfgang Iser, que compartilhava das ideias de Jauss, no sentido de evidenciar o efeito do texto produzido no leitor. Melhor dizendo, enquanto Jauss formalizava o processo de materialização dos efeitos e sentidos do texto para o leitor, Iser postulava a interação que o texto mantém com o leitor no ato da leitura, momento em que são acionados os conhecimentos e experiências e os espaços vazios do texto possam ser preenchidos. Nisto, Iser adverte que “O não dito o estimula os atos de constituição, mas ao mesmo tempo essa produtividade é controlada pelo dito e este por sua vez deve se modificar quando por fim vem à luz aquilo a que se referia”.(ISER,

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1999, p.106). Sendo assim, o leitor precisa ser cauteloso e considerar os limites do texto, pois este deverá ser respeitado sempre. Com as contribuições de diversos pesquisadores, a Estética da Recepção está cada vez mais presente em discussões e estudos de alguns docentes que acreditam que esta formulação pode nos estimular “a pensar um ensino que esteja atento aos mais diversos modos de recepção que podem ocorrer na experiência de leitura”. (PINHEIRO, 2009, p.133). E no cenário nacional, os maiores expoentes na divulgação dessa corrente teórica são Regina Zilberman (1989), que faz uma síntese do projeto de Jauss na obra Estética da Recepção e História da Literatura; e Bordini e Aguiar (1993) que pensaram o Método Recepcional, através da obra Literatura – formação do leitor: alternativas metodológicas, na qual abordam uma prática de ensino de literatura, priorizando a participação ativa do aluno. Partindo, pois, dessas reflexões, constatamos que tratar da leitura na sala de aula pressupõe, antes de tudo, levar em consideração o meio em que estamos inseridos, a fim de oportunizar leituras interativas entre texto-leitor. Essa interação só será percebida através da recepção na experiência de leitura, em que o docente observará as reações dos seus alunos ao se deparar com a obra oferecida, o efeito que ela provoca no aluno, bem como a recepção deste em relação à obra.

2.3 O uso da Literatura de Cordel nas aulas de leitura.

Como já pontuamos, o ato de ler não está caracterizado como uma ação passiva, mas um ato de construção/reconstrução de sentidos. Nessa perspectiva, a leitura é vista como “uma atividade que implica estratégias de seleção, antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possível proficiência”. (BRASIL, 1998, p. 70), o que nos leva a entender que se trata de uma ação de pensar. A leitura é uma prática que torna o sujeito capaz de transformar as relações sociais, sendo, inclusive, direito de todos. Sobre isso, Antonio Candido (1995, p.243-244) considera também como um direito humano os bens que garantem a integridade espiritual, como o direito à arte e à

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literatura, “ela é fator indispensável de humanização [...] humaniza em sentido profundo, porque faz viver”. A finalidade do texto literário, no cenário de algumas escolas, tem sido quase sempre o estudo das estruturas gramaticais e/ou como meio de punir o aluno por alguma desobediência às regras da instituição, sobretudo no Ensino Fundamental, o que aponta para uma prática cada vez mais distante dos contextos de recepção e produção dos educandos. O resultado disso converge para a formação de um sujeito incapaz de reconhecer os sentidos de um texto e suas relações entre outros textos e o próprio repertório do indivíduo enquanto leitor, principalmente, quando o aluno recebe como proposta a leitura de uma obra clássica da literatura estabelecida por uma elite letrada da sociedade, em que o padrão formal da língua se destaca. Faz-se relevante introduzir o sujeito em um mundo onde ele possa construir diálogos e interagir com o que lhe é proposto para leitura, afastando os equívocos em relação ao uso do texto literário. É importante, também, observar as transformações em torno da construção literária e sua popularização ao longo do tempo, associadas às mudanças socioculturais até chegar ao leitor. Nesse momento, destacamos a relevância da literatura popular como possível propagadora da leitura e da formação de leitores. E muitos pesquisadores, nos últimos anos, têm dedicado atenção especial às produções populares oriundas de pessoas simples, através da oralidade, que vivem num espaço em que as letras eram privilégio de poucos. O Programa de Pós-graduação Linguagem e Ensino, da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), tem desenvolvido projetos e pesquisas voltados à reflexão do ensino de leitura e literatura nos espaços da sala de aula. Nesse contexto, várias dissertações tematizam o cordel como instrumento de motivação e dinâmica nas aulas de leitura, como também a valorização desse gênero literário como patrimônio cultural. A dissertação Romance (re)contado em prosa e verso: diálogos Entre o clássico e a literatura de Cordel na sala de aula, dentre outras por exemplo, defendida em 2013, por Adriana Martins Cavalcante, foi de grande importância para a construção de nossas discussões por está em consonância com as intenções dessa pesquisa, uma vez que a autora traz a tona um estudo dialógico com a obra clássica – A escrava

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Isaura, de Bernado Guimarães – versada em cordel pelos poetas Francisco das Chagas Batista e Varneci Nascimento. Citamos, ainda, a produção dissertativa de Alyere Silva Farias (2010), intitulada Encontro com Lalino e Cancão: Estranhamentos e Presenças na vivência do texto literário na sala de aula, que evidencia o uso de cordel nos espaços escolares, através de uma experiência reflexiva de leitura com os folhetos sob a ótica recepcional. Essas e outras pesquisas do programa supracitado, (POSLE), são iniciativas que valorizam e procuram destacar a qualidade das produções populares, e, através de diversas reflexões acadêmicas voltadas ao seu uso como fonte contribuição ao ensino, tentam colocar em pé de igualdade com o que é considerado canônico na literatura. Evidenciamos, entretanto, que estas iniciativas não se findam aí, mas chegam de modo a provocar relações com outras vertentes da Literatura. No cenário da literatura popular, destacamos a Literatura de Cordel que, embora se tenha tentado construir uma definição para ela, não há um consenso entre críticos e estudiosos diante de sua complexidade composicional, pois não se iguala a nenhuma outra forma de produção, salvo a concordância entre muitos estudiosos em torno de sua origem que, segundo Márcia Abreu (1999), advém de heranças europeias, mas que se desenvolveu com características próprias, tornando-se uma produção de caráter nordestino. Essa singularidade pode ser percebida entrelaçada em algum as obras eruditas, a fim de chegar ao povo em uma linguagem acessível como fonte de informação ou distração. Os livros enviados ao Brasil por Portugal, no período colonial, por exemplo, eram em sua maioria editados sob a forma de Literatura de Cordel (ABREU, 1999, p.26). É pertinente lembrar que, durante muito tempo, uma obra erudita dificilmente chegava a maioria de leitores de classe trabalhadora. Elegemos a literatura de cordel como instrumento propício a ser utilizado nas aulas de leitura no Ensino Fundamental, sobretudo em uma turma de nono ano, de uma escola de Alagoa Grande, por considerar as condições de produção dos textos, ou seja, por trazer em si características singulares em sua forma de expressão, estrutura, temas abordados, enfim, por compreendê-la como meio de fomentar a interação e o diálogo com o texto, aspectos relevantes do ato de ler. Além disso, o texto literário

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precisa estar mais presente nos espaços da sala de aula, pois nele encontramos uma fonte de produção e apreensão de conhecimento que pode fazer brotar da imaginação do sujeito construções de hipóteses explicativas de fatos que circundam o indivíduo. Pensamos que, ao utilizar o cordel, o docente estaria fazendo uma tentativa de aproximar o currículo e a realidade escolar, colocando um pouco mais de sabor a busca de conhecimentos através da leitura, uma vez que o aluno poderia se sentir dentro do mesmo contexto dessa produção literária. Mais que isso, o conhecimento já adquirido pelo discente estaria sendo respeitado, à medida que este percebesse marcas do seu cotidiano descrito no cordel, seja através da linguagem, seja através das estórias contadas. Isto porque, por ser considerada uma das mais legítimas representações da cultura popular nacional, a literatura de cordel apresenta características nordestinas ao tratar de temas e assuntos diversificados relacionados à política, educação, história, problemas sociais, dentre outros, tornando-se uma potencial fonte de informação, comunicação e expressão da cultura de um povo. Tudo isso está em consonância com o que Aguiar e Bordini (1988), em Literatura a formação do leitor, abordam sobre o horizonte de expectativa do leitor. As autoras explicam que, para o sujeito,

Esse horizonte é o mundo de sua vida, com tudo que o povoa: vivências pessoais, culturais, sócio-históricas e normas filosóficas religiosas, estéticas, jurídicas, ideológicas, que orientam ou explicam tais vivências. Por sua vez, o texto pode confirmar ou perturbar esse horizonte, em termos das expectativas do leitor, que o recebe e julga por tudo que já conhece e aceita. (...) Quanto mais ele corrobora as normas circundantes na sociedade do leitor, menos causa estranheza e se torna também imperceptível, o que mantém o horizonte inalterado. (p. 87).

Entendemos, assim, que o saber social do indivíduo é acionado e confrontado com o lido, resultando numa tomada de opinião acerca da obra e se construindo aquilo que Iser chama de interação que se mantém entre leitor e texto. Nesse ato, lembramos que a linguagem utilizada no processo de adaptação da obra entra como aspecto de grande relevância para compreensão e diálogo entre leitor/texto, uma vez que ela se configura na prática social como forma de expressão e

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essa relação se realiza através da cultura de um povo. (MARCUSCHI apud XAVIER, 2005, p. 132). E é exatamente por essa via que o leitor se reconhece muitas vezes na obra, se sente mais à vontade em contato com a mesma, pois se identifica, principalmente, através da linguagem peculiar, simples empregada nos versos. Não queremos dizer, entretanto, que o docente deve abandonar ou desconsiderar os textos trazidos pelo livro didático ou outros selecionados pelas coordenações pedagógicas da escola ou do município, ou pelo próprio docente, mas evidenciar a relevância de se propor um trabalho com a literatura de cordel, pois além do que já foi exposto, ela segue um padrão singular em sua estrutura para narrar fatos e estórias criados por pessoas modestas, mas de uma riqueza inconfundível, capaz de impressionar, divertir e informar o leitor/ouvinte, através de uma linguagem que aproxima, uma vez que a produção cordelista atua como uma obra aparentemente simples que proporciona a compreensão do leitor com mais leveza. Alguns pesquisadores já abordam em seus estudos o valor da utilização do cordel como instrumento para o ensino de leitura, como ponto de partida para o aluno vivenciar a busca de novas experiências leitoras. As considerações de Marinho e Pinheiro (2012), por exemplo, na obra O cordel no cotidiano escolar, apontam para a ideia de fomentar a formação de leitores através de “propostas de abordagens que podem e devem ser adaptadas às mais diversas situações e níveis de ensino”. (MARINHO; PINHEIRO, 2012, p.13). Acreditamos que, lançando mão deste gênero na sala de aula, além de favorecer saberes culturais e intelectuais, o docente estará oportunizando seu aluno a valorizar a cultura local, como também despertando para o prazer da leitura, o que resultará em um sujeito efetivamente leitor que saiba se posicionar na sociedade. Considerando, pois, que a aquisição do saber se efetiva por um processo, se faz necessário que o aluno adquira certos conhecimentos em torno de alguns conceitos, como de cultura, identidade, dentre outros, para que, ao cursar o Ensino Médio, não sinta tanto os impactos das exigências desse nível de ensino, dentre as quais citamos a necessidade de ler com fluência e criticidade, fator que provoca grandes discussões

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entre professores que comumente se deparam com alunos apresentando grandes problemas nesta área. Evidentemente, as pretensões desta pesquisa necessitam de um amadurecimento para serem efetivadas, pois consideramos um passo ousado a ser dado e que nem toda a comunidade escolar deve acatar uma proposta que evidencie algo que fuja aos padrões normalmente aceitos e consagrados pelo currículo vigente. Contudo, por acreditar que o atual cenário em torno da aquisição da leitura pode ser transformado, pretendemos colocar em destaque a literatura do cordel como ponto de partida nesse processo e, assim, contribuir na formação de um leitor no Ensino Fundamental capaz de atuar na sociedade com posturas diferenciadas e convictas. É nesse sentido que defendemos a importância de inserir o texto literário com maior ênfase na sala de aula, pois a literatura como expressão humana, por proporcionar a liberdade de pensar, conduz à reflexão sobre cada um na sociedade, sobretudo, quando dialogada com outras formas artísticas.

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CAPÍTULO 2

3 A VIUVINHA: CONTAR EM PROSA E ENCANTAR EM VERSOS.

José Martiniano de Alencar, autor de A Viuvinha, foi considerado o maior representante da prosa romântica no Brasil, descrevendo a cultura e tradições locais como mitos, festas religiosas, com uma feição puramente nacional, fatores que contribuíram para consolidação do romance brasileiro. Apesar de o Romantismo ter valorizado muitos traços de nossa cultura, ainda se percebiam muitas características elitistas nas obras literárias dessa época, as quais se pautavam nas produções europeias, visto que ainda se percebiam resquícios do recente período de colonização. As obras escritas por José de Alencar evocavam pretensões de rompimento com essa tradição, ou seja, Alencar desenvolveu um projeto de nacionalização da literatura brasileira, abrindo, inclusive, caminhos para outros escritores brasileiros estabelecerem uma nova maneira de expressão artística literária que de fato representasse o Brasil. Diante da vasta produção alencariana e do contexto de produção literária do século XIX, podemos pensar Alencar como um autor diverso. Segundo Antonio Candido (1993), há um desdobramento deste Alencar a partir da classificação de suas obras, uma vez que deixa evidente características diferentes ao construir seus personagens e o tipo da narrativa, se constituindo em Três Alencares. O primeiro Alencar apresenta aspectos heroicos de um passado histórico e mítico, retratando a ideia de um povo grandioso, para um país mestiço e cuja história temporal era considerada curta para a época. Nesse sentido Peri, protagonista de O Guarani, Estácio Correia, em , Manuel Canho, em O Gaúcho, dentre outros personagens, tanto refletem esse heroísmo criado por Alencar, como também representam os valores locais (CANDIDO, 1993). O segundo Alencar, descrito por Candido (1993, p.203), representa o autor que mais agradava as “mocinhas”, uma vez que retratava o trágico, o dramático. As donzelas eram sempre puras e os rapazes extramente bodosos e cujo amor só se

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concretizava a duras penas, ou seja, o amor existente entre os casais era sempre dificultado por elementos de grandes proporções que atingiam os personagens românticos. Tais percalços, no entanto, não chegava a destruir o amor, como a tuberculose, quando pensamos em Cinco minutos, a honra comercial descrita em A Viuvinha, ou pelo erro sentimental, em . Por fim, o terceiro Alencar, de acordo com Candido, cria personagens mais complexos, menos ingênuos, envolvidos em dramas e que se conflituam entre si. Temos, por exemplo, Lucíola e que destacam personagens femininos e masculinos que “se defrontam num plano de igualdade, dotado de peso específico e capazes daquele amadurecimento interior” (CANDIDO, 1993, p.204), mas que deixam evidentes conflitos entre as possibilidades materiais e seu desejos e anseios, sejam sociais, amorosos, sexuais. Para Antonio Candido, as personagens criadas por este terceiro Alencar fogem do maniqueísmo próprio do Romantismo brasileiro e se apresentam sob três tipos: os inteiriços que são aqueles “bonzinhos” e assim se mantém até o fim da narrativa; os rotativos que são aqueles que começam bons e terminam maus, ou vice-versa; e os simultâneos que são aqueles que são bons e maus ao mesmo tempo no decorrer da trama. A viuvinha, obra que escolhemos para nosso estudo, se destacou dentre os romances oitocentistas, sendo incluído na categoria dos romances “urbanos”, nos quais se figurava um panorama da vida burguesa do Romantismo e, através da história de amor entre Jorge e Carolina, é possível construir uma interpretação da sociedade carioca e seus costumes no século XIX. No início da história, Jorge se mostra fraco, do ponto de vista moral, pois não consegue administrar a herança deixada pelo pai. Mas, depois se recupera e revela uma firmeza de caráter que resgata sua dignidade e o faz merecedor do amor de Carolina e da estima dos leitores. Carolina, por sua vez, é um exemplo de fidelidade à lembrança do marido considerado como morto. O amor santificado pela honra é o ponto central do romance. Quanto à estrutura, o romance apresenta capítulos curtos, que terminam com “vínculos” que prendem a atenção dos leitores, revelando a influência dos folhetins, muito populares no século XIX. As descrições românticas são

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dotadas de detalhes capazes de oferecer ao leitor uma fotografia das cenas descritas, dos personagens e ambientes. O tempo cronológico é bem demarcado pelos advérbios e adjuntos adverbiais indicando a linearidade do enredo. Enfim, é uma obra propícia ao debate e à reflexão sobre vários assuntos, como por exemplo, em torno do namoro com limite de horário em detrimento com os de hoje em dia. Como já mencionado, é um romance que se encaixa dentro da classificação do “segundo Alencar” (CANDIDO, 1993), uma vez que o enredo descreve pureza, encanto e doçura no romance entre os protagonistas, resultando num casamento para a vida inteira, mas que é marcado por elementos que interferem na felicidade do casal, sendo, neste caso, um acerto de contas de Jorge para honrar a memória do pai. Por ter destruído toda a fortuna herdada, Jorge se envergonhava daquela situação e não queria submeter Carolina a viver em meio à pobreza. A saída que encontrou foi simular a sua morte com a ajuda do leal amigo Almeida, que o impediu de cometer suicídio. O protagonista cria outra identidade e luta para pagar todas as suas dívidas, honrar o nome do pai e só depois volta para reconquistar a amada. O reencontro do casal é marcado por muito romantismo, evidenciando a força do amor para vencer qualquer obstáculo, resultando em um desfecho feliz, conforme sugere o trecho: “Um beijo cortou a palavra nos lábios de Carolina. Momentos depois duas sombras resvalaram por entre as moitas do jardim e perderam-se no interior da casa. Tudo entrou de novo no silêncio”. (ALENCAR, 2014, p. 58). Embora não seja foco do presente estudo, destacamos o silêncio como um recurso muito presente nos romances de Alencar, servindo de elemento estratégico de valorização dos desfechos e do jogo das palavras numa dialética entre dizer e calar, fazendo com que o leitor não desista da leitura, mas prossiga até o fim. A falsa morte de Jorge, por exemplo, nos leva a compreender que se trata de uma forma de silenciamento da sua ruína e do seu fracasso econômico, uma vez que para a sociedade isso se configuraria em um escândalo. Nesse sentido, o silêncio também pode ser visto como subterfúgio de omissão do autor, ou não querer se comprometer, frente a temas que possam ferir, ou causar impressões desagradáveis,

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no que diz respeito às normas sociais, religiosas ou éticas. Em outras palavras, percebemos um silêncio aparente em relação às situações que pudessem romper com a normalidade, pois sabemos que a maioria dos encontros dos casais descritos nos romances, sobretudo os proibidos, aconteciam nas igrejas. Por outro lado, Carolina silencia sua vida afetiva por muitos anos por meio do luto, seu coração se fecha para outras possibilidades amorosas, ainda mais quando se pensa na rigidez dos padrões morais do século XVI, em que a mulher era estigmatizada por um simples rompimento de noivado, ou situações que envolvessem a moral feminina. Assim era Carolina, uma típica personagem do Romantismo marcada pelo amor único e idealizado. Sob outra vertente, o silêncio pode configurar um recurso comunicativo entre os personagens. O vulto, as cartas, a flor deixada na janela de Carolina, demonstram e revelam a voz do amor entre o casal, que pelas circunstâncias, ficara “calado” há anos, conforme sugerem os seguintes excertos:

Não havia nem carta, nem bilhete, nem uma frase, nem uma palavra; mas uma flor só, uma saudade. Às duas horas sentiu ranger a chave na fechadura do portão, que se abriu dando passagem a um vulto. (…) e por fim deixar a carta e sumir-se. Quando deu fé, o vulto estava defronte dela, parado na sombra. (…). Passado um longo instante, Carolina afastou-se lentamente da janela; o desconhecido deixou a flor e desapareceu. ( ALENCAR, 2014, p. 52; 53; 54)

Essas e outras expressões silenciadas, mas cheias de um dizer, acabam por dissipar as dúvidas e os medos através da ruptura do silêncio e da revelação, por fim, de Jorge, que vivera recluso durante muitos anos, não exclusivamente pela razão moral a qual nos referimos anteriormente, mas pelo amor que sentia por Carolina. Assim como outras obras do cânone, este romance foi recontado sob outras formas de expressão, como o cinema, a música, o teatro e principalmente através da oralidade. A exemplo disso, temos o grande clássico Romeu e Julieta que é recontado há mais de cinco séculos sob variadas formas de expressão artística. Em se tratando da adaptação de uma obra erudita para a Literatura de Cordel, a seleção feita pelos poetas é baseada na semelhança estrutural dos chamados

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romances de cordel e nos temas do enredo, cujos conteúdos estejam voltados para o amor e a luta (ABREU, 2004, p.201). E A viuvinha se enquadra nesses critérios. Vários outros escritos pertencentes ao quadro canônico tornaram-se populares graças à criatividade e sensibilidade do cordelista, que transformou muitas histórias românticas em poesias narrativas. , obra de José de Alencar, por exemplo, foi um dos primeiros romances brasileiros recontados em cordel pelo poeta Alfredo Pessoa em 1927. Outras adaptações ao longo da nossa história possibilitaram leituras significativas de sentidos, conhecimento, informação para outro público de leitores, sobretudo os que viviam às margens da sociedade letrada, mostrando como outras formas textuais de contar fatos sociais (reais ou fictícios) podem contribuir na compreensão da leitura em distintas conjunturas de recepção. No ponto de vista de Márcia Abreu (1999), a fórmula editorial como uma obra é divulgada, contribui para atender às expectativas de um certo tipo de leitores, por isso tantas histórias passaram pelo processo de adaptação e foram divulgadas em outras versões. A forma de compor ou recontar fatos e histórias versados em cordel requer atenção à suas particularidades, como aspectos culturais, linguísticos, espacial, temporal, embora não os definindo com precisão. No caso de uma adaptação da prosa para o cordel, Márcia Abreu lembra que “Não basta uma história convencional. É preciso apresentá-la de acordo com as ‘regras’ de composição de folhetos” (ABREU, 1999, p. 204). Nesse sentido, o texto matriz vai sofrer alterações sem comprometer seu significado, pois tais alterações se referem apenas aos elementos acessórios, tornando a obra mais “enxuta, desembaraçada” (ABREU, 2004, p. 205). Foi por volta da década de 50, que A viuvinha foi adaptada para o cordel por Manoel Pereira Sobrinho pela primeira vez, com o título Os martírios de Jorge e Carolina, a fim de divulgar a história do casal apaixonado em versos e com uma linguagem acessível para expressar de modo particular a narrativa, bem como fazer chegar aos que não tinham tanto acesso ao clássico essa história de amor.

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Figura 1 – Capa do folheto de Manoel Pereira Sobrinho

7 Fonte: Repositório Digital FCRB (Fundação Casa Rui Barbosa)

Depois, em 1982, o poeta José Galdino da Silva Duda recontou o romance com o mesmo título atribuído por Manoel Pereira Sobrinho e editada por João Martins de Athayde, no mesmo ano.

Figura 2 – Capa do folheto de João Martins de Athayde

8 Fonte: Repositório Digital FCRB (Fundação Casa Rui Barbosa)

7 Disponível em: . Acesso em set. 2017. 8 Disponível em: . Acesso em: set. 2017.

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O poeta contemporâneo Rouxinol do Rinaré (2015), recentemente reescreveu o romance intitulando-o Jorge e Carolina em folheto e Jorge e carolina uma linda história de amo, na estrutura de livro.

Figura 3 – Capa do folheto de Rinaré (2015) Figura 4 – Capa do Livro de Rinaré (2015)

9 Fonte: Repositório Digital Rouxinol do Rinaré

Para versar uma história em cordel, os poetas devem ser bastante cautelosos e criteriosos, para não fugir do padrão estabelecido. Eles respeitam as variantes regionais, o conceito de moralidade e de religiosidade do povo nordestino, conduzindo a uma reflexão da realidade veiculada em cada estrofe. Sobre isso a pesquisadora Márcia Abreu (2004, p. 204-205) diz que,

Transformar histórias em versos de cordel não significa apenas metrificar e rimar um texto; é fundamental, também, adequar a sintaxe e o léxico [...]. Como a maior parte dos textos vertidos é anterior ao século XX, a atualização lexical é uma das preocupações dos poetas, pois os folhetos empregam fundamentalmente, a linguagem contemporânea e cotidiana conhecida pelo público.

9 Disponível em: http://rouxinoldorinare.blogspot.com.br/2015/04/jorge-e-carolina-uma-linda-historia- de.html. Acesso em: set. 2017.

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E essas particularidades da linguagem de cada época, em que as versões foram escritas, estão visíveis ao longo dos folhetos. Além disso, o encadeamento das ações surge sempre na ordem direta e objetiva, evitando a demasia de adjetivos e descrições de paisagens e precisões temporais, mantendo apenas as informações gerais que envolvem os personagens protagonistas e o enredo. Dessa maneira, as alterações aparecem em alguns folhetos de maneira sutil, outros precisam ser mais drásticos, a fim de que o poeta consiga adequar a narrativa aos critérios estruturais do cordel, o importante é que não se perca a essência da história. Uma obra adaptada para o cordel pode até ser vista como uma obra menor ou inferior para ser inserida na escola como instrumento de formação leitora, contudo, queremos deixar claro que a reescritura em cordel constitui uma comunicação com igual valor do clássico, tornando a obra primeira mais acessível a qualquer público leitor. Sobre isso, Ribeiro (1987, p.58) pontua que em se tratando de obras erudita e popular, “As duas têm a sua excelência, e, sendo assim, a crítica não há de aplicar os mesmos critérios para valorar uma e outra.”, ou seja, ambas carregam valores e qualidades singulares. Somos conscientes de que uma adaptação como o cordel não irá substituir o texto matriz em prosa, mas entendemos que ela é capaz de chegar aos leitores com um grau de aceitação e afetividade maior, dada a sua forma “aparentemente simples” de informar e provocar deleite, pois leva em conta o contexto de produção. Uma obra adaptada para o cordel aproxima o leitor do texto literário considerado canônico e o coloca em pé de igualdade com os admiradores da literatura clássica, pois ambos tomam conhecimento de uma mesma história, a qual será compreendida pela maneira de ser contada, pois o poeta faz uso de uma linguagem capaz de trazer para o universo letrado os que ainda vivem à margem dessa cultura. E foi assim que A viuvinha chegou a emocionar tantos leitores e agradar um público ainda maior. Uma história de amor que passou a ser conhecida também pela sonoridade dos versos, pelo encantamento do cordel, conquistando outros apreciadores da poesia.

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3.1 Na anatomia dos cordéis

Como dito anteriormente, no processo de construção/adaptação de uma obra erudita para o cordel, as regras de produção são rigidamente respeitadas pelos poetas, como também são considerados os contextos da produção, de modo a permitir uma maior aproximação entre a obra e o leitor, permitindo maior interação entre ambos, bem como favorecendo um melhor entendimento da história. Pela variedade de temas presentes na literatura popular, alguns pesquisadores tentaram classificar as produções cordelistas por temas. De acordo com a classificação adotada por Ariano Suassuna (apud DIÉGUES JR., 1997, p.9), que muito estudou as produções de Leandro Gomes de Barros, um dos grandes precursores na divulgação/comercialização do cordel nordestino, é proposta uma classificação possível dos folhetos

a partir de dois grandes grupos – o tradicional e o de “acontecidos”: - 1. Poesia improvisada; 2. Poesia de composição: a)ciclos heróico; do maravilhoso; religioso e de moralidade; cômico, satírico e picaresco; de circunstância e histórico; de amor e fidelidade; b) formas: romances; canções; pelejas; abecês. (DIÉGUES JR., p. 9)

Dessa maneira, os folhetos ora estudados se inserem quanto à forma: na categoria romance; quanto à composição: as estrofes são construídas em sextilha e quanto ao ciclo: estão inseridos na temática do amor e fidelidade. No tocante à estrutura, os folhetos seguem o padrão predominante, ou seja, são construídos em sextilhas com versos setissílabos e rimas em ABCBDB, distribuídos em 32 páginas, já que se trata de um romance. É interessante observar, também, o jeito como os poetas iniciam a narrativa, logo na primeira estrofe eles chamam a atenção do leitor/ouvinte para o que será contado. O poeta faz uma contextualização de todo o enredo e seus personagens, mas sem se prender a detalhes; conforme podemos constatar nas primeiras estrofes dos folhetos de Manoel Pereira Sobrinho e Rouxinol do Rinaré:

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Ó Meu Deus, mestre e Senhor, Com vossa fôrça divina, Dai-me idéia, rima e fôrça Como o poeta imagina! Quero trovar o romances De Jorge, com Carolina! ( PEREIRA SOBRINHO, 1961, p. 3)

Eu vou contar uma histórias Que a ninguém causa enfado. No Rio de janeiro antigo Seu enredo é situado, E o tempo histórico da trama É o segundo Reinado. (RINARÉ, 2015, p.1)

Ao recontar uma história através de versos, “Os autores dos folhetos explicitam, logo nas estrofes iniciais, que estão recontando uma história e não criando” (ABREU, 1999, p. 130). Nesse sentido, Manoel Pereira não foge à regra e anuncia ao leitor/ouvinte o que será narrado, já Rouxinol do Rinaré evidencia o regime político da época em que ao história acontecera. Ora, a primeira versão de A Viuvinha foi escrita no século XIX, momento histórico que se vivia o Segundo Reinado, em que as ideias políticas e artísticas ainda se pautavam em interesses e defesa da elite. José de Alencar introduziu, a partir dos romances urbanos, críticas ao modo de vida da sociedade burguesa do Rio de Janeiro dessa época. Talvez essa maneira de situar os fatos históricos e apresentar ao leitor que tipo de história será contada, seja uma estratégia para prender a atenção do leitor/ouvinte e o fazer ouvir/ler a narração até o final. Já para terminar a história, o poeta utiliza o acróstico com o seu nome, como maneira de assinar a autoria do poema. Esse recurso era bem comum na Literatura de Cordel, pois, segundo Márcia Abreu (1999, p.98)

os poetas preocupavam-se com questões de direitos autorais e de propriedade dos textos, pois viviam da venda de suas composições. Por isso imprimiam seus nomes nas capas e na primeira página dos folhetos. Estampavam seus retratos, utilizavam acrósticos nas estrofes finais.

Entretanto, Marinho e Pinheiro (2012) dizem que hoje em dia tais problemas dessa natureza já não existem, mas alguns poetas ainda o utilizam como meio de

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manter a característica dessa produção literária, ou seja, o poeta fica livre para usar este recurso atualmente, conforme ilustramos a seguir:

Maria, a mãe da donzela Ali naquele momento Não esperava surprês Ou tal acontecimento E Jorge lhe contou tudo Lutou, mas foi opulento.

Pediu perdão à esôsa Ela a êle perdoou Reabilitou-se logo E nunca mais estragou Instantes de emoção Registrou na nação Almeida muito gostou. (PEREIRA SOBRINHO, 1961, p.32)

Surpresa, espanto, desmaio, Sentia dona Maria. Porém, superado o susto, Tudo ali se esclarecia… Fugiram as sombras da dor, Brilhou a luz da alegria!

O casal viveu feliz Como a sorte determina O amor supera tudo, Diz a palavra divina. Eis a lição do romance de Jorge e Carolina. (RINARÉ, 2015, p.32)

A versão de Manoel Pereira, datada em 1961, evidencia sua autoria com a utilização do recurso citado (o acróstico), já Rouxinol do Rinaré, que compôs recentemente sua versão (2015), não apresenta tal preocupação, confirmando o que afirmam Marinho e Pinheiro (2012). Os fatos históricos, sociais, culturais e a condição do sujeito na sociedade também costumam ser destacados pelo poetas. Esses aspectos auxiliam o leitor no entendimento de algumas posturas e reações das personagens no decorrer do enredo. Vejamos como os poetas revelaram alguns desses fatos:

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No tempo em que a mulher Possuía honestidade Respeito, era o documento Promissória, era a verdade A honra prevalecia Não havia falsidade. (PEREIRA SOBRINHO, 1961, p.3)

A Viuvinha se inclui Entre os romances urbanos. Nosso José de Alencar escreveu-o há muitos anos, mostrando a força do amor em meio aos dramas humanos. (RINARÉ, 2015, p.1)

Nesses excertos, os poetas conduzem a uma reflexão em torno dos acontecimentos socioculturais da época em que cada versão foi escrita. Na composição de Manoel Pereira, por exemplo, mesmo que de maneira poética e sutil, é possível inferir sobre a situação da mulher naquele contexto, a qual vivia sob as bases patriarcalistas, ou seja, a mulher vivia submissa e sem direitos sociais. Compreendemos que o substantivo respeito, implicitamente, aponta para a ideia de obediência, subserviência àquele que mantinha o poder, o que garantia a honra de quem ditava as regras e, ao nosso ver, esse seriam talvez, os dramas humanos que se refere Rouxinol do Rinaré em sua versão. Para além dessa compreensão, os dramas humanos sugerem também o conflito interior de Jorge, quando este se vê no dilema de casar-se ou não com Carolina, uma vez que se ele abandonasse o compromisso firmado com ela, resultaria na desonra da moça e isso significava a destruição da mulher diante da sociedade. A necessidade de honrar o nome do pai era outra urgência para Jorge, pois a falência financeira fora resultado da sua própria imprudência. Para ele, ao quitar as dívidas acumuladas, estaria ao mesmo tempo em condições de enfrentar a sociedade sem a vergonha da falência, como também estaria resgatando sua própria condição social. Adorno (2003), ao discutir sobre a construção da poesia lírica, evidencia o trato com que o poeta utiliza a linguagem na construção poética, dizendo que “ela ao mesmo tempo se afasta da objetividade do espírito, da língua viva, criando um aparato poético

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que substitui uma linguagem não mais presente”.(p.76). Compreendemos, assim, que a literatura enquanto arte tem a grandeza de deixar falar aquilo que a ideologia esconde, através de uma linguagem que “se molda inteiramente aos impulsos subjetivos”. (ADORNO, 2003, p. 74). Nesse sentido, as obras aqui estudadas apresentam esse modo especial de composição, deixando visíveis essas características do dizer as coisas de outro jeito, ao longo dos folhetos. O que a sociedade espera ideologicamente do homem é que ele seja honrado, no sentido de não transgredir suas normas reguladoras de ideias, valores e conduta. No processo de adaptação de obras eruditas para o cordel, trazemos, mais uma vez, a fala de Márcia Abreu (2004, p. 204-205) ao destacar a importância de “adequar a sintaxe e o léxico e não apenas metrificar e rimar um texto”, de modo a facilitar a compreensão da narrativa e permitindo uma interação entre texto e leitor. Por este viés de pensamento, sustentamos as ideias de Mukarovsky (1988, p.179), que também se refere à composição da poesia lírica, ao afirmar que, nesse jogo, o “contexto impõe ao leitor o significado emprestado à palavra, pela decisão individual e singular do poeta”. Dessa maneira, as alterações na linguagem, seja de maneira sutil ou mais drástica, acontecem para que o poeta consiga adequar a narrativa aos critérios estruturais do cordel, o importante é que seja mantida a essência da história. É pertinente dizer, ainda, que “O discurso poético não pode ser avaliado nem comparado aos critérios da avaliação da linguagem convencional, uma vez que o que é valido para a língua da poesia nem sempre é válido para a língua em geral”. (MUKAROVSKY, 1988, p.179). Nas estrofes abaixo, percebemos como o poeta realiza esse jogo com as palavras:

Porque sua Carolina Vive muito retraída; É viúva e nunca sai Só com sua mãe querida; Ela vive, mas não vive Tem vida, mas não tem vida! (PEREIRA SOBRINHO, 1961, p.26)

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Em choque, ao crer na tragédia, Carolina sucumbia… Várias semanas passou Em completa letargia. E, em vão, a confortavam Almeida e dona Maria. (RINARÉ, 2015, p.26)

O estado de tristeza de Carolina é retratado através da antítese empregada pelo poeta Manoel Pereira, a qual, observada sob à luz da emoção poética, conota um significado mais emotivo, uma vez que induz o leitor a pensar sobre situações antagônicas como Ela vive, mas não vive/ Tem vida, mas não tem vida! Tais versos se relacionam semanticamente aos termos que emprega Rouxinol do Rinaré, para evidenciar o que Carolina sentia ao saber da suposta morte de Jorge. Sucumbia, letargia exprimem situações de quase morte, em que nada é reconfortante e animador. E a vida para Carolina se fez assim, após perder o seu amado. Carolina passa a viver um luto profundo pela forjada morte de Jorge. Ela perde a alegria da vida, padecendo na dor, na solidão e no vazio, sentimentos representados por suas vestes pretas, reconhecidamente a cor da ausência de luz e de vida, mas que se acostumara e representava muito bem o seu estado de espírito. Tudo isso correspondia ao que a sociedade esperava, ou impunha a uma viúva: um sinal de respeito eterno ao esposo. Não seguir tais preceitos, poderia ser interpretado como falta de consideração ou até mesmo uma ofensa, sobretudo numa sociedade em que homens valiam muito mais que mulheres. Assim, o luto e a honra de uma viúva estava fortemente relacionada às vestes pretas. Ainda sobre o uso do jogo das palavras na construção poética, é pertinente citar o que aborda Dufrenne (1969) em suas abordagens sobra a poesia lírica, no sentido de explicitar a relevância intencional que o poeta dá no manejo das palavras em suas composições.

A sintaxe da arte não é verdadeiramente uma sintaxe: ela constitui os elementos da matéria de que é feito a obra, fixa suas articulações numa forma visível, mas não tem por objeto um léxico previamente estabelecido, isto é, um sistema de signos já portadores de uma significação, pois esses elementos

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somente assumem uma significação no interior da obra enquanto forma significante. (DUFRENNE, 1969, p. 61)

Vendo por esta ótica, percebemos que os deslocamentos poéticos auxiliam numa construção bastante interessante da obra literária, extraindo e exibindo o que há de mais bonito do eu lírico. Assim, percebemos esse fenômeno nos poemas em estudo, através do uso da personificação do elemento sino que, se usado num contexto comum, não teria a mesma proporção de significado como o sentido posto nos poemas em estudo, uma vez que o contexto poético “imprimiu-lhe brilho” e beleza. A linguagem poética, portanto, cria o imprevisível em nós através de um sistema sintático próprio em que foge do da sintaxe comum. (DUFRENNE, 1969), conforme ilustramos com os fragmentos a seguir:

A voz saudosa do sino De Jorge se apoderou Então para a missa Ele ali se preparou; Foi esta a primeira vez Desde que se batizou. (PEREIRA SOBRINHO, 1961, p.6)

Uma impressão agradável Causava-lhe a voz do sino. Como era uma manhã linda, Num impulso repentino, Jorge à igreja da Glória Foi, por obra do destino. (RINARÉ, 2015, p.5)

Cohen (1974) justifica esses deslocamentos e uso das imagens no plano semântico, ressaltando que “o poema não é a expressão fiel de um universo anormal, mas a expressão anormal de um universo comum. O poema realmente é aquela alquimia do verbo de que falava Rimbaud, pela qual se juntam na frase termos incompatíveis segundo as normas usuais da linguagem”. (COHEN, 1974, p. 97). Em outras palavras, o poeta se apropria das palavras dando-lhes tons subjetivos, ao mesmo tempo que possibilita ao leitor a interpretação e atribuição de outros significados pertinentes àquela construção poética e isso no dizer de Cohen é

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intencional, já que “A poesia não fala a linguagem literal (…) O poeta nunca diz diretamente o que quer dizer, nunca chama as coisas pelo nome”. (COHEN, 1974, p. 109). Assim, poeta popular também fez uso desse recurso ao adaptar A Viuvinha, basta observarmos as sextilhas acima destacadas. É importante dizer que, embora as considerações de Cohen estejam voltadas principalmente à poesia lírica, ressaltamos que ele também considera que o verso não se opõe à prosa, ambas não são simplesmente tão diferentes e até se aproximam por seu caráter linear e discursivo, bem como pelos mecanismos próprios no trabalho com a linguagem na construção da poesia e da prosa. Partindo do ponto de vista da significância, Cohen (1974) apresenta o verso sob dupla característica: retorno e linearidade. O primeiro acontece por meio da forma e o segundo através dos significados oriundos de palavras novas. Assim diz Cohen (1974, p.84):

O verso é cíclico, a prosa linear. O aspecto antinômico dos dois caracteres é evidente e, no entanto, a poética nunca levou em conta. Ela fez do “retorno” um caráter isolado , que se acrescenta de fora a mensagem para conferir-lhe uma virtude musical qualquer. Na verdade, a antinomia constitui o verso, pois ele não é inteiramente verso, ou seja, retorno. Se fosse, não poderia ser portador de um sentido. Ele permanece linear porque significa. A mensagem poética é ao mesmo tempo verso e prosa. Uma parte de seus elementos componentes garante o retorno, enquanto outra garante a linearidade normal do discurso.

Entendemos, portanto, que por essa dupla característica, o verso não conseguiria gerar significado. O mesmo poderia acontecer com a prosa, uma vez que se toda a discursividade fosse se repetindo, certamente a manifestação poética poderia ser nula. E, no caso deste estudo, a prosa é transformada sim pelo poeta popular, mas com a mesma adequação entre o som e o sentido, ou seja, preservando o discurso poético contido na mensagem. Nesse processo, comumente percebemos que há uma inversão proposital do sistema linguístico no discurso poético e, para que haja uma compreensão significativa por parte do leitor, os métodos estilísticos utilizados pelo poeta deverão considerar o contexto da produção literária. Para Cohen (1974, p.87), para que haja compreensão é necessário que a mensagem tenha sentido, seja inteligível.

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Toda mensagem deve ser inteligível. (…). Por “inteligível” deve-se entender: dotado de sentido e de sentido acessível ao destinatário. Para isso, não basta respeitar o código da língua, é necessário também que a decodificação da mensagem seja possível.

Assim, percebemos o cuidado do poeta ao transformar o romance A Viuvinha em poesia, fazendo chegar aos leitores/ouvintes a mensagem prosaica com mais encantamento e com uma linguagem acessível de compreensão, mas sem perder a mensagem pretendida da obra primeira. Os excertos abaixo trazem essa ideia do dizer algo de outra maneira:

Adeus, meu amigo Almeida, Meu velho horado tutor! Não sabes que vou morrer Porque tenho um grande amor Porém, cai numa vala De miséria e de horror!… (PEREIRA SOBRINHO, 1961, p.16)

Almeida, sem mais delongas, Partiu naquele momento. Jorge ficou mergulhado Numa angústia sem alento, Com a alma torturada Por profundo sofrimento! (RINARÉ, 2015, p.13)

Nos versos destacados, os autores fazem uso de metáforas para descrever o estado de espírito do eu lírico pelas perdas sofridas. Leo Spitzer (2003, p. 39) evidencia que “a poesia consiste em palavras, cujo sentido é preservado e que, pela magia do trabalho prosódico do poeta, alcançam um ‘sentido-além-do-sentido’. Assim, dizer de forma direta que o eu lírico caiu numa escavação de profundidade média aberta para coleta de detritos, ao invés de dizer cai numa vala/ de miséria e horror!, não provocaria no leitor nenhuma comoção. Da mesma forma aconteceria se o poeta dissesse que Jorge fora torturado, ao invés de Jorge ficou mergulhado/Numa angústia sem alento, Com a alma torturada,

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não levaria o leitor a perceber a linguagem lapidada pelo poeta, já que não se consegue materializar, ou dar concretude a uma alma, para ser torturada. Percebemos, também, que outro aspecto foi utilizado pelos poetas nesse processo de adaptação da prosa para o cordel, como alguns dados do romance original foram suprimidos. Isso é uma prática comum realizada pelos poetas para recontar romances, a fim de tornar a história desembaraçada que no dizer de Márcia Abreu (2006, p.70) significa

(...) evitar o acúmulo de personagens e de tramas, por isso é desaconselhável desenvolver enredos paralelos ou dar lugar a personagens secundários. Atendendo ao princípio da oração, suprimem-se ou condensam-se as informações alheias à trama central, como a farta descrição (…)

dos personagens, dos lugres e do tempo. Como já dito em outro momento, isso contribui para o poeta adequar a história à estrutura do cordel. A mesma autora continua explicitando que

Essa característica, própria aos romances de cordel, é seguida na elaboração das versões. Mesmo tendo selecionado, basicamente, histórias de amor, as passagens relativas à exteriorização do sentimento, às dúvidas e às ansiedades presentes nos textos originais são suprimidas. Os poetas concentram as narrativas no desenrolar de ações. (ABREU, 2006, p.212).

Nisso consistem os romances vertidos em cordel, em um modo especial de apresentação de uma história, considerando o padrão estabelecido, mas preservando a essência da versão primeira, a fim de que todos os sujeitos, leitores ou não, sejam seduzidos pela leitura/escuta de grandes obras literárias. Além disso, percebemos que, neste caso específico, o cordel funcionou como mecanismo de ruptura dos limites temporais, contribuindo para que diálogos culturais e artísticos se consolidassem através da criatividade do poeta popular, que adaptou o romance seguindo uma cadência que leva o leitor ao contato com a narrativa canônica de maneira esteticamente harmoniosa. Fica evidente, entretanto, as particularidades na composição/adaptação de cada poeta, que procura respeitar e manter ao máximo o conteúdo da obra original, por

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vezes, não podemos negar maior subjetividade em uma ou em outra. No caso particular dessa leitura, embora a versões em cordel apresentem aspectos de bastante proximidade com o texto de Alencar, observamos que o poeta Manuel Pereira (1961) conta a história dA Viuvinha enfatizando a sensibilidade, imaterialidade. Enquanto isso, a versão de Rouxinol do Rinaré (2015) apresenta mais assertividade no contar a citada história, uma vez que são perceptíveis as marcas da língua culta bem definidas, como a pontuação e algumas palavras como, dentre outr as, impassibilidade e perscrutador, aproximando-se da linguagem utilizada pela norma culta presente na obra primeira, conforme sugerem os fragmentos a seguir:

Quadro 1 – Demonstrativo de aspectos suprimidos da versão original.

VERSÃO DE JOSÉ DE ALENCAR VERSÃO DE MANUEL VERSÃO DE ROUXINOL DO PEREIRA SOBRINHO RINARÉ (…) (…) (…) A um lado da sala estava armado um oratório Daí a poucos minutos Quando chegou, finalmente, simples; um Cristo, alguns círios e dois O criado anunciou A hora do casamento ramos de flores bastavam à religião do amor, Que Jorge havia chegado (Na própria casa da noiva) que tem as galas e as pompas do coração. Almeida o abraçou Nesse solene momento, Jorge chegou às cinco horas e alguns Dizendo: Assim é qu’eu quero Carolina suspirava minutos. E nisto, o padre chegou. De tanto contentamento. O Sr. Almeida apertou-lhe a mão com a mesma impassibilidade costumada, como se Veio a noiva, as testemunhas A cerimônia ocorreu nada se tivesse passado entre eles na E o noivo no momento Com muita simplicidade. véspera. Perante o altar divino Senhor Almeida que estava Um observador, porém, teria reparado no Celebrou-se o casamento Presente à solenidade olhar perscrutador ler-lhe na fisionomia um Undos p’ra eternidade Apertou a mão de Jorge pensamento oculto. houve casório opulento. Com impassibilidade. O padre revestiu-se dos seus hábitos (…) sacerdotais; e Carolina apareceu na porta da Porém tinha notado sala guisada por sua mãe. Um bom observador (…) Que, procurando algo oculto, Carolina estava em um desses momentos; a Aquele eterno tutor felicidade que irradiava no seu semblante, o Lançava, constantemente, rubor de suas faces, o sorriso que adejava Um olhar perscrutador. nos lábios, como o núncio desse (…) monossílabo que ia resumir todo o seu amor, davam-lhe uma graça feiticeira. (...) Fonte: (ALENCAR, 2014, p.16); (PEREIRA SOBRINHO, 1961, p.12-13); (RINARÉ, 2015, p.14)

Ressaltamos que cada versão tem seu teor valorativo particular e o modo de composição é justificado, no nosso entendimento, por fatores determinados pelo

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contexto da produção, como já dito em outro momento dessas discussões. Desse modo, percebemos como aspectos vicinais da obra de José de Alencar estão contidos nos folhetos e como as informações são expressamente reconstruídas pela engenhosidade do poeta popular, neste caso, para contar como aconteceu o casamentos de Jorge e Carolina, por exemplo. Fatores de ordem ideológica também foram preservados, podendo ser identificados nos folhetos. A condição da mulher diante do contexto social do século XVI, por exemplo e já referida na página 37 desse estudo, fica evidente até mesmo na versão mais atual, sugerindo a perpetuação e o valor da mulher casta e fiel aos dogmas e preceitos masculinista, ou seja, a mulher que portasse tais características era considerada a mulher ideal.

Quadro 2 – Preservação de fatores ideológicos nas versões em cordel.

VERSÃO DE JOSÉ DE ALENCAR VERSÃO DE MANUEL VERSÃO DE ROUXINOL DO PEREIRA SOBRINHO RINARÉ (…) (…) (…) Outra idéia viera ao espírito; lembrou-se que No tempo em que a mulheres Pensava em seu casamentos, no estado a que tinham chegado as coisas, Possuía honestidade Nos sonhos de Carolina. essa ruptura havia de necessariamente Respeito era o documentos Tenso a miséria e a desonra prejudicar a reputação de sua noiva. Promissória, era a verdadeira Apontando a sua sina, Ele seria causa de que se concebesse uma A honra prevalecia Não mais podia iludir suspeita sobre a pureza dessa menina que Não havia falsidade. Aquela doce menina. havia respeitado como sua irmã, embora a amasse com uma paixão ardente; e este só Não se falava em escândalo Cancelando casamento, pensamento paralisara a sua mão sobre o Por só haver alegria Fez uma carta à amada. papel. Respeito e honestidade Depois rasgou, ponderando: Recordou-se do que D. Maria um dia lhe Tôda mulher possuía - Não!… Além de amargurada, havia dito: Não havia o desmantelo Minha noiva ficaria -Jorge, a confiança que tenho em sua Que a gente vê hoje em dia. Com a reputação manchada. lealdade é tal que entreguei minha filha antes (…) (…) de pertencer-lhe. Lembre-se que se o senhor Casei pra não desonrá-la, mudasse de idéia, embora ela esteja pura Mas agora deixo a vida… como um anjo, o mundo a julgaria uma moça Eu reconheço a fraqueza iludida. Espero que respeite em sua noiva a Desse meu ato suicida. sua futura mulher. Perdão, mil vezes perdão! (...) E adeus, pra sempre, querida! (...) Fonte: (ALENCAR, 2014, p.14); (PEREIRA SOBRINHO,1961, p.3); (RINARÉ, 2015, p.13)

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A exigência em relação à postura feminina se acentuava ainda mais quando se tratava de uma viúva. Conforme nos referimos na página 39 desse trabalho, essa condição da mulher precisava ser evidenciada através de suas atitudes e jeito de viver na sociedade, para evitar interpretações equivocadas no que se refere à sua moral. Ainda sobre essa questão ideológica, nos intrigou, na versão de Rinaré (2015), a ausência de termos que são voltados à tradição religiosa das personagens. Termos como missa, oratório, círios, santa, padre, sino, presentes na escrita de Alencar, sendo alguns mantidos pelo poeta Manuel Pereira, aparecem sugerindo que se tratava de uma família de tradição católica. Até mesmo na celebração do casamento do casal, mesmo tendo acontecido em casa, há referência a essa tradição, mas que foram omitidos por Rinaré. Enfim, essas supressões apontam a relação ideológica do poeta Rinaré, uma vez que congrega em uma religião que não atribui significado à simbologia presente nas cerimônias de origem católica, a Protestante. Por outro lado, Márcia Abreu (2006, p.70) ressalta que no processo de adaptação de uma obra em prosa para o cordel, não se devem fazer muitas descrições, seja de ambiente ou de pessoas, uma vez que a estrutura própria do cordel deve ser respeitada, sendo até necessário realizar cortes do texto-matriz. A propósito desses possíveis cortes, percebemos a supressão e alteração de dados da prosa, feitas pelos poetas ao contar o retorno de Jorge, vejamos:

Quadro 3 – Ausência de detalhes descritivos de ambientes e acontecimentos.

VERSÃO DE JOSÉ DE ALENCAR VERSÃO DE MANUEL VERSÃO DE ROUXINOL DO PEREIRA SOBRINHO RINARÉ (…) (…) (…) Foi nesta sala que entrou Carlos. Assim que chegou ao pôrto Lá na Praça do Comércio, Mas não entrou só; porque, no momento em Que seu navio atracou Aonde ele sempre ia, que ia transpor a soleira, um homem que Foi à casa de Almeida Todos já tinham partido, havia mais de meia hora passeava na E nada a êle contou E o rapaz permanecia, calçada defronte da tasca adiantou-se e Porém até seu aspecto Pois marcara de encontrar deitou a mão sobre o ombro do moço. O velo muito estranhou. Alguém ao final do dia. Calos voltou-se admirado dessa liberdade; e (…) ainda mais admirado ficou, reconhecendo na Deu dinheiro a seu tutor Quase à noite outro rapaz pessoa que o tratava com tanta familiaridade E pediu para pagar Chegou ali animado. o nosso antigo conhecido Sr. Almeida. Tôda conta que devia Dirigiu-se a ele e disse: (…) Porém, sem nada explicar; - Carlos, foi tudo arranjado! O velho tomou o braço de Carlos, e dirigiu-se Por êle ser seu amigo E ele apertou-lhe a mão

57 com ele ao Hotel Pharoux, (…) Só nele quis confiar. Dizendo: - Henrique, obrigado! O Sr. Almeida resignou-se e acompanhou (…) Carlos até à sua casa. Dando o dinheiro ao velho - Por quê? - retrucou o outro - Aí, o moço abriu a carteira, e, tirando os Para a cidade marchou Só fiz minha obrigação, valores que há pouco havia guardado, Disfarçado em inglês Resgatando aquela letra. entregou ao negociante a quantia de 30,000$ E ninguém desconfiou Só não entendo a razão… representada pelo algarismo das seis letras. E um plano de repente Se é de uma firma falida, (…) Na mesma hora formou. Eu estranho a tua ação. Enquanto o Sr. Almeida, mordendo os beiços, (...) (...) guardava as notas do banco e os bilhetes do tesouro, Carlos abria uma pequena carteira preta, e, depois de beijar a firma de seu pai escrita no aceite, fechou com as outras essas últimas letras que acabava de pagar. (...) Fonte: (ALENCAR, 2014, p.39;42-43); (PEREIRA SOBRINHO, 1961, p.25-26); (RINARÉ, 2015, p.19)

São notórias as alterações e ausências, nesses fragmentos. Podemos observar que Alencar cria para Jorge uma nova identidade ao retornar para o Brasil, elemento que fica expresso na versão de Rinaré, o que não acontece na versão de Manuel Pereira, que omite essa informação, mas, ao mesmo tempo que omite, o poeta sugere que Jorge assume uma identidade diferente a partir do verso Disfarçado em inglês. É nesse momento que o leitor participa do enredo, confirmando o que diz Iser (1999) ao se referir aos espaços que precisam ser preenchidos no ato da leitura. Por outro lado, Rinaré faz uso de um recurso interessante que envolve o leitor e o traz para participar ainda mais da história. Nos referimos ao diálogo presente em sua versão, conforme demonstramos a seguir:

Vou confessar ao leitor O que talvez já previa: Essa menina com a mãe, Era a mesma Carolina E a mãe Dona maria. (…) O que Henrique contava Sei que o leitor advinha. Era a história de Jorge, De sua vida mesquinha, Do seu suposto suicídio E da bela viuvinha. (RINARÉ, 2015, p.16-20)

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Essa é uma marca própria da narrativa oral em que o poeta popular, principalmente nas feiras, mantinha esse corpo a corpo com o ouvinte, envolvendo-o e criando um ambiente de interação direta. De acordo com Abreu (2004, p. 217 ), “ as falas do narrador aproximam os folhetos de narrativas orais em que ele se encontra frente a frente com o público e pode interromper o relato para externar suas opiniões (…)”. Além disso, os poetas, ao declamarem seus poemas, utilizavam esse mecanismo dialógico, provocando um certo suspense, para induzir o leitor/ouvinte a comprar o folheto e só assim ficar sabendo do final da história. Contudo, sentimos na estrutura poética de Rinaré um maior apelo invocatório pela participação do leitor/ouvinte em sua obra, recurso que na versão de Manuel Pereira acontece de maneira mais sutil. Vejamos:

Deixo o casal, que há um mês Vivia um sonho encantado, E aqui volto ao tempo Pra o leitor ser informado Sobre um segredo de Jorge, Seus fantasmas do passado. (…)

Voltemos à madrugada Daquele sinistro dia Quando, em busca do suicídio, Jorge decidido ia; E recordemos o vulto Que nas sombras o seguia. (…) (RINARÉ, 2015, p. 03)

Falemos, porém, agora Na belíssima Calorina Que lá ficou desmaiada Vamos ver o que destina Na hora que despertar E ler a carta felina. (…) Vamos deixar Carolina Fazendo lamentação E vamos saber de Jorge Lá em sua embarcação Se foi feliz ou morreu Qual sua situação. (...) (PEREIRA SOBRINHO, 1961, p.20-24)

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A linearidade do enredo também é um aspecto observado, nas duas versões em cordel, a partir dos fragmentos destacados acima. Constatamos que Manuel Pereira segue uma certa sequenciação mais aproximada do romance original, mesmo ocultando alguns dados, como a nova identidade de Jorge ao retornar ao Brasil, que passara a se chamar Carlos. Já na composição de Rinaré, apesar da ruptura dessa linearidade, é possível perceber maior fidelidade ao texto-matriz, no sentido de não se distanciar tanto das informações, uma vez que essa identidade de Jorge é mantida, dentre outros aspectos. No nosso entendimento, essa quebra sequencial dos acontecimentos construída por Rinaré exige do leitor maior atenção, para que haja a devida compreensão do enredo. Diante dessas discussões, é importante dizer mais uma vez que o cordel tem a capacidade de aproximar o leitor pela maneira de levar-lhe certos acontecimentos, sejam eles reais ou fictícios. Para tanto, um dos recursos utilizados é a linguagem acessível a todos os públicos, pois é direta, diferente da prosa que usa uma maneira mais rebuscada da língua, que se destina apenas a uma parte leitora da sociedade. Embora não percebendo nos folhetos, objetos do nosso estudo, marcas da oralidade tão presentes, detectamos uma linguagem mais aproximada do coloquial, uma das características importante na construção cordelista, que certamente contribui para a compreensão do leitor. Há, no entanto, na versão de Manuel Pereira Sobrinho (1961), um jeito diferente de uso da linguagem para evidenciar a relação de Jorge com o seu tutor, o Sr. Almeida. O poeta deixa expressa, além do respeito, uma afetividade entre os dois como de pai e filho mesmo, através de expressões que assumem uma conotação mais carinhosa do que as palavras usadas nos textos de Alencar e de Rinaré, para expressar essa relação de afeto.

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Quadro 4 – Alteração no uso da linguagem.

VERSÃO DE JOSÉ DE ALENCAR VERSÃO DE MANUEL VERSÃO DE ROUXINOL DO PEREIRA SOBRINHO RINARÉ (…) (…) (…) - A sua visita a estas horas… disse o moço E lhe disse: Meu rapaz - Sua visita a estas horas? - entrando. Seu pai me recomendou O moço sério indagou. - Admira-o? Perguntou o Sr. Almeida. Você, antes de morrer - Isto o admira, Jorge? - - Certamente; não porque isto não me dê E depois me entregou Almeida então perguntou, prazer; mas acho extraordinário. Os bens para lhe entregar Usando um tom de voz grave -E com efeito o é; o que me trouxe aqui não E o momento chegou. Que ao moço preocupou. foi o simples desejo de fazer-lhe uma visita. (…) - Então houve um motivo imperioso? Tome cuidado, meu filho, Não que não me dê prazer, - Bem imperioso. Nos bens que seu pai deixou Porém, devido ao horário, - Neste caso, disse o moço, diga-me do que E não os gaste em farra Disse Jorge, certamente se trata, Sr. Almeida; estou pronto a ouvi-lo. Às suas ordens estou Eu acho extraordinário… (…) Vão indo bem os negócios Disse Almeida:-O meu assunto O Sr. Almeida, fitando no moço um olhar E tudo a Jorge entregou. É urgente e necessário! severo, respondeu lentamente à sua (...) pergunta inquieta: - Neste caso, disse o moço, - O senhor está pobre. Vamos direto à questão. (…) E sentou junto a Almeida O Sr. Almeida apertou-lhe a mão com a Com certa inquietação mesma impassibilidade costumada, como Como quem quer de um enigma se nada tivesse se tivesse passado entre Saber a decifração eles na véspera. (...) Fonte: (ALENCAR, 2014, p.14); (PEREIRA SOBRINHO, 1961, p.3); (RINARÉ, 2015, p.13)

Não há como negar o tom sério e até austero na versão de Alencar que, fielmente, é preservado por Rinaré, chegando até a transcrição de algumas palavras/frases. Diferente disso, verificamos que na composição de Pereira Sobrinho se constrói uma nuance poética a partir das expressões Meu rapaz; Meu filho; que deixam subentendido um amor de pai para filho, pois era assim que o Sr. Almeida considerava Jorge. Essa evidência afetiva aparece em outros momentos do folheto de de Manuel Pereira, conforme demostrados nos trechos que destacamos das ações dos referidos personagens, vejamos:

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Quadro 5 – Expressão das emoções

AÇÕES DE JORGE AÇÕES DO Sr. ALMEIDA Adeus, meu amigo Almeida, Como sua testemunha Meu velho horado tutor! Vim apenas lhe avisar Não sabes que vou morrer Pois fui eu que lhe criei Porque tenho um grande amor Posso bem lhe explicar; Porém, caí numa vala Então, até amanhã! De miséria e de horror!… Vá dormir e vá pensar…(p.12)

Perdão, meu velho tutor! Disse o velho: Meu menino, Que eu mesmo fui ruim Estudei psicologia E se pudesses me ouvir Na hora do seu noivado Eu explicaria assim: Na sua face se lia Sepulte o meu corpo e mande O pensar de um suicida Dizer três missa p’ra mim! Com perfeita fisionomia. (p.16) (…) (…) Jorge ouvindo essas palavras Meu Jorge, lhe disse Almeida, Ficou emocionado Chegou-me uma idéia agora; E começou a chorar Você não quer ir p’ra casamento Ali num canto, sentado Nesse caso vá embora E disse: Meu pai, eu sei Para um país distantes Que eu mesmo sou o culpado! Procurar sua melhora. (p.19) (…) (…) Jorge naquele momento Disse o velho: Pode ir Com o velho se abraçou Já que é a sua sina; Deu-lhe um aperto de mão Tem um navio no pôrto E para o pôrto rumou E como a sorte destina Como o navio partia Dê-me adeus e vá embora Nêle Jorge viajou. Sob a proteção divina!… Fonte: (PEREIRA SOBRINHO, 1961, p.18-20)

Notemos que Jorge não nega a condição de Almeida em sua vida, uma vez que até a chamá-lo de Meu pai, na terceira estrofe dos excertos acima. Almeida, por sua vez, não poupa insinuações carinhosas a Jorge: Meu menino, Meu Jorge são termos que sugerem esse amor paternal, revelado também pelo aconselhamento Vá dormir e vá pensar; e o abençoando por meio dos versos Dê-me adeus e vá embora/ Sob a proteção divina!, atitudes próprias de um pai para com um filho. Diante da leitura feita até este momento, é possível inferir que, das três obras aqui exploradas, a de Pereira Sobrinho (1961) ecoa mais subjetividade no nosso entendimento. Ainda que mantendo o mesmo enredo, consideramos que a atualização de um texto canônico, por meio da adaptação para o cordel, que faz uso de frases sintéticas, de musicalidade e cadência proporcionadas pelas rimas, pode alcançar a atenção e

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predileção do leitor em qualquer época. É preciso, pois, que se faça chegar até ele (o leitor) de maneira desprendida de obrigações, e um dos caminhos para isso, acreditamos que seja a escola que, muitas vezes, tem reduzido o uso do cordel nas datas comemorativas, principalmente, do folclore.

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CAPÍTULO 3

4 COM O CORDEL NA MÃO: A VIVÊNCIA DA LEITURA DE FOLHETOS EM SALA DE AULA.

O desafio de formar o aluno enquanto sujeito leitor que corresponda aos moldes e exigências da sociedade atual, tem deixado inquietos muitos agentes envolvidos e comprometidos com o sistema de ensino. Muitos fatores são atribuídos a isso, como desinteresse por parte do aluno, recursos materiais insuficientes na escola, métodos de ensino inadequados, condições econômicas precárias, relações interpessoais na escola e na família, desvalorização profissional, etc. Contudo, não podemos nos deixar acomodar ou vencer pelos obstáculos provocados por questões de desestímulos nas áreas internas ou externas do ambiente escolar, ou seja, mesmo sabendo das dificuldades, a postura do profissional deve, ou pelo menos deveria, ser mantida de acordo com os princípios da sua função, a fim de que o agravamento dos índices negativos referentes à qualidade dos leitores não aconteça. Dentre os fatores supracitados, acreditamos que o mais preocupante gira em torno dos métodos e estratégias utilizadas no processo de formação do leitor, as quais já não devem mais surtir o efeito esperado. Nesse sentido, é interessante pensar sobre o tipo de leitura que os alunos estão tendo acesso e se isso se faz por escolha ou imposição, pois o que temos percebido comumente é a leitura sendo tratada como obrigação ao cumprimento de um currículo pré-elaborado, muitas vezes, descontextualizado e distante do interesse do aluno. E isso se agrava ainda mais quando refletimos sobre a leitura literária na escola, que não deve ser “privilégio” de alguns níveis de escolarização, mas inserida na sala de aula desde os primeiros anos escolares, ou seja, já na Educação Infantil, para que a leitura se torne parte da vida do sujeito. Desse modo, intentamos aqui descrever e refletir sobre uma intervenção didática realizada,com intuito maior de observar a recepção da leitura de uma obra literária

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considerada pela crítica como canônica e duas versões da mesma narrativa versada em cordel, em uma turma de 9º ano de uma escola de Alagoa Grande PB. É pertinente, pois, contextualizar o campo da intervenção, apresentando alguns aspectos relevantes para a compreensão da referida proposta de leitura.

4.1 Caracterização da Pesquisa

Para Boente e Braga (2004, p. 25), “A metodologia ou os procedimentos metodológicos são os passos descritos um a um de como o pesquisador pretende desenvolver sua pesquisa”. Assim, para a realização deste trabalho, inicialmente, realizamos uma pesquisa exploratória nas aulas de uma turma de 9º ano de uma escola do município de Alagoa Grande – PB, a fim de buscar informações gerais em torno dos instrumentos mais utilizados, no processo de formação leitora. Dessa maneira, visitar a escola foi ação imprescindível para coletar amostras e informações necessárias que foram fornecidas a partir de questionários escritos, nos quais os partícipes (professor e alunos da turma objeto da pesquisa) ficaram livres para responder e expor suas impressões particulares em torno das aulas de Língua Portuguesa e sua mediação. Nesse sentido, nossa atuação foi de caráter etnográfico, que, como descreve Oliveira (2007, p. 73-74) “a pesquisa etnográfica exige uma efetiva participação do pesquisador no processo em termos de observação e interação com os atores sociais, cuja ênfase deve ser no processo educacional e não simplesmente no resultado final da pesquisa”.

4.2 Caracterização da Escola

A escola, objeto desta pesquisa, pertence à rede municipal de ensino e está localizada na zona urbana. Assim, o suporte pedagógico nos momentos de planejamento e organização do ano letivo é oferecido pela Secretaria Municipal de Educação, através de encontros municipais a cada início de ano. No entanto, o corpo docente da unidade escolar se reúne internamente, para pensar as necessidades da

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escola respeitando o contexto. Dessa maneira, para execução dos planejamentos pedagógicos, a unidade escolar também conta com programas oriundos do governo federal, como o PDDE, PDE e Mais Educação, os quais contribuem para o funcionamento da escola, sobretudo, em sua estrutura financeira. A escola dispõe de uma grande quantidade de salas amplas e climatizadas, para atender o corpo discente e contribuir com todo o processo de aquisição da aprendizagem. A estrutura das salas de aulas diferencia-se em sua organização de acordo com a faixa estaria dos estudantes, ou seja, para os pequenos (Educação Infantil e 1º ano) a sala é decorada pelas professoras de uma maneira mais dinâmica e descontraída, já a organização espacial para as turmas do Ensino Fundamental II segue o modelo tradicional de ensino, ou seja, carteiras enfileiradas, sem decoração. Embora tenhamos percebido a existência de biblioteca, sala de vídeo, brinquedoteca, sala de leitura e laboratório de informática, verificamos que estes ambientes são pouco frequentados por professores e alunos. Alguns professores afirmam ter pouco tempo de aula para deslocar a turma da sala, por isso o uso destes ambientes é esporádico. Os espaços administrativos são distintos para cada função como sala de diretoria, secretaria, sala de professores, são amplos e com os equipamentos necessários para o atendimento aos alunos. Para o lazer e a recreação, os alunos aproveitam ambientes como a quadra, o auditório, um pequeno parque, jardim e o refeitório. Para o bom desenvolvimento da prática pedagógica, a escola conta com o apoio do corpo docente, o qual colaborou com a construção do Projeto Político Pedagógico juntamente com a equipe técnica pedagógica municipal, uma vez que não há uma equipe específica para atender a escola. Nesse cenário, a escola atende alunos de três níveis de ensino, a saber:  Educação Infantil – que atende alunos nos turnos manhã e tarde, em ambiente diferenciado e adequado à faixa etária da criança, contando com recursos correspondentes ao nível dessa clientela.  Ensino Fundamental I e II – funcionando nos turnos manhã e tarde, com atendimento a alunos em ambientes propícios à faixa etária, pois conta com recursos

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diversos propiciadores de aprendizagem como, biblioteca, sala de vídeo, laboratório de informática, embora pouco utilizados. Além dessas modalidades de ensino, a escola desenvolve outro trabalho de grande relevância socioeducativo e de inclusão, é o atendimento a alunos portadores de deficiência. A sala específica do AEE (Atendimento de Educação Especial) conta com alunos com deficiência auditiva, portadores de Síndrome de Down e outros transtornos. Para atender a essa vasta clientela, a escola conta com um número considerável de professores distribuídos por áreas de conhecimento e modalidade de ensino. Assim, na Educação Infantil há 04 professores, no Ensino Fundamental I há 09 professores, no AEE 06 profissionais e no Ensino Fundamental II são 36, totalizando 55 docentes. A maioria desses profissionais pertence ao quadro efetivo de funcionários do município, possuindo curso superior e pós-graduação (latu sensu), apenas 01 possui o curso de nível médio correspondente ao magistério. Enfim, é uma escola de referência no município por sua estrutura e organização administrativa e pedagógica.

4.3 O perfil da turma e a coleta dos dados

Para coletarmos os dados da nossa pesquisa, escolhemos uma turma de 9º ano do Ensino Fundamental para desenvolver uma intervenção didática focada na vivência da leitura literária com folhetos de cordel. A aplicação da proposta teve início no mês de abril e foi encerrada no mês de maio de 2017, com o quantitativo de 27 colaboradores, cuja idade variava entre 14 e 20 anos, oriundos das zonas rural e urbana, sendo a maioria dependente dos programas sociais do governo federal. O baixo nível de leitura de grande parte dos alunos do Ensino Fundamental desta escola foi um dos principais motivos para a escolha da turma, uma vez que, pertencendo ao quadro docente da escola, a pesquisadora não compreendia a razão de os alunos chegarem a concluir mais uma etapa escolar, apresentando grandes dificuldades para ler um texto e se posicionar diante dessa leitura. Além disso, perceber que o texto literário era tão pouco utilizado nas aulas de Língua Portuguesa, salvo os

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fragmentos dos textos contidos no livro didático, causava grande estranheza, visto que, nessa fase escolar, o aluno já deveria ter domínio das habilidades de leitura, como também uma certa bagagem de leituras literárias, tendo em vista que as orientações preconizadas pelos PCNs, desde 1998, discorria que é também dever da escola, “além de expandir os procedimentos básicos aprendidos nos ciclos anteriores, explorar, principalmente no que se refere ao texto literário, a funcionalidade dos elementos constitutivos da obra e sua relação com seu contexto de criação.”(BRASIL, 1998, p. 71). E isso parecia estar um pouco distante da realidade de alunos do 9º ano, turma alvo de nossa pesquisa. Para prosseguirmos descrevendo o desenvolvimento deste trabalho, é importante dizer que, anteriormente à execução da projeto de leitura, visitamos a turma de maneira informal, a fim de observar o seu perfil geral e, assim, adequar as atividades pensadas para a intervenção, como também combinarmos o período de aplicação da proposta com a professora. A experiência em si foi desenvolvida ao longo de seis encontros, correspondentes à 12 horas-aulas, nas quartas e quintas-feiras – dias em que duas aulas de Língua Portuguesa eram seguidas. Para apoiar nossos argumentos e refutações em torno da prática da leitura, registramos esses momentos através de questionários escritos, anotações do professor-pesquisador, fotografias, gravação de áudio e vídeo e atividades escritas para registros das impressões dos alunos sobre o que foi lido. Lembramos que esses encontros/aulas foram organizados com base na sequência básica sugerida por Rildo Cosson (2006), conforme a sistematização descrita no apêndice D.

4.4 Categorização e discussão dos dados

No primeiro encontro, formalizamos nossa presença através de documentos oficiais, como o Termo de Consentimento de Livre e Esclarecido (TCLE) (Apêndice A), tanto para os alunos quanto para a Professora, o qual foi entregue para que os alunos de menor idade levassem para casa, a fim de que fosse assinado pelos pais ou

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responsáveis, confirmando a autorização para participação da pesquisa, pois imagens e falas iriam ser utilizadas para as nossas considerações. Explicamos, então, os procedimentos e importância da pesquisa iniciando nossa intervenção. Ainda nesse encontro, aplicamos um questionário escrito (Apêndice B) no intuito de explorar e traçar o perfil dos alunos da turma em torno do gosto pela leitura, no qual foram elaboradas 06 (seis) perguntas sobre o hábito da leitura, as preferências e experiências de cada um na escola, o conhecimento ou não da literatura de cordel, dentre outros fatores que envolvem o ato de ler. Além disso, a partir desta primeira atividade, objetivamos verificar a frequência e o jeito como a leitura literária se fazia presente neste contexto, a fim de traçar com mais clareza as demais etapas deste trabalho, pautadas na vivência da leitura literária, através de estratégias que possibilitassem o desenvolvimento da leitura crítica. Dessa maneira, sobre a primeira pergunta que fazia referência a gostar de ler, verificamos que do total de 27 alunos, 22 responderam que gostavam de ler; 03 responderam que não e 02 alunos deram outro tipo de resposta. Compilamos esses resultados no gráfico ilustrativo a seguir, para melhor demonstrar quantitativamente as elucidações dos alunos e descrever nossas impressões em torno das respostas dos colaboradores, os quais nos referiremos através de nomes fictícios, afim de preservar suas identidades, na apresentação de suas respostas no decorrer das discussões.

Gráfico 1 – Resposta à pergunta: Você gosta de ler?

Responderam Sim Responderam Não Outra resposta

Fonte: Dados da Pesquisa

Diante deste gráfico, percebemos que a maioria dos alunos apreciam a atividade da leitura e que existe a consciência em torno do seu valor e necessidade, para a aquisição do conhecimento e da aprendizagem. Nesse sentido, algumas justificativas

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dos alunos, para essas respostas positivas, evidenciavam a leitura como fonte de informação, de ampliação do conhecimento e como mecanismo diário da vida do sujeito, conforme demonstram algumas falas abaixo, que transcrevemos na íntegra:

Tina: Sim porque apessoa a cada dia aprende mais lendo. Marcos: Eu gosto de ler por que a pessoas aprende cada vez mais coisa. Ana: Sim, porque e bom ler e tudo que fizemos precisamos de leitura. José: Sim, porque é bom para refletir e para ajudar a ler cada vez mais e aprender também.

Aline: Sim. Porquê é um aprendizado que precisaremos pra vida e também porque vemos muitas coisas que acontecem no nosso dia – a – dia.

Maria: Sim. Porque eu acho que lendo agente aprende novas coisas que nunca saberíamos que esistia.

Fonte: Dados da Pesquisa

Aqueles três alunos que afirmaram não gostar de ler foram bastante enfáticos e não se posicionaram sobre essa negativa, salvo apenas um que mencionou que era “muito trabalhoso”. Presumimos, nesse argumento, que o entendimento deste aluno se limitava às práticas de leitura na escola, uma vez que a pergunta sugerida fora bastante objetiva, tratando apenas da satisfação, ou não, do ato de ler. Já sobre os dois alunos que deram outro tipo de resposta, um disse que ficava nervoso, o outro falou que era porque às vezes tinha palavras difíceis de falar. Entendemos, que essas respostas sugeriam a ausência de um trabalho voltado para a superação dessas dificuldades, uma vez que, no geral, não observamos no decorrer da nossa intervenção grande entusiasmo desses alunos para a atividade com leitura. Diante disso, lembramos das observações de Michèle Petit (2009), sobre a relevância de um mediador para motivar o “iniciador ao livro”. Nos reportamos, também, ao que discutimos no primeiro capítulo deste trabalho, sobre a forma como a leitura ainda está sendo trabalhada em algumas escolas, de maneira mecanizada que não faz o sujeito avançar além do ponto da decodificação. Quando questionados sobre a experiência de terem lido alguma obra literária, a

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turma foi unânime em afirmar ter lido algum livro, cuja característica variava, porém os mais citados foram romance, novela, poesia e conto. Apenas um aluno disse que não leu nenhuma obra literária. Ressaltamos que nessa mesma questão do referido questionário, em que sugere o apontamento do aluno sobre as obras literária que ele tem mais contato, dispomos também a opção outro(s), seguido do pedido para especificar, propositadamente, na perspectiva de encontrar alguma resposta indicando o cordel como uma obra que os alunos tivessem contato, já que o contexto da pesquisa era favorável para a indicação desse gênero literário. No entanto, e para nossa surpresa, isso não aconteceu. A opção não foi marcada por nenhum aluno, logo, nossa expectativa não foi correspondida e não compreendemos o que levou os alunos a deixar de citar o cordel. O que deduzimos é que essa omissão pode estar relacionada à frequência reduzida do uso desse gênero na sala de aula, contribuindo para o seu quase esquecimento por parte dos alunos. A verdade é que a ausência dessa informação muito nos incomodou e serviu de base reflexiva sobre até que ponto existe valorização de algo, que faz parte da história do sujeito e que ele próprio não evidencia tal riqueza. Percebemos, dessa maneira, que conhecer as afinidades de leituras dos alunos se faz bastante relevante, afim de que isso sirva de gancho para uma exploração maior desse interesse. A propósito, a resposta unânime da turma só veio confirmar o que os índices da pesquisa do Instituto Pró-Livro10, citados no capítulo um deste tralho, indicavam em torno do crescente número de leitores a cada ano.

A proporção de leitores que gostam muito de ler é significativamente maior que a proporção de não leitores, grupo composto por 43% de indivíduos que não gostam de ler; • Gostar muito de ler é mais característico das crianças menores (mesma proporção encontrada para “gostar um pouco”, sendo que os adolescentes e adultos declaram em maior proporção que gostam um pouco de ler, indicando uma mudança importante na relação com a leitura a partir do ingresso no Ensino Fundamental II. No entanto, entre os indivíduos que atingiram escolaridade superior, a proporção dos que gostam muito de ler ultrapassa a metade desse grupo. (INSTITUTO PROLIVRO, 2017)

10 Embora o Instituto tenha divulgado essa pesquisa através de livro, as informações que utilizamos foram retiradas do site da entidade: www.prolivro.org.br

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Isso significa dizer que, embora a leitura literária não se faça tão presente na sala de aula como almejamos, estando limitada aos textos do livro didático, o gosto pela leitura, no geral, é evidente entre a maioria dos alunos, bastando apenas que esse fio condutor seja aproveitado para ampliar e desenvolver esse interesse, com fins transformadores até chegar na autonomia do sujeito enquanto ser social. Desse modo, ter ciência das estratégias utilizadas para se alcançar o resultado pretendido em relação à leitura é de extrema importância, pois os caminhos traçados definirão o tipo e a qualidade do leitor que está sendo formado. Nessa perspectiva, investigamos como eram desenvolvidas as aulas de leitura na escola e, para nossa pergunta, obtivemos respostas variadas que apontam para pontos de vista bem interessantes. Um conjunto de respostas foram bem semelhantes, conceituadas como “boas e muito boas”, vejamos.

Aline: Eu acho que são muito boas e eu aprendo bastante com elas. Tina: São muito boas sempre aprendemos e ensinamos alguma coisa. Ana: As aulas de leitura na minha tem que prestar muita atenção para tirar dúvidas.

Maria: Muito boas porque a professora é muito boa. Paulo: Boas os professores ensinam muitas coisas legais. Marcos: São boas. José: São boas, mas eu não leio. Fonte: Dados da Pesquisa

Interessante perceber que a maioria das respostas estão associadas `a necessidade de conhecimento e que para isso tem que prestar muita atenção. Em outro momento, o aluno traz a tona o afeto pela professora, já que há referência à ela, caracterizando-a como muito boa. Apesar de afirmar que as aulas de leitura são boas, um aluno deixa claro que não lê. Como não houve nenhuma razão explícita para essa resposta, entendemos que o papel do professor, enquanto mediador, se faz imprescindível nesse momento, a fim de aproveitar o que ele pensa sobre leitura e despertar o vontade de ler, pois ele próprio diz que as aulas de leitura são boas. O total das respostas para esta perguntas foi compilado da seguinte maneira:

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Quadro 6 – Compilação das respostas à pergunta, Como são as aulas de leitura na sua escola?

Respostas compiladas pela semelhança. Quantidade de alunos Boa, porque a professora e boa. 5 Existe para aprender mais. 7 Lendo outros textos, de outras matérias. 2 A professora pergunta quem quer ler. 7 São legais mas são poucas. 2 Fonte: Dados da Pesquisa

O quadro, sugere algumas reflexões. Como já mencionado, a afetividade pela professora fica notória a partir das cinco respostas acima sugerindo que a atividade de leitura tem sido condicionada aos seus comandos. É como se os alunos participassem dessas atividades para não contrariá-la. Todavia, percebemos que isso não acontece de maneira imposta, pois sete dos alunos responderam que A professora pergunta quem quer ler. Essa resposta nos fez inferir que sutilmente existe uma maneira democrática de se realizar a tarefa em sala de aula, pois quando a professora pergunta quem quer ler, abre livre espaço para alguns que desejam participar da atividade. Trazemos nesse momento, mais uma vez, o que diz Michelle Petit (2009, p. 225) sobre a importância do mediador no processo de formação do leitor, “E que deveria poder dar, a cada leitor, uma oportunidade de encontros singulares com textos que possam lhe dizer algo em particular”., ou seja, ultrapassar as folhas do livro didático e oferecer outros caminhos para ampliação do repertório de leitura, pois os próprios alunos sentem a necessidade de sair do convencional da aulas, já que alguns citaram que as aulas de leitura eram legais mas são poucas e acontecia lendo outros textos de outras matérias. Diante disso, fica implícita a ideia de que os textos trabalhados em sala de aula se distanciam da proposta aqui defendida, ou seja, parece que os textos são utilizados apenas para fins avaliativos. Tais textos não precisam ser desprezados pelo professor, pois certamente eles têm o seu valor, podendo funcionar, inclusive, como instrumento

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de apoio para o professor. O que se faz necessário é que estes sejam utilizados de modo a convidar, como afirma Rouxel (2013),

também a explorar experiência humana, a extrair dela proveitos simbólicos que o professor não consegue avaliar, pois decorrem da esfera íntima. Enriquecimento do imaginário, enriquecimento da sensibilidade por meio da experiência fictícia, construção de um pensamento, todos esses elementos que participam da transformação identitária estão em ato na leitura. (ROUXEL,2013, p. 24)

Ao tratar o texto literário apenas com fins avaliativos, nas aulas de leitura, perde- se, então, a oportunidade de criação, inventividade e interação entre os principais envolvidos no jogo da leitura – leitor e texto, como também a possibilidade de se construir um novo universo. Quando perguntamos sobre o que os colaboradores compreendiam sobre as atividades de leitura, sua dificuldade, ou não, para realizá-las, a maioria afirmou conseguir cumprir com a atividade de leitura, mas nos chamaram a atenção as justificativas para essa afirmativa. O recorrente foi que grande parte da turma disse que, embora fazendo as atividades, às vezes sentiam muita dificuldades porque tinha muitas palavras complicadas. Isso sugere que as tarefas relacionadas à leitura são realizadas apenas para cumprimento da rotina pedagógica e a experiência efetiva parece-nos ter ficado no campo do abstrato.

4.5 Não é o fim, mas o início do cordel em sala de aula: detalhes da intervenção.

Antes de tomar na mão os folhetos, achamos pertinente que a turma conhecesse a primeira versão da história escolhida para esta intervenção. Então, conforme descrito na proposta, tudo começou com a leitura da versão de A viuvinha escrita por José de Alencar, que foram distribuídas cópias aos alunos e iniciada a leitura com a participação da turma do primeiro capítulo, ou seja, a professora- pesquisadora iniciou a leitura e os alunos continuavam ao término de cada parágrafo. Essa estratégia foi pensada para ajudar a turma a criar intimidade com a narrativa e

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com a linguagem empregada nessa versão. Ressaltamos importante essa atividade pautadas no que orientam os PCNs sobre as possibilidades que esse tipo de leitura pode trazer para os alunos, como

o acesso a textos bastante longos (e às vezes difíceis) que, por sua qualidade e beleza, podem vir a encantá-los, ainda que nem sempre sejam capazes de lê- los sozinhos. A leitura em voz alta feita pelo professor não é uma prática muito comum na escola. E, quanto mais avançam as séries, mais incomum se torna, o que não deveria acontecer, pois, muitas vezes, são os alunos maiores que mais precisam de bons modelos de leitores.(BRASIL, 1998, p.47)

Além disso, pensamos na relação estreita que deve ser estabelecida entre obra e leitor através das formas de ler, respeitando pontuação, entonação, ritmo, de modo a favorecer emoção e exercício da imaginação a partir de cada situação narrada. Após a leitura em voz alta do primeiro capítulo, foi feita uma breve discussão pontuando a linguagem empregada relacionada ao contexto da produção da obra, entre outros aspectos. A turma, então, continuou a leitura com bastante concentração.

Figura 5 – Leitura da obra A Viuvinha, José de Alencar

Fonte: Dados da Pesquisa

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Figura 6 – Leitura da obra A Viuvinha, José de Alencar

Fonte: Dados da Pesquisa

Cientes de que a leitura do livro não fosse concluída no primeiro encontro, orientamos que a turma levassem o exemplar para casa e, assim, terminarem a leitura. No segundo encontro, provocamos o debate sobre a história lida. Como fio condutor da discussão, perguntamos se todos conseguiram terminar a leitura e a maioria respondeu afirmativamente, alguns, porém, foram sinceros e disseram que não. A estes perguntamos o motivo que os impediram de concluir a leitura do livro e as respostas foram variadas, conforme transcrevemos, da gravação em áudio da aula, a fala de alguns alunos, os quais estão identificados por nomes fictícios como já mencionamos anteriormente, para melhor nos reportarmos aos dados obtidos de maneira mais organizada. Vejamos a resposta de três alunos:

Ana: Fui ajudar minha avó que estava sozinha pra vim pro banco.

Pedro: Fiquei cuidando do pirralho em casa, que tava doente, enquanto minha mãe foi pra feira.

Paulo: Fui jogar bola.

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Consideramos que estas respostas dos alunos foram bastante fiéis, principalmente, ao se referirem ao auxílio que prestam em casa, pois levamos em conta o contexto socioeconômico em que estão inseridos, uma vez que a maioria é assistida pelos programas sociais do governo federal, ou se mantém com a aposentadoria dos avós e da agricultura. Para alguns estudiosos, essa realidade torna- se um fator que interfere no desempenho escolar do aluno quando este tem que abdicar dos compromissos escolares para ajudar a família de alguma forma. Prosseguimos com nossa intervenção didática, perguntando aos demais que conseguiram terminar a leitura do romance, o que acharam da história. As respostas foram variadas e o relato de alguns alunos sobre o enredo do livro foi bastante coerente. A maioria dos alunos que terminou a leitura do livro afirmou que a história era boa, ótima, que parecia com histórias reais, mas tinham muitas palavras difíceis que não usavam no dia a dia. Para essa observação dos alunos, explicamos em linhas gerais que isso se devia às características e particularidades do contexto em que a obra fora produzida, ou seja o momento histórico que se vivia no Brasil, dentre outros aspectos da construção literária da época. O importante a se destacar é que a história atraiu a atenção dos que a leram até o fim, como também despertou interesse naqueles que não concluíram a leitura, ou até mesmo aqueles que resistiram ler o livro. Compreendemos, nesse sentido, que a leitura também é contagiante quando discutida com outros leitores, pois desperta a vontade de participação ativa dos diálogos em torno dela. O olhar de quem não conseguiu terminar a leitura direcionada a quem estava discutindo e narrando o que leu, expressava interesse em saber o resto da história e isso é bastante interessante porque nessa ação também existe um jeito diferente de se ler. Para fechar esse momento, aplicamos uma atividade escrita para reforçar o poder de síntese e atribuição de características aos personagens a partir das informações oferecidas pela obra lida. Tal atividade foi realizada em duplas de alunos e consistia em construir um quadro de constrastes dos protagonistas da história, Jorge e de Carolina. Em outras palavras, a ideia era observar se os alunos conseguiam, a partir

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da leitura realizada, traçar o perfil dos personagens através de suas atitudes no decorrer da trama. Além disso, queríamos verificar a postura crítica dos alunos sobre o comportamento dos personagens, ou seja, como cada um se posicionava e compreendia os protagonistas a partir de suas condutas (“certas” e “erradas”) no desenvolver da trama. Para tanto, a turma precisava ser provocada, questionada e auxiliada a tecer suas impressões em relação aos personagens, ou seja, era preciso instigá-la a lembrar da história lida. Então, a conduzimos a uma tempestade mental, através de alguns questionamentos orais como: Como era Jorge? De onde veio o dinheiro que ele gastava? Onde e como Jorge e Carolina se conheceram? Esse momento foi bastante caloroso, pois, por vezes, os alunos associavam a postura dos personagens aos hábitos atuais de alguns jovens. Sobre a primeira pergunta acima, que se referia ao perfil de Jorge, alguns alunos responderam:

Aline:. Era safado, farrista, gostava de beber;

Tina: Não queria saber muito das coisas;

Ana: Gastava o dinheiro no jogo e com mulher;

José: Vivia na bagaceira.

Diante dessas falas, percebemos que a leitura foi bem compreendida a partir da transposição das atitudes do protagonista ao universo do aluno, uma vez que este utiliza de expressões do seu cotidiano para descrever o perfil e a conduta de Jorge em um contexto totalmente diferente. Isso fica mais evidente, quando perguntamos de onde vinha o dinheiro que Jorge gastava e uma aluna dizia: Do pai dele que trabalhou trinta anos e juntou real por real. Observamos que a aluna usou a moeda vigente do atual sistema monetário (o real), para associar à fortuna que Jorge recebera do pai e que na época a moeda era denominada reis. Constatamos, assim, que a recepção se deu de uma maneira dialógica com o conhecimento de mundo da aluna. Aqui, lembramos do que Michèle Petit (2009, p.26) considera a leitura como ato de liberdade no acolhimento do livro, para autora “os leitores apropriam-se dos textos,

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lhes dão outro significado, mudam o sentido, interpretam à sua maneira, introduzindo seus desejos entre as linhas: é toda a alquimia da recepção”. Evidentemente, existam limites para toda interpretação, pois esta não deve ultrapassar as fronteiras do texto, como mencionado em momentos anteriores desta discussão. Após esse momento de discussão, os alunos iniciaram o registro da atividade acima descrita e, ao término, solicitamos que as duplas socializassem o que anotaram sobre os personagens. Depois disso, compilamos as respostas construindo coletivamente um novo quadro de contrastes, como uma síntese da atividade, conforme a imagem seguir.

Figura 7 – Compilação coletiva do "Quadro de Contrastes" construído em duplas.

Fonte: Dados da Pesquisa

Notamos a ocorrência de alguns descuidos em algumas respostas, mas não deixamos de anotá-las, pois serviram para discussão sobre as informações coerentes, ou não, oferecidas pelo texto. Dessa maneira, iniciamos uma discussão acerca das

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“coisas erradas” cometidas por Carolina e Jorge, a fim de verificar o senso crítico da turma a respeito das atitudes dos protagonistas, como também observar o grau de atenção do leitor no ato da leitura e na interpretação da obra lida. Perguntamos, então, por que foi citado que casar com Jorge era algo errado. Uma das duplas se pronunciou dizendo que era porque ela era muito nova, que ela devia esperar ficar de maior. Compreendemos que, talvez, esse conceito faça parte dos princípios ensinados em casa, pela família, ou até mesmo pelo fato de, na atualidade, os alunos se depararem com o precoce envolvimento de alguém próximo, sugerindo a discordância do casamento de meninas muito jovens, pois outros alunos interferiram dizendo tem que ter uma casa e um emprego, senão vão morrer de fome. Essa visão do aluno pressupõe uma certa criticidade e a necessidade de planejamento em relação ao casamento dos dias atuais. Constatamos que, nesse sentido, a leitura possibilitou o sujeito a dar alguns passos na direção de se tornar um “leitor maduro”, conceito citado por Lajolo (1985) no capítulo 1 deste trabalho, dada a sua “compreensão das gentes e da vida”. É claro que para ser, de fato, um “leitor maduro”, um considerável percurso ainda precisará ser trilhado, mas consideramos um avanço importante ao notar a recepção dos alunos, o interesse e a interação com a obra lida e, acima de tudo, a espontaneidade que cada um manifestava o seu ponto de vista sobre o lido. Tudo isso aponta para um certo despertar para a importância da leitura, numa percepção de valor à obra literária. A maneira como aconteceram as discussões sobre a obra evidencia a inegável recepção dos alunos ao texto, pois o enredo os envolveu ao ponto de relacionar aquela história a fatos semelhantes da realidade dos alunos. A respeito disso, entendemos que novos significados foram construídos a partir da interação entre leitor e texto, resultando na “atualização do texto literário por parte do leitor que o recebe”, aspecto que se refere Jauss (1994), citado no item 2.2 deste trabalho. Antes de apresentarmos de fato os folhetos de cordel, no quarto encontro, iniciamos uma conversa para sondar se a turma tinha conhecimento de outros autores que tinham escrito histórias como a que eles tinham acabado de ler. Depois, fizemos a exibição de alguns slides com dados sucintos do poeta Manuel Pereira Sobrinho e do

80 folheto por ele escrito Os martírios de Jorge e Carolina11. Por fim, distribuímos as cópias do folheto e solicitamos que os alunos começassem a leitura. Ao percebemos que os alunos já haviam lido alguns trechos, pedimos uma pausa na leitura para discutirmos um pouco sobre o texto e, em seguida, a professora deu continuidade à leitura em voz alta, para que os discentes percebessem ritmo, entonação, etc. Pensando nessa prática, o Professor Hélder Pinheiro (2007, p.34) adverte:

A leitura que não seja minimamente adequada compromete a apreciação e o reconhecimento do valor da obra. Ler em voz alta é um modo de acertar a leitura, de adequar a percepção a uma realização objetiva. Portanto não é tarefa ligeira. É preciso de ler e reler o poema, valorizar determinadas palavras, descobrir as pausas adequadas, e, o que não é fácil, adequar a leitura ao tom do poema.

Talvez por isso alguns alunos diziam: Continue, professora, com a senhora lendo a agente entende mais. No entanto, pensamos que eles precisavam também se habituar a ler os cordéis pondo um pouco mais de performance nesse ato. Então, aproveitando o entusiasmo da turma nessa atividade, propomos que a leitura fosse retomada por meio de um teatro de leitura12. Assim, solicitamos três voluntários e explicamos que estes deveriam se posicionar na frente da turma e cada um leria uma estrofe do folheto, dando um passo a frente dos demais, utilizando de gestos pertinentes ou sugeridos pela estrofe lida, ou seja, “performatizando” a estrofe, ou pelo menos tentando colocar um pouco de representação e dinamismo na leitura. Para a nossa surpresa, quatro alunos se dispuseram a realizar a atividade proposta e, apesar de tímidos e envergonhados, executaram a tarefa respeitando as próprias limitações performáticas. Certamente, atividades como essa tornaria as aulas mais prazerosas e divertidas, como também, talvez, contribuiria para a transformação daquele aluno acanhado em um sujeito mais desenvoltos socialmente, pois seria uma oportunidade de vencer certos limites como receio de apresentação em público, por

11 Utilizamos cópias do cordel em PDF impressa do site da Fundação Casa Rui Barbosa, devido à dificuldade de encontrarmos os exemplares.

12 Souza (2010) propõe o teatro de leitura como uma atividade lúdica, na qual são utilizadas expressões performáticas como vozes, expressão facial, corporal, interpretação no ato da leitura do texto. É uma estratégia dinâmica para o ensino da leitura literária.

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exemplo.

Figura 8 – Leitura por meio da estratégia “Teatro de Leitura”

Fonte: Dados da Pesquisa Perguntamos aos quatro alunos o que sentiram ao realizar esta atividade. A resposta comum foi que ficaram com vergonha. Entretanto, o fato desses alunos decidirem ficar diante da turma, para realizar uma atividade assim, sugere interesse, receptividade à obra e vontade de evoluir, não só, intelectualmente, mas também enquanto sujeito social, pois se acharam capazes de vencer algumas dificuldades próprias do processo de aprendizagem na escola e na vida, como a timidez. A turma, por sua vez, prestava atenção na atividade desenvolvida pelos quatro alunos, principalmente, no modo como liam o poema. Alguns até corrigiam algumas palavras lidas “erradas”, outros riam e outros diziam deixa ele ler, como se fosse pedindo para não atrapalhar. Tais posturas confirmam o interesse e a recepção da proposta executada nessa turma. Ao término da leitura deste folheto, abrimos espaço para cada um falar sobre as impressões deixadas pela leitura e se perceberam semelhanças com o texto

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anteriormente trabalhado. A participação nas respostas foi bastante calorosa e a ênfase foi dada ao tipo de linguagem empregada pelo poeta e a estrutura do texto, uma vez que a aluna Aline disse: Esse é uma poesia, né Professora?. Tal pergunta impulsionou ainda mais a discussão, no sentido de conduzi-los a perceberem as particularidades da estrutura dos dois textos até aqui trabalhados, o de Alencar, escrito em prosa e o de Pereira Sobrinho, escrito em versos. Ainda com o intuito de tornar a atividade mais dinâmica, propomos a construção de “uma colcha de retalhos” com palavras retiradas do folheto. Assim, distribuímos papeis coloridos entre os alunos para que as palavras que causaram estranhamento fossem ali escritas. Em seguida, cada um leu algumas das palavras destacadas e afixou no quadro o papel formando, assim, a colcha, conforme imagem abaixo.

Figura 9 – A "Colcha de Retalhos"

Fonte: Dados da Pesquisa

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Da mesma forma como na versão primeira, a de José de Alencar, esclarecemos que o uso desses vocábulos correspondia às particularidades da época e outros fatores do contexto da escrita. Todavia, o que precisa ser evidenciado nessa atividade não é necessariamente o trabalho com o vocabulário do texto, mas conduzir os alunos a perceberem que a composição literária, passada pelas mãos do poeta, neste caso, significa diligência, cuidado e muita dedicação, não é a toa que as palavras são meticulosamente selecionadas, no processo de transformação da prosa para o verso, como já citamos, de modo que siga às regras estabelecidas de composição dos folhetos, como afirma Márcia Abreu (2004). Para exemplificarmos o sentido dessa atividade, solicitamos que os alunos citassem algumas palavras que destacaram do texto e pensassem no seu significado, ou verificassem em dicionários disponibilizados na sala. Uma aluna citou: boêmio, outra disse: quinhão, catedral. Então, pedimos que lessem a estrofe do folheto que continha essa palavras e a trocassem por aquela de mesmo significado que encontraram no dicionário. Feita essa transposição, nem foi preciso perguntar o que achavam dessa troca, pois as próprias alunas disseram: Aline: Não, nem combina; Tina: Fica diferente; Aline: Fica melhor como tá. Com essas percepções, se confirma a relação amistosa de diálogo entre texto e leitor, uma vez que ficou perceptível, nesta atividade, a compreensão do leitor sobre a necessidade de que, muitas vezes, é preciso brincar com o texto e encontrar significados, formulando, reformulando hipóteses sobre o lido e não apenas recebendo o texto sem contestações (KLEIMAN, 1992). Ressaltamos aqui a relevância de uma ação pedagógica contínua em relação ao trabalho com o texto literário em sala de aula, pois ele, aliado ao empenho e às contribuições docente, favorece resultados exitosos de leitura por parte do aluno leitor. Após esse momento de discussão e elucidação, apresentamos a versão Jorge e Carolina, escrita pelo poeta cearense Rouxinol do Rinaré (2015). A leitura foi feita silenciosamente e bem recepcionada pelos alunos, atitudes demonstradas pela concentração observada de cada um ao ler o folheto, conforme demonstra a imagem a seguir.

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Figura 9 – Leitura do folheto de Rinaré

Fonte: Dados da Pesquisa

Passada mais da metade das páginas do folheto, interrompemos a leitura para discussão comparativa de cada versão da escrita pelos poetas, alertando para o período em cada uma foi produzida e suas especificidades. Dessa maneira, perguntamos qual foi a versão que mais gostaram de ler, a de José de Alencar ou essa (o cordel) e a resposta unânime foi essa. Quando perguntados por que, alguns responderam: Aline: Porque é mais curta; Bianca: Porque é melhor de ler; Eva : Porque a gente entende mais o tema com esse. É interessante a percepção do leitor quando associa as versões da obra ao tamanho da obra e à facilidade na leitura e sua compreensão, porque sugere que o leitor já tenha contato com o este gênero textual, que a linguagem utilizada aproxima-o da obra numa relação de intimidade e identificação entre ambos. Nesse sentido, a ideia do experienciar dinâmico da obra literária por parte de seus leitores, abordado por Jauss (1994, p.24), já citado nesse trabalho, se efetiva na medida que os alunos dizem que essa versão da obra é melhor de ler, ou seja, o folheto agradou mais a turma porque o efeito provocado adveio de algo já conhecido por eles, permitindo o reconhecimento de pistas oferecidas pelo texto que

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proporcionam acolhimento e maior compreensão da obra. Aqui nos reportamos à terceira tese defendida por Jauss (1994), uma vez que a obra alcançou um valor a partir do efeito que ela provocou no seu público, neste caso, os alunos. Nesta pausa da leitura, ainda perguntamos se as características dos personagens mudaram de uma versão para outra. Todos disseram que não. Contudo, provocamos uma discussão a respeito de como Carolina era apresentada neste folheto. A turma foi enfática: viúva. A partir dessa resposta, houve um verdadeiro jogo de perguntas e respostas que resultou em uma efusiva discussão. Perguntamos: Vocês conhecem alguma viúva? A maioria respondeu que conhecia. Uma aluna, Ana, compartilhou o conhecimento dizendo: Lá perto da minha casa tem uma, Professora. O marido dela se matou. Nesse momento, a turma inteira silenciou. Todavia, alguns demonstravam curiosidade em torno da resposta da colega, mas não queríamos que a discussão tomasse outro rumo, uma vez que o nosso intuito era outro. E, para quebrar esse tácito clima, perguntamos: E como são as viúvas que vocês conhecem? Alguns responderam: Aline:. Elas só veste preto; Ana: Tem a cara fechada; Tina: É abusada, é chata. Diante dessas expressões, voltamos ao que refletimos sobre a histórica condição das viúvas, anteriormente. Para a sociedade, a mulher precisava assumir uma postura de eterna tristeza para demostrar respeito ao marido e a dor pela sua perda. É certo que, atualmente, a conduta da mulher vem rompendo com algumas dessas tradições, o tempo de luto já não é o mesmo e o tom de suas vestes, para manifestar a circunstância da viuvez, também não são tão pesados, como antigamente. Depois dessa discussão, a leitura do folheto foi retomada seguindo os mesmos procedimentos de leitura compartilhada, descritos anteriormente. Para finalizar esse momento, sugerimos a construção de um quadro síntese de resumo13 sobre a história lida, no qual consistia em resumir e traçar uma opinião sobre a obra lida. É importante deixar claro, que a intenção desta atividade vai muito mais além da forma tradicional de resumir, atividade comumente observada nas aulas de leitura. Aqui, nosso intuito maior foi impulsionar o aluno a perceber a diferença entre o resumo e a síntese, uma vez que

13 Ver apêndice E.

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durante as conversas em sala ficou explícito que eles já faziam resumos nas aulas de outras matérias escolares, através de anotações das partes principais do parágrafo. Evidenciamos que, na atividade que propomos, eles combinassem o que leram com as impressões deixadas pelo texto. Dessa maneira, o texto estaria sendo reconstruído pelos próprios alunos, porque sintetizar, na perspectiva da tarefa que sugerimos, os alunos não estriam somente relembrando fatos importantes da história, mas anexando informações pautados em seus conhecimentos prévios, com vistas a depreender um maior entendimento da obra. E isto ficou bastante evidente nas falas dos alunos, conforme apresentamos algumas opiniões construídas por eles.

Aline: Na minha opinião, eu adorei a história, e achei muito bacana a atitude dele ao voltar. Só que na minha opinião eu não teria aceitado ele de volta! Ele foi muito covarde por não pensar no futuro mas o que valeu foi que ele se arrependeu.

Tina: Na minha opinião não era pra Jorge ter fingido que tinha morrido não. Era pra ele ter contado toda história a ela e ter levado ela junto com ele pra trabalhar e arrumar dinheiro. A história foi emocionante eu gostei Foi ótima

Fonte: Dados da Pesquisa

Os posicionamentos acima apontam claramente uma nova leitura feita pelos alunos, sugerindo uma outra tomada de atitude dos personagem Jorge e Carolina, diante do problema que enfrentavam. A primeira opinião destacada, acima, sugere a importância do arrependimento após uma atitude impensada de Jorge, tanto que o aluno evidencia que achou muito bacana a atitude dele ao voltar. Além disso, o aluno se coloca dentro da história reprovando a atitude do personagem, quando diz eu não teria aceitado ele de volta. É provável que tal posicionamento esteja relacionado aos valores de vida do leitor que o faz recusar as atitudes de Jorge. Diante disso, retomamos o que dissemos em páginas anteriores deste trabalho, a leitura permite transformação, permite que o leitor dê uma nova feição à obra através da relação que faz entre o texto e o seu conhecimento de mundo. Mais que isso, entendemos que o leitor materializou o que Jauss (1994) defendia sobre a função social da leitura, que se efetiva a partir da experiência do leitor ao adentrar no horizonte

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de expectativa de sua vida prática. Sentimos, aqui, como o aluno/leitor adentrou na obra e o quanto interagiu com ela, ao ponto de criticar e transformar sua percepção diante de fenômenos apresentado por ela. Percebemos, em outras palavras, que o posicionamento do leitor frente ao lido, expressa como a obra foi bem recebido, ao passo que se coloca no universo da narrativa sugerindo outra postura dos personagens diante dos problemas que enfrentavam, a fim de resolvê-los. O aluno/leitor leva para o seu próprio mundo os fatos narrados e se insere também como personagem, a partir do momento que se envolve na trama e expressa novos olhares para as ações descritas, conforme indicam os seguintes trechos:

Maria: Eu gostei muito uma história muito linda. Mas se eu também tivesse no lugar dela também teria voltado porque os dois se amam.

Ana: Sobre essa história eu achei muito interessante por que conta uma história de amor e mesmo pelo jeito que Jorge farrava ele amava carolina foi amor a primeira vista ele se arrependeu e voltou atrás e isso é muito lindo e emocionante eu ao ler fiquei emocionada com a história mais ele errou ao ter deixado o seu grande amor e ter partido mais ele voltou e ficaram juntos mesmo depois das dificuldades que passaram mais eu adorei foi ótimo ter sido isso.

Fonte: Dados da Pesquisa

Diante dessa experiência, ficou evidente que a recepção do aluno aconteceu de maneira ativa, interativa e dialógica, resultando numa leitura dialética, uma vez que o leito se pauta em suas próprias experiências e conhecimentos, para extrair do texto um significado novo, o qual lhe permite transformar, reelaborar, ou recriar um novo texto. Voltando à descrição e reflexão da nossa sequência, chegamos ao nosso último encontro que culminou com a presença de poetas locais que, além de declamarem suas poesias, falaram da paixão pelo cordel e sua importância enquanto bem cultural. Assim, recebemos a repentista Maria da Soledade, natural de Alagoa Grande PB, que conversou com a turma esclarecendo como era sua vida com o repente e como construía seus poemas, dando uma verdadeira aula de produção poética e

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testemunhando o valor da poesia popular.

Figura 10 – Maria da Soledade - repentista local

Fonte: Dados da Pesquisa

Filha de agricultores, Dona Soledade iniciou suas experiências poéticas ainda quando criança, lendo e cantando folhetos em casa e na comunidade. Um dia desafiou um senhor vizinho, dizendo que já sabia ler, em troca, ganhou vinte mil réis. Ela conta que seu “primeiro sapato ganhou com a poesia” ( LEITE, 2016, p.15). A partir daí, tudo contribuía para o seu amadurecimento na técnica de compor e improvisar, inspirada na natureza, nos costumes e na sua própria prática religiosa. Todavia, só assumiu a profissão de cantadora aos dezenove anos, contrariando a vontade dos pais, os quais diziam que viola era para homens e não era trabalho digno de uma moça de família. Na apresentação do livro, Nossa história em poesia, lançado em 2016, a pesquisadora Maria Ignês Ayala evidencia as dificuldades que Maria da Soledade enfrentou para seguir e se firmar como a repentista que é hoje, pois ela “ dá continuidade a saberes e fazeres tradicionais veiculados por transmissão oral e escrita de gêneros da cantoria e do cordel...” (LEITE, 2016, p. 21). Com a presença de Dona Soledade, no último encontro de aplicação do nosso

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projeto de leitura, os alunos tiveram a oportunidade de aprender mais sobre o cordel, bem como tiveram espaço para declamar os folhetos que trouxera de casa, na pesquisa solicitada em um dos encontros anteriores. Antes disso, tivemos o privilégio de ouvir Dona Soledade dizer como é importante o cuidado para criar uma sextilha, obedecendo rima, métrica e a oração. Para exemplificar, ela fez o seguinte improviso:

Essa sala tão bonita, que turma tão exemplar os meninos e as meninas são luzes deste lugar, por isso bem satisfeita, eu vim tão feliz pra cá. 14 (Informação verbal)

Dialogando com os alunos, a poetisa falou sobre a necessidade de não fugir da métrica, da oração e da rima, pois “existe coisa dentro da poesia que parece, mas não é”. Nesse sentido, ela estava falando da combinação entre as rimas na construção da sextilha e perguntava aos alunos se nesse improviso a combinação das rimas estava certa. A maioria respondeu que sim, apenas um aluno, José, pronunciou o seguinte: s e ele não tiver certo..., mas parece muito… Dona Soledade esclareceu que havia colocado uma rima errada, e instigou a turma a observar qual era ela. Para isso, fez outro improviso:

Hoje, essa apresentação eu vou guardar na memória. Esta tarde fabulosa tem que ficar na história, um adeus por despedida, que já está chegando a hora. 15 (Informação verbal)

Demonstrando o rigor da construção, a repentista mais uma vez questiona se há erro na combinação das rimas. Os alunos demonstram curiosidade e, ao mesmo

14 Sextilha improvisada pela repentista Maria da Soledade Leite, no encerramento da intervenção, dia 17/05/2017. 15 Sextilha improvisada pela repentista Maria da Soledade Leite, no encerramento da intervenção, dia 17/05/2017.

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tempo, ficam atentos, querendo encontrar o erro que ela disse ter cometido na composição da estrofe.

Figura 11 – Encerramento da intervenção, ouvindo a Repentista Maria da Soledade

Fonte: Dados da Pesquisa

Um aluno arriscou dizendo que o erro estava em história e memória, que pareceu com hora, mas tem o mesmo som, né Professora? Dona Soledade esclareceu essa “falha”, dizendo que, ao construir uma sextilha, é preciso que o poeta observe o detalhe das rimas para não acontecer uma quebra na construção. Ela afirma, entretanto, que todos têm condições de criar um mote, uma sextilha, uma poesia, uma vez que

todos nós temos uma luz poética dentro de nós. Quando a agente quer, confia, a gente busca ela com fé que ela vem. Não é muito fácil, mas a Deus… né? Tem horas que ela maltrata a gente, a gente vai cantar, não tem canto, fica oprimida, a gente sente que ela tá longe da gente, mas agente vai desenrolando e até ela 16 amolece um pouquinho e chega perto. (Informação oral)

Além de repassar de maneira tão didática suas experiências poéticas, Dona Soledade ainda encantou a todos com palavras de incentivo e motivação para, quem

16 Palavras proferidas pela poetiza Maria da Soledade Leite, no encerramento da intervenção, dia 17/05/2017.

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sabe, o surgimento de novos poetas. Ela evidenciou a importância de preservar nossa cultura e valorizar o que é nosso. Em um tom mais crítico, a repentista destacou que a sociedade não incentiva a cultura popular como deveria, uma vez que está apreciando mais o que vem de fora, esquecendo as próprias raízes. E isso se agrava, segundo ela, quando pensamos nas mulheres inseridas nos movimentos artísticos, sobretudo no repente. Apesar de existir grandes poetizas no país, lamenta a poetiza, o número de mulheres que atuam como repentistas e violeiras é muito pouco e, as poucas que ainda permanecem divulgando essa arte, já não tem o mesmo vigor do início da carreira. Ela se inclui nessa estatística, confessando o seguinte:

Eu já era pra ter encostado minha viola, faz tempo. Não tô mais com a cabeça consciente como vocês jovens estão. Vocês têm tudo pra progredir e eu tenho tudo pra decair. Já era pra eu ter encostado minha viola, mas eu não vejo um acompanhante levantar e dizer: vai Soledade, que eu fico no teu lugar. Tenho uma danada de uma netinha, quando eu penso que ela vai pra viola, ela pega o violino, tá fazendo violino… eu digo: ô minha filha, coopere, por que você num pegou a viola? Então, nossas raízes morrem se agente não lutar pra sobreviver. 17 (Informação oral)

Diante dessas palavras, é inegável o desejo e a esperança que Dona Soledade tem em ver essa arte permanecendo viva, divulgada por outras gerações. Michéle Petit (2009, p.185) disse que “Um conhecimento, um patrimônio cultural, uma biblioteca, podem se tornar letra morta se ninguém lhes der vida”. Então, as palavras da repentista Soledade corresponde exatamente a esse pensamento. Não podemos deixar passar também a angústia da poetisa em perceber a ausência de políticas que valorizem a cultura popular como patrimônio imaterial verdadeiramente nacional. Percebemos, ainda, que esse encontro com Dona Soledade também despertou desejos em alguns alunos, no sentido de ouvir mais histórias em cordel, buscar outros folhetos com outros temas e até uma iniciação à criação de uma estrofe por um aluno, quem sabe o surgimento de um novo poeta. Enfim, foi um momento ímpar de aprendizagem e de emoção, porque houve o envolvimento integral da turma, algumas vezes por meio do riso, outras vezes através dos aplausos e até mesmo na interação

17 Idem

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durante as discussões. Outra pessoa que se dispôs a contribuir conosco, neste momento de culminância do nosso projeto, foi o embolador de coco e poeta Daniel Francisco 18, natural de Parelhas, Rio Grande do Norte. Ele chamou bastante atenção ao declamar um poema que traça o perfil de um poeta traficante, poesia de Thiago Martins intitulada Meu cachimbo19, recitado na entrevista concedida à repórter Helen Martins, do programa televisivo Globo Rural, no ano de 2011:

O cachimbo que eu queimo é de poema, E o pó que inalo é cantoria, O que injeto na veia é poesia, E alimento meu vício nesse esquema: Eu declamo, improviso, em qualquer tema. Quando o efeito da droga me alicia, Pois se acaba o que tenho de valia, Vou furtar num livreto de papel, Vou à boca de fumo de um cordel, Me abasteço e trafico poesia.

Tenho em casa uma artilharia forte Que costumo levá-la pr’onde vou, Pois herdei do meu bom e finado avô Que até hoje, de cima, me dá sorte. Se não fosse a danada desta morte Que carrega o cristão no dia-a-dia Meu avô tava aí com a artilharia, Assaltando esse nosso mundaréu Com uma arma chamada de cordel, Que propaga o poder da poesia. (MARTINS, 2011)

18 Além de poeta popular, Daniel é aluno do Posle (Pós Graduação em Linguagem e Ensino) e sua pesquisa está voltada à formação do leitor através da performance da embolada na sala de aula. 19 O poeta Thiago Martins declamou essa poesia no Globo Rural, programa da TV Globo na ocasião dos seus 31 anos no ar, em 2011, cujo tema foi Literatura de Cordel. O vídeo está disponível em https://www.youtube.com/watch?v=FrBpNgkjHMY

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Figura 12 – Daniel Francisco, embolador de coco.

Fonte: Dados da Pesquisa

Os alunos ficaram admirados com Daniel, por ser ainda jovem e pela espontaneidade ao declamar poemas com notável facilidade e performance. Pudemos perceber a interação ativa entre o poeta e a turma, foi mais que um momento de declamações, observamos um momento de conversa entre ambos, em que se efetivou uma certa identificação da turma com o jovem poeta, talvez a proximidade de geração tenha contribuído com isso, pois não é sempre que estamos frente a frente com um poeta popular tão jovem. Outro poeta que contribuiu conosco foi Claudson Faustino20, da cidade de Currais Novos, Rio Grande do Norte. Ele iniciou sua fala dizendo que “a Literatura de cordel é uma poesia que encanta, canta, conta, é uma poesia necessária para o conhecimento da cultura e das raízes de um povo”. Falou também que uma das funções desta Literatura é criticar certos comportamentos do homem na sociedade e,

20 Claudson também é aluno da turma, na condição de aluno especial, do POSLE.

94 para ilustrar essa concepção, declamou a poema Os animais têm razão21, do poeta popular Antônio Francisco.

Figura 13 – Claudson Faustino, poeta popular

Fonte: Dados da Pesquisa

OS ANIMAIS TEM RAZÃO

Quem já passou no sertão E viu o solo rachado, A caatinga cor de cinza, Duvido não ter parado Pra ficar olhando o verde Do juazeiro copado.

E sair dali pensando: Como pode a natureza Num clima tão quente e seco, Numa terra indefesa Com tanta adversidade Criar tamanha beleza.

O juazeiro, seu moço, É pra nós a resistência, A força, a garra e a saga,

21 O poema na íntegra pode ser conferido no anexo 3.

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O grito de independência Do sertanejo que luta Na frente da emergência.

Nos seus galhos se agasalham Do periquito ao cancão. É hotel de retirante Que anda de pé no chão O general da caatinga E o vigia do sertão.

E foi debaixo de um deles Que eu vi um porco falando, Um cachorro e uma cobra E um burro reclamando, Um rato e um morcego E uma vaca escutando. (...)

Enchemos os olhos de satisfação em presenciar o deleite dos alunos na escuta do poema. Claudson ainda declamou alguns poemas de sua autoria22, como o poema Pedaço de mau caminho, que ele ofereceu aos apaixonados da sala:

PEDAÇO DE MAU CAMINHO (CLAUDSON FAUSTINO)

Quando você tentou tirar meu juízo Pedindo um pedaço do meu coração, Querendo emprestada a minha razão, Eu deixei para você como um aviso, Nas minhas palavras eu fui conciso, Que acho melhor ficar bem sozinho, Sem teu coração, sem teu carinho, Do que eu ficar chorando nos cantos, Eu sei que tu és um grande encanto, Mas és um pedaço de mau caminho.

A tua beleza tem muitos espinhos, Por isso eu desejo me distanciar, Tendo cuidado para não me furar e Não me iludir com teu jeito meiguinho, Pois és um pedaço de mau caminho Que quer acabar com meu coração, Que não mais aceita a minha razão, Querendo agora um beijo e um abraço, Tentando tirar de mim um pedaço Para alimentar a tua grande paixão.

22 Ver anexo 4

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Pois quero que preste bastante atenção, O vento é a prova do que eu vou falar, Pois tu me deixas com falta de ar, Conseguindo parar o meu coração, Deixando eu preso na tua prisão, Sem força alguma para ir embora, Querendo escapar em todas as horas, Deixando você bem longe de mim, Eu acho que vai ser o meu último fim Com esta doença que não tem melhora. (CLAUDSON FAUSTINO)

O amigo e poeta Chico D’Assis também se propôs a enriquecer o encerramento da aplicação do nosso projeto de leitura. Ele é natural de Ouro Velho, mas adotou Campina Grande como reduto de vida, onde constituiu família e fez da poesia de cordel sua própria vida, tamanha é sua paixão por esta arte que ouve e compõe desde muito cedo, se empenhando em divulgar essa literatura por onde passa. O poeta animou e tirou muitos risos dos alunos com declamações de poesias de sua própria autoria. Dentre os poemas declamados, Chico trouxe a temática da saudade recitando o seguinte:

Quando o peito balança de saudade não espero por nada nem ninguém Dou partida na máquina desse trem Atendendo o apelo da vontade Abandono os deveres da cidade Pela ânsia de ver o meu reinado Meu castelo de sonho do passado Enfeitado por minha fantasia Vou no trem da saudade todo dia Visitar o lugar que fui criado.

Ele é sem igual e mais profundo Do que todos que existem por aí Pois visito o lugar onde nasci Em apenas um terço de segundo Num minuto eu vejo todo mundo Vou ao canto que era o meu roçado O caminho da roça foi mudado Não é mais no lugar que eu sabia Vou no trem da saudade todo dia Visitar o lugar que fui criado. 23 (CHICO D’ASSIS)

23 O texto na íntegra encontra-se no anexo 5

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A turma interagiu de maneira bastante espontânea, como se já conhecesse Chico há muito tempo. Isso só veio confirmar nossas impressões sobre a relação existente entre o cordel e a identidade dos alunos, uma vez que a turma vibrava ao ouvir cada estrofe, demonstrando emoção, alegria e admiração pela forma como cada um dos poetas expressava e declamava suas poesias.

Figura 14 – Atenção e Interação com o poeta Chico D’Assis

Fonte: dados da Pesquisa

Nesse momento, lembramos das palavras de Michèle Petit (2008, p.210), sobre a diferença que faz quando o leitor tem contato direto com o autor. Ela diz que “ Em um sentido mais amplo, ver um autor em carne e osso muda a impressão que estes jovens têm dos livros. Pois mais de um pensava até então que um escritor era obrigatoriamente alguém que estava morto”. Temos certeza de que Dona Soledade, Daniel Francisco, Claudson Faustino e Chico D’Assis possibilitaram uma experiência

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singular na vida dos alunos colaboradores deste trabalho, uma vez os recebeu de maneira bastante calorosa e amistosa. No futuro lembrarão desse dia com um significado diferente de suas aulas de leitura. Enfim, os alunos ficaram encantados com a presença dos poetas, e bastante atento às informações e contribuições que cada um trouxera sobre a literatura de cordel. O poeta Chico D’Assis aproveitou a oportunidade e fez sorteio de alguns dos seus folhetos entre os alunos, o que movimentou os ânimos da turma, pois todos queriam ser premiados. Contudo, a nossa satisfação maior se deu ao verificar o prazer estampado na face de cada aluno, através de sorrisos e expressões de alegria, admiração, surpresa, enfim, um misto de emoções provocado pela ruptura da rotina das aulas de Língua Portuguesa com que estavam acostumados. A experiência aqui descrita e discutida foi de grande valia, uma vez que foi possível perceber que o efeito da nossa intervenção extrapolou nossas expectativas em relação à recepção da leitura de folhetos em sala de aula. Entendemos que a formação do sujeito leitor deve acontecer de maneira leve e prazerosa, com instrumentos aproximados do contexto dos alunos e que o interesse pela leitura seja despertado gratuitamente, sem grande esforço que cause enfado. E isso pressupõe mudança de metodologias e investimento de tempo na verdadeira formação de sujeitos leitores, e não apenas reprodutores/copiadores do discurso de outrem.

4.6 A relação texto-leitor : o cânone e o popular na recepção dos alunos

Durante a vivência de leitura, aqui explicitada, verificamos alguns aspectos importantes para reflexão e discussão em torno da efetiva participação dos alunos, fator que determinaria os resultados da nossa proposta. Destacamos, então, dois pontos a serem considerados: primeiro, a relação entre o texto e o leitor e, segundo, a recepção dos alunos em relação ao texto canônico e das versões em cordel. Assim, ao aplicarmos a primeira atividade de leitura que foi iniciada com a leitura em voz alta pela professora, foi possível perceber nas feições de alguns alunos uma

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certa surpresa, ou espanto, quando observavam alguém lendo em voz alta para eles de uma maneira, talvez, inesperada, como se fosse contando uma história para crianças, em que as peculiaridades do texto eram bem respeitadas. A sensação era de que esses alunos estivessem em outra esfera, pois, inertes naquele momento, acompanhavam cada movimento e gestos faciais e corporal da Professora leitora. Percebemos nitidamente toda “a alquimia da recepção” (PETIT, 2009, p.25), uma vez que a leitura estava tendo um significado particular que só cada um podia descrever. Essa também foi uma estratégia utilizada para motivar a leitura silenciosa, e funcionou, pois todos continuaram lendo com muita concentração, mas ao som da sirene indicando o término da aula, foi grande o alvoroço para sair da sala, mesmo assim orientamos que todos deveriam concluir a leitura em casa. Ao discutirmos sobre a conclusão da leitura da obra A Viuvinha, de José de Alencar, e de acordo com a fala dos alunos, tivemos a impressão de que eles nunca tinham lido uma obra por inteiro, embora tivessem afirmado no questionário de sondagem, pois a ação de manusear o livro, sugeria que a ideia era verificar se faltava muitas páginas para acabar, ou seja, alguns até comentavam que era um texto muito grande. O fato de alguns alunos não terem terminado a leitura do livro em casa, também apontava para um certo desinteresse, ou preguiça mesmo de ler. Na verdade, o que mais nos interessava nessa discussão era verificar as percepções dos alunos em torno da obra lida e conseguimos detectar algumas dificuldades que eles sentiram no ato de ler. Quando perguntamos se a leitura foi fácil, obtivemos como resposta: Pedro: Não; Ana: Um pouco; José: Algumas palavras, professora, foram difíceis que a gente não usa no dia a dia. No entanto, esse não foi o fator que interferiu na acolhida da obra, ao contrário, a história foi bem aceita, porque todos os que leram o livro na íntegra disseram ter gostado da história, tanto que foi possível uma aluna resumir em breves palavras o perfil de Jorge e Carolina, conforme a transcrição a seguir:

Elisa: (…) uma moça que se apaixonou por Jorge, que depois ela pensava que ele tinha morrido e ele não morreu, depois ele volta pra vila e eles volta e eles se casam de novo (..)

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Ele era safado, farrista, gostava de beber, gastou todo o seu dinheiro que seu pai deixou (…) e Carolina era uma moça direita, santa, que ia pra igreja com a mãe dela…

Por este resumo da história, o qual foi transcrito na íntegra, considerando inclusive as marcas da oralidade, constatamos que a obra, em linhas gerais, foi absorvida e compreendida. Contudo, quando partimos para o registro escrito de compreensão dessa leitura, percebemos alguns desvios e contradições nas informações relatadas e nas contidas no texto, vejamos alguns exemplos citados por alguns alunos na primeira atividade escrita a respeito das coisas erradas feitas por Carolina: Aline: tinha um amante; Ruth ter casado com ele amando outro; Aline: se entregar a ele muito cedo. Não percebemos uma leitura atenciosa, nesses casos, pois se tratam de informações que extrapolam e se distanciam do perfil da personagem traçado na obra. É nesse momento que trazemos mais uma vez o que diz Pinheiro (2003) sobre o preenchimento dos vazios do texto, que não devem desrespeitar os paradigmas ali contidos. Além disso, reafirmamos a importância do mediador de leitura nesse processo, no sentido de contribuir com o aluno ajudando-o a encontrar o caminho para uma compreensão coerente da leitura realizada, afim de evitar possíveis desvios interpretativos. Quanto à leitura dos folhetos, realizada silenciosamente e através de outras estratégias, a turma demonstrou muito mais interesse e gosto na leitura. Tanto que, ao propormos a leitura por meio do teatro de leitura, pensamos que receberíamos uma boa negativa, já que os alunos demonstravam bastante timidez, mas, para a nossa surpresa e alegria, quatro alunos se ofereceram para participar da atividade, o que confirma a recepção do texto ofertado para leitura. No momento em que perguntamos como foi ler essa versão da história, detectamos, na mistura de vozes, respostas como Foi ótimo; Foi bom, Gostei; Foi melhor. Em outras palavras, por unanimidade, os alunos concordaram que esse jeito que foi escrita foi melhor de ler mesmo tendo palavras esquisitas, segundo as palavras da colaboradora Aline. Ficou notória a satisfação e empolgação dos alunos nesta atividade de leitura, pois o gênero atraiu bem mais a atenção da turma do que a versão em prosa. Nesse

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momento, lembramos do que dizem Bordini e Aguiar (1998, p.84) sobre a atitude receptiva do leitor frente a uma obra, pois ela

se inicia como uma aproximação entre texto e leitor, em que toda a historicidade de ambos vem à tona. As possibilidades de diálogo com a obra dependem, então, do grau de identificação ou de distanciamento do leitor em relação a ela, no que tange à convenções sociais e culturais a que está vinculado e à consciência que delas possui.

De fato, ao serem questionados sobre o conhecimento do cordel, vários alunos disseram ter ouvido do avô, da avó, de um tio, de uma tia, de alguém conhecido perto de casa, embora tendo pouco contato com os livretos, salvo alguns trechos inseridos no livro didático e breve proximidade em datas comemorativas. Enfim, o esforço posto na leitura de A viuvinha em prosa, fora superado pela versão do poeta Manoel Pereira, a qual, presumimos, está em conformidade com elementos de sua cultura e seu tempo (BORDINI AGUIAR, 1998), considerando que o município de Alagoa Grande revela importantes nomes da cultura paraibana. Ao propormos uma atividade de síntese e resumo do cordel trabalhado, verificamos a dificuldade dos alunos em se posicionarem diante do texto dando sua opinião em torno da obra. De acordo com nossa leitura, dos 26 alunos que realizaram a atividade, apenas 7 opinaram efetivamente sobre o texto, o que, ao nosso ver, representa um resultado que necessita de mais atenção e empenho na formação de um sujeito crítico, considerando o tempo de escolaridade em que esses alunos têm permanecido na escola, ou seja, em nove anos frequentando a escola, o aluno ainda apresenta limitações na aprendizagem, que são mais comuns entre o quarto e quinto ano do Ensino Fundamental. Diante disso, inferimos que essa situação só pode ser resultado de um ensino de leitura que não tem contribuído para desenvolver o senso crítico do aluno, pois sabemos que quanto mais o sujeito ler, mais condições terá de enxergar o mundo nas suas inúmeras faces e se posicionar sobre as situações que lhe serão exigidas socialmente. Dizendo de outro jeito, lendo o sujeito se capacita para uma discussão crítica, em que seus argumentos terão coerência e, certamente, as informações serão

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melhor compreendidas, tanto as que ele recebe, como as que são transmitidas por ele. O posicionamento de alguns colaboradores, transcritos abaixo, evidencia a disponibilidade de externar o que pensam, com também um caminho se pensar formas de amadurecimento e ampliação da criticidade dos sujeitos, vejamos:

Elisa: Essa é uma história muito bonita, fala sobre um casal que se conheceram na igreja, que Carolina ficou viúva, e no fim Jorge apareceu e se casaram de novo.

Bianca: Que Jorge conhece Carolina vai para casa dela pede a mão dela em casamento não da certo e da tudo errado.

Bete: Eu gostei muito dessa história, ela é muito legal e romântica. Por isso que eu gostei porque os meus livros preferidos são de românce. No meio da história foi um pouco triste deu vontade de chorar mais depois deu vontade de rir já no final da história.

Como podemos perceber nos trechos transcritos na íntegra, há uma tentativa de argumentatividade do leitor que precisa ser trabalhada no sentido de alargar seu ponto de vista e aprofundamento da ideia expressa. Esse aspecto está intimamente ligado ao processo de formação do leitor, pois a escrita reflete diretamente o acúmulo, ou não, de leituras do indivíduo ao longo de sua trajetória escolar e de vida, através dos discursos produzidos pelo sujeito na interação com os outros. É preciso destacar, no entanto, que outras respostas de outros colaboradores deram indícios de uma tomada de posição diante do lido, mesmo de maneira sutil, alguns alunos conseguiram opinar sobre a postura e o comportamento dos personagens, sugerindo até solução para seus problemas. Como já mencionamos, o que se faz necessário é um trabalhado que aprimore a escrita do aluno, de modo a atender às exigências formais do texto escrito. Diante disso, observamos claramente que o interesse maior dos alunos voltou- se para obra versada em cordel e isso pode ser justificado pelo contexto da escrita, em consonância ao contexto dos alunos, pela linguagem empregada no texto, dentre outros aspectos próprios dessa produção popular que possibilita diálogos, identificação de si e uma efetiva interação entre texto e leitor.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como evidenciamos no decorrer desse trabalho, a inquietação que moveu a presente pesquisa sempre esteve relacionada ao fato de alunos concluírem o Ensino Fundamental com problemas de leitura, fator que contraria as bases norteadoras do sistema de ensino, principalmente, se considerados os anos de vida escolar do indivíduo. A experiência de leitura aqui explicitada nos mostrou alguns aspectos importantes para se repensar uma prática de ensino de leitura que ainda se manifesta na escola, apesar de tantas iniciativas que visam melhorias e resultados exitosos nessa área, como também revelou possibilidades de práticas motivadoras e mais atrativas no processo de aprendizagem. A impressão que tivemos é que o instrumento mais utilizado nas aulas de Língua Portuguesa é basicamente o livro didático, a partir do qual a experiência com a leitura literária está limitada a textos fragmentados, pouco contribuindo nos resultados que se espera no processo de formação do leitor, ou seja, conservando uma prática de ensino que se pauta na mecanicidade da leitura e na artificialidade de sua compreensão. Esclarecemos que, no nosso ponto de vista, fatores como formação docente, disponibilidade de recursos materiais, ambientes adequados, embora interfiram no processo, não são totalmente determinantes para o fracasso na formação do leitor, porém alguns elementos e condições, como não considerar os conhecimentos prévios do aluno e suas capacidades de recriar os esquemas de aprendizagem, podem ganhar considerável relevância nesse processo, uma vez que a interação entre texto e leitor só se realiza quando o sujeito aciona suas experiências socioculturais e as relaciona aos elementos discursivos da obra que lhe é sugerida, possibilitando, assim, a aprendizagem. Diante disso, traçar bem um caminho que leve o sujeito a desenvolver suas capacidades leitoras significa proporcionar transformações no indivíduo, as quais refletiriam em suas atitudes, ajudando-o a pensar sobre sua função na sociedade. Nesse sentido, acreditamos que a literatura surge como grande aliada nesse caminho, pois pode ser utilizada como propulsora para essas transformações do sujeito, ao

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passo que este atribui significados ao que ler. Além do caráter formador, a literatura contribui para o desenvolvimento da criticidade, ao mesmo tempo que diverte, faz chorar, enfim, mexe com todas a emoções do indivíduo, conduzindo-o a enxergar o mundo sob outras dimensões. Cosson (2012) diz que

Na escola, a leitura literária tem a função de nos ajudar a ler melhor, não apenas porque possibilita a criação do hábito de leitura ou porque seja prazerosa, mas sim, e, sobretudo, porque nos fornece, como nenhum outro tipo de leitura faz, os instrumentos necessários para conhecer e articular com proficiência o mundo feito linguagem (COSSON, 2012, p. 30).

Pensamos que seria sob esse prisma que a escola deveria tratar a literatura e colocá-la no centro das práticas de ensino de leitura, observando e respeitando as peculiaridades do contexto em que os alunos estão inseridos, bem como a bagagem de conhecimentos que eles já entram na escola carregando. A propósito disso, a literatura popular tem muito a oferecer na ampliação dos saberes dos discentes, por isso a contemplamos, neste estudo, como instrumento propício para despertar mais interesse dos alunos, de uma turma do nono ano do Ensino Fundamental, pela leitura, pois observamos nela características que se aproximam da realidade da referida turma, ora pela linguagem, ora pela temática abordada, ou até mesmo pelos aspectos culturais semelhantes. O cordel é uma representatividade da cultura popular que adotamos para desenvolver nossa intervenção didática e que foi muito bem recepcionado pelos alunos, muito mais do que o romance em prosa. Acreditamos que acertamos na escolha do gênero a ser evidenciado e trabalhado na sala de aula, uma vez que a interação e o diálogo com os textos em cordel alcançaram dimensões de compreensão bastante significativo para os alunos, aspectos demonstrados através das atividades escritas e no próprio ato de ler em sala. Diante das leitura realizadas da obra A viuvinha, de José de Alencar, e das duas versões em cordel, garantimos que as dua últimas amenizaram o distanciamento existente entre a obra canônica e o aluno, e a prática da leitura ganhou outra cor e sabor, pois ficou perceptível que o aluno se sentia dentro do mesmo contexto dessa

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produção literária. Mais que isso, o conhecimento já adquirido pelo discente estava sendo respeitado, à medida que este percebia marcas do seu cotidiano descrito nas duas versões em cordel. No entanto, não queremos dizer que esta é uma receita que resolverá todos os problemas de leitura dos alunos e que estes, através de experiências como essa, concluirão o Ensino Fundamental proficientes na leitura, queremos apenas evidenciar as contribuições do cordel no processo de formação do leitor, no nosso acaso, pela estreita relação existente entre ambos, através das características do texto e seu contexto de produção, os alunos se perceberam de alguma forma representados. Dessa maneira, acreditamos que algumas práticas de ensino, ainda adotadas pela escola, não têm contribuído muito para que o aluno descubra suas capacidades leitoras. Entretanto, usando-as sob uma outra perspectiva, ou outra dinâmica, conseguiremos resultados positivos do aluno, inclusive maior interesse pela leitura. Sendo assim, faz-se necessário um novo olhar para essas práticas, novas posturas e disposição dos agentes envolvidos nesse processo, no sentido de provocar e despertar no aluno interesse de descobrir coisas novas, através da leitura, e se descobrir dentro de ouros universos por ela transportado. Diante disso, a experiência de leitura aqui apresentada e ponderada revelou a possibilidade de incentivo e transformação das aulas de leitura nos moldes pragmáticos, em momentos de consideráveis diálogos com o texto literário, uma vez que o aluno teve a oportunidade de interagir diretamente com a obra pertencente ao cânone A Viuvinha, de José de Alencar, e duas versões em cordel da mesma obra. Considerando a efetiva participação e envolvimento dos alunos no decorrer da experiência, constatamos que a leitura se fez de maneira prazerosa e bem mais significativa, a partir de um redimensionamento de algumas estratégias metodológicas comumente aplicadas nas práticas educativas. Direcionamos a presente proposta de leitura, nessa perspectiva, para a aproximação entre a literatura canônica e leitores de uma turma de nono ano, do Ensino Fundamental, através da adaptação da obra citada em cordel.

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Durante o percurso deste trabalho, consideramos que a transformação do atual panorama em torno do processo de formação do leitor depende de vários fatores, principalmente do professor, pois ele tem a função de selecionar e mediar conteúdos que se aproximem da realidade dos alunos, afim de que consiga efetivo envolvimento destes no processo de aprendizagem. Além disso, como dito no capítulo um deste trabalho, quando o aluno se reconhece nesse processo, seja através da linguagem, ou por meio de outros mecanismos, a recepção é garantida e a aprendizagem efetivamente acontece. Constatamos, por fim, que a atividade de leitura realizada a partir de adaptações de obras considerada parte do cânone literário para o cordel pode resulta em novas possibilidades de melhoria para o ensino de leitura, pois a inserção do texto literário na sala de aula aliada a estratégias redirecionadas ou inovadoras pode contribuir significativamente para a formação de alunos do Ensino Fundamental enquanto leitores em desenvolvimento. O redirecionamento de algumas estratégias metodológicas aplicadas foi pensada de maneira a não romper bruscamente com o que a turma já vinha realizando, pois pensamos que a inclusão de novas metodologias e práticas pedagógicas deverão sim acontecer, mas de forma cautelosa e quando a turma já demonstrasse sinais de “maturidade” para lidar com novas formas de ler e novos modelos de leitura, sem que precise de registros e guias de leitura didatizados.

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REFERÊNCIA

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APÊNDICES

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Apêndice A – Termo de Consentimento Livre Esclarecido

UFCG-UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE UAL-UNIDADE ACADÊMICA DE LETRAS POSLE-PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGEM E ENSINO LINHA DE PESQUISA: LITERATURA E ENSINO ALUNO: ROSEANA PALMEIRA DOS SANTOS ORIENTADOR: NAELZA DE ARAÚJO WANDERLEI

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)

Prezado participante,

Você está sendo convidado(a) a participar da pesquisa intitulada “Com O cordel na mão: uma experiência de revisitação à A viuvinha de José de Alencar”, desenvolvida por Roseana Palmeira dos Santos, aluna do Mestrado em Linguagem e Ensino, na linha de pesquisa Literatura e Ensino, da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), sob orientação da Professora Dra. Naelza de Araújo Wanderley. O objetivo central do estudo é observar a recepção do romance “A viuvinha”, de José de Alencar e dos folhetos de cordel “Os martírios de Jorge e Carolina, do poeta Manoel Pereira Sobrinho, e, “Jorge e Carolina, uma linda história de amor”, em uma turma de 9º ano, de uma Escola de Alagoa Grande PB. Sua participação se deve à necessidade de coleta de dados com relação ao objetivo citado. Sua colaboração é voluntária, isto é, ela não é obrigatória, e você tem plena autonomia para decidir se quer ou não participar, bem como retirar sua participação a qualquer momento. Você não será penalizado de nenhuma maneira caso decida não consentir sua participação, ou desistir dela. Contudo, ela é muito importante para a execução da pesquisa. Serão garantidas a confidencialidade e a privacidade das informações por você prestadas. Qualquer dado que possa identificá-lo será omitido na divulgação dos resultados da pesquisa, e o material será armazenado em local seguro. A qualquer momento, durante a pesquisa, ou posteriormente, você poderá solicitar do pesquisador informações sobre sua participação e/ou sobre a pesquisa, o que poderá ser feito através dos meios de contato explicitados neste Termo. A coleta das informações será efetivada por meio de registro das atividades, como aplicação de questionários, anotações, câmera fotográfica e gravação eletrônica em áudio e vídeo, tendo-se em vista a necessidade de facilitar a coleta de informações pertinentes ao propósito da pesquisa. Não haverá nenhum custo a você relacionado aos procedimentos previstos no estudo. A sua participação é voluntária, portanto não será remunerada neste estudo. Em todos os registros um código substituirá o seu nome. Todos os dados coletados serão mantidos de forma confidencial e serão usados somente para os fins deste estudo e/ou artigos posteriores. Os espaços utilizados

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serão ambientes da escola: sala de aula, biblioteca e o tempo de duração do experimento é de 07 aulas. Os registros anotações serão transcritos e armazenados, em arquivos digitais, bem como fotografias e vídeos, mas somente terão acesso a esses registros o pesquisador e sua orientadora. Ao final da pesquisa, todo material será mantido em arquivo, por pelo menos 5 anos, conforme Resolução 466/12 e orientações do CEP/ENSP. O benefício (direto ou indireto) relacionado com a sua colaboração nesta pesquisa é o de colaborar na produção de conhecimentos comprometidos para uma prática educacional crítica e transformadora para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. O risco ou desconforto para você participar desta pesquisa será mínimo, visto que as experiências de leitura literária que pretendemos realizar não serão obrigatórias, nesse caso, haverá a liberdade de ser ouvinte/expectador, assim como a participação nos debates. Somente o registro nos diários de leitura é que exigiremos que imprima dados positivos e negativos e outras considerações acerca de cada evento ocorrido durante o experimento. Informamos que cada participante receberá uma via desse TCLE e os resultados serão divulgados em palestras dirigidas ao público participante, em artigos científicos e na dissertação. Li e discuti com a pesquisadora do presente estudo os detalhes descritos neste documento. Entendo que sou livre para aceitar ou recusar a minha participação e que posso interrompê-la a qualquer momento sem dar uma razão. Declaro que entendi os objetivos e condições de minha participação na pesquisa e concordo em participar. Fone: (082) 21011225 E-Mail: [email protected] Endereço: Rua Aprígio Veloso, 882 – Bodocongó Campina Grande – PB - CEP: 58109970

Alagoa Grande, / / .

(Assinatura do responsável pelo participante da pesquisa)

Nome completo do aluno(a)/participante da pesquisa

Roseana Palmeira dos Santos (pesquisadora)

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Apêndice B – Questionário Exploratório Aplicado na turma

UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE UNIDADE ACADÊMICA DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGEM E ENSINO

QUESTIONÁRIO EXPLORATÓRIO APLICADO NA TURMA

Prezado(a) aluno(a), Solicitamos sua colaboração para a realização da pesquisa intitulada COM O CORDEL MÃO: UMA EXPERIENCIA DE REVISITAÇÃO À “VIUVINHA”, JOSÉ DE ALENCAR, a ser desenvolvida pela aluna mestranda, Roseana Palmeira dos Santos, sob a orientação da Professora Dra. Naelza de Araújo Wanderley, respondendo a este questionário, pelo qual Agradecemos previamente.

1. Você gosta de ler? Justifique.

2. Você já leu alguma obra literária?

( ) SIM ( ) NÃO

3. Qual, ou quais, tipo(s) de obras literárias você tem mais contato?

( ) romances ( ) contos ( ) crônicas ( ) novelas ( ) poesias ( ) outro(s). Especifique:

4. Você considera as atividades de leitura algo importante? Por quê?

5. Como são as aulas de leitura na sua escola?

6. Você consegue responder às atividades que envolvem leitura propostas em sala de aula, ou tem alguma dificuldade? Justifique.

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Apêndice C – A Proposta – descrição

Elaboramos a proposta envolvendo alguns procedimentos da realização da leitura (leitura oral, silenciosa, compartilhada), aprofundando-a com algumas atividades escritas e culminando com um momento de declamação de poesias de cordel, com a presença de poetas locais, a partir da sequência descrita abaixo: 1º Dia de aplicação: Motivação: aula 1 - 1º momento Apresentação da Professora Pesquisadora e dos alunos. Em seguida, socialização dos motivos da intervenção, solicitando que respondam ao questionário exploratório, instrumento base de coleta inicial de dados em torno da intimidade dos alunos com a leitura literária. 2º momento Foi feita uma tempestade mental, com perguntas provocativas, em torno da temática a ser trabalhada – o amor e suas diferentes formas de expressão: imagens, poesia, música, romance... Para fechar esse momento, foram exibidos alguns slides com imagens de representação do amor e, em seguida, apresentamos o romance “A viuvinha” (José de Alencar), como sugestão de leitura. Introdução: Aula 2 - 1º momento Esse momento foi realizado na biblioteca da escola, onde apresentamos a obra seguida de alguns comentários em torno dos protagonistas, como também algumas considerações sobre o seu autor através de slides, com o intuito de instigar a imaginação dos alunos em torno do possível motivo da escolha do nome do livro. Distribuímos os exemplares entre os alunos para que os mesmos o explorassem fisicamente, ou seja, observassem capa, autor, etc. 2º Dia de aplicação: Leitura: Aula 3 - 1º momento Foi dado início ao momento de leitura propriamente dito, que consistiu em uma leitura compartilhada, ou seja, iniciada pela Professora pesquisadora e acompanhada pela turma. Após algumas páginas lidas, foi solicitado que cada aluno lesse uma página e,

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ao final de cada capítulo, foram feitas pequenas pausas para discussão e socialização das impressões deixadas pelo texto, como estrutura, linguagem, etc, como também sobre as expectativas dos próximos capítulos. Considerando o tempo programado para a conclusão da leitura da obra, recomendamos que os alunos levassem o livro para casa, sob assinatura de um termo de responsabilidade, para assim terminarem a leitura. Aula 4 – 1º momento Realizamos uma breve discussão em torno da conclusão da leitura do romance. Em seguida, propomos a construção coletiva de um quadro de contrastes das coisas certas e erradas dos personagens Jorge e Carolina ao longo do romance. 2º momento Foi feita uma sondagem oral sobre o conhecimento de outros autores que escreveram histórias como essa, a fim de apresentar o folheto de cordel escrito por Manuel Pereira Sobrinho “Os martírios de Jorge e Carolina”, seguindo procedimentos de exibição de slides com dados sucintos da obra e do autor, a fim de despertar curiosidade e interesse pela leitura. Os folhetos foram distribuídos entre os alunos para a leitura individual e, depois, a Professora escolheu um trecho para fazer a leitura oral, com intuito de que a turma percebesse alguns detalhes como entonação, pontuação, expressão vocabular, etc. 3º momento Iniciamos uma discussão em torno do folheto lido, com o intento de verificar se os alunos conseguiram perceber as semelhanças e as diferenças entre esta e a versão do romance em prosa, ou seja, verificar a percepção dos alunos em torno das particularidades de cada versão da história, abrindo espaço para que cada um deixasse suas impressões sobre as leituras realizadas. 3º Dia de aplicação: Aula 5 – 1º momento Retomamos a leitura do folheto de Manuel Pereira, através de uma conversa informal. Depois, sugerimos a construção de uma “Colcha de retalhos”, com palavras que causaram certo “estranhamento” durante a leitura. Para essa atividade, foram distribuídos papeis coloridos para que neles fossem escritas as palavras que os alunos

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acharam diferentes do seu repertório vocabular. O objetivo disso era provocar uma reflexão em torno da escrita do gênero textual e suas particularidades, considerando a época e outros fatores do contexto da escrita. 2º momento Alguém aqui conhece, ou já leu, outros folhetos de cordel? Esse foi um questionamento provocativo para verificar o conhecimento e a intimidade da turma com a literatura de cordel, pois nesse momento apresentamos o folheto versado por Rouxinol do Rinaré intitulado “Jorge e Carolina, uma linda história de amor”, para leitura mediada pela professora. Ao final da aula, solicitamos aos alunos uma pesquisa, com seus familiares ou amigos, sobre folhetos de cordéis que tratassem da temática do amor e trouxessem na próxima aula. 4º Dia de aplicação Interpretação: Aulas 6 e 7 – 1º momento Este foi o momento de socialização dos folhetos que os alunos pesquisaram. Cada aluno ficou livre para ler para a turma o folheto que trouxe. Solicitamos, ainda, que alguns alunos recontassem a história d’A viuvinha mesmo que resumidamente. 2º momento Foram apresentados alguns poetas locais para encerrar as atividades da proposta de leitura, a fim de que os alunos tivessem oportunidade de participar e apreciar um momento de declamação de cordéis e, assim, valorizar uma arte que se faz presente no seu contexto cultural.

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Apêndice D – Construção da Colcha de Retalhos

UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE UNIDADE ACADÊMICA DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGEM E ENSINO

Após a leitura do romance “A Viuvinha”, de José de Alencar, você deve ter percebido algumas palavras que não fazem parte do seu dia a dia. Volte ao livro e escreva no papel colorido, que será entregue, algumas dessas palavras para construirmos uma colcha de retalhos, semelhante à imagem abaixo.

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Apêndice E – Quadro de síntese

UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE UNIDADE ACADÊMICA DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGEM E ENSINO

QUADRO SÍNTESE PARA ATIVIDADE DE RESUMIR

Titulo da obra: Autor:

Resumo:

Opinião Pessoal:

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ANEXOS

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Anexo 1 – CORDEL OS MARTÍRIOS DE JORGE E CAROLINA, MANOEL PEREIRA SOBRINHO

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Anexo 2 – CORDEL JORGE E CAROLINA, ROUXINOL DO RINARÉ

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Anexo 3 – CORDEL OS ANIMAIS TÊM RAZÃO (ANTÔNIO FRANCISCO)

1 Procurei ver o cruzeiro, Quem já passou no sertão Mas, cansado como estava, E viu o solo rachado, Peguei no sono ligeiro. A caatinga cor de cinza, Só acordei com uns gritos Duvido não ter parado Debaixo do juazeiro. Pra ficar olhando o verde 9 Do juazeiro copado. Quando eu olhei para baixo 2 Eu vi um porco falando, E sair dali pensando: Um cachorro e uma cobra Como pode a natureza E um burro reclamando, Num clima tão quente e seco, Um rato e um morcego Numa terra indefesa E uma vaca escutando. Com tanta adversidade 10 Criar tamanha beleza. O porco dizia assim: 3 – “Pelas barbas do capeta! O juazeiro, seu moço, Se nós ficarmos parados É pra nós a resistência, A coisa vai ficar preta... A força, a garra e a saga, Do jeito que o homem vai, O grito de independência Vai acabar o planeta. Do sertanejo que luta 11 Na frente da emergência. Já sujaram os sete mares 4 Do Atlântico ao mar Egeu, Nos seus galhos se agasalham As florestas estão capengas, Do periquito ao cancão. Os rios da cor de breu É hotel do retirante E ainda por cima dizem Que anda de pé no chão, Que o seboso sou eu. O general da caatinga 12 E o vigia do sertão. Os bichos bateram palmas, 5 O porco deu com a mão, E foi debaixo de um deles O rato se levantou Que eu vi um porco falando, E disse: – “Prestem atenção, Um cachorro e uma cobra Eu também já não suporto E um burro reclamando, Ser chamado de ladrão. Um rato e um morcego 13 E uma vaca escutando. O homem, sim, mente e rouba, 6 Vende a honra, compra o nome. Isso já faz tanto tempo Nós só pegamos a sobra Que eu nem me lembro mais Daquilo que ele come Se foi pra lá de Fortim, E somente o necessário Se foi pra cá de Cristais, Pra saciar nossa fome.” Eu só me lembro direito 14 Do que disse os animais. Palmas, gritos e assovios 7 Ecoaram na floresta, Eu vinha de Canindé A vaca se levantou Com sono e muito cansado, E disse franzindo a testa: Quando vi perto da estrada – “Eu convivo com o homem, Um juazeiro copado. Mas sei que ele não presta. Subi, armei minha rede 15 E fiquei ali deitado. É um mal-agradecido, 8 Orgulhoso, inconsciente. Como a noite estava linda, É doido e se faz de cego,

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Não sente o que a gente sente, Você sofre porque quer. E quando nasce e tomando Tem força por quatro homens, A pulso o leite da gente. Da carroça é o chofer... 16 Sabe dar coice e morder, Entre aplausos e gritos, Só apanha se quiser.” A cobra se levantou, 24 Ficou na ponta do rabo O burro disse: – “Eu sei E disse: – “Também eu sou Que sou melhor do que ele. Perseguida pelo homem Mas se eu morder o homem Pra todo canto que vou. Ou se eu der um coice nele 17 É mesmo que estar trocando Pra vocês o homem é ruim, O meu juízo no dele. Mas pra nós ele é cruel. 25 Mata a cobra, tira o couro, Os bichos todos gritaram: Come a carne, estoura o fel, – “Burro, burro... muito bem!” Descarrega todo o ódio O burro disse: – “Obrigado, Em cima da cascavel. Mas aqui ainda tem 18 O cachorro e o morcego É certo, eu tenho veneno, Que querem falar também.” Mas nunca fiz um canhão. 26 E entre mim e o homem, O cachorro disse: – “Amigos, Há uma contradição Todos vocês têm razão... O meu veneno é na presa, O homem é um quase nada O dele no coração. Rodando na contramão, 19 Um quebra-cabeça humano Entre os venenos do homem, Sem prumo e sem direção. O meu se perde na sobra... 27 Numa guerra o homem mata Eu nunca vou entender Centenas numa manobra, Por que o homem é assim: Inda tem cego que diz: Se odeiam, fazem guerra Eu tenho medo de cobra.” E tudo o quanto é ruim 20 E a vacina da raiva A cobra inda quis falar, Em vez deles, dão em mim.” Mas, de repente, um esturro. 28 É que o rato, pulando, Os bichos bateram palmas Pisou no rabo do burro E gritaram: – “Vá em frente.” E o burro partiu pra cima Mas o cachorro parou, Do rato pra dar-lhe um murro. Disse: – “Obrigado, gente, 21 Mas falta ainda o morcego Mas, o morcego notando Dizer o que ele sente.” Que ia acabar a paz, 29 Pulou na frente do burro O morcego abriu as asas, E disse: – “Calma, rapaz!... Deu uma grande risada Baixe a guarda, abra o casco, E disse: – “Eu sou o único Não faça o que o homem faz.” Que não posso dizer nada 22 Porque o homem pra nós O burro pediu desculpas Tem sido até camarada. E disse: – “Muito obrigado, 30 Me perdoe se fui grosseiro, Constrói castelos enormes É que eu ando estressado Com torre, sino e altar, De tanto apanhar do homem Põe cerâmica e azulejos Sem nunca ter revidado.” E dão pra gente morar 23 E deixam milhares deles O rato disse: – “Seu burro, Nas ruas, sem ter um lar.”

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31 Estava coberto o chão O morcego bateu asas, De piubas de cigarros, Se perdeu na escuridão, Guardanapo e papelão. O rato pediu a vez, 34 Mas não ouvi nada, não. Botei a maca nas costas Peguei no sono e perdi E saí cortando o vento. O fim da reunião. Tirei a viagem toda 32 Sem tirar do pensamento Quando o dia amanheceu, Os sete bichos zombando Eu desci do meu poleiro. Do nosso comportamento. Procurei os animais, 35 Não vi mais nem o roteiro, Hoje, quando vejo na rua Vi somente umas pegadas Um rato morto no chão, Debaixo do juazeiro. Um burro mulo piado, 33 Um homem com um facão Eu disse olhando as pegadas: Agredindo a natureza, Se essa reunião Eu tenho plena certeza: Tivesse sido por nós, Os animais têm razão.

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ANEXO 4 – CORDEL PEDAÇO DE MAU CAMINHO (CLAUDSON FAUSTINO)

Quando você tentou tirar meu juízo Que não mais domina a sua emoção, Pedindo um pedaço do meu coração, Querendo então me afogar em seu beijo. Querendo emprestada a minha razão, Eu deixei para você como um aviso, Quero dizer que não tenho mais medo Nas minhas palavras eu fui conciso, De me expressar e fazer o que quero Que acho melhor ficar bem sozinho, Porque na vida eu não mais espero Sem teu coração, sem teu carinho, Por um amor que não o mais vejo, Do que eu ficar chorando nos cantos, No meu coração não existe segredo, Eu sei que tu és um grande encanto, Ele estar escancarado para quem vier, Mas és um pedaço de mau caminho. Ele bate feito louco para quem quiser, Mas para você é bem devagarinho, A tua beleza tem muitos espinhos, Pois tu és um pedaço de mau caminho Por isso eu desejo me distanciar, Que na minha vida não sabe o que quer. Tendo cuidado para não me furar e Não me iludir com teu jeito meiguinho, Você nunca me amou, aí eu dei fé Pois és um pedaço de mau caminho Das coisas que antes não tinha notado, Que quer acabar com meu coração, O meu coração ficou revoltado Que não mais aceita a minha razão, Correndo apressado contra a maré, Querendo agora um beijo e um abraço, Levando uma flechada perto do pé Tentando tirar de mim um pedaço Depois de falar que não mais te ama, Para alimentar a tua grande paixão. Fazendo as lágrimas virarem lama No chão seco e esburacado de dor, Pois quero que preste bastante atenção, Transformando o frio em puro calor, O vento é a prova do que eu vou falar, Clamando a morte que não mais reclama. Pois tu me deixas com falta de ar, Conseguindo parar o meu coração, Deixando eu tonto em cima da cama Deixando eu preso na tua prisão, Com rosto de lado me pus a pensar Sem força alguma para ir embora, Dos beijos e abraços em pleno luar Querendo escapar em todas as horas, E aquele seu corpo pegando em chama, Deixando você bem longe de mim, Querendo sexo e dizendo que me ama, Eu acho que vai ser o meu último fim Fazendo-me pensar que era um anjinho, Com esta doença que não tem melhora Mas era um pedaço de mau caminho Que queria acabar com minha alegria, Mas quero mudar, eu quero agora, Fazendo-me esquecer das poesias Eu quero pensar que estou dormindo, Que eu escrevia com muito carinho. Mas quero falar que estou fingindo Ou não tudo vai ser mais uma piora, Não quero pensar em seu jeito mesquinho E meu coração vai ficar na penhora De querer me amar e falar que me quer, E eu não vou mais ter como pagar, Que sou o adoçante do seu doce café E meu coração eu vou ter que entregar, Em uma bela taça do seu ótimo vinho, tu A ti, que é um pedaço de mau caminho Queres me iludir com seu jeito meiguinho, Que faz me esquecer dos passarinhos Pedindo as flores para eclipsarem o luar, Dos sonhos que eu tinha na beira do mar. Iluminando o sol com o brilho do olhar Pois fique sabendo que não vou te amar Para acender então o êxtase da paixão E nem vou fingir que eu quero você, Que faz enlouquecer o meu pobre coração Na verdade já aceitei em te esquecer, Que neste momento não para de pular. Pois quero fugir para outro lugar E meu coração eu não vou enganar Mas não quero pensar que vou te amar, Só para atender o teu grande desejo, Já perdi a consciência do que vou fazer, Não quero pegar somente sobejo Não fiz outra coisa, senão a escrever Que só faz sangrar o meu coração, Que os sentimentos são para recordar,

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Pois o mais difícil na vida é perdoar Para um amor que não tem mais jeito, Alguém que você tanto na vida amou; Forçando uma dor que estava no peito, O vento que até então soprava, parou! Deixando-me de lado a doce vingança. Para observar um louco no meio da rua Que chorava olhando pros raios da lua, Pois quero fazer uma nova aliança Pedindo perdão a quem nunca perdoou. Com um coração transbordado de dor Que na verdade foi o meu único amor, A bela música da rádio agora acabou, Que gosta de mim e me dar segurança, Mas o passarinho não parou de cantar, Que guardamos até hoje como herança O bêbado da rua não parou de xingar, Uma amizade cheia de muito carinho; Mas a brisa do mar nunca mais voltou. Eu sei que toda flor tem muito espinho, Agora o passarinho abriu asas e voou, Mas é só ter cuidado para não se furar, Deixando saudade e muita lembrança, Quem ama de verdade precisa cuidar Fazendo-me crê que existe esperança De todo o seu pedaço de mau caminho.

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Anexo 4 – Folheto Trem de saudade (Chico D’Assis)

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