SÃO LEOPOLDO/RS - 1850-1870) Miquéias Henrique Mugge Mestrando PPGH-UNISINOS Bolsista Cnpq-GM [email protected]
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QUALIFICADO E QUALIFICADOR: GUARDA NACIONAL, ALEMÃES E SEUS DESCENDENTES (SÃO LEOPOLDO/RS - 1850-1870) Miquéias Henrique Mugge Mestrando PPGH-UNISINOS Bolsista CNPq-GM [email protected] Resumo: Este artigo tem como objeto de análise principal os sujeitos participantes da Guarda Nacional de São Leopoldo, no decurso dos anos de 1850 a 1870. Versa sobre como a Guarda Nacional (e, especialmente, questões ligadas à qualificação) era operacionalizada por atores sociais como instrumento para formação de redes, principalmente aquelas ligadas ao clientelismo político, em uma época em que as tensões sociais tornar-se-iam mais sensíveis, os conflitos amadureceriam e ganhariam mais relevo naquela região cuja população era majoritariamente de alemães e descendentes. Para tanto, trabalhamos com questões inerentes à instituição, como recrutamento, qualificação, tentativas de dispensas e isenções. Outrossim, buscamos percorrer fios e rastros de um exemplo em particular, que ajuda a entender a dinâmica social na qual estavam inseridos tais atores. Palavras-chave: Guarda Nacional – Isenções – Dispensas – São Leopoldo – Século XIX Em 11 de junho de 1827 nascia a quadragésima sétima criança luterana, naquele ano, em São Leopoldo. Trata-se de Johann Philipp Peter Dreyer, da localidade chamada de Campo Bom, pertencente à Imperial Colônia, Província de São Pedro do Rio Grande do Sul. Seus pais, o colono e marceneiro Johann Jacob Dreyer e a senhora Margaretha, nascida Wolff, batizaram seu terceiro filho na Comunidade Evangélica em 20 de junho do mesmo ano. Como padrinhos, foram selecionados vizinhos da família: o rapaz Heinrich Philipp Deuner, o colono e moleiro Johannes Blos, o colono Johann Philipp Schneider e o colono Johann Peter Kautzmann, além das senhoras Maria Louise Hirt, Katharina Elisabetha Müller e Sophia Lorenz. 1 As famílias Dreyer e Wolff eram do território alemão de Saxônia-Coburgo. A primeira emigrou de Ober Göchenbach, a seguinte, de Langweiler. Faziam parte, ambas, do projeto de imigração do Governo Imperial do Brasil. A política de estabelecimento de colônias agrícolas iniciou-se em 1808. No entanto, nossos personagens, até agora, inserem-se na, considerada como, primeira fase da colonização alemã no Rio Grande do Sul (1824-1830). Uma série de questões que já muito abordadas por um grande número de historiadores permeou o projeto de colonização: formação de uma classe media na estrutura social brasileira, capaz de desenvolver policultura; povoação dos extremos do país recém-independente, que carecia de moradores em espaços fronteiriços; supressão do tráfico negreiro; e, principalmente, necessidade de soldados capazes de defender a Independência, diante das probabilidades de contra-revoluções por parte do grande número de portugueses residentes em território brasileiro. A localidade de São Leopoldo, a partir de 1824 denominada de Imperial Colônia, havia sido palco da Real Feitoria do Linho Cânhamo. Com a chegada de imigrantes destinados ao cultivo policultor em pequenas propriedades rurais, a Colônia viveu um período de improviso, permeado por discussões econômicas em âmbito provincial, haja vista que à Província eram exigidos subsídios para manutenção dos colonos nos primeiros anos. O foco deste artigo não é este. Questões sobre a imigração, o estabelecimento dos imigrantes e os pioneiros do projeto colonizador já foram constitutivas da agenda dos historiadores, principalmente da região sul do país, muitas vezes e em diferentes épocas. É claro que as complexidades eram muito maiores do que as aqui brevemente explicitadas. 2 No entanto, se faz necessária essa breve reconstituição do contexto no 1 Livros de Registro da Comunidade Evangélica de São Leopoldo. Batismos (1824-1844), pelo Pastor Johann Georg Ehlers. Registro número 47 do ano de 1827. 2 Cf. TRAMONTINI, Marcos Justo. A organização social dos imigrantes: a colônia de São Leopoldo na fase pioneira (1824-1850). São Leopoldo: Editora Unisinos, 2000.; OBERACKER Jr., Carlos H. A contribuição teuta à formação da nação brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: Presença, 1968.; ROCHE, Jean. A colonização alemã e o Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Globo, 1969. 2 v.; SCHRÖDER, Ferdinand. A imigração alemã para o sul do Brasil até 1859. São Leopoldo: UNISINOS, 2002.; AMADO, Janaína. Conflito social no Brasil: a revolta dos Muckers . São Paulo: Símbolo, 1978. qual se inseria nosso personagem, que pode ser chamado de “estrela de primeira ordem” ou first-order star (BARTH, 1978, p. 163-183). 3 *** Adotamos como escopo principal deste artigo, e do projeto de dissertação de mestrado, que está em curso, na Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 4 não trabalhar tão-somente com a Guarda Nacional como instituição, mas, sobretudo, com os homens que dela participavam, enfocando suas estratégias e experiências cotidianas. Especialmente aqui, trataremos dos processos de qualificação, isenção e dispensa, em período marcado pela tentativa de centralização do poder por parte da Corte e pelo rearranjo da elite local diante de uma tentativa de manutenção de anteriores hegemonias. A questão da conscrição e da qualificação para Guarda Nacional pode ser entendida no contexto do processo de construção de um Estado e das mudanças que se operavam nas relações entre o poder central e seus agentes. Sabe-se, a partir de uma historiografia já consolidada, que, em âmbito local, a obediência aos mandatos do poder central foi problemática, sujeita à barganha e traição, à formação de redes sociais de amizade, de camaradagem, de parentesco e de clientelas. Se o acesso à Guarda Nacional representava uma forma de sobrevivência para alguns (ou um pacto clientelar), para outros, o ato engendrava-se a um intricado jogo de disputas em torno da ampliação de fortunas e da capacidade de alguns homens influírem sobre a vida de muitos daqueles novos colonos ou dos descendentes dos antigos. Recordamos que a Guarda Nacional foi criada em 1831, com o intuito de defender a constituição, a liberdade, a independência e a integridade do Império recém- independente. Foi organizada em todo o território brasileiro, sob tutela dos municípios, a fim de estabelecer e resguardar a ordem e a tranquilidade pública, auxiliar o Exército na manutenção da paz em fronteiras e costas. Subordinava-se aos juízes de paz, juízes criminais, presidentes de província e ministros da Justiça. Jean Roche, talvez o autor de maior influência na historiografia sobre imigração alemã, desconsiderou inclusive os contatos políticos, tanto nas guerras (Cisplatina, 3 Para outro exemplo dessa abordagem e uma discussão teórica aprofundada, ver: COMISSOLI, Adriano. Os “homens bons” e a Câmara Municipal de Porto Alegre (1767-1808). Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2008, p. 83-86. 4 Projeto aprovado na seleção 2010/1. Farroupilha, contra Oribe e Rosas, Paraguai, Federalista) quanto na disputa político- partidária, nas quais houve o envolvimento direto de colonos alemães. Esse viés apolítico do imigrante foi difundido, tanto no senso comum quanto em parte da historiografia, que Tramontini (2000) denomina “de louvação étnica”, na qual não se encontram estudos e relatos de conflitos, principalmente na fase pioneira (1824-1850). Witt (2008) e o próprio Tramontini (2000) direcionaram seus estudos a esta participação política. O diletantismo, comum à prática administrativa no Império, poderia unir-se à cristalização de tradições locais e ao domínio dos processos orais, na Colônia. Altamente problemática, tanto por parte do “povo” quanto por parte de chefes locais e de abastados regionais, a obediência aos mandatos do poder central é trazida à luz nos requerimentos acerca do recrutamento. “As diretivas do poder central serão objeto de contínua tradução local pelos notáveis” (MENDES, 1998, s/p.). O recrutamento nas Colônias era, pois, instrumento de poder econômico, social e político. As ordens do governo central eram traduzidas e interpretadas ao modo do poder local, tornando-o elemento na produção de clientelas. Fertig (2003) destaca que a Guarda Nacional “era um dos principais veículos da política clientelista” (FERTIG, 2003, p. 45). Ao serem qualificados como Guardas Nacionais, sujeitos quaisquer entravam no jogo e nas tramas políticas de determinadas localidades e passavam a ser vistos como “clientes em potencial”. A Guarda Nacional, assim, favoreceu, transitando entre a centralidade e a localidade, o exercício do poder privado em nível local e a centralização da governança imperial. Articulação não-harmônica (FERTIG, 2003, p. 52), antes dinâmica. Entretanto, concordamos com Graham (1997) quando afirma que a centralização não se dá por uma imposição da Corte para o campo, mas vai se consumando com base em uma ativa participação política em todos os níveis. O clientelismo, assim, além de aparecer como a trama constituinte da ligação política no Brasil do século XIX, também seria o sustentáculo de todo ato político. Os apolíticos ou não afeitos à participação, como são considerados os imigrantes alemães e seus descendentes, por algumas vertentes da historiografia sobre a imigração alemã, reclamavam das arbitrariedades do recrutamento e inseriam-se na dinâmica trama política local, atuações que algumas vezes transitavam para o poder central provincial e, em outras, chegavam à Corte. Notícias disto podem ser encontradas em fontes diversas: de ofícios aos administradores locais a “a pedidos” em jornais de ampla tiragem e recepção. Qualificado e qualificador: uma experiência em São Leopoldo (1850-1870) Em 1850, ano da nova lei de regulamentação da Guarda Nacional, no âmbito das